Dissertação Sobre Porto Nacional PDF
Dissertação Sobre Porto Nacional PDF
Dissertação Sobre Porto Nacional PDF
Rio de Janeiro
2014
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
Rio de Janeiro
2014
O objeto de estudo dessa Dissertação foi definido a partir de uma questão identificada no
cotidiano da prática profissional da Superintendência do IPHAN em Tocantins.
259 f.
Banca examinadora
_________________________________
Professor Dr. Rafael Winter Ribeiro (orientador) – PEP/MP/IPHAN
_________________________________
Professora Ms. Jurema Kopke Eis Arnaut – PEP/MP/IPHAN
_________________________________
Professora Dra. Inês Aguiar de Freitas – Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ
5
Agradecimentos
Sem ordem, nem referência, porque a todos agradeço e devo a mesma consideração.
A equipe do Iphan /Tocantins pela compreensão durante os meses em que estive lotada
na unidade, disponibilizando todo o apoio necessário para a realização deste trabalho.
Em especial aos professores Helena Mendes e Luciano Teixeira, pelo carinho, atenção,
disponibilidade e revisão dos meus textos.
Ao Prof. Rafael Winter por ter acreditado e aceitado ser o orientador deste trabalho, pela
sua tranquilidade, paciência e por ter sido atencioso nos momentos mais difíceis da
dissertação.
Ao amigo Daniel Cavalcante pelas narrativas fotográficas e pelas conversas sobre a sua
querida Porto Nacional.
Por fim, à determinação motivada pelo amor de meu pai, que mesmo após seu
falecimento, continuou dando-me forças e foi por ele que cheguei até aqui.
7
Resumo
Abstratc
This study analyzes the listed process of the historic center of Porto Nacional, one of the
towns arose from mining in central Brazil - more specifically in the late eighteenth century, in
the current state of Tocantins, ancient northern Goiás - and listed as cultural heritage by the
National Historical and Artistic Heritage in 2008. We seek to identify values involved in this
process to contribute to the current discussion on the practical preservation of urban space in
relation to projects of intervention by the government and preservation of cultural references
from the conceptual notion of place. The argument developed in this dissertation will be
presented in three parts: a brief characterization of the political transformation that involved
the field of equity in relation to historical places and their suitability for the visual
consumption, pointing to the emergence of urban spaces strictly targeted to tourism, turn to a
reflection on the concept of place as a cultural reference, associating it with our idea that the
tangible and intangible valuesare inseparable, and then will discuss the meaning and
importance of inclusion of this concept in the process of intervention historical centers study
from the historic center of Porto Nacional.
Lista de Figuras
Figura 1. Mapa 1. Localização da cidade de Porto Nacional. Fonte Nuta, s/ data. ................. 18
Figura 2 Quadro1.Bens tombados pelo Iphan no Brasil, entre 1938 e 2009 por Estados ........ 31
Figura 3 Porto Real e a capela Nossa Senhora das Mercês séc.XVIII. Desenho de Burchel ... 83
Figura 4 Localidades Centrais no norte de Goiás no século XVIII e XIV ............................... 86
Figura 5 Catedral dedicada à Nossa Senhora da Mercês Porto Nacional, 1914 ....................... 88
Figura 6 Construção do seminário ao lado da Catedral em Porto Nacional, 1914 .................. 88
Figura 7 Travessia do Rio Tocantins em Porto Nacional ......................................................... 90
Figura 8 Porto Nacional na década de 1970 ............................................................................. 91
Figura 9 Coreto na praça Nossa Senhora das Mercês, década de 1990.................................... 91
Figura 10 Programação de Julho para a Orla ........................................................................... 94
Figura 11 Praia natural temporária – Ilha de Porto Real .......................................................... 98
Figura 12 Praia artificial construída após a formação do lago em Porto Nacional .................. 99
Figura 13 Largo das Mercês em 1999 .................................................................................... 100
Figura 14 Largo das Mercês em 2011 .................................................................................... 100
Figura 15 Avenida Coronel Josué em 1912 ........................................................................... 101
Figura 16 Avenida Coronel Josué em 2001 antes das intervenções ....................................... 101
Figura 17 Avenida Coronel Josué após as intervenções em 2012 .......................................... 101
Figura 18 Praça Nossa Senhora das Mercês na década de 1970 com o rio ao fundo ............. 102
Figura 19 Praça Nossa Senhora das Mercês em 2012 com o lago ao fundo .......................... 102
Figura 20: Mapa 2.Localização do centro histórico de Porto Nacional. Fonte: Depam ........ 106
Figura 21: Mapa 3.Poligonal de tombamento do centro histórico de Porto Nacional. Fonte:
Depam ..................................................................................................................................... 107
Figura 22 Rua principal do centro histórico de Porto Nacional em 1985 .............................. 108
Figura 23 Lado esquerdo da rua principal do centro histórico de Porto Nacional em 2013 .. 109
Figura 24 Lado direito da rua principal do centro histórico de Porto Nacional em 2013 ...... 109
Figura 25 Visão em perspectiva da rua principal de Porto Nacional em 1985 ...................... 109
Figura 26 Rua principal e praça de Porto Nacional em 2013 ................................................. 110
Figura 27 Elementos paisagísticos rua Misael Pereira ........................................................... 113
Figura 28 A edificação antiga, antes do incêndio na praça Tiradentes em Ouro Preto .......... 117
Figura 29 A edificação atual, após a reconstrução, Ouro Preto- MG ..................................... 117
10
Sumário
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 15
1 OS TRAÇOS DA VALORAÇÃO PELO IPHAN EM SUA TRAJETÓRIA ................. 24
1.1 OS PRECURSORES E OS VALORES ATÉ OS ANOS 1960 ...................................... 24
1.2 UM OUTRO CAMINHO PARA O PATRIMÔNIO..................................................... 36
1.3 NOVAS PERSPECTIVAS PARA O TOMBAMENTO ................................................ 44
1.4 AS INTERVENÇOES URBANAS E OS RETROCESSOS .......................................... 51
INTRODUÇÃO
Em meio à complexidade que envolve o campo de preservação do patrimônio
cultural, o conceito e a prática de preservação parecem atrelados a um processo em constante
transformação. Chegou-se ao ponto em que o entendimento da relação entre a comunidade e o
centro histórico procura compreender a interação entre os aspectos materiais e subjetivos dos
elementos categorizados como patrimônio, associando-a a maior participação da comunidade
no que tange à seleção e proteção dos bens culturais, como também buscando considerar o
caráter dinâmico das representações culturais.
A partir desses processos, vão sendo modificadas as visões sobre patrimônio cultural
no tocante aos aspectos políticos, técnicos e sociais com uma maior complexidade das
relações decisórias entre os agentes públicos e a sociedade, passando a abrir maior
participação dos diversos atores sociais.
Dentro desse contexto de inquietações e transformações sociais com envolvimento
de vários agentes, acontecem mobilizações de associações e de comunidades de cultura e a
ampliação dos novos campos intelectuais, que vão influenciar as políticas e ações adotadas no
Brasil para preservação do patrimônio cultural.
O objetivo desta dissertação é discutir a prática da preservação a partir de novas
abordagens nos processos de tombamento que direcionam novas formas de olhar para o centro
histórico, incorporando a dinâmica da prática de participação de diversos atores sociais nas
questões da preservação do patrimônio cultural. Para tal encaminhamento, é necessário
observar a relação entre os discursos oficiais e a percepção da comunidade em relação aos
mesmos e ao centro histórico. Trata-se de investigar as relações existentes entre a sociedade e
o patrimônio cultural com intuito de direcionar políticas públicas que procurem harmonizar
interesses em relação aos centros históricos.
Nesse contexto de mudanças, essa abordagem procura encontrar respostas para um
problema que tem sido apontado por uma grande parcela de intelectuais ligados à área do
patrimônio cultural, para os quais haveria uma coexistência de duas tendências concomitantes
ligadas à preservação e à gestão: a busca incessante pelo progresso e enobrecimento1 de áreas
urbanas, principalmente em sítios históricos, por um lado, e, por outro, o desprezo das
referências culturais construídas ao longo do tempo e inseridas no espaço urbano.
1
Ver MOTTA, Lia. A apropriação do patrimônio urbano: do estético estilístico nacional ao consumo visual global. In:
ARANTES, Antônio Augusto (org.). O espaço da diferença. Campinas: Papirus, 2000, p. 258. O poder público e/ou a
iniciativa privada criam um novo valor de uso para o centro histórico como produto de mercado, fundamentados na
apropriação cultural dirigida a determinado público-alvo, visando à elitização do espaço urbano, o que resulta na expulsão da
classe de baixa renda. Ver também LEITE, Rogério Proença. Contra-usos da cidade: lugares e espaço público na
experiência urbana contemporânea. 2. ed. Campinas: Editora Unicamp, 2007.
14
2
Cf. MOTTA, Lia, 2000, op. cit., p. 260.
15
são instrumentos para nortear futuras intervenções em sítios urbanos tombados, cujas
características serão abordadas com base nos trabalhos de Lia Motta (2000; 2011), Antônio
Arantes (2000) e Márcia Sant’Anna (2001; 2003; 2004).
Trata-se de aprofundar a reflexão sobre determinados conceitos e categorias que são,
de certa forma, contraditórias às tendências anteriormente apontadas, porque buscam colocar
o patrimônio cultural como protagonista, servindo, assim, como um dos eixos para direcionar
as intervenções em sítios urbanos históricos. Nesse sentido, focamos o sítio urbano histórico
de Porto Nacional, tombado no âmbito federal pelo Instituto de Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (Iphan) em 2008, que aqui é o objeto de estudo, enquanto referência
cultural para os portuenses.
A cidade integrante da Amazônia legal, entre o norte e centro-oeste do Brasil, à beira
do rio Tocantins, configurava-se como um lugar de passagem, isto é, ao mesmo tempo, de
separação e comunicação entre antigos espaços mineratórios e rurais, entre os quais
circulavam em contínuos movimentos e fluxos, bens e serviços, saberes e práticas, sujeitos e
identidades. Seu núcleo histórico surgiu a partir de povoados que se formaram ao redor da
mineração, às margens dos cursos d’água do Tocantins, como Arraial do Pontal em 1738 e
Arraial do Carmo em 1746. Esses dois arraiais foram muito importantes para a formação de
Porto Real (antigo nome de Porto Nacional), pois o arraial do Carmo está situado à margem
direita do Tocantins e Pontal na outra margem do rio, onde o percurso obrigatório era passar
por Porto Real, conforme mostra a Figura 01.
16
Figura 01. Mapa de Localização da cidade de Porto Nacional, Monte do Carmo (antigo arraial do Carmo) e ruínas
de Bom Jesus do Pontal (antigo arraial do Pontal. Fonte Nuta, Autor: Antônio Aires, sem data.
Dessa forma Porto Real tornou-se um relevante centro de comércio para a região,
acentuado após o declínio da mineração, devido à necessidade de impulsionar outro tipo de
desenvolvimento econômico para o norte de Goiás por meio do rio Tocantins.
17
Ulpiano Bezerra em suas considerações sobre o Tombamento de Porto Nacional na 59ª Reunião do Conselho
Consultivo do Patrimônio Cultural em 2008.
18
local e quais os sentimentos e relações de pertencimento estão envolvidos nesse espaço para
que se possa direcionar intervenções físicas e ações mais sensatas.
Pretendemos por meio desta pesquisa, portanto, saber como os portuenses nativos e
de coração, que moram no centro histórico percebem, interpretam e produzem novos
significados acerca do núcleo histórico e como foi percebido o discurso oficial de
patrimonialização do bem. A problemática é direcionada para a incógnita de como os
moradores percebem o centro histórico diante do “olhar” oficial e como esses “olhares” se
relacionam. Como os elementos estruturadores do espaço comportam-se na paisagem? Sob o
olhar dos moradores, qual é a relação do rio Tocantins com o centro histórico? Esses
questionamentos deverão ser respondidos e estudados a partir da análise dos aspectos
simbólicos e materiais respondendo à questão das relações de pertencimento que poderão
contribuir para compreender os usos e sentidos do centro histórico, assim como a conservação
e preservação do patrimônio cultural em Porto Nacional.
Os objetivos e elementos norteadores para o desenvolvimento da pesquisa que
esclarecem essas questões estão pautados na compreensão das relações de pertencimento
dos moradores com o núcleo histórico de Porto Nacional, dadas pelo uso, valores e
significados a partir de manifestações socioculturais, afetivas e físico perceptíveis. Já os
objetivos específicos deste estudo visam apreender o centro histórico pela trajetória
conceitual da preservação do patrimônio e a valoração reconhecida oficialmente, como
também identificar quais os interesses do poder público local com a área e quais valores
a comunidade atribui ao espaço, para, posteriormente, comparar o discurso que
subsidiou o tombamento do núcleo histórico com o “olhar” dos moradores diante da
visão oficial e o centro histórico percebido.
O centro histórico de Porto Nacional, enquanto patrimônio cultural nacional enseja a
realização de estudos que se aprofundem em questões que permitam compreender a
interpretação e o papel afetivo e efetivo desempenhado pelos seus moradores nesse espaço
carregado de significados. Neste caso, onde é estudado um bem ao qual foi conferido o título
de Patrimônio Cultural Nacional, as relações de pertencimento pelos moradores é uma
premissa para direcionar ações voltadas para intervenções físicas no espaço urbano que possa
abarcar e dialogar os valores técnicos com os valores da comunidade.
Para alcançar esses objetivos, o trabalho busca apoio nos documentos do Iphan sobre
o patrimônio cultural em Porto Nacional por meio do dossiê de tombamento, arquivos da
Fundação Nacional Pró-Memória4, inventários e da ata da reunião do Conselho Consultivo do
Patrimônio Cultural, que decidiu o tombamento do centro histórico, além dos documentos
elaborados pelo município em relação aos seus interesses sobre o centro histórico. Tais
documentos contém não só uma série de informações sobre o patrimônio material e a
valoração pelo Estado, como também as propostas e os objetivos do poder público local para
a área em estudo.
4
A Fundação Nacional Pró-Memória, foi criada e supervisionada pelo Ministério da Educação e Cultura em
1979 através da secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e incumbida como entidade operacional,
cujo objetivo era proporcionar os meios e recursos necessários para o desenvolvimento das tarefas da
preservação cultural. A Fundação teve como finalidade contribuir para o inventário, a classificação, a
conservação, a proteção, a restauração e a revitalização dos bens de valor cultural e natural existentes no País. A
Fundação foi extinta em 1990.
20
Por meio dessa perspectiva, a partir da busca de vários olhares sobre o centro
histórico de Porto Nacional, sejam eles políticos, técnicos e sociais, buscamos associar
diferentes metodologias para identificar as visões que os diferentes atores sociais têm para o
centro histórico de Porto Nacional.
Desse modo, a pesquisa soma ao processo de análise dos documentos oficiais tanto a
nível federal como local, à pesquisa histórico-geográfica do centro histórico que deu subsídio
ao entendimento das transformações que aconteceram no espaço urbano; os questionários com
perguntas semiabertas direcionados aos moradores; associando as observações in locu,
análises das narrativas literárias e desenhos produzidos por adolescentes e jovens, com intuito
de obter maior apreensão dos valores construídos no sítio histórico pela comunidade para que
fosse possível contrastar com os valores apresentados oficialmente.
5
Serviço de Proteção ao Patrimônio Histórico e Artístico nacional, antigo nome do Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional. Ver página 23.
21
Na primeira parte do presente estudo foi feita a pesquisa histórica do centro histórico
direcionada às mudanças que o espaço urbano foi submetido pelo poder público local
associada às observações in locu de eventos e manifestações culturais promovidas pela
comunidade, igreja e prefeitura. Na segunda parte foi feita a análise da motivação do
tombamento fundamentada no conhecimento técnico especializado destacando-se os
elementos que subsidiaram o reconhecimento do centro histórico de Porto Nacional como
Patrimônio Cultural brasileiro.
A terceira parte convergiu para a apreensão da relação dos moradores com o centro
histórico e seus descontentamentos e impasses com o Estado em relação à área tombada,
destacando-se aquilo que eles consideram como referência cultural naquele espaço, bem como
as experiências que são vivenciadas cotidianamente pelos moradores no e com o centro
histórico. A pesquisa foi baseada na aplicação dos questionários com perguntas semiabertas
apresentando questões em relação ao patrimônio cultural, memórias do centro histórico e o
tombamento, além da produção dos desenhos pelos jovens e adolescentes, como também as
observações in locu por parte do pesquisador.
distantes em relação ao modelo de intervenção física e ações para o centro histórico de Porto
Nacional, de modo que se possa visualizar possíveis caminhos para fortalecer a preservação
do patrimônio cultural no local.
23
6
LIMA, Alceu Amoroso. Pelo passado Nacional. In: Revista do Brasil, Vol.III, Ano 1.São Paulo, setembro-
dezembro de 1916.
7
ANDRADE, Mário de. A Arte religiosa no Brasil. São Paulo: Experimento/Giordano, 1993.
24
apresentado ao Congresso Nacional, mas não obteve aprovação (FONSECA, 2009). Nessa
proposta, a definição de patrimônio histórico e artístico nacional estava intrinsecamente
atrelada ao belo, à estética e ao excepcional ao se atribuir valor para proteção pelo Estado.
Em 1934 o Brasil declarou sua preocupação jurídica com o patrimônio cultural por
meio da Constituição Federal, que estabeleceu sua proteção obrigatória pelo poder público,
sendo que cabia à União e aos estados proteger as belezas naturais e os objetos de valor
histórico ou artístico. Posteriormente, foi promulgado o Decreto-lei nº 25 que criou o Serviço
de Proteção ao Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan) — órgão federal orientado
para a defesa e proteção do patrimônio — e estabeleceu o instituto de tombamento, pelo qual
os bens eleitos como patrimônio histórico e artístico são inscritos em livros do tombo,
categorizados como Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico; Histórico; das Belas Artes; das
Artes Aplicadas.
Rabelo (2009) descreve que a Constituição de 1937 manteve as prerrogativas de
proteção do patrimônio cultural mencionados na Constituição de 1934, porém, “alterou a
palavra objetos para monumentos, incluindo ao lado dos monumentos históricos e artísticos,
os denominados monumentos naturais” (RABELO, 2009, p.31)
Vale ressaltar que em 1936, Mário de Andrade elaborou um anteprojeto em duas
semanas a pedido de Gustavo Capanema, visando à organização de um serviço de defesa do
patrimônio artístico nacional, baseado no conceito de arte que abrangia as manifestações de
arte eruditas e populares, afirmando seu caráter universal e particular (FONSECA, 2009). Sua
proposta não chegou a ser adotada porque não interferia no bem físico para sua proteção, mas
impulsionou o processo de formulação do Decreto-lei nº 25 ao reunir elementos dos projetos
anteriores tramitados no congresso nacional, que previam a preservação do patrimônio
cultural. Para Mário “a arte é uma palavra geral, que neste seu sentido geral significa a
habilidade com que o engenho humano se utiliza da ciência, das coisas e dos fatos”
(ANDRADE, 1981, p. 44).
Na verdade, o Decreto-lei nº 25/37 reuniu um intenso debate jurídico conceitual que
envolvia os esboços de projetos de leis anteriores orquestrados por Luis Cedro, Jair Lins e
José Wanderley Araújo Pinho, além de documentos8 de encontros estaduais.
8
Ver a minuta formulada por Blaise Cendrars, jornalista francês, que trouxe para o Brasil as discussões que
estavam acontecendo na Europa. A minuta do estatuto além de pregar pela criação de uma lei para criação da
classificação, inventários de bens, medidas de conservação, concebia que o organismo defensor do patrimônio
histórico previsto nesse Estatuto tinha a incumbência de proteger não só os monumentos históricos, mas também
a ecologia, paisagens, a música, a culinária, as manifestações populares, com suas festas pagãs, além de vestígios
da arte popular, inclusive a indígena, e por todas as manifestações dos negros.(PRAGMÁCIO , 2009 p9)
25
Nessa direção, as primeiras ações públicas para atender tais demandas partiram de
Estados que possuíam acervos significativos do período colonial brasileiro, como Minas
Gerais, Bahia e Pernambuco. O Estado de Minas Gerais foi um dos pioneiros na prática de
preservação por possuir um grande acervo que estava sob o risco de desaparecimento e teve
grande apoio dos intelectuais e posteriormente do poder público local. Em meio a essa luta
travada pela proteção dos bens culturais e novo contexto político de preservação, é realçada a
figura emblemática do advogado e jornalista Rodrigo Melo Franco de Andrade, marcando sua
26
9
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (FONSECA, 2009) Posteriormente o nome muda em
1946 por meio do Decreto –lei nº 8.534/46 que transforma o Sphan em Dphan (Diretoria de Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional) com sedes em Belo Horizonte, Salvador, Recife e Rio de Janeiro (BRASIL, 1946)
10
Maria Cecília Londres Fonseca delimita a atuação do Sphan em duas fases: a fase heroica, que vai desde a
criação do Sphan até o fim da gestão de Rodrigo Melo Franco de Andrade em 1967, e a fase moderna, que inicia
com a direção de Aloísio Magalhães em 1979, sendo considerado o período intermediário a gestão de Renato
Soeiro entre 1967 e 1979. Ver FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo: trajetória da
política federal de preservação no Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: UFRJ; MinC; Iphan, 2009.
27
Apesar do Sphan ser composto por um grupo de funcionários entre técnicos da casa e
prestadores de serviço que faziam constantemente discussões acadêmicas sobre o patrimônio ,
era a figura carismática de Rodrigo Melo Franco que era realçada e com isto também a sua
própria visão sobre o patrimônio cultural. Conforme Paulo Ormindo David de Azevedo
(2013), Rodrigo defendia o tratamento privilegiado dado a Minas Gerais pela “importância do
barroco mineiro, uma arte autenticamente brasileira”(p.7) e essa visão se aproximava da obra
de Gilberto Freyre “Casa-grande e Senzala” que acabou influenciando vários tombamentos do
Sphan (AZEVEDO, 2013).
As mudanças no anteprojeto de Mário de Andrade e a promulgação do Decreto-lei nº
25 se vincularam mais à intervenção no bem fisicamente visando a sua proteção de acordo
com o interesse coletivo. Conforme Zamim (2006), questões jurídicas, principalmente a da
propriedade, que era um dos maiores entraves, também foram determinantes, uma vez que
Rodrigo Melo Franco de Andrade era um jurista com grande habilidade política e uma postura
mais pragmática, o que contribuiu para que o serviço fosse criado.
Sendo o tombamento uma ação de intervenção que envolve interesses variados,
faziam-se necessários fundamentos “juridicamente defensáveis e socialmente aceitáveis”
(FONSECA, 2009, p. 106) para que viabilizasse a criação do Sphan.
O conceito de patrimônio adotado pelo Sphan, depois Dphan, e que permaneceu
hegemônico até o início da década de 1970, estava relacionado às concepções de arte, tradição
e Estado-Nação de um grupo de intelectuais modernistas que elegeram o barroco brasileiro
como arte genuinamente brasileira11. Apesar de parecer contraditório, os modernistas
brasileiros queriam buscar a arte genuinamente brasileira e uma identidade nacional
(TRAJANO FILHO, 2010, p.20), rompendo a influência europeizada do Brasil e valorizando
os traços primitivos da sua cultura, que até então eram vistos como arcaicos e um empecilho
para inserção do país no conjunto das civilizações modernas que preservam seus monumentos
históricos e artísticos.
Assim se firmou no Brasil uma relação entre o modernismo e a preservação do
patrimônio cultural dentro do contexto de interesses políticos. Outra faceta importante durante
11
Ver TRAJANO FILHO, Francisco S. Tentativas de enraizamento: arquitetura brasileira e formação
nacional.2010. Tese (Doutorando em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade de São Paulo.
28
a fase heroica foi a especificidade da situação do Sphan no Estado Novo, a qual foi marcada
pelo alto grau de autonomia de uma instituição dentro do Estado centralizador e nacionalista.
O Brasil estava vivendo um contexto político que se voltava para a construção da nação, o que
envolvia, além das dimensões políticas e econômicas, os aspectos culturais, nos quais foram
pautadas várias ações (FONSECA, 2009). Segundo a autora, “o objetivo era criar uma cultura
nacional homogênea, que propiciasse a identificação dos cidadãos com a nação” (FONSECA
2009, p. 86).
Essa ideia de nação se tornou viável para o Brasil, que construiu uma “narrativa
nacional”12baseada no Estado-Nação para justificar a patrimonialização de vários bens
culturais pelo Estado.
Gonçalves (2002) afirma que essas narrativas são construídas pelo Estado por meio de
políticas culturais específicas, com intuito de fabricar uma memória e uma identidade
nacional, visando à recuperação, defesa e preservação de um patrimônio cultural. Assim,
elaboram-se discursos sobre a ideia de nação que podem ser interpretados como “produtos e
efeitos de estratégias de objetificação13 cultural” (GONÇALVES, 2002, p. 24). O autor
salienta:
Surge daí o desafio dos intelectuais diante da seleção e atribuição de valor a um bem
que fará parte do conjunto de símbolos que representam a nação na perspectiva de uma
unidade diante da pluralidade cultural brasileira. Esse paradoxo criava uma tarefa difícil para
a equipe do Sphan. Rubino (1996) afirma que, tendo o tombamento como instrumento de
proteção, foi possível, por meio de inúmeras viagens, inventar e inventariar
Apesar de possuir grandes dimensões e estar envolvido por uma rica diversidade
cultural, “o conjunto dos bens tombados desenha um mapa de densidades discrepantes nas
diversas regiões, períodos e tipos de bens, formando conjuntos fechados e finitos” (RUBINO,
1996, p. 97). A autora resume as características dos bens tombados, afirmando que nesse
mapeamento se encontra, em grande medida, o valor atribuído aos bens que foram
consagrados como patrimônio cultural brasileiro durante a fase heroica e se revela “o desejo
de um país passado, com quatro séculos de história, extremamente católico, guardado por
canhões, patriarcal, latifundiário, ordenado por intendências e casas de câmara e cadeia, e
habitado por personagens ilustres, que caminham entre pontes e chafarizes” (RUBINO, 1996,
p. 98).
Apesar das críticas levantadas pela autora, é importante salientar que as escolhas e a
forma de atuação do serviço foram se transformando ao longo de sua trajetória, de acordo
com as novas demandas e as novas formas de olhar para o patrimônio e dentro das
possibilidades da instituição. Isso se justifica uma vez que o Iphan, apesar das mudanças
administrativas, continua ainda com um quadro deficiente de funcionários, assim como nos
anos iniciais de atuação do Sphan, período em que os trabalhos do serviço sofriam maiores
dificuldades administrativas do que hoje. Nesse sentido, a realidade administrativa do Sphan
naquela época, no tocante ao corpo técnico, inviabilizava a possibilidade de inventariar todos
os bens culturais que mereciam proteção pelo Estado diante de sua pluralidade cultural.
Ao analisar sob outro olhar o levantamento dos bens tombados coletados por Silvana
Rubino (Figura2) durante a gestão de Rodrigo Melo Franco, vemos o destaque da região
Sudeste e do Estado da Bahia, principalmente por conter um grande número de obras
vinculadas ao início da ocupação do território nacional e localizadas próximas à costa
brasileira.
Já as obras arquitetônicas consideradas não excepcionais, foram encaminhadas para o
Livro do Tombo Histórico, que em sua maioria eram pertencentes às regiões mais distantes
das áreas metropolitanas e não se enquadravam no padrão estilístico do barroco mineiro
como, por exemplo, o conjunto de Pirenópolis em Goiás (CHUVA, 2009, p.216).
Variação entre os
1938-1967 1968-2009
ESTADO períodos 1967 e 2009
Nº % Nº % %
ALAGOAS 7 0,92 11 1,06 57,15
AMAZONAS 1 0,13 4 0,38 300,00
AMAPÁ 1 0,13 1 0,10 0,00
31
Figura 2. Quadro de bens tombados pelo Iphan no Brasil, entre 1938 e 2009, por Estados. Fonte: Eloisa Dezen – Kempter
2011; Elaboração Silvana Rubino com base nos arquivos de tombamentos do Iphan.
Conforme os dados coletados por Rubino (1996) até 1967, 43% dos bens tombados
estavam localizados em Minas Gerais e Rio de Janeiro. Podemos perceber que a partir de
1969, a inclusão de bens de alguns Estados como Amazonas, Ceará e Mato Grosso aumentou
significativamente, o que demonstra o aspecto de descentralização das ações do Iphan e as
modificações do entendimento do que seria valor nacional.
