Li-Demoly Fontenelle Chagas PDF
Li-Demoly Fontenelle Chagas PDF
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Saúde Mental
e na Educação
Karla Rosane do Amaral Demoly
Maria Aridenise Macena Fontenelle
Maria de Fátima de Lima das Chagas
Organizadoras
Saúde Mental
e na Educação
Ijuí
2017
2017, Editora Unijuí
Rua do Comércio, 3000, Bairro Universitário
98700-000 – Ijuí – RS – Brasil
Fone: (0__55) 3332-0217
E-mail: [email protected]
Http://www.editoraunijui.com.br
Editor: Fernando Jaime González
Capa: Alexandre Sadi Dallepiane
Responsabilidade Editorial, Gráfica e Administrativa:
Editora Unijuí da Universidade Regional do Noroeste
do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí; Ijuí, RS, Brasil)
Catalogação na Publicação:
Biblioteca Universitária Mario Osorio Marques – Unijuí
Bibliotecária Responsável
Eunice Passos Flores Schwaste – CRB 10/2276
SUMÁRIO
PREFÁCIO ................................................................................................. 9
APRESENTAÇÃO .................................................................................... 11
CANTIGA ................................................................................................. 17
Ray Lima
Junio Santos
VERSÕES DA DIVERSIDADE
– políticas cognitivas e modos de subjetivação.............................................. 39
Laís Vargas Ramm
Carlos Baum
Cleci Maraschin
COMPLEXIDADE E EMOÇÕES:
uma trama sutil......................................................................................... 103
Nize Maria Campos Pellanda
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APRESENTAÇÃO
Temos neste livro intitulado Redes de cuidado e aprendizagem na saúde mental
e na educação relatos de ideias, fazeres, processos de vida que compõem a cami-
nhada em um percurso complexo que vivemos no Programa Rede de Oficinandos
na Saúde Mental que desenvolvemos desde o ano de 2012 em Mossoró/RN.
O programa que inicialmente intitulávamos Oficinando em Rede de Mossoró
articula projetos de extensão, pesquisa e ensino, em parceria com os serviços de
saúde mental de Mossoró RN e cidades circunvizinhas. O denominador comum
desses projetos é a experimentação de diferentes modos de linguajar, tecnologias
da informação e da comunicação, artes no campo da saúde mental, em ambientes
que atendem crianças, jovens e adultos que vivem em diferentes circunstâncias
de sofrimento psíquico. Os projetos são tecidos em perspectiva transdisciplinar
e ocorrem atualmente em três ambientes sensíveis da saúde mental de nossas
comunidades, tão fragilizadas na dimensão do cuidado e do acolhimento neces-
sários para sustentar a experiência do viver.
O livro que organizamos tornou-se realidade devido ao trabalho cotidiano
dos autores – pesquisadores, profissionais, estudantes, cenopoetas, artistas – que
se dedicam a inventar práticas de promoção da saúde mental e da educação
inclusiva. Importante ressaltar o apoio financeiro do Ministério da Educação
por meio do Edital Proext 2015-2016, programa este que vinha fomentando
um conjunto de trabalhos no campo social em nosso país até o ano de 2016.
Os textos envolvem a experiência da saúde mental e da educação inclusiva que
construímos por entender que um projeto de universidade acontece quando os
fazeres de docentes, estudantes e técnicos articulam-se com as necessidades mais
prementes de nossas comunidades.
Ray Lima e Junio Santos iniciam a obra trazendo a cenopoesia com a
Cantiga intitulada “Nas malhas da rede”. Os autores ajudam-nos a pensar sobre
as redes que tecemos e que nos constituem como seres humanos no encontro
com os outros.
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K a r l a R o s a n e d o A m a r a l D e m o l y – M a r i a A r i d e n i s e M a c e n a Fo n t e n e l l e
M a r i a d e Fá t i m a d e L i m a d a s C h a g a s
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APRESENTAÇÃO
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K a r l a R o s a n e d o A m a r a l D e m o l y – M a r i a A r i d e n i s e M a c e n a Fo n t e n e l l e
M a r i a d e Fá t i m a d e L i m a d a s C h a g a s
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APRESENTAÇÃO
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CANTIGA
Ray Lima e Junio Santos
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PARTE 1
REDES TEÓRICAS
CONFIGURANDO MODOS
DE VIVER E CONHECER
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LOUCURA TAMBÉM É UM ESTADO DE TERNURA1
Jadiel Lima
Loucura também é
um estado de ternura
Ternura também é
uma forma de bravura
Lima, J. In: Da vila para a cidade. Maranguape, CE: Edições Vila de Poetas Mundo, 2016.
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LINGUAGENS, TECNOLOGIAS, SAÚDE MENTAL:
Sobre a Atenção e Cuidado de si
e do Outro na Convivência
Karla Rosane do Amaral Demoly
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Karla Rosane do Amaral Demoly
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LINGUAGENS, TECNOLOGIAS, SAÚDE MENTAL
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Karla Rosane do Amaral Demoly
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LINGUAGENS, TECNOLOGIAS, SAÚDE MENTAL
O LINGUAJAR E AS TECNOLOGIAS
O ser humano configura a vida e o conhecimento agindo com diferentes
modos de estar na linguagem. Estamos de acordo com Goody (2007), Maturana
e Varela (1980; 2001), Marques (1999) quando defendem que o humano surge
como espécie distinta dos demais seres vivos com a linguagem. Goody (2007)
destaca a invenção técnica e sustenta duas hipóteses que definem o problema: o
humano surge com a linguagem e o modo de comunicação verbal já implica o
surgimento de uma tecnologia.
Entre os historiadores da humanidade, muitos consideram que a emer-
gência da espécie está ligada ao advento da tecnologia material, à capaci-
dade de fabricar objetos, à chegada do homo faber, o homem fabricando
ferramentas. Quaisquer que sejam os casos limites, é claramente um
domínio onde se produz um enorme passo adiante, a acumulação de
mudanças levando a avanços rápidos. Outros pesquisadores colocam o
acento sobre a emergência do homem como animal dotado de lingua-
gem, mesmo que seja difícil de determinar exatamente o início desta
fase, existe uma fronteira técnica ainda mais complexa entre o sistema de
comunicação oral dos homens e aquele dos outros animais (...) (Goody,
2007, p. 193 – tradução nossa).
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vivos. Destaca que os objetos técnicos integram-se ao mundo humano que eles
prolongam. Traz-nos a noção de uma tecnoestética, ao explicar que “[...] uma ferra-
menta pode ser bela na ação, logo que ela se adapta bem ao corpo que ela parece
prolongar de maneira natural e amplificar, de alguma maneira, seus caracteres
estruturais” (Simondon, 1989, p. 186). Para o autor, é preciso compreender as
relações entre as ações humanas e os objetos que as reconfiguram:
A alegria que se sente ao circular entre as construções novas é, ao mesmo
tempo, técnica e estética. O sentimento técnico-estético parece ser uma
categoria mais primitiva que o próprio sentimento estético, ou o aspecto
técnico considerado sob o ângulo estrito da funcionalidade, que é empo-
brecedora (Simondon, 1998, p. 265).
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de autorregulação e, por abdução, entender que eles próprios podem agir sobre
si mesmos e irem resolvendo parcialmente as problemáticas que os afligem,
transformando formas de sentir, viver, conhecer.
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LINGUAGENS, TECNOLOGIAS, SAÚDE MENTAL
conviver. Algumas crianças que iniciaram conosco já não estão mais no CAPSi,
receberam alta. Nós comemoramos cada mudança, pois é maravilhoso acom-
panhar mudanças cognitivas e afetivas que experimentamos juntos nas oficinas.
Atualmente alguns projetos de extensão e ensino se destacam, como:
desenvolvimento de um robô adaptativo para crianças autistas na forma de
fantoches; uma plataforma de jogos digitais para profissionais da saúde mental;
teatro, fotografia e pintura em dois CAPS com adultos e no CAPSi com os fami-
liares das crianças e jovens. Nestes tempos sombrios que vivemos, o fazer coletivo
na saúde mental implica uma forma de resistência. Sigamos!
REFERÊNCIAS
CHARTIER, R. Os desafios da escrita. São Paulo: Editora Unesp, 2002.
GOODY, J. Pouvoirs et savoirs de l’écrit. Paris: Editions La Dispute, 2007.
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MARASCHIN C.; FRANCISCO, D. J.; DIEHL, R. (Org.). Oficinando em rede.
Oficinas, tecnologias e saúde mental. 1. ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS,
2011.
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MATURANA, H.; VARELA, F. A árvore do conhecimento: as bases biológicas da
compreensão humana. São Paulo: Ed. Palas Athena, 2001.
MATURANA, H.; VARELA, F. Autopoiesis and cognition. London: Reidel, 1980.
MATURANA, H.; PÖRKSEN, B. Del ser al hacer: los orígenes de la biología del
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PORDEUS, V. Numa cidade doente, saúde mental é remar contra a corrente. Saúde
Mental é resistência. Disponível em: <http://upac.com.br/#/blog/post/
576590f1d78a38f10b000005>. Acesso em: 10 out. 2016.
SILVEIRA, N. O mundo das imagens. São Paulo: Ed. Ática, 1992.
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VERSÕES DA DIVERSIDADE
– Políticas Cognitivas e Modos de Subjetivação
Laís Vargas Ramm
Carlos Baum
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VERSÕES DA DIVERSIDADE
POLÍTICAS COGNITIVAS
Antes de iniciar o contraste, é importante uma sucinta definição do que
estamos denominando políticas cognitivas: a expressão política cognitiva é apre-
sentada por Kastrup (1999) ao final de seu livro, intitulado “A invenção de si
e do mundo”, no qual propõe um deslocamento no modo como estudamos a
cognição. Trata-se, segundo a autora, de passar do interesse no funcionamento
e na estrutura da cognição para considerar as práticas concretas que a configu-
ram. O termo, portanto, não remete a uma teoria – se compreendemos teoria
como um conjunto sistemático de afirmações explicativas ou com uma estrutura
lógica e consistente que conecta causas a seus efeitos. Referimo-nos às políticas
cognitivas como um programa de pesquisa que tem como objeto as práticas que
operam na constituição da cognição.
A cognição é, portanto, uma produção encarnada e contingente às prá-
ticas que a produzem. Definida em sua processualidade, uma política cognitiva
varia dependendo do arranjo/relação entre seus atores, que podem ser humanos
e não humanos. Em cada um desses arranjos são constituídas, distribuídas e
negociadas as possibilidades de ação de cada ator, configurando agenciamentos
que definem e redefinem as possibilidades cognitivas individuais, institucionais
e técnicas. As direções ativadas pelas políticas cognitivas podem ser as mais
diversas, mas sempre se tratará de repartir, de arranjar, de definir possibilidades
de ação. Uma abordagem política permite criar um espaço problemático no qual
a questão do ordenamento dessa ecologia pode ser acompanhado (Baum, 2017).
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L a í s Va r g a s R a m m – C a r l o s B a u m – C l e c i M a r a s c h i n
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VERSÕES DA DIVERSIDADE
A escrita oficial…
O manual Educar na Diversidade, de 2006, que é resultado de um projeto
realizado em parceria entre os países do Mercosul para tratar do tema da inclusão
nas escolas, versa prioritariamente sobre a questão dos alunos com necessidades
especiais de aprendizagem. Aborda também questões sobre diversidade étnica e
de gênero, tais como atitudes discriminatórias presentes na escola e estratégias
utilizadas pelos professores para modificar esses elementos da cultura escolar. O
manual foi confeccionado tendo como base as atividades realizadas nos encontros
formativos do projeto, que no Brasil teve início em 2005 e fez parte do “Progra-
ma Nacional Educação Inclusiva: direito à diversidade”. A ideia do manual é que
ele possa auxiliar nos processos escolares de crianças, jovens e adultos, com ou
sem deficiência, que de alguma forma encontram barreiras a sua aprendizagem
e participação.
Apesar da potência do material no que se refere ao fato de ter sido produ-
zido em um contexto de atividades formativas, nas quais os professores tiveram
oportunidade de pensar suas experiências na qualidade de educadores, ele acaba,
em parte, reforçando uma política recognitiva, pelas próprias concepções de
sujeito e experiência que carrega. O projeto que originou o manual Educar na
Diversidade teve como um dos seus objetivos principais “transformar o ambiente
escolar em um espaço acolhedor para todos, no qual o processo de aprendizagem
seja colaborativo, contínuo, valorize e responda às diferenças humanas” (Brasil,
2006). O contraste que aqui estamos tentando empreender entre as duas polí-
ticas cognitivas, a expressa nos documentos oficiais e a que podemos reconhecer
no movimento estudantil secundarista por meio das ocupações, não se refere a
esse objetivo, mas aos modos de enatuá-lo, de efetivamente produzir relações
diferentes na escola.
Segundo o material de formação docente, “em uma escola inclusiva a
situação de “desvantagem ou deficiência” do educando não deve ser enfatizada.
Ao invés disso, a escola deve adquirir uma melhor compreensão do contexto
educacional onde as dificuldades se manifestam e buscar formas para tornar o
currículo mais acessível e significativo. Essa afirmação está contextualizada em
um material cujo enfoque principal é a abordagem de ensino com os alunos por-
tadores de necessidades especiais. Quando, no entanto, ampliamos a discussão
da inclusão percebemos que a ideia de não enfatizar a desvantagem pode levar
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O projeto Escola sem Partido, que tipifica e criminaliza o assédio ideológico, tramita no Congresso
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espaços públicos, pela ética neoliberal de que cada um deve ser o empre-
sário de si mesmo, pelo estado mínimo como melhor opção, por isenções
fiscais combinados com cortes do bolsa família (...) (Seffner, 2017, p. 27).
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REFERÊNCIAS
ARALDI, E. et al. Oficinas, TIC e saúde mental: um roteiro comentado. In:
PALOMBINI, A.; MARASCHIN, C.; MOCHEN, S. Tecnologias em rede: oficinas
de fazer saúde mental. Porto Alegre: Sulina, 2012.
BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica: diversidade e
inclusão, 2013.
______. EPC na escola, documento orientador. Disponível em: <http://portal.mec.
gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=9947-docu-
mento-orientador-2011&category_slug=fevereiro-2012-pdf&Itemid=30192>.
______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Educar na
diversidade. Brasília: MEC/SEESP, 2006.
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VERSÕES DA DIVERSIDADE
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CARING FOR MOURNING-RELATED SUFFERING
Clara Costa Oliveira
SUFFERING
Mourning constitutes an experience of suffering that is commonly taken
as an example of the difference between suffering and pain. In the context of
this paper, however, we refer to the definition of suffering that is most accepted
by the medical establishment, described by Eric Cassell (2004, p. 32, 224) as “a
state of severe distress associated with events that threaten the integrity (intac-
tness) of a person. […] Suffering requires consciousness of the self, involves the
emotions, has effects on the person’s social relationships, and has an impact on
the body. Thus, the loss of someone we were attached to induces a perception of
internal disintegration whose intensity, as a general rule, is directly proportional
to the bond between the departed and the mourning person”.
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Clara Costa Oliveira
to the process in which the grieving person – within the circumstances of her
cultural context, her community and the autopoietic (Maturana; Varela, 1980)
idiosyncrasy of her life story – is again capable of finding joy in rebuilding a
different life project (Alves et al., 2014).
For this to occur, the community (i.e. the other people who are meanin-
gful to the person in mourning) has a significant role to play, but which cannot
substitute the person’s need for seclusion and confrontation with her existential
void. To a varying extent, most people in mourning need moments of solitude.
However, this is not to be understood (Mounier, 1949) as social isolation for it
is generally beneficial that the people closest to them remain present in their
support (Derrida, 2003).
Whoever cares for someone in mourning should thus comprehend the
expression of mixed-feelings and dispositions (including feelings of abandon-
ment, irritation, contempt, etc.) of those in grief. The caretaker will require
generous amounts of knowledge, dedication, patience and even self-abnegation
in order to understand the various forms of expression of the process, which go
far beyond the typical crying and forced smiles. “Converging evidence from
several studies demonstrates that a search for meaning is commonplace in the
wake of bereavement” (Neimeyer, 2010, p. 75).
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CARING FOR MOURNING-RELATED SUFFERING
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CARING FOR MOURNING-RELATED SUFFERING
BODILY MOURNING
When people describe the experience of interior disintegration that
ensues from their grief, they will almost always mention specific parts of their
body they feel to be affected.
Indeed, the discovery of a specific area of the brain that produces chemi-
cal substances that metabolize throughout the whole body (connecting abstract
and emotional dimensions) has added weight to the suggestion by neuroscien-
tists that it is through the chemical production rather than the neuronal-electri-
cal processing that this connection is to be understood (Groopman, 2004). Thus,
when someone in mourning presents symptoms of pain and medical exams
(including auxiliary diagnosis exams) fail to produce conclusive results, the
formal caretakers should refrain from dismissing the need for medical attention.
The person in question may fail to display any organ or tissue-related disorder,
but a doctor may still be needed, even if just for support and reassurance since
the function of the doctor is to diminish human suffering, and not just to cure
physico-chemical, cellular or organ-specific anomalies.
The body of a person in mourning typically experiences different forms
of malaise precisely because we are persons, i.e. unique, irreplaceable and indivi-
sible beings in relation to our identity (Derrida, 2003). Therefore, to a greater
or lesser extent, changes on one level have repercussion on all the other levels.
The fact that the human being is also a symbolic animal means that this
dimension has equally an important role to play in the process of mourning and
its bodily manifestations. These are to be interpreted within the specific symbo-
logy of each civilization and society. In other words, discomfort or pain in a given
part of the body should be considered under the light of the cultural symbology
where the person is immersed. The most common complaints are related to
the person’s heart, the abode of the affective life as sung by our civilization’s
poets. Sometimes symptoms will be located in the intestinal area, where life is
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CARING FOR MOURNING-RELATED SUFFERING
Let us begin with that classical story by Joyce in which the husband
leaves home to buy cigarettes and never comes back… nor alive, nor dead! For
decades, often until their own death, those left behind will struggle to begin
mourning for somebody who, although no longer there, could return at any
moment.
Another situation of suspended mourning, and an increasingly common
one, is that of people who, in spite of their real attachment, are geographically
distant from one another. When one of them dies, or simply exits from the rela-
tionship, the process of mourning may not occur normally due to the physical
distance, which can be further aggravated by the suddenness of the event (at
least from the mourner’s perspective). With the current situation of extreme
mobility and chaotic migration movements, thousands of people are bound to
find themselves in this situation (as was the case after WWII). Be it for financial
or political reasons, many migrants are not able to travel to the regions where
their beloved ones died or disappeared without trace.
A less common situation, although not exactly rare, is when people lose
others with whom they were secretly attached, e.g., long-time lovers. In these
cases, the grieving person may have some emotional support, but will not be
able to normally access the mourning community as such, which may disturb
the management of the grieving process. Indeed, the impossibility of commu-
ning with others who share the same grief is conducive to pathological mour-
ning. The mourner will then attempt to confide with health professionals and
thus create a sort of alternative mourning community. It may sound absurd,
but what a person expects from her doctor and respective team is empathy for
the suffering she experiences, in what constitutes a correct reading of what the
professional (and human) function of her caretakers should in fact be.
The most common (and effective) strategy to try to normalize the mour-
ning of people involved in this sort of context consists in the symbolic ritua-
lization of the experienced loss. This occurs through the elements that to the
mourner signify or are associated to the state of being in mourning, such as
wearing clothes of a certain colour, or reuniting the mourning community so
that members can share about the past and the events, feelings and personal
impact caused by the loss of the person being mourned.
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MOURNING RITES
The fact that people are embedded in communities that attribute ritu-
alized meanings to suffering and death contributes to relieve the personal toll
thereof to a considerable extent. Those meanings are multiple but depend on
the contextual specificity of individual communities to be successfully adopted
and recognized as such.
