Do Passado Historiográfico Ao Passado Prático

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DO PASSADO

HISTORIOGRÁFICO
AO PASSADO PRÁTICO:
40 ANOS DE
META-HISTÓRIA
ORGANIZADORES
Julio Bentivoglio
Adriana Campos
Verónica Tozzi
Patrícia Merlo

2013
____________________________________________________________________________
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL DAS RELAÇÕES POLÍTICAS
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS

____________________________________________________________________________
UNIVERSIDAD DE BUENOS AIRES
FACULDAD DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS E LETRAS
PROGRAMA DE POSGRADO EN EPISTEMOLOGÍA E HISTORIA DE LA CIENCIA
UNIVERSIDAD NACIONAL TRES DE FEBRERO

Organizadores
Julio Bentivoglio
Adriana Campos
Verónica Tozzi
Patrícia Merlo

Revisão
Julio Bentivoglio

Projeto Gráfico e Editoração


Julio Bentivoglio

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Julio Bentivoglio, Verónica Tozzi, Adriana Campos, Patrícia Merlo. Do passado historiográfico ao
passado prático: 40 anos de Meta-história.
Vitória: PPGHIS/UFES: Buenos Aires: UBA, 2013, 162p.

ISBN: 978-85-0000-000-0

1. Teoria da História 2. História Intelectual 3. Hayden White 4. Meta-história 5. Filosofia da


História.

I. BENTIVOGLIO, Julio. II. CAMPOS, Adriana Pereira


III. TOZZI, Verónica IV. MERLO, Patrícia. V. Título.

BEN 871.901 CDD-901


SUMÁRIO
Apresentação ................................................................................................................ p. 4

Programação ................................................................................................................. p. 6

Conferências ................................................................................................................. p. 7

Comunicações coordenadas ...................................................................................... p. 10

Resumos ....................................................................................................................... p. 19
APRESENTAÇÃO
Entre os dias 8 e 11 de outubro de 2013 realizou-se me Vitória, Espírito Santo, junto à
Universidade Federal do Espírito Santo um evento a respeito dos 40 anos de Meta-história, obra
seminal de Hayden White publicada em 1973. Embora sua fortuna crítica no Brasil não tenha
sido favorável ou extensa, Meta-história tornou-se, desde o lançamento de sua tradução pela
Edusp uma das obras mais polêmicas e comentadas nos meios historiográficos brasileiros. Mas,
devido à sua recepção enviesada e comprometida, para não mencionar em leituras apressadas
incapazes de compreender as virtudes daquele autor, devido a uma avaliação bastante
superficial pautada por uma crítica ideológica que o associava ao pós-modernismo – entendido
naquela altura no Brasil como uma ameaça aos estudos históricos – sua trajetória entre nós
merecia ser repensada com urgência, haja vista o caráter inovador de uma das propostas
contidas na obra, cuja repercussão e interesse no mundo anglo-saxão é inversamente
proporcional aos universo de leitores em língua portuguesa. A isso se destinou a realização
daquele congresso e este livro, que apresenta o conjunto de conferências apresentadas.
A ANPUH-ES (Associação Nacional de História – Seção Regional do Espírito Santo)
e o Programa de Pós-Graduação em História Social das Relações Política tem promovido
conjuntamente vários encontros de história junto à Universidade Federal do Espírito Santo.
Como um dos desdobramentos dos eventos anteriores, idealizou-se a realização deste
congresso internacional que visa celebrar e discutir a importância de Metahistory, livro de
Hayden White publicado em 1973, responsável por criar uma verdadeira inflexão nos estudos de
teoria da história. Trata-se de uma obra que se tornou uma referência obrigatória para todos
estudiosos do campo. Ao colocar no centro das atenções a narrativa, impôs à comunidade
historiográfica a reflexão acerca da dimensão textual da história, problematizando o realismo e a
representação históricos, sedimentando o entendimento de que o trabalho do historiador não se
reduz à crítica das fontes, à aplicação de métodos e à interpretação, pois, a exposição dos
resultados obtidos requer, necessariamente, o recurso à escrita. Com a presença de Hayden
White e de pesquisadores renomados cujas contribuições significativas têm enriquecido o debate
em torno do tema, os organizadores tem a satisfação de apresentar alguns resultados obtidos
neste 40 Anniversary of Metahistory.

Os Organizadores
Leituras de Hayden White1
Prof. Hans Kellner
(North Carolina University)

É surpreendente o fato de que Hayden White tenha publicado a maior parte de seu
trabalho de pesquisa em sete décadas diferentes. Seus trabalhos medievalistas e suas análises
historiográficas dos anos 1950 deram lugar às investigações e publicações dos anos 1960, e a
uma virada em direção ao século XIX como fonte de interesse. Os anos 1960 foram um tempo
de inquietação, e em minha visão, a mudança no que nós chamamos agora de teoria da história
aconteceu em 1966 e 1967, após duas palestras, O fardo da história e What is a Historical
System?, ambas as quais foram publicadas em seguida. Em O fardo da história White apresenta
maneiras de pensar e representar o passado além das estruturas da arte e da ciência do século
XIX e propõe confrontar os desafios da modernidade e do modernismo. Seus exemplos são
externos ao grupo de historiadores e incluíam pensadores controversos como Michel Foucault e
Norman O. Brown. What is A Historical system? foi produzido para uma conferência sobre
sistemas biológicos e deve ser observado nesse contexto particular porque o principal ponto de
White foi basicamente que a ancestralidade biológica é determinada e segue uma linearidade
temporal enquanto a ancestralidade histórica é teoricamente livre e moldável pelas escolhas de
elementos do passado que um grupo deseja se identificar num momento de crise cultural. Um
sistema histórico, em outras palavras, nos permite escolher nossos ancestrais; usando os
próprios termos de White, nós preenchemos o passado selecionando os elementos que
desejamos que nos definam. Entretanto a publicação desse ensaio ficou esquecida, não
agrupada em nenhum dos livros de White até aparecer numa coletânea de ensaios organizada
por Robert Doran (2010) e não era muito conhecida nos anos 1970, quando Meta-história surgiu;
o caminho seguido posteriormente pelo mundo da teoria da história, suas concepções e debates,
portanto já haviam sido antecipados por Hayden White. Assim permaneceu, entretanto com suas
promessas e por extensão, suas controvérsias. [E aqui estamos nós].
O período que sucedeu à publicação de Meta-história: a imaginação histórica do século
XIX foi bem estudado e continua a ser, bem como o trabalho de White se expandiu e modificou
os anteriores. Esse foi um livro diferente do discurso que existia sobre história; era focado na
“imaginação”, com um complicado formato de novas categorias de discussão, diferente do que
os historiadores haviam visto até aquele momento, como podemos dizer, em termos históricos.
Os fundamentos das categorias de White, os quais eu costumo chamar de “tetra-quádruplos”,
saem da novela para a historiografia: enredos, instâncias epistemológicas e tropos. Apenas os
modos ideológicos eram familiares aos historiadores, e ainda assim de maneira suspeita. O
Meta-história poderia ter sido ignorado, como foi por muitos historiadores, ou profundamente
estudado. Estudantes de graduação são aconselhados muitas vezes a não serem vistos com

1 Tradução de Thiago Brito.


esse livro em público. O Meta-história não era realmente história, e os verdadeiros historiadores
não liam o Meta-história ou diziam com orgulho não ter entendido uma única palavra.
A primeira reflexão em larga escala do Meta-história foi na conferência da revista History
and Theory na Universidade Wesleyan no frio e nevado fevereiro de 1979. Naquela época eu
sugeri que White estava buscando um fundamento sólido para as Humanidades, “um alicerce de
ordem” como ele havia colocado no debate sobre os humanistas do Renascimento. Para essa
interpretação, fundamentação era a intenção original das estruturas do “tetra-quádruplo”, o
pesado conjunto esquemático de política, literatura, epistemologia, e categoria metafóricas que
colocadas juntas na introdução do livro e serviam como extensão das raízes figurativas que
traziam fruição nas leituras que se seguiam. Talvez fosse previsível que o figurativo atraísse
mais hostilidade do que expectativa. Num ensaio subsequente sobre como deveria ser chamada
a “teoria dos tropos”, eu notei uma tendência em White de inflar os conceitos que ele reuniu em
seu trabalho como coisas muito maiores do que ele tinha achado. (Sobre isso, White seguiu o
conselho de seu amigo Norman O. Brown, “Pelo menos mentalmente, as coisas devem ser
levadas até um fim.”) Em outros ensaios fui em direção ao Meta-história a partir de uma
perspectiva das categorias de Kant e em outro ao impacto do livro vinte anos depois. Seria inútil
para mim revisitar os tópicos desses ensaios.
A literatura sobre White se desenvolve ao mesmo passo que seu trabalho progride.
Ninguém consegue ir a uma conferencia ou a um país onde White não seja um ponto de
interesse, ou mesmo uma paixão. Sendo um outsider, ele se tornou o parâmetro para uma
ortodoxia narrativista, pelo menos em alguns círculos. O que pode ser dito sobre Meta-história?
Minha resposta para essa questão, num tom mais pessoal do que as ideias dos ensaios que
escrevi sobre White em várias ocasiões nesses 35 anos, é essa – como Hayden White lê? Ou
melhor, quais são os hábitos interpretativos que o conduzem através da longa lista de exemplos
que oferece em seus trabalhos. White é antes de tudo um leitor de exemplos, sempre trazendo
algo que ele espera usar para ilustrar uma ideia. E Meta-história é o mais impressionante
exemplo disso. Por toda atenção que os fundamentos teóricos, tropos e figurações, narratividade
e vozes médias, historicidade sublime e passado prático tem ganhado através dos anos, é essa
leitura que nos recompensa. Se a introdução do Meta-história não nos ajuda a ver Tocqueville,
Burckhardt ou Croce de maneira diferente, então ela não nos tem serventia. Então eu proponho
hoje olhar para White como um leitor, criando exemplos de seus exemplos. Esse assunto está
ficando maior e mais complexo do que imaginei, então o que eu estou apresentando hoje é em
uma espécie de esboço de sondagens dos primeiros trabalhos de White.
Antes de Meta-história, White falava sobre os autores com uma tal certeza que eram
precisas poucas citações para justifica-las. Presumia-se que o leitor conhecesse os trabalhos
mencionados (ou pelo menos conhecesse sobre eles), e, como uma pessoa racional, aceitasse
uma leitura óbvia, que poderia ser mais usada para justificar comentários analíticos sobre os
assuntos do que sobre os trabalhos dos autores citados. Então, em 1965 numa palestra
(American Historical Association), White escreveu: “Quando Hegel e Stendhal diferem é sobre
suas concepções da possibilidade de ganhos para a sociedade envolvida no conflito entre o
individuo e o mundo externo. O suicídio de Julien Sorel aos 23 anos é supostamente
compreendido nos leitores de Stendhal como uma consciência absurda da existência social; Em
Hegel, a mesma morte teria que ter contribuído para o crescimento da auto-consciência da
humanidade.”(HVW, Uses, "Romanticism, Historicism, and Realism: Toward a Period Concept for
Early 19th Century Intellectual History, 51) Entretanto, o título desse ensaio deixa claro que é
para ser entendido como uma acurada precisão de “periodização conceitual” da história das
ideias, e a passagem não faz uma referência extrema que precisasse de grande suporte,
parece- me uma clássica ilustração de um historiador fazendo uma leitura de seu significado tal
qual ele é. White é confiante ao falar dos “leitores de Stendhal” e como eles supostamente
compreendem, e como Julien Sorel deveria ser visto por um leitor hegeliano. O que é singular
em White aqui é a crença de que o novelista e o filósofo estão falando como iguais numa
reflexão da história das ideias. Essa crença, essa fé na literatura, cresceu constantemente com o
passar das décadas, até que ele sugerisse os novelistas como verdadeiros historiadores. White
descreve o sentido de absurdo de Stendhal nos termos do existencialismo do século vinte,
enquanto eu sugeri em 1979, que é mais agradável o compreender como uma afirmação da
liberdade humana. Hegel, obviamente, foi o representante da necessidade. De certa maneira,
Sartre é o maior, ainda que invisivelmente, personagem nesta passagem. White parece estar
lendo Sartre lendo Stendhal e Hegel. O absurdo é a maior ferramenta em sua leitura desde o
inicio.
Voltando ao Meta-história, nós temos as clássicas categorias de White – os quatro
tropos, enredos, ideologias, e epistemologias. Elas são apresentadas diferentemente de capítulo
a capítulo, e frequentemente um tropo se mistura com uma forma de enredo ou uma ideologia.
Mas eles raramente definem todo o diagrama, como parece ser o caso. Um capítulo, em
particular mostra a leitura de White em sua maneira mais característica. O capitulo sobre Marx
no Meta-história é de se destacar, talvez o mais rico e importante que White escreveu. Em
primeiro lugar, ler Marx em seu todo de um ponto de vista da retórica literária raramente foi feito,
apesar do exemplo de Kenneth Burke ser importante (e considerado por White). A estratégia por
trás disso é o estranhamento, dando aos básicos e bem conhecidos termos de Marx e do
Marxismo uma mudança que resulta em uma linguagem diferente. A leitura formalista causa
estranhamento para fornecer uma visão clara do assunto reconfigurando um contexto que nós
conhecemos bem, e é isso que faz White. Ele deve ter lido o marxismo – o que é familiar, ou era
em 1979 – fora de Marx. Aqui o formalista White usa as ferramentas de Shklovsky para tornar
Marx estranho. O capítulo começa com uma sonora e perfeitamente clara afirmação: “Marx
compreendeu o campo histórico no modo metonímico.”(HVW Meta 281) A próxima sentença
apela para um figuralismo avant la lettre. “Suas categorias de pré-figuração foram a ruptura, a
divisão, e a alienação.” O ponto de partida de White, foi a Ironia deixada para trás nas leituras de
Tocqueville e Burckhardt, um desespero irônico que ele espera provar não ser um destino
humano inevitável. Para fazer isso, ele tem que reconciliar o homem com a natureza já não
aterrorizante em seus poderes inumanos. E então, a visão histórica de Marx, como oposta a sua
primeira compreensão, foi “uma perfeita sinédoque.” (HVW Meta 282) O trabalho de sintetizar
essas duas estratégias tropológicas que operam em dois níveis diferentes da cognição humana
(“compreensão” e “visão”), e não a lógica familiar de estrutura e superestrutura, luta de classes
ou materialismo dialético, é a essência do pensamento histórico de Marx, como somos
informados.(285) Na sessão seguinte, “O modelo básico de analise”, o próprio Marx se torna um
formalista cuja abordagem para tudo parece ser a compreensão de todos os tipos de forma. E
isso é porque as formas são à maneira dos “seres sociais” representarem eles mesmos e deve
ser comparada ao conteúdo do real – a vida humana.
Aqui White arrisca sua leitura de Marx não baseada no tetra-quádruplo, o que pode fazer
a leitura adiante uma interpretação mais reconhecível, e reveladora. Apesar ainda de White ter
produzido um Marx que é existencialista ou formalista.
“Deve ser notado que Marx caracterizou a forma monetária de valor como um
„absurdo‟. Isso é absurdo porque o homem, no mundo burguês ao menos,
insiste em caracterizar o valor das mercadorias que ele produz e comercializa
nos termos do valor da troca por ouro, o mais útil dos metais na visão de
Marx. Todo o peso da analise de Marx sobre o conteúdo e as formas dos
valores das mercadorias foi para revelar o absurdo do impulso para igualar o
valor da mercadoria com sua equivalência de valor em ouro.” (Meta,289)
Devemos admitir que muitos naquele momento viam a intenção de White como um
impulso para transcrever a realidade na forma dos tropos do Renascimento com um
estranhamento absurdo, e essa passagem apenas citada não nos mostra nada do “tetra”. É
sobre o absurdo, que recaiu “todo o peso”. Então Marx se junta a Hegel e Stendhal no elenco de
personagens de White num teatro do absurdo. Essa categoria é importante para ele, como foi
para Hegel, Stendhal, e Marx, porque isso permite a White avaliar a irracionalidade fundamental
do sistema econômico e social que ele observa. Mas o que é mais importante, pelo menos para
mim, sobre a leitura de White sobre Marx são as categorias que ele usa na sequência do
capítulo. Mais uma vez essas categorias não estão esboçadas do tetra-quádruplo; elas serão
reveladas num quarteto de exemplos que White irá achar e expressar posteriormente no ensaio
Trópicos do discurso.
Eu me refiro aos quatro níveis de linguagem – a léxica, a gramatical, a sintática, e a
semântica. Esse conteúdo de formas, linguísticas na origem, e estruturais em seu tom geral,
criam o caminho que White irá escolher na analise do sistema marxiano. O nível léxico, ou a
nomeação de elementos se encontra na discussão de White de O modelo básico de análise,
mencionado acima, e consiste em quatro formas de valor, um outro quarteto. Essa parte é
seguida pela Gramática da existência histórica, Sintaxe do processo histórico e a Semântica da
história. Esse termos gramática, sintática e semântica são colocados em citações horrendas
sugerindo que White entendia em qual novela ele encontrava essas categorias, mas sua
discussão da dialética parece mais importante, a luz de seus trabalhos posteriores. Depois de
uma longa citação do prefácio de Contribuição critica para a economia política, um texto marxista
fundador, White revela uma versão da dialética que é original e, ao fim, tropológica.
O que é a dialética nesse sentido – e aqui a medida de Marx deve-se ao
idealismo alemão – é o modo de transição para a forma de uma auto-
consciência pública para outra. O ajustamento da consciência humana na
superestrutura que é causada pelas transformações na base são um
processo dialético e precisamente análogo a um tipo de mudança tropológica
que ocorre quando a consciência primitiva sai de uma relação metafórica
com a natureza e a humanidade em geral e entra numa percepção
metonímica dessas relações. De metafórica, para metonímica, para uma
consciência sinedótica – essas são as fases que a humanidade passa
através de uma transformação dialética das maneiras que ela se relaciona
com seus contextos (naturais e sociais) na passagem de selvagem para uma
avançada consciência civilizatória.” (Meta, 305)
Esses ecos de Vico definem a noção em White de dialética como movimento entre as
compreensões tropológicas do processo histórico. E o tropo particular que encarna a total
necessidade de se perceber o processo dialético como ironia, o tropo da tropologia apenas como
metáfora é o tropo dos tropos (HDK infálivel). Dialética é o modo de transição, como White
simplesmente afirmou. A ironia sabe que “toda transitoriedade é uma coisa incompleta,”
traduzindo a famosa passagem de Goethe de maneira figurativa. Quanto é absurda uma coisa
transitória, então? A versão sartreana de Heidegger sugere um universo absurdo, e White pode
muito bem concordar, mas isso não significa que ele aderiu ao absurdismo. Na verdade,
combater o absurdo tem sido sua tarefa.
E isso fica mais claro em seu ato de auto-leitura. Então quando White passa a ler
Derrida e outros filósofos da literatura dos anos 1970, não deveria ser surpresa para nós que ele
encontrasse “um momento absurdista”. Em O momento absurdista na teoria literária
contemporânea, publicado três anos depois do Meta-história, White oferece da maneira mais
explícita seus pensamentos sobre leitura e interpretação. Um analise historiográfica radical
parece nos dizer “longe, mas não tão distante”. É aqui que nós vemos o pensador formalista e
racional seguindo sua inclinação existencialista. Para criar significados num mundo que não nos
oferece nenhum, nós devemos estar preparados para identificar absurdos ao invés de superá-
los, ainda que provisoriamente.
A critica moderna, ele escreve, usou uma fase momentânea para desafiar os limites
entre literatura e linguagem. Todos os escritos, alguns poderão dizer todos os objetos,
independente do gênero, se tornaram textos, e textos não são nada além de combinações de
signos. Uma vez ocorrida essa redução, distinções entre gêneros foram dissolvidas, nenhum
objeto de estudo tem preferência sobre outro, e, como consequência, “vale tudo”.(Trópicos, 261).
O que uma vez foi a “critica literária” se tornou um império em expansão sem limites. De fato, o
que é um artefato literário não pode ser facilmente descrito. E, após a literatura ter se dissolvido
em linguagem, e linguagem em signos, signos podem envolver qualquer coisa, a tarefa da critica
literária se tornou uma repetição de demonstrações fúteis da busca de significado, beleza, ou
valores nos textos estudados. A moderna forma de leitura tem o objetivo de provar, sempre e
sempre, a impossibilidade da leitura e da escrita em qualquer forma clássica de criação de
significado. Aporias engoliram tudo, a critica não podia fazer nada, e o silêncio deveria
prevalecer. Enquanto esse é o caso, todos os atos de crítica são metacríticos, um comentário
sobre a possibilidade do comentário. Os críticos, entretanto, - e White menciona os nomes de
Barthes, Bataille, Blanchot, Foucault, e Derrida – escrevem sobre uma distância indeterminada e
uma alta voz (alta voce).
Esses são os críticos absurdistas, que podem ser contrastados, com os que acham a
linguagem um oponente invencível que deve ser derrotado a todo momento. O ato de auto-
leitura representa um sacramento para o leitor absurdista, que concebe a leitura como um
mistério e acredita fazer parte de uma religião. Esses “senhores leitores” se arvoram como
interpretes privilegiados, uma autoridade negada ao resto, os “leitores escravos”. Narcisismo é a
melhor descrição para os novos leitores, que idolatram textos que vem de seus próprios acordos
e já existem neles mesmos, como Mallarmé sugeriu. Palavras, então, tem vida própria, não
podem ser confundidas como meras contadoras no mundo humano da comunicação. A partir
disso White esboça a conclusão que esse modo de leitura é produto da sociedade industrial
moderna e da desispiritualização da cultura desejada por Foulcault, e não tão distante do anseio
anticivilizacional de Levi-Strauss. (Trópicos, 268-9). Vencendo a natureza sobre a cultura, a
anormalidade programática dos absurdistas transforma tudo em suas cabeças, deixando os
críticos Normais em chamas.
White argumenta, entretanto, que as práticas de leitura da critica Normal levou
inexoravelmente a este momento, e ele resulta da história da leitura Normal, que reafirmou isso.
A análise, sem surpresa, apresenta quatro estágios. O primeiro, ou a forma elementar de leitura
critica, foi praticado de muitas maneiras antes da Segunda Guerra Mundial e foi essencialmente
normativo. A leitura critica serve ao leitor comum como um guia em direção à qualidade e
sempre o distanciando do que é ruim. A literatura não era um mistério, mas uma forma cultural
de julgar os valores estéticos e morais da sociedade. Desafiando a forma elementar de leitura
veio a segunda forma, a redutiva. Marx, Freud, os sociólogos do conhecimento todos, apoiados
nas fontes do conteúdo da arte, originadas na pré-moral ou pré-estética. Para eles, leitura era
uma operação de se distanciar dos objetos para revelar seus elementos mais escondidos e
obscuros. Isso quer dizer, esses leitores críticos – e White menciona alguns deles, “Lukács,
Trotsky, Brecht, Hauser, Mannheim, Cauldwell, Benjamin, Adorno, Reich, e outros psicanalistas”
– de maneira nenhuma rejeitavam a possibilidade de comunicação humana referenciada a seu
significado. Eles se diferenciavam dos críticos elementares principalmente em suas visões sobre
o estado da cultura.
Contra ambos os moralismos da forma elementar de interpretação e do sociologismo
dos redutivos – pois ambas formas de leitura reivindicavam em ultimo caso os valores ou as
forças fora da critica em si – surgiu uma forma de leitura que reivindicava proteger o trabalho
literário de se tornar um cliente de determinado sistema de valores ou sintoma de alguma força
primitiva. Essa foi à terceira forma, a inflacionária; que incluía o New Criticism, a crítica prática
aos formalistas e seus jargões. Discordando no que podiam, eles todos concordavam que a
leitura deveria ser o foco principal do trabalho, afastando toda religiosidade, cultura, política ou
outras ideologias. Suas leituras eram feitas para serem “objetivas” e para isolar a critica do
mundano e da história. A crítica não correspondia a nada, apenas a ela mesma e suas partes
formalmente configuradas e descritas. Acima de tudo, a literatura que os críticos liam tão
meticulosamente era diferente da vida propriamente, tinham valores particulares e não eram
para ser confundidos com os valores menores de um aspecto não artístico.
Nesse ponto uma importante crise ocorreu, na forma do existencialismo. Camus e,
especialmente, Sartre achavam que a critica inflacionária minava o propósito da leitura critica
(para esclarecer a vida), enquanto os leitores redutivos e o tribunal elementar ambos tentavam
ofuscar a arte na arte. E Camus e Sartre eram artistas. Eles abriam suas críticas com perguntas
básicas: “Por que escrever?”, “Por que ler?”, e “Por que criticar?” White interpreta o modo
fenomenológico e estruturalista de leitura como uma resposta aos existencialistas; seu objetivo
era “levar a dúvida existencialista até o fim, e ver se era justificado ou não”. (Trópicos, 275)
Na leitura de White, o resultado desse desafio foi o modo de generalização da critica,
que leva a efeito o poder misterioso do leitor de investir significado as coisas. “A linguagem ou a
fala são misteriosamente investidas com o poder de criar significados e, ao mesmo tempo, de
frustrar qualquer esforço de encontrar um significado definitivo”.(Trópicos, 276) Uma vez esse
passo dado, a estrada estava aberta para a nietzschiana “postura critica que celebra o
solipsismo como instância e vontade do poder como método” (Trópicos, 277) A ficcionalidade de
tudo é revelada neste modo, é uma melancolia. Derrida, que pensa ele mesmo transcendendo o
estruturalismo como leitor, na verdade apenas fetichiza seu labirinto de linguagem. E a
esterilidade é o resultado da iniciativa da critica, se mantendo soberana por um bom tempo. O
elitismo da comunidade critica, é trazido à tona para desmascarar as verdades escondidas nos
trabalhos privilegiados de arte, e tem sua conclusão.
Alguém pode pensar que White é um desses “senhores da crítica” que emergiram do
momento absurdista, mas isso é um erro. Por toda essa confiança no argumento e no alcance do
referencial, ele nunca fala como um oráculo, nem lê como um gnóstico. Não há segredo em sua
mensagem particular. Antes, ele segue seu próprio grupo de textos principais, conhecidos de
qualquer leitor de White. Frye e Auerbach guiam suas técnicas de crítica, Mink com sua
compreensão de narrativa, Jameson a informa sobre ideologia, e Vico e Sartre sobre suas
ênfases em suas próprias criações.
Por outro lado, White adora categorias, especialmente em grupos de quatro, e ele as
encontra em todos os lugares, pelo menos até agora. As categorias são derivadas dos textos
mesmos, ou de alguma explicação histórica e algum esforço, como a crítica histórica
quadripartite que vimos. Por sua vez, White pode ser visto criando textos que ele lê apenas por
seus métodos de trazer as quatro categorias para funcionar, adaptando as suas necessidades
existenciais e figurativas. Em seu primeiro ensaio sobre Foucault, ele coloca As palavras e as
coisas como uma espécie de cartilha prévia para os tropos, é um bom exemplo de vigor,
oportunismo e leitura. Às vezes, o autor que ele está lendo na verdade, parece estranho.
White aproveitou essas lições de crítica prática moderna para usar em seu ensaio de
1980, em que toma nota da relação crucial da escrita e da leitura. Sua discussão de Johan
Gustav Droysen é tão surpreendente quanto sua discussão de Marx, porque ele direciona seu
debate para a produção de leitores como apresentado no Grundriss der Historik de 1858. White
pontua que a autonomia da história, o seu isolamento de métodos interpretativos de outros
campos, fez parte de seu prestígio no século XIX. E na verdade, a violação dessa autonomia –
como White praticou durante sua carreira – trouxe muitas criticas. Isso permitiu que a prática do
historiador substituísse o que lhe faltava, teoria. (Content, 100) Mas essa autonomia sozinha não
explica a funcionalidade do prestígio da história, ou o que faz isso culturalmente necessário.
Aqui, Droysen deixa sua marca.
Para por isso em termos teórico-criticos comtemporâneos, Droysen mostra
que um certo tipo de „atividade escrita‟, nesse caso a escrita da história, pode
engendrar um certo tipo assunto de leitura que se indentificará com o
universo moral encarnado “na Lei” da sociedade politicamente organizada
como Estado-nação e economicamente como parte de um sistema
internacional de produção e troca”. (Content, 86) Historiografia é de melhor
serventia para a produção de cidadãos ideais, não porque avançará a
retórica, a política, ou as causas filosóficas como Ranke, Michelet, Treitschke
e Nietzsche imaginavam quando eles examinavam o passado. Essas
questões – as coisas próprias da leitura histórica – são colocadas num nível
inferior de importância porque eles são subdisiários do que importa, a
produção de cidadãos leitores. E isso se dá porque importantes questões
teóricas em campos como o da historiografia na era moderna – sempre se
dão de maneiras formais, como problemas de representação, mais do que
como problemas materiais (conteúdos) ou metodológicos (procedimentos de
pesquisa)” (Content, 87) Essa é uma matéria formal que permite inserir o
leitor de história num sistema social, e essa matéria formal é a
“narratividade”.
É notório salientar que o termo “narratividade” e seu irmão “enredo” não eram
largamente utilizados em 1980; suas origens são disputadas, e correspondem à teorização da
narrativa nas Humanidades. A “virada linguística” pode ser chamada de “virada narrativa”. Com
The Value of Narrativity in the Representation of Reality, também de 1980, White se coloca
diante de um termo que se torna indispensável, e ele estende isso para além da história de da
ficção em direção a própria realidade, talvez em homenagem a Erich Auerbach. Um
entendimento civilizado da realidade é um entendimento narrativo que favorece “a continuidade,
a totalidade, os encerramentos e a individualidade”, e rejeita o caos disforme da natureza pura.
Leitura é a chave da civilização, na discussão de White sobre a visão formalista de Droysen.
Como o implacável conjunto quádruplo de categorias propostas nas leituras de White nos anos
1970, e organizadas no Trópicos do discurso, as ferramentas intelectuais de Droysen também
contém quartetos. White favorecia leituras estratégicas no despertar do Meta-história para
analisar tudo numa progressão de conceitos que poderiam ser vistos como um acabamento
dialético do texto em consideração. Assim, no Trópicos, Vico, Darwin, Foucault, E. P. Thompson
e A. J. P. Taylor são lidos a sua maneira, em maior ou menor extensão. Por volta de 1980 esse
protocolo de leitura se torna menos central no trabalho de White. Talvez seja porque Droysen
proponha dois conjuntos de quatro: quatro formas de escrita histórica, e quatro tipos de
interpretação histórica. As formas de escrita e leitura não são correspondentes, White enfatiza.
Qualquer modo interpretativo pode ser encontrado em qualquer forma de escrita histórica. O que
importa é o efeito sobre o leitor, retirando ele de sua distância independente e o interrogando
como uma “auto-consciência representativa de „poderes éticos‟ (die sittlichen Mächte).
Ao transformar Droysen em um teórico formalista da produção do sujeito, White é,
novamente, um forte crítico, atrevendo-se a apresentar o texto de uma maneira estranha e
pessoal. White se considera um “senhor da leitura”, mas dificilmente no sentido oracular – ele
defende suas escolhas interpretativas energeticamente, diferentemente de um oráculo. Antes, é
através da sua criação de tantas ferramentas interpretativas após Meta-história que White deixou
sua marca. Leituras fortes são identificadas com conceitos, e esses conceitos se tornam
ferramentas que são discutidas e implementadas por outros. Os conceitos básicos mencionados
acima são os tropos, o enredo e a narratividade, a voz média, o figuralismo, a historicidade
sublime, o evento modernista, e agora, o passado prático. Em todo caso, White pegou
emprestado de outra fonte crítica, ampliando e generalizando o conceito até ficar amplo o
suficiente para ser um produto aplicável. Este método eu trato como superestimado há muito
tempo, falando sobre “o tropo inflado”, o qual serve para muitos propósitos para White nos anos
1970. (E foi, com certeza, uma extensão da própria inflação de Vico dessa modesta figura
retórica da fala). Robert Doran tem também usado o termo para descrever a superestimação do
figuralismo para além do que Erich Auebach tinha em mente. Nós podemos notar que a voz
média é outra ferramenta que Barthes, Derrida e Heidegger mencionam, enquanto White moldou
isso de um modo gramatical para uma atitude cultural. E, eu penso que a recente atenção à
noção de Michael Oakeshott de “passado prático” é outro exemplo. Oakeshott é bastante
displicente com o conceito, em contraste com o estrito constructo do passado histórico, mas
White infla e constitui isso como o passado humano, o passado que escolhemos e fazemos
nossa morada.
A lógica de Hayden White como uma leitura robusta nos leva a dizer, então, que a
escrita é sempre figurativa. O autor, ou escritor, ou qualquer força criativa que alguém escolha
para colocar neste lugar, nunca é completa, sempre é um artefato do passado na necessidade
de uma infusão de uma realização, um significado, e talvez uma inflação. E essa realização vem
do leitor. Ler é ambiguamente satisfação e escolha. Isso é uma liberdade existencial para
escolher uma identidade ou para criar um novo conjunto de possibilidades culturais, novos
precursores, pelos sentidos de velhos textos e formas com novos conteúdos. Aqui é onde a
ligação com a liberdade existencial se torna parte da visão de White do inicio e encontra sua
verdadeira expressão. Ler é realização num sentido de escolha existencial. E é também, para
Hayden White, uma oportunidade de trazer razão, significado e forma em um ambiente em que
muitos encontram apenas caos, absurdo, e a pura natureza. Não é muito afirmar que, para
White, ler é em si o produto cultural mais importante.
White, como Sthendal, Hegel, e Marx, está em guerra com o absurdo e ao lado da
liberdade responsável. Nesse caso, ele é um crítico normal. Normas são formais, como todos
seus sistemas. Liberdade vem para restringir e disciplinar. Minha leitura agora se concentrará na
década depois do Meta-história, antes do último aparato conceitual ter se tornado manifesto.
White se inclinou sobre as leituras de seus próprios mentores nesse período sem fazer muitos
comentários. (O exemplo é sempre Vico, que White discute por alguns momentos várias vezes).
Nas próximas décadas, entretanto, White se volta para as leituras dos escritores que lapidaram
seu pensamento, figuras como Fredric Jameson, Paul Ricoeur, ou Rene Girard. Mais importante,
nós temos seus ensaios sobre Northrop Frye e Erich Auerbach, figuras que tem sido parte de
seu repertório desde o inicio.
O ensaio sobre Frye é particularmente interessante; ele é escolhido como precursor.
Frye oferece a White duas coisas. Primeiro, Frye encontra a maneira para se mover acima dos
gêneros e divisões do mundo da literatura num nível onde os limites frouxos e amplos dos
contornos formais emergem. Assim, em The New Directions from Old Frye nota que a história é
uma coisa roteirizada, bem como todos os discursos significadores. Daí deriva parte do
escândalo permanente de Hayden White, sua recusa para dividir “ficções” de “discursos factuais”
e sua insistência que ambos dependem um do outro. Outra característica de Frye que acha em
White uma leitura conveniente é seu obsessivo arranjo de categorias. O sistema de Frye é uma
ligação entre a natureza e a experiência de sensações, que contém os enredos básicos e muito
mais. White, em vez disso, coloca a cultura como a fonte de suas categorias – os tropos
presentes em Vico. A investida em formas arquetípicas permanece nos dois White e Frye,
entretanto. É difícil, imaginar White, não mais do que Sartre, fazendo um apelo à natureza como
algo positivo.
O ensaio de White sobre Frye, de forma interessante, rapidamente se torna um debate
sobre Vico e Frye por reconhecidamente terem “feito o conhecimento” prevalecer, então nós só
podemos conhecer o que praticamos. White percebe o “problema com a história” em Frye e
explica que “qualquer construtor de sistemas” deve necessariamente tornar espacial coisas ao
custo da temporalidade (HVW Frye’s Place, 34) White, ele mesmo um construtor de sistemas e
de diagramas espaciais, enfatiza o uso de Frye de “relembrar a frente” no sentido bíblico de tipo
e anti-tipo. Tendo unido Frye e Vico, White traz Auerbach e a lógica da figura e da realização.
Depois, percebe-se que White está tornando Frye uma figura dele mesmo, e nós podemos
considerar a longa sentença final do ensaio.
Finalmente, e isso me chama atenção como o mais importante aspecto
realista da ideia de Frye de história cultural (como contra seu alegado
idealismo), o modelo de prefiguração-realizadora de mudança cultural, com
sua noção de apropriação retrospectiva de produtos de esforços criativos do
passado, nos lembra da natureza “caída” de qualquer pequeno exercício de
criatividade humana, nomeadamente, esse é sempre um exercício de poder,
que é violento, e que se redime apenas no âmbito para “criar novos” artefatos
culturais usados como causas materiais de suas próprias operações. (HVW,
Frye, 37)
Seja qual for o âmbito para que White tenha sido violento ao fazer Frye (ou Foucault e
outros antes) uma versão dele mesmo, está claro que aqui nós achamos uma teoria de
interpretação que define White como leitor. Criar o novo pode ser feito pela ordem do “senhor
leitor” absurdista, ou pela conexão criativa para o passado, retornando para identificar uma figura
que é de alguma maneira uma realização de um artefato. Porque essa ligação com o passado,
evita a ofensa da crítica Absurdista, que o vê como sendo produto de seus próprios significados.
White inflou conceitos, moveu-se para um nível acima de seus textos, e categorizou os
interesses de achar as regras arquetípicas de suas operações (ou a “estrutura profunda”, se
você preferir). Mas ele está sempre retornando para encontrar um renovado conjunto de
antepassados, e para usar suas ferramentas de maneiras que eles nunca imaginariam. Nós,
leitores de Hayden White, seremos afortunados para fazermos o mesmo.
Consecuencias progresistas del giro tropológico
Verónica Tozzi
(UBA-UNTREF-CONICET)

La naturaleza controversial de la investigación histórica es la marca de la disciplina. Se han


dado todo tipo de consideraciones, que caracterizaremos de metahistóricas, acerca de ello, los
compromisos ideológicos, la ontología social subyacente, la ausencia de un vocabulario técnico
sofisticado (como en las ciencias naturales) con la consecuente pervivencia de la vaguedad,
ambigüedad del lenguaje ordinario. Las clasificaciones metahistóricas abundan. En 1973 Hayden
White propone una teoría de la obra histórica a través de una clasificación que no sólo nos muestra
diversas maneras de hacer historia sino que explica por qué estas son irreductibles con lo cual el
pluralismo controversial es inevitable.
Es importante reconocer la innegable necesidad de instrumentos metahistóricos a la hora de
capturar los aspectos no negociables e irreductibles de las diversas historias o interpretaciones
históricas alternativas y en conflicto. Estos instrumentos son solidarios y familiares de las
reconstrucciones históricas de las ciencias y de las nociones de paradigma, programa de investigación
y tradición de investigación. Dar cuenta de las controversias históricas es hacer metahistoria pero no
en el marco de postular dos órdenes lingüísticos de naturaleza esencialmente diferente, el
metalenguaje y el lenguaje objeto, sino con el objeto de apreciar el carácter metahistórico de las
producciones históricas mismas, en el sentido ya afirmado por Danto, Ankersmit y el mismo White
acerca de que el lenguaje histórico es tanto sobre lo qué habla como acerca de cómo habla. Resta aún
extraer todas las consecuencias de esta afirmación para apreciar no sólo el carácter abierto y plural de
la indagación histórica sino empoderador y democrático. La cuestión no es tanto que podamos decir
cualquier cosa acerca del pasado sino que nadie puede arrogarse la autoridad definitiva sobre cómo
hacer historia. Siempre está en discusión el concepto mismo de historia (quiénes son mis precursores,
a qué tradición pertenezco, cuáles son mis recursos) y la tarea misma de reapropiación es
retrospectiva y continua, (ni sujeto libre que elije su tradición ni sujeto determinado por la tradición que
habla a través de él). En la misma producción histórica se actualiza lo metahistórico. Sugiero leer la
tropología whiteana en el marco de un “pluralismo conversacional” orientado a tramar/reconstruir las
controversias sobre el pasado.
Si bien el núcleo duro de Metahistoria se basa en la combinación de la clasificación de las
tramas de Frye, de las ideologías de Mannheim, de los modos de explicar de Pepper y todo ello
reducido a la teoría de los cuatro tropos de Burke, Metahistoria y White han sido y siguen siendo leídos
por muchos de sus críticos como una teoría estructuralista de la obra histórica. Debemos reconocer
que White nunca refutó esta asociación y su lectura y uso de los grandes teóricos estructuralistas
atraviesa todos sus escritos. ¿Podría White haber evitado su fascinación por el estructuralismo?
Pensemos en un historiador intelectual interesado por la teoría que se topa con la aparición y
desarrollo de un programa científico de alta sofisticación teórica sobre el lenguaje y que promete como
dijo Roman Jakobson (1956) en The Gate of Languages “Janua linguarum) is indeed an appropriate
title for a series of essays seeking the key to the laws that govern language and its relationship with
other social institutions.” (p. v) o con Emile Benveniste (1997) explicando que “…Saussure enuncia la
primacía del sistema sobre los elementos que lo componen: cada lengua forma un sistema en el que
todo se sostiene, en el que los hechos y los fenómenos se gobiernan unos a otros, y no pueden ser ni
aislados ni contradictorios". (p. 92) Programas científicos como estos nos alejan de los debates sobre
la subjetividad privatista de la comprensión empática o la insuficiencia de la descripción documental o
la incontrastabilidad de la filosofía especulativa de la historia. El potencial explicativo de la lingüística
estructural con sus pretensiones ahistóricas y universalistas que contribuían a la elucidación de la
conciencia histórica fue tan influyente que condujo al mismo White y a algunos de sus lectores más
agudos (Kellner, Kansteiner, Ankersmit) a percibir una afinidad con el trascendentalismo de la filosofía
kantiana. No obstante en los últimos años se ha reforzado otra línea interpretativa de White, una que
presta atención a su raíz viciana, humanista2 y se detiene en la lectura que el propio White ha hecho
de la obra de Erich Auerbach, tanto de Mimesis como de Figura, con el objeto, por un lado, de hacer
más explícito qué es aquello que se obtiene de la literatura y la teoría literaria para la reflexión sobre el
conocimiento histórico y, por el otro lado, pero estrechamente ligado al anterior, cómo tramar o figurar
la relación entre las diversas interpretaciones realistas en conflicto.
El valor de estas lecturas y discusiones debieran ser subrayadas desde un nuevo punto de vista,
son las lecturas que ubican definitivamente a White en el terreno filosófico sobre el status de las
categorías históricas y metahistóricas. De este modo, la discusión del motivo más miserable y
corporativo sobre si White ataca a los historiadores queda desplazada a favor de una discusión más
amplia en la que todos estamos involucrados y que tematiza la naturaleza misma del análisis
metahistórico. Es en este marco, que quisiera retomar aquí las lecturas de aquellos que se han
interesado en la obra de White por lo que denomino el “pluralismo conversacional” que destila toda su
obra, esto es, no sólo apreciar las diferencias entre las narrativas alternativas –sí, irreconciliables y sí,
irreductibles- sino la deriva misma, el cambio interpretativo mismo por su promoción no tanto del
consenso o la pluralidad en sí misma, sino de la posibilidad de continuar la discusión e intercambio de
nuevas e insospechadas interpretaciones. Las combinaciones epistémicas, estéticas y éticas que cada
tropo favorece no revelan un conjunto de estructuras coherentes, sistemáticas y cerradas definitorias y
características de cada interpretación histórica. Las interpretaciones históricas, las narrativas, los
textos no son mónadas cerradas y acabadas según rasgos esenciales. Por el contrario, el instrumento
ofrecido por la tropología sirve para apreciar las preferencias (tendencias) que cada interpretación
expresa en comparación con otras alternativas. El instrumento, la grilla famosa de la página 39 de
Metahistoria no es un algoritmo para la reconstrucción de la estructura lógica de las interpretaciones,
teorías o narrativas históricas, sino una estrategia heurística que contribuya a iluminar las diferencias o
coincidencias entre las interpretaciones rivales.3 En este marco, rescato tres lecturas que contribuyen

2 Véase al respecto la excelente introducción de Robert Doran a White 2011: “Aunque a veces White se declara
“estructuralista”, la aplicación de esta nomenclatura a su obra puede conducir a error. El punto de partida de White no se
encuentra en la semiología de Saussure, sino más bien en la retórica de Vico.” (p. 25)
3 Es necesario hacer una aclaración sobre este último punto. Por supuesto que no hay ningún impedimento a la aplicación
de la grilla a una obra individual, sea historiográfica, sea literaria, sea conmemorativa. Pero toda aplicación o toda lectura,
incluso la de carácter metahistórico, se hace desde algún contexto y ese contexto ya ofrece las alternativas, esto es, el
metahistórico en tanto usuario competente de la grilla, cuenta con ejemplares de las diversas alternativas, que contribuirán
a esta interpretación: Jenkins por haber hecho explícito que la enseñanza fundamental de la obra de
White es la no distinción entre historia y metahistoria, Megill por su apreciación de la naturaleza misma
de la deriva, él llama dialéctica retórica a lo que yo llamo pluralismo conversacional. Finalmente,
Harlan, por haber prestado atención a las consecuencias culturales y democráticas de la obra de
White.
Keith Jenkins es uno de los lectores de White que ha sabido apreciar desde muy temprano la
tropología whiteana como una estrategia para capturar la naturaleza refiguradora de las controversias
historiográficas: toda historia es reescritura del pasado y toda reescritura es no sólo refiguración y
apertura sino promoción de otras nuevas e insospechadas refiguraciones. (Véase Jenkins 2003) No
obstante, ha ligado (yo creo inadecuadamente) esta apertura y renovación pluralista que se desprende
de la obra de White a una cierta autoconciencia de fracaso propia del posmodernismo. En “Radical
history and Hayden White” (en Ankersmit, Domanska y Kellner 2009), afirma que
…radical historians thus turn the weaknesses of “proper history” into strengths,
celebrate the facto that historians‟ representations (including their own) are always
failed representations, that historians qua historians always get the past wrong, and
that it is these “facts” which become the basis for a new synthesis which, discarding
the desire for closure, builds uncertainly on uncertainly. (p. 112)
Las consideraciones de Jenkins sobre el rol del historiador radical me provocan dos tipos de
objeciones, contra la asimilación de su posición con la de White y la plausibilidad o fuerza radical de la
propia posición de Jenkins. Los análisis tropológicos que White ha aplicado a la historiografía del siglo
XIX, a la literatura testimonial en torno al Holocausto o al último y sugerente libro de Friedlander,4 se
dirigen justamente al rechazo de los predicados correcto-errado, falso-verdadero en la valoración de
las representaciones históricas. El supuesto deseo de no clausura no remiten a falso o errado, pues
falso o errado implica que hay alguna manera no errada de hacer las cosas pero que se nos escapa o
no está a nuestro alcance. Por otra parte, las apropiaciones whiteanas de la causalidad figural de
Auerbach con el objeto de dilucidar las condiciones de producción de una “representación realista” nos
muestran que lo que hace o hará reconocidamente realista a una interpretación es su uso de los
recursos de figuración compartidos convencionalmente en un contexto específico. No ser definitiva en
el sentido de perdurar en el futuro como “la figuración realista” no significa, o no se debe a su
condición de, “fracaso” en representar realistamente la realidad, pues no se puede fracasar en aquello
que no se pretendió, esto es, alcanzar “la representación definitiva” en lugar de “nuestra
representación realista” según nuestro contexto. Tramar el cambio interpretativo o la historia de la
historiografía en términos de la tropología y del realismo figural desestima la valoración por parte de
White (supuestamente posmoderna según Jenkins) de las diversas interpretaciones y de la relación
entre ellas en términos de fracaso y error, sino, por el contrario, apunta a subrayar su vigencia no por
ser definitivas sino por ser reapropiables en otros contextos, reapropiables en nuevos contextos como
nuestros precursores.
Si bien, coincido con Jenkins en su apreciación de que (siguiendo a White)

a su pericia en la aplicación de la misma en un caso individual, esto es, a su elección de cuál tropo es el que está
funcionando con mayor fuerza en la obra individual.
4 Friedlander 2007, White 2012
Since history, then, deals, only with contingencies (accidental facts, antecedent
possibilities, metonymic extrapolations…) and proceeds by means of enthymemes
(rhetorical induction) that can only provide a lesser standard of proof that “logic”
offers, then history will remain interminably open, always waiting for the next
interlocutor to arrive. … I sign up to most of the detail whereby White establishes the
metahistorical nature of all history productions vis-à-vis the ubiquity of tropes,
emplotments, argumentative governing, and ideological positioning;” (Ankersmit,
Domanska y Kellner 2009, p. 112)
considero que su descripción de la tarea de una historia radical en términos de su reconocido fracaso y
error es impracticable y hasta inconcebible. ¿Desde qué perspectiva y desde qué contexto puedo
sostener el fracaso y fallo de lo que estoy sosteniendo?, toda evaluación de error o fracaso, de éxito o
acierto siempre es contextual. La espera o esperanza de que un nuevo interlocutor arribe no
necesariamente está motivada en que me muestre el error sino para que me enseñe otra manera de
concebir o figurar, otra manera de ver las cosas o que simplemente me recuerde que las cosas
siempre podrían haber sido de otra manera. Ésta es la línea de recepción de la obra de White seguida
por Allan Megill, en “The Rhetorical Dialectic of Hayden White” donde señala que “One is tempted to
reread Mimesis in the light of White‟s comments, for he prompts us to see that book as itself an
instance of rhetorical dialectic.” (en Ankersmit, Domanska y Kellner 2009) Qua dialéctico, White sigue a
sus héroes Hegel y Marx pero, continúa Megill, la dialéctica en su forma más pura, no retórica, busca
resolver las contradicciones a partir de un comienzo científicamente fundamentado y de manera
superadora. Pero la retorica dialéctica de White, según Megill, no busca superación. El dialéctico
retórico es tan crítico como el criticismo pueda ser imaginado pero como retórico rechaza creer que la
crítica pueda ofrecernos normas para la corrección interpretativa, (cf. op. cit., pp. 191 y 192), lo que se
busca es que la audiencia acepte la verdad de la afirmación o pueda ser persuadida de hacerlo. Ahora
bien, ¿dónde entra en juego esta dialéctica retórica? Justamente, señala Megill en la coincidencia
expresada por Jameson y White en su lectura de Auerbach5, esto es, reconocer que la tarea de la
historia literaria es producir el “concepto” de historia literaria, por tanto, agrego yo, no habría
separación o demarcación entre historia y metahistoria, entre historia y filosofía de la historia, entre la
práctica de investigación y la reflexión de carácter normativo sobre cómo debe ser representado el
pasado, entre lenguaje y metalenguaje, entre analítico y sintético. Las grandes obras de los
historiadores del siglo XIX son sugerencias no sólo acerca del pasado sino acerca de la noción misma
de historizar el pasado. Ahora bien, ese concepto propuesto, señala de manera justa Megill, es retórico
y “peculiarmente estético”. Veamos esto con detalle: algo es “peculiarmente estético” en tanto se sigue
que lo que se produce -“la representación realista de la realidad”- está entramado en la causalidad
figural o la lógica de la figura-cumplimiento: toda nueva figuración viene a cumplir lo que había
quedado prometido en alguna figuración anterior y que es reapropiado en calidad de precursora. Pero
esta tarea es retórica, esto quiere decir, que al dialéctico retórico le basta la plausibilidad, comienza
con la exploración de los opuestos y se libera de la presión del fundamento desde el inicio.(cf. ibid.,
193) En definitiva, a diferencia del dialéctico estricto que buscaría resolver la antítesis de Auerbach

5 En “Auerbach‟s Literary Theory. Figural Causation and Modernist Historicism”, White 1999
entre lo literal y lo figural, entre los aspectos figurativos y los literales de toda representación realista,
White reflexiona sobre las complejidades del cumplimiento mismo, “fulfillment”, pero no en el sentido
de engaño o escepticismo o para mostrar la banalidad de cualquier respuesta. Más bien, dice Megill,
primero pone en suspenso la cuestión de la verdad del discurso y luego ofrece una manera de
estructurar la discusión misma. (cf. ibid., p. 193) Megill señala que White sigue el mismo método en
“Freud‟s Tropology of Dreaming” (White 1999) donde yuxtapone la teoría del soñar de Freud y la teoría
de los tropos tal como fue articulada por los retóricos postrenacentistas. En ningún caso se ocupa de la
cuestión de la adecuación de estas teorías. La misma operación puede ser encontrada en ”Formalist
and Contextualist Strategies in Historical Explanation”, y, agrego, en “Narrative, description, and
Tropology in Proust”6, con el objeto de explorar “…that there is no such thing as a specifically historical
approach to the study of history but there is a variety of such approaches”.(White 1999, p. 65)
En relación con esta última observación, resultan dignas de atención las reflexiones de David
Harlan, “‟The Burden of History‟ Forty Years Later” (Ankersmit, Domanska y Kellner 2009), quien nos
invita a conectar, por un lado, el llamado a recuperar la relación íntima entre historia, arte, poesía,
retórica y ética antes de su profesionalización, expresado en “The Burden of History” (1966) con, por el
otro, el reclamo hecho 40 años después en “The Public Relevance of Historical Studies” (2005) de
restablecer la dignidad de los estudios históricos sobre la base de atender a los objetivos y propósitos
de la comunidad intelectual mayor, conexión hecha en el marco de una necesidad urgente y cada vez
mayor de llegar a términos con la historia popular y no académica.
Nothing like that happened in the mid-1960s,of course; indeed, the profession
turned its face in the opposite direction. But things are different this time around: the
new popular history is proliferating far too rapidly, has saturated the surrounding
culture far too thoroughly, and has become far too prominent for academic historians
to continue ignoring it. (p. 180)
Quisiera terminar señalando algunas consecuencias programáticas que estas líneas de lectura
de la obra de White nos permiten aventurar. En primer lugar, la aplicación de la tropología y el realismo
figural para tramar la historia de la historia no sólo da cuenta del pluralismo inherente a la historia
académica, sino que, en segundo lugar, permite revelar y explicar que el objetivo de la disciplina no es
el cierre y la clausura de los debates sobre el pasado (aunque sin la sensación o asunción de fracaso
que pretende Jenkins), sino la promoción de nuevas maneras de pensar el pasado. En tercer lugar,
habilita a visualizar que la disponibilidad, uso y circulación de modalidades de figuración,
reapropiaciones de figuraciones pasadas y refiguraciones no son propiedad exclusiva de ninguna elite
o comunidad disciplinada. La consideración de que el pluralismo promovido por White no se limita a la
historia académica sino a cualquier figuración del pasado hecha por la historia profesional, la memoria
o la literatura queda totalmente evidenciada en su dedicación a aplicar su instrumental metahistórico a
la obra de Primo Levi, Virginia Woolf, al cine de Oliver Stone y al no encasillable libro de Friedlander
citado en el apartado anterior. Esto es, una vez explicitada la grilla metahistórica los recursos o
artificios creativos e integradores (metafóricos y sinecdóquicos) y críticos y deconstructivos
(metonímicos e irónicos) están disponibles a todos aquellos que interaccionan con el pasado, sea en el
espacio público sea en la disciplina.