Esse fenômeno também está inteiramente atrelado com a maior participação da
sociedade na política de preservação federal, cujas iniciativas para solicitação de tombamento
provinham quase sempre das assembleias legislativas ou das prefeituras. Esse interesse era
devido aos benefícios que o tombamento poderia trazer para o município ou, às vezes,
exercendo o papel de mediadores da comunidade local que desejava o tombamento.
Ribeiro (2007) amplia a nossa reflexão quando analisa os dados dos processos de
tombamento empreendidos pelo Iphan e de autores como Maria Cecília Londres Fonseca, Lia
14
O Centro Histórico de Porto Nacional apesar de ter sido tombado em 2008, somente em 2011 entrou no livro do Tombo
histórico.
32
Segundo Lúcio Costa, “teria havido uma ruptura em fins do século XIX e começo do
século XX, interrompendo a produção daquelas obras de arte. A partir daí, as novas
produções tornaram-se espúrias porque importadas, e por isso não se identificavam mais com
a nação” (CHUVA, 2011, p. 45).
A negação do século XIX pelos arquitetos modernistas foi considerada somente pela
“qualidade construtiva encontrada especialmente na arquitetura produzida até o começo do
século XIX, sem limitações ou compromissos com estilos estrangeiros. Para Lúcio Costa, a
partir de então tudo acabou” (COSTA, 1937 apud CHUVA, 2011, p. 47). Mas o mesmo grupo
que repudiava a imitação de estilo, inclusive o barroco e a arquitetura do século XIX,
consagrou, além do estilo colonial, a arquitetura moderna em virtude do movimento
arquitetônico internacional modernista, cujos militantes
A autora considera ser evidente que esse reconhecimento da arquitetura moderna era
uma “sólida declaração de posição dos arquitetos modernos cariocas ligados ao SPHAN [...]
era uma declaração nítida para o reconhecimento pelo critério imagem e semelhança” e
acrescenta que esses arquitetos fizeram do tombamento “uma instância de auto-consagração
— pois este é sempre uma medida de proteção e consagração — ao inscrever suas próprias
obras. E ao inscrever os marcos modernos criados por eles, deixaram de lado obras do mesmo
período ou do período imediatamente anterior” (RUBINO, 1996, p. 105).
Ainda se referindo aos modernistas, a autora observa que existia certa negligência dos
arquitetos modernos paulistas, influenciados pelo grupo carioca, enfatizando que
Apesar de todas as críticas, o período conhecido como fase heroica, conduzida por
Rodrigo Melo Franco de Andrade, foi uma experiência valorosa que, com o tombamento de
quase 700 (setecentos) bens, proporcionou conhecimento mais amplo sobre o nosso passado.
É incontestável a importância dessa fase e sua condução pela equipe modernista, embora a
atuação desses intelectuais tenha sido limitada, o que justifica-se também pelo período
autoritário do Estado Novo, pela restrita participação da sociedade e pelas dificuldades
administrativas do Sphan.
Ainda há que se lembrar de que, apesar de autoritário, o Estado Novo possibilitou
condições para que se criasse uma instituição de preservação que procurou construir e garantir
a ideia de nação, e isso era importante para aquela época. Reconhecemos que o quadro
preservacionista foi ampliado com a criação de órgãos de preservação estaduais e municipais
e a maior participação da sociedade desde os anos de 1970, em virtude da “ampliação
significativa das atribuições dessas instituições de memória e preservação cultural e da
própria noção de patrimônio” (CHUVA, 2011, p. 40). “Os intelectuais do Sphan viam-se com
a missão de revelar a nação para os brasileiros, desvendando para todos aquilo que, para eles,
esteve sempre ali, mas não era percebido” (CHUVA, 2011, p. 47).
Analisando a trajetória da preservação do patrimônio cultural no Brasil pelo Iphan é
possível perceber que a decisão sobre o que merece ser valorado está além da atribuição
36
técnica e intelectual, apesar de ser um aspecto determinante. Essa reflexão permite visualizar
o modelo de bens culturais que foram historicamente consagrados como patrimônio cultural,
numa dinâmica que resultou em muitas críticas e num processo de conscientização diante da
realidade e das dificuldades em que se encontrava a instituição. Definir o que deve ser
valorado e por que, isto é, o que deve ser preservado pela sociedade e pelo poder público,
torna-se uma questão fundamental nas práticas preservacionistas institucionais de preservação
devido ao envolvimento de diferentes atores sociais para a atribuição de valor.
Veremos adiante como foi se transformando esse processo de atribuição de valor ao
bem cultural e que se concretizou com novos instrumentos de proteção, novos conceitos de
patrimônio cultural, mudanças no corpo técnico, novas demandas e de acordo com novos
interesses políticos.
Nas décadas de 1950 e 1960 ocorreram significativas mudanças nas temáticas sobre o
desenvolvimento nacional, frente às quais o Sphan encontrou grandes desafios. A ideia de
desenvolvimento do país que marcara a época levou à mobilização da instituição e de outros
setores da administração pública a recorrer a novas alternativas de atuação (ARAÚJO;
CASTRIOTA, 2012).
No final dos anos 1960, num contexto internacional de inquietações15 e
transformações sociais, com mobilizações de comunidades de culturas não hegemônicas,
configurou-se um cenário que influenciou definitivamente as políticas e ações adotadas no
Brasil para a preservação do patrimônio cultural em virtude do novo modelo de
desenvolvimento que o Estado estava experimentando. O quadro brasileiro nos anos 1930 e
1940, caracterizado pela busca da conservação do passado, da tradição, já não era mais viável
nem desejado nos anos 1960 e a atuação do Dphan16 era considerada incoerente de acordo
com o contexto desenvolvimentista naquela década.
Para o interesse do poder público, “era preciso compatibilizar a gestão dos bens
culturais aos imperativos do desenvolvimento econômico, e integrar o Brasil nos novos
parâmetros internacionais de preservação de bens culturais definidos por organismos como a
15
Movimentos de contracultura para repensar valores tradicionais e a crise da modernidade (FONSECA, 2009).
16
O Sphan foi transformado em Dphan (Diretoria do patrimônio histórico e artístico nacional) a partir do
Decreto-lei nº 8534/46 e prevaleceu com essa nomenclatura até 1967. (BRASIL,1946).
37
UNESCO17”, visto que o Brasil vivia nos anos 1960 uma “efervescência cultural que trazia à
cena da produção artística e do debate intelectual, as complexas relações entre cultura e
política” (FONSECA, 2009, p. 55).
Nesse ambiente, a atuação do Sphan estava incoerente com a realidade brasileira, pois
“na medida em que se apresentava como uma atividade eminentemente técnica, portanto à
margem dessas questões, era vista como elitista, pouco representativa da pluralidade cultural
brasileira, e alienada em relação aos problemas fundamentais do desenvolvimento nacional”
(FONSECA, 2009, p. 155).
A situação do Dphan estava muito complicada em relação ao governo federal, pois
não havia mais o prestígio vivenciado durante o Estado Novo, o que resultava em dificuldades
para manter preservados os bens tombados. Para Paulo Ormindo Azevedo (2013),
Entre 1953 e 1967, o número de tombamentos havia se multiplicado por
cinco, enquanto as verbas para a manutenção e restauração, devidamente
deflacionadas, haviam sido reduzidas para um terço da dotação do ano- base.
As perdas nas verbas para a divulgação cultural foram ainda maiores
(AZEVEDO, 2013, p.21)
É nesse clima de crise com o governo federal que o Arquiteto Renato Soeiro, braço
executivo de Rodrigo Melo de Andrade, assume o Dphan em 1969 e tem início uma nova fase
para a preservação do patrimônio cultural no Brasil. Esse novo diretor transforma o Dphan em
um instituto e viabiliza estudos que culminariam em vários projetos, como o PCH18; os
primeiros traços19 da Fundação Nacional Pró-Memória; a vinda de consultores da UNESCO
ao Brasil como Michel Parent; realização dos primeiros encontros sobre o patrimônio no
Brasil, como o Compromisso de Salvador e de Brasília; ampliação dos tombamentos,
direcionando os estudos também para o nordeste e norte; e trazendo projetos que pudessem
associar ao desenvolvimento dos municípios com a preservação do patrimônio.
O novo instituto, agora Iphan sob a gestão de Soeiro, estabeleceu mudanças
significativas na seleção de bens, adicionando outros valores ao acervo tombado. Dentre os
novos valores adicionados, estavam aqueles relacionados aos conjuntos arquitetônicos de fins
17
United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization.
18
Programa Cidades Históricas que foi uma alternativa de financiamento para a conservação dos sítios e bens
culturais, mediante convênios com outras instituições governamentais, permitindo a aplicação de recursos do
Fundo de Participação dos Estados e Municípios na preservação de bens culturais e possibilidade de captação de
recursos privados mediante incentivos fiscais (AZEVEDO, 2013 p.46)
19
Conforme Azevedo (2013), Renato Soeiro modernizou o sistema de preservação com estudos para criação de
uma fundação ou autarquia formando com o IPHAN um binômio de modo a associar o poder de polícia do órgão
central com agilidade financeira e administrativa de uma instituição descentralizada. Esta fundação seria
formalmente criada sete meses após sua exoneração, ainda no final de 1979, com o nome de Fundação Pró-
Memória (LEI N° 6.757/79)
38
do século XIX e início do século XX, como o caso emblemático do tombamento do conjunto
eclético da cidade de Icó no Ceará.(PEREIRA, 2009, p.4)
Conforme Motta (1998), Augusto Carlos da Silva Telles argumentou que o valor
atribuído ao conjunto estava associado à “integridade e caráter do precioso acervo
arquitetônico, constituído pelos nobres sobrados que se sucederam ao longo das suas ruas
antigas”.
Essa mudança de perspectiva foi devido ao compartilhamento de interesses entre os
municípios, estados e o governo federal, no tocante aos aspectos políticos, econômicos e
ideológicos que se firmaram como embasamento, para direcionar as ações que viriam
acontecer no campo do patrimônio cultural por meio da perspectiva histórico-arquitetônica da
nação. Conforme Pereira(2009),
E foi sob essa ótica que se homogeneizou a diversidade brasileira, atribuindo sentidos
e significados além dos já existentes, sob uma abrangência comum nacional, para respaldar
ações públicas federais que beneficiariam a sociedade.
Ainda na época do Dphan, tendo Renato Soeiro como representante nas reuniões
internacionais, já havia recorrido à ajuda internacional da Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), mais especificamente em 1965, para
reformular e reforçar a sua atuação (ARAÚJO; CASTRIOTA, 2012) com intuito de
compatibilizar os interesses desenvolvimentistas com a preservação do patrimônio cultural. A
instituição tomava, então, “a consciência clara de que seria mais que necessário demonstrar a
relação entre o valor cultural e o econômico da conservação dos bens culturais, e não apenas
buscar o convencimento da autoridade e da população por meio da justificação cultural”
(ARAÚJO; CASTRIOTA, 2012).
No contexto internacional, segundo Choay (2001), a partir da década de 1960 ocorreu
uma grande transformação na prática e nos conceitos patrimoniais. “À medida que avançavam
as discussões na área de ciências humanas, novas categorias consideradas objeto de
preservação foram sendo acrescentadas ao grupo do patrimônio cultural” (CHOAY, 2001, p.
14-15). Seria nesse sentido que apareceria, segundo os princípios das Normas de Quito (OEA,
39
única foi contestado, pois se referia apenas às produções das elites. Houve então mudanças no
campo da política pública, abrindo caminhos para a ampliação de valores e descentralização
das ações de preservação. Foi o momento em que se incorporaram novos valores e novos
conceitos que direcionaram para uma noção mais modernizadora de patrimônio, o que
“significou vincular a temática da preservação à questão do desenvolvimento — à politização
da prática de preservação, na medida em que os agentes institucionais se propuseram a atuar
como mediadores dos grupos sociais marginalizados junto ao Estado” (FONSECA, 2009, p.
23).
Nesses encontros, o papel de Renato Soeiro, então diretor do Iphan, foi enfatizar a
importância da responsabilidade dos municípios e estados em assumirem a preservação do
patrimônio cultural. Aquele momento se caracterizava como o primeiro passo para articulação
de vários interesses que reuniu os poderes federais, estaduais e municipais em prol da
preservação dos centros históricos.
20
Ver Fonseca (2009).
21
Programa Cidades Históricas
41
culminaria mais tarde no programa Monumenta, sucedido atualmente pelo PAC22- Cidades
Históricas. Esses programas procuram despertar os interesses dos municípios em preservar o
patrimônio cultural ao injetar recursos financeiros pelo Estado para a recuperação de imóveis
tombados nos municípios. Essa mudança de postura política do Estado e do poder público
local diante de fatores econômicos influenciou o tombamento de vários centros históricos
espalhados pelos diversos “Brasis”, inclusive o de Porto Nacional como veremos mais
adiante.
Nesse contexto de ampliação no conceito do patrimônio e na perspectiva de
preservação a partir dos anos de 1970, destacaram-se novos personagens, entre eles o diretor
do Iphan, entre 1979 e 1982, Aloísio Magalhães, que procurou implementar e dar
continuidade à política deixada por Renato Soeiro para o patrimônio cultural brasileiro, por
um viés mais antropológico, e dar visibilidade à diversidade cultural do Brasil que ele
considerava como portadora de uma singularidade. A noção de bens culturais adotada durante
a sua gestão, enfatizava uma referência ao passado, reinterpretada com os olhos no futuro e
estabelecendo vínculos com as populações locais do presente.
Foi nesse novo cenário que Aloísio Magalhães criou em 1975, o Centro Nacional de
Referência Cultural (CNRC), que caracteriza bastante o novo momento da instituição, como
observa Fonseca:
[...] à diferença do SPHAN heroico dos anos 30-40, que centrou sua atuação
na salvação dos remanescentes da arte colonial, o CNRC se voltava para o
referenciamento da cultura viva, sobretudo daquela enraizada no saber
popular, como forma de tornar mais nacional e mais plural a representação
da cultura brasileira (FONSECA, 1996, p. 155).
Também foi dada atenção aos bens representativos de várias correntes de imigração
que introduziram sua cultura no Brasil. Quanto aos bens da cultura popular, em razão do seu
caráter vivo e dinâmico, os técnicos do Iphan entendiam que a proteção deles “era
incompatível com o estatuto do tombamento, visto que esses bens estão inseridos em uma
dinâmica de uso, e expressam valores de outra ordem que não as concepções cultas de história
e de arte. Poderiam, quando muito, ser protegidos por seu valor etnográfico” (FONSECA,
1996, p. 160).
Foi por outro caminho que os trabalhos do CNRC orientaram a proteção desses bens e
que mais tarde se constituiria a Fundação Nacional Pró-Memória (FNPM)23. O caráter do
CNRC, segundo Fonseca (1996, p. 156), firmava-se com
23
Em 1979, Aloísio Magalhães foi nomeado diretor do Iphan. Nesse momento, houve a fusão do Iphan, do PCH
e do CNRC e o surgimento de uma nova estrutura: a Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(Sphan) seria um órgão normativo, a Fundação Nacional Pró-Memória (FnpM) seria o órgão executivo.
Posteriormente foi criada e Secretaria de Cultura do MEC, e Aloísio foi nomeado secretário. Assim, se o CNRC
nasce fora do MEC, é dentro deste Ministério que ele consegue transformar em política pública o que havia
ensaiado, de forma experimental, entre 1975 e 1979. (ANASTASSAKIS,2007 p.47)
43
É por esse caminho que podemos fazer uma análise de como o Sphan atribuiu valor
durante sua trajetória para entender as instruções de tombamento.
44
que acabavam acoplando a outros estilos que não o colonial. Apesar disso, ainda predominava
a ideia da valoração de uma estética “assim como de uma unidade estilística no interior de
cada conjunto urbano, rejeitando exemplares distintos do estilo e da época selecionados”
(MOTTA, 2000, p. 266).
Com o conceito de cidade-documento, abriu-se a possibilidade de reconhecimento de
vários bens culturais até então desconsiderados em razão da predominância do discurso
“estético-estilístico”. Essa nova visão indicava a necessidade de analisar as marcas do sítio
urbano ao longo do tempo e apropriada por diversos grupos sociais. De acordo com Motta
(2000, p. 187),
24
Ver ARNAUT, Jurema Kopke. Morro da Conceição, Rio: uma proposta de preservação sem tombamento.
Revista do Patrimônio Histórico e Arquitetônico Nacional, v. 19, p. 97-111, 1984 e MOTTA, Lia;
THOMPSON, Ana Lúcia. Entorno de bens tombados. Rio de Janeiro: Copedoc/Iphan, 2010.
46
Assim, essa outra perspectiva de valor se fortalecia cada vez mais nos anos 1980,
incorporando a historiografia nas práticas de tombamento, apesar de serem “reiteradamente
contestadas nas impugnações”25 (FONSECA, 2009, p. 195). Nessa década se tombaram
vários sítios históricos, como foi o caso de Laguna, citado anteriormente, cujo técnico
responsável pelo estudo de tombamento foi Luiz Fernando Franco do Iphan, que defendia a
leitura dos “desertos” deixados pela história factual. Natividade, situada no Estado de Goiás,
hoje, Tocantins, que também foi reconhecida com base no estudo de tombamento de Helena
Mendes dos Santos e Márcia Regina Romeiro Chuva:
25
A Impugnação seria um recurso previsto para o proprietário do imóvel contestar contra o tombamento do bem
enquanto provisório antes do tombamento definitivo. Conforme o Decreto-lei nº 25/1937, que trata da proteção
do patrimônio histórico e artístico nacional, assim dispõe, em seu art. 9º.
1) o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, por seu órgão competente, notificará o proprietário
para anuir ao tombamento, dentro do prazo de quinze dias, a contar do recebimento da notificação, ou para, si o
quiser impugnar, oferecer dentro do mesmo prazo as razões de sua impugnação.
2) no caso de não haver impugnação dentro do prazo assinado, que é fatal, o diretor do Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional mandará por simples despacho que se proceda à inscrição da coisa no competente
Livro do Tombo.
3) se a impugnação for oferecida dentro do prazo assinado, far-se-á vista da mesma, dentro de outros quinze dias
fatais, ao órgão de que houver emanado a iniciativa do tombamento, a fim de sustentá-la. Em seguida,
independentemente de custas, será o processo remetido ao Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, que proferirá decisão a respeito, dentro do prazo de sessenta dias, a contar do seu
recebimento. Dessa decisão não caberá recurso. (BRASIL, Decreto-lei nº 25/1937, Capítulo II, Art 9º.)
47
Todavia, o sítio histórico de Porto Nacional, também no Tocantins, não chegou a ser
analisado na instituição durante aquele período de afirmação do conceito cidade-documento,
possivelmente porque não havia demanda pelo poder público e nem interesse por parte do
Iphan. Talvez o desinteresse técnico pelo sítio histórico se deva ao fato do mesmo de possuir
em seu conjunto uma catedral neorromânica que imitava um estilo europeu, o que não se
enquadrava no estilo oficial de preservação, além de haver um destoamento de escala da
edificação em relação ao conjunto de casario de arquitetura vernacular. Mais tarde, após 25
anos do tombamento do núcleo histórico de Natividade, o sítio histórico de Porto Nacional foi
reconhecido como patrimônio cultural brasileiro, com base no fato de que também fez parte
do processo de ocupação e formação do território brasileiro durante o período da mineração,
sob forte movimentação política do poder público local.
Em todos esses exemplos, a justificativa do tombamento foi pautada no “fato de
representarem marcos da conquista do território brasileiro, denotado pela forma urbana e sua
relação com o sítio natural”, ressaltando-se que o valor de diferenciação foi o valor histórico e
não o valor estético da arquitetura do conjunto.
A partir desse olhar mais abrangente, foi possível reavaliar os pressupostos teóricos
artísticos que até então eram norteados pelos cânones dos arquitetos modernistas, os quais
estabeleceram uma linha de análise sobre a história da arquitetura brasileira, excluindo alguns
estilos representados no século XIX que não mereciam ser “dignos de proteção”, como o
estilo eclético, que foi considerado por Lúcio Costa em 1939 como um hiato na história da
arquitetura (FONSECA, 2009).
É claro que essa abertura não aconteceu de forma pacífica. Novos atores que passaram
a incorporar o Conselho Consultivo da instituição na década de 1970 e que detinham novas
perspectivas para o patrimônio, enfrentaram fortes resistências e alguns processos foram
bastante polêmicos, envolvendo tentativas de impugnações nas decisões tomadas para os
tombamentos de exemplares do século XIX.
Fonseca (2009) cita o caso do tombamento do conjunto arquitetônico da Avenida Rio
Branco no Rio de Janeiro, que exemplifica essa situação, evidenciando o confronto existente
nas diversas formas de abordar a valoração dos imóveis que compunham o conjunto. Cabe
salientar que apesar de não estar realçado pela autora, esses embates começaram na gestão do
arquiteto Renato Soeiro quando ele abre a instituição em virtude do contexto político,
econômico e social na década de 1970.
A análise realizada pela Divisão de Estudo e Tombamentos em 1972, que teve a
defesa de Lúcio Costa, foi contrária à preservação de todos os bens que estavam sendo
48
requeridos, considerando que faltava unidade ao conjunto. Por outro lado, o relator do
processo e membro do Conselho Consultivo, Paulo Santos, defendia o tombamento do
conjunto e reconhecia a relatividade dos juízos de valor contra os princípios canônicos no ato
de valoração que discriminassem estilos na história da arquitetura, trabalhando conectado com
o valor histórico, na medida em que os estilos eram por ele analisados à luz dos momentos
históricos em que surgiram, como é o caso do ecletismo, considerado pelos modernistas como
antiarquitetura. Em resposta ao parecer do Chefe da Seção de Arte da Divisão de Estudo e
Tombamento, ele expressou sua abordagem na atribuição de valores aos bens culturais:
Foi a partir dessas ideias que na década de 1970 teve início uma reconceituação dos
valores artísticos e a perspectiva histórica foi ampliada — situação bastante diferente das
décadas anteriores.
Contudo, a atribuição de valores se tornou mais complexa em virtude da inserção de
novos atores no corpo técnico e no Conselho Consultivo do Iphan, provocando reflexões
pelos próprios agentes da instituição em relação aos pareceres técnicos e às análises
26
RIEGL, Aloïs. O culto dos monumentos: sua essência e sua gênese. Goiânia: Editora da Universidade
Católica de Goiás, 2006.
49
Vale ressaltar que, em muitos casos, os pedidos de tombamento feito por assembleias
e prefeituras eram motivados pelos benefícios que o tombamento poderia trazer para o
município “como meio para conseguir, junto ao governo federal recursos para a solução de
problemas urbanos locais, sobretudo em função da carga simbólica da ideia de patrimônio, no
sentido do reforço às identidades locais” (FONSECA, 2009, p. 185). Porto Nacional foi um
exemplo desse processo, pois a própria prefeitura, com o apoio do governo estadual,
encaminhou a solicitação de pedido de tombamento do sítio histórico de Porto Nacional
tardiamente, em 2008.
O aumento da participação da sociedade reivindicando o tombamento dos seus bens
culturais representou mais um desafio para o Sphan porque a equipe técnica “não estava
preparada para selecionar e para proteger coisas estranhas ao universo dos patrimônios, e que
haviam servido, inclusive, de contraponto para a valoração dos bens patrimoniais”
(FONSECA, 1996, p. 158).
A partir desse momento, caminhava-se em direção a julgamentos cada vez mais
conflitantes para se reconhecer um bem cultural com vários valores e que no contexto atual,
essa complexidade é ainda maior, para escolher valores determinantes para um
reconhecimento nacional.
Entendemos que a atribuição de valores no âmbito geral está mais diversificada,
acompanhada das relativizações nos valores artísticos, das inserções de valores históricos
como valor de diferenciação e de maior preocupação com o conteúdo antropológico dos
objetos. Desconcentram-se as prioridades no valor artístico herdado de traços canônicos, de
excepcionalidades, ampliando-se o foco para valores baseados em aspectos históricos e
culturais, analisando-se objetos, cidades e centros históricos a partir de um viés mais
antropológico, sendo os traços de outros aspectos dos processos histórico-sociais levados em
conta na atribuição desses valores, a exemplo de elementos imbricados a grupos étnicos,
associações comunitárias, práticas e movimentos sociais.
Exemplo desse processo de mobilização da sociedade local para a preservação do
patrimônio foi a reconstrução e tombamento do sítio histórico de São Luiz de Paraitinga que
tinha sido destruído após a enchente de 2010. De acordo com Gracia
“Intervenir equivale a actuar conscientemente en el proceso dinámico de la
ciudad; debiendo añadirse que, en todo caso, habría de garantizarse la
mínima estabilidad necesaria para que la forma urbana, en sus partes y en el
todo, prolongue una identidad que ha sido conseguida lenta y
trabajosamente. Como se ha dicho en otro pasaje, la ciudad es un
patrimonio del passado a transferir hacia el futuro y, si es posible, mejorado
por el presente”. (GRACIA, 1992, p.179)
51
27 A formação do lago artificial, obra realizada em 2003, deveu-se à construção da usina hidrelétrica de Luís Eduardo Magalhães que impactou drasticamente a comunidade
local e que ocasionou mudanças urbanísticas no espaço urbano do sítio urbano histórico de Porto Nacional. Em meio a vários protestos, alguns grupos se manifestaram contra
as transformações que ocorreram no Largo das Mercês (praça principal do centro histórico) e a perda das praias temporárias.
53
aos aspectos físicos, que foram valorados pelo tombamento, não sendo consideradas as
dinâmicas social, espacial e imaterial do espaço urbano.
Em virtude da dinâmica a que o seu núcleo urbano antigo foi submetido ao longo dos
anos, existe uma dificuldade para definição e execução de ações de preservação, devido à
complexidade que envolve o lugar, e que acaba dificultando a ação de intervenção física no
espaço urbano.
Quando se pretende interferir numa região, local ou espaço urbano para proteger
determinados bens que foram reconhecidos, a finalidade da realização de um inventário é
“produzir um conhecimento para iluminar uma intervenção” (FONSECA, 2000, p. 113).
Entretanto, existem diferentes interesses e diferentes atores sociais envolvidos nesse processo,
o que leva esse estudo a não se restringir apenas ao valor histórico e/ou artístico, mas
incorporar “a dimensão simbólica daquele espaço para seus habitantes” de maneira plural e
diversificada e de forma a abordar “a dinâmica de ocupação e de uso daquele espaço”
(FONSECA, 2000, p. 113) por meio da noção de referências culturais.
Apesar de não ter sido aplicado o conceito de referência cultural para o tombamento
em Porto Nacional, antes do reconhecimento como patrimônio cultural, o núcleo histórico
passou por uma série de intervenções físicas promovidas pelo interesse estritamente político
que dilaceraram parte das referências culturais para os portuenses, como foi o caso da
formação do lago no rio Tocantins. Magalhães (1997) já alertava para intervenções
devastadoras que poderiam acontecer em determinados lugares. Durante uma reunião onde se
discutia o processo de desenvolvimento do país28, destacando-se a inserção de uma linha de
metrô em São Paulo, o autor lançou uma pergunta: “E Triunfo?”, referindo-se a uma pequena
cidade localizada no interior de Pernambuco e exprimindo sua preocupação com o papel dos
bens culturais diante das intervenções do Estado em busca do progresso.
Citar Triunfo foi a maneira que Magalhães utilizou para chamar a atenção dos
participantes para as referências culturais do lugar em meio àqueles grandes projetos de
desenvolvimento nacional:
E quando você chega a mil metros de altura, numa curva de estrada, você
avista a cidade de Triunfo. Tem um açude parado, refletindo a cidade, uma
pequena cidade antiga, com as ruas, as praças, os prédios de dois andares.
Uma escala humana perfeitamente mantida, uma densidade correta. E eu
entrei na cidade, parei na praça, saltei do carro e, como nós todos, tentei
fotografar Triunfo, absorver Triunfo, chupar Triunfo pela tecnologia da
máquina. E quando estava fotografando a cidade, eu ouvi, vi um sinal, que
era uma voz que fazia psiu psiu. Olhei, vinha de um sobrado que tinha na
28
Intervenção de Aloísio Magalhães na Semana de Arte e Ensino, São Paulo, 17 de novembro de 1980. Ver MAGALHÃES,
Aloísio Sérgio de. E Triunfo? A questão dos bens culturais no Brasil. Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 1997.
55
praça. Tinha uns galpões, uma varanda no sobrado e tinha uma moça sentada
no chão, lendo um livro, e ela virou-se para mim e disse: “A vista aqui em
cima é mais bonita.” E me convidou para subir e eu subi para fotografar
Triunfo. E dali eu saí com essa moça para ver Triunfo, o colégio das freiras
belgas, o convento dos franciscanos, o lugar onde as mulheres lavam roupas,
que tem uma fonte para lavar a roupa. Enfim, todo um processo de harmonia
entre ecologia e necessidades técnicas, toda uma forma de vida que nada
tinha a ver com a escala da discussão em que nós estávamos
(MAGALHÃES, 1997, p. 49).