Mainly influenced by the work of Le Breton (1995), we now present a
list with a few examples of such meanings:
1 – Suffering as protective of greater evil. This is observable, for instance, in
the raising of children, when they are intentionally exposed to situations
that involve suffering, so that they may progressively incorporate ritualized
behaviours that integrate it within a certain context. Hence the wisdom of
taking children to funerals of people that belonged to their wider commu-
nity, including people that they might not have known at all or just from
sight, long before they are confronted with the death of someone they love.
2 – Suffering as redemptive sacrifice. Very common in Mediterranean cultures or
in regions they colonized, it is based on the belief that suffering is necessary
to acquit past wrongdoings. This symbolic interpretation helps many people
in accepting the prolonged suffering of terminal patients.
3 – Suffering as overcoming of one’s self. This interpretation occurs mainly in
communities that value people according to their capacity to face and over-
come afflictions that appear too much to bear. This dimension is often at
the root of pathological mourning because of its negation or mere apparent
acceptance.
4 – Suffering as the price of longevity. From this perspective, the impact of
suffering is diminished by acknowledging it as the “price” to pay in exchange
for a long life. This would correspond to a salutogenic dimension through
the acceptance of suffering.
5 – Suffering as shame. This is typical of situations in which the suffering is
caused by marginalization due to social difference (like poverty, homosexu-
ality, having an infectious disease, etc.) and is often used as a self-justification
for the abandonment of terminal patients.
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CARING FOR MOURNING-RELATED SUFFERING
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Clara Costa Oliveira
REFERENCES
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approach and the processes of self-narrative transformation, 24, 25-41, 2014.
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION – APA. Diagnostic and Statistical
Manual of Mental Disorders. Arlingtom, VA: American Psychiatric Association,
2000.
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CASSELL, E. The nature of suffering and the goals of medicine. Oxford: England:
Oxford University Press, 2004.
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cia. Lisboa: Europa-América, 2000.
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Manual. Riga: University of Latvia, 2014.
DELECROIX, V.; FOREST, P. Le deuil. Entre le chagrin et le néant. Paris: Philo
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DERRIDA, J. Chaque fois unique. La fin du monde. Paris: Ed. Galilée, 2003.
DOUGLAS A. M. et al. Prevalence of Depression and Depressive Symptoms
Among Resident Physicians: A Systematic Review and Meta-analysis. Jama, 314
(22), 2.357-2.358, 2015.
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CARING FOR MOURNING-RELATED SUFFERING
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TECNOLOGIAS DIGITAIS E EDUCAÇÃO:
Processos de Individuação
e Reconfiguração da Vida Humana
Maria de Fátima de Lima das Chagas
Nize Maria Campos Pellanda
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M a r i a d e Fá t i m a d e L i m a d a s C h a g a s – N i z e M a r i a C a m p o s P e l l a n d a
TECNOLOGIAS NA EDUCAÇÃO:
CONSTITUINDO REDES DE AFETO, SUBJETIVAÇÃO E DE INVENÇÃO DE SI
E útil aos homens, antes de mais nada, ter relações entre si, apertar-lhes
os laços e ligar-se de maneira que possam formar um todo bem unido e,
de uma maneira geral, fazer com que mais sólidas se tornem as amizades
(Spinoza, 2003, p. 360).
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TECNOLOGIAS DIGITAIS E EDUCAÇÃO
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M a r i a d e Fá t i m a d e L i m a d a s C h a g a s – N i z e M a r i a C a m p o s P e l l a n d a
Destacamos a expressão outras tecnologias porque consideramos o corpo, a linguagem, como tecno-
1
logia, em uma discussão ampliada na perspectiva de Jack Goody (2007) e Nize Pellanda (2012).
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TECNOLOGIAS DIGITAIS E EDUCAÇÃO
sobre a cultura técnica. Nesse entendimento, a relação das pessoas com a técnica
é uma relação que as constitui em termos não apenas cognitivos, mas também
afetivos. Ampliando a discussão sobre a técnica, a tecnicidade, Virgínia Kastrup
nos ajuda a compreender quando destaca:
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M a r i a d e Fá t i m a d e L i m a d a s C h a g a s – N i z e M a r i a C a m p o s P e l l a n d a
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TECNOLOGIAS DIGITAIS E EDUCAÇÃO
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M a r i a d e Fá t i m a d e L i m a d a s C h a g a s – N i z e M a r i a C a m p o s P e l l a n d a
A escola que temos é uma escola onde não flui a vida, onde não apren-
demos a viver porque faltam nesses espaços os elementos fundamentais
para essa construção: as emoções, as interações solidárias, autoria. Se o
modelo da vida é o modelo de rede e se conhecer passa por autoria, como
nos sugere a teoria que estamos tratando, então o que precisamos é de
um ambiente rico de perturbações estéticas e amorosas, um espaço de
convivência. Ou seja, um ambiente tal que possamos sempre considerar
“o outro como legítimo outro”, como costuma dizer Maturana (Pellanda,
2004, p. 17).
Pellanda (2004, p. 13), ainda nos traz sabiamente que “sem encantamen-
to não há conhecimento”, o que nos faz pensar a aprendizagem na linearidade
imposta no ambiente escolar (ensinar-aprender), em que o conhecimento e o
fenômeno do viver estão separados. Isso nos faz pensar também nas explicações
do biólogo Humberto Maturana quando em seu livro A Árvore do Conhecimento,
escrito com Francisco Varela, define a vida como um processo permanente de
conhecimento, identificando o viver com o conhecer.
Sua teoria da cognição, conhecida como Biologia da Cognição, coloca os
seres vivos como coprodutores do mundo, seres em constante processo cognitivo,
condição essencial para a conservação da vida, em que “aprender é viver”. Sobre
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TECNOLOGIAS DIGITAIS E EDUCAÇÃO
a relação entre professores e alunos, e a relação dos alunos entre si, Maturana
acredita que uma educação baseada em respeito e aceitação nega a competição,
por que a competição nega o outro em sua legitimidade.
Nessa perspectiva, trazemos à discussão a abertura de outros espaços
na escola para convivência, para produzir afeto, incluindo espaço na interface
digital. A Internet traz para o ambiente escolar possibilidades para o exercício de
autoria, de modo a integrar dimensões do humano na relação com as tecnologias
em encontros e construções subjetivas de aprendizagem num processo de autoria
coletiva. Desse modo, interagindo, respeitando o outro como legítimo outro,
respeitando a relação que os sujeitos estabelecem com ferramentas, espaços e
consigo mesmos, abrimos espaços para a vida dentro da escola, na qual
[...] educar é um processo de transformação na convivência de todos os
atores envolvidos e, se queremos que nossos meninos e meninas cresçam
como seres autônomos no respeito por si mesmos e com consciência
social, temos de conviver com eles respeitando-os e respeitando-nos na
contínua criação de uma convivência na colaboração, a partir da confian-
ça e do respeito mútuos (Maturana, 1996, p. 31).
75
M a r i a d e Fá t i m a d e L i m a d a s C h a g a s – N i z e M a r i a C a m p o s P e l l a n d a
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TECNOLOGIAS DIGITAIS E EDUCAÇÃO
OUTRAS CONSIDERAÇÕES
Vivemos momentos de instabilidades econômicas e sociais. Na escola
vivenciamos instabilidades que são percebidas nas relações cada vez mais arbi-
trárias, com menos afeto, menos interações. Nesse sentido, o acoplamento tec-
nológico entre os sujeitos e tecnologias em percursos de autoria constitui outros
modos de invenção, de constituição da aprendizagem.
77
M a r i a d e Fá t i m a d e L i m a d a s C h a g a s – N i z e M a r i a C a m p o s P e l l a n d a
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78
TECNOLOGIAS DIGITAIS E EDUCAÇÃO
79
M a r i a d e Fá t i m a d e L i m a d a s C h a g a s – N i z e M a r i a C a m p o s P e l l a n d a
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AS RELAÇÕES ENTRE ARTE E VIDA PSÍQUICA:
O Fenômeno da Conversão de Pacientes
de Saúde Mental em Artistas
Gerciane Maria da Costa Oliveira
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Gerciane Maria da Costa Oliveira
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AS RELAÇÕES ENTRE ARTE E VIDA PSÍQUICA
“Gardner afirma que todo ser humano é dotado de três processos, cada qual se desenvolvendo
1
numa direção específica. Eles compreendem ‘realizar’ (atos ou ações), ‘perceber’ (discriminações
ou distinções) e ‘sentir’ (afetos). Em face disso, um indivíduo com habilidade artística partilha
algumas características com aqueles que têm habilidade artística e científica. Todavia, enquanto a
habilidade artística e a científica, como processos em desenvolvimento, partilham uma orientação
semelhante no que tange à solução de problemas, elas diferem na medida em que a ciência enfati-
za a comunicação intelectual, enquanto a arte também envolve a comunicação do conhecimento
subjetivo entre indivíduos, por meio da criação de objetos não traduzíveis” (Zolberg, 2006, p.
186).
83
Gerciane Maria da Costa Oliveira
regime. É dessa maneira que Van Gogh encarna a figura do pintor maldito ou
porque é moderno e moderno porque é maldito, vindo a se tornar o modelo
paradigmático de artista, no que diz respeito às práticas estéticas e ao modo de
viver (Heinich, 1996, 1991).
Em linhas gerais, os estudos historiográficos demonstram que a relação
entre obra e personalidade corresponde a condições histórico-sociais peculiares.
No âmbito da pintura, o período da Renascença enseja o deslocamento do inte-
resse exclusivo pela obra e por suas propriedades plásticas e imagéticas para os
aspectos biográficos e subjetivos dos seus autores,2 movimento intensificado no
período moderno com a instituição do regime artístico da singularidade expresso
duplamente no status original da obra e na singularidade da trajetória daquele
que a produziu.
Com efeito, no século 20, as figuras que marcaram o mundo da arte não
foram somente autores de obras inovadoras, mas também autores de biografias
inéditas, permeadas de fatos particulares e singulares, em muito referentes à
ordem psíquica. Nesse sentido, “A invenção da arte não é somente plástica, mas
também biográfica e identitária” (Heinich, 1996, p. 61). Tal realidade decorre
do duplo movimento de singularização que caracteriza esse período: o coletivo
e o individual.
O primeiro reporta-se à organização de artistas em grupos singulares
(ou grupos formados dentro de singularidades), constituídos em torno de um
programa comum de inovação plástica e estilística, propagado e validado, geral-
mente, por meio de manifestos pictóricos; o segundo trata da elaboração de um
modelo de singularidade expresso na ordem biográfica, em muito responsável
pelo fenômeno inflacionário de publicações biográficas e autobiográficas cele-
brativas de uma imagem idealista, espiritual e heroica do produtor artístico, das
quais derivam a associação recorrente entre arte e loucura (Idem, 1991).
São famosas as biografias escritas neste período histórico por Belini e Vasari (Greffe, 2013).
2
84
AS RELAÇÕES ENTRE ARTE E VIDA PSÍQUICA
Faz-se referência ao conceito de “aura” informado por Walter Benjamin (2013) ao atribuir valor
3
autêntico ao objeto artístico singular em detrimento aos múltiplos produzidos no contexto maciço
de reprodução técnica.
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Gerciane Maria da Costa Oliveira
Para Hegel, a arte modera a selvageria dos desejos. Para Shelley, os poetas
são os fundadores da sociedade civil, pois eles estimulam a imaginação,
esta sendo instrumento do bem moral. Para Goethe, visitando as gale-
rias de Dresden em 1768, o museu parecia mais um templo antigo e
provocaria os mesmos efeitos. Conforme Carol Ducan sugeriu em sua
obra Civilizing Rituals, no século XVIII a arte assumiu o lugar ocupado
até então pela religião ou, no mínimo, partilhava desse lugar (Greffe,
2013, p. 259).
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AS RELAÇÕES ENTRE ARTE E VIDA PSÍQUICA
87
Gerciane Maria da Costa Oliveira
A arte romântica, do início do século 19, já produzia esta reação contra a frieza e sujeição aca-
5
dêmica da arte neoclássica que a arte moderna levará até as últimas consequências. Calcados na
busca do individualismo, da liberdade de ação, da espiritualidade em lugar da lógica e método,
artistas como Eugène Delacroix e os pré-rafaelitas Dante Gabriel Rosseti e William Holman Hunt
já apresentavam na intensidade das cores e nas temáticas recorrentes à “Idade da fé”, a oposição
aos convencionalismos apregoados pelo estilo neoclássico (Gombrich, 1954).
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AS RELAÇÕES ENTRE ARTE E VIDA PSÍQUICA
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Gerciane Maria da Costa Oliveira
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A inserção de práticas artísticas como um dispositivo terapêutico nos
hospitais psiquiátricos buscou promover a experimentação dos usuários da rede
em saúde mental de universos plurais e outras dimensões sociais que não esti-
vessem restritas ao universo clínico. Tais vivências amparavam-se na compre-
ensão positiva do fazer artístico como via alternativa a tratamentos violentos
como lobotomia e eletrochoques, amplamente denunciados pelo movimento da
reforma psiquiátrica configurado no contexto brasileiro dos anos 70.
As transformações do campo artístico, por sua vez, levavam os artistas a
buscarem fontes distintas ao cânone oficial para o interior de suas práticas. Sob
o estatuto da criatividade que prima pela inovação e pela marca da singularida-
de impressa na obra indistinta, trabalhos realizados sem nenhuma informação
técnica, completamente alheios à história do campo, passam a ser valorizados,
em virtude de sua autenticidade e genuinidade de concepção.
É nesta dinâmica que os trabalhos dos produtores artísticos em situação
asilar são vistos sob outra perspectiva. Mesmo que não estejam direcionados
ao sistema das artes oficiais, a força que motiva sua criação não estaria em
consonância com a força motora que impulsiona os artistas? Afinal, quais seriam
os critérios de definição do objeto artístico em uma configuração de porosidades
entre os limites da arte e não arte? Tais questionamentos orientam a descentrali-
zação do olhar de críticos e demais agentes da esfera artística para pensar o novo
estatuto das obras realizadas por usuários em rede de saúde mental.
90
AS RELAÇÕES ENTRE ARTE E VIDA PSÍQUICA
REFERÊNCIAS
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MERIN, O. B. Les peintres naifs. São Paulo: Editora Delpire, 1978.
91
Gerciane Maria da Costa Oliveira
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REFLEXÕES TEÓRICAS SOBRE A REDE DE ATENÇÃO
PSICOSSOCIAL E INTERDISCIPLINARIDADE
Raimunda Hermelinda Maia Macena
Ulissea de Oliveira Duarte
Marcos Silva dos Santos
Maria Aridenise Macena Fontenelle
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Raimunda Hermelinda Maia Macena – Ulissea de Oliveira Duar te
Marcos Silva dos Santos – Maria Aridenise Macena Fontenelle
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REFLEXÕES TEÓRICAS SOBRE A REDE DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL E INTERDISCIPLINARIDADE
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Raimunda Hermelinda Maia Macena – Ulissea de Oliveira Duar te
Marcos Silva dos Santos – Maria Aridenise Macena Fontenelle
(Rosso, 2015; Ely; Toassi, 2016; Griggs, 2017). Nesse contexto, o entendimento
do conceito de território compõe-se do lugar onde as situações, as pessoas ou
as relações estão relacionadas ao desequilíbrio mental, além de ser o espaço de
reconhecimento dos hiatos e das carências da população, o que possibilita o
desenvolvimento de atividades voltadas à inclusão social e ao exercício da cida-
dania (Pinto et al., 2012; Silveira, 2012; Prates; Garcia; Moreno, 2013; Arce,
2014; Callard; Fitzgerald; Woods, 2015; Barbui et al., 2017).
Neste prisma, a interdisciplinaridade sobressai como uma ação concreta
para a efetivação e resolutividade dos serviços de assistência psicossocial, propi-
ciando aos profissionais a reflexão da necessidade do trabalho colaborativo como
forma de oferecer cuidado em processo de melhoria contínua (Hirdes, 2015; Rosa
et al., 2015; Colebrusco de Souza et al., 2016). Nessa ótica, a interdisciplina-
ridade não só promove o acesso a novos conhecimentos teóricos como a novos
modos do fazer assistencial em saúde mental (Rosso, 2015; Barbui et al., 2017)
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REFLEXÕES TEÓRICAS SOBRE A REDE DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL E INTERDISCIPLINARIDADE
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Raimunda Hermelinda Maia Macena – Ulissea de Oliveira Duar te
Marcos Silva dos Santos – Maria Aridenise Macena Fontenelle
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REFLEXÕES TEÓRICAS SOBRE A REDE DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL E INTERDISCIPLINARIDADE
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, há que se considerar que os profissionais que atuam
nas Raps necessitam dispor de ferramentas internas e externas para reafirmem
práticas diárias interdisciplinares e colaborativas, nas diferentes unidades de
saúde em que possam estar inseridos (Nasf ou UBS). Desse modo, será pos-
sível constituir uma atenção integral à saúde mental, reconhecendo o campo
psicossocial como enfoque clínico, ético e político, priorizando e garantindo a
intersubjetividade, a participação e a articulação intersetorial.
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Raimunda Hermelinda Maia Macena – Ulissea de Oliveira Duar te
Marcos Silva dos Santos – Maria Aridenise Macena Fontenelle
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2015.
100
REFLEXÕES TEÓRICAS SOBRE A REDE DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL E INTERDISCIPLINARIDADE
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COMPLEXIDADE E EMOÇÕES:
Uma Trama Sutil
Nize Maria Campos Pellanda
103
Nize Maria Campos Pellanda
um(a) hoje. Neste cataclismo moderno, foram águas abaixo aquilo que é o mais
significativo para a vida dos seres humanos: a relação eu-outro, a compaixão, a
interação homens e mulheres com a natureza, o protagonismo humano e autoria,
a técnica como instrumento de autoconstituição, a separação do sujeito cognitivo
do objeto conhecido, o que significa a separação de si mesmo com a ideia sub-
jacente de que conhecer é representar. Esta premissa foi letal para a epistemo-
logia e para a ontologia, pois privou os humanos de aprendizagem de viver e da
maestria sobre si mesmos, uma vez que formalizou e congelou o conhecimento
em suas funções vitais que é a aprendizagem do viver, reduzindo-o a questões
conceituais. Quando Sócrates, na Grécia Clássica, inaugurando a metafísica
que ainda domina a nossa cultura, separou sabedoria de conhecimento, estava
selando esta cultura de desagregação. Descartes foi buscar nela a sua inspiração.
No mesmo século 17 em que Descartes sistematizou a ciência moderna
em torno de um eixo racional-fragmentário, um outro filósofo, Baruch Espinosa,
na Holanda, formulou um dos mais perfeitos sistemas filosóficos da História
baseado num holismo absoluto e numa imanência radical sustentado por uma
epistemologia profundamente complexa. O mundo seguiu o caminho cartesiano,
o que explica, em grande parte, o difícil contexto que hoje vivemos.
A partir dessa tessitura procuro focar no resgate do sujeito desaparecido
na modernidade em suas condições biológicas de autoria e amorosidade, que se
realizam numa consciência cósmica, de pertencimento a um todo maior. Ao fazer
isso, busco em pesquisas recentes de viés complexo nascidas no berço cibernético
em torno do conceito-eixo de auto-organização, bem como num pensamento
filosófico dos chamados “filósofos da vida” (Espinosa, Nietzsche e Bergson),
o suporte teórico para a minha argumentação sobre o lugar das emoções na
complexidade.
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COMPLEXIDADE E EMOÇÕES
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Nize Maria Campos Pellanda
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COMPLEXIDADE E EMOÇÕES
O grande mérito deste cientista foi ter feito a ponte entre as chamadas
“ciências duras” e as “ciências light” ao unificá-las com as noções de tempo e
história.
O sujeito morto da modernidade começa a reaparecer no seio de uma
ciência complexa. Ainda nas palavras de Prigogine:
107
Nize Maria Campos Pellanda
Com este espírito integrador começa a emergir uma nova ciência liber-
tada das categorias fixas de pensamento e, mais especificamente, uma Biologia
renovada e libertada da noção de fundamentos e mecanismos adaptativos cegos
mostrando que o modelo da vida é a rede. Há uma harmonia profunda no
cosmos. Por isso, o processo de construção é a interação, o que, necessariamente,
implica cooperação, solidariedade. Tudo é construído, portanto, nesta interação.
