A Companhia Teatral Phenix Dramatica: Teatro Ligeiramente Nacional No Rio de Janeiro Entre As Décadas de 1860 e 1870
A Companhia Teatral Phenix Dramatica: Teatro Ligeiramente Nacional No Rio de Janeiro Entre As Décadas de 1860 e 1870
A Companhia Teatral Phenix Dramatica: Teatro Ligeiramente Nacional No Rio de Janeiro Entre As Décadas de 1860 e 1870
PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
DOUTORADO EM HISTÓRIA
JUIZ DE FORA
2016
RAQUEL BARROSO SILVA
JUIZ DE FORA
2016
RAQUEL BARROSO SILVA
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________
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________________________________________
Ao professor Pedro Gonçalves Pinto, meu querido sogro, por sua prontidão,
disposição e eficácia para realizar a correção ortográfica da tese.
Aos meus amigos historiadores, com quem dividi os medos e anseios com que
nos deparamos durante a realização de um trabalho acadêmico.
À Luana e Maria Flor, minhas filhas gêmeas; que, mesmo sem saber, deram
razão à minha vida, e força para que eu pudesse concluir meus projetos.
Ao meu esposo Rômulo, por estar ao meu lado e não permitir que eu
fraquejasse.
Ao meu pai, Rui; minha sogra, Aparecida; minha irmã, Nathália; toda minha
família e a família de meu esposo, pelo apoio e pela torcida.
À Maria e à Renata, que realizaram seu trabalho com tanto amor e carinho, para
que eu pudesse realizar o meu.
No teatro, somos sempre três. O livro fala
baixo, num canto, portas e janelas
fechadas, para uma única pessoa; procede,
ao mesmo tempo, da alcova e do
confessionário; já o teatro se dirige a 1100
ou 1500 pessoas reunidas e procede da
tribuna e da praça pública.
(Alexandre Dumas Filho)
RESUMO
Palavras chave: Rio de Janeiro. Teatro Nacional. Companhia Teatral Phenix Dramática
ABSTRACT
The endeavor to the construction of a “National Theater” in the capital of the Empire of
Brazil had the effort of many literate men, especially of playwrights who supported the
Romantic and Realist schools. From the 1860s on, time of the advent of genres of Light
Theater (Teatro Ligeiro) in Brazil, and especially in the early 1870s when these genres
were established on our stages, the ideal of a “National Theater” built by the
representatives of those schools were significantly unsettled. This work demonstrates
that the transformations in the social, economic, cultural, and political context of Rio de
Janeiro between the late 1860s and early 1870s changed the very definition of the
“National Theater” concept, making it wider and less strict, because espectacles which,
in the previous decade, would not be accepted as “National”, started being considered as
such. In order to deeply understand the repercussion of such contextual changes in the
field of drama, it was necessary thorough dedication to the everyday events of one of
the most important theater companies of that time and the most representative one
regarding the adoption of Light Theater Genres throughout the world of theater in Rio
de Janeiro, Phenix Dramática theater company (1868 – 1891). Dialoguing with the
contributions provided by the History of the Concepts and, in the methodology field,
with the Social History, especially Social History of Culture, this thesis uses the
periodic press as main source of research. Twenty-five newspapers were directly
consulted, most of them in Rio de Janeiro, between 1821 (Diário do Rio de Janeiro) and
1889 (O Paiz).
INTRODUÇÃO.............................................................................................................11
4. NACIONAL OU LIGEIRO?..................................................................................144
4.1 FRÁGEIS DICOTOMIAS TEATRAIS..................................................................145
4.1.1 Nacional x estrangeiro............... ..........................................................................147
4.1.2 Carpinteiros x grandes literatos............................................................................158
4.2 AMPLIAÇÕES DA FRONTEIRA SEMÂNTICA DO TEATRO NACIONAL....161
4.2.1 O repertório escolhido para mostrar “nosso teatro” a Ernesto Rossi...................162
4.2.2 A mudança de parâmetros por parte da opinião pública......................................168
4.2.3 Um ideal difícil de ser definido............................................................................179
CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................184
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................................189
11
INTRODUÇÃO
1
TEATROS e música -Teatro Nacional. Jornal do Comércio. Rio de Janeiro. ed.173,p.2. 13 jul.1895.
2
De acordo com Souza Bastos, Ludgero Viana foi um empresário, autor e tipógrafo nascido em Lisboa
em 1844. Cf: SOUSA BASTOS, 1898.
3
TEATROS e música -Teatro Nacional. Jornal do Comércio. Rio de Janeiro, ed.173, p.2. 13 jul.1895.
4
Muito participativo na vida teatral do Rio de Janeiro especialmente a partir da década de 1880, trabalhou
incessantemente até a sua morte em 1908, pelo erguimento de um “teatro nacional”, o que resultou, anos
depois, na construção do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. O perfil deste fundamental personagem de
nosso teatro foi trabalhado em trabalhos importantes. Convém destacarmos a compilação, transcrição e
disponibilização em cd-room de todas as crônicas escritas pelo autor para a série Teatro, publicada no
jornal carioca A Notícia, de 1894 a 1908. O que se deu graças aos esforços das professoras Larissa de
Oliveira Neves e Orna Messer Levin, que, paralelamente, organizaram um volume impresso sobre a vida
e a obra do autor. Tais crônicas reunidas e transcritas serviram e servem como importante fonte de
estudos não só da participação do próprio escritor na cultura oitocentista, como também para estudos
sobre o teatro do período e compreensão da memória que se construiu a respeito do mesmo. Cf: NEVES;
LEVIN, 2009; TEATRO, 2008; MENCARELLI, 1999; LIMA, 2006.
12
Arthur Azevedo cita, em seu artigo, a atitude de Ludgero Vianna ao receber tais
ressalvas do “grande órgão”. Escreveu uma carta à folha na qual declarou: “A questão
do título nada influi para o caso. Tem aquele título, como poderia ter qualquer outro” 6.
Para os críticos de Vianna, o “qualificativo” nacional, dado a um teatro, impunha aos
empresários “compromissos e obrigações que eles não podem satisfazer e cumprir” 7.
As razões que impediam os donos do novo teatro a cumprirem tais compromissos eram
explicadas por Arthur Azevedo nos mesmos termos que o Jornal já havia, inicialmente
colocado:
Artur Azevedo nos revela acima, a contrapelo, quais são as pré-condições que
ele considerava necessárias para que um teatro carregasse o título de nacional em
termos muito parecidos com os usados pelo Jornal do Comércio. Para ele e para seus
colegas da redação aqui estão alguns dos princípios aos quais o teatro, para ser chamado
de nacional deveria se submeter. As peças deveriam ser produzidas por escritores e
compositores “nacionais”, a ação deve se passar no Brasil, os intérpretes, bem como o
público também precisam ser representativos de nossa nacionalidade, ou seja, a tríade
que sustenta o teatro como sistema (CANDIDO, 2012): peça, intérpretes e plateia,
deveria ser eminentemente brasileira.
Ao afirmarem que a companhia era composta por “artistas estrangeiros, entre os
quais contam-se rari nantes alguns, muito poucos nacionais” ou que “Nacional é apenas
5
Arthur Azevedo, 18/07/1895 in: NEVES; LEVIN, 2009.
6
TEATROS e música -Teatro Nacional. Jornal do Comércio. Rio de Janeiro. ed.173,p.2. 13 jul.1895.
7
TEATROS e música -Teatro Nacional. Jornal do Comércio. Rio de Janeiro, ed.173, p.2. 13 jul.1895.
8
Arthur Azevedo, 18/07/1895 in: NEVES; LEVIN, 2009.
13
o dinheiro que vai entrar para a bilheteria 9, Arthur Azevedo faz uma clara oposição
entre “nacional” e “estrangeiro”, utilizando o adjetivo Nacional - quando qualificativo
do substantivo Teatro - como sinônimo de “brasileiro”.
De um lado o empresário “estrangeiro” afirmava que “nacional é um título como
10
outro qualquer” ; de outro, homens de letras “nacionais” como Arthur Azevedo,
afirmam que esse título, quando aplicado a um teatro “tem uma significação bem
diversa” 11, ou que implica em “compromissos e obrigações”, nas palavras dos redatores
do Jornal do Comércio. Para os dois últimos, portanto, diferentemente de uma
charutaria ou de um hotel da rua do Lavradio, o teatro tinha uma função fundamental na
sociedade brasileira, a de construí-la. Função que, nunca é demais frisar, não
desempenhava sozinho 12.
O dar de ombros do empresário sobre as ressalvas feitas pelo maior jornal do
Rio de Janeiro e pelo mais importante homem de teatro daquela cidade ainda se mostrou
mais evidente dias depois da inauguração. Em récita especial da opereta de sua lavra
intitulada A Filha do Sr. Crispim 13, oferecida em sua própria homenagem, os anúncios
destacaram que, para o espetáculo daquela noite, foram convidados a colônia
Portuguesa e um ministro português, o Sr. conselheiro Thomaz Ribeiro, que então
encontrava-se na capital 14, todos eles reunidos no Teatro Nacional da rua da Ajuda.
Analisando esta pequena contenda a respeito do nome do teatro da rua da Ajuda,
podemos perceber que o empresário Ludgero Vianna demonstrava atribuir à palavra
“teatro” e à palavra “nacional” sentidos bem diferentes daqueles dados por Arthur
Azevedo e os redatores do Jornal do Comércio. Diferença que se potencializava quando
ambas formavam juntas a expressão “teatro nacional”.
Para o empresário, “teatro” seria um local, um edifício próprio para abrigar
espetáculos cênicos e “nacional” seria apenas um nome escolhido para tal espaço. Para
9
Arthur Azevedo, 18/07/1895 in: NEVES; LEVIN, 2009.
10
Arthur Azevedo, 18/07/1895 in: NEVES; LEVIN, 2009 .
11
Arthur Azevedo, 18/07/1895 in: NEVES; LEVIN, 2009.
12
Autores que realizaram pesquisas importantes a respeito da influência de outras manifestações culturais
na construção da nação, como o carnaval foram, Pereira (1994) e Cunha (2001), as festas ABREU (2000),
o futebol Pereira (2000). Ao longo desta tese também foram citados os trabalhos de Jefferson Cano
(2001) sobre a literatura nacional. As artes plásticas também participaram do debate de forjamento da
identidade nacional. Para um maior detalhamento a respeito do tema ver, entre outros: Dazzi; Valle,
(2008), Christo, (2009a); Christo, (2009b). Não podemos deixar de fora desta lista a produção
historiográfica do período, a qual se dedicou especialmente os membros do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro (cf: GUIMARÃES, 1988.)
13
Com música do maestro português Alcântara Ferreira. TEATROS e música -Teatro Nacional. Jornal
do Comércio. Rio de Janeiro, ed.178, p.2. 18 jul. 1895; TEATROS e música -Teatro Nacional. Jornal do
Comércio. Rio de Janeiro, ed.173, p.2. 13 jul.1895.
14
ANÚNCIOS. Jornal do Comercio. Rio de Janeiro, ed.189, p.8. 29 jul. 1895.
14
da recepção das peças. A questão da recepção aprofundou-se ainda mais quando autores
como Flora Sussekind (1986), Neyde Veneziano (1996, 2013) e, mais recentemente,
Antônio Mencarelli (2003, 1999), Silvia Souza (2002, 2006, 2007, 2010, 2011, 2012) e
Tiago de Melo Gomes (2004), Vanda Bellard Freire (2011), dedicaram-se ao estudo dos
gêneros ligeiros no Brasil, levando em conta a interação entre texto, recepção e
sociabilidade, reivindicando a tais elementos um justo papel na história do teatro no
Brasil.
A partir da leitura desta bibliografia consagrada e de outros trabalhos, bem como
15
da recente produção acadêmica que trata do tema , outra questão se colocou. As
abordagens sobre o teatro no Brasil no século XIX - ao menos a partir da década de
1840 - e princípio do século XX tratam, em geral, da questão do teatro nacional no
Brasil, sem uma discussão prévia, e, a nosso ver, necessária, sobre qual “teatro
nacional” estava em pauta naquele momento. O reforço do “discurso de estruturação do
teatro nacional” (INACIO, 2013), suscitado pela chegada da primeira companhia
francesa no Brasil, por exemplo, não remete ao mesmo teatro nacional, que Gonçalves
de Magalhães acreditou inaugurar em 1838, que por sua vez guarda diferenças com o
teatro nacional que, por um período relativamente breve, levou o público ao teatro
Ginásio Dramático e, por fim, do teatro nacional que Arthur Azevedo defendeu quando
da inauguração da companhia de Ludgero Vianna no Rio de Janeiro, em 1895.
Conforme afirmou R. Koselleck (2006,p.105) “as palavras que permanecem as mesmas
não são, por si só, um indício suficiente da permanência do mesmo conteúdo ou
significado”. O tratamento adequado ao termo faz-se necessário; pois, ao
desconsiderarmos as variações sofridas por ele ao longo das décadas, corremos um
grave risco de anacronismo, buscando no Império traços de um teatro absolutamente
nacionalista, por exemplo, ou ainda, incorporando acriticamente as denominações
utilizadas pelas fontes.
Podemos citar, como exemplo, o trabalho de Mariano (2008), propondo um
resgate do teatro nacional - que a autora defende ter existido nas duas primeiras décadas
do século XX. Apesar de tratar-se de um contexto histórico posterior ao que
trabalhamos nesta tese, o discurso de decadência do teatro e o lamento pela
comercialização da arte ainda eram muito presentes naquele período. Segundo ela:
15
Algumas teses e dissertações que tiveram importância direta ou indireta para construção desta
tese além das já citadas são: CARDOSO, 2006; INACIO, 2013; FRANCA 2011; MARIANO
2008.
17
Veneziano (1996; 2013), Gomes (2004) e todos os outros autores já citados que
estudaram o teatro no período, realmente demonstram um importante e fundamental
diálogo entre as produções artísticas e as questões sociais e políticas da época, mas não
“confirmam a existência de um teatro nacional”. Aqui, mais uma vez, a autora utiliza
seus próprios critérios de definição de teatro nacional para afirmar que a crítica político-
social e a heterogeneidade do público configurariam, per si, uma cena nacional. Não
que a recuperação de peças originais de autoria brasileira não seja importante.
Justamente por existir essa mudança de critérios entre o que é ou não é nacional, ou
mesmo pelas transformações ocorridas no campo da estética teatral, algumas
composições interessantes para o campo da literatura ou da história acabaram caindo no
ostracismo, e as tentativas de resgatá-las do esquecimento são sempre válidas. O que
queremos destacar, a partir deste exemplo, é que mais importante que procurarmos a
existência de teatro nacional no Brasil em determinados períodos de nossa história seria
ocuparmo-nos em estudar o sistema teatral existente em cada período e sua relação com
o forjamento de uma identidade nacional no Brasil.
Os diferentes sentidos contemplados pela expressão “teatro nacional” no Brasil,
ao longo do século XIX, podem ser percebidos por meio uma leitura dos periódicos da
época. As diferenças aparecem com mais evidência entre o final da década de 1860 e
início de 1870, quando o teatro ligeiro ganhou definitivamente os palcos do Rio de
Janeiro e a Companhia Phenix Dramática surgiu e se estabeleceu como a mais famosa
da Corte. Este momento crítico para o teatro foi percebido de maneiras diferentes e
acarretavam em manifestações na imprensa que elucidam os diferentes ideais de
construção do teatro como sistema.
À primeira vista, acreditamos na existência de um descompasso entre o “teatro
nacional” idealizado pelos homens de letras da Corte e o teatro na Corte - ou seja, o que
se produzia, apresentava e a que se assistia no Rio de Janeiro. Contudo, a leitura
preliminar das fontes nos mostraram que esse pensamento reduz a complexidade de
significados que essa questão possuiu a dois polos antagônicos: de um lado, um teatro
que se almejava , e, de outro, o teatro que se vivenciava. Partiu daí a ideia de
compreender o dinamismo que aquela expressão possuiu ao logo do século, ou seja, sua
diacronia, e entre sujeitos que compartilharam o mesmo momento histórico, mas que
emitiam suas opiniões de lugares sociais diferentes (um político, um ator, um literato
respeitado, um empresário teatral, um anônimo, etc.), ou seja, sua sincronia. Como
pressuposto, acreditamos que essa polifonia de vozes, emitidas dos mais diferentes
19
16
grupos e sujeitos, de maneira “circular” , deu forma à atividade teatral no Rio de
Janeiro, durante o longo século XIX.
Assim como afirmou Valdei Lopes Araujo (2011) ao trabalhar conceitos
políticos dos anos 1830 no Brasil, nós também “estamos à procura menos de definições
normativas ou definições teóricas e mais de uma descrição da dimensão histórico-
pragmática desse discurso” (ARAÚJO, 2011, p.77). Ou seja, não se trata de estabelecer
uma história do conceito de “teatro nacional” no Brasil, do romantismo ao fim do
século, nem simplesmente de buscar seu sentido mais aceito ou usado, mas sim apontar
para o fato de que a compreensão daquele universo discursivo pode iluminar as
experiências vivenciadas na vida teatral da corte imperial; que, por sua vez, visa a
contribuir para o debate a respeito da construção da própria nacionalidade no Brasil,
visto que o teatro foi a principal atividade cultural da corte e uma das principais da
capital federal.
De acordo com R. Koselleck: “uma análise histórica dos conceitos deve remeter
[...] também a dados da história social, pois toda semântica se relaciona a conteúdos que
ultrapassam a dimensão linguística” (KOSELLECK, 2006, p.193). Apesar de não se
tratar de estabelecer uma história do conceito, podemos tomar de empréstimo algumas
considerações teórico-metodológicos, cunhadas por R. Kosseleck (1992; 2003), afinal
trataremos das diferentes abordagens e projetos contidos na utilização de um termo em
um determinado contexto histórico-social. Sob o pretexto da construção de um “teatro
nacional”, são reveladas experiências como a escolha dos repertórios das companhias,
as manifestações da plateia, as organizações formadas para a institucionalização da arte
teatral, as trajetórias de alguns homens do ramo, etc. Tudo isso, lido por meio das
opiniões expressadas nos jornais, seja por redatores, seja por colaboradores mais
diversificados, como os das colunas pagas, pode nos dizer muito a respeito do que
estava em pauta na construção de nosso ser nacional durante parte do século XIX.
Afinal:
16
Nos remetemos aqui a ideia de circularidade conforme trabalhada por Ginzburg (1987).
20
17
Cf: ASSIS, Joaquim Maria Machado de. Instinto de nacionalidade. O Novo Mundo: Periódico
Ilustrado do Progresso da Idade. Nova Iorque, p.107-108. 24 mar.1873.
18
Faria (2001.p.150) nos chama a atenção para a frequente utilização desta palavra para designar a
situação do teatro brasileiro no período.
21
Por sua importante participação na vida teatral da Corte, durante todo o período
de sua existência, a Phenix foi lembrada, muitas vezes, como uma companhia de
sucessos alcançados pelo investimento em um repertório ligeiro e aparatoso e em
decorrência dessa característica, responsabilizada pela falência do “teatro nacional”.
Alguns anos depois da dissolução da Phenix Dramática, Arthur Azevedo, em
sua coluna O Teatro, do jornal A Notícia, escreveu, em mais de uma ocasião, sobre a
atuação do empresário Jacinto Heller à frente da mesma. As crônicas publicadas
19
naquele espaço , aludem a alguns juízos que se tornaram comuns a respeito do
empresário e sua companhia.
Em 1896, aproveitando uma ocasião na qual tecia comentários a respeito de uma
zarzuela que se apresentava no teatro Recreio Dramático, Arthur Azevedo afirmou que
Heller, à frente da Phenix, havia sido o responsável por acostumar o público a exigir
suntuosa mise em cene nas montagens em detrimento da “verdadeira arte do teatro”.
As cem operetas francesas que o Heller pôs em cena deviam ter sido
representadas em Paris com mais gosto, com mais fantasia, com mais
harmonia de aspectos; não com mais luxo. Na Phenix desperdiçava-se
dinheiro, vestiam-se comparsas de cetim e ouro, não se olhava a
despesas para que qualquer estrela deslumbrasse a plateia e os
camarotes com as mais suntuosas toiletes.
O guarda-roupa e os cenários da extinta empresa Heller representam
centenas e centenas de contos de réis!
É preciso notar que havia muito critério na escolha das peças; o
empresário não arriscava o seu rico dinheiro senão munido das
melhores probabilidades de ressarci-lo. 20
19
Todas as crônicas se encontram digitalizadas na obra de NEVES, LEVIN, 2009.
20
Arthur Azevedo, 09/01/1896. In: NEVES, LEVIN, 2009.
21
Essa discussão nos remete aos pensadores da Escola de Frankfurt, em especial Walter Benjamin (2000).
Sobre o tema ver também: ORTIZ, s/d.
22
de construção de uma nacionalidade, por meio do teatro, no final do século XIX e início
do XX. Este trabalho realiza uma leitura mais profunda por meio de um olhar mais
distanciado buscando menos um julgamento das escolhas feitas pelos empresários da
companhia e mais compreender os motivos para tais escolhas que deram forma ao teatro
produzido, representado e assistido no Rio de Janeiro das últimas décadas do século
XIX.
Dentre os diferentes sujeitos que participaram do constructo de um “teatro
nacional”, sem dúvidas, os mais empenhados foram os homens de letras das escolas
romântica e realista que tomaram para si a tarefa de o construírem assim como à nossa
literatura (CANO, 2001). Por isso, no Capítulo 1, dedicamos-nos a buscar a origem e a
formação do que chamamos de ideal de teatro nacional, o qual começou a ser forjado
desde a nossa independência política e ganhou novas camadas de significados até a
década de 1860. Esse exercício se realiza por meio de uma seleção aleatória de usos do
termo, ao longo das décadas de 1820 até meados de 1860, que procura dar conta das
diferentes configurações que recebeu.
No Capítulo 2 mostramos o surgimento da Companhia Phenix em finais de
1868, bem como alguns episódios importantes para a compreensão de sua história, que
antecederam seu surgimento. Mostramos que os usos do teatro no qual a companhia se
estabeleceu marcou a sala ocupada pela insipiente companhia organizada por Francisco
Correa Vasques, em 1868. Também tratamos da atuação das companhias francesas no
período, representantes do primeiro contato do público carioca com o teatro ligeiro.
Uma vez estabelecida a companhia de Vasques no Teatro Eldorado, examinamos as
escolhas de repertório e a trajetória de seu organizador, o ator cômico, empresário e
autor dramático, Francisco Correa Vasques, o que elucida a compreensão de uma
mudança no perfil da nova casa, agora denominada Phenix.
O acompanhamento sistemático das peças, seus temas, e a recepção obtida pelas
mesmas durante o período em que a companhia fora dirigida por Vasques dá lugar, no
Capítulo 3, a uma análise um pouco mais geral, e não menos cautelosa, da história da
companhia durante os primeiros anos em que fora capitaneada por Jacintho Heller,
quando a mesma se consolidou como a mais famosa da Corte e no qual as peças
ligeiras, em especial as operetas e mágicas tornaram-se hegemônicas em seu repertório.
O Capítulo 4 resgata os debates suscitados na imprensa, envolvendo o conceito
de “teatro nacional” ocorrido paralelamente à atuação da companhia Phenix na Corte, o
que nos leva a compreender os diversos sentidos atribuídos ao termo durante a chamada
23
4
KOSELLECK e os demais autores do dicionário de conceitos (Geschichtliche Grundbegriffe - Historisches
Lexikon zur politisch-sozialen Sprache in Deutschland. Conceitos básicos de história – um dicionário sobre os
princípios da linguagem político-social na Alemanha) utilizaram três grupos de fontes, buscando “descrever de
forma sistemática as estruturas temporais desses textos”. O primeiro grupo são as “fontes próprias da linguagem
do cotidiano”, nas quais podem ser listadas cartas, jornais, manifestos, petições, requerimentos. Do segundo
grupo “bastante mais interessante, posto que a relação entre repetição e unicidade/singularidade aparece de
forma clara” fazem parte os dicionários e as enciclopédias. O terceiro grupo são os textos clássicos.
(KOSELLECK, 1992, p.134-146).
5
Podemos citar como exemplo o trabalho de Koselleck (2006), que traça a história de conceitos como Estado,
História, Classe, Ordem, Sociedade, remetendo das origens da formação da língua latina e alemã até a era
moderna, alcançando uma amplitude temporal e espacial muito maior do que pretendemos aqui.
26
O adjetivo nacional, usado para designar um teatro, uma companhia teatral, ou mesmo
uma charutaria, devia fazer pouco ou nenhum sentido para a maioria dos habitantes do Brasil
na década de 1820, todavia, mal D. Pedro I havia proclamado nossa independência política, já
tínhamos, em 1822, um teatro e uma companhia nacional. O teatro era o edifício, construído
em 1813, para ser a casa das óperas e demais espetáculos que serviriam para o desenfado da
corte portuguesa que aqui se instalou em 1808. Durante a época de D. João, o teatro foi
ocupado espaçadamente com apresentações de óperas. Após a independência, o pesquisador
Lino Cardoso verificou a transformação do Teatro São João em um “verdadeiro centro
operístico” (CARDOSO, 2006. p.7), o que causou, inclusive, uma querela entre a companhia
Italiana, composta por um elenco de naturalidade heterogênea e a companhia dramática
nacional, de cuja composição não temos relatos sobre os locais de nascimento, mas que
provavelmente possuía um elenco variado de artistas nascidos na colônia, portugueses, e
outros europeus.
Durante a maior parte da década de 1820, teatro nacional era o edifício construído
após a vinda da corte de Portugal para o Brasil. Os articulistas dos jornais pesquisados neste
período, usaram o termo apenas para se referirem diretamente ao Teatro Nacional de S. João
(1813-1824) ou ao processo de sua reconstrução, após o primeiro incêndio em 1824 6. Ainda
segundo Lino Cardoso, um dos fatores responsáveis pela intensa atividade no Teatro São
João foi a proteção do governo Imperial. Para auxiliar sua reconstrução após o incêndio de
6
Cf: ARTIGOS não oficiais. Notícias Nacionais. Dia 1 de dezembro. Império do Brasil Diário do Governo,
ed.02, p.594 e 595. 1823; ARTIGOS não oficiais. Império do Brasil Diário do Governo, ed.03, p.285.1824.
27
1824, até a abdicação de D. Pedro I, nada menos que vinte loterias foram extraídas - “sem
contar as três últimas, concedidas pelo decreto de 27 de setembro de 1830, que só seriam
extraídas, [...] entre 1834 e 1835” (CARDOSO, 2006.p.188).
A primeira ocorrência, na qual o termo foi usado para designar algo que não fosse um
edifício público com a finalidade de abrigar espetáculos, foi encontrada no periódico O
Espelho Diamantino 7. Nela, a utilização da expressão “teatro nacional” se aproximou do que
Antônio Cândido definiu, ao tratar da literatura, como “sistema” (CANDIDO, 2012), ou seja,
como uma integração entre autores, intérpretes, obras e público. Escrevendo sobre os meios
de se estabelecer um “teatro nacional” - “Sobre a indispensabilidade de um teatro nacional,
8
anunciamos que havíamos de discutir os meios de o estabelecer” - o redator do Espelho
Diamantino acreditava que o grande obstáculo a ser ultrapassado a fim de se instituir a arte
dramática no Brasil era o despreparo dos atores. Os outros empecilhos, como a falta de
público, a baixa receita e o fato de a sala parecer muito grande e com uma acústica ruim,
decorriam do primeiro. Ou seja, sem intérpretes capazes de apresentar a arte dramática ao
público, não havia público. Como solução, o redator não propunha a criação de um novo
Teatro (edifício), o que viria a ser “um sumidouro de capitais” 9, afinal o governo já tinha
gastos com os subsídios fornecidos ao Teatro Francês e ao Italiano. A proposta era a criação
de uma companhia teatral profissional. Além de resolver o principal entrave à existência de
um teatro nacional, tal solução seria menos onerosa ao governo, posto que, com um pequeno
10
aumento das loterias, seria “mui fácil sustentar a nova companhia” . Feito isso, aconselhou
ao futuro diretor de sua hipotética companhia a tomar medidas como: ensaiar seus atores,
agenciar aprendizes para que fosse criada uma tradição dramatúrgica e, por fim, contratar um
11
“lente na arte dramática” para dar lições ao grupo. Os novatos, além das lições dramáticas,
também deveriam aprender a cantar e dançar, não só para se acostumarem com os palcos
como também para diminuir a quantidade de figurantes contratados. O diretor dessa
12
companhia nacional deveria optar, primeiramente, por pequenos entremezes às peças
italianas. Em menos de um ano já poderia produzir comédias até que, com mais experiência,
7
THEATRO. O Espelho Diamantino. Rio de Janeiro, nº. 02, p.28-31. 01 out. 1827
8
THEATRO. O Espelho Diamantino. Rio de Janeiro, nº. 02, p.28. 01 out. 1827.
9
THEATRO. O Espelho Diamantino. Rio de Janeiro, nº. 02, p.28. 01 out. 1827.
10
THEATRO. O Espelho Diamantino. Rio de Janeiro, nº. 02, p.29. 01 out. 1827.
11
THEATRO. O Espelho Diamantino. Rio de Janeiro, nº. 02, p.29. 01 out. 1827.
12
O entremez era uma pequena comédia, originária da península ibérica medieval apresentada entre o 2º e o 3º
ato de peças mais longas. De acordo com Prado (1999.p.56): “A prática do entremez, como complemento de um
espetáculo, chegara ao Rio de Janeiro trazida pelos artistas portugueses que aportaram aqui em 1829, na
companhia encabeçada por Ludovina Soares da Costa” E interessante notarmos que um dos primeiros autores
dramáticos brasileiros, Luis Carlos Martins Pena, consagrou-se escrevendo entremezes.
28
chegasse à execução de tragédias. Além disso, lembrava que deveriam ser oferecidas
“vantagens pecuniárias” para incentivar os jovens autores.
É perceptível que tais indicações haviam saído da pena de alguém que demonstrava
certo conhecimento da dinâmica de trabalho teatral, mas o que convém salientar é o caráter
basilar dessas sugestões do redator do Espelho Diamantino ao diretor da nova companhia,
que, em poucas palavras, podemos resumir em ensaios e remuneração. Percebamos que tais
propostas manifestavam, por um lado, o desejo da criação de um “teatro como sistema” no
Brasil - bem aos moldes do que ocorria na Europa - por outro, a absoluta ausência do mesmo
naquele momento.
Cabe ressaltar aqui as particularidades do periódico no qual se apresentavam tais
ideias. O Espelho Diamantino, cujo subtítulo era “periódico de política, literatura, belas artes,
teatro e modas”, surgiu em 1827. Um dos principais objetivos da folha era “fornecer às mães
13
e esposas a instrução necessária” , por isso ao denominar-se um periódico que trataria do
teatro, seu redator, que assinava pelo nome de Julio Floro das Palmeiras, definiu o papel
atribuído ao teatro em seu periódico: “escola de costumes e da polidez, verdadeiro espelho da
14
vida, o mais decente, e agradável dos divertimentos públicos” . Segundo o redator, as
mulheres deveriam dedicar sua atenção a esse “divertimento”, pois formam “um tribunal que
decide sem agravo as questões de bom gosto e bom tom” 15. Editado na tipografia do francês
Pierre Plancher, O Espelho Diamantino16, assim como outras publicações do editor,
caracterizava-se por uma mistura de entretenimento e instrução. Marco Morel destaca essa
relação presente nas publicações de Plancher como parte de um “esfuerzo de divulgación de
la cultura europea y Del establecimiento de modelos civilizatórios” (MOREL, 2002).
Portanto, também é possível observar neste momento a percepção do potencial didático do
teatro no Brasil.
A história do teatro no Brasil, em especial durante a primeira metade do século XIX,
esteve estreitamente ligada à história política imperial. A morte de Dom João VI, em 1826,
inquietou a jovem “nação” brasileira, visto que D. Pedro I herdara a coroa de Portugal.
Mesmo abdicando ao trono de Portugal em favor de sua filha, até que o destino das duas
nações estivesse definido, muito foi discutido a respeito do perigo de uma reunificação do
Brasil à sua antiga metrópole (BARBOSA, 2004).
13
POLÍTICA. O Espelho Diamantino. Rio de Janeiro, nº3, capa.15 out.1827.
14
O ESPELHO Diamantino. Rio de Janeiro. prospecto, p.3. s/d.
15
O ESPELHO Diamantino. Rio de Janeiro. prospecto, p.3. s/d.
16
Para maiores informações sobre jornal O Espelho Diamantino e seu impacto na imprensa feminina da primeira
metade dos Oitocentos ver BERÇOT, 2013.
29
Que doce satisfação e que glória nos resulta de termos em nossas mãos os
destinos de um povo novo, que oferece ao mundo uma tal geração:
trabalhemos pois, quanto em nós couber, para elevar ao mais alto grau o
desenvolvimento de seus talentos naturais 25
17
No website do Centro Técnico de Artes Cênicas/ Teatros do Brasil encontra-se a data de criação e
desaparecimento do Teatrinho, assim como outras informações sobre o mesmo (CENTRO Técnico de Artes
Cênicas: Teatros do Brasil: Teatros do Centro Histórico do Rio de Janeiro.
http://www.ctac.gov.br/centrohistorico/ acesso em: 22/03/2015).
18
TEATRINHO da Rua dos Arcos. A Aurora Fluminense. Rio de Janeiro, nº19, p.2. 22 fev.1828.
19
TEATRINHO da Rua dos Arcos. A Aurora Fluminense. Rio de Janeiro, nº19, p.2. 22 fev.1828. Grifo nosso.
O brasileiro de 1828 era aquele que, independente do local de nascimento havia adotado o Brasil como pátria.
Jose de Alencar ainda é mais preciso quando afirma na Constituinte: “é cidadão brasileiro tanto o nascido em
Portugal quanto o nascido no Brasil, contanto que entrassem de principio no novo pacto social”. (SANTOS;
FERREIRA, 2009.p.54).
20
TEATRINHO da Rua dos Arcos. A Aurora Fluminense. Rio de Janeiro, nº19, p.2. 22 fev.1828. Grifo nosso.
21
TEATRINHO da Rua dos Arcos. A Aurora Fluminense. Rio de Janeiro, nº19, p.2. 22 fev.1828. Grifo nosso.
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TEATRINHO da Rua dos Arcos. A Aurora Fluminense. Rio de Janeiro, nº19, p.2. 22 fev.1828. Grifo nosso.
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TEATRINHO da Rua dos Arcos. A Aurora Fluminense. Rio de Janeiro, nº19, p.2. 22 fev.1828. Grifo nosso.
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TEATRINHO da Rua dos Arcos. A Aurora Fluminense. Rio de Janeiro, nº19, p.2. 22 fev.1828.
25
TEATRINHO da Rua dos Arcos. A Aurora Fluminense. Rio de Janeiro, nº19, p.2. 22 fev.1828. Grifo nosso.
30
26
. Por fim, o redator ainda tocou na questão do papel do teatro na formação da língua
parabenizando os jovens atores por aperfeiçoarem-se “na arte de declamar, e na pureza da
linguagem nacional” 27. Feito isso, conclui:
26
TEATRINHO da Rua dos Arcos. A Aurora Fluminense. Rio de Janeiro, nº19, p.2. 22 fev.1828.
27
TEATRINHO da Rua dos Arcos. A Aurora Fluminense. Rio de Janeiro, nº19, p.2. 22 fev.1828.
28
TEATRINHO da Rua dos Arcos. A Aurora Fluminense. Rio de Janeiro, nº19, p.2. 22 fev.1828.
29
Para Frei Caneca, em texto publicado em 1823, “pátria não e tanto o lugar em que nascemos, quanto aquele
em que fazemos uma parte e somos membros da sociedade” (apud SANTOS;FERREIRA, 2009.p.54.)
comentando a frase de Caneca, Santos e Ferreira (2009) ressaltam a necessidade de “distinguir a ‘pátria de lugar’
(‘efeito de puro acaso’) da ‘pátria de direito’ (‘ação do nosso arbítrio’) Esta, e não aquela, seria a ‘pátria do
cidadão’.” (SANTOS;FERREIRA, 2009.p.54).
30
TEATRINHO da Rua dos Arcos. A Aurora Fluminense. Rio de Janeiro, nº19, p.2. 22 fev.1828.
31
TEATRINHO da Rua dos Arcos. A Aurora Fluminense. Rio de Janeiro, nº19, p.2. 22 fev.1828.
31
Teatro São Pedro, em uma noite de ópera (figura 1). E possível percebermos que o artista
representa um público que ainda era composto, principalmente, por um grupo socialmente
privilegiado, branco e de homens. As poucas mulheres que aparecem na ilustração estão
confinadas a seus camarotes, em um espaço reservado ao belo sexo, indicando que a mistura
de gêneros nas plateias dos teatros ainda era embaraçosa para a sociedade da época.
