Bajtín y La Antropología Americana PDF
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Edited by
Editado por
Gilberto de Castro
Universidade Federal do Paraná
Brasil
Organization
Organização
Sponsored by
Financiada por
Em CD-ROM
Inclui bibliografia e notas bibliográficas
M.-Pierrette Malcuzynski
In memoriam
The International Bakhtin Conference has met every two years since 1983. Its main objective is the
presentation and discussion of advanced research works dealing with the ideas of the Bakhtin Circle.
The XI Conference - the first to take place in the Southern Hemisphere - was held in Curitiba (Brasil),
at the Colégio Estadual do Paraná, from July 21 to 25, 2003.
These Proceedings include the texts of the five plenary sessions of the XI Conference, as well as the
individual papers read at the XI Conference and sent to the Organizing Committee for publication.
The Editors
1
A Conferência Internacional sobre Bakhtin vem sendo realizada a cada dois anos desde 1983, sendo esta a primeira vez no Hemisfério Sul. Seu
principal objetivo é a divulgação e o debate de trabalhos de pesquisa inspirados nas obras do Círculo de Bakhtin. A XI Conferência foi realizada em Curitiba
(Brasil), no Colégio Estadual do Paraná, de 21 a 25 de julho de 2003. Estas Atas incluem os textos das cinco sessões plenárias e de comunicações individuais
apresentadas na XI Conferência e enviadas ao Comitê de Organização para publicação.
Plenary Sessions
Sessões Plenárias
ПАНЬКОВ, Н.А.
Керченские терракоты и проблема античного реализма: «Рабле» М.М.Бахтина
в контексте русской науки конца XIX — первой половины ХХ вв. .......................... 36-48
Presentations
Comunicações
–A–
–C–
CASTRO, Maria Lília Dias de (Univ. do Vale do Rio dos Sinos – Brasil)
Publicidade de humor: a confluência de vozes ........................................................ 165-171
–D–
–E–
–F–
–H–
–I–
–K–
–L–
–M–
–O–
–P–
–Q–
–R–
–S–
–T–
–U–
–W–
–X–
–Y–
–Z–
Paulo Bezerra
O objetivo deste trabalho era desenvolver um estudo comparado da estrutura dialógica em Esaú e
Jacó de Machado de Assis e O duplo de Dostoiévski. Ao a adentrarmos a análise do primeiro sob a pers-
pectiva da teoria de Bakhtin, fomos percebendo que a análise comparada demandaria um espaço e um
tempo que iam além deste evento, e por isso nos concentramos no romance de Machado de Assis e nos
limitamos a alusões esporádicas a Dostoiévski quando assim o requeria a reflexão.
Esaú e Jacó é o penúltimo romance de Machado de Assis, publicado pela primeira vez em 1904. Em-
bora a “Advertência” que precede à narrativa atribua sua autoria ao conselheiro Aires, este é referido em
terceira pessoa e em momento algum aparece como narrador, por maiores que sejam as semelhanças
entre o narrador e ele. Portanto, se Aires é apontado como autor e a narrativa se desenvolve em terceira
pessoa, como classificar Aires e o narrador do ponto de vista teórico?
Em Estética da criação verbal Bakhtin desenvolve as categorias estéticas de imagem de autor (óbraz
ávtora), autor primário (piervítchnii ávtor) e autor secundário (vtorítchnii ávtor). O autor como figura
real ou autor primário é aquele que cria a obra e cria também um autor secundário ou imagem de autor
(Bakhtin, 1979, p. 353). Esse autor primário não é uma individualidade propriamente dita, no sentido
comum do termo, que possamos apontar concretamente fora do que produziu; é um criador, dotado
de uma individualidade criadora “de ordem especial, não estética”, daquela “individualidade ativa” que
cria, vê e enforma; é diferente da “individualidade vista e enformada” que caracteriza o autor secundário
(Bakhtin, 1979, p. 180). Ele só se torna “individualidade propriamente dita” onde podemos atribuir-lhe o
mundo individual dos heróis por ele criado ou onde está parcialmente objetivado como narrador” (Bakhtin,
1979, p. 180), isto é, como natureza criada.
A imagem de autor é... uma imagem de tipo especial, diferente de outras imagens da obra,
mas é imagem, e tem o seu autor que a criou.
Portanto, em Esaú e Jacó Machado de Assis é o autor primário, aquela natureza criadora ou geradora
que cria outra natureza - a natureza criada ou gerada, isto é, o autor secundário ou imagem de autor.
Essa imagem de autor é representada por Aires, que por sua vez cria um narrador. Este, mesmo guar-
dando semelhanças com Aires, seu autor secundário, tem seu próprio estatuto estético de condutor da
narrativa e não pode ser visto senão como narrador. Conseqüentemente, a admissão de Aires como
autor secundário resolve, a nosso ver, o paradoxo de se atribuir a Aires a autoria do romance e vê-lo
referido em terceira pessoa.
A leitura que fazemos de Esaú e Jacó começa pela epígrafe de Dante, que antecede o título do primeiro
capítulo e, conseqüentemente, o início da própria narrativa.
Dico, Che quando l’anima mal nata...
Dante
As primeiras palavras registradas graficamente pelo narrador - a epígrafe de Dante - já nos colocam
diante de uma duplicidade discursivo- estrutural, quer pela presença de dois autores dialogicamente
intertextualizados - Dante, que inicia graficamente o texto, e o narrador, que narra segundo o espírito
dúplice da epígrafe do outro - quer pelo sentido que tal epígrafe encerra, ou seja, o da alma mal nascida,
aquela que, segundo a Bíblia, vem marcada pela desventura de haver transformado em mal o dom da
vida oferecido por Deus, aquela alma que fará conviverem em um mesmo ser os princípios do bem e do
mal e, assim, na qualidade de anjo caído, manter originariamente um pé no paraíso e outro no inferno.
Logo, o romance já começa introduzindo de fato o que eu chamo de liminaridade dialógica, isto é, uma
fronteira, um espaço quase-vazio a ser preenchido pelas diferentes vozes que aí se cruzam - Dante,
iniciando a narrativa, e o narrador introduzido por Aires que, por sua vez, é imagem de autor ou autor
secundário criado por Machado de Assis.
À epígrafe segue-se o primeiro capítulo - Cousas Futuras!, no qual passam a coexistir e dialogar as
fronteiras que separam os dois pólos opostos da estrutura social - o pólo de baixo, representado pela
Essa relação ambígua entre fé e vexame, que leva as personagens a se sentirem constrangidas por
estarem assumindo atitudes do universo do outro, mantém as duas no espaço da liminaridade dialógica
em que elas assumem o disfarce do “devoto que se benze às escondidas com vexame da opinião do
outro”. Como diz Bakhtin:
O homem não tem território interior soberano, ele está todo e sempre na fronteira, ao olhar
para dentro de si mesmo ele olha o outro nos olhos ou pelos olhos do outro (Bakhtin, 1979,
p. 312).
Numa primeira instância elas resistem à imagem do outro, temem situar-se nessa imagem e sofrer o
seu contágio, mas, numa segunda instância, o imperativo ideológico de antecipar o futuro dos filhos que,
em síntese, é o futuro da classe que elas ali representam, faz com que as duas aceitem a imagem e a
palavra do outro, apagando a fronteira que as separam provisoriamente e colocando-se na liminaridade
dialógica que aproxima os opostos, permitindo que eles se toquem, porque, com diz o narrador,
A verdade se ajusta à prioridade
e a prioridade é estabelecer que medidas tomar diante de uma eventual antecipação daquele futuro
e garantir que os filhos sejam os continuadores da tradição e do poder econômico e social da família. Mo-
vidas por essa prioridade que Natividade e Perpétua sobem o morro do Castelo e consultam a Cabocla.
Assim, o interesse de Natividade em descobrir o destino dos filhos se cruza com o interesse da
Cabocla em adivinhar, e esse cruzamento se dá no espaço da liminaridade em que se estabelece uma
relação dialógica de intercomplementaridade, na qual os opostos - o eu e o outro - não só se aproximam
e coexistem momentaneamente como são, ainda, indispensáveis um ao outro, uma vez que a existência
da adivinha está condicionada à existência de alguém que acredite na sua adivinhação.
Eis Natividade e a irmã na presença da Cabocla. Com a palavra o narrador.
Natividade não tirava os olhos dela, como se quisesse lê-la por dentro. E não foi sem grande
espanto que lhe ouviu perguntar se os meninos tinham brigado antes de nascer.
- Brigado?
- Brigado, sim senhora.
- Antes de nascer?
- Sim, senhora, pergunto se não teriam brigado no ventre de sua mãe; não se lembra?
Natividade, que não tivera a gestação sossegada, respondeu que efetivamente sentira movimentos
extraordinários, repetidos, e dores, e insônias... Mas então que era? Brigaram por quê? A Cabocla não
respondeu.
A pergunta da Cabocla coloca Natividade na liminaridade dialógica, e ela dá uma resposta vaga que
praticamente responde à pergunta da Cabocla: “não tivera uma gestão sossegada... sentira movimentos
extraordinários, repetidos”. A Cabocla se levanta, anda à volta da mesa, prolonga a ansiedade de Nati-
Para Bakhtin, o processo dialógico é uma luta entre consciências, entre indivíduos, na qual a palavra
do outro abre uma fissura na consciência do ouvinte, penetra nela, entra em interação com ela e deixa
aí sua marca indelével. A Cabocla, com seu “falar dobrado”, lança três expressões - “brigaram no ventre
da mãe”, “serão grandes”, “cousas futuras” - que irão abrir essa fissura na consciência de Natividade e
uma delas lhe servirá de consolo sempre que os filhos brigarem de fato: “brigaram no ventre da mãe”.
Logo, as palavras da Cabocla não só marcarão toda a existência de Natividade após o diálogo com a
Cabocla como irão cruzar-se constantemente com as suas palavras nos momentos de dúvida e, através
delas, cruzar-se também com as palavras do seu mundo social e culturalmente elevado. Com as palavras
da Cabocla martelando em sua consciência, Natividade se torna uma correia de transmissão dessas pa-
lavras, a ponte entre o mundo socialmente baixo da Cabocla e Santos, seu marido, cujo comportamento
passam a determinar.
Santos, marido de Natividade, era espírita, além de burguês preconceituoso quando o assunto era
crendice ou religiosidade popular. Quando a mulher lhe comunica a intenção de consultar a Cabocla do
Castelo, famosa adivinha procurada por muita gente graúda do Rio de Janeiro da época, Santos argüiu
que isto seria “imitar as crendices da gente reles” (p.36). Ao voltar para casa depois de visitar a Cabocla,
Natividade lhe conta o resultado da visita e a predição de que os filhos “seriam grandes”. Santos gosta
da idéia de que venham a ser grandes, mas não vê lógica na afirmação de que seriam grandes porque
haviam brigado no ventre da mãe. “Natividade recorda os seus padecimentos do tempo de gestação”,
confessando que não falara mais deles ao marido para não afligi-lo; e era isso que a Cabocla havia adi-
vinhado como briga (44). Como se vê, Natividade invoca os tais “padecimentos do tempo da gestação”
para incorporar e justificar as palavras da Cabocla e assim confirmar que os filhos brigaram no ventre.
As palavras da Cabocla penetram na consciência de Natividade, abrem uma fissura nessa consciência
e passam a cruzar-se com suas próprias palavras, e assim Natividade satisfaz sua carência de saber o
futuro dos filhos e passa a acreditar piamente nele, isto é, incorpora como suas a palavra do outro, da
Cabocla. Santos considera as palavras da Cabocla opinião de “gente reles”, mas fica gostando da idéia
de que os filhos serão grandes, e seu interesse e envolvimento com as palavras da Cabocla aumentam à
medida que Natividade lhe narra o encontro e aquelas palavras. Ele está em dúvida e resolve consultar o
Dr. Plácido, seu amigo e mestre espírita. Antes, porém, Natividade o faz jurar que não pronunciará seu
nome na conversa com o Dr. Plácido nem dirá uma única palavra que possa insinuar que ela consultou
a Cabocla. Diz o narrador:
Santos cria na santidade do juramento; por isso, resistiu, mas enfim cedeu e jurou. Entretan-
to, o pensamento não lhe saiu mais da briga uterina dos filhos. Jogou esta noite como de
costume; na seguinte, foi ao teatro; na outra a uma visita; e tornou ao voltarete de costume,
e a briga sempre com ele. Era um mistério. Talvez fosse um caso único... Único! Um caso
único! A singularidade do caso fê-lo agarrar-se mais à idéia, ou a idéia a ele; (45).
Portanto, as palavras da Cabocla cravam-se na consciência de Natividade, saem de sua boca e pene-
tram na consciência do marido, abrem nesta uma fissura e impelem Santos a desencadear um grande
diálogo com outros falantes, que incorporam ao diálogo outras instâncias discursivas. Aproveita uma
conversa com o Dr. Plácido e o conselheiro Aires para levantar a história da briga dos gêmeos no ventre
da mãe. Aires retruca que antes de nascer crianças não brigam. Santos volta à carga e usa um discurso
com fratura sintática típico do procedimento dialógico.
- Então nega que dois espíritos?... Essa cá me fica, conselheiro! Pois que impede que dous
espíritos?...
Nas reticências de Santos está lançada uma armadilha dialógica própria da polêmica aberta, que,
segundo Bakhtin, visa ao “discurso refutável do outro, que é seu objeto” (Bakhtin, 2002, p. 196). A per-
gunta de Santos tem o espírito do discurso duplamente orientado, que não só procura antecipar a réplica
do outro, Aires, como fazer com que essa réplica venha de encontro ao espírito da própria pergunta, que
já traz em si o germe da resposta. No espaço liminar que as reticências abrem para a palavra do outro,
Aires, como diz o narrador, “sente o abismo da controvérsia, entra no espírito duplamente orientado da
pergunta e acrescenta uma passagem do Gênesis:
Esaú e Jacó brigaram no seio materno, isso verdade. Conhece-se a causa do conflito.
Como se verifica, o exemplo aqui citado é um endosso à briga dos gêmeos e uma prova do envol-
vimento de Aires pela palavra do outro. O diálogo prossegue em torno da briga, isto é, da palavra da
Cabocla, vai envolvendo cada vez mais Aires, que passa da Bíblia ao alto saber filosófico para concluir
Aires se ausenta, Santos continua o diálogo com o Dr. Plácido, seu mestre em espiritismo, confessa-
lhe como fato real a briga dos filhos, diz que o fato seria raro, senão único, mas possível, e a escolha
dos nomes por Perpétua indicava alguma rivalidade porque esses dois apóstolos brigaram no ventre. O
Dr. Plácido abre a Bíblia e lê a Epístola de São Paulo aos Gálatas, na passagem do capítulo II, versículo
11, em que os apóstolos Pedro e Paulo brigam. Santos chama atenção para o número onze do versículo,
composto de dois algarismo iguais, 1 e 1, um número gêmeo, e o Dr. Plácido ainda acrescenta que se
trata do segundo capítulo, isto é, dois, que é o próprio número dos irmãos gêmeos.
Portanto, à medida que a narrativa avança novas vozes se incorporam à voz nuclear, em torno desse
núcleo vai-se criando uma tesssitura polifônica na qual a voz da Cabocla é a voz regente. A palavra da
Cabocla lança raízes, primeiro através de Natividade, depois de Santos, depois de Aires e do Dr. Plácido,
completando-se com a voz do alto discurso da Bíblia e do alto saber filosófico, tudo confluindo para um
ponto: a afirmação da voz da Cabocla, voz do submundo social, do outro, como voz dominante no templo
espírita e no salão da alta sociedade carioca. E o narrador sintetiza esse processo:
Mistério engendra mistério. Havia mais de um elo íntimo, substancial, escondido, que ligava
tudo. Briga, Pedro e Paulo, irmãos gêmeos, números gêmeos, tudo eram águas de misté-
rio que eles agora rasgavam, nadando e bracejando com força. Santos foi mais ao fundo;
não seriam os dois meninos os próprios espíritos de S. Pedro e S. Paulo, e ele, pai de dous
apóstolos?... Pai de apóstolos! E que apóstolos. Plácido esteve quase, quase a crer também,
achava-se dentro de um mar torvo, soturno, onde as vozes do infinito se perdiam, mas
logo lhe acudia que S. Pedro e S. Paulo tinham chegado à perfeição; não tornariam cá. Não
importa; seriam outros, grandes e nobres. Os seus destinos podiam ser brilhantes; tinha
razão a Cabocla, sem saber o que dizia (M. A., 1960, p.53).
Como se vê, a palavra da Cabocla vai migrando de emissor para emissor, justapondo-se às suas pala-
vras, fundindo-se num só enunciado - brigaram no ventre e recebendo a sanção de uma multiplicidade de
vozes e formando um grande arranjo polifônico, que pode ser concluído com as palavras de Bakhtin:
O choque dialógico deslocou-se para o interior, para os mais sutis elementos estruturais do
discurso e ... para os elementos da consciência (Bakhtin, 2002, p.211).
As palavras da Cabocla criaram raízes tão fundas na consciência de Natividade que, no antepenúl-
timo capítulo, ela pronuncia suas últimas palavras no romance: “Cousas futuras!”, portanto, palavras da
Cabocla. No capítulo seguinte morre.
Em “Reformulação do livro sobre Dostoiévski”, um estudo notável escrito entre 1961 e 1962 e inte-
grante de Estética da criação verbal, Bakhtin rediscute Problemas da poética de Dostoiévski e aprofunda
uma série de questões deste livro, como o papel do autor e sua relação com as personagens no romance
polifônico, a representação da idéia em autodesenvolvimento, a configuração dialógica como forma espe-
cial de interação entre consciências isônomas e de igual significação. Entre outras coisas, chama atenção
seu enfoque do autor. Para Bakhtin o autor é como um Prometeu, “cria (ou melhor, recria) seres vivos
independentes de si mesmo, com os quais se coloca em relações de igualdade” (1979, p.309); o autor é
“um participante do diálogo (e seu organizador)” (1979, p. 322). E ele define sua concepção de autor:
O nosso ponto de vista não afirma, em hipótese alguma, uma certa passividade do autor,
que apenas montaria os pontos de vista alheios. A questão não está aí...mas na relação de
reciprocidade inteiramente nova e especial entre a minha verdade e a verdade do outro. O
autor é profundamente ativo, mas o seu ativismo tem um caráter dialógico especial. Uma
coisa é o ativismo (aktívnost) em relação a um objeto morto, a um material mudo, que se
pode modelar e formar ao bel-prazer, outra coisa é o ativismo em relação à consciência viva
e isônoma do outro. Esse ativismo que interroga, provoca, responde, concorda, discorda,
etc., ou seja, esse ativismo dialógico não é menos ativo que o ativismo que conclui, coisifica,
explica por via causal, torna inanimada e abafa a voz do outro com argumentos desprovidos
de sentido (1979, p.310).
No capítulo de Esaú e Jacó “A epígrafe”, o narrador trata essa questão de uma forma que nos permite
aproximá-lo de alguns aspectos da reflexão bakhtiniana. Vejamos.
Ora, aí está justamente a epígrafe do livro, se eu quisesse pôr alguma, e não me ocorresse
outra. Não é somente um meio de completar as pessoas da narração com as idéias
* Segundo nota da editora, Astrogildo Pereira corrige Machado de Assis, afirmando que a sentença “A guerra é
a mãe de todas as ciusas” não é de Empedocles, filósofo siciliano do V século a. C., mas de Heráclito, filósofo grego
(576-480 a. C).
Temos aí um narrador se assumindo como autor participante não só do diálogo interno da obra, mas
do grande dialogismo da literatura como sistema universal, pois trata especificamente da epígrafe de
Dante que inicia de fato o romance e a partir de cujo espírito dual se constrói a narrativa. Trata-se de
uma epígrafe de dupla função: uma ligada à construção, outra, à recepção e/ou interpretação. Ligada à
construção porque visa a “completar as pessoas da narração com as idéias que deixarem”, isto é, com
as idéias do outro, de Dante, em quem eu, autor, me vejo, com cujas idéias interajo e dialogo; ligada à
interpretação por ser esse “par de lunetas” que permitirá ao leitor penetrar nos meandros da narrativa
e a ler da perspectiva da interação das vozes da epígrafe e do texto machadiano.
Por outro lado, esse autor-Prometeu, que cria “seres independentes” dele, autor, e “com os quais se
coloca em relações de igualdade”, esse autor “participante do diálogo” insere as personagens nessa dis-
tribuição machadiana do trabalho de construção da narrativa em colaboração com o autor, ajudando-o por
uma “lei de solidariedade”, interagindo com ele como seres independentes e em pé de igualdade nessa
“troca de serviços entre o enxadrista e seus trebelhos”. Ora, essa relação entre autor e personagens,
na qual as personagens não só dialogam, discutem com o autor, mas até resistem e inclusive podem
rebelar-se contra ele, pois bem, essa relação Bakhtin a situa no romance polifônico de Dostoiévski. No
entanto, encontramos algo muito semelhante nessa passagem do Esaú e Jacó. Mas as semelhanças no
processo compositivo entre os dois romancistas não se limitam ao que acabamos de expor.
Em Problemas da poética de Dostoievski Bakhtin define a polifonia como “multiplicidade de vozes e
consciências independentes e imiscíveis...” e reitera, referindo-se especificamente a Dostoiévski, que
essas personagens e suas vozes não são meros objetos do discurso do autor, mas “os próprios sujeitos
desse discurso” (Bakhtin, 2002, p.4), do qual participam mantendo cada uma a sua individualidade ca-
racterológica, a sua imiscibilidade. E reitera mais de uma vez essa imiscibilidade.
Depois de definir o processo compositivo como “troca de serviços entre o enxadrista e seus trebelhos”,
o narrador machadiano acrescente:
Se aceitas a comparação, distinguirás o rei e a dama, o bispo e o cavalo, sem que o
cavalo possa fazer de torre, nem a torre de peão. Há ainda a diferença da cor, bran-
ca e preta, mas esta não tira o poder da marcha de cada peça, e afinal umas e outras
podem ganhar a partida, e assim vai o mundo” (M. A., 1961, p. 49).
Estão aí características muito semelhantes àquelas que Bakhtin aponta no romance polifônico: as
personagens participam da história, interagem com o autor, que é um regente, não interfere nas vozes
nem as controla, deixa que elas se cruzem e interajam, que participem do diálogo em pé de igualdade
contanto que permaneçam imiscíveis; cada personagem mantém sua individualidade marcada pelo papel
que desempenha, o rei, a dama, o bispo, o cavalo e a torre participam do grande diálogo mas mantêm
cada um a sua “cor, branca ou preta”, lutando entre si pela prevalência da sua voz sem prejuízo para
o processo dialógico.
Outro bloco dialógico em Esaú e Jacó é constituído pela história de Batista e Dona Cláudia. Aí o
narrador machadiano coloca uma questão central da nossa história: o relativismo político que marca a
alternância entre liberais e conservadores no poder e a passagem do Império à República, servindo isso
como pano-de-fundo em que se dará o diálogo entre Batista e sua mulher Dona Cláudia. Batista é um
ex-presidente de província durante o governo conservador e membro do Partido Conservador. Tem uma
folha de serviços prestados aos conservadores que inclui cerco de igrejas, uso constante da polícia para
perseguir adversários políticos a pedido de amigos, processos infundados contra pessoas e prisões sem
processo, além de duas mortes. Os liberais sobem ao poder, e o Batista, conservador de ontem, fica
inicialmente deslocado, mas numa zona em que as vozes conservadoras e liberais irão cruzar-se e lhe
permitir atravessar o Rubicão. O narrador assim descreve a mudança política no capítulo São Mateus:
Se há muito riso quando um partido sobe, também há muita lágrima do outro que desce,
e do riso e da lágrima se faz o primeiro dia da situação, como no Gênesis... Os liberais fo-
ram chamados ao poder, que os conservadores tiveram de deixar. Não é mister dizer que o
abatimento de Batista foi enorme (M.A., 1962, p. 104).
Nessa síntese do ontem com o hoje, verifica-se um continuísmo travestido de novidade, no qual o
discurso de Dona Cláudia, com antecipação da réplica de Batista, ocorre como algo absolutamente natu-
ral, porque histórica, política e ideologicamente motivado. Na ausência de radicalismo político no plano
histórico real, seria irreal o radicalismo político no plano dos discursos, das vozes, dos diálogos. Daí o
andamento dos diálogos conduzir gradualmente para uma confluência de pontos de vista, a despeito de
toda a luta que se desenvolve entre as vozes de D. Cláudia e Batista. Como se estivesse se referindo à
própria história de sua época, o narrador descreve o casal como duplos entre si.
Este casal só não era igual na vontade: as idéias eram muitas vezes tais que, se aparecessem
Dentro desse espaço de relativismo e liminaridade dialógica, trava-se o diálogo entre os dois, no qual
a voz de D. Cláudia irá penetrar na consciência de Batista e deixar aí marcas profundas. Constatando
que os conservadores tão cedo não voltarão ao poder, D. Cláudia pergunta a Batista o que ele ainda
espera dos conservadores:
- Espero que subam.
- Que subam? Espera oito ou dez anos, o fim do século, não é? E nessa ocasião você sabe
se será aproveitado? Quem se lembrará de você?
- Posso fundar um jornal.
- Deixe de jornais. E se morrer?
- Morro no meu posto de honra.
D. Cláudia olhou fixa para ele. E os seus olhos miúdos enterravam-se pelos dele abaixo,
como duas verrumas pacientes. Súbito, levantando as mãos abertas:
- Batista, você nunca foi conservador!
O marido empalideceu e recuou, como se ouvira a própria ingratidão de um partido. Nunca
fora conservador? Mas que era ele então, que podia ser neste mundo? Que é que lhe dava a
estima dos seus chefes? Não lhe faltava mais nada... D. Cláudia não atendeu a explicações;
repetiu-lhe as palavras, e acrescentou:
- Você estava com eles, como a gente está num baile, onde não é preciso ter as mesmas
idéias para dançar a mesma quadrilha...
- Sim, mas não se dança com idéias, dança com pernas.
- Dance com o que for, a verdade é que todas as suas idéias iam para os liberais; lembre-se
de que os dissidentes na província acusava você de apoiar os liberais...
- Era falso; o governo é que me recomendava moderação. Posso mostrar cartas.
- Qual moderação! Você é liberal.
- Eu, liberal?
- Um liberalão, nunca foi outra cousa.
- Pense no que diz, Cláudia. Se alguém ouvir é capaz de crer, e daí espalhar...
- Que tem que espalhe? Espalha a verdade, espalha a justiça, porque os seus verdadeiros
amigos não o hão de deixar na rua, agora que tudo se organiza. Você tem amigos pessoais
no ministério; porque é que não os procura?
Batista recuou com horror. Isto de subir as escadas do poder e dizer-lhe que estava às or-
dens não era concebível sequer. D. Cláudia admitiu que não, mas um amigo faria tudo, um
amigo íntimo do governo que dissesse ao Ouro Preto: “Visconde, por que é que não convida
o Batista? Foi sempre liberal nas idéias. Dê-lhe uma presidência, pequena que seja, e...”
Batista fez um sinal de ombros, outro de mão que se calasse. A mulher não se calou; foi
dizendo as mesmas coisas, agora mais graves pela insistência e pelo tom.
A palavra de D. Cláudia abre uma fissura na consciência de Batista, aí se enraíza, vai ganhando es-
paço, cruzando-se com as próprias palavras dele, dando-lhe um novo tom ao pensamento. A princípio
Batista tenta resistir à palavra dela, sai com evasivas, protesta; a palavra de D. Cláudia atua veladamen-
te, depois de forma aberta e franca sobre o discurso do outro. O discurso de D. Cláudia antecipa cada
réplica de Batista, e à medida que este vai sendo surpreendido por essa antecipação, seus argumentos
contrários vão-se tornando mais frouxos, mais débeis, mais tímidos, sua colocação vai-se esbatendo
até descolorir-se por completo. A antecipação da réplica do outro visa a “manter forçosamente para si
a última palavra” (Bakhtin, 2002, p. 232).
E Batista pensa na situação pessoal e política. “Apalpa-se moralmente”, como diz o narrador. Mas o
acento do discurso do outro cria sulcos em sua consciência, suscita embaraço, ressalvas. E ele admite que
Cláudia pode ter razão, e sai com essas ressalvas: “Que é que havia nele propriamente de conservador,
a não ser esse instinto de toda criatura, que ajuda a levar o mundo?” É conservador em política porque
o eram o pai, o tio, os amigos, o vigário da paróquia. E depois não era propriamente conservador, mas
saquerema, como os liberais eram luzias. (Cf. O tempo saquarema de Ilmar Rohloff de Matos). E lem-
brava-se do Visconde de Albuquerque ou de outro senador que dizia em discurso não haver nada mais
parecido com um conservador que um liberal, e vice-versa. E evocava exemplos, o Partido Progressista,
Olinda, Nabuco, Zacarias, que foram eles senão conservadores que compreenderam os tempos novos
e tiraram às idéias liberais aquele sangue das revoluções para lhes pôs uma cor viva, sim, mas serena?
Nem o mundo era dos emperrados... (M. A., 1962, p.
Como se observa, a princípio Batista tenta resistir ao discurso duplamente orientado de D. Cláudia,
ignorar o poder que sobre ele exerce a consciência do outro, aparentemente não reconhece esse poder,
polemiza com ele, tenta manter um tom monológico-afirmativo no seu próprio discurso, não tem condição
A palavra do outro se faz tão presente na consciência de Batista que, em pleno baile da Ilha Fiscal,
enquanto os outros ouvem a música e dançam, ele ouve outras vozes, vozes de umas feiticeiras cario-
cas que o saúdam: “Salve, Batista, ex-presidente de província!” - “Salve, Batista, próximo presidente
de província!” - “Salve, Batista, tu serás ministro um dia!” A linguagem dessas profecias é liberal, ele
se arrepende de as escutar, tenta traduzi-las no idioma conservador mas já lhe faltam dicionários, isto
é, a sua antiga linguagem conservadora já é um anacronismo , uma dissonância com o tom e a própria
palavra do outro. Sua autoconsciência já é a consciência que o outro tem dele, seu “eu para si” já é um
“eu para o outro”. Daí o salto definitivo, a aceitação definitiva da palavra do outro como sua própria pa-
lavra. Batista aproveita uma visita que Aires lhe faz e provoca um diálogo no qual usa um discurso com
mirada em torno, cujo fim é ouvir a anuência do outro às suas próprias palavras.
- Confesso-lhe que tenho um temperamento conservador.
- Também eu guardo presentes antigos (responde Aires).
- Não é isso: refiro-me ao temperamento político. Verdadeiramente há opiniões e tempera-
mentos. Um homem pode muito bem ter temperamento oposto às suas idéias. As minhas
idéias, se as cotejarmos com os programas políticos do mundo, são antes liberais e até
libérrimas.
Fecha-se aí o círculo dialógico; Batista assume definitivamente o outro, aqui referendado por uma
terceira voz.
O dialogismo em Esaú e Jacó envolve todos os segmentos da narrativa, criando uma contigüidade e
uma interação entre universos sociais diferentes.O episódio do irmão das almas ilustra bem essa questão.
Natividade, representante do mundo social elevado, do sistema econômico e social dominante, ouve da
Cabocla que esse sistema terá continuidade em seus filhos gêmeos, que serão grandes, irão subir, subir,
subir... Feliz com essa notícia, ela dá uma esmola de dois mil réis ao irmão das almas, quantia fabulosa
em se tratando de esmola. Aturdido com o valor recebido, o irmão das almas chega à igreja indeciso
quanto ao que fazer com o dinheiro, como descreve o narrador no capítulo “A esmola da felicidade”:
Na igreja, ao tirar a opa, depois de entregar a bacia ao sacristão, ouviu uma voz débil como
de almas remotas que lhe perguntavam se os dois mil réis... Os dois mil réis, dizia outra
voz menos débil, eram naturalmente dele, que, em primeiro lugar, também tinha alma, e,
em segundo lugar, não recebera nunca tão grande esmola. Quem quer dar tanto vai à igreja
ou compra uma vela, não põe assim uma nota na bacia das esmolas pequenas (M.A., 1962,
p. 26).
Temos aí um diálogo interior típico do romance polifônico, no qual ocorre uma luta de vozes imiscíveis,
na qual a voz débil faz, em nome das almas remotas, uma pergunta com mirada em torno e com fratura
sintática centrada na reticência, tenta abrir um sulco na consciência do outro, levá-lo a responder com
De fato, não tinha mesmo que ouvir mais nada: despojado das vestes de irmão das almas, ele dá
seu primeiro passo na condição de outro. Vê um mendigo que lhe estende o chapéu roto e sebento e
põe neste uma moedinha de cobre, às escondidas, gesto semelhante ao de Natividade e Perpétua que
se benziam às escondidas: ao dar a esmola, coloca-se na condição de Natividade, que lhe dera a esmola
dos dois mil réis, assumindo uma condição oposta à de pedinte em que há pouco estivera e ensaiando a
nova condição de duplo, característica do romance polifônico. Ao término do romance vamos encontrar
o ex-irmão das almas como o rico e bom senhor Nóbrega disputando a mão de Flora em pé de igualdade
econômica e social com Pedro e Paulo.
Assim, ao ouvir da Cabocla que os filhos de Natividade seriam grandes, iriam subir, subir, subir, o
sistema, representado por Natividade, sente-se feliz com a sua continuidade, dá a esmola da felicidade
e promove o irmão das almas a um dos seus.
Bibliografia
Assis, Machado, 1962. Esaú e Jacó. Editora Cultrix, São Paulo.
Bakhtin, M., 1979. Estétika sloviésnovo tvórtchestva (Estética da criação verbal), ed. Iskusstvo, Moscou.
Bakhtin, M, 2002. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução de Paulo Bezerra, ed. Forense Universitária, 3ª
edição, Rio de Janeiro.
Tatiana Bubnova
UNAM
Ken Hirschkop
¿Hasta qué punto los conceptos de Bajtín están presentes en un supuesto “discurso americano” -un
discurso del “ser americano” acerca de sí mismo? Una hipótesis semejante podría ser generada en el
dominio que Bajtín relacionaba con la antropología filosófica. Este texto es un intento por mostrar cómo
funciona la “antropología filosófica” de Bajtín, “explicitando” (haciendo que cobren cuerpo exterior: ov-
neshvlenie) sus tópicos principales al proyectarlos hacia algunas realidades de la cultura1. Esta “exteriori-
zación”, “plasmación” del “cuerpo del sentido” (“cuerpo bicorporal”: double-bodied body) necesariamente
converge con la antropología como conjunto de disciplinas y prácticas del saber sobre lo humano en
este continente “bicorporal” llamado América.
Pero comenzaré a partir de la idea de la “palabra ajena” evocando el comentario de un conocido
bajtinista inglés (es la del epígrafe) -”Bajtín es distante de nosotros, pero desde luego no es irrelevante.
Bajtín todavía nos puede hablar, pero hemos de plantearle preguntas correctas”-, contrastándola con la
cita -una de las posibles, en realidad-, del propio Bajtín2. Asimismo, viene al caso que “la comprensión de
los contemporáneos no puede darnos respuestas a nuestras interrogantes [acerca de Rabelais], porque
para aquellos esas interrogantes no existían aún” (Bajtín Rabelais 70-71). “Cicatrices semiborradas de
enunciados ajenos” (Bajtín 1997, 286) son, de hecho, nuestras ingeniosas aserciones bajtinizantes. Tal
es la función heurística de Bajtín: nos hizo plantearnos preguntas que antes no se nos ocurrían. Nuestras
preguntas al volverse de veras “nuestras” al mismo tiempo ponen de manifiesto por qué este proceso
1 Al manifestarse al exterior, un fenómeno oculto o intrínseco cobra una forma externa, material; la forma es una frontera entre lo externo y lo interno, entre
el yo y el otro. Un sentido al tener una manifestación material adquiere un cuerpo fronterizo inacabado, pertenece a ti y a mí, es bicorporal, intertextual,
involucra responsabilizando, responde a algo anterior, provoca una respuesta a su vez, etc. Es un cuerpo del sentido, micromodelo dialógico.
2 Introduzco el juego de las citas con un guiño hacia los valiosos trabajos de Brian Poole, Galin Tihanov, Ken Hirschkop, Craig Brandist, David Shepherd y
otros que han contribuido a descubrir las diversas “fuentes” de Bajtín, algunas de estas situaciones de préstamo, rayanas en “plagio”, o que las comentaron
lúcidamente, así como hacia el debate ruso en torno a la autoría de los textos “deuterocanónicos” (p. e., Iu. Medvedev frente a N. Pankov).
12 Año de la aparición de la segunda edición (considerablemente ampliada) de La poética de Dostoievski Es el comienzo de la marcha triunfal de sus
ideas.
13 Palabras de S. S. Averintsev, bajtinista ruso.
14 El cambio del sentido en el proceso de la historia es la condición primera del dialogismo: nuevos lectores, nuevos problemas, nuevas visiones, de que
modo dialogizamos a Bajtín, recordando la invitación lanzada hace algunos años por Iris M. Zavala (1996) a re-acentuar los fenómenos culturales del pasado
y del presente a partir de los nuevos contextos de interacción con las ideas de Bajtín. Iris M. Zavala tomaba a su vez ese concepto de re-acentuación del
arsenal sociodiscursivo del círculo de Bajtín. (V. Volóshinov, “La palabra en la vida y la palabra en la poesía” (1926), trad. T. Bubnova, en Zavala 1997). Y
para resumir esta posición, recurriré a la fórmula de un comentarista ruso (Panich 168): el hombre concebido por Bajtín es alguien que le responde a todo
el mundo y es en la misma medida responsable ante todos los demás. Cf. también: “La garantía de la superación del relativismo es justamente el hecho
de la co-responsabilidad (‘correspondencia’) cuando cada uno de los actos posteriores no pueden dejar de responder (en límite) a todos los actos cometidos
previamente (idem).
15 Me atengo a los modelos que elegí para este trabajo. Carpentier incorpora los tópicos de la antropología (más allá del costumbrismo o regionalismo
literario) bajo el ascendente de la antropología europea. Arguedas fue discípulo de antropólogos norteamericanos; la extrañeza de Luis de Lión, como
veremos, se debe a la práctica de una antropología filosófica invertida. Todos los autores que estoy analizando aquí se sitúan en la frontera –física, geo-
gráfica, cultural, etc.— que les permite definir su propia subjetividad mediante la relación liminar con el otro. La antropología americana es una y es doble
(o múltiple) en más de un sentido.
16 Por eso el nuevo antropólogo americano, que puede ser reclutado de las filas de las poblaciones autóctonas, tiene otro perfil, mucho más participativo
respecto del “objeto” de observación científica, afín a la formulación de Darcy Ribeiro de la tarea antropológica como “la de buscar formas de devolver a los
indios y otras poblaciones que estudiamos aquella parte del conocimiento que de ellos alcanzamos, que pueda serles útil en sus esfuerzos para salir de la
situación dramática en que se encuentran” (Ribeiro 1992, 118).
17 Por supuesto, trato de utilizar ironía. Me refiero que, más que la toma de una conciencia altruista, la actitud “naturalista” tradicionalmente desarrollada
hacia el otro resulta a todas luces autodestructiva, y destructiva de todo en general.
18 Debo reconocer la deuda que he contraído con toda una serie de ideas de R. González Echevarría , cuyas lecturas incompletas de Bajtín no le han impedido
proponer, para entender la cultura y la literatura latinoamericana, algunas claves más bajtinianas de lo que él mismo quizás hubiese querido suponer.
20 Neruda en sus memorias se refiere a Carpentier (sin duda deliberadamente) como escritor francés.
21 “Si el indigenismo tradicional se agotaba en una representación exterior, ‘científica’ (naturalista) del mundo indígena y de sus choques con el mundo
occidental y capitalista –al que pertenecían tanto el lector como el autor—, el ‘indigenismo’ arguediano dejaba de ser una evocación desde fuera y al fin
colonialista del mundo serrano, porque devolvía a la cultura, a la cosmovisión, al pensamiento de los hombres andinos –quechuas— un papel estructural
en sus textos” (Lienhard 322).
22 “Era necesario encontrar los sutiles desordenamientos que haría del castellano el molde justo, el instrumento adecuado. Y como se trataba de un hallazgo
estético, él fue alcanzado como en los sueños, de manera imprecisa. Yo resolví el problema creándoles un lenguaje castellano especial, que después ha sido
empleado con horrible exageración en trabajos ajenos. Pero los indios no hablan este castellano ni con los de lengua española, ni mucho menos entre ellos.
Es una ficción. Toda la tierra del sur y del centro, con excepción de algunas ciudades, es de habla quechua total” (apud Cardoza 28-29). La descripción se
ajusta a lo que dice Bajtín sobre la novela como proceso de creación de imagen del lenguaje (“La palabra en la novela”, en problemas literarios y estéticos,
1975).
23 Cf. Arguedas, El zorro..., p. 341.
24 Respecto de Ríos profundos, Silvia Nagi señala: “Un fuerte sentimiento de empatía caracteriza la actitud del narrador con respecto a los personajes.
Aunque el flujo de conciencia del narrador se realice en registro culto, el narrador/personaje es bilingüe, y se dirige a los indígenas en su propio idioma, el
quechua. Arguedas hace una brillante maniobra lingüística y transplanta al castellano la sintaxis quechua, porque él mismo domina el quechua como idioma
materno.” (Ponencia en el congreso de LASA, 28-30 de septiembre de 1995, versión internet).
25 “Se puede decir que a partir del golpe de estado toda la realidad es aquello que no se dice en la conversación, hablar es ya ejercer un acto que en sí mismo
es sospechoso, y en él que cada interlocutor o cada emisor asume una especie de castigo, ejercer la palabra pasa a ser castigo” Cf. Rivera 1987, 92.
26 Cf. Bajtín 1996, 338.
27 Me refiero a la construcción de la vida propia como si fuera una obra de arte, concepto de origen romántico, que desde la variante rusa del romanticismo
fue retomado por los intelectuales del llamado “siglo de plata” ruso.
28 “La condición básica de la entonación lírica es una confianza inquebrantable en la simpatía de los oyentes” (Volóshinov 1926, 83). Se trata de un “oyente”,
un destinatario que sólo puede ser un portador de las valoraciones de aquel grupo social al que el poeta, como sujeto consciente de sí mismo, pertenece.
Es el borde en que la voz lírica es capaz de convertirse en portavoz de discursos ideológicos.
35 Michael Holquist habló de los textos deuterocanónicos de Bajtín (los firmados por Volóshinov, Medvédev y Kanáev) en términos de ventrilocución. De la
‘ventriloquia’ de los textos llamados testimoniales habló E. Sklodowska. Por otra parte, Pedro Pitarch al hacer una antropología del alma tzeltal muestra la
palabra convertida en acción. El chamán es ventrílocuo, porque transmite las voces que provienen del ch’ul -la otra realidad paralela que complementa la
espiritualidad tzeltal-, y al mismo tiempo él antropólogo es ventrílocuo en segundo grado, cuando en su lengua, y con base en sus herramientas metodoló-
gicas ajenas a la cultura que describe, hace un esquema del alma tzeltal. Es una metáfora ad hoc para que veamos la situación bajtiniana: si todo discurso
es proceso de ventrilocución, todos nosotros somos ventrílocuos del pensamiento bajtiniano, esta es la condición pluri- e interdiscursiva del bajtinismo.
36 Cf. Tedlock y Mannheim, 1-32.
37 Aunque Menchú no accede a este; cf. Thorn 46. Thorn ve cierta analogía entre la situación autorial Bajtín/Volóshinov (y Medvédev) y Menchú/Burgos.
La analogía va más allá de los que ella sospecha: la bajtinología occidental es incapaz de comprender por qué Bajtín nunca se atribuyó los textos que otros
le atribuyeron (por ejemplo, el Marxismo y la filosofía del lenguaje y El Método formal en los estudios literarios). Para los occidentales, si Bajtín no se los
atribuyó, es porque no los escribió. Para los bajtinólogos rusos, es exactamente al revés: no los admitió como propios porque los dio -los escribió para otros-,
y no iba a quitar a los muertos lo que una vez les había dado. Cuestión de arquitectónica.
38 Y las lenguas, de acuerdo con Bajtín, son visiones del mundo.
39 Ver también Lenkersdorf y Volóshinov (sobre “experiencia-nosotros”).
[email protected] - www.gips.psi.puc-rio.br
O espelho
Um homem assustador entra e se olha no espelho.
“Por que está se olhando no espelho, se somente com
desagrado pode se ver?
O homem assustador me responde: “Senhor, de acordo
com os imortais princípios de 89, todos os homens
são iguais em direitos; tenho, portanto, o direito de
me olhar; com ou sem agrado, isso é com a minha
consciência.”
Em nome do bom senso, sem dúvida, eu estava com
a razão; mas do ponto de vista da lei, ele não estava
errado.
Charles Baudelaire
Estamos vivendo um momento em que a visibilidade está na ordem do dia. Com ou sem movimento, as
imagens que circulam na sociedade já possuem espaço cativo em nossas vidas. Aos outdoors, programas
de TV, cinema, fotografias não deixamos mais de dirigir nossos olhares. São imagens que já fazem parte
de nossos sonhos, ajudam a criar e sustentar nossos desejos e acompanham nossos pensamentos.
Com efeito, as imagens técnicas se estabeleceram no cotidiano anunciando os novos tempos. Filmamos
tudo: ultra-sonografias, partos, aniversários, casamentos, além de estarmos habituados a conviver com
câmaras em nossas atividades cotidianas em bancos, super-mercados, elevadores, lojas, restaurantes
etc. Até mesmo na rua, quando nos deslocamos de um lado para o outro, somos observados por câma-
ras que acompanham nosso trajeto. Não há como escapar deste olhar máquina que re-significa nossa
presença no mundo, criando comportamentos e experiências subjetivas inteiramente novas.
Refletir sobre as questões suscitadas pela imagem técnica é também procurar uma ampla e profun-
da compreensão sobre a nossa história, nossa cultura e nossos modos de subjetivação. O modo como
passamos a integrar as imagens técnicas na nossa experiência cotidiana nos remete a uma questão
fundamental, qual seja, ao invés de nos servirmos das imagens em função do mundo, passamos a viver
o mundo em função das imagens. Isto significa dizer que a abundância de imagens técnicas pode difi-
cultar o funcionamento pleno de nossa capacidade de decifrar as cenas que se apresentam na forma
de imagens como significados construídos. Isto acontece quando deixamos de compreender as imagens
técnicas como produções culturais e subjetivas, assumindo-as como revelações objetivas do próprio
mundo. Esta aparente objetividade das imagens técnicas é uma ilusão que precisa ser compreendida
como tal, pois as imagens técnicas são tão simbólicas como qualquer imagem. Melhor dizendo, a imagem
é signo, portanto linguagem. O mundo, cada vez mais, se revela por meio de narrativas figuradas, exi-
gindo a presença de um novo leitor. Portanto, a imagem técnica deve ser decifrada para que as diversas
camadas de significado nela contidas possam emergir no discurso em forma de texto. Compreender
uma imagem é poder percorrer, no sentido inverso, o caminho de seu processo de criação. Uma imagem
técnica esconde conceitos e sentidos que lhe deram origem, portanto, decifrá-la é procurar reconstituir
1 Este texto foi elaborado tendo por base as reflexões teóricas e metodológicas realizadas no âmbito do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa da Subjetividade
– GIPS, Departamento de Psicologia, PUC-Rio, contemplando as discussões com os membros da equipe. Cabe ressaltar um agradecimento especial aos alunos
da pós-graduação que desenvolveram a pesquisa de campo com recursos de videogravação e fotografia. São eles: Ana Elizabete Lopes, Cristiana Caldas,
Denise Gusmão, Luciana Sander, Luciana Lobo, Maria Florentina Camerini, Newton Gamba Junior, Raquel Salgado e Rita Ribes Pereira.
2 Departamento de Psicologia, PUC-Rio; Faculdade de Educação, UERJ. Consultora da Multirio – Empresa Municipal de Multimeios do Rio de Janeiro.
Este olhar dialético, proposto por Benjamin, entre a atenção e o hábito no que diz respeito à expe-
riência contemporânea com as imagens técnicas, caracteriza de modo exemplar nosso investimento na
pesquisa acadêmica como um modo de intervenção social.
Toda a pesquisa, especialmente quando realiza um trabalho de campo, visa à troca com o outro, busca
interlocutores para a produção de conhecimento. O modo como a pesquisa assimila ou nega a relação
com o outro permite definir o tipo de conhecimento gerado. Isto quer dizer que ao re-significar o lugar
do pesquisador e do sujeito pesquisado, permitindo a alternância de suas concepções de mundo no di-
álogo que se estabelece entre eles, estamos, deste modo, definindo que a produção do conhecimento
acontece dialógicamente e inclui a dimensão alteritária dos sujeitos envolvidos. A pesquisa entendida
a partir destes pressupostos apresenta uma postura que questiona o enfoque da ciência experimental
que busca leis ou explicações totalizantes, adotando em contrapartida uma concepção de ciência como
interpretação, como procura de significados. Portanto, a condição da verdade na pesquisa em ciências
humanas e sociais está em uma construção permanente de sentidos que são produzidos, em conjunto,
pelo pesquisador e pelos sujeitos pesquisados, numa tentativa de elucidar questões relativas à experi-
ência contemporânea.
Parafraseando Mikhail Bakhtin, podemos admitir que a verdade não se encontra no interior de uma
única pessoa, mas está na interação dialógica entre pessoas que a procuram coletivamente. O mundo
em que vivemos fala de diversas maneiras, e essas vozes formam o cenário onde contracenam a am-
bigüidade e a contradição. É possível perceber a unidade do mundo no particular, no efêmero, ou seja,
a totalidade, a expressão de uma experiência mais universal, pode estar presente nas múltiplas vozes
que participam do diálogo da vida. A unidade da experiência e da verdade do homem é polifônica. Dia-
logismo e alteridade constituem as características, essenciais e necessárias, a partir das quais o mundo
pode ser compreendido e interpretado de muitas e diferentes maneiras, tendo em vista seu estado de
permanente mutação e inacabamento.
Através destes recortes metodológicos preliminares, nossa intenção foi compreender e intervir nas
formas contemporâneas de experimentação do real, do virtual e de si mesmo. Portanto, consideramos
que a pesquisa em ciências humanas pode encontrar na imagem técnica uma forte aliada metodológica
para a construção de um olhar sobre o humano que escape do enquadre das mediações massificadas.
Para além de captar as minúcias das condutas humanas, e aí incluímos os gestos, os movimentos e os
olhares, que compõem o rol dos discursos não-verbais, o uso da imagem técnica nas ciências humanas
justifica-se pela possibilidade de emergência de discussões em torno do processo de produção da imagem
no mundo contemporâneo.
Da recepção de uma imagem naturalizada, recortada do real e posta na condição de realidade única à
compreensão e construção de imagens que se remetem a maneiras de ver, sentir e interpretar a realidade,
temos um longo caminho a percorrer. Trata-se, sem dúvida, de um desafio para a pesquisa cuja intenção
extrapola a detecção dos efeitos da videoesfera nas subjetividades, por comprometer-se com a proposição
de espaços para que os sujeitos possam experimentar-se, não apenas como sujeitos captados pela lente
da câmara, mas também como participantes da construção de suas próprias imagens. Essa proposta de
pesquisa tem em suas mãos um imperativo ético com as questões, antes assinaladas, porque se lança
na enxurrada da virtualização, sem deixar de lado os cuidados para nela não se afogar, esforçando-se
Nikolai Pan’kov
The statuettes of pregnant old women kept in the Hermitage Museum in St.Petersburg among other
Kerch terra-cottas (that is, figurines of burnt color clay) are mentioned twice in the introduction to the
book on F.Rabelais and, for M.Bakhtin, are a rather important illustration of the specific features and
the very essence of the grotesque concept of the body. After a description of the statuettes, the author
says: “It’s a highly characteristic and expressive grotesque. It’s ambivalent, it’s a pregnant death, it’s
a death giving birth. <...> There’s nothing ready-made here, it’s incompleteness itself. And that’s right
what the grotesque concept of the body is like”1. Anyway, the role and sense of the image is clear, as
well as its source which is pointed out by Bakhtin himself: he refers to H.Reich’s book called “Der Mimus.
Ein literar-entwicklungsgeschichtlicher Versuch”2. However, for the sake of deepening out idea of carnival
theory and its beginnings, it would be highly essential to consider the motive of “pregnant old age” in a
broader context than just the context of the introductory chapter to the book on Rabelais.
Let’s for the beginning read the first passage telling about the Kerch terra-cottas, deciphering the
contents of the footnote accompanying it. Bakhtin writes: “The Kerch terra-cottas include, among other
things, peculiar figurines of pregnant old women, whose ugly old age and pregnancy are emphasized in a
grotesque way. Besides, the pregnant women are laughing”3. Then the auth?r gives reference to pp.507-
508 of H.Reich’s book. However, if we read those pages, a little discovery expects us as it becomes clear
that Reich himself writes next to nothing about “those terra-cotta images of pregnant old women”, but
he quotes on the pages mentioned two works of Ludolf Stefani (1816-1887), a Russian scholar, a full
Member of Russian Emperor’s Academy of Sciences. Those works were published as a supplement to the
“Reports of the Emperor’s Archeological Committee” for 1868 and 18694. I’ll give both of those extensive
quotations later, but now I’d like to give some clarifications.
As we know, the Black sea coast was being actively colonized by the Greek in the 7th to the 3rd
century B.C. In the 19th century A.D., archaeological excavations began in a number of places in the
South of Russia, the purpose of those excavations being to research the remainder of the ancient Greek
settlements. In 1864, Russian archaeologists examined a part of a vigorous burial mound situated in the
Taman Peninsula (in the neighborhood of Kerch, the ancient Pantikapei) and called Bolshaya Bliznitsa.
In 1865 and 1868, the excavations were continued, and according to Stefani’s words, “new rich mate-
rial” was got “which could be helpful for the understanding of the religious and artistic life of the earlier
inhabitants of that place”5. The Bolshaya Bliznitsa burial mound, according to Stefani’s hypothesis, was
a “common cemetery of one of the noblest and richest families that lived in the 4th century B.C.”6.
There were two tombs that drew the scholars’ special attention. One was discovered in 1864, and,
judging by the type of the things it contained, Stefani supposed it to be a tomb of a woman who was
supposedly Demeter’s priestess, as well as a priestess of “other Eleusinian divinities”. That represented
nothing odd to Stefani as there were “different facts leaving no doubt that this cult was greatly favored
also in other Greek colonies in the South of Russia”7.
The things found in the second tomb (it was discovered in 1868) made it possible to suppose that it
was a tomb of a woman who was “almost in the same position in the society that the priestess mentioned
above was”, but she “gave priority, to a striking extent, mainly to the luxurious, Bacchic and sensuous
1 M.Bakhtin. F.Rabelais’s works and the popular culture of Middle Ages and Renaissance. 2nd edition. M., 1990, p. 33.
2 H.Reich. Der Mimus. Ein literar-entwicklungsgeschichtlicher Versuch. Berlin, 1903, S.507-508.
3 M.Bakhtin. F.Rabelais’s works and the popular culture of Middle Ages and Renaissance..., p. 33.
4 L.Stefani. Explanations of several antiquities found in 1867 in the South of Russia // Report of the Emperor’s Archeological Committee for 1868. Saint-
Petersburg, 1870, pp.3-125; L.Stefani. Explanations of several antiquities found in 1868 in the South of Russia // Report of the Emperor’s Archeological
Committee for 1869. Saint-Petersburg, 1871, pp.3-216.
5 L.Stefani. Explanations of several antiquities found in 1864 in the South of Russia // Report of the Emperor’s Archeological Committee for 1865. Saint-
Petersburg, 1866, p.5.
6 Ibidem.
7 L.Stefani. Explanations of several antiquities found in 1864 in the South of Russia..., p.19. Stefani refers here to his own article published as a supplement
to the “Report of the Emperor’s Archeological Committee for 1859”. (Saint-Petersburg, 1862, p.34), as well as to Herodotos’s words about Demeter’s shrine
in Olvia and the palace built by the Scyphian king Skiles to celebrate Bacchic misteries.
15 Stefani L. Explanations of several antiquities found in 1868 in the South of Russia..., p.159.
16 See: Museum of the Emperor’s Odessa Society of History and Antiquities. Vol.2. Terra-cottas. Published by A.Derevitsky, A.Pavlovsky, and E.R. von Stern.
Odessa, 1898, pp.47-48
17 See: The State Hermitage. Guide-book of the Antiquities Department. Compiled by O.Waldhauer. Petersburg, 1922, pp.52-54. Judging by that guide-
book, there were statuettes exhibited in the terra-cottas hall found in the Central Greece - in Attica and Beotia. The South of Russia was represented only
by Greek terra-cotta vases.
18 M.Bakhtin. F.Rabelais in the history of realism. Doctoral thesis // Manuscripts department of the Institute of World Literature (Moscow). Stock 427, in-
ventory 1, file 19, p.23. The italics are made by me. - N.P.
19 For instance, the phrase about Greek terra-cottas is constructed in a very similar way in B.Bogaevsky’s work, and he was an assured expert in the antic
coroplastics: “Demeter and Cora are depicted as sitting in shawls and in long clothes open on their bellies on some terra-cottas” (Bogaevsky B.L. The agri-
cultural religion of Athens. Vol.1. Saint-Petersburg, 1916, p.61. Italics also by me. - N.P.)
20 S.Bocharov. Commentary to Bakhtin’s work “To the type history (History of genre variety) of Dostoevsky’s novel” // M.Bakhtin. Collection of works. Vol.5.
Moscow, 1996, p.419.
21 M.Bakhtin. Problems of literature and aesthetics. Moscow, 1975, p.397.
22 A. Peredolskaya. The terra-cottas from the Bolshaya Bliznitsa burial mound and Homer’s hymn to Demetra..., p.46.
23 The “scabrous” trend of many Eleusinian customs was the subject of works of Russian scholars contemporary to Stefani. See, for instance, B.Bogaevsky.
The agricultural religion of Athens..., pp.57-68; N.Novosadsky. Eleusinian mysteries. Saint-Petersburg, 1887, pp.125-132, 179-181. See also the Russian
translation of one of the works on this subject written in German: D.Lauenstein. Eleusinian mysteries. Moscow, 1996.
24 See: M.Kobylina. Terra-cotta statuettes from Panticapei and Phanagoria. Moscow, 1961, p.21.
25 N.Kondakov. Greek terra-cotta statuettes in their relation to art, religion, and everyday life // Proceedings of the Emperor’s Odessa Society of History
and Antiquities. Vol.11. Odessa, 1879, p.120. The numbers of pages quoted are given further in the text.
26 A.Peredolskaya was confirmed in the attic origins of the statuettes brought to the Black Sea coast (A. Peredolskaya. The terra-cottas from the Bolshaya
Bliznitsa burial mound and Homer’s hymn to Demetra..., pp.50-51).
27 N.Pan’kov. M.Bakhtin’s book on Rabelais: the logic and the dynamic of the conception // “Dialog. Karnaval. Khronotop”, 2001, #4, pp.116-128.
28 N.Pan’kov. Enigmas of the early period (Some more strokes to “Bakhtin’s biography”) // “Dialog. Karnaval. Khronotop”, 1993, #1, p.87.
29 See the heads of Varneke’s speech in “Works of the pedagogical conference of workers of man’s grammar schools (gymnasia) and natural sciences schools
of the Odessa region”. (January 2-7, 1916). Odessa, 1916, pp.18-19.
30 B.Varneke. Antique Terra-Cottas // “Proceedings of the Society of archeology, history and ethnography”, 1906. Vol.XXII, #4, pp.231-248; B.Varneke.
New antiquities from Kerch // “Proceedings of the Emperor’s Odessa society of History and Antiquities”, 1915. Vol.XXXII, pp.128-137.
31 See, for instance: Bibliographic list of scholarly works of Professor B.Varneke. 1889-1924. Odessa, 1925.
32 Ibidem, p.6.
33 M.Bakhtin. F.Rabelais’s works and the popular culture of Middle Ages and Renaissance..., p.112. Compare, however: “In Rabelais’s work, Aristophanus’s
direct influence is combined with a deep internal affinity (meaning pre-class folk-lore)” // M.Bakhtin. Problems of Literature and aesthetics. Moscow, 1975,
p.369. However, Bakhtin seems not to have written anything on the influence of ancient Roman comedy writers on Rabelais.
34 B.Varneke. Recent works on mimes. Kazan, 1907.
35 B.Varneke. New collection of documents on the history of attic theatre // “Transactions of the Kazan University”, 1908, ?1, pp.1-32. Kazan.
36 B.Varneke. New conjectures about the origins of the Greek comedy. Odessa, 1912.
37 Varneke’s letter to L.Grossman of May 15, 1927: Russian State Archive of Literature and Art (Moscow). Stock 1386, inventory 2, file 210, p.12.
38 B.Varneke. To the interpretation of “satyr’s drama” // “Reports of the USSR Academy of Sciences”, 1925, pp.67-69.
39 Ibidem, pp.67, 68. Varneke mentions F.Winter, a German scholar, as his forerunner who was the first to note “the parallelism between many features of
the antique drama and Greek fine arts”.
40 Ibidem, p.68.
41 Ibidem, p.69.
42 M.Bakhtin. F.Rabelais in the history of realism. Doctoral thesis..., p.12. Then the numbers of pages quoted will be given in the text.
43 N.Berkovsky. Evolution and the forms of early bourgeois realism in the West // Early bourgeois realism. Leningrad, 1936, pp.7-104; N.Berkovsky. Realism
of the bourgeois society and problems of the history of literature // The Western collection. Vol.1. Leningrad, 1937, pp.53-86.
44 Here’s the very Berkovsky’s passage Bakhtin quotes, and argues with: “The art of the 15th - 17th centuries is hypnotized, as if by an extraordinary no-
velty, by all kinds of the “physiological state” of the society. Whatever you may take - schwanks, fabliaus, Italian story-writers, or Rabelais with his especial
manner of gigantic physiological exaggerations, or Servantes consciously cultivating coarse, natural, “brutal” strokes in his style - the material substance
of life is stressed and made to a grandiose sight seen for the first time. Perhaps those features of the Renaissance art reach their peak in Flemish painting”.
(N.Berkovsky. Realism of the bourgeois society and issues of the history of literature..., p.55).
45 O.Waldhauer. Sketches on the history of the antique portrait. Vol.1. Petersburg, 1921, pp.2, 69, 70.
46 Ibidem, pp.71-72
47 A.Peredolskaya. To the issue of realism in the Greek Art of the 5th century A.D. // “Iskusstvo”, 1936, #1, pp.155-156; A.Peredolskaya. Oscar Fernando-
vich Waldhauer // O.Waldhauer. Sketches on the history of the antique portrait. Leningrad, 1938, pp.19-21. In the second work out of those given above,
A.Peredolskaya gives some curious information to the subject Waldhauer was after in the 1930s: “Waldhauer’s extremely important and very interesting
observations concerned the so-called “Barbarian” elements in the Roman art which he considered so important to study. He spoke on that subject at the
Institute of Arts History. His lecture aroused a great interest in the scholarly circles. Those “Barbarian” elements <...> get immensely developed in the
3rd century and initially create the medieval art” (p.39). Bearing in mind the crucial role of the term “gothic realism” in Bakhtin’s doctoral thesis, we can
suppose that the author of the book on Rabelais (who himself visited the Institute of Arts History, and spoke there) could be to some extent influenced by
that Waldhauer’s famous lecture.
48 M.Kobylina. A statue of a drunk old woman. To the issue of Myron and the Hellenistic realism // “Iskusstvo”, 1937, #1, p.76. Unlike Kobylina who tended
to bring the statue apart from the Kerch terra-cottas, Peredolskaya tries to associate them with each other this way or other: “Artistic methods of characte-
rizing a face, as we see on the head of Myron’s “Drunk old woman”, fully coincide with “ludicrous” terra-cotta figurines of the 5th century” (A.Peredolskaya.
Oscar Ferdinandovich Waldhauer..., p.20).
49 M.Kobylina. A statue of a drunk old woman. To the issue of Myron and the Hellenistic realism..., p.77. Virtually, Kobylina does not deny the existence
of “antic realism” but restricts it by terra-cottas.
50 A.Peredolskaya. To the issue of realism in the Greek Art of the 5th century A.D. ..., p.155. Then the numbers of the pages quoted are given in the text.
51 As an example of such “lopsided understanding” of the classics, Peredolskaya mentions “decree of Ludwig the 1st Bavarian to remove the well-known
statue of a drunk old woman to the basements of the Munich glyptographic library, for it was claimed not to correspond with the ideals of the antique beauty
<...>” (p.156). Let’s remember Stefani’s reaction to the grotesque figurines from the Bolshaya Bliznitsa.
52 It is to be noted that E.Querfeldt expressed his protest against the domination of the “classic canons” in the 1930s in a booklet “Features of Realism in
the Chinese Art” published by the Hermitage (Leningrad, 1937): “We percept the forms of nature unconsciously in the light of the antique attitude towards
the absolute beauty. Willingly or intendedly, we change and correct it according to the established canon of the ideal beauty. The sense of symmetry enslaves
our fantasy to such an extent that the diversity of life forms seems “accidental” to us, and we completely forget that there’s no absolute symmetry in the
world” (p.10. See also p.28). Querfeldt set out a hypothesis that there were features of realism in the Chinese art from the ancient times, especially when
“depicting demons, temple warders, or theatrical heroes and warriors”. Those features, by Querfeldt, reflected the artist’s observations of the nature and
living reality and “seem ludicrous from the classical point of view” (p.11).
53 A.Peredolskaya. On the plots of three terra-cotta statuettes found in the Bolshaya Bliznitsa burial mound // “Soviet Archaeology”. Vol.XII. Moscow-Le-
ningrad, pp.255-271; A.Peredolskaya. To the issue of the terra-cottas from the Bolshaya Bliznitsa burial mound // “Soviet Archaeology”. Vol.XXIV. Moscow,
pp.54-73; A.Peredolskaya. The terra-cottas from the Bolshaya Bliznitsa burial mound and Homer’s hymn to Demetra...
54 D.Lauenstein also considers Homer’s hymn to Demetra as a “detailed verbal evidence of the Eleusinians” (see: D.Lauenstein. Eleusinian Mysteries...,
pp.276-180).
55 A.Peredolskaya. The terra-cottas from the Bolshaya Bliznitsa burial mound and Homer’s hymn to Demetra... Then the numbers of the pages quoted are
given in the text.
56 B.Bogaevsky. The Agricultural Religion of Athens. Vol.1..., p.61.
57 See: The defence of M.Bakhtin’s thesis “F.Rabelaise in the history of realism”. Verbatim record // “Dialog. Karnaval. Khronotop”, 1993, #2-3, p.98.
58 A.Gurevich. Problems of Medieval popular culture. Moscow: “Iskusstvo”, 1981, pp.176-239.
Н.А.Паньков
Статуэтки беременных старух, хранящиеся в Эрмитаже среди других
керченских терракот (т.е. фигурок из обожжённой цветной глины), дважды
упоминаются во введении к книге о Ф.Рабле и являются довольно важной для
М.М.Бахтина иллюстрацией специфики и сути гротескной концепции тела. После
описания статуэток в книге говорится: «Это очень характерный и выразительный
гротеск. Он амбивалентен; это беременная смерть, рождающая смерть. <…> Здесь нет
ничего готового; это сама незавершённость. И именно такова гротескная концепция
тела»1. В принципе, роль и смысл этого образа ясны, так же как и его источник, на
который указывает сам Бахтин, отсылая читателя к книге Г.Рейха «Мим. Опыт
исторического исследования литературного развития»2. Однако для углубления наших
представлений о теории карнавала и её истоках весьма существенно было бы
рассмотреть мотив «беременной старости» в более широком контексте, нежели просто
контекст вводной главы к «Рабле».
Для начала прочитаем первый пассаж, посвящённый керченским терракотам,
раскрыв содержание сопровождающей его сноски. Бахтин пишет: «Среди керченских
терракот <...> есть, между прочим, своеобразные фигуры б е р е м е н н ы х с т а р у х ,
безобразная старость и беременность которых гротескно подчёркнуты. Беременные
старухи при этом с м е ю т с я »3. Далее идёт ссылка на с.507–508 книги Генриха Рейха.
Однако если мы ознакомимся с указанными страницами, то здесь нас сразу ожидает
маленькое открытие: выясняется, что сам Рейх «об этих терракотовых изображениях
беременных старух» практически ничего не пишет, а цитирует на указанных страницах
две работы российского учёного, действительного члена Императорской академии наук
Лудольф Эдуардович Стефани (1816–1887), опубликованные в качестве приложений к
«Отчётам Императорской археологической комиссии» за 1868 и 1869 гг.4 Обе эти
обширные цитаты я приведу чуть позже, а пока — несколько пояснений.
Как известно, Причерноморье довольно активно колонизировалось греками в
VII–III вв. до н.э. В XIX веке н.э. в ряде мест Южной России начались археологические
раскопки, целью которых было изучение остатков древнегреческих поселений. В 1864
году российские археологи исследовали часть огромного кургана, расположенного на
Таманском полуострове (в окрестностях Керчи, древнего Пантикапея) и имевшего
название Большая Близнúца. В 1865 и 1868 гг. раскопки продолжились, и в результате,
по словам академика Стефани, были получены «новые богатые материалы для
уразумения религиозной и художественной жизни прежних обитателей этого края»5.
Курган Большая Близнúца, согласно гипотезе Стефани, представлял собой «общее
1
Бахтин М.М. Творчество Ф.Рабле и народная культура средневековья и Ренессанса. 2 изд. М.,
1990, с.33.
2
Reich H. Der Mimus. Ein literar-entwicklungsgeschichtlicher Versuch. Berlin, 1903, S.507–508.
3
Бахтин М.М. Творчество Ф.Рабле и народная культура средневековья и Ренессанса..., с.32–33.
(Разрядка М.М.Бахтина). В книге форма родительного падежа множественного числа слова
«терракота» употреблена неправильно: «терракотов». Нужно — «терракот» (см. Зализняк А.А.
Грамматический словарь русского языка. М.: «Русский язык», 1977, с.211, 45). Явный
недосмотр редактора и корректора издательства при подготовке книги к печати.
4
Стефани Л. Объяснения некоторых древностей, найденных в 1867 году в Южной России //
Отчёт Императорской археологической комиссии за 1868 год. СПб., 1870, с.3–125; Стефани Л.
Объяснения некоторых вещей, найденных в 1868 году в Южной России // Отчёт Императорской
археологической комиссии за 1869 год. СПб., 1871, с.3–216.
5
Стефани Л. Объяснения нескольких древностей, найденных в 1864 году в Южной России //
Отчёт Императорской археологической комиссии за 1865 год. СПб., 1866, с.5.
6
Там же.
7
Стефани Л. Объяснения нескольких древностей, найденных в 1864 году в Южной России…,
с.19. Стефани ссылается при этом на свою статью, опубликованную в качестве приложения к
«Отчёту Императорской археологической комиссии за 1859 год» (СПб., 1862, с.34), а также на
известия Геродота о святилище Деметры в Ольвии и о дворце, построенном скифским царём
Скилесом для празднования вакхических мистерий.
8
Стефани Л. Объяснения некоторых вещей, найденных в 1868 году в Южной России…, с.12.
9
Передольская А.А. Терракоты из кургана Большая Близница и гомеровский гимн Деметре //
Труды Государственного Эрмитажа. Т.VII. Культура и искусство античного мира. Л.:
Издательство Государственного Эрмитажа, 1962, с.46.
10
Стефани Л. Объяснения некоторых древностей, найденных в 1867 году в Южной России…,
с.56.
11
Стефани Л. Объяснения некоторых вещей, найденных в 1868 году в Южной России…, с.164–
165.
12
Правда, Стефани в приводимой Рейхом цитате ссылается на ещё одну свою публикацию, где
описывается другая статуэтка из Большой Близницы, изображающая «простую беременную
женщину, которая бесстыдно усмехается и наглым жестом старается выставить на вид своё
положение» (Стефани Л. Объяснения некоторых древностей, найденных в 1864 году в Южной
России…, с.193). Однако всё же здесь не указывается, что это — старуха. С другой стороны, по
словам А.А.Передольской, «тип этот широко известен в многочисленных повторениях и
вариантах, найденных в разных центрах античного мира» (см.: Передольская А.А. Терракоты из
кургана Большая Близница и гомеровский гимн Деметре..., с.61. В сноске приводятся
конкретные указания этих вариантов).
13
М.М.Кобылина называет эту фигурку «статуэткой старухи с полузакрытым лицом и вздутым
животом» (Кобылина М.М. Статуя пьяной старухи. К вопросу о Мироне и эллинистическом
реализме // «Искусство», 1937, №1, с.77).
14
Бахтин М.М. Творчество Ф.Рабле и народная культура средневековья..., с.38–39. На
с.164 Бахтин также пишет о «фигуре комического Геракла <…> на античных вазах», а на с.112
констатирует влияние на Рабле сатировой драмы «Циклоп» Еврипида.
15
Стефани Л. Объяснения некоторых вещей, найденных в 1868 году в Южной России…, с.159.
16
См.: Музей Императорского Одесского общества истории и древностей. Вып.2. Терракоты.
Издано А.В.Деревицким, А.А.Павловским и Э.Р. фон Штерном. Одесса, 1898, с.47–48.
17
См.: Государственный Эрмитаж. Путеводитель по отделу древностей. Составил О.Вальдгауер.
Пб., 1922, с.52–54. Судя по этому путеводителю, в зале терракот демонстрировались статуэтки,
найденные в Центральной Греции — Аттике и Беотии; Южная Россия была представлена
только греческими терракотовыми вазами.
18
Бахтин М.М. Ф.Рабле в истории реализма. Диссертация // Отдел рукописей Института
мировой литературы РАН, ф.427, оп.1, д.19, л.23. Курсив мой — Н.П.
19
Например, очень похоже строится и фраза о греческих терракотах в работе Б.Л.Богаевского,
который уж точно знал толк в античной коропластике: «Деметра и Кора на некоторых
***
Итак, уже в процессе первого описания «карикатурных» статуэток из Большой
Близницы, предпринятого Стефани, выявилось «преобладание в них черт, трудно
увязываемых с обычными представлениями о греческом классическом искусстве, в
котором первостепенное значение всегда имела красота формы»22. Почтенный
академик, даже признав связь статуэток с оргиастическим элевсинским культом23, был
всё же шокирован их безобразием и грубостью. Гротескная концепция тела, пока ещё
никем не сформулированная, но материализованная в терракотовых фигурках,
требовала своей разгадки, так же как требовал какого-то осмысления тот факт, что
античность отнюдь не всегда классична и полна гармонии. Эта умственная работа
имеет свою большую историю, в которой нам пока стали доступны лишь некоторые
разрозненные страницы.
Вскоре после публикации процитированных Рейхом работ Стефани, в 1879
году, в 11 томе «Записок Императорского Одесского общества истории и древностей»
Никодим Павлович Кондаков (1844–1925), тоже действительный член Императорской
академии наук, рассмотрел терракоты «в их отношении к искусству, религии и быту»
древних греков24. Неизвестно, вошла ли эта работа в тот «большой материал» по
античной комике, который Бахтин, по его словам, собрал в студенческие годы, но, во-
25
См.: Кобылина М.М. Терракотовые статуэтки Пантикапея и Фанагории. М.: Издательство АН
СССР, 1961, с.21.
26
А.А.Передольская была убеждена в аттическом происхождении статуэток, завезённых в
Причерноморье (см.: Передольская А.А. Терракоты из кургана Большая Близница и гомеровский
гимн Деметре..., с.50–51).
27
См. об этом: Паньков Н.А. Книга М.М.Бахтина о Рабле: Научная логика и динамика замысла //
«Диалог. Карнавал. Хронотоп», 2001, №4, с.116–128.
28
Паньков Н.А. Загадки раннего периода (Ещё несколько штрихов к «Биографии Бахтина») //
«Диалог. Карнавал. Хронотоп», 1993, №1, с.87.
29
См. тезисы доклада Варнеке под названием: Труды педагогического съезда деятелей мужских
гимназий и реальных училищ Одесского округа. (2—7 января 1916 года). Одесса, 1916, с.18–19.
30
Варнеке Б.В. Античные терракоты // «Известия Общества археологии, истории и этнографии».
Т.XXII. Вып.4. Казань, 1906, с.231–248; Варнеке Б.В. Новые древности из Керчи // «Записки
Императорского Одесского общества истории и древностей». Т.XXXII. Одесса, 1915, с.128–137.
31
См., к примеру: Библиографический список научных трудов профессора Б.В.Варнеке. 1889–
1924. Одесса, 1925.
32
Там же, с.6.
33
Бахтин М.М. Творчество Ф.Рабле и народная культура средневековья…, с.112. Ср., впрочем:
«В произведении Рабле прямое влияние Аристофана сочетается с глубоким внутренним
сродством (по линии доклассового фольклора)» // Бахтин М.М. Вопросы литературы и
эстетики. М.: «Художественная литература», 1975, с.369. Но о влиянии древнеримских
комедиографов на Рабле Бахтин вроде бы не писал.
34
Варнеке Б.В. Новейшая литература о мимах. Казань, 1907.
35
Варнеке Б.В. Новый сборник документов по истории аттического театра // «Учёные записки
Казанского университета», 1908, №1, с.1–32.
36
Варнеке Б.В. Новые домыслы о происхождении греческой комедии. Одесса, 1912.
37
Письмо Варнеке к Л.П.Гроссману от 15 мая 1927 года: РГАЛИ. Ф.1386, оп.2, д.210, л.12.
38
Варнеке Б.В. К истолкованию «драмы сатиров» // «Доклады АН СССР», 1925, с.67–69.
39
Там же, с.67, 68. В качестве своего предшественника, первым указавшего «на параллелизм
между многими явлениями античной драмы и изобразительных искусств у греков», Варнеке
называет немецкого исследователя Ф.Винтера.
40
Там же, с.68.
41
Там же, с.69.
42
Бахтин М.М. Ф.Рабле в истории реализма. Диссертация..., л.12. Далее номера цитируемых
листов будут указываться в тексте
43
Берковский Н.Я. Эволюция и формы раннего буржуазного реализма на Западе // Ранний
буржуазный реализм. Л., 1936, с.7–104; Берковский Н.Я. Реализм буржуазного общества и
вопросы истории литературы // Западный сборник. Вып.1. Л., 1937, с. с.53–86.
44
Вот конкретный пассаж Берковского, который Бахтин цитирует и с которым спорит:
«Искусство XV–XVII вв. загипнотизировано как необычайной новинкой всеми видами
“физиологического состояния” общества, — идет ли дело о шванках, фабльо, итальянских
новеллистах или же о Рабле с его специальной манерой гигантских физиологических
преувеличений, или же о Сервантесе, сознательно культивирующем в своем письме штрих
грубый, натуральный, “животный” — всюду материальное содержание жизни подчеркнуто,
возведено в степень грандиозного и впервые увиденного зрелища. Быть может, в живописи, в
фламандизме с его чрезмерной телесностью, все эти особенности ренессансного искусства
достигают настоящей концентрации» (Берковский Н.Я. Реализм буржуазного общества и
вопросы истории литературы..., с.55).
45
Вальдгауэр О.Ф. Этюды по истории античного портрета. Ч.1. Пб., 1921, с.2, 69, 70.
46
Там же, с.71–72.
47
Передольская А.А. К проблеме реализма в греческом искусстве V века до н.э. // «Искусство»,
1936, №1, с.155–156; Передольская А.А. Оскар Фердинандович Вальдгауэр // Вальдгауэр О.Ф.
Этюды по истории античного портрета. Л.: Огиз–Изогиз, 1938, с.19–21. Во второй из указанных
работ А.А.Передольская приводит любопытную информацию о теме, волновавшей Вальдгауэра
в начале 1930-х гг.: «Очень важные и чрезвычайно интересные наблюдения Вальдгауэра
касались т.н. “варварских” элементов в римском искусстве, изучению которых он придавал
большое значение. Об этом он прочёл доклад в Институте истории искусств, вызвавший
необычайный интерес в научной среде. Эти “варварские” элементы <...> получают интенсивное
развитие в III веке и создают в конечном итоге средневековое искусство» (с.39). Помня о
ключевой роли термина «готический реализм» в диссертации Бахтина, можно предположить,
что автор «Рабле» (сам бывавший и выступавший в Институте истории искусств) мог в какой-то
степени испытать влияние прогремевшего доклада Вальдгауэра.
48
Кобылина М.М. Статуя пьяной старухи. К вопросу о Мироне и эллинистическом реализме //
«Искусство», 1937, №1, с.76. В отличие от Кобылиной, всячески отделяющей эту статую от
керченских терракот, Передольская старается так или иначе связать её с ними: «На голове
“Пьяной старухи” Мирона <...> художественные приёмы характеристики лица совершенно
совпадают с терракотовыми фигурками “карикатурного” типа V века» (Передольская А.А. Оскар
Фердинандович Вальдгауэр..., с.20).
49
Кобылина М.М. Статуя пьяной старухи. К вопросу о Мироне и эллинистическом реализме...,
с.77. В сущности, Кобылина даже не столько отрицает существование «античного реализма»,
сколько ограничивает сферу его бытования терракотами.
50
Передольская А.А. К проблеме реализма в греческом искусстве V века до н.э. ..., с.155. Далее
номера цитируемых страниц указываются в тексте.
51
В качестве примера такого «одностороннего понимания» классики Передольская называет
«распоряжение Людвига I Баварского убрать в подвалы Мюнхенской глиптотеки, как
несоответствующую идеалам античной красоты, известную статую пьяной старухи <...>»
(с.156). Вспомним реакцию Стефани на гротескные фигурки из Большой Близницы.
52
Между прочим, в середине 1930-х гг. свой протест против засилья «классического канона»
выразил и Э.К.Кверфельдт в изданной Эрмитажем брошюре «Черты реализма в китайском
искусстве» (Л., 1937): «Формы природы мы бессознательно воспринимаем сквозь призму
античных воззрений на абсолютную красоту. Мы невольно или намеренно переправляем или
исправляем их по установленному канону идеальной красоты. Чувство симметрии порабощает
нашу фантазию до такой степени, что разнообразие жизненных форм нам кажется “случайным”,
и мы совершенно забываем, что абсолютной симметрии в природе нет» (с.10. См. также с.28).
57
Богаевский Б.Л. Земледельческая религия Афин. Т.1..., с.61.
58
См.: Гуревич А.Я. Проблемы средневековой народной культуры. М.: «Искусство», 1981,
с.176–239.
Cristovão Tezza
www.cristovaotezza.com.br
O presente texto tentará descrever o que chamo de “hipótese de Bakhtin” na definição da linguagem
do discurso poético. É fato que a prosa foi o grande tema de Bakhtin - mas ele também teorizou sobre
a poesia, se não extensivamente, pelo menos intensivamente em alguns momentos. Além disso, toda a
concepção de linguagem e de literatura de Bakhtin pressupõe, sempre, um lugar da poesia e um lugar da
prosa, não no quadro tradicional dos gêneros composicionais, quadro esse que nunca interessou Bakhtin,
mas como formas substancialmente diferenciadas de “apropriação da linguagem”. Assim, antes de entrar
na questão específica da poesia, é preciso rever o conceito de prosa romanesca segundo Bakhtin - é
apenas com relação a esse conceito que sua visão de poesia fará sentido.
O grande centro temático de todas as ramificações do pensamento bakhtiniano está na prosa artística,
mais especificamente no romance. Em sua obra mais famosa, Problemas da poética de Dostoiévski, em-
bora o tema central seja a literatura de Dostoiévski, a discussão sobre o romance como gênero aparece
em vários momentos, sempre relacionada à discussão sobre a natureza da linguagem, literária ou não,
como, aliás, foi a marca de todo o trabalho de Bakhtin. Parte substancial de suas categorias se encontra
neste livro, em particular o conceito de “polifonia”, que ficaria célebre pelo mundo inteiro como uma das
marcas maiores do pensamento bakhtiniano.
Para Bakhtin, Dostoiévski foi o criador de um novo gênero literário, o romance polifônico, cuja carac-
terística marcante (entre outras exigências) estaria no fato de que na obra do romancista russo as vozes
que ressoam no texto não se sujeitam a um narrador centralizante (como em geral acontece no romance
considerado tradicional); elas relacionam-se umas às outras em “condições de igualdade”. Bakhtin dá
vários passos surpreendentes com a criação desta categoria, que tem componentes ideológicos muito
atraentes para o nosso tempo, como veremos. O primeiro é uma nova definição da originalidade de Dos-
toiévski: o que poderia parecer um “defeito formal” em Dostoiévski, o seu suposto “mal-acabamento”, era
de fato a expressão de uma literatura cujo centro estava exatamente na idéia do “não-acabamento” do
homem, um conceito bastante produtivo na visão bakhtiniana do romance - para ele, este gênero é por
excelência o gênero do “homem não acabado”, que foi amadurecendo ao longo da história em oposição
aos gêneros épicos, expressões justamente do “homem finalizado”, no tempo e no espaço. Além disso
- sempre acompanhando Bakhtin - Dostoiévski não pode ser reduzido a um ideólogo, a um mensageiro
de verdades filosóficas ou mesmo religiosas (e nesse sentido não se deve confundir o romancista com o
jornalista Dostoiévski que publicava artigos sobre questões de seu tempo). Em Dostoiévski, o romancis-
ta, nenhuma palavra é uma última palavra; e toda palavra é potencial e necessariamente carregada de
diálogo, parte integrante e inseparável de todas as outras vozes. Para resumir a idéia central que emana
do conceito de polifonia, podemos dizer que, segundo Bakhtin, Dostoiévski inaugura uma dimensão de-
mocrática da estrutura romanesca (embora ele não use essa palavra); inaugura, ou talvez leve a cabo o
que já existiria de modo latente em todas as manifestações literárias marcadas pelo que ele chama de
“linguagem romanesca”, desde o embrião do diálogo socrático. O que é um modo, também, de dar a ele
o seu traço mais moderno e mais contemporâneo - e também o mais positivo, já que a idéia genérica
de democracia tem sido para nós (e, é claro, felizmente, embora nem sempre tenha sido ou seja assim)
uma espécie de “absoluto positivo” no campo político.
Assim, o conceito de polifonia acabou por ir muito além da descrição técnica de uma forma literária.
Aliás, entendê-la como a manifestação de um gênero fechado, passível de uma classificação composicional
aplicável em toda parte como uma moldura teórica implica várias dificuldades. A principal delas é que
acabamos cometendo a heresia de fazer de Bakhtin uma espécie de estruturalista, criador de um modelo
reiterável do que seria o romance moderno. O próprio Bakhtin acabaria por confessar que só Dostoiévski
foi de fato, nos termos por ele definidos, “polifônico”: em suas anotações dos anos 1970, lembrava o
“único polifonista”, assinalando que o conjunto das obras de um tempo, e não apenas de um autor, pode
ser polifônico, o que é um outro modo, muito mais amplo, de entender a idéia de polifonia.1
O fato marcante, entretanto, é que a obra sobre Dostoiévski fez escola e universalizou o conceito de
1 Cf. “From Notes Made in 1970-71”, p. 151 “Mas os próprios escritores não criam romances polifônicos. (...) Somente um polifonista como Dostoiévski
pode sentir na luta de opiniões e ideologias (de várias épocas) um diálogo incompleto sobre questões últimas (no quadro da grande temporalidade). Outros
tratam de questões que forma resolvidas dentro de sua época.” Em: Speech Genres & Other Late Essays. Austin: University of Texas Press, 1999.
2 BAKHTIN, M. Problems of Dostoevsky’s Poetics. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1999. p. 272.
3 Publicado no Brasil em Questões de literatura e de estética. São Paulo: UNESP/HUCITEC, 1988.
4 Uma exceção notável – e pioneira – a essa reação se encontra em “Em defensa del autoritarismo em la poesía”, de Tatiana Bubnova (Em: Acta Poetica,
número 18/19, 1997-1998. Universidad Nacional Autónoma de México). Depois de assinalar que em Bakhtin, de fato, “lo poético se opone a la prosa, como lo
monológico se opone a lo dialógico”, Bubnova defende, ao final (“provisional”) do texto que “el monologismo de la poesía es la forma legítima dele dialogismo
primordial de la palabra: actitud ante al mundo y ante sí mismo, acto sin coartada, ‘voz del pueblo, lengua de los escogidos, palabra del solitario’”.
5 Para essa e próximas referências, cf. Questões de literatura e estética, pp. 85-106.
6 Para uma discussão aprofundada da perspectiva lingüística do Círculo de Bakhtin, cf. FARACO, Carlos Alberto, Linguagem & Diálogo – as idéias lingüísticas
do círculo de Bakhtin. Curitiba: Criar Edições, 2003.
7 BORGES, J. L. Esse ofício do verso. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 26-27.
8 ELIOT, T. S. The use of Poetry and the Use of Criticism. London: Faber & Faber, 1967. p. 156.
9 PAZ, O. Signos em rotação. São Paulo: Perspectiva, 1996. p. 11.
10 LIMA, J. L. A dignidade da poesia. São Paulo: Ática, 1996. p. 126.
11 PAZ, O. Op. cit., p. 12.
12 VALÈRY, P. Variedades. São Paulo: Iluminuras, 1999. p. 170.
13 Entrevista concedida a Fabrício Carpinejar. Porto Alegre: Zero Hora, Caderno Cultura, 21 de junho de 2003.
14 BRODSKY, J. On Grief and Reason. New York: The Noonday Press, 1995. p. 100.
15 PERÉT, B.; GOMBROWICZ, W. Contra os poetas. Lisboa: Edições Antígona, 1989. p.69.
Jorge Alcázar
CP 06400
México, D. F.
MÉXICO
RESUMEN
Bajtín, en su libro sobre Dostoievski, ha postulado que los géneros cómico-serios (en especial el
diálogo socrático y la sátira menipea) desempeñan un papel primordial en la conformación de la novela
como género. En este artículo se sondea la interrelación de ambos en varias obras narrativas. Aquí se
verá cómo quedan residuos del diálogo socrático, y su ulterior transformación lucianesca como es el
caso de El gallo, en la Utopía de More, The Nun’s Priest’s Tale de Chaucer, El coloquio de los perros de
Cervantes o la sección central de La batalla de los libros de Swift. Asimismo estas obras, en tanto que
manifestaciones de la menipea, ponen a prueba y parodian los paradigmas que sustentan aquello que
se ostenta o se asume como verdad. Aquí entran en juego varios tipos de carnavalización paródica que
ponen en entredicho la noción misma de verdad y que en modalidades más sofisticadas reaparecerán
en algunos textos ejemplares de la novela moderna.
ABSTRACT
In Problems of Dostoevky’s Poetics Bakhtin claims that the comic-serious genres, especially the So-
cratic dialogue and Menippean satire, have played a paramount role in the development of the novel as
a literary genre. This article explores the interelation of both in several canonic texts, such as Lucian’s
The Cock, More’s Utopia, Chaucer’s The Nun’s Priest’s Tale, El coloquio de los perros by Cervantes or the
dispute between the spider and the bee in Swift’s The Battle of the Books. These works not only put to
the test different versions of what is held or assumed as representing truth but resort to carnavalesque
parodical strategies of composition that question the very notion of truth. In so doing they point forward
to what other exemplary texts will do in the future.
En la actualidad la obra de Mijaíl Bajtín cuenta con un prestigio considerable en el ámbito del queha-
cer teórico en lo general, y en el campo de los estudios literarios en lo particular. Se han producido
múltiples estudios en torno a su obra, que van desde el recuento biográfico hasta interpretaciones de
índole lingüística, filosófica e incluso religiosa. Sin embargo, una de las aportaciones mayores de este
pensador ruso tal vez no haya recibido toda la atención que merece. Me refiero a su concepción de la
novela, articulada desde una poética histórica. Esta preocupación por el cambio y la evolución de las
formas artísticas la podemos apreciar desde los años veinte. Por ejemplo, en 1928, P. N. Medvedev,
miembro del círculo bajtinino, sacó a la luz El método formal en los estudios literarios (Bajtín 1994). Allí
se cuestiona por igual el enfoque marxista que prevalecía en ese momento, como al modelo mucho más
sofisticado de los formalistas rusos. Así vemos cómo se identifican sus vínculos con la poética de los
futuristas; el carácter negativo, apofático de sus planteamientos; la poca solidez de la oposición entre
lengua poética y lenguaje cotidiano, el descuido por las cuestiones de evolución histórica de los géneros
literarios, etc. Aunque el subtítulo de la obra dice ser una Introducción crítica a una poética sociológi-
ca, en realidad nos encontramos ante el esbozo de una poética histórica que—a diferencia de la crítica
marxista del momento habituada a priori a descalificar y satanizar cualquier planteamiento que tuviera
visos de formalista—toma en serio y cuestiona en el terreno teórico los conceptos acuñados por gente
como Víctor Shklovski o Boris Einjenbaum. El término “sociológico” no guarda migas con la disciplina
de la sociología como se entiende en la actualidad sino con una concepción social del habla, tal como se
expone en otra obra deuterocanónica como El marxismo y la filosofía del lenguaje de 1929.
Y un autor clásico, Esopo, es el encargado de hacer la relación del suceso en la ventana a sus homólo-
gos de la biblioteca real. Pero no está de más tener presente que el Esopo que habla no es un personaje
que aparente ser el fabulista de carne y hueso sino un libro, como nos instruye el ficticio Bookseller al
principio de la obra:
I must warn the reader to beware of applying to persons what is here meant only of books,
in the most literal sense. So, when Virgil is mentioned, we are not to understand the person
of a famous poet called by that name, but only certain sheets of paper, bound up in leather,
containing in print the works of the said poet; and so of the rest. (Ross and Woolley, 1)
Seguramente a Swift no le hubiera sorprendido en los más mínimo saber que un crítico estructura-
lista, como Roland Barthes en los años sesenta del siglo pasado, escribiría que tanto el narrador como
los personajes de un relato son “seres de papel” (26). Y tal vez interpretaría esto como una fase más
de la eterna querella que él hizo memorable de nuevo, cuando los modernos se convierten en clásicos
y esperan la arremetida de los recién llegados que demandan un lugar, por pequeño que sea, en las
faldas del Parnaso.
Este alto grado de metatextualidad que ironiza el vehículo literario de que se dispone está presente
en los textos que hemos comentado. En el cuento de Chaucer, que guarda migas con la fábula, Chaun-
tecleer—para darle peso a sus temores—apela a todo tipo de autoridades y nos endilga un rosario de
exempla. Y en el ars predicandi a veces se echa mano de la fábula como exemplum. Sin embargo, el
gallo se enfrasca en discutir la posible interpretación de su sueño, que dentro del esquema de Macrobio
cae bajo el sueño enigmático o somnium, mismo que “esconde con formas extrañas y envuelve en la
ambigüedad el sentido verdadero de la información ofrecida, y que requiere de una interpretación para
UNAM, México
Resumen
La antropología filosófica de M. Bajtín encuentra un campo de especial interés en la discusión de la
antropología contemporánea, sobre todo en el tema de la identidad. Los movimientos étnicos y nacionales
se intensifican en todo el mundo y tienen como trasfondo una búsqueda de identidad. Estos fenómenos
sociales exigen perspectivas teóricas adecuadas, herramientas conceptuales precisas que permitan dar
cuenta de los mismos, y nuestras disciplinas sociales no siempre se encuentran preparadas para esos
nuevos retos. En esta ponencia se discuten críticamente posturas antropológicas sobre el concepto de
identidad y se avanza una propuesta de antropología dialógica fundamentada en el pensamiento teórico
bajtiniano.
“La conciencia del hombre despierta envuelta en la conciencia ajena” ( Bajtín 1982:360)
“Yo me conozco y llego a ser yo mismo sólo al manifestarme para el otro, a través del otro
y con la ayuda del otro. Los actos más importantes que constituyen la autoconciencia se
determinan por la relación a la otra conciencia (al tú)” (Bajtín 1982:327)
Volveremos sobre este punto más adelante. Ahora me interesa señalar que un factor de orden cultu-
ral que ha contribuido significativamente en la construcción epistemológica del concepto antropológico
de identidad ha sido, como señalé al inicio, la filosofía occidental, o más bien, un pensamiento filosófi-
co predominante en Occidente. En efecto, existe una ontología con pretensiones de universalidad que
sostiene un discurso centrado en la mismidad, es decir un discurso egocéntrico que a su vez alimenta
discursos científico-sociales que enfatizan el valor del individuo sobre lo colectivo, de lo privado sobre
lo público, del ego sobre el alter, del logos sobre el espíritu. Históricamente, puede ubicarse el auge de
este pensamiento en el desarrollo del capitalismo europeo y norteamericano, y con la ideología liberal,
cuya versión contemporánea la experimenta el mundo entero bajo el modelo de la globalización.
