História Do Olho - Georges Bataille

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História do olho

Georges Bataille
Traduzido por Margo Glantz
Edições Coyoacán, México D.F., 1994
Segunda edição, 1995
Título original:
Histoire de l’oeil, 1928

ADVERTÊNCIA SOBRE A TRADUÇÃO

Existem cinco edições deste livro do Georges Bataille, A primeira foi


publicada em 1928 com o pseudônimo de Lorde Auch, e se lançaram cento
e trinta e quatro exemplares com oito litografias do André Masson, o pintor
surrealista. A segunda se publicou em Burgos (!) em 1941 e a edição
aumentou a quinhentos exemplares. Em 1940 se editou uma reescritura da
novela ilustrada com gravuras do Hans Belmer (outro extraordinário pintor
surrealista), em Sevilha, espaço geográfico de um dos episódios capitais do
texto, agora com a cabalística tiragem de cento e noventa e nove
exemplares. A penúltima edição é quão única leva o nome do Georges
Bataille e foi publicada postumamente em 1967 , pela editorial do Jean
Jacques Pauvert, com o fac-símile de um Plano de uma continuação de
História do Olho; sua tiragem foi de dez mil exemplares. Desta versão se
traduziu a que publicou em espanhol a editorial Arena Ibérico, em Paris,
em 1977, sem nome de tradutor. Esta reescritura do texto se acrescenta
como apêndice no volume I das Obras Completas que a editorial Gallimard
começou a publicar com uma apresentação do Michel Foucault desde
1970. As obras do Bataille se iniciam justamente com História do Olho,
primeiro livro importante do escritor e que Denis Hollier editou. Escritura
original da que eu traduzi este texto.
Na versão que proponho não aparece o Plano de uma continuação: acredito
que não acrescenta nada especial ao texto, ao contrário, rompe o suspense
do final. Em troca, traduzi o artigo e as notas correspondentes a olho” do
Dicionário crítico que Georges Bataille publicou na revista Documents, em
1929, depois da aparição do famoso filme do Buñuel e Dalí, O cão
andaluz. Essa revista contém alguns dos melhores textos do Bataille;
reproduzidos pela Editorial Mercure do France, apareceram em 1968
reunidos pelo Bernard Noël. O artigo “Guloseima canibal” é a segunda
parte de um texto dedicado a olho”. A primeira parte a escreveu Robert nos
dê (“Image de l’oeil”– ”Imagem do olho”) e a terceira parte Marcel Griaule
(“Mauvais Oeil”– “Mal do olho”).
Também incluo, do Documents, o artigo “Metamorfose”, porque pode
relacionar-se muito bem com História do olho.
M. G.

PRIMEIRA PARTE
I-O OLHO DO GATO
Cresci muito só e desde que tenho memória senti angústia frente a todo o
sexual. Tinha perto de 16 anos quando na praia de X encontrei a uma
jovem de minha idade, Simona. Nossas relações se precipitaram porque
nossas famílias guardavam um parentesco longínquo. Três dias depois de
nos haver conhecido, Simona e eu nos encontramos sozinhos em seu
quinta. Vestia um avental negro com gola branco engomado.
Comecei a advertir que compartilhava comigo a ansiedade que me
produzia vê-la, ansiedade muito major esse dia porque intuía que se
encontrava completamente nua sob seu avental.
Levava meias de seda preta que lhe subiam por cima dos joelhos; mas
ainda não tinha podido lhe ver a bunda (este nome que Simona e eu
empregamos sempre, é para mim o mais formoso dos nomes do sexo).
Tinha a impressão de que se apartava ligeiramente seu avental por atrás,
veria suas partes impudicas sem nenhum reparo.
No rincão de um corredor havia um prato com leite para o gato: “Os pratos
estão feitos para sentar-se”, disse-me Simona. “Apostas a que me sento no
prato?” — ”Aposto a que não te atreve”, respondi-lhe, quase sem fôlego.
Para muitíssimo calor. Simona colocou o prato sobre um pequeno banco,
instalou-se diante de mim e, sem separar seus olhos de meus, sentou-se
sobre ele sem que eu pudesse ver como empapava suas nádegas ardentes
no leite fresca. Fiquei diante dela, imóvel; o sangue subia a minha cabeça e
enquanto ela fixava a vista em meu pau que, ereta, distendia minhas calças,
eu tremia.
Deitei a seus pés sem que ela se movesse e pela primeira vez vi sua carne
“rosa e negra” que se refrescava no leite branco. Permanecemos longo
tempo sem nos mover, tão comovidos o um como o outro.
De repente se levantou e vi escorrer o leite ao longo de suas pernas, sobre
as médias. enxugou-se com um lenço, pausadamente, deixando elevado o
pé, apoiado no banco, por cima de minha cabeça e eu me esfreguei
vigorosamente o pau sobre a roupa, me agitando amorosamente pelo chão.
O orgasmo nos chegou quase no mesmo instante sem que nos houvéssemos
meio doido; mas quando sua mãe retornou, aproveitei, enquanto eu
permanecia sentado e ela se tornava meigamente em seus braços, para lhe
levantar por atrás o avental sem que ninguém o notasse e pôr minha mão
em sua bunda, entre suas duas ardentes coxas. Retornei correndo a minha
casa, ávido de me masturbar de novo; e ao dia seguinte de noite estava com
tantas olheiras que Simona, depois de me haver contemplado comprido
momento, escondeu a cabeça em minhas costas e me disse seriamente “não
quero que te masturbe sem mim”.
Assim começaram entre a mocinha e eu relações tão próximas e tão
obrigatórias que nos era quase impossível passar uma semana sem nos ver.
E entretanto, logo que falávamos disso. Compreendo que ela experimente
os mesmos sentimentos que eu quando nos vemos, mas me é difícil
descrevê-los. Lembrança um dia quando viajávamos a toda velocidade em
automóvel e atropelamos a uma ciclista que deveu ter sido muito jovem e
muito bela: seu pescoço tinha ficado quase decapitado entre as rodas.
Detivemo-nos muito tempo, alguns metros mais adiante, para contemplar à
morta. A impressão de horror e de desespero que nos provocava esse
montão de carne ensangüentada, alternativamente bela ou nauseabunda,
equivale em parte para a impressão que ressentíamos ao nos olhar. Simona
é grande e formosa. Habitualmente é muito singela: não tem nada de
angustiado nem no olhar nem na voz. Entretanto, no sexual se mostra tão
bruscamente ávida de tudo o que violenta a ordem que basta o mais
imperceptível chamado dos sentidos para que de um golpe seu rosto
adquira um caráter que sugere diretamente todo aquilo que está ligado à
sexualidade profunda, por exemplo: o sangue, o terror súbito, o crime, o
sufoco, tudo o que destrói indefinidamente a beatitude e a honestidade
humanas. Vi pela primeira vez essa contração muda e absoluta (que eu
compartilhava) o dia em que se sentou sobre o prato de leite. É certo que
apenas nos olhávamos fixamente, exceto em momentos parecidos. Mas não
estamos satisfeitos e só jogamos durante os curtos momentos de distensão
que seguem ao orgasmo.
Devo advertir que nos mantivemos comprido tempo sem nos acoplar.
Aproveitávamos todas as circunstâncias para nos liberar a atos pouco
comuns. Não só carecíamos totalmente de pudor, mas também pelo
contrário algo impreciso nos obrigava a desafiá-lo juntos, tão
impúdicamente como nos era possível. É assim justo depois de que ela me
pediu que não me masturbasse sozinho (tínhamo-nos encontrado no alto de
um escarpado), baixou-me a calça me fez me estender por terra; logo ela se
elevou o vestido, sentou-se sobre meu ventre me dando as costas e
começou a urinar enquanto eu lhe colocava um dedo pela bunda, que meu
sêmen jovem havia tornado untuoso. Logo se deitou, com a cabeça sob
meu pau, entre minhas pernas; sua bunda ao ar fez que seu corpo caísse
sobre mim; eu levantei a cara o bastante para mantê-la à altura de sua
bunda: — seus joelhos acabaram apoiando-se sobre meus ombros — .
“Não pode fazer xixi no ar para que caia em minha bunda?”, disse-me “ —
Sim, respondi-lhe, mas como está colocada, minha porra cairá
forçosamente sobre suas roupas e sua cara — .” “O que importa!”
respondeu-me.
Fiz o que me disse, mas apenas o tinha feito a alaguei de novo, mas esta
vez de formoso e branco sêmen.
O aroma do mar se mesclava enquanto isso com o da roupa molhada, o de
nossos corpos nus e o do sêmen. Caía a tarde e permanecemos nesta
extraordinária posição sem nos mover, até que escutamos uns passos que
roçavam a erva.
— ”Não te mova, suplico-lhe isso”, pediu-me Simona. Os passos se
detiveram mas nos era impossível ver quem se aproximava. Nossas
respirações se cortaram ao uníssono. Levantado assim pelos ares, a bunda
da Simona representava na verdade uma prece todo-poderosa, por causa da
extrema perfeição de suas duas nádegas, estreitas e delicadas,
profundamente talhadas; estava seguro de que o homem ou a mulher
desconhecidos que a vissem sucumbiriam imediatamente à necessidade de
masturbar-se sem fim ao as olhar. Os passos recomeçaram, precipitando-se,
quase em carreira; logo vi aparecer de repente a uma encantada jovem
loira, Marcela, a mais pura e comovedora de nossas amigas.
Estávamos tão fortemente em cachos em nossas horríveis atitudes que não
pudemos nos mover nem sequer um palmo e nossa desgraçada amiga caiu
sobre a erva soluçando. Só então trocamos nossa extravagante posição para
nos jogar sobre o corpo que nos liberava em abandono. Simona lhe
levantou a saia, arrancou-lhe o calção e me mostrou, embriagada, um nova
bunda, tão belo, tão puro, como o seu. Beijei-a com raiva ao tempo que a
masturbava: suas pernas se fecharam sobre os rins da estranha Marcela que
já não podia dissimular os soluços.
— lhe Marcela disse — , suplico-lhe isso, já não chore. Quero que me
beije na boca...
Simona lhe acariciava seus formosos cabelos lisos e a beijava
afetuosamente por toda parte.
Enquanto isso, o céu se pôs totalmente escuro e, com a noite, caíam grosas
gotas de chuva que provocavam a calma depois do esgotamento de uma
jornada tórrida e sem ar. O mar começava um ruído enorme dominado pelo
fragor do trovão, e os relâmpagos deixavam ver bruscamente, como se fora
pleno dia, as duas bundas masturbadas das moças que se ficaram mudas.
Um frenesi brutal animava nossos corpos. Duas bocas juvenis disputavam
minha bunda, meu testículo e meu pau; mas eu não deixei de apartar pernas
de mulher, úmidas de saliva ou de sêmen, como se tivesse querido fugir do
abraço de um monstro, embora esse monstro não fora mais que a
extraordinária violência de meus movimentos. A chuva quente caía por fim
em correntes e nos banhava todo o corpo inteiramente exposto a sua fúria.
Grandes trovões nos quebrantavam e aumentavam cada vez mais nossa
cólera, nos arrancando gritos de raiva, redobrada cada vez que o relâmpago
deixava ver nossas partes sexuais. Simona tinha cansado em um atoleiro de
lodo e se enlameava o corpo com furor: masturbava-se com a terra e
gozava violentamente, golpeada pelo aguaceiro, com minha cabeça
abraçada entre suas pernas sujas de terra, seu rosto enterrado no atoleiro
onde agitava com brutalidade a bunda de Marcela, que a tinha abraçada por
detrás, atirando de sua coxa para abrir-lhe com força.
II-O ARMÁRIO NORMANDO
A partir dessa época, Simona contraiu a mania de quebrar ovos com sua
bunda. Para fazê-lo se colocava sobre um sofá do salão, com a cabeça
sobre o assento e as costas contra o respaldo, as pernas apontando para
mim, que me masturbava para lhe jogar meu esperma sobre a cara.
Colocava então o ovo justo em cima do buraco da bunda e se divertia
fazendo-o entrar com agilidade na divisão profunda de suas nádegas. No
momento em que o sêmen começava a cair e a regar-se por seus olhos, as
nádegas se fechavam, quebravam o ovo e ela gozava enquanto eu me
sujava o rosto com o abundante respingo que saía de sua bunda.
Muito em breve, como era lógico, sua mãe que podia entrar no salão da
casa em qualquer momento, surpreendeu este manejo pouco comum; esta
mulher extraordinariamente boa, de vida exemplar, contentou-se assistindo
ao jogo sem dizer uma palavra a primeira vez que nos surpreendeu no ato,
a tal ponto que não nos demos conta de sua presença.
Suponho que estava muito aterrada para falar. Mas quando terminamos e
começamos a ordenar um pouco o desastre, vimo-la parada na soleira da
porta.
— Faz como se não houvesse ninguém, disse-me Simona e continuou
limpando a bunda.
E em efeito, saímos tão tranqüilamente como se se reduziu a estado de
retrato de família.
Alguns dias mais tarde, Simona fazia ginástica comigo nas vigas de uma
garagem, e urinou sobre sua mãe, que tinha tido a desgraça de deter-se sem
vê-la: a triste viúva se separou desse lugar e nos olhou com uns olhos tão
tristes e uma expressão tão se desesperada que impulsionou nossos jogos.
Simona, morta de risada e a quatro patas sobre as vigas, expôs sua bunda
frente a meu rosto: o abri totalmente e me masturbei ao olhá-la.
Durante mais de uma semana deixamos de ver Marcela, até que um dia a
encontramos na rua. Esta jovem loira, tímida e ingenuamente piedosa,
ruborizou-se tão profundamente ao nos ver que Simona a beijou com
ternura maravilhosa.
— Peço-lhe perdão, Marcela, disse-lhe em voz baixa, o que aconteceu o
outro dia foi absurdo, mas não deve impedir que sejamos amigos. Prometo-
lhe que já não trataremos de tocá-la.
Marcela carecia totalmente de vontade; aceitou nos acompanhar para
lanchar conosco e alguns amigos. Mas em lugar de chá, bebemos
champanha gelado em abundância.
Ver Marcela ruborizada nos tinha transtornado por completo. Tínhamo-nos
compreendido Simona e eu, e a partir desse momento soubemos que nada
nos faria nos deter a não ser até cumprir com nossos planos. além de
Marcela estavam ali outras três moças formosas e dois jovens o major dos
oito não tinha ainda dezessete anos e a bebida tinha produzido um certo
efeito mas além de mim e da Simona ninguém se excitou como
planejávamos. Um fonógrafo nos tirou do problema. Simona começou a
dançar um chárleston frenético e mostrou até a bunda suas pernas, e as
outras jovens convidadas a dançar da mesma maneira estavam muito
excitadas para preocupar-se.
Levavam, claro, calções, mas moviam tanto a bunda que não escondiam
grande coisa. Só Marcela, ébria e silenciosa, negou-se a dançar.
Finalmente, Simona, que pretendia estar absolutamente bêbada, tomou
uma toalha e levantando-o com a mão propôs uma aposta.
— Arrumado, disse, a que faço xixi na toalha frente a todo mundo.
tratava-se, em princípio, de uma ridícula reunião de jovenzinhos pelo
general faladores e pretensiosos. Um dos moços a desafiou e a aposta se
fixou a discrição... é evidente que Simona não duvidou um só instante e
empapou a toalha. Mas este ato alucinante a comoveu visivelmente até a
medula, tanto que todos os jovenzinhos começaram a ofegar.
— Posto que é a discrição, disse Simona ao perdedor, vou tirar te a calça
acima de tudo o mundo. Isto o fez sem nenhuma dificuldade.
Uma vez que lhe tirou a calça, Simona lhe tirou também a camisa (para
evitar que fizesse o ridículo). Entretanto não tinha passado ainda nada
grave: Simona logo que tinha acariciado ligeiramente a seu jovem amigo
totalmente encantado, bêbado e nu. Mas ela só pensava em Marcela que
desde fazia algum momento me suplicava que a deixasse partir. —
Prometemo-lhe que não a tocaríamos, Marcela, por que quer ir?, perguntei-
lhe.
— Porque sim, respondia com obstinação, ao tempo que uma violenta
cólera se apoderava pouco a pouco dela.
De repente Simona caiu no piso com grande terror de outros. Uma
convulsão cada vez mais forte a agitava, tinha as roupas em desordem, a
bunda ao ar, como se tivesse um ataque de epilepsia, e ao rodar aos pés do
moço que tinha despido, pronunciava palavras quase desarticuladas: “me
mije em cima... me mije na bunda”... repetia como se tivesse sede.
Marcela olhava este espetáculo com fixidez: pôs-se de cor carmesim. Então
me disse, sem sequer me olhar, que queria tirar o vestido; eu o arranquei
pela metade, e logo sua roupa interior; só conservou suas meias e sua liga,
e havendo-se deixado masturbar e beijar na boca por mim, atravessou o
quarto como uma sonâmbula para alcançar um grande armário normando
onde se encerrou depois de ter murmurado algumas palavras à orelha da
Simona.
Queria masturbar-se no armário e nos suplicava que a deixássemos
tranqüila.
Terá que advertir que todos estávamos muito bêbados e completamente
transtornados pelo que tinha passado. O moço nu se a fazia mamar por uma
jovem. Simona, de pé, e com as saias elevadas, esfregava sua bunda nu
contra o armário em movimento aonde se ouvia a moça masturbar-se com
um ofego brutal. E de repente aconteceu uma coisa incrível: um estranho
ruído de água seguida da aparição de um fio e logo depois de um jorro de
água por debaixo da porta do armário: desgraçada-a Marcela urinava
dentro, ao tempo que se masturbava. A gargalhada absolutamente ébria que
seguiu degenerou rapidamente em uma orgia com queda de corpos, pernas
e bundas ao ar, saias molhadas e sêmen. As risadas se produziam como um
soluço involuntário e imbecil, sem conseguir interromper uma quebra de
onda brutal dirigida para os bundas e as paus. Marcela, solitária e triste,
encerrada no urinol convertido na prisão, começou a soluçar cada vez mais
fortemente.
Meia hora depois começou a me passar a bebedeira e me ocorreu tirar
Marcela do armário: desgraçada-a jovem, totalmente nua, tinha cansado em
um estado terrível. Tremia e tiritava de frio. Desde que me viu manifestou
um terror doentio embora violento. Pelo resto, eu estava pálido, mais ou
menos ensangüentado e vestido estrafalariamente.
Atrás de mim, jaziam, quase inertes e em uma desordem inefável, vários
corpos escandalosamente nus e doentes. Durante a orgia nos tinham
parecido pedaços de vidro que nos tinham ensangüentado a dois de nós;
uma moça vomitava; além disso todos caíamos de repente em espasmos de
risada louca, tão desencadeada que alguns tinham molhado sua roupa,
outros seu assento e outros o chão. dali saía um aroma de sangue, de
esperma, de urina e de vômito que quase me fez recuar de terror; mas o
grito desumano que rasgou a garganta de Marcela foi ainda mais
terrorífico. Devo dizer entretanto que, nesse mesmo momento, Simona
dormia tranqüilamente, com o ventre ao ar, a mão detida ainda sobre o pêlo
do púbis e o rosto aprazível e quase sorridente.
Marcela, que se tinha precipitado através do quarto cambaleando-se e
gritando como se grunhisse, olhou-me de novo: retrocedeu como se eu fora
um espectro espantoso que aparecesse em um pesadelo, e se desabou
deixando ouvir uma seqüela de uivos cada vez mais desumanos.
Coisa curiosa; esse incidente me devolveu o valor. Alguém ia vir, era
inevitável; mas não pensei nem um instante em fugir ou em sossegar o
escândalo. Ao contrário, com resolução abri a porta. OH, espetáculo e gozo
inusitados! É fácil imaginar as exclamações de horror, os gritos se
desesperados, as ameaças desproporcionadas dos pais ao entrar na
habitação! Com gritos incendiários e imprecações espasmódicas
mencionaram o cárcere, o cadafalso e os tribunais; nossos próprios
camaradas se puseram a gritar e a soluçar até produzir um ruído delirante
de gritos e lágrimas: diria-se que os tinham incendiado e que eram tochas
vivas. Simona gozava comigo.
E entretanto, que atrocidade! Nada podia dar fim ao delírio tragicómico
desses dementes; Marcela, que seguia nua, expressava, à medida que
gesticulava, e entre gritos de dor, um sofrimento moral e um terror
impossível de suportar; vimos como mordia a sua mãe no rosto e se movia
entre os braços que tentavam dominá-la em vão.
Em efeito, a irrupção dos pais tinha acabado de destruir o que ficava de
razão; para terminar se chamou à polícia e todos os vizinhos foram
testemunhas do inaudito escândalo.

