Anais
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Reitor
Vitor Hugo Zanette
Vice-Reitor
Aldo Nelson Bona
Apoio
Governo do Estado do Paraná
Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, SETI
Fundação Araucária
Caixa Econômica Federal
Banco do Brasil
Faculdades Campo Real
PROGRAMAÇÃO GERAL
22/06/2009 - Segunda-feira
19h às 20h
Abertura Oficial
20h às 23h
23/06/2009 - Terça-feira
Espetáculo: "Declaração dos Direitos Humanos" com Rossana Campello Manfredini e equipe.
24.06.2009 – Quarta-Feira
13h 30min às 15h:
Apresentação de trabalhos científicos selecionados para o evento, em forma de comunicação.
19h 45min às 23 h
Conferência seguida de debate:“Kant e um certo vocabulário musical” Prof. Dr. Ubirajara
Rancan (UNESP/Marília)
25.06.2009 – Quinta-feira
13h 30min às 15h
Apresentação de trabalhos científicos selecionados para o evento, em forma de comunicação.
19h 30min às 23 h
Conferência seguida de debate: "A motivação moral em Kant", Profa. Dra. Maria de Lourdes
Borges (UFSC)
26.06.2009 - Sexta-Feira
13h 30min às 15h
Apresentação de trabalhos científicos selecionados para o evento, em forma de comunicação.
19h 30min às 23 h
Conferência seguida de debate: "O sublime matemático de Kant e o expressionismo abstrato
na pintura norte-americana" Prof. Dr. Jair Barboza (PUCPR)
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
TEXTOS COMPLETOS
RESUMO DE PALESTRA
RESUMOS DE COMINUCAÇÕES
ADVERTÊNCIA
Os números de página acima indicados referem-se apenas à
paginação contínua do documento presente, em formato PDF,
elaborado conforme exigência formal de prestação de contas
junto à Fundação Araucária, vinculada à Secretaria de Estado
de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, SETI, do Estado do
Paraná, sem cujo apoio o evento em questão dificilmente teria
se realizado. Os textos a seguir mantem a paginação original
(descontínua) resultante de sua publicação oficial nos Anais do
I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO – I CONAFIL –
em meio digital, sob a forma de CD-ROM. Devido a essa nova
formatação (em um único documento), alguns textos podem
apresentar pequenas variações quanto ao lugar físico (no editor
de texto) de uma ou mais linhas em relação à formatação
indivudual de cada um dos textos presentes no CD-ROM.
APRESENTAÇÃO
3
Página
TEXTOS COMPLETOS
Ricardo Terra
USP/CEBRAP
É bom lembrar que há pouco mais de vinte anos Zeliko Lopáric, Valério Rohden,
Guido de Almeida, Balthazar Barbosa e eu nos reunimos para elaborar a minuta de
uma nova associação, que foi finalmente fundada por ocasião do I Congresso Kant
Brasileiro, realizado no Rio de Janeiro em 1988: a Sociedade Kant Brasileira. Na
ocasião foi eleito como primeiro presidente o Prof. Zeliko Loparic. No regimento
estava prevista a criação de regionais da Sociedade e foram fundadas as regionais
do Rio de Janeiro, Campinas e Porto Alegre.
1
O texto que se segue é o resultado inicial de um trabalho em andamento.
II
1
TERRA, Ricardo ―Begrüssungsansprach anlässlich der Eröffnung des X. Internationalen Kant-
Kongresses―, in Rohden, Terra, Almeida, Ruffing (editores) Recht und Frieden in der Philosophie
Kants. Berlin, de Gruyter, 2008.
III
seguintes:
8. Lições de antropologia.
Como se vê, minha análise se restringirá a textos pré-críticos. Mas acredito que os
argumentos valem, com força ainda maior, para os textos críticos.
1
BERNASCONI, Robert, ―Who Invented the Concept of Race? Kant´s Role in the Enlightenment
Construction of Race‖, in: BERNASCONI, R (ed) Race. Blackwell, 2001.
2
BERNASCONI, Robert, ―Kant as an Unfamiliar Source of Racism‖, in: Ward, J. e Lott, T. ed.
Philosophers on Race. Critical Essays. Blackwell, 2002.
3
EZE, Emmanuel Chukwudi, ―The Color of Reason: The Idea of ´Race´ in Kant´s Anthropology‖, in:
5
EZE, E.C. (ed) Postcolonial African Philosophy. Cambridge, Blackwell, 1997. Devido à limitação de
Página
espaço, não será possível comentar esse artigo, mas pode-se dizer que violenta o texto kantiano, por
exemplo, em relação ao conceito de transcendental, e também que se utiliza da mesma retórica da
suspeição presente em Bernasconi.
1
BERNASCONI, Robert, ―Who Invented the Concept of Race?‖, p. 15
2
BERNASCONI, Robert, ―Kant as an Unfamiliar Source of Racism‖, in: Ward, J. e Lott, T. ed.,
Philosophers on Race. Critical Essays. Blackwell, 2002, p. 145.
questão de saber se Kant pensou sobre eles de tal maneira que comprometeu a
universalidade de sua teoria moral universal‖.1
Bernasconi não para por aí. Refere-se ao livro de Horkheimer e Adorno, Dialética do
esclarecimento, no sentido de indicar a vinculação do seu humanismo, igualitarismo
e cosmopolitismo com o racismo. Cito: ―Se alguém aceita a sugestão de Horkheimer
e Adorno na Dialética do Esclarecimento, segundo a qual o humanismo, o
igualitarismo e o cosmopolitismo não contradizem tanto o racismo, mas prestam-se
a ele, afirmando-o enquanto tentam negá-lo, mais questões do que respostas são
criadas e, então, [tal sugestão] pode ser tomada apenas como ponto de partida. Por
que tantos pensadores esclarecidos foram aparentemente incapazes de articular o
novo sentido de humanidade sem ao mesmo tempo desenhar-lhe os limites mais
rígida e explicitamente que antes? O registro histórico não mostra que o
cosmopolitismo não apenas não foi introduzido para combater o racismo, mas
também que prontamente o acomodou?‖.2
Convém dizer, de saída, que concordo com Thomas McCarthy (―Die politische
Philosophie und das Problem der Rasse‖3) quando ele diz que Bernasconi exagera
ao pretender que as afirmações de Kant sobre as raças comprometam suas
pretensões universalistas. Nesse sentido, é necessário distinguir uma perspectiva,
digamos, antropológica, baseada em relatos de viagens, da perspectiva de uma
1
Idem p. 161. Thomas McCarthy depois de reconhecer a relevância dos artigos de Bernasconi e Eze
para sua própria análise da relação da filosofia política com o problema da raça no que diz respeito
ao pensamento kantiano, escreve: ―não obstante, penso que Bernasconi e Eze exageram a medida
em que o pensamento de Kant relativo às raças aniquila seu projeto filosófico como um todo‖, ―Die
politische Philosophie und das Problem der Rasse‖, in: WINGERT, L. e GÜNTHER, K. eds., Die
Öffentlichkeit der Vernunft und die Vernunft der Öffentlichkeit. Frankfurt, Suhrkamp, 2001, p. 631
2
BERNASCONI, Robert. ―Kant as an Unfamiliar Source of Racism‖, in: WARD, J. e LOTT, T. ed.
Philosophers on Race. Critical Essays. Blackwell, 2002, p 146. Ver também a passagem: ―Kant
caracteriza negros e americanos nativos e em certa medida outras raças de maneira que sugere que
lhes falta a autonomia para contar como plenos agentes morais. Em outras palavras, não é somente
uma questão de como negros e americanos nativos são vistos dentro da teoria moral de Kant, mas
também uma questão de saber se ele pensou sobre aqueles de tal modo que comprometeu a
7
3
MCCARTHY, Thomas. ―Die politische Philosophie und das Problem der Rasse‖, in: WINGERT, L. e
GÜNTHER, K. eds. Die Öffentlichkeit der Vernunft und die Vernunft der Öffentlichkeit. Frankfurt,
Suhrkamp, 2001, p. 631.
Mas tratemos agora dessa questão na década de 1760 e 1770, Nas Observações e
Notas e, depois, no texto sobre as raças.
IV
Podemos ler, nas Observações, que ―entre todos os selvagens, nenhum outro povo
demonstra um caráter espiritual tão sublime como o da América do Norte. Possuem
um forte sentimento de honra e, para alcançá-la, buscam selvagens aventuras por
centenas de milhas e são extremamente atentos em preservá-las do menor prejuízo,
mesmo quando um inimigo feroz, depois de tê-los feito prisioneiros, procura forçá-lo
a um gemido covarde por meio de terríveis torturas. O selvagem canadense é, aliás,
sincero e honesto‖.3 Um pouco adiante, lemos o seguinte: ―Licurgo provavelmente
1
RITTER, C. Der Rechtsgedanke Kants nach den frühen Quellen. Frankfurt, V. Klostermann, 1961.
2
Para uma ampla análise da concepção de raça no pensamento kantiano, que leva em conta os
8
diferentes estatutos epistemológicos e práticos dos textos de Kant, ver de LAGIER, Raphaël, Les
Página
Em relação aos negros, as afirmações racistas são mais pronunciadas ainda. Kant
escreve: ―Os negros da África não possuem, por natureza, nenhum sentimento que
se eleve acima do ridículo. O senhor Hume desafia qualquer um a citar um único
exemplo em que um negro tenha demonstrado talentos, e afirma: dentre os milhões
de pretos que foram deportados de seus países, não obstante muitos deles terem
sido postos em liberdade, não se encontrou um único sequer que apresentasse algo
grandioso na arte ou na ciência, ou em qualquer outra aptidão; já entre os brancos,
constantemente arrojam-se aqueles que, saídos da plebe mais baixa, adquirem no
mundo certo prestígio, por força e dons excelentes‖. (Beob. Ak, II, 253)3 Argumentos
semelhantes às vezes são usados em relação às mulheres, por exemplo quando se
pergunta por que tão poucas mulheres se tornaram grandes filósofas ou cientistas.
1
Idem, Ak.II, 253; 76.
2
Bemerkungen zu den Beobachtungen über das Gefühl des Schönen und Erhabenen, Ak. XX, 166.
3
Vejamos o texto do próprio Hume: ―Eu me inclino a suspeitar que os negros são naturalmente
inferiores aos brancos. Praticamente nunca existiu uma nação civilizada com aquela compleição, nem
sequer um individuo eminente seja na ação seja na especulação. Não existem manufaturas
engenhosas entre eles, nem artes nem ciências. Em contrapartida, mesmo os mais rudes e bárbaros
dos brancos, como as antigos Alemães ou os Tártaros no presente, apresentam algo de eminente
entre eles (...) Semelhante diferença uniforme e constante, não poderia acontecer em tantos países e
épocas se a natureza não tivesse feito uma distinção original entre essas raças de homens. Sem
mencionar nossas colônias, existem escravos negros dispersos por toda a Europa, e nunca se
descobriu em qualquer um deles algum sinal de engenhosidade, enquanto membros brancos da
classe baixa, sem educação, são capazes de progredir e se destacar em qualquer profissão‖. HUME,
David. ―Do caráter nacional‖. In: Ensaios Políticos & Literários. Rio de Janeiro, Topbooks Editora,
9
2004, p. 344. Outras passagens de Kant: ―nas terras dos negros o que esperar de melhor do que
Página
ordinariamente lá se encontra, ou seja, o sexo feminino na mais profunda escravidão? (Beob. II, 254;
77); ―esse sujeito era preto da cabeça aos pés, argumento suficiente para considerar irrelevante o
que disse‖. (Beob. II, 255; 78).
Essas últimas passagens devem ser lidas com cuidado, de modo que possamos
diferenciar os estatutos dos textos: o que é observação empírica e o que é reflexão
filosófica. Kant depende para a sua observação de relatos de viagens, já que só
conhecia pessoalmente os arredores de Königsberg. Além disso, a perspectiva
empírica tem de ser considerada no quadro de suas limitações. A censura que um
povo faz a outro pode ser feita de volta ao primeiro. E devemos levar em conta a
afirmação de que se pode supor que ―nenhuma nação encontre-se privada das
disposições de espírito que reúnem as qualidades eminentes desse tipo‖. Kant
10
Mesmo assim, é certo, as afirmações racistas são brutais. Em que medida, porém,
interferem elas na elaboração da filosofia kantiana? Haveria alguma influência das
observações antropológicas racistas na elaboração conceitual? Segundo Vinícius
Figueiredo, tradutor para o português das Observações sobre o sentimento do belo
e do sublime, ―na descrição dos comportamentos humanos, o ideal de elegância,
formulado conforme os parâmetros do refinamento, prefigura com nitidez a figura do
homem esclarecido que, mais tarde como aqui, caracteriza-se por uma conduta
norteada pela crítica. Guardadas as diferenças, as Observações, como aponta seu
desfecho, já delineiam a antropologia do Esclarecimento, apropriando-se de duas
idéias centrais do século XVIII, a educação e o cosmopolitismo: ambas se
encontram aí articuladas pela aposta de Kant na consolidação, tanto nas artes como
nas ciências, do gosto do jovem cidadão do mundo, o Weltbürger.‖1
1
FIGUEIREDO, Vinícius. « Introdução » a Kant Observação sobre o sentimento do belo e do sublime.
Página
Campinas, Papirus, 1993, p. 12, ver também Figueiredo, V. 1762-1772 Estudo sobre a relação entre
método, teoria e pratica na gênese da critica kantiana. Tese de Doutorado, Universidade de São
Paulo, 1998.
1
FERRARI, Jean, Les sources françaises de la philosophie de Kant. Paris, Librairie Klincksieck, 1979,
Página
p.186.
2
Cf. TERRA, R. A Política tensa. Ideia e Realidade na Filosofia da História de Kant. São Paulo,
Iluminuras, 1995, 26 e seguintes.
composto por fases; a mudança não seria forçada pelo agravamento da situação de
guerra. A exigência de sair do estado de natureza será caracterizada como a priori,
como uma exigência puramente racional, e não como um misto de razão e paixão.‖1
Antes de entrar na análise do texto sobre as raças de 1775, convém lembrar que
Kant ministrou cursos de Geografia Física de 1756 a 1796. Segundo Michele Cohen-
Halimi, ―o curso de Geografia Física acompanhou, por assim dizer clandestinamente,
todo o percurso filosófico de Kant, já que só foi editado tardiamente, em 1802: nos
268 ciclos de cursos que o filósofo de Königsberg assegurou durante toda sua
atividade acadêmica, iniciada em 1755 e terminada em 1796, 54 foram consagrados
à lógica e à metafísica, 49 à geografia física, 46 à ética, 28 à antropologia, 24 à
física teórica, 20 às matemáticas, 16 ao direito, 12 à enciclopédia das ciências
filosóficas, 11 à pedagogia, 4 à mecânica, 2 à mineralogia e apenas 1 à teologia‖.2
Kant era um leitor assíduo de relatos de viagens e dependia de tais textos como
fonte de informações. ―Kant diz, em mais de uma ocasião, que esperava os
resultados de tal ou qual viagem de exploração em curso, e esperava notadamente
as informações de Humboldt‖.3 É importante lembrar que a qualidade e a veracidade
desse tipo de informação variavam muito, pois, além de Humboldt, havia muitos
aventureiros, comerciantes e padres cujos relatos eram lidos na época.
13
Página
1
TERRA, R. op. cit. P. 34
2
COHEN-HALIMI, M. ―Introduction‖ à tradução de Kant Géographie. Paris, Aubier, 1999, p. 10.
3
Idem, ibidem.
Com vistas a isso, demos a palavra a Gérard Lebrun em Kant sans kantisme, uma
recém publicada coletânea de artigos em que ele procura mostrar como Kant
distingue a descrição da natureza e a história natural. A descrição preocupa-se
apenas com a classificação, quando, por exemplo, alinhamos o cachorro e o gato
como animais quadrúpedes. já o historiador da natureza vai mais longe, buscando
nas espécies filiações ou formações derivadas, como as raças.1 ―Entendemos por
raças grupos caracterizados por traços ‗infalivelmente hereditários‘ sem formar,
entretanto, espécies, pois a fecundidade dos cruzamentos entre esses grupos torna
mais verossimilhante sua derivação de um mesmo tronco comum. Essa noção de
raça, à qual as descrições da natureza permanecem indiferentes, é ao contrário
indispensável ao historiador da natureza, que, ele, tem em vista prioritariamente a
regra enunciada por Buffon: ‗todos os animais suscetíveis de procriar filhos também
14
Página
1
Cf. LEBRUN, G. Kant sans kantisme. Paris, fayard, 2009, p. 264. ―A divisão escolástica se faz por
classes, reparte os animais segundo a semelhança; a divisão da natureza se faz pelo tronco
(Stamm), ela reparte segundo o parentesco, do ponto de vista da geração‖ (Ak. II, 429).
Essa caracterização de Bufon é, de fato, fundamental para Kant, já que aponta para
o caráter único da humanidade. O tronco original teria tido uma série de germes, que
se desenvolveram em certas circunstâncias de clima, como temperatura e umidade.
Depois que os germes se desenvolveram, eles passaram para as gerações
seguintes sem retorno. Os descendentes de negros que nasceram na Europa,
mesmo depois de muitas gerações, continuam a ser negros.
em minha opinião, seria nele mesmo realizável, mas é evitado completamente pela
Página
1
Idem, p. 264.
É inegável que encontramos nos textos de Kant muitas passagens de caráter racista
e eurocêntrico. Segundo procurei mostrar, no entanto, tais considerações não
atingem o universalismo dos conceitos filosóficos, mesmo no período pré-critico. A
elaboração do conceito de raça não contém, nela mesma, as conotações que lhe
seriam atribuídas nos séculos XIX e XX. Com Lebrun e Monique Castillo, podemos
relacionar a teoria das raças a uma perspectiva universalista, à história universal de
um ponto de vista cosmopolita, e, assim, afastarmo-nos da leitura empobrecedora
de Bernasconi.
16
Página
1
Idem, p. 265. Ver também : CASTILLO, Monique Kant et l´avenir de la culture. Pars, PUF, 1990, p.
79 e seguintes.
Valerio Rohden
PUCPR/UFSC
[email protected]
1
O presente texto foi também publicado em AdVerbum, revista digital de filosofia da psicanálise, v. 4,
nº 1, jan/jul 2009, pp. 3-9.
2
KANT, I. Reflexionen zur Anthropologie. Kant´s gesammelte Schriften. Akademie-Ausgabe = AA.
Band XV/1. Berlin und Leipzig: Walter de Gruyter, 1923, p. 65. Tradução em andamento na PUCPR,
com apoio da Fundação Araucária.
3
KANT, I. Anthropologie in pragmatischer Hinsicht. Akademie Textausgabe. Bd. VII. Berlin: Walter de
Gruyter, 1968. (abrev.: Anth). Antropologia de um ponto de vista pragmático. Trad. Clélia Aparecida
Martins. S. Paulo: Iluminuras, 2006; Antropologia em sentido pragmático. Traducción de Mario Caimi
1
(no prelo).
Página
4
A tradução dessas Reflexões sobre Antropologia encontra-se em andamento na PUCPR, com a
participação dos professores Valerio Rohden e Daniel Omar Pérez e com o apoio da Fundação
Araucária.
2
KrV B 180
3
KANT, I. Crítica da faculdade do juízo. Trad. Valerio Rohden e António Marques. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 1993, B LVIII (abrev.: KU).
Esta última frase sugere-nos que o pensamento comporta uma significação maior do
que a sua expressão, e que há uma obscuridade no pensamento que pode ser
fecunda, mas não é clara ou distinta. Ela parece, à primeira vista, contrariar a
posição de Wittgenstein do Tractatus, de que sobre o que não se consegue falar ou
que não se consegue dizer claramente se deve calar. Em tese, Kant concordaria em
que só o pensamento claro pode ser formulado, mas ele não limita o pensamento à
sua expressão linguística. Sobre o que se deve calar, diria Kant, nem por isso se
deixaria de pensá-lo obscuramente.
O que então podemos fazer é recorrer agora ao texto da própria Antropologia de um
ponto de vista pragmático e a seus comentários por Reinhard Brandt, no que
concerne aos conceitos de representações claras e distintas, para ver se
encontramos aí mais luz para melhor compreensão da posição de Kant. Em
oposição às representações obscuras, entendidas como não-conscientes, as
representações claras dependem de nossa ação, de nossa força de alma, do
arbítrio, da atenção (cf. Reflexão 172). A clareza é voltada para a consciência dos
objetos, e não para a consciência de si mesmo. Representações claras são todas as
representações não-obscuras, que por sua vez são representações não
imediatamente conscientes, que contudo podem vir a tornar-se mediatamente
conscientes, por inferência. Nas representações claras diferenciamos um objeto de
outro, mas ainda sem a diferenciação e ligação de suas partes, mediante cuja
operação passam a chamar-se representações distintas. As representações distintas
são representações claras que se estendem às partes e suas ligações, Por exemplo,
nós distinguimos faculdades do ânimo: entendimento e razão, o lógico e o real, o
material e o formal. A distinção é fruto da ordenação, da divisão em classes e
especialidades e da própria sistematização. A consciência da composição
pressupõe unidade, regra e ordem do múltiplo. A distinção é a clareza na
composição das representações. Com o que só a representação distinta transforma
4
modo essa inferência pode processar-se fica omitido no texto. Segundo ele, mesmo
Página
obscuras, podemos inferir com certeza que as temos (cf. Anth AA 135). Do contrário
nos moveríamos muito pouco, uma vez que o campo das representações obscuras
no ser humano e nos animais é imenso, em contraste com os poucos pontos
acessíveis das representações claras: ―No mapa der nossa mente... só poucos
lugares estão iluminados‖ (ib.). Se fôssemos capazes de ver em ato o que se oculta
em nossa memória, um mundo se abriria ao nosso olhar.
Outro exemplo curioso é de que o nosso olho nu recebe a mesma quantidade de luz
que um telescópio. O que nos leva a admitir que todos os objetos iluminados em
nosso campo de visão de algum modo atingem nossa retina – mesmo que não
sejamos conscientes disso – e que o telescópio não faz senão ampliar as imagens
recebidas por nosso olho nu e assim transformar a presença de imagens não
conscientes em imagens conscientes.
Felizmente Kant recorre ainda a um exemplo que foge ao olhar e reclama a
complementação do ouvido pela reflexão, pelo juízo e pelo entendimento. O
exemplo é o da improvisação do músico executando uma fantasia ao órgão. Nessa
fantasia não há nenhuma desafinação por qualquer golpe de dedo, de modo que a
improvisação livre sai talvez mais primorosa que um trabalho diligentemente
produzido. Isso me faz recordar o que Daniel Barenboim escreveu num livro, cujo
título já é a propósito significativo: La musica sveglia il tempo (a música desperta o
tempo)1, – ou seja, a música é capaz de elevar à consciência um tempo que afora
isso se encontraria adormecido. O que Barenboim, administrador da Ópera de
Berlin, nessas páginas do curso em Harvard sustenta é que a inteligência penetra
profundamente o ouvido: La sensibilità musicale tuttavia è insuficente, a meno che
non sia già unità di pensiero (p. 21). Talvez as explicações de Kant e Barenboim
bebam da própria fonte da vida, que de um lado inspira o improvisador de uma
fantasia e de outro produz a própria unidade de ouvido e entendimento nela. Nas
palavras de Barenboim: Quindi tenterò l‟impossibile e cercherò diretto individuare
6
Página
1
BARENBOIM, D. La musica sveglia Il tempo. Milano: Feltrinelli, 3ª. ed. jan. 2008 (1ª. ed. nov, 2007).
primeiro que é elogiado por Kant como uma mina de tesouros ocultos escondidos na
profundidade do ânimo. Há casos em que, para a resolução de uma questão, é mais
seguro seguir as regras universais inatas do entendimento, do que buscar princípios
encontrados num estudo forçado e artificial do engenho escolástico – fazendo-se
assim o resultado depender de fundamentos determinantes do juízo que residem na
obscuridade do ânimo (tato lógico). Neste caso, ―a reflexão se representa o objeto
de vários lados, e produz um resultado correto sem tornar-se consciente dos atos
que o precedem no interior do ânimo‖ (Anth AA 140). Essa cooperação inconsciente
entre ciência e senso comum mereceria um estudo específico.
Nosso passo seguinte será apreciar brevemente os comentários de Reinhard Brandt
a esses §§ 5 e 6, em seu Comentário crítico à Antropologia de Kant 1. De início, ele
confessa com Beno Erdmann sua estranheza, de que as representações da razão
prática, que detinham uma importância tão grande (―todo mundo sabe, só não está
consciente‖), não tenham sido aí consideradas. Sabemo-lo nós mesmos, da
Doutrina da virtude: ―Princípio da moral é uma metafísica obscuramente pensada‖.2
Interessante é a remissão de Brandt ao capítulo I da Física de Aristóteles, segundo a
qual precisamos partir do geral, do todo, mais conhecido aos sentidos. Depois o
entendimento com seus conceitos opera sobre esse universal simples, desmembra-
o, torna-o objetivo e distinto. Para Kant, o objeto sensível é só um múltiplo, embora
dê exemplos de percepção de uma casa, um homem, um navio, sem que vejamos
algumas de suas partes.
Brandt admite que a reflexão, embora reservada para atividades conscientes,
comporta obscuridade. O entendimento é maximamente atuante nela, pois as
reflexões claras em geral resultam de reflexões obscuras. Mas Kant não levanta a
questão de que papel o Eu joga nas representações, atividades e reflexões
obscuras.
8
Página
1
BRANDT, R. Kritisches Kommentar zu Kants Anthropologie in pragmatischer Hinsicht (1798).
Hamburg: Felix Meiner, 1999, pp. 142-174.
2
KANT, I. Metaphysik der Sitten / Tugendlehre. Kants Werke, VI, AA 376.
Mais controversa é a afirmação de Brandt de que Kant não usa o termo unbewusst
(inconsciente), embora Rudolf Eisler o tenha incluído em seu Kant-Lexikon (1930).1
Enfim, para o comentador, Kant não investiga o inconsciente (cf. Kommentar 157).
Para Brandt tampouco a Antropologia oferece alguma ponte das representações
obscuras da consciência para o sentimento de prazer e a faculdade de apetição.
Contudo entendo que outros autores referidos – Leibniz/Locke, para os quais a alma
está repleta de representações diminutas, e Herder: a nossa alma é uma força
representativa do universo, cujo fundo total é constituído de ideias obscuras (cf.
Brandt 149) – oferecem suporte à concepção de Kant, de que o olho humano vê,
ainda que obscuramente, o que o telescópio mostra. Mas, pensa Kant, se o homem
pudesse ser consciente de todas as representações que ocupam a alma, seria uma
espécie de divindade.
Uma investigação acabada do significado das representações não-conscientes na
teoria do conhecimento de Kant ainda está por ser feita. Claudio La Rocca, com seu
texto Der dunkle Verstand. Unbewusste Vorstellungen und Selbstbewusstsein bei
Kant (O entendimento obscuro. Representações inconscientes e autoconsciência em
Kant), ofereceu uma relevante contribuição para o desenvolvimento da reflexão
nessa direção, a partir da pergunta pelas ―condições de possibilidade de uma
investigação do inconsciente como uma esfera independente e múltipla de eventos e
processos mentais‖. 2 Sua resposta é de que Kant, para além das contribuições de
Leibniz e Wolff a uma lógica do inconsciente, opera uma transformação radical da
concepção das chamadas representações obscuras: ele, fundamentalmente, faz
implodir essa concepção, dando-lhe uma direção nova. Segundo ele, Kant deixa de
ver as representações obscuras como um defeito da falta de reflexividade no fundo
da alma, que, ao invés, por meio delas realiza plenamente a sua função. Ou seja,
9
1
EISLER, R. Kant-Lexikon. Hildesheim: Georg Olms, 1964, p.549-550.
Página
2
In: ROHDEN, V.; TERRA, R.; ALMEIDA, G.; RUFFING, M. (Hrsg.). Recht und Frieden in der
Philosophie Kants. Akten des X. Internationalen Kanat Kongresses, v. II. Berlin / New York: Walter de
Gruyter, 2008, p. 457.
Kant tem uma concepção positiva do inconsciente, que envolve uma variedade de
operações:
- percepções obscuras sensíveis de pequenas partes de um objeto só
compreensível em sua totalidade (Via Láctea);
- sentimentos obscuros, pressentimentos etc., que envolvem atos de reflexão
realizados inconscientemente;
- atividade reflexiva inconsciente de diferentes formas;
- representações mais complexas metafísicas ou morais, a serem esclarecidas;
- cursos de representações imaginativas: muitas vezes somos ―um jogo de
representações obscuras‖;
- o entendimento como um lugar de atividades espirituais parcialmente
inconscientes. E é nessa atividade inconsciente que se operam as suas produções
mais criativas: ―Talvez no mais profundo sono se exerça a máxima perfeição da alma
no pensamento racional‖ (Refl 1764). Inferências secretas e obscuras geram
conceitos ao ensejo da experiência, contribuindo corretamente para o conhecimento.
