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A Minha Prima Rachel 1st Edition Daphne


Du Maurier

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FICHA TÉCNICA

Título original: My Cousin Rachel


Autora: Daphne du Maurier
Copyright © 1951 by Daphne du Maurier
Tradução © Editorial Presença, Lisboa, 2017
Tradução: Manuela Madureira
Revisão: Diogo Maria Pessoa e Carlos Jesus/Editorial Presença
Imagem da capa © Trevillion Images
Capa: Vera Espinha/Editorial Presença
Composição, impressão e acabamento: Multitipo — Artes Gráficas, Lda.
1.a edição em papel, Lisboa, outubro, 2017

Reservados todos os direitos para Portugal à


EDITORIAL PRESENÇA
Estrada das Palmeiras, 59 — Queluz de Baixo
2730-132 Barcarena
[email protected]
www.presenca.pt
CAPÍTULO I

Antigamente, enforcavam homens nos Quatro Caminhos.


Mas agora já não. Agora, quando um assassino cumpre a pena de
um crime, fá-lo em Bodmin, depois de um julgamento em tribunal.
Isto é, se a lei o condenar antes que a sua própria consciência o
mate. É melhor assim. É como uma operação cirúrgica. E o corpo
tem um enterro decoroso, embora numa campa sem nome. Nos
meus tempos de criança era diferente. Lembro-me, ainda rapazinho,
de ver um homem de grilhetas enforcado no local em que as quatro
estradas se encontram. Tinha o rosto e o corpo negros de alcatrão a
fim de retardar a corrupção. Ficou ali exposto durante cinco
semanas antes de o apearem e foi na quarta semana que eu o vi.
Suspenso do seu patíbulo, oscilava entre o céu e a terra, ou,
como me disse o meu primo Ambrose, entre o paraíso e o inferno. O
paraíso nunca ele alcançaria, e o inferno que conhecera perdera-o
para sempre. Ambrose deu uma pancada no corpo com a sua
bengala. Estou a vê-lo, movendo-se ao sabor da brisa como um
cata-vento num espigão enferrujado, um mísero espantalho do que
já fora um homem. A chuva apodrecera-lhe as calças, se não o
corpo, e dos membros tumefactos pendiam pedaços de estambre
como papel ensopado.
Era inverno, e algum passante zombeteiro colocara-lhe no casaco
rasgado um ramo de azevinho à laia de celebração. Apesar dos
meus sete anos, aquilo pareceu-me o ultraje final, mas não disse
nada. Ambrose devia ter um objetivo ao levar-me ali, talvez pôr os
meus nervos à prova, ver se eu fugia, ou ria, ou chorava. Sendo
para mim tutor, pai, irmão, conselheiro, na realidade todo o meu
mundo, estava permanentemente a pôr-me à prova. Lembro-me de
que caminhámos em redor do patíbulo, com Ambrose sempre de
bengala em riste; depois deteve-se, acendeu o cachimbo e pousou-
me a mão no ombro.