III-O AROMA DE MARCELA


Meus próprios pais não chegaram essa noite. Entretanto, acreditei prudente
sair apitando em previsão da cólera de um pai miserável, arquétipo do
general católico e caduco. Entrei por detrás à quinta.
Apropriei-me de uma quantidade de dinheiro. Depois, seguro de que
jamais me buscariam ali, banhei-me na quarto de meu pai. E por volta das
dez da noite fui ao campo, mas antes deixei um recado sobre a mesa de
minha mãe: “Rogo que não me façam procurar pela polícia porque levo um
revólver e a primeira bala será para o guarda e a segunda para mim”.
Jamais tive a possibilidade de adotar uma atitude e, nesta circunstância em
particular, meu único interesse era fazer retroceder a minha família,
inimizade irredutível do escândalo. Contudo, ao escrever o recado com a
maior ligeireza e não sem rir um pouco, pareceu-me oportuno meter em
meu bolso o revólver de meu pai.
Caminhei toda a noite pela borda do mar, mas sem me afastar muito de X,
tomando em conta as curvas da costa. Tratava somente de apaziguar uma
situação violenta, um estranho delírio espectral em que os fantasmas da
Simona e de Marcela se organizavam, a meu pesar, com expressões
terroríficas. Pouco a pouco me veio a idéia de me matar, e ao tomar o
revólver na mão acabaram de perder o sentido palavras como esperança e
desespero. Senti por cansaço que era necessário lhe dar um sentido a minha
vida: só a teria na medida em que certos acontecimentos desejados e
esperados se cumprissem. Aceitei finalmente a extraordinária fascinação
dos nomes Simona e Marcela; podia rir, mas não obstante me excitava
imaginar uma composição fantástica que ligava confusamente meus passos
mais desconcertantes aos seus.
Dormi em um bosque durante o dia e ao cair a noite dirigi a casa da
Simona; entrei em jardim saltando pelo muro. Ao ver luz na antecâmara de
meu amiga, arrojei calhaus à janela. Alguns instantes depois baixou e
fomos quase sem dizer uma palavra em direção à borda do mar. Estávamos
felizes de nos voltar para ver. Estava escuro e de vez em quando lhe
levantava o vestido e tomava sua bunda entre minhas mãos, mas não
gozava, ao contrário. Ela se sentou e eu deitei a seus pés. de repente me
dava conta de que não poderia impedir de estalar em soluços e
imediatamente comecei a soluçar longamente sobre a areia.
— O que te passa? — disse-me Simona.
E me deu um chute para me fazer rir. Seu pé tocou justamente o revólver
que estava em meu bolso e uma terrível detonação nos arrancou um grito
simultâneo. Não estava ferido, mas de repente me encontrei de pé como se
tivesse entrado em outro mundo. A mesma Simona estava diante de mim,
tão pálida que dava medo.
Essa noite não nos ocorreu a idéia de nos masturbar, mas permanecemos
imensamente abraçados, unidas nossas bocas, o que jamais antes nos tinha
ocorrido.
Durante alguns dias vivi assim: retornávamos Simona e eu, muito tarde de
noite, e nos deitávamos em sua antecâmara, onde ficava encerrado até a
noite seguinte. Simona me levava comida. Sua mãe não tinha a mais
mínima autoridade sobre ela e aceitava a situação sem sequer tentar
explicar o mistério (logo que tinha ouvido os gritos, o dia do escândalo,
saiu a dar um passeio). Quanto aos criados, o dinheiro os mantinha fiéis a
Simona desde fazia muito tempo.
Foi também por eles que soubemos as circunstâncias do fechamento de
Marcela e o nome da casa de saúde onde estava asilada. Do primeiro dia
nossa preocupação foi sua loucura, a solidão de seu corpo, as
possibilidades de alcançá-la ou de ajudá-la a evadir-se. Um dia que estava
eu em sua cama e que quis forçar a Simona, ela me escapou e me disse
bruscamente: “mas, querido meu, está completamente louco!
Assim em um leito, como se fora mãe de família?, não me interessa
absolutamente. Com Marcela somente”.
— O que é o que quer dizer? perguntei-lhe decepcionado, mas no fundo
completamente de acordo com ela.
Me aproximou afetuosamente de novo e disse brandamente com tom
sonhador; “olhe, apenas nos veja não poderá evitar urinar-se... fazer o
amor”.
Ao mesmo tempo, senti um líquido quente e encantador que corria ao
longo de minhas pernas e, quando teve terminado, levantei-me e reguei a
minha vez seu corpo que ela colocou complacentemente sob o jorro
impudico que ardia ligeiramente sobre a pele. depois de lhe haver alagado
a bunda também, enlameei-lhe o rosto de sêmen e assim, suja, teve um
orgasmo demente e liberador. Aspirava profundamente nosso acre e feliz
aroma: “Cheira a Marcela”, confiou-me alegremente depois que teve
terminado, aproximando o nariz a minha bunda ainda molhado.
É evidente que Simona e eu tínhamos às vezes ganha violentas de fazer o
amor. Mas não nos ocorria sequer que isso fosse possível sem Marcela,
cujos gritos agudos violentavam continuamente as orelhas, gritos que para
nós se ligavam sempre a nossos desejos mais violentos. Por isso, nosso
desejo sexual se transformava sempre em pesadelo. O sorriso de Marcela,
sua babeira, seus soluços, a vergonha que a ruborizava e essa cor vermelha
que a fazia sofrer ao tempo que ela mesma se tirava a roupa para entregar
de repente suas belas nádegas loiras à mãos e bocas impuras, e, sobre tudo,
o delírio trágico que a tinha feito encerrar-se no armário para poder
masturbar-se com tanta aberração que não tinha podido evitar urinar-se,
deformava e fazia nossos desejos insuportáveis, Simona, cuja conduta
durante o escândalo tinha sido mais obscena que nunca — deitada, não se
havia sequer coberto, mas sim tinha aberto as pernas — , não podia
esquecer que o orgasmo imprevisto provocado por seu próprio impudor, os
gritos e a nudez dos membros torcidos de Marcela, tinham ultrapassado
tudo o que tinha podido imaginar até então. E sua bunda não se abria
diante de mim sem que aparecesse o espectro de Marcela furiosa, delirante
e ruborizada, para lhe outorgar a seu impudor um peso cansativo, como se
o sacrilégio devesse voltá-lo tudo horrível e infame.
Por outra parte, as regiões pantanosas da bunda — que só têm semelhança
com os dias tormentosos, com presságios de inundações ou com as
emanações sufocantes dos vulcões e que, também como os vulcões e as
tempestades, iniciam sua atividade entre augúrios de catástrofe — essas
regiões desesperadores que Simona, em um abandono que só pressagiava
violência, deixava-me olhar como hipnotizado — , foram para mim, após,
o símbolo do império subterrâneo e profundo de uma Marcela torturada em
sua prisão e entregue aos pesadelos. Já não me obcecava mais que uma
coisa: a desintegração que o orgasmo provocava no rosto de quão jovem
soluçava entre gritos horríveis.
E Simona por seu lado não podia olhar o sêmen ácido e quente que saía de
meu pau sem imaginar-se imediatamente a boca e a bunda de Marcela
totalmente manchados.
“Poderia lhe golpear o rosto com seu sêmen”, confiava-me ao tempo que
se enlameava a bunda, “para que esterque”.*

