Augustus Nicodemus Lopes - Verdade e Pluralidade No Novo Testamento PDF
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VERDADE E PLURALIDADE
NO NOVO TESTAMENTO
Augustus Nicodemus Lopes*
RESUMO
Quando o cristianismo surgiu no século I da era cristã, apareceu juntamente com
ele uma abundância de variações da pregação dos discípulos de Cristo. Os apósto-
los tiveram que lidar com essas formas emergentes de cristianismo e a atitude que
eles e seus associados tomaram para com elas ficou registrada nos seus escritos,
os livros que hoje compõem o Novo Testamento. Foram os autores do Novo Tes-
tamento receptivos e flexíveis para com estas compreensões diferentes da pessoa
e obra de Cristo? Uma análise de seus escritos mostrará que há várias evidências
de que eles criam que Deus havia revelado um corpo doutrinário definido o bas-
tante para poder caracterizar como falsos e humanos ensinamentos que fossem
divergentes. Neste artigo são analisadas algumas destas evidências, como o
surgimento dos escritos do Novo Testamento, as denúncias dos escritores do Novo
Testamento contra os falsos mestres, as suas exortações para que a sã doutrina
fosse preservada, o conceito de apostasia em seus escritos, a interpretação que
fizeram do Antigo Testamento e o conceito de “verdade” em suas obras. Afirmar a
existência de uma única teologia do Novo Testamento não é negar a imensa vari-
edade que caracteriza seus livros. É reconhecer que tal variedade resulta de ênfa-
ses diferentes, aplicações variadas de um mesmo sistema teológico. O artigo con-
clui que a atitude dos autores do Novo Testamento para com a revelação divina
serve de modelo para a Igreja cristã em todas as épocas e lugares. Como tal, ela
pode fazer afirmações teológicas ou elaborações doutrinárias que sejam conside-
radas como verdadeiras e válidas em todas as épocas e lugares.
PALAVRAS-CHAVE
Novo testamento, pluralidade, apostasia, verdade, tolerância, apóstolos.
_________________________
* O autor é ministro presbiteriano, mestre em Novo Testamento pela Potchefstroom University
for Christian Higher Education, África do Sul, e doutor em Hermenêutica e Estudos Bíblicos pelo
Westminster Theological Seminary, EUA. Atualmente é pastor auxiliar da Igreja Presbiteriana de Santo
Amaro e chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie. O presente artigo é o teor de uma pales-
tra proferida na Universidade Mackenzie em comemoração ao dia do pastor presbiteriano e já se
encontra publicado sob o título “Tolerância no Novo Testamento”, por Publicações Evangélicas
Selecionadas, em 2003. É publicado aqui com a permissão da referida editora.
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AUGUSTUS NICODEMUS LOPES, VERDADE E PLURALIDADE NO NOVO TESTAMENTO
INTRODUÇÃO
Quando o Cristianismo surgiu no século I da era cristã, apareceu junta-
mente com ele uma abundância de variações na pregação dos discípulos de
Cristo. Judaizantes entendiam que as obras da Lei prescritas por Moisés eram
essenciais para que judeus e gentios obtivessem a salvação trazida por Cristo.
Mestres gnósticos negavam a encarnação, defendendo que Cristo tinha uma
aparência de corpo ou fazendo uma distinção entre o Jesus humano e o Cristo
divino que veio sobre ele no batismo. Libertinos, nicolaítas e seguidores de
Jezabel ensinavam formas cristianizadas de paganismo que permitiam partici-
pação nos sacrifícios pagãos e nos seus festivais imorais. Havia grupos que
negavam a ressurreição de mortos, que ensinavam o batismo pelos mortos.
Espirituais defendiam que o Reino de Deus já havia chegado em plenitude
mediante as manifestações carismáticas das línguas de anjos.