―Todos os conhecimentos racionais (descobertas) são preparados na obscuridade‖
(Refl 1482, XV/2, p. 665). Isso permite o desenvolvimento de uma teoria segundo a
qual a operação inconsciente do entendimento constitui basicamente uma
preparação do conhecimento consciente.
Porem o ponto central da contribuição de La Rocca reside na fundamentação de sua
tese, de que a teoria das representações inconscientes está presente já na posição
transcendental da Crítica da razão pura. Aí a imaginação é uma cega operação da
alma, sem a qual não há conhecimento. A ligação é uma ação do entendimento,
―quer sejamos conscientes ou não dela‖ (KrV B 130). E, ao fundar a ação de julgar
na apercepção transcendental, Kant não diz que todo ato de representação seja ao
mesmo tempo um ato de pensamento autoconsciente, mas que todo conteúdo
representacional tem de ser um conteúdo pensável. O que importa aqui não é um
10
1
Na apresentação deste texto na UFPR, foi-me perguntado em que a concepção das representações
12
Augusto Bach
DEFIL – UNICENTRO/PR
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1. Introdução
população, previsão dos seus riscos de contágio, era toda uma parafernália técnica
de inoculação e vacinação que vinha a ser administrada em defesa da sociedade.
Contra seus próprios perigos internos, um conjunto de mecanismos de proteção e
controle social esboçava desde já aquilo que viria a ser nossa preocupação maior: o
alerta em nome da segurança e vida da população. Proferida curiosamente na
cidade do Rio de Janeiro – palco setenta anos antes de um trágico conflito social de
amotinados contra as primeiras práticas bio-políticas na história do Estado brasileiro,
cuja medicina encontrava-se, aliás, sob os auspícios do Dr. Oswaldo Cruz – essa
conferência dava sequencia a um longo ciclo de inquietações em seu itinerário
intelectual.1
E apenas dois anos depois, podemos reencontrar a mesma expressão já inserida
num contexto filosófico mais amplo. Tanto no último capítulo de A vontade de saber,
intitulado ―Direito de morte e poder sobre a vida‖, publicado em 76, como na última
aula deste mesmo ano ministrada no Collège de France, publicada mais tarde como
Em defesa da sociedade, Foucault começava a situar a bio-política no interior de
uma estratégia que foge ao simples escopo de suas pesquisas sobre medicina
2
social. Se em Vigiar e Punir (1975) e na conferência sobre medicina pública suas
indagações se debruçavam sobre o corpo – objeto de investimento político da
sociedade sobre o indivíduo em seu pequeno dia a dia – doravante será o aspecto
do corpo como coletividade que passará a ser ressaltado. Em resumo, o tema da
―população‖ como unidade portadora de sentido em função de processos biológicos
começa lentamente a ganhar forma em seus estudos. Novas técnicas como a
1
―Minha hipótese é que com o capitalismo não se deu a passagem de uma medicina coletiva para
uma medicina privada, mas justamente o contrário; que o capitalismo, desenvolvendo-se em fins do
século XVIII e início do século XIX, socializou um primeiro objeto que foi o corpo enquanto força de
produção, força de trabalho. O controle da sociedade sobre os indivíduos não se opera simplesmente
pela consciência ou pela ideologia, mas começa no corpo, com o corpo. Foi no biológico, no
somático, no corporal que, antes de tudo, investiu a sociedade capitalista. O corpo é uma realidade
bio-política. A medicina é uma estratégia bio-política.‖ (FOUCAULT, M. O nascimento da medicina
social em Microfísica do poder, p.80).
2
2
Sabe-se, por exemplo, que desde História da Loucura (1961) Foucault esteve às voltas com os
Página
1
FOUCAULT, M. A vontade de saber, p.79.
Temos antes que admitir que o poder produz saber, que poder e saber estão
diretamente implicados; que não há relação de poder sem constituição correlata
de um campo de saber, nem saber que não suponha e não constitua ao mesmo
tempo relações de poder. Essas relações de ‗poder-saber‘ não devem então ser
analisadas a partir de um sujeito de conhecimento que seria ou não livre em
relação ao sistema do poder; mas é preciso considerar ao contrário que o sujeito
que conhece, os objetos a conhecer e as modalidades de conhecimentos são
outros tantos efeitos dessas implicações fundamentais do poder-saber e de suas
transformações históricas.2
Seja por erro, ignorância ou pura estupidez, temos sempre a tendência em acreditar
que o saber seja resultado de operações lógicas isentas de qualquer relação de
força. Para Foucault, no entanto, nunca houve modelo de verdade que pairasse
sobre os ares do convívio político humano nem ciência positiva que já não
implicasse uma prática de poder se exercendo concomitantemente. Pois é
precisamente no contato físico do eu com o outro, no intermédio de uma relação
afetiva e resistente a abstrações, que ele localizou o funcionamento concreto de
técnicas disciplinares, domesticadoras do comportamento humano. Na contramão
da concepção moderna de Estado jurídico, o caráter prospectivo de uma rede difusa
de poderes em nossa sociedade torna possível assegurar a coesão e a legitimidade
dos governos mediante o consentimento tácito dos governados. As ciências do
5
Página
1
Formação dos Estados Nacionais; entenda-se, sob a forma das monarquias absolutistas.
2
FOUCAULT, M. Vigiar e Punir. p.30.
homem, dessa feita, encontrarão nesse mesmo mal-entendido o solo fértil para sua
multiplicação. Assim, em sua apreensão no interior de uma vasta teia discursiva,
costumamos falar de um sujeito de sexualidade, de um sujeito de nacionalidade, um
sujeito que fala, deseja, vive e trabalha; enfim, de um sujeito alienado na doença
mental, no crime... Domínios específicos que remetem cada qual a experiências
fundamentais que possibilitam uma assunção subjetiva, uma tomada de consciência
qualquer do indivíduo sobre si mesmo e o proveniente ganho de uma identidade
cultural. Seu estudo do poder, sua incursão nas zonas cinzentas mais do que nas
zonas iluminadas da teoria e da ciência, veio a calhar na tarefa de conhecer seus
procedimentos e estratégias, a fim de esclarecer o lado sombrio do tratamento
conferido ao ser humano pelas hodiernas democracias ocidentais.
* * *
poder, a figura do Estado serviu como ponto de partida necessário para a explicação
Página
ela contribuiu não apenas como ideologia, mas também como técnica disciplinar
Pode-se dizer [...] que esta ideologia da liberdade, essa reivindicação de liberdade
foi sem dúvida uma das condições do desenvolvimento das formas modernas ou,
se preferem, capitalistas da economia. É inegável. [...] Segundo: em algum lugar
eu disse que não se podia compreender a introdução das ideologias e de uma
política liberal no século XVIII sem se ter em conta que esse mesmo século, que
havia reivindicado em tão altos clamores as liberdades, as tinham conduzido
todavia com uma técnica disciplinar que, ao afetar as crianças, os soldados e
trabalhadores onde se encontravam, limitava de forma considerável a liberdade e
dava de certo modo garantias ao seu exercício. [...] Essa liberdade, ao mesmo
tempo ideologia e técnica de governo, deve ser compreendida no interior das
mutações e das técnicas de poder. E de um modo mais preciso e particular, a
liberdade não é outra coisa que o correlato da introdução dos dispositivos de
segurança.1
1
FOUCAULT, M. Segurança, território, população, p.70.
2
DELEUZE, G. Foucault, p. 38-39.
1
FOUCAULT, M. L´ impossible prison, p. 122.
* * *
1
Essa é uma interpretação bastante corrente na literatura de comentadores. Conferir, por exemplo,
as análises de François Ewald em Foucault, a norma e o direito.
governo começa a exercer com respeito às regras – ao ponto de um dia poder-se dizer, para limitar o
poder do rei: ‗o rei reina, mas não governa‘ – essa inversão do governo em relação com o reino e o
Página
fato de que aquele seja no fundo mais que a soberania, muito mais que o reinado, muito mais que o
imperium, o problema político moderno, creio que esteja ligado absolutamente à população.‖
(FOUCAULT, M. Segurança, território, população p.102).
objetos de campos políticos que nos ultrapassam, é o sujeito (soberano real) que
deixa de ser filosoficamente o articulador de seu destino para vir a ser assujeitado às
técnicas que o determinam (população). Do poder visto como substância da qual se
poderia extrair uma gênese e realizar sua dedução, Foucault herda até 1976 apenas
a tarefa ―kantiana‖ de fazer uma analítica; o que quer dizer, a descrição minuciosa e
paciente de seu caráter ramificado e microscópico. Desse modo, tudo nos levaria a
crer que suas análises do poder direcionar-se-iam progressivamente ao estudo da
matriz representada pela idéia de enfrentamento de forças e de combates
perpétuos. À primeira vista afastado de querer formar uma teoria geral e
globalizante, ele preferiu se ater a uma análise onde o enfrentamento e a batalha
fazem dele mais uma ação física que se exerça entre outros do que uma substância
ou predicado que se atribua a um nome real. Inusitada maneira, é verdade dizê-lo,
de explicar a relativa tranquilidade do poder burguês ao nosso tempo de manter a
ordem e a legitimidade do status quo, numa sociedade injusta e desigual na
distribuição de suas riquezas.
3. À Guisa de Conclusão
Por essas e outras lições históricas, em contraste com a Antiguidade e a maior parte
de Idade Média, a cultura ocidental passa a impor desde o classicismo limitações
morais sobre a conduta de seu soberano em assuntos tanto externos quanto
internos, porquanto novas práticas de poder atuem sobre o comportamento dos
indivíduos e dos soberanos. De qualquer sorte, com o intuito de concluir nossa
interrogação, a morte que até o século XVI era considerada o ponto de maior
manifestação do poder soberano passa a ser justamente o ponto de fuga por onde
as disciplinas e os mecanismos de segurança poderão capturar o corpo do indivíduo
e da população como um novo eixo de articulação do poder. Marcada pelo estigma
12
canais onde os referidos impulsos não coloquem mais em perigo a sociedade. São
muitos até hoje em dia os instrumentos disciplinares empregados com tal finalidade,
1
―É, sem dúvida, preciso admitir que uma das formas primordiais da consciência de classe, é a
Página
afirmação do corpo; pelo menos, foi esse o caso da burguesia no decorrer do século XVIII; ela
converteu o sangue azul dos nobres em um organismo são e uma sexualidade sadia.‖ (FOUCAULT,
M. História da Sexualidade I (a vontade de saber), p.119).
lógicas, duas concepções de poder que vigoraram diferentemente cada qual à sua
época. E sobre as quais Foucault deverá estabelecer um continuum não sem antes
demarcar suas profundas transformações. Na medida mesma em que no museu de
nosso arcabouço jurídico ainda não terminamos de cortar a cabeça do rei, ele
deverá ipso facto cuidar para não confundir o poder constitutivo do soberano na
Idade Média com a função regulativa ocupada pela razão de Estado desde a época
clássica.
H.: Pode-se perguntar, tanto para fazer efeito quanto para lançar uma hipótese, se
o saber geográfico não traz consigo o círculo da fronteira, seja nacional, provincial
ou municipal. E portanto se às figuras de enclausuramento, que você assinalou –
louco, delinquente, doente, proletário – não se deve acrescentar a do cidadão
soldado. O espaço do enclausuramento não seria então infinitamente mais vasto e
menos estanque? M.F.: É uma ideia bastante sedutora. E este seria o homem das
nacionalidades? Pois este discurso geográfico que justifica as fronteiras é o
discurso do nacionalismo...1
1
FOUCAULT, M. Microfísica do poder, p.161.
2
Em 1976, com o intuito de mostrar o viés diferenciador de suas análises históricas em relação ao
discurso tradicional da filosofia política, Foucault ainda se valia do discurso histórico e reacionário de
14
um nobre francês como Boulainvilliers sobre as instituições políticas. Destinado a uma crítica à razão
de Estado de Luis XIV, este estudo se constituiria para Foucault como uma espécie de saber do
Página
Estado sobre o Estado mesmo. Boulainvilliers se posicionaria contrário então a esse ―saber do rei‘
que procurava recuperar mitologicamente a memória de sua nobreza e a façanha de seus atos. A tal
mitologia de reconstituição das origens do Estado, dever-se-ia opor justamente o saber da história
representado por personagens que participaram das batalhas e enfrentamentos do poder; em suma,
aqui ainda a inversão de Clausewitz e a matriz guerreira antes da política.
1
Bem que poderíamos substituir a expressão não muito feliz e em aspas ―posse‖ pelo termo grego
paraskeuê, que designará para Foucault em A hermenêutica do sujeito, curso de 82, todo um aparato
técnico de saber que um indivíduo formula acerca de si mesmo. Mas o que desejamos ressaltar é a
incipiente tentativa de Foucault em construir uma nova ética na relação do eu com o outro, ou seja,
um governo de si que escape à regulação bio-política de seu tempo. Nada obstante, por mais que o
conceito de governo marque uma ruptura com o discurso da batalha, assinalando um primeiro
deslizamento da analítica do poder em direção à ética do sujeito, é bem verdade dizer também que
tudo isso não passou de um enorme e grande equívoco para Foucault.
2
À primeira vista soa no mínimo estranho a dedicação de Foucault ao estudo da
governamentalização das res publica aparecer sob as mãos de aristocratas do poder tais como o
marquês de Mirabeu ou o duque de Richelieu. Mas como historiadores da filosofia, devemos alertar
academicamente ao leitor que o estudo anunciado em 1976, dos mecanismos pelos quais a espécie
humana adentrou no século XVIII numa estratégia geral de poder, cede espaço nas análises de
Foucault a uma ―história da governamentalidade‖ aparentemente sem nenhuma contrapartida crítica.
Embora não deixe de figurar como horizonte dos cursos de 78 e 79, a noção de bio-política (ou de
15
―história das tecnologias de segurança‖) será sucedida de outra acepção em benefício das análises
em 1979 sobre a governamentalidade liberal em O nascimento da bio-política. Nestes dois cursos, já
Página
se poderia entrever também a bio-política não apenas como ponto de articulação das disciplinas com
os dispositivos de regulação estatais, mas como o fio condutor de sua futura reflexão ética acerca do
cuidado de si. Imbróglio a ser objeto de nossas reflexões ulteriores.
―Talvez a filosofia possa cumprir ainda um papel pelo lado do contra-poder, com a
condição de que esse papel já não consista em fazer valer, frente ao poder, a lei
mesma da filosofia. De que este deixe de ser pensado enquanto profecia, deixe de
ser pensado como pedagogia ou legislação e se dedique à tarefa de analisar,
elucidar, fazer visíveis e portanto intensificar as lutas que se dão em torno do poder,
as estratégias em torno dos adversários no seio das relações de poder, as táticas
utilizadas, os focos de resistência; com a condição, em suma, de que a filosofia
deixe de colocar a questão do poder em termos de bem ou mal e o faça em temos
de existência.‖1
1
FOUCAULT, M. A filosofia analítica do poder (27 de abril de 1978), p. 540.
2
Em seu artigo já clássico Um novo cartógrafo (Vigiar e Punir), Deleuze, logo de início, frisava que o
novo questionamento do problema do poder introduzido por Foucault não deixava de caracterizar ―o
16
novo esquerdismo [...] voltado tanto contra o marxismo quanto contra as concepções burguesas‖ (Cf.
DELEUZE, G. Um novo cartógrafo, p. 34). Na esteira dessa interpretação e de outras entrevistas
Página
concedidas por Foucault, Michel Senellart, em seu comentário Situação dos Cursos, atribuirá a razão
de ser dessa mutação de pensamento de nosso autor a uma vinculação àquilo que na França então
se chamava de ―novo pensamento de esquerda‖. Ora, ainda que Foucault tenha dado asas a esse
4. Bibliografia
-------------------. La philosophie analytique du pouvoir (27 de abril de 1978), DE, vol III,
num. 232, pp. 548-550.
tipo de imaginação declarando que seria para tanto preciso inventar uma governamentalidade
adequada ao socialismo (cf. classe de 31 de janeiro de 79), preferimos não esquematizar nossa
imaginação em regras previamente fornecidas. Já que todo o seu questionamento futuro residirá na
questão em como saber se conduzir sem dispor de uma lei previamente dada que forneça o conceito
esquematizador para a conduta pública do indivíduo. Pena a morte ter ceifado tão cedo o seu caráter
17
quase inesgotável de invenção de novas formas de governo de si. Em outras palavras, é preciso que
inventemos cotidianamente a regra que não nos é dada pela cultura a fim de que harmonizemos a
Página
relação entre, mais do que o entendimento, nossa razão com os outros. A coragem de dizer a
verdade, acreditamos nela, virá cumprir aqui sua função na legítima defesa dos governados e no
direito da dissidência.
RIBEIRO, Renato Janine. A sociedade contra o social: o alto custo da vida pública
no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
SCHWARZ, Roberto. As ideias fora do lugar em Ao vencedor as batatas. São Paulo:
Duas Cidades, 1981.
SEVCENKO, Nicolau. A Revolta da Vacina. São Paulo: Brasiliense, 1984.
18
Página
Como Kant faz questão de destacar em vários textos, a Crítica da razão pura, ao
limitar o conhecimento especulativo ao âmbito dos fenômenos, possibilitou pôr fim
ao dogmatismo. É sabido que essa operação limitativa já foi interpretada como tendo
sido pautada por uma orientação de cunho positivista, a pergunta pela validade
objetiva enunciada na ―Dedução transcendental‖ aparecendo como crivo da
significação de nossos conceitos e ideias a serviço da formulação filosófica de uma
ciência rigorosa da natureza, conforme aos princípios da ciência newtoniana e, por
isso, desembaraçada das pretensões descabidas do racionalismo clássico. Segundo
essa interpretação, Kant seria – com a licença da simplificação – o correspondente
filosófico de Newton.
Como também é sabido, essa interpretação da Crítica se sujeitou há tempos à
objeção de unilateralidade. Dificilmente se compreenderia por que a Crítica, se
realmente estivesse comprometida com a assimilação entre significação e
objetividade, não tenha se resumido a uma Analítica do entendimento, a qual, como
diz Kant, deve tomar doravante o lugar da ontologia (KrV B 303)1. Se é preciso
transpôr o âmbito da Analítica do entendimento, é porque há questões que a ―razão
humana‖ <menschliche Vernunft> não pode evitar, impostas que são pela ―natureza
da razão‖ <Natur der Vernunft>, mas às quais também ―não pode dar resposta por
1
1
As referências a Kant seguem a 1a (A) ou 2a (B) edição das obras, abreviadas como de costume:
Página
KrV = Crítica da razão pura; KpV = Crítica da razão prática; Gdlg. = Fundamentação da metafísica
dos costumes; Antropologie = Antropologia de um ponto de vista pragmático; EE = 1a Introdução à
Crítica do Juízo; Log. = Lógica. As traduções utilizadas constam na bibliografia.
razão reserva para si somente a totalidade absoluta no uso dos conceitos do entendimento e procura
Página
conduzir a unidade sintética, que é pensada na categoria, até o absolutamente incondicionado. Por
isso se pode denominar essa unidade da razão com respeito aos fenômenos, assim como aquela que
é expressa pela categoria, unidade do entendimento‖ (KrV A 326 - B 382/3).
comparação com Hume (a quem Kant conhecia bem) é elucidativa: enquanto, para
o autor da Investigação sobre o entendimento humano, ―todas as nossas conclusões
experimentais decorrem da suposição que o futuro estará em conformidade com o
passado‖ (HUME, 1972, 39), sendo isso o que basta para, sem deixar de mostrar
que tal suposição não procede da razão, acolher leis como instanciação de
regularidades contingentes que apoiam alguma espécie de necessidade nas
conexões figuradas por elas (ROSENBERG, 1993, p. 78), para Kant, em
contrapartida, o conhecimento empírico requer a referência ao plano da razão, cuja
normatividade, exatamente por conta de ter passado pelo crivo da crítica, ganha
estatuto transcendental1.
Mas se, para afastar a ideia de que o objetivo fundamental da Crítica tenha sido
justificar a ciência newtoniana, já não bastasse atentar para a complementaridade
que lógica da verdade e crítica da ilusão exibem no interior da ―Lógica
transcendental‖ da razão pura, conviria então retomar as palavras do ―2o Prefácio‖
(1787), no qual Kant, provavelmente tendo em vista a polêmica do panteísmo que
eclodiu em 1784 (cf. FIGUEIREDO, 2004), é taxativo em relação à utilidade do
exame a que submete a razão dogmática. Só através da limitação do saber
especulativo ao âmbito da experiência, diz-nos aí Kant, o interesse prático da razão
pode ser assegurado. A ―utilidade positiva‖ da Crítica, portanto, reside em preparar o
terreno para a recuperação prática das idéias especulativas, consideradas na
―Dialética transcendental‖.
Com efeito, a Crítica da razão prática (1788) retira o princípio de sua estrutura da
reabilitação transcendental da metafísica especial, operada por Kant na 1a Crítica.
Na passagem de uma a outra obra, Kant procede a um realinhamento dos
elementos da doutrina transcendental possível apenas com base na afirmação de
1
Na acepção inicial da Crítica: ―Denomino transcendental todo conhecimento que se ocupa não tanto
com objetos em geral, mas com nosso modo de conhecer objetos na medida em que este deve ser
3
25; trad. modificada). Poder-se-ia dizer, com base nisso, que Kant deslocou os temas da metaphysica
specialis para o âmbito da filosofia transcendental promovida pela revolução copernicana em filosofia
(ver Progressos da metafísica, A 11).
que se trata, sempre, de uma mesma e única razão. Sem levar isso em conta, com
efeito, não se pode explicar que a liberdade – conceito cuja significação originária,
vale lembrar, é cosmológica – não só passe a figurar, na Crítica da razão prática,
como elemento da Analítica, como também que constitua, a partir do momento em
que tem sua realidade provada pela lei moral,
1
Com a prova de que a razão pura é prática, ―fica doravante estabelecida também a liberdade
transcendental‖ e, por meio disso, adquirem ―realidade objetiva os conceitos de Deus e imortalidade‖
(KpV A 5).
1
―A virtude é a força da máxima do homem no cumprimento de seu dever. – Toda força se reconhece
apernas pelos obstáculos que é capaz de superar; no caso da virtude, os obstáculos são as
(além de ensejar a doutrina do livre arbítrio) só faz sentido tendo em vista o estatuto
singular da vontade de um ser racional e sensível. Em suma, não bastasse o fato de
que, num e noutro caso, a experiência seja concebida sob exigências normativas da
razão cujos resultados são mediados por considerações sobre a ―nossa natureza‖,
parece que a própria transição da teoria à prática – a qual, como vimos, traz consigo
o reordenamento elementar da crítica e que articula as duas partes do inteiro
sistema dos conhecimentos racionais – exibe um compromisso de fundo, mas talvez
não menos essencial, com premissas de cunho antropológico. Dito de outro modo,
tudo indica que a referência à ―nossa natureza‖ aparece não apenas a título de
elemento decisivo operante quer na teoria, quer na prática, mas também, e mais
essencialmente, como ponto de fuga sob o qual Kant articula a passagem de uma a
outra parte da filosofia.
Porém, de que estatuto goza, no interior do kantismo, essa natureza humana, que é
referência constitutiva da epistemologia transcendental, da doutrina moralidade e da
articulação entre elas? Responder a essa questão nos impõe examinar mais de
perto os objetivos perseguidos na Crítica do Juízo (1790), obra com a qual Kant diz
pôr termo ao ―kritisches Geschäft‖. Com efeito, a tarefa crítica só cessa com a
localização do princípio transcendental da faculdade de julgar, que, embora não
forneça qualquer novidade doutrinal, dispõe, contudo, de um princípio a priori
―puramente subjetivo‖ – o da finalidade. Para nossos propósitos, importa destacar
que, como revelam dois textos decisivos para a compreensão global do projeto
kantiano – a ―1a Introdução‖ e a ―Introdução‖ definitiva da Crítica do Juízo (cf.
ANCESCHI, 1966, p. 60) –, o acolhimento do princípio da finalidade no idealismo
transcendental conduz Kant a explicitar a distinção entre dois planos de
sistematização distintos, o primeiro relativo ao já mencionado sistema dos
conhecimentos racionais por conceitos e ordenado conforme a divisão entre teoria e
prática, e o segundo, concernindo ao sistema da crítica, unicamente no interior do
6
Página
inclinações naturais que podem entrar em conflito com o propósito moral‖ (MC Ak 394). Sem as
inclinações naturais próprias à vontade do homem, portanto, não há sequer como definir a virtude.
Daí Kant ter afirmado desde muito cedo que uma vontade santa é incapaz de moralidade.
qual transcorre a investigação suplementar atinente ao Juízo. ―Aquilo que não pode
aparecer na divisão da filosofia, pode todavia aparecer na crítica da faculdade de
conhecimento pura em geral, a saber no caso de conter princípios que por si não
são úteis, nem para o uso teórico, nem para o uso prático‖ (KU B XXI, trad. p.
20/21)‖1. Nem por isso tal princípio é secundário; ao contrário, em 1790, Kant deixa
claro que somente graças à faculdade de julgar podemos conceber uma passagem
―do domínio do conceito de natureza para o de liberdade‖ (KU, B LVI, trad. 40). Ora,
tendo em vista que, com a faculdade de julgar, ―a crítica toma o lugar da teoria‖ (KU
B X, trad. p. 14), nela a distinção operante entre natureza e liberdade se mantém
recuada em relação a todo tipo de objetividade e revela que o ponto em torno do
qual gravitam epistemologia, crítica da ilusão e moralidade, originando-se da
referência da filosofia à ―menschliche Vernunft‖, não corresponde a positividade
alguma. Tudo parece indicar, portanto, que, por decisiva que seja para o projeto
crítico e sua substituição ao dogmatismo, a referência ao homem não acolhe nem
suscita qualquer teoria do homem. A subjetividade kantiana, parece-nos possível
mostrar, situa-se entre a tematização do cogito no quadro de uma ontologia da
substância (Descartes, Leibniz) e o enquadramento do homem no âmbito das
ciências do espírito (neokantismos), constituindo-se, por isso, em uma ocasião
privilegiada para investigarmos as relações existentes entre crítica e antropologia no
limiar da filosofia contemporânea.
1
No mesmo sentido, lê-se, na Primeira Introdução: ―Se se trata não da divisão de uma filosofia, mas
de nossa faculdade-de-conhecimento a priori por conceitos (da superior), isto é, de uma crítica da
razão pura <...>, a representação sistemática da faculdade-de-conhecimento resulta tripartida, ou
7
segundo lugar a faculdade da subsunção do particular sob o universal, o Juízo, e em terceiro lugar a
faculdade da determinação do particular pelo universal (da derivação a partir de princípios), isto é, a
razão‖ (EE, trad. p. 170/1).
1
―As leis morais com seus princípios, em todo conhecimento prático, distinguem-se portanto de tudo
o mais em que exista qualquer coisa de empírico, e não só se distinguem essencialmente, como
também toda Filosofia moral assenta inteiramente na sua parte pura, e, aplicada ao homem, não
recebe um mínimo que seja do conhecimento do homem (Antropologia), mas fornece-lhe como ser
racional leis a priori‖ (Gdlg., A trad. p. 104/105). Registre-se, de passagem, ser nesta oposição,
retomada na 2a Crítica, que encontram sua origem as prerrogativas que a ―Analítica da razão prática‖
assumiu diante da "parte impura da ética" (LOUDEN, 2000) na literatura secundária mais recente – a
ponto de a inteira filosofia prática kantiana ter sido resumida por alguns comentadores à explicitação
9
2
Evidentemente, isso não desabona a vasta literatura dedicada a investigar as relações, no interior
da razão prática kantiana, entre moral propriamente dita e antropologia. Um autor cuja discussão a
respeito mobiliza a literatura corrente é LOUDEN, 2000.
2. Mas em que exatamente consiste o teor desse novo discurso, que, não
renunciando às prerrogativas da filosofia transcendental, evoca o Menschenkenntis
sem pretender fazer doutrina? E quais, afinal de contas, seriam suas implicações? É
comum a ideia de que a antropologia progressivamente se tornou foco privilegiado
10
Página
1
Mesmo Philonenko parece admitir tacitamente esse sentido amplo de antropologia, ao declarar de
partida que a filosofia kantiana ―é uma investigação, tão ordenada quanto possível, que se aplica a
todos os momentos fundamentais da condição humana‖ (PHILONENKO, 1983, I, p. 14).
1
Para ficarmos com um exemplo célebre, veja-se o apelo de Cassirer à ideia de disposição de época
e que o faz reaver, nos diversos setores do pensamento esclarecido, uma mesma orientação
antropológica: ―Assim se elucida, através da estética de Baumgarten, nos vínculos estreitos com a
filosofia acadêmica alemã, essa mesma ideia que já encontramos por toda a parte agindo na
11
1992, p. 394).