IV-UNA MANCHA DE SOL


As demais mulheres e outros homens não tinham já nenhum interesse para
nós; não pensávamos mais que em Marcela a que puerilmente
imaginávamos em forca voluntária, em enterro clandestino ou em
aparições fúnebres. Por fim, uma noite, depois de nos haver informado
bem, saímos em bicicleta para a casa de saúde onde tinham encerrado a
nossa amiga. Em menos de uma hora percorremos os vinte quilômetros que
nos separavam de uma espécie de castelo, rodeado por um parque
amuralhado e isolado por um escarpado que dominava o mar. Sabíamos
que Marcela ocupava o quarto número oito; mas tivesse sido necessário
entrar em interior da casa para encontrá-la.
Possivelmente poderíamos entrar em seu quarto pela janela depois de ter
limado os barrotes, mas não acertávamos a identificar seus quarto entre
tantos outros; de repente nos chamou a atenção uma estranha figura.
Tínhamos saltado o muro e estávamos no parque, cujas árvores eram
agitadas por um forte vento, quando vimos abrir uma janela do primeiro
piso: uma sombra levava uma savana e a atava fortemente a um dos
barrotes. O lençol estalou imediatamente com o vento e a janela se fechou
antes de que pudéssemos reconhecer à figura.
É difícil imaginar o dilacerador estrépito desse imenso lençol branco
golpeado pela borrasca. O estrondo era superior ao ruído do mar e ao do
vento entre as árvores. Pela primeira vez via a Simona angustiada por algo
diferente a seu próprio impudor: apertava-se contra mim com o coração
palpitante e olhava com os olhos fixos ao fantasma que assolava a noite
como se a loucura mesma acabasse de içar sua bandeira sobre esse lúgubre
castelo.
Ficamos imóveis: Simona acurrucada entre meus braços e eu pela metade
assustado quando de repente pareceu que o vento rasgava as nuvens e a lua
esclareceu bruscamente, com precisão reveladora, aquela coisa tão estranha
e dilaceradora para nós: um soluço violento estrangulou a garganta da
Simona: o lençol que o vento estendia com tanto estrépito estava suja no
*
“Fumer” pode significar fumegar ou estercar. preferi o segundo sentido porque se integra
melhor ao texto. (N. do T.)
centro e tinha uma enorme mancha molhada que se iluminava,
transparente, com a luz da lua...
Aos poucos instantes, outras nuvens negras o obscureceram tudo, e eu
fiquei de pé, sufocado, com os cabelos ao vento e chorando como um
desgraçado; Simona tinha cansado sobre a erva e pela primeira vez se
deixava sacudir por compridos soluços.
Sem dúvida, era então nosso pobre amiga, Marcela, a que tinha aberto essa
janela sem luz, era ela a que acabava de fixar aos barrotes de sua prisão o
sinal alucinante de seu desamparo. Era também evidente que tinha devido
masturbar-se em seu leito com tão grande transtorno dos sentidos que se
molhou inteiramente, por isso depois a tínhamos visto pendurar o lençol na
janela para que se secasse.
Já não sabia o que fazer nesse parque, frente a esse falso castelo de prazer
cujas janelas estavam espantosamente gradeadas. Dava a volta, deixando a
Simona decomposta e estendida sobre o pasto. Não tinha nenhuma
intenção prática e só desejava respirar a sós por um momento. Mas ao
advertir que na planta baixa do edifício havia uma janela entreaberta e sem
gradear, assegurei meu revólver em meu bolso e entrei com precaução: era
um salão como qualquer outro. Um abajur elétrico de bolso me permitiu
entrar em uma antecâmara, subi logo por uma escada onde não se
distinguia nada, nem se chegava a nenhuma parte porque os quartos não
estavam numerados. Pelo resto não entendia nada, estava como se me
tivessem enfeitiçado; inexplicavelmente tive a idéia de me tirar a calça e
seguir meu angustiosa exploração vestido só com a camisa. Pouco a pouco
fui me tirando toda a roupa e fui deixando sobre uma cadeira; só conservei
meus sapatos.
Caminhava ao azar e sem sentido, com um abajur na mão esquerda e o
revólver na mão direita. Um ligeiro ruído me fez apagar bruscamente o
abajur; imóvel, detive-me escutar, enquanto minha respiração se voltava
irregular. Passaram largos minutos de angústia sem ouvir nenhum ruído,
reacendi o abajur e um grito breve me fez fugir com tanta precipitação que
esqueci meus vestidos sobre a cadeira.
Senti que me seguiam; saltei correndo pela janela e fui esconder a uma
avenida; apenas me tinha dado a volta para vigiar o castelo, quando vi que
uma mulher nua aparecia no oco da janela: saltava como eu ao parque e
fugia correndo para os matagais de espinheiros.
Nada foi mais estranho para mim, durante esses minutos de estranha
emoção, que minha nudez ao vento na avenida do jardim desconhecido;
tudo passou como se não estivesse já sobre a terra; quanto mais quanto que
a borrasca prosseguia em sua fúria, mas com bastante tibieza para insinuar
um desejo brutal; não sabia o que fazer com o revólver que levava ainda na
mão: já não tinha bolsos aonde colocá-lo e, ao perseguir à mulher que tinha
visto passar, sem reconhecê-la, parecia evidente que a buscava para matá-
la. O ruído dos elementos em cólera, o estrondo das árvores e do lençol me
impediam de discernir nada definido em minha vontade ou em meus
gestos.
Detive-me de repente e sem fôlego: tinha chegado ao arbusto onde acabava
de desaparecer a sombra. Exaltado por meu revólver, comecei a olhar de
um lado a outro e de repente me pareceu que a realidade inteira se rasgava:
uma mão cheia de saliva tomava meu pau e a agitava; senti um beijo
baboso e quente na raiz da bunda; o peito nu e as pernas nuas de uma
mulher se pegavam a minhas pernas com um sobressalto de orgasmo. Logo
que tive tempo de me dar volta para cuspir meu sêmen no rosto de meu
adorável Simona: com o revólver na mão senti um estremecimento que me
percorria com a mesma violência que a da borrasca, meus dentes tocavam
castanholas e saía espuma de meus lábios; com os braços torcidos apertei
compulsivamente meu revólver e, a meu pesar, dispararam-se três balaços
ferozes e cegos em direção ao castelo.
Ébrios e aliviados, Simona e eu nos separamos um do outro e
imediatamente nos lançamos através do parque como cães; a borrasca batia
com desenfreio, por isso o ruído das detonações não despertou a atenção de
quão habitantes dormiam no interior do castelo; quando olhamos
instintivamente por cima nosso o lençol que golpeava com o vento, para a
janela de Marcela, advertimos com grande surpresa que um dos vidros
estava estrelado por uma bala: e a janela se sacudiu, abriu-se depois e pela
segunda vez apareceu a sombra.
Aterrados, como se Marcela fosse cair ensangüentada ante nossos olhos, na
soleira da porta, permanecemos de pé sob a estranha aparição, quase
imóvel, incapazes de nos fazer ouvir devido ao ruído do vento.
— O que tem feito de sua roupa?, perguntei-lhe ao cabo de um momento a
Simona.
Respondeu-me que me tinha procurado e ao não me encontrar tinha
terminado, como eu, por entrar em castelo para explorá-lo e que se despiu
antes de entrar pela janela ‘acreditando que se sentiria mais livre’. E ao sair
para me seguir, e assustada por mim, não tinha encontrado sua roupa
porque o vento deveu haver a levado; como observava a Marcela não
pensou por sua parte em me perguntar a causa de minha nudez.
Quão jovem estava na janela desapareceu. Transcorreu um instante que nos
pareceu imenso: logo acendeu a luz em seu quarto. Por fim retornou para
respirar ao ar livre e olhar em direção ao mar. O vento movia seus pálidos e
murchos cabelos e podíamos advertir os rasgos de seu rosto; não tinha
trocado, mas em sua cara havia algo de selvagem, de inquieto, que
contrastava com a babeira ainda infantil de suas facções. Parecia ter mas
bem treze anos que dezesseis. Reconhecíamos sob sua camisola o corpo
magro e pleno, duro e sem brilho, tão belo como o fixo olhar.
Quando por fim nos olhou, a surpresa pareceu lhe devolver vida a seu
rosto. Gritou-nos, mas não escutamos nada; fizemo-lhe gestos. Tinha
avermelhado até as orelhas: Simona quase chorava e eu lhe acariciava
afetuosamente a frente enquanto lhe enviava beijos que Marcela respondia
sem sorrir; Simona deixou cair sua mão com o passar do ventre e se tocou
o púbis. Marcela a imitou e subiu ao mesmo tempo seu pé sobre o bordo da
janela, descobrindo uma perna cujas meias de seda branca chegavam quase
até o loiro cabelo. Coisa estranha: levava uma liga branco e meias brancas
enquanto que a negra Simona, cuja bunda enchia minha mão, vestia um
liga negro e meias negras.
As duas moças se masturbavam com um gesto curto e brusco, uma frente à
outra na vociferante noite. Estavam quase imóveis e tensas, com um olhar
que o gozo imoderado havia tornado fixa. de repente, como se um monstro
invisível arrancasse a Marcela do barrote que sua mão esquerda agarrava
com força, caiu de costas pelo delírio, deixando o vazio frente a nós: só
uma janela aberta e iluminada, buraco retangular que penetrava na noite
opaca, e abria ante nossos olhos quebrados o dia sobre um mundo
composto de relâmpagos e de aurora.

V-UM FIO DE SANGUE


Para mim, a urina se associa profundamente ao salitre e aos raios e não sei
por que a uma bacinica antiga, de terra porosa, abandonada um dia
chuvoso de outono sobre o teto de zinco de uma lavanderia de província.
depois dessa primeira noite passada no sanatório, essas representações
desesperadores se vinculam estreitamente, no mais escuro de meu cérebro,
com a xoxota e com o rosto taciturno e sombrio que às vezes punha
Marcela. Não obstante, essa paisagem caótica de minha imaginação se
alagava bruscamente de um fio de luz e de sangue: Marcela não podia
gozar sem banhar-se, não de sangue, mas sim de um jorro de urina clara e,
para mim, até luminosa, primeiro jorro violento e entrecortado como o
soluço, depois abandonado livremente, ao coincidir com um transporte de
gozo sobre-humano; não é estranho que os aspectos mais desérticos e
leprosos de um sonho sejam apenas um rogo nesse sentido, uma espera
obstinada do gozo total, como essa visão do buraco luminoso da janela
vazia no instante mesmo em que Marcela, queda sobre o piso, alagava-o
imensamente.
Era necessário que esse dia, em meio da tempestade sem chuva e da
escuridão hostil, Simona e eu abandonássemos o castelo e fugíssemos
como animais, sem roupa, e com a imaginação perseguida pelo imenso
abatimento que se apoderaria sem dúvida de novo de Marcela, fazendo da
desgraçada prisioneira uma espécie de encarnação da cólera e dos terrores
que liberavam incessantemente nossos corpos à libertinagem. Logo
encontramos nossa bicicleta e pudemos nos oferecer um a outro o irritante
espetáculo, teoricamente sujo, de um corpo nu e calçado montado sobre
uma máquina; pedalávamos com rapidez sem rir e sem falar, satisfeitos
reciprocamente de nossas mútuas presenças, semelhantes uma à outra, no
isolamento comum do impudor, do cansaço e do absurdo.
Estávamos esgotados literalmente de fadiga; a metade de uma costa,
Simona me deteve me dizendo que tinha calafrios: nossas caras, costas e
pernas jorravam de suor e em vão movíamos as mãos, nos tocando com
furor as distintas parte do corpo, molhadas e ardentes; a pesar da massagem
cada vez mais vigorosa que lhe dava, Simona tiritava dando dente contra
dente. Tirei-lhe uma média para secar seu corpo: tinha um aroma quente
que recordava de uma vez os leitos dos doentes e os leitos da orgia. Pouco
a pouco voltou para seus sentidos e finalmente me ofereceu seus lábios em
sinal de agradecimento.
Pus-me muito inquieto, estávamos ainda a dez quilômetros de X, e devido
ao estado em que nos encontrávamos era evidente que tínhamos que chegar
antes do alvorada. Logo que podia me ter em pé e pensava na dificuldade
de terminar o passeio através do impossível. O tempo transcorrido desde
que tínhamos abandonado o mundo real, composto unicamente de pessoas
vestidas, estava tão longe que parecia fora de nosso alcance; nossa
alucinação particular crescia cada vez mais, logo que limitada pelo global
pesadelo da sociedade humana, com a terra, a atmosfera e o céu.
A cadeira de couro da bicicleta se pegava na bunda nua da Simona, que se
masturbava fatalmente ao pedalar. Além disso, o aro traseiro desaparecia
quase totalmente ante meus olhos, não somente na forquilha a não ser na
fenda do traseiro nu da ciclista: o movimento de rotação da roda poeirenta
podia assimilar-se a minha sede e a essa ereção que terminaria
necessariamente por sepultar-se no abismo da bunda pego à cadeira; o
vento se acalmou um pouco e deixava ver uma parte do céu estrelado;
veio-me a idéia de que a morte era a única saída para minha ereção; mortos
Simona e eu, o universo de nossa prisão pessoal, insuportável para nós,
seria substituído necessariamente pelo das estrelas puras, desligadas de
qualquer relação com o olhar alheio, e adverti com calma, sem a lentidão e
a estupidez humanas, o que pareceria ser o término de meus desenfrenos
sexuais: uma incandescência geométrica (entre outras coisas, o ponto de
coincidência da vida e da morte, do ser e de um nada) e perfeitamente
fulgurante.
Estas representações estavam é obvio vinculadas à contradição de um
estado de esgotamento prolongado e a uma absurda ereção do membro
viril; era muito difícil que Simona pudesse ver minha ereção, devido por
uma parte à escuridão e por outra à elevação rápida de minha perna
esquerda que continuamente a escondia cada vez que pedalava. Parecia-me
entretanto que seus olhos, brilhando na escuridão, dirigiam-se
continuamente, apesar da fadiga, para o ponto de ruptura de meu corpo;
dava-me conta que se masturbava cada vez com maior violência sobre a
cadeira, que apertava estreitamente entre suas nádegas. Como eu,
tampouco ela tinha dominado a borrasca que representava o impudor de
sua bunda e deixava escapar de repente roucos gemidos; o gozo a arrancou
literalmente e seu corpo nu foi projetado sobre um talud, com um ruído
terrível de aço que se arrastou sobre os calhaus, unido a um guincho.
Encontrei-a inerte, com a cabeça queda e um magro fio de sangue correndo
pela comissura do lábio; minha angústia não teve limites; levantei
bruscamente um de seus braços que voltou a cair inerte. Precipitei-me
sobre seu corpo inanimado, tremendo de terror e enquanto a tinha
abraçada, senti a pesar meu que me percorria um espasmo de luz e de
sangue e uma careta vil do lábio inferior que babava me apartava os dentes
como se fosse um idiota senil.
Simona retornava lentamente à vida: quando um dos movimentos
involuntários de seu braço me alcançou, saí bruscamente do marasmo que
me tinha abatido depois de ter ultrajado o que acreditei ser um cadáver;
nenhuma ferida, nenhum moretón marcava o corpo que o liguero e uma só
meia continuava vestindo. Tomei em meus braços, e sem ter em conta a
fadiga, conduzi-a pela estrada, caminhando tão rápido como foi possível
porque o dia começava a nascer; só um esforço sobre-humano me permitiu
chegar à quinta e deitar sem problemas a minha maravilhosa amiga, viva,
sobre seu próprio leito.
O suor ‘urinava’ meu rosto e todo meu corpo, meus olhos estavam
avermelhados e inchados, as orelhas me zumbiam, os dentes me tocavam
castanholas, minhas têmporas e meu coração pulsavam com excesso; mas
tinha salvado à pessoa que mais amava no mundo e pensava que
voltaríamos a ver logo a Marcela; deitei-me como estava, ao lado do corpo
da Simona, talher de pó e suor coagulado, para me entregar breve a
pesadelos imprecisos.

