História Do Olho - Georges Bataille
História Do Olho - Georges Bataille
História Do Olho - Georges Bataille
Georges Bataille
Traduzido por Margo Glantz
Edições Coyoacán, México D.F., 1994
Segunda edição, 1995
Título original:
Histoire de l’oeil, 1928
PRIMEIRA PARTE
I-O OLHO DO GATO
Cresci muito só e desde que tenho memória senti angústia frente a todo o
sexual. Tinha perto de 16 anos quando na praia de X encontrei a uma
jovem de minha idade, Simona. Nossas relações se precipitaram porque
nossas famílias guardavam um parentesco longínquo. Três dias depois de
nos haver conhecido, Simona e eu nos encontramos sozinhos em seu
quinta. Vestia um avental negro com gola branco engomado.
Comecei a advertir que compartilhava comigo a ansiedade que me
produzia vê-la, ansiedade muito major esse dia porque intuía que se
encontrava completamente nua sob seu avental.
Levava meias de seda preta que lhe subiam por cima dos joelhos; mas
ainda não tinha podido lhe ver a bunda (este nome que Simona e eu
empregamos sempre, é para mim o mais formoso dos nomes do sexo).
Tinha a impressão de que se apartava ligeiramente seu avental por atrás,
veria suas partes impudicas sem nenhum reparo.
No rincão de um corredor havia um prato com leite para o gato: “Os pratos
estão feitos para sentar-se”, disse-me Simona. “Apostas a que me sento no
prato?” — ”Aposto a que não te atreve”, respondi-lhe, quase sem fôlego.
Para muitíssimo calor. Simona colocou o prato sobre um pequeno banco,
instalou-se diante de mim e, sem separar seus olhos de meus, sentou-se
sobre ele sem que eu pudesse ver como empapava suas nádegas ardentes
no leite fresca. Fiquei diante dela, imóvel; o sangue subia a minha cabeça e
enquanto ela fixava a vista em meu pau que, ereta, distendia minhas calças,
eu tremia.
Deitei a seus pés sem que ela se movesse e pela primeira vez vi sua carne
“rosa e negra” que se refrescava no leite branco. Permanecemos longo
tempo sem nos mover, tão comovidos o um como o outro.
De repente se levantou e vi escorrer o leite ao longo de suas pernas, sobre
as médias. enxugou-se com um lenço, pausadamente, deixando elevado o
pé, apoiado no banco, por cima de minha cabeça e eu me esfreguei
vigorosamente o pau sobre a roupa, me agitando amorosamente pelo chão.
O orgasmo nos chegou quase no mesmo instante sem que nos houvéssemos
meio doido; mas quando sua mãe retornou, aproveitei, enquanto eu
permanecia sentado e ela se tornava meigamente em seus braços, para lhe
levantar por atrás o avental sem que ninguém o notasse e pôr minha mão
em sua bunda, entre suas duas ardentes coxas. Retornei correndo a minha
casa, ávido de me masturbar de novo; e ao dia seguinte de noite estava com
tantas olheiras que Simona, depois de me haver contemplado comprido
momento, escondeu a cabeça em minhas costas e me disse seriamente “não
quero que te masturbe sem mim”.
Assim começaram entre a mocinha e eu relações tão próximas e tão
obrigatórias que nos era quase impossível passar uma semana sem nos ver.
E entretanto, logo que falávamos disso. Compreendo que ela experimente
os mesmos sentimentos que eu quando nos vemos, mas me é difícil
descrevê-los. Lembrança um dia quando viajávamos a toda velocidade em
automóvel e atropelamos a uma ciclista que deveu ter sido muito jovem e
muito bela: seu pescoço tinha ficado quase decapitado entre as rodas.
Detivemo-nos muito tempo, alguns metros mais adiante, para contemplar à
morta. A impressão de horror e de desespero que nos provocava esse
montão de carne ensangüentada, alternativamente bela ou nauseabunda,
equivale em parte para a impressão que ressentíamos ao nos olhar. Simona
é grande e formosa. Habitualmente é muito singela: não tem nada de
angustiado nem no olhar nem na voz. Entretanto, no sexual se mostra tão
bruscamente ávida de tudo o que violenta a ordem que basta o mais
imperceptível chamado dos sentidos para que de um golpe seu rosto
adquira um caráter que sugere diretamente todo aquilo que está ligado à
sexualidade profunda, por exemplo: o sangue, o terror súbito, o crime, o
sufoco, tudo o que destrói indefinidamente a beatitude e a honestidade
humanas. Vi pela primeira vez essa contração muda e absoluta (que eu
compartilhava) o dia em que se sentou sobre o prato de leite. É certo que
apenas nos olhávamos fixamente, exceto em momentos parecidos. Mas não
estamos satisfeitos e só jogamos durante os curtos momentos de distensão
que seguem ao orgasmo.
Devo advertir que nos mantivemos comprido tempo sem nos acoplar.
Aproveitávamos todas as circunstâncias para nos liberar a atos pouco
comuns. Não só carecíamos totalmente de pudor, mas também pelo
contrário algo impreciso nos obrigava a desafiá-lo juntos, tão
impúdicamente como nos era possível. É assim justo depois de que ela me
pediu que não me masturbasse sozinho (tínhamo-nos encontrado no alto de
um escarpado), baixou-me a calça me fez me estender por terra; logo ela se
elevou o vestido, sentou-se sobre meu ventre me dando as costas e
começou a urinar enquanto eu lhe colocava um dedo pela bunda, que meu
sêmen jovem havia tornado untuoso. Logo se deitou, com a cabeça sob
meu pau, entre minhas pernas; sua bunda ao ar fez que seu corpo caísse
sobre mim; eu levantei a cara o bastante para mantê-la à altura de sua
bunda: — seus joelhos acabaram apoiando-se sobre meus ombros — .
“Não pode fazer xixi no ar para que caia em minha bunda?”, disse-me “ —
Sim, respondi-lhe, mas como está colocada, minha porra cairá
forçosamente sobre suas roupas e sua cara — .” “O que importa!”
respondeu-me.
Fiz o que me disse, mas apenas o tinha feito a alaguei de novo, mas esta
vez de formoso e branco sêmen.
O aroma do mar se mesclava enquanto isso com o da roupa molhada, o de
nossos corpos nus e o do sêmen. Caía a tarde e permanecemos nesta
extraordinária posição sem nos mover, até que escutamos uns passos que
roçavam a erva.
— ”Não te mova, suplico-lhe isso”, pediu-me Simona. Os passos se
detiveram mas nos era impossível ver quem se aproximava. Nossas
respirações se cortaram ao uníssono. Levantado assim pelos ares, a bunda
da Simona representava na verdade uma prece todo-poderosa, por causa da
extrema perfeição de suas duas nádegas, estreitas e delicadas,
profundamente talhadas; estava seguro de que o homem ou a mulher
desconhecidos que a vissem sucumbiriam imediatamente à necessidade de
masturbar-se sem fim ao as olhar. Os passos recomeçaram, precipitando-se,
quase em carreira; logo vi aparecer de repente a uma encantada jovem
loira, Marcela, a mais pura e comovedora de nossas amigas.