6 Ambos en White 1999.


Estas tres consecuencias me permiten reescribir dos reclamos inconciliables en torno a la
relación entre historia académica y esfera pública o historia disciplinar e historias comunales. Se
señala frecuentemente que la historiografía tiene que estar atenta y lo ha estado a los desafíos
planteados por movimientos sociales, poscoloniales, nuevas identidades, etc. para modificar sus
prácticas disciplinares. Por otra parte, ante la proliferación del boom de la memoria, los usos políticos
de la historia, las historias fuera de la academia: cine, literatura, etc. se reclama la preservación de un
rol crítico para la historia profesional. Apreciar la tropología en términos de una heurística para traer a
la luz las diferencias irreconciliables, nos habilita a refigurar de manera democrática y dialógica tanto
“los desafíos” del campo popular a la historia como “la crítica” que la historia puede hacer a las otras
apropiaciones del pasado. En definitiva, el debate no tendría que leerse en términos fundacionistas
sea que los historiadores son los guardianes de la corrección fáctica y las historias de la esfera pública
son las guardianas de las experiencias genuinas de los sujetos. El debate debería apreciarse en
términos de los compromisos ontológicos y antropológicos (las relaciones y ponderaciones entre actor,
acto, agencia, razón y propósito) que nuestros modos de figurar el pasado efectúan y las
consecuencias que tendrán. En otras palabras, sea que nos interesemos por las experiencias, sea que
nos interesemos en las condiciones no conocidas, sea que queramos recuperar las voces de los
silenciados, siempre estaremos ante múltiples y variadas posibilidades de historización, por lo cual, ya
sea de parte del historiador, ya sea de parte del militante o del conmemorador, estaremos debatiendo
si tramar de manera integradora, si atender a lo fragmentario, si atender a lo no conocido. Como dice
el propio White en 2011,
Pues bien, vale la pena señalar que el interés por la forma en que se llevan a cabo
los estudios históricos es, o debería ser, una cuestión de preocupación para
cualquier ciudadano culto. Los profesionales pueden adueñarse de la “historia” en la
medida en que por el término “historia” se refieren a ese aspecto del pasado que se
estudia de la manera en que ellos lo estudian y escriben acerca de él. Pero los
historiadores profesionales no son dueños del pasado ni tienen atribuciones
exclusivas en relación con estudio de la forma en que el pasado y el presente
pueden vincularse en una visión abarcadora de la realidad histórica. Ese derecho
podrían reclamarlo legítimamente los escritores literarios y en especial los
novelistas que escriben al estilo “moderno”. (p. 15)
Podríamos decir que finalmente hoy, a 40 años de Metahistoria, los filósofos y teóricos de la
historia, disputamos por la ponderación de las influencias de White (de sus predecesores), lo cual no
es otra cosa que una disputa, en términos de Auerbach, por definir nuestros propios precursores en la
producción del concepto mismo de historia, disputa en la que nadie tiene el privilegio (ni legos ni
expertos). Pero tampoco implica que todos estemos errados sino que, como nos enseñaría un maestro
en dialéctica retórica, cualquier noción es plausible pero tengamos cuidado, pues para convencer a la
audiencia (sean nuestros pares, sean nuestros conciudadanos cuando se trata de las políticas públicas
de la memoria, sea de nuestras compañeras de militancia o de nuestra comunidad) de nuestras
apropiaciones retrospectivas del pasado común exigirá un gran esfuerzo para combinar nuestras
preferencias epistémicas, éticas y estéticas para ofrecer nuevas maneras de re-figurar el pasado.
O eterno retorno da realidade:
sobre o construtivismo e os desejos históricos atuais
Kalle Pihlainen
(University of Turku, Finlândia)

O eterno retorno da realidade. Não no sentido literal, é claro, mas apenas em termos do
retorno que até mesmo o pensamento cultivado promove a essa ideia, ou intuição, da realidade,
em situações onde menos se espera. Isso basta para levar-nos a ranger os dentes, creio eu, no
tipo de desespero ao qual se refere Nietzsche, mesmo que talvez não seja tão sério quanto o
horror implicado por ele, quando ele disserta sobre a recorrência eterna de tudo, nos mínimos
detalhes. De todo modo, a ideia de mudança traria esperança aqui também, eu diria. Para mim,
a esperança seria de que pudéssemos ter uma discussão de teoria histórica na qual a realidade
não fosse, de certa maneira, essencial ou idealizada. Mas no contexto teórico atual, as coisas
não parecem tão esperançosas. Este é o núcleo dessa conferência.
Assim, a situação aqui por mim perseguida é também um retorno real no sentido
lacaniano, ao menos a meu ver. Bem literalmente. O apelo ao real é em demasia uma erupção
impulsiva naquilo que, de outro modo, aparenta ser uma discussão em certos pontos coerente.
Meu interesse nesta conferência é observar um desenvolvimento do qual falei em termos
de ansiedade, ou desejo, por realidade e por presença entre historiadores, que percebo como
algo que toma gradualmente posse da teoria do giro linguístico ou teoria textualista, a partir do
tipo de construtivismo narrativo, iniciado com Metahistória de Hayden White, o marco divisório da
concentração acerca da escrita histórica em vez da pesquisa, do texto da história em vez do
passado. Tenho uma consternação motivadora atrás disso tudo que também desejo discutir:
sinto-me incomodado com esses argumentos que surgiram recentemente sobre experiência e
acesso ao passado. O mesmo vale para a necessidade de se estabelecer paralelos entre
memória e história, bem como entre experiência e representação. É bem óbvio que muitos estão
fartos – como inclusive já disseram – das problemáticas apresentadas pelo giro linguístico,
desejando superá-lo. Ainda sim, a maneira que parecem tentar essa superação me parece
demasiado larga e grandiosa. Aparenta sempre ser tentativa de se superar, de qualquer jeito, a
distinção entre fato-valor.
Por outro lado, temos certo contingente de filósofos analíticos, os quais querem devolver
toda discussão da filosofia da história ao problema da linguagem de maneira mais ampla. Ainda
sim, a problemática da linguagem como capaz de representar ou se remeter não é a mais
pertinente para uma discussão de teoria da história. Ela pode ser abordada com ferramentas
melhores e mais sofisticadas por outros ângulos, e assim não serão necessárias interferências
de desafios epistemológicos adicionais enfrentados pelo estudo do passado. Isso impediria
algumas das confusões desnecessárias e repetições intermináveis, concernentes ao lado
epistemológico do debate. Desse modo, como vocês podem provavelmente discernir, estou
assinalando que esse delineamento do campo da teoria da história fora bem balizado em
Metahistória e, ainda melhor, creio, nos ajustes mais recentes de White.

I
Nos debates atuais sobre teoria histórica, argumentos ressaltando os exageros dos
efeitos, para a história, da ênfase textualista do giro linguístico e do „relativismo pós-moderno‟
tem sido visíveis. Se pedidos de „moderação‟ e de „senso comum‟ vieram somente daqueles
historiadores e teóricos da história, os quais foram indiferentes ou se opuseram a tais posições
desde o princípio, isso não seria nada de novo. Mas tais argumentos são defendidos atualmente
por pessoas que antes abraçaram ao menos as premissas mais básicas do giro linguístico.
Essas discussões envolvendo história e a construção de memórias coletivas e de
consciência histórica tem cada vez mais sua premissa em ideias de memória ou experiência.
Central para essa inclinação é o desejo de escapar das posições linguísticas e textualistas bem
como da crescente popularidade e impacto dos debates provindos dos estudos de memória.
Isso fora ressaltado por certo número de comentadores. Como Jonas Grethlein, por
exemplo, descreve a situação em 2010:
„anos recentes viram um novo interesse na experiência, e experiência tem
sido usado mais e mais como antídoto contra o solipsismo do „giro
linguístico‟. A iminência da experiência, dos agentes históricos bem como dos
historiadores e de seus leitores, oferece uma possibilidade tentadora de
alcançar algo além de construções narrativas e discursos lingüísticos”
(Grethlein, „Experiencidade e “referência narrativa”, H&T 2010).
Em linhas paralelas, Anton Froeyman interpretara o objetivo dessas tentativas como:
„fazer o passado presente de novo, não como construção ideológica ou tropologica, mas como o
próprio passado‟ (Froeyman, RH 2012).
(Dessa maneira, não estou solitário no meu diagnóstico geral. Cito Froeyman e Grethlein
especialmente porque, embora eu discorde com ambos em pontos menores, creio que as
maneiras pelas quais eles tentam enfrentar tais desafios são excepcionalmente sensíveis aos
problemas que discutirei aqui).
Parece que os proponentes dessas posições advogando algum tipo de acesso ao
passado tem buscado algum compromisso viável com as conclusões do “fim da história” e
sentem que as encontraram na ideia de “experiência”. De forma que exista, hoje em dia, uma
distância entre aqueles que ainda vêem a representação como “único jogo na cidade” e aqueles
que pensam ter encontrado maneiras de ir além dela (ou, talvez mais apropriadamente, sob ela).
A tensão entre essas respectivas posições é piorada pelo fato dos defensores da
“experiência” amiúde afirmarem que continuam a aceitar os princípios básicos do giro linguístico.
– O que em história obviamente corresponde ao construtivismo narrativista elaborado por
Hayden White.
Ao dizer que aceitam o argumento de que a história é sempre representação e,
simultaneamente, afirmarem que há meios de a história evitar a representação, advogados da
“experiência” findam por reduzir o construtivismo a um simples reconhecimento da situação do
historiador. Levada a séria, esta aliança dupla leva ao que parece ser uma contradição nas suas
reivindicações, ao menos de uma perspectiva construtivista.
Antes de ingressar nos detalhes que vejo como falhas centrais dessas ideias que
pretendem nos distanciar do „textualismo‟, quero dizer que acredito ser um desejo bem
compreensível, dada a ampla recepção da teoria narrativista da história. Ao passo que o
construtivismo whiteano fora amiúde mal-interpretado de modo bem estreito, como se fosse
aceitação do textualismo extremo e da „ficção‟, sua utilidade para historiadores tem sido
severamente limitada. Mesmo o ponto fundamental que a teoria da narrativa versa sobre a
escrita histórica em vez do passado que comumente se perdera. A (não)famosa asserção de
White de que a história é um processo de produção de fatos em ficções tem sido interpretada
como se dissesse que a escrita histórica pode, por meio de uma desrealização mágica, afetar o
passado, não somente nossas considerações acerca dele. O foco sempre retorna ao medo do
anti-realismo. (A impertinência com a qual essas discussões retornam ao debate acerca da
posição epistemológica da história, até mesmo a situação ontológica do passado é
estarrecedora).
Neste momento, em minha leitura, o momento crucial para esse novo debate dentro da
teoria da história foi o aparecimento da Experiência histórica sublime (2005) de Frank Ankersmit.
Nessa obra, Ankersmit lida com a questão, em seu dizer, se “o historiador pode ingressar numa
relação real, autêntica e “experiencial” com o passado – a saber, numa relação que não é
contaminada por tradições historiográficas, pressupostos disciplinares e estruturas linguísticas”
(2005, 4). Ou, como ele também ressalta, seu foco se dá sobre “a experiência histórica, a saber,
a maneira pela qual experimentamos o passado e como essa experiência do passado pode
surgir a partir de um movimento que inclua ao mesmo tempo a descoberta e a recuperação do
passado” (9).
Apesar disso ser implausível, historiadores e teóricos da história bem parecem sugerir
que a realidade e a materialidade que o passado tivera (a realidade e a presença de seus traços)
proporcionam algo a que a história pode se agarrar - algo que poderia resolver as dificuldades
que a história tem no acerto de contas com a representação e todas suas problemáticas. Neste
sentido, existe um desejo definitivo para que o passado seja, de certa maneira, mais “real” e
tangível que o construtivismo narrativista deixara para a história.
Do ponto de vista teórico, entretanto, ou mesmo metodológico, há problemas óbvios com
os argumentos apresentados em defesa dessas mudanças desejadas. A relação entre memória
e história permanece obscura, bem como de fato os sentidos específicos atribuídos ao termo
chave “experiência”. Crucialmente, enquanto essa ideia da experiência é evocada como algo real
e tangível, seu local não fora ainda especificado. Entretanto, localizar a experiência nas
subjetividades concretas é necessário antes de usá-la para propósitos de produção histórica. Em
outras palavras, devemos falar da experiência de alguém. Experiência não exista fora da
experimentação. Assim, há diferenças distintas primordiais nos diferentes tipos de reivindicações
feitas acerca da experiência. Recorrer a elas pode implicar em:
- historiadores tem certo tipo de experiências „diretas‟ do passado (F. R. Ankersmit, como citado);
ou pode significar que:
- historiadores tem algumas maneiras de reconstituir a experiência de agentes passados (marca
collingwoodiana de construtivismo). A saber, que há uma estória real vivida por pessoas que
pode ser reconstruída.
Admitidamente, essas maneiras de se pensar podem ser mais complexas, como estou
aventando aqui. Não obstante, para colocar cruamente, há duas maneiras distintas de se olhar
esse tipo de experiência em relação ao passado:
I) Historiadores podem presumir certo tipo de natureza humana básica pela qual suas leituras
das fontes podem criar expectativas de constituírem reconstruções „reais‟ e „verdadeiras‟, seja
envolvendo reencenação, empatia, etc. ou não.
II) Eles podem se concentrar mais na natureza subjetivamente experiencial de suas leituras
(Esta última opção ainda os deixa espaços de manobra para atribuir certo tipo de hermenêutica
ou dialética ao que eles fazem, em vez de abranger qualquer construtivismo “puro”. As fontes
podem „falar com eles‟, estórias podem existir „lá fora‟ na realidade, assim por diante).
Deve-se ressaltar aqui que a abordagem corriqueiramente mais historicamente orientada
(ou me atreveria a dizer tradicional?) parece, de fato, depender de um desejo pelo contato com o
passado. O que, afinal de contas, é a motivação comum dos historiadores no trato com o
passado? Algum tipo de investimento na ideia de uma realidade e, por (falsa) conseqüência, um
sentido “real” existente a ser recuperado. O que também já conserva alguma atribuição de valor
do real sobre o imaginário. O fato de algo ter realmente acontecido, de certo modo, parece
significar que há também algum tipo de lição profunda para ser apreendida, algum valor a ser
ensinado. Assim, muito raramente – sustento – as fontes históricas, ou as histórias em si, são
lidas sem que se fetichize seu “compromisso” com a realidade passada. Ou ao menos isso
parece ser o caso, considerando-as de modo geral como “histórias” ou até mesmo “ficções
históricas”.
Entretanto, ao seguir um caminho ainda mais subjetivo, concentrar-nos em „experiência‟
poderia também simplesmente significar que aborda-se a escrita da história imaginativamente,
de modo a tornar sua leitura enfaticamente experiencial. Isto me parece ser a grande
contribuição de Hayden White e do narrativismo construtivista. De fato, opções muito mais
subjetivamente cientes concentradas no fato de estarmos quase sempre envolvidos em certo
tipo de „leitura‟, o que nos oferece, até onde posso ver, o único meio responsável de dissertar
sobre experiência no contexto da história, ao menos se quisermos que a experiência ou a
experiencidade tenha algum tipo de consequência teoricamente apoiável.
Embora eles sejam tão claramente distintos, esses diferentes níveis de processos
interpretativos e construtivos parecem se confundir constantemente nos debates atuais. Quando
invoca-se a experiência, apresenta-se ela corriqueiramente como certo tipo de termo geral que
sugere algo real, concreto e mensurável. Como se pessoas no passado tivessem experiências
que estão, de certo modo, disponíveis à visitação dos historiadores – assim como elas (algumas)
tinham casas, algumas das quais ainda podemos visitar. Apontar simplesmente que pessoas no
passado tiveram de fato experiências, memórias, narrativas pessoais, e assim por diante, é
algumas vezes considerada a solução para esse problema. Afirmar a realidade das narrativas e
sua existência „lá fora‟ só porque alguém em um dado momento pensou constituí-las, para
explicar seus predicamentos e experiências – seja para si mesmos ou para uma plateia –
simplesmente não resolve a questão de qualquer maneira. Registrar experiências não nos auxilia
a superar a problemática do sentido e da interpretação, não mais que uma palavra nos coloca
em posse de algo.
Desse modo, que sentido devemos produzir das alegações sobre experiências do
passado?
Perguntas óbvias devem ser feitas: De quem é a experiência que presume-se prover
algum tipo de vantagem pós-giro-linguístico na compreensão dos agentes do passado? Qual é o
valor agregado em se falar de experiência em tão larga escala? E não seria melhor permanecer
com termos mais específicos como sensação (experiências sensoriais), experiência vivida
(histórias pessoais), sensibilidade incrementada (atitude estética) e experiencidade (impacto das
representações), termos esses que nos possibilitam diferenciações teóricas entre os vários
fenômenos em questão?
Como já sugeri, grande parte dessa dificuldade parece derivar de outra confusão, ou ao
menos de uma fronteira nebulosa: a conjugação entre memória e história. Uma conjugação que
muito impede clarear a questão. O que quer dizer que a ideia errônea de que memória e história
estão integralmente conectadas deve ser similarmente pormenorizada. Que mensura há, por
exemplo, na afirmação comumente escutada de que história é para a sociedade o que a
memória é para o indivíduo? Ou na ideia de que „memória é a base existencial da história‟?
Essas conjugações bem populares dependem da mesma confusão entre memórias pessoais ou
crenças coletivas e experiência ou representações, assim obscurecem o papel crucial
desempenhado pelos julgamentos ideológicos e de valores. Se nenhum espaço é percebido
entre essas esferas, visões conservadoras são automaticamente privilegiadas.
Ainda, para além de levar a atitudes conformistas de maneira geral, tal confusão pode
também levar a ideias unilaterais sobre o que está envolvido em historiar. Embora nada disso
seja dizer que não há paralelos úteis a serem considerados, espero que possa mostrar as razões
pelas quais nós devemos ser cuidados ao traçar tais paralelos.
Como eu vejo, a grande falha dos historiadores é que eles deixam sua experiência do
presente – do mundo em geral – determinar sua relação com o passado histórico também.
Deixe-me primeiro explicar o que quero dizer exatamente com isso: Todos nós temos uma
relação com „o/um passado‟ simplesmente porque a esmagadora maioria das „coisas‟ que
constituem nossas vidas, em qualquer (e em todos) momento particular já está finalizado e „foi
embora‟, ou ao menos se prolonga no passado em graus variados – dependendo de nossas
definições que tipo de unidades forma aquelas „coisas‟. Simultaneamente elas também estão
sempre presentes – por fazerem parte do nosso passado – no sentido de determinarem muito do
que somos agora, como reagimos, o que identificamos como e com o que, o que constitui um
evento significativo para nós, e assim por diante. Assim, temos uma experiência fenomenológica
do mundo ao existir ao longo do tempo; não somos limitados por nenhuma distinção estreita ou
divisas entre passado e presente em termos de produção de sentido. Bem o contrário, na
verdade, já que se não fosse dessa maneira as coisas não fariam sentido.
Ainda sim, com relevância, essa orientação fenomenológica generalizada é uma questão
que a teoria histórica tende a comentar bastante, precisamente porque ela é histórica. Em outras
palavras, teoria histórica tende a ignorar a fenomenologia geral porque ela se envolve com o
passado e o presente em níveis nos quais a experiência subjetiva não é de maneira alguma uma
questão determinante. Nesse nível, o presente é colocado como claramente distinguível do
passado, apesar da dificuldade de qualquer clara separação teórica e rígida. O passado pode
estar presente para nós como memória coletiva ou consciência histórica, por exemplo, mas essa
dinâmica não tem efeito no passado como objeto da (grande parte) da história acadêmica – e
vice-versa. Aqui é o local onde a maior parte das teorias atrapalham o esclarecimento ao se
concentrarem quase sempre, de maneira exclusiva, na questão da epistemologia: Enquanto a
problemática passado-presente pode ser enfrentada ao destacarmos a inacessibilidade do
passado em termos epistemológicos, seria melhor em muitos casos enfatizar a indisponibilidade
do passado histórico (leia-se, não subjetivo) em termos de experiência.
Minhas razões ao enfatizar a ruptura entre o presente (experienciado – nossa
experiência particular do mundo, incluindo experiências no nosso passado) e o passado histórico
não são, por isso, primariamente epistemológicas. Ao contrário, o objetivo é relevar a diferença
entre passado-presente da história e passado-presente da experiência. Há várias boas razões
para se fazê-lo, envolvendo as principais – como já dito – a tendência dos historiadores (e de
alguns teóricos com percepções históricas) em permitir que sua experiência do presente
repercuta em suas teorias acerca da interpretação do passado. Isso se relaciona com o que eu
designo por o anseio fenomenológico do historiador, que quer dizer o desejo que os
historiadores demonstram por um passado dotado de sentido, por um passado que seja como o
presente e que o afete, „fale com ele‟, assim por diante.
De modo geral, esse anseio fenomenológico – o desejo por experiência – parece
também desempenhar um papel na história como disciplina. Ao menos nesse aspecto, o sonho
de objetividade e de verdade da história também reflete uma conjugação entre realidade e
experiência. Por o passado ser inquestionavelmente real (outrora) e existente em certo nível do
senso comum, esse mesmo senso comum permite o obscurecimento da diferença entre
passados subjetivos e coletivos/históricos, reforçando o uso da linguagem e das metáforas
pertencentes de um ao outro sem reflexão crítica suficiente.
Para recolocar o caso da maneira mais clara possível: Defensores de argumentos
associados à presença ligada ao passado coletivo e histórico não se convencem dos apelos da
inacessibilidade epistemológica porque, para eles, a distinção entre o passado subjetivo e o
passado histórico não é uma consideração. Eles – e especialmente aqueles que tentam
reivindicar tais afirmações em níveis menos teóricos – „conhecer‟, a partir da experiência, aquele
„passado‟ significa algo para o (seu) presente. Em outras palavras, eles falham em considerar a
distinção entre o subjetivo e o coletivo, bem como os diferentes sentidos que a „experiência‟
adquire em cada um deles.
Todos os questionamentos e debates epistemológicos também atrapalharam outro
ponto: Discussões teóricas tem se dedicado muito a demonstrar que os sentidos são construídos
no presente e que nosso conhecimento acerca do passado não contém obrigações ou coações
morais inerentes. Assim, história (historiografia escrita) tem sido percebida como inevitavelmente
presentista. Nesse processo, entretanto, distinções entre história e nossa relação com o passado
também se obscureciam ainda mais: história é tanto mais conjugada com memória (coletiva ou
cultural), recordação, consciência histórica, e assim por diante.
Esta confusão opera em vários níveis:
Primeiro, a ideia de que devemos „lembrar‟ certos aspectos do passado de modo a fazer
„justiça‟ aos mortos tem tido força especial nesse momento. Ademais, para além de se constituir
em parte importante das identidades culturais e das práticas e rituais coletivos por exemplo,
também tem-se considerado a história acadêmica como detentora dessa tarefa, como parte de
sua justificativa institucional. Assim, há certa confusão entre categorias de conhecimento e de
experiência: „Recordar‟ ao menos sugere algum tipo de relação experiencial com seu objeto.
Claro que a ideia de recordar pode descrever esse compromisso eficazmente, ou ao
menos o lado ético dele. Ainda sim, a segunda conjugação, a conexão entre o conhecimento e a
verdade com a responsabilidade ética ou moral é tão infundada, se pensarmos além daquela
crença particular.
Penso ser bem fácil encontrar evidências dessa maneira de se pensar em livros que
ainda definem o que é feito pelos historiadores. Arthur Marwick, por exemplo, afirma que:
„Assim como um homem sem memória e auto-conhecimento é um homem à
deriva, também a sociedade sem memória (ou mais corretamente, sem
recordação) e auto-conhecimento seria uma sociedade à deriva‟. (Marwick, A
natureza da história, 1970).
Essa última crença é importante de se notar porque ela também tem implicações mais
profundas: A nostalgia pela „presença‟ e pela „experiência histórica‟ aparenta ser fundada na
ideia de que o passado pode nos guiar de certa maneira nas nossas vidas. Se acessarmos „a
verdade das coisas‟, aquelas coisas podem de certa maneira (misticamente) nos revelar algo
sobre nossa relação com o mundo, até mesmo talvez uma maneira de agir „derradeira‟. Mas isso
parece simplesmente envolver uma mistificação sobre a outra: Primeiro o passado ou o presente
se torna de certa maneira diretamente acessível, para então, no momento em que estiver
presente, nós percebemos alguma verdade absoluta sobre nós mesmos e sobre o mundo.

II
Parte da responsabilidade por essa confusão atual pode ser colocada em frente à porta
de White: Ele apresentara algumas ideias bastante inspiradoras cuja má compreensão muitos
fizeram, ou as utilizaram para fins próprios. Refiro-me especificamente ao seu ensaio „O evento
modernista‟, que fora reimpresso no Realismo figural em 1999, porque penso que aquele ensaio
inspirara grande parte desses argumentos por ter se direcionado à realidade. Tentarei explicar o
porquê. Creio que não serei mal compreendido: Não estou dizendo que a apresentação de White
faça esses mesmos erros de categoria, mas eu tentarei mostrar como tem sido recebida de
maneiras nas quais esses erros podem ser assim lidos. As incompreensões não se limitam a
leituras daquele ensaio em particular, entretanto, mas se estendem no passado até Metahistória,
como vocês verão com esse exemplo.
Há um livro brilhante de Peter Icke de 2012, que traça a trajetória da obra de Frank
Ankersmit, concentrando-se no modo que Ankersmit mudara seus interesses „da linguagem para
a experiência‟. O que Icke faz neste livro é olhar como Ankersmit mudara o curso de suas
preocupações linguísticas – da linguagem – para seguir seu desejo por algo mais substancial
como uso do passado. Icke também aponta vários exemplos de leituras errôneas do White.
Como eu já mencionei algumas das reivindicações em Experiência histórica sublime bem como a
problemática envolvida de maneira geral, quero somente mencionar este livro para aproximá-lo
e, em vez disso, ressaltar um artigo de Ankersmit acerca da influência e recepção da obra de
White: „O apelo de Hayden White aos historiadores‟ (de 1998, History and Theory). Já naquele
artigo – e efetivamente em uma entrevista comigo em 1997, Ankersmit fizera afirmações
semelhantes.
Neste artigo em History and Theory – depois de discutir sua própria leitura de
Metahistória, o que era a tropologia de White, assim por diante – Ankersmit termina por dizer
algo que penso ser surpreendente, bem alarmante hoje em dia se olharmos retrospectivamente,
embora naquela época eu simplesmente lera o artigo e não prestara à atenção de fato. A mais
importante afirmação que quero ler daquele artigo é quando Ankersmit afirma:
„Certamente, há uma realidade histórica que é, em princípios, acessível ao
historiador‟ (1998, 187). Ankersmit então desenvolve a discussão sobre como
as estratégias usadas pela literatura modernista, assim como diz White – e
especialmente monólogos interiores – facilitam „um contato conosco que
transcende a dicotomia sujeito/objeto‟ (190). Essencialmente, essas
estratégias não „escondem‟ ou „obscurecem‟ tal dicotomia, mas a abolem.
Como vocês podem ver a partir dessas citações, Ankersmit muito cedo já tentava
reafirmar muito daquilo que questionara em Lógica narrativa – e isso, claramente, é o grande
ponto do livro de Peter Icke, a reviravolta no pensamento de Ankersmit. (Icke apóia-se bastante
nesse mesmo artigo de 1998 em seu capítulo „Ankersmit em transição‟). Penso ser o ponto mais
interessante a afirmativa de Ankersmit em atribuir tais afirmações a White, voltando à
Metahistória – assim, é uma negociação ou mesmo uma tentativa de reverter essa sentença da
ideia de que nem acessamos passado, muito menos poderíamos fazê-lo, em qualquer sentido
significativo. Ou ao menos na ideia de sentido – não há sentido para ser „encontrado‟...
(Novamente, Icke discute a „curiosa‟ leitura ankersmitiana da Metahistória detalhadamente).
É claro que Ankersmit, deve-se falar para defendê-lo, soubera muito bem como essa
afirmativa seria encarada. Era um argumento radical, a partir do qual penso que ele queria
sacudir as coisas, mover a discussão ao direcioná-la para longe daquilo que parecia ser óbvio
naquela época. Assim, nesta entrevista em 1997, por exemplo, ele disse claramente esperar que
as pessoas dissessem que ele ficara louco ao proferir tais argumentos. Desde então, ele
atribuíra essa „loucura‟, essa decisão de não ser brutalmente racional, a uma visão de mundo
romântica que lhe é própria.
A questão importante para mim aqui é, entretanto, que o argumento de Ankersmit em „O
apelo de Hayden White aos historiadores‟ reside (se tenta-se relacioná-lo diretamente a qualquer
coisa dita por White) em sua leitura deste um ensaio, „O evento modernista‟, e da confusão entre
experiência e experiencidade criada pelo texto, que ele encontra na sua leitura do texto. Assim, a
confusão se dá entre experiência vivida e o tipo de sensibilidade esteticamente intensificada (ou
emoção, ou afeto) que um texto literário, especialmente se for modernista, pode nos inspirar.
Parte dessa confusão é sugerida por aquele ensaio por conta do paralelo feito entre os textos
literários dos modernistas, com suas intensificações de nossa sensação de experiencidade e
também o fato de assistirmos transmissões televisivas como a da explosão Challenger, que
White usa como exemplo. Assim sendo, pode-se ler aparentemente esse último como se fosse
sobre uma relação direta com o material (e por uma extensão tênue ao evento), mas penso que
se o lermos com cuidado, a ideia de que esse material foi transmitido, repetido, deixado
largamente emoldurado, assim por diante, é o ponto principal.
A afirmação por mim feita é que White ainda permanece firmemente dentro das divisas
marcadas pela ideia de experiencidade, da experiência estética. O que gostaria de fazer é me
certificar de que falamos da mesma coisa. E sugerir que nós deixemos a experiência, presença e
percepção, assim como outros termos similares, em seu local de origem, na esfera do
fenomenológico.
Minha contenda, então, é que essa mudança da experiência vivida, senso comum e
cotidiana em direção a experiência estética, ou experiencidade, cruza a fronteira entre o que
podemos considerar fatos certamente não-problemáticos, alguém comera no passado, eles
dormiram, eles sentiram dor, assim por diante, e alguém „experimentou‟ algo como bonito, bom
ou valioso, por exemplo.
Apenas por esta razão, penso que pode-se dizer que Ankersmit, e outros defensores da
experiência e da presença, cometem um erro significante de categoria. Quando Ankersmit afirma
que „se tivermos uma experiência da realidade demasiado complexa, da mesma maneira que
ocorre com uma experiência estética ou com uma experiência histórica, pode ser afirmado – ao
menos em minha opinião – que algo como um acesso direto à realidade é possível‟ (2005), ele
não está, até onde vejo, falando de experiência, mas de uma incrementada sensação de
experiencidade, como todas as qualidades mencionadas – „complexa‟, „estética‟ e „histórica‟ – de
fato sugerem.
(Novamente, uma comparação demasiado vaga entre uma experiência de realidade e a
nebulosa „experiência histórica‟ que Ankersmit busca – e simultaneamente considera como dada,
de fato – serve para tornar seus argumentos suscetíveis à crítica por parte dos filósofos da
linguagem; uma jogada que só complica a discussão sem prometer muito em direção a
soluções).
Apesar dessa confusão, creio que devamos ler essas afirmações mais generosamente
do que alguns críticos: O apelo a uma „verdade‟ ou ideia metafórica que sucede o processo de
decodificar certa quantia de complexidade, inserida em um conjunto relativamente estável de
discursos e de códigos, nos quais estamos embutidos, é uma ideia útil na acepção de produção
de sentido, se não for no nível de um sentido estático „lá fora‟. Esta, para mim, é a principal
mensagem do texto de White „O contexto no texto‟ (de 1982). Há „verdades humanas‟ a serem
descobertas através de uma leitura cuidadosa dos códigos nos quais operamos; nossos
discursos definem o que é possível dentro de um contexto particular – como de fato vários
Annalistes também apontaram -, por isso mapear aquele contexto nos fornece ideias de como
pessoas pensaram certas coisas, como eles muito provavelmente experimentaram algo, como
eles viam as possibilidades e limitações por eles enfrentadas, assim por diante. Assim, não há
dúvida de que os historiadores estejam certos nessa intuição bem básica sobre „compreender‟
outros.
O ponto central que não podemos ler tão generosamente aparece, penso eu, com a
maneira pela qual decidimos ver o status dessa „verdade‟ e desse conhecimento. A dificuldade é
que se nós considerarmos séria a ideia de que o sentido não está „lá fora‟, então temos de fazer
uma distinção bem firme. Não podemos importar ideias sedutoras sem gerar problemas de um
Levinas. O poder da face do outro, por exemplo; como ele nós liberta de nossa subjetividade
auto-centrada para reconhecermos a alteridade do outro e da qual tiramos uma primeira filosofia
e uma ética de respeito pelo outro, assim por diante. Isso pertence à esfera da experiência
fenomenológica. O mesmo vale para ideias intuitivamente sedutoras de presença ou
materialidade, de como a materialidade nos direciona a caminhos específicos, simplesmente por
ser um rastro de algo, evidência de alguém ter feito algo, e somos movidos automaticamente
para esse caminho porque alguém fizera algo particular. Isso retém até mesmo ideias de
memória como provedora de uma „experiência inter-geracional‟, por exemplo.
Mas se há algo desse tipo de realidade que poderia necessariamente nos libertar de
nossas respostas habituais, nossas maneiras habituais de pensar, então deve ser „somente‟ no
nível de sistemas significatórios, no nível do sentido de um texto, do famoso conteúdo da forma,
da direção que o texto nos guia durante os processos de construção de significado. Ora, se só
for um relatório direto, digamos um artigo de jornal, ou uma história objetiva, então grande parte
da significância vem do fato de que as pessoas escolhem atribuir sentido/valor ao fato de que
algo realmente aconteceu. Eles imaginam que, por terem lido sobre algo, estão em contato com
alguém experimentando isso, e eles (pensam que) sentem empatia, o que „ocasiona‟ certo
sentido pra eles, certa avaliação por eles, certo posicionamento moral por eles. Dados esses
pressupostos, que mais poderia ocorrer (que não uma experiência elevada, talvez do tipo
„histórico‟)? Mas isso é um problema distinto e vínculos não são gerados por fatores estéticos,
mas pela presunção de que há valor no fato de algo ser real, em algo „ter acontecido‟. Pensando
assim, operamos num nível completamente diferente. Novamente, a meu ver, isto é parte de
uma confusão contínua ao discutirmos experiência e escrita histórica. O eterno retorno da
realidade, desse modo, quer dizer que o sentido está de certa forma disponível.
No mesmo ensaio („O contexto no texto‟), White também nos esclarece:
„O real histórico, o passado real, é aquele ao qual posso ser remetido
somente por meio de um artefato que é textual em sua natureza. As noções
indiciárias, icônicas e simbólicas da linguagem, portanto dos textos,
obscurecem a natureza dessa capacidade indireta de referência e impede a
possibilidade de (fingir-se) referência direta, criam a ilusão de que há um
passado disponível que é diretamente refletido pelos textos. Mas mesmo se
acreditarmos nisso, o que vemos é o reflexo, não a coisa refletida‟ (White
1987, 209).
A razão para nos apegarmos a essa caracterização tão intensamente é uma bem
simples – ainda que difícil de aceitar – política e eticamente: Se não há vínculo entre fato e valor,
entre o é e o deveria, não há valores implícitos, ou inquestionáveis, em nenhum pensamento
particular ou modo de ser. Ao invés, o valor da visão de mundo ou da ação é somente
discernível em termos de suas consequências. Além de demonstrar o valor do estudo histórico –
o valor de contextualizar nossas compreensões em vez de tentar trabalhar somente nos níveis
das generalizações (pois como poderíamos, de outra maneira, avaliar impacto e consequência?)
– isto deveria ser compreendido como uma mensagem libertadora: Reconhecemos que
construímos sentido, um reconhecimento que impede oportunidades de nos concentrarmos em
estórias positivas e de afirmação da vida. Entretanto, tal reconhecimento só tendera a alertar os
historiadores acerca da teoria construtivista e do relativismo implicado por ela.
Escolhendo nosso futuro7:
constituição do ancestral retroativo e modernidades alter-nativas8
Ewa Domanska
(Adam Mickiewicz University, Polônia)
(trabalho em progresso)

No artigo "O que é sistema histórico?", Hayden White escreve sobre o estabelecimento
de um ancestral ideal que permita às sociedades criar uma identidade coletiva a partir do
lançamento de conexões a um passado desejado, como representado por heróis humanos ou
divinos. Ele chama isso de "um processo de substituição ancestral" ou "constituição ancestral
retroativa". Mesmo se uma das propostas do texto de White fosse a de enfatizar as diferenças
entre sistemas históricos e biológicos, uma certa forma de conectar ambos é possível. No
contexto do recente interesse pelas biohumanidades e da transcendente oposição entre cultura e
natureza, a forma específica de White inventar a tradição talvez esteja, na realidade, relacionado
à evolutiva noção de adaptação a cambiantes contextos sociais, políticos e de meio-ambiente.
Uma escolha consciente (tempos críticos como revoluções ou reformas), pode ser vista como
uma estratégia de adaptação ou um ímpeto de sobrevivência. Assim, a escolha de um ancestral
adequado é estratégico para o futuro da comunidade e este é o motivo pelo qual eu acho esse
tema particularmente importante, não apenas como uma questão da teoria histórica e um motivo
interessante dos trabalhos de White, mas primeiramente como uma ideia estratégica em nosso
tempo, marcado por violência, pobreza e degradação ecológica crescentes. Nesse artigo White
escreve como segue:
O que ocorreu entre os séculos três e oito foi que os homens pararam de
enxergar a si próprios como descendentes de seus antepassados romanos e
passaram a tratar a si mesmos como descendentes de seus predecessores
judaico-cristãos (...) Quando o homem europeu ocidental passou a agir como
se descendesse do segmento cristão do mundo antigo; quando ele passou a
estruturar seu comportamento como se ele fosse geneticamente
descendente de seus predecessores cristãos, quando, em suma, eles
passaram a honrar o passado cristão como o modelo mais desejável de
criação de um futuro unicamente seu, e pararam de honrar o passado
romano como seu passado, o sistema sócio-cultural romano parou de existir
(...) Estou sugerindo que sistemas históricos diferem de sistemas biológicos
por sua capacidade de agir como se pudessem escolher seus próprios

7 Traduzido por Marcelo Durão Rodrigues da Cunha.


8Este trabalho foi criado como parte do projeto de "História resgatada", do programa de mestrado, Foundation for
Polish Science e constitui um capítulo no livro sobre humanidades afirmativas e conhecimentos não-
antropocêntricos do passado.
ancestrais. O passado histórico é plástico de uma forma que o passado
genético não é. (...) (Os homens) escolhem uma série de ancestrais ideais
que eles tratam como progenitores genéticos. Esse ancestral ideal não
precisa possuir conexões físicas com o indivíduo que o escolhe. (...) O
processo de socialização pode ser caracterizado como um processo de
substituição ancestral, como um pedido aos indivíduos, para que ajam como
se tivessem realmente descendido de modelos históricos ou mitológicos, em
preferência a qualquer modelo que possa ter sido provido por herança
genética. Essa substituição ancestral retroativa é um ingrediente essencial na
constituição do sistema histórico (...).9
White reivindica que uma coletividade opta por ancestrais ideais substitutos que são
“mais adequados a suas necessidades” (“necessidades justificáveis” – como White diz) que os
permite construir “os mais desejáveis modelos de criação de um futuro unicamente seu.”
Revoluções e reformas, White continua, que podem ser vistas como “variações ou mutações no
sistema (...) são inconcebíveis sem o ato de constituição ancestral retrospectiva que os fornece
conteúdos específicos”.10 Essas ideias foram recentemente interpretadas por Robert Duran,
Hans Kellner e Herman Paul na linha do construtivismo, do figuralismo e da filosofia existencial
da história de White11. Os intelectuais acima mencionados, utilizam a frase “escolhendo nosso
passado” como subtítulos em capítulos de fragmentos de seus livros onde comentam sobre o
artigo “O que é um sistema histórico?” Eu gostaria de propor um caminho distinto. Ao invés de
reaplicar a questão chave de White sobre “Como passados históricos são construídos?”12 e
refletir sobre como “escolher nosso passado”13, eu opto preferencialmente por tomar uma

9Hayden White, “What is a Historical System?”, in: his, The Fiction of Narrative (Essays on History, Literature, and
Theory, 1957-2007), ed. by Robert Doran. The Johns Hopkins University Press, 2010, p. 132. O texto foi escrito em
1967 e publicado cinco anos depois como: Hayden White, “What is a historical system?”, in: Biology, history, and
natural philosophy: based on the second international colloquium held at the University of Denver, ed. by Allen D.
Breck and Wolfgang Yourgrau. New York: Plenum Press, 1972: 233-242.
10 Ibidem, p. 133.
11Duran afirma que a realização do modelo de explanação figura e figuralismo é específico para a forma histórica de
pensamento de "causalidade reversa", e que mesmo que não explicitamente formulado, estava presente no
pensamento de White já neste ensaio. Robert Duran, “Editor‟s Introduction: Humanism, Formalism and the
Discourse of History,” in White, The Fiction of Narrative, p. xxix-xxxi and his, Editor‟s Introduction: “Choosing the
Past. Hayden White and the Philosophy of History”, in: Philosophy of History after Hayden White, ed. by Robert
Doran. London, etc.: Bloomsbury, 2013, p. 12 ff. Veja também: Herman Paul, Hayden White. The Historical
Imagination. Polity Press, 2011, p. 141 and Hans Kellner, “A Distinctively Human Life”, in: Re-Figuring Hayden
White, ed. by Frank Ankersmit, Ewa Domanska e Hans Kellner. Stanford: Stanford University Press, 2009, p. 3-5.
[White comenta: "Estava trabalhando na distinção genealógico-genética neste ensaio, e foi apenas depois que eu vi
a conexão entre o modelo de realização de promessa, que me parecia ser uma forma de falar sobre proposições
não-teleológicas" - mensagem de e-mail - 05.09.2013]
12 Hayden White, “History as Fulfillment”, in: Philosophy of History after Hayden White, p. 35.
13Duran afirma que a realização do modelo de explanação figura e figuralismo é específico para a forma histórica de
pensamento de "causalidade reversa", e que mesmo que não explicitamente formulado, estava presente no
pensamento de White já neste ensaio. Robert Duran, “Editor‟s Introduction: Humanism, Formalism and the
Discourse of History,” in White, The Fiction of Narrative, p. xxix-xxxi and his, Editor‟s Introduction: “Choosing the
Past. Hayden White and the Philosophy of History”, in: Philosophy of History after Hayden White, ed. by Robert
Doran. London, etc.: Bloomsbury, 2013, p. 12 ff. Veja também: Herman Paul, Hayden White. The Historical
Imagination. Polity Press, 2011, p. 141 and Hans Kellner, “A Distinctively Human Life”, in: Re-Figuring Hayden
White, ed. by Frank Ankersmit, Ewa Domanska e Hans Kellner. Stanford: Stanford University Press, 2009, p. 3-5.
[White comenta: "Estava trabalhando na distinção genealógico-genética neste ensaio, e foi apenas depois que eu vi
perspectiva futurista e especular sobre como o futuro pode ser vislumbrado e como podemos
escolher nosso futuro. Eu concordo com Ilya Prigogine que o “que fazemos hoje depende de
nossa imagem sobre o futuro, mais do que o futuro depende do que fazemos hoje” 14. Estou
interessada em uma “história antecipadora”, significando uma abordagem futurista do passado
que iria permitir-nos vislumbrar um alternativo “horizonte de expectativas” baseado no passado e
um “espaço de experiência” presente que esteja aberto e aberto a formas não-ocidentais de
pensamento e experiência não-humana15. Eu acredito, como estudiosa do passado, que não
deveríamos nos voltar contra um passado e um presente injustos (que foi o caso das
humanidades críticas e emancipadoras), mas para certos ideais. Eu creio que necessitamos de
cenários alternativos para o futuro. Também precisamos de um conhecimento visionário que nos
permita não apenas um melhor conhecimento do mundo que nos cerca, mas antes de tudo que
nos prepare para o futuro por vir que pode ser fundamentalmente diferente – graças à revolução
biotecnológica e o desenvolvimento da neurociência, dentre outras coisas – do presente.
Certamente esse tipo de “história antecipadora” (história orientada pelo futuro), pode ser visto
como contraditório em termos, contudo, tal abordagem pode auxiliar na reconceitualização do
que consideramos como história e gerar um “conhecimento do passado” mais inclusivo,
integrador e holístico.
A meu ver, o processo de substituição ancestral como proposto por Hayden White, no
contexto de um conhecimento do passado inclusivo e orientado para o futuro, é muito
antropocêntrico. Assim, e aqui vem a ideia central, ao invés de buscar por inspiração na filosofia
e história europeias (ocidentais), eu seguirei o trabalho de antropólogos e arqueólogos tais quais
Nurit Bird-David, Philippe Descola, Graham Harvey, Tim Ingold e especialmente Eduardo
Viveiros de Castro, e eu gostaria de falar sobre o novo animismo (que irei definir mais tarde)
como uma plataforma conceitual significando um conjunto de ideias e abordagens ideais para
construir a visão orientada para o futuro da constituição ancestral que também inclui ancestrais
não-humanos. O novo animismo questiona nossas noções antropocêntricas de ancestralidade e
considera a possibilidade de ancestrais em animais, plantas e coisas, assim como aquelas
noções míticas e/ou da ficção científica de metamorfose corpórea, comunicação entre espécies,
e uma sociedade que é constituída por indivíduos, dos quais apenas alguns são
humanos16.Assim, para mim o animismo “não é um recurso para a teoria, mas uma fonte para a
teoria,”17 no caso deste estudo, uma teoria da “constituição ancestral não-humana prospectiva”
(permitam-me parafrasear a ideia de White).

a conexão entre o modelo de realização de promessa, que me parecia ser uma forma de falar sobre proposições
não-teleológicas" - mensagem de e-mail - 05.09.2013]
14 Ilya Prigogine,“Beyond Being and Becoming.” NPQ: New Perspectives Quarterly, vol. 21, 2004, p. 12 [5-12].
15Me refiro aqui a Reinhart Koselleck, em sua ideia de "Espaço de expriência" e "horizonte de expectativas", em
Futures Past. On the Semantics of Historical Time, trans. by Keith Tribe. Cambridge Mass.: MIT Press, 1985.
16Bruno Latour apresenta uma posição similar quando afirma que "a sociedade sempre significou associação e
nunca se limitou aos humanos". Bruno Latour, “Whose Cosmos, Which Cosmopolitics?” Common Knowledge, vol.
10, no. 3, 2004, p. 451 [450-462]
17Benjamin Alberti & Yvonne Marshall, „Animating Archaeology: Local Theories and Conceptually Open-ended
Methodologies.” Cambridge Journal of Archaeology, vol. 9, no. 3, 2009, p. 344 [344-356].
Ao dizer isso, eu proponho que sejam consideradas as seguintes questões meta-
históricas: como a nossa visão sobre a humanidade mudaria se os historiadores levassem o
novo animismo a sério e aplicassem a ideia de constituição de uma ancestralidade não-humana
com o objetivo de explicar como sistemas histórico/naturais-culturais se modificaram no passado
e se modificarão no futuro? Qual tipo de ancestral substitutivo é necessário para o futuro? O que
poderia acontecer se um certo grupo escolhesse ancestrais animais (ou outras entidades não-
humanas como plantas ou coisas) ao invés de modelos humanos? Qual é o potencial radical ou
libertador de tal escolha e qual tipo de futuro poderia suceder a partir dela? Eu irei sustentar que
nos tempos atuais de desafios impostos pela pobreza crescente, por casos de assassinatos em
massa, migrações, assim como destruições ecológicas, mudanças climáticas e o rápido
progresso biotecnológico, a ideia da escolha de um ancestral não-humano pode abrir a
possibilidade de eco-utopias que podem contribuir para um futuro sustentável.
Isso não é uma coincidência, o imaginário animista, como apresentado por antropólogos
críticos, como Eduardo Viveiros de Castro, inspiram no presente uma política radical em sua luta
por – o que Michael Hardt e Antonio Negri denominam altermodernidade.18Para Hardt e Negri a
“altermodernidade provê uma forte noção de novos valores, novos conhecimentos, e novas
práticas; em suma, a altermodernidade constitui um dispositivo de produção de
subjetividade.”19Envolvendo o animismo no processo de construção de tal altermodernidade –
vamos chamá-la de modernidade alternativa (tendo em mente sua pluralidades), - isso não é –
devemos enfatizar – o fato de estarmos testemunhando um tipo de “nativismo‟ ou um retorno ao
“primitivismo”, mas uma séria alegação de que tratar o pensamento nativo como equivalente ao
pensamento ocidental é (potencialmente) uma prática descolonizadora e libertadora.
Conhecimentos indígenas defendem ontologias plurais e várias realidades iguais. Deste modo, o
animismo foi marginalizado, uma vez que não se adequava ao projeto moderno, mas com a