É
— Aqui tens, Philip — disse ele. — É a isto que todos acabamos
por chegar. Uns num campo de batalha, alguns na cama, outros
segundo o seu destino. Não há fuga possível. Nunca é demasiado
cedo para aprender tal lição. Mas é assim que morre um
delinquente. Uma advertência para nós os dois levarmos uma vida
honrosa. — Ficámos lado a lado, vendo o corpo oscilar, como se
tivéssemos ido de passeio à feira de Bodmin, e o cadáver fosse a
velha boneca Sally que tentávamos atingir com bolas para ganhar
cocos. — Vê ao que um instante de paixão pode levar um ho­mem —
prosseguiu Ambrose. — Aqui está Tom Jenkyn, honesto e
enfadonho, exceto quando bebia demasiado. É verdade que a
mulher era rezingona, mas isso não é desculpa para dar cabo dela.
Se matássemos as mulheres por terem a língua afiada, todos os
homens seriam assassinos.
Eu teria preferido que ele não referisse o nome do homem. Até
esse momento, o corpo fora uma coisa morta, sem identidade.
Desde o primeiro instante em que pousara os olhos no patíbulo,
soubera perfeitamente que ele iria infiltrar-se nos meus sonhos,
exangue e horrível. Agora teria uma ligação com a realidade, e com
o homem de olhos lacrimosos que vendia lagostas no cais da cidade.
Nos meses de verão instalava-se nos degraus, o cesto a seu lado, e,
para divertir as crianças, punha as suas lagostas vivas a rastejar pelo
cais numa corrida fantástica. Vira-o ainda não há muito tempo.
— Bem — disse Ambrose, perscrutando-me o rosto —, o que
achas dele?
Encolhi os ombros e dei um pontapé na base do patíbulo.
Ambrose nunca poderia saber que aquilo me abalava, que me sentia
angustiado e aterrado. Desprezar-me-ia. Aos vinte e sete anos,
Ambrose era o deus de toda a criação, indubitavelmente o deus do
meu limitado mundo, e o único objetivo da minha vida era parecer-
me com ele.
— Tom tinha um aspeto mais animado da última vez que o vi —
respondi eu. — Agora não presta sequer para isco das suas próprias
lagostas.
É
Ambrose riu-se e puxou-me as orelhas. — É assim mesmo, meu
rapaz — aprovou ele. — Dito como um verdadeiro filósofo. —
Depois, com um súbito relâmpago de perceção, acrescen­tou: — Se
te sentes enjoado, vai aliviar-te atrás daquela sebe, e lembra-te de
que eu não vi nada.
Virou costas ao patíbulo e aos quatro caminhos, e enfiou a passo
largo pela nova alameda que mandara plantar nessa época e que,
atravessando o bosque, iria servir de segundo caminho para as
carruagens chegarem ao solar. Eu fiquei satisfeito por o ver partir
porque não alcancei a sebe a tempo. Senti-me melhor depois,
apesar de bater os dentes e estar gelado. Tom Jenkyn perdeu
novamente a identidade e tornou-se uma coisa inerte, como um
velho saco. Serviu mesmo de alvo a uma pedra que, ousadamente,
lhe atirei, esperando ver o corpo mover-se, mas nada aconteceu. A
pedra bateu na roupa encharcada com um som surdo e ressaltou.
Enver­gonhado do meu gesto, corri pela nova alameda em busca de
Ambrose.
Bem, aconteceu há dezoito anos, e tanto quanto me lembro não
pensei muito nisso desde então. Até estes últimos dias. É estranho
como em momentos de grave crise a mente regressa de repente à
infância. Lembro-me constantemente do pobre Tom, ali suspenso e
agrilhoado. Nunca ouvi contar a sua história e hoje em dia poucas
pessoas a recordarão. Matou a mulher, disse Ambrose. E foi tudo.
Ela era rezingona, mas isso não constitui desculpa para um
homicídio. É provável que, dado como era à bebida, ele a tenha
matado com um copo a mais. Mas como? E com que arma? Com
uma faca ou com as suas próprias mãos? Talvez, nessa noite de
inverno, Tom tenha saído a cambalear da estalagem do cais,
inflamado de amor e febre. A maré alta salpicava os degraus, e a
Lua, igualmente cheia, refletia-se na água. Sabe-se lá que sonhos de
conquista lhe inundavam a mente inquieta, que súbita explosão de
fantasia.
Provavelmente dirigiu-se hesitante para a sua cabana por trás da
igreja, um indivíduo descorado de olhos remelosos fedendo a
lagosta, e a mulher descompô-lo por entrar pela porta com os pés
molhados, fazendo desmoronar o seu sonho. E assim ele matou-a.
Poderia muito bem ser essa a sua história. Se, como nos ensinam a
acreditar, há vida para além da morte, irei procurar o pobre Tom e
perguntar-lhe-ei. Sonharemos juntos no purgatório. Mas ele era um
homem de meia-idade, com os seus sessenta anos ou mais, e eu
tenho vinte e cinco. Os nossos sonhos não seriam os mesmos.
Portanto regressa às tuas sombras, Tom, e deixa-me um pouco de
paz. Há muito que aquele patíbulo desapareceu, e tu com ele. Na
minha ignorância, atirei-te uma pedra. Perdoa-me.
A questão é que temos de aguentar a vida e de a viver. Mas o
problema está em como a viver. O trabalho quotidiano não oferece
dificuldades. Tornar-me-ei juiz de paz, como Ambrose, e um dia
entrarei igualmente para o Parlamento. Continuarei a ser
considerado e respeitado, como toda a minha família antes de mim.
Cul­tivar bem a terra, cuidar das pessoas. Ninguém adivinhará nunca
o peso da culpa que trago aos ombros, nem saberá que, todos os
dias, ainda perseguido pela dúvida, faço a mim mesmo uma
pergunta sem resposta. Rachel era culpada ou inocente? Talvez
venha a saber também isso no purgatório.
Que suave e doce soa o seu nome quando o murmuro. Atarda-se
na língua, insidioso e lento, quase como veneno, o que, na
realidade, é adequado. Passa da língua para os lábios ressequidos, e
dos lábios regressa ao coração. E o coração controla o corpo, e
também a mente. Libertar-me-ei dele algum dia? Daqui a quarenta,
cinquenta anos? Ou haverá no cérebro algum resíduo de matéria
que permaneça descorada e enferma? Alguma minúscula célula na
corrente sanguínea que não corra com as suas congéneres até à
fonte? Talvez, no fundo, eu não deseje libertar-me. Por enquanto,
não sei dizer.
Ainda tenho a casa para amar, como Ambrose gostaria. Posso
reparar as paredes em que entrou humidade e manter tudo em bom
estado. Continuar a plantar árvores e arbustos, cobrir as colinas
escalvadas onde o vento vem rugindo de leste. Deixar uma herança
de beleza quando desaparecer, se mais não for. Mas um homem
solitário é um homem antinatural, e depressa chega à perplexidade.
Da perplexidade à fantasia. Da fantasia à loucura. E assim volto a
Tom Jenkyn, suspenso e agrilhoado. Talvez ele também tenha
sofrido.
Ambrose, esses dezoito anos atrás, enfiou a passos largos pela
alameda e eu segui no seu rasto. Ele poderia bem ter vestido o
casaco que trago agora. Este velho casaco de caça, verde, com os
ombros almofadados de cabedal. Tornei-me tão parecido com ele
que poderia ser o seu fantasma. Os meus olhos são os seus olhos,
as minhas feições as suas feições. O homem que assobiou aos cães,
virando costas aos quatro caminhos e ao patíbulo, poderia ser eu.
Bem, foi o que sempre desejei. Ser como ele. Ter a sua altura, os
seus ombros, o seu andar curvado, até os seus braços compridos, as
suas mãos de aspeto algo desajeitado, o seu sorriso inesperado, a
sua timidez num primeiro encontro com um estranho, a sua aversão
a espavento, a formalismos. A sua naturalidade com os que o
serviam e amavam — e lisonjeiam-me os que dizem que também eu
a possuo. E aquela força, afinal ilusória, de maneira que caímos
ambos no mesmo desastre. Ultimamente, tenho-me perguntado se,
quando ele morreu, a mente turvada e torturada pela dúvida e o
medo, sentindo-se esquecido e isolado naquela maldita villa onde eu
não podia alcançá-lo, o seu espírito não terá abandonado o corpo e
vindo para casa tomar posse do meu, de modo que ele reviveu em
mim, repetiu os seus próprios erros, apanhou a mesma doença e
sucumbiu duas vezes. É bem possível. Só sei que a semelhança com
Ambrose, de que tanto me orgulhava, foi a minha ruína. Com ela
chegou a derrota. Fosse eu outro homem, ágil e arguto, de palavra
fácil e boa cabeça para os negócios, e o ano que passou teria sido
apenas mais uma sucessão de doze meses. Eu estaria a preparar-me
para um futuro ativo e risonho. Para o casamento, talvez, e para
constituir uma jovem família.
Mas eu, tal como Ambrose, não era nada disso. Éramos dois
sonhadores, pouco práticos, reservados, cheios de grandes teorias
nunca postas à prova, e, como todos os sonhadores, adormecidos
para o mundo real. Antipatizando com os nossos semelhantes,
ansiávamos por afeição; mas a timidez mantinha a impulsividade
latente até o coração ser tocado. Então os céus abriam-se e nós
sentíamos, ambos, que tínhamos todas as riquezas do universo para
oferecer. Ambos teríamos sobrevivido se fôssemos outros homens.
Rachel teria cá vindo na mesma. Teria ficado uma ou duas noites, e
seguido o seu caminho. Ter-se-iam discutido assuntos de negócios e
ter-se-ia chegado a um acordo; o testamento teria sido lido
formalmente com advogados à volta da mesa, e eu — avaliando
num relance a situação — ter-lhe-ia dado uma renda vitalícia, vendo-
me livre dela.
Não aconteceu assim porque eu me parecia com Ambrose. Não
aconteceu assim porque eu sentia como Ambrose. Nessa primeira
noite após a sua chegada, fui ao quarto dela e, após ter batido à
porta, parei no limiar, de cabeça ligeiramente curvada sob o baixo
lintel. Ela levantou-se da cadeira em que estava sentada à janela e
ergueu os olhos para mim; e eu deveria ter percebido
imediatamente, pela expressão de reconhecimento do seu olhar, que
não era a mim que ela via, mas a Ambrose. Não a Philip, mas a um
fantasma. Ela devia ter partido nesse instante. Feito as malas e
partido. Regressado ao lugar a que pertencia, a essa villa de
persianas cerradas, bafienta de recordações, ao jardim em socalcos
e à fonte do pequeno pátio. Voltado para o seu próprio país,
abrasado no auge do verão e enevoado pelo calor, austero no
inverno sob o céu frio e brilhante. O instinto devia tê-la advertido de
que ficar comigo traria destruição, não só ao fantasma que acabara
de encontrar mas, por fim, também a ela própria.
Pergunto-me se, vendo-me assim imóvel, constrangido e
desajeitado, suportando a sua presença com um ressentimento
taciturno, embora vivamente consciente de ser ali o anfitrião e
senhor, e dolorosamente consciente dos meus grandes pés, braços e
pernas, esgalgados e angulosos, um potro selvagem — pergunto-me
se ela terá pensado num relâmpago: «Ambrose devia ser assim
quando era novo. Antes do meu tempo. Eu não o conheci quando
ele era assim.» E se fora por isso que ficara.
Talvez tivesse sido também por isso que, no meu primeiro breve
encontro com Rainaldi, o italiano, ele me fitara com o mesmo olhar
de chocado reconhecimento rapidamente dissimulado e, brincando
um instante com a caneta na secretária, me dissera baixinho: «O
senhor só chegou hoje? Então a sua prima Rachel não o viu.» O
instinto avisara-o, também a ele. Mas demasiado tarde.
Na vida não se pode voltar atrás. Não há recuo. Não há segunda
oportunidade. Aqui sentado, vivo e na minha própria casa, é-me tão
impossível retirar uma palavra proferida ou desfazer um ato
realizado como o era ao pobre Tom Jenkyn a oscilar nas suas
grilhetas.
Foi o meu padrinho, Nick Kendall, que, com a sua brusca
franqueza, me disse na véspera dos meus vinte e cinco anos (há
apenas alguns meses mas, meu Deus, como parece distante!): «Há
mulheres, Philip, boas mulheres, muito possivelmente, que, sem que
a culpa seja sua, atraem a fatalidade. Tudo o que tocam se
transforma em tragédia. Não sei porque te digo isto, mas sinto que
devo dizê-lo.» E depois testemunhou a minha assinatura no
documento que eu lhe pusera em frente.
Não, não se pode voltar atrás. O rapaz que estava debaixo da
janela dela na véspera do seu aniversário, o rapaz que permaneceu
à entrada da porta do quarto dela na noite da sua chegada,
desapareceu, tal como desapareceu a criança que atirou uma pedra
a um homem morto num patíbulo para criar uma falsa coragem.
Tom Jenkyn, maltratado espécime de humanidade, irreconhecível e
não chorado, ter-me-ás tu, há todos esses anos, fitado com piedade
enquanto eu corria bosque adentro em direção ao futuro?
Tivesse eu olhado para trás, por cima do ombro, não seria a ti
que veria oscilando nas tuas grilhetas, mas a minha própria sombra.
CAPÍTULO II