Estávamos tão fortemente em cachos em nossas horríveis atitudes que não
pudemos nos mover nem sequer um palmo e nossa desgraçada amiga caiu
sobre a erva soluçando. Só então trocamos nossa extravagante posição para
nos jogar sobre o corpo que nos liberava em abandono. Simona lhe
levantou a saia, arrancou-lhe o calção e me mostrou, embriagada, um nova
bunda, tão belo, tão puro, como o seu. Beijei-a com raiva ao tempo que a
masturbava: suas pernas se fecharam sobre os rins da estranha Marcela que
já não podia dissimular os soluços.
— lhe Marcela disse — , suplico-lhe isso, já não chore. Quero que me
beije na boca...
Simona lhe acariciava seus formosos cabelos lisos e a beijava
afetuosamente por toda parte.
Enquanto isso, o céu se pôs totalmente escuro e, com a noite, caíam grosas
gotas de chuva que provocavam a calma depois do esgotamento de uma
jornada tórrida e sem ar. O mar começava um ruído enorme dominado pelo
fragor do trovão, e os relâmpagos deixavam ver bruscamente, como se fora
pleno dia, as duas bundas masturbadas das moças que se ficaram mudas.
Um frenesi brutal animava nossos corpos. Duas bocas juvenis disputavam
minha bunda, meu testículo e meu pau; mas eu não deixei de apartar pernas
de mulher, úmidas de saliva ou de sêmen, como se tivesse querido fugir do
abraço de um monstro, embora esse monstro não fora mais que a
extraordinária violência de meus movimentos. A chuva quente caía por fim
em correntes e nos banhava todo o corpo inteiramente exposto a sua fúria.
Grandes trovões nos quebrantavam e aumentavam cada vez mais nossa
cólera, nos arrancando gritos de raiva, redobrada cada vez que o relâmpago
deixava ver nossas partes sexuais. Simona tinha cansado em um atoleiro de
lodo e se enlameava o corpo com furor: masturbava-se com a terra e
gozava violentamente, golpeada pelo aguaceiro, com minha cabeça
abraçada entre suas pernas sujas de terra, seu rosto enterrado no atoleiro
onde agitava com brutalidade a bunda de Marcela, que a tinha abraçada por
detrás, atirando de sua coxa para abrir-lhe com força.
II-O ARMÁRIO NORMANDO
A partir dessa época, Simona contraiu a mania de quebrar ovos com sua
bunda. Para fazê-lo se colocava sobre um sofá do salão, com a cabeça
sobre o assento e as costas contra o respaldo, as pernas apontando para
mim, que me masturbava para lhe jogar meu esperma sobre a cara.
Colocava então o ovo justo em cima do buraco da bunda e se divertia
fazendo-o entrar com agilidade na divisão profunda de suas nádegas. No
momento em que o sêmen começava a cair e a regar-se por seus olhos, as
nádegas se fechavam, quebravam o ovo e ela gozava enquanto eu me
sujava o rosto com o abundante respingo que saía de sua bunda.
Muito em breve, como era lógico, sua mãe que podia entrar no salão da
casa em qualquer momento, surpreendeu este manejo pouco comum; esta
mulher extraordinariamente boa, de vida exemplar, contentou-se assistindo
ao jogo sem dizer uma palavra a primeira vez que nos surpreendeu no ato,
a tal ponto que não nos demos conta de sua presença.
Suponho que estava muito aterrada para falar. Mas quando terminamos e
começamos a ordenar um pouco o desastre, vimo-la parada na soleira da
porta.
— Faz como se não houvesse ninguém, disse-me Simona e continuou
limpando a bunda.
E em efeito, saímos tão tranqüilamente como se se reduziu a estado de
retrato de família.
Alguns dias mais tarde, Simona fazia ginástica comigo nas vigas de uma
garagem, e urinou sobre sua mãe, que tinha tido a desgraça de deter-se sem
vê-la: a triste viúva se separou desse lugar e nos olhou com uns olhos tão
tristes e uma expressão tão se desesperada que impulsionou nossos jogos.
Simona, morta de risada e a quatro patas sobre as vigas, expôs sua bunda
frente a meu rosto: o abri totalmente e me masturbei ao olhá-la.
Durante mais de uma semana deixamos de ver Marcela, até que um dia a
encontramos na rua. Esta jovem loira, tímida e ingenuamente piedosa,
ruborizou-se tão profundamente ao nos ver que Simona a beijou com
ternura maravilhosa.
— Peço-lhe perdão, Marcela, disse-lhe em voz baixa, o que aconteceu o
outro dia foi absurdo, mas não deve impedir que sejamos amigos. Prometo-
lhe que já não trataremos de tocá-la.
Marcela carecia totalmente de vontade; aceitou nos acompanhar para
lanchar conosco e alguns amigos. Mas em lugar de chá, bebemos
champanha gelado em abundância.
Ver Marcela ruborizada nos tinha transtornado por completo. Tínhamo-nos
compreendido Simona e eu, e a partir desse momento soubemos que nada
nos faria nos deter a não ser até cumprir com nossos planos. além de
Marcela estavam ali outras três moças formosas e dois jovens o major dos
oito não tinha ainda dezessete anos e a bebida tinha produzido um certo
efeito mas além de mim e da Simona ninguém se excitou como
planejávamos. Um fonógrafo nos tirou do problema. Simona começou a
dançar um chárleston frenético e mostrou até a bunda suas pernas, e as
outras jovens convidadas a dançar da mesma maneira estavam muito
excitadas para preocupar-se.
Levavam, claro, calções, mas moviam tanto a bunda que não escondiam
grande coisa. Só Marcela, ébria e silenciosa, negou-se a dançar.
Finalmente, Simona, que pretendia estar absolutamente bêbada, tomou
uma toalha e levantando-o com a mão propôs uma aposta.
— Arrumado, disse, a que faço xixi na toalha frente a todo mundo.
tratava-se, em princípio, de uma ridícula reunião de jovenzinhos pelo
general faladores e pretensiosos. Um dos moços a desafiou e a aposta se
fixou a discrição... é evidente que Simona não duvidou um só instante e
empapou a toalha. Mas este ato alucinante a comoveu visivelmente até a
medula, tanto que todos os jovenzinhos começaram a ofegar.
— Posto que é a discrição, disse Simona ao perdedor, vou tirar te a calça
acima de tudo o mundo. Isto o fez sem nenhuma dificuldade.
Uma vez que lhe tirou a calça, Simona lhe tirou também a camisa (para
evitar que fizesse o ridículo). Entretanto não tinha passado ainda nada
grave: Simona logo que tinha acariciado ligeiramente a seu jovem amigo
totalmente encantado, bêbado e nu. Mas ela só pensava em Marcela que
desde fazia algum momento me suplicava que a deixasse partir. —
Prometemo-lhe que não a tocaríamos, Marcela, por que quer ir?, perguntei-
lhe.
— Porque sim, respondia com obstinação, ao tempo que uma violenta
cólera se apoderava pouco a pouco dela.