2
Ou ainda, pelas palavras do autor: ―a análise da finitude explica como o ser do homem se acha
Página
determinado por positividades que lhe são exteriores e que o ligam à espessura das coisas, e como,
em troca, é o ser finito que dá a toda determinação a possibilidade de aparecer na sua verdade
positiva‖ (FOUCAULT, 1987, p. 352).
revolução copernicana que, por própria conta e sem a licença de Kant (LEBRUN,
1993, p. 691) irão assimilar o empírico e o transcendental, convém, todavia,
assinalar que nem por isso visamos, nesse texto, os mesmos fins da análise
arqueológica. Simplesmente nosso objetivo de fundo foi diverso. Ao invés de
promover o acerto de contas com a fenomenologia, gostaríamos apenas de terminar
sugerindo a seguinte hipótese de trabalho. Caso seja correto retroceder da Crítica
do Juízo, dos textos sobre a história e da antropologia à interdição da metafísica
especial na 1a Crítica, comentando, com base nisso, os deslocamentos internos da
trajetória de Kant, a questão a examinar reside em determinar até que ponto o
Menschenkenntnis não representa a secularização da ideia teológica de finalidade.
Apenas através da resposta a essa suspeita estaremos aptos a avaliar se,
exatamente por ser não comportar qualquer correspondência positiva, o homem
evocado pelo kantismo não enseja um discurso crítico por definição aporético,
parasitário de um movimento no qual toda determinação é objeto de uma reflexão
ulterior que a cogita em um plano cujo sentido é a um só tempo essencial e
irrealizável ao sujeito.
.
Bibliografia:
ANCESCHI, L. (1966), ―‗Vorrede‘ ed ‗Einleitung‘ alla Critica del Giudizio‖, in: Tre studi
di estetica. Milão: U. Mursia & C., pp. 57-120.
BECK, L. W. (1960) A Commentary on Kant's Critique of Pratical Reason. Chicago:
The Univ. of Chicago Press.
CASSIRER, E. (1992). A filosofia do Iluminismo. (Trad. Álvaro Cabral). Campinas:
Editora da Unicamp.
FIGUEIREDO, V. (2003). ―Mundo inteligível e analogia na moral de Kant‖. In:
Edmilson Menezes; Marisa Donatelli. (Org.). Modernidade e a ideia da História.
14
16
Página
Aguinaldo Pavão
Depto de Filosofia – UEL
Minha intenção nesse texto é discutir como Kant concebe ou conceberia na Primeira
Crítica a imputabilidade moral, levando em consideração a distinção entre caráter
inteligível e caráter empírico. Para tanto, dividirei minha exposição em três partes.
Primeiro, procuro reconstruir a distinção entre caráter inteligível e caráter empírico e
entender o papel que tal distinção desempenha na argumentação de Kant. Em
seguida, busco esclarecer como é possível, tendo como base tal distinção,
entendermos a responsabilidade moral das ações. Nesta altura, discuto e critico a
interpretação oferecida por Schopenhauer à noção kantiana de caráter inteligível.
Tentarei mostrar que Schopenhauer erra ao pensar que o caráter inteligível é o ―ser‖
do homem, ou seja, algo que teríamos assumido por uma espécie de escolha única,
a qual determinaria para sempre o agir humano. Depois, discutirei o famoso exemplo
da mentira maldosa. Este exemplo impõe a necessidade de se pensar sobre a
existência de uma linha demarcatória entre ações livres e não livres. Não obstante a
falta de clareza do texto kantiano, defenderei a possibilidade de traçarmos as
fronteiras do imputável e do inimputável. Com efeito, não agride o espírito do texto
de Kant pensarmos que determinadas condições empíricas, como a primeira
infância e a loucura, não reclamam uma compreensão a partir da noção de caráter
inteligível.
caráter de uma causalidade por liberdade1, visto que os efeitos (ações) deste sujeito,
conquanto repercutam no mundo dos sentidos, possuem causas que independem
de qualquer condição empírica. Contudo, este mesmo sujeito, como membro do
mundo dos sentidos, possui um caráter empírico e suas ações têm de ser
consideradas na interconexão necessária dos fenômenos conforme a causalidade
natural.
Com relação a estas questões, a resposta kantiana parece se dirigir para uma
necessária dupla consideração do sujeito agente, à medida que o ser humano é
compreendido como algo radicalmente distinto do resto da natureza. Diz Kant:
1
A liberdade, como causa eficiente, tem um caráter. E caráter, conforme Kant define, é uma lei da
causalidade da causa eficiente. (Cf. Crítica da Razão Pura. Tradução de Valério Rohden e Udo
Baldur Moosburguer. São Paulo, Abril Cultural, 1980. p. 274, B 567 / Kritik der reinen Vernunft.
2
Werkausgabe III/IV. Ed. W. Weischedel. Frankfurt, Surkamp, 1991 - Doravante CRP). Sobre a
variação do significado de ―caráter‖ (Charakter) em Kant, veja nota 11).
Página
2
Ver também em: Fundamentação da Metafísica dos Costumes BA 108 e
Tugendlehre, § 3 Ak 418.
I Congresso Nacional de Filosofia da UNICENTRO/PR – Guarapuava/PR
II Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira – Seção Paraná – SKB/PR
ANAIS DO I CONGRESSO NACIONAL DE FILOSOFIA DA UNICENTRO
I CONAFIL – 22 A 26/06/2009 – ISSN: 2175-3059
Pode-se dizer que Kant pretende, com a dupla maneira de consideração do sujeito
agente, destacar que o determinismo causal natural é o ponto de vista legítimo e
necessário para a explicação das ações humanas, dada a condição destas de
eventos empíricos e de produtos de seres sensíveis como são os seres humanos.
Todos os eventos empíricos caem dentro das condições espaço-temporais e
categoriais, unicamente mediante as quais nós podemos conhecê-los. Ora, sendo as
ações humanas eventos empíricos, é forçoso que as consideremos dentro dos
quadros epistêmicos apresentados por Kant na Estética e na Analítica.
1
Cf. Kant‟s Theory of Freedom, p. 44.
Página
2
I. KANT. CRP B 577-578: ―Todas as ações do homem no fenômeno estão determinadas segundo a
ordem da natureza, por seu caráter empírico... Mas se ponderarmos justamente estas mesmas ações
com relação à razão, e não à especulativa a fim de explicar aquelas segundo a sua origem, mas
sujeito agente como uma sinalização sensível, por meio das ações, de seu caráter
inteligível como causas destes enquanto fenômenos (CRP, B 567 e B 574).
II
... a moralidade própria das ações (mérito e culpa), mesmo a de nosso próprio
comportamento, permanece-nos totalmente oculta. As nossas responsabilidades só
podem ser referidas ao caráter empírico. Mas quanto disto se deve imputar ao efeito
puro da liberdade, quanto à simples natureza e quanto ao defeito de temperamento
do qual não se é culpado, ou à natureza feliz (merito fortunae) do mesmo, eis algo
que ninguém pode perscrutar e consequentemente, também não julgar (richten) com
toda a justiça (CRP, B 579, nota).
Parece-me que o que Kant quer dizer com a frase acima é que as
responsabilizações que fazemos partem do caráter empírico do agente - pois nesta
esfera é que nos deparamos com ações, ―sinais sensíveis‖, que julgamos dignas de
louvor ou de censura -, mas são referidas (atribuídas) ao caráter inteligível, uma vez
que é em referência a esta ―lei da causalidade‖ que estamos autorizados a imputar.
Na discussão do exemplo da mentira maldosa (que veremos na sequencia), a
atribuição de responsabilidade será dirigida ao caráter inteligível do homem. Diz
Kant: ―A ação é atribuída ao caráter inteligível do homem e agora, no momento em
que mente, ele é totalmente culpado‖ (CRP, B 583). Pode-se, pois, dizer que a
afirmação:
II.1
5
primeiro lugar e ostensivamente, àquilo que ele faz, mas no fundamento, àquilo que
ele é‖1. Ora, aquilo que o homem faz, sendo para nós acessível pela experiência, é
expressão do seu caráter empírico. Assim, o operari humano, sujeito à lei da
natureza, é o alvo inicialmente visado por nossos juízos de imputabilidade - poder-
se-ia dizer que é nesse sentido que ―as nossas responsabilidades só podem ser
referidas ao caráter empírico‖. Porém, de acordo com a leitura de Schopenhauer, a
incidência precisa de um juízo de imputabilidade deve recair sobre o que o homem
é, ou seja, sobre o que o homem pode ser de acordo com a sua essência. Ora, se o
caráter inteligível, ―presente (...) em todos os atos do indivíduo e impresso em todos
eles, como o carimbo em mil selos (...) determina o caráter empírico deste fenômeno
[as ações exteriorizadas pela lei da causalidade - AP] que se manifesta no tempo e
na sucessão dos atos‖2, então deve ser a ele propriamente imputada a ação
humana. Assim, Schopenhauer poderia compatibilizar facilmente as duas frases de
Kant acima consideradas, afirmando: ―as nossas responsabilidades só podem ser
referidas ao operari mas têm de ser atribuídas ao esse‖.
1
A. SCHOPENHAUER. Sobre o fundamento da moral, p. 92.
2
Cf. Sobre o fundamento da moral, p. 91. Sobre a ―interpretação‖ de Schopenhauer acerca da
distinção kantiana entre caráter inteligível e caráter empírico, veja também O Mundo como Vontade e
6
Representação II, § 20, p. 142, § 28, p. 203-207, IV, § 55, p. 379-385 e Essai sur le libre arbitre, p.
Página
117ss., e p. 191-195.
3
Sobre o fundamento da moral, p. 91: ―... tudo o que [o homem] faz acontece necessariamente. Mas
no seu ‗esse‘, aí está a liberdade. Ele poderia ter sido outro: e naquilo que ele é estão culpa e mérito‖.
1
Na Crítica da Razão Prática Kant afirma que ―satisfazer ao mandamento categórico da moralidade
está em poder de cada um em todo tempo‖ (A 64).
2
Veja nota anterior.
3
I. KANT. Anthropologie du point de vue pragmatique, p. 135. É digna de registro a mudança de
sentido que o termo ―caráter‖ (Charakter) sofre no pensamento de Kant. Se na Crítica da Razão Pura,
7
embora sem definição clara, o termo já é tomado em outro sentido (por exemplo; seção I, §§ 1 e 11,
onde Kant o contrasta com o temperamento, sugerindo, no § 1, que caráter seria o modo como a
vontade usa os talentos do espírito, as qualidades do temperamento e os dons da fortuna). Na
No entanto, Schopenhauer poderia resistir a essa leitura. A base textual mais forte
contra a sua tese parece estar em outro lugar, a saber, na seguinte advertência de
Kant:
empírico ―que podemos considerar o homem quando simplesmente o observamos e quando, tal qual
Página
Assim, quando se quer defender a tese de que o caráter inteligível, entendido como
o “esse” do homem, se está tentando sustentar, senão exatamente o porquê de o
caráter inteligível resultar num determinado caráter empírico (teria de se responder
porque o homem é o que é), algo que ultrapassa os limites legítimos do poder de
nossa razão para responder. Afirmar que Kant, com a distinção entre caráter
empírico e inteligível, nos retirou ―do erro fundamental que deslocava a necessidade
para o ‗esse‘ e a liberdade para o ‗operari‘1 e nos fez perceber que a relação é
inversa, isto é, “operari sequitur esse”, é supor-se autorizado a perscrutar o
imperscrutável. Na verdade, Kant, ao distinguir caráter empírico do caráter inteligível,
nos retirou do seguinte erro fundamental: considerar o operari como o faz
Schopenhauer, ou seja, como suscetível de uma única leitura, não sendo possível
de ser considerado senão sob o ponto de vista da causalidade natural.
Deve-se notar, ainda, que o não ter direito de indagar sobre por que o caráter
inteligível resulta num determinado caráter empírico está vinculado à não
autorização de perguntar sobre de onde surge a ação livre e quando ela é iniciada.
De fato, visto que condições espaço-temporais só podem ser referidas ao caráter
empírico, a causalidade livre da razão ―em seu caráter inteligível não surge, nem
começa por volta de um certo tempo a fim de produzir um efeito. Pois, do contrário
ela mesma ficaria submetida a lei natural dos fenômenos‖ (CRP B 579-580)2.
1
A. SCHOPENHAUER. Sobre o fundamento da moral, p. 92.
2
Na Religião, Kant apresenta uma distinção que tem uma incidência esclarecedora neste ponto.
Trata-se da distinção do conceito de ―Origem primeira‖ - Ursprung (der erste) , que significa ―a
derivação de um efeito da sua primeira causa, i.é, daquela que, por seu turno, não é efeito de outra
causa da mesma espécie (p.45) . Esta pode se distinguir em ―origem racional‖ e ―origem temporal‖. A
9
―origem racional‖ toma ―em conta apenas a existência do efeito‖, ja a ―origem temporal‖ ―o acontecer
Página
do mesmo, por conseguinte, o efeito como ocorrência é referido a uma a uma causa no tempo. Se o
efeito é referido a uma causa que a ele está ligada segundo leis da liberdade ... então a determinação
do arbítrio à sua produção é pensada ... como ligada ... somente na representação da razão, e não
Dizer que não se pode ‗julgar com plena justiça‘ é pouco. De fato, não temos a menor
base para crer que qualquer juízo de imputabilidade tenha a mínima justiça (...).
Visando apoiar a noção ordinária de responsabilidade moral, a teoria de Kant a
aniquila1.
pode ser derivada de qualquer estado precedente‖ (A Religião nos limites da simples razão, p. 45.
Portanto, a pergunta pela ―origem temporal das ações livres como tais (como se fossem efeitos da
Página
III
1
Para Allison, a pretensão de Kant seria a de que ―a disponibilidade de uma explicação empírico-
Página
causal de uma ação por si mesma não excluí a possibilidade de supor que o agente poderia ter agido
de outro modo e, portanto, de sustentar que o agente é responsável‖ (Kant‟s Theory of Freedom, p.
42).
1
Esta questão é assinalada por Jonathan Bennett (Op. Cit , p. 233) e Lewis White Beck que, embora
numa perspectiva de argumentação diferente da de Bennett, afirma: ―Todos os fenômenos têm duas
dimensões de relações, uma para o fenômeno anterior, uma para o númeno. A segunda dimensão ou
relação não é o que se quer significar por liberdade num sentido interessante, porque ela é
indiscriminadamente universal. Liberdade como um predicado universal é destituída de interesse‖ (A
Commentary on Kant‟s Critique of pratical reason, p.188). Embora Beck não esteja se referindo a
universalidade indiscriminada quanto às ações humanas (o que faz Bennett), a sua ponderação ao
13
meu ver pode valer também nesse sentido, uma vez que o conceito de liberdade como predicado de
toda e qualquer ação humana, ao desconsiderar a possibilidade do arbítrio humano ser necessitado
Página
patologicamente, apresenta-se com interesse reduzido, dada a sua miopia quanto às ocorrências
patológicas suscetíveis ao agir humano.
2
L. W. BECK. Commentary, p. 189.
IV
Nesse sentido, pode-se buscar um apoio nos textos kantianos. Com efeito, Kant
considera que a primeira infância e a loucura, incluindo nesta última estados
psicológicos como uma melancolia extrema ou depressão, representam condições
empíricas que nos levam a considerar um agente como não livre2. A discriminação
de atos livres de atos não livres se deixa perceber também no texto Resposta à
pergunta: que é o Iluminismo? em que Kant fala da ―menoridade‖ de que o próprio
homem é culpado, a qual se distingue da menoridade que reside na falta de
entendimento ou que se baseia no fato da natureza não nos ter ainda ―libertado do
controle alheio‖3. A menoridade imputável é a menoridade a qual o Iluminismo
14
1
Bem entendido, patologia no sentido moderno (e não kantiano) do termo.
Página
2
Cf. I. KANT. Metaphisik L., edição da Academia, vol, XXVIII, p. 254-257, citado por H. Allison, Kant‟s
Theory of Freedom, p. 59 e 74.
3
I. KANT. ―Resposta à pergunta: que é o Iluminismo?‖, p. 11.
1
Diz Kant: ―Afetos são especificamente distintos de paixões. Aqueles referem-se meramente ao
sentimento; estas pertencem à faculdade de apetição e são inclinações que dificultam ou tornam
impossível toda determinabilidade do arbítrio (Willkür) por princípios. Aqueles são impetuosos e
impremeditados; estas, duradoras e refletidas‖ (Crítica da Faculdade do Juízo. B 121, nota 128). O
exemplo fornecido por Kant nesta nota é o da indignação (Unwille) que, sendo um afeto, é cólera
(Zorn) e, sendo paixão, é ódio (Hass), sede de vingança. Na Tugendlehre Kant também apresenta
esta distinção. O exemplo é o mesmo. A cólera ou ira, como sentimento repentino e brusco, é uma
propensão a um afeto. O ódio - inclinação permanente - é uma paixão. A diferença está nas
definições. Os afectos ―pertencem ao sentimento, na medida em que este, precedendo à reflexão
(Überlegung), a impossibilita ou a dificulta‖ (Ak 407). A paixão ―é o apetite sensível convertido em
inclinação permanente‖ (Ak 408). Assim, temos ao lado da já conhecida vítima da paixão ( o arbítrio),
a vítima do afeto (a reflexão, ou raciocínio). A questão que se coloca, num caso extremo, é até que
ponto pode arbítrio se determinar livremente considerando-se a impossibilidade da reflexão? Por
certo, isso dificulta somente o que é uma tese mais moderada de Kant.
2
Referência no mesmo sentido à Crítica da Faculdade do Juízo é feita por Henry Allison, Kant‟s
Theory of Freedom, 260, n.12.
3
Cf. nota 35.
4
Também nas Lecciones de Ética (De Imputatione): "Podemos atribuir algo a uma pessoa sem
chegar a imputar-lhe; por exemplo, podemos atribuir suas ações a um louco ou a um ébrio, mas não
imputar-lhes. Na imputação, a ação tem de ter sua origem na liberdade. Certamente, não se podem
imputar suas ações ao ébrio, senão à própria embriaguez" (p.97; veja também p. 101). A referência
ao ébrio lembra Aristóteles: "O homem embriagado ou enfurecido age na ignorância, mas não por
15
ignorância, sendo portanto responsável" (Ética a Nicômaco, III, 1, 1110 b25ss.). Aristóteles também
afirma que "sucede até que um homem seja punido pela sua própria ignorância quando o julgam
Página
responsável por ela, como no caso das penas dobradas para os ébrios; pois o princípio motor está no
próprio indivíduo, visto que ele tinha o poder de não se embriagar, e o fato de se haver embriagado
foi causa de sua ignorância" (EN, III, 5, 1113 b30ss).
Assim sendo, pode-se retornar com outros olhos à afirmação de Kant segundo a
qual a ação do homem "de modo algum pode ser computada na receptividade da
sensibilidade" (CRP B 575). Ao que parece, certas ações podem ser computadas na
receptividade da sensibilidade, demarcando-se assim alguma fronteira entre o
imputável e o não imputável, entre as ações livres e as não livres.
Bibliografia
13. KANT, Immanuel. Crítica da Razão Prática. Tradução de Artur Morão. Lisboa,
Ed. 70, 1986.
14. KANT, Immanuel. Kritik der praktischen Vernunft. Werkausgabe VII. Ed. W.
Weischedel. Frankfurt, Surkamp, 1991.
15. KANT, Immanuel. Crítica da Faculdade do Juízo. Tradução de Valério Rohden e
Antonio Marques. Rio de Janeiro, Forense, 1993.
16. KANT, Immanuel. Kritik der Urteilskraft. Werkausgabe X. Ed. W. Weischedel.
Frankfurt, Surkamp, 1991.
17. KANT, Immanuel. A Religião nos limites da simples razão. Tradução de Artur
Morão. Lisboa, Ed. 70, 1992.
18. KANT, Immanuel. Die Religion innerhalb der Grenzen der blossen Vernunft.
Werkausgabe VIII. Ed. W. Weischedel. Frankfurt, Surkamp, 1991.
19. KANT, Immanuel. La Metafísica de las Costumbres. Tradução de Adela Cortina
Orts e Jesus Conill Sancho. Madrid, Tecnos, 1994.
20. KANT, Immanuel. Die Metaphysik der Sitten. Werkausgabe VIII. Ed. W.
Weischedel. Frankfurt, Surkamp, 1991.
21. KANT, Immanuel. Anthropologie du point de vue pragmatique. Tradução de
Michel Foucault, Paris, J. Vrin, 1964.
22. SCHOPENHAUER, Artur. O mundo como vontade e representação. Tradução de
M. Filosofia Sá Correia. Porto: Rés, s/d.
23. SCHOPENHAUER, Artur. Sobre o fundamento da moral. Tradução de Maria
Lúcia Cacciola. São Paulo, Marins Fontes, 1995.
24. SCHOPENHAUER, Artur. Essai sur le libre arbitre. 13a. ed. Tradução de
Salomon Reinhach. Paris: Fálix Alcan, 1925. 17
Página
1. Considerações preliminares
O presente trabalho visa explicitar em que sentido Hegel retoma e desenvolve o que
para ele consiste no ponto o mais interessante do Sistema kantiano1 e em que
medida o fundador do Idealismo especulativo se apresenta como um legítimo
intérprete deste; vale dizer, como o herdeiro que leva a termo o projeto de seu
antecessor, não só pacificando províncias reciprocamente hostis, mas também
assumindo e mantendo de cada uma e para cada uma seus limites e seu alcance,
i.é, sua jurisdição, no contexto de uma nova ordem do Saber. Essa cuja
consolidação, em 1812, quando o tempo de sua fermentação parecia haver se
dissipado, ainda não se mostrava aos olhos de Hegel plenamente consumada;
sendo esta, portanto, a pretensão do filósofo: transformar em ciência o princípio
desta nova ordem do Saber, o qual embora já adquirido e afirmado desde
aproximadamente 1787, permanecia até então em sua intensidade não-
2
desenvolvida – e isso justamente pelo fato da completa mudança que o modo de
pensar filosófico sofrera neste período de tempo não ter tido ainda influxo sobre a
configuração da Lógica.3 Neste caso, de modo mais rigoroso, da Lógica entendida
1
Ver, G. W. F. HEGEL, Glauben und Wissen (1802), in: G. W. F. HEGEL, Jenaer Schriften (1801-
1807). Auf der Grundlage der Werke von 1832-1845 neu edierte Ausgabe. Redaktion Eva
Moldenhauer und Karl Markus Michel. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970 [TWA 2], p. 322 (= GW,
TWA 2, p. 322).
2
Ver, G. W. F. HEGEL, Wissenschaft der Logik, I. Auf der Grundlage der Werke von 1832-1845 neu
1
edierte Ausgabe. Redaktion Eva Moldenhauer und Karl Markus Michel. Frankfurt am Main: Suhrkamp,
Página
1970 [TWA 5], p. 16 (= WdL I, TWA 5, p. 16). Quando for o caso, seguiremos este mesmo
procedimento também para a Wissenschaft der Logik, II [TWA 6].
3
WdL I, TWA 5, p. 13.
1
WdL I, TWA 5, p. 16.
2
WdL I, TWA 5, p. 15.
2
3
Esse o de boa parte dos kantianos, anti-kantianos e pós-kantianos imediatos, uma lista
Página
razoavelmente longa de filósofos mais ou menos influentes cujos nomes mais proeminentes neste
período seriam Reinhold, Jacobi, Bardili, Fries, Herbart, etc., aos quais Hegel alude em WdL, I, TWA
5, p. 13ss, p. 45ss.
1
Sobre este ponto já então desenvolvido na obra madura de Hegel, veja-se: G. W. F. HEGEL,
Encyklopädie der philosophischen Wissenschaften im Grundrisse. Erster Teil. Die Wissenschaft der
Logik. Mit den mündlichen Zusätzen. Auf der Grundlage der Werke von 1832-1845 neu edierte
Ausgabe. Redaktion Eva Moldenhauer und Karl Markus Michel. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970
[TWA 8], p. 71ss. Versão brasileira: Enciclopédia das Ciências Filosóficas em Compêndio (1830). I. A
Ciência da Lógica. Trad. Paulo Meneses e Pe. José Machado, São Paulo: Loyola, 1995, p. 69ss.
Texto citado, de ora avante e sempre que possível, pela inicial ‗E‘, seguida de ‗1830‘, para o ano de
sua publicação, ‗I‘ para a indicação do presente volume, ‗§‘ para os parágrafos correspondentes e,
3
quando for o caso, de ‗A.‘, para as Anotações de Hegel, e de ‗Ad.‘, para os Adendos orais recolhidos
Página
por seus discípulos; no caso: E., 1830, I, § 20ss. Veja-se também: WdL, I, TWA 5, p. 43ss; WdL, II,
TWA 6, p. 253.
2
GW, TWA 2, p. 322.
1
Sobre este ponto, veja-se, por exemplo, J.-M. LARDIC, Hegel classique, ou spéculation et
dialectique du transcendantal. In: J.-Ch. GODDARD (Ed.). Le transcendantal et le spéculatif dans
4
2
Veja-se, igualmente, J.-M. LARDIC, Hegel classique..., in: op. cit., p. 123ss, p. 135.
3
GW, TWA 2, p. 304-309.
4
GW, TWA 2, p. 322-330.
1
GW, TWA 2, p. 301-304.
5
2
GW, TWA 2, p. 302.
Página
3
GW, TWA 2, p. 303.
4
GW, TWA 2, p. 330-333.
5
GW, TWA 2, p. 330-331.
No que tange à Kritik der reinen Vernunft, Hegel inicia seu comentário passando em
revista o estabelecimento kantiano da possibilidade dos juízos sintéticos a priori,
quando então assume e mantém a tese segundo a qual ―pelo Eu vazio, enquanto
simples representação, [não] é dado nada de múltiplo‖2, bem como a de que ―a
verdadeira unidade sintética ou identidade racional é apenas aquela que é a
referência do múltiplo à identidade vazia, o Eu a partir do qual, como síntese
originária, primeiramente se separam o Eu enquanto sujeito pensante e o múltiplo
enquanto corpo e mundo‖.3 Na primeira tese, com a diferença do acréscimo do
termo ‗vazio‘ para qualificar ―o Eu enquanto simples representação‖, Hegel cita
expressamente a Kritik der reinen Vernunft, B 135; passagem em que, nos quadros
do § 16 da segunda edição (1787),4 Kant pretende dar conta não só da possibilidade
dos juízos sintéticos a priori, mas também justificar o ato da espontaneidade do
Entendimento ou antes do próprio sujeito, a qual, como representação que tem de
ser dada antes de qualquer pensamento determinado, tem de ser uma intuição –
essa, porém, de um lado não pode ser considerada como pertencente à
sensibilidade mas sim ao próprio Entendimento e, de outro, não pode ser tomada
como uma operação ou uma capacidade do Entendimento humano enquanto tal,
pois este só pode pensar e, por isso, necessita procurar a intuição nos sentidos, nos
quais esta ocorre sem aquela espontaneidade.5 Na segunda tese, que se apresenta
mais como uma interpretação do que como uma citação de Kant por Hegel, estaria
em jogo o modo como a ―referência do múltiplo à identidade vazia‖ ou a síntese
originária da qual ―primeiramente se separam o Eu enquanto sujeito pensante e o
1
GW, TWA 2, p. 322ss.
2
GW, TWA 2, p. 306. Confronte-se: I. KANT, Kritik der reinen Vernunft (1787). Stuttgart: Reclam,
1980, p. 178 (= KrV, B 135). Quando das citações desta obra utilizaremos a edição portuguesa da
mesma: I. KANT, Crítica da Razão Pura. Tradução de Manuel Pinto dos Santos e Alexandre Fradique
6
Morujão, introdução e notas de Alexandre Fradique Morujão. – 5. Ed. –, Lisboa: FCG, 2001.
Página
3
GW, TWA 2, p. 306-307.
4
KrV, B 131-136.
5
KrV, B 135, B 68.
Neste sentido, para o filósofo de Iena, tem-se já aqui a distinção entre a abstração
do Eu ou a Identidade intelectiva e o Eu verdadeiro, enquanto princípio, como
Identidade sintética originária, absoluta; distinção essa com a qual, segundo Hegel,
Kant resolve o problema de como são possíveis os juízos sintéticos a priori; vale
dizer, nos quadros da interpretação hegeliana, ―eles são possíveis pela Identidade
absoluta originária do heterogêneo, da qual, como do Incondicionado, primeiramente
[esta identidade] ela mesma se separa, quando sujeito e predicado, particular e
1
GW, TWA 2, p. 306-307.
2
KrV, B 136-137.