Há uma conectividade radical que dá sentido a tudo: somente conhece-
mos, somos e vivemos conectados. Nessa ótica, não existe realidade pré-dada,
na medida em que nos construímos ao interagir com os outros. Há uma histori-
cidade radical na qual tudo é imanência. Por esse motivo, as ciências complexas
começam a adotar o método genealógico no sentido de que as coisas não têm
um lugar fixo de origem no tempo e no espaço, mas elas emergem nas ações
humanas. Tudo o que implica fragmentação, linearidade e homogeneização é
alheio à vida, trazendo uma desarmonia radical. Foram essas últimas atitudes
que nos trouxeram um desencantamento do universo.
O grande objetivo da vida é realizar uma integração perfeita – oneness.1
Espinosa falava da existência de uma Substância Única no universo (Espinosa,
1983). Tudo o que fragmenta nos afasta dessa meta de integração dinâmica e
tende à degradação das condições de vida. Por consequência, quanto maior for
a fragmentação de uma cultura ou de um sujeito maior será o afastamento dessa
meta de integração e, portanto, maior a perda de energia.
A termodinâmica atual e a yoga milenária têm muito a nos ensinar sobre
isso. E, por outro lado, quanto mais tivermos a capacidade de juntar o que foi
separado, maior potência teremos para construir o mundo e a nós mesmos,
controlando nosso destino. “Ser mestre de nós mesmos” aconselha Yogananda
(2000, p. 114), um dos mais importantes divulgadores da Filosofia oriental no
Ocidente, expressando a sabedoria yogue de 4 mil anos. Voltarei a este tema
no próximo segmento. Com isso, estaremos expandindo nossa capacidade de
conhecer e dando sentido ao viver. Pensando metaforicamente, a fragmentação
da modernidade pode ser expressa em linhas retas e, por outro lado, o desejo de
Paramahansa Yogananda, um dos primeiros yogues a pregar no Ocidente, usava essa expressão
1
de dificil tradução para o Português mas que significa aproximadamente – ser um com o todo.
108
COMPLEXIDADE E EMOÇÕES
juntar o que foi separado, o desejo de síntese e de fazer convergências pode ser
expresso pelo círculo que a tudo integra numa harmonia perfeita. Como afirma
Nietzsche: “Curva é a senda da eternidade” (1996. p. 64).
Por outro lado, a complexidade nos ensina que cada ser humano no seu
nó é parte da rede e, ao mesmo tempo é um microcosmos original que, com sua
autoria, vai inventando a si próprio e a rede de forma original.
Coloco aqui a questão:
– Como fazer convergir alguns pressupostos da sabedoria do Oriente,
naquilo que eles têm de elaborações mais profundas sobre o amor, a natureza, os
seres humanos e o conhecimento, com alguns pressupostos da ciência e Filosofia
ocidentais, aqueles que fogem do quadro fragmentário da modernidade, extrain-
do dessa convergência uma proposta de potencialização dos seres humanos em
direção a um “ultra-humano” ou a um “além do homem”?
Gostaria de esclarecer, antes de seguir adiante, o que essa expressão
“sabedoria do Oriente e do Ocidente” significa para mim. Incluo no Oriente
não somente a Filosofia oriental que está profundamente perpassada por uma
atitude sagrada diante da vida, como também a obra de muitos cientistas, prin-
cipalmente indianos, alguns até ganhadores do Prêmio Nobel, que souberam ser
rigorosos no método sem perder a dimensão sagrada de sua obra. Por outro lado,
em relação ao Ocidente, penso desde os pré-socráticos, passando por sábios de
todas as épocas até chegar nos construtores das ciências complexas que resgatam
alguns pressupostos universais, como a ideia do eterno retorno, da circularidade,
das espirais e a noção dos homens e mulheres como fazedores de seu destino.
Espinosa, Nietzsche, Bergson e Teilhard de Chardin, entre outros, me parecem
simbolizar, a partir da Filosofia e da ciência do Ocidente, a engenharia de pontes
entre Oriente e Ocidente.
No mais profundo espírito espinosiano, Pierre Lévy, um leitor profundo
de Espinosa, ajuda-me a expressar este sentimento de conexão profunda, no
qual subjaz o amor:
O Oriente não está no leste, está no interior, no infinito. O Ocidente
não é uma cultura diferente das outras, está no mundo concreto, nas
relações políticas igualitárias entre os homens, em uma economia livre. O
verdadeiro programa de expansão do espírito é unir a liberdade interior
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COMPLEXIDADE E EMOÇÕES
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Nize Maria Campos Pellanda
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COMPLEXIDADE E EMOÇÕES
Por sua vez, Nietzsche, que foi leitor de Espinosa, é o filósofo da afirma-
ção da vida. É o grande desconstrutor da modernidade, fazendo a crítica severa
de suas origens ao combater com severidade o racionalismo se Sócrates e Platão.
Ao fazer isso, funda uma epistemologia do devir e da afirmação do ser do devir.
Roberto Machado assim expressa a epistemologia nietzschiana:
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Nize Maria Campos Pellanda
PERSPECTIVAS
Tudo o que foi aqui escrito foi com a intenção de fazer uma tessitura
para identificar numa postura paradigmática elementos de incorporação opera-
tória das emoções e da autoria humanas, integrando-as numa epistemologia da
complexidade. Este trabalho cartográfico é crucial num paradigma que ainda
separa as emoções do fazer científico. Isso será muito útil para todos, mas prin-
cipalmente para aqueles que transitam de forma transdisciplinar entre as áreas
da saúde, da educação e da tecnologia.
No que diz respeito à tecnologia, podemos identificar de maneira com-
plexa, em cada um dos autores referidos, a presença de um conceito-eixo de
potência autocriadora. Isso nos remete à concepção ampliada de tecnologia como
dispositivos destinados à criação de processos inventivos ou criadores de nós
mesmos, da natureza ou das coisas em geral. Assim, podemos identificar em
Espinosa o conceito de conatus, que diz respeito ao esforço de homens e mulheres
de não somente perseverarem no ser como também, de autoconstituição (Espi-
nosa, 1983). Em Nietzsche, encontramos o conceito de Vontade de Potência que
nada mais é do que autonomia/autoria humana de criar a si próprio, uma vez já
114
COMPLEXIDADE E EMOÇÕES
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115
Nize Maria Campos Pellanda
116
BIOLOGIA DO AMOR, EDUCAÇÃO E SAÚDE:
Uma Interpretação da Vida
Felipe Gustsack
Niqueli Streck Machado
117
Felipe Gustsack – Niqueli Streck Machado
Samy Freck e o próprio Maturana, é coautora do artigo intitulado A biological theory of relativistic
colour Coding in the primate retina. Archivos de Biologia y Medicina Experimentales. p. 1-30, 1968.
Nas palavras de Varela (Maturana; Varela, 1997, p. 40-41, “Humberto percebia que os seres vivos
4
são, como dizia naquela época, ‘auto-referidos’, e que de alguma maneira o sistema nervoso é
capaz de gerar suas próprias condições de referência. Tratava-se de fazer uma reformulação que
levasse a uma ‘epistemologia experimental’, um feliz termo introduzido por McCulloch”.
Versão já modificada desse estudo foi publicada como: Maturana, Humberto R. Biological Computer
5
Laboratory Research Report BCL 9.0. Urbana IL: University of Illinois, 1970. Mais tarde também foi
publicada em: Maturana, Humberto R. Autopoiesis and Cognition: The Realization of the Living.
Dordecht: D. Reidel Publishing Co., 1980, p. 5-58. Disponível em: <http://www.enolagaia.com/
M70-80BoC.html>. Acesso em: 26 jul. 2017.
118
BIOLOGIA DO AMOR, EDUCAÇÃO E SAÚDE
rana; Varela, 1997, p. 43), fruto das interrogações que vinha fazendo a respeito
da inadequação das ideias de informação e representação para compreender o
sistema biológico.
A concepção da biologia do amor nos ajuda a compreender a vida e
também, na mesma espiral reflexiva, o que entendemos por saúde. Defendemos
uma concepção de saúde segundo uma abordagem complexa, o que nos leva a
compreendê-la como o estado de equilíbrio pleno e dinâmico do organismo vivo
em seu acoplamento estrutural e funcional com o meio. Em outras palavras, é a
existência, a vida possível de um organismo dentro de parâmetros e condições
desejáveis como exigência de sua forma própria de vida, conforme a fase no ciclo
vital de sua espécie. Retomando as reflexões de Maturana e Varela, a biologia do
amor exige compreender a autopoiese como processo vital dos seres vivos. Nas
palavras de Maturana (Maturana; Varela, 1997, p. 18),
[...] nós, os seres vivos, somos sistemas autopoiéticos moleculares, indi-
cando que o que nos define como a classe particular de sistemas auto-
poiéticos que somos, isto é, o que nos define como seres vivos, é que
somos sistemas autopoiéticos moleculares, e que [...] todos os fenômenos
biológicos resultam do operar dos sistemas autopoiéticos moleculares, ou
das contingências históricas de seu operar como tais e que, portanto, ser
vivo e sistema autopoiético molecular são o mesmo.
119
Felipe Gustsack – Niqueli Streck Machado
[...] sustento que não há ação humana sem uma emoção que a estabeleça
como tal e a torne possível como ato. Por isso penso também que, para
que se desse um modo de vida baseado no estar juntos em interações
recorrentes no plano da sensualidade em que surge a linguagem, seria
necessária uma emoção fundadora particular, sem a qual esse modo de
vida na convivência não seria possível. Esta emoção é o amor. O amor
é a emoção que constitui o domínio de ações em que nossas interações
recorrentes com o outro fazem do outro um legítimo outro na convivên-
cia (Maturana, 1998, p. 22).
120
BIOLOGIA DO AMOR, EDUCAÇÃO E SAÚDE
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Felipe Gustsack – Niqueli Streck Machado
122
BIOLOGIA DO AMOR, EDUCAÇÃO E SAÚDE
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Felipe Gustsack – Niqueli Streck Machado
Evitando adentrar aqui no debate que poderia ser feito em torno das
transformações conceituais apresentadas por Maturana e Dávila, considerando as
limitações de espaço deste artigo, optamos por acompanhar o pensamento destes
autores utilizando ambas as expressões: “biologia do amor” e “biologia do amar”,
124
BIOLOGIA DO AMOR, EDUCAÇÃO E SAÚDE
125
Felipe Gustsack – Niqueli Streck Machado
vivência. Algumas escolhas não nos trazem o bem-estar que buscamos porque
as realizamos no limite do que podemos saber um poder saber que alcançamos
na e pela linguagem.
126
BIOLOGIA DO AMOR, EDUCAÇÃO E SAÚDE
127
Felipe Gustsack – Niqueli Streck Machado
REFLEXÕES FINAIS
Percebemos, ao finalizar este texto, o quanto há para se pensar e expor
acerca das contribuições da Biologia do Amor para uma concepção de educação
na sua intrínseca relação com a saúde. Assim, consideramos oportuno retocar,
sucintamente, algumas das ideias que apresentamos nas páginas anteriores.
Quando falamos em ser humano, para além das contribuições do para-
digma da complexidade aqui apresentadas pela teoria da Biologia do Amor,
também nos reportamos à compreensão de Paulo Freire que o concebe como
“ser social e histórico, pensante, comunicante, transformador, criador, realiza-
128
BIOLOGIA DO AMOR, EDUCAÇÃO E SAÚDE
dor de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar” (Freire, 2005, p. 41).
Ou seja, não defendemos aqui uma educação e uma escola que apenas sigam
as concepções e procedimentos de viés segregacionista, bastante presentes nas
mídias atuais, segundo as quais professores e estudantes não podem conversar
e aprender sobre gênero, etnia, livre manifestação artística e cultural. Por que,
afinal, como enfatiza o sábio oriental Jiddu Krishnamurti6 (1895-1986), uma
pessoa não será ou terá uma boa referência de saúde se estiver bem ajustada à
cultura de uma sociedade doentia.
Assim, procuramos não trazer para o debate acerca das relações da educa-
ção com a saúde exemplos de práticas em saúde que sirvam para a educação ou
vice-versa. Aqui nos referimos, por exemplo, à ideia em voga nos últimos tempos
de se falar em “residência pedagógica” em substituição ao “estágio”, porque não
queremos pensar que as crianças sejam obrigadas, por alguma manifestação de
problemas de saúde, a vir para a escola e tampouco que ali elas sejam nossos
“pacientes”. Tratamos de pensar educação e saúde a partir da Biologia do Amor
para problematizar e perceber como essas duas áreas de ações do humano no
mundo podem conversar sem anular uma à outra. Defendemos, isto sim, que a
educação realizada segundo a Biologia do Amor, pela qual destacamos a escuta
e o acolhimento do outro como legítimo outro na convivência, tem a ver com
saúde, com o bem-estar porque tem no desejo da alegria e da felicidade daque-
les e daquelas que habitam a escola as suas referências de vida e aprendizagem
coletivas. Nesse sentido, vale lembrar das palavras de Mariotti, parafraseando
Espinosa: “não desejamos as coisas porque as consideramos boas: ao contrário,
nós as consideramos boas porque as desejamos” (1997, p. 13).7
Jiddu_Krishnamurti#Refer.C3.AAncias>.
Nas palavras de Espinosa: “não apetecemos nem desejamos qualquer coisa porque a considera-
7
mos boa; mas, ao contrário, julgamos que uma coisa é boa porque tendemos para ela, porque a
queremos, a apetecemos e desejamos”. (1973, p. 190).
129
Felipe Gustsack – Niqueli Streck Machado
-giacoia-jr-integra/>.
Idem.
9
130
BIOLOGIA DO AMOR, EDUCAÇÃO E SAÚDE
REFERÊNCIAS
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Tratado Político. Correspondências. Tradução Marilena Chauí. São Paulo: Abril
Cultural, 1973. (Coleção Os Pensadores).
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Paulo: Paz e Terra, 2005.
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MARIOTTI, H. O conhecimento do conhecimento: a filosofia de Espinosa e o
pensamento complexo. Revista Thot, São Paulo, 67:25-33, 1997. (Publicado com
pequenas modificações).
MASSCHELEIN, Jan; SIMONS, Maarten. Em defesa da escola: uma questão
pública. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.
-giacoia-jr-integra/>.
131
Felipe Gustsack – Niqueli Streck Machado
132
PARTE 2
A ESCRITA
DA EXPERIÊNCIA
TECENDO REDES, CONSTRUINDO LUGARES:
As Interfaces entre Saúde Mental Coletiva
e Educação Especial na Perspectiva Inclusiva
Ricardo Lugon Arantes
Danielle Celi dos Santos Scholz
Cláudia Rodrigues de Freitas
naram com a Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência
romperam com o paradigma biomédico e propuseram uma leitura ampliada para
a questão da deficiência, oferecendo uma nova forma de conceituar as barreiras
que estas pessoas enfrentam (Câmara..., 2015).
Novo Hamburgo, cidade próxima a Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, onde acontece a ação.
1
136
TECENDO REDES, CONSTRUINDO LUGARES
Ainda que a ideia de invenção das ferramentas pareça interessantíssima, pensamos que as ferra-
2
mentas são sim produzidas. Há o trabalho vivo de produzi-las; este se apropria do trabalho morto
de quem as inventou. É como se fosse a 2ª geração: alguém inventou (trabalho vivo), alguém
copiou (saber morto, mas trabalho vivo de produzi-las) e o 3º na fila pegou a ferramenta pronta
e fez novos produtos...
137
Ricardo Lugon Arantes – Danielle Celi dos Santos Scholz – Cláudia Rodrigues de Freitas
valores culturais, seu pertencimento ou não ao processo produtivo vai ser crucial
para determinar se aquele trabalho se tornará um composto de atos cuidadores/
educadores ou uma sequência de ações mecânicas e desimplicadas.
O trabalho de cuidar e educar demanda que seus operadores utilizem fer-
ramentas tecnológicas, incluindo os saberes que carregam e seus desdobramentos
materiais e imateriais, e tais ferramentas fazem sentido de acordo com o lugar
que ocupam nesse encontro e conforme as finalidades almejadas.
Merhy e Feuerwerker denominam de tecnologias duras aquelas que
envolvem as ferramentas-equipamentos necessários para alimentar a produção
discursiva centrada em um certo tipo de raciocínio clínico-pedagógico e às inter-
venções terapêuticas-educantes que consomem trabalho morto (das máquinas)
e trabalho vivo de seus operadores.
As tecnologias leve-duras, por sua vez, lançam mão de ferramentas que
envolvem processos de apreensão do mundo e de suas necessidades a partir de
um ponto de vista de determinados saberes bem definidos, aos quais os autores
chamam de trabalho morto, pois produzidos anteriormente. Quando um traba-
lhador de saúde antepõe o nome da doença ao nome do sujeito, quando um pro-
fessor parte do diagnóstico classificatório para pensar o atendimento educacional
especializado de uma criança com deficiência, ocorre reprodução de trabalho
morto, pois sua parte “viva” ficou a cargo daqueles responsáveis por elaborar os
conceitos, parâmetros, categorias, etc.
138
TECENDO REDES, CONSTRUINDO LUGARES
139
Ricardo Lugon Arantes – Danielle Celi dos Santos Scholz – Cláudia Rodrigues de Freitas
140
TECENDO REDES, CONSTRUINDO LUGARES
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A experiência em ato indicou que a interface entre Saúde Mental Coletiva
e a Educação Especial na perspectiva inclusiva delineia importantes vetores de
produção de vida, saúde e inclusão a partir da construção de redes. Essas podem
ser pensadas ao mesmo tempo como instauradoras de suporte às pessoas com
deficiências e produtoras de si para os seus protagonistas, que emergem rein-
ventados do enfrentamento compartilhado das barreiras.
141
Ricardo Lugon Arantes – Danielle Celi dos Santos Scholz – Cláudia Rodrigues de Freitas
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TECENDO REDES, CONSTRUINDO LUGARES
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143
OFICINANDO COM FAMÍLIAS NO CAPSI:
Relato de Experiência
Maria Aridenise Macena Fontenelle
Larissa Nogueira de Morais
Max Silva de Oliveira
Maria do Carmo Duarte Freitas
Isaura Uhmann
145
Maria Aridenise Macena Fontenelle – Larissa Nogueira de Morais – Max Silva de Oliveira
– Maria do Carmo Duar te Freitas – Isaura Uhmann
PSICOLOGIA COGNITIVA
A Psicologia Cognitiva é mencionada com o intuito de exprimir quais
fatores fazem com que os indivíduos atentem para o desenho como expressão
artística. Para isso, são identificados os aspectos relacionados à percepção dos
objetos, atenção do leitor e também a interpretação dos conteúdos veiculados.
Os elementos que compõem uma mensagem visual são utilizados para
representar um significado, com vistas a indicar o objetivo desejado. Sobre esse
aspecto Dondis expõe:
Na criação de mensagens visuais, o significado não se encontra apenas
nos efeitos cumulativos da disposição dos elementos básicos, mas
também no mecanismo perceptivo universalmente compartilhado pelo
organismo humano. Colocando em termos mais simples: criamos um
design a partir de inúmeras cores e formas, texturas e tons e proporções
relativas; relacionamos interativamente esses elementos; temos em vista
um significado (2007, p. 30).
146
OFICINANDO COM FAMÍLIAS NO CAPSI
ASPECTOS SEMIÓTICOS
Diferentemente das demais pesquisas e para propor os elementos de inde-
xação, esta investigação requer que o pesquisador faça uso do método semiótico,
além de utilizar a pesquisa bibliográfica e de campo.
147
Maria Aridenise Macena Fontenelle – Larissa Nogueira de Morais – Max Silva de Oliveira
– Maria do Carmo Duar te Freitas – Isaura Uhmann
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OFICINANDO COM FAMÍLIAS NO CAPSI
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Maria Aridenise Macena Fontenelle – Larissa Nogueira de Morais – Max Silva de Oliveira
– Maria do Carmo Duar te Freitas – Isaura Uhmann
150
OFICINANDO COM FAMÍLIAS NO CAPSI
• Pintura
A pintura em aquarela acompanha os alunos do 1º ao 5º ano e tem um
lugar bem definido no plano de ensino semanal. Do 1º ao 3º ano é importante
que a criança conheça o mundo das cores, que sinta o elemento qualitativo das
diversas cores e percebe que cada uma delas fala uma língua específica e procura
transmitir algo.