Quando nos sentámos a conversar naquela última noite, antes de


Ambrose partir para a sua derradeira viagem, não tive qualquer
pressentimento. Nenhuma premonição de que nunca mais
voltaríamos a estar juntos. Era o terceiro outono em que os médicos
o aconselhavam a passar o inverno no estrangeiro, e eu habituara-
me à sua ausência e a cuidar das propriedades enquanto ele se
achava fora. No primeiro inverno em que ele partira, eu encontrava-
me ainda em Oxford, pelo que esse afastamento me fizera pouca
diferença, mas no segundo inverno regressei definitivamente e
permaneci em casa a tempo inteiro, como ele desejava. Não senti a
falta da vida gregária de Oxford; de facto, fiquei mesmo satisfeito
por me ver livre de tudo isso.
Nunca tive o menor desejo de estar em parte alguma que não em
casa. Excetuando os tempos de estudante, em Harrow, e mais tarde
em Oxford, nunca vivera senão neste solar, para onde viera com
dezoito meses após a morte dos meus jovens pais. Ambrose, com a
sua generosidade bizarra, apiedou-se do pequeno primo órfão, e
criou-me ele próprio, como teria feito com um cachorrinho ou um
gatito, ou com qualquer ser frágil e solitário que precisasse de
proteção.
A nossa vida doméstica foi estranha desde o princípio. Tinha eu
três anos quando ele mandou embora a minha ama por ela me ter
dado palmadas no rabo com uma escova de cabelo. Não me lembro
do incidente, foi ele que mais tarde me contou.
— Fiquei profundamente irritado — disse-me — ao ver aquela
mulher desancar a tua pequena pessoa com as suas grandes mãos
grosseiras por uma diabrura que ela era demasiado estúpida para
compreender. A partir daí, castigava-te eu mesmo.
Nunca tive razões para lamentar tal facto. Não poderia haver
homem mais moderado, mais justo, mais terno, mais compreensivo.
Ensinou-me o alfabeto da maneira mais simples possível, usando a
letra inicial de todos os palavrões; custou a encontrar vinte e seis,
mas ele lá conseguiu, recomendando-me simultaneamente que não
empregasse tais palavras na presença de terceiros. Embora fosse
invariavelmente delicado, as mulheres intimidavam-no e sen­tia por
elas desconfiança, dizendo que revolucionavam uma casa. Assim,
empregava apenas homens, e a tribo era controlada pelo velho
Seecombe, que fora intendente do meu tio.
Excêntrico talvez, pouco ortodoxo — este condado do Oeste era
conhecido pelos seus personagens estranhos —, mas, apesar das
suas opiniões idiossincráticas sobre as mulheres e a educação de
garotos, Ambrose não era irracional. Era estimado e respeitado pelos
seus vizinhos, e amado pelos rendeiros. Caçava no inverno, antes de
o reumatismo o atacar, pescava no verão num pequeno barco à vela
que mantinha ancorado no estuário, jantava fora e recebia
convidados quando tal lhe apetecia, ia duas vezes à igreja a um
domingo embora me fizesse caretas do outro lado do banco da
família quando o sermão se alongava demasiado, e tentava instilar-
me a sua paixão pela cultura de arbustos raros.
— É uma forma de criação como qualquer outra — costumava
dizer. — Alguns homens dedicam-se à reprodução. Eu prefiro fazer
brotar coisas da terra. Exige menos de nós e o resultado é muito
mais satisfatório.
Aquilo chocava o meu padrinho, Nick Kendall, bem como Hubert
Pascoe, o vigário, e vários dos seus outros amigos que costumavam
incitá-lo a decidir-se pela felicidade doméstica e a criar uma família
em vez de rododendros.
— Já criei um filhote — retorquia ele, puxando-me as orelhas — e
isso tirou-me vinte anos de vida, ou acrescentou-mos, como
quiserem olhar para o assunto. Além disso, o Philip é um herdeiro
pronto-a-usar, portanto não se põe a questão de ter de cumprir o
meu dever. Quando chegar a altura, ele fá-lo-á por mim. E agora
recostem-se nas vossas cadeiras e ponham-se à vontade,
cavalheiros. Como não há uma mulher na casa, podemos apoiar as
botas na mesa e cuspir na carpete.
Evidentemente, não fazíamos nada disso. Ambrose era um
homem de gosto delicado, mas encantava-o soltar essas
observações em frente do novo vigário, um pobre diabo que a
mulher dominava e com uma tribo de filhas. E assim o porto passava
em volta da mesa após o jantar de domingo, enquanto Ambrose me
piscava o olho da sua extremidade da mesa.
Estou a vê-lo, semicurvado, semiesparramado na sua cadeira —
foi com ele que adquiri este hábito —, estremecendo de riso contido
perante os tímidos protestos do vigário e depois, receando ter ferido
os sentimentos do homem, mudando intuitivamente o tom da
conversa e passando para assuntos em que este se achava à
vontade, esforçando-se ao máximo para fazer o pequeno vigário
sentir-se em casa. Quando fui para Harrow, passei a apreciar ainda
mais as suas qualidades. As férias passavam demasiado rápido, e eu
comparava as suas maneiras e a sua companhia com as dos
rapazolas meus colegas, e as dos professores, empertigados e
sérios, desprovidos, em minha opinião, de toda a benevolência.
— Deixa lá — dizia-me ele, dando-me uma palmadinha no ombro
antes de eu partir, pálido e levemente choroso, a fim de apanhar a
diligência para Londres. — É um simples processo de ensino, como
domar um cavalo; temos de o suportar. Uma vez terminados os anos
de estudo, e passarão antes de dares por isso, trago-te para cá de
vez e ocupo-me eu próprio da tua aprendizagem.
— Aprendizagem para quê? — perguntei eu.
— Bem, és o meu herdeiro, não és? Isso é só por si uma
profissão.
E lá ia eu, conduzido por Wellington, o cocheiro, apanhar a
diligência para Londres em Bodmin. Virava-me para um último
relance a Ambrose, apoiado na bengala, com os cães ao lado, os
olhos franzidos de genuína compreensão, o farto cabelo
encaracolado começando já a ficar grisalho; e, quando ele assobiava
aos cães e reentrava em casa, eu engolia o nó que tinha na
garganta, sentindo as rodas da carruagem a levarem-me, inevitável
e fatalmente, ao longo do caminho de gravilha estaladiça, através do
parque, para lá dos portões brancos e da casa do guarda, rumo à
escola e à separação.
Todavia, ele não contara com a sua saúde e, quando a escola e a
universidade ficaram para trás, chegou a sua vez de partir.
— Dizem-me que se passo mais um inverno a aguentar chuva
diariamente acabarei os meus dias aleijado, numa cadeira de rodas
— explicou-me ele. — Tenho de partir em busca do sol. As costas de
Espanha ou do Egito, qualquer parte do Mediterrâneo que seja seca
e quente. Não me apetece particularmente partir mas, por outro
lado, diabos me levem se quero acabar a vida aleijado. O plano tem
uma vantagem. Trarei plantas que mais ninguém pos­sui. Veremos
como as malvadas prosperam em solo da Cornualha.
O primeiro inverno chegou e passou, e o segundo também. Ele
distraiu-se bastante e não creio que se tenha sentido isolado.
Regres­sava com Deus sabe quantas árvores, arbustos, flores,
plantas de todas as formas e feitios. As camélias eram a sua paixão.
Reser­vámos uma área exclusivamente para as cultivar, e não sei se
ele tinha o chamado «dedo verde» ou um toque mágico, mas elas
floresceram desde logo e não perdemos uma única.
Os meses passaram assim até ao terceiro inverno. Dessa vez, ele
decidira-se por Itália. Queria ver alguns dos jardins de Florença e
Roma. Nenhuma dessas cidades seria quente no inverno, mas isso
não o preocupava. Alguém lhe garantira que o ar era seco, ainda
que frio, e que não teria de recear a chuva. Nessa noite
conversámos até tarde. Ambrose nunca fora de se deitar cedo, e
frequentemente ficávamos sentados na biblioteca até à uma ou às
duas da madrugada, umas vezes calados, outras a conversar, ambos
com as nossas longas pernas esticadas em frente da lareira, os cães
enroscados aos pés. Eu disse anteriormente que não tivera qualquer
premonição, mas, olhando para trás, pergunto-me se com ele terá
acontecido o contrário. Fitava-me insistentemente com ar perplexo,
pensativo, olhando de mim para as paredes apaineladas da sala e os
quadros familiares, depois para o lume, e do lume para os cães
adormecidos.
— Quem me dera que viesses comigo — disse ele subitamente.
— Não levo muito tempo a fazer as malas — respondi eu.
Ele abanou a cabeça, sorrindo. — Não, estava a brincar. Não
podemos ausentar-nos ambos durante meses seguidos. Ser pro­‐
prietário é uma responsabilidade, embora nem toda a gente pense
como eu.
— Eu podia viajar contigo até Roma — prossegui, excitado com a
ideia. — Depois, desde que o tempo não o impedisse, ainda estaria
em casa para o Natal.
— Não — disse ele devagar —, não, foi apenas uma veneta.
Esquece.
— Sentes-te bem, não sentes? — perguntei eu. — Não tens
queixas nem dores?
— Meu Deus, não — riu-se. — Por quem me tomas, algum
inválido? Há meses que não sinto uma pontada de reumatismo. O
problema, Philip, meu rapaz, é que sou demasiado agarrado à minha
casa. Quando chegares à minha idade, talvez sintas o mesmo que
eu.
Levantou-se da poltrona e dirigiu-se à janela. Correu os pesados
reposteiros e ficou alguns instantes a olhar para fora. A noite estava
serena, silenciosa. As gralhas haviam recolhido aos ninhos e, por
uma vez, até as corujas se calavam.
— Estou satisfeito por termos suprimido as alamedas e trazido o
relvado até ao solar — observou ele. — Ficaria ainda melhor se a
relva acompanhasse a encosta até àquela extremidade, junto ao
cercado dos póneis. Um dia terás de cortar as moitas para conseguir
vista de mar.
— O que é isso de eu ter de? Porque não tu?
Ele não respondeu imediatamente. — É o mesmo — proferiu por
fim —, é o mesmo. Não faz diferença. Mas lembra-te.
Don, o meu velho retriever, levantou a cabeça e fitou-o. Vira as
caixas atadas no vestíbulo e pressentia a partida. Ergueu-se com
dificuldade e foi postar-se ao lado de Ambrose, de cauda caída.
Chamei-o suavemente, mas ele não veio. Despejei as cinzas do meu
cachimbo na lareira. O relógio da torre bateu a hora. Vindo dos
alojamentos dos empregados, ouvi a voz rabugenta de Seecombe a
ralhar com o despenseiro.
— Ambrose — pedi eu —, Ambrose, deixa-me ir contigo.
— Não sejas idiota, Philip, vai-te deitar — retorquiu ele.