Retomando la crítica a aquella antropología vinculada a este capitalismo liberal, podemos señalar
cómo, lejos de haber logrado una comprensión justa del otro y de propiciar una comunicación real y si-
métrica entre nosostros y ellos, la antropología occidental ha tendido a anular al otro al percibirlo desde
la visión totalizante de su cultura, lo ha conceptualizado y explicado para su propia sociedad; hablar del
otro ha sido un ejercicio discursivo monológico, en donde la voz del sujeto investigado ha quedado su-
bordinada a la voz autoral del antropólogo. De esa manera, la alteridad ha quedado anulada, asimilada
a un Yo cognoscente. Esa paradoja en el pensamiento de Occidente de distinguirse del otro, pero, al
hacerlo, incorporarlo a su logos y apropiárselo, asimilarlo, se manifiesta tanto en su antropología como
en su filosofía. Levinas lo ha expresado claramente al afirmar que “la filosofía occidental ha sido muy a
menudo una ontología: una reducción de lo Otro al Mismo, por mediación de un término medio y neutro
que asegura la inteligencia del ser” (1977:67). Levinas la considera una ontología egoista, fundamento
de una filosofía del poder, de la injusticia, de la tiranía (ibid, p. 70). Pero el filósofo plantea también la
posibilidad de superar ese egocentrismo occidental a partir de una metafísica que rompa con la totalidad,
reconociendo la exterioridad del otro, del absolutamente otro:
No es la insuficiencia de Yo la que impide la totalidad, sino lo infinito del Otro ... Las relaciones del
Mismo y el Otro no se producen sobre el fondo de la totalidad, ni se cristalizan en sistema ... El frente-
a-frente es una conjunción irreductible a la totalidad (1977:103s)
Así pues, resulta un imperativo para la antropología contemporánea el reconocer su propia raigambre
cultural, así como los sesgos derivados de las influencias recibidas del pensamiento filosófico predomi-
nante. Es necesario reconocer la relación entre identidad y alteridad, como lo indicara tempranamente la
perspectiva teórica de Barth (1976) respecto a la identidad étnica en su aspecto relacional y en el énfasis
La antropología filosófica de Bajtín contrasta marcadamente con los planteamientos arriba expuestos,
cuestionándolos y ofreciendo una visión novedosa y propositiva para la actual discusión sobre identidad.
De entrada debemos aclarar que el término identidad está prácticamente ausente en su obra, aunque
considero que el concepto mismo sí está presente, tanto en su concepción dialógica global, en su onto-
logía, como en su tratamiento de la intersubjetividad, donde aparece íntimamente vinculado al concepto
de alteridad. Allí, identidad y alteridad son copartícipes en la construcción del sujeto social.
Bajtín examina la intersubjetividad desde el plano fenomenológico partiendo de la relación yo-otro2,
pareja fundamental de su filosofía del lenguaje y de sus teorías ética y estética. A diferencia de la visión
egocéntrica, en su pensamiento se introduce de lleno la categoría del otro, de manera tal que el ser
humano es entendido en términos del complejo de relaciones yo-otro, donde ambas categorías, lejos
de plantearse como ajenas, opuestas o desvinculadas, son por el contrario, complementarias una de la
otra, existiendo un íntimo nexo de relación entre ambas. Así en la medida en que el yo no puede com-
prenderse íntegramente sin la presencia del otro, en Bajtín el concepto de identidad no se cierra en sí
mismo, pues incorpora absolutamente al de alteridad, y por lo mismo, se nos presenta como un concepto
de carácter relacional y relativo, muy cercano a planteamientos novedosos de antropología sobre el tema
(cf. Bourdieu 1992, Eriksen 1993, Pitarch 1996).
El dialogismo es sin duda el concepto rector del pensamiento de Bajtín, es el principio filosófico fun-
damental de su concepción del lenguaje. El enunciado, el discurso, propio y ajeno, la heteroglosia, la
interdiscursividad, son todos conceptos derivados del principio dialógico, el cual se sostiene en la fundante
relación yo-otro. Desde la temprana adquisición del lenguaje hasta el final de la vida, el hombre inicia
como ser social y se desarrolla como tal en la medida en que construye su individualidad a partir del otro,
del discurso ajeno, para continuar con éste una íntima y compleja relación (1982:51). La formación de la
conciencia se da a partir del discurso ajeno: “la conciencia del hombre despierta envuelta en la conciencia
ajena” (1982:360). El sujeto social se construye discursivamente, en el proceso de interacción discursiva
de yo con el otro. Vemos pues, cómo en Bajtín el ser presenta un carácter dialógico. “Ser es ser para
otro y a través del otro para mí” (2000:161-163). De allí se desprende la idea de la unidad abierta del
ser, el de la no coincidencia consigo mismo.
Es imposible que uno viva sabiéndose concluido a sí mismo y al acontecimiento; para vivir,
es necesario ser inconcluso, abierto a sus posibilidades (al menos, así es en todos los ins-
tantes esenciales de la vida); valorativamente, hay que ir delante de sí mismo y no coincidir
totalmente con aquello de lo que dispone uno realmente (1982:20).
Otro concepto de especial importancia para nuestra discusión es la extraposición, que Bajtín lo
desarrolló en el plano estético, orientándolo al análisis literario, como un elemento fundamental de la
creación estética: el autor de una obra literaria debe ejercer activamente su capacidad de observar a
sus personajes desde dentro, como un momento empático, pero también desde fuera, exotópicamente,
con su mirada externa, con su excedente de visión, pues de esa manera es posible completar la vida,
carácter, identidad de sus personajes, y con ello, producir la vivencia estética en el lector. Ahora bien,
sus reflexiones teóricas sobre la extraposición las ilustra con ejemplos de la vida real y cotidiana, y es
allí donde encontramos reflexiones importantes para el entendimiento del fenómeno sociológico de la
identidad. Veamos algunos de estos ejemplos:
Por cierto, en la vida real lo hacemos a cada paso, nos valoramos desde el punto de vista
de otros, a través del otro tratamos de comprender y de tomar en cuenta los momentos
extrapuestos a nuestra propia conciencia ... de una manera constante e intensa acechamos
y captamos los reflejos de nuestra vida en la conciencia de otras personas, hablando tanto
de momentos parciales de nuestra vida como de su totalidad (1982:22s).
“Cuando observo a un hombre íntegro, que se encuentra afuera y frente a mi persona, nues-
tros horizontes concretos y realmente vividos no coinciden. Es que en cada momento dado,
por mas cerca que se ubique frente a mí el otro, que es contemplado por mí, siempre voy
a ver y a saber algo que él, desde su lugar y frente a mí, no puede ver ...Este excedente
de mi visión que siempre existe con respecto a cualquier otra persona, este sobrante de
conocimiento, de posesión, está determinado por la unicidad y la insustituibilidad de mi lugar
en el mundo ... aquello que yo veo en el otro, en mí mismo lo puede distinguir únicamente
1 Al respecto, son interesantes los planteamientos que sobre el concepto de identidad encontramos en Bourdieu (1992), así como en la síntesis del estado
de la cuestión publicado por Eriksen (1993).
2 Debe notarse que se trata de categorías abstractas, que en sus aplicaciones concretas se desdoblan, para incorporar variantes de número (singular o
plural), de género. Tambien debe observarse que no son categorías fijas, sino que son, al igual que el fenómeno de la identidad, relacionales y relativas a
las relaciones sociales concretas.
Vemos pues cómo estas referencias vivenciales concretas sobre la extraposición revelan aspectos
importantes sobre la cuestión de la identidad. Valoramos nuestro propio ser desde el otro, buscamos
conocernos a través del otro, vemos nuestra exterioridad con los ojos del otro, orientamos nuestra con-
ducta en relación con el otro. Y de la misma manera, por nuestra situación de exterioridad respecto al
otro, poseemos una parte de éste que lo completa, un “sobrante de posesión”, que es accesible sólo a
nosotros en virtud de nuestra ubicación relativa respecto a aquel. De allí se deriva una arquitectónica
de la vida real consistente en una triada de relaciones básicas: yo-para-mí, yo-para-otro, y otro-para
mí3. Puede plantearse que se trata de una arquitectónica de la identidad en el plano fenomenológico,
compuesta por la relación de yo consigo mismo, es decir, la percepción interna del yo, su autoimagen,
pero también la imagen que el yo tiene del otro, y la imagen que el otro tiene del yo. Ese complejo de
relaciones comprendería la identidad –relacional y relativa- del sujeto social en cuestión.
Por último, cabe señalar que este complejo de relaciones dialógicas de yo y el otro examinados por
Bajtín en el plano fenomenológico entre individuos, pueden ser proyectados a planos sociológicos y
culturales más amplios4. De hecho, en sus consideraciones sobre la exotopía, Bajtín llega a considerar
a este concepto como el instrumento más poderoso para la concepción de la cultura, proyectando así
sus observaciones del plano intersubjetivo al de las relaciones interculturales y al ámbito de los estudios
culturales. Y es que así como ocurre en el plano del sujeto, tampoco la cultura puede verse a sí misma
desde su exterioridad, necesita de la mirada de las otras culturas para enriquecer su propio entendimiento,
para completar su imagen de identidad:
Existe una idea unilateral y por eso incorrecta, pero muy viable, acerca de que para una
mejor comprensión de la cultura ajena hay que de alguna manera trasladarse a ella y, olvi-
dando la propia, ver el mundo con los ojos de la cultura ajena. Esta idea, como ya se dijo,
es unilateral. Por supuesto, la compenetración con la cultura ajena, la posibilidad de ver el
mundo a través de ella es el momento necesario en el proceso de su comprensión; pero si
la comprensión se redujese a este único momento, hubiera sido un simple doblete sin poder
comportar nada enriquecedor. Una comprensión creativa no se niega a sí misma, a su lugar
en el tiempo, a su cultura, y no olvida nada. Algo muy importante para la comprensión es
la extraposición del que comprende en el tiempo, en la cultura...
En la cultura, la extraposición viene a ser el instrumento más poderoso de la comprensión.
La cultura ajena se manifiesta más completa y profundamente sólo a los ojos de otra cultura
(pero aún no en toda su plenitud, porque aparecerán otras culturas que verán y compren-
derán aún más). Un sentido descubre sus profundidades al encontrarse y al tocarse con
otro sentido, un sentido ajeno: entre ellos se establece una suerte de diálogo que supera el
carácter cerrado y unilateral de estos sentidos, de estas culturas. Planteamos a la cultura
ajena nuevas preguntas que ella no se habia planteado, buscamos su respuesta a nuestras
preguntas, y la cultura ajena nos responde descubriendo ante nosotros sus nuevos aspec-
tos, sus nuevas posibilidades de sentido... En un encuentro dialógico, las dos culturas no se
funden ni se mezclan, cada una conserva su unidad y su totalidad abierta, pero ambas se
enriquecen mutuamente (Bajtín 1982:351-2).
Conclusiones
Mediante este somero acercamiento al pensamiento filosófico y a conceptos teóricos de Bajtín nos es
posible replantear el concepto antropológico de identidad y formular una nueva manera de entenderlo
en su intrínseca vinculación con la alteridad. El principio dialógico, los ejes yo-otro, su arquitectónica, la
exotopía, así como el análisis del discurso social para la comprensión intersubjetiva e intercultural son
5 “Cuando existe un solo participante único y total, no hay lugar para un acontecer estético; la conciencia absoluta que no dispone de nada que le fuese
extrapuesto, que no cuenta con nada que la limite desde afuera, no puede ser estetizada ... Un acontecer estético puede darse únicamente cuando hay dos
participantes, presupone la existencia de dos conciencias que no coinciden” (Bajtín 1982:28).
6 Véase en especial las propuestas de etnografía posmoderna recogidas en la seminal antología de Clifford y Marcus (1986) y en publicaciones recientes
de Tedlock (1995).
Ramón Alvarado
UAM-Xochimilco
México
Centro y periferia, metrópolis y colonias, primer y tercer mundo, desarrollo y subdesarrollo son al-
gunas de las polaridades que rigieron el pulso social y político del siglo XX. El precario equilibrio que se
estableció en el escenario internacional al término de la II Guerra Mundial, estaba sustentado en un jue-
go de estrategias y alianzas de dos polos ideológicos, opuestos entre sí, que buscaban denodadamente
ampliar sus campos de influencia particularmente entre los países en vías de desarrollo.
En los albores de un nuevo siglo, una ola de vertiginosos acontecimientos sacudió y socavó en sus
propios fundamentos uno de los polos fundamentales de ese tenso “equilibrio” político-militar: la URSS.
La “cortina de hierro” se desmoronó como un castillo de naipes. En 1989, el fin de una Era se cristalizó
con el simbólico derribamiento del muro de Berlín. A dos siglos de la Revolución Francesa, este parteaguas
señala el inicio de un proceso de gran inestabilidad, marcado por la rápida expansión de un mercado que
no reconoce fronteras y por la “apertura democrática” de aquellos países que estuvieron sometidos al
control de un partido único. Pienso desde luego en aquellas naciones inscritas en el orbe soviético pero
también en la historia política de mi propio país, México.
A medida que se aproximaba el fin de milenio, las comunidades intelectivas parecían estar someti-
das a los temores finiseculares que dominaron otras épocas de incertidumbre. La “nueva escatología”
anticipó el fin de los grandes paradigmas de la modernidad: se habló de una crisis de la civilización del
progreso, del fin de la Historia.
En este ejercicio de “futurología” sin freno, se ha llegado a afirmar que nos encontramos en la fase
terminal del modelo de Estado-Nación: en las sociedades contemporáneas se puede constatar un des-
gaste pronunciado de su “papel estructurante”.
Para algunos estudiosos, el horizonte emergente de una Era Postnacional es visto con cierto optimismo
ya que permitiría, por primera vez en la historia, la discusión de modalidades de desarrollo económico
y social, por encima de los particularismos e intereses nacionales; cumpliendo así, la gran promesa
universalista de la modernidad.
Pero hay quien sostiene la tesis contraria y afirma que las formaciones nacionales no sólo gozan de
buena salud sino que están llamadas a desempeñar un papel protagónico en el escenario mundial del
III milenio. En esta visión de las cosas, las ideologías nacionalistas ya no representan un riesgo para la
estabilidad regional. La fuente de posibles conflictos en un mundo globalizado se ha desplazado a las
“diferencias culturales”.
Hace 10 años, durante el verano de 1993, Samuel Huntington publicó en Foreign Affaires un artículo
bajo el mismo título de su libro polémico: The Clash of Civilizations. Ahí se formula la hipótesis de una
inevitable colisión entre modelos civilizatorios dando por un hecho, la existencia de diferencias irreductibles
entre el Islam y la Cristiandad, esto es la recíproca negación de la alteridad. Un escenario narrativo que
recuerda los acontecimientos que convulsionaron a la Europa de los siglos XI al XIII: las expediciones
militares contra los infieles.
Estas hipótesis y estos escenarios catastrofistas has sido un fermento ideal para la “puesta en escena
mediática” de los acontecimientos del 11 de septiembre 2001. El eje constitutivo de las ideologías: la
oposición Ellos vs. Nosotros parece probar, una vez más su eficacia.
A partir de esta fecha, lo sabemos bien, en el ámbito de la “política global” todos los vectores simbó-
licos y discursivos se han orientado al endurecimiento del discurso monológico.
La reciente incursión militar en Irak es particularmente ilustrativa al respecto: ha puesto al descubierto
la voluntad del actual gobierno estadounidense que busca por todos los medios imponer su propia ley en
el escenario internacional. George W. Bush, y sus principales voceros, han enviado reiteradamente a la
comunidad internacional un discurso con fuertes acentos monológicos: en el nuevo orden internacional,
dominado por una superpotencia hegemónica, sólo hay cabida para las decisiones unilaterales.
Natalio Hernández, uno de los escritores indígenas del México contemporáneo, escribió estas líneas
con motivo de la recepción del Premio Nezahualcóyotl de Literatura en lenguas indígenas (diciembre
1997).
“...Hoy al igual que en la Colonia, se vuelve a intentar el diálogo donde nuevamente están
presentes dos visiones del mundo, dos sistemas de valores, dos conceptos de sociedad;
donde nuevamente el diálogo se rompe porque el sistema dominante no ha sido capaz de
reconocer la cultura diferenciada de los pueblos originarios y el derecho que les asiste para
mantenerla y desarrollarla.
“Seguir negando esta realidad diversa en lenguas y culturas puede llevarnos a mayores
confrontaciones. Los pueblos indígenas exigen hoy, con mayor fuerza, lo que históricamente
les pertenece: su identidad, su patrimonio lingüístico y cultural y sobre todo, su autonomía
para decidir su futuro su proyecto de vida en armonía con toda la nación...
“La palabra, la fuerza de la palabra o , mejor aún, el arte de la palabra debe ser el instru-
mento fundamental para la construcción del diálogo entre los pueblos indígenas,e estado
y sociedad.”
El texto que he citado in extenso lleva un título por demás significativo: “En busca del diálogo” y
forma parte del volumen In tlahtoli, in ohtli; la palabra, el camino . la voluntad dialógica expesada en
estas líneas –y en otros escritos de autores indígenas- que examinaremos someramente, se cifra en
una interrogante que a la vez define un programa de los pueblos indios de México ¿Cómo propiciar una
comprensión activa de las alteridades culturales?
Es una pregunta que subyace como un limo fertilizador en un proceso cultural que ha adquirido
fuerza en los últimos años, y que se ha descrito como “ el nuevo despertar “de las lenguas y literaturas
indígenas en México.
Al paso de los siglos, los viejos saberes depositados en la palabra de los tlamatinime (hombres sabios),
se eclipsaron deliberadamente en espera de los “nuevos tiempos”.
Voces invisibles, rostros inaudibles, la palabra silenciada de los pueblos indios vuelve a tomar cuerpo
en la poesía o en ensayos dedicados a fundamentar los legítimos reclamos de derechos de los pueblos
indios de México.
Se trata de un proceso en plena conformidad con otra dimensión del tiempo, con las creencias tra-
dicionales en torno al re-nacimiento y la re-creación del mundo, con una cosmovisión que es ante todo
ambivalente: en esta perspectiva, la vida y la muerte son indisociables.
Nos encontramos en la actualidad, según las inscripciones del calendario azteca, en el quinto sol: es
la Era del sacrificio ritual de los dioses y su renacimiento.
De la periferia al centro: de lo local a lo global
El fuego nuevo, los tiempos renovados se anunciaban ya en los primeros años de la década pasada.
En un año emblemático, 1992, El Movimiento 500 años de resistencia indígena acuñó un lema que tuvo
gan penetración entre diversos sectores de la sociedad mexicana:
“Nunca más un México sin nosotros.”
En esta urdimbre de voces se perciben sin duda los acentos de un “Humanismo de la alteridad”.
Bibliografía
A.A.V.V. VI Jornadas Lascasianas: La problemática del racismo en los umbrales del siglo XXI. México: Cuadernos del
Instituto de Investigaciones Jurídicas, UNAM, 1997
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Voloshinov, Valentin N. El marxismo y la filosofía del lenguaje. Madrid: Alianza editorial, 1992
Marilia Amorim*
Introdução
Esse trabalho se inscreve no eixo proposto pela organização do congresso como “Leituras interpreta-
tivas de ‘Para uma filosofia do ato’”. Não é um trabalho plenamente elaborado, mas antes um exercício
de leitura, um exercício conceitual. Leio “Para uma Filososfia do Ato” com uma emoção particular: a de
ver nesse texto o projeto de uma obra que se cumpriu quase integralmente.
Esse texto é como um último presente que a generosidade da obra de Bakhtin nos deixa. E que che-
ga na hora certa. Num tempo de idéias pós-modernas, Bakhtin revela-se fundamentalmente moderno.
Primeiro, porque convoca um pensamento não-indiferente, valorado e assinado: a responsabilidade por
aquilo que pensamos, num dado momento histórico. Idéia totalmente fora de moda no mundo atual.
Segundo, porque critica, explícita e repetidamente, o relativismo, outro emblema do pensamento con-
temporâneo. Para ele, a afirmação da singularidade e do valor, em nada diminui a importância da idéia
de verdade teórica e universal. Terceiro, porque, ao lado da dimensão dialógica explícita na qual Bakhtin
dialoga com outros pensadores, esse texto apresenta uma dimensão monológica forte, através de pro-
posições categóricas e universalizantes. O monologismo desse texto é aquele que é próprio de todo
pensamento inaugural, seja ele filosófico ou poético. E é nessa força inaugural que se revela o vigor e
o entusiasmo do jovem pensador.
Esse texto tem um estatuto particular. Difere de todos os outros por ser inteiramente filosófico e
dedicado a uma questão puramente filosófica que é a questão da ética. Meu trabalho de interpretação
segue então os seguintes passos: 1) partir da especificidade desse texto, tentando identificar as prin-
cipais oposições que Bakhtin constrói, para melhor discernir seu argumento; 2) identificar em que me-
dida essas oposições encontram equivalência no trabalho futuro; 3) identificar linhas de evolução e de
transformação nessa equivalência. Trata-se de um trabalho esquemático, ainda não desenvolvido e que
pretende apenas apontar, a título de hipótese, vias possíveis de aprofundamento.
Antes de mais nada, é preciso esclarecer que as oposições bakhtinianas não são nunca oposições
binárias e disjuntas. Constituem antes princípios ou planos que uma vez devidamente diferenciados
sempre acabam se encontrando. Ou melhor, parece que o pensamento de Bakhtin procede assim: pri-
meiro, distingue minuciosamente os planos, princípios ou categorias, para depois construir aquilo que
os articula.
Primeira parte
Nesse texto, a oposição entre mundo da cultura e mundo da vida, como diz Bocharov, constrói-se
através de uma série de outras oposições que, como camadas que progressivamente se sobrepõem, vão
dando espessura à argumentação. A série está assim constituída: oposição entre o possível e o real;
entre o abstrato e o concreto; entre o universal e o singular; entre o repetível e o irrepetível; entre a
unidade e a unicidade; entre a lei e o evento; entre o eterno e o instante; entre o fora e o dentro; entre
o indiferente e o valorado. A essas oposições corresponde uma série de imagens também contrapostas:
pleno versus vazio; carne e sangue versus desencarnado; pesado versus leve; enraizado versus sem
raizes; cego versus iluminado.
Resumidamente, o argumento que se tece nessas séries é o seguinte: o conhecimento filosófico e
científico, assim como a criação estética, são modos de objetivação e como tais, constituem apenas um
momento da cognição do mundo. Ocupam um lugar fundamental mas limitado e não devem ser toma-
dos como a totalidade do real. O mundo conhecido teoricamente não é o mundo inteiro. É um mundo
autônomo que tem leis próprias pois refere-se ao universo do possível e do universal; na medida em
que ele permaneça dentro de seus limites, a autonomia do mundo abstratamente teórico é justificável
e inviolável. Dentro dele, não há lugar para mim: ele é um mundo indiferente a minha singularidade.
Enquanto objetivações, a visão estética e o conhecimento filosófico e científico, são incapazes de apre-
ender a eventicidade e o devir. O argumento avança então, para colocar o problema da ética. O dever
1
Trabalho apresentado na XI Conferência Internacional sobre Bakhtin, Curitiba, julho de 2003.
*
Psicóloga, professora da Universidade de Paris-8. Autora de O pesquisador e seu outro – Bakhtin nas Ciências Humanas, Ed. Musa, São Paulo, 2001.
Marilia Amorim*
Introdução
Trabalho com o texto de pesquisa como um lugar de produção e de circulação de conhecimentos.
Meu interesse em analisá-lo não é portanto de ordem literária ou lingüística mas epistemológica. A tese
sobre a qual venho trabalhando já há muitos anos é de que na passagem da situação de campo para
a situação de escrita, não há apenas transcrição de resultados, mas também descoberta e invenção. A
escrita configura uma nova cena enunciativa onde o que muda fundamentalmente é a relação com o
outro, ou melhor, com todos os outros que atravessam o caminho de um pesquisador em Ciências Hu-
manas e Sociais. A utilização de um enfoque polifônico, de inspiração bakhtiniana, permite justamente
analisar essa relação de alteridade, naquilo que ela é indicadora dos limites e das possibilidades de um
texto de pesquisa. A riqueza de um pensamento assim como seus impasses produzem-se sempre numa
complexa arquitetônica de múltiplas vozes que nos instiga a perscrutar. Preocupação epistemológica mas
também ético-politica na medida em que alguns textos de pesquisa nos dão a perceber a relação entre
o pesquisador e o seu outro num contexto cuja dimensão política se impõe a qualquer reflexão.
A questão das múltiplas vozes que habitam um objeto de pesquisa é anterior à escrita. Trata-se na
verdade de uma questão que está na própria gênese do objeto. Todo objeto a ser falado por um pesqui-
sador é um objeto já falado por outros e é no interior dessa arena que o constitui que o pesquisador vai
tentar se posicionar . Esse é um aspecto fundamental que aparece, por exemplo, quando se trabalha na
formação de novos pesquisadores. Com meus alunos de pós-graduação, por exemplo, tenho observado
que, na maioria das vezes, eles chegam com uma imensa dificuldade em formular um objeto de pesquisa
e que essa dificuldade se deve ao fato de estarem como que “colados” a suas próprias interrogações
sem se darem conta de que o objeto não é virgem e não lhes pertence: ele é lugar de circulação de uma
história e de um saber coletivos.
Na minha experiência, a primeira coisa a ensinar para um aprendiz pesquisador tem sido aquilo que
chamo de “convocar a arena”: instalar a cena coletiva em que certas interrogações têm sido postas por
diferentes autores pois, somente ali, elas podem fazer sentido. Somente após ter feito falar e discutir
entre si os diferentes autores que atravessam um objeto é que o pesquisador pode tentar ouvir sua
própria voz : uma voz que pouco a pouco vai abrindo um lugar na arena.
Entretanto, quando se leva em conta a afirmação fundamental de Bakhtin de que o próprio objeto
das Ciências Humanas é ele mesmo discurso, tem-se aí, não apenas um objeto já falado e a ser falado,
mas também um objeto falante.
O texto de pesquisa vai assim se constituindo como verdadeira polifonia, com muitos outros habitando
o pensamento e a escrita e dando margem a que se leia ou que se ouça aquilo que chamo de ocorrências
de alteridade. Dentre as múltiplas ocorrências, gostaria de me deter em duas delas que são, ao mesmo
tempo, menos aparentes e mais radicais: de um lado, uma certa voz, e, de outro, um certo silêncio.
Primeira parte
A voz que gostaria de examinar é a voz do autor/pesquisador que, segundo Bakhtin, se pode distinguir
da voz do locutor ou narrador de um texto. A do locutor é aquela que diz eu ou, como é frequente no
texto de pesquisa, aquela que diz nós ou que emprega a terceira pessoa. Ela se distingue da voz do autor
mesmo nos textos autobiográficos e Bakhtin o sublinha com humor: “A identidade absoluta de meu eu
com o eu de que falo é tão impossível quanto suspender-se pelos próprios cabelos!”1 Isto não quer dizer
que não se possa ouvir a voz do autor no texto; simplesmente ela não está lá onde se acredita. Ela não
está naquilo que relata ou argumenta o locutor, por mais sincero que ele possa ser. O locutor é sempre
um personagem, criatura criada, enquanto que a voz do autor está em todo lugar e em nenhum lugar
em particular. Mais precisamente, ela pode ser ouvida ali onde está o ponto crucial de encontro entre a
forma e o conteúdo do texto. Quando se lê um texto e que se consegue identificar a relação necessária
entre o que é dito e o como se diz, pode-se dizer que se encontrou a voz do autor.
*
Psicóloga, professora da Universidade de Paris-8. Autora do livro O Pesquisador e seu Outro, Ed. Musa, São Paulo, 2001.
1 BAKHTIN, M. Esthétique et théorie du roman, Ed. Gallimard, Paris, 1978, p.396.
2 PLEBE, A. e EMANUELE, P., Manual de Retorica, Ed. Martins Fontes, São Paulo, 1989.
3 LOUREIRO, I., O carvalho e o pinheiro – Freud e o estilo romântico, Ed. Escuta/Fapesp, São Paulo, 2002.
4 Citado por LOUREIRO e sublinhado por mim.
5 CERTEAU, M., L’invention du quotidien. Arts de faire, Ed Gallimard, Paris, 1990.
6 Citado por LOUREIRO.
RESUMO
A concepção interacional ou dialógica da linguagem considera os sujeitos atores sociais, no qual o
texto passa a ser lugar de interação.O dialogismo é percebido no texto escrito por meio de estratégias
discursivas que assumem funções interpessoais. O objetivo deste trabalho é discutir a concepção dialó-
gica de Bakhtin ao analisar estratégias discursivas interpessoais utilizadas pelo produtor na construção
do texto acadêmico para sinalizar a interação com o leitor. As análises foram realizadas em oito teses de
doutorado na área de análise do discurso escritas em inglês e português. O estudo revelou que o texto
acadêmico na área de ciências humanas é interativo em diferentes graus e formas e que a interação é
sinalizada pelo produtor através de várias estratégias discursivas.
ABSTRACT
The interactional or dialogic conception of language regards subjects as social actors, in which the text
is the site of interaction. The dialogism is perceived in the written text by means of discursive strategies
which fulfill interpersonal functions. The aim of this paper is to discuss Bakhtin’s dialogic conception by
analysing discursive interpersonal strategies used by the writer in the writing of academic text to signal
the interaction with the reader. The analyses were done in eight doctoral dissertations in the area of
discourse analysis in English and Portuguese. The study revealed that academic text in the area of hu-
man sciences in both languages is interactive in different degrees and forms and that the interaction is
signaled by the producer by means of several discursive strategies.
0. Introdução
A concepção interacional ou dialógica da linguagem (Bakhtin 1992) considera os sujeitos como atores
sociais, no qual o texto passa a ser lugar de interação. Tais atores (interlocutores) aqui denominados
produtor e receptor são sujeitos ativos, que dialogicamente se constroem e são construídos no texto.
Nessa perspectiva, a interação é definida como um fenômeno intersubjetivo, que envolve a produção e a
interpretação da linguagem por indivíduos que ocupam lugares ou posições em um contexto social especí-
fico. Para Bakhtin (1992), o texto define-se pelo diálogo entre os interlocutores e pelo diálogo com outros
textos (da situação, da enunciação) e só dessa forma, dialogicamente, a significação é construída.
A escrita acadêmica pode ser uma evidência visível de dialogismo entre um produtor acadêmico com
os seus leitores (alunos ou colegas especialistas da área), no qual o produtor controla essa interação e
tenta demonstrar o estado de conhecimento em uma disciplina particular a fim de que seu leitor possa
ter uma visão coerente dessa disciplina, como também de persuadi-lo da verdade das informações e
alegações apresentadas.
Para que o diálogo ou interação se realize, o produtor do texto utiliza-se de estratégias discursivas
para orientar o leitor de como interpretar as relações entre os segmentos do texto e de como perceber as
intenções e posicionamentos do produtor (Bakhtin, 1992, Hoey, 2001; Halliday, 1985; Hyland, 1999).
Este artigo tem por objetivo investigar como se realiza a interação verbal através das estratégias in-
terpessoais que o produtor, enquanto autor, se utiliza na construção de significados do texto acadêmico,
especialmente produzido no contexto universitário, ao analisar teses de doutorado escritas por nativos
de inglês e português na área de análise do discurso.
1. Pressupostos teóricos
No final da década de 20, a linguagem passa a ser estudada como processo de interação verbal (Bakhtin,
1953/1992) e não mais na dualidade língua/fala dicotômica apregoada por Saussure. Nessa visão, a
língua é considerada um fato social que se apóia nas necessidades de comunicação entre os humanos.
Para o autor, a língua é uma atividade, um processo criativo que se materializa pelas enunciações e cuja
Como se pode perceber, os exemplos acima revelam que a constituição do discurso científico-acadê-
3.3- Modificadores avaliativos: Uma forma de o locutor interagir com o leitor no texto acadêmico é
por meio do uso de modificadores avaliativos que se refere ao julgamento ou apreciação mais subjetiva
que este faz do enunciado, apresentando-os como bons, ruins, estranhos, excelentes, interessantes,
na visão da instância que avalia. Este tipo de avaliação tem a função de mostrar o valor e relevância do
processo de pesquisa e de construção de conhecimento (Hunston, 1989, 1994). Nesta perspectiva, o
pesquisador avalia tudo que faz parte do processo de pesquisa e elaboração do texto acadêmico-cien-
tífico: suposições, hipóteses, teoria e resultados ao interpretar os dados. Ao analisar os dados, perce-
beu-se que a interação nas duas línguas é marcada predominantemente pelo uso de adjetivos, às vezes
modificados por advérbios, no qual o julgamento de valor e relevância por parte do produtor ocorre de
maneira explícita ou implícita nos enunciados. Vale a pena ressaltar que a estratégia avaliativa ocorre em
todas as seções dos capítulos das teses, revelando que a natureza do texto acadêmico é essencialmente
avaliativa. Por exemplo:
3.1 The problem is particularly acute for various African countries… (TLI 2, Ch. 2., p.32)
3.2 An important contribution to an understanding of how the ideology of objective science
is maintained is made by the essential unity of status and value as sub-categories of eva-
luation. (TLI 1, Ch.8, p.379)
3.3 Constatamos, assim o quanto é insuficiente e insatisfatório aceitar a referência como uma
relação direta entre “as unidades do léxico e as coisas do mundo.” (TLP 2, Cáp. 2, p. 73)
3.4 De qualquer forma, é importante e imprescindível registrar que não foi uma tarefa fácil,
muito pelo contrário, eliminar todos os pontos de interrogação que foram ficando pelo ca-
minho no decorrer dos primeiros exercícios de análise. (TLP 1, Cáp. 5, p. 115)
3.5 As expressões anafóricas são, na verdade, incompletas,... (TLP 2, Cáp.2, p. 73)
Alguns substantivos foram também usados: facility, attention, success, performance, interest (posi-
tivo) e problem, difficulty, criticism, discrepancy (negativo).
Advérbios modificadores de adjetivos: most, well, clearly, specific, perfectly, potentially, slight, ge-
nerally, greatly, largely, significantly, poorly, consistently.
Na língua portuguesa, os adjetivos mais usados nas teses para avaliar os enunciados foram:
útil, importante,essencial, bom, óbvio, difícil, imprescindível, fundamental, justo, sensato,
coerente, viável, relevante (avaliação positiva)
Nos exemplos, percebe-se que através das metáforas, o produtor do texto acadêmico transfere cons-
ciente ou inconscientemente um conceito apreendido por meio de experiência de vida para outra esfera
ou área de conhecimento. Assim, ao afirmar que os conceitos da retórica sofrem reformulações, que os
ofícios não são formas engessadas de gênero textual, que as tendências frutificam, que uma determinada
década testemunhou um movimento e que o discurso tem uma gênese revelam o processo de interação
entre o termo metafórico e as demais palavras presentes no enunciado. Kuhn (1993) reconhece o papel
da metáfora na ciência como sendo um processo interativo de criação, no qual o produtor faz uma jus-
taposição ou dos termos ou de exemplos concretos a uma rede de similaridades que ajuda a determinar
a maneira na qual a língua vincula-se ao mundo. Em outras palavras, a metáfora representa um papel
essencial ao estabelecer ligações entre linguagem científica e o mundo, e dessa forma, constitui-se em
uma estratégia argumentativa para convencer o interlocutor através de representações de conceitos e
experiências do mundo.
Uma análise dos dados deixa claro que as evidências lingüísticas usadas pelos produtores-pesquisa-
dores têm duas funções principais no texto: a de relatar e explicar um outro discurso e a de avaliar ou
apreciar o conteúdo temático investigado revelando a natureza do discurso acadêmico.
No caso específico das estratégias interacionais apresentadas neste trabalho, percebe-se que elas têm
a função de avaliar ou apreciar e revelam que o diálogo e a interação entre produtor e receptor podem se
dar em diferentes formas e graus que representam aspectos menos interativos ao mais interativos para
realizar o componente interpessoal. Nas passagens em que os produtores usam explicitamente marcas de
referências pessoais, através dos pronomes e verbos de 1a pessoa e 2a. pessoa, reconhece-se a presença
de ambos o produtor e o receptor no texto. Para Smith Jr. (1985:243), é necessário fazer distinção entre
os usos de pronomes de 1a. pessoa do singular e plural (I/we ou eu/nós). Para o autor, quando “we”
é usado em sentido ‘imperial’ para criar autoridade por parte do escritor, a técnica de distanciamento
está sendo usada para produzir o efeito de maior formalidade na interação escritor-leitor. Quando, por
outro lado, “we” é usado no sentido ‘inclusivo’ no qual o leitor é envolvido, a forma pronominal pode ser
considerada mais interativa do que a forma do singular “I/eu”, uma vez que o leitor se percebe fazendo
parte do diálogo estabelecido no texto.
No entanto, a forma mais interativa é a inclusão da 2a. pessoa junto com a 1a e 3a. pessoas, pois a
2 . pessoa é considerada mais interativa desde que este uso sinaliza a presença explícita do leitor no
a
texto. O uso do “you/você” pressupõe o uso do I, estabelecendo uma relação de alteridade, de diálogo
(Bakhtin, 1992). Nos dados analisados, predominou o uso do “we”, ora no sentido imperial ora no sentido
inclusivo. Apenas duas teses escritas em inglês, o escritor marcou sua presença através do pronome
“I”, especialmente na introdução, nos capítulos teóricos e discussão, estabelecendo a interação com o
interlocutor.
A interação é também percebida pelo uso dos modificadores avaliativos (adjetivos e advérbios), mo-
dalizações (verbos e advérbios modais e frases impessoais) e metáforas lingüísticas, os quais, mesmo
não marcando a presença explicita do produtor pela forma do pronome pessoal de 1a. pessoa do singular
e plural, seu julgamento e posicionamento no texto é revelado através das formas lingüísticas indicando
conceitos, experiências, valor, status e relevância das proposições apresentadas nas teses.
Vale a pena ressaltar que a voz do verbo também realiza o componente interpessoal. A voz passiva
é usada para focalizar no objeto da atividade de pesquisa e apagar o seu agente. Isto é explicado pela
busca da objetividade do texto, que o torna menos interativo, no qual o que é importante é “o que foi
feito”, não “quem fez o quê”. Com relação a este aspecto, houve uma predominância pela voz ativa nos
capítulos teóricos e de discussão e no capítulo de metodologia nas duas línguas em foco, o qual tem a
função de descrever os procedimentos de realização da pesquisa.
4. Considerações finais
Tendo em vista os resultados apresentados, verifiquei que através das marcas lingüísticas, pode-se
identificar várias estratégias interacionais usadas pelos escritores nas teses analisadas nas duas línguas
– inglês e português. Essas marcas léxico-gramaticais que facilitam a interação escritor/leitor no texto
acadêmico variam em um continuum de estratégias mais interativas às menos interativas. Como mais
interativas, destaco aquelas que envolvem a presença do leitor (pronomes de 2a pessoa e imperativos)
e a presença do escritor (pronomes de 1a pessoa do singular e plural, modificadores avaliativos, modali-
zações e dêiticos) e menos interativos, o uso de construções na voz passiva, que indicam o apagamento
da presença do escritor no texto. Ficou também evidente que a maioria dessas estratégias são usadas
pelo produtor para apresentar sua avaliação e apreciação do conteúdo temático das teses, o que revela
um certo grau de subjetividade no texto acadêmico.
Unioeste/Campus de Cascavel
Endereço Residencial: Av. Água Verde, 2.469 – Ap. 502 – Vila Izabel
RESUMO
A partir de conceitos e procedimentos da corrente francesa da Análise do Discurso, o artigo apresenta
resultados preliminares de pesquisa que busca identificar as fontes do dizer dos sujeitos-professores, em
momentos em que estes estão envolvidos com o processo de “discursivização” de sua prática docente:
durante cursos de formação-em-serviço. As análises das perguntas dos professores cursistas levam em
consideração a natureza polifônica dos enunciados que, como tal, “não podem deixar de tocar os milhares
de fios dialógicos existentes, tecidos pela consciência sócio-ideológica em torno de um dado objeto de
enunciação” (Bakthin, 1975), no caso, as considerações em torno do “ensinar língua portuguesa”.
ABSTRACT
With concepts and procedures from the French Discourse Analysis, this article shows preliminary re-
sults from a research which aims to identify the sources of the teachers-as-subjects´ voices, in moments
when they are involved in the discursive process of their educational practice: during formation-in-service
courses. By the analyses of the professors’ questions, it is taken in consideration the polyphonic nature
of the utterance, which “cannot fail to brush up against thousands of living dialogic threads, woven by
socio-ideological consciousness around the given object of an utterance” (Bakthin), in this case, the
considerations about “teaching Portuguese language”.
INTRODUÇÃO
CORTE/CENA 1:
Ano 2000.
Região Oeste do Paraná.
Curso de formação-em-serviço para professores de língua portuguesa.
A pedido do grupo de 30 participantes, o docente organiza os conteúdos de forma a contemplar
o trabalho com textos na sala de aula. Para encaminhar as discussões, são tratadas questões relativas a
CORTE/CENA 2:
Mesmo curso.
Outro momento de discussão.
A Professora G.P., 7 anos de atuação no ensino fundamental na zona urbana, formada em Licenciatura
Plena em Letras há 6 anos, questiona:
- Agora, com os PCNs, todo mundo tem que dizer que trabalha com texto. Eu já trabalho
faz tempo! Mas, acho que se perdeu muita qualidade no ensino da Língua Portuguesa. Hoje,
os alunos estão piores do que quando comecei! Por que eles continuam a falar e a escrever
errado?
(... )1
1 Exemplos obtidos a partir de reconstituição de curso de formação para professores do ensino fundamental de municípios da região oeste do Paraná,
ministrado pelo autor e promovido pela Associação Educacional do Oeste do Paraná - ASSOESTE, em março de 2.000, na cidade de Cascavel/Pr.
Uma de minhas hipóteses iniciais é a de que, nos cursos de formação-em-serviço, ecoam múltiplas
vozes, como um saber discursivo que torna possível todo dizer e que aí retorna, sob a forma do pré-
construído, do já-dito que está na base do dizível, sustentando cada tomada de palavra. Ou seja, estaria
aí o interdiscurso (Pêcheux, 1975), disponibilizando dizeres que, por sua vez, vão afetar o modo como
o sujeito – através de seus dizeres – significa, em uma situação dada.
Durante os debates do Colóquio de Paris, em 1983 (cf. Achard, 1999), Pêcheux destaca que,
no que concerne à estruturação da materialidade lingüística complexa, estendida em uma dialética da
repetição e da regularização, a memória discursiva seria aquilo que
face a um texto que surge como acontecimento a ler, vem restabelecer os “implícitos” (quer
dizer, mais tecnicamente, os pré-construídos, elementos citados e relatados, discursos-
transversos, etc.) de que sua leitura necessita: a condição do legível em relação ao próprio
legível (op.cit., p. 52),
aproximando-a, portanto, ao conceito de interdiscurso da AD. Ainda para Pêcheux, a questão estaria
em saber onde residem esses implícitos, que estão “ausentes por sua presença” na leitura da seqüência:
estariam eles disponíveis na memória discursiva como em um fundo de gaveta, um registro do oculto?
Lembra ele que, para Achard, sob uma forma estável e sedimentada haveria, sob a repetição, a formação
de um efeito de série pelo qual uma “regularização” se iniciaria, e seria nessa própria regularização que
residiriam os implícitos, sob a forma de remissões, de retomadas e de efeitos de paráfrase. Acontece que
(alerta Achard), essa regularização do legível é sempre suscetível de ruir sob o peso do acontecimento
discursivo novo, que vem perturbar a memória. De tal sorte que Pêcheux propõe haver sempre um “jogo
de força” na memória, sob o choque do acontecimento: uma força que visa a regularização (estabilização
parafrástica), mas também uma força de “desregularização”, que perturba a rede dos implícitos.
Assim, aponto aqui a hipótese (a ser melhor definida e estudada ao longo da pesquisa) de que os
2 Aqui referidas enquanto movimentos que permitem, respectivamente, o “fechamento” e a “abertura” de novos efeitos de sentido.
3 Dada a interdependência com que, no campo teórico da AD, estão relacionados os conceitos que preliminarmente relaciono como pertinentes à questão,
a seguir apresento-os a partir de uma tentativa de articulação entre eles, ao invés de conceituá-los isoladamente.
Trata-se aqui de marcar a relação com o interdiscurso como definidora da chamada heterogeneidade
constitutiva do discurso. Assim, a formação discursiva é o lugar de um trabalho no interdiscurso, um
processo de reconfiguração incessante, pelo qual uma formação discursiva incorpora elementos pré-cons-
truídos, produzidos fora dela, estabelecendo com eles, a partir de seus próprios elementos, um processo
que pode incluir repetição, redefinição, redimensionamento e, também, eventualmente, apagamento de
determinados elementos. Nos termos de Maingueneau, um discurso não nasce do retorno às próprias
coisas ou ao bom senso, mas de um trabalho sobre outros discursos.
Assim, quando uma formação discursiva faz penetrar seu Outro (i.e., o discurso-outro, da outra
formação discursiva) em seu próprio interior, ela está como que “traduzindo” o enunciado deste Outro,
interpretando-o através de suas próprias categorias. Há, aí, um processo de polêmica entre formações dis-
cursivas, no qual cada uma só pode relacionar-se com o Outro através do simulacro que dele constrói:
Cada uma das formações discursivas do espaço discursivo só pode traduzir como ‘negativas’,
inaceitáveis, as unidades de sentido construídas por seu Outro, pois é através desta rejeição
que cada uma define sua identidade (op. cit., p.122)
É necessário destacar ainda que esta natureza heterogênea é ignorada pelo sujeito. Ela está ligada à
ilusão subjetiva da fala, que interpela os indivíduos em sujeitos-falantes, fontes do seu dizer.
As considerações acima em torno da heterogeneidade constitutiva do discurso implicam em que o
objeto do analista não é uma formação discursiva única, exclusiva e fechada, mas o interdiscurso, a
interação dialógica entre formações discursivas. Não se pode distinguir as formações discursivas de um
lado e suas relações por outro, pois
... toda unidade de sentido, qualquer que seja seu tipo, pode estar inscrita em uma relação
essencial com uma outra, aquela do ou dos discursos em relação aos quais o discurso de
que ela deriva define sua identidade. (op. cit., p.120)
Por outro lado, em âmbito nacional e em diferentes estados, surgem propostas pedagógicas que vão
assumindo (e re-significando) esse “discurso novo” – as vozes estatais/oficiais5. Por sua vez, cursos de
formação inicial (magistério/licenciaturas) – em certo sentido, no entremeio destas vozes – reproduzem e
“repassam” esses discursos. E, como instâncias “tomadoras da palavra”, contribuem para o fechamento
e abertura de sentidos.
E este processo
é sempre particular, singular e orientado por duas fontes fundamentais: a fala do locutor,
isto é, seus enunciados, e as categorias prévias e historicamente incorporadas pelo
interlocutor (suas palavras) com as quais constrói a compreensão [grifos meus]
(op. cit., p. 44).
Nas perguntas, suponho poder encontrar, a partir (não só, mas também) das marcas da heteroge-
neidade mostrada (ironia, paráfrases, uso de operadores argumentativos, modalizadores, marcadores
de pressuposição, etc,) – em meio à emergência das diferentes vozes que conformam identidades do
sujeito-professor, das imagens do objeto que ensina – as vozes que, enfim, participam da constituição
do discurso novo.
De volta às cenas iniciais – Um esboço de análise
De imediato (e retomando as cenas apresentadas no início deste texto), lanço algumas hipóteses
que indicam que as perguntas dos professores ecoam diferentes discursos em torno do ensino de língua
materna:
4 Mesmo não pretendendo ater-me longamente aos movimentos internos à construção destas propostas (o que fugiria ao tema específico ora proposto)
são considerados e tomados como representantes exemplares da “voz oficial” o “Currículo Básico para a Escola Pública do Paraná” (1990) e os “Parâmetros
Curriculares Nacionais” (1998).
5 Concepção pedagógica proposta por Saviani (1983).
6 Quanto à ocorrência de um item lexical específico nas “práticas linguageiras”, reporto-me a Achard (1999), que o considera não só como uma “unidade
em si mesma”, com uma identidade que o permite ser reconhecido nos diferentes contextos em que surge, mas também como “uma unidade simbólica cujo
reconhecimento a identificação permite definir em termos de repetição. Cada nova co-ocorrência dessa unidade formal fornece então novos contextos, que
vêm contribuir à construção do sentido de que essa unidade é o suporte”.[grifos meus] (op. cit., p. 14). A meu ver, a co-ocorrência do termo “gramática”,
aqui tematizada, pode ser tomada como exemplo deste processo.
Rep. Argentina
Proponemos una breve reflexión sobre el pensamiento bajtiniano a partir del estudio de las metáforas
de la vida cotidiana, entendidas como formas de construcción de la memoria y de la creación cultural.
Desde Bajtín podemos señalar que usamos a diario las metáforas como “palabra ajena”, palabras car-
gadas de evaluaciones y de historia. Palabras que repetimos, transcribimos, interpretamos, combinamos
en distintos contextos y situaciones, y que sin embargo, no pierden su fortaleza polifónica aún alejadas
de un texto primario o ausente.
Entendemos que la metáfora establece una relación dialógica dentro de la cultura, ya que por una
parte nos trae las voces de la vida cotidiana (los ecos, las entonaciones, los sentidos) y por la otra, intro-
duce de manera estilizada estas voces en otros textos de la cultura (literarios, mediáticos, publicitarios,
humorísticos, etc).
Se trata de la dispersión de un enunciado, de autoría desconocida muchas veces -pensemos en los
refranes, proverbios, dichos, comparaciones, apodos, etc.-, que ubicado en otro lugar, produce resul-
tados heterogéneos y diferente jerarquía de valores, aún cuando la reproducción tenga una estructura
linguística idéntica.
La tensión entre lo previo y el hallazgo, entre estatismo y dinamicidad, conjuga una doble operación
que muestra claramente que el lenguaje es cultural, objeto engendrado, sujeto a cambios y devenires,
que no se basta a sí mismo y que no tiene una forma única ni un solo sentido.
Las imágenes plásticas del mundo o las indagaciones concepuales -por más banales que sean en
nuestro pensamiento cotidiano- adquieren por ello la forma de metáforas.
En esta comunicación nos detenemos en las metáforas sobre el espacio, el cuerpo y la otredad como
parte de un universo de signos cultuales, plurilingues, que marcan la variedad axiológica con que cada
grupo define lo propio y lo ajeno, lo nuestro y lo de otros, el yo y el otro o el yo como otro.
Ancladas en una experiencia del mundo, las metáforas de la vida cotidiana buscan una razón para
decirlo -una explicación a lo que no puede expresarse con un lenguaje más limitado- y constituyen un
modo intersubjetivo de expresar la construcción ideológica de la historia y de lo social.
1- Acerca de vida cotidiana y uso metafórico del lenguaje
Sabemos que Bajtín y su grupo, en su discusión con el marxismo y el rechazo de la interpretación
mecánica del lenguaje y de la ideología, anticipan los estudios actuales de la función de los sistemas
semióticos de la cultura (Lotman, Uspenski y otros), entendiendio que el lenguaje verbal no es solo
medio de transmisión de significados, sino instrumento de constitución de la conciencia social, es decir,
de la intersubjetividad.
El signo verbal constituye para el Círculo de Bajtín, el material del que están hechas las relaciones
sociales, ya sean relaciones en la esfera de lo estético, como las relaciones del trabajo o de la vida co-
tidiana.
En su estudio de los enunciados, Voloshinov-Bajtin (1992), hablan del “contexto extraverbal de la
vida” en la que la palabra circula a nivel social, contexto que implica un “horizonte espacial” y un modo de
comprender las situaciones, que podemos entender como una forma de definir la vida cotidiana, el “labo-
ratorio social” donde las ideas se forman y constituyen por lo tanto, un nexo innegable con la praxis.
“La peculiaridad de los enunciados de la vida cotidiana consiste en que ellos mediante mi-
les de hilos se entretejen con el contexto extraverbal de la vida y, al ser aislados de éste,
pierden casi por completo su sentido” (1992:116).
Las metáforas de la vida cotidiana implican entonces “valoraciones sobreentendidas”, es decir, que
no están sometidas a discusión, aunque cuando migran, Voloshinov-Bajtín observan que “con toda se-
guridad se va preparando una reevaluación”. En términos bajtinianos, todo signo se caracteriza por su
Una recopilación de metáforas de uso cotidiano nos permiten leer el horizonte real en el que se produ-
cen estos enunciados y ver además que la metáfora semántica, se completa con la metáfora entonacional
y la metáfora gestual. Tal como señalan Bajtín-Voloshinov, éstas “muestran una actitud viva y enérgica
hacia el mundo exterior y hacia el medio social” (1992:121)
Decir: “Mi padre era muy recto” -como lo hace una de las entrevistadas en nuestra investigación1 y
simultáneamente enderezar la espalda contra el respaldo de la silla, refuerza el sentido de la metáfora
utilizada mostrando usos perceptivo-linguístico-gestuales, reglas de comporatamiento intersubjetivos y
construcciones ideológicas del mundo.
Una pregunta importante para nuestra investigación la formula Voloshinov de la siguiente manera:
“En qué se diferencia un enunciado verbal artístico de un enunciado cotidiano?”.
Ateniéndonos al pensamiento bajtiniano, la respuesta es que el enunciado artístico no tiene una
dependencia tan estrecha del contexto, como el cotidiano, aunque, como en toda manifestación de la
palabra, importan también los valores sobreentendidos.
De todos modos, hay una estrategia común en esta migración de la metáfora de la cotidianeidad a otros
textos: el autor escoge procedimientos de la creatividad cotidiana, que se muestran, como dice Micel De
Certeau, en la “construcción de frases propias con un vocabulario y una sintaxis recibidos” (1996:XLIV).
Más radicalmente, sabemos que Bajtín sostiene que todo discurso es discurso citado, recoge discursos
ajenos, palabras ya dichas y reelaboradas.
En los modos de expresión metafórica de los discursos diarios, en los que podemos leer rituales,
usos y funcionamiento de la memoria, formas de representación de normas y valores sociales, sucesos
y relaciones con las prácticas cotidianas, las metáforas, “tejido oral, sin propietarios individuales”, (De
Certeau, 1997) muestran claramente formas ideológicas de constitución de una cultura.
Por ello, y más allá de su labor de comunicación cotidiana, de información o de construcción estéti-
ca, creemos que las metáforas operan del siguiente modo: en primer lugar, muestran el trabajo de una
producción silenciosa; en segundo lugar, constituyen una forma de registro de la memoria colectiva;
en tercer lugar confirman los modos de reapropiación del lenguaje plural, polifónico, de una cultura; y
en cuarto lugar proponen formas de creación de mundos diferentes -”textos habitables” les llama De
Certeau- que arrastran modos sociales de interacción y contextos “vividos”.
La trayectoria, los desplazamientos de las metáforas de un lugar a otro, diseñan «figuras» diferentes,
en lugares casi sincrónicos, espacios en los que la “huella de lo real” se inscribe, el lugar en el que lo
ideológico se hace audible.
Las metáforas de uso diario organizan así, un conjunto de posibilidades y crean otras, es decir, des-
plazan formas conocidas sobrepasando los límites que las determinaciones sociales del lenguaje fijan a
su utilización.
Por lo tanto, no hay solución de continuidad, sino más bien un sistema de discontinuidades que crea
una retórica propia y que podríamos denominar en el orden teórico, como un “sistema de deslizamientos”
que podrían ser estudiados tanto por una Prosaica (Mandoki, 1994), como por la Estética.
Veamos un ejemplo en el que se condensan formas del tiempo que remiten a experiencias de vida:
Dece alguien a quien entrevistamos en su vida diaria: “Cómo se nota que viene el invierno. Los árboles
están casi desnudos. Se me ha puesto la vereda amarilla, vio?”2
Y un poema de Alfonsina Storni dice: “Arboles desnudos/corren una carrera/por el rectángulo de la
plaza...” (“Plaza en invierno”, en Antología Poética, CEAL, Buenos Aires,1980:81)
Se ve en el ejemplo, que la metáfora usada a diario puede ser entendida unívocamente por diferentes
receptores porque traen el recuerdo de un hecho temporal conocido, al menos en las culturas que com-
parten contextos similares (en nuestro ejemplo, climas donde la diferencia entre el verano y el invierno
es notable; no podría decirse lo mismo en el trópico); en cambio, modelos textuales complejos como los
artísticos, si bien parten de la misma metáfora (“Los árboles están desnudos”), admiten mayores casos
de ambigüedad y operan más fuertemente en las dinámicas culturales.
El segundo texto, se comporta de una manera no previsible. Se rompe la ley del discurso cotidiano
y se traspone a un espacio donde la metafora opera doblemente. Por una parte, rememora un hecho
natural; por otra se transforma y se carga de significaciones culturales: los árboles corren evocando el
1 Este trabajo resume alguna de las investigaciones realizadas por el equipo que, bajo mi dirección estudia “Lenguaje y cultura. Las metáforas de la vida
cotidiana, su transposiciÇón al arte y los medios” Facultad de Lenguas. Universidad Nacional de Córdoba.
2 El trabajo de campo con entrevistas y encuestas a sujetos pertenecientes a diferentes situaciones culturales y etarias, fue realizado por Laura Mottura y
María Eugenia Buteler.
Y para referirse al imaginario colectivo de la década menemista, en que se quiso hacer creer a los
argentinos que realemnte habíamos pasado a formar parte del llamado “Primer Mundo”, el mismo artí-
culo señala:
“Compraron espejitos de colores y se miraron en ellos por años, viéndose, durante un lapso,
rubios, altos y de ojos celestes.”
Cualesquiera de estas metáforas, hasta aquella que Wainfield llama “banal” -para nosotros, de uso
cotidiano- remite indudablemente a cuestiones culturales, y posee por lo tanto una actualidad que sería
difícil de comprender si no se conoce el contexto histórico de referencia.
De este modo, podría pensarse en una arqueología de las relaciones entre cuerpo y lenguaje -trabajo
interesante que excede largamente esta investigación-, y en la que cuenta tanto la historia individual
como social, lo que cada época ha cifrado en el cuerpo, y aquello que desde el cuerpo habla o es hablado.
No es desdeñable pensar formas culturales inscriptas en los cuerpos, que pueden leerse como señas,
La contemporaneidad de los textos que trabajamos en esta investigación3, nos permite situar en un
“estado dado del lenguaje”, aquellas metáforas que, centradas en el cuerpo, son de uso cotidiano, ya que
es justamente este uso el que permite leer el canon del cuerpo vigente en la actualidad y sobre todo,
las formas de prohibición, sujeción y normativización a la que éste es sometido.
Por ello señalamos modos posibles de pensar las formas culturales de “hacer figura” desde las metáforas
del cuerpo, asociando a éste con objetos que implican marcas sociales reconocibles para los sujetos.
Podemos señalar así, metáforas corporales que remiten a características personales -físicas pero
que aluden a lo psíquico- de los sujetos: “cabeza dura” o “abriboca”; metáforas corporales que exlican
condiciones sociales,
-básicamente del orden económico y su sanción moral-, y modos de vincularse con el mundo: “tener
las manos sucias”, “no tener dónde caerse muerto”, “andar con pie de plomo”; metáforas corporales que
remiten a experiencias subjetivas y/o colectivas de diferentes tipos, básicamente aquellas metáforas
a las que Dorra alude como de “la percepción sensible”: “partirse el corazón”, “derramar lágrimas de
cocodrilo”, “tener un nudo en la garganta/el estómago”, etc.
Acá podríamos hablar también de metáforas mucho más escatológicas, aquellas que en el lenguaje
“familiar y grosero” -como diría Bajtín-, tienen que ver con la alimentación, con los órganos sexuales,
con los orificios del cuerpo y sus funciones excretorias y con lo bajo corporal en general y que se expresa
siempre con un lenguaje transgresivo.
Además, metáforas que señalan las huellas del cuerpo en el espacio, la escritura del cuerpo en el
mundo, entendiendo a éste como un lugar en el que se dejan huellas: huellas digitales, huellas de pi-
sadas, rastros en los que se leen signos de los cuerpos: desechos, roturas, quemaduras, incisiones (en
árboles o muros), inscripciones, rastros de sangre, etc.
Lo señala una metáfora como la que utiliza Umberto eco en El nombre de la rosa: “La nieve es un
admirable pergamino en el que los cuerpos de los hombres escriben con gran claridad” (1992: 133)
La naturaleza metafórica de estas expresiones muestra claramente que la metáfora es siempre cultural,
puesto que quien lee la naturaleza es el hombre, codifica un saber y estructura la sucesión de los hechos;
más aún, lee en la naturaleza -la realidad, los acontecimientos del mundo- sus propias inscripciones.
Podemos citar también como ejemplos metáforas que usamos a diario: “el cuerpo del delito”, “la marca
de la piel”, “miradas que matan”, etc.
Son interesantes también el tipo de metáforas que tienen que ver con las formas de la es-
critura y de la lectura. Estas se asocian con las marcas (como inscripción, huella o traza) del
cuerpo y la palabra, estableciendo un paralelo entre el dominio corporal y el del lenguaje:
“me leyó el pensamiento”, “lo dicen sus ojos”, “lo lleva escrito en la frente”, “se le dibujó
una sonrisa”, “su discurso me marcó”, “su cara es un libro abierto”, etc.
Por último, sin que esta lista sea exhaustiva, metáforas asociadas a otras formas retóricas como la
personificación, la antropomorfización, las inversiones, las aliteraciones o los juegos de palabras que
otorgan cualidades del cuerpo a objetos inanimados o entes abstractos, lo cual muestra claramente de
qué manera construimos el mundo tomando como referencia el canon del cuerpo. Decimos “a boca de
jarro”, “el brazo de la justicia”, “el cuerpo de la ley”, “a ojo de buen cubero”, “los dientes del serrucho”,
“el pie de la lámpara”, “el pulmón del planeta”, “ciudad cabecera”, “el ojo del huracán”, “a pie de página”,
“el brazo del río”, etc.
2.2.Las metáforas de la otredad
En Bajtín siempre es el hombre, como sujeto dialógico, el que está en el centro de sus reflexiones.
Para Bajtín la alteridad se encuentra dentro del sujeto, él mismo es diálogo. Sabemos que la articu-
lación que realiza Bajtín es la de conciencia-lenguaje: el lenguaje es siempre ajeno, así que antes de
que la palabra se convierta en “propia” y se identifique con la conciencia individual, ya ha pertenecido
(3) Trabajamos novelas argentinas publicadas recientemente como Los planetas de Sergio Cheifec, Los años 90 de Daniel Link, Bajo otro cielo de Mó-
nica... y textos periodísticos referidos a la guerra contra Irak.
En “El problema del texto en la Linguística, la Filología y en otras Ciencias Humanas”, en la Estética
de la creación verbal (1998), hace hincapié en el problema de las fronteras entre las conciencias de los
sujetos productores de textos y entre los textos mismos y aborda las formas diferentes de relación del
hablante con el mundo, con los otros y con su propio lenguaje.
Su propuesta va a señalar la necesidad de estudio de los enunciados no solo en relación con el autor
sino en sus “nexos” con otros enunciados relacionados con él (eslabones anteriores y posteriores) y con
otros hablantes. Le preocupan especialmente las “interrelaciones entre el discurso ajeno introducido y
el resto del discurso propio” (1998:282).
Entonces, la presencia previa de la otredad -lo ajeno- es siempre la condición para el yo, y por lo
tanto, la condición de todo acto de enunciación.
Tanto en Bajtín como en otros teóricos contemporáneos (Derrida, Barthes), el elogio de la escritura
será en definitiva el elogio de la plurivocidad, de la ambigüedad, de las contradicciones y de las inquie-
tudes del lenguaje.
Una relación fuera del poder y fuera del yo autoritario que puede leerse en la palabra «otra», es decir
no solo en la palabra del otro, sino en mi palabra desdoblada en otra, impensable en la clausura.
El universo de signos que componen una cultura -textos con voz para Bajtín, textos-huellas para
Levinas o Derrida, textos plurilingües para Lotman-, marca la variedad axiológica con que cada grupo
define lo propio y lo ajeno, lo nuestro y lo de otros, el yo y el otro o el yo como otro.
Ello se debe a que los papeles valorativos de lo propio y lo ajeno están sujetos a cambios históricos
y en situaciones diferentes, yo y el otro, lo propio y lo de los otros cambian de posición. Más aún, en una
misma época, distintos estratos culturales construyen el mundo de manera diferente. Pensemos en la
idealización o la demonización de la metáfora del “hombre nuevo” como slogan de la Revolución Cubana,
en las décadas del 60 y 70 en los otros países de América Latina.
O sea que, hay dos cuestiones -una especie de doble fondo- implicado en la construcción de las
metáforas en relación con la problemática de la otredad: por una parte, la metáfora misma es ya una
“otredad”: está sostenida sobre otras voces (que puede haber borrado, estigmatizado o idealizado) y se
incorpora al discurso de los hablantes en la vida cotidiana como “palabra ajena”.
Por otra parte, las metáforas acerca del “otro” están cargadas de fuertes evaluaciones sociales y
culturales: el otro puede ser mi igual, puede ser diferente dentro de mi propia cultura, puede ser una
“alteridad radical” (Baudrillard, 1991) con valoraciones negativas o positivas.
En la vida cotidiana, usamos constantemente metáforas que hablan del otro y del cuerpo del otro, ya
sea que éste se entienda como complemento o en una relación de fuerzas hostiles y amenazantes. En
el primer caso, podemos citar metáforas tales como: “dar una mano”, “ser carne y uña”, “ser parte de
la sangre”, etc. En el segundo: “me enferma”, “es un gordo bruto”, “flaco hilacha”, “caí en sus manos”,
etc.
Notamos acá que la diferencia se marca como formas de la identidad -el otro íntimo, el “yo para mí”-
o como lo diferente -la alteridad radical-.
El lenguaje metafórico muestra claramente sus propias ambivalencias, pero por sobre todo apunta
a las ideologías sociales. No es solo posibilidad de encuentro con el otro, sino también uso del poder,
imposición, ley, remarca de las diferencias.
En vinculación con las metáforas anteriores, podemos señalar aquellas que hablan de políticas del
cuerpo o de inscripciones de lo político en el cuerpo: “agachar la cabeza”, “ponerse de rodillas”, “pensar
como mujer”, “ser bien macho”, “estar con los zurdos”, “actuar a cara descubierta”, etc.
También en el plano político podemos inscribir a muchos insultos, es decir, aquellas expresiones que
tienen que ver con actividades o usos del cuerpo condenados socialmente: “hijo de puta”, “maricón”,
4 Es por ello que en la versión inglesa, la palabra originaria rusa (otvietstviennost‘) ha sido traducida como “answerability”, es decir “responsividad”.
(Michael Holkist, Mikhail Bakhtin, Harvard University Press, 1984)
Este trabalho procura estabelecer um diálogo entre a trilogia Oréstia, de Ésquilo, o romance Abril
despedaçado, de Ismail Kadaré e a sua adaptação cinematográfica, que resultou na obra homônima,
dirigida pelo cineasta brasileiro Walter Salles. Para realizá-lo, pautei-me pela teoria da linguagem de
Bakhtin, enquanto fundamento epistemológico e, principalmente, pela utilização de seu método, que
implica numa análise totalizadora, envolvendo a história, os aspectos sociais e culturais e tudo o mais
que nos permita ver o mundo e consequentemente os textos que fazem a leitura deste mundo como um
acontecimento e não como algo já concluído. Nas palavras do próprio teórico: O texto só vive em contato
com outro texto (contexto). Somente em seu ponto de contato é que surge a luz que aclara para trás e
para a frente, fazendo que o texto participe de um diálogo. (Estética da criação verbal, p.404).
Esclareço que minha atenção para a relação entre as obras foi despertada pelo próprio Kadaré que na
obra Eschyle ou le grand perdant (ed. revue et augmentée, Fayard, 1995), faz uma espécie de ponte
entre Abril despedaçado e a obra de Ésquilo, ao mesmo tempo em que elabora algumas reflexões
sobre a tragédia e seus temas.
Como sabemos, a tragédia surgiu no século VI AC e depois de atingir um brilhante apogeu e adquirir
forma normativa, agonizou antes do fim do século V AC. Provavelmente desapareceu quando desapare-
ceram as condições espirituais e sócio-culturais que haviam propiciado o seu florescimento. Considere-se
que no século IV AC, a produção intelectual ateniense seguia novos rumos, pondo em crise os valores até
então vigentes. É a época dos sofistas e dos seus discursos filosóficos que dão nova direção aos ideais
de educação do povo ateniense. É ainda o momento de Platão e principalmente de Aristóteles que, no
Liceu, reelabora o passado e seus valores a partir de um pensamento sistemático. Assim, ao escrever
sua Poética – a primeira das grandes poéticas classícas – nos meados do século, Aristóteles já dispunha
de distanciamento histórico suficiente para ver a tragédia sob uma perspectiva especificamente literária,
definindo-a como um gênero canônico e, por outro lado, estava ainda bastante próximo para informar
com provável segurança que o gênero se formara a partir dos improvisos dos solistas dos ditirambos
que acompanhavam os rituais dionisíacos. (Poética, pg.41). Tais fatores deram indiscutível credibili-
dade ao discurso do filósofo. Bakhtin, por exemplo, em seu estudo “Epos e romance”, considera-o um
fundamento inquestionável e portanto um excelente ponto de partida inclusive para a reflexão teórica
sobre o romance. (100).
No entanto, ao longo dos séculos, a teoria aristotélica da tragédia tornou-se objeto de um ininterrupto
diálogo que lhe foi acrescentando inúmeros adendos e questionamentos, tendo o gênero servido de mote
para especulações filosóficas, fenomenológicas, estruturais, antropológicas, literárias e outras mais entre
as quais podemos colocar o discurso de Kadaré.
Ismail Kadaré é um escritor albanês que se radicou em Paris, em 1990, pouco antes da queda do
comunismo em seu país., transformando o exílio num lugar privilegiado de onde continuou a observar
e analisar o passado e o presente de sua terra. Suas obras, realistas ou metafóricas, têm sempre como
objeto a configuração da identidade albanesa. É o que se vê, por exemplo, em Dossiê H, Concerto no
Fim do Inverno, A Pirâmide, Os Tambores da Chuva e, talvez, com mais ênfase, em Abril despe-
daçado, publicado pela primeira vez em 1982.
Nesta última obra, Kadaré desenvolve uma história que se passa na região norte do país, na divisa
com o Kosovo, e que se caracteriza pela geografia especialíssima dos Alpes albaneses, íngremes e prati-
camente intransponíveis, condição que manteve sua população num isolamento tal que a fez conservar,
independente dos muitos conquistadores do território, uma cultura praticamente intocada, com hábitos
e leis próprias, que se diferenciam do restante do país. Seus personagens são os montanheses, às voltas
com um código de honra - o Kanun - que orienta as ações de toda a comunidade e movimenta o jovem
Gjorg na concretização de um destino em que nem a vontade nem o desejo têm qualquer papel. O Ka-
nun, segundo nota de apresentação ao romance é uma espécie de código de direito consuetudinário,
uma verdadeira constituição da morte, de origens medievais. Ele impera neste universo que rejeitou a
justiça estatal em prol de uma justiça moral e em que sangue se cobra com sangue. Todas as ações são
previstas no Kanun e se algo foge à codificação, deverá ser resolvido pelo juiz de sangue, herdeiro de
um conhecimento ancestral.
Numa atividade um tanto bissexta de ensaísta, as preocupações de Kadaré também se voltaram para
Este tom do discurso se repete ao longo da narrativa. Bessian, estilizado enquanto um escritor, utiliza
uma linguagem que é a do especialista no mundo épico e trágico. Didaticamente ele vai apontando para
sua jovem esposa a semelhança entre estes e a região que percorrem, ao norte da Albânia, fazendo
uma espécie de contraponto explicativo para a primeira narrativa. Como são ambos originários da capi-
tal Tirana, as observações e os comentários são inicialmente, doutorais, de fora para dentro. À medida
porém em que ambos vão penetrando naquele “reino da morte”, dominado pelo Kanun, e deparam-se
com vários signos da morte, os seus sentimentos transformam-se. A morte pouco a pouco vai ganhando
espaço e a narrativa ganha um tom trágico que atinge seu clímax no momento em a carruagem de am-
bos – vista pelos camponeses como um estranho carro fúnebre – se cruza com Gjorg, na sua caminhada
para a morte. O encontro tem um efeito devastador para a sensibilidade de Diana e também para Gjorg.
Aos poucos, ela passa a sentir também, como o camponês, que “a vida não é mais do que uma licença
para a morte”. Para o homem condenado à morte, o olhar de Diana é uma luz que ele quer rever antes
do fim. Este elemento, de características românticas, pode ser apreendido enquanto romancização da
tragédia.
Na adaptação cinematográfica, Salles abriu mão da duplicidade narrativa. O filme é linear, no entanto,
houve um aproveitamento bastante criativo dos personagens Bessian e Diana, que se transformavam
nos brincantes Clara e Salustiano. Ao contrário da função daqueles, estes dois personagens vão trazer,
com o que eles representam de liberdade, toda uma nova possibilidade à trama narrativa e seu desfecho.
Assim, ao contrário da visão inexorável do tragédia e do romance onde a morte é o único fim possível,
Walter Salles vê uma outra saída possível, que se realiza através do amor. Não só pelo amor entre Tonho
e Clara, mas, principalmente pelo amor de Pacu – o bode expiatório - cuja morte em substituição à de
Pretendemos, neste estudo, analisar a construção da imagem feminina apresentada na seção “Veja
essa”, das edições 1775, de 30 de outubro de 2002, e 1776, de 6 de novembro do mesmo ano, da Re-
vista Veja. Tal construção chamou-nos a atenção, a princípio, pelo modo aparentemente pejorativo com
que o discurso apresenta a mulher, colocando o feminino como um objeto duplamente disforizado pelo
texto sincrético¹ que a revista estampa: imagem e texto verbal convergindo para uma mesma ideologia.
Essa disforização se aprofunda, se a figura feminina é comparada às figuras masculinas que a cercam,
perpetuando uma ideologia machista que coloca a mulher no patamar dos produtos feitos para consu-
mo, exposta em uma vitrine onde apenas a aparência conta e onde deve ser exibida, em detrimento de
sua essência. Buscamos observar a ideologia implícita nos textos analisados, pensando no diálogo de
vozes que constitui todo e qualquer enunciado concreto em que não há espaço para a neutralidade (Cf.
SOUZA, 1999, p. 119), e considerando que essa ideologia tem sido reforçada pelas próprias mulheres
que com ela pactuam.
Na seção “Veja essa” da revista do dia 30 de outubro, há a fotografia de Luciana Gimenez ocupando
o espaço quase total da primeira coluna da página 112. Luciana Gimenez é mostrada em trajes exíguos,
que mal cobrem os bustos fartos, e numa saia vermelha bastante ajustada terminando em linha diagonal
na barra. A frase em negrito que identifica a figura da fotografia é: “Estado civil: encalhada”, e o nome
da autora, Luciana Gimenez, aparece em negrito e itálico, seguido do aposto em itálico “apresentadora
de TV, na revista Boa Forma, de novembro”.
Na página 113 há, com equivalência de espaço visual, outra figura feminina identificada na legenda,
em negrito e em itálico, como Sheila Carvalho, seguida do aposto em itálico “A morena do grupo É o
Tchan!” A frase em negrito e entre aspas indica que a fala da própria figura é: “Estou namorando. Tam-
bém sou filha de Deus”. A fotografia apresentada privilegia o corpo semidesnudo da cantora e bailarina
do Grupo “É o Tchan”, usando calcinha e sutiã de renda branca, sendo o sutiã com alça de silicone e a
calcinha com sustentáculos de silicone. Fora isso, vale apenas e tão-somente a plástica exibida de Sheila
Carvalho que, tal como Luciana Gimenez, ostenta formas apolíneas, o ideal da figura de Apolo articulado
por aquilo que a mídia tem construído nos últimos tempos: a mulher de formas fartas, um corpo artifi-
cialmente emagrecido, turbinado, siliconado.
Por sua vez, na Veja de 6 de novembro temos, em equivalência de espaço visual, ou seja, mais da
metade da página, outra fotografia, desta vez de Ellen Rocche, também identificada pela legenda em
negrito e itálico, de onde emerge o aposto “modelo”. Sua fala, em negrito e entre aspas, é: “Meu corpo
é uma dádiva de Deus”, fala que perpetua a ideologia do corpo de formas perfeitas como a imagem ideal
para a mulher. Ellen Rocche veste uma saia que mal cobre as partes genitais e seu busto explode atrás
(ou na frente) de um sutiã que tem dificuldade de sustentar a fartura dos seios.
Por sua vez, na mesma edição, à página 35, temos a fotografia que recorta a atriz Winona Ryder, com
a sua fala reproduzida entre aspas: “Meu diretor me orientou a roubar lojas para fazer o papel”, e logo
em seguida a identificação Winona Ryder, em negrito e itálico, seguida do aposto “atriz americana”, em
itálico, explicando que o roubo de 5.500 dólares em roupas que praticou na loja Saks era “laboratório
para compor uma personagem de seu próximo filme”. A atriz americana, diferentemente das três figuras
femininas fotografadas nos outros exemplos citados, veste uma roupa de noite, um vestido longo reco-
berto de pedras, sobre o qual supostamente ela joga um xale que, no momento da fotografia, cai sobre
seus braços, de um dos quais pende uma bolsinha de noite, compondo um traje de gala. Winona ocupa,
em termos de extensão de página, espaço menor do que aquele reservado para as mulheres brasileiras
que esbanjam o apelo erótico.
Considerando que nada é gratuito no texto, considerando o olhar sincrético, ou seja, o leitor lê o ver-
bal articulado ao visual, considerando que a mídia fabrica mundos, observamos, nesses dois exemplares
de Veja e nessas quatro figuras femininas recortadas, um modo próprio de construir o mundo, em que
a figura da mulher ocupa um lugar na cena enunciada, lugar este que se enquadra numa topologia de
inferioridade dada por aquele narrador implícito da página da seção “Veja essa”, da Revista Veja, narrador
que é o delegado direto do sujeito da enunciação (Cf. FIORIN, 1996, p. 63-65).
1 Entende-se por texto sincrético o enunciado que, pressupondo apenas uma única enunciação, expressa idéias por meio de convergência do verbal e do
visual.
EU
Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida...
Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...
Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...
Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!
Depreendemos, desse soneto, a angústia pela falta do sujeito enamorado. O modo de construção
dessa angústia remete ao “eu” lírico que assume a própria falta, o que o torna trágico, portanto mítico.
Em “Veja essa”, tal modo de presença não acontece. A tragicidade do mito da falta desaparece por trás
das expressões de Luciana Gimenez, de Sheila Carvalho e de Ellen Rocche, dadas no visual, expressões
que aparecem estáticas em sorrisos idênticos: a estaticidade do preenchimento da falta em uma ima-
gem que, para ter sucesso, não se constitui como sujeito da dor, nem na aparência, nem na imanência.
Simulacros.
Considerando com Bakhtin que o signo é a arena de conflito de classes sociais (cf. BAKHTIN, 2002,
p. 46), podemos depreender que, entre Luciana Gimenez, Sheila Carvalho e Ellen Rocche, foi recortado
o mesmo modo de presença, o mesmo ethos: essas três figuras não são individualidades, são apenas
uma entidade midiática.O texto de Florbela Espanca, por outro lado, remete ao mundo que se confronta
a este, midiático, da revista em pauta.
Resumo I
O discurso em primeira pessoa das personagens do conto “Perdidos e Achados”, de Osman Lins, a
representação simbólica de suas identidades, a autonomia das histórias por elas narradas configuram-nas
como personagens-narradoras, sujeitos-consciências inter-relacionados no espaço físico-geográfico e no
espaço social da linguagem, mas independentes na expressão de sua visão de mundo e trajetória parti-
cular. Cada uma dessas personagens passa a narrar sua história.. São essas várias vozes apresentadas
que caracterizam o polifonismo nesse texto, mas apenas as vozes e consciências são múltiplas, não os
destinos, que estão em igualdade pelos problemas enfrentados. Mesmo nessa igualdade, as consciên-
cias continuam independentes, autônomas, sem perderam sua individualidade. A polifonia faz com que
a narrativa se volte para a coletividade, ou seja, não é apenas a voz de um indivíduo, mas várias vozes
que se impõem à medida que lhes é oportunizado o direito de expor suas idéias. Esse recurso técnico
utilizado por Osman Lins possibilita a uma multiplicidade de personagens terem acesso à voz narrativa;
é a literatura que se volta para o coletivo, deixando de dar aquele enfoque psicológico e minucioso à
personagem principal.
Resumo II
Poliphony and Dialogism in “Perdidos e Achados”: The narrators’ first person point of view in “Perdidos
e Achados”, a short-story by Osman Lins, as well as the symbolic representation of their identities and
the autonomous traits displayed by the stories each narrator tells, make them function both as charac-
ters and narrators. Such aspects allow one to perceive each narrator as an interrelated consciousness,
not only within the phisico-geograpical space, but also, within the language’s social space.The narrators’
worldview remains independent, but their fates are similar in terms of the obstacles they have to over-
come. Because of the narrators’ own discourse, narrative becomes democratized.The emergence of those
independent and plural voices characterize Osman Lins’s Poliphony in “Perdidos e Achados”. The devices
employed by the Brazilian writer allow for a multiplicity of voices to be heard; it is Literature turning its
eyes to the collective, instead of providing a detailed, psychological focus on one, single character.
Procedendo a uma leitura prévia, geral e crítica das nove narrativas que compõem Nove, Novena, ve-
rificou-se a identidade que existe entre todas elas, do ponto de vista da composição estrutural narrativa,
da utilização de recursos experimentais de linguagem e, também, da linha temática desenvolvida. Em
vista dessa constatação, optou-se por concentrar a análise crítica do conto de Osman Lins em somente
uma das narrativas de Nove, Novena, buscando alcançar, através desse corpus básico de estudo, a den-
sidade, o aprofundamento e a precisão crítica. “Perdidos e Achados” é última das narrativas da obra e
foi a selecionada para representá-la.
Do nosso ponto de vista, é o texto mais representativo da obra, tanto por suas qualidades de discurso,
como por sua temática. Sua posição na obra, fechando as narrativas, não parece ser gratuita, pois esse
texto engloba, fazendo convergir, as várias situações existenciais e sociais tematizadas anteriormente,
nas outras oito narrativas. A angústia do homem frente à realidade que o cerca e a consciência de sua
solidão ante a imensidão do universo correspondem à síntese temática de “Perdidos e Achados” e de
todas as narrativas de Nove, Novena. Mais que em qualquer outro conto da obra, neste, o ser humano
encontra-se em pleno estado aflitivo, mimetizando o homem comum, com suas angústias e impotência
diante da grandeza do universo. O próprio título “Perdidos e Achados” é globalizante, pois remete a
perdidos de si mesmos e do mundo, aniquilados ante perdas irreparáveis.
Com Nove, Novena, Osman Lins inaugura uma fase de maturidade em sua produção literária, na qual
consegue construir uma expressão pessoal. O próprio autor observa que seu discurso é, muitas vezes,
ornamental e isso se deve à desconfiança que tinha com a literatura despojada de sua época.
Na primeira leitura de “Perdidos e achados”, já se constata que o toque ornamental fica a cargo das
Partindo dessa breve interlocução direta, procedimento que irá repetir-se no desenvolver do texto mais
cinco vezes somente, o conto “Perdidos e Achados” passa a estruturar sua seqüência na arbitrariedade
de um discurso orientado por símbolos matemáticos. Assim, ao invés de dois pontos e travessão, a fala
da personagem será anunciada por representações gráficas simbólicas.
Ao se analisar uma narrativa com recursos semióticos empregados no lugar do tradicional travessão,
questiona-se a validade desses recursos e os objetivos de seu emprego.
Em “Perdidos e Achados”, nota-se que os sinais gráficos que anunciam a fala das personagens podem
ser tratados como signos, tendo a interpretação do leitor como ponto de partida para sua compreensão.
Esses sinais, predominantes no campo da matemática, numa leitura semiótica classificar-se-iam como
símbolos.
Pode-se notar que os símbolos gráficos utilizados no texto não têm semelhança com as pessoas que
representamos, logo, não têm dependência, foram estipulados arbitrariamente para designar as várias
personagens que têm voz ativa nesse conto de Nove, Novena.
Esses símbolos gráficos utilizados em “Perdidos e Achados” são:
∧ ∅ ∇
As únicas personagens identificadas por seus nomes são Renato e Albano, sendo as outras anônimas,
com seus discursos antecipados pelo sinal gráfico que lhes é atribuído desde o início da narrativa. Esses
símbolos, mesmo sem uma aparente semelhança com as personagens que representam, mantêm com
elas uma relação conotativa, ou seja, o símbolo remete à situação existencial de cada personagem, su-
gerindo seus problemas, angústias e frustrações.
Assim, o símbolo ∧ pode representar uma figura sem base, com um vértice apenas; no conto, esse
símbolo anuncia a fala de Renato, personagem-narradora, protagonista da história em torno do desapa-
recimento do menino na praia. Renato apresenta-se como que mimetizado pelo símbolo que precede seu
discurso, sem base, descontrolado ante a procura do filho perdido na praia. Com um vértice apenas, foge
à figura do triângulo completo, já que, na narrativa, em momento algum é citada a mãe do menino, o
que leva à situação de desmembramento familiar, como o símbolo gráfico. Mas ∧ também poderá indicar
“relação” entre as partes; no caso de Renato, seria a relação dele com o restante dos acontecimentos,
ou seja, seu problema é que desencadeia o restante da narrativa.
“ ∅ Ali, sentado na areia, em roupa de banho, junto à grande barraca de lona azul que nós
próprios, do clube, armamos há duas horas e meia, vejo quando Renato, a três metros de
mim, diz a última frase” (LINS, 1987, p.206).
A vida de Albano conota o próprio significado do símbolo matemático que antecede sua fala (∅ =
vazio): sua vida se tornou vazia, sem sentido, apenas a solidão é sua companheira.
O símbolo matemático indica “que contém”, ou seja, que algo contém alguma coisa. Na narrativa,
anuncia o discurso de um homem solitário na praia, ignorado por todos, que aparece somente uma vez,
como um “zumbido” que passa pelas pessoas sem ser notado:
“ Assim como um zumbido ... surgirei em minha bicicleta, lentamente cruzarei a praia
... sem que ninguém me lance o mínimo olhar, desaparecerei como termina um zumbido,
para nunca mais ser recordado”. (LINS, 1987, p.207).
É o homem comum numa praia: despercebido. Seria a metáfora da própria existência que contém
em si o conhecimento da insignificância do ser na violência do processo existencial.
O símbolo matemático é equivalente a infinito, a algo sem limite. Na narrativa, esse símbolo anun-
cia o discurso feito por uma primeira pessoa do plural, representativa da voz coletiva, infinita, que não
conseguiria explicitar todos os que já perderam algo ou alguém muito querido: “ Choremos de mãos
dadas, em redor do morto. — em quem nos vemos”. (LINS, 1987, p.237).
O símbolo seguinte que aparece na narrativa, ∇, em matemática, seria considerado um triângulo
invertido, isto é, com a base para cima. Em “Perdidos e Achados”, representa a fala de uma personagem
feminina que perdeu o pai no mar e agora presencia, na praia, a angústia de Renato ao não encontrar
seu filho: “ ∇ Estendida na areia, também eu cor de areia, sob o guarda-sol de gomos amarelos, observo
o homem à sombra da barraca” (LINS, 1987, p.206). Essa personagem feminina (conclusão feita pelos
adjetivos que aparecem no feminino) encontra-se emocionalmente ainda abalada pela perda do pai. A
morte e, após, a frustrada tentativa de resgatar a imagem do pai (sustentáculo da família) desestruturam-
na, fazendo-a sentir-se insegura e angustiada. Sua relação com o símbolo matemático que a representa
estaria na falta de estrutura, na falta de suporte para apoiá-la; uma pessoa sem base sócio-familiar.
Entre as histórias das personagens dessa narrativa, um ponto pode ser visto como comum, além da
angústia existencial: é a relação familiar presente e as seqüelas que sua ausência pode provocar.
Nota-se que a personagem feminina participa com um discurso direto, no qual tudo é narrado por ela
em primeira pessoa. Toda a narrativa assim se desenvolve: são personagens que não se apresentam,
não são nomeadas, apenas seus discursos são antecipados por símbolo gráfico que desde o início da
narrativa lhes é atribuído. São falantes representados por signos de natureza não-verbal, mas igualmente
significativos.
Pelo emprego desses signos, o leitor é persuadido a participar da construção narrativa, através do
deciframento de “quem é quem”; essa tarefa indispensável conduz, inevitavelmente, o leitor para dentro
do texto ficcional e o insere numa situação dialógica que o tornará conivente com o texto. Tal técnica
narrativa metaforiza a técnica do mosaico ou vitral, no qual peça a peça é montada, formando, por fim,
um todo. O tom de esfacelamento, percebido no início do conto, mostrar-se-á dissipado no final, em
função da visão de conjunto que o sistema do texto acabará por oferecer.
A turbulência semiótica constatada em “Perdidos e Achados” funciona como recurso essencial da
polifonia do texto. Os símbolos gráficos atribuídos às personagens, em lugar de seus nomes, colocam-
nas numa posição de igual importância dentro da malha narrativa, ao lado do fato de que a presença de
cada símbolo introduz sempre um discurso em primeira pessoa, autônomo, correspondente à história
individual da personagem que fala. Com isso, todas as personagens são narradoras nesse conto, todas
as vozes ocupam um espaço “social”, simétrico e semelhante. O recurso semiótico utilizado por Osman
Lins, junto ao modo de construção polifônica do discurso, promovem um elevado teor democrático no
seu texto. Rompendo a forma tradicional (e gramatical) da prosa literária, essa arbitrariedade do discurso
leva, portanto, à valorização das personagens-narradoras como sujeitos no espaço social, pois, sendo
anônimas, essas personagens não carregam um comprometimento social-discriminatório. Indiretamente,
cada uma delas estará representando o coletivo — o grande número de pessoas angustiadas ante seus
problemas sociais e existenciais.
Pode-se notar que o caráter social do discurso, em “Perdidos e Achados”, apresenta-se como uma
constante, pois é abrindo espaços a várias vozes que se chegará ao coletivo, ao social.
O discurso em primeira pessoa das personagens do conto “Perdidos e Achados”, a representação sim-
bólica de suas identidades, a autonomia das histórias por elas narradas configuram-nas como persona-
gens-narradoras, sujeitos-consciências inter-relacionados no espaço físico-geográfico e no espaço social
da linguagem, mas independentes na expressão de sua visão de mundo e trajetória particular. Cada uma
dessas personagens passa a narrar sua história, tornando a narrativa o mais democrática possível.
Cláudio Bezerra
Resumo
O presente trabalho defende a expansão do princípio do dialogismo de Mikhail Bakhtin para o estudo
das complexas narrativas audiovisuais contemporâneas, em geral estruturadas a partir de uma combinação
de diferentes gêneros, linguagens e suportes tecnológicos. A partir da análise dos trabalhos do roteirista
e diretor pernambucano Guel Arraes, na televisão e no cinema, pretende-se mostrar que o audiovisual
tem operado um diálogo criativo com diferentes matrizes culturais. Parodiando formatos consolidados,
abolindo fronteiras entre ficção e realidade e operando um processo de hibridização tecnológica tendo
como eixo central o humor, Guel Arraes é um caso prototípico da estética audiovisual contemporânea. A
citação sistemática que faz a certos gêneros estáveis para trabalhá-los numa outra perspectiva narrativa
pode apontar para a formação de novos gêneros audiovisuais baseados no princípio dialógico do hibri-
dismo, pois como observa Bakhtin o gênero vive do presente, mas sempre recorda o passado.
Abstract
This work postulates the expansion of Mikhail Bakhtin’s principle of dialogism in order to study con-
temporaneous complex audiovisual narratives, usually structured from a combination of different genres,
languages and technological supports. From the analysis of the television and film works of Brazilian
(Pernambuco state) director Guel Arraes, this work shows how audiovisual has developed into a creative
dialog with diverse cultural matrices. Echoing established formats, abolishing frontiers between fiction
and reality and working through a process of technological hybridization having humor as its axis, Guel
Arraes is considered as a prototypical example of contemporaneous audiovisual esthetics. His use of
consolidated genres, working them in another narrative perspective, may point to the emergence of
new audiovisual genres based on the dialogic principle of hybridism, since, as Bakhtin observes, genre
lives on the present but always recalls the past.
Em seus primórdios o cinema em nada se parecia com o que conhecemos hoje. Era tão somente uma
atração a mais, nunca exclusiva, nem a principal, para os freqüentadores dos espetáculos populares.
Os filmes, de alguns segundos a não mais que dez minutos de duração, eram exibidos como curiosida-
des nos intervalos das apresentações em circos, feiras ou carroças mambembes. Nos grandes centros
urbanos dos países industrializados essas projeções foram-se concentrando em casas de espetáculos
de variedades, onde se podia também comer, beber e dançar, como as music-halls na Inglaterra, os
café-concerts na França, e vaudevilles nos Estados Unidos. E foi nesses lugares inóspitos e populares,
mal-afamados pela atmosfera de “baixo nível” dos espetáculos burlescos, freqüentados por um público
proletário, predominantemente masculino, onde a diversão misturava-se com prostituição e marginali-
dade, que o cinema nasceu e cresceu em seus primeiros anos.
Naquela época, os catálogos dos produtores classificavam os filmes como “paisagens”, “notícias”, “to-
madas de vaudeville”, “incidentes”, “quadros mágicos”, teasers (um eufemismo para pornografias), entre
outros. Um sistema classificatório derivado não tanto das artes eruditas dos séculos XVIII e XIX, mas
principalmente da cultura popular da Idade Média ou de épocas imediatamente posteriores. A iconografia
de um dos grandes nomes do cinema dessa época, o ilusionista francês Méliès, por exemplo, provém
da tradição pictória da Idade Média que despreza as convenções da perspectiva artificialis renascentista
e as regras do naturalismo clássico1.
O ponto de mutação na história da cinematografia deu-se em meados da primeira década do século
XX, quando os empresários e a pequena burguesia que realizava os filmes perceberam que a condição
1 A esse respeito ver MACHADO, Arlindo. Pré-cinemas e pós-cinemas. Campinas: Papirus, 1997.
5 Para conhecer os diferentes movimentos cinematográficos dos anos 60 ver HENNEBELLE (1978).
6 Muitos autores já se debruçaram sobre a influência da linguagem do videoclipe no cinema. Entre outros, ver CONNOR (1993) e JAMESON (1997)
7 Basta ver as filmografias, entre outros, de Steven Spielberg, a partir de Contatos imediatos do 3o grau (1977) e George Lucas, a partir de Guerra nas
estrelas (1977).
8 Expressão usada por NUNES (1996) para definir as contaminações entre imagens fotoquímicas e eletrônicas no cinema contemporâneo.
9 Uma crítica generalizante que se volta sobretudo contra a tecnologia e a reprodução técnica, numa leitura equivocada das questões suscitadas por Benjamin
num texto clássico. Entre outros, ver SUBIRATS, Eduardo. Da vanguarda ao pós-moderno. São Paulo: Nobel, 1991.
10 Ver MACHADO (2000).
11 Guel Arraes é filho do ex-governador de Pernambuco, Miguel Arraes. Cassado pelo Golpe Militar de 1964, Arraes viveu exilado na Argélia até retornar
para o Brasil com a Anistia para os presos políticos.