As cores de aquarela são inicialmente colocadas em estado líquido em
pequenos recipientes. São usadas primeiramente as cores básicas: amarelo, ver-
melho e azul, em diversas concentrações. Posteriormente a mistura dessas cores
primárias possibilita na folha branca o surgimento das cores secundárias. Pelo
seu uso em superfícies grandes, o indivíduo recebe diretamente o impacto da cor
e deixa de pensar no que talvez tivesse imaginado.
O professor tem assim a possibilidade de satisfazer a procura de imagens
que o estudante sente na fase inicial. Ele aprende como as cores se combinam
e vivencia as combinações belas em contraste com as menos belas. O discen-
te precisa sentir a dignidade do vermelho, a suavidade do azul e a alegria do
amarelo. Isso fortalece sua vida anímica e faz com que ela se abra a toda riqueza
que fala por intermédio das cores.
No decorrer das aulas, a dinâmica das cores vai sendo acrescentada ao
conteúdo já estabelecido, por meio de histórias e contos relacionados com as que
ainda não visam a representar um objeto, evidenciando as diversas tendências
formativas pertencentes a cada cor.
O amarelo com sua tendência de irradiar leva as formas diferentes que
as do azul, que se contrai ao ficar mais escuro e pode ter algo de tranquilo e
recolhimento.
Dos 1º ao 3º ano são realizados diversos tipos de exercícios que ainda
não visam a representar um objeto, mas movem na mera qualidade das cores.
É possível transformar um acorde de duas cores em um de três ou inverter os
acordes de duas cores de tal forma que a cor que originalmente estava no meio,
por exemplo, o vermelho, passe para os lados, ao passo que aquela que estava
fora, por exemplo, o verde, torne-se visível no centro.
Pressupõe-se que o professor esteja familiarizado com a teoria das cores
de Goeth, que é a base dos exercícios aqui mencionados.
151
Maria Aridenise Macena Fontenelle – Larissa Nogueira de Morais – Max Silva de Oliveira
– Maria do Carmo Duar te Freitas – Isaura Uhmann
• Desenho de Formas
Em 1915 foi incluído por Rudolf Steiner o desenho de formas como
matéria de ensino. A escrita é preparada pela vivência da linha que não reproduz
nenhum objeto exterior e que corresponde ao impulso motor da criança, atuando
sobre a sua sensibilidade pelas formas e treinando a sua habilidade manual.
Durante as primeiras 4 a 6 semanas os alunos do 1º ano conhecem os
elementos formais das linhas retas e curvas. Eles reencontrarão mais tarde, numa
época de caligrafia, esses elementos nas letras impressas. Depois da primeira
introdução começam os exercícios práticos. Isso implica a conscientização das
várias direções do espaço. Depois das linhas verticais, horizontais e oblíquas vêm
os ângulos, os triângulos e formas estreladas. Alternativamente são desenhados
o círculo, o semicírculo, a espiral e a elipse.
O professor voltará, no decorrer do 1º ano, periodicamente e por repeti-
ções rítmicas, a essas formas básicas, seja em algumas épocas ou em determinados
dias da semana. Dessa maneira a criança é conduzida, cada vez mais, da vivência
das formas a sua expressão visível pelo próprio agir.
Por volta dos 8 anos de vida as forças da imaginação da criança passam
a se desenvolver, começam os exercícios de simetria (reflexão lateral e vertical),
simetrias com quatro polaridades, com formas redondas e pontudas. Steiner
chamou o desenho de formas direcionado para área de um aprendizado por
meio de imagens, pois desenvolve a visão interior de modo que o pensar possa
se desenvolver sem cair na intelectualidade.
Os exercícios anteriores são seguidos por aqueles das “simetrias assimé-
tricas”. Trata-se de linhas que vão de um centro para três direções: a pessoa
deve encontrar formas complementares que levam para dentro, estabelecendo
o equilíbrio e a harmonia. Isso requer uma grande autonomia e mobilidade da
imaginação. Steiner via em tais exercícios um preparo para a Geometria, na qual
a construção começa por meio da régua e do compasso. Sugeriu, para incentivar
os temperamentos, variar os exercícios. Considera ele que o professor promove
por meio disso um modo para compensar as unilateralidades das crianças. O uso
de formas espelhadas é também praticado e ajuda aquelas pessoas que espelham
as letras, como é o caso das letras “p” e “q”, por exemplo.
152
OFICINANDO COM FAMÍLIAS NO CAPSI
Estudos de Casos
As oficinas sobre aquarela e desenho de formas, procedimentos artís-
ticos utilizados na Pedagogia Waldorf, realizadas com as famílias dos jovens e
das crianças que participam do programa Oficinando em Rede no CAPSi em
Mossoró – RN foram coordenadas por um docente do curso de Engenharia Civil
e uma discente de Direito numa Universidade Federal em Mossoró, na Região
Nordeste do Brasil, de março a junho de 2017, uma vez por semana.
Cabe salientar que questões legais sobre os direitos dos usuários do CAPSi
foram dialogadas com a estudante de Direito.
Durante uma das oficinas foi questionado aos participantes sobre saúde,
bem-estar, qualidade de vida, saúde física e mental.
No desenho de formas foi utilizado o conceito de espelhamento, dese-
nhando formas espelhadas (Figuras 2 e 3) e dialogando sobre a importância de
ser um espelho positivo. Neste caso, o modo como o familiar age ou reage vai
influenciar na ação e reação do usuário do CAPSi. Se o usuário está agressivo,
o familiar deve manter a calma. Assim, o jovem ou a criança poderá ficar mais
tranquilo.
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Maria Aridenise Macena Fontenelle – Larissa Nogueira de Morais – Max Silva de Oliveira
– Maria do Carmo Duar te Freitas – Isaura Uhmann
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OFICINANDO COM FAMÍLIAS NO CAPSI
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este texto apresentou um estudo sobre aquarela e desenho de formas,
procedimentos artísticos utilizados na Pedagogia Waldorf com as famílias do
jovens e crianças que participam do programa Oficinando em Rede no CAPSi
em Mossoró, RN.
Sobre as questões legais observou-se que existem dúvidas quanto ao
direito do benefício monetário e que alguns jovens já apresentam idade acima
de 21 anos e permanecem com usuários do CAPSi. Os familiares relatam que
possuem todos os documentos, inclusive título de eleitor, mas não fazem a Car-
teira de Trabalho, pois eles não são capazes de atuar no mercado. Consideram
que não ter o Título de Eleitor pode representar um risco à perda do referido
benefício. Foi esclarecido pela estudante do curso de Direito que isso não é legal.
No que diz respeito às questões lançadas numa das oficinas como: “O
que entende por saúde mental, bem-estar e qualidade de vida”, considera-se que
foram poucos que responderam, talvez por serem temas subjetivos. Destacam-se
as respostas como: doença mental é falar coisa com coisa (Jaqueline); qualidade de
vida é viajar e ter um bom salário (Vera); bem-estar é estar bem (Kaio).
A partir de registros fotográficos e dos depoimentos das 16 famílias parti-
cipantes, foi evidenciado o entusiasmo da maior parte dos familiares nas oficinas
de aquarela e desenho de formas. Conforme relato dos participantes, as oficinas
possibilitaram mais leveza, relaxamento e tranquilidade no processo de espera
dos jovens e das crianças do Programa Oficinando em Rede.
REFERÊNCIAS
ARNHEIM, R. Arte e percepção visual: uma psicologia da visão criadora. Trad.
Ivonne Terezinha de Faria. 13. ed. São Paulo: Pioneira, 2000.
BACHEGA, C. A. Pedagogia Waldorf, um olhar diferente à educação. An. Scien-
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BARRETO, A. A oferta e a demanda da informação: condições técnicas, eco-
nômicas e políticas. Ci. Inf. Brasília, v. 28, n. 2, 1999. Disponível em:<http://
revista.ibict.br/index.php/ciinf/article/view/298/264>. Acesso em: 29 mar.
2010.
155
Maria Aridenise Macena Fontenelle – Larissa Nogueira de Morais – Max Silva de Oliveira
– Maria do Carmo Duar te Freitas – Isaura Uhmann
156
DESENVOLVIMENTO DE UM JOGO DIGITAL
ADAPTATIVO PARA CRIANÇAS E JOVENS AUTISTAS
Rafael de Almeida Rodrigues
Francisco Milton Mendes Neto
Karla Rosane do Amaral Demoly
157
Rafael de Almeida Rodrigues – Francisco Milton Mendes Neto – Karla Rosane do Amaral Demoly
O MÉTODO E A REALIZAÇÃO
A metodologia abordada baseia-se na pesquisa-intervenção realizada
pelo programa Oficinando em Rede, em que por meio de oficinas e geração de
diários de bordo, foi possível observar na interação direta com os sujeitos ele-
mentos importantes para o desenvolvimento de um jogo digital que atendesse
às diferentes necessidades detectadas. A partir do acompanhamento e utilizando
jogos casuais foram gerados diários de bordo contendo as condutas dos jovens
na interação direta com os jogos.
Por se tratar de um trabalho interdisciplinar é necessário buscar conceitos
de outras áreas do conhecimento. Assim sendo, de acordo com o Manual de
Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais-5. ed. (DSM-5), o transtorno
do espectro autista caracteriza-se como uma condição geral para um grupo de
desordens complexas do desenvolvimento do cérebro. Essa abordagem aponta
para os sintomas como se fossem gerais e aparecem do mesmo modo, mas com
a interação direta com crianças e jovens sabemos que essa é uma questão mais
complexa.
As oficinas, bem como os diários de bordo, possibilitaram a produção
de uma tabela que auxiliou na compreensão sobre autismo associados aos jogos
digitais.
158
DESENVOLVIMENTO DE UM JOGO DIGITAL ADAPTATIVO PARA CRIANÇAS E JOVENS AUTISTAS
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Rafael de Almeida Rodrigues – Francisco Milton Mendes Neto – Karla Rosane do Amaral Demoly
Fonte: Do autor.
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DESENVOLVIMENTO DE UM JOGO DIGITAL ADAPTATIVO PARA CRIANÇAS E JOVENS AUTISTAS
Fonte: Do autor.
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Rafael de Almeida Rodrigues – Francisco Milton Mendes Neto – Karla Rosane do Amaral Demoly
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DESENVOLVIMENTO DE UM JOGO DIGITAL ADAPTATIVO PARA CRIANÇAS E JOVENS AUTISTAS
REFERÊNCIAS
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JESTE, D. V. et al. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 5. ed.
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riência com jogos digitais. Dissertação (Mestrado em Ambiente, Tecnologia e
Sociedade) – Universidade Federal Rural do Semi-Árido, Mossoró, 2014.
SIEBEL, R. A. Adaptabilidade dinâmica de jogos. Florianópolis: Ed. UFSC, 2011.
SILVA, M. P. Inteligência artificial adaptativa para ajuste dinâmico de dificuldade em
jogos digitais. 2015. Dissertação (Mestrado em Ciência da Computação) – Uni-
versidade Federal Rural de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2015.
SIMONDON, G. Du mode d’existence des objets techniques. Paris: Aubier, 1989.
163
SERVIÇOS DE ATENÇÃO EM SAÚDE MENTAL:
Uma Discussão Sobre a Relação entre
os Serviços Principais e Suplementares
Bruno Layson Ferreira Leão
Yákara Vasconcelos Pereira
Judson da Cruz Gurgel
Karla Rosane do Amaral Demoly
165
B r u n o L a y s o n F e r r e i r a L e ã o – Yá k a r a Va s c o n c e l o s P e r e i r a
– Judson da Cruz Gurgel – Karla Rosane do Amaral Demoly
166
SERVIÇOS DE ATENÇÃO EM SAÚDE MENTAL
167
B r u n o L a y s o n F e r r e i r a L e ã o – Yá k a r a Va s c o n c e l o s P e r e i r a
– Judson da Cruz Gurgel – Karla Rosane do Amaral Demoly
PACOTE DE SERVIÇOS
No nível conceitual, os serviços podem ser classificados mediante tipo-
logias básicas relacionadas à geração e entrega de um conjunto de experiências
ou ações que compreendem processos ou atividades com uma finalidade em
específico. Classificá-los pode ser útil para a sua compreensão na condição de
trabalho dotado de elementos conjugados capazes de gerar valor, expressos em
um pacote de itens indispensáveis a esse intento.
O espectro de serviços é descrito, na literatura, como um pacote, uma
junção de elementos relacionáveis ao consumidor e à experienciação do serviço
(Lovelock; Wirtz; Hemzo, 2011). Os padrões utilizados para a construção de um
pacote de serviços são traduções da percepção do cliente em relação ao projeto de
serviços e como este é apresentado em sua forma final. Constantemente percebi-
da nos ambientes de serviço, a dificuldade para a compreensão das expectativas
do cliente e o emprego destas na elaboração de processos acessórios que fortifi-
quem a atividade central oferecida, é comum caracterizar lacunas de percepção
do projeto e padrões desejados de serviço (Zeithlam; Bitner; Gremler, 2011).
Os prestadores de serviços devem definir atentamente o escopo de
atuação, projetando os processos e seguindo parâmetros a prover o serviço com
qualidade (Santos; Spring, 2013). Quase sempre é possível incluir nos serviços
atributos capazes de gerar valor agregado, em sua maioria intangíveis, e deter-
minantes para um bom desempenho.
Esses atributos geralmente são percebidos como influenciadores do com-
portamento do consumidor, gerando percepções e interações positivas durante o
usufruto do serviço. São os intercâmbios entre as atividades que tomam espaço
na oferta do serviço, que resultam na criação de valor (Santos; Spring, 2013).
168
SERVIÇOS DE ATENÇÃO EM SAÚDE MENTAL
A flor de serviços
A flor fornece uma analogia clara aos processos que permeiam a relação
entre a atividade principal e seus complementos em termos de operações em
serviços. O núcleo (miolo) corresponde a um produto central e as pétalas repre-
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B r u n o L a y s o n F e r r e i r a L e ã o – Yá k a r a Va s c o n c e l o s P e r e i r a
– Judson da Cruz Gurgel – Karla Rosane do Amaral Demoly
170
SERVIÇOS DE ATENÇÃO EM SAÚDE MENTAL
Serviços facilitadores
Facilitar, em definição, significa tornar ou fazer fácil, exequível (Ferreira,
1999). Tornar simples, ajudar ou auxiliar são expressões sinônimas ao ato de
facilitar, e que denotam a sua função. A conceituação de serviços facilitadores
remete a uma tipologia de serviços que serve ao consumidor como uma ferra-
menta que traz eficiência e torna mais simples o uso dos elementos do pacote
que a prestação de serviços proporciona (Torres Júnior; Ferreira, 2010).
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– Judson da Cruz Gurgel – Karla Rosane do Amaral Demoly
Serviços realçadores
A mediação durante o processo de acolhida e recepção do usuário de
serviços de assistência psicossocial, em uma perspectiva abrangente, delimita
os termos em que se dá a oferta do pacote de serviços durante a geração do
itinerário de ações desenvolvidas. Os métodos que envolvem o cuidado exigem
uma conscientização do espaço e da situação em que se ambienta a prestação
do serviço, considerando a individualidade do ser e o contexto de saúde em que
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SERVIÇOS DE ATENÇÃO EM SAÚDE MENTAL
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– Judson da Cruz Gurgel – Karla Rosane do Amaral Demoly
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SERVIÇOS DE ATENÇÃO EM SAÚDE MENTAL
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– Judson da Cruz Gurgel – Karla Rosane do Amaral Demoly
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O cuidar envolve o ajuste da capacidade de observação para promover
o desenvolvimento de aptidões que agreguem valor à assistência prestada ao
doente mental, seja em relações interpessoais positivas para com o sujeito e/ou
deste para com o serviço prestado, em uma interação que se constrói de forma
plena e adaptada às necessidades específicas do assistido (Vilella; Scatena, 2004).
Os serviços de saúde são, antes de tudo, produto do meio no qual se
desenvolvem a geração e oferta do pacote de serviços. O ambiente em que se dá o
consumo e a produção de processos de assistência consiste em uma multiplicida-
de de elementos distintos que atuam no delinear das ações relativas aos cuidados
para com os assistidos em instituições de saúde mental. Esses elementos cons-
tituem tanto a ação central e específica para os Centros de Atenção Psicossocial
como também fazem parte da própria compleição do escopo desses ambientes
que possuem atividades e processos acessórios e suplementares que fomentam
a reintegração social e a promoção do autocuidado advindo do portador de
transtornos mentais severos.
Considerar a perspectiva cíclica e crônica das condições em que o usuário
dos serviços de saúde mental se encontra (Silva; Lancman; Alonso, 2009), pre-
conizando o desenvolvimento do pacote de serviços para a sua melhor acolhi-
da, gera produtos particulares e adequados aos imperativos de cada demanda
advinda da relação usuário/equipe. Essa abordagem permite que a percepção do
assistido mediante a relação prestador-consumidor delimite satisfatoriamente a
experiência que perfaz o serviço, tornando os processos de acolhida mais plenos
e capazes de produzir resultados quanto aos objetivos dispostos pelas instituições
de perspectiva substitutiva às práticas manicomiais.
176
SERVIÇOS DE ATENÇÃO EM SAÚDE MENTAL
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, S. A. R.; BOURLIATAUX-LAJOINIE, S.; MARTINS, M. Satisfac-
tion measurement instruments for healthcare service users: a systematic review.
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FERREIRA, A. B. H. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
FITZSIMMONS, J. A; FITZSIMMONS, M. J. Administração de serviços: opera-
ções, estratégia e tecnologia da informação. 6. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010.
FITZSIMMONS, J. A.; SULLIVAN, R. S. Service operations management. Nova
York: McGraw Hill, 1982.
GRÖNROOS, C. Marketing, gerenciamento e serviços: a competição por serviços na
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tecnologia e estratégia. 7. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2011.
LOVELOCK, C. H.; WRIGHT, L. Serviços: Marketing e Gestão. São Paulo:
Saraiva, 2006.
LOVELOCK, C. H. Cultivating the Flower of Service: new ways of looking at
core and supplementary services. In: EIGLER, P.; LANGEARD, E. (Ed.). Mar-
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IAE, Université d’Aix-Marseille III, 1992. p. 296-316.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Relatório de gestão 2014. 2014. Disponível em:
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NASCIMENTO, A. F.; GALVANESE, A. T. C. Avaliação da estrutura dos
centros de atenção psicossocial do município de São Paulo, SP. Revista de Saúde
Pública, v. 43 (Supl. 1), p. 8-15, 2009.
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B r u n o L a y s o n F e r r e i r a L e ã o – Yá k a r a Va s c o n c e l o s P e r e i r a
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SISTEMA DIÁRIO DE BORDO ELETRÔNICO
COMO APOIO AO DESENVOLVIMENTO
DE JOGOS NA SAÚDE MENTAL
Ramiro de Vasconcelos dos Santos Júnior
Francisco Milton Mendes Neto
Karla Rosane do Amaral Demoly
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– Karla Rosane do Amaral Demoly
parceria com os serviços de saúde mental de Mossoró (RN) e cidades circunvizinhas. O denomi-
nador comum desses projetos é a experimentação de diferentes tecnologias da informação e da
comunicação no campo da saúde mental, em ambientes que atendem crianças, jovens e adultos
que vivem em diferentes circunstâncias de sofrimento psíquico.
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SISTEMA DIÁRIO DE BORDO ELETRÔNICO COMO APOIO AO DESENVOLVIMENTO DE JOGOS NA SAÚDE MENTAL
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– Karla Rosane do Amaral Demoly
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SISTEMA DIÁRIO DE BORDO ELETRÔNICO COMO APOIO AO DESENVOLVIMENTO DE JOGOS NA SAÚDE MENTAL
sua cognição, percepção, memória, entre outros benefícios que são comprova-
damente percebidos por meio de pesquisas baseadas nos elementos extraídos
desses jogos digitais.