E foi tudo. Não voltámos a discutir o assunto. No dia seguinte, ao
pequeno-almoço, deu-me algumas últimas instruções acerca da
sementeira da primavera, e de diversas coisas que gostaria que eu
fizesse antes do seu regresso. Sentira o desejo repentino de ter um
pequeno lago no parque, perto da entrada da alameda de leste, no
sítio em que o terreno era pantanoso; para tal, precisava de ser
aterrado e cimentado se o tempo estivesse razoável nos meses de
inverno. A hora da partida chegou depressa. Acabámos o pequeno-
almoço às sete, porque ele tinha de estar pronto cedo. Passaria a
noite em Plymouth, e daí sairia com a maré da manhã. O navio
mercante levá-lo-ia a Marselha, e de lá prosseguiria para Itália a seu
bel-prazer; Ambrose apreciava uma longa viagem por mar. A manhã
estava áspera e húmida. Wellington trouxe a carruagem até à porta
e em breve a bagagem se empilhava bem alto. Os cavalos
mostravam-se agitados e ansiosos por partir. Ambrose virou-se para
mim e pousou-me a mão no ombro. — Toma conta das coisas —
recomendou ele —, não me desapontes.
— Isso é um golpe baixo — reclamei eu. — Nunca te desapontei.
— És muito novo — disse ele. — E eu ponho um grande peso nos
teus ombros. Seja como for, tudo o que tenho é teu, como sabes.
Creio que, se nesse momento tivesse insistido, Ambrose ter-me-ia
deixado ir com ele. Mas fiquei calado. Ajudei Seecombe e instalá-lo
na carruagem com as suas mantas e bengalas, e ele sorriu-nos da
janela aberta.
— Pronto, Wellington, vamos embora — ordenou.
E afastaram-se, descendo a alameda justamente quando
começava a chover.
As semanas foram passando muito à semelhança do que
acontecera durante os dois invernos anteriores. Eu sentia, como
sempre, a falta dele, mas tinha muito em que me ocupar. Quando
queria companhia ia visitar o meu padrinho, Nick Kendall, cuja única
filha, Louise, apenas alguns anos mais nova do que eu, fora minha
companheira de brincadeiras desde a infância. Era uma rapariga
sólida, de maneiras simples, e bastante bonita. Ambrose gracejava
por vezes dizendo que, um dia, ela daria uma boa esposa para mim,
mas confesso que nunca pensei nela dessa maneira.
Novembro ia a meio quando chegou a primeira carta dele, trazida
pelo mesmo navio que o deixara em Marselha. A viagem fora
tranquila, com tempo calmo, apesar de alguma agitação no golfo de
Biscaia. Ele estava bom e bem-disposto, aguardando animado a
viagem até Itália. Decidira não apanhar a diligência, o que de
qualquer maneira teria implicado uma ida até Lyon, alugando antes
cavalos e um veículo, propondo-se percorrer a costa até entrar em
Itália, e depois virar para Florença. Wellington abanou a cabeça ao
ouvir as notícias, e previu acidentes. Acreditava firmemente que
nenhum francês sabia conduzir cavalos, e que todos os italianos
eram ladrões. No entanto Ambrose sobreviveu, e a carta seguinte
veio de Florença. Guardei todas as suas cartas e tenho agora diante
de mim o maço completo. Li-as muitas vezes durante os meses
seguintes; foram manuseadas, viradas e relidas, como se com a
pressão das minhas mãos sobre elas se pudesse descortinar algo
mais do que aquilo que as palavras ali escritas revelavam.
Foi já perto do fim da sua primeira carta de Florença, onde
aparentemente passara o Natal, que falou pela primeira vez da
prima Rachel.
«Conheci uma parente nossa», escreveu ele. «Já me ouviste
mencionar os Coryns, que tinham uma propriedade junto ao Tamar,
entretanto vendida e noutras mãos. Há duas gerações, um Coryn
casou-se com uma Ashley, como verás na árvore genealó­gica. Uma
descendente desse ramo nasceu e foi educada em Itália por um pai
com poucos recursos e uma mãe italiana, tendo desposado muito
jovem um nobre italiano de nome Sangalletti. Este despediu-se da
vida batendo-se em duelo, ao que parece semiébrio, deixando a
mulher com um monte de dívidas e uma grande villa vazia. Não
houve filhos. A contessa Sangalletti, ou, como ela insiste em
intitular-se, a minha prima Rachel, é uma mulher sensata, boa
companhia, e resolveu encarregar-se de me mostrar os jardins de
Florença, e mais tarde de Roma, uma vez que lá estaremos ao
mesmo tempo.»
Fiquei satisfeito por Ambrose ter encontrado uma amiga, e
especialmente alguém que partilhava a sua paixão por jardins.
Desconhecendo em absoluto a sociedade florentina ou romana,
receara que entre as suas relações rareassem os ingleses, mas pelo
menos ali estava uma pessoa cuja família era oriunda da Cornualha,
pelo que teriam igualmente isso em comum.
A carta seguinte consistia quase inteiramente em listas de jar­dins
que, embora não estivessem no seu auge nesta estação do ano,
haviam aparentemente impressionado muito Ambrose. Tal como a
nossa parente.
«Começo a sentir verdadeira estima pela nossa prima Rachel»,
escreveu Ambrose no início da primavera, «e aflige-me pensar no
que ela deve ter suportado desse fulano Sangalletti. Estes italianos
são uns patifes traiçoeiros, não há dúvida. Ela é tão inglesa como tu
ou eu, tanto em maneiras como em aparência, e podia ter vivido até
ontem na margem do Tamar. Não se cansa de ouvir falar da nossa
terra e de tudo o que tenho para lhe contar. É extremamente
inteligente mas, graças a Deus, sabe quando calar-se. Com ela não
há aquele incessante tagarelar tão comum nas mulheres. Arranjou-
me excelentes aposentos em Fiesole, não muito longe da sua villa,
e, agora que a temperatura começa a suavizar, passarei grande
parte dos meus dias em casa dela, sentado no terraço, ou
vagueando pelos jardins que são aparentemente famosos pelo
traçado e pela estatuária, assunto de que sei muito pouco. Não
imagino do que subsiste ela, mas calculo que tenha tido de vender
grande parte das peças valiosas da villa para pagar as dívidas do
marido.»
Perguntei ao meu padrinho, Nick Kendall, se se lembrava dos
Coryns. Lembrava-se e não os tinha em grande conta. — Eram um
bando de irresponsáveis, quando eu era rapaz — disse ele. — Per­‐
deram ao jogo todo o seu dinheiro e todas as suas propriedades, e
agora a casa, na margem do Tamar, pouco mais é do que uma
quinta arruinada. Entrou em decadência há uns quarenta anos. O pai
dessa mulher deve ter sido Alexander Coryn — creio que de facto
desapareceu no continente. Era o segundo filho de um segundo
filho. Mas não sei o que lhe aconteceu. Ambrose diz a idade dessa
contessa?
— Não — respondi —, só me conta que ela se casou muito jovem,
mas não diz há quanto tempo. Suponho que será de meia-idade.
— Deve ser verdadeiramente encantadora para Mr. Ashley repa­rar
nela — comentou Louise. — Nunca o ouvi admirar uma mulher.
— Provavelmente é esse o segredo — retorqui eu. — Ela é vulgar
e discreta, e ele não se sente obrigado a elogiá-la. Estou encantado.
Chegaram mais uma ou duas cartas, fragmentadas, sem grandes
notícias. Ele vinha de jantar com a nossa prima Rachel, ou
preparava-se para ir jantar a casa dela. Comentou o facto de haver
poucas pessoas entre os seus amigos de Florença capazes de a
aconselharem desinteressadamente sobre os seus negócios. Era
lisonjeiro para ele, afirmou, poder fazê-lo. E ela mostrava-se muito
grata. Apesar dos seus muitos interesses, parecia estranhamente só.
Não poderia ter tido nada em comum com Sangalletti, e confessou
que toda a sua vida ansiara por amigos ingleses. «Sinto que realizei
alguma coisa para além de adquirir centenas de novas plantas para
levar comigo para casa», dizia ele.
Depois seguiu-se um lapso de tempo. Ele não referira uma data
de regresso, mas era geralmente em finais de abril. A nós, o inverno
parecera-nos longo, e a geada, raramente intensa nos condados de
leste, fora inesperadamente rigorosa. Algumas das suas camélias
haviam sido afetadas e eu esperava que ele não regres­sasse
demasiado cedo, vindo ainda encontrar ventos fortes e chuvas
torrenciais.
A sua carta chegou pouco depois da Páscoa. «Meu caro rapaz»,
começava ele, «estranharás o meu silêncio. A verdade é que nunca
pensei vir a escrever-te um dia uma carta como esta. Os caminhos
da Providência são misteriosos. Foste sempre tão chegado a mim
que possivelmente terás adivinhado algo do turbilhão que me
assolou o espírito durante estas últimas semanas. “Turbilhão” é a
palavra errada. Talvez devesse dizer “feliz perplexidade”, depois
transformada em certeza. Não tomei uma decisão de ânimo leve.
Como sabes, sou demasiado um homem de hábitos para mudar a
minha maneira de viver por um capricho. Mas compreendi, há já
algumas semanas, que não havia outro rumo possível. Encontrei
algo que nunca encontrara antes, e nem julguei que existisse.
Mesmo agora, mal consigo acreditar que aconteceu. Tenho pensado
em ti com muita frequência mas não me senti, até hoje,
suficientemente calmo para escrever. Tenho a informar-te de que a
tua prima Rachel e eu nos casámos há quinze dias. Estamos agora
juntos em Nápoles, em lua de mel, e tencionamos regressar em
breve a Florença. Não posso adiantar mais do que isto. Não fizemos
planos e, nesta altura, nenhum de nós deseja viver para além do
momento presente.
Um dia, espero que não muito distante, conhecê-la-ás, Philip.
Poderia alongar-me, correndo o risco de te aborrecer, com
descrições da sua aparência, da sua bondade, da sua ternura
sincera. São coisas que constatarás por ti próprio. Porque me terá
ela escolhido de entre todos os homens, a mim, reconhecido
misógino endurecido e cínico, não te sei dizer. Ela zomba disto e eu
admito a derrota. Ser derrotado por alguém como ela é, em certo
sentido, uma vitória. Poderia considerar-me vencedor e não vencido,
se tal afirmação não fosse terrivelmente pretensiosa.
Dá a notícia a todos, dá a todos a minha bênção, e também a dela, e
lembra-te, meu caro rapaz e filhote, que este casamento tardio não retirará
nada à afeição profunda que nutro por ti, vindo antes aumentá-la. Agora
que me considero o mais feliz dos homens, procurarei também fazer por ti
mais do que nunca, e sei que ela me ajudará. Escreve depressa e, se
conseguires, acrescenta algumas palavras de saudação para a tua prima
Rachel.