12 Para saber de toda a produção de Guel Arraes ver Documento de Trabalho do Grupo de Pesquisa em Mídia e Cultura Contemporânea (2003).
Unioeste
RESUMO
Este estudo insere-se sob a ótica baktiniana no qual a textualidade se caracteriza pelo enunciado e
pelos gêneros discursivo que o constitui. Tratar-se-á a noção de enunciado e de texto em estudos volta-
dos para as complexas relações, entre oralidade e letramento escrito quando da transferência lingüística
psico-sócio-cultural do usuário em textos escritos de vestibular, em comunidades de minorias étnicas.
Segundo Bakhtin, a fala é modulada pelos gêneros do discurso, ou seja, pelos gêneros secundários (ins-
titucionalizados) e pelos gêneros primários (linguagem familiar, cotidiana, entre outras). Os discursos,
enquanto textos escritos não surgem in vácuo, mas são produzidos e lidos pelos usuários em situações
específicas que neles constroem uma representação não só do texto pelos elementos lingüísticos, mas
também de um contexto pragmático-social na produção escrita. Ao escrever um texto, o escritor se
empenha em apresentar um ato social, em um ato de narração, ato de afirmar ou prevenir o leitor so-
bre um determinado fato ou coisa. A forma e a interpretação do fato escrito podem ser uma função de
ato de gênero pretendido pelo ato de enunciação. Com base nestas colocações, analisar-se-á textos de
produções escritas do vestibular/2002, do campus da Unioeste/Marechal Cândido Rondon, sobre situa-
ções enunciativas, fatores sociolingüísticos/pragmáticos e alternância fônica da diversidade lingüística e
cultural nos gêneros secundários.
ABSTRACT
This search is about a bakhtinian point of view in which one the textual part characterizes itself by
the enunciation and the discoursive genres that constitute it. The notion of enunciation and text in stu-
dies directed to the complex relations between spoken and spelling writing are what will be analyzed
here, when from the linguistic psyco-socio-cultural transference by the user in writing vestibular texts
in communities where there are ethnic minorities. According to Bakhtin, spoken is built by discoursive
genres, in other words, by secondary genres (institutionalized) and by primary genres (familiar langua-
ge, everyday language, and so on). The discourses as written texts don´t happen “in vacue” but, they
are produced and read by the users in specific situations where they build a representation not just
from the text of linguistic elements but also from a pragmatic-social context in writing production. While
writing a text, the writer tries hard to present a social act in a narration act and this is an affirmative
or preventive act for the reader about a determined fact or thing. The way or the interpretation of this
writing fact can be a function act from an intended genre by the enunciation act. Thus, texs of written
production from Vestibular/2002, from Unioeste University (placed in Marechal Cândido Rondon), about
enunciated situations, sociolinguistic/pracmatics factures and phonics changes of linguistic and cultural
diversity on secondary genres.
O texto acima transcrito é uma carta escrita à mão em letra cursiva. Trata-se de um texto que, no
contexto institucional para o qual foi escrito vincula-se ao gênero textual: carta oficial, ocorrendo usos de
expressões formulaicas da escrita epistolar formal, e a mistura do gênero epistolar oficial com o familiar
e, ou mais íntimo quando o autor se dirige ao seu interlocutor de forma mais informal. Ocorre também
a transferência da oralidade do falar situacional bilíngüe, no caso da troca do traço da oralidade materna
para a escrita, caracterizando a emoção, o sentimento e a exaltação no texto escrito (..com gara ... e
uma grande burada ...). Conforme dados levantados, o autor desta redação de vestibular é descendente
de italianos, residente na cidade de Palotina, Paraná. No seu texto ocorre a troca da consoante vibrante
múltipla pela vibrante simples. Nesta produção escrita, verificou-se a variação de gênero, bem como a
A qualificação da água
No texto nº 2, a forma de escrita é o tipo textual: dissertação, Nesta produção escrita, constatou-se
também a variação sociolingüística dialetal do falar materno e de um continuum rural-urbano. O autor
deste texto é descendente de alemães, mas é residente no município de Quatro Pontes, Paraná. Em
seu texto há fortes traços de alternância fonológica na produção escrita da consoante fricativa alveolar
vozeada pela desvozeada [z] > [s]: (televisão por televição); da consoante oclusiva alveolar vozeada
pela desvozeada [d] > [t]: (desde por deste; tudo por duto) ou vice-versa [t] > [d]: (contaminação por
condaminação; esgoto por esgodo); da consoante oclusiva bilabial vozeada para desvozeada [b] > [p]:
( embora por empora); da consoante oclusiva velar vozeada para a desvozeada [g] > [k}: ( gastos por
castos; obrigados por obricados). Nestes casos de variação lingüística nas condições de uso situacional
de emprego das unidades distintivas na fonética/fonologia acontece um processo de transferência do
falar da língua materna alemã na escrita deste usuário.
Apresenta-se também um texto narrativo:
Texto nº 3
Aos domingos à noite todos os vizinhos do Conjunto Habitacional Colorado se reuniam para
uma conversa sobre o conjunto, o que se devia mudar e reformar, entre estes assuntos
sempre ocoriam algumas discusões.
No último domingo, dia quinze, Dona Ema como sempre com suas idéias modernas, queria
que mudasse a entrada do conjunto, pois estava sem visão de grande aparência, mas
Andréia e Carla estavam pedindo a reforma do parquinho das crianças, pois o verão estava
chegando e as crianças não podiam freqüentar o parque, os balanços estavão sem algumas
corentes, a gangôra estava quebrada, somente utilizavam o escoregador.
Antônio como sempre concordava com a esposa, logo foi falando: - Não é tão necessário
a reforma do parquinho, pois as crianças na maioria das vezes estão sempre brincando na
areia.
Carla não perdeu tempo e fez o seguinte comentário: - Lógico, o senhor não tem crianças
para brincar, precisa mesmo agradar sua esposa, pois é a única que decide por aqui.
Em meio as discusões Carla e Andréia ficaram em silêncio e acabaram concordando, pois
somente elas duas tinham filhos. E seu Antônio era espoço e sempre precisava aceitar tudo
que Dona Ema falava e pedia. Pois ela era a pessoa que ele amava e a mais importante do
mundo.
Neste exemplo, nomeia-se o texto como gênero narrativo. Na organização textual deste, há a uma
seqüência de tempo, lugar e personagens. Por estas referências de tempo, local e personagens, este
enunciado é designado como enunciado indicativo de ação. Segundo Mendes (2002, p. 521), “ a narrativa
refigura o tempo e, partindo da memória construída na continuidade da vida, procura dar-lhe a forma de
uma experiência humana”, ou seja, quando a narrativa pessoal passa para a personagem que faz a ação
na narrativa, esta muitas vezes se torna conflitante para o próprio narrador. As situações enunciativas,
apresentadas no texto, caracterizam fatos que evidenciam acontecimentos culturais e sociais, identifi-
cados com o autor e o personagem-narrador. O autor deste gênero textual é descendente de alemães,
residente em Marechal Cândido Rondon, PR. Verificou-se, neste gênero textual narrativo, a transferência
fônica da língua materna alemã na produção escrita institucionalizada, com a troca da vibrante múltipla
pela simples (ocorriam por ocoriam; correntes por corentes; gangorra por gangôra, escorregador
por escoregador), da consoante fricativa alveolar desvozeada pela vozeada [s] > [z]: (discussões
por discusões) ou vice-versa [z] > [s]: (esposo por espoço); a transferência nasal do Brasildeutsch
RESUMO I
Objetiva-se, a partir do exposto por Bakhtin (1997), Ketzer (1999 ), Magnani (1989), Bordini (1989)
e Zilberman (1988), analisar os encaminhamentos dados às aulas de leitura, cujo objetivo básico é o
desenvolvimento do gosto pela leitura, no 3º e 4º ciclos do Ensino Fundamental, procurando verificar a
forma de encaminhamento das aulas e a relação leitor/texto.
RESUMO II
It’s aimed, from what was exposed by Bakhtin (1997), Ketzer (1999), Magnani (1989), Bordini (1989)
and Zilberman (1988), to analyze the guiding given to the reading classes, which basic objective is the
reading pleasure development, at the Elementary School 3rd and 4th cycles, searching to verify the classes
guiding way and the reader/ text relation.
1. INTRODUÇÃO
Formar um aluno leitor tem sido uma das preocupações dos professores da área de Língua portuguesa
do Ensino Fundamental. Perseguindo esse objetivo, muitas escolas implementam as chamadas atividades
de leitura-fruição ou leitura prazer, procurando ampliar o contato do aluno com o texto escrito, na maioria
das vezes, com textos literários. Tal contato não tem o objetivo de promover atividades de leitura para
buscar informações ou para estudar o texto, mas o de propiciar um encaminhamento que aproxime o
aluno da vontade de ler por prazer, por iniciativa própria, de “desenvolver o hábito pela leitura”. Por essa
razão, não nos deteremos às outras atividades de leitura que são realizadas pela escola, com outros
propósitos, como a leitura busca de informações, à leitura pretexto, à leitura estudo do texto (Cf. cate-
gorização apresentada por Geraldi, 1991; 1997). Cada uma dessas atividades são realizadas junto aos
alunos e atendem a diferentes propósitos, de acordo com o momento, com a forma de encaminhamento
e objetivos do professor.
O discurso da necessidade de se desenvolver na escola atividades que possam contribuir para a for-
mação de um aluno leitor encontra suporte também a partir de posições “denunciativas” sobre a questão,
que ora apontam para as dificuldades materiais e físicas das bibliotecas escolares, ora para o professor
(não) leitor e ora para a falta de iniciativas sólidas e organizadas para a realização de atividades de leitura
fruição em sala de aula. Tais posições ressaltam, por um lado, a importância de um trabalho efetivo de
leitura junto aos alunos e, por outro, a necessidade de se discutir cada vez mais sobre a questão.
Apesar das inúmeras publicações sobre o tema, do esforço dos professores, da organização escolar
em delimitar um horário específico para a leitura de texto, da distribuição de inúmeros materiais paradi-
dáticos e da implementação de programas de leitura pelos órgãos oficiais, percebemos que, na maioria
das vezes, os resultados não são animadores, já que os alunos adolescentes em sua grande maioria,
lêem pouco e afirmam que não gostam de ler. São poucos os estudantes que, por iniciativa própria lêem,
sem que o professor exija.
Tais questões são alarmantes quando sabemos que
Estudos recentes sobre a relação entre leitura e educação escolarizada mostram com grande
parcela das nossas escolas públicas, ao invés de desenvolver e consolidar o gosto pela leitura
nos alunos de 1º grau, consegue exatamente o oposto, ou seja, uma aversão das crianças
por qualquer tipo de material impresso (SILVA, 1989, p. 46).
A mesma denúncia pode ser observada quando a escola, manifestando uma tendência utilitarista
para com o uso da linguagem em sala de aula, transforma a experiência de contato com o texto poético
em mero exercício de habilidades de leitura, o que empobrece o trabalho que é realizado com o texto
literário (Cf. Bordini, 1989).
As posições “alternativas” (não que sejam contrárias às anteriores, já que, na maior parte das vezes,
as alternativas advém de denúncias e críticas já traçadas anteriormente), por sua vez, apontam para
a possibilidade de um trabalho com a leitura em sala de aula, apostando nas possibilidades oferecidas
pelas bibliotecas escolares e no trabalho/mediação do professor.
Visualizando alternativas e tendo como referência o panorama denunciativo construído, muitas escolas
do Ensino Fundamental – 3º e 4º ciclos – implantam as “aulas de leitura”, que contam como uma carga
horária semanal, inserida na disciplina de Língua Portuguesa, destinada a atividades voltadas à “formação
do hábito da leitura”. As aulas de leitura contam, então, com horários delimitados na disciplina e com
materiais específicos, havendo uma organização interna da escola que mobiliza alunos, professores de
língua materna, bibliotecas e diferentes acervos em função da realização destas aulas de leitura.
É relevante, portanto, observar o funcionamento destas aulas, especificamente neste trabalho,
observando, na forma de realização das mesmas e em que medida elas buscam e proporcionam uma
interação aluno/professor/texto.
2. PRÁTICAS & PRÁTICAS
Interessa-nos, tendo em vista o panorama traçado, observar de que forma o aluno e o professor se
configuram como leitores “responsivos ativos” frente ao que lêem nas aulas de leitura e de que forma
estas respostas são dadas.
Como coleta de dados, foram acompanhadas as aulas de leitura, desenvolvidas durante o segundo
bimestre/2003, realizadas em uma 5ª e uma 6ª série de uma escola pública do município de Palotina/
Oeste do Paraná e uma 5ª série de uma escola particular da mesma cidade. As referidas aulas são desen-
volvidas semanalmente, no espaço de tempo de uma hora-aula e estão vinculadas à disciplina de Língua
Portuguesa. Os dados foram anotados em um diário de campo, o qual apresenta a descrição da aula, o
depoimento/comentário do professor sobre o trabalho realizado e as impressões sobre a turma.
Do grande número de informações anotadas no diário de campo, selecionamos, para o presente
trabalho, apenas os dados que se referem às atividades realizadas em sala de aula que objetivam a
interação, a interlocução aluno/professor/texto lido. Para a escola pública, denominaremos Escola A, e
para a particular, escola B.
Normalmente, para a aula de leitura (cujo dia e horário é de conhecimento dos alunos) os alunos das
três turmas trazem de casa o seu material de leitura de casa ou já retiraram com antecedência o livro
na biblioteca. Para os que não trouxeram, a professora da Escola A traz o “sacolão” de livros, para que
os alunos utilizem os livros durante a aula.
Ao final da aula, normalmente, a professora da Escola A, na 6ª série, pergunta aos alunos: Quem
está lendo um livro bem lindo? Os alunos que levantam a mão vão à frente e apresentam o livro lido: o
título, autor e dizem por que gostaram do livro. A seguir, a professora pergunta aos demais quem já leu
e quem está lendo o livro nominado.
Na quinta série, os alunos anotam os livros lidos em uma ficha, que deverá ser preenchida com o
nome do livro, autor e número de páginas lidas, para conferência da professora, já que os alunos devem
ler 200 páginas por bimestre. Em uma das aulas, os alunos foram à biblioteca da escola ler revistas (o
bibliotecário já havia separado 23 exemplares da Revista Superinteressante) e, quando retornam à sala
de aula, a professora solicitou que apresentassem o nome ou o tema da reportagem que leram.
Na escola B, as aulas de leitura que eram semanais, passaram a ser quinzenais. Nestas, algumas
vezes, os alunos escrevem o nome do livro e o título e o colam na parede da sala, na “árvore de suges-
tões”, que deve servir para estimular os colegas a lerem o mesmo livro. Além disso, lêem e preenchem
uma ficha na qual, além dos dados sobre o livro, devem caracterizar o personagem que mais gostaram,
Parece-nos que o compromisso do professor fica bem explícito nas questões atinentes à leitura-fruição
em sala de aula: num país carente de acesso à leitura e de leitores, a aula de leitura pode ser um espaço
de atuação do professor e um momento em que os dois níveis de leitura – o individual e o coletivo – se
entrecruzam, mostram-se.
Nesse sentido, de acordo com Carvalho (1988), a literatura infantil não deve possuir em sala de aula
um caráter utilitário (privilégio do pedagógico em detrimento do estético, imposição de verdades e mo-
delos de comportamento), mas um caráter de ser “útil”. Tal noção, a da literatura ser útil, é entendida
a partir do fato de que os conflitos das personagens são verossímeis e, “transpostos para o plano ficcio-
nal, resultam em situações imaginárias possibilitando ao leitor, pela identificação, vivenciar os próprios
Beth Brait
PUC-SP/USP/CNPq – Brasil
RESUMO 1
Estilo é um tema que, embora ainda pouco explorado do ponto de vista de sua constituição e papel
no conjunto da produção de Bakhtin e seu círculo, relaciona-se de maneira intrínseca e coerente com a
perspectiva dialógica da linguagem e com as diferentes noções teórico-epistemológicas aí implicadas.
Tratar da concepção bakhtiniana de estilo significa, dentre outras coisas, percorrer os escritos, concebidos
e publicados em diferentes épocas e, a partir daí, delinear a noção de autor/autoria e suas conseqüências
para os estudos dos discursos artísticos e não artísticos.
Neste trabalho, a tentativa é a de pontuar alguns aspectos referentes à maneira como o conceito de
estilo vai se construindo no pensamento bakhtiniano e, ao mesmo tempo, instaurando uma fértil polêmica
com vertentes clássicas da lingüística e da estilística, quer em afirmações teóricas, quer em análises de
diferentes autores, gêneros e particularidades das relações inter e intra discursos.
Palavras-chave: estilo, dialogismo, autor, autoria.
RESUMO 2/ABSTRACT
Although not much explored to this day from the point of view of its constitution and its role in Bakhtin
and his Circle’s general theoretical and practical work, style is a subject which presents an intrinsic and
cogent link with the dialogical approach of language as well as with the different theoretical-epistemo-
logical concepts related to it.
Approaching the bakhtinian perspective on style means among other things to make a survey of wri-
tings created and published in different times and, on this basis, sketch the concept of author/authorship
and the consequences they have as regards studies of both artistic discourses and not artistic ones.
This work aims to point out some aspects related to the way the concept of style comes to progressively
take shape in Bakhtin’s though, at the same time as it inscribes within it a fertile polemical argument with
classical trends of linguistics and stylistics, both in theoretical utterances and in practical analyses of many
different authors, genres and specificities of both inter-discourse and intra-discourse relationships.
Keywords: style, dialogism, authorship, alterity.
Considerar a dimensão estilística da produção verbal, visual ou mesmo verbo-visual, parece, ao menos
para os lingüistas e analistas de discurso, uma maneira de lidar com o discurso, com a enunciação, dentro
do domínio dos estudos literários ou artísticos, na medida em que o tema, de longa data, é proprieda-
de das vertentes diretamente interessadas nas particularidades expressivas de determinados autores,
poetas, artistas em geral, ou nos conjuntos de características que definem determinados movimentos
artísticos, também denominados estilos de época, caso do romantismo, do impressionismo, do cubismo
etc. Ainda que o termo não se restrinja necessariamente às artes, ele quase que invariavelmente diz res-
peito às idiossincrasias, à maneira de se expressar de uma determinada pessoa, sugerindo uma estreita
e exclusiva relação entre estilo e personalidade, estilo e individualidade. Na melhor das hipóteses, e de
um ponto de vista dos estudos lingüísticos, enunciativos e discursivos mais recentes, o estilo pode estar
pensado em função do texto e de suas formas de organização em relação às possibilidades oferecidas
pela língua, estendo-se a textos não necessariamente literários ou poéticos.
A consulta a determinadas obras especializadas confirma essa a idéia de que, por um lado, o termo
estilo está diretamente associado a produções individuais ou conjunto de produções de determinados
momentos, vinculadas às artes em geral ou exclusivamente à personalidade de alguém. Por outro, pode
ser pensado, de maneira aparentemente mais ousada, poderíamos dizer, como conjunto de diferentes
instâncias textuais que implicam escolhas em relação às diferentes possibilidades oferecidas pelo sistema
lingüístico.
Observe-se, por exemplo, primeiramente, a transcrição da definição de estilo apresentada por Harry
Shaw no seu Dicionário de Termos Literários (1982: 187-188) e que não difere muito de outros dicio-
Craig S. Brandist
Sheffield University
Mikhail Bakhtin’s essays on the novel of the 1930s are perhaps his most original, influential and valuable
contributions to the study of European language and literature. The terms and limits of that originality
have, however, seldom been systematically analysed, with most commentators content to admire the
bold interweaving of sociolinguistic and literary themes which we find in these essays. The sources of
Bakhtin’s ideas about the novel have been gradually coming into focus since the 1980s, but the sources
of the sociolinguistic ideas embedded in these works have remained unexplored,2 perhaps because it is
generally assumed the ideas follow on from those delineated in Valentin Voloshinov’s 1929 book Marxism
and the Philosophy of Language, which has often been ascribed to Bakhtin himself.3 There is, however,
a qualitative difference between the linguistic ideas in Voloshinov’s texts and those in Bakhtin’s essays
of the 1930s, not least the discussion of the historical development of language and discursive relations
within society and the modelling of these features in the novel as a genre. While Voloshinov’s work
facilitated the transformation of Bakhtin’s early phenomenology of intersubjectivity into the account of
discursive relations we find in the latter’s 1929 Dostoevskii book, both works present largely synchronic
analyses quite distinct from that found the 1934 essay. Voloshinov succeeded in transforming Bakhtin’s
early ‘philosophy of the act’ and aesthetic activity into discursive terms largely through his adoption of
Karl Bühler’s ‘organon model’ of the ‘speech event’ or ‘speech act’, but this left the static phenomenology
of the earlier work intact.4 Similarly, Voloshinov and Medvedev managed to recast Bakhtin’s early account
of worldview into discursive terms by adopting and sociologising the notion of style found in works by
Leo Spitzer and Oskar Walzel, but again the systematic transformations of the discursive environment
remained beyond the purview of the Bakhtin Circle. Where, then, did Bakhtin, from 1929 exiled in a
small Kazakh town where there was very limited access to books and little contact with his erstwhile
colleagues, derive the historical and sociolinguistic ideas that pervade these works?
Characteristic of Bakhtin’s work from this point is an increasing reliance on current Soviet scholarship.
The sources already identified include the work of such important thinkers as the folklorists and literary
scholars Viktor Zhirmunskii and Ol´ga Freidenberg, and the Hungarian theorist of the novel who had re-
cently moved to Russia, Georg Lukács. What has not been fully appreciated, however, is that Soviet work
on language and society was no less influential, and here we must highlight the role of two students of
the Polish-Russian linguist Jan Baudouin de Courtenay, Lev Iakubinskii and Boris Larin. Along with Zhir-
munskii and Lev Shcherba, these scholars were based at the Gosudarstvennyi institut rechevoi kul´tury
(GIRK, State Institute for Discursive Culture; formerly Institut sravnitel´nogo izucheniia literatur i iazykov
Zapada i Vostoka [ILIaZV, Institute for the Comparative Study of Literatures and Languages of the West
and East]) in Leningrad, where both Voloshinov and Pavel Medvedev had been based in the late 1920s.5
At this time the ILIaZV scholars shifted their focus of attention away from the literary studies that had
occupied them in the early years after the Revolution and towards the language question that domina-
ted early Soviet cultural policy. The establishment of standard languages for the national minorities of
the former Russian Empire to facilitate their achievement of a formally equal status with Russian was a
priority, as was the spread of literacy among the masses of all national groups. The relationship between
1 My attendance at the XI International Bakhtin Conference in Curitiba was made possible by an Overseas Conference Grant from the British Academy. This
financial support is gratefully acknowledged.
2 Perhaps the first person to begin the analysis of the sources of Bakhtin’s ideas on the novel was Tzvetan Todorov in The Dialogical Principle, trans W.
Godzich (Manchester: Manchester University Press, 1984) 86-93. Other notable works include N.D. Tamarchenko, ‘M.M. Bakhtin i A.N. Veselovskii (meto-
dologiia istoricheskoi poetiki)’, Dialog Karnaval Khronotop 4, 1998,33-44, Galin Tihanov, The Master and the Slave: Lukács, Bakhtin, and the Ideas of their
Time (Oxford: Oxford University Press, 2000) and Craig Brandist, The Bakhtin Circle: Philosophy, Culture and Politics (London: Pluto Press, 2002). One
conditional exception from the dearth of analyses on Bakhtin’s linguistic thought at this time is V.M. Alpatov, ‘Problemy lingvistiki v tekstakh M.M. Bakhtina
1930-kh godov’, Dialog Karnaval Khronotop 1, 2002, 4-20. Unfortunately the sociolinguistic sources here remain unexplored.
3 V.N. Voloshinov, Marksizm i filosofiia iazyka. In Valentin N. Voloshinov, Filosofiia i sotsiologiia gumanitarnykh nauk (St. Petersburg: Asta Press, 1995) 216-
380; Marxism and the Philosophy of Language, Trans. Ladislav Matejka and I.R. Titunik (Cambridge Mass.: Harvard University Press, 1973). For a survey of
recent work on the authorship dispute see Ken Hirschkop, Mikhail Bakhtin: An Aesthetic For Democracy (Oxford: Oxford University Press, 1999) 126-40.
4 Craig Brandist, ‘Voloshinov’s Dilemma: On the Philosopical Sources of the Dialogic Theory of the Utterance’ in Craig Brandist et al (eds.) The Bakhtin Circle:
In the Masters Absence (Manchester: Manchester University Press, forthcoming).
5 The students of Baudouin de Courtenay dominated linguistic studies in Leningrad and included Shcherba, Larin, Iakubinskii, and Evgenyi Polivanov, who
Bakhtin regarded as a ‘very significant figure’ (M.M. Bakhtin, Besedy s V.D. Duvakinym (Moscow: Soglasie, 2002)). Zhirmunskii had also attended Baudouin’s
lectures and regarded himself as his student.
6 See, especially Michael Smith, Language and Power in the Creation of the USSR, 1917-1953 (Berlin: Mouton de Gruyter, 1998). While in many respects
an exemplary study, Smith here oversimplifies the relationship between the ILIaZV scholars and the Marrists and ends up presenting the Bakhtin Circle as
mere clients of Marrism.
7 Bakhtin, Besedy s V.D. Duvakinym, 66.
8 The influence of Steindhal’s and Wundt’s Volkerpsychologie was especially significant on these thinkers. On this see Arleta Adamska-Salaciak, ‘Jan Baudouin
de Courtenay’s Contribution to Linguistic Theory’, Historiographia Linguistica XXV (1/2) 1998, 25-60, 33-4.
9 On Baudouin’s incipient sociolinguistic thought see D.L. Olmsted, ‘Baudouin, Structuralism and Society’ and R.L. Lencek, ‘Language-Society Nexus in
Baudouin’s Theory of Language Evolution: Language Change in Progress’ in J.M. Rieger et al (eds.) Jan Niecislaw Baudouin de Courtenay a lingwistyka
swiatowa (Wroclaw: Zaklad Narodowy im. Ossolinskich, 1989) 26-34, 73-81.
10 Viktor M. Zhirmunskii, ‘Marksizm i sotsial´naia lingvistika’ in A.V. Desnitskaia, L.S. Kovtun and V. M. Zhirmunskii (eds.) Voprosy sotsial´noi lingvistiki.
(Leningrad: Nauka, 1969) 5-25. Iakubinskii’s articles, some of which were co-authored with his student A.M. Ivanov, were published in Literaturnaia ucheba
(hereafter LU) 1 pp. 31-43; 2 pp.32-47; 3 pp.49-64; 4 pp.80-96; 6 pp.51-66 (1930) and 7 pp.22-33; 9 pp.66-76 and 1 (new series) 82-106 (1931). The
book, credited to Ivanov and Iakubinskii, was published as Ocherki po iazyku (Moscow and Leningrad: Khudozhestvennaia literatura, 1932). On the historical
significance of this work see A.V. Desnitskaia, ‘Kak sozdavalas teoriia natsional´nogo iazyka’ in N.F. Belchikova (ed.) Sovremennye problemy literaturovedeniia
i iazykoznaniia (Moscow: Nauka, 1974) 398-415.
11 The fact that the published articles bear no direct references to Iakubinskii is no obstacle here, since references to all the well-established sources of
Bakhtin’s work at this time, such as Lukács, Veselovskii and Cassirer, are similarly absent. Until the manuscripts have been made available to researchers
we are unlikely to know whether such references were posthumously removed by ideologically motivated editors.
12 On Bakhtin’s complex relationship to Marrism see Brandist, The Bakhtin Circle, 109-15 and passim.
13 See especially P.N. Medvedev, ‘Uchenyi Sal´erizm (O formal´nom (morfologicheskom) metode’, Zvezda, 3, 1925, 264-76, translated as by Ann Shukman
as ‘The Formal (Morphological) Method or Scholarly Salieri-ism’ in Bakhtin School Papers, Russian Poetics in Translation 10, 1983, 51-65.
14 On Bakhtin’s debt to Cassirer’s neo-Hegelian dialectic see Craig Brandist, ‘Bakhtin, Cassirer and Symbolic Forms’, Radical Philosophy, 85, 1997, 20-27.
The crucial point here is that within a national language there are co-present linguistic dialects and
social discourses, that he terms raznoiazychie and raznorechie respectively. The latter are not dialects
in the exact (linguistic) sense but are related to social function (professional, class etc). The significance
of this distinction has unfortunately been obscured by the translation of both raznoiazychie and razno-
15 Ernst Cassirer, quoted in Charles Hendel, ‘Introduction’ in Ernst Cassirer, The Philosophy of Symbolic Forms Vol. 1: Language, trans R. Mannheim, New
Haven CT and London: Yale University Press, 1955) 1-65, 34.
16 Ivanov and Iakubinskii, Ocherki po iazyku, 62. Original emphasis.
17 ‘Discourse in the Novel’ (hereafter DN) in M.M. Bakhtin, The Dialogic Imagination (trans. M. Holquist and C. Emerson, Austin: University of Texas Press,
1981) 259-422, 259; ‘Slovo v romane’ (hereafter SR) in Voprosy literatury i estetiki (Moscow: Khudozhestvennaia literatura, 1975) 72-233, 72-3.
18 DN 271-2; SR 85.
19 I.A. Boduen de Kurtene (Baudouin de Courtenay), ‘Nekotorye obshchie zamechniia o iazykovedenii i iazyke’ in Izbrannye trudy po obshchemu iazykoz-
naniiu (Moscow: Izd. Akademii nauk SSSR) 47-77, 58-60; A.A. Shakhmatov, Ocherk drevneishego perioda istorii russkogo iazyka (Petrograd: Imeratorskaia
akademia nauk, 1915) xlvii-xlviii.
20 W. Wundt, Ethics in 3 Volumes (trans. M.F. Washburn, London: Swan Sonnenschein, 1907-8) I, 262-3; III, 269-72.
21 S.F. Ol´denburg, ‘Le conte dit populaire, problèmes et methodes’, Revue des “etudes slaves, 9, 1929, 221-36, 234-5, quoted in Dana P. Howell, The
Development of Soviet Folkloristics (New York and London: Garland, 1992) 173.
22 DN 271-2; SR 85. The English translation renders the first ‘iazyk’ in this quotation as ‘language’ rather than ‘a language’. Since Bakhtin is speaking about
the formation of a national language it seems to me important to stress he is speaking about language as a social fact.
This dialectic of ‘form’ and ‘content’, so understood, is the methodological premise of Iakubinskii’s
detailed and sophisticated account of the formation of the Russian national language.
For Iakubinskii, language-as-ideology in a capitalist society bears features characteristic of all stages
of its development. On the one hand, language-as-ideology is the realm of what the neo-Kantians called
‘objective validity’, that is, ‘the inescapable form of our cognition’, but developed ‘according to the level of
the formation [obrazovanie] and differentiation of the superstructural world’. Iakubinskii explicitly points
to Marr at this point, arguing that at the beginning of its existence as an ‘independent form of ideology’
language was ‘one of the forms of existence for the majority of other ideologies (religious, juridical,
scientific, political and so on)’. On the other hand, language-as-ideology is also the embodiment the socio-
specific worldviews of different social groups. The history of class society is therefore the history of class
ideologies engaged in a struggle that reaches a peak under capitalism, when a common language-as-me-
dium-of-intercourse becomes ‘the form of existence of different class consciousnesses (psychologies)’.28
This process is elaborated in a history of the formation of the Russian national language.
23 DN 308; SR 121. The published translation is particularly confusing here: ‘speech diversity does not exceed the boundaries of literary language concei-
ved as a linguistic whole (that is, language defined by abstract linguistic markers), does not pass into an authentic heteroglossia’. However, and even more
confusingly, the conflation of raznorechie and raznoiaychie is itself not consistent in the translation, since there are passages, e.g. DN 298; SR 111 where
‘raznoiazychie i raznorechie’ has been translated as ‘the hetroglossia and language diversity’. I am indebted to Mika Lähteenmäki for pointing this out.
24 DN 272; SR 86.
25 DN 271; SR 84. Bakhtin’s use of ‘language… as ideologically saturated’ here to mean ‘discourse’ is very misleading. In the essay of discursive genres
from the early 1950s his distinction between language and discourse is much clearer.
26 Some of Bakhtin’s notes from his study of linguistics in the early 1950s have been published as ‘Iz arkhivnykh zapisei k rabote “Problemy rechevykh
zhanrov”’, Sobranie Sochinenii 5, 207-86. This has very recently been supplemented by some published notes from 1957 where Bakhtin systematically
addressed the difference between discourse and language: M.M. Bakhtin, ‘Iazyk i rech´’, Dialog Karnaval Khronotop, 1, 2001, 23-31.
27 Ocherki po iazyku, 62-3.
While capitalism develops a wide variety of genres of public discourse, it simultaneously restricts
the access of much of the population to those genres. ‘Inherent to capitalism’ is, therefore, ‘a tendency
(striving) to transform public discourse into as universal a form of discursive intercourse as conversa-
28 Ocherki po iazyku, 62. The reference is to Marr’s correlation of stages of language development with forms of social differentiation, on which see Lawrence
Thomas, The Linguistic Theories of N.Ja. Marr (University of California Press, Berkeley and Los Angeles, 1957) 117-34. This also corresponds to Bukharin’s
definition of ideology as ‘certain unified systems of forms, thoughts, rules of conduct etc.’ such as ‘science and art, law and morality, etc.’, which was adopted
by Voloshinov and Medvedev. See Nikolai Bukharin, Historical Materialism: A System of Sociology (London: Allen & Unwin, 1926) 208. Voloshinov and Med-
vedev both regard the philosophy of language and literary scholarship as branches of a ‘science of ideologies’. See, for example, P.N. Medvedev, Formal´nyi
metod v literaturovedenii (Moscow: Labirint, 1993) 45; P.N. Medvedev/ M.M. Bakhtin, The Formal Method in Literary Scholarship, trans. Albert J.Wehrle,
(Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1978) 37. On Voloshinov’s debt to Bukharin see Tihanov, Master and Slave, 85-95.
29 L.P. Iakubinskii, ‘Klassovyi sostav sovremennogo russkogo iazyka: iazyk krest´ianstva. Stat´ia chetvertaia’, Lu 4, 1930, 80-92, 85.
30 ‘Klassovyi sostav’ Lu 4, 86-8.
31 ‘O dialogicheskoi rechi’ in Iazyk i ego funktsionirovanie, 17–58, § 4. Iakubinskii’s colleague at ILIaZV Lev Shcherba had already made the same point as
early as 1915: ‘Every monologue is in essence a rudimentary form of the “common”, normalised, widespread language; language “lives” and changes by
and large in dialogue’ L.V. Shcherba, ‘Nekotorye vybody iz moikh dialektologicheskikh luzhitskikh nabliudenii’ in Izbrannye raboty po iazykoznaniiu i fonetike
(Leningrad: Izd. Leningradskogo universiteta, 1958) 35-9, 36. See also Shcherba, ‘sovremennyi russkii literaturnyi iazyk’, Izbrannye raboty po russkomu
iazyku (Moscow: uchpedgiz, 1957) 113-130.
32 ‘Klassovyi sostav’ Lu 4, 89-90. Original emphasis.
Bakhtin once more severed Iakubinskii’s argument from its historical moorings, and incorporated it into
an account of literary history with different origins and historical coordinates. Like Iakubinskii, Bakhtin
links the rise of parodic genres to the breakdown of linguistic isolaion, but he transposes the formula-
tion, shifting it from the penetration of capitalist relations into the backward Russian countryside and to
an account of the literature of late antiquity. The framework into which Bakhtin inserted the Leningrad
33‘Klassovyi sostav’ Lu 4, 91-2. Original emphasis.
34 Voloshinov briefly uses the term ‘discursive genre’ in Marxism and the Philosophy of Language, but it there remains relatively undeveloped and certainly
not linked to historical considerations (Marksizm, 314-5; MPL, 96-7).
35 In their detailed commentary on the essay, the editors of the scholarly edition of Bakhtin’s work fail to identify this source, claiming only that Bakhtin was
probably influenced by Iakubinskii’s 1923 essay on dialogue, from which he derived the term ‘rechevoe obschenie’ [discursive intercourse]. M.M. Bakhtin,
Sobranie sochinenii t.5 (Moscow: Russkie slovari, 1996) 543.
36M.M. Bakhtin, ‘Problema rechevykh zhanrov’, Sobranie sochinenii t.5, 159-206, 165; ‘The Problem of Speech Genres’, Speech Genres and Other Late
Essays, trans. Vern W. McGee, (Austin, University of Texas Press, 1986) 60-102, 65. Marr argued that ‘language acts as a drive belt [privodnoi remen] in
the region of the superstructural categories of society’, quoted in Alpatov, Istoriia, 35.
37 M.M. Bakhtin, ‘From the Prehistory of Novelistic Discourse’ (hereafter PND), The Dialogic Imagination, 41-83, 61; ‘Iz predystorii romannogo slova’,
(hereafter PRS) Voprosy literatury i estetiki, 408-46, 426.
38 Larin, ‘O lingvisticheskom izuchenii goroda’ § 4.
39 ‘Klassovyi sostav sovremennogo russkogo iazyka: iazyk krest´ianstva. Stat´ia chetvertaia’ , Lu 6, 51-66, 51.
40 ‘Klassovyi sostav’, Lu 6, 58-62. Original emphasis.
The linguistic relations between professional linguistic groups in capitalist society are therefore shar-
ply distinguished from those between the professional groups of feudalism, where ‘secluded’ groups
developed their own mutually incomprehensible languages. The professional stratification of language
within the proletariat is thus quite different from the ‘raznoiazychie’ that the proletariat inherits from the
peasantry. This latter contradicts the objective interests of the working class and must be ‘liquidated’ in
the formation of an independent proletarian language.43
In its transformation from a ‘class in itself’ to a ‘class for itself’, the proletariat must develop its own
language in contradistinction to the language of the bourgeoisie. The manifestation of this distinction
is not, and here Iakubinskii shows considerable distance from Marr, in the proletariat’s pronunciation,
grammar or vocabulary, but in the proletariat’s ‘discursive method’. This is ‘the mode of usage of the
material of the common-national language’, the ‘treatment [obrashchenie]’ of this material, ‘the mode
of selection from it of facts necessary for concrete purposes’, the ‘attitude toward these facts and their
evaluation’. This ‘proletarian discursive method’ is formed spontaneously during the proletariat’s struggle
with the bourgeoisie ‘in the order of everyday conversational intercourse and is organised by the most
advanced linguistic workers, the ideologues of the proletariat (writers and orators) in the various genres
of oral and written public discourse’. This method is at first mainly formed in the ‘political, philosophical
and scientific genres of public discourse’, but after the proletariat’s seizure of political power the process
acquires a ‘mass character’ and spreads to ‘all discursive genres’.44
The social stratification of language is now understood as stratification at the level of discourse and it
is argued that workers become conscious of this stratification in and through the democratisation of dis-
cursive genres by a political leadership. Here we have the germ of Bakhtin’s idea that the democratisation
of culture is synonymous with its ‘novelisation’. The political leader is replaced by the novelist. Rather
than ‘political, philosophical and scientific genres of public discourse,’ proving the locus for democratisa-
tion, it is in and through the novel that adopts this role. Just as Bakhtin detaches Iakubinskii’s concrete
historical narrative from its institutional coordinates and absorbed into an ideal narrative, so he severs
literature from its institutional moorings and subsumes politics into ethics and aesthetics.
Iakubinskii’s series of articles end with a characterisation of the current state of ‘linguistic politics’. He
argues that all unnecessarily technical vocabulary associated with ‘bourgeois specialists’ must be shunned
in favour of a truly ‘popular-scientific language’ [nauchno-populiarnyi iazyk].45 Under the dictatorship of
the proletariat the common-national language must be ‘common in its tendency towards all the genres
of discourse’. It will be ‘more democratic the more it is accessible to the masses, and the less it is diffe-
rentiated according to genre’ overcoming the enormous differentiations of the ‘assimilation of actuality
in discursive genres’ introduced by capitalism.46 The development of a common-national language, and
thus the overcoming of ‘raznoiazychie’, can reach fruition. This is because capitalism’s contradiction
between town and countryside can be overcome and the subordination of previously oppressed classes
can cease. Since the proletariat is a universal class, it aims to destroy the class structure once and for
all, and so the national language can now become ‘common to all classes of society’.47
41 A.N. Veselovskii, ‘Grecheskii roman’ in Izbrannye stat´i (Leningrad: Khudozhestvennaia literatura, 1939) 23-69; A.N Veselovskii, Istoriheskaia poetika
(Leningrad: Khudozhestvennaia. literatura, 1940). It may be significant that Veselovskii was an important and acknowledged source for Marr’s work and that
Zhirmunskii was the editor and wrote the introduction to these editions. Georg Misch, A History of Autobiography in Antiquity (2 vols.; trans E.W. Dickes;
London: Routledge & Kegan Paul, 1950) vol. 1, 69. See also Tihanov, Master and Slave 149-50; N. Tamarchenko, ‘M.M. Bakhtin i A.N. Veselovskii’; Craig
Brandist, ‘Bakhtin’s Grand Narrative: The Significance of the Renaissance’, Dialogism 3 (1999) 11-30,19-24.
42 PND 62; PRS 427.
43 ‘Klassovyi sostav sovremennogo russkogo iazyka: iazyk proletariata. Stat´ia piataia’, LU 7, 1931, 22-33, 24-5.
44 ‘Klassovyi sostav’ LU 7, 32-3.
45 Iakubinskii, ‘O nauchno-populiarnom iazyke’, LU 1, 1931, 49-64.
46 L.P. Iakubinskii, ‘Russkii iazyk v epokhu diktatury proletariata’ LU 9, 1931, 66-76 74.
47 ‘Russkii iazyk’ LU 9, 71.
Dr Marcin Brocki
University of Wroclaw
Poland
ABSTRACT
Contemporary anthropology had to face with its own professional culture as a practice of textualising
the “other”. In the result realist modes of representation were rejected as no longer valid and convin-
cing, as they do not convey complex reality and multi-vocal fieldwork situation properly. Anthropology
sought the solution in the Bachtin`s concept of “dialogism”, much more square with real problems of
contemporary anthropology, as it was perceived.
In the first move toward dialogism the key issue was to reduce researcher-researched distinction.
Highly personal tales from the fieldwork (“confessions”) were supposed to play that part but soon they
were substituted by the idea of polyphonic fieldwork and its multi-vocal representation. Anthropologist`s
authority was “dispersed among interlocutors”. “Dialog” became the main figure (metaphor) of the
change. But in practice, dialog was treated literally, what finally led to overemphasising the role of “the
informant’s word”, to naive faith that the researched “knows better”, to realist notion that there is a
truth to be represented outside of the dialog - and that all was combined with the will for symmetry of
multi-vocal representation of multi-vocal reality, so the dialog become hostage of the modernist will to
better represent reality.
In case of anthropology, the idea of “dialog” had just hidden the practical dillemmas of fieldwork. Taken
into practice the idea became its opposite – it was discovered that “dialog” is only masking monologue
inscribed in the process of representing and translating “life experience”. Anthropological attempts to
abandoning representation (by evocation) and translation (by engagement) are in fact dialogs with and
within professional culture, but far from understanding the anthropological Other.
For over thirty years, the development of theory in anthropological research has been under heavy
influence from literary theory, serving mostly as an inspiration in solving certain problems in the research
practice of ethnography. This influence first started with the assimilation of structuralism and semiotics,
with their concept of culture as a collection of texts interacting with one another, into anthropology. The
real interdisciplinary dialogue, however, originated with the discovery, received in the field of ethnogra-
phy with a lot of suspicion and astonishment, that the practice of anthropology is not only collecting and
analyzing data, but also “producing texts”, and that the textualisation of the reality examined is part of
that process, too.
“Ethnography as a textual practice” means, first of all, transforming the examined reality into text
(understood at least in the researcher’s professional culture, but also reflecting, as precisely as possible,
the meanings from the examined culture), next, the interpretation of this text, and finally transforming
both these processes into a final, written text, which organizes ethnographic data and evidence into a
satisfying composition.
Ethnographers came to the conclusion that „[...] it might be difficult to defend the view that ethnogra-
phic texts convince, insofar as they do convince, through the sheer power of their factual substantiality”,
or sophisticated theoretical argument [Geertz 1988, p. 3]. So as Clifford Geertz wrote: „The ability of
anthropologists to get us to take what they say seriously has less to do with either a factual look or an
air of conceptual elegance than it has with their capacity to convince us that what they say is a result
of their having actually penetrated another form of life, of having, one way or another, truly <<been
there>>. And that, persuading us that this offstage miracle has occurred, is where the writing comes
in” [Geertz 1988, p. 4-5].
Before those significant discoveries were made, the ethnographers believed their texts were only
presenting and recording facts. Now, however, they agree that ethnographical texts remain in a dialogue
relationship (interplay) with the reality they refer to. It is worth noting at once, that the reality ethnogra-
phers describe, is already somebody’s interpretation, a social vision of situation (which allows the comfort
According to Rabinow, field research is a complex dialogue between ethnographer, his professional
culture, the reader, and the “native”; a dialogue in which all meaning is a result of negotiation. Rabinow
showed clearly that the view of a culture emerging from field research is not merely a sum of actions
and concepts of persons involved in the research. Neither can it be simply translated into “familiar and
orderly categories” of anthropological meta-language, as it is “polyphonic” [see i.e.: Mannheim, Tedlock
1995, p. 2].2
Although the term “polyphony”, borrowed by anthropology from Bakhtin’s writings, has been broade-
ned compared to the way it was originally used by its author, in the research practice of ethnography, it
relates both to the reality being examined (then, however, ethnology becomes entangled into conside-
ration of the nature of cultural phenomena), the dialectics of field research, and “multiple” authorship
of ethnographic texts. The texts involve the author-anthropologist, as the narrator of the story (who
describes, analyses, and interprets the facts; he always has the fullest knowledge); there is also a reader,
who is not directly present in the text, yet the text presumes his presence, and thus, in a way, adjusts
1 After all, it is not just the interlocutors that take part in the negotiation, but also certain important contexts, constituting together the examined event,
and the process of making the examined culture into a text is initiated by confrontation and participation (a type of involvement, which enables dialogue),
which in turn become part of constructive negotiation.
2 Once it has been realized that culture (as a derivative of research practice, and not an entity in itself) emerges from such dialogical background, the
result of ethnographic research appeared as a created, re-created, and reproduced cultural (or cross-cultural) practice; That meant that culture itself could
become an object of ethnographic consideration, which opened new perspectives for research in modern anthropology, and strengthened its bonds with
literary theory and critique.
3 Therefore, what they have in mind is ”recognizing the concept of substituting the representation of facts by the ability to recreate, or ‘evoke’, the experience
of reality, both of our own, and other worlds” [Kempny 1994, p. 182].
4 This is one of the reasons why, according to Gellner [1997, p. 42-43], dialogicality and heteroglossy of ethnological texts are nothing more than a symp-
tom of “subjectivism hysteria”.
5 Hence the objection that interpretative anthropology, which opposed realism – though only according to its critics – is itself the purest form of realism.
Gilberto de Castro
Resumo
O texto a seguir, na busca de uma perspectiva discursiva nas idéias do Círculo de Bakhtin, estabelece
um contraponto entre o conceito de enunciado de Voloshinov e Bakhtin e aquele formulado por Michel
Foucault, quando desenvolve as suas idéias teóricas sobre a arqueologia do discurso e do saber. Nessa
comparação, o que se pretende explorar é que, apesar das diferenças nos objetivos dos autores e no
percurso diferenciado que empreenderam em relação ao temas da linguagem e do discurso, é possível
perceber importantes pontos de contato entre suas idéias, já que também é possível inferir dos debates
sobre linguagem e enunciado do Círculo uma dimensão discursiva.
Resumen
Este texto, en la búsqueda de una perspectiva discursiva en las ideas del Círculo de Bajtín, establece un
contrapunto entre el concepto de enunciado de Voloshinov y Bajtín y aquél formulado por Michel Foucault,
mientras desarrolla sus ideas teóricas acerca de la arqueología del discurso y del saber. En ese parangón
teórico, lo que se pretende explotar es que, a pesar de las diferencias en los objetivos de los autores y
en el percurso distinto que ellos emprendieron en relación con los temas del lenguaje y del discurso, es
posible percibir importantes puntos de contacto entre sus ideas, puesto que también es posible inferir
de los debates acerca del lenguaje y el enunciado del Círculo una dimensión discursiva.
De todos os temas a que se dedicaram os integrantes do Círculo de Bakhtin, não há dúvida que o
tema da linguagem emerge como um dos principais, uma vez que ele está presente tanto nos debates
teóricos específicos a respeito da linguagem quanto nas discussões em torno das questões culturais e
literárias. E hoje, depois dos já mais de 30 anos de convivência com os principais autores desse Círculo,
e da existência de alguma exegese, creio que vão ficando cada vez mais pontuais algumas de nossas
apreensões em relação às utilizações que podemos fazer a partir do que disseram. Quanto mais cresce
o tempo de convívio com as formas novas de pensar que o Círculo propôs, mais vamos nos dando conta
de que, diferentemente dos estágios iniciais de aproximação, mais fortemente embebidos em formalis-
mos diversos, hoje cresce cada vez mais a responsabilidade que temos diante do que disseram aqueles
autores. Porque hoje, ao menos em termos de projeto geral, não há mais como ignorar que as idéias
desenvolvidas pelos autores do Círculo de Bakhtin, mesmo considerando as suas diferentes origens e
vinculações filosóficas e conceituais, inauguraram um modo bastante inovador de pensar as questões da
linguagem, da literatura e da cultura de uma maneira geral. No tocante à linguagem, especificamente,
não seria exagero dizer que o Círculo, com seus debates, ajudou a inaugurar um novo paradigma.
Se é assim, se o Círculo realmente, de um outro mirante, conseguiu enxergar na linguagem qua-
lidades não reificantes; ou, de outro modo, se ajudou a desfocá-la da mira milenar da estrutura e da
forma, percebendo-a como articuladora das experiências e das relações humanas, que novos temas e
fenômenos podemos estudar a partir desse novo olhar? Estando agora no eixo da interação verbal, que
objetos podemos selecionar para nosso estudo e reflexão?
São bastante freqüentes, talvez mesmo já inevitáveis, as relações entre o que o Círculo disse sobre
a linguagem e as preocupações em torno do estudo do discurso. Muitos de nós perguntamos, qual seria
a contribuição que as discussões do Círculo de Bakhtin têm para uma análise discursiva? Ou seja, em
que medida o conceitual formulado em torno das questões de linguagem, principalmente por Voloshinov
e Bakhtin, nos autorizam a integrá-los ao debate sobre o discurso?
Imagino que a melhor maneira de verificar isso seja através de um contraponto com aqueles auto-
UNISINOS
Resumo
A afirmação bakhtiniana de que a efetiva realidade da linguagem é o evento social de interação verbal
pressupõe de imediato entender o sentido numa outra ótica. Isso implica toda uma atenção às questões
espaço-temporais, ao processo interativo da comunicação e aos recursos expressivos utilizados na pro-
dução de determinada mensagem. Sendo assim, o discurso, situado no jogo de forças da sociedade de
mercado, viabiliza a relação necessária entre o homem e a realidade natural e social. Ele é, simultane-
amente, interação e modo de produção social, lugar de troca e de negociação entre instituições, meios
e atores. A publicidade, mais do que nunca, vai refletir esses aspectos, pois ela é o resultado de todo
um percurso de negociação com o público, em busca de uma meta primordial: despertar o desejo de
consumo de seu sujeito receptor.
Sendo assim, resta ao estudioso de linguagem perseguir, nesse tipo de produção midiática, os me-
canismos de construção do sentido social. De forma prática, trata-se de examinar desde a situação
comunicativa, ou quadro de referência, até a instância discursiva que atualiza os papéis atribuídos aos
sujeitos. O eixo mais amplo implica domínio pontual da realidade política, social, econômica, cultural;
conhecimento do mercado; decisão quanto ao tipo de inserção do produto; natureza do público a que se
destina; conhecimento acerca de desejos e interesses desse público; decisão sobre tipo de mídia e tom
de uma campanha: informativo, apelativo, poético, humorístico; interesses em jogo; formato da campa-
nha. O eixo discursivo envolve as escolhas feitas: definição dos dados culturais e sociais; configuração
dos sujeitos; explicitação dos papéis enunciador / destinatário; forma de composição; tom empregado;
escolha de imagens e movimentos; uso de linguagem verbal e visual; efeitos sonoros e musicais; con-
teúdo e efeitos de sentidos.
Nessa direção, o estudo do humor adquire uma complexidade muito maior. Centrado no princípio do
jogo, o humor mistura representações contraditórias e emoções dinâmicas: são vozes que se fazem pre-
sentes em ângulos distintos. O primeiro, denominado intelectual, evidencia o humor como um processo
de inversão da lógica social; de choque entre dois códigos de regras: o de um mundo cotidiano, previsível
e seu oposto; de ruptura com padrões vigentes, de quebra com regras estabelecidas. O outro, emocio-
nal, entende o humor como liberação do sentimento de opressão; alívio de tensões, produção de prazer
e, em conseqüência, o riso. Se o tratamento regular de eventos e de objetos acarreta previsibilidade,
a ruptura provoca uma conexão inabitual. Isso gera diferença, novidade, transgressão, mudança e, em
conseqüência, magnetiza o receptor. Pode-se dizer que o receptor tende a não esquecer uma campanha
impregnada de ludicidade, de brincadeira. Há quem diga, inclusive, que o humor é uma forma de o ho-
mem se adaptar ao irreversível, de tornar a vida mais leve e agradável.
Reconhecer essas vozes na publicidade é o desafio desta comunicação. Para tanto, usa como base
uma campanha publicitária (oito peças), criada pela agência gaúcha Fischer América Dez, gentilmente
cedida para a realização da pesquisa.
Palavras-chave: humor; representação contraditória/liberação; vozes discursivas; dialogismo
Abstract
Bakhtin’s statement that the effective reality of language is the social event of verbal interaction
demands an understanding of meaning through another perspective. It implies special attention to spa-
ce-time matters, to the interactive process of communication and the expressive resources employed
on the production of a message. Thus, discourse, as part of the system of power relations in capitalist
society, allows the necessary relation between man and reality, both natural and social. Discourse is, at
once, interaction and mode of social production, the place for exchange and negotiation between insti-
tutions, media and actors. Advertising, more than ever, reflects these aspects, as the result of a process
of negotiation with the audience, seeking a main goal: to raise the will of consumption in the members
of the target.
So, regarding this sort of media production, the language student should investigate the mechanisms
of construction of social meanings. In short, it means to examine from the communicative situation or
Introdução
Os aportes bakhtinianos têm subsidiado estudos no campo da lingüística, da literatura, da educação,
da psicologia, entre outros. Há relativamente poucas articulações entre Bakhtin e a comunicação, a
produção midiática, como é o caso da publicidade. Associar um tipo de produção voltado para a venda
do produto, a satisfação do cliente e o fortalecimento do mercado com os fundamentos bakhtinianos é o
desafio desta comunicação. Se o sentido se constrói no processo de interação social, que relações podem
ser feitas com a produção publicitária? E como o humor se insere nessa relação?
Que tipo de movimentos essa publicidade de humor desencadeia?
Como a noção de polifonia, de vozes está relacionada à publicidade de humor?
E mais, como a publicidade de humor, tão usada comumente, se insere nessa relação?
O trabalho com a publicidade de humor é, ao mesmo tempo, apaixonante e complexo. É apaixonan-
te, porque o texto publicitário atinge as pessoas, provoca-lhes reações e, sobretudo, atua em torno da
subjetividade. É complexo, porque essa investigação implica o envolvimento dos sujeitos no processo
interativo e, também, o estudo do discurso numa ótica que permita o exame dessa ordem emocional. A
noção de processo interativo é uma pista de duas mãos em que o produtor do discurso faz a provocação,
e o receptor envolve-se com o que lhe é sugerido. E, sobretudo, esse envolvimento vai repercutir no
campo das emoções. A publicidade de humor se completa na reação do receptor, no prazer despertado,
no riso obtido.
No fundo, consubstancia-se a orientação bakhtiniana de ver o discurso como a base para a construção
do sentido social. Cabe ao estudioso da linguagem perseguir e desvelar os mecanismos articulatórios de
construção desse sentido e reconhecer os diálogos possíveis que se estabelecem com a sociedade, com
a cultura e com os valores da época.
Para estudar essa relação tão complexa, o trabalho busca, num primeiro momento, situar a publi-
cidade como uma produção midiática que atua na sociedade, e o humor como um recurso discursivo,
que impulsiona o fazer publicitário visto que promove e fortalece a interação entre as pessoas. Por isso
a reflexão em torno do fenômeno publicitário e seu recurso humorístico.
Num segundo momento, propõe-se a reconhecer esses movimentos tomando por foco uma campanha
publicitária veiculada no Rio Grande do Sul, e gentilmente cedida pela então Agência Fischer América Dez,
para a realização desta pesquisa. A campanha, composta de oito peças de trinta segundos cada uma, foi
veiculada na televisão gaúcha, no final dos anos noventa, e teve bastante aceitação junto ao público.
Publicidade: implicações e especificidades
A investigação no campo da produção midiática, segundo Ford, exige um olhar atento aos fenôme-
nos da realidade socioeconômica e cultural. É difícil falar da mídia, de seus gêneros, de suas formas de
construção de sentido, de sua produção ou recepção, da crescente segmentação da demanda e da oferta,
ou dos processos de globalização simbólica, de seus efeitos e usos, isolando-os da sua complexa trama
com as transformações socioculturais e econômicas (1999, p.169),
Qualquer estudo que pretenda debruçar-se sobre os objetos e/ou processos midiáticos deve neces-
sariamente voltar-se para o conjunto de acontecimentos que cercam o fazer e que condicionam esse
*
Dados obtidos em consulta ao site www.inep.gov.br
RESUMO I
Nos estudos realizados por Mikhail Bakhtin (1993) sobre Rabelais, o teórico russo afirma que o mérito
do autor francês está em perceber o valor das festas populares para o homem medieval, para quem o
carnaval desempenhava, juntamente com as festas que o compunham, um elemento de renovação da
vida e da cultura. A partir da análise de uma charge veiculada pela revista Época, este artigo se propõe
a detectar que forma de compreensão é proposta pela mídia em relação a festas populares como essa,
buscando estabelecer um contraponto entre a concepção carnavalesca bakhtiniana e rabelaisiana e aquela
que caracteriza a mentalidade da sociedade brasileira atual.
RESUMO II
At the studies made by Mikhail Bakhtin (1993) about Rabelais, the russian theoretician asserts that
the merit of the french author is to discern the value of the popular parties for the medieval man, for
who the carnival was, together with the parties that compose him, an element of the life and the culture
renovation. From the analyse of a shown charge by Época magazine, this paper has the aim to detecte
what is the media comprehension shape about popular parties as that, trying to establish a comparison
between the bakhtinian and rabelaisian conception about the carnival and that what seems to identify
the present brazilian society mentality.
1 INTRODUÇÃO
A partir do estudo da estética que caracteriza a produção romanesca de François Rabelais, Bakhtin
(1993) afirma que a “principal qualidade (do romancista francês) é estar ligado mais profunda e es-
treitamente que os outros às fontes populares” (p. 2). Dentre as festas populares usadas por Rabelais,
estariam o carnaval, a “festa do asno”, as “festas dos tolos”, o “riso pascal”, as “festas do templo” e as
“festas agrícolas”. Cruciais para o homem medieval, estas festas “pareciam ter construído, ao lado do
mundo oficial, um segundo mundo e uma segunda vida”, criando uma espécie de “dualidade do mundo”
(p. 3) (grifos do autor) e instituindo, ao lado do mundo oficial, um mundo cômico que permitia “uma
fuga provisória dos moldes da vida ordinária” (p. 6). Festa por excelência, o carnaval “é a própria vida
que representa e interpreta uma outra forma livre de sua realização, isto é, o seu próprio renascimento
e renovação sobre melhores princípios” (p. 7).
Como se vê, as festas populares, e o carnaval, sobremaneira, têm, para Rabelais (e para Bakhtin),
um traço fortemente renovador, capaz de engendrar novas formas de relações humanas: um elemento
positivo, porque produz outras relações a partir da crítica daquelas desgastadas: dogmáticas. Não pa-
rece ser este o mirante da mídia, quando se consideram os discursos que ela veicula. Embora afirme
nas materialidades que o carnaval é uma festa democrática, popular e crítica, tomando tais traços como
positivos, na transversalidade de que se vale para articular o seu discurso, ela deixa transparecer o que
pensa da festa: ele seria uma festa caótica, que desorganiza o mundo, fazendo ruir os valores da so-
ciedade, trazendo o caos e a degradação do status desejável. Esta é a hipótese que se buscará testar e
levar à confirmação ou refutação.
Usando o conceito bakhtiniano de carnaval e a noção de transversalidade discursiva, este artigo se
É importante que se frise que, para o homem medieval, para Rabelais e também para Bakhtin, o
carnaval, com suas festas e ritos, suas licenças e ultrapassagens, sua liberdade em relação às normas
correntes da etiqueta e da decência, antes de pressupor uma defesa da deterioração do mundo e um
caos desregrado, é constituído pelo traço positivo de relativizar qualquer forma de criação cultural que
ambicione a cristalização e o despotismo, permitindo ao homem, não orientado teleologicamente para
um destino já traçado, a mobilidade de sonhar, propor mundos e rejuvenescer sempre: o carnaval, assim
como ele foi vivido pelo homem medieval, caracteriza-se ambiguamente pelo mundo que ternamente se
gasta e volta a nascer de si próprio, num mesmo e único movimento: onde há morte, há ressurreição;
onde há envelhecimento, há rejuvenescimento; onde há coroação, há destronamento. Tudo cheira a
renovação, renascimento, ressurreição e transitoriedade. A estabilidade, a imutabilidade e a perenida-
de não seriam mais do que as rédeas destinadas à captura e à manutenção, por meio da força, de um
conjunto de privilégios dos quais alguém se apropriou. Frise-se uma vez mais que a força corrosiva do
carnaval medieval é tomada como um elemento altamente positivo, que permite que os costumes não
se petrifiquem, tornando-se estereótipos modelares.
3 TRANSVERSALIDADE E PANO DE FUNDO
Dados os traços gerais do carnaval medieval que servirão como balizas para a análise a ser feita
adiante, trata-se de buscar delinear o segundo conceito importante para este estudo: o de transversali-
dade discursiva. Falar de discurso obriga o analista a levar em consideração, pelos menos, duas ordens
de problemas: os protagonistas do ato comunicativo, com tudo que decorre de sua inserção, devem ser
considerados no momento de precisar o efeito de sentido de um texto, caracterizado por uma incomple-
tude fundante; por isso, a relação existente entre o texto (o plano da expressão e do conteúdo: a forma)
e o contexto (em sentido lato: a situação comunicativa; em sentido estrito: as condições de produção)
deve ser vista como constitutiva, não se podendo lidar de maneira efetiva com o sentido, a não ser por
meio da consideração da dupla (ou tripla) face do discurso, simultaneamente, lingüístico e histórico.
Esse caminho de mão dupla que se tece entre o texto e o contexto permite, por um lado, desvendar
as razões de a materialidade discursiva ter sido produzida com uma forma e não outra e, por outro,
alcançar o lastro cultural que sustenta os enunciados realizados pelo enunciador: ou seja, se a materia-
RESUMO
Neste texto, a partir da obra Marxismo e Filosofia da Linguagem (1929), examino como Bakhtin, ao
tratar do discurso citado, aborda a questão da polifonia e do descentramento do sujeito. Segundo o autor,
esse discurso é um fenômeno lingüístico capaz de explicitar a transmissão das enunciações de outrem
e aponta para a integração dessas enunciações, num contexto monológico coerente. Em um segundo
movimento textual, tendo como aporte teórico a Escola francesa da Análise de Discurso, desloco a no-
ção de polifonia de Bakhtin para a de heterogeneidade discursiva. O corpus em análise é formado por
seqüências discursivas de referência (sdr(s)) do discurso de Lula (DL), marcadas por diferentes formas
de dizer o discurso citado (relatado). Na análise do funcionamento discursivo dessas sdr(s), é possível
evidenciar enunciados polifônicos, entendidos como discursivamente heterogêneos. Mais especificamente,
trato do discurso relatado (segundo Bakhtin: discurso direto, discurso indireto e discurso indireto livre),
procurando demonstrar que, para além da polifonia do discurso e do descentramento do sujeito, no
funcionamento discursivo dessas sdr(s), está posto um discurso que estabelece o confronto entre duas
formações discursivas (FDs) politicamente antagônicas. Desloca-se, portanto, a noção de polifonia para
a de heterogeneidade discursiva - discurso polifônico passa a ser tratado como discurso heterogêneo,
no qual diferentes posições de sujeito estabelecem uma interlocução capaz de demonstrar que discursos
se constroem sobre discursos, num jogo polifônico de vozes marcadas pela historicidade, uma vez que
o dizer não acontece separado de lugares sociais.
A partir da obra Marxismo e Filosofia da Linguagem (1990)2, procuro demonstrar como Bakhtin trata
a questão da polifonia e do descentramento do sujeito e em um segundo movimento textual, tendo como
aporte teórico a Escola francesa da Análise de Discurso, desloco a noção de polifonia para a de hetero-
geneidade discursiva. Embora a idéia de polifonia apareça mais fortemente nos estudos sobre a criação
poética de Dostoiévski (1929)3, ligados à criação literária, meu interesse é refletir sobre essa questão a
partir do tratamento que lhe dá Bakhtin quando trata da enunciação, em especial, quando trata do discurso
citado; acredito que aí a questão da polifonia, descentrando o sujeito é igualmente posta. A preocupação
de meu texto é, portanto, com uma perspectiva que recai sobre os estudos da linguagem.
No centro das reflexões de Bakhtin estão a enunciação, o dialogismo e a polifonia. O autor, ao tratar
da enunciação (1990:109-123), critica a reflexão lingüística até então realizada pelo fato de a mesma não
ousar ir além dos problemas constitutivos da “enunciação monológica”. Defende o estudo da linguagem
a partir da enunciação, para que nela se incorpore sua realidade concreta de acontecimento histórico,
intersubjetivo e, portanto, dialógico. A enunciação é apresentada como um produto de natureza social,
determinada pelas condições sociais reais mais imediatas e entendida como resultado da interação entre
indivíduos socialmente organizados. Nesta perspectiva, a fala não é um fato individual, pois o conteúdo
de sua significação é determinado por condições “extraorgânicas” e, acima de tudo, pelos participantes
da interlocução.
Na concepção de dialogia como constitutiva da linguagem, a comunicação ultrapassa a simples
transmissão de mensagens, assumindo, então, o sentido antropológico de processo pelo qual o homem
se constitui enquanto consciência no auto-reconhecimento, pelo reconhecimento do outro, numa rela-
ção de alteridade - o eu se constitui pelo reconhecimento do tu. A comunicação, enquanto relação de
alteridade, é o núcleo básico da teoria do dialogismo que concebe um sujeito constituído numa relação
de intersubjetividade. Nesta concepção o “outro” desempenha um papel fundamental, pois a palavra
1 Professora do DELAC / UNIJUI. Mestre em Estudos da Linguagem – Área: Teorias do Texto e do Discurso – UFRGS; doutoranda na mesma área e Uni-
versidade.
2 O livro “Marxismo e Filosofia da Linguagem” (marxizm i filosofia iazyka. Osnovnye problemy v nauke o iazyke) foi publicado em Leningrado pela Ed. Res-
saca, em 1929, figurando como autor VOLOSHINOV, Valentin Nikolaevitch, amigo e colega de Bakhtin.
6 Interdiscurso, segundo Pêcheux (1988:162 e 163) é o todo complexo com dominante das formações discursivas, imbricado no complexo da formações
ideológicas, que toda a FD dissimula, na ilusão da transparência do sentido que nela se forma. É o lugar onde se constituem os enunciados.
7 Orlandi (1990:29) explica o descentramento do sujeito na AD, afirmando que o mesmo não é fonte e responsável pelo sentido que produz – é parte
desse processo. O sujeito é ele mais a complementação do “outro”, mais o inconsciente. Nesse “outro”, inclui-se não só o destinatário, mas também a voz
de outros discursos historicamente já constituídos, presentes no interdiscurso. Os processos discursivos não têm origem no sujeito, e sim na formação
discursiva com a qual o sujeito se identifica.
8 Quando se trata de analisar as relações internas a uma mesma FD, colocam-se em movimento posições de sujeito que aí se apresentam divergentes.
Através desta sdr, é possível observar que o discurso-outro emerge no discurso de Lula como forma
de denúncia e possibilidade de contra-argumentação desse discurso, ou seja, é incorporado ao discurso
do sujeito enunciador para marcar que dele a posição-sujeito em que o DL está inscrito, se afasta e/ou
se defende. A interlocução produz, assim, o efeito de denúncia do discurso antagônico. Note-se:
... Esta frase é do ministro Murilo Macedo: Assembléia de trabalhadores é como um fruto
podre, ele cai sozinho.
Além da denúncia, outros efeitos de sentido podem ser produzidos. A inserção do discurso-outro
serve como conclamação à classe trabalhadora para a continuidade da luta. Observe-se isso a partir
da reorientação do DL para aquilo que é próprio da FD dos trabalhadores brasileiros na qual o sujeito
enunciador do discurso está inscrito:
...é necessário dizer também que nós tivemos o remédio, e esse fruto hoje está mais sadio
do que quando a árvore foi plantada.
9 A noção de seqüência discursiva de referência está em Courtine (1981) e será também representada por sdr(s).
10 Minha pesquisa abarca um arquivo que tem como efeito de início o ano de 1978, ano da eclosão do ciclo das greves do ABC paulista, e como término o
ano de 1998, ano em que o sujeito enunciador do DL concorreu pela terceira vez à Presidência da República.
11 Neste texto, desloco o “discurso de outrem” de Bakhtin, para “discurso-outro” que, em minha pesquisa, está sendo tomado como um discurso oriundo
de uma outra formação discursiva, de um outro domínio de saber, ou, quando for o caso, de uma outra posição–sujeito, inscrita no interior de uma mesma
formação discursiva (FD).
Nessa sdr, através do DRIF, o sujeito enunciador do discurso insere no DL o discurso-outro, próprio
da FD politicamente antagônica, estabelecendo o confronto entre discursos e demarcando “fronteiras”
entre as diferentes FDs. Pelo fato de o discurso relatado indireto formal (DRIF) não manter compromisso
com a fidelidade ao discurso-outro, é possível, ao sujeito enunciador, inseri-lo em seu discurso a seu
modo, pois esse funcionamento discursivo não reproduz o discurso-outro, limita-se a referir sobre ele.
É isso que possibilita uma interpretação própria do sujeito enunciador do discurso, fazendo “a leitura”
que convém à FD em que está inscrito. Esta é uma característica própria do discurso relatado indireto
formal (DRIF) - o sujeito enunciador pode, até mesmo, distorcer o discurso que está sendo incorporado
ao intradiscurso.
Note-se como funciona a negação:
...não ia fazer a reforma agrária ...não fez a reforma agrária ...
O sujeito enunciador do discurso, ao rejeitar o discurso-outro, aponta para a tensão e para o con-
fronto existentes entre as FDs e, ao reorientar para a FD em que o DL está inscrito, busca desqualificar
o discurso proveniente da FD politicamente antagônica.
Por sua vez, o discurso relatado indireto informal corresponde ao discurso indireto livre de Bakhtin.
Segundo Indursky (1992:294), esta modalidade de discurso relatado também não tem compromisso
de fidelidade com o discurso-outro e, ao contrário do que ocorre no DRIF, não apresenta uma sintaxe
previsível. Assim, o sujeito enunciador do discurso pode relatá-lo parcialmente ou, até mesmo, traduzir
e/ou trair as idéias nele vinculadas.
Observe-se a sdr a seguir:
... O que há, na verdade, é uma pressa enorme de se vender para a sociedade a idéia de
que olha não aconteceu nada. Eu até vi um candidato, hoje, no jornal, dizer: Olha, o que
o Ricupero disse não é nada demais. Eu fico pensando, o dia em que uma nação perder o
direito de se indignar com a aberração que disse o Ministro, eu acho que nós deixaremos de
ser Nação, portanto eu acho que nós não temos que ter pressa...(Fragmentos de entrevista
coletiva à TV Bandeirantes, 12/09/94).
Na sdr acima, a ausência de uma sintaxe previsível possibilita uma certa “tradução” do discurso-outro,
ou seja, nada garante a fidelidade desse discurso. A não previsibilidade sintática também permite que o
sujeito enunciador apresente o responsável pelo discurso-outro como sendo lingüisticamente indefinido.
Observe-se:
... O que há, na verdade, é uma pressa enorme de se vender para a sociedade a idéia de
que...
O discurso, assim estruturado, produz o que Indursky (1992:297) denomina como sendo o efeito
de indeterminação referencial dos agentes, isto é, o “outro” é apresentado como lingüisticamente inde-
terminado. Entretanto, essa indeterminação referencial pode ser interpretada a partir da categoria de
análise da memória discursiva a qual permite a reconstrução das condições histórico-sociais do discurso
e, conseqüentemente, de enunciados similares aos que possam ter circulado no âmbito da FD politica-
mente antagônica, tais como:
...O ministro Ricupero não fez nada de mais. É o PT que quer derrubá-lo...
Susana Cella
En el epílogo al capítulo dedicado al cronotopos en Teoría y Estética de la Novela señala Bajtín: “Sean
cuales sean esas significaciones -se refiere a los elementos semánticos, las formaciones abstracto con-
ceptuales científica y artística, la valoración, la forma de existencia de esa esfera y el carácter y forma
de las valoraciones interpretativas”- dice, “habrán de adquirir, para incorporarse a nuestra experiencia
(además experiencia social), algún tipo de expresión espacio-temporal, es decir una forma semiótica
que sea oída y vista por nosotros (jeroglífico, fórmula matemática, expresión lingüístico-verbal, dibu-
jo, etc.1). Sin esa expresión espacio-temporal ni siquiera es posible el más abstracto pensamiento. Por
consiguiente, la entrada completa en la esfera de los sentidos sólo se efectúa a través de la puerta de
los cronotopos”. (p. 408).
Desde luego, esto nos remite a las formas a priori de la sensibilidad de Kant, cosa que Bajtín advierte,
pero marcando una diferencia, se diría sustancial, no considera a esas formas como “trascendentales”,
como conocimiento que no se ocupa tanto de los objetos como del modo de conocerlos sino de “formas
de la realidad más auténtica”. Cuando en La poética de Dostoievski, Bajtín analiza los procedimientos
fundamentales del diálogo socrático: sinkrisis y anakrisis, caracteriza al primero por presentar distintos
puntos de vista sobre un objeto, mientras que el segundo indica los procedimientos para hacer hablar
al otro, por medio de la palabra, no por una situación del argumento, lo que me parece una distinción
importante, cierta función apelativa está allí aludida, como un valor agregado, a una mecánica propia de
un diálogo. El modo de conocer los objetos aparece entonces en la dinámica del diálogo, en la palabra
en acción. Los personajes buscan una verdad y tratan de poner a prueba esta verdad, no se trata de una
especulación desde fuera acerca del conocimiento, en tal sentido podemos entender la no adscripción
bajtiniana a lo trascendental kantiano, sino en la sucesión de una estructura dialógica, interpelativa,
dialéctica.
Pero además, la idea sostenida por cada uno de los participantes del diálogo se conjuga con la ima-
gen del sujeto que enuncia comprometido en la puesta a prueba de su enunciado. Es aquí donde Bajtín
señala “el germen de una imagen de la idea”. (p. 158) Me interesa entonces destacar esta expresión en
tanto la concreción de la imagen es fundamental en el discurso, no sería la idea ligada a lo abstracto,
relacionada con el concepto, a la representación de las ideas por medio de las palabras en la tradición
filosófica, sino una configuración -de palabras- que liga al sujeto con el objeto de su discurso, lo posicio-
na en un lugar y lo define tanto como al objeto mismo. Es “oído y visto”, para retomar la cita anterior,
dicho y presentado, podríamos agregar. Y, también que esto acontece tanto en el nivel del texto como
en la incorporación del destinatario externo de la enunciación. La presencia en el enunciado del emisor
del discurso (el autor), del enunciador (el protagonista o personaje/ narrador) y del destinatario, remite
asimismo al nivel de la enunciación y es la condición de posibilidad del encuentro de una multiplicidad
de voces que están espacio-temporalmente situadas a su vez en una multiplicidad de espacio-tiempos.
La compleja estructura involucra al cronotopo vinculado con el dialogismo y el híbrido novelesco, en la
conformación y recepción del texto artístico.
En palabras de Bajtín:
El híbrido novelesco2 es un sistema de combinaciones de lenguajes organizado desde el punto
de vista artístico; un sistema que tiene como objetivo iluminar un lenguaje con la ayuda de
otro lenguaje, modelar la imagen viva del otro lenguaje.
A lo que se puede agregar, no sólo podría tratarse de “convertirlo en convicción propia” en tanto ads-
cribir a ese «enunciado inédito», sino en convicción de que es lo propio del material con que se tiene que
trabajar, un enunciado objetivado, susceptible de contrastarse con otros, medible con el que soporta la
enunciación, objetivable también. Los procedimientos narrativos hacen más viable esta posibilidad. Por
su parte, la imagen poética, en sentido restringido y en las variaciones que experimenta en las distintas
poéticas, tendería a buscar aquello que ha quedado indefinidamente inscripto en las huellas mnémicas,
en busca de las percepciones primarias, que no están fijadas a un sólo tipo de representación. Sólo que
siempre tal intento no se da sino en y entre las palabras.
Si Bajtín menciona “en otros géneros” el cronotopo bucólico-pastoril, edílico, que podría vincularse con
ciertas formas de la lírica, también sería posible, teniendo en cuenta no sólo la singularidad de un lugar
particular desde donde se emite el discurso (la voz del poeta) sino también esa profunda inmersión en
los estratos de la lengua y preverbales, la idea de lugar natal que Bajtín señala en la novela geográfica
(p. 256). Ambiguamente, esto podría ir tanto en favor de una expresión monológica como dialógica.
El lugar propio, espacio tiempo único, la lengua materna como matriz, apuntarían a ese lugar natal, a
la patria del idioma empleado en la obra literaria. Al mismo tiempo, el otro, los otros, tiempo-espacio
podrían entrar en la dimensión de una extrañeza del lenguaje, incluido el propio.
La importancia dada a la diferenciación de los géneros obviamente abona las diversas caracterizacio-
nes, sin embargo, todo aquello que involucra el concepto de cronotopo, puede vincularse con la lírica,
y más, con la escritura literaria concebida como un conjunto cuyas variaciones genéricas pueden ser
menos rígidas, más lábiles y aun estar intersectadas.
Bibliografía
Auerbach, Eric, Figura (Berna, 1944), Paris, Editions Belin, 1993
Bajtín M. M., Problemas de la poética de Dostoievski, México, Fondo de Cultura Económica, 1986. Trad. De Tatiana
Bubnóva.
Bajtín, M. M., Teoría y estética de la novela, Madrid, Taurus, 1989. Trad. Dde Helena S. Kriúkova y Vicente Cazcar-
ra.
Bajtín, Mijail, La cultura popular en la Edad Media y el Renacimiento, Barcelona, Barral, 1971. Trad. De Julio Forcat
y César Conroy.
Enaudeau, Corine, La paradoja de la representación, Argentina, Paidós, 1999.
Laplanche, Jean- Pontalis, J.B., Vocabulaire de la Psychanalyse, Paris, PUF, 1868.
Voloshinov, Valentin, N., Freudismo, Un bosquejo crítico, Argentina, Paidós, 1999. Trad. De Jorge Piatigorsky.
5 Me refiero a los conceptos freudianos de representación palabra y representación cosa. Terminos que Freud utiliza para distinguir la representación -se-
sencialmente visual- que deriva de la cosa- y esencialmente acœstica, que deriva a la palabra. La ligazón de la representación de cosa a la representación
de palabra correspondinte caracteriza al sistema preconsciente-conciente, mientras que en el inconsciente está la representación de cosa.
7La representación de cosa consiste en la investidura, si no de las imágenes mnômicas directs de la cosa, al menos de huellas mnômicas más alejadas que
derivan de las anteriores (“Lo inconsciente”).
6 En La paradoja de la representación, op. cit.
El presente trabajo se propone reflexionar sobre uma de las maneras como se construye el yo lírico
em tanto agente de cambio político; atendiendo el proceso metapoético como uno de los aspectos en
que dicha conciencia se articula dentro de un discurso ético-moral en torno a lo que he llamado lo na-
cional-proletario1. La finalidad de este estudio, por consiguiente, va dirigida a situar y problematizar
ambos paradigmas: el del valor de la poesía como agente de cambio social, y el de la identidad de
lo nacional-proletario, ambos como discursos retóricos que se asumen susceptibles de transformar la
conciencia ideológica del receptor2.
Esta relación, digamos, de índole metafísico-estética,3 propone de entrada un discurso ideologizante
sobre el proceso mismo de la creación artística toda vez que tanto la escritura poética como la ideología
que la encumbra terminan por mitificar no sólo el discurso que éstas pronuncian, sino el que se pronuncia
en ellas4. Este hecho, presente en un corpus significativo de la producción poética del grupo Guajana
–revuelve alrededor de lo que Julia Kristeva llamó “la vigilancia de un metadiscurso”5.
En este sentido, vemos cómo se va construyendo dicho paradigma de lo nacional-proletario por
vía de una poética de intención “salvadora” a partir de una doble articulación: la operación de índole
metadiscursiva (metapoética) en tanto conciencia de una literaturidad que se subsume, por así decirlo,
a un mensaje “necesario” sobre el valor trascendente de la poesía. Y segundo, la identificación que se
produce al interior del texto, entre una de las voces del autor imaginario: el yo lírico6 con el poeta,
como personaje actuante, es decir, como sujeto políticamente comprometido7.
La operación metadiscursiva la estoy enfocando a partir de la recurrencia de vocablos y de ex-
presiones idiomáticas que a la relación, un tanto especular, entre el enunciado y la enunciación. Vocablos
como por ejemplo: palabra, voz, grito, nombre, decir, cantar, contar, llamar, anunciar , y sus múltiples
adjetivaciones y designaciones verbales y adverbiales que, de manera más general, apuntan hacia una
particular postura respecto al lenguaje poético en el proceso de su enunciación.
Dicha conciencia enunciativa reduplica el yo lírico en una especie de diálogo autoral. El ámbito con-
textual (referencial) de carácter ideológico en el que se inscribe esta relación, modeliza- en el sentido
que le da Yuri Lotman- la particular visión de mundo que refleja el grupo generacional del 60 agrupado
alrededor de la revista Guajana como escenario editorial.
1 En la edición del 20 Aniversario de la Revista Guajana (Época final, núm. 1, sept, 1982), se plantea el modelo de la poesía como agente estético al ser-
vicio de la justicia social: “...inequívoco compromiso con la lucha por la liberación...” Y más adelante afirma que “El ideal del artista que aspiramos: el del
intelectual militante” En lo sucesivo nos referiremos a lo “nacional-proletario” (el término es mío) como postura ideológica asumida por la dirección editorial
de la revista Guajana en la que se combinan los postulados de la lucha independentista, el radicalismo del nacionalismo albizuísta, y el internacionalismo
proletario de corte marxista-leninista; lo cual, unido a la misión política de la poesía, configuran una particular visión de mundo ético-estético de dicho
grupo generacional.
2 Nos referimos, en general, al concepto de ideología no como “falsa conciencia” en el sentido marxista ortodoxo, sino como “ideologema”, según planteado
por Bakhtin (1970 y 1978). Es decir, la ideología como visión de mundo reflejada a través de prácticas y formaciones discursivas tanto estilísticas (palabras
y expresiones ideomáticas) como contextuales (histórico-políticas) que remiten a un particular esquema de valores vinculado por medio de imágenes,
símbolos y mitos, a una idea o concepción de la realidad.
3 Tomamos el término del ensayo de Emir Rodríguez Monegal “Tradición y renovación”, (América Latina en su literatura, México, S.XXI, 1976, p. 139) al
referirse a “la visión metafísico-estética” de los años en que se popularizaron los existencialismos en la poesía vanguardista hispanoamericana de la década
de 1950.
4 Ver de Julia Kristeva, “Ideología del discurso sobre la literatura”, en Literatura e ideología, traducción de Socorro Thomas, Madrid, Plaza Mayor, 1972.
5 Julia Kristeva, ibid, p.121.
6 “La figura del autor imaginario- señala Rafael Núñez Ramos- es resultado de un juego complejo de relaciones entre los distintos personajes; el yo lírico no
es más que uno de ellos. El autor imaginario, entonces, puede definirse como la figura que surge como emisor postulado del acto comunicativo y se perfila,
se llena de contenido, se personaliza a través de las relaciones que mantiene, necesariamente, y en un nivel implícito, con el mundo y los seres de la obra,
desde el mismo momento que se manifiesta como hablante, como enunciador de un mensaje de ficción”. Rafael Núñez Ramos, “ La comunicación poética”.
En: La Poesía, Madrid, Editorial Síntesis, 1992, p.96.
7 Extrapolamos a la discusión literaria lo que Thomas Herbert plantea sobre la psicología social y la constitución de lo que él llama “La ilusión subjetiva”.
Nos dice: “ (...) el sujeto que actúa y habla está sumergido en sistemas fraseológicos-institucionales que él no ve porque está conscientemente centrado
sobre sus propios gestos y palabras”. En “La práctica teórica de las ciencias sociales”, El proceso ideológico, Buenos Aires, Editorial. Tiempo Contemporáneo,
Esta concepción ideológica de la estética de la época, apuntaba hacia otra de las reflexiones de Bakhtin
sobre lo que él llamó “La crisis de la autoría”, cuando reduce la singularidad de la estética a la ética “Los
8 “El lenguaje divide al sujeto en dos: en el yo empírico, inmerso en el mundo, y en otro yo que, en su intento por diferenciarse y autodefinirse, llega a ser
como un signo”, Paul De Man, “Retórica de la temporalidad”, Visión y ceguera, Ensayos sobre la retórica de la crítica contemporánea, Traducción de Hugo
Rodríguez Vecchini y Jacques Lezra, San Juan, Editorial de la Universidad de Puerto Rico, 1996.p236.
9 Ver de Harold Bloom, Poesía y creencia, Madrid, Ediciones Cátedra, 1991, p. 103. Ver, también, sobre este punto lo planteado por M. Bakhtin sobre la
“estética de la empatía” o “estética expresiva” en Yo también soy (Fragmentos sobre el otro), Méjico, Taurus, Col. La huella del otro, p.85-86, 2000. (tra-
ducción de Tatiana Bubnova).
10 M. Bakhtin, “Héroe es una categoría literaria para la fracción de la realidad que puede ser abordada por el arte, y es metáfora cuando en pareja con el
autor resulta capaz de describir las realidades extra-estéticas” ibid, p.21.
11 Ver Mijael Bakhtin, en Problemas literarios y estéticos, La Habana, Ediciones Arte y Literatura, 1986.
12 César Graña, La identidad cultural como invento intelectual (algunos ejemplos hispanoamericanos), traducción de María Luz Romero, California, Editorial
de la Universidad de California.
13 Saúl Yurkevich, Poesía hispanoamericana 1960-1970, México, S.XXI, 1972.
14 M.Bakhtin, op., cit., p.101-102.
Argelia (p.84.G.4.1)
aparece un intento del yo lírico por afirmar su voz historiada en otra voz que aquí se asume como la
voz de la colectividad:
He aislado los versos que proponen la toma de la palabra como una hiperbolización del acto de
afirmación del poder personificante de la poesía. Veamos:
Lo importante Ho Chi Minh es la victoria.
Diálogo con el sujeto lírico en el que la figura patriarcal de Ho Chi Minh es mitificada a través de sus
palabras, de “lo que nos ha dejado dicho” como acción transformadora de la Historia. La idealización
poético-biográfica que aquí se da sobre la figura del líder se construye a partir de una “humilde” simu-
lación de la impostación de la voz lírica que, no obstante, se asume también como entidad actuante,
toda vez que se reconoce –a través de ese legado de la palabra hecha acción– como parte del proceso
mismo de la construcción de esa historia.
La veneración hacia el líder de masas se revela, pues, en ese anhelo retórico de poder adecuar el
cómo y el qué se dice con la figura “inconmensurable” del héroe. De esta manera, el yo lírico intenta
reconstruir la figura heroico-histórica de Ho Chi Minh en una especie de tropo19 cuya imagen épica resulta
emblemática de una cosmología dominada por el legado del Maestro heroico.
Argelia.
II.
y estar en el coro de los pueblos del mundo
(....)
III.
15 M. Bakhtin, ibid, p. 126. Apunta, también, hacia el problema bakhtiano sobre la relación de un “deber ser”, con el acontecer temporal y con la acción
asumida ésta como forma artística. Dice:“...cuando las características plásticas y pictóricas de la acción están presentes en la conciencia del sujeto de la
acción, ésta pierde de inmediato la seriedad demandante (perteneciente a la espera del deber ser) de su propósito, de la necesidad y productividad reales
de lo que se lleva a cabo, para convertirse en un juego, degenerando en una gesticulación.... el futuro real aparece para nosotros sustituido por un futuro
artístico, y este futuro artístico siempre es predeterminado artísticamente” . M Bakhtin, ibid, p.63-64.
16 Una de las paradojas de las vanguardias de corte socialista fue que el llamado “arte para las masas” fue asumido y cooptado como expresión de la
cultura burguesa en los países industrializados, incluyendo a Puerto Rico. Ver lo planteado sobre este asunto por Renato Poggioli en “Teoría del arte de
vanguardia” Madrid, Revista de Occidente, 1964.
17 Hasta el final del fuego. Treinta años de poesía (1962-1992). Prólogo de Marcos Reyes Dávila, San Juan, Editorial Guajana, 1992. Para no hacer prolija la
lista bibliográfica de los poetas me he concentrado en la poesía de Andrés Castro Ríos, uno de los principales y más prolífico exponente del grupo Guajana.
Para facilitar la referencia al texto, sigo la clasificación cronológica que establece la propia antología. A estos efectos coloco entre paréntesis el número de
la página e inmediatamente, el título del poema, seguido de la abreviatura del número de la revista en que fue publicado: (G.2.9, G.4.1.,G.1.3 ).
18 Este término que adquiere su nombre, principalmente, en las obras de Jacques Derridá, y en algunos trabajos de Roland Barthes, aunque no constituye el
marco conceptual per se de mi trabajo, me sirve como punto de referencia para ejercer una manera de leer estos textos líricos. En este sentido, el proceso
de la escritura en tanto palabras (signos) me remiten a otros signos (palabras). De manera que el análisis que aquí hago se propone como uno abierto, cuya
intención descansa en una aproximación crítica en la línea decontructivista, que en un intento de reducir el texto a su significado final y cerrado.
19 Sobre la figura heroica (histórica) como tropo ver lo planteado por Harold Bloom en Poesía y creencia, op. cit, p.108.
Insistencia del poeta en la acción política armada pero, hay que subrayar, como rechazo a una poesía
de corte preciosista. El contraste que se establece aquí entre la acción de “ese coro” cuya partitura no
es para ser cantada, sino actuada a fuego de cañón, y las palabras “inútiles, preciosas”, ésas que no
hieren al enemigo, desemboca, paradójicamente, en un claro rechazo a la retórica utilizando el artificio
de la retórica misma. Se propone, en este sentido, no sólo una poesía cuyo lenguaje tenga una función
extra-estética, sino que, indirectamente, se emplaza al escritor-lector para que, como Fanon y como el
propio sujeto lírico, asuma su papel dentro de ese “coro de los pueblos del mundo” y ponga la palabra
al servicio de la acción.
Canto desesperado a América.
I.
(....)
Oyendo el nombre en el oído duro,
el nombre doloroso de una isla
(....)
IV.
(....)
háblanos de tu lucha ...; “
La palabra, convertida en canto doloroso por América, se erige a sí misma en aquello que nombra lo
que ya se escucha o se está escuchado “ en el oído duro”. El objeto que se designa con la palabra, que
se nombra, en este caso, “una isla” aparece como la cosa en sí. Y, en esa medida, el nombre, al tratar
de salirse, por así decirlo, de su existencia retórica, aparece como entidad propia que puede hablar “cara
a cara” de su propia lucha.
Esta conciencia del signo, en tanto palabra que se nombra, nombrándose, se posiciona como una voz
plural que pretende actuar, sobre un hecho trascendente al poema mismo. Pero, a diferencia de dicho
influjo romántico20, aquí la voz lírica se proyecta como una voz impostada, teatralizada a la manera de
un corifeo que (re)presenta un clamor coral en donde todas esas voces que he glosado: la que grita, la
que denuncia, la voz que se asume como una conciencia colectiva; se convierten en voces ejemplari-
zantes de la lucha política. Son éstas, pues, voces hiperbolizadas de un sujeto que busca legitimarse
históricamente o para la historia a través de una acción política que se efectúa desde las trincheras de
la acción poética. Es éste el punto nodal de un Ars que se articula a modo de una cosmología de lo
nacional-proletario.
Sin embargo, estas voces, dentro del tejido textual, no se problematizan, ni se confrontan dialógi-
camente sino que tienden a reducirse a partir de un telos en el que prima el referente extraliterario. En
este sentido, el elemento dialógico21 en la poesía militante de los 60 y 70 se ve reducida a una intencio-
nalidad ideológica; toda vez que esta operación se nos muestra como una especie de conciencia vigilante
del sujeto lírico en tanto sujeto histórico. La voz de ese hablante es, pues, la de un “yo” idealizado, no
necesariamente, en la alteridad del otro, sino, más bien, en una “conciencia normativa”22 que afirma la
unidad del uno en el todo, “en el coro de los pueblos”. De ahí que todas esas voces se constituyen como
una sola voz que formula una visión dramática de un mundo sublime -en el sentido que le da Bloom- y
a la vez en crisis. La palabra poética se convierte em causa, vehículo, utilidad que sirve para comunicar
un mensaje moral basado en la autoridad del discurso del Maestro23.
El hablante lírico, por consiguiente, se erige como identidad dura, sin las fisuras de la alteridad. La
multiplicidad de voces alusivas a la palabra, se ven, pues, subsumidas a la especificidad práctica del
mensaje poético, borrando así, las disonancias dialógicas. La multiplicidad de esas “voces” están más
bien dirigidas, orquestadas por un director que a su vez se autocensura para poder seguir una partitura
preestablecida que, en este caso, tiene mucho del programa de la acción política de la izquierda latino-
20 Me refiero a la tendencia en la poesía romántica en el que el yo poético, al crear el yo interior con el que habla, se erige a sí como centralidad, como
universo del sentido mismo del texto. Ver sobre este asunto a Harold Bloom, Poesía y creencia, op. cit.,p116.
21 Me refiero al concepto de “dialogismo” según formulado por Mijael Bakhtín en “La palabra en la novela”, Teoría y estética de la novela, traducción de
H.S. Kriúkova y V. Cazcarra, Madrid, Taurus, 1989.
22 Primeras comillas responden a conceptos de M. Bakhtin, en Yo también soy, op. cit., p 149.
23 Retomo aquí lo planteado sobre la presencia de los modelos de la tradición poética hispanoamericana, como de los líderes carismáticos de los proceso
políticos internacionales.
24 Para César Graña “la búsqueda de un instrumento colectivo de redención social y espiritual, al mismo tiempo, masivo y legítimo ha sido el rasgo carac-
terístico de muchos movimientos intelectuales....Para los marxistas fue el proletariado, para los paneslavistas el pueblo ruso, para el nacionalismo franco-
canadiense la restauración de la Francia prerrevolucionaria en el Nuevo Mundo...” C. Graña, op.,cit., p.60.
25 En el sentido agonístico de una moral del sentimiento y de la acción heroica. “Lo sublime-dice Bloom- dota al poeta de una cosmología” “Angus Fletcher,
Alegoría”, 1964. En Poesía y creencia, op., cit., p104.
26 Me refiero a la imagen que este grupo proyectó como poetas radicales, antiburgueses y contestatarios del orden establecido.
27 Para Renato Poggioli el llamado “arte para las masas” es una de las formas que asume la cultura burguesa en los países desarrollados. “El arte genuino
de una sociedad burguesa sólo puede ser antiburguesa” op., cit., p.119.