18 Há muitos anos já existe um interesse crescente observado em modernidades alternativas e indígenas que
supõem descentralizar o interesse em uma forma específica de modernidade europeia. Ver: Unbecoming Modern:
Colonialism, Modernity, Colonial Modernities, ed. by Saurabh Dube, Ishita Banerjee-Dube. New Delhi: Social
Science Press, 2006 (ver: Enrique Dussel, “World-System and „Trans‟-Modernity”: 165-186). Veja também:
Alternative Modernities, ed. by Dilip Parmeshwar Gaonkar. Durham: Duke UP, 2001. Uma específica modernidade
"nativa" do leste europeu é discutida no periódico russo “Ab Imperio. Studies of New Imperial History and
Nationalism in the Post-Soviet Space.”
19 Michael Hardt and Antonio Negri, Commonwealth. Cambridge, MA: Harvard University Press, 2009, p. 115. Para
Hardt e Negri, a altermodernidade "marca uma ruptura mais profunda com a modernidade do que qualquer hiper- ou
pós-modernidade. De fato as duas são removidas da modernidade, por estarem baseadas nas lutas da anti-
modernidade e suas resistências às hierarquias no curso da modernidade; e segundo, quebram com o anti-
modernismo, recusando a oposição dialética e movendo da reistência à prospota de alternativas". Ibidem, p. 114.
Em outro local, Hardt e Negri definem a altermodernidade como segue: "A altermodernidade possui uma relação
diagonal com a modernidade. Ela marca o conflito com as hierarquias da modernidade, assim como o faz a
antimodernidade, mas orienta as forças de resistência de forma mais clara até um terreno autônomo. Deveríamos
notar imediatamente, porém, que o termo altermodernidade pode criar incompreensões. Para alguns o termo pode
implicar em um processo reformista de adaptação da modernidade à nova condição global ao preservar suas
caracteristicas principais. Para outros pode sugerir formas alternativas de modernidade, especialmente ao serem
definidas cultural e geograficamente , isso é, a modernidade chinesa, a modernidade europeia, uma modernidade
iraniana, e assim por diante. Pretendemos com o termo "altermodernidade", em vez de indicar uma ruptura decisiva
com com a modernidade e o poder de relação que a define desde então, a altermodernidade emerge em nossa
concepção das tradições da antimodernidade - mas também parte da antimodernidade já que ela se estende para
além da oposição e da resistência". Ibidem, p. 102-103.
corrente reavaliação alter-moderna ele se torna relevante. Certamente, eu não estou defendendo
um “animismo pop new age” e/ou uma visão de mundo neopaganista. Eu não estou me
“tornando nativa” em meu interesse pelos modos de saber indígenas, e com o animismo não são
ressoadas noções românticas do nobre selvagem ou a ideia de proximidade com a natureza. 20
Eu enfatizo novamente, que a proposta não é imitar cosmologias indígenas, mas utilizá-las como
inspiração para vislumbrar uma visão de mundo diferente, que seja mais adequada para o futuro
e aos desafios que ele impõe. Eu também estou completamente ciente das críticas do uso por
acadêmicos europeus do conhecimento indígena com o objetivo de ressuscitar a autoridade
declinante das ciências ocidentais no processo de construção do conhecimento. Tal abordagem,
portanto, pode ser vista como um outro sinal do contínuo processo de colonização epistêmica do
ocidente imperial.21 Mas eu sou uma acadêmica da Europa Oriental – de uma “província
epistêmica”, que foi (e ainda é) intelectualmente colonizada por teorias e abordagens produzidas
por vários centros (especialmente a Alemanha, a Grã-Bretanha, a França e os EUA). Assim,
usando tradições não-ocidentais eu ajo de forma a “descolonizar a minha mente” (para usar a
famosa expressão de Ngũgĩ wa Thiong‟o) e vislumbrar uma forma diferente de conhecimento
que traria maneiras não-ocidentais de pensamento como complementares ao meu próprio.
“Periferias do mundo, unam-se!” – permitam-se citar o “convite” proclamado por meu colega -
Piotr Piotrowski, um historiador da arte polonês.22

Humanidades ecológicas
Em meados do fim da década de 1990, Frithof Capra percebeu que estamos
testemunhando uma virada paradigmática ocorrendo nas ciências, desde a física até as ciências
da vida, acompanhada por uma mudança no sistema de valores como um ponto de partida para
os pesquisadores, isso é, em um amplo sentido, o pensamento ecológico 23. O novo paradigma,
definido por Capra como um paradigma holístico ou ecológico, é caracterizado, em sua
abordagem, por uma quantidade de giros: da racionalidade à intuição, da auto-confirmação à
integração, da dominação à parceria, da competição à cooperação, da noção de estrutura e suas
partes à noção do todo e processo. Esse paradigma repousa sobre a teoria dos sistemas, com
particular interesse na questão da auto-organização (a autopoiesis de Maturana e Varela)24, e

20De fato, esta abordagem foi fabricada pela filosofia ocidental e posteriormente usada por aqueles interessados na
proteção ambiental (que era realizada pelo interesse dos humanos).
21 De fato, Tim Ingold abertamente anuncia que o interesse corrente no animismo indígena poderia ser útil para a
"reanimação de nossa, assim chamada tradição 'ocidental' de pensamento". Tim Ingold,“Rethinking the animate, re-
animating thought.” Ethnos, 71, no. 1, 2006, p. 19 [9-20].
22 Piotr Piotrowski, “Peripheries of the World Unite!” trabalho apresentado no XLVI AICA International Congress
(Košice – Bratislava, Slovakia, September 24-27, 2013). Piotrowski se interessa em criar atitudes alter-globalistas na
apresentação do sistema mundial, nas periferias da arte e na reescrita das narrativas sobre história da arte. Vejam:
Art and Democracy in Post-Communist Europe. London: Reaktion Books, 2012.
23 Fritjof Capra, The Web of Life. A New Scientific Understanding of Living Systems. New York:
Anchor Books, 1996, pp. 5-13.
24 A teoria dos sistemas, focada nos processos de auto-organização, autonomia, integração, e cooperação, tem
atraído muito interesse. Entre os representantes dos pensadores dos sistemas estão dois pesquisadores chilenos:
Humberto Maturana e Francisco Varela, cuja teoria da autopoiesis descrevendo a auto-organização de sistemas
está ligado à emergência de novas formas de espiritualidade, apoiando a percepção do mundo
nas categorias das “fundamentais interconectividades e interdependência de todos os
fenômenos e enraizamentos no cosmos”25. Eu concordo com o diagnóstico de Capra. Desde o
fim dos anos 1990 eu observo a emergência de um paradigma não-antropocêntrico, pós-
ocidental, e pós-secular que é diversamente denominado como pós-humanidades, humanidades
ecológicas (ou eco-pós-humanidades que é uma tendência no interior das humanidades
ecológicas inspirada pelo pós-humanismo) ou biohumanidades. A pesquisa sobre a condição
das humanidades e das ciências sociais contemporâneas26 nos permite supor que a mudança de
paradigmas, porém, a esta altura, característica apenas de tendências e abordagens avant-
garde, talvez seja o presságio não apenas de novas mudanças, mas de uma reviravolta.
Não estou sozinha em minha hipótese de que estamos no limiar de uma verdadeira
revolução estimulada pelos processos que ocorrem no mundo (conectados com as mudanças
político-culturais, assim como com as mudanças climáticas e a degradação do meio ambiente);
reforçados pelas transformações ocorridas na academia (capitalização da academia, educação
de massas, mudança no perfil étnico e de gênero dos estudantes universitários), e também
inspirados por descobertas nas ciências biológicas, especialmente na biologia molecular, no
cognitivismo e nas neurociências27. Essas mudanças nos levam a considerar as questões
básicas sobre o que é a vida, qual a sua importância, o que é o humano, e a reconsideração das
relações entre o humano e o não-humano, a cultura e a natureza.
O que é de especial importância para a minha consideração aqui é que no contexto do
criticismo tipicamente pós-humanista do antropocentrismo, do eurocentrismo e do imperialismo
cognitivo do tipo de conhecimento ocidental, um crescente interesse nos conhecimentos nativos
é observado (especialmente na Austrália, no Canadá, e em diversos Estados dos EUA).
Contudo, os conhecimentos indígenas são reconhecidos não tanto como o objeto da pesquisa
antropológica, mas como uma plataforma para criar uma compreensão alternativa do sujeito, da
comunidade, do sagrado, do tempo, do espaço e de relações com o não-humano. Obviamente,
existe uma séria questão sobre o nível ao qual as formas indígenas de conhecimento podem ser

moleculares obteve amplo sucesso interdisciplinar. Ela é utilizada na pesquisa social por Niklas Luhmann, dentre
outros. Ver: Humberto Maturana and Francisco Varela, Autopoiesis and Cognition: The Realization of the Living,
Reidl, London, 1980 e dos mesmos autores, The Tree of Knowledge, The Biological Roots of Human Understanding,
Boston, MA: Shambhala Publications, 1998. É importante enfatizar que Varela, em seu projeto
neurofenomenológico, dá importância às tradições asiáticas (por exemplo, o budismo) que introduzem temas
desconhecidos na tradição ocidental no discurso sobre a experiência.
25Fritjof Capra, David Steindl-Rest, Thomas Matus, Belonging to the Universe: Explorations on the Frontiers of
Science and Spirituality. San Francisco: Harper San Francisco, 1991, p. 70 (part III “The Current Shift of
Paradigms”).
26 Vejam meu artigo: “Wiedza o przeszłości – perspektywy na przyszłość” (Conhecimento do passado - prospectos
para o futuro, em polonês) Kwartalnik Historyczny, vol. CXX, no. 2, 2013: 221-274. Nesse texto eu apresento os
resultados mostrando a condição das humanidades e das ciências sociais no dia de hoje baseada em tal questão,
que incluía cerca de 1200 edições de 300 revistas, representando várias disciplinas das humanidades e das
ciências sociais, publicadas entre 2010 e 2012.
27 Doris Bachmann-Medick também chega a essa conclusão ao considerar as mudanças na pesquisa
contemporânea nas humanidades. Ela enxerga sintomas revolucionários na escola das revoluções copernicanas na
virada nerobiológica. Doris Bachmann-Medick, Cultural Turns. Neuorientierungen in den Kulturwissenschaften, 3.
neu bearb. Aufl. Reinbek bei Hamburg: Rowohlt 2009, pp. 389–401.
compatíveis com a ciência ocidental e sobre “se e de que forma a universidade pode ser um
local para um tipo diferente de saber – distintas epistemologias, distintos conhecimentos”28. Nas
ontologias pós-humanistas e relacionais eles são constantemente tidos como iguais. Artigos são
escritos em coautoria entre cientistas e autóctones. Essas interessantes experiências põem em
destaque as formas de obter conhecimento e seus aspectos deslocados da ciência ocidental que
se referem a uma racionalidade específica. É um elemento significativo dos conhecimentos
nativos que eles se iniciem com a prática e se aloquem na experiência. É possível que tal
conhecimento constitua o necessário modelo de conhecimento sobre o mundo, por ser de
natureza interdisciplinar, inclusiva, conectando o espiritual ao material, se baseando no
parentesco co-substancial, na ancestralidade e herança comuns, e sendo governado pelo
princípio de relação e ética de respeito por todos os seres vivos.

Novo animismo, teoria indígena, e crítica à epistemologia ocidental


Por muitos anos os conhecimentos indígenas foram tratados como campo de pesquisa
de antropólogos e como “epistemologias equivocadas”, como folclore irracional e não-científico,
fantasia e visão de mundo infantil, baseada em crenças metafísicas. Geralmente o animismo é
considerado como uma forma infantil, primitiva e ultrapassada de ver o mundo. Na história do
pensamento antropológico, foi E.B. Tylor que se tornou responsável pela crítica em definir o
animismo como “a crença em almas ou espíritos”. Mas o animismo para ele não era uma
religião, mas uma “filosofia primitiva” e um “pré-requisito para a religião”. 29
O pesquisador da África do Sul – Harry Garuba diz a respeito do animismo:
Sendo ele visto como uma evidência de nossa modernidade, como uma
modernidade conflituosa, uma crise da modernidade ou como uma diferença
no interior da modernidade, o que é claro é que ele subverte a autoridade da
ciência ocidental, através da reinserção da autoridade do mágico nos
interstícios do racional/secular/moderno. A cultura animista, então, abre um
novo mundo de pulsantes possibilidades, reposicionando o futuro, como
dando importância ao que no presente está por ser inventado. É
considerando tal habilidade de predispor o futuro que o reencantamento
contínuo se torna possível. Esse conceito também abre um tempo diferente,
fora da usual, positivista e linear noção de tempo, como codificada nas ideias
de progresso e secularização paulatina.30

28“Different Knowings and the Indigenous Humanities”. Daniel Coleman in Conversation with Marie Battiste, Sákéj
Henderson, Isobel M. Findlay, and Len Findlay. ECS: English Studies in Canada, vol. 38, no. 1, March 2012, p. 142
[141-159].
29 Martin D. Stringer, “Rethinking Animism: Thoughts from the Infancy of our Discipline.” The
Journal of the Royal Anthropological Institute, vol. 5, no. 4, December 1999, p. 546 [541-555]. Veja também: Graham
Harvey, Animism. Respecting the Living World. New York: Columbia University Press, 2006, p. 5-9.
30 Harry Garuba, Explorations in Animist Materialism: Notes on Reading/Writing African Literature, Culture and
Society.” Public Culture, vol. 15, no. 2, Spring 2003, p. 271 [261-285]. Quando Garuba fala sobre a
"retradionalização da África", afima que esse processo é a manifestação de um "inconsciente animista que opera
através de um processo que envolve o que eu descrevo como um contínuo reencantamento com o mundo” (p. 265).
O animismo celebra uma visão holística e inclusiva das relações entre humanos e outros
seres para além do humano (para usar a expressão de Irving Hallowel adotada por Graham
Harvey) e é afirmativo da vida31. Não diz respeito ao anima compreendido como um espírito ou
uma alma, mas como uma força de vida e um princípio de animação – movimento entendido
como mudanças e transformações causadas por várias forças internas e externas. Estou
interessada aqui em como podemos pensar sobre a vida (eu não limito a vida à condição de
estar vivo, mas a uma condição de estar apto a transformar e a mudar) em uma maneira
diferente.
O assim chamado “giro animista”32, não tem sido tão visível quanto os giros nas
espécies ou animais; contudo, por vinte anos ele tem atraído a atenção de intelectuais na
antropologia, na arqueologia e no campo multidisciplinar dos novos estudos materiais. Alejandro
F. Haber afirma que:
Assim como o “giro animista”, parte de um movimento pós-modernista e anti-
essencialista mais amplo das rígidas oposições binárias, típicas da modernidade, é
provavelmente uma das mais importantes contribuições à antropologia do criticismo da teoria
social (ocidental).33
O animismo é considerado uma ontologia alternativa, uma nova orientação na
arqueologia, um conceito analítico construtivo e descolonizador, como uma teoria de resistência,
um discurso contra-hegemônico que permite repensar o problema da importância, agência e
ontologia que vai além do excepcionalismo humano e abarca o não-humano. Assim, ele se
encaixa como um paradigma não antropocêntrico e pós-ocidental. Em tal visão as "ideias
ocidentais modernas sobre a natureza como um campo essencialmente não-humano e a cultura
como uma criação humana que possui controle progressivo sobre a natureza são tidas como
uma "criação provincial da Europa"34. Deste modo, como afirmado por Graham Harvey: “o
animismo é uma das muitas vitalmente presentes e contemporâneas formas além-modernas de
ser humano”. A modernidade, em vez do animismo ou qualquer forma de indianidade é

Pelo fato das sociedades de terceiro mundo estarem construindo suas próprias modernidades, neste processo o
pensamento mágico não desaparece, mas é assimilado e "o racional e o científico são apropriados e transformados
no místico e no mágico" (p. 267). O animismo é para ele um modo de consciência religiosa onde os objetos são
manifestações materiais de deuses e espíritos (localizados nos objetos). Ele termina seu artigo dizendo que: "uma
compreensão animista do mundo aplicada à prática do cotidiano tem provido avenidas de agência para o
despossuído na África colonial e pós-colonial" (p. 285)
31 Cf. Harvey, Animism, p. xxi. "Em coletividades animistas - como defendido por Philippe Descola - um campo da
natureza não pode ser dissociado do campo da sociedade, de modod a permitir a proteção do último sobre o
primeiro e como um princípio organizador, o que é obtido é um único campo de relações entre a multiplicidade de
vários tipos humanos humanos e não-humanos". Philippe Descola, “Human Natures”. Social
Anthropology/Anthropologie Sociale, vol. 17, no. 2, 2009, p. 152 [145-157]
32 Eu adicionaria: "giro anímico" para acadêmicos interessados na animação. Há uma diferença entre ser um
animista e ser um anímico (animicista?)
33 Alejandro F. Haber, “Animism, Relatedness, Life: Post-Western Perspective.” Cambridge Journal of
Archaeology, vol. 9, no. 3, 2009, p. 418 [418-430].
34 Haber, “Animism, Relatedness, Life”, p. 427..
excepcional entre formas de ser humano no mundo”35. De fato, cerca de 40% da população
mundial pertence a culturas animistas36. Matthew Hall afirma que “para além de uma crença
ilusória de que tudo está vivo, o animismo é uma forma sofisticada tanto de estar quanto de
conhecer o mundo: é uma epistemologia relacional e uma ontologia relacional”37.
Neste texto, seguindo a visão de Hall, eu proponho que entendamos o animismo não
como um tipo de religião (“primitiva”), mas como uma forma específica de abordagem do mundo
que permita estabelecer relações entre o humano e o não-humano. A definição do animismo
ameríndio de Eduardo Viveiros de Castro como “uma ontologia que postula o caráter social das
relações entre humanos e não-humanos”, também defende tal visão.
Um dos principais defensores do “novo animismo” – Graham Harvey, inicia seu livro
Animism (2006) com o seguinte parágrafo:
Animistas são indivíduos que reconhecem que o mundo é repleto de sujeitos,
dos quais apenas alguns são humanos, e que a vida é sempre vivida em
relação com os outros. O animismo é vivido fora das várias formas que estão
todas relacionadas a agir respeitosamente (com cuidado e construtivamente)
para e entre outras pessoas. Sujeitos são seres, para além de objetos, que
são animados e socialmente voltados para outros (mesmo que estes não
sejam sempre sociáveis). O animismo pode envolver aprender como
reconhecer que é uma pessoa e quem não é – porque nem sempre é óbvio e
nem todos os animistas concordam que tudo o que existe é vivo ou pessoal.
Contudo, o animismo é mais precisamente compreendido como estar
preocupado em aprender a ser um bom sujeito em relações respeitosas com
outros sujeitos.38
O que é importante para ele não é a alma, mas o corpo que constitui a singularidade de
uma pessoa. Assim, sujeitos compartilham a alma (essência espiritual), mas possuem diferentes
formas corpóreas. Mas esses diferentes corpos que animais e plantas agora habitam – de
acordo com os mitos – são efeito de uma mistura entre espécies distintas39. Certamente não são

35 Harvey, Animism, p. xxi. Harvey afirma que o termo animismo é de valor considerável como um termo crítico-
acadêmico, para um estilo de relação religiosa e cultural com o mundo". Harvey, Animism, p. xv. Ou "animismos são
teorias, discursos e práticas de relação, de viver bem, de compreender mais amplamente o que significa ser uma
pessoa, e uma pessoa humana, em companhia de outras pessoas, dentre as quais nem todas são humans, mas
merecedoras de respeito". Ibidem, p. xvii.
36 Anselm Franke, “Introduction”, in: Animism: Conference/Exhibition. Haus der Kulturen der Welt,
2012, p. 7 [http://www.hkw.de/media/en/texte/pdf/2012_1/programm_5/animismus_booklet.pdf –
acessado em 4.08.2013]
37Matthew Hall, Plants as Persons. A Philosophical Botany. Albany, N.Y.: Sunny Press, 2011, p. 105.Harvey claims
that „the term animism is of considerable value as a critical,
38 Harvey, Animism, p. xi
39 Phillipe Descola indica que: "se animais podem, se eles querem, derrubar o envelope corpóreo peculiar a suas
espécies e revelar as dimensões humanas de sua interioridade, sem perder os atributos de seu comportamento, é
porque formas são fixas para cada classe de entidades, mas são variáveis para as entidades em si mesmas. Um
clássico elemento de muitas ontologias animistas é a habilidade de ir além da metamorfose que é reconhecida como
pertencente a seres com uma interioridade idêntica. Um homem pode ser encorpado como um animal ou uma
planta; um animal pode adotar a forma de outro animal; uma planta ou um animal podem derrubar sua vestimenta
todos os sujeitos que possuem a mesma capacidade de metamorfose. O mais popular nas
ontologias animistas é a transformação do homem no animal e vice versa (possível para
shamans, por exemplo). A metamorfose do humano em uma planta e da planta em um humano
é muito menos comum. Ainda assim – como apontado por Viveiros de Castro – o animismo é
antropocêntrico, já que na cosmologia indígena,
A forma humana é, literalmente, a forma em que todas as espécies
emergem: cada uma das espécies é um modo finito de uma humanidade
como substância universal. Isso inclui as espécies humanas (como as
compreendemos), que efetivamente se tornam apenas mais uma espécie.
(...) O perspectivismo é a pressuposição de que cada espécie vivente é
humana em seu próprio departamento, humana por si, ou melhor, que tudo é
humano por si ou antropogênico. Essa ideia se origina nas cosmologias
indígenas, onde a forma primordial de ser é humana.40
O ponto de vista está no corpo – continua Viveiros de Castro, (...) mas há apenas um
ponto de vista, o ponto de vista da humanidade. (...) A diferença entre as espécies não é tanto
um princípio de distinção como é um princípio de relação. Para começar, a diferença entre as
espécies não é anatômica ou fisiológica, mas comportamental e etológica (o que distingue as
espécies é muito mais seu etograma – o que comem, onde vivem, se vivem em um grupo ou
não, etc. – do que sua morfologia).41
Viveiros de Castro não está, obviamente, oferecendo aqui um tipo de especismo e não
está defendendo o excepcionalismo humano, mas uma diferente compreensão do
antropocentrismo. Na cosmologia ameríndia a condição original comum a animais e humanos
não é a animalidade, como no pensamento ocidental, mas a humanidade em si. Animais são
antigos humanos (enquanto no pensamento ocidental os humanos são antigos animais que
ultrapassaram sua animalidade graças ao processo civilizador). Em tal visão, animais, plantas e
espíritos se enxergam como humanos. “Tudo pode ser humano, porque nada é apenas uma
coisa, cada ser é humano por si próprio. Todos os habitantes do cosmos percebem suas
próprias espécies, incluindo nós, humanos “reais” (quero dizer, reais para “nós”) como não-
humanos. (...) habitantes (do mundo mítico) não são nem mais nem menos humanos, pois são
as duas coisas.”42

exterior e revelar sua alma objetiva no corpo de um ser humano. Philippe Descola, Beyond Nature and Culture,
trans. by Janet Lloyd. Chicago: University of Chicago Press, 2013 (chapter:
“Animism Restored”).
40Eduardo Viveiros de Castro, „Some Reflections on the Notion of Species in History and
Anthropology,” trans. by Frederico Santos Soares de Freitas and Zeb Tortorici. BIO/ZOO, vol. 10, no. 1, Winter 2013
[http://hemisphericinstitute.org/hemi/en/e-misferica-101/viveiros-de-castro – acessado em 4.09.2013]
41 Ibidem.
42 Eduardo Viveiros de Castro, „The Untimely, Again,” trans. by Ashley Lebner. Introduction to Pierre Clastres,
Archeology of Violence, trans. by Jeanine Herman. Cambridge, MA: MIT Press, 2010, p. 47-48 [9-51]. Em outro
artigo, Viveiros de Castro escreve: "Não é que os animais sejam sujeitos por serem humanos disfarçados, mas eles
são humanos porque são sujeitos em potencial. Isso é dizer que a cultura é a natureza do sujeito; é a forma na qual
cada sujeito experimenta sua própria natureza. O animismo não é a projeção de qualidades humanas substanciais
projetadas em animais, mas expressa a equivalência lógica das relações reflexivas que humanos e animais
Essa base antropocêntrica, de acordo com Viveiros de Castro, contém um potencial anti-
antropocêntrico, já que “em um mundo onde tudo é humano, a humanidade é algo totalmente
diferente”43. O perspectivismo não sustenta que todos os seres possuem pontos de vista
diferentes, mas que todas as espécies enxergam o mundo da mesma forma, contudo existem
mundos diferentes44. Isso é o que um antropólogo brasileiro define como um multinaturalismo,
(em oposição ao multiculturalismo ocidental)45. Assim, a humanidade é uma condição que pode
ser ocupada por várias espécies46. Em suma, ao estudar a ontologia dos índios amazonenses,
Viveiros de Castro o faz de forma inversa ao modelo ocidental. Sua noção de multinaturalismo
destrói a compreensão tradicional da natureza e transfere o debate para além da obsessão
modernista e pós-modernista com a cultura (culturalismo). Essa mudança, ele enxerga como
desejável em tempos de crise ecológica. Bruno Latour enxerga o perspectivismo “como uma
bomba com o potencial de explodir”. 47

Pensamento radical, ontologia ameríndia, e altermodernidade


Agora, eu gostaria de tratar de dois intelectuais – Hayden White e Eduardo Viveiros de
Castro – que representam duas disciplinas distintas e duas gerações diferentes, mas
compartilham uma formação intelectual semelhante (ambos se referem ao estruturalismo e ao
pós-estruturalismo como importantes para a sua formação intelectual). Eles também
compartilham um pensamento radical e um forte criticismo ao presente estado das coisas. De

possuem consigo mesmos: salmões verão salmões como tal, como humanos verão humanos, isto é, como
humanos. Se, como observamos, a condição humana comum de humanos e animais é a humanidade, e não a
animalidade, isso é porque "humanidade" é o nome da forma geral retirada do sujeito". Viveiros de Castro,
“Cosmological Deixis”, p. 477.
43Viveiros de Castro, „Some Reflections”.
44"Tal diferença de perspectiva - não uma pluralidade de visões sobre uma única palavra, mas uma única visão
sobre mundos diferentes - não podem derivar da alma, já que a última é a base comum original do ser. Ao contrário,
essa diferença está localizada nas diferenças corporais entre as espécies, pelo corpo e suas afetividades (no
sentido de Spinoza, a capacidade do corpo em afetar e ser afetado por outros corpos) é o local e o instrumento da
diferenciação ontológica e da disjunção referencial. Assim, quando a nossa ontologia moderna, antropológica e
multiculturalista for fundada na implicação mútua da unidade da natureza e a pluralidade das culturas, a concepção
ameríndia deveria supor uma unidade espiritual e uma diversidade corpórea - ou, em outras palavras, uma "cultura",
multiplas "naturezas". Eduardo Viveiros de Castro, “Perspectival Anthropology and the Method of Controlled
Equivocation.” Tipití: Journal of the Society for the Anthropology of Lowland South America, vol. 2, no. 1, 2004, p. 6
[3-22].
45Bruno Latour comentando sobre o perspectivismo de Viveiros de Castro escreve que: "enquanto cientistas de tipo
duro e macio concordam com a noção de que existe apenas uma natureza, mas muitas culturas, Viveiros quer
impulsionar o pensamento amazônico (que não é, ele insiste, o "pensée sauvage" que Lévi-Strauss implicava, mas
uma filosofia amplamente domesticada e altamente elaborada) para tentar perceber como o mundo inteiro ficaria se
todos os seus habitantes possuíssem a mesma cultura, mas muitas naturezas diferentes. A última coisa que
Viveiros deseja na luta ameríndia contra a filosofia ocidental é torná-la apenas mais uma curiosidade no vasto
gabinete de curiosidades que ele acusa Descola de tentar construir". Bruno Latour, “Perspectivism: „Type‟ or
„bomb‟?” Anthropology Today, vol. 25, no. 2, April 2009, p. p [1-2].
46IdelberAvelar, “Amerindian Perspectivism and Non-Human Rights.” alter/nativas. Latin American Cultural Studies
Journal, vol. 1. Autumn 2013 [http://alternativas.osu.edu/en/issues/autumn-2013/essays/avelar.html – acessado em
5.09.2013]
47Latour, “Perspectivism: „Type” or „Bomb‟,” p. 2.
forma similar a White, Viveiro de Castro é considerado como um crítico e um intelectual radical 48.
Como White, ele também lamenta o declínio da esquerda e a impossibilidade de imaginar um
futuro melhor. Quando White se define como um dos últimos marxistas e é conhecido por seu
criticismo do capitalismo consumista, da política imperialista norte-americana e do sistema legal
que privilegia os ricos, Viveiros de Castro também é conhecido por suas visões críticas sobre o
capitalismo consumista e dos EUA como o modelo de “civilização”.
Eu acho que justifica-se dizer que a maioria dos historiadores (quero dizer historiadores
acadêmicos e não intelectuais representantes de diferentes disciplinas e interessados no estudo
do passado) são críticos, o que é uma propriedade do intelecto, mas eles são raramente
radicais, o que está relacionado à posição política. Contudo, alguns historiadores podem ser
ambos – críticos e radicais. Hayden White (como foi o caso de Michel Foucault, de muitos
historiadores pós-colonialistas e historiadores de gênero e raça) ocupam tal posição e usam o
pensamento crítico para realizar reivindicações políticas (e vice versa).
Vamos citar alguns exemplos para ilustrar suas visões críticas:
Hayden White:
O desafio de investigar o futuro da utopia ou o futuro do pensamento utópico, o esforço
de pensar na possibilidade de mudança radical em nossa condição ou situação, na qual um
Estado patife (Os Estados Unidos no governo de George Bush) mostram o poder de levar o
mundo em direção a uma guerra nuclear, na qual um país buscando os imperativos de um
sistema capitalista se enfurece com o desejo de consumir, criando uma verdadeira “cultura de
impulsão da morte”, na qual o próprio esforço de pensar em mudança deve existir sob o espectro
da morte por aquecimento, esgotamento ambiental, pesadelos do afogamento em resíduos, e de
uma vida no depósito de lixo – tudo isso pode impedir nosso impulso, mesmo de imaginar, ou
muito menos apostar na possibilidade de um mundo melhor para nossos filhos e seus
descendentes.
Somos ditos por certos auto-proclamados realistas da esquerda que a queda da União
Soviética definitivamente refutou o comunismo que eles outrora tão devota e heroicamente
defenderam. E do mesmo modo, somos informados por aqueles realistas da direita que
presumem que a vitória do ocidente na Guerra Fria não apenas confirma a validade do
capitalismo como a única forma possível a partir de agora, mas que também invalida qualquer
desejo de um pensamento que fosse além do presente e se atreva a pensar o futuro para além
da orgia do consumo e do desperdício denominada capitalismo avançado ou “economia de livre
mercado”. Aqueles entre nós que acreditam que mudanças fundamentais em nosso sistema
social – e aqui me refiro, claro, ao sistema social capitalista – são não apenas desejáveis, mas
também necessárias para a sobrevivência, são chamados de loucos, se não de criminosos, e
que, em uma palavra, seriam utópicos.49

48Ghassan Hage, “Critical Anthropological Thought and the Radical Political Imaginary Today.”
Critique of Anthropology, vol. 32, no. 3, 2012: 285-308.
49Hayden White, „The Future of Utopia in History.” Historein, vol. 7, 2007, p. 16
Eu enxergo a história, ou melhor, o curso do desenvolvimento sócio-político no ocidente,
de Roma até o presente, em uma perspectiva marxista, e minha crítica à profissão histórica nos
tempos modernos decorre da minha convicção de que ela é parte da superestrutura de uma
base dominada pelo modo de produção capitalista e das relações sociais de produção daí
decorrentes. Os efeitos do capitalismo naquelas partes do mundo que servem como suas fontes
(humanas, naturaise de mercado) têm sido desastrosos, para não falar dos efeitos das modernas
práticas técnico-industriais capitalistas e do bem estar do planeta em si. O capitalismo, ao que
parece, é especialista na produção de resíduos, de fato, incorpora o princípio da entropia como
sua força propulsora dominante. Ele é destrutivo e auto-destrutivo, baseado no princípio do
crescimento infinito do (taxa de) lucro no contexto da existência de recursos finitos.50
Como Hayden White, Viveiros de Castro sente falta daquela “intensa efervescência
intelectual” que
Marcou os anos 1960 e 1970 com uma qualidade única de – talvez
“esperança”. (...) A neutralização dessas mudanças foi precisamente um dos
objetivos principais da consertada “revolução da direita” que assolou o
planeta, impondo sua fisionomia – ao mesmo tempo arrogante e ansiosa,
gananciosa e desencantada – ao longo das décadas seguintes da história
mundial. (...) Vivemos em uma era onde o puritanismo lascivo, a hipocrisia
culpada e a impotência intelectual convergem para encerrar qualquer
possibilidade de imaginar seriamente (ao invés de simplesmente fantasiar)
uma alternativa para o nosso próprio inferno cultural, ou mesmo o reconhecer
como tal.51
Quando perguntado por Júlia Magalhães sobre como mudar a situação no Brasil e a
participação política da população brasileira, Viveiros de Castro respondeu:
Falem, resistam, olhando sobre o imediato – e, claro eduquem. Mas não se
trata de “educar o povo”, como se a elite fosse muito educada e nós
devêssemos (e pudéssemos) levar o povo a um patamar superior; mas criar
as condições necessárias para o povo se educar e parar de educar a elite,
talvez mesmo se livrar dela. (...) Enquanto nós acreditarmos que melhorar a
vida das pessoas é fornecê-las mais dinheiro para comprar um apartamento,
ao invés de melhorar o saneamento básico, o abastecimento de água, a
educação e saúde básicas, a situação não melhorará. Você ouve o governo
dizer que a solução é consumir mais, mas não vê nenhuma ênfase nesses
aspectos básicos da vida humana, literalmente sob as condições
prevalecentes neste século. (...) Eu acredito que devemos insistir que você
pode ser feliz sem se deixar hipnotizar por esse frenesi de consumo que a
mídia nos impõe. (...) Devemos insistir na ideia de que o Brasil possui – ou,
neste ponto, deveria possuir – as condições geográficas, culturais e

50 Volodymyr Sklokin, “It Is Not So Much a Paradigm Shift as a Total Breakdown… “. A Conversation with Prof.
Hayden White. Historians.in.ua, 2012 [http://historians.in.ua/index.php/intervyu/258-it-is-not-so-much-a-paradigm-
shift-as-a-total- breakdown-a-conversation-with-prof-hayden-white – accessed 5.09.2013]
51Eduardo Viveiros de Castro, „The Untimely, Again.” Introduction to Pierre Clastres, Archeology of Violence, trans.
by Jeanine Herman. Cambridge, MA: MIT Press, 2010, p. 10 and 18 [9-51].
ecológicas de desenvolver um novo estilo de civilização, um que não seja
uma cópia empobrecida dos modelos norte-americano e europeu. Nós
poderíamos começar experimentando, timidamente, algum tipo de alternativa
aos paradigmas tecno-econômicos desenvolvidos na Europa moderna.52
Alguns acadêmicos denominaram a ideia de Viveiros de Castro sobre a cosmologia
perspectivista – como “bio-cosmopolítica anarquista”53 e, do mesmo modo antropólogos
brasileiros expressaram simpatia semelhante ao anarquismo, como Hayen White que muitas
vezes declara ser um anarquista que articula suspeitas sobre as instituições do Estado. Na longa
introdução ao clássico livro de Pierre Clastres, Arqueology of violence, Viveiros de Castro aponta
que a ideia de Clastres sobre “a sociedade contra o Estado se mantém válida como um conceito
„universal‟ (...) como analista de qualquer experiência da vida coletiva, racional”. 54 Um dos
aspectos do renovado interesse recente nas culturas ameríndias está em sua organização não-
estatal, em sua existência como “exterior imanente do Estado”, que está fora da modernidade e
fora do capitalismo.
Dizendo isso, não seria surpresa que dois filósofos radicais – Michael Hardt e Antonio
Negri, em seu livro Commonwealth (2009) usem o perspectivismo de Viveiros de Castro e sua
ideia de multiculturalismo para desenvolver o projeto de alter-modernidade. Eles apreciam e
compartilham o interesse de Viveiros de Castro no papel que o comum possui na racionalidade
biopolítica. Eles também estão interessados em sua forma de ir além da divisão entre natureza e
cultura, e em seu uso da ontologia ameríndia para criticar a tradição da epistemologia moderna.
Eles também compartilham uma visão de Deleuze (projetada por Viveiros de Castro sobre a
visão indígena do sujeito – ou melhor, pessoa) de que “ o tornar-se é mais importanteque o ser e
onde a relação de alteridade não é apenas um meio de estabelecer a identidade, mas um
processo constante”. Hardt e Negri declaram que:
Nosso objetivo aqui – e também o de Viveiros de Castro – não é o de defender uma
ontologia ameríndia não-moderna, mas usar essa perspectiva para criticar a epistemologia
moderna e suscitar uma racionalidade alter-moderna. Como vimos pela rota que tomamos por
Wittgenstein, aqui também o que é requerido é uma mudança de ênfase do conhecimento ao
fazer, gerando uma multiplicidade de seres constantemente abertos à alteridade e que são
revelados a partir da perspectiva do corpo, que é um conjunto de afetos ou formas de ser, o que
quer dizer, formas de vida – das quais todas repousam em um processo de fabricação do
comum.55
O que é partilhado por White, Viveiros de Castro e também por Hardt e Negri é uma
tentativa de criar uma alternativa à modernidade ocidental que é estigmatizada por uma

52 Júlia Magalhães , “Happiness has many paths.” An interview with Eduardo Vivieros de Castro. 2012
[http://forestrivers.wordpress.com/2012/09/22/happiness-has-many-pathseduardo-viveiros-de-castro/ - acessado em
5.09.2013]
53 Harry Walker, “On anarchist anthropology.” Anthropology of this Century, no. 3, January 2012
[http://aotcpress.com/articles/anarchist-anthropology/ - accessed 5.09.2013]
54 Viveiros de Castro, „The Untimely, Again,” p. 27.
55 Hardt and Negri, Commonwealth, p. 124.
epistemologia específica (pensando oposições tais quais cultura/natureza, humano/animal,
alma/corpo, civilização/selvageria, tipo cartesiano de racionalidade, ideia de sujeito homogêneo,
antropocentrismo, excepcionalismo humano, etc.), assim como pelo eurocentrismo, pelo
capitalismo consumista e pelo imperialismo. Cada um desses intelectuais possui diferentes
ideias sobre como se opor a esse – em sua visão – fenômeno negativo. White é suspeito quanto
a novas formas de pensamento utópico e por isso continua a revelar como o poder funciona,
enquanto Viveiros de Castro está mostrando uma alternativa. Ele mostra que as culturas
ameríndias são ingovernáveis pelo moderno sistema de poder e relações sociais que incluem
várias espécies (das quais todas já foram humanas).

Conclusão: no sentido de uma teoria prospectiva da constituição ancestral não-humana


Eu concluo este trabalho com uma tentativa de resumir as ideias discutidas acima e para
propor o esquema de uma teoria de substituição do ancestral não-humano prospectivoa partir
delas.
Uma das vantagens da denominada teoria co-evolutiva (também chamada de teoria da
dupla herança) é que ela não opõe cultura e natureza 56. Ela alega que a evolução humana foi
moldada por interações gene-culturais. Genes e cultura co-envolvem e a cultura muda o
processo de evolução (“práticas culturais moldaram o genoma humano”). A cultura, como
biólogos gostam de dizer, “é uma fonte de comportamento adaptativo”57. Como dito logo no
começo, o fenômeno descrito por White como “constituição ancestral retroativa” deve ser visto
como uma estratégia de adaptação. Assim, eu retorno à questão original: o que poderia
acontecer se um certo indivíduo ou grupo escolhesse como seu ancestral ideal um animal ou
algo para além da espécie humana?
Existem sérias possibilidades que poderiam seguir de tal escolha. Uma delas é indicada
pela ideia de “se tornar animal” de Deleuze/Guattari58. O que é importante é que a escolha de
um animal como um ancestral, assim como se tornar animal, é um ato político rebelde de fuga de
fronteiras, de transgressão, de escolher a condição de instabilidade constante, de movimento, de
nomadismo, de desterritorialização. Como os filósofos franceses enfatizam, isso não significa
imitar ou fingir ser um animal. Talvez isso seja o que Viveiros de Castro tem em mente quando
descreve a cosmologia ameríndia – pelo fato de todos seremos humanos, tornar-se animal
significaria se referir a uma humanidade que existia antes mesmo da divisão em diferentes
espécies. No contexto desta apresentação, ela indica principalmente o desejo de libertar

56Para livros clássicos sobre a cultura humana e sua co-evolução com o gene, ver: Robert Boyd, Peter J. Richerson,
Culture and the Evolutionary Process. University of Chicago Press, 1985 and Durham, W. H. Co-evolution: Genes,
Culture and Human Diversity. Stanford: Stanford University Press, 1991.
57 Kevin N. Laland, John Odling-Smee and Sean Myles, “How culture shaped the human genome:
bringing genetics and the human sciences together.” Nature Reviews Genetics, vol. 11. February 2010, p. 138 [137-
148]
58Gilles Deleuze and Félix Guattari, “Becoming Animal,” in: The Animals Reader: The Essential Classical and
Contemporary Writings, ed. by Linda Kalof and Amy Fitzgerald. Oxford, UK: Berg, 2007: 37-50.
indivíduos do “fardo” de sua “humanidade”59. Escolher ancestrais animais implicaria em um
processo de “destornar-se humano” (como entendido nas culturas ocidentais). Significaria que a
figura do animal é usada como um ponto de referência nos processos de passar da forma
humana a outra maneira de ser humano (social e talvez mesmo corporalmente de forma
simbiótica com outras manifestações além-humanas de vida). Não é esse o significado do
perspectivismo?
Abaixo eu irei esquematizar resultados selecionados da aceitação de ancestrais não-
humanos no quadro da ontologia animista. Eu optei por formular tais pontos na forma de
desafios, portanto:
1. Desafiar a natureza humana – escolhendo ancestrais não-humanos (animais) pode justificar a
concepção de “liberdade morfológica”, que é a ideia de que um indivíduo humano possui o direito
civil de livremente modificar seu corpo usando cirurgia, engenharia genética, ou outro tipo de
alteração. Tais casos já são conhecidos. Dennis Avner, conhecido como Stalking Cat ou
“Homem Gato”, um americano nativo, que se submeteu a uma série de cirurgias cosméticas
radicais com o objetivo de se parecer com um tigre – seu animal totem, de acordo com a tradição
Huron. Não é tão difícil imaginar, graças ao progresso biotécnico, um futuro em que viveremos
nesse tipo de “mundo altamente transformável”;60

2. Desafiar a epistemologia ocidental – escolhendo ancestrais animais significaria uma escolha de


se mover de uma realidade (do tipo de racionalidade e epistemologia ocidentais) a uma realidade
diferente, governada pelo conhecimento prático (ecológico) e baseada na experiência. Isso
ajudaria a transcender a autoridade epistêmica da ciência ocidental como um modo privilegiado
de produção do conhecimento. O animismo é visto por intelectuais que trabalham no tema
(Ingold, Descola, Viveiros de Castro) como uma antítese do conhecimento científico moderno. As
discussões sobre o animismo estão envolvidas nos mais recentes debates das ciências
humanas contemporâneas e das ciências sociais – indo além da divisão entre cultura e natureza,
repensando o conceito do que é o social e a sociedade, atribuindo personalidade ao não-
humano e (provavelmente o mais desafiador) o problema da agência das coisas e vendo a
importância como ativa, vibrante e de algum modo, viva61. Contudo, se quisermos aceitar as
formas indígenas de conhecimento como complementares à epistemologia ocidental,
deveríamos lembrar que tal conhecimento precisa ser aprendido pela prática e pela experiência.
Assim, a experiência direta se tornaria em tal abordagem a mais valorizada forma de aquisição
do conhecimento;

59Hayden White, „Humanism and Liberation of Humankind.” Design Book Review, vol. 41/42, Winter/Spring 2000, p.
13 [10-13]
60No mundo amazônico, processoss de metamorfose são onipresentes. Ver: Peter Rivière,
“WYSINWYG in Amazonia” quoted by Viveiros de Castro, “Cosmological deixis,” p. 471.
61Me refiro aqui às ideias do novo materialismo e/ou materialismo vital como representado nos trabalhos Jane
Bennett, Vibrant Matter: a Political Ecology of Things. Durham, N.C.: Duke University Press, 2010; New
Materialisms. Ontology, Agency, and Politics, ed. by Diana Coole and Samantha Frost. Durham and London: Duke
University Press, 2010.
3. Desafiar o capitalismo consumista – escolher um ancestral animal pode ser um ato simbólico de
resistência ao capitalismo consumista e uma forma de focar nossa atenção na possibilidade de
construir suas alternativas (alter-modernidades). Isso atrai atenção a focos e espaços (como
localidades, conhecimentos radicais) que objetam qualificações simples e parecem ser
ingovernáveis pelos sistemas presentes de governabilidade e soberania (Hardt e Negri). Nesse
contexto, o novo animismo (e o perspectivismo compreendido como um animismo específico das
crenças ameríndias) se torna uma teoria emancipadora que vislumbra uma transformação social
possível a uma “democracia inclusiva” e/ou a uma democracia ecológica participativa. (Vale a
pena enfatizar mais uma vez que o perspectivismo de Viveiros de Castro é denominado como
uma “bio-cosmopolítica anarquista”);

4. Desafiar nossa compreensão de um assunto – escolher ancestrais não-humanos requereria uma


compreensão diferente do assunto (sujeito); talvez o abandono do conceito de sujeito em si.
Parece que para uma teoria alternativa da pessoa e da personalidade seria mais apropriado ir
além da oposição entre sujeito-objeto, do antropocentrismo e da ideia ocidental do sujeito
humano individual. A ideia de individuo é mais inclusiva de vários seres que não são vistos como
humanos e indicam aqueles aspectos do indivíduo que são mais sociais e coletivos do que
“liberais, e narcisistas”;

5. Desafiar o pensamento mecânico e uma abordagem exploradora da natureza – tal escolha deve
ter um impacto em questões ambientais e na crescente consciência ecológica, já que é uma
regra não matar, comer ou molestar uma planta ou animal que é visto como um ancestral
(totemismo). Isso não significa, é claro, que relações entre humanos e animais (e plantas) não
seriam mais violentas. Isso requereria uma ética e conhecimento diferentes, de que não-
humanos são indivíduos, que sua vida possui valor intrínseco (independente das necessidades
humanas) e que eles merecem respeito. (É preciso mencionar aqui que as últimas descobertas
no campo da neurociência confirmam certas ideias indígenas sobre as plantas. Então, por
exemplo, a neurobiologia das plantas permite mudanças na visão tradicional das plantas como
passíveis e insensíveis. Também há discussões sobre a dignidade das plantas);62

6. Desafiar as tarefas correntes de produção do conhecimento. Aceitando o animismo e uma


escolha por um ancestral não-humano ajudaria a construí um conhecimento integrador;
conhecimento sobre – como Bruno Latour diz – “como viver juntos” e “compor um mundo que
ainda não é comum”.63

62See: Roy Morrison, Ecological Democracy. Boston: South End Press, 1995, and also, Franz J.
Broswimmer, Ecocide. A Short History of the Mass Extinction of Species. London: Pluto Press, 2002,
p. 97ff.
63Bruno Latour, Reassembling the Social. An Introduction to Actor-Network-Theory. Oxford: Oxford University Press,
2005, p. 254, 259, 262; Latour, “Perspectivism: „Type” or „Bomb‟,” p. 2.
Espectros de Frye: Muthos, ideología y anatomía de la crítica
(historiográfica)
Nicolás Lavagnino
(Universidad de Buenos Aires, Argentina)

There is no such thing as creation ex nihilo. The


prefiguration-fulfillment model dispels the myth of a
creativity without violence.
(Hayden White, “Northrop Frye's place in Contemporary
Cultural Studies”)

I- Jakobson, Frye, Auerbach


La influencia de la Anatomía de la Crítica de Northrop Frye en la obra de White es
evidente, desde el momento mismo en que el lector comienza a leer la Introducción de
Metahistoria, probablemente el texto más leído, citado, criticado y discutido en la filosofía de la
historia del siglo XX. Frye aparece allí como proveyendo un tipo de vocabulario para el análisis
de las narraciones históricas, centrado en el concepto de trama. Ese tipo de vocabulario se
encuentra, junto a otros (el de Pepper para las argumentaciones formales, y el de Mannheim
para las implicaciones ideológicas), en una situación de complementariedad irreductible.
Situación signada a la vez por tensiones a partir de las cuales surge el espacio conceptual para
la decisión autoral, los estilos y atributos de composición peculiares más allá de las rígidas
convenciones y los linajes narrativos. A su vez este juego de variables, como se sabe, se hace
depender de una instancia profunda, una infraestructura de la arquitectura del texto histórico que
encuentra en su información tropológica su base ineludible.
Puede aceptarse que Metahistoria es, como ha dicho Kellner, un libro hendido, varios
textos en uno, conteniendo intenciones divergentes. Su breve, revolucionaria, teórica y
sistemática introducción, es continuada por un extenso recorrido en torno a la imaginación
histórica en el largo siglo XIX, un eufemismo usado por White para describir los avatares de los
compromisos hacia la ontología de lo social e histórico en el lapso de tiempo comprendido entre
la Ilustración y Croce.
Esta hendidura tiene por finalidad permitir el doble despliegue del texto: por un lado en la
dirección de una teoría sistemática en torno a los lenguajes históricos, que releve el espectro de
mediaciones conceptuales requeridas para producir una versión verbal de nuestro pasado en
forma narrativa que se operativiza por medio de procedimientos tropológicos. Por el otro
proponer una mirada sinóptica de la dinámica del cambio lingüístico, en atención a las derivas
culturales entendidas en su sentido más amplio. Nuevamente Kellner ha mostrado la efectividad
de la tropología a la hora de proponer un protocolo del cambio cultural alternativo a la dialéctica,
al evolucionismo y al espectro de las filosofías sustantivas del progreso. La “inflamabilidad” de la
tropología permite pasar sin mucho esfuerzo del orden léxico y gramatical al plano semántico y
más allá, hasta alcanzar las inmensidades de las derivas culturales y epocales de escala
civilizatoria.
La apropiación figural en Auerbach, el interjuego entre crítica genérica, arquetípica, ética
e histórica en Frye, los cambios en la imaginación histórica en White, se aprehenden por medio
de esta apelación a una deriva cultural informada tropológicamente, en la cual no tiene sentido
concentrarse en cada elemento por separado, o en oposición a los demás. En una cita
reveladora White establece su propio linaje de esta manera:
Like Vico, Frye apprehends continuities and inter-animations, rather than
oppositions, between those phenomena conventionally called truth and error,
sanity and madness, good and evil, objectivity and subjectivity, the literal and
the figurative (…) as thus envisaged, the world of cultural forms (…) would
resemble more a field of electromagnetic force or a mathematical matrix
marked less by evolution than by changing intensities, displacements, and
modalities (White, 2010; 267-8)
En este universo de sentido se construyen genealogías retrospectivas que permiten ver
las reapropiaciones y reconfiguraciones del pasado a la luz de los esfuerzos presentes:
Auerbach y Frye lo hacen en lo relativo al fenómeno literario en sentido amplio. White en lo
referente a los “sistemas históricos”. La respuesta a la pregunta acerca de qué es un sistema
histórico no es otra cosa que la aseveración de que se trata del esfuerzo en pos de una
apropiación retrospectiva informada tropológicamente, un cambio de intensidad, un
desplazamiento en el “campo electromagnético” de las interanimaciones de sentido que pueblan
nuestro mundo social.
Auerbach y Frye impactan en White por la forma tropológica que tienen de concebir el
cambio cultural (Doran, 2010). El pesimismo auerbachiano y el optimismo, cabría decir
¿humanista?, de Frye (dentro del marco de un sendero crítico acribillado por la confrontación
entre los mitos de la incumbencia y la libertad, con sus relativas des-afinidades) son las actitudes
que informan a estos brillantes teóricos de la cultura.
Pero a la vez un tercer modelo de análisis subtiende la operatoria whiteana: si a la
manera de Frye, White ha escrito una suerte de “Anatomía de la crítica historiográfica”, y si
siguiendo el rastro de Auerbach ha configurado a la vez una lectura historicista de “La
representación de la realidad en la historiografía occidental”, ha escrito también una suerte de
“Lingüística y poética del discurso de la historia”, continuando las contribuciones teóricas de
Roman Jakobson.
Frye, Auerbach y Jakobson, cada uno a su manera, ha constituido una filosofía
especulativa de la historia de la literatura, construido un modelo de la operatividad o
funcionalidad del lenguaje ordinario (apelando a la tropología cuaternaria los dos primeros;
formal-estructuralista y centrado en el dualismo tropológico y el modelo funcional el último) y,
finalmente, ha provisto las bases para una comprensión del cambio cultural, la prefiguración de
lo social, la construcción de un sentido de realidad.
Al término del recorrido se aprecia la doble dirección, mediadora, tensiva y de mirada
sinóptica dinámica que White hereda de Jakobson, pero expresada en la rica caracterización del
inventario tipológico disponible culturalmente provisto por Frye. Y a la vez, el problema es
propiamente auerbachiano: entimemas, figuras, criterios de prefiguración tropológica, modos de
secuenciar, tramar, argumentar, implicar ideológicamente, todo converge como un rico arsenal a
disposición de una cultura obsesionada con la delimitación y articulación de lo que no puede
haber, un criterio homogéneo, un concepto coherente y duradero de lo que es la realidad como
historia.
Ese modelo, en la irreductibilidad de sus elementos y en sus solapamientos,
divergencias y contradicciones inherentes encuentra muchas de sus más fértiles aristas tanto
como algunos de sus más patentes problemas. Una útil vía de entrada analítica para ello
consiste en ver qué es lo que ha quedado de la anatomía de la crítica de Frye en la metahistoria
whiteana.