Escrito no momento em que o Brasil encontrava-se em uma delicada pendenga política
com seus antigos colonizadores verifica-se, por meio das opiniões expressadas neste artigo,
aquilo que foi observado por José Carlos Chiaramonte ao se debruçar sobre as metamorfoses
do conceito de nação, durante os séculos XVII e XVIII: no início do século XIX, “a
consciência nacional é produto da unidade política” e “expressa o pertencimento a um estado”
(CHIARAMONTE, 2003, p.90). Nesse sentido, podemos afirmar, já de antemão, que o
“teatro nacional” é parte de um projeto maior de fundação e manutenção de uma nação e um
Estado brasileiros.
O pioneirismo com que o redator da Aurora Fluminense percebe as potencialidades de
um “teatro nacional” é digno de ser destacado. A dilatação do sentido da expressão de edifício
para escola de patriotismo continha elementos que muito recentemente haviam estado na
pauta dos homens de letras do período a respeito da literatura nacional, como é o caso da
formação da língua. Além disso, seus apontamentos não se restringiam ao texto, mas sim ao
evento teatral como um todo dotado de texto, apresentação e recepção.
32
Figura 1
política, José Bonifácio, em suas Poesias Avulsas, considerou o português uma língua de
excelência, mas dizia que as traduções para o português “aguavam” os pensamentos dos
autores, sugerindo a inserção de mais palavras de origem latina ao Português. Em 1828, ao
incorporar uma função de purificação da “linguagem nacional” ao teatro, o redator da Aurora
Fluminense se coloca como um precursor desse tipo de reflexão, visto que essa questão só
ganhou foros de oficialidade mais de uma década depois, com a criação do Conservatório
Dramático Brasileiro (1843) 32.
Outra discussão que estava na pauta dos letrados, desde a segunda metade da década
de 1810, mas até então encontrava-se restrita ao campo da literatura (leia-se romance e
poesia) aparece no artigo da Aurora Fluminense. Trata-se da repulsa ao caráter imitativo e um
rompimento com a herança literária portuguesa em prol de uma literatura que apresentasse um
conteúdo tipicamente nacional, mais original, ou, nas palavras do redator, ao se remeter ao
teatro, imbuído de certa “cor nacional”. Em Resumo da História Literária de Portugal (1816-
1819) Ferdinand Denis separa um espaço para um Resumo da História Literária de Portugal,
que por sua vez possui um apêndice, Resumo da História da literatura no Brasil. Para o
francês, os escritores da América não devem se inspirar em mitologia grega e nem na
literatura francesa, pois possuem uma bela natureza como fonte de inspiração (CANO, 2001,
p.147). Reforçando essa ideia, no mesmo período, temos a publicação do Bosquejo da
História da Poesia Brasileira (1816-1819) por Almeida Garret. Obra na qual defende que os
poetas brasileiros deveriam ser mais originais, sempre inspirados por sua natureza, e não por
sua educação europeia (CANO, 2001, p.149).
No pequeno artigo da Aurora Fluminense, a cor nacional que era revelada no teatro,
não se restringia ao conteúdo do texto, em especial o texto que encerra o espetáculo, mas
estendia-se aos atores que o encenavam, dotando-os de características específicas como um
determinado “gênio brasileiro” caracterizado por uma “conhecida facilidade” “para tudo
33
quanto há de bom” e uma doçura, delicadeza e amabilidade “próprias” das atrizes
brasileiras. Faculdades que se reportavam também à plateia, já que nela se reunia a “juventude
brasileira”34.
32
“Ao Conservatório cabia o poder de censura sobre as peças que se quisessem levar à cena nos teatros da Corte,
seguindo-se nesta censura os critérios estatuídos em seu artigo 8º, que tinham por fundamento a “veneração à
nossa Santa Religião, o respeito devido aos Poderes Políticos da Nação e às Autoridades constituídas, a guarda
da moral e decência pública, a castidade da língua, e aquela parte que é relativa à ortoépia” (CANO, 2001, p.29.)
Sobre o conservatório dramático brasileiro ver também: SOUZA, 2002.
33
TEATRINHO da Rua dos Arcos. A Aurora Fluminense. Rio de Janeiro, nº19, p.2. 22 fev.1828.
34
TEATRINHO da Rua dos Arcos. A Aurora Fluminense. Rio de Janeiro, nº19, p.2. 22 fev.1828.
34
Ou seja, o redator da Aurora Fluminense expressou em seu artigo, vários atributos que
configuravam o sentido do teatro nacional. Em primeiro lugar, ao afirmar que o Brasil não
possui um “teatro nacional” deixou claro que para ele “teatro nacional” não era simplesmente
a manutenção de um edifício público que abrigaria representações teatrais- “estamos bem
persuadidos de que o que possuímos só tem de nacional o custar grandes somas à Nação” 35.
De acordo com ele, esse teatro (edifício público), para ser verdadeiramente “nacional”,
deveria abrigar representações encenadas por “brasileiros” e cujo teor fosse “patriótico”. Essa
questão só seria levantada e levada em conta por parte do governo bem mais tarde. Quando
João Caetano dos Santos assinou o contrato para assumir o Teatro de São Pedro de Alcântara
sob subvenção do Governo Imperial (1838), uma das cláusulas foi a obrigação de que um
número mínimo de peças fossem de autoria nacional e que a companhia fosse formada
exclusivamente por atores brasileiros (SOUZA, 2002). O artigo expressa que o teatro nacional
deve se formar como um “sistema” viabilizando assim sua tarefa em ser escola de costumes.
Essa escola teria como eixo norteador de seu currículo a inculcação do patriotismo, ou seja, o
papel de disseminador da ideia de nação, ou, como diria Benedict Anderson, formador de uma
comunidade nacional imaginada (ANDERSON, 2005).
Poderíamos tratar o pequeno artigo a respeito da apresentação do Teatrinho da Rua
dos Arcos como um caso isolado e, por isso, não representativo de uma mudança de
significado do termo em questão. Mas, assim como Martha Abreu apontou, ao estudar as
características peculiares e precoces da obra de Mello Morais Filho, (ABREU, 1998)
podemos afirmar que a versão de “teatro nacional” usada ali já demonstra uma possibilidade
de transformação no significado da expressão, ou seja, “como uma leitura possível de ser
feita” (ABREU, 1998, p.184). No caso das produções de Mello Morais Filho, a autora irá
afirmar que “a sua ideia de nação era histórica e socialmente possível naquele momento”
(ABREU, 1998, p.184). Compreendemos que o mesmo se passa com as ideias contidas no
artigo em questão. O redator desenvolve seus argumentos buscando, obviamente, ser
compreendido por seus leitores, para isso utiliza conceitos cujo significado seja minimamente
compartilhado por esses. Dessa forma, o artigo sobre a apresentação ocorrida no Teatrinho da
Rua dos Arcos, em uma noite de fevereiro de 1828, é representativo da mudança semântica
que então se operava no termo.
35
TEATRINHO da Rua dos Arcos. A Aurora Fluminense. Rio de Janeiro, nº19, p.2. 22 fev.1828.
35
Os organismos musicais que voltaram a ter uma atividade mais intensa e regular, após
o casamento de Dom Pedro II e Dona Teresa Cristina, é Capela Imperial e o Teatro
Constitucional. A ópera, muito usada nas primeiras décadas do século como oportunidade de
manifestação simbólica da realeza, perdeu, temporariamente, a sua função durante a regência.
Somado a isso, o clima político exacerbado parece ter desviado a atenção dos governantes em
relação à necessidade de manutenção do teatro, principalmente para a execução das
dispendiosas óperas, muitas vezes representadas por companhias inteiras vindas de fora. No
segundo reinado, houve um retorno dos espetáculos líricos, muitos deles anunciados como
espetáculos de gala, nos quais a ostentação do poder imperial era reforçada pelo luxo das
noites em que a família real estaria presente no teatro. De acordo com Décio de Almeida
Prado: “Antes de ser arte ou diversão, o teatro propunha-se como cerimônia cívica” (PRADO,
36
Em 1838 volta a se chamar São Pedro de Alcântara, mas desta vez em homenagem ao futuro Imperador, D.
Pedro II (PRADO, 1999).
36
1999.p.26). Com D. Pedro II, houve uma ampliação desse aspecto político-ritual do teatro -
até então restrito à elitizada ópera - às outras manifestações artísticas dedicadas a um público
mais heterogêneo como as peças dramáticas cômicas, as mágicas ou os chamados dramas
fantásticos. A presença da família Imperial no Teatro se dava, em especial, em datas
comemorativas, como aniversários natalícios ou da constituição do Império 37. Como veremos
à frente, a presença da família imperial em espetáculos que fugiam ao padrão erudito
representado pelas óperas chegou a ser criticada na imprensa.
Mesmo sem a apresentação das elegantes óperas, e praticamente desprovido dos
auxílios governamentais, o Teatro Constitucional Fluminense continuou em funcionamento e,
quatro meses após receber a nova denominação, consoante ao acirrado clima político vivido a
partir de então, o Teatro se transformou em palco de um episódio conhecido pela
historiografia como “tiros no teatro”. De acordo com Marcelo Basile, (2007. s/p) o Teatro já
era “ponto habitual de reunião dos exaltados, [...] foco de agitação política e, não raro, palco
de pequenos tumultos”. Esse conflito foi o segundo em uma série de oito distúrbios ocorridos
durante a regência pelas ruas do Rio de Janeiro. Apresentava-se naquela noite, o drama O
estatuário, em benefício do ator Manoel Baptista Lisboa. Uma das primeiras versões sobre o
ocorrido foi publicada no Jornal do Comércio por um protagonista do conflito, o juiz de paz
Saturnino de Souza Oliveira. Em seu relato, Saturnino contou que foi chamado para resolver
uma briga entre dois oficiais militares, um “nato” (brasileiro) e outro “adotivo” (português);
que ocorria próximo ao teatro. Chegando ao local, desferiu ordem de prisão a ambos e um
grupo – mais tarde soube-se que “liderado pelo alferes do 5º batalhão de Caçadores, Francisco
Bacellar” (BASILE, 2007.s/p) - saiu em defesa do “brasileiro”, impedindo sua prisão e
levando-o para dentro do Teatro e instigando a plateia contra a decisão do juiz de paz.
Dirigindo-se ao comandante Miguel Frias e comunicando que o oficial escondido no teatro
deveria ser preso, Saturnino ouviu que o “brasileiro” não seria preso porque “ ‘a populaça[sic]
não queria’ e essa ‘podia mais’ do que o juiz” (CARDOSO, 2011. p.420). Diante dessa
situação, o juiz convocou as forças municipais e estas cercaram o teatro, segundo ele, “a certa
distância”. Da plateia, os agitadores começaram a desferir palavras de baixo calão e vaiar as
37
Em 1872 a Companhia Phenix preparou um espetáculo em homenagem ao aniversario Imperatriz no Lírico
Fluminense, “Honrado dom as augustas presenças de S. A. Imperial a Princesa Regente e seu augusto esposo”,
para assistir a parodia de Vasques, “Orfeu na Roça” (Jornal do Comércio. Rio de Janeiro, ed. 72. 12 mar.
1872). A peça fantástica O Vampiro também contou com a augusta assistência de D. Pedro II em um espetáculo
em benefício, realizado no Teatro Phenix em 12 de dezembro de 1873 (Jornal do Comércio. Rio de Janeiro, ed.
342, 11 dez. 1873). A Phenix Dramática também organizou um espetáculo de grande gala por ser o dia de
aniversário da constituição do Império apresentando o drama fantástico e religioso Roberto do Diabo. A
apresentação contou “com as augustas presenças de SS.MM.II” (Jornal do Comércio. Rio de Janeiro. ed. 81, 23
mar.1874).
37
forças militares até que, de dentro do Teatro, saiu o primeiro disparo que teria dado início ao
tiroteio.
Carl Seidler, mercenário alemão que esteve durante dez anos no Brasil e lutou na
repressão da revolta no sul do Império também estava presente naquela noite. Contou em suas
memórias que estava cochilando durante a apresentação da peça principal quando acordou
com gritos de vivas à república e vivas a Dom Pedro I e Dom Pedro II. De acordo com o
alemão, o tiroteio só começou quando a guarda tomou conta do prédio e foi recebida a tiros
(CARDOSO, 2011). As fontes divergem a respeito do número de mortos e feridos, fala-se em
números de três a trinta.
tema, dois deles na Vida Fluminense. No primeiro, em uma charge de capa, Vasques vê seu
lugar tomado pelos reformadores (fig.2) e na outra (fig.3) o Clube Radical, foi representado
como uma companhia teatral e um dos políticos que fazem o convite à participação nas tais
Conferências Radicais ocorridas no Teatro Phenix é representado como um ator que tenta
vender bilhetes para um espetáculo em seu benefício. Todavia, o homem a quem é oferecido o
bilhete recusa a oferta e numa referência a essa recusa o nome do espetáculo anunciado é “A
queda do Ministério ou Os Pregadores no Deserto”. Apesar da sátira apontar para uma
impopularidade das ideias disseminadas nas conferências ocorridas no Phenix, o decorrer dos
acontecimentos nos mostrou que as palestras ministradas 1869 e em 1870 definitivamente não
foram “pregações no deserto”. O Clube Radical, formado em 1868 durou aproximadamente
dois anos. Em novembro de 1870, após várias conferências regularmente anunciadas nos
38
jornais , ministradas por Jose Inácio Silveira da Mota, senador por Goiás, os membros do
Clube Radical fundaram o Clube Republicano do Rio de Janeiro (CARVALHO, s/d.). Suas
“pregações” resultaram na publicação do Manifesto Republicano, o que estimulou a criação
de mais de 20 jornais e clubes republicanos nas províncias (SILVA, s/d).
38
Encontramos no jornal Opinião Liberal, folha que era a porta voz do Club Radical (CARVALHO, s/d) um
pedido para que os participantes das conferências tomassem mais cuidado com as poltronas do Phenix, que
estavam sendo danificadas pelos participantes das palestras: “Os frequentadores tem o hábito de sair galgando as
bancadas, o que tem ocasionado dano às cadeiras, que são de palhinha”. CRÔNICA. Opinião Liberal. Rio de
Janeiro, ed.53, p.4. 09 jul 1869. Em 1870, em uma pesquisa aleatória, encontramos um número maior de
anúncios divulgando as Conferências Radicais. Os anúncios apareceram no Jornal da Tarde e no Diário do Rio
de Janeiro. Cf: Gazetilha. Jornal da Tarde. Rio de Janeiro, ed.326, p.1.19 nov.1870; PUBLICAÇÕES a
Pedido. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ed.322, p.3.21 nov.1870; UM DO POVO. Publicações a
Pedido. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ed.340, p.3. 09 dez.1870; PUBLICAÇÕES a Pedido. Diário
do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ed.341, p.3.10 dez.1870; NOTICIÁRIO. Diário do Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro, ed.343, p.1.12 dez.1870.
39
39
França Junior, monarquista convicto que à época publicava folhetins no Diário do
40
Rio de Janeiro sob o pseudônimo de Epimenides , expressava-se contrariamente aos
reformadores e à utilização do Teatro Phenix para a realização de suas reuniões: “até a caixa
do ponto da Phenix Dramática foi transformada em tribuna popular!!! A palavra, venerada
41
antigamente nos comícios e nas praças públicas, desceu aos cafés cantantes!!” As palavras
de França Junior certamente foram motivadas por sua antipatia aos reformadores, mas
também demonstram uma concepção de que as discussões políticas deveriam ficar reservadas
apenas aos grupos iniciados na política propriamente dita e aos detentores do poder. Daí
advém sua crítica ao fato de esse tipo de reunião acontecer nos teatros, lugar de diversão e
trânsito de diferentes grupos político-sociais.
Além disso, não foi incomum ao longo do século, a realização de espetáculos em
benefício da alforria de indivíduos negros ou “quase brancos” que se encontravam privados de
sua liberdade 42, sem falarmos da utilização dos teatros para a realização de festas patrióticas
ou de espetáculos em homenagem a aniversários natalícios e grandes feitos da família
imperial e do exército brasileiro, sobre as quais nos informa diversos jornais da Corte como
veremos mais detalhadamente no Capítulo 3 43.
Carl Seidler, que cochilava durante a apresentação na noite dos tiros, teceu
importantes observações sobre a questão da nacionalidade no teatro, que, conforme já
ressaltamos, estava intrinsecamente ligada à questão da política neste período. Jeferson Cano
analisou os relatos de Seidler nos seguintes termos. A citação é longa, porém necessária:
39
Sobre a orientação política de França Junior ver Silva (2011).
40
Cf: FOLHETIM - Notas de um Vadio. O Globo. Rio de Janeiro, ed.143. 25 fev.1882; FOLHETIM do Diário
do Rio. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ed.155, 1869. Em ambos os jornais encontramos o mesmo
artigo, a diferença é que o personagem genro de D. Rosa aparece em 1869 como radical e, em 1882, como
abolicionista e republicano. Epimenides assinava os folhetins aos domingos cf: EPIMENIDES (França Junior).
Folhetim do Diário do Rio. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ed.134, p.1. 16 mai.1869; EPIMENIDES
(França Junior). Folhetim do Diário do Rio. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ed.155, p.1. 06 jun.1869;
EPIMENIDES (França Junior). Folhetim do Diário do Rio. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ed.162,
p.1. 13 jun.1869). O conteúdo e forma destes artigos são muito parecidos com o que ele (como Osíris) escreveu
no jornal Bazar Volante. Além disso, A Vida Fluminense publicou uma charge com Osíris à porta do Diário do
Rio oferecendo sal e pimenta aquele jornal (A Vida Fluminense. Rio de Janeiro, ed.77. 1869).
41
EPIMENIDES (França Junior). Folhetim do Diário do Rio. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ed.134,
p.1. 16 mai.1869.
42
Em 1871, a Companhia Phenix oferecia um espetáculo “Em favor da liberdade de um indivíduo quase branco.
Representa-se o Anjo da Meia Noite; e o público acostumado a proteger esses infelizes, não negará hoje o seu
óbolo.” (Diário de Notícias. Rio de Janeiro, ed.244, p.3.24 mai.1871) Um dos mais antigos espetáculos em
benefício da liberdade de um escravo data de 1840. (Cf: SILVA, 2014).
43
Em 7 de maio de 1870, por exemplo, ocorreu uma “grande festa artística em homenagem ao bravo soldado
Pinheiro Guimarães e a oficialidade de sua brigada”, a abertura da festa contou com a execução do Hino
Nacional pelas duas bandas de música da brigada e do hino Espada e Pena escrito pela atriz Rosina e musicado
pelo maestro Gusman, em seguida, Vasques leu uma poesia de sua autoria intitulada Saudação aos Bravos e
Amelia Gubernatis cantou a canção militar O Voluntário Brasileiro. O encerramento da festa se deu com a
apresentação da comédia em 3 atos Vaz, Telles & C., “imitação” de Augusto de Castro. (Jornal da Tarde. Rio
de Janeiro, ed.161, p.4.06. mai.1870).
42
[...] ao rememorar a sua estada de dez anos no país não lhe escapou o
significado fortemente político que dominava ainda a cena teatral.
Escrevendo durante o período regencial, lembrava dos bailados e óperas
italianas que com frequência se representavam ao tempo de D. Pedro, e que a
seus olhos pareciam os espetáculos mais adequados ao país naquele
momento, “pois onde não há história pátria não pode haver drama”. Após a
abdicação, entretanto, uma política de nacionalização, que punha sob
suspeição todos os estrangeiros, teria atingido também o “inocente pessoal
do teatro”, embora despido, segundo Seidler, de qualquer “roupa política
secreta”. Seu relato, então, ao passo que ressalta a reprovação de um europeu
que se depara com a incursão de alguns mulatos pelas artes, também nos dá
conta da particularidade deste momento, em que se exacerbava a politização
do campo artístico. Por um lado, através da nacionalização do pessoal,
quando, segundo o nosso mal-humorado alemão, “das vendas mais reles
foram buscar mulatos bêbados para figurarem na banda de música imperial”;
mas este movimento de expurgo dos estrangeiros não se dissociava do uso
corrente que se fazia da “insensata palavra de despotismo” naqueles
primeiros anos de regência, nem de sua consequência, “os aleijões
dramáticos que um falso patriotismo gerava, como o sol às pulgas” (CANO,
2001, p.138).
De acordo com Jefferson Cano, o relato de Seidler pode ser lido em dois aspectos: de
um lado, “ressalta a reprovação de um europeu que se depara com a incursão de alguns
mulatos pelas artes”; mas, por outro lado, “também nos dá conta da particularidade deste
momento, em que se exacerbava a politização do campo artístico”. Podemos perceber que
aqui também destaca-se, como no esclarecedor artigo citado da Aurora Fluminense sobre o
Teatrinho da Rua dos Arcos, um movimento de nacionalização dos artistas além da ligação
entre a pátria e o teatro. Dessa forma, o autor continua sua análise citando as palavras do
próprio Seidler:
Talvez o relato de Seidler possa conter exageros de um crítico que pretendia assistir,
nos palcos brasileiros, a cópias perfeitas do que se passava nos teatros de Viena, mas não
podemos ignorar o fato de que elucida uma tentativa visível de estabelecimento de uma
história pátria, por meio das produções e apresentações teatrais. A partir de relatos como esse,
percebemos que, no Brasil, o teatro poderia se apresentar, em par de igualdade, com outros
meios de comunicação, como a imprensa diária, como instrumento de formação de um
sentimento nacional e consequentemente uma comunidade nacional imaginada (ANDERSON,
2005). Os próprios homens de letras reconheciam esse papel do teatro e por isso tentaram ao
máximo controlar e regular tal sentimento nacional em formação. Tratando desse contexto e
reconhecendo a importância do teatro para a nação, Joaquim Manoel de Macedo escreveu:
44
Joaquim Manuel de Macedo. Crônica da Semana. Jornal do Comércio. Rio de Janeiro, 12 de agosto de 1861.
P.1 apud FARIA, 2001, p. 530.
45
TEATRINHO da Rua dos Arcos. A Aurora Fluminense. Rio de Janeiro, nº19, p.2. 22 fev.1828.
44
Verdade, escreveu para o Diário do Rio de Janeiro uma carta que nos revela muito sobre
como essa hostilidade em relação aos lusitanos estava imersa, naquele momento, na questão
do “teatro nacional”. Nela, os Amigos da Verdade fazem uma severa crítica aos elogios
despendidos pelo Sr. Acionista ao repertório e às representações da Companhia Portuguesa 46 ,
no Teatro da Praia de D. Manoel (1834-1838) 47.
46
AMIGOS da verdade. Snr. Redator. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, nº15, p.7. 18 mar. 1835. A
companhia era composta por atores como: João Evangelista da Costa, Ludovina Soares da Costa, Vitor Porfírio
de Borja, Maria Soares do Nascimento, Vitor Quesado, Theresa Soares, Bento José, Fernando Cerqueira, Camilo
José do Rosário Guedes (CENTRO, 2015).
47
Em 1838 passa a se chamar Teatro São Januário (CENTRO, 2015).
48
Um dos artistas portugueses responsáveis pela construção do teatro.
49
Maneira a qual os brasileiros se referiam pejorativamente aos portugueses (JAROUCHE, 2007, p.16).
50
AMIGOS da verdade. Snr. Redator. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, nº15, p.7. 18 mar. 1835. De
acordo com Souza, o Teatro São Januário (nome que fora dado em 1838 ao Teatro da Praia de Dom Manoel)
“carregou o estigma de ser frequentado por espectadores pouco ‘polidos’ e de ser evitado pelas ‘boas famílias’,
servindo apenas para abrigar companhias teatrais ambulantes ou desalojadas” (SOUZA, 2007, p.2). Creio que
isso se deu não só em função da localização do Teatro, distante da freguesia do Sacramento conforme destaca a
autora, mas também por sua origem ligada à companhia portuguesa subsidiada por D. Pedro I.
51
AMIGOS da verdade. Snr. Redator. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, nº15, p.7. 18 mar. 1835.
45
com indecentes acionados ao melindre e decoro das famílias espectadoras” 52. De acordo com
os assinantes da missiva, a falta de decoro naquele teatro era tamanha que nele “já se tem
53
representado a Cena de Ébrio ao natural. Louvado seja Deus!!!” E os mesmos ainda
54
interrogavam: “é esta a escola da Moral e Virtude que se restaurou no Rio de Janeiro?!” .
Dessa forma, além de ser estrangeiro e cultor da história nacional de nossos antigos
colonizadores, o Teatro da Praia de D. Manoel também deixava de cumprir outra exigência
para que fosse representante de nosso teatro nacional, não servia como “escola de moral e
virtudes” 55.
A imprensa e o próprio teatro foram, assim, dando forma a uma definição cada vez
mais específica e menos genérica do termo em questão. Neste período não ocorre uma
substituição ou transformação do significado, mas novas camadas de significação são
formadas, agregadas e consolidadas. Apenas para citar um exemplo, em 1844, Emile Adet
remetia-se, em um artigo da Aurora Fluminense, a teatro nacional como sinônimo de teatro
público subsidiado pelo governo: “Uma medida indispensável seria que todos os teatros da
capital, tanto nacionais quanto estrangeiros e particulares, fossem sujeitos ao mesmo
56
regulamento que o Teatro São Pedro” . Esses novos atributos que o “teatro nacional”
ganhava eram resultado do que se escrevia, lia, discutia e a que se assistia na imprensa e nos
palcos do Rio de Janeiro.
57
Em outro artigo da A Aurora Fluminense , por exemplo, publicado em 1838,
podemos perceber que o termo já aparece como uma síntese dos diversos significados aqui
enumerados. No artigo foi noticiado que o Teatro Fluminense iria fechar por falta de
subsídios. A culpa pelo fechamento das portas do Teatro Fluminense recaía sobre a sanção
das loterias do Teatro de D. Manoel, que teria sido realizada “sem condições honestas”,
deixando assim a outra casa sem condições financeiras de se manter em funcionamento 58. Os
acionistas do teatro que iria ser extinto deixaram claro que enxergavam “naquele passo do
Ministro [do Império] uma mostra de atenções” contra a qual não poderiam lutar. Afinal, o
que ocorreu foi a concessão de
52
AMIGOS da verdade. Snr. Redator. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, nº15, p.7. 18 mar. 1835.
53
AMIGOS da verdade. Snr. Redator. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, nº15, p.7. 18 mar. 1835.
54
AMIGOS da verdade. Snr. Redator. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, nº15, p.7. 18 mar. 1835.
55
AMIGOS da verdade. Snr. Redator. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, nº15, p.7. 18 mar. 1835.
56
Emile Adet. Da arte dramática no Brasil. Apud FARIA, 2001, p.342.
57
AO REDATOR. A Aurora Fluminense. Rio de Janeiro, n°2, p.4. 04 mai. 1838.
58
As loterias foram, ao longo do século XIX o principal meio de financiamento das atividades teatrais da Corte.
A primeira vez que as loterias foram usadas com essa finalidade, no Rio de Janeiro, foi na construção do Real
teatro São João. Um decreto publicado em 28 de maio de 1810 previa a utilização de, aproximadamente, 48
contos de reis, recolhidos por meio de fundo de ações os lucros de seis loterias. CARDOSO, 2006.
46
59
AO REDATOR. A Aurora Fluminense. Rio de Janeiro, n°2, p.4. 04 mai.1838.
60
AO REDATOR. A Aurora Fluminense. Rio de Janeiro, n°2, p.4. 04 mai.1838. Grifo nosso.
61
História que, diga-se de passagem, também estava sendo forjada neste mesmo momento. Não é demais
lembrar que Carl Friedrich P. Von Martius publicou na Revista do Instituto, em 1844, um projeto historiográfico
para se escrever a história do Brasil, efetivado por Francisco Adolfo Varnhagen, que publicou, anos depois,
História Nacional (GUIMARÃES, 1988. p.16).
62
É importante ressaltar que, mesmo não sendo unanimidade entre os autores de todos os tempos o papel
pedagógico do teatro existe desde o seu nascimento na antiguidade, onde as tragédias e comédias eram
apresentadas nas festividades cívicas e a nova areté da pólis ali refletida.
63
De acordo com Souza (2002.p.38) “O ‘abrasileiramento’ da dramaturgia e dos atores [...] foi o elemento
priorizado pela noção de criação de um teatro ‘nacional’ no decorrer da década de 1840.”
64
De acordo com Koselleck (2006.p.102.), a partir da modernidade “um conceito não aponta mais para
apreender os fatos de tal ou tal maneira, eles apontam para o futuro”.
47
carga semântica, condensava esses sentidos. Visto isso, não se pode mais olhar para o teatro
do mesmo modo, sem pensar na questão nacional e de identidade que ali se apresenta. Tendo
agregado a si todos esses significados podemos afirmar então que o termo teatro nacional é
verdadeiramente um conceito conforme estabeleceu Koselleck, visto que expressa tal
polissemia. Nas palavras do autor: “Embora o conceito também esteja relacionado à palavra,
ele é mais de que uma palavra: uma palavra se torna um conceito se a totalidade das
circunstâncias político sociais e empíricas, nas quais e para as quais essa palavra é usada,
agrega-se a ela” (KOSELLECK, 2006.p.109).
65
Não pretendo aqui fazer um estudo destes textos em si. Esse trabalho foi realizado por grandes nomes da
historiografia do teatro como PRADO, 1999; MAGALDI, 1997; FARIA, 1993.
66
TEATRO Fluminense: O poeta e a inquisição, tragédia em 5 atos do Sr. Magalhães. Jornal do Comércio. Rio
de Janeiro, ed.64, p.2.21 de mar. 1838.
67
VERÍSSIMO apud FARIA, 2001, p.32.
48
deixar de considerar que José Veríssimo, escrevendo no início do século XX, concebe o termo
brasileiro a partir de um espaço de experiência diverso daquele dos letrados do início do
século. Estreitamente ligado ao conceito de nação e nacionalidade, o conceito de brasileiro
também fora alvo de disputas entre adeptos de diferentes cores políticas e correntes literárias,
ao longo do século XIX, apesar de ser utilizado mesmo antes de nossa independência. Mas
podemos destacar aqui a importância da questão da origem, uma das fundamentais para os
diferentes projetos “nacionalizadores”, a qual abrange os dois contextos. Sobre aquela
memorável noite do “teatro nacional”, não nos esqueçamos ainda, de que se tratava de uma
companhia subsidiada pelo governo Imperial, através da concessão de loterias! (PRADO,
1999.)
Não é por acaso que, a partir da estreia da peça de Gonçalves de Magalhães, os artigos
de crítica teatral, antes esparsos, passaram a abordar regularmente o tema da necessidade da
criação de um “teatro nacional” (SOUZA, 2002). O próprio autor, ao reivindicar para si o
papel de pioneiro, escreve no prefácio de sua tragédia que se trata da primeira escrita por
autor brasileiro e com assunto nacional (FARIA, 2001).
Esses sentidos fixados ao termo até o final da década de 1830, bem como a
representação de cada um deles, nunca foi unanimidade entre os letrados do período nem
entre os que aparentemente pertenciam ao mesmo movimento literário. Na segunda metade da
década de 1830, por exemplo, alguns escritores, influenciados pela moderna escola de Victor
Hugo e Alexandre Dumas, investiram em produções, senão românticas, ao menos inspiradas
em um romantismo à moda europeia. Uns enxergaram ali uma escola na qual o “patriotismo”
expressava-se nas ideias de nacionalismo que remetiam à Revolução Francesa. Basta lembrar
que a revista que ajudara a “fundar” o romantismo no Brasil, a Nitheroy, possuía como divisa
“Tudo pelo Brasil e para o Brasil”. A imoralidade era combatida sendo representada no palco
(assassinatos, prostituição, incesto, suicídios, devassidão) juntamente com seus efeitos
degradantes. Não obstante, os opositores desse movimento criticaram-no justamente por essas
características.
Permitamo-nos aqui mais um pequeno parêntese para aclarar essa importante e pouco
comum percepção do movimento romântico. Apesar de o romantismo ser habitualmente
vinculado a um caráter de imoralidade, Vitor Hugo, um dos principais, senão o mais
importante nome desta escola na França, manifestou, em diversas ocasiões, sua divergência
com os críticos que viam em sua obra um instrumento de imoralidade. Quem nos traz essa
visão inovadora é Jefferson Cano em sua obra O Fardo dos Homens de Letras: “o fato é que
aquelas características que apareciam aos olhos de alguns contemporâneos como algo de
49
imoral não seriam assim concebidas pelo autor, nem mesmo como algo necessariamente
amoral” (CANO, 2001, p.28). Ao analisar alguns prefácios de Vitor Hugo, tanto em suas
obras poéticas quanto no drama Lucrécia Borgia, o autor destacou várias passagens onde a
intenção moralizante do poeta e dramaturgo foi claramente expressada (Cf: CANO, 2001,
p.29 e p.30).
A maior parte das peças consideradas românticas, escritas no Brasil, foram
influenciadas pela escola francesa de Alexandre Dumas e Victor Hugo; a exceção é Álvares
de Azevedo, que preferiu os românticos espanhóis, ingleses e alemães. Mesmo assim, o jovem
escritor de Macário escreveu: “o teatro não deve ser uma escola de depravação e de mau
68
gosto. O teatro tem um fim moralizador literário: é um verdadeiro apostolado do belo” .
Gonçalves Dias pode ser considerado a exceção que confirma a regra, autor de Leonor de
Mendonça e outros dramas que não ganharam os palcos quando escritos, foi o mais fiel ao
romantismo europeu em sua despreocupação com função moralizadora do teatro.
Cano definiu o século XIX como um momento no qual o campo das letras se
constituiu “como uma arena privilegiada da intervenção política, a partir da qual são pensadas
as especificidades [da] nacionalidade” (CANO, 2001, p.126-127). Para ele, o “fardo dos
homens de letras” era a responsabilidade que os escritores românticos atribuíram a si mesmos
de construir uma nacionalidade brasileira através da literatura. Disso decorre que críticas às
instituições ou ao Império deveriam estar apartadas de qualquer manifestação literária. Talvez
por estender essa função ao espaço teatral, França Junior (Epimenides) manifestou sua
irritação quando os reformadores usaram o Teatro Phenix para suas reuniões em 1869.
Dada essa explicação, o que nos importa sublinhar é que, mesmo que não houvesse
uma intenção de desmoralização da cena, a forma pela qual o romantismo europeu abordou o
ideário iluminista deixava transparecer uma crítica às instituições (por meio de reis e rainhas
devassos e heróis rebeldes, por exemplo) que não era bem vinda no Brasil, muito menos em
um momento politicamente tão delicado como a regência, no qual o Império lutava pela sua
unificação política. Por isso e pela questão da moral, afinal os temas abordados eram
realmente chocantes à sociedade da época, os dramas românticos de Dumas e Hugo foram
recebidos no Brasil, por parte da intelectualidade, como algo que mais se aproximava de uma
escola de corrupção do que de moralização. Não foi por outro motivo que dramas românticos
de Alexandre Dumas como: Maria Tudor, Rui Brás, A Corte de Luís XIII, Antony e A Torre
68
AZEVEDO apud FARIA, 2001, p.50.
50
Essas e outras críticas ao romantismo nos ajudam a perceber o quanto seu advento
reforçou, na imprensa, as reivindicações pelo caráter moralizante do teatro, tonificando,
assim, a valorização deste caráter no “teatro nacional”.
As discussões e críticas a respeito do papel do “teatro nacional” faziam parte de uma
questão mais ampla neste momento: a constituição de uma Literatura e uma História
69
O Cronista, 19/11/1836 apud CANO, 2001, p.23-24.
70
Diário do Rio de Janeiro. 10 ago.1837 apud CANO, 2001, p.24.
71
MAGALHÃES apud FARIA, 2001, p.335.
51
Imbuído de uma história própria, que podia ser narrada de suas origens remotas até os
dias atuais, o teatro possuía a mesma função que a literatura (mas com muito maior alcance),
civilizar e moralizar um povo constituindo uma nova e, se possível, definitiva identidade. Era
isso, aliás, que o diferenciava – e o colocava hierarquicamente acima - das outras formas de
espetáculos cênicos como as circenses, que tinham como único objetivo entreter o público.
Para garantir essa diferenciação, é que, em 1843, o Governo Imperial criou o
Conservatório Dramático Brasileiro, associação cuja finalidade era examinar previamente as
peças encenadas no Teatro São Pedro. Dois anos depois, essa função se estenderia aos demais
teatros públicos da Corte, objetivando incentivar a produção dramatúrgica nacional mediante,
entre outras coisas, o estabelecimento de uma crítica literária regular. Todavia sabe-se que, de
fato, o Conservatório restringiu-se à censura prévia das peças teatrais pautando-se, na maioria
das vezes, por critérios morais, políticos e religiosos, em detrimento dos critérios estético-
literários (SOUZA, 2002).
Em seu trabalho, Silvia Cristina Martins de Souza percebeu que, nos artigos de crítica
teatral publicados entre os anos de 1838 a 1850 predominou um tom de “lamento por uma
dramaturgia que, após um início promissor, não decolara, pelo menos da forma como os
72
O BRASILEIRO Filodramático. Os Teatros e a Literatura Dramática Nacional I. O Despertador. Rio de
Janeiro nº1117, p.1-2. 26 set. 1841.