28 Se trata al fin y a la postre de un intento de legitimación, no sólo en términos poéticos, sino y sobre todo, político y metafísico. Hecho que en general,
aplica tanto a los intelectuales como a los artistas. “Los intelectuales-dice Graña- confieren a la cultura a través del descubrimiento de su dramática dig-
nidad, o de la interpretación de su “significado” la virtud...de consagrar el status social que demandan los intelectuales mismos. Una de las convenciones
de nuestra civilización es que los intelectuales son no sólo los intérpretes, sino también, los portadores del repertorio espiritual, moral y simbólico de la
sociedad”. Op., cit.,p60.
29 Mijaíl Bakhtín, Problemas Literarios y Estéticos, La Habana, Editorial Arte y Literatura, 1986,p539.
30 ibid, p.537-539.
31 Ibid, p.539.
32 Ibid, p.538-539 y 542.
33 Ibid, p.542.
34 A modo de contraste a esta poesía seria, cito del manifiesto de los Noístas el sentido de humor satírico y de auto ironía que los caracterizó en su primer
momento. “ Nosotros mismos no sabemos lo que es el Noísmo. El Noísmo no resuelve ningún problema estético, ni moral, ni social, ni político, ni económi-
co....Desde cualquier punto de vista el Noísmo no significa nada. Noísmo es una palabra como otra cualquiera. Pero usada por nosotros, y para dar nombre a
nuestro grupo, ya cobra una significación propia. De ella hemos extraído, como el huevo de un mago, ideas, pautas, estéticas...gestos espejuelos, carcajadas,
egolatría, sueño, mentiras, Noísmo....” Vicente Geigel Polanco, Los ismos en la década del veinte, op. cit., p.19.
Valdete Côco
Resumo I
Esse trabalho objetiva, considerando a linguagem, especialmente no seu desdobramento relativo à
escrita, problematizar três conjuntos de ações (as possibilidades de expressão, as formas de interação e
as práticas escolares instituintes) relativas à atividade do sujeito professor a partir de algumas mediações
captadas no pensamento bakhtiniano. Essa problematização recupera o itinerário histórico da relação entre
a linguagem e a formação de professores, assinala diferenciadas potencialidades de pesquisa da prática
educativa e constitui um esforço de utilização do olhar baktiniano em áreas que não foram propriamen-
te seus temas a partir do entrelaçamento da concepção de linguagem com as questões da alteridade,
da subjetividade, da ética, da estética e da cultura. Sendo assim, busca, a partir dos fios que tecem o
pensamento baktiniano, problematizar as condições sociais e culturais da escrita na contemporaneidade
tendo como foco o trabalho docente.
Resumo II
This work targets, considering the language especially in its spreading related to the writing, problemize
three (3) sets of actions (the possibilities of expression, the interaction forms and the institution school
praxis) linked to the activity of the subject Teacher from the bakhtiniano thought. This problematization
recovers the historical etinerary from the relation between the language and the teacher’s formation,
underlines different potentialities from the research of the educational praxis and constitutes an effort
of usage of the bakhtiano’s look in areas which weren’t properly its themes from the interchanging of
the conception of language with the questions of alterances, subjectivity, ethic, stetics and culture. Mo-
reover it searches from the interlacing of the Baktianiano thought, problematizes the social and cultural
conditions of writing in the comteporaneity having as focus the teacher’s work.
1. Introdução
Esse trabalho objetiva, considerando a linguagem, especialmente no seu desdobramento relativo à
escrita, problematizar três conjuntos de ações (as possibilidades de expressão, as formas de interação e
as práticas escolares instituintes) relativas à atividade do sujeito professor a partir de algumas mediações
captadas no pensamento bakhtiniano. Essa problematização recupera o itinerário histórico da relação entre
a linguagem e a formação de professores, assinala diferenciadas potencialidades de pesquisa da prática
educativa e constitui um esforço de utilização do olhar baktiniano em áreas que não foram propriamente
seus temas1 a partir do entrelaçamento da concepção de linguagem com as questões da alteridade,
da subjetividade, da ética, da estética e da cultura. Sendo assim, busca, a partir dos fios que tecem o
pensamento baktiniano, problematizar as condições sociais e culturais da escrita na contemporaneidade
tendo como foco o trabalho docente.
Considerando a complexidade da realidade humana, em sua pluralidade dinâmica e histórica, conforme
evidenciado no pensamento baktiniano, ao centrar esse trabalho na dimensão formadora das práticas
em escrita de professores não estou sugerindo que toda ação docente proceda exclusivamente dessa
prática, uma vez que a escrita pode ser considerada uma das dimensões da cultura presente no cotidiano
escolar, mas estou afirmando – a partir de uma relação embrionária entre escola e escrita que faz com
que essa relação tome a dimensão de naturalidade, num processo de exclusão da reflexão crítica sobre
o desenvolvimento dessa parceria – que seu conceito é transformado, cada vez mais intensamente, num
símbolo chave para a finalidade da escola e do encontro pedagógico numa “tensão” que marca os sig-
nificados gerados, face às exigências sociais. Assim, a dimensão docente e a escrita se entrecruzam na
1 No entanto, as formulações propostas por Bakhtin não se desvinculam do processo educativo e de formação. Como, por exemplo, em seu ensaio “O Ro-
mance de Educação na História do Realismo (1992, p. 221-276) aborda a relação entre a literatura e a educação desenvolvendo a concepção de romance
de aprendizagem.
2 Esse itinerário histórico constitui síntese de parte dos estudos do projeto de pesquisa “A dimensão formadora das práticas em escrita de professores” que
venho realizando no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense.
3 Acredito que esse “consenso” se relaciona a uma visão psicológica de “modelo terminal” de desenvolvimento. Esse modelo consiste em tomar o adulto
como a fase final do desenvolvimento estabelecendo-o como parâmetro de avaliação para a análise do desenvolvimento infantil. Como conseqüência desse
modelo, por um lado, as análises do desenvolvimento registram uma criança cheia de “carências” até se tornar adulta (ser o modelo) ou como adulto em
miniatura não possibilitando compreendê-la em sua constituição temporal, ou seja, com suas capacidades em determinado tempo histórico. Por outro lado,
os adultos “como formados” não necessitam de indagações quanto ao seu processo formativo. Esse modelo psicológico exerceu grande influência no campo
pedagógico tendo como uma de suas implicações o não questionamento do professor que, como um adulto formado e escolarizado, não poderia apresentar
lacunas ou espaços ainda em desenvolvimento em seu processo formativo. Essa visão restringiu o campo de estudos pedagógicos à aprendizagem infantil
e a investigações metodológicas.
4 Centrados principalmente no pólo da leitura foram realizados estudos de grande impacto (tais como MOURA, 1994; BATISTA, 1996; KRAMER, 1998;
FREITAS, 1998; BRITTO, 1998; EVANGELISTA, 1998; entre outros) buscando investigar as leituras de professores “enfocando o que lê, quando lê e como
lê esse sujeito sociocultural que foi construído como leitor no decorrer de sua vida pessoal e profissional” (FRADE e SILVA, 1998, p. 94).
5 Vale ressaltar a implementação de experiências ligadas às áreas do conhecimento, ou seja, às áreas de Matemática, Historia, Ciências, Língua Portu-
guesa etc. (BELLINI, 1997; NASCIMENTO e KREBS, 1997; NEVES et al., 1999; e outros) demonstrando que o campo de estudo constitui, por um lado,
um campo consistente de experiências que ratificam sua validade e, por outro, que muitas demandas ainda estão postas, justificando a implementação de
novas pesquisas.
6 Pérez Gomez (1998) fazendo referências a vários autores afirma que as perspectivas tradicional (concebe o ensino como uma atividade artesanal, e o
professor/a, como um artesão), técnica (concebe o ensino como uma ciência aplicada, e o docente, como um técnico) e radical (concebe o ensino como
uma atividade crítica e o docente, como um profissional autônomo que investiga refletindo sobre sua prática) estiveram em conflito ao longo da história na
maioria dos programas formalizados de formação do professorado. O autor propõe como sua síntese quatro perspectivas básicas: a acadêmica, a técnica,
a prática e a de reconstrução social.
7 Pérez Gomez (1998, p. 363) destaca que a orientação prática sofreu uma grande evolução diferenciando-se em duas correntes bem distintas: o enfoque
tradicional (apoiado quase que exclusivamente na experiência prática) e o enfoque que enfatiza a prática reflexiva. No que se refere ao enfoque reflexivo sobre
a prática, Gomez (1998, p. 365) afirma que “com a crítica generalizada à racionalidade técnica pelas mais diversas frentes teóricas e distintas comunidades
acadêmicas, aparecem metáforas alternativas para representar o novo papel que o professor/a deve desempenhar como profissional confrontado com situações
complexas, mutantes, incertas e conflitantes. O docente como investigador na aula (STENHOUSE, 1984), o ensino como arte (EISNER, 1985), o ensino como
uma arte moral (TOM, 1984), o ensino como uma profissão de planejamento (YINGER, 1986), o professor/a como profissional clínico (GRIFFIN, 1982 a e b),
o ensino como processo de planejamento e tomada de decisões (CLARK e PETERSON, 1986), o ensino como processo interativo (HOLMES GROUP, 1986),
o professor/a como profissional prático reflexivo (SCHÖN, 1983, 1987), etc.” O autor destaca ainda que embora cada uma destas imagens e metáforas do
docente e do ensino ofereça matizes distintos e ênfases diferentes, em todas elas está subjacente o “desejo de superar a relação linear e mecânica entre o
conhecimento científico-técnico e a prática na aula” que, convergindo “num vivo movimento teórico-prático em permanente reconstrução” e pretendendo o
desenvolvimento de um conhecimento reflexivo, se propõe a evitar o caráter reprodutor, acrítico e conservador do enfoque tradicional sobre a prática.
8 Pérez Gomez (1998, p. 372) fazendo referência a Grimmett (1989) afirma que na reflexão como reconstrução da experiência, a reflexão é um processo
de reconstrução da própria experiência mediante três fenômenos paralelos: reconstruir as situações nas quais se produz a ação, reconstruir-se a si como
professores/as e reconstruir os pressupostas aceitos como básicos sobre o ensino.
9 Bolívar (2002) apresenta as metodologias biográfico-narrativas (história de vida, auto-informações, relatos de vida) com seus diferentes modos de coletar
informações (o questionário biográfico, a demanda formal de que se escreva uma autobiografia ou auto-informação, a obtenção de uma autobiografia por
conversação ou o apelo à entrevista biográfica, notas de campo, memórias etc.) como uma possibilidade de formação, tendo como idéia central a definição
de uma política de (re)construção da identidade dos professores.
10 Gomez (1998, p. 373) destaca que os trabalhos de Shön, ao colocar a reconstrução dialética da atividade docente “penetrando nas condições políticas,
sociais e econômicas que afetam seu pensamento e sua ação, assim como o cenário no qual se intervém”, podem ser situados para além da concepção do
professor como um prático, mas na “perspectiva de reflexão na prática para reconstrução social” que integra o desenvolvimento do pensamento reflexivo
e a ação de reconstrução (pedagogia crítica).
11 Com relação à produção acadêmica acerca do professor pesquisador, Lüdke et al. (2001, p. 27) afirma que “O tema da pesquisa do professor da escola
básica aparece, em levantamento recente (André et alii 1999b), em apenas três artigos dos periódicos analisados, o que demonstra ainda sua precária
penetração na área, a despeito de não serem recentes nem desprezíveis as publicações sobre esse tema no âmbito internacional. Citamos ainda os traba-
lhos de Pedro Demo (1991 e 1994), Marli André (1992, 1994, 1995 e 1997), Ivani Fazenda (1997), Corinta Geraldi (1996 e 1998) e Menga Lüdke (1993 e
1994), todos em alguma medida defensores da relação entre o professor e a pesquisa”. A autora afirma ainda que, no movimento do prático reflexivo e do
professor pesquisador, Tardif, advogando em favor dos saberes docentes, abriu “caminho para a emergência de novas problemáticas nas ciências sociais
ao longo dos anos 70 e 80” (p. 29).
Valdete Côco
Resumo I
Através das categorias de atuação, criação e interação, esse trabalho apresenta um diálogo entre o
pensamento de Bakhtin, Certeau e Castoriadis, tomando por base a mediação do sujeito considerando
a interdiscursividade e a polifonia social. Inicialmente, delineio resumidamente os pressupostos que
motivam aproximação entre os autores. A seguir, integro as categorias propostas para a análise esta-
belecendo ligações entre a idéia de ação humana, a concepção de linguagem e a perspectiva do sujeito
como ser ativo e inventivo na produção social da realidade. Por fim, procuro, no contexto das mediações
delineadas, compor uma síntese apontando aproximações, distanciamentos e complementaridades ob-
servadas na obra dos autores.
Resumo II
Through the categories of actuation, creation and interaction, this work presents Bakhtin’s, Certeau’s,
Castoriadis’s thoughts, taking as a base a mediation of the subject considering the intercursivity and the
social polifonia. Inicially, I describe resumidly the pressuposts which motivates the proximity between
the authors. Then I integrate the proposed categories for the analysis establishing links between the idea
of human action and the incentive on social production of the reality. At last, I try, in the context of the
underlined mediations to compound a synthesis pointing to proximities, farness and complementarities
observed on the author’s masterpiece.
Introdução
O trabalho1 objetiva apresentar um diálogo entre o pensamento de Bakhtin, Certeau e Castoriadis,
através das categorias de atuação, criação e interação, tomando por base a mediação do sujeito con-
siderando a interdiscursividade e a polifonia social. A atuação do sujeito (sua ação, suas marcas e seu
trabalho na linguagem) será observada na dialética do assujeitamento do sujeito e da sua inventividade
considerando o papel dos outros discursos no discurso e o caráter circunstancial da enunciação na cons-
tituição das relações de poder na criação social.
O trabalho será desenvolvido em três tópicos. Inicialmente, delineio resumidamente os pressupostos
que motivam aproximação entre os autores. A seguir, integro as categorias propostas para a análise es-
tabelecendo ligações entre a idéia de ação humana, a concepção de linguagem e a perspectiva do sujeito
como ser ativo e inventivo na produção social da realidade. No terceiro tópico, procuro, no contexto das
mediações delineadas, compor uma síntese apontando aproximações, distanciamentos e complementa-
ridades observadas na obra dos autores.
Pela necessidade de delimitação, abordo de modo inter-relacionado as categorias de atuação, criação
e interação focadas na mediação do sujeito considerando a interdiscursividade e a polifonia social. No
entanto, não desconsidero a complexidade e a extensão do pensamento dos autores, bem como outras
inúmeras possibilidades de diálogo, seja entre eles ou entre algum deles e outros autores. Desse modo,
esse trabalho não tem por objetivo totalizar as discussões, uma vez que consiste numa discussão de
múltiplas possibilidades. Não constitui um ponto de chegada, visa, numa perspectiva de “acabamento”
(BAKHTIN, 1992, p. 299), a retratar o movimento percorrido e, no encontro com as “contra palavras”,
a fazer emergir outros caminhos a serem trilhados na busca de novas re-elaborações. O leitor almejado
para esse texto é aquele que se interessa pela análise das práticas relativas à atuação dos sujeitos no
contexto histórico-social.
1 Esse trabalho constitui síntese de parte dos estudos relativos ao quadro teórico do projeto de pesquisa “A dimensão formadora das práticas em escrita de
professores” que venho realizando no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense.
Sendo assim, o estatuto do sujeito e do sentido proposto para esse trabalho não se refere a uma filo-
sofia do sujeito neutro, transparente a si próprio (metafísica idealista), nem tampouco, a uma filosofia do
sujeito sem determinações sócio-ideológicas (materialismo mecanicista) mas se refere à complexidade
da constituição do sujeito. Envolve tanto sua inserção em universos (de discursos) em que se inscreve
(constituição social, histórica, ideológica...) onde sua subjetividade é resultado da polifonia social, quan-
to, e ao mesmo tempo, o seu papel de agente ao reelaborar os discursos e os sentidos na práxis. Nesse
contexto, a subjetividade será entendida
como resultado dos condicionamentos sociais, ideológicos, inconscientes e, ao mesmo tempo,
lugar de novas elaborações que, na linguagem, podem ser percebidas a partir das marcas
de intervenção do sujeito (MARQUES, 2001, p. 23).
Fincando a linguagem no terreno dos signos e entrelaçando signo e realidade (ou seja, tratando a
língua como um fenômeno social), Bakhtin prioriza a linguagem na vida cotidiana observando a palavra
como “o modo mais puro e sensível de relação social” (BAKHTIN, 1997, p. 36). A construção da língua
é abordada a partir do fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação (ou das
enunciações) que renova(m) sem cessar a “síntese dialética viva entre o psiquismo e o ideológico, entre
a vida interior e a vida exterior” (BAKHTIN, 1997, p. 66) constituindo a concepção dialógica da linguagem2
em que discurso e contexto compõem a dinâmica social dos indivíduos3. Sendo assim, a linguagem é,
principalmente, uma criação coletiva, “integrante de um diálogo cumulativo entre o ‘eu’ e o ‘outro’, entre
muitos ‘eus’ e muitos ‘outros’” (MARQUES, 2001, p. 41).
Considerando que a palavra penetra todas as relações entre indivíduos, Bakhtin, na noção de dialogis-
mo, recupera a importância do referente, isto é, além do significante e do significado, entra o contexto
das relações sociais em processo de interação4. Nessa dinâmica de uma esfera mais rica da linguagem,
a palavra é contemporânea do pensamento, ou seja, à medida que eu me expresso, tomo consciência
do que eu sei, reverto e reorganizo o que eu tenho implicando num sentido de atuação ao discurso e
de possibilidade de expressão da atividade mental. Bakhtin enfatiza o “encontro com o outro” na forma-
ção da consciência. Considerando os fundamentos sociológicos da consciência, afirma que ela “adquire
forma e existência nos signos criados por grupo organizado no curso de suas relações sociais” (1997,
p. 35). Propondo a dialética do interno e do externo, mediada pela interação verbal, o autor reafirma
a atuação do sujeito implicado em sua realidade social declarando que “o pensamento humano nunca
reflete apenas o ser de um objeto que procura conhecer; com este ele reflete também o seu do sujeito
cognoscente, o seu ser social concreto” (2001, p. 22).
O destaque dado ao referente revela que o caráter interativo da linguagem constitui a base da teoria
bakhtiniana, uma vez que as palavras “servem de trama a todas as relações sociais em todos os do-
mínios” (BAKHTIN, 1997, p. 41). Reforçando a importância do discurso vivido e partilhado pelos seres
humanos no processo de interação social5, o autor afirma que o diálogo se caracteriza como uma forma
privilegiada de interação (BAKHTIN, 1997, p. 123). Essa recuperação do referente na perspectiva da
heteroglossia (pluralidade de vozes) pressupõe uma idéia de cultura não unitária pois implica a tomada
de consciência quanto à pluralidade dos modos de discurso, de suas especificidades e de suas relações
com os elementos de valoração presentes no contexto, ou seja, um jogo social de “trocas constantes
e versáteis de oposição”6 (MARQUES, 2001, p. 59 e STAM, 1992, p. 101). Nesse “embate”, para além
da repetição, a categoria de criação se expressa porque as possibilidades e as perspectivas que estão
latentes na palavra são infinitas (BAKHTIN, 1992, p. 348)7.
O sujeito baktiniano possui um estatuto heterogêneo. Ele se constitui em atuação, modifica seu dis-
curso em função de outros discursos, emerge do outro, existe a partir do diálogo com o outro. A palavra
adquire um caráter criativo no processo de apropriação das “palavras alheias”, na produção da “palavra
pessoal” (BAKHTIN, 1992, p. 405-406). O conhecimento e o fundamento do sujeito se expressam no
discurso que ele produz, portanto, seu conhecimento só pode ser dialógico. O autor afirma a consciência
na palavra, a clareza definitiva na “formulação verbal”, e ancora o sujeito na comunidade uma vez que “o
todo verbal” no comportamento do homem pertence “ao seu grupo social” (2001, p. 84-87) concebendo
2 A noção de dialogismo – que tem importância central no pensamento e no método de Bakhtin – apresenta como idéia central a relação entre o enunciado
e outros enunciados. Essa noção não confina a linguagem a um sistema fechado de regras e exceções, mas observa sua constituição nas situações concretas
que lhe dão significação. De forma resumida, a linguagem, numa concepção dialógica (BAKHTIN, 1992 e 1997), destaca-se como: um espaço em que os
valores contraditórios se expressam, é o modo mais puro e sensível da relação social, é o produto da interação viva das forças sociais em que “cada enun-
ciado é um elo da cadeia muito complexa de outros enunciados” (BaAKHTIN, 1992, p. 291); um fenômeno histórico, pois cada época e cada grupo social
tem seu repertório de formas de discurso; um fenômeno associado ao ato consciente que tem implicações na comunicação humana, pois penetra todas as
relações dos indivíduos.O dialogismo baktiniano comporta as noções de diálogo entre interlocutores (na relação entre sujeitos se constroem o sentido do
texto, a significação das palavras e os próprios sujeitos) e diálogo entre discursos (o permanente diálogo entre os diversos discursos que configuram uma
sociedade, uma comunidade, uma cultura).
3 A relação entre o homem e a vida é proposta no pensamento baktiniano a partir do princípio dialógico em que a alteridade constitui a marca do humano,
uma vez que “o outro é imprescindível”. Assim, a dialogia se constitui no jogo social em que o confronto das entoações e dos sistemas de valores que posi-
cionam as mais variadas visões de mundo dentro de um campo de visão se materializam na construção da vida. Bakhtin (1992, p. 35-36) afirma que “na
vida, agimos assim, julgando-nos do ponto de vista dos outros, tentando compreender, levar em conta o que é transcendente à nossa própria consciência:
assim, levamos em conta o valor conferido ao nosso aspecto em função da impressão que ele pode causar a outrem (...)”.
4 O autor (2001, p. 79) afirma que “nenhuma enunciação verbalizada pode ser atribuída exclusivamente a quem a enunciou: é produto da interação entre
falantes e, em termos mais amplos, produto de toda uma situação social em que ela surgiu”.
5 Para o autor (1997, p. 112-113) a estrutura da enunciação concreta é determinada pelas relações sociais compreendendo a situação social imediata e o meio
social amplo, ou seja, a palavra se orienta em função da interlocução no horizonte social das “fronteiras de uma classe ou de uma época bem definida”.
6 O autor (1997, p. 46) afirma que “em todo signo ideológico se enfrentam índices de valor contraditório”, razão pela qual “o signo se torna a arena em que
se desenvolve a luta de classes”. Considerando que as sociedades são comunidades semióticas compartilhando códigos, estes se tornam lugar privilegiado da
luta de classes. Segundo Bakhtin (1997, p. 44-47), a classe dominante tende a transformar os códigos sociais em algo monovalente, quando na realidade,
são necessariamente polivalentes.
7 O autor tratando da relação entre o dado e o criado no enunciado verbal afirma que: “O enunciado nunca é simples reflexo ou expressão de algo que lhe
preexistisse, fora dele, dado e pronto. O enunciado sempre cria algo que, antes dele, nunca existira, algo novo e irreproduzível, algo que está sempre rela-
cionado com um valor (a verdade, o bem, a beleza, etc.). Entretanto, qualquer coisa criada se cria sempre a partir de uma coisa que é dada (...). O dado se
transfigura no criado (...). As possibilidades e as perspectivas que estão latentes na palavra; na verdade, são infinitas. Os limites dialógicos entrecruzam-se
por todo o campo do pensamento vivo do homem” (1992, p. 348).
Numa perspectiva focada nas práticas10, nas relações humanas e nas transformações das estruturas
da vida social, Certeau também trabalha com a noção de complexidade social e de relações sociais. O
autor rejeita a concepção dicotômica de cultura popular e cultura erudita para afirmar a idéia de “cul-
tura no plural”11 em que a cultura se revela como atividade social requerendo “uma forma específica de
apropriação, um trabalho que deve ser realizado em toda a extensão da vida social” (1995, p. 191-219).
Implica “um lugar especial que ocupamos e que nos determina na sociedade” (1995, p. 228). Portanto, a
perspectiva desenvolvida pelo autor o aproxima de Bakhtin na proposição de uma cultura não unitária.
Nas artes de fazer o cotidiano envolvendo a linguagem, o sujeito e o discurso, o autor advoga que
além das estagnações, ocorrem também mobilizações (e esse é seu foco de interesse investigativo12)
que revelam as ações dos sujeitos na materialidade discursiva. Nesse aspecto, a categoria de criação é
realçada pelo autor. Ele afirma que, “na realidade, a criação é uma proliferação disseminada. Ela germina”
(1995, p. 242). No entanto a ideologia da reprodução nega a ação do sujeito na sociedade e na língua.
Desse modo, por caminho diferenciado de Bakhtin, o autor envolve a luta de classes na produção social
da realidade13. Nesse aspecto, a ênfase na criação não trabalha com a idéia do isolamento do sujeito14
nos seus momentos irruptivos de criação, mas a sustenta na idéia de coletividade15 ligada às transfor-
mações da estrutura da vida social. Para o autor (1995, p. 250)
as ações culturais constituem movimentos. Elas inserem criações nas coerências legais e
contratuais. Inscrevem trajetórias, não indeterminadas, mas inesperadas, que alteram,
corroem e mudam pouco a pouco os equilíbrios das constelações sociais.
8 Bakhtin (1992, p. 41-47) considera a ideologia de forma abrangente a partir da contradição, portanto concebe a luta de classes tendo o signo como a
arena onde ela se desenvolve. Essa “paisagem social” (de luta da classe dominante contra a plurivalência social do signo e tentativa de estabelecer uma
monovalência deste) implica relações ente a infra-estrutura e as superestruturas. Konder (1990) também destaca a visão ampliada da ideologia proposta
por Bakhtin.
9 Certeau (1994, p. 97-102) assinalando os “indicadores de criatividade” nas práticas de apropriação, explora dois tipos de lógica de ação no reemprego
dos “produtos”: a estratégia – ações que, por postularem um lugar de poder, “elaboram lugares teóricos (sistemas e discursos totalizantes) capazes de
articular um conjunto de lugares físicos onde as forças se distribuem” (p. 102) - e a tática – a arte do mais fraco que, por não ter um lugar próprio, joga
com o terreno que lhe é imposto.
10 Segundo o autor (1995, p. 233-234) “as maneiras de utilizar o espaço fogem à planificação urbanística (...). Ocorre o mesmo com as maneiras de viver
o tempo, de ler os textos ou de ver as imagens. Aquilo que uma prática faz com os signos pré-fabricados, aquilo que estes se tornam para os usuários ou
receptores, eis algo essencial que, no entanto, permanece em grande parte ignorado. Lá se produzem mobilizações e estagnações (...).”
11 Na concepção de cultura do autor (1995) “é preciso que as práticas sociais tenham significado para aqueles que a realizam” (p.141), é uma prática
significativa em que cada um “marca aquilo que outros lhe dão para viver e pensar” (p. 143) e envolve as “revoluções invisíveis” que “delineiam a chance
de um outro dia” (p. 239).
12 O autor (1994, p. 13) reforça a importância do interesse pelas operações dos usuários afirmando que “é mister ocupar-se com as maneiras diferentes
de marcar socialmente o desvio operado num dado por uma prática”.
13 Para o autor (1995, p. 245), “de certo modo, um meio particular impõe a todos como a lei àquilo que é somente a sua lei. Uma classe privilegiada marca
assim seu poder na educação e na cultura”. No entanto, não consegue, de todo, controlar os “campos” de criação presentes no cotidiano.
14 O autor (1994, p. 37-38) afirma que o exame das práticas “não implica o regresso aos indivíduos”, esse postulado está fora do seu campo de estudo.
Ele esclarece que seu foco é a relação social e os modos de operação ou esquemas de ação.
15 Para o autor (1995, p. 242), “somente isso [a coletividade] lhe permite introduzir-se na duração”.
O autor afirma que as características relativas ao processo criativo no ato enunciativo encontram-se
em muitas outras práticas indicando que a linguagem também ocupa uma centralidade em seu projeto
investigativo das operações dos usuários na produção social da realidade.
2.3. Castoriadis e o confronto entre o instituído e o instituinte
O projeto investigativo de Castoriadis consistiu em retomar a questão da unidade entre a filosofia e a
política (tratada por Marx) postulando a política como ato instituinte. O autor também chama a atenção
para a produção social da realidade graças à atividade humana. O homem, ser determinado do “pen-
samento herdado”, também guarda seu espaço de indeterminação, uma vez que as determinações da
realidade humana e social não são suficientes para explicar o todo da criação humana (CASTORIADIS,
1992). Desse modo, contamos com um espaço de criação que pode ser marcado como um espaço de
emancipação ou de alienação. O autor (1982, p. 164) destaca na categoria de criação o processo dinâ-
mico da existência do homem em sua relação com a sociedade
O homem só pode existir definindo-se de cada vez como um conjunto de necessidades e de
objetos correspondentes, mas ultrapassa sempre essas definições – e, se as ultrapassa [...],
é porque saem dele próprio, porque ele as inventa [...], portanto, que ele as faz fazendo e se
fazendo, e nenhuma definição racional, natural ou histórica permite fixá-las em definitivo.
Nessa relação de reciprocidade, a ordem social é produzida num fazer contínuo que através das
instituições sociais16 objetiva e estrutura a sociedade de modo que o social, caracterizado pelas formas
como cada sociedade se organiza socialmente, é delineado significativamente no âmbito do imaginário.
A categoria fundante do pensamento de Castoriadis é a história como criação. Nós fazemos a história,
somos os autores originários de significações que nós mesmos instituímos para o que existe. No entanto,
essa construção não pode ser atribuída à genialidade de alguns indivíduos ou a forças sociais localizadas
numa classe. Para o autor, há uma espécie de coletivo anônimo forte o bastante para pôr significações17.
O coletivo dos homens cria significações e instituições. Essa faculdade é chamada pelo autor de imaginário
radical que só pode existir na interação. É a imaginação criadora a capacidade dos homens, que pode
produzir diferentes sociedades, uma vez que “a imaginação, em sua essência, é rebelde à determinali-
dade”. Com isso, “a sociedade existe pela instauração de um espaço de representações compartilhadas
por todos” (CASTORIADIS, 1987, p. 336 e 386).
Nessa rede interativa a linguagem ocupa um papel essencial, uma vez que a vida cotidiana e a lingua-
gem se interpenetram possibilitando que a vida cotidiana se integre “numa totalidade dotada de sentido”.
Portanto, a compreensão da linguagem é essencial à compreensão da realidade da vida cotidiana e para
compreendê-la é necessário remeter ao movimento do sujeito uma vez que “o mundo que a língua faz
existir como mundo é sempre um mundo histórico” (CASTORIADIS, 1987, p. 178-179). Integrando dis-
curso e contexto na dinâmica social dos indivíduos18, Castoriaidis (1987, p. 188-189) afirma que
O que é criação numerosa e condensada de expressão nova acha sua condição de possibili-
dade na criação anônima, quotidiana, da qual todos participam e que mantém a língua viva,
transformando-a constantemente, bem como nessa operação paradoxal e perpetuamente
renovada pela qual a comunidade sucessiva e simultânea dos sujeitos falantes se recria a
si mesma, mostrando-se capaz de acolher o novo.
Para o autor (1987) a língua tem um papel primordial na criação de núcleos de sentido, significações
16 Para Castoriadis (1982, p. 159-164), as instituições, criação dos homens, atendem tanto à dimensão da funcionalidade quanto à dimensão do simbólico,
sendo impossível delimitar as fronteiras dessas dimensões. Assim, temos o componente do imaginário na instituição da sociedade, pois: “A funcionalidade toma
de empréstimo seu sentido fora de si mesma; o simbolismo refere-se necessariamente a alguma coisa que não é simbólico, e que também não é somente
real-racional. Este elemento, que dá à funcionalidade de cada sistema institucional sua orientação específica, que sobredetermina a escolha e as conexões
das redes simbólicas, criação de cada época histórica, sua singular maneira de viver, de ver e de fazer sua própria existência, seu mundo e suas relações
com ele, esse estruturante originário, esse significado-significante central, fonte do que se dá cada vez como sentido indiscutível e indiscutido, suporte das
articulações e das distinções do que importa e do que não importa, origem do aumento da existência dos objetos de investimento prático, afetivo e intelectual,
individuais ou coletivos – este elemento nada mais é do que o imaginário da sociedade ou da época considerada” (CASTORIADIS, 1982, p. 175).
17 Castoriadis chamou de imaginário social instituinte esse coletivo anônimo com poder de criação. Essas “formações coletivas” são também representa-
ções na “cabeça de homens reais”. Por isso, podem ter uma significação importantíssima, às vezes, decisiva, para o agir dos homens. Como conseqüência
desse potencial emancipador, esse poder é cada vez mais ocultado por nossa sociedade instituída que recorre a forças extra-sociais e supra-humanas para
explicar sua própria instituição.
18 Bakhtin (1992, p. 346), enfatizando a inter-relação entre a vida e a linguagem, afirma que “a língua, a palavra, são quase tudo na vida de um homem”.
Para o autor (1992, p. 282), “a língua penetra na vida através dos enunciados concretos que a realizam, e é também através dos enunciados concretos
que a vida penetra na língua”. Desse modo, o autor ressalta a dimensão lingüística do embate social em que os seres humanos são formados pela língua
e, concomitantemente, ajudam a formá-la.
19 O autor afirma (1987, p. 46) que a capacidade de formar fantasias é um componente necessário não apenas à vida inconsciente, mas também à vida
consciente exemplificando que você estará enfermo se não for capaz de um devaneio em que a garota de seus sonhos vem ao seu encontro, mas estará
igualmente enfermo se não for capaz de corrigir essa fantasia ao perceber que você não corresponde às expectativas dela.
20 Condição de pessoa ou de grupo que recebe de um elemento que lhe é exterior, ou de um princípio estranho à razão, a lei a que se deve submeter. A
heteronomia consiste no fato de que a instituição da sociedade, criação da própria sociedade, é apresentada pela sociedade como sendo obra de alguém
mais, de uma fonte “transcendente” (1982, p. 41).
21 O autor afirma que a práxis apóia-se num saber, sempre fragmentário e provisório, fazendo surgir constantemente um novo saber. Está localizada no
âmbito da política, ou seja, no domínio do fazer instituinte em que a atividade visa, para além da elucidação, à transformação. Será o fazer que visa ao
outro (ou aos outros) como ser autônomo e considerado como agente essencial do desenvolvimento de sua própria autonomia.
22 Konder (1990) destaca que Bakhtin, além de ser um teórico marxista da carnavalização e do riso é, também, “o teórico da realização do ser humano
através do diálogo, através da linguagem dialógica, na qual cada sujeito se abre para a experiência do outro, incorporando as diferenças e assumindo seu
inacabamento”.
23 Uma vez que Castoriadis rejeita o termo possibilidade na discussão empreendida pelos estruturalistas e pelos hegelianos por entender que ele tem um
sentido negativo em tais tendências, estou usando o termo em sentido amplo, no sentido “ativo” explorado pelo autor que implica criação, mas que não
quer dizer indeterminação, pois a criação é posição de novas determinações (CASTORIADIS, 1992, p.86-89).
RESUMO I
Levando-se em consideração que o texto literário é a materizalização de discursos que circulam na
sociedade, discursos esses que fazem transmigrar ideologias sociais do dizer no seu dizer, tomamos
como ponto de partida o questionamento da linguagem que constitui esse discurso – o literário - como
algo que produz efeitos de sentido na sociedade discursiva. Pelo fato de produzir efeitos de sentido, o
discurso literário pode revelar a interdição que determinados discursos sofrem quando há uma comuni-
dade de leitores, no nosso caso a crítica literária, que cerceia esse dizer por não tomá-lo como um dizer
que está no verdadeiro de uma época. Isso faz com que autores como Clarice Lispector tenham seu
dizer à margem dessa sociedade discursiva, como é o caso da produção literária infantil dessa autora
até os dias de hoje.
RESUMO II
Thinking about the literary text as materialisation of discourses that round in the society, discourses
that does transmigrate socials ideologies in your words, we make a point of language that constitutes
the literary discourse as something to produce effects of meanings in the discursive society. For that,
the literary discourse can revel the interdiction that some discourses receive when there is a lectors
communities, in this case the literary criticism, that forbidden this said (words) for cause of considering
this said out true of that historic moment. The consequence of that is the exclusion of authors in literary
Canon as Clarice Lispector with your literature for children.
Pensando no texto literário, texto tomado como materialização do discurso, podemos dizer que no
literário, além do ato explícito, temos o ato implícito como uma constante dissimulação do dizer. Por
isso Bakhtin se volta para a imagem da linguagem do homem, sendo que toma por imagem da lingua-
gem, o jogo de línguas passadas e futuras ou, ainda, as virtualidades da linguagem dada reveladas no
interdiscurso.
Por tomar a imagem da linguagem do homem como um dos pontos para a discussão do gênero
literário, é que a abordagem de Bakhtin se diferencia de outras correntes teóricas, as quais atribuem
à literatura um lugar privilegiado na sociedade além de tomarem a forma como algo fixo e isolado do
conteúdo. Bakhtin opera um deslocamento no conceito de gênero caracterizando-o como tema e forma
de composição.
Tema, para Bakhtin, é o sentido que resulta de uma interação, pois gênero é uma forma de produção,
forma de circulação e forma de recepção, e como tal é instável e sofre coerções da língua, do momento
histórico e do lugar da enunciação. A significação acontece numa interação e terá como resultado final
um sentido. Por isso, o gênero é a formatação (ou materialização) do signo ou uma forma de composição
que caracteriza o efeito de sentido como instável.
Quando dizemos que o efeito de sentido é instável, estamos pensando em textos que mudam de
configuração (ou materialização) conforme a época, como por exemplo, Os sermões de Padre Vieira,
que eram tidos como discurso de persuasão religiosa – argumentos ético-filosóficos, que com o reconhe-
cimento da sociedade, passa a ser considerado discurso literário – argumentos estético-filosóficos.
Portanto, pode-se dizer que a literatura não tem um compromisso com o real, mas com as virtualida-
des da linguagem dada do real. O discurso literário não quer convencer, é uma argumentação simulada,
se pensarmos nas estratégias de construção do literário e dissimulada, se pensarmos no funcionamento
real do discurso, conforme Fiorin, e uma mescla de gêneros, tomando o gênero no sentido bakhtiniano,
ou seja, gênero secundário pela complexidade de sua constituição.
Assim como “as particularidades formais da linguagem, dos modos e dos estilos do romance são
também símbolos de perspectivas sociais”, como asseverou Bakhtin, podemos dizer que a Literatura
Como podemos notar, Bakhtin, ao tratar da forma estética, que não se desvincula do conteúdo, atribui
ao criador uma força organizadora que se pauta na categoria de valores do outro. Esse outro é o herói
que tem caráter de acontecimento, ou seja, o herói é um autor-espectador e ao participar da instância
discursiva, apresenta-se com uma visão paralela à do autor. Muitas vezes, o herói pode se revelar como
uma consciência autônoma, já que na experiência estética “o autor, em seu ato criador, deve situar-se na
fronteira do mundo que está criando, porque sua introdução nesse mundo comprometeria a estabilidade
estética deste” (1997, p. 205).
Partindo da reflexão de que o herói é um autor-espectador, na medida em que é composto pelo discurso
e que compõe este discurso, é-nos permitido dizer que o herói tem uma certa autonomia na construção
arquitetônica do texto. Também não desconsideramos que o autor ocupa posições paratópicas , mas, ao
mesmo tempo, é um ser da incompletude, e, como tal, é uma instância discursiva do material verbal.
Todorov, mesmo concebendo a literatura como discurso, por não tomar o conceito de autor como
instância discursiva, critica Bakhtin, no prefácio de Estética da criação verbal. Diz Todorov:
... Em Dostoiévski, diz outro texto, “o autor não passa de um participante do diálogo (e seu
organizador)” (Estetika, p. 322): mas o parênteses destrói toda a radicalidade do que foi
dito antes. Se o indivíduo é o organizador do diálogo, não é apenas um mero participante.
Bakhtin parece estar confundindo duas coisas. Uma é que as idéias do autor sejam apresen-
tadas por ele, no interior de um romance, como tão discutíveis como as de outros pensado-
res. A outra é que o autor esteja no mesmo plano de suas personagens. Ora, nada autoriza
tal confusão, já que também é o autor que apresenta tanto suas próprias idéias quanto
as das outras personagens. [mais adiante] ... Dostoiévski não é uma voz entre outras nos
seus romances, é o criador único, privilegiado e radicalmente diferente de todas as suas
personagens, uma vez que cada uma delas não é, justamente, senão uma voz, enquanto
Dostoievski é criador dessa própria pluralidade. (1997, p. 12 e 13)
Todorov, sob a ótica estruturalista e formalista, toma o autor como um indivíduo, um sujeito não cindi-
do. Contudo, partindo dos estudos da filosofia da linguagem, Bakhtin pensa o indivíduo como sujeito que
tem atividade mental do eu, do nós e do para si. Essa atividade mental define os graus de consciência
e de elaboração ideológica do sujeito.
Portanto, o autor, enquanto sujeito social, tem seu dizer atravessado por múltiplos dizeres, tem graus
de consciência e de modelagem ideológica, e está sujeito a ter seu dizer dialogicamente construído pelo
herói e/ou pelas personagens.
Podemos encontrar a resposta para as críticas a Bakhtin no próprio texto de Bakhtin, de cuja edição
francesa, também, faz parte o prefácio crítico de Todorov. Argüi Bakhtin:
... A ingenuidade dos primeiros que colocaram a ciência em estudo foi acreditar que tam-
bém o mundo da criação compunha-se de elementos científicos abstratos; ora, acontece
que falamos o tempos todo em prosa sem nem desconfiar .O positivismo ingênuo aventa
que no mundo – ou seja, no acontecimento do mundo pois, de fato, é nele que vivemos,
agimos e criamos – lidamos com a matéria, com o psiquismo, com o número matemático
em sua relação com o sentido e com o objetivo de nosso ato, que é por aí que se pode
explicar qualquer ato e qualquer criação enquanto tal (o exemplo de Sócrates em Platão).
Ora, tais noções explicam apenas o material do mundo, o aparato técnico do acontecimento
Bakhtin defende, portanto, o ato criador como algo que vai além da estrutura e da forma, sem, con-
tudo, desprezar o valor dos estudos até então realizados, muito embora diga que todos os elementos
lingüisticos são importantes, mas não ocupam o primeiro lugar da atividade criadora e nem a determi-
nam, mas são determinados por ela. Com isso, ele quer dizer que o trabalho com a linguagem vai além
de formas e estruturas. O trabalho com a linguagem está inserido num contexto de valores do autor e
num contexto de valores do contexto literário. Isso faz com que a autonomia do herói seja possível.
A autonomia do herói fica clara na citação de Bakhtin:
À semelhança do Prometeu de Goethe, Dostoiévski não cria escravos mudos (como Zeus)
mas pessoas livres, capazes de colocar-se lado a lado com seu criador; de discordar dele e
até rebelar-se contra ele. [continua o teórico] Por isso o romance de Dostoiévsk tem a tarefa
de construir um mundo polifônico e destruir as formas já constituídas do romance europeu,
principalmente do romance monológico (homofônico). (1981, p. 2 e 3)
Sendo o herói, da poética de Dostoiévski, um ser – ou uma personagem – livre, a posição da crítica
se torna ou confusa ou inadequada diante do novo. Diz Bakhtin: (1981, p.05) “É por isto que todas as
grandes monografias sobre Dostoiévski, baseadas na monologação filosófica de sua obra, propiciam tão
pouco para a peculiaridade estrutural do seu mundo artístico por nós formulada ...”, pois que, é preciso
não apenas dar “um enfoque nas idéias por si mesmas mas também das obras enquanto totalidades
artísticas”.
Ao estabelecer parâmetros entre um estudo e outro, Bakhtin cita em seu ensaio os primeiros estudio-
sos que buscaram a “totalidade artística” nas obras polifônicas de Dostoiévski, que foram: Vyatcheslav
Ivanov (que, segundo Bakhtin, tateia a peculiaridade estrutural do universo artístico de Dostoiévski, mas
permanece nos limites da cosmovisão monológica formulada do autor, apesar de ter penetrado na essência
dostoiévskiana da afirmação do “eu” do outro não como objeto mas como sujeito) e S. Askóldov (que
“entendeu corretamente que o principal em Dostoiévski é a visão inteiramente nova e a representação
do homem interior e, conseqüentemente, do acontecimento que relaciona as pessoas interiores; não
obstante, transferiu sua explicação para a superfície da cosmovisão do autor e a superfície da psicologia
das personagens”), os quais não atingiram o verdadeiro postulado de Dostoiévski, segundo Bakhtin.
Outros teóricos, com os quais, evidentemente, Bakhtin não concorda, analisam a obra dostoiévskiana
como objeto da lingüística, tomando sua linguagem como uniforme, não-dialógica.
Sob um outro ângulo, o da própria construção artística, alguns estudiosos contribuíram substancial-
mente para o entendimento da polifonia do romance dostoiévskiano, apesar de apresentarem alguns
pontos que Bakhtin põe em discussão. Entre esses estudiosos, podemos citar, apenas com o intuito de
elucidar a disparidade de posições da crítica diante do texto literário, os teóricos: Leonid Grossman, Otto
Kaus, V. Komaróvitch, B.M Engelgardt e Lunatcharsky.
Bakhtin não está de acordo com os apontamentos desses teóricos porque, segundo ele, “o principal
na polifonia de Dostoiévski é justamente o fato de ela realizar-se entre diferentes consciências”, ou seja,
a polifonia se dá na interação verbal e na interdependência entre essas consciências.
A interação verbal para Bakhtin é o princípio do dialogismo, pois para Bakhtin, “o mundo interior e
a reflexão de cada indivíduo têm um auditório social próprio bem estabelecido, em cuja atmosfera se
constroem suas deduções interiores, suas motivações, apreciações, etc” (1999, p. 112-113), tanto que
esse filósofo arrola o fato de a palavra proceder de alguém e dirigir-se a alguém, não como um diálogo
necessariamente harmônico como pregava a teoria da comunicação que deu uma interpretação enviesada
ao processo de comunicação jakobsoniano, mas como um produto da interação do locutor e do ouvinte,
não do locutor para o ouvinte.
Também, a palavra, para Bakhtin, “é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros”, não de
mim para os outros, pois por meio da palavra o sujeito se define em relação ao outro e em relação à
comunidade. Por isso “o grau de consciência, de clareza, de acabamento formal da atividade mental é
diretamente proporcional ao seu grau de orientação social” (1999, p. 114). Contudo, a atividade mental
divide-se em duas modalidades: do eu e do nós, que serão os limites na tomada de consciência e na
elaboração ideológica.
Na atividade mental do eu há uma auto-eliminação do sujeito, restando somente o indivíduo, este
que se aproxima da reação fisiológica do animal, ao passo que, na atividade mental do nós permite-se
diferentes graus e diferentes tipos de modelagem ideológica. Além disso, Bakhtin diferencia a atividade
mental do eu da atividade mental do para si. Esta é o que chama de individualismo, ou seja, é “uma
Proceedings XI International Bakhtin Conference 218
forma ideológica particular da atividade mental do nós”, que é uma orientação sólida e afirmada que vem
do exterior, como por exemplo de classes sociais inseridas num sistema organizado, que faz parte de um
sistema dentro de outro sistema, como é o caso da classe burguesa. Portanto é um micro-poder dentro
de um macro-poder, se pensarmos na filosofia foucaultiana, rechaçando sua função de indivíduo enquanto
indivíduo e tomando a palavra consciência não como um ato individual interior mas um fato social.
Por isso, estudiosos que insistem em dizer que Bakhtin é humanista, no sentido de pensar o homem
em sua individualidade, desconhecem a “desconstrução” reflexiva acerca do que seja indivíduo e do que
seja sujeito, do seja sistema histórico, ideológico e literário feita por este filósofo, já que os estudiosos
do subjetivismo idealista tratam da representação do homem no literário ou não-literário.
Se em Marxismo e Filosofia da Linguagem Bakhtin fornece os primeiros impulsos para a reflexão do
lingüístico e do literário sob a ótica marxista, o ensaio mais significativo sobre a obra de Dostoiévski
para Bakhtin foi o de Grosman.
Foi a partir do ensaio de Grosman, que ele abordou o aspecto polifônico na composição da obra, que
se diferenciou análises histórico-literárias e/ou histórico-sociológicas da literatura enquanto uma filosofia
da linguagem, como um discurso.
Por isso, é preciso sempre lançar um novo olhar sob a criação artística, o olhar do criador diante da
criação, e, como diz Bakhtin, “entendida corretamente, a forma artística não formaliza um conteúdo já
encontrado e acabado mas permite, pela primeira vez, percebê-lo e encontrá-lo”. E é por isso que, no ca-
pítulo II de Marxismo e Filosofia da Linguagem, a abordagem sobre a percepção da personagem como ser
autônomo nas obras de Dostoiévski, “obriga-nos” a fazer, sempre, uma nova leitura critíco-literária, a fim
de que possamos entender o sentido de novas formas artísticas, que no caso de Dostoiévski, no romance
polifônico, cria (constrói) um herói que representa, por meio de sua plenivalência e autoconsciência, o
que é mais profundo no homem: ser um ser inacabado. Por isso, partiremos para o tópico seguinte com
o intuito de discutirmos os olhares sobre a produção da leitura da literatura infantil clariciana.
DESVELANDO O VELADO UNIVERSO DA CRÍTICA LITERÁRIA BRASILEIRA
Se tomarmos o cânone como um conjunto de leitores especializados – com direito à voz na sociedade
– que sacralizam o literário, vemos que Clarice não estava (e não está) no verdadeiro da época em que
se encontrava, talvez porque tenha como marca literária subversão do que se tem como cânone de uma
época, mais especificamente dos anos 40 e 50, conforme podemos ver nos relatos abaixo.
Na Revista Bravo (1997, p. 76-77) temos no relato de Carlos Heitor Cony:
... Durante anos, seus livros ficaram amontoados nos sebos da cidade...
Não foi a crítica que descobriu Clarice Lispector. Foram os leitores, principalmente leitoras,
ao atingirem o nível universitário. De repente sua obra começou a ser lida e discutida, era
a preferida para teses de mestrado. Vieram em cascata as traduções e os estudos críticos,
publicam-se, no Brasil e no exterior, os primeiros ensaios acadêmicos... Nascia um fenôme-
no que vinha de baixo para cima, que subia do leitor para a crítica, do limbo para o Olimpo
editorial.
Perguntamos para Gilberto Figueiredo Martins: será mesmo que a obra de Clarice se consolidou?
Pensando na questão das unidades do discurso proposta por Michel Foucault em A Arqueologia do
Saber (1986), esse filósofo diferencia livro de obra. O livro é tomado como um “feixe de relações”, um
“nó numa rede”, “que só se constrói a partir de um campo complexo de discursos” (p.26), e obra como
opus determinada em sua unidade. No entanto, se considerada como algo imediato, certo, homogêneo,
perde-se a capacidade de perceber os discursos “no jogo de sua instância”, discursos esses que circulam
numa sociedade. Além disso, a obra tida como algo imediato impede construção de enunciados diferentes
dos enunciados das vozes autorizadas pela sociedade, vozes essas que chamamos de cânone. Isso nos
leva a perceber que ainda hoje a obra de Clarice não se consolidou.
Também, por vermos os que as revistas especializadas falam sobre a produção de Clarice excluindo
quase que completamente sua produção de livros infantis, podemos dizer que seu discurso ainda sofre
interdições, já que os livros infantis produzidos pela autora são desconsiderados pelas vozes autorizadas,
ou seja, pela voz do cânone, o que demonstra a precariedade da crítica literária ao descartar as irrupções
e saberes de nossa época.
Cremos ser necessário repensar esse posicionamento das vozes autorizadas, pois não podemos con-
cordar que leitor é somente aquele que se encontra no terceiro grau, os “Commun readers” discutidos
por Frank Kermode em “Um apetite pela Poesia” (1989), e nem que se encontram só a partir do ensino
médio, ainda mais por ocasião do vestibular, mas sim aquele que cresce podendo ter o contato – nas
práticas efetivas de leitura – com a literatura.
Não podemos admitir que haja “governos totalitários e/ou absolutistas” – sejam eles políticos, sociais
ou acadêmicos - , no que se refere também à leitura literária, que olham para o leitor ora como um
ser apático ora como perigoso, parafraseando Alberto Manguel numa conversa com Jorge Luís Borges
(1999, p. 35).
Parece que devemos sempre olhar com um “olhar desconfiado” para aqueles que se apresentam como
representantes da sociedade, também discursiva, pois como a própria Clarice observou:
A crítica, quase sempre, confunde as coisas, e acaba interpretando ao contrário o que, na
verdade, quero dizer. Por esta razão, nunca me interessei pela opinião dos críticos a meu
respeito, por julgar que nem sempre ela é tão objetiva como deveria ser.
Um exemplo que sempre me utilizo para justificar minha posição em relação ao assunto,
é o da crítica ao meu primeiro livro publicado: Perto do Coração Selvagem, lançado em
1944, quando eu contava dezessete anos. Na época o livro foi classificado como hermético
e incompreensível, e anos mais tarde, tornou-se um dos mais vendidos. Isto me intrigou
profundamente, tanto que um dia resolvi perguntar a um amigo: O que está acontecendo?
O livro continua o mesmo. E meu amigo então respondeu: É que as pessoas se tornaram
mais inteligentes, de uns anos para cá. (1995, p. 435)
Então, pensando nessas “vozes autorizadas” da sociedade, que ainda excluem a produção infantil de
Clarice Lispector, devolvo a pergunta para esse amigo da escritora: será que novamente a produção literária
de Clarice não sairá do limbo ao Olimpo? Quais poderiam ser as maneiras de ler a obra clariciana para
que pudéssemos fazer valer sua produção também infantil? A que se deve esta resistência ao novo?
Segundo Casais Monteiro (1962), o crítico literário aprende a ser crítico lendo. Nesse processo infin-
dável de leituras faz cortes em profundidade, os quais permitem penetrar no texto – chamado por ele de
obra – em suas várias camadas, sustentando, alimentando e vivificando a superfície. Portanto, a principal
função do crítico é “pôr a claro aquilo que ainda não foi assimilado, e que encontra mais dificuldade em
ser aceite” (1962, p. 62).
Se a função do crítico não é canonizar textos mas despertar esse olhar mais aguçado sobre o literário,
podemos dizer que os críticos de Clarice Lispector deixam muito a desejar com relação à leitura de sua
obra – no sentido de opus -, pois insistem em um único dispositivo de leitura, que é o estético apenas
da forma e não do material verbal, no sentido bakhtiniano e tal qual os olhares que foram lançados so-
bre Dostoiévski, a crítica literária brasileira lança um olhar caótico sobre a produção infantil de Clarice
Lispector, deixando-a mais uma vez à margem da sociedade discursiva.
Agradecimentos:
À Universidade Estadual do Oeste – UNIOESTE – Campus de Marechal Cândido Rondon, por viabilizar
a participação nesse congresso.
Notas:
Fabulação no sentido de construção, de estratégias discursivas na dissimulação do dizer literário.
Cenas enuciativas, de acordo com Dominique Maingueneau, são enunciados que, no ato da enun-
ciação, formam imagens.
Paratopia, segundo Dominique Maingueneau, são os vários papéis que o indivíduo, enquanto sujeito
social, ocupa na sociedade.
Referências:
BAKHTIN, M. (Volochínov). Marxismo e filosofia da linguagem. Trad. Michel Lahud e Yara F.Vieira, São Paulo, Martins
Fontes, cap. 4 –1, 1981.
BAKHTIN, M - Marxismo e filosofia da linguagem. Trad. Michel Lahud e Yara F. Vieira. São Paulo: Editora da Unesp
Hucitec, 1999.
____. Estética da criação verbal. Trad. Maria Ermantina G.G. Pereira, São Paulo, Martins Fontes, p. 25 –113, 1997.
____. Questões de Literatura e de Estética – A Teoria do Romance. Trad. Bernardini, A et alii. 4 Ed. São Paulo: Editora
da UNESP, 1998.
Três são os romances publicados por Luis Fernando Verissimo até este início do século XXI: O jardim
do diabo (1987), O Clube dos Anjos (1998) e Borges e os orangotangos eternos (2000). Diferentemen-
te do que acontece com sua produção no gênero da crônica, de numerosas publicações e reedições, a
narrativa longa é uma presença parcimoniosa e rara no seu universo de criação ficcional, e de intrincada
compreensão.
Elementos básicos da poética de LFV podem ser estabelecidos a partir dos seus três romances: clas-
sificação das obras como policiais-paródicas e, ao mesmo tempo, introspectivas; presença da temática
da morte associada à idéia da fatalidade irreversível à que está condenada a vida humana; presença
insólita de enigmas e labirintos; sátira da própria arte de narrar; convívio de diferentes códigos de
significação da linguagem; apropriação intertextual crítica da tradição cultural existente; presença de
protagonista das histórias com a função de narrador-personagem e com papel também de escritor, que
pode, por isso, dobrar metanarrativamente a representação e propor a confusão dos âmbitos da ficção
e da “realidade”.
A prosa do escritor gaúcho pode ser situada dentro dos chamados gêneros do cômico-sério. Mikhail
Bakhtin (1981), em seus notáveis estudos a respeito das obras do cômico-sério, esclarece uma série de
traços desse filão literário que auxiliam na avaliação crítica de narrativas com discurso bivocal, como é,
nitidamente, o caso dos romances de Luis Fernando Verissimo. Nas produções desse gênero debilita-se
a seriedade retórica unilateral, a racionalidade, a univocidade e o dogmatismo, em favor de uma situa-
ção de alegre relatividade que se assemelha a uma cosmovisão carnavalesca. Os parâmetros e valores
convencionais são desprezados em favor de uma vida desviada da sua ordem habitual, voltada para um
mundo invertido com vida às avessas, onde hierarquias e desigualdades se eliminam, alianças impro-
váveis podem ocorrer, assim como profanações, sacrilégios, indecências, paródias proibidas, etc. Ações
e imagens enfatizam transformações e reforçam rituais biunívocos ambivalentes (nascimento e morte,
bênção e maldição, etc.) que confundem a sisudez de qualquer regime. Desse quadro instável faz parte
o riso e o cômico, que promovem a renovação e podem também podem manifestar-se em dimensão re-
duzida, a exemplo da ironia e do humor. A imagem do riso aproxima Bakhtin da abordagem da paródia,
que é explicitada através de sua estrutura carnavalesca e com uma natureza orgânica completamente
separada de todos os gêneros puros da literatura. Bivocal e dúbia, a paródia consiste num discurso que
se converte em palco de duas vozes. (Bakhtin, 1981:168)
1. Paródia de abertura
Apresentado em bela edição, como toda a série dos “Plenos pecados”, o segundo romance de LFV, O
Clube dos Anjos, conta uma história de evidente ambivalência em torno do pecado da gula. A gula se
insere no conjunto dos sete pecados ou vícios capitais estabelecidos pela Igreja: avareza, gula, inveja,
ira, luxúria, orgulho, preguiça. Sendo o pecado a violação de um preceito sagrado, a história do Clube
se contextualiza, a priori, numa temática de âmbito religioso, e o fato de haver a palavra Anjos no título
acentua ironicamente a correlação.
O Clube dos Anjos é uma obra com discurso paródico, trama policial e reflexão introspectiva. O livro
começa com narração em primeira pessoa e uma referência direta ao diabo, mas em forma de negação do
próprio maligno: Lucídio não é um dos 117 nomes do Diabo, nem eu o conjurei de qualquer profundeza
para nos castigar. (p.9) A negação (“não é” e “nem eu”) também é uma forma de presentificar alguma
RESUMO I
Este trabalho apresenta a multiplicidade de vozes na lírica de Helena Kolody e Lila Ripoll, relaciona-
das ao ato de (re)memorar, revelando um tom memorial e evocativo de vozes que se intercruzam no
discurso poético.
A poeta Helena Kolody, filha de imigrantes ucranianos, nasceu em 12 de outubro de 1912, em Cruz
Machado (PR). Os temas recorrentes em sua lírica são: o tempo; a permanência; a solidão; a memória;
a transitoriedade, entre outros.
Lila Ripoll nasceu em Quarai (RS), em 1905, e faleceu em Porto Alegre, em 1967. A obra de Ripoll
revela o universo imaginário interligado aos temas da memória, do mito de Narciso, do tempo e do du-
plo. Assim, o presente trabalho engloba temas e imagens que contribuem para propor (re)significações
à obra kolodyana e ripolleana no contexto da Literatura Brasileira.
RESUMO II
This paper presents the multiplicity of voices which are into Helena Kolody and Lila Ripoll’s lyrics,
related by the act of remembering, to reveal a memorial and evocative tone of voices that crosses the-
mselves in the poetic discourse.
Helena Kolody, daughter of ucranian immigrants, was born on October 12, 1912, in Cruz Machado
(PR). Her usual themes are: time, permanence, loneliness, memory, transitority, among others.
Lila Ripoll was born in Quarai (RS), in 1905 and she died in Porto Alegre in 1967. Her works revealed
the imaginary world joined to memory themes, the myth of Narciso, the time e the dual. Thus, this work
joins themes and images that contribute to propose new meanings to “kolodyane” and “ripolleane” works
in the context of the Brazilian Literature.
Mikhail M. Bakhtin, em A estética da criação verbal, afirma que a contemporaneidade conserva sua
importância decisiva: sem ela não existiria a obra em si mesma. A obra literária revela-se, principalmente,
na unidade diferenciada da cultura da época de sua criação, mas não se pode aprisioná-la dentro dessa
época: sua plenitude apenas mostra-se tão somente na grande temporalidade (BAKHTIN, 1997, p. 366).
Consoante ao pensamento de Bakhtin, todo poeta, escritor, criador, por mais criativo que seja, é sempre
“fruto” de sua época. A obra literária constitui um processo consecutivo em que as novas formas, por
mais inusitadas que sejam, se apóiam nas precedentes. As afirmativas de Bakthin revelam a literatura
como um fenômeno de múltiplas “faces” e complexo.
O significado da produção literária, a reação do material escrito com sua época, a intemporalidade da
obra de arte se imbricam e tomam formas a partir de uma tomada de consciência por parte do artista,
fundamentada na questão estética tendo como eixo norteador a relação do eu com o mundo. Nessa
perspectiva, a história está interligada à vida e ao fazer poético, uma vez que a produção literária se
insere no campo da história literária.
Na lírica de Helena Kolody e Lila Ripoll, a multiplicidade de vozes estão relacionadas ao ato de
(re)memorar e apresentam um tom memorial e evocativo, de vozes que se intercruzam no discurso
poético. A memória e as vozes que aparecem nos poemas são forças mediadoras e potências capazes
de interligar os fatos, as pessoas e suas ações e as coisas do mundo.
1 - Doutor em Letras (Literatura Brasileira - UFRGS) e Professor do Colegiado de Letras e Colegiado do Curso de Mestrado “Linguagem e Sociedade”, da
UNIOESTE - Campus de Marechal Cândido Rondon - PR.
2 - A referida obra é parte integrante de minha tese de doutorado (Apêndice A – vol. II).
Nos versos, a imagem “pássaros de antigamente” sugere que o passado permanece na memória:
“gorgeiam sempre em nós”. No texto, o eu poético através da memória reencontra o tempo concreta-
mente perdido. O “gorjeio” é “revivido” através das lembranças, ou seja, por meio do ato de rememorar.
O título do poema remete à saudade e suscita uma aproximação semântica em relação à memória. Na
busca de um tempo que sobreviva ao instante fugaz, o eu poético concretiza um momento único e in-
transferível. No confronto da brevidade da vida, a poesia é o sinal do ser humano e o seu testemunho
perante o futuro, protegendo-o contra a automatização.
Através do ato de rememorar, Kolody faz com que sua poesia se desdobre verso a verso, dando a
impressão de que, em cada composição verbal, ela busca uma “unidade totalizadora” do espaço e do
tempo, anteriormente vivenciada, e que logo é retomada pela consciência da fragilidade frente ao es-
quecimento e às lembranças.
No poema “Infância”, a meninice é rememorada pelo eu-lírico. Note-se o valor da memória enquanto
reconquista de um tempo “vivido” pelo sujeito lírico, recuperando a pureza original da infância, com suas
aspirações mais puras:
Aquelas tardes de Três Barras.
Plenas de sol e de cigarras!
A chuva-de-ouro
Era um tesouro,
Quando floria.
[...]
O cão travesso, de nome eslavo,
Era um amigo, quase um escravo.
Merenda agreste:
Leite crioulo,
Com mel dourado,
Cheirando a favo.
[...]
Do tempo só se sabia
Que no ano sempre existia
O bom tempo das laranjas
E o doce tempo dos figos...
A evocação é a tônica que movimenta o poema. Ao revisitar o tempo da infância, o eu-lírico relembra
momentos de contemplação da natureza: “Quando eu ficava horas perdidas/ Olhando a faina das formi-
gas/ Que iam e vinham pelos carreiros,/ No áspero tronco dos pessegueiros”. Nota-se a despreocupação
do sujeito lírico nessa fase da vida, rememorando com saudade e melancolia aquele “tempo bom”. Há
uma integração perfeita do sujeito lírico com os elementos da natureza, como pode ser verificada nos
versos: “A chuva de ouro/ Era um tesouro,/ Quando floria.” (p.182). O eu-lírico recorda-se, também, do
“cão travesso, de nome “eslavo”, da “merenda agreste”, do “leite crioulo”, do “pão feito em casa,/ Com
mel dourado,/ Cheirando a favo” (Loc. cit.). Pode-se dizer que há, por parte do eu-lírico, uma saudade
do lar, da vida de outrora. O presente texto fornece múltiplas categorias de percepção do mundo, cujas
imagens instauram uma operacionalização que remetem para uma reconstrução de acontecimentos pas-
sados. O olhar que se volta para as rememorações vividas anteriormente acentua o poder das imagens e
seu poder de simbolização. No texto, as imagens têm o poder de reconstruir os acontecimentos a partir
de uma observação atenta do poeta, que registra o seu “estar no mundo” ao “rememorar o passado”.
Na penúltima estrofe, constata-se, que “do tempo”, somente conhecia-se o “bom tempo das laranjas/
[...]
Jardins
Pomares
Pinheiros e mais pinheiros,
onde moravam sabiás cantores
e bem-te-vis moleques.
As torres da Catedral
olhavam por sobre os sobrados.
Alta noite,
[...]
Dorme a praça o sono dos abandonados:
Estiram-se nos cantos escuros,
encolhem-se nos desvãos dos prédios.
Noite fria,
os menores se escondem nos caixotes de papelão
que o comércio deixa nas calçadas, rumo ao lixo.
Luz e sombra,
esplendor e miséria da cidade grande.
O sujeito lírico relembra o passado através do exercício efetivo das lembranças. As reminiscências
são formas de articulação de uma observação atenta de um eu que resgata a história de um símbolo
que une passado e presente numa “geometria” memorial. Nos versos, o eu onisciente descreve a esta-
ticidade da praça; surge o espaço para as transformações de embelezamento do local, como sinal dos
novos tempos. Nesse ínterim, o eu-lírico afirma que a nova praça “ficou linda”. Se antes o que marcava
a praça era a aridez, a nova configuração descrita, imprime-lhe dinamismo e funcionalidade, estas ca-
racterísticas acentuam-se através dos versos, onde se ressalta a agitação e a beleza da praça por toques
de um humanismo utilitário.
No texto “Tempo de recordar”, a temática da memória, expressa no título, alude ao poder sugestivo
das palavras: “Brilham palavras antigas/ No ingênuo rio da memória.// A lágrima prisioneira/ orvalha
a flor da lembrança.(1999, p. 123). Nos versos do poema, as lembranças são associadas a pontos bri-
lhantes no manancial pelo qual a viagem metafórica transcorre. Na reminiscência poética, destacam-se
os vocábulos como rio, palavras, lágrima e flor. Com grande força de sugestão, o eu poético cria uma
experiência mítica ao buscar na realidade uma dimensão absoluta. A palavra poética visa recuperar o
tempo, espaço mágico das rememorações da infância, nascedouro da identidade, para resgatar do “rio
da memória”, as “palavras antigas” que têm o poder de fazer reaparecer a “flor da lembrança”, ou seja,
reavivar o ser da linguagem. Na palavra e pela palavra, o eu poético encontra sua realização, mesmo
que seja no “tempo de recordar”, tempo este marcado pela vivacidade e nostalgia.
Lila Ripoll: as vozes da canção
A poeta Lila Ripoll nasceu em Quaraí, RS, no ano de 1905 e faleceu em 1967, em Porto Alegre, RS.
A obra poética publicada pela poeta entre 1938 a 1961, compõe-se de sete livros, de que foi realizada
somente uma edição: De mãos postas (1938), Céu vazio (1941), Por quê? (1947), Novos poemas (1951),
Primeiro de Maio (1954), Poemas e canções (1957) e Coração descoberto (1961). Quando do Golpe
de 64, Lila Ripoll foi presa e libertada pouco tempo depois por estar muito doente. Faleceu em 1967, e
deixou uma obra quase desconhecida. Cumpre destacar que a poeta sempre teve o reconhecimento dos
escritores. Em 1954, Ripoll presidiu a seção regional da União Brasileira dos Escritores e organizou em
Porto Alegre o 4º Congresso Brasileiro de Escritores. No ano seguinte, a poeta recebe o Prêmio Pablo
Neruda da Paz. Tendo em vista o seu engajamento, Ripoll elaborou ao longo de sua trajetória uma lírica
intimista que evoluiu para uma concepção dilacerada da existência.
A lírica de Lila Ripoll se aproxima em muito com a poesia de Cecília Meireles, Henriqueta Lisboa, Mário
Quintana, Helena Kolody, entre outras vozes da lírica brasileira. Ripoll desenvolve uma poiésis em que
privilegia a síntese poética e os questionamentos, marcas estas da modernidade.
Na obra Lila Ripoll: obra completa, as imagens do desdobramento do eu aparecem de maneira nítida.
Há, também, um entrelaçamento de temáticas: o tempo, a solidão, a memória, a infância, a efemeridade
e permanência, o humor, a ironia, entre outras. O fazer poético também fica notório no realce ao amor
às palavras, à metapoesia, ao diálogo com o leitor, à comunicação literária.
Para Alice Campos Moreira, Lila Ripoll - laureada com dois relevantes prêmios de poesia - é uma das
mais autênticas vozes líricas da literatura sul-rio-grandense. E salienta:
“A ela se deve a elevação do nível estético do discurso poético feminino, presente desde as
primeiras manifestações literárias do Sul do País. Os efeitos líricos que emanam da musi-
calidade e da simplicidade temática de seus versos, de comunicação imediata, permitem
aproximá-la dos mais altos representantes da poesia brasileira” (MOREIRA. In: Lila Ripoll,
1998, p.11).
Na poesia, o tempo implica na questão ontológica. Ele é como que uma descontinuidade ritmada da
espiral, do círculo e do eterno retorno. Mas também há os momentos únicos do poeta perante o fazer
poético e o exercício da linguagem revelando-se em canções, mesmo que os questionamentos remetam
para a dúvida, tal como os versos do poema “Canção da dúvida”, de Lila Ripoll: “Tua palavra é forte./ Teu
rosto, inquieto.// Eu acompanho o movimento/ do rosto e das palavras.// Eu acompanho o movimento/
das nuvens e do vento.// Mas onde vão as nuvens?/ E qual a direção... do vento?” (1998, p. 238).
Os questionamentos do eu-lírico sobressaem no texto. Já o fazer poético de Ripoll apresenta como
marcas de humanização, ou seja, uma construção textual embasada no projeto de valorização da natureza
e no olhar atento da poeta que faz de sua lírica uma forma de projetar o pensamento e (re)invenção das
relações entre o eu e o mundo. Sua arte poética reside no diálogo com a inconstância das coisas e dos
acontecimentos exteriores frente à paisagem natureza-mundo.
No poema “Ciranda”, o tema da memória fixada na infância fica evidente:
Através das reminiscências, o poeta recorda o tempo da infância, no qual centra as suas aspirações
mais ternas. Nos versos do poema, o tempo, as perdas, a evocação, a memória são tomados pelo poeta
como momentos da infância, pois reside nessa fase da vida as origens de suas aspirações mais ternas e
puras. Tal como na passagem, em que o sujeito da enunciação lembra das histórias contadas pelo “velho
amigo”, no aconchego do lar. As histórias infantis, listadas entre aspas, direcionam para a intertextuali-
dade. Mas há o sentimento de tristeza das perdas dos entes perdidos, do irmão que morreu.
Mediante o ato de rememorar, o eu poético realiza o diálogo com o mundo e, através do espaço e
circunstâncias que o envolve, operacionaliza o “eu penso” em oposição ao desespero do aniquilamento
frente à objetividade mortal. Percebe-se que, primeiramente, há o tempo concreto, vivido pelo eu, de-
pois há o momento de solidão e finalmente a memória. As lembranças e o sentimento de perda projetam
sentimentos melancólicos marcados pela transitoriedade dos entes e das coisas.
No texto “Três cantigas de roda” (I parte), sobressai o tema do memorialismo fixado na infância e o
das perdas:
Éramos três primas e dois primos.
Sob o olhar vigilante de papai
irrompíamos no quintal.
Nos versos, a memória aparece enquanto duração e permanência, pois essa ninguém pode tirá-la do
eu mais profundo. A melancolia é realçada através do sintagma “o sol descia” e dos versos “as vozes e
as coisas se escondiam/ no crepúsculo”.
O tema do desdobramento, a princípio, se refere à existência do outro, que duplica a existência do
sujeito lírico. O tema do eu e o outro, são regidos por uma coerência que lhes confere unidade, rela-
cionado ao tema do duplo, no qual reflete uma inquietude metafísica, que aponta para uma profunda
reflexão sobre a vida e a literatura. Dessa forma, Bakthin observa que,
“O eu e o outro constituem as categorias fundamentais de valores que pela primeira vez originam um
juízo de valor real, e esse juízo, ou mais exatamente, a ótica axiológica da consciência, manifesta-se não
só pelo ato, mas também pela menor vivência, pela mais simples sensação: viver significa ocupar uma
posição de valores em cada um dos aspectos da vida, significa ser numa ótica axiológica” (BAKHTIN,
1997, p. 201-202. Grifos do autor).
No texto “Retorno”, o eu-lírico (re)memora o passado e centra a enunciação no tema da na infância e
na indagação frente as solicitudes da vida e também nas perdas: “Diante do velho poço,/ fiquei olhando
as datas/ que só eu conhecia.// As uvas maduras tinham sabor de infância/ nos meus lábios/ e as árvores
me estendiam os braços enrugados.// Com elas conversei quase em surdina.// Ai que sonhos, os meus
sonhos!// – Onde terá perdido a face daquele tempo? (1998, p. 228). A indagação do eu poético é uma
constante na lírica ripolleana. A linguagem metafórica, o mito de Narciso redivivo no ato de olhar para o
“velho poço”, o diálogo do sujeito lírico com as árvores e a visão onírica, são elementos de integração
do eu com a natureza.
Em “Quatro poemas de amor”, o eu-lírico declara: “Eu te amo com uma intensidade/ que me assusta
em me perturba. Tu vives em todos os meus sentidos,/ e na forma dos meus pensamentos.// [...] Sou
como uma fonte clara e simples/ que reflete, no fundo, a mesma imagem.// [...] Eu vivo porque tu
existes em todos os meus sentidos/ e na forma dos meus pensamentos” (1998, p.132). Na passagem
ocorre a confissão amorosa do eu-lírico para com as palavras: “Nunca imaginei tão grande o peso das
palavras. Dos pensamentos escondidos. Das confissões não enunciadas. Agora é tempo de avaliar./ [...]
É tempo de pensamento e solidão./ Tempo de procurar em mim./ Tempo de me ver inteira num espelho”
(“Estrelas e areias”, 1998, p. 272).
Os signos vida e morte fazem parte da vida do homem. Sob esta perspectiva, a poesia de Lila Ripoll
tematiza a vida e a morte, apresentando imagens que se desdobram e que realçam a condição humana
ante a finitude. Mediante as imagens dos desdobramentos do eu e da busca do outro, a vida necessária
se concretiza frente à precariedade do instante e à certeza da morte, ou seja, o efêmero e o eterno ins-
tauram sentidos dicotômicos perante a vida: indelével viagem marcada por presenças e ausências.
As articulações da linguagem no sentido de apresentar o tema do desdobramento (mito de Narciso,
espelho, sombra, reflexo) se concretizam na lírica de Ripoll. Nos versos do poema “Manchas” (I parte),
os temas do desdobramento do eu, do mito de Narciso, da ausência e da solidão ficam evidentes nas
passagens, em que o eu-lírico declara:
Foi sempre tristeza. Tristeza remota, vinda quem sabe
de onde. De que desesperados apelos. De que exilado
sonho.
De que grandeza mutilada.
Entre presenças e ausências, o sujeito lírico, em meio a mais “secreta solidão”, parece lutar contra a
passagem temporal, entre o ser e não-ser, presença e ausência, acentuada pela duplicidade. Tal como
A lírica de Lila Ripoll e a de Helena Kolody, lapidadas no cinzel da memória, instauram um procedi-
mento poético em que a linguagem – enquanto magia e encanto – desperta no leitor uma atenção vol-
tada para as coisas mais sensíveis, pois a linguagem é sinal de vida e permanência. Ao mesmo tempo,
ela é afirmação do eu que se presentifica no ato de dizer, de realizar e descobrir sentidos mediante as
palavras. O homem – marcado pela finitude – vive uma vida transitória, em permanente viagem. Entre
buscas e fugas, ele se vê frente à instabilidade das coisas. Entretanto, a poesia tem o poder de despertar
o homem para a consciência e horizonte dos mundos possíveis.
AGRADECIMENTOS: À UNIOESTE, pelo incentivo à pesquisa.
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
BAKHTIN, Mikhail. Questões de Literatura e de Estética: a teoria do romance. São Paulo: Unesp; Hucitec, 1998.
BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
51 020-000 Recife, Pe
[email protected], [email protected]
Resumo
O objetivo dessa comunicação é discutir a visão de Bakhtin do discurso de outrem e as conseqüên-
cias teóricas e metodológicas para os estudos da linguagem. Nessa perspectiva, o discurso de outrem,
marcado ou não como tal, na sua inter-relação com outros discursos é um fenômeno central. Nossas
pesquisas sobre o discurso citado em gêneros primários e secundários revelam que o diálogo do discurso
próprio com diversas fontes de fala é da ordem da linguagem e não da língua, podendo ser mais ou me-
nos marcado como tal por quem enuncia e mais ou menos percebido por aquele a quem ele é dirigido,
sendo portanto uma questão de interação e não de formas.
Abstract
The aim of this paper is to discuss the Bakhtinian position regarding the discourse of the other, as well
as its theoretical and methodological consequences on the studies of language. From this perspective,
the discourse of the other, whether or not indicated as such, in his interrelation with other discourses is
a phenomenon of fundamental importance. Our research on reported speech in primary and secondary
genres reveal that the dialogue between the enunciator’s discourse and several speech sources comes
from the language – as parole – and not from the langue. Reported speech can be marked as such by
the enunciator and perceived by the those to whom the discourse is addressed. It is, therefore, a matter
of interaction and not of structure.
Introdução
O que reúne os autores desses anais é Bakhtin, considerado por Todorov (1981:7) “o mais importante
pensador soviético no domínio das ciências humanas e o maior teórico da literatura do século XX”. Esse
fato nos faz começar situando o lugar de onde falamos: o de uma lingüista trabalhando com a linguagem
na perspectiva sócio-histórica proposta pelo nosso autor. Foi o interesse pela citação que nos proporcio-
nou o encontro com a teoria bakhtiniana, a qual nos conduziu a uma abordagem não da língua, mas da
linguagem, em função de fatores múltiplos por ela apontado: a diversidade de modos de funcionamento
da linguagem, de relação ao outro, de estilos e de efeitos de sentido sobre os interlocutores; a comple-
xidade da relação entre a parte verbal e extra verbal dos enunciados, entre outros.
Nessa comunicação, retomamos algumas reflexões sobre as contribuições do Círculo de Bakhtin ao
exame do discurso citado e apontamos os desenvolvimentos do estudo do fenômeno proporcionados
pela abordagem dialógica.
O discurso de outrem
Na terceira parte do livro Marxismo e Filosofia da Linguagem, Bakhtin/Voloshinov (1995) apresentam
o discurso de outrem como um problema de sintaxe específico, que a lingüística não era capaz de dar
conta, tendo em vista ter elaborado categorias de análise fonéticas e morfológicas até aquele momento.
Sendo as formas sintáticas as que mais se aproximam das formas de enunciação concreta, os autores
propõem o estudo das formas da comunicação verbal e das formas correspondentes de enunciação para
resolver os problemas de sintaxe. Lançam assim um novo olhar sobre o discurso de outrem, reformu-
lando-o como problema, a partir de novas questões de pesquisa. Nas palavras dos autores, “o interesse
metodológico excepcional que apresentam esses fatos ainda não foi apreciado na sua justa medida.
Norma Discini
Resumo I
As reflexões a serem feitas apóiam-se no princípio de que o estilo é o homem, entendido este homem
como efeito de sujeito depreensível de uma totalidade de discursos e, portanto, passível de ser recons-
truído por meio da observação das relações de interdependência entre expressão e conteúdo. Além disso,
essas reflexões se apóiam no princípio de que o eu se constitui dialogicamente. A partir do dialogismo
constitutivo, constatamos que um estilo pode construir-se sobre outro e, por isso, mostrar seu direito e
seu avesso. Falamos do dialogismo mostrado, aquele que deliberadamente mostra o outro no um. Assim
a paródia e a estilização de estilo serão cotejadas com o estilo de referência. Na paródia, sob traços
de um caráter subvertido, pressupõe-se o outro, para que se consolide o novo ethos, firmado como fé
contrária. Disso resulta o confronto de leituras, que provoca o humor. Aqui um estilo imita e subverte o
outro. Na estilização, o eu e o outro são construídos por meio de complementaridades de relações. Entre
o estilizado e o estilizador, legitima-se apenas o primeiro, como voz, corpo, caráter, ethos, enfim. Aqui
um estilo imita e capta o outro, do que resulta o estilo à maneira de.
Resumo II (Abstract) - STYLE: EXPOSED DIALOGISM
The reflections to be made rely on the principle that the style is the man, being this man understood
as subject’s effect inferred from a totality of discourses and, as a result, likely to be reconstructed by
the observation of the relations of interdependence between expression and content. Furthermore, these
reflections rely on the principle that the I is dialogically constituted. From the constituting dialogism,
we verify that a style may be based on another one and, for this reason, it may show its inside as well
as its outside. We talk about the exposed dialogism, the one which deliberately exposes the other in
the one. Thus, the parody and the stylisation of style will be confronted with the reference style. In the
parody, under traces of a subverted character, the other is presupposed so that a new ethos is conso-
lidated, confirmed as contrary faith. From this results the confrontation of readings which causes the
humour. Here, a style imitates and subverts the other. In stylisation, the I and the other are constructed
by means of a complementarity of relations. Between the stylised and the styliser, only the second one
is legitimated as voice, body, character, ethos at last. Here, a style imitates and captures the other,
resulting in the style in the way of.
Sob traços de um caráter subvertido, é mostrado o ator de Caras que, virado ao avesso, é desmoraliza-
do, para que se consolide o anti-ethos e se confirmem não apenas práticas culinárias e hábitos alimentares
opostos, mas uma hexis corporal, um corpo que se move de maneira própria em outra e dada dimensão
social. Tais gestos, porém, são relativizados pelo riso próximo daquele observado por Bakhtin (1987:
203) que, ao se referir a “obras tipicamente recreativas, populares”, descreve-as opondo “o ordinário e
o cotidiano” às “idéias sombrias e sérias”, ao mesmo tempo em que se dirigem, tais obras, segundo o
autor, contra o tom das “predições e profecias sérias”, contra a “maneira de ver e interpretar a vida, a
história, o tempo.” “É nesse mesmo espírito carnavalesco que está escrita a Pantagrueline prognostica-
tion. Encontramos nesse curto texto (diz Bakhtin, para citar Rabelais) imagens materiais e corporais: ´o
toucinho evitará as ervilhas na Quaresma; o ventre irá adiante; o cu assentar-se-á primeiro`”.
Bundas está amparada na história do riso e, da margem da não-oficialidade, filiada ao “baixo” material
e corporal, inverte e traveste o ator de Caras, que tanto se esfalfa para parecer “elevado”. O escracha-
do José Silva, é o bufão sagrado rei, como nos bons tempos carnavalescos do século XVI, o século de
Rabelais. O ator de Caras, programado pela totalidade como aquele que tem percepção refinada para
apreciar um mundo de requinte e apuro, dotado então de um saber e de um poder que supostamente
o privilegiam, é retomado e desmoralizado como alvo da ironia na totalidade Bundas. Não sai impune,
portanto, tal ator, ao ser recontextualizado nesse outro mundo, em que “as vitrinas das melhores casas
Manuel Bandeira, Poesia Completa e Prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1996, p. 434
Manuel Bandeira, Poesia Completa e Prosa, Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1996, p. 229
Atirei o quê? Um céu aberto. Atirei um céu aberto onde? Na janela do meu bem. Rompem-se as
Renata Egüez
Desde la invocación demoníaca con la que Miguel Ángel Asturias (Guatemala, 1899) abre El señor
Presidente (1946), se anuncia un universo dual en el que conviven vida/muerte, luz/sombra, humor/hor-
ror. En diálogo con este vaivén, doloroso y gozoso, de fuerzas en oposición es posible percibir una serie
de correspondencias entre la estética del grotesco, desde la teoría de Mijail Bajtin (La cultura popular en
la Edad Media y en el Renacimiento. El contexto de Francois Rabelais), y El señor Presidente, a partir de
una visión de mundo marcada por la ambivalencia.
Efectivamente, las imágenes cómicas relacionadas con el principio de la vida material y corporal
implican en el realismo grotesco antes que una degradación, un descenso o una mortaja, más bien un
principio positivo, una elevación, un renacimiento: “De allí que [el realismo grotesco] no tenga exclusi-
vamente un valor negativo sino también positivo y regenerador: es ambivalente, es a la vez negación
y afirmación” (Bajtin, 25). Desde esta perspectiva me interesa analizar el potencial del grotesco en El
señor Presidente como expresión de salidas interiores para los personajes y para el texto propiamente.
La crítica que prevalece sobre “la novela del dictador” (Estrada Cabrera, 1898-1920) se ha enfocado en
el universo trágico (Rosado, Krauel), como negación de esperanza y dominio del miedo (Navarro). Si
bien la impresión de un mundo cerrado se corrobora en espacios opresivos o en acciones que frustran
escapes exteriores, mi lectura apuesta por la capacidad regenerativa del grotesco bajtiano, de aquellas
fuerzas perturbadoras del infierno dictatorial, como son: la risa, lo maternal, la locura, el nacimiento/
alumbramiento, el ideal y el amor. Gracias a éstas, se posibilita la aproximación a otro orden de las cosas,
a un mundo al revés que concentra la tensión de la ambivalencia y se rebela en contra de la realidad “al
derecho” representada por el Presidente. La novela se mueve por espacios liminales, purgatorios que
abren el tránsito del infierno hacia elementos regeneradores de la existencia: así, sólo cuando la muerte
convoca a la vida, lo feo a lo sublime, lo dionisiaco a lo apolíneo y, sobre todo, el miedo al humor, la
ambivalencia actúa y el grotesco se concreta.
Los mendigos del Portal del Señor
La galería de pordioseros expuesta en el primer capítulo determina la estructura grotesca de la novela.
Hacinados bajo el Portal del Señor, conviven un idiota (el Pelele), una ciega que se imagina cubierta de
moscas y colgada en una carnicería, un tiñoso, un ciego desmembrado (el Mosco), un tuerto y un mulato
degenerado. La escena da cuenta de un grupo humano en degradación, de un mundo subterráneo que
emerge a la república del dictador y expone a sus víctimas patéticas y grotescas.
En ese universo demoníaco los pordioseros se rebajan, en términos bajtianos, mediante sus cuerpos
hipertrofiados. Esta descomposición es “el rasgo sobresaliente del realismo grotesco, o sea la transfe-
rencia al plano material y corporal de lo elevado, espiritual, ideal y abstracto” (Bajtin, 24). El cuerpo
absorbe el mundo y es absorbido por éste en una metáfora del desmembramiento colectivo, social. Al
mismo tiempo, el cuerpo se abandona a su condición de objeto o víctima de la succión y a ese entorno
represivo que lo despoja de sustancia. Los límites entre ambas esferas (lo micro y lo macro) se desplazan
al espacio de la ambivalencia gracias a estas mutuas devoraciones.
En los infiernos –que Bajtin define como el “nudo donde se cruzan los elementos directores: el car-
naval, el banquete, la batalla y los golpes, las groserías y las imprecaciones (Bajtin, 348)-, se suceden
los insultos, los pleitos tragicómicos y se evidencia la condición grotesca de los mendigos del Portal del
Señor descritos como animales rastreros. La bestialización en la novela es el recurso que permite a As-
turias asociar a sus personajes con las facultades negativas de los animales, como las que los identifican
con las aves de rapiña (en una metáfora de los hombres carnívoros, anunciadores de la muerte), a los
movimientos corporales rastreros, como signos del miedo; o a su forma de acoplarse, dormir y comer
grotescamente. Los animales exponen, además de la inseguridad humana, cualidades “fuera de”, más
allá de los límites de las reglas de comportamiento del mundo al derecho. Los personajes se apropian de
En ese sentido, el cuerpo como tumba es ambivalente porque a la vez que degenera, fecunda vida. La
tierra y lo carnal resisten, así, al dominio de la muerte. De allí que aunque el hijo de Fedina muere, ella
lo acoge como si el cordón umbilical nunca se hubiera cortado: “Era suya la alegría de las mujeres que
se enterraban con sus amantes en el Oriente sagrado. Y en medida mayor, porque ella no se enterraba
con su hijo; ella era la tumba viva, la cuna de tierra última” (Asturias, 148-149). La muerte del hijo de
Fedina la degrada, pero también la regenera. Por un lado, allí encuentra un nexo con la tierra –tierra
madre, de acuerdo con el principio indígena-; por otro, le es posible vislumbrar una salida a su estado
mental y emocional, al volver al polo positivo que emana de lo materno.
El Auditor de Guerra pone en venta el cuerpo torturado de Fedina Rodas y lo entrega al prostíbulo
El dulce encanto. Allí se recrean el espíritu carnavalesco y la galería de cuerpos grotescos, el de las
prostitutas, “Altas, bajas, gordas, flacas, viejas, jóvenes [...] de senos casi líquidos” (160); y el de
los clientes: desde el hombre de negocios con “astronómica cantidad de vientre que le redondeaba la
caja toráxica” (161), hasta “el burgués adiposo” (161). En la noche, el carnaval se desata con matices
lascivos, baile, música, alcohol, gritos y risotadas. En la manifestación carnavalesca no escapa, según
Bajtin, una unidad de estilo que hace de esta diversidad una zona única de la cultura cómica popular.
El prostíbulo es, en definitiva, el espacio ambivalente del deseo -de su búsqueda y de su frustración-.
En términos bajtianos, El Dulce Encanto llega a funcionar como cronotopo toda vez que allí confluye el
tiempo y el espacio del carnaval.
Otros personajes femeninos encuentran sus salidas interiores en la locura, como la Chabelona. En su
afán de proteger a Camila de los agentes del dictador, la nodriza recibe los golpes y queda con el crá-
neo roto. De ese bulto de mujer surge la risa demente, que se combina con el juego de las escondidas:
“¡Já-já-já-já!.... ¡Jí-jí-jí-jí!... ¡Jú-jú-jú-jú!... ¡Tuero! ¡Salga, niña Camila, que no la ‘jallo’!” (87). Esa risa
se transforma en seguida en “grito de mono herido” (87) cuando ve su imagen grotesca reflejada en un
estanque. La Chabelona vaga como una bestia mientras afuera pasa la banda marcial. Entonces acude
al recuerdo de su infancia –el juego de niños- para encontrar una fórmula de sosiego.
El tránsito por el umbral de lo liminal se concreta en Camila en este punto en el que separa su exis-
tencia anterior de su nueva vida. En términos bajtianos, esta escena concentra la ambivalencia cuando
la degradación (léase su vida pasada) da lugar a un nuevo nacimiento.
El embarazo de Camila representa una extensión de la vida, pero también significa un riesgo: expo-
ner a un nuevo ser al domino del dictador, a la vida grotesca en oposición al vientre materno, espacio
de seguridad y amor. Sin embargo, en el alumbramiento, Asturias propone una salida: un niño está por
nacer, mientras la vida afuera “anochecía y amanecía” (277), es decir, mientras el ciclo continúa. Y es
que, como afirma Bajtin, “en actos tales como [...] el embarazo, el alumbramiento, [...] el cuerpo [...]
es un cuerpo eternamente incompleto, eternamente creado y creador, un eslabón en la cadena de evo-
lución de la especie” (Bajtin, 30).
Esa cadena que asegura la posibilidad regenerativa encuentra en Camila el eslabón principal, y en la
figura del dios Tohil (que aparece en una visión de Cara de Ángel), la legitimación de la fertilidad como
elemento del ritual de regeneración. El baile dedicado a Tohil representa en la narración el clímax en el
que se conjugan el grotesco con el espíritu de renovación. La visión del favorito corresponde a un ritual
de sacrificio en honor a este dios maya de la guerra, descrito en el Popul Vuh, que se inserta en la obra
de Asturias como figura análoga al dictador.
En esta suerte de rito dionisiaco, se puede conjugar el concepto bajtiano de fiesta, vinculado con el
tiempo cósmico, biológico e histórico. En efecto, las fiestas medievales “han estado ligadas a períodos de
crisis, de trastorno, en la vida de la naturaleza, de la sociedad y del hombre. La muerte y la resurrección,
las sucesiones y la renovación constituyeron siempre los aspectos esenciales de la fiesta” (Bajtin, 14).
Asimismo, el baile del Tohil se inserta en un momento histórico crítico para Guatemala, y no obstante,
augura un renacimiento. Del desorden caótico en el que se desarrolla el sacrificio deberá germinar un
nuevo orden, producto de esa crisis, como parte del ciclo de fertilidad –y no sólo de muerte- al que el
propio ritual responde.
La ofrenda se inicia como resultado del robo del fuego. El dictador es responsable de la oscuridad y de
las cabezas de sus víctimas. La tribu –el pueblo- busca la luz porque es ciega de nacimiento y, por ello,
reclama al Dador del fuego, Tohil. A cambio, éste exige sacrificios humanos: “Y estos hombres, ¡qué!;
¿cazarán hombres?” (262), se pregunta el dios. La tribu está dispuesta a ello, “¡Con tal de que no se
nos siga muriendo la vida, aunque nos degollemos todos para que siga viviendo la muerte!” (262). Ello
significa la felicidad de Tohil y la confirmación de que vida y muerte están unidas en un ciclo de sacrificio
y renovación: “Sobre hombres cazadores de hombres puedo asentar mi gobierno. No habrá ni verdadera
muerte ni verdadera vida” (262). Se trata de la misma voz del Presidente que exige a su pueblo sacri-
ficios humanos y a sus guerreros, que sean cazadores de hombres. La pregunta es, si el fuego retorna
efectivamente en el mito maya, ¿lo hará también en la realidad que Asturias recrea? ¿A quiénes se les
devuelve el fuego? ¿En quiénes se complementa la rueda?
El nacimiento de Miguelito, el hijo de Cara de Ángel y de Camila, anuncia efectivamente otro ciclo, el
“del bienestar de domingo” (279), el de la naturaleza en movimiento. Camila presiente la renovación a
través de su hijo, pero la esperanza no es sólo para ella, sino para toda la novela: “El pequeño Miguel
creció en el campo, fue hombre de campo, y Camila no volvió a poner los pies en la ciudad” (280). La
oposición campo (salida positiva) versus ciudad (sinónimo de panóptico) anticipa la posibilidad del por-
venir, pues en el campo, la rueda de la existencia retoma su rumbo.