II- El Frye de White: ideología, tramas y una teoría restringida del muthos.
La intensidad de la recurrencia explícita de White a la obra de Frye encuentra su pico en
la Introducción a Metahistoria, así como también en Tropics of Discourse, donde la presencia de
la teoría literaria de Frye es más visible, sirviendo como puntal para analizar el “momento
absurdista” en la teoría literaria contemporánea, o para seguir las complejas relaciones entre
historia y mito y para indagar en torno a la configuración de las tramas. Luego, ya en la década
del 80 y con posterioridad, las apariciones de Frye se difuminan. En The Content of the Form
aparece citado tres veces, mayormente en diálogo con la figura de Fredric Jameson. Ya en
Figural Realism lo único que sobrevive de Frye es la tipología de tramas en el marco de la crítica
arquetípica. Luego en la década del 90 dos artículos importante dedicados a Frye (“Ideology and
Counterideology in Northrop Frye's Anatomy of Criticism” y “Northrop Frye's place in
Contemporary Cultural Studies”) presentados en 1991 y 1994), recopilados recientemente por
Robert Doran en The fiction of Narrative, completan las referencias mayores al teórico
canadiense.
Estos deslizamientos y difuminaciones se entienden cuando se considera que, de cara a
la pluralidad de teorías críticas recogidas en la Anatomía de Frye, White ha procedido, de
Metahistoria en adelante, de una manera cautelosa, si se quiere restrictiva, considerando
meramente la disponibilidad de la crítica arquetípica (una de las cuatro críticas ofrecidas por Frye
en su Anatomía) como proveedora de un vocabulario útil para caracterizar a las narrativas
históricas en su aspecto estético o poético, en tanto que alegorías (MH; 25n). Tragedia, comedia,
sátira y romance designan tipos de alegorías generadas por medio del uso deliberado, recurrente
y estabilizado del lenguaje, recurrencia que denota aquello que White, siguiendo a Foucault
(White, 2000; 395), entiende por “estilo” o por una “poética” determinada.
Ahora bien, cualquier lector de Frye puede hacerse a la idea de que lo que éste entiende
por trama es bastante más que eso. Se trata de un principio estructural dinámico (muthos) que
genera secuencias específicas de acontecimientos, agentes, que concede un estatuto específico
al símbolo o modelo verbal de la acción representada y sugiere algunas pautas de recepción y
decodificación (volveré sobre esto en la tercera parte de este trabajo).
La importancia de esta información y complejidad inherente del muthos llevó a Frye a
aclarar, en respuesta a aquellos críticos que afirmaban que desconocía la dimensión social de la
crítica literaria, que prácticamente no había hablado sobre otra cosa (Frye, 1971; 14). Resulta así
difícil apartarse del hecho de que una trama es un tipo de artefacto que entra en relación con un
pasado (en la forma de la crítica histórica de Frye) y con el presente y el futuro (a través de la
crítica ética) por medio de una doble caracterización del ámbito de la experiencia compartida en
términos de la inscripción ritual del acto verbal, y de su proyección deseante u onírica.
“Desde este punto de vista, el aspecto narrativo de la literatura es un acto
recurrente de comunicación simbólica: en otras palabras, un rito (…) De
modo similar (…) el contenido significante es el conflicto entre la realidad y el
deseo, que tiene por base la labor del sueño. Rito y sueño, por lo tanto, son
respectivamente, el contenido narrativo y significante de la literatura en su
aspecto arquetípico” (ADC; 142).
En las tramas se arbitran intenciones sociales, cosmovisiones y prefiguraciones del
orden social; constituyen, por así decirlo, el lenguaje ordinario sobre el cual se pueden
ulteriormente montar los refinamientos y elaboraciones más complejas de las diversas visiones
políticas, utópicas o propiamente doctrinarias.
En este sentido, y esto es relevante cuando pensamos en Metahistoria y el interjuego
que presupone entre vocabularios irreductibles u operaciones tropológicas que informan lo
cognitivo, lo ético y lo estético en el marco del discurso de la historia, es evidente que no hay
trama sin implicación ideológica. Más aún el vocabulario de las tramas es un léxico de
relevamiento de las implicancias ideológicas de los relatos. En rigor, no sabríamos para qué nos
serviría una teoría de los géneros literarios, como no fuera para analizar las dimensiones
sociales, políticas e ideológicas de los módulos de comportamiento verbal analizados.
Lo que me interesa mostrar aquí es que en Metahistoria White genera una escisión
artificial entre el vocabulario de la implicación ideológica y el de las tramas lo cual supone, en
realidad, un posicionamiento acerca de éste último en un sentido que restringe buena parte del
potencial y de la utilidad de los espectros críticos de Frye.
Podríamos ahora preguntarnos por la eficacia de esa restricción en la teoría whiteana.
La misma tiene por finalidad legitimar, junto con la consideración del vocabulario de análisis de
los argumentos formales, y el de las tramas provisto por Frye, la apelación a un tercer
vocabulario, el de Mannheim, como piedra de toque del análisis de las implicaciones ideológicas.
Lo que pretende White con este recurso a Mannheim es rastrear distintas actitudes respecto de
la función de las ciencias humanas, diferentes actitudes ante el cambio social, diversas
concepciones de las orientaciones que esos cambios deberían tener y de los medios a emplear,
como resultado de la identificación divergente de las instancias temporales relevantes (MH; 33-
34). Por medio de este rastreo de actitudes
el momento ético de una obra histórica se refleja en el modo de implicación
ideológica por el cual una percepción estética (la trama) y una operación
cognoscitiva (la argumentación) pueden combinarse de manera que derivan
en afirmaciones prescriptivas de lo que podrían parecer afirmaciones
puramente descriptivas o analíticas (MH; 36)
Aquí reside el meollo del problema. Al tiempo que se resalta el inexpugnable carácter
ideológico de los artefactos literarios (historiográficos), la trama es reducida a una percepción
estética, discernible de la operación cognitiva propiamente dicha, configurando así lo que
podríamos llamar una teoría restringida del muthos.
Adicionalmente el lugar de la implicación ideológica resulta ser el de un análisis derivado
de los modos combinatorios posibles de las percepciones estéticas y las operaciones
cognoscitivas (tramas y argumentaciones), respecto de las cuales se procede suponiendo que
hay afinidades, homologías estructurales y tensiones que son las que generan lugar para el
surgimiento de estilos. Afinidades cuya mención no cubre más de un par de páginas en el texto
de White y que se vuelven dependientes de la especificación de las relaciones entre los modos
“de superficie” y la gramática profunda informada tropológicamente.
En mi opinión toda esta estructuración es altamente conflictiva y potencialmente
superflua en sus distinciones analíticas. Nos basta con seguir los espectros de Frye para
apreciar que las tramas mismas son artefactos destinados a rastrear diferentes actitudes ante el
cambio social, diversas concepciones de las orientaciones que esos cambios deberían tener y de
los medios a emplear como resultado de la identificación divergente de las instancias temporales
relevantes. Con esto lo que me interesa mostrar es que es relativamente sencillo expresar las
orientaciones propias de las implicaciones ideológicas en el vocabulario de las tramas, y de
manera no casual, ya que ambos vocabularios se proponen para lo mismo: dar cuenta de la
producción y reproducción de lo social por intermedio del análisis del comportamiento verbal
extendido. Vale decir, el vocabulario de la implicación ideológica no designa nada
específicamente distinto de lo que puede ser rastreado por medio de una teoría ampliada del
muthos como la de Frye.
Naturalmente no supongo que White no comprende a Frye, sino que afirmo que por
motivos deliberados ha decidido adoptar una visión restrictiva de las tramas. Aunque creo que
eso expone a la teoría al riesgo de la superfluidad y la multiplicación innecesaria de
“vocabularios de superficie”, más aún cuando luego postula a la implicación ideológica como
derivativa de la combinación de los otros vocabularios, creo que la restricción de las tramas tiene
una función importante, que es reforzar la distinción entre la base profunda tropológica y las
estrategias de superficie, de las cuales tramas e implicaciones constituyen dos de las
dimensiones relevadas. Esto es, como resultado del compromiso con la idea de una profundidad
informada tropológicamente que puede rastrearse en los vocabularios de superficie obtenemos
una curiosa amputación de la teoría del muthos, con miras a hacer lugar a una distinción artificial
entre tramas e implicaciones ideológicas. Sea esto justificado o no, desde el punto de vista de la
teoría espectral de Frye el enorme potencial de la deriva crítica (histórica, ética, arquetípica,
genérica) se pierde en su mayor parte.

III- Un mundo de espectros (críticos): teoría amplia del muthos.


Podemos ahora recordar que la Anatomía de la Crítica de Frye yuxtapone cuatro tipos
de crítica: una crítica histórica que correlaciona tipos de expresión verbales y “culturales” en
sentido genérico con visiones específicas del espacio de la acción representada y del obrar
posible en esas visiones (los “modos” de la acción posible, cfr. White 1991; ADC, 53-96); una
crítica ética que correlaciona esas mismas expresiones con visiones del futuro e interacciones
idealizadas, en un movimiento que simultáneamente confiere un estatuto determinado a la
representación en cuestión (ibíd.; 99-171); una crítica arquetípica que explicita los tipos de
imágenes y secuencias tal como son plasmadas en los vehículos de representación de acuerdo
a la forma en que son caracterizadas en los dos primeros tipos de criticismo (ibíd.; 175-315); y
por último una crítica retórica que analiza los tipos de géneros en tanto formas específicas de
“espectáculos” y modos de presentación de lo literario que preparan y orientan su decodificación
(ibíd.; 319-446).
La grandeza (y grandilocuencia) de la Anatomía reside en su espíritu inclusivo y
ecuménico. Lejos de proponer variantes privilegiadas para la práctica de cada uno de esos
criticismos, lo que Frye intenta es articular el conjunto de espectros de posibilidad, de gamas y
variantes, presentes en el espacio crítico (de allí la mención del género de la anatomía). Esos
espectros, a su vez, se superponen y se relacionan (al modo de las afinidades en White, pero
sin necesidad de “homologías estructurales”) como aspectos parcialmente solapados y
parcialmente disyuntos, modos diversos de considerar los mismos registros textuales.
Nuevamente aquí, este carácter parcialmente solapado de los registros interpretativos anticipa
el tipo de interrogación whiteana de la textualidad histórica.
Estas indicaciones espectrales orientan un primer tipo de atención: según el tipo de
agencias que postule el texto, como potencialidades de intervención en el dominio postulado por
la expresión verbal, un tipo de interrelación con distintos “órdenes de realidad” sancionados por
el discurso es legitimada, lo cual facilita la comprensión del tipo de “realidad” postulada por el
texto mismo como emergente en un determinado contexto. Esta teoría de los modos ha sido
rescatada por White no en Metahistoria, donde no se la nombra, sino en los artículos de la
década del 90'.
Es en este sentido que Frye reclama por la mala lectura de su propio marco teórico, en
la medida en que considera inherente al mismo la preocupación por el relevamiento del modo en
que la expresión verbal literaria se encuentra incrustada y especialmente preocupada por la
producción y reproducción de un orden social determinado. Más propiamente, lo que esta crítica
supone es la estabilización del carácter y el estatuto de la expresión verbal. La segunda crítica,
entonces, es un rastreo de las implicancias sociales de la adopción de una determinada
caracterización de los símbolos y el status conferido al lenguaje como práctica extendida.
Vemos aquí la influencia del procedimiento de Frye en las postulaciones de White: un
“estilo” es evaluado como la confluencia de las decisiones tomadas respecto de los espectros
delineados por las cuatro críticas. En toda práctica verbal extendida se postula un potencial de
intervención (agencia), un estatuto de lo simbólico (representación), una secuencia de trama
(muthos) con sus imágenes y patrones asociados, y una efectuación que predispone o
presupone un radical de presentación.
Lejos de formalismo alguno, estos espectros críticos se establecen para evaluar de
manera meta-crítica el estatuto de lo literario, su inscripción y continuidad con la praxis verbal y
no verbal. Los esquemas resultantes no conducen a determinismo alguno. Por el contrario, se
proveen orientativamente para mejor poder evaluar los senderos críticos y los sentidos de
realidad emergentes, prefigurados y prefiguradores a su vez del resto de las prácticas e
interacciones de los hablantes. La literatura, en este sentido amplio de deriva inter-espectral, no
es otra cosa que la prefiguración de lo social. El artefacto es para eso.
El gesto de Frye no apunta a mostrar “órdenes de determinación” sino a establecer
posibilidades interpretativas de configuración al interior de espectros que nos permitan trabajar a
la vez en los diversos campos de fuerza en que se inserta la expresión verbal continua. Las
relaciones son de tránsito y de seguimiento, volviendo con ello a la imagen de “campos
electromagnéticos” e “interanimaciones” destacadas por White.
Esto conlleva una natural expansión del fenómeno de lo literario en sí mismo, pero esto
no reenvía a un textualismo “idealista lingüístico”. En la perspectiva de Frye “lo literario se
encuentra también fuera de la literatura, como lo «no-literario» en su interior” (Todorov, 2005,
109). De esta manera, la materia del crítico
es la totalidad de la experiencia verbal, o hasta imaginaria (…) y no sólo la
pequeña parte llamada por convención «literatura». El bombardeo verbal
incesante (…) contribuye a formar la imaginación literaria con mucha mayor
fuerza que la poesía o la ficción (Frye, 1971; 84-85).
Esta ampliación de la materia prima de la crítica reconfigura para nosotros una teoría
ampliada del muthos. En ella la totalidad del comportamiento se encuentra comprendido en la
materia de análisis de aquel que está interesado en edificar “una teoría del uso de las palabras”
(Frye, 1977; 482n). Siendo así, “nuestro universo literario se ha dilatado hasta convertirse en un
universo verbal y ahí no puede funcionar ningún principio de autonomía” (Ibíd.; 461). Es en este
sentido que puede decirse que Frye ha estado intentando articular desde la Anatomía de la
Crítica en adelante una teoría del uso de las palabras como pragmática social tropológicamente
informada (ibíd.; 482n).

IV- El status de los tropos y la paradoja de Kellner


El léxico de la tropología, en este contexto, se presenta al análisis como un tipo de
vocabulario que se propone con la específica función de analizar la pragmática del lenguaje
cuando interviene en la consolidación de regímenes de prácticas al interior del lenguaje
considerado como un ámbito de interacción en un entorno compartido. Pero cabe preguntarse si
la postulación de un metalenguaje que permita la comparabilidad y el arbitraje supone
profundidad alguna y si nos entrega acaso al marasmo del relativismo.
Algunas de las más eficaces críticas a White han trabajado estos aspectos. En su reseña
a Metahistoria Fredric Jameson expuso este dilema de hierro en torno a las profundidades y las
superficies (Jameson, 1976; Kansteiner, 1993). Si los niveles de superficie registran “afinidades”
entre ellos, entonces resultan ser claramente superfluos, ya que el rastreo de esas afinidades
electivas debería conducirnos a la integración de esas dimensiones variadas en torno a sus
términos comunes y “homologías estructurales” (Jameson, op.cit., 5). Adicionalmente, la
adopción de la tropología como base informante es un mal argumento para adoptar una postura
escéptica o relativista: justamente es para explorar los términos disputados y acordados, los
silogismos y entimemas en curso, sobre una base empírica abordada por un vocabulario
específico, y es para encontrar bases de comparación y arbitraje (por más difícil que sea) que se
propone el experimento tropológico. La redescripción tropológica elimina la inconmensurabilidad
y nos expone al detallado recuento de las consecuencias de los compromisos ontológicos de los
hablantes. La tropología se propone precisamente para encontrar un modo de analizar el tráfico
de significaciones esencialmente disputadas.
En este marco la importancia del modelo de la profundidad viene a guisa de lo siguiente:
White es consciente del estatuto “inflamable” de la tropología (Kellner, 1981; 15), de su poder
transformacional, de su capacidad para deglutir ámbito tras ámbito de interacción verbal y no
verbal y someterlo a su poder de adscripción heterónoma. Pero, al contrario de lo supuesto por
quienes lo han acusado de formalista y determinista, no desea reducir la práctica verbal a pura
operatoria tropológica.
Es porque lo uno no colapsa en lo otro que pervive un modelo de la libertad de elección
de los hablantes, que son los que pueden articular, administrar y configurar, pese a las cargas
contradictorias, sus propios “estilos”. Y es por esa libertad, ese aspecto agenciado de la propia
práctica discursiva, que escapamos a las ambiciones inflamables de la tropología y evitamos que
el lenguaje nos hable, en vez de nosotros hablarlo a él. En este profundo “existencialismo
whiteano” (Cfr. Paul, 2010, Kellner, 1989), en este humanismo tropológico se manifiesta la
brecha que lo separa de Auerbach y lo vincula con Frye.
Pero la ubicuidad de la tropología es un presente ambiguo, en la forma de un don y un
peligro. Como don testifica la amplitud, potencia y alcance de cualquier teoría tropológica de
algo. Como riesgo, conlleva el potencial de una pura dinámica de tránsitos que lleve de unos
tropos a otros, en un infinito juego que no remita a nada más. Esa implicación endemoniada
debe ser obturada, si es que ha de remitir a la articulación electiva, agenciada, de los hablantes.
El riesgo de la pura procesión y del puro esquema (Kellner, op.cit.; 27) se hace presente en las
diversas variantes del ciclo tropológico, y si así lo fuera no nos encontraríamos ante un
panorama del irreductible carácter plural de las narrativas, sino ante el tan temido escenario del
determinismo lingüístico.
Nos encontramos así ante dos compromisos ontológicos divergentes presentes en el
corazón de la apuesta whiteana. Confrontan aquí la libertad de los hombres y el carácter
sistemático, restrictivo e irreductible del lenguaje (Kellner, 1980; 23) operado tropológicamente.
En este sentido libertad y lenguaje son antónimos, un indeseable corolario de lo que podemos
llamar “la paradoja de Kellner”: el lenguaje es un sistema irreductible de producción de
significado, pero los hombres son libres.
La primera víctima de esta paradoja producto de la inflación tropológica es,
curiosamente, la concepción de lo narrativo que se desprende de la teoría literaria de Northrop
Frye. Para evitar la inflación tropológica White restringe el aporte de Frye a su tercera crítica
(arquetípica, centrada en la noción de trama), y le cercena sus obvias extensiones ideológicas (al
apelar para ello a la teoría de Mannheim), de manera que tramas e implicaciones ideológicas
quedan alojadas como respuestas a vocabularios alternativos e irreductibles, en un marco en el
que los hablantes pueden operar, administrando tensiones, tradiciones, afinidades y
desafinidades en el marco de las vidas distintivamente humanas que forjan y sufren y sueñan.

V- La invención del narrativismo y el futuro de las imaginaciones del pasado


Pero el narrativismo no debería generar el temor a recaer en la trillada controversia entre
realistas, idealistas, escépticos y relativistas. La filosofía de la historia de White y la teoría
literaria de Frye tienden a converger en una visión del lenguaje que lo sitúa como continuo en la
praxis social y en el espectro variable del comportamiento humano.
Volvamos al comienzo: queremos comprender los modos en que se produce una versión
verbal de nuestro pasado en forma narrativa que se operativiza por medio de procedimientos
tropológico. Es por eso mismo que sugiero adoptar el marco propio de la interpretación radical
presente en la filosofía del lenguaje de Donald Davidson, como una forma de enriquecer esta
perspectiva y de profundizar lo que he denominado teoría amplia del muthos.
Naturalmente una lectura atenta de la filosofía del lenguaje de Davidson debería
inducirnos a la sospecha respecto de las paradojas y dicotomías que venimos recorriendo:
cuando se contrasta al lenguaje con alguna otra cosa (el mundo, la realidad, la experiencia), se
está emprendiendo de manera advertida o inadvertida el camino que lleva a las mediaciones
epistémicas circundadas por fantasmas escépticos, o a la noción de representación como
recurso solipsista, o como esquema conceptual alternativo para los contenidos recurrentes del
mundo, o como entidad que se hace presente en el teatro interior de la mente. La tropología no
puede ser, entonces, un “sistema” que nos arroje a una matriz de significación que “produce”
significados de manera automática. Es, más bien, en esta mirada una suerte de procedimiento
guía para analizar lo que está en curso cuando debemos interpretar un tramo de comportamiento
verbal en el marco de la interacción colectiva en un entorno compartido.
Una vez incorporada la ontología del lenguaje davidsoniana la paradoja de Kellner
resulta ser un falso dilema, y la tropología no tiene nada que hacer allí. El vocabulario de los
tropos funciona como un léxico de atribución que permite comprender lo que han hecho quienes
nos han precedido y facilita la comprensión de lo que hacemos, cuando nos vemos como
agentes interviniendo. Es más bien aquella herramienta que permite una comprensión de la
economía categorial de nuestra praxis lingüística, y que incrementa la eficacia comprensiva, de
manera que permite ampliar los contextos de inclusión y comparabilidad entre obrares diversos.
Es porque estamos convencionalmente habituados a obrar tropológicamente que
nuestros intérpretes pueden mejor comprendernos. Tomada como una herramienta de análisis al
servicio de la interpretación radical, la tropología está lejos de arrojarnos al relativismo, al
escepticismo o a la creencia de una esfera autónoma de significación, así como tampoco deriva
en una consideración de su estatuto inflamable o conduce a las aporías de la paradoja de
Kellner. Si eso ocurre es porque en la consideración teórica nos hemos apartado de esta mutua
imbricación y sostén que pueden prestarse recíprocamente Davidson, Frye y White.
La creación de un mundo presente a partir del pasado, tanto como la creación de una
teoría revolucionaria del lenguaje histórico no pueden hacerse sin apropiaciones, expolios,
violencias. Como reza la cita en el epígrafe, la figuralidad nos aventa el mito de la creación ex
nihilo. La invención del narrativismo por Hayden White ha llevado a una realidad teórica
diferente, afortunadamente, expoliando, figurando, consumando los marcos precedentes de
Jakobson, Auerbach, Frye. Para quienes tenemos la suerte de haber podido aprender de él, no
deja de ser crucial interpretar estas afiliaciones y generaciones retrospectivas de sentido, si es
que hemos de auscultar el futuro de las imaginaciones del pasado.
De manera característica, la reducción de los espectros de Frye a una consignación de
los vocabularios de trama “de superficie” nos priva innecesariamente de un despliegue de
herramientas que podría radicalizar, ampliar y vigorizar aún más el enfoque metahistórico. La
anatomía de la crítica historiográfica de White paga un alto precio por prestar su homenaje a la
paradoja de Kellner. La consideración del muthos, del fenómeno ideológico, la estructura misma
de la teoría se ve afectada por esta velada reverencia a una inconveniente ontología del
lenguaje.
Al volver tropológica la caracterización del lenguaje historiográfico, White ha mostrado un
camino que conduce a una mayor intimidad con aquello a lo que no podemos renunciar: la idea
de que es en la narración del pasado en común como articulamos un modelo plausible del tipo
de agencias y tramas, presentaciones y representaciones que nosotros queremos para nuestras
vidas. Su carácter tropológico la sitúa en el centro mismo de nuestras preocupaciones, en el
corazón de nuestras estrategias para prefigurar lo social y accionar por medio del lenguaje un
sentido de los mundos posibles. Mundos en los que en definitiva podemos concebirnos a
nosotros mismos únicamente a partir del trasfondo alusivo parido por aquellos que nos han
precedido. Una situación que podemos muy bien comprender aquí, ahora, en este instante,
desde el momento en que nosotros, parafraseando a Mink, tampoco podemos olvidar lo que
hemos aprendido de Hayden White.
Figurando o modernismo de White64
Claudio Fogu
(University of California, Estados Unidos)

Eu ainda me recordo bem quando logo após a leitura de Metahistory, ou melhor, da


confusa experiência de ter a minha visão de mundo cattomarxista (Católico-marxista) virada ao
avesso e de ponta-cabeça pela clareza de um discurso teórico que eu jamais havia encontrado,
decidi que eu iria dedicar toda a minha alma intelectual para estender a análise mestra de
Hayden ao século vinte e escrever sua sequência, ou melhor, sua complementação - para usar
um dos termos favoritos de Hayden. Eu inicio com essa confissão pois acredito que é tudo que
eu posso dizer sobre o poder daquele incomparável clássico que hoje estamos celebrando.
Desnecessário dizer que eu jamais complementei o que havia pretendido, mas não por uma falta
de vontade em tentar. Ao contrário, na época tornou-se claro para mim que o feito não apenas
era desnecessário, mas era realizado em um corpus específico do ensaio de White que continha
sua multifacetada confrontação com o modernismo, que talvez agora tenha alcançado seu ponto
de maturidade. Em outras palavras, o acompanhamento modernista de Metahistory pode ser
encontrado de forma fragmentária no ensaio de White, mas de acordo com uma lógica de
"figuração" daquilo que White diz "coisas históricas, podem ser apreendidas apenas na medida
em que puderem ser assimiladas como elementos de totalidades que estão relacionadas como
figuras linguísticas relacionadas à sua implementação". (FR, 99). No que segue eu gostaria de
celebrar o primeiro clássico de White a partir da figura de ficção de seu segundo clássico,
intitulado Metamodernismo.
O primeiro capítulo da confrontação de White com o modernismo data de um período
anterior a sua fértil e prolongada exploração da história narrativa. Ele remonta pelo menos ao
seu ensaio fundacional "O fardo da história", quando a palavra modernismo não havia ainda
entrado no vocabulário crítico de White, mas estava certamente implicada em sua identificação
da "revolta" contra a cultura histórica levantada por artistas e pensadores "modernos" como
Nietzsche, Eliot Ibsen, e Sartre, e sua defesa de uma revisão da prática histórica de acordo com
as "técnicas de análise e representação que a moderna ciência e a arte moderna ofereceram
para a compreensão da operação da consciência e do processo social". (BoH, 41) Partindo
dessas premissas, White desenvolveu uma teoria da história propriamente modernista a partir de
uma série de confrontações com o trabalho de teóricos literários como FredericJameson, Eric
Auerbach, assim como a Escola dos Annales de historiografia, com Michel Foucault, e com o
New Historicism. Antes de começar a me ater a essa primeira característica do
Metamodernismo, deixem-me imediatamente antecipar que lado a lado com essa teoria
modernista da historiografia eu vejo que White desenvolveu uma paralela, muitas vezes
interligada - mas também bem discriminada- filosofia especulativa da modernidade que eu

64 Traduzido por Marcelo Durão Rodrigues da Cunha


acredito merecer mais atenção do que tem recebido, justamente por levar a implicações bastante
diferentes de sua teoria histórica modernista.
Eu dedicarei menos espaço em minha fala a esta última, por ela representar bem
figurativamente a realização da análise metanarrativa da historiografia feita por White em
Metahistory e dezenas de outros ensaios, e focarei na primeira, por ser mais rica em implicações
de uma figura a ser realizada no futuro. Finalmente, vou tentar propor um diálogo do
Metamodernismo de White com trabalhos relevantes que podem entrar no escopo da análise de
White, em particular, um dos mais populares trabalhos de historiografia nas universidades
americanas: Apologiepourl'Histoire de Marc Bloch, traduzido como "Apologia da história ou o
ofício do historiador".

A teoria da historiografia modernista de White


Como eu dizia, o convite original de White aos historiadores era o de contribuir com
modernos artistas e pensadores a desafogar o homem contemporâneo do peso cultural da
história pelo uso de "modos de representação impressionistas, expressionistas, surreais, e
(talvez) até acionistas por dramatizar o significado do arquivo que eles descortinaram". (BoH, 47)
Da mesma forma, White chamava a atenção dos historiadores contemporâneos para o valor
heurístico de suas "metáforas norteadoras" e combinar com sua "visão de qualquer objeto em
estudo" com "seu próprio estilo de representação". (Ibid.) Como bem sabemos, a maior parte dos
historiadores disciplinares - pelo menos nos EUA - não responderam ao convite de White, tendo
cabido ao próprio White indicar aos historiadores os caminhos específicos nos quais a moderna
ciência e a arte moderna os convidava a atualizar sua datada visão de seu métier e tarefa. As
ciências que mais contribuíram nesse sentido foram a antropologia estruturalista - em particular a
crítica de Levi-Strauss do racionalismo analítico e a divisão filosófica entre o histórico e o não-
histórico - e, claro, a linguística estrutural, que serviu de sustentação à própria proposta de White
para a leitura do texto histórico como artefato literário.
A contribuição artística foi fornecida pelo cânone dos modernistas literários cujo trabalho
se tornou um ponto no ensaísmo de White, especialmente ao longo da última década. Mediando
entre os dois estavam críticos culturais como Roland Barthes que ligavam especificamente o
desenvolvimento de um estilo literário modernista auto-consciente à noção essencialmente
modernista da linguagem como figuração - defendida pelo estruturalismo - que havia fornecido a
base para a crítica da representação histórica como a sustentação padrão de uma perigosa e
descreditada concepção mítico-realista da linguagem e da representação.
O termo modernista aos poucos tornou-se, para White, a qualificação para uma correta -
ou seja, estruturalista para pós-estruturalista - visão da linguagem que foi a realização de um
movimento literário modernista que havia realizado explicitamente a visão figurativa da língua,
agora sendo articulada nas ciências humanas da teoria literária e da semiótica cultural. É nesse
ponto em que podemos identificar também o interesse de White em buscar os núcleos do
pensamento moderno na disciplina histórica.
Ao encontrar modos não-narrativos e mesmo anti-narrativos de representação em
historiadores pré-modernistas como "Tocqueville, Buckardt e Huizinga," (CoF, 2) White aponta
para a historiografia dos Annales como o primeiro exemplo de uma rejeição disciplinar da
narrativa que reproduzia - embora "estenograficamente" - a "desconstrução da narratividade que
foi realizada por estruturalistas e pós-estruturalistas nos anos 1960" - (CoF, 33) Em face de tal
congruência, esperava-se que a avaliação de White dos Annales fosse completa e
modernamente positiva.
Mas esse não é o caso, obviamente, pois para White a rejeição da narrativa pelos
Annales se baseava em sua "dramatização" e uma "romantização" do seu objeto, uma
característica que White rejeitava a partir do ponto de vista explicitamente moderno de que "é
possível narrar sem dramatizar," e que os annalistes estavam em busca não da narrativa por si,
mas de sua encarnação oitocentista no romance e no historicismo que situa "agentes humanos
no lugar de processos impessoais no centro de seu interesse". (CoF, 33)
Não estava nos Annales, portanto, mas primeiro na estilística histórica de Michel
Foucault e, segundo, na escola do New Historicism de estudos histórico-literários, o que White
identifica propriamente como focos da historiografia contemporânea. Depois de ter
"decodificado" Foucault, o filósofo de 1973, seis anos depois, White iria se voltar para analisá-lo
como um historiador essencialmente modernista, argumentando que "a autoridade do discurso
de Foucault derivava de seu estilo," que White denominava "invertido" por sua habilidade de
"voltar-se sobre si mesmo para tomar a sua própria modalidade de articulação como o seu
significado," (ICo, 110).
O mesmo era dito para a consciência pós-estruturalista de Foucault da natureza
essencialmente figurativa da linguagem que conjugava sua denúncia filosófica das ciências
humanas como "cativo para os modos figurativos do discurso que constituíam (ao invés de
simplesmente significar) os objetos com os quais eles pretendiam lidar". (ToD, 231) Mas o que
tornava Foucault um autor modernista era, segundo White, a correspondência entre suas
narrativas históricas "repletas de descontinuidades, êxtases, lacunas e espaços como seus
'argumentos'" e sua "negação da autoridade que a distinção entre coerência/incoerência teve no
pensamento ocidental desde Platão".
O discurso de Foucault revelaria "no livre jogo de palavras as arbitrariedades de cada
regra e norma, mesmo aquelas sobre as quais a sociedade por si própria, com suas regras de
exclusão e ordem hierárquica, é encontrada". (CoF, 113) Na estilística histórica auto-consciente
de Foucault, White identifica uma narrativa modernista, mas um modo de representação histórica
não dramatizante. Não é surpreendente, portanto, que ele iria identificar o New Historicism como
a primeira (única!) escola propriamente modernista da historiografia.
Nascida em círculos literários e inspirada pelo que White denomina "o textualismo
compartilhado tanto pela culturologiaGeertziana quanto pela Foucaultiana," (FR, 58), o New
Historicism afirmou a metáfora do "texto sincrônico" para configurar relações entre textos -
fossem eles documentos, práticas culturais, ou trabalhos literários - e contextos (FR, 62),
estendendo assim à configuração do "passado histórico" os insights linguísticos do
estruturalismo, e então operando suas "poéticas históricas" ao focar naqueles "aspectos das
sequências históricas que conduzem à quebra, revisão, ou enfraquecimento de códigos
dominantes," a partir de sua fascinação com o "emergente, episódico, anedotal, contingente,
exótico, abjeto, ou simplesmente com os aspectos misteriosos do registro histórico". (FR, 63)
Desta forma - podemos concluir usando a útil distinção de Oakershott - o New Historicism pode
ser visto como tendo aplicado ao "passado histórico" o que Foucault havia feito pelo "passado
prático", eles haviam fornecido um quadro modernista para o estudo daquele passado "que
existia apenas na mente e nos livros escritos por historiadores, e que, portanto, não possuía
qualquer utilidade prática," (FON, 337), que funcionava de acordo com as mesmas regras de
figuração e textualização que sustentaram explorações de Foucault do tipo de passado - o de
tipo prático - que é "lucrativamente submetido ao escrutínio filosófico pela proposta de identificar
sua substância, essência, ou significado," assim como "resolver problemas cotidianos em todos
os tipos de domínios da vida prática." (FoN, 336).
Apesar de Foucault e da historiografia do New Historicism terem dado a White o prazer
de ver a teoria modernista da historiografia incorporada nos campos tanto do passado "prático"
quanto "histórico", essa satisfação estava longe de fornecer um desfecho a esta exploração
Metamodernista. Em paralelo à exploração whiteana do modernismo historicista, o modernismo
em si estava ascendendo para o palco principal no criticismo cultural e literário, dado, em parte,
pelo discurso sobre ou em torno do pós-modernismo.
Apesar de jamais participar diretamente desse discurso, White não podia evitar o
confronto bastante direto e constante com o trabalho seminal de FredericJameson sobre o
modernismo literário. Nem sempre fica claro nos escritos de White onde ele simplesmente
parafraseia o pensamento de Jameson e onde ele o endossa, mas um ponto parece estar
particularmente repleto de consequências para a sua própria avaliação da relação entre
modernismo e história: a afirmação de Jameson, segundo a qual o modernismo seria a
"realização" do Romantismo, (CoF, 152) assim como a forma literária do fascismo (CoF, 161).
Em vista do trabalho de Jameson, White não poderia evitar uma confrontação com a
implicação política de sua teoria modernista da historiografia, e, de fato, no mesmo ano de sua
primeira análise publicada do trabalho de Jameson (1982) ele também publicou um dos seus
mais famosos e notórios ensaios: "The PoliticsofHistoricalInterpretation: Discipline and De-
Sublimation." Coincidências temporais de lado, esse ensaio apresenta um argumento que deve
ser considerado na resposta de White a Jameson: para White a narrativa que Jameson procura
redimir contra a suposta expulsão modernista do político é, ao contrário, responsável pela
domesticação realista da historiografia no século dezenove, que levou à fatídica repressão
sublime estética do Romantismo, juntamente com sua abertura a uma forma visionária da
política. White vê o trabalho do próprio Jameson como um tipo de marxismo "visionário" que ele
abraçaria completamente (CoF, 143), mas ele culpa Jameson, primeiro por ter generalizado da
leitura de Lewis uma identificação do modernismo com a "repressão da política" no fascismo, e,
segundo, por não ter compreendido completamente que essa política reprimida era, deste
modo, "não mais possível" por estar identificada com "os trabalhos de regimes parlamentares do
século dezenove." (CoF, 167) Para White, pelo contrário, o fascismo havia ressuscitado e
reprimido o romantismo histórico sublime, que - lendo este ensaio na contramão tanto de seu
confronto com Jameson e seu crescente interesse na noção figural do realismo de Auerbach - a
teoria modernista da historiografia de White havia figurativamente realizado. De forma aberta e
chocante - para alguns não habituados com a coragem e sinceridade das formulações de White -
White admitia que o tipo de perspectiva histórica que ele havia defendido tinha algo a ver com as
"intuições de Hitler e Mussolini," (CoF, 74), mas isso significava, ele esclarecia, que sua própria
visão de história era uma resposta direta ao sucesso do fascismo em ganhar o apoio de
intelectuais e massas que haviam mergulhado em uma "cultura da história" realista que havia
fornecido "um fraco impedimento ao apelo fascista". (CoF, 75)
Não é a minha intenção descompactar o inconsciente político do ensaio de White sobre
a política da representação histórica, mas eu acredito que na confrontação com a crítica do
modernismo de Jameson como "fascismo literário", (CoF, 161) White talvez tenha atingido um
impasse que ele intencionou solucionar ao usar a noção de Auerbach de realização figural que
havia começado a se tornar central em sua noção modernista de realismo figural. Ao posicionar
o fascismo em linha com o Romantismo e sua própria teoria modernista da história como uma
realização daquele visionário ímpeto romântico, ele evitava confrontar-se com uma proposição
muito mais desconfortável - desenvolvida por historiadores culturais do fascismo - de que o
fascismo era uma forma de modernismo político caracterizado por uma visão modernista - e não
romântica - da história, e que seu apelo às massas era em parte - não majoritariamente - devido
a sua auto-apresentação como a realização de épocas históricas precedentes, e como um
"agente histórico", isso é, um agente coletivo que literalmente "tornou a história presente", a
fornecendo significado ao invés de receber legitimação do passado.
É neste ponto que acredito poder encontrar a emergência de uma segunda linha de
reflexão na confrontação de White com o modernismo, uma que, para antecipar a discussão que
segue, tomará o metamodernismo como uma filosofia especulativa da modernidade que passará
por uma confrontação direta com a filosofia da história de Paul Ricoeur.
Inquestionavelmente, White reconheceu em Ricoeur algo como sua antítese: aqui havia
um filósofo da história que havia identificado eventos históricos com a "natureza narrativa do
tempo em si" - em oposição à proposta de White de que a narrativa realista havia imposto uma
coerência teleológica ao tempo histórico - excluindo, deste modo, "a própria noção de uma
historiografia modernista, moldada no romance modernista, anti-narrativista", como uma
"contradição em termos." (CoF, 173) Riccoeur havia portanto conectado o valor da narratividade
em qualquer trabalho histórico - fosse ele sobre o passado prático ou sobre o passado histórico,
e incluindo mesmo o trabalho supostamente anti-narrativo dos Annalistes - à representação da
fundamentalmente humana "experiência da historicidade", isso é, do tempo por trás da "mera
serialidade". (CoF, 177) A convincente resposta de White a Ricoeur no plano da teoria narrativa
era o de ler a teoria de Ricoeur alegoricamente como apontando a uma visão profundamente
trágica da historicidade narrativa - o que Ricoeur chamava de "temporalidade profunda"- que
portanto configurava o discurso histórico não apenas como uma "figuração da temporalidade,
mas, além disso, como uma representação literal do conteúdo de um drama atemporal, aquele
da humanidade em confronto com a experiência da temporalidade".
Este conteúdo, por sua vez, é para White "nada além do que o significado moral da
aspiração da humanidade de redenção da história em si mesma". (CoF, 183) Mas e a respeito
da proposta de Ricoeur sobre da correspondência entre a "natureza narrativista do tempo
humano," e a "estrutura narrativista" dos eventos históricos, e o modo narrativo de representação
histórica (CoF, 171)? A resposta de White a esse desafio da filosofia de Ricoeur veio, a meu ver,
na atitude mais especulativa que ele desenvolveu ao teorizar a modernidade, e especificamente
na teorização do "evento modernista".

A filosofia especulativa da modernidade de White


Como vimos, em sua teoria modernista da história, White havia aprovado o conteúdo do
que ele via como uma modernista "revolta contra o fardo da história" e as formas experimentais
"não-narrativas e anti-narrativas" do modernismo literário como os meios pelos quais os
historiadores podiam participar no desoneramento da humanidade do peso do passado
historicizado. Iniciando com o ensaio LiteraryTheoryandHistoricalWriting de 1988, White começa
uma nova linha de argumentação, revisando primeiramente a identificação do modernismo
literário como uma rejeição indiscriminada da "narratividade, da historicidade, ou mesmo do
realismo," (CoF, 26) em uma exploração dos "limites" dos modos de representação narrativa do
século dezenove, objetivando revelar "novas ou esquecidas potencialidades do discurso
narrativo em si; potencialidades", ele conclui significativamente, "que buscam tornar inteligível as
especificamente modernas experiências do tempo, da consciência histórica, e da realidade
social". (FR, 26) Respondendo implicitamente a Ricoeur, White entrou na briga da filosofia
especulativa ao teorizar "a adequação do conteúdo da forma do modernismo literário para a
representação, tanto da forma, quanto do conteúdo, do tipo de vida histórica que gostaríamos de
denominar moderna" (FR, 26), e procedendo com a resposta aos postulados que lhe foram
impostos por Saul Friedländer a respeito dos riscos éticos de sua teoria formalista e relativista da
história, vis-à-vis a representação do nazismo e da Shoa. Surpreendendo mesmo muitos de seus
próprios seguidores, White suavizou o relativismo percebido em sua teoria modernista da
historiografia ao admitir que narrativas "pastorais ou cômicas" da Shoa poderiam ser excluídas
do âmbito das concorrentes "como manifestamente falsas em relação aos fatos - ou pelo menos
em relação aos fatos que importam - da era nazista" (CoF, 30) se eles fossem apresentados
como literais ou com enredo de tipo selecionado, apresentados pelo historiador como inerente
aos fatos.
Ao defender nesses moldes qualquer auto-consciência e enredamento figurativamente
cômico do Holocausto - tal como Maus de Spiegelmann - e rejeitando a posição contrária -
sustentada por Berel Lang - de que o Holocausto foi um "evento literal" (CoF, 34) demandando
por parte de historiadores e artistas um nível zero de figuração, o núcleo do argumento de White
é o de que apenas um modo modernista de representação é literalmente - não figurativamente -
adequado para a representação do nazismo e da Solução Final, porque, de fato modernismo e
nazismo se relacionam por serem "ambos uma reflexão sobre, e uma resposta à nova
realidade", para a qual as formas narrativas do século dezenove eram inadequadas, por serem
baseadas em "diferentes experiências da história, ou melhor, em experiências de diferentes
histórias". (CoF, 41)
Podemos reconhecer aqui a dupla resposta de White, tanto a Jameson quanto a
Ricoeur: sim, fascismo e nazismo estão relacionados ao modernismo literário, como Jameson
havia defendido, mas no sentido de que o último foi "imanente no realismo clássico" - ao
contrário de romanticista - assim como o primeiro foi imanente nas "estruturas e práticas do
Estado-nação do século dezenove e das relações históricas de produção das quais era uma
expressão política;" e sim, Ricoeur estava certo ao trazer a hipótese da correspondência entre a
narratividade e a historicidade do século dezenove, precisamente porque a "experiência do
tempo" como narrativa era a experiência característica da história no século dezenove; assim,
esse não era mais sob as condições de uma "modernidade" que incorporava o nazismo, assim
como o fenômeno da "guerra total", da contaminação nuclear, da fome em massa, e do suicídio
ecológico", assim como "um profundo senso de incapacidade de nossas ciências para explicá-
los, e muito menos contê-los ou controlá-los; e uma crescente consciência da incapacidade de
nossos tradicionais modos de representação, mesmo em descrevê-los adequadamente". (FR,
41) Da perspectiva da modernidade, White concluía, o modernismo aparecia finalmente mesmo
para si próprio "menos uma rejeição do projeto realista e uma negação da história do que uma
antecipação de uma nova forma de realidade histórica." (FR, 41) E é para a teorização dessa
nova realidade que White se voltou em seu último capítulo de Metamodernismo,
significativamente intitulado "O evento modernista". "Nós vivemos", escreve White, em uma
época de "eventos holocáusticos", que são mais propriamente modernistas tanto na escala da
realidade quanto na da representação: por um lado "duas guerras mundiais, armas nucleares e
tecnologias de comunicação, o boom populacional, a mutilação da zoosfera (...) têm pouca
semelhança com o que os historiadores anteriores convencionalmente tomaram como seu objeto
de estudo", e eles funcionam "na consciência de certos grupos sociais, exatamente como
traumas de infância são concebidos para funcionar na psique de indivíduos neuróticos; (FR, 70)
isso é, eles não podem ser esquecidos, mas também não podem ser adequadamente lembrados
ou historicizados para "reduzir a sombra que projetam sobre a capacidade do grupo de ir ao seu
presente e vislumbrar um futuro livre de seus efeitos debilitantes." (FR, 69)
Por outro lado, mesmo eventos modernistas relativamente menores, como o assassinato
do presidente Kennedy, ou a explosão da Challenger, revelam uma nova realidade da
representação em si: "uma em que o número de detalhes identificáveis em qualquer evento
singular é infinito", e "o contexto de que qualquer evento singular é infinitamente extenso ou pelo
menos não é objetivamente determinável". (FR, 71) Isso é a essência do que eu chamaria, no
Metamodernismo de White, de uma específica congruência entre a resistência "modernista" de
"nossa modernidade", a ser "representada na forma histórica", (FR, 72) a prerrogativa
inerentemente "modernista" da mídia de gravação, de fragmentar e manipular a realidade que
ela capta ao ponto de tornar o "evento documentado, aparentemente não-ambíguo, virtualmente
ininteligível enquanto evento", (FR, 72) e o desenvolvimento do que ele agora se refere como
modernismo "cultural", ao invés do modernismo meramente literário, à "representação pós-
moderna parahistórica" que "coloca em suspensão a própria distinção entre o real e o
imaginário." (FR, 67)
Há muito mais, tanto nesses ensaios e noutros mais recentes que pertencem ao
discurso especulativo de White sobre a modernidade e que mereceriam extensiva citação e
análise, mas com o objetivo de chegar ao ponto central de meu argumento, permitam-me
destacar as implicações da teoria de White sobre o "evento modernista" em relação com a sua
teoria modernista da história, discutida na primeira parte de minha fala: postulando uma relação
literal entre a eventualização modernista e o modernismo cultural, White abandonou a noção
decididamente figurativa da linguagem que ele havia posicionado como as premissas de sua
teoria modernista da historiografia.
Além disso, se os modos de representação modernista são excepcionalmente
apropriados para a representação dos eventos-reais modernistas, não resulta que eles não são
apropriados para a representação de qualquer pré-modernidade, isso é, a realidade pré-século
vinte? E quanto ao modernismo de Foucault? E quanto ao New Historicism? E quanto a qualquer
tratamento modernista do "passado histórico"? Não seria uma contradição nos novos termos
postos pela filosofia especulativa da modernidade de White?
Sem dúvidas, minhas questões retóricas postulam uma polaridade entre a teoria
modernista da historiografia de White e a sua filosofia especulativa da modernidade, que poderia
ser configurada como uma contradição clássica. Eu não concordo com essa visão. Eu vejo o
Metamodernismo de White como oscilando entre essas duas posições, e eu acredito que ele é
ainda mais valioso por essa oscilação. No meu próprio estudo sobre a visão fascista da história,
eu mostrei como a teoria da história atualista de Giovanni Gentile e os modos fascista de
representação histórica, responderam à "modernista" e traumática experiência da Primeira
Guerra Mundial, mobilizando a noção de "historicidade" inscrita desde o alvorecer da cultura
histórica moderna em expressões como "evento histórico, fala e visão", para afirmar a
modernidade do fascismo como um agente histórico que tornava o passado literalmente
presente em atos históricos de representação, rejeitando, portanto, a ideia "histórica" de receber
legitimação do passado. O fascismo concebia a eventualização como "histórica", nos mesmos
termos que White descreve a resistência do evento modernista à narrativização, com a diferença
chave de que ao invés de celebrar a dispersão e a abundância do detalhe, o fascismo procurou
trazer a realidade modernista à ordem,catastrofizando a experiência modernista à ação. Outros
movimentos e filósofos modernistas reagiram à fragmentária experiência da modernidade de
forma diferente, tanto pisando no acelerador - como os futuristas fizeram - quanto internalizando
o tempo e tentando negar sua subordinação ao espaço, como Bergson fez.
Mas certamente, as proposições de White encontram muito eco em discussões seminais
da relação entre modernidade e cultura histórica no mundo Euro-americano por filósofos como
ReinhartKoselleck, críticos culturais como Peter Osborne e Roland Schleifer, assim como
intelectuais e historiadores culturais como Stephen Kern, Louise Blakeney Williams e Roger
Griffin. Por outro lado, o chamado de White para a experimentação modernista na historiografia
encontrou, pela própria admissão do autor, praticantes com autoridade, tal como Saul
Friedländer, o mesmo historiador que desafiou White quanto à representação do nazismo e da
Solução Final. Graças à frutífera oscilação do Metamodernismo de White, obtivemos reflexões
sustentadas no nexo entre modernidade, temporalidade e história, além de clássicos
historiográficos modernistas. Se Hayden me permitir essa figuração whiteana de seu trabalho -
me parece que a oscilação é o tropo que melhor descreve o caminhar de White pela corda
bamba estendida entre o real e o imaginário. Essa oscilação deixa aberto um grande espaço de
realização para o nosso próprio trabalho sobre a metamodernidade. Permitam-me concluir
buscando contribuir em parte com a teoria modernista da história em White que me parece ter
recebido menos atenção,tendo necessidade urgente de elaboração.
Como vimos, White é bastante consciente a respeito da congruência entre certos
aspectos da historiografia dos Annales, seus apelos por formas modernistas de representação
histórica e as críticas estruturalistas e pós-estruturalistas da narratividade. Assim, White - até
onde sei - jamais analisou um único autor ou texto a partir dessa tradição, se limitando a
comentar sobre a tomada de Braudel por Ricoeur e introduzindo a discussão magistral de
Jacques Rancière do mesmo autor. Em particular, não mais que referências passageiras
aparecem nos escritos de White a respeito do trabalho de Marc Bloch, e nenhuma delas com o
que possa ser considerado, com alguma justificação, um clássico na teoria da história francesa e
anglo-americana no século vinte: "Apologia da história", publicado com notáveis omissões por
LucienFebvre em 1949, e traduzido e publicado em inglês como "The historian'scraft" em 1953.
Com mais de 500.000 cópias vendidas em todo o mundo, e ampla utilização em cursos
introdutórios de historiografia que o usam como base, "Apologia da história" é um clássico que
pelo menos duas gerações de estudantes americanos e acadêmicos encontraram mais
frequentemente do que qualquer outro texto em comparação. No entanto, o texto continua a ser
apresentado e lido na maioria dos cursos mais por seu ethos moral, como uma defesa da
historiografia em face da ameaça do nazismo, do que por seu valor intelectual intrínseco, porque,
como dito no lamento de um resenhista do Amazon.com: "foi deixado inacabado...e é bastante
fragmentado". Tenho certeza que a maior parte de nós concorda que o status desse livro como
um clássico talvez se deva precisamente, mais do que por sua fragmentariedade, mas podemos
estender metonimicamente essa qualidade de fragmentação - que temos razão para acreditar
que não foi intencionado por Bloch - para considerar "Apologia da história" um texto modernista?
Eu acho que a resposta a essa pergunta deveria ser um sonoro "não", precisamente porque a
fragmentação é apenas uma das muitas modalidades do modernismo, mas, em si não é nem
uma necessidade, nem uma condição suficiente para sua emergência. Por outro lado, "Apologia
da história" foi muito apressadamente relegado ao campo anti-modernista, por conta de uma
passagem em que Bloch parece denunciar ante litteram precisamente o tipo de relação
modernidade/modernismo identificado por White. Permitam-se citar a referida passagem por
completo:
Um período curto - Bloch escreve - parece separado da grande varredura do
tempo. Seu início foi relativamente recente, e o seu fim sobrepõem-se até os
nossos dias. Nada nele - nem suas características políticas e sociais
proeminentes, nem a sua composição física, nem seu tom cultural -
apresenta quaisquer contrastes importantes com nosso próprio mundo.
Afigura-se, em uma palavra, assumir um grau muito acentuado de
"contemporaneidade" conosco. E disso deriva a virtude ou defeito de ser
distinto do resto do passado (...) Existem muitos que ficariam felizes em
repetir que desde 1914, ou desde 1940, não houve mais história". (THC, 36-
7)
Mesmo "os historiadores", Bloch continua, "são pegos neste clima modernista", tendo
registrado "uma mudança que separa o novo do antigo", e portanto concebe a tarefa de seu
próprio pequeno tratado, lembrá-los do que significa definir a história como a "ciência do homem
no tempo". (THC, 36-7) No curso desse tratado, Bloch elabora posições que o deixam muito
próximo daquelas articuladas posteriormente por Ricoeur, mas as premissas a partir das quais
ele parte são tudo menos anti-modernistas. É a experiência da modernidade como
"contemporaneidade" que impõe em Bloch a urgência de uma total redefinição da "tekne" ou
ofício do historiador.
Se alguém vê o modernismo não como uma única reação à experiência da
modernidade, mas como um conjunto de atitudes palingenéticas motivadas por um sentido de
urgência - nunca há tempo suficiente na modernidade - e reação a percepções de trauma e
degeneração na modernidade, então o imaginário histórico do fascismo é tão modernista quanto
a reformulação de Bloch de uma justificativa intelectual para a prática da historiografia como um
antídoto à substituição da historicidade - como Ricoeur o diria - por uma única e exclusiva forma
modernista de temporalidade. Visto na contramão do modernismo de White, o livro de Bloch, eu
discuto, proveu uma crítica muito mais radical à epistemologia histórica do que o que é
normalmente assumido, podendo ser considerado como a primeira teorização metodológica de
um paradigma "crítico" para a historiografia ao longo das linhas de Nietzsche, e, como tal, em
uma relação "figural" com o Metamodernismo de White.
A conexão do texto de Bloch e a crítica da história de Nietzsche é tanto textual quanto
bastante específica. Muitas passagens no texto e nas cartas trocadas por Bloch com Febvre
deixam claro que "Apologia da história" foi escrito como uma resposta a Le Regard d’aujourd’hui
(1931) de Paul Valery, no qual Valery havia de forma muito conhecida condenado a história
como "o composto mais perigoso já criado pela química do intelecto", mas, de forma menos
conhecida, conectando especificamente sua crítica à inabilidade dos historiadores em produzir
uma forma de prática historiográfica que deu expressão ao que Nietzsche descrevia como o
"senso crítico da história" em suas famosas "Considerações extemporâneas sobre as vantagens
e desvantagens da história para a vida" (1874). Por senso crítico da história, Nietzsche se referia
àquela forma "geracional" de consciência que faz certos indivíduos ou gerações inteiras reagirem
ao passado do qual eles emergem com o julgamento e o desejo de cortar suas raízes, e então
produzir uma atitude de crítica e julgamento quanto ao passado como um todo, mas também
uma forma única de auto-consciência em que uma consciência crítica geracional também sabe
que o "passado" que ela julga de forma tão injusta e separada de si, não é nenhum passado,
mas apenas um passado concebido como história pela geração anterior, que o havia forjado em
resposta àquele que havia recebido. Apesar de dezenas de comentadores terem localizado o
modernismo de Nietzsche em sua ampla rejeição da história como exaltação do suprahistórico e
do ahistórico, eu afirmaria que a definição do sentido histórico "crítico" de Nietzsche pode estar
mais próxima de antecipar os contornos de uma forma modernista do imaginário histórico, e que
Bloch concebeu seu tratado como dando escopo historiográfico às reflexões de Nietzsche. Para
começar, a famosa identificação de Bloch da historiografia dos Annales com a análise pode ser
vista como a primeira tentativa de transformar seu senso histórico "crítico" na fundação de uma
nova historiografia que buscasse conter a aliança profana das formas monumentalista e
antiquária de consciência histórica no século dezenove, celebrada pelo casamento entre a busca
por origens e o modo narrativo de escrita histórica. Por história "analítica", Bloch não queria dizer
"anti-narrativa" ou "não-narrativa", mas uma história que derivasse as questões e a agenda de
sua pesquisa exclusivamente da observação e das preocupações do presente - ao invés do
pressuposto de que certos fenômenos do passado ainda não haviam sido explorados, ou a partir
de uma liminar disciplinar de acúmulo do conhecimento - e assim proceder genealogicamente ao
passado, como forma de criar no historiador, assim como no leitor, uma forma de consciência
histórico-crítica que resistisse a narrativizações teleológicas do passado. E o que isso significava
na prática, para Bloch, era uma defesa absolutamente "modernista" do relativismo temporal e
epistemológico, um conceito semiótico de evidência, e uma noção linguística da história como
tal. Exploremos brevemente, então, esses três aspectos:

Relativismo temporal e epistemológico


Mesmo com toda a paixão celebrada por Bloch pelas ciências sociais, ele argumentava
que a história não devia mais buscar legitimação científica destas, nem de uma noção abstrata
de "busca pela verdade", mas de um novo paradigma científico inaugurado pela mecânica
quântica e a física de Einstein que pregava a "eterna relatividade de todos as medições e
verdades" (THC, 17). A história viria a se tornar uma ciência de probabilidades, ao invés de
certezas. Em segundo lugar, e consequentemente, o historiador deveria descartar a noção de
tempo progressivo herdada da tradição cristã, assim como a ideia de tempo como um continuum,
ou seja, um tempo histórico que não pudesse ser segmentado em períodos ou séculos, mas
relativo ao fenômeno a ser descrito. Qualquer processo histórico deveria portanto, ser concebido
como uma relação dialética de permanência e mudança, do que de continuidade e
descontinuidade, e a tarefa principal do historiador seria então um contínuo e "elástico" ajuste
dos métodos críticos que ele possuísse à sua disposição para interrogar a evidência às escalas
temporais necessárias para proceder uma investigação genealógica.

Concepção semiótica das evidências


A parte mais conhecida do tratado de Bloch é, sem dúvidas, a sua discussão das
evidências. Aqui ele abandonava a tradicional distinção entre fontes primárias e secundárias,
documentos históricos e historiografia, por uma classificação da evidência como intencional ou
não-intencional, isso é, da evidência que almejava transferir a memória ou o conhecimento de
determinado objeto de estudo e compreender que, não almejar proceder dessa forma, poderia
ser lido como um sinal mais confiável de características chave do próprio objeto de estudo.
Dessa forma, Bloch tornou a noção de evidência completa e radicalmente relativa, isso é,
dependente do impulso da investigação do historiador individual: todas as evidências poderiam
se tornar não-intencionais e vice-versa; incluindo, é claro, toda a narrativa historiográfica, que é a
principal forma de evidência intencional a ser colocada sob escrutínio pelo historiador analítico.
Bloch, contudo, põe sua ênfase no fato de que o sucesso de sua nova disciplina crítica dependia
inteiramente do exame de toda a evidência para pistas não-intencionais do que permanecia sob
a superfície do que, nas palavras de Bloch, "o que o próprio passado pensou de bom para nos
contar" (THC, 151). Essa ênfase na evidência não intencional devia claramente à influência da
psicanálise e antecipava os insights da linguística estrutural, por claramente figurar a relação
entre a evidência e os fatos como aqueles entre o inconsciente (o passado) e o consciente (que
é história), ou, em termos linguísticos, como a relação entre língua (sintaxe, gramática) e parola
(o uso da língua). De fato, Bloch concluía sua discussão sobre a evidência com duas passagens
bastante reveladoras que destacavam a importância central da linguística em sua forma de
pensar a história: primeiro, ele postulava inequivocamente que "em última análise, é a
consciência humana que é o objeto de importância da história. As inter-relações, as confusões, e
infecções da consciência humana são, para a história, a realidade em si mesma", (THC, 151), e
assim, ele especificava que "o advento de um nome é sempre um grande evento, mesmo
quando a coisa nomeada o precedeu, pelo fato dele significar o momento decisivo de tomada de
consciência". (THC, 68)

Noção linguística da História em si mesma


No último capítulo de "Apologia da história", Bloch reúne a sua revisão acerca da
temporalidade histórica (a dialética da mudança e da permanência) com a sua concepção
semiótica da evidência em uma reconfiguração da relação entre a tarefa do historiador e a
História por si própria de acordo com termos linguísticos: Bloch primeiramente insiste que a
língua é a única ferramenta do historiador, por ser na forma como o historiador escreve que a
delicadeza de seu trabalho é revelada (o fabricante de alaúdes), o problema especial da história,
contudo, é que "ela recebe seu vocabulário, em grande parte, do próprio sujeito de seu estudo"
(TCH, 158). A partir disso ele deriva duas consequências: primeiro, como um pesquisador, a
tarefa do historiador é essencialmente a de interpretação de signos linguísticos, o que Bloch
denomina "semântica histórica" (THC, 168), ademais, na fase de escrita, o historiador é
chamado a decidir se a linguagem do passado deve ou não ser traduzida ou mantida como tal,
no serviço de produzir uma classificação e nomenclatura dos fenômenos históricos. A tarefa de
análise histórica, então, é a de nomear ou renomear o passado sempre ameaçado pelo
anacronismo de "símbolos mal escolhidos ou mecanicamente aplicados" (THC, 173) e,
naturalmente, pelo fato de que "por melhor definidos que sejam, a língua particular dos
historiadores jamais constituirá, posta lado a lado, a linguagem da história" (THC, 176). No
entanto, o advento de um nome é sempre um grande evento na história, em última instância, a
competência linguística é o que une a pesquisa e escrita do historiador à ação no passado e no
presente, assim a advertência final de Bloch:
"Que os jovens acadêmicos jamais cresçam cansados de lidar com a
linguística e, especialmente, de estender o seu uso em tempos mais
recentes, o que, a este respeito, são em grande medida os menos bem
explorados".
Agora, eu não quero sugerir que Bloch endossava uma forma estruturalista de
linguística, ou que defendia a leitura de Jakobson ou Saussure por seus estudantes, mas estou
convencido de que o texto de Bloch deveria fazer parte da conversação em torno do modernismo
e da história, especialmente por seu status ético como um clássico. Isso iria, antes de tudo,
contra as leituras tradicionais de Bloch como o fundador da Escola dos Annales (que ele não foi)
e o pai da história social vista por baixo, o que obliterou as implicações epistemológicas e
políticas mais radicais de sua teorização de uma forma crítica de historiografia, voltada
especificamente em tornar "consciente" o sujeito da história, na forma de mentalidades e
imaginários coletivos. Em segundo lugar, destacaria como a concepção "linguística" de Bloch da
operação historiográfica abria as portas entre a história e linguística em um momento de grandes
transformações nesta última. Muito certamente, não será a "semântica histórica", como Bloch
acreditava no período, mas a linguística estrutural e a semiótica que irão influenciar a auto-
consciência linguística dos historiadores críticos. Caberia a um dos seguidores de Bloch, Carlo
Ginzburg - antes de sua fatídica investida em um virulento anti-whiteanismo - esclarecer as
implicações semióticas e psicanalíticas da concepção de evidência no clássico conto sobre a
emergência do "paradigma indiciário". Finalmente, os tons nietzscheanos da apologia de Bloch
sugerem um giro final no indicador modernista em vista de questões levantadas pela oscilação
de White: se uma sensibilidade moderna na representação for unicamente apropriada e
necessária ao historiador da modernidade, talvez uma resposta igualmente modernista e
apropriada à experiência modernista do modernidade é não abandonar o "passado histórico"
pela narrativa "per se", ou continuar desacreditando na cultivação dos estudos históricos, mas
para destacar a radical presentilidade da forma na mente metamoderna. Seja qual for o tema
explorado, seja qual for a narrativa ou enredamento modernista dado a uma história, cada
história permanece uma alegoria do presente: ela aponta ao leitor para as configurações de
actantes e forças impessoais que buscam orientar sua leitura dos sinais do presente. É a
temporalidade da forma, mais do que seu conteúdo, que mudou radicalmente a um presente
contínuo e tornou tanto a narrativa quanto as histórias modernistas radicalmente espaciais em
sua natureza, assim como na famosa homologia entre a literatura modernista e a "forma
espacial" proposta por Joseph Frank em um texto homônimo composto nos mesmos anos que
"Apologia da história".
Frank, de forma bastante conhecida, defendia que o romance modernista havia se
desenvolvido fora da forma temporal da narrativa e a partir de uma "forma espacial" que
pressupunha um texto que "propõe seus leitores a suspender o processo de referência individual
temporariamente, até que todo o padrão de referências possa ser apreendido como uma
unidade", isso é, "espacialmente, em um momento do tempo, ao invés de como uma sequência".
(SF, 1945, 239) Para Frank, isso não significava uma eliminação do tempo no romance
modernista, mas uma suspensão temporal da temporalidade, deixando o suficiente para permitir
a emergência de padrões espaciais que possibilitam sequenciar a função do seu
desenvolvimento, ao contrário da espinha dorsal da representação histórica. Eu acredito que
essa forma espacial se tornou inerente à nossa leitura da temporalidade, tanto na realidade
quanto na representação, e que o modernismo que deveríamos requerer dos historiadores é
uma consciência aguda dessa presentificação da leitura.

Trabalhos citados entre parênteses:


Marc Bloch, The Historian'sCraft (THC)
Joseph Frank, "SpatialForm in ModernLiterature" (SF)
Hayden White, TropicsofDiscourse (ToD)
The ContentoftheForm (CoF)
Figural Realism (FR)
The FictionofNarrative (FoN)
Figuralismo cotidiano e narrative confuse: o estilo de Kafka65
Ruth Gross
(North Carolina University, Estados Unidos)

Já que esta conferência se dá numa comemoração de aniversário, e considerando que


aniversários trazem memórias, eu gostaria de me permitir algumas reflexões pessoais no dia de
hoje sobre algo ocorrido há quarenta anos. 1973 foi o ano em que encontrei Hayden White pela
primeira vez. Já tinha ouvido falar sobre ele, não como autor de Meta-história, obra ainda não
publicada, mas como certo professor carismático e desconcertante que fazia algo não facilmente
compreendido pelos tradicionalistas em seu entorno. Quando percebi que ele conduziria uma
conferência em Toronto sobre “Romantismo e Historicismo” eu insisti que nós (Hans e eu)
dirigíssemos de Rochester, NY, onde vivíamos e trabalhávamos à época. Então, conheci Hayden
mais ou menos no momento em que aparecia a obra Meta-história. Mais tarde ele veio a
Rochester e – generoso como sempre e cheio de encorajamento – concordara em tomar bebidas
à noite conosco, após seus eventos terminarem. Ainda mais tarde, ele fora indiscutivelmente a
razão para minha presença em NEH Summer Seminar acerca do “Estilo”. E fora lá, em Boulder,
Colorado, que minha carreira profissional tomara sua forma permanente. Eu me tornara uma
“pessoa kafkaniana”. Vejam, foi tudo culpa dele.
Em parceria com Seymour Chapman, escrevi um ensaio sobre EinalltaglicheVerwirrung,
(Uma confusão cotidiana) um conto de menos de duas páginas. Minha abordagem visava
identificar os provérbios austríacos (ou alemães) que figuravam por trás das afirmações no
conto. Nada muito meta-histórico, nada de tropos ou figuras, mas ninguém mais estava fazendo
algo desse tipo naquela época. Embora, ao pensar sobre, nós todos estávamos falando sobre
códigos e Roland Barthes – assuntos próximos ao coração de White. O ensaio fora publicado na
PMLA, e eu descobrira as alegrias de escrever sobre Kafka – e textos bem curtos. Tenho feito
isso desde então.
Por conta de 1973 ter sido um ano importante para mim, como acadêmica da literatura,
pensei sobre meu primeiro estudo kafkaniano: Uma confusão cotidiana. No espírito dessa
conferência, gostaria de revisitar aquele conto, juntamente com alguns textos relacionados hoje,
mas relendo-os nesse momento através do que eu aprendera a partir do trabalho de Hayden
White – as lentes da interpretação figurativa.
O conto em si não é muito mais que seu enredo. Naquela época eu o chamei de “texto
esquelético” – um diagrama de um conto completamente estilizado – um “texto pobre”, oposto ao
“texto rico” de Balzac em Sarrasine, tão incrivelmente descrito e explicado em S/Z. De acordo
com Barthes, um texto rico e clássico satisfaz a exigência do leitor de que todos os códigos (os
cinco códigos de leitura delineados por Barthes) sejam adequadamente preenchidos. Meu
65
Tradução de Leonardo Grão Velloso.
questionamento à época era se a abordagem de Barthes poderia também ser aplicada em um
texto escasso, aquele que depende imensamente de um deles, ao frustrar e negar ao leitor a
amplitude dos outros em clarear o significado.
Aqui está o texto completo, escrito por Kafka em 1917, e encontrado nos Oktavhefte
(Cadernos azulados):
Uma confusão cotidiana
UMA OCORRÊNCIA COTIDIANA: o modo pelo qual ele suporta uma confusão
cotidiana. A tem um negócio importante para concluir com B, que mora em H. Ele
vai a H para deliberar sobre, chega lá e retorna em dez minutos cada sentido do
caminho, e em casa se gaba de sua rapidez particular. No dia seguinte ele vai a H
novamente, desta vez para o ajustamento final do acordo. Como isso provavelmente
tomará várias horas, A sai bem cedo pela manhã. Mas embora todas as
circunstâncias concomitantes, ao menos na opinião de A, sejam as exatas mesmas
do dia anterior, desta vez lhe custam dez horas para chegar a H. Quando ele chega
lá pela noite, muito cansado, dizem a ele que B, chateado com a falta de A (em
chegar), saiu meia hora atrás em direção ao vilarejo de A e que eles realmente
deveriam ter se encontrado no caminho. A é avisado a esperar. Mas A, ansioso com
o negócio, parte imediatamente e se apressa para casa.
Desta vez, sem prestar nenhuma atenção ao fato, ele cobre a distância em não mais
que um instante. Em casa ele descobre que B já tinha vindo pela manhã, logo após
A ter saído, de fato, dizem a ele que B o encontrou na porta e o lembrou do negócio,
mas que ele, A, dissera não ter tempo, que estava com pressa, deveria ir.
Apesar do comportamento incompreensível de A, entretanto, B (disseram a A) ficara
lá, esperando por A. Verdade, ele perguntara frequentemente se A já não retornara,
mas ele estava ainda em cima, no quarto de A. Feliz por ainda estar apto a ver B e
explicar-lhe tudo, A corre para cima. Ele está quase no topo quando ele tropeça,
torce um tendão e, quase desmaiando com a dor, incapaz até mesmo de gritar, só
lamuriando lá no escuro, ele escuta B – ele não sabe ao certo se de grande
distância ou em algum lugar bem próximo a ele – desce pisoteando furiosamente e
desaparece para sempre.
Os personagens em “Uma confusão cotidiana” de Kafka são nomeados A e B. Este fato
(e uma associação por um semestre, estudando folclore europeu) podem ter engatilhado meu
interesse em ditos populares, pois para mim o conto evocava o axioma alemão “Quem quer que
diga A deve dizer B”. Deste modo, posso ler o conto de Kafka como exemplo literário do que
Auerbach e White explicam e compreender ser a causalidade figural.
O conto detalha transações entre A e B. A encontra B em H e retorna para casa
satisfeito com os eventos, mas ainda mais satisfeito com a rapidez com que ele fora e voltara de
H. No dia seguinte, ele parte novamente, mas isso o toma 10 vezes o tempo para chegar a H
que no dia anterior, e quando ele chega, ele escuta que B saíra meia hora antes e fora encontrá-
lo. Ele retorna ao seu ponto inicial num piscar de olhos, e A descobre que B chegara bem cedo
naquele dia e o aguardava. Felizmente, A tem uma oportunidade de explicar a B o ocorrido, mas
em sua pressa ele tropeça, cai na escada e é impedido de se mover pela dor. Ele escuta B
enraivecido descer a escada pisoteando, antes de sumir. (A linguagem de Kafka é muito melhor
que este recontar, mas hoje não me concentrarei no literal literário e sim no figurativo)
Da perspectiva histórica, o conto consiste em três eventos: 1) A completa sua viagem a
H com o propósito de uma reunião preliminar de negócios com B, parecendo uma brisa (só lhe
custam 10 minutos de ida e volta); 2) No próximo dia, A vai a H para finalizar o acordo com B,
mas lhe custam 10 horas e ele descobre ter perdido B, quem saíra de H meia hora antes da
chegada de A – (dizem a ele que eles deveriam ter se encontrado no caminho); 3) A retorna
rapidamente à sua casa e lhe dizem que, de fato, ele encontrara B nos degraus de sua casa pela
manhã; ele descobre que B ainda o espera, então ele se apressa para subir ao quarto para
explicar-lhe “tudo” (como se fora possível), cai ao alcançar o topo da escada e muita dor lhe
impede de parar B quem, enraivecido, pisoteia escada abaixo e desaparece para sempre. (Pode-
se afirmar que o segundo e o terceiro evento fazem parte do mesmo, e se assim for, encaixa
ainda melhor na interpretação figurativa)
Lendo esses eventos através de lentes figurativas, poderíamos dizer que, em termos
auerbachianos, os últimos eventos no conto de Kafka são o “resultado” dos primeiros. No ensaio
de White sobre a História Literária de Auerbach, ele diz: “Os últimos eventos não são “causados”
pelos primeiros, certamente não são “determinados” por eles. Nem são os últimos eventos
previsíveis em qualquer medida teleológica como realizações de potencialidades anteriores”.
Como se já conhecesse o conto de Kafka, White continua: “Eles se relacionam de uma maneira
que a figura retórica, tais como um trocadilho ou metáfora, aparecendo numa passagem anterior
de um texto, podem se relacionar com outra figura, tais como uma catacrese ou ironia,
aparecendo numa passagem posterior... A última “completa” a primeira ao repetir elementos
dessas mas com certa diferença”. (Voltarei à ideia do trocadilho em breve, mas pelo momento,
devemos pensar acerca das primeiras palavras em alemão de Kafka na primeira linha -
“einalltäglicherVorfall”). O primeiro evento em Uma confusão cotidiana se concentra na
velocidade e na auto-exaltação de A. O evento do dia seguinte “completa” o anterior, não em
termos de completude humana, que seria o cumprimento do acordo de maneira bem-sucedida,
mas em termos de figuralismo histórico. É o anti-tipo do tipo, já que repete elementos do evento
anterior, mas com a diferença que desta vez custam 10 horas para completar o trajeto que
anteriormente tomara só 10 minutos. Imprevisível, certamente. Para explicar a história
realisticamente – afinal de contas, é uma confusão cotidiana, uma ocorrência comum ordinária,
como nosso narrador atesta – leitores de Kafka olham uma falha, uma culpa de A, que
causariam os eventos posteriores – sua jactância, sua arrogância, sua falta de atenção às
questões realmente importantes, até mesmo, talvez, uma percepção deficiente de sua parte.
Então o figuralismo toma o cenário: ele “é o cérebro controlador de quaisquer representações
significativas da realidade humana. É o que faz a narrativa funcionar” (Kellner, 168). Nós
tentamos dar sentido a qualquer informações que temos ou que recebemos.
Numa interpretação figural desse conto, nós passamos a olhar o evento posterior – a
viagem que dura 10 horas e termina por acontecer erroneamente – como se fosse
intrinsecamente relacionado ao evento anterior – a viagem para uma discussão preliminar que
dura somente 10 minutos de ida e volta. O primeiro evento é ressaltado pelos comentários de A,
não sobre as negociações, mas sobre a velocidade com a qual ele completa a viagem – como se
fosse toda a preocupação. Novamente, uma interpretação figural significaria que o primeiro
evento “confere significado” ao segundo e que o segundo completa o primeiro. O segundo
evento inexplicavelmente toma 60 vezes o tempo do primeiro, e talvez por causa de ser o tempo
o foco de A – não o negócio – o evento que completa se prova mal-sucedido à luz do primeiro. E
como tais, ambos os eventos são provisórios e incompletos, se direcionando a um evento futuro
– algo que virá e será a ocorrência de definição. Como é um texto kafkaniano, não precisamos
esperar muito – mas este sendo o Kafka, o evento determinante – o qual deveria ser real –
prova, para colocar diretamente, que a realidade é horrível. A cai (lembremos a primeira frase da
história - “einalltäglicherVorfall”) e sofre de uma distensão no tendão (detalhe importantíssimo a
ser discutido mais à frente), é incapacitado de se comunicar com B, perde o acordo e qualquer
chance de final feliz que tornaria os eventos anteriores significativos.
Eu retornarei à condição de A em Uma confusão cotidiana em breve, mas antes gostaria
de desviar rapidamente e ilustrar o funcionamento do figuralismo em outro texto relacionado à
discussão. É o curto ensaio, bastante conhecido, sobre Kafka de autoria de Jorge Luis Borges,
Kafka e seus precursores. Vocês se lembrarão que, no ensaio de Borges, ele escreve sobre
quatro autores de diferentes tradições e eras que precederam Kafka – Zeno, Han Yu,
Kierkegaard e Browning – nos quais ele encontra diferentes elementos do estilo kafkaniano, para
não dizer kafkaescos. A conclusão primordial de Borges diz: “Se não estou enganado, as peças
heterogêneas que eu enumerei se assemelham a Kafka; se não estou enganado, nem todas elas
se assemelham entre si. O segundo fato é o mais significativo. Em cada um desses textos
encontramos a idiossincrasia de Kafka, em maior ou menor grau, mas se Kafka ainda não
escrevera uma linha, nós não perceberíamos essa qualidade; em outras palavras, ela não
existiria... Cada escritor cria seus próprios precursores” (citação). Em outras palavras, não
haveria causalidade figural ou maneira de ligar esses autores díspares pela narrativa. Kafka, o
escritor, causa ou determina a leitura de Borges e o permite criar significado para sua
comparação. Desta maneira, Kafka é a realização das figuras dos vários precursores percebidos
por Borges. Outro leitor pode aparecer com uma lista muito distinta e, assim, uma narrativa
completamente diferente. Como Kellner assevera: “A realização de uma figura, afinal, não é
nada mais que uma atribuição de sentido ou de relevância histórica em sentido contrário; é o
movimento pelo qual o presente toma posse do passado e faz dele o que é necessário” (Kellner
170). Essencialmente, é justo aquilo que Borges fizera.
Agora, como sabemos através de White, sistemas históricos agem “como se eles
pudessem escolher seus próprios ancestrais”. Ele ilustrara isso ao demonstrar que durante a
Renascença Italiana as lentes de perspectivas direcionadas a eventos anteriores mudaram da
cultura Greco-Latina para a Cristã. “A concepção estética da relação posiciona o valor do sentido
primordial no ato de apropriação respectiva de um evento anterior ao tratá-lo como uma “figura”
do posterior”. O resultado é “um passado sobre o qual certo presente específico é definido”
(128). Na literatura, a qual é também um sistema histórico, autores (ou críticos) sempre podem
escolher as influências que entendem como relevantes e apropriadas. Por exemplo, em um dos
aforismos de Kafka, ele escolhe falar de Balzac, comparando-o consigo mesmo – “No cabo da
bengala de Balzac: eu sobrepujo todos obstáculos. Na minha: Todos obstáculos me sobrepujam.
Eles tem aquele “todos” em comum” (citação). Com a ironia típica de seus aforismos, Kafka
começa a partir de uma curta e expressiva asserção sobre o mundo, na qual ele estabelece uma
situação ou comparação particular que soa ilógica, então ele a destrói no seu pointe
“subversivo”. Como sabemos, ele era um mestre em estabelecer na escrita a condição perfeita
só para demonstrar a impossibilidade de se encontrar os pré-requisitos daquela condição. E que
isso tem a ver com o figural?
Por um lado, podemos dizer que naquele aforismo, Balzac é o predecessor escolhido
por Kafka, mesmo parecendo estranho, dado o estilo de escrita respectivo de cada um. Mas é
precisamente por conta das diferenças nos seus estilos que eles se podem estabelecê-los como
tipo e anti-tipo. (Só um breve comentário paralelo, é fascinante a ideia de Balzac, adquirindo
significado por sua prosa, se tornar uma figura tão rica para os críticos retornarem a ela com o
propósito de criarem narrativas críticas de comparação – Auerbach o fez em Mimesis, White em
seu ensaio sobre Auerbach, Barthes em S/Z, Kafka em seu aforismo, e eu aqui neste texto.
Todos nós o escolhemos como a figura que é posteriormente realizada de várias maneiras).
Agora, retornando a A e B. Como obras do modernismo, o texto de Kafka se encaixa
num padrão que White descrevera em O Evento Modernista: “A prática literária modernista
efetivamente explode a noção daqueles personagens que anteriormente serviram de matéria das
narrativas ou ao menos como representantes de perspectivas possíveis nos eventos das
narrativas; e ela (a prática literária) resiste a tentação de constituir os enredos de eventos e de
ações dos personagens de modo a produzir o sentido-efeito derivado da demonstração de como
o final de alguém pode conter o início desse alguém” (74).
Naquele ensaio, White discute a tematização de Fredric Jameson sobre a experiência do
tempo em Nausea, de Sartre. Dizem-nos que o personagem principal de Sartre, Roquentin,
distingue a representação da vida e a vida propriamente dita. Ele quer ter narrativas-eventos na
sua vida e Roquentin alcança, finalmente, a conclusão: “Mas deve-se escolher: viver ou narrar”.
Ele compreende que tudo muda só “quando se fala de sua própria vida”. O A de Kafka escolheu
contar estórias. A poderia também ter pronunciado as palavras que Roquentin utiliza para
descrever a passagem do tempo: “o que pertence à forma se carrega para o conteúdo. Fala-se
muito desse incrível fluir do tempo, mas dificilmente se enxerga-o...” (75). De fato, esse pode ser
precisamente o calcanhar de Aquiles de A, ou a razão de sua queda e seu tendão distendido.
Como um personagem do modernismo, ele está muito mais envolvido na forma que no conteúdo
– chegar a H rapidamente, para ele, importa muito mais que discutir com B. Comparar A a
Roquentin pode, superficialmente, parecer absurdo, mas o externo e o interno do evento primário
em “Uma confusão cotidiana” – o aspecto fenomênico e seu possível significado – colapsaram,
tanto como ocorre em várias outras obras modernistas. Aqui, no pequeno conto de uma página,
temos a essência da narrativa moderna. Reminiscências das bengalas de Balzac e Kafka,
quando White discorre sobre modernismo, ele se preocupa com livros longos – eu, por outro
lado, lido com a miniatura modernista. White faz isso, eu aquilo. Minhas microleituras de Kafka
tem uma quantia considerável a dizer sobre as estruturas por ele utilizadas, mas
fundamentalmente se pode reduzir grande parte de Hayden White à frase: “Quem diz A deve
dizer B” – que é o conteúdo da forma.
Se, de fato, o axioma alemão “Wer A sagt, muss auch B Sagen” pode ser lido como
certa tradução da história figural, B – o personagem em “Uma confusão cotidiana” de Kafka – é
precisamente o determinante e o causador de A, de sua confusão e de sua catástrofe. Eu os
lembro agora da afirmação de White que eventos estão “relacionados de modo que uma figura
retórica, como um trocadilho ou metáfora” no início de um texto está relacionada com outra figura
em uma passagem posterior. Mesmo neste curto texto, esse é o caso. Já discorremos sobre a
ideia do primeiro evento ser “Vorfall” e o segundo a “Fall” (que em alemão não significa apenas
uma queda, mas o caso ou evento). A expectativa do segundo encontro de A com B no conto de
Kafka vai se formando. Quando A finalmente ouve que B está o esperando acima da escada, ele
regozija e “corre para cima. Ele está quase no topo quando ele tropeça, torce um tendão”. Como
eu apontara na minha análise precedente desse conto muitos anos atrás, este é o detalhe mais
específico em um conto marcadamente não-detalhado. Diz-nos a natureza exata do machucado
de A e não, por exemplo, que ele simplesmente machucou seu pé. Em alemão, o termo que
Kafka usa para “tendão distendido” é “Sehnenzerrung”, que pode ser literalmente traduzido por
“distensão de ânsia [saudade]”. Afinal, durante esse segundo evento, A ansiara ver B e agora, o
resulto de seu desejo é sua dor – essa Sehnenzerrung. A palavra alemã gera muitas imagens –
Zerrbild ou “caricatura” – Verzerrungor “distorção” e “Sehnenzehrung” que literalmente se traduz
por “destruição por ansiedade”. Este trocadilho completa ironicamente, ou de fato cria, o
conteúdo do trocadilho em Vorfall na primeira frase do conto. O primeiro evento foi a Vorfall –
antes da queda – o segundo evento leva à Fall – o caso, a queda. A queda de A é ao mesmo
tempo literal e a destruição da própria literacidade, um trocadilho. E sem o literal, o restante é o
figural.
O princípio das teorias figurais de Auerbach é em Dante, e em Figural Realism White
comenta a leitura presente em Mimesis acerca de “Farinata e Cavalcante”. “Quanto mais
completamente a figura é interpretada e quanto mais próxima ela se integra com o plano eterno
da salvação, mais real ela se torna... para ele, (Dante) o outro mundo é a realidade verdadeira,
ao passo que este mundo é só umbra futurorum – embora de fato a penumbra seja a
prefiguração da realidade transcendente e deva ocorrer completamente nela” (71).
Ao ler isto, recordara-me a alegoria de Kafka “Das alegorias”, título alemão sendo “Von
den Gleichnissen”. Começa desta maneira:
Muitos reclamam que as palavras dos sábios são somente „figuras de linguagem‟
(minha tradução de Gleichnis), embora úteis na vida cotidiana, e isso é tudo de fato
temos. Quando o sábio diz: “Cruze”, ele não quer dizer-nos que cruzemos para o
outro lado da rua, o qual se poderia, certamente, realizar se os resultados valessem
o esforço, mas ele quer dizer de algo “fabuloso” (lendário, narrado) ali do outro lado,
algo que não conhecemos, e que ele mesmo não pode especificar mais
precisamente e que, portanto, não pode nos ajudar ali. Todas essas figuras de
linguagem simplesmente afirmam dizer que o inconcebível (ininteligível) é
inconcebível (ininteligível), e nós já sabíamos disso.
Nesta demasiado oculta alegoria das alegorias, a mensagem parece ser que não há
nada além das figuras e do figuralismo – algo que White dissera uma vez em outro contexto,
numa conferência – “são tartarugas até o final” – em outras palavras, nós fazemos o figuralismo
funcionar através da narratividade.
A literatura germânica tem relevância particular para o figuralismo histórico se nós
compreendemos que a frase seminal, aquela que aparece adiante para a cultura, é a última frase
de Goethe em Fausto, "AllesVergänglicheistnureinGleichnis”. Gleichnis é problemático de se
traduzir até que lemos a frase de uma perspectiva figurada, porque é obviamente uma figura,
não uma alegoria ou uma parábola. O termo Vergängliche é a chave. Seu significado, aquilo que
passa ou se altera, claramente não exprime coisa imaginária ou ficcional; pelo contrário, é real,
transitório, histórico. Assim, Goethe também, como Hayden White, afirma “Tudo que é histórico é
somente uma figura”. Portanto, como Erich Auerbach adicionaria, requer uma realização para se
tornar historicamente significante. Nessa frase reside a razão pela qual Friedrich Meinecke
encerra seu livro sobre O historicismo e sua gênese com um capítulo sobre Goethe, quem,
diferente de seu contemporâneo Schiller, não escrevera história alguma. Em outras palavras,
nos termos do ditado alemão “Quem diz A deve dizer B”. Aqui está a essência da narratividade,
o desenvolvimento de ideias (ou personagens) em direção à realização de um enredo. Isso
Hayden White nos ensinara: imaginação histórica, urdidura de enredo, narrativa, figura.
Compreende-se Kafka, quem ressalta que na vida cotidiana (alltäglich), A, a figura, não
encontra B, a realização, apesar de seu esforço heróico. Em vez disso, jornadas são
imprevisíveis e escadas um perigo. B termina irritado, A incompleto e com dores. História é o que
fere. Fazemos narrativas dela para servir nossos propósitos, mas a realidade escapa à nossa
compreensão figurada. Kafka reitera a mensagem de “EinalltäglicheVerwirrung” em “Von den
Gleichnissen.” A sabedoria dos sábios é somente um conforto. A realidade é incompreensível e
imprevisível, ao menos para nós. Ela não é figurada ou constituída no enredo, embora o realismo
como descrito por White ou Auerbach o seja. O realismo da história e do romance também talvez
seja para confortar-nos. Este é o conteúdo da narrativa, forma figurada. Mas, como Kafka disse,
nós já sabemos disso.
Ainda há outra leitura de “Uma confusão cotidiana”. Nós ressaltamos a grande diferença
entre a primeira jornada de A a H e a segunda. Refere-se à primeira como “Vorfall” – um evento
– anterior à queda. Nesta jornada, como vimos, o encontro entre A e B – figura e realização –
ocorrera. Aqui encontramos o figuralismo no seu sentido original, teológico – o sentido que
Auerbach descreve no seu ensaio “Figura” – o sentido que os padres da igreja sabiam, bem
como muitas gerações de pregadores. A figura do Antigo Testamento é realizada nos eventos do
Novo Testamento, e essa realização fora assegurada por Deus. Tendo essa certeza de
significado no mundo ruído, A não encontra B – figura e realização são questões de
arbitrariedade. Em outras palavras, nós estamos no mundo da história humana onde aquilo que
custara 10 minutos antes da queda – (ou 7 dias para se criar o mundo) – agora aparece diante
de nós de maneira incompreensível. Realizações, ao menos na versão de Kafka, não encontram
suas figuras neste mundo caído – após a Queda. Por isso, Kafka se tornaria um mau historiador.
Ele nos diz – ao menos nesta leitura de “Uma confusão cotidiana”, que os eventos tendem
permanecer na dor, esperando serem realizados com um sentido que os farão valer a pena, mas
geralmente isso não ocorre.
Para encerrar, retornemos ao provérbio do qual eu me lembrara inicialmente ao ler esse
conto: “Quem diz A deve dizer B”. (Este ditado, como eu o compreendo, é a essência da obra de
Hayden White desde Meta-história). O ditado poderia também significar que onde há uma figura
deve haver realização. Mas eu não os deixarei com um final kafkaniano nessa conferência. Fiel
ao modo kafkaniano, Uma confusão cotidiana nos mostrara que para os personagens num conto
de Kafka, o ditado alemão não é verdadeiro. As últimas frases do conto são sobre B, que
“finalmente desaparece (endgültigverschwindet). Os piores medos de A se tornaram realidade –
não só na sua maravilhosa estória da sua velocidade, irrelevante agora, mas, ainda mais
importante, o negócio falhara. O desaparecimento de B é um símbolo puramente literal, o sinal
no discurso que encerra o conto, o “botão de desligar” dessa narrativa. Assim, se o truísmo
“Quem diz A deve também dizer” está por trás do conto, também o conto nos mostrara a
impossibilidade do próprio truísmo. Não obstante, gostaríamos de acreditar que noções
alegóricas ilustram figuralismo e noções figuradas que sempre se realizam, a resposta de Kafka
é “de maneira alguma!” – nesse texto, suas realizações se perderam para sempre. Temos no
pequeno conto de Kafka uma figura irrealizada.
Finalmente, quem diz A não pode dizer B. Quão kafkaesco!

Obras citadas:
Borges, Jorge Luis, “Kafka and his Precursors,” in Labyrinths, (New York: New Directions, 1964,)
199-201.
Gross, Ruth V., “Rich Text/Poor Text: A Kafkan Confusion,” PMLA, vol 95, March 1980.
Kellner, Hans. “Hopeful Monsters or, The unfulfilled Figure in Hayden White‟s Conceptual
System,” in Philosophy of History after Hayden White, ed. Robert Doran, (London and New York:
Bloomsbury, 2013), 151-170.
White, Hayden. “Auerbach‟s Literary History: Figural Causation and Modernist Historicism,” in
Literary History and the Challenge of Philology: The Legacy of Erich Auerbach, ed. Seth Lerer
(Stanford: Stanford UP, 1996) 124-139.
White, Hayden. “The Modernist Event,” in Figural Realism: Studies in the Mimesis
Effect.Baltimore & London: Johns Hopkins UP, 1999), 66-86.
Questão narrativa ou o desejo de Hayden White por uma
historiografia progressiva66.
María Inés La Greca
(Universidad de Buenos Aires, Argentina)

O que os últimos tópicos de Hayden White sobre realismo figurado, escritas de meia voz
e passado prático têm em comum? Qual desejo original, expresso em Meta-história, permanece
inalcançado neles? Esses últimos tópicos são todos acerca de se pensar maneiras de uma
comunidade retrospectivamente se apropriar de um passado para seu próprio projeto de se
autorrealizarem. Eles também lidam com a natureza figurada inegável de qualquer tentativa de
interpretação histórica na forma de narrativa. Os três tópicos discutem a poética da história, a
produção de um elo entre passado, presente e futuro como trocas críticas entre discurso e ação.
Assim, este trabalho pretende demonstrar que essas questões são elaborações mais profundas
daquilo que quarenta anos atrás já fora afirmado em Meta-história: o desejo por uma
historiografia progressiva, uma escrita da história que ironicamente aceite a natureza, livre e
condicionada, dos nossos sentidos discursivos culturais, para que possamos nos dar um
passado que busque transcender sua própria ironia em imaginar um futuro que possamos
chamar de nosso. Buscando esse objetivo, direi que uma teoria performática da identidade
(histórica), inspirada pela obra de Judith Butler, possa ser o local onde o desejo de White seja
escutado. Mas também afirmarei que quaisquer tentativas em se pensar e escrever identidade
histórica deve considerar a crítica de White acerca da narrativa e da escrita histórica. Assim, este
trabalho pretende apontar uma afinidade escolhida entre o problema da narratividade da história
em Hayden White e o problema do gênero no feminismo em Judith Butler.

Realismo figural, escritas de meia voz e passado prático: o desejo irrealizado de White
Acredito que os últimos tópicos de White pretendem repensar a escrita histórica, a partir
da percepção sobre a natureza figurada da linguagem, do discurso e da narração. Em outras
palavras, após a conhecida “virada linguística” ou “narrativa”. Estes tópicos representam versões
distintas da mesma proposta de se pensar maneiras de usar a linguagem figurada como recurso
para se escrever história com razões práticas. A razão mais geral para fazê-lo seria
compreender como a poética da história se relaciona com as maneiras pelas quais as
comunidades se apropriam retrospectivamente de um passado para se autorrealizarem.
Mas também, após a virada linguística ou, para dizer em termos whiteanos mais
específicos, a virada “tropológica”, entendemos que se estabelecendo pela narrativização, o elo
poético implica numa troca crítica entre discurso e agência. Quando digo “crítico”, quero dizer em

66
Tradução de Leonardo Grão Velloso.
dois sentidos: irônico, auto-crítico, auto-consciente, nascido da realização da linguagem, e
especificamente narração, para além de um simples meio de se transmitir uma mensagem; mas
também quero dizer “crítico” como difícil, esguio, até mesmo perigoso. Devemos considerar seu
aspecto crítico nas formas positiva e problemática, mas devemos também ressaltar que essas
permutas se dão entre discurso e agência. Hayden White tem sempre falado, no meu entender,
sobre o que podemos fazer com a linguagem, o discurso e a narrativa – como aquele artefato
que une discurso à história, e vice-versa. Destacar a natureza figurada de toda tentativa de
representação do passado tem sido sempre uma busca por possibilidades de se usar a narrativa
para se estabelecer elos entre passado, presente e futuro. E, ao mesmo tempo, essa realização
tem promovido um reconhecimento crítico de nossos limites e amarras ao fazê-lo. Essa agência,
livre e condicionada, em direção à linguagem é central para compreender o grande estalo de
White acerca da relação problemática entre narrativa e história, que eu estou tentando
apresentá-los como uma permuta crítica entre discurso e agência. A maneira pela qual a
natureza figurada da linguagem na escrita história permite, e limita, o que podemos entender e
fazer através da linguagem é, no meu entender, a realização mais significativa que ler a obra de
White nos oferece: é por essa razão que utilizo, no título desta conferência, a expressão
“problema narrativo”. E acredito que essa realização crítica (em ambos os sentidos, novamente)
nos é apresentada claramente em Metahistória, cruza todos seus escritos e ainda permanece
nesses últimos tópicos.
Assim, gostaria de mostrar nesse momento as qualidades diferentes dessa mesma ideia
nesses tópicos e como eles representam a expressão do desejo fundamental de White em
promover o funcionamento daquela realização – problema narrativo como uma permuta crítica
entre discurso e agência.
Gostaria de relembrar que White, do realismo figurado, utiliza o modelo auerbachiano
de figura-realização para explicar a escrita da história como promessa – impossível de se
realizar – de realização de uma representação realista da realidade. Esse modelo auxilia White a
afirmar que, enxergando a si mesma como realização da promessa de um tempo anterior, uma
comunidade retrospectivamente se apropria de um passado para seu próprio projeto de auto-
realização. White considera a causalidade figural como um modo de causalidade
especificamente histórico que não determina, nem aponta, para um fim teleológico. Ele a
considera como uma per-formance, um tipo de ação de que pessoas moralmente responsáveis
são capazes, como no caso de uma promessa. Embora uma promessa seja feita para ser
realizada, podemos retrospectivamente inferir o ato de se prometer a partir de sua realização,
mas não podemos inferir sua realização prospectivamente a partir do ato de se prometer. Assim
ocorre com um evento histórico: “Um dado evento histórico – diz White – pode ser percebido
como a realização de um evento anterior, parecendo completamente desconectado, quando
agentes responsáveis pela ocorrência do evento posterior o ligam “genealogicamente” ao
anterior”. Esta união se estabelece a partir do ponto no tempo em que o presente experimenta o
passado, não a partir do passado ao presente como em relações genéticas. Essa união é do tipo
estético porque, cito: “[ela] posiciona o valor principal do sentido no ato de apropriação
retrospectiva de um evento anterior ao tratá-lo como uma figura do evento posterior. Não é uma
questão de factibilidade; os fatos do evento anterior permanecem os mesmos após a
apropriação. O que mudara é a relação que os agentes no período posterior retrospectivamente
estabelecem com o evento anterior como um elemento de seu próprio passado – um passado no
qual um presente específico se define”. Assim, eventos históricos não são causados por seus
precedentes, nem determinados por eles, muito menos são previsíveis em quaisquer bases
teleológicas de realização de potencialidades anteriores, mas como numa figura retórica, o
posterior realiza o anterior ao repetir seus elementos com certa diferença. Como um evento
“histórico” permanece aberto à apropriação retrospectiva por quaisquer grupos posteriores, que
podem escolhê-lo como protótipo de legitimação e como elemento de sua genealogia.
White também toma emprestado da história literária ocidental de Auerbach a ideia de
que o historicismo ocidental oitocentista fora a descoberta que a vida humana e a sociedade
encontram quaisquer sentidos possam ter não em um além metafísico ou transcendental, mas
na história. Por isso a história da representação realista não pode nunca alcançar um fim ou
encerramento, muito menos encontrar origem absoluta. A promessa de representar a realidade
realisticamente é impossível de se cumprir; o objetivo do realismo revelou-se como um mito e,
simultaneamente, como a eternamente renovável promessa de realização.
Deste modo, o realismo figural lida com a impossibilidade de uma representação
definitivamente realista da realidade e que, ao mesmo tempo, permite-nos pensar os modos que
a história é escrita, partindo do presente da comunidade, de maneira a se pensar como a
realização de um tempo precedente. Mas White ressalta que este olhar para si “como se” fossem
a realização de uma promessa precedente tem a ver com uma decisão por parte dos agentes
responsáveis. Isso quer dizer que escrever uma história como elo entre nosso presente e um
passado escolhido implica em escrever a nós mesmos. Essa auto-realização histórica nos leva à
escrita da voz intermediária.
A ideia da escrita modernista chega à White através de Auerbach, mas quando ele a
compreende como equivalente à escrita de voz intermediária ele se refere à Roland Barthes.
White apresenta essa noção de escrita como escrever algo – em nosso caso, história – que é
também a escrita de si mesmo, quando ele busca maneiras de pensar a escrita da história a
partir da sua virada tropológica. Refiro-me à crítica de White, direcionada às definições
tradicionalmente opostas da história versus ficção, história versus literatura, realismo
contrariando o discurso imaginativo, fatos e figurações, etc. A natureza figurada da escrita
história como narrativização nos mostrara que o referente de certo discurso histórico sofre um
processamento poético ao se tornar objeto histórico, o sujeito de um tipo específico de discurso.
Não é mais possível afirmar, após a obra de White, que o sujeito do discurso histórico é uma
simples cópia de certa entidade extra-discursiva. Se isso tivesse relação com nossos
pressupostos a respeito da relação entre discurso e referente, agora a escrita da voz
intermediária demonstra-nos que não há sujeito algum entendido como entidade psicológica ou
“autor” dado antes da escrita da história. A escrita da voz intermediária barthesiana apresenta a
escritura como uma ação na qual o sujeito, o “eu”, é interior à ação, não exterior à ela; e a ação
sobre um objeto que também afeta o sujeito. Cito White: “A voz intermediária, se for algo, é
duplamente ativa, produzindo imediatamente um efeito sobre um objeto (por exemplo,
linguagem) e constituindo um tipo particular de agente (a saber, o escritor) por meio de uma
ação (especificamente, escrever)”. White compreende a escrita de voz intermediária como
exemplo perfeito de um ato de fala performático que, novamente, promete algo. Ele também
ressalta como usava-se a voz intermediária no grego para “indicar aquelas ações delineadas por
uma consciência moral superior da parte do sujeito que as executa”. Entendemos, aqui, que
escrever história não pode ser externo ao sujeito que a escreve. Isto também é uma afirmação
da Metahistória, tal como White traçara as jogadas epistemológicas, os comprometimentos
éticos e estéticos dos historiadores em sua leitura das obras históricas.
Realismo figural e escrita de voz intermediária nos mostram o elo estreito entre escrita e
agência histórica. Mas isso não é novidade. O elo entre agência e narrativa aparece em toda
obra de White. “O Valor da Narratividade na Representação da Realidade” pode ser entendido
como o mais forte argumento apresentado por White, mostrando como em toda situação em se
produz narrativa existem efeitos moralizantes, porque colocamos em cena o drama do conflito
entre desejo e lei. A representação da realidade como promessa para a auto-realização de certa
comunidade e a natureza performática da escrita de voz intermediária, como tipo de consciência
da ação de agentes moralmente responsáveis apontam para a conexão estreita entre narrativa e
agência. Ou, como White diz: “Narrativização se relaciona com a problemática da ação, se ação
é considerada possível ou impossível, uma coisa boa ou má” (...). Narrativa tem a ver com o
questionamento da agência, exclusivamente por isso, a própria narrativa é positiva: “ela
responde a questão: é possível se perguntar se a ação é possível?”.
Aqui nos viramos para a questão do passado prático. Em “O passado prático”, White
apresenta uma versão condensada de sua história da historiografia ocidental. Não posso
apresentar a história dele aqui, mas importa dizer que ele novamente leva a cabo a tarefa de
mostrar como a historiografia, quando ela fingia ser científica e disciplina profissional, definia-se
contrariamente à retórica, reprimindo seus aspectos literários, figurados e poéticos como práticas
de escritas, os exatos aspectos que Meta-história pretendia que os historiadores reconhecessem
e explorassem. Quarenta anos depois, encontramos um tom pessimista na proposta de White
em se livrar do passado “histórico” e pensar mais no passado “prático”. Ele usa a distinção de
Oakeshott para diferenciar como historiadores profissionais estudam o passado e a maneira pela
qual pessoas comuns e profissionais de outras disciplinas rememoram e tentam utilizar “o
passado” como base para fazer julgamentos e tomar decisões na vida cotidiana. Sob o selo do
“passado histórico”, White remete ao estudo científico do passado como um fim em si mesmo e
para seu próprio bem, um passado que não ensina lições de interesses atuais, um objeto
estritamente impessoal e neutro, construído por historiadores existentes somente nos livros e
nos ensaios acadêmicos. Contra essa ideia, White discorre sobre o “passado prático”, aquelas
noções de passado que todos têm na vida corriqueira, às quais apelamos, voluntariamente ou
não, para obter informação, ideias e estratégias que possam nos ajudar a resolver problemas
práticos, com os quais nos deparamos em qualquer situação em que nos consideremos
presentes – de problemas pessoais a grandes programas políticos. White diz que esse é o
passado da memória, do sonho e do desejo, bem como também é o passado da solução de
problemas, estratégias e táticas úteis para a vida pessoal e coletiva. Ele afirma que não são dois
passados diferentes epistemológica ou ontologicamente, mas dois tipos distintos de intenção que
motivam questões acerca do passado. Na medida em que o “passado histórico” é construção
teórica como um fim em si mesmo, tem pouco ou nenhum valor, segundo White, para
compreender ou agir no presente, ou para prever o futuro. Ao contrário, White julga relevante o
interesse acerca do passado “prático” porque nós recorremos a ele quando precisamos
responder a questão “O que eu (ou nós) devo fazer?”. Nessa necessidade, o passado histórico
não pode nos ajudar. Ele pode somente nos dizer quais outras pessoas fizeram, em outros
períodos, lugares e circunstâncias. Mas essa informação não nos permite inferir o que nós,
situados onde estamos, no nosso tempo e lugar, devemos fazer.
Eu disse que a elaboração de White sobe o passado prático contém um tom pessimista.
Penso que isso se dá porque revela o desejo irrealizado de White, algo que gostaria de comentar
agora.