VI-SIMONA
Um dos períodos mais aprazíveis de mim vida teve lugar depois do ligeiro
acidente da Simona; esteve um tempo doente. Cada vez que sua mãe
aparecia, eu entrava em banho. Aproveitava para urinar e até para me
banhar; a primeira vez que essa mulher quis entrar no banheiro foi detida
imediatamente por sua filha. — ‘Não entre ali, disse-lhe, há um homem
desnudo.’ Simona não demorava para correr a sua mãe e eu retomava meu
lugar em uma cadeira ao lado do leito da doente. Fumava, lia os periódicos
e se encontrava entre as notícias histórias de crimes ou histórias sangrentas,
as lia em voz alta. de vez em quando tomava em meus braços a Simona,
que fervia de febre, para que urinasse no banheiro e logo a lavava com
precaução no bidê. Estava muito débil e eu apenas a tocava. Logo começou
a divertir-se me obrigando a atirar ovos no depósito do desculpado, ovos
duros que se afundavam e cascas de ovo quase vazios, para observar
diferentes graus de imersão. Permanecia durante longo tempo sentada
olhando os ovos; logo fazia que a sentasse no assento para podê-los ver sob
sua bunda, entre as pernas abertas, e por fim me fazia correr a água.
Outro jogo consistia em quebrar um ovo fresco no bordo do bidê e esvaziá-
lo baixo ela: às vezes urinava em cima, outras me obrigava a me colocar nu
e a me tragar o ovo cru no fundo do bidê; prometeu-me que quando
estivesse sã faria o mesmo diante de mim e também diante de Marcela.
Ao mesmo tempo imaginávamos deitando um dia a Marcela, com a saia
levantada, mas meio-fio e coberta com sua roupa, em uma banheira enche
até a metade de ovos frescos sobre os que urinaria depois de arrebentá-los.
Simona imaginava também que eu sustentaria a Marcela, esta vez só com o
liguero e as médias, a bunda em alto, as pernas replegadas e a cabeça para
baixo; Simona se vestiria com uma bata de banho empapada em água
quente e portanto pega ao corpo, mas com os peitos ao ar e montada sobre
uma cadeira branca esmaltada com assento de cortiça; eu poderia lhe
excitar os seios lhe tocando os mamilos com o canhão quente de um
comprido revólver de regulamento carregado, recém disparado (o que nos
teria excitado e além lhe tivesse dado ao canhão o acre aroma da pólvora).
Enquanto isso faria cair do alto, para fazê-lo jorrar, um bote de nata fresca,
de brancura resplandecente, sobre o ânus cinza de Marcela; e também ela
se urinaria sobre sua bata, e se se entreabria a bata sobre as costas ou a
cabeça de Marcela, eu também poderia uriná-la do outro lado (havendo já,
certamente, urinado seus seios);
Marcela poderia além disso, se ela queria, me alagar inteiramente, posto
que, sustentada por mim, teria meu pescoço abraçado entre suas coxas.
Poderia também colocar meu pinga em sua boca, etc. depois dessas
encenações, Simona me rogava que a deitasse sobre umas colchas
dispostas perto do privada, e inclinando a cabeça, ao tempo que apoiava
seus braços sobre o bordo da taça, podia olhar fixamente os ovos com os
olhos muito abertos. Eu também instalava a seu lado para que nossas
bochechas e nossas têmporas pudessem tocar-se. Acabávamos nos
acalmando depois de contemplá-los comprido tempo. O ruído de absorção
que se produzia ao atirá-la cadeia divertia a Simona e lhe permitia escapar
de sua obsessão, de tal modo que, a fim de contas, acabávamos nos pondo
de bom humor.
Um dia, justo à hora que o sol oblíquo das seis da tarde esclarecia
diretamente o interior do banho, um ovo meio vazio foi sorvido de repente
pela água e detrás encher-se, fazendo um ruído estranho, foi naufragar
frente a nossos olhos; este incidente teve para a Simona um significado tão
extraordinário que, tendendo-se, gozou durante muito tempo enquanto
bebia, por dizê-lo assim, meu olho esquerdo entre seus lábios; depois, sem
deixar de chupar este olho tão obstinadamente como se fora um seio,
sentou-se, atraindo minha cabeça para ela, com força sobre o assento, e
urinou ruidosamente sobre os ovos que flutuavam com satisfação e vigor
totais.
A partir de então pudemos considerá-la curada, e manifestou sua alegria
me falando comprido e tendido a respeito de diversos temas íntimos,
embora pelo general nunca falava nem dela nem de mim. Confessou-me
sorrindo, que durante o instante anterior tinha tido grandes ganha de
satisfazer-se plenamente; reteve-se para obter um maior prazer: em efeito,
o desejo punha tenso seu ventre e inchava sua bunda como um fruto
amadurecido; além disso, enquanto minha mão debaixo dos lençóis
agarrava sua bunda com força, ela me fez notar que seguia no mesmo
estado e experimentava uma sensação muito agradável; e quando lhe
perguntei o que pensava quando ouvia a palavra urinar me respondeu:
burilar os olhos com uma navalha, algo vermelho, o sol. E o ovo?
Um olho de boi, devido à cor da cabeça (a cabeça do boi), e além porque a
clara do ovo é o branco do olho e a gema de ovo a pupila. A forma do olho
era, segundo ela, também a do ovo.
Pediu-me que quando pudéssemos sair, prometesse-lhe romper ovos no ar
e a pleno sol, a tiros. Respondi-lhe que era impossível, e discutiu muito
tempo comigo para tratar de me convencer com razões.
Jogava alegremente com as palavras, por isso às vezes dizia quebrar um
olho ou arrebentar um ovo dirigindo raciocínios insustentáveis.
Adicionou ainda que, neste sentido, para ela o aroma da bunda era o aroma
da pólvora, um jorro de urina um ‘balaço visto como uma luz’; cada uma
de suas nádegas, um ovo duro descascado. Convimos que nos faríamos
trazer ovos mornos, sem casca e quentes, para o desculpado; prometeu-me
que depois de sentar-se sobre a taça teria um orgasmo completo sobre os
ovos. Com sua bunda sempre entre minhas mãos e no estado de ânimo que
ela confessava, crescia em meu interior uma tormenta; depois da promessa
comecei a refletir com maior profundidade.
É justo adicionar que o quarto de uma doente que não abandona o leito
durante todo o dia, é um lugar adequado para retroceder paulatinamente até
a obscenidade pueril: chupava docemente o seio da Simona esperando os
ovos mornos e ela me acariciava os cabelos.
Foi a mãe a que nos trouxe os ovos, mas eu nem sequer olhei, acreditando
que era uma criada e continuei mamando o seio com felicidade; além disso
já não tinha o menor recato e não queria interromper meu prazer; por isso,
e quando por fim a reconheci pela voz, tive a idéia de me baixar a calça
como se fosse satisfazer uma necessidade, sem ostentação, mas com o
desejo de que se fora e também com o gozo de não ter em conta nenhum
limite. Quando decidiu ir-se refletir em vão sobre o horror que sentia,
começava a obscurecer: acendemos a luz do banho. Simona estava sentada
sobre a taça e ambos comíamos um ovo quente com sal: sobravam três,
com eles acariciei docemente o corpo de minha amada, fazendo-os
escorregar entre suas nádegas e entre suas coxas; logo os deixei cair
lentamente na água, um após o outro; depois, Simona, que tinha observado
comprido momento como se inundavam, brancos e quentes, cortados, quer
dizer nus, afogados assim sob seu bela bunda, continuou a imersão fazendo
um ruído semelhante ao dos ovos mornos quando caíam.
Devo advertir que nada semelhante voltou a ocorrer depois entre nós, com
uma só exceção: jamais voltamos a falar de ovos, mas se por azar víamos
um ou vários ovos, não podíamos nos olhar sem nos ruborizar, com uma
interrogação muda e turva nos olhos.
Ao finalizar este relato se verá que esta interrogação tivesse podido ficar
indefinidamente sem resposta e, sobre tudo, que essa resposta inesperada
era necessária para medir a imensidão do vazio que se aberto para nós, sem
sabê-lo, durante essas curiosas diversões com os ovos.

VII-MARCELA-MARCELA
Por uma espécie de pudor evitávamos sempre falar dos objetos mais
simbólicos de nossa obsessão. Assim, a palavra ovo foi tachada de nosso
vocabulário e nunca falamos do interesse que tínhamos o um pelo outro e
ainda menos do que representava Marcela para nós. Passamos todo o
tempo da enfermidade da Simona em uma antecâmara, esperando o dia em
que pudéssemos retornar com Marcela, com a mesma impaciência que na
escola esperávamos a saída de classes e, entretanto, contentávamo-nos
falando vagamente do dia em que pudéssemos retornar ao castelo.
Preparamos uma corda, uma soga conosco e uma serra de metal que
Simona examinou com o maior interesse, olhando com atenção cada um
dos nós da soga.
Encontrei as bicicletas que tinha escondido sob a maleza o dia da queda e
engordurei contudo cuidado as peças, as almofadinhas, as rodinhas
dentadas, além disso coloquei um calzapiés sobre minha bicicleta para
poder levar a uma das moças detrás de mim. Nada seria mais fácil, ao
menos provisoriamente, que Marcela vivesse como eu, secretamente, na
antecâmara da Simona. Veríamo-nos obrigados a nos deitar os três na
mesma cama (também usaríamos necessariamente a mesma tina, etc.).
Passaram em total seis semanas antes de que Simona pudesse me seguir em
bicicleta até o sanatório. Como a vez anterior, saímos durante a noite: eu
seguia sem me deixar ver durante o dia e tínhamos razões suficientes para
não desejar atrair a atenção. Tinha pressa por chegar ao lugar que,
confusamente, considerava como ‘castelo encantado’, graças à associação
das palavras casa de saúde e castelo, a lembrança do lençol fantasma e a
impressão que produzia uma mansão tão grande e silenciosa durante a
noite, povoada de loucos.
Coisa estranha: parecia-me sobre tudo que ia para mim casa, pois em
nenhuma outra parte me sentia cômodo. Essa foi a impressão que tive
quando saltei a taipa do parque e o grande edifício apareceu diante nosso,
entre árvores muito grandes; só a janela de Marcela estava ainda acesa e
totalmente aberto; com os calhaus de uma avenida golpeamos sua janela e
a moça nos reconheceu imediatamente obedecendo ao sinal que lhe
fizemos colocando um dedo sobre a boca; ensinamo-lhe também a soga
com os nós para que compreendesse o que pensávamos fazer. Lancei-lhe a
corda lastrada com uma pedra, e ela me devolveu isso depois de havê-lo
amarrado detrás de um barrote. Não houve nenhuma dificuldade, pudemos
içar a soga, Marcela-a atou a um barrote e consegui subir até a janela.
Quando a quis abraçar, Marcela retrocedeu. contentou-se me olhando com
atenção infinita enquanto eu limava um dos barrotes; disse-lhe em voz
muito baixa que se vestisse para nos seguir, porque não tinha mais vestido
que uma bata de banho. Deu-me as costas e ficou meias de seda cor carne
sobre as pernas, sujeitou-as a um liguero com fitas de seda carmesim, que
realçavam sua bunda de uma pureza de forma e de uma finura de pele
excepcionais. Segui limando, já talher de suor pelo esforço e pelo que via.
Marcela, sempre de costas, cobriu com uma blusa suas lisas e alargadas
costas, cuja linha reta terminava admiravelmente na bunda quando subia
um pé sobre a cadeira. Não ficou calções, só uma saia de lã cinza vincada e
um suéter a cuadritos negros, brancos e vermelhos. Assim vestida, e meio-
fio com sapatos de salto baixo, retornou à janela e se sentou muito perto de
mim, tanto que podia me acariciar a cabeça, seus formosos cabelos curtos,
totalmente murchos e tão loiros que pareciam mas bem pálidos; via-me
com afeto e parecia comovida pela muda alegria com que eu a olhava.
— Poderemos nos casar, não é certo?, disse-me por fim, amansando-se
pouco a pouco; aqui se está muito mal, sofre-se...
Jamais me houvesse então sequer ocorrido que não dedicaria o resto de
minha vida a essa aparição tão irreal. deixou-se beijar durante comprido
tempo na frente e nos olhos, e uma de suas mãos escorregou por acaso
sobre minha perna e, me olhando com os olhos muito abertos, acariciou-
me antes de retirá-la, por cima do traje, com um gesto ausente.
depois de muito trabalhar, consegui limar o imundo barrote; ao terminar,
apartei-o com todas minhas forças, deixando um espaço suficiente para que
ela pudesse passar. Passou, em efeito, e a fiz descender ajudando-a por
abaixo, o que me obrigava a lhe ver a parte superior da coxa e até tocá-la
para sustentá-la. Quando chegou ao chão, se acurrucó entre meus braços e
me beijou na boca com todas suas forças, enquanto Simona, sentada a
nossos pés, com os olhos úmidos de lágrimas, estreitou-lhe as pernas com
as duas mãos, beijou-lhe as curvas e as coxas, limitando-se primeiro a
esfregar sua bochecha contra ela; mas sem poder conter um grande
sobressalto de gozo terminou lhe abrindo o corpo e colocando seus lábios
nesse bunda que devorou ávidamene.
Advertimos, entretanto, que Marcela não compreendia absolutamente nada
do que lhe acontecia e que era incapaz de diferenciar uma situação de
outra; sorria imaginando a surpresa do diretor do ‘castelo encantado’
quando a visse passear-se no jardim com seu marido.
Apenas se dava conta da existência da Simona, a que às vezes tomava
rendo por um lobo, por causa de seus cabelos negros, de seu mutismo e
também porque de repente encontrou a cabeça de meu amiga colocada
docilmente contra sua coxa, como a de um cão que acabasse de reclinar o
focinho sobre a perna de seu amo. Quando lhe falava do ‘castelo
encantado’, compreendia bem, sem me pedir explicações, que se tratava da
casa onde por maldade a teriam encerrado e, cada vez que pensava nela, o
terror a separava de mim como se tivesse visto acontecer algo entre as
árvores. Eu a olhava com inquietação e como já então tinha o rosto duro e
sombrio, causei-lhe medo; quase imediatamente me pediu que a protegesse
quando retornasse o Cardeal.
Estávamos tendidos à luz da lua, às bordas de um bosque, desejando
descansar um pouco a metade da viagem de volta e, sobre tudo, beijar e
olhar a Marcela.
— Quem é o Cardeal?, perguntou-lhe Simona.
— que me encerrou no armário, disse Marcela.
— Mas por que é um Cardeal?, gritei.
Imediatamente respondeu: porque é o padre da guilhotina.
Recordei então o medo terrível que lhe causei a Marcela quando saiu do
armário e, em particular, duas coisas atrozes: levava sobre a cabeça um
gorro frigio, acessório de combinação de um vermelho enceguecedor; além
disso, devido aos atalhos que me fez uma jovem a que tinha violado, meu
rosto, minhas roupas e minhas mãos estavam totalmente manchadas de
sangue.
O Cardeal, padre da guilhotina, confundia-se no terror de Marcela, com o
verdugo manchado de sangue e meio doido com o boné frigio: uma
estranha coincidência de piedade e repugnância pelos sacerdotes explicava
esta confusão que para mim permanece vinculada a minha dureza real e ao
horror que sempre me inspira a necessidade de minhas ações.