O teu sempre amigo, Ambrose.»

A carta chegou cerca das cinco e meia da tarde, logo após o meu
jantar. Felizmente estava sozinho. Seecombe trouxera a mala do
correio e deixara-a ficar. Meti a carta no bolso e desci através dos
campos em direção ao mar. O sobrinho de Seecombe, que vivia no
moinho da praia, cumprimentou-me. As redes, estendidas no muro
de pedra, secavam aos últimos raios de sol. Mal lhe respondi e ele
deve ter-me achado abrupto. Trepei pelos rochedos até uma estreita
plataforma que entra pela pequena baía onde eu tomava banho no
verão. Ambrose ancorava o barco a cerca de cinquenta metros, e eu
nadava até lá. Sentei-me, tirei a carta do bolso e reli-a. Se
conseguisse sentir uma réstia de simpatia, de satisfação, um só raio
de afeto para com aqueles dois que partilhavam a sua felicidade em
Nápoles, isso ter-me-ia aliviado a consciência. Com vergonha de
mim mesmo, amargamente consciente do meu egoísmo, estava
incapaz de despertar qualquer sentimento no meu coração. Perma­‐
neci ali, entorpecido de desgosto, fixando o mar sereno e chão.
Acabara de fazer vinte e um anos, e no entanto sentia-me tão
solitário e perdido como anos antes, sentado num banco da quarta
classe, em Harrow, sem ninguém a quem chamar amigo, e sem
nada diante de mim exceto um novo mundo de estranhas
experiências com o qual não queria nada.
CAPÍTULO III