Um desejo irrealizado por uma historiografia progressiva


Assim, realismo figural trata a dinâmica interminável da escrita histórica como
necessidade de reescrita da história, em sua tentativa de realizar a promessa de representação
realista da realidade compreendida como histórica; escrita de voz intermediária se relaciona com
a escrita da história como a auto-constituição do agente responsável pelo ato da escrita; e,
enfim, o interesse no passado prático se relaciona com sua utilidade em nos ajudar a agir no
nosso presente particular, em direção ao futuro desejado – um interesse que White afirma, de
modo pessimista, que a historiografia não poderia servir. Se lemos esses tópicos em conjunto,
podemos retornar ao que eu chamara de desejo irrealizado de White, desde Meta-história.
Realismo figural, escrita de voz intermediária e passado prático tem relação com maneiras de se
pensar a promoção de uma historiografia progressiva. Eu encontrei essa nomenclatura para o
desejo de White numa entrevista feita por Ewa Domanska com White em 2008.
Na ocasião, White afirma que “história progressiva se preocupa com o presente da
mesma maneira como com o passado e com a mediação entre esses dois, de modo que um
interesse no jeito do presente se relacionar com o passado coloca um problema historiográfico
bem distinto daquele decorrente de um interesse no “que ocorreu” em certo domínio localizado
no passado”. Domanska lhe pergunta se isso pode se chamar um posicionamento presentista
radical, e White diz “não”. Ele diz estar historicizando o aprendizado histórico em si e que “isto é
o que a maioria dos historiadores não faz”. Historiadores, diz White, “não se dão conta que
„história‟ não é só sobre mudança, mas ela mesma está – se compreendida como um processo
ou como descrição de um processo – constantemente mudando; eles não historicizam suas
próprias operações”. Quando Domanska contesta que “esse é o assunto da história da
historiografia”, White responde que não percebe assim, porque o que ele quer dizer com
historicizar a história tem a ver com abordar a historiografia “como um discurso no qual certos
objetos e processos no passado são „construídos‟ por descrições, de modo que sirvam certo tipo
de objetivo apropriadamente „histórico‟ – sobre os quais eles – historiadores – possam pensar e
refletir”. Foram exatamente os “elementos de construção na criação de objetos históricos” que
ele tentara analisar em Meta-história.
Penso que essa busca por historicizar a história, por reconhecer este elemento de
construção na criação de objetos históricos, tem sido sempre do tipo prático, um desejo por fazer
algo que naquela entrevista recebera o nome de “história progressiva”. Este é o desejo que
permanece irrealizado quando os últimos pensamentos de White sobre o passado prático nos
mostra certo pessimismo a respeito da possibilidade da historiografia levar essa tarefa a cabo.
De fato, a parte seguinte da entrevista se direciona ao passado prático, como oposto ao
“passado histórico”, e White define sua ideia de “história progressiva”. Cito:
Por história progressiva quero dizer uma história que nasce da preocupação
com o futuro, o futuro da família de alguém, da comunidade, da espécie
humana, da terra e da natureza, uma história que vá ao passado para
encontrar indicações de recursos, intelectuais, emocionais e espirituais, que
possam ser úteis ao lidar com essas preocupações.
White cita a ideia de Laplanche que nossos esforços para “acertar as contas com o
passado” desestabilizam o presente vivido e, desse modo, transformam o futuro em ameaça
sinistra em vez de uma oportunidade para ações criativas. White continua dizendo que “para nós
modernos, religião e metafísica não oferecem perspectivas de esclarecimento da nossa
„situação‟, nós temos somente o passado como ferramenta para acertar as contas com o
presente, que poderia ser de outro modo”. Nesse sentido, o presente, argumenta White, é
problemático não porque “está se tornando passado diante de nossos olhos”, mas “porque está
sendo deslocado por um futuro que nos pressiona como uma onda gigante ou nos abala como
um terremoto. Assim o é com uma historiografia progressiva” (...): “Estudamos o passado não
para encontrar o que realmente aconteceu lá ou para prover uma genealogia e, por conseguinte,
uma legitimação do presente, mas para descobrir do que precisamos para enfrentar um futuro
que gostaríamos de herdar, em vez de um que fomos forçados a suportar”. Uma historiografia
progressiva, enfim, seria “utópica”, embora fosse mais modernista em vez de moderna “enquanto
ela usa o passado para imaginar um futuro em vez de nos distrair de encará-lo”.

Quarenta anos após Metahistória: problemas de narratividade e de gênero ou a reescrita


da identidade como imaginação de um futuro escolhido
Esta noção de história progressiva permite-nos apresentar a afinidade opcional entre a
obra de White sobre historiografia e a de Judith Butler sobre feminismo e estudos de gênero.
Acredito que ambas tentaram reavaliar, de uma prática discursiva contínua, certa categoria
fundamental que é imediatamente pressuposta por ela e necessariamente não questionada, de
modo a assegurar a auto-definição da prática: narrativa na história; gênero no feminismo. Mas
eles as questionaram e também sua crítica fora lida como ameaça à existência da prática.
Interessante que o problema da narrativa em White e do gênero em Butler nasceram do desejo
por repensar suas práticas de modo a melhorá-las radicalmente. Ambos buscaram uma
reformulação progressiva de suas práticas discursivas. No caso de Hayden White, penso que o
desejo pela historiografia progressiva é levado ao extremo em sua defesa recente de um
interesse no passado prático que se liberta do passado histórico – e talvez dos historiadores
também. Penso que essa radicalização das propostas de White mostram o que se alterara em
torno da reflexão acerca da narrativa e da história nos últimos quarenta anos, na filosofia da
história e também fora dela. Ademais, o problema da narrativa em White é ainda mais urgente
que antes e penso que a teoria da performatividade de Butler pode muito bem servir como
exemplo paradigmático do que ainda merece atenção quando se trata de narrativa, história,
discurso e atuação.
Encontrei algumas ideias neste novo cenário no livro de Verónica Tozzi acerca da nova
filosofia da história e na contribuição de Nancy Partner em Refigurando Hayden White. Ambas se
apresentam como contribuições a partir da estrutura teórica whiteana e defendem que a utilidade
teórica de White está longe de acabar. Tozzi se debruça sobre a reescrita de identidades como
reescritas de histórias, defendendo a possibilidade de uma historiografia comprometida com
seus recursos linguísticos. Não tenho tempo para elaborar isso, mas continuo a ideia de Tozzi
acerca das dinâmicas interativas entre classificações sociais e as narrativas nas quais estão
imiscuídas. Partner reflete sobre a vida pós-pósmoderna da teoria narrativa e assevera que a)
“narrativa” é uma categoria tão presente em discursos acadêmicos e não acadêmicos nos dias
de hoje que devemos prestar atenção à sua persistência pós-giro-linguístico; e b) que é uma
questão já colocada por White acerca de seu valor em relação à representação da realidade que
devemos perguntar novamente, considerando os usos da narrativa para explicar quase tudo e,
fundamentalmente, para assegurar coerência de identidade na vida coletiva e individual. Partner
apresenta o exemplo da narrativa e sua utilização para resguardar fissuras nacionais após a
Guerra Fria e sua mais recente relevância nas pesquisas psicológicas como dado interessante
sobre como “a narrativa psíquica penetra o núcleo da identidade pessoal (...), ancorando a força
persuasiva da narrativa na esfera pública”. O fato mais interessante para mim não é só o fato de
Tozzi e Partner se debruçarem sobre narrativa e história de uma perspectiva crítica pós-giro-
linguístico, mas também que ambas constatam na persistência dos usos de narrativas históricas,
acadêmicas ou não, o cenário prático renovado onde o problema das narrativas de identidade e
identidade como histórica demandam nossa atenção teórica.
É inserido neste diagnóstico do problema, prático e persistente, de se narrar a identidade
como histórica que, a meu ver, aponta em direção à teoria performativa da identidade, mais
especificamente, identidade de gênero, como na obra de Butler. Ademais, afirmo que a afinidade
entre White e Butler esclarece os tópicos discutidos anteriormente. A ligação entre o problema
de gênero em Butler e os tópicos supramencionados se relaciona com a natureza performática
da figuração, como White estudara na narrativa da escrita da história.
Ou, poderíamos também dizer, relaciona-se com a natureza figurada da
performatividade, como mostrara Butler acerca da identidade de gênero. Deixe-me apresentar
esta ideia em forma de pergunta: não é o que nos diz White sobre a figuração na escrita histórica
o que Butler nos diz ser a natureza performativa do gênero? Não são eles, figuração e
performatividade, duas questões indissociáveis da permuta crítica entre discurso e atuação,
quando se trata de história e identidade, exatamente o que nos permite e nos constringe, de
imediato, a ter uma história ou um gênero?
Penso que, da mesma maneira pela qual White analisara a narratividade da história
como um “elemento de construção”, um ato poético, também Butler pensara sobre o gênero. Do
mesmo modo pelo qual narrativa e história estão amarrados por convenções herdadas às quais
apelamos para produzir novos sentidos, também ocorre com identidade e gênero. Mesmo assim,
não podemos dispensar tais construções que nos formam, seja falando de narrativas herdadas
de nosso passado ou normas de gênero que somos forçados a reiterar, pelas quais nos
tornamos sujeitos de gênero. Tal como Butler asseverara: mostrar sua natureza historicamente
constituída e contingente não significa que podemos dispensá-las.
Tal como narrativização em White é convencional e normativa, também ocorre com
generização. Ambos parecem representar o mesmo papel da prefiguração no discurso histórico:
eles são sempre inevitáveis e opcionais; constritos e livres; poético, porque não há fundamento
objetivo, essencial ou fundacional, que decida sobre quais sentidos deva se atribuir, estando
repletos de, ou até mesmo determinados por sentidos herdados das convenções de enredo ou
de gênero que tornam os sentidos possíveis. Assim como White historicizava a história, Butler
historicizava o gênero. Da mesma maneira pela qual gênero e narrativa como figuras se
relacionam com performatividade porque estão ligadas à atuação. A narrativa torna a questão da
atuação possível ao permitir que provamos uma interpretação de séries de ocorridos como
estórias de certo tipo; gênero torna a atuação, como indivíduo, possível ao prover certa
interpretação das possibilidades de um corpo certo tipo de corpo.
Eu ainda gostaria de levar essa afinidade ainda mais longe e afirmar que figuração e
performatividade são uma só, por isso a mesma ideia, sobre identidade como algo histórico:
ambas se relacionam com discurso e história, com a dupla natureza de nossas ações
constrangidas e livres, com o fardo do passado na nossa atuação, de modo que são os únicos
meios de imaginar algum futuro. Identidade e performatividade levam narrativa e figuração a um
cenário prático, e sua discussão contemporânea é absolutamente conectada a questões de
decisão prática e a imaginação de um futuro a ser escolhido, e não suportado, tal como as ideias
do passado prático e de uma historiografia progressiva nos urgem. Historicizar, figuração e
performatividade apontam para uma identidade sem fundação, sem ancorar sentidos
permanentes, ainda sim é isso que leva a atuação à proa. Porque é ao manter a busca por um
futuro melhor em vista que questões de atuação no presente são significativas, digo novamente,
como historicamente contingentes, é de um passado como fardo e como ferramenta que
podemos tentar imaginar tal futuro. Assim como White, Butler também assevera que a tarefa de
uma teoria crítica sobre identidade de gênero é uma tarefa utópica: “um trabalho difícil de se
forjar um futuro a partir de recursos inevitavelmente impuros”. Assim, o pessimismo de White
acerca do passado histórico pode ser lido de maneira otimista, quando abre o caminho para um
presente, o qual carece de uma teoria narrativa, figurativa e performativa, que possa
desempenhar papeis na escrita e na constituição de identidades. Talvez aqui seja o local onde
os desejos mais fundamentais de White se reconduzam como promessas renovadas para que
possamos cumpri-las.
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pp.19-39.

Mensagens misturadas? Estabelecendo uma conexão entre os


passados “prático” e “histórico”67.
Chris Lorenz
(RuhrUniversity Bochum / VU University Amsterdam)

A BBC-News do dia três de novembro de 2004 continha a seguinte incrível notícia com o
título de “Incêndio de 130 anos na China é apagado”, se referindo à mina de Liuhuanggou,
próxima a Urumqi na província de Xinjiang:
“Um incêndio iniciado há mais de cem anos em uma região carbonífera
chinesa foi finalmente extinto, segundo notícias. Nos últimos quatro anos, os
bombeiros gastaram doze milhões de dólares em esforços para apagar as
chamas (..) na província de Xinjiang. Quando em chamas, o fogo queimava
cerca de 1,8 milhões de toneladas todos os anos (...). Historiadores locais
disseram que o incêndio se iniciou primeiramente em 1874. (...)”.

67
Tradução Marcelo Durão da Cunha.
A queima do carvão havia emitido cem mil toneladas de gases nocivos e quarenta mil
toneladas de cinzas a cada ano, causando imensa poluição ambiental. Em 2003, quando o fogo
ainda estava ativo, um jornal chinês também havia fornecido detalhes alucinantes sobre esse
incêndio:
“Mesmo se os bombeiros eventualmente tiverem sucesso (...), poderia durar
pelo menos trinta anos até que a superfície do solo esteja fria o suficiente
para permitir que a mineração fosse adiante”.
Eu achei a mensagem de tais notícias fascinantes, por pelo menos três razões.
A primeira razão parece óbvia: um incêndio “normal” não costuma durar cento e trinta
anos, assim como uma festa de aniversário não costuma durar um ano.
A seguna razão para a minha fascinação com essas notícias são os trinta anos que o
processo de esfriamento da mina durará até que esta possa ser novamente adentrada. Isso
significa que a mina não pode ser adentrada antes de 2034! Que incrível quantidade de calor
pode explicar um processo de esfriamento que levará cerca de trinta anos?
A terceira razão para o meu fascínio foi a incrível quantidade de poluição que o incêndio
havia produzido desde o seu início. Milhões e milhões de toneladas de gases e cinzas tóxicas
foram emitidos sobre a terra desde 1874.
Tal incêndio extremo simplesmente estende a nossa ideia normal sobre o que um
incêndio pode ser. Este fogo de carvão não apenas castiga a superfície do solo no oeste da
China, mas também parece queimar o próprio conceito do que é um incêndio. Tal tipo de fogo
está para além de nossa imaginação. Tão distante quanto essa mina de carvão em chamas no
oeste da China.
No meu trabalho eu espero esclarecer que existe uma profunda analogia entre esse
incêndio na mina de carvão na China e o presente, poder-se-ia dizer “quente” estado, de ampla
parte da história desde o fim da Guerra Fria. Por história “quente” eu entendo um passado que
não se “esfria” por conta própria e que se mantém presente. Trata-se de um passado que
permanece tóxico, contestado e divisivo em um sentido político, social, moral e – também
constantemente – legal. Entao a história “quente” é essencialmente, “um passado que não irá
embora” na formulação de Ernst Nolte. Ou poderíamos chamá-lo de história “pós-traumática”,
como AleidaAssmann o faz, ou, história “catastrófica”, como John Torpey a chama. Ou tal tipo de
história poderia ser classificada como história “de caça”, como Henri Rousso e alguns
antropólogos o fazem, porque os fantasmas do passado continuam assombrando os vivos no
presente. Todas essas noções se referem ao “fardo da história”, como na oportuna frase de
White.
Qualquer que seja o rótulo aplicado a essa presente condição “pesada” de partes
importantes do passado – “quente”, “pós-traumática”, “catastrófica”, ou “caçadora” – como White,
eu quero discutir hoje que esses tipos pesados de passado está alargando o conceito “normal”
de história que historiadores profissionais utilizam. Portanto, o conceito de história possui a
necessidade de uma renovada reflexão teórica. Os historiadores pressupõem de forma
equivocada que o presente quente “esfria” e se transforma em um passado frio de forma
autônoma, assim como incêndios normais se extinguem e esfriam por si próprios. White
introduziu o conceito do passado “prático” lado a lado com o de passado “histórico”, com o
objetivo de sinalizar e resolver essa incompreensão “profissional” (pelo menos se eu o entendi
corretamente). Em contraste com White, contudo, eu acredito que justapor os passados
“históricos” e “práticos” não é suficiente, porque esta justaposição está deixando reivindicações
fundamentalmente questionáveis concernentes ao “passado histórico” incontestadas. Esse é,
pelo menos, o argumento que desenvolverei hoje. Agora vamos dar uma olhada nas distinções
feitas por White.

II
A distinção conceitual entre o passado “histórico” e o passado “prático” surgiu
tardiamente na carreira intelectual de White – o conceito surgiu apenas depois de 2000 em sua
discussão com DirkMoses na HistoryandTheoryem 2005, e em dois artigos publicados em 2010
na Historein e na StoriadellaStoriografiaem 2012. No entanto, essa distinção integra vários
importantes elementos do argumento que White desenvolveu desde o lançamento do
Metahistory, como Herman Paul acertadamente observa: “poderíamos mesmo dizer que nessa
noção (do „passado prático‟), White conseguiu integrar um número de ideias chave
desenvolvidas durante sua carreira de cinquenta anos como teórico da história: deliberação
moral, vis-à-vis um passado pesado, a inabilidade da profissão histórica acadêmica em prover
uma orientação ao presente, e a necessidade de alternativas inspiradas no modernismo que nos
auxiliem a lidar com as nossas atitudes, emoções e responsabilidades para com o passado (HP,
p. 144).
Como a maior parte das ideias de White, a distinção conceitual entre o passado
“histórico” e o “prático” é polêmica, direcionada contra a “cientifização” putativa da história. De
acordo com White, o “passado histórico” é na realidade apenas o passado como os historiadores
profissionais o construíram, significando aquelas estranhas criaturas que desde o início do
século dezenove passaram a afirmar que seu único interesse era o “desinteressado” estudo do
passado “por seu próprio bem”. Eles respaldaram suas credenciais “científicas” contrastando a
nova “ciência da história” à retórica e à “literatura” (onde a história primeiramente estava
localizada): “o passado histórico é uma construção teoricamente motivada, existindo apenas em
livros e em artigos publicados por historiadores profissionais; ele é construído como um fim em si
mesmo, possuindo pouco ou nenhum valor de compreensão ou explicação do presente, e não
provê quaisquer linhas de ação no presente para vislumbrar o futuro. Ninguém jamais viveu ou
experimentou o passado histórico [-]”. (TPP, p.8) Na visão de White, o interesse de historiadores
profissionais no passado é muito limitado. Após terem respondido suas questões sobre a
verdade factual eles não possuem mais perguntas e o seu caso se fecha.
Em contraste, o “passado prático” é basicamente o passado como a maioria das
pessoas que não são historiadores profissionais enxerga. Ele se refere “àquelas noções do
passado que todos nós possuímos em nossas vidas diárias e sobre o qual traçamos, querendo
ou não, da melhor forma possível, a busca por informação, ideais, modelos, e estratégias para
resolver os problemas práticos – de assuntos pessoais a grandes programas políticos – dentro
dos quais concebemos o que é nossa situação presente” (TPP, p.8).
Em um sentido negativo ou positivo, o passado prático é repleto de significado para
aquele que o enfrentam com a pergunta “o que deve ser feito?”. Em contraste do que é o caso
com o “passado histórico”, no “passado prático” questões de significado precedem e dominam
questões de verdade. Esse também é o domínio no qual as questões candentes do “passado no
presente” são colocadas, exatamente aquelas questões que historiadores profissionais haviam
abandonado e que haviam deixado para os escritores de romances realistas, poemas e dramas.
(TPP, 10-11). Especialmente os romancistas se tornaram os especialistas no “presente
histórico”, de acordo com White.
Eu seu texto recente “Truth and circumstance: what (if anything) can properly besaid
about the Holocaust?” (2012) White revisita o tópico sobre os passados histórico e prático. Desta
vez ele busca uma justificativa para sua distinção nos termos da teoria do ato de fala de Austin.
White identificava a história profissional com o “modo declarativo” do (uso da) linguagem – no
qual a questão da verdade proposicional reina suprema. Na assim chamada “história
romanesca”, em contraste, - como, por exemplo, as memórias de Auschwitz de Primo Levi –
modos não-declarativos da (utilização da) linguagem são mais importantes, apesar da história
romanesca também afirmar uma abundância de fatos históricos. Totalmente em linha com o
Metahistory, White argumenta que modos não-declarativos da língua não podem ser reduzidos
ao modo declarativo, pois isso reduziria o uso ficcional da língua para a sua utilização factual:
“Eu sugeri que o modo declarativo simples, favorecido pelos historiadores tradicionais não pode
fazer justiça a uma vasta massa de literatura de relatos de testemunho, na medida em que o
historiador deve perguntar “o que é verdade”? (TC, p. 475).
É interessante observar que White contrasta a literatura de testemunho com a história
profissional porque na visão profissional o passado “esfriando” no tempo é exatamente a
mudança da memória à história. De acordo com historiadores profissionais, é o “progresso” do
tempo que causa o esfriamento das paixões das testemunhas a partir da produção da “distância”
temporal. E é a “distância” temporal que permite a historiadores profissionais desenvolver seus
insights superiores sobre a evidência testemunhal, a partir do uso dos benefícios da
retrospectiva.
Não é de admirar que White tenha desenvolvido argumentos em defesa da prioridade
existencial do “passado prático” em comparação com o “passado histórico”. De acordo com
White, sua importância existencial só aumentou desde a ocorrência de “eventos modernistas”
como o Holocausto. Isso ocorreu, White argumenta, porque os eventos modernistas carecem de
significado e se negam a propiciar a narrativização. Portanto eles desafiam a intepretação
histórica “normal” e podem apenas ser apresentados em fragmentos – como o excepcional
historiador do Holocausto, Saul Friedländer compreendeu e mostrou na prática.
Confrontado com os eventos modernistas os historiadores profissionais, menos
sensíveis do que Friedländer, permanecem, assim, desesperançosos. Eles lembram pessoas
que tentam deitar sob o sol, mas não protegem seus olhos corretamente. Eles não
compreendem que eventos modernistas como o Holocausto estão “suspensos entre” o passado
histórico e o passado prático – e por isso estão suspensos entre a verdade e o significado como
princípios guia – “entre os quais há pouca possibilidade de uma reconciliação cognitivamente
responsável”.
Não admira também que os exemplos de autores que exemplificam uma negociação
bem-sucedida com o passado “prático” de White não sejam historiadores profissionais. Eles são
autores da literatura de testemunho do holocausto, como Primo Levi e ArtSpiegelmane
romancistas históricos modernos como Sebald. Isso significa que White atribui o “passado
histórico” basicamente a historiadores profissionais, enquanto ele alega que o “passado prático”
está associado àqueles que não o são. Eu gostaria de questionar essa divisão pura e eu acredito
que as formulações de White contém algumas ambiguidades que são reveladoras para o meu
objetivo.
A Ambiguidade número 1 diz respeito a sua afirmação de que o “passado histórico”
possui “pouco ou nenhum valor” para explicar o presente e para “prover uma linha guia de ação”.
Se o poder explanatório e guia da história é “pouco”, como ele é possível? Não seria toda a
história profissional “para o seu próprio bem”, afinal?
A ambiguidade número 2 versa sobre a “cientifização” da história profissional desde o
século dezenove. Aqui, White oscila entre a “cientifização” própria por um lado e a cientifização
“putativa” e “para-científica” por outro. O que está implicado nesses qualitativos “putativos” e
“para” (ao lado dos conhecidos argumentos de White a respeito das “ficções da representação
factual”)?
A ambiguidade número 3 se relaciona com a historiografia sobre o Holocausto. No
contexto da discussão sobre o trabalho de Friedländer ele atesta que a historiografia sobre o
Holocausto se encontra “entre o passado histórico e o passado prático” e que há “pouca
possibilidade de uma responsável reconciliação cognitiva” (HD+LD, p. 53). Como pode uma
parte da profissão histórica – neste caso, os historiadores do Holocausto – lidar com tanto o
passado prático quanto o histórico? Isso não indicaria que a distinção entre os passados
histórico e prático devem ser vistas como de certo modo relativas? - talvez em termos de dois
diferentes aspectos de representações do passado – ao invés de vermos essa distinção como se
referindo a dois domínios ontológicos distintos?
Essas ambiguidades me levam à terceira e última parte de minha fala, na qual eu
tentarei clarificar um pouco mais além minhas questões concernentes à concepção de White
sobre o passado “histórico”.
III
Meu problema básico com o conceito do “passado histórico” é que esse conceito – não-
intencionalmente, sem dúvidas – reproduz a auto-imagem “científica” da história profissional.
Essa auto-imagem científica consiste de duas afirmativas inter-relacionadas. A primeira
afirmativa é a de que é possível investigar o passado de uma forma “desinteressada” – como um
objeto distante. A segunda afirmativa é a de que historiadores profissionais estão fazendo
exatamente isso. Meu problema fundamental aqui é que a própria distinção entre o passado
prático e o passado histórico está deixando a pressuposição de que existe algo como o “passado
histórico” que é distinto do presente. Como BerberBevernage eu acredito que essa
pressuposição não é correta pois ela pressupõe que há uma distinção “dada” entre o presente e
o passado. Essa pressuposição está errada. Ela está errada porque os limites (temporais) entre
presente, passado e futuro dependem apenas de como eles são ativamente pintados. Isso
também implica para o passado histórico, onde os historiadores profissionais são os atores que
estabelecem as linhas entre os estratos do tempo. Como BerberBevernage eu sustento que as
distinções entre presente, passado e futuro são basicamente o resultado de atos de fala
performativos, no sentido que John Searle deu a essa noção. Portanto a identificação do
passado histórico com o declarado uso da língua tenta obscurecer os papeis performativos que
os historiadores possuem. Além disso, essa identificação propõe a auto-imagem da profissão
histórica como sendo escrita a partir do “ponto de vista do observador” e não do ponto de vista
do ator.
Então, em suma, o meu problema com a justaposição dos passados histórico e prático é
que ela obscurece a política do tempo que os historiadores buscam ao afirmar que eles
“estudam o passado para o seu próprio bem”. Portanto essa justaposição obscurece os aspectos
políticos relacionados à construção do passado histórico. Em minha visão o “passado histórico”
está sendo ativamente construído por historiadores e certamente não é o “subproduto” de uma
crescente distância temporal entre “o presente” e o “passado”. A temperatura “do passado”
também não é o produto da distância temporal. O estado “quente” ou “frio” da história só
depende das formas em que os historiadores o escrevem.
Então, de todo modo, White estava certamente correto quando afirmava que o “passado
histórico” é uma “construção teórica” dos historiadores. Contudo, ele esqueceu de dizer-nos que
o melhor truque que o demônio da história profissional nos aplicou foi o de mascarar a
construção teórica do “passado histórico” como o produto do próprio tempo. É hora de desfazer
esse truque e analisar a produção prática do “passado histórico” em todas as suas
complexidades.
Aqui eu acredito que seria proveitoso conectar a observação de White de que cada
relato histórico é ao mesmo tempo uma “anti-história”: “é tudo anti-história, sempre escrita tanto
“contra” assim como em nome da “verdade” (TPP, p.4). Eu concordo completamente com ele e
portanto eu penso que analisar a construção da história, a sociologia da ignorância é tão
importante quanto a sociologia do conhecimento.
Falando sobre complexidades, no fim, talvez esse seja o momento de voltar ao assunto
da mina de carvão em chamas na China com o qual comecei. Em 2008 um pesquisador norte-
americano visitou o local e informou o seguinte à revista Time: “eu decidi ver como ele foi
apagado, e as chamas ainda eram visíveis e todo o local ainda queimava... eles disseram que o
haviam apagado, e quem poderia dizer o contrário?”
Metahistória e a questão da ética na historiografia68
Robert Doran
(University of Rochester, Estados Unidos)

Em uma edição especial recente da Rethinking History, comemorando o quadragéssimo


aniversário do Metahistória, de Hayden White, Gabrielle Spiegel destacou a virada em direção a
uma “interpreção do Metahistória como uma intervenção essencialmente ética, e não literária,na
escrita histórica”i. Como exemplos dessa nova tendência, ela cita a monografia de Herman Paul,
Hayden White: The Historical Imagination, publicada em 2011, bem como meu próprio trabalho
sobre White, a saber minha introdução a seus ensaios escolhidos, Ficção da Narrativa (2010);
um ensaio sobre White (baseado num artigo escrito em 2009)ii que eu enviei como contribuição
ao SAGE Handbook of Historical Theory (2013); e minha introdução de editor à antologia
Philosophy of History After Hayden White (2013).
No que me diz respeito, eu não acredito que a dimensão ética do pensamento de White
é verdadeiramente separável de sua abordagem formal ou estrutural da escrita histórica. Mas é
fácil ver como, ao longo dos últimos quarenta anos, comentadores tem estado mais intrigados
pela polêmica de White acerca da “poética da história” – sua aproximação entre história é ficção
desenvolvida em sua análise tropológica e narratológica – que, por quaisquer considerações
práticas, seutrabalho implica em ou sugere. Além disso, sua infeliz reputação de relativista pós-
moderno radical– ainda prevalecente em alguns lugares – estigmatizou-o como um amoralista
cujo pensamento é incapaz de se distinguir entre o de um revisionista neo-nazista e um
responsável historiador do Holocausto.
White, sem dúvidas, merece alguma culpa por isso, uma vez que em lugar algum ele
explica explicitamente como um formalismo ético deve operar. Apesar de ter, em uma frequência
crescente ao longo da última década, tentado distinguir um “passado prático” de um passado
profissional-histórico, na maior parte de sua carreira, White deu pouca atenção as questões
práticas ou éticas que inspiraram seu pensamento. Dessa maneira, White espera até a última
página de seu Metahistóriapara incitar o seu leitor a rejeitar a perspectiva irônica na história, que
ele pareceu defender em vários aspectos, e afirma a dimensão ético-prática implicita na
historiografia: “se nós desejamos transcender o agnosticismo que uma perspectiva Irônica na
história, se passando como a única possibilidade de “realismo” e “objetividade” que nós podemos
aspirar no conhecimento histórico, força sobre nós, devemos apenas rejeitar essa perspectiva
Irônica e querer ver a história de uma outra, anti-Irônica, perspectiva”iii. O uso das palavras
“força” e “querer” é sugestivo: depois de mais de 400 páginas de análise historiológica detalhada,
White subtamente estimula seu leitor a libertar-se da perspectiva irônica que fez dessa análise
68
Tradução Hugo Merlo.
possível, a combater a ironia do neutro, do “livre de valores”, da visão objetiva-científica do
mundo que tem crescentemente se tornado o ideal dos estudos históricos, no século XX.
Entretanto, se, como Hans Kellner friza, a ironia “elimina o status do historiador como uma parte
interessada e livre”iv, levanta-se a questão de como nós vamos de ironia a anti-ironia,
particularmente se aquela é a condição desta.De maneira mais simples, como tropologia torna-
se ética? Já que, quando em efeito, a anti-ironia – a libertação da prisão do objetivismo – é
equivalente a um reconhecimento de uma dimensão ética inerente na historiografia, uma que
tem sido surpimida por um eforço combinado de “má fé”, no sentido satreano.
White prenunciou essa jogada mais cedo no Metahistória, no começo de seu capítulo
sobre Croce, onde ele observou que “apesar da filosofia da história permanecer Irônica, no que
diz respeito ao trabalho de qualquer historiador, seu objetivo é expor à consciência, criticar e
eliminar a possibilidade de uma historiografia Irônica”v. Esse, então, é também o propósito da
filosofia da história que é o Metahistória, de White: transcender a ironia por meio da ironia. Se o
Metahistória, zelozamente, busca um perspectivismo radical, é precisamente para superar o
niilismo da rendição a ironia que culminou numa falsa objetividade. Mas, apenas no paragrafo
final de sua magnum opus – um fato que é em si mesmo insignificante – White confessa essa
aparente contradição de uma ironia anti-irônica:
Tal recomendação [a de abandonar a ironia], aparecendo no final de um
trabalho que professa ser neutro em valores e puramente Formalista em sua
própria reflexão sobre o pensamento histórico na época clássica69, pode
parecer inconsistente em relação a Ironia de sua própria caracterização de
uma história da consciência histórica. Eu não nego que o Formalismo de
minha abordagem à história do pensamento historico em si reflete a condição
Irônica da qual a maior parte da historiografia acadêmica é gerada. Mas eu
sustento que o reconhecimento da perspectiva Irônica cria o terreno para
transcendê-la. Se puder ser mostrado que a perspectiva Irônica é uma de
várias outras perspectivas possíveis na histórica, cada qual tem sua própria
boa razão para existir, em um nível de consciência poética ou moral, a
atitude Irônica começará a ser privada de seu status de perspectiva
necessária a partir da qual se vê o processo histórico. Históriadores e
filósofos serão, então, libertados para conceitualizar história, para analizar
seu conteúdo e construir narrativas sobre seus processos em qualquer
modalidade de consciência que for mais condizente com suas próprias
aspirações morais e estéticas. E a consciência histórica permanecerá aberta
para o reestabelecimento de seus elos com as grandes preocupações
poéticas, cientísicas e filosóficas que inspiraram os praticantes e clássicos da
história em sua era de ouro, no século dezenove.vi
Nessa extraordinária passagem, pode-se distinguir dois tipos ou níveis de ironia: ironia
como um tropo-mestre entre outros tropos-mestres (por exemplo, os tropos pré-críticos ou
prefigurativos da metonímia, metáfora e sinédoque); e ironia como meta-tropo, o tropo na base
do qual a tropologia ela mesma é elaborada. É o meta-tropo da ironia que, por permitir

69Epóca clássica aqui se refere ao século XIX [N.T.]


heuristicamente um tratamento multi-perspectivo do discurso histórico, permite ambas a
exposição e a superação de uma atitude irônica, na medida em que é ursupada de seu status
hegemônico e revelada como sendo “apenas uma de várias perspectivas possíveis na história”.
Em outras palavras, a ironia meta-histórica de White mostra-se como sendo meramente
metodológica ao invés de substantiva ou constitutiva, um meio para um fim extrínseco ao invés
de um fim em si mesma. Como eu devo argumentar mais a frente, esse fim extrínseco é o que
White chama de “visão história socialmente inovadora”.
Assim, o projeto de White remete a Nietzsche, que também vê a ironia como um meio
para sua própria transcendência. Como White observa em Metahistória:
Até mesmo Nietzsche, que via todos os produtos do pensamento Ironicamente,
pretendia salvar o pensamento histórico para a vida, reduzindo-a ao mesmo nível
ficcional que a ciência e a filosofia, alicerçando-a na imaginação poética junto com
estas, e, desse modo, libertando-a da aderência a um ideal de objetividade e
imparcialidade irrealizável.vii
Dessa maneira, White, como Nietzsche, procura “salvar” o pensamento histórico
alicerçando-o à poética e redefinindo seu propósito para um meio de auto-criação individual
“para a vida”. E, assim como Nietzsche busca combater o niilismo debilitado que ele via como
emblemático de sua época, White também busca enfrentar o niilismo objetivista da história
profissional da metade para o final do século XX. Apesar disso, na última página do Metahistória,
White pareceria apontar para a insuficiência do esteticismo de afirmação da vida de Nietzsche,
como quando fala de aproximar-se da história de acordo com suas próprias “aspirações morais e
estéticas”. É interessante que White escreva, aqui, “morais e estéticas”, ao invés de “morais ou
estéticas”, como ele faz em outra parte do texto, incluindo em uma das mais frequentemente
citadas frases do Metahistória: “quando trata-se de matéria de escolha entre essas visões
alternativas de história, os únicos motivos para se preferir uma sobre as outras são morais ou
estéticos”.viii
Nos limites do realismo histórico:
a Ética da Narrativa Sintética na Historiografia do Holocausto70
Prof. Wulf Kansteiner
(Binghamton University, Estados Unidos)

I
A emergência da virada linguística nos estudos históricos, por meio do Metahistory,
causou discussões permanentes entre as disciplinas. Teóricos da história receberam bem a
oportunidade de se empenhar em debater concepções sobre o pós-estruturalismo e a função da
referência na escrita da história; críticos literários e narrativistas reconsideraram as diferenças
entre textos ficcionais e não-ficcionais e retornaram a analise da ficção com um novo
entendimento da capacidade única da ficção em mimetizar a consciência humana; historiadores
tinham uma relação de proximidade com seus textos enquanto insistiam que seus livros
mantinham uma relação referencial com o passado real. Dificilmente alguém entenderá a virada
linguística como um aprofundamento das leituras de história contemporânea de um ponto de
vista narrativista.
As razões dessa omissão não estão escondidas nem difíceis de entender. Leituras
fechadas tentaram se fazer parecer linguagens consistentes da escrita da história profissional
como um todo e demonstrar como o significado nascia na comunicação com o passado. Leituras
fechadas exigiam entendimentos das operações semânticas como essas:
No inicio de Agosto de 1941, todos fatores estavam no lugar para acontecer o massacre
de todos os judeus na União Soviética. O exército germânico ocupou os estados balcânicos e a
Bielorússia, e a Ucrânia tinha alcançado a linha Kiev-Kirovograd; as batalhas generalizadas de
Uman e Smolensk/Rowslawl acrescentariam outro meio milhão de prisioneiros de guerra
soviéticos que já estavam esfomeados nos campos de concentração alemães. No meio de Julho,
Haydrich recebeu ordens para fazer a triagem de campos para os prisioneiros de guerra
soviéticos que buscavam a fazer identificação de “todos os judeus”. No fim do mês, Goring
autorizou Haydrich a preparar “a solução final para a questão judaica na esfera de influência
alemã na Europa”.
A primeira vista, a passagem parece ser direcionada a enumeração de eventos
narrativos. Com um olhar mais próximo, entretanto, a passagem parece não ser narrativamente
estruturada desde que não represente mudanças em seu tempo. De fato, a cronologia
intencionalmente foi marginalizada. As frases são lançadas para refletir o fundamental,
primeiramente um argumento analítico não-narrativo: o potencial do genocídio na União
Soviética requer a presença do sucesso militar, gonocídios ideologicamente motivados, práticas
70 Tradução de Leonardo Grão Velloso e Thiago Brito.
de identificação anti-semitas, e política burocrática de autorização. No nível mais microscópico,
passagem que ilustra questões fundamentais sobre a natureza da escrita histórica: Historiadores
narram ou discutem?
II
Em 1988, o narrativista Seymor Chapman publicou um curto e detalhado artigo sobre o
que ele considera sobre os três tipos de narrativa, argumento e descrição. Ele enfatizou que
apenas narrativas “tem uma sequencia temporal” e isso difere de um argumento atemporal
produzido “para persuadir uma audiência sobre a validade de algumas propostas” e similarmente
descrições atemporais que explicam as propriedades das coisas, incluindo coisas abstratas. Mas
Chatman imediatamente adiciona três tipos de textos que constantemente se misturam. A
classificação de um dado texto não depende da relativa presença ou ausência dos componentes
descritivos, narrativos ou argumentativos mas sim sobre as intenções textuais ou a sua função.
Passagens puramente argumentativas e descritivas podem ir em direção a um trajetória narrativa
e segmentos intensamente narrativos podem servir como um argumento primordialmente
descritivo. Alguns narrativistas tem concluído de suas observações que o profissionalismo da
escrita histórica contém intensas narrações sobre o propósito da argumentação e por isso não
pertencem a família de textos narrativos.
Mais provavelmente, a difícil relação entre narração e argumentação podem tornar a
escrita histórica um caso especial, onde a narrativa e a argumentação coexistem, competem e
potencialmente se empurram.
Então historiadores e narrativistas estão absolutamente corretos quando eles enfatizam
a importância d argumentação no trabalho dos historiadores profissionais. O grande acordo
sobre o que historiadores fazem consiste em trabalho analítico com o propósito de criar uma
unidade semântica discreta a qual é cuidadosamente atenta a objetivos especificamente
interpretativos.
Mas historiadores também tentam providenciar profundas historizações, que
simplesmente em sua escala, tem relativamente incertos fundamentos argumentativos:
Ultimamente a segunda grade “crise de modernização” europeia foi carregada com
grande perigo pelos judeus, quase um milênio anterior. Novamente os “socialmente perdedores”
da crise de modernização – elites tradicionais e pequenos produtores em particular – poderiam
achar nos judeus convenientes símbolos para sua angústia.
Produzir essas afirmações é uma importante parte da profissão do historiador, mas
sentenças tem um diferente status epistemológico em pequena escala, desenvolvida de maneira
incrementada na citação acima. Escrever história requer que seus produtores tenham mais de
um jogo linguístico ao mesmo tempo (Lyotard) e combinar o chão seguro da exegese com a
traiçoeira topografia do comentário sócio-político. Ambos dos jogos dependem um do outro –
nenhuma analise propositiva investiga sem um programa narrativa e vice-versa – mas nenhum
segmento de prosa histórica revela suas primeiras ideias de qual jogo será dominante em sua
criação. E mais, dependendo do terreno comunicativo, a percepção do status de qualquer
componente textual pode mudar depois do fato. Com um olhar próximo, como por exemplo em
um contexto novo de recepção, até a mais criteriosa linguagem analítica da primeira citação
pode ser revelada como sendo narrativamente “corrupta” e analiticamente instável.
Hoje, eu não estou interessado em explorar as deficiências epistemológicas na narrativa
profissional da história. Ao invés disso, eu gostaria de focar na questão de como os historiadores
e seus textos manuseiam a distância analítica e a proximidade linguística de seus diferentes
jogos linguísticos. Quais estratégias eles usam para transpor a barreira entre argumentação e
narração, fato e interpretação, evento e história, e crônica e história?

III
Hayden White é o principal teórico dessa divisa. Ele estudara as tentativas dos
historiadores de fundir narrativa e argumentação, analisara os esforços de outros filósofos da
história nos seus esforços em conceitualizar aquele processo, e tentara reduzir o intervalo,
conceitualmente e empiricamente. Além do mais, White sempre enfatizara, ao invocar a tarefa de
ajustar as contas com os crimes nazistas, que meios responsáveis e auto-conscientes de
integrar a análise e a narrativa históricas constituíam desafios éticos sérios. Enfim, ao passo que
as ideias provocantes de White causaram muita consternação entre os historiadores, não
obstante ele influenciou a escrita da história, principalmente em relação ao Holocausto. Para
mim, a auto-reflexiva escrita de Saul Friedlander em Anos de extermínio não seria possível sem
Metahistória e outras obras de White. Traços do giro linguístico e da influência de White também
se fazem presentes no realismo modesto, sensível e perceptível de Christopher Browning. Sinto-
me intrigado acerca de autores como Friedlander e Browning, não só a maneira pela qual eles
percebem esse intervalo, mas também a maneira que o utilizam como canal de comunicação
adicional e auto-reflexivo com seus leitores.
O contexto historiográfico mudara decisivamente através da publicação de um trabalho
sintético da história do Holocausto, que bem organiza as unidades discretas de narrativa
histórica em um padrão dualístico e contraditório. Na primeira observação, os elementos de
estória em Anos de extermínio de Saul Friedlander parecem apoiar a macro-tese explicitamente
anunciada acerca da primazia de fatores ideológicos. Um exame mais próximo revela, no
entanto, que os parâmetros básicos da narrativa histórica – tempo, espaço e causalidade –
foram manipulados de tal maneira que os próprios parâmetros, bem como o enredo que
carregam, se tornam dignos de desconfiança e desestabilizam o senso do leitor sobre o controle
narrativo. Em processo de radicalização estética acumulada, o livro demonstra doses
homeopáticas de intranqüilidade analítica, devido a propósitos explicitamente éticos de captura
de um fraco eco de sentimentos em favor das vítimas da Solução Final. No caso os Anos de
extermínio de Friedlander, o intervalo entre perspectivas narrativas distintas e objetivos analíticos
foram forçados a falar; eles passam uma das mensagens centrais do livro.
A estratégia incomum de Friedlander para salvaguardar a instabilidade semântica
através da compreensão narrativa e atenuação analítica, contrasta com o tipo de história do
Holocausto que sustenta, através do seu formato narrativo, não surgirem divisas sérias entre
narratividade e argumentação e que toda conclusão narrativamente apresentada fluíra de um
trabalho previamente analítico-argumentativo.

V
Bem no início, no prefácio de As origens da Solução Final, leitores são informados que
eles estão entrando num conjunto comunicativo bastante complicado. As Origens da Solução
Final não é uma monografia convencional porque a estória do processo de decisão é contada
por dois narradores. Eles imediatamente admitem que discordam sobre interpretações „em
alguns poucos pontos‟ e, portanto, abandonam aspirações de „uniformidade interpretativa‟. Além
do mais, o livro é parte de uma coleção sobre a história do Holocausto. Assim, os narradores
anunciam que se concentrarão nas decisões dos perpetradores e não considerarão a
perspectiva das vítimas, cujas experiências são o assunto de outras publicações da série. Pela
mesma razão, eles se aterão ao domínio da responsabilidade cronológica, cobrindo a política
nazista acerca dos judeus de Setembro 1939 e Março 1942.
Depois dessas duas prolepses, o leitor se surpreende. A narrativa não começa nos anos
1930, ou no século XX, mas sim com uma discussão da política da religião “40 ou 60 anos
depois da morte de Jesus”. Os narradores claramente acolhem certa ambição narrativa e,
imediatamente rompendo suas próprias regras, desenvolvem um panorama impressionante de
onze páginas, desde a antiguidade até o ataque nazista à Polônia. Eles explicam uma dialética
do esclarecimento de três estágios, que contém cristãos e judeus, „iletrados, empobrecidos e
aglomerados em vilarejos isolados‟ e sob ataque de vikings, vivendo uma vida de coexistência
miserável no Medievo europeu. A miséria dividida é destruída pela „primeira grande crise de
modernização europeia‟ quando mudanças demográficas, econômicas, culturais e políticas
significantes fomentaram as sociedades europeias a abraçar anti-semitismo e „perdedores
sociais‟ na forma de „gangues de cavaleiros‟ atacando violentamente a minoria judaica.
O terceiro estágio da tragédia dialética enfoca a „segunda grande crise de modernização
da Europa‟, dos séculos XIX e XX, que afeta a Alemanha em particular, fazendo-a carenar seu
próprio caminho destinado à modernidade. Os narradores, então, aumentam a perspectiva do
assunto primário acerca da história do Holocausto ao conferir relevância à maneira pela qual a
Alemanha em crise, especialmente os „perdedores sociais‟ sob o auspício das elites tradicionais,
adotara e institucionalizara formas virulentas de anti-semitismo e assim ajudara a fomentar a
catástrofe nazista, mesmo que o ódio extremado dos nazistas para com os judeus se provara
inicialmente não muito popular entre os eleitores.
Tendo resumido 2000 anos de história europeia, os narradores apresentam uma
narrativa guia, cuidadosamente calibrada, que controla um pensamento sem limites: A dialética
da modernização, com sua extensa rede de elos causais (de curto termo e longo termo)
apresenta noções de descontinuidade cronológicas, espaciais e causais, implausíveis e
irrazoáveis – como se pode esperar de um livro que se concentra exclusivamente na pré-história
de um evento, o qual não faz parte do universo narrativo da obra.
Não é necessária muita acuidade crítica para reconhecer que a introdução, enquanto
projeto narrativo, postula o que o texto é incapaz de demonstrar, a saber, que os eventos do
último milênio, alguns dos quais podem ser conclusivamente determinados como fatos, são de
fato parte de uma trajetória narrativa-causal geral, que pode ser confirmada com um grau similar
de certeza epistemológica.