Som Vídeo
Imagem Interatividade
Inatividade Cooperatividade
Luminosidade Animação
Alegria Angústia
Confiança Insegurança
Fonte: Autoria própria.
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SISTEMA DIÁRIO DE BORDO ELETRÔNICO COMO APOIO AO DESENVOLVIMENTO DE JOGOS NA SAÚDE MENTAL
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SISTEMA DIÁRIO DE BORDO ELETRÔNICO COMO APOIO AO DESENVOLVIMENTO DE JOGOS NA SAÚDE MENTAL
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– Karla Rosane do Amaral Demoly
É possível perceber nas figuras que exibem as telas do SDB, em que são
listados todos os cadastros, os botões e suas seguintes definições:
• Criar: para criar um novo cadastro.
• Visualizar: para visualizar um cadastro efetuado.
• Editar: para editar dados referente ao cadastro.
• Deletar: para excluir cadastro, caso seja necessário.
Para que o bolsista pesquisador possa realizar algumas das ações listadas
é necessário clicar sobre o botão correspondente. O cadastro de um novo diário,
como citado também, é produzido a partir de uma nova tela, a qual é exibida
na Figura 5. O modelo de preenchimento deste diário serve de guia para o
entendimento desta etapa. Esta descrição é abordada de acordo com os campos
que exigem a inserção dos dados que são de suma importância para a pesquisa.
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SISTEMA DIÁRIO DE BORDO ELETRÔNICO COMO APOIO AO DESENVOLVIMENTO DE JOGOS NA SAÚDE MENTAL
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SISTEMA DIÁRIO DE BORDO ELETRÔNICO COMO APOIO AO DESENVOLVIMENTO DE JOGOS NA SAÚDE MENTAL
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SISTEMA DIÁRIO DE BORDO ELETRÔNICO COMO APOIO AO DESENVOLVIMENTO DE JOGOS NA SAÚDE MENTAL
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– Karla Rosane do Amaral Demoly
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando a produção de diários de bordo por parte dos bolsistas
vinculados ao programa Rede de Oficinandos e que atuam nas oficinas feitas no
CAPSi, o desenvolvimento de um sistema Web ampliou todo o processo atual
de escrita dos diários, promovendo uma melhor forma para coleta, organização
e armazenamento das informações.
Diante da pesquisa e validação feita com profissionais e bolsistas que
atuam no CAPSi, o sistema Web está apto a auxiliar os bolsistas em um ambien-
te de saúde mental de forma dinâmica e acompanhada pelos pesquisadores. É
um dispositivo adicional importante que dará suporte às pesquisas dentro do
universo de jogos digitais e também no acompanhamento de crianças e jovens
com transtorno no desenvolvimento.
REFERÊNCIAS
BUENO, U.; ZWICKER, R.; DE OLIVEIRA, M. A. Um estudo comparativo do
modelo de aceitação de tecnologia aplicado em sistemas de informações e comércio eletrôni-
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DOENÇAS EM PORTUGUÊS (CBCD). 2017. Disponível em: <http://www.
datasus.gov.br/cid10/V2008/cid10.htm>. Acesso em: 23 fev. 2017.
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information technology. MIS Quarterly, v. 13, n. 3, p. 319-340, 1989.
DE MOURA, F. L.; FERREIRA, F. A.; BARROS, V. F. de A. Aplicação do modelo
de aceitação de tecnologia para avaliar a aceitação e uso de software ERP. In: PRO-
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AND TECHNOLOGY EDUCATION, Guimarães, Portugal, 2014. p. 462-
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FARIA, T. Java EE 7 com JSF, PrimeFaces e CDI. [S.l.]: [s.n.], 2015.
FREITAS, R. C.; DUTRA, M. A. Usabilidade e interatividade em sistemas web
para cursos on-line. Brazilian Journal of Computers in Education, v. 17, n. 2, p.
48, 2009.
194
SISTEMA DIÁRIO DE BORDO ELETRÔNICO COMO APOIO AO DESENVOLVIMENTO DE JOGOS NA SAÚDE MENTAL
195
A RODA COMO MÉTODO DE APRENDIZADO DO
MOVIMENTO COM PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL:
O Papel dos Relatos de Campo na Pesquisa-Intervenção1
Laura Pozzana
Virgínia Kastrup
Publicado originalmente na Revista Benjamin Constant, Rio de Janeiro, ano 21, n. 58, v. 2, p.
1
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Laura Pozzana – Virgínia Kastrup
198
A RODA COMO MÉTODO DE APRENDIZADO DO MOVIMENTO COM PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL
11 de maio de 2012.
Cheguei e a sala estava trancada. Estranhei. No primeiro andar encontrei uma
moça simpática que está sempre por ali fazendo ginástica com uma mulher cega e outro dia
guiava uma bicicleta de dois lugares. Ela me deu a chave da porta.
Instalei o som e logo chegou a Marlene com o Jota, seu marido. Ela falou que
para ser pontual não tinha lanchado. E aí, não vai passar mal?, pergunto, dado que é
assim que ela costuma justificar seus atrasos eventuais. Ela diz que tinha passado mal na
semana passada, mas foi da barriga e não por causa da diabete. Tião e Alfredo chegam
em seguida, achando que eu não estava lá. Eles também estavam sendo pontuais, algo
cuja importância eu tinha sinalizado para Adriana e Cristiane, assistentes sociais, que
trabalham no Centro de Convivência. Logo chegaram outros e outros, até que a barra
estava cheia. Suely, que era nova ali, chegou dizendo que ia ver como era aquela aula.
Eu disse que ali o perceber era de dentro, participando. Ela topa. Apresento a sala a ela,
levando-a comigo. Coloco-a na barra e digo pra todos aproveitarem para sentir o contato
dos pés com o chão em lugares diferentes. Ela entra na atividade e outros vão também.
Alguns conversam e o clima é calmo.
Augusto, estagiário da pesquisa/oficina, não iria, pois acordara passando mal.
Juliana, outra estagiária, não tinha chegado ainda quando começamos a fazer uma
grande roda. Ao som de Marisa Monte nos movemos docemente: “O céu vai tão longe e
está perto, o céu fica em cima do teto... o céu serve a todos, o céu ninguém pode pegar”. Ouço
Lorena falar com alguém ao seu lado: essa aula é gostosa demais, fundamental!
199
Laura Pozzana – Virgínia Kastrup
200
A RODA COMO MÉTODO DE APRENDIZADO DO MOVIMENTO COM PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL
lembro bem, mas é no mesmo clima. Reparo Eronides chorando lindamente, rosado, um
pouco recolhido, mas com uma espécie de sorriso de emoção. Depois o Luis fala um verso e
Wanderley, ao final, pede a palavra. Diz que quando nasceu não tinha mais mãe. “Aliás,
ela sempre existiu, mas ele não teve a chance de conhecê-la”. Completa dizendo que lembra
dela em cada mulher, em cada encontro que tem com uma dama.
Foi emocionante, agradeço internamente essa lembrança. Minha mãe vive também
naquilo que faço. Ao escolher esta música italiana, minha língua materna, pensei no que
a letra conta: “Se você estivesse nos meus olhos por um dia, veria a beleza que, cheia de
alegria, eu encontro nos teus olhos, magia ou realidade... Se você estivesse no meu coração
por um dia, poderia ter uma ideia daquilo que sinto quando você me abraça... Respiremos
juntos”. Isto me remete às pessoas que amamos, que já morreram e vivem através de nós.
Lembro da cegueira, do não ver e do ver pelos olhos do outro. Ao continuar a ouvir a
música penso sobretudo como esse gesto, o convite de ser habitado pelo outro, não se refere
tanto ao olho, ao olhar, e sim ao que nos é próprio, singular. E com a rosa-roda também
sinto no peito algo que conta de uma relação amorosa, concreta, generosa. A letra da
música e a rosa que criamos com a regência de Eronides falam de um dar-se ao outro, do
dar nascimento, conascer, conhecer e fazer corpo com.
Esse dia a oficina foi diferente, e está cada vez mais encorpada. Ressalto que faz
tempo que ao final ninguém agradece a Deus, ninguém faz uma oração, mas o agrade-
cimento se faz presente no sentir a si e ao outro, na roda, na emoção, na flor, no sorriso
e no silêncio. Por um instante, lembro de algo que tenho observado e de um momento que
aconteceu no mês anterior. Ao final de uma oficina, Zé Carlos, sentindo a força gerada
grupalmente, rege nossas presenças. Pede para que canalizemos a energia mobilizada e
criada ali para o coração de um companheiro amargurado, que atrapalhava os encontros
do grupo da Convivência. Pergunto em voz alta que nome poderia ter essa força gerada.
Penso no amor e ao mesmo tempo dois deles dizem amor.
Eles estão se apropriando mais de nosso trabalho coletivo e criando com o que
acontece.
Escolhemos começar por este relato por alguns motivos: 1) gostaríamos
que o leitor pudesse estar em contato com a experiência que o produz; 2) busca-
mos descrever uma prática em curso, de modo que as múltiplas ações presentes
nos façam conhecer a produção de relações; 3) apostamos numa argumentação
conceitual associada à descrição de um processo de construção, intervenção e
investigação; 4) o relato apresenta diferentes temas que, tomados no recorte de
201
Laura Pozzana – Virgínia Kastrup
A OFICINA
A oficina Corpo, Movimento e Expressão foi criada a partir do desejo de
colocar em prática uma formação no Sistema Rio Aberto em ressonância com
outra, em Psicologia. No início havia, de modo ainda difuso, uma intuição: uma
prática regular com pessoas com deficiência visual – cegos e com baixa visão
– poderia ser fértil no cultivo de cada um, na produção de conhecimento e na
ampliação de mundo para todos nós.
Quem participa da oficina são pessoas que integram o Centro de Convi-
vência do Instituto Benjamin Constant, ligado à Divisão de Orientação e Acom-
panhamento (DOA). A Convivência, como é chamada usualmente no feminino,
é definida como um espaço de troca e sociabilidade para as pessoas com defi-
ciência visual que já passaram por um processo de reabilitação. A Convivência
foi uma saída criada pelos usuários do IBC, pessoas que não enxergam ou estão
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A RODA COMO MÉTODO DE APRENDIZADO DO MOVIMENTO COM PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL
perdendo a visão, para dar continuidade aos dois anos vividos na Reabilitação,
na qual frequentam diferentes atividades, tais como: a aprendizagem da leitura
e da escrita Braille, Orientação e Mobilidade (OM), Atividades da Vida Diária
(AVD), entre outras, como a cerâmica, a música, a tapeçaria, a psicologia grupal
e a massagem. Na Reabilitação muitos fazem amigos, aprendem novas práticas
e sentem o Instituto como um novo território existencial, mesmo passando ali
momentos difíceis. Assim, saindo da Reabilitação, entram para o Centro de
Convivência e seguem vinculados ao Instituto Benjamin Constant (IBC). Aos
poucos, vão cultivando certa autonomia nas escolhas e nas atividades oferecidas,
em sua maioria, por voluntários.
Algumas dessas atividades são coordenadas por alunos da Reabilitação,
pessoas que aprenderam ali e se disponibilizam para ajudar outros. É o caso de
Eronides, que se alfabetizou aprendendo Braille ao frequentar a Reabilitação em
momento de perda da visão, e hoje dá aulas de Braile. E José Carlos, baixa visão,
que se tornou monitor da oficina de cerâmica. Outras atividades são coordena-
das por profissionais que se oferecem como voluntários, sem receber retribuição
financeira pelo trabalho. Muitos já trabalham no IBC há anos e outros passam
pouco tempo. As atividades oferecidas são: cerâmica, música, tapeçaria, costura,
Braile, além de incluírem outras, como inglês, espanhol, canto, fisioterapia,
alongamento, psicomotricidade, teatro e a oficina de movimento e expressão,
chamada simplificadamente pela maioria de Expressão Corporal. As pessoas se
matriculam na Convivência anualmente e se inscrevem nas diferentes ativida-
des, por escolha própria. Louis Braille é o criador do sistema, que passou a ser
denominado apenas braile.
Nestes oito anos de oficina ainda em curso, 56 pessoas passaram por ela.
A idade dos participantes varia dos 40 aos 70 anos. Em sua maioria são idosos.
Alguns pararam por um período e voltaram, enquanto outros que pararam às
vezes voltam para dar um “oi” e contar algo. Outros seguem participando desde
o início. Os encontros, reunindo em média 16 pessoas, acontecem nas sextas-
-feiras pela manhã, na sala dos espelhos, no segundo andar do prédio da Edu-
cação Física e têm uma hora de duração. No primeiro ano, em 2007, a oficina
ocorria uma vez por mês, em 2008 e em 2009 acontecia duas vezes, em 2010 e
em 2011 três vezes e em 2012 tivemos encontros semanais. É relevante desta-
car que nos primeiros anos a frequência era oscilante. Algumas vezes fazíamos
203
Laura Pozzana – Virgínia Kastrup
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A RODA COMO MÉTODO DE APRENDIZADO DO MOVIMENTO COM PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL
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A RODA COMO MÉTODO DE APRENDIZADO DO MOVIMENTO COM PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL
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Laura Pozzana – Virgínia Kastrup
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A RODA COMO MÉTODO DE APRENDIZADO DO MOVIMENTO COM PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL
REFERÊNCIAS
BARBER, P. O.; LEDERMAN, S. J. Encoding Direction in Manipulatory Space
and the Role of Visual Experience. Journal of Visual Impairment & Blindness, p.
99-106, mar. 1988.
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Laura Pozzana – Virgínia Kastrup
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A RODA COMO MÉTODO DE APRENDIZADO DO MOVIMENTO COM PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL
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Laura Pozzana – Virgínia Kastrup
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OFICINANDO COM JOVENS:
Análise de Processos de Atenção
na Experiência com Jogos Digitais
Washington Sales do Monte
Karla Rosane do Amaral Demoly
Francisco Milton Mendes Neto
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Wa s h i n g t o n S a l e s d o M o n t e – K a r l a R o s a n e d o A m a r a l D e m o l y – F r a n c i s c o M i l t o n M e n d e s N e t o
E por que os jogos digitais? O mundo dos jogos digitais está bastante
presente em nosso cotidiano, especialmente nos últimos dez anos do século 21.
A propagação das tecnologias da informação e da comunicação, o avanço das
tecnologias móveis e o desenvolvimento de plataformas de mídias cada vez mais
precisas, com suas interfaces interativas, têm proporcionando experiência mar-
cante na vida de um jogador, seja ele criança, jovem ou adulto. Esses jogadores
são encontrados por toda parte, em casa, na escola, nas ruas, nas universidades.
O crescimento das indústrias de jogos digitais tem levantado muitas discussões,
pesquisas e estudos sobre a utilização, a influência e as potencialidades dos jogos,
especialmente quando nos dedicamos a buscar novas formas de conhecimento.
Neste texto analisamos a experiência dos jovens com o jogo e nos dedica-
mos a observar os processos de atenção, que são passageiros e mudam constan-
temente. Estes processos são considerados muito importantes para a realização
de tarefas de nossas atividades no dia a dia. Já ao iniciar nossos estudos sobre
este processo cognitivo, deparamo-nos com sua complexidade, pois não se trata,
neste caso, do que costumamos escutar no senso comum, de o sujeito ter ou
não a atenção. Conceitos apresentados como atenção podem indicar distração,
dispersão, concentração e focalização, pois todas estas são formas de funciona-
mento da atenção.
Na experiência com jogos digitais, as formas de atenção acontecem desde
a escolha dos jogos até as ações realizadas durante a interação com o jogo. Con-
forme Kastrup (2004), o estudo cuidadoso do funcionamento da atenção revela
que esta não é um processo único e simples de ser entendido. “O prestar atenção
é apenas um dos atos de um processo complexo, que inclui modulações da cog-
nição e da própria intencionalidade da consciência” (2004, p. 14).
Estamos partindo do pressuposto inicial de que os jogos digitais atraem
a atenção e despertam a curiosidade dos jovens, produzindo formas múltiplas
de linguajar em interações sociais, a partir do acoplamento com as ferramentas
tecnológicas disponibilizadas. Os jogos como ferramentas tecnológicas apresen-
tam, por meio de seus aplicativos e de suas interfaces, a possibilidade de fazer
com que jovens estabeleçam novas relações com o mundo, nos domínios do real
e do virtual, que compõem o que chamamos na experiência como a nossa (reali-
214
OFICINANDO COM JOVENS
dade), nossa no sentido de que é sempre uma realidade para um observador. Por
isso escrevemos entre parênteses, o que faz ampliar processos de atenção como
uma aprendizagem.
A discussão dos processos de atenção considera as valiosas construções de
Cláudia Freitas (2011), Virginia Kastrup (2004, 2008, 2007), Luciana Caliman
(2008, 2012) e De-Nardin e Sordi (2007, 2008).
A metodologia empregada na pesquisa será apresentada na terceira parte
do trabalho, uma pesquisa qualitativa e de caráter exploratório, pois observamos
diferentes momentos da interação de jovens com os jogos. Os procedimentos
metodológicos priorizam a invenção de uma experiência de oficinas com jovens,
favorecendo a análise de processos cognitivos. E aqui caberá discutir a oficina
como tecnologia presente em uma pesquisa-intervenção e nossa opção por esse
modo de pesquisar, quando buscamos analisar os movimentos da cognição, aqui
mais especificamente, as formas como a atenção funciona quando jovens atendi-
dos em um espaço de saúde mental jogam.
As oficinas oportunizam que todos os envolvidos (oficinandos e oficinei-
ros) construam suas próprias vivências e a interatividade com os jogos. Como
método de pesquisa que orienta o fazer da pesquisa, escolhemos a cartografia,
um método formulado inicialmente por Gilles Deleuze e Félix Guattari por
volta de 1995, tendo como um de seus conceitos básicos os “rizomas”, conceito
emprestado da Botânica para explicar a Filosofia como sistema aberto e sem
conceitos prontos, preexistentes, um método que é praticado e não “aplicado”.
A pesquisa tem como objetivo central analisar as formas de atenção
desencadeadas na experiência de jovens com os jogos digitais, para entender
como estas tecnologias podem potencializar processos de aprendizagem na expe-
riência do jogar. Buscamos, ainda, compreender como os processos de atenção se
modificam, funcionam na experiência dos jovens com jogos digitais. Queremos
entender o acoplamento sujeito/máquina na tecnologia jogo digital, modos de
interação dos jovens que vivem em diferentes circunstâncias de sofrimento psí-
quico – autismo, transtorno mental, depressão, entre outros modos e circuns-
tâncias que os acompanham.
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Wa s h i n g t o n S a l e s d o M o n t e – K a r l a R o s a n e d o A m a r a l D e m o l y – F r a n c i s c o M i l t o n M e n d e s N e t o
METODOLOGIA PROPOSTA
O estudo desenvolve-se metodologicamente com base nos conceitos da
pesquisa-intervenção e da cartografia praticada no processo/intervenção, ou seja,
nos processos que envolvem o pesquisador e os sujeitos da pesquisa (Maraschin,
2004).
Na cartografia como proposta metodológica, o que está em destaque não
são conhecimentos preexistentes, mas sim o que será construído no percurso,
na experiência do processo/intervenção. O método cartográfico é um verdadeiro
desafio pelo fato de intervir produzindo conhecimento.
A entrada do aprendiz de cartógrafo no campo da pesquisa coloca
imediatamente a questão de onde pousar sua atenção. Em geral ele se
pergunta como selecionar o elemento ao qual prestar atenção, dentre
aqueles múltiplos e variados que lhe atingem os sentidos e o pensamento
(Kastrup, 2009, p. 35).
216
OFICINANDO COM JOVENS
JOGOS DIGITAIS
O jogo digital que conhecemos hoje para fins de diversão está entre nós
desde os anos 70, mais especificamente no ano de 1977 nos Estados Unidos,
quando foi lançado no mercado o Atari 2600. Já no Brasil, o jogo digital chega
em 1983, provocando uma febre de vendas.