Creio que o que mais me envergonhou foi a satisfação dos seus


amigos, o seu prazer genuíno e os seus desejos sinceros de
felicidades. As felicitações choveram sobre mim, como uma espécie
de mensageiro para chegarem até Ambrose, e no meio de tudo isso
eu tinha de sorrir, acenar e dar a entender que há muito previra que
tal acontecesse. Sentia-me hipócrita, traidor. Ambrose ensinara-me
tanto a odiar a falsidade, nos homens como nos animais, que
encontrar-me de repente a fingir ser o que não era representava um
autêntico suplício.
«É a melhor coisa que podia ter acontecido.» Quantas vezes ouvi
estas palavras e tive de lhes fazer eco. Comecei a evitar os meus
vizinhos, a esconder-me em casa e nos bosques para não encontrar
aqueles rostos curiosos e línguas ativas. Se passava a cavalo pelas
quintas ou pela cidade, não havia fuga possível. Bastava que
rendeiros da propriedade, ou conhecidos da família, me avistassem e
estava condenado a conversar. Ator indiferente, eu forçava um
sorriso sentindo a pele do rosto a esticar em protesto, e era
obrigado a responder às perguntas com uma espécie de cordialidade
que detestava, a cordialidade que o mundo espera quando se fala de
casamento. «Quando voltam eles?» Para isso havia apenas uma
resposta: «Não sei. Ambrose não me disse.»
Especulava-se imenso sobre o físico, a idade, o aspeto geral da
noiva, ao que eu respondia: «É viúva, e partilha do seu amor por
jardins.»
Perfeito, acenavam as cabeças, não podia ser melhor, era mesmo
do que Ambrose precisava. E seguiam-se ditos jocosos, gracejos e
muita chalaça pela rendição de um celibatário convicto ao
casamento. Mrs. Pascoe, a megera casada com o vigário, insistia
nesse assunto como se quisesse vingar-se assim de insultos atirados
no passado ao santo estado conjugal.
— Que mudanças vão acontecer, Mr. Ashley — repetia ela em
todas as ocasiões possíveis. — Acabou-se o à-vontade na vossa
casa. E já não era sem tempo. O pessoal vai finalmente andar
organizado, e não creio que isso agrade muito a Seecombe. Há
demasiado tempo que ele põe e dispõe.
Nisso tinha razão. Penso que Seecombe era o meu único aliado,
mas eu tinha o cuidado de não alinhar com ele, e detinha-o quando
ele tentava sondar-me.
— Não sei o que dizer, Mr. Philip — murmurava, sombrio e
resignado. — Uma patroa na casa vai pôr tudo de pernas para o ar,
e nem saberemos às quantas andamos. Primeiro uma coisa, depois
outra, e provavelmente por muito que nos esforcemos nada
agradará à senhora. Creio que chegou a hora de me reformar e
ceder o lugar a alguém mais novo. Talvez fosse melhor mencionar
este assunto a Mr. Ambrose quando lhe escrever.
Respondi-lhe que não dissesse disparates, que tanto Ambrose
como eu ficaríamos perdidos sem ele, mas abanou a cabeça e
continuou a vaguear pela casa, taciturno, não deixando passar uma
opor­tunidade de fazer qualquer triste alusão ao futuro. Eram as
horas das refeições que seriam seguramente alteradas, o mobiliário
modificado, intermináveis limpezas que se estenderiam desde a
madrugada ao crepúsculo sem dar descanso a ninguém, e, golpe
final, até os pobres cães abatidos. Esta profecia, proferida em tom
sepulcral, restituiu-me até certo ponto o meu sentido de humor
perdido, e ri pela primeira vez desde que recebera a carta de
Ambrose.
Que quadro Seecombe pintava! Tive a visão de um regimento de
criadas armadas de esfregões, varrendo todas as teias de aranha da
casa, sob o olhar de rígida desaprovação do velho intendente, de
lábio inferior espetado como era seu hábito. O seu abatimento
divertiu-me, mas, quando as mesmas coisas me foram previstas por
outros — até por Louise Kendall, que, conhecendo-me tão bem,
deveria mostrar tato suficiente para ter tento na língua —, as suas
observações irritaram-me.
— Finalmente vai haver estofos novos na biblioteca — comentou
ela alegremente. — Os atuais estão cinzentos do tempo e do uso,
mas aposto que vocês nunca repararam. E flores em casa, que
progresso! O salão vai finalmente animar-se. Sempre achei uma
pena que não fosse usado. Mrs. Ashley vai certamente decorá-lo
com livros e quadros da sua villa de Itália.
E por aí fora, desenrolando uma longa lista de melhoramentos até
eu perder a paciência e exclamar bruscamente: — Pelo amor de
Deus, Louise, acaba com isso. Estou farto do assunto.
Ela interrompeu-se de súbito e fitou-me com ar perspicaz.
— Por acaso não estarás com ciúmes? — indagou.
— Não sejas pateta — respondi eu.
Não era bonito da minha parte, mas conhecíamo-nos tão bem que
eu a considerava uma irmã mais nova a quem não precisava de
mostrar respeito.
Depois disso ela calou-se e reparei que, quando o estafado tema
voltava à conversa, Louise me fitava e se esforçava por desviar o
assunto. Senti-me grato e gostei ainda mais dela.
Foi o meu padrinho e seu pai, Nick Kendall, que, sem suspeitar,
me desferiu o derradeiro golpe, falando abertamente e com a sua
franqueza habitual.
— Já fizeste alguns planos para o futuro, Philip? — perguntou-me
uma tarde em que fora até lá a cavalo para jantar com eles.
— Planos? Não — retorqui, incerto quanto ao significado da sua
pergunta.
— Ainda é cedo, claro — prosseguiu ele —, e suponho que não
poderás resolver nada até Ambrose e a sua mulher voltarem para
casa, mas perguntei-me se já terias pensado em procurar nas
vizinhanças uma pequena propriedade para ti.
Não assimilei aquilo imediatamente. — Por que motivo haveria de
fazer tal coisa? — indaguei.
— Bom, a situação alterou-se, não é verdade? — disse ele em
tom casual. — Ambrose e a mulher desejarão naturalmente a sua
privacidade. E se vierem crianças, um filho, as coisas não serão o
mesmo para ti, como compreenderás. Tenho a certeza de que
Ambrose não permitirá que sofras com a mudança e te comprará
qualquer propriedade que te agrade. Evidentemente, é possível que
não tenham filhos mas, por outro lado, não há razão para o supor.
Talvez prefiras construir de raiz. Por vezes é mais compensador
construir a nossa casa do que comprar outra que esteja à venda.
Prosseguiu no mesmo tom, mencionando propriedades num raio
de trinta quilómetros suscetíveis de me interessar, e senti-me
satisfeito por ele não parecer esperar resposta ao que dizia. A
verdade é que eu tinha o coração demasiado pesado para falar. O
que ele acabara de sugerir era tão novo e inesperado que não
conseguia ordenar os meus pensamentos e pouco depois arranjei
uma des­culpa e retirei-me. Ciumento, sim. Louise tivera razão nisso,
suponho. O ciúme de uma criança subitamente obrigada a partilhar
a única pessoa da sua vida com um estranho.
Tal como Seecombe, vira-me a esforçar-me por me conformar
com novos hábitos desagradáveis, abandonando o cachimbo,
levantando-me, tentando tomar parte na conversa, adaptando-me
ao rigor e ao tédio de uma sociedade feminina. Imaginara-me a ver
Ambrose, o meu deus, comportar-se como um tolo, obrigando-me a
abandonar a sala constrangido. Mas nunca me imaginara rejeitado,
deixando de ser desejado, expulso do meu lar com uma pensão,
como um criado. Até à chegada de uma criança que chamaria «pai»
a Ambrose, fazendo que eu deixasse de ser preciso.
Se tivesse sido Mrs. Pascoe a chamar-me a atenção para tal
possibilidade, tê-la-ia levado à conta de malevolência, e esquecido.
Mas o meu próprio padrinho, sereno e cordato, enunciando um
facto, era diferente. Voltei para casa doente de incerteza e
melancolia. Não sabia como reagir. Deveria fazer planos, como
sugerira o meu padrinho? Procurar casa? Preparar-me para partir?
Não desejava viver noutro lugar nem possuir outra propriedade.
Ambrose criara-me e educara-me para esta apenas. Era minha. Era
dele. Pertencia-nos a ambos. Mas, de repente, tudo mudara e já não
era assim. Lembro-me de vaguear pela casa ao regressar da visita
aos Kendalls, observando-a com novos olhos, enquanto os cães,
pressentindo a minha agitação, me seguiam tão inquietos como eu.
O meu antigo quarto de criança, há tanto desabitado e onde a
sobrinha de Seecombe vinha uma vez por semana para inspecionar
e organizar a roupa de casa, adquiria um novo significado. Ima­ginei-
o pintado de fresco, e o meu pequeno bastão de críquete, que,
coberto de teias de aranha, repousava ainda numa prateleira entre
pilhas de livros poeirentos, atirado para o lixo. Nunca me deti­vera a
meditar nas recordações que o quarto despertava em mim, e apenas
lá entrava de dois em dois meses, com uma camisa para coser ou
meias para remendar. Agora aspirava de novo a ele, como um
abrigo, um refúgio do mundo exterior. Mas, em vez disso, ele trans­‐
formar-se-ia num local estranho, abafado, tresandando a leite
fervido e a mantas a secar, como as salas de chalés onde eu entrara
tantas vezes e onde viviam crianças pequenas. Ima­ginava-as a
rastejar pelo chão soltando gritos irascíveis, batendo cons­‐
tantemente com as cabeças ou esmurrando cotovelos, ou, pior
ainda, trepando-nos para os joelhos, o rosto crispado como macacos
se os afastássemos. Meu Deus, estaria tudo isto reservado a
Ambrose?
Até aí, quando pensava na minha prima Rachel — o que acontecia
o menos possível, afastando o seu nome do espírito como se faz
com todas as coisas desagradáveis —, fantasiava-a como uma
mulher parecida com Mrs. Pascoe, para pior. De feições angulosas,
com um olho de lince para o pó, como profetizava Seecombe, e,
quando houvesse convidados para jantar, um riso demasiado sonoro
que nos levaria a lastimar Ambrose. Agora ela adquiria novas
proporções. Num momento, monstruosa, como a pobre Molly Bate,
mulher do guarda, que nos forçava a desviar o olhar por pura
delicadeza, e no instante seguinte, pálida e definhada, enterrada
num sofá e coberta de xales, exibindo uma petulância de inválida,
enquanto lá atrás uma enfermeira misturava remédios com uma