Finalmente, el otro personaje que constata una salida “exterior” es el estudiante. En la penumbra de
un calabozo, aparece como una voz más entre los presos: “Se deleitaba en sus dolencias físicas para
olvidar que había visto la luz en un naufragio, que había visto la luz entre cadáveres, que había abierto
los ojos en una escuela sin ventanas, donde al entrar le apagaron la lucecita de la fe y, en cambio, no le
dieron nada: oscuridad, caos, confusión, melancolía astral de castrado” (200). Sin embargo, es el único
que habla de libertad en la cárcel y opone a la desesperanza, la revolución: “-¡Qué es eso de rezar! ¡No
debemos rezar! ¡Tratemos de romper esa puerta y de ir a la revolución!” (202).
El epílogo confirma al estudiante como el polo positivo de la novela, toda vez que logra la libertad. La
narración, no obstante, concluye con la ambivalencia de toda la obra: el Portal del Señor está en ruinas
(en alusión al terremoto de 1917, que marca el inicio del fin de Estrada Cabrera); entre los escombros,
el titiritero Benjamín –cuyo oficio Bajtin destaca como símbolo de automatismo y bufonería- encuentra
su salida interior en la locura, poéticamente descrita por Asturias: “montado en una escoba, a su espalda
Resumo
Nesta comunicação, analisamos o romance-folhetim Filomena Borges1, publicado em 1884, de autoria
de Aluísio Azevedo, escritor brasileiro oitocentista, sob a luz da teoria do romance denominado de segun-
da linha do teórico Mikhail Bakhtin, investigando como o escritor formaliza esteticamente a narrativa, a
partir da carnavalização e da hiperinflação do romantismo.
Abstract
In this paper, we investigated the novel Filomena Borges, published in1884, written by Aluísio Aze-
vedo, a Brazilian novelist from the nineteenth century, using Mikhail Bakhtin’s background about the
second line novel, presenting how the author builds the narrative through carnavlesque strategies of
the romantic values.
1 AZEVEDO, A. Filomena Borges. São Paulo: Livraria Martins Editora, s/d. As demais citações dessa obra se referem a essa edição e serão intituladas por
FB.
2 Boa parte da crítica canônica e tradicional (Antonio Candido, Lucia Miguel Pereira, Nelson Werneck Sodré, Alfredo Bosi, Massaud Moiseés etc) divide a obra
de Aluísio Azevedo em romances de qualidade estética e romances-folhetins de cunho meramente mercadológico, sem valor literário. Nossa perspectiva
é outra, pois acreditamos que tanto Filomena Borges quanto os outros romances-folhetins de Aluísio Azevedo apresentam valor histórico e literário. Essa
discussão sobre o valor é realizada em nosso trabalho de doutoramento, na UFSC, que no presente momento, está na fase de considerações finais.
3 A esse respeito, consultar Umberto Eco em O super-homem de massa (retórica e ideologia no romance popular), 1991, em que o escritor destaca o poder
da “maquinaria envolvente” dos romances-folhetins ou populares. Para Eco, o leitor de romances de aventura deve manter o senso crítico num processo de
distanciamento, mas também pode se deixar envolver: “E portanto se o Corsário Negro chora, ai de quem sorri! Mas ai do estólido que se limita a chorar!
Também desmonta a máquina.” p. 30.
4 Aluísio Azevedo foi intelectual cujas idéias se vinculavam a uma grande gama de ideologias (positivismo, republicanismo, jacobinismo, cientificismo, aboli-
cionismo, anticlericalismo etc). Em virtude dessas componentes ideológicas, pode ser considerado um intelectual progressista burguês que via na linguagem
real-naturalista uma saída para o atraso da sociedade brasileira, atrelada ao romantismo que dava sustentação à Monarquia e sua instituições. O escritor
estava ciente de que o público leitor de suas narrativas apreciava a linguagem romântica e a crítica a condenava. Em prefácio ao romance-folhetim Girândola
de Amores, 1882, explicita o seu projeto ilustrado para as letras que consistia em introduzir a escrita real-naturalista nas narrativas folhetinescas ao gosto
do público a fim de ilustrá-lo e prepará-lo para o grande salto qualitativo que desembocaria no ideário e escrita real-naturalistas. Esse projeto, no entanto,
não se efetiva sem percalços. Essa discussão faz parte de nossa pesquisa em andamento no Programa de Doutorado da UFSC.
Filomena Borges foi classificada, à época de sua publicação, como comédia por Emilio Rouede e levada
ao teatro também como comédia pelo irmão do escritor, Arthur Azevedo. Em Filomena Borges, o discurso
romântico é dessacralizado pelo veio cômico e, nesse sentido, o cerne do universo sério, da esfera oficial,
do discurso monológico embelezador da realidade é atacado. O que está entronizado, oficializado e con-
vencionalizado é mostrado em suas dimensões históricas. Aluísio Azevedo exacerba o romantismo dos
heróis e das situações em que se envolvem, e esse exagero se apresenta como caricatural, revelando-se
crítico. O escritor brasileiro, antes de ser romancista, foi exímio caricaturista em vários periódicos de
renome nacional (O Fígaro, O Mequetrefe, A Semana, Revista Ilustrada etc), criticando pelo veio jocoso
a política econômica-cultural imperial e essa passagem pela caricatura lhe dá base para trabalhar com
o cômico e com a hipérbole que se efetivam em Filomena Borges.
A narrativa apresenta inúmeras desilusões da heroína, pois a cada passo a sua mente intoxicada
pela visão romântica e embelezadora do real entra em contato com outra realidade, menos nobre, mais
chã, corriqueira e prosaica, revelando a contradição existente entre o discurso enobrecedor e os fatos. A
heroína vai se decepcionando ao perceber que todas as peripécias e as aventuras rocambolescas pelas
quais passa não lhe alçam à condição de uma vida extraordinária e feliz, mas a frustam, pois parece que
há um fosso entre o romantismo e a realidade.
A personagem Filomena odeia o Brasil, intoxicada por uma literatura importada cuja linguagem constrói
de modo idealizador e embelezador as cidades européias e seus cidadãos, fazendo com que a realidade
brasileira oitocentista do Rio de Janeiro pareça simplória, sórdida, pequena e chã. Como não encontra em
sua terra natal o que leu nos livros, viaja para se abeberar da realidade idealizada. Ao chegar a Roma,
Veneza, Pompéia, Egito, Índia etc, que conhece via discurso enaltecedor, depara-se com outra realidade
muito diferente e se desilude, occorendo aí a dessacralização da literatura de evasão, enobrecedora e
típica do romantismo. A passagem seguinte atesta a decepção: Qual! Pois aquilo era lá um Nápoles!
Impossível! Bem longe estava de ser o Nápoles que ela queria – o seu rico Nápoles!(...) – Qual Pompéia,
nem qual histórias! Respondeu a mulher, furiosa contra seus poetas e romancistas. Canalhas! Súcia de
empulhadores!,” FB, p.92
A personagem Filomena quer o extraordinário como toda heroína romântica. Além de desejar viver outra
vida diferente da que leva, também não aceita o marido, João Borges, como ele é (simplório, ordinário,
não afeito à civilização ocidental aristocrática, apolítico, burguês pacato, trabalhador), desejando trans-
formá-lo em um ser extraordinário. Ela só pode amá-lo se ele se transformar em um herói romântico.
Filomena Borges é bastante europeizada e opera uma verdadeira metamorfose em João Borges a
fim de que ele adquira também uma cultura de importação. João Borges passa por toda a sorte de peri-
pécias e martírios corporais e mentais a fim de agradar a esposa (passa a beber vinho, a fumar charuto,
a fazer teatro, a ler livros literários da moda, a exercer cargo político, a escrever leis, a estudar línguas
estrangeiras etc). Adquire toda sorte de cultura civilizada e importada. Para o definirmos, poderíamos
dizer dele que se transforma, por força de sua paixão por Filomena, em o antípoda da personagem Po-
licarpo Quaresma, de Lima Barreto, odiando tudo o que é nacional, mas, na realidade, tudo o que quer
é viver no Brasil, na ilha de Paquetá, existindo de modo simples entre os cidadãos simples. Filomena
europeíza o amado, sendo também uma personagem antitética à personagem Rita Baiana de O cortiço
que abrasileira o europeu, a personagem Jerônimo. Todo o processo de metamorfose que se passa no
casal para adquirirem uma cultura de importação é dado a partir de uma linguagem satírica e bem hu-
morada. A relação entre cultura do centro e da periferia é motivo de sátira em Filomena Borges6.
5 AZEVEDO, A. Filomena Borges. São Paulo: Livraria Martins Editora, prefácio de Antonio Candido, p.4 .
6 A questão conflitante de ajustes, filtragens e adaptações entre a cultura do centro e da periferia pode ser encontrada nas clássicas análises de Roberto
Schwarz, Alfredo Bosi, Emilia Viotti da Costa, Maria Sylvia de Melo Franco e Aijaz Ahmad.
7 A esse respeito consultar Lilia Moritz Schwarcz em sua obra As barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos, 1998. Nessa obra, destaca-
se a diferença de atuação política e cultural dos intelectuais palacianos financiados pelo poder imperial e os intelectuais da geração realista ou boêmia da
qual fazia parte Aluísio Azevedo.
Resumo
O texto faz uma discussão crítica da recepção do livro de V.N.Voloshinov – Marxismo e filosofia da
linguagem – no Brasil. Destaca-se um aspecto não considerado nesta recepção: a filiação de Voloshinov
às concepções de linguagem de W. Humboldt.
Abstract
The paper presents a critical discussion of the reception of V.N.Voloshinov´s book – Marxism and the
philosophy of language – in Brazil. It points out an aspect of that book which has not been sufficiently
considered in the reading of that book in Brazil: Voloshinov´s affiliation to W. Humboldt´s conception
of language.
Um dos aspectos mais interessantes da recepção das idéias do Círculo de Bakhtin no Brasil é, certa-
mente, o fato de os leitores terem se deixado seduzir pela retórica de Voloshinov em Marxismo e filosofia
da linguagem.
A crítica que ele desenvolveu, na Segunda Parte do livro, às duas principais tendências do pensa-
mento lingüístico de seu tempo – que ele denominou de ‘objetivismo abstrato’ e ‘subjetivismo idealista’
– foi tomada, entre nós, como juízo condenatório definitivo daquelas tendências. E, como tal, foi sendo,
em paráfrases quase-perfeitas, repetida “ad nauseam”, em teses, dissertações, artigos, comunicações
e conferências.
O que fascina, nesse episódio, é que os leitores acreditaram piamente no jogo retórico de Voloshinov
de que ele havia, de fato, dado todos os argumentos para o descarte das tendências teóricas sistêmicas
ou subjetivistas na lingüística.
E mais: os mesmos leitores acreditaram que, para além do descarte, ele havia produzido uma sín-
tese dialética das duas tendências que seria, então, uma espécie de alvorecer de uma nova era para os
estudos da linguagem.
Certamente, o “marxismo” do título e as artimanhas retóricas do autor (que joga habilmente com o
vocabulário da chamada dialética, ou seja, tese-antítese-síntese) foram uma das causas para a sedução
em grau tão elevado que o texto exerceu em nosso meio acadêmico, meio em que há, desde os anos de
chumbo da década de 1970, uma malfadada identificação implícita entre lingüística formal e pensamento
político de direita.
Em nosso meio, resistir ao regime militar passou pelo elogio de qualquer estudo da linguagem que se
apresentasse como anti-formalista e incluísse o adjetivo social em suas asserções de base. A descoberta
de Voloshinov no fim da década de 1970 – entre outras ondas intelectuais – funcionou como uma pre-
ciosa mão na roda, o que favoreceu a imediata sacralização do seu texto, sacralização que permanece
até hoje.
Tornou-se um texto que só se admite reportar em estilo linear, isto é, mantendo a integralidade da
voz reportada, criando nítidos contornos à sua volta; e jamais em estilo pictórico – aproveitando aqui a
análise do discurso reportado que está na Terceira Parte de Marxismo e filosofia da linguagem.
Em outros termos, aquele texto continua sendo tomado como palavra de autoridade (a cobrar ade-
são incondicional) e jamais como palavra internamente persuasiva – para aproveitar agora a análise de
Bakhtin sobre as nossas relações com a palavra alheia.
Se lemos Voloshinov, contudo, tentando resistir ao encanto de sua retórica, vamos observar alguns
dados peculiares. Por exemplo, a asserção de que ele estaria realizando uma “síntese dialética” das duas
tendências não passa efetivamente de um truque. Ele argutamente elabora sua exposição de modo a
caracterizar uma das tendências como ‘tese’ e a outra como seu contrário. Com esse artifício, o autor
fica à vontade para, num passe de mágica, afirmar que está recusando as duas e superando-as por uma
“síntese dialética”.
Até onde vai meu conhecimento, o único humboldtiano que tentou efetivamente enfrentar a questão
gramatical foi o lingüista brasileiro Carlos Franchi. Ele não só defendia a concepção de linguagem como
atividade constitutiva, mas acreditava ter encontrado, na lógica combinatória e na teoria da funcionali-
dade formulada por Curry e Feys, um caminho promissor para um modelo formal capaz de “dar conta da
‘forma’ de uma atividade” (p. 36) – aspecto para o qual Voloshinov não encontrou solução teórica.
Se, de fato realizável, tal tratamento formal colocaria no horizonte uma perspectiva de superar qua-
litativamente a clássica limitação do pensamento humboldtiano no tratamento da questão gramatical. Aí
sim se poderia dizer que se estava apontando para uma síntese dialética de sistema e atividade.
Franchi, no entanto, manteve-se fiel ao individualismo de base do pensamento humboldtiano. É clás-
sica sua asserção de que a linguagem é antes para a elaboração do que para a comunicação. Ignorou
deliberadamente Voloshinov (personal communication), sob o argumento de que este nada oferecia
em termos formais para a análise da linguagem. Com isso, não aproveitou o que de melhor produziu o
Círculo de Bakhtin, isto é, uma concepção sociológica da atividade lingüística.
Voloshinov adota a concepção de Humboldt de linguagem como atividade, mas muda radicalmente o
eixo de sua articulação ao atribuir-lhe um caráter inerentemente social, em que a interação longe de ser
acessória (como era para Humboldt) é essencial. Desse modo, o trabalho elaborador mental contínuo não
precede a comunicação: é esta que, ao alimentar de signos a consciência e dar-lhe a lógica das relações
dialógicas, torna possível aquele trabalho.
Voloshinov, ao sociologizar a concepção de Humboldt, recupera o poder heurístico daquela filosofia.
Suas coordenadas abrem a possibilidade de se pensar a linguagem como atividade sem subordiná-la,
como fez tanto o idealismo quanto o racionalismo lingüístico, à centralidade do indivíduo.
No entanto, como dissemos acima, Voloshinov, como os humboldtianos em geral, tem dificuldades
para situar em seu quadro teórico a questão do especificamente gramatical. Faz avançar a discussão da
linguagem como atividade, mas deixa mal resolvida a questão da face formal da linguagem.
Bakhtin parece resolver melhor esta questão, pelo menos no plano dos pressupostos gerais. Sua
estratégia foi propor uma divisão de trabalho entre duas disciplinas, argumentando que sentença e
enunciado são fenômenos de naturezas diferentes a exigir análises diferentes.
Seu foco de interesse (como também o de Voloshinov) é o enunciar como uma atividade social in-
trinsecamente dialógica (no sentido amplo do termo) e não como um fato puramente lexicogramatical.
No entanto, se ele nada avança no sentido de uma análise estrutural, nem por isso nega sua relevância
ou reduz o estrutural a um elemento que é sem ser.
Essa divisão de trabalho certamente não agradaria Voloshinov. Dizemos isso considerando suas reite-
radas argumentações, quando discutia os fundamentos de uma poética sociológica, de que, no interior
de um quadro de referência marxista, o estudo das questões humanas devia respeitar necessariamente
o monismo metodológico e o caráter social e histórico dessas questões.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CASSIRER, E. A filosofia das formas simbólicas. I – a linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
FRANCHI, C. Linguagem – atividade constitutiva. Almanaque, 5. São Paulo: Brasiliense, 1977, p. 9-26. Republicado
em Cadernos de estudos lingüísticos, Campinas, (22): 9-39, Jan./Jun. 1992.
VOLOSHINOV, V.N. Marxismo e filosofia da linguagem. 8. Ed. São Paulo: Hucitec, 1997.
WILLIAMS, R. Marxism and literature. Oxford: Oxford University Press, 1977.
UNESP-Assis (SP)-Brasil
Parque Universitário
RESUMO
Sob a perspectiva da interligação das relações temporais e espaciais, o cronotopo, conceituado por
Bakhtin como uma “categoria conteudístico-formal” [...], expressão de indissolubilidade de espaço e de
tempo [...] em que ocorre a fusão dos indícios espaciais e temporais [...].”(BAKHTIN, 1988, p. 211) ,
percorreremos um caminho para o conhecimento dos aspectos intervencionistas dos intelectuais da Ge-
ração de 70 em que a personagem obsedante, Portugal, sob o tema do constitucionalismo e do regime
regenerador, é problematizada em seus aspectos sócio-político-culturais. Por meio de alguns espaços
emblemáticos, as estátuas de Camões, na Praça Camões e a de D.Pedro IV no Rossio, conotando, dia-
leticamente, um momento passado de glória e um momento de decadência da nação portuguesa, Eça
de Queirós consegue nos mostrar em O Crime do Padre Amaro (OCPA), O primo Basílio (PB), A capital
! (CAP) e Os Maias (OM), a proposta literária da Geração de 70.
ABSTRACT
From the setting-time point-of-view, the chronostopos, theorized by Bakhtin as a “formal-content
aspects […], expression of indissolubility of setting and time […] in which occurs he fusion of setting and
timing aspects […].” (BAKHTIN, 1988, p. 211), we will discuss a way to know of the changeable aspects
of 70th generation intelectuals in wich the obsessive character , Portugal, under the constitucionalism and
regenarator theme is questioned on its cultural, social and political points. From some emblematic settings,
as Camões statue at Camões Square and D Pedro IV statue at Rossio, places that show dialletically a past
moment of glory and a present time of decadence of the Portuguese nation, Eça de Queirós demonstrate
to us the 70 Generation´s ideas in Father Amaro´s Crime, Basílio Cousin, The Capital! The Maias,
De todas as interpretações da realidade nacional da geração de 70- e acaso do século e de
sempre [...] – a mais complexa, a mais obsessiva, ardente, fina e ao fim e ao cabo a mais
bem sucedida, por mais adequada transposição mítica, sentido da realidade e criação de
imagens e arquétipos ainda de pé, é sem dúvida a de Eça de Queirós. [...] é um Portugal
realmente presente que ele interroga e que o interpela. [...] e fá-lo, [...] para descobrir, com
mais paixão do que sua ironia de superfície a deixa supor, a face autêntica de uma pátria
que talvez ninguém tenha tão amado e detestado. (LOURENÇO, 1991, p. 95).
Em um dos espaços diegéticos recorrentes na ficção queirosiana, no Rossio, praça situada no centro
da Baixa Pombalina, ergue-se um monumento erguido em 1870, no momento áureo do Cenáculo, da
Geração de 70, de As Farpas (1871-71) de Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão1. uma coluna coríntia
com a figura de D. Pedro IV, uma estátua pedestre, simbolizando mais as virtudes cívicas do rei do que
suas virtudes guerreiras. No cume da coluna, encontra-se D. Pedro IV, de uniforme de general com o
manto, insígnia de realeza e a cabeça coroada de louros. Na mão direita segura a Carta Constitucional,
enquanto a mão esquerda encontra-se apoiada na espada. Na base da estrutura piramidal, em pedra
de lioz, estão sentadas, nos ângulos, as figuras: Prudência, Justiça, Fortaleza e Moderação, valores que,
bem analisados, expressavam exemplarmente a mundividência do constitucionalismo conservador, que
1. Ao concurso, para a escolha do monumento a D. Pedro IV (D. Pedro I, no Brasil) em 1864, concorreram 87 projetos vindos de vários países da Europa. A
comissão optou pelo formato e os vencedores foram os projetos de dois artistas famosos da época Gabriel Davioud e Elias Robert. Teria esta praça alguma
coisa a ver com a sobrevivência do exemplo vintista, período em que o local passou a ser designado, ainda que transitoriamente por “Praça da Constituição”,
e, onde, em 15 de Setembro de 1821, D. João VI lançou a primeira base do monumento em honra de 1820, iniciativa que naturalmente, o absolutismo de
D. Miguel veio a destruir e a bloquear? Em 1851 a praça recebeu o nome de “Praça de D. Pedro IV”. (Cf. CATROGA, 1991, p. 459-460).
No Rossio, o calçamento feito de pedras, com motivo ondeado em preto e branco, em uma referência
às ondas dos mares navegados no período da expansão marítima do séculos XV e XVI, piso este conhecido
por “Mar Largo”, na época, cobrindo quase a totalidade da praça, foi construído em 1848 e possibilitou
ao Rossio tornar-se um excelente local de lazer (Cf. MATOS, 1993, p. 855). Desse piso vem a inspiração
para as calçadas brasileiras, especialmente as da praia de Copacabana no Rio de Janeiro, que, depois,
popularizaram o desenho por todo o Brasil.
Verifica-se que o espaço do Rossio, nos textos de Eça de Queiroz, constitui-se dialeticamente. Neste
espaço/tempo-síntese convivem, de um lado, o piso desenhado pelas ondas que remetem à expansão
marítima, período áureo da dinastia de Avis, momento de poder sócio-político-econômico de Portugal;
por outro lado, o contraste, com a estátua de D. Pedro IV, D. Pedro I, no Brasil, que instituiu de vez a
monarquia constitucional em Portugal em 1834, depois de uma guerra civil com seu irmão, D.Miguel,
apoiado por sua mãe, Carlota Joaquina. Este monumento, o qual remete ao Constitucionalismo, sistema
político implantado em 1834, que, nos textos de Eça, ficção e não ficção, é ironizado e desmoralizado
reiteradamente como sinônimo de decadência do país, numa alusão à dinastia de Bragança e ao mo-
mento contemporâneo de Eça.
Em O Primo Basílio, encontramos este excerto realista, enfatizando a decadência do povo por-
tuguês e o sistema de governo – o constitucionalismo – concretizando-se a decadência pelo conjunto:
Rossio, logradouro central da capital de Lisboa e a estátua de D. Pedro IV, símbolo de um constituciona-
lismo falhado, ambos situados na Baixa Pombalina.
Ao discurso grandiloqüente e oco do conde de Ribamar acerca da realidade portuguesa, Eça contrapõe
o quadro realista do país real, contrastando com o espaço circundante do Largo de Camões.
Tipóias vazias rodavam devagar, pares de senhoras passavam, de cuia, cheia e tacão alto,
com os movimentos derreados, a palidez clorótica duma degeneração de raça; nalguma
magra pileca, ia trotando algum moço de nome histórico, com a face ainda esverdeada da
noitada de vinho; pelos bancos da praça gente estirava-se num torpor de vadiagem; um
carro de bois, aos solavancos sobre as suas rodas, era como símbolo de agriculturas atra-
sadas de séculos; fadistas gingavam, de cigarro nos dentes; algum burguês enfastiado lia
nos cartazes o anúncio de operetas obsoletas; nas faces enfezadas de operários havia como
a personificação das indústrias moribundas [...] E todo este mundo decrépito se movia len-
tamente, sob um céu lustroso de clima rico, entre garotos apregoando a lotaria e a batota
pública, e rapazinho de voz plangente oferecendo o “Jornal das Pequenas Novidades”: e
iam, num vagar madraço, entre o largo onde se erguiam duas fachadas triste de igreja, e o
renque comprido das casarias da praça onde brilhavam três tabuletas de casa de penhores,
negrejavam quatro entradas de taberna, e desembocavam, com um tom sujo de esgoto
aberto, as vielas de todo um bairro de prostituição e de crime. (P.B. p. 369).
Note-se que as três figuras – Padre Amaro, Cônego Dias e Conde de Ribamar – conversam “sob o
frio olhar de bronze do velho poeta e nobre”, rodeado de heróis, a contrastar fortemente no seu retrato
físico e moral, não apenas com aquele quadro decadente de Lisboa, mas também com a pequenez dos
representantes do meio oficial da Regeneração portuguesa.
A ironia enfática do 25º capítulo, final de O Crime do Padre Amaro (3ª versão) está no aspecto dialético
entre o país da ficção e o país da realidade, diante daquela estátua que pretende simbolizar a glória da
pátria que Eça considera perdida, conservada apenas como simples “memória” nos arquivos da Histó-
ria – “[...] – o passado rememorado com vigor pode se transformar em memória mítica.” (HUYSSENS,
2000, p. 69).
Lembra Bakhtin (1988, p. 349) que
Em arte e em literatura, todas as definições espaço-temporais são inseparáveis umas das
outras e são sempre tingidas de um matiz emocional. [...] salta aos olhos o significado
figurativo dos cronotopos. Neles o tempo adquire um caráter sensivelmente concreto [...]
graças justamente à condensação e concretização espaciais dos índices do tempo – tempo
2. O monumento a Camões projetado em 1860 por Vitor Bastos já vinha sendo pensado pelos governantes desde 1817. Em 1862, a pedra fundamental da
estátua foi lançada e esta foi inaugurada em 28-06-1867, um prazo curto, se o compararmos ao arrastar de obras similares. As oito figuras do pedestal são:
o historiador Fernão Lopes, o cosmógrafo Pedro Nunes, o cronista Gomes Eanes de Azurara, os historiadores João de Barros e Fernão de Castanheda e os
poetas do período barroco Vasco Mouzinho de Quevedo, Jerónimo Corte Real e Francisco Sá de Menezes
Ao passarem, Carlos e Ega, pelo monumento a Camões, Eça, tendo talvez presente a celebrações do
tricentenário de Camões em 1880, sublinha a imutabilidade da decadência portuguesa, no uso enfático
das expressões mesmo - “mesma sentinela”, “os mesmos resposteiros vermelhos”, “o mesmo ar miúdo
e deserto”, “as mesmas portas”, no prefixo re-”reentrando”, “reconhecia”; no uso de assim, já e ainda
3. Eça de Queiroz e a Geração de 70 comungavam das idéias de Oliveira Martins expressas em seu livro História de Portugal, no qual considera como “Catás-
trofe” (título de um capítulo) o período da dinastia de Avis , entre os de 1500 e 1580 e como “Decomposição” (título de outro capítulo) o período do domínio
espanhol e da dinastia de Bragança. No capítulo “A Catástrofe”, depois de descrever a derrocada do reino após a batalha de Alcácer-Quibir, comenta: “Acaba-
vam ao mesmo tempo, com a pátria portuguesa, os dois homens – Camões, D. Sebastião – que nas agonias dela tinham encarnado em si e numa quimera,
o plano da ressurreição. Nesse túmulo que encerrava, com os cadáveres do poeta e do rei, o da nação, havia dois epitáfios: um foi o sonho sebastianista;
o outro foi, é, o poema dos Lusíadas. A pátria fugira da Terra para a região aérea da poesia e dos mitos” (p. 69). Provavelmente, sugestionado pela visão
trágica e catastrófica de Oliveira Martins, Antero de Quental (1923, p. 309) escreveu: “Há nações para as quais a Epopéia é ao mesmo tempo o epitáfio”
Wagner FERREIRA-LIMA
RESUMO
Este trabalho examina a contribuição teórica do Construcionismo Social para uma política de identi-
dade na escola que seja mais condizente com a condição pós-moderna. A proposição de uma tal política
implica numa reformulação da noção de self, que ainda se define com base nos postulados da era mo-
derna. O Construcionismo Social desconstroi essa concepção moderna de sujeito e propõe, no lugar, uma
forma sujeito que designamos psicossocial. O novo modelo de self é, assim, mais eficaz na explicação
dos problemas identitários e, por isso mesmo, é mais adequado à formulação de uma política identitária
mais justa e realista para o contexto escolar atual. Destaca-se, na definição do self psicossocial, a crucial
contribuição de M. Bakhtin, que, através do princípio do dialogismo (lingüístico), abre caminho para se
pensar a constituição do sujeito no espaço intersubjetivo; o que é compatível com a linha de pensamento
da corrente sócio-construcionista.
ABSTRACT
This work examines the theoretical contribution of Social Constuctionism regarding an identity policy
in schools which is more suitable to the post-modern condition. The proposal of such policy implies a
reformulation of the notion of self, which is still defined based on the suppositions of the modern era.
Social Constructionism undoes such modern conception of subject and proposes, instead, the so-called
psycho-social subject form. The new model of self is, that way, more efficient in the explanation of identity
problems and, for that reason, is more adequate to the formation of a fairer and more realistic identity
policy to the current school context. In the definition of the psycho-social self, M. Bakhtin’s crucial con-
tribution is emphasized, opening the way for thinking of the subject constitution in an inter-subjective
space through the principle of (linguistic) dialogism, which is compatible with the social-constructionist
line of thought.
0. Introdução
A globalização tem afetado as políticas de identidade em todo mundo. Entretanto, nem sempre tais
políticas dispõem de um aparato teórico adequado para lidar com os problemas sociais decorrentes da
diferença. De um modo geral, essas políticas repousam sobre concepções essencialistas acerca das
pessoas e dos grupos.
Neste particular, o Construcionismo social posiciona-se contrário a essas políticas e defende uma
concepção de subjetividade antiessencialista, orientada não só pelo reconhecimento da diferença, como
também pela importância capital da alteridade na constituição do self e dos grupos culturais.
Tomando-se como objeto dessa comunicação o tema da “constituição do self pós-moderno”, propomos
demonstrar o modo pelo qual o Construcionismo constrói, ao lado dos sujeitos egóico e epistêmico, das
psicologias clássica e cognitiva respectivamente, um sujeito psicossocial. Na medida em que pressupõe,
como fundamento, a coexistência dos seres, tal empreendimento trava conhecimento com o princípio
do dialogismo de M. Bakhtin.
Essa crença está, por assim dizer, na base dos fenômenos sociais negativos, como os preconceitos,
o racismo, a discriminação, os conflitos étnicos etc. Historicamente, é responsável pelas exclusões e in-
justiças sociais em todo o mundo, influenciando, assim, as políticas de identidade até os dias de hoje.
2. O Construcionismo social e o problema do self
O Construcionismo social faz parte de uma visão de mundo mais ampla denominada Pós-modernidade.
Segundo M. Spink (1999), a perspectiva construcionista “é resultante de três movimentos: na Filosofia,
como uma reação ao representacionismo; na Sociologia do Conhecimento, como uma desconstrução da
retórica da verdade; e na Política, como uma busca de empowerment de grupos socialmente margina-
lizados” (p. 23).
O Construcionismo define-se, assim, como um novo paradigma epistemológico que se contrapõe ao
modelo tradicional baseado nos pressupostos do discurso da Modernidade. Dentre tais pressupostos,
destaca-se a concepção do self encapsulado. O fato de o sócio-construcionismo combater a visão essen-
cialista do si mesmo repousa não apenas na constatação de que essa crença moderna é ontologicamente
incorreta, mas também nos testemunhos históricos de que, politicamente, traz conseqüências funestas
à sociedade.
Do ponto de vista ontológico, reduzir o self a um ser racional ou a um sistema psicológico auto-sufi-
ciente, em uma palavra, a um ser em si, significa em outros termos considerar o solipcismo como uma
característica inerente ao ser humano, o que está longe de corresponder aos fatos.
Na realidade, o homem é um ser coexistencial. Ele existe em meio a uma trama de sentidos que o liga
a outros seres, pessoas ou coisas (concretas ou abstratas) do seu meio ambiente. Esse liame de sentidos
é o mundo, de modo que o homem está nele, e não fora dele. O sujeito se acha, assim, mergulhado
num universo sociocultural que confere sentido à sua existência e por cuja organização ele também é
diretamente responsável.
Ao determinar a centralidade do self, colocando-o no mundo como um mero espectador dos fenô-
1 O termo “self encapsulado” é um neologismo usado por Goolishian et Anderson no texto descriminado nas referências bibliográficas abaixo.
2 O grifo é nosso.
Isso quer dizer que as vozes de outrora, que dão um sentido histórico à existência dos selves, são
ressignificadas ou orientadas à luz das vozes atuais envolvidas na enunciação presente. O contexto
de enunciação orienta, assim, os sentidos que vamos dar às nossas narrativas. A resposta à pergunta
sobre quem somos? depende, deste modo, do contexto de interação verbal em que se encontram as
pessoas.
É dentro desses contextos que é possível a construção de narrativas coerentes em torno de eixos
comuns, como, por exemplo, na seguinte narrativa: “sou fulana de tal, nascida no interior do Rio Gran-
de do Sul, filha de gaúchos, antropóloga, vivendo em Campinas, cursando Mestrado e pretendendo dar
continuidade à carreira acadêmica, investindo num futuro curso de Doutorado...” A mesma pessoa, num
outro contexto dialógico, com a presença de outro(s) interlocutor(es), pode elaborar uma narrativa sobre
si mesma, tão coerente quanto a anterior, a saber: “sou fulana de tal, loira, olhos verdes, sobrancelha
fina, solteira, católica não praticante, tenho uma sobrinha maravilhosa, gosto de ser diferente, curto
modo alternativa, estou à busca da felicidade e de um amor ideal...”³
As informações contidas nessas narrativas implicam valores e avaliações sociais emanantes de vozes
passadas, que fizeram e fazem parte da trajetória social da referida personagem, mas são ajustadas
ao contexto enunciativo. O conteúdo e a forma dessas narrativas são, assim, orientados pelo contexto
argumentativo que se configura no momento do diálogo.
A reflexividade da voz do “outro”, co-presente no processo de interação verbal, é, por outro lado,
primordial também para a redefinição dos contextos. Como já antecipamos acima, a única maneira de
os selves verem-se a si mesmos é verem-se através dos olhos dos demais.
Heinz von Foerster, professor de Biofísica da Universidade de Illinois, relata um episódio verídico viven-
ciado por um amigo, Viktor Frankl, ao final da Segunda Guerra Mundial, o qual ilustra bem tal afirmação
e o qual reproduzimos a íntegra:
[...] em Viena, vivia um casal cujos componentes vinham de dois campos de concentração
diferentes; ambos tinham conseguido sobreviver e reencontraram-se nessa cidade. Passa-
ram juntos uns seis meses, e a esposa morreu de uma enfermidade contraída no campo
de concentração. O marido ficou desolado. Passava o dia inteiro em sua casa sem querer
sair, deixou de responder àqueles que tentavam consolá-lo, e diziam-lhe: “Pensa o que teria
acontecido se ela tivesse morrido antes do reencontro!”, mas ele não reagia. Finalmente
alguém o convenceu a ir pedir ajuda a Viktor Frankl.
3 Esses exemplos foram extraídos do texto “Produção de sentidos no cotidiano: uma abordagem teórico-metodológica para a análise das práticas discursivas”.
In: SPINK, M. J. Práticas discursivas e produção de sentidos no cotidiano. São Paulo: Cortez, 1999, p. 56.
Esse relato ilustra a função da reflexividade inerente à interação social na redefinição dos contextos.
A conversa que o doutor Viktor Frankl teve com o cliente transformou o contexto em que se encontrava
este. O doutor fê-lo ver que ele era o único responsável pela sua depressão; redefinindo, por assim
dizer, a sua condição.
Esses exemplos demonstram que os seres humanos são geradores perpétuos de novas descrições e
narrações, mais do que seres que se possam descrever de maneira precisa e fixa, como fazem crer as
reduções idealista e fisicalista do self. Em conformidade com Bakhtin, o Construcionismo defende que a
natureza do self e a de nossas subjetividades são fenômenos intersubjetivos, dialógicos e interacionais.
Nas palavras de Goolishian et Anderson, os selves erigem como
O produto de narrarmos histórias uns aos outros e a nós mesmos acerca de nós, e as que
outros narram para nós e sobre nós. A cambiante rede de narrativas é produto de intercâmbio
e práticas sociais, do diálogo e da conversação. Para esta visão pós-moderna, não somos
mais que co-autores das identidades que construímos narrativamente. Somos sempre tantos
selves, tanto si mesmos potenciais quanto aqueles que estão contidos nas conversações dos
narradores criativos.(Goolishian et Anderson, 1996, p. 195)
Deste modo, incluir os excluídos na sociedade significa, em grande parte, mudar a “teoria” que eles
têm de si mesmos, ressignificando os conteúdos culturais autóctones e levando-os a produção de novas
narrativas sobre eles a respeito de novos contextos interacionais, onde os mesmos possam funcionar
como personagens protagonistas. Uma prática como tal precisa, primeiramente, questionar a crença da
noção unitária, fechada, independente e essencial do self.
5. Considerações finais
A comunicação que ora apresentamos permite-nos extrair algumas conclusões básicas, que podem
nortear futuras pesquisas sobre o self.
Primeiro, o self não é uma “coisa”, como o é um objeto natural, mas um “ente em construção”, pas-
sível de ser apreendido não por meio de uma redução descendente positivista, senão apenas por meio
de um processo histórico e hermenêutico.
Segundo, o self, por outro lado, não pode ser concebido como uma estrutura cognitiva transcenden-
tal, extraída do mundo material e histórico em que existe, como fazem as correntes idealistas. Tanto
no primeiro, quanto no segundo caso, o self é compreendido como uma essência psicológica ou trans-
cendental.
Terceiro, do ponto de vista ontológico, é mais razoável concebermos o self como um ser inserido no
mundo. Não como “espectador”, mas como “construtor” da realidade extrapessoal e intra-pessoal. Nesse
processo existencial, ele não se acha sozinho mas em companhia de “outros” seres, iguais a ou diferentes
dele. Tal coexistência abre o self para a alteridade, esta própria sendo a condição ontológica primordial
para a autocontemplação do self, via reflexividade.
Quarto, a constituição do self pressupõe a existência de uma variedade de contextos de interação
verbal, ou diálogos, em cujos interiores os indivíduos se situam no mundo, assumindo, por isso mesmo,
identidades várias.
Por fim, tais características, fornecidas pelos autores construcionistas, incluindo o próprio Bakhtin,
permite a postulação do self psicossocial. Uma forma sujeito que aspira a práxis em vez do conhecimento
verdadeiro. Essa forma sujeito é mais condizente com as políticas de identidade do mundo pós-moderno,
marcado pela tensão entre o reconhecimento do múltiplo e do diferente, por um lado, e a necessidade
da eqüidade sociocultural, por outro.
Referências bibliográficas
FOERSTER, H. von. “Visão e conhecimento: disfunções de segunda ordem”. In: SCHNITMAN, D. F. (Org.). Novos Para-
digmas, Cultura e Subjetividade. Trad.: Jussara Haubert Rodrigues. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. pp. 59-74.
ÍÑIGUEZ, L. et alii. “La construcción de la memoria y del olvido: aproximaciones y alejamientos a la Guerra Civil
Española. In: PÁEZ, D. et alii. Memorias Colectivas de Procesos Culturales y Políticos. Bilbao: Argitalpen Zerbitzua,
1998. pp. 265-285.
LURIA, A. R. Pensamento e Linguagem. Trad.: Diana Myriam Lichtenstein e Mário Corso. Porto Alegre: Artes Médicas,
1987.
Textos chave
BAKHTIN, M. Estética da Criação Verbal. Trad.: Maria Ermantina Galvão Pereira.
São Paulo: Martins Fontes, 1997.
DUVEEN, G. “Crianças enquanto atores sociais: as representações sociais em
desenvolvimento”. In: GUARESCHI, P. A. et JOVCHELOVITCH, S. (Orgs.). Textos
em Representações Sociais. 4ª ed. Petrópolis: Vozes, 1998. pp. 261-293.
GOOLISHIAN, H. A. et ANDERSON, H. “Narrativa e self: alguns dilemas pós-mo-
dernos da psicoterapia”. In: SCHNITMAN, D. F. (Org.). Novos Paradigmas, Cultura
e Subjetividade. Trad.: Jussara Haubert Rodrigues. Porto Alegre: Artes Médicas,
1996. pp. 191-199.
WILEY, N. O Self Semiótico. Trad.: Luiz Paulo Rouanet. São Paulo: Edições
Loyola, 1996.
RESUMO
Neste estudo, objetiva-se analisar a estrutura polifônica e alguns aspectos do grotesco no romance
Crônica da casa assassinada (1959), do escritor Lúcio Cardoso. Tendo por base a obra Questões de li-
teratura e estética (a teoria do romance), de Mikhail Bakhin, buscar-se-á discutir como Lúcio Cardoso
recorre, simultaneamente, aos recursos plurivocais, pluriestilísticos e plurilingüísticos na composição
da obra – este será um dos aspectos formais melhor realizado do romance. Quanto aos elementos do
grotesco, serão abordados a partir da perspectiva bakhtiniana presente n’ A cultura popular na idade
média (o contexto de François Rabelais). No entanto, há que se ressaltar que o grotesco, no contexto
do romance, perdeu sua força edificante e positiva, mantendo apenas seus aspectos destrutivos, visto
que não há a possibilidade de qualquer renascimento ou revitalização, ao contrário, a obra aponta para
os estertores finais de uma família e da classe social a que ela pertence.
ABSTRACT
This study aims at analyzing the polyphonic structure and some aspects of the grotesque in the novel
Crônica da casa assassinada (1959), written by Lúcio Cardoso. Based on Mikhail Bakhtin’s Questões de
literatura e estética (a teoria do romance), it is intended to discuss how Lúcio Cardoso recurs, simulta-
neously, to the plurivocal, pluristylistic and plurilinguistic resources when composing the work, being one
of the formal aspect best accomplished in the novel. Also, some elements of the grotesque occurring in
Crônica da casa assassinada will be discussed from a bakhtinian perspective taking place in A cultura
popular na idade media (o contexto de François Rabelais). However, it has to be emphasized that the
grotesque, in the context of the novel, lost its edifying and positive aspect, keeping only its destructive
aspects, since there is no positive aspects that imply any rebirth or revitalization, but, to the contrary,
the work points to the final sighs of a family and its social class.
1 BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e estética: a teoria do romance. São Paulo: HUCITEC, 1988, p.74-5.
A estratégia inovadora do romance Crônica da casa assassinada não reside na utilização de alguns
desses recursos apontados por Bakhtin, visto que isso já vem sendo feito desde o século XIX, mas em se
valer, simultaneamente, de quase todos eles e, ao mesmo tempo, tentar adequar o recurso escolhido ao
perfil e aos propósitos das personagens, em sintonia com suas perspectivas de mundo e estados emo-
cionais. Ao depreender-se a intenção de Lúcio Cardoso – de ajustar os escritos às ideologias e processos
mentais das múltiplas vozes que se imbricam na composição do romance –, percebe-se o empenho no
trabalho estético que demandou sua composição. Entretanto, o autor não consegue, efetivamente, criar
estilos narrativos distintos, que se coadunem com as diferentes vozes que compõem o romance.
A questão do tempo, na Crônica da casa assassinada, é problemática, não por causa da complexidade
da composição e sim porque Lúcio Cardoso nem sempre retoma todos os fios da narrativa. Às vezes, fica
a impressão de que faltou arrematar a tessitura do romance, como se alguns fios narrativos estivessem
soltos ou esgarçados.
O diário de André, por exemplo, é escrito no tempo presente ou no passado imperfeito, por um nar-
rador adolescente. Nas partes narradas no presente ele está atordoado pela morte de Nina – sua amante
e suposta mãe – e, no passado, pelo desejo e pelo peso do incesto. Entretanto, em determinados mo-
mentos, a narrativa adquire um distanciamento e uma capacidade reflexiva que não condizem nem com
o diário de um adolescente em crise, nem com a falta de distanciamento entre o vivenciado e o escrito.
Não há indicadores que permitam ao leitor concluir que as memórias se entremeiam ao diário, o que
permitiria essa reflexão distanciada entre o vivido e o lembrado.
Pernas rijas - disse - e músculos novos. E de repente, com os lábios apertados, vibrou-me
uma pancada forte sobre as pernas, (...) Muitos anos mais tarde, ao lembrar-me desse
gesto, sentiria na carne um gosto fremente e voluptuoso – e não raras outras, sem conter
a sensualidade atuante no meu ser, era sob a forma brusca e crispada de uma vergasta que
ela surgira, como se um eco longínquo, vindo da infância, repetisse o gosto acre de sua
extraordinária descoberta3.
É pertinente a associação entre prazer e dor que se mescla, na fantasia do adolescente André, à
iniciação sexual. O corpo, de acordo com Bergson, é:
no conjunto do mundo material, uma imagem que atua como as outras imagens, recebendo
e devolvendo movimento, com a única diferença, talvez, de que meu corpo parece escolher,
em uma certa medida, a maneira de devolver o que recebe. (...) Pode-se dizer que meu
corpo é matéria ou que ele é imagem, pouco importa a palavra. Se é matéria, ele faz parte
do mundo material, e o mundo material, conseqüentemente, existe em torno dele e fora
dele. Se é imagem, essa imagem só poderá oferecer o que se tiver posto nela, e já que ela
é, por hipótese, a imagem de meu corpo apenas, seria absurdo querer extrair daí a imagem
de todo o universo4.
A lembrança física da pancada como uma fonte de reminiscências associadas ao desejo e ao prazer,
está muito bem construída. O problema está na estrutura temporal da narrativa. Como pode um adoles-
cente, no presente, ao transcrever no seu diário esta associação, analisar os desdobramentos que essa
sensação terá ao longo de toda a sua vida? Esse tipo de reminiscência seria, estilisticamente, mais ade-
quado a um livro de memórias e não a um diário. Não há indicações que possibilitem ao leitor depreender
que, ao diário de André, se entremeiam reminiscências posteriores, escritas em forma de memória; ao
contrário, as dez partes que compõem os seus escritos, são todas intituladas diários.
As formas narrativas às quais recorre Lúcio Cardoso fazem parte da tradição romanesca de se imiscuir
e transitar em várias áreas do discurso, incorporando, de forma simultânea, diversos recursos disponí-
veis à composição em prosa, numa mescla de diferentes gêneros narrativos. Essa mescla faz com que
as partes do romance pareçam ter sido organizadas de forma acidental. É como se alguém, ao remexer
um baú, encontrasse uma série de textos que, embora escritos por “autores” diferentes, compusessem
uma fascinante e escabrosa história, como, de fato, podem ser as histórias da decadente aristocracia
rural mineira, recheadas de casos de incestos, crimes passionais e toda uma gama de transgressões,
Todas as cinqüenta e seis partes do romance, narradas em primeira pessoa, não têm um fio condutor
que as interligue. Há, apenas, anotações à margem de alguns dos textos, feitas por um “organizador
anônimo” que – muitos anos depois dos fatos terem ocorrido e de os diários, cartas, etc., terem sido
escritos – compila-os, toma os depoimentos de várias personagens, sem, no entanto, indicar as razões
que o levam a empreender semelhante tarefa.
A ordem dos segmentos tenta recompor as narrativas e, percebe-se aos poucos, que esse
desconhecido editor organizou-as e provocou os depoimentos. (...) A marca desse compi-
lador se deixa surpreender em vários níveis, desde o ato de interlocução do farmacêutico e
do médico em seus relatos até o último segmento, fundamental para o desvendamento de
grande parte do mistério de Nina8.
5 Guimarães Rosa, a propósito dessa temática, afirma no texto “Minas Gerais” (In: Ave palavra. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985, p. 173): “de Minas
Gerais, tudo é possível. Viram como é de lá que mais se noticiam as coisas sensacionais ou esdrúxulas, ou fenômenos? O diabo aparece regularmente,
homens e mulheres mudam antagonicamente de sexo (...), aparições meteóricas, tudo o que aberra e espanta.” Descontado o propósito do autor de corro-
borar para a consolidação da mítica sobre a mineiridade, há, nas regiões mais antigas da Serra da Mantiqueira, onde se situa geograficamente o romance
de Lúcio Cardoso, famílias muito antigas e tradicionais que, ao entrarem em franco processo de decadência, passam a agir de forma tão fechada e doentia
que acabam num patológico processo de auto-devoração e transgressão social.
6 CARDOSO, Lúcio apud CUNHA, Fausto. Ficção e confissão. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1970, p. 71-2.
7 BAYNER, Sônia. “A construção narrativa: uma gigantesca espiral colorida”. In: CARELLI, Mário. (org). Crônica da casa assassinada: Lúcio Cardoso. 2. ed.
São Paulo: ALLCA, 1996, p. 722.
8 Id. ibid., p. 719.
9 BERGSON, Henri. Op. cit., p. 110.
10 José de Alencar recorreu amplamente a este expediente. Nos romances O Guarani, Minas de Prata, A Viuvinha, Lucíola, Cinco minutos há sempre uma
introdução que justifica a existência da história. São sempre cartas recebidas de amigos, velhos manuscritos perdidos, confissões, etc., e objetivam criar
nos (as ) leitores(as) a ilusão de realidade, muito ao gosto dos folhetins românticos.
11 BRAYNER, Sônia. Op. cit., p. 719.
É marcante, na Crônica, como os últimos representantes da família Menezes, cada um a seu modo, são
caricaturas grotescas daquilo que eles se imaginam ser: especialmente Demétrio e Timóteo. No entanto,
não há neles qualquer resquício de positividade que, através do riso e da zombaria, possa resgatá-los
da ruína definitiva que se abateu sobre a família. Após o velório de Nina – pivô de uma decadência que
se arrasta há décadas – não há qualquer possibilidade de reestruturação. Perdeu-se, definitivamente, a
positividade, implícita à morte, “sempre relacionada ao renascimento. (...) Nascimento-morte e morte-
nascimento (...) [enquanto] as fases constitutivas da própria vida”13. Esta perda absoluta de qualquer
traço de positividade que, até o final do século XIX, ainda se mantinha, tem que ser buscada nas con-
tingências históricas e sociais nas quais o autor insere as personagens.
Demétrio – o primogênito e o mais alienado e desesperado dos Meneses – não consegue ter uma
noção exata da desagregação da família, nem das mudanças socioeconômicas ocorridas à sua volta.
Ele se sente um baluarte da aristocracia rural mineira, cujo brasão seria uma casa arruinada e as terras
perdidas. Sem esses sustentáculos, essa “nobreza caipira” fica reduzida a um grupo de pernósticos e
empulhados, cujas atitudes e valores obsoletos os expõe ao ridículo.
A casa Meneses que, no passado, fora uma referência social, torna-se um sítio exótico e folclórico,
objeto da curiosidade, da maledicência e do escárnio provinciano. As narrativas do farmacêutico e do
médico sintetizam a opinião popular e a visão distanciada que se tem dos donos da Chácara. A irreve-
rência e o prazer com que a população os difama é mais um dos sintomas de que o tempo no qual eles
vivem, o respeito e o donaire que eles se arrogam, não existem mais a não ser em suas fantasias de
grandeza.
A análise de Raymundo Faoro sobre os vícios do início da formação do Estado brasileiro e que, segundo
ele, se arrastam até hoje, ajuda a elucidar a situação socioeconômica que serve de suporte sociológico
à composição da Crônica. Faoro atribui ao excesso de interferência do Estado nos setores produtivos as
causas que, no século XIX, provocaram a bancarrota da aristocracia rural brasileira.
A crise, atingindo a nobreza, fere todo o reino, sobre o qual incrusta suas unhas envenenadas.
Nem o açúcar do Brasil, nem o escravo africano, nem o ouro de Minas Gerais - nada salvará
este mundo condenado à mansa agonia de muitos séculos. A doença - ‘doença modelar, da
qual até hoje não conseguiu erguer-se.’(...) Ela não mata, mas paralisa14.
Demétrio – por ser o primogênito, portanto o responsável pela continuidade do nome e da família – é
quem mais se ressente do desprestígio que se abateu sobre ela. Ele é uma personagem paradoxal e de
difícil configuração. Enquanto estratégia narrativa, é importante ressaltar, ele é a personagem central,
para a qual convergem todos os dramas, contudo, é a única que não deixa registro escrito. Seu perfil se
configura através dos textos dos outros e ele é o símbolo de um ser massacrado pelo papel social que
lhe é legado por herança.
Demétrio prima pela contradição. Seu perfil de senhor patriarcal, sua frieza e arrogância, sua cons-
ciência da importância do nome, descritos por todos que a ele se reportam, constrói a síntese do que
seria um “nobre brasileiro”. Entretanto, o Barão, modelo da “nobreza” almejada, não apresenta nenhum
traço do comportamento por ele cultivado. Ao contrário, ajusta-se bem à caricatura grotesca de alguém
a dessorar a comida que ingere ininterruptamente. Ele sintetiza “o exagero do negativo (...) até aos
limites do impossível e do monstruoso”15.
Um olhar de português rude e disposto a uma chalaça brutal. (...) E todo ele já começava
a dessorar essa coisa açucarada que lhe banhava o rosto e que lhe emprestava um aspecto
repugnante, de um presunto untado, como se por todos os poros lhe filtrasse a essência dos
alimentos que ingeria laboriosamente e constantemente (p.417-18).
O Barão não apenas destoa dos valores sociais e comportamentais cultivados pelos Meneses, como
também faz parte daqueles que se adaptaram à nova ordem social. No entanto, ele é apenas mais um
entre “todos os tipos ‘profissionais’de advogados, mercadores, alcoviteiras, velhos e velhas, etc., simples
máscaras de um realismo falsificado e degenerado”16. O grotesco de que o autor se vale para descrever
12 BAKHTIN. Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo: HUCITEC, 1987, p. 21.
13 Id. Ibid., p. 44.
14 FAORO, Raymundo. Os donos do poder: a formação do patronato brasileiro. 11. ed. São Paulo: Globo, 1997, p. 83.
15 BAKHTIN, Mikail. A cultura popular na Idade Metia e no Renascimento, p. 267.
16 Id. Ibid., p. p. 46.
Neste jogo, entre o que esconder e o que apregoar do passado, os Meneses se perdem, não apenas
porque as marcas desse passado são evidentes, mas também porque Maria Sinhá ressurge às avessas
na figura de Timóteo. Ela, que encarnara as glórias perdidas, é também o elemento que inicia o processo
de degradação da família. É sintomático que o ancestral mais viril, poderoso e cruel da família seja uma
mulher e que, neste mundo misógeno, a feminilidade seja encarnada no caricaturesco Timóteo. Maria
Sinhá representa a raiz do mundo às avessas, do não ser que, com o tempo, solapará ética e moralmente
os alicerces da família. De acordo com Kathrin Rosenfield,
a dimensão negativa é representada na antiguidade pela categoria dos deuses subterrâneos.
As figuras do avesso - daimones da destruição e da anulação - não são apenas contrários,
mas complementares às divindades ctônicas vitais e positivas. (...) Os senhores das esfe-
ras obscuras, os guerreiros insaciáveis de combate e destruição aparecem freqüentemente
associados aos seus antagônicos18.
Maria Sinhá, como um daimone, planta na família o germe da destruição e da anulação. Tanto é assim
que, imediatamente após sua morte, tem início a bancarrota dos Meneses. Como não há no romance
nenhuma personagem revitalizadora para se opor à força destrutiva de Timóteo - ao contrário, Nina vem
acentuar esse desequilíbrio, aliando-se ao cunhado - estas forças sairão vencedoras. Timóteo identifica
em Nina o instrumento de sua vingança para destruir a família.
Desde o primeiro minuto senti que ela era um desses seres insubstituíveis, com uma força
ativa e transcendente, que nos aconteceu como um pé-de-vento nos apanha na extensão da
noite. Que carnalmente fosse ela, e tivesse um nome, e viesse trazida pela mão de outro -
que tangida pelas próprias leis internas não demorasse nunca - que importava tudo isto? São
estes, precisamente , os seres que em qualquer sentido não demoram nunca. E a verdade
é que encarnava para mim, de modo completo, o ser que desde há muito eu esperava. (...)
logo à primeira vista, com esse faro especial de que são dotadas certas vítimas, os Meneses
souberam que se achavam diante de uma espécie de anjo exterminador. (p. 409).
Timóteo reconhece Nina porque eles são da mesma natureza e estão predestinados a concluírem
a destruição da família, iniciada por Maria Sinhá. Como um daimone, ele encarna por sua condição
aberrante de homem-mulher, a contracara, a face obscura de sua ancestral. Nina é um ser totalmente
amoral, flutuando num mundo sem princípios, sem nenhuma espécie de valor ou objetivo que não se-
jam a satisfação de suas vaidades e seus prazeres. Não é por acaso que, quando Valdo a conhece, ela
fora perdida por seu pai em um jogo de cartas com um velho amigo da família a quem ela explorará
impiedosamente durante toda a vida. Se vista como um daimone da antiguidade ou, ainda, como o mal,
como “quebra de uma ordem sempre imperfeita, sempre inacabada: irrupção que pode abalar o que
existe”19, como postula Schelling, Nina é a igual que Timóteo reconhece e à qual procura juntar forças
para, destruindo os Meneses, interromper o elo entre o passado e o futuro. Ele se acredita investido
17 Id. Ibid., p. 19.
18 RONSENFIELD, Kathrin. Os descaminhos do demo: tradição e ruptura em Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Imago, 1993, p. 176-8.
19 ROSENFIELD. Denis. Do mal: como introduzir em filosofia o conceito de mal. Porto Alegre: L&PM, 1988, p. 77.
É através do olhar de Valdo que se percebe o quão estarrecedora é a figura de Timóteo e como ele,
propositalmente, visa, com sua figura hedionda, afrontar toda a empáfia de Demétrio e revelar para a
sociedade quem são, de fato, os Meneses, e as ignomínias que as paredes da casa escondem. Ele encarna
“a caricatura, mas levada ao extremo do fantástico (...).O exagero negativo (o que não deveria ser) até
aos limites do impossível e do monstruoso”21, enfim, “a propriedade essencial do grotesco”22.
Outro aspecto grotesco da Crônica é a cena – na sala onde o cadáver de Nina está sendo velado,
ante os olhos do Barão, que come empadinhas, e de toda a sociedade – na qual Demétrio, em um gesto
tresloucado, começa a espalhar os pertences de Nina , o que faz com Valdo lute com ele.
Naquele momento não éramos dois irmãos, mas dois seres desconhecidos combatendo
pela posse de uma zona vital.(...) Alguma coisa devia realmente estar rompida, para que
os Meneses assim se digladiassem diante de tantos olhares estranhos - e esforçando-me
para abatê-lo, dizia comigo mesmo, nessa lucidez e nessa pressa dos momentos extremos,
que não era eu quem ali representava o papel mais extraordinário, mas ele, o outro, aquele
homem que inesperadamente deixara vir à tona o eu que se esforçara por esconder durante
a vida inteira. (p. 419-20).
Consuma-se, ante o Barão e toda a sociedade, o desmantelar da família. A morte de Nina confirma o
que todos já sabiam: que a casa Meneses está minada e a família destruída. A materialização da morte,
presente no cadáver, acentua a consciência humana da concretude do memento mori, que paira como
advertência permanente sobre o tempo do calendário e do relógio. Após o confronto entre os irmãos e
o enterro de Nina, Valdo e “seu filho” André, cada um por si, deixaram a casa para sempre. Timóteo,
obeso e alucinado, sofre um derrame cerebral e a narrativa não volta a tratar de Demétrio. Valdo reme-
mora, muitos anos mais tarde, a importância deste dia. O velório de Nina converte-se em um charivari
familiar e os Meneses e sua reservada casa tornam-se alvo do escárnio público. O final da Crônica da
casa assassinada provoca em Valdo uma sensação de pesadelo que se aproxima do pesadelo do usurpa-
dor – personagem de Rabelais. De acordo com Bakhin, “em todas as épocas do passado existiu a praça
pública cheia de uma multidão a rir, aquela que o Usurpador via no seu pesadelo: Embaixo a multidão
agitava-se na praça/ E, rindo, apontava-me com o dedo; E eu, tinha vergonha e tinha medo”23.
Depreende-se, portanto, que a forma polifônica e o grotesco demolidor – sem qualquer vestígio de po-
sitividade e renovação – são dois aspectos relevantes na composição da Crônica da casa assassinada.
20 CHEVALIER, Jean e GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos: mitos, sonhos, costumes, gostos, gestos, formas, figuras, cores, números. 10. ed. Rio
de Janeiro: José Olympio, 1996, p. 906.
21 BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento. p. 267.
22 Id. Ibid., p. 267.
23 Id. Ibid., p. 419.
Ao iniciar esta apresentação considero importante explicitar o lugar de onde falo. Sou uma pesquisa-
dora da área da educação e todo meu trabalho acadêmico é produzido na interlocução entre a Psicologia
e a Linguagem, por acreditar, que é no diálogo entre esses dois campos do conhecimento, que ambos
se completam. Tenho também a preocupação, em meu esforço de pesquisa, de assinalar como a pers-
pectiva sócio-histórica pode representar um caminho significativo para uma forma outra de produzir
conhecimento no campo das ciências humanas.
Nesse texto2 pretendo refletir sobre as implicações do pensamento de Bakhtin para a pesquisa nas
ciências humanas no que se refere tanto às características processuais e éticas, quanto aos instrumentos
metodológicos como a observação e a entrevista, concretizando esses aspectos com algumas indicações
sobre o trabalho investigativo que tenho desenvolvido. Enfim, procuro compreender a partir da pers-
pectiva bakhtiniana como a pesquisa nas ciências humanas pode ser pensada como um encontro entre
sujeitos.
Bakhtin não é um autor que tenha se dedicado especialmente à pesquisa tornando-se um metodó-
logo. Suas contribuições ao tema estão presentes no todo de sua obra que tem como conceito central o
dialogismo. Sua teoria se organiza como uma arquitetônica alicerçada no diálogo a partir do qual todos
os seus textos se interpenetram, o mesmo acontecendo com seus conceitos. Esses se constituem como
verdadeiras mônadas, um guardando em seu interior o outro. Impossível falar de um sem remeter ao
outro. Nessa intertextualidade, nesse diálogo constante entre textos e conceitos é que se encontram
suas reflexões sobre a pesquisa nas ciências humanas. È num texto pequeno, mas denso, escrito já em
seus últimos anos de vida ”Observações sobre a epistemologia das ciências humanas” que Bakhtin(1992)
aborda especificamente a questão. Mas outras reflexões se evidenciam ao longo de sua obra presentes
em diversos textos seus e do Círculo de Bakhtin.3 Considerando que a crise de paradigmas, no dizer de
Marcondes (1994), caracteriza-se como uma mudança conceitual ou como uma mudança de visão de
mundo resultante de uma insatisfação com os modelos explicativos anteriormente predominantes, atre-
vo-me a dizer, que Bakhtin inaugura um novo paradigma de pesquisa para as ciências humanas. Este
autor, sempre se preocupou em criticar em diferentes disciplinas, as visões dicotômicas e fragmentárias
opondo a elas uma visão integradora. É o que faz em relação à linguística de seu tempo, que não o sa-
tisfaz, por valorizar na linguagem apenas os sistemas abstratos de normas ou a expressão monológica
isolada, privilegiando de um lado a objetividade de um sistema lingüístico abstrato e inerte e de outro
a língua enquanto criação individual.Procura a superação dessas posições fragmentárias considerando
que “a interação verbal é a realidade fundamental da língua” (Bakhtin/Volochinov,1988,p.30) e constrói
assim o que chamou de uma metalingüística. Também diante da psicologia critica o subjetivismo e o
objetivismo, que isola aspectos internos e externos, privilegiando ora o fisiológico, ora a vivência interior,
propondo como alternativa uma psicologia de base sociológica na qual considera a consciência indivi-
dual como um fato sócio-ideológico. Concebe assim, que o psiquismo se situa num entrelugar: entre o
organismo e o mundo exterior e a forma de mediar a relação entre os dois se materializa nos signos, na
linguagem. Em relação à pesquisa, continua nesta perspectiva, criticando os paradigmas hegemônicos
de seu tempo, que numa preocupação com a cientificidade das ciências humanas acabam por delas
expulsar o homem, tornando-as deshumanas. Esta sua crítica é dirigida principalmente ao paradigma
positivista que em sua convicção de que a realidade é objetiva e apreensível considera a ciência como
um conhecimento positivo, verdadeiro, obtido sob determinadas condições. Essa perspectiva acaba por
divorciar ciência e vida, conhecer e agir, homem e realidade. Bakhtin, contrapondo-se a essa reificação
e fragmentação do homem se dispõe a pensar a pesquisa como uma forma de compreender a própria
condição do homem. (Faraco, 1996)
Olhando para as ciências humanas e as naturais/exatas Bakhtin (1985) reconhece que elas se diferen-
ciam principalmente na relação que estabelecem com seu objeto de estudo. É enfrentando este aspecto
1 Professora da Faculdade de Educação da UFJF, Coordenadora do Grupo de Pesquisa Linguagem Interação e Conhecimento que desenvolve pesquisas
apoiadas pelo CNPQ e FAPEMIG.
2 O texto ora apresentado constitui-se numa adaptação de um outro texto de minha autoria: FREITAS, M T A A perspectiva sócio-histórica: uma visão humana
da construção do conhecimento IN: Freitas, M T A et ali ( orgs) Ciências humanas e pesquisa: leituras de Mikhail Bakhtin. S. Paulo: Cortez, 2003.
3Essas reflexões podem ser encontradas nos seguintes textos de Bakhtin:“Por uma Filosofia do Ato”, “O Autor e o herói”, “Os gêneros do discurso”, “O pro-
blema do texto”, “Respostas a Revista Nova Myr”, “Os apontamentos de 1970-1971” “Problemas da poética de Dostoiévski, entre outros, podendo também
serem assinalados textos do Círculo de Bakhtin como “Marxismo e Filosofia da Linguagem” e “Discurso na vida e na arte”.
Diálogo marcado pela perspectiva da alteridade, do reconhecimento do outro como um não eu dife-
rente e essencial ao acabamento do eu. Conclusividade essa que se torna possível a partir do movimento
exotópico dos interlocutores.
Como, então compreender a pesquisa nas ciências humanas como um encontro de sujeitos? Mais do
que compreender como assumir isso na prática?
Segundo Rey (1999),a própria utilização dos termos objeto ou sujeito no fazer da pesquisa reflete a
posição do pesquisador quanto à sua forma de focalizar e compreender a realidade. A referência à pes-
soa investigada, assinalada como objeto, significa que o pesquisador é quem detém o poder de realizar
uma interpretação sobre o outro sem lhe permitir um espaço para sua participação ativa no processo.
Considerar a pessoa investigada como sujeito implica compreendê-la como possuidora de uma voz re-
veladora da capacidade de construir um conhecimento sobre sua realidade que a torna co-participante
do processo de pesquisa. Conceber, portanto, a pesquisa nas ciências humanas a partir do pensamento
bakhtiniano significa entendê-la como uma relação entre sujeitos possibilitada pela linguagem.
Considerando a pesquisa como uma relação entre sujeitos, portanto numa perspectiva dialógica,
Bakhtin assume a interação como essencial ao estudo dos fenômenos humanos. Salienta o valor da
compreensão constituída a partir dos textos sígnicos criados pelo homem, portanto, assinalando o ca-
ráter interpretativo dos sentidos construídos. Aí Bakhtin aproxima-se do paradigma interpretativista de
pesquisa mas avança em relação a ele. O sujeito é percebido em sua singularidade, mas situado em
sua relação com o contexto hitórico-social, portanto, na pesquisa o que acontece não é um encontro de
psiqués individuais mas uma relação de textos com o contexto.
Bakhtin (1985), acena pois, para uma complexa relação entre o texto - objeto de estudo e reflexão
- com o contexto não qual se realiza. Assim, o encontro do texto com o contexto, isto é, do que está
dado e do que se está criando como uma resposta ao primeiro, é por conseguinte, um encontro de dois
sujeitos, de dois autores, de duas culturas.
Todas essas suas idéias têm implicações na características processuais e éticas de fazer pesquisa nas
ciências humanas que se refletem na relação pesquisador/pesquisado, no processo de coleta e análise
de dados através dos instrumentos como a observação e a entrevista e na construção dos textos apre-
sentando o conhecimento produzido na investigação.
A partir do exposto até aqui, situo a observação e a entrevista enquanto instrumentos metodológicos,
repensando sua forma e funcionalidade numa perspectiva de coerência com essa forma humana de
produção do conhecimento.
Os estudos qualitativos basearam-se na observação participante para realizarem seus trabalhos de
campo. Podemos dizer, que na pesquisa qualitativa, a observação participante tem se apresentado a
partir das diferentes perspectivas: objetivista, subjetivista e interpretativa. A primeira, numa versão
positivista da representação etnográfica de cultura, em busca da objetividade, considera a cultura como
uma totalidade objetiva passível de ser representada por um vocabulário supostamente neutro e/ou
4 È preciso atentar para o fato de que Bakhtin está afirmando esse monologismo das ciências exatas não no seu todo mas apenas no que se refere à relação
com o seu objeto, que por ser coisa não pode falar, não pode dirigir-se ao pesquisador.
5 Trata-se da mestre pelo Programa de Pós Graduação em Educação da UFJF: Alessandra Sexto Bernardes.
Essa volta ao seu lugar é indispensável ao pesquisador, pois se ela não acontecer este se detém
apenas no aspecto da identificação. Ao voltar ao seu lugar é que o entrevistador tem condições de dar
forma e acabamento ao que ouviu e completá-lo com o que é transcendente à sua consciência. Todos
estes valores que completam a imagem do outro são extraídos do excedente de sua visão. Deste lugar
fora do outro, portanto exotópico, é que o entrevistador pode ir construindo suas réplicas que quanto
mais numerosas forem indicam uma compreensão mais real e profunda (Bakhtin,1988,p.132). A com-
preensão bakhtiniana implica duas consciências, dois sujeitos, sendo portanto uma forma de diálogo:
consiste em opor ao interlocutor a sua contrapalavra. Só na corrente dessa comunicação é que é possível
que se construam sentidos.
A partir dessas considerações, justifica-se chamar a entrevista, que se realiza a partir dessa concepção,
de dialógica, pois, ela estabelece uma relação de sentido entre os enunciados na comunicação verbal.
Essa relação dialógica é marcada não por uma ordem lógica ou lingüística mas é uma relação específica
de sentido cujos elementos constitutivos só podem ser enunciados completos por trás dos quais está
um sujeito real. Nessa perspectiva, por conseguinte, a entrevista se constitui como uma relação entre
sujeitos, na qual se pesquisa com os sujeitos as suas experiências sociais e culturais, compartilhadas
com as outras pessoas de seu ambiente. Assim pesquisador e pesquisado passam a ser parceiros de uma
experiência dialógica conseguindo se transportarem da linguagem interna de sua percepção para a sua
expressividade externa entrelaçando-se por inteiro num processo de mútua compreensão.
Entretanto, os sentidos que são criados nesta interlocução, dependem da situação experenciada, dos
horizontes espaciais ocupados pelo pesquisador e pelo entrevistado.
As enunciações acontecidas dependem da situação concreta em que se realizam, da relação
que se estabelece entre os interlocutores, depende de com quem se fala. Na entrevista é o
sujeito que se expressa, mas sua voz carrega o tom de outras vozes, refletindo a realidade
de seu grupo, gênero, etnia, classe, momento histórico e social. (Freitas, 2002,p.29)
Rua Luiz Otávio, 2002 Apto 41 – Mansões Sto Antonio, Campinas – SP, CEP:13088-130
Resumo
Este estudo teve por objetivo analisar encontros de grupos de pais e irmãos de sujeitos deficientes
mentais, bem como analisar encontros de um grupo de jovens com deficiência mental que são atendi-
dos em uma clínica-escola de Fonoaudiologia, apoiando-nos nas discussões de Bakhtin (1995, 1997) a
respeito da dialogia, polissemia, polifonia e indeterminação do sujeito e em Vion (1992) em relação ao
conceito de intersubjetividade e representação. Os resultados foram analisados considerando o processo
de interlocução dos sujeitos deficientes mentais e dos familiares e profissionais participantes do grupo,
dando especial atenção às ressignificações sobre a deficiência e sobre o sujeito deficiente. Foi possível
constatar que os jovens do estudo necessitam do apoio de interlocutores para participarem do diálogo
em grupo, contudo, a partir das trocas dialógicas, processos de significação e sentido são elaborados por
eles. Além disso, o envolvimento da família: pais e irmãos, no processo terapêutico, pode contribuir sig-
nificativamente para o desenvolvimento da linguagem e constituição do sujeito em seu grupo social.
PALAVRAS CHAVE: LINGUAGEM, DINÂMICA DIALÓGICA, GRUPO SOCIAL, DEFICIÊNCIA
Introdução
Este texto diz respeito a um projeto de pesquisa desenvolvido na Clínica-Escola de Fonoaudiologia
da UNIMEP. Tal projeto tem o intuito de analisar trabalhos realizados em grupos terapêuticos fonoau-
diológicos para crianças e jovens com ou sem deficiência mental e trabalhos realizados com familiares,
pais e irmãos.
Na área da fonoaudiologia há pouca tradição de trabalhos em grupos, sendo que tais trabalhos ti-
veram suas origens ou pela demanda na Saúde Pública, em relação à fonoaudiologia preventiva ou nas
instituições especiais. Entretanto, a proposta deste projeto não decorreu da demanda e sim da concepção
teórica adotada nesta clínica. Tal concepção aborda a (re)construção lingüística de sujeitos com agravos
fonoaudiológicos, destacando padrões e valores culturais do sujeito e do grupo. Nesta perspectiva, o
sujeito é visto como um ser social e histórico, sendo a linguagem constitutiva do sujeito. A relação te-
rapeuta-paciente constrói gradativamente um processo interativo, fundamentado em componentes afe-
tivo-emocionais, sendo a linguagem discursivamente orientada nos processos enunciativos-discursivos,
havendo sempre uma relação dialética de constituição mútua, com a concepção de que a subjetividade
decorre das interações sociais.
A clínica fonoaudiológica vista desta perspectiva, é sempre um lugar de construção de sentidos, se
configura em uma unidade sócio-histórica, e se realiza em uma esfera discursiva, em um determinado
gênero discursivo. Entendemos gêneros discursivos como tipos relativamente estáveis de grupos de
enunciados, ligados a uma esfera de utilização da língua pelos falantes (Bakhtin, 1997). Os enunciados
dispõem de uma forma padrão e de uma relativa estabilidade de estruturação. Durante as interlocuções
moldamos nossa fala às formas dos gêneros discursivos, isto é, todo o intuito do interlocutor, sem que
perca a subjetividade, realiza-se num determinado gênero.
Nesta esfera específica, neste gênero discursivo, há o lugar do resgate da história dos sujeitos no
grupo e o lugar de produção e constituição de identidades pela linguagem. A clínica, aqui, é apresentada
Neste episódio observamos que no turno 1 a fonoaudióloga dá início a um assunto, que refere-se
ao conteúdo existente em um jornal. A pergunta feita por ela possibilita, no turno 4, o uso da pala-
vra ‘violência’ por uma das jovens participantes do grupo. A partir daí inicia-se uma discussão sobre o
significado da palavra ‘violência’. Os jovens e a fonoaudióloga vão construindo o sentido das palavras
(que não se apresenta como um item de dicionário), mas como parte das diversas enunciações de Alex,
Edilene, Lúcia e da Fono.
Como afirma Bakhtin, a palavra ‘violência’ está sempre carregada de um conteúdo ou de um sen-
tido ideológico ou vivencial. Na dinâmica dialógica que se estabelece entre os participantes do grupo,
verificamos que cada um, procura explicar o conceito, a partir de suas próprias experiências. Alex, num
primeiro momento não sabe o que é violência. Para Lúcia é matar, é roubar. Para Edilene é seqüestro.
A terapeuta lê uma notícia do jornal, que relata o assassinato de uma senhora e o suspeito de ter co-
metido o crime, seria seu próprio neto. Alex, a partir daquilo que escuta, dá início ao seu processo de
elaboração conceitual: violência é matar a avó. Embora, num primeiro momento, ele demonstra não
conhecer o sentido da palavra, ao mergulhar na corrente da comunicação verbal – ele pode passar a
operar/usar essa palavra.
Episódio 2 - Data: 29/10/02
Situação: No início da sessão fonoaudiológica, a terapeuta conversa com o grupo, questionando-os
sobre como eles passaram a semana, se têm novidades para contar, etc
T 1 Fono: E você Gilmar, tá tudo bem com você?
T 2: Gilmar: (sorri e faz um gesto com uma das mãos como se estivesse dormindo, colo-
cando-a do lado esquerdo sobre a orelha).
T 3 Fono: O que é?
T 4: Gilmar: (aponta com o dedo indicador para si mesmo e sorri).
T 5: Fono: Você tava dormindo? Você tá com sono?
T 6: Gilmar: (balança o dedo indicador fazendo gesto negativo).
T 7: Fono: Não?
T 8: Gilmar: (começa a passar os dedos sobre o queixo).
T 9: Fono: O que é que tem a barba? Deixou a barba crescer?
T 10: Gilmar: (sorri e balança a cabeça fazendo gesto afirmativo).
T 11: Fono: Tá ficando bonito! O que vocês acham gente, do Gilmar de barba?
T 12: Alex: (coloca a mão sobre o rosto)
T 13: Lúcia: É feio.
T 14: Fono: Você achou feio?
O diálogo surge como uma das formas mais significativas de interação verbal. Neste episódio, temos,
não somente a comunicação em voz alta, temos Gilmar que se utiliza de gestos indicativos para se co-
municar com os interlocutores.
Os gestos e expressões de Gilmar adquirem um valor semiótico, a medida em que, a fonoaudióloga
interpreta e atribui significado a eles, tornando-os expressivos.
Lúcia e a terapeuta expressam suas opiniões sobre o uso da barba, deste modo, emitem seus senti-
mentos e seus julgamentos. Emoção e juízo de valor são coisas alheias à palavra dentro da língua, e só
nascem graças ao processo de sua utilização ativa no enunciado concreto.
O grupo está conversando sobre algo que Gilmar enuncia: o uso da barba. Deste modo, Gilmar, Lúcia,
Alex e a fonoaudióloga se alternam e produzem seus enunciados, cuja fronteira, é determinada pelo
enunciado do outro, ou seja, pela alternância dos locutores.
A fonoaudióloga chama a atenção do grupo para uma regra de conversação: quando se conversa,
não se pode olhar para o chão ou por a mão sobre o rosto. Tal fato, já havia sido discutido em momen-
tos anteriores no grupo. Deste modo, o objeto do discurso da terapeuta não é objeto do discurso pela
primeira vez neste enunciado, e nem ela é a primeira a falar de regras de conversação. Tais regras já
foram explicitas em inúmeras teorias da lingüística, já foram faladas no próprio grupo, já foram, por assim
dizer, esclarecidas e julgadas de diversas maneiras. No jogo dialógico os objetos do discurso se cruzam,
se encontram e se separam sob diferentes pontos de vista, visões de mundo e tendências.
Conclusões
O Grupo Terapêutico Fonoaudiológico configura-se como espaço privilegiado que possibilita a consti-
tuição dos jovens com deficiência mental.
Os jovens deste estudo, na maioria das vezes, ainda necessitam do interlocutor para iniciarem um
diálogo. Contudo, com a ajuda da fonoaudióloga, que assume o papel de mediadora, os jovens relatam
suas experiências, negociam conceitos, concordam ou discordam.
Através da análise dos dados podemos observar que os sentidos das palavras podem ser construídos
na dinâmica dialógica existentes no grupo.
Vale ressaltar que, embora as dificuldades de linguagem continuem a existir durante a dinâmica
Podemos observar aqui a construção de sentidos a partir da interlocução entre as mães e a pesqui-
sadora. O filme discutido, como ferramenta social, desencadeia um sentido que veicula socialmente.
Discute-se a representação social do sujeito deficiente mental e de suas possibilidades. Nas falas das
mães aparece a concepção da normalidade/não normalidade. J. fala que sua filha “não tem problema
nenhum”, mas logo em seguida acrescenta que “normal também não é”, Ma. A. lembra que suas filhas
“ficam mais dependentes” e J. completa dizendo que “judiam da gente”. A troca entre pares e com a
pesquisadora vai construindo um espaço que permite ressignificações de sentidos.
Nestas trocas, cada componente do grupo, com suas “vozes”, perspectiva, concepções, constrói um
sentido comum.
A pesquisadora também traz para o grupo informações e suas concepções. Suas colocações levam
as mães a refletirem sobre aquilo que afirmam e com isto elas vão revelando suas preocupações de
maneira mais clara.
O sentido do episódio foi sendo construído coletivamente pelas concepções individuais, transformando-
se em um sentido comum, em que o papel de cada representante do grupo influenciou para a significação
final. Podemos identificar que o sentido final é reflexo das concepções do grupo histórico-cultural, do
qual as mulheres presentes no episódio fazem parte (mães e profissional). Podemos também supor que,
ao discutir a respeito do filme, cuja temática é tão próxima da vida dessas mães, elas possam refletir,
do ponto de vista individual e do ponto de vista do grupo, sobre sentimentos e expectativa da vida e
possibilidade das filhas. Ao poder discutir sobre possibilidades/limites das filhas, explicitam angústias,
medos e assim reconfiguram concepções e perspectivas em relação aos filhos e à deficiência mental.
Episódio 2: Neste episódio temos crianças que tem um irmão deficiente e um adulto (pesquisador)
conduzindo o grupo, e estão discutindo sobre a rotina com os irmãos.
T.1:(pesquisadora): Bom, agora, já que a gente tá aqui batendo papo, me conta como vocês
conversam com seus irmãos. Todos eles falam?
T.2: Ta: O Juliano fala.
T.3: Te: A Daiana não!
T.4: I: A Lourdinha também não?
T.5: M: Não!
T.6: I: E a Vanessa?
T.7: Li: Ela fala, mas eu não entendo direito.
T.8: I: E daí, como vocês fazem para conversar com eles? Quando eles querem alguma coisa,
como vocês fazem pra entender?
T.9: Te: A Daiana quando quer alguma coisa ela chora.
A construção dos sentidos é realizada coletivamente através da interlocução dos componentes do grupo.
Num primeiro momento, o grupo conversa sobre como cada um se comunica com os irmãos deficientes.
Num segundo momento, passam a explicitar como identificaram a deficiência mental do irmão.
No episódio apresentado ocorreram duas temáticas introduzidas pelo adulto. A segunda temática
decorre da primeira e é construída na interação verbal.
Nas falas das crianças, identificamos a voz do adulto (pais ou mães) sendo reafirmada por elas, como
Rua Almirante Gomes Pereira, 76, apto. 101 – Urca – Rio de Janeiro.
Resumo I
Este trabalho pretende apresentar uma teoria da leitura extraída dos estudos de Bakhtin sobre os
gêneros do discurso e o problema do texto nas ciências humanas. Voltando-se para a efetivação do
processo comunicativo no interlocutor, Bakhtin expressa seu interesse pelas estratégias dialógicas de
provocação das respostas e escolha de interlocutores. A teoria bakhtiniana da leitura está centrada na
importância dada à escolha, feita pelo autor do discurso, de seu hipotético interlocutor imediato. Para
Bakhtin, o autor, não podendo prever seu público no futuro – nem ao menos sua própria permanência
como texto ativo da cultura – procura direcionar sua produção para um determinado segmento da so-
ciedade, contando com diversos recursos textuais. Assim, o autor escolhe seus leitores dentro de sua
contemporaneidade e lhes traça a imagem, delimitando igualmente suas margens de manobra dentro de
uma leitura esperada, da qual o leitor freqüentemente escapa em sua “compreensão responsiva ativa”.
Resumo II
This work intends to present a literature theory from the Bakhtin’ writings about speech genres and
the text problem in the Human Sciences. Turning to the effectiveness of the communication process in
the interlocutor, Bakhtin express his interest in the dialogic strategies of provoking answers and choice
of interlocutors. The bakhtinian theory of reading is centred in the importance given to the choice, by
the author of any speech, of his hypothetic immediate reader. According to Bakhtin, the author, as far
as he cannot foresee his public in the future - neither its permanence as an active text of the culture
- he tries to guide his production to a certain segment of the society, using different text resources.
Therefore, the author chooses his readers in his own time period and traces their image, equally limiting
their expected reading possibilities, from which the reader frequently escapes in his “active responsive
comprehension”.
Para abordar a questão da leitura sob o olhar de Mikhail Bakhtin, gostaria de começar invertendo a
questão e me deter inicialmente sobre o Bakhtin leitor. Esse viés nos fornecerá pistas importantes de
suas posições a propósito da recepção do discurso literário.
Das leituras conhecidas de Bakhtin, destacam-se seu denso trabalho sobre Rabelais e o estudo sobre
Dostoievski, já sobejamente destrinchados sob todos os ângulos possíveis. Em sua teoria do romance,
há inumeráveis referências aos clássicos do gênero, desde a sua formação até os grandes nomes do ro-
mance europeu do século XIX. É conhecida a preferência de Bakhtin pelo romance como arena dialógica
por excelência, em detrimento da poesia, vista como gênero predominantemente monológico. A ressalva
aqui feita através do uso do termo “predominantemente” é devida a seus raros ensaios sobre poesia, um
dos quais, sobre Maiakovski, só foi dado a conhecer postumamente; Bakhtin, nos estudos da origem do
romance, não faz ressalva alguma a respeito do monologismo do discurso poético.
Além dos clássicos, Bakhtin vai beber na fonte da cultura popular, buscando nas sátiras da antigui-
dade e na cultura popular da Idade Média e do Renascimento as raízes do gênero romanesco, impuro e
híbrido em sua gênese.
Vemos então Bakhtin trabalhar com duas pontas opostas: de um lado, com os clássicos da literatura
ocidental; de outro, com a tradição da cultura popular que formou uma das raízes do romance. Mas não
conhecemos leituras de Bakhtin sobre o romance contemporâneo.
9 ECO, Umberto. Os limites da interpretação. São Paulo: Perspectiva, 2000. Especialmente pp. 62-72.
10 BAKHTIN, M. Apontamentos 1970-1971. In: Estética da criação verbal. Op. cit., p. 382
11 BAKHTIN, M. Ibidem, p. 382
12 Cf. especialmente página 409 de “Observações sobre a epistemologia das ciências humanas”.
13 BAKHTIN, M. O problema do texto. Op. cit., pp. 344-345
14 BAHTIN, M. O problema do texto, p. 356.
15 BAKHTIN, M. O problema do texto, p. 356, e [Os estudos literários hoje], Op. cit., Pp.364-367.
Rua Professor Samuel Moura, 710 – Apto. 602 – CEP 86061-060 – Londrina-PR.
Resumo I
Este texto discute o papel das marcas de subjetividade e intersubjetividade na linguagem jornalística
falada (programas de entrevistas e debates), a partir de uma série de variáveis (tipo de marca, e quem
a produz; a quem ela se dirige; grau de envolvimento; relação com o desenvolvimento tópico; valor de
atenuação). O trabalho se baseia nos conceitos de sujeito (aqui considerado em sua identidade dupla)
e de dialogismo (o fato de a linguagem pressupor um interlocutor).
Resumo II
Ce texte aborde le rôle des marques de subjectivité e intersubjectivité dans le langage journalistique
parlé (programmes d’interviews et e débats), d’aprè une série de variables (le tipe de la marque; ce qui
la produit; à qui elle se tourne; la proximité entre les interlocuteurs; le rapport avec le developpement
du topique; valeur d’alternation). Le travail se fonde sur lês notions de sujet (ici considéré à partir de sa
douple identité) et de dialogisme (le fait du langage présuposer un interlocuteur).
0. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Este trabalho discute a presença das marcas de subjetividade e intersubjetividade na linguagem jor-
nalística falada (programas de entrevistas e debates), com a finalidade de evidenciar o papel por elas
exercido na construção dos referidos eventos comunicativos. Enfatiza-se, sobretudo, a função dessas
marcas no estabelecimento e manutenção das relações entre os participantes do diálogo e na definição
dos papéis dos mesmos no processo de negociação dialógica. Adota-se, como hipótese de trabalho, a
noção de que todo sujeito constitui uma entidade dúplice, já que o “eu” só pode instituir-se como tal
em face do “outro”. A noção de sujeito é reversível e transitiva, e disso decorre o caráter dialógico da
linguagem e a existência de um componente interpessoal nos textos, sobretudo nos textos falados.
De acordo com essa perspectiva, incluem-se entre as marcas de subjetividade e intersubjetividade
todos os elementos que indicam, de modo direto, a presença dos interlocutores no diálogo: pronomes e
formas verbais de primeira e segunda pessoas, marcadores conversacionais de valor fático, lexicalizados
(certo?,né?) ou não (ahn ahn, uhn).
O trabalho compõe-se de duas partes. Na primeira, dedicada à fundamentação teórica, expõe-se ini-
cialmente o conceito de sujeito, e, em seguida, discute-se o caráter dialógico da linguagem. Encerram
essa primeira parte considerações referentes ao componente dialógico ou interpessoal do discurso falado.
A segunda parte é dedicada ao exame das marcas de subjetividade e intersubjetividade de acordo com
uma série de variáveis.
O córpus do trabalho é constituído por programas das séries “Roda Viva” e “Brasil pensa”, exibidos
semanalmente pela TV Cultura, emissora pública do estado de São Paulo. Os programas que constituem
o córpus são citados a seguir:
“Roda-viva”:
· RV-1: entrevista com o senador Pedro Simon.
· RV-2: entrevista com a filósofa Marilena Chauí.
“Brasil pensa”:
· BP-1: debate acerca de variação climática e o fenômeno “El Niño”.
· BP-2: debate acerca de defesa e segurança global.
O campo consiste no foco que incide sobre o assunto e o delimita, o modo relaciona-se com os conhe-
cimentos prévios partilhados, e o teor refere-se aos papéis e relações sociais. Cada uma das variáveis
de registro (metafunções contextuais) é realizada, no plano da expressão, por uma das metafunções
que organizam a linguagem. O que foi dito pode ser enunciado de outra forma: pode-se considerar as
metafunções contextuais como a dimensão mais ampla de certas situações que possuem conseqüências
predizíveis no plano da estruturação do texto e do enunciado.
Cabe reiterar que essas três camadas são interdependentes e complementares. Desse modo, as marcas
de subjetividade e intersubjetividade não se situam apenas na camada interpessoal e no teor (papéis e
relações sociais). Ao contrário, as marcas de interpessoalidade estão presentes na estruturação do texto,
na relação do assunto e do ponto de vista em que ele vai tratado, nos procedimentos de contextualização
e saliência, na escolha de itens lexicais e na seleção gramatical.
Acrescente-se ainda, que a noção de interpessoalidade é múltipla. Poyton (1985) e Martin (no pre-
lo), ambos citados por Eggins e Slade (op. cit., p. 52 e ss.), mencionam quatro dimensões da variável
teor:
a) as relações de status, que podem ser definidas previamente (professor/aluno, por exemplo), ou,
então, estabelecidas durante o processo de interação;
b) o envolvimento afetivo: manipulação de sentimentos (positivos ou negativos) em relação ao
interlocutor;
c) o contato: diz respeito à familiaridade entre os interlocutores e a freqüência com que as relações
se estabelecem. O contato (e também o envolvimento afetivo) depende do gênero textual: há gêneros
que favorecem o distanciamento (situações com papéis definidos: aulas, interrogatórios, por exemplo),
Os números entre parênteses no item L (marcadores lexicais) indicam a quantidade desses marca-
dores que têm marcas de pessoa (sabe?, entende?).
A maior parte dos indicadores de interpessoalidade é representada por expressões não-convenciona-
lizadas que possuem marcas específicas de pessoa (verbo e pronomes).
Essa característica é particularmente nítida nos fragmentos em que o informante manifesta opiniões
ou pontos de vista, ou, então, relata suas experiências pessoais:
(1) (Os informantes discutem a capacidade de intervenção dos Estados Unidos).
Loc.: General... eu acho que é importante termos presente que... os Estados Unidos
não têm como pauta intervir... em todo e qualquer lugar do mundo... nós vemos... que
eles têm essa capacidade... mas nem sempre... a exercem... de maneira que não creio que
devamos centrar a análise nesse ponto... certo? (BP-2)
O componente interpessoal tem importância particular nos textos conversacionais, pois neles tende
a existir uma relação simétrica entre os interlocutores. Por isso mesmo, as marcas de pessoalidade
constituem um traço intrínseco dessa modalidade de texto e, assim, não necessitam ser assinaladas por
expressões conversacionais e recorrentes, como é o caso dos marcadores conversacionais.
Verifica-se, ademais, que a maior parte dos marcadores conversacionais (lexicais e proposicionais)
que denotam subjetividade traz marcas específicas de pessoa. Aliás, nos marcadores proposicionais de
valor interpessoal, essas marcas constituem uma constante:
As marcas que figuram em fragmentos de discurso direto ou reportado são pouco numerosas e apre-
sentam a particularidade de não se referirem aos interlocutores reais, mas a outras pessoas, cujas falas
são incorporadas ao discurso do intelocutor.
(5) Loc. 1: o episódio do Ricupero... me deixou muito triste... senti... porque ele é uma
pessoa muito pura...
Loc. 2: ahn ahn
Loc. 1: ele é sincero… ele admitiu a culpa… (RV-1)
A maior parte das marcas de subjetividade e intersubjetividade é produzida pelo próprio falante. Esse
fato pode parecer óbvio, uma vez que o detentor do turno é responsável pela formulação dos enunciados
e pelo desenvolvimento do tópico. No entanto, dos dados acima pode ser extraída a seguinte conclusão:
as marcas de pessoalidade participam da construção do texto conversacional, ao lado do desenvolvi-
mento do tópico, dos procedimentos de contextualização e dos elementos coesivos. Cabe recordar, a
esse respeito, que no texto conversacional manifestam-se três componentes ou níveis de significação,
o ideacional, a interpessoal, o textual. As marcas de subjetividade e intersubjetividade associam-se na
produção do texto, ao desenvolvimento e partilhamento das idéias e conceitos e aos procedimentos de
coesão e estruturação textual.
As marcas produzidas pelo ouvinte correspondem geralmente a turnos inseridos, representados por
marcadores conversacionais que denotam concordância ou assentimento. É o que se verifica no exemplo
a seguir, no qual também estão assinaladas as marcas produzidas pelo falante:
(6) Loc. 1: (...) eu quero... nós/tamos no fim do “Brasil pensa”... ficou apenas uma questão
As marcas que figuram em fragmentos de discurso direto ou reportado são pouco numerosos e apre-
sentam a particularidade de não se referirem aos interlocutores reais, mas a outras pessoas, cujas falas
são incorporadas ao discurso do interlocutor.
(7) (O locutor alude ao episódio em que o ministro Ricupero teve uma declaração divulgada
indevidamente).
Loc.: o Ricupero admitiu a culpa... e::... disse “MEU Deus... por que fui... tão... vai-
doso... tão... soberbo... por que não agi de outro... modo”(...) (RV-1)
A informante expõe, em primeira pessoa, como se deu o seu contato com a filosofia. Trata-se, pois,
de um discurso autocentrado e nele predominam as marcas de primeira pessoa (sublinhadas com um
traço); mesmo assim, são nítidas as marcas de segunda pessoa e os fáticos (assinalados por dois traços).
Isso significa que a presença do outro é muito nítida, mesmo no discurso autocentrado: ao falar de si,
o locutor não deixa de reconhecer a presença explícita do outro, ou seja, ao instituir-se como sujeito e
delimitar sua individualidade, o falante reconhece a presença do outro. O sujeito é, pois, dúplice, bifacial,
e seu discurso deve equilibrar a presença de si mesmo e do outro. Nota-se, ainda, que as ocorrências
com o pronome você – no exemplo citado – têm valor de indeterminação, mas foram incluídos entre os
marcadores voltados para o ouvinte, por terem um nítido valor fático.
Em fragmentos centrados não no sujeito, mas no desenvolvimento de um assunto, predominam as
marcas voltadas para o ouvinte.
(9) (O informante trata das perseguições durante o regime militar).