Os jogos digitais ou games, como são popularmente conhecidos, podem
ser encontrados atualmente em grupos de jogos, conhecidos graças à grande
vivência das pessoas com os computadores (Moita, 2006).
Assim, jogos passam por grandes mudanças com o desenvolvimento da
tecnologia e, com a popularização da Internet, integram a experiência cotidiana
dos jovens. Há pouco mais de uma década o que tivemos foi um grande processo
de desenvolvimento, o qual se tornou tão importante que chegou a ser com-
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Wa s h i n g t o n S a l e s d o M o n t e – K a r l a R o s a n e d o A m a r a l D e m o l y – F r a n c i s c o M i l t o n M e n d e s N e t o
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OFICINANDO COM JOVENS
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Percepção
É importante retomar a discussão sobre os modos de funcionamento da
atenção construindo um posicionamento sobre o que entendemos por percepção.
De acordo com Sternberg (2010, p. 65), a percepção “é o conjunto de processos
pelos quais é possível reconhecer, organizar e entender as sensações provenientes
dos estímulos ambientais”. Para os estudos de campo da Psicologia Cognitiva, a
percepção se constitui uma das modalidades mais estudadas por esses cientistas.
A forma como vemos e percebermos depende de como conseguimos organizar as
nossas sensações para formar um percepto, ou seja, “[...]uma representação mental
de um estímulo percebido” (2010, p. 65).
A percepção faz parte dos estudos da atenção e as definições podem
variar, conforme a corrente de pensamento que as acompanham. Para De-Nardin
e Sordi (2007, p. 82), o contexto das transformações que estão presentes na
mecanização da produção do capitalismo ocidental gerou “[...] uma dramática
impossibilidade para qualquer estruturação estável e duradoura da percepção –
e determinando, paradoxalmente, um forte regime disciplinar para a atenção”.
Ou seja, durante esse período, o problema da atenção passou a ser fundamental
nos estudos das psicologias científicas.
Para as autoras De-Nardin e Sordi (2007), com o desenvolvimento do
conceito da visão subjetiva, apresentado por elas por meio dos conceitos do novo
observador de Crary (fundador do conceito da atenção instrumental), o entendi-
mento passou a receber outras formas de pensamento, e não mais aqueles fixados
nos séculos 17 e 18, quando tínhamos a maior influência do pensamento newto-
niano. Ainda reforçam as autoras: “O processo de percepção inexoravelmente
atrelou a percepção a um corpo em movimento: passou a ser efeito e produto de
um corpo vivo, humano, com seu modo de funcionamento específico e passível
de ser afetado” (De-Nardin; Sordi 2007, p. 82).
A forma como percebemos os espaços virtuais, as cybercidades, os perso-
nagens, as associações com o mundo real, a forma de se relacionar, os gestos e
as formas de linguagem estão todos vinculados com a percepção que os sujeitos/
jogadores expressam no ato do jogar. Ao analisar os modos de jogar podemos
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nos deparar ou não com ações dos jogadores que interagem com os modos de
funcionamento da atenção que são sempre valorizados como pertinentes a uma
situação de aprendizagem, questão que discutiremos mais adiante. Aqui tra-
remos nossos estudos sobre estas duas formas de funcionamento da atenção: a
focalização e a concentração.
Focalização
Assim como a percepção, a focalização é mais um processo cognitivo
que está ligado aos estudos da atenção. Para Kastrup (2008, p. 195), “o que
caracteriza a focalização é a seleção do estímulo e a intenção de chegar ao reco-
nhecimento”.
Muitos acabam confundindo focalização com concentração, mas se trata
de dois processos cognitivos diferentes. A focalização não é um final do processo
de atenção ou até mesmo um modo de saber que o sujeito está concentrado. O
que se torna interessante para compreender o processo de focalização na ativi-
dade de jogar um jogo digital é estabelecer uma relação com o processo de um
oleiro que trabalha com o barro.
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OFICINANDO COM JOVENS
Concentração
A concentração está relacionada sempre aos processos envolvidos em
estudos e aprendizagens. Alguns especialistas sustentam que alguém até pode
aumentar o nível de concentração e que existe perda de concentração durante um
processo de aprendizagem, decorrente de fatores internos (biológico e psíquico)
e externos (estímulos físicos).
Encontramos nas propostas da aprendizagem um entendimento sobre
concentração. Conforme De-Nardin e Sordi (2008, p. 4), “[...] esta supõe a pos-
sibilidade de ir além da capacidade de executar tarefas, supõe uma possibilidade
inventiva e, portanto, uma cognição enquanto capacidade problematizadora”.
Ou seja, a concentração necessita (recorre) à distração, experimentando, assim,
descontinuidade no processo atencional, existindo, dessa forma, um retorno ao
objeto, não da mesma forma que se encontrava antes, mas já na forma de um
retorno transformado.
Muitos diagnósticos ligados ao TDAH estão voltados a problemas de
desatenção, falta de concentração, impulsividade e estão ligados aos estudos psi-
cofarmacológicos, quase sempre direcionados ao emprego da ritalina (Caliman,
2008).
A nossa proposta neste trabalho não é discutir ou apresentar esses aspec-
tos farmacológicos do processo da atenção, mas sua definição e relação com os
jogos digitais.
Caliman (2012), em sua pesquisa sobre “Os regimes da atenção na sub-
jetividade contemporânea”, apresenta os regimes de atenção e se interessa pelo
aspecto empresarial e a cultura da aparência, esclarecendo que:
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Dispersão e Distração
Outros pontos importantes para compreensão dos conceitos da atenção
são apresentados na análise sobre outros modos de funcionar da atenção: dispersão
e distração.
Tanto a dispersão quanto a distração são consideradas em muitos casos
indesejáveis diante da possibilidade de fazer frente ao funcionamento da atenção,
pois são responsáveis pelo “abandono” da tarefa que está sendo realizada, ou
como barreiras que impendem o funcionamento da atenção (De-Nardin; Sordi,
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ANÁLISE DA EXPERIÊNCIA
Analisar os tipos de atenção no encontro de jovens com as tecnologias
jogos digitais não se traduz como uma tarefa muito fácil, justamente pela quan-
tidade de inscrições em cada oficina realizada no CAPSi e pela potencialização
nos processos que as ações dos jogadores mostram no decorrer da pesquisa.
Apesar de essa pesquisa ter sido aprovada pela Comissão Nacional de
Ética em Pesquisa – Conep (código: 15935613.0.0000.5294), optamos por pre-
servar os jovens de qualquer modo de identificação, utilizando nomes fictícios.
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David opera atenção flutuante. Esse tipo de atenção também pode ser
descrito como uma atenção concentrada e aberta sem intenção e sem foco. Uma
atenção que mobiliza a experiência.
À medida que suas experiências vão aumentando, David procura logo
superá-las, assim como faz um jogador. A prova mais fiel dessa coordenação de
ação está descrita no mapa nº 3, em que David jogou até conseguir vencer a
própria máquina.
David parece ser um jogador nato. Durante a oficina de hoje foi apresen-
tado para um jogo de bicicross. Um jogo bastante complexo por necessitar
de várias habilidades cognitivas e motoras, e o jogador disputa com o
próprio computador. Esse jogo pode ser jogado tanto na primeira pessoa
quanto na segunda. Parece que o Inácio também gosta bastante dele.
Por vários minutos David é desafiado pelo computador e percebe que
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OFICINANDO COM JOVENS
ele começa a travar uma batalha de horas. Ele quer vencer e depois de
várias tentativas ele conseguiu chegar primeiro do que o computador.
Vibrou muito e chamou todos para ver a sua vitória, e de fato nenhum
outro jogador das oficinas havia vencido o computador anteriormente
(Excerto nº 3 – Observando as ações da jovem David – 28 set. 2012).
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O mapa nº 5 apresenta uma das ações de alguns jogos presente nas ofi-
cinas, a disponibilidade de compartilhar suas experiências. De fato, percebemos
que os bons jogos digitais, como apresenta Gee (2009), têm a capacidade de
produzir alguns princípios de aprendizagem. Para esse autor, interação consiste
na relação que os jogadores têm com o próprio jogo, ou seja, não vai acontecer
se o jogador não interagir. O processo de feedback do jogo só é possível a partir
da indicação do jogador. Os jogadores são diferentes do que muitos imaginam,
ou seja, além de consumidores, também são produtores. Complementando esse
processo de produção dos jogadores, percebemos que essa produção pode sair
do mundo virtual e ser compartilhada com o colega que se encontra ao lado, ou
que pede ajuda nas oficinas em determinado momento. A agência corresponde
à capacidade dos jogadores de terem sensação de agência de controle, de fato
uma sensação de propriedade do que estão fazendo.
Os princípios de desafios e consolidação para o autor estão presentes nos
bons jogos. Trata-se na verdade de um conjunto de problemas lançados pelo
jogo, quando o jogador terá a capacidade de resolvê-los, depois de ter virtuali-
zado sua rotina, ou automatizado suas soluções (Gee, 2009, p. 172). Parece-nos
que esta indicação aproxima-se da ideia de prontidão-para-ação no presente.
Esclarece Varela (2003, p. 78):
De fato, a chave para a autonomia é que um sistema vivo encontre seu
curso no momento seguinte, agindo de maneira adequada a partir de
seus próprios recursos. E são os colapsos, as junções que articulam os
micromundos, que constituem a origem do lado autônomo e criativo
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OFICINANDO COM JOVENS
da cognição viva. Esse bom senso deve então ser examinado em uma
microescala: no momento durante o qual ocorre um colapso ele realiza o
nascimento do concreto (grifo do autor).
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A primeira impressão que tive desse jovem foi que ele não iria gostar
de participar das oficinas de jogos, como descrito no mapa nº 6, pois seu inte-
resse quase sempre era outro, no entanto depois que os computadores e jogos
foram instalados começamos a ter algumas surpresas em relação aos interesses
de Inácio. O mapa de nº 7 traz suas primeiras interações com os jogos digitais.
Hoje todos parecem meio agitados. Mas é muito bom ver as oficinas
assim, os participantes resolveram ficar próximos de Inácio e ele que-
rendo jogar. Na oficina anterior apresentamos para ele um jogo de heli-
cóptero e ele gostou muito. Neste jogo de estratégia, inimigos precisam
ser destruídos para que uma nave possa ir para a próxima missão. Não
incentivávamos este tipo de jogo, parecia bastante agressivo, mas eles
descobriram no ambiente. Essas missões não são muito simples, Inácio
não consegue passar da primeira fase que constitui um tutorial, mas
continua jogando. Talvez porque neste jogo pode aprender a controlar o
helicóptero com o mouse, o jogo tem vários tipos de sons, naves, carros,
tiros de bombas, estouros que acontecem. Não conseguimos identificar
o que exatamente mobiliza sua atenção, mas ele consegue jogar e fica
focado, interage comentando o jogo com os outros colegas do ambiente
da oficina (Excerto nº 7 – Observando as ações da jovem Inácio – 8 jun.
2012).
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OFICINANDO COM JOVENS
uma resposta diferente desta, quando é sim porque é sim e não porque é
não. Assim, passamos a observar as ações que não ficam claras nas falas.
Suspeitei que fosse o gráfico do jogo que chamasse sua atenção: limpo,
claro e fácil de jogar para todos. Hoje esse jovem mostrou que está
jogando, o que chamou a atenção de todos no ambiente, Inácio passou a
explorar os demais jogos. Chegou a interagir com o jogo da bicicleta, o
que não é uma ação simples, requer uma atenção mais focada, chegando
à concentração, bastante habilidade e reações rápidas aos movimentos
dos ciclistas para que a bicicleta não caia (Excerto nº 8 – Observando as
ações da jovem Inácio – 16 ago. 2013).
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que ainda não tinha ocorrido em outras oficinas; neste instante quer algo
mais, quer jogar novos jogos (Excerto nº 9 – Observando as ações da
jovem Inácio – 17 maio 2013).
Já não existe mais dúvida sobre a utilização dos jogos digitais como uma
ferramenta que potencializa os processos de atenção. Os jogos têm a capacidade
de criar ambientes imersivos, produzindo assim experiências sensório-motora do
próprio corpo, apresentando imersão baseada no conceito de Murray (2003, p.
102) quando destaca:
A experiência de ser transportado para um lugar primorosamente simu-
lado é prazerosa em si mesma, independente do conteúdo da fantasia.
Referimo-nos a essa experiência como imersão. “Imersão” é um termo
metafórico derivado da experiência física de estar submerso na água.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo buscou investigar como os processos de atenção acontecem
na experiência de jovens e como esses processos se modificam na experiência do
jogar. Neste caso, de 2 (dois) jovens que são atendidos pelo CAPSi Mossoró/RN.
Essa é a questão maior que tentamos explicar no decorrer de toda essa pesquisa.
Assim, buscamos compreender como jovens experimentam os proces-
sos de atenção nas oficinas de jogos digitais desenvolvidas em um CAPSi no
município de Mossoró/RN. Fizemos uma imersão em leituras que consideramos
essenciais para a trabalho, ao mesmo tempo em que organizamos a experiência
da pesquisa intervenção com jovens, criando as condições para que acontecessem
oficinas no CAPSi.
O objetivo central deste estudo foi analisar as formas de atenção desen-
cadeadas na experiência de jovens com os jogos digitais, para entender como
estas tecnologias podem potencializar processos de aprendizagem na experiência
do jogar. No decorrer do trabalho foi possível entender que os jogos digitais
apresentam-se como grandes potencializadores tecnológicos desse processo.
Neste caso, os jovens atendidos no CAPSi passaram a ser sentidos, aco-
lhidos, como sujeitos que, como nós, vivem, se alegram, se entristecem e fazem
movimentar o processo da atenção. Processo este que interage muito com o
modo como os objetos, as situações, são apresentados a eles. Como bem nos
ensina Freitas (2011), a quem endereça o olhar quando presta ou quando não
presta a atenção. A atenção aqui foi analisada em suas múltiplas formas de
funcionamento, não como um mecanismo binário em que, equivocadamente,
ainda vimos acontecer, quando se considera que um sujeito tem ou não atenção.
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ponível em: <http://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/6651/3968>.
Acesso em: 5 nov. 2013.
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SAÚDE MENTAL E EDUCAÇÃO INCLUSIVA:
Um Estudo da Saúde Mental dos Professores que
Atuam com a Inclusão de Crianças com Deficiência
na Rede Municipal de Garanhuns/PE
Mylena Carla Almeida Tenório
Deise Juliana Francisco
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SAÚDE MENTAL E EDUCAÇÃO INCLUSIVA
Com isso, este estudo visou a contribuir, ainda que como abordagem
inicial, para uma análise e compreensão dos processos, fatores, situações e con-
dições de saúde e adoecimento mental do professor que atua no processo de
inclusão de alunos com deficiência, a fim de propor estratégias de enfrentamento
dessa problemática docente. O que não quer dizer que uma solução imediata
será proposta, mas os dados coletados servirão de base para que essa intervenção
aconteça, em parceria com a Secretaria de Educação e Saúde do município no
qual o estudo foi realizado.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O processo de inclusão
Para compreendermos melhor o processo de inclusão no atual cenário
brasileiro, partimos dos inúmeros questionamentos que estão sendo levantados
a cada dia, seja em meio a discussões acerca do sistema educacional, a institui-
ção escolar, as políticas públicas, a função social e a atuação do professor, bem
como as práticas inclusivas que chegam nas escolas regulares como inclusão da
diversidade. Pensando nos documentos de base legal que norteiam essa modali-
dade, destacamos que a Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988), que visa a
“promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação” (artigo 3º, inciso IV), além de esta-
belecer a “igualdade de condições de acesso e permanência na escola” (artigo
206, inciso I), foi um dos primeiros documentos a abordar a temática, chegando
atualmente a mais recente lei de n° 13.146, de 6 de julho de 2015, que institui
a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Brasil, 2015b), vindo a
declarar a educação como direito de todos, inclusive da pessoa com deficiência,
“assegurado sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao
longo de toda a vida [...]” (artigo 27, Capítulo IV).
Com a Declaração de Salamanca de 1994, esse movimento foi fortalecido
a partir da Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais:
Acesso e Qualidade, que aconteceu entre os dias 7 e 10 de junho, na cidade de
Salamanca (Organização..., 1994), sendo considerada um dos grandes marcos
da Educação Especial, ao tratar de princípios, políticas e práticas na área das
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e singulares que variam de acordo com a área de cada um, tendo em vista que
esse profissional é um trabalhador que traz consigo personalidade, história de
vida, gênero e estilo de vida próprios.
Dessa forma, percebemos que com a educação, mesmo se tratando de um
trabalho que depende da força humana, não há uma valorização desse âmbito
como direito fundamental da sociedade, mostrando-se necessária a ideia de luta
constante para efetivação desses parâmetros, demonstrando a sua importância
perante o Estado, entidade que deve compreender os interesses da classe, a
fim de proporcionar um trabalho em conjunto para melhor desenvolvimento
(Campos; Leal; Facci, 2016, p. 226). Sendo assim, podemos constatar que
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A Lei nº 9.394/96- LDB em seu artigo 14 atribuiu aos sistemas de ensino a tarefa de definir
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as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas
peculiaridades e conforme os seguintes princípios: I – participação dos profissionais da educação
na elaboração do projeto pedagógico da escola; II – participação das comunidades escolar e local
em conselhos escolares ou equivalentes (Brasil, 1996, p. 5).
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SAÚDE MENTAL E EDUCAÇÃO INCLUSIVA
PERCURSO METODOLÓGICO
As questões levantadas ao longo da pesquisa foram respondidas por meio
da abordagem metodológica qualitativa, a fim possibilitar aos professores, par-
ticipantes da pesquisa, expressarem seus sentimentos e situações vivenciadas em
meio ao âmbito do estudo, mostrando os múltiplos aspectos e particularidades
envolvidos nos processos de adoecimento durante o exercício do trabalho docente
com alunos incluídos e identificar seus fatores condicionantes. Dessa forma,
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iniciais da rede municipal da cidade tiveram nota média de 4,5 no ano de 2015.
Em comparação com cidades do Estado de Pernambuco, a nota dos alunos dos
anos iniciais colocou Garanhuns na posição 95 de 185 (Instituto..., 2016).
Após seleção das escolas campo de pesquisa na Secretaria Municipal de
Educação, participaram do estudo três escolas da rede que funcionam nos turnos
da manhã e tarde, do 1° ao 5° ano do Ensino Fundamental. Conforme dados for-
necidos pela Secretaria Municipal de Educação – Seduc – em um levantamento
referente ao ano de 2016, a Rede Municipal de Ensino está organizada em um
total de 57 escolas, das quais 26 na zona urbana e 31 no campo. Dessas escolas
que compõem a rede 38 têm alunos com deficiência incluídos em turmas regu-
lares e 9 possuem salas de recursos multifuncionais. O quantitativo de alunos
da educação inclusiva é de 365. Em 2017 esse quantitativo total de alunos com
deficiência incluídos está em 377, segundo dados atualizados da Seduc, o que
representa um aumento de 7% desse público nas escolas da rede municipal de
ensino em um ano.
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origina-se da não parceria com a família, pois esta não participa nem colabora
com os objetivos e estratégias propostas para o desenvolvimento de atividades
para esses alunos.
As entrevistas continuam sendo analisadas, principalmente as que per-
tencem ao grupo de abordagem qualitativa, que utilizarão a análise de conteúdo
como instrumento de interpretação dos dados coletados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base nos dados que já foram coletados, conclui-se que a ativida-
de docente sofre constante transformação no âmbito educacional, fazendo-se
necessário um olhar não para o público atendido por esses profissionais, mas
para as necessidades emergentes da realidade do dia a dia do campo de atuação.
Em educação, o trabalho docente e suas relações com a saúde vêm servindo de
objeto de estudo de diversas áreas do conhecimento, com essa temática consti-
tuindo alvo de atenção crescente nos últimos anos. Com isso, busca-se entender
as relações entre o processo de trabalho desenvolvido pelos professores, as reais
condições nas quais se encontram e as possíveis causas de adoecimento físico
e mental desses atores que estão diretamente ligados ao processo de ensino e
aprendizagem dos seus alunos.