3
O termo ‗aparência‘ traduz aqui ‗Erscheinung‘. Porém, a Erscheinung em questão, para Hegel (GW,
TWA 2, p. 307-314), não é a mera aparência ou o chamado aparecer sensível (o fenômeno em
sentido vulgar) da Essência, mas o próprio conhecer enquanto o mostrar-se em si mesmo do
Absoluto ou do Incondicionado (GW, TWA 2, p. 311-312); vale dizer: o conhecer concebido como o
7
aparecer daquilo que não aparece. Esse um dos temas os mais caros à tradição neoplatônica, então
Página
em franca retomada nos fins do século XVIII e inícios do século XIX na Alemanha. Confronte-se com:
KrV B 349-351, A 293-294.
4
GW, TWA 2, p. 306-307ss.
1
GW, TWA 2, p. 307.
2
Sigo aqui as versões de Glauben und Wissen de Alexis Philonenko e Claude Lecouteux (Foi et
Savoir, Paris: Vrin, 1988) e de Oliver Tolle (Fé e Saber, São Paulo: Hedra, 2007), as quais vertem
‗Schluss‘ por ‗conclusão‘; o que parece justificar-se em parte pelo contexto da discussão hegeliana,
bem como, em parte, pela concepção kantiana do Schluss e pela própria tese de Hegel do Silogismo
como princípio do idealismo, essa apresentada em 1801 como a segunda de suas Teses de
Habilitação (G W, TWA 2, p. 533), em vista da qual se exigirá cada vez mais que o princípio absoluto
8
se apresente no Juízo ele mesmo (ver, por exemplo, E., 1830, I, § 165ss). Para o caso presente,
Página
No dizer de Hegel, aquele algo inconsciente que na cópula então se exprime não é
senão o não-ser-conhecido do racional, vindo, portanto, à luz e sendo na
consciência apenas o seu produto enquanto membro da oposição de sujeito e
predicado, os únicos que, como tais, para Kant, se apresentariam na forma do juízo,
mas não seu ser-um enquanto objeto do Pensar; por isso, a identidade racional da
identidade enquanto identidade do universal e do particular é o inconsciente no juízo
e o juízo mesmo apenas a sua aparência.4 Desse modo, o juízo, ou a aparência
daquela identidade racional, não apresenta unicamente um lado subjetivo – que se
impõe como o do Eu subjetivo ou particular e que, como tal, se mostra na exposição
levada a cabo na Kritik der reinen Vernunft,5 resultando, em última instância, nas
chamadas antinomias da Razão, sobretudo a dos conceitos da natureza e da
liberdade, e na concepção das Ideias, em especial as cosmológicas, enquanto
meramente regulativas6 –, mas apresenta, especialmente, um lado objetivo, este o
1
GW, TWA 2, p. 307.
2
KrV B 135.
3
KrV B 33ss, 176-187; A 137-147. Confronte-se: GW, TWA 2, p. 309-314.
9
4
GW, TWA 2, p. 307.
Página
5
KrV B 169ss, A 130ss; B 187ss, A 148ss.
6
Devido às dimensões e aos propósitos deste trabalho e embora a exposição hegeliana das
antinomias e das Ideias da Razão (GW, TWA 2, p. 316-322) seja fundamental para uma
de Janeiro: Forense Universitária, 1995, p. 20ss. (= KU B XXIss, A XXIss). Para uma discussão mais
recente do conceito de experiência (propriamente dita) na Kritik der Urteilskraft, segundo o espírito e
Página
a letra de Kant ele mesmo, veja-se: A. MARQUES, Organismo e sistema em Kant, Lisboa: Presença,
1987, p. 143-200.
2
GW, TWA 2, p. 322ss.
As três primeiras passagens, por sua brevidade, devem ser tratadas em conjunto.
Ainda que nelas Kant não tenha em vista os mesmos objetivos de Hegel, este
mostra justamente o ponto em que, malgrado Kant, o que por ele é enunciado
negativamente não só ultrapassa os limites do que então é dito, mas põe
precisamente aquilo que no enunciado fora negado. É o que ocorre, por exemplo, na
discussão sobre a forma ideal da beleza, quando, citando Kant, a ―Ideia de uma
‗imaginação que se dá suas próprias leis, de uma legalidade sem lei e de uma livre
harmonia da imaginação e do entendimento‘‖,3 bem como quando se refere à
explicação kantiana em torno da Ideia estética, ―querendo que ‗ela seja a
representação da imaginação que dá muito a pensar sem que nenhum conceito
possa lhe ser adequado e que ela não possa, portanto, tornar-se inteligível nem
totalmente atingida pela linguagem‘‖,4 Hegel irá dizer que, por sua ressonância
soberanamente empírica, nada deixaria pressentir que já nos encontraríamos aí no
domínio da Razão.5 De um lado, isso se explica pelo fato de ambas as passagens
11
1
A saber: KU B 69, B 192-193, B 240, B 339-354, B 324-327, B 367.
2
GW, TWA 2, p. 309-312.
Página
3
GW, TWA 2, p. 322; KU B 69.
4
GW, TWA 2, p. 322-323; KU B 192-193.
5
GW, TWA 2, p. 323.
Neste caso, com o qual entramos na terceira passagem citada e discutida por Hegel,
a saber: que a Ideia estética seja ―uma intuição da imaginação, para a qual não
podemos jamais encontrar um conceito que lhe seja adequado‖, pois ―uma Ideia
racional não pode tornar-se um conhecimento porque ela contém um conceito do
supra-sensível ao qual não podemos jamais dar uma intuição que lhe seja conforme
– aquela a representação inexponible da imaginação, este o indemonstrable
conceito da Razão‖.5 Quanto a este ponto, ainda que a expensas de Kant, Hegel
parece tirar as consequências as mais interessantes e, não obstante, as que Kant,
pelos limites aos quais havia se imposto, de modo algum poderia tirar; a saber: que
a Ideia estética já tem sua exposição na Ideia mesma da Razão e esta sua intuição
na Ideia da beleza, o que, no dizer de Hegel, não seria mais que aquilo que o próprio
Kant chama demonstração, a exposição do conceito na intuição – com o que, ao fim
e ao cabo, na beleza como Ideia experimentada ou intuída, a forma da oposição
12
1
KU B 68-69.
2
KU B 192.
Página
3
KU B 192-193.
4
GW, TWA 2, p. 323.
5
GW, TWA 2, p. 323; KU B 240,
1
GW, TWA 2, p. 323.
2
GW, TWA 2, p. 323-324.
3
GW, TWA 2, p. 323.
Esse o cerne da quarta passagem chave então citada por Hegel, a qual, na verdade,
não é senão um resumo dos parágrafos 76-77 da Kritik der Urteilskraft, os quais, por
seu turno, se constituem como o phulchrum dos parágrafos 72-80, que serão
considerados pelo autor de Glauben und Wissen nas duas últimas das seis citações
acima elencadas. Quer dizer, não obstante Hegel citar de modo mais explícito, mas
resumidamente, apenas as passagens de B 324 a B 327, sua discussão do que aí
está em jogo abarca necessariamente a totalidade dos parágrafos aqui aludidos;4
conformando, pois, a partir de uma consideração do problema do idealismo das
causas finais na natureza segundo a concepção de Espinosa e sua crítica por Kant,
o material indispensável da concepção hegeliana de uma Filosofia especulativa
14
1
KU B 340ss; 345ss.
Página
2
Confronte-se: GW, TWA 2, p. 324; KU B 340.
3
Confronte-se: GW, TWA 2, p. 325; KU B 350-351.
4
GW, TWA 2, p. 327.
Ao fim e ao cabo, pelo fato de Kant afirmar tal identidade apenas como possível, isto
é, em si, já que para nós ela permanece impossível,3 em sua última citação, Hegel
dirá que isso se mostra precisamente assim devido à decisão de Kant em favor da
fenomenalidade.4 Por conseguinte, mesmo em reconhecendo uma outra intuição
que a sensível e em definindo o substrato da natureza como inteligível, Kant irá
optar pela limitação à esfera da separação entre conceito e intuição e, por isso, ater-
se de modo absoluto a este conhecimento finito.5 Neste sentido, de um lado, a
Razão ela mesma será também considerada tão só enquanto é para nós, portanto,
como pura e simplesmente regulativa, e, de outro, ainda que o poder de conhecer
seja capaz de elevar-se à Ideia e ao racional, objetar-se-á que não se deve pura e
simplesmente conhecer segundo os mesmos, mas conhecer o Orgânico apenas
15
1
GW, TWA 2, p. 326-327.
2
GW, TWA 2, p. 326.
Página
3
Confronte-se: Confronte-se: GW, TWA 2, p. 328; KU B 367.
4
GW, TWA 2, p. 326.
5
GW, TWA 2, p. 328.
4. Considerações finais
Isso porque, como ainda nos lembra Philonenko ele mesmo,3 sobretudo no que
tange à natureza orgânica e à teoria do nexus finalis em Kant ou em seu
desenvolvimento imanente, Hegel não aprofunda suas investigações; essas que
16
também não parecem ter recebido uma atenção mais exclusiva por parte dos
Página
1
GW, TWA 2, p. 328.
2
A. PHILONENKO, Introduction [a la Foi et Savoir]. In: G. W. HEGEL, Foi et Savoir, op. cit., p. 42ss.
3
A. PHILONENKO, Introduction [a la Foi et Savoir]. In: G. W. HEGEL, Foi et Savoir, op. cit., p. 45.
Lista de abreviações:
DC Da Certeza
GF Gramática Filosófica
IF Investigações Filosóficas
Z Zettel
(As abreviações serão acompanhadas do número do parágrafo segundo ordenação
do próprio Wittgenstein ou de seus herdeiros literários)
(....) Não se poderia pensar até que várias pessoas tenham tido um
propósito (Absicht) e o tenham realizado, sem que nenhuma delas o
tivesse? Deste modo, um governo pode ter um propósito que nenhum
homem tenha. (Z 48).
máquina fique bravo: qual julgaríamos ser a intenção do mecanismo? ―Às vezes
Página
acionar o freio, às vezes a raiva do operário.‖ (GF VII, 95) Responder que um
mecanismo não pode pensar e, portanto, não pode ter intenção é já um início.
Precisamente, a questão é que ―(...) a intenção está inserida na situação, nos
hábitos humanos e nas instituições. Se não existisse a técnica de jogar xadrez, eu
não poderia ter a intenção de jogar uma partida de xadrez.‖ (IF 337). Encontrar não
mostra o que estávamos procurando, nem a realização do desejo o que estávamos
desejando: ―(...) Os sintomas da expectativa não são a expressão dela.‖ (GF VII, 92)
A expectativa, a intenção e o desejo não são estados mentais persistentes e
incompletos que esperam sua concretização para ter realidade.
Se o jovem Wittgenstein seguiu Schopenhauer na ideia de eliminar o ―desejo‖, já que
este nos conduzia a contra-sensos lógicos e infelicidade na vida, isto se reverterá
nos escritos posteriores. O querer será também uma experiência, a vontade também
somente representação. O ―querer‖ perderá a sua aura ―mágica‖, aquela que havia
ganho pelo fato de ser involuntário: ―(...) Não posso produzi-lo? –Como o quê? O
que é que posso produzir? Com o que estou comparando o querer quando digo
isto?‖ (IF 611)
Neste sentido, da intenção constituída por práticas externas, é que podemos entrar
Página
forma de práticas de ensino com crianças, eram dos preferidos de Wittgenstein. Isto
Página
poderia ter uma explicação biográfica coerente: a de que Wittgenstein foi professor
que nunca poderíamos pôr em dúvida, porque elas constituem a base a partir da
entendido como convivência com o outro, com o diferente, com diferentes ―formas
Página
de vida‖.
1
Por “direitos democráticos” entendem-se aqueles direitos que não podem ser alienados sem comprometer a
existência mesma da democracia, ou seja: distinção entre o público e o privado, a separação entre Igreja e o
Estado, entre lei civil e lei religiosa. (MOUFFE: 1996, p. 176).
é desejável que uma sociedade seja governada por uma única lógica democrática.
(MOUFFE: 1996, p. 33)
Referências bibliográficas
1999.
Página
10
Página
Lista de abreviações
DC: Da Certeza
1
HACKER, P. Wittgenstein and the autonomy of humanistic understanding. In.: HACKER, P. M. S.
Wittgenstein: Conections and Controversies. Oxford: Clarendon Press, 2001, p. 37.
Essa frase é ilustrativa para mostrar que a religião não é entendida por Wittgenstein
como uma teoria e nem deve ser entendida dessa forma. Mas é justamente isso o
2
Página
1
ORDF, p. 50.
que faz Frazer. Ele busca entender os ritos religiosos, buscando encontrar neles
sempre uma teoria que legitime tal mito. O pressuposto parece errado e fica mais
errado ainda quando o antropólogo em questão coloca teorias iguais ou muito
próximas a teorias das ciências naturais. Por exemplo, será que realmente podemos
dizer que a dança da chuva é dançada para que chova ou é um rito de
agradecimento? Frazer parece entender tais ritos através de uma lei natural de
causa e efeito e por isso simplifica tal rito, dizendo que ele é ingênuo por não ter
resultados e que as pessoas que a praticam não percebem que sempre dançam em
épocas que antecedem a chuva e não em outras. A pergunta que se colocaria aqui é
até que ponto no desenvolvimento de tal rito se pensou que realmente haveria uma
relação de causa e efeito entre a chuva e a dança ou não é simplesmente um rito de
agradecimento ou espera pela chuva que está chegando. Uma tal constatação de
Frazer talvez seja mais ingênua do que a própria dança da chuva, pois é como se
um homem que nunca tivesse visto uma casa com janelas e ao ver que logo depois
que as pessoas fecham as janelas começa a chover, concluísse que acreditamos
que fechamos as janelas para que chova. O erro de Frazer é reduzir tudo a algo
plausível a homens que têm a mesma visão que ele.1 Ao fazer isso, simplifica a
religiosidade antiga. E esse é um dos principais problemas de não entendermos a
linguagem e a variedade de saberes.
Quando estamos presos a uma única ideia de linguagem, procuramos a todo custo
recusar outros tipos de linguagens e atividades ou reduzi-las às nossas concepções
de mundo. É isso que faz Wittgenstein exclamar uma espécie de desabafo diante da
leitura que Frazer faz das religiões primitivas: ―Que estreita é a vida do espírito para
Frazer! E consequentemente: Que incapacidade para compreender uma vida que
não seja a de um inglês de seu tempo! Frazer não pode imaginar um sacerdote que
não seja, no fundo, como um pároco inglês de nossos dias com toda a sua
imbecilidade e mediocridade.‖2 Tal desabafo de Wittgenstein se explica por Frazer
3
Página
1
ORDF, p. 51.
2
ORDF, p. 57.
estar totalmente envolvido numa forma de ver o mundo que é a forma de sua época.
O antropólogo em questão está dogmaticamente envolvido na linguagem científica
ocidental do século XX e não consegue sair dela e, ao não conseguir ir para além
dela, generaliza-a a todas as linguagens possíveis. Como bem expressa Moreno:
Frazer não estaria cometendo apenas um erro teórico; seu erro foi principalmente
incorrer na generalização de determinada visão de mundo, ou melhor, estaria
atribuindo, de maneira dogmática, ainda que inadvertidamente, o modelo de
explicação científica do século XX, explicação através de hipóteses e causas, aos
indivíduos das comunidades cujos rituais descreve e pretende explicar. O erro
teórico consiste apenas em supor que explicações causais possam esclarecer o
sentido de comportamentos ritualístico, quando, na verdade, esse tipo de
explicação fornece somente ligações empíricas. Erro mais grave e profundo
consiste em atribuir uma falsa ciência a comunidades em que hábitos ritualísticos
não visam, segundo Wittgenstein, explicar processos naturais através de causas,
mas exprimir valores de sua cultura. Erro profundo, porque atribui valores e
hábitos de uma sociedade aos indivíduos de outra sociedade, cujos valores e
hábitos pretende compreender. Confusão gramatical que tem consequências
teóricas e éticas no trabalho do antropólogo.1
O que Frazer precisa e nós também é fazermos uma terapia gramatical que nos cure
desta busca por generalidade que nos torna dogmáticos e atrapalha nossa visão
correta dos fenômenos humanos e naturais. Não podemos sobrepor a nossa
linguagem a todas as linguagens possíveis. Isso é um erro grave que tem como
resultado principal um entendimento totalmente errôneo daquilo que buscamos
compreender. O erro do filósofo que faz isso é o erro de superficialidade, ou seja, ele
não vai ao fundo das questões linguísticas, mas fica na superfície onde se reflete a
imagem dele mesmo. Frazer fica na superficialidade, ele projeta sua cultura na
cultura alheia e assim chega a conclusões que podem ser totalmente equivocadas.
Ora, entender que ritos têm a mesma natureza linguística que a ciência do século
XX ou que todos eles têm a mesma natureza é, na visão de Wittgenstein,
4
Página
1
MORENO, A. R. Introdução a uma pragmática filosófica: de uma concepção de filosofia como
atividade terapêutica a uma filosofia da linguagem. Campinas: Editora da Unicamp, 2005. p. 275-276.
ingenuidade. É diante disso que ele dirá que ―Frazer é muito mais selvagem que a
maioria dos selvagens, posto que estes não estariam tão afastados da compreensão
de algo espiritual como está um inglês do século XX. Suas explicações dos
costumes primitivos são muito mais superficiais que o sentido de tais costumes.‖1
Frazer se mantém preso a uma única forma de explicar os fenômenos e não
consegue ir além dessa percepção. O que Wittgenstein propõe é que ultrapassemos
nossos dogmatismos e vejamos a variedade de formas de vida e de jogos de
linguagem e de saberes.
O que precisa ficar claro e Wittgenstein tem bem presente é que para além dos
fenômenos naturais, existem, na vida humana ‗fenômenos‘ que ultrapassam a esfera
natural e que são de suma importância para os seres humanos. Estes fenômenos
estão ligados às nossas paixões, desejos e formas de compreender o mundo e a
vida. Eles não são desligados da totalidade de nossa vida e, muitas vezes, até são
parte integrante nas nossas compreensões dos fenômenos naturais. Como destaca
Clack a vida humana é mais do que simples fenômeno natural ou racionalidade
lógica: ―ela é regrada pela paixão, pelo instinto, por motivações que nós podemos
descobrir e agarrar. Como resultado, nossa vida aqui é estranha e desconcertante.
Daqui que as reflexões de Wittgenstein sobre prática mágica atingem
fundamentalmente a base dos pensamentos sobre ‗homem e seu passado ... o
estrangeiro que eu vejo em mim e em outros, que eu tenho visto e tenho ouvido‘‖2
1
ODRF, p. 58.
2
CLACK, B. Wittgenstein and Magic. In.: Arrington, R. L & ADDIS, M. (org). Wittgenstein an
Philosophy of Religion. London New York: Routledge, p. 26.
O que Wittgenstein enfatiza é que se somos seres que possuem uma linguagem
muito mais complexa do que somente uma linguagem empírica ou científica,
devemos nos ater também nesses outros campos da vida humana em que conceitos
e sentenças surgem de práticas que não se enquadram nas explicações das
ciências naturais. É nesse sentido que Hacker diz que:
1
HACKER, P. Wittgenstein and the autonomy of humanistic understanding. In.: HACKER, P. M. S.
Página
vários momentos que a gramática do saber é bem mais ampla do que podemos
perceber num primeiro momento.
1
Cf. DC, p. 159.
2
Cf. IF, p. 245
Além destes saberes mais primitivos, alguns outros saberes também prescindem de
um conhecimento no sentido clássico, mas podem ser entendidos como saber. É o
caso da moralidade, da arte e da religião. Na moralidade, uma pessoa pode saber
8
Página
1
DC.
1
Aqui o ‗fazer‘ não deve ser entendido somente no sentido de fazer algo com material, mas também
atividades que requerem pensamento abstrato como no caso de seguir uma série de números na
matemática, como bem o coloca Wittgenstein no parágrafo 151 das Investigações.
ideias desenvolvidas por Gilbert Ryle que tentou mostrar que além do conhecimento
como crença verdadeira e justificada, existiria um outro saber que é fruto do
treinamento. Essas ideias estão bem desenvolvidas em sua obra The concept of
mind, mais precisamente no capítulo 2 de tal obra intitulado: Knowing how and
knowing that.
Para Ryle,
Aqui, neste trecho, Ryle nos apresenta como a filosofia caracteriza o saber. Na
contemporaneidade, conhecer é ser guiado pela razão ou ter um aparato de
conhecimentos racionais. Tal ideia é tão difundida que até mesmo coisas simples do
dia-a-dia deveriam ser entendidas dentro de teorias sobre como funcionam as
coisas. Aquilo que não se encaixa dentro da ideia de verdade deveria ser deixada de
lado por não se constituir em conhecimento. Tais ideias são típicas, por exemplo, do
positivismo lógico ou círculo de Viena, no qual só era considerado conhecimento
aquilo que poderia ser transformado em proposição.
que revelam diretamente qualidades de mente, ainda que não sejam nenhuma
Página
1
RYLE, G. The Concept of Mind. London: The Penguin Group, 1990, p. 27.
O que Ryle pretende mostrar é que existem inúmeras atividades humanas que não
estão baseadas em teorias ou verdades da razão, mas que nem por isso podem ser
consideradas como de nível inferior ou serem deixadas de lado. Pelo contrário, ele
mostra que em nosso dia-a-dia, dizemos que uma pessoa é inteligente ou não muito
mais por sua capacidade ou habilidade para fazer determinadas coisas do que por
seu conhecimento acumulado de teorias. Tais habilidades são capacidades ou
competências para fazer ou desempenhar determinada atividade, por isso elas se
constituem em uma espécie de saber como (Know how). Esta espécie de saber se
diferencia de um saber teórico que apresenta um repertório de conhecimentos a
respeito das mais diversas teorias, o que é caracterizado por Ryle como saber que
(Know that) no sentido de ter conhecimento a respeito de se alguma proposição ou
fato é ou não o caso, é ou não é verdadeira. O saber que se caracteriza como a
idéia clássica de conhecimento que perpassa a história da filosofia.
O que Ryle nos apresenta e que para nós é interessante é o fato de que existem
conhecimentos que não se enquadram dentro desta definição clássica do
conhecimento ou do que ele chama intelectualismo. Assim, ao apresentar o saber
como, Ryle nos abre para uma visão mais ampla de conhecimento, assim como
Wittgenstein fizera nas Investigações. Por isso, antes de voltarmos as teorias deste
último, entendemos ser necessário olharmos atentamente para as idéias sobre o
saber como.
Para Ryle o que está em jogo quando dizemos que uma pessoa sabe falar
corretamente, usar corretamente uma gramática, jogar xadrez ou tantas outras
atividades é que quando elas fazem estas atividades,
11
Página
1
Ibidem
Se o observarmos com atenção veremos que Ryle entende que o saber como
possui critérios próprios de correção, internos à própria ação, ou seja, quando
dizemos que alguém sabe como fazer determinada coisa, nós temos como perceber
que ele está fazendo a atividade de forma correta ou não e isso é o que importa. No
saber como, a linguagem está intimamente ligada ao fato de saber ou não seguir
uma determinada regra.
Ryle foca muito suas ideias no fato de que o saber como é fruto de treinamento, ou
seja, uma pessoa que sabe como fazer determinada coisa não o sabe por acaso,
mas aprendeu a fazê-lo desta forma, foi treinada para fazer isso. Tal treinamento é
fruto da prática, ou seja, da repetição dentro de certos parâmetros. Assim, o saber
como torna-se como que uma segunda natureza, ou seja, disposições adquiridas e
que se tornam parte do sujeito que as possui2.
Dall‘Agnol em seu artigo Pratical cognitivism mostra de forma clara essas ideias de
Ryle ao afirmar que uma determinada pessoa que é treinada a fazer determinada
atividade não o faz de forma mecânica, mas de forma critica. Ele usa o exemplo de
uma pessoa que aprende a andar de bicicleta e depois de ter aprendido é capaz de
reformular algumas regras na própria atividade de andar de bicicleta. Assim, ele
afirma que ―O conhecer como torna-se parte de sua segunda natureza, isto é,
através da educação esta habilidade torna-se parte de seu ser. Ele desenvolve
12
hábitos por constante treinamento, que não são somente repetições mecânicas, mas
Página
1
RYLE, G. The Concept of Mind. London: The Penguin Group. 1990, p. 29..
2
RYLE, G. The Concept of Mind. London: The Penguin Group. 1990, p. 41-44.
O que temos que ter em mente, ao falarmos do saber como, e que Wittgenstein
tinha ao falar da variedade de saberes, é que a prática humana é totalmente
dinâmica e mesmo que seja regrada, ela mesma modifica as regras. Ou seja, na
prática do próprio jogo as regras podem ser postas à prova e modificadas. Daqui,
pode-se entrar na discussão sobre a possibilidade ou não do saber como ser
reduzido ou entendido como uma esfera do saber que. Alguns defensores2 dessa
idéia dizem que a inteligência prática, envolvendo a observação de regras, ou
aplicações de critérios, requer necessariamente uma reflexão anterior,
caracterizando-se como um saber que. Aqui novamente temos que voltar ao texto
de Dall‘Agnol. Para ele, sendo o conhecer como uma habilidade de aplicar regras
adquiridas por treinamento,3 ele até pode envolver em seu interior aspectos do
conhecer que, mas não pode ser reduzido a ele porque o primeiro não é adquirido
pelo conhecimento de conexões causais4. Concordamos com Dall‘Agnol que pode
haver aspectos por assim dizer teóricos no saber como, mas disso, não se pode
1
DALL‘AGNOL, D. Pratical Cognitivism. In.: ethic@. Florianópolis. v. 7, n. 2 , 2008. p. 326.
2
Entre tais defensores, podemos citar Jason Stanley e Timothy Willianson que no artigo Knowing how
(Journal of Philosophy, 98.8. 2001) defendem tal redução. Aqui é importante dizer que não nos
ateremos de forma muita intensa a tal debate. Tomaremos como base o fato de que o saber como
não pode ser reduzido ao saber que, apesar de, as vezes, possuir alguns aspectos de saber que.
13
3
Dall‘Agnol, ao fazer essa definição afirma também que se tomarmos conhecer como neste sentido,
não teremos o problema de alguém nos dizer que o conhecer como é instintivo e que faz parte de
Página
animais e seres recém-nascidos, por exemplo. Entendemos que essa definição é de suma
importância para nossos objetivos posteriores, além de mostrar claramente as visões de Ryle.
4
Cf. DALL‘AGNOL, D. Pratical Cognitivism. In.: ethic@, Florianopolis, v. 7, n. 2 , 2008, p. 331.
Referências bibliográficas
RESUMOS DE PALESTRAS
Bibliografia
GIL, F. Recepção da Crítica da razão pura. Antologia de escritos sobre Kant (1786-
1844). Lisboa: Calouste-Gulbenkian, 1992.
HÖLDERLIN, F. Urteil und Sein. Trad. Joãosinho Beckenkamp. In: Dissertatio, (13-
14), UFPel, 2001, p. 27-53.
KANT, I. Crítica da razão pura. Trad. Valério Rohden e Udo Baldur Moosburger.
Coleção Os Pensadores, São Paulo: Abril Cultural, 1980.
____. Crítica da faculdade do juízo. Trad. Valério Rohden. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1995.
RESUMOS DE COMUNICAÇÕES
É fato relativamente comum que filósofos nas mais diferentes épocas lancem mão
de termos já amplamente utilizados pela tradição filosóficas para expressar suas
idéias e estabelecer seus próprios conceitos. Ao fazê-lo, os autores travam um
diálogo muito particular com a tradição, chegando por vezes à reformulação
completa dos termos a fim de buscar maior clareza e precisão em suas
argumentações. Em meio a esta diversidade de usos de termos filosóficos podem
surgir dificuldades de compreensão na leitura dos textos e até mesmo erros de
interpretação. O presente trabalho busca esclarecer como o conceito de intuição
sofreu distinções na modernidade e na passagem para a contemporaneidade, em
três autores em particular: Descartes, Kant e Bergson. Isto será feito mediante uma
breve abordagem do termo para Descartes e Kant, e posteriormente com a
exposição da interpretação bergsoniana do mesmo. Visto que para Bergson o termo
tem profunda ligação com a própria atividade filosófica, serão discutidas também as
dificuldades encontradas na metafísica tradicional, sob a ótica do autor e a proposta
do filósofo francês para a filosofia, partindo da intuição como forma de se apreender
uma realidade movente, buscando restituir ao movimento o que este tem de
essencial, ou seja, a própria mudança e sua indivisibilidade. Busca-se abordar, a
1
vezes como obstáculo, outras como sustentação). Nesta via não há traço algum do
que Bergson denomina intuição. A intuição, para Bergson, surge na segunda via de
conhecimento da realidade: a metafísica. O esforço de reflexão necessário à
metafísica apresenta-se como uma inversão da reflexão intelectual. Se o intelecto
busca a imobilização de uma realidade para estudá-la em seus detalhes, para a
metafísica bergsoniana o que importa é a percepção do movimento, das tendências
que um e outro estado estabelecem entre si. Para perceber este movimento é que
surge o recurso à intuição na filosofia bergsoniana. Bergson ergue sobre os
conceitos de duração (não abordado diretamente neste texto) e intuição o método
pelo qual pretende investigar a realidade em sua característica mais profunda e
reveladora: o movimento. A intuição é, pois, consciência imediata que adere ao
movimento e às mudanças e tendências do objeto. Esta, portanto, é a raiz do
pensamento bergsoniano. A segunda via de compreensão da realidade é o ponto
central do pensamento do filósofo francês, tornando-se o recurso fundamental para
a compreensão do movimento. É a aderência total da percepção à realidade e ao
fluxo da vida. O primeiro sentido que se destaca da intuição é o do acesso direto ao
espírito. Não obstante, Bergson adverte desde sempre em suas obras a respeito da
dificuldade de conceituação do próprio termo intuição. Assim, não há o que se possa
identificar como uma definição objetiva e pontual. Diversas gradações compõem a
construção do termo, bem como diferentes aproximações, em situações diversas.