Loc.: (...) então você pega... o que aconteceu com o Brasil... você vê cassações...
torturas... perseguições... mortes... mas se você pega o Rio Grande... você vê que as coisas
lá... são... devem ser... multiplicadas... por DEZ... porque lá... as coisas foram... bem mais
graves... você lembra que... era o único Estado... em que a oposição... tinha... maioria na
Assembléia... então tiveram... de cassar deputados... pro gover/governo... ter maioria...
você sabe... o governo... a censura não permitia... a divulgação do que ocorria por lá...
então você vê que a situação lá foi bem... complicada (RV-1)
As marcas de interpessoalidade que mantêm relações com o desenvolvimento tópico, são representadas
por marcadores proposicionais de opinião, geralmente construídos com verbos de valor cognitivo: acho
que, creio que, você sabe que e assemelhados. Considera-se que essas expressões têm valor coesivo,
porque elas ampliam o tema, geralmente mediante a introdução de uma explicação:
(10) (O informante trata do conceito de segurança global).
Loc.: (...) em primeiro lugar... éh::... creio que devemos considerar a abrangência desse
conceito... ou dessa expressão... segurança global... nós concordamos que... não podemos
ficar... na ótica vamos dizer mais restrita... do emprego dos meios de defesa... particular-
mente das Forças Armadas... acho que qualquer doutrina militar deva... incorporar... esse
fato (BP-2)
Os marcadores de opinião (mesmo os de caráter objetivo, como creio que, estou certo que) possuem
valor de subjetividade acentuado, já que assinalam, de modo inequívoco, a presença do interlocutor
no processo interacional. Essa dupla destinação (com o assunto e com sujeito) constitui uma evidencia
positiva do ser essa noção binária e transitiva, pois essa marca assinala a presença do sujeito em face
do interlocutor.
2.6 Valor de Atenuação
Os procedimentos de atenuação são utilizados para diminuir a força ilocutória do enunciado e, desse
modo, figuram especialmente nas situações em que o falante se expõe de forma direta: pedidos, aten-
dimento de pedidos ou recusa em fazê-lo, perguntas diretas ou indiretas, respostas, manifestação de
opinião (Galembeck: 1997, p. 136). No córpus deste trabalho, os marcadores de atenuação com marcas
de primeira e segunda pessoas são representados sobretudo por expressões eu acho que e assemelha-
das:
(11) (O entrevistado discorre acerca do papel da oposição no Brasil).
Loc.: (...) a oposição... todos concordam que ela é essencial... ao regime democrático...
não sei se há oposição... se há uma democracia... verdadeira... acho que a oposição deveria
ser o espelho... do governo... mas acho que não um espelho... que só dis/distorce... a:: a
imagem (...) (RV-1)
Verifica-se que a maior parte da marcas de subjetividade e intersubjetividade não é empregada com
valor de atenuação. Isso significa que a atenuação é apenas uma das funções dos indicadores de inter-
pessoalidade. Trata-se, em verdade, de uma função derivada, que se associa à função mais importante,
que é a indicação da presença dos interlocutores. Mencione-se, ainda, que nem todos os marcadores de
atenuação possuem marcas de primeira e segunda pessoas: na realidade, esse fato só ocorre com um
número limitado de atenuadores (os marcadores de opiniões: eu acho, para mim, na minha opinião, e
assemelhados; marcadores de dúvida: se não me engano).
A atenuação não se manifesta nem mesmo nos marcadores conversacionais que denotam o envol-
vimento do ouvinte.
(12) Loc.: você vê que... que não é possível... conciliar administração... vida polí-
tica... e::... vida acadêmica... pesquisa... e:: eu nunca pretendi fazer isso (...) (RV-2)
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Enfatizou-se, neste trabalho, que o sujeito da enunciação é sempre um intersujeito, já que o indivíduo
que se institui como falante acaba elegendo, do mesmo modo, um determinado paralelo conversacio-
nal. Esse fato decorre do caráter dialógico da linguagem: qualquer ato de linguagem (escrita ou falada)
pressupõe um interlocutor. Aliás, é pelo diálogo, pela relação com o interlocutor, que o ser humano se
institui como ser histórico, situado em dado contexto social. Por isso mesmo, as teorias que analisam a
conversação (em particular as abordagens sistêmico-funcionais) ressaltam o componente significativo
de natureza interpessoal.
O caráter dialógico da linguagem e o componente interpessoal tornam-se patentes ao examinar-se
o papel exercido pelas marcas de subjetividade e intersubjetividade. Com efeito, a análise das variáveis
revela que as marcas indicativas da presença e da participação dos interlocutores possuem certas carac-
terísticas evidenciadoras do papel das mesmas no estabelecimento da significação interpessoal: a maioria
dos indicadores de subjetividade apresenta marcas de segunda pessoa; as marcas podem ser auto ou
heterocentradas, ou seja, estão voltadas para o falante ou o ouvinte, embora as últimas predominem,
o que evidencia o caráter dialógico da linguagem. Verifica-se, ademais, que as marcas de subjetividade
indicam um alto grau de envolvimento entre os interlocutores (já que possuem marcas de pessoa); não
estão ligados ao desenvolvimento tópico nem possuem valor de atenuação.
Deve ficar claro que as marcas que foram focalizadas não são os únicos procedimentos a assinala-
rem a presença dos interlocutores. Há outros procedimentos de construção do texto falado que também
marcam a presença dos interlocutores: processos de reformulação (paráfrase e correção), parênteses
de esclarecimentos, procedimentos de contextualização, entre outros. Nenhum deles, porém, assinala
de forma clara e direta a presença dos interlocutores como as marcas estudadas neste trabalho.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Dialogismo, polifonia e enunciação: em torno de Bakhtin. São Paulo.
BAKHTIN, Mikhail (Voloshinov) (1986). Marxismo e Filosofia da Linguagem. Problemas fundamentais do método
sociológico nas ciências da linguagem. 3a ed. Trad. de Lúcia Teixeira Wisnik e Carlos Henrique D. Chagas Cruz. São
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CASTILHO, Ataliba Teixeira de e PRETI, Dino (orgs.) (1997). A linguagem falada culta na cidade de São Paulo. Mate-
riais para o seu estudo, v. III. Diálogo entre dois informantes. São Paulo: T. A. Queiroz/FAPESP.
EGGINS, Suzanne e SLADE, Diana (1997). Analysing casual conversation. London and Washington: Cassel.
GALEMBECK, Paulo de Tarso (1997). Preservação da face e manifestacao de opiniões: um caso de jogo duplo. In:
PRETI, Dino (org.). O discurso oral culto. São Paulo: Humanitas.
HALLIDAY, Michael A. K. (1973). Explorations in the functions of language. London: Longman.
MORIN, Edgar (1996). A noção de sujeito. In: SCHNITMAN, Dora Fried (org.). Novos paradigmas, culturas e subjeti-
vidade. Trad. de Jussara Haubert Rodrigues. Porto Alegre: Artes Médicas.
Resumo
Este trabalho pretende rediscutir o direcionamento do texto sobre a reprodução do discurso do outro,
que fecha o Marxismo e filosofia da linguagem, de Volochínov, através de uma aproximação dos pro-
cedimentos ilustrados pela obra de James Joyce, com especial atenção à abertura do Ulysses. Partindo
do princípio de que arte e crítica são formulações de validade heurística comparável, o texto pretende
demonstrar que a teoria do romance embutida nas obras de Joyce, já publicadas quando da composição
do Marxismo, dá continuidade e acabamento a um processo desenhado em suas possibilidades pelo
próprio autor russo, especialmente ao inverter a perspectiva do que se chama usualmente de discurso
indireto livre através de um emprego revolucionário do dito monólogo interior, aqui chamado de discurso
direto livre.
Abstract
This paper wishes to reconsider the position of the essay on the reproduction of the discourse, which
closes Marxism and the philosophy of language, by Volochinov, through a comparison with the procedures
brought to light on reading the works of James Joyce, with special attention being given to the opening
section of Ulysses. Considering art and criticism to be procedures with comparable heuristical validity,
the paper tries to demonstrate that the theory of the novel embedded between the lines of Joyce’s work,
already published when Marxism was written, pushes further and perfects a process already conceived
in its possibulities by the russian author, specially through changing the perspective of what we use to
call discours indirect libre by revolutionary employ of the monologue intérieur, here called discours direct
libre.
Pode ser que os últimos romances de Joyce se casem tão bem e tão obviamente com as idéias
de Bakhtin que a maioria das características desses romances que possam ser identificadas
por uma leitura bakhtiniana possa ser identificada sem ela. [tradução minha]
Esta frase está na página 9 do livro de Keith Booker sobre Joyce e Bakhtin. Poderia contudo provir
da fala de qualquer leitor mais atento da obra dos dois autores, o que serve apenas para confirmar o
juízo que expressa.
Se posso pensar que a arte é uma dentre as possíveis formas, uma dentre as várias fôrmas que
organizam o mundo ou concedem-lhe existência semiotizando o caos, tornando-o digerível para nossos
olhos, devo poder aceitar que a teoria do romance veiculada por Joyce no Ulysses é tão válida como
objeto de estudo quanto aquela que podemos extrair dos escritos do círculo de Bakhtin que tocam no
mesmo ponto. Se o melhor comentário a um poema há de sempre ser o próximo, e não a crítica, posso
na verdade supor que a reflexão de Joyce, acientífica que seja, não deixa de ter (ou passa precisamente
por isso a tê-lo) um potencial heurístico quem sabe mesmo maior do que a sistematização teórica em-
preendida pelas leituras deste ou de outros círculos.
Explique-se.
James Joyce, como talvez nenhum outro romancista, teve um projeto claro, claramente concebido e
com clareza executado. Dos fragmentos que nos restaram do Stephen Hero, passando pelo importan-
tíssimo laboratório de Dubliners, até a reelaboração magistral que é A portrait of the artist as a young
man depreende-se nítido um caminho. A via de um autor que compreendera extremamente bem o locus
histórico da narrativa ficcional naquele momento, e que já dava sinais de estar ela ultrapassada para
suas ambições, ultrapassada por suas ambições.
É óbvio que a concepção exposta (criticamente) por Konder é datada e quase pejorativamente ca-
racterizável por nós, hoje, requerendo mesmo uma noção de autor e de expressão que sabemos fazer
mais parte da história do que da teoria da literatura. No entanto, sob outros muitos matizes, ela parece
perpassar várias posições críticas de hoje, no que se possa referir a algum estatuto próprio do romance
e à atenção que se lhe deva conceder.
A mesma recusa do estudo estritamente formal, em favor de uma escola de crítica de inspiração
historiográfica e sociológica faz com que ao menos no Brasil a metáfora do vaso continue sendo, decla-
rada ou subsumidamente, empregada por vários autores. O fato é que para este tipo de trabalho pouco
importa a forma de tal vaso, bem como importa pouco sua existência como tal, o que é limitação que
por vezes atinge mais do que poderia supor um mero delimitar de campo de estudo1.
Na verdade, até por isso acho uma falha na bela frase de Konder; porque podem ser precisamente
aqueles que acreditam conceber o romance como unicamente vasilhame os que negariam a explosão
promovida por Joyce. Para se poder reconhecer o estrago que o Ulysses determinou naquela fôrma, seria
preciso ver nela mecanismos específicos e determinantes, que seu autor identificou, alvejou e destruiu.
Mecanismos de todo desinteressantes àquele tipo de análise.
Pois capítulo a capítulo a odisséia do senhor Bloom e de sua cidade parece se dedicar inicialmente a
esgotar todos os procedimentos relevantes naquele momento ao fazer literário romanesco, apenas para
posteriormente (de modo especial em sua segunda metade) ostentar sua superação definitiva.
Se ao terminarmos de ler o Ulysses somos capazes de voltar a ler romances anteriores a ele (quase
todos os romances) e, muito especialmente, se somos capazes de continuar a escrever romances ante-
riores a ele, isso necessariamente configura uma desistência. Por outro lado, o procedimento do próprio
Joyce ao escrever o Finnegans Wake, se não é uma outra desistência pode ser visto pessimisticamente
como uma recusa. O caminho do desenvolvimento do romance como nós o conhecemos até hoje encontra
de fato (ou encontro eu nele) um fim, uma explosão, no Ulysses, e seu autor obrigou-se a radicalizar
suas próprias conclusões ao escrever o ultra-romance que o sucedeu.
Faça o que eu digo, não faça o que eu faço, dizem muitos escritores e tradutores que fazem conviver
com sua produção artística uma veia crítico-teórica. James Joyce disse muito pouco. Como bem lembra
Richard Ellman em sua introdução aos Critical Writings, a crítica que ele escreveu nos conta muito mais
sobre ele mesmo do que sobre os autores que analisou. No entanto seu programa foi todo ele feito:
mostrado. Icônico, como seu procedimento literário mais característico no Ulysses: mostrar no texto
muito mais do que descrever.
Este meu trabalho pretende exatamente mostrar que a declaração de Booker que o abre pode ser
tão verdadeira a ponto de não apenas eximir a crítica bakhtiniana de recorrer à teoria do círculo para
ler Joyce como também de permitir uma leitura joyceana da obra dos teóricos ligados a Mikhail Bakhtin.
Se as teorias de Bakhtin funcionam particularmente bem quando aplicadas à obra de Joyce2; se Joyce
poderia ser a ilustração perfeita de quase todos os principais conceitos bakhtinianos3, é porque as teorias
que podemos desentranhar dos corpora dos dois autores, referindo-se ao objeto, aos objetivos e aos
meios da forma romanesca, trafegam em pistas similares, buscando pistas similares de um überroman
(para germanizar a definição que Pound deu do Ulysses) ideal para uns, ainda que não presente como
ideal teleológico, e manifesto por outro.
O diálogo entre eles só poderia ser proveitoso.
O próprio Kenneth Booker, a respeito disso, ressalta, na segunda nota a seu texto, que
A mais que óbvia relevância das teorias de Bakhtin para a obra de James Joyce tem levado
muitos a imaginar por que o próprio Bakhtin mal menciona Joyce. Clark e Holquist oferecem
uma resposta, ao notar que Joyce era persona non grata no contexto da cultura stalinista: ‘no
mínimo a partir do Primeiro Congresso de Escritores, em 1934, o Ulysses não mais podia ser
louvado na imprensa [...] Dessa forma, Bakhtin tinha efetivamente duas escolhas, no que se
1 Minha modestíssima...
2 Kershner (apud Booker, 8)
3 Booker, 9.
temos o que poderia corresponder a uma exemplo perfeito de DIL, o que poderíamos fazer com este
trecho, o ínicio do conto The dead, publicado em Dubliners, em 1910?
Lily, a filha do zelador, estava literalmente de pernas para o ar. Mal tinha trazido um cava-
lheiro à despensa pequena atrás do escritório no térreo e o ajudado a tirar o casaco, e lá
batia de novo a sinetinha asmática da porta de entrada e ela tinha de saltitar pelo corredor
vazio para deixar entrar um outro convidado. Bom para ela era que não tinha que cuidar
das senhoras também. [trad. minha]
As vozes de Simon Dedalus e de seu filho Stephen quando criança, ambos completamente desconhe-
cidos neste momento, não apenas têm curso na voz narradora. Elas constituem a voz narradora. Essa
noção, a de um narrador (ou voz narradora, ou arranjador, como prefere Kiberd) que é constituído pelos
personagens, formado especificamente como projeção lingüística e psicológica de uma determinada
personagem, em um dado momento da narrativa, talvez seja precisamente o que faltava ao DIL para
que se pudesse constituir no ponto que faltava a Volochínov.
Volto ainda a isso.
Acredito poder ter ficado claro (nas limitações de poucos exemplos destinados a não abusar de sua
paciência e tempo) que o DIL, ou algum tipo de representação de discursos alheios que por hora podemos
deixar chamado assim, já se encontrava apud Joyce, mesmo antes da do início da publicação seriada do
Ulysses, em um estágio diferenciado. Mas aqui ele ainda não fazia mais que (como foi dito para mesmo
a primeira metade do dédalo de Bloom) empregar com extremado refinamento recursos que já estavam
sobre a mesa naquele momento, descobrindo neles possibilidades maiores.
Pois, se apenas tomamos um outro trecho do Thoman Mann citado por Volochínov, e especialmente
se o tomamos com vem publicado por Volochínov, descontextualizado, isolado, podemos perceber que a
potencialidade explorada por Joyce já se encontra, em germe, nas formas clássicas do DIL.
As coisas iam mal para o senhor Gosch: com um belo e largo movimento de braço, ele recu-
sou a hipótese de que pudesse pertencer aos infelizes. A incômoda velhice se aproximava,
estava ali –sua cova, como se dizia, estava aberta. À noite ele mal podia levar o copo de
grogue à boca sem derramar a metade, de tanto que o diabo fazia seu braço tremer. Aí
nenhuma maldição adiantava... a vontade já não triunfava mais.
Aqui, sem um interlocutor discursivamente determinado, pode-se facilmente supor serem as frases
todas ditas pelo senhor Gosch frases não-ditas pelo senhor Gosch. Mesmo que se queira pensar que a
frase a respeito de sua cova aberta tenha sido pronunciada por alguém, pode-se supor que outras não
tenham.
Curiosamente, há que se apontar o fato de que a marca de oralidade que mais facilmente denunciaria
a frase citada como tendo sido efetivamente dita é um como se dizia, que marca a distância de uma
voz em relação a uma outra, de que ela agora se apropria. Ainda que este não seja o objetivo deste
trabalho, cabe lembrar que este está longe de ser um procedimento típico do Ulysses. A contaminação,
a constituição dialógica das vozes em Joyce atinge mesmo suas personagens, que vivem mergulhadas
em citações, algo mais ou menos inconscientes, que formam seus discursos a partir de ditados, canções,
rimas infantis, trechos de poemas, alusões históricas e políticas devidamente integradas e desprovidas
de aspas.
Assim, e indo mais além, se pôde-se já apontar a força do diálogo com o passado para o escritor
Mais adiante, neste mesmo capítulo, parágrafos inteiros serão concedidos aos pensamentos de Dedalus,
que progressivamente se entretecerão ao resto da narrativa, além de dominar todo o terceiro capítulo,
à la Dujardin. Neste primeiro trecho, contudo, a usual prudência e segurança de Joyce em introduzir
e apresentar seus temas e procedimentos o levam a entregar à voz suposta de Stephen apenas uma
palavra: Chrysostomos.
Assim, solta em meio a uma narrativa razoavelmente ortodoxa ela não pode deixar de semear uma
dúvida, uma desconfiança.
Se não, vejamos: a palavra grega significa boca de ouro; pois muito bem, acabava-se de fazer refe-
rência, ainda que enviezada, às restaurações dentárias de Mulligan. Apesar de o tom deste comentário
não se coadunar exatamente com o do resto da narrativa, isto poderia bastar como explicação em uma
leitura mais apressada. Mas apenas se pode reler Joyce. E, mais do que isso, ele era pernóstico o suficiente
para contar com um conhecimento por parte do leitor de seu romance anterior, que tinha Dedalus como
personagem principal. Exatamente como poucas páginas adiante ele esperará que possamos recordar,
sem qualquer outra explicação, quem era Cranly, e o que ele representava no Portrait, aqui ele se dá
ao luxo de esperar que conheçamos o espírito e o estilo de Dedalus, que ali vimos crescer e aprender,
converter-se e abjurar.
Primeiro de tudo, a própria posição em que se encontra Stephen, no topo da escada, ainda sem sair
para a cobertura da torre, olhando para um Buck Mulligan montado em uma plataforma de tiro, nos pos-
sibilita pensar ser ele a ver os tais pontos de ouro. Em segundo lugar, seria típico dele e de sua relação
com Mulligan, que mais tarde vai chamá-lo de kinch-banguela em função do péssimo estado de seus
dentes, prestar atenção, recalcado, à riqueza manifesta de Mulligan. No capítulo 3 Stephen terá de decidir
entre ir ao dentista cuidar de um dente já oco ou gastar seu salário bebendo, o que acaba fazendo.
Não bastando isso, há uma outra camada de leitura. Crisóstomo é o epíteto de vários santos católicos,
mas especialmente de São João Crisóstomo, patriarca de Constantinopla no século IV e um dos princi-
pais nomes da igreja pré-cismática, assim chamado em função de seus dotes oratórios. Novamente a
referência, história, hagiográfica e algo desdenhosa carrega a marca de Stephen Dedalus. Não bastasse
isso tudo, Saint-John era o nome do meio de Oliver Gogarty, médico irlandês amigo de Joyce que inspirou
a personagem Buck Mulligan.
Em apenas uma palavra, solta no texto à mercê da boa-vontade do re-leitor, revela-se o estatuto
privilegiado da personagem Stephen Dedalus: em um nível, alter ego do autor e, em outro, o que mais
nos interessa: voz com direito de posse sobre o discurso teoricamente neutro do narrador. Dedalus não
pode ter pronunciado seu chrysostomos. O discurso citado aqui é necessariamente suposto, confirman-
Precisamente por encampar todos seus personagens e por projetá-los todos a partir de si mesmo
é que James Joyce pôde ceder-lhes a voz e a vez de maneira mais generosa do que os autores que o
antecederam. Precisamente por levar o romance ao paroxismo de suas próprias características ele pôde
questionar seu futuro. Esgotá-lo mais do que destruí-lo.
Biografias à parte, o Ulysses é o que temos. Mas, parafraseando seu mestre, podemos dizer que
só temos ao Ulysses tão coerente e independente da vida de James Augustine Aloysius Joyce, porque
l’Ulysse, c’est lui.
Especulações à parte, a forma do discurso (seus aspectos sintáticos) é o que temos. Mas, recorren-
do ao principal teórico do círculo, talvez possamos encontrar a melhor definição para o processo que
Joyce levaria a culminar no Finnegans Wake, e que já se encontra em pleno desenvolvimento no Ulysses
em um parágrafo que trata de uma questão ideológica e de um conceito que só poderíamos aplicar a
nossa questão se considerássemos, novamente, a possibilidade de sua iconização, sua tematização; se
visualisássemos o emprego estrutural de um procedimento mais freqüentemente analisado em nível de
conteúdo. E poucas coisas seriam mais joyceanas.
O carnaval é um espetáculo sem ribalta e sem divisão entre atores e especuladores. No
carnaval todos são participantes ativos, todos participam da ação carnavalesca. Não se
contempla e, em termos rigorosos, nem se representa o carnaval, mas vive-se nele, e vive-
se conforme as suas leis enquanto estas vigoram, ou seja, vive-se uma vida carnavalesca.
Esta é uma vida desviada da sua ordem habitual, em certo sentido uma “vida às avessas”,
um “mundo invertido” (“monde à l’envers”)5
Referências Bibliográficas
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KONDER, Leandro. “Introdução” a FEHÉR, Ferencz. O romance está morrendo? Rio de Janeiro: Paz e terra, 1997.
TEZZA, Cristovão. Entre a prosa e a poesia: Bakhtin e o formalismo russo. Rio de Janeiro: Rocco, 2003.
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VOLOCHÍNOV, V. N (BAKHTIN). Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1988.
5 Problemas da poética de Dostoiévski (p. 123) Agradeço à professora Sandra M. Stroparo por me fornecer este trecho, por perceber esta algo subversiva
possibilidade de leitura, e por tanto mais...
Pablo Gasparini
USP/FAPESP
Refiriéndose a su concepto de “dimensión interhumana” Witold Gombrowicz afirma que “Soy como
una voz en la orquesta que tiene que entonar con el sonido de todo el conjunto, encontrar el propio lugar
en la melodía; o como un bailarín para quien no es tan importante lo que baila sino como unirse con los
demás en la danza” (Diario 1: 328). En efecto, la “dimensión interhumana” es planteada por el escritor
polaco como una exigencia de “rimar” con los demás de acuerdo a ciertas formas o Forma preexistente:
“de esto se deduce” – continua escribiendo en su Diario- “que para mí no existen pensamiento o senti-
miento verdaderamente auténticos, totalmente ‘propios’. El artificio hasta en los reflejos más íntimos:
éste es elemento del ser humano sometido a lo ‘interhumano’” (Diario 1: 329).
A lo largo de su vida, Witold Gombrowicz, cuya literatura de hecho se asienta sobre una filosofía o
más bien antropología de cuño personal, insiste en valorar la “dimensión interhumana” como su “mayor
aporte al existencialismo”. No discutiremos aquí la validez de esta afirmación. Cualquier lector de Gom-
browicz sabe su gusto por la provocativa grandilocuencia en la enunciación, eso que corre en su Diario
como correlato a la excentricidad intelectual que le deparó, en gran parte, su exilio argentino. Quiero,
más bien, marcar, a partir de cierta sugerencia de Jean Pierre Salgas en su Witold Gombrowicz, ou,
L’atheisme généralise (Seuil, 2000), cierta reciprocidad entre ese concepto gombrowicziano y el bajti-
niano de dialogismo.
Ambos, en primera instancia, parecen instaurar una crítica a la idea de identidad. Si, según Gom-
browicz, cada individuo está condenado “a rimar con el otro”, “a recitar lo humano” esta idea de dimen-
sión interhumana bien podría ser definida entonces a partir de la microsociología elaborada por Erwin
Goffman en Les rites d’interaction (1974). Erwin Goffmann, en efecto, se propone leer la pragmática
social como una verdadera representación dramatúrgica en la que cada actante se presenta y actúa de
acuerdo a un rol preestablecido, en el que importa menos la originalidad que el cumplimiento acabado
de las normas de interacción. Al llevar ese aspecto de la dinámica social al plano filosófico de la existen-
cia, Gombrowicz plantea así menos una subjetividad plena, que un sistema de relaciones en el que la
conciencia aparece como mero fenómeno: “Aunque tenga consciencia” – leemos en su Diario- como todo
en mí, es más bien una semiconsciencia y una cuasiconsciencia” (Diario 1: 85) Bakhtin, por su parte,
postula, como sabemos, que la conciencia del personaje de Dostoyevski está constantemente dirigida
al exterior pues, en virtud de su pleno carácter dialógico, sondearía a las otras conciencias provocando
una suerte de tensión interna en la que el personaje -o más bien la concepción unidimensional de éste-
parece desaparecer. Ambas concepciones, la de Gombrowicz y la de Bakhtin, parecen fundamentarse
así sobre un mismo presupuesto de interacción que, sabemos, ya había sido puesto en relieve en 1929
por Volochinov en su Marxismo y filosofía del lenguaje, texto en que la idea de “magma interdiscursivo”
o “interaccion verbal” se contrapone a las filosofías del lenguaje en aquel entonces contemporáneas:
aquellas que el propio Volochinov llama, por un lado, “subjetivismo idealista” (von Humboldt, Vossler y
la idea de que la lengua se genera a partir de la impulsión de una conciencia singular) y la que, por otro,
Volochinov decide denominar “objetivismo abstracto”, es decir, Saussure y la idea de la lengua como un
sistema de formas que, a través de leyes que rigen los lugares entre los signos, se impone a cualquier
consciencia subjetiva.
“Soy como una voz en la orquesta que tiene que entonar con el sonido de todo el conjunto, encontrar
el propio lugar en la melodía”: ¿debemos pensar que Gombrowicz está más cerca de esta concepción
estructuralista que de la interacción bajtiniana? La respuesta sería medianamente aceptable si no fuese
porque en Gombrowicz, la relativización del concepto de conciencia subjetiva convive con una intensa
prédica y práctica de la autenticidad como hacer artístico e intelectual: “ Yo soy el primero y sin dudas
el único de mis problemas, el único de mis héroes que verdaderamente poseo” (Volle, Jaques 1972 :
19); una poética de la primera persona plasmada en una obra que en gran parte, y en primera instan-
cia, podría ser calificada de autobiográfica (Diario), y autoficcional (de tenerse en cuenta las novelas o
“autoficciones” Transatlántico, La seducción y Cosmos).
¿Podríamos hallar en Bakhtin una idea semejante de autenticidad?
Argumentando que una de las tareas de la novela es denunciar toda perniciosa y falsa convención,
Bakhtin destaca el valor de la denuncia paródica del bufón:
Refiriéndose a la literatura polaca del exilio, Gombrowicz parece repetir el valor desenmascarador,
des-fachatante, de la parodia:
Durante demasiado tiempo” –dice- “habéis sido excesivamente literales, demasiado ingenuos en
vuestra lucha contra el destino. Os habéis olvidado de que el hombre no es únicamente él mismo, sino
que también se imita a sí mismo. Habéis echado al basurero todo lo que había en vosotros de teatro y
de histrionismo, y habéis intentado olvidarlo; hoy, a través de la ventana, veis que en el basurero ha
crecido un árbol que es una parodia de árbol. Suponiendo que naciera (lo cual no es seguro), nací para
desenmascarar vuestro juego. Mis libros no han de deciros: sed quienes sois, sino: fingís que sois quie-
nes sois. (Diario 1: 74).
En más de una ocasión Gombrowicz declara en su Diario que en momentos en que Polonia necesitaba
un Moisés, habría surgido un bufón (él mismo); un bufón que, sabemos, hacia el final de su novela Tran-
satlántico, se atreve aún, en momentos en que Polonia está siendo arrasada por la máquina de guerra
nazista, a la risa. Gombrowicz, en efecto, labra una actitud remisa a la plasmación directa de la tragedia,
a la seriedad que la tragedia impone, para labrar una ética estética (en el sentido de Kierkegaard), por
la cual recibe numerosos ataques de los grupos de exiliados polacos ingleses que entendían esa actitud
como raigalmente descomprometida.
Para volver a nuestra discusión, se diría que pese a que Gombrowicz nos alerte repetidamente en
su Diario que su filosofía sólo constata aquella inautenticidad radical de lo humano (Diario 2: 13) y que
no debemos esperar de ella “remedios” para aquel malaxante “rimar con los demás en la forma”, sabe-
mos que es precisamente en el Diario donde se esbozarán éticas capaces de construirse a partir de ese
conflicto. Estas éticas, sabemos, van desde la dostovieskana apelación a la confesión1, hasta el heracli-
teano culto a la metamorfosis2 (denunciado ya por Kierkegaard como una de las enfermedades del alma
estética, Kierkegaard: 51), alcanzando su mayor intensidad en un concienzudo histrionismo capaz, al
parecer, de convertir la malaxación del carácter en libertaria caricatura. Así, si el hombre está condenado
a “recitar lo humano”, le quedaría aún el recurso de vivir esa recitación-repetición histriónicamente, es
decir invalidándola como auténtica y a plena conciencia de su carácter falaz
La autenticidad entonces, como en la bufonería descripta por Bakhtin, es necesariamente paródica,
actuada desde prácticas oblicuas, desde gozosas y lúcidas astucias: todas aquellas formas de la burla,
la incomprensión y la impertinencia que pueden conjugar la raigalmente inauténtica condición humana
con una expresividad histriónica donde el yo puede decirse a través de una ficción alegre que es también
una angustiosa alegría ficticia.
Creo que este es el punto en el que podemos evaluar desde un nuevo ángulo el problema teórico
que parece inherente al concepto de autoficción.
En efecto, en un tramo de El Pacto autobiográfico (1975), Léjeune se pregunta si el héroe de una
novela puede tener el mismo nombre que el autor. A pesar de reconocer que nada impediría esta po-
sibilidad no se le ocurre ningún ejemplo práctico, así Gombrowicz con su Transatlántico (1952) parece
verdaderamente un precursor en la explotación de un género que ni siquiera todavía había sido enun-
ciado teóricamente.
Si tanto la biografía como la autobiografía no se distinguirían en tanto ambas precisan de la conciencia
1 Así, en el Diario, podemos leer que “No se trata, pues, de que el hombre haya de desprenderse de su máscara –pues detrás de ella no tiene ninguna
cara-; lo único que se le puede exigir es que tome conciencia de su artificiosidad y que la confiese. Si estoy condenado a la falsedad, la única sinceridad
posible para mí consiste en confesar que la sinceridad está fuera de mi alcance” (Diario 2: 13). Esta actitud quizás sea la más frecuente entre los personajes
gombrowiczianos, algunos de ellos eminentemente confesionales.
2 Si, como lo ha enunciado en diversas ocasiones Gombrowicz, toda forma deforma, es decir, lleva en sí la maldición de la alienación, esta segunda actitud
propone la metamorfosis continua del hombre de tal modo que su rostro no se petrifique en ninguna forma Para un análisis de la figura del camaleón que
propongo como símbolo de esta actitud ver Valérie Deshoulières: “Witold Gombrowicz: Toward a Romantic Theory of Incompleteness” en Ziarek, Ewa Plo-
nowska (org.), Gombrowicz’s Grimaces. Modernism, Gender, Nationality. New York, State University of New York Press, 1998. En este artículo se analiza,
desde los presupuestos de Heráclito, la obsesión de Gombrowicz por el movimiento y se indaga en la figura del camaleón como metáfora de la metamorfosis.
El artículo se remite así a la teoría del camaleón de Keats, y a sus implicaciones en Musil y Cortázar.
Estas aventuras que “duran ya diez años en la capital argentina” se narran desde la resistencia a
servirse de las mismas como redención (¡Ay, cuánto mejor sería no llevármela a la Boca para evitar mi
Condenación eterna!), y desde una irreverencia singularmente conjugada a lo trágico. Estas aventuras
no se escriben para dios, y tampoco para la patria (la nación polaca que sabemos que Gombrowicz juz-
ga perversamente aliada a la virtud cristiana y católica) sino, simplemente, para “comunicarselas” a la
Familia, a los parientes y amigos.
Si Bakhtin lee aquella “consciencia ajena” que organiza y narra la autobiografía como la anticipación
del recuerdo que la vida del yo del relato dejará en la vida de los otros -con todo lo que esto implica de
mancomunidad y sostén de los valores morales- (Bakhtin 1984: 160), puede entenderse porque Gom-
browicz, un crítico radical de los valores de la sociedad polaca, opta por una forma que pone los funda-
mentos del relato autobiográfico en estado de alarma, actitud que bien podría extenderse a su propio
Diario, al que se le ha reprochado, -durante su publicación original en Kultura- su circunstancialidad, su
falta raigal de trascendencia, aquello que, precisamente, erige su valor literario.
Frente al desdoblamiento de la consciencia que exige la autobiografía, la autoficción asume así la
transgresión lógica de una simultaneidad que impide cualquier tipo de exotopia (esa capacidad, según
Bakhtin, que el autor poseería de vislumbrar el espacio y el tiempo de su héroe3). De aquí que la subje-
tividad de Gombrowicz en Transatlántico jamás llegue a alcanzar una identidad, jamás llegue a formarse
-a madurar-, apelando a las idas y vueltas, a un deambuleo, a un vagar propio del borderline: “Extraviado
como en un Bosque – confiesa Gombrowicz apenas desembarcado en Buenos Aires- entre tantos nuevos
rostros desconocidos, me perdía entre dignidades y títulos, confundía personas, asuntos y cosas, bebía
o no bebía vodka y, como a tientas en medio del campo, deambulaba” (Transatlántico: 12).
El bufón, decíamos en la cita de Bakhtin, puede optar por varias formas, pero una de ellas, quizás la
más fuerte, es, precisamente, la del vagabundo. Quien recuerde Ferdydurke o Transatlántico, recordará
lo central que es en estos textos el indefinido andar, la vagarosa marcha, la deriva existencial de sus
personajes. La autoficción puede leerse así como una transgresión bufa de la autobiografía, como una
ficción alegre de imposible (o histriónica) autenticidad, un recurso de la astucia que subvierte valores
estéticos y morales, un simulacro de expresión sobre la condición esencialmente heterogénea o múltiple
que tanto Bakhtin como Gombrowicz formularon sobre la consciencia y sus modos de enunciación.
Bibliografía
BAKHTINE, Mikhaïl Esthétique et Théorie du roman, Gallimard, Paris, 1978.
_________________. Esthétique de la création verbale, Gallimard, Paris, 1984.
_________________.Problèmes de la poétique de Dostoïevski, L’Âge d’homme, Lausanne, 1970.
BAKHTINE, Mikhaïl / V.A. VOLOCHINOV. Le Marxisme et la philosophie du langage – Essai d’application de la
méthode sociologique en linguistique, Editions de Minuit, 1977.
GENETTE, Gerard. Ficción y dicción, Barcelona, Lumen, 1993.
GOFFMAN E. Les rites d´interaction, Paris, Minuit, 1974.
GOMBROWICZ, Witold . Diario 1, Madrid, Alianza, 1988.
_____________________. Diario 2, Madrid, Alianza, 1988.
Resumo
A emergência mais recente do conceito de gênero no domínio da pesquisa acadêmica, no Brasil, tem
sido marcada por modos diversos de articulação de aportes teóricos advindos de diferentes tradições
disciplinares. Assim, ao ser considerado pertinente para os estudos da linguagem, o conceito de gênero
parece suscitar, entre outras, questões sobre as fronteiras entre os estudos do texto, os do discurso e
aqueles preocupados com questões didáticas. Nesse contexto, o pensamento bakhtiniano permanece como
a principal referência teórica de que se apropria o debate sobre gênero. A partir dessas considerações,
propomo-nos a analisar os modos de reformulação das percepções bakhtinianas em um conjunto de
artigos científicos publicados, no Brasil, entre 1998 e 2002, em coletâneas organizadas especificamente
com a finalidade de discutir gênero.
Résumé
La récente émergence du concept de genre dans le domaine de la recherche académico-scientifique
brésilienne est marquée par des manières différentes d’articuler les apports théoriques liés à maints
courants disciplinaires. C’est pour quoi le genre est devenu un concept qui joue un rôle important dans
la délimitation des frontières entre les études textuelles, les études à visée discoursive-énonciative et
celles explicitement préoccupées par des questions didactiques. Dans cette conjoncture intelectuelle, la
réflexion bakhtinienne sur le problème du genre est la référence théorique la plus importante. A partir
de cette supposition, nous nous proposons d’analyser les modes de réformulation des idées de Bakhtin
dans un ensemble d’articles scientifiques publiés au Brésil entre 1998 et 2002 dans des récueils dont le
but est de discuter la question du genre.
0. Introdução
A emergência mais recente do conceito de gênero no domínio da pesquisa acadêmica, no Brasil, tem
sido marcada tanto pela pluralidade de temas e objetivos enfatizados no debate sobre esse conceito quanto
por modos diversos de articulação de aportes teóricos advindos de diferentes tradições disciplinares.
A partir dessas percepções, confirmadas em trabalho anterior em que analisamos algumas tendências
dos estudos sobre gênero na pesquisa acadêmica brasileira (v. Gomes-Santos, 2002), propomo-nos a
focalizar, neste estudo, as formas de retomada da reflexão bakhtiniana sobre gênero quando da tema-
tização do conceito. Utilizamo-nos, para tanto, de um conjunto de artigos científicos publicados, entre
1998 e 2002, em coletâneas organizadas especificamente com a finalidade de tematizar o conceito de
gênero (42 artigos).
Cabe assinalar que a seleção dos artigos orientou-se pelo critério de tematização do conceito de gê-
nero. Tematizar o conceito de gênero consistiu, conforme opção metodológica deste estudo, em estabe-
lecer algum tipo de relação entre o objeto e as questões de pesquisa de que se ocupam os trabalhos e o
conceito de gênero, mesmo que esse conceito, em alguns trabalhos, esteja apenas pressuposto. Segue
o quadro das coletâneas em que foram publicados os artigos que constituem o corpus deste estudo.
Título da coletânea Organizadores Vínculo instituci- Editora/ Local, No. de artigos por
onal dos organiza- Data de publi- coletânea
dores cação
A. Gêneros do dis- M. H. N. Brandão USP Cortez Editora/ 5
curso na escola São Paulo, 2000
B. Gêneros tex- A. P. DionísioA. UFPEPUC-SPUFPB Lucerna/ Rio de 15
tuais e ensino R. MachadoM. A. Janeiro, 2002
Bezerra
C. Gêneros tex- J. L. MeurerD. UFSCUFSM EDUSC/Bauru 13
tuais Motta-Roth (SP), 2002
D. A prática de R. Rojo PUC-SP EDUC e Mercado 9
linguagem em sala de Letras/São
de aula – prati- Paulo e Campinas,
cando os PCNs 2000
TOTAL 42
Os artigos selecionados foram organizados segundo quatro categorias: i) enfoques temáticos; ii)
aportes teóricos; iii) tipos de dados analisados; iv) contextos institucionais de constituição dos dados
analisados. O estabelecimento dessas categorias decorreu, por um lado, do estudo exploratório que
mencionamos (Gomes Santos op. cit.) e da leitura de trabalhos que tiveram a proposta de estabelecer
uma espécie de estado do conhecimento sobre a alfabetização no Brasil (Soares 1989); sobre a aqui-
sição e o ensino da escrita (Caron et al.: 2000); sobre as relações entre lingüística, ensino de língua e
formação de professores (Geraldi et al.: 1996) e ainda sobre a circulação do conceito de gênero (Rojo:
mimeo). Por outro lado, a própria leitura dos artigos possibilitou a depreensão de informações que se
constituíram elementos para o estabelecimento das categorias mencionadas.
Optamos por apresentar, a seguir, apenas a categoria relativa aos aportes teóricos a que fazem
recurso os trabalhos quando do tratamento da questão do gênero. Mais especificamente, a análise do
corpus privilegiará a observação dos modos de reformulação da reflexão bakhtiniana sobre gênero e a
articulação que se busca estabelecer entre essa reflexão e o fenômeno mais recente de retorno do debate
acadêmico-científico sobre o conceito de gênero.
1. Aportes teóricos do tratamento da questão do gênero
Organizamos, nessa categoria, os trabalhos segundo os aportes teóricos que os fundamentam e/ou
orientam os procedimentos metodológicos da análise que propõem. Vale assinalar os modos diversos
de retomada de aportes teóricos nos trabalhos analisados: eles podem servir para subsidiar a análise
dos dados, para discutir o conceito de gênero do ponto de vista teórico ou ainda para construir uma
determinada visada teórica/histórica do conceito, entre outras possibilidades. Como veremos, não há
como estabelecer limites muito rígidos entre os aportes teóricos de que se utilizam os trabalhos, já que
o mais comum é o entrecruzamento de referências teóricas advindas de tradições disciplinares diversas.
Dado esse fato, optamos por considerar os aportes teóricos apresentados a seguir em termos de maior
ênfase/dominância com que aparecem nos trabalhos.
Inicialmente, pode-se destacar no conjunto dos dados dois agrupamentos que se distinguem dos de-
mais em função do modo como se apropriam dos aportes teóricos: por um lado, os trabalhos que não se
utilizam de aporte teórico particular em função da própria natureza da investigação. Trata-se de estudos
cujo enfoque circunscreve-se à problematização teórica do conceito de gênero pelo confronto de uma ou
de várias correntes teóricas. Nesse caso, pode-se dizer que os aportes teóricos são o próprio objeto sob
análise e não têm propriamente função operatório-metodológica para a análise de um corpus no contexto
do estudo. Por outro, os trabalhos que conjugam diversos aportes teóricos advindos não exatamente dos
estudos lingüísticos e/ou não necessariamente ligados à reflexão sobre gênero.
Seguem as tabelas que contemplam esses trabalhos.
Uma das principais tendências na pesquisa acadêmica sobre gênero é a retomada do pensamento
bakhtiniano, associado a outros aportes teóricos. Essa complementaridade é recorrente em grande parte
dos trabalhos analisados e assume nuanças diferentes segundo modos de remissão diversos às idéias
de Bakhtin e de articulação de seu pensamento com outros estudos. Dada a relevância do recurso ao
pensamento bakhtiniano, podemos distinguir dois grandes procedimentos de utilização de aportes teó-
ricos no corpus: i) trabalhos que de algum modo retomam as idéias de Bakhtin e as articulam a outros
estudos e ii) trabalhos que se utilizam de outros aportes sem referência explícita a Bakhtin.
No primeiro caso, as articulações com o aporte teórico bakhtiniano podem assumir as particularidades
expostas a seguir:
a) a articulação entre Bakhtin, o grupo de Genebra e/ou outros autores. Os trabalhos que mencionam
tais aportes teóricos trazem um interesse explicitamente marcado pela descrição de gêneros para fins
didático-pedagógicos. Trata-se de estudos que propõem a caracterização de gêneros para o ensino de
línguas, de leitura e de escrita e/ou tematizam outras questões didáticas como formação de professores
etc. Bastante freqüente, nos trabalhos agrupados nesse bloco, é a referência ao interacionismo sócio-
discursivo, conforme proposto por Bronckart e o grupo de pesquisadores a ele associado. Aparecem,
também com freqüência, as menções a Marcuschi e a Vygotsky, entre outras. Enquanto Bakhtin perma-
nece como o aporte teórico fundante da definição de gênero, os demais aportes teóricos são convocados
como forma de clarificar o conceito de gênero bakhtiniano, por meio tanto da problematização teórico-
epistemológica do mesmo, quanto da proposição de dispositivos operatórios para a análise de dados
de diversa natureza. Além disso, alguns dos demais aportes teóricos dão suporte para a discussão de
questões conexas à discussão sobre gênero, tais como letramento, formação em serviço, ensino-apren-
dizagem de língua etc.
b) a articulação entre Bakhtin e outros autores de tendências variadas. A remissão ao pensamento
bakhtiniano, nesse caso, associa-se à citação de autores os mais diversos, isto é, daqueles cujo pertenci-
mento disciplinar não pode ser marcadamente delineado ou ainda daqueles não necessariamente ligados
aos estudos da linguagem, em geral, e aos estudos do gênero, em particular. Esse modo de associação
subsidia a discussão sobre gênero em trabalhos que trazem os mais diversos objetivos, tais como: a
caracterização e a descrição de gêneros (mito, cartas do leitor, notícias e artigos de opinião, cordel etc.)
e/ou a análise de macrotemáticas em gêneros particulares (estratégias de ataque à face, o papel da
polifonia discursiva, relações interdiscursivas etc.), entre outros casos. Assim, o modo de articulação
mencionado parece ser sobredeterminado – de modo bastante explícito nesse bloco de trabalhos – pelo
enfoque temático, pelos objetivos e pelo tipo de corpus de que se ocupam os trabalhos.
c) a articulação entre Bakhtin, a teoria do discurso de linha francesa e/ou os estudos de história das
idéias e mentalidades. Os trabalhos agrupados nesse bloco convocam autores e estudos explicitamente
identificados com a teoria francesa do discurso e/ou ligados à história das idéias e das mentalidades.
Estudos francófonos como os de Pêcheux, Foucault, de Certeau, Chartier, Maingueneau, Reboul etc. as-
sociam-se à reflexão bakhtiniana em trabalhos que buscam, por exemplo, problematizar o conceito de
gênero e sua relação com a noção de tipologia textual, entre outros aspectos.
d) a articulação entre Bakhtin e estudos de gênero anglo-saxãos. Essa última forma de associação
do pensamento bakhtiniano com outros aportes teóricos é efetivada pelo recurso a modelos advindos de
estudos anglófonos como o de N. Fairclough e a área de pesquisas denominada Análise Crítica do Dis-
curso e/ou a estudos mais especificamente ligados à questão do gênero, como os de Bathia e de Swales
– bem como de pesquisadores brasileiros de mesma corrente teórica.
Com base nessa definição, a autora propõe quatro modalidades de reformulação, a saber: a me-
talinguagem (paráfrase in praesentia); a diáfora (o conjunto de mecanismos que asseguram a coesão
textual por meio da anáfora e da catáfora); a tipografia (sinais de pontuação, aspas, parênteses, negrito
e itálico) e a equivalência distribucional (paráfrase in absentia).
As percepções de Jacobi e de Mortureux servem, no caso da análise a seguir, como sugestão para um
certo tipo de tratamento das ocorrências lingüísticas presentes nos artigos e não exatamente, conforme
veremos, como modelo de análise ao qual poderiam ser remetidas essas ocorrências.
Como mencionamos anteriormente, há modos diversos de citação do pensamento bakhtiniano nos
trabalhos analisados: a remissão a esse pensamento pode servir para marcar um certo pertencimento
disciplinar/institucional do estudo em questão, para definir o objeto-gênero do ponto de vista teórico,
para subsidiar a análise dos dados, para descrever fenômenos lingüísticos, para caracterizar determina-
dos gêneros, entre outras possibilidades. Assim, interessa-nos detectar não apenas os modos de citação
(como se cita), mas também o papel dessa citação (para que se cita) nos trabalhos sob análise. Seguem
as ocorrências em que se configuram esses procedimentos de citação.
2.1. A explicitação de um pertencimento disciplinar, teórico e/ou institucional particular pela referência
à perspectiva teórica bakhtiniana. Nesse caso, busca-se encapsular sob uma determinada nomeação a
filiação explícita ao aparelho teórico bakhtiniano:
(1) A base teórica que assumimos em relação à linguagem concentra-se na abordagem
As diferentes nomeações do aporte teórico bakhtiniano podem indicar pelo menos duas ênfa-
ses quando da utilização desse aporte para o tratamento do conceito de gênero: a ênfase no aspecto
comunicacional (sócio-interativo) – isto é, na dimensão comunicativa das práticas verbais – e a ênfase
no aspecto enunciativo – na ancoragem enunciativo-discursiva das marcas lingüísticas presentes em
produções de linguagem tomadas como gênero.
2.2. A retomada das percepções bakhtinianas sobre gênero, como forma de definir esse objeto. Nesse
caso, as tentativas de definição do objeto-gênero podem consistir:
a) em reformulação do sintagma gêneros discursivos (e de suas variantes gêneros do discurso, gênero
etc.) pelo uso dos dispositivos de posposição ou anteposição, o que se configura tanto pela pontuação
(vírgulas, travessões etc.) quanto por expressões reformuladoras (isto é) ou ainda por expressões ge-
néricas (o termo):
(5) Para Bakhtin (1953), a cada tipo de atividade humana que implica o uso da linguagem
correspondem enunciados particulares, os gêneros do discurso. Enquanto os gêneros são
relativamente estáveis, os textos que os materializam são extremamente variáveis e ma-
leáveis (Bronckart, 1997; Dolz e Schneuwly, 1996), o que torna difícil a sua classificação.
(p. 74) [B.5.]
(6) O presente trabalho está embasado, primordialmente, na abordagem de gênero de Bakhtin
(1992). Para o autor, sempre que falamos, utilizamos gêneros do discurso, ou seja, todos
os enunciados são constituídos a partir de uma forma padrão de estruturação. Dessa forma,
gênero pode ser definido como ‘tipos relativamente estáveis de enunciados’, elaborados por
cada esfera de utilização da língua. Esses enunciados relativamente estáveis são construídos
sociohistoricamente e se relacionam diretamente a diferentes situações sociais, sendo que
cada situação gera um determinado gênero com características temáticas, composicionais
e estilísticas próprias. (pp. 87-88) [B.6.]
(7) Parece-nos ainda que já se estabeleceram certas convenções relativas às produções
verbais aí possíveis, esperando-se de uma pessoa não habituada a freqüentar as salas de
bate-papo uma rápida adaptação, na situação, de seu discurso às formas do gênero, ou
seja, ao tipo de conteúdo que aí se espera, ao tipo de estilo e de construção composicional
de seus enunciados que são, para Bakhtin, os três elementos que caracterizam um gênero.
Na falta dessa adaptação, o produtor seguramente não será bem sucedido na sua tentativa
de interação verbal via chat. (p. 88) [B.6.]
(8) Na concepção teórica, o conceito bakhtiniano de gênero pode ser pensado como um
evento recorrente de comunicação em que uma determinada atividade humana, envolvendo
papéis e relações sociais, é mediada pela linguagem (Motta-Roth, 1998b, p. 127). Gênero,
aqui, está relacionado a constantes inscritas em textos que representam um dado evento
comunicativo (p. ex., um texto publicitário, um programa de entrevistas na televisão, uma
reportagem jornalística ou um editorial em revistas femininas). O termo, amplamente uti-
lizado pela retórica, pela teoria literária, pela lingüística e, mais recentemente, pela teoria
midiática, é adotado neste trabalho para fazer referência a diferentes classes ou tipos de
textos. (p. 261) [C.12.]
(9) Os gêneros, como espaço de permanente mobilidade e transformação, podem ser ca-
racterizados como espaços dinâmicos capazes de incorporar transformações que se impõem
historicamente.
A visão bakhtiniana, conforme se observa, aproxima-se da idéia de mobilidade e dinamici-
dade assumida também por Todorov e já explicitada neste trabalho. Com essa possibilidade,
apesar do caráter regulador e estabilizador, um gênero, antes de ser um sistema que limita
a criatividade, que enclausura a aprisiona produtores e receptores, é um sistema que os
orienta para a produção e recepção de textos adequados a situações específicas, em épocas
também específicas. (pp. 270-1) [C.12.]
(10) Para o autor [Bakhtin], é nas diferentes esferas da atividade e comunicação humana
que se constituem os enunciados, que refletem as condições específicas da sua esfera pelo
Além dos dispositivos mencionados, o objeto-gênero pode ainda ser definido por meio de estratégias
de equivalência. Nesse caso, a definição do objeto opera-se pelo uso do verbo-cópula ser e/ou por outros
verbos que apresentam um funcionamento designativo similar ao do verbo ser.
(11) Daí dizer-se que os gêneros são modelos comunicativos. Servem, muitas vezes, para
criar uma expectativa no interlocutor e prepará-lo para uma determinada reação. Operam
prospectivamente abrindo o caminho da compreensão, como muito bem frisou Bakhtin
(1997). (p. 33) [B.1.]
(12) Cada gênero tem seu estilo verbal próprio. Como coloca Bakhtin, os estilos lingüísticos
são estilos de gêneros. Os gêneros do discurso se constituem como uma das grandes forças
de estratificação interna da língua (Bakhtin, 1993a). (p. 212) [D.8.]
Por fim, a reformulação do sintagma gêneros do discurso pode configurar-se pelo uso de expressões
de modalização epistêmica como nos termos de, tal como entendidos por etc.:
(13) Se as sociedades e culturas são inúmeras e se suas atividades (também inúmeras) são
mediadas pela linguagem, os modos de utilização dessa linguagem são tão variados quanto
variadas forem as atividades humanas, as quais vão moldando a linguagem em enunciados
relativamente estáveis, no dizer de Bakhtin (1997), garantindo a comunicação verbal. Esses
enunciados constituem os gêneros (discursivos, para esse autor) textuais, como chamaremos
aqui. (p. 209) [B.15.]
(14) Conforme já mencionado, o gênero envolve uma rede complexa de relações entre escri-
tos, leitor, editor, editora, etc. (...) O gênero funciona assim como um pronunciamento, como
um mecanismo de verificação de qualidade da tradição literária, exercendo algum tipo de
força centrípeta (nos termos de Bakhtin) em acomodar o novo livro na rede de publicações
existente e no atual estado de conhecimento da disciplina. (p. 88) [C.3.]
(15) É sempre bom lembrar que os gêneros, tal como entendidos por Bakhtin, são formas
oriundas de diferentes esferas de comunicação e não formas estabelecidas aprioristicamente.
(p. 162) [D.5.]
b) em reformulação do enunciado do autor segundo o qual “gêneros do discurso são tipos relativa-
mente estáveis de enunciados das várias esferas da atividade humana” (Bakhtin [1952-3] 1997: 279).
A reformulação pode se configurar como retomada desse enunciado com ou sem renomeação do termo-
pivô tipos de enunciados. Para o caso em que há retomada com renomeação, temos:
(16) (...) os gêneros textuais não se caracterizam como formas estruturais estáticas e defi-
nidas de uma vez por todas. Bakhtin [1997] dizia que os gêneros eram tipos ‘relativamente
estáveis’ de enunciados elaborados pelas mais diversas esferas da atividade humana. São
muito mais famílias de textos com uma série de semelhanças. Eles são eventos lingüísticos,
mas não se definem por características lingüísticas: caracterizam-se, como já dissemos,
enquanto atividades sócio-discursivas. Sendo os gêneros fenômenos sócio-históricos e
culturalmente sensíveis, não há como fazer uma lista fechada de todos os gêneros. (p. 29)
[B.1.]
(17) Esta era também a posição central de Bakhtin [1979] que, como vimos, tratava os
gêneros como atividades enunciativas “relativamente estáveis”. (p. 35) [B.1.]
(18) A interação verbal efetiva-se por meio de enunciados considerados relativamente está-
veis, chamados de gêneros, embora essa estabilidade deva ser examinada com ressalvas,
porque os gêneros estão em constantes transformações. (...) Foi esse conceito que nos
possibilitou realizar um trabalho de letramento escolar, com base nos gêneros de uso social,
dentre eles, os textos de opinião. (p. 59) [B.4.]
(19) Os gêneros, como formas relativamente estáveis de enunciados historicamente deter-
minados, opõem-se ao ensino organizado a partir de tipologias textuais como a narração, a
descrição e a dissertação, invariavelmente adepto da utilização de textos petrificados e fora
do fluxo vital da organização e da vida social. (pp. 127-8) [D.5.]
O modo de reformulação do sintagma tipos de enunciados parece indicar modos de definição diversos
do objeto-gênero, na medida em que, ao ser renomeado, esse sintagma pressupõe posicionamentos
teóricos particulares, manifestos nas expressões: famílias de textos, eventos lingüísticos, atividades
sócio-discursivas, fenômenos sócio-históricos e culturalmente sensíveis, atividades enunciativas, enun-
ciados, formas etc. A observação dessas expressões permite assinalar propriedades de natureza diversa
tomadas como supostamente constitutivas do objeto-gênero, fundadas no entrecruzamento de critérios
tanto circunscritos à dimensão propriamente textual do objeto (famílias de textos, formas), quanto os
que se relacionam a sua realidade sócio-histórica (fenômenos sócio-históricos e culturalmente sensíveis)
– para ficar em alguns exemplos.
c) em reformulação da definição de gênero bakhtiniana por meio de remissão a contribuições de outros
estudos de gênero, como modo de precisar teoricamente o conceito e de atribuir-lhe um pertencimento
disciplinar explícito. Vejamos:
(25) Partimos do pressuposto básico de que é impossível se comunicar verbalmente a não ser
por algum gênero, assim como é impossível se comunicar verbalmente a não ser por algum
texto. Em outros termos, partimos da idéia de que a comunicação verbal só é possível por
algum gênero textual. Essa posição, defendida por Bakhtin [1997] e também por Bronckart
(1999) é adotada pela maioria dos autores que tratam a língua em seus aspectos discursivos
e enunciativos, e não em suas peculiaridades formais. (p. 22) [B.1.]
(25) Enquanto Dolz e Schneuwly (1996) desenvolvem a idéia metafórica de gênero como
(mega)instrumento para agir em situações de linguagem, Bakhtin concebe os gêneros do
discurso como tipos de enunciados criados dentro dos vários campos da atividade humana.
(p. 48) [B.3.]
(26) Aprofundando a concepção de Bakhtin, Schneuwly desenvolve a tese de que os gêne-
ros se constituem como verdadeiras ferramentas, baseando-se no conceito de ferramenta
de Marx & Engels (...).Dessa forma, o sujeito sempre age utilizando a linguagem em uma
determinada situação com a ajuda de uma ferramenta (do gênero, para Bakhtin). (p. 89)
[B.6.]
(27) Retomando a afirmação de Bakhtin de que sempre nos comunicamos com base em um
gênero e que, sem eles, a comunicação humana seria praticamente impossível, Schneuwly
(1994: 160-162) defende a tese de que, nas atividades de linguagem, os gêneros se cons-
tituem como verdadeiras ferramentas semióticas complexas que nos permitem a produção
e a compreensão de textos. (p. 139) [B.10.]
(28) Depois de Bakhtin (1992), os estudos sobre gêneros têm sido atualizados com uma
classificação (ou listagem, Marcuschi, 2000) mais aberta, pois a noção de gênero tem sido
aplicada a todos os conjuntos de produções verbais organizadas, orais ou escritas. Disso
resulta que qualquer espécie de texto pode atualmente ser designada em termos de gênero
e que, portanto, todo exemplar de texto observável pode ser considerado como pertencente
a um determinado gênero (Bronckart, 1999: 73). (p. 151) [B.11.]
(29) Ao discutir o conceito de gênero já desenvolvido por Bakhtin, Maingueneau (2000, p.
64-68) considera que os gêneros textuais são atividades sociais que se submetem a critérios
de êxito, da mesma forma que os atos de fala. (p. 203) [C.8.]
(30) Três estudiosos fundamentam as bases dessa concepção de linguagem: 1) Wittgenstein
(1961), na filosofia da linguagem; Vygotsky (1934, 1935), na psicologia do desenvolvimen-
to; e Bakhtin (1929, 1953/1979), estudioso de várias áreas do saber como a lingüística
***
Para concluir esta seção, não é inútil lembrar que as ocorrências elencadas anteriormente não es-
gotam o conjunto de referências feitas ao pensamento bakhtiniano no corpus de que nos ocupamos. A
eleição das ocorrências supracitadas, bem como a interpretação que delas propusemos, embora bastante
representativas do que se pode detectar no conjunto de artigos analisados, não anulam a possibilidade
de que outras nuanças do pensamento bakhtiniano sejam apreendidas quando de sua apropriação pelo
debate brasileiro sobre gênero. Segue o quadro-síntese da organização dos dados quanto a esses modos
de citação nos artigos analisados.
Tabela 5: Modos de citação do pensamento bakhtiniano
ii) A retomada das percepções a) reformulação do sintagma gêneros discursivos pelo uso dos
bakhtinianas sobre gênero, como dispositivos de posposição ou anteposição;
forma de definir esse objeto. b) reformulação do enunciado do autor segundo o qual “gêneros
do discurso são tipos relativamente estáveis de enunciados das
várias esferas da atividade humana” com ou sem renomeação do
termo-pivô tipos de enunciados;
c) reformulação da definição de gênero bakhtiniana por meio
de remissão a contribuições de outros estudos de gênero, como
modo de precisar teoricamente o conceito e de atribuir-lhe um
pertencimento disciplinar explícito.
Evandra Grigoletto
RESUMO I
O presente trabalho propõe uma reflexão acerca do conceito do discurso de ‘’outrem’, introduzido
por Bakhtin (1929) em sua obra “Marxismo e Filosofia da Linguagem”, fazendo uma aproximação/com-
paração com o conceito de heterogeneidade, preconizado pela Escola Francesa de Análise do Discurso.
Pretendo, dessa forma, mostrar como o outro se incorpora ao discurso do ‘um’ para produzir sentido, o
que supõe que nenhum discurso é homogêneo, nem desprovido de sujeito, sendo sempre atravessado
por outros discursos, outras vozes. Para analisar, então, o funcionamento do discurso do outro, tomarei
alguns enunciados do discurso de divulgação científica como exemplos, partindo da discussão feita por
Bakhtin avançando à noção de heterogeneidade na Análise do Discurso.
RESUMO II
The present paper aims at a consideration on the concept of “someone else’s” discourse, brought
up by Bakhtin (1929) in “Marxism and the Philosophy of Language”, compared to the concept of hete-
rogeneity, supported by the French Discourse Analysis. Thus, I intend to demonstrate how the “other
one” is embodied in the “one’s” discourse to construct meaning, on the grounds that discourse is neither
homogeneous, nor unfurnished of a subject, being always crossed by other discourses, other voices. In
order to analyze the other one’s discourse functioning, I will take as examples some utterances of the
scientific divulgement discourse, from Bakhtin’s discussion, moving towords the notion of heterogeneity
in the Discourse Analysis.
Tal comentário dos autores atesta que a apropriação da palavra de outro vai ter uma relação direta
com o sentido de um discurso, o qual é construído a partir das determinações sociais e ideológicas. Por
outro lado, estamos diante de um sujeito, embora histórico, consciente de suas escolhas, com controle
sobre o seu dizer.
Para mostrar o funcionamento dessas tendências de orientação do discurso citado e do discurso
narrativo, Bakhtin elege alguns esquemas de transmissão, como é o caso do discurso direto e indireto
em textos literários, esclarecendo que é impossível estabelecer uma fronteira estrita entre o esquema
gramatical e sua variante lingüística, já que não se pode divorciar a gramática da estilística. Segundo
Rua Carlos Delgado Guerra Pinto, 335 at. 301 Jardim Camburi
Resumo I
A partir da concepção de Gêneros do Discurso – construído por Bakhin – e tomado pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais como objetos de ensino, este trabalho analisa o tratamento dado ao gênero poé-
tico – materializado em poemas – nos livros didáticos destinados aos terceiro e quarto ciclos do Ensino
Fundamental, recomendados pelo Programa Nacional do Livro Didático 2002, por meio das questões
de interpretação de textos propostas. No processo de análise de seis coleções, as questões foram ca-
tegorizadas de forma que é possível identificar que a leitura privilegiada ainda é a parafrástica e que
os poemas são configurados não como gêneros discursivos, mas como gêneros textuais, deslocados de
condições de produção e recepção discursivas e cujo pressuposto fundamental é que são portadores de
um sentido que ao leitor caberá decifrar.
Resumo II
From the conception of Speech Genres – constructed by Bakhtin –and taken by the National Curricular
Parameters as teaching objects, this work analyzes the treatment given to Poetic genre – materialized
in poems – in didatic books destined to the third and fourth cycles of Basic School, recommended by the
National Program of Didatic Book 2002, by means of proposed texts interpretations questions. In the
six collections analysis process the questions were categorized in a way that is possible to identify that
the privileged reading is still paraphrastic and that poemas are configured as textual genres, displaced
of their discourse production and reception conditions and that the fundamental assumption is that they
carry a meaning that the reader will have to decipher.
1. Introdução
A lógica que orienta este trabalho é a da interrogação acerca da existência de uma relação entre
gêneros discursivos e livros didáticos, questão da qual tenho me ocupado e da qual tornarei cúmplices
os que lerem este texto.
A intenção é partilhar, não somente a interrogação, mas também algumas reflexões que se somam
a tantas outras, que se constituem como vozes no discurso coletivo que manifesta uma série de preo-
cupações acerca do exercício do ensinar e do aprender na escola.
Antes de iniciar a partilha, é preciso fazer duas considerações inicias: primeiro, este trabalho é fruto
de uma pesquisa cujo olhar está marcado socialmente, sou professora – formadora de professores, assim
construo o meu diálogo como estes objetos, de circulação social: livros didáticos.
Não se trata de um olhar que pretende revelar subentendidos e também não se trata de desconsiderar
outras leituras que são feitas com e sobre esses objetos.
Muito pelo contrário, creio que seja extremamente importante considerar aqui um diálogo de outra
natureza que cotidianamente os professores travam em suas salas de aula, quando do uso desse material
como recurso de trabalho recriam-no como sujeitos de sua ação pedagógica.
Segundo: não pretendo discutir a validade desse material — se são do bem ou do mal, como costumam
alguns dividir o mundo — não é disso que se trata, nem tampouco pretendo discutir a apropriação pelos
professores desses livros. Trato-os como objetos reais com os quais me defronto e que pretendo com-
preender como discurso que se materializa nas esferas de circulação social, em especial na escolar.
Para realizar a pesquisa, parto objetivamente de dois pressupostos, que provocaram a interrogação
inicial – as duas ações de políticas públicas educacionais criadas pelo Governo Federal e que têm pro-
gressivamente, nos últimos anos, ganhado espaço e deflagrado outras ações – aquelas que se desen-
rolam no espaço escolar: os Parâmetros Curriculares Nacionais ( PCN ) e o Programa Nacional do Livro
Didático (PNLD).
Ao tomar em consideração que os PCN são referencial para aquisição de material didático, cabe apre-
sentar aqui como o PNLD ressignificou os pressupostos então dos PCN.
O Programa Nacional do Livro Didático consiste numa série da ações que vão da avaliação dos livros
didáticos à distribuição a todas as escolas brasileiras de Ensino Fundamental, passando por programas
de formação de escolha e uso de livros pelos professores e outros profissionais da educação e que tem
certamente grande responsabilidade pelo interesse que esses objetos tem constituído nas pesquisas
acadêmicas.
O PNLD, como política articulada aos PCN toma os gêneros discursivos como conteúdo a ser ensinado
e seu tratamento ou abordagem nos livros didáticos como aspecto a ser avaliado.
Assim, entre os critérios classificatórios de avaliação encontram-se:
· relativos à natureza do material textual:
os gêneros discursivos e os tipos de texto selecionados para o livro didático devem ser os mais di-
versos e variados possíveis, manifestando também diferentes registros, estilos e variedades ( sociais e
regionais) do português; (4)
· relativos ao trabalho com o texto:
As atividades de exploração do texto têm como objetivo o desenvolvimento da proficiência em leitura.
Portanto só se constituem como tais, na medida em que:
(...)
explorem as propriedades discursivas e textuais em jogo, subsidiando este trabalho com os instru-
mentos metodológicos apropriados; (5)
As atividades de produção de texto escrito devem visar ao desenvolvimento da proficiência em escrita.
Nesse sentido, não podem deixar de:
(...)
explorar a produção dos mais diversos gêneros e tipos de texto, contemplando suas especificida-
des;(6)
1. MEC/SEF. Parâmetros Curriculares Nacionais. Terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental – língua portuguesa. Brasília: 1998. p.32-33.
2. Id.,ibid.,p.20-21.
3. Id.,ibid.,p.23.
4. MEC. Guia de livros didáticos – PNLD 2002. Brasília: 2001.p.37.
5. Id.,ibid.,p.38.
6. Id.,ibid.,p.38.
Também me aproprio das idéias bakhtinianas para procurar compreender como podemos configurar
o processo de leitura, na perspectiva dialógica. Assim, é preciso considerar que: “O locutor termina seu
enunciado para passar a palavra ao outro ou para dar lugar à compreensão responsiva do outro ou para
dar lugar à compreensão responsiva ativa do outro” (9), ou seja um diálogo é que se estabelece quando
se considera um processo de leitura, de produção de significação.
E ainda que: “Toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede
de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação
do locutor e do ouvinte.” (10)
É preciso reafirmar, portanto, que ao tomar esses pressupostos para o desenvolvimento do trabalho,
acreditamos no processo de produção de sentido como interação que se dá no encontro entre interlo-
cutores, descartando que possamos residir o sentido no texto, desconsiderando o leitor como sujeito
fundamental da leitura.
3. Objetivos e metodologia da pesquisa
A partir dos pressupostos apresentados, e do questionamento central que caracterizou o leitmotiv
deste trabalho, tornam-se os objetivos da pesquisa: analisar o entrecruzamento de duas políticas públicas
educacionais – os Parâmetros Curriculares Nacionais e Programa Nacional do Livro didático – em que
medida se aproximam, em que medida se distanciam e se contribuem efetivamente para um cenário
coerente de políticas educacionais.
Analisar como o tratamento dado aos textos nos livros didáticos tem se desenhado, ou seja, a abor-
dagem do texto no livro didático o configura como gênero discursivo?
Diante das limitações que o tempo e os recortes das pesquisas nos impõem, para o desenvolvimento
dessa análise, privilegiou-se o tratamento dado aos poemas, por meio dos exercícios chamados conven-
cionalmente de interpretação de textos.
E finalmente, pretende-se configurar o perfil de leitor delineado pelos livros didáticos, em especial o
leitor de poesia. E que leitor se pretende formar na escola, compreendendo que sendo a competência
leitora indispensável para o exercício da cidadania, é tarefa da escola assumi-la.
No entanto, antes é preciso considerar fato que hoje se constitui como fulcro de qualquer discussão
que tome os gêneros discursivos como objeto de ensino: a reunião de diferentes gêneros do discurso
relacionados a diferentes atividades humanas específicas num livro chamado de didático que tem circula-
ção prevista numa determinada esfera, passa a constituir um outro gênero discursivo – como enunciado
único.
Como lida a escola com esse deslocamento que acaba por constituir um gênero didático ou escolar,
que circunscreve um outro sentido?
Teremos nós que pensar coletivamente acerca dos currículos, metodologias e práticas pedagógicas
significativas que articulem os gêneros discursivos e a escola de modo que não se precipite uma defor-
mação dos gêneros do discurso e conseqüente deformação de leitores e produtores de texto.
Será possível construir uma proposta metodológica que dê conta e sentido a essa questão?
Mas, voltando à pesquisa. Para o procedimento de análise, foram selecionadas coleções de Livros
didáticos de Língua Portuguesa – 5a.à 8a. séries, da categoria recomendadas pelo Programa Nacional do
7. Id.,ibid.,p.39
8. BAKHTIN, M. Estética da criação verbal.São Paulo: Martins Fontes, 2000. p.279.
9. Id.,ibid.,p.294.
10. BAKHTIN, M. (Voloshinov).Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1992. p.113.
2. Na Ponta da Língua
Autores: Lino de Albergaria, Márcia Fernandes e Rita Espeschit.
Editora Dimensão
Ano de publicação: 2000
3. ALP Novo
Autores: Maria Fernandes e Marco Antonio Hailer
Editora FTD
Ano de publicação: 2000
4. Leitura do Mundo
Autoras: Norma Discini e Lúcia Teixeira
Editora do Brasil
Ano de publicação: 1999
6. Português: linguagens
Autores: William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães
Ano de publicação: 2002
2a. edição
Nesta segunda categoria o olhar sobre a temática, ou como preferem alguns, sobre o conteúdo do
texto dá-se com os seguintes objetivos: identificá -lo, buscar informações, analisar a intencionalidade
do autor e ainda comparar a outros textos.Seguem alguns exemplos:
O que o poema canta, ou seja, qual é o assunto?
( Coleção 5 – 8a. série, p.199)
Que conflito aparece no poema?
(Coleção 3 – 8a. série, p.82)
Compare os direitos e deveres da criança da época do poema com os dos adolescentes do
texto A gente somos inútil.
(Coleção 2 – 5a.série, p.119)
Por que todas as cartas de amor seriam ridículas?
(Coleção 2 – 7a. série, p.261)
Qual semelhança temática existe entre o conto O canário e esse poema de Cecília Meire-
les?
(Coleção 1 – 8a. série)
Com que finalidade o eu lírico compara as Sete Quedas aos feitos egípcios e assírios?
( Coleção 6 – 7a. série, p.208)
Uma outra categoria cuja relevância é inegável é aquela cujo enfoque se dá efetivamente na recepção
ou no próprio processo de leitura.
Aqui, no entanto, é preciso destacar que muitas vezes o discurso poético é pretexto para outras
discussões de motivações variadas em que a leitura do poema não faz a menor diferença ou ainda que
a busca de impressões sobre a experiência estética de forma não reflexiva pode transformar a própria
experiência de leitura num ato vazio, sem sentido:
Releia os poemas e indique: qual você achou mais difícil de entender, qual você achou mais
triste, qual você achou mais engraçado.
(Coleção 3 – 6a. série, p.85)
Você gosta de poesia? Justifique.
(Coleção 3 – 6a. série, p.84)
E você, o que acha: o amor existe? E se existe: o amor é ridículo? Justifique sua resposta.
(Coleção 2 – 7a. série, p.262)
Depois de ter analisado e discutido o poema, você mudou a primeira impressão que teve
dele? Justifique sua resposta.
(Coleção 1 – 6a. série, p.86)
O poema junta a figura alegre do título a um tema triste. Você concorda? Por quê?
(Coleção 4 – 8a. série, p.33)
Você gostou do poema de Cecília Meireles? Por quê? Que sentimentos o poema transmitiu
a você?
(Coleção 5 – 7a. série, p.8)
Você já conhecia a literatura de cordel? Qual a sua opinião sobre esse tipo de literatura?
Você acha que ela deveria ser mais reconhecida? Por quê?
(Coleção 5 – 8a. série, p.23)
A mesma reflexão realizada acerca da timidez da categoria anterior pode ser transferida para essa,
uma vez que sua presença é rara nos livros didáticos.
Muitos autores já tiveram a oportunidade de discutir acerca da presença / ausência da literatura e,
em especial do discurso poético, na escola. Analisam os fatores que justificam o afastamento e o destra-
Resumo
O texto aborda as práticas de difusão e de circulação de saberes científicos na mídia impressa brasilei-
ra, com o propósito de analisar o gênero reportagem de divulgação científica em revistas especializadas.
Para isso, traça um perfil de duas perspectivas de estudo do fenômeno em questão que se escoram na
teoria bakhtiniana do dialogismo e do plurilingüismo. A partir desses enfoques, são apresentadas duas
hipóteses de análise – uma referente às representações sociais e outra sobre uma mudança histórica
– que serão desenvolvidas na análise de reportagens de capa de duas revistas com perfis distintos. O
artigo mostra como as diferenças nas esferas de circulação são construídas nos textos e as inter-relações
entre ciência, jornalismo e publicidade.
Palavras-chave: Discurso, divulgação científica, dialogismo, plurinlinguismo.
Abstract
The text presents the diffusion and circulation practices of scientifc knowledges in brasilien press
midia, with the purpose of analysing the scientific diffusion reportages in specialized magazines. Two
points of views, based on Bakhtin’s dialogism and plurilinguism concepts, are presented. They introduce
the author’s hypothesis about social representations and historical changings, which are developed in the
analysis of reportages. The article shows how differences in social aspects are constructed in language
and the relationships among science, journalism and publicity.
Key-words: Discourse, scientific diffusion, dialogism, plurilinguism.
Como podemos observar nos fragmentos acima, a carta ao leitor da revista Superinteressante se
constrói sobre o diálogo eu – diretor da redação –, tu – cada leitor individualmente – e a menção a um
ele(s) – repórteres e reportagens. No eixo da intersubjetividade (eu/tu), é produzida a aproximação di-
retor de redação/cada leitor, por meio da construção de imagens e do apagamento da assimetria repórter
(detentor de um saber) e leitor (que busca a informação). O leitor da revista é inserido no texto, com a
utilização de diversas marcas de interlocução. Por fim, fora o eixo da intersubjetividade, o texto constrói
a legitimidade dos conteúdos veiculados, ao expor e valorizar as credenciais da fonte da reportagem
(“ouviu ninguém menos que Peter Gay, autor de uma das mais respeitadas biografias de Freud, Fritjof
Capra, físico da Universidade Berkeley, um dos fundadores da chamada NEW Age, e Sophie Freud, a neta
do bom velhinho”) e da proximidade repórter/leitor (“Para realizar a reportagem que você lê a partir da
pág. 42, o editor Rodrigo Cavalcante, um flamenguista nascido em Maceió, homem de letras que tam-
bém é autor dos vitupérios mais engraçados que ecoam pela redação”). Nesse texto, a transmissão de
conhecimento é modulada pela captação e pela sedução do público leitor, que regula todo o processo: a
escolha dos temas, seu enfoque, as posturas do repórter e do diretor da redação.
O editorial da revista Pesquisa FAPESP não apresentam nenhuma marca das pessoas do discurso
(eu/tu), construindo-se inteiramente sobre a terceira pessoa, característica dos textos científicos. Os
critérios de seleção do tema da reportagem provêm das duas esferas definidoras da revista: da esfera
midiática, a preocupação com assuntos da atualidade e seu impacto social e, da esfera científica, os
avanços obtidos pelas pesquisas relatadas e sua aplicação tecnológica. É o potencial de novidade e sua
relevância social que funcionam como índices legitimadores das reportagens, cuja apresentação dispensa
a explicitação das credenciais de repórteres e cientistas, autorizados a priori pelo prestígio da FAPESP,
enquanto órgão de financiamento da pesquisa no Brasil. Já o anúncio publicitário da revista Pesquisa
FAPESP revela que seus interlocutores previstos estão na esfera científica e nas instâncias de decisão
governamental e empresarial brasileiras.
Esses três gêneros (carta ao leitor, editorial, anúncio publicitário), pela percepção das condições de
produção que permitem, funcionam como apresentadores do conteúdo da revista para o público alvo e,
por isso, explicitam aspectos relevantes, que serão concretizados nas reportagens de capa que passa-
remos a analisar.
A reportagem de capa da revista Superinteressante constrói-se sobre três elementos, intimamente
articulados, que estruturam o funcionamento de seu texto: a segmentação do texto, o diálogo explícito
com o interlocutor e a exposição abundante dos discursos dos especialistas consultados pelo repórter.
O enunciado citado entre aspas remete a um saber compartilhado socialmente que mobiliza o eleitor
pela identificação de aspectos familiares que, entretanto, merecem reflexão pelos questionamentos que
têm sofrido, como apontam título e título auxiliar. Em seguida, traça um panorama das três grandes
áreas que, segundo a revista, têm polemizado com a psicanálise. Por fim, o último recurso persuasivo
dessa introdução é o seguinte relato das declarações da própria neta de Freud:
“Só quem tem pouco bom senso levaria hoje a sério a maioria das idéias de Freud”, diz a
psicóloga Sophie, professora da Faculdade Simmons, em Boston, nos Estados Unidos. Sua
declaração seria mais uma dentre o coro de críticos de Freud, não fosse por um detalhe im-
portante. O último nome de Sophie é Freud. Isso mesmo: a neta do fundador da psicanálise
disse à Super que é bastante cética diante das teorias do avô e acha que pouca coisa de sua
teses ainda pode ser considerada. (p. 44)
O uso do discurso direto e o conteúdo polêmico da declaração citada são habilmente trabalhados
por meio do breve suspense para identificar a fonte do discurso. Todos esses fatores funcionam como o
argumento derradeiro para a relevância do tema da reportagem e conseqüente necessidade de o leitor
conhecer o que se passa na área.
A exposição das três áreas fontes das críticas à psicanálise é feita por meio da apresentação das
credenciais institucionais e das vozes dos especialistas. Estas se articulam com as perguntas colocadas
pelo repórter que pontua as dúvidas e as conclusões presumidas do leitor, a partir do que declaram os
especialistas. Esse procedimento discursivo ocorre durante toda a reportagem, mas extrairei apenas um
exemplo ilustrativo:
“É claro que, se você, procurar, pode encontrar no seu sonho padrões e significados para o
que quiser”, diz Sabattini. “da mesma forma que você pode dar inúmeros significados a um
quadro abstrato numa exposição de arte moderna.” Mas isso é ciência?
“Não”, responde Adolf Grünbaum, considerado um dos mais ferrenhos críticos da psicanálise
no mundo. (p. 46)
Como em diversos outros momentos do texto, a didatização é feita com o uso de perguntas que procu-
Essa estrutura – diferente do discurso científico que segue a ordem apresentação dos objetivos, das
teorias de base, da metodologia e da descrição do experimento e, por fim, apresenta os resultados – ali-
nha-se ao padrão conhecido em jornalismo como pirâmide invertida na qual os resultados/conseqüências
são apresentados no início do texto, com a finalidade de captação do leitor, em função das coerções
temporais da recepção do texto jornalístico.
Essa estrutura global da reportagem, recorrente nesse gênero dessa revista, é marcada por outros três
aspectos característicos da esfera da divulgação de conhecimentos especializados. Primeiro, a explicação
de termos técnicos, visando à compreensão de público que, embora em grande medida da comunidade
científica, não é necessariamente da área e portanto não domina conhecimentos técnicos:
No caso do núcleo mediano da rafe, os cientistas também conseguiram precisar qual neuro-
transmissor – substância liberada por um neurônio excitado com o intuito de passar adiante
o estímulo recebido para outro neurônio – encarrega-se de levar sinais do medo dessa es-
trutura para as demais áreas do cérebro.
Segunda, a presença do discurso relatado aparece em estreita parceria com o relato do jornalista e
sua função é a de legitimação de uma informação já dada pelo jornalista e confirmada pela reprodução
da voz da fonte. O discurso direto preparado é um auxiliar para o relato da pesquisa, enquanto estrutura
textual organizadora da reportagem.
Terceira, o diálogo explícito com o leitor aparece de forma bastante discreta, sob a forma de pergunta
retórica:
Nessa linha de trabalho, o estudo do medo contextual condicionado em ratos produziu re-
sultados interessantes. Como esse tipo de emoção é criada nos animais? Vale a pena des-
crever um experimento clássico para entender o processo de indução do medo associado
a um ambiente.
Considerações Finais
O trabalho com textos de divulgação científica mostra, de forma exemplar, as possibilidades heurísticas
das noções bakhtinianas de dialogismo, de enunciado e de gêneros do discurso. A situação enunciativa
é refletida e refratada nas representações recorrentes do discurso da ciência e do leitor e revelam o
Jeffrey Gruenglas, MA
Brooklyn, NY 11230
USA
(1) 718-258-2775
The characters in the short fiction of American writer Raymond Carver (1938-1988) invariably find
themselves in situations in which an external or internal conflict is resolved but in which their internal
crises remain unresolved. In other words, regardless of the problem presented to the character, he or she
is unable to confront or fully resolve the issue at hand because of an inability to express his or herself.
The result is a persona deeply and internally torn, frustrated by the inability of expression.
At the linguistic root of Carverian discourse is Mikhail Bakhtin’s dialogic. A Bakhtinian perspec-
tive presents for the reader characters with the inability to resolve their conflicts, only reinforcing the
argument that all language is at once absurd and ambiguous. Whereas the plot is resolved, the person
never is. My aim in this paper is to identify in Carver’s short fiction a pattern of discourse and utterance
inherent with the properties of Bakhtin’s dialogic. My argument is that this paradigm is a reflection of
the everyday speech symptomatic of a biopsychosocial depression discourse.
The stories of Raymond Carver are known for what they don’t say than for what they do say. Unique
in form and content, his short stories utilize minimalist techniques that allow much to be said with mini-
mum use of words. Carver’s portrait of America is one in which people find themselves in a depressive
state. They are distant, disconnected from people and events, and fatigued by crises — financial, emo-
tional, psychological, and societal. They find themselves insignificant among the greater happenings
around them. This status is manifested by a lingual paralysis, rendering Carver’s characters incapable
of speech or action.
In any given discourse, an utterance itself depends on the semiotics involved within the context of
a situation. One suffering of an illness, for example, will surely possess a vocabulary that an audience,
or “other,” will not understand. What one is left with is a doubly complex discourse with which both the
“other” and the reader are incapable of understanding in the context of the utterance. The speaker, then,
remains misunderstood, or not understood entirely.
The phenomenon underlines the dialogic in Carver. The dialogic nature of language in Carver paints
a network of meanings and communicative modes that reveal complexities, paradoxes, and crises in
nearly every situation one encounters in his stories, and they reflect the complexities of communication
in everyday life. Labeled a neorealist by many critics, Carver, like Ibsen decades before, is faithful to
the genuine inflections, tones, and omissions we commit in our daily speech. The application of a multi-
plicity of voices to a depression discourse reveals how verbal language in such stories as “A Small Good
Thing” and “Intimacy” is repressed while a competing, non-verbal network of communication is exhibited
simultaneously. In most cases, the characters remain complex and unresolved. Their issues, however,
are issues, and the characters end up where they began — alone, confused, and hopeless.
Carver’s characters are suspended between thought and action. They know what they must do, but
their discourse reveals paralysis. Although they continue in their actions, their speech reveals a dialogic
nature that manifests itself through their inability to resolve internal conflict. How does this conflict
arise? To address this concern, it is helpful to apply Bakhtin’s notion of heteroglossia. What makes the
idea of heteroglossia so fascinating in the works of Carver is that at any given point, unlike Bakhtin’s
formal analysis of the Russian novel, there exists two utterances competing with one another: the utte-
rance of another and the utterance of the self. This dichotomy is what gives rise to irresolution. Carver’s
characters cannot resolve between the norm and what is perceived as carnivalesque precisely because
One critic adds that “Carver is constrained to the same language as his characters, and both Carver
and his characters are reduced to ‘monosyllabic probings’ of their subjects” (Seibert 26). Similarly,
Irving Howe alludes to the restraints of language, pointing out that “Carver’s characters, like those of
many earlier American writers, lack a vocabulary that can release their feelings, so they must express
themselves mainly through obscure gesture and berserk display” (43).
The axiom of listening more than talking works well when those who have something to say have
an audience. But what of the individual whose neurotic and depressed state hampers him or her from
having something to express, regardless of whether an audience is present? Silence in Carver’s works
symbolizes the death of verbal communication, an occurrence that coincides with a depression discourse
and a supplanting of bodily gestures and covert intimations of depression, as Champion writes:
While communicating with others helps heal feelings of desolation that Carver’s characters
experience, failing to communicate with others parallels or even penetrates his characters’
feelings of despair. Frequently in Carver’s fictional world, speech is therapeutic but silence
is detrimental to characters. In terms of plot structure, silence or speech may be used to
establish closure. Readers can examine discourse or lack of discourse as a means to de-
termine the resolution of many of Carver’s stories. The level of characters’ willingness to
communicate often determines the extent to which they will succeed in overcoming their
personal misfortunes…. Silences play a more important role in the story than words the
characters might have spoken, suggesting that it’s not what someone says but what some-
one doesn’t say that induces possible interpretive meanings. Just as Carver’s pared-down
plots and sparse narrative descriptions invite readers to create their own conclusions, fill
Carver’s characters exhibit what critics have termed a “poverty of language”: “[h]is characters are
inarticulate and insufficiently realized because they seem unable to explain why they do what they do”
(May, “Do You See What I’m Saying” 39). But David Gershom Myers, a former Carver student and now
scholar at Texas A&M, argues that Carver was faithful to the voice often misheard and that he wrote
stories in other people’s voices rather than his own (461). Kathleen Shute reiterates this view, pointing
out that Carver’s change from his earlier to later stories is attributed to a “move from minimalism to a
style in which ‘the poverty of language diminishes’” (650). Most of Carver’s critics see merit in this tech-
nique because it captures a moment of paralysis that most of us encounter daily but can rarely verbalize.
Carver himself qualified this: “[t]he language of my stories is the language people commonly speak, but
it is also a prose that must be worked on to make it seem transparent” (Gentry and Stull 194).
Human discourse both informs and is informed by one’s reality. As Cynthia Marshall points out, “the
introduction of the symbol opens up the world of negativity, which constitutes both the discourse of the
human subject and the reality of his world in so far as it is human” (1210). The double-voiced nature of
Carver’s characters reveals individuals conflicted internally and with others. This is manifest in his later
story “Intimacy,” in which the narrator wants to experience feeling but cannot is unable to determine his
emotions. Further, his few utterances are drowned by the competing and almost authoritative discourse
of his wife. But the inability of dialogue here to resolve a conflict is due in part to inadequacy of language
to fully convey a singular, authoritative meaning. Equally significant is the property inherent in Bakhtin’s
“speech act,” in which an individual’s verbal conversation influences and alters the perception of another,
even resulting in a set of actions based on that influence. Specifically, Carver’s characters suffer from
a social “dis-ease,” triggered by the spoken discourse of others that challenges and inverts the lingual
conventions to which is already accustomed. Whether triggered or exacerbated by intoxication, clinical
depression, or a simple case of melancholy (the “blues”), the speech-act functions as a veneer for alie-
nation, detachment, and isolation that Carver’s characters experience on a social level.
In “Intimacy” the speech-act consists of various strands of discourse. In this story the narrator suffers
from a degree of paralysis such that his inability to communicate is only heightened further by his wife’s
own accusatory speech. The literate and well-read narrator comes home one day and is subjected to
accusations and claims from his wife that “he’s caused her anguish.” The story is told from the perspective
of “She said” (which begins nearly three-quarters of the paragraphs). The narrator seems unsure and
unaware of what he’s done wrong: “[k]neeling submissively before her, curiously passive, he is domi-
nated by his ‘material,’ a domination mirrored even on the level of [the] story’s rhetoric…” (Nessett 99).
In fact, he does not even attempt to consider or defend himself against any of the accusations. Rather,
he continues, with sporadic breaks in the narrative informing the reader that he is unable to speak or
communicate. It never becomes quite clear to him nor to the reader to what his wife is alluding. While
her elliptical mode of communication may suggest something about herself (although we know nothing
else about her), it also implies that her letter is somewhat connected with her husband’s inability to ex-
press himself and to realize it in the first place. “In the final analysis,” she says, “nobody gives a damn
anymore” (370). As he watches her drive away, the husband questions whether he should confront
her, tell her something, but he decides against this, adding that “I might not understand a word I’d say”
(370). The narrator here is both apathetic and paralyzed by an inability to fix the situation.
One encounters such paralysis of language in everyday speech to the point where our utterances
are authored with one intention while being misinterpreted or miscomprehended by another. As Bakhtin
writes:
“Many people who have an excellent command of language often feel quite helpless in cer-
tain spheres of communication precisely because they do not have a practical command
of the generic forms used in the given spheres. Frequently a person who has an excellent
command of speech in some areas of cultural communication, who speaks very well on social
questions, is silent or very awkward in social conversation.” (Morris 84).
Sadly, the narrator in “Intimacy” has no lingual authority. Consider the following phatic communica-
tion:
You know what I’m talking about, don’t you? Am I right?
Right, I say. Right as rain.
She says, “You’ll agree to anything, won’t you? You give in too easy. You always did. You
don’t have any principles, not one. Anything to avoid a fuss. But that’s neither here nor
there” (Carver, Where I’m Calling From 365).
What aggravates the dialogue here is the implication of an accusation to which the narrator cannot
correlate with his emotions. Carver’s “characters do not possess adequate words for the raw emotion
they feel” (Campbell, Carver Country: The World of Raymond Carver 74). The narrator, verbally pa-
ralyzed, is incapable of addressing his wife’s claims, whatever they may be. He simply waits patiently
as a recipient to her accusations. His failure to respond in a way that meets the demands of his wife
leaves her to speculate that he is indignant or simply avoiding the situation. To the reader, however, his
The inability for one simply to express one’s reactions or emotions in a given circumstance is in pro-
portion to one’s state of depression. As one psychologist puts it, “people’s realities can sometimes be
so disparate that meaningful communication breaks down altogether” (Karp 40). Such lack of dialogue
or expression in Carver is replaced with a discourse of depression that includes signs, gestures, and
silence.
The nature and function of discourse in Carver’s short fiction should come as no surprise to the re-
ader. But what is not so evident is how the discourse presented is a symptom of a greater “dis-ease”
than the traditional conflicts — relationships, politics, religion — we often encounter in literary texts.
Carver’s works are interlaced with a depression discourse, a network of verbal and nonverbal transmis-
sions — glances, gestures, gesticulations — that reflect the biopsychosocial nature of his characters.
Discourse is not produced in a hermetically sealed environment. Discourse in Carver is informed by
the degenerative social, psychological, and physiological states of complex human beings who lack the
ability to transmit complex ideas and feelings in a simple way. There exists rather, as Virginia Woolf
notes, “poverty of language”:
English, which can express the thoughts of Hamlet and the tragedy of Lear, has no words
for the shiver and the headache. It has all grown one way. The merest schoolgirl, when
she falls in love, has Shakespeare or Keats to speak her mind for her; but let a sufferer try
to describe a pain in his head to a doctor and language at once runs dry” (194-195).
Works Cited
Carver, Raymond. Carver Country: The World of Raymond Carver. New York: Arcade, 1990.
—. Where I’m Calling From. Selected Stories. New York: Atlantic Monthly Press, 1988.
— and William L. Stull. Matters of Life & Death: An Interview with Raymond Carver. The Bloomsbury Review 8 (1988):
14-17.
Champion, Laurie. “‘What’s to Say’: Silence in Raymond Carver’s ‘Feathers.’” Studies in Short Fiction 34 (1997): 93.
Dentith, Simon. Bakhtinian Thought. An Introductory Reader. London: Routledge, 1994.
Resumo I
Este trabalho apresenta um estudo das crônicas do escritor contemporâneo Moacyr Scliar, publicadas
no jornal Folha de São Paulo. Tais crônicas remetem, de maneira explícita, a notícias veiculadas anterior-
mente pelo mesmo jornal. A reportagem jornalística interessa apenas como objeto para uma apreciação
ficcional dos acontecimentos. Com a mordacidade crítica de Scliar, a crônica reforça caracteres insólitos
da notícia, carnavalizando-os, por meio da recriação paródica. Para demonstrarmos esse jogo dialógico,
escolhemos a crônica A pausa que refresca, publicada em 4 de abril de 1996, que alude à reportagem
jornalística Coca-Cola kosher chega ao Brasil, escrita por Suzana Barelli, em 1 de abril de 1996, na página
8 do caderno “Negócios”, da Folha de São Paulo.
Resumo II
This paper is based on chronicles published in the daily Folha de São Paulo in Brazil by Moacyr Scliar,
a contemporary Brazilian writer. With a superb critical command of the situation, Scliar selects news
that had been previously provided by the mentioned newspaper an puts it into a literary form. In a
comparative study between the news and the chronicles, his unceasingly original ideas create satirical
effects producing the parody. Aiming to reveal the parody recreation by Scliar we selected the chronicle
A pausa que refresca, published on April 4, 1996, which is a reference to Coca-Cola kosher chega ao
Brasil,written by Suzana Barelli in the Folha de São Paulo.