52
literatos gostariam que tivesse ocorrido” (SOUZA, 2002, p.37). Os jornais são pródigos em
exemplos. Antes disso, em 1836, Justiniano José da Rocha já rememorava um tempo em que
os teatrinhos particulares se proliferaram graças à simpatia do público, mas que então a
apresentação de “um limitadíssimo número de dramas e tragédias já vistas um milhão de
vezes” 73 enfastiou o público e fez com que os teatrinhos se fechassem. Mais tarde, em 1850,
o autor das “páginas menores” do jornal o Correio Mercantil afirmava que as “condições
indispensáveis e normais de um teatro nacional ainda não se encontram em cena alguma do
74
Brasil” . Ainda de acordo com Souza, “salvo uma ou outra estreia de peça ou autor, que
parecia reacender as esperanças da crítica, a situação era descrita como decadente, muitas
vezes caótica” (SOUZA, 2002, p.37).
A inauguração do Teatro Ginásio Dramático, em 1855, foi ansiada pelos homens de
letras da Corte como a promessa de instauração, no Brasil, de um teatro que estivesse em
sintonia com os mais importantes teatros europeus. Machado de Assis chegou a referir-se ao
Ginásio como o primeiro teatro da capital (SOUZA, 2002). O Ginásio representava uma nova
possibilidade de concretização de um “teatro nacional” no Brasil, senão em seu sentido pleno,
ao menos naquele que era o proeminente na ocasião, qual seja, menos preocupado com seu
aspecto patriótico à maneira romântica (presentes não só nos dramas, mas nas tragédias e
melodramas) e mais preocupado com o aspecto moralizador e civilizador, aproximando-se
assim da estética da dramaturgia realista. Segundo João Roberto Faria:
73
Justiniano José da Rocha. O Cronista. Rio de Janeiro. 20 ago. 1836. pp.87-88 apud FARIA, 2001, p.317.
74
PÁGINAS menores. Correio Mercantil. Rio de Janeiro, nº353, p.1. 27 dez.1850. Grifo nosso.
75
A respeito dessas duas peças de José de Alencar ver: FARIA, 1987; LOPES, 2010.
53
É notório que, no trecho acima, Henrique Cezar Muzio deu destaque à noção de teatro
nacional como aquele composto de plateia, atores e autores brasileiros juntos no aplauso,
interpretação e produção de textos de alto “padrão literário”. Isso o leva a finalizar seu artigo
com as seguintes considerações.
Cezar Muzio deixa claro, a partir desse trecho, que o teatro brasileiro, usado aqui
como sinônimo de nacional, não seria qualquer teatro feito no Brasil. O Ginásio representaria
para ele a concretização de um “teatro brasileiro como o pedem”, não uma restrita elite
intelectual, mas a “vontade pública”. Todavia, mesmo sendo tão otimista em relação à
existência de um teatro nacional no Ginásio, o autor não deixou de registrar a ausência de um
pilar importante para a existência do mesmo, o auxílio do governo imperial. Afinal, apenas
com o apoio governamental, o teatro Ginásio e, consequentemente, o nacional poderia dar
continuidade ao que acontecia ali. Para que houvesse um teatro nacional, esse precisava de ser
contínuo, regular, para que pudesse se estabelecer uma tradição. Bem menos esperançoso,
Joaquim Manuel de Macedo escreveu, no mesmo ano, que “o governo do país é o primeiro a
54
76
Joaquim Manuel de Macedo. Crônica da Semana. Jornal do Comércio. Rio de Janeiro, 12 de agosto de 1861.
P.1 apud FARIA, 2001, p. 530.
77
Araujo Porto Alegre. O nosso teatro dramático. O Guanabara. Rio de Janeiro, número 3, t.II, 1852, PP.97-
104, apud FARIA, 2001, p.365.
78
“Denominação dada às peças que surgiram depois do Romantismo, por causa das roupas usadas em cena. Se
nos dramas históricos românticos eram absolutamente necessários os figurinos de época, porque as ações
situavam-se no passado, nos dramas de casaca, ao contrário, os artistas trajavam-se como os espectadores da
plateia, uma vez que a ação dramática situava-se no presente.” (GUINSBURG; FARIA; LIMA, 2006, p.116).
55
Após a montagem da opereta Orphée aux Enfers (1858), em Paris, por Jacques
Offenbach, não demorou muito até que o gênero francês, bem como suas “francesas”,
chegassem ao Império do Brasil somando sucesso e escândalo no polêmico Teatro Alcazar
Lírico. Não tardou também para que Vasques, um talentoso homem do teatro, o ator, autor e
empresário, percebesse a potencialidade do gênero e fizesse uma espécie de “paródia da
paródia” escrevendo Orfeu na Roça.
A partir daquele espaço de experiência – anterior a 1864 para utilizarmos o marco
definido por João Roberto Faria (1987) – criou-se um parâmetro de “teatro nacional”, que
passou a medir a maior ou menor nacionalidade das representações dramáticas que se faziam
representar nos palcos da capital do Império a partir de então. Como experiências que se
superpõem e se impregnam umas às outras (KOSELLECK, 2006. p.313), o teatro nacional,
que se situava no horizonte de expectativas do período realista, caracteriza-se por um caráter
cumulativo. Edifício público, subsidiado pelo governo, origem brasileira das produções e seus
intérpretes, cor local, escola de costumes e patriotismo, sistemático: estes foram atributos que,
com o passar dos anos, somaram-se, dando sentido ao termo, ao menos até meados da década
de 1860.
Disso decorreu que, quando o teatro alegre, ligeiro ou musicado, oposto a todos
aqueles sentidos, deu mostras de sua potencialidade, o “teatro nacional” passaria a ser
encarado por alguns intelectuais como natimorto. O horizonte de expectativas então
enegrecera: “Não está longe a completa dissolução da arte; alguns anos mais, e o templo será
um túmulo” (FARIA, 2001.p,153), afirmou Machado de Assis em conhecido artigo intitulado,
“ O Teatro nacional” de 1866. A frase não pode ser tomada como uma síntese das ideias do
intelectual naquele momento, o artigo, na verdade, revela a existência de uma esperança em
relação à estruturação de uma literatura dramática nacional. Machado acreditava que a criação
do que chamou de Comédia Brasileira seria possível caso houvesse uma iniciativa do governo
em criá-la, mas o tom de seu artigo é irremediavelmente pessimista: “Se [...] não vier uma lei
que ampare a arte e a literatura, lance as bases de uma firme aliança entre o público e o poeta,
e faça renascer a já perdida noção do gosto, fechem-se as portas do templo, onde não há nem
sacerdotes nem fieis” (FARIA, 2001. p.561).
Os apontamentos sobre a construção semântica do termo “teatro nacional” são
importantes para que possamos entender mais profundamente as motivações daqueles que
acreditaram e lutaram por um “teatro nacional” a partir de década de 1864, período em que,
para utilizarmos uma metáfora platonista, o “teatro nacional” que habitava o mundo das ideias
possuía uma forma muito diferente daquele que habitava o mundo sensível. Ou ainda,
56
teatro, na segunda metade do século XIX, bem como aqueles que tratam do teatro ligeiro no
Brasil, acabarem, obrigatoriamente, remetendo-se a acontecimentos específicos dela. A
análise e cruzamento das informações colhidas nos 15 jornais consultados79, sejam elas
provenientes das críticas teatrais ou dos comentários presentes nas colunas pagas, trouxe-nos
um panorama amplo de opiniões a respeito dos usos da arte dramática em um contexto
político e social marcado por transformações. Além dos jornais, a bibliografia sobre o teatro
no Rio de Janeiro 80, bem como as contribuições dadas pelos memorialistas da nossa história
81
teatral , ajudam-nos a contar essa história e tentar compreender as escolhas dos homens e
mulheres que fizeram a Companhia.
79
Para as pesquisas realizadas para a construção deste capítulo, foram consultadas várias edições dos seguintes
jornais e revistas do Rio de Janeiro, nos seguintes períodos: Diário do Rio de Janeiro (1863 a 1874); A Vida
Fluminense (1868 a 1875); Correio Mercantil (1868); Desesseis de Julho (1869 a 1870); Opinião Liberal (1869
a 1870); Jornal da Tarde (1869 a 1872); Semana Ilustrada (1870 a 1876); A Reforma (1870 a 1878); Diário de
Notícias (1870 a 1881); A Nação (1872 e1873); O Mosquito (1872 a 1874); A Instrução Pública (1875); O
Mequetrefe (1876 a 1881); Gazeta de Notícias (1876 a 1881); O Espectador (1881 a 1885).
80
Em especial, os trabalhos de Fernando Antonio Mencarelli (1999, 2003), Silvia Cristina Martins de Souza
(2002, 2007, 2010, 2011, 2012) João Roberto Faria (1987, 1993, 1998, 2001).
81
Em especial Quintino Bocaiúva (“Lance d’olhos sobre a comédia e sua crítica”, 1858), Visconti Coaracy
(Gryphus) (“Galeria Teatral: esboços e caricaturas”, 1884); Souza Bastos (“Carteira do Artista: apontamentos
para a história do teatro português e brasileiro acompanhados de notícias sobre os principais artistas, escritores
dramáticos e compositores estrangeiros”, 1898) e José Veríssimo (“História da Literatura Brasileira”, 1915)
Antônio Cândido (“Formação da Literatura Brasileira” 2012, “Literatura e subdesenvolvimento”, 1989).
58
Passados alguns anos desde que Machado escreveu suas considerações a respeito
do “Teatro Nacional”, a contar por alguns redatores de jornais, o anunciado funeral da
arte dramática realmente havia ocorrido. No Diário do Rio de Janeiro, um anônimo
colaborador das colunas pagas, fazendo um diagnóstico da arte dramática concluiu:
“Que desamor pelas artes belas! Que pobreza de nacionalidade! Chega o estrangeiro ao
Brasil e interroga pelo teatro nacional... Apontam-lhe o suntuoso Teatro Lírico, fechado,
servindo apenas para dar um pouco de sombra aos lazarentos cavalos [....] O Teatro São
Pedro de Alcântara, depósito de ratos e morcegos [...]”. Afirmou ainda que o São
Januário não existia mais, que o Ginásio servia de “bordel da arte dramática” e que a
Phenix seria uma “filha legítima do Eldorado, ave criada no Jardim de Flora!” 1. Ao
citar a situação de cada teatro da Corte, a crítica feita ao fechamento e ao funcionamento
irregular de algumas casas é clara. Também não é difícil imaginar que o anônimo
colaborador considerava o Ginásio Dramático um “bordel da arte dramática” devido ao
abandono do antigo repertório de comédias realistas e adesão ao repertório ligeiro por
parte do empresário daquela casa, Furtado Coelho. Contudo, a afirmativa de que a
Phenix seria uma “filha legítima do Eldorado, ave criada no Jardim de Flora!” possui
significados mais específicos para serem diretamente apreendidos por nós, leitores
contemporâneos, mas que certamente transmitia uma mensagem muito evidente aos
leitores daquele final da década de 1860. Para compreendermos com precisão o que o
anônimo escreveu sobre a Phenix, precisamos nos debruçar sobre o perfil da casa de
espetáculos na qual nasceu a companhia, o Teatro Eldorado, também conhecido como
Jardim de Flora.
1
V.H. A arte dramática. Publicações a pedido. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. ed.78, p.2. 20
mar. 1869.
59
7
Mesmo descrito pelo redator do Diário do Rio de Janeiro e por outros jornais
como um lugar elegante e agradável, observou-se também artigos que revelaram visões
não muito lisonjeiras do novo estabelecimento. Nas colunas pagas do Correio
Mercantil, por exemplo, alguém escondido sob o nome de L’anti escamoteur deu a
seguinte opinião a respeito do novo café-concerto:
2
CENTRO Técnico de Artes Cênicas: Teatros do Brasil: Teatros do Centro Histórico do Rio de Janeiro.
Disponível em: <www.ctac.br/controhistorico/pesquisaTeatros.asp> , acesso em 16/11/13.
3
CENTRO Técnico de Artes Cênicas: Teatros do Brasil: Teatros do Centro Histórico do Rio de Janeiro.
Disponível em: <www.ctac.br/controhistorico/pesquisaTeatros.asp> , acesso em 16/11/13.
4
CORREIO Mercantil: e Instrutivo, Político, Universal. Rio de Janeiro, ed.317, p.4. 17 nov. 1867.
5
CENTRO Técnico de Artes Cênicas: Teatros do Brasil: Teatros do Centro Histórico do Rio de Janeiro.
Disponível em: <www.ctac.br/controhistorico/pesquisaTeatros.asp> , acesso em 16/11/13.
6
NOTICIÁRIO. Eldorado. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ed.285, p.1.18 out. 1863.
7
Podemos citar como exemplo o Jornal do Comércio (PUBLICAÇÕES a pedido. Eldorado. Correio
Mercantil: e Instrutivo, Político, Universal. Rio de Janeiro, ed. 289, p.2. 30 out. 1863).
60
8
L’ANTI escamoteur. Publicações a pedido. Eldorado. Correio Mercantil: e Instrutivo, Político,
Universal. Rio de Janeiro, ed.289, p.2. 30 out. 1863.
9
Possivelmente a utilização de Cherivary em lugar de charivary, seja proposital. Acreditamos que seja
um trocadilho feito pelo articulista com o sobrenome dos principais artistas da companhia, Sr. e Sra.
Cheri.
10
Diário do Rio de Janeiro e Correio Mercantil, várias edições, 1865.
11
ESPETÁCULOS. Correio Mercantil: e Instrutivo, Político, Universal. Rio de Janeiro, ed.223, p.4.13
ago. 1866.
12
A grafia do nome de Labrunie possui variações. Nos jornais a grafia utilizada é Labrunie, no Almanak
Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro (ALMANAK Administrativo, Mercantil e
Industrial do Rio de Janeiro 25º ano, 1868, p.366) consta Labruny. Optamos pela grafia recorrente nos
jornais.
13
Cf: Correio Mercantil de novembro de 1867 a abril de 1868, várias edições.
14
O Alcazar Lírico recebeu diversas denominações até seu desaparecimento ao final da década de 1880.
Sobre este teatro ver Souza (2012).
15
“A França não foi apenas o berço da opereta, mas também do café cantante, isto é, de um tipo de
diversão realizada num pequeno teatro ou numa casa adaptada para espetáculos onde eram apresentados
61
pequenos números de ginástica e mágica, canções e peças teatrais curtas que os espectadores podiam
assistir conversando, tomando cerveja e manifestando-se calorosamente através de sonoras palmas ou
pateadas” (SOUZA, 2012.p.18).
16
Diário do Rio de Janeiro e O Correio Mercantil de novembro de 1867 a fevereiro 1868, várias edições.
62
Figura 3 - Eldorado
Essa disputa entre os dois cafés cantantes pelo mesmo tipo de público, colocava
os espectadores, em especial os homens da Corte entre dois demônios, ou “entre Cila e
Caríbdis”, o que também provocou a inventividade dos desenhistas de revistas
ilustradas (fig.4).
A propósito de teatros, dizem por aí que eles estão mortos entre nós,
porque o público os não frequenta, nem o governo os subvenciona.
Petas! Vejam quanta gente concorre todas as noites ao Alcazar e ao
Eldorado!
É porque são franceses, dir-me-ão.
Ainda petas! A razão única da preferência por parte do público
provém do fato único de estarem estes teatros perfeitamente montados
e possuírem companhias iguais.
Façam o mesmo, deixem-se de rivalidades e mexericos de bastidores,
escrituram bons artistas de todos os gêneros, e não tenham doublures
de alguns e carência de outros, ensaiem todos os dias, abulam as
64
17
A VIDA Fluminense. Rio de Janeiro, ed.07, p.76.15 de fev.1868.
18
Esta ópera cômica foi apresentada pela primeira vez em São Paulo, no Teatro São Francisco, em junho
de 1848, pela Cia Lírica Francesa e, em seguida, no Rio de Janeiro pela mesma companhia (MÚSICA,
1962).
19
EDITORIAL. A Vida Fluminense. Rio de Janeiro, ed.5, p.32. 01 fev.1868.
20
EDITORIAL. A Vida Fluminense. Rio de Janeiro, ed.5, p.32. 01 fev.1868.
21
CRÔNICA Musical. Opera Francesa. Os Mosqueteiros da Rainha. A Vida Fluminense. Rio de Janeiro,
ed.6, p.65.8 de fev. 1868.
22
CRÔNICA Musical. Opera Francesa. O Postilhão de Lonjumeau. A Vida Fluminense. Rio de Janeiro,
ed.9, p.101 e 104. 22 fev. 1868.
23
A. A Vida Fluminense. Rio de Janeiro, ed.6, 8 de fev. 1868, p.67.
65
24
CRÔNICA Musical. Opera Francesa. O Postilhão de Lonjumeau. A Vida Fluminense. Rio de Janeiro,
ed.9, p.101 e 104. 22 fev. 1868.
66
32
TEATROLOGIA. A Vida Fluminense. Rio de Janeiro, ed.15, p.173 e 176. 11 abr. 1868.
33
TEATROLOGIA. A Vida Fluminense. Rio de Janeiro, ed.15, p.173 e 176. 11 abr. 1868.
34
J.M. Literatura-Teatros. Correio Mercantil. Rio de Janeiro, ed.121, p.2, 1868.
35
J.M. Literatura-Teatros. Correio Mercantil. Rio de Janeiro, ed.121, p.2, 1868.
36
Cf: A VIDA Fluminense. Rio de Janeiro, ed.15, p.172. 11 abr.1868; LEVIN, 2012.
37
A VIDA Fluminense. Rio de Janeiro, ed.15, p.172.11 abr.1868.
38
NOTICIÁRIO. Ginásio Dramático. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ed.335, p.2. 21 dez.
1867. Essa tentativa de distinção entre os públicos dos teatros pode ser comparada ao que Leonardo
Pereira observa para o caso do futebol no Brasil em sua origem (Cf: PEREIRA, 2000). Para o teatro,
trataremos da questão do perfil social do público com mais desvelo no capítulo 3, quando pretendemos
tratar dos projetos de construção de um “teatro nacional”.
68
39
ALCAZAR. Crônica Franco Brasileira. A Vida Fluminense. Rio de Janeiro, ed.5, p.53, 01 fev.1868.
40
Silvia Souza (2012) destaca alguns exemplos nos quais o Alcazar foi elogiado por manter o preço de
seus ingressos por tantos anos, o que os fez mais baratos que as entradas de alguns circos. Além disso, a
autora dá outros exemplos de protestos gerados pelo aumento dos ingressos e pela nova subdivisão de
cadeiras que passou a vigorar em fevereiro de 1868.
41
Os avanços da medicina durante os Oitocentos fizeram com que sangradores e curandeiros fossem
perseguidos e colocados na ilegalidade. Todavia, isso não impediu que tais práticas terapêuticas se
69
difundissem no Império, algumas vezes misturadas com a medicina científica, principalmente entre a
população menos favorecida, a qual era quase impossível o acesso aos tratamentos da medicina oficial.
Muitas novidades médico-higienistas, como a descoberta dos vírus e bactérias, medicamentos e a maneira
de impedir a transmissão de doenças eram anunciadas nos jornais ao lado de pomadas e xaropes
milagrosos. Isso confundia grande parte da população, que mal podia diferenciar entre aquela tradição
pautada numa medicina natural e mística, e a medicina que era fruto do progresso, baseada em pesquisas
científicas. Ingenuidade que valeu o enriquecimento de “curandeiros” desonestos como o satirizado pelo
ilustrador da vida fluminense. (SILVA, 2014)
42
Os cambistas eram tidos como impostores e odiados tanto pela classe artística quanto pelos
espectadores, pois os primeiros consideravam que enriqueciam as suas custas e os segundos encontravam
dificuldade de comprar o ingresso aos preços anunciados nas bilheterias. A questão dos cambistas foi
amplamente discutida pelo jornal O espectador, do Rio de Janeiro, especialmente no ano de 1881. Apenas
para citar um exemplo, em 18 de setembro de 1881, encontramos denúncias de que os próprios
empresários estivessem envolvidos na venda ilegal de ingressos. CAMBISTAS de Teatros e... O
Espectador. Rio de Janeiro, n.1, p.1, 19 set. 1881.
43
Magali Engel (2001) descreve Castro Urso como um tipo facilmente encontrado nos teatros e cafés da
cidade, posto que ao entardecer ocupava-se em vender os bilhetes das apresentações.
70
44
NOTÍCIAS Diversas. Correio Mercantil. Rio de Janeiro, ed. 198, p.3. 19 jul. 1866.
45
NOTÍCIAS Diversas. Correio Mercantil. Rio de Janeiro, ed. 198, p.3. 19 jul. 1866.
71
Ainda mais delicada era a situação das mulheres. Tidas como prostitutas, as
atrizes dificilmente encontrariam outra ocupação que as pudesse sustentar quando do
fechamento dos teatros ou quando dispensadas das companhias às quais pertenciam.
Visconti Coaracy, sob o pseudônimo de Gryphus assim registrou sua visão sobre as
atrizes, na segunda metade da década de 1870:
46
Estes artigos foram publicados inicialmente na revista O Mosquito entre os anos de 1876 e 1877.
47
PUBLICAÇÕES a pedido. Tradução de uma circular de Mr. Cheri Labrocaire. Correio Mercantil. Rio
de Janeiro, ed. 316, p.3. 20 nov. 1865.
48
PUBLICAÇÕES a pedido. Ao público do Rio de Janeiro. Correio Mercantil. Rio de Janeiro, ed. 316,
p.3. 20 nov. 1865.
49
PUBLICAÇÕES a pedido. Ao público do Rio de Janeiro. Correio Mercantil. Rio de Janeiro, ed. 316,
p.3. 20 nov. 1865.
50
TEATROLOGIA. A Vida Fluminense. Rio de Janeiro, ed.15, p.173 e 176. 11 abr.1868.
73
Figura 7 - Eldorado
51
LEILÕES. Correio Mercantil. Rio de Janeiro, ed.107, p.4.18 de abr.1868.
52
Cf: Correio Mercantil de 1º de janeiro a 9 de maio, várias edições consultadas por amostragem, de 10
de maio a 15 novembro, todos os exemplares.
74
53
comerciais . Apesar de não estar localizada fora do centro da cidade, a Rua d’Ajuda
ficava a alguns quarteirões da Praça da Constituição, onde se encontrava a maioria dos
teatros do Rio de Janeiro. Isso não impediu que, em pouco tempo, o Phenix se tornasse
um teatro de grande concorrência de público ou, como preferiu chamá-lo Souza Bastos,
um “teatro da moda” 54.
O Phenix foi um teatro de dimensões regulares, nem tão pequeno quanto o
Ginásio Dramático, que possuía uma lotação para apenas 256 espectadores (SOUZA,
2002), nem tão grandioso quanto o Teatro Imperial D. Pedro II, inaugurado em 1875,
55
que comportava 2.500 espectadores . Tido como um teatro campestre, possuía uma
plateia dividida em 12 camarotes, 368 cadeiras, 40 galerias nobres e 500 lugares nas
56
galerias gerais . Além disso, era composto de jardins e bares para o descanso e
interação de seus espectadores durante as apresentações. Antes de chegar a essas
dimensões, porém, o estabelecimento passou por, pelo menos, três reformas em 1866,
1870 e 1874. A primeira parece ter transformado seu antigo aspecto de “casebre”,
conforme foi considerado, anos antes, pelo L’anti escamoteur do Correio Mercantil 57.
A renovada sala passou a apresentar “melhor disposição e [...] mais cômodos para o
público” 58. A segunda reforma, em março de 1870, deu-se depois de um verão em que
o calor e as “febres” haviam afastado o público dos teatros 59. Sobre a reforma de 1874,
não foram encontradas maiores informações nos jornais, apenas uma pequena nota; na
Vida Fluminense, registrou que um novo drama de autoria de Vasques estava sendo
ensaiado para a reabertura da renovada sala. 60 A retirada dos caramanchões dos jardins
53
Cf: Correio Mercantil de Janeiro a abril de 1868, várias edições.
54
Souza Bastos (1898. p.122 e p.471) referiu-se ao Phenix, mais de uma vez, sob esse epíteto 1899. O
empresário e autor assim definiu o Teatro Phenix devido ao sucesso que o mesmo vinha obtendo com seu
repertório de operetas, paródias, mágicas e cenas cômicas que caíram no gosto do público fluminense a
partir do final da década de 1860. Vários autores contribuíram para divulgar essa imagem do Phenix
como teatro exclusivamente dedicado ao gênero ligeiro. Essa imagem fora reafirmada especificamente
entre 1868 e 1881, enquanto o teatro abrigava a Companhia Dramática dirigida em um primeiro momento
por Vasques e, em seguida (a partir 1870), por Jacintho Heller.
55
ALMANAK Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 40º ano, 1883. Os
Almanaques dos anos anteriores não possuem referência à lotação dos teatros.
56
ALMANAK Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 40º ano, 1883. Cf.
ALMANAK Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 40º ano, 1883 até
ALMANAK Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 46º ano, 1889.
57
No artigo citado páginas acima. L’ANTI escamoteur. Publicações a pedido. Eldorado. Correio
Mercantil. Rio de Janeiro. ed.289, p.2. 30 out. 1863.
58
NOTÍCIAS Diversas. Correio Mercantil. Rio de Janeiro, ed. 198, p.3. 19 jul. 1866.
59
ASSUNTO de Várias Cores. A Vida Fluminense. Rio de Janeiro. ed. 113, p.66. 26 fev.1870.
60
A. Alhos e Bogalhos. A Vida Fluminense. Rio de Janeiro, ed.363, p.2062.12 dez. 1874.
75
possibilitou um espaço mais arejado aos frequentadores “que gostam de respirar a brisa
amena e fagueira” 61.
Depois de mais de uma década ocupando aquele espaço, a Companhia Phenix, já
sob a direção de Jacintho Heller, deixou o teatro homônimo para ocupar o Teatro
Sant’Anna, na Rua Espírito Santo. A última apresentação da companhia de Jacintho
Heller no Teatro Phenix, foi no dia 23 de outubro de 1881. Apresentou-se na ocasião a
189ª representação de Ali Babá, peça fantástica de Eduardo Garrido, com música de
Henrique de Mesquita. No dia 25, já ocupavam a nova casa com uma ópera cômica do
mesmo autor intitulada A Mascote, que estava em sua 56ª representação. A transferência
de teatro foi justificada por meio de um pequeno anúncio publicado no jornal A Gazeta
de Notícias:
A companhia nunca mais voltaria ao teatro que a celebrizou como uma das mais
prestigiadas da Corte. Segundo Souza Bastos (1898), em uma época de grande
concorrência com outras casas que exibiam o mesmo tipo de repertório, a Phenix
mudou-se para um teatro mais central para que não perdesse público. Dessa forma,
podemos perceber o que motivou o deslocamento da companhia de Heller para o
Sant’Anna foi a diminuição do público, causada pela dificuldade de acesso e pela
concorrência com os outros teatros.
O Sant’Anna, em comparação ao Phenix, possuía melhor localização. Situava-se
à rua Espírito Santo, próximo à Praça da Constituição. Além disso, ele possuía maior
63
número de camarotes, um deles imperial . A configuração da Praça e seus arredores,
como um espaço público de diversão e cultura, teve início com a construção do primeiro
edifício teatral no local, o Real Theatro São João, em 1813 (LIMA, 2000). A partir daí,
ainda na primeira metade do século XIX, uma associação cultural e um teatro particular
também se instalaram no Largo – que, naquele tempo, denominava-se Largo do Rossio
–, a Arcádia Fluminense (esquina do Largo do Rossio com a Rua Nova do Conde - atual
Visconde do Rio Branco) e o Teatro do Plácido (entre a Rua do Cano – atual Sete de
61
EDITORIAL. A Vida Fluminense. Rio de Janeiro, ed.121, p.128. 23 abr. 1870.
62
GAZETA de Notícias. Rio de Janeiro, ed.293, p.6. 23 de out. 1881.
63
ALMANAK Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 40º ano, 1883.
76
Setembro – e a do Piolho – atual Carioca); onde, mais tarde, funcionaria o Derby Club,
do qual faziam parte representantes da elite letrada carioca (LIMA, 2000).
Com a instalação do teatro, cafés, associações culturais e distintos sobrados na
Praça da Constituição, a área ganhou destaque na cidade. Paralelamente, linhas de
transporte coletivo – desde 1837, quando a primeira linha de ônibus de tração animal foi
inaugurada – facilitavam a acessibilidade ao local que então passou a figurar como
centro da cidade. De acordo com Evelyn Lima, “o planejamento dos transportes na área
central da cidade, especialmente do bonde, foi fundamental como determinante da
localização dos edifícios teatrais ao longo do Segundo Reinado” (LIMA, 2000). Ainda
de acordo com a autora:
64
AZEVEDO, A. 27 jul. 1895. In: NEVES; LEVIN, 2009.
77
[...] uma vez que ainda não deitaram a Phenix abaixo, fique o Dr.
Gustavo de Frontin prevenido de que o teto desse teatrinho, um teto
côncavo, elegante de forma, foi pintado com muita habilidade pelo
falecido cenógrafo Huascar de Vergara, e essa pintura ainda lá está,
coberta pelo papel com que forraram estupidamente o teto durante a
última reforma por que passou o teatro. Como a pintura estivesse um
pouco suja, entenderam que o mais acertado não era limpá-la, mas sim
cobri-la com papel de forrar paredes! É o caso de salvar, para ser
aproveitado noutra parte, esse trabalho de Huascar de Vergara, que era
um artista de talento. Lembra-me que a pintura representava um
assunto mitológico, e particularmente as figuras – especialidade
daquele cenógrafo – eram muito bem feitas. 66
Não há registros que nos asseveram se o apelo de Arthur Azevedo foi atendido.
A construção da Avenida Central, em 1905, trouxe mudanças profundas na geografia e
no cotidiano da cidade e a vida teatral não ficou alheia a essa modernidade.
Em 1908 um novo teatro Phenix renasceu próximo do local onde existiu.
Adquirido pela família Guinle, integrava o conjunto do Palace Hotel. De acordo com
Evelyn Lima
A intenção dos Guinle era entregar o novo teatro a uma companhia
nacional, e para isso entraram em entendimentos com o empresário
Celestino Silva, um dos mais prestigiosos naquela ocasião, Mas
infelizmente, os propósitos não se concretizaram e por dois anos o
teatro esteve fechado, sendo inaugurado pelo empresário Balioni, que
transformou o Phenix em cinematógrafo e music-hall. (LIMA,
2006.p.58)
Vemos assim que o novo Teatro Phenix, surgiu envolto pela intenção de
contribuir para a divulgação de um tipo de dramaturgia nacional, mas acabou se
rendendo à modernidade, ao espetáculo iluminado - não mais pelos “fogos cambiantes”
das apoteoses das mágicas, mas pela luz elétrica. A surpresa do espectador diante dos
65
AZEVEDO, A., 20 abr.1905, In: NEVES; LEVIN, 2009.
66
AZEVEDO, A., 21 dez.1905, In: NEVES; LEVIN, 2009.
78
Mulato, fruto de uma união ilegítima, Vasques entrou na vida teatral através de
seu irmão mais velho, Martinho, cômico da companhia de João Caetano dos Santos.
Esse contato com o ambiente teatral dentro da companhia do mais respeitado ator
romântico do Rio de Janeiro, levou-o ainda menino, a pequenas participações nas peças.
Sua experiência teatral nascia então não só do convívio e admiração por João Caetano
como também do fato de ter sido frequentador da famosa Barraca do Telles, na festa do
divino, dentro da qual leilões, comédias, dramas, números de circo e outras
apresentações se misturavam em um divertido caldo cultural que agradava imensamente
um amplo e diverso público (MARZANO, 2008).
Mesmo nascido dessa mistura cultural que representava tudo que a estética
realista pretendia negar (espetáculos de feira e estética romântica), o carisma e/ou o
talento de Vasques fez com que ele entrasse na companhia dirigida por Joaquim
Heleodoro Gomes dos Santos, no Teatro Ginásio Dramático, em 1858, espaço criado
com a tarefa de efetivar o projeto realista de parte da elite letrada brasileira. No ano
seguinte à sua entrada no Ginásio, o cômico tomou lugar em uma nova companhia, no
Teatro das Variedades, situado na praia de Dom Manuel. O teatro, ocupado pela
empresa de Furtado Coelho era frequentado, principalmente, por um fiel público de
68
caixeiros . Mais tarde, acompanhando seu empresário, Vasques retorna ao Ginásio
Dramático quando este já se tornava cada vez menos um lócus do movimento realista.
67
Fernando Mencarelli (2003, p.1) afirma que “os primeiros filmes feitos no país, além de documentarem
cenas de rua e paisagens, provocando o espanto diante da fotografia em movimento, começaram a se
ocupar da filmagem de temas que agregassem a novidade um interesse pelo conteúdo registrado. A festa
da Penha, o carnaval, o circo e as atrações do teatro musical, presentes nesses primeiros registros,
constituíam um circuito de manifestações culturais que atraiam grande parcela da população da cidade”.
68
Souza (2007) dedicou-se exclusivamente ao estudo deste teatro, da composição de sua plateia e à
interferência da mesma na escolha das montagens apresentadas.
79
Contudo, não atuou somente nos palcos divertindo a plateia fluminense. Como
um homem de seu tempo esteve imerso nas discussões político-sociais do período,
como o movimento abolicionista, do qual fez parte. O artista não só apoiou espetáculos
em benefício de alforrias de negros escravizados, como também escreveu na imprensa e
até mesmo proferiu conferências a respeito do tema (MARZANO, 2008).
Vasques é autor de uma vasta e interessante produção letrada, trabalhada por
autoras como Silvia Souza (2002, 2007, 2010, 2011, 2012) e Andrea Marzano (2008).
Este “carpinteiro teatral” escreveu um total de 55 peças e 22 folhetins. Entre as peças,
há dois dramas Honra de um Taverneiro (1873, em três atos) e Lágrimas de Maria
(1875, em três atos) e 36 cenas cômicas, sendo que a primeira delas, O Sr. José Maria
assombrado pelo mágico, data de 1858. Marzano, em sua obra, debruçou-se sobre nove
cenas cômicas e uma cena dramática escrita e encenada pelo autor entre os anos de 1860
e 1865. O objetivo da autora foi descortinar a estética teatral proposta pelo ator/autor
que, no século XIX, apresentava-se como uma importante alternativa para o teatro. As
cenas cômicas eram fortemente dependentes da interação do ator com a plateia e até
mesmo do alcance de seu carisma. Silvia Souza (2010) também se dedicou ao estudo
dos textos e temáticas de muitas cenas cômicas de Vasques com o objetivo de
compreender o papel de Vasques na popularização do teatro musicado no contexto
brasileiro da segunda metade do século XIX.
69
O tema da então crescente “indústria” teatral que movimentava os teatros da
Corte, nas últimas décadas do século XIX, teve espaço em cenas como: Um bilhete! Um
bilhete! Para o benefício do Graça (1862), Por causa da Emília das Neves (1863), Um
69
Conforme demonstrou Mencarelli (2003), as incipientes indústrias fonográfica e cinematográfica dos
primeiros anos do século XX usaram como atração temas como a festa da penha, o carnaval, o teatro
musicado e o circo. O autor afirma que “A grande transformação em curso, anunciada pelos primeiros
filmes e discos, que levará ao estabelecimento definitivo dos novos meios de comunicação de massa no
Brasil, ajuda-nos a lançar novos olhares sobre a produção cultural do teatro musicado da segunda metade
do século XIX. [...] As gravações sonoras são já necessariamente a evolução da forma de veiculação do
produto musical em grande circulação através do teatro musical. O movimento se dá em escala
internacional com a propagação de invenções tecnológicas. O grande desenvolvimento do teatro musical
no Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX pode ser entendido em perspectiva nessa relação que
antecipa procedimentos da cultura massiva nascente nas grandes cidades do período.” (MENCARELLI,
2003. p.3). Na mesma linha, Christopher Charle, em um trabalho comparativo sobre o teatro em grandes
capitais culturais do século XIX (Viena, Paris, Londres e Berlin), identificou, no século XIX, a “gênese
da sociedade do espetáculo”. Para o autor, entre os diversos legados deixados pelo século XIX, os
historiadores, por muito tempo, ignoraram que aquele também fora o século de criação da primeira
sociedade do espetáculo. Segundo Charle, “este é o século do teatro histórico e do espetáculo feérico, da
peça com efeitos especiais e da revista musical, em que a atualidade se converte num carnaval das
vaidades e dos chistes. Uma confrontação cada vez mais realista ou cada vez mais fantasiosa com o
sórdido, o ridículo, o dramático de personagens mais ou menos parecidos com aqueles que os veem e
projetam nos atores e atrizes suas fantasias, a raiva que o presente lhes infunde ou o desejo de esquecer
viajando no tempo e no espaço sem sair da poltrona” (CHARLE, 2012, p.20).
80
ator sem teatro (1862) e O Ginásio de Roupa Nova (1864). Essa intensificação da vida
cultural que dava ao público muitas opções de espetáculos, ao mesmo tempo que abria
uma concorrência entre as variadas diversões públicas do período, aparece em textos
como: O senhor Anselmo apaixonado pelo Alcazar (1862), Dona Rosa assistindo no
Alcazar a um espetacle extraordinaire avec Mlle. Risete (1863), Viva o circo Grande
Oceano! (1862) e Adeus Circo Grande Oceano (1862). Várias dessas cenas parodiam
trechos de peças encenadas em outros teatros como acontece em O senhor Joaquim da
Costa Brasil (1860) (MARZANO, 2008; SOUZA, 2011).