Essa foi a tentativa de Magalhães de dizer que existe Triunfo e quantos Triunfos
existem por aí. O autor questionou:
E que é que nós estamos fazendo senão justamente ao contrário, destruindo,
criando situações que nada tem a ver com aquela harmonia? Criando
situações de desespero e angústia nos grandes centros urbanos e que vão
afetar Triunfo se nós não nos apercebemos de que é preciso proteger, é
preciso estimular situações como a de Triunfo? (MAGALHÃES, 1997, p.
50).
É coerente inserir o caso de Triunfo na argumentação deste ensaio, já que estamos
falando do desaparecimento de referências culturais do centro histórico como lugar, em
consequência da atuação do poder público que apoia interferências urbanas danosas que se
contrapõem aos valores atribuídos pela comunidade local, incentivando uma apropriação do
lugar limitada aos interesses políticos para o progresso regional e mercadológico,
desprezando os processos de conhecimento e o valor documental que o centro histórico
acumulou ao longo dos tempos.
Nesse cenário é fundamental considerar o bem não somente na sua feição material,
mas também nos aspectos subjetivos contidos nos centros históricos a partir dos diferentes
sentidos, olhares e valores que são atribuídos ao lugar, determinados pela noção de referência
cultural. O que nos interessa, em particular, são as formas de construção e apropriação
cotidiana da comunidade pelos elementos constituintes dos lugares que, como tal, constituem
instrumentos para nortear futuras intervenções em sítios urbanos tombados.
Sob essa perspectiva, abordaremos a noção de referência cultural explorado pelo
Iphan, procurando articular o conceito comum ao urbanismo, ao patrimônio cultural e à
geografia a partir da apropriação do conceito de lugar.
56
exemplo da complexidade que estamos lidando hoje nas práticas institucionais de preservação
do patrimônio cultural.
A cachoeira do Iauraretê foi reconhecida como patrimônio cultural imaterial e
registrada no livro de Lugares pelo Decreto-lei nº 3551 em agosto de 2006. A área é
conhecida como um lugar de grande significância para as diversas etnias indígenas que
habitam o Vale do Rio Uaupés, localizado no Estado do Amazonas, na região que faz
fronteira com a Colômbia, cujos valores estão enraizados nas afinidades espirituais por meio
da cosmologia entre as águas da cachoeira e o seu povo (IPHAN 2006). Aqueles indígenas
tem um sentimento próprio e específico com a cachoeira e nem todos podem compartilhar
esses outros valores ou perceber as muitas camadas de significados relacionadas à imagem da
cachoeira para aqueles indígenas.
Neste sentido, é necessário que haja um questionamento sobre valores culturais
atribuídos a um lugar, por diferentes grupos na sociedade, e que o mesmo seja reconhecido e
incorporado na gestão do bem cultural. O INRC mostra-se como ferramenta relevante nesse
aspecto ao buscar conhecer as referências culturais de um povo utilizando-se dos recursos da
etnografia, fornecendo a compreensão da importância daquele lugar para os povos indígenas
em virtude da sua característica multidisciplinar, motivo pelo qual nos obriga, mais adiante, a
estudar as possibilidades deste instrumento.
Outra questão a ser ressaltada é em relação às múltiplas abordagens para se
reconhecer o bem, e que pode viabilizar múltiplos ou diferentes caminhos para sua proteção,
como também diferentes formas de intervir fisicamente no bem.
Ainda abordando como exemplo a Iauraretê, conforme parecer do relator
conselheiro do Iphan o antropólogo Roque Laraia para o registro da cachoeira, a motivação
foi subsidiada devido aos seguintes aspectos que foram considerados relevantes;
Por ser emblemático da mito-história de origem e fixação das etnias que
coabitam na região do Iauaretê; Por ser este lugar Sagrado um dos
elementos referenciais na construção da identidade cultural desses povos;
Por atender as diretrizes da Política Nacional de Patrimônio Cultural
Imaterial, priorizando regiões historicamente pouco atendidas pela ação
institucional, além de reconhecer e valorizar bens culturais representativos
de contextos culturais indígenas; Por estarem esses povos empenhados na
retomada e revitalização das tradições e dos mecanismos que viabilizam sua
transmissão aos mais jovens. (LARAIA, IPHAN, 2006, Ata do Conselho
Consultivo p.38-39)
Percebe-se por meio do parecer do relator, que os mais velhos do povo indígena
sentiram a necessidade da manutenção das práticas coletivas que são experienciadas naquele
59
espaço, visto que correriam o risco de desaparecer e mereciam ser preservados para as
gerações futuras.
Durante a 49ª Reunião do Conselho Consultivo do Iphan que discutia o registro da
cachoeira de Iauaretê como patrimônio cultural brasileiro, o antropólogo Roque Laraia expõe
os argumentos que leva um lugar a ser considerado como patrimônio cultural. Em suas
palavras,
um lugar somente pode ser considerado como passível de registro como
patrimônio cultural imaterial, quando uma população lhe atribui importantes
significados culturais, que estão vinculados à sua história, à sua mitologia e
a sua própria identidade cultural. (LARAIA, IPHAN 2006 p.39)
exatamente as significações trazidas pelos que estão interagindo com aquele espaço”
(FONSECA, IPHAN, 2006 p.44).
Portanto, existe uma necessidade da manutenção da materialidade para que o
imaterial permaneça e ocorra. Situação diferente quando se registrou a Feira de Caruaru, pois
naquele lugar, não é necessário à manutenção de um espaço físico específico, visto que o
valor estava direcionado totalmente para às práticas coletivas que acontecem sobre o espaço
físico e não existe uma relação afetiva, necessariamente, com o espaço. Maria Cecília Londres
ao mencionar durante a reunião sobre a importância da Feira de Caruaru diz que o
interesse não é propriamente o aspecto físico, mas o que ali ocorre.
São as práticas, são todas as situações ligadas àquele físico, muito
mais que o espaço físico em si, com as suas características e
qualidades, sejam elas arquitetônicas, naturais etc. (FONSECA,
IPHAN, 2006 p.45)
29
Essa indagação foi levantada a partir das reflexões trabalhadas na disciplina Espaço e Patrimônio Cultural, ministrada pelo
professor Rafael Winter Ribeiro durante o 1º módulo de aulas do Mestrado em Preservação do Patrimônio Cultural pelo
Iphan, realizado na cidade do Rio de Janeiro.
62
conceito de lugar com a preocupação de torná-lo um conceito com caráter científico, dentro
de uma lógica de ciência que valorizasse o subjetivo. Tuan foi um dos geógrafos mais
significativos que contribuiu de forma relevante para a cientificidade do conceito de lugar sob
o aspecto humanista.
[...]seus trabalhos no final da década de 1960 e início de 1970 se dedicavam
em dois campos: a pesquisa das atitudes do homem em relação ao meio
ambiente que culminaria com a publicação do livro “Topophilia” em 1974 e
a investigação sobre os conceitos espaciais que fossem mais adequados do
que o de paisagem utilizado usualmente pela geografia cultural, permitindo
uma investigação com características mais subjetivas e antropocêntricas,
além de adequar-se ao aporte filosófico fenomenológico, existencialista e
estruturalista, que culminou na obra Space and Place: perspective humanistic
em1977.(HOLZER, 2003, p.115)
Assim Yi-Fu Tuan se consagrará como um dos autores clássicos para a diferenciação
dos conceitos de lugar e espaço, na segunda metade da década de 1970 e se destacará com o
lançamento da obra “Espaço e Lugar: A perspectiva da experiência”, publicado em 1977,
abordando o “lugar” e o “espaço”como elementos do meio ambiente que se encontram
intimamente relacionados, e que não podem ser definidos separadamente.
Para Tuan (1983) as diferenças entre eles, podem ser definidas a partir da relação
afetiva com os mesmos por parte de indivíduos ou grupos de indivíduos. No livro “Espaço e
lugar” — considerado uma das principais obras da geografia humanística —, o geógrafo
reúne importantes considerações teóricas que contribuem para a compreensão de duas
categorias, espaço e lugar, definindo com maior precisão onde se situa o lugar, ou seja, na
condição de espaço humanizado:
O lugar é segurança e o espaço é liberdade: estamos ligados ao primeiro e
desejamos o outro. [...] a partir da segurança e estabilidade do lugar estamos
cientes da amplidão, da liberdade e da ameaça do espaço [...]. Espaço é mais
abstrato do que lugar. O que começa como espaço indiferenciado
transforma-se em lugar à medida que o conhecemos melhor e o dotamos de
valor. [...] o espaço transforma-se em lugar à medida que adquire definição e
significado. [...] é possível descrever o lugar sem introduzir explicitamente
conceitos espaciais [...] movemo-nos das experiências diretas e íntimas para
aquelas que envolvem cada vez mais apreensão simbólica e conceitual
(TUAN, 1983, p. 3, 6, 151).
Carsalade (2007) define o lugar como espaço reconhecido como herança cultural
para determinados sujeitos sociais. Nessa direção, Tuan (1983) enfatiza que desde a infância
fazemos associações de objetos e pessoas aos lugares: a professora à escola, a mãe a casa. Isso
demonstra que o conceito de lugar guarda em si simbologias, uma vez que as pessoas criam o
mundo conforme as suas identidades e percepções em relação ao meio, caracterizado por
feições históricas e culturais. Na medida em que o indivíduo se socializa, essas referências
vão se modificando, pois ele começa a querer compreender o “o quê?” e “para quê?”. As
pessoas estão relacionadas aos ambientes e tentam explicar como o lugar funciona. Os
significados então, são construídos e fundados na vivência da sociedade em tal lugar que o
diferencia de outro pelo uso e pelas práticas cotidianas.
Segundo Tuan (1983), “o lugar é um mundo de significado organizado. É,
essencialmente, um conceito estático. Se víssemos o mundo como processo, em constante
mudança, não seríamos capazes de desenvolver nenhum sentido de lugar” (TUAN, 1983, p.
198). Sob essa ótica, a concepção de lugar coloca em questão as mudanças drásticas que
ocorrem nos lugares e que, como consequência, modificam os sentidos construídos pela
população em determinado tempo no espaço. Logicamente, transformações ocorrem, porém,
deve-se ter noção, principalmente, os poderes públicos, da importância da conservação dos
aspectos históricos e culturais. Por esse motivo, as instituições de preservação também se
reinventaram e começaram a se preocupar com os lugares de memórias, onde entram em cena
as narrativas urbanas, regionais e locais que expõem especificidades do espaço como lugar.
As memórias são importantes registros vividos que partem das lembranças e
eternizam lugares como referências para uma constante recordação e apego ao passado,
trazendo em si os mais diversos sentimentos documentados (seja por meio do papel, do
ambiente natural ou edificado) e que são aflorados em narrativas (que podem ser literárias,
artísticas, fotográficas ou cinematográficas), sonhos e percepções. Conforme Tuan (1983),
alguns lugares são muito significantes para determinados grupos e
indivíduos apesar de ter pouca notoriedade visual. Uma função da arte
literária é dar visibilidade a experiências íntimas inclusive às de lugar. [...] a
arte literária chama a atenção para áreas de experiência que de outro modo
passariam despercebidas. [...] Objetos que são admirados por uma pessoa,
podem não ser notados por outra. A cultura afeta a percepção. No entanto,
certos objetos, quer naturais ou feitos pelo homem, persistem como lugares
através da eternidade do tempo, sobrevivendo ao apoio de determinadas
culturas (TUAN, 1983, p. 181).
essencialidade desse conceito estaria ligada “nos três sentidos da palavra, material, simbólico
e funcional [...] apesar de possuir aparência material, esses lugares são possuidores de
histórias constituídas de significações, afetividades, cumplicidade e laços de pertencimento”
(MOTTA, 2011, p. 180). Para Arantes (1994), o lugar é compreendido por meio da
associação com a noção de documento, ao ser valorizado pelos vestígios da ação humana que
se apresentam como
marcos culturais de pedra e cal, antigas estruturas arquitetônicas em
paisagens urbanas (que corporificam conflitos políticos e ideológicos mais
do que acordos ou simplesmente dominação ou subordinação. Eles celebram
realizações políticas e estéticas, sempre sujeitas à reelaboração pela cultura
vernacular, conseguida na luta pela legitimação de interesses práticos,
valores estéticos e visões do mundo (MOTTA, 2000, p. 282).
30
Paralelamente aos estudos e questionamentos para a preservação do patrimônio cultural, o Iphan criou o Inventário
Nacional de Referências Culturais (INRC) em 1999, com base nas experiências do Centro Nacional de Referências Culturais
(CNRC) e Pró-memória — projetos surgidos durante a gestão de Aloísio Magalhães na década de 1970. Conforme
estabelecido do manual do INRC, a sua finalidade está direcionada à capacidade de “levantar e identificar bens culturais de
natureza diversificada, apreender os sentidos e significados a eles atribuídos pelos grupos sociais e encontrar formas
adequadas a sua preservação” (IPHAN, 2000, p. 7). Depois de vários estudos e experiências, esse processo resultou na
promulgação do Decreto Lei nº 3.551, em 2003, que institui o Registro dos Bens Culturais de Natureza Imaterial — estes,
após selecionados, serão inscritos nos seguintes livros: “Livro de registros dos saberes (para o registro de conhecimentos e
modos de fazer), Livro das celebrações (para as festas, os rituais e os folguedos), Livro das formas de expressão (para a
inscrição de manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas), e Livro dos lugares (destinado à inscrição de
espaços onde concentram-se e reproduzem-se práticas culturais coletivas)” (SANT’ANNA, 2003, p. 56).
67
um não pode ser completamente apreendido sem o outro” (SANT’ANNA, 2001, p.160). Isso
porque o patrimônio imaterial tem uma face material expressa em objetos concretos (artefatos,
vestimentas, locais de produção e reprodução) da mesma forma que monumentos, edificações
e sítios possuem uma face imaterial expressa em valores e representações sociais a eles
atribuídos.
No caso de tombamento de um sítio urbano, Sant’Anna (2001, p. 160) recomenda
que, “além dos valores históricos, artísticos, arqueológicos e paisagísticos, que nele se
reconheça valores que se vinculam a determinada configuração espacial ou física — possui
ainda valores que se ligam ao uso e à prática social daquele espaço”.
Concordamos com a autora quando ela destaca que, ao propor a documentação de
lugares e edificações, o processo de conhecimento das referências culturais por meio do INRC
supera a falsa dicotomia de que os aspectos materiais e subjetivos estão separados, pois
entendemos que os dois são faces da mesma moeda (SANT’ANNA, 2003). E também
defendemos a proposta de Tuan (1983), que consiste em levantar os valores afetivos que
constituem e são experimentados no espaço, transformando o lugar, e que devem ser
apreendidos, explicitados, sejam hegemônicos ou não.
Percebe-se que esse novo aporte conceitual transforma a própria noção de
patrimônio, uma vez que tira o foco sobre o bem material isolado e transfere o olhar para a
concepção de referência cultural que inclui, além das construções, a dimensão dos bens
imateriais, naturais, a experiência e ação ali realizadas, evidenciando a influência mútua entre
a materialidade e os valores afetivos e simbólicos. Portanto, o lugar pode representar como
referência cultural e refletir como fragmento da memória.
Apesar dos avanços conceituais referentes ao patrimônio cultural urbano, ainda
persiste um distanciamento entre as instituições e a população detentora do bem cultural, por
não se ter um olhar aprofundado sob a relação dos sujeitos sociais que se apropriam do espaço
e também pela não participação efetiva deles nas decisões indicadas pela instituição de
preservação, pelo poder público e/ou privado no que tange às intervenções no espaço urbano
considerado patrimônio cultural.
O sítio histórico de Porto Nacional é lugar como referência cultural por possuir
espaço valorizado como detentor das formas de mais profundo significado junto à população,
concentrando os marcos referenciais mais simbólicos do antigo núcleo que originou a cidade.
Aos que passam os finais de tarde pelo local, especialmente no Largo das Mercês, é
impossível não registrar os momentos marcantes de vida no centro histórico, associando-os ao
lugar, como também a prática cotidiana dos seus moradores de sentarem-se às portas de suas
68
2.3 O INRC e suas contribuições para o conceito de lugar nas políticas do patrimônio
A Constituição Federal de 1988 adotou uma concepção mais ampla da cultura, a partir
da introdução das “noções de bem cultural, dinâmica cultural e de referência cultural”
(IPHAN, 2000, p. 7) — conceitos que já eram adotados pelo Centro Nacional de Referência
Cultural e pela Fundação Nacional Pró-Memória.
Diante das novas atenções que o bem cultural necessitava e do afloramento das
multinarrativas sobre patrimônio, era preciso evoluir para novos instrumentos de proteção que
fossem coerentes com as novas demandas do Iphan, associadas à dinâmica do cotidiano.
Assim, o Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC)31 veio para instrumentalizar o
“Programa Nacional do Patrimônio Imaterial, visando à implementação de política específica
de inventário, referenciamento e valorização do patrimônio” (BRASIL, 2000).
De acordo com o Manual do INRC, era necessário “evoluir para a construção de novos
instrumentos, capazes de levantar e identificar bens culturais de natureza diversificada,
apreender os sentidos e significados a eles atribuídos pelos grupos sociais e encontrar formas
adequadas a sua preservação” (IPHAN, 2000, p. 7).
Esse instrumento procura compreender e descrever o bem cultural sob o ponto de vista
dos seus detentores — aspecto relevante quando tal inventário é realizado em sítios históricos
para que possa nortear as futuras intervenções, “buscando apreender os sentidos atribuídos
pelos moradores ao patrimônio cultural” (IPHAN, 2000, p. 7).
Há de salientar que essa característica do INRC o diferencia dos outros inventários, até
então desenvolvidos pela instituição em razão do seu caráter mais democrático, pois permite
31
Metodologia de pesquisa para identificação de referências culturais, elaborada e utilizada pelo Iphan em
consonância com os artigos 215 e 216 da Constituição Federal de 1988 e com as novas concepções teóricas
sobre patrimônio cultural.
70
que qualquer grupo social ou comunidade possa realizar esse inventário com intuito de
conhecer suas próprias referências culturais. É recomendável que se realize esse modelo de
inventário, já que ele possibilita aos detentores dos bens culturais terem maior acessibilidade
aos instrumentos que possam proteger suas referências, tornando o INRC bem interessante
quando aplicado em áreas que abrangem o patrimônio cultural urbano.
É fundamental apreender quais são as referências culturais significativas consideradas
por uma comunidade de determinado local, entendendo que isso não se restringe ao
levantamento documental e que serve também para direcionar ações no espaço urbano dos
sítios históricos. Importa levar-se em conta as narrativas não hegemônicas, diferenciadas e às
vezes até contraditórias (em relação à motivação do tombamento) que não foram
contempladas ou ressaltadas nos processos de tombamento anteriores à aplicação do INRC —
ou mesmo as atuais —, de forma a garantir procedimentos mais democráticos em sítios
históricos tombados pelo Iphan.
Dessa forma, o INRC se mostra como um relevante instrumento de conhecimento
desses valores contidos nos sítios históricos que foram anteriormente tombados. É importante
demonstrar sua utilidade em estudos relacionados à compreensão e apreensão do sítio
histórico por parte da comunidade, enfatizando sua aproximação com os significados urbanos
que é viabilizada por meio da compatibilização entre o olhar técnico e o olhar da sociedade
sobre as questões referentes ao patrimônio cultural, bem como na identificação das relações
de pertencimento dos diversos sujeitos sociais com o espaço urbano.
Conforme o Manual, “inventariar, como lembra ainda a definição do dicionário,
significa também encontrar, tornar conhecido, identificar. Portanto, descrever de forma
acurada cada bem considerado, de modo a permitir a sua adequada classificação, é aqui tarefa
primordial” (IPHAN, 2000, p. 28). O INRC deve, então, “basear-se em critérios explícitos e
que sejam de aplicação universal, para que se possa contribuir, a partir de um contexto bem
delimitado, um conjunto completo de instâncias que sejam as consideradas relevantes
segundo tais critérios” (IPHAN, 2000, p. 28). A partir desse aspecto, é possível até comparar
inventários mais recentes com os anteriores. Por isso existe a necessidade de ser uma prática
rotineira na instituição em virtude do próprio processo de atribuição de valor pela
comunidade, que é dinâmico, e assim permitir que novos valores possam ser incorporados
com o tempo.
Segundo Arantes Neto (2000), a criação dos procedimentos de inventário para o INRC
envolveu, entre outros desafios, o de
71
Tuan (1983) confirma a dificuldade que existe para reconhecer algo ao qual atribuímos
valor ao dizer que “as experiências íntimas, não sendo exaltadas, passam despercebidas. Na
hora não dizemos ‘é este’, como fazemos ao adquirir objetos de notória ou reconhecida
beleza. É somente quando refletimos que reconhecemos seu valor” (TUAN, 1983, p. 158).
As narrativas literárias, artísticas e cinematográficas podem ajudar nesse processo de
identificação, levando-se em consideração que
espaços — estes conceituados como locais onde se reproduzem práticas culturais e que,
posteriormente, viriam a ser definidos como lugares.
Para o inventário, o Iphan (2000) definiu as seguintes categorias e suas abrangências:
diante dos valores subjetivos incorporados ao espaço físico, envolvendo os diversos sujeitos
sociais que compartilham de um bem comum.
O INRC aborda indiretamente a transdisciplinaridade da categoria lugares em relação
aos valores materiais e imateriais ao admitir a possibilidade de adentrar em
No que diz respeito à temática dos lugares, entende-se que ela “se constitui como
ponto de interseção entre reflexões desenvolvidas por várias disciplinas acadêmicas e envolve
particularmente a arquitetura e antropologia” (IPHAN, 2000, p. 32). Por esse motivo, a
identificação de lugares focais pode ser o ponto de partida mais produtivo para uma tentativa
de integrar os resultados dos dois tipos de inventários que o Iphan passou a produzir: o INBI-
SU32 e o INRC.
Essas práticas reconhecidas como indissociáveis no lugar devem ser levantadas de
forma a abordar os modos de apropriação prática e simbólica do espaço como também a
evolução histórica desses modos de apropriação, considerando que o “lugar é processo e,
portanto, tempo” (IPHAN, 2000, p. 32). Para Tuan (1983, p. 158), “os acontecimentos simples
com o tempo podem se transformar em um sentimento profundo com o lugar”. Mas quanto
tempo demora para se conhecer o lugar?
[...] “sentir” um lugar leva mais tempo: se faz de experiências, em sua maior
parte fugazes e pouco dramáticas, repetidas dia após dia e através dos anos.
É uma mistura singular de vistas, sons e cheiros, uma harmonia ímpar de
ritmos naturais e artificiais, como a hora do sol nascer e se pôr, de trabalhar
e brincar (TUAN, 1983, p. 203).
32
Inventário Nacional de bens imóveis – Sítios urbanos objetiva reunir informações sobre sítios urbanos
históricos tombados pelo Iphan. O INBI-SU procura “sistematizar as informações sobre bens imóveis, coletadas
a partir dos levantamentos de campo e dos levantamentos de fontes documentais, constituindo-se em um
instrumento para a ação institucional do IPHAN.[...] A utilização da categoria sítio urbano – foi definido como
resultado do processo histórico de apropriação do território, que define a consolidação de um espaço, integrando
fenômenos que o relacionam a um contexto geográfico mais amplo (IPHAN, 2001,p.9).
76
acrescentando que “objetos e lugares são núcleos de valor” e que “um objeto ou lugar atinge
realidade concreta quando nossa experiência com ele é total, isto é, através de todos os
sentidos, como também com a mente ativa e reflexiva” (TUAN, 1983, p. 21).
Nesse sentido, o conceito de lugar adotado pelo Iphan está associado à prática cultural
coletiva em determinado espaço, aproximando-se da ideia de experienciação profunda, afetiva
e simbólica de diversos sujeitos sociais com certos espaços, transformando-os em lugares —
visão que converge para a linha humanística do Tuan (1983), apesar de este autor não
aprofundar o conceito de cultura.
É possível perceber que qualquer prática cultural coletiva sempre estará associada ao
espaço. Todavia, ao inscrever um bem na categoria lugares, fica claro que a abordagem e o
valor a ser enfatizado ou atribuído às práticas humanas e às experiências coletivas estão
diretamente relacionados ao espaço onde elas acontecem.
Nessa perspectiva é possível visualizar que a materialidade do imaterial é relevante
para a ocorrência de tais práticas.
Conforme o Comitê Gestor do Patrimônio Imaterial (IPHAN, 2012), a proposta para a
criação da categoria lugares veio da justificativa de que existem sítios naturais, espaços
construídos ou não, que, independentemente de possuírem valor arquitetônico ou artístico,
estético e paisagístico, constituem pontos focais da vida do grupo naquele lugar, porque
compõem cenários significativos de articulações de um modo de pensar e agir, uma visão do
mundo característica de determinada parcela da população que compartilha um espaço e nele
manifesta sua condição de pertencimento.
Portanto, o conceito de lugar trabalhado no campo do patrimônio imaterial se
aproxima da noção de lugar explorado pela geografia humanista de Tuan (1983) e pelo
urbanismo sob o viés antropológico, ao atribuir valor ao lugar por meio da experiência
coletiva compartilhada no espaço, ao mesmo tempo em que permite uma interface entre o
patrimônio imaterial e o material — “duas faces da mesma moeda”, como diz Sant’Anna
(2003).
Apesar de as políticas preservacionistas contemplarem a categoria lugares, assim
como se observa no Decreto-lei nº 3.551/2003 e no instrumento de conhecimento das
referências culturais, no caso o INRC, esse conceito é pouco explorado no território do
patrimônio urbano.
Isso nos permite indagar: por que dentro das políticas direcionadas ao patrimônio
material, no que tange ao urbano, não poderíamos aplicar melhor esse conceito, embora ele
seja mais utilizado no patrimônio imaterial? Afinal, o conceito de lugar nunca foi tão atual
77
para direcionar as políticas públicas do patrimônio cultural em áreas urbanas diante das
multinarrativas.
Embora Tuan (1983) não referencie, em seus estudos, bens culturais e patrimônio
cultural ao desenvolver o conceito de lugar, procuramos nos apropriar do conceito
desenvolvido por ele, visto que tal noção se mostra bastante atual e pertinente para direcionar
as práticas de preservação do patrimônio cultural, principalmente porque os valores afetivos e
simbólicos e as práticas sociais são experienciados nesses espaços.
Por esse viés, os valores subjetivos que atribuímos ao lugar só fazem sentido com a
permanência da sua materialidade, constituída pelo espaço físico, seja ele urbano ou natural,
onde se experienciam práticas culturais coletivas que os diferenciam de outros lugares e que,
portanto, devem ser preservados para a continuidade das atividades que abrigam.
Contudo, há que se refletir acerca do instrumento mais adequado para a proteção —
se é o registro e/ou o tombamento — ao atribuirmos valor a um bem cultural que se manifesta
distinto para sua inclusão na categoria lugares. Caso a espacialidade seja de suma importância
para a manutenção de tais práticas e significados atrelados ao bem, segundo o valor que lhe
foi atribuído, necessariamente, o tombamento se mostra como instrumento pertinente para a
proteção, garantindo a continuidade dos valores construídos ao longo do tempo para as futuras
gerações.
Diante do exposto, compreendemos que o conceito de lugar permite a utilização de
dois instrumentos para a proteção: o registro para proteger os valores subjetivos do lugar e o
tombamento para proteger o espaço onde se experienciam tais valores.
Em virtude da transdisciplinaridade anteriormente demonstrada para o conceito de
lugar e por estar contemplado no INRC, podemos verificar a importância da utilização desse
instrumento multidisciplinar em estudos relacionados à compreensão e apreensão do sítio
histórico por parte da comunidade devido a sua aproximação dos significados urbanos, e que é
viabilizada por meio da relação do olhar técnico com o olhar da sociedade sobre as questões
referentes ao patrimônio cultural, bem como na identificação das relações de pertencimento
dos diversos sujeitos sociais com o espaço urbano.
A partir dessa perspectiva multidisciplinar do INRC, aplicaremos o conceito de lugar
como referência cultural, explorando narrativas referentes ao sítio histórico de Porto Nacional,
cujo espaço urbano possui um sentido de lugar constituído de valores para a população local,
apesar de ter sofrido uma trajetória de intervenções pelo poder público que desprezou tais
valores.
78
Situado na parte ocidental de uma grande serra do mesmo nome, sobre o córrego do
lavapés, três e meia léguas a oeste do Porto Real e da margem esquerda do
33
Expedições que ocorreram a partir do século XVI com objetivo de povoar o interior brasileiro, na busca de
mão de obra indígena para as lavouras, como também de abertura de novas rotas terrestres e conquista das vias
fluviais. A partir dos anos de 1700, o objetivo principal se voltou para a busca de pedras preciosas.