colher. Ora de meia-idade e vigorosa, ora pretensiosa e mais jovem
do que Louise, a minha prima Rachel tinha no mínimo uma dúzia de
personalidades, cada uma mais odiosa do que a anterior. Via-a
obrigando Ambrose a pôr-se de joelhos para brincar aos cavalinhos,
as crianças às costas, e Ambrose consentindo com uma docili­dade
humilde, toda a sua dignidade perdida. Mas via-a, igualmente,
envolta em musselina, uma fita nos cabelos, a amuar sacudindo os
caracóis, ondulante e sentimental, enquanto Ambrose, recostado na
sua poltrona, a observava com o sorriso brando de um idiota
estampado no rosto.
Quando, em meados de março, chegou a carta anunciando que,
afinal, haviam decidido permanecer no estrangeiro durante o verão,
o meu alívio foi tão intenso que tive vontade de gritar de alegria.
Senti-me mais traidor do que nunca, mas não conseguia evitar.
«A tua prima Rachel está ainda tão ocupada com o emaranhado
de assuntos que têm de ficar resolvidos antes de ir para Inglaterra»
escrevia Ambrose, «que decidimos, profundamente desapontados,
como podes calcular, adiar o nosso regresso a casa. Eu faço o que
posso, mas a lei italiana é uma coisa e a nossa é outra, e conciliar as
duas é um bico de obra. Tenho gasto uma pequena fortuna, mas a
causa é boa e não o lamento. Falamos imenso de ti, meu rapaz, e só
gostaria que pudesses estar connosco.» E continuava fazendo
perguntas acerca dos trabalhos em casa e do estado dos jardins,
com o entusiasmo apaixonado que lhe era habitual, de tal maneira
que me pareceu que eu devia estar louco para pensar um só
instante que ele pudesse mudar.
A deceção foi evidentemente profunda em toda a vizinhança
quando se soube que eles não regressariam para o verão.
— Talvez — aventou Mrs. Pascoe com um sorriso enten­dido — o
estado de saúde de Mrs. Ashley a impeça de viajar?
— Isso não sei dizer — respondi eu. — Ambrose menciona na sua
carta que passaram uma semana em Veneza e voltaram ambos com
reumatismo.
O rosto dela ensombrou-se. — Reumatismo? A esposa também?
Que lástima. — E acrescentou em tom reflexivo: — Ela deve ser
mais velha do que eu pensava.
Mulher tola, cujo espírito só comportava uma linha de
pensamento. Eu sofri de reumatismo nos joelhos aos dois anos.
Dores de crescimento, diziam-me os mais velhos. Por vezes, quando
chove, ainda as sinto. Apesar disso, a minha mente funcionou à
semelhança da de Mrs. Pascoe: a minha prima Rachel envelheceu
vinte anos. Tinha de novo cabelo grisalho, apoiava-se mesmo a uma
bengala, e eu vi­a-a, quando não estava a plantar rosas nesse jardim
italiano que não conseguia imaginar, sentada a uma mesa, batendo
com a bengala no chão, rodeada por uma meia dúzia de advogados
todos palrando italiano, com o meu pobre Ambrose pacientemente a
seu lado.
Por que motivo não voltava ele para casa, deixando-a a tratar
disso?
Eu, contudo, recuperei o bom humor à medida que a noiva
pretensiosa dava lugar a uma matrona madura, afetada por lumbago
onde ele mais se sente. O quarto das crianças desvaneceu-se e vi o
salão transformado em boudoir, salpicado de biombos, a lareira
abrasadora mesmo em pleno verão, e uma voz impaciente
chamando Seecombe para levar mais carvão, queixando-se de que a
corrente de ar dava cabo dela. Recomecei a cantar nas minhas
saídas a cavalo, incitava os cães a perseguir os jovens coelhos,
nadava antes do pequeno-almoço, navegava pelo estuário no
pequeno veleiro de Ambrose sempre que o vento estava de feição, e
arreliava Louise a propósito das modas de Londres, onde ela foi
passar a estação. Aos vinte e três anos não é preciso muito para
recuperar o bom humor. A minha casa continuava a ser a minha
casa. Ninguém ma arrebatara.
Então, no inverno, o tom das cartas mudou. Impercetivelmente a
princípio, quase não dei por isso, e contudo, ao reler as suas
palavras, apercebi-me de uma espécie de constrangimento em tudo
o que ele dizia, uma nota de ansiedade subjacente apoderando-se
dele. Em parte, nostalgia do seu lar, percebia-se bem. Saudades do
seu próprio país e dos seus bens, mas acima de tudo um sentimento
de solidão que me pareceu estranho num homem casado ainda nem
há dez meses. Ele confessava que o longo verão e o outono tinham
sido muito fatigantes e que o inverno estava invulgarmente abafado.
Apesar de a villa se situar num alto, não corria ar; e dizia que
vagueava de sala em sala como um cão antes de uma tempestade,
mas que os trovões não estalavam. O ar permanecia pesado e ele
daria a alma por uma chuvada torrencial, mesmo que o deixasse
perdido de dores. «Nunca sofri de dores de cabeça», dizia ele, «mas
agora tenho-as com frequência. Às vezes quase me cegam. Estou
farto da visão do sol. Sinto a tua falta mais do que podes imaginar.
Tantas coisas para conversar, mas é difícil numa carta. A minha
mulher foi hoje à cidade, daí a minha oportunidade para escre­ver.»
Era a primeira vez que empregava a expressão «minha mulher». Até
aí, dissera sempre «Rachel» ou «a tua prima Rachel», e as pala­vras
«minha mulher» pareceram-me convencionais e frias.
Nessas cartas de inverno não falava de regresso, mas em todas
transparecia um desejo fremente de saber as novidades, e
comentava o mais insignificante incidente que eu lhe contasse como
se não tivesse mais interesses no mundo.
Não recebi nada na Páscoa, nem no Pentecostes, e comecei a
preocupar-me. Contei ao meu padrinho, que me respondeu que o
tempo atrasava decerto o correio. Houve relatos de quedas de neve
tardias na Europa, e eu não devia esperar receber notícias de
Florença antes do final de maio. Passara-se mais de um ano desde o
casamento de Ambrose, dezoito meses desde que partira. O alívio
inicial que sentira pela sua ausência, após o casamento,
transformara-se em receio de o não ver regressar de todo. Um verão
debilitara-lhe indiscutivelmente a saúde. O que faria um segundo?
Por fim, em julho, chegou uma carta, breve e incoerente, em que o
não reconheci. Até a sua letra, geralmente tão clara, se estendia
pela página como se ele tivesse tido dificuldade em segurar a
caneta.
«Não está tudo bem comigo» dizia ele, «como deves ter-te
apercebido da última vez que te escrevi. É melhor não falarmos
nisso. Ela vigia-me todo o tempo. Escrevi-te várias vezes, mas não
posso confiar em ninguém, e, a menos que consiga sair para
mandar eu próprio as cartas, receio que elas não te cheguem. Desde
a minha doença que não estou em condições de andar muito.
Quanto aos médicos, não acredito em nenhum. São todos eles um
bando de mentirosos. O novo, recomendado por Rainaldi, é um
escroque, o que não admira tendo em conta quem o recomendou.
Contudo, arriscam-se ao meterem-se comigo, e ainda os vencerei a
todos.» Seguia-se um espaço em branco e qualquer coisa riscada
que não consegui decifrar, e depois a sua assinatura.
Mandei o moço de estrebaria selar o meu cavalo e dirigi-me a
casa do meu padrinho para lhe mostrar a carta. Ele ficou tão
preocupado como eu. — Soa-me a um esgotamento mental —
declarou imediatamente. — Não gosto nada disto. Isto não é carta
de um homem são de espírito. Espero em Deus... — Interrompeu-se
e franziu os lábios.
— Espera o quê? — perguntei eu.
— O teu tio Philip, pai de Ambrose, morreu de um tumor no
cérebro. Sabes isso, não é verdade? — disse ele em tom seco.
Eu nunca ouvira falar em tal coisa, e disse-lho.
— Foi antes de tu nasceres, é claro — elucidou ele. — O assunto
nunca se discutiu muito na família. Não sei dizer-te se estas coisas
são hereditárias, e os médicos também não. A ciência médica não
está suficientemente avançada. — Pôs os óculos e releu a carta. —
Há, evidentemente, outra possibilidade, muito pouco provável, mas
que eu preferiria — observou ele.
— Que é?
— Que Ambrose estivesse embriagado quando escreveu a carta.
Se ele não fosse sexagenário e meu padrinho, tê-lo-ia
esbofeteado pela mera sugestão.
— Nunca na vida vi Ambrose embriagado — disse-lhe eu.
— Nem eu — respondeu ele em tom grave. — Tento apenas
escolher o menor de dois males. Penso que deves resolver-te a partir
para Itália.
— Isso já eu decidira antes de vir vê-lo — rematei, regressando
ao solar sem a menor ideia de como organizar a viagem.
De Plymouth não partia nenhum navio que me servisse. Teria de
me dirigira a Londres, e daí a Dover, apanhar o paquete para
Bolonha e atravessar a França de diligência até Itália. Sem atrasos
imprevistos, estaria em Florença daí a cerca de três semanas. Os
meus conhecimentos de francês eram escassos, os de italiano
inexistentes, mas nada disso me preocupava desde que pudesse ir
ao encontro de Ambrose. Despedi-me rapidamente de Seecombe e
dos criados, dizendo-lhes apenas que tencionava fazer uma curta
visita ao patrão, mas sem falar da sua doença, e assim parti para
Londres numa bela manhã de julho, tendo diante de mim a
perspetiva de quase três semanas de viagem num país estranho.
Quando a carruagem virou para a estrada de Bodmin, vi o moço
de estrebaria cavalgando na nossa direção com a mala do correio.
Disse a Wellington para refrear os cavalos e o rapaz entre­gou-me a
mala. Havia apenas uma possibilidade em mil de ela conter outra
carta de Ambrose, mas foi o que aconteceu. Tirei o sobrescrito e
mandei o rapaz para casa. Enquanto Wellington chicoteava os
cavalos, peguei no pedaço de papel e aproximei-o da janela para ter
luz.
As palavras eram meros rabiscos, quase ilegíveis.
«Pelo amor de Deus vem depressa. Ela aniquilou-me finalmente,
Rachel meu tormento. Se demoras, pode ser demasiado tarde.
Ambrose.»
Era tudo. A folha não estava datada, nem havia qualquer marca
no sobrescrito selado com o seu próprio anel.
Permaneci imóvel na carruagem, com o pedaço de papel na mão,
sabendo que não havia poder na terra ou no céu capaz de me levar
até ele antes de meados de agosto.
CAPÍTULO IV