Silvia Souza destaca a incursão do autor por outros temas mais sérios como: a
“questão da marca social que as crianças abandonadas na Roda dos Expostos levavam
pelo resto da vida” (SOUZA, 2006.p.231), em O Selo da roda (1876); “a atuação das
maltas de capoeiras e a perseguição que sofriam por parte da polícia” (SOUZA, 2006. p.
231) em O Capoeira; “a defesa dos vendedores de loterias, ou ‘vendedores de
vigésimos’, figuras criticadas constantemente pelos jornais da cidade, muitas vezes por
eles chamados de “cancros roedores” dos bolsos alheios” (SOUZA, 2016.p.231) em O
fim do ano por um vendedor de vigésimos.
Além de sua ampla produção para os palcos, Vasques também contribuiu com
uma série de 22 folhetins para o jornal Gazeta da Tarde, possivelmente a convite de
José do Patrocínio, no Rio de Janeiro, entre os meses de outubro de 1883 e março de
1884. possibilidade da incursão de um ator cômico no mundo do jornalismo tem a ver
com um momento de transformação pelo qual a imprensa carioca havia passado há
pouco menos de uma década.
A partir de meados da década de 1870, a imprensa carioca se encontrava em um
processo de ampliação do jornalismo, concomitante à ampliação do público leitor que
passava agora a abranger camadas sociais diversas. O aumento do número de tipografias
e livrarias neste período foi um dos reflexos do que Marzano (2008, p.159) chamou de
“revolução na imprensa”, encabeçada pelo sucesso de circulação da Gazeta de Notícias.
Certamente a ampliação do público leitor relacionava-se, entre outros fatores, à
existência de um conteúdo jornalístico que fosse mais interessante e acessível a esse
maior número de leitores. Por isso, uma coluna assinada por um artista conhecido e
aplaudido na cidade poderia ser um fator a despertar esse interesse. Além disso,
proveniente de um lugar social mais próximo ao público leitor em comparação aos
intelectuais que ocupavam as demais colunas do jornal, Vasques tratou de assuntos do
cotidiano sob uma perspectiva equivalente aos novos leitores.
81
Andrea Marzano destaca três temáticas evidenciadas nos folhetins escritos por
Vasques: “identidade artística, abolicionismo e cotidiano da cidade, sendo que cada
texto pode ser classificado em mais de uma delas” (MARZANO, 2008, p.166). Os
temas da identidade artística e do abolicionismo, por exemplo, muitas vezes se
intercalaram; pois, em torno daquela, foi elaborada uma imagem de generosidade da
classe artística para com os cativos, em especial devido à realização dos espetáculos em
benefício que angariavam fundos para a compra da liberdade de algum escravo. Em
relação à identidade e dignidade do artista teatral, em alguns pontos, Vasques
demonstrou-se surpreendentemente de acordo com aqueles críticos ilustrados que
apostaram na proposta realista, desqualificando os artistas que se dedicavam ao teatro
musicado 70.
A respeito do cotidiano da cidade, Andrea Marzano (2008) destaca, nas crônicas
de Vasques, o reflexo de uma oposição que se fazia sentir entre os defensores de um
carnaval organizado e hierarquicamente diferenciado e os brincantes do entrudo, jogo
carnavalesco que permitia misturas entre grupos sociais diferentes e que, muitas vezes,
fugia ao alcance do controle das autoridades. Não podemos nos esquecer de que o
ator/autor também abordou o assunto do carnaval por meio de cenas cômicas como O
Zé Pereira Carnavalesco (1869).
Para a autora, Vasques mostra, em suas cenas cômicas, desinteresse em relação à
71
política nacional . Para ilustrar a afirmação, usa três passagens de cenas cômicas de
Vasques. Na primeira passagem da cena O Sr. Joaquim da Costa Brasil (1860), o
personagem título tenta se esquivar de tratar de política, pois seria um assunto que
causaria sonolência: “conversemos... mas sobre que diabo havemos de parlar?... sobre
política? Nada, não me cheira, faz sono” (VASQUES, 1860, p.4). Acreditamos que,
neste exemplo, não se trata de uma negação de Vasques em abordar a política. Vasques
utiliza seu personagem para satirizar um determinado tipo “brasileiro” que tem aversão
a tais assuntos. Ao dar o nome de Brasil ao personagem que dá título à obra e, ao
enfatizar a negação de se falar sobre política, o autor já está fazendo uma abordagem
70
Sobre essa aparente ambiguidade do posicionamento de Vasques sobre a questão do teatro ligeiro e
nacional, ver Capítulo 4 desta tese.
71
“Seus enredos são quase sempre alheios às preocupações políticas, girando em torno de assuntos
ligados ao dia a dia da Corte, mais especificamente às diversões disponíveis na cidade e concorrentes
entre si.” (MARZANO, 2008, p.150).
82
dessa natureza. Essa negação do que já está posto, trata-se de um recurso cômico que,
aliás, não fora utilizado somente nos escritos de Vasques 72.
O segundo exemplo utilizado pela autora faz parte da cena cômica Dona Rosa,
assistindo no Alcazar a um espetacle extraordinaire avec mlle. Risete (1863), na qual
D. Rosa, ao afirmar que os novos não respeitam e que sabem mais que os velhos, relata
uma passagem em que um menino, com charuto na boca, disse-lhe pertencer à Liga: “À
Liga? – disse eu assustada pensando que me tinha caído alguma das pernas; - Sim, à
Liga, ao Partido Progressista; Viva a Constituição do Império - diz ele a correr [...]”
(VASQUES, 1863.s/p). O que interpretamos como uma crítica à própria Liga
Progressista ou uma demonstração de percepção por parte do autor de que a política
ministerial alcançava, naquele momento, um amplo poder de divulgação, tornando-se
um assunto presente nas ruas na boca de qualquer “criançola”; a autora enxergou uma
“negação do interesse pela política” por parte da personagem. O terceiro e último
exemplo é retirado de Um bilhete! Um bilhete! (1862) em que um dos personagens lista
entre “objetos feitos de borracha”: “casacos, sapatos, pratos, consciência, política, etc.”
Aí, mais uma vez, no lugar da crítica a uma característica pouco sólida da instituição
política, a autora vê o que chamou de “negação” da mesma. Visto isso, diferentemente
do que afirmou a autora, consideramos que Vasques, mesmo não estando envolvido no
mundo da política propriamente dita, procurou abordar esse assunto em seus escritos.
Como um escritor popular, que estava em sintonia com o que acontecia e era discutido
em seu momento histórico, Vasques não se absteve de tratar da política nacional.
Ao observar sua produção letrada, fica muito evidente que Vasques utilizou seus
textos para opinar e fazer refletir sobre uma série de questões que diziam respeito ao
governo, à administração Imperial e à organização da sociedade, tratando de política de
maneira direta e indireta. Não necessariamente a política tradicional, partidária,
reservada aos homens do governo, mas aquela deslocada dos lugares sociais tradicionais
reservados para o seu exercício, como ficou manifesto em sua já citada participação nas
discussões sobre o elemento servil. Seu envolvimento em assuntos desse tipo se faz
presente já no título de algumas de suas cenas, como na já citada O Sr. Joaquim da
Costa Brasil, A questão anglo-brasileira comentada pelo senhor Joaquim da Costa
Brasil (1863), e em O Brasil e o Paraguai (1865), lembradas pela própria autora como
cenas que, “apesar da frequente rejeição de Vasques em relação à política [...] abordam
72
França Junior, em seus folhetins, usou este recurso inúmeras vezes, sempre prometendo não enfastiar a
leitora com assuntos políticos e, em seguida, abordando-os. (Cf: SILVA, 2011).
83
74
CORREIO Mercantil: e Instrutivo Político Universal. Rio de Janeiro, ed.72, p.4. 13 mar.1868.
75
CORREIO Mercantil: e Instrutivo Político Universal. Rio de Janeiro, ed.108, p.4. 19 abr.1868.
76
CORREIO Mercantil: e Instrutivo Político Universal. Rio de Janeiro, ed.122, p.4. 3 mai.1868.
77
Os espetáculos vespertinos eram realizados, geralmente, às 16h30. Boa parte de seu público constituía-
se de funcionários do comércio, os denominados caixeiros. Para maiores informações sobre a presença
desse público nos teatros da Corte, ver: SOUZA, 2007.
78
Os nomes Phenix Dramática, Teatro Eldorado e Teatro Francês se misturam nos anúncios de acordo
com os horários das seções e as empresas ou grupos que se apresentaram a partir de 10 de maio de 1868.
Mas todos se referem ao mesmo endereço, Rua da Ajuda, nº57. (Mercantil: e Instrutivo Político
Universal. Rio de Janeiro, ed.129, p.4. 10 mai.1868; Mercantil: e Instrutivo Político Universal. Rio de
Janeiro, ed.137, p.4. 18 mai.1868).
79
CORREIO Mercantil: e Instrutivo Político Universal. Rio de Janeiro, ed.137, p.4.18 mai.1868.
80
CORREIO Mercantil: e Instrutivo Político Universal. Rio de Janeiro, ed.143, p.4. 24 mai.1868.
81
O debut de Júlia Heller nos palcos foi em 24 de março de 1856 no drama de L.A. Burgain Pedro-sem
que já teve e agora não tem, Teatro de São Januário (CORREIO Mercantil: e Instrutivo Político
Universal. Rio de Janeiro, ed.82, p.4. 23 mar.1856.)
82
CORREIO Mercantil: e Instrutivo Político Universal. Rio de Janeiro, ed.61,p.4. 02 mar.1868.
83
NOTÍCIAS Diversas. Phenix Dramática Correio Mercantil: e Instrutivo Político Universal. Rio de
Janeiro, ed.204, p.1.25 jul.1868.
84
VARIEDADE. A Vida Fluminense. Rio de Janeiro, ed. 36, p. 341. 05 set.1868.
85
86
Silva Lisboa . Assim como o próprio Vasques, alguns desses atores (Heller, Julia
Heller e Pimentel) eram remanescentes da companhia dramática do ator e diretor
português Furtado Coelho, que, na ocasião, ainda funcionava no Teatro Ginásio
87
Dramático . Heller e Vasques já trabalhavam juntos desde os tempos em que faziam
parte da companhia dirigida pelo falecido João Caetano dos Santos (1808-1863), no
88
Teatro São Pedro de Alcântara e ainda permaneceriam juntos durante a maior parte
de suas carreiras.
A saída definitiva de Vasques do Ginásio Dramático fora motivada por sérios
desentendimentos entre o ator e o empresário da companhia. A “desinteligência” entre
os dois artistas ganhou ampla repercussão na imprensa, em meados do ano de 1867 (5 a
7 de julho). O cômico Vasques, principal estrela da companhia de Furtado Coelho,
publicou no Jornal do Comércio uma carta na qual Furtado lhe repreendia por algumas
indisciplinas e tentava justificar a redução salarial a ele imputada após a contratação do
ator Martins. Como a carta veio à luz na imprensa por iniciativa do próprio Vasques, ele
anexou à mesma uma resposta irônica e acusatória a Furtado Coelho. Ambos trocavam
acusações, remexiam em problemas do passado e acusavam-se mutuamente pela
responsabilidade da saída de Vasques da companhia. A principal acusação de Furtado
contra Vasques era sua falta de compromisso e responsabilidade em relação aos ensaios,
espetáculos e suas consecutivas faltas por “indisposição”, o que julgava ser resultado da
vida boêmia levada por aquele artista. Vasques, em resposta, dirigiu insultos a Furtado
Coelho, chamando-lhe de ator medíocre e de empresário avarento. Em sua própria
defesa, Vasques dizia que a redução salarial era inaceitável e significava, na verdade,
uma maneira de o empresário forçá-lo a pedir demissão. Este, por sua vez, talvez
tentando eximir-se da responsabilidade do desligamento de Vasques, explicava que o
pedido de demissão foi uma decisão do ator diante da recusa do novo ordenado, e que
85
Vinda diretamente do Ginásio de Lisboa. Cf: EDITORIAL. . A Vida Fluminense. Rio de Janeiro,
ed.38, p.446 e 447. 19 set.1868.
86
NOTÍCIAS Diversas. Phenix Dramática Correio Mercantil: e Instrutivo Político Universal. Rio de
Janeiro, ed.204, p.1.25 jul.1868; ALMANAK Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de
Janeiro, 28º ano, 1871.
87
Furtado Coelho reassume a direção do Teatro Ginásio Dramático em março de 1865 (Cf: TEATRO do
Ginásio. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ed.57, p.2. 25 fev.1865). Júlia Heller aparece em
vários anúncios no Ginásio Dramático, ao lado de seu marido Heller. Vasques e Clotilde, já faziam parte
da companhia mesmo antes do retorno de Furtado Coelho (cf: ANÚNCIOS. Correio Mercantil: e
Instrutivo Político Universal. Rio de Janeiro, p.4. 11 mai.1862. Clotilde não aparece mais nos anúncios
depois de 1865. Heller, Pimentel e Vasques aparecem juntos em anúncio de 1866 (Cf: ANÚNCIOS.
Correio Mercantil, e Instrutivo, Político, Universal. ed.13, p.4. 13 jan.1866).
88
Um ano depois do terceiro incêndio, sofrido em janeiro de 1856, o Teatro São Pedro de Alcântara
reabre graças aos esforços de João Caetano, que assume sua direção (Cf: RIO DE JANEIRO. Crônica
Diária. Diário do Rio de Janeiro. ed.1, p.1. 01 jan.1858).
86
tal redução salarial se dera pela necessidade de contratar outro artista para substituir as
consecutivas faltas de Vasques. A polêmica terminou dois dias depois, com a
publicação de mais uma carta de Vasques. Furtado decidiu não dar prosseguimento
àquela discussão pela imprensa 89.
Assim, agrupando velhos amigos e outros artistas com os quais já havia
trabalhado, Vasques formou e dirigiu a nova companhia até abril de 1870. Quase 60
diferentes títulos de peças foram anunciados no Teatro Phenix, durante os dois anos em
que esteve à frente da companhia 90. Como foi comum naquele período, em cada noite,
os jornais anunciavam um extenso e variado programa que podia contar com dramas,
comédias, números de ginástica, música e bailado. As cenas cômicas e demais comédias
curtas geralmente abriam o espetáculo ou serviam de intermédio entre uma peça e outra.
A essas pequenas peças seguiam-se composições maiores, como dramas, comédias,
operetas ou óperas em dois ou mais atos.
No quadro 1 (abaixo), foram listados e contabilizados os gêneros de espetáculos
dramáticos e líricos que tiveram lugar no Phenix, durante o período em que foi
capitaneado por Vasques. Tais gêneros foram registrados conforme denominados em
seus próprios anúncios, na imprensa. Assim, encontraremos gêneros um tanto incomuns
como comédia-drama ou triálogo cômico, e mesmo peças sem especificação de gênero.
Os números ginásticos, danças, exibições da orquestra, hinos e poemas lidos ficaram de
fora desta listagem, uma vez que o centro do espetáculo era a peça dramática.
89
Para maiores detalhes sobre a polêmica envolvendo Vasques e Furtado Coelho, ver: MARZANO,
2008, p.92.
90
Entre maio de 1868 e abril de 1870. Para chegarmos a esse número de quase 60 títulos, analisamos os
seguintes jornais e edições: Correio Mercantil (de 1 de janeiro a 9 de maio de 1868, por amostragem, de
10 de maio a 15 novembro de 1868, todos os exemplares); Diário do Rio de Janeiro (de julho de a
dezembro de 1868, todas as edições; de janeiro a dezembro de 1869, todas as edições; de 1 janeiro a 12
dezembro de 1870, por amostragem); Vida Fluminense (dia 25 de dezembro de 1868 ed.52); Jornal da
Tarde (27 novembro a dezembro de 1869, exceto de 23 a 31 de dezembro de 1869, todos os exemplares;
(1 de fevereiro a 31 de dezembro de 1870, todos os exemplares) Vida Fluminense (1 de janeiro a 5 de
dezembro de 1869, por amostragem); Dezesseis de Junho (12 de setembro a 23 dezembro de 1869, por
amostragem; de 6 janeiro a 2 de julho de 1870, por amostragem); Diário de Notícias (1 de agosto a 26 de
dezembro de 1870, por amostragem).
87
Quadro 1- Relação dos gêneros das peças apresentadas pela Companhia Dramática dirigida
pelo Artista Vasques
Número Gênero e observações
de peças
11 Cenas cômicas.
Obs: Autores: Francisco Correa Vasques; Magalhães (Ator); Eugênia Câmara.
(Duas não tiverem sua autoria divulgada nos anúncios).
7 Comédias em 1 ato
Obs: Uma delas ornada de música.
1 Comédia Vaudeville.
Obs: Os Cavaleiros de Pince-Nez
6 Comédias com 2 ou mais atos.
5 Operetas.
Obs: Todas com música de Offenbach. Em 1 ato: A Rainha Crinoline ou o Reinado
das Mulheres e A Ilha das Cobras nas vésperas da descoberta do Brasil (imitação
da opereta l'Ile de Tulipatan). Em 3 atos, O Senhor Mello Dias Amante das
Mesmas e O Fechamento das Portas. Sem designação do número de atos, Barba
de Milho (paródia de Barbe-Bleue).
1 Triálogo cômico.
Obs: Tchang-Tchin-Bung.
13 Dramas com 2 ou mais atos.
Obs: Um “aparatoso drama”, um “drama de grande espetáculo”, um “grande drama
popular”.
1 Comédia-Drama em 2 atos.
Obs: O Gaiato de Lisboa
1 Ópera
Obs: O Duende
1 Ópera bufa.
Obs: Orpheu nos Infernos
1 Foilie carnavalesca.
Obs: Possivelmente uma cena cômica.
1 Cena Dramática.
Obs: A Passagem de Humaitá, de autoria de Cordeiro.
2 Paródias de Óperas.
Obs: Uma de ópera bufa e uma da ópera O Trovador.
6 Sem gênero especificado.
57 Total
Fontes: Correio Mercantil (de 1º de janeiro a 9 de maio de 1868, por amostragem, de 10 de
maio a 15 novembro de 1868, todos os exemplares); Diário do Rio de Janeiro (de julho de a
dezembro de 1868, todas as edições; de janeiro a dezembro de 1869, todas as edições; de 1º
janeiro a 12 dezembro de 1870, por amostragem); Vida Fluminense (dia 25 de dezembro de
1868 ed.52); Jornal da Tarde (27 novembro a dezembro de 1869, exceto de 23 a 31 de
dezembro de 1869, todos os exemplares; (1º de fevereiro a 31 de dezembro de 1870, todos os
exemplares) Vida Fluminense (1º de janeiro a 5 de dezembro de 1869, por amostragem);
Dezesseis de Junho (12 de setembro a 23 dezembro de 1869, por amostragem; de 6 de janeiro a
2 de julho de 1870, por amostragem); Diário de Notícias (1º de agosto a 26 de dezembro de
1870, por amostragem).
91
Em 1868, Correio Mercantil (de 1º de janeiro a 9 de maio por amostragem, de 10 de maio a 15
novembro, todos os exemplares); Diário do Rio de Janeiro (de julho a dezembro, todos os exemplares);
Vida Fluminense (dia 25 de dezembro ed.52). Em 1869: Diário do Rio de Janeiro (de janeiro a dezembro,
todos os exemplares), Jornal da Tarde (27 novembro a dezembro, exceto de 23 a 31 de dezembro, todos
os exemplares) Vida Fluminense (1º de janeiro a 5 de dezembro, por amostragem); Dezesseis de Junho
(12 de setembro a 23 de dezembro, por amostragem). Em 1870, Dezesseis de Julho (de 6 de janeiro a 2 de
julho de 1870, por amostragem); Jornal da Tarde (1º de fevereiro a 31 de dezembro, todos os
exemplares); Diário de Notícias (1º de agosto a 26 de dezembro, por amostragem); Diário do Rio de
Janeiro (de 1º de janeiro a 12 dezembro, por amostragem).
92
Como exemplo, podemos citar o Jornal do Comércio.
93
Dentre os 21 títulos que, ao menos formalmente aproximam-se da escola romântica ou realista somente
a “cena dramática” foi considerada como peça auxiliar.
89
Quadro 2- Número de peças ligeiras, alegres ou musicadas que serviram como atração
principal da noite
94
Para a identificação destes autores, foram usadas as mesmas fontes pesquisadas na construção do
quadro 1.
95
Filho de Joaquim Garcia Pires de Almeida e Maria Luiza Pires, Joaquim Garcia Pires de Almeida
nasceu no Rio de Janeiro, em dezembro de 1844, onde produziu poesias, peças teatrais originais e
algumas traduções (BLAKE, 1898. p.139). Outra atividade importante de Joaquim Garcia Pires de
Almeida foi a de crítico teatral (A VIDA Fluminense.Rio de Janeiro, ed.94, p.1017. 16 out.1869; A. de
C. A Vida Fluminense. Rio de Janeiro. ed.98, p.1049. 13 nov.1869). No entanto, neste ponto de nossa
pesquisa, ainda não encontramos o periódico em que Pires de Almeida escrevia, ou qualquer de seus
artigos. Há indicações de que a publicação era mensal e que pertencia ao próprio Joaquim Garcia (A. de
C. A Vida Fluminense. Rio de Janeiro. ed.98, p.1049. 13 nov.1869), Com o mesmo sobrenome, o
mesmo gosto pelas letras dramáticas e quase a mesma idade que seu irmão José Ricardo, nascido um ano
antes (7 de setembro de 1843.Cf: BLAKE, 1898. p.139), o trabalho de diferenciação entre a produção
escrita de um e outro autor se torna um pouco mais complexo.
90
Como aconteceu com muitas peças que se apresentaram em nossos teatros, não
são conhecidos o original manuscrito ou qualquer publicação do drama, tendo
permanecido desconhecido, até o momento, até mesmo seu enredo. Contudo, em nossas
pesquisas, identificamos um pequeno resumo que fora publicado na Vida Fluminense
alguns dias depois da estreia e que consideramos importante transcrever abaixo. A
transcrição de tal síntese se faz relevante não apenas por seu ineditismo, mas também
porque, a partir dela, podemos perceber algumas raízes e filiações de Pires de Almeida
na produção de seu drama:
96
TEATRO. A Vida Fluminense, ed. 31, 01 ago.1868, p.362 e 363.
97
Em A Dama das Camélias, a novidade estava no tratamento dado ao assunto. Para Elisabeth Azevedo
(2000, p.63): “O elemento diferenciador é a observação, a descrição de todo um ambiente de forma
verdadeira e viva”.
91
brasileiros. A mais de uma década da estreia de Anjos do Fogo, tal temática já fazia
parte de nossa produção, a exemplo do drama Lucíola, de José de Alencar (1855). Pires
de Almeida, em seu “drama original brasileiro” 98, inseriu o tema na realidade do Rio de
Janeiro, usando, como pano de fundo, a Academia Imperial de Belas Artes, o carnaval e
a “sala de um dos principais hotéis da Corte”99.
Apresentando alguns problemas na originalidade do assunto e no enredo
dramático, o drama foi recebido com ressalvas por parte da crítica. Contudo, é possível
perceber, na mesma, um tom comum de incentivo a um autor jovem de quem se
esperava um futuro promissor no mundo das letras e em quem se apostava para oferecer
novas contribuições em benefício do erguimento da literatura dramática nacional.
Podemos citar como exemplo uma das críticas publicadas no Correio Mercantil:
98
Assim anunciado diversas vezes na imprensa. (Cf: D. A Vida Fluminense. Rio de Janeiro, ed.25,
p.290. 20 jun.1868; A. de C. Teatro – Os Anjos do Fogo. A Vida Fluminense. Rio de Janeiro, ed. 30,
p.359. 27 jul.1868; TEATRO. A Vida Fluminense. Rio de Janeiro, ed. 31, p.362 e 363. 01 ago.1868;
NOTÍCIAS Diversas - Phenix Dramática. Correio Mercantil. Rio de Janeiro, ed.204, 25 jul.1868, p.1.
99
NOTÍCIAS Diversas - Phenix Dramática. Correio Mercantil. Rio de Janeiro, ed.204, p.1. 25 jul.1868.
100
NOTÍCIAS Diversas - Phenix Dramática. Correio Mercantil. Rio de Janeiro, ed.204, p.1. 25 jul.1868.
101
SOUTO, Vieira. Publicações a Pedido. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro ed.216, p.2. 7
ago.1868. Grifo nosso.
92
dedicaram a divulgar suas opiniões sobre o mesmo na imprensa. Por isso, a mistura de
elementos desta escola com a escola romântica não agradou a alguns espectadores, entre
eles, Vieira Souto:
102
SOUTO, Vieira. Publicações a Pedido. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ed.216, 7 ago.1868.
103
A expressão é de Augustin Filon, (apud FARIA, 1993).
104
SOUTO, Vieira. Publicações a Pedido. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ed.216, 7 ago.1868.
105
SOUTO, Vieira. Publicações a Pedido. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ed.216, 7 ago.1868.
93
jornalísticas nos indicam que a primeira é uma peça de L. Thiboust e Ernesto Blum
traduzida por certo Sr. Guanabara106 de quem não sabemos o verdadeiro nome. A
segunda é uma adaptação para o teatro do famoso folhetim de Ponson Du Terrail, a que
os anúncios e artigos publicados na imprensa naquela ocasião remetem a autoria a
Vasques107.
Outras peças que serviram de mote a várias críticas na imprensa suscitando a
questão do teatro no Brasil como Coração e Espada (1870), drama histórico
ambientado na Guerra do Paraguai por um autor que fora testemunha ocular dos
conflitos, indicam autoria do “Sr. Pires de Almeida”, mas não sabemos se foi escrita por
Joaquim Garcia Pires de Almeida ou por seu irmão José Ricardo Pires de Almeida 108
O drama Os Anjos do Fogo ganhou destaque na crítica teatral da imprensa. As
ressalvas feitas à falta de inovação no assunto 109 e às questões referentes à fidelidade da
peça à escola moderna, ou seja, ao realismo, apenas mostram a seriedade com que foi
recebido no mundo das letras. Não é demais lembrarmos que Vieira Souto considerou o
110
drama “moderno em toda acepção da palavra” . Ambientado na época
contemporânea, tanto em relação aos princípios quanto às aspirações ao progresso
retratados no mesmo, era “em parte da escola de Emilio Augier, e em parte da de
111
Alexandre Dumas” . Por isso a escolha da linguagem formal e rebuscada, sem a
adequação da mesma aos tipos sociais representados – como o estudante da Academia
Imperial de Belas Artes e a prostituta – foi motivo de ressalvas.
Anjos do Fogo era uma peça moderna com linguagem romântica e assunto
comezinho, mas saída da pena de um autor brasileiro e, por isso, principalmente, teve
106
NOTÍCIAS Diversas. Correio Mercantil. Rio de Janeiro, ed. 236, p.1. 27 ago.1868.
107
O Correio Mercantil noticia que Vasques aproveitou do romance as situações mais salientes e
apropriadas aos efeitos teatrais e encadeou-as “de modo que os lances difíceis e mesmo inexplicáveis com
que Ponson Du Terrail aduba a sua obra aparecem reproduzidos ao vivo no palco. O Sr. Vasques dividiu,
ou antes resumiu os Estranguladores em sete capítulos, e soube com habilidade fechá-los no momento em
que o célebre herói pratica uma daquelas ações mais prestigiosas.” NOTÍCIAS Diversas. Correio
Mercantil: e Instrutivo, Político, Universal. Rio de Janeiro, ed.254, p.1. 15 set.1868.
108
Cf: GAZETILHA. Jornal da Tarde. Rio de Janeiro, p.2, ed.116, 14 mar.1870, outras críticas e
comentários a respeito do drama e seu autor podem ser encontradas em: GUIMARÃES JUNIOR, L.
Folhetim do Diário do Rio – Por paus e por pedras. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, p.1. ed. 64,
06 mar.1870; GUIMARÃES JUNIOR, L. Folhetim do Diário do Rio – Por paus e por pedras. Diário do
Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ed..71, p.1, 13 mar.1870; A. de A. A Vida Fluminense. Rio de Janeiro,
ed.115, p.80 e 81. 12 mar. 1870). Também identificamos como sendo de sua autoria a peça As mulheres
do Palco (cf: SILVA, 2008).
109
NOTÍCIAS Diversas. Phenix Dramática Correio Mercantil: e Instrutivo, Político, Universal. Rio de
Janeiro, p.1. ed.204, 25 jul.18681.
110
J.J. da Cunha Vieira Souto. Publicações a Pedido. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ed. 216,
p.2. 07 ago. 1868.
111
J.J. da Cunha Vieira Souto. Publicações a Pedido. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ed. 216,
p.2. 07 ago. 1868.
94
112
ESPECTÁCULOS. Correio Mercantil: e Instrutivo, Político, Universal. Rio de Janeiro, ed.129, p.4.
10 mai.1868.
113
ESPECTÁCULOS. Correio Mercantil: e Instrutivo, Político, Universal. Rio de Janeiro, ed.136, p.4.
17 mai.1868.
114
ESPECTÁCULOS. Correio Mercantil: e Instrutivo, Político, Universal. Rio de Janeiro, ed.140, p.4.
21 mai.1868.
115
ESPECTÁCULOS. Correio Mercantil: e Instrutivo, Político, Universal. Rio de Janeiro, ed.1, p.4.1
jan.1868.
116
ESPECTÁCULOS. Correio Mercantil: e Instrutivo, Político, Universal. Rio de Janeiro, ed.168, p.4.
18 jun.1868.
117
DIÁRIO de Notícias. Rio de Janeiro. ed.3, p.4. 21 jun.1868.
118
ESPECTÁCULOS. Correio Mercantil: e Instrutivo, Político, Universal. Rio de Janeiro, ed.168, 18
jun.1868.
119
DIÁRIO de Notícias. Rio de Janeiro. ed. 3, p.4. 21 jun.1868.
120
DIÁRIO de Notícias. Rio de Janeiro, ed.245, p.4. 06 set.1868.
95
como primor da arte. Não. Contém defeitos; mas é escrito em linguagem correta, e
127
abunda em situações lindíssimas, que sempre promovem estrepitosos aplausos” .
Elogiando a esmerada mise em cene, o jornalista termina seu comentário apontando o
resultado da escolha de Vasques “Os Estranguladores são uma verdadeira mina de ouro
para a Phenix Dramática” 128. Apesar dos elogios, inclusive pela adaptação do romance
ao palco129, uma visão negativa em relação ao sucesso do drama começava a se
desvelar, mesmo que ironicamente, na imprensa.
Rocambole [é] o romance mais elástico que conheço, e [...] não menos
elástico [é] o sabor com que o público desta boa cidade está há cerca
de três anos engolindo aqueles estranguladores carapetões...
Não há nisto censura para a Phenix Dramática, nem para quantos
tiram proveito de Rocambole.
O Ginásio com ele já fez a sua féria, S. Pedro tentou fazê-la, o Lyrico
imitou-os. [...]
Ou seja questão de cifras pelas cifras, ou de arte pela arte, o que é
verdade é que tanto direito tem uns como outros para sob pretexto da
arte irem juntando algumas cifras à direita da unidade. 130
Cifras e arte, ou lucro e arte, portanto, aparecem mais uma vez como objetivos
incompatíveis e o enriquecimento do empresário, com raras exceções, malvisto pela
opinião pública. O último esforço de Vasques como diretor da Phenix no sentido de
tentar compatibilizar tal dicotomia foi a apresentação de Estátua da Dor, drama em sete
quadros, traduzido e adaptado, por M. J. da Silva Guanabara, do drama Le Martyre du
131
coeur . A representação foi elogiada até mesmo pelo sisudo Jornal do Comércio 132.
Entretanto, estreando em 16 de outubro, o drama não durou três dias em cartaz. O
diretor até parecia prever a má recepção por parte da bilheteria, já que, junto ao anúncio
127
A. de C. Editorial. A Vida Fluminense. Rio de Janeiro, ed. 38, p.446 e 447.19 set.1868.
128
A. de C. Editorial. A Vida Fluminense. Rio de Janeiro, ed. 38, p.446 e 447.19 set.1868.
129
NOTÍCIAS Diversas - Phenix Dramática. Correio Mercantil. Rio de Janeiro, ed.254, p.1. 15
set.1868.
130
VISCONDE de A.. Folhetim. A Esmo. Correio Mercantil. Rio de Janeiro, ed.266, p.1. 27 set.1868.
Grifo nosso.
131
Le Martyre du Coeur, drama em cinco atos, em prosa de autoria de Victor Séjour e Jules Brésil,
representado pela primeira vez em Paris no teatro Ambigu-Comique, em 15 de março de 1858. A ação
passa-se em Paris, em 1810 (SÉJOUR, 1859.).
132
“Ainda não vi a Estátua da Dor [...] na opinião dos mais entendidos, é o trabalho literário mais
primoroso de quantos têm sido levados à cena pela associação da Phenix Dramática”[...] “a coisa mereceu
um estirado artigo na Gazetilha do Jornal do Comércio!!! Ora todos sabem que em matéria laudatória
assemelha-se a Gazetilha aos jantares de alguns restaurantes a preço fixo, onde a par da mais desmedida
parcimônia no quantum das iguarias, se manifesta notável elegância na maneira de envolver um camarão
em meia folha de couve lombarda, o que por certo agrada aos olhos sem ter a força de emudecer as
exigências do estômago. Seja como for, entendo que se à opinião da Gazetilha juntarmos a voxpopuli, é
fora de dúvida que estátua da dor poderá conservar-se por muito tempo no pedestal de glória, que a
opinião pública lhe vai erguendo de dia para dia.”(A. de A. Acerca de Teatros. A Vida Fluminense. Rio
de Janeiro, ed.43, p. 514 e 515. 24 out.1868).
97
daquela estreia, comunicava os ensaios de uma opereta de sua lavra, chamada Orpheu
na Roça (fig.8).
133
José de Alencar apud SOUZA, 1998.
134
NOTÍCIAS Diversas. Correio Mercantil. Rio de janeiro, ed. 307, p.2. 08 nov.1868.
99
135
Ópera bufa em dois atos e quatro quadros de Hector Crémieux, música de Offenbach. Cf: A VIDA
Fluminense, ed.57, 23 jan.1869.
136
Opereta em 3 atos, música de Offenbach. Cf: A VIDA Fluminense. Rio de Janeiro. ed.59, 16
fev.1869.
137
Paródia de Barbe-Bleue, opereta, música por Offenbach, de Augusto de Castro. Cf: DIÁRIO do Rio de
Janeiro, ed.59, 27 fev.1869, p.1.
138
O que não significa, no entanto, que não faziam parte de um repertório ligeiro, pois que Graça de
Deus, fora designado em seu anúncio como “grande drama popular em cinco atos, todo ornado de música
do maestro português Francisco de Sá Noronha”.
100
139
JORNAL da Tarde. Rio de Janeiro, ed.60. 27 nov.1869.
140
DIÁRIO do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ed.15. 13 jan.1870.
141
Cf: as fontes já citadas para a construção do quadro 1.
101
142
PUBLICAÇÕES a pedido. Barba de Milho. DIÁRIO do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. ed.77, p. 2 e
3. 18 mar.1869.
143
V.H. A arte dramática. Publicações a pedido. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ed.78, p.2. 20
mar 1869.
102
Em 1870, uma desavença entre Vasques e o pessoal de sua companhia o fez afastar-se
temporariamente da mesma, deixando-a sob a direção de Heller. A associação dramática
transformou-se então em empresa teatral.
Poucas são as indicações biográficas a respeito de Jacinto Heller. A mais completa foi
escrita por Souza Bastos em 1881, não para algum jornal da Corte, que por tanto tempo
aplaudiu o ator e empresário; mas, sim, publicada na revista semanal lisboeta Ribaltas e
Gambiarras. Mesmo as singelas homenagens póstumas, escritas em 1909, restringiram-se a
descrever parte de sua trajetória como empresário enriquecido com operetas de suntuosa mise-
em-cene, ainda sim, essas foram curtas, imprecisas ou por vezes laudatórias.
De fato, Heller parecia ser um homem que prezava pela discrição. De acordo com
Souza Bastos, recusava-se formalmente a ter uma biografia publicada na imprensa (fig.9).
Sabemos hoje que o longevo empresário nasceu na cidade do Porto, em Portugal, e, ainda
criança, veio para o Brasil. Sousa Bastos, conta-nos que seu pai dava aulas de música e
possuía um armazém de instrumentos musicais quando decidiu vir para o Rio Grande do Sul
trabalhar como ator. Uma vez iniciado no mundo teatral por influência de seu pai, Heller foi
convidado a fazer parte da companhia de João Caetano e então transferiu-se, já com esposa e
filhos, para o Rio de Janeiro. Após a morte de João Caetano, Heller trabalhou nos teatros São
Januário e Ginásio Dramático antes de montar, com Vasques, a associação que daria origem
à companhia Phenix 1. Tomou a frente da companhia em 1870 e, nessa função permaneceu até
o desaparecimento da mesma em 1893.