Este trabalho visa a apresentar alguns aspectos fundamentais das crônicas do escritor contemporâneo
Moacyr Scliar, publicadas no jornal Folha de São Paulo, desde 1993. Tais crônicas constituem narrativas
comprometidas com a interpretação da realidade e voltadas para a reflexão do leitor. Sempre baseadas
numa notícia veiculada anteriormente pelo mesmo jornal, elas eram escritas, às quintas-feiras, na seção
denominada “Boletim de Ocorrência”, título bastante sugestivo, uma vez que, no processo da criação
literária, Scliar enfatiza o espetáculo agressivo das situações grotescas do cotidiano que envolvem o ser
humano na sociedade.
A partir de 4 de setembro de 1997, a seção teve o nome alterado para “Cotidiano Imaginário”, de-
signação que alia a origem do texto e seu caráter literário e, de 11 de novembro em diante, ela passou
a ser publicada às segundas-feiras, como se mantém até hoje. Em 15 de maio de 2000, a coluna jorna-
lística sofreu nova mudança no título, que passou a ser simplesmente “Moacyr Scliar”. Em 2002, Scliar
publicou, pela Global Editora, de São Paulo, uma coletânea de oitenta e cinco dessas crônicas em um
livro intitulado O imaginário cotidiano. No prefácio da obra, ele explica seu trabalho com as seguintes
palavras: atrás de muitas notícias esconde-se uma história pedindo para ser contada. Isso justifica sua
busca diária, no jornal Folha de São Paulo impresso ou na Folha on line, de algo inusitado, envolvendo
a condição humana em uma realidade que mais parece ficção.
No exame da relação entre a notícia e a crônica, há também a ressaltar a constituição visual do espaço
em que eram divulgadas essas crônicas até 28 de agosto de 1997: o título e um ou dois parágrafos da
notícia que dava origem à crônica apareciam num quadro inserido no meio ou à direita do texto, como
se intencionalmente deixasse aberta uma janela para que se pudesse desvendar a paisagem do mundo
real, criticado humoristicamente. Ou, talvez, para ratificar o absurdo da realidade transportada para a
ficção paródica pelo olhar do cronista, que espia o mundo e envolve o leitor numa visão perturbadora
do cotidiano, em que o real e o imaginário se fundem, evidenciando vínculos possíveis entre o estético
e o social. Depois, a notícia passou apenas a ser referendada, sem essa tão significativa exploração do
espaço.
O importante é que a criação artística de Scliar se processa como um jogo de espelhos, em que um
ou vários textos se projetam num outro, formando a crônica. No entanto, essa projeção adquire outra
O excerto acima retoma a seguinte passagem bíblica do Êxodo, capítulo 12, versículos 19 e 20, que
explica a origem do pão ázimo, o matzá, para os judeus:
Durante sete dias, não haverá fermento nas vossas casas, pois quem comer pão fermenta-
do será excluído da assembléia de Israel, seja adventício ou seja nativo. Não comereis pão
fermentado; nas vossas casas, comereis pão sem fermento. (Bíblia Sagrada, 1974, p.75)
Percebemos que a ficção dialoga, ainda, com outra passagem bíblica do Êxodo, os versículos 22 a
25 do capítulo 15, que conta esse mesmo fato. Assim, o narrador conta a história da fuga dos judeus,
do Egito, quando foram liderados por Moisés que, seguindo o conselho divino, conduziu-os numa longa
e penosa trajetória pelo deserto. Na crônica, tal como nas narrativas bíblicas, a pergunta ‘O que vamos
beber?’ e outras falas estão sempre entre aspas simples, o que dá especial destaque aos diálogos.
As duas partes introdutórias da crônica preparam o desencadear do texto, em que o riso ambivalente
inverte o sentido do núcleo temático da notícia e se instala na ficção cronística scliariana, mesclada com
fatos bíblicos.
A seguir, os prazeres da vida, representados pelo refrigerante Coca-Cola, são ironicamente superva-
lorizados, em detrimento da água boa para beber, isto é, potável, que simboliza a regeneração e o re-
nascimento do homem pela sua confiança em Deus, quando em situações críticas, como verificamos:
Todos ficaram contentes, menos um. E este um dizia: ‘Que graça tem em tomar água? Ainda
mais com pão ázimo? Porventura haverá saco, mesmo preto, que agüente? Assim não dá,
gente, assim não dá’.
E Moisés foi ter com o descontente e perguntou-lhe: ‘O que tens contra a água?’
E o descontente respondeu-lhe: ‘Nada tenho contra a água, mas existe coisa melhor’.
E Moisés perguntou: ‘Como sabes que existe coisa melhor?’
E o homem respondeu: ‘Porque tive uma visão do futuro. Eu olhava uma caixa mágica, cha-
mada televisão, e nela eu via recomendarem uma bebida chamada Coca-Cola. Coca-Cola é
a pausa que refresca. Nenhuma sede resiste a Coca-Cola, nem mesmo a sede do deserto’.
E Moisés, desconfiado, perguntou: ‘Mas essa tal de Coca-Cola é kasher? É permitida pela
lei?’
E o homem respondeu: ‘Se não é kasher, a gente mexe na fórmula’.
O emprego de sucessivos “e”, que, no trecho em destaque, aparece nada menos que nove vezes,
estabelece um encadeamento de maior dinamismo, refletindo a vivacidade da narrativa oral, aqui trans-
crita. Do mesmo modo, isso se manifesta na seqüência de perguntas e respostas. Outra observação
interessante é quanto à fala de Moisés, que procura manter a distância respeitosa, como líder, usando
a segunda pessoa do singular.
Notamos, também, na contestação da personagem descontente, uma linguagem que marca a primeira
perturbação no discurso até então desenvolvido na narrativa. Assim, a expressão da gíria popular Por-
ventura haverá saco, mesmo preto que agüente é complementada por Assim não dá, gente, assim não
dá, que também faz parte da linguagem popular e tem na repetição o reforço à não aceitação de uma
ordem. Intensifica-se, então, o humor através de uma estrutura dialógica mais aberta, que aproxima
tudo e todos num mesmo plano, embora a forma da pergunta de Moisés conote esforço em manter uma
certa superioridade.
A visão que o peregrino descontente tem, como um sonho, é aqui introduzida como uma possibilidade
Maroussia Hajdukowski-Ahmed
In 1975 when, after being inspired by my reading of Bakhtin’s book on Rabelais, I decided to leave
my first doctoral thesis and started another one on the carnivalesque in the contemporary Quebec novel.
I subsequently joined the Bakhtinian family (before it became an enterprise and now an industry) at
the Toronto conference in 1982, encouraged by Andre Belleau, my first mentor, who sadly, left us all too
early. A new mother, I delivered my paper to an unknown crowd, under the benevolent eye of Michael
Holquist. Motherhood without maternity leave was then an isolating factor that hampered my desire to
connect, to interact, and to be informed. I quickly learned that the personal, the socio-ideological context,
and the conditions of production are indeed interconnected and gendered. I then met Clive Thomson
who has been a very generous and effective mentor to me and to many others1. Mentorship then could
only be male, by virtue of number and seniority. Clive spoke with enthusiasm of his encounter with Iris
Zavalla and Myriam Diaz-Diocaretz at the Dubrovnik conference, as he felt they were opening up the new
and promising domain of feminism in Bakhtinian studies to which he himself would bring a significant
contribution. Both Myriam and Iris deserve a special tribute as pioneers in feminist Bakhtinian studies
and for Myriam, as the editor of Critical Studies which published several volumes of Bakhtinian papers
that emanated from Bakhtin’s conferences. It is difficult to assess the importance and effect of contacts
and mentorship on the participation at conferences and on Bakhtinian productivity, but I strongly believe
that those unquantifiable factors play a part, which deserves closer attention, particularly with young or
isolated scholars. The next twenty years saw the expansion of feminist studies in North America and to a
lesser extent in Europe (the vast majority of presenters came from those two continents). This feminist
expansion was only modestly reflected at the Bakhtin Conferences, which are marked by the scarcity
and marginality of feminist or gender-focussed papers. There will be a few exceptions, which we shall
examine later.
Let me take you for a still to be perfected guided tour through those twenty years.
When I examined documents such as calls for papers, abstracts, photographs, programmes, pro-
ceedings, my own notes, Clive Thomson’s research papers and mine, as well as invited comments on
their experience from several Bakhtinian feminist speakers, several questions came to my mind. What
has prevented women from participating in the Bakhtinian conferences, which have largely been male-
centered? Also and paradoxically, while the number of women speakers has increased over the years,
why has feminist input lost its visibility to reach a point of near absence? Conversely, why would feminist
critics be interested in a thinker who has been noticeably silent on gender, which is a known blind spot
in his texts? For Robert Stam, Bakhtin simply did not privilege men over women, as he had a more
1- Clive Thomson had a profound impact on Bakhtin’s conferences as an outstanding organizer, a connector, an insightful and skilful synthesizer, an intel-
lectual catalyst, and now ..a reliable memory. Then, mentorship was predominantly male by virtue of number and seniority.
THE CONFERENCES
2-I found on the Internet that in the early 1990’s, feminist critics had started compiling anthologies, readers, historical overviews. This type of productivity
indicates that a critical mass of feminist knowledge had been accumulated in North America around that date, that warrants this type of publication; 1975,
the date of the foundation of the feminist journal Signs could be considered as the beginning of this compilation.
4-Such rhetorical inflation is characteristic of fear-mongering hegemonic powers when they try to cling to their power or justify their oppressive measures.
I recall the pronouncement of a male Chair of my departments who, when he asked what percentage of faculty women our French department counted, was
told there were 30%, to what he retorqued:”But this is more than half!”. The same applies to inflationary public discourses on the “hords” of immigrants,
of gays and lesbians, that have “ invaded” our cities.
5-One cannot fail but note the irony of this very monological, monopolistic un-Bakhtinian standpoint, on which is grafted today with an added irony the
much troubling repressive monological neo-McCarthyism of the present Bush regime. Canadian universities have been hosts to a number of intellectual
“Bushdodgers” who have crossed the Canadian borders to breathe the fresh air of free speech. The same animosity will be directed at all progressive
Bakhtinian studies over the years, as it reappeared later in Calgary around a talk given on the Mexican Chiapas by Jose Alejos Garcia. Bakhtin was not to
be used to understand our world, let alone transform it.
6-I don’t consider the notion of process without a direction or horizon to be Bakhtinian; it is more akin to a post-modern world-view of disconnected hete-
rogeneity. Dialogism and a processual dialectics are not incompatible.
7-It would be interesting to examine if there is a correlation between gender equity and forms of democratisation of the conference (conference fees; choice
of space; topics discussed). I would submit the hypothesis that such correlation exists and that topics discussed by women presenters at both conferences
expressed more “concrete” and localized preoccupations such as in education, health, or communication.
Progress…
Even though the feminist/gender-based participation has been marginal and marginalized with two
notable exceptions, the Bakhtin conferences have been a stepping stone for many scholars, who shared
their findings, created alliances or partook in them, tested their theories, and often expanded on them
in their later works. Feminist and gender-based approaches enjoyed a relative visibility in Urbino and
Manchester, created an awareness of its significance, and triggered some curiosity. Later at the confe-
rences, feminist and gender considerations suffused papers on history, education, linguistics, literature,
often in a non-explicit way. This may have signaled the transformation of Bakhtinian feminism into an
internally persuasive discourse. While intertextuality, cross-referentiality and bibliographical references
still gave more space to well- established male authors and critics like Foucault, Habermas, Jameson,
Derrida, Bourdieu, or Levinas, famed feminist authors and critics were more frequently acknowledged,
such as Teresa de Laureitis, Judith Butler, Dale Bauer, Julia Kristeva, or Pierrette Malcuzynski. Feminism
was instrumental in sharpening our reflexion on Carnival and its limitations, on language, on dialogism,
on object relations, on ethics, and on the interdisciplinary application of Bakhtin’s concepts. It helped
sharpen our concepts and critical tools as well, like to question the notions of information and theory with
their inherent tendency to reify, in favour of the more dynamic notions of strategy and communication.
But...
Tim HERRICK
1. Introduction
This paper compares Bakhtin’s work with that of the French phenomenologist Maurice Merleau-Pon-
ty (1908-61), concentrating on their strikingly similar philosophies of language. Language represents
a synthesis of personal and impersonal existence which is the basis of (an ontological, ethical, social)
philosophy;1 it helps formulate the individual’s perception of the world; and it suggests general points
about other symbolic structures. This work is part of a larger project locating Bakhtin within mainstream
European philosophy, and so accounting for recognised affinities between Bakhtin and modern philoso-
phical movements such as post-structuralism, in particular the work of Jacques Derrida.2 This contex-
tualisation is important to sophisticate the understanding of Bakhtin, especially within literary theory, by
recovering the specific historical and intellectual grounding of his work and its development over time.3
Not until we recognise the traditions in which Bakhtin saw himself operating can we appreciate the full
ramifications of his thought.
Connections between Merleau-Ponty and Bakhtin are well-attested by critics, most notably Michael
Gardiner, who emphasises how both thinkers work towards an ethical philosophy based on social inte-
raction while resisting teleological determinism and abstract, “high-altitude” thinking.4 Bakhtin, through
his historical investigations of perceptions of self and other, provides a series of practical applications of
Merleau-Ponty’s theory.5 These insights can be extended by recognising Bakhtin and Merleau-Ponty’s
agreement on the incorporation, but not exhaustion, of human ideas within language,6 so in a sense im-
portant for phenomenology and for this paper, there is no immediately accessible space outside linguistic
understanding.
The essays I have chosen to concentrate on are Merleau-Ponty’s “Indirect Language and the Voices
of Silence” (“IL”), first published 1960, and Bakhtin’s “Author and Hero in Aesthetic Activity” (“A&H”),
written in the mid-to-late 1920s, and “The Problem of Speech Genres” (“SG”), composed 1952-3.7 As
the Merleau-Ponty is likely to be less familiar, permit me a brief summary. The essay begins with an
appreciation of Saussure’s contribution to our understanding of language, and elaborates some criticisms
of Saussure’s rather mechanistic concept of understanding. It then embarks on a long detour through the
theory of painting, during which it becomes evident that Merleau-Ponty’s arguments about perception,
expression, and an “historicity of life”, the living creation of tradition, equally apply to language. This is
clarified in the final section where the two strands are unified through Hegel, who for Merleau-Ponty well
describes the general movement of history, but entirely misses its personal, existential significance. As
in the case of Saussure, his preoccupation with what can be known through and about language elides
the more interesting problem of what cannot.
The Bakhtin texts will be more familiar so I will not trouble you with a summary, although I
would like to draw attention to some pertinent points of distinction. Nearly thirty years elapsed between
“Author and Hero” and “Speech Genres”, and Bakhtin’s ideas were modulated in several important ways.
Prompted by Voloshinov and Medvedev, he had become more interested in linguistics and Marxism than
ethics and neo-Kantian idealism, although vestiges of this idealism remained. His unit of analysis chan-
ges from an abstraction of the individual reinforced by literary examples, to the utterance, the medium
through which life enters language and language enters life.8 Bakhtin privileges in “Author and Hero”
a complete totalisation of the self from another’s perspective through action, and in “Speech Genres”
the self’s partial totalisation from both it’s own and another’s perspective through linguistic acts. Merle-
au-Ponty’s “Indirect Language” engages less with the problem of the unified self than with the unity of
language and the common human unity of perception, approaching a similar problem from a different
Each author offers a vision of language incorporating the individual’s creativity with different levels of
the social determination of linguistic meaning, and so deploy Saussure’s work as a useful description of
the whole of language against which their (phenomenological) interest in the individual speaker can rub.
One element to this is the non-coincidence of linguistic meaning and speech, whether in Merleau-Ponty’s
formulation there is “a surplus of the signified over the signifying”,12 or in Bakhtin’s argument that there are
three possible aspects to the meaning of the word, neutral, unfamiliar, and personal.13 The construction
of this tripartite scheme suggests that while Merleau-Ponty readily testifies to the variety of meanings
and social influences in language,14 he does not study them as abstractly as Bakhtin. Merleau-Ponty’s
non-transcendental emphasis on experience, however, does not mean that he sacrifices the concept of
history, rather reclaims it as a succession of living, valid presents, suggesting “there is a fraternity of
painters in death only because they live the same problem”.15 Language similarly becomes a basic form
of social history and prediction, “pregnant with transformations which are to come,”16 a vision close to
Bakhtin’s integration of language and history from the word to the speech genre. In the essay of that
name he even reverses the expected order by suggesting that linguistic forms precede and promote social
change; “[D]uring the Renaissance familiar genres and styles […] play[ed] […] a large and positive role
in destroying the official medieval picture of the world”.17 Finally, language can be taken as a model for
other signifying structures, a move Bakhtin makes by troping social interaction as language in “Author
and Hero” and elsewhere, and Merleau-Ponty through his emphasis on the human body. Language is as
much a matter of the body as painting,18 and thus comparable with all human creative actions, arising
“from a single syntax,” and “both a beginning and a continuation” of other gestures (3).19
2.2 The body
As is well-recognised, Bakhtin’s concept of the body is problematic, partly because it changes during
his career, and partly because it represents a synthesis of several incompatible elements. The concept
changes from the private self-identical individual to one which privileges the abolition of privacy and the
development of a communal body; and the ingredients of the concept are a neo-Kantian distinction of given
and posited read into a phenomenological division of Leib and Körper, the body as experienced from within,
and as seen from without.20 In “Author and Hero”, we see the early neo-Kantian body, while in “Speech
Genres”, a naïve physical reductionism is unloaded onto the “behaviorist” school of linguistics, leaving
Bakhtin to deal with an individual shaped by society. In “Indirect Language”, Merleau-Ponty explores
how each individual’s physical capacities provide a basis for common experience, which is simultaneously
interior perception and exterior signification: “All perception, all action which presupposes it, and in short
every human use of the body is already primordial expression […] [T]he primary operation which first
21 “IL”, p. 67.
22 “A&H”, pp. 35-6.
23 “A&H”, pp. 5, 14.
24 “A&H”, p. 35 et passim.
25 “A&H”, p. 22.
26 “IL”, p. 63.
27 “A&H”, p. 175.
28 “A&H”, p. 16.
29 “A&H”, p. 144.
30 I presume the French reads histoire, meaning both “story” and “history”, although I have been unable to check the original text.
31 “IL”, p. 75.
32 “IL”, p. 75.
33 “IL”, p. 75.
34 E.g. “A&H”, p. 32.
In “Speech Genres”, Bakhtin suggests minimal conditions for language, namely the presence of another
who in some way, without necessarily agreeing or understanding, responds to the individual’s speech.38
While this in one sense avoids psychological problems of meaning, it does return Bakhtin to the proble-
matic of the individual’s limits and reliance on others explored in “Author and Hero”. In this earlier essay
Bakhtin looked for social responsibility in action, whereas in “Speech Genres” it is, loosely, a tolerance of
the language of others and a duty to respond. This is similar, but not identical, to Merleau-Ponty’s idea
that the development of human society, named here as history, “is the perpetual conversation carried
on between all spoken words and all valid actions, each in turn contesting and confirming each other,
and each recreating all the others” (9).39 For Merleau-Ponty, responsibility is exercised through langua-
ge; for Bakhtin, it is beyond language and towards the transcendent conditions of linguistic interaction.
To make the obvious point, Bakhtin turns his phenomenology of language in a more idealist direction,
while Merleau-Ponty concentrates on what is accessible to experience; both attitudes to be found in the
phenomenological tradition.
3. Contextualisation
Two aspects of phenomenology which fundamentally influence Bakhtin and Merleau-Ponty are imme-
diately obvious: the concept of intention, and speech as a form of action. In “Speech Genres”, Bakhtin
combines these two ideas in the individual’s “speech plan”.40 The social effects of language are equally
obvious in “Author and Hero”, where the author shapes a personal, and inter-personal, reality. In “Indirect
Language”, Merleau-Ponty deploys a more radical version of the argument. Here, the speech act creates
rather than represents reality; we must “rid our minds of the idea that our language is the translation
or cipher of an original text”41 and acknowledge the perspectivism inherent to perception and intention.
This leads to another tenet of phenomenology adopted by Bakhtin and Merleau-Ponty, the impossibility
of returning (directly) to a prior reality. Merleau-Ponty aphorises this with the statement “perception
already stylizes”,42 and suggests we should seek existential unity not in the world underpinning all our
perceptions, but in the mechanisms of that perception itself. Similarly for Bakhtin, thought is affected
by “others’ words”43 although here and in “Author and Hero” there is a way through language to a more
direct reality. In the early works, this is based on the “subiectum” and their unique experience allowing
an intuition of reality, while in the later works the problem is elided by taking a social reality for granted
and examining its construction.
3.1 Husserl
In this case, Bakhtin is moving in the opposite direction to Husserl, trying to blend his idealist impulses
with a certain materialism, while Husserl is ever-more attracted to a transcendental idealist position. In
response to this transcendentalism, an alternative strand of phenomenology developed through Scheler
and Heidegger which placed a stronger emphasis on experience and the individual, a strand familiar to
Merleau-Ponty. This development of phenomenology took great interest in what Husserl labelled “genetic
phenomenology” which attempts to discover the history of our perceptions, both on subjective and cultural
levels. This genetic phenomenology is evident in Merleau-Ponty, with his discussion of how we represent
the world always-already affecting how we perceive it, and in Bakhtin with his histories of discursive forms
and genres. This historical analysis does not equate with a quest for origins, as Merleau-Ponty praises
Husserl for the term Stiftung, foundation or establishment, which designates the “unlimited fecundity of
each present,” as well as the “fecundity of the products of a culture” (10), suggesting a two-fold basis
of perception in the immediate present and the cultural past.44 Bakhtin similarly, although perhaps with
more sleight-of-hand, presents histories of concepts apparently without origin, the emphasis of his work
shifting from what is unique and “once-occurent” to what is common and generic.
3.2 Bühler
It might appear curious to mention Husserl in this context without exploring his own phenomeno-
Ken Hirschkop
University of Manchester
Oxford Road
England
Abstract
In this paper I examine the relationship between everyday language and the sacred in Bakhtin, and
compare it to the language theories of Walter Benjamin in “On Language as Such and the Language of
Man” and Ludwig Wittgenstein in the Tractatus Logico-Philosophicus. I briefly sketch the different ways
in which each writer embeds a notion of the sacred in his account of language and show how in each case
the postulate of either a divine language or at least a divine interlocutor is used to specify the properties
of ordinary human language.
In the course of this analysis I show that the sacred is used in each case as a lever for a critique of
the failures of positivism in the human sciences and liberalism in European politics. In this way, I intend
to show that it is possible to take Bakhtin’s religious and philosophical commitments at their full weight
without separating his theory from the sphere of sociology and politics.
Since the very beginning of scholarship on Bakhtin, religion has been an issue. When Bakhtin burst
onto the international scene in the 1970s and 1980s, it was as a daring theorist of the novel and philo-
sopher of discourse, not as a religious thinker. Nevertheless, at the outset there were hints, intimations,
that what looked like a secular, or even sociological cultural theory was really something quite different.
Katerina Clark and Michael Holquist’s 1985 biography raised the question of whether Bakhtin was him-
self a religious person and provided some fairly hedged answers: he was interested in “philosophy of
religion” (but not theology); at his death he final words were “ I go to thee” (but the thee in question
could have been either God or his wife); he was, in the words of Clark and Holquist, “enigmatic” about
his religious position1. Other critics clearly found him a good deal less enigmatic. Natalia Bonetskaia, in
a long discussion of Bakhtin’s philosophy, assured us that as a Russian philosopher, Bakhtin could only
have been filled with a sense of tserkovnost’ , that is, an ecclesiastical feeling, because, she claimed, this
was an “everyday intuition that infected every Russian person since their childhood”2. Irina Popova, in her
notes to the fifth volume of the Collected Works of Bakhtin, argued that the apparently cultural-historical
concept of Menippean satire was in fact a “euphemistic concept”, a way for Bakhtin to talk about what he
really interested him: “the history of the forms of dialogue of the person with God”3. Sergei Bocharov,
in a famous article reporting on a number of private conversations with Bakhtin, told us Bakhtin had felt
that in his study of Dostoevsky he had been unable to discuss the “most important questions”, of which
the key one was “the existence of God”4. And a series of fine scholars in the West, including Ruth Coates
and Alexander Mihailovic, placed Bakhtin’s writing in a detailed and exact theological context5.
When the second collection of Bakhtin’s works, Estetika slovesnogo tvorchestva, came out in Russian
in 1979, , writers such as the above understandably felt their cause was gaining strength. And with
the post-Gorbachev publication of the “Architectonics of the Act” and a whole series of philosophically
engaged texts, Bakhtin’s willingness to discuss Christ, revelation, salvation, and a host of other religious
1 Katerina Clark and Michael Holquist, Mikhail Bakhtin (Cambridge, Mass: Harvard University Press, 1985), 343.
2 N. K. Bonetskaia, “M.M. Bakhtin it traditsii russkoi filosofii”, Voprosy filosofii 1 (1993), 90.
3 I. L. Popova, editorial note to the text “Ritorike, v meru svoei lzhivosti . . .”, in Sobranie sochinenii v semi tomakh, tom 5, Raboty 1940-kh - nachala
1960-kh godov [Collected Works in seven volumes, Vol. 5, Works from the 1940s to the beginning of the 1960s] ed. by S. G. Bocharov and L. A. Gogotishvili
(Moscow: Russkie slovari, 1996), 461.
4 Sergei Bocharov, “Ob odnom razgovore i vokrug nego”, Novoe literturnoe obozreie 2 (1993), 71-2
5 See Ruth Coates, Christianity in Bakhtin: God and the Exiled Author (Cambridge: Cambridge University Press, 1999); Alexander Mihailovic, Corporeal
Words: Mikhail Bakhtin’s Theology of Discourse (Evanston, Ill.: Northwestern University Press, 1997).
11 Ludwig Wittgenstein, Tractatus Logico-Philosophicus, trans. C. K. Ogden (London and New York: Routledge, 1981), proposition 7, 189.
12 Bertrand Russell, “Introduction” to Wittgenstein, Tractatus, 22; Paul Engelmann, Letters from Ludwig Wittgenstein, With a Memoir (Oxford: Basil Bla-
ckwell, 1967), 97
13 Theodor Adorno, Minima Moralia: Reflections from Damaged Life, trans. E.F.N. Jephcott (London: Verso, 1978), 247.
14 “On Language as Such and the Language of Man”, in Selected Writings: Volume 1, 1913-1926, ed.by Marcus Bullock and Michael W. Jennings (Cambridge,
Mass.: The Belknap Press, 1996), 62-74.
The alternative to faith is not sin or heresy, but the ultimate bourgeois danger: mere indifference.
The alternative to faith is a form of what we might call mild nihilism, in so far as it takes all values to
be relative to worldly things, which is to say, to be somehow chimerical or insubstantial in comparison
with bodies, desires, the fact of death and so on. Benjamin had shrewdly pointed out that if language
was merely a way to signify things, it effectively lost its point. Bakhtin responds by insisting that for
any value to have any force, one has to have faith in an ultimate value. This ultimate value, however,
has to be transcendent, other-worldly and in principle unreachable to do its job. It is strictly speaking
a presupposition which must always remain so.
The argument so far is a fairly routine and familiar one, a kind of poor man’s Dostoevskianism. Bakhtin’s
innovation was to apply this principle to the functioning of language. He had, in “Author and Hero in
Aesthetic Activity”, insisted that for the task of the artist to make any sense, for us to be able to make
heroes of others and be made heroes by others required “communion with the ultimate outsidedness”20.
When Bakhtin recast his theory of authorship as a theory of discourse, the principle was translated into
the idea of the “higher `superaddressee’ (`a third’), an absolutely just responsive understanding”, that
guarantees, as it were, that the empirical efforts made by ordinary mortals to understand one another
are not in vain21. This is, in fact, roughly equivalent to what Habermas calls the “unavoidable” idealization
of the ideal speech community. The critical point in both is that for speech to make sense as an activity
at all, we must live in the hope of the possibility that we will be understood eventually, even if what we
15 F. de Saussure, Course in General Linguistics, trans. Roy Harris (London: Duckworth, 1983), 73.
16 Bakhtin, “Iz zapisei 1970-1971 godov”, in Estetika slovesnogo tvorchestva, 2nd edn. (Moscow: Isskustvo, 1986), 356.
17 Bakhtin, “Iz zapisei 1970-1971 godov”, 355.
18 Nicholas Rzhevsky, “Kozhinov on Bakhtin”, New Literary History 25: 2 (1994), 434.
19 M. M. Bakhtin, “1961 god. Zametki” [“1961. Notes”], in Sobranie sochinenii, tom 5, 352.
20 Bakhtin, “Avtor i geroi v esteticheskoi deiatel’nosti” [“Author and Hero in Aesthetic Activity”], in Estetika slovesnogo tvorchestva, 175.
21 M. M. Bakhtin, “1961 god. Zametki”, 337.
Key texts
Bakhtin, M.M., 1996 [1940s]. “K filosofskim osnovnam gumanitarnykh nauk”,
in Sobranie sochinenii v semi tomakh, tom 5, Raboty 1940-kh - nachala 1960-kh
godov [Collected Works in seven volumes, Vol. 5, Works from the 1940s to the
beginning of the 1960s] ed. by S. G. Bocharov and L. A. Gogotishvili. Moscow:
Russkie slovari.
Bakhtin, M.M., 1986 [1961]. “1961 god. Zametki”, in Estetika slovesnogo tvor-
chestva, 2nd edn. Moscow: Isskustvo.
Benjamin, Walter, 1996. “ On Language as Such and the Language ofMan”, in
Selected Writings: Volume 1, 1913-1926, ed.by Marcus Bullock and Michael W.
Jennings. Cambridge, Mass.: The Belknap Press.
Wittgenstein, Ludwig, 1922. Tractatus Logico-Philosophicus, trans. C. K. Ogden.
London and New York: Routledge.
Key Names: Mikhail Bakhti; Walter Benjamin; Ludwig Wittgenstein
Key Words: Language; linguistic theory; religion, monologism; positivism
Biographical Statement: Ken Hirschkop is Senior Lecturer in English Literature
at the University of Manchester. He is author of Mikhail Bakhtin: An Aesthetic for
Democracy (Oxford: Oxford University Press, 1999) and co-editor of Bakhtin and
Cultural Theory (Manchester: Manchester University Press, 1989, 2001). He is
currently working on a history of “linguistic turns” in twentieth-century Europe.
Peter Hitchcock
I begin with several vexed connections which are nevertheless locked to an underlying thesis. The
tension between dialogism and ideology is not just a structural and historical function of the distance
between the humanism of the utterance and the scientific totalization of Diamat but is itself ripe with
dialectical import. The period after 1917 reveals a sharp set of contradictions in the understanding of
ideology and some radical displacements in revolutionary zeal. In part my invocation of this moment
reminds us of the intellectual’s alienation from the state of putative revolution, an effulgence of betrayals
that nevertheless distill a Bakhtinian concept of ideology. Now, rather than dialectical revolution one
confronts the prospect of what, borrowing from Slavoj Zizek, we might term a dialectical repetition (for
Bakhtin, dialogical resurrection) in which the collapse of actually existing socialism (the end of the Soviet
interregnum) contributes not to the consolidation of a capitalist hyperpower but to the intensification of
its founding contradictions. Rather than repeat the error of Diamat in response, does Bakhtin speak to a
theorization of ideology in the present? The proximity of dialogics to dialectics appears dubious at best
and to make one an adjective or agent of the other is to offer them simultaneously both the pleasures
of murder and suicide. Yet, of course, once one begins to specify the dialectic in mind a marriage of
heaven and hell seems as likely as its earthly surrogate. What provides the link in Bakhtin’s mind is the
condensation of the inner form of language in dialogue, a move greatly facilitated by his and Voloshinov’s
close reading of Cassirer’s Philosophy of Symbolic Forms –itself a fanciful coupling of Neo-Kantianism
and idealist dialectics. We will return to this unlikely conjugal knot below, but let me note here that the
problematic persistence of Hegel in Soviet intellectual life is a structural antimony in Leninism for which
dialogical dialectics is a curiously cultural symptom (Althusser went as far as saying that Hegelianism
prepared the ground, philosophically, for Stalinism). The specter of the symptom raises another con-
founding connubial, the proper names of Bakhtin and Zizek as mutually deconstructing adjectives for
one another (the Zizekian Bakhtin, the Bakhtinian Zizek). Here their combination is intended less for
theoretical chiasmus and more to understand the confluence of opposites and whether, in a moment of
mad matrimony, dialogism for one thing is the dialectic without synthesis which, for better or worse, is
the ing in Zizek’s Repeating Lenin, and the sublime in his object of ideology. Neither burying Bakhtin,
nor resurrecting Lenin (despite the beckoning of his lifeless form) I wish to forward a particular argument
on what is living and dead in ideology, the funereal foundation of “actual existence.”
Dialogism, like dialectics, is the name for a somewhat slippery set of conceptual coordinates that is
useful in characterizing aspects of Bakhtin’s thought only to the extent that it pushes one to a more nu-
anced and theoretically-rich understanding of the utterance rather than on the one hand, extant dialogue
and on the other, extant text. Dialogism then, like speech genres, really occupies the space of discourse
in general rather than only the discrete interchange of addressor and addressee, even though the latter
provides Bakhtin and us an enduring demonstration (we might note immediately that discourse in the
present has come to displace ideology in the analysis of the social). As a Rorschach test, however, the
constitutent features of Bakhtin’s metalinguistics have taken on a number of shapes. One of them,
quite clearly is Neo-Kantian and combines aspects of a priori with the transcendental that would have
made Cohen, if not the old codger from Konigsberg, quite proud. Although I have been critical of this
Kantian compulsion in the past I do not have as much of a problem with it as some, for whom any whiff
of noumena is a perfume of fundamentally bourgeois origin. As Terry Eagleton has shown in his reading
of Benjamin, we cede too much to our capitalist confreres by allowing them the luxury of the sublime.
One of the many lessons of cultural studies is that it can be just as edifying to steal the aesthetic as to
stomp on it. A more intriguing figuration than the shape of Neo-Kantianism is Neo-Hegelianism. Since
I believe that Neo-Hegelianism functions as a conduit to dialogical revision, with a little help from Zizek,
I want to note its logic and valence. Indeed, it is in the analysis of process and contradiction that a so-
mewhat more urgent category of ideology becomes possible. No doubt the Collected Works (by Bakhtin)
will fail to emphasize this category yet it persists as a repressed foundation of an oppressed intelligentsia
and thus is all the more prescient under conditions of actually existing imperialism where much must be
repressed to overlook the error in terror and in the war against it.
Clearly with Bakhtin one has to be very careful about the use of Hegel and the dialectic; as Bakhtin
points out in his work on Dostoevsky, “The Hegelian concept of a single dialectical spirit in the process of
becoming can give rise to nothing but a philosophical monologue.” (PDP 26) Yet note that the question
is about the singularity of becoming, not the efficacy of the principle of becoming which is as much a
cornerstone of the Phenomenology of Spirit as it is a linchpin of novelization. The differences are legion,
however, which is why despite a common interest in process, commentators (and Bakhtin himself) are
quick to separate the components of dialogism from any nasty narratives of progress or totalization.
Still, Cassirer was a very practiced reader of Hegel and, despite his preference for a history of autono-
mous symbolic forms over Hegel’s progressive transcendence, Cassirer retained the basic logic of Hegel’s
historicism. Bakhtin, ever sensitive to the context of intellectual engagement, would have perceived a
consent to think about Hegel in alternative ways in Cassirer’s permissibility, just at that time that He-
gelian Marxism was bearing fruit in the work of Lukacs. Again, the point is not to make the category of
becoming synonymous between Bakhtin and Hegel but to measure the degree of creative partnership or
what Craig Brandist usefully refers to as “selective appropriation.” (C.f.The Bakhtin Circle)
The issue of selective appropriation is vital to our contemporary understanding of Bakhtin. It is not
particularly surprising in terms of intellectual engagement (obviously all theory is part hybridization and
canny creation) but it necessarily gives us pause when a particular intellect is “de-ideologized’ as the
unassimiliable. Indeed, the word “Bakhtin” has come to signify nothing less than the process of selec-
tive appropriation itself, an endeavor that of course overdetermines the current intervention. But, and
this is not alien to Bakhtin’s methodologies, whatever the compulsive or ineluctable in the Bakhtins we
make, the architectonic Bakhtin, it simultaneously registers what is symptomatic in intellectual history,
chronotopes of creativity, in ways that reflect richly in Bakhtin and in the hard work of the present. All
attempts to separate Bakhtin from what is immanent to that history are, paradoxically, formalist in their
inclination since they are willing to externalize the oracle of Orel from the historical consciousness that
would make such symptoms legible. Medvedev notes that “the ideological purview is incessantly in the
process of generation. And this process of generation, just as any other such process, is dialectical in
nature.” (Formal Method 208) Yet, of course, this is a Marxist dialectic and, in the moment I am describing,
Bakhtin was much more taken with its idealist precursor, Hegelianism via Cassirer (and the confessional
mode of Scheler–a historical irony if ever there was one). If he read anything by his friend Voloshinov
(and he seems to at least have read his translations) Bakhtin was much taken with language’s capacity
as a bridge or partition (it links or separates) of life and objective culture. Voloshinov would explicitly
connect this notion to process as historically determined (the conditions that intersect in sign), but Bakhtin,
while clearly resisting universalistic wholes and predatory spirit, the holistic Hegel, nevertheless introjects
the Ionian idea of dialectics as process that Cassirer rigorously converts into the ongoing separation and
reunification in symbolic forms. The symptom here is characteristically Hegelian in that the moment of
symbolic form enacts sublation as positive and negative combined, negation is preserved for subsequent
negation. The symptom is also, by and by, evidence of the debate about the place of language study
between the human and natural sciences (once Stalin condemned linguistics to the latter, Bakhtin was
more open and systematic about his sympathies).
If we track the Hegel connection via Cassirer this is only a means to assert that Neo-Hegelianism is
an extraordinarily lapsed variety. Cassirer himself, while favoring the “True is the Whole” and other tra-
ppings of Hegel’s idiosyncratic phenomenology yet pronounces a pox on Hegel’s “subjugation of Nature
to the absolute idea” (Logic of the Cultural Sciences 35) because, among other sins, it elides the role of
perception as something less than absolute but crucially discerning between objects as “its” and objects
as “thous.” I am not as sure as Cassirer that this subjugation is Hegel’s Achilles Heel, not least because
of the aforementioned emphasis on process. Is not the dialectic of ideas subject to a tarrying, as Hegel
puts it, that is the force of spirit in facing the negative? We could argue that Cassirer is challenging a
condition of idealism (its absolute conditioning) but the point of neo-anything is pointedly Hegelian none-
theless (as an adjective rather than as a philosophical position), since it strives to remedy its precursor
through improved conceptual forms. Perhaps we should leave aside the question whether Cassirer’s
criticism merely replicates Marx’s, that Hegel fails to sustain the autonomy of nature from the historicity
of social forms. What interests me here is the sheer complexity of the historical engagement with the
dialectic which would question any subsequent selective appropriation that simply omits the import of
ambivalent imbrications. At the very least, the latter would require that we spare a thought not only
for what Bakhtin wrote or said at different moments but for what he was compelled not to say. Rather
than measure this with intuition (another neo-Kantian urge that crops up in Bakhtin’s formerly early phi-
losophical manuscripts) let us briefly consider this in terms of the Bakhtin Circle’s thoughts on ideology
and the aura of ideology that mediates those thoughts so construed. I will then offer further sacrilege
by connecting that displaced Leninism to what we might term a Zizekian sublime and the conditions of
possibility in the present. If the concept of ideology changes, and necessarily so, there are corresponding
symptoms that underline that a dialogical understanding of ideology yet contains a dialectical resonance.
And this is more than a philosophical predicament.
If, as Holquist puts it, dialogue knows no sublation, it is a possibility that nevertheless coruscates in
the concept of ideology. The inner sign refracts the word ideologically but not so that either stands un-
problematically as ideology. Voloshinov makes the same point about the psyche and signals an interest
that, like the dialogic and dialectics, stands in tension where the substance of Neo-Kantianism is concer-
ned. The philosophy of language that Voloshinov details and to which Bakhtin strategically (dialogically)
concurs features a materialist concept of ideology that travels (to borrow from Mieke Bal) between su-
perstructural instance and linguistic mediation. Ideology here is not the standard false consciousness
Freda Indursky
RS – Brasil
Resumo I
Historicamente, Bakhtin foi pioneiro na introdução da ideologia nos estudos da linguagem. Posterior-
mente, Pêcheux, ao conceber o quadro teórico da Análise do Discurso, também mobilizou a ideologia O
presente trabalho propõe-se a realizar um estudo contrastivo do modo como Bakhtin e Pêcheux refletem
sobre a linguagem e como concebem a ideologia, com vistas a estabelecer semelhanças e diferenças entre
ambos. São dois os propósitos deste trabalho: por um lado, mostrar como a reflexão sobre a linguagem
desenvolvida por Bakhtin se contrapunha à higienização imposta ao objeto de estudo da lingüística, e, por
outro, salientar que a reflexão de Pêcheux, mais tarde, se constrói a partir de questões semelhantes às
de Bakhtin. O segundo propósito consiste em assinalar as diferenças teóricas constatadas entre ambos,
no que tange ao entrelaçamento da ideologia à linguagem.
Resumo II
Historicamente, Bajtín fué precursor en la introducción de la ideología en los estudios del lenguage. Más
tarde, Pêcheux, cuando concebió el cuadro teórico del Análisis del Discurso, también movilizó la ideología.
El presente trabajo propone la realización de un estudio contrastivo del modo como Bajtín y Pêcheux
han reflejado cerca del lenguage y como conciben la ideología, para establecer semejanzas y diferencias
entre las proposiciones de los dos pensadores. Dos son, pués, los objetivos deste trabajo: por um lado,
mostrar como la reflexión sobre el lenguage, desarrojada por Bajtín, se contraponía a la higienización
impuesta al objeto de estudio de la lingüística, y, por otro, compararla a la reflexión de Pêcheux, que se
establece sobre las mismas interrogantes de Bajtín. El segun objetivo consiste en señalar las diferencias
teóricas existentes entre estos dos estudiosos sobre la cuestión de la ideología en el lenguage.
Contextualizando a questão
O presente trabalho propõe-se fazer uma comparação entre os dois teóricos que refletiram fortemente
sobre as questões do discurso e sua relação com a ideologia.
Antes, porém, é preciso situá-los no tempo e no espaço. Comecemos por Bakhtin. Nasceu na Rússia,
e publica seu primeiro texto, Marxismo e Filosofia da Linguagem, segundo consta, sob o pseudônimo
de Volochinov, em função da conjuntura da época, em 1929. O segundo teórico que é aqui mobilizado
para fazer um contraponto com Bakhtin, é Michel Pêcheux. Francês, publica seu primeiro texto, Analyse
Automatique du Discours, em 1969. Como é possível perceber, quarenta anos separam as reflexões
destes dois teóricos. E creio que posso avançar um pouco mais, ao observar que Marxismo e Filosofia
da Linguagem ganha sua primeira tradução, em inglês, em 1973 e, em francês, em 1977. Ou seja: a
reflexão de Pêcheux, penso poder afirmar, não sofreu influência dos escritos bakhtinianos.
Este, pois, é o propósito deste trabalho: debruçar-me sobre a obra destes dois teóricos para com-
pará-las e contrastá-las, tomando a noção de ideologia como objeto de comparação. Sobretudo o que
me move é examinar como estes dois autores entrelaçam ideologia e linguagem. Isto significa mobilizar
também outras noções que se relacionam com ideologia, tais como signo, importante para examinar a
questão em Bakthin, e sujeito, para considerar a problemática, em Pêcheux.
A partir dessa citação, podemos perceber que a natureza do signo bakhtiniano é absolutamente dis-
tinta daquela do signo de Saussure. Enquanto o signo saussureano não é concebido como ideológico,
mas lingüístico, ou seja, remete cuidadosamente para o interior do sistema lingüístico, no interior do
qual estabelece suas relações com os demais signos lingüísticos, evitando qualquer contato com o ex-
terior, o signo bakhtiniano remete, de imediato e de forma irreversível, para o exterior: “um signo é um
fenômeno do mundo exterior” (BAKHTIN, 1981, p.33), cuja realidade ele “reflete e refrata” (BAKHTIN,
1981, p.32).
Esta diferença fundante entre estas duas concepções de signo aponta para o modo como ambas con-
cebem a língua. Para Saussure, é preciso que o analista se afaste dos usos que dela fazem os indivíduos
para só então poder ser examinada, em sua natureza sistêmica, onde não cabem elementos que lhe sejam
externos. Para Bakhtin, a língua é constituída de signos que significam o mundo para os indivíduos que
dela se utilizam em sua comunicação. E mais: percebe-se que Bakhtin, através de sua reflexão sobre o
signo, reflete também, e de forma entrelaçada, sobre a ideologia. Em suas próprias palavras, “o signo é
criado por uma função ideológica precisa e permanece inseparável dela”. (BAKHTIN., 1981, p.37) .
Ou seja: é pelo viés do signo que o autor introduz a ideologia em seu horizonte teórico. Tanto é assim
que, um pouco mais adiante, podemos ler que:
“...o ideológico não pode ser explicado em termos de raízes supra ou infra-humanas. Seu
verdadeiro lugar é o material social particular de signos criados pelo homem. Sua especi-
ficidade reside, precisamente, no fato de que ele [o ideológico] se situa entre indivíduos
organizados, sendo o meio de sua comunicação” (BAKHTIN, 1981,35).
Ou seja: o ideológico, que se constitui de material sígnico, serve para comunicação entre os ho-
mens.
E o autor é ainda mais explícito, logo a seguir, no modo como entrelaça signo, ideologia e comuni-
cação:
“Os signos só podem aparecer em um terreno interindividual.... É fundamental que esses dois
indivíduos estejam socialmente organizados, que formem um grupo (uma unidade social):
só assim um sistema de signos pode constituir-se.” (BAKHTIN, 1981, p.35)
Como é possível perceber, o signo bakhtiniano contrasta substantivamente com o signo saussureano,
pois ambos estabelecem condições muito diversas para sua existência. Sinteticamente, podemos dizer
que, por não ser ideológico, mas lingüístico, Saussure precisa retirar o signo do espaço social, isto é, da
relação interindividual, que é da ordem da fala, a qual fica fora do objeto de investigação da lingüística.
Por esta razão, seu signo só estabelece relações sígnicas, no interior do sistema sígnico, que é puramente
lingüístico. Por outro lado, na ótica de Bakhtin,
“o signo se cria entre indivíduos, no meio social; é portanto indispensável que o objeto adquira
uma significação interindividual; somente então é que ele poderá ocasionar a formação de
um signo. Em outras palavras, não pode entrar no domínio da ideologia, tomar forma e aí
deitar raízes senão aquilo que adquiriu um valor social.” (BAKHTIN, op. cit, p. 45).
Percebe-se que o valor do signo é completamente diverso para os dois teóricos. Enquanto, para Saus-
sure, como já vimos mais acima, o valor do signo decorre das relações opositivas que se estabelecem
entre os signos de um sistema, para Bakthin, o valor do signo provém das relações que este estabelece
com o meio social, sendo, “por natureza, interindividual” (BAKHTIN, op. cit, p.45). Vale dizer, pois, que,
enquanto, para Saussure, o valor do signo, por natureza, é lingüístico, para Bakhtin, o valor do signo,
obrigatoriamente, é social.
Mais adiante, o autor introduz um aspecto extremamente importante para observar o modo como
entrelaça língua e ideologia em sua teoria. Ele salienta que
“classes sociais diferentes servem-se de uma só e mesma língua. Conseqüentemente, em
todo signo ideológico confrontam-se índices de valor contaditório. O signo se torna a arena
onde se desenvolve a luta de classes. Esta plurivalência social do signo ideológico é um traço
da maior importância. Na verdade, é este entrecruzamento dos índices de valor que torna
o signo vivo e móvel, capaz de evoluir”. (BAKHTIN, op. cit. p. 46).
Ou seja, Bakhtin retoma a discussão sobre o valor do signo lingüístico para divergir frontalmente de
Saussure. Para este autor, o valor do signo decorre justamente do fato de ser mobilizado por diferentes
classes sociais. Por conseguinte, é do uso que dele fazem que aparecem o que o autor designou de índices
de valor do signo e estes índices são eminentemente sociais e, por conseguinte, contraditórios e o são
por refletirem e refratarem os embates ideológicos que, através dele, são feitos. Para Bakhtin, o estudo
Como é possível verificar, desde o início de suas formulações teóricas, Pêcheux, tal como Bakhtin, vai
mobilizar a noção de ideologia. Mas diferentemente deste autor, vai entrelaçá-la ao campo do discurso
pelo viés do sujeito e não do signo, em primeiro lugar. E, em seguida, chama a atenção, igualmente,
nessa comparação, que, para Pêcheux, interessa o sujeito e não o indivíduo, que é a figura mobilizada
por Bakhtin (relação interindividual).
É interessante verificar, a seguir, de que modo o sujeito interpelado é conduzido a ocupar seu lugar.
De que lugar fala Pêcheux? Trata-se de lugares sociais; segundo ele mesmo, “as práticas [são] associadas
a lugares ou a relações de lugares que remetem às relações de classes, sem, no entanto, decalcá-las
exatamente”. (PÊCHEUX & FUCHS, op.cit, p. 166).
Portanto, já temos aí dois dos elos da cadeia conceitual que Pêcheux construiu para poder trazer a
ideologia para a sua reflexão. Para tanto, fazem-se necessários sujeitos interpelados (pela ideologia)
e inscritos em lugares sociais. Mas isto ainda não é suficiente para trazer a ideologia para o centro do
embate ideológico que se estabelece entre as relações de lugares. Para tanto, Pêcheux vai formular duas
noções essenciais: formação ideológica e formação discursiva. Segundo o autor,
“a formação ideológica caracteriza um elemento suscetível de intervir como uma força em
confronto com outras forças na conjuntura ideológica característica de uma formação social
em dado momento; desse modo , cada formação ideológica constitui um conjunto com-
plexo de atitudes e representações que não são nem individuais nem universais, mas que
se relacionam mais ou menos diretamente a posições de classes em conflito umas com as
outras”. (PÊCHEUX,& FUCHS, op.cit. p. 166)
E é com esta instância, a formação ideológica, que a outra instância, a formação discursiva, vai se
relacionar. Nas palavras de Pêcheux,
“As formações ideológicas comportam necessariamente, como um de seus componentes,
uma ou várias formações discursivas interligadas que determinam o que pode e deve ser
dito a partir de uma posição dada numa conjuntura, isto é, numa certa relação de lugares
....” (PÊCHEUX & FUCHS, op. cit, p. 166-7)
Considerando tudo que precede, podemos afirmar que Pêcheux não estabelece identidade entre o
discurso e o ideologia, (e este é mais um dos pontos que distingue o modo como ele e Bakhtin entrelaçam
linguagem e ideologia); mas entende que o discurso é um dos pontos através dos quais a ideologia se
manifesta. Creio poder afirmar, sem distorcer seu pensamento, que o discurso é um dos elementos que
compõem a materialidade do ideológico.
A partir do que acabamos de examinar, pode-se afirmar que a figura da interpelação, no mesmo mo-
vimento que constitui o sujeito, constitui para este sujeito o sentido. Ou seja, a constituição do sujeito,
no âmbito da teoria do discurso, vincula inextricavelmente ideologia, sujeito e sentido.
A partir daí, a tese do “caráter material do sentido das palavras e dos enunciados”, tal como formulada
por Pêcheux, toma forma. Segundo o autor,
“o sentido de uma palavra , uma expressão, uma proposição, etc. não existe ‘em si mes-
mo’; ao contrário, é determinado pelas posições ideológicas que estão em jogo no processo
sócio-histórico no qual as palavras, expressões, proposições, são produzidas... as palavras,
expressões, proposições, etc mudam de sentido segundo as posições sustentadas por aqueles
que as empregam, ... elas adquirem seu sentido em referência a essas posições ....
“...se uma mesma palavra, uma mesma expressão, uma mesma proposição podem receber
sentidos diferentes – todos igualmente ‘evidentes’ – conforme refiram esta ou aquela FD,
é porque elas não têm um sentido próprio, vinculado a sua literalidade . Ao contrário, seu
sentido se constitui em cada FD, nas relações que tais palavras , expressões, proposições
mantêm com outras palavras da mesma FD”. (PÊCHEUX, op. cit., p. 160-161)
A partir do que precede, pode-se entender porque Pêcheux entende que a FD é a matriz de sentido.
Ou seja: não só o sentido se constitui no âmbito de uma FD, mas também é no interior desta mesma
FD que são feitas as operações de paráfrase, de modo que o sentido vai se constituindo por diferentes
modos de dizer e redizer o mesmo. Ou seja: o sentido aí se produz e também se reproduz, mas, à força
de redizer o mesmo, acaba-se por introduzir no mesmo a possibilidade de produzir o diferente.
A ideologia em Bakhtin e em Pêcheux: uma breve comparação
Após esta passagem pelas teorias de Bakhtin e de Pêcheux, podemos verificar em que diferem estas
duas teorias, no que tange ao entrelaçamento da linguagem com a ideologia. De imediato, percebe-se
que as formulações de Pêcheux ganham um desenvolvimento teórico importante e bastante sustenta-
do, se comparadas às de Bakhtin. Em segundo lugar, constata-se que Pêcheux dispôs de uma teoria
de cunho marxista que havia pensado o sujeito e sua relação com a ideologia, o que ainda não estava
disponível à época de Bakhtin.
Mas, deixando de lado estes dois pontos, interessa apontar, como aproximação entre as duas teorias,
o desejo de entrelaçar ideologia e linguagem. E, como pontos divergentes, as diferentes pontes esta-
belecidas para esta trama: para Bakhtin, o signo; para Pêcheux, o sujeito. A partir daí, percebe-se que,
em Bakhtin, há uma superposição entre o ideológico, representado pelo signo, e a arena onde se dão os
embates, que também é o signo. Tudo fica colocado sobre o signo. Já em Pêcheux, vê-se o cuidado de
pensar o ideológico de forma independente da materialidade do ideológico, que é o discurso. Ou seja: o
discurso materializa o ideológico, mas não se confunde com ele.
Quanto ao sujeito, em Bakhtin, ele é um indivíduo que luta na arena do signo. Já, em Pêcheux, o
indivíduo é interpelado em sujeito e, a partir daí, se constitui em sujeito de seu discurso, identificando-
se com os saberes da FD em que seu discurso se inscreve e de onde retira os sentidos, os quais lhe
parecem evidentes, pelo efeito ideológico elementar. Ou seja: nessa teoria, o embate se dá, não na arena
do signo, mas na cena discursiva, constituída pelas diferentes FD que são mobilizadas pelos sujeitos em
confronto. E os sentidos entram em tensão pelo viés dos sujeitos que estão em confronto, por estarem
inscritos em FD diferentes, divergentes ou antagônicas. É daí que surge o embate. Vale dizer: disputam-
se sentidos. E o confronto entre os sujeitos ideológicos representa os diferentes litígios estabelecidos na
TEXTOS-CHAVE:
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo, Hucitec,
1981.
PÊCHEUX, Michel. Análise automática do discurso. In: GADET, Françoise & HAK,
Tony (org.). Por uma análise automática do discurso. Campinas, Ed. da UNICAMP,
1990.
PÊCHEUX, Michel & FUCHS, Catherine. In: GADET, Françoise & HAK, Tony (org.).
Por uma análise automática do discurso. Campinas, Ed. da UNICAMP, 1990.
PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso. Campinas, Ed. da UNICAMP, 1988.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lingüística geral. São paulo, Cultrix,
1974.
NOMES-CHAVE: Ferdinand de Saussure, Bakhtin, Pêcheux
PALAVRAS-CHAVE: ideologia, signo, relações interindividuais, social, lugares
sociais, sujeito, interlocução discursiva
BIOGRAFIA RESUMIDA: Professora titular de Língua Portuguesa do Institu-
to de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde atua tanto na
graduação como na pós-graduação. Doutorou-se em Ciências da Linguagem pela
UNICAMP, em 1992. Trabalha com Análise do Discurso, ministrando aulas, orien-
tando, pesquisando e publicando à luz desta teoria. É autora do livro “A fala dos
quartéis e as outras vozes” (Ed. UNICAMP, Campinas, 1997); é co-organizadora
de “Os múltiplos territórios da Análise do Discurso” ( Sagra-Luzzatto, Porto Alegre,
1999) e de “Discurso, Memória, Identidade” ( Sagra-Luzzatto, Porto Alegre, 2000).
É autora de capítulos de livros e de inúmeros artigos. Sua pesquisa principal atual
tem como tema o “Discurso do/sobre o MST”, com vários artigos publicados.
Edson Jacinski
Tv. Luiz José da Silva, 55. CEP 84015-390 – Ponta Grossa – PR / Brasil
Resumo
Este artigo pretende mostrar uma abordagem educacional dialógica das tecnologias da comunicação
e informação, explorando a concepção de linguagem do Círculo de Bakhtin, para pensá-las como novas
linguagens, representantes de uma interatividade emergente.
Nesse sentido, a introdução dessas tecnologias no contexto educacional é problemática, uma vez que
elas podem perturbar o processo pedagógico, fundado nos pressupostos iluministas da modernidade, o
qual limita a participação dialógica e pluridiscursiva dos sujeitos educacionais, levando a uma perspectiva
instrumental e reificada das tecnologias audiovisuais. Tais considerações trazem significativos elemen-
tos de reflexão no sentido de se redimensionar a perspectiva epistemológica e pedagógica das políticas
públicas de introdução das tecnologias da comunicação e informação no universo escolar.
Abstract
This article intends to show a dialogic educational approach of the information and communication
technologies, working the language conception of the Bakthin’s Circle, to think them as new languages,
representative of an emergent interactivity. In this way, the introduction of those technologies in the
educational context is problematic, because they can disturb the pedagogic process, founded on the
iluminist pressuppositions of the modernity, which limits the dialogical and pluridiscursive participation
of the educational subjects, leading to an instrumental and reified perspective of the audiovisual tech-
nologies. Such considerations bring significant reflexion elements in the sense of reconfigurating the
epistemological and pedagogic perspective of the public policies which aim an introducing the technologies
of communication and information in the school universe.
A superprodução semiótica torna difícil uma ordenação tranqüila do conhecimento. Mais do que isso,
a idéia tradicional de um corpo de conhecimentos que propicie certas competências, de um curso, de
um diploma, são também colocadas em xeque. Esboça-se um novo ecossistema cognitivo, o qual ques-
tiona as concepções e práticas pedagógicas tradicionais, que enfatizam o aprendizado individual, linear,
seqüencial, disciplinar com relações hierárquicas, perspectiva apenas presencial, centramento cronotó-
pico do conhecimento, e aponta para novas concepções de aprendizado, não-linear, social, caótico, em
processo ininterrupto de construção.
Também é importante observar que a introdução dessas novas tecnologias no meio escolar pode ser
feita sem a devida problematização epistêmica , especialmente sobre a especificidade dessas novas
linguagens. Nesse sentido, é possível perceber uma tendência no sentido de se “moldar”, adaptar as
novas tecnologias aos processos tradicionais de ensino-aprendizagem. Ou seja, uma espécie de adestra-
mento das novas tecnologias aos fins tradicionais da educação, em que elas são utilizadas como meios
de tornar menos entediante o ensino confinado nas fronteiras da linguagem escrita (BARBERO, 1999,
p.28). Dessa forma, essa atitude defensiva acaba por desconsiderar o desafio epistêmico e cultural que
as novas tecnologias representam e a remeter o mundo audiovisual ao campo da diversão, alienação,
espetáculo ou da arte. Assim, o livro é percebido como único espaço possível para a reflexão, análise e
argumentação em meio à explosão sedutora e emotiva dos signos audiovisuais.
Como afirma BARBERO (1999, p.28), tal perspectiva enseja cada vez mais um distanciamento entre
o mundo e a escola. O livro, muitas vezes utilizado canonicamente, acaba sendo identificado pela po-
pulação como tarefa escolar distanciada da vida. A leitura e o ato de escrever, em vez de serem vistos
como atividades prazerosas e criativas, acabam sendo práticas castradoras, uma vez que o sistema
escolar acaba cobrando a reprodução ou máxima fidelidade à “hermenêutica oficial” , desconsiderando
o rico universo da cultura audiovisual na qual estão inseridos os alunos. É desnecessário dizer como os
sistemas avaliativos escolares reiteram tal prática. Por outro lado, também é possível imaginar como
os produtos audiovisuais podem ser transformados em artefatos reforçadores de tal prática. Ou seja,
produtos que vêm monologicamente estabelecer o que deve ser pensado, percebido e devolvido pelos
telespectadores passivos.
Assim, fica evidenciado que, mais do que nunca, há necessdade de problematizar-se a introdução das
novas tecnologias no universo educacional, interrogando-se até que ponto elas estão dispostas a travar
uma permanente negociação com essa nova ordem cognitiva e cultural.
Enfim, as tecnologias de comunicação e informação possibilitam novas formas de comunicação e inte-
ração social, numa dimensão planetária, sendo que não é mais possível pensar a subjetividade humana
Dentre as várias linguagens e interação nessa nova cultura, a imagem passa a ser percebida como
fundamental no contexto da produção das novas tecnologias: “Nossa era [...] apareceu com meios e tec-
nologias sem precedentes para reproduzir imagens” (LE GRAND, 1997, p.288) . Nesse sentido, é preciso
buscar resgatar sua especificidade para entender sua presença e interface nesse universo semiótico em
ebulição. Um aspecto importante a ser percebido é entender a força semiótica das imagens , atuando
no nosso modo de perceber o mundo :
imagens têm o propósito de representar o mundo. Mas, ao fazê-lo, entrepõem-se entre
mundo e homem. Seu propósito é serem mapas do mundo, mas passam a ser biombos. O
homem, ao invés de se servir das imagens em função do mundo, passa a viver em função
de imagens. Não mais decifra as cenas das imagens como significados do mundo, mas o
próprio mundo vai sendo vivenciado como conjunto de cenas (FLUSSER, 1985, p.15).
Dessa forma, é que se torna necessário resgatar a dimensão interativa e dialógica dos signos visuais.
Eles não são reprodução ou cópia do real, e sim passam pelo processo de criação que, por sua vez, não
é individual, solitário, neutro, mecânico. Como diria LE GRAND (1997,p.289):
um trabalho de arte ‘funciona’ quando ele se distancia de nós, quando as definições não
são suficientes, quando nós não sabemos o que está acontencendo[...] Exatamente como o
mundo, a vida ou a natureza, a arte não é o lugar seguro, firme e estável que o positivismo
nos fez acreditar que era[...] ‘A verdade é apenas um momento de erro’, escreveu Mao-Ze-
Dong[...] Paradoxo, tensão e contradição são a própria base da arte.O bizarro, o estranho, o
misterioso são fontes de vida, a outra dimensão que torna o mundo vivo e capaz de sacudir
nossa estrutura mental cartesiana”.
A abordagem estética tradicional ligada aos pressupostos epistemológicos da modernidade que privile-
giam o aspecto individual do processo criativo e o papel meramente passivo dos leitores-contempladores
,acaba por estabelecer uma visão monológica da arte, além de priorizar o material e o objeto artístico
em detrimento do processo.
Tal abordagem é colocada em xeque com o advento das novas mídias, da linguagem audiovisual, da
chamada “arte eletrônica” (KAC,1999,p.1) e da pós-modernidade (HAYNES, 1995,p.161).
A estética dialógica vem, nesse sentido, oferecer um outro modo de se perceber a dimensão artísti-
ca: o evento estético pressupõe sempre a interação de, pelo menos, duas consciências distintas. Isso,
sem dúvida requer uma outra política de representação, que privilegie a alteridade e inclua as vozes e
sensibilidades múltiplas e variadas dos diversos grupos sociais e culturais. Assim, enfatiza-se sobretudo
o aspecto processual, coletivo e social: “a verdadeira noção central da pesquisa estética não deve ser
o material, mas a arquitetônica, ou a construção, ou a estrutura da obra, entendida como um ponte de
encontro e de interação entre material, forma e conteúdo” (BAKHTIN, 1997b,p.21).Tal ênfase torna-se
importante , ao perceber-se as novas potencialidades trazidas pelas novas mídias
In this scenario, images (and objects) become one among many elements in the elaboration
of dialogic situations. Visual dialogues, for example, imply the exchange and manipulation
of images in real time. In this case, we no longer speak of space as form, but instead con-
centrate on the time of formation and transformation of the image—as in speech. This, of
course, demands a revision of the most entrenched convictions of what art is, from its material
Nesse novo contexto, muitas das noções estéticas tradicionais – que apontam para uma perspectiva
narcísica, individual e auto-referente (monológicas) - precisarão ser repensadas:
We are no longer contemplating the notion of the artist as the individual who works in iso-
lation and who provides us, the audience, with a personal vision of an idea or emotion as
embodied in a rigid material composition in a system of time deferral. This model, which
affirms the primacy of individuality, simply does not have the power to suggest alternatives
to unidirectional and conventional modes of thinking and perception. It is too far remo-
ved from the reality of a networked world in a global economy. A corollary is the notion of
“expression” in art, another outmoded and anachronistic concept. It is based on the belief
that a self-centered individual has the need (and particular skills) to externalize emotions
and inner visions. This assumes that the “individual” is a discrete psychological entity and
not a dialogical subject in perpetual negotiation with others. Everyone has emotional and
cognitive needs, but it is gravely fallacious to assume that these needs and the commercial
objects that result from their “expression” are the only mode of artistic thinking deserving of
consideration. Or, as Suzi Gablik so poignantly put it: “Modernist aesthetics, concerned with
itself as the chief source of value, did not inspire creative participation; rather, it encouraged
distancing and depreciation of the Other. (KAC, 1999,p.4 )
Nesse sentido, Kac (1999, p.8) enfatiza que as artes visuais tradicionais são monológicas porque ofe-
recem formas finitas e unidirecionais de significação, além de demandar um leitor, contemplador passivo.
Tal perspectiva, fundada na filosofia da consciência, desconsidera a dimensão intersubjetiva e relacional
do existir humano e da sua dimensão estética, considerando ou ouvinte,leitor, expectador como passivo.
Contrapondo-se a essa idéia de passividade, Bakhtin, enfatizando a dialogicidade interna do discurso,
vem nos mostrar como ao penetramos na corrente da língua nos tornamos participantes ativos de um
“meio dialogicamente perturbado e tenso de discursos de outrem”(BAKHTIN,1998,p.86). Assim a com-
preensão nos remete a posicionarmo-nos enquanto participantes ativos, responsivos desse diálogo social:
“compreender é opor à palavra do locutor uma contrapalavra “(BAKHTIN,1997a , p.132). Nesse sentido,
nenhum material semiótico fala por si próprio: sua significação sucede-se intersubjetivamente: “é como
uma faísca elétrica que só se produz quando há contato dos dois pólos opostos”(BAKHTIN,1997a,p.132).
Assim, a compreensão não se reduz apenas ao seu aspecto passivo que seria apenas:
um momento abstrato[...]Permanecendo puramente passiva, receptiva, não trazendo nada
de novo para a compreensão do discurso, ela apenas o dubla,visando, no máximo, a repro-
dução completa daquilo que foi dado de antemão num discurso já compreendido: ela não vai
além do limite do seu contexto e não enriquece aquilo que foi compreendido.[...] Com efeito,
essas exigências da compreensão passiva[...] deixam o falante em seu próprio contexto, em
seu próprio círculo, sem faze-lo sair dos seus limites (BAKHTIN,1998, p.90).
Tal percepção da dialogicidade interna da linguagem nos leva a desconstruir a idéia do gênio isolado,
iluminado nos mostrando um lado absolutamente novo de um objeto, através da sua obra, o que deman-
daria uma atitude meramente passiva, “boquiaberta”, dos “receptores”. Essa tentativa que ambiciona o
retorno à consciência primitiva, à sensação pura materializou-se em alguns movimentos estéticos como
o naturalismo, impressionismo, dadaísmo e surrealismo, dentre outros (BAKHTIN, 1998,p.86)
Em contraposição a abordagem monológica da arte, iremos assistir à perspectiva que preconiza a
co-autoria, participação e intervenção do público na obra de arte:
A obra não é mais fechada sobre si mesma, fixa no seu acabamento, ela ‘se abre’. O tempo
da criação da obra e o tempo em que ela se dá a ver – o tempo de sua socialização – ten-
dem a se sincronizar. O gênio, termo romântico que cessa de ter existência, não é mais um
relógio que se adianta em relação ao momento da comunidade cultural. O artista delega ao
observador uma parte de sua responsabilidade de autor(COUCHOT, 1997,p. 137)
Tal perspectiva, preconizada pelos movimentos estéticos participacionistas dos anos sessenta (COU-
CHOT,1997, p.137) intensificam-se e ampliam-se com as novas mídias , especialmente as redes de
computadores(o que analisaremos com mais vagar na seqüência).
Além disso, há o advento da tecnologia do numérico, das relações do homem com a máquina, da
arte com a tecno-ciência. Relações essas que necessitam e devem ser problematizadas , uma vez que
cada vez mais a arte utiliza materiais “abstratos, altamente formalizados, constituídos por programas
informáticos[...] elaborados a partir de modelos tomados emprestados do domínio da ciência(da física
às ciências cognitivas e da vida, passando pelas matemáticas”( COUCHOT,1997, p.139). Isto pode acon-
tecer , na medida em que os artistas busquem um trabalho em parceria no universo das competências
tecnológicas(MACHADO, 1999,p.8). Parceria que requer uma capacidade de trabalho coletivo, negociação
de significados permanente e , enfim, o entrecruzamento produtivo, imprevisível dos diversos discursos
e competências em jogo. Nesse contexto, cada vez mais a arte deixa de ser trabalho individual, fruto de
um gênio para se transmutar em trabalho coletivo e interacional.
Assim “ao gerar significação, a tecnologia como linguagem passa a dar determinados sentidos para
as ações dos agentes sociais (passa a ser uma espécie de cimento semiótico dessas ações), bem como
cria condições para retecer as malhas das relações de poder” (FARACO, 1998, p.8). Nesse sentido, as
tecnologias audiovisuais constituem um lócus de diferentes atividades humanas – científica, técnica,
econômica, política, etc. – e gêneros discursivos que se interpenetram e produzem significativos efeitos
semióticos, cronotópicos nas diversas comunidades em que se materializam. Não é, pois, possível pen-
sar em neutralidade tecnológica. As tecnologias, como atividade humana carregada de valores, geram
significados e inserem-se como elementos atuantes nos grupos sociais, travando um encontro produtivo
com as diversas axiologias, temporalidades e epistemes
Dessa forma, o cronotopo digital vem potencializar o encontro multifocal e heteroglótico de diversos
signos, linguagens, sensibilidades, que passam a atuar na constituição da subjetividade humana. Por
outro lado, as novas tecnologias da comunicação irão potencializar muito mais o aspecto relacional do
ser humano, em que pese, muitas vezes, continuarem a ser sub-utilizados, do ponto de vista interativo
e dialógico. Trata-se, assim, de se buscar uma outra abordagem que supere formas monológicas e uni-
laterais de comunicação.
Além disso, a concepção dialógica de linguagem ajuda a vislumbrar melhor a potencialidade intera-
tiva das tecnologias audiovisuais, seja colocando em xeque a exploração monológica de interatividade
verbo-audiovisual, desenvolvida pelas mídias tradicionais, seja levando a trabalhar a interatividade
na perspectiva da co-autoria, em que os espectadores/usuários atuam como autores, com possibilidade
de intervenção na obra digital e não no papel tradicional de contempladores passivos.
É necessário constatar que interatividade e dialogismo nos meios eletrônicos nem sempre são práticas
coincidentes, como observa MACHADO (1997, p.144). Como já mencionamos anteriormente, a perspectiva
dialógica requer que redimensionemos nossa concepção de subjetividade e experiência humana. Não se
trata apenas de um novo parâmetro estético, mas sim de uma filosofia social, ética e política. MACHADO
(1997, p.145), ao comentar Raymond Willians, pondera que para ele a interatividade implicava numa
outra idéia, diferente dos termos emissor e receptor, mais estimulante de “agentes intercomunicadores”,
capazes de resposta autônoma , criativa e não prevista em audiência.
Como observa KAC, o princípio dialógico está profundamente arraigado na realidade social da cons-
ciência, do pensamento e da comunicação. É na intersubjetividade que o ser humano se constrói; os
significados não são estabelecidos aprioristicamente e sim interacionalmente, como respostas a situações
e horizontes sociais e culturais específicos, de forma provisória e sempre aberta a novas possibilidades
semânticas. Requer, assim o uso multi-direcional das novas mídias e a criação de situações que possam
promover experiência de trocas intersubjetivas entre diferentes indivíduos.
O advento da televisão, sem dúvida, representou uma revolução no campo comunicacional , incor-
porando-se ao cotidiano das diversas comunidades e fazendo emergir uma cultura midiática. Contudo,
em que pese sua organização emissiva-tecnológica ser predominantemente unilateral e monológica, o
processo comunicacional é extremamente rico e complexo, e não pode ser reduzido a categorias totali-
zantes e simplificadoras como emissão e recepção, cultura de massa, etc. Além disso, podemos dizer com
(CASTELLS,1999,p.362-365)que, a partir da década de 80, as novas tecnologias alteraram significativa-
mente o mundo da mídia, privilegiando a diversidade e complexidade da sua audiência e, mais que isto,
ampliaram a possibilidade de telespectadores ativos e produtores locais da linguagem audiovisual :
Jornais foram escritos, editados e impressos à distância, permitindo edições simultâneas
Claro que tal diversificação não implica, como assinala CASTELLS (1999,p.365), “perda de controle da
televisão pelos principais empresas e governos. Na verdade, tendência oposta é que tem sido observada
ao longo da última década. Os investimento têm sido muito generosos no campo das comunicações com
a formação de megagrupos e alianças estratégicas para conseguir fatias de um mercado em completa
transformação” . De qualquer forma, tal passeio pelas inovações tecnológicas das novas mídias de comu-
nicação ajudam a perceber que, embora haja a reiteração de mecanismos de controle das novas mídias,
a efervescência dialógica e interativa da atividade humana não se curva às tentativas monológicas de
fechamento e restrição do processo comunicativo.
Por seu turno, a informática irá colocar um aporte técnico diferenciado para a discussão sobre inte-
ratividade:
As memórias de acesso aleatório dos computadores, bem como os dispoisitvos de armaze-
namentos não lineares(...)possibilitam uma recuperação interativa dos dados armazenados,
ou seja, eles permitem que o processo de leitura seja cumprido como um percurso, definido
pelo leitor-operador, ao longo de um universo textual onde todos os elementos são dados de
forma simultânea(...) A ‘obra’ agora se realiza exclusivamente no ato de leitura e em cada um
desses atos ela assume uma forma diferente, embora, no limite, inscrita no potencial dado
pelo algoritmo(...) o leitor recupera(tal como nos primórdios da narrativa oral transmitida
boca a boca) o seu papel fundante como co-criador e contribui decididamente para realizar
a obra...(MACHADO, 1997, pp.145-146)
Mais ainda, especificamente a hipermídia, possibilita uma melhor expressão para as inúmeras e
complexas associações e interações dos signos verbo-audiovisuais que ocorrem em nossa consciência
e imaginação. Além disso, possibilita resgatar o “processo genético” rico, contraditório e plural da con-
fecção textual e explorar as virtualidades inexploradas da obra. Isso leva MACHADO (1997, p.149) a
utilizar, para a hipermídia, a metáfora do labirinto, em que o que conta não é buscar “o caminho”, mas
percorrer e explorar o maior número possível de novos trajetos. Além disso, a própria leitura
provoca um efeito real sobre a imagem. E é também a imagem – cúmulo do paradoxo
– que, na medida em que é indissociável dos processos computacionais, olha o observador,
lê sua leitura. O termos observador ou espectador é ainda mais inadequado. A participação
do espectador transforma-o em ator em autor, cujas capacidades imaginativas e criativas
podem se revelar de uma complexidade, de uma riqueza notáveis, sem lhe proibir nem a
contemplação nem a meditação (COUCHOT, 1997, p.142)
Miha Javornik
The question how to understand the evolutionary processes in the 20th c.1 culture must be connected
to the question of boundary. M. Bakhtin very perceptively observed that the boundary is the area of
the greatest friction of ideas and ideologies—the sphere where the most productive processes in culture
originate—it is the area where the dialogue begins.2
In considering the role of boundary in culture it is necessary to refresh the thought of structural an-
thropologists and cultural specialists (Toporov 1990) that in cultural development the boundary has a
symbolic function, that in one way or another resurrects the meaning of confrontation. It is this particular
motif to which Bakhtin unequivocally attributes positive meaning as he characterizes it as a constant
of cultural evolution (Bakhtin 1975). Readiness for confrontation means openness, willingness to face
differences and/or diversity, which always implies the concept of boundary.
When speaking of the positive values of boundary, it is necessary in the same breath to point out that
in one’s imagination the expression “boundary” creates mostly feelings of fear and uneasiness, rather
than of something that represents an a priori value and is connected with a feeling of comfort. In our
understanding this uneasiness, which always appears as a transition from the “domestic” to “foreign,”
needs to be placed in the broader symbolic contrast of “I” vs. “The Other,” where spatial coordinates
play an important role. Here, too, the motif of confrontation as a contact of physical bodies representing
closeness, plays an important role.3 The action of an unknown or unexpected, i.e., foreign, force in one’s
proximity means the destruction of psychophysical equilibrium; Bakhtin illustrates this situation with the
concept of “threshold.” In his analysis of the novelistic chronotopes the Russian scholar emphasizes that
the main character must overcome the boundary situation (i.e., the threshold), leave the sphere of the
“domestic,” overcome the challenges standing in his path, thus reestablish equilibrium. The challenge in
his path means nothing but confrontation with something foreign; this confrontation essentially speaks
of the cognizance of one’s own boundaries. It is obvious that ambivalence is characteristic of both mo-
tifs, i.e., confrontation and boundary. While they mean an opportunity for change and thus at least in
principle pave the way for change in the dialogue with something else, unknown, at the same time they
raise uneasiness and fear, i.e., they have a more or less negative connotation.
This simple and universal fact, which is typical not only of the novelistic chronotopes that Bakhtin
speaks of, but of communication in general, is also discussed in studies of other theoreticians. In the
context of this discussion of particular interest are Deleuze-Gauttari’s reflections on Kafka, also em-
phasizing the value of spatial relationships in the author’s opus (Deleuze, Guattari 1995). The French
scholars view them as the intertwining of (re)territorialization and deterritorialization processes, leading
Kafka’s “heroes” to an ever-changing quality in their cognizance of the world.4 The never-ending and
contextually different exchange of de- and reterritorialization should be understood as a dynamics in the
cognizance of boarder, where Kafka’s characters are always accompanied by the feeling of uneasiness. If
on the one hand a character manages to at least temporarily overcome this feeling, on the other hand,
in new contextualizations (confrontations) a boundary in different form is drawn, only to give rise to a
different kind of uneasiness.
1 The paper is limited to the phenomena related to so-called digitalization of culture. The focus is on discovering principles of computer development and
most of the discussion is devoted to Internet Communication.
2 Here it must be noted the value that Bakhtin in his analysis of F.M. Dostoevsky’s creative work places on threshold, which in itself implies the idea of
borderline situation. Similarly, the dialogue as the intersection of various perspectives inevitably implies the presence of boundary. The major question is
how the boundary is established.
3 In this context Bakhtin’s expression “chronotopicality” must be mentioned. It involves the process of condensing time in space. In his article “The Forms
of Time and Chronotope in the Novel” he perceives the chronotope as materialization of time, evident in emphasizing the values of spatial dimensions. He
clearly points this out in his monograph about Dostoevsky (particularly in the revised version) The Issues in Dostoevsky’s Poetics, where he attributes special
meaning to the so-called “carnival” market and threshold.
4 Deleuze-Gauttari explain Kafka’s opus as rizom. They begin the analysis with The Transformation, where they found parameters representing the basis for
building the so-called schizo-analytic interpretation. They consider the category of desire the motive power of Kafka’s work and around it they build a kind of
equation. They speak of blocked desire referring to childhood memories. These memories are characterized by minimal connections, related to the concept
of territoriality or, rather, re-territoriality, which means imitation, implies a return to archetypical images, and establishes mythologicness. The opposite of
5 The body on stage is not a mere imitation of physical reality, in the “artistic” experiment the actor inflicts on himself real pain, i.e., he does not imitate nor
simulate. The stage becomes life, the sign becomes the signified. Body-art experiments display characteristics of syncretic thought, that semiotics discover
in the so-called pre-reflexive phase of consciousness (KLE 1967: 876-882). How syncretism is materialized in modern forms of communication is one of the
questions posed in the discussion.
6 In this context Lacan’s notion of floating signifier must be mentioned, which is often implied in the discussions about culture by poststructural theory.
7 Cf. Il’in 2001: 298-303.
8 It seems that in the context just mentioned it would be possible to discuss interdisciplinary tendencies in science and art, leading to a holistic unders-
tanding of the world.
9 A look at the modern social and cultural situation, marked with so-called globalization tendencies, supports this idea. Approaching a common, in principle
dialogically organized, global social community, where boundaries between individual or national-cultural differences are blurred to the greatest extent pos-
sible, ever more often brings forth the question of how to preserve independence and ethnic originality. This raises the question whether, in fact, “freedom
of choice” exists. In other words, between the desire to be as close as possible to The Other (“inside” the circle of democratic and economically developed
countries) uneasiness appears, conceived of the fear that this process leads to loss of one’s own identity. There is an ever-increasing need to protect one’s
own interest and subjectivity, in fact, to stay “outside” and be able to draw a line in due course between what is common, but not “ours,” local. One of the
most noticeable manifestations of this uneasiness is the (legally regulated) attempt to protect language, this treasury of historic and cultural memory as
“something physical” (i.e., like a “body”) against encroachment of the global language—English. Last, but not least, it must be noted that it is possible to
speak of globalization only when social and national communities follow its rules and regulations. The essential prerequisite for this is economic and cultural
development (mainly tied to Christianity), which allows the community to overcome its own previous manifestations of boundary. Everyone else, the so
called Third World, remains “outside,” thus (paraphrasing S. Žižek) in a subversive way undermining the philosophy of games without borders within the
simultaneous game of globalization (a good example of subversion is the 9/11 attack on WTC). Such discussion of modern persistent attempts to abolish
boundaries separating “Me” from “The Other” logically grows into questions about the location and method of rebuilding the boundary, which on both concrete
and symbolic levels means the constitutive and determining category in dynamics of cultures.
10 The broken relationship between the signifier and the signified is the fundamental characteristic of pre-reflexive reflection, i.e., myth, in which, according
to the founders of Russian poetics (Veselovsky, Potebnya), the culture arises as a form of reflexive consciousness (cf. Averincev, KLE 1967).
11 M. Ryklin sees in Bakhtin’s carnival a specific form of terror, since by striving for affirmation of the collective he prevents actual individualization of the
body. It is interesting to note that B. Grojs points out parallels between the Stalin trials and the apology of the carnival, i.e., both were aimed against all
forms of individualization.
12 This is as if dealing with the idea which could be put in the context with poststructuralist thought of the so-called floating signifier. Considering the
presented characteristics of the carnival attitude towards the world, the connections with Deleuze-Guattari’s understanding of re- and deterritorialization
are more than obvious.
13 For more on freedom of choice in the world of virtual communication see Javornik 1998.
14 It is also known that there is nothing “physical” behind virtual reality, except for the network of intricately organized connections with wires between
them.
15 Note forms of Internet conferencing, where image begins to replace verbal sign. They are not discussed here in detail, as technological limitations do not
allow sufficient speed in flow of information and these forms do not represent generally accessible method of communication.
16 It must be noted that the development of computer technology also leads to the use of simulation means in movies, which blurs the boundary between
imitation and simulation. Images are created which do not speak of concrete corporeal/physical manifestation, i.e., the actor is replaced by a digital cha-
racter.
22 With the idea of the unified action of centripetal and centrifugal processes, where actualization of various principles alternates, one actualizes the value of
Bakhtin's concept of grotesque realism as a dynamics of unity of bi-polar opposites. His understanding of bi-worldness (двумирность) offers a productive
option in the search for the developmental characteristics of various semiotic modeling modes.
23 Note so-called user friendly computer technologies. More on that see in: Javornik 1998.
24 A good example of the mechanisms just mentioned is the virtual sexodrome in Cologne: "virtual partners," dressed in clothing capable of changing electric
stimuli into sensations of (dis)pleasure, adopt bodies of chosen characters on the stereometric screen and via the screen make connections with other
"bodies." Needless to say, the sensations of virtual socializing are entirely real (cf. Man'kovskaya 2000: 321-322). Note that theoreticians often connect
postmodernism with schizoid denotation (cf. Smirnov 1994: 317.332).
Marilei Jorge
Resumo I
A partir de um texto de divulgação científica, são observados mecanismos de construção do simulacro
de objetividade que têm por objetivo dissimular uma determinada posição ideológica. O signo lingüístico,
ponderado no dialogismo constitutivo do texto, observado como resposta a vozes “do outro”, deve confi-
gurar metas para uma tradução adequada, em que o mundo fabricado pela língua-de-origem prevaleça.
Para tanto, parte-se da observação do léxico, buscam-se pistas por meio das quais o eu acaba por se
mostrar, tomando o texto em seus mecanismos de construção argumentativa, que fazem crer além de
fazerem saber, circunscrevendo-se ao gênero divulgação científica. Notar os mecanismos da língua-de-
origem, buscando verificar como a tradução constrói a imagem do enunciador do texto original, para que
se mantenha o tradutor na sombra, pode fazer com que os princípios dados pelo dialogismo bakhtiniano
contribuam para a teoria que se debruça sobre problemas de tradução.
Resumo II
A partir de un texto de divulgación científica, son observados mecanismos de construcción del simulacro
de objetividad, que tiene por objetivo disimular una determinada posición ideológica. El signo lingüístico,
ponderado en el dialogismo que constituye el texto, observado como respuesta a las voces “del otro”,
debe configurar metas para una traducción adecuada, en que el mundo fabricado por la lengua-de-ori-
gen prevalezca. Para tanto, se observa el léxico y se buscan pistas por medio de las cuales el yo acaba
por mostrarse, tomando el texto en sus mecanismos de construcción argumentativa, que hacen creer,
además de hacer saber. Percibir tales mecanismos de la lengua-de-origen, buscando verificar como la
traducción construye la imagen del enunciador del texto original, para que se mantenga el traductor en
la sombra, permite que los principios dados por el dialogismo bakhtiniano contribuyan para la teoría que
se dedica a los problemas de traducción.
Este trabalho foi realizado a partir de um texto de divulgação científica escrito em Língua Francesa e
publicado na Revista “La Recherche”, versando sobre dejetos nucleares. Ele se fundamenta na convicção
de que uma boa tradução deve manter uma correspondência ética entre o texto-base e o texto traduzido
e, para isso, toda e qualquer tradução deve buscar uma proximidade com o discurso e não com os ele-
mentos lingüísticos. A literatura a respeito do assunto demonstra abundantemente que não há fidelidade
entre a sintaxe ou mesmo entre os lexemas de uma língua para outra.
Entretanto, podemos buscar essa fidelidade no discurso, por exemplo, na voz do eu – que se manifesta
tanto em um texto literário, quanto em um texto científico ou de divulgação científica – ou reproduzi-la
através da similitude do estilo que caracteriza o texto a ser traduzido.
Isso não significa que a lingüística, ou a descrição de fatos da língua, não tenha qualquer interesse
para o tradutor. Entretanto, o tipo de análise que se propõe aqui vai ultrapassar os elementos lingüísticos
do texto, embora faça uso deles enquanto elementos de compreensão da organização textual.
Dentre os aspectos que podem ser recuperados na tradução de qualquer tipo de texto e que vão além
das características lingüísticas que o compõem está a observação do signo lingüístico, ponderado no
dialogismo constitutivo do texto, entendido como resposta às vozes do “outro”, e que permite configurar
metas para uma tradução adequada, em que o mundo fabricado pela língua do texto-base prevaleça.
“Não há e nem pode haver quaisquer relações dialógicas na linguagem, enquanto objeto da lingüística”
uma vez que esta ciência só pode tratar dessas relações no plano da língua, diz Bakhtin (1997, p. 182).
Assim sendo, como a tradução diz respeito à relação do eu com o outro, confirmando o dialogismo do
O autor se serve desse sujeitos para expor os fatos - exemplos 1, 2, 3, 5, 6 – e para reforçar as
idéias propostas, que ganham crédito pelas vozes outras pessoas de importância incontestada, como os
especialistas competentes, os parlamentares, disfarçando, assim, sua própria opinião.
Elas podem, entretanto, ser identificáveis, ainda, pelo uso de advérbios ou locuções adverbiais de
intensidade, que permitem ao analista perceber a importância que ele quer dar ao assunto:
· encore plus conséquentainda mais séria
· en profondeurprofundamente
· rien queapenas
· sans finsem fim
· Podemos, ainda, observar a enunciação que se esforça por fazer crer, nas orações ou expressões
comparativas, que ressaltam a importância do que está sendo dito. A primeira termina, inclusive, por um
ponto de exclamação:... presque autant que le coût cumulé du programme nucléaire américain depuis
la Seconde Guerre Mondiale!
“...quase tanto quanto o custo acumulado do programa nuclear americano desde a Segunda
Guerra Mundial!”
· L’un des problèmes les plus urgents...”Um dos problemas mais urgentes...”
Portanto, encontramos a ênfase da argumentação baseada na escolha das figuras que se lexicalizam
de maneira própria, no emprego dos advérbios, na citação de outros para validar o que é dito – revista
científica, especialistas, parlamentares - na ênfase da argumentação baseada em números e porcenta-
gens, de maneira a se desvendar uma voz que toma partido, desfazendo a ilusão falsa de “objetividade”.
Concomitante a tais fenômenos, os embreantes que introduzem as orações, a própria ordem dos termos
da oração, a escolha de determinada variante lingüística e, voltando ao léxico, o peso da subjetividade
dado pelos adjetivos, como se pode observar no próprio título, devem remeter a uma enunciação ansiosa
por fazer crer, apesar de dissimular-se, como compete ao gênero do texto.
Ao realizar a tradução, portanto, o profissional atento deve entender o texto em toda sua imanência
e aparência, ter em mente a necessidade de imitar os processos de construção do texto-base, de criar
um verdadeiro simulacro do outro, o que no caso de uma tradução do francês para o português é fa-
cilitado pela proximidade de estruturas gramaticais e sintáticas que permitem um efeito de sentido de
relativa similaridade. Romper com essa forma e produzir um texto que não corresponda ao discurso, ao
estilo proposto pelo autor do texto-base significa falar do mesmo tema, porém não significa fazer uma
tradução.
Referências bibliográficas
BAKHTIN, M. (VOLOCHINOV), Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Editora Hucitec, 1992.
__________________Problemas da Poética de Dostoiévski. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997.
CORACINI, M.J., Um fazer Persuasivo. Campinas, São Paulo : Pontes, EDUC, 1991.
La Recherche: États-Unis: un lourd héritage. Paris, No. 301, p.67, 1997.
MAINGUENEAU, D. Análise de Textos de Comunicação. Cortez. São Paulo. 2000.
__________________ Éléments de linguistique pour le texte littéraire. Paris. Dunot, 1993.
VIGNER, G. Lire : du texte au sens. Paris. CLÉ International, 1979.
Christina Karageorgou-Bastea
Para M-P. M.
Abstract
In this paper I present an approach to the architectonic form of the lyric, first from a theoretical point
of view and then analyzing a poem from Lorca’s Poema del cante jondo (1931). Using Xavier Zubiri’s
concept of space as a system of spatial notes, always active, dynamic and relative, which evokes Bakhtin’s
exotopy, I draw the map of individuals or groups at odds in the “Baladilla de los tres ríos”. Through lyric
discourse these entities strive for supremacy within the boundaries of Andalusian geography and col-
lective memory. Against Bakhtin’s a-spatial conception of the lyric genre, in this paper I am particularly
interested in the constitution of a lyric agent as presence endowed with spatial concretion in terms of
interiority and intimacy.
El Poema del cante jondo transcurre en Andalucía1. Lorca no intentó sembrar dudas al respecto:
menciona ciudades, ríos, géneros musicales típicos del mundo andaluz, personajes del flamenco, cafés
cantantes, paisajes, leyendas locales. De tan obvio, el espacio del poemario no ha aparecido problemá-
tico para la crítica, que, por una parte, funda en él el tradicionalismo y gitanismo del poeta granadino,
mientras por la otra, adjudica a la geografía un valor metafórico2. El topos del poemario se ha explicado
como una escenografía. A veces es un objeto, como la caja de resonancia de la guitarra o la castañuela-
crótalo, orígenes metonímicos de la tradición flamenca. En otras ocasiones el espacio es un pliegue del
desierto por el que vino el gitano errante. El libro de Lorca abre con la “Baladilla de los tres ríos”; una
de sus secciones se llama “Tres ciudades”; incluye títulos como “Paisaje” (157), “Pueblo” (168), “Encru-
cijada” (170), “Cueva” (174), “Balcón” (185), “Camino” (190), “Barrio de Córdoba” (212). No obstante
la riqueza y la recurrencia de las menciones a esta geografía siempre presente, nula atención se ha
dado a las implicaciones de la densidad espacial para la lírica, considerada como discurso a-espacial por
excelencia.
Ni la interpretación tropológica del espacio, en tanto medio para crear un isomorfismo entre palabra
y geografía, ni la acepción de que el espacio es una manera de tematizar la tradición, llevarían más allá
del plano material o del debate temático. Ninguno de estos enfoques daría cuenta de la forma lírica que
el poeta persigue. Propongo entonces entender el espacio del Poema del cante jondo como el lugar de
donde emanan el grito, el cante, la poesía, el discurso. Esto es, ver el espacio no como escenario, sino
como lugar de enunciación. Dando un giro al cronotopo bajtiniano, propongo analizar cómo en la lírica
lorquiana el yo que enuncia se hace audible -esto es, se le distingue de las demás voces- por su posición
en el espacio. La ubicación en el espacio se vuelve significativa en la medida del acto que la voz lleva a
cabo: cantar sobre algo. La identidad, pues, es una dación de la posibilidad de hacer audible un acento
sobre un tema, desde un punto en el espacio. Por eso, ocupar un punto poéticamente es un privilegio;
se trata siempre y ante todo de un lugar disputado por diferentes fuerzas que pugnan por expresión y
supremacía3.
1 Lorca empieza a escribir el libro entre 1921-22. Lo deja reposar nueve años durante los cuales escribe la mayor parte de su obra lírica, y acaba por pu-
blicarlo en mayo de 1931, al regreso de su primer viaje a América. Es digno de ser analizado -sin que esto signifique que alguien se haya preguntado sobre
el asunto- el por qué Lorca cede a las peticiones de los editores, y deja ir sus manuscritos del Poema del cante jondo, revisados por Martínez Nadal, a las
ediciones Ulises. Después de Poeta en Nueva York, El público y Viaje a la luna, que hasta 1931 son sus obras de poética más vanguardista, García Lorca
regresa a una estética casi modernista que, inclusive en su colorismo local, parecería ya rebasada por el Romancero gitano. Mi hipótesis es que Lorca va
forjando en este poemario juvenil una suerte de yo lírico para renovar la tradición que ha heredado. Este yo lírico es híbrido: culto y tradicional, poético y
pictórico, pero también musical, histórico y utópico. Para cotejar la evolución de la poética lorquiana en el libro sobre el canto andaluz véase Rafael Martínez
Nadal, “Prólogo”, a Federico García Lorca, Autógrafos I, edición de —, (The Dolphin Book, Oxford, 1975). Todas las citas al Poema del cante jondo son de
Federico García Lorca, Obras completas, tomo I, recopilación, cronología, bibliografía y notas de Arturo del Hoyo, prólogo de Jorge Guillén, (Aguilar, Madrid,
3 vols., 1986, tomo 1; y se darán con el número de página entre paréntesis en el cuerpo del texto).