80
É extenso e aprazível, fundado em 1741 sobre os rios da Água Suja e Sucurihú que
pelas suas margens formam pântanos que produzem moléstias graves. Tem cento e
sete casas, todas pequenas, a igreja de nossa senhora do Carmo com alguma prata e
a do Rosário, pobre. Os seus moradores principiaram há poucos annnos a
freqüentar a carreira do Pará pelo Tocantins. Tem uma companhia de infantaria,
uma de cavallaria e uma de henriques milicianos, e uma de ordenanças. No seu
districto acham-se abandonadas mais de noventa fazendas de criação de gado e de
plantações. Os índios selvagens concorreram muito para este abandono mas é
provável que tudo procedesse da diminuição do ouro, extincção de escravos e
emigrações para a província do Pará junto ao rio da Formiga existiu uma aldeia
d’este nome, povoada por Acroás. Ficou deserta por serem transferidos para a
aldeia de São José do Duro (CUNHA MATOS, 1874).
A travessia para o Pontal rumo ao Arraial do Carmo era feita por meio de barcas, de
propriedade do português Felix Camoa, que possuía um sítio na margem direita do Tocantins
— onde hoje é o centro histórico do Porto Nacional —, que se tornou porto de passagem entre
os arraiais do ouro. “[...] o ponto escolhido pelo destemido barqueiro [...] ficava entre duas
ilhas, à margem direita do rio num plano elevado, para um caso de ataque dos gentios, ele se
refugiar em uma das ilhas [...]” (GODINHO, 1988, p. 10).
Conforme o parecer técnico do Iphan, a configuração urbana do sítio de Porto Real
seguiu
Figura 3 – Porto Real e a capela dedicada à Nossa Senhora das Mercês – Desenho de J. W. Burchel. Fonte:
Superintendência do Iphan em Goiás, mídia digital, título “A ciência e o caminho da roça”. Fundação Oswaldo
Cruz”, arquivo “O Brasil no Primeiro reinado1”
O memorialista Durval Godinho, com base na oralidade da comunidade local, relata que
houve vários conflitos entre índios (da etnia Xerentes) e os “brancos”. Os sobreviventes que
não eram índios fugiram para Porto Real, abandonando suas casas em virtude do medo de
novos ataques indígenas. Segundo Godinho, logo o Arraial do Pontal entrou em decadência,
chegando a um processo de ruína.
A tais medidas oficiais surgidas nos primeiros lustros do século passado, juntaram-
se outras circunstâncias propiciadoras do rápido desenvolvimento de Porto Real.
Uma delas, embora lamentável, foi o doloroso massacre de Pontal, cujos
sobreviventes, num doloroso êxodo, fixaram-se definitivamente em Porto Real
(GODINHO, 1988, p. 17).
O districto de Pontal é mui abundante de ouro, mas os assaltos repetidos dos índios
selvagens afugentaram os mineiros das ricas lavras da matança que não estão longe
do arraial. O mesmo caminho antigo pela planície estava abandonado por temor dos
índios. Eu determinei que se abrisse novamente, e foi por elle que marchei para o
arraial. Ao lado do caminho da planície está o ribeirão do Carmo. N’este districto,
meia légua distante do Tocantins, sobre a estrada do Pontal, já estive antigamente
82
em uma guarnição para obstar aos insultos dos índios: ainda chamam Presídio34 a
este lugar (CUNHA MATOS, 1874).
Já para o historiador Odair Giraldin, dentre as suas hipóteses, argumenta que o Arraial
do Pontal conviveu com Porto Real até pelo menos as três primeiras décadas do século XIX.
O mesmo autor acentua que o massacre relatado por Godinho (1988) não foi o principal fator
que levou a sua decadência.
Na verdade, os ataques dos índios ocorreram a três léguas do Pontal (Godinho, 1988),
no Ribeirão da Matança, onde os “brancos” extraíam o ouro. O grande problema era a falta de
segurança e tranquilidade para extração do metal por causa dos constantes ataques indígenas,
obrigando os “colonizadores” a se refugiarem aos poucos no outro lado do rio, no próspero
Arraial Porto Real.
Esses constantes conflitos, de certa forma, contribuíram para o despovoamento do
Pontal e o deslocamento de várias famílias para Porto Real. De acordo com Ravagnani
(1989), várias foram as tentativas realizadas pelo governo para tentar acabar com os
constantes ataques indígenas por meio das Bandeiras, com intuito de “expulsar” os indígenas
da região das áreas mineradoras.
Outra dificuldade para a extração do ouro foi a proibição da navegação pelo rio
Tocantins, medida determinada pela Coroa em virtude das facilidades encontradas pelo
contrabando de minério, visto que o isolamento da região dificultava a cobrança do quinto do
ouro. Essa decisão da Coroa afetou as minas do norte, que se viram completamente isoladas e,
devido a esse processo, algumas povoações que dependiam desse comércio e já eram
dispersas, entraram em processo de decadência e mesmo de total desaparecimento
(PARENTE, 1999).
Entre o final da década de 1760 e a década de 1780, a mineração em Goiás começou a
entrar em decadência, como também ocorreu em outras regiões mineradoras, como, por
exemplo, Minas Gerais e Mato Grosso (PARENTE, 2004).
34
Presídios eram colônias militares de povoamento, defesa e especialização agrícola. (cf. Palacin, 1989:42)
83
No período de 1779 a 1822, o ouro de aluvião foi extinto e apenas alguns faiscadores
exploravam os cascalhos em busca de algum minério que sobrou da extração anterior. Tal
período foi marcado por uma queda na produção, “a ponto de não mais se justificar a
continuidade das explorações, que se tornavam antieconômicas, pois as minas encontravam---
se quase totalmente exauridas” (PARENTE, 1999, p. 47).
A partir desse momento, no final do século XVIII e início do XIX, a situação era de
profunda crise econômica no norte do Goiás, caracterizada pelo despovoamento dos sertões e
diminuição de impostos arrecadados, pois sem ouro não podiam ser pagos os impostos. Em
meio ao colapso da economia, causado pelo declínio da produção do ouro, o norte do Goiás se
direcionou para a agropecuária de subsistência, demonstrando um quadro econômico diferente
do existente nas áreas auríferas de Minas Gerais.
A interdição da navegação fluvial pelo rio Tocantins, bloqueou o desenvolvimento no
norte goiano, principalmente no período do auge do ouro, impedindo outras mercadorias,
além do ouro, de chegarem a outros portos ou caminhos.
No final do século XVIII e na primeira década do século XIX, a palavra mais enunciada
na capitania era “crise”. Conforme Parente (1999, p. 93), a solução proposta pelo governo
para a saída da “crise” — e não havia outra —, era esta: “só através do povoamento, da
agricultura e do comércio com outras regiões, que ela poderia retornar o fluxo comercial de
antes”. A partir desse impasse econômico, foi imprescindível a suspensão da interdição da
navegação do rio Tocantins que cortava a capitania de Goiás.
Em Porto Real, que já era considerado não somente um importante local de trocas,
comércio, entreposto de víveres necessários para os trabalhos com mineração e sobrevivência
da população, como também um local de contrabando do ouro, a decisão da Coroa pela
liberação da navegação ampliou a comercialização de mercadorias locais com Belém do Pará.
O lugar passou a ser apontado como um centro de comércio que abastecia de serviços e bens,
em quantidade limitada, uma área que vivia no isolamento.
A figura 4, a seguir, mostra os fluxos de mercadorias nas localidades centrais no norte
de Goiás nos séculos XVIII e XIV.
84
Figura 4 – Localidades centrais no norte de Goiás nos séculos XVIII e XIV. Fluxos comerciais. Fonte:
BRITO (2009)
Nesse sentido, é possível compreender o papel de Porto Nacional (Porto Real) na rede
de mineração no norte do Goiás, no período do ciclo do ouro, como um importante centro de
comércio para a região, com relevância acentuada após o declínio da mineração, devido à
necessidade de se impulsionar outro tipo de desenvolvimento para o norte do Goiás por meio
do rio Tocantins.
Outro fator que contribuiu para desenvolver a navegação do rio Tocantins e a cidade de
Porto Nacional foi o estabelecimento de uma linha de correios Rio-Belém, passando por
Goiás, evitando-se assim a via marítima, considerada até então a única utilizada e bem mais
demorada. Já havia caminhos que levavam os viajantes desde o Rio de Janeiro até São Romão
em Minas Gerais, nas margens do rio São Francisco. A partir daí foi aberto um caminho
terrestre até Porto Real, passando por Santa Maria, São Domingos, Conceição e Natividade.
De Porto Real até Belém o percurso deveria ser feito por água pelo Tocantins. Em 1810, os
85
estafetas já faziam a linha Rio-Belém, vencendo 280 léguas por terra e outras 250 pelo rio
Tocantins (ALENCASTRE, 1865).
Assim, podemos considerar que a navegação fluvial comercial no rio Tocantins
começou a ser explorada em fins do século XVIII, no término do ciclo aurífero no norte do
Goiás, com a finalidade de procurar rotas comerciais menos onerosas, enquanto a economia
goiana processava assentos sobre uma agricultura de subsistência, embora ainda se tentasse
reerguer a empresa mineradora na busca de novos minérios.
O processo de colonização das margens do rio Tocantins perpassou os séculos XVIII e
XIX com extinções, recolocações e elevação dos núcleos de ocupação a outros estágios, como
vilas e municípios. Dessa forma, um problema para a instalação de uma rota comercial seria o
vazio demográfico que se configurava no vale do Tocantins, pois essa área foi marcada pela
alteração do arranjo territorial provocado pelo declínio de determinada cidade em benefício de
outra e pela ausência de uma segunda atividade econômica que substituísse de imediato as
atividades que entravam em crise comercial ou em decadência por causa do esgotamento das
jazidas.
Tanto Teotônio Segurado35 como Francisco José Rodrigues Barata asseguravam que,
diante do declínio da mineração e da crise econômica na capitania de Goiás, a solução para
tais problemas seria incentivar o desenvolvimento agropecuário e sugeriam que essa produção
poderia ser escoada por meio da navegação fluvial (PARENTE, 1999).
Apesar da isenção de dízimos às pessoas que se estabeleciam ao longo dos rios
Maranhão, Araguaia e Tocantins, a população tinha dificuldades para desenvolver o
comércio, visto que nos rios havia muitos obstáculos, como cachoeiras e corredeiras, o que
levava à necessidade de utilização de botes para a travessia de mercadorias e de pessoas, além
do que a navegação era possível somente nos períodos de cheia. Somados a esses fatores, o
preço final dos produtos era elevado (PARENTE, 1999).
Esses empecilhos não impediram que o rio fosse o caminho pelo qual se viabilizou a
introdução de vários elementos construtivos no espaço urbano. Muitas ferramentas e materiais
vinham de Belém do Pará pelo rio Tocantins. Segundo a historiadora Maria de Fátima
Oliveira, o missionário francês frei Laurent Berthet, que em missão pastoral visitou a região
em 1883, descreveu a cidade como um local de ruas limpas e bem alinhadas e relatou que
35 Segundo Maria de Fátima Oliveira (2010, p.52), Joaquim Teotônio Segurado foi desembargador e Ouvidor da
comarca do norte, entre 1803 e 1809. Como desembargador da comarca de São João de Duas Barras transferiu a
cabeça do julgado do Arraial do Carmo para Porto Real. Ele teve uma atuação marcante no inicio do século XIX
incentivando os povos dos arraias de Monte do Carmo e Bom Jesus do Pontal a se mudarem para Porto Real,
enaltecendo as oportunidades de trabalho que ali adviriam em função do rio.
86
havia alguns negociantes que, anualmente, desciam até o Pará, levando couro e trazendo
vinho, farinha, tecidos, mantas, colchas, ferramentas e materiais para construção (OLIVEIRA,
2008).
Apesar de até agora falarmos da trajetória econômica que motivou e interferiu na
formação da cidade, há de se salientar outro fator que também contribuiu para uma mudança
significativa no espaço urbano, que foi a inserção da ordem dominicana na cidade no final do
século XVIII e início do século XIX. O trabalho dos dominicanos influenciou não somente no
campo religioso, mas também no educacional e até na arquitetura das edificações. A
construção de uma nova catedral no lugar da singela capela de Nossa Senhora das Mercês
(figuras 5 e 6 a seguir), impôs uma outra matriz cultural, originada na França e trazida pelos
dominicanos. Essa nova configuração arquitetônica monumental da igreja evidencia a
intenção dos dominicanos naquele lugar: a de trazer o sentido do neogótico, que propõe
imponência, supremacia e influência na comunidade e em toda a região norte de Goiás.
Porto Nacional foi a cidade que sofreu a maior crise em virtude da construção da
rodovia Belém-Brasília, ficando estagnada e perdendo o monopólio do comércio na região. A
figura 7 mostra a travessia no rio Tocantins antes da construção da BR-153.
O rio Tocantins era, até então, o principal elemento que direcionava a economia e a
formação do espaço urbano da cidade. Se a BR-153 viabilizou maiores facilidade de comércio
no antigo norte de Goiás, a formação e o desenvolvimento de novas cidades, para Porto
Nacional os resultados não foram tão satisfatórios, visto que a cidade voltou a um processo de
isolamento comercial e fragilidade econômica, apesar de sofrer influência significativa. É
importante salientar que mesmo com a perda do seu prestígio comercial, a cidade não ficou
desconectada do processo desenvolvimentista iniciado nos anos de 1950, visto que novos
elementos construtivos foram introduzidos no centro histórico.
Essa situação, economicamente não atraente, foi amenizada, posteriormente, na década
de 1970 com a construção da ponte sobre o rio Tocantins, que ligava Porto Nacional à rodovia
Belém-Brasília. Todavia, o prestígio comercial permitido pela hidrovia e suas relações
89
econômicas com outras regiões do país em décadas anteriores, não eram mais os mesmos,
demonstrando um quadro cada vez mais visível de decadência na navegabilidade sobre rio
Tocantins para Porto Nacional.
Entretanto, essa ligação com a rodovia Belém-Brasília permitiu que a cidade
incorporasse o espírito desenvolvimentista que o Brasil experimentava nas décadas de 1950,
1960 e 1970. Exemplos da influência dessa comunicação são os novos detalhes construtivos
(figura 8) e os novos materiais que foram introduzidos na arquitetura civil, como o ferro, o
vidro e o concreto.
Em 1948 foi construído, na praça do centro histórico, um coreto (figura 9). Com
platibanda e marquise, o projeto foi influenciado pelos preceitos desenvolvimentistas e da
arquitetura moderna pulsante na década de 1950 no tocante à utilização do concreto. Mais
tarde essa edificação viria a adquirir uma valoração significativa por parte dos moradores
locais, sendo utilizada como local para venda de artesanato e palco de manifestações culturais
e religiosas. De acordo com o Iphan (2009, p. 28), o coreto foi construído em “alvenaria de
tijolo, planta quadrada com uma única sala aonde vinha funcionando uma loja de artesanato.
Na parte superior se tinha uma laje, que servia como palco de apresentações”.
90
Figura 9 – Coreto na praça Nossa Senhora das Mercês, década de 1990. Fonte:
Iphan/To, 2009
Art. 2o A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes
gerais: [...]
XII – proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do
patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico;
91
É fato que a aplicação dessa lei veio tardiamente para Porto Nacional, visto que as
intervenções aconteceram em 2001. Entretanto, houve audiências públicas sobre a formação
do lago, mas, conforme depoimento dos moradores locais, os interesses da comunidade não
foram atendidos no que tange à preservação das edificações e a não submersão do rio
Tocantins. O poder público tentou dar sustentação à medida mitigadora36 promovida pela
empresa responsável pela construção da barragem por meio do possível aumento do turismo,
em consequência das transformações urbanas no centro histórico e na margem do rio no
tocante à infraestrutura que beneficiaria a população em termos econômicos.
Essa necessidade impulsionadora de buscar atrativos turísticos e econômicos por meio
de intervenções urbanas, muitas vezes acaba destruindo o patrimônio cultural da cidade e não
consegue atingir os resultados esperados. É perceptível que o poder público local se absteve
sobre a importância de atrelar o turismo ao patrimônio cultural e à necessidade de sua
preservação para garantir essa sustentabilidade.
Renato Soeiro, no Encontro de Governadores para Preservação do Patrimônio, realizado
em Brasília em 1970 e em Salvador no ano seguinte, já alertava sobre a importância dos
municípios e estados de assumirem a responsabilidade da preservação do patrimônio cultural.
Esses encontros representaram o caminho inicial da articulação entre a união, estados e
municípios. Para Corrêa (2013), o primeiro encontro que aconteceu em Brasília teve como
foco a articulação entre os entes federados, tendo a Dphan — representando a União — como
direcionadora desse projeto “que buscava uma estrutura simétrica nos estados e municípios,
ou seja, várias ‘Dphans’, com ação supletiva nos diferentes níveis de governo” (CORRÊA,
2013, p. 9).
A Carta de Turismo Cultural (Icomos, 1976) define essa associação dos interesses
turísticos à preservação do patrimônio cultural e que é uma ideia comum defendida por
muitos autores no campo do turismo e do patrimônio cultural.
O turismo cultural é aquela forma de turismo que tem por objetivo, entre outros fins,
o conhecimento dos monumentos e sítios histórico-artísticos. Exerce um efeito
realmente positivo sobre estes tanto quanto contribui – para satisfazer seus próprios
fins – a sua manutenção e proteção. Esta forma de turismo justifica, de fato, os
36
A O poder público local em parceria com o setor privado propuseram como uma das medidas mitigadoras a
criação da Orla arborizada com infraestrutura às margens do lago, realocação das famílias ribeirinhas e a criação
de uma praia artificial permanente.
92
esforços que tal manutenção e proteção exigem da comunidade humana, devido aos
benefícios socioculturais e econômicos que comporta para toda população implicada
(ICOMOS, 1976).
O município tenta, a todo custo, atrair turistas a partir do uso dos novos lugares que
foram projetados após as intervenções de 2001. Visualizando a figura 10, a seguir,
percebemos os meios aos quais a Prefeitura recorre para atingir os benefícios esperados.
Apesar de contraditório, o evento anunciado aconteceu, simultaneamente, à Semana da
Cultura em Porto Nacional e no mesmo local, atraindo mais o público das cidades vizinhas,
motivado pelas atrações musicais. O “Porto Verão” se caracterizou mais como entretenimento
com comércio voltado para a exploração do turismo — os altos valores cobrados pelas
bebidas e comidas das barracas mostrou isso — do que como um evento para fortalecer a
cultura tradicional em Porto Nacional e voltado para os moradores locais.
A cidade continua enfrentando desafios para garantir sua sustentabilidade por meio do
turismo. É certo que novas propostas vão sendo inseridas aos novos lugares projetados e
adaptadas aos novos públicos e aos novos valores. Contudo, os valores afetivos em relação ao
centro histórico, ao rio e às praias naturais (submersas) se perpetuam na memória da
comunidade local, mas não oferecem mais o desejado turismo, como gostaria o poder público,
em virtude de sua própria atuação. Por isso, existe a necessidade de refletir sobre o que
realmente compensa para a cidade quando pensamos em propor novos projetos e novos
lugares em função estrita do turismo e do “progresso” e que se esquivam das demandas da
população local, principalmente as relacionadas à preservação de suas referências culturais. A
busca do tão sonhado equilíbrio, entre desenvolvimento sustentável e preservação cultural,
escapou pelos dedos em Porto Nacional e agora parece uma situação inatingível.
A partir dessa perspectiva, aplicaremos o conceito de lugar como referência cultural,
explorando narrativas referentes ao sítio histórico de Porto Nacional, cujo espaço urbano
possui um sentido de lugar constituído de valores para a população local, apesar de ter sofrido
uma trajetória de intervenções errôneas pelo poder público.
Nesse cenário, além da imprecisão para definir proposta de intervenção pelo poder
público, em razão do desconhecimento e do desprezo dos valores culturais contidos no lugar,
evidencia-se incoerência do discurso sobre o espaço urbano e a experiência cotidiana no sítio
histórico como lugar para seus detentores culturais, que manifestam descontentamento com as
obras realizadas.
Apreender o lugar a partir dos olhos daqueles que experienciam cotidianamente o sítio
histórico de Porto Nacional e transformam ruas, casas e o rio que margeia a cidade em lugares
de sentido e significado importante por meio de suas narrativas foi a metodologia aplicada
neste estudo. Foi um caminho rico e virtuoso para a pesquisa, que partiu da orientação
fenomenológica e utilizou alguns recursos da etnografia urbana. Buscando visualizar as
referências culturais daquela comunidade que vive e experiencia o sítio histórico de Porto
Nacional, recorremos à percepção por meio de narrativas orais, imagens e representações do
espaço vivido. Foram adotados, como instrumentos metodológicos, entrevistas e depoimentos
dos moradores antigos, na tentativa de absorver as referências e valores mais representativos
para aquela comunidade e que não foram levados em consideração pelo poder público
municipal nas intervenções no espaço urbano.
Por meio dessa reflexão sobre lugar, pretendemos consubstanciar uma pequena parcela
das inúmeras possibilidades de se ver a cidade, que não é contrária à produzida pelos
tecnocratas, mas mostra histórias múltiplas que se cruzam com o “saber competente”,
94
elaborando redes de escrituras justapostas cotidianamente por sujeitos sociais que vivem na
interface entre o rio Tocantins e o sítio histórico, representados pelos moradores e os
ribeirinhos. Pretendemos também, demonstrar quais foram as perdas sofridas pelo sítio
histórico e qual foi o resultado dessa intervenção a partir dos usos atuais do espaço urbano por
esses sujeitos.
Os interlocutores são personagens cotidianas do espaço da cidade, onde o poder público
investiu recursos que levaram a transformações socioespaciais, ocasionando impactos
ambientais e socioculturais com a construção da usina hidrelétrica e a formação do lago. Vale
ressaltar que, além disso, houve descaracterização do centro histórico, com prejuízos à
arquitetura vernacular, o deslocamento de famílias ribeirinhas, a perda das praias naturais
formadas em determinadas épocas do ano e a alteração da dinâmica econômica e social da
cidade. No projeto de construção da barragem foram ignoradas as referências culturais e o
bem-estar das comunidades locais, não atendendo de forma efetiva as demandas
socioculturais da cidade.
VELO
37
Raimundo Célio Pedreira é morador de Porto Nacional e escreveu esta crônica em protesto contra as perdas da praia
natural e temporária da “Ilha de Porto Real” e os impactos que as populações tradicionais, como os ribeirinhos, e os
moradores do sítio histórico sofreram em virtude das transformações urbanas que ocorreram nas margens do rio Tocantins e
no sítio histórico de Porto Nacional.
95
Experiências íntimas são difíceis, mas não são impossíveis de expressar. Elas
podem ser pessoais e sentidas profundamente, mas não são necessariamente
solipsistas ou excêntricas. Lareira, refúgio, lar ou sede são lugares íntimos para as
pessoas, onde quer que seja. Sua sensação e significância são temas de poesia e de
prosa. Cada cultura possui seus próprios símbolos de intimidade, amplamente
reconhecidos pelas pessoas. [...] até uma experiência que parece ser o resultado de
circunstâncias excepcionais pode ser compartilhada (TUAN, 1983, p. 163).
Embora tenhamos hoje uma concepção mais ampliada da noção de lugar que está
constantemente conectada a transformações do espaço, a visão do sítio histórico de Porto
Nacional como lugar continua orientada pelas perspectivas tradicionais do urbanismo,
conforme a doutrina referenciada por Carsalade (2007) e Castello (1997). Os moradores
antigos e usuários do centro histórico procuram resistir às modificações por meio da
permanência das práticas cotidianas, dos elos afetivos e simbólicos no local. Importa, então,
refletir sobre esses aspectos quando interferimos, como arquitetos e urbanistas, em
determinados lugares de maneira a propor usos para o espaço urbano. Na verdade, muitas
vezes, não temos a dimensão dos impactos que isso pode causar em virtude das necessidades
e das características de seus moradores, como também das especificidades regionais e da
dinâmica própria do sítio urbano.
O centro histórico e a orla de Porto Nacional não deixaram de ser lugar, apesar das
inúmeras perdas, visto que foram adquiridas novas apropriações e os antigos usos ainda
resistem, porém, parte de suas referências culturais foram perdidas. Mesmo que ainda esteja
submerso numa amplidão de água, ele continua na memória daqueles que o vivenciavam: o
96
rio Tocantins como elemento morfológico natural, fortemente apropriado pelos moradores e
ribeirinhos.
Os planejadores, ao pretenderem criar o lago, afogando o rio Tocantins, e extinguir a
praia temporária38, acreditavam que, ao proporem uma praia artificial, os usos continuariam
de forma mais intensa durante todo o ano. Alegavam que o projeto traria mais benefícios
econômicos para a região a partir do aumento no número de turistas, mas aconteceu o
contrário. Apesar da praia artificial ser permanente, o fluxo de pessoas diminuiu bastante nos
meses de temporada de praia na cidade, embora hoje a estrutura física seja melhor.
Podemos questionar: por que uma intervenção visando atrair turistas teve efeito
contrário? A resposta é simples: o que atraía as pessoas para a região — e significativamente
fazia parte do cotidiano dos moradores e ribeirinhos do local — era a beleza natural do rio
Tocantins, entrelaçado por um contexto harmônico que documenta o processo de ocupação
histórica dos lotes lineares à margem do rio e a formação do sítio urbano, como mostram as
figuras 11 e 13.
Dona Maria Helena Oliveira, umas das primeiras barraqueiras da praia de Porto Real,
guarda consigo as lembranças daquela beleza natural e relembra:
Lá a areia era branquinha e natural, o rio era lindo. A minha barraca quando nós
começamos o banco era de pau roliço, a cobertura de palha de coqueiro e as paredes
de bambu. Quando terminava a temporada a gente desmontava as barracas e
guardava os materiais para a próxima temporada. Todo mundo gostava, vinha gente
do estrangeiro. Quando fizeram o lago, aí mudou tudo (Entrevista realizada em
fevereiro de 2012).
38
Formava-se entre os meses de junho e agosto quando ocorria a baixa no nível de água do rio Tocantins e o
aparecimento de bolsões de areia.
97
Notamos, por meio desse depoimento e das fotografias, que houve resistência da
população local em utilizar a praia artificial, que não atraiu maior número de turistas,
frustrando a expectativa do governo local. O efeito foi contrário, porque, mesmo sendo
permanente e com infraestrutura adequada, a atual praia não consegue impulsionar o
desenvolvimento turístico tão sonhado pelo poder público municipal.
Com todo esse desgaste, se já não bastassem as perdas econômicas, sociais, ambientais
e culturais às quais a população foi submetida por causa da formação do lago, a prefeitura
propôs um projeto urbanístico para a nova orla do centro histórico como “medida
compensatória” que implicava a destruição de parte do seu acervo arquitetônico vernacular
contido no sítio histórico, de valor documental em relação à formação urbana da cidade, cuja
demolição foi fundamentada na justificativa de que tais edificações impediriam a visibilidade
do lago para quem estivesse na Praça Nossa Senhora das Mercês.
É importante lembrar, que essa tomada de decisão pelo governo municipal foi
incoerente com as lutas travadas pela população, que queria a manutenção das edificações
antigas e da configuração urbana histórica da cidade próxima à margem do rio. Nas figuras 13
e 14 podemos perceber a transformação que o sítio histórico sofreu após a formação do lago
entre 2001 e 2003.
98
As intervenções realizadas em 2001, tanto pelo poder público municipal quanto pela
iniciativa privada, negligenciaram o processo de evolução urbana da cidade e parte do seu
casario de arquitetura vernacular, desconsiderando elementos que documentavam a estrutura
urbana desde o século XIX, com arruamento estreito e escala compatível com o conjunto,
como mostrado nas figuras 15, 16 e 17.
99
As edificações situadas nos lotes lineares (figuras 16 e 18) à margem do rio foram
destruídas para proporcionar a visualização do lago artificial e substituídas por edificações
voltadas para o consumo mercadológico da orla, como, por exemplo, o centro de apoio ao
100
turista, (edificação em azul ao fundo da rua e na praça Nossa Senhora das Mercês — figuras
14 e 19) e o bar “Maresias” (figura 17), construído no local onde existia um conjunto de casas
de arquitetura vernacular, quebrando a possibilidade de leitura urbana na rua que dá acesso à
praça Nossa Senhora das Mercês (figuras 15 e 16).