Os apóstolos tiveram que lidar com essas formas emergentes de Cristia-
nismo e a atitude que eles e seus associados tiveram para com elas ficou regis-
trada nos seus escritos, os livros que hoje compõem o nosso Novo Testamen-
to. Foram os autores do Novo Testamento receptivos e flexíveis para com
estas compreensões diferentes da pessoa e obra de Cristo? Tinham, eles mes-
mos, uma compreensão única e definida? Alguns estudiosos defendem que o
Novo Testamento não traz um sistema doutrinário coerente e único, mas vári-
os, e que alguns deles são internamente contraditórios. Falam de diferentes
“teologias” contidas nas Escrituras, não em termos complementares, mas em
termos de serem diferentes entre si mesmas. Destacam, por exemplo, a supos-
ta tensão entre o cristianismo propagado por Pedro e o exposto por Paulo, e
entre o paulino e o de Tiago. Os evangelhos refletiriam as teologias divergen-
tes de seus autores. O autor de Hebreus seria um pensador independente da
tradição apostólica. Assim, argumentam, não se pode dizer que existe no Novo
Testamento a idéia de um corpo doutrinário definido e coerente.
O objetivo deste artigo é inquirir se os escritores do Novo Testamento reco-
nheciam um corpo de doutrinas definido e permanente, dado por Deus para a
igreja de Cristo. Indagaremos ainda qual a atitude deles para com ensinamentos
que divergiam e contradiziam esse corpo doutrinário. Colocando em outras pala-
vras, é o Novo Testamento tolerante para com a pluralidade teológica?
Perceberemos em nossa investigação que é perfeitamente claro nos es-
critos do Novo Testamento que os primeiros cristãos estavam conscientes de
que estavam vivendo tempos de cumprimento das antigas promessas, quando
Deus estava revelando sua verdade em seu Filho Jesus Cristo, recebida e anun-
ciada pelos apóstolos e registrada nas Escrituras. Há várias evidências de que
eles criam que Deus havia revelado um corpo doutrinário definido o bastante
para poder caracterizar como falsos e humanos ensinamentos que fossem di-
vergentes. Analisaremos algumas destas evidências, a saber: o surgimento dos
escritos do Novo Testamento, as denúncias dos escritores do Novo Testamento
contra os falsos mestres, as suas exortações para que a sã doutrina fosse preserva-
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priu-se literalmente: anos mais tarde, Paulo teve que escrever a Timóteo dando-
lhe instruções quanto aos falsos mestres presentes em Éfeso (1Timóteo).
Em suas cartas, Paulo alerta contra aqueles que difundiam o que ele con-
siderava como perversão do ensino apostólico por motivos escusos. Ele de-
nuncia a presença e atividade de falsos apóstolos em Corinto, obreiros fraudu-
lentos que se transfiguravam em apóstolos de Cristo (2Co 11.13). Estes eram
provavelmente mestres judeus convertidos ao cristianismo que pregavam aos
convertidos gentílicos a necessidade de guardar a lei de Moisés, e que se apre-
sentavam como apóstolos de Cristo, tendo em suas origens judaicas a fonte de
sua autoridade. Há indícios na segunda carta de que, para Paulo, tais falsos
apóstolos mercadejavam a Palavra de Deus (2Co 2.17), eram astutos e adulte-
ravam a Palavra de Deus (2Co 4.2), e pregavam outro Jesus – e o que era pior,
estavam sendo bem recebidos pela igreja de Corinto (2Co 11.1-4).
A penetração de falsos mestres nas igrejas da Galácia fundadas por Pau-
lo é bem conhecida. Em sua carta a essas igrejas, Paulo se refere aos que
pregam outro evangelho, pervertendo o evangelho de Cristo e perturbando os
irmãos (Gl 1.6-9), que estavam fascinando os gálatas com outra mensagem
(3.1), ensinando que eles deviam se circuncidar (5.2; 6.11) e justificar-se pela
lei de Moisés (5.4). Tais mestres não vinham da parte de Cristo e sofreriam a
condenação (5.7-10). Em sua carta aos crentes de Filipos, o apóstolo mencio-
na alguns que pregavam a Cristo por porfia (Fp 1.15). Provavelmente são os
mesmos maus obreiros provenientes do judaísmo contra os quais os crentes
deviam se acautelar (Fp 3.2). Paulo os considera inimigos da cruz de Cristo, des-
tinados à perdição (Fp 3.18-19). Paulo igualmente denunciou os proponentes de
um falso ensino em Colossos. Ele temia que os mesmos viessem a enredar os
crentes com sua filosofia e vãs sutilezas (Cl 2.8), pregando a guarda de leis judai-
cas (Cl 2.16) sob o pretexto de terem tido visões de anjos (Cl 2.18).