VIII-OS OLHOS ABERTOS DA MORTA


Fiquei de repente desamparado ante esse descobrimento inesperado.
Simona também. Marcela-se adormecia pela metade entre meus braços;
não sabíamos o que fazer. Tinha o vestido levantado e podíamos ver seu
pelame cinza entre os fitas de seda vermelhos, ao final de suas largas
coxas, a maneira de extraordinária alucinação em um mundo tão frágil que
parecia que de um sopro podia nos converter em luz. Não nos atrevíamos a
nos mover e só desejávamos que essa imobilidade irreal durasse o maior
tempo possível e que Marcela dormisse completamente.
Senti-me percorrido por um deslumbramento que me esgotava e não sei
como tivesse terminado tudo se, de repente, Simona não se moveu
brandamente; seu olhar turvo se detinha alternativamente sobre meus olhos
ou sobre a nudez de Marcela: abriu as coxas dizendo em voz exausta que
não podia conter-se mais.
Alagou sua roupa com uma grande convulsão que acabou de despi-la e fez
brotar um jorro de sêmen entre minha calça.
Estendi-me sobre a erva, com o crânio apoiado em uma grande pedra
plaina e os olhos abertos à Via Láctea, estranha brecha de esperma astral e
de urina celeste, que atravessava a abóbada craneana formada pelo círculo
das constelações; esta rachadura aberta no topo do céu e composta
aparentemente de vapores de amônia, brilhantes por causa da imensidão,
no espaço vazio, rasgava-se absurdamente como um canto de galo no meio
do silêncio total; era um ovo, um olho arrebentado ou meu próprio crânio
deslumbrado e pesadamente pego à pedra projetando para o infinito
imagens simétricas. O repugnante grito do galo coincidia em particular
com minha própria vida: quer dizer, agora com o Cardeal, devido à
rachadura, à cor vermelha, aos gritos inarmónicos que tinham sido
provocados no armário e também porque aos galos se os degüella.
A muitos o universo parece honrado; as gente honestas têm os olhos
castrados. Por isso temem a obscenidade. Não sentem nenhuma angústia
quando ouvem o grito do galo nem quando se passeiam sob um céu
estrelado. Quando se entregam ‘aos prazeres da carne’, fazem-no a
condição de que sejam insípidos.
Mas já após não me cabia a menor duvida: não amava o que se chama ‘os
prazeres da carne’ porque em geral som sempre insípidos; só amava aquilo
que se qualifica de ‘sujo’. Não me satisfazia tampouco a libertinagem
habitual, porque suja só o desenfreio e deixa intacto, de uma maneira ou
outra, algo muito elevado e perfeitamente puro. A libertinagem que eu
conheço mancha não só meu corpo e meu pensamento, a não ser tudo o que
é possível conceber, quer dizer, o grande universo estrelado que joga
apenas o papel de cenário.
Associo a lua ao sangue da vagina das mães, das irmãs, às menstruações de
repugnante aroma...
Amei a Marcela sem chorar por ela. Se morreu, morreu por minha culpa.
Apesar de que tive pesadelos e apesar de que cheguei a me encerrar
durante horas em uma cova, precisamente porque penso em Marcela,
estaria sempre disposto a recomeçar, por exemplo, a inundá-la de barriga
para baixo na taça de um desculpado, lhe molhando os cabelos. Mas
morreu e me vejo reduzido a certos feitos catastróficos que me aproximam
dela no momento em que menos o espero. Se não fora por isso, seria-me
impossível perceber a mais mínima relação entre a morta e eu, o que me
produz durante a maior parte de meus dias um aborrecimento inevitável.
Limitarei-me a consignar aqui que Marcela-se pendurou depois de um
acidente fatal. Reconheceu o grande armário normando e lhe tocaram
castanholas os dentes: imediatamente compreendeu ao me olhar que o
homem a quem chamava o Cardeal era eu, e como ficou a dar alaridos, não
houve outra maneira de sossegá-los que sair do quarto.
Quando Simona e eu retornamos, enforcou-se no armário...
Cortei a corda, mas ela estava morta. Instalamo-la sobre o tapete, Simona
viu que tinha uma ereção e começou a me masturbar.
Estendi-me também sobre o tapete, mas era impossível não fazê-lo.
Simona era ainda virgem e lhe fiz o amor por primeira vez, perto do
cadáver. Fez-nos muito mal, mas estávamos contentes, justo porque nos
fazia danifico. Simona se levantou e olhou o cadáver. Marcela-se havia
tornado totalmente uma estranha, e nesse momento Simona também. Já
não amava a nenhuma das duas, nem a Simona nem a Marcela, e se me
houvessem dito que era eu o que acabava de morrer, não me tivesse sentido
saudades, tão longínquos me pareciam esses acontecimentos. Olhei a
Simona e lembrança que o único que me causou prazer foi que começasse
a fazer porcarias; o cadáver a irritava terrivelmente, como se fosse
insuportável constatar que esse ser parecido a ela já não a sentisse;
irritavam-na sobre tudo os olhos. Era extraordinário que não se fechassem
quando Simona alagava seu rosto. Os três estávamos perfeitamente
tranqüilos e isso era o mais desesperador. Tudo o que significa
aborrecimento se liga para mim a essa ocasião, e sobre tudo a esse
obstáculo tão ridículo que é a morte. E entretanto, isso não impede que
pense nela sem me rebelar e até com um sentimento de cumplicidade. No
fundo, a ausência de exaltação o voltava todo muito mais absurdo e assim,
Marcela, morta, estava mais perto de mim que viva, na medida em que,
imagino, o absurdo tem todos os direitos.
Que Simona se atreveu a urinar sobre o cadáver por aborrecimento ou, em
rigor, por irritação, prova até que ponto nos era impossível compreender o
que acontecia, embora em realidade tampouco agora é mais compreensível
que então. Simona era incapaz de conceber a morte cotidiana, que se olhe
por costume; estava angustiada e furiosa, mas não lhe tinha nenhum
respeito. nos Marcela pertencia de tal modo em nosso isolamento que não
podíamos ver nela uma morta como as demais. Nada daquilo podia
reduzir-se à rasoura comum, e os impulsos contraditórios que nos
governavam aquele dia se neutralizaram nos cegando e, por dizê-lo de
algum modo, colocaram-nos muito longe do tangível, em um mundo onde
os gestos não têm já nenhum peso, como vozes em um espaço que
carecesse totalmente de som.

lhes-animales anime OBSCENOS


Para evitar as moléstias de uma investigação policíaca, fomos
imediatamente a Espanha, aonde Simona podia contar com o auxílio de um
riquíssimo inglês que já lhe tinha proposto mantê-la e que, sem lugar a
dúvidas, era a pessoa mais capaz de interessar-se em nosso caso.
Abandonamos a quinta a metade da noite. Não foi difícil roubar uma barco,
chegar a um ponto afastado da costa espanhola, queimá-la ali totalmente,
mediante duas latas de gasolina que tínhamos tido a precaução de tirar da
garagem da quinta. Durante o dia Simona me deixou escondido em um
bosque para encontrar-se com o inglês em São Sebastián. Retornou ao cair
a noite, conduzindo um magnífico carro onde havia valises cheias de roupa
e de vestidos luxuosos.
Simona me disse que Sir Edmond nos encontraria em Madrid; todo o dia
lhe tinha feito as mais minuciosas perguntas sobre a morte de Marcela,
obrigando-a inclusive a que desenhasse planos e um esboço.
Acabou enviando a um criado a que comprasse um manequim de cera com
peruca loira e lhe tinha pedido a Simona que urinasse sobre a figura do
manequim atirado no chão, sobre os olhos abertos, na mesma posição em
que ela tinha mijado sobre os olhos do cadáver: Durante todo esse tempo
Sir Edmond não havia meio doido sequer à moça.
Depois do suicídio de Marcela, Simona tinha trocado muito; olhava ao
vazio e se acreditou que pertencia a outro mundo distinto do terrestre, onde
todo lhe aborrecia; só tinha apego à vida durante os orgasmos, muito
menos freqüentes, mas incomparablemente mais violentos que antes. Eram
tão distintos dos gozos correntes como podia ser a risada dos selvagens
frente à dos ocidentais.
Os selvagens riem tão moderadamente como os brancos, mas revistam ter
acessos de risada durante os quais todo seu corpo se libera com violência,
fazendo-os dar voltas, agitar no ar os braços, sacudir o ventre, o pescoço e
o peito, cacarejando com um ruído terrível.
Simona começava por abrir os olhos, com insegurança, ante alguma cena
obscena e triste...
Um dia, Sir Edmond fez arrojar e encerrar em um chiqueiro muito estreito
e sem janelas, a uma pequena e deliciosa puta de Madrid, que caiu em
camisola curta em um charco de esterco líquido sob as porcas que
grunhiam. Uma vez fechada a porta, Simona fez que eu a penetrasse
comprido momento, com a bunda no lodo, frente à porta, quando garoava,
enquanto Sir Edmond se masturbava.
Me escapou soluçando, agarrou-se a bunda com ambos os mãos, golpeando
com a cabeça contra o chão, de barriga para cima; esteve assim uns
segundos sem respirar, e com as mãos se abria com força o sexo,
encaixando-as unhas; rasgou-se de repente e se desencadeou por terra
como um ave degolada, hiriéndose com um ruído terrível contra os
ferragens da porta. Sir Edmond lhe ofereceu sua boneca para que a
mordesse e poder acalmar o espasmo que seguia sacudindo-a; tinha o rosto
manchado de saliva e de sangue; depois desses acessos vinha a colocar-se
entre meus braços; punha sua bunda em minhas grandes mãos abertas e
permanecia comprido momento sem mover-se, sem falar, acurrucada como
uma menina, mas sempre áspera.
Frente a essas peças obscenas que Sir Edmond se engenhava em nos
procurar, Simona preferia as corridas de touros. Três momentos lhe
cativavam nas corridas: primeiro, quando o animal sai do toril como
bólido, semelhante a um enorme rato; segundo, quando seus chifres se
afundam até o crânio no lombo de uma égua; terceiro, quando a absurda
égua desventrada galopa através do arena escoiceando a contratempo, para
esparramar entre as patas um pacote de vísceras de imundas cores pálidas
branca, rosa e cinza nacarado.
Muito especialmente se comovia quando a bexiga arrebentada soltava de
repente, sobre a areia, um atoleiro de urina de égua.
Durante toda a corrida permanecia angustiada, e seu terror revelava no
fundo um irrefreável desejo de ver o toureiro projetado no ar por uma das
monstruosas cornadas que o touro lança a toda carreira, cegamente, ao
vazio da capa de cor. Terá que dizer, além disso, que sem deter-se,
incansável, o touro passa uma e outra vez através da capa a um palmo da
linha ereta do corpo, provocando a sensação de lançamento total e repetido,
característica do coito. A extrema proximidade da morte se sente do mesmo
modo em ambos os casos.
Esses passes prodigiosos são estranhos e desencadeiam um verdadeiro
delírio nos arenas; é bem sabido que nesses patéticos momentos da corrida,
as mulheres se masturbam com a simples esfregação das coxas.
Falando de corridas, Sir Edmond contou um dia a Simona que até fazia
muito pouco era costume dos espanhóis viris — pelo geral toureiros
aficionados se se apresentava a ocasião — lhe pedir ao zelador do lugar os
testículo assados do primeiro touro. Os faziam levar a seu assento, na
primeira fila, e os comiam enquanto contemplavam morrer aos seguintes
touros. Simona se interessou enormemente no relato e, como ao domingo
seguinte íamos assistir à primeira grande corrida da temporada, pediu ao
Sir Edmond os testículo do primeiro touro, lhe exigindo que estivessem
crudos.
— Mas, vejamos, objetou Sir Edmond, para que os quer crudos? Os vai
comer assim?
— Quero-os ter diante de mim em um prato, respondeu com determinação
Simona.

X-O OLHO DE CELEIRO


Em 7 de maio de 1922, toureavam na praça de Madrid, A Rosa, Lalanda e
Celeiro; na Espanha, os dois últimos eram considerados como os melhores
matadores, e Celeiro como superior a Lalanda. Acabava de fazer vinte anos
e era já muito popular: belo, grande e de uma babeira ainda infantil.
Simona se tinha interessado vivamente por ele, e excepcionalmente
manifestou um verdadeiro prazer quando Sir Edmond anunciou que o
célebre matador tinha aceito jantar conosco depois da corrida.
Celeiro se diferenciava dos outros matadores em que não tinha aspecto de
açougueiro, mas sim de príncipe encantador, muito viril e de perfeita
esbeltez. Neste sentido, o traje do toureiro destaca a linha reta, erguida e
rígida como um jorro cada vez que o touro arremete junto ao corpo e
porque, além disso, modelo exatamente a bunda. A parte de gênero aceso, a
espada cintilante o touro que agoniza, cuja pelagem fumega a causa do
suor e do sangue, produzem a metamorfose ao liberar o aspecto mais
fascinante do jogo. Terá que acrescentar o tórrido céu, particular da
Espanha, que não é absolutamente colorido e duro como se imagina:
apenas perfeitamente solar, com uma luminosidade brilhante, branda,
quente e turva, às vezes irreal, à força de sugerir a liberdade dos sentidos
devido à intensidade da luz unida ao calor. Essa irrealidade extrema do
brilho solar se liga indisolutamente ao ocorrido em sete de maio. Os únicos
objetos que conservei em minha vida são um leque de papel redondo, meio
amarelo e médio azul, que Simona levava esse dia, e um pequeno folheto
ilustrado que relata os acontecimentos com algumas fotografa. Em um
embarque que fiz anos depois, a pequena valise que continha essas
lembranças caiu ao mar, de onde a tirou um árabe com uma vara, por isso
estão em mal estado, mas os necessito para poder vincular a um lugar
geográfico, a uma data precisa, aquilo que em minha imaginação é só uma
simples alucinação causada pela delicuescencia solar.
O primeiro touro, cujos testículo crudos esperava Simona, era uma espécie
de monstro negro cuja saída do toril foi tão fulminante que apesar dos
esforços e dos gritos estripou três cavalos antes de que ninguém pudesse
pôr ordem na luta. Uma das vezes, cavalo e cavalheiro foram levantados o
ar e caíram detrás dos chifres com estrépito. Quando Celeiro se aproximou
do touro, começou o combate com brio, entre um delírio de aclamações. O
jovem envolvia à besta furiosa com sua capa; cada vez que o touro se
lançava contra seu corpo, elevava-se em uma espécie de espiral para evitar
de perto um horrível choque. Por fim, matou ao monstro solar com
limpeza: a besta cegada pelo vermelho gênero, com a espada afundada
profundamente no corpo já ensangüentado; uma ovação delirante se
produziu quando o touro, com estupidez de bêbado, ajoelhou-se, caindo
com as patas ao ar ao tempo que expirava.
Simona, que tinha estado sentada junto ao Sir Edmond e eu, contemplou a
matança com uma exaltação pelo menos igual à minha e não quis voltar-se
para sentar quando terminou a delirante ovação. Tirou-me da mão sem
dizer uma palavra e me levou a um pátio exterior, à arena que emprestava a
urina de cavalo e de homem, devido ao terrível calor.
Tomei a Simona pela bunda, ela agarrando meu pau ereta debaixo da calça.
Entramos nos latrinas fedidos, onde moscas sórdidas revoavam em torno
de um raio de sol; ali, de pé, despindo a bunda da jovem, coloquei primeiro
meus dedos e logo o membro viril em sua carne lesma e cor de sangue;
entrei nessa caverna sanguinolenta enquanto lhe manuseava a bunda,
penetrando-lhe com meu ósseo dedo médio. A fúria de nossas bocas se
uniu em uma tempestade de saliva.
O orgasmo do touro não é superior ao que, nos quebrando os rins, rasgou-
nos: meu grosso membro não retrocedeu nem um palmo fora dessa vulva,
enche até o fundo, saturada de sêmen, A força dos batimentos do coração
do coração não se acalmou em nossos peitos, desejosos de nos despir e nos
tocar com as mãos molhadas e enfebrecidas;
Simona, com a bunda tão ávido como antes e eu, com o pau
obstinadamente ereta, retornamos juntos à primeira fila. Quando chegamos
a nosso lugar, perto do Sir Edmond, a pleno sol e no sítio de meu amiga,
encontramos um prato branco com os testículo cortados; aquelas glândulas
de grossura e forma de um ovo e de brancura nacarada, rosada apenas,
eram idênticos ao globo ocular: acabavam de tirar-lhe ao primeiro touro, de
pelagem negra e em cujo corpo Celeiro tinha fundo a espada.
— São os testículo crudos, comentou Sir Edmond com ligeiro acento
inglês.
Simona se tinha ajoelhado frente ao prato e o olhava com interesse mas
com uma confusão sem precedentes. Parecia saber o que queria mas não
como fazê-lo e isso a exasperava; tomei o prato para que se sentasse, mas
ela me tirou isso bruscamente dizendo ‘não’ com um tom categórico para
voltá-lo para colocar no degrau.
Sir Edmond e eu começamos a nos preocupar porque chamávamos a
atenção de nossos vizinhos, justo no momento em que a corrida adoecia.
Perguntei-lhe para ouvido o que lhe passava.
— Idiota!, respondeu-me, não te dá conta que quero me sentar no prato e
que todos me olham?
— Mas é impossível, repliquei-lhe Sente-se!
Retirei o prato e a obriguei a sentar-se ao tempo que a olhava para que
compreendesse que eu recordava o prato de leite e que seu desejo renovado
me turvava. A partir desse momento não pudemos nos estar quietos e nosso
mal-estar chegou a tal ponto que contagiamos ao Sir Edmond. A corrida
ficava aborrecida; touros frouxos eram lutados por matadores que não
sabiam seu ofício e, sobre tudo, Simona tinha pedido assentos de sol:
estávamos envoltos em uma neblina de luz e de calor pegajoso que nos
ressecava a garganta e nos oprimia.
Simona não podia elevar o vestido e sentar seu traseiro nu no prato dos
testículo crudos. Devia limitar-se a conservar o prato sobre os joelhos.
Disse-lhe que queria lhe fazer o amor antes que retornasse Celeiro, até o
quarto touro, mas se negou e permaneceu vivamente interessada: os
destripamientos dos cavalos, seguidos como ela dizia de ‘perda e
estrépito’, quer dizer, de uma catarata de tripas, embriagavam-na.
Os raios do sol nos sumiam pouco a pouco em uma irrealidade acorde com
nosso desgosto, quer dizer, a nosso impotente desejo de estalar e nos
despir. Gesticulávamos pelo sol, a sede e a exasperação dos sentidos,
incapazes de nos tranqüilizar. Tínhamos alcançado os três essa
delicuescencia morosa em que já não existe nenhuma concordância entre
as diversas contrações do corpo.
Nem a aparição de Celeiro conseguiu nos tirar deste marasmo
embrutecedor.
O touro era desconfiado e parecia pouco valente: a corrida continuava sem
nenhum interesse.
O que aconteceu depois se produziu sem transição e quase sem hilazón
aparente, não porque as coisas não estivessem ligadas mas sim porque
minha atenção ausente permaneceu totalmente dissociada. Em poucos
momentos vi primeiro a Simona mordendo, para meu espanto, um dos
testículo crudos, logo, a Celeiro avançar até o touro com um pano
escarlate, e, mais ou menos ao mesmo tempo, a Simona, acalorada com um
impudor sufocante, descobrir suas largas coxas brancas até sua vulva
úmida em que fez entrar, lenta e certamente o outro globo pálido; a
Celeiro, derrubado, acossado contra a barreira, em que os chifres o tocaram
três vezes a voleo: uma cornada atravessou o olho direito e toda a cabeça.
O grito de terror imenso coincidiu com o orgasmo breve da Simona que,
levantando do assento foi lançada contra o ladrilho, de barriga para cima,
sangrando pelo nariz e sob um sol que a cegava. Vários homens se
precipitaram para transportar o cadáver de Celeiro, cujo olho direito
pendurava fora de sua órbita.