De repente Simona caiu no piso com grande terror de outros. Uma
convulsão cada vez mais forte a agitava, tinha as roupas em desordem, a
bunda ao ar, como se tivesse um ataque de epilepsia, e ao rodar aos pés do
moço que tinha despido, pronunciava palavras quase desarticuladas: “me
mije em cima... me mije na bunda”... repetia como se tivesse sede.
Marcela olhava este espetáculo com fixidez: pôs-se de cor carmesim. Então
me disse, sem sequer me olhar, que queria tirar o vestido; eu o arranquei
pela metade, e logo sua roupa interior; só conservou suas meias e sua liga,
e havendo-se deixado masturbar e beijar na boca por mim, atravessou o
quarto como uma sonâmbula para alcançar um grande armário normando
onde se encerrou depois de ter murmurado algumas palavras à orelha da
Simona.
Queria masturbar-se no armário e nos suplicava que a deixássemos
tranqüila.
Terá que advertir que todos estávamos muito bêbados e completamente
transtornados pelo que tinha passado. O moço nu se a fazia mamar por uma
jovem. Simona, de pé, e com as saias elevadas, esfregava sua bunda nu
contra o armário em movimento aonde se ouvia a moça masturbar-se com
um ofego brutal. E de repente aconteceu uma coisa incrível: um estranho
ruído de água seguida da aparição de um fio e logo depois de um jorro de
água por debaixo da porta do armário: desgraçada-a Marcela urinava
dentro, ao tempo que se masturbava. A gargalhada absolutamente ébria que
seguiu degenerou rapidamente em uma orgia com queda de corpos, pernas
e bundas ao ar, saias molhadas e sêmen. As risadas se produziam como um
soluço involuntário e imbecil, sem conseguir interromper uma quebra de
onda brutal dirigida para os bundas e as paus. Marcela, solitária e triste,
encerrada no urinol convertido na prisão, começou a soluçar cada vez mais
fortemente.
Meia hora depois começou a me passar a bebedeira e me ocorreu tirar
Marcela do armário: desgraçada-a jovem, totalmente nua, tinha cansado em
um estado terrível. Tremia e tiritava de frio. Desde que me viu manifestou
um terror doentio embora violento. Pelo resto, eu estava pálido, mais ou
menos ensangüentado e vestido estrafalariamente.
Atrás de mim, jaziam, quase inertes e em uma desordem inefável, vários
corpos escandalosamente nus e doentes. Durante a orgia nos tinham
parecido pedaços de vidro que nos tinham ensangüentado a dois de nós;
uma moça vomitava; além disso todos caíamos de repente em espasmos de
risada louca, tão desencadeada que alguns tinham molhado sua roupa,
outros seu assento e outros o chão. dali saía um aroma de sangue, de
esperma, de urina e de vômito que quase me fez recuar de terror; mas o
grito desumano que rasgou a garganta de Marcela foi ainda mais
terrorífico. Devo dizer entretanto que, nesse mesmo momento, Simona
dormia tranqüilamente, com o ventre ao ar, a mão detida ainda sobre o pêlo
do púbis e o rosto aprazível e quase sorridente.
Marcela, que se tinha precipitado através do quarto cambaleando-se e
gritando como se grunhisse, olhou-me de novo: retrocedeu como se eu fora
um espectro espantoso que aparecesse em um pesadelo, e se desabou
deixando ouvir uma seqüela de uivos cada vez mais desumanos.
Coisa curiosa; esse incidente me devolveu o valor. Alguém ia vir, era
inevitável; mas não pensei nem um instante em fugir ou em sossegar o
escândalo. Ao contrário, com resolução abri a porta. OH, espetáculo e gozo
inusitados! É fácil imaginar as exclamações de horror, os gritos se
desesperados, as ameaças desproporcionadas dos pais ao entrar na
habitação! Com gritos incendiários e imprecações espasmódicas
mencionaram o cárcere, o cadafalso e os tribunais; nossos próprios
camaradas se puseram a gritar e a soluçar até produzir um ruído delirante
de gritos e lágrimas: diria-se que os tinham incendiado e que eram tochas
vivas. Simona gozava comigo.
E entretanto, que atrocidade! Nada podia dar fim ao delírio tragicómico
desses dementes; Marcela, que seguia nua, expressava, à medida que
gesticulava, e entre gritos de dor, um sofrimento moral e um terror
impossível de suportar; vimos como mordia a sua mãe no rosto e se movia
entre os braços que tentavam dominá-la em vão.
Em efeito, a irrupção dos pais tinha acabado de destruir o que ficava de
razão; para terminar se chamou à polícia e todos os vizinhos foram
testemunhas do inaudito escândalo.
VI-SIMONA
Um dos períodos mais aprazíveis de mim vida teve lugar depois do ligeiro
acidente da Simona; esteve um tempo doente. Cada vez que sua mãe
aparecia, eu entrava em banho. Aproveitava para urinar e até para me
banhar; a primeira vez que essa mulher quis entrar no banheiro foi detida
imediatamente por sua filha. — ‘Não entre ali, disse-lhe, há um homem
desnudo.’ Simona não demorava para correr a sua mãe e eu retomava meu
lugar em uma cadeira ao lado do leito da doente. Fumava, lia os periódicos
e se encontrava entre as notícias histórias de crimes ou histórias sangrentas,
as lia em voz alta. de vez em quando tomava em meus braços a Simona,
que fervia de febre, para que urinasse no banheiro e logo a lavava com
precaução no bidê. Estava muito débil e eu apenas a tocava. Logo começou
a divertir-se me obrigando a atirar ovos no depósito do desculpado, ovos
duros que se afundavam e cascas de ovo quase vazios, para observar
diferentes graus de imersão. Permanecia durante longo tempo sentada
olhando os ovos; logo fazia que a sentasse no assento para podê-los ver sob
sua bunda, entre as pernas abertas, e por fim me fazia correr a água.
Outro jogo consistia em quebrar um ovo fresco no bordo do bidê e esvaziá-
lo baixo ela: às vezes urinava em cima, outras me obrigava a me colocar nu
e a me tragar o ovo cru no fundo do bidê; prometeu-me que quando
estivesse sã faria o mesmo diante de mim e também diante de Marcela.
Ao mesmo tempo imaginávamos deitando um dia a Marcela, com a saia
levantada, mas meio-fio e coberta com sua roupa, em uma banheira enche
até a metade de ovos frescos sobre os que urinaria depois de arrebentá-los.
Simona imaginava também que eu sustentaria a Marcela, esta vez só com o
liguero e as médias, a bunda em alto, as pernas replegadas e a cabeça para
baixo; Simona se vestiria com uma bata de banho empapada em água
quente e portanto pega ao corpo, mas com os peitos ao ar e montada sobre
uma cadeira branca esmaltada com assento de cortiça; eu poderia lhe
excitar os seios lhe tocando os mamilos com o canhão quente de um
comprido revólver de regulamento carregado, recém disparado (o que nos
teria excitado e além lhe tivesse dado ao canhão o acre aroma da pólvora).