Dois anos antes do desaparecimento da Phenix, em 1891, Heller era o principal
acionista da Companhia Eden Teatro que então se formou, possuía mais de 33 contos em
ações. Por meio da transcrição e análise de atas de reuniões dessa companhia, Fernando
Mencarelli nos mostra que, em um dos encontros da diretoria,- da qual Heller não fazia parte 2
– chegou a ser aventada a possibilidade de compra da Phenix Dramática. Nas palavras do
autor:
1
BASTOS, Antonio de Sousa. Jacintho Heller. Ribaltas e Gambiarras. Lisboa, n.37, p.1. 20 ago. 1881. Mais
tarde o texto da revista foi sintetizado e pontualmente modificado para a publicação de Bastos (1898).
2
O tenente Vinhais, um dos acionistas da Empresa e membro da diretoria defendeu indiretamente entrada de
Heller para o conselho diretor da empresa (seu nome não foi dito, mas pode ser inferido pela leitura das fontes
conforme demonstrou o autor), uma vez que como artista e homem do ramo, poderia contribuir para a
administração da mesma. Ao menos nas reuniões cujas atas foram lidas e parcialmente transcritas por Mencarelli
(2003) o nome de Heller não fez parte da diretoria da empresa a qual era o maior acionista.
103
Figura 9 - Primeira página da revista Ribaltas e Gambiarras , texto sobre Jacinto Heller
A ideia não se concretizou e, dois anos depois, a Phenix se desfez. Com o fim da
companhia, Heller não abandonou a vida teatral, iniciou uma verdadeira peregrinação entre os
teatros e companhias do Rio de Janeiro que representavam bem o novo contexto histórico e
teatral vivenciado pela Capital Federal. Em 1894, associado ao ator Colás – Empresa Colás &
Heller – voltou a dar espetáculos no Teatro Sant’Ana, dirigindo a Companhia de Óperas
cômicas, operetas e mágicas 3. No ano seguinte, correu na imprensa que Heller tinha sido
autorizado a realizar, em seu teatro, um jogo semelhante ao que ocorria no Jardim Zoológico.
No lugar de 25 nomes de bichos, os apostadores escolheriam entre 25 nomes de peças. Seu
declarado admirador, Arthur Azevedo ameaçou proibir o diretor de encenar uma peça de sua
autoria caso isso se efetivasse, além de fazer ao mesmo duras críticas: “a coisa não passou de
um projeto sesquipedal e absurdo. Em todo o caso, houve a tentativa, e só isso é bastante para
dar a bitola do critério e da consciência artística de certos homens a quem está confiada a
direção d’essa coisa que foi o teatro e hoje não sei que nome tenha” 4. A justificativa para a
criação de uma loteria própria para o Teatro Sant’Anna, buscando salvá-lo dos apuros
decorrentes da falta de público, era exatamente a mesma que outro empresário, muito mais
rico e poderoso que Heller, havia utilizado para conseguir do governo republicano uma
concessão para a extração de loterias. O temor, apresentado por Arthur Azevedo, à ideia de se
criar um jogo para o teatro pode ser melhor compreendido a partir da história do que ocorreu
com o Jardim Zoológico da capital após a criação do jogo dos bichos.
Foi no ano da abolição da escravidão que o Barão de Drummond, por meio de sua
Companhia Arquitetônica, construiu um jardim zoológico em parte (200 mil metros
quadrados) de um grande terreno de sua propriedade em que, anos antes, a mesma companhia
havia planejado e erguido a Vila Isabel, juntamente com uma grande fábrica de tecidos –
Fábrica Confiança Industrial -, hotéis e casas de aluguel 5. Uma subvenção anual de dez
contos de réis e a isenção de todos os impostos referentes à enorme área urbanizada pela
3
Anúncios. Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, ed. 97, p.6. 08 abr.1894; SOUZA, 1960.
4
Arthur Azevedo. O Teatro. 18/04/1895. In: NEVES; LEVIN, 2009.
5
Todas as informações a respeito da construção do Jardim Zoológico do Rio de Janeiro foram retiradas do
primeiro capítulo da obra de Amy Chazkel. CHAZKEL, Amy. As origens do jogo do bicho. In: CHAZKEL,
2014.
105
Esse descaso com a escolha do repertório, que já acontecia no Sant’Anna antes mesmo
da criação de um jogo para o teatro, refletia, e ao mesmo tempo era reflexo, da falta de
interesse do público pelo mesmo. Como podemos ver, Arthur Azevedo temia que, com a
autorização da “jogatina” no interior do teatro; ocorresse, com as peças, o mesmo que ocorria
com os bichos do Jardim Zoológico: fossem morrendo à medida que lhes oferecessem carne
podre, sem que ninguém lamentasse por sua falta. Vejamos que não se trata de defender
interesses particulares, afinal o próprio autor do artigo afirma que, em caso da existência de
um “jogo das peças”, o pagamento dos direitos dos autores certamente estariam assegurados.
Arthur Azevedo se coloca contra a existência do jogo no interior dos teatros, porque quer o
reconhecimento do público, o respeito à arte dramática, por isso reclama dos que vão ao teatro
para frequentarem seus jardins e daqueles que, estando dentro da sala, não sabem se
comportar devidamente.
O amor pelo teatro não permitia a Arthur Azevedo levar em consideração que
pequenos e antigos empresários, como era o caso de Heller naquele momento, possuíam
maior dificuldade de entrar na acirrada competição mercadológica da década de 1890, quando
o lazer e, consequentemente, o teatro, já haviam se transformado em negócio 7. Fernando
Mencarelli nos fala sobre esse processo e o novo papel assumido pelos tradicionais
empresários do teatro.
O tipo de sociedade entre Heller e Colás não respeitava esse modelo. Nela, no lugar de
um sócio do ramo e outro capitalista, havia vemos dois homens do teatro tentando sobreviver
à nova realidade. Todavia, não tiveram sucesso. No mesmo ano em que a possibilidade de um
6
Arthur Azevedo. O Teatro. 18/04/1895. In: NEVES; LEVIN, 2009.
7
Sobre a monetarização do lazer Chazkel (2014.p.31) afirma “A privatização e a monetarização da vida pública
no Rio, mais ou menos nessa época, se estenderam para muitas das dimensões da vida cotidiana da população.
[...] O gozo dos momentos de lazer passou a ser algo que as pessoas compravam, fosse nos parques de diversões,
no teatro popular, nos cinemas ou nos shows dos cabarés” .
107
“jogo das peças” foi aventado, a Empresa Colás & Heller terminou e o ex-empresário da
Phenix se ligou ao capitalista Palmerino no Teatro Edem-Lavradio. Lá, o experiente Heller,
desempenhou a função de diretor da companhia infantil, uma tarefa humilhante para um
diretor tão renomado, conforme não deixou de registrar Arthur Azevedo em uma de suas
crônicas 8. Explorando o trabalho de pequenos prodígios, Palmerino, com a ajuda de Heller,
colocou em cena a revista Tin tin por tin tin, na qual a protagonista mirim, assim como sua
correspondente adulta, a atriz Pepa Ruiz, representavam nada menos que 18 papéis. Quando
deixou a “Empresa Palmerino”, o ex-diretor da Phenix formou sua própria companhia. Desta
vez, apelando para o exótico e o grotesco, a “Companhia Dramática dos Pigmeus” estreou em
maio de 1900, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro sendo composta somente por anões.
Em 1905 recuperou um pouco de sua dignidade profissional como diretor de cena do Lucinda,
onde emplacou um relativo sucesso com o vaudeville-opereta em 3 atos, o Homem do
Guarda-chuva, de Antonin Mars, música de Victor Roger, tradução de Azeredo Coutinho.
Se, por um lado, Heller ficou marcado como empresário que contribuiu para o declínio
do teatro literário no Rio de Janeiro e, nos últimos anos de sua vida ainda apelou com menos
nobres estratégias para continuar sobrevivendo do teatro; as homenagens fúnebres foram
quase unânimes em registrar sua prática caritativa 9. Nelas lembrou-se de que, em tempo de
maior fortuna, fazia doações anônimas em socorro dos pobres, oferecia inúmeros espetáculos
em benefício, seja de seus atores, de famílias pobres, de instituições de caridade como as dos
surdos mudos e meninos cegos, e, até mesmo, da libertação de escravos. O Jornal do Brasil
relatou que Heller convidava famílias pobres para assistir aos seus ensaios gerais com direito
a todo luxo dos dias de apresentação ao público pagante. As fontes também frisam a pobreza
que o empresário enfrentou durante a velhice. Apesar de todo o dinheiro que arrecadou, ele
mesmo precisou ser socorrido por récitas em seu benefício, que aconteceram em teatros da
cidade 10. Morreu no Rio de Janeiro, em novembro de 1909.
Apesar de breves, esses apontamentos pretendem situar a trajetória daquele que foi o
grande responsável pela manutenção e longevidade da Companhia Phenix. Jacinto Heller foi
um verdadeiro homem de teatro e mostrou-se um dos melhores empresários do ramo durante
o Império. Enquanto outras companhias formavam-se e desfaziam-se, a Phenix manteve seu
destaque na vida cultural do Rio de Janeiro até que a mudança no panorama cultural, trazidos
pelas grandes sociedades e o capital especulativo, não permitiu que o empresário, apesar da
8
Arthur Azevedo. O Teatro, 18/05/1899. In: NEVES; LEVIN, 2009.
9
Cf: O século. Rio de Janeiro, ed. 984, 6 nov.1909, p.3; SOUSA BASTOS. Jacinto Heller. Ribaltas e
Gambiarras. Lisboa, n.37, p.1, 20 ago. 1881; SOUZA, 1960.
10
Arthur Azevedo. O Teatro, 23/04/1908. In: NEVES; LEVIN, 2009.
108
sua experiência, desse continuidade ao seu trabalho levando-o a aceitar, para continuar no
ramo que o consagrou, posições menores dentro de outras empresas.
O verão de 1870 trouxe consigo a febre amarela e com ela uma crise nos teatros. As
recomendações médicas e da junta de higiene eram de que as pessoas evitassem aglomerações
e se recolhessem às suas residências para evitarem o choque térmico causado pela saída do
calor das salas de espetáculo para a brisa das ruas, causa de possíveis constipações e
resfriados.12 Alguns jornalistas ainda tentaram ajudar os empresários teatrais chamando os
leitores a assistirem as peças em cartaz. No jornal A Reforma 13, tentava-se animar o público a
comparecer a comédia Uma Viagem por Mar e Terra, no Teatro da Phenix Dramática:
“Assistir à apresentação desta comédia é passar algumas horas deslembrado da junta de
higiene e da febre amarela, do calor da estação e de outras coisas desagradáveis”. Contudo,
apelos como esse não surtiram efeito diante do temor da população por uma doença que já
fizera tantas vítimas. No início do outono, a febre e o calor ainda afastavam o público dos
teatros e adoeciam os próprios artistas. Várias apresentações foram canceladas devido ao
número reduzido de ingressos vendidos ou por defasagem do elenco. Os empresários, então,
desmarcaram as estreias para evitarem investimentos que não teriam retorno 14.
Concomitantemente ao problema das febres, vivia-se, naquele momento, grande
entusiasmo com a vitória do Brasil na Guerra do Prata. Pouco antes do fim oficial do conflito,
11
Nota sobre as fontes: até 1871 realizamos o mapeamento de todas as peças apresentadas pela empresa de
Vasques e, posteriormente de Heller por meio de uma verificação dos anúncios publicados diariamente nos
jornais pelos próprios empresários. Além deste acompanhamento utilizamos os artigos e críticas publicadas
nesses jornais. A partir de 1872 os jornais trazem poucos anúncios da Phenix, por isso optei por utilizar somente
os artigos.
12
A. de A. A Vida Fluminense. Rio de Janeiro, ed.115, p.80 e 81. 12 mar. 1870.
13
CHRONICA Geral. A Reforma. Rio de Janeiro, ed. 41, p.2. 22 fev 1870.
14
Além do problema das febres, os primeiros meses de 1870 foram marcados por um desentendimento entre
Vasques e Heller que levou o primeiro a trabalhar, temporariamente, na companhia capitaneada por ninguém
menos que Furtado Coelho, no Teatro São Luiz. O mesmo empresário que o fizera sair do Ginásio e montar sua
própria companhia no final de 1868. A imprensa satírica não deixou de fazer piada da situação “Os
companheiros do ator Vasques [nos] mandaram [...] um estirado artigo com considerações filosóficas sobre a
inconstância do homem, e parodiando aquele célebre anexim- desta água não beberei, terminaram o sermão
dizendo que um ator não deverá jamais dizer:’ neste teatro não representarei, com este diretor não
trabalharei’.[...] Remontando à história dos fatos, e da polêmica entre os dois atores então dissidentes, e
apreciando-lhes o procedimento atual [o empregado da redação pensou] por estarmos na quaresma, época de
contrição, e arrependimento, na quadra, em que está reunido um concílio ecumênico, é muito provável que estas
razões atuassem no ânimo do ator Vasques, que arrependido, e contrito dos seus passados pecados prostrou-se
aos pés de S. Luiz. (GABINETE da Redação da Semana Ilustrada. Semana Ilustrada. Rio de Janeiro, ed.483, p.
3859. 13 mar 1870.)
109
o drama que Pires de Almeida escreveu sobre a Guerra suscitou muitos comentários da crítica
15
entusiasta de produções com assunto “genuinamente nacional” : “A literatura dramática
pouco tem caminhado nos últimos tempos. Continue o Sr. Pires a enriquecer o nosso teatro
com boas produções, e escreva seu nome ao lado desses lidadores que ainda têm fé no
futuro”.16
O drama Coração e Espada, cujo texto é desconhecido, pretendeu narrar a guerra
desde seu marco inicial, a invasão da vila de Miranda, na província do Mato Grosso, até as
últimas conquistas do exército imperial, bem como sua marcha rumo às cordilheiras em busca
de Solano Lopez. De acordo com o redator de A Reforma, muitos oficiais assistiram à
execução do drama, e, diante das cenas mais violentas, gritavam de suas cadeiras e camarotes:
17
“Foi tal e qual - lá perdi o braço, etc.” A presença dos “personagens reais”, proferindo
comentários como esse dava ao drama uma condição de extrema verossimilhança,
fundamental à produção dramatúrgica nacional que se almejava consolidar. Como registrou o
articulista da Vida Fluminense, “a peça é iminentemente nacional, e [...] nenhum brasileiro
pode assistir à exibição dela [sic] sem sentir o coração bater-lhe no peito, e o sangue agitar-lhe
18
nas veias.” Apesar da campanha feita pela crítica e da atualidade do assunto, a temporada
não foi favorável ao êxito do drama, certamente prejudicado pelos problemas de salubridade
pelos quais a cidade passava.
Ainda em março, o retorno de Vasques à Phenix parece ter convencido o público a
abrir uma exceção à quarentena da febre e prestigiar o retorno do artista à companhia que
havia fundado: “o reaparecimento do Vasques nas tábuas da Phenix fez barulho; e [...] apesar
do mau tempo e da escolha de um espetáculo visto até à saciedade, a sala da rua da Ajuda
19
encheu-se de espectadores” . Dias depois, Vasques mais uma vez desentendeu-se com
Heller e, dessa vez, passou uma pequena temporada com a companhia que ocupava o Ginásio
Dramático.
A situação dos teatros diante da falta de público só começou a melhorar no final de
abril daquele ano, quando então reabriram os teatros São Luiz, Ginásio, Alcazar, São Pedro e
20
Phenix . Este último fora reformado e inaugurou a companhia dirigida por Heller; que, no
início do próximo mês, já pôde contar com o retorno de seu velho amigo Vasques entre os
15
A REFORMA. Rio de Janeiro, ed.52, p.2. 8 mar.1870.
16
GAZETILHA. Jornal da Tarde. Rio de Janeiro, ed.116, p.2.14 mar. 1870.
17
A REFORMA. Rio de Janeiro, ed.52, p.2. 8 mar.1870.
18
A de A. A Vida Fluminense. Rio de Janeiro, ed.115, p. 80 e 81. 13 mar.1870.
19
A VIDA Fluminense. Rio de Janeiro, ed.116, p. 88. 19 mar 1870.
20
A de A. Acerca dos Teatros. A Vida Fluminense. Rio de Janeiro, ed.121.p.128 e 129. 1870.
110
artistas 21. A peça escolhida foi uma comédia em 3 atos, Vaz Teles e C., parodiada de Gavaut,
Minard & Cia 22.
Com o término da Guerra, festejos cívicos foram organizados em toda a cidade e o
Phenix empenhou-se mais que nenhum outro teatro em organizar homenagens ao exército
brasileiro, aos voluntários da pátria, a generais e outros homens que, direta ou indiretamente,
participaram dos conflitos. Muitos espetáculos foram iniciados com o hino nacional ou cantos
patrióticos como o Canto do Exílio e O Voluntário Brasileiro, executados por Amélia
Gubernatis nos dias 27 e 28 de abril 23 e 7 de maio 24, respectivamente. Uma semana antes, no
dia 21 de abril, uma noite de gala foi organizada em homenagem aos voluntários da pátria. Os
jornais anunciavam
21
A de A. Acerca dos Teatros. A Vida Fluminense. Rio de Janeiro, ed.121.p.128 e 129.
22
De acordo com Souza (1960), a opereta original já havia feito sucesso no teatro Alcazar Lírico.
23
Jornal da Tarde. Rio de Janeiro, ed.152 e 153, p.4. 27 e 28 de abril 1870.
24
Jornal da Tarde. Rio de Janeiro, ed.161, p.4. 7 de mai.1870.
25
Jornal da Tarde. Rio de Janeiro, ed.148, p.4. 21 abr.1870.
26
Jornal da Tarde. Rio de Janeiro, ed.148, p.4. 21 abr.1870.
27
Jornal da Tarde. Rio de Janeiro, ed.148, p.4. 21 abr.1870.
111
nacional executado por duas bandas de música da brigada da qual fizera parte o
homenageado, em seguida foi cantado um hino, escrito pela atriz Rozina e musicado pelo
maestro Gusman, intitulado Espada e Pena, numa clara menção às habilidades de Pinheiro
Guimarães. Vasques escreveu e recitou a poesia Saudação aos Bravos e, por fim, D. Amélia
28
Gubernatis entoou a canção militar O Voluntário Brasileiro . Apesar de tantas
demonstrações de patriotismo, Heller não pôde abrir mão da exibição de uma paródia francesa
naquela noite, Vaz Teles e C., de Augusto de Castro. Nem mesmo no dia em que o
homenageado foi um consagrado escritor nacional. Mas qual teria sido a razão de tal escolha?
Durante todos estes dias de festejo na Phenix, Vaz Teles e C. foi apresentada. Entre os
velhos dramas de Pinheiro Guimarães e a nova paródia cômica de Augusto de Castro, o
empresário escolheu a que, acreditava, mais iria agradar o público, e parece ter acertado. O
fato que não podemos ignorar é ambos terem saído das mãos de escritores brasileiros. Por
isso; se, à primeira vista, a presença da opereta pode parecer estranha, podemos tentar
compreendê-la como parte do “nosso” teatro, uma vez que sua trama era ambientada no Rio
de Janeiro e seu gênero já havia se transformado em uma verdadeira paixão dos espectadores
da Corte. Apesar de muitos homens de letras do período possuírem uma visão bastante
fechada do que seria ou não uma peça nacional, percebemos que não é factível um julgamento
de qual obra é mais nacional, posto que ambas são influenciadas por escolas literárias e
dramáticas francesas e tentam incorporar, às mesmas, aspectos do contexto brasileiro.
Conscientemente ou não, Heller apresentava a seu público um novo tipo de teatro nacional, e
nenhum comentário crítico recriminando sua decisão pela opereta de Augusto de Castro foi
encontrado. A crítica prendeu-se a outros pontos. Buscando contextualizar a paródia no
assunto do momento, Augusto de Castro introduziu um “inválido da pátria” entre seus
29
personagens, inserção que parece não ter agradado muito , mas que não prejudicou a
divulgação da peça, posto que, excetuando-se esse porém, a crítica considerou-a, de maneira
geral, bem inspirada.
Terminada a fase dos festejos patrióticos, a comédia não conseguia mais sustentar-se.
Vaz Teles e C. atingira, aproximadamente, a 13ª representação quando a empresa fez nova
estreia. Repetia a receita gênero-autor com O Nono Mandamento, imitação da comédia Les
Pommes de Voisin de Victorien Sardou. Enquanto O Nono Mandamento enchia de público a
28
Jornal da Tarde. Rio de Janeiro, ed.161, p.4. 7 de mai.1870.
29
GUIMARÃES JUNIOR, L. Folhetim do Diário do Rio. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ed.112, p.1.
24 abr.1870.
112
30
Phenix ; no pequeno teatro Ginásio Dramático, um novo nome aparecia no “mundo das
letras” dramáticas, Joaquim José da França Junior, com uma comédia-drama em quatro atos
intitulada O Beijo de Judas (SILVA, 2011).
França Junior nasceu no Rio de Janeiro e tornou-se bacharel em Direito, em São
Paulo. Suas primeiras comédias foram representadas ali mesmo, na capital daquela província.
31
Após seus estudos, voltou à corte e trabalhou na redação dos jornais Bazar Volante e
Correio Mercantil 32 . Contudo, em 21 de abril de 1870, quando estreou sua “comédia-drama”
no Ginásio, seu nome quase não era conhecido entre os leitores da corte, e menos ainda, entre
o público dos teatros, posto que o Bazar Volante fora um hebdomadário de circulação restrita
e seus artigos, na maioria das vezes, assinado com suas iniciais. No Correio Mercantil, seus
artigos de ácidas críticas em relação aos anos do gabinete de Zacarias Gois e Vasconcelos,
eram publicados sob o pseudônimo de Osíris. Contudo, seus pares, os homens de letras da
corte, já conheciam seus escritos, principalmente os folhetins políticos que publicou neste
último jornal (SILVA, 2011).
O Beijo de Judas foi recebido com muito entusiasmo pela crítica, que não se esquivou
em apontar os problemas da composição; mas que, em geral, demonstrou enxergar em França
33
Junior uma promessa para o teatro nacional . Segundo o Jornal do Comércio, a comédia
oferecia ao público carioca “quadros de alguns costumes da nossa sociedade e da vida íntima
34
das famílias” que, apesar dos problemas da trama, considerou ser “como comédia de
35
costumes nacionais que a composição aspira a aprovação do público” . A Semana Ilustrada
destacou que “O que nos pareceu menos cuidado no Beijo de Judas foi a ação; mas esta falta,
de que o autor se emendará em outras composições, tem explicação natural na intenção visível
30
Conseguimos verificar ao menos 12 apresentações consecutivas do Nono Mandamento. Jornal da Tarde
ed.165, p.1; até ed.185, p.4. 1870.
31
Periódico de caricaturas que surgiu em 27 de setembro 1863, dirigido por Eduardo Reinsburg e circulou até
abril de 1867.
32
De acordo com Sodré (1995) o Correio Mercantil surgiu no início da segunda metade do século XIX,
diferenciando-se do principal jornal da época, o Jornal do Comércio, por seu posicionamento político partidário
abertamente adotado. Mostrando-se, por isso e por seus folhetins, mais vibrante e atraente, rapidamente tomou o
lugar de importância do Jornal do Comércio.
33
O Beijo de Judas seria colocado em cena por Furtado Coelho, empresário do Teatro São Luiz, mas foi
recusado pelo mesmo e então recebido pela companhia do Ginásio Dramático. Joaquim Heleodoro Gomes dos
Santos, meses depois, criticou Furtado Coelho por dar as costas a uma “produção nacional” e permitir que ela
fosse posta em cena por uma empresa de recursos limitados como a que atuava no Ginásio. “Foi censurável o
procedimento do Sr. Furtado; esse moço de talento e vocação, esse ator inteligente, empresário do S. Luiz,
sacrificou a comédia Beijo de Judas, porque repudiou-a de seu teatro e consentiu que à uma empresa balda de
recursos artísticos e pecuniários fosse entregue essa produção nacional.” SANTOS, Joaquim Heleodoro Gomes
dos. Folhetim- Direito por Linhas Tortas. Opinião Liberal. Rio de Janeiro, ed. 38, p.1 e 2.15 out.1870.
34
GAZETILHA. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, ed.140, p.2. 23 mai. 1870.
35
GAZETILHA. Jornal do Comércio. Rio de Janeiro, ed.140, p.2. 23 mai. 1870.
113
de sua peça, que era resumir uns quadros de nossa vida doméstica ” 36. A. de A., no “Assunto
de Várias Cores” da revista Vida Fluminense foi ainda mais enfático no elogio à peça e ao
autor, não admitindo nem mesmo as ressalvas que se faziam à ação na comédia escreveu que,
“sempre que no teatro brasileiro se apresenta alguma coisa com jeito, aparecem alguns
37 38
invejosos” . Características como a verossimilhança e “a missão do teatro considerado
39
como escola de bons costumes” não deixaram de ser observadas pelos comentaristas que
pretendiam arrolar a comédia na desprovida lista de peças nacionais. O Dezesseis de Julho 40
41
e A Reforma publicaram na íntegra um discurso que Pessanha Póvoa escreveu e leu ao
público em ocasião de uma das noites de apresentação em que o autor fora homenageado.
Escrevei mais: escrevei a epopeia do pobre honesto, que luta e padece sob o
jugo do rico infame. Fazei do romance, da comédia, do drama, um
instrumento fatal contra o cinismo dos hipócritas; castigai os vícios, reprimi-
os; condenai os crimes em toda sua hediondez; desvendai a índole do
perverso; salvai a inocência; advogai a justiça da esposa-mártir; enchei de
remorsos, sitiai de terrores a consciência homicida do marido algoz.
Erguei os brios desta nação falando aos sentimentos do direito e da
dignidade. Abatei a imprensa mercenária; ridicularizai a política, que vende-
se porque compra-se; desarmai as temerárias ousadias do mercantilismo;
levai o povo pela vossa voz, pelas forças vivas da vossa inteligência- ao
trono do patriotismo, e ali ensinai-lhe a decorar os textos de seus direitos.
H[a] uma miséria laboriosa e uma ociosidade opulenta, que entram nos
mistérios da vida e são explicados. Comentai esses fenômenos morais.
Escrevei mais, e os autores terão garantias, a propriedade literária um
regime, uma consagração na lei.
Redigi a legislação do talento que produz; dai-nos os tijolos da nossa
nobreza, os forais da nossa heráldica: salvai dos sarcasmos impiedosos e dos
mil desdéns da ignorância atrevida - as glórias da inteligência.
Nos artigos deste código escrevei um apenso: Não aluga-se a honestidade
dos escritores, não vende-se a probidade literária.
Levantai um templo à arte, um altar às vitórias do trabalho, ide - que é longa
a viagem - nós ficamos abençoando o vosso lar, a glória da família, o
orgulho da pátria. Segui! 42
36
O BEIJO de Judas. Semana Ilustrada. Rio de Janeiro, ed. 494, p.3951. 29 mai. 1870.
37
ASSUNTO de Várias Cores. A Vida Fluminense. Rio de Janeiro, ed. 126. p.166, 167 e 170. 28 mai.1870.
38
O Jornal do Comércio destacou a presença da verossimilhança de maneiras diferentes, uma vez como ponto
fraco da comédia, e, nas colunas pagas, como uma das características essenciais da peça. GAZETILHA. Jornal
do Comércio. Rio de Janeiro, ed.140, p.2. 23 mai. 1870; O SR. DR. França Junior. Jornal do Comércio, Rio de
Janeiro, ed.138,p.1, 21 mai. 1870.
39
O SR. DR. França Junior. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, ed.138,p.1, 21 mai. 1870.
40
FATOS Diversos. Dezesseis de Julho. Rio de Janeiro, ed.125, p.2. 2 jun. 1870.
41
Cf: FATOS Diversos. Dezesseis de Julho. Rio de Janeiro, ed.125, p.2. 2 jun. 1870.
42
FATOS Diversos. Dezesseis de Julho. Rio de Janeiro, ed.125, p.2. 2 jun. 1870.
114
43
FATOS Diversos. Dezesseis de Julho. Rio de Janeiro, ed.125, p.2. 2 jun. 1870.
115
44
O SR. DR. França Junior. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, ed.138, p.1, 21 mai. 1870.
45
DIÁRIO de Notícias, Rio de Janeiro, ed. 6, p.1. 07 ago. 1870.
116
mas o positivo comparecimento do público para assistir às montagens que ganhavam seus
palcos era diariamente registrado nos jornais da Corte.
Arriscando mudar a receita de sucesso que havia encontrado ao apresentar comédias
curtas juntamente com traduções de operetas, Heller anunciou uma comédia em quatro atos de
França Junior para estrear dia 8 de outubro, Direito por Linhas Tortas. A recepção por parte
da imprensa foi muito parecida com a de O Beijo de Judas, visto que eram peças de quatro
atos e mereciam um olhar mais atento dos críticos e demais homens de letras - ávidos por
verem representadas nos palcos produções de temas que faziam parte de seu próprio
cotidiano, ou seja, que retratassem a sociedade em que viviam, mas não só isso.
Logo após a estreia, o Jornal do Comércio trouxe um artigo anônimo assinado por
Admirador, intitulado Aos pais de Família, que recomendava a comédia de França Junior “a
todos aqueles que pretendem incutir no ânimo de suas famílias o horror dos males que
ultimamente se tem desenvolvido em nossa sociedade”. Advertindo o público que se tratava
de uma comédia inofensiva às famílias, o anônimo tentava granjear um público específico que
porventura não comparecia às operetas devido a ausência de conteúdo moralizante nas
mesmas. A pequena nota do anônimo era finalizada com o que havia se tornado habitual
incentivo ao autor: “Esperamos que o Sr. Dr. França Junior continuará com sua inteligência
reconhecida a dar-nos quadros tão perfeitos de nossos costumes, castigando, fazendo rir, os
vícios que infelizmente a falta de educação tem deixado progredir” 46. A empresa também foi
parabenizada pela iniciativa no Diário de Notícias: “Continue a empresa a oferecer ao público
composições desta ordem, que verá os seus esforços coroados com enchentes repetidas” 47.
Nesse período, o Phenix aparecia na imprensa como o único teatro da Corte que
incentivava produções nacionais. Joaquim Heleodoro escreveu que Heller era um “empresário
modesto e artista de merecimento [que] muito tem feito pela arte. O seu teatro é o único
48
atualmente onde os escritores brasileiros encontram hospitalidade franca e sincera.”
Percebemos, neste artigo de Heleodoro sobre Heller, uma característica que já se tornava
comum a todos os comentários, artigos e críticas que apareciam na imprensa sobre as peças de
França Junior qual seja, o aparecimento de expressões como, verdadeiramente nacional,
patriótico e brasileiro adjetivando o autor e sua obra. Apesar de serem peças ambientadas no
Rio de Janeiro da atualidade, Joaquim Heleodoro conseguia enxergar em França Junior e suas
produções um “moço cheio de esperanças e crente no futuro que ama os sertões brasilios[sic]
46
AOS PAIS de Família. Jornal do Comércio. Rio de Janeiro, ed.281, p.1.12 out. 1870.
47
DIÁRIO de Notícias. Rio de Janeiro, ed. 62, p.1.13 out. 1870.
48
FOLHETIM- Direito por Linhas Tortas. Opinião Liberal. Rio de Janeiro, ed. 38, p.1 e 2. 15 out. 1870.
117
e se inspira na natureza grandiosa de um céu sempre azul”. Dessa forma, é perceptível que
havia ali o esforço de se “encaixar” a incipiente produção de França Junior no ideal do teatro
nacional almejado desde o romantismo. Até mesmo atributos que poderiam ser vistos como
negativos, a saber, a exposição do ridículo, o riso fácil e a gargalhada provocada por essas
comédias, foram tidos como uma habilidade do artista que, na opinião de alguns críticos,
usava tal recurso para transmitir ensinamentos morais ao povo, que certamente não os
49
compreenderia de outra forma .Outra vez, assim como acontecera quando Heller optou por
apresentar paródias de Augusto de Castro em um espetáculo em homenagem a Pinheiro
Guimarães, apresentava-se ao público um teatro considerado nacional que não refletia
exatamente aquele ideal construído até o fim do período realista, mas que possuía alguns dos
elementos que compunham aquele ideal, e por isso eram recomendados e elogiados pela
crítica.
Outro autor brasileiro ainda subiria aos palcos da Phenix naquele ano, Joaquim
Manoel de Macedo com Luxo e Vaidade, uma peça já conhecida do público e que parece não
50
ter agradado crítica e nem plateia . Nos últimos meses do ano, ainda foram apresentadas
Leilão em Talas, “comédia-sarilho em 3 atos e 1 prólogo, ornada de música”, “imitação” do
51
francês por autor não divulgado e Orpheu na cidade, “opereta fantástica em quatro atos”
escrita por Vasques, em uma tentativa de dar continuidade a sua aplaudida composição, Orfeu
na Roça 52.
O ano seguinte, 1871, foi intenso e polêmico para a Phenix, Augusto de Castro e
França Junior tiveram várias composições encenadas pela companhia. O primeiro forneceu ao
público paródias de operetas que, geralmente, já haviam agradado o público no Alcazar Lírico
como Tchang Tching Bung, O Fechamento das Portas, O Sr. Mello Dias amante das mesmas,
50:000$000; e o segundo, Defeito de Família, Maldita Parentela, Typo Brasileiro, A lotação
dos Bondes, Trunfo às Avessas e Três Candidatos.
Com tantas comédias produzidas e apresentadas em menos de um ano no Teatro
Phenix, França Junior começou a receber críticas a respeito do valor literário de suas
composições. Na coluna teatral de A Reforma, encontramos o seguinte comentário sobre o
autor de Três Candidatos: “O Sr. França multiplica as suas produções esquecendo talvez o
49
FOLHETIM - Teatro Dramático. A Reforma. Rio de Janeiro, ed. 231, p.1. 13 out.1870.
50
PHENIX Dramática - uma estreia. Diário de Notícias. Rio de Janeiro, ed.112, p.1. 13 nov. 1870.
51
GAZETILHA. Jornal da Tarde. Rio de Janeiro, ed.309, p.1. 31 out.1870; DIÁRIO de Notícias. Rio de
Janeiro, ed.78, p.1.1 nov. 1870.
52
DIÁRIO de Notícias. Rio de Janeiro, ed.118, p.4. 20 dez 1870.
118
preceito de que o tempo só respeita aquelas obras em que ele entre como principal elemento”
53
.
No começo daquele ano, parte da opinião pública ainda conceituava a Phenix como
baluarte do teatro nacional. A Gazetilha do Jornal da Tarde observou: “No número dos que
trabalham [...] para o progresso da literatura dramática nacional, acha-se incontestavelmente a
54
Phenix Dramática” . Mostrando-se um muito atento às produções que subiram aos palcos do
Rio de Janeiro nos dois ou três últimos anos, o autor da Gazetilha, afirmou com precisão:
“Aquele que se dispusesse a formar uma estatística das comédias nacionais levadas à cena na
Phenix durante estes dois últimos anos veria que a nossa literatura nascente tem encontrado
55
ali a mais benéfica proteção” . Não foram somente os números a serem levados em
consideração para justificar os elogios à empresa de Heller: “A prova que a Phenix trabalha
por amor à arte [foi a] comédia Castelos no Ar, [apresentada na noite anterior]
conscienciosamente vertida do francês para o português pelo Sr. Dr. Aquiles Varejão.”
Todavia, críticas negativas em relação a sua dedicação ao teatro alegre e musicado, “teatro
das paródias e imitações” 56 também apareciam na imprensa.
Sempre atendo à crítica e ao público, Heller tentou diversificar seu repertório e neste
período, a solução encontrada por ele foi misturar um drama de respeitada qualidade literária
a uma grande polêmica. Para tentarmos compreendê-la, precisamos recorrer a outras colunas
dos jornais, ir além da seção “Teatros”. A polêmica é conhecida, principalmente nos meios
literários (VALENTE, 2001), mas não é demais aqui retomarmos os principais
acontecimentos de acordo com o que foi narrado pela imprensa ao público da corte.
Em 9 de maio de 1870 (REBELLO, 1991), um crime passional envolvendo um
conhecido político e homem de letras, tanto na península quanto na ex-colônia, chocou a
população e teve grande repercussão em Portugal e no Brasil. José Cardoso Vieira Castro,
casado com a jovem D. Claudina Adelaide Guimarães Vieira Castro, brasileira, descobriu
uma traição conjugal de sua esposa com seu amigo, o sobrinho do famoso escritor Almeida
Garret, guardando como prova uma carta enviada por ela ao amante. Ao que o noticiário sobre
os autos do processo relatou, a traição teria acontecido quando de uma viagem de Vieira
Castro ao Brasil, com a finalidade de vender seus Discursos Parlamentares (CASTRO,
1866). Quando descobriu o adultério, tomado pelo ódio, Vieira Castro chamou o amante da
esposa para um duelo de morte e, antes mesmo do mensageiro voltar com a resposta do rapaz
53
CRÔNICA Geral. A Reforma. Rio de Janeiro, ed. 206, p.2. 12 set.1871.