XI-BAIXO O SOL DE SEVILHA


Bruscamente animados por um movimento de uma vez simultâneo e
contrário se uniram dois globos de consistência e grossura semelhantes:
um, o testículo branco do touro, tinha entrado na bunda ‘rosa e negro’ da
Simona, despido ante a multidão; o outro, o olho humano, tinha saltado
fora do rosto de Celeiro com a mesma força que sai do ventre o vulto das
vísceras. Esta coincidência, ligada à morte e a uma espécie de liquefação
urinária do céu, aproximou-nos por primeira vez a Marcela,
desgraçadamente por um momento muito curto e quase inconsistente, mas
com um brilho tão turvo que me adiantei com passo sonâmbulo como se
fosse tocar a à altura dos olhos.
Ao cabo de um momento todo voltou para seu aspecto habitual,
interrompido, depois da morte de Celeiro, por obsessões encegadoras.
Simona estava de tão mau humor que disse ao Sir Edmond que não ficaria
nem um dia mais em Madrid; interessava-lhe muito Sevilha, por causa de
sua reputação de cidade de prazeres.
Sir Edmond, que se embriagava de prazer satisfazendo os caprichos do ‘ser
mais angélico e simples que tenha existido na terra’, acompanhou a Sevilha
ao dia seguinte. Ali tivemos uma luz e um calor ainda mais delicuescentes
que em Madrid; além disso, uma excessiva abundância de flores nas ruas,
gerânios e adelfas, que acabavam de enervar os sentidos.
Simona se passeava nua sob um vestido branco, tão ligeiro que podia
adivinhar-se seu liguero vermelho sob o tecido e até, em determinadas
posições, seu pelame. Terá que adicionar também que nesta cidade todo
contribuía a dar brilho a sua sensualidade, ao grau que quando passávamos
pelas tórridas ruas, via freqüentemente como as paus esticavam as calças.
Em realidade não deixávamos de fazer o amor. Evitávamos o orgasmo e
visitávamos a cidade, única forma de não ter meu membro submerso
interminavelmente dentro de seu ‘estojo’. Somente aproveitávamos as
ocasiões propícias durante os passeios. Deixávamos um lugar propício com
o único objetivo de procurar outro. Uma sala vazia de museu, uma escada,
uma avenida de jardim rodeada de altos arbustos, uma igreja aberta — na
noite, nas ruas desertas — . Caminhavam até não encontrar algo
semelhante e logo que víamos o lugar, eu abria o corpo da jovem, lhe
levantando uma perna e de um só golpe fazia entrar como dardo meu pau
até o fundo de sua bunda. Uns momentos depois tirava, tudo fumegante,
meu membro de seu ‘estábulo’ e reiniciávamos o passeio. Pelo general, Sir
Edmond nos seguia de perto com o propósito de nos surpreender: ficava
cor de púrpura, mas nunca se aproximava. Se se masturbava o fazia
discretamente, não por reserva, é verdade, mas sim porque todo o fazia
isolado, de pé e em uma rigidez quase absoluta, e contraindo terrivelmente
os músculos.
— Isto é muito interessante, disse-nos um dia, nos mostrando uma igreja.
É a igreja de Dom Juan.
— E o que?, respondeu Simona.
— Você fique aqui, comigo, respondeu Sir Edmond dirigindo-se primeiro
a mim; você, Simona, deveria entrar na igreja sozinha.
— por que?
Fora ou não compreensível, a curiosidade a fez entrar e nós a esperamos na
rua.
Cinco minutos depois, Simona reapareceu na soleira da igreja.
Ficamos como estúpidos: não só morria de risada, mas também não podia
nem pensar, nem deixar de rir, tanto, que metade por contágio e metade
pela violência da luz, eu comecei a rir como ela e, até certo ponto, Sir
Edmond.
— Bloody girl, disse este último. Não pode você nos explicar por que ri?
Estávamos justo sobre a tumba de Dom Juan.
E rendo com todas suas vontades, mostrou-nos, sob nossos pés, uma
grande placa funerária de cobre. Era a tumba do fundador da igreja, de
quem se diz que era o próprio Dom Juan: arrependido, feito-se enterrar
junto à soleira para ser pisado por quão fiéis entram ou saem da igreja.
Logo a crise de risada redobrou: à força de rir, Simona tinha urinado
ligeiramente e um pequeno fio de urina tinha percorrido suas pernas e
cansado sobre a placa de cobre.
Constatamos outro efeito deste acidente: o ligeiro tecido do vestido se
molhou e aderido ao corpo totalmente transparente, deixando ver o
formoso ventre e as coxas da Simona de maneira particularmente
impudica; negro entre os fitas de seda vermelhos do liguero.
— Entremos na igreja, disse Simona com um pouco mais de calma. Já se
secará.
Entramos de repente em uma grande sala onde Sir Edmond e eu
procuramos em vão o cômico espetáculo que a moça não tinha podido
explicar.
A sala era relativamente fresca e estava iluminada por umas janelas
cobertas de cortinas de cretone vermelho vivo e transparente. O teto era de
madeira artesonada e lavrada, os muros caiados mas ornados de diferentes
objetos sacros mais ou menos dourados. O fundo estava ocupado, do piso
ao teto, por um altar e por um gigantesco arremate de altar de estilo
barroco em madeira dourada. À força de ornamentos retorcidos e
complicados, este altar, que evocava à a Índia, com seus sombreados
profundos e seus resplendores de ouro, pareceu-me misterioso e destinado
para o amor. À direita e esquerda da porta estavam pendurados dois
célebres quadros do Valdés Leal que representavam cadáveres em
decomposição: coisa notável, na órbita ocular de um deles se via entrar um
rato. Mas nada no conjunto parecia cômico.
Ao contrário era suntuoso e sensual: o jogo de sombras e a luz das cortinas
vermelhas, a frescura e um forte aroma especiado das adelfas em flor, junto
ao vestido pego ao pelame da Simona, tudo me excitava a despir a bunda
da Simona sobre os ladrilhos, quando, perto de um confessionário,
descobri os pés calçados de seda negra de uma penitente.
— Quero vê-los sair, disse Simona.
sentou-se perto de mim, não longe do confessionário, e me tive que
contentar lhe acariciando o pescoço, a nuca e as costas com meu pau.
excitou-se tanto que me disse que se não me guardava o membro na calça,
masturbaria-me até fazê-lo descarregar.
Tive que me sentar e me contentar olhando a nudez da Simona através do
tecido molhado, e em ocasiões ao natural porque secava suas coxas
molhadas, levantando o vestido.
— Já verá, disse-me.
Esperei pacientemente o final do enigma. Depois de uma larga espera, uma
mulher moréia, muito bela e jovem, saiu do confessionário com as mãos
unidas e com o rosto pálido e enlevado: com a cabeça arremesso para trás e
os olhos em branco, atravessou a sala com passos lentos, como espectro de
ópera. Era tão inesperado que tive que apertar as pernas com violência para
não rir; a porta do confessionário se abriu e então apareceu um novo
personagem, um sacerdote loiro, muito jovem, muito belo, com um
comprido rosto enxuto e os pálidos olhos de um santo; mantinha os braços
cruzados sobre o peito e permanecia de pé junto à soleira do armário, com
o olhar elevado ao teto como se uma aparição celeste pudesse fazê-lo
levitar.
O sacerdote avançou como a jovem e tivesse desaparecido também sem
dizer nada se Simona, para minha grande surpresa, não o tivesse detido
bruscamente. Uma idéia incrível lhe tinha ocorrido: saudou o visionário e
lhe pediu confissão.
O sacerdote, imerso em um êxtase, assinalou apenas o confessionário com
ar distante, entrou no armário e fechou a porta docemente, depois dele, sem
dizer uma palavra.

XII-A CONFISSÃO DO SIMONA E A MISSA DO SIR EDMOND


Não é difícil imaginar meu estupor quando vi que Simona se instalava,
ajoelhando-se, na guarida do lúgubre confessor. Enquanto ela se
confessava, eu esperava com interesse extraordinário o que resultaria de
um gesto tão imprevisto. Supus que o sórdido personagem se precipitaria
de sua caixa para flagelar à ímpia. Dispu-me a atirar e golpear ao horrível
fantasma, mas não aconteceu nada: o confessionário permaneceu fechado e
Simona não cessava de falar frente à janela gradeada.
Comecei a trocar olhadas interrogantes com o Sir Edmond, mas as coisas
começaram a esclarecer-se pouco a pouco. Simona começou a tocá-los
coxas, a mover as pernas; mantinha um joelho sobre o genuflexório,
avançava um pé diante, enquanto continuava em voz baixa sua confissão.
Pareceu-me que se masturbava.
Aproximei-me brandamente a seu lado para descobrir o que acontecia; em
efeito, Simona se estava masturbando com o rosto pego à grade, perto da
cabeça do sacerdote, com os membros tensos, as coxas separadas, os dedos
colocados dentro da vagina; podia tocá-la e lhe agarrei a bunda um
instante. Então ouvi que dizia claramente:
— Pai, ainda não lhe hei dito o mais grave.
Seguiu um momento de silêncio.
— O mais grave, pai, é que me estou masturbando enquanto me confesso.
Novos murmúrios no interior, e por fim e em voz alta:
— Se não o crie, mostro-lhe isso.
levantou-se, abriu uma coxa frente ao olho da guarita, masturbando-se com
mão rápida e segura.
— Então, padre, gritou Simona, golpeando com força o confessionário, o
que faz no barraco?, também te masturba?
Mas do confessionário não saiu nenhum ruído.
— Abro então?
E Simona abriu a porta.
No interior, o visionário de pé, com a cabeça baixa e secando uma frente
perlada, repugnantemente perlada de suor. A jovem pinçou por debaixo da
batina, o padre não se moveu. Levantou a imunda saia negra e tirou a largo
pau rosada e dura: o padre só jogou a cabeça para trás com um gesto e um
assobio. Não impediu que Simona se metesse essa bestialidade na boca e a
mamasse com furor.
Sir Edmond e eu, estupefatos, permanecemos imóveis. A admiração me
cravava em meu sítio; não soube o que fazer mas sim até que o enigmático
inglês se adiantou com resolução ao confessionário e com delicadeza,
apartou a Simona dali; tomou à larva da mão e a tirou de seu buraco
estendendo-a brutalmente sobre os ladrilhos, a nossos pés: o imundo
sacerdote jazia como cadáver, com os dentes contra o chão, sem gritar.
Levamo-lo nas costas até a sacristia.
Permanecia desbraguetado, com a pinga pendurando, o rosto lívido e talher
de suor, sem resistir, e respirando com trabalho: instalamo-lo em uma
grande poltrona de madeira de formas arquitetônicas.
— Senhores, balbuciava lacrimoso o miserável, não sou um hipócrita.
— Não, respondeu Sir Edmond, com um tom categórico.
Simona lhe perguntou:
— Como te chama?
— Dom Aminado, respondeu o padre.
Simona esbofeteou à carniça sacerdotal, fazendo-a cambalear. Logo a
despojou totalmente de suas vestimentas, sobre as que Simona, acuclillada,
urinou como cadela. Logo o masturbou e a mamou, enquanto que eu
urinava sobre seu nariz. Ao chegar ao cúmulo da excitação, a sangue frio
enculé a Simona que mamava com furor.
Sir Edmond contemplava a cena com sua característica expressão de hard
labour (sic); inspecionou com cuidado a habitação onde nos tínhamos
refugiado. Descobriu uma llavecita pendurada de um prego.
— De onde é esta chave?, perguntou a Dom Aminado.
Pela expressão de terror que contraiu o rosto do sacerdote, Sir Edmond
reconheceu a chave do Tabernáculo.
Ao cabo de um instante retornou, trazendo um cálice sagrado de ouro, de
estilo recarregado, com muitos angelotes nus como cupidos. O infeliz
sacerdote olhava fixamente o receptáculo das hóstias consagradas no chão
e seu formoso rosto de idiota, alterado pelas dentadas e os lengüetazos com
que Simona flagelava seu pau, pôs-se a ofegar.
Sir Edmond tinha trancado a porta; procurando nos armários acabou por
encontrar um grande cálice. Pediu-nos que lhe deixássemos por um
momento ao miserável.
— Olhe, disse-lhe Simona, as hóstias estão no cálice sagrado e no cálice
se torna vinho branco.
— Cheira a sêmen, disse ela, olisqueando as hóstias.
— Assim é, assentiu Sir Edmond, como vê, as hóstias não são outra coisa
que a esperma de Cristo sob a forma de biscoitinhos brancos. Quanto ao
vinho que fica no cálice, os eclesiásticos dizem que é o sangue de Cristo,
mas é evidente que se equivocam. Se de verdade fora o sangue, beberiam
vinho tinjo, mas como só bebem vinho branco, demonstram que no fundo
de seu coração sabem bem que é urina.
A lucidez desta demonstração era convincente: Simona, sem mais
explicações, agarrou o cálice e eu o cálice sagrado, e dirigimos a Dom
Aminado que, inerte, em sua poltrona, agitava-se apenas por um ligeiro
tremor que lhe percorria o corpo.
Simona lhe atirou um grande golpe no crânio com a base do cálice,
sacudindo-o e acabando de atordoá-lo. Logo voltou a mamar-lhe o que lhe
produziu sinistros estertores. Havendo-o levado a cúmulo da excitação dos
sentidos, moveu-o fortemente, ajudada por nós, e disse com um tom que
não admitia réplica:
— Agora, a mijar!
Voltou a golpeá-lo com o cálice no rosto; ao tempo que se despia diante
dele e eu a masturbava.
O olhar do Sir Edmond, fixa com dureza nos olhos imbecilizados do jovem
sacerdote, produziu o resultado esperado; Dom Aminado encheu
ruidosamente com sua urina o cálice que Simona sustentava sob sua grosa
pau.
— E agora, bebe!, exigiu Sir Edmond.
O miserável bebeu com êxtase imundo um só gole guloso.