Quando a diligência me deixou com os outros passageiros em


Florença e nos largou na hospedaria à beira do Arno, sentia-me
como se tivesse passado uma vida inteira na estrada. Estava-se a 15
de agosto. Nenhum viajante terá ficado menos impressionado do
que eu ao pisar pela primeira vez o continente da Europa. As
estradas que atravessámos, as colinas e os vales, as cidades
francesas ou italianas onde parávamos para passar a noite, tudo me
parecia semelhante. Por toda a parte reinavam a sujidade e os
parasitas, e o ruído era ensurdecedor. Habituado ao silêncio de uma
casa quase deserta — pois os criados dormiam numa ala própria por
baixo da torre do relógio —, onde à noite não se ouvia outro som
além do vento nas árvores e o fustigar da chuva quando batida de
sudoeste, a algazarra e o turbilhão constantes das cidades
estrangeiras atordoavam-me.
Dormia, sim — quem não dorme aos vinte e quatro anos, após
longas horas de estrada? —, mas os meus sonhos eram povoados de
inúmeros sons estranhos: portas a bater, vozes agudas, passos
debaixo da janela, rodas de carruagens no pavimento empedrado, e
sempre, a cada quarto de hora, o toque de um sino de igreja. Talvez
se eu fosse ao estrangeiro com qualquer outro desígnio tivesse sido
diferente. Então, de manhã, teria podido debruçar-me da minha
janela com o coração mais leve, observar as crianças descalças a
brincar na valeta e atirar-lhes moedas, escutar fascinado todos os
novos sons e vozes, vaguear à noite pelas ruas estreitas e tortuosas
e aprender a gostar delas. Assim, encarava o que via com uma
indiferença que bordava a hostilidade. Precisava de chegar a
Ambrose, e sabendo-o doente num país estrangeiro a minha
ansiedade transformava-se em aversão a tudo o que era estrangeiro,
até ao próprio solo.
Cada dia era mais quente que o anterior. O céu estava de um azul
brilhante e duro, e a mim, percorrendo as curvas das poeirentas
estradas da Toscana, parecia-me que o sol sugara toda a humidade
da terra. Os vales estavam castanhos como barro cozido, e as
pequenas vilas, ressequidas e amarelecidas, agarravam-se às colinas
envoltas na neblina do calor. Bois magros e ossudos arrastavam-se
em busca de água, cabras roçavam-se pelas bermas, guardadas por
crianças que soltavam gritos à passagem da diligência; na minha
ansiedade e no meu receio por Ambrose, tinha a impressão de que
todos os seres vivos deste país estavam sedentos e, não
encontrando água, se deterioravam e morriam.
O meu primeiro instinto ao sair da carruagem em Florença,
enquanto descarregavam a bagagem poeirenta e a levavam para o
interior da hospedaria, foi atravessar a rua empedrada e abeirar-me
do rio. Estava sujo e fatigado, coberto de pó dos pés à cabeça.
Durante os dois últimos dias, para não morrer sufocado no interior
da diligência, optara por viajar ao lado do cocheiro e, tal como os
pobres animais ao longo do caminho, também eu ansiava por água.
Tinha-a finalmente diante de mim. Não o estuário azul da minha
terra, encrespado, salgado e fresco, fustigado de espuma marinha,
mas um lento caudal túrgido, castanho como o seu leito, esvaindo-
se exaurido sob os arcos da ponte, a sua superfície plana estalando
em bolhas ocasionais. Este rio arrastava lixo, pedaços de palha e
vegetação, mas, na minha imaginação febril de fadiga e sede, era
algo para saborear, engolir, despejar pela garganta abaixo como se
toma um trago de veneno.
Fiquei a contemplar a lentidão da água, fascinado, com o sol a
bater na ponte, e subitamente, atrás de mim, na cidade, um grande
sino bateu as quatro horas em tom profundo e solene.
Responderam-lhe os sinos de outras igrejas, e o som misturou-se
com as águas do rio, castanhas e lamacentas, a rolarem sobre as
pedras.
Aproximou-se de mim uma mulher, com uma criança chorosa ao
colo e outra agarrada à saia rasgada, e estendeu-me a mão pedindo
esmola, os olhos negros erguidos para os meus numa súplica. Dei-
lhe uma moeda e virei-me, mas ela continuou a tocar-me no
cotovelo murmurando qualquer coisa, até um dos passageiros, que
ainda se encontrava perto da carruagem, lhe atirar um jato de
palavras em italiano, levando-a a recuar de novo para o canto da
ponte de onde surgira. Era jovem, não mais de dezanove anos, mas
a expressão acossada do seu rosto não tinha idade, como se ela
possuísse no corpo leve uma alma velha que não podia morrer;
desses dois olhos contemplavam-nos séculos, dir-se-ia que ela
observava a vida há tanto tempo que se lhe tornara indiferente. Mais
tarde, depois de ter subido para o quarto que me destinaram, saí
para a pequena varanda debruçada sobre a praça e vi-a esgueirar-se
por entre os cavalos e as carrozzas aí estacionados, furtiva como
uma gata que se esquiva de noite, o ventre a rasar o solo.
Lavei-me e mudei de roupa, mergulhado numa estranha apatia.
Agora que chegara ao fim da minha viagem, invadia-me uma
espécie de torpor, e a pessoa que se metera ao caminho, excitada,
cheia de energia e pronta para qualquer combate, deixara de existir.
Em seu lugar encontrava-se um estranho, desanimado e exausto. A
excitação há muito que se desvanecera. Até mesmo a realidade do
pedaço de papel rasgado que tinha no bolso perdera a sua
substância. Fora escrito há muitas semanas; entretanto muita coisa
teria podido acontecer. Ela podia tê-lo levado de Florença; podiam
ter partido para Roma ou Veneza, e eu via-me arrastado de novo
para aquela pesada diligência, a seguir-lhes o rasto. Percorrendo aos
solavancos cidade atrás de cidade, atravessando de lés a lés aquele
malfadado país sem nunca os encontrar, sempre vencido pelo tempo
e pelas estradas poeirentas e quentes.
E tudo aquilo poderia também não passar de um erro, as cartas
escritas como uma louca brincadeira, uma dessas partidas que
Ambrose apreciava antigamente, quando eu, criança, caía nas
ratoeiras armadas por ele. Talvez ao entrar na villa o fosse encontrar
numa celebração, presidindo a um jantar, com convidados, luzes,
música; e eu seria introduzido no meio deles sem uma desculpa para
a minha presença, sob o olhar atónito de Ambrose, naturalmente de
perfeita saúde.
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