Porém o fundamento da intuição volta sempre sobre si mesmo, ou seja, a duração
pura, a percepção do movimento como tal, não considerado como instantâneos que
fixam o espaço e deixam de lado a duração. A intuição é a própria percepção do
movimento. Deve, antes de qualquer coisa, devolver à realidade seus atributos
qualitativos, aceitando cada desenvolvimento da duração como único e resultante de
um movimento que é o fundamento da própria realidade. Neste sentido, Bergson
distancia-se propositadamente das filosofias de Descartes e Kant. Tal
3
distanciamento é abordado aqui pela análise do uso do conceito de intuição nos três
Página
Referências bibliográficas
KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Tradução: Manuela Pinto dos Santos
e Alexandre Fradique Morujão. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2001.
Para Hobbes (2002, p.20) a natureza humana consiste na soma de suas faculdades
e poderes naturais. O homem na qualidade de corpo vivo e finito está determinado a
manter no seu estado cinético. Sendo assim, a conservação do movimento é um
dever para o indivíduo. É um dever e também um direito. Porém, Hobbes (2003,
p.112) afirma que estes dois conceitos quando aplicados a uma mesma situação
torna-se contraditórios. Ou se pratica uma ação por dever ou por liberdade. Diante
disso, o objetivo do trabalho é procurar demonstrar que em se tratando dos
elementos de defesa do maior bem do ser humano o direito natural é tanto dever
quanto liberdade.
Observemos inicialmente o conceito de lei de natureza e, posteriormente, o de
direito natural. Quanto ao primeiro, escreve o nosso autor,
Quanto ao segundo,
1
[...] a liberdade que cada homem possui de usar o seu próprio poder,
Página
MacAdam (1980, p.143), comenta que na filosofia hobbesiana ―ter um direito é não
ter um dever e, de modo correspondente, ter um dever é não ter um direito.
Contudo, o direito natural à vida parece constituir exceção à regra geral de Hobbes.
Já que é tanto direito como dever‖. A lei de natureza é um preceito internalizado em
cada corpo humano a fim de obrigar que cada indivíduo possa conserva o seu
próprio movimento vital. Se por um lado, a lei determina a autoconservação, por
outro assegura o direito natural como mecanismo de obtenção de resultados
necessários à autoconservação. Sendo o direito natural liberdade e dever, cada qual
se configura como juiz de si. E na qualidade de juiz de si todos estão autorizados a
desobedecerem às leis naturais (ou positivas, se for o caso) sempre que estas
desfavorecerem ao direito primordial.
O conceito de liberdade natural é compatível com o de lei de natureza. Trata-se de
uma liberdade condicionada à necessidade de manter o propósito essencial do
corpo em relação ao seu estado cinético. Todo indivíduo está livre para escolher
aquilo que favorece aos seus interesses fundamentais. A escolha não é procedida
sem propósitos. Nesse sentido, o direito é também um dever natural. O estar livre
2
Página
para fazer não importa o que tendo em vista a autoconservação é justificado pela
quanto ao modo de agir, buscar a paz ou fazer a guerra. Seja qual for a alternativa
Página
Referências
HOBBES, Thomas. Do Cidadão. Tradução de Renato Janine Ribeiro. São Paulo:
Martins Fontes, 1992
______. Leviatã. Tradução de João Paulo Monteiro. São Paulo: Martins Fontes,
2003.
A LIBERDADE GENIAL
Mestrando – UFPR
Falar de liberdade em Kant é sempre um desafio, pois para quem ao menos deu
uma passada de olhos sobre sua teoria do conhecimento, ou ainda, sobre os
escritos onde o autor trata a respeito da moralidade, percebe a dificuldade que cerca
o tema da liberdade em Kant, seja ela a liberdade transcendental, ou seja a
liberdade prática, se é que podemos dizer que se trata de coisas distintas, pois bem,
é este um dos problemas que trataremos no momento, e não satisfeito com tamanha
questão o objetivo principal que tenho em vista é investigar se essa liberdade se
mostra de algum modo também na terceira crítica de Kant, A Crítica do Juízo (KU),
sobretudo na experiência do sentimento estético, e em decorrência disto na figura do
Gênio artístico. Desde já podemos afirmar que de modo algum o Gênio é um
indivíduo empiricamente livre, pois isso seria uma contradição não só ao espírito
mas também a letra da filosofia kantiana, o objetivo então é tentar entender qual a
distinção entre um sujeito ―comum‖ determinado por suas faculdades de
conhecimento e limitado pela crítica, e o sujeito ―genial‖, o qual possui um ―uso livre
de suas faculdades de conhecimento‖ (KU 200) ou ainda, ―Gênio é a inata
1
disposição de ânimo (ingenium) pela qual a natureza dá regra a arte.‖ (KU 181).
Página
norteia boa parte de sua filosofia, o Gênio como coisa-em-si pensa-se livre mas
Página
como fenômeno está preso ao mundo. (...)o gênio se compraz em seu arrebatado
ímpeto, porquanto abandonou o fio pelo qual antes a razão o dirigia(...)1. Podemos
até admitir através da Crítica da Razão Prática ou até pela solução da Terceira
Antinomia que todos os homens devem pensar-se livre, porém a diferença entre
estes e o Gênio é que o Gênio realmente sente-se livre ele não pensa-se somente
livre, porém a cada momento que ele volta os olhos para o mundo, e volta a
sistematizar pela sua razão para se comunicar com os demais homens, a razão
torna-se um fardo para ele, fato este que será visto um pouco mais adiante.
Ainda tratando-se da figura do gênio é intrigante o fato que ―nós‖ geralmente o
invejamos, quem nunca quis ser como Goethe, Sócrates, Shakespeare, Homero,
Mozart, Bach ou Beethoven entre outros?Segundo Kant, esta suposta ―inveja‖ que
possuímos em relação ao Gênio deve-se ao fato que: ―Ser auto-suficiente, por
conseguinte isto é fugir dela (da sociedade), é algo que se aproxima do sublime,
assim como toda liberação de necessidades” (KU 127) é por esta libertação ou por
esta auto-suficiência que invejamos o gênio, pois produz em nós um sentimento
próximo ao sublime. Quando observamos o Gênio, sobre-tudo quando
reconhecemos seu espírito Genial o qual segundo Kant ele é dotado, sentimos que
de algum modo existe uma certa liberdade a qual se evidência em sua produção.
Podemos primeiramente investigar quais as características principais que constituem
o Gênio buscando sua relação com o mundo, e investigar essa liberdade de
pensamento que só gênio tem posse, ou melhor, faz uso. Descobrir até que ponto tal
liberdade pode ser vista ou entendida em termos da liberdade transcendental ou da
liberdade moral, sem que com isso o sistema kantiano do conhecimento não se
abale. Ainda tentar encontrar vestígios nos escritos de Kant algo relativo a um
abandono da razão da parte do Gênio (...) o gênio se compraz em seu arrebatado
ímpeto, porquanto abandonou o fio pelo qual antes a razão o dirigia (...)2, se caso
confirmada a hipótese da recusa da razão por parte do gênio, automaticamente
recusa também toda a idéia de regularidade e de totalidade as quais a razão é
3
Página
1
Que significa orientar-se no pensamento? P. 60
2
Que significa orientar-se no pensamento? P. 60
responsável, ―O uso hipotético da razão tem, pois, por objetivo a unidade sistemática
dos conhecimentos do entendimento e esta unidade é a pedra de toque da verdade
das regras‖ (A 648, B 676) (Totalidade e regularidade da natureza Dialética
Transcendental).
Na medida em que avançamos percebemos que a questão do Gênio em Kant nos
oferece uma grande e variada fonte de pesquisa de um ponto de vista um tanto
quanto instigante, pois partimos em busca de uma figura que apesar de ainda não
sabermos bem do que se trata, podemos dizer que possui uma relação com o
mundo de algum modo diferente do ―sensus communis‖, é em busca desse algo,
desse modo diferente, que pretendemos partir.
Referências bibliográficas
_______. Crítica da razão pura. Trad.: Manuela Pinto dos Santos e Alexandre
Fradique Morujão. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989. Segunda Edição.
LEBRUN, Gérard. Kant e o Fim da Metafísica. Trad.: Carlos Alberto ribeiro de Moura
São Paulo: Martins Fontes, 2002.
Orientadores: Dr. Francisco Verardi Bocca (PUCPR); Dr. Luiz Damon Santos
Moutinho (UFPR)
E-mail: [email protected]
Sigmund Freud, a seu modo, parece ter respondido estas questões, e descrever a
maneira como este autor o fez constitui o objetivo do presente trabalho. Na última
década do século 19, momento em que se assistia, no domínio da epistemologia,
uma espécie de ―disputa‖ por legitimidade científica (FERREIRA, 2006, p. 17) entre o
conjunto constituído pelo saber tradicional clássico galileano (que incluía a física, a
química e as demais ciências naturais) e o conjunto das nascentes ciências
humanas - que à época careciam de solidez metodológica -, Freud realiza uma
empresa singular: propõe-se ―fornecer uma psicologia científica e naturalista, ou
seja, expor os processos psíquicos como estados quantitativamente determinados
de partes materiais capazes de serem especificadas e, com isso, torná-los intuitivos
e livres de contradição‖ (FREUD, 1895/2003, p. 175). Trata-se do Projeto de uma
Psicologia de 1895. Por ter a intenção de apresentar os processos psíquicos como
partículas materiais em movimento – o que caracteriza uma psicologia quantitativa -,
Freud adota, no Projeto, uma concepção materialista de princípio, ou seja, nega a
dualidade entre substâncias psíquicas ou mentais e substâncias físicas. O que dizer
então do estatuto que Freud confere à matéria, esta que, resguardada a filiação
materialista do projeto freudiano, constituiria o ―estofo‖ dos processos psíquicos, o
componente ao qual toda a realidade mental deveria ser reduzida? E o que há de
propriamente original em suas elaborações acerca da materialidade do psíquico?
No Projeto Freud introduz a descrição do funcionamento do aparelho psíquico e o
modus operandi das psicopatologias a partir da conjugação entre uma abordagem
quantitativa, a teoria neuronal e o paradigma biológico-adaptativo. A primeira se
justifica pelo fato de que a física corpuscular galileano-newtoniana constituía o
referencial epistêmico de todo o qualquer discurso científico que aspirasse a esse
status. Da física, então, Freud assume a tese segundo a qual no mundo externo ao
sistema nervoso ―há apenas massas em movimento e nada mais‖ (FREUD,
1895/2003, p. 187), do que decorre que os estímulos que invadem o sistema
2
ser responsável por todos os processos psíquicos, desde os mais elementares até
Página
Referências bibliográficas
Jeovane Camargo
Universidade Federal do Paraná
Orientador: Luiz Damon Santos Moutinho
[email protected]
1
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. Trad.: Carlos Alberto Ribeiro de Moura.
São Paulo: Martins Fontes, 3ª ed., 2006, p. 23.
2
O intuito de não endereçar ao pensamento objetivo questões que ele mesmo não se coloca é
1
revelador do método merleau-pontiano. O recuo à experiência perceptiva deve surgir como uma
Página
necessidade ao se fazer o inventário do pensamento clássico. Pressuposta por eles a todo momento,
ela acaba esquecida em razão de um ―golpe‖ natural: a passagem da experiência efetiva, vivida por
todos, ao pensamento objetivo, construtor de um objeto único, verdadeiro. Id., ibid., p. 110.
procura é uma nova concepção do ser que leve ao mesmo tempo para além da
filosofia clássica e aponte para certa ―compreensão‖ do ―real‖ que permita às
ciências humanas um novo tipo de investigação — embora elas se alcem para
adiante das teorias clássicas (naquilo que elas desvelam), elas ainda são devedoras
do pensamento objetivo (pelo modo como compreendem). O procedimento merleau-
pontiano aqui é aquele mesmo apresentado na descrição da fala falante, o de
reorganizar as significações já constituídas, habitualmente repetidas na linguagem
ordinária, em vista de um sentido novo. Não se trata de desvelar a Verdade, mas de
instituir certa verdade, histórica. E o saldo, logo anunciado, desse procedimento, é o
reencontro com o fenômeno da percepção. Ora, se já encontramos na linguagem
certa noção de sensação, assim como certa noção de objeto, é preciso perguntar
então como essas noções se constituíram? Qual é o solo que fundamentou seu
nascimento? Pois é certo que a definição de objeto como partes extra partes,
definição que está por trás daquela de sensação, não pode ser apenas um delírio ou
sonho dos filósofos, mas de alguma forma se encontrar, ou ao menos se anunciar,
no mundo. Assim como a fala falante ou o movimento temporal, é sempre por uma
retomada que pode aparecer algo novo, não há projeção se não houver retenção. A
experiência perceptiva, assim, se se quer primordial, precisa se apresentar como o
solo de toda criação. Portanto, como a condição mesma tanto do pensamento
objetivo quanto do movimento paradoxal do ser no mundo. Ao descrever e analisar
as teorias clássicas, Merleau-Ponty partia de certas noções caras tanto ao
empirismo quanto ao intelectualismo, fazendo ver que na estrutura mesma daqueles
sistemas filosóficos apresentavam-se contradições e pressupostos que
evidenciavam um fundo não esclarecido; análise corroborada, em grande parte,
pelas investigações das ciências humanas. Ali a crítica principal era a de ―construir a
percepção com o percebido‖1, isto é, delimitar ―o sensível pelas condições objetivas
das quais depende‖2, aquilo que Merleau-Ponty chama de ―prejuízo do mundo‖. No
2
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1
Id., ibid., p. 26.
2
Id., ibid., p. 28.
1
Id., ibid., p. 26.
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2
―A percepção não é uma ciência do mundo, não é nem mesmo um ato, uma tomada de posição
deliberada; ela é o fundo sobre o qual todos os atos se destacam e ela é pressuposta por eles.‖ (Id.,
Ibid., p. 6)
problema da origem1 do objeto, passo que nos levará, mais adiante, à consideração
da temporalidade.
Referências:
4
Página
1
Em uma passagem da PHP, Merleau-Ponty diz que ―é preciso que reencontremos a origem do
objeto no próprio coração de nossa experiência (...)‖ (Id., Ibid., p. 109). Daqui nasceu a ideia diretriz
destas páginas.
Palavras- chave: Sumo Bem, Moralidade, Cânon da Razão pura, Kant, Reino da
graça.
1
BECK, Lewis White. A commentary on Kant`s Critique of Practical Reason. Chicago: University
of Chicago Press, 1963.
1
2
BEISER, Frederick C. ―Moral faith and the highest good‖. In: The Cambridge Companion to Kant
Página
and Modern Philosophy, edited by Paul Guyer: Cambridge University Press; 2007: pp. 588-629.
3
Allen W. Wood, John Silber, Thomas Auxter, entre outros, também têm se dedicado a analisar o
conceito kantiano de Sumo Bem.
Nesse contexto, é importante atentar para o fato de que na CRP Kant parece não
Página
compreende o Sumo Bem como sendo a união entre esses dois elementos, tal como
ele defenderá na segunda Crítica. Mas no Cânone o autor da Crítica parece definir
esse conceito como sendo algo bastante diverso e, em certo sentido, surpreendente.
Kant define o Sumo Bem no Cânone da primeira Crítica como sendo ―a ideia de
semelhante inteligência, na qual a vontade moralmente mais perfeita, ligada à
suprema beatitude, é a causa de toda a felicidade no mundo‖ (B 838). A definição de
Sumo Bem aqui parece bastante clara, isto é, significa essa ―inteligência‖ suprema
que une a felicidade em proporção à virtude (moralidade) do sujeito agente. Noutras
palavras, pode-se dizer que em ―O cânone da razão pura‖ na primeira Crítica Kant
concebe o Sumo Bem como sendo Deus.
Ante o exposto levantam-se algumas perguntas: 1) porque no Cânone Kant defende
algo sobre a fundamentação da moralidade que parece tão contraditório com o que
ele expõe na FMC quatro anos mais tarde? 2) porque no Cânone Kant entende o
Sumo Bem como sendo Deus se na CRPr ele afirmará que essa compreensão é
errônea, apresentando assim, outra caracterização desse conceito? 3) porque o fim
último da razão pura (Sumo Bem) possui um elemento empírico em sua composição,
qual seja, a felicidade? Dentre todas essas questões que se levantam a partir das
afirmações de Kant no Cânone, neste ensaio nos restringiremos a analisar a
segunda delas.
Segundo Frederick Beiser o conceito de Sumo Bem que os filósofos modernos
tinham em mente era o conceito de Cidade de Deus de Santo Agostinho, embora
com uma nova roupagem (BEISER, 2007, p. 594). Por conseguinte, Kant, de acordo
com Beiser, serviu-se desse conceito de Sumo Bem influenciado não apenas por
Santo Agostinho, mas também por Leibniz, como, aliás, o próprio autor da Crítica
denota numa passagem do Cânone. Nela Kant se refere com todas as letras a
Leibniz afirmando que, assim como o reino da graça leibniziano, o qual está sob o
governo do Sumo Bem, devemos, portanto nos considerar – enquanto submetidos
às leis morais – como participantes de um reino de mesma espécie, ou seja,
3
Assim, Beiser parece sugerir uma resposta plausível a nossa segunda pergunta
mencionada anteriormente, a qual se configurará como o objeto central deste
ensaio. De toda maneira, mesmo parecendo uma resposta plausível, torna-se
importante investigar o contexto de ―O cânone da razão pura‖ da CRP para saber se
a tese de Beiser, de fato, responde nossa pergunta e, ainda, se sua resposta se
aplica a todas as apresentações que Kant faz ao longo de sua filosofia prática
propriamente dita de seu conceito de Sumo Bem. Esse último aspecto merece nossa
atenção, pois pelo que denota em seu artigo, Beiser não atenta para o fato de que
Kant parece compreender o conceito de Sumo Bem sob diferentes perspectivas
durante o desenvolvimento de sua filosofia crítica. Isso quer dizer que, se a tese de
Beiser acerca da influencia de Leibniz na construção do Sumo Bem kantiano está
correta, devemos analisar se ela se aplica a todas as diferentes abordagens que
Kant faz desse conceito ao longo de sua filosofia prática. Noutras palavras, é preciso
investigar se a tese de Beiser não se aplica única e exclusivamente ao Sumo Bem
kantiano da Crítica da razão pura.
Bibliografia
2002.
Vilmar Debona
Professor da PUCPR
Doutorando em Filosofia pela USP
Esse conflito da razão não seria um conflito de tipo lógico, já que um interesse lógico
Página
seria um interesse apenas da razão teórica, e esta não teria o aparato conceitual
suficiente para resolvê-lo. Seria a razão prática que teria um interesse na antinomia,
e o motivo pelo qual Kant colocou tese e antítese lado a lado, sem se auto-
excluírem, tinha por propósito defender que haveria uma causalidade na natureza,
mas que também haveria uma outra causalidade mediante liberdade. Assim, a
chamada liberdade causal das ações humanas poderia ser encontrada apenas no
mundo inteligível, uma esfera desprovida de espaço e tempo. Desse modo, segundo
Kant, a liberdade consistiria na aplicação de uma causa inteligível, independente de
causas naturais, tendo seu fundamento apenas nos pressupostos da razão prática.
Com isso, estaria salvaguardada a liberdade de ação e de escolha do ser humano
em um mundo fenomênico regido por leis naturais causais. Sabemos também que o
chamado caráter empírico, tanto em Kant quanto em Schopenhauer, estando
submetido à lei das motivações e da necessidade, expressa o caráter inteligível, que
por sua vez é livre. Ora, se a inteligibilidade do caráter, para os dois filósofos, é
imutável; e se, no caso de Kant, o caráter empírico apenas segue tal natureza
inteligível, podemos afirmar que apesar da decorrente determinação no âmbito da
prática, é a distinção das esferas numênica e fenomênica que salva a liberdade de
ação e de escolhas do homem no universo das leis naturais. Entretanto, no caso de
Schopenhauer, tendo em vista sua crítica à ―solução‖ kantiana, o que se teria como
resposta? Em primeira instância é possível afirmarmos que não existe liberdade
empírica em Schopenhauer. A questão das motivações, somadas à natureza dos
caracteres, revela o que cada indivíduo é em sua determinação natural. E nem a
compaixão, embora surja espontaneamente, pode ser um ato propriamente livre,
pois é também submetida à lei da motivação. A liberdade só se apresentaria no
fenômeno mediante o ato de negação da vontade, único caso em que caráter
empírico e caráter inteligível coincidiriam. Mas, segundo Schopenhauer, a vontade é,
para cada homem, algo dado, do qual não se pode fugir. Eis aí o determinismo em
sua mais pura forma, que tem seu mote na expressão escolástica operari sequitur
2
Bibliografia
SCHOPENHAUER, A. Die Welt als Wille und Vorstellung. München: bei Georg Muller,
1912.
_______. O mundo como vontade e como representação. Trad. J. Barboza. São Paulo: Unesp,
2005.
_______. Aforismos para a sabedoria de vida. Trad. J. Barboza. São Paulo: Martins Fontes,
2002. (Coleção Clássicos).
_______. Crítica da razão pura. Trad. De Valério Rohden e Udo Moosburger. 2ª Ed.
São Paulo: Abril Cultural, 1980.
_______. Crítica da razão prática. Trad. P. Quintela. Lisboa: Edições 70, 1989.
BARBOZA, J. Mau radical e terapia em Schopenhauer. In: Daniel Omar Perez (Org.)
Filósofos e terapeutas: em torno da questão da cura. São Paulo: Escuta, p. 77-96,
2007.
Visando garantir a efetiva realização de certos valores, a ideologia age como uma
força configurativa de condutas e ideias que se procedem para obtenção de
determinados resultados.
Marilena Chauí (2000) explica que o senso comum que se forma na sociedade sobre
as explicações e justificações da realidade é o resultado de uma elaboração
intelectual feita por pensadores, filósofos, professores, jornalistas, políticos etc., que
descrevem e explicam o mundo a partir do ponto de vista da classe a que
pertencem, ou seja, a classe dominante. Essa elaboração torna-se o ponto de vista
de todas as classes e de toda a sociedade.
mercado de consumo. Para tanto, foi necessária uma reestruturação das políticas
econômicas mundiais e dos Estados que possibilitasse a consolidação desse ideal.
Referências:
AZEVEDO, Plauto Faraco de. Direito, justiça social e neoliberalismo. São Paulo: RT,
1999.
CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. 12. ed. São Paulo: Ática, 2000.
COELHO, Luiz Fernando. Teoria crítica do direito. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey,
2003.
WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, estado e direito. São Paulo: RT, 2000.
5
Página
hipóteses que dizem respeito à virada crítica ou mesmo revolução copernicana. Por
Página
um lado, tem-se que a filosofia de Kant torna-se crítica a partir do momento em que
ele se dá conta de que espaço e tempo são ideais e subjetivos, e fazem parte da
estrutura cognitiva do sujeito. Nesse ponto, o sujeito passa a ser o ―sujeito do
conhecimento‖, aquele que conhece o mundo fenomênico, o mundo das suas
representações. Aqui, a Dissertação de 1770 pode ser o marco da virada crítica,
junto com a divisão do mundo em sensível e inteligível, caracterizando os limites
para o conhecimento humano (pode-se incluir aqui a ―grande luz de 69‖). Por outro
lado, a virada pode ser caracterizada com o contexto da ―Dedução Transcendental
das categorias do entendimento‖, tal qual abordada na Crítica da razão pura; porém,
essa preocupação em compreender como os objetos poderiam se conformar às
representações do sujeito já está presente, em algum sentido, na Carta a Marcus
Herz de 1772. Além disso, há interpretes, como Franco Lombardi (1946, p. 201), que
acredita na possibilidade do Beweisgrund (1763) ser uma obra de cunho crítico, pois
seria ali, segundo o autor, que Kant poderia ter começado a perceber a importância
da experiência (como campo sensível) para a existência de seres reais,
caracterizando a existência como ‗posição absoluta‘ e como predicado não real, mas
verbal; além da experiência ser o próprio limite para conhecer aquilo que é possível
de ser conhecido: aquilo que aparece. Outra obra de 1763, o ―Ensaio para introduzir
a noção de grandezas negativas em filosofia‖, adiantaria, segundo Mariano Campo
(1953, p. 386), o problema dos juízos sintéticos a priori, um dos problemas centrais
da Crítica, uma vez que a oposição real reúne coisas que se opõem sem
contradição e se desenrolam na ordem fenomenal (campo sensível). Agora, entre as
mais variadas interpretações, está a possibilidade de configurar os Sonhos de um
visionário como escrito de cunho crítico, ou mesmo um escrito que fecha o período
pré-crítico da filosofia kantiana. Nessa linha seguem alguns interpretes: A.
Philonenko (1983, p. 50), Roberto Torretti (1980, p. 40), Jaume Pons (1982, p. 44),
David-Ménard (1996, p. 98), Daniel Omar Perez (1998 / 2008), entre outros. Diante
dessa possibilidade, parece relevante uma pesquisa que busque aproximar a obra
3
Referências
5
Página
Vitor Ogiboski
Universidade Estadual do Centro-Oeste
Prof. Dr. Elias Dallabrida
[email protected]
perigosas, podendo até mesmo cessar a vida na terra. Diante disso, constatamos
Página
gerações. Essas ideias estão impressas em seu imperativo: Age de tal maneira que
Página
os efeitos de tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma vida autêntica
na terra. (JONAS, 2006; 47). A autenticidade de uma vida futura engloba o homem,
os seres naturais e, principalmente, as gerações que estão por vir. O imperativo de
Jonas determina que o agir humano coletivo tem a obrigação de proteger aquilo que
ainda não é, ou aquilo que está por vir. Justamente pelo fato de ainda não ser, as
gerações futuras não podem sustentar defesa alguma de seus direitos de
sobrevivência.
Referências:
3
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mais contar com os instintos: tem que apelar para o entendimento, para a razão. A moral e a
Página
lei cumprem o papel, no mundo social, que os instintos desempenham na vida natural.
Por isso, Rousseau teria escrito "Emílio" e "Do Contrato Social" concomitantes. No
"Do Contrato Social", Rousseau define a possibilidade de resgatar a igualdade e a
liberdade do homem através de um contrato social que institua a vontade geral como
o poder soberano. A vontade geral é um poder moral e uma legislação derivada da
igualdade entre os homens que buscam sempre o bem comum. O que somente
poderá ser alcançado através da educação dos seus cidadãos para uma boa
convivência coletiva, elemento essencial para que o povo, sendo sujeito-autor das
leis, possa garantir sua execução, bem como, o exercício da democracia.
Dessa forma, revela-se uma íntima relação entre política e educação. Principalmente
quando Rousseau enfatiza que para sua pólis não é importante homens sábios, mas, sim,
homens bons. O Estado só conseguirá atingir tal meta se envolver na educação a dimensão
política de suas intenções.
Não é suficiente dizer aos cidadãos - sede bons: é preciso ensiná-los a ser.
O próprio exemplo que a esse respeito constitui a primeira lição, não
representa o único meio a empregar-se; o amor à pátria constitui o meio
mais eficaz, pois como já disse, todo o homem é virtuoso quando sua
vontade particular em tudo se encontra de acordo com a vontade geral
(ROUSSEAU, 1995, p. 52).
3
Página
melhores condições de atuar em sociedade e para tal busca entender uma questão
filosófica de fundo: O homem é bom por natureza! A bondade é a condição original;
a maldade é adquirida. Desse modo, "antes de ser um tratado pedagógico, o Emílio
é um estudo filosófico sobre a bondade natural do homem.‖ (CERIZARA, 1990, p.
26). Nele, têm-se os princípios de uma educação que prima pelo livre
desenvolvimento do indivíduo, que busca aperfeiçoar as suas potencialidades a fim
de formá-lo para o exercício da liberdade e da autonomia, elementos que
proporcionarão uma atuação efetiva no que se refere à organização política da
sociedade.