Figura 19– Praça Nossa Senhora das Mercês em 2012 com o lago ao
fundo Fonte- autor: Marielle Rodrigues Pereira, 2012
No sítio histórico de Porto Nacional é possível perceber que os moradores, apesar das
inúmeras perdas, não perderam o sentimento de pertencimento com o lugar enquanto espaço
constituído por elementos físicos naturais e simbólicos. Essas representações materiais e
imateriais inerentes ao lugar e construídas pelos moradores estão impressas nos depoimentos
e no conjunto de arquitetura vernacular. Também envolvem as práticas cotidianas de usufruir
do sítio histórico, desde os momentos em que os moradores se apropriam do espaço no final
101
das tardes da calçada, na porta de suas casas, até as práticas persistentes dos barqueiros e
balseiros39 em fazer a travessia do rio (hoje, do lago).
Essa população não está isolada ou distante do mundo que a cerca. Para os mais velhos,
apesar das transformações urbanas e espaço-temporais, os valores são fortemente ligados ao
acervo de arquitetura vernacular, referenciado por casarões das famílias que ajudaram a
construir Porto Nacional, ao elemento morfológico natural, incessantemente, apropriado (o rio
Tocantins) e ao discurso de que a cidade é o “berço cultural no Tocantins” — expressão que
percorreu várias gerações e que se mantém fortalecida até os dias atuais. Com Tuan (1983),
podemos entender melhor esse processo de construção de valores. O autor acentua que
uma cidade não se torna histórica simplesmente porque ocupa um mesmo sítio
durante um longo tempo. Os acontecimentos passados não produzirão impactos no
presente se não forem gravados em livros de história, monumentos, desfiles e
festividades solenes e alegres que todos reconhecem fazer parte de uma tradição que
se mantém viva. Uma cidade antiga guarda um acervo de fatos nos quais as
sucessivas gerações de cidadãos podem se inspirar e recriar sua imagem de lugar
(TUAN, 1983, p. 193).
Atualmente, a orla e a praia podem não ser mais apreciadas pelos portuenses como o
eram, mas daqui a alguns anos pode ser que esse quadro mude, a partir do uso mais intenso,
tanto pelos moradores quanto pelos turistas, como previsto pelos planejadores. Entretanto,
hoje há um quadro inóspito e desolador para grande parcela dos moradores de Porto Nacional,
que lamenta a perda de parte dos elementos que compunham aquele espaço carregado de
valores afetivos e simbólicos. Tuan (1983) reforça o cuidado que devemos ter ao propor
mudanças significativas em determinados espaços urbanos e a importância de viabilizar uma
discussão democrática sobre tais transformações:
Por que mudar? O passado realmente existiu. Tudo o que somos devemos ao
passado. O presente também tem valor; é nossa realidade experiencial, o ponto
sensível da existência com sua mistura rudimentar de alegria e tristeza. O futuro, ao
contrário, é uma expectativa. Muitas expectativas não se realizam e algumas se
transformam em pesadelos. Um político revolucionário nos promete uma nova terra
e pode nos dar o caos e tirania. Um arquiteto revolucionário nos promete uma nova
cidade e pode nos dar gramados vazios e estacionamentos cheios (TUAN, 1983, p.
218).
39
Nome dado pelos moradores locais aos pilotos de balsa.
102
reconhecido como patrimônio cultural brasileiro, levando se em conta os benefícios que esse
atributo poderia trazer, associado ao tão desejado turismo no lago e na praia permanente. Vale
ressaltar, que a população local já reivindicava há muito tempo o tombamento, mas o
processo não era viabilizado porque dependia tanto de decisões do poder público local quanto
das políticas públicas federais.
Reiterando o dito na primeira parte dessa dissertação, os investimentos que eram
proporcionados às cidades históricas, por pertencerem ao rol de patrimônio cultural brasileiro,
constituíam o elemento incentivador para que a administração municipal levasse à instância
federal o apelo de reconhecimento do centro histórico de Porto Nacional como patrimônio
cultural brasileiro.
Acredita-se que o tombamento veio tardiamente, pois muitos processos danosos que
afetaram o sítio histórico de Porto Nacional, em relação ao seu valor documental e às suas
práticas e usos, poderiam ter sido evitados ou minimizados se tivessem sido aplicados
instrumentos legais, como o Decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937 (BRASIL, 1937),
que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, e o inventário de
conhecimento que o Iphan disponibiliza para a preservação das referências culturais.
O Iphan agora se torna parceiro da população local na luta pelo direito de manter aquele
sítio urbano como está, e mais ainda, a instituição poderá respaldar as reivindicações da
comunidade, adotando ferramentas e instrumentos que podem ser disponibilizados caso o
poder público pretenda realizar novas intervenções que contrariem os valores definidos pelo
órgão de preservação e pela população local.
Figura 20: Mapa de localização do centro histórico de Porto Nacional, 2008. Fonte: Depam/Processo nº 1553-T-08.
40
Processo nº 1553-T-08. Parecer 003/2008.
104
Figura 22. Mapa da poligonal de tombamento do centro histórico de Porto Nacional e autenticidade dos imóveis, 2008.
Fonte: Depam/Processo nº 1553-T-08.
2) por estar nas margens do rio Tocantins no antigo norte do Goiás, Porto Nacional foi
o último lugar de acesso à exploração aurífera no Brasil Central, constituindo-se a
finalização desse ciclo econômico naquela região;
3) porque foi o lugar de pausa para os Bandeirantes, onde ali se viu o fim do ouro e o
início do ciclo do gado, ficando naquele local a lembrança dos tempos do ouro e seus
testemunhos por meio das cicatrizes do “traçado urbano e de algumas poucas
edificações”;
4) apesar da destruição da pequena capela que se harmonizava com o conjunto de
casario baixo e que existia no mesmo local onde está localizada hoje a catedral, a
relação da comunidade com essa igreja católica não foi diferente em relação a outros
centros históricos tombados, pois a diferença se concentrava no estilo da catedral
construída e a simplicidade do casario baixo em relação aos grandes sobrados de
outros centros históricos;
5) a monumentalidade da catedral neorromânica construída pela ordem religiosa
dominicana demonstra a supremacia do sagrado sobre o profano, como acontece em
outras igrejas do estilo neogótico, além de ser um costume no mundo eclesiástico
provocar essa percepção no homem;
6) apesar de essa leitura ser enfatizada na Idade Média na Europa, convém ressaltar
que tudo chegava tardiamente em Porto Nacional, até a influência dos frades
dominicanos que queriam impor, num tom de saudosismo, a sua matriz cultural.
O conselheiro relator colocou a catedral em sua argumentação como uma das
motivações relevantes para o tombamento ao enfatizar: “Esta singular Catedral a beira-rio
dominando a paisagem urbana que a cerca — tem inegável interesse como testemunho de um
momento da história brasileira e da presença e influência dos missionários religiosos
franceses no centro-oeste do Brasil”, ressaltando que “ela é o que mais se destaca na
paisagem” (IPHAN, 2008, p. 5 e 6).
Sobre o discurso de “berço41 cultural do Tocantins”, essa característica, originada da
influência educacional dos frades dominicanos, foi realçada pelos representantes do município
e do estado, na tentativa de atrair o interesse do governo federal para Porto Nacional.
Assim, os argumentos do relator para justificar o tombamento do centro histórico se
direcionaram para as narrativas sobre a cidade como berço cultural do Tocantins, a influência
41
Os frades dominicanos fundaram o colégio Sagrado Coração de Jesus em Porto Nacional, que foi e é
referência para a educação no antigo norte de Goiás. Por isso a cidade é conhecida como berço cultural do
Tocantins.
106
uma indiferença que seria o sentimento oposto daquele que move este
Conselho e desestimularia comunidade dispersas dentro de nossa imensa
extensão territorial em lutar pela causa de construir o novo sem sacrifício
das raízes sobre as quais esse mesmo progresso se deve assentar (IPHAN,
2008, p. 6).
Figura 22 – Rua principal de Porto Nacional em 1985. Fonte: Arqº. Marco Antônio
Galvão, Iphan/Pró-Memória (1985)
Figura 25 – Visão em perspectiva da rua principal de Porto Nacional em 1985 Fonte: Arqº. Marco
Antônio Galvão, Iphan/Pró-Memória (1985)
Convém salientar que foi eleita uma temporalidade referente à ocupação do território
do Brasil central e à urbanização de cidades originadas durante o ciclo do ouro. Se for essa a
temporalidade escolhida para o tombamento, entramos em um embate, porque existe de
alguma forma a necessidade de repassar essa mensagem e tal comunicação deve ser
viabilizada por meio da materialidade e do ambiente construído, sem desconsiderar as outras
temporalidades que constituem o espaço.
Contudo, devemos avaliar se a comunidade, detentora do bem, gostaria que fossem
repostas as características mais antigas da arquitetura vernacular. Caso ela fosse favorável a
essa reposição, seria, sem dúvida, uma possibilidade viável em virtude do interesse da
população. Desse modo se possibilitaria a transmissão da “mensagem patrimonial”, dando
legibilidade ao conjunto, ao mesmo tempo em que se estabeleceria uma aproximação com os
interesses da comunidade.
Seria uma solução que reuniria vários interesses em jogo, mas impor uma reposição
sem consentimento da comunidade, que descaracterizou parte do centro histórico, seria uma
medida difícil, ou quase impossível, de ser concretizada, já que se tombou esse espaço na
forma como está atualmente. Seria então necessário verificar o que a comunidade de Porto
Nacional e os moradores do centro histórico entendem como patrimônio cultural e o que para
eles merece ser preservado.
Há casos em que o Iphan reconstruiu quase uma cidade inteira, a exemplo de São Luiz
de Paraitinga, atendendo à solicitação da comunidade que perdeu algumas edificações
históricas por causa da enchente de 2010. São essas particularidades que definem as atitudes
111
do Iphan, que ora segue o ponto de vista teórico, ora atende a um pedido da população, visto
que tais edificações eram símbolos e referências culturais da comunidade.
A concordância da comunidade de Porto Nacional com a reposição ou recriação seria
importante para o entendimento e a leitura urbana do sítio histórico e da cidade. Passaríamos a
valorar a subjetividade e colocaríamos a materialidade em segundo plano, tratando o sítio
histórico sob o conceito de lugar.
Sabemos porém, que é a partir do valor atribuído ao bem, seja ele material ou
imaterial, que se definem os meios e os processos de intervenção que poderão direcionar à sua
preservação ou recriação. Poderíamos buscar um caminho tangente para Porto Nacional, por
meio do conceito de lugar, que pudesse abarcar os valores subjetivos e materiais do centro
histórico para as intervenções no espaço urbano, sem colocar a materialidade em segundo
plano, já que esta é fundamental para que as relações e significados que existem com e no
espaço urbano se concretizem.
Goulart criticou a demolição da singela capela para a construção de um edifício que
não fazia parte daquele contexto de conjunto harmônico e divergiu, enfaticamente, do parecer
do relator:
Nesse sentido, talvez o conjunto tenha sido afetado, desmerecido por longas décadas,
em razão da forma como o Iphan visualizava, entendia e se posicionava tecnicamente em
relação à igreja em estilo neorromânico do final do século XIX em Porto Nacional. Para
Goulart, o compromisso do Iphan em relação a Porto Nacional seria com a arquitetura
42
BRANDI, Cesare. Teoria da restauração (1963). Tradução de Beatriz Mugayar Kühl. São Paulo: Ateliê
Editorial, 2005.
112
vernácula, em virtude do seu traçado, das proporções e do próprio casario. Por isso o
conselheiro insistiu que seria necessário repor aquilo que foi alterado e falou que, em algumas
situações, vários elementos impedem a visibilidade do conjunto arquitetônico e do traçado das
ruas em virtude da mudança do perfil destas, citando como exemplo o caso do tombamento de
Marechal Deodoro.
É interessante ressaltar que Goulart alertou sobre a relação do rio com o traçado
urbano e sugeriu um estudo aprofundado. Apesar da trajetória de intervenções polêmicas
naquele espaço propostas pelo poder público em 2001 e 2003, o conselheiro realçou uma
narrativa muito significativa para os portuenses e que poderia ter sido também abordada,
enfaticamente, no dossiê do centro histórico de Porto Nacional. Goulart considerou “relevante
113
a questão da relação do rio e do tipo de traçado. Talvez precisássemos pensar um pouco sobre
essas questões” (IPHAN, 2008, p. 9).
Sobre a tentativa de falsear uma narrativa em Porto Nacional, ao levantar indagações
sobre o valor histórico, nota-se que existe um desmerecimento, sem estar atrelado à
arquitetura vernacular, esta que, para o conselheiro, deveria responder às proporções, ao
traçado e ao conjunto harmônico. Sob essa perspectiva, a história em si e a dinâmica do
espaço urbano, que mostra as cicatrizes das transformações do centro histórico, não teriam
importância para se tombar pelo valor histórico. Entretanto, consideramos que o Decreto-lei
nº 25 não se direciona para esse caminho, visto que as transformações fazem parte das
temporalidades que constituem a história.
Seguindo o caminho proposto por Goulart, não caberia o tombamento do conjunto de
Porto Nacional, que é de arquitetura vernacular, mas está descaracterizado. Mas então, o que é
o livro histórico? Por que a história mostra acontecimentos, transformações às quais um lugar
foi submetido? Assim, Goulart nos faz indagar sobre o que seria o valor histórico.
Nesse momento da reunião foi introduzida a questão das intervenções físicas nos sítios
históricos, que, para o presidente do Iphan na época, Luís Fernando Almeida, acabam “tendo
posições muito diferentes de abordagem em sítios que são similares ou mesmo distintos pela
ausência de uma reflexão mais clara, mais aberta, e ficam em geral sujeitas a interpretações
subjetivas de regiões ou de técnicos” (IPHAN, 2008, p. 11).
Mas, cada sítio não tem particularidades inseridas por seus detentores culturais? É uma
discussão bem complexa. Entende-se que as intervenções sempre se pautaram no valor do
bem em si, mas no contexto atual do Iphan, principalmente em razão dos novos conceitos e
instrumentos que ampliaram o horizonte do patrimônio, as intervenções poderiam
corresponder, para além dos valores materiais, aos valores subjetivos (imateriais) inseridos no
bem pelos seus detentores culturais e moradores do sítio histórico.
Apesar do conjunto descaracterizado, o conselheiro Silva Telles enfatizou que a cidade
114
conseguiu crescer sem agredir o núcleo antigo e que “o tombamento se impõe como
reconhecimento da validade desse crescimento harmonioso”. Para ele, apesar das mudanças
no sítio, “a cidade cresceu e essa área acrescida não agride o núcleo antigo, se confunde com
o núcleo antigo, não por intenção, mas por serem pessoas do próprio local, filhos, netos
moradores antigos que um dia voltaram” (IPHAN, 2008, p.12). Há que se salientar que se o
sítio histórico não estava tombado ou protegido, mais cedo ou mais tarde ele viria a ser
descaracterizado de alguma forma em virtude da própria dinâmica da cidade.
Se o sítio foi descaracterizado, não tinha como deter essa situação em virtude da falta
de proteção do poder público nos âmbitos federal e local. No entanto, a sua descaracterização
apresentada na reunião não é de grandes proporções em relação a outros sítios históricos.
Talvez houvesse certa resistência técnica para o tombamento de Porto Nacional, mas o não
tombamento do sítio naquele momento significaria dar continuidade a essa rejeição que a
cidade sofreu com o seu casario vernacular por vários anos.
Para o conselheiro Ulpiano Bezerra, a problemática de Porto Nacional foi apresentada
como uma “trajetória histórica que implica contingências, descontinuidade, inserções,
rupturas [...] a história se caracteriza por ser a disciplina da mudança, a história é a disciplina
da diferença porque a mudança traz diferença” (IPHAN, 2008, p. 12).
Todavia, se a referência cultural dos moradores do centro histórico estiver relacionada
aos aspectos físicos, sociais e temporais, por que não retomar algumas características do
estado anterior da paisagem e preservar outras características de outros momentos do centro
histórico que também são referência para a cidade, para que se possa, de maneira mais
plausível, distinguir essas temporalidades que são referências culturais, a partir dos apelos da
comunidade para que as experiências cotidianas dos moradores com o espaço sejam
restabelecidas? Estamos falando de temporalidades bem distintas que existem no sítio
histórico de Porto Nacional, relacionadas ao final do século XVIII com o ciclo do ouro e ao
século XIX com a influência dos dominicanos na cidade.
Nesse sentido, seria viável repassar a mensagem de conjunto arquitetônico vernacular
a partir da reconstituição das características de uma temporalidade que foi perdida e que seria
referência cultural para os moradores, o que também representaria a temporalidade do ciclo
do ouro e a temporalidade da inserção dos dominicanos no espaço urbano de Porto Nacional.
Seria importante que ao centro histórico pudessem corresponder as temporalidades acolhidas
pelo Iphan e pela comunidade.
115
Claro que nem todos os espaços físicos que possuem elementos de diferentes
temporalidades deveriam ser tombados, visto que a Constituição Federal de 1988 determina
quais são os bens que merecem ser protegidos pelo Estado e que são referência para a
sociedade. Dessa forma, o valor histórico será atribuído ao bem que constitui temporalidades
que foram escolhidas porque são importantes para a representação da história do Brasil, a
exemplo do ciclo do ouro. Mas já que outra temporalidade, referente ao século XIX, está ali
representada e é de suma importância para aquela comunidade, e referência cultural para
Porto Nacional, não haveria empecilhos para inseri-la no tombamento. Nessa direção, Bezerra
enfatizou sua posição diante da contrariedade de alguns membros do Conselho que se
apegaram ao valor histórico e às diretrizes estabelecidas pela Constituição Federal de 1988 em
relação ao valor.
Não é quais os valores intrínsecos das coisas, mas qual o relacionamento que
as comunidades têm com as coisas, e esse relacionamento é diferencial [...]
O valor cultural é um valor de diferenciação, é um valor em que se tem a
43
“[...] uma narrativa tradicional principalmente entre historiadores ingleses: a história das meias de Sir John, Sir
John, uma figura que efetivamente existiu no século XIX, era um representante da gentry, aquela pequena
nobreza rural inglesa desprezada pela grande nobreza, pela aristocracia de primeiro escalão. Como tal, Sir John
tinha apenas um par de meias de seda e, é claro, ao longo do tempo essas meias de seda foram se desgastando e
eram continuamente cerzidas e, pior, cerzidas com algodão. Chegou um certo momento em que desapareceu
totalmente a seda das meias de seda de Sir John e surgiu uma meia 100% de algodão. Era ou não era a meia de
Sir John?” (IPHAN, 2008, p. 13).
116
Entendemos que não é qualquer bem, espaço físico ou sítio que possui várias
temporalidades, que merece ser reconhecido como patrimônio cultural brasileiro pelo seu
valor histórico. Se a catedral é referência cultural para a comunidade, ela merece ser tombada.
E se a descaracterização do sítio incomoda a comunidade detentora do bem, ele merece ser
recomposto e tombado, já que as temporalidades nele contidas são referências culturais da
comunidade, seja a do conjunto vernacular de meados do século XVIII, seja a da catedral do
início do século XIX.
Exemplo de reconstrução de elemento que representa uma temporalidade específica e
que foi realizada para responder à demanda da sociedade — visto que a paisagem era
referência cultural em Ouro Preto (para muitos um “falso histórico”) — foi o do casarão do
século XVIII na praça Tiradentes, cuja restauração foi motivada pela intenção de se continuar
repassando a imagem que a comunidade contemplava.
É lógico que a realidade de Porto Nacional é bem diferente da de Ouro Preto, mas o
que queremos enfatizar é que existem temporalidades da paisagem que são representadas
como um bem simbólico e afetivo para a comunidade local; portanto, tem uma especificidade,
mesmo que um elemento novo seja inserido, destruindo o antigo (capela e catedral), ou que
seja recomposta a paisagem antiga para dar sentido à materialidade, em virtude do que a
paisagem representa simbolicamente para os moradores.
Na reunião do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, a conselheira Myriam
Ribeiro reforçou a análise de Ulpiano Bezerra de que cada cidade possui uma particularidade
e salientou que o caso de Porto Nacional não poderia ser analisado sob os parâmetros de
autenticidade: “é lógico que devemos ter princípios, conceitos, mas não se pode analisar Porto
Nacional como se analisaria Ouro Preto” (IPHAN, 2008, p. 15). Importa lembrar que o sítio
histórico de Porto Nacional foi examinado nos anos 2000. Então, como seria possível deter as
transformações às quais o sítio histórico foi submetido em relação à descaracterização do
conjunto? No que se refere à catedral, a conselheira considerou que esta deveria ser analisada
no contexto do século XIX.
Assim, se a comunidade quisesse que o sítio descaracterizado fosse reconstruído nos
moldes de sua feição antiga, não haveria obstáculos, já que há possibilidade de reconstruir
aquilo que é referência cultural para ela e isso também daria legibilidade ao conjunto.
O conselheiro Liberal Castro iniciou uma reflexão sobre o Decreto-lei nº 25 e ressaltou
que seriam necessários estudos sobre a “necessidade de encontrarmos uma legislação que
mostre uma gradação” (IPHAN, 2008, p.16) em relação às construções inseridas na poligonal
de tombamento e às inseridas, posteriormente, ao tombamento.
Para o relator do processo, a narrativa eleita como oficial foi feita a partir da catedral,
acentuando que “aquela igreja tem, acreditem no que estou dizendo, tem um interesse que
transcende o julgamento da sua qualidade artística, ela é um monumento nacional em Porto
Nacional” (IPHAN, 2008, p.18-19). Então, caberia muito bem aplicar o conceito de lugar ao
centro histórico, já que existem várias temporalidades e duas delas são, significativamente,
importantes como patrimônio cultural. O relator encerrou sua argumentação, afirmando que
Porto Nacional seria “um dos testemunhos do que foi a ocupação do Brasil Central” (IPHAN,
2008, p. 19) e o presidente do Conselho aprovou o tombamento de Porto Nacional,
concordando com a posição do Depam.
Constatamos que, durante a reunião, houve repúdio a determinadas temporalidades,
principalmente àquela em que as edificações foram construídas no início do século XIX.
Talvez essa resistência tenha dificultado o reconhecimento do centro histórico de Porto
118
Nacional em anos anteriores, quando o seu conjunto de arquitetura vernacular não era tão
descaracterizado. Para o conselheiro Nestor Goulart,
44
Intervenções no espaço urbano de Porto Nacional em 2000 a 2002 devido à construção da Barragem Usina de
Lajeado.
119
os interesses de ambos os lados. A intenção era mostrar que o Iphan estava ali para resguardar
os valores da comunidade e em diálogo com os valores técnicos atribuídos pelo tombamento
federal.
Recorremos aos métodos da antropologia e diretrizes do INRC para a realização de
entrevistas, observação in loco e produção de desenhos para entender os sentidos que aquele
espaço tem para a comunidade e quais são as referências para os moradores, apreendendo os
seus significados, os usos no espaço urbano, as representações tradicionais dos moradores e
como eles veem a atuação do poder público em relação às medidas de proteção e ações
interventivas no espaço urbano.
Sabemos que qualquer tipo de intervenção no espaço urbano deve ser apoiada e
respaldada pela comunidade a partir da participação dos moradores e pessoas envolvidas com
a questão do patrimônio. E, para executar políticas de preservação, faz-se necessário conhecer
os valores, interesses e opiniões dos moradores. Afinal, apesar de pequena em número de
componentes, essa comunidade não é homogênea, tanto socialmente quanto na percepção
acerca do centro histórico e na intervenção do poder público. É claro que esses valores e
percepções não concordam, necessariamente, com os valores técnicos definidos pelo Iphan, o
que resulta em um descompasso entre as práticas preservacionistas e os interesses dos
moradores.
Não queremos nos distanciar dos valores técnicos adotados pelo Iphan, mas aproximá-
los dos valores definidos pela comunidade dentro de um contexto que é o centro histórico por
meio daquilo que é referência cultural, no sentido de articulá-los com os desejos dos seus
moradores. Por isso as diretrizes do INRC, que usam recursos da antropologia, são eficazes
nesse caso, por possibilitarem essa articulação de valores e permitirem o estabelecimento de
um canal de comunicação para que os valores técnicos sejam mais compreendidos e os
valores da comunidade sejam conhecidos e explicitados.
Nesse sentido, o conceito de lugar nos ajuda a interpretar as representações,
afetividades e pertencimentos com aquele espaço, a partir da experiência cotidiana dos seus
moradores com ele, o que permite ampliar a reflexão para detectar representações
homogêneas e que são compartilhadas pelos habitantes do centro histórico.
Num primeiro momento foram feitas observações in loco e um levantamento inicial
das opiniões dos moradores sobre a cidade, na busca de discursos que envolvessem o centro
histórico. A partir de conversas com o padre da localidade e com profissionais que atuaram na
Secretaria de Cultura do município, na Prefeitura e no museu, foi possível uma aproximação
com algumas pessoas que moram no centro histórico.
120
Esses ex-funcionários municipais indicaram pessoas que poderiam falar sobre a cidade
e, principalmente, sobre o centro histórico, fornecendo dados sobre os eventos e reuniões que
aconteceram durante o processo de tombamento e os respectivos participantes, o que,
possivelmente, ampliaria o universo de atores envolvidos na questão do patrimônio cultural
em Porto Nacional.
Durante as conversas com os moradores, notamos que nossa vinculação com o órgão
de preservação estava passando despercebida devido à relação amistosa estabelecida com os
moradores. As visitas acabavam tendo um caráter mais de cortesia, apesar de fazerem parte de
um projeto do mestrado profissional oferecido pelo Iphan. Após essa etapa, foi possível
perceber um panorama dos dilemas que eram relatados pelos entrevistados, geralmente
pessoas mais idosas, membros de famílias tradicionais, que conduziam seu discurso para
assuntos como as festas que aconteciam na praça e/ou no centro histórico e a valorização das
famílias mais antigas, além da identificação de outra categoria de moradores. A partir desse
momento, iniciamos outra fase: a organização dos dados coletados, agrupando-os em uma
grade com os desejos dos diferentes protagonistas que atuam sobre o centro histórico.
As observações in loco deram respaldo aos dados coletados durante as entrevistas e
nos possibilitaram compreender as referências às festas e eventos que aconteciam
“antigamente” naquele espaço urbano e as várias comparações com as atuais em outros
espaços. Também foi possível perceber, por meio das entrevistas e observação in loco, que os
moradores separavam claramente dois ambientes distintos: o da casa para a calçada e o da
calçada para o espaço público — neste, constantemente são promovidos eventos que causam
desconforto aos moradores, principalmente os que não estão ligados ao meio religioso ou
cultural.
As celebrações religiosas que aconteciam e/ou acontecem no centro histórico foram
muito valorizadas pelos moradores, que falaram sobre seu descontentamento com a mudança
de percurso, com os fluxos e a organização desses eventos. Esse fato nos instigou a investigar
se tais eventos influenciaram certo distanciamento das pessoas com o espaço público do
centro histórico, principalmente em relação à praça da catedral, que se mostrou pouco
convidativa para as pessoas que estavam descontentes com a atual situação física da praça.
Nesse momento fazemos a pergunta “para quem é o patrimônio?” questão específica
da preservação em relação aos eventos e festejos que acontecem sobre determinados espaços
urbanos tombados como patrimônio cultural, levantando a hipótese de que as alterações da
dinâmica urbana pelo poder público podem estar em desacordo com os desejos da
comunidade e com os valores técnicos definidos pelos órgãos de preservação.
121
A pesquisa de campo
A área delimitada para a pesquisa foi o recorte dado pelo tombamento — o centro
histórico. O objetivo era buscar os significados atribuídos pela comunidade ao espaço urbano
(lugar) do centro histórico a partir das manifestações físicas perceptíveis. Inicialmente a
pesquisa teve fundamentação teórica nos estudos do geógrafo YI-Fu Tuan, por meio da
perspectiva da experiência com o espaço, por meio do contato direto com os moradores e
narrativas literárias, para o conhecimento dos bens que são referência cultural para a
população local, dentro do contexto do centro histórico da cidade, que de alguma forma se
aproxima do eixo metodológico do INRC.
A captação desses dados foi baseada na aplicação dos questionários com 24 (vinte e
quatro) perguntas semiabertas direcionadas e aplicadas a 26 (vinte e seis) moradores do centro
histórico (equivalente a aproximadamente 35% (trinta e cinco) do conjunto de edificações do
centro histórico), cujo modelo aplicado detinha questões divididas em 3 (três) partes: a) em
relação ao entendimento sobre patrimônio cultural no âmbito geral e local; b) as memórias e
lembranças do centro histórico; c) e, por último, a visão sobre tombamento no centro histórico
da cidade. Paralelo a essa metodologia, foi adaptado aos adolescentes um modelo de
formulário com duas perguntas sobre o lugar e associado à produção de desenhos, com intuito
de facilitar a apreensão do centro histórico por parte desse grupo específico, resultando um
total de 19 (dezenove) desenhos com perguntas sobre o que eles mais gostavam do lugar. Já a
análise de narrativa literária, foi o eixo direcionador da indagação e que possibilitou uma
percepção geral do contexto de transformação do espaço urbano e as relações estabelecidas
com o rio Tocantins.