XIII-AS PATAS DE MOSCA


Deixamos cair a carniça: abateu-se com ruído sobre o piso. Sir Edmond,
Simona e eu estávamos animados pela mesma determinação tomada a
sangue frio, unida a uma exaltação e ligeireza de espírito incríveis. O
sacerdote tinha descarregado e jazia, apertando os dentes, contra o piso,
raivoso e envergonhado: com os testículo vazios sua abominável situação
era ainda mais terrível.
Dizia gemendo: Miseráveis sacrílegos!, e outras queixa incompreensíveis.
Sir Edmond o sacudiu com o pé; o monstro se sobressaltou e recuou,
ruborizando-se de raiva, de maneira tão ridícula que começamos a rir.
— te levante, ordenou Sir Edmond, vais agarrar te a esta girl.
— Miseráveis, ameaçava Dom Aminado com voz estrangulada, a justiça
espanhola... o cárcere, o pau.. .
Mas esquece que é seu sêmen, observou Sir Edmond.
Uma careta feroz, um estremecimento de besta encurralada foi a resposta...
depois. O pau também para mim... Mas primeiro para vocês três...
— Pobre idiota, repetiu com ironia Sir Edmond: Primeiro! Crie que vou
deixar te esperar tanto tempo? Primeiro!
O imbecil olhou ao Sir Edmond com estupor: uma expressão inculta se
desenhou em seu formoso rosto. Um gozo absurdo lhe abriu a boca, cruzou
os braços sobre seu peito e nos olhou com expressão enlevada: ...o mártir.
Um estranho desejo de purificação o visitava e seus olhos estavam como
iluminados.
— Antes te vou contar uma história, disse-lhe então com calma Sir
Edmond. É sabido que os duros e os enforcados têm uma ereção tão grande
que quando lhes cortam o ar ejaculam. Terá o prazer do martírio enquanto
lhe faz o amor à moça.
E como o sacerdote, aterrorizado de novo, levantasse-se para defender-se,
o inglês o arrojou brutalmente sobre o chão, lhe torcendo um braço.
Em seguida, Sir Edmond passou sobre o corpo de sua vítima, amarrou-lhe
os braços detrás das costas, enquanto que eu lhe detinha as pernas e as
atava com um cinturão. O inglês manteve seus braços apertados ao tempo
que lhe imobilizava as pernas as atendendo entre as suas. Ajoelhado,
detrás, eu o sujeitava entre as coxas.
— E agora, disse Sir Edmond a Simona, monta a cavalo sobre este rato de
igreja.
Simona se tirou o vestido e se sentou sobre o ventre do curioso mártir,
aproximando sua bunda o pau vazia.
— Bom, continuou Sir Edmond, lhe aperte a garganta, o conduto que está
detrás da noz, com uma esmagamento e graduada.
Simona apertou e um terrível tremor percorreu o corpo totalmente
imobilizado e mudo: o pau ficou ereta. Tomei entre minhas mãos e a
introduzi sem dificuldade na vulva da Simona, que mantinha a pressão na
garganta.
A jovem, totalmente ébria, fazia entrar e sair com violência a grande pau
ereta entre suas nádegas, por cima do corpo, cujos músculos rangeram
entre nossos formidáveis parafusos.
Simona apertou então com tanta força que uma sacudida ainda mais
violenta distendeu o corpo de sua vítima; sentiu o sêmen jorrar no interior
de sua bunda. Soltou sua presa e caiu prostrada pelo tormentoso gozo.
Simona permanecia estendida no piso com o ventre ao ar e a coxa
manchada com a esperma que tinha saído de sua vulva. Deitei a seu lado
para violá-la a minha vez, mas não pude mas que beijá-la na boca e
estreitá-la entre meus braços por causa de uma estranha paralisia interior,
causada pelo excesso de amor e pela morte do inominável. Nunca tinha
sido tão feliz.
Não pude lhe impedir sequer que se separasse de mim para examinar sua
obra. Voltou a montar sobre o cadáver nu e examinou com grande interesse
seu rosto violáceo. Secou o suor que o perlaba a frente e espantou
obstinadamente uma mosca que zumbia ao redor de um raio de sol e que
retornava a posar uma e outra vez sobre o rosto do morto *. De repente,
Simona deixou escapar um grito breve; acontecia algo estranho que a
punha confusa: a mosca se posou esta vez sobre o olho do morto e agitava
suas largas patas de pesadelo sobre o estranho globo. A jovem meneou a
cabeça entre as mãos e se estremeceu.
Logo ficou absorta em suas reflexões.
Por estranho que pareça, não nos preocupava o que pudesse acontecer.
Suponho que se tivesse chegado alguém, Sir Edmond e eu não lhe
tivéssemos dado tempo de escandalizar-se. Simona saiu pouco a pouco de
seu estupor e procurou o amparo do Sir Edmond, que permanecia imóvel
junto ao muro; ouvia-se voar à mosca por cima do cadáver.
Sir Edmond, disse-lhe docemente, apoiando sua bochecha em seu ombro,
quero que me faça um favor.