Rousseau no Emílio mostra a seqüência, de acordo com princípios naturais, que se
deve obedecer para formar a pessoa moralmente autônoma. Se esse modelo fosse
seguido e se tornasse universal, surgiria um mundo novo sem corrupção.
A tarefa primordial da educação é impedir que a corrupção aconteça, preservando a
infância das influências do mundo adulto. Neste particular, tem-se uma "revolução
copernicana da educação". Até Rousseau, a teoria e a prática educacionais sempre
foram concebidas a partir da ótica do adulto (da experiência cultural, da tradição);
Rousseau inverte a perspectiva. Disso deriva o legado rousseauniano à pedagogia
moderna: o robustecimento dos sentidos, o ensino prático, o trabalho manual, o
estímulo da intuição, a experiência direta da criança com a vida, etc.
Rousseau buscou a compreensão dos fatores que se interpõem entre o indivíduo e a sua
Referências
1
"Não me agrada encher um livro com coisa que toda a gente sabe" (ROUSSEAU, 1990, p. 9).
______. O contrato social. [tradução de Antônio de Pádua Danesi] 3.ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1996.
6
Página
Clóvis Brondani
Universidade Federal de Santa Cataria
Programa de Pós Graduação em Filosofia – Doutorado
Orientador: Dr. Marco Antônio Franciotti (UFSC)
Co-orientadora: Dra. Maria Isabel Limongi (UFPR)
Email: [email protected]
descritivo em relação à natureza humana, não estando vinculado com sua teoria da
obrigação (TAYLOR, 1938, p. 407). Assim, haveria por um lado, uma teoria
psicológica que descreve o comportamento egoísta do homem e por outro, uma
teoria ética que é em essencialmente uma deontologia.
A ética hobbesiana então, segundo estes autores, está fundada não no auto-
interesse, mas na obrigatoriedade das leis de natureza. Este caráter obrigatório
pode ser encontrado em inúmeras passagens dos textos hobbesianos,
especialmente no De Cive, nas quais Hobbes apresenta a lei de natureza com um
comando divino incondicional. Sendo assim, diferente do que grande parte da
tradição interpretativa concebera, elas são válidas também no estado de natureza.
Consequentemente, o contrato social e o poder soberano do Estado, nada mais
fazem do que garantir o cumprimento destas leis, as quais já possuem
obrigatoriedade no estado de natureza, por derivarem da vontade divina. Deste
modo, a teoria política de Hobbes estaria muito mais próxima a uma tradição cristã,
do que ao mecanicismo científico moderno. Para os autores, a tradição teria
negligenciado os aspectos evidentemente religiosos na filosofia de Hobbes,
enfocando sua atenção apenas nos aspectos científicos e mecanicistas da obra.
Além disso, grande parte da tradição debruçou-se apenas sobre um estudo profundo
do Leviathan, (e mais especificamente nas duas primeiras partes) o qual, segundo
Taylor (1938, p. 407) não é a obra mais clara do pensamento hobbsiano. Assim,
preferem focar sua atenção no De Cive e nas últimas duas partes do Leviathan.
Um outro aspecto da tese de uma ética deontológica em Hobbes é a aproximação,
feita por Taylor, com a deontologia kantiana. Segundo Taylor, a distinção entre a
obrigatoriedade in foro interno e in foro externo da lei natural feita por Hobbes, o
aproxima da distinção kantiana entre ação pelo dever e conforme ao dever
(TAYLOR, 1938, p. 409). Segundo Hobbes, no estado de natureza, as leis de
natureza obrigam apenas in foro interno, mas in foro externo nem sempre obrigam
2
Bibliografia
1
I. Radrizzani, Vers la fondation de l´intersubjectivité chez Fichte, Vrin, Paris: 1993.
Além disto, o tema da intersubjetividade também é central em outra obra dos anos
1796-7, o Fundamento do direito natural segundo os princípios da doutrina da
ciência. Isso mostra que o aparecimento do tema da intersubjetividade não é
episódico, mas constitui uma preocupação central de Fichte entre os anos 1796-
1800. Afinal de contas, o livro sobre o fundamento do direito é bastante central no
projeto filosófico de Fichte, pois é sua primeira tentativa de aplicação dos princípios
da Doutrina-da-ciência a uma ciência em particular, no caso, o direito1.
Grosso modo, podemos dizer que o fundamento do direito natural, ou melhor, a
legitimidade do conceito do direito é que ele é condição da relação intersubjetiva; a
qual, por sua vez, é condição da própria consciência. Como a consciência é um fato,
o direito está transcendentalmente vinculado à posição deste fato e, portanto, seu
conceito e objeto (a comunidade política) estão geneticamente legitimados pela
posição mesma da própria consciência. Certamente, a primeira parte do
Fundamento do direito natural, onde essa dedução é apresentada, está longe de ser
clara e linear. Fichte, como de costume, opera um raciocínio contra-intuitivo – apesar
de explicitamente dizer o contrário –, alterando inteiramente a própria noção lógica
de conceito (como ―representação geral‖), deslocando o procedimento kantiano de
dedução transcendental (fundar uma representação no ato subjetivo que a constitui)
para o domínio que poderíamos chamar de ―genético constitutivo‖ e, finalmente,
assumindo uma postura crítica diante das ―filosofias de fórmulas‖ quanto ao direito
(as doutrinas do direito inspiradas em Kant). Além de tudo, essas diferentes
operações envolvidas na dedução do conceito do direito são apresentadas segundo
o ―modo geométrico‖, por meio de três teoremas e suas respectivas
―demonstrações‖.
Mas todas estas dificuldades não devem obscurecer a importância do tema da
intersubjetividade para a aplicação sistemática da Doutrina-da-ciência ao direito.
Estes dois contextos da obra de Fichte, a chamada Doutrina da ciência nova
2
1
R. Lauth, op. cit., p.334.
4
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A. Honneth, Sofrimento de indeterminação: Uma reatualização da filosofia do direito de Hegel, trad.
Rúrion S. Melo, Esfera Pública, São Paulo: 2007.
Karina Mikuska
Universidade Estadual do Centro-Oeste- Unicentro
Orientador: Ruth Rieth Leonhardth
Email: [email protected]
que recorre aos efeitos mais agradáveis de um benefício, não tanto por sua
livre, tanto quanto possível, de dor e a mais rica possível em prazeres, tanto em
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O século XVIII foi o século das luzes e do renascimento das teses utilitaristas,
influência do pensamento hedonista de Epicuro. Por mais plausível que seja a
concepção de utilidade - entendendo como útil aquilo que promove a felicidade e
contribui para amenizar a dor -, definir felicidade, em termos de sentimentos de
prazer ou dor, suscita várias interpretações, tanto entre os antigos, quanto entre os
modernos. O utilitarismo perdura como corrente filosófica ainda que comportando
diferentes compreensões e desdobramentos até nossos dias. Uma comparação
entre as atuais correntes morais e as antigas permite a análise dos argumentos
utilizados por cada uma delas facilitando a interpretação de suas respectivas teses,
ao mesmo tempo em que revela a genealogia das ideias e esclarece os motivos de
tantos debates assim como o fascínio exercido por elas ao longo da história do
homem. O cerne da doutrina utilitarista encontra-se em Epicuro, o princípio
primordial de buscar o prazer e evitar a dor é o ponto central do hedonismo que
considera o prazer como o bem maior e a base de uma vida feliz; o Princípio da
Máxima felicidade o indivíduo livre pautado em sua racionalidade pode medir suas
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REFERÊNCIAS:
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racionais uns em vista dos outros, num sistema de ajuda mútua. Toda injúria deve
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ser perdoada pois quem a comete não sabe o que é o bem ou o mal. Além disso,
nosso nous não será atingido pois ele não pode ser tocado por uma ofensa externa.
O nous só será afetado por um erro que ele próprio cometer, por exemplo, ao
contrariar a razão. Assim, outro preceito que Marco Aurélio assinala é a retidão do
pensar, pois sempre se deve ter em mente coisas que podem ser perguntadas e de
pronto serem respondidas, sem receios e culpas. Deve-se também ter benevolência
ativa, não esperando recompensas por boas ações, assim como os pés não
esperam recompensas pelo caminhar.
Como heranças próprias do estoicismo, notam-se as afirmações que Marco Aurélio
faz sobre a brevidade da vida, a fugacidade e a caducidade das coisas. Se a razão
mostra que o futuro é incerto, deve-se agir como se a vida fosse acabar a qualquer
momento e então não se pode perder tempo com coisas inúteis. A fama, a honra e a
riqueza são passageiras e não ajudam a viver melhor, não dão paz e às vezes até
trazem perturbações. É melhor ignorar e perdoar o mal que os outros fazem pois
não são atribuições corretas e não alteram o tempo de vida, pois tanto a pessoa que
ofende quanto o ofendido têm apenas o mesmo tempo fugaz, instantâneo. A morte
também não deve ser temida, pois é um processo natural, e a alma não morrerá
com o corpo. Aqui falta uma ontologia para explicar a imortalidade da alma.
Conclui-se finalmente que os preceitos éticos de Marco Aurélio têm base claramente
estoica, visam uma vida segundo a natureza e a razão, e também a tranquilidade
para o homem. Nota-se também que seu pensar difere dos antigos estoicos e sofre
influência já dos textos evangélicos, embora não explicitamente. O que se destaca,
ainda, é a atualidade, ou a atemporalidade desses preceitos éticos. O respeito, o
perdão, a austeridade, a benevolência, o seguir a razão e a relação do homem com
Deus e com o mundo são coisas que agradam a todos e que se mostram tão em
falta no mundo corrido e agitado de hoje. Talvez um olhar para os textos antigos,
principalmente os dos pensadores estoicos, possa provocar uma reflexão e
consequentemente melhorar o modo de vida das pessoas da atualidade.
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Referências bibliográficas:
EPICURO et al. Antologia de textos. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1980. (Os
Pensadores).
REALE, Giovanni. História da Filosofia: antiguidade e idade média – 10. ed. - São
Paulo: Paulus, 2007.
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preciso retomar este ―elemento racional‖ na constituição das teorias da ciência para
que tenhamos um critério racional para a escolha das teorias e para a constituição
do conhecimento científico em geral. É preciso fazer uma nova leitura dos problemas
levantados por Hume, visto que, segundo a ótica popperiana, houve um equívoco
sobre a interpretação do problema da indução pelos filósofos posteriores, sendo
necessário ―revisar‖ todas as colocações do filósofo escocês para podermos tratar
de uma solução adequada a este problema clássico que atravessa toda a história da
filosofia. Popper, com sua audaciosa proposta de abandono do método indutivo em
favor de um método dedutivo, pretende introduzir novamente o elemento racional da
constituição das teorias científicas, pensando na estrutura e constituição lógica das
―hipóteses‖ ou ―conjecturas‖, e assim poder constituir uma ciência pautada no
elemento racional, de forma a retomar a razão em segundo plano, possibilitando que
o conhecimento científico possa ter justificação lógica. A busca pela verdade é um
dos elementos motivadores para tal empreitada proposta pelo filósofo e é o que
motiva o autor a realizar suas colocações de forma a dar uma nova visão dos
problemas e anseios científicos de sua época. Na teoria clássica do indutivismo, os
enunciados ―universais‖ são obtidos através do método de indução. A alegoria que
Popper utiliza para mostrar tal concepção tradicional é a mente como um balde, que
recebe os dados sensoriais que vão se conectando uns aos outros formando, então,
o conhecimento. O filósofo Bacon chega a falar que as percepções se configuram
como ―uvas, maduras e da estação‖ que deverão ser juntadas para que assim se
possa comprimi-las formando o ―vinho puro do conhecimento‖. Nosso autor chama
tal teoria de ―balde mental‖ e é representada pelo chamado ―empirismo ingênuo‖, no
qual os dados sensoriais são apenas ―coletados‖ pelo ―balde mental‖ e o produto do
balde culminaria no conhecimento. Entenda-se ―empirismo ingênuo‖ a teoria de que
as experiências sensoriais são iguais para todos os indivíduos e se dão de forma
neutra mediante a generalização de casos particulares para uma lei universal
através da indução. A ciência, acredita Popper, não tem seu início através de
2
justamente para resolver problemas, ainda que de forma primária, no sentido de dar
explicações para eventos naturais, por exemplo. Quando se observa algo, temos
expectativas ou ideias prévias do que queremos observar e, assim, começa a
constituição do conhecimento, a partir de hipóteses que depois serão testadas de
forma lógica, assim como testadas com dados empíricos para sua corroboração ou
refutação. A proposta de Popper versa justamente em pensar esses enunciados
universais como ―hipóteses‖ ou ―conjecturas‖, não mais como sendo um produto da
indução, mas sim, pensando simplesmente como hipóteses que surgem livremente
na mente humana, as quais serão ―testadas‖ e a partir dos resultados dos testes
submetidos, avaliar sobre sua viabilidade ou não como uma ―teoria científica‖. O
conhecimento não surge da adição de dados sensoriais uns aos outros, mas o
conhecimento surge a partir do momento em que as hipóteses são submetidas a
testes. As premissas de tais enunciados ―universais‖ devem ser lidos como
―asserções de teste‖, sendo que estes últimos são premissas que vem a corroborar
ou refutar teorias científicas que são submetidas constantemente a testes. Os
enunciados universais não se configuram simplesmente do movimento indutivo, mas
sim as hipóteses são testadas e na medida em que são corroboradas podem
apresentar alguma descrição da realidade, ou são eliminadas mediante os testes.
Bibliografia
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objeto. Com relação a isto, deve-se focar a atenção sobre as ciências particulares
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algo que existe como ato, ou seja, a algo que existe efetivamente, mantendo
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Desta forma, os vários sentidos do ser são referidos apenas ao que é unívoco, e é
esta mesma unidade que contém aqueles de uma maneira tal que não são
diferentes deste, mas que são contidos neste pela sua determinação. Em outras
palavras os vários sentidos do ser in-existem nele.
A partir desta perspectiva, Brentano também irá buscar a unidade da consciência
para justificar o reducionismo psicológico. Brentano divide os fenômenos em físicos
e psíquicos, sendo que os últimos têm um caráter mais fundamental que os outros,
pois todo objeto de conhecimento é dado como conteúdo de atos psíquicos
(representações). Brentano mostra que a divisão dos fenômenos em físicos e
psíquicos é uma ilusão conceitual, criada a partir da não atenção prestada a in-
existência intencional dos objetos dos fenômenos psíquicos, enquanto conteúdos de
atos psíquicos. A in-existência intencional é, portanto, uma característica presente
em todos os fenômenos psíquicos.
O termo intencional é formulado, em Brentano, como uma propriedade de certos
objetos, os quais por sua vez serão chamados de objetos intencionais. Estes objetos
intencionais existem apenas na medida em que são representados pelos seus
respectivos atos.
Brentano diz que o objeto intencional in-existe na consciência, não no sentido de
que não existe, mas no sentido de que não se trata de uma existência real, isto é,
como uma entidade física objetiva. Assim como em Aristóteles, a sua determinação
depende do ato imanente à consciência, sendo que só temos acesso a estes objetos
enquanto objetos dos fenômenos psíquicos. Em outras palavras, tudo o que se dá,
se dá como fenômeno psíquico.
O objeto intencional não possui existência como uma entidade em um mundo real e
objetivo, pois se ele depende do ato para ser representado, então ele é em um
fenômeno psíquico. Brentano não nega com isso a existência de um mundo real
exterior a nós, pois ele defende a idéia de que o conhecimento deriva da
3
Referências Bibliográficas
ARISTÓTELES. Metafísica. Trad.; Introd. e Notas. T. C. Martínez. Madrid: Ed.
Gredos, 1998.
PORTA, M.A. ―Franz Brentano: Equivocidad del Ser y Objeto Intencional‖. In.
Kriterion. Vol. XLIII, No. 105 (jun., 2002), pp.97-118.
A modernidade está marcada pela relação entre violência e política. Fato sem
novidade quando lembramos que atos de violência precedem a fundação dos corpos
políticos desde a antiguidade. Deste modo, tentarei defender a hipótese de que a
marca da modernidade não está na relação entre ambas mas está no caráter
necessariamente violento adquirido pela política em seu novo sentido. Para isso
será considerada a categoria da bio-política, pensada inicialmente por Foucault e,
posteriormente, relacionada ao pensamento de Arendt por Giorgio Agamben. Assim,
finalmente, é possível o retorno à violência enquanto fenômeno ligado à
transformação da política em bio-política, e como tal fenômeno destrói estruturas de
poder entre cidadãos, fundamentais para uma experiência de democracia.
A democracia é sustentada pelo poder. Mas há uma diferença entre força,
monopolizada pelo estado, e poder. Poder é gerado quando um grupo de homens
decide proceder em um mesmo curso de ação. A força é compreendida como força
física. Isto é, não sustenta um regime democrático. O fenômeno da violência
aparece quando a força é multiplicada e empregada por meio de instrumentos contra
alguém. Portanto, onde há violência não pode haver poder dada a destruição das
estruturas de poder geradas pela ação conjunta. A política, tal qual compreendida
por Arendt, é justamente aquilo que ocorre entre os homens nesta interação para a
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política e violência.
fazer viver e deixar morrer‖ (FOUCAULT, 2000, p.287), o recorte racista que visa
eliminar as impurezas que comprometem a evolução.
O paradigma bio-político da modernidade seria o campo de concentração. Relação
proposta por Agambem para o encontro dos pensamentos de Arendt e Foucault.
Para o pensador, o ponto de flexão entre ambas as obras ocorre quando pensamos
o domínio total sobre a chamada ―vida nua‖ ou ―vida sacra‖, o modo de vida do homo
sacer figura do direito arcaico romano possuidor de uma vida matável e
insacrificável. Sua inclusão consistia paradoxalmente na sua exclusão, tratando-se
do indivíduo excluído da sua cidadania mas presente no ordenamento jurídico como
alguém irrelevante para a sociedade e, portanto, matável, cuja violação por alguém
não caracterizava crime. Sua insacrificabilidade deriva da entrega já realizada aos
deuses quando este fora sacralizado, ou seja, ao ser retirada sua cidadania a sua
vida estava ―nua‖ e entregue aos deuses. Os homens não poderiam sacrificar
alguém cuja vida já era de propriedade divina. Assim, ao pesarmos o domínio total
sobre a ―vida nua‖ desprovida de qualquer proteção jurídica, senão aquela que
define sua própria exclusão, nos remetemos à experiência totalitária dos campos de
concentração e sua gestão técnica da vida. O domínio total consistia na destruição
jurídica, moral e pessoal do indivíduo. Através da tortura, da humilhação e do
aniquilamento da esperança somados a uma legislação racista, o campo tinha sua
pluralidade de indivíduos sistematizada e destruída.
Os campos constituem o paradigma bio-político do presente, pois revelam a situação
limite a qual pode chegar a gestão técnica da vida que define a política moderna.
Para Agambem, há, correndo sob a modernidade, um elemento oculto comum que
atravessa os regimes totalitários até as modernas democracias de massa, a bio-
política. Deriva desta condição o caráter necessariamente violento da política uma
vez que se define pela intervenção na vida individual para garantir a evolução
coletiva. Esta violência destrói os espaços de poder necessários à democracia.
3
precisa ser mantido. Mesmo pelo uso da força. Foi assim com o primeiro surto
imperialista que motivou genocídios e saques na África e Ásia no século XIX. Neste
ciclo as estruturas de poder já não podem mais se sustentar. Se o poder é agir em
comum acordo, as mudanças descritas comprometem esta possibilidade, afinal, o
homem moderno, além da sua incapacidade de agir por estar completamente
ocupado com o ciclo vitalista, é compelido a se manter neste ciclo, caso contrário
torna-se um excluído, podendo ser transformado em homo sacer e sugado para fora
do ciclo de consumo violentamente. Com o poder comprometido, compromete-se
também a possibilidade da democracia sustentada no poder emanado do povo.
Referências bibliográficas
1
Ver, PLATÃO, Mênon. Rio de Janeiro: Ed. PUC - Rio, 2001 p.19.
2
Ver, PLATÃO, Mênon. Rio de Janeiro: Ed. PUC - Rio, 2001 p.23;
3
Ver, PLATÃO, Mênon. Rio de Janeiro: Ed. PUC - Rio, 2001 p.23;
1
Ver, PLATÃO, Mênon. Rio de Janeiro: Ed. PUC - Rio, 2001 p.109;
Referências
PLATÃO. Mênon. Trad. Maura Iglesias. Rio de Janeiro: PUC - Rio, 2001.
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Página
desenvolvimento desses próprios conceitos. Diante disso, eles são tanto ponto de
Bibliografia
HABERMAS, Jurgen. O futuro da natureza humana. São Paulo: Martins Fontes,
2004.
_____. Pensamento pós- metafísico. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990.
SEVERINO, Antonio Joaquim. Filosofia. São Paulo: Cortez, 1994.
4
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Referências
FONTES HISTÓRICAS
DIP. A Juventude no Estado Novo. Imprensa Ofícial, 1940.
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transforma em um esforço sobre si mesmo, já que nem sempre é fácil ser honesto,
bom cidadão, etc. Nisto se manifesta certa resistência ao dever, mas por se estar
sobre a representação por conceitos, os quais são mistos que reúnem em si o que é
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elevada que uma assembleia de deuses, onde tudo é impulso criador. Por haver
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Bibliografia
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como princípio do juízo de gosto, a beleza deverá, portanto ter validade comum para
todos os sujeitos que a julgam, retirando-a do ponto de vista da idiossincrasia. É
importante ressaltar ainda que embora o juízo de gosto reivindique uma
universalidade equivalente ao juízo moral e ao conhecimento teórico, a beleza não
pode ser demonstrada, pois não está sob regras determinantes. A complacência aí
em jogo é uma consequência de um jogo livre realizada pelo sujeito. Diante desse
complexo contexto, Kant nega às obras de arte características científicas e as
distingue dos artefatos, sendo que os últimos visam um interesse final. Nesse caso,
somente o verdadeiro artista, o gênio, é capaz de realizar uma obra de arte pura nos
moldes de um gosto estético onde o elemento primordial, o juízo, será o fator
especifico no que se refere à complacência acerca da beleza. O que a estética
kantiana nos mostra é que mesmo diante de um juízo onde se proponha uma
universalidade acerca do gosto, o seu fundamento é subjetivo e, portanto, não há
aqui uma pretensão de provar tal juízo, mas apenas de confirmar o direito de se
discutir a beleza.
Referências
KANT, Immanuel. Crítica da Faculdade do Juízo. Trad. Valério Rohden e Antonio
Marques. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.
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caracteriza como uma adaptação biológica,um verdadeiro instinto, mas em sua obra
Pinker não se propõe a explicar como este instinto surgiu ou como ele evoluiu,
apenas caracteriza nossa linguagem como um instinto.
Para Miller a linguagem como um instinto evoluiu através do processo de seleção
sexual. Para ele a forma como nossos ancestrais usavam sua linguagem era um
importante fator de seleção do parceiro: humanos que apresentassem maior
vocabulário, discurso mais conciso, boa memória, conteúdo interessante, e boa
gramática tinham mais chances de conseguir um parceiro sexual sendo todos os
outros parâmetros iguais. Assim, durante o período pleistocênico, à medida que
nossos ancestrais usavam sua linguagem para seduzir seus possíveis parceiros
sexuais, esta ia se transformando e adquirindo complexidade tal a qual observamos
hoje. Pesquisas sobre como usamos nossa linguagem quando estamos em
situações de corte, ou quando fazemos discursos públicos, realizadas por diversos
psicólogos como, por exemplo, o norte americano David Buss, o qual conduziu um
estudo sobre sexualidade humana em 126 países, tem confirmado as previsões da
teoria de mente ornamental para a linguagem e para outras áreas do
comportamento e da psique humana, relevando importância do conhecimento e
divulgação desta teoria para a psicologia e para as humanidades como um todo.
Referências bibliográficas
MILLER, Geoffrey. F, A Mente Seletiva. Editora Campus. 2001
DARWIN, Charles, Origem do Homem e a Seleção Sexual. Editora Hemus 1983
BUSS, David, The Evolution of Desire. Editora Basic Books. 2003
ZAHAVI, Amótz, The Handicap Principle. Editora Oxford. 1997
FISHER Ronald A, The Genetical Theory of Natural Selection. Editora Oxford. 2006
BLACK Max, MODELOS Y METÁFORAS. Editora Tecnos. A. Madrid. 1966
PINKER Steven, O INSTINTO DA LINGUAGEM. Editora Martins Fontes. 2004
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Foucault faz uma aproximação entre a Aufklärung e a crítica, está entendida neste
texto como uma atitude muito semelhante à Aufklärung pensada por Kant no século
XVIII. Porém a Aufklärung kantiana faz uma crítica que conduz aos limites
conhecimento e como o homem utiliza esse conhecimento para administrar sua vida
e pensamento de uma maneira autônoma, dispensando seus tutores assumindo sua
própria tutela, isto é, ser capaz de autogovernar-se diante de uma sociedade
heterônoma. É esse aspecto que Kant denomina como razão pública. Sob o prisma
da razão privada, o sujeito tem o dever de cumprir com suas obrigações perante as
instituições e a sociedade, culminando assim em um agir pautado pelo dever
isentando-se do ato crítico para submeter-se a um conjunto de normas sociais. A
crítica pensada por Foucault é uma análise da constituição de subjetividades, seja
esta moderna, sob a forma sujeito, que é pensado a partir de determinados aspectos
científicos, ou contemporâneos, sob alguma outra configuração de relação do saber
e de poder. Retornando ao texto de 1984, Foucault afirma que a Aufklärung é um
momento oportuno para o desenvolvimento da crítica, segundo ele a crítica é, de
qualquer maneira, o livro de bordo da razão tornada maior na Aufklärung, e
inversamente, a Aufklärung é a era da crítica. Para Foucault esta crítica acontecerá
como anunciada no texto de 1978 a partir e sobre as relações de saber e de poder,
como uma atitude de não ser governado. No texto de 1984 essa investigação
configura-se como uma atitude crítica que se estenderá para a relação do sujeito
consigo mesmo, ou seja, uma atitude crítica de si. Pode-se afirmar que Foucault
fundamenta a crítica do sujeito moderno na concepção kantiana de Aufklärung
transformando-a em uma crítica não somente da razão sobre aquilo que ela é capaz
de conhecer ou no dever que ela pode fundamentar no uso público e privado da
razão, mas sim na investigação da ação racional do sujeito sobre o outro, sobre o
saber e principalmente sobre si mesmo. Portanto, Foucault radicaliza o pensamento
kantiano fazendo uma análise do sujeito na sua relação não somente com o poder e
2
subjetivação que o sujeito produz sobre o próprio corpo e de certa forma na maneira
ou nas formas de saber e poder que este sujeito é capaz de estabelecer nas suas
relações com o outro e consigo mesmo. Essa atitude crítica faz uma escavação
contínua das relações nas quais o sujeito é assujeitado e de certa forma como
também este mesmo sujeito produz os processos de assujeitamento por meio da
relação com o saber e de poder e consigo mesmo. Portanto, Foucault além de
radicalizar o pensamento kantiano e o conceito de razão pública e privada propõe
que essa atitude crítica permita ao sujeito realize um diagnóstico do presente sobre
os saberes ou sobre os poderes que o envolvem e o constituem e que ele como
sujeito também constitui, é necessário que o sujeito raciocine também sobre si
próprio, que investigue as relações e as ações consigo mesmo. Para Foucault a
modernidade é muito mais que um período histórico, a modernidade é o momento
oportuno para uma atitude crítica, como uma atitude de escolha voluntária que é
feita pelo sujeito na sua maneira de pensar, de agir com outro, de agir com o saber,
com o poder e consigo mesmo. Foucault aponta que apesar de haver em Kant uma
tentativa de heroificação do presente, que faz necessário, neste contexto de
modernidade um diagnóstico do presente, enquanto uma atitude crítica continua,
que pode possibilitar uma nova atitude ética.
Referências
FOUCAULT. Michel. A Arqueologia do Saber. Trad. Luiz Felipe Baeta Neves. 7ª ed.
Rio de Janeiro. Forense Universitária, 2005.
____________. As Palavras e as Coisas. Trad. Salma Tannus Muchail. São Paulo.
Martins Fontes, 1981.
____________. História da Sexualidade, a vontade de saber I. Trad. Maria Thereza
da Costa Albuquerque e J. A Guilhon Albuquerque. 17ª ed. São Paulo. Graal, 1988.