O centro histórico
Grande parte das referências remeteu aos moradores nascidos em Porto Nacional,
haja vista que eles teriam muito a contar sobre a cidade em virtude dos laços construídos ao
122
longo dos anos. Nesse aspecto, a entrevista foi facilitada porque a maioria deles eram
era
aposentados, o que deu à conversa um caráter de informalidade. Entretanto, também havia
uma apropriação fortificada dos não-nascidos
não nascidos em Porto Nacional e que contribuiu,
contribuiu
consideravelmente, para a pesquisa, possibilitando
possibilitando absorver diferentes olhares sobre o centro
histórico.
O ponto de partida foi captar o olhar dos moradores sobre o centro histórico,
histórico a partir
daquilo que eles consideravam patrimônio cultural, identificando o que é referência para eles.
Ao perguntar sobre o que era patrimônio cultural, 23% (vinte e três por cento) dos
entrevistados responderam que ele estava relacionado à identidade cultural do lugar, 50%
(cinquenta por cento) falaram que o patrimônio estava diretamente vinculado à história dos
antepassados marcada no espaço urbano. Outros 27% (vinte e sete por cento) articularam suas
respostas à ideia de patrimônio material e imaterial por meio do ambiente construído,
identificando
cando as edificações e as manifestações culturais, como a festa da padroeira Nossa
Senhora das Mercês, a Festa do Divino e a Súcia (dança típica tradicional da região).
50 história dos
45 antepassados
40 marcado no espaço
35 urbano
30 patrimônio
25 imaterial e material
20
15
10 identidade cultural
5 do lugar
0
A B C
Os nascidos em outra cidade, mas que se apropriaram do centro histórico para viver,
pelo fato de ser uma área residencial e próxima ao centro da cidade, destacaram que esse
espaço representa qualidade vida e 90% (noventa por cento) desse grupo de entrevistados
revelaram que se sentiam encantados pelo rio Tocantins quando ele ainda não estava
submerso.
Para os mais novos, Porto Nacional não oferece muitas opções de lazer, a não ser os
eventos que acontecem na nova orla e na praia artificial, promovidos pelo poder público e
pela iniciativa privada, na tentativa de restabelecer a movimentação turística que antes era
motivada pela procura às praias naturais que existiam. Eles não vivenciaram as manifestações
culturais que se davam com maior ênfase no centro histórico em anos anteriores.
Descendentes de famílias tradicionais da cidade, esses jovens receberam valores repassados
pelos mais velhos. Um dos entrevistados mora fora do centro com os pais e, constantemente,
frequenta a casa dos avós ou parentes que continuam morando no núcleo antigo — área com
característica residencial e população mais idosa.
.
125
Os jovens têm uma relação dinâmica com o espaço urbano da cidade que está
direcionada para o presente. Frequentam os bares da orla e os grandes eventos que acontecem
na praia e na orla (Figura 35), principalmente quando envolvem a pista de kart (Figura 36).
Podemos dizer, sorrateiramente, que estamos caminhando para o surgimento de um novo
lugar em Porto Nacional, com novas apropriações.
126
A praça da catedral é vista pelos jovens como um local para rápidas conversas depois
da missa e para combinar as saídas à noite, além de ser aquele espaço de infância onde eles
brincavam. Essa característica da praça, como espaço recreativo, que ainda é pouco
explorada, foi percebida por meio das observações in loco, quando vimos crianças e
adolescentes, durante os finais de tarde, improvisando uma partida de futebol bem animada
(Figura 37) sobre um piso irregular e descascado.
127
Na nova Avenida Beira Rio, no entorno do lago, foi construída uma quadra com
infraestrutura adequada para a prática de futebol, mas os meninos se recusam a ir em razão da
distância e porque não há sombra para os que ficam aguardando a vez de entrar no jogo, além
da grama colocada no local. Segundo alguns relatos, não ajudar muito e queimar os pés.
Durante as conversas, foi fácil notar que a quadra da orla é de difícil acesso, não sendo
convidativa para os meninos. Já a praça acolhia melhor os garotos que jogavam no local e que
convidavam outros que passavam pelo centro histórico para se integrarem à brincadeira, como
mostram as figuras 38, 39 e 40.
Figura 38 – Movimento de meninos na praça Nossa Senhora das Mercês Fonte: Marielle
Rodrigues (2012)
Figura 39 – Menino observa o jogo ao passar pela praça Fonte: Marielle Rodrigues
(2012)
128
Cabe ressaltar que muitos desses meninos não moram no centro histórico. Alguns são
netos e bisnetos dos moradores do local ou amigos que residem em outras áreas. Outros
passam, casualmente, pela praça, veem a partida e se convidam para jogar.
Essa relação da praça como espaço recreativo para crianças e adolescentes também foi
notada durante a realização de mapas mentais elaborados pelos alunos da escola Dom Pedro II
a partir do tema “o centro histórico de Porto Nacional”. Alguns enfatizaram esse espaço como
o lugar do futebol e da catedral Nossa Senhora das Mercês, identificando como um único
local não dissociado da praça, como se pode observar nas figuras 41 e 42
Figura 41 – Desenho do André, aluno da escola Dom Pedro II. Fonte: Colégio
Dom Pedro II (2012)
129
Figura 42 – Desenho de Alber, aluno da escola Dom Pedro II Fonte: Colégio Dom
Pedro II (2012)
Outro fator que contribui para a pouca utilização desse grupo é que os laços familiares
e de amizade construídos nesse espaço às vezes incomodam os mais jovens, principalmente
em relação à vigilância dos mais velhos, que também se sentem incomodados com algumas
manifestações dos jovens que acontecem na praça e que não são promovidas pela Igreja.
Durante a pesquisa de campo, observando alguns eventos profanos que aconteciam na
praça, como o ensaio do grupo “Tambores do Tocantins”, cujos integrantes são crianças e
adolescentes de outros bairros, foi possível notar o incômodo dos mais velhos que assistiam
das janelas e calçadas. Quando terminou o ensaio e os jovens se retiraram, os moradores
começaram a se movimentar pela praça como se estivessem restabelecendo o seu território.
Já nos eventos promovidos pela Igreja se registrava pequena participação de jovens, o
que demonstrava o caráter distintivo do público durante a realização dos eventos que
aconteciam na praça, em virtude dessa vigilância dos mais velhos.
131
Tanto portuenses nativos como aqueles de coração foram questionados sobre quais
elementos representavam a cidade, o que era, para eles, referência cultural de Porto Nacional
e o que escolheriam para fotografar. Houve número significativo de menções a elementos
naturais e edificados da cidade, parte deles destruídos pelo poder público local. O objetivo,
com esse questionamento, foi obter informações convergentes com a base conceitual estudada
nos capítulos anteriores em relação à referência cultural e o conceito de lugar a partir da
experiência cotidiana dos moradores.
Infelizmente não temos como fazer registros fotográficos atuais dos elementos naturais
citados por mais de 90% (noventa por cento) dos entrevistados: a praia natural de Porto Real
(Figura 45) e o rio Tocantins (Figura 46), que foram submersos após a formação do lago.
90 catedral
80
praia natural
70
museu
60
50 comsaúde
40 casa da késia
30 casarão Pedreiras (rosa)
20 casarão lemos
10 casarão Ayres
0 casarão Maia
Figura 47. Gráfico 2. Demonstrativo em porcentagem dos elementos construídos mais citados que representam
Porto Nacional para os moradores do centro histórico,
histór incluindo o elemento natural.
O grande número de menções feitas à Catedral Nossa Senhora das Mercês (figuras 48
4
e 49)) se deve ao fato de esta igreja estar vinculada aos valores históricos, ao uso intenso por
parte da comunidade local, de predominância
predominânci católica, e, principalmente,
principalmente pelo valor estético e
por suas características monumentais que se diferenciam da escala do restante das edificações
de arquitetura vernacular.
Figura 488 – Vista externa da Catedral Nossa Senhora das Mercês Fonte:
Marielle Rodrigues (2012)
133
60
50 Área residencial e
relações de
40 vizinhança
tranquilidades e
30 hábito de sentar na
calçada
20
Edificações que
10 mantém traços
históricos
0
45
40 catedral
35
museu
30
comsaúde
25
20 casa da késia
15 casa de D.Julita
10 casarão Lemos
5
outros
0
Figura 52 Gráfico 3.2. Edificações citadas que agradam os entrevistados por manter
conservadas os traços históricos
Ao serem perguntados
dos sobre os pontos negativos do centro histórico, 40% (quarenta
por cento) dos entrevistados se queixaram da falta de atuação do poder público,
135
principalmente do Iphan, no sentido de dar mais atenção para a conservação das edificações,
em especial aos imóveis abandonados que estão servindo de ponto para o consumo de drogas,
por dependentes químicos, gerando insegurança no centro histórico. Outros 32% (trinta e
dois) reclamaram das intervenções urbanas errôneas promovidas pelos poder público local
sem o consentimento da comunidade e que só trouxeram prejuízos a ela. Também
reivindicaram melhorias na infraestrutura do centro histórico, como instalação de esgoto,
padronização das calçadas e iluminação adequada, principalmente na praça.
Dentre os entrevistados, 20% (vinte por cento) falaram que falta conscientização da
comunidade para a conservação das edificações devido à ausência de maior diálogo do Iphan
com os moradores, o que acaba distorcendo informações e criando entraves para a
conservação dos vestígios históricos existentes. Outros 40% (quarenta por cento) disseram
que se sentem incomodados com o barulho estridente provocado pelo som de carros que
ficam estacionados nos bares da orla. Importa ressaltar que já houve anteriormente, na praça
da catedral, conflitos entre donos de carros e moradores do centro histórico por esse motivo e
que a comunidade, por intermédio da polícia militar, determinou, informalmente, a proibição
de carros de som na praça Nossa Senhora das Mercês em qualquer horário do dia ou da noite.
O rio Tocantins e as praias naturais foram bastante citados pelos moradores, ao serem
questionados sobre os pontos negativos do centro histórico, em relação à perda que sofreram.
As lembranças que envolvem esses elementos foram, incessantemente, enfatizadas por quase
90% (noventa por cento) dos entrevistados, mesmo por aqueles que pouco usufruíram da
praia. Percebia-se, no olhar dessas pessoas, o sentimento de angústia ao recordarem da
paisagem que trazia uma especificidade ao lugar. Muitos lembraram do rio, sempre
identificando-o como elemento natural de sobrevivência para a comunidade ribeirinha, como
local de lazer e das pescarias que reuniam amigos e familiares. Também falaram sobre as
canoas e a balsa que faziam a travessia do rio, transportando pessoas e carros, e ressaltarem a
beleza natural do rio Tocantins e das praias temporárias que atraíam turistas.
Outros 8% (oito por cento) dos entrevistados lembraram dos momentos que marcaram
a transformação urbana no centro histórico, como a retirada do coreto (Figura 53) e a
derrubada das casas situadas nos lotes lindeiros (Figura 54) que davam acesso à margem do
rio.
136
Figura 54– Derrubada de edificações nos lotes lindeiros à margem do rio e em frente
à praça Nossa Senhora das Mercês Fonte: Daniel Cavalcante (2001)
Todos os entrevistados relataram que o rio Tocantins era muito importante para a
cidade, referenciando-o como o elemento principal para a sobrevivência das famílias, como
elemento de referência e patrimônio cultural que está afogado no lago, mas que se mantém na
memória dos seus moradores.
Esse elemento geográfico foi o pilar de construção da cidade e proporcionou o
sustento de muita gente por meio da pesca. Ele proporcionava lazer para as famílias e
movimentava o turismo, já que os mais importantes atrativos naturais da cidade eram a beleza
do rio, as praias e a água corrente. Enfim, ele dava qualidade de vida para os moradores de
Porto Nacional.
Outro ponto negativo, enfatizado por 12% (doze por cento) dos entrevistados, foi a
extinção de eventos que aconteciam no centro histórico e o risco de se perderem outros que
estão em processo de extinção, como a Feira do Cabaçaco. Os moradores também reclamaram
da mudança do percurso da procissão de Corpus Christi, da não produção pela comunidade
137
dos tradicionais tapetes que enfeitavam as ruas por onde passava o cortejo religioso e da
mudança de local da Semana da Cultura (Figura 55) que era realizada na praça.
Todavia, se hoje esse evento fosse realizado na praça, provavelmente sua dimensão
seria menor, mas conseguiria atingir os objetivos direcionados ao fortalecimento da cultura
local, desde que tivesse participação efetiva dos moradores, principalmente daqueles que
moram ao redor da praça, na organização das atividades. Da forma como a Semana da Cultura
está configurada atualmente, não há como redirecioná-la para o centro histórico.
Ao serem perguntados sobre cenas ou acontecimentos que marcaram na memória
referentes ao centro histórico, 8% (oito por cento) dos entrevistados confirmaram essa
constatação ao falarem da Semana da Cultura e da Feira do Cabaçaco, que aconteciam no
centro histórico, reforçando nossa compreensão sobre a importância da manutenção de
determinados eventos com a preservação de suas características tradicionais nos espaços nos
quais eles se originaram e onde eles fazem sentido.
As constantes lembranças das festas religiosas e eventos culturais emergiram em
diferentes narrativas dos moradores. Talvez pelo seu caráter público e por conterem valores
diferentes daqueles ligados ao interior das casas, esses eventos, sejam eles religiosos ou
profanos, colocaram-se como elementos importantes no que tange ao uso do espaço urbano no
centro histórico e que, portanto, merecem ter suas características tradicionais mantidas, e
outras resgatadas, haja vista que algumas, como relataram os moradores, correm o risco de
serem perdidas.
Ao levantarmos a frequência dos eventos e as datas das celebrações religiosas que
acontecem no centro histórico, verificamos que esses encontros celebram momentos de
grande significância para a cidade, como a Semana da Cultura e a festa da padroeira, e outras
marcam atividades mais pontuais, como a Feira do Cabaçaco, que reunia, em maioria, artistas
e artesãos ligados à Comsaúde (ver figuras 58 e 59).
direcionado à Igreja, no caso, a Catedral Nossa Senhora das Mercês, símbolo do patrimônio
cultural em Porto Nacional e templo da padroeira da cidade. Não quer dizer que não existam
momentos profanos na celebração da padroeira, tais como leilão, vendas de comida e bingo.
Já a procissão de Corpus Christi é um evento atrelado à catedral e que tem a participação de
outras paróquias, mas que necessita de uma revitalização de suas características tradicionais,
solicitada pelos moradores que usam o espaço urbano no centro histórico.
Quando a procissão era aqui no centro histórico era bem melhor, pois nós
fazíamos os tapetes. Não faz mais os “tapetes” na procissão e o percurso
mudou. Eu gostava e participava da montagem do tapete (Dona Edízia.
Entrevista concedida em abril de 2013).
Figura 62 – Sarau com jovens e adultos no pátio da Comsaúde Fonte: Comsaúde (2013)
Contudo, essa classificação entre o religioso e profano não é bastante para entender
como cada categoria participa dos diversos eventos. Isso porque a participação dos vários
moradores e não moradores, sejam jovens ou idosos, nas atividades que aconteciam e
acontecem no centro histórico, é uma importante forma de apropriação desse espaço urbano
da cidade, fundamentada em uma tradição histórica e cultural coletiva, mas também em
percepções individuais. Tais eventos constituem um referencial de cada participante e expõem
os valores que a comunidade atribui ao lugar, caracterizando-se como um canal de inserção de
conhecimento e conscientização em torno do patrimônio cultural portuense.
Na ótica de manutenção desses valores imateriais, os festejos e celebrações só fazem
sentido quando associados à determinada materialidade, isto é, quando são realizados nos
espaços em que foram originados e que são considerados patrimônio cultural. A preservação
da materialidade constituída pelo espaço urbano no centro histórico se justifica para os
moradores quando certas experiências que são valoradas por eles podem ser concretizadas
nesse lugar. Assim, podemos dizer que algumas manifestações culturais físicas e perceptíveis
são indissociáveis nos espaços nas quais elas são realizadas, ou seja, a materialidade tem
importância para os moradores quando a imaterialidade pode ser experienciada nesse espaço.
Sabemos que a imaterialidade pode sofrer transformações, mas em virtude da
necessidade da permanência de determinadas características tradicionais desses eventos, que
são valorados e experienciados pela comunidade, eles devem continuar acontecendo sobre os
seus espaços de origem. Por esse viés, consideramos que essas práticas culturais nunca
deveriam ter saído do centro histórico com a manutenção de suas características tradicionais.
Ao observarmos a festa da padroeira (Figura 63, 64 e 65), notamos o significativo
valor a ela atribuído pelos moradores e não moradores do centro histórico, que se
movimentavam na organização do festejo, na ornamentação da igreja, na montagem das
143
estruturas de barraquinhas para venda de alimentos, na coleta de oferendas para realização dos
leilões, além de participarem cantando e rezando durante a procissão.
Figura 65 e 66– Festa da padroeira Nossa Senhora das Mercês Fonte: Marielle Rodrigues (2011, esquerda) e
Diocese de Porto Nacional (2013, direita)
Foi perceptível a participação dos moradores mais antigos do centro histórico em toda
a dinâmica da festa, desde o processo de preparação até o envolvimento nos rituais religiosos
e no vaivém dos festejos. Pode-se afirmar que a importância atribuída a esse evento se
relaciona diretamente não apenas à religiosidade, mas também, e, principalmente, aos laços
familiares e de amizade construídos em torno do sentimento de devoção e exaltação da
padroeira da cidade. Já os residentes em outros bairros participam da festa como espectadores.
Contudo, apesar da festa continuar acontecendo no centro histórico, alguns moradores
relataram que antes ela era mais organizada e atraía mais pessoas para a procissão.
Observamos que houve um processo de mudanças nas festas religiosas, em relação ao
percurso da procissão e à organização do festejo, que resultaram na perda de parte de suas
características mais importantes culturalmente e que são inerentes ao espaço urbano ocupado
pela celebração, ao ambiente que representa não somente o local de sua realização, mas
também um componente da tradição dos moradores do centro histórico.
Exceto esses eventos, o cotidiano dos moradores se concentra no interior de suas
casas, nas calçadas e, eventualmente, na praça. A casa deles é convidativa e eles têm
satisfação em mostrar o interior de sua residência (Figura 67) com aquilo que eles herdaram
dos seus pais e avós (Figura 68) e que ainda preservam alguns aspectos, dentro de suas
possibilidades financeiras, conhecendo o valor histórico e sentimental das peças e elementos
construtivos.
145
Como os moradores estão muito voltados para o interior de suas casas, eles as
enxergam como herança familiar e não conseguem associá-la ao contexto à qual ela pertence,
o que acaba dificultando o trabalho do Iphan. Porém, eles conseguem entender a importância
da manutenção dos traços arquitetônicos e históricos da catedral sobre o espaço público e se
sentem entusiasmados em opinar sobre esse assunto. Entretanto, não imaginam suas casas
como pertencentes desse conjunto, desse contexto histórico, pois identificam seu lar somente
como berço familiar, não compreendendo a concepção do conjunto de casario vernacular
como herança dos antepassados para o espaço público (patrimônio cultural), apesar de
possuírem forte laço afetivo com o núcleo histórico.
Outro aspecto que nos leva a refletir sobre a descaracterização do acervo e a reação
negativa quanto à atuação do Iphan no que diz respeito à alteração das características
arquitetônicas das casas, é que para a maioria dos entrevistados (72% deles), a edificação que
representava o maior símbolo de preservação daquele lugar e que teria sido, exclusivamente,
o objeto do tombamento era a catedral, em razão da sua estética e da sua monumentalidade.
Para os que não nasceram em Porto Nacional, mas se apropriaram do centro histórico,
esse espaço tem importância como patrimônio edificado, o que representa para eles um
atributo importante, tanto para aqueles que preservam o patrimônio histórico quanto pela
valorização da tranquilidade do lugar e sua proximidade com a área central da cidade. Esse
grupo de moradores cobra uma atuação mais intensa do Iphan no centro histórico e acentua a
necessidade de ações educativas para a comunidade e não somente de recursos financeiros
para conservação do casario, como enfatizado pelos nascidos em Porto Nacional.
Para os moradores nascidos em Porto Nacional, o valor está ligado às famílias que
construíram a cidade e a catedral. Eles não têm uma visão ampla do contexto que permite
148
extrapolar os valores construídos no interior de suas casas para todo o conjunto arquitetônico,
considerando não apenas a catedral como elemento primordial para o tombamento, mas
incluindo outros bens e outros personagens que também fizeram parte da história de
construção da cidade: os ribeirinhos.
Ao analisarmos os edifícios mais citados no quadro 2 (Figura 70) pelos entrevistados,
tanto pelos nativos quanto pelos não nascidos na cidade, constatamos que eles aliavam os
valores estéticos e históricos percebidos pelos participantes da pesquisa. Para os entrevistados,
os bens imóveis mais mencionados representam o patrimônio cultural da cidade e são
fortemente apropriados pela comunidade. É interessante notar que esses bens estão vinculados
a entidades públicas ou a organizações não-governamentais.
O conceito de patrimônio cultural foi direcionado pelos entrevistados à ancestralidade
e à história do povo, como mostrado no início desta seção. Assim, talvez eles possam ampliar
esse conceito e entender que a herança familiar concretizada no seu lar, em sua casa, também
faz parte dessa história e que, por isso, é importante que esse bem seja preservado.
A partir dessa hipótese, sentimos a necessidade de alertá-los sobre a importância das
casas num contexto histórico que foi um dos grandes motivadores do tombamento, além da
catedral, visto que esses imóveis foram construídos pelas mãos de pessoas que dominavam
uma técnica específica e que não se fazem mais casas semelhantes às antigas residências de
Porto Nacional. Foi preciso, durante as entrevistas, ressaltar o valor esplêndido das técnicas
construtivas de antigamente adotadas por pais, avós, tataravós, que tiveram participação
efetiva nesse processo, além dos mestres artífices que conheciam as técnicas que orquestrava
a construção. Salientamos que tudo isso importa para os técnicos do patrimônio, pois a
imaterialidade estava ali representada por meio da materialidade que seria a sua casa, e que,
por isso, ela deveria ser preservada e respeitada.
149
Figura 70: Quadro 2. Edifícios mais representativos do centro histórico para os entrevistados. Elaboração: Marielle
Rodrigues2013.
150
Figura 71: Quadro 3. Edifícios que necessitam de intervenção do poder público conforme os entrevistados.
Elaboração: Marielle Rodrigues2013.
151
Entre uma pergunta e outra durante a pesquisa, foi possível perceber que no começo
do processo de tombamento os moradores não tinham muito interesse nessas reuniões. Muitos
alegam que foi em virtude da falta de compreensão da importância delas para o centro
histórico e para a sua própria casa. Entretanto, com o tempo, as pessoas vão se
conscientizando do papel fundamental da comunidade nas decisões relativas a esse espaço,
apesar da experiência frustrada de 2001. No início, elas consideravam que essa participação
da comunidade nos processos decisórios sobre o espaço urbano não surtiriam efeito, já que,
nas intervenções de 2001 e 2002, aconteceram audiências públicas, mas a administração
municipal não acatou as sugestões da população e atropelou parte das referências culturais de
Porto Nacional. Por isso houve essa descrença e a falta de envolvimento nas reuniões
promovidas em 2008 e 2009 para discutir o tombamento e o projeto de revitalização do centro
histórico. Inclusive, alguns que participaram da reunião com o Iphan, desacreditam que o
tombamento seria concretizado.
Por causa dessa trajetória frustrante dos moradores do centro histórico, referente às
intervenções que aconteceram em 2001 e 2002, o Iphan acabou tendo dificuldades de atuação
logo quando assumiu o tombamento de Porto Nacional, visto que a comunidade se mostrava
arredia em relação ao poder público. Esse descrédito também vem acompanhado da não
restauração dos “casarões” e da praça por meio das ações compartilhadas entre o governo
federal e o poder público local.
Existe muita expectativa quanto aos benefícios financeiros propostos para o centro
histórico, porém, cabe acentuar que muitos moradores não poderão usufruir deles porque
parte do acervo vernacular se encontra em situação de inventário judicial para partilha de
herança familiar, o que poderá ser um obstáculo para obtenção do financiamento do PAC-
Cidades Históricas46.
Figura 73. Barranca nas margens do rio Tocantins, 1999. Fonte: Daniel Cavalcante
poderia ser viabilizada e estaria de acordo com os preceitos de recuperação da paisagem mais
antiga da praça e com a memória dos seus moradores, como também coincidiria com o valor
técnico, já que a maioria dos moradores desaprova as espécies colocadas nesse espaço e as
más condições de sombreamento que elas propiciam, situação que se agrava com a falta de
manutenção do pouco gramado que ainda existe. É claro que seria inviável retirar a
arborização já existente, pois o ideal seria acomodar as mangueiras junto das espécies ali
plantadas para que pudessem proporcionar maior cobertura vegetal, contribuindo para
ambiência e maior sombreamento do local.
A iluminação insuficiente na praça incomoda muito os moradores, pois acarreta a
sensação de insegurança e não proporciona conforto visual. Ao mesmo tempo, a iluminação
das ruas também provoca esse desconforto por causa do grande número de fios visíveis no
espaço aéreo.
A falta de manutenção no piso cimentado da praça, os desníveis das calçadas e a falta
de vegetação são outros motivos de insatisfação. São apontados problemas de acessibilidade
no uso dessa infraestrutura urbana, notadamente para as pessoas mais idosas, que compõem a
maioria da população que habita o centro histórico.
Os entrevistados revelaram sua indignação, comparando o pouco interesse da
Prefeitura pelo espaço público do centro histórico com os investimentos feitos na cidade e que
priorizam, na maioria das vezes, o setor de turismo, privilegiando, especificamente, a orla e a
nova praia e esquecendo-se de que um centro histórico bem estruturado também atrai turistas.
Em certa medida, os moradores visualizam a necessidade de o poder público local
atrair mais turistas, quase que “pelo laço”. Esse posicionamento se remete às narrativas das
perdas culturais, sociais e, principalmente econômicas, que são, repetidamente, questionadas
pela população portuense. Para a maioria dos habitantes, o autor desse massacre foi o próprio
poder público. Por isso há esse desgaste e essa tentativa forçada do município para que a
cidade volte a atrair turistas como antes, principalmente recorrendo à nova orla e à nova praia.
No decorrer das visitas foi possível perceber que os moradores do centro histórico não
veem suas casas como parte do processo que determinou o tombamento de Porto Nacional. A
valoração atribuída ao casario foi o grande motivador do tombamento pelo Iphan por
corresponder ao contexto histórico de ocupação do território brasileiro e da formação de
cidades em virtude da economia da mineração. Esse entendimento não é tão visível para a
157
maioria dos moradores, que associa o tombamento do centro histórico à catedral. Todavia,
isso não significa que para essas pessoas não há um valor nas casas antigas, já que existem
“casarões”, como elas definem, que são importantes para a cidade e que representam a
história das famílias tradicionais de Porto Nacional. A questão é que seu valor está associado
à herança familiar e aos laços afetivos que foram construídos com o tempo e não,
necessariamente, ao processo de ocupação do território nacional devido ao ciclo do ouro.
Nessa perspectiva, o olhar dos moradores sobre a motivação do tombamento e o valor
da arquitetura vernacular, diverge um pouco do valor técnico especializado que embasou o
tombamento do centro histórico de Porto Nacional. Entretanto, esses valores podem, ao
mesmo tempo, convergir para a preservação do patrimônio cultural a partir de um movimento
de inserção dos valores oficiais no interior dos lares que compõem o centro histórico e a
extrapolação dos valores familiares tradicionais para o espaço urbano. Dessa forma, os
moradores poderiam associar a sua casa ao conjunto histórico e assumir a importância da sua
preservação por meio da conexão desses valores.
No caso dos moradores de Porto Nacional, conforme algumas entrevistas, o não
atendimento das solicitações feitas nas audiências públicas em 2001 e 2002 quanto à
derrubada de alguns elementos construtivos, que existiam no centro histórico, fez com que a
comunidade desacreditasse no poder público. Essa imagem de descaso da administração
municipal com os moradores foi repassada ao Iphan logo que a instituição declarou o centro
histórico de Porto Nacional como patrimônio cultural, como relatado anteriormente nesta
seção. A proposta do programa PAC-Cidades Históricas/Monumenta do governo federal, que
foi apresentada à comunidade em 2010 pelo Iphan, não foi o bastante para dissolver essa
imagem de descaso; pelo contrário, só fez alimentar mais ainda o sentimento de rejeição. As
falas dos moradores, de modo geral, demonstram um sentimento de ansiedade e o desejo de
concretização dessas ações o quanto antes, pois, para eles, o Iphan deixou muito a desejar
pelo centro histórico e essas ações são apenas promessas.