54
GAZETILHA. Jornal da Tarde. Rio de Janeiro, ed.11, p.2. 13 jan.1870.
55
GAZETILHA. Jornal da Tarde. Rio de Janeiro, ed.11, p.2. 13 jan.1870.
56
GAZETILHA. Jornal da Tarde. Rio de Janeiro, ed.11, p.2. 13 jan.1870.
119
- que a propósito não aceitou o duelo - Vieira Castro matou a esposa sufocando-a com
clorofórmio e, em seguida, entregou-se as autoridades. Nos autos do processo julgado no
tribunal de Lisboa no fim de dezembro do mesmo ano, entre vários documentos e testemunhas
que “comprovavam” que Vieira Castro sempre fora um homem de bem e que amava sua
esposa, foram lidos a derradeira carta que D. Claudina escrevera a Garret (o sobrinho), assim
como trechos do livro de Camilo Castelo Branco, amigo pessoal do réu, e que sob essa
perspectiva escrevera sobre o caso poucos meses depois do ocorrido (VALENTE, 2001).
O livro de Castelo Branco citado nos autos era, na verdade, um drama em três atos e
quatro quadros intitulado O Condenado. Sobre a tragédia da qual foi protagonista, seu amigo
pessoal Castelo Branco escreveu
nada menos do que três obras, quase simultaneamente: alem da peça (cuja
estreia no Teatro Baquet, do Porto, em Dezembro de 1870, se seguiu de
perto ao julgamento do processo na capital), uma novela, Voltareis, ó Cristo,
mais tarde incluida no volume Bom Jesus do Monte, e um romance, Livro de
Consolaçao, inicialmente intitulado Espelho dos Desgraçados. (REBELLO,
1991.p.71).
Quem levou o drama à cena do Porto foi a companhia da atriz Lucinda Simões
Nas suas Memórias, Lucinda diz que a ‘peça de sensação’ da temporada foi
o drama de Camilo, que ela supõe ‘escrito com intenção agressiva, contra os
juízes do processo V.C.’ O resultado, porem, teria sido contraproducente ( a
atriz atribui ao drama o agravamento de dez para quinze anos da pena
imposta a Vieira de Castro) . (REBELLO, 1991.p.74).
57
Não foi a única vez que uma produção teatral influenciou uma decisão da justiça. No Brasil isso ocorreu em
1886 com O Bilontra, revista de ano de Arthur Azevedo. Para maiores informações sobre o caso ver:
MENCARELLI, 1999.
120
58
NOTICIÁRIO. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ed. 57, p.1. 27 fev 1871.
59
CRÔNICA Geral. A Reforma. Rio de Janeiro, ed. 46, p.1. 28 de fev 1871.
60
CRÔNICA Geral. A Reforma. Rio de Janeiro, ed. 46, p.1. 28 de fev 1871.
121
61
CRÔNICA Geral. A Reforma. Rio de Janeiro, ed. 46, p.1. 28 de fev 1871.
62
G. Publicações a Pedido - Phenix Dramática: Vieira de Castro. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ed.
58, p.2. 28 fev.1871.
63
CRÔNICA Geral. A Reforma. Rio de Janeiro, ed. 46, p.1. 28 de fev 1871.
64
CRÔNICA Geral. A Reforma. Rio de Janeiro, ed. 46, p.1. 28 de fev 1871.
122
e do passe do conservatório dramático, podia afrontar uma população inteira e especular com
lágrimas de uma família respeitável” 65.
A nacionalidade da vítima certamente pesou para que esse pré-julgamento - do qual
fala o artigo de A Reforma, citado acima - feito pelo público, não admitisse que a memória de
D. Claudina fosse difamada nos teatros como uma adúltera. Apesar disso, dentre todos os
artigos encontrados a repeito do caso Vieira Castro, nenhum demonstrou diretamente uma
66
rivalidade entre os “países irmãos” , contudo, é nítida a iminência de que essa rivalidade
viesse à tona, posto que a opinião pública se envolvia em um crime cometido por um
português, cuja vítima era uma brasileira. Tornando a questão ainda mais delicada,
portugueses residentes no Brasil se manifestaram, na ocasião, a favor da absolvição do
assassino. Alguém sob o codinome “Um jurado português” considerava o crime “uma
67
fatalidade de que homem algum de sangue está isento” e pedia para que o caso fosse
esquecido 68.
Percebemos, também, que existiu um esforço para afastar a possibilidade de que o
crime virasse uma peleja entre os dois países: “Um filho também da terra de Viriato” publicou
um artigo, no Diário do Rio, posicionando-se contra uma subscrição feita por iniciativa de um
69
grupo de portugueses no intuito de “oferecer um mimo ao assassino” . Outro artigo se
dirigiu ao assassino afirmando: “o tribunal, [...] da família portuguesa e brasileira já vos
70
condena” , colocando lado a lado as famílias das duas nações, o que, de certa forma tinha
fundamento, uma vez que a peça já tinha sido pateada em Lisboa, antes de chegar ao Brasil.
Além de Castelo Branco, outro literato português, Pinheiro Chagas, envolveu-se na questão
corroborando a ideia de que fora um crime no qual todos os envolvidos saíram vitimados. Foi
de sua autoria uma apologia publicada no Jornal do Comércio ao advogado de Vieira Castro,
Jaime Moniz, a pedido dos amigos do réu. Um anônimo, que comentava o caso utilizando as
colunas pagas do Diário do Rio, registrou que o elogio à eloquência do advogado era “uma
65
PUBLICAÇÕES a Pedido: O Público ao empresário da Phenix. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ed.
58, p.2. 28 fev.1871.
66
“Vêde que vossas injúrias nem de leve tocarão a honra daquela infeliz, pois encontrarão uma formidável
barreira na opinião pública dos dois países irmãos.” (PUBLICAÇÕES a Pedido: O Público ao empresário da
Phenix. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ed. 58, p.2. 28 fev.1871.)
67
UM JURADO Português. Publicações a Pedido - Passagem... aos condenados!!! Diário do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro, ed. 60, p.1. 2 de mar.1871.
68
Existem outras manifestações contra o “jurado português” no Diário do Rio. Cf: NADA de Equívoco.
Publicações a Pedido - O Condenado. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ed. 63.5 de mar. p.2.
69
UM FILHO também da terra de Viriato. Publicações a Pedido - Coroa ao defensor de Vieira de Castro. Diário
do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ed. 59, p.2. 1 mar.1871.
70
S. Publicações a Pedido – Processo Vieira de Castro: o Sr. Dr. Jayme Moniz. Diário do Rio de Janeiro. Rio
de Janeiro, ed. 62, p.1 4 mar.1871.
123
71
afronta à sociedade portuguesa e brasileira” . Mesmo que a rivalidade não tenha
diretamente ganhado as páginas dos jornais, sua iminência e a cautela tomada no sentido de
evitá-la não deixam de ser reveladoras de um sentimento nacional compartilhado entre três
partes: os espectadores que aquela noite ocupavam o Teatro Phenix; a opinião pública e a
vítima, contribuindo, assim, para a conformação de uma comunidade imaginada 72.
A polêmica continuou pelos jornais e pela cidade por mais de uma semana, uma
73 74
minoria continuava a defender, direta ou indiretamente, o assassino . Estes últimos
acusaram a imprensa de exagerar na repercussão da noite do dia 25, no Phenix, dizendo que
não foi a opinião pública a se manifestar ali e sim ordinários “frequentadores da rua do
ouvidor e botequins”. L. Guimarães Junior, que assinava o folhetim do Diário do Rio,
opunha-se claramente a essa ideia. Para ele não “foi uma crítica literária, o que moveu o
público a fazer retirar de cena o Condenado”. A reprovação da peça fora uma “manifestação
75
pública” espontânea . Também encontramos registros de que as discussões e comentários
envolvendo o drama levantaram questões importantes a serem discutidas e refletidas pela
sociedade da época, como o direito de vida e morte do marido sobre a esposa adúltera e o
divórcio. Contra o absurdo argumento de que o crime era justificado pela traição por parte da
esposa, “um estranho” escreveu nas publicações a pedido do Diário do Rio de Janeiro: “O
cônjuge ultrajado tem a separação de fato ou o recurso da lei. Isto foi escrito como teoria e
não como ofensa a ninguém.” 76.
Após o fracasso do drama de Castelo Branco, mas talvez tentando tirar algum proveito
da polêmica suscitada pelo mesmo, Heller apostou no mesmo mote estreando o drama em 5
77
atos Aimeé ou O Assassínio por Amor , que tratava de um crime passional e também era
baseado em acontecimentos reais: “os lances dramáticos abundam nessa delicada composição
cujo entrecho foi tirado de um acontecimento que, não há muitos anos, cobriu de consternação
71
S. Publicações a Pedido – Processo Vieira de Castro: o Sr. Dr. Jayme Moniz. Diário do Rio de Janeiro. Rio
de Janeiro, ed. 62, p.1 4 mar.1871. Grifo meu
72
Sobre a questão do nacionalismo e nacionalidade ver: PAMPLONA; DOYLE, 2008.
73
Encontramos um artigo de “S.” no Diário do Rio de Janeiro que posiciona-se contra outro artigo, escrito por
“Sr. Lycurgo”, em defesa do assassino. Cf: S. Publicações a Pedido-Processo Vieira de Castro. Diário do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro, ed.63, p.2. 5 mar. 1871.
74
NEMO. Publicações a Pedido – Processo Vieira de Castro: a coroação do crime. Diário do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro, ed.59, p.1 e 2. 01 mar.1871; PUBLICAÇÕES a Pedido - Vieira de Castro. Diário do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro, ed.59, p.2. 01 de mar.1871; PUBLICAÇÕES a Pedido – Coroa ao defensor de Vieira de
Castro. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ed.59, p.2. 01 de mar.1871.
75
L. GUIMARÃES Junior. Folhetim do Diário do Rio. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ed.63, p.1. 05
mar. 1871.
76
UM ESTRANHO. Publicações a Pedido – O Esposo Traído. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ed.60.
p.1. 02 mar.1871.
77
Os anúncios não citam o nome do autor. Na mesma noite houve apresentação de Tchang Tching Bung,
“triálogo cômico” de Augusto de Castro. ANÚNCIOS. Jornal da Tarde. Rio de Janeiro, ed.53, p.4. 04 mar.
1871.
124
78
os arredores de Ivry”, na França . O drama já era conhecido do público fluminense, fazia
parte do repertório da atriz Ismênia Santos quando essa trabalhava no Ginásio Dramático e
marcaria agora, sua entrada na companhia Phenix. Sempre apresentada juntamente com
pequenas comédias, Aimeé chegou ate a 6ª representação consecutiva. O silêncio da imprensa
indicou-nos que, apesar de investir no mesmo assunto, a composição não levantou
questionamento sobre a mensagem moral passada aos espectadores. Podemos apenas
especular quais foram os motivos para isso, o fato de o crime ter acontecido há mais tempo e
não ter causado tanta repercussão no Brasil pode ser uma explicação.
Aimeé foi substituído por outro drama que prometia uma carreira mais duradoura,
79
visto que era “fantástico”, O Anjo da Meia Noite . A pomposa composição de autoria dos
franceses Theodore Barriere e Eduardo Flouver, ambientada em Munique, foi traduzida para o
português por Machado de Assis e teve uma receptividade maior, alcançando a marca de dez
apresentações consecutivas 80. Em abril, mais dois dramas foram encenados, Theresa a Orphã
de Genebra (em 3 atos) e Mulheres de Mármore (em um prólogo e 3 atos de Théodore
Barrière e Lambert Thibous), estes dividiram os palcos com comédias de França Junior
(Defeito de Família, em 1 ato) 81 e Eduardo Garrido (Silêncio Calado, “tagarelice em 1 ato”)
82
e operetas offanbachianas vertidas ao contexto brasileiro como O Sr. Mello Dias (amante
das mesmas) (anunciada como ópera em 1 ato, imitação da comédia de M. Choufleury) 83 e O
Fechamento das Portas (opereta em três atos de Augusto de Castro).
O empenho do empresário em sempre por em cena alguma peça séria não passou
despercebido a um escritor das colunas pagas do Jornal da Tarde. Esse considerava que o
Phenix empenhava-se em “tomar o lugar de primeiro teatro da corte” e talvez fosse “o mais
frequentado”. 84
Ao estrear a comédia O Tipo Brasileiro na Phenix, o nome de França Junior, que já
havia ganhado os jornais nos meses anteriores suscitando questões a respeito do teatro
nacional, voltou a aparecer envolvendo questões da nacionalidade. O “típico brasileiro” do
78
GAZETILHA. Jornal da Tarde. Rio de Janeiro, ed.54, p.1. 06 mar.1871.
79
Não era a primeira vez que Anjo da Meia Noite se apresentava ao público da corte. A peça já havia sido
montada e encenada no Ginásio Dramático. Cf: GAZETILHA. Jornal da Tarde. Rio de Janeiro, ed. 63, p.1. 16
mar. 1871; CRÔNICA Geral. A Reforma. Rio de Janeiro, ed. 64, p.1. 21 mar. 1871.
80
A última apresentação foi no dia 30 de março, quando já se anunciava uma nova estreia para o dia 10 de abril.
81
ANÚNCIOS. Jornal da Tarde. Rio de Janeiro, ed. 97, 26 abr. 1871.
82
ANÚNCIOS. Jornal da Tarde. Rio de Janeiro, ed. 97, 26 abr. 1871. Apesar de não ter causado repercussão,
Silêncio Calado parece ter sido um trabalho um tanto inovador. A crítica considerou-o “um pequeno trabalho
original e picante”. A inovação está no fato de que apenas um personagem tinha fala, os outros se comunicavam
por mímicas. Cf: NOTICIÁRIO. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ed.116, p.1. 26 abr. 1871.
83
Jornal da Tarde. Rio de Janeiro, ed. 94, 22 abr. 1871.
84
BISMARK. Publicações a Pedido - Phenix Dramática. Jornal da Tarde. Rio de Janeiro, ed. 66, p.2. 20 mar.
1871.
125
título da comédia tinha sentido pejorativo, referia-se ao personagem mais velho, que
desdenhava de tudo que fosse nacional, valorizando somente o que vinha de fora, do
“estrangeiro”. Outro personagem, mais jovem, também brasileiro, foi pintado como detentor
85
de valores morais mais elevados que os personagens estrangeiros . Assim, apesar de a
comédia abordar dois tipos opostos brasileiros, o personagem de má conduta é quem
representava o estereótipo do brasileiro, o qual França Junior buscava criticar. Isso suscitou
certo incômodo entre os críticos dos jornais cariocas, que se sentiram ofendidos com a
caricatura criada por França Junior.
Trocando o artigo definido pelo indefinido, o redator do Diário do Rio acreditava que
França Junior estaria sendo mais justo com homens os quais, como eles, tentam elevar o
“caráter nacional”. O artigo definido, usado no título da comédia, deixava entender que
França Junior desqualificava os brasileiros em geral, como se não passassem de imitadores da
cultura europeia, o que, em última instância, poderia significar que não possuíamos uma
identidade nacional 87. Tal mensagem transmitida pela peça era um duro golpe contra aqueles
que enxergavam no autor uma esperança para o surgimento ou ressurgimento do teatro
nacional. Dias depois, no folhetim da mesma folha, Luiz Guimarães Junior, fazia eco às
mesmas opiniões:
Se o autor não desse à comédia um título tão genérico, parece-me a mim que
seria mais justo e realizaria melhor o pensamento primordial da peça. O tipo
é amplo demais. Não é esse, por certo, o caráter geral do povo brasileiro, e o
Dr. França Junior, brasileiro, com mais finura e acerto do que eu poderá
prová-lo.88
85
Voltaremos a falar de O Tipo Brasileiro e a questão nacional x estrangeiro no capítulo 4.
86
NOTICIÁRIO. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. ed.116, p.1. 28 abr. 1871.
87
Essa espécie de nacionalismo às avessas que França Junior satiriza em sua composição pode ser comparado ao
que, muitas décadas depois, Nelson Rodrigues nomeou “de complexo de vira-latas”.
88
GUIMARÃES JUNIOR, Luiz. Folhetim do Diário do Rio - Revista de Domingo. Diário do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, ed.118, p.1.30 abr.1871.
126
sendo apresentadas ao público naquele momento. Indo um pouco além da crítica dura e,
certamente conscienciosa, que França Junior apresenta no título de sua comédia, a leitura do
texto deixa claro que a mensagem da peça não se reduz à desqualificação de um determinado
comportamento comum entre brasileiros. O autor mostra que também há outro “tipo”, jovem,
trabalhador, honesto, educado, que possuía amor ao que é “nosso”. Esse sim, deveria
representar a identidade nacional. Podemos tomar a liberdade de imaginar que, ao escrever a
comédia, França Junior queria ser “desmentido” pelo público, o que parece ter acontecido. De
acordo com um dos comentários a respeito da peça, ao aplaudir França Junior, a plateia
desmentiu o autor, 89 ou seja, mostrou que valorizava o que era nacional.
Os meses que se seguiram às apresentações de o Tipo Brasileiro contaram com
90
algumas estreias e reapresentações que não obtiveram muita repercussão na imprensa,
apenas habituais anúncios de divulgação elogiando a montagem e incentivando o púbico a
comparecer ao teatro. Em agosto, contudo, com a estreia de Trunfo às Avessas, opereta em 2
atos, escrita por França Junior, com música de Henrique de Mesquita, a Phenix ocupou,
novamente, lugar de destaque nas colunas teatrais dos periódicos. A opereta ganhou muita
repercussão na imprensa por se tratar da primeira do gênero escrita e musicada por artistas
brasileiros renomados. Contudo, não conseguiu se manter em cartaz pelo tempo necessário
para cobrir os gastos com sua montagem. Trunfo às Avessas subiu ao palco durante,
aproximadamente, 20 noites, o que não foi suficiente para arcar com os custos de manutenção
do grande elenco, corpo de bailarinos e aparato cênico que o espetáculo envolvia 91.
No mês seguinte, setembro, mais uma estreia foi anunciada, A Phenix na Roça,
“paráfrase” feita por Eduardo Garrido da francesa Les folies dramatique, já apresentada no
Alcazar. Nela “o tradutor ou imitador, o Sr. Garrido, procurou, com muito acerto, dar à obra
uma tal ou qual cor local” 92; mas, mesmo assim, a comédia não emplacou. Logo a “paráfrase”
93
de Eduardo Garrido foi substituída por Cinquenta contos , comédia em 5 atos, livre
94
tradução de Augusto de Castro que rendeu aproximadamente dez apresentações e fez a
89
FOLHETIM. A Reforma. Rio de Janeiro, ed. 97, p.1. 30 abr. 1871.
90
Em maio, junho e julho estrearam: O Mestre Crispin, opereta em 1 ato traduzida do espanhol por J. J. G.
Alagarim em 20 de maio; A Probidade, comédia-drama em 1 prólogo e 2 atos original de Cesar de Lacerda em
26 de maio; A Lotação dos Bondes, estreou em 1 de junho; O Viveiro do Frei Anselmo, opereta em 1 ato de
Scribe, tradução de Joaquim José Anaya, estreou em 7 de junho; A Espadelada, comédia de costumes da Beira
em 1 ato , escrita e atuada por Costa Lima estreou em 22 de junho; A Vindima, pretexto em 1 ato, de costumes da
Beira, para ser visto o magnífico panorama da Cidade do Porto estreou em 12 julho.
91
Sobre a opereta Trunfo as Avessas ver Capítulo 4 desta tese e Silva, 2011.
92
CRÔNICA Geral. A Reforma. Rio de Janeiro, ed. 199, p.1. 2 set.1871.
93
Também aparece nos anúncios como 50$000.
94
A Reforma. Rio de Janeiro, ed.222, p.2. 30 set. 1871.
127
empresa recorrer ao velho Orpheu na Roça para socorrer as necessidades da bilheteria. Mas o
ano de 1871 ainda não havia acabado
Até aqui, vimos que os primeiros momentos de Heller a frente à companhia Phenix
foram marcados, inicialmente, por uma crise que atingira os teatros devido a problemas de
salubridade no município, mas que conseguiu ser contornada graças à capacidade do
empresário em aproveitar o fervor patriótico suscitado pelo término da guerra contra o
Paraguai e organizar espetáculos comemorativos, algumas vezes, contando com presenças
ilustres dos heróis da pátria. Nestes anos subiram aos palcos do Teatro Phenix muitas operetas
de autores como Augusto de Castro, Francisco Correa Vasques e Eduardo Garrido, que eram
imitadas ou parodiadas de originais franceses. Tais operetas ganharam os palcos lado a lado a
textos originais brasileiros escritos por Pinheiro Guimarães e, em maior número, por França
Junior. Podemos perceber, até então, nada que fizesse jus à fama de Heller de ser um
empresário enriquecido e caridoso, responsável pela decadência do “teatro entre nós”.
Se é certo que a Phenix se tornou o “teatro da moda”, investindo em peças cada vez
menos literárias e mais “espetaculares”, também o é que os elementos básicos de valorização
de um “teatro nacional” criados ao longo do século XIX e compartilhados por uma elite
política-letrada, não estiveram totalmente ausentes, seja em seus palcos, seja na discussão
suscitada na imprensa, pelos espetáculos que ali tiverem lugar até 1870. Mesmo sabendo o
receituário do sucesso – operetas e paródias com caprichada mise-em-cene –, seus
empresários optaram por mesclar, por exemplo, comédias originais de dramaturgos brasileiros
em seu repertório. Essas se caracterizaram por ser menos apelativas à suntuosidade, à farsa e à
música, não seriam classificadas como o teatro nacional almejado pelos dramaturgos
românticos e realistas; mas, a cada vez que subiam ao palco da Phenix, eram incentivadas e
reacendiam na imprensa uma esperança de que o teatro ligeiro cedesse lugar a peças que
fossem, no mínimo, originais brasileiras e que possuíssem alguma qualidade literária para que
pudessem contribuir na formação de um público nacional.
95
Recenseamento do Brasil em 1872. http://biblioteca.ibge.gov.br/biblioteca-
catalogo.html?view=detalhes&id=225477.
96
“carruagens grandes puxadas por quatro cavalos. Eram usadas para viagens mais longas, e não tinham espaço
para muitas pessoas”. (VON DER WEID, 2016).
97
“Estas eram um tipo de pequenos ônibus puxados por parelhas de bestas, com capacidade para nove
passageiros - quatro de cada lado e um no fundo”. (VON DER WEID, 2016).
98
“Eram veículos pesados e oscilantes, mas havia muitos carros e, quando a empresa ampliou as linhas, o preço
tornou-se mais barato que o dos ônibus. Como eram também mais frequentes, passaram a ser o transporte mais
popular” (VON DER WEID, 2016. p.6).
129
Figura 10 - Detalhe da Planta da cidade do Rio de Janeiro c.1853 mostrando a praça da constituição e
a Rua d’Ajuda.
A mobilidade urbana era fundamental para que as pessoas tivessem segurança para
sair de suas casas no fim da tarde e voltarem tarde da noite. Os espetáculos geralmente
começavam às 20 horas e não tinham hora certa para acabar. A alguns registros mostram que,
entre apresentações e intervalos, os espectadores saiam dos teatros por volta das 23h. Alguns
desses registros encontramos na Vida Fluminense. O primeiro deles é retirado de um artigo
sobre a apresentação de Fausto, no Phenix em 1872: “O espetáculo não excede das 11 horas e
130
99
meia! Não se perde, pois o bond” . O pequeno comentário evidencia a importância da
existência do bonde para a tomada de decisão, por parte do expectador, de ir ao teatro. Em
outro artigo da mesma revista, o folhetinista narra: “Soam onze horas! Acabou o Alcazar e
com ele os aprestos culinários. Os hotéis começam a ser invadidos pela turba multa, que sobe
as escadas cantarolando o motivo mais popular da opereta que se cantou, ou antes se dançou
100
no Alcazar ”. Essa “turba multa” faminta que saia dos teatros aqueceu os lucros dos
restaurantes, e possibilitou a abertura de novos bares e hotéis.
O Código Penal e a polícia tentavam manter um mínimo controle sobre essas
mudanças que faziam parte da modernização da cidade, às vezes, tomando medidas
autoritárias e impopulares como o fechamento dos hotéis às dez da noite, numa tentativa de
evitar problemas com a tal “turba multa”. De acordo com o redator da Vida Fluminense, “os
donos de restaurantes e hotéis deram cavaco com a história, e o público, pela sua parte, não
lhes ficou atrás” 101. Na mesma semana que foi proclamada a proibição conta que
Esse “cavaco” dado à polícia pelo proprietário do restaurante e pela própria revista ao
publicar o nome do mesmo apoiando seu desrespeito à nova lei foi, assim como o “cavaco”
dado à proibição do jogo do bicho na década de 1890, característico de um processo chamado
por Amy Chatzel de “cercamento”, em analogia aos conhecidos cercamentos de áreas comuns
da história agrária da Inglaterra (CHAZKEL, 2014). Para a autora, a reorganização da vida
pública no Rio de Janeiro “significou o cercamento dos metafóricos commons”, envolvendo
tanto o processo de privatização - que pode ser exemplificado pela concessão do transporte
urbano a companhias particulares - quanto ao de regulamentação, como a proibição do jogo
do bicho, contrapondo-se à autorização de outros tipos de loterias, e o fechamento das portas
dos cafés e hotéis às 10 da noite. Outro artigo da Vida Fluminense chegou mesmo a falar de
103
uma perda da força moral da municipalidade . Medidas pouco fundamentadas e
99
POLEGAR e Indicador (em colaboração). Beliscões. A Vida Fluminense. Rio de Janeiro, ed.220, p. 922. 16
mar. 1872.
100
NO HOTEL: depois do Alcazar. A Vida Fluminense. Rio de Janeiro, ed. 20, p.231 16. mai. 1868.
101
Z. Cavaco. A Vida Fluminense. Rio de Janeiro, ed. 237, p.1052. 13 jul. 1872.
102
Z. Cavaco. A Vida Fluminense. Rio de Janeiro, ed. 237, p.1052. 13 jul.1872.
103
CRÔNICA. A Vida Fluminense. Rio de Janeiro, ed. 302, p.1572. 11 out. 1872.
131
Figura 11. – Efeitos de uma medida policial na heroica aldeia de São Sebastião. Detalhe.
Foi em meio a todas essas transformações pelas quais a cidade passava, que, no fim do
ano de 1871, a companhia Phenix emplacou um sucesso o qual, desde a estreia de Orpheu na
Roça, não havia experimentado novamente. Tratou-se da mágica em 15 quadros Princesa
Flor de Maio, de Eduardo Garrido e J. A. de Oliveira. A mágica não atingira o número de
apresentações da opereta de Vasques, mas ficou em cartaz até o início de fevereiro do ano
132
104
seguinte , chegando a quase 50 apresentações consecutivas. O redator do Jornal da Tarde
parecia prever o que estava por vir
104
CRÔNICA. O Mosquito. Rio de Janeiro, ed. 123, p.2 e 3. 20 jan.1872.
105
PHENIX Dramática. Jornal da Tarde. Rio de Janeiro, ed.271, p.2. 20 nov. 1871.
106
Z. Assunto de Várias Cores. A Vida Fluminense. Rio de Janeiro, ed.219, p.911. 09 mar.1872.
133
107
Machado . A primeira era uma comédia em 2 atos, continuação do Gaiato de Lisboa. No
108
jornal A República, o articulista buscou elogiá-la escrevendo que era “digna de boa sorte”
apesar de os caracteres já estarem definidos. Considerou que o autor desenvolveu situações
109
que, entre outras características, possuíam “uma moral edificadora” , mas poucos
comentários foram feitos na imprensa a respeito da composição. Em relação à segunda peça, a
indiferença foi ainda maior. Sobre As Literatas apenas encontramos o comentário de um
redator do Mosquito, afirmando que a comédia era um “sensaborão”, um simples pretexto
para o autor “apresentar ao público trinta pernas, pertencentes a quinze damas do teatro” 110.
Ainda em janeiro, Trunfo às Avessas retornou aos palcos para alguns espetáculos em
benefício, juntamente com a comédia em um ato, Um Sarau Literário. Durante o mês de
fevereiro, O Teatro esteve fechado para os festejos carnavalescos, enquanto isso uma nova
composição era ensaiada e dia a dia anunciada nos jornais, com a intenção de despertar a
curiosidade e gerar expectativa no público, o Fausto 111.
107
Escritor e folhetinista português. Sobre o autor ver: FERREIRA, 2011.
108
NOTÍCIAS - Phenix Dramática. A República. Rio de Janeiro, ed. 229, p.3.6 jan.1872.
109
NOTÍCIAS - Phenix Dramática. A República. Rio de Janeiro, ed. 229, p.3.6 jan.1872.
110
CHRONICA. O Mosquito. ed. 123, p.2 e 3. 20 jan.1872.
111
Anunciado como drama fantástico, Fausto estreia dia 28 de fevereiro de 1872. (Correio do Brasil. Rio de
Janeiro. ed.56, p.4. 28 fev.1872).
112
GAZETILHA. Jornal da Tarde, ed.47, p.1. 29. fev. 1872.
113
GAZETILHA. Jornal da Tarde, ed.47, p.1. 29. fev. 1872.
114
GAZETILHA. Jornal da Tarde, ed.47, p.1. 29. fev. 1872.
134
que acontecerá com Fausto!” 115. O Fausto, assim como Flor de Maio, levaria muito dinheiro
à companhia, porque foi uma peça de grande investimento por parte do empresário. Esse
destaque dado, por alguns articulistas, à parte literária das peças “de aparato”, revela-se mais
como uma tentativa de “apurar” o gosto do público, lembrando-lhe do que era importante ao
escolherem uma composição teatral, e menos como uma esperança de que mais pessoas se
sentiriam movidas a comparecer aos teatros já que a beleza das peças não se restringia à mise-
en-scene. A Phenix parece ter se transformado, definitivamente em um teatro de grandes
arrecadações da bilheteria. Outro artigo concluía: “Decididamente não há nada como esta
116
abençoada terra das patacas!” . Um dos comentários da Vida Fluminense à nova
composição abordou esses dois aspectos apontados acima, a comparação entre as mágicas e o
lucro que o empresário começara a receber com o gênero.
O artigo da Vida Fluminense parecia tentar eximir-se de uma crítica mais contundente
em relação à peça que se apresentava no Phenix, destacando características positivas da
composição como o figurino e o cenário. Os pontos problemáticos foram citados sem muita
ênfase. Contudo, o problema com a tradução da obra alemã não parecia ser de fato, um
pequeno senão. Em outro artigo da revista, encontramos críticas ao mesmo problema:
115
ASSUNTO de várias cores. A Vida Fluminense. Rio de Janeiro, ed.217, p. 899. 25 fev. 1872.
116
ASSUNTO de várias cores. A Vida Fluminense. Rio de Janeiro. ed.219, p.911. 09 mar.1872.
117
O PEQUENO polegar. Ecos dos teatros. A Vida Fluminense. Rio de Janeiro, ed.233, p.1023. 15 jun.1872.
135
O mesmo defeito da peça também foi destacado com maior ironia por um redator do
Mosquito: “Há relâmpagos ali do grande poeta germânico, e maiores e mais deslumbrantes
relâmpagos ainda do maquinista que nos ofusca a vista com a rapidez das mutações e bem
engendradas tramoias filosóficas”. E continua: “os atores têm o defeito de raramente falar
português [...] No momento em que a Sra Apolônia coloca no pescoço o colar, diz ela: - O que
118
me dirá minha mãe se me ver este colar!” O desempenho de alguns artistas também foi
119
criticado, como o de Eugênia Câmara e do ator Galvão. As críticas desferidas a este último
e a forma com que a imprensa satírica divulgou as ressalvas à atuação de Galvão nos
120
mostram, outra vez , a vulnerabilidade a qual os artistas estavam expostos e o lugar social
que ocupavam. Após algumas críticas feitas ao ator Galvão por Pires de Almeida, em seu
folhetim da República, a revista o Mosquito publicou uma falsa carta assinada por Galvão
rebatendo as críticas feitas a ele pelo folhetinista. No início da carta, o autor da mesma explica
que sua intenção ali era dar provas a seu público de que o seu personagem, Mefistófeles, fora
construído com cuidado e estudo, e prossegue seu relato:
Quando eu recebi o papel, que era disputado pelo meu colega Guilherme do
Rego, [...] o meu amigo Lisboa, ator, feliz intérprete do Fausto e alfaiate do
teatro, mostrou-me o figurino, e eu vi logo que Mefistófeles é o diabo. Ora,
eu pulei logo de contente, porque tenho feito muitas vezes o papel de diabo
em diversas peças, e aí está o público ilustrado de S. Pedro para dizer se não
fiz sucesso; por conseguinte, um diabo a mais não me vinha causar embaraço
121
Mesmo em uma revista satírica como o Mosquito, poderia não ser tão óbvio a todos os
seus leitores que a carta era, na verdade, uma brincadeira. Muitos podem tê-la tomado como
real, contribuindo assim para difamar e ridicularizar a imagem de Galvão. Afinal, conforme
está escrito, o autor só teria reconhecido que o personagem era um diabo, quando lhe foi
mostrado o figurino que usaria para representá-lo, além disso, sua reação com a descoberta foi
de alegria porque ele representaria o complexo personagem criado por Goethe da mesma
forma com já havia representado outros diabos, ou seja, sem necessidade de um estudo
apropriado das particularidades do personagem ou do drama a ser representado. Essa
afirmação contrasta com a explicação dada na introdução do artigo, de que sua intenção, ao
118
BACHAREL Brandão. Correspondência. O Mosquito. Rio de Janeiro, ed. 131, p.3 e 4.16 mar. 1872. Grifo
do original.
119
POLEGAR e Indicador (em colaboração). A Vida Fluminense. Rio de Janeiro, ed.221, p. 930. 23 mar.1872.
120
Como no caso em que a atriz que veio para o Brasil escondendo sua gravidez.
121
O ATOR Galvão. O Ator Galvão ao respeitável público da Phenix. O Mosquito. Rio de Janeiro, ed.143, p.7.
08 jun.1872.
136
escrever o mesmo, era provar que a construção de seu personagem fora fruto de estudo. Não
sabemos se Galvão tentou rebater publicamente o ato desrespeitoso do qual fora vítima, não
foi encontrado nos jornais nenhum artigo assinado por ele que pudesse tentar desfazer algum
mal entendido. Também não foram encontrados nas colunas pagas alguém que tenha se
prestado a sair em sua defesa. Nenhum fã o defendera, nem ele mesmo. Vulnerável pela
própria exposição característica da profissão, o desprestígio social de um ator fazia com que
fosse possível tamanho desrespeito da crítica.
À medida que o Fausto ia ganhando novas apresentações, outros artigos apareciam na
imprensa para acoimar a peça. Em 20 de abril de 1872, o folhetinista do Diário de Notícias 122
escreveu a respeito dela e de outra mágica que se fazia apresentar no Teatro São Luiz (O
Paraíso Perdido): “Os teatros não dão coisa que presta. Refiro-me, já se subentende, ao que
123
pertence exclusivamente a arte dramática” . Apesar do implacável julgamento quanto à
qualidade literária das peças que se faziam representar, a crítica sugere que, em outros
quesitos, poderíamos encontrar “coisa que presta” nos espetáculos teatrais do momento. Com
efeito, algum valor o público deveria encontrar no Phenix; pois, em junho de 1872, a 60ª
apresentação de Fausto se aproximava. Uma publicação paga no jornal A Reforma, veio à luz
nessa ocasião tentando amenizar o estigma de teatro popular e não artístico que o Phenix
havia ganhado. Parecia realmente difícil, aos defensores da Phenix, admitir o abandono de
uma tentativa de apresentar ao público um teatro que pudesse ser nacional, artístico, literário.
Sem deixar de destacar o luxo da composição, o anônimo divulgador do “drama fantástico”
escreveu:
Podemos enxergar no artigo, uma maneira de resgatar uma reputação do Phenix como
teatro sério, artístico e bem frequentado, afinal, se o “público ilustrado” ali comparecia, é
porque o teatro apresentava composições dignas dele. Há muito o Phenix não era chamado de
café-cantante; mas, nos últimos meses, o sucesso que veio obtendo com tramoias, fogos,
alçapões diabos e fadas parecia ter despertado o desdém de parte da intelectualidade em
122
DIÁRIO de Notícias. Rio de Janeiro, ed.461. 20 abr.1872.
123
ROMEU. Cartas de Romeu e Julieta. Diário de Notícias. Rio de Janeiro, ed. 461, p.2. 22 abr. 1872.
124
A REFORMA. Rio de Janeiro, ed.122, 01 jun. 1872.
137
relação à companhia. É essa visão negativa do Teatro que o artigo pretendia minimizar.
Quando o Fausto começou a dar demonstrações de desgaste, a companhia ocupou-se em
reapresentar algumas peças para espetáculos em benefício, muitas vezes oferecidos no Teatro
125
Lírico Fluminense, e outras pequenas montagens, que demandaram menor investimento .