A partir do que já foi coletado, podemos perceber que a saúde mental
dos professores foi intitulada por eles como sendo aquele momento que abarca
as angústias em meio ao que está acontecendo na prática. No que diz respeito
à inclusão escolar dos alunos com deficiência eles encontram-se despreparados e
sem formação ou suporte necessários da equipe de gestão da educação do muni-
cípio, que não escuta ou intervém nos espaços escolares.
REFERÊNCIAS
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2011. Institui o Fórum Estadual de Educação de Pernambuco- FEE/PE. Recife.
Diário Oficial do Estado de Pernambuco, 19 out. 2011.
267
M y l e n a C a r l a A l m e i d a Te n ó r i o – D e i s e J u l i a n a F r a n c i s c o
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ESTUDANTES NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM
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O PERCURSO METODOLÓGICO
A pesquisa que desenvolvemos é uma pesquisa-intervenção, de natureza
qualitativa, que considera as recorrências percebidas nas produções dos estudan-
tes durante uma experiência envolvendo imagens fotográficas. Essa pesquisa,
embora não desconsidere os demais sujeitos da escola, busca um entendimento
sobre a autoria dos estudantes no processo de aprendizagem, por meio das pro-
duções na pesquisa pelos próprios alunos.
Na pesquisa-intervenção o participante é um sujeito, sua metodologia
baseia-se no potencial dos encontros, na produção de acontecimentos, de inven-
ção e de experimentação (Paulon, 2005). Utilizaremos a metodologia de primeira
pessoa que indicamos com base no conceito de enação que envolve toda atividade
de conhecimento.
O percurso comentado apresenta-se como método no qual o pesquisador
propõe aos sujeitos que transitam com constância ou não em um determinado
lugar a realizarem um percurso enquanto descrevem as percepções e emoções
sentidas num ambiente sensível. O enfoque do ambiente sensível, entretanto,
ao trazer este método para a pesquisa, não está apenas na qualidade que este
atribui as emoções dos estudantes, mas na conexão entre o estudante e o seu
território escolar.
Na pesquisa fizemos algumas transformações neste método, pois tivemos
como proposta um convite a um grupo de dez estudantes para percorrer a escola
através do olhar fotográfico, os quais após este percurso participaram de uma
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interconexão entre todos durante todo o processo das oficinas. Esclarecemos que
a organização em eixos não segue uma ordem cronológica e a situamos assim
apenas como forma de melhor estruturar uma organização dos nossos fazeres.
Entendendo que este pesquisar vai se modulando à medida que vamos
tecendo relações com os sujeitos estudantes, seja pelas narrativas que vão cons-
tituindo nossas considerações, no nosso olhar do observador implicado com o
fazer (Maturana; Varela 2001), ou ainda nos recortes do cotidiano escolar nos
quais fazemos nossas análises observacionais.
E destacamos ainda que o percurso inicia-se desde este momento com a
escrita num diário de campo das percepções do pesquisador construídas na obser-
vação do que experimenta ao ingressar na escola, ao conversar com o grupo de
estudantes e segue mediante novos procedimentos quando se iniciam as oficinas
propriamente ditas. Neste contexto da experiência propomos a organização de
um conjunto de oficinas que oportunizam formas de exercício de autoria com a
produção de imagens e, ao mesmo tempo, abre um espaço de conversação para
os estudantes de modo que possam falar do que experimentam na escola.
Os dados da pesquisa vão se mostrando a todo instante na experiência
e com isso construímos um diário de campo do pesquisador como objeto de
registro. Este material nos acompanha durante todo o percurso das oficinas e o
temos como referência na identificação das recorrências nas falas dos estudantes
articulados no eixo da autoria e da aprendizagem.
As escritas no diário de campo são tomadas de significação para o desen-
volvimento das análises que produzimos durante e após a permanência no
campo. Utilizaremos ainda como registros das produções na pesquisa um gra-
vador de áudio como meio de registro das percepções dos estudantes durante
o percurso fotográfico. Assim, estas ferramentas de registro da pesquisa atuam
como um campo para guardar, no sentido de manter vivo o conjunto de análises
dos estudantes e também as minhas análises durante a experiência.
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Kézia Viana Gonçalves – Karla Rosane do Amaral D emoly
Aquino: A gente é que vai mexer com essas coisa é? Eu quero o tablet.
Oliveira: É? (admiração)
Silva: Eu quero o tablet também porque eu nunca mexi num tablet.
Nascimento: Menino, é qualquer coisa, o que lhe derem (Diário de
campo, junho/2013).
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ESPAÇOS DE AUTORIA E LEGITIMAÇÃO DOS ESTUDANTES NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM
Figura 2 – Fotografando
Sousa: Eu já tinha mexido com uma câmera, mas não com um tablet!
É fácil!
Oliveira: O sonho do pessoal da escola é mexer no computador. Posso
olhar o meu facebook? Eu amo o facebook.
Silva: Eu também gosto demais do facebook, só que aqui na escola a
gente não pode. Tem Internet, mas é só para os professores e o pessoal
da diretoria (Diário de campo, junho/2013).
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Sousa: Essa foto ficou muito legal! Quem tirou? Parece foto de profis-
sional né?
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Kézia Viana Gonçalves – Karla Rosane do Amaral D emoly
Aquino: Fui eu! Achei legal tirar essa foto porque o menino tá lendo e a
maioria dos alunos só quer tá on-line no facebook e não liga pros estudos.
Freitas: Aqui na escola não tem acesso a computadores e muito menos
ao facebook.
Nascimento: Graças a Deus, porque senão a gente tinha de enfrentar fila,
porque se tivesse acesso ao facebook todo mundo queria.
Aquino: É mesmo! Que bem dizer que você também não queria?
Nascimento: [Risos] Oh se não queria, principalmente se pudesse sair da
aula (Diário de Campo, agosto/2013).
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ESPAÇOS DE AUTORIA E LEGITIMAÇÃO DOS ESTUDANTES NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM
Oliveira: Eu não sei por que esse colégio ganhou 3 prêmios de qualidade,
mas talvez porque não falta professor nas salas.
Nascimento: A escola merece esse prêmio, quando as crianças do mundo
da literatura não têm roupa o pessoal da direção e os professores dão o
máximo jeito de conseguir as roupas. Você diz isso porque não passou 4
anos aqui nessa escola. Você tem pouco tempo aqui na escola, por isso
pensa assim.
Silva: Não é verdade. A gente não precisa só de roupa. Tem muita coisa
que precisa ser melhorado aqui. Essa escola é boa pra aqueles alunos
que participam das coisas que tem aqui: teatro, canto, violão, mas pra
gente não. Não tem nem computador! (Diário de campo, agosto/2013).
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Basílio: Esses violões são dos alunos que participam do Mais Educação. Só
pode participar quem recebe um papel da escola. Eu queria participar,
queria fazer aula de violão. Ano passado eu participei do Mais Educação.
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Kézia Viana Gonçalves – Karla Rosane do Amaral D emoly
O livro mostrou-se nas análises dos estudantes como um dos objetos mais
fotografados, numa referência de ser um elemento fundamental na aprendizagem
escolar. Abrimos um espaço nas conversações para a observação destas fotogra-
fias, para que os estudantes pudessem falar sobre as significâncias deste objeto,
o livro no processo de aprendizagem escolar. São considerações que divergem
da perspectiva que toma a imagem meramente como modo de representação
de uma realidade.
Figura 8 – O livro
Pinheiro: No livro tem as matérias pra gente estudar. Quando tem prova
os professores mudam a gente de canto, só alguns que deixam pesquisar
do livro.
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Sousa: Todo mundo tem livro, o professor chega, pede para abrir o livro
e já diz a página. E aí a gente fica conversando sobre outras coisas, dando
risada e o professor manda a gente calar a boca e fazer o dever (Diário
de campo, setembro/2013).
Nascimento: Era pra ser como as aulas de Artes com pintura, dobradu-
ras, origami, em Matemática não tem. As aulas de Matemática é dever,
dever, dever. Acabando dever é outro
Pinheiro: Uma aula bem legal de Matemática seria uma sem dever,
usando computador. A aula podia ser no pátio, ser mais divertida com
menos dever. Dava até pro professor trazer o quadro (Diário de campo,
setembro/2013).
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Sousa: Foi bem legal, com a câmera tiramos fotos dos lugares da escola
e percebemos coisas que até então não tinha percebido. Foi interessante
por que as pessoas olhavam para a gente, me senti importante (risos).
Vieira: As pessoas olhavam para a gente com a câmera e perguntavam o
que a gente estava fazendo. Eu disse que tava participando de um projeto
de tirar foto (Diário de campo, setembro/2013).
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ESPAÇOS DE AUTORIA E LEGITIMAÇÃO DOS ESTUDANTES NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao término do estudo, situamos algumas considerações desta pesquisa-
-intervenção a partir das transformações dos sujeitos participantes, considerando
um pesquisador que, durante todo o processo do trabalho, foi experimentando
transformações, significando seu fazer e, com isso, inventando outros percursos
na pesquisa com os sujeitos pesquisados.
Percebemos o refazer-se no processo de conhecimento quando os estudan-
tes conversavam sobre os modos de aprender na escola por meio da fotografia. A
aprendizagem, antes entendida como uma captação de um mundo, como alguém
que recebe passivamente as informações vindas de fora, passa a ser percebida
como um processo, acontecendo na experiência. E aqui constatamos a preferência
dos estudantes pelas práticas que favorecem o exercício da autonomia.
O exercício de autoria com imagens fotográficas, a partir das explicações
que se faziam na linguagem, oportunizou desdobramentos para uma aprendiza-
gem na escola tecida na legitimação dos sujeitos. Durante o percurso fotográfico,
os estudantes foram produzindo e inventando territórios escolares com sentidos
para o aprender, objetos técnicos digitais, configuram na produção deles outros
territórios para atuarem.
No decorrer da pesquisa percebemos o prazer dos estudantes nas ativida-
des em que podem se colocar como autores no processo de conhecer, ao mesmo
tempo que apontam desejos de interagir com as tecnologias digitais. Tal circuns-
tância leva-nos a pensar em novos formatos para o aprender na escola, em que
as tecnologias sejam pensadas numa condição de autoria, como articuladoras de
uma educação conectada com o viver dos sujeitos.
REFERÊNCIAS
BARTHES, R. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1984.
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil Platôs. Capitalismo e esquizofrenia. Rio de
Janeiro: Editora 34, 1995. 715p.
DEMOLY, K. O lugar da professora na escola: mecanismos institucionais de poder-
-saber. 2. ed. Ijuí: Ed. Unijuí, 1999.
291
Kézia Viana Gonçalves – Karla Rosane do Amaral D emoly
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ADVERSIDADES, ESTRESSE E ENFRENTAMENTO
ENTRE ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS
Remerson Russel Martins
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Remerson Russel Martin
mais fortes e estreitos. Nesta direção, Bolsoni-Silva et al. (2016) expressam que
um repertório de habilidades sociais deficiente foi preditor de depressão em uma
amostra de 128 universitários.
Em outra direção, pode-se observar uma correlação positiva entre apoio
social e o autoconceito do estudante (Matias; Martinelli, 2017), elemento este
que se opõe à depressão. Aspectos como autoconceito, autoeficácia, autoestima,
além da própria formação da identidade profissional, contribuem para melhores
níveis de saúde mental. O ambiente acadêmico, no entanto, é um espaço rico
em situações estressoras que podem contribuir para o sofrimento psíquico e
adoecimento mental do estudante (Lima et al., 2016). Cabe então perguntar-
-se como o estudante universitário reage a situações estressoras ou adversas na
universidade, desde os momentos iniciais de adaptação nos primeiros períodos,
passando pelo seu envolvimento em atividades extraclasse, como pesquisa, exten-
são e eventos acadêmicos, até a sua saída da faculdade. Dentro desse cenário,
este texto busca discutir as reações do estudante universitário diante de situações
adversas e estressoras vivenciadas no ambiente acadêmico.
ESTRESSE NA UNIVERSIDADE
O estresse pode ser definido como “um processo pelo qual a pessoa
percebe e responde a eventos que considera desafiadores ou ameaçadores”
(Straub, 2014, p. 84). Essa definição ressalta dois pontos importantes. Primeiro,
o papel da percepção ou da avaliação cognitiva acerca dos eventos vivenciados
pelo sujeito. Este ponto está em acordo com o modelo transacional do estresse
proposto por Lazarus e Folkman (1984). Neste modelo o estresse não pode ser
entendido apenas como uma relação entre o evento estressor e a resposta estres-
sora do sujeito. Intermediando esta relação há a avaliação cognitiva do sujeito
sobre como ele percebe tanto o evento quanto suas habilidades para lidar com
ele.
Assim, a percepção de um evento é seguida de uma avaliação primária,
que irá caracterizá-lo como irrelevante, positivo ou ameaçador/desafiador. Esta
avaliação primária do evento é seguida de outra, secundária, acerca das habili-
dades e opções de enfrentamento que o sujeito dispõe para lidar com o mesmo.
Desse modo, a percepção de um evento como irrelevante ou positivo para a vida
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desafios físicos e/ou sociais de forma imprevisível ou contínua, indo além dos
limites habituais de intensidade, previsibilidade e duração, o organismo passa a
trabalhar em níveis fisiológicos, psicológicos e comportamentais mais elevados
(McEwen, 1998). Dessa forma pode-se afirmar que
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Investigar as relações do estudante com a universidade é muito impor-
tante. Há diversos aspectos que estão entremeados nesta relação: as políticas
públicas sobre a educação, o contexto político e econômico em que estudantes,
professores e a instituição universitária se inserem, aspectos mais locais relacio-
nados à história de vida e características individuais do estudante, a estrutura
do seu curso, etc. Diversos elementos contribuem para que a universidade seja
ao mesmo tempo um espaço de oportunidades, mas também de adversidades.
Em maior ou menor grau a academia será uma constante fonte de estresse ao
estudante (Coccia; Darling, 2016; Lima et al., 2016). O que irá colaborar para
que esse estresse seja visto como um desafio ou simples adversidade é sua conse-
quência sobre o estudante – seu crescimento ou sua deterioração. A partir daí há
necessidade de estudos sobre quais fatores contribuem para essas consequências.
Entender os efeitos negativos do estresse sobre a vida do estudante é
algo amplamente abordado pela literatura nacional e internacional. Seguindo,
porém, a linha proposta pela Psicologia Positiva (Seligman; Csikszentmihalyi,
2000), também há a necessidade de explorar de que forma situações adversas,
estressoras e a princípio negativas podem resultar no crescimento e amadureci-
mento deste estudante, para assim obter-se subsídios de como ajudar os alunos
que vivenciam tais situações em sua vida não apenas prevenindo os efeitos (psico)
patolólogicos, mas contribuindo para o seu fortalecimento diante da adversidade.
No que diz respeito às estratégias de estudo empregadas pelos alunos,
aqueles que orientam sua vida acadêmica pelo medo do fracasso e da reprovação
tendem a adotar métodos de estudo mais superficiais, focados na memorização
fragmentada e acúmulo de informações desordenadas (Galvão; Câmara; Jordão,
2012). Estes estudantes estão tentando administrar as situações estressoras, bus-
cando o menor prejuízo possível, mesmo que sua aprendizagem e formação no
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ADVERSIDADES, ESTRESSE E ENFRENTAMENTO ENTRE ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS
longo prazo fiquem comprometidas. Por outro lado, aqueles que conseguem
crescer diante de todas as adversidades vivenciadas demonstram o desenvol-
vimento de habilidades importantes de aprendizagem, pois não só conseguem
superar os obstáculos, mas também se desenvolvem como sujeitos – estudante
e profissional. Assim, a necessidade de compreender como alguns estudantes
conseguem evoluir diante de situações adversas tem implicações importantes
para a sua aprendizagem.
Por último, os estudos sobre como as pessoas superam as situações de
adversidade têm mostrado um papel importante para a ideia de otimismo –
expectativas positivas sobre o futuro têm se relacionado positivamente com res-
postas mais adaptativas à adversidade, menores índices de estresse percebidos e
estratégias de enfrentamento mais eficientes (Carver; Scheier; Segerstrom, 2010).
Situações observadas pelo prisma de um otimismo realista – sem subestimar as
dificuldades, nem superestimar os recursos – têm maior potencial para gerar o
crescimento do sujeito que as vivenciam. Uma abordagem cognitiva sobre como
o estudante compreende a si mesmo, seus colegas e professores, a universidade
a sua volta, podem trazer mais luz acerca dos problemas e soluções buscados
neste terreno.
REFERÊNCIAS
BOLSONI-SILVA, A. T. et al. O Impacto das habilidades sociais para a depressão
em estudantes universitários. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 32, n. 4, 2016. Dispo-
nível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S0102-
-37722016000400212&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt>. Acesso em: 1º out
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CARVER, C. S. Resilience and Thriving: Issues, Models, and Linkages. Journal
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CARVER, C. S.; SCHEIER, M. F.; SEGERSTROM, S. C. Optimism. Clinical
Psychology Review, Positive Clinical Psychology, v. 30, n. 7, p. 879-889, 1º nov.
2010.
COCCIA, C.; DARLING, C. A. Having the Time of Their Life: College Student
Stress, Dating and Satisfaction with Life. Stress and Health: Journal of the Inter-
national Society for the Investigation of Stress, v. 32, n. 1, p. 28-35, fev. 2016.
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Remerson Russel Martin
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ADVERSIDADES, ESTRESSE E ENFRENTAMENTO ENTRE ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS
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OFICINANDO COM OS EXERGAMES:
Habitando Territórios ainda Pouco Explorados
Adilson Rocha Ferreira
Deise Juliana Francisco
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Adilson Rocha Ferreira – Deise Juliana Francisco
O FENÔMENO DO JOGO
A humanidade produz jogos desde os tempos mais remotos que temos
registrados (Coelho, 2011). O jogo, ou mesmo o ato de jogar, é tema de grandes
discussões atuais, inclusive aquelas que ainda se debruçam sobre sua história e
sua origem.
Considerado o “Pai da História”, epíteto conferido pelo orador romano
Cícero no século 1º a.C. (Heródoto, 2015), o historiador grego Heródoto foi
o responsável pela invenção da palavra história (historíaí – uma derivação do
termo histor), que significa “aquele que sabe”, aquele que conhece por meio de
“interrogações”, por “informar-se” a respeito de algo, daí “investigar”, como
expressa o verbo historéõ, do qual deriva esse substantivo. Heródoto, contudo,
foi o primeiro a criar um método histórico capaz de retratar e explicar a história
dos povos do seu tempo.
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OFICINANDO COM OS EXERGAMES
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Adilson Rocha Ferreira – Deise Juliana Francisco
Fonte: <https://goo.gl/vVC5NT>.
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OFICINANDO COM OS EXERGAMES
Com isso, podemos perceber que já existiam algumas teorias que ten-
tavam explicar o fenômeno do jogo, mas que não eram suficientes, haja vista
a amplitude do tema, de forma que cada autor tentou defini-lo a partir de sua
perspectiva particular e singular. Desse modo, não se tratava de pensar o jogo
como uma manifestação da cultura, e sim de afirmar o caráter lúdico da própria
cultura, afinal, para o autor, a cultura é estabelecida a partir das formas de jogo,
devido ao fato de os aspectos lúdicos se manifestarem na cultura (Telles, 2015).
Huizinga (2014) vai ao extremo ao considerar que, na verdade, o jogo é mais
antigo que a própria cultura, levando em consideração que esta pressupõe a
sociedade humana, pois, segundo ele:
Os animais brincam tal como os homens. Bastará que observemos os
cachorrinhos para constatar que, em suas alegres evoluções, encontram-
-se presentes todos os elementos essenciais do jogo humano. Convidam-
-se uns aos outros para brincar mediante um certo ritual de atitudes e
gestos. Respeitam a regra que os proíbe morderem, ou pelo menos com
violência, a orelha do próximo. Fingem ficar zangados e, o que é mais
importante, eles, em tudo isto, experimentam evidentemente imenso
prazer e divertimento. Essas brincadeiras dos cachorrinhos constituem
apenas uma das formas mais simples de jogo entre os animais (Huizinga,
2014, p. 3).