Enquanto isso faria cair do alto, para fazê-lo jorrar, um bote de nata fresca,
de brancura resplandecente, sobre o ânus cinza de Marcela; e também ela
se urinaria sobre sua bata, e se se entreabria a bata sobre as costas ou a
cabeça de Marcela, eu também poderia uriná-la do outro lado (havendo já,
certamente, urinado seus seios);
Marcela poderia além disso, se ela queria, me alagar inteiramente, posto
que, sustentada por mim, teria meu pescoço abraçado entre suas coxas.
Poderia também colocar meu pinga em sua boca, etc. depois dessas
encenações, Simona me rogava que a deitasse sobre umas colchas
dispostas perto do privada, e inclinando a cabeça, ao tempo que apoiava
seus braços sobre o bordo da taça, podia olhar fixamente os ovos com os
olhos muito abertos. Eu também instalava a seu lado para que nossas
bochechas e nossas têmporas pudessem tocar-se. Acabávamos nos
acalmando depois de contemplá-los comprido tempo. O ruído de absorção
que se produzia ao atirá-la cadeia divertia a Simona e lhe permitia escapar
de sua obsessão, de tal modo que, a fim de contas, acabávamos nos pondo
de bom humor.
Um dia, justo à hora que o sol oblíquo das seis da tarde esclarecia
diretamente o interior do banho, um ovo meio vazio foi sorvido de repente
pela água e detrás encher-se, fazendo um ruído estranho, foi naufragar
frente a nossos olhos; este incidente teve para a Simona um significado tão
extraordinário que, tendendo-se, gozou durante muito tempo enquanto
bebia, por dizê-lo assim, meu olho esquerdo entre seus lábios; depois, sem
deixar de chupar este olho tão obstinadamente como se fora um seio,
sentou-se, atraindo minha cabeça para ela, com força sobre o assento, e
urinou ruidosamente sobre os ovos que flutuavam com satisfação e vigor
totais.
A partir de então pudemos considerá-la curada, e manifestou sua alegria
me falando comprido e tendido a respeito de diversos temas íntimos,
embora pelo general nunca falava nem dela nem de mim. Confessou-me
sorrindo, que durante o instante anterior tinha tido grandes ganha de
satisfazer-se plenamente; reteve-se para obter um maior prazer: em efeito,
o desejo punha tenso seu ventre e inchava sua bunda como um fruto
amadurecido; além disso, enquanto minha mão debaixo dos lençóis
agarrava sua bunda com força, ela me fez notar que seguia no mesmo
estado e experimentava uma sensação muito agradável; e quando lhe
perguntei o que pensava quando ouvia a palavra urinar me respondeu:
burilar os olhos com uma navalha, algo vermelho, o sol. E o ovo?
Um olho de boi, devido à cor da cabeça (a cabeça do boi), e além porque a
clara do ovo é o branco do olho e a gema de ovo a pupila. A forma do olho
era, segundo ela, também a do ovo.
Pediu-me que quando pudéssemos sair, prometesse-lhe romper ovos no ar
e a pleno sol, a tiros. Respondi-lhe que era impossível, e discutiu muito
tempo comigo para tratar de me convencer com razões.
Jogava alegremente com as palavras, por isso às vezes dizia quebrar um
olho ou arrebentar um ovo dirigindo raciocínios insustentáveis.
Adicionou ainda que, neste sentido, para ela o aroma da bunda era o aroma
da pólvora, um jorro de urina um ‘balaço visto como uma luz’; cada uma
de suas nádegas, um ovo duro descascado. Convimos que nos faríamos
trazer ovos mornos, sem casca e quentes, para o desculpado; prometeu-me
que depois de sentar-se sobre a taça teria um orgasmo completo sobre os
ovos. Com sua bunda sempre entre minhas mãos e no estado de ânimo que
ela confessava, crescia em meu interior uma tormenta; depois da promessa
comecei a refletir com maior profundidade.
É justo adicionar que o quarto de uma doente que não abandona o leito
durante todo o dia, é um lugar adequado para retroceder paulatinamente até
a obscenidade pueril: chupava docemente o seio da Simona esperando os
ovos mornos e ela me acariciava os cabelos.
Foi a mãe a que nos trouxe os ovos, mas eu nem sequer olhei, acreditando
que era uma criada e continuei mamando o seio com felicidade; além disso
já não tinha o menor recato e não queria interromper meu prazer; por isso,
e quando por fim a reconheci pela voz, tive a idéia de me baixar a calça
como se fosse satisfazer uma necessidade, sem ostentação, mas com o
desejo de que se fora e também com o gozo de não ter em conta nenhum
limite. Quando decidiu ir-se refletir em vão sobre o horror que sentia,
começava a obscurecer: acendemos a luz do banho. Simona estava sentada
sobre a taça e ambos comíamos um ovo quente com sal: sobravam três,
com eles acariciei docemente o corpo de minha amada, fazendo-os
escorregar entre suas nádegas e entre suas coxas; logo os deixei cair
lentamente na água, um após o outro; depois, Simona, que tinha observado
comprido momento como se inundavam, brancos e quentes, cortados, quer
dizer nus, afogados assim sob seu bela bunda, continuou a imersão fazendo
um ruído semelhante ao dos ovos mornos quando caíam.
Devo advertir que nada semelhante voltou a ocorrer depois entre nós, com
uma só exceção: jamais voltamos a falar de ovos, mas se por azar víamos
um ou vários ovos, não podíamos nos olhar sem nos ruborizar, com uma
interrogação muda e turva nos olhos.
Ao finalizar este relato se verá que esta interrogação tivesse podido ficar
indefinidamente sem resposta e, sobre tudo, que essa resposta inesperada
era necessária para medir a imensidão do vazio que se aberto para nós, sem
sabê-lo, durante essas curiosas diversões com os ovos.
VII-MARCELA-MARCELA
Por uma espécie de pudor evitávamos sempre falar dos objetos mais
simbólicos de nossa obsessão. Assim, a palavra ovo foi tachada de nosso
vocabulário e nunca falamos do interesse que tínhamos o um pelo outro e
ainda menos do que representava Marcela para nós. Passamos todo o
tempo da enfermidade da Simona em uma antecâmara, esperando o dia em
que pudéssemos retornar com Marcela, com a mesma impaciência que na
escola esperávamos a saída de classes e, entretanto, contentávamo-nos
falando vagamente do dia em que pudéssemos retornar ao castelo.
Preparamos uma corda, uma soga conosco e uma serra de metal que
Simona examinou com o maior interesse, olhando com atenção cada um
dos nós da soga.
Encontrei as bicicletas que tinha escondido sob a maleza o dia da queda e
engordurei contudo cuidado as peças, as almofadinhas, as rodinhas
dentadas, além disso coloquei um calzapiés sobre minha bicicleta para
poder levar a uma das moças detrás de mim. Nada seria mais fácil, ao
menos provisoriamente, que Marcela vivesse como eu, secretamente, na
antecâmara da Simona. Veríamo-nos obrigados a nos deitar os três na
mesma cama (também usaríamos necessariamente a mesma tina, etc.).