VI
Aqui há dois especialistas no assunto, os quais se respeitam e decidiram escrever um
livro juntos. Mas os dois colaboradores intelectuais, os quais provavelmente mantiveram
horizontes abertos e linhas de comunicação através do projeto, também concordaram em
discordar „em vários pequenos detalhes‟. Num espírito cheio de abertura, eles informaram os
leitores de suas discordâncias e contaram a estória das origens da Solução Final de dois pontos
de vista distintos, com ajuda de dois narradores distintos. A discordância levanta algumas
questões interessantes. Se dois acadêmicos, trabalhando a partir do mesmo conjunto de fontes,
equipados com o mesmo alto nível de especialização, e dividindo pontos de vistas similares, não
podem concordar na sua interpretação, baseados no estudo detalhado das fontes, como
podemos confiar nas fontes como forma de resolver diferenças de opinião, especialmente
diferenças de opinião entre acadêmicos que consideram de cada um de perspectivas mais
críticas? Quais são as origens das diferenças, como elas se manifestam nos textos, como elas
poderiam ser resolvidas – ou deveriam somente não ser resolvidas? Inadvertidamente, um
buraco suficiente é aberto na superfície de As origens da solução final, convidando o leitor a
olhar de perto os trabalhos internos do ofício do historiador.
Os dois narradores concordam acerca dos parâmetros da historiografia do Holocausto e
sugerem linhas semelhantes de interpretação. Ambos os narradores rejeitam explicações mono-
causais do Holocausto. Em vez disso, eles favorecem um modelo de explicação dialético que
cuidadosamente relaciona e integra decisões alcançadas pelos líderes nazistas em Berlin, com
ações iniciadas por oficiais alemães, locais e regionais, numa multidão de conjuntos e agências
na Europa Oriental ocupada por eles. Na essência, os dois narradores relatam como eles
interpretaram as poucas fontes remanescentes, num esforço por reconstruir os padrões de
comunicação entre o centro e as periferias nazistas, esperando que pudessem estar aptos a
identificar os fatores primordiais que iniciaram a radicalização as políticas nazistas anti-judeus,
no verão e no outono de 1941.
Sob essas concordâncias, esperar-se-ia que os dois narradores fornecessem
explicações compatíveis e, de fato, somente discordassem um com o outro em „pequenos
detalhes‟. E em muitos casos é isso que se dá. Conceitualmente eles estão na mesma página
centro-periferia, identificam semelhantemente os mesmos fatores causais e usam palavras
semelhantes quando eles explicitamente discutem questões de causalidade em termos gerais.
Mas quando eles começam a contar suas estórias detalhadamente, a situação muda de maneira
decisiva. Através do ato de narrativa histórica, as discrepâncias conceituais menores entre as
perspectivas de ambos os narradores são exacerbadas ao ponto de incompatibilidade narrativa.
Como a prosa histórica profissional e convencional ressalta a coerência, um estágio inicial de
coexistência harmoniosa conceitual faz emergir uma tensão narrativa considerável. As
diferenças narrativamente destacadas entre os mundos históricos de Matthaus e Browning são
mais bem ilustradas por seus conflituosos usos de personagens. Os personagens tem os
mesmos nomes – Hitler, Himmler, Heydrich e Back-Zelewski, entre outros – mas eles não
parecem falar, sentir ou agir da mesma maneira. Eles certamente não fazem jus às nossas
expectativas sobre desenvolvimento dos personagens numa obra integrada e monográfica de
escrita histórica. De fato, ter dois mundos e dois conjuntos de personagens lado a lado cria um
diálogo intrigante e conflituoso entre os dois narradores em competição.

VII
No mundo narrativo do relato minoritário (Matthaus), a figura de Hitler é largamente
ausente da cena, preferindo „o papel de observador mais que o de tomador de decisão‟.
Ademais, ele „é menos interessado na questão judaica que em outros problemas mais amplos‟,
contemplando, por exemplo, o „Jardim do Eden‟ que ele está para criar no Oriente. Hitler
ocasionalmente profere algumas palavras gerais de encorajamento e pode emular um
pronunciamento geral e não-prático („não-alemães nunca deveriam portar armas‟), que seus
subordinados ignoram por suas declarações não condizerem com as demandas práticas do
império em construção, na Europa Oriental ocupada. De acordo com a lógica narrativa desse
relato, o qual temporariamente adota a perspectia de líderes nazistas regionais e locais, Hitler
avança na sua visão grandiosa de império bem efetivamente ao confiar em seus homens para
tomarem as melhores decisões e preferindo não serem incomodados.
O narrador desse relato também ilustra um quadro interessante das figuras históricas de
Himmler e Heydrich. Nessa estrutura narrativa, Heydrich e Himmler pairam obsessivamente
sobre suas tropas, visitando-os repetidamente no campo, para oferecer apoio moral e palavras
gerais de encorajamento. Entretanto, apesar das viagens freqüentes ao fronte, as quais eles
faziam como oportunidade de sancionar os crimes depois do fato, e menos frequentemente,
imperando acessos excessivamente violentos, especialmente de perpetradores não-alemães, os
dois tem somente uma compreensão insuficiente do que está acontecendo e falham em
providenciar o tipo de apoio que seus subordinados teriam mais apreciado, a saber, orientações
claras acerca de suas tarefas de assassinato. Repetidamente, Heydrich e Himmler proferem
diretrizes vagas, falhando em organizar a questão central de como tratar as mulheres e crianças
judias. Como resultado de tal „ambiguidade‟, as várias ações nazistas tiveram „problemas de
comunicação‟ consideráveis e adotam „uma sequência de medidas incoerente, variada local e
regionalmente‟. Dois dos principais personagens da estória são variavelmente descritos como
mal informados, medrosos e indecisos, bem como deslealmente espertos.
O vácuo administrativo é preenchido por outro conjunto de atores, que são
particularmente interessantes ao narrador. Em seu enredo, a rápida ascensão da violência nos
territórios ocupados, entre Julho e Agosto de 1941, é primariamente realizada por oficiais locais
e regionais, os quais desenvolveram „sua própria interpretação do que precisa ser feito‟ e, assim,
implementaram os objetivos de longo prazo, apesar da falta de orientação de seus superiores
em Berlim. Quando pedidos repetidos por esclarecimento permaneciam sem resposta, eles
„tomavam a iniciatiiiva‟ e embarcavam numa farra mortífera, seguindo seu próprio ritmo com
„fervor e adaptabilidade‟ num contexto no qual „elementos tradicionais de hierarquia perdera sua
importância‟. Nem „ordens específicas de Berlin‟, muito menos a presença de superiores era
necessária para a violência alcançar seu nível genocida, muito embora o fato de que uma
política uniforme não se desenvolvia por muitos meses. Em Novembro de 1941, algumas
unidades ainda não conseguiam assassinar indiscriminadamente mulheres e crianças. Por todas
essas razões o narrador alcança a importante conclusão de que o ataque à União Soviética
causou considerável mudança no „equilíbrio de poder do centro para a periferia‟.
O narrador sugere que „pequenos Himmlers‟ cometiam seus crimes, primeiramente, por
razões ideológicas, mas ele afirma que seus motivos precisos eram difíceis de aventar, dada a
natureza fragmentária e evasiva das fontes existentes.

VIII
O narrador da maior parte do relato (Browning) nos conta uma estória bem diferente
sobre a ascensão da violência nos territórios ocupados da União Soviética. Nesse universo
narrativo, encontramos outro Hitler que „inaugurara o processo de tomada de decisão‟ e não fora
o único „diretamente envolvido‟, mas de fato „controlara o ritmo dos eventos‟. Por vezes ele
limitava suas ênfases e, por vezes, ele refreava o „ardor de seus seguidores‟. De qualquer
maneira, grandes „decisões ... só poderiam ser tomadas por ele. O narrador identifica um distinto
padrão subjacente na ação de Hitler. Quando os militares alemães avançavam rapidamente
sobre o fronte oriental, ele acelerava o assassínio em massa de judeus soviéticos e europeus, e
só recuava quando o exército alcançava bloqueios no caminho para Moscou. A Solução Final,
como o narrador enfatiza repetidamente, nascera da „satisfação e da euforia pela vitória‟. A tese
é elegantemente capturada numa metáfora sucinta. O narrador compara o processo de tomada
de decisão com um conjunto de círculos concêntricos em expansão, irradiando-se para fora,
enquanto Hitler estava no centro dos eventos, e Himmler e Heydrich representando seu grupo
primordial de especialistas, implementando suas decisões.
Como Hitler, Himmler e Heydrich eram perpetradores bastante envolvidos, os quais
agiam imediatamente para cumprir os desígnios do Fuhrer. Em resposta à euforia de Hitler, eles
rapidamente estabeleciam postos para as tropas SS no Oriente e pessoalmente relatavam a
mudança da política – com resultados devastadores. Logo após as visitas de Himmler, as
unidades respectivas começaram os assassínios de mulheres e crianças, aumentando o número
de vítimas. Como resultado dessa comunicação efetiva, „em meados de Agosto os resultados
eram virtualmente os mesmos por toda parte‟ e não havia „divisão entre o que acontecia no
campo de batalha e o que se sabia, ou se desejava, no topo da liderança do regime nazista‟.

IX
Os capítulos 7 e 8 de As origens da Solução Final oferecem um olhar honesto incomum
acerca das regras inerentes à narração história profissional. As discrepâncias importantes entre
dois mundos narrativos são ligadas a tradições conceituais de longa data, no que concerne à
historiografia do Holocausto. Na sua afirmativa programática e na sua escolha de terminologia,
ambos os narradores sinalizam uma abordagem inclusiva e ecumênica sobre a antiga divisão
interpretativa entre estruturalistas e intencionalistas. Nesse veio, o narrador 2, por exemplo,
ressalta repetidamente „a natureza policrática do regime nazista‟. Mas em um ponto chave, os
dois enredos distintos sobre a liderança nazista ainda sim se alinha perfeitamente a divisões
convencionais entre ambos os campos. O enredo do capítulo 8, do qual um Hitler muito cônscio
dos eventos participa, definindo pontos de virada decisivos e resguardando um poder de veto
sobre decisões importantes reflete um pensamento intencionalista sobre esse personagem
histórico. Esse enredo é particularmente compatível com o tipo de intencionalismo „reformado‟,
representado por Friedlander, entre outros. O Hitler do capítulo 7, afastado, inconstante, por
vezes enganado e desinteressado, ecoa uma narrativa estruturalista, inventada por Mommsen e
Broszat como esforço de redirecionar atenção analítica de um Hitler, e seu entorno, a muitos
perpetradores e contextos sociais desconhecidos, dentro dos quais operavam.
Hoje, os dois conceitos são mais plásticos nos limites, ao menos do que eram nas
últimas décadas, mas ainda sim é difícil imaginar mundos narrativos nos quais eles são
realmente integrados numa unidade. Talvez com tal reconhecimento em vista, a integração
ininterrupta é conscientemente evitada em As origens da Solução Final. Com a ajuda de
Browning e Mathaus podemos hoje avaliar melhor o quão pequeno é o controle dos fatos sobre
seu enredo. Considere, por exemplo, o encontro entre os líderes nazistas em 16 de Julho, 1941.
Do lado de Browning, há uma imagem de Hitler colocando tudo em movimento, ao unir seus
conselheiros mais próximos e, por uma maneira de falar cujo tenor era „inconfundível‟, informava-
os sobre seu objetivo longo prazo e sobre as medidas curto prazo necessárias para realizá-los.
Do lado de Matthaus, há certa imagem de um Hitler que, naquela mesma ocasião, celebrava
utopias racistas inventadas, expunha orientações completamente irreais (sem armas) e não
ligava para as decisões-chave acerca da política anti-judaica. Essas decisões interpretativas não
podem ser conceitualmente e narrativamente reconciliadas. Neste caso, como em muitos outros,
os eventos estabelecidos não tem chance de escapar do alcance dos comprometimentos
narrativos profundamente presentes, os quais, nesse exemplo concreto, postulam a primazia da
ação central contra a primazia da ação periférica.
Desse modo, a performance dialógica de enredos alternativos afina nossa percepção
sobre a linha de demarcação que separa fato de interpretação e aumenta nossa consciência do
preço a ser pago pela homogeneidade narrativa-analítica.

X
Na minha perspectiva, o diálogo central do livro levanta questões primordiais sobre a
disciplina: Dadas a complexidade não-linear dos registros de arquivo e as estratégias
sofisticadas não-lineares em analisar esses registros complexos, será que queremos realmente
continuar criando mundos narrativos lineares e unidimensionais? E será que queremos continuar
produzindo esses mundos em contextos sócio-culturais nos quais a linearidade desaparece
rapidamente? As origens da Solução Final, bem como os Anos de extermínio, demonstram que
integrando elementos dialógicos verdadeiros, ao se escrever sobre assuntos muito sensíveis não
subentende a discussão acerca das fundações empíricas e da integridade ética dos estudos
históricos. De fato, formas de representação dialógicas e multi-direcionadas parecem um meio
mais honesto de registrar nossos encontros com o passado, e de encarar nossas dúvidas e
diferenças de maneira mais transparente.
A leitura detida de As origens da Solução Final nos confere uma ideia melhor da
instabilidade inerente da escrita histórica profissional, que poderia ser explorada por estratégias
não-lineares de representação. Narrativas históricas convencionais seguem padrões diacrônicos
de não-contradição. De acordo com esses padrões, historiadores buscam construir mundos
narrativos consistentemente estruturados, habitados por criaturas que ou se comportam da
mesma maneira em diferentes pontos do tempo, ou às quais seu comportamento alterado pode
ser atribuído a fatores causais explicitamente conscientes. Simultaneamente, historiadores
rotineiramente resguardam métodos analíticos de crítica textual que foram delineados,
primeiramente, para o propósito de obtenção de padrões sincrônicos de não-contradição. Esses
métodos auxiliam os historiadores a triangularem fontes de modo a estabelecerem o que Hitler
fez em 16 de Julho, 1941. Ambos os padrões não contém os mesmos tipos de resultado.
Na maior parte da escrita história profissional, não-contradição diacrônica esbarra em
não-contradição analítica. Consequentemente, a diversidade inerente nos resultados de análise
sincrônica tende a ser reduzida no processo de implementação de um programa narrativo dado.
Historiadores são muito adeptos da cobertura de seus rastros mas, quando nos detemos ao
analisá-los, seus textos ainda revelam as cicatrizes da batalha pela coerência e supremacia
interpretativas. A leitura detida revela todo um novo arranjo de personagens. De um lado, há
planos narrativos mais ou menos complicados, conflitando-se para impor continuidade sobre
diversidade analítica sincrônica. Por outro lado, aqui reside a „opressão‟ do rigor analítico, que
força em resposta a essa pressão, testando os limites da representação narrativa realista, e
ocasionalmente causando inconsistências narrativas (lembremos, por exemplo, o plano de
Heydrich de manipular suas tropas através da ausência de ordens explícitas).
A competição entre ambos os padrões de não-contradição acontece em um ambiente
dinâmico e competitivo. Quando constelações específicas de dados (batalhão de polícia 101,
encontrando-se em 16 de Julho, 1941, a batalha de Smolensk) se tornam o campo de batalha
entre interpretações competindo entre si, as constelações perdem seu status de fatos integrados,
unificados e não-problemáticos, emergindo como comboios narrativos de eventos
ultradeterminados. Eles mantém sua integridade razoavelmente analítica (o encontro ocorreu
com a presença de Hitler), embora percam sua direção narrativa (se torna obscuro se Hitler
estava distante ou engajado, e qual papel a reunião tivera no processo total de implementação).
A desintegração semântica ocorre porque regras, analíticas e sincrônicas, de não-contradição
não podem provar a existência de uma trajetória narrativa uma vez que se questiona
rigorosamente se ela é factível ou não. Mas as mesmas regras podem produzir diversidade
fatual suficiente para abrir buracos em qualquer programa narrativo realista – se um
crítico/competidor estiver inclinado a empreender o trabalho analítico requerido.
As obras de Friedlander e Browning indicam que temos um tempo bem interessante
adiante. O campo metodologicamente conservador dos estudos sobre o Holocausto parece
preparado para reverter a hierarquia historiográfica tradicional, com a analítica não-contraditória
sendo incrementada, tomando o lugar da narrativa não-contraditória. O campo parece estar
disposto a imaginar o passado como um mundo não-linear e a desenvolver modos de narração
histórica não-lineares. As obras de Christopher Browning são particularmente destacáveis nesse
sentido. De um lado, os clássicos de Browning, de Homens ordinários e As origens da Solução
Final ao mais recente Relembrando a sobrevivência, seguem padrões convencionais de
elaboração de enredo realista. Do outro lado, todos os três livros expõem uma sensibilidade
extraordinária de diversidade analítica, ao integrar meticulosamente relatórios minoritários em
seu projeto geral. Com essa decisão, Browning transfere grande parte de sua agência
interpretativa dos narradores para os leitores de seus textos, esperando, de maneira
perfeitamente razoável para mim, que os leitores reais possam lidar com tanta liberdade de
interpretação.

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Como eu não escrevi Metahistória
Hayden White
(Stanford University, Estados Unidos)

Primeiro, permitam-me expressar minha gratidão a Veronica Tozzi e a Julio Bentivoglio


por organizarem esta conferência em reconhecimento ao quadragésimo aniversário de
“existência” de Meta-história. Eu confesso que, ao longo de quadro décadas desde sua
publicação, eu cresci cada vez mais distante desse livro ou, melhor dizendo, o livro cresceu mais
e mais distante de mim. Terentianus é famoso por ter escrito: “Habent fata sua libelli” ou “Livros
tem seus destinos”, mas geralmente se esquece de que ele restringiu seu dizer: “pro captu
lactoris” que quer dizer “de acordo com a capacidade de seus leitores, livros encontram seus
destinos”. Eu colocaria da seguinte forma: “o destino de um livro depende de seus leitores.”
Isso certamente tem sido verdade para o Meta-história. Até onde me ocorre, eu desisti
de quaisquer direitos de posse desse livro há umas duas décadas atrás. Quando o livro saiu, ele
perturbou alguns leitores, sobretudo historiadoresix que pensaram que eu estava sugerindo que o
passado não existiu (se existiu, onde encontrá-lo?) e que eu havia tentado arruinar a distinção
entre verdade e ficção. Mas, através dos anos e de uma maneira geral, eu fui sortudo pelos
leitores que tive. Meta-história acabou se tornando – para alguns leitores, ao menos – o que
Barthes chama de texto “escrevível”, com leitores fazendo livremente dele o que quer que
quisessem e continuamente agregando, refinando e ampliando seu “conteúdo”. Teria sido isso
por conta da minha confusão sobre a “história” ou por conta de uma confusão interna ao conceito
de “história” que acabei, mais ou menos não intencionalmente, trazendo à luz?
Pelo termo “meta-história”, eu quis dizer qualquer coisa que tinha de ser pressuposta a
fim de se justificar a crença na realidade do passado, as diferentes maneiras de se escrever
sobre ele e o valor dos conhecimentos derivados de seu estudo.Quando eu estava escrevendo o
Meta-história, eu o via como um estudo de escrita especulativo, formalista e textualista sobre a
história. Foram leitores atentos que extraíram as implicações de tal abordagem no estudo da
narrativa histórica.
Em todo o caso, aconteceu que o livro assumiu uma identidade própria, de tal maneira
que, até onde me ocorre, eu não sou mais responsável por ele. Ademais, depois que Verônica e
Julio conceberam a ideia desta conferência, eu comecei a refletir a respeito do que eu me pus a
pensar a respeito dos vários comentários sobre o livro que chegaram até mim nos últimos anos.
E eu acredito que o que eu trabalhei ou o que fui obrigado a decidir foi o alvo de minhas
investigações sobre a natureza da história, algo como isto: “História” é uma invenção e é
homóloga aos principais elementos da cultura Ocidental, Grega clássica e Romana, Hebraica,
Cristã (católica e protestante) e Modernista (pela qual quero dizer capitalista)x. É um produto de
variadas formas de construir a temporalidade, o passado, a relação do presente com o passado
e os usos que podem ser feitos de nosso conhecimento sobre o passado. Mas a coisa que
distingue uma historiografia especificamente Ocidental de outras maneiras de estudar o passado
desenvolvidas em outras culturas é a noção cristã de condição humana (ambas individual e
coletiva) e da redenção dessa condição na ideia de realização.
Nós, modernistas, estamos inclinados a ignorar ou mesmo negligenciar a dimensão a
partir da qual o conceito ocidental moderno de história deriva das ideias cristãs de condição
humana. Em um primeiro momento, a cultura ocidental procurou chegar a um acordo com e
assimiliar as concepções Grega Clássica, Romana, Hebráica antiga e, até mesmo, muçulmana e
bizantina de “história”. E pode-se dizer que a ideia ocidental moderna de história sincretizou
essas noções de maneira bem-sucedida.
Diferentes culturas têm diferentes maneiras de construir a relação entre o que nós
chamamos de passado e de presente, dentre as quais a abordagem “histórica” escolhida pelo
Ocidente é apenas uma. Várias culturas não consideram o passado como algo diferenciável do
presente, de tal maneira que é preciso uma ciência especial – chamada história – para
preencher a lacuna entre eles e para determinar a natureza e o valor do passado para o
presentexi. Eu pensei em Meta-história como o resultado de um esforço de se relacionar essas
outras maneiras de construir o passado e sua relação com o presente às maneiras
desenvolvidas no Ocidente para se estudar “história”. Mas eu também acreditei que alguns
diferentes períodos na história da consciência histórica ocidental (ou consciência da “história”)
eram diferentes dos períodos que os precediam e sucediam, bem como a consciência ocidental
do passado era diferente de outras concepções não-ocidentais. Apesar do relato normativo da
história do pensamento e das práticas históricas ocidentais ver as relações entre historiologia
grega e não-grega, entre Romana e Grega antigas e Cristã medieval, e entre consciência
histórica humanística moderna e sua contraparte científica moderna como um processo de
sincretismo e desenvolvimento contínuo, parecia a mim que, pelo menos, dois intervalos nesse
processo eram muito mais importantes do que qualquer noção de continuidade poderia
comportar. O primeiro foi encontrado no triunfo do cristianismo sobre o paganismo, e o segundo
foi o triunfo da ciência moderna, secular e materialista sobre a visão e mundo cristãos, no
período que se estende da Renascença ao fim do século 18. Essas duas mudanças resultaram
em transformações “meta-históricas” radicais na historiologia, substituindo novos conceitos de
natureza, natureza humana, significado e temporaralidade em ideias dominantes sobre história,
mudança histórica, significado e a natureza do conhecimento ela mesma, incluindo
conhecimento do passado, do presente e das diferenças entre eles. Eu não tenho tempo, e este
não é o lugar para expandir essa ideia de realização.Apenas devo dizer que, em sua formulação
cristã em São Paulo, Dante e Hegel, ela providencia um modelo para se pensar sobre a
intencionalidade não-teológica e sobre a história em si, como produtos de escolhas para o futuro
dentre as várias promessas ou expectativas vindas do passado, com base nas quais o presente
pode escolher uma nova identidade e, com ela, uma genealogia que desfavoreça um passado
genético em prol de um passado ideal.
Eu suponho que seja justo perguntar o que eu tinha em mente quando, em algum
momento no meio dos anos1960, empreendi, sob a ordem de Norman Cantor (falecido em
2004), a composição de um livro sobre a historiografia do século dezenove. Eu certamente não
estava imaginando o livro que finalmente emergiu após quase dez anos de pesquisa, escrita e
revisão sob o título“Metahistória: A Imaginação História no Século Dezenove”. Nem em forma,
nem em conteúdo.
O livro projetado deveria ter sido um trabalho de duzentas páginas sobre as diretrizes da
escrita histórica profissional, da Revolução Francesa até, mais ou menos, a Primeira Guerra
Mundial – a historiografia do que chamaríamos de “o longo século dezenove”. Eu havia pensado
em usar, como modelo para minha pesquisa, três relatos clássicos de história da historiografia
que eu havia utilizado nos meus tempos de graduação para me informar sobre as principais
tradições de escrita histórica na modernidade: Fueter, em alemão; Croce, em italiano; e Gooch,
em inglês.xii O principal desafio era conceituar essa história da historiografia em termos que a
livrariam da matriz do modelo de uma cronografia que considerasse o que de fato aconteceu
com “a ideia de história”xiii como algo que não poderia não ter acontecido ou acontecido em outro
momento, de modo a mostrar que, seja qual fosse o cenário do pensamento histórico profissional
contemporâneo, ele era o que deveria ter sido o tempo todo.xiv
Após uma longa reflexão, ocorreu-me que nenhum dos historiadores da historiografia
que eu conhecia tinha considerado seriamente o fato de que historiografia era primeira,
necessária e mais obviamente escrita– isto é, inscrição – de palavras ou sinais gravados ou
postos sobre um meio e que, através desse processo de inscrição, é dotada de um poder
material e espiritual, um poder de, de uma vez, “consertar” as coisas no tempo e revelar
externamente seus significados para seus próprios tempos e para o nosso. Então, eu decidi (ou
acho que eu decidi ou agora me lembro de ter decidido) escrever uma história de um certo tipo
de prática de escrita; uma prática de escrita que eu subsequentemente desejava chamar de
“historiológica” e “historiosófica”, na medida em que ela viesse a cumprir as promessas feitas,
mais ou menos abertamente, não apenas de explicar (logos) passados específicos, mas também
de fornecer, pela reflexão do passado efetivamente apresentado em uma prática de escrita
específica, um tipo de conhecimento (sophia) – prudente, ou mesmo redentor – acerca de como
viver uma vida cheia de sentido no aqui e no agora e sob condições que pareceriam, num
primeiro ou até mesmo segundo relance, impossíveis de produzir sentido por elas mesmas.
Tudo isso significou, naquele momento – ou parece ter significado a mim hoje –, que eu
tinha que aprender algo sobre a escrita e seus vários tipos, a relação da escrita com a
linguagem, com a linguística, pensamento, imaginação e até mesmo ética. E eu empreendi esse
processo de educação com ajuda de meus amigos e colegas dos estudos literários, linguística,
semiótica, e, até mesmo, paleografia, diplomacia e arqueologia; pessoas como Sidney Monas e
R. J. Kaufman, Harry Harootunian e Norman O. Brown, Ralph Cohen e Kurt Weinburg, Lionel
Gossman e Northrop Frye, Louis O. Mink e Richard Vann, Geoffrey Hartman e Ihab Hassan, Paul
de Man, René Girard, John Freccero e Frank Kermode – e, por último, mas, mais importante,
Margaret Brose.
Eu me dediquei ao Meta-história no momento de Derrida e da “Gramatologia”, de
Foucault e da “História da Loucura”, e das poéticas estruturalistas e pós-estruturalistas de
Roland Barthes, A. J. Greimas, Tzvetan Todorov e de muitos outros mandarins parisienses. Isso
explica a presença daquilo que muitas pessoas consideraram (porque de fato são) jargões ou,
como eu prefiro dizer, terminologia técnica ou, ao menos, pseudo-técnica.
Eu trabalhei no livro que se tornou Meta-história pela maior parte de dez anos. O
primeiro esboço lido por Carl Schorske, o editor da série para a qual o livro havia sido planejado,
foi criticado por precisar de análises mais detalhadas do trabalho dos historiadores. Então, o
esboço original, de algo entorno de 200 páginas, foi expandido ao longo de mais ou menos 5
anos nas mais de 400 páginas que agora constituem a primeira versão impressa. Eu finalizei o
livro em 1972 e enviei para a Cornell University Press, que havia pedido prioridade para
publicação, revisei o manuscrito depois da primeira leitura dos avaliadores, reenviei e tive o livro
rejeitado por ser muito abstrato e muito longo (e, sem dúvidas, muito “pesado”) para assegurar
as esperanças de que vendesse o suficiente para pagar os custos de publicação. Então,
coloquei o manuscrito na gaveta da minha mesa em Los Angeles e trabalhei nele de tempos em
tempos de maneira desconexa. Eu fui impulsionado a reenviá-lo para publicação por minha
esposa, Margaret Brose, mas, desta vez, para a Johns Hopkins University Press, com a qual eu
havia tido uma longa e confortável relação na promoção da Vico Scholarship, com Giorgio
Tagliacozzo, acadêmico de rara erudição e devoção à causa da educação humanística. Depois,
acabei descobrindo que o manuscrito havia sido lido por Maurice Mandelbaum e Lionel
Gossman. Mandelbaum me diria, mais tarde, que ele estava realmente muito desinteressado na
publicação – “você sabe como eu odeio esse tipo de coisa”, ele me disse alguns anos depois. E
eu bem sabia, porque havia sido aluno de Mandelbaum, em um curso de filosofia da história, na
Universidade de Michigan em 1952-53 ou em algum momento próximo (eu tirei um B+ no curso).
De fato, Mandelbaum decidiu deixar para Gossman a feitura do parecer que eles apresentariam
ao comitê editorial da Johns Hopkins Press sobre a publicação do livro. Lionel Gossman, que se
tornou um amigo ao longo dos anos, estava entuasismado com a publicação, apesar de que, na
medida em que envelheceu (e se tornou mais conservador),ele confessou que teve dúvidas
acerca de sua sensatez de apoiar o livro naquele momento. Mas Jack Goellner, o editor da
Johns Hopkins – um verdadeiro editor e não apenas um administrador –, aceitou o parecer
favorável à publicação, e Meta-história foi finalmente impresso em 1973. Houve resistência ao
título, que ninguém entendia, mas eu insisti que fosse esse.
Devo dizer que, de maneira geral, eu não tentei defender o Meta-história contra os
ataques feitos por críticos de vários campos de estudo. Isso porque eu penso que a linha teórica
seguida em Meta-história atencipa e, ao mesmo tempo, nega a utilidade de se discutir a maior
partes dos ataques feitos. Entretanto, devo dizer que vários desses ataques foram motivados
pela crença de que Meta-história é sobre como se deve escrever história ou oferece critérios
para decidir qual é e qual não é uma maneira própria de se escrever um trabalho histórico. Mas
eu nunca disse nada acerca de como os historiadores devem fazer seu trabalho, seja sobre
pesquisa ou escrita. Eu tentei mostrar que eles têm feito seu trabalho por meio da escrita, bem
como por meio do que eles chamam de pesquisa “de arquivo”. Em outras palavras, eu rejeito
como algo completamente irrealista o lugar comum de que historiadores fazem (devem fazer)
seus trabalhos de pesquisa primeiro e, apenas então, pensar sobre como eles acabarão por
escrever seus resultados. Minha experiência me diz que o processo de composição começa pelo
menos tão cedo quanto o momento da escolha de um tema. Certamente a composição inicia-se
no momento em que se começa a manusear o material necessário para o estudo adequado de
um tema. E Meta-história é um estudo de como, no discurso histórico, uma certa parte do
passado é aprimorada por um tratamento historiológico, feito para parecer ser um assunto digno
de ser tratado historiologicamente, e, então, é levada, por meio de um processo de seleção e
combinação de sinais, adjetivação, tematização e inscrição, a apresentar seus referentes como
uma porção de “história”, descrevendo o caminho ou caminhos de tipos de história edêmicos à
cultura a qual o discurso pertence.
Ataques sobre a minha abordagem a historiadores e filósofos da história específicos, no
Meta-história, tem sido raros – eu penso que por conta de ser um livro muito longo e pesado.
Poucos críticos – geralmente especialistas no historiador ou filósofo da história em questão –
pensam que, em minha abordagem a Ranke, Marx, Burckhardt ou Croce, eu errei em alguma
coisa, tanto fatos específicos (e eles geralmente estão certos sobre isso), quanto com relação a
minha interpretação (nesse caso, parece a mim, não se trata de matéria de verdadeiro ou falso,
mas do que é apto ou não).
No caso do que me parecem ser críticas legítimas ao meu mau uso ou má interpretação
de uma dada ideia ou teoria ou conceito meta-crítico – como a teoria do dispositivo, do
formalismo russo; a teoria do valor-trabalho, de Marx; a ideia de ficção e outros –, eu tenho
tentado corrigir sua aplicação ao longo do meu trabalho posterior, ao invés de voltar e tentar
consertar o Meta-história por meio de revisões (e isso vale para erros tipográficos e de grafia,
citações incorretas e outros); já que fazer essas mudanças seria como revisar as evidências de
um caso em julgamento.
Eu espero que meu pensamento acerca das questões que têm me interessado tenha
mudado ao longo dos anos, já que eu não preservo qualquer ilusão de que Meta-história ou
qualquer outro trabalho teórico ou histórico é “para sempre”, ou que será propriamente julgado
por algum critério de verdade absoluto, eterno e universal; uma vez que eu penso – junto a
Richard Rorty – que a realidade é uma coisa e que a verdade é bem outra. No final das contas,
realidade é o que é; e verdade é, sobretudo, apenas sobre aquelas afirmações e proposições
que se tem acreditado ser ou compreendido como sendo “o caso” de uma dada perspectiva, em
uma língua específica e sobre uma autoridade específica (como ciência, religião, filosofia etc.) –
nenhuma das quais pode reivindicar universalidade, eternidade ou incondicionalidade como um
atributo.xv
Eu me sinto compelido a tomar nota, entretanto, de que meus esforços para mudar
minha visão sobre assuntos específicos, abordados no Meta-história e revistos mais à frente,
têm sido,na maior parte das vezes, registrados como “contradições” ou inconsistência lógica em
meu pensamento, como se eu estivesse tentando erigir algum sistema metafísico definitivo, ao
invés de algo como um hipotético “vamos ver o que acontece quando submetemos alguns dos
lugares comuns da historiografia à crítica, por meio da teoria do discurso estruturalista ou pós-
estruturalista.”
Eu não sei se meus críticos concebem seu próprio trabalho como algo que consiste
apenas de afirmações verdadeiras, capazes de irem de acordo com critérios de verdade
absolutos, eternos e universais até o fim dos tempos ou, até mesmo, o fim da história. Eu sei
apenas que, nos meus próprios escritos, eu tento me expressar o mais clara e coerentemente
que meu pensamento me permite, fazer o meu melhor ao pesquisar com as ferramentas
disponíveis no momento e dizer a verdade como eu a vejo no momento e lugar da elocução.
Essa “verdade” sobre a “história” é sempre provisória, sujeita à revisão à luz de novas evidências
e novos métodos de pesquisa e composição, e deve ser julgada de acordo com sua utilidade
perante o avanço do conhecimento em direção a novas percepções pelas quais a humanidade
constrói a si mesma, por meio de técnicas de auto-constituição ou auto-moldagem que, a longo
prazo, fazem não apenas da verdade, mas também da autoridade do portador da verdade,
matéria relativa.
Eu não inventei o termo meta-história – na verdade, Toynbee o havia utilizado nos idos
dos anos 1940 e Northrop Frye o utilizou nos anos 1950 para indicar o que Karl Popper chamou
de “historicismo naturalista”,o qual ele utilizou no sentido de uma tentativa ilícita ou, pelo menos,
imprópria de adivinhar as leis do processo histórico, prever o futuro da história e insistir na
submissão a essas leis como uma base para programas sociais e políticos “realistas”. A ideia de
meta-história deveria indicar o esforço de dotar a “história” de uma metafísica, uma ontologia e
uma epistemologia que permitiria sua elevação ao status de uma ciência (positivista ou idealista,
seja qual for o caso). Desse modo, a meta-história era identificada com o que, desde Hegel, se
entendia como “filosofia da história”, a qual, nos anos 1960, havia sido dividida em dois tipos:
filosofia da história formal, preocupada com a questão de como a escrita histórica ordinária
“explicava” o que acontecia no passado (bom); e filosofia da história material, preocupada com o
”sentido” da história em geral (ruim). A busca pelo Sentido da História (título de um livro de Karl
Löwith, 1949) não apenas foi vista como infrutífera – dado o fato de que o conhecimento histórico
era mais sobre circunstâncias “particulares” e “individuais” do que universais –, como também foi
vista como politicamente perigosa – dado o fato de que todos os regimes totalitários modernos
buscaram justificação em alguma versão de filosofia da história material. Aqui a distinção
operacional era entre filosofia da história igual a totalitarismo; e historiografia direta ordinária,
senso-comum ou simplesmente“profissional” igual a democrático, liberal-conservador, ou, como
prefiro, política capitalista.
Entitulando um livro de Meta-história e sub-intitulando-o de A imaginação histórica no
século XIX, eu esperava redimir o conceito meta-história de uma maneira que outros conceitos
anteriores, como “gótico” e “romântico”, originalmente termos depreciativos, foram redimidos.
Para mim, meta-história, como o termo “metafísica” no canône aristotélico, não significa
simplesmente o que vem “depois” de seja lá o que for que constitua “história” (tomada como
substantivo referente àquela parte do passado genérico, acessível pelos tipos de métodos de
investigação e apresentação ditos “históricos”). Ou seja, meta-história indica o que, na forma de
ontologia, epistemologia e éticaxvi, tem de ser pressuposto, tido como “natural”, ou explicitamente
demonstrado, de maneira a constituir um lugar único para a “história” entre as disciplinas que
formam as ciências sociais e humanas modernas. Apesar de a história ser tratada como se fosse
o mais “natural” objeto de investigação que se possa imaginar, o fato é que o que a epistêmica
Ocidental chama de “história” e de “histórico” é apenas uma dentre uma larga variedade de
maneiras de conceitualizar e estudar “o passado” e não é mais “natural” do que é a narrativa,
tradicionalmente a maneira presumidamente “natural” de representar um passado que
supostamente se apresenta para inspeção de uma maneira historiológica.
Dito isto, eu gostaria agora de agradecer a todos aqueles que participaram desta
conferência e responder rapidamente a alguns dos apontamentos que foram feitos acerca deste
livro, o Meta-história, o qual eu já não sinto mais possuir e ter de defender ou oferecer qualquer
explicação, mas que agora é, penso que posso dizer, uma espécie de lugar experimentado (um
topos), através do qual um certo tipo de acadêmico e/ou intelectual passou, comentou e agregou
ao passar. Fico muito contente que tantos colegas acharam que ele valha o tempo e o esforço
de ser comentado. E eu acolho qualquer esforço de reescrever, revisar, desconstruir ou mesmo
destruí-lo. Não faz parte do pensamento crítico pedir para que simplesmente se concorde com
suas conclusões. Se esse ou qualquer outro livro for encarado como não tendo mérito ou não
valendo o tempo necessário para ser estudado, então, de qualquer maneira, jogue-o fora e
esqueça-o.
Finalmente, eu gostaria de agradecer especialmente àqueles acadêmicos que
promoveram meu trabalho desde o começo: primeiro, Margaret Brose, Richard Vann, o falecido
Louis O. Mink e o incansável Hans Kellner, sobretudo; depois, Frank Ankersmit, o falecido
Reinhart Koselleck, Lionel Gossman e Jörn Rüsen; depois Ewa Domanska, que facilitou a
tradução e publicação na Polônia, Alvaro Matute, Alfonso Mandiola e o grupo Historia y grafia, na
Cidade do México, Veronica Tozzi e o grupo Metahistorias, em Buenos Aires, muitos dos quais
se tornaram queridos amigos e compañeros estimados sans pareil; Keith Jenkins and Alun
Munslow, no Reino Unido; e, por último, quatro periódicos que têm regularmente solicitado
trabalhos a mim e que têm me ajudado a pensar além ou ao menos repensar posições mais ou
menos sustentáveis,History and Theory, Rethinking History, Critical Inquiry e New Literary
History.
A imaginação histórica brasileira em Caio Prado Júnior:
um exercício de Meta-história
Julio Bentivoglio
(PPGHIS-UFES)

“Não existe uma história verdadeira. As histórias se contam ou se escrevem, não se


encontram (...). Todas as histórias são ficções”.
Hayden White.

1. Hayden White e os fundamentos poéticos da escrita da História


Este texto pretende realizar um exercício que parte da tropologia proposta por Hayden
White em seu Meta-história para analisar a imaginação histórica brasileira nos anos 1930. Ele
possui dupla finalidade: a) demonstrar a factibilidade do modelo de análise proposto por White
em relação às representações históricas formuladas pelos historiadores; b) destacar a
contribuição seminal do historiador norte-americano que produziu verdadeira inflexão na teoria
da história ocidental, a qual foi bastante incompreendida pelos historiadores brasileiros. A análise
dos conteúdos poéticos e meta-históricos do célebre capítulo O sentido da colonização do livro
Formação do Brasil Contemporâneo: Colônia (2000) de Caio Prado Junior publicado em 1942
poderá oferecer uma expressão da consciência histórica brasileira no período.
Antes de Hayden White, o alemão Georg Gervinus, em 1836, foi um dos primeiros a
sugerir a necessidade, por parte dos historiadores, de construírem uma poética para os estudos
históricos. Ele produziu uma sugestiva análise da história da história por meio da classificação
das narrativas históricas em diferentes gêneros no tempo e no espaço, também inspirado pelos
estudos literários, dividindo-as em cronologias, genealogias, anais, memórias e histórias (cf.
GERVINUS, 2009). Graças aos seus esforços inaugurou-se um campo que, embora existisse
hipoteticamente, a partir dali estaria explicitado: a teoria da história (Historik). De qualquer modo,
apesar de seus desenvolvimentos em Johan Gustav Droysen ou em Leopold von Ranke, por
exemplo, aquela poética informou um conjunto sistemático de procedimentos científicos divididos
em três momentos fundamentais da pesquisa histórica: a heurística, a sistemática e a escrita.
E embora os alemães considerassem o problema da narrativa histórica como uma
dimensão fundamental da pesquisa, ao contrário dos franceses que só a tomaram como
problema para reflexão com Tempo e Narrativa de Paul Ricoeur (1989), foi somente com Meta-
historia de Hayden White, publicada em 1973, que a questão da narrativa histórica alcançou o
estatuto de problema fundamental no interior da historiografia contemporânea. Como afirma
Robert Doran,
Nadie, ni antes ni después, fue capaz como el de combinar una profunda
sensibilidad hacia las metas y las inquietudes del historiador profesional con
una perspectiva filosófica que desafia sin Cesar los presupuestos y las
convenciones de su campo (DORAN, 2011, p.19).
Meta-história é ao mesmo tempo uma teoria da escrita da história, da consciência
histórica, da historiografia e da própria história como conceito. Ela se debruça sobre as
contingências do trabalho prático dos historiadores de produzirem textos, mas também sobre o
significado de pensar historicamente, o desenvolvimento deste saber, discutindo o próprio
conceito de História (Cf. DORAN, 2011, p.28). Para White existem normas, senão leis da
narração histórica (WHITE, 2001, p.74). Sua teoria é meta-histórica porque articula os
fundamentos das histórias pensando sua possibilidade de produção e refletindo sobre seu nível
latente ou estrutural. Em sua concepção, flerta com o formalismo e com o estruturalismo. Esta
obra produziu um verdadeiro divisor de águas entre o pensamento histórico anterior e posterior,
inaugurando uma nova etapa na epistemologia e na filosofia da história contemporâneas. Para
White,
Antes que o historiador possa aplicar os dados do campo histórico o aparato
conceitual que usará para representá-lo e explicá-lo, cabe-lhe primeiro
prefigurar o campo, isto é, constituí-lo como objeto de percepção mental.
Esse ato poético é indistinguível do ato lingüístico em que o campo é
preparado para a interpretação como um domínio de tipo particular (WHITE,
1995, p.44).
Como se vê, White teve o mérito de produzir uma nova teoria sobre a representação
histórica ao oferecer um instigante quadro de referências poéticas para discutir a estrutura da
imaginação histórica oitocentista, no qual discute formas de exposição possíveis. Segundo
Hayden White,
As histórias (e as filosofias da história também) combinam uma certa
quantidade de dados, conceitos teóricos, para “explicar” esses dados e uma
estrutura narrativa que os apresenta como um ícone de conjuntos de eventos
presumivelmente ocorridos em tempos passados (...) eles comportam um
conteúdo estrutural profundo que é em geral poético e, especificamente,
lingüístico em sua natureza, e que faz as vezes do paradigma pré-
criticamente aceito daquilo que deve ser uma explicação eminentemente
histórica. Esse paradigma funciona como o elemento “meta-histórico”
(WHITE, 1995, p.11).
Baseando-se na na crítica literária de Northrop Frye (1979) onde busca os modos de
elaboração de enredo, mas também Erich Auerbach (1998) em seu Mímesis, para pensar a
relação entre realidade e representação, White possui outras referências elementares como
Ernst Gombrich, em seu Arte e ilusão que analisa o realismo pictórico. E também Keneth Burke e
sua Gramática de motivos de 1969. Além de Foucault, Levi-Strauss e Derrida. Tais contribuições
oferecem um conjunto de referências para desvendar o que ele chama de estilo historiográfico,
que seria a combinação entre os modos de elaboração de enredo, de argumento e implicação
ideológica que obedecem a determinados padrões e afinidades eletivas. Ou seja, o modo cômico
não é compatível com o argumento mecanicista, nem a ideologia radical com o enredo satírico.
Mas essas afinidades não são combinações necessárias, pois, cada autor traz consigo
momentos de tensão.
El énfasis que ponía en las cualidades formales del artefacto verbal parecia
confirmar el antihistoricismo de los teóricos literarios preocupados por
afirmarse en una porción específica de los estudios literarios contra las
aproximaciones contextualistas de la historia literaria, que a aquellos les
parecia que reducía la critica literaria a biografias de autor, por una parte, y
sociologia histórica por la outra. La insistência de White en la identidad
estructural entre las representaciones fácticas y ficcionales, como también su
uso de las herramientas del análisis literario para develar los contenidos
latentes de la escritura histórica (DORAN, 2011, p.23).
Segundo White, o trabalho histórico teria quatro dimensões fundamentais: a primeira é
inquirição subjetiva do historiador, seu ponto de partida, na qual faz a pergunta ao passado; a
segunda é a empírica e heurística de seleção e crítica documental; a terceira é a interpretativa,
de análise e comparação dos dados; a última é a refiguração do passado e exposição dos
resultados da pesquisa em uma narrativa. É sobre esta última dimensão que White se debruça,
ao analisar os artefatos narrativos de representação do passado, abrindo uma nova seara na
teoria da história. O campo histórico, portanto, dependeria de elementos léxicos, gramaticais,
sintáticos, semânticas e pragmáticas da língua, afinal, todo historiador precisa adotar um
protocolo lingüístico preenchido com aqueles elementos para redigir sua história, em seus
próprios termos (e não nos termos redigidos nos documentos), elaborando uma narrativa. O
número de estratégias explicativas, segundo White não seria infinito. Ele se basearia nos quatro
principais tropos da linguagem poética: metáfora, metonímia, sinédoque e ironia.
Além de problematizar as dimensões explícitas – epistemológicas, estéticas e morais –
do trabalho dos historiadores, sua verdadeira contribuição foi a de indicar um nível mais profundo
de protocolos pré-críticos implícitos nas narrativas históricas. Para ele, conceitos e dados
atuariam na superfície daquelas narrativas, escondendo uma estrutura meta-histórica que
determina a exposição textual, a qual tem sido, sistematicamente, ignorada pelos historiadores.
Segundo ele, esta estrutura se articularia em três tipos de estratégias utilizadas pelos
historiadores para construir o efeito explicativo: a explicação por argumentação formal, a
explicação por elaboração de enredo e a explicação por implicação ideológica.
Dentro de cada uma dessas diferentes estratégias identifico quatro possíveis
modos de articulação pelos quais pode o historiador alcançar uma impressão
explicativa de tipo específico. Para os argumentos há os modos do formismo,
do organicismo, do mecanicismo e do contextualismo; para as elaborações
de enredo há os arquétipos da história romanesca, da comédia, da tragédia e
da sátira; e para implicação ideológica há as táticas do anarquismo, do
conservantismo, do radicalismo e do liberalismo. Uma combinação específica
de modos constitui o que chamo de estilo historiográfico de determinado
historiador ou filósofo da história (WHITE, 1995, p.28).
O nível de consciência dos historiadores poderia, portanto, ser detectado na urdidura da
própria narrativa, através da escolha de diferentes estratégias com as quais o historiador analisa
e expõe seus dados, no qual realiza “um ato essencialmente poético, em que prefigura o campo
histórico e o constitui como um domínio no qual é possível aplicar as teorias específicas que
utilizará para explicar” (WHITE, 1995, p.12). E esta prefiguração do campo histórico assume
ainda quatro tropos fundamentais da linguagem poética para ele: metáfora, metonímia,
sinédoque e ironia. Estes são, em linhas gerais, os fundamentos de sua teoria da escrita da
história, que revelam uma história dentro da própria história. Segundo Hayden White, o modo
tropológico dominante e seu concomitante protocolo lingüístico compõem uma base
irredutivelmente meta-histórica de todo trabalho histórico. Em outras palavras, as teorias
supostamente científicas da historiografia poderiam ser resumidas aos seus fundamentos
poéticos e lingüísticos.
Elucidando melhor sua teoria, sublinhamos que para Hayden White a consciência
histórica oitocentista pode ser definida em alguns princípios elementares: 1) toda história é ao
mesmo tempo uma filosofia da história; 2) os modos possíveis da historiografia são os mesmos
possíveis para a filosofia especulativa da história; 3) esses modos expressam formalizações
poéticas que os precedem para produzir a explicação; 4) não é possível afirmar que um modo é
superior ou mais realista que os outros; 5) os historiadores estão presos a uma escolha de
estratégias interpretativas pré-existentes; 6) os critérios para a adoção de uma perspectiva
histórica são mais de ordem estética ou moral que epistemológica; 7) a cientificização da história
caracterizou-se pela preferência de determinadas conceitualizações, cujas bases são morais ou
estéticas (WHITE, 1995, p.14). Alguns autores radicalizaram o projeto de White, como Keith
Jenkins, por exemplo, para o qual a consciência histórica não passa “de uma base teórica para a
posição ideológica” defendida. O método de White é formalista e pode ser resumido em duas
interrogações. O que significa pensar historicamente? A explicação histórica dependeria mais da
temporalidade ou de uma modalidade de estratégias de exposição narrativa? Sua contribuição à
teoria da história promove a articulação de três níveis decisivos do trabalho do historiador: o
histórico (empírico), o teórico (conceitual) e/estilístico (poético). Pois,
Consideradas puramente como estruturas verbais, as obras por eles
produzidas parecem ter características formais diferentes e arranjar o aparato
conceitual, usado para explicar os mesmos conjuntos de dados de maneiras
fundamentalmente diferentes. No nível mais superficial, por exemplo, a obra
de um historiador pode ser diacrônica ou processual por natureza
(salientando o fato da mudança e da transformação no processo histórico),
ao passo que a de outro pode ser sincrônica ou estática na forma
(acentuando a continuidade estrutural) (WHITE, 1995, p34).
Os diversos tipos de reflexão histórica apresentam famílias poéticas definíveis que
compõem uma determinada imaginação histórica. As obras históricas apresentariam os
seguintes níveis de conceitualização: crônica, estória, modo de elaboração de enredo, modo de
elaboração de argumentação e modo de implicação ideológica. Crônica e estória são os
elementos primitivos do relato histórico, voltadas para a seleção e arranjo de dados encontrados,
a fim de tornar a informação compreensível para os leitores. Elas permitem a mediação entre os
registros históricos (fontes) com o campo histórico (teórico-conceitual). Ou seja, elas tornarão
aquilo que é diacrônico e disperso em algo sincrônico e relacionado. Para White, muitos
historiadores como a maioria pessoas acreditam que existe uma história e que ela está em
algum lugar. Basta encontrá-la. Mas, de fato, a história seria uma construção, uma invenção;
apenas uma narrativa. Ou seja, mesmo a história científica teria uma base ficcional em sua
gênese. Os historiadores simplesmente fazem escolhas e recortes. Diferem-se dos cronistas
porque colocam um início e um fim em seus relatos.
Uma vez selecionados os eventos é preciso organizá-los. Então os historiadores
perguntam: o que ocorreu depois? Como isso aconteceu? Por que as coisas aconteceram
assim? Mas há um conjunto mais profundo de perguntas, tais como: o que significa tudo isso?
Qual a finalidade disso? Para White, “essas perguntas tem a ver com a estrutura do conjunto
inteiro de eventos, considerado como uma história concluída” (WHITE, 1995, p.22). E seu
sentido será dado através da elaboração de enredo. Se o historiador estrutura seu enredo como
uma tragédia a explicação é de uma certa ordem, se estrutura como comédia ela assume outro
perfil. Assim, segundo White, Michelet teria escrito suas histórias no estilo romanesco, Ranke no
cômico, Tocqueville no trágico e Burckhardt no satírico (WHITE, 1995, p.24s).