____________. Vigiar e Punir, nascimento das prisões. Trad. Ligia M. Pondé
3
____________. ―O que são as Luzes?” In: Arqueologia das ciências e da história dos
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Kant deixou rastros com sua passagem. O vulto de sua obra se estendeu
largamente nos círculos acadêmicos. Fora ovacionado por uma geração de
pensadores e de artistas impressionados com o gigantismo de suas ideias. Seu
conterrâneo Schiller, poeta, filósofo e orador se acha entre um deles. O contágio da
filosofia crítica kantiana se fazia inevitável, uma vez que o seu arcabouço conceitual
implementa junto com a revolução francesa uma nova aurora no humanismo do
mundo moderno encarnada pelo espírito do Aufklärung. È nítida a presença da
sombra de Kant por detrás da estética schilleriana, mas esse filósofo, à maneira
daqueles que formaram o disperso grupo dos pós-kantianos, soube interpretar o
legado crítico deixado pelo gênio de Konnigsberg, sem, no entanto, reproduzir e
cultuar o seu verbo. Em Schiller, é notável o zelo por não deixar o kantismo
sucumbir a possibilidade de uma nova proposta crítica; e é o que ele faz. Em sua
obra tardia Cartas sobre a educação estética do homem, quando já se encontrava
debilitado pela tuberculose, Schiller procura traçar um ideal de homem impensado
por seu mestre. Atento à dialética elementar da filosofia kantiana formada pela
paridade natureza-espírito/sensibilidade-razão, Schiller dá largada em um concurso
que descarta de maneira decisiva o duelo entre a coisa em si e o fenômeno. Ele
1
tenta solucionar o problema de modo diverso do de Kant, pois enquanto este via na
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desempenhar papel primacial, pois é ela quem apara as arestas que ficam à vista
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por ocasião do encontro entre esses domínios distintos. Ou seja, é pela estética e
não pela moral, como queira Kant, que necessidade e liberdade voltam a travar
diálogo.
Segundo Schiller, o chamamento da beleza não é um capricho do poeta, insatisfeito
com a frieza discursiva dos filósofos, mas sim um imperativo da natureza, uma
exigência pontual. De intuição elevada, ele obedece à necessidade erigindo uma
ponte que religa os impulsos constituintes da realidade, isto é, os estados pelos
quais, na experiência, a pessoa humana passa. Semelhante a Rousseau, ele os
chamou de estados da necessitação, dividindo-os em dois grupos: estado natural e
estado moral. No primeiro, de natureza física, estão compreendidos todos os
animais sensíveis regidos sob a ordem necessária dos afetos e das pulsões vitais.
Já no segundo, metafísico, o que temos diz respeito ao grupo seleto dos homens,
desses animais movidos por uma força que atravessa os limites da natureza
conduzindo-os para o âmbito do possível, onde reina a liberdade. Logo, podemos
ver que enquanto um abrange genericamente a realidade, outro já exclui a pura
materialidade para dar vazão ao campo privilegiado do espírito, delineando um
animal capaz de problematizar diante das afecções da sensibilidade e da vontade.
O homem que Schiller e Kant buscam é idealizado, que visa a perfeição purificando
as paixões, com a diferença que, no primeiro, essa purificação ocorre de forma
objetiva e atuante, enquanto que no último se passa subjetivamente, em uma ação
interiorizada segundo princípios racionais. Outra diferença é que Schiller não opõe o
rigor formal às pulsões vitais, considerando aquele superior a este; ele os equipara
chamando-os ambos de ―força‖, pois ―impulsos são as únicas forças motoras no
mundo sensível‖. Não obstante, ele chega a um terceiro estado que alinharia esses
dois: o estado lúdico, o único responsável pelo desenvolvimento da animalidade na
cultura, pois resulta na junção da forma com a vida; na realização da forma viva. O
estado lúdico oferecido pela beleza neutraliza-se das antinomias, oscilando em igual
medida e a um só tempo entre os dois, modelando a natureza com o espírito e
3
Schiller não elege a beleza como categoria, mas sim reconhece-a como sendo um
impulso inevitável na ordem cósmica, através da qual o mundo físico toma sentido e
se arranja nas suas disparidades. Logo, independe dos homens assumirem-na
enquanto coroamento da existência; ela já se encontra encerrada na natureza,
bastando um exercício apurado da intuição que consegue, poética e não
psicologicamente alcançar a verdade por dentro do fenômeno e não acima dele.
Esta comunicação tem por objetivo apresentar um Schiller ousado e criativo,
autônomo em relação ao criticismo kantiano. Para não cair no erro de fundamentar
uma filosofia onde a dureza da lei natural propele o homem ao determinismo físico
ou a abertura da possibilidade lança-o numa zona abismal, Schiller notou que as
relações sócio-políticas carecem de embelezamento, de ações regidas pela
equipolência e pelo jogo dos contrários onde atividade livre e passividade necessária
tentam encontrar um termo correlato. Entendendo beleza não só como produção
artística, Schiller, tal como Nietzsche, rejeita o esteticismo excessivo dos artistas
românticos, extraindo da vida aquilo que se oculta de nossa percepção contaminada
pelo entendimento, isto é, as forças plasmadoras da realidade. O que faz é desvelar
a secreta arte da natureza, exprimindo na forma dos jogos propostos pela
imaginação criadora, dessa singular atividade humana, o contato contínuo e
amistoso entre a legislação do mundo vivido e do mundo pensado que somente este
animal de virtudes extraordinárias pode executar.
BIBLIOGRAFIA:
Estampa, 1995.
_________. Crítica da razão pura. Trad. Valério Rohden. São Paulo: Nova Cultural,
2004.
SZONDI, Peter. Ensaio sobre o trágico. Trad. Pedro Sussekind. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2004.
5
Página
reafirmação das relações sociais, considerando que somente gestos e palavras não
abarcam a multiplicidade destas transmissões. A pluralidade destes valores,
expressos pelos espaços funerários, está profundamente relacionada às diferentes
maneiras encontradas para se lidar com a questão da morte. 1
Os rituais funerários, os cultos religiosos e as manifestações artísticas, em diferentes
culturas, são múltiplos, aos quais são inerentes diversos sentidos assumidos pela
expressão simbólica da morte, ou seja, respostas dadas, historicamente, à pergunta
acerca do sentido da vida. Assim, a consciência da finitude que os seres humanos
possuem torna a morte problemática para os vivos, para os quais o sentido do jogo
existencial é elaborado e apresentado. Notamos que, segundo Bellomo, os rituais de
morte são indicativos e/ou respostas da crise perante a morte, tendo em vista a
consciência da finitude. 2
DaMatta refere-se aos cemitérios como o espaço que estabelece com a casa e com
a rua elos complementares e terminais. O espaço da casa, privado, moral,
conservador e cíclico, só faz sentido em oposição ao espaço exterior, ou seja, em
contraposição ao universo da rua, público, marcado pela ideia do progresso, pela
individualidade e pela linearidade. E o espaço dos mortos, mesclando a casa e a
rua, é ―englobador de situações sociais‖ e, desta forma, mescla a lógica do espaço
3
público e, também, do privado. Nesse sentido, ―os túmulos têm também a função
intencional de fazer lembrar do morto, da sua importância social e de suas crenças,
além de permitir observar a pluralidade de representações simbólicas, muitas das
quais dotadas de conteúdo estético.‖ 4
1
BELLOMO, H. R. (Org.). Cemitérios do Rio Grande do Sul: arte, sociedade, ideologia. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2000, p. 122.
2
PIACESKI, T. R.; BELLOMO, H. R. Pesquisa cemiterial no Estado de Goiás. Porto Alegre: s.n.,
2006, p. 16.
3
DAMATTA, R. A Casa & A Rua. Espaço, Cidadania, Mulher e Morte no Brasil. Rio de Janeiro:
2
4
BORGES, M. E. ; BIANCO, S. D. & SANTANA, M. M. Arte funerária no Brasil: possibilidades de
interagir nos programas de ensino, de pesquisa e de extensão na universidade. Disponível em:
http://www.corpos.org/anpap/2004/textos/chtca/MariaElizia.pdf ; acessado em 31/07/2006 ; p. 5.
1
LANGER, Susanne K. Filosofia em nova chave. São Paulo: Perspectiva, 2004, p. 81.
Bibliografia utilizada:
DESCARTES, René. Discurso do Método. 2 ed. In: Os pensadores. São Paulo: Abril
Cultural, 1979.
LANDIM, Raul Filho. Evidência e verdade no sistema cartesiano. São Paulo: Edições
Loyola, 1992.
4
Página
Ateniense, Platão (427 a.C – 347 a.C) nos transmitiu a maior parte do seu
pensamento por intermédio dos seus escritos dialógicos, onde é figura recorrente o
personagem Sócrates, do qual Platão foi discípulo durante a juventude.
Ao discutir temas múltiplos, tais como a imortalidade e o destino, a educação do
indivíduo para a justiça em si mesmo e na cidade e, até mesmo, o desejo amoroso e
o movimento imanente da alma; a filosofia platônica certamente não era um sistema
fechado, mas manifestava-se por intermédio do diálogo filosófico inquisitivo, a partir
de situações concretas.
Na filosofia platônica a correspondência com a realidade se encontra num método
para se atingir o ideal, pela superação do senso comum como resposta a uma
situação histórica ilegítima e injusta, colocando-se como motor de transformação da
realidade.
No diálogo Górgias, podemos notar um momento de luta política em oposição à
sofística, que ensinava a arte de convencimento por intermédio de manipulações de
crenças e interesses. Nos diálogos, Platão propunha-se à percepção da essência
das coisas, a natureza do objeto em pauta.
De conteúdo que nos é contemporâneo, ―Górgias, ou da retórica‖, a partir da
discussão em torno da retórica, como o próprio nome indica, equaciona um
1
Página
verdadeiro conhecimento.
Página
imperecível, não se prende ao sensível nem ao imediato, mas permanece para além
Página
do que se corrompe.
Referências
PLATÃO. Górgias, ou da Retórica. Lisboa: Edições 70, s/n.
PULQUÉRIO, Manuel de Oliveira. Introdução. In: Górgias, ou da Retórica. Lisboa:
Edições 70, s/n.
4
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alvo de implantes, que permitem aos seus usuários o acesso à realidade alternativa
Página
de um jogo, com o uso joysticks criados como animais e armas feitas de ossos.
humanidade seria possível, mas até mesmo destino certo. A nanotecnologia, por
Página
uma desterritorialização que converte o corpo em espaço aberto para um devir pós-
Página
humano.
Bibliografia
ALTMANN, Eliska. O corpo-máquina de Cronenberg sob a luz pictórica de Bacon:
fábulas do devir-outro. Alceu, Rio de Janeiro, v. 7, p. 41-54, 2007.
BUKATMAN, Scott. Terminal Identity: the Virtual Subject in Post-Modern Science
Fiction. London: Duke University Press, 1994.
DELEUZE, Gilles. Cinema: imagem-movimento. São Paulo: Editora Brasiliense,
1985.
______. Cinema II: imagem-tempo. São Paulo: Editora Brasiliense, 1990.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. São
Paulo: Ed. 34, 1997. Vol. 3
ELLIOTT, Carl. Transhumanism: Humanity 2.0 Wilson Quarterly, 2003.
KAUFMAN, Anthony. David Cronenberg on ―Spider‖: ―Reality Is What You Make Of
It‖, 2003. Disponível em:
<http://www.indiewire.com/article/david_cronenberg_on_spider_reality_is_what_you_
make_of_it/> Acesso em 03 jun. 2009.
RÜDIGER, Francisco. A dialética entre homem e máquina no cinema
contemporâneo. Logos, Rio de Janeiro, v. 24, p. 51-67, 2006
VIEIRA, João Luiz. Anatomias do visível: cinema, corpo e a máquina da ficção
científica. In: NOVAES, Adauto (org.). O homem-máquina: a ciência manipula o
corpo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
4
Página
Na Crítica da Razão Pura, segundo Zeljko Loparic, Kant apresenta uma teoria de
solubilidade dos problemas necessários da razão pura, na qual a solução do
problema chave da filosofia transcendental, a saber, como são possíveis juízos
sintéticos a priori?, é tomada como instrumento fundamental para a resolução de
uma outra questão, cuja importância faz-se notável: a investigação da capacidade
da razão humana de resolver problemas, para que se delimite o campo de suas
pesquisas (cf. LOPARIC, 2005b, p. 14).
A partir desta tese, analisarei, neste trabalho, os conceitos de caráter empírico e
caráter inteligível expostos, na primeira Crítica, por Kant. Com tal meta, recorrerei à
Dialética Transcendental, pois é na Nona Secção: Do uso empírico de princípio
regulador da razão relativamente a todas as ideias cosmológicas, no tópico III.
Solução das ideias cosmológicas que dizem respeito à totalidade da derivação dos
acontecimentos do mundo a partir das suas causas, no sub-tópico Possibilidade da
causalidade pela liberdade, em acordo com a lei universal da natureza, em que o
filósofo trabalha com dois conceitos de causalidade, a saber, a inteligível e a
sensível, evidenciando o papel do idealismo transcendental na solução da terceira
antinomia:
1
Página
Ich nenne dasjenige an einem Gegenstande der Sinne, was selbst nicht
Erscheinung ist, intelligibel. Wenn demnach dasjenige, was in der
Sinnenwelt als Erscheinung angesehen warden muß, an sich selbst auch
ein Vermögen hat, welches kein Gegenstand der sinnlichen Anschauung
ist, wodurch es aber doch die Ursache von Erscheinungen sein kann: so
kann man die Kausalität dieses Wesens auf zwei Seiten betrachten, als
intelligibel nach ihrer Handlung, als eines Dinges an sich selbst, und als
sensibel, nach den Wirkungen derselben, als einer Erscheinung in der
Sinnenwelt (KrV, A 538/ B 566)1.
Aplicando-se isto ao agente moral, pode-se dizer que ele é dotado de um caráter
empírico e de um outro inteligível. O primeiro, a partir da causalidade natural, faria
com que as suas ações estivessem encadeadas com os outros fenômenos da
natureza. Seria, portanto, um determinismo absoluto, pois as ações de um sujeito
não seriam apenas causas, mas também causadas, não havendo possibilidade
alguma do agir livre:
1
Chamo inteligível, num objecto dos sentidos, ao que não é propriamente fenómeno. Por
conseguinte, se aquilo que no mundo dos sentidos deve considerar-se fenómeno tem em si mesmo
uma faculdade que não é objecto da intuição sensível, mas em virtude da qual pode ser, não
2
obstante, a causa de fenómenos, podemos considerar então de dois pontos de vista a causalidade
Página
deste ser: como inteligível, quanto à sua acção, considerada a de uma coisa em si, e como sensível
pelos seus efeitos, enquanto fenómeno no mundo sensível (Trad: Manuela Pinto dos Santos e
Alexandre Fradique Morujão).
Por fim, como apresenta Kant no próximo sub-tópico, cujo título é Esclarecimento da
idéia cosmológica de uma liberdade em união com a necessidade universal da
natureza, o homem deve ser visto, por conta destas duas formas de caráter,
conforme dois pontos de vista, a saber, o empírico e o inteligível. Primeiramente, o
homem deve ser visto como um fenômeno qualquer da natureza. Em contrapartida,
1
Pelo seu caráter empírico, este sujeito estaria submetido, enquanto fenómeno, a todas as leis da
determinação segundo o encadeamento causal e, sendo assim, nada mais seria do que uma parte do
mundo sensível, cujos efeitos, como qualquer outro fenómeno, decorreriam inevitavelmente da
natureza. Assim como os fenómenos exteriores influem nele, assim como o seu caráter empírico, ou
seja, a lei de causalidade, seria conhecida pela experiência, assim também todas as suas acções se
deveriam poder explicar por leis naturais e todos os requisitos para a sua determinação completa e
necessária se deveriam encontrar numa experiência possível (Trad: Manuela Pinto dos Santos e
Alexandre Fradique Morujão).
2
Pelo seu caráter inteligível porém (...) teria esse mesmo sujeito de estar liberto de qualquer
influência da sensibilidade e de toda a determinação por fenómenos; e como nele, enquanto númeno,
3
nenhuma mudança acontece que exija uma determinação dinâmica de tempo, não se encontrando
Página
nele, portanto, qualquer ligação com fenómenos enquanto causas, este ser activo seria, nas suas
acções, independente e livre de qualquer necessidade natural como a que se encontra unicamente
no mundo sensível (Trad: Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão).
também deve ser visto como númeno, devido ao fato da sua razão ser detentora de
uma causalidade que possibilita pensarmos um rompimento com as conexões
causais da natureza1. Deste modo, a razão, caso seja tomada como efetiva, iniciaria,
por si mesma, uma cadeia de acontecimentos, de um ponto de vista em que eles
não estariam submetidos às leis imutáveis da natureza2. Isto se torna possível,
porque:
(...) die Bedingung, die in der Vernunft liegt, ist nicht sinnlich, und fängt also
selbst nicht an. Demnach findet alsdenn dasjenige statt, was wir in allen
empirischen Reihen vermißten: daß die Bedingung einer sukzessiven Reihe
von Begebenheiten selbst empirischunbedingt sein konnte. Denn hier ist die
Bedingung außser der Reihe der Erscheinungen (im Intelligibelen) und
mithin keiner sinnlichen Bedingung und keiner Zeitbestimmung durch
vorhergehende Ursache unterworfen (KrV, A 552/ B 580)3.
Neste sentido, como já foi vislumbrado, o homem, apesar do seu caráter empírico,
no qual as suas ações, por serem fenômenos, encontram-se encadeadas com
outros fenômenos e sob a alçada das leis da natureza, devido ao seu caráter
inteligível, tem assegurado uma insubordinação às condições da sensibilidade,
independentemente de quais sejam. Em outras palavras, através do seu caráter
empírico, o sujeito seria, enquanto fenômeno, mais um elemento decorrido na
natureza. Não obstante, devido ao seu caráter inteligível, ―(...) teria este mesmo
1
Apesar dos objetos da sensibilidade serem fenômenos, sujeitos à causalidade natural, eles também
possuem uma causalidade inteligível, pertencente ao objeto transcendental. Devido a isso, assim
como o agente moral, tais objetos também possuem um duplo caráter. Não obstante, por não
possuírem as faculdades necessárias que garantem a apercepção, a saber, o entendimento e a
razão, eles não podem ser considerados livres como o agente. Eles não são detentores de um
arbitrium liberum como o último, sendo, por conseguinte, apenas sensivelmente condicionados.
2
Aqui, Kant está abordando o conceito de causalidade da razão.
3
(...) a condição que se encontra na razão não é sensível e, portanto, ela mesma não começa. Sendo
assim, verifica-se então aqui o que nos faltava em todas as séries empíricas, a saber, que a condição
4
de uma série sucessiva de acontecimentos possa ser, ela mesma, empiricamente incondicionada.
Página
Porque aqui a condição se encontra fora da série dos fenómenos (no inteligível) e, por conseguinte,
não está submetida a qualquer condição sensível e a qualquer determinação de tempo mediante uma
causa anterior (Trad: Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão).
Bibliografia
KANT, IMMANUEL. Kritik der reinen Vernunft. In: Werke. Editadas por W.
Weischedel. Darmstadt, Wissenschaftliche Buchgeselschaft, 2005, vol. II.
_________. Crítica da Razão Pura. Trad: Manuela Pinto dos Santos e Alexandre
Fradique Morujão. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2001.
LEBRUN, Gerard. Kant e o fim da Metafísica. Trad: Carlos Alberto Ribeiro da Moura.
São Paulo: Martins Fontes, 1993.
LOPARIC, Zeljko. A Semântica Transcendental de Kant. Campinas: UNICAMP,
Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência, 2005.
_________. Os problemas da razão e a semântica transcendental. In: Daniel Omar Perez.
(Org.). Kant no Brasil. São Paulo: Editora Escuta, 2005b, v. 1, p. 213-229.
5
Página
elaboração das três esferas da vida ativa (distinta da chamada vida contemplativa
expressada pelo pensar, pelo querer e pelo julgar, expostos na obra “The live of the
mind”, obra publicada postumamente que permaneceu inacabada no capítulo sobre
o julgar). Para Arendt, a vida ativa compreende três atividades fundamentais
corporificadas pelas condições do labor, do trabalho e da ação. O labor seria a
atividade ligada ao atendimento das necessidades, circunscrito ao espaço da oikia
grega. O resultado do labor não é dado a permanecer no mundo, mas sucumbir no
próprio ritmo do metabolismo natural humano, é o espaço do animal laborans.
Diferentemente é a atividade do trabalho, que se volta para a construção de um
mundo de permanências frente ao fluxo da natureza, visando à própria construção
de um mundo humano frente ao mundo natural. Rege-se pelo princípio da utilidade e
tem como seu representante o homo faber. O trabalho, assim como o labor, não
necessita do encontro com outras singularidades, podendo ser realizadas no
isolamento. Em contraste com ambos, é a atividade da ação, que só se manifesta
em conjunto, numa ―pluralidade de singularidade‖, segundo Arendt. É o espaço do
agir político e condição de existência da própria política, onde as ações são
iluminadas através do discurso público, que exige um espaço específico distante
tanto dos critérios de mera sobrevivência do labor quanto do utilitarismo do trabalho.
É neste espaço do agir político, que a liberdade se fundamenta.
Hannah Arendt e sua concepção de liberdade retomam o pensamento grego antigo
pela experiência da polis grega, na qual a liberdade é intrínseca ao agir político.
Ação e política são inimagináveis sem serem pensadas de acordo com a liberdade;
a política sem a liberdade é destituída de sentido, e por isso que ela só pode ser
demonstrada no âmbito da ação, no espaço público do agir; ação esta como já dita,
pelo discurso, através do domínio da palavra, do discurso, do logos, tal como que no
sentido grego antigo era usada para distinguir-se dos bárbaros, e o homem livre dos
escravos, pois na polis grega a condução dos assuntos públicos conduzidos é por
2
Referencias bibliográficas
4
Página
nas instituições escolares: o professor exerce um saber sobre o aluno que, por sua
vez, se adapta a essa noção. Em outras palavras, isso significa dizer que o pupilo
―submete‖ seu poder ao do mestre.
Com base nessa premissa, é viável atribuir uma consideração importante sobre o
poder e suas relações. Podemos dizer que ele não visa excluir o indivíduo, muito
pelo contrário, sua postura objetiva capturá-lo e, assim, cria-se um saber que vigora
como um papel de verdade: trata-se do saber científico que se torna uma prática a
dominar o indivíduo e normatizá-lo, ou seja, esse saber o controla e o disciplina e é
aí que Foucault denomina a sociedade moderna como sociedade disciplinar.
Através desta breve consideração sobre poder, cabe-nos cumprir a primeira parte da
introdução desse trabalho: analisar a educação moderna enquanto ―domadora da
alma e do corpo‖ e apontar os motivos que a levaram a determinada postura.
O poder disciplinar nasce devido a mudanças na sociedade europeia. O poder que
era atribuído diretamente à figura do soberano, passa a ser ―contido‖ numa
instituição burocrática.
No século XVII até o final do XVIII, a educação dava-se pelo suplício do corpo –
evento esse que era apresentado publicamente, ou seja, o castigo era fornecido
como espetáculo. O condenado era mutilado em público e assim, o perdão era
extraído através da dor de modo que a morte não se dava de momento imediato. Na
abertura de Vigiar e Punir: história da violência nas prisões, pode se ver um relato da
Gazette d‟Admsterdam, que apresentado por Foucault, mostra em detalhes o
suplício de Damiens, condenado em 1757.
Essa forma de castigo era um modo de educar a população, mostrando-lhes o que
poderia acontecer caso viessem a ir contra a vontade do soberano.
No final do século XVIII, com a estruturação do capitalismo, aos poucos, o castigo
através do corpo supliciado passa a perder a importância. Com o surgimento das
indústrias, torna-se necessário o corpo saudável e em plenas condições para a
produção em série. Dessa forma, há a necessidade de uma outra maneira de
2
punição que deva considerar o novo modo econômico que vigora nesse período
Página
para quem rompe o pacto social: eis o surgimento da prisão. Essa instituição tem por
finalidade, capturar todos aqueles que são considerados inúteis a tal estrutura
econômica e adaptá-los à mesma. Nesse âmbito, a disciplina dar-se-ia em lugares
fechados, calculados a ponto de vigiar o corpo do infrator. Para o progresso desse
método disciplinar, é necessário individualizar a pessoa e agir sobre seu interior,
objetivando-o a uma ética capitalista e consequentemente sujeitando-o.
Foucault observa em seus estudos que as atividades das prisões influenciaram
diretamente as escolares. Os espaços fechados, calculados, com separação por
fileiras, idade, por horários, têm por finalidade exercer um saber (verdade) sobre o
aluno, a ponto de sujeitá-lo, moldando seu interior para torná-lo viável ao meio de
produção. O indivíduo torna-se ao mesmo tempo, sujeito e objeto do poder.
Por meio do desenvolvimento dessa pesquisa, pode-se observar que a
educação/disciplina na modernidade são objetos do poder. Eis o sucesso de
Foucault em não restringir o poder no âmbito dos aparelhos jurídicos, e sim
considerá-lo como micro-poderes que funcionam de modo difuso.
Também se notou que o jogo do poder – transferido do soberano ao estado – atuou
de modo positivo ao transformar a perspectiva educacional que, a partir do final
século XVIII, versa sobre uma tendência capitalista. Por tanto, o surgimento da
prisão que ao invés de punir o corpo do condenado, disciplinava-o tornando-o apto
às atividades desse novo sistema. Isso justifica o surgimento da escola –
denominada pelo filósofo de governo do sequestro da infância – atua como uma
maquinaria social que, por meio de atividades e de sua estrutura calculada, controla
o corpo e o tempo dos indivíduos tornando-os úteis e dóceis, sujeitando-os a um
saber científico. Além disso, essa análise permite provar o pretexto da educação
moderna em separar o ―normal‖ e o ―anormal‖ afirmando o primeiro ser o
normatizado pela disciplina e o segundo como o que foge desse enquadramento
tornando-se causador da desordem social posteriormente.
Essa estrutura social é comparada pelo pensador a exemplo do panopticon de
3
corretivas.
Referências
4
Página
Este trabalho visa expor como Kant compreende e refuta o idealismo dito material
fundamentado no pensamento cartesiano, no livro segundo de sua Analítica
Transcendental da Crítica da razão pura. Começaremos pela distinção entre
idealismo material dogmático e idealismo material problemático, cujos fundamentos
se encontram na filosofia de Berkeley e na filosofia de Descartes, respectivamente, e
partiremos para uma análise deste último. Sobre o idealismo material dogmático,
seguiremos os passos do autor e apresentaremos somente o cerne da refutação
pretendida a partir de elementos da estética transcendental, para podermos depois
disso voltar nossos olhos para o já supracitado idealismo problemático. Tal idealismo
aceita nossa experiência imediata de nós mesmos como verdade e garante com isso
a existência de um eu pensante; no entanto, o faz em detrimento de uma realidade
exterior, que é considerada indemonstrável segundo o pressuposto da dúvida
universal cartesiana na visão kantiana; diga-se visão kantiana, pois o próprio
Descartes aceitara a realidade exterior; no entanto, a preeminência que o francês dá
à idéia sobre a matéria fará com que Kant assuma a discussão em defesa desta
realidade exterior, tentando demonstrá-la não mais como um apêndice e sim como
1
Página
gerará uma representação, que por sua vez será temporalmente determinada.
Página
Bibliografia
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. 6ª Ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2008.
3
Página
1
As aulas se encontram no curso, intitulado de Le Gouvernement de soi et des autres : cours au
Collège de France (1982-1983). Já o artigo está presente nos Dits et Écrits II, 1976-1988.
1
KANT, Immanuel. "Beantwortung der Frange: Was ist Aufklärung?". In: Schriften zur Anthropologie,
Geschichtsphilosophie, Politik und Pädagogik (Band 9). Werke in zehn Bänden. Herausgegeben von
3
portuguesa in: "Resposta à pergunta: que é o Iluminismo?". A paz perpétua e outros opúsculos.
Lisboa: Edições 70, 2004, p.11.)
2
Id.
Bibliografia
DELEUZE, Gilles. Foucault. São Paulo : Brasiliense, 2005.
FOUCAULT, Michel. Dits et Écrits II, 1976-1988. France: Quarto Gallimard, 2005.
______. Le Gouvernement de soi et des autres : cours au Collège de France (1982-
1983). France: Gallimard, 2008.
HAUSER, Philippe. Foucault et la Critique. In : Michel Foucault : les jeux de la verité
et du pouvoir. Sous la dir. De Alain Brossat. Nancy: Press Universitaire de Nancy,
1994.
KANT, Immanuel. Beantwortung der Frange: Was ist Aufklärung?. In: Schriften zur
Anthropologie, Geschichtsphilosophie, Politik und Pädagogik (Band 9). Werke in
zehn Bänden. Herausgegeben von Wilhelm Weischedel. Darmstadt:
Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1983. (tradução portuguesa in: "Resposta à
pergunta: que é o Iluminismo?". A paz perpétua e outros opúsculos. Lisboa: Edições
70, 2004.)
_______. Qu‘est-ce que les Lumières? In : Aufklärung : Les Lumières allemandes.
Textes et commentaires par Gérard Raulet. Paris: Flammarion, 1995.
_______. Que significa orientar-se no pensamento?. In: A paz perpétua e outros
opúsculos. Lisboa: Edições 70, 2004.