Passaram em total seis semanas antes de que Simona pudesse me seguir em
bicicleta até o sanatório. Como a vez anterior, saímos durante a noite: eu
seguia sem me deixar ver durante o dia e tínhamos razões suficientes para
não desejar atrair a atenção. Tinha pressa por chegar ao lugar que,
confusamente, considerava como ‘castelo encantado’, graças à associação
das palavras casa de saúde e castelo, a lembrança do lençol fantasma e a
impressão que produzia uma mansão tão grande e silenciosa durante a
noite, povoada de loucos.
Coisa estranha: parecia-me sobre tudo que ia para mim casa, pois em
nenhuma outra parte me sentia cômodo. Essa foi a impressão que tive
quando saltei a taipa do parque e o grande edifício apareceu diante nosso,
entre árvores muito grandes; só a janela de Marcela estava ainda acesa e
totalmente aberto; com os calhaus de uma avenida golpeamos sua janela e
a moça nos reconheceu imediatamente obedecendo ao sinal que lhe
fizemos colocando um dedo sobre a boca; ensinamo-lhe também a soga
com os nós para que compreendesse o que pensávamos fazer. Lancei-lhe a
corda lastrada com uma pedra, e ela me devolveu isso depois de havê-lo
amarrado detrás de um barrote. Não houve nenhuma dificuldade, pudemos
içar a soga, Marcela-a atou a um barrote e consegui subir até a janela.
Quando a quis abraçar, Marcela retrocedeu. contentou-se me olhando com
atenção infinita enquanto eu limava um dos barrotes; disse-lhe em voz
muito baixa que se vestisse para nos seguir, porque não tinha mais vestido
que uma bata de banho. Deu-me as costas e ficou meias de seda cor carne
sobre as pernas, sujeitou-as a um liguero com fitas de seda carmesim, que
realçavam sua bunda de uma pureza de forma e de uma finura de pele
excepcionais. Segui limando, já talher de suor pelo esforço e pelo que via.
Marcela, sempre de costas, cobriu com uma blusa suas lisas e alargadas
costas, cuja linha reta terminava admiravelmente na bunda quando subia
um pé sobre a cadeira. Não ficou calções, só uma saia de lã cinza vincada e
um suéter a cuadritos negros, brancos e vermelhos. Assim vestida, e meio-
fio com sapatos de salto baixo, retornou à janela e se sentou muito perto de
mim, tanto que podia me acariciar a cabeça, seus formosos cabelos curtos,
totalmente murchos e tão loiros que pareciam mas bem pálidos; via-me
com afeto e parecia comovida pela muda alegria com que eu a olhava.
— Poderemos nos casar, não é certo?, disse-me por fim, amansando-se
pouco a pouco; aqui se está muito mal, sofre-se...
Jamais me houvesse então sequer ocorrido que não dedicaria o resto de
minha vida a essa aparição tão irreal. deixou-se beijar durante comprido
tempo na frente e nos olhos, e uma de suas mãos escorregou por acaso
sobre minha perna e, me olhando com os olhos muito abertos, acariciou-
me antes de retirá-la, por cima do traje, com um gesto ausente.
depois de muito trabalhar, consegui limar o imundo barrote; ao terminar,
apartei-o com todas minhas forças, deixando um espaço suficiente para que
ela pudesse passar. Passou, em efeito, e a fiz descender ajudando-a por
abaixo, o que me obrigava a lhe ver a parte superior da coxa e até tocá-la
para sustentá-la. Quando chegou ao chão, se acurrucó entre meus braços e
me beijou na boca com todas suas forças, enquanto Simona, sentada a
nossos pés, com os olhos úmidos de lágrimas, estreitou-lhe as pernas com
as duas mãos, beijou-lhe as curvas e as coxas, limitando-se primeiro a
esfregar sua bochecha contra ela; mas sem poder conter um grande
sobressalto de gozo terminou lhe abrindo o corpo e colocando seus lábios
nesse bunda que devorou ávidamene.
Advertimos, entretanto, que Marcela não compreendia absolutamente nada
do que lhe acontecia e que era incapaz de diferenciar uma situação de
outra; sorria imaginando a surpresa do diretor do ‘castelo encantado’
quando a visse passear-se no jardim com seu marido.
Apenas se dava conta da existência da Simona, a que às vezes tomava
rendo por um lobo, por causa de seus cabelos negros, de seu mutismo e
também porque de repente encontrou a cabeça de meu amiga colocada
docilmente contra sua coxa, como a de um cão que acabasse de reclinar o
focinho sobre a perna de seu amo. Quando lhe falava do ‘castelo
encantado’, compreendia bem, sem me pedir explicações, que se tratava da
casa onde por maldade a teriam encerrado e, cada vez que pensava nela, o
terror a separava de mim como se tivesse visto acontecer algo entre as
árvores. Eu a olhava com inquietação e como já então tinha o rosto duro e
sombrio, causei-lhe medo; quase imediatamente me pediu que a protegesse
quando retornasse o Cardeal.
Estávamos tendidos à luz da lua, às bordas de um bosque, desejando
descansar um pouco a metade da viagem de volta e, sobre tudo, beijar e
olhar a Marcela.
— Quem é o Cardeal?, perguntou-lhe Simona.
— que me encerrou no armário, disse Marcela.
— Mas por que é um Cardeal?, gritei.
Imediatamente respondeu: porque é o padre da guilhotina.
Recordei então o medo terrível que lhe causei a Marcela quando saiu do
armário e, em particular, duas coisas atrozes: levava sobre a cabeça um
gorro frigio, acessório de combinação de um vermelho enceguecedor; além
disso, devido aos atalhos que me fez uma jovem a que tinha violado, meu
rosto, minhas roupas e minhas mãos estavam totalmente manchadas de
sangue.
O Cardeal, padre da guilhotina, confundia-se no terror de Marcela, com o
verdugo manchado de sangue e meio doido com o boné frigio: uma
estranha coincidência de piedade e repugnância pelos sacerdotes explicava
esta confusão que para mim permanece vinculada a minha dureza real e ao
horror que sempre me inspira a necessidade de minhas ações.
*
Ver o apêndice: ‘Metamorfose’. (N. do T.)
— Farei o que queira, respondeu-lhe.
— Fez-me me aproximar do corpo, ajoelhou-se e, abrindo completamente
o olho onde se posou a mosca, pergunto-me:
— Vê o olho? — E o que?
— É um ovo, concluiu com absoluta babeira.
— Mas, insisti muito turbado, aonde quer chegar?
— Quero jogar com o olho.
— te explique.
— Escute, Sir Edmond, disse ela, tem-me que dar esse olho agora mesmo,
quero que o arranque.
Nunca foi possível advertir nenhuma emoção na cara do inglês, exceto seu
enrojecimiento. Esta vez nem sequer se alterou, só lhe acalorou o rosto;
tirou de sua carteira umas tesouras finas, ajoelhou-se e recortou
delicadamente a carne, colocando com habilidade dois dedos da mão
esquerda na órbita; tirou o olho, cortando com a mão direita os ligamentos
que destendía com força. Entregou a Simona o pequeno globo blancuzco,
com uma mão tinta em sangue.
Simona olhou o estranho objeto e tomou com a mão, completamente
decomposta, mas sem dúvida começou a divertir-se imediatamente,
acariciando o interior das pernas e fazendo escorregar o objeto que parecia
elástico. Quando a pele é acariciada pelo olho se produz uma doçura
exorbitante, aumentada pela horrível e estranha sensação do grito de galo.