2. A geração de 1930 e o fardo da História


A partir destas considerações iniciais, passa-se ao objeto recortado para análise, a obra
de um autor decisivo na historiografia brasileira e integrante de uma geração especial, para
aplicar o quadro analítico proposto por Hayden White: Caio Prado Júnior, integrante da tríade
formada por ele, Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda. Oliveira Viana, embora nascido
pouco antes, bem poderia ser subsumido a esta geração, tendo em vista a influência exercida
por sua obra e a convergência de questões que compartilha com aqueles autores. O ocaso do
Império, obra publicada em 1925, cinco anos após Populações meridionais do Brasil, oferece um
belo contraponto para se pensar a historiografia no período.
A análise desta geração de 1930 pode constitui um instigante panorama da imaginação
histórica brasileira no período. Não são poucos os intérpretes que a destacam como tendo
produzido obras fundamentais que realizaram uma verdadeira inflexão nos estudos históricos no
Brasil, bem como exerceriam poderosa influência sobre os trabalhos que vieram depois. Antonio
Candido, por exemplo, sublinha que
são estes os livros que podemos considerar chaves, os que parecem exprimir
a mentalidade ligada ao sopro de radicalismo intelectual e análise social que
eclodiu depois da Revolução de 1930 e não foi, apesar de tudo, abafado pelo
Estado Novo. (...) Traziam a denúncia do preconceito de raça, a valorização
do elemento de cor, a crítica dos fundamentos “patriarcais” e agrários, o
discernimento das condições econômicas, a desmistificação da retórica
liberal. (CANDIDO, 1995, p.9; p.11)
Na mesma direção, Evaldo Cabral de Mello aponta que empreenderam uma abordagem
inovadora que ultrapassa o olhar meramente sociológico constituindo um discurso histórico
inovador sobre a realidade brasileira (MELLO, 1995, p.191-2). Antonio Candido também já havia
reconhecido no post-scriptum de 1986 que Raízes do Brasil ao lado de Casa-grande e senzala e
Formação do Brasil contemporâneo configuravam guias para o conhecimento do país. A meu ver
todas estas obras enfrentavam quatro questões basilares: a herança colonial portuguesa, os
dilemas do liberalismo, a presença do modernismo e a questão nacional.
Astor Diehl diagnostica que aquela geração travava um debate direto com o pensamento
conservador, cujo prócer no momento era Alberto Torres, um dos apóstolos do realismo social
no Brasil, que defendia uma política racional renovada, mas conservadora (Cf. ORTIZ, 1985).
Torres, como muitos daqueles intelectuais, criticava o caráter oligárquico predominante na vida
pública e defendia a necessidade de se civilizar a nação no duplo sentido do termo (DIEHL,
1999, p.241). Atrasado economicamente e orbitando em torno da figura dos coronéis, o país
carecia de reformas profundas. Era então preciso pensar no modo como as mudanças deveriam
ser conduzidas, se de maneira radical ou gradual. A inspiração do pensamento estrangeiro
também passou a ser questionada, pois, muitas obras eram consideradas distantes da realidade
brasileira. De um modo geral aquela geração se debatia com um problema pontual para Sérgio
Buarque de Holanda: a herança colonial.
De um modo ou de outro todos aqueles pensadores, para compreenderem a situação
político-econômica de seu tempo, avaliavam positiva ou negativamente o passado colonial
brasileiro. Em outras palavras, todos pensavam em como construir um Brasil moderno. Essa
verdadeira atmosfera intelectual informava direta ou diretamente o surgimento das novas idéias
semelhantemente ao universo das artes. Assim, o pensamento de Freyre, Holanda ou Prado
Júnior foi marcado pelo quadro de referências do modernismo. Segundo Ricúpero, “como os
modernistas já haviam estabelecido os símbolos para pensar o Brasil, ficou mais fácil para
Gilberto Freyre, Sérgio Buarque e Caio Prado Jr. se lançarem, de forma mais ou menos
sistemática, ao estudo da gramática que constitui o país (RICÚPERO, 2008, p.117)
O tom dos projetos e das respostas para a crise e o status quo foi dado pelo
nacionalismo que, naquela altura, se constituiu em um antídoto para a crise liberal. Bernardo
Ricupero considera, por exemplo, que a maneira como Caio Prado Jr. construiu seu projeto
nacional o aproxima dos pensadores autoritários brasileiros (RICUPERO, 2008, p.227), pois, aos
olhos contemporâneos pareceria um nacionalista embolorado (RICÚPERO, 2008, p.229). Ou
seja, para ele era preciso superar a situação colonial mediante a imposição de uma ordem
nacional. Ainda segundo Ricúpero, o
nacionalismo, mais do que um pensamento articulado, era quase uma atitude
mental [e], representou, portanto, com todas as suas limitações e
possibilidades, parte significativa do horizonte intelectual e político a partir do
qual Caio elaborou sua obra (RICÚPERO, 2008, p.121).
É preciso sublinhar, entretanto, que a consciência historiográfica brasileira no início do
século XX passava por mudanças face às formas tradicionais da representação histórica,
calcadas na cronologia dos marcos políticos constitutivos da história política e administrativa da
nação. A obra de Capistrano de Abreu já denunciava este momento de inflexão na escrita da
história. Aquele autor é um marco da emergência de uma leitura crítica do passado, consciente
da operação historiográfica realizada pelos historiadores, manifestada pela reflexão que produz
sobre o método e o modo como produzia história (Cf. GONTIJO, 2013). Prenunciava-se o
advento da história científica produzida no interior das universidades como um campo autônomo
e por historiadores de formação. A Universidade de São Paulo havia sido criada em 1934, a
Universidade do Distrito Federal em 1935 e a Universidade do Brasil em 1937. Mas ela ainda era
produzida por não-especialistas. Concomitantemente, a própria idéia de nação passava por
questionamentos, surgindo obras que repensavam o passado e o futuro do Brasil.
Naquele contexto, começaram a ser produzidas histórias dotadas de maior
complexidade face às concepções mais ingênuas herdadas da historiografia oitocentista. Alberto
Torres (1933), Nelson Werneck Sodré (1971) ou Afonso Taunay (1923), por exemplo, são
ilustrativos das tensões da historiografia naquele contexto. Pensar a cultura historiográfica de
então requer examinar o surgimento de uma nova matriz disciplinar para a história e um novo
conjunto de instrumentais analíticos tendo como pano de fundo o problema da modernidade
brasileira (DIEHL, 1998, p.13). O cenário foi marcado por uma profunda revisão de idéias e
valores, acompanhadas por transformações concretas da sociedade, em função do
desenvolvimento econômico e material observados que colocavam nova luz sobre a identidade
nacional. Não por acaso, muitas foram as obras devotadas ao estudo do povo ou da nação.
Para José Roberto Amaral Lapa predominava na historiografia das duas primeiras
décadas o elemento factual, o pouco diálogo com as ciências sociais, a preferência sobre a
história política, administrativa ou de caráter biográfico (LAPA, 1981, p.80). No entanto, nos anos
1930 desponta uma oposição crescente à história tradicional, de perfil magistra vitae, que se
materializava por meio do surgimento de trabalhos mais livres e ensaísticos dedicados a
investigar o passado do país. Trabalhos que ainda traziam marcas retóricas, embora não mais
calcados no recorte factual ou político. Eles assumiam uma crítica à suposta objetividade na
história e se valiam de uma tessitura erudita, contudo, subjetiva. Em uma palavra, representam
uma renovação (DIEHL, 1998, p.143). Ao avaliar a trajetória na nação, questionam o otimismo e
o progresso, procurando romper com os modelos vigentes.
A tríade acima mencionada composta por Caio Prado, Sérgio Buarque e Gilberto Freyre,
passa a escrever sobre o passado, mas, pensando o futuro, ou seja, são porta-vozes de uma
nova consciência histórica trazendo no bojo de suas histórias uma filosofia da história.
Inovadores nas respostas que ofereciam à compreensão do passado, eram tradicionais no que
se refere à documentação, visto se basearem mais no debate bibliográfico que no recurso às
fontes de arquivo. Para Paulo Miceli,
Os três desenvolveram sua carreira intelectual valendo-se basicamente de
seu patrimônio material e social, devendo quase nada a mentores políticos,
partidários ou acadêmicos”. Seriam, portanto, “livres-atiradores isolados (...)
últimos representantes de uma categoria de grandes intelectuais autodidatas”
(MICELI, 1989, p. 102.)
De qualquer modo, Gilberto Freyre era saudosista em relação ao passado, Sérgio
Buarque otimista em relação ao presente, localizando sinais que apontavam para sua
superação, enquanto Caio Prado percebia que no Brasil o passado estava incrustado no
presente, mas mirava no futuro. Destoando deles pairava o espectro de Oliveira Viana,
entusiasta da monarquia que colocou o latifúndio como aspecto central para se pensar a história
do Brasil e historiador conservador por convicção. Embora não se ressentissem do fardo
colonial, o modo como expressavam sua consciência histórica é nuançado, visto Sérgio e Caio
ampliarem suas expectativas com vistas ao futuro, este último de maneira mais radical. Afinal,
era “um intelectual comunista, um membro da „geração‟ de intelectuais de 30, um militante
nacionalista, um „traidor de [sua] classe‟ [burguesa], ou tudo isso combinado, mas não mais do
que essas suas circunstâncias (RICÚPERO, 2008, p.39). E, embora o marxismo teimasse em
não entender a América latina, Prado Júnior foi capaz de fazê-lo entender o Brasil, criando um
marxismo original (RICÚPERO, 2008, p.66; 69).
Neste último ponto, vale destacar que o PCB não tinha produzido frutos intelectuais
dentro do partido até meados de 1940, orbitando em torno da figura e do personalismo de Luís
Carlos Prestes (WEFFORT, 2006, p.282). Tais esforços vieram de fora do partido, por homens
como Caio Prado Júnior. Foi somente no final dos anos 1950 que se formou o marxismo
brasileiro, mais próximo da universidade. Paulo Arantes chega a dizer que “o marxismo brasileiro
nasceu na USP”. (ARANTES, 1994, p.239). Durante este processo,
o caso de exceção foi Caio Prado Jr., em cuja pessoa inesperada o prisma
marxista se articulou criticamente à acumulação intelectual de uma grande
família do café e da política, produzindo uma obra superior, alheia ao
primarismo e assentada no conhecimento sóbrio das realidades locais”
(SCHWARZ, 1995, p.4)

3. História e estórias para Caio Prado Júnior


Caio Prado Júnior era filho de uma das mais tradicionais famílias paulistas de políticos e
fazendeiros importantes, tendo nascido em São Paulo no ano de 1907 (LEVI, 1977). Quando
jovem, passou dois anos estudando no Inglaterra, depois retornou ao Brasil formando-se em
Direito pela Faculdade do Largo de São Francisco. Para Lincoln Secco,
ele cumpriu todos os rituais de um moço bem nascido, era um aluno brilhante
e de repente, depois da revolução de 1930, entrou em um curto-circuito
político e ideológico, aderindo em 1931 ao Partido Comunista. E mais, viajou
à União Soviética, em seguida. (SECCO, 2008, p.88)
Essa mudança radical foi marcada pela decepção dele e de boa parte de sua família
com a Revolução de 1930. No ano de 1932 conheceu a União Soviética e de lá trouxe leituras e
experiências socialistas que conferiram um norte à sua vida política e intelectual. Naquela altura
o partido comunista brasileiro vivia um período de crise e de renovação. Conforme Secco
A partir de 1934/35, o PCB sofre uma transformação profunda com a
penetração da geração dos tenentes de esquerda. Toda aquela rebeldia
tenentista dos anos 1920, vai em parte para o lado de Getúlio Vargas e da
Revolução de 1930. Mas uma outra parte ingressa no PCB, capitaneada pelo
Capitão Luís Carlos Prestes, e essa geração de militares descontentes do
final da República Velha é que vai assumir o comando do partido. Caio Prado
Júnior, como um militante modelo, teve, ao contrário do que ele próprio disse
depois, uma grande importância na estrutura do partido em São Paulo, entre
1935 e 1947. Não é à toa que ele foi escolhido como vicepresidente da
Aliança Nacional Libertadora, que foi a responsável pelo levante comunista
de 1935 (SECCO, 2008, p.90)
Inspirado pelo marxismo, publicou Evolução política do Brasil em 1933. E, enquanto
ainda estudava Direito, Caio Prado freqüentou também os cursos de Geografia Humana
ministrados por Pierre Deffontaines e os de História da Filosofia de Jean Maugüé, em 1934
(ARANTES, 1994). E se tornou um leitor das revistas American Geographical Society, Revue de
Synthèse Historique de Henri Beer, Cahiers Rationalistes fundada por Paul Lanvejan e Annales
d´Histoire Economique et Sociale de Marc Bloch e Lucien Febvre. Não deve ter sido tarefa fácil
desvencilhar-se dos interesses familiares que desejavam vê-lo bacharel ou advogado para se
aventurar às humanidades e à atividade intelectual. Com Maugüé, Caio leu Hegel, Marx e Freud.
E o antigo mestre assim se refere aos seus alunos: “brilhantes representantes dos fazendeiros
locais, das mulheres muito elegantemente vestidas (...) com eles, havia também gente muito
séria, como Caio Prado Júnior” (PETITJEAN, 1996). Naquele momento, ele foi um dos
fundadores da Associação dos Geógrafos Brasileiros, em 1934, bem como membro do Centre
Internationale de Synthèse, da Encyclopedie Française de Febvre e da Union Rationaliste.
No ano seguinte, ingressou e presidiu a Aliança Nacional Libertadora em São Paulo em
1935, que tinha como objetivo combater o avanço do fascismo no país. Preso em 1936, solto
mais de um ano e meio depois, seguiu para o exílio em Paris onde fez cursos na Sorbonne entre
1937 e 1938, aproximando-se da sociologia de Durkheim, da história da Revolução Francesa de
Georges Lefèbvre, mas também dos Annales e da geografia de Vidal de La Blache. A partir de
1938 começou a escrever seus diários políticos, até 1944. Procurando os liames entre política,
cultura e sociedade e refinando seus instrumentos de crítica e interpretação. Também redigiu
vários diários manuscritos de viagens, como aos Países Baixos (1938), aos Países
Escandinavos (1938), a Ouro Preto (1940) a Diamantina (1941).
Em 1943, Caio Prado fundou com Monteiro Lobato e Arhur Neves a Editora Brasiliense.
Ela ficava no mesmo prédio da tradicional Livraria no famoso Ponto Chic do Largo Paissandu, na
Rua Líbero Badaró, no cobiçado centro novo de São Paulo dos anos 1940, onde ficavam os
prédios mais altos e mais caros (IUMATTI, 2000, p.152). Em sua livraria foram feitas várias
exposições de artistas e fotógrafos brasileiros do modernismo. Em maio de 1944 foi com um
grupo de artistas conhecer Minas Gerais, dentre eles Sérgio Milliet, Alfredo Mesquita, Décio de
Almeida Prado, Paulo Emílio Salles Gomes, Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Alfredo Volpi,
Mario Schemberg e Eduardo Maffei (IUMATTI, 1998, p.162). Desse contato brotou a impressão
de que o Brasil ainda não tinha produzido uma civilização, reconhecendo na herança colonial um
rastro de miséria e ruínas. Para Prado Junior a esfera cultural e política brasileiras estava
desorganizada e inexistia uma opinião pública formada (IUMATTI, 1998, p.148).
O círculo intelectual de Caio Prado Júnior “adotava em seus escritos uma linguagem
descuidada, de certa forma agressiva, propositadamente mal revisada. Inspirados, em parte, na
irreverência de Monteiro Lobato em relação à reforma ortográfica estado-novista, seus estilos
desiguais escondiam um arrojado sarcasmo” (IUMATTI, 1998, p.150). Ademais, argumentavam
usando estilo técnico, buscando uma perspectiva objetivista, cientificista, aberta e polêmica.
(IUMATTI, 1998, p.151). Tais marcas são visíveis na escrita de Prado Junior.
Entre 1945 e 1946 dirigiu o jornal comunista Hoje em São Paulo, no primeiro ano,
juntamente com Milton Caires de Brito, Jorge Amado, Nabor Caires de Brito e Clóvis Graciano,
no segundo, apenas com Milton Caires Brito. Em 1945 deu palestras sobre a União Soviética no
Clube dos Artistas Modernos, que congregava a vanguarda artística da capital paulista (SECCO,
2008, p.88).
Muitos integrantes Partido Comunista no Brasil haviam tentado interpretar a história
brasileira, sem muito sucesso, inspirados no marxismo vulgar de inspiração soviética, como
Astrogildo Pereira, Mário Pedrosa, Otávio Brandão e Olívio Xavier (SECCO, 2008, p.89). E,
apesar de ter lido poucas obras, como O Capital numa tradução francesa, A breve história do
Partido Comunista da União Soviética de Max Beer, Lenin e alguns manuais como o de
Bukharin, que traduziu para o português, obras que raramente citava em suas obras históricas,
Caio Prado Junior foi capaz de construir um marxismo original e brasileiro. Contudo, sua obra
não foi bem recebida pelo Partido e, apesar de marginalizado, jamais rompeu com a direção. E a
Universidade de São Paulo, embora a tenha aceito, não acolheu o seu autor (SECCO, 2008,
p.193).
Caio Prado Júnior tentou se tornar professor da USP nos anos 1950 (...) Mas,
por motivos políticos, não assumiu a cadeira de professor. (...) Em 1963, ele
foi convidado pela congregação de uma faculdade isolada do interior paulista,
pública, que depois compôs a UNESP, para ser professor, mas a Secretaria
de Educação do Estado de São Paulo negou a contratação (...). Depois, em
1968, (...), ele fez um concurso para ser professor do que hoje é o
departamento de história da USP, ele fez uma tese para o concurso,
chamada História e Desenvolvimento, que depois foi publicada, para
substituir o Sérgio Buarque de Holanda, mas a reitoria da USP cancelou o
concurso também por motivos políticos. Já estávamos sob a ditadura militar.
(SECCO, 2008, p.93-94)
Militante profissional marginalizado dentro do partido, revolucionário aristocrático na
sociedade, Caio foi responsável pela nacionalização do marxismo no Brasil (Cf. RICÚPERO,
2008) e um crítico radical da política preso várias vezes, em 1936, 1948 e no final dos anos
1950. Em 1955 fundou a Revista Brasiliense, que entre seus nove colaboradores mais assíduos,
trazia integrantes do Partido Comunista brasileiro (D´INCAO, 1987, p.87).
Lançou Formação do Brasil contemporâneo em 1942, um ano depois fundou a Editora
Brasiliense. Em 1966 foi eleito o Intelectual do Ano pela União Brasileira de Escritores, ano em
que publicou sua obra mais conhecida A revolução brasileira. Para José Carlos Reis, “Caio
Prado foi um dos primeiros a acreditar, a confiar na eficácia histórica do povo brasileiro. Para ele,
as elites não fazem a história do Brasil sozinhas. O sujeito da história do Brasil não são as elites
isoladas, mas as classes sociais em luta” (REIS, 2001, p.176). Recusa-se a fazer uma história
oficial, seja política de direita, seja ao sabor da intelligentzia de esquerda comunista. E no interior
do próprio Partido Comunista, faz a crítica mais devastadora à teoria e prática dominantes no
campo socialista, coroada com a publicação d´ A Revolução Brasileira em 1966. (RICÚPERO,
2008, p.27)
Caio Prado Júnior representou uma nova fase do pensamento marxista brasileiro que
recusava o apriorismo e o dogmatismo de seus colegas de partido, dentre eles Nelson Werneck
Sodré (Cf. D´INCAO, 1987). Para ele a realidade brasileira deveria ser estudada a luz de si
mesma, não por meio de conceitos exteriores à ela. Segundo Prado Júnior, ainda sentimos a
presença colonial. Mas isso não conduziu a uma história reacionária ou atrasada. Isso levou
Caio a produzir uma história realística, que exigia o conhecimento desta realidade, para
conhecer seus elementos mais resistentes e cristalizados. O presente tenderia mais ao passado
que ao futuro (REIS, 2001, p.200).
Sua obra exerceu forte impacto sobre os alunos das gerações seguintes, marxistas ou
não. Publicado em 1942, seu livro tem como objeto de estudo a nação, o Brasil. O título,
Formação Econômica do Brasil, já é, em si, revelador. Formação remete ao processo de
constituição, um ganhar forma e um tornar-se. O recorte para se entender o significado do Brasil,
para Caio Prado Júnior deveria ser buscado no passado, em seu sentido. Ele parte das
características e das formas, para retomar a essência e o sentido. Seu ponto de partida é o
pensamento de Karl a Marx. Ou seja, traz a marca do radicalismo intelectual surgido após a
Revolução de 1930. O Brasil de Caio Prado já nasceu moderno. A sociedade é que era atrasada.
Desse constructo dialético emergiria nossa modernização conservadora. Para Caio Prado
a forma pela qual se operou a emancipação do Brasi [tem] o caráter de
arranjo político (...), de manobras de bastidores, em que a luta se desenrola
exclusivamente em torno do príncipe regente (...) Fez-se a Independência à
rebeldia do povo; isto (...) afastou por completo de sua participação da nova
ordem política. A Independência brasileira é fruto mais de uma classe do que
da nação tomada em seu conjunto (PRADO JUNIOR, 1936, p.49-50).
Integrante da geração que promoveu o redescobrimento do Brasil, Prado Júnior introduz
um método inteiramente novo na historiografia brasileira, o materialismo histórico no qual “as
classes emergem pela primeira vez nos horizontes da explicação da realidade social enquanto
categoria analítica (MOTA, 2000, p.28).

4. Caio Prado Júnior e a imaginação histórica brasileira nos anos 1930.


Por fim, a tropologia da geração de 1930. Evidentemente que a classificação sugerida
não deixa de ser um tanto quanto restritiva. O próprio Hayden White adverte que se deva,
necessariamente, levar em conta as tensões existentes na obra dos autores, ampliando as
classificações sugeridas. Esta elasticidade é fundamental para uma melhor compreensão da
complexidade dos autores e da elasticidade semântica de suas narrativas. Pois,
a tensão implícita em toda obra-prima da história é criada em parte por um
conflito entre uma dada modalidade de enredo ou de explicação e o
comprometimento ideológico específico de seu autor (WHITE, 2001, p.89).
Ao analisar o modo como refiguram o passado, penso que Caio Prado é aquele que
possui um estilo histórico mais visível e claro. As escritas de Sérgio Buarque de Holanda e de
Gilberto Freyre são mais híbridas e difíceis de serem enquadradas na tropologia de White.
Holanda porque em muitos momentos é mais organicista. Freyre por se servir do contextualismo.
Ambos por serem, em várias passagens, igualmente irônicos. De qualquer modo, todos os três
apresentam tensões dialéticas no interior de suas obras e face à historiografia existente ou
produzida naquele contexto que escapam, evidentemente, às restrições do quadro proposto. De
qualquer modo, ele não deixa de ser útil para se pensar a escrita da história no Brasil durante o
período. Vale lembrar que
White considera que la tropología es um médio para trascender el eterno
conflicto entre lãs perspectivas polares del realismo filosófico (uma realidad
ontológicamente Independiente que la mente interna alcanzar) y del
idealismo filosófico (de la identidad entre la mente y el mundo) [hacia]
sostener que el mundo está prefigurado em nuestra aprehensión lingüística,
lo cual implica que la “realidad” siempre será, em cierto sentido, la
consumación de una imagen (o figura) (DORAN, 2011, p.27).
O quadro abaixo apresenta a disposição tropológica da geração de 1930 no Brasil,
conforme modelo analítico proposto por Hayden White. Oliveira Viana está destacado porque
não é colocado pela crítica como um componente da geração em questão, embora,
ironicamente, expresse o limite e a agonia de uma consciência historiográfica anterior e seja um
dos autores mais lidos e respeitados naquele momento. Não por acaso sua consciência
historiográfica indica o zênite e o início da dissolução de um determinado modelo de escrita da
história, herdeiro e tributário de Capistrano de Abreu e Francisco A. Varnhagen.

Quadro 1. A representação histórica da geração de 1930 no Brasil.


Modo de elaboração de Modo de Modo de implicação Tropo
enredo argumentação ideológica
Oliveira Viana Romanesco Formista Anarquista Metáfora
Gilberto Freyre Cômico Organicista Conservador Sinédoque
Caio Prado Júnior Trágico Mecanicista Radical Metonímia
Sérgio Buarque de Satírico Contextualista Liberal Ironia
Holanda

Caio Prado Júnior é o autor que melhor se encaixa na tipologia de Meta-história. Ele
estrutura sua narrativa sob a égide do modelo trágico, organizando sua argumentação de
maneira mecanicista, assumindo uma postura radical. Seu estilo é o mais limpo e o mais direto
de todos os outros. Observa-se maior heterogeneidade no estilo de Gilberto Freyre e de Sérgio
Buarque de Holanda cujas obras possuem uma narrativa e uma urdidura textual mais híbrida e
de maior densidade argumentativa. O que não significa que Prado Júnior não tenha qualidades
literárias ou interpretativas, pelo contrário, apenas possui um estilo mais direto e reconhecível.
Segundo Antonio Candido
se manifestava um autor [em Caio Prado] que não disfarçava o labor da
composição nem se preocupava com a beleza ou expressividade do estilo.
Trazendo para a linha de frente os informantes coloniais de mentalidade
econômica mais sólida e prática, dava o primeiro grande exemplo de
interpretação do passado em função das realidades básicas da produção, da
distribuição e do consumo. Nenhum romantismo, nenhuma disposição de
aceitar categorias banhadas em certa aura qualitativa (...) como linha
interpretativa o materialismo histórico, que vinha sendo em nosso meio uma
extraordinária alavanca de renovação intelectual e política (CANDIDO, 1995,
p.11).
Embora a discussão aqui ensejada não se ocupe de Oliveira Viana, ele provavelmente
constitui um bom contraponto para os autores canônicos de então, complementando o quadro
analítico meta-histórico daquela geração, afinal ela não somente traz novidades como mantém
tradições. Celebrizado pela obra Populações do Brasil meridional, de 1920, o famoso historiador
carioca publicou O ocaso do Império cinco anos depois, obra representativa naquele contexto, e
também clássica na historiografia brasileira. Em sua nostalgia monárquica, ela apresenta
claramente a adoção de um estilo romanesco, elaborado a partir de um enredo formista, tendo
como coloração política um pretenso anarquismo que, mascarava uma implicação ideológica
profundamente conservadora. Seu estilo, portanto, consubstanciava não apenas uma
ambigüidade natural, mas, uma faceta absolutamente irônica diante da realidade nacional.
Em relação aos autores, talvez Freyre seja o mais conservador dos três recusando
relações de causalidade e fugindo das categorias de identidade que marcam o pensamento de
Prado, Holanda ou Viana. Caio Prado Junior, por sua vez, fundiu as estratégias sinedóticas do
pensamento de Marx, com os recursos metonímicos da sociologia positivista de Durkheim,
criando uma representação da história dialética e materialista que, a seu modo, é histórica e
mecanicista, esforçando-se por conferir à história um caráter científico e uma ordenação lógica.
Realizou um estudo coeso relacionando a consciência histórica de seu tempo com o passado
histórico investigado. Mais do que Freyre ou Holanda, Prado Júnior tinha clareza das implicações
ideológicas da escrita da história. Crítico dos historiadores que o antecederam, como Rocha
Pombo, por exemplo, por menosprezarem as lutas sociais ao dizerem que não passavam “de
fatos sem maior significação social e que exprimem apenas a explosão de „bestiais‟ sentimentos
e paixões das massas” (PRADO JÚNIOR, 1994, p.8). Sua concepção de história pode ser tudo,
menos irônica. De qualquer modo “com forte influência das idéias e sugestões de Joaquim
Nabuco e Euclides da Cunha” todos “deram continuidade aos velhos temas que vinham da
colônia e do Império – temas para cuja superação contribuíram” (WEFFORT, 2006, p.9). A
exceção de Viana, naturalmente.

A) A sintaxe da historiografia brasileira nos anos 1930.


As funções sintáticas fundamentais, de sujeito e objeto, apontam uma relação reveladora
daqueles autores com o passado brasileiro Como já apontado anteriormente, alguns elementos
estruturavam as construções históricas possíveis de então. Em primeiro lugar se identifica o
problema da contigüidade entre passado e presente, entre colônia e Império. Em outras
palavras, a existência do fardo colonial para alguns, que para outros se tratava apenas de uma
herança. Este aspecto determinava a relação entre o historiador e a história. Diante do passado
colonial, duas estratégias se configuravam, uma que afirmava sua positividade, como em Caio,
Viana e Freyre; outra que afirmava sua negatividade, como Sérgio Buarque de Holanda. O
reconhecimento da historicidade de si e da historiografia exercia uma função sintática
fundamental e determinante para as narrativas que construíram. Neste aspecto, por exemplo, a
descrença de Sérgio Buarque de Holanda ia além, pois para ele, mesmo o presente carregava
uma cicatriz de origem, afinal, mesmo a democracia no Brasil era um lamentável mal-entendido
(HOLANDA, 1995, p.160).
Um segundo elemento estruturante na elaboração de enredo era dado pelo
posicionamento diante da atmosfera intelectual ou ideológica. Neste sentido, eram liberais. A
leitura que faziam da história brasileira identifica-se com a tradição do liberalismo brasileiro. O
tema exigiria maiores análises, contudo, sinaliza-se aqui o fato de que as idéias liberais se
impunham como uma regra de ouro, matizando-se em vertentes mais radicais ou moderadas do
pensamento liberal. Caio Prado e Sérgio Buarque poderiam ser posicionados nesta vertente
mais exaltada, ao passo que Freyre e Oliveira Viana naquela mais moderada. Esta regra de ouro
desvela o ponto de partida das histórias produzidas pela geração de 1930, que prescrevia não
fazer do passado aquilo que não gostariam que se fizesse do presente. As análises da presença
do escravismo, da organização político-administrativa, das transformações jurídicas, ou da
estrutura agrária no século XIX em suas obras, dão a ver a presença deste segundo elemento
estruturante.
O terceiro elemento, responsável pelo amálgama dos dois anteriores, a herança colonial
e o liberalismo, é a presença de princípios modernistas. Esta postura de adesão ou não a um
novo protocolo artístico e literário com suas convenções, retórica, figuras e estilo, dá o tom para
as histórias escritas. Sérgio Buarque e Caio Prado mergulharam de corpo e alma nesta
atmosfera de renovação cultural, participando intensamente do modernismo. Tal fato produz uma
marca distintiva no modo como manifestam a consciência histórica do momento, muito embora,
de maneira profundamente original, não tenham ampliado o abismo que separava o passado do
futuro, mantendo-os próximos, presentes. Rompem, no entanto, radicalmente da historiografia
anterior, apontando-lhe defeitos e problemas. Bem ao contrário de Freyre ou Viana, que
reverenciam os clássicos, reconhecendo e assimilando o peso da tradição historiográfica
anterior. O espaço da experiência histórica e historiográfica é o guia que orienta a redação de
seus trabalhos. Assim, embora tragam elementos de renovação, não constituem, a rigor, obras
de ruptura, como as de Prado Júnior ou Holanda.
Por fim um último aspecto estruturante daquela sintaxe histórica é conferido pelo
nacionalismo. A questão nacional ganhou novas dimensões com a Revolução de 1930,
produzindo movimentos calorosos de expressão da nacionalidade. Pensar o Brasil e caracterizar
o povo brasileiro tornava-se um elemento imprescindível para aquela geração de intelectuais. Na
ordem do momento estava a problematização dos símbolos e significados da nação. Todos
estes elementos constituem as regras sob as quais se escolhem os fatos e oferecem as
diretrizes que conduzem a pesquisa deixando marcas nos textos produzidos. Elas forneceram,
inclusive, aos intérpretes elementos para pensar aquela geração de historiadores e explicar o
funcionamento de suas narrativas.

B) A semântica da história brasileira em Caio Prado Júnior.


Com sua visão profundamente cética da história tradicional existente, Caio Prado Júnior
entendia que o real era marcado por um conflito irreversível, cuja implicação ideológica mais
natural foi a de assumir uma postura de crítica permanente. Assim, não foi somente um
historiador radical, mas, sobretudo um intelectual radical e engajado. Defendia uma história
científica marcada pela existência de leis causais, inspirado por um mithos trágico, de homens
cindidos social, econômica e politicamente; cujo futuro estaria marcado por um sentido que
poderia ser detectado no passado e conhecido no presente. Construiu, portanto, um interessante
modelo da sociedade, sendo o primeiro a utilizar o conceito de classes na história brasileira. Sua
urdidura de enredo foi marcada por um processo característico e mecanicista, cujas relações
entre as partes eram articuladas em termos mecânico-causais, de ação e contradição.
A base de seu argumento é a de que o sentido da colonização explica a realidade
histórica brasileira: ela se integra ao capitalismo mundial como zona produtora e fornecedora de
gêneros agrícolas mediante o trabalho escravo.
Todo povo tem em sua evolução, vista à distância, um certo “sentido”. Este
se percebe não nos pormenores de sua história, mas no conjunto dos fatos e
acontecimentos essenciais que a constituem num largo período de tempo.
Quem observa aquele conjunto, desbastando-o do cipoal de incidentes
secundários que o acompanham sempre e o fazem muitas vezes confuso e
incompreensível, não deixará de perceber que ele se forma de uma linha
mestra e ininterrupta de acontecimentos que se sucedem em ordem rigorosa,
e dirigida sempre numa determinada orientação (...) todos os momentos e
aspectos não são senão partes, por si só incompletas, de um todo que deve
ser sempre o objetivo último do historiador (PRADO JUNIOR, 2000, p.7).
Para Caio Prado Junior, o sentido da colonização era produzir para a metrópole,
vinculando-o ao processo de acumulação primitiva de capital. Os capítulos de Formação do
Brasil Contemporâneo dialogam diretamente com O Capital, pois cada um articula o processo de
organização do capital. Assim, Caio começa tratando das forças produtivas, em seguida da
produção de mercadorias, sua circulação, etc. Cada esfera da sociedade é explicitada pelo
sentido da colonização. Ele parte do homem concreto e não da economia fugindo do
economicismo marxista de então (Cf. MELO, 1987). E articula o homem a outra categoria
fundamental para o materialismo histórico: o trabalho. Para ele, a empresa comercial dos
portugueses no Brasil era semelhante a uma feitoria comercial: reduzido pessoal, administração
sumária e aparato militar para garantir sua posse e sustentação.
Com seu caráter mecanicista, que articula metonimicamente o real, aquele historiador
paulista sonha com a transformação histórica, e revela conhecer o fundamento ou motor e as
engrenagens da história brasileira. Como no círculo hermenêutico schlaiermachiano, em que as
partes ilustram o todo e o todo capitalista as partes. O Brasil estava integrado a um sistema
produtivo mundial capitalista. Para Prado Júnior a evolução de um povo é explicável (PRADO
JUNIOR, 2000, p.8). O século XIX representa uma síntese de nossa história anterior. Citando,
White, nas combinações tropológicas que marcam o estilo de Prado Júnior, encontramos algo de
similar a Alexis de Tocqueville:
a história deve dizer a verdade sobre o mundo dos afazeres humanos,
revelar as forças reais encontradas em qualquer tentativa de concretizar o
ideal, e cartografar as reais possibilidades para o futuro de uma sociedade
(WHITE, 1995, p.212)
E, em Caio Prado Jr como em Marx, “uma estratégia de explicação igualmente
mecanicista é utilizada para sancionar uma descrição trágica da história que é heróica e militante
no tom (WHITE, 1995, p.42).
No seu conjunto, e vista no plano mundial (...) a colonização dos trópicos
toma o aspecto de uma vasta empresa comercial, mais completa que a
antiga feitoria, mas sempre com o mesmo caráter que ela, destinada a
explorar os recursos naturais de um território virgem em proveito do comércio
europeu. É este o verdadeiro sentido da colonização tropical, de que o Brasil
é uma das resultantes e ele explicará os elementos fundamentais, tanto no
econômico como no social, da formação e evolução históricas dos trópicos
americanos. (PRADO JUNIOR, 2000, p.19-20)
Esse é o sentido da história do Brasil e Caio Prado vai além, esta é a essência desta
história, que revela o agon trágico: a luta do homem consigo mesmo para superar-se, salvando a
si mesmo e ao seu povo. Seria tarefa do historiador apontar o caminho para sair desse quadro. A
história teria um papel estratégico e pedagógico, pois apresenta os perigos existentes prevendo-
lhes a direção e o fim. Na concepção trágica há clara “percepção das leis que regem a natureza
em sua competição com o destino e, a fortiori, das leis que regem o processo social em geral”
(WHITE, 1995, p.211).
Por imperativos morais, Prado Júnior não se poderia permitir um registro irônico, como o
de Oliveria Viana ou de Gilberto Freyre. Tampouco estampar uma representação cômica da
história do Brasil, mais ao sabor da consciência sinedótica de Freyre. Para ele é preciso
combater e superar o legado colonial, ou seja, haveria no presente um conflito trágico e
fundador. E na tragédia, como na ironia, o tema é sempre mais importante que o enredo.
Assim, o século XIX brasileiro seria uma síntese da história anterior (PRADO JUNIOR,
2000, p.1). Ele é um ponto morto onde o passado colonial tinha realizado o que tinha para
realizar. “Naquele passado se constituíram os fundamentos da nacionalidade” (PRADO JUNIOR,
2000, p.2).
Ele marca uma etapa decisiva em nossa evolução e inicia em todos os
terrenos, social, político e econômico uma fase nova. Debaixo daqueles
acontecimentos que se passam na superfície, elaboram-se processos
complexos de que eles não foram senão o fermento propulsor (...). ele nos
fornece, em balanço final, a obra realizada por três séculos de colonização
(PRADO JUNIOR, 2000, p.1).
Na tragédia não há ocasiões festivas, se há, são ilusórias, há apenas a queda e o abalo
do mundo. As reconciliações da tragédia são sempre sombrias. Comédia e tragédia levam o
conflito a sério. Para White a sátira apresenta esperanças e possibilidades ironicamente,
observando uma inadequação constante das visões de mundo. Na comédia o triunfo do homem
é dado pelas reconciliações das forças em jogo, simbolizadas pelas ocasiões festivas, como em
Freyre. Ainda inconclusa, a história brasileira era trágica e matinha contradições resistentes.
Diferentemente da história romanesca que é estruturada a partir do triunfo do herói sobre o mal,
ou de maneira inversa, na qual o mal triunfa sobre o bem, como no triunfo da República sobre a
Monarquia para Oliveira Viana, a história trágica não apresenta um desfecho. A história satírica é
o oposto disso, ela é uma resignação, como em Holanda.
os sintomas de cada um daqueles caracteres [coloniais] vão aparecendo no
curso de toda nossa evolução colonial, mas é no termo dela que se
completam e sobretudo se definem nitidamente ao observador (...). Este
processo histórico se dilata, se arrasta até hoje. E ainda não chegou a seu
termo. (PRADO JUNIOR, 2000, p.2-3)
Esse caráter inconclusivo aparece em outros momentos. Assim, ele afirma, por exemplo, que no
“terreno econômico, por exemplo, pode-se dizer que o trabalho livre não se organizou ainda
inteiramente em todo país (PRADO JUNIOR, 2000, p.3). No plano social, a mesma coisa: “um
acentuado cunho colonial” (PRADO JUNIOR, 2000, p.4). Para Prado Júnior, o Brasil atual era
manifestava concretamente seu passado colonial, pois “os depoimentos dos viajantes
estrangeiros que nos visitaram em princípios do século XIX são freqüentemente de fragrante
atualidade” (PRADO JUNIOR, 2000, p.4).
Com sua narrativa sincrônica, Caio Prado Júnior aponta um senso de continuidade
estrutural histórica “a ocupação e povoamento do território que constituiria o Brasil não é senão
um episódio, um pequeno detalhe daquele quadro imenso (...) é apenas a parte de um todo,
incompleto sem a visão deste todo” (PRADO JUNIOR, 2000, p.9). Ele se refere à expansão
marítima e posterior colonização da América, são “um capítulo da história do comércio europeu”
(PRADO JUNIOR, 2000, p.11). E, embora sectário da dialética, elabora sua síntese quase que
ratificando um destino para o Brasil: reproduzir o fardo colonial.
Urdindo seu enredo no modo mecanicista, Caio Prado enxerga nos “atos dos „agentes‟
que povoam o campo histórico manifestações de „agências‟ extra-históricas, que tem suas
origens em um universo mais amplo no qual se desenrola a ação descrita na narrativa. Ele busca
leis causais que determinam o resultado dos processos históricos, em que os fenômenos são
investigados como relações de partes com o todo, revelando leis históricas que governam as
ações, expondo os efeitos dessas leis. Nas palavras de Hayden White,
Para o mecanicista, uma explicação só é considerada completa quando ele
descobre as leis que, é de presumir, governam a história, da mesma maneira
que é de presumir que as leis da física governam a natureza. Então aplica
essas leis aos dados de modo a tornar suas configurações compreensíveis
como funções dessas leis (WHITE, 1995, p.32).
Construindo seu argumento metonimicamente, Prado Júnior apresenta seus elementos
sempre de modo que uma parte substitua a coisa mesma. E também estrutura a combinação
dos fatos de modo que a causa primeira e a final se tornem explícitas. Escolhido o motivo ou
episódio, devem ser apontados os fios que o ligam a áreas de contexto, estendidos para o
passado a fim de determinar suas origens, ou para o futuro a fim de mostrar seus efeitos. Tome-
se a questão do escravismo. A herança colonial do escravismo deixou marcas aparentes no
presente, pois a revolução brasileira, ao contrário do Haiti, havia sido feita pela elite, na
incapacidade das massas de a realizar. Rompendo com o modelo interpretativo dominante da
Terceira Internacional do Partido Comunista (DIEHL, 1998, p.212) que associava a colônia ao
feudalismo, para Caio Prado o Brasil já teria nascido capitalista. Antes dele, isso já havia sido
dito por Mário Simonsen, mas Caio inova ao falar de um capitalismo periférico, inaugurando um
modelo que seria adotado por Fernando Novais (1986) e João Manoel Cardoso de Melo (1989),
dentre outros, posteriormente. Para Prado Júnior o Brasil moderno precisava voltar-se para o
passado.
Podemos ver na obra historiográfica do autor um ajuste de contas da tradição
da cultura historiográfica brasileira em geral e, em particular, com a tradição
do pensamento revolucionário do stalinismo-positivista, saindo da
comodidade intelectual que o esquema interpretativo evolucionista oferecia
(DIEHL, 1998, p.214).
Apesar disso, ele comete a infeliz ideia de dividir as colônias temperadas e tropicais em
colônias de povoamento e exploração, respectivamente. Segundo Prado Júnior, ao contrário de
puritanos e quakers, os portugueses não vêm para fazer a América ou para trabalhar, eles
querem ser apenas empresários de um negócio rentável colocando outros para trabalharem por
ele. Ou seja, no Brasil “não se chegou nem a ensaiar o trabalhador [livre] branco (...) o trabalho
recrutado entre as raças inferiores [grifos meus] que domina: indígenas ou negros africanos
importados” (PRADO JUNIOR, 2000, p.18-19). Ponto de vista radical de análise, tom
conservador no final face à questão étnica e racial. Outro problema é sua análise do mercado
interno que em alguns momentos diz ser inexistente, em outras restrito. De qualquer modo não
reconhece dinâmicas autônomas, tampouco a existência de uma rede comercial consolidada que
havia em várias regiões da colônia e do Império. Para Prado Júnior a “produção extensiva para
mercados do exterior” teria prejudicado a formação de “um mercado interno solidamente
alicerçado e organizado (PRADO JUNIOR, 2000, p.3).
Em sua obra predominam relações e processos, todos eles trazendo a marca da leitura
ideológica. Hayden White já havia sublinhado que toda história está eivada de componentes
ideológicos. Por conta disso, na melhor das hipóteses a história seria uma protociência com
elementos não científicos em sua composição (1995, p.36).
As dimensões ideológicas de um relato histórico refletem o elemento ético
envolvido na assunção pelo historiador de uma postura pessoal sobre a
questão da natureza do conhecimento histórico e as implicações que podem
ser inferidas dos acontecimentos passados para o entendimento dos atuais
(1995, p.36).
Acompanhando Karl Manheim ele aponta quatro posições ideológicas básicas de como
os historiadores toma sua posição no mundo presente: anarquismo, conservantismo, radicalismo
e liberalismo. Evidentemente que essa classificação é bastante simplista e precária, pois não dá
conta da existência de liberais radicais, de conservadores liberais, etc. Assim, “como toda
ideologia é acompanhada por uma idéia específica da história e seus processos, toda idéia da
história é, também (...) acompanhada por implicações ideológicas especificamente
determináveis” (WHITE, 1995, p.38). Os conservadores e liberais são mais desconfiados das
transformações programáticas, como Freyre, Holanda, ao passo que radicais e anarquistas são
mais otimistas como Viana e Prado Júnior. Segundo White, os conservadores acham que tudo
deve ser processual, gradual orgânico. Os liberais pensam através da analogia dos ajustes, das
sintonias, das equalizações. Os radicais e anarquistas defendem transformações estruturais e
rápidas da ordem social, enquanto para os conservadores a velocidade das mudanças deve ser
natural, para os liberais é social.
Enquanto os liberais “imaginam um tempo futuro em que essa estrutura [política e social]
terá sido melhorada, mas projetam esse estado num futuro remoto, de modo a desencorajar no
presente qualquer tentativa de concretizá-lo precipitadamente” (WHITE, 1995, p.39), os radicais,
como Prado Júnior, apresentam tudo em estado de iminência. Para White nenhuma dessas
posições pode ser considerada mais realista que as demais. Ademais,
o momento ético de uma obra histórica se reflete no modo de implicação
ideológica pelo qual uma percepção estética (a elaboração do enredo) e uma
operação cognitiva (o argumento) podem combinar-se para deduzir
enunciados prescritivos daqueles que pareçam ser puramente descritivos ou
analíticos. Um historiador pode “explicar” o que aconteceu no campo histórico
ao identificar a lei (ou as leis) que rege(m) o conjunto de eventos postos em
enredo na história como um drama de significação trágica. Ou, inversamente,
pode encontrar a significação trágica da estória que pôs em enredo ao
descobrir a “lei” que rege a sequência de articulações do enredo (WHITE,
1995, p.41).
Segundo a tropologia proposta por White, o artefato textual histórico de Caio Prado
revela a urdidura dos eventos sob a forma trágica, baseada em explicações de caráter científico
por meio de leis de determinação causal ou putativas, atadas a um destino inexorável no futuro.
História que foi modelada em um tom radical, mediante argumentos mecanicistas. Como se vê,
a teoria dos tropos, como uma teoria geral da linguagem poética, pode ser bastante útil para
iluminar a estrutura da imaginação histórica em determinados períodos, como resultante de um
conjunto de modos de narrar, argumentar e se posicionar ideologicamente, lançado luz nova e
ainda bastante atual sobre o problema da escrita da história. Recuar até as bases literárias pode
ser um excelente antídoto contra distorções ideológicas ou usos políticos da história, como
também possibilita um encontro mais íntimo com a escrita da histórica.

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Mr. White chega aos trópicos: a tradução e a recepção crítica de Hayden White no Brasil
(1992-2012)
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The use of modernist figuration in the representation of Argentina’s recent past


Prof. Omar Murad
(Universidad de Buenos Aires, Argentina)

História e narrativa em Luís da Câmara Cascudo


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iiUma versão prévia desde ensaio foi originalmente apresentada no Colóquio em Honra a Hayden

White, ocorrido na Universidade de Rochester, em 2009.


iiiMetahistory, 434.
ivPhilosophy of History After Hayden White, 157.
vMetahistory 376.
viMetahistory, 434.
viiMetahistory, 376.
viiiMetahistory, 433.
ixEu fiquei supreso (mas, admito, também lisonjeado) quando Geoffrey Elton chamou o Meta-história de “o
mais nocivo empreendimento realizado por um historiador no exercício de sua profissão”. Supreso porque
eu via meu livro apenas preenchendo uma lacuna no estudo da historiografia, isto é, a questão dos
diferentes “estilos” de se escrever “história.” Lisonjeado por um historiador britânico da eminência de
Elton concordar em ler um livro tão abarrotado de jargões, como o Meta-história. A raiva de Elton sugeriu
que eu devo ter acertado em alguma coisa ou, pelo menos, levantado algumas questões que, se eram
“nocivas” à profissão, eram dignas de serem levantadas e deveriam ter sido levantadas antes.

xO termo “modernista”, deve-se destacar, é derivado do Latim “modus”, “modo” (dativo) = “now”, “agora”,
“addesso”, “jetzt”, “maintenant” ou simplesmente “neste momento.” De “modo” vem “modernus”,
“modernitas” e “moderno”, “modernidade” e “modernismo.” No século quarto depois de Cristo,
“modernitas” significava “Anno Domini” ou qualquer coisa que tivesse acontecido desde a Encarnação,
dado o fato de que as expectativas da redenção da humanidade haviam mudado radicalmente para todos
desde a Paixão de Cristo. O “moderno” marca uma cesura no tempo humano, uma mudança qualitativa.
E é esse sentido de uma mudança qualitativa na experiência humana de tempo que é capturado no
moderno e secular conceito de “modernidade”, bem como no conceito de “modernismo.”
xiVáriasculturas constroem a relação entre o que nós chamamos de passado e presente espacialmente,
ao invés de fazê-lo temporalmente; sendo o que chamamos de “passado” concebido como amontoados
de “lugares”, ao invés de “tempos”. Assim, pode-se ver o passado como um lugar que se visita, ao invés
de um tempo-período composto por coisas e eventos uma vez presentes, mas agora não apenas mortos
como também ausentes, não mais observáveis ou diretamente experienciáveis, mas removidos para uma
posição metafísica distinta.
xiiE,
é claro, a História da Escrita Histórica, de James Westfall Thompson, a qual eu assimilei amplamente
através do pensamento de seu aluno e meu professor, William J. Bossenbrook (falecido em 1984),
carismático mestre que fez da “história” um drama de preocupação existencial atual e a única substituta
para os grandes sistemas de sentidos uma vez produzidos por mito, religião e metafísica.
xiiiTermo de Collingwood.

xivEssa,é claro, é o tipo de sentença que faz vários dos meus colegas subirem pelas paredes, mas eu
preciso dela para expressar o sentimento que eu tinha (ou penso hoje que eu tive) de que o que “nós”
queremos dizer por “história” hoje em dia é tão diferente de suas encarnações anteriores – dos Gregos às
Escolas Históricas – que a possibilidade de que o que experienciamos como sendo história ter se
desenvolvido a partir do que eras anteriores e diferentes culturas experienciaram como história é
virtualmente impensável – exceto, é claro, para aqueles genealogistas da cultura que dispensam seu
tempo procurando por maneiras de explicar como, seja lá qual for o cenário atual, em cultura, política,
economia, leis, filosofia, e por aí vai, se trata do resultado natural e predestinado do que veio antes.
xvNo que me diz respeito, a atribuição de “verdade” a coisas outras que não proposições ou afirmações é
um erro de categoria. No pensamento histórico, é ainda pior do que isso; é dogmatismo. A ideia de que o
que foi validamente postulado como verdade sobre alguns aspectos dos regimes, crenças ou práticas da
Roma antiga permanece absolutamente e irrestritamente “verdadeiro”, ao longo de um período de mais
de dois mil anos, é profundamente não ou a-histórica. Não é o caso de que a coisa sobre a qual foi feita
uma afirmação verdadeira em, digamos, 1876, tenha mudado. Em vez disso, o critério utilizado para
mensurar a veracidade de afirmações – especialmente afirmações sobre coisas do passado – deve
mudar na medida em que mudam nossas concepções de verdade científica, para não mencionar que as
concepções de ciência, elas mesmas, mudaram.
xviDeontologia, ou, a ciência dos fardos, físicos e morais, depositados sobre o indivíduo simplesmente em
virtude de ter nascido na sociedade e sujeito a um período excepcionalmente longo de dependência física
de outros para sobrevivência (neotenia).

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