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Adilson Rocha Ferreira – Deise Juliana Francisco
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OFICINANDO COM OS EXERGAMES
OFICINAS TERAPÊUTICAS
A fim de instituir ações para apoiar a busca pela autonomia dos usuários
dos serviços, com a Portaria GM nº 336, de 19 de fevereiro de 2002, surgem as
oficinas terapêuticas, constituindo a principal forma de tratamento oferecido no
CAPS (Brasil, 2002). Essas oficinas são atividades desenvolvidas em grupos com
a presença e orientação de profissionais que têm vários objetivos, ou seja, oficinas
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OFICINANDO COM OS EXERGAMES
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OFICINANDO COM OS EXERGAMES
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Adilson Rocha Ferreira – Deise Juliana Francisco
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OFICINANDO COM OS EXERGAMES
Fonte: <https://goo.gl/Rjs3eh>.
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Adilson Rocha Ferreira – Deise Juliana Francisco
Fonte: <https://goo.gl/W9UCTu>.
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OFICINANDO COM OS EXERGAMES
dedos. Agora, todo o corpo entra em cena. Jogos de carros são jogados como se o
jogador estivesse manipulando um volante, similarmente à realidade. Da mesma
forma acontece com jogos de luta, com empunhadura própria da modalidade, e
demais esportes, como golfe, futebol, vôlei, entre outros disponíveis.
A jogabilidade pode ser singleplayer ou multiplayer (até seis jogadores
simultaneamente), colaborativo ou competitivo, tornando o ato de jogar vide-
ogame uma prática saudável, uma vez que os benefícios psicológicos dos jogos
já conhecidos agora estão associados aos benefícios dos exercícios físicos dos
exergames. Um novo panorama surge, acompanhado de possibilidades e desafios
aos profissionais da educação e da saúde.
Segundo Leutwyler et al. (2014), pessoas em transtorno psíquico não se
engajam em programas de atividade física regulares, pois estes são desinteres-
santes e desmotivadores para esse público, necessitando assim de uma prática
adaptada às características específicas dessa população.
No âmbito da saúde mental, a instituição dos exergames em oficinas tera-
pêuticas ainda é um campo pouco explorado. Leutwyler et al. (2012, 2014)
e Anderson-Hanley et al. (2012) desenvolveram trabalhos que utilizaram os
exergames como forma de cuidado para idosos com esquizofrenia e crianças e
jovens com autismo, respectivamente. Ambos encontraram resultados positivos
e significativos no processo de reabilitação psicossocial, como melhoria nas capa-
cidades funcional e cognitiva dos sujeitos, além de proporcionarem uma prática
prazerosa e saudável às pessoas em sofrimento psíquico. Como já mencionado
anteriormente, contudo, há poucos estudos que investigaram a temática e os
resultados ainda são preliminares.
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Adilson Rocha Ferreira – Deise Juliana Francisco
pudéssemos ver como eles lidavam com sua corporeidade a fim de traçar um
planejamento inicial das oficinas condizente aos participantes. Nos três encontros
seguintes foram realizadas as oficinas terapêuticas com os exergames.
Para análise, utilizamos como recursos as observações, os registros em
diários de campo e as próprias intervenções. Os dados aqui apresentados serão
dispostos e analisados por categorias a posteriori, as quais emergiram dos encon-
tros nas oficinas a partir da produção de processos da relação dos usuários com os
exergames. Para este momento, entretanto, apresentaremos apenas a categoria que
denominas de acoplamento. Nesta categoria discutiremos o que aconteceu com
as relações entre jogador e máquina e entre os próprios jogadores, a partir da
inserção dos exergames como forma potencializadora no processo de reabilitação
destas pessoas em sofrimento psíquico.
Na primeira oficina com os jogadores não utilizamos os exergames pro-
priamente ditos. Foi proposto o jogo Twister: um jogo de plataforma em que são
dispostos círculos coloridos no chão e uma roleta, a qual indica a cor do círculo
e o membro (mão direita ou esquerda; pé esquerdo ou direito) a ser colocado
na cor indicada. O objetivo principal do jogo é se manter o maior tempo pos-
sível sem cair, envolvendo, além da estratégia, as capacidades físicas do corpo
humano.
Logo que viram que a atividade não seria com os exergames, Benzema e
Sonic saíram do local, não sendo atraídos pelo Twister. Aos poucos os jogadores
foram entendendo a dinâmica do jogo e desenvolveram a atividade, uns com
mais facilidade, outros nem tanto. Goku, recente egresso de um manicômio, foi o
que mais sentiu dificuldade, talvez pelo excesso de peso e pela ausência do hábito
de praticar exercício físico. Henry, no entanto, mostrou um bom desempenho
na atividade, posto que muitas vezes ficou apoiado em quatro apoios sem cair.
A atividade nos mostrou que os usuários tinham diferentes níveis de condição
física, o que foi muito importante para podermos delinear as oficinas com os
exergames para que todos os jogadores pudessem usufruir daqueles momentos.
Na semana seguinte, ao chegar no CAPS, a terapeuta ocupacional
comentou que a oficina foi muito comentada durante a semana por se tratar de
práticas corporais – as quais eles não trabalhavam por falta de profissional habi-
326
OFICINANDO COM OS EXERGAMES
litado – e que não era surpresa o fato do Benzema e do Sonic não participarem,
pois o mesmo acontecia nas outras atividades em que eles eram convidados a
participar.
Os exergames envolvem uma gama de jogos que diferem pelos universos
criados a partir dos jogos e, especificamente, pela amplitude de movimentos –
apenas movimentos com membros superiores, outros apenas com os membros
inferiores e ainda há aqueles que envolvem os movimentos dos membros supe-
riores e inferiores simultaneamente – requerida para interação com o game. Tendo
essa característica em vista, e a dificuldade que cada uma impõe, decidimos
introduzir os jogos de forma que a amplitude dos movimentos fosse aumentan-
do gradativamente, visando a que os jogadores fossem se familiarizando com a
máquina.
Antes mesmo da oficina, apresentamos aos jogadores um vídeo promo-
cional do jogo “Kinect Sports First Season”, o qual mostra a modalidade de jogos
digitais que eles usariam nas oficinas. Todos ficaram surpresos e riram bastante
devido ao fato de jogar sem o controle. Dois usuários fizeram comentários inte-
ressantes: “Bom né, faz exercício físico também” (Henry); “É bom pra emagre-
cer” (Goku). Assim, como aquela seria a primeira interação entre os jogadores
com os exergames, iniciamos com jogos que requerem poucos movimentos dos
membros superiores – boliche e boxe – mesmo ouvindo diversos pedidos para
jogar futebol. Naquele momento pensamos que não seria bom atender aquele
pedido, pois precisávamos nos adaptar gradualmente ao artefato tecnológico para
melhor desenvolver os futuros jogos que exigem mais movimentos do corpo.
A atividade começa e logo os primeiros produtos das interações apare-
cem:
Ao explicar e olhar no rosto de cada participante, deu para sentir que
tudo ali era novidade para eles, como constatado na primeira oficina.
Entusiasmo e surpresa me pareceram ser constantes naquele momento
(Diário de Campo do Oficineiro, dia 23 de fevereiro de 2017).
A relação com o jogo era uma novidade para eles. Como constatado em
conversa anterior, mesmo a grande maioria já tendo se relacionado antes com
algum tipo de jogo digital, nenhum deles relatou ter vivenciado alguma prática
com os exergames. Os jogadores movimentavam-se lentamente e com movimen-
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Adilson Rocha Ferreira – Deise Juliana Francisco
tos robotizados, pois, mesmo vivenciando aquela experiência, eles ainda não
tinham a noção de como interagir com os jogos. Alguns interagiram com mais
facilidade que outros nos jogos e aí surge o primeiro aspecto interessante:
Em ambas as atividades do dia, chamou-me muito a atenção a forma
como os usuários se relacionaram durante a prática dos exergames. Ao
ver o colega que estava jogando passar por dificuldades, era comum os
outros participantes o ajudarem com dicas e frases encorajadoras. Ao ver
o sucesso de uma jogada, em especial os Strikes (quando todos os pinos
são derrubados) ou Knockouts (quando o pugilista é vencido), os usuários
comemoravam entre si, criando e mantendo uma atmosfera agradável
devido às relações que iam se estabelecendo naquele espaço (Diário de
Campo do Oficineiro, dia 23 de fevereiro de 2017).
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OFICINANDO COM OS EXERGAMES
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No decorrer deste texto trouxemos alguns pontos para discussão que
achamos salutares. Desde o aparecimento do fenômeno do jogo, trazendo as
ideias de Heródoto, até o mundo digital de hoje em dia, a sociedade passou – e
ainda passa – por modificações em sua vida, quando o pensar, o agir e as formas
de relação são constantemente reconfiguradas.
No âmbito da saúde mental, parece-nos interessante considerar que, a
partir da relação de pessoas em sofrimento psíquico com o jogo, busca-se a pos-
sibilidade de transformação da realidade em que o jogador se encontra, de modo
que possa haver uma fuga – limitada e temporária – da “confusão” da vida e
da imperfeição do mundo para uma perfeição – também temporária e limitada,
levando-o a uma reflexão sobre a experiência e vivência que ocorreu com o jogo.
Com a introdução dos exergames em oficinas terapêuticas, vemos a possi-
bilidade de criar outras formas de fazer o cuidado, ressaltando esse processo de
interação de pessoas em sofrimento psíquico com os jogos digitais. Acreditamos,
então, que os exergames constituem-se em uma ferramenta potencial, pois une os
aspectos inerentes aos jogos digitais – desafios, narração, solução de problemas,
entre outros – aos benefícios físicos e psicológicos da atividade física gerada a
partir da interação homem-máquina.
329
Adilson Rocha Ferreira – Deise Juliana Francisco
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OFICINANDO COM OS EXERGAMES
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Adilson Rocha Ferreira – Deise Juliana Francisco
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NAS MALHAS DA UTOPIA PELOS CORREDORES
DOS SONHOS COTIDIANOS DA AMÉRICA LATINA
Ray Lima
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Com que fio de memória? Está inteira? Só as beiras? Está puída? Rede beira
de estrada, rede lombo dos Andes. Rede que não só balança, que dança, que
tomba e levanta, que corre, que voa, que anda. Rede alpendre, que ainda
dependente de uma corda, de uma mão, de um pé, duma visão privilegiada,
de um sonho, de um clima menos adverso, que gera a satisfação do corpo
da vida por inteiro. “Cuidar do corpo para cuidar do mundo”, disse a sábia
labirinteira de Icapuí-CE-Brasil. Cuidar da alma que ainda não pena, para não
penar mais adiante. Espichar o espírito numa rede de sentir e pensar, deixá-la
flutuar no balanço da vida em memória viva. Correr com o tempo sem per-
mitir que se afaste ou passe impunemente pela gente. Ao passar pela calçada
a gente vê: a rede está armada. – Em que torno? – O contorno da corrente é
reforçado? – Quem armou? – Quem se deita, deita e dorme? – Dorme e sonha?
Ou não passa de uma simples armação? Se a rede é passatempo, passadio,
desafio,
movimento,
quem alcança?
quem balança? É da rede ter nós. É diferente dos trenós. Trenó desliza no
gelo. Na rede um novelo desliza no tear. Na mão da tecelã rios de lã vão roçar
pele a pele, rosto a rosto, vertendo suor noite adentro, a encharcar o encéfalo
da mulher. O barulho regular da engenhoca a costurar o pano de fundo da
rotina de pouco ganho dá o ritmo do tempo – na roça, na praia, na savana.
Também no deserto, nas capitais do capital; no sal, no gelo, no topo das mon-
tanhas, no sopé da vida. Por isso a rena é um ser igual às pampas. Ingênua,
quanto menos ganha mais trabalha para o natal dos deuses neoliberais.
Sabemos que o trabalho não cai do céu. Imagine se a rena se revoltasse com
Papai Noel? E se o sol de cá brigasse com o gelo de lá? Se o sol de cá dissolve
o gelo de lá? Esquentaria o tempo. Alteraria o clima dos mundos. Inundaria
a mente de muita gente. Mudaria a História. O nó da rede está em nós. O nó
da rede está em batalhas, reinventos e memórias. O nó da rede está em reves-
tir o tempo de malhas solidárias. Rede também é de quem está de passagem.
Em viagem, quem pensa e age, algo faz, algo tem, algo prova, algo provoca,
algo dão. Algo é. Alguma coisa. Alguém. Aqui está o nó dos fios de nós de
rede (de nos sabermos se somos, se damos para o mundo). Conectar pontos em
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lia, de bananas e abacaxis. Brasil de Prestes que teve a coluna quebrada por
Vargas. Brasil de Lula a Temer. Brasil que nos provocou alegria e dores até de
cotovelo. Brasil enrolado em novelos de novelas intermináveis. Brasil de elites
e senzalas com seus chicotes midiáticos que nos fazem adoecidos de nascença,
contraindo torcicolo de tanto forçar a mira para fora a copiar os vícios do velho
continente e da América de Monroe e a esquecer de olhar para nossa alegria
interior e poder criativo.
INSENSATEZ OU HORROR?
AI, TORCICOLO!
AI, MINHA DOR!
NOSSA, QUE DOR!
Tanto sofrer a distância nos faz querer tecefiar um canal além do burocrático e
do maquiavélico; do caos previsível e imprevisível da latinidade; da razão kan-
tiana e do emotivo carnaval, do futebol. Marchar muito além do cotidiano da
unidade do insensível e difícil para a edificação da vida, erradicação do ataúde.
Revisualizar no mapa-múndi a América Latina. Um pingo de cor, um sopro de
vida no olhar sulamericano. Paulo Freire, Zumbi, Milton Santos, Josué, Darcy,
Assaré, ... sonhações que nos dão asas e criticidade. Brasil de sempre. Brasil da
gente.
Rede funda?
Rede rasa?
Rede limpa?
Rede imunda?
Rede chique ou ralé?
Rede artesanal para solteiros?
Rede para casais?
Rede solidária de aconchegar solitários?
Rede de todos sem demais?
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Rede agulha que alinhava, cose e fura; costura e rasga para cerzir em cores os
vieses com linha igual. Rede: nem calmaria nem calma. Rede tecida por várias
mãos estendidas num sobressalto de almas acossadas:
pela ingerência de outros em nós;
pela não gerência de nós sobre nós;
pelos nós dados em nossa alma adoecida.
Rede de trabalhadores da utopia.
Rede do dia a dia, de todos os dias;
Rede nossa de balançar sonhos;
levitar o peso medonho do cotidiano;
dormitar os sonhos?
sacolejar os saberes da alegria,
levantar o ego;
reconstruir nossa alma roubada;
chicotear os instintos da vida lesada pelo laser do consumo;
dar razão ao prazer de nos recriarmos coletivamente sem coerção.
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SOBRE OS AUTORES
341
e Licenciada em Filosofia pela mesma Universidade. Atualmente é docente
da Universidade do Minho. Tem experiência na área de Educação, atuando
principalmente nos seguintes temas: auto-organização, educação permanente
e comunitária. [email protected]
Cleci Maraschin
Pós-Doutora pela Universidade de Wisconsin-Madison. Doutora em Educa-
ção pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Graduada e licencia-
da em Psicologia também pela UFRGS. Professora titular da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, integra o corpo docente dos Programas de
Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional e em Informática na
Educação. [email protected]
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SOBRE OS AUTORES
Felipe Gustsack
Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e
mestre em Educação pela mesma universidade. Graduado em Letras Por-
tuguês/Inglês e Literaturas pela Universidade Federal de Santa Catarina.
Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
de Santa Cruz do Sul, na qual é docente vinculado ao Departamento de
Educação. Tem experiência nas áreas de Educação, Linguagem e Coope-
ração com ênfase na Pesquisa em Educação, atuando principalmente nos
seguintes temas: educação e linguagem, alfabetização, educação coopera-
tiva, educação e movimentos sociais, discurso, tecnologias de informação
e comunicação, a escola e seu entorno, formação de professores e educação
básica. [email protected]
343
Educação do Campo, do Núcleo Docente Estruturante (NDE) e do Comitê
de Graduação. Membro permanente do corpo docente do Mestrado Acadê-
mico Interdisciplinar em Cognição, Tecnologia e Instituições. Tem experiên-
cia na área de Ciências Sociais, com ênfase em Sociologia da Arte, atuando
principalmente nos seguintes temas: arte-educação, sociologia da cultura e
da arte. [email protected]
Jadiel Lima
Natural de Icapuí-CE, a criação foi entre a beira de praia e as rodas de arte
popular de rua, acompanhando, nos braços do seu pai Ray e da sua mãe
Regina, as atividades culturais do município, onde também esteve sempre
muito atuante o Movimento Escambo Livre de Rua. Participa do grupo
cenopoético Pintou Melodia na Poesia, desenvolvendo, junto a Ray Lima,
Johnson Soares e Jair Soares, intervenções, espetáculos e vivências de diá-
logos em diversos ambientes. Como jornalista, vem atuando no apoio a
projetos dentro da Educação Popular em Saúde. No campo dos quadrinhos,
textos e ilustrações, expõe trabalhos no Facebook (fb.com/jadielilustra), no
Instagram (@jadielilustra) e público no blog amarebicho.wordpress.com.
[email protected]
Junio Santos
Ator na Universidade Popular de Arte e Ciência. Brincante no Centro
Volante de Assessoria Teatral. Brincante no Movimento Escambo e nas ruas
do mundo. Integra o Movimento Escambo Livre de Rua e participa de ações
de promoção da saúde mental. É colaborador do Programa Rede de Ofi-
cinandos na Saúde Mental da Universidade Federal Rural do Semi-Árido.
[email protected]
344
SOBRE OS AUTORES
345
disciplinar de Estudos e Extensão em Tecnologias Sociais e Economia Soli-
dária). Atua nas áreas de economia solidária, movimentos sociais e educação.
[email protected]
Laura Pozzana
Pós-doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Univer-
sidade Federal do Rio de Janeiro. Doutora em Psicologia pela mesma uni-
versidade. Mestre em Psicologia pela Universidade Federal Fluminense na
área de concentração Subjetividade e Clínica. Atua principalmente com os
seguintes temas: sistema Rio aberto, corpo, arte, clínica e deficiência visual.
[email protected]
346
SOBRE OS AUTORES
347
Corporativa, Gestão por competências (e-Rubrica) e Gestão da Tecnologia
na Educação. É colaboradora do Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre o
Terceiro Setor – Nits. [email protected]
348
SOBRE OS AUTORES
349
e como bolsista do Programa Rede de Oficinandos na Saúde Mental. Tem
experiência na área de Ciência da Computação, atuando principalmente nos
seguintes temas: saúde mental, cognição, jogos digitais, jogos e ciência da
computação. Possui curso técnico em Tecnologia da Informação com ênfase
em Redes de Computadores pelo Instituto Metrópole Digital, um projeto em
parceria entre a Universidade Federal do Rio Grande do Norte e a Universi-
dade Federal Rural do Semi-Árido. [email protected]
Ray Lima
Cenopoeta. Educador e ator da Universidade Popular de Arte e Ciência.
Integra ações de formação em Educação Popular em Saúde, projetos vin-
culados ao Ministério da Saúde. É colaborador do Programa Rede de Ofi-
cinandos na Saúde Mental da Universidade Federal Rural do Semi-Árido.
Graduado em Língua e Literaturas de Língua Portuguesa pela Uerj e espe-
cialista em Gestão de Sistemas e Serviços de Saúde pela Unicamp-SP. Fun-
dador do Movimento Escambo Popular Escambo Livre de Rua e do Grupo
Pintou Melodia na Poesia. Atualmente é coordenador estadual do curso de
Aperfeiçoamento em Educação Popular em Saúde EDPOPSUS-CE, professor
visitante da Escola Estadual de Saúde do Estado do Ceará-ESPSCE e colabo-
rador do Espaço Ekobé-Uece. [email protected]
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SOBRE OS AUTORES
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