Simona se divertia fazendo entrar o olho na profunda talhadura de sua
bunda e deitada de barriga para cima, levantou as nádegas e tratou de
mantê-lo ali por simples pressão do traseiro, mas o olho saiu disparado,
como um osso de cereja entre os dedos, indo cair sobre o ventre do morto,
a poucos centímetros da pau.
Durante esse tempo me deixei despir pelo Sir Edmond e pude me atirar
totalmente nu sobre o corpo da jovem e meu pau desapareceu, inteira e de
repente, na hendija peluda: fiz-lhe o amor com violência enquanto Sir
Edmond se divertia fazendo rodar o olho entre as contorções dos corpos,
sobre a pele do ventre e dos seios. Uma vez, o olho se perdeu totalmente
entre nossos umbigos.
— Meta me o na bunda, Sir Edmond, gritou Simona. E com delicadeza Sir
Edmond fez entrar o olho entre as nádegas. Finalmente, Simona se separou
de mim, arrancou o belo globo das mãos do inglês e, pressionando com
calma e regularidade com as duas mãos, fez-o entrar em sua carne lesma,
entre o pelame. Logo me aproximou dela, me carne lesma, entre o pelame.
Logo me aproximou dela, abraçou-me o pescoço com os dois braços e pôs
seus lábios em meus com tanto ardor que o orgasmo me chegou sem tocá-
la e meu sêmen se descarregou sobre seu púbis.
Levantei-me, separei as coxas da Simona, que se tinha deitado de lado, e
me encontrei cara a cara com o que, assim me figuro isso, estava-me
esperando sempre, da mesma maneira que uma guilhotina espera o pescoço
que vai decapitar. Parecia-me que meus olhos saíam de suas órbitas, como
se estivessem eretos de tanto espanto; vi, na vulva peluda da Simona, o
olho azul pálido de Marcela que olhava chorando lágrimas de porra.
Regueros de sêmen no fumegante pêlo completavam essa visão lunar, lhe
dando um aspecto de tristeza desastrosa.
Mantive aberto as coxas da Simona, contraídos pelo espasmo urinário: a
ardente urina corria debaixo do olho, pela coxa que ficava mais abaixo...
Duas horas mais tarde Sir Edmond e eu nos decoramos com falsas barbas
negras, e Simona se cobriu com um ridículo chapéu negro a flores
amarelas e um vestido negro de gênero, parecida com uma jovem nobre de
província; abandonamos Sevilha em um carro de aluguel.
Grandes malas nos permitiram trocar de personalidade a cada etapa e evitar
as pesquisa policíacas. Sir Edmond desdobrava sempre um engenho
humorístico; por isso percorremos a grande avenida da pequena cidade de
Ronda vestidos como padres espanhóis tocados com pequenos chapéus de
feltro aveludado e envoltos em uma capa drapeada, fumando virilmente
grossos puros; Simona caminhava entre nós vestida de seminarista
sevilhano, tão angélico como nunca.
Assim desaparecemos da Andalucía, amarelo país de terra e céu, infinito
urinol alagado de luz solar onde, cada dia, como novo personagem, violava
eu a uma Simona igualmente transformada, sobre tudo durante o meio-dia,
a pleno sol, no chão e ante o olhar pela metade ensangüentado do Sir
Edmond.
Ao quarto dia, o inglês comprou um iate em Gibraltar e nos lançamos para
novas aventuras com uma tripulação de negros.
SEGUNDA PARTE
COINCIDÊNCIAS
Enquanto escrevia este relato, em parte imaginário, assombraram-me
algumas coincidências; parece-me que mostram indiretamente o sentido do
que tenho escrito e me interessa as expor:
Comecei a escrever sem nenhuma idéia precisa, incitado sobre tudo pelo
desejo de esquecer, pelo menos provisoriamente, minha identidade pessoal.
Ao princípio acreditei que o personagem que narrava em primeira pessoa
não tinha nenhuma conexão comigo. Folheando um dia uma revista
americana ilustrada com fotografias de países europeus, chamaram-me a
atenção duas imagens que encontrei por acaso: a primeira mostrava uma
rua do pueblecillo quase desconhecido de onde procede minha família. A
outra, as ruínas vizinhas de um castelo da Idade Média, situado na
montanha, no topo de uma rocha. Recordei imediatamente um episódio de
minha vida vinculado a essas ruínas. Tinha eu vinte e um anos e estava de
férias no povo mencionado; um dia resolvi visitar as ruínas durante a noite,
seguido de algumas moças perfeitamente castas e, por causa delas, de
minha mãe.
Estava apaixonado por uma das moças que compartilhava meus
sentimentos, mas nunca tínhamos falado deles porque a jovem pensava
seguir uma vocação religiosa que queria examinar com liberdade. depois
de caminhar ao redor de hora e meia, chegamos ao pé do castelo, por volta
das dez ou as onze de uma noite muito escura.
Tínhamos começado a subir a montanha rochosa, coroada por umas
muralhas totalmente românticas, quando de uma fenda rochosa saiu um
fantasma branco, muito luminoso, nos fechando o passo. Esta visão
prodigiosa fez que minha mãe e uma das moças se deprimissem enquanto
as demais gritavam. Eu mesmo experimentei um terror súbito que me fez
emudecer, e tive que esperar alguns segundos antes de pronunciar algumas
ameaça, pelo resto ininteligíveis, ao fantasma, embora do primeiro
momento sabia que se tratava de uma simples comédia. O fantasma fugiu
quando viu que o seguia e não o deixei ir-se até que reconheci a meu irmão
maior, que tinha vindo em bicicleta com outro amigo e que nos tinha
assustado aparecendo de improviso, envolto em um lençol, à luz de um
abajur de acetileno. O dia em que encontrei a fotografia na revista acabava
de escrever o episódio do lençol e adverti que sempre via o lençol à
esquerda e que o fantasma ensabanado também aparecia à esquerda: uma
perfeita sobreposición de imagens vinculadas a sobressaltos análogos se
produziam. Quase nunca me impressionou tanto algo como a aparição do
falso fantasma.
Surpreendeu-me sobremaneira ter substituído, em perfeita inconciencia,
uma imagem totalmente obscena com uma visão desprovida de toda
significação sexual. Contudo, logo teria maiores motivos de assombro.
Já tinha imaginado com todo detalhe a cena da sacristia de Sevilha, e em
particular a incisão praticada na órbita ocular do sacerdote ao que lhe
arranca um olho. Pensando encontrar uma relação entre o relato e minha
própria vida, diverti-me descrevendo uma corrida trágica a que em
realidade assisti. Coisa curiosa, não relacionei os dois episódios antes de
descrever com precisão a ferida que o touro causou ao Manuel Celeiro
(personagem real), mas no momento mesmo em que chegava à cena da
morte caí em um grande estupor. A extração do olho do sacerdote não era,
como tinha acreditado, uma pura invenção, a não ser a trasposición a outro
personagem de uma imagem que sem dúvida tinha conservado uma vida
muito profunda. Se tinha inventado que lhe arrancava um olho ao sacerdote
morto, era porque tinha visto que de uma cornada um touro lhe arrancava o
olho ao matador. Do mais escuro de minha memória surgiam as duas
imagens mais chamativas que maior rastro tinham deixado em mim,
desfigurando-se assim que me punha a imaginar obscenidades.