Apesar desse impasse, há uma expectativa de recuperação das edificações
vernaculares mais representativas para os entrevistados e que de alguma maneira são vistas
como abandonadas pelo poder público. As preocupações visíveis e expostas pelos moradores
se direcionam a um grupo de imóveis que deve ser priorizado para a recuperação física e que
inclui o abrigo dos idosos, o casarão rosa, o museu e o prédio da Comsaúde.
Atualmente, o abrigo dos idosos representa um problema social que atinge toda a
comunidade do centro histórico e de fora dele: o seu uso como ponto de consumo de drogas
por dependentes químicos. Já o casarão rosa é, para os moradores, um dos mais importantes
158
símbolos das famílias tradicionais do centro histórico. Trata-se de uma edificação que chama
a atenção do transeunte, mas apresenta um aspecto de abandono que incomoda visualmente
muitos habitantes desse espaço, apesar de reconhecerem que o imóvel é bastante valorizado
pela família Pedreira, motivo pelo qual acaba até mesmo dificultando a sua recuperação física.
Os moradores esperam que o poder público resolva esses dilemas referentes à
recuperação dessas edificações e que, no caso do abrigo de idosos, não somente realize a
recuperação física, mas também destine o imóvel para o desenvolvimento de projetos sociais
direcionados à comunidade e para uso efetivo da população.
3.4.4 A catedral
47
Carta de Burra, apresentada na Austrália em 1980 pelo Conselho Internacional de Monumentos e
sítios/Icomos. O texto desse documento enfatiza que “a preservação do patrimônio histórico, artístico e cultural
é necessária, pois esse patrimônio é o testemunho vivo da herança cultural de gerações passadas que exerce
papel fundamental no momento presente e se projeta para o futuro, transmitindo às gerações por vir as
referências de um tempo e de um espaço singulares, que jamais serão revividos, mas revisitados, criando a
consciência da intercomunicabilidade da história.
159
foram os valores atrelados ao patrimônio edificado vernacular, negando-se a catedral pelo fato
de ela referenciar outra temporalidade, remetida ao século XIX.
Essa negação conceitual do século XIX e a exaltação do século XVIII como referência
de patrimônio cultural são tão fortes, tanto nos discursos técnicos quanto entre os brasileiros
que não estão envolvidos na área do patrimônio, que parece que a arquitetura colonial mineira
virou uma espécie de ideologia no que diz respeito ao que é patrimônio. Até mesmo uma das
moradoras de Porto Nacional, ao reclamar da falta de conservação dos imóveis por parte dos
donos, ressaltou a sua indignação com a cor variada das edificações: “Eu não sei como as
pessoas daqui pintam os imóveis de tudo quanto é cor, pois para mim colonial tem que ser
branco” (Dona Neta. Entrevista concedida em abril de 2013).
Apesar dessas provocações, para a entrevistada, a catedral, sem dúvida, é patrimônio
cultural na cidade por razões históricas e estéticas. Com esse argumento concordam os demais
entrevistados, que destacam a monumentalidade da igreja em relação às demais edificações do
centro histórico e por ter uma motivação espiritual atrelada à igreja. Sendo ou não
esteticamente agradável aos olhos dos técnicos, o que a população de Porto Nacional deseja é
que esse símbolo possa ser protegido, visando à transmissão dos seus valores e significados
para as gerações futuras.
Mas o patrimônio cultural de Porto Nacional se encontra num plano em comum entre
esses atores sociais, que é o espaço público do centro histórico e que, de alguma forma,
envolve também a catedral que, para os moradores, ela é indissociável da praça. É nesse
espaço, por meio das celebrações, que os moradores conseguem interagir e se relacionar com
o centro histórico, ou seja, com o patrimônio cultural, de maneira mais socializada a partir do
compartilhamento de valores. Para muitos, as festas antigamente, tinham esplendor; para
outros, eram as ocasiões de interação entre as pessoas, de atividades coletivas, de troca de
conhecimentos e cenário de rituais tradicionais.
Se o interesse do Iphan é adentrar nos lares, propondo a sensibilização dos moradores
em relação à importância da preservação dos traços históricos de sua casa, da participação do
seu casarão naquele contexto histórico no qual ele foi construído e da possível recomposição
das características arquitetônicas tradicionais de parte do acervo descaracterizado, seria
necessário começar pelas intervenções do espaço público do centro histórico, a partir das
manifestações culturais que acontecem e aconteciam nesse espaço urbano, visto que as
celebrações são elementos-chave de mobilização da comunidade portuense.
162
CONSIDERAÇOES FINAIS
Nessa perspectiva, é preciso que o Iphan busque nos moradores, principalmente nos
donos dos casarões mais conservados, aliados para a preservação do patrimônio, pois muitos
deles, de alguma forma, influenciam outros moradores. Outros que podem ser aliados
importantes e que necessitam de um apoio particularizado por parte do Iphan são os
portuenses que possuem estabelecimento comercial na sua casa. Nesse caso, o mesmo local
serve como ponto de encontro entre moradores do centro histórico e entorno. Citamos, como
exemplos, salão de beleza, academia, bares e mercearias que funcionam no centro histórico,
especificamente dentro da poligonal de tombamento.
Outro caminho paralelo seria buscar o potencial do museu e da Comsaúde, que
poderiam ser aliados e mediadores entre o Iphan e a comunidade, a partir de parcerias para
inserção dos projetos educativos. Os espaços dessas instituições por si só já colaboram para o
ambiente educador e para o compartilhamento de ideias e ações sociais para o centro
histórico, visto que realizam ações similares e se mantêm conservadas suas respectivas
edificações. Vale lembrar que o museu foi restaurado pelo Iphan antes do tombamento do
centro histórico e que, portanto, tem um respaldo a ser considerado por essa instituição que é
administrada pelo poder público local, o que facilitaria, indubitavelmente, a construção de
uma parceria contínua relacionada a ações educativas.
A participação dos moradores nos projetos que envolvem intervenção física no centro
histórico é de suma importância para que se possam desenvolver com êxito tais projetos.
Quando há participação efetiva, constante e organizada dos moradores na tomada de decisões,
em diálogo com a equipe técnica e com o poder público local que propõe intervenções, as
ações são mais eficazes visando à preservação do patrimônio cultural.
2) O poder público local
Analisando o percurso do Iphan em sua trajetória política, pode-se perceber a
transformação no reconhecimento de bens culturais, e, no nosso caso, do patrimônio edificado
descaracterizado que conseguiu ser reconhecido graças a mudanças tanto políticas quanto
conceituais. Em Porto Nacional, a mobilização do poder público local foi fortemente
motivada pela disponibilização de recursos financeiros que o título de patrimônio cultural
poderia trazer ao município.
A Prefeitura sempre se pautou no tão sonhado turismo sustentável e essa busca
aumentou, significativamente, após as intervenções de 2001, que desconsideraram aspectos
essenciais do cotidiano e da dinâmica da cidade, como também dilaceraram aquilo que foi
referência cultural para a cidade, não por desconhecimento, mas pelo fato de o poder público
165
acreditar que os interesses voltados estritamente ao turismo poderiam gerar grandes benefícios
com as transformações urbanas e ambientais de 2001.
A tentativa de ressarcimento dos danos por meio da mobilização para o tombamento em
2007, estava sustentada na inclusão da cidade no programa federal de recuperação de centros
históricos, e essa atitude foi louvável, apesar de tardia, pois a comunidade preza muito pelo
título e alega que esse atributo poderia ter vindo muito antes, já que evitaria pelo menos uma
parte dos danos causados, conforme o depoimento de muitos moradores.
Apesar do dossiê de tombamento de Porto Nacional ter apontado que o município se
comprometeria a assumir sua responsabilidade para a preservação do centro histórico, por
meio da disponibilização de equipe técnica para fiscalização e infraestrutura necessária para
concretização dessa atividade, na prática esse compromisso declarado oficialmente não foi
cumprido até o momento, e muito menos foi feita uma regulação urbanística suficiente e
eficaz que contemple o campo do patrimônio no município.
A cidade tem um plano diretor que, segundo a Constituição Federal, é um instrumento
de planejamento urbano e de ordenação territorial no âmbito do município, com o objetivo de
abarcar o patrimônio cultural da cidade. Entretanto, esse instrumento aplicado em Porto
Nacional é vago no que se refere ao campo do patrimônio e pouco eficaz para preservação e
fiscalização dos bens culturais, uma vez que o corpo de funcionários na Prefeitura não possui
técnicos para regulamentação e aplicação de medidas de proteção para o centro histórico. O
resultado desse quadro, marcado pela inércia do poder público local, é a ação fiscalizadora
executada estritamente pelo Iphan, que nem mesmo possui escritório técnico no local para dar
suporte às atividades de fiscalização e atendimento aos moradores.
Sem a instrumentalização da esfera municipal para a aplicação do Estatuto da Cidade, a
reformulação do plano diretor e a disponibilização de equipe técnica para executar as
atividades de fiscalização e atendimento aos moradores em parceria com o Iphan, infere-se o
desrespeito ao título que foi atribuído ao centro histórico.
É preciso que haja tanto uma articulação entre o planejamento urbano e a preservação
do patrimônio, como também uma regulação urbanística de modo a definir com clareza as
normas de preservação e valorização das áreas de interesse cultural e histórico da cidade.
Talvez a Prefeitura não tenha suporte para enfrentar essa empreitada em virtude da falta de
estrutura para desenvolvimento do projeto. Por isso, se verifica a necessidade do seu
fortalecimento por meio de recursos humanos capacitados para levar adiante esse projeto em
parceria e/ou com apoio do governo federal, de forma a aplicar a gestão integrada e
166
Outra associação dos valores materiais e imateriais tardiamente percebida pelo poder
público foi o coreto destruído em 2001, cuja reconstrução prometida pelo Prefeitura não seria
a melhor alternativa de mitigação dos danos causados. A tentativa de reconstrução do coreto
se mostrou um pouco emblemática, pois, apesar de ser um elemento bastante citado nos
relatos dos moradores, não significa que a perda da edificação será sanada com a construção
de outro. Ainda sobre as intervenções de 2001, a destruição de parte do casario vernacular da
praça para dar lugar ao centro de artesanato e apoio ao turista aumenta, significativamente, a
rejeição em relação às transformações de 2001. Essas novas edificações, que hoje se mantêm
fechadas, associadas à arborização insuficiente da praça, foram intervenções do poder público
desprezadas pela comunidade. Os moradores locais defendem a retirada dessas edificações
atuais, maior arborização da praça e não são totalmente favoráveis à reconstrução do coreto.
Nessa perspectiva, os interesses dos moradores se aproximam da narrativa motivadora
do tombamento, que está relacionada ao contexto do século XVIII e acentua a importância de
permitir maior percepção da paisagem mais antiga da praça por meio da reposição das árvores
que foram retiradas e daquilo que foi acrescentado no espaço urbano sem o devido estudo
técnico especializado e sem a aprovação da comunidade. Nesse aspecto, é possível se
aproximar da posição defendida pela doutrina tradicional durante a reunião do Conselho
Consultivo, que sugeriu mudanças na configuração física do centro histórico a fim de dar
legibilidade à paisagem, permitindo a leitura do espaço urbano mais coerente com a
motivação técnica do tombamento.
Outra intervenção possível de ser implementada é a reconstrução da barranca, que
poderia fazer alusão à antiga paisagem perdida nas margens do rio e tentar ressarcir parte do
dano causado, sem destituir o novo lugar (a orla) que foi imposto sobre a antiga barranca do
rio Tocantins.
A sensibilização demonstrada pelos entrevistados em relação ao estado de conservação
de alguns casarios privados e públicos (casarão rosa, antigo abrigo dos idosos, museu,
Comsaúde e catedral) reforça a atenção que o poder público deve dar a essas edificações,
principalmente por manterem ainda suas características vernaculares num centro histórico
descaracterizado e por serem elementos, significativamente, apropriados pelos moradores, o
que as torna referência para a população local.
Quando à catedral, além da atenção dada pelo Iphan quanto à sua estrutura física, talvez
seja necessária uma intervenção que realce o valor que a comunidade atribui à edificação.
Nesse sentido, o Instituto poderia verificar a viabilidade da realização de um projeto de
iluminação externa específica, direcionada a monumentos históricos, uma vez que a não
168
continuidade da iluminação externa de Natal foi desaprovada pela comunidade, que não
percebeu, num primeiro momento, que tal intervenção estava danificando a edificação. Esse
projeto deve ser coordenado por um técnico especializado e pode fortalecer esse sentimento
que os moradores têm pela catedral e ao mesmo tempo facilitar a relação deles com o Iphan.
Diante da situação atual em que se encontra o patrimônio cultural, os usos do espaço
são imprescindíveis para direcionar intervenções e reforçar o significado do lugar quando
esses usos estão associados ao patrimônio material e imaterial dos seus detentores culturais.
Essa análise serve de base para a inclusão das referências culturais do centro histórico
nos projetos de intervenção do espaço urbano tombado que são definidos pelo Iphan e pela
Prefeitura, enfatizando o equilíbrio entre os valores imateriais e materiais do patrimônio
cultural. É claro que temos o pressuposto de que a gestão feita pelo Iphan é baseada nos
valores oficiais e que estão presentes no parecer técnico de tombamento. O que se propõe é
fazer um paralelo dos valores imateriais e materiais a partir do conceito de lugar, que
contemple a significância e os usos do bem material pelos seus detentores culturais, visando à
transmissão desses significados para as gerações futuras.
Reiteramos a importância dos velhos questionamentos: O que é patrimônio? Para quem
e por que se preserva?
Por último, cabe a reflexão: continuaremos a realizar análises do patrimônio cultural por
meio da dissociação entre o material e o imaterial? Consequentemente, esse reducionismo
recai sobre as intervenções físicas. Se no campo do conhecimento do valor existe essa
separação, também os instrumentos de proteção do Iphan (tombamento e registro) continuarão
a ser utilizados separadamente em casos passíveis de adoção simultânea?
Essa relação paralela de valores tem servido de base para subsidiar a intervenção
urbana. Contudo, há que se salientar a existência de casos, citados nesta dissertação, que
foram mais além desses preceitos de valores, exigindo a utilização simultânea de
instrumentos. Assim como esses casos específicos mais complexos, será que mais adiante
teremos bens protegidos simultaneamente pelo Decreto-lei nº 25 de 1937 e pelo Decreto-lei nº
3.551 de 2000? A partir dessa perspectiva, defendemos que a adoção do conceito de
referências culturais em centro históricos já tombados constitui subsídio imprescindível para
propor projetos de intervenção urbana.
A passos lentos, estamos caminhando em direção a essa simultaneidade no tocante ao
conhecimento dos valores envolvidos no patrimônio, e também na definição dos instrumentos
de proteção e suas respectivas normativas em casos que exijam essa complexidade para
definição do que é patrimônio cultural e das medidas mais coerentes e adequadas de proteção.
169
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Andrade, 1936-1945. Brasília: Sphan/Fundação Pró-Memória, 1981.
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liminaridades no espaço urbano. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n.
23, p. 190-203, 1994.
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Belo Horizonte: Forúm, 2011. p. 183-199.
MOTTA, Lia; THOMPSON, Ana Lúcia. Entorno de bens tombados. Rio de Janeiro:
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PALACIN, Luiz. Goiás 1722 - 1822: estrutura e conjuntura numa capitania de minas.
Goiânia: Oriente, 1976.
PARENTE, T. G. Fundamentos Históricos do Estado do Tocantins. Goiânia: UFG, 1999.
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http://banzeirotextual.blogspot.com.br/2012/06/raimundo-celio-pedreira-cronica.html Acesso
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Universidade Católica de Goiás, 2006.
ZAMIN, Frinéia. Patrimônio cultural do Rio Grande do Sul: a atribuição de valores a uma
memória coletiva edificada para o Estado. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, 2006.
175
ANEXO - ENTREVISTAS
GRUPO: DATA:
DADOS INICIAIS:
Idade: Sexo: ( ) F ( ) M Profissão:
Mora no centro histórico: Sim ( ) Não ( )
Há quanto tempo: Com que freqüência você visita o centro histórico:
( ) menos de 10 anos ( ) diariamente
( ) Entre 10 a 30 anos ( ) 2 a 4 vezes por semana
( ) Mais de 30 anos ( ) 1 vez por semana
1ª PARTE – O OLHAR SOBRE O CENTRO HISTÓRICO
1) Em sua opinião, o que é patrimônio cultural?
2) O que o centro histórico de Porto Nacional representa para você?
3) Se fosse para tirar uma foto da cidade para mandar a um ente querido de outra cidade, de
qual lugar você tiraria?
4) O que você mais gosta, o que mais o agrada no centro histórico de Porto Nacional?
5) O que você considera de positivo no centro histórico?
6) E de negativo?
7) Você considera que o rio Tocantins é/era importante para a cidade? Por quê?
8) Retirando as festa da igreja, existem outros eventos ou prática que você costuma participar
no centro histórico?
9) Você se sente incomodado com outros eventos que acontecem no centro histórico?
2ª PARTE – LEMBRANÇAS E MEMÓRIAS DO LUGAR
10) O que aconteceu de importante no centro histórico da cidade e/ou na praia que marcou na
sua memória, de que você se lembra ou que seus pais contavam?
11) Quais as recordações de que você tem do rio Tocantins antes da formação do lago?
12) Você se sente como um dos protagonistas que ajudou a construir Porto?
13) O que é tradição aqui? O que representa tradição em Porto Nacional? E o casario?
14) Você sabe quem é Felix Camoa?
15) O que você conhece das histórias e recordações referentes à navegação no rio Tocantins?
3ª PARTE – O OLHAR SOBRE O TOMBAMENTO
16) Você concorda que o centro histórico merece ser preservado? ( ) sim ( ) não
Por quê?
17) Você concorda com o tombamento do centro histórico? E as reformas e mudanças?
176
ENTREVISTADO 1
GRUPO: Adulto DATA: Fevereiro de 2012
DADOS INICIAIS:
Idade: sexo: ( X ) F ( ) M Profissão: Dona de salão
Mora no centro histórico: Sim (X ) Não ( )
Há quanto tempo: Com que freqüência você visita o centro histórico:
( ) menos de 10 anos ( X) diariamente
( ) Entre 10 a 30 anos ( ) 2 a 4 vezes por semana
(X) Mais de 30 anos ( ) 1 vez por semana
abrigo. Aquele lugar virou ponto de consumo de droga, como também os banheiros da praça.
Não sei porque não demoliram aquilo ainda.
22) Sobre a proposta de revitalização do centro histórico você viu o projeto?Você concorda?
Não vi o projeto, mas fiquei sabendo da reunião porque uma cliente me falou. Eu estava
trabalhando e não deu para ir. Ao chegar o final do dia, eu só quero descanso, porque fico
muito tempo em pé.
23) Você tem interesse em saber sobre as intervenções urbanas e físicas que acontecem no
centro histórico? Você considera que toda intervenção no sítio histórico lhes diz respeito?
Principalmente porque você se considera um protagonista que ajudou a construir a história da
cidade?
Sim, mas às vezes não posso participar porque trabalho em casa e pode chegar cliente a
qualquer momento.
24) Você considera que a sua casa faz parte do conjunto tombado? Por quê?
Sim. Porque meu pai conservou e eu também conservo na medida do possível com o pouco
recurso que tenho.
ENTREVISTADO 2
GRUPO: Adulto DATA: Fevereiro de 2012
DADOS INICIAIS:
Idade: sexo: ( X ) F ( ) M Profissão: Do Lar
Mora no centro histórico: Sim ( ) Não ( X )
Há quanto tempo: Com que freqüência você visita o centro histórico:
( ) menos de 10 anos ( X) diariamente
( ) Entre 10 a 30 anos ( ) 2 a 4 vezes por semana
(X) Mais de 30 anos ( ) 1 vez por semana
4) O que você mais gosta, o que mais o agrada no centro histórico de Porto Nacional?
Minha casa.
5) O que você considera de positivo no centro histórico?
A tranqüilidade e a relação de vizinhança.
6) E de negativo?
A falta de segurança e falta de preocupação do poder público com os dependentes químicos
no centro histórico
7) Você considera que o rio Tocantins é/era importante para a cidade? Por quê?
Sim. Porque tinha as praias naturais.
8) Retirando as festa da igreja, existem outros eventos ou prática que você costuma participar
no centro histórico?
Somente participo dos eventos envolvendo a igreja que é a Festa da Padroeira, a ordenação de
padres e as quermerces religiosas na praça.
9) Você se sente incomodado com outros eventos que acontecem no centro histórico.
Ás vezes. De vez em quando há carros de som e barulho da garotada jovem.
16) Você concorda que o centro histórico merece ser preservado? ( X ) sim ( ) não
Por quê?.
17) Você concorda com o tombamento do centro histórico? E as reformas e mudanças?
(X) sim ( ) não Por quê?
18)? Você participou das reuniões que aconteceram na catedral referente ao tombamento do
centro histórico de Porto Nacional? Se não por quê (X ) sim ( ) não
20) Se você participou das reuniões, quais são as suas críticas, sugestões e expectativas?
O Poder público tombou o centro histórico, mas não dá assistência.
21) O que é mais importante para você e deveria ser preservado na cidade, que você considera
como patrimônio cultural? O que você gostaria que o Iphan fizesse aqui?
Deveria ter um posto policial devido aos dependentes químicos que utilizam as edificações
abandonadas. A praça está muito feia e está parecendo um secador de arroz. Precisa de mais
árvores nesse centro histórico e uma sorveteria devido ao calor.
22) Sobre a proposta de revitalização do centro histórico você viu o projeto?O que acha?
Concorda?
Não vi o projeto e nem fiquei sabendo dessa reunião.
23) Você tem interesse em saber sobre as intervenções urbanas e físicas que acontecem no
centro histórico? Você conidera que toda intervenção no sítio histórico lhes diz respeito?
Principalmente porque você se considera um protagonista que ajudou a construir a história da
cidade?
Sim.
24) Você considera que a sua casa faz parte do conjunto tombado? Por quê?
Sim. Porque é uma das mais conservadas e está próxima da igreja.
ENTREVISTADO 3
GRUPO: Idoso DATA: Fevereiro de 2012
DADOS INICIAIS:
Idade: sexo: ( ) F ( X ) M Profissão: jornalista e escritor
Mora no centro histórico: Sim (X ) Não ( )
Há quanto tempo: Com que freqüência você visita o centro histórico:
( ) menos de 10 anos ( X) diariamente
( ) Entre 10 a 30 anos ( ) 2 a 4 vezes por semana
(X) Mais de 30 anos ( ) 1 vez por semana
182
21) O que é mais importante para você e deveria ser preservado na cidade, que você considera
como patrimônio cultural?O que você gostaria que o Iphan fizesse aqui?
Recuperação do casario, revitalização do espaço público, iluminação e esgoto.
22) Sobre a proposta de revitalização do centro histórico você viu o projeto?O que acha?
Concorda?
Eu fiquei sabendo, mas não vi. Parece que tem a reconstrução do coreto.
23) Você tem interesse em saber sobre as intervenções urbanas e físicas que acontecem no
centro histórico? Você considera que toda intervenção no sítio histórico lhes diz respeito?
Principalmente porque você se considera um protagonista que ajudou a construir a história da
cidade?
Sim. Mas acho que o Iphan age com muito radicalismo.
24) Você considera que a sua casa faz parte do conjunto tombado? Por quê?
Sim. Porque está próxima a catedral, porém está um pouco diferente das outras casas na
fachada, mas acredito que não há grandes distorções. Foi tombada assim mesmo.
ENTREVISTADO 4
GRUPO: Adulto DATA: Fevereiro de 2012
DADOS INICIAIS:
Idade: sexo: ( X ) F ( ) M Profissão: Dona de Salão
Mora no centro histórico: Sim (X ) Não ( )
Há quanto tempo: Com que freqüência você visita o centro histórico:
( ) menos de 10 anos ( X) diariamente
(X) Entre 10 a 30 anos ( ) 2 a 4 vezes por semana
( ) Mais de 30 anos ( ) 1 vez por semana
4) O que você mais gosta, o mais o agrada no centro histórico de Porto Nacional?
A tranqüilidade e sua centralidade.
5) O que você considera de positivo no centro histórico?
Aqui é seguro e tranqüilo.
6) E de negativo?
À noite a praça começa a ficar estranha por causa dos dependentes químicos nas edificações
abandonadas (antiga casa do abrigo dos idosos, os banheiros e centro do turista localizados
na praça.)
7) Você considera que o rio Tocantins é/era importante para a cidade? Por quê?
Sim.O lago mudou muita coisa aqui. Eu preferia a paisagem antiga.
8) Retirando as festa da igreja, existem outros eventos ou prática que você costuma participar
no centro histórico?
A quadrilha de criança e o sarau que acontece às vezes na Comsaúde.
9) Você se sente incomodado com outros eventos que acontecem no centro histórico. Não.
Antes tinha um carro de som, mas agora parou. Eles agora estão ficando mais lá em embaixo.
Falava muito das travessias e dos barcos às margens do rio Tocantins. Juntava um monte
homens conversando. Eu não vejo mais isso, nem barco e nem canoeiro. É difícil encontrar
algum.
ENTREVISTADO 5
GRUPO: Adulto DATA: Fevereiro de 2012
DADOS INICIAIS:
Idade: sexo: ( X ) F ( ) M Profissão: fisioterapeuta
Mora no centro histórico: Sim (X ) Não ( )
187
10) O que aconteceu de importante no centro histórico da cidade e/ou na praia que marcou na
sua memória, que você lembra ou que seus pais contavam?
Derrubada do coreto, a lenda da Buiúna, o colégio das irmãs e as brincadeiras no pátio da
Comsaúde (antigo Caetano e colégio das irmãs).
11) Quais as recordações que você tem do rio Tocantins antes da formação do lago?
As pescarias era quase um evento. Quando juntava o pessoal para ir pescar, a galera comprava
anzol, isca, cerveja, carne e iam para a beira do rio e ficavam dias por lá.
12) Você se sente como um dos protagonista que ajudou a construir Porto?
Sim. Nasci, estudei e trabalho aqui.
13) O que é tradição aqui? O que representa tradição em Porto Nacional? E o casario?
Acho que é o Colégio das Irmãs e quando existiam as praias.
14) Você sabe quem é Felix Camoa?
Sim. A gente aprende na escola.
15) O que você conhece das histórias e recordações referente a navegação no rio Tocantins?
Não estou lembrando. Somente lembro das minhas farras com amigos na temporada de praia.
Não vi o projeto. Será que vai para frente? Minha família foi na reunião e falou que o pessoal
que estava na reunião prometeu, mas até agora não vimos nada.
23) Você tem interesse em saber sobre as intervenções urbanas e físicas que acontecem no
centro histórico? Você considera que toda intervenção no sítio histórico lhes diz respeito?
Principalmente porque você se considera um protagonista que ajudou a construir a história da
cidade?
Sim
24) Você considera que a sua casa faz parte do conjunto tombado? Por quê?
Sim.Porque está bem conservada e fica na antiga rua principal.
ENTREVISTADO 6
GRUPO: Adulto DATA: Fevereiro de 2012
DADOS INICIAIS:
Idade: sexo: ( X ) F ( ) M Profissão: estudante de fisioterapeuta
Mora no centro histórico: Sim (X ) Não ( )
Há quanto tempo: Com que freqüência você visita o centro histórico:
( ) menos de 10 anos ( X) diariamente
( ) Entre 10 a 30 anos ( ) 2 a 4 vezes por semana
(X) Mais de 30 anos ( ) 1 vez por semana
6) E de negativo?
Fico preocupada com meus filhos a noite aqui. Essa praça não é mais a mesma no tempo de
quando eu era criança. Tem muita violência e droga na orla. Sem falar no ponto de droga que
se tornou aqueles banheiros ali (os banheiros da praça.)
7) Você considera que o rio Tocantins é/era importante para a cidade? Por quê?
Sim. Principalmente devido ao turismo. Viam tanta gente de Brasília e Goiânia por causa
desse rio. Eu adorava as férias porque tinha as praias de verão quando o nível da água do rio
abaixava. Nessa época, vinham meus primos de Goiânia e gente fazia a festa naquelas
margens.
8) Retirando as festa da igreja, existem outros eventos ou prática que você costuma participar
no centro histórico?