*
Ver o apêndice: ‘Metamorfose’. (N. do T.)
— Farei o que queira, respondeu-lhe.
— Fez-me me aproximar do corpo, ajoelhou-se e, abrindo completamente
o olho onde se posou a mosca, pergunto-me:
— Vê o olho? — E o que?
— É um ovo, concluiu com absoluta babeira.
— Mas, insisti muito turbado, aonde quer chegar?
— Quero jogar com o olho.
— te explique.
— Escute, Sir Edmond, disse ela, tem-me que dar esse olho agora mesmo,
quero que o arranque.
Nunca foi possível advertir nenhuma emoção na cara do inglês, exceto seu
enrojecimiento. Esta vez nem sequer se alterou, só lhe acalorou o rosto;
tirou de sua carteira umas tesouras finas, ajoelhou-se e recortou
delicadamente a carne, colocando com habilidade dois dedos da mão
esquerda na órbita; tirou o olho, cortando com a mão direita os ligamentos
que destendía com força. Entregou a Simona o pequeno globo blancuzco,
com uma mão tinta em sangue.
Simona olhou o estranho objeto e tomou com a mão, completamente
decomposta, mas sem dúvida começou a divertir-se imediatamente,
acariciando o interior das pernas e fazendo escorregar o objeto que parecia
elástico. Quando a pele é acariciada pelo olho se produz uma doçura
exorbitante, aumentada pela horrível e estranha sensação do grito de galo.
Simona se divertia fazendo entrar o olho na profunda talhadura de sua
bunda e deitada de barriga para cima, levantou as nádegas e tratou de
mantê-lo ali por simples pressão do traseiro, mas o olho saiu disparado,
como um osso de cereja entre os dedos, indo cair sobre o ventre do morto,
a poucos centímetros da pau.
Durante esse tempo me deixei despir pelo Sir Edmond e pude me atirar
totalmente nu sobre o corpo da jovem e meu pau desapareceu, inteira e de
repente, na hendija peluda: fiz-lhe o amor com violência enquanto Sir
Edmond se divertia fazendo rodar o olho entre as contorções dos corpos,
sobre a pele do ventre e dos seios. Uma vez, o olho se perdeu totalmente
entre nossos umbigos.
— Meta me o na bunda, Sir Edmond, gritou Simona. E com delicadeza Sir
Edmond fez entrar o olho entre as nádegas. Finalmente, Simona se separou
de mim, arrancou o belo globo das mãos do inglês e, pressionando com
calma e regularidade com as duas mãos, fez-o entrar em sua carne lesma,
entre o pelame. Logo me aproximou dela, me carne lesma, entre o pelame.
Logo me aproximou dela, abraçou-me o pescoço com os dois braços e pôs
seus lábios em meus com tanto ardor que o orgasmo me chegou sem tocá-
la e meu sêmen se descarregou sobre seu púbis.
Levantei-me, separei as coxas da Simona, que se tinha deitado de lado, e
me encontrei cara a cara com o que, assim me figuro isso, estava-me
esperando sempre, da mesma maneira que uma guilhotina espera o pescoço
que vai decapitar. Parecia-me que meus olhos saíam de suas órbitas, como
se estivessem eretos de tanto espanto; vi, na vulva peluda da Simona, o
olho azul pálido de Marcela que olhava chorando lágrimas de porra.
Regueros de sêmen no fumegante pêlo completavam essa visão lunar, lhe
dando um aspecto de tristeza desastrosa.
Mantive aberto as coxas da Simona, contraídos pelo espasmo urinário: a
ardente urina corria debaixo do olho, pela coxa que ficava mais abaixo...
Duas horas mais tarde Sir Edmond e eu nos decoramos com falsas barbas
negras, e Simona se cobriu com um ridículo chapéu negro a flores
amarelas e um vestido negro de gênero, parecida com uma jovem nobre de
província; abandonamos Sevilha em um carro de aluguel.
Grandes malas nos permitiram trocar de personalidade a cada etapa e evitar
as pesquisa policíacas. Sir Edmond desdobrava sempre um engenho
humorístico; por isso percorremos a grande avenida da pequena cidade de
Ronda vestidos como padres espanhóis tocados com pequenos chapéus de
feltro aveludado e envoltos em uma capa drapeada, fumando virilmente
grossos puros; Simona caminhava entre nós vestida de seminarista
sevilhano, tão angélico como nunca.
Assim desaparecemos da Andalucía, amarelo país de terra e céu, infinito
urinol alagado de luz solar onde, cada dia, como novo personagem, violava
eu a uma Simona igualmente transformada, sobre tudo durante o meio-dia,
a pleno sol, no chão e ante o olhar pela metade ensangüentado do Sir
Edmond.
Ao quarto dia, o inglês comprou um iate em Gibraltar e nos lançamos para
novas aventuras com uma tripulação de negros.
SEGUNDA PARTE
COINCIDÊNCIAS
Enquanto escrevia este relato, em parte imaginário, assombraram-me
algumas coincidências; parece-me que mostram indiretamente o sentido do
que tenho escrito e me interessa as expor:
Comecei a escrever sem nenhuma idéia precisa, incitado sobre tudo pelo
desejo de esquecer, pelo menos provisoriamente, minha identidade pessoal.
Ao princípio acreditei que o personagem que narrava em primeira pessoa
não tinha nenhuma conexão comigo. Folheando um dia uma revista
americana ilustrada com fotografias de países europeus, chamaram-me a
atenção duas imagens que encontrei por acaso: a primeira mostrava uma
rua do pueblecillo quase desconhecido de onde procede minha família. A
outra, as ruínas vizinhas de um castelo da Idade Média, situado na
montanha, no topo de uma rocha. Recordei imediatamente um episódio de
minha vida vinculado a essas ruínas. Tinha eu vinte e um anos e estava de
férias no povo mencionado; um dia resolvi visitar as ruínas durante a noite,
seguido de algumas moças perfeitamente castas e, por causa delas, de
minha mãe.
Estava apaixonado por uma das moças que compartilhava meus
sentimentos, mas nunca tínhamos falado deles porque a jovem pensava
seguir uma vocação religiosa que queria examinar com liberdade. depois
de caminhar ao redor de hora e meia, chegamos ao pé do castelo, por volta
das dez ou as onze de uma noite muito escura.
Tínhamos começado a subir a montanha rochosa, coroada por umas
muralhas totalmente românticas, quando de uma fenda rochosa saiu um
fantasma branco, muito luminoso, nos fechando o passo. Esta visão
prodigiosa fez que minha mãe e uma das moças se deprimissem enquanto
as demais gritavam. Eu mesmo experimentei um terror súbito que me fez
emudecer, e tive que esperar alguns segundos antes de pronunciar algumas
ameaça, pelo resto ininteligíveis, ao fantasma, embora do primeiro
momento sabia que se tratava de uma simples comédia. O fantasma fugiu
quando viu que o seguia e não o deixei ir-se até que reconheci a meu irmão
maior, que tinha vindo em bicicleta com outro amigo e que nos tinha
assustado aparecendo de improviso, envolto em um lençol, à luz de um
abajur de acetileno. O dia em que encontrei a fotografia na revista acabava
de escrever o episódio do lençol e adverti que sempre via o lençol à
esquerda e que o fantasma ensabanado também aparecia à esquerda: uma
perfeita sobreposición de imagens vinculadas a sobressaltos análogos se
produziam. Quase nunca me impressionou tanto algo como a aparição do
falso fantasma.
Surpreendeu-me sobremaneira ter substituído, em perfeita inconciencia,
uma imagem totalmente obscena com uma visão desprovida de toda
significação sexual. Contudo, logo teria maiores motivos de assombro.
Já tinha imaginado com todo detalhe a cena da sacristia de Sevilha, e em
particular a incisão praticada na órbita ocular do sacerdote ao que lhe
arranca um olho. Pensando encontrar uma relação entre o relato e minha
própria vida, diverti-me descrevendo uma corrida trágica a que em
realidade assisti. Coisa curiosa, não relacionei os dois episódios antes de
descrever com precisão a ferida que o touro causou ao Manuel Celeiro
(personagem real), mas no momento mesmo em que chegava à cena da
morte caí em um grande estupor. A extração do olho do sacerdote não era,
como tinha acreditado, uma pura invenção, a não ser a trasposición a outro
personagem de uma imagem que sem dúvida tinha conservado uma vida
muito profunda. Se tinha inventado que lhe arrancava um olho ao sacerdote
morto, era porque tinha visto que de uma cornada um touro lhe arrancava o
olho ao matador. Do mais escuro de minha memória surgiam as duas
imagens mais chamativas que maior rastro tinham deixado em mim,
desfigurando-se assim que me punha a imaginar obscenidades.
Quando fiz a segunda constatação acabava de terminar a descrição da
corrida de sete de maio; por isso fui visitar um de meus amigos que era
médico. Li-lhe a descrição, diferente da atual: Como nunca tinha visto os
testículo esfolados de um touro, supus que deviam ter a mesma cor
vermelha acesa que o membro do animal em ereção e em minha primeira
redação o descrevia assim.
Embora toda a História do olho tinha sido engendrada em meu espírito
sobre duas obsessões já velhas e muito ligadas entre si, a dos ovos e a dos
olhos, os testículo do touro me pareciam alheios a esse ciclo.
Mas quando terminou minha leitura, meu amigo me demonstrou que não
tinha nenhuma idéia do que eram realmente as glândulas que tinha
resenhado e me leu imediatamente uma descrição minuciosa em um
manual de anatomia: descobri que os testículo humanos ou animais são
ovóides e têm o aspecto do globo ocular. Esta vez corri o risco de explicar
estas relações tão extraordinárias caso que em uma região profunda de meu
espírito coincidissem imagens primitivas completamente obscenas, quer
dizer as mais escandalosas, precisamente aquelas nas que a consciência não
se detém, incapaz das suportar sem violência ou sem aberração.
Precisando este ponto de ruptura da consciência, ou se se quer o lugar de
eleição da separação sexual, certas lembranças pessoais de outro tipo
vieram a associar-se com as imagens dilaceradoras que já tinham surto no
transcurso de uma composição obscena.
Nasci de um pai sifilítico, que me concebeu quando já era cego, e que
pouco tempo depois de meu nascimento ficou paralisado por sua sinistra
enfermidade. A diferença justamente da maior parte dos meninos varões
que se apaixonam por sua mãe, eu estava apaixonado por meu pai. A sua
cegueira e a sua paralisia estava ligado outro feito: não podia urinar como
outros no desculpado, urinava em sua poltrona, em um pequeno recipiente
e, devido à freqüente urgência, não lhe importava fazê-lo diante de mim,
sob uma colcha: como era cego, punha-a quase sempre ao reverso. O mais
estranho, sem lugar a dúvidas, era certamente sua forma de ‘olhar’ quando
urinava. Como não via nada, sua pupila se elevava para o vazio, sob a
pálpebra, e isso lhe acontecia em particular quando mijava. Tinha os olhos
muito grandes, sempre muito abertos, em um rosto aquilino, e seus grandes
olhos ficavam quase brancos quando urinava, com uma expressão idiota de
abandono e de extravio frente a um mundo que só ele podia ver e que lhe
produzia uma risada sardônica e ausente (eu gostaria de recordar também,
por exemplo, o caráter errático da risada desolada de um cego, etc., etc.).
Em todo caso, é a imagem desses olhos brancos nesses momentos precisos,
a que para mim está vinculada diretamente a dos ovos, explicando a
aparição quase regular da urina cada vez que aparecem o ovo ou os olhos
em relato.* depois de ter descoberto esta relação entre dois elementos
diferentes, pude descobrir uma nova, não menos essencial, entre o caráter
geral de meu relato e um fato particular.
Tinha quatorze anos quando meu afeto por meu pai se transformou em ódio
profundo e inconsciente. Comecei então a gozar obscuramente com os
gritos que lhe arrancavam os dores contínuos e fulgurantes dos tabes,
*
1 Estes fatos que Bataille conta como se fossem certos, são negados pelo irmão do
novelista, Martial. O que parece ser verdadeiro é o tratamento analítico que Bataille seguia
durante essa época. Além disso, também é certo que o autor desta novela estava em
Madrid em sete de maio de 1922. (N. do T.)
classificados entre os mais terríveis. O estado de imundície e fedor a que o
reduzia sua enfermidade total (às vezes se cagava nos calções), não me
produzia o desagrado que pode imaginar-se. Pelo resto, adotava frente a
todas as coisas, atitudes e crenças radicalmente opostas às desse ser
nauseabundo por natureza.
Uma noite despertamos minha mãe e eu pelos discursos veementes que o
rasgado uivava — literalmente — em seu quarto. tornou-se louco
súbitamente. fui procurar ao doutor e vinho em seguida. Meu pai
imaginava com eloqüência os acontecimentos mais inusitados e felizes.
Havendo-se retirado minha mãe à habitação do lado com o médico, o cego
louco começou a gritar, diante minha e com voz estentórea:
Doutor, me avise quando deixar de meter-lhe a minha mulher! Essa frase,
que destruiu por completo os efeitos desmoralizadores de uma educação
severo, deixou-me uma obrigação constante, inconscientemente suportada
até então e não desejada: a necessidade de encontrar sempre seu
equivalente em todas as situações em que me encontre.
Isso explica em grande parte a História do olho.
Logo acabarei de enumerar estas cúpulas de minha obscenidade pessoal,
acrescentando o último elo, um dos mais desconcertantes, e que descobri
até o final: refere-se a Marcela.
É-me impossível associar definitivamente a Marcela com minha mãe.
Afirmá-lo seria se não falso ao menos exagerado. Marcela é também uma
jovem de quatorze anos que esteve frente a mim durante um quarto de
hora, em Paris, no Café do Deux Magots. Contarei entretanto algumas
lembranças mais, destinados a definir alguns episódios a partir de feitos
reais.
Umas semanas depois do ataque de loucura de meu pai, minha mãe, depois
de uma cena odiosa que lhe fez minha avó materna, perdeu também e
súbitamente a razão. Durante alguns meses passou por uma crise de
loucura maníaco-depressiva (melancolia). As absurdas idéias de catástrofe
e de condenação que a dominaram por então me irritavam sobre tudo
porque tinha que vigiá-la continuamente. Seu estado me inquietava tanto
que uma noite tirei de meus quarto uns candelabros muito pesados com
base de mármore, por medo de que me matasse durante o sonho. Cheguei a
golpeá-la por impaciência e a lhe torcer as bonecas para que raciocinasse
com prudência.
Um dia que a descuidamos, minha mãe desapareceu; buscamo-la durante
comprido tempo e terminamos por encontrá-la pendurada no celeiro.
Pudemos reanimar a e devolvê-la à vida.
Ao pouco tempo voltou a desaparecer, esta vez durante a noite. Busquei-a
interminavelmente ao longo de um riacho onde podia ter tentado afogar-se.
Corri sem me deter, na escuridão, atravessando pântanos e terminei por me
encontrar frente a ela: estava molhada até a cintura e sua saia ‘urinava’ a
água do arroio; tinha saído por seu próprio pé da água pouco profunda e
geada (estávamos em pleno inverno).
Não me detenho mais nestas lembranças porque perderam para mim, faz
tempo que, seu caráter afetivo. Só puderam reviver quando os transformei
a tal grau que se voltaram irreconhecíveis para revestir, depois de sua
deformação, o sentido mais obsceno.

APÊNDICES
OLHO
Guloseima canibal: É bem sabido que o homem civilizado se caracteriza
por uma hipersensibilidade ao horror, às vezes pouco explicável. O temor
aos insetos é, sem lugar a dúvidas, uma das mais singulares e estendidas;
além disso, é surpreendente encontrar, entre elas, ao olho. Não parece
haver melhor palavra para qualificar ao olho que a sedução; nada é mais
atrativo no corpo dos animais e dos homens. A extrema sedução limita,
provavelmente, com o horror.
Neste aspecto, o olho poderia vincular-se com o cortante, cujo aspecto
provoca também reaja agudas e contraditórias: é o que deveram ter
experiente, com terror e oscuramente, os autores do cão andaluz * quando
*
Este extraordinário filme é obra de dois jovens catalães, o pintor Salvador Dali... e o
diretor de cinema Luis Buñuel. Este filme se diferencia das produções banais de
vanguarda com as que se teria a tentação de confundi-lo, porque o cenário é o que
prepondera. Alguns feitos, pouco explícitos, acontecem-se sem lógica, mas penetrando
tão profundamente no horror que os espectadores se metem no espetáculo tão
diretamente como nos filmes de aventuras. Agarrados à parte, pelo cangote e sem
artifício, sabem em efeito, esses espectadores, aonde chegarão os autores do filme ou
outros seres semelhantes? O mesmo Buñuel esteve oito dias doente depois da tira do
olho talhado (além disso, para filmar a cena dos cadáveres dos asnos, teve que suportar
decidiram, durante as primeiras imagens do filme, os amores sangrentos de
dois seres.
navalha que curta em vivo o deslumbrante olho de uma moça e formosa,
produziria a admiração lunática de um homem jovem que, tendo uma
cucharita na mão e deitado ao lado de um gatinho, tivesse de repente o
desejo de pôr um olho dentro dela.
Desejo curioso entre os brancos, quem aparta os olhos dos bois, cordeiros e
porcos cuja carne comem com prazer. O olho, guloseima canibal, segundo
a deliciosa expressão do Stevenson, é objeto de tanta inquietação entre nós
que nunca o morderemos. O olho ocupa um lugar extremamente
importante no horror, pois entre outras coisas é o olho da consciência. No
célebre poema do Víctor Hugo aparece o olho obsessivo e lúgubre, vivo e
espantosamente sonhado pelo Grandville durante um pesadelo que
precedeu a seu morte *: o criminoso ‘sonha que acaba de golpear a um
homem em um escuro bosque... derramou sangue humano e, utilizando
uma expressão que evoca no espírito uma imagem feroz, fez suar a um
carvalho. Não é um homem, em efeito, a não ser um tronco de árvore...
ensangüentado… que se agita e se debate... sob a arma mortífera. As mãos
da vítima se levantam suplicantes, mas em vão. O sangue segue correndo’.
Então aparece o olho enorme que se abre em um negro céu, perseguindo o
criminoso através do espaço, até o fundo dos mares, onde o devora depois
de transformar-se em peixe. Inúmeros olhos se multiplicam entre as ondas.
Grandville escreve neste sentido: ‘Serão os mil olhos da multidão atraída
pelo espetáculo do suplício que se prepara? por que outra coisa se veriam
atraídos esses olhos absurdos, como nuvem de moscas, mas sim por algo
repugnante? E por que um de nossos semanários ilustrados, perfeitamente
sádico, aparecido em Paris de 1907 a 1924, ostenta em primeiro lugar um
olho, que figura regularmente sobre um fundo encarnado encabeçando os
espetáculos sanguinolentos? O que outra coisa é o olho da polícia,
semelhante ao olho da justiça humana do pesadelo do Grandville, a não ser
a expressão de uma cega sede de sangue? Não é parecido, também, o olho
uma atmosfera infeta). Como não ver, então, até que ponto o horror fascina e como sua
força bruta pode romper com o que asfixia?
*
Víctor Hugo, leitor do ‘Magazin pittores que’, utilizou o admirável sonho relatado em
‘Crime e castigo’ e o inaudito desenho do Grandvllle, publicados em 1847, para um relato
de um olho obstinado que persegue um criminoso: quase parece inútil acrescentar que só
pode explicar essa relação uma obscura e sinistra obsessão e não uma fria lembrança.
Devemos à erudição e aos cuidados do Pierre d'Espezel, o dado desse curioso
documento, provavelmente uma das mais belas composições do Grandville.
do Crampon, condenado a morte e que, um instante antes da machadada
que pedia o capelão, mutilou-se dando de presente com jovialidade o
membro assim cerceado, porque seu olho era de vidro?’ *

METAMORFOSE
Animais selvagens. Os sentimentos equívocos dos seres humanos
alcançam seu máximo de derisión frente aos animais selvagens. Se existir a
dignidade humana (por cima de toda suspeita, aparentemente), não terá que
ir ao zoológico: quando os animais vêem aparecer a multidão de meninos
seguidos por seu papai-homens e seus mamem.
Contra o que se supõe, nem o costume pode lhe impedir a um homem
sábio que minta como um cão quando fala da dignidade humana entre os
animais. Pois em presença de seres ilegais e intrinsecamente livres, os
únicos seres verdadeiramente outlaws (sic.), o desejo mais turvo vence até
o sentimento estúpido de superioridade prática desejo que se confessa entre
os selvagens mediante o totem e se dissimula comicamente sob os chapéus
de plumas de nossas avós de família). Tantos animais no mundo e tudo o
que perdemos: a inocente crueldade, a monstruosidade opaca dos olhos —
apenas diferentes das pequenas borbulhas que se formam na superfície do
lodo — , o horror ligado à vida como uma árvore à luz.
Ficam ainda os escritórios, os documentos de identidade, uma existência de
criados biliosos e, apesar de tudo, uma loucura estridente que, no curso de
certos desencaminhamentos, alcança a metamorfose.
pode-se definir a obsessão da metamorfose como uma necessidade violenta
que se confunde com cada uma de nossas necessidades animais, excitando
ao homem a abandonar de repente gestos e atitudes exigidos pela natureza
humana: por exemplo, um homem em meio de outros, em um
departamento, atirando-se pelo chão para devorar o mingau do cão. Há em
cada homem um animal encerrado em uma prisão, como um forçado, e há
uma porta: se a entreabrirmos, o animal se precipita fora, como o forçado,
encontrando seu caminho; então, e, provisoriamente, morre o homem; a
besta se conduz como besta, sem nenhum cuidado de provocar a admiração

*
É notável que Bataille não faça nenhuma referência ao ‘Coração delator’ do Poe, relato
onde um olho joga um papel semelhante ao do olho do Grandville e que, unido ao
coração, parece-se com o casal olhos-huevos de ‘História do Olho’. É notável porque
existe uma relação de afinidades eletivas entre o Poe e Bataille. (N. do T.)
poética de morto.* É neste sentido que pode ver-se ao homem como uma
prisão de aparência burocrática.

*
Um relato que organiza estas palavras do Bataille seria ‘Os ratos’ do Lovecraft. (N. do T.)

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