Nas Pastorais encontramos severas palavras do apóstolo sobre proble-
mas doutrinários causados por mestres da lei (1Tm 1.7), a quem Paulo consi-
dera apóstatas obedientes a espíritos enganadores, com a consciência cauteri-
zada, ensinando doutrinas de demônios (1Tm 4.1), mestres que se desviaram
da verdade e pervertiam a fé a muitos (2Tm 2.18), que ensinavam o que o
povo desejava ouvir (2Tm 4.3). Tais mestres provinham do judaísmo e Paulo
os chama de insubordinados, palradores frívolos e enganadores (Tt 1.10).
A atitude dos demais escritores do Novo Testamento é similar. João de-
nuncia com palavras fortes alguns mestres que estavam se infiltrando nas igrejas
da Ásia, considerando-os enganadores e anticristos (1Jo 4.1-4; 2Jo 7). Com
toda probabilidade, eram pregadores que haviam saído das comunidades cris-
tãs para abraçar idéias do gnosticismo incipiente daqueles dias, que, por causa
do dualismo grego entre matéria e espírito, acabava por negar a encarnação de
Cristo (1Jo 2.2) ou a realidade do corpo de Jesus (1Jo 4.2). João certamente
não compartilhava de qualquer conceito pluralístico quanto à doutrina de Cristo,
pois considerava o ensinamento daqueles mestres como sendo uma manifes-
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tação do espírito do erro (1Jo 4.6). Da mesma forma, Pedro não poupa adjeti-
vos contra falsos mestres (2Pe 2.10-15) que, à semelhança dos falsos profetas
do Antigo Testamento, introduziam “heresias destruidoras” (2.1), trazendo
“práticas libertinas” (2.2) com “palavras fictícias” (2.3). Na mesma linha, Judas
denuncia mestres que transformavam em libertinagem a graça de Deus, desta
forma negando a Jesus Cristo (Jd 3-4). A maior parte de sua carta consiste
num acúmulo de adjetivos e imprecações contra tais mestres, justificando com
base no Antigo Testamento a justa condenação dos mesmos.
Não é diferente o que encontramos em Apocalipse. A mesma denúncia
contra o erro e contra os que o espalham transparece claramente da obra. Espí-
ritos imundos, operadores de sinais e prodígios da mentira, usados para esta-
belecer a autenticidade do erro religioso, têm sua origem atribuída a Satanás e
ao anticristo, chamado de falso profeta (Ap 16.13). Os mesmos, juntamente
com todos os que forem seduzidos pelos seus falsos ensinamentos, serão ator-
mentados eternamente no lago de fogo e enxofre (19.20; 20.10).
Em resumo, os autores do Novo Testamento consideram esses mestres
como falsos não somente porque tinham falsos motivos, mas especialmente
porque ensinavam a falsidade teológica, o erro doutrinário, desvios do ensino
apostólico. Portanto, eram considerados como mercenários, emissários de
Satanás, apóstatas, enganadores, desviados, anticristos.
Embora os escritores bíblicos manifestem um grau de compaixão, exi-
gindo o arrependimento para a restauração de cristãos que se desviaram da
verdade (ver Tg 5.19-20), a atitude deles, em contraste, para com os mestres
de falsos ensinamentos, é da mais completa oposição. Paulo determina a Tito
que era necessário fazer calar os mestres que estavam pervertendo casas intei-
ras em Creta (Tt 1.11). Ele entrega a Satanás Himeneu e Alexandre por causa
de blasfêmias (1Tm 1.20), entre elas a afirmação de que a ressurreição já ha-
via acontecido (2Tm 2.17-18). Alexandre, o latoeiro, foi outro mestre do erro
a quem o apóstolo entregou ao castigo divino (2Tm 4.15-15), junto com qual-
quer anjo ou pregador que anunciasse algo além da doutrina apostólica (Gl
1.8-9). A recomendação de Paulo aos crentes em geral era para que se afastas-
sem de quem estivesse em desacordo com a doutrina apostólica (Rm 16.17), como
também João determina: “Se alguém vem ter convosco e não traz esta doutrina,
não o recebais em casa, nem lhe deis as boas-vindas” (2Jo 10). Tão inflexíveis
quanto Paulo e João são Pedro e Judas, os quais, usando termos e expressões bem
semelhantes, determinam que os crentes não caiam no erro daqueles mestres insu-
bordinados e escarnecedores (2Pe 3.17; ver toda a carta de Judas).