Enquanto preparavam um novo “grande sucesso”, Vasques escreveu e colocou em cena uma
paródia de Fausto que não configurou um sucesso estrondoso, que parece ter agradado a
crítica. Denominava-se Faustino e foi assim descrita nos jornais: “é a paródia do drama
Fausto, de cujo protagonista fez o Sr Vasques um mestre escola da roça. [...] Há mutações,
visualidades: e todas as peripécias do drama acham-se parodiadas com o espírito de que é
126
capaz o conhecido talento do apreciável ator” . De acordo com o que foi publicado na
imprensa sobre a peça, Vasques transformou a Margarida de Goethe, em uma “mãe benta”,
negra, escrava, vendedora de quitutes. Mefistófeles foi transformado em um “adepto de Juca
Rosa”, um tipo conhecido no Rio de Janeiro daquele tempo. Juca Rosa fora uma espécie de
feiticeiro, praticante de magia negra que havia ganhado há dois anos as páginas policiais dos
127
jornais, em especial do Diário de Notícias . Por isso, o diabo criado por Vasques não
afugentava-se diante da cruz, mas diante de um exemplar do Diário de Notícias. Os críticos
destacaram a habilidade de Vasques em transformar o drama em uma paródia em sintonia
com os tipos e acontecimentos mais conhecidos do Rio de Janeiro, - “Poucos conhecem o
128
público para que escrevem e representam como o Sr. Vasques” ,- além de satirizar eventos
da vida cotidiana, a paródia também tocava em assuntos importantes para o Império do Brasil.
Em sua apoteose, apresentava uma pintura de Huascar de Vergara, representando o “Brasil
129
esmagando o elemento servil, e recebendo do mundo coroas de louro” . Apesar de ter cor
local, estar bem afinado com os assuntos cotidianos e até de grandes questões políticas e
sociais do Império, Faustino nunca entrou no rol de peças nacionais, acreditamos que a peça
de Vasques possuísse uma característica que definitivamente não permitia que ela fizesse
125
B.Q.T.R, de Augusto de Castro e as comédias Telegrafo Elétrico, O diabrete feminino.
126
Jornal do Comércio. Rio de Janeiro. ed.240. 29 ago.1872
127
Um dos artigos do Diário do Rio de Janeiro sobre o caso de Juca Rosa, destacava as seguintes palavras-chave
abaixo do título “Sortilégios – Evocações – Estelionatos – Roubos – Defloramentos – Mortes - Propinações de
venenos - Abusos de confiança - Ataques a religião - Seitas proibidas - Reuniões secretas - Feitiçarias”.
(IMPORTANTE diligencia policial. Diário de Noticias. Rio de Janeiro, ed. 101, p.1. 29 nov.1870.) Sobre o caso
Juca Rosa ver também: IMPORTANTE diligência policial. Diário de Noticias. Rio de Janeiro, ed. 96, p.1. 23
nov. 1870; IMPORTANTE diligência policial. Diário de Noticias. Rio de Janeiro. ed. 97, p.1. 24 nov. 1870.
IMPORTANTE diligência policial. Diário de Noticias. Rio de Janeiro, ed. 98, p.1. 25 nov. 1870; Diário de
Notícias, Rio de Janeiro. ed. 99, p.1 26 nov.1870.
128
GAZETILHA. Jornal do Comércio. Rio de Janeiro, ed. 246. 03 set. 1872.
129
Jornal do Comércio. Rio de Janeiro, ed. 240. 28 ago.1872.
138
parte de uma literatura nacional, era uma paródia, portanto não era considerada uma
composição original.
O próximo grande investimento da Phenix foi Ali-Babá ou Os Quarenta ladrões,
“conto das Mil e uma noites em 3 atos e 12 quadros”, de Eduardo Garrido, com música de
Henrique de Mesquita, montagem na qual foram gastos 16:000$000 de acordo com os
anúncios. Em 28 de dezembro de 1872, a 50ª apresentação era anunciada. No mês seguinte, a
130
companhia deu início aos ensaios de outra peça fantástica A Coroa de Carlos Magno ,
anunciada como “peça que há de trazer ao Rio de Janeiro todos os habitantes das vinte
131
províncias do império” . Enquanto A Coroa de Carlos Magno era preparada, a companhia
apresentou Gabriel e Lusbel ou Os milagres de Santo Antônio “oratória em 4 atos e 2
quadros” que já havia sido apresentada em outros teatros do Rio de Janeiro; mas que, montada
pela Phenix, ainda rendeu mais de 17 apresentações 132. Concomitantemente começou a exibir
o Ali-Babá, no Lírico Fluminense, teatro maior e mais central.
O gasto da empresa na montagem da nova peça também figurava no anúncio da Coroa
de Carlos Magno, desta vez Heller havia gasto 26:000$000. Mais uma vez as “visualidades”
foram as mais destacadas pelos artigos que comentavam a peça:
Quase sem deixar descanso aos olhos, as cenas sucedem-se umas as outras,
cada qual mais brilhante, percorrendo o vasto campo da imaginação. Sem ser
propriamente uma mágica, o drama foi buscar aos férteis domínios da
fantasia quanto podia servir-lhe para ostentar esplendores de cena.
[...] As numerosas mutações fazem-se instantaneamente, a disposição das
figuras produz sempre bom efeito, e os quadros são formados com muita arte
e gosto, importando às vezes a sua rápida sucessão em tão acanhado palco
verdadeiros prodígios de mecânica. Seria realmente difícil fazer mais e
melhor com uma peça calculada para uma cena vastíssima. Feita para ver-se,
reunimos o nosso juízo que é digna de ser vista 133.
Sem tentar identificar algum valor literário nas composições, a crítica passou então a
destacar unicamente aquilo que as peças da Phenix possuíam de mais belo e, porque não,
artístico, suas “visualidades”. Assim como o Fausto, Ali-Babá e O Milagre de Santo Antônio,
A Coroa de Carlos Magno não era propriamente uma mágica, mas havia buscado neste
gênero suas mutações e maquinismos característicos. Além disso, tais peças reuniam os
130
Esse drama fantástico teve sua composição musical assinada por Henrique Alves de Mesquita. Algumas das
partituras das composições do maestro para essa mágica estão preservadas e disponíveis no Acervo Musical
Henrique Alves de Mesquita como O Bailado das Quatro Estações, A Polca Brilhante e a Quadrilha. Disponível
em http://www.henriquealvesdemesquita.com.br/p/catalogo-de-obras.html. Acesso em 23.04.2104.
131
A Vida Fluminense. Rio de Janeiro. ed. 271, p. 1324. 1873.
132
Jornal do Comércio. Rio de Janeiro. ed.143, 20 mai.1873.
133
GAZETILHA. Publicações a pedido. A Coroa de Carlos Magno. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro. ed.
207, p.2. 27 jul 1873.
139
Não era somente o “gosto popular” que Heller satisfazia, apresentando tamanha
exuberância nos palcos, a família real também assistia aos espetáculos fantásticos preparados
pela companhia. A presença do Imperador em uma das apresentações do Vampiro, chegou a
causar uma pequena polêmica entre a Vida Fluminense e o jornal A Nação. Este último jornal
criticou a escolha do imperador classificando o drama como uma “palhaçada”, causando
revolta no redator da Vida Fluminense que ironizou o fato de uma folha “mantida para a
defesa do governo” criticar a escolha do Imperador de assistir ao drama - “[...] demos que o
Vampiro seja uma palhaçada, e que sua escolha fosse causada por não haver um repertório
sério onde escolher (o que não e exato); é a Nação, folha quase oficial, mantida para a defesa
do governo, a competente para censurar a decadência do teatro?” 136.
134
ANUNCIOS. Jornal do Comércio. Rio de Janeiro, ed. 272, p.6. 02 out.1873.
135
TEATRO: O Drama fantástico religioso – Roberto do Diabo. O Mosquito, Rio de Janeiro. ed. 234, p.3. 07
mar.1874.
136
Teatros. A Vida Fluminense. Rio de Janeiro, ed. 310, p.1637 e 1640. 06 dez. 1873.
140
O Vampiro teve uma carreira um pouco mais curta que a maioria de suas antecessoras,
durou por volta de 20 apresentações. Não demoraria muito para o empresário investir nos
ensaios e na montagem de novas “peças de aparato”. E enquanto tais peças não estavam
prontas para subir à cena, Heller anunciou um drama original escrito por seu ensaiador e
primeiro artista, Francisco Correa Vasques. O drama, A Honra de um Taverneiro, foi
141
A respeito deste drama andam tão divididas as opiniões, que eu tenho medo
de meter-me na cousa, e julgo mais acertado abster-me. Mas não posso
furtar-me a dizer que, seja ou não seja justa a crítica, é um trabalho original e
nacional, e por isso deve-se animar o autor. 137
137
Teatros. A Vida Fluminense. Rio de Janeiro, ed.309, p.1629. 29 nov.1873.
138
Veremos mais informações no Capítulo 4.
139
Bob. O nosso Teatro III. Os Autores. O Mosquito. Rio de janeiro, ed.260, p.6. 05 set. 1874.
140
Teatro – O Drama fantástico religioso – Roberto do Diabo. O Mosquito. Rio de Janeiro. ed.234, p.2,3 e 6. 07
mar.1874.
142
O ano de 1874 foi marcado por uma grande polêmica envolvendo uma versão do
romance, O Guarany, de José de Alencar, que já havia sido transformado em ópera, Il
Guarany, por Carlos Gomes, mas que agora fora reescrita por Visconti Coaraci e Pereira
Silva. O Guarany era um “drama de grande espetáculo em 1 prólogo, 4 atos e 11 quadros”, e,
conforme os anúncios, extraído do romance “com o consentimento do autor, o Exmo Sr.
Conselheiro José de Alencar”. Dentre os nomes em destaque no anúncio, como muito
revelador deste momento em que o texto perdia espaço para a cenografia, aparecia o nome do
maquinista da Phenix, o Sr. Caetano.
Quando o romance de José de Alencar fora transformado em ópera, o autor revelou
que não havia gostado da adaptação (FARIA, 1987. p.138). Faria (1987), que fez uma análise
da polêmica em seu livro sobre as peças de José de Alencar, acredita que “descontente com as
deturpações que sofreu o texto original, é de se crer que a partir de então, Alencar não gostaria
de ver qualquer de suas obras em forma adaptada” (FARIA, 1987. p.138). Contudo, permitiu
que nova adaptação fosse realizada, impondo algumas condições para a exibição das mesmas
(Cf: FARIA, 1987). A polêmica iniciou quando Heller começou a anunciar a estreia de seu
novo drama de “grande espetáculo” antes de um estabelecimento definitivo das tais
condições. José de Alencar escreveu uma carta ao Jornal do Comércio, acusando o
empresário de desonestidade e até mesmo o Conservatório Dramático, de negligência a
respeito do caso. Cardoso de Meneses, presidente do Conservatório, que se sentiu ofendido
com a acusação de Alencar, também foi aos jornais para defender o seu trabalho. Após
algumas semanas, empresário, autor e os responsáveis pela adaptação do drama chegaram a
um acordo “feito a portas fechadas” (FARIA, 1987. p.147) e a estreia aconteceu no dia 9 de
maio, no Teatro Lírico Fluminense. O Guarani atingiu 25 representações consecutivas, e é
importante lembrarmos que as mesmas se deram no Teatro Lírico, sala bem mais ampla que a
do Phenix e que comportava quase mil espectadores assentados. Depois disso, foi apresentado
mais seis vezes, uma delas em comemoração ao aniversário da princesa Isabel. Em 11 de
agosto de 1874, uma récita em benefício dos autores foi embargada por José de Alencar, que
havia ido à justiça alegando descumprimento do contrato por parte de Heller. Alguns
jornalistas criticaram a atitude de Alencar, os jornais satíricos não pouparam caricaturas
ridicularizando o autor. Para provar que seu interesse não era pecuniário, José de Alencar
exigiu que a indenização que então receberia de Heller fosse paga à Santa Casa de
Misericórdia do Ceará. O autor saiu vitorioso “a custa de novas inimizades e antipatias
pessoais” (FARIA, 1987. p.151), e o empresário foi obrigado a depositar 1000$ em benefício
143
da Santa Casa. Resolvidos os problemas relativos à autoria e aos direitos de cada autor, a peça
subiu novamente aos palcos até a 42ª representação, em 13 de dezembro.
Observando o caminho traçado pela companhia Phenix a partir do momento em que
foi administrada por Heller percebemos que, apesar de os gêneros ligeiros estarem presentes
em seus palcos desde a formação da companhia, foi, a partir do final do ano de 1871 e início
do ano seguinte, que as peças originais, escritas por autores nascidos ou residentes no Brasil
praticamente desapareceram de seus palcos. Concomitantemente a esse desaparecimento, as
novas montagens passaram a atingir dezenas de apresentações, o que até então a Phenix só
havia alcançado com a paródia Orpheu na Roça, mas que, a partir de então, tornara-se
rotineiro. Esses sucessos consecutivos possuíam características comuns, além de todas
aquelas que os identificam como os gêneros ligeiros, sobressaía o investimento financeiro que
demandaram e a forte presença dos maquinismos, antes caracterizadores das mágicas; mas,
neste momento, usados em quase todo tipo de peça apresentada pela companhia.
A presença do maquinismo, com todas as suas mutações e fogos cambiantes,
impossibilitava a presença de algo considerado importante para aqueles que tentavam dar os
moldes de um teatro nacional, o compromisso com a verossimilhança. Por isso, entre todos os
gêneros ligeiros que já haviam ganhado os palcos cariocas, nenhum fora tão mal recebido
pelos críticos como a mágica. A falta de verossimilhança era considerada grave,
principalmente porque prejudicava a principal missão do teatro, a de escola de costumes.
144
4. NACIONAL OU LIGEIRO?
1
GUIMARÃES JUNIOR, Luiz. Folhetim do Diário do Rio de Janeiro: Revista de Domingo. Diário do
Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ed. 209, p.1. 30 jul. 1871. Grifo nosso.
2
Vide artigo citado no capítulo anterior sobre o Teatrinho da Rua dos Arcos (cf: THEATRINHO da Rua
dos Arcos. A Aurora Fluminense. Rio de Janeiro, nº19, p.2. 22 fev.1828).
145
época” 3, por isso conclui que “Estudar um povo é estudar seu teatro” 4. Mas, como para
ele o “teatro nacional” apresenta – a moralidade, as luzes - ao mesmo tempo em que
representa – seu povo –, a síntese de seu significado está expressa na assertiva:
“Eduque-se o povo pelo teatro; eduque-se o teatro pelo povo” 5. Dessa forma, é
compreensível que, para Guimarães Junior e muitos outros letrados contemporâneos, o
teatro ligeiro estivesse apartado desse projeto de “teatro nacional” construído por eles.
Em outras palavras, já que “teatro não é para rir”, “acabemos de vez com as paródias e
com as bagatelas literárias que fazem a viagem quotidiana dos teatros brasileiros”.
Teatro nacional, portanto, não poderia ser teatro ligeiro.
O registro do crítico teatral ilustra o novo conteúdo que a expressão “teatro
nacional” ganhou após a chamada “invasão” dos gêneros ligeiros. Demonstraremos a
seguir como, partir da década de 1860, o termo que até então era definido como a
verdadeira arte dramática, a comédia e o drama sério, moral e original, passa a ser
usado.
Esse hábito cada vez mais difundido e generalizado entre os redatores dos
jornais irritou certo colaborador que enviara uma carta para a coluna Salpicos da revista
O Mosquito. “Fidalgo-cavaleiro Romeu Garoto” fez considerações a respeito de
características comuns a certo grupo de críticos teatrais como Ferreira de Meneses, Pires
de Almeida e o redator da Gazetilha do Jornal da Tarde, aos quais chama de jornalistas
3
GUIMARÃES JUNIOR, Luiz. Folhetim do Diário do Rio de Janeiro: Revista de Domingo. Diário do
Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ed. 209, p.1. 30 jul. 1871.
4
GUIMARÃES JUNIOR, Luiz. Folhetim do Diário do Rio de Janeiro: Revista de Domingo. Diário do
Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ed. 209, p.1. 30 jul. 1871.
5
GUIMARÃES JUNIOR, Luiz. Folhetim do Diário do Rio de Janeiro: Revista de Domingo. Diário do
Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ed. 209, p.1. 30 jul. 1871.
6
ARGELISAU. Folhetim da Nação. A Nação. Rio de Janeiro, ed.40, p.1. 19 ago.1872.
146
“pomadistas da marca G, que andam por aí a ladrar à lua sem nunca fazer coisa que
preste”. De acordo com o indignado personagem, esse grupo de críticos eram “escritores
de alta nomeada e sem ela [...][que] a propósito de qualquer parvoíce, como o
Capadócio, encaixam na notícia de uma gazetilha o sacramental: ‘O teatro entre nós
está perdido’ ” 7. Essa queixa se dava sem que isso resultasse em um esforço, por parte
dos escritores, em produzir um drama ou uma comédia de costumes.
Esse contexto levou ao conhecido diagnóstico de nossa cena escrito por
Machado de Assis em Instinto de Nacionalidade 8, um dos mais representativos e
rememorados textos de nossa história do teatro da segunda metade do século XIX e que
expressa as opiniões do literato em relação a esse par antitético que então surgia, “teatro
nacional” x “teatro ligeiro”. De acordo com Mônica Maria Rinaldi Asciutti, Instinto de
Nacionalidade foi “amplamente conhecido e celebrado pela crítica literária como marco
do esgotamento do Romantismo brasileiro e indicativo da renovação que a produção
local sofreria com a obra machadiana e as novas doutrinas do Realismo e do
Naturalismo” (ASCIUTTI, 2010. p.8). Todavia, essa oposição entre teatro “nacional” e
“ligeiro”, já era uma ideia que circulava na imprensa carioca. Podemos confirmar isso
por meio de outro artigo, publicado em janeiro do mesmo ano de 1873. Esse não fora
assinado por nenhum grande letrado, mas sim por um anônimo, e é justamente por esse
aspecto que nos mostra revelador, pois mostra que a opinião de Machado não refletia
uma visão necessariamente delimitada a determinado grupo intelectual, ao contrário, era
uma ideia comum. Fazendo coro a lamentações tão recorrentes à época, o mesmo
sentimento que motivaria Machado de Assis a escrever sobre o “teatro nacional” era
compartilhado pelo anônimo Jules nas colunas da Nação:
7
SALPICOS. O Mosquito. Rio de Janeiro, ed. 152, p.3.10 ago.1872.
8
ASSIS, Joaquim Maria Machado de. Instinto de nacionalidade. O Novo Mundo: Periódico Ilustrado do
Progresso da Idade. Nova Iorque, p.107-108. 24 mar.1873. O periódico era publicado nos Estados
Unidos, mas era distribuído e circulava no Brasil. Em 2001 foi transcrito e publicado por João Roberto
Faria, tendo esta publicação sido de grande importância para a divulgação do artigo entre os estudiosos da
História do Teatro no Brasil. Cf: (FARIA, 2001). Sobre o periódico O Novo Mundo ver Asciutti (2010).
147
9
JULES. Teatro: A arte. A Nação. Rio de Janeiro, ed. 21, p.2-3. 28 jan.1873.
10
Koselleck define os conceitos antitéticos e assimétricos como aqueles que são contrários de maneira
desigual como helenos e bárbaros ou cristãos e pagãos. (KOSELLECK, 2006).
148
11
A ARTE dramática. Publicações a pedido. Diário do Rio de Janeiro, ed.78, p.2. 20 mar. 1869.
12
A ARTE dramática. Publicações a pedido. Diário do Rio de Janeiro, ed.78, p.2. 20 mar. 1869.
13
A ARTE dramática. Publicações a pedido. Diário do Rio de Janeiro, ed.78, p.2. 20 mar. 1869.
149
14
A ARTE dramática. Publicações a pedido. Diário do Rio de Janeiro, ed.78, p.2. 20 mar. 1869.
15
Arthur Azevedo, já no derradeiro ano do século XIX, opôs-se a todo esse entusiasmo: “essas visitas,
antes de concorrer para que o teatro nacional desabrochasse, produziram o efeito diametralmente oposto.
O público não perdoa aos nossos autores não serem Shakespeare ou Moliére; não perdoa a nossos atores
não serem Rossis, Novellis e Coquelins; não perdoa nossas atrizes não serem Ristoris, Sarahs e Duses”
(AZEVEDO, Artur apud PRADO, 1999). Percebe-se, por meio desse trecho, que o dramaturgo foi
sensível a um reflexo dessas temporadas das companhias internacionais que não foi levado em conta por
seus contemporâneos, o do reforço da padronização estética europeia no teatro brasileiro.
16
VIZIANO, Tereza. A Primeira Viagem ao Rio. In: VANNUCI, 2004. p.22.
150
de 500 francos, um diadema com sete rosas de ouro e brilhantes no valor de 10.000
francos. Em apresentações posteriores, a receita chegou a 18.000 francos.
Os jornais e revistas trouxeram notícias diárias a respeito da trágica italiana, seu
desempenho e seu repertório, durante todo o tempo em que durou a temporada da
Companhia Dramática Italiana. Alguns ironizavam a “amizade” da atriz com o
imperador, como a ilustração estampada em uma das páginas de A Vida Fluminense
(fig.9), representando um negro oferecendo um brasão à atriz sobre a legenda: “Por
serviços para a guerra/Qualquer é hoje Marquez/Por serviços pela arte/Cupido Condessa
17
a fez” . Mas a famosa atriz também foi representada em desenhos não caricatos,
copiados de fotografias em que fora retratada em seus principais personagens como a
trágica Medeia (fig.8).
17
G. A Vida Fluminense. Rio de Janeiro, ed.76, p.876. 12 jun.1869.
151
18
ADELAIDE Ristori. A Vida Fluminense. Rio de Janeiro, ed.75,76, 77, 78, 79. 1869.
19
A. de A. Acerca dos Teatros. A Vida Fluminense. Rio de Janeiro, ed.87, p.1061. 20 ago. 1869. No
mesmo exemplar, à p.1062-1063 há uma imagem representando o cortejo.
20
PLATAO. Folhetim do Diário do Rio: Adelaide Ristori: Medeia. Diário do Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro, ed.180, p.1. 2 jul.1869.
21
PLATAO. Folhetim do Diário do Rio: Adelaide Ristori: Pia de Tolomei – Judite. Diário do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro, ed.188, p.1. 10 jul.1869.
22
PLATAO. Folhetim do Diário do Rio: Adelaide Ristori: Maria Stuart – Isabel de Inglaterra – Fedra.
Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ed. 196. 18 jul.1869
23
PLATAO. Folhetim do Diário do Rio: Adelaide Ristori: Sóror Teresa – Mirra – Estalejadeira. Diário
do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ed. 208. 30 jul.1869.
24
A. de A. Acerca dos Teatros. A Vida Fluminense, Rio de Janeiro, ed.84, 07 ago. 1869, p.1037. Grifo
nosso.
153
25
A. de A. Acerca dos Teatros. A Vida Fluminense. Rio de Janeiro, ed.87, p.1061. 20 ago. 1869.
26
Outro episódio, bem posterior, mas que confirma esse título de restauradora da arte dramática no Brasil
dado a Ristori deu-se na comemoração de seus 80 anos, em 1902, no Teatro Vale, em Roma, onde Ermete
Novelli, seu conterrâneo e colega de profissão, referiu-se à atriz como “‘Colomba da arte dramática
Italiana’. Pois ‘Cristóvam Colombo já descobriu a América, tudo bem, mas quem revelou a arte aos
americanos, numa época em que antes de ir para lá era melhor fazer testamento? A Ristori! Viva, então, a
nossa Colomba da arte dramática!’” (Novelli apud VANNUCI, 2004, p.72).
27
Sobre a Guerra do Paraguai ver: IZECKSOHN, 2008.
28
Cf: GAZETILHA. Jornal da Tarde. Rio de Janeiro, ed. 116, p.1. 18 mai.1871; GAZETILHA. Jornal
da Tarde. Rio de Janeiro. ed. 117, p.1.19 mai.1871; NOTICIÁRIO. Phenix Dramática. Diário do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro. ed.138, p.2. 20 mai.1871; NOTICIÁRIO. Ernesto Rossi. Diário do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro, ed.138, p.2. 20 mai.1871.
29
M. Macbeth e Rossi. Semana Ilustrada. Rio de Janeiro, ed.550, p.4394-4395.25 jun.1871.
30
Quem identifica a assinatura M. a Machado de Assis é Teles (2011).
31
ASSIS. Machado de. Literatura: Rossi (carta a Salvador de Mendonça). A Reforma. Rio de Janeiro, ed.
162, p.2. 20 jul.1871.
154
Em maio, a Companhia Phenix preparou uma grande festa em seu teatro, para
32
receber o artista . A homenagem se deu nos mesmos moldes que aquelas realizadas
aos combatentes brasileiros quando do fim da guerra. Os jornais noticiaram que o
prédio fora todo enfeitado e iluminado por dentro e por fora. Ergueu-se um jardim
artificial do portão de entrada até a porta do teatro, caminho que Rossi atravessou ao
som de uma banda marcial e aos estouros dos fogos de bengala. O “laureado intérprete
de Shakespeare” 33 entrou em triunfo, precedido pelos artistas da Phenix e saudado pelo
povo. Dentro do teatro, recebeu uma chuva de versos e flores e fora conduzido a seu
camarote, especialmente ornado para recebê-lo, com seu nome e o nome de peças que
compunham seu repertório. Ao subir o pano, mais poesias seriam recitadas, desta vez,
pelos artistas da companhia, Heller, Amoedo, Vasques, Guilherme, Manoel Tavares e
Eugênia. Entre os presentes recebidos por Rossi naquela noite, estava a carta de alforria
de uma criança, paga pela companhia 34.
As três peças escolhidas para serem apresentadas a Rossi naquela “festa
artística” foram O Tipo Brasileiro, comédia em um ato de França Junior, O Novo Otelo,
comédia em um ato de Joaquim Manuel de Macedo e O Fechamento das Portas opereta
de Augusto de Castro 35. Podemos perceber neste momento, assim como na ocasião em
que homenageara Pinheiro Guimarães, que o empresário da Phenix tentou, à sua
maneira, conciliar textos que fossem de autores nascidos no Brasil e que estivessem de
acordo com o gosto das plateias. Se pensarmos em categorias como autoria,
ambientação e temática, todas essas comédias podem ser consideradas “nacionais”,
afinal foram escritas por autores brasileiros, eram ambientadas no Brasil e versavam
sobre temas próprios no nosso cotidiano. Lembremos que o “teatro nacional” tal qual
idealizado pelos literatos românticos e realistas deveria, ainda, pertencer a uma escola
literária (ou possuir qualidades estético-literárias) e ser um teatro sério, ou seja, não
ligeiro. A primeira característica – pertencimento a uma escola literária - está
intrinsecamente ligada à segunda – representar o teatro sério -, uma opereta ou uma
comédia de costumes em um ato não eram considerados peças sérias, justamente porque
não possuíam um comprometimento estético-literário como uma ópera ou uma comédia
realista (drama de casaca). Em contrapartida, não podemos deixar de considerar que as
32
A República. Rio de Janeiro, ed.72, 29 jun.1871.
33
A República. Rio de Janeiro, ed.72, 29 jun.1871.
34
A República. Rio de Janeiro, ed.72, 29 jun.1871.
35
GAZETILHA. Jornal da Tarde, Rio de Janeiro, ed. 117, p.1. 19 mai.1871; NOTICIÁRIO. Phenix
Dramática. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ed.138, p.2. 20 mai.1871.
156
três peças escolhidas por Heller suscitavam reflexões a respeito da identidade nacional
(em especial O Tipo Brasileiro), reivindicações sociais (em especial O Fechamento das
36
Portas), cidadania e cultura no Brasil (em especial O Novo Otelo) . Talvez tenham
sido esses os parâmetros levados em consideração por Heller para a escolha do
repertório, além, é claro, de já haverem passado pelo crivo da aprovação do público.
Sobre o conteúdo dessas comédias, que certamente se apresentou como um dos fatores
determinantes de sua escolha pelo empresário do teatro, deter-nos-emos mais adiante,
quando então falaremos sobre o “afrouxamento” da fronteira semântica do termo “teatro
nacional”.
Além do talento como ator, Rossi ainda contava com outros mecanismos para
angariar a simpatia da população e do meio teatral carioca, como o oferecimento de um
espetáculo em benefício da fundação de uma escola primária na freguesia de São José,
atitude nobre, destacada pelos jornais como algo que registraria seu nome na alma do
povo fluminense: “A grandeza da alma é própria dos gênios superiores. O insigne
trágico, além das impressões que seu inexcedível talento deixará perpetuamente
gravadas na alma do povo fluminense, será recordado com reconhecimento por seus
atos de humanidade” 37.
Outra ação de Rossi, que muito bem conseguiu captar os anseios compartilhados
pelo meio teatral da Corte, foi a transmissão de ensinamentos sobre dramaturgia por
meio de conferências literárias proferidas no Teatro São Luiz em julho de 1871. Na
primeira delas, falou sobre Shakespeare, especificamente sobre Hamlet e, na segunda,
ocupou-se de Dante e sua Divina Comédia. Ao que podemos inferir diante do
testemunho de um de seus ouvintes na noite da segunda conferência, um redator do
38
Diário do Rio de Janeiro , Rossi dedicou a primeira parte da mesma a fazer um
histórico da arte teatral que, podemos afirmar, mais se assemelhou a uma “história da
decadência do teatro”, refletindo muito bem as ideias que circulavam na imprensa.
Adepto de uma estética clássica, Rossi começou por rememorar “os vultos”
gregos da arte dramática, Ésquilo, Eurípedes e Sófocles, escritores de um tempo em que
“O teatro era, como deve ser e como é”. Para o redator do Diário do Rio Janeiro: “Não
escapou ao olhar analítico de Ernesto Rossi nenhuma das qualidades primordiais da
36
O item 4.1.2 tratará de cada uma dessas peças.
37
NOTICIÁRIO. Ernesto Rossi. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ed.138, p.2. 20 mai.1871.
38
NOTICIÁRIO. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ed.189, p.1. 10 jul.1871.
157
39
escola verdadeira: a escola do justo, do honesto e do belo” . Posteriormente a esse
momento grego e romano, o teatro:
Foi então que a França, “tão cedo enervada e consumida pelos lúbricos
desbaratos da denominada escola realista” produziu “Mulheres de Mármore e a Belle
Hellena; a Dama das Camélias e a Grande Duqueza de Gerolsttein.”. Apontando o
realismo teatral como o responsável pela decadência do teatro, Ernesto Rossi certamente
emitia uma opinião bem diversa de muitos intelectuais que assistiam a sua palestra, pois
o realismo no Brasil fora bem recebido pelo cultores de um teatro nacional, o “drama de
casaca” era preferível e desejável na construção de nosso teatro, pois era considerado
“teatro sério”, moralizante e pertencente a uma escola literária. Em seguida sua
explanação chega ao teatro ligeiro francês:
39
NOTICIÁRIO. Diário do Rio de Janeiro. Rio de janeiro, ed.189, p.1. 10 jul.1871.
40
NOTICIÁRIO. Diário do Rio de Janeiro. Rio de janeiro, ed.189, p.1. 10 jul.1871.
41
NOTICIÁRIO. Diário do Rio de Janeiro. Rio de janeiro, ed.189, p.1. 10 jul.1871.
158
desenvolvimento da arte dramática estava ali presente, bem como a, também antiga,
defesa de um teatro moralizador e civilizador.
Além disso, a “contaminação” por um teatro francês, mais comercial do que
artístico, não deixara de ser ressaltada. Assim, Rossi tocava em questões referentes à
arte dramática mundial, das quais muitos críticos trataram desde os primeiros tempos
que se seguiram à nossa independência política, como se fossem especificamente
referentes ao nosso “teatro nacional”. Tais questões, abordadas por Rossi, ao mesmo
tempo que mostravam que o “problema” atingia uma escala bem maior do que a
imaginada por seus ouvintes e que, portanto, não era nossa exclusividade, reforçavam a
necessidade de que os responsáveis não abandonassem o projeto de
construção/reconstrução ou apoio ao “teatro nacional” no Brasil. Afinal, o que um tipo
de teatro como o ligeiro, capaz de fazer os próprios filhos da Marselhesa esquecerem-se
de seus deveres patrióticos, poderia resultar à nação brasileira? Nas palavras do redator,
nesse ponto, Rossi “tocara na chaga aberta, e a dor da verdade acordava o entusiasmo da
consciência” 42.
É certo que é preciso cautela e que não nos esqueçamos de que se trata de uma
seleção das palavras de Rossi feita pelo redator do jornal. Como emissor de um
determinado pensamento a respeito do teatro que se fazia no Brasil, o redator dedicou a
maior parte de seu artigo a relatar as palavras de Ernesto Rossi que faziam eco ao que
jornalistas e homens de letras já vinham escrevendo, há algum tempo, sobre o teatro
ligeiro. O que não significa que toda aquela audiência a qual ocupava a plateia do teatro
tivesse retornado a seus lares marcada pela mesma interpretação. Mesmo porque,
certamente, não eram uníssonas as concepções e opiniões a respeito do “teatro nacional”
entre o público ouvinte daquelas conferências.
42
NOTICIÁRIO. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ed.189, p.1. 10 jul.1871.
159
dos próprios “carpinteiros” que não reivindicavam para si o título de escritor nacional.
Podemos identificar essa diferenciação sócio-intelectual marcada entre um e outro
grupo, produtores de literatura dramática, mesmo nas manifestações de elogio e
incentivo às composições que não saíam da pena de grandes literatos, como o drama A
Honra de um Taverneiro, de Francisco Corrêa Vasques.
dramaturgos. Além disso, Vasques e Velluti, diferentemente dos outros autores que
acabamos de citar, não eram provenientes dos bancos das academias, e nem portadores
de uma tradição no mundo das letras.
Dessa forma, podemos afirmar que essa oposição evidenciada no meio teatral,
especialmente a partir da década de 1860; remete, em última instância, a um incômodo
causado pelo extrapolamento de fronteiras sociais por parte dos chamados carpinteiros
teatrais 44. A interferência desses atores, atrizes e mesmo de alguns jornalistas satíricos,
como Augusto de Castro, na dramaturgia não era bem vista pela elite letrada formadora
de opinião, pois alterava um projeto de nação pautado no modelo civilizacional europeu.
Esse projeto de civilização não havia sido concretizado nem mesmo na Europa, como
admitem raros artigos, a exemplo do que foi citado no início deste capítulo - assinado
45
por V.H. no Diário do Rio de Janeiro - ou do que relata as impressões sobre a
conferência de Ernesto Rossi 46. Podemos, assim, perceber que parte da opinião pública
reconhecia que o fenômeno ligeiro não foi exclusividade do Brasil.
Nas trocas culturais feitas em “circularidade” (GINZBURG, 1987) entre os
diferentes grupos que compunham a sociedade, são nítidas as resistências impostas por
parte de uma pretensa elite cultural urbana em aceitar a perda de controle de suas
criações – o que se deu, por exemplo, a cada vez que uma ópera se transformou em
opereta e, por fim, esta deu pretexto a uma paródia. A resistência também se manifestou
quando as criações (ou recriações) culturais populares invadiram os espaços mais
47
distintos, redutos das respeitadas famílias do high life carioca , ou que deveriam sê-
los.
Como uma erva daninha, o teatro ligeiro, uma vez enraizado, lançava seus ramos
nos distintos salões da elite urbana que, a contragosto, a elite cultural, dançava, divertia-
se e comparecia às apresentações. As polcas, quadrilhas e valsas que compunham as
mágicas, dramas fantásticos e aparatosos que ocupavam os teatros possuíam suas
partituras vendidas separademante e anunciadas diariamente nos jornais, especialmente
a partir da década de 1870. Isso facilitava a “entrada” do teatro ligeiro nos salões e nas
aulas de música das meninas prendadas que se preparavam para serem boas esposas;
aprendendo, por exemplo, as polcas para piano “Sim, avozinha” e “Cruzes, minha
sogra”, da peça aparatosa A filha do Ar 49, compradas na loja de músicas, pianos e águas
50
minerais da Viúva Canongia, na Rua do Ouvidor . Para citarmos mais alguns
exemplos desse aquecido comércio de partituras das músicas produzidas para o teatro
ligeiro, em 1872, quando Fausto (um drama aparatoso) se apresentava no Phenix,
partituras da música original de Henrique de Mesquita foram logo anunciadas no Jornal
do Comércio: “Faustino, quadrilha pelo maestro Henrique de Mesquita, sobre os
51
motivos do Fausto, que se representa no teatro da Phenix” . Em 1875, encontramos
52 53
uma “elétrica polca lundu para piano” do “sucesso espantoso, Que é da chave!” ,
“que tanto furor está fazendo no teatro da Phenix” 54. Para desgosto daqueles que viam
no teatro ligeiro, e especialmente nas mágicas, o fim definitivo de um “teatro nacional”,
Vanda Bellard Freire afirma que “a indústria de música impressa para o uso doméstico
tinha nas mágicas [...] um rico manancial” (FREIRE, 2011) 55.