FIMIANI, Mariapaola. Critique, clinique, esthétique de l‘existence. In : Michel
Foucault : trajectoires ao coeur du présent. Sous la direction de Lucio D‘Alessandro
et Adolfo Marino. Paris : L‘Harmattan, 1998.
TERRA, Ricardo. Foucault, leitor de Kant: da antropologia à ontologia do presente.
In: Passagens: estudos sobre a filosofia de Kant. Rio de Janeiro: Editora UFRJ,
2003.
4
Página
Kant tem verdadeira preocupação com a formação do caráter moral do ser humano,
e tal preocupação é visível em toda sua obra. Em sua obra Antropologia, ao falar em
sinais distintivos do homem como ser natural, a estes dá o nome de Caráter Físico.
Já como ser racional, aos sinais que distinguem o homem como ser provido de
liberdade nomina-se Caráter Moral.
Kant, já na Critica da razão pura volta sua atenção às questões tocantes à formação
deste caráter moral do caráter ou do caráter do ser racional finito. Na obra o filósofo
já trata dos problemas e desordens que uma má formação ou falta de
desenvolvimento ou cultivo causa à sociedade. Utilizando uma ―ação de arbítrio,...,
uma mentira maldosa, mediante a qual um homem trouxe uma certa confusão à
sociedade1” como exemplo, o pensador sentencia.
1
(Werke. Band IV. p. 503)
Verifica-se com clareza que o autor não poupa reprovação ao ato mentiroso
causador de danos a sociedade. Ainda deixa claro que as fontes empíricas da
atitude reprovável remetem à uma educação defeituosa, uma má formação
educativa. É visível que o autor remete a um caráter moral mal formado. Ele repudia
o ato como imoral, evidenciando no ato um caráter mal formado e atribui um nexo de
causalidade entre este e uma educação defeituosa. Contrário senso, é possível
afirmar que o autor deixa antever que uma boa educação agregada a alguns outros
elementos, pode produzir um caráter moralizado, móbil de ações morais. Ele
confirma a possibilidade de formação do caráter moral a partir de mecanismos
externos, exógenos.
Na segunda Crítica, mais uma vez ele aborda o assunto da formação do caráter
moral ao levantar as orientações preparatórias fundamentais para que o homem
ainda não formado possa tornar-se receptivo à moral pura. Tratando da
“metodologia da razão prática” (Methodenlehre), exemplificamos, ele salienta que a
mesma é “o modo como se pode proporcionar às leis da razão prática pura acesso
ao ânimo humano, de modo a provocar uma influência sobre as máximas do
mesmo, isto é, como se pode fazer a razão objetivamente prática também
subjetivamente prática”. (Kant, 2002, p.239).2
1
[...] so nehme nam eine willkürliche Handlung, z. E. Eine boshafte Lüge, durch die ein Mensch eine
gewise Verwirrung in die Gesellschaft gebracht hat, un die man zuerst ihren Bewegurschen nach,
woraus sie entstanden, untersucht, und darauf beurteilt, wie sie samt ihrem Folgen ihm zugerechnet
weden könne. In der ersten Absicht geht man seine empirischen Charakter bis zu dem Quellen
desselben durch, die man ir der shlechten Erziehung, über Gesellschaft, zum Teil auch in der
Bösartigkeit eines für Beschämung unempfindlichen Naturells, aussuchtz, zum Teil auf den
Leichtasinn und Unbesonnenheit scheit; wobei man denn die veranlassenden Gelegenheitsursachen
2
nicht aus der Acht läβt. In allen diesem verfährt man, wie überhaupt in Untersuchung der Reihe
Página
Com as abordagens supra, o filósofo abre portas para suas outras obras que tratam
da aplicação da ética no espaço da formação do caráter do homem.
Tanto a filosofia natural quanto a filosofia moral podem cada qual ter a sua
parte empírica, pois aquela tem de determinar as leis da natureza como
objeto da experiência, e esta, as da vontade do homem enquanto é afetada
pela natureza; as primeiras, considerando-as como leis segundo as quais
tudo acontece, a segunda, como leis segundo as quais tudo deve
acontecer, mas ponderando também as condições pelas quais com
freqüência não acontece o que devia acontecer.
verschffen, d. i. die objekiv-praktiche Vermunft auch subjektiv praktisch machen könne. (Werke. Band
VII. 287).
1
Dagegen können, sowohl die natürliche, als sittliche Welweisheit, jede ihren empirischen Teil haben,
weil jene der Natur, als einen Gegenstande der erfahrung, diese aber dem Willen des Menschen, so
fern er durch die Natur affiert wird, ihre Gesetze bestimmen muβ, die erstern zwar als Gesetze, nach
3
denen alles geschieht, die zweiten als solche, nach denen alles geschehen soll, aber doch auch mit
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wenn sie bloβ formal ist, heiβt Logik; ist sie aber auf bestimmte Gegenstände des Vertandes
eingeschränkt, so heiβt sie Metaphysik.
Auf solche Weise entspringt die idee einer zwiefchen Metaphysik, einer Metaphysik der Natur
unde einer Metaphysik der Sitten. Die Physik wir also ihren emprisichen, aber auch einen rationalen
Teil haben; die Ethik gleichafalls; wiewohl hier der empirische Teil besonders praktische Antropologie,
der rationale aber eigentlich moral heiβen könnte. (Werke Band VI, VII p.11-12)
4
1
[...] des Menschen und Nachdruck zur Ausünbung zu verschaffen, da diese, als sebst mit so viel
Página
Neigungen affiziert, der Idee einer praktischen reinen Vernunft zwar fähig, aber nicht so leicht
vermögend ist, sie in seinem Lebenswandel in concreto wirksam zu machem (Werke. Band VII. p.13-
14).
Referências
KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Tradução de Valério Rohden e Udo Baldur
Moosburger. 2ª ed. SP: Abril Cultural, 1983.
________. Crítica da Razão Prática. Trad. de Valerio Rohden. São Paulo: Martins
Fontes, 2002.
________. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Traduzida do Alemão por
Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70 Ltda., 1984.
1
[...] die freilech noch durch Erfahrung geschärfte Urteilskraft erfodern, um teils zu unterscheiden, in
Página
welchen Fällen sie ihre Anwendung haben, teils ihnen Eingang in den Willen des Menschen und
Nachdruck zur Ausünbung zu verschaffen, da diese, als sebst mit so viel Neigungen affiziert, der idee
einir praktischen reinen [...] (Werke. Band VII. p.13-14)
A INTUIÇÃO EM KANT
Confesso francamente: foi a advertência de David Hume que, há muitos anos, interrompeu
o meu sono dogmático e deu às minhas investigações no campo da filosofia especulativa
uma orientação inteiramente diversa. (KANT, 1988, p.17)
sob a mesma relação, o segundo indica que algo é necessário sob uma perspectiva
Ele provou de modo irrefutável que é absolutamente impossível a razão pensar a priori e a
partir dos conceitos uma tal relação, porque esta encerra uma necessidade; mas, não é
possível conceber como é que, porque algo existe, também uma outra coisa deva existir
necessariamente, e como é que a priori se pode introduzir o conceito de uma tal conexão.
(KANT, 1988, p. 14)
É a partir dessas influências kantianas que buscamos o esclarecimento de um
conceito utilizado e desenvolvido por Kant, a saber, o conceito de ―Die Anschauung‖
(traduzido como A Intuição).
Para que possamos clarear o uso que Kant faz de tal conceito precisamos
primeiramente nos ater nas discussões que tal autor faz a respeito da sensibilidade
e do entendimento. Para isso tentaremos reconstruir a resposta que Kant dá a três
questões fundamentais da teoria do conhecimento: Como eu tenho acesso aos
objetos sensíveis? O que é o conhecimento? De que modo ele é possível?
Como veremos, ao tentar responder essas questões, Kant percebe que o
conhecimento não é puro conceito racional, mas também não é somente conteúdo
empírico, no entanto adverte que são os objetos que devem se regular ao primeiro e
não o inverso como foi o erro cometido até então pela metafísica, sendo necessário
2
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Mas, se não me quiserem conceder isso, bem, então restrinjo a minha proposição à
matemática pura, cujo conceito já implica que não contém um conhecimento empírico, mas
um puro conhecimento a priori. Poder-se-ia, antes de mais, pensar que a proposição
(7+5=12) é uma simples proposição analítica, que resulta do conceito de uma soma de sete
e cinco, em virtude do princípio de contradição. Mas, olhando de mais perto, descobre-se
que o conceito da soma de sete e cinco não contém mais nada senão a reunião de dois
números em um só, sem que pense minimamente o que seja esse único número, que
compreende os dois. O conceito de doze de modo algum está pensado pelo simples fato de
eu pensar essa reunião de sete e cinco, e por mais que analise longamente o meu conceito
de tal soma possível, não encontrarei no entanto, aí o número doze. É preciso ultrapassar
esses conceitos, recorrer a intuição que corresponde a um dos dois números, por exemplo
3
os seus cinco dedos ou cinco pontos, e assim acrescentar, uma após outra, as unidades do
Página
Com o que vimos até aqui, mostra-se que o objetivo deste trabalho é o de além de
esboçar alguns elementos da teoria do conhecimento Kantiana, expor nosso projeto
de pesquisa sobre a intuição em Kant. Busca-se entender o conceito de intuição e
seu papel na teoria do conhecimento de Immanuel Kant, além de analisar
minuciosamente as faculdades do conhecimento, tentando encontrar o papel da
intuição na formação de juízos sintéticos a priori. Para que isso seja possível,
utilizamos como método a pesquisa bibliográfica do autor, bem como a leitura de
comentadores sobre o tema em questão.
Referências bibliográficas
4
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do mais belo, Deus fez dele um vivente único, visível, contendo no seu interior todos
os viventes que por sua natureza são da mesma forma que ele. Neste sentido
poderia ser o caso de se perguntar se existe apenas um céu único ou há uma
pluralidade de céus, ou mesmo um número infinito; contudo, essa questão,
aparentemente complexa, se resolve como que facilmente pela primeira alternativa,
isto é, de que há somente um céu, pois em se aceitando que este fora construído
segundo a imitação de um modelo eterno, só poderá haver um céu – o que então
fará com que o mundo se apresente como a imagem em movimento da própria
eternidade. Contudo, esta solução aparentemente fácil exige que se leve em conta
pelo menos dois problemas aí implicados: o do ser eterno e o do efêmero. Por um
lado, o eterno é o não nascido, que pode ser atingido pela intelecção e pelo
raciocínio, exatamente por nunca mudar; no dizer de Platão, quanto mais
meditarmos sobre a sua natureza, apesar de toda e qualquer mutação de nossa
constituição, mais ele será identificado conosco ou dele mais nos aproximaremos –
Platão chama-o de o Mesmo, associando-o à perfeição, à imobilidade, à
continuidade da alma. Por outro lado, o efêmero é o que sempre nasce, jamais
tendo existência, sendo sempre do domínio do ilusório; Platão chama-o de o Outro,
associando-o ao imperfeito, à mobilidade e a imperfeição da matéria (35a). Isto
significa que para algo como o Mundo, ou melhor, o Corpo do Mundo possa existir,
há que haver antes dele próprio alguma coisa que unifique o Mesmo e o Outro numa
composição tal que permita a ambos desenvolverem sua natureza constitutiva; o
que não é senão a Alma do Mundo.
O fato da Alma do Mundo ser anterior ao Corpo do Mundo remete a uma idéia tanto
de liberdade como de indestrutibilidade, pois seria absurdo ter sido o Corpo formado
antes da Alma. Desse modo, a Alma é considerada primeira pelo fato de ter sido
feita para comandar o que ainda estaria para ser criado; neste caso, ela já deveria
ter sido estabelecida antes do próprio Corpo do Mundo. No dizer de Platão, isso se
deu através da mistura da substância indivisível, que se comporta sempre de
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maneira invariável, e da substância divisível, que está nos corpos, da qual resultara
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uma terceira espécie de substância, isto é, uma substância intermediária que, como
princípio cognitivo não só em si mesma, mas também daquilo que ela envolve, vale
dizer, do próprio Mundo. Isso significa que a Alma do Mundo deve ser considerada
pelo menos sob dois pontos de vista básicos, sendo o primeiro, o seu próprio
desdobramento dialético a partir de sua composição até a sua caracterização
propriamente astronômica; bem como o segundo, o modo como ela própria se
apresenta como cumprindo uma função ao mesmo tempo motriz e cognitiva. De um
lado a Alma do Mundo deve ser considerada em um âmbito propriamente inteligível,
como que perfazendo o limite do inteligível; de outro, ela também tem que ser
considerada em um âmbito sensível, pois envolve o Corpo do Mundo e com ele se
relaciona de certa maneira. No primeiro caso está em exposição a constituição da
Alma do Mundo enquanto tal em sua dimensão inteligível, já no segundo o seu
caráter de principio ou a sua função motriz e cognitiva enquanto aquilo que informa o
Corpo do Mundo.
Referências
PLATÃO. Timeu. Trad. Maria José Figueiredo. Lisboa: Instituto Piaget, 2003.
_____. Filebo; Timeo; Critias. Traducciones, Introducciones y Notas por Maria
Ángeles Durán y Francisco Lisi. Madrid: Editorial Gredos, 1992.
_____. Timeo o de la naturaleza. Traducción del griego, preámbulo e notas por
Francisco de P. Samaranch. In: ___. Obras completas. Madrid: Aguilar, 1969, p.
1103-1179. 4
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Elias Dallabrida
DEFIL – UNICENTRO/PR
[email protected]
Referências
CARDOSO, C.F. No limiar do Século XXI. In: Revista Tempo. Rio de Janeiro: Vol.1
N. 2, 1996.
DOSSE, F. A história em migalhas. Dos Annales à nova história. Campinas: Ensaio,
1994
DUSSEL, E. Ética da libertação. Na idade da globalização e da exclusão. Petrópolis,
Vozes, 2002.
VELASCO, S. L. Reflexões sobre a Filosofia da Libertação. Campo Grande: CEFIL,
1991.
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Perquirindo o termo mesmo, Paul Ricoeur encontra nele os sentidos de: identidade
absoluta, igualdade plena e irrestrita; simultaneidade, concomitância temporal;
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objeto do relato, que não conhece os fatos sobre sua concepção e nascimento que
dizem respeito a outras vidas que não a própria e aos referentes à sua morte que só
os que sobreviverem a ela poderão descrever.
Portanto, pode-se afirmar que mesmo se uma narrativa de vida não guarda
fidelidade histórica aos fatos narrados, é fiel à identidade pessoal na identidade
narrativa do personagem. Na unidade de uma vida, totalidade temporal e singular
mostrada na identidade do personagem emerge a identidade pessoal dialeticamente
estruturada entre a permanência no tempo e a mudança, entre a mesmidade e a
ipseidade, entre o si mesmo como outro.
Bibliografia
_____ . Temps et récit vol. I L‘ intrigue et Ie récit historique. Paris: Du Seuil, [2006].
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distinto delas, aquele que representa o que é representado. Além disso, permaneço
o mesmo apesar das mudanças que ocorrem em mim. Não obstante, se percebo tal
alcança seu objetivo e não oferece uma ruptura definitiva com Descartes, no máximo
Referências
KANT, Immanuel. Critica da razão pura. 5 ed. Tradução de Manuela P. dos Santos e
Alexandre F. Morujão. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2001.
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básico para a manutenção da vida. Com isso, precisa ensinar o homem sabe usar
corretamente o que herdou naturalmente, e consequentemente educá-lo em virtude
da corrupção humana manchar a pureza natural, do desenvolvimento causar um
cidadão descomprometido com os outros membros e assim viverem praticando o
mal, prejudicando-se mutuamente.
Por isso, o filósofo propõe um modelo educacional baseado no estado natural é o
famoso ―bom selvagem‖, pois para ele o homem nasce livre, é livre e o meio no qual
vive é que o corrompe, o deixa corrupto, ignorante e arrogante. Seu projeto
pedagógico educacional propõe que a natureza é a melhor estratégia para educá-lo,
daí a pergunta do próprio autor, para formar esse homem ideal, raro, que deve ser
feito? Com certeza muita coisa, é a sua resposta, porém a principal é impedir que a
ação humana nada faça, essa somente faria um cidadão corrupto com sua moral
voltada para satisfazer as necessidades supérfluas do homem, sendo essas
motivadas pelas artes e pelas letras.
Para que isso aconteça não precisa fazer muita coisa, basta deixar que a natureza
siga seu curso normal, isto é, a formação do homem político deve impedir que a vida
em sociedade contamine o homem puro, bom, livre e feliz. Tal educação é política
em Rousseau porque está conectada com a vida, e a política por analisar o
comportamento e as relações do modo de vida dos homens, a convivência, a plena
liberdade humana para fazer aquilo que bem quiser deve ser instruída para que esse
homem atue sem prejudicar os demais. Isso justifica a educação pedagógica política
no pensamento de Rousseau.
Porém, o homem carrega um paradoxo em suas ações, o da mudança do estado
natural para o estado social, por isso há que haver um equilíbrio ou deve haver,
entre o estado natural e o social e essa acontece com a política, com a pedagogia
educacional em que o homem ético se preocupa em não agredir, a violar as leis
naturais e as artificiais que deve favorecer a comunidade como um todo.
2
vasto e âmbito material de cunho político, porem é possível entendê-lo por um víeis
essa é uma condição primordial no pensamento do autor, pois um homem que não
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seja livre não pode ser denominado de homem, quando se diz que um ser é homem
Referências
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LIBERDADE EM PLATÃO
elucidadas. O diálogo inicia com Sócrates fazendo Alcibíades notar que dentre seus
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amantes ele é o único que nunca o abordou, resolvendo-se por isso apenas naquele
buscar o conhecimento de Si, todavia, ela não determina o que seja este Si. Ora, se
não sabemos qual é o Si que devemos conhecer e nos ocupar, podemos correr o
risco de nos dedicarmos a algo adverso à própria essência deste Si. Nesta
perspectiva, surge a questão do que é o homem? Identificando o homem com o Si
da questão. Na investigação sobre a natureza do homem, levantam-se três
hipóteses: o homem pode ser, corpo, alma ou a união ente eles (OPA, 130 a). É
refutada a primeira e a terceira hipótese, sendo admitida a segunda como a hipótese
correta, de modo que o homem, o Si da questão, é alma (OPA, 130c).
Dos momentos da problemática do Si, surge a questão da Liberdade como sendo
um mandamento necessário ao governante, que para libertar-se é necessário
dedicar-se ao conhecimento e ao cuidado de Si. A questão da Liberdade, tal como
no primeiro momento da problemática do Si, se mostra como sendo a superação das
suas limitações, para que a alma, tal como o segundo momento da problemática do
Si, possa passar ao nível do governo, resultado alcançado somente no final do
diálogo, e libertar-se das condições servis (OPA, 135b - 135e).
Referências
PLATON. Oeuvres complètes. Traduction nouvelle et notes par Léon Robin. Paris:
Pléiade, 1950. (2 vols).
PLATON. Alcibiade. Texte établi et traduit par Léon Robin. 4. Ed. Paris: Belles
Letres, 1949.
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não natural, mas artificial. Todos os elementos da moralidade (simpatias) são dados
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naturalmente, mas, por si mesmos, são impotentes para constituir um mundo social.
Referências bibliográficas
RORTY, Richard. Ensaios sobre Heidegger e outros: Escritos Filosóficos II. Rio
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Este resumo tem como objetivo analisar a obra Édipo Rei, escrita por Sófocles, a
partir dos conceitos que delineiam uma peça trágica no Livro Poética de Aristóteles.
Segundo a poética de Aristóteles, que é toda produção artística, a tragédia, gênero
literário de que se trata a peça de Sófocles, consiste na imitação de ações de caráter
elevado com linguagem nobre, cuja finalidade é despertar o sentimento de piedade e
terror. Outros elementos importantes que serão analisados no contexto da peça são:
a peripécia, ―alteração das ações‖ (ARISTÓTELES, 1999, p. 49), isto é, uma ação
inesperada que muda o rumo da ação futura; o reconhecimento, passagem do
desconhecido ao conhecido; a catarse, que significa neste caso, purificação: ocorre
quando é despertado o sentimento de horror e piedade; a fábula, por sua vez é o
conjunto de ações organizadas. Para começar é fundamental entender que a peça é
divida em duas partes: a primeira é o enredo, que trata do início da
desfecho, que se dá no término do reconhecimento e no início da catástrofe. Logo
no início da história percebemos as nobres qualidades do caráter de Édipo pelas
suas atitudes, estas qualidades se expressam através de ações também nobres;
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como aquela na qual Édipo, após ter amaldiçoado o assassino, declara que a
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maldição cairia sobre ele, caso ele fosse o criminoso. A tragédia se dá na imitação
das ações de homens superiores que caem no infortúnio, não por depravação ou
vildade, mas por um erro, que no caso de nosso personagem, acontece pelo incesto
e pelo assassinato do pai, realizado de forma involuntária. A partir do conselho de
Creonte, o rei manda chamar o adivinho Tirésias que, inicialmente, se nega a dizer
quem é o assassino, no entanto, termina a discussão revelando que Édipo não é
somente o autor do homicídio, mas também culpado por profanar o leito de seu pai,
pois casara-se com a própria mãe. Neste momento da peça observamos claramente
a realização do que Aristóteles chama de peripécia, o inesperado acontece de uma
forma surpreendente, porém, ainda não é o momento do reconhecimento. A rainha
Jocasta, tomando conhecimento do infortúnio entre Tirésias e Édipo, e que este
acusava a Creonte de traição, pede para se acalmarem e conta que o filho que traria
a futura desgraça a Laio, já estaria morto e que Laio teria sido assassinado por
salteadores. Édipo, determinado a solucionar o problema manda chamar o único que
havia escapado com vida dentre aqueles que acompanharam o rei. Todas as
decisões tomadas por Édipo se desenvolvem de tal forma que tudo acabaria por
desembocar no reconhecimento de quem ele realmente era. Neste momento chega
um mensageiro de Corinto, declarando a morte de Pólibo e a escolha de Édipo como
rei. Segundo o pensamento aristotélico, aqui ocorre mais uma peripécia, pois se
Édipo é declarado rei em Corinto, naturalmente ele é filho de Pólibo e não de Laio,
sendo assim ele não é o assassino. Entretanto, o mensageiro com a intenção de
acalmar o rei conta a verdadeira história, e Édipo descobre não ser filho de Pólibo.
Jocasta, agindo como se soubesse de algo, sai de cena. O servo finalmente chega e
acaba declarando que ele teria, por compadecimento, salvo a vida de Édipo quando
este era ainda bebê, entregando-o para um pastor de ovelhas que era justamente o
mensageiro que ali estava. Neste instante tudo parece vir a tona, está acontecendo
o ponto culminante da tragédia. A inesperada (peripécia) história contada pelo
mensageiro e pelo servo levam Édipo ao reconhecimento. De acordo com
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trabalho de Aristóteles em elaborar uma teoria sobre os elementos que uma peça
trágica deveria ter, é inédito na filosofia, pois anteriormente não havia uma
prescrição rigorosa em que uma peça desta natureza pudesse basear-se, nisto
reside então a importância do esforço filosófico que culminou no livro que hoje
conhecemos como a Poética de Aristóteles.
Referencias
ARISTÓTELES. Poética. (Os Pensadores) Trad. Baby Abrão; Editora Nova Cultura.
São Paulo - 1999
SÓFOCLES. Édipo Rei Trad. J. B. Mello e Souza; Editora Ediouro. Rio de Janeiro -
2002
BRANDÃO, Junito de Souza. Teatro Grego:Tragédia e Comédia 7º edição Editora
Vozes. Rio de Janeiro - 1985
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Sendo assim, o presente estudo tem como objeto dois aspectos relevantes: a
relação da antropologia filosófica e as ciências humanas e os problemas filosóficos
das ciências do homem.
Com o advento das novas ciências, já nos fins do século XVIII, o estudo sobre o
homem passou a exigir novos métodos e critérios dentro do ambiente científico que
despontava.
1
A Filosofia, segundo Lima Vaz, recebe de duas fontes principais seus dados e
problemas: chama de pré-compreensão os dados e problemas que vem da
experiência natural; e chama compreensão explicativa, os dados que vem
propriamente da ciência. Ambas as fontes, no caso da antropologia filosófica,
voltam-se ao próprio homem, que é a um tempo, sujeito e objeto da interrogação
filosófica (LIMA VAZ,1991, p.13).
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Daí a importância da distinção entre a antropologia puramente como objeto nos seus
campos particulares; a antropologia filosófica estuda o homem como ―sujeito-objeto‖
e na sua dimensão de globalidade.
No campo das ciências da natureza, dois são os problemas sobre o homem com
grande implicação na filosofia: a questão da gênese do homem e a da sua estrutura.
Referências
VVAA. Semana filosófica em homenagem ao Pe. Vaz, in: Síntese Nova Fase, vol.
18, n. 55, 1991.
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por Kant.
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Todo trabalho neste sentido pode ser falho, decorrente do ato humano, contudo, o
significado do respeito às boas Leis e aos indivíduos, uns pelos outros, e entre estes
pelo Estado, reciprocamente, é afirmar que o Estado de Direito, idealizado por Kant,
uma conquista do Iluminismo, momento em que a humanidade saiu da sua
incapacidade, orientando-se pelo pensamento alheio, existe e, pela força da
consciência dos indivíduos e do próprio Estado na consecução do bem comum,
impõe-se o respeito à lei e aos Direitos Humanos, buscando tirar as pessoas de
suas condições de indignidade, portanto, melhorando a paz social e a tranqüilidade
pública, bens supremos de uma sociedade bem ordenada ou equilibrada, que por
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Referências bibliográficas
KANT, Immanuel. A Paz Perpétua e outros Opúsculos. Lisboa: Portugal: Edições 70,
1995.
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
BOBBIO, Norberto. A Teoria das Formas de Governo. 6ª ed. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 1992.
BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. 6ª ed. São Paulo: Editora Brasiliense,
1994.
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 6ª ed. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais Ltda., 1990.
HOBBES, Thomas. Leviatã. 1ª ed. São Paulo: Editora Martin Claret, 2002.
KIERKEGAARD, Sören. O Desespero Humano. 1ª ed. São Paulo: Editora Martin
Claret, 2002.
RUSSEL, Bertrand. A Conquista da Felicidade. 2ª ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.
INGENHEIROS, José. O Homem Medíocre. 1ª ed. Curitiba: Editora Livraria do
Chain, 2003.
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FOUCAULT E A VERDADE
Três obras principais marcam o período inicial das pesquisas de Michel Foucault
designadas pelo filósofo de arqueologia. Nestas obras o filósofo coloca questões
que deflagram uma nova relação com a verdade, estabelecendo rupturas no
pensamento contemporâneo que deram nova forma aos saberes médicos e
psiquiátricos e às relações com o poder. O trabalho ora apresentado pretende
analisar o estatuto desta noção de verdade surgida a partir das pesquisas
foucaultianas. Busca-se entender de que forma os direcionamentos metodológicos e
conceituais das pesquisas de Foucault propiciaram a elaboração de um novo regime
de verdade.
importante colocada pelo filósofo, indaga pelos limites e objetos próprios de uma
disciplina científica em todo o seu rigor. O conceito para esta é a expressão da
Em Arqueologia do saber, Foucault tem como objetivo fazer uma reflexão profunda e
rigorosa sobre os usos metodológicos e conceituais executados nos escritos
anteriores, sem a intenção de construir, a partir daí, um método de pesquisa
histórica. As polêmicas e críticas surgidas após a publicação de História da loucura e
As palavras e as coisas são alguns dos motivos que levaram o filósofo a escrever
sobre estas obras procurando caracterizar melhor sua análise com o objetivo de
superar dificuldades originárias da pesquisa e outras apontadas por críticos e
estudiosos. Constitui-se em uma revisão crítica e reflexiva que busca homogeneizar
e retificar as opções teóricas e as práticas de pesquisa que deram origem à História
da loucura e As palavras e as coisas. A arqueologia do saber responde em eco às
obras que a precederam. Sua tarefa é questionar os métodos, os limites e os temas
da história em sua forma tradicional, sobretudo em suas referências a um suposto
sujeito fundador. Busca desfazer as últimas sujeições antropológicas sacralizadas
pela velha história, ao mesmo tempo em que quer demonstrar como foram
formadas. A arqueologia do saber pretende ser a forma mais acabada e mais
coerente das pesquisas realizadas anteriormente que foram, – de certa forma e
segundo Foucault –, esboçadas em desordem, um pouco imperfeitamente, exigindo
que fosse estabelecida uma articulação que desse à arqueologia uma forma mais
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geral. Foucault, com suas pesquisas, pergunta pelos mecanismos e instâncias que
fazem com que um discurso científico, por exemplo, funcione como verdade.
Referências
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências
humanas. 8 ed. Tradução de Salma Tannus Muchail. São Paulo: Martins Fontes,
1999.
_____. Arqueologia do saber. 7 ed. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2007.