Como explicar esta oposição firme contra os falsos mestres senão que os
escritores do Novo Testamento sabiam que haviam recebido um depósito dou-
trinário da parte de Deus e que aqueles cujo ensinamento contradizia este
depósito, ou dele divergia ou se desviava, não procediam de Deus?
1.3 As Exortações para que a Sã Doutrina Seja Preservada
Doutrina é o nome que os Evangelhos dão ao ensinamento de Jesus Cris-
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Nas cartas que escreveu aos pastores Timóteo e Tito, o apóstolo Paulo exorta-
os a exercerem esse papel de guardiães da fé. Timóteo deveria admoestar os
que estavam ensinando outra doutrina, sabendo que eram desviados da verda-
de (1Tm 1.3-7) e se opunham à sã doutrina (1.10). Deveria combater o bom
combate, que consistiria em defender a sã doutrina dos ataques de pessoas
como Himeneu e Alexandre (1.18-20). Deveria expor aos cristãos os perigos
representados pelas doutrinas de demônios, ensinadas por homens de consci-
ência cauterizada (4.1-6), e guardar-se das fábulas profanas e de velhas cadu-
cas (4.7). Paulo o adverte contra os que ensinam outra doutrina e não concor-
dam com as sãs palavras do Senhor Jesus (6.3-10). O apóstolo menciona ain-
da a idéia de “guardar a fé” (verdade) como depósito que havia sido confiado
por Deus (2Tm 1.14; 4.7). Encontramos a mesma orientação na carta endereçada
a Tito, o qual deveria fazer calar os falsos mestres cristãos que estavam atuan-
do nas igrejas de Creta, repreendê-los severamente para que fossem sãos na fé
e não se ocupassem com fábulas judaicas (Tt 1.10-16).
Nas Cartas Pastorais, Paulo enfatiza ainda o papel do presbítero como
guardião e preservador da verdade, destacando seu papel como mestre (1Tm
3.2; 5.17) e sua missão de “exortar pelo reto ensino” e de “convencer os que o
contradizem” (Tt 1.9). As Pastorais expressam de forma tão clara e enfática o
conceito de manter e guardar um depósito doutrinário definido, que estudio-
sos pluralistas recorrem ao expediente de datá-las do século II e negar-lhes a
autoria paulina, alegando que somente então foi que a igreja começou a pen-
sar em um sistema teológico recebido e fixo. Esse recurso extremado tem sido
convenientemente examinado e refutado por eruditos que mantém sua fé na
integridade das Escrituras.
Evidentemente, isto não significa que os escritores do Novo Testamento
não se sentiam autorizados, como apóstolos de Cristo ou associados aos após-
tolos, de interpretar, explicar e elaborar os conceitos recebidos e considerados
como doutrina. Na verdade, é isto mesmo o que eles fazem em seus escritos.
Mas isto era algo que não permitiam a mais ninguém. E consideravam seus
próprios escritos como os cânones da verdade, pelos quais os ensinamentos de
outros deveriam ser julgados.
Portanto, além de denunciar os falsos mestres e suas idéias, os escritores
do Novo Testamento também ensinavam que os cristãos – especialmente os
pastores e presbíteros – deveriam zelar pelo conjunto de verdades reveladas
que eles haviam recebido através dos apóstolos e preservá-lo, evitando que as
mesmas fossem corrompidas por erros velhos e novos. Muito embora usado
de forma pejorativa em alguns círculos, o termo “guardiões da sã doutrina”
cabe perfeitamente neste contexto para definir aquilo que os escritores inspi-
rados desejavam que os cristãos fossem.
1.4 O Conceito de Apostasia
Uma outra evidência de que os autores do Novo Testamento trabalhavam
com o conceito de um corpo doutrinário definido é a consciência que demons-
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aos seus ensinamentos como sendo “verdade”. João se refere a Cristo como
sendo cheio da verdade (Jo 1.14), por meio de quem a verdade foi dada (Jo
1.17). Neste último caso, a referência é ao evangelho, em contraste com a lei
de Moisés. Em seus escritos, Paulo usa o termo para se referir ao evangelho
como corpo doutrinário. Isto aparece especialmente na carta aos Gálatas, onde
o apóstolo combate o erro religioso dos judaizantes. Ele se refere à “verdade
do evangelho” duas vezes (Gl 2.5,14), ou seja, a doutrina cristã ensinada por
ele. A apostasia dos gálatas consistira em deixar de “obedecer a verdade” (Gl
5.7). Ele ainda se refere ao evangelho como sendo a “palavra da verdade” (Ef
1.13; Cl 1.5), o “amor da verdade” (2Ts 2.10; ver ainda 2.12). Nas Cartas
Pastorais, ele considera a igreja como depositária e defensora da verdade (1Tm
3.15), que é a sã doutrina cristã. Conhecer a verdade é a mesma coisa que ter
recebido e crido no evangelho (cf. 1Tm 2.4; 4.3; 6.5).