49
“A filha do ar, de Eduardo Garrido, [...] espetáculo em que a plateia ficava paralisada diante da
aparição, em cena, de sílfides, gênios do ar, camponeses, diabos, habitantes dos túmulos, além de
dançarinos, cuja dança frenética e infernal ocorria em um cenário ricamente fantasmagórico”. (SILVA;
RIGOLON, 2016).
50
Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, ed.169, p.7. 1875.
51
Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, ed.241, p.6. 1872.
52
Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, ed.05, p.5.1875.
53
Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, ed.05, p.5.1875.
54
Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, ed.05, p.5.1875.
55
Antes de Wanda Freire, contudo, Mencarelli (2003) já havia apontado a importância do teatro para o
desenvolvimento da indústria fonográfica no Rio de Janeiro.
162
56
A de C. A Vida Fluminense. Rio de Janeiro, ed.174, p.550. 29 abr. 1871.
163
um dos redatores da revista. Em geral “A. de C”, como assinava, era o responsável por
comentar a semana teatral na coluna “Acerca dos Teatros”.
Apesar do elogio feito no artigo da Vida Fluminense, a linguagem da comédia
não podia ser considerada tão apurada assim. França Junior utilizou nessas e em outras
composições, deformações da língua com a intenção de demonstrar a condição social do
personagem ou sua nacionalidade, lançando mão de diálogos como este, entre o inglês
John e o pai da menina Henriqueta:
Mulatines dá caroce
Na pescoce,
Aqui está tua cambau,
Mete ferra do gilhadau,
Minha amada,
No teu dengue cachorrau.
Mim gosta de cor morrena,
Muite amena,
Das bolinhas de mãe benta,
57
Como exemplo, podemos lembrar o diálogo entre Matias e seu empregado alemão de O defeito de
Família: Matias – O que compraste para o almoço de amanhã? /Ruprecht – Rindfleich./ Matias – Para que
fostes comprar rim?/ Ruprecht – Non, non é rim… é este gouza, eu non zabe como se jama auf
portuguische./ Matias – Que diacho é isso então?/ Ruprecht – Rindfleich... esse picho que tem gapeça
crande... poi, poi./ Matias – Ah! Vaca, vaca./ Ruprecht – Faca non, poi, poi/ Matias – O que tem mais?/
Ruprecht – Gomprei mais uma bosta de beixe./ Matias – Uma ova de peixe, queres dizer./ Ruprecht –
Nein; um bedaço de beixe. (TEATRO, 1980.v.I).
164
58
Ocasião em que fora, pejorativamente, chamado de “capitalista”, já que era oriundo do mundo dos
negócios e não do meio teatral como o seu antigo rival (como empresário) João Caetano dos Santos,
empresário do São Pedro de Alcântara (SOUZA, 2002).
59
GUIMARÃES JUNIOR, Luiz. Folhetim do Diário do Rio de Janeiro - Revista de Domingo. Diário do
Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ed.209, p.1. 30 jul. 1871.
60
SANTOS, Joaquim Heleodoro. França Junior e o Teatro. Parte não editorial. A Reforma. Rio de
Janeiro, nº 98, 1871. Grifo meu.
165
Certamente porque, assim como Heller, em seu rol de dramaturgos e peças “nacionais”,
admitia nomes e gêneros que não entrariam na lista de Guimarães Junior.
A outra peça representada na ocasião da homenagem a Ernesto Rossi foi a
comédia em um ato O Novo Otelo, escrita por Joaquim Manuel de Macedo em 1860. Na
comédia, passada no Rio de Janeiro da atualidade, Calisto, um dono de armarinho,
encontra-se perdidamente encantado pelo papel que iria desempenhar na apresentação
de seu grupo de teatro amador “sociedade reveladora dos grandes talentos” (MACEDO,
1863, p.311). O papel era de Otelo, o mouro de Veneza. Com o pensamento fixo em seu
personagem, suas falas, entradas e sentimentos, Calisto perdeu a capacidade de se
concentrar no trabalho fora dos palcos. Interpelado pelo futuro sogro quanto à
necessidade de cuidar para que o armarinho não fosse à ruína - afinal era ele que lhe
garantia o que comer - Calisto responde: “Desgraçadamente a barriga do gênio é tão
exigente como a do cavalo e do gato; mas a nação deve sustentar os grandes homens
que a ilustram, e ao governo cumpre estabelecer pensões a eles.” (MACEDO, 1863.
p.310) Para o personagem amante do teatro criado por Macedo, nenhum outro afazer
deveria desviar a atenção do artista, por isso o governo deveria fornecer subsídios para o
sustento da arte dramática.
É interessante a defesa do personagem da proteção governamental à arte
dramática no Brasil. Quando Antônio, futuro sogro de Calisto, ouve suas pretensões de
viver da dramaturgia contando com o apoio da nação e do governo, logo tenta
desanimar o genro quanto a essa possibilidade. Afinal, de acordo com o que anuncia no
início da comédia: “A pátria é um traste de luxo que mais incomoda do que utiliza”
(MACEDO, 1863. p.306), pois “Tudo se pode ser no Brasil, menos cidadão brasileiro;
porque são tantas coisas!... É guarda nacional por um lado, júri pelo outro, agora
eleições; daqui a pouco um conselho de qualificação; amanhã isto; depois de amanhã
aquilo, e sempre uma roda viva!” (MACEDO, 1863. p.306). Além da crítica ao
movimentado sistema político brasileiro, às inúmeras obrigações dos cidadãos e à
displicência do governo em relação ao teatro, a comédia também satiriza antigas escolas
literárias.
O autor faz menção à interpretação de João Caetano quando da apresentação do
Otelo, de Ducis 61, que fora traduzido por Gonçalves de Magalhães e representado anos
atrás pelo grande ator romântico. Na primeira entrada de Calisto, a rubrica indica que o
61
Adaptação de Ducis ao original Shakespeariano. Cf: RHINOW, 2007.
166
62
Jornal da Tarde. Rio de Janeiro, ed. 61, p.4. 29 nov. 1869. Jornal da Tarde. Rio de Janeiro, ed. 63,
p.4. 01 dez.1869.
63
Dezesseis de Julho. Rio de Janeiro, ed.61, p.4. 26 dez. 1869.
167
Contudo, a causa da classe caixeiral não morreu nos anos que separaram seu
início até a aprovação do primeiro projeto regulamentador de suas funções. O
movimento ganhou novo fôlego e novas reivindicações em outubro de 1869. Os
caixeiros então lutavam para o fechamento das portas no domingo e dias santos, não
mais às oito da noite, mas ao meio-dia. Encontramos vários comunicados publicados no
“a pedidos” de alguns jornais sobre o assunto. Apenas no Diário do Rio de Janeiro, em
17 de outubro, encontramos quatro pequenas notas assinadas por codinomes como “A
64
ideia vingará”, “Muitos caixeiros” e “Plantão”, sobre o movimento . Ao que tudo
indica, em 1869, os caixeiros conseguiram algumas conquistas. Agrupados de acordo
com suas ruas ou freguesias, alguns conseguiram a reivindicada folga aos domingos e
dias santificados. Até que em 11 de novembro, a câmara municipal publicou um edital
convidando os comerciantes a fecharem suas portas nos domingos e dias santificados a
65
partir do meio-dia . De olho nos novos possíveis clientes, a companhia responsável
por fazer o transporte à ilha de Paquetá, comunicou que, atendendo aos pedidos da
“ilustre classe caixeiral”, um vapor sairia no domingo “especialmente para conduzir os
empregados do comércio que desejassem passear em Paquetá” 66.
Isso mostra que Augusto de Castro aproveitou-se de um assunto “na ponta” para
escrever sua comédia e, conforme podemos constatar, obteve sucesso. Os caixeiros
formavam uma importante parcela do público de Vasques desde quando este dava
espetáculos no Teatro de São Januário (SOUZA, 2007) e, após a formação da
Companhia Phenix, os empregados do comércio ganharam apresentações vespertinas
especiais. Talvez, por isso, o autor do Fechamento das Portas tenha usado como
estratégia não revelar seu nome nos primeiros anúncios da comédia, deixando patente
que a opereta era de autoria de Vasques, a quem já pertencia, há muito, a simpatia da
“classe”. Sobre a recepção da opereta, a Vida Fluminense anunciou que:
64
PUBLICAÇÕES a Pedido. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ed.284, p.3. 17 out.1869. Mas
também encontramos duas notas no dia 22 de outubro (PUBLICAÇÕES a Pedido. Diário do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro, ed.289, p.3. 22 out.1869.)
65
EDITAIS. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ed.317, p.3. 17 nov.1869.
66
DECLARAÇÕES. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ed.313, , p.4.13 nov.1869.
168
Apesar de não podermos ler o artigo sem desconfiança, já que se trata do mesmo
jornal em que o autor da comédia trabalhava como redator, 17 apresentações
consecutivas, não nos deixam dúvidas quanto à boa receptividade obtida pela mesma.
Lembremos que estamos em 1869 e que as peças de grande investimento que atingiam
facilmente 50 representações ainda não eram uma realidade cotidiana para a empresa.
Apesar do desaparecimento do texto da opereta, podemos imaginar que o
assunto abordado não era o cotidiano da classe média urbana, conforme se dava nas
comédias realistas. E também que a mesma não tinha como foco principal a transmissão
de valores burgueses; pois, certamente, tratava, com simpatia, o recente movimento dos
caixeiros do qual copiara a denominação. Somando-se a isso, tratava-se de um gênero
tipicamente ligeiro, a opereta. Por essas características, o Fechamento das Portas jamais
poderia se enquadrar no padrão de “teatro nacional” estabelecido até a década de 1860
e, por isso, mostra-se como indicativo desse alargamento de fronteiras que o termo
ganhou, a partir da década seguinte.
Outros exemplos muito reveladores a respeito dessa questão da ampliação
semântica do termo identificada neste momento, são a recepção e atuação da empresa
dramática do ator Vale, os folhetins de Joaquim Heleodoro na Opinião Liberal e os
artigos publicados no Mosquito sob a autoria de Bob.
67
A. de A. Assunto de Várias Cores. A Vida Fluminense. Rio de Janeiro, ed.102, p.1081. 11 dez.1869.
169
68
ARGELISAU. Folhetim da Nação. A Nação. Rio de Janeiro, ed.40, p.1. 19 ago.1872.
69
ARGELISAU. Folhetim da Nação. A Nação. Rio de Janeiro, ed.40, p.1. 19 ago.1872.
70
A TIA Maria. O Mosquito. Rio de Janeiro, ed.154, p.7. 24 ago.1872.
71
ARGELISAU. Folhetim da Nação. A Nação. Rio de Janeiro, ed.40, p.1. 19 ago.1872.
72
Sobre o jornal Opinião Liberal ver: CARVALHO, 2016.
170
73
SANTOS, Joaquim Heleodoro Gomes dos. Folhetim- Direito por Linhas Tortas. Opinião Liberal. Rio
de Janeiro, ed.38, p.1-2.15 out.1870.
74
SANTOS, Joaquim Heleodoro Gomes dos. Folhetim- Direito por Linhas Tortas. Opinião Liberal. Rio
de Janeiro, ed.38, p.1-2.15 out.1870.
171
do autor que, segundo ele, “se inspira na natureza grandiosa de um céu sempre azul, que
aspira o perfume das rosas silvestres”, o empresário/folhetinista remetia aos mesmos
aspectos considerados pelos literatos românticos, quando começaram a investigar e
estabelecer a originalidade de nossa literatura. Mas tantos elogios prestados ao teatro
cômico de França Junior em contraste a tantas críticas feitas ao teatro ligeiro
estrangeiro, podem ser melhor compreendidos quando Joaquim Heleodoro admite que o
fato de tratar-se de um artista da nossa terra influenciava em sua avaliação do bom e do
mau teatro. Na ocasião da chegada de Rodenas, pianista chileno, ao Rio de Janeiro,
Heller publica um artigo revelador desta sua relativização dos parâmetros para definir
quais produções são merecedoras de elogios:
75
SANTOS, Joaquim Heleodoro Gomes dos. Folhetim- Direito por Linhas Tortas. Opinião Liberal. Rio
de Janeiro, ed.41, p.1-2, 17 nov.1870.
76
SANTOS, Joaquim Heleodoro Gomes dos. Folhetim- Direito por Linhas Tortas. Opinião Liberal. Rio
de Janeiro, ed. 40, p.1-2. 29 out. 1870.
172
Pressionados ou não por seus pares ou por seus anunciantes, os redatores dos
jornais apresentavam uma crescente aceitação do teatro ligeiro, demonstrando que havia
menos rigor em separar esse tipo de teatro com o teatro que representava a arte
dramática.
Em 17 de novembro de 1870, o "incorruptível" Joaquim Heleodoro avaliou a
ópera Roberto do Diabo como: “Aparatosa como as demais obras do grande maestro,
rica em situações dramáticas e sustentada por uma instrumentação forte e esplêndida”,
77
num artigo recheado de elogios à composição . Ao passo que, a mesma peça,
representada anos depois, foi assim descrita por um redator de O Mosquito:
77
SANTOS, Joaquim Heleodoro Gomes dos. Folhetim- Direito por Linhas Tortas. Opinião Liberal. Rio
de Janeiro, ed. 41,p.1-2. 17 nov.1870.
78
ANEQUIM. Teatro – O Drama fantástico religioso – Roberto do Diabo. O Mosquito. Rio de Janeiro,
ed. 234, p.2,3 e 6. 07 mar. 1870.
173
O que temos em mãos para tentar compreender a contribuição de Trunfo às Avessas, nas
discussões a respeito do teatro nacional, são os próprios periódicos nos quais essa
questão foi suscitada.
Os jornais nos dão algumas pistas do que fora o espetáculo estreado no dia 5 de
agosto de 1871, juntando cada uma das peças de um quebra cabeça composto por
comentários, críticas, resumos e anúncios podemos fazer um esboço da opereta, tanto no
que diz respeito a seu conteúdo textual quando aos símbolos reunidos em um espetáculo
que formava uma verdadeira síntese artística congregando dramaturgia, música, canto,
dança e artes plásticas gerando um resultado estético que dividiu opiniões 79.
80
Participam da história onze personagens centrais , além do povo e pastores,
esses dois últimos essenciais para a composição das partes cantadas em coro e dançadas.
O primeiro ato é ambientado na varanda da fazenda de Madureira e o segundo em uma
sala da casa do mesmo personagem. Os atos foram assim resumidos no Jornal do
Comércio:
Silvano Madureira, lavrador da província do Rio de Janeiro, espera na
varanda da sua fazenda por alguns amigos que lhe prometeram vir ali
cantar o hino dos Reis Magos; enquanto ele espera e desespera,
Sabino Borges vai dizendo finezas a Eliza, filha do fazendeiro, pela
qual está apaixonado, e cuja mão pretende obter, graças à proteção de
D. Rosa, mãe de Elisa. Não concorda com isto o velho Silvano, que
em um dos seus passeios à corte relacionou-se com Roberto da Silva,
rapaz de truz, elegante frequentador do Alcazar e sedutor irresistível; é
este o marido que lhe destina à filha.
Chegam afinal os amigos esperados, com estes o afamado Roberto,
que, para aproveitar o tempo da viagem, procurou conquistar o
coração de Olympia, afilhada do vigário e noiva do subdelegado da
freguesia.
Entoa-se o hino dos Reis Magos; rapazes e raparigas da freguesia,
vestidos à pastora, executam danças graciosas que terminam com o
fado popular e o 1º ato acaba quando principia a ceia.
Alguns dos amigos de Silvano passaram a noite na fazenda, foram eles
o vigário e a afilhada, o subdelegado, o irresistível Roberto e o
negociante Aniceto. Além destes ocultou-se na casa Angelina,
sobrinha e uma das vítimas de Roberto, que seduzida e abandonada
por este, o acompanhou entretanto desde a corte. O velho Silvano
supunha ter o fogo na mão, mas sai-lhe o trunfo às avessas. Roberto
tenta seduzir a mulher do fazendeiro e quer raptá-la. D. Rosa,
querendo que seu marido conheça quem é a bisca com quem ele quer
à força casar a filha, finge ceder às solicitações de Roberto e concede-
lhe uma entrevista mandando entretanto prevenir o marido.
79
Maiores detalhes sobre a recepção da opereta de França Junior com composição musical original de
Henrique de Mesquita ver Silva, 2011.
80
Silvano Madureira; D. Rosa Madureira; Eliza Madureira; Sabino Borges; Isabel; Angelina; B. da
Cunha; Anacleto da Luz; Olympia; João da Costa – Feitor; Pe. Fabrício. Jornal do Comércio, Rio de
Janeiro. p.4, 3 ago.1871.
174
81
THEATRO Phenix Dramática. Jornal da Tarde. Rio de Janeiro, ed.183, p.4. 8 ago. 1871. (publicado
originalmente no Jornal do Comercio).
82
SANTOS. Joaquim Heleodoro Gomes dos. Trunfo às Avessas: a Joaquim Garcia Pires de Almeida. A
República. Rio de Janeiro, ed. 108, p.1.08 ago.1871.
83
SANTOS. Joaquim Heleodoro Gomes dos. Trunfo às Avessas: a Joaquim Garcia Pires de Almeida. A
República. Rio de Janeiro, ed. 108, p.1.08 ago.1871.
84
SANTOS. Joaquim Heleodoro Gomes dos. Trunfo às Avessas: a Joaquim Garcia Pires de Almeida. A
República. Rio de Janeiro, ed. 108, p.1.08 ago.1871.
85
SANTOS. Joaquim Heleodoro Gomes dos. Trunfo às Avessas: a Joaquim Garcia Pires de Almeida. A
República. Rio de Janeiro, ed. 108, p.1.08 ago.1871.
175
Ato 1º
1º. Ouvertura pela orquestra.
2º. Coro de Negros. Grande jongo acompanhado de batuque
3º. Recitativo
4º. Grande Ária das Condecorações
5º. Dueto
6º. Romance
7º. Coro de Chegada (ao Longe), seguindo-se o melodrama
8º. Coro de Entrada
9º. Hino de Reis
10º. Quarteto, coro, bailado e fado.
11º. Estrofes e coros
12º. Coro da partida final do primeiro ato
Ato 2º
13º. Ouvertura pela orquestra
14º. Dueto
15º. Terceto
16º. Ária
17º. Estrofes
18º. Romance
19º. Dueto
20º. Melodrama
21º. Coro final 87
86
SANTOS. Joaquim Heleodoro Gomes dos. Trunfo às Avessas: a Joaquim Garcia Pires de Almeida. A
República. Rio de Janeiro, ed. 108, p.1.08 ago.1871.
87
Jornal do Comércio. Rio de Janeiro, ed. 213, p.4. 3 ago.1871.
176
elogios não são endereçados a um amigo pessoal; mas, em suas palavras, a um “talento
nacional” 88. Reservou a composição musical somente elogios a “ouvertura [...] é linda”,
89
“quer nos recitativos, nos duetos e no fado, a música arrebata e entusiasma” . Quanto
ao jongo: “o jongo de negros [...] aquela música essencialmente brasileira explica toda a
90
situação” . A presença de personagens negros não era uma novidade trazida pelo
teatro ligeiro, basta lembrar do drama Mãe de José de Alencar, que conta a história de
uma mãe escravizada por seu filho branco; ou As Vítimas Algozes, de Joaquim Manoel
de Macedo. A grande surpresa está em considerar a dança de negros, que se tornaria
quase obrigatória nas peças da Phenix, como “essencialmente brasileira”! Ou seja, aqui
o negro toma o palco não para exibir as chagas sociais que a escravidão infere à
sociedade, mas como símbolo de brasilidade. Obviamente a avaliação de Joaquim
Heleodoro não era unânime. Principalmente depois que o jongo e o lundu se tornaram
quase obrigatórios nas composições de autores nacionais como nas comédias de França
Junior e nas revistas de ano de Arthur Azevedo. Mesmo a contragosto dos autores,
temos indícios de que o próprio empresário da Phenix exigia a presença do batuque nas
composições. Representado pelo personagem Ruy Vaz, em A Conquista, de Coelho
Neto, Aluisio Azevedo reclama:
88
SANTOS. Joaquim Heleodoro Gomes dos. Trunfo às Avessas: a Joaquim Garcia Pires de Almeida. A
República. Rio de Janeiro, ed. 108, p.1.08 ago.1871.
89
SANTOS. Joaquim Heleodoro Gomes dos. Trunfo às Avessas: a Joaquim Garcia Pires de Almeida. A
República. Rio de Janeiro, ed. 108, p.1.08 ago.1871.
90
SANTOS. Joaquim Heleodoro Gomes dos. Trunfo às Avessas: a Joaquim Garcia Pires de Almeida. A
República. Rio de Janeiro, ed. 108, p.1.08 ago.1871.
91
Apud MENCARELLI, 2003, p.231.
177
92
SANTOS. Joaquim Heleodoro Gomes dos. Trunfo às Avessas: a Joaquim Garcia Pires de Almeida. A
República. Rio de Janeiro, ed. 108, p.1.08 ago.1871. Também encontramos outras críticas negativas ao
canto dos atores em A Reforma: “Não há cantores naquela Cia e a ação do libreto é pouco inspiradora”
(CRÔNICA Geral. A Reforma. Rio de Janeiro, ed.178, p.1, 8 ago. 1871); no Jornal da Tarde: “a parte
cantante deixa a desejar” TEATRO Phenix Dramática. Jornal da Tarde. Rio de Janeiro, ed.183, p.4, 8
ago. 1871.
93
SANTOS. Joaquim Heleodoro Gomes dos. Trunfo às Avessas: a Joaquim Garcia Pires de Almeida. A
República. Rio de Janeiro, ed. 108, p.1.08 ago.1871.
94
A série compõe-se de seis artigos publicados entre os dias 9 de maio e 3 de outubro de 1874.
178
95
BOB. O Nosso Teatro – I - Os artistas. O Mosquito. Rio de Janeiro, ed.243, p.3 e 6. 1874.
96
BOB. O Nosso Teatro – II - Os empresários. O Mosquito. Rio de Janeiro, ed.245, p.2.1874.
97
BOB. O Nosso Teatro – III – Os autores. O Mosquito. Rio de Janeiro, ed.260, p.3.1874.
98
BOB. O Nosso Teatro - IV - Os críticos. O Mosquito. Rio de Janeiro, ed.261, p.2 e 3. 1874.
99
BOB. O Nosso Teatro – VI - O Conservatório. O Mosquito. Rio de Janeiro, ed.264, p.2 e 3. 3 out.
1874.
179
Apesar das duras críticas ao teatro nacional, Bob também fazia ponderações
quanto ao absoluto extermínio do teatro ligeiro: “Não quero dizer que se acabe por sua
vez com o gênero ligeiro e que se condenem as paródias, as peças buffas e as de
aparato. Mas não seja esse o nosso exclusivo teatro, e não se lhe sacrifiquem os destinos
100
desta importantíssima parte da nossa literatura” . Assim, Bob aponta para a
possibilidade de que o teatro nacional congregue o teatro ligeiro. Sua maior luta, a que o
motivara escrever a série de artigos, era para que em suas palavras “não seja esse o
nosso exclusivo teatro”. Além disso, também faz ponderações positivas à obra de
Joaquim José da França Junior; o que, conforme já foi explicado, também revela uma
mudança no rol de exigências para se considerar uma peça “teatro nacional”.
100
BOB. O Nosso Teatro – V- As plateias. O Mosquito. Rio de Janeiro, ed. 262, p.2 e 3. 19 set. 1874.
101
Especificamente no capítulo 2 de sua tese (CANO, 2001).
102
Nessa lista, poderíamos inserir Augusto de Castro. Cf: A. de C. Barba de Milho. A Vida Fluminense.
Rio de Janeiro, ed.65, p.791. 27 mar.1869.
180
ANTES DA LEITURA
Fiz imprimir o Orfeu na Roça para que o público pudesse apreciar
mais de perto o espírito da paródia, se é que o tem. A poesia tem
grandes defeitos, não me envergonho de o dizer, não sou poeta, e a
música forçou-me ainda a maiores defeitos. Feita esta explicação, fico
com a minha consciência tranquila e dou plena desculpa às línguas da
crítica oficial 104.
103
Cf. NEVES; LEVIN, 2009; TEATRO ,2008.
104
Apud FERREIRA, s/d.
105
VASQUES, Francisco Corrêa. Gazeta da Tarde. Rio de Janeiro, ed.279. 29 nov.1883.
106
VASQUES, Francisco Corrêa. Gazeta da Tarde. Rio de Janeiro, ed.279. 29 nov.1883.
181
cômico a julgar pelo que o mesmo apresentava nos palcos. Segundo ele, o teatro era um
“grande elemento de moralidade e ensino, que constitui o aperfeiçoamento dos
costumes de um povo e de uma nação civilizada” e explicava-se:
***
As peças que se representavam nos palcos da Corte a partir do final da década de
1860 não refletiam a ideia de “teatro nacional” forjada pelos escritores românticos e
realistas da primeira metade do século, pelo menos não em sua plenitude. Por isso,
muitos literatos do período anunciaram a morte do “teatro nacional”, tendo como
culpado o advento dos gêneros ligeiros. Contudo, ao analisarmos os anos seguintes
percebemos que são raríssimas as noites nas quais todos os elementos sonhados como
constitutivos do “teatro nacional”, estiveram presentes de uma só vez. Essas noites,
como as das apresentações das peças de Gonçalves de Magalhães e Martins Pena em
1838 e as comédias realistas apresentadas principalmente entre 1861 e 1862 no Ginásio
Dramático, foram raras. Se o “teatro nacional”, tal qual almejado por alguns letrados da
Corte, apenas existiu como um ideal a ser alcançado, isso não significa, contudo, que a
originalidade, as preocupações estéticas, os ensinamentos morais e a crítica política
estiveram ausentes de nossa cena teatral e disso nos dão testemunho Joaquim
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NOTICIÁRIO. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ed.179, p.1. 01 jul.1869.
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NOTICIÁRIO. Diário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ed.179, p.1. 01 jul.1869.
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Heleodoro, França Junior, Francisco Corrêa Vasques e outros tantos homens que
fizeram o teatro no Brasil dos Oitocentos.
Tais testemunhos nos fazem refletir sobre a força de uma concepção de “teatro
nacional”; que, apesar das diferentes apropriações, possui uma unicidade, pois os
chamados “carpinteiros” demonstram que valorizavam os mesmos, ou quase os mesmos
elementos constitutivos da ideia de “teatro nacional” forjados pelos “grandes literatos”
do romantismo e do realismo, mesmo não os exercendo na prática: ser moralizante,
subvencionado pelo governo, executado por uma companhia que tivesse predomínio de
atores brasileiros, escrito por autores brasileiros; abordar temas da pátria ou ser
ambientado em nossas terras; garantir a centralidade do texto como principal elemento
do espetáculo, bem como sua qualidade estético-literária e, por fim, que tudo isso se
desse dentro de um edifício público especificamente construído para este fim.
184
CONSIDERAÇOES FINAIS
Embora o conceito também esteja associado a uma palavra, ele é mais do que uma
palavra: uma palavra se torna um conceito se a totalidade das circunstâncias político
sociais e empíricas, nas quais e para as quais essa palavra é usada se agrega a ela
(KOSELLECK, 2003. p.109).
Vimos que o conteúdo do termo em questão sofreu variações também de acordo com
cada sujeito enunciador em um mesmo contexto. Contribuíram para a construção de sentidos
de “teatro nacional” cada colaborador que escreveu para as diversas seções dos jornais
(opinião, folhetim, crítica teatral, coluna de variedades, crônicas, notícias, colunas pagas e
anúncios). Tais atribuições de sentido revelaram-se de várias formas: seja por um constante
lamento pela morte do “nosso teatro” (ou “verdadeira arte dramática”); pelo aparecimento de
tentativas institucionais de regeneração de um “teatro nacional”; por críticas teatrais que
assumiram nitidamente o papel de valorizar e estimular peças e autores brasileiros; ou por
apelos de proteção ao teatro, dirigidos ao governo imperial para o erguimento de um “teatro
nacional”.
Durante o tempo que separou o romantismo brasileiro da empreitada de Ludgero
Vianna no antigo Teatro Phenix em 1895, também citada na introdução desta tese, fizeram
parte do “nosso teatro” os mais variados sujeitos, e cada um deles deu-lhe um caráter próprio,
de modo que seu significado não pode ser fixado no tempo e nem no espaço. Como exemplo,
lembremos dos escritores consagrados - mas que se revelaram dramaturgos fracassados -
como Machado de Assis e José de Alencar, os quais prantearam a morte do “teatro nacional”;
ao mesmo tempo em que nomes praticamente desconhecidos atualmente, e que enchiam os
teatros a cada nova estreia, como Augusto de Castro, divulgavam e elogiavam as
composições apresentadas pela Companhia Phenix Dramática, por dedicar mais espaço ao
teatro nacional. Conforme pudemos verificar, essa polissemia do termo foi encontrada até
mesmo dentro de um mesmo sujeito histórico, como Francisco Correa Vasques, o qual numa
aparente contradição com o sucesso e reconhecimento alcançado nos palcos como comediante
186
e escritor de cenas cômicas, tentou, como empresário e autor, investir em um teatro sério e
literário.
Mesmo cientes da impossibilidade de fixação do conteúdo do termo, verificamos que
a tentativa de defini-lo em cada contexto e por cada sujeito elucidou questões em pauta para a
construção de uma nacionalidade por meio do mais importante veículo cultural do período: o
teatro. “A nação está intimamente unida ao país pela cultura” segundo um dicionário
publicado em 1858 (Morais e Silva apud PAMPLONA, 2009, p.884). “Desde o século XVIII,
o teatro é, sem dúvida, uma das mais importantes e mais visíveis de todas as instituições que
contribuem para a atividade cultural de uma capital”, afirma-nos Charle (2012.p.23). Em
outras palavras, no século XIX, a cultura era importante para a união de uma nação a um país
e, o teatro, o principal meio de expressão da cultura. Além de reunir as diferentes
manifestações artísticas (pintura, música, dança e literatura)e estar intimamente ligado a
imprensa periódica (para sua divulgação e por ser um tema constante na mesma) o teatro
abrangia diferentes públicos intelectuais e econômicos.
O tom geral de lamento pela inexistência de um teatro nacional no Brasil,
principalmente a partir do final da década de 1860, paralelamente à existência de uma
companhia duradoura e próspera atuando no Rio de Janeiro como a Phenix Dramática –
apenas para citarmos a mais destacada -, confirma nossa afirmação inicial de que o “teatro
nacional” foi parte de um projeto maior de fundação e manutenção de uma nação e um Estado
brasileiros que então parecia se desvirtuar. Aconteceu neste momento que a identidade
nacional, construída com a ajuda do teatro no Rio de Janeiro, não coincidia com o ideal
esboçado nas primeiras décadas, após nossa independência política. Se houve um projeto de
“teatro nacional” elaborado pelos românticos e realistas; vimos, em seguida, que a
concretização desse projeto realizou-se à custa de alterações tão profundas que seus próprios
criadores o rejeitaram. Queremos destacar aqui a ocorrência de um teatro original brasileiro,
crítica social e de costumes, produção regular de dramaturgia, um público que comparecia às
representações, uma imprensa que as divulgava e criticava, ou seja, houve teatro formador de
uma identidade nacional.
Até mesmo as mágicas ou as peças fantásticas e aparatosas, tão distantes de um teatro
literário, pois não possuíam compromisso, nem mesmo com a verossimilhança, “podem ser
consideradas um gênero que contribuiu muito diretamente para a percepção e a construção de
uma identidade nacional, ainda que o conceito de nacional mereça ser relativizado” (FREIRE,
2011.p.87). Dessa forma, só podemos chegar à conclusão de que se o teatro contribuiu para a
formação de uma “comunidade imaginada” (ANDERSON, 2005) dentro do território do país,
levando a identificações com a brasilidade e o patriotismo, um dos objetivos fundamentais
187
almejados pelos românticos e realistas foi concretizado. Por isso, por exemplo, enquanto uns
nem mesmo consideravam o nome de França Junior ao elencar os dramaturgos brasileiros, ou,
se o faziam, era com muitos senões, outros o enxergavam como promessa de erguimento de
uma literatura dramática nacional.
Nesta tese também demonstramos que “teatro nacional” foi um conceito construído,
em primeira instância, pelos homens de letras, tanto românticos, como realistas, mas que
fugiu ao controle destes quando o cenário teatral começou a se tornar mais complexo, ou seja,
no momento do estabelecimento dos gêneros ligeiros e incremento da vida teatral da corte,
com o surgimento de novas companhias, novas casas de espetáculos e, consequentemente,
maior investimento financeiro nos espetáculos. Como definir, por exemplo, uma paródia de
um consagrado escritor alemão, como Fausto de Goethe, que transforma a musa do
personagem Fausto em uma escrava de ganho vendedora de quitutes pelas ruas do Rio de
Janeiro? Ou uma peça como O Fechamento das Portas, de Augusto de Castro, que não
pertencia a nenhuma tradição literária, mas dialogava diretamente com as questões sociais
presentes na pauta política e jornalística daquele momento? Muito frágeis eram as dicotomias
que sustentavam uma diferenciação entre o que era ou não nacional. Nem mesmo a
diferenciação entre nós (os nacionais) e os outros (os estrangeiros) foi algo muito preciso,
para que possamos ali nos assegurar na tentativa de dar uma definição ao termo; posto que,
como vimos, ao mesmo tempo que se desejava construir um teatro original, festejava-se a
presença de atores do mundo civilizado, como Adelaide Ristori e Ernesto Rossi. Somente
mais tarde, em um outro contexto (político especificamente) no qual Ludgero Vianna ergueu
seu Teatro Nacional no Rio de Janeiro e fora alvo de críticas, que o dinâmico sentido de
“teatro nacional” sofreu uma “sutil mudança de ênfase” 1, e deixou mais clara essa oposição
2
entre nacional e estrangeiro, como atestam os trechos citados de Arthur Azevedo e do
Jornal do Comércio 3 na introdução desta tese.
Em último lugar, esse trabalho trouxe à luz maiores detalhes sobre uma companhia
dramática importante no Rio de Janeiro do século XIX, cuja história muito deve a uma
memória construída com depoimentos de alguns de seus contemporâneos por meio de
lembranças geralmente ligadas ao teatro ligeiro e aos grandes investimentos (e lucros) de seu
empresário. Vimos que a companhia, ou empresa teatral, formou-se por meio de laços antigos
entre os atores e que, há algum tempo, trabalhavam juntos na Corte, e, mesmo com algumas
diferenças resultando em afastamentos temporários por parte de Vasques, ele e Heller
1
A expressão é de Pamplona (2009)
2
Arthur Azevedo, 18/07/1895 in: NEVES; LEVIN, 2009.
3
TEATROS e música -Teatro Nacional. Jornal do Comércio. Rio de Janeiro, ed.173, p.2. 13 jul.1895.
188
(amigos ou bons sócios) foram as bases da empresa teatral, a qual, sem esse par, dificilmente
se sustentaria por tanto tempo em prosperidade como ocorreu com a Phenix. Tanto Heller,
quanto Vasques empenharam-se em colocar em cena, peças originais brasileiras; mas, pelo
que as escolhas de Heller e os escritos de Vasques atestam, suas concepções de “teatro
nacional” eram divergentes. Heller parecia ter uma visão menos rigorosa do que Vasques. É o
que nos indicam suas escolhas de repertório, inclusive em ocasiões de dar mostras do teatro
brasileiro a visitantes. No entanto, as reais razões de Heller, para pautar suas escolhas, são
mais difíceis de apreender do que as de Vasques, visto que este último, como autor de
folhetins e dramaturgo, pode expressar suas opiniões a respeito da literatura dramática
nacional e da fixação dos gêneros ligeiros na capital do Império. Vimos também que apesar
de o teatro ligeiro ter aportado no Rio de Janeiro, na primeira metade do século, ele passa por
fases diversas até a sua definitiva fixação em 1870; e que, nesta década, marcadora do
sucesso financeiro da companhia, a divisão tradicional dos gêneros ligeiros em paródia,
opereta, mágica e cena cômica, também se torna menos exata à medida que encontramos
regularmente entre as peças anunciadas definições de gênero mistas como “drama aparatoso”,
“drama fantástico” ou “comédia-drama”.
De acordo com Charle (2011, p.20): “Principal entretenimento coletivo do século
XIX, o teatro é capaz de alcançar a mais ampla gama de categorias sociais”. Cumprindo em
parte o ideal de nacionalidade criado por alguns letrados e introjetado por muitos homens de
teatro, podemos dizer que o teatro do Rio de Janeiro, a partir da ascensão dos gêneros alegres,
tenha configurado um “teatro ligeiramente nacional” como consta no trocadilho com o qual
intitulamos esta tese, pois era o gênero ligeiro que fazia o público amplo e heterogêneo de
cidadãos, povo, homens livres e não livres, elites, mulheres, trabalhadores e até mesmo
visitantes estrangeiros ver-se representado. A história do teatro é uma história social de dois
tipos: da sociedade fictícia, no palco; e da sociedade real, na plateia.
189
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Sites Consultados
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