A quadrilha do Cabaçaco, a Festa da Padroeira, do Divino e o Sarau da Comsaúde
9) Você se sente incomodado com outros eventos que acontecem no centro histórico. Sim. O
barulho dos carros de som e dos bares na orla incomoda muito. O abrigo dos idosos teve que
sair daqui do centro histórico devido ao barulho. Mas também a casa deles estava muito ruim
para abrigá-los.
16) Você concorda que o centro histórico merece ser preservado? ( X ) sim ( ) não
Por quê?.
17) Você concorda com o tombamento do centro histórico? E as reformas e mudanças?
(X) sim ( ) não Por quê?
18)? Você participou das reuniões que aconteceram na catedral referente ao tombamento do
centro histórico de Porto Nacional? Se não por quê (X ) sim ( ) não
20) Se você participou das reuniões, quais são as suas críticas, sugestões e expectativas?
As características das casas desapareceram. São poucas que estão conservadas. O povo fala de
Porto, do centro histórico como patrimônio, mas olha isso aqui - um monte de gente não
preserva as fachadas de suas casas.
21) O que é mais importante para você e deveria ser preservado na cidade, que você considera
como patrimônio cultural?O que você gostaria que o Iphan fizesse aqui?
Primeiro a casa do Tadeu (casarão rosa) e o abrigo. Agora a praça eles tem que fazer alguma
coisa, tem um monte de drogado que fica naqueles banheiros fumando e a gente fica com
medo de ficar na praça à noite.
22) Sobre a proposta de revitalização do centro histórico você viu o projeto? O que acha?
Concorda?
Não vi o projeto, mas meu pai viu e participou das reuniões. Ele acredita que não vai sair do
papel a revitalização dessa praça. Nós achamos que foi pouco divulgado e ele disse que tinha
poucas pessoas.
23) Você tem interesse em saber sobre as intervenções urbanas e físicas que acontecem no
centro histórico? Você considera que toda intervenção no sítio histórico lhes diz respeito?
Principalmente porque você se considera um protagonista que ajudou a construir a história da
cidade?
Sim. Porque moro aqui, mas tem que ser divulgado para o povo participar.
24) Você considera que a sua casa faz parte do conjunto tombado? Por quê?
A minha casa não porque ela é alugada, e o dono alterou muita coisa. Mas casa da minha
família onde nasci e vivi está bastante conservada. Considero que minha casa (da minha
família) faz parte do conjunto.
ENTREVISTADO 7
GRUPO: Adulto DATA: Fevereiro de 2012
DADOS INICIAIS:
Idade: sexo: ( ) F ( X ) M Profissão: Fotógrafo
Mora no centro histórico:Sim ( ) Não (X) mas vivo aqui.
192
Divertir-me muito no carnaval de rua que acontecia no centro histórico. Ele acontecia na rua
do bar do Zé da Pedra. A festa migrou para a pista de kart e não é mais a mesma coisa.
11) Quais as recordações que você tem do rio Tocantins antes da formação do lago?
A Ilha de Porto Real no mês de maio a setembro era um paraíso para tomar banho no rio.
12) Você se sente como um dos protagonista que ajudou a construir Porto?
Sim. Pois registrei as maiores mudanças que aconteceu no centro histórico e que impactaram
a cidade.
13) O que é tradição aqui? O que representa tradição em Porto Nacional? E o casario?
Antigamente seria a praia e o teatro na praça, mas o rio afundou e Iramar, antigo organizador
do teatro, morreu. Hoje continua a Festa N.S. das Mercês. Tinha também a procissão de
corpus Christi, mas mudaram o percurso.
14) Você sabe quem é Felix Camoa?
Sim.
15) O que você conhece das histórias e recordações referente a navegação no rio Tocantins?
Tinha o restaurante de D. Maria onde ficavam os canoeiros e pescadores.
23) Você tem interesse em saber sobre as intervenções urbanas e físicas que acontecem no
centro histórico? Você considera que toda intervenção no sítio histórico lhes diz respeito?
Principalmente porque você se considera um protagonista que ajudou a construir a história da
cidade?
Sim. É necessário a minha opinião e de todos os moradores.
24) Você considera que a sua casa faz parte do conjunto tombado? Por quê?
A minha casa está fora da poligonal de tombamento, mas me considero morador por viver
diariamente no centro histórico. Meu trabalho se resume no centro histórico e na orla.
ENTREVISTADO 8
GRUPO: Adulto DATA: Fevereiro de 2012
DADOS INICIAIS:
Idade: sexo: ( X ) F ( ) M Profissão: Funcionária pública
Mora no centro histórico: Sim (X ) Não ( )
Há quanto tempo: Com que freqüência você visita o centro histórico:
( ) menos de 10 anos ( X) diariamente
(X) Entre 10 a 30 anos ( ) 2 a 4 vezes por semana
( ) Mais de 30 anos ( ) 1 vez por semana
ENTREVISTADO 9
GRUPO: Adulto DATA: Fevereiro de 2012
DADOS INICIAIS:
Idade: sexo: ( X ) F ( ) M Profissão: Aposentada
Mora no centro histórico: Sim (X ) Não ( )
Há quanto tempo: Com que freqüência você visita o centro histórico:
( ) menos de 10 anos ( X) diariamente
197
ENTREVISTADO 10
GRUPO: Idoso DATA: Fevereiro de 2012
DADOS INICIAIS:
Idade: 71 sexo: ( X ) F ( ) M Profissão: Médica aposentada
Mora no centro histórico: Sim ( ) Não ( X ) porém fico o dia inteiro no centro histórico
com trabalho voluntário
Há quanto tempo: Com que freqüência você visita o centro histórico:
( ) menos de 10 anos ( X) diariamente
( ) Entre 10 a 30 anos ( ) 2 a 4 vezes por semana
(X) Mais de 30 anos ( ) 1 vez por semana
8) Retirando as festa da igreja, existem outros eventos ou prática que você costuma participar
no centro histórico?
Todo dia estou aqui na Comsaúde, ajudando de alguma forma nos trabalhos e quando não tem
trabalho a fazer, venho aqui do mesmo jeito. Isso aqui é minha vida. Outro lugar que gosto é
na casa da sogra do meu filho, D. Maria José (D. Julita). Essa casa está bem conservada e
preservada, e fica na praça, bem na esquina.
9) Você se sente incomodado com outros eventos que acontecem no centro histórico. Não.
Acho que até deveria ter mais eventos aqui no centro histórico e cuidassem para que os que
ainda existem, não desapareçam de vez.
ENTREVISTADO 11
GRUPO: Idosa DATA: Fevereiro de 2012
202
DADOS INICIAIS:
Idade: sexo: ( X ) F ( ) M Profissão: Aposentada
Mora no centro histórico:Sim (X ) Não ( )
Há quanto tempo: Com que freqüência você visita o centro histórico:
( ) menos de 10 anos ( X) diariamente
( ) Entre 10 a 30 anos ( ) 2 a 4 vezes por semana
(X) Mais de 30 anos ( ) 1 vez por semana
Recuperar o abrigo dos idosos. Foi muita crueldade deixar aqueles idosos num lugar tão mal
conservado. Ainda bem que arrumaram outro local para eles. Poderiam reformar lá e colocar
gente naquele lugar. Os meninos que fumam droga estão ocupando o espaço.
22) Sobre a proposta de revitalização do centro histórico você viu o projeto?O que acha?
Concorda?
Não vi. Não fiquei sabendo da reunião. Não sei porque não me chamaram, pois direto estou
aqui na igreja.
23) Você tem interesse em saber sobre as intervenções urbanas e físicas que acontecem no
centro histórico? Você considera que toda intervenção no sítio histórico lhes diz respeito?
Principalmente porque você se considera um protagonista que ajudou a construir a história da
cidade?
Sim.
24) Você considera que a sua casa faz parte do conjunto tombado? Por quê?
Sim. Porque ela é de adobe e está próxima à igreja.
ENTREVISTADO 12
GRUPO: Adulto DATA:Setembro de 2012
DADOS INICIAIS:
Idade: sexo: ( ) F ( X ) M Profissão: artista/músico
Mora no centro histórico:Sim (X ) Não ( )
Há quanto tempo: Com que freqüência você visita o centro histórico:
( ) menos de 10 anos ( X) diariamente
( ) Entre 10 a 30 anos ( ) 2 a 4 vezes por semana
(X) Mais de 30 anos ( ) 1 vez por semana
O fim de tarde
5) O que você considera de positivo no centro histórico?
A tranquilidade
6) E de negativo?
O poder público na zela pelo patrimônio.
7) Você considera que o rio Tocantins é/era importante para a cidade? Por quê?
Sim, Porque movimentava a cidade com o comércio. A vida no centro histórico era mais
agitada culturalmente. Sem falar na atração turística devido à beleza do rio. Agora, não tem
mais dinheiro na cidade, não tem turista, e não tem agitação de antes.
8) Retirando as festa da igreja, existem outros eventos ou prática que você costuma participar
no centro histórico?
A casa do Hemerson ao lado da casa de Iramar. Ele conserva a casa de adobe e procura
realçar os traços históricos. A casa foi do bisavó dele. Lá é muito agradável. Por fora, você
não dá nada pela casa, mas por dentro ela é bonita e grande.
9) Você se sente incomodado com outros eventos que acontecem no centro histórico. Tirando
uns carros que estaciona na porta da minha casa, isto é, na minha janela, o resto não
incomoda.
Eu só lembro do povo falando que tudo aqui vinha do Pará pelo rio. O povo fala que era um
sofrimento danado a navegação.
ENTREVISTADO 13
GRUPO: Adulto DATA: Fevereiro de 2012
DADOS INICIAIS:
Idade: sexo: ( X ) F ( ) M Profissão: Historiadora
Mora no centro histórico: Sim (X) Não ( )
Há quanto tempo: Com que freqüência você visita o centro histórico:
( ) menos de 10 anos ( X) diariamente
( ) Entre 10 a 30 anos ( ) 2 a 4 vezes por semana
(X) Mais de 30 anos ( ) 1 vez por semana
A feira do Cabaçaco que acontecia na rua da Comsaúde e o sarau da Comsaúde. A feira está
em extinção, e no lugar acontece de vez em quando alguns encontros artísticos promovidos
pela Comsaúde. Mas está quase desaparecendo.
9) Você se sente incomodado com outros eventos que acontecem no centro histórico. Não.
Falta mais cuidado do próprio Iphan. Eles (Iphan) pregam política de conservação, mas não
viabilizam recursos e são muito autoritários.
21) O que é mais importante para você e deveria ser preservado na cidade, que você considera
como patrimônio cultural?O que você gostaria que o Iphan fizesse aqui?
Recuperação do abrigo do Idoso, do Museu, da casa do Tadeu (casarão rosa) e recuperação
da praça com mais verde. Ela está muito feia. Aquelas edificações no meio tem que sair.
Aquele lugar virou ponto de droga.
22) Sobre a proposta de revitalização do centro histórico você viu o projeto?O que acha?
Concorda?
Não vi, mais fiquei sabendo. Acho que alguma coisa tem que ser feito na praça. Ela está
muito descuidada. Espero que o poder público faça mais pelo centro histórico.
23) Você tem interesse em saber sobre as intervenções urbanas e físicas que acontecem no
centro histórico? Você considera que toda intervenção no sítio histórico lhes diz respeito?
Principalmente porque você se considera um protagonista que ajudou a construir a história da
cidade?
Sim.Como cidadã e moradora.
24) Você considera que a sua casa faz parte do conjunto tombado? Por quê?
Sim. Porque ela é de adobe, tem traços antigos e está próxima à catedral.
ENTREVISTADO 14
GRUPO: Adulto DATA: setembro de 2012
DADOS INICIAIS:
Idade: sexo: ( X ) F ( ) M Profissão: Funcionária pública
Mora no centro histórico: Sim (X ) Não ( )
Há quanto tempo: Com que freqüência você visita o centro histórico:
( ) menos de 10 anos ( X) diariamente
( ) Entre 10 a 30 anos ( ) 2 a 4 vezes por semana
(X) Mais de 30 anos ( ) 1 vez por semana
3) Se fosse para tirar uma foto da cidade para mandar a um ente querido de outra cidade, de
qual lugar você tiraria?
Da parte velha da cidade, a qual chamamos com muito orgulho de Patrimônio cultural.
4) O que você mais gosta, o que mais o agrada no centro histórico de Porto Nacional?
Acho lindo os casarões.
5) O que você considera de positivo no centro histórico?
De ver que tem ainda pessoas que preservam o patrimônio.
6) E de negativo?
Ver o patrimônio se acabando.
7) Você considera que o rio Tocantins é/era importante para a cidade? Por quê?
Sim. Foi onde surgiu a cidade. Porque além da sua utilidade imensa no setor de transporte e
comercialização, atraia a população de Porto Nacional, e milhares de turistas na estação de
verão.
8) Retirando as festa da igreja, existem outros eventos ou prática que vc costuma participar
no centro histórico?
De fez em quando vou a Comsaúde quando tem algum evento. Quase toda hora estou no
Museu, pois trabalho ao lado. Frequento também o salão de D. Joaninha. Mas não sei se posso
dizer que é uma visita. Vou lá para cortar o cabelo e conversar com ela.Vou também de vez
em quando na praça para ficar olhando a catedral e as casas antigas.
9) Você se sente incomodado com outros eventos que acontecem no centro histórico. Não. Só
quando tem um som alto de uma garotada que me incomoda.
ENTREVISTADO 15
GRUPO:Adulto DATA:Fevereiro de 2012
212
DADOS INICIAIS:
Idade: sexo: ( X ) F ( ) M Profissão: Funcionária pública
Mora no centro histórico: Sim (X) Não ( )
Há quanto tempo: Com que freqüência você visita o centro histórico:
( ) menos de 10 anos ( X) diariamente
( ) Entre 10 a 30 anos ( ) 2 a 4 vezes por semana
(X) Mais de 30 anos ( ) 1 vez por semana
ENTREVISTADO 16
GRUPO:Adulto DATA: Fevereiro de 2012
DADOS INICIAIS:
Idade: sexo: ( ) F ( X ) M Profissão: artesão
Mora no centro histórico:Sim (X ) Não ( )
Há quanto tempo: Com que freqüência você visita o centro histórico:
(X) menos de 10 anos ( X) diariamente
( ) Entre 10 a 30 anos ( ) 2 a 4 vezes por semana
( ) Mais de 30 anos ( ) 1 vez por semana
É a estrutura física e as festas tradicionais que representam o patrimônio cultural dessa cidade.
2) O que o centro histórico representa para você?
Representa qualidade de vida, aconchego e tranqüilidade.
3) Se fosse para tirar uma foto da cidade para mandar a um ente querido de outra cidade, de
qual lugar você tiraria?
Da orla pegando a catedral para mostrar dois momentos distintos.
4) O que você mais gosta, o que mais o agrada no centro histórico de Porto Nacional?
O cotidiano pacato.Isso me fascina.
5) O que você considera de positivo no centro histórico?
A sua centralidade na cidade e ao mesmo tempo ser uma área residencial.
6) E de negativo?
A falta de percepção do contexto histórico da cidade devido às descaracterizações de várias
edificações. Também acho que a semana de cultura perdeu o foco quando mudou para orla.
Acho que ela deveria ser voltada para os moradores e ser específica para cultura. Acredito que
quando era realizado no centro histórico tinha mais a ver com o objetivo do evento.
7) Você considera que o rio Tocantins é/era importante para a cidade? Por quê?
Sim, Parece que a vida aqui se transformou para pior depois da formação do lago conforme
alguns vizinhos mais antigos.
8) Retirando as festa da igreja, existem outros eventos ou prática que você costuma participar
no centro histórico?
A casa do Hemerson ao lado da casa de Iramar e o Sarau da Comsaúde.
9) Você se sente incomodado com outros eventos que acontecem no centro histórico.
Os carros de som. Até quando eles ficam mais lá embaixo (na orla) incomoda.
13) O que é tradição aqui? O que representa tradição em Porto Nacional? E o casario?
Para mim é a festa Nossa Senhora das Mercês, a igreja e a referência a Padre Luso.
14) Você sabe quem é Felix Camoa?
Sim.
15) O que você conhece das histórias e recordações referente a navegação no rio Tocantins?
Não
Sim, porém moro de aluguel. Ela é uma casa histórica. O dono não liga muito para
manutenção, mas pelo menos não descaracteriza.
ENTREVISTADO 17
GRUPO: Adulto DATA: setembro de 2012
DADOS INICIAIS:
Idade: sexo: ( X ) F ( ) M Profissão: Professora 2 º grau
Mora no centro histórico: Sim (X ) Não ( )
Há quanto tempo: Com que freqüência você visita o centro histórico:
( ) menos de 10 anos ( X) diariamente
( ) Entre 10 a 30 anos ( ) 2 a 4 vezes por semana
(X) Mais de 30 anos ( ) 1 vez por semana
O Museu freqüento semanalmente, porque gosto do ambiente interno de lá. É bom conversar
com as meninas de lá.
9) Você se sente incomodado com outros eventos que acontecem no centro histórico. Não. Às
vezes o som dos carros incomoda.
22) Sobre a proposta de revitalização do centro histórico você viu o projeto?O que acha?
Concorda?
Não vi o projeto.
23) Você tem interesse em saber sobre as intervenções urbanas e físicas que acontecem no
centro histórico? Você considera que toda intervenção no sítio histórico lhes diz respeito?
Principalmente porque você se considera um protagonista que ajudou a construir a história da
cidade?
Sim.
24) Você considera que a sua casa faz parte do conjunto tombado? Por quê?
Considero em partes. É de adobe, mas teve algumas alterações. Lá em casa não tínhamos a
dimensão da conservação. Não sei se ela faz parte do tombamento.
ENTREVISTADO 18
GRUPO: Adulto DATA: Fevereiro de 2012
DADOS INICIAIS:
Idade: sexo: ( X ) F ( ) M Profissão: Professora
Mora no centro histórico: Sim (X ) Não ( )
Há quanto tempo: Com que freqüência você visita o centro histórico:
( ) menos de 10 anos ( X) diariamente
(X) Entre 10 a 30 anos ( ) 2 a 4 vezes por semana
( ) Mais de 30 anos ( ) 1 vez por semana
18)? Você participou das reuniões que aconteceram na catedral referente ao tombamento do
centro histórico de Porto Nacional? Se não por quê ( ) sim ( X) não.
Não fiquei sabendo. Foi pouco divulgado.
20) Se você participou das reuniões, quais são as suas críticas, sugestões e expectativas?
21) O que é mais importante para você e deveria ser preservado na cidade, que você considera
como patrimônio cultural?O que você gostaria que o Iphan fizesse aqui?
Derrubar aquelas edificações na praça que foram construídas no lugar das casinhas de adobe.
Essas edificações abandonadas estão servindo para o consumo de drogas.
22) Sobre a proposta de revitalização do centro histórico você viu o projeto?O que acha?
Concorda?
Não vi o projeto, mas fiquei sabendo. O pessoal está falando que vai voltar o coreto. Não sei
se é uma boa ideia, pois acho que vai virar abrigo drogado.
23) Você tem interesse em saber sobre as intervenções urbanas e físicas que acontecem no
centro histórico? Você considera que toda intervenção no sítio histórico lhes diz respeito?
Principalmente porque você se considera um protagonista que ajudou a construir a história da
cidade?
Sim.
24) Você considera que a sua casa faz parte do conjunto tombado? Por quê?
Não, porque está descaracterizada e não é conservada como a casa da Késia.
ENTREVISTADO 19
GRUPO:Adulto DATA: fevereiro de 2012
DADOS INICIAIS:
Idade: sexo: ( X ) F ( ) M Profissão: Assistente Administrativo
Mora no centro histórico: Sim (X ) Não ( )
Há quanto tempo: Com que freqüência você visita o centro histórico:
( ) menos de 10 anos ( X) diariamente
( ) Entre 10 a 30 anos ( ) 2 a 4 vezes por semana
(X) Mais de 30 anos ( ) 1 vez por semana
15) O que você conhece das histórias e recordações referente a navegação no rio Tocantins?
Não estou lembrando.
.
ENTREVISTADO 20
GRUPO: Adulto DATA: setembro de 2012
DADOS INICIAIS:
Idade: sexo: ( X ) F ( ) M Profissão: Assistente administrativo
Mora no centro histórico: Sim (X ) Não ( )
224
11) Quais as recordações que você tem do rio Tocantins antes da formação do lago?
As praias.
12) Você se sente como um dos protagonista que ajudou a construir Porto?
Considero minha família como um todo.
13) O que é tradição aqui? O que representa tradição em Porto Nacional? E o casario?
Colégio das Irmãs, a praia e a festa da Padroeira.
14) Você sabe quem é Felix Camoa?
Sim.
15) O que você conhece das histórias e recordações referente a navegação no rio Tocantins?
Não .
ENTREVISTADO 21
GRUPO: Adulto DATA: setembro de 2012
DADOS INICIAIS:
Idade: sexo: ( X ) F ( ) M Profissão: Assistente Administrativo
Mora no centro histórico: Sim (X ) Não ( )
Há quanto tempo: Com que freqüência você visita o centro histórico:
( ) menos de 10 anos ( X) diariamente
( ) Entre 10 a 30 anos ( ) 2 a 4 vezes por semana
(X) Mais de 30 anos ( ) 1 vez por semana
9) Você se sente incomodado com outros eventos que acontecem no centro histórico. Não.
22) Sobre a proposta de revitalização do centro histórico você viu o projeto?O que acha?
Concorda?
Não vi o projeto.
23) Você tem interesse em saber sobre as intervenções urbanas e físicas que acontecem no
centro histórico? Você considera que toda intervenção no sítio histórico lhes diz respeito?
Principalmente porque você se considera um protagonista que ajudou a construir a história da
cidade?
Sim
24) Você considera que a sua casa faz parte do conjunto tombado? Por quê?
Sim. Porque minha família a conserva.
ENTREVISTADO 22
GRUPO: Adulto DATA: Fevereiro de 2012
DADOS INICIAIS:
Idade: sexo: ( X ) F ( ) M Profissão: Coordenadora de projetos
Mora no centro histórico: Sim ( ) Não (X ) porém, minha família mora aqui e eu trabalho
diariamente no centro histórico.Vou em casa somente para dormir.
Há quanto tempo: Com que freqüência você visita o centro histórico:
( ) menos de 10 anos ( X) diariamente
( ) Entre 10 a 30 anos ( ) 2 a 4 vezes por semana
(X) Mais de 30 anos ( ) 1 vez por semana
ENTREVISTADO 23
GRUPO: Adulto DATA: fevereiro de 2012
DADOS INICIAIS:
Idade: sexo: ( ) F ( X ) M Profissão: professor
Mora no centro histórico: Sim (X ) Não ( )
Há quanto tempo: Com que freqüência você visita o centro histórico:
( ) menos de 10 anos ( X) diariamente
(X) Entre 10 a 30 anos ( ) 2 a 4 vezes por semana
( ) Mais de 30 anos ( ) 1 vez por semana
Patrimônio cultural é a riqueza histórica que uma sociedade consegue preservar por longos
tempos, tendo em vista o significado que ela tem para a população local e para os visitantes.
2) O que o centro histórico representa para você?
O centro histórico representa para mim uma época que conseguiu sobreviver até hoje através
da preservação de alguns casarões. É a história da minha cidade.
3) Se fosse para tirar uma foto da cidade para mandar a um ente querido de outra cidade, de
qual lugar você tiraria?
Com certeza tiraria uma foto da catedral.
4) O que você mais gosta, o agrada no centro histórico de Porto Nacional?
Todo centro histórico, principalmente as casas mais antigas e conservadas. No geral, o
conjunto precisa de manutenção.
5) O que você considera de positivo no centro histórico?
A conservação de alguns casarões como a casa da Késia e o casarão de Frederico Lemos. As
futuras gerações poderão desfrutar um pouco do que restou de uma época conturbada que
viveu a cidade em meio à escravidão e aos conflitos com os indígenas.
6) E de negativo?
A falta de conservação de outros casarões, como o casarão rosa. De um modo geral, acho que
o centro histórico está abandonado.
7) Você considera que o rio Tocantins é/era importante para a cidade? Por quê?
Sim. O rio é era importante por possuir uma riqueza natural.
8) Retirando as festa da igreja, existem outros eventos ou prática que você costuma participar
no centro histórico?
Vou à praça de vez em quando para conversar com um amigo e sentar na calçada da casa dele.
Na minha rua não é a mesma coisa como na rua dele.
9) Você se sente incomodado com outros eventos que acontecem no centro histórico. Não.
ENTREVISTADO 24
GRUPO: Adulto DATA: setembro de 2012
DADOS INICIAIS:
233
21) O que é mais importante para você e deveria ser preservado na cidade, que você considera
como patrimônio cultural?O que você gostaria que o Iphan fizesse aqui?
Tudo o que guarda o contexto cultural da cidade e dos moradores deve ser preservado, tanto
material como imaterial. Acho que eles tinham que fazem alguns projetos aqui no centro
histórico envolvendo o museu, a Comsaúde e a Secretaria de Cultura. Aqui não acontece nada
sobre isso. Tinha que resolver o problema do abrigo. Ele está abandonado
22) Sobre a proposta de revitalização do centro histórico você viu o projeto? Concorda?
Não vi o projeto. Tenho vontade ver.
23) Você tem interesse em saber sobre as intervenções urbanas e físicas que acontecem no
centro histórico? Você considera que toda intervenção no sítio histórico lhes diz respeito?
Principalmente porque você se considera um protagonista que ajudou a construir a história da
cidade?
Sim.
24) Você considera que a sua casa faz parte do conjunto tombado? Por quê?
Sim. Por que ela é antiga e fica perto da catedral.
ENTREVISTADO 25
GRUPO: Adulto DATA: fevereiro de 2012
DADOS INICIAIS:
Idade: sexo: ( ) F ( X ) M Profissão: comerciante
Mora no centro histórico:Sim (X ) Não ( )
Há quanto tempo: Com que freqüência você visita o centro histórico:
( ) menos de 10 anos ( X) diariamente
( ) Entre 10 a 30 anos ( ) 2 a 4 vezes por semana
(X) Mais de 30 anos ( ) 1 vez por semana
4) O que você mais gosta, o que mais o agrada no centro histórico de Porto Nacional?
A Igreja
5) O que você considera de positivo no centro histórico?
O ambiente familiar e meus amigos que freqüentam meu comércio.
6) E de negativo?
A falta de assistência e investimento do poder público no centro histórico. Existe um descaso
com essa parte da cidade em relação ao seu valor. Era para ser o espaço mais cuidado da
cidade.
7) Você considera que o rio Tocantins é/era importante para a cidade? Por quê?
Sim. O rio trazia mais movimento econômico para a cidade.
8) Retirando as festa da igreja, existem outros eventos ou prática que você costuma participar
no centro histórico?
Essa parte comercial do centro histórico. Vivo aqui diariamente. Somente vou em casa para
dormir e comer.
9) Você se sente incomodado com outros eventos que acontecem no centro histórico. Não.
16) Você concorda que o centro histórico merece ser preservado? ( X ) sim ( ) não
Por quê?
17) Você concorda com o tombamento do centro histórico? E as reformas e mudanças?
(X) sim ( ) não Por quê?
18)? Você participou das reuniões que aconteceram na catedral referente ao tombamento do
centro histórico de Porto Nacional? Se não por quê ( ) sim ( X ) não
Estava trabalhando. Meus clientes e amigos discutiam aqui no comércio sobre o tombamento.
20) Se você participou das reuniões, quais são as suas críticas, sugestões e expectativas?
21) O que é mais importante para você e deveria ser preservado na cidade, que você considera
como patrimônio cultural?O que você gostaria que o Iphan fizesse aqui?
Gostaria que viesse mais movimento para o centro histórico. Isso aqui está muito parado. Eles
(poder público) levaram muita coisa para fora do centro histórico. Também acho que o poder
público tinha que dar mais atenção ao antigo abrigo dos idosos. Aquilo é um grande problema
no centro histórico.
22) Sobre a proposta de revitalização do centro histórico você viu o projeto? Concorda?
Eu fiquei sabendo, mas não vi. Parece que tem a reconstrução do coreto.
23) Você tem interesse em saber sobre as intervenções urbanas e físicas que acontecem no
centro histórico? Você considera que toda intervenção no sítio histórico lhes diz respeito?
Principalmente porque você se considera um protagonista que ajudou a construir a história da
cidade?
Sim. Sou comerciante aqui há muito tempo.
24) Você considera que a sua casa faz parte do conjunto tombado? Por quê?
Achava que não pelo fato de ser comercial, mas agora sei que faz parte
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2ª PARTE: Representar o Centro Histórico de Porto Nacional por meio de desenho ou mapa,
destacando os elementos mais significativos que veem a sua memória.
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