Nos demais escritos do Novo Testamento encontramos o mesmo uso do
termo “verdade” para o evangelho (cf. Hb 10.26; Tg 1.18; 5.19; 1Pe 1.22; 2Pe
1.12; 2.2). É o apóstolo João, em especial, que mais emprega o termo desta
forma. Em suas cartas, ter a verdade (1Jo 1.18; 2.4) ou ser da verdade (1Jo
3.19) é o equivalente a conhecer e receber verdadeiramente o evangelho, tal
qual foi ensinado pelos apóstolos (1Jo 2.21; 4.6).
Paralelamente ao conceito do evangelho, como verdade, vem o conceito
de erro, mentira e engano para todos os desvios doutrinários do evangelho. Os
ensinamentos dos falsos profetas e mestres que foram os principais inimigos
do evangelho no período apostólico são constantemente referidos como sendo
engano (At 13.10; 2Ts 2.10; 2Tm 3.13; Tt 1.10; 1Jo 2.26), erro (Ef 4.14; 2Tm
2.21; 2Pe 3.17; 1Jo 4.6; Jd 11) e mentira (2Ts 2.9; 1Tm 4.1-2; 1Jo 2.21), ter-
mos que são o oposto do conceito de verdade. Não há necessidade de provar
que o termo “verdade” no Novo Testamento significa a realidade que está por
detrás das palavras, a essência manifesta e verídica do que se diz. Ser verda-
deiro é estar de acordo com a realidade dos fatos. É proceder de Deus. Ao se
referirem ao evangelho como sendo verdade, os apóstolos de Cristo estavam dei-
xando claro que todo ensinamento contrário a ele é erro, mentira, engano.
2. AS IMPLICAÇÕES PARA A IGREJA CRISTÃ
À luz da análise feita acima, devemos, em seguida, nos perguntar qual a
implicação dos resultados a que chegamos para a reflexão teológica, a prática
e a obra missionária da igreja cristã em nossos dias. Segundo entendemos, é
claro no Novo Testamento que seus autores operavam com o conceito de um
corpo doutrinário revelado, normativo e definido, que só podia ser aumentado
por eles mesmos, autorizados que foram por Jesus Cristo. Portanto, todo en-
tendimento, conceito, idéia ou doutrina que divergisse desse corpo doutriná-
rio autorizado era considerado como erro, desvio, apostasia. Perguntemo-nos
agora quais são os modos como podemos ver as implicações dessa constatação
para nós hoje.
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ABSTRACT
When Christianity emerged in the first century AD, a great variety of different
understandings of Jesus and his message also appeared with it. The apostles
had to deal with these emergent forms of Christianity. Their attitude towards
these different understandings, together with that of their associates, has been
preserved in their writings, namely, the New Testament books. Were the New
Testament authors receptive to these divergent preachings about Christ and
his work? An examination of the New Testament writings shows several
indications that its authors believed God had revealed a body of doctrine, fixed
enough to enable them to characterize divergent teachings as errors. In this
article the author examines some of these indications, such as the reasons why
the New Testament books were written, their denunciation against false
teachers, their exhortations that sound doctrine be preserved, the concept of
apostasy, their interpretation of the Old Testament, and the concept of truth
that appears in them. When the author says that we find only one theology in
the New Testament writings he is not denying the obvious variety found in
them. He defends that that variety comes from the different Sitz-im-Leben of
each book, the purposes of their authors and the different emphases due to
different audiences. The article concludes that the attitude of New Testament
writers is a model for the church in all places and times. As such, she can make
theological affirmations that can be considered true and valid for all places
and times, such as the great creeds and confessions of Christianity.
KEY-WORDS
New Testament, plurality, apostasy, truth, tolerance, apostles.
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