Quando fiz a segunda constatação acabava de terminar a descrição da
corrida de sete de maio; por isso fui visitar um de meus amigos que era
médico. Li-lhe a descrição, diferente da atual: Como nunca tinha visto os
testículo esfolados de um touro, supus que deviam ter a mesma cor
vermelha acesa que o membro do animal em ereção e em minha primeira
redação o descrevia assim.
Embora toda a História do olho tinha sido engendrada em meu espírito
sobre duas obsessões já velhas e muito ligadas entre si, a dos ovos e a dos
olhos, os testículo do touro me pareciam alheios a esse ciclo.
Mas quando terminou minha leitura, meu amigo me demonstrou que não
tinha nenhuma idéia do que eram realmente as glândulas que tinha
resenhado e me leu imediatamente uma descrição minuciosa em um
manual de anatomia: descobri que os testículo humanos ou animais são
ovóides e têm o aspecto do globo ocular. Esta vez corri o risco de explicar
estas relações tão extraordinárias caso que em uma região profunda de meu
espírito coincidissem imagens primitivas completamente obscenas, quer
dizer as mais escandalosas, precisamente aquelas nas que a consciência não
se detém, incapaz das suportar sem violência ou sem aberração.
Precisando este ponto de ruptura da consciência, ou se se quer o lugar de
eleição da separação sexual, certas lembranças pessoais de outro tipo
vieram a associar-se com as imagens dilaceradoras que já tinham surto no
transcurso de uma composição obscena.
Nasci de um pai sifilítico, que me concebeu quando já era cego, e que
pouco tempo depois de meu nascimento ficou paralisado por sua sinistra
enfermidade. A diferença justamente da maior parte dos meninos varões
que se apaixonam por sua mãe, eu estava apaixonado por meu pai. A sua
cegueira e a sua paralisia estava ligado outro feito: não podia urinar como
outros no desculpado, urinava em sua poltrona, em um pequeno recipiente
e, devido à freqüente urgência, não lhe importava fazê-lo diante de mim,
sob uma colcha: como era cego, punha-a quase sempre ao reverso. O mais
estranho, sem lugar a dúvidas, era certamente sua forma de ‘olhar’ quando
urinava. Como não via nada, sua pupila se elevava para o vazio, sob a
pálpebra, e isso lhe acontecia em particular quando mijava. Tinha os olhos
muito grandes, sempre muito abertos, em um rosto aquilino, e seus grandes
olhos ficavam quase brancos quando urinava, com uma expressão idiota de
abandono e de extravio frente a um mundo que só ele podia ver e que lhe
produzia uma risada sardônica e ausente (eu gostaria de recordar também,
por exemplo, o caráter errático da risada desolada de um cego, etc., etc.).
Em todo caso, é a imagem desses olhos brancos nesses momentos precisos,
a que para mim está vinculada diretamente a dos ovos, explicando a
aparição quase regular da urina cada vez que aparecem o ovo ou os olhos
em relato.* depois de ter descoberto esta relação entre dois elementos
diferentes, pude descobrir uma nova, não menos essencial, entre o caráter
geral de meu relato e um fato particular.
Tinha quatorze anos quando meu afeto por meu pai se transformou em ódio
profundo e inconsciente. Comecei então a gozar obscuramente com os
gritos que lhe arrancavam os dores contínuos e fulgurantes dos tabes,
*
1 Estes fatos que Bataille conta como se fossem certos, são negados pelo irmão do
novelista, Martial. O que parece ser verdadeiro é o tratamento analítico que Bataille seguia
durante essa época. Além disso, também é certo que o autor desta novela estava em
Madrid em sete de maio de 1922. (N. do T.)
classificados entre os mais terríveis. O estado de imundície e fedor a que o
reduzia sua enfermidade total (às vezes se cagava nos calções), não me
produzia o desagrado que pode imaginar-se. Pelo resto, adotava frente a
todas as coisas, atitudes e crenças radicalmente opostas às desse ser
nauseabundo por natureza.
Uma noite despertamos minha mãe e eu pelos discursos veementes que o
rasgado uivava — literalmente — em seu quarto. tornou-se louco
súbitamente. fui procurar ao doutor e vinho em seguida. Meu pai
imaginava com eloqüência os acontecimentos mais inusitados e felizes.
Havendo-se retirado minha mãe à habitação do lado com o médico, o cego
louco começou a gritar, diante minha e com voz estentórea:
Doutor, me avise quando deixar de meter-lhe a minha mulher! Essa frase,
que destruiu por completo os efeitos desmoralizadores de uma educação
severo, deixou-me uma obrigação constante, inconscientemente suportada
até então e não desejada: a necessidade de encontrar sempre seu
equivalente em todas as situações em que me encontre.
Isso explica em grande parte a História do olho.
Logo acabarei de enumerar estas cúpulas de minha obscenidade pessoal,
acrescentando o último elo, um dos mais desconcertantes, e que descobri
até o final: refere-se a Marcela.
É-me impossível associar definitivamente a Marcela com minha mãe.
Afirmá-lo seria se não falso ao menos exagerado. Marcela é também uma
jovem de quatorze anos que esteve frente a mim durante um quarto de
hora, em Paris, no Café do Deux Magots. Contarei entretanto algumas
lembranças mais, destinados a definir alguns episódios a partir de feitos
reais.
Umas semanas depois do ataque de loucura de meu pai, minha mãe, depois
de uma cena odiosa que lhe fez minha avó materna, perdeu também e
súbitamente a razão. Durante alguns meses passou por uma crise de
loucura maníaco-depressiva (melancolia). As absurdas idéias de catástrofe
e de condenação que a dominaram por então me irritavam sobre tudo
porque tinha que vigiá-la continuamente. Seu estado me inquietava tanto
que uma noite tirei de meus quarto uns candelabros muito pesados com
base de mármore, por medo de que me matasse durante o sonho. Cheguei a
golpeá-la por impaciência e a lhe torcer as bonecas para que raciocinasse
com prudência.
Um dia que a descuidamos, minha mãe desapareceu; buscamo-la durante
comprido tempo e terminamos por encontrá-la pendurada no celeiro.
Pudemos reanimar a e devolvê-la à vida.
Ao pouco tempo voltou a desaparecer, esta vez durante a noite. Busquei-a
interminavelmente ao longo de um riacho onde podia ter tentado afogar-se.
Corri sem me deter, na escuridão, atravessando pântanos e terminei por me
encontrar frente a ela: estava molhada até a cintura e sua saia ‘urinava’ a
água do arroio; tinha saído por seu próprio pé da água pouco profunda e
geada (estávamos em pleno inverno).
Não me detenho mais nestas lembranças porque perderam para mim, faz
tempo que, seu caráter afetivo. Só puderam reviver quando os transformei
a tal grau que se voltaram irreconhecíveis para revestir, depois de sua
deformação, o sentido mais obsceno.
APÊNDICES
OLHO
Guloseima canibal: É bem sabido que o homem civilizado se caracteriza
por uma hipersensibilidade ao horror, às vezes pouco explicável. O temor
aos insetos é, sem lugar a dúvidas, uma das mais singulares e estendidas;
além disso, é surpreendente encontrar, entre elas, ao olho. Não parece
haver melhor palavra para qualificar ao olho que a sedução; nada é mais
atrativo no corpo dos animais e dos homens. A extrema sedução limita,
provavelmente, com o horror.
Neste aspecto, o olho poderia vincular-se com o cortante, cujo aspecto
provoca também reaja agudas e contraditórias: é o que deveram ter
experiente, com terror e oscuramente, os autores do cão andaluz * quando
*
Este extraordinário filme é obra de dois jovens catalães, o pintor Salvador Dali... e o
diretor de cinema Luis Buñuel. Este filme se diferencia das produções banais de
vanguarda com as que se teria a tentação de confundi-lo, porque o cenário é o que
prepondera. Alguns feitos, pouco explícitos, acontecem-se sem lógica, mas penetrando
tão profundamente no horror que os espectadores se metem no espetáculo tão
diretamente como nos filmes de aventuras. Agarrados à parte, pelo cangote e sem
artifício, sabem em efeito, esses espectadores, aonde chegarão os autores do filme ou
outros seres semelhantes? O mesmo Buñuel esteve oito dias doente depois da tira do
olho talhado (além disso, para filmar a cena dos cadáveres dos asnos, teve que suportar
decidiram, durante as primeiras imagens do filme, os amores sangrentos de
dois seres.
navalha que curta em vivo o deslumbrante olho de uma moça e formosa,
produziria a admiração lunática de um homem jovem que, tendo uma
cucharita na mão e deitado ao lado de um gatinho, tivesse de repente o
desejo de pôr um olho dentro dela.
Desejo curioso entre os brancos, quem aparta os olhos dos bois, cordeiros e
porcos cuja carne comem com prazer. O olho, guloseima canibal, segundo
a deliciosa expressão do Stevenson, é objeto de tanta inquietação entre nós
que nunca o morderemos. O olho ocupa um lugar extremamente
importante no horror, pois entre outras coisas é o olho da consciência. No
célebre poema do Víctor Hugo aparece o olho obsessivo e lúgubre, vivo e
espantosamente sonhado pelo Grandville durante um pesadelo que
precedeu a seu morte *: o criminoso ‘sonha que acaba de golpear a um
homem em um escuro bosque... derramou sangue humano e, utilizando
uma expressão que evoca no espírito uma imagem feroz, fez suar a um
carvalho. Não é um homem, em efeito, a não ser um tronco de árvore...
ensangüentado… que se agita e se debate... sob a arma mortífera. As mãos
da vítima se levantam suplicantes, mas em vão. O sangue segue correndo’.
Então aparece o olho enorme que se abre em um negro céu, perseguindo o
criminoso através do espaço, até o fundo dos mares, onde o devora depois
de transformar-se em peixe. Inúmeros olhos se multiplicam entre as ondas.
Grandville escreve neste sentido: ‘Serão os mil olhos da multidão atraída
pelo espetáculo do suplício que se prepara? por que outra coisa se veriam
atraídos esses olhos absurdos, como nuvem de moscas, mas sim por algo
repugnante? E por que um de nossos semanários ilustrados, perfeitamente
sádico, aparecido em Paris de 1907 a 1924, ostenta em primeiro lugar um
olho, que figura regularmente sobre um fundo encarnado encabeçando os
espetáculos sanguinolentos? O que outra coisa é o olho da polícia,
semelhante ao olho da justiça humana do pesadelo do Grandville, a não ser
a expressão de uma cega sede de sangue? Não é parecido, também, o olho
uma atmosfera infeta). Como não ver, então, até que ponto o horror fascina e como sua
força bruta pode romper com o que asfixia?
*
Víctor Hugo, leitor do ‘Magazin pittores que’, utilizou o admirável sonho relatado em
‘Crime e castigo’ e o inaudito desenho do Grandvllle, publicados em 1847, para um relato
de um olho obstinado que persegue um criminoso: quase parece inútil acrescentar que só
pode explicar essa relação uma obscura e sinistra obsessão e não uma fria lembrança.
Devemos à erudição e aos cuidados do Pierre d'Espezel, o dado desse curioso
documento, provavelmente uma das mais belas composições do Grandville.
do Crampon, condenado a morte e que, um instante antes da machadada
que pedia o capelão, mutilou-se dando de presente com jovialidade o
membro assim cerceado, porque seu olho era de vidro?’ *
METAMORFOSE
Animais selvagens. Os sentimentos equívocos dos seres humanos
alcançam seu máximo de derisión frente aos animais selvagens. Se existir a
dignidade humana (por cima de toda suspeita, aparentemente), não terá que
ir ao zoológico: quando os animais vêem aparecer a multidão de meninos
seguidos por seu papai-homens e seus mamem.
Contra o que se supõe, nem o costume pode lhe impedir a um homem
sábio que minta como um cão quando fala da dignidade humana entre os
animais. Pois em presença de seres ilegais e intrinsecamente livres, os
únicos seres verdadeiramente outlaws (sic.), o desejo mais turvo vence até
o sentimento estúpido de superioridade prática desejo que se confessa entre
os selvagens mediante o totem e se dissimula comicamente sob os chapéus
de plumas de nossas avós de família). Tantos animais no mundo e tudo o
que perdemos: a inocente crueldade, a monstruosidade opaca dos olhos —
apenas diferentes das pequenas borbulhas que se formam na superfície do
lodo — , o horror ligado à vida como uma árvore à luz.
Ficam ainda os escritórios, os documentos de identidade, uma existência de
criados biliosos e, apesar de tudo, uma loucura estridente que, no curso de
certos desencaminhamentos, alcança a metamorfose.
pode-se definir a obsessão da metamorfose como uma necessidade violenta
que se confunde com cada uma de nossas necessidades animais, excitando
ao homem a abandonar de repente gestos e atitudes exigidos pela natureza
humana: por exemplo, um homem em meio de outros, em um
departamento, atirando-se pelo chão para devorar o mingau do cão. Há em
cada homem um animal encerrado em uma prisão, como um forçado, e há
uma porta: se a entreabrirmos, o animal se precipita fora, como o forçado,
encontrando seu caminho; então, e, provisoriamente, morre o homem; a
besta se conduz como besta, sem nenhum cuidado de provocar a admiração
*
É notável que Bataille não faça nenhuma referência ao ‘Coração delator’ do Poe, relato
onde um olho joga um papel semelhante ao do olho do Grandville e que, unido ao
coração, parece-se com o casal olhos-huevos de ‘História do Olho’. É notável porque
existe uma relação de afinidades eletivas entre o Poe e Bataille. (N. do T.)
poética de morto.* É neste sentido que pode ver-se ao homem como uma
prisão de aparência burocrática.
*
Um relato que organiza estas palavras do Bataille seria ‘Os ratos’ do Lovecraft. (N. do T.)