2 Sobre la interpretación metafórica del espacio en el Poema del cante jondo véase Gonzalo Correa, La poesía mítica de Federico García Lorca (Gredos,
Madrid, 1970), p. 21; Pedro Córdoba Montoya, “Lorca teórico del lenguaje o el origen sentimental de las palabras”, en AA.VV., Homenaje a Federico García
Lorca, (Université de Toulouse-Le Mirail Service des Publications, Toulouse, col. Travaux de l’Université, Série A- nº XX, 1982), p. 142. Sentidos universales
en lo espacial encuentra también David K. Loughran en su libro Federico García Lorca. The Poetry of Limits, (Tamesis London, Books Limited, 1978), pp.
57, 67, 69.
3 Las voces no ocupan un lugar de autoridad, por lo menos no a la manera de fuerzas socioculturales, como pasa en la novela. Sin embargo, en cuanto a
acceso al poder de la palabra, los sujetos audibles en el mundo del poema son privilegiados respecto del coro de voces del que han salido. Por ejemplo, en
el Poema del cante jondo los gitanos y las mujeres se hacen oír. Su espacio de enunciación no corresponde al de la autoridad; sin embargo, su manera de
trascender sobre el espacio -esto es, sobre las demás voces - implica una posición privilegiada para el sesgo que toma el acontecimiento lírico.
4 Y prosigue el filósofo ruso: “[…] (la fraseología romántica acerca de la infinitud del espíritu es sobre todo compatible con los momentos de la forma
lírica); luego, la lírica no define ni delimita el movimiento vital de su héroe mediante una fábula acabada y concisa; y, finalmente, la lírica no tiende a la
creación de un carácter acabado de héroe, no traza una frontera precisa de la totalidad del alma y de toda la vida interior del héroe (sólo tiene que ver con
un momento de este todo, con un episodio del alma) [...] el primer momento de parte del héroe hace evidente su posesionamiento interior por la postura
valorativa del otro igualmente interna”, Mijaíl M. Bajtín, Teoría y estética de la novela. Trabajos de investigación, tr. Helena S. Kriúkova y Vicente Cazcarra,
(Taurus, Madrid, 1989), pp. 148-149. Bajtín ve la conciencia del héroe lírico como un proceso concluido desde la voz del autor, desde afuera, nunca como
un proceso orquestado en el que el yo participa. Cfr. la construcción del héroe en Dostoievsky en Mijaíl M. Bajtín, Problemas de la poética de Dostoievsky,
tr. Tatiana Bubnova, (F. C. E., México, 1986), pp. 71-111. Para una argumentación en contra del monologismo que Bajtín adjudica a la lírica, desde el punto
de vista del concepto de responsabilidad, también bajtiniano, véase Michael Eskin, Ethics and Dialogue in the Works of Levinas, Bakhtin, Mandel´stam and
Celan, (Oxford University Press, Oxford, 2000), pp. 115-116. Eskin parte del propio Bajtín; una vez considerada la palabra como acto, y la responsabilidad
inalienable creada siempre entre el yo y el otro, se niega de manera orgánica la voz única de la lírica.
5 Frente a la palabra en la novela, el discurso lírico “[…] no conoce la sensación de marginación, ni la de historicidad, ni la de determinación social y es-
pecificidad del propio lenguaje [...] El lenguaje se autorrealiza en la obra poética como evidente, incontestable, y universal [...] El lenguaje del género
poético es un universo ptolomeico unitario y único, fuera del cual no existe nada y no se necesita nada [...] El universo de la poesía, sea cual sea el número
de contradicciones y conflictos irresolubles revelados por el poeta, se ve siempre iluminado por la palabra única e incontestable. Las contradicciones, los
conflictos y las dudas, se quedan en el objeto, en los pensamientos y en las emociones; con otras palabras, en el material; pero no pasan al lenguaje [...]
La responsabilidad igual y directa de toda la obra frente al lenguaje (como lenguaje propio), la plena solidaridad con cada elemento suyo, con cada tono y
matiz, es una exigencia fundamental del estilo poético [...] El poeta no puede oponer su conciencia poética, sus intenciones, al lenguaje que utiliza, porque
se encuentra íntegramente en él [...] La unidad y unicidad del lenguaje son condiciones indispensables para la realización de la individualidad intencional
directa (y no objetual característica) del estilo poético y de su consecuencia como monólogo [...] Como resultado de las condiciones que hemos analizado
el lenguaje de los géneros poéticos [...] se convierte frecuentemente en autoritario, dogmático, conservador, enclaustrándose para protegerse de los dia-
lectos sociales, extraliterarios.” M. M. Bajtín, Teoría y estética..., pp. 102-105, cfr. con “La forma lírica es especialmente sensible a la posición del oyente.
La condición principal de la entonación lírica es la inquebrantable confianza en la simpatía de los oyentes. Apenas una duda penetra en la situación lírica,
el estilo de la lírica cambia violentamente”, y “[c]uanto más el poeta está separado de la unidad social de su grupo, tanto más se inclinará por tomar en
cuenta las exigencias externas de un público determinado. Sólo un grupo social ajeno al poeta puede determinar desde el exterior su obra. Su propio grupo
no requiere una semejante definición externa: se manifiesta en la propia voz del poeta, en su tono principal, en sus entonaciones, lo quiera o no el propio
poeta”, Valentín Voloshivov (M. M. Bajtín), “La palabra en la vida y la palabra en la poesía. Hacia una poética sociológica”, en Mijaíl M. Bajtín, Hacia una
filosofía del acto ético, tr. Tatiana Bubnova, (Anthropos, EDUPR, Barcelona, 1997), pp. 134. Bajtín se muestra incapaz de oír los acentos del discurso lírico
porque la solidaridad de clase que la voz única implica lo hace sordo a todos los demás acentos que se pueden oír en la lírica: desde las voz del género
hasta la voz de la edad, desde la voz del conocedor o del lego, hasta la voz del rebelde y del opresor se abren matices de identidad que sólo cobran sentido
en diferentes momentos de la historia. Lo que la lírica nos obliga a hacer, en casos en los que quiere llevarnos a oír otros acentos, es delimitar la estructura
espacial de la superficie del discurso, la distribución de los puntos de enunciación en el espacio en función de los hilos de tradición y memoria que cada uno
de los acentos implica. Esto sucede tanto en un mismo poema, como en poemas con nexos intratextuales. Bajtín menciona que cierta pluralidad de acentos
se puede oír en el lenguaje de los géneros poéticos bajos, en la poesía prosaica del siglo xx, y que a veces los personajes de las obras poéticas pueden
utilizar un discurso distinto al del autor, pero cosificado dentro de la unicidad que lo engloba, M. M. Bajtín, Teoría y estética..., p. 104.
6 Xavier Zubiri, Espacio. Tiempo. Materia, (Alianza, Madrid, Fundación Xavier Zubiri, 1996), pp. 127-159.
8 No se trata aquí de la totalidad como característica temático-argumental contraria a la fragmentariedad. Ésta siempre existe en cualquier tipo de discurso.
Es más, siendo un rasgo fundamental de elección de medios y propósitos, la fragmentariedad siempre es relativa al sistema de valores que un texto propone.
La totalidad a la que aquí me refiero es un elemento arquitectónico que aboga por una imagen completa del personaje lírico, ya que ante todo éste es la
medida del acto lírico principal: la enunciación. Sobre la forma arquitectónica véase Mijaíl M. Bajtín, Teoría y estética..., pp. 60-75.
9 Xavier Zubiri, op.cit., p. 189.
10 El apóstrofe además de ser el tropo poético más visitado para transformar lo inanimado o animal en humano, da un sentido de presencia activa; sobre
esto véase Jonathan Culler, “The Pursuit of Signs, (Cornell University Press, Ithaca, 1985), pp. 135-154.
11 La oralidad es siempre performance, y en tanto tal se orienta hacia la recepción activa. La presencia espaciotemporal no separa trasmisor y receptor en
cuanto a la actividad estética formadora de la que se encargan: ambos interfieren en la creación. Pero los participantes no son sólo los que se incorporan
en la transmisión, en el acto comunitario por voluntad propia. La performance de la oralidad implica un cronotopo englobante en el que la imagen del
hombre emerge de todo lo que sucede en el alrededor, de todo lo que, casual o deliberadamente, interfiere en la actividad estética: ruidos, voces ajenas
a la circunstancia, interrupciones de silencio o error, gritos, etc. Sobre esto véase Paul Zumthor, Introducción a la poesía oral, tr. María Concepción García.
Lomas, (Taurus, Madrid, 1991), pp. 155-166.
Introduction
American-turned-British writer Henry James became renowned for his tight control over his narrators,
and through them, on the presentation of his plots. His goal, expressed in his famous essay, “The Art of
Fiction” and elsewhere, was to focus the narration to a single point, allowing no extraneous impressions
to ruin his intended effect. The result, as critics of his time and later have understood his work, is not
just technical precision, but an unwillingness to stray into areas of life which might be seen as messy
or, to use a favorite word of several, “vulgar” (Bell EP1 cf. “Alchemy” EP 1).
However, a closer look at his novel The Spoils of Poynton (1897) might indicate that James’s fiction is
not so sanitized as has been assumed, but instead portrays in its narration moments which might best be
described as fragments of carnival events. These moments are most vivid early in the narrative, when
the disposal of a houseful of art treasures owned by a Mrs. Gareth is most at question. They gradually
taper off as the book progresses and the likelihood of a marriage between Fleda Vetch, Mrs. Gareth’s
choice to succeed her as guardian of the “spoils,” and Owen Gareth, her son, becomes less and less. In
turn, the narration in the novel tightens up as James exercises his famous control over narrative point
of view with greater precision as Fleda becomes the sole narrative voice. As the plot moves forward
towards its resolution, in other words, the technique gets “neater,” and the carnival elements are pushed
to the fringes before finally disappearing altogether. This economy is disrupted, however, in a grand final
scene. As such, James ends by corrupting the text, invoking a greater sense of vulgar materiality than
even the focus on the spoils themselves suggests, and in so doing, perhaps may be seen to be calling
into question the precise schema of narrative control which places Fleda as the central voice and bearer
of the text’s presumed moral message.
Foundations
Criticism of The Spoils of Poynton has often proceeded on the assumption that the vulgar characters
are those who seek the gratification of objects without understanding their spiritual meaning, whereas
others appreciate the beauty and wholeness of a collection like that at Poynton. This, in turn, is reflected
in the form of the novel itself, which Millicent Bell, contemporary representative of this staid critical line,
calls “a literary composition to which nothing may be added or subtracted without damage to the form
as a whole” (EP4). The Spoils of Poynton, in short, “may appear simply to reflect James’s repugnance
for the low taste and acquisitive motive which threatened to take over his house, the House of Fiction”
(Bell EP 5, emphasis original).
On the other hand, other recent readings of the text suggest an opposite viewpoint. David McWhirter
uses Perry Meisel’s notion of the ways in which materiality is represented through language to make the
point that James, despite his contemporary critics’ misunderstanding, was writing about the material
world in ways he had not before, taking on topics “worthy of Oprah, at times even of Ricki Lake” (EP2).
Eric Savoy employs Baudrillard to make the case that James in this novel “explores the collision betwe-
en what might be called ‘extreme collecting’ and other sorts of values and ethical demands” (EP2). In
Studies in the Novel, a third critic uses Lacanian terminology to describe the role of Fleda in the novel
as negotiating between possession and agency as she attempts to “transcend the vulgarity of her ori-
gin in the things, even while they appear to ground her in the material world of empirical observation”
(“Alchemy” EP5).
This sounds distinctly similar to the ways in which Bakhtin describes Rabelais’work in Rabelais and
His World. There, Bakhtin claims that “Rabelais’ images have a certain undestroyable nonofficial nature.
No dogma, no authoritarianism, no narrow-minded seriousness can coexist with Rabelaisian images” (3).
Instead, they are as life on the street was in his time—messy, dirty, and vulgar.
Speaking of the medieval carnival, Bakhtin suggests that it was nothing if not violent. The langua-
Sonia Kramer
Resumo
Este texto - escrito a partir de entrevistas coletivas realizadas na pesquisa “Formação de profissionais
da educação infantil no Estado do Rio de Janeiro: concepções, políticas e modos de implementação”
- tem seu foco no referencial teórico-metodológico e no tema da mudança. O referencial teórico se ba-
seia na concepção de linguagem de Bakhtin, preciosa para a compreensão da originalidade com que o
tema da mudança foi abordado pelos participantes: a metáfora de sacudir. Conceitos de ambivalência
dialética e dialogismo revelaram-se ferramentas teóricas fundamentais para a pesquisa. A idéia de que
é preciso mudar acompanhada pelo desejo de mudar emergiu em quase todas as entrevistas. Mas foi
em uma entrevista feita com nove professoras que a mudança foi mencionada como se constituísse a
ação educativa: uma das professoras entrevistadas relatou que não concordava com a prática vivida e
resolveu dar um sacode no pedagógico.
Abstract
This text is based on collective interviews made for the research “Early childhood teacher edu-
cation: Conceptions, policies and ways of implementation – a study in the State of Rio de Janeiro”.
The theoretical basis stands from Bakhtin’s conception of language, which was very important to the
comprehension of the original conception of “change” as discussed by the participants: the metaphor
of “shaking up”. Conceptions of dialectical ambivalence and dialogue turn out to be crucial theoreti-
cal tools for the research. The idea that it is necessary to change comes with the desire for change
in almost all of the interviews. However it was in this specific interview – developed with nine tea-
chers - that ”change” was mentioned as if it constituted educational action. One of the interviewed
teacher reported that she did not agree with what she experienced and “decided to
give a shake up in educational practices”.
A TÍTULO DE INTRODUÇÃO
“Todas as relações têm caráter lógico, enquanto eu em tudo ouço vozes e relações dialógicas entre
elas”. (BAKHTIN, 1982: 392)
O objetivo deste trabalho é apresentar uma apropriação teórico-metodológica de conceitos de Mikhail
Bakhtin, que tem sido feita no interior da pesquisa “Formação de profissionais da educação infantil no
Estado do Rio de Janeiro: concepções, políticas e modos de implementação”, realizada com apoio do
CNPQ e da FAPERJ. Inicialmente, sintetizo as principais questões do referencial teórico da pesquisa. Em
seguida, me detenho em aspectos metodológicos, em particular as entrevistas. No terceiro momento,
focalizo um aspecto que emergiu em uma das entrevistas coletivas – a concepção de mudança – e analiso
como o conceito de ambivalência dialética de Bakhtin me ajudou a compreendê-lo e problematizá-lo.
Explicito, pois, que meu interesse pela teoria de Bakhtin é filosófico e epistemológico. Interessam-me
seus estudos pelas contribuições que oferecem à pesquisa nas ciências humanas e sociais. Em anexo
está apresentado um breve perfil das entrevistadas.
1. O referencial teórico – linguagem, narrativa e experiência
“Até o momento em que foi apropriado, o discurso
não se encontra em uma língua neutra e impessoal
(pois não é do dicionário que ela é tomada pelo fa-
lante!), ela está nos lábios de outrem, nos contextos
de outrem e a serviço das intenções de outrem: e é
lá que é preciso que ele seja isolado e feito próprio”.
(BAKHTIN, 1988, p. 21)
Proceedings XI International Bakhtin Conference 444
O compromisso desta pesquisa, com as ciências humanas, é o de encontrar aquilo que se perde quando
o homem é transformado em objeto e as histórias das pessoas são esquecidas. Isso significa perceber as
pessoas se reconstituindo como sujeitos, reconstituindo nesse processo sua cultura e história, escutando
o que não pode ser expresso e levando em consideração o que foi deixado de fora. Histórias de vida são
consideradas como memória coletiva do passado, consciência crítica do presente e premissa operativa do
futuro. De acordo com Bakhtin (1988), produção e recepção de significados é o que constitui a linguagem
que tem dimensões dialógicas e ideológicas historicamente determinadas. Toda palavra tem intenções,
significados; para entender o discurso (o texto falado ou escrito) o contexto precisa ser entendido. A
compreensão implica não só a identificação da linguagem formal e dos sinais normativos da língua,
mas também os sub-textos, as intenções que não se encontram explicitadas. “Não são palavras o que
pronunciamos ou escutamos, mas verdades ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais,
agradáveis ou desagradáveis... A palavra está sempre carregada de um conteúdo e um sentido ideológico
e vivencial” (Bakhtin, 1988, p, 95). O discurso tem sempre um significado e uma direção que são vivos;
as palavras contêm valores e forças ideológicas: aqui se situa a abordagem histórica da linguagem. Por
outro lado, a comunicação de significados implica em comunidade; sempre nos dirigimos ao outro, e o
outro não tem apenas um papel passivo; o interlocutor participa ao atribuir significado à enunciação.
Bakhtin entende que a linguagem é social; ela é essencial para a existência humana. De acordo com a
sua teoria, não é a experiência que organiza a expressão; na verdade, a expressão precede e organiza
a experiência, dando-lhe forma e direção.
Outra importante referência para o arcabouço teórico da pesquisa, pode ser encontrada nas idéias
filosóficas de Walter Benjamin e particularmente no conceito de experiência, onde ele discute o declínio
da arte de narrar no mundo moderno: “o narrador é um homem que sabe dar conselhos. Mas, se ‘dar
conselhos’ parece hoje algo de antiquado é porque as experiências estão deixando de ser comunicáveis.
Em conseqüência, Não podemos dar conselhos nem a nós mesmos nem aos outros. Aconselhar é menos
responder a uma pergunta que fazer uma sugestão sobre a continuação de uma história que está sendo
narrada.” (1987a, p. 200).
Resgatar o passado significa ter uma compreensão diferente da história; o passado é importante para
rever o presente, para colocá-lo numa condição crítica, conferir-lhe nova significação. E a história huma-
na é baseada nesta descontinuidade; somente os seres humanos têm história e por isso a linguagem é
necessária. Como o homem é gerado na cultura da mesma forma que a produz, ele pode fazer e contar
a história. Podemos, então, repensar o passado para dar um novo significado à história. Por outro lado,
nos seus escritos, Benjamin se refere a dois personagens centrais na modernidade que contribuem para
pensar a tarefa do pesquisador: o cronista e o colecionador. “O cronista que narra os acontecimentos,
sem distinguir entre os grandes e os pequenos, leva em conta a verdade de que nada do que um dia
aconteceu pode ser considerado perdido para a história.” (1987a, p. 223). E como um colecionador, o
pesquisador procura, observa, registra, fotografa, reúne as interações humanas, para investiga-las, quer
dizer, para colecioná-las, a relação dialética entre ordem e desordem precisa ser estabelecida. Falando
de outro lugar (o da literatura), Clarice Lispector dirá: “Escrevo-te em desordem, bem sei. Mas é como
vivo. Eu só trabalho com achados e perdidos” (1973, p. 87). Ou: “Um instante me leva insensivelmente
a outro e o tema atemático vai se desenrolando sem plano mas geométrico como as figuras sucessivas
num caleidoscópio.” (Lispector, 1973, p. 16).
Como pesquisadora de um campo das ciências humanas – a educação – considero importante escu-
tar/ouvir e observar/ver considerando tanto a racionalidade e a sensibilidade, a fim de compreender a
história. A teoria crítica nos ajuda a ver a cultura de uma maneira diversa, a contrapelo – como ele diz;
ajuda a estabelecer outras relações e a perceber ambigüidades. Assim como ela, também a concepção
de linguagem de Bakhtin fornece o arcabouço teórico para entender as relações na sua ambivalência e
pluralidade.
2. A pesquisa, seu contexto, e procedimentos.
“O texto só vive em contato com outro texto (contex-
to). Somente em um ponto de contato é que surge a
luz que aclara para trás e para frente, fazendo com
que o texto participe de um diálogo... Por trás desse
contato, há o contato de pessoas e não de coisas”.
(BAKHTIN, 1992, p. 404-405)
A pesquisa, desenvolvida desde 1999, tem quatro estratégias metodológicas:
1. Um Questionário foi enviado a todos as secretarias de educação dos municípios, solicitando dados
sobre condições da educação infantil pública, programas de formação de professores que eram imple-
mentados e problemas ou dificuldades enfrentados tanto na educação infantil quanto na formação de
professores. O Questionário, organizado em 75 quesitos, foi respondido por profissionais responsáveis
pela educação infantil. A análise dos dados coletados foi concluída e os resultados sistematizados em
um relatório, apresentados aos responsáveis pela educação infantil dos municípios e distribuídos para
todas as secretarias de educação. (Kramer et alii, 2001)
2. Entrevistas foram realizadas com o objetivo de conhecer as histórias de vida e de formação dos
profissionais. Entrevistamos professores que são responsáveis pelas políticas públicas de educação infantil
em dez cidades da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Estes municípios foram também convidados
Nessa fala parece estar expressa a idéia de que é possível, ao olhar o velho, ver suas possibilidades de
transformação. Mas se a primeira se refere à necessidade de sacudir, outra entrevistada - representante
da Secretaria Estadual - fala da importância de ser puxada:
meu perfil profissional é um perfil pedagógico, então eu venho desde... os primeiros anos
do magistério trabalhando pela Educação Infantil, trabalhei com alfabetização..., trabalhei
na roça, zona rural, depois... o perfil da supervisora foi crescendo. Eu entrei para cargos de
Orientação Pedagógica, depois fui para a Secretaria. Na Secretaria, ... eu estou sempre na
parte pedagógica... desenvolvimento curricular, orientação pedagógica para a nossa rede,
que é a rede estadual. Então... trabalhando mais naquela linha e tal, tal, tal, tal, de repente
você é puxada para uma opção maior. (Elena)
Por outro lado, o relato da trajetória da Coordenadora de Educação Infantil de um município emanci-
pado há três anos traz outra possibilidade de engendrar a mudança do processo; relaciona-se à idéia
de ajudar as professoras a trabalhar:
a creche é um espaço muito ... delicado... Enquanto grupo, nós procuramos fazer um
trabalho de ajudar esse processo... de formular propostas pedagógicas e ajudar
as professoras a trabalhar; então, nós, do grupo da educação infantil é que vamos lá e
procuramos ajudar. (Carminha)
Outro aspecto a que a mudança parece estar ligada é a ação que se desempenha ao ser professora.
Este aspecto esteve (tanto nesta entrevista quanto nas outras) relacionado à paixão, ao caminhar,
à vontade de crescer, ao sonho. Em muitos depoimentos, as professoras reconhecem o desafio que
significa permanecer no trabalho com a criança pequena, porque nele se cresce; fica visível também a
relevância do papel exercido pela coordenadora de educação infantil de seu município. Outro aspecto
diz respeito à paixão que esteve presente de forma marcante nas falas das entrevistadas: ainda que
com freqüência este discurso não se fizesse acompanhar por projetos de fato, como se o amor suprisse
a competência, a paixão apareceu entremeada ao compromisso, ao envolvimento profissional e políti-
co, constantes na área da educação infantil. Paixão e mudança se aproximariam, assim, seriam ambos
contrários à paralisação. No caso desta professora, foram os estudos, os textos e as inquietações que
mobilizaram o grupo a buscar conhecimento e a desfazer a visão corrente de que para trabalhar com
criança, basta gostar. No seu relato, aparece ainda a importância do mexer:
(ela) foi falando dos estudos que ela vem fazendo e foi mexendo com o grupo e foi levando
texto, e foi envolvendo. E isso fez com que os professores também estudassem. Porque é
uma visão que se tem da educação Infantil, infelizmente em alguns locais, é que “ah é uma
pessoa que tem que gostar de criança”, não se vê a formação dessa pessoa. (Elvira)
Mexer (como sacudir) e crescer (se envolver, deslocar para cima, ampliar, estender) se apresentam
assim, também para estas profissionais, como metáforas da mudança. Mas ainda duas professoras, de
outro município onde coordenam a área de educação infantil se manifestam e contam suas trajetórias.
Falam de busca e de como esbarram em problemas: “comecei a esbarrar nas questões da pré-escola
- onde se começa a alfabetização, onde se começa a aprender, o que é a construção do conhecimento.
Fui buscando essas pesquisas. Fui buscando esse conhecimento... procurei os caminhos... (Ira-
cema). Essa mesma professora diz que está procurando um caminho de qualificar o profissional, de
embasá-lo teoricamente (Iracema), enquanto outra pondera que já estava no momento de mudar e
fazer alguma coisa (Soraia) e acrescenta:
E a gente está tentando... seguir um caminho dentro dessa filosofia de projeto. Eu fiz...
Nós fizemos o projeto Repensando a Pré-escola... (Soraia).
Essa forma “eu fiz... nós fizemos” reapareceria em outros depoimentos, nesta e em outras entrevistas,
como a indicar uma visão, ainda que intuitiva, de que individual e coletivo se entrecruzam. Além disso,
ao falar das dificuldades que professores enfrentam para se atualizar, a mesma professora se mostrou
angustiada com essa situação e intimamente ligada aos professores. E falou sobre seu próprio papel:
...quando a gente está aqui meio que embolada, cheia de interrogações... é meio com-
plicado, parece que vai explodir... a gente vai tentado acalmar, tranqüilizar esse professor
através dessas oficinas, dessas palestras, desse estudo... (Soraia).
E a mesma entrevistada que trouxe o tema da mudança falando de “sacode”, ressalta a busca e o
valor da reflexão sobre a prática. Diz:
esse momento de reconhecimento da qualidade desse trabalho, que a gente está tão pre-
ocupado, ele não pode se perder nunca dos dados históricos. O professor tem que estar
buscando na história sempre alguma coisa referente à educação infantil... O profissional
que tem a possibilidade de estudo reflete sobre o seu pensar pedagógico . Valorizado,
tendo tempo para estudo ele reflete, com certeza, todo seu pensar pedagógico. (Rosane)
Como no início da entrevista, ela volta a falar sobre o sacode, relacionando-o agora a compromisso.
E compromisso parece implicar também em liberdade.
não adianta dizer “aqui está bonito, então eu vou plantar mais uma florzinha para ficar me-
lhor”. Não, tem que ter uma situação efetiva mesmo de amparo. De amparo legislativo,
mas de amparo financeiro também... que a gente tem que estar se virando...tem que
estar se sacudindo para organizar.... tem que ter um compromisso efetivo, não pode
ser um compromisso estritamente legislativo. Tem que ter uma proposta maior. (Rosane)
No contexto discursivo da entrevista, parece que ao mesmo tempo em que é preciso sacudir e bus-
car, é preciso amparar e se virar! Nessa mesma linha, compromisso pressupõe também desacomodar,
alterar o lugar das coisas:
tem aquele que tem informação, que sabe e cai no comodismo.. é muito mais fácil.
Porque tem uma carga enorme de família, de filho, de outro trabalho, de outro tudo. Vou
ter que chegar aqui, ainda sentar, botar um pouquinho para cá “ah, isso vai me dar muito
Esse depoimento sobre o professor como alguém que precisa se apropriar da liberdade evoca cla-
ramente Paulo Freire (1982). Por outro lado, as entrevistadas trouxeram aqui a questão polêmica da
relação entre a teoria e a prática. Sua abordagem oferece elementos interessantes para a reflexão, na
medida em que levantam modos alternativos de olhar a prática e sugerem que um professor pode: (1)
ter a teoria, compreender os textos lidos, mas não se mexer, por comodismo; (2) compreender mas
ter medo de agir por falta de compromisso; (3) não saber, não conhecer a teoria; (4) não conseguir
pronunciar a sua palavra; não se apropriar da liberdade de dizer. A pouca formação foi criticada; mas as
entrevistadas questionaram também a formação que expropria o professor da sua prática. Entendemos
que a crítica se dirige à ausência de práxis, da teoria como reflexão sobre e para a prática, feita com
o outro, como leitura do mundo, crítica e ativa, que reúne saber, fazer e falar. Além disso, percebemos
nestas falas que mudar parece ainda se vincular a desestabilizar. Como quando a Soraia diz: que alguém
está tirando o chão concreto dele...
Ao mesmo tempo, foram apontadas muitas dificuldades para mudar. Dentre elas, chama atenção os
relatos de professoras entrevistadas que, por várias vezes, reafirmam existirem professores que se re-
cusam a transformar a prática, apesar de atualizados com as discussões mais recentes. Uma diz que “às
vezes há uma resistência... histórica, ao novo conhecimento. Que quando a gente conhece a gente paga
um preço para aquilo, é uma responsabilidade de fazer aquilo que as outras pessoas não aprenderam”.
Outra pondera que “até ousar, se expor, investir e fazer alguma coisa que seja novo para você, e se
der errado?” Ainda outra professora indaga: e se der certo?, criticando aqueles que têm medo de fazer,
e que julgam que a ousadia de mudar traz resultados negativos, nunca positivos. Questiona também
aquele professor que tem a teoria, que sabe, que entende [mas], na prática ele não consegue
desenvolver. Ele não faz (Soraia)
a gente tem a cultura do “se der errado?”, sempre. A gente não pensa nunca que vai
dar certo, mas “se der errado”. Aqui é o diretor vai me chamar a atenção, o pai não vai
gostar, o outro... então eu prefiro nem ousar. (Soraia)
Ao fazê-lo, essa professora parece evocar o conceito de infância em Walter Benjamin (1987b), cate-
goria central da história como possibilidade de refazer e de voltar.
a título de conclusão: ambigüidades da mudança
Sacudir, remexer, desacomodar: evocam ebulição e, de algum modo, podem ser compreendidos como
metáforas de mudanças sem deslocamento visível de tempo. Sugerem explosão. Lembram a dialética
do instante de Walter Benjamin ou dialética imobilizada (1987); a tensão ou ambivalência dialética de
Bakhtin. Configuram-se como pequenos deslocamentos de lugar e têm significado diferente de outras
concepções de mudança – mais freqüentemente encontradas ou ouvidas na área da educação – tais como
as implícitas nas idéias de buscar, procurar, passagem, transição e que evocam metáforas de deslocamen-
tos mais amplos de lugar; mudanças que são introduzidas de fora para dentro, projetos elaborados em
Bibliografia:
AMORIM, Marília. O pesquisador e seu outro. Bakhtin e as Ciências Humanas, Rio de Janeiro, Ed. Musa, 2001
BAKHTIN, Mikhail, Estética da Criação Verbal, São Paulo, Martins Fontes, 1992.
BAKHTIN, Mikhail (VOLVOSHINOV). Marxismo e Filosofia da Linguagem, São Paulo, Ed. Hucitec, 1988a.
BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renscimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo,
Hucitec, 1999.
BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoiévski. Rio de Janeiro, Forense Universitária 1981.
textos chave:
nomes chave:
palavras chave: educação infantil, Bakhtin, mudança
Biografia resumida: Sonia Kramer é professora do Departamento de Educação
da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, onde coordena o Curso de
Especialização em Educação Infantil e desenvolve pesquisa sobre infância, políticas
públicas de educação infantil e políticas, formação de professores e alfabetização,
leitura e escrita. Participa de consultorias e formação na área de educação. Entre
outros trabalhos publicou A Política da Pré-escola no Brasil: a arte do disfarce (Cor-
tez), Por Entre as Pedras: arma e sonho na escola (Ática), Alfabetização Leitura e
Escrita: formação de professores em curso (Ática), Infância, educação e direitos
humanos (Cortez) .
O sujeito da enunciação, inserido na dinâmica psico-social, pode assumir diferentes vozes – ou posi-
ções ideológicas – no interior do discurso, pois o que o caracteriza justamente como ser psico-social é o
feixe de relações discursivas que o atravessa e o constitui. A consciência subjetiva é sempre de natureza
semiótica e, portanto, ideológica. Para Bakhtin,
A única definição objetiva possível da consciência é de ordem sociológica. A consciência
adquire forma e existência nos signos criados por um grupo organizado no curso de suas
relações sociais. (...) Se privarmos a consciência de seu conteúdo semiótico e ideológico,
não sobra nada. (BAKHTIN, 1999, p.33-34)
Pode-se entender, assim, que a dispersão do sujeito é reflexo da descontinuidade de lugares de onde
fala, ou seja, de diferentes e conflitantes posições ideológicas que assume.
O problema da descentralização – explícita ou implícita – do sujeito discursivo, aqui entendido como
uma instância da enunciação, estudado, por exemplo, por Jacqueline Authier-Revuz, é, na atualidade, uma
das questões axiais nos estudos ligados à Análise do Discurso, que se funda, por sua vez, nos estudos
bakhtinianos sobre a relação do signo com a ideologia, com outro signo, com seu exterior, enfim.
É nesse quadro teórico que se inserem também atuais reflexões sobre o fenômeno da ironia, não
mais concebida do ponto de vista da retórica clássica – como simples antífrase –, mas como fenômeno
discursivo privilegiado de captura do caráter heterogêneo do sujeito e do caráter polifônico da enunciação.
No discurso irônico o dialogismo se evidencia de forma exemplar. Maingueneau, por exemplo, apoiando-
se nas idéias de Oswald Ducrot, afirma que
na ironia faz-se ouvir uma voz distinta daquela do locutor: nessa perspectiva, uma enunciação
irônica põe em cena uma personagem que enuncia algo de deslocado e do qual o locutor se
distancia por seu tom e sua mímica. (MAINGUENEAU, 1996, p.95)
A Ribeiro Couto
Quebra-luz, aconchego.
Teu braço morno me envolvendo.
A fumaça de meu cachimbo subindo.
As vozes que compõem o texto drummoniano estão de tal forma amalgamadas, que só por esforço
analítico podem ser desmembradas. O enunciador, responsável pelo sentido literal do texto, e o locutor,
que assume a postura crítica, subvertendo o sentido literal, confundem-se ambiguamente no discurso.
Na verdade, os dois falam ao mesmo tempo e só o artifício da análise permite essa abordagem “recor-
tada” que apresentarei a seguir, examinando, inicialmente, como se constrói o discurso do enunciador,
identificado no poema como um “burguês contente”.
À primeira leitura, o título em inglês “Sweet home”, uma lexia complexa, estereotipada e meta-
fórica, aponta para um recorte temático relacionado a um modo de presença no mundo, caracterizado
menos pela idealização de um lugar físico, mas principalmente pela idealização de um lugar psíquico:
a vida circunscrita a uma espécie de paraíso terrestre, o “Lar doce lar”. E a voz que se apresenta em
primeira instância ao leitor, a voz de um enunciador identificado ideologicamente como membro de uma
burguesia contente ( v.9 ), descreve, euforicamente, a um interlocutor inscrito no próprio enunciado
– Teu braço morno ... ( v. 2 ) – , aspectos de uma vivência que justificaria o sentido do título do poema.
Do ponto de vista desse enunciador, a existência circunscrita ao ambiente do lar é, mais que prazerosa,
uma existência de plenitude, de gozo, como prova o sentido literal dos versos finais, marcados pelas
interjeições e exclamações, e pelo uso, em especial, do substantivo gozo. Nesse quadro de felicidade
doméstica, destacam-se: o ambiente acolhedor à meia-luz, a poltrona confortável, o cachimbo, o jornal
diário e o chá com torradas. Descreve-se um lugar privilegiado, infenso à agitação, competitividade e
ansiedade do mundo externo que, como por encanto, permanece excluso. O eu enunciador nos fala de
uma ilha paradisíaca. O jornal, que em princípio poderia estabelecer um vínculo comunicativo entre o
mundo doméstico, fechado, e o mundo externo, é avaliado com desdém: conta histórias, mentiras ...
(v. 5 ) . Não há compromisso com a vida, pois, de acordo com esse enunciador – Ora afinal a vida é um
bruto romance / e nós vivemos folhetins sem o saber. (v. 6 e 7) – a história dos homens já está pré-
determinada e nós somos meros personagens romanescos. O momento especial do texto que permitiria
uma reflexão mais profunda sobre a existência dos homens – a leitura do jornal, janela para o mundo
– é imediatamente quebrado pela conjunção Mas do verso 8 que anuncia, em oposição à possibilidade
de questionamento, a coroação do instante pela presença mágica – quem o trouxe ? – do alimento. O
conector Mas funciona, assim, como marca de argumentação, na medida em que traz o argumento de-
finitivo para que a consciência se desligue de qualquer questionamento. Plenamente satisfeito – corpo
e espírito saciados – o enunciador atinge o clímax da euforia nas expressões finais que selam o êxtase
do momento.
Há que se mencionar também que o refúgio construído pelo discurso traz as marcas de uma
cultura estrangeira, mais especificamente a cultura inglesa: o idioma do título, o uso de cachimbo, a
Ou seja, o significado irônico não está em um dos pólos do jogo polifônico e tampouco estabelece
uma relação de excludência com o significado literal. Ele se constrói na relação inclusiva que a malha dis-
cursiva estabelece entre as duas vozes. Corresponderia ao que Linda Hutcheon denomina, numa analogia
com a teoria musical, a terceira nota, a fusão de duas notas musicais tocadas simultaneamente. Uma
terceira voz. É uma especial construção de sentido que procura apreender, em seu movimento dialético,
a multiplicidade de enfoques avaliadores da vida social, rejeitando, assim, uma verdade dogmática e
monolítica, em favor de uma verdade múltipla e dinâmica.
Com relação ao poema de Drummond, podemos dizer que as duas avaliações coexistem no dis-
curso, uma relativizando a outra. Afinal, os aspectos da vida burguesa, apontados pelo enunciador como
positivos, não são tão medíocres e redutores, se considerarmos que, até certo ponto, conforto doméstico
e ociosidade fazem parte não só de nossos anseios, mas correspondem, no fundo, a um direito de todos
nós.
A voz drummoniana, essa terceira voz que emerge da fusão das duas, na avaliação do mundo atual,
não faz crítica ingênua e maniqueísta. Seu discurso polifônico reconhece que o homem contemporâneo,
inserido na ideologia burguesa, apesar de crítico, vive também fantasias narcísicas, consciente ou in-
conscientemente. Negar isso seria ingenuidade. A voz crítica vem para mostrar que a vida humana não
pode restringir-se à idealização de uma ilha edênica. Não se deve transformar comodidade e bem-estar
em paralisação alienante e tediosa.
O poema parece-me, assim, exemplo vivo da manifestação dialógica do discurso que faz dele esse
campo de combate, ou arena de luta. Sua construção é prova de que a linguagem em situação é sempre
de natureza instável, mesmo que essa instabilidade fique muitas vezes camuflada no discurso monofônico
de uma ideologia dominante, já que em todo signo ideológico confrontam-se índices de valor contradi-
tório. (BAKHTIN, 1999, p.46) A voz de Drummond vem justamente desmascarar a pretensa monologia
de um modo fixo, paralisante, de presença no mundo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1999.
BARROS, Diana Luz Pessoa de. “Contribuições de Bakhtin às teorias do discurso”. In: BRAIT, Beth. Bakhtin, dialogismo
e construção do sentido. Campinas, SP: Unicamp, 2001.
BRANDÃO, Helena H. Nagamine. “Escrita, leitura, dialogicidade”. In: BRAIT, Beth. Bakhtin, dialogismo e construção
do sentido. Campinas, SP: Unicamp, 2001.
BRANDÃO, Helena H. Nagamine. Introdução à análise do discurso. Campinas, SP: Unicamp, 2002.
DRUMMOND DE ANDRADE, Carlos. Poesia e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992.
HUTCHEON, Linda. Teoria e política da ironia. Belo Horizonte: UFMG, 2000.
MAINGUENEAU, Dominique. Elementos de lingüística para o texto literário. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
Mika Lähteenmäki
Department of Languages
University of Jyväskylä
1. Introduction
Ferdinand de Saussure’s seminal work Cours de linguistique générale which has become, perhaps,
the landmark of modern linguistics aroused common interest also in Soviet Russia and the early Soviet
Union. The Cours was translated into Russian in 1933, but it was widely discussed right after its appe-
arance in 1916 and thus exerted a formative influence on the development of Soviet linguistics. One of
the earliest proponents of Saussure’s views in Russian/Soviet linguistics was Sergei Kartsevskii who had
studied in Geneva for several years. After his return to Russia in 1917, Saussure’s ideas became popular,
albeit not uncritically accepted, among the representatives of the formal approach of OPOIaZ and the
Moscow Linguistic Circle. Despite the fact that Saussure was an important figure in the development of
Russian formalism, he was also read as a prominent exponent of a sociological approach to language in
the early Soviet state. Thus, a characteristic feature of the Soviet reception of Saussure is that his ideas
were interpreted and appropriated from two different perspectives that emphasised different aspects of
his legacy.
An influential early critique of Saussure can be found in Valentin Voloshinov’s 1929 book Marxism
and the Philosophy of Language. Given the wide-ranging impact of Saussure’s ideas, it is necessary to
situate Voloshinov’s discussion of Saussure in the context of the early Soviet language studies in order
to fully appreciate its significance. The present article discusses Voloshinov’s critical views in relation to
the critique presented by Lev Iakubinskii, both characterised by their extremely critical attitude towards
Saussure’s theorising. Comparison of their interpretations of Saussure is made relevant by the coinciden-
ces in their biographies (for a detailed discussion, see Ivanova 2000). Iakubinskii worked as a Professor
at the University of Petrograd while Voloshinov studied there in 1922-1924. Later on they both worked
at the ILIaZV (The Institute for the Comparative Study of Literatures and Languages of the West and
East) and collaborated in Maksim Gor´kii’s journal Literaturnaia ucheba. Given the biographical facts, it
would seem safe to assume that Voloshinov must have been familiar with Iakubinskii’s linguistic views.
The aim of this article is to investigate the argumentative strategies used by Voloshinov and Iakubinskii
in their respective critiques of Saussure and to find out whether and to what extent Voloshinov’s critical
reading of Saussure is compatible with Iakubinskii’s critical views.
2. Saussure and the sociological approach to language in the early Soviet language studies
The early period of Soviet language studies was characterised by a special emphasis on questions of
language and society. Several reasons can be adduced to why this was the case. The ‘sociological turn’ was
connected to the massive literacy campaign (likbez) launched in the early Soviet Union. The aim of the
campaign was to raise the literacy of the citizenry, which required – in addition to a massive educational
programme – linguistic codification and the creation of alphabets for languages without a written form
(see Grenoble 2003). As a result of the official language policy linguists working in various institutions
were involved in practical field-work as well as discussed the theoretical problems associated with the
literacy campaign. The emergence of the sociological approach to language can also be explained by the
new political and ideological circumstances of the Soviet state, which called for a ‘sociological’ approach
to the study of language based on Marxist social theory.
Another significant factor in the formation of the sociological approach in early Soviet linguistics was
the French sociological approach, the most influential representatives of which were Antoine Meillet and
Joseph Vendryes (for a discussion, see Desnitskaia 1991: 474). Their works together with Saussure’s
Cours became growingly popular among linguists interested in questions of language and society (see
e.g. Shor 1926). The study of the social variation of language also had its roots in the older dialectolo-
gical tradition of Russian linguistics in addition to which there also existed a strong Russian sociological
tradition, of whom the most prominent early exponents were the outstanding linguists Jan Baudouin de
Courtenay and Aleksei Shakhmatov whose work was then continued by the younger generation of the
1 The present article is based on research carried out with the support of a grant from the Academy of Finland (grant n:o 203553).
2 Despite the fact that Leningrad eventually became the centre of early Soviet sociology of language, the sociological approach was also argued for by such
Moscow linguists as Peterson, Shor, and Evgenii Polivanov.
Although Voloshinov rejects the idea that langue would correspond to any moment of a particular
language, he nevertheless admits that langue might be argued to exist objectively from the point of
view of the subjective consciousness of an individual speaker (Voloshinov 1973 [1929]: 66). This is
because linguistic norms are social in nature and all social norms exist with respect to the subjective
consciousness of the members of a community. Yet Voloshinov rejects this alternative and argues that
the attention of interlocutors is not focused on the production and identification of normative linguistic
forms (Lähteenmäki 1998: 57). On the contrary, a speaker is interested in what she can do with a given
expression in a particular social context. A language does not exist for the subjective consciousness as a
system of normatively identical forms, but as changeable and adaptable signs filled with ideology which
can be used to express various meaning positions. Saussure, too, rejects the idea of langue as a fact of
individual consciousness and instead sees it as a social fact. According to him (1966 [1916]: 14), langue
‘is not complete in any speaker; it exists perfectly only within a collectivity’. Thus, langue is a system of
linguistic signs that, on the one hand, are based on collective agreement and, on the other hand, are
psychological ‘realities that have their seat in the brain’ (Saussure 1966 [1916]: 15).
As a response to the Romantic idea according to which language is conceived of as individual creation
Saussure insists that an individual is not free to create her own language, but that a language is inherited
from the previous generations and ‘is the product passively assimilated by the individual’ (Saussure 1966
[1916]: 14). Voloshinov rejects this view and argues that from the idea of langue as an incontestable
system of linguistic norms it automatically follows that
[t]he individual must accept and assimilate this system entirely as is; there is no place in
it for evaluative, ideological discriminations – such as whether something is better, worse,
beautiful, ugly or the like. From the individual’s point of view, linguistic systematicity is arbi-
trary, i.e., utterly lacking any natural or ideological (for instance, artistic) comprehensibility
or motivation. (Voloshinov 1973 [1929]: 54.)
What is more, in Voloshinov’s view, Saussure’s distinction between langue and parole also distorts
our understanding of the mode of existence of a language as a historically evolving phenomenon. This is
because in Saussure’s account of the logic of language as a system and the logic of its historical evolution
have nothing in common, but are based on entirely different principles (Voloshinov 1973 [1929]: 56).
Voloshinov (1973 [1929]: 54) also argues that abstract objectivism assumes ‘a special kind of discontinuity
between the history of language and the system of language’. It should be pointed out that Saussure
was criticised on the same grounds by Russian formalists who did not accept his notion of langue which
presupposed a clear-cut distinction between the synchronic state and the evolution of language (see
Tynianov & Iakobson 1982 [1928]). Voloshinov clearly assumes that, for Saussure, the historical deve-
lopment of a language can be conceived of in terms of a succession of unconnected synchronic states,
as a consequence of which there is no connection between the system and its history. Thus, Saussure’s
view that langue is characterised by its immutable unity at any given point of time seems to contradict
the undeniable fact that languages do change all the time.
It is true that Saussure makes a categorical distinction between the synchronic and diachronic study
of language and holds that in the synchronic study of a language its historical or evolutionary dimension
is irrelevant. However, the distinction between the synchronic and diachronic points of view is a metho-
dological one and does not as such constitute an ontological claim. On the contrary, Saussure argues on
several occasions that a language conceived of as langage, that is, as language in its totality, comprises
both an established system and an evolution. To quote Saussure,
As this quotation shows, for Saussure, linguistic structure and its history are ontologically intercon-
nected, that is, the synchronic structure is always the product of the past. However, linguistics studies
the values that hold between the elements of a system, and sciences that study values must make ‘a
distinction between the system of values per se and the same values as they relate to time’ (Saussure
1966 [1916]: 80). Moreover, Saussure does not accord to the study of the evolution of a language less
importance than the study of the synchronic system. Diachronic or evolutionary linguistics and synchronic
or static linguistics simply represent different and complementary perspectives on language.
Voloshinov’s polemical discussion does not always do justice to Saussure and, in fact, there are points
where Voloshinov clearly misrepresents Saussure’s views. The most striking example of Voloshinov’s
misunderstanding of Saussure is his discussion of the notion of langue. For Voloshinov (1973 [1929]:
57) the idea of language as ‘a stable, immutable system of normatively identical linguistic forms’ is to
be seen as a characteristic feature of ‘abstract objectivism’. He also argues that Saussure’s ‘contention
is that language as a system of normatively identical forms must be taken as the point of departure’
(Voloshinov 1973 [1929]: 60). The crucial point here is that throughout his discussion Voloshinov refers
to langue as ‘a system of forms’ or ‘a system of normatively identical forms’, although Saussure does
not conceive of the system of language in terms of forms, but in terms of values. His understanding
of the system of language as a relational entity derives from his conception of the sign as a union of a
concept and a sound-image. Thus, for Saussure, the linguistic sign is not just the linguistic form, but ‘a
two-sided psychological entity’ characterised by its ‘unified duality’. That Voloshinov characterises langue
as ‘a system of forms’ strongly suggests that he has profoundly misunderstood Saussure’s conception
of the linguistic sign, which comprises both the signified and the signifier, by mistakenly identifying it
with linguistic form.
4. Iakubinskii: on the possibility of linguistic politics
In October 1929 Iakubinskii delivered a paper titled ‘Ferdinand de Saussure on the impossibility of
linguistic politics’3 at the Institute of Discursive Culture, formerly known as ILIaZV. His polemical discus-
sion of Saussure is directly related to the literacy campaign that was taking place in the Soviet Union at
that time. Despite the fact that unlike many other important linguists Iakubinskii did not participate in
the practical language construction work, he discussed the theoretical aspects of language planning in
order to provide theoretical support for those involved in the creation of alphabets and construction of
written standards for languages without a written form.
Iakubinskii’s discussion of Saussure is based on his critical reading of the chapter ‘Immutability and
mutability of the sign’ of the Cours in which Saussure argues that the linguistic sign is simultaneously
characterised by two apparently contradictory properties, namely stability and dynamics. As pointed out
by Bally and Sechehaye (Saussure 1966 [1916]: 74n), Saussure’s position amounts to the view that
‘language changes in spite of the inability of speakers to change it’ and thus language is ‘intangible but
not unchangeable’. According to Iakubinskii (1986 [1931]: 72), Saussure’s conception boils down to the
claim that a language inevitably changes in time for objective historical reasons, whereas the subject of
language, that is, an individual speaker or the linguistic community are unable to change the language.
Indeed Saussure (1966 [1916]: 72) holds that speakers of a language are ‘largely unconscious of the
laws of language’ and thus unable to modify it. Iakubinskii argues that from Saussure’s thesis according
to which langue is a supraindividual system of signs inherited from previous generations it follows that the
language system would remain unaffected by the actual linguistic behaviour of the members of linguistic
community and their conscious attempts to change language. According to Iakubinskii (1986 [1931]:
74), this position must be mistaken, for both written language and spoken vernaculars do change. This
is illustrated, for instance, by the linguistic behaviour of Russian peasants who consciously change their
phonetics and grammar in order to bring their language closer in form to the variant spoken in towns.
Iakubinskii argues that Saussure approaches language from a formal and logical point of view and
ignores its connections to concrete reality and to the contexts in which it is used. His main objection to
Saussure’s approach to language is the notion of langue as a supraindividual inaccessible system passi-
vely inherited from the previous generations. For Saussure, members of a linguistic community cannot
freely choose the relation between the signifier and the signified, but the relation is imposed on linguistic
community. According to Saussure (1966 [1916]: 71), no individual speaker is able to ‘modify in any way
at all the choice that has been made; and what is more, the community itself cannot control so much as
a single word; it is bound to the existing language’. Thus, langue is a supraindividual system produced
by historical facts which pre-determines what choices the members of a linguistic community can make.
Iakubinskii rejects this view, for it would seem, by definition, to exclude the possibility of linguistic policy
and language planning. This is because language planning, the aim of which is to change the linguistic
situation of a community, presupposes the possibility of conscious intervention in the language by specia-
lists. Iakubinskii argues that if conscious intervention were impossible, as Saussure assumes, linguistics
would be useless and methodologically inadequate, because the validity of the theoretical achievements
3 This paper was published as an article in 1931 in Iazyk i materializm (vyp.2, 91-104).
Iakubinskii maintains that the above argument would amount to the claim that written language
is tangible whereas spoken language is intangible. He insists that since the signs of both spoken and
written language are equally arbitrary, it follows that Saussure contradicts his first argument – i.e. that
all arbitrary signs are intangible – by admitting the tangibility of written signs. However, Saussure does
not argue for tangibility of written signs, but simply points out that while alphabets comprising a finite
number of letters could easily be replaced with one another, a language the linguistic signs of which are
numberless could not be replaced by another language. Moreover, Iakubinskii also argues that Saussure is
wrong in assuming that because it is an open system, a language can not be partially changed. Contrary
to Iakubinskii’s claims, Saussure is not arguing here against partial change, but saying that a language
is an open system comprising a limitless number of elements and therefore it is impossible to replace
the whole system with another one. Iakubinskii also finds Saussure guilty of claiming that written lan-
4 Marr explicitly used Marxist symbols and placed language in the superstructure for the first time during his 1927 Baku course on The New Theory of
Language (Cherchi & Manning 2002: 11).
Resumo I
Desde sua publicação, As I Lay Dying, romance do escritor norte-americano William Faulkner, vem
desafiando a crítica literária devido ao grau elevado de assimetrias que caracteriza a estrutura de sua
narrativa. A interessante arquitetura do texto composta de 59 segmentos narrativos, cada um interrom-
pido e intercalado por um novo segmento, retarda a apreensão do sentido global do texto, acentuando
a natureza heterogênea e ambivalente do romance. Este estudo analisa a obra de Faulkner a partir dos
conceitos sobre Carnavalização e Literatura Carnavalizada desenvolvidos por Mikhail Bakhtin. Através do
estudo da complexidade formal e simbólica do romance, procura-se mostrar o parentesco do texto com
uma powerful and multibranched tradition, ou seja, uma tradição carnavalesca como Bakhtin a denomi-
na. Destaca-se a composição do enredo, a fala das personagens e o modo de focalização entre outros
aspectos, na tentativa de apreender o universo carnavalizado e sem fronteiras de As I Lay Dying.
Resumo II
As I Lay Dying has provoked heated discussion and divergent readings within the literary academy
due to the high degree of asymmetries and discontinuities that characterize its narrative structure. The
59 multifaceted episodes which constitute the text’s framework yield to a retardatory strategy concerning
the apprehension of the meaning of the text, emphasizing its open and incomplete nature. The present
study investigates William Faulkner’s novel in the light of Mikhail Bakhtin’s concepts of Carnivalization
and Carnivalized Literature. The analysis points out the kinship existing between the text and a powerful
and multibranched tradition, that is to say, a carnivalistic tradition as Bakhtin’s studies about the story of
the genres has demonstrated. The development of the text’s plot, the narrators’voices and the mode
of focalization are examined here in an attempt of grasping the complex formal and symbolic structure
of As I Lay Dying’s carnivalized universe.
INTRODUÇÃO
As I Lay Dying, ou Enquanto Agonizo, título que o romance recebe em sua tradução para o Português,
é uma obra do escritor norte-americano William Faulkner. Caracterizado por assimetrias e a reunião de
elementos heterogêneos, As I Lay Dying desafia o leitor a encontrar um pouco de unidade e lógica em
meio a uma aparente desordem.
As I Lay Dying apresenta uma montagem interessante de 59 segmentos narrativos, cada um tempora-
riamente interrompido e intercalado por um outro segmento, de modo que a seqüência é continuamente
quebrada e o leitor submetido a uma estratégia que retarda a apreensão do sentido do texto. A cada
novo segmento novas sugestões e pontos de vista são oferecidos, uma vez que cada personagem é o
próprio narrador de seu relato. Essa dinâmica acentua a complexidade do texto, uma vez que a visão
dos diferentes narradores sobre os fatos narrados não coincidem.
A análise aqui desenvolvida leva em consideração a teoria da carnavalização proposta por Mikhail
Bakhtin. Tenta-se demonstrar como o romance está impregnado de imagens, gestos e acontecimentos
que só podem ser entendidos à luz da teoria da carnavalização. Desse modo, as irregularidades do texto
resultam de uma dinâmica cujas raízes estão sedimentadas na tradição carnavalesca. Em Rabelais and
His World, BAKHTIN (1884:6-10) discute o aspecto duplo do mundo e da vida humana desde os primeiros
estágios do desenvolvimento cultural, apontando a existência de cultos e rituais cômicos e abusivos ao
lado de celebrações oficiais, sérias. Dessa forma, a experiência humana era vivenciada através de duas
Cep.: 20720-210
Resumo I
Este trabalho é fruto de uma inquietação, como professora de espanhol LE, durante onze anos: a
constatação de uma imagem negativa apresentada pelos alunos sobre o mundo hispano-americano; a
falta de informação e desinteresse sobre a América Latina.
Para entender como ocorre esse processo de distanciamento, recorri a um estudo interdisciplinar so-
bre discurso e identidades culturais, dentro da metodologia interpretativista, realizando uma etnografia
com meus alunos.
Seguindo a visão socioconstrucionista do discurso e das identidades culturais, entendo que a conversa
entre os participantes de uma interação discursiva está marcada sócio-historicamente e carrega marcas
culturais, raciais, institucionais etc.
Inicialmente focalizo a natureza social e dialógica da comunicação humana e os discursos como cons-
trutores e constituintes da realidade social. Logo, caracterizo a linguagem como fenômeno ideológico e
explico como os significados que circulam no corpo social são legitimados. Depois, caracterizo o contexto
institucional da sala de aula. Finalmente analiso dados coletados.
Resumen II
Este trabajo resulta de la inquietación, como profesora de espanhol LE, durante once años: la consta-
tación de una imagen negativa presentada por los alumnos sobre el mundo hispano-americano; la falta
de información y desinterés sobre la América Latina.
Para entender como ocurre ese proceso de alejamiento, recurrí al estudio interdisciplinar sobre discur-
so e identidades culturales, que se insere en la metodología interpretativista, realizando una etnografia
con mis alumnos.
Siguiendo la visión socioconstrucionista del discurso y de las identidades culturales, entiendo que el
debate entre los participantes de una interacción discursiva está marcada sócio-históricamente y lleva
huellas culturales, raciales, institucionales, etc.
Inicialmente focalizo la naturaleza social y dialógica de la comunicación humana y los discursos como
constructores y constituyentes de la realidad social. Luego, caracterizo el lenguaje como fenómeno ideoló-
gico y explico como los significados que circulan en el cuerpo social son legitimados. Después, caracterizo
el contexto institucional de la sala de clase. Finalmente analiso datos colectados.
Dialogia, alteridade e relações de poder
De acordo com Bakhtin, a linguagem é essencialmente veículo da comunicação humana. Sua realização
se faz pela necessidade dos seres humanos de se comunicarem uns com os outros, caracterizando-se,
assim como um fenômeno social.
Para Bakhtin, não faz sentido, portanto, falar em linguagem sem que se pressuponha a dialogia, pois,
segundo esse autor, toda palavra, toda enunciação se dirige a alguém. A comunicação verbal se concre-
tiza no diálogo, que para Bakhtin tem um sentido bastante amplo, vai muito além da comunicação face
a face e, sobretudo, não implica o consenso e sim a negociação.
Se toda palavra se dirige a alguém, o enunciado “deve ser considerado acima de tudo como uma
resposta a enunciados anteriores” (Bakhtin, 1992 p. 316) e, como o ser humano não vive isolado sem
contato com outros seres humanos, sua fala está “repleta de ecos e lembranças de outros enunciados”
(Ibidem, 1992 p. 316).
1: T - ...mas teve uma outra expressão, a Indo-América que foi criada, né, (...)
2: P – E qual o problema da Indo-América?
3: T – O problema, no caso, é porque lá não tem só indígenas, lá também tem os africanos
também e...
4: P – Lá aonde?
5: T – Lá na América Latina// não, na Hissspano-América...
6: P – Mas é lá?
7: T – Não, é aqui [risos], é aqui...
8: C – É o nosso continente...
9: T – É, é o nosso continente...
10: P – Isso é interessante, parece que é lá.
11: M – [(...)]excluir o Brasil [(...)].
12: H – [(...)] a nossa língua ser o português e não o espanhol, fica até engraçado que não
seja...
13: T – Não, não é nem engraçado, é mais questão de colonização mesmo, né
Nesse fragmento de aula, a aluna T (linha 3) se posiciona com um distanciamento como se a suposta
Indo-América estivesse num lugar que não corresponde ao lugar que ela está. Esse distanciamento se
confirma na linha 5 quando ela diz “lá na AméricaLatina” e tenta corrigir depois de minha pergunta (linha
4) como se o meu questionamento se referisse ao nome e não ao fato de ela colocar-se num contexto
fora da América Latina. Em outras palavras, a aluna se posiciona fora de seu contexto sócio-histórico,
não se reconhecendo como pertencendo à América Latina.
Não interpreto essa fala como a de quem ignora a localização geográfica de seu próprio país. No
reconhecimento como não pertencente à América Latina, está implícito o fato de pertencer a uma outra
comunidade cultural, que, entretanto, não sabemos qual é. Porque, se por um lado a aluna não explicita
com que comunidade se identifica, por outro lado, é patente que seu olhar está no exterior, no lado de
fora da América Latina.
Se a aluna se posiciona na sua fala como não pertencendo à América Latina, e, se toda enunciação
discursiva traz em si o eco de outras enunciações, como diz Bakhtin (1986), é possível que essa fala
contenha o eco de enunciações daqueles que não pertencem à América Latina, ou seja, dos discursos
produzidos pelos processos colonizadores na América Latina.
Interpreto que na fala dessa aluna ressoam as muitas vozes que colonizaram e outras que dão conti-
nuidade ao processo de colonização da América Latina. Essas vozes que se desdobram nos mais variados
discursos que circulam na nossa sociedade, e que colaboram para a construção de uma imagem negativa,
enfraquecida, e distanciada, fazendo com que alunos brasileiros não se percebam como latino-americanos
e com que, a América Latina seja esquecida.
Tal esquecimento é patente nos livros históricos, didáticos, e muito freqüentemente, nas aulas de
espanhol LE. Como alguns exemplos desse esquecimento e de uma imagem negativa, coloquei em anexo
algumas figuras. A primeira delas, é a página do livro didático Vem 2, editado pela editora espanhola
Edelsa (anexo 1), onde é possível ler um diálogo entre turistas espanhóis em Cusco que depreciam os
serviços turísticos dos hotéis dessa cidade. Eu pergunto: será que imagem tão negativa era tudo o que
os autores poderiam falar de uma cidade como Cusco? A segunda (anexo 2) e a terceira (anexo 3), ilus-
tram o apagamento da América Latina: são capas de vídeos, um argentino, outro cubano (entre outros
que lá havia), de uma locadora do centro do Rio de Janeiro, que os classificou em suas prateleiras como
EUROPEU.
Esses exemplos ilustram, ao meu ver, em primeiro lugar, a imagem negativa que circula sobre a
América Latina classificando serviços turísticos como ineficazes, dando a idéia de fracasso, inadequação,
ineficiência etc. Em segundo lugar, o apagamento: a etiqueta EUROPEU apaga as origens argentina e
cubana.
É possível que esses olhares marquem a distância daquilo que não se quer ser, pois identificar-se
com a América Latina pressupõe a identificação com as marcas de um suposto atraso, da pobreza, da
inadequação como apontam Fanon e Thiong’o (citados anteriormente). E como disse Skliar (também
citado), a voz do colonizado acaba por se refletir como o espelho da voz do colonizador.
A seguir, analiso brevemente algumas redações feitas por meus alunos.
Análise de algumas redações feitas no final do curso
Durante o semestre em que coletei dados para minha dissertação, vários textos foram lidos e debati-
dos em sala de aula. No final do curso, pedi aos alunos que escrevessem uma redação em que fizessem
qualquer tipo de comentário sobre o curso, sobre os textos lidos etc.
Na primeira redação (anexo 4), o aluno se refere à fala da aluna T (microcena 1, linha 5) onde ela
Textos chave – “Los cien nombres de nuestra América” Tito Drago www.
comunica.es
Nomes chave – América Latina
Palavras chave – identidades culturais; alte-
ridade; discurso; poder; hegemonia; apagamento
Biografia resumida
BAKHTIN, M. (1986) Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: HUCI-
TEC.
BAKTHIN, M. (1979/1992) Estética da Criação Verbal. Versão utilizada: tradu-
ção,1992. Martins Fontes.
FAIRCLOUGH, Norman. 2001. Discurso e Mudança Social. Editora Universidade
de Brasília.
FOUCAULT, Michel. (2000) A Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal. 295
p.
MOITA LOPES, Luiz Paulo. (1996) Oficina de Lingüística Aplicada. Campinas:
Mercados de Letras.
MOITA LOPES, Luiz Paulo. (1998) “Narrativa como processo de construção da
identidade Social de raça em uma sala de aula de leitura de língua materna” na
International Conference on Storytelling. St. Catharines. Canadá. (mimeo)
SKLIAR, Carlos. (2002) ¿Y si el otro no estuviera ahí? Buenos Aires: Miño y
Dávila.
Clarice Lottermann
RESUMO
Partindo dos pressupostos elaborados por Bakhtin nas obras A cultura popular na Idade Média e no
Renascimento: o contexto de François Rabelais e Problemas da poética de Dostoievski, o presente estudo
objetiva averiguar em que medida esses podem ser encontrados na obra machadiana Memórias Póstumas
de Brás Cubas (MPBC). Considerando-se que, na obra de Machado de Assis, é um narrador defunto que
conta a sua história, depois de ter seu corpo já corroído pelos vermes, observa-se como a orientação
para o baixo, o olhar de trás para a frente, o movimento da morte para o nascimento são enfaticamente
marcados. Com base nos estudos de Bakhtin, pode-se observar como o narrador defunto que interrompe
a barreira definitiva entre a vida e a morte, estabelecendo uma continuidade, apresenta um discurso
em que o rebaixamento das coisas elevadas (virtudes, valores morais, senso de justiça e solidariedade)
é constante. Entretanto, deve-se realçar que, ao contrário da perspectiva bakhtiniana, não há, na obra
machadiana, possibilidade de re-elevação da condição humana, visto que o narrador, além de dedicar a
obra aos vermes que roeram as marcas da sua existência, ao fazer um balanço da vida, tem como único
saldo positivo o fato de não deixar descendência.
ABSTRACT
From the presuppositions elaborated by Bakhtin in the works A cultura popular na Idade Média e no
Renascimento: o contexto de François Rabelais and Problemas da poética de Dostoievski, the present
study aims at verifying in what extend those presuppositions can be found in Machado de Assis’s Me-
mórias Póstumas de Brás Cubas (MPBC). Taking into consideration that, in Machado de Assis’s work,
it is a dead narrator who tells his story after having his body been already corroded by warms, it can
be observed how the down orientation, the look from back to front, the movement from death to birth
are emphatically noticeable. Based on Bakhtin studies, it can be observed how the dead narrator who
ceases the definite barrier between life and death, establishing a continuity, presents a discourse where
the lowering of lofty things (virtues, moral values, sense of justice and solidarity) is constant. However,
it should be emphasized that, contrary to bakhtinian perspective, in Machado de Assis’s work there is
no possibility of re-elevation of human condition, since the narrator, besides dedicating his work to the
warms which gnawed the marks of his existence has, when pondering about life, as the only positive
balance the fact that he does not leave descendants.
Memórias Póstumas de Brás Cubas (MPBC), do escritor brasileiro Machado de Assis, foi, originalmente,
publicado na “Revista Brasileira”, a partir de março de 1880 e, em 1881, reeditado na forma de livro. É,
ainda hoje, uma obra que provoca estranhamento por suas características que o afastam da literatura
de sua época (realista/naturalista), por sua visão radicalmente crítica, pelo ceticismo, pela estrutura
narrativa, pelo tom de galhofa e pela dificuldade de se enquadrá-lo.
O trabalho aqui apresentado consiste, basicamente, numa leitura de Memórias Póstumas, à luz dos
estudos de Mikhail Bakhtin relativos ao realismo grotesco e à sátira menipéia, constantes nas obras A
cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais e Problemas da
Poética de Dostoievski. Para tanto, iniciamos chamando atenção para um texto de José Guilherme Mer-
quior – publicado em caráter introdutório à obra machadiana – intitulado “O romance carnavalesco de
Machado”1.
No referido texto, José Guilherme Merquior destaca o “tom cáustico” do livro que, à época em que foi
publicado, o “afastava muito dos exemplos nacionais de idealização romântica, enquanto seu humorismo
1 Esse texto encontra-se na edição: ASSIS, Machado. Memórias Póstumas de Brás Cubas. 9.ed. São Paulo: Ática, 1982. Todas as citações do romance
referem-se a esta edição.
Merquior salienta que o fator decisivo de aproximação da obra machadiana ao gênero cômico-fantástico
se deve às “analogias de concepção e estrutura (...) Brás Cubas é um caso de novelística filosófica em
tom bufo; um manual de moralista em ritmo foliônico. Quase nenhum sentimento, crença ou conduta
escapam nesse livro, à chacota corrosiva, ao ânimo de sátira e paródia”4.
Ao caracterizar a sátira menipéia, Bakhtin salienta que, neste gênero, “teve grande importância
a representação do inferno, onde germinou o gênero específico dos ‘diálogos dos mortos’, amplamente
difundido na literatura européia do Renascimento, dos séculos XVII e XVIII”5. Merquior registra que “pe-
las citações do próprio Machado, sabemos que ele conhecia e apreciava a obra de Luciano [Luciano de
Samósata, autor dos Diálogos dos Mortos] e de seus imitadores (...) Luciano possui até um personagem
(o filósofo Menipo) que gargalha no reino do além-túmulo – em situação idêntica à de Brás Cubas”6.
Podemos, sem dúvida, observar tais características na obra machadiana. Contudo, parece-nos
que a aproximação do romance com os apontamentos bakhtinianos carecem de maior problematização.
O próprio Bakhtin faz ressalvas no que diz respeito às ressonâncias do realismo grotesco na literatura
pós-renascentista:
O campo da literatura realista dos três últimos séculos está praticamente juncado de destroços
do realismo grotesco, destroços que às vezes, apesar disso, são capazes de recuperar sua
vitalidade. Na maioria dos casos, trata-se de imagens grotescas que perderam ou debilitaram
seu pólo positivo, sua relação com um universo em evolução. É apenas através da compre-
ensão do realismo grotesco que se pode entender o verdadeiro valor desses destroços ou
dessas formas mais ou menos vivas7.
E acrescenta:
As imagens grotescas do Renascimento, diretamente ligadas à cultura popular carnavalesca
(em Rabelais, Cervantes e Sterne), influíram em toda a literatura realista dos séculos se-
guintes. O realismo em grande estilo (Stendhal, Balzac, Hugo, Dickens, etc.) esteve sempre
ligado (direta ou indiretamente) à tradição renascentista, e a ruptura desse laço conduziu fa-
talmente ao abastardamento do realismo, à sua degeneração em empirismo naturalista8.
Considerando-se, portanto, a obra de Machado de Assis, convém averigüar como esses “destroços”
do realismo grotesco se realizam; como a concepção de mundo própria do realismo grotesco aparece
– diluída ou negada – nessa obra-prima da literatura brasileira do século XIX.
Segundo Bakhtin, o princípio artístico essencial do realismo grotesco é o rebaixamento:
Todas as coisas sagradas e elevadas aí são reinterpretadas no plano material e corporal. Já
falamos da gangorra grotesca que funde o céu e a terra no seu vertiginoso movimento: a
ênfase contudo se coloca menos na subida que na queda, é o céu que desce à terra e não
o inverso9.
2 MERQUIOR, José Guilherme. O romance carnavalesco em Machado. In: ASSIS, Machado. Memórias Póstumas de Brás Cubas. 9.ed. São Paulo: Ática,
1982. p.5.
3 Id. Ibid.p.6.
4 Id. Ibid.p.6.
5 BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoievski. Trad. de Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1981. p.100.
6 MERQUIOR, Op.cit. p.6.
7 BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. Trad. Yara Frateschi Viera. São Paulo: HUCITEC;
Brasília: E. da Universidade de Brasília, 1987, p.21.
8 Id. Ibid. p. 45.
9 Id. Ibid. p.325.
10 Id. Ibid. p.20
Ao rememorar os momentos que antecedem sua morte, Brás Cubas diz que sentiu “um prazer satânico
em mofar dele [do mundo], em persuadir-me que não deixava nada” (MPBC, p.18). Encaminhou-se para
o reino desconhecido “pausado e trôpego, como quem se retira tarde do espetáculo. Tarde e aborrecido”.
(MPBC, p.13). Tal observação revela a tônica da vida de Brás Cubas: o aborrecimento e o tédio – “flor
amarela, solitária e mórbida” – são marcas indeléveis que o acompanham não apenas na vida como na
morte. Para burlar a melancolia e o tédio, somente a recriação ficcional de sua vida se lhe apresenta:
“Saber que se morre, viver a experiência da morte, não ter ilusões é o lúdico exercício de recriação
ficcional da vida por meio do qual o ‘defunto autor’ aprende a desfolhar a ‘flor amarela de hipocondria’
para burlar a morte e a melancolia”13.
Assim, na condição de defunto, Brás Cubas desanda a tecer críticas e comentários irônicos sobre
tudo, justificando sua franqueza (com relação à própria mediocridade) como uma das qualidades de
defunto:
... a franqueza é a primeira virtude de um defunto. Na vida, o olhar da opinião, o contraste
dos interesses, a luta das cobiças obrigam a gente a calar os trapos velhos, a disfarçar os
rasgões e os remendos (...) Mas, na morte, que diferença! que desabafo! que liberdade! Como
a gente pode sacudir fora a capa, deitar ao fosso as lentejoulas, despregar-se, despintar-se,
desafeitar-se, confessar lisamente o que foi e o que deixou de ser! (MPBC, p.46)
Para Roberto Schwarz, através de tal atitude, “menos que afirmar outro mundo, Brás quer destratar
o nosso, que é dele também, isto para infligir-nos a sua impertinência”14. Desta forma,
Deslizando entre a “campa” e o “berço”, um Brás redivivo situa-se num privilegiado entre-
lugar, que lhe confere a prerrogativa de ser um e outro ao mesmo tempo. Enquanto um
pode sustentar o sistema ideológico de que, enquanto vivo, ele foi usuário e mantenedor;
enquanto outro pode desferir suas farpas contra esse mesmo sistema. Ao se dotar dessa
dupla mirada, ele possui a mobilidade de colocar-se, concomitantemente, dentro e fora da
vida. Assim, enquanto doublé de morto e vivo, ele tem um pé na cova e outro numa vita
nuova; um olho posto na tradição e outro na modernidade”15.
Ao iniciar o romance pelo fim, ou seja, pela narrativa de sua morte, Brás Cubas evidencia que o fim
é o começo: “Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a
adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto
autor, para quem a campa foi outro berço” (MPBC, p.13). Narra sua morte dizendo que “foi muito menos
triste do que podia parecer. De certo ponto em diante chegou a ser deliciosa.” (MPBC, p.14).
O texto é estruturado de tal forma que, depois de narrar o delírio que antecede a sua morte, Brás
A aproximação de vida e morte também pode ser encontrada em outras passagens do romance. Ao
comentar a morte de um tio de Virgília, diz que
o melhor de tudo era esquecer o defunto, um lorpa, um cainho sem nome, e tratar de coisas
alegres; o nosso filho por exemplo... (...) Esta era a minha preocupação exclusiva daquele
tempo. Olhos do mundo, zelos do marido, morte do Viegas nada me interessava por então,
nem conflitos políticos, nem revoluções, nem terremotos, nem nada. Eu só pensava naquele
embrião anônimo, de obscura paternidade, e uma voz secreta me dizia: é teu filho. (MPBC,
p.101).
Virgília, por sua vez, nessa mesma época, angustiava-se com o vexame da gravidez (aborrece-a a
idéia de ter que deixar de freqüentar a sociedade) e o medo do parto: “Padecera muito quando lhe nasceu
o primeiro filho; e essa hora, feita de minutos de vida e minutos de morte, dava-lhe já imaginariamente
os calafrios do patíbulo.” (MPBC, p.104). Para a amante de Brás, a maternidade não é idealizada como
condição de vida: o tão apregoado “instinto maternal” e a reprodução como justificativa para relações
sexuais não são consideradas por Virgília. Pelo contrário, o que Virgília quer do seu amante são os en-
contros em que estão em jogo os prazeres da carne (que se inserem no plano do baixo e que, portanto,
dessacralizam a idéia da maternidade). Ela quer, e muito, os prazeres da carne, mas não quer que estes
se convertam em um filho e empanem sua imagem social.
A sucessão de mortes e nascimentos é vista como um processo no qual uns sucedem a outros, em
que a vida sucede a morte: “Meu tio cônego morreu nesse intervalo; item, dois primos. (...) Foi também
por esse tempo que nasceu minha sobrinha Venância, filha do Cotrim. Morriam uns, nasciam outros: eu
continuava às moscas.” (MPBC, p.117).
No capítulo em que narra o delírio que o acomete antes de morrer, Brás Cubas se vê arrebatado por
um hipopótamo que o leva à origem os séculos. Chega a uma planície branca de neve, fria, cujo silêncio
era “igual ao sepulcro”. É um caso raro em que o narrador pode falar com propriedade do sepulcro, visto
já estar sepultado. Diante dele surge uma figura de mulher, com olhos rutilantes como o sol. “Tudo nessa
figura tinha a vastidão das formas selváticas, e tudo escapava à compreensão do olhar humano, porque
os contornos perdiam-se no ambiente, e o que parecia espesso era muita vez diáfano.” (MPBC, p.20-
21). Tal figura apresenta-se como sendo a Natureza ou Pandora, sua mãe e sua inimiga. Novamente se
está em presença de opostos que não são excludentes, pelo contrário, se completam. Da mesma forma,
a figura de mulher lhe diz: “eu não sou somente a vida; sou também a morte, e tu estás prestes a de-
volver-me o que te emprestei.” (MPBC, p.21). Se a vida é emprestada, depreende-se que é passageira,
não é definitiva. Na natureza, tudo cumpre um ciclo: para que haja renovação, uma forma de vida dá
lugar a outra, ininterruptamente.
A Natureza/Pandora leva Brás Cubas para o alto de uma montanha e o obriga a olhar para baixo,
assistindo ao desfilar de todos os séculos. Nessa passagem, pode-se observar ressonâncias de outra
característica da sátira menipéia:
Na menipéia surge a modalidade específica do fantástico experimental, totalmente estranho
à epopéia e à tragédia antiga. Trata-se de uma observação feita de um ângulo de visão
inusitado, como, por exemplo, de uma altura na qual variam acentuadamente as dimensões
dos fenômenos da vida em observação16.
Diz o narrador:
Imagina tu, leitor, uma redução dos séculos, e um desfilar de todos eles, as raças todas,
todas as paixões, o tumulto dos impérios, a guerra dos apetites e dos ódios, a destruição
recíproca dos seres e das coisas. Tal era o espetáculo, acerbo e curioso espetáculo (...)
eu via tudo o que passava diante de mim, - flagelos e delícias, - desde essa coisa que se
chama glória até essa outra que se chama miséria, e via o amor multiplicando a miséria, e
via a miséria agravando a debilidade. (...) cada século trazia a sua porção de sombra e de
luz, de apatia e de combate, de verdade e de erro, e os seu cortejo de sistemas, de idéias
novas, de novas ilusões; em cada um deles rebentavam as verduras de uma primavera, e
amareleciam depois, para remoçar mais tarde. (MPBC, p.23)
Nesse desfile, em alta velocidade, de todos os séculos da história da humanidade, marcada por ciclos
de morte e vida, de primaveras que sucedem invernos e que dão origem a novos invernos e assim su-
cessivamente, o ser humano – visto do alto – aparece em toda a sua miséria e degradação.
Mas a morte não tem apenas uma faceta negativa, também é vista como potencial de vida. Segundo
Bakhtin, “o tema da imortalidade relativa da semente está indissoluvelmente ligado ao do progresso
histórico da humanidade. A cada geração, o gênero humano não se contenta em renovar-se; de cada
vez, ele galga um novo grau da sua evolução histórica.17”
Em seu delírio, Brás Cubas toma a forma de um barbeiro chinês, escanhoando um mandarim (que
pagava o serviço com beliscões e confeitos); depois, a da Summa Theologica de S. Tomás, “encadernada
em marroquim, com fechos de prata e estampas”. Nestas imagens há muito do burlesco, vinculado ao
físico e material, mas também alusão ao eterno desejo humano de se perenizar no tempo por meio do
mundo das idéias. Transformar-se na Summa Theologica é perenizar-se ao longo do tempo. Por último,
restituído à forma humana, é arrebatado por um hipopótamo e levado numa viagem, de modo vertiginoso
e aparentemente sem destino. Ao final do delírio, o hipopótamo diminui até chegar ao tamanho de um
gato: “Era efetivamente um gato.(...) Era o meu gato Sultão, que brincava à porta da alcova, com uma
bola de papel...” (MPBC, p.23). O gato que brinca com a bola-mundo faz parte desse conjunto de ima-
gens insólitas em que o humano dá lugar a um objeto (livro), para em seguida voltar à forma humana
e fazer uma viagem alucinante (delírio) em que o grotesco se sobrepõe.
Segundo Bakhtin,
A particularidade mais importante do gênero da menipéia consiste em que a fantasia mais
audaciosa e descomedida e a aventura são interiormente motivadas, justificadas e focalizadas
aqui pelo fim puramente filosófico-ideológico, qual seja, o de criar situações extraordinárias
para provocar e experimentar uma idéia filosófica. (...) Cabe salientar que, aqui, a fantasia
não serve à materialização positiva da verdade mas à busca, à provocação e principalmente
à experimentação dessa verdade. Com este fim, os heróis da “sátira menipéia” sobem aos
céus, descem ao inferno, erram por desconhecidos países fantásticos, são colocados em
situações extraordinárias reais18.
No auge da angústia (“... fui eu que me pus a rir, - de um riso descompassado e idiota”), Brás Cubas
volta-se para Pandora e pede a ela que o devore: “Vamos lá, Pandora, abre o ventre, e digere-me; a
coisa é divertida, mas digere-me” (MPBC, p.22). Essa imagem do grande ventre que devora também
aparece noutra circunstância. Trata-se do episódio no qual o narrador fala sobre a morte e sepultamento
da mulher do capitão, na viagem que o levaria a Portugal: “A vaga abriu o ventre, acolheu o despojo,
fechou-se” (MPBC, p.41). O ventre que se abre para dar vida (dar à luz), também se abre para abrigar
a morte. O corpo da mulher é lançado ao mar, “à cova que nunca mais se abre”. (MPBC, p.41). Essa
dupla imagem do ventre que se abre para gerar vida e abrigar a morte caracteriza bem o que Bakhtin
chama de gangorra grotesca que funde o céu e a terra, lembrando que antes é o céu que desce à terra
do que o contrário.
É importante destacar, nesta leitura da obra machadiana, o processo de decomposição de tudo que
é elevado, solene, sério. Nessa perspectiva, até a suposta origem da família Cubas é submetida a um
processo corrosivo, por parte do próprio narrador, que destaca o fato de o pai ter muita imaginação. Aliás,
como é característico da maioria das famílias que, ao ascender socialmente, fazem uma espécie de cirurgia
plástica no passado, emprestando-lhe uma grandeza que, na maioria das vezes, ela não tem. Descendente
de um “reles tanoeiro”, o pai de Brás Cubas inventa para si uma origem mais enobrecedora:
Como este apelido de Cubas lhe cheirasse excessivamente a tanoaria, alegava meu pai, bis-
neto do Damião, que o dito apelido fora dado a um cavaleiro, herói nas jornadas da África, em
prêmio da façanha que praticou, arrebatando trezentas cubas aos mouros.(MPBC, p.15)
Desta forma, pela lei da compensação, o narrador vai burlando e escamoteando a “consciência sufo-
cada” pelo peso da moral. Mas, o mesmo Brás Cubas que, para arejar a consciência, devolve a moeda,
não faz o mesmo com os cinco contos que encontrara num embrulho na praia: “Crime é que não podia
ser o achado; nem crime, nem desonra, nem nada que embaciasse o caráter de um homem. (...) hei
de emprega-los em alguma ação boa, talvez um dote a alguma menina pobre, ou outra coisa assim...
hei de ver...” (MPBC, p.69). Mas o dinheiro vai, mesmo, é para o Banco do Brasil e não se toca mais
no assunto. “Nesse mesmo dia levei-os ao Banco do Brasil. Lá me receberam com muitas e delicadas
alusões ao caso de meia dobra, (...) louvaram-me então a modéstia, – e porque eu me encolerizasse,
replicaram-me que era simplesmente grande.” (MPBC, p.69).
Nesse último trecho, o narrador é particularmente irônico: desmascara sua própria hipocrisia e, quanto
mais recusa ter louvada a boa ação por ter devolvido a moeda de ouro, mais acentua seu caráter inte-
resseiro. Há, portanto, um completo rebaixamento das virtudes, dos valores morais, das boas intenções
que, no fundo, revelam apenas interesses próprios.
No universo de Brás Cubas, as pessoas, assim como os sentimentos, se decompõem.Virgília, seu
amor da juventude – uma mulher esplêndida – transforma-se em “ruína, uma imponente ruína” (MPBC,
p.17); a linda e sedutora Marcela, a quem dedicara seus primeiros beijos (e uma pequena fortuna em
jóias...), transforma-se num rosto amarelo e bexiguento, com olhar repugnante, e, ao morrer, está
“feia, magra, decrépita...” (MPBC, p.143). O próprio amor é ironizado, pois Marcela amara-o “duran-
te quinze meses e onze contos de réis” (MPBC, p.36). Tudo que é lindo, pleno de vida, é tomado pela
morte, pela decadência. O mesmo ocorre com Eugênia, “a flor da moita”, por quem o narrador nutre
um certo interesse, que vem a se desfazer por descobrir ser a moça “coxa de nascença”. Ao comentar
sobre seus passeios e conversas, sobre o enleio em que se deixava levar, contraposto ao horror de vir a
amar deveras e a desposá-la, diz que “não havia ali a atmosfera somente da águia e do beija-flor; havia
também a da lesma e do sapo”. (MPBC, p.55). Nota-se, particularmente nessa passagem, a extrema
crueldade de Brás ao enfatizar o “defeito” físico da moça, sugerindo que, o fato de Eugênia ser coxa, é
uma espécie de materialização física da “imoralidade” da sua concepção. Em linguagem popular, a “flor
da moita” seria a filha da macega, sem direitos e sem espaço social. Bonito e feio, alto e baixo, virtude
e vício, admiração e desprezo fazem parte, portanto, da mesma atmosfera, das mesmas circunstâncias,
deste todo que é a vida.
Esta aproximação do que é feio e desprezível ao que é bonito e virtuoso é encontrada, também, na
passagem em que Brás Cubas faz comentários sobre o comportamento de Dona Plácida (que favorecia
seus encontros – adúlteros – com Virgília): “Se não fossem os meus amores, provavelmente Dona Plácida
acabaria como tantas outras criaturas humanas; donde se poderia deduzir que o vício é muitas vezes
o estrume da virtude. O que não impede que a virtude seja uma flor cheirosa e sã.” (MPBC, p.89). Da
mesma forma, do pântano nasce a flor (Nhá-loló, a quem o narrador resolve desposar, mas que vem a
morrer de febre amarela antes do casamento), do baixo brota o elevado, da morte, a vida.
No enterro de Lobo Neves (marido de Virgília), Brás comenta que “Virgília traíra o marido, com since-
ridade, e agora chorava-o com sinceridade.” E encontra a explicação para isso na “moeda de Vespasiano”:
“A taxa de dor é como a moeda de Vespasiano [dinheiro não tem cheiro] ; não cheira à origem, e tanto
se colhe do mal como do bem.” (MPBC, p.140)
Considerando-se as muitas mortes que permeiam o romance – de falecimentos (da mãe, do pai,
de Marcela, de dona Plácida, de Lobo Neves, de Quincas Borba, de Eulália, do filho abortado) a perdas
emocionais e fracassos –, é possível afirmar que, na trajetória de Brás Cubas, impera o processo de
“decomposição dos seres e das experiências: a beleza de Marcela, o seu amor por Virgília, a sua ternura
pela própria irmã, tudo se esvai, tudo apodrece”20. O livro “cheira a sepulcro” e o último capítulo funciona
como um “atestado de óbito”, ou seja, como sempre, a morte sai vitoriosa. Tudo se resume a uma grande
negativa: “Este último capítulo é todo de negativas. Não alcancei a celebridade do emplastro, não fui
ministro, não fui califa, não conheci o casamento”. (MPBC, p.144). Contudo, no “inventário”, ladeando as
perdas, há ganhos e um pequeno saldo: “... ao chegar a este outro lado do mistério; achei-me com um
pequeno saldo, que é a derradeira negativa deste capítulo de negativas: – Não tive filhos, não transmiti
a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.” (MPBC, p.144).
Vê-se, portanto, que a morte, em Memórias Póstumas de Brás Cubas, não engendra outra vida. “Não
tive filhos”. Tudo é falência. Brás Cubas é o mesmo, vivo ou morto. Morto, ele continua olhando a vida
como alguém da classe dirigente, lembra-se do passado e não muda de lugar. Embora, para ele, a morte
seja uma festa (diverte-se zombando de si e dos outros), não há abolição de fronteiras, não há abolição
É um caso complexo: Brás Cubas se inclui nesse universo risível mais do que a qualquer um. Mas
não se trata do riso popular, que pelo riso destitui, rebaixa, profana e cria nova vida. No caso de Brás
Cubas, trata-se do riso de uma classe burguesa que ri da própria desgraça, que ri um riso nervoso, um
riso que não cria possibilidade de um mundo novo e diferente. Pelo contrário, é um riso que acentua a
decadência. Brás fala do lugar da morte, mas isso não implica em mudança de valores.
O próprio Bakhtin já acentuara, ao traçar um panorama do riso, que
O século XIX burguês só tinha olhos para a comicidade satírica, o riso retórico, triste, sério
e sentencioso (não admira que tenha sido comparado ao látego ou aos açoites). Admitia-se
ainda o riso puramente recreativo, despreocupado e trivial. O sério tinha que permanecer
grave, isto é, monótono e sem relevo22.
E, Bakhtin, ao comparar o grotesco medieval e renascentista com o grotesco romântico, chama aten-
ção para o fato de que “(...) no grotesco romântico o riso se atenua, e toma a forma de humor, ironia ou
sarcasmo. Deixa de ser jocoso e alegre. O aspecto regenerador e positivo do riso reduz-se ao mínimo.”23
Tais considerações podem ser tributadas à obra machadiana em questão. Assim como as considerações
sobre o corpo no novo cânon:
O corpo no novo cânon é um único corpo; não conserva nenhuma marca de dualidade;
basta-se a si mesmo, fala apenas em seu nome; o que lhe acontece só diz respeito a ele
mesmo, corpo individual e fechado. Por conseqüência, todos os acontecimento que o afe-
tam, têm uma única direção: a morte não é mais do que a morte, ela não coincide jamais
com o nascimento; a velhice é destacada da adolescência; os golpes não fazem mais que
atingir o corpo, sem jamais ajudá-lo a parir. Todos os atos e acontecimentos só têm sentido
no plano da vida individual: estão encerrados nos limites do nascimento e da morte indi-
viduais desse mesmo corpo, que marcam o começo e o fim absolutos e não podem jamais
se reunir nele24.
Tudo isso mostra a complexidade da obra de Machado de Assis. Se, por um lado, há características
que permitem aproximá-la – como uma ressonância – da sátira menipéia, inclusive por abarcar “(...) o
tema da indiferença absoluta a tudo o que há no mundo, tema muito característico da menipéia cínica
e estóica”25, por outro, uma característica essencial – a morte engendra outra vida – é negada. Brás
Cubas não teve filhos e este é, em última instância, seu grande feito: não ter transmitido a ninguém o
legado da miséria humana. Tem-se, aí, a negativa das negativas.
A menos que se considere sua narrativa como o filho que ele não teve. Filho este que é gerado, aliás,
quando o narrador já está morto. A menos que se veja na arte uma forma de continuidade da sua vida.
A arte é, por excelência, uma forma de deixar rastros, pegadas, marcas e vestígios que se prolongarão
– como a Summa Theologica - naqueles que permanecerem. Tais marcas se eternizam na memória como
forma de “ressurreição simbólica”, já que nada é durável.
Nada se fixa, nada escapa à mudança, à degeneração e à morte. Não apenas a existência
sensível, os afetos e os desafetos, filhos, sobrinhas, amadas, pais, rivais, mas também os
filósofos e as filosofias, as concepções de mundo, a verdade, os valores, tudo está sujeito
às inexoráveis leis da evolução26.
O que, em última instância, sobra para Brás Cubas, para além do seu inventário de negativas, é o
narrar. Brás Cubas narra para não morrer. E, desta forma, permanece inscrito na memória das gentes
e imortaliza-se através da arte: “Através de suas próprias ‘memórias póstumas’, lança a seus leitores
futuros (...) seu legado estético: fora da arte, a vida não tem visibilidade; a não ser através da arte, o
curso da vida é incapturável”27. Trata-se da imortalidade, senão da semente, “do nome, das ações e da
cultura humanas. A proclamação dessa imortalidade relativa e sua definição são tais, que a imortalidade
da alma fora do corpo se torna totalmente desprezada”28.
21 BAKHTIN, A cultura... p.10-11.
22 BAKHTIN, A cultura... p.44.
23 BAKHTIN, A cultura... p. 33.
24 BAKHTIN, A cultura... p.281.
25 BAKHTIN, O problema... p.131.
26 SCARPELLI, Op. cit.. p.48.
27 Id. Ibid.. p.35.
28 BAKHTIN, A cultura... p.355.
TEXTOS CHAVE:
Memórias Póstumas de Brás Cubas (Machado de Assis)
A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François
Rabelais (Mikhail Bakhtin)
Problemas da poética de Dostoievski (Mikhail Bakhtin)
NOMES CHAVE:
Machado de Assis
Mikhail Bakhtin
PALAVRAS CHAVE: Realismo grotesco; romance machadiano
BIOGRAFIA: Clarice Lottermann é docente na Universidade Estadual do Oes-
te do Paraná – Unioeste, no campus de Marechal Cândido Rondon, e doutoranda
em Estudos Literários na Universidade Federal do Paraná. É membro do grupo de
pesquisa Literatura, Sociedade e Mito (credenciado junto ao CNPq) e vem desen-
volvendo pesquisa na área de Literatura Infanto-juvenil.
RESUMO
Este artigo apresenta resultados parciais de uma investigação sobre aspectos históricos, ideológicos
e discursivos presentes nos discursos de professores, neste caso do professor de português como língua
materna (doravante professor PLM). O recorte de nossa pesquisa diz respeito à questão da identidade do
professor de língua materna. Assim, realizamos um estudo sobre as produções discursivas de professores
PLM, considerando as representações que os mesmos fazem de seu “eu profissional” (Nóvoa, 1992, p.
15). Este estudo é orientado pelo princípio dialógico (como constitutivo da linguagem e do discurso),
proposto por Bakhtin (1992) - para o qual o homem das Ciências Humanas é um ser de linguagem, é
um homem que produz textos1, através dos quais ele se constrói e se dá a conhecer – e pela Análise
do Discurso (AD de linha francesa), que vê o sujeito como clivado, cindido, heterogêneo, habitado por
vozes que remetem a discursos anteriores, que são retomados e reinterpretados no momento de sua
atualização.
ABSTRACT
This article presents partial resulteds of an inquiry on historical, ideological and discursives aspects
gifts in the discourses of portuguese teachers (PLM teacher). The clipping of our research says respect
to the question of the identity of this professional. Thus, we carry through a study on the discursives
productions of PLM teachers, considering the representations that they do about himselves and about
their profession? (Nóvoa, 1992, p. 15). This study is guided by the dialogic principle (as a constituent of
the language and the speech) proposed by Bakhtin (1992) - for which the man of the Human Sciences is
a man that produces texts, with whom he constructs himself, and with whom he shows his construction
– and by the Discourse Analysis (French AD), that sees the subject like a heterogeneous being, inhabited
by voices that send to a previous discourses that are retaken just at the moment of its update.
1. Introdução
Este artigo apresenta resultados parciais de uma investigação sobre os aspectos histórico, ideológico
e discursivo concernentes à questão da formação de professores, neste caso do professor de português
como língua materna (doravante PLM). No que diz respeito à questão da formação de professores, a
tendência atualmente volta-se para os processos de formação permanente, a partir de duas modalida-
des, quais sejam, a formação inicial e a formação continuada. Segundo o Ministério da Educação (1999),
a melhoria da qualidade da educação brasileira depende, em grande parte, da melhoria da qualidade
do trabalho do professor. Muitas pesquisas estão sendo realizadas, não só voltadas para os cursos de
formação, mas também para o universo da sala de aula, lugar de confronto de crenças, de valores, de
culturas, tanto do professor quanto dos alunos e dos demais elementos que interferem no processo de
ensino e de aprendizagem, portanto, no processo de formação desses sujeitos.
O recorte de nossa pesquisa diz respeito à questão da identidade do professor de língua materna.
Segundo Coracini (2000), deve-se olhar para o professor, levando-se em conta não somente a sua prática
pedagógica, mas também a sua constituição sócio-histórica, como um sujeito que se funde e se funda
com o outro, com a alteridade.
Assim, realizamos um estudo sobre as produções discursivas de professores PLM, considerando as
representações que os mesmos fazem de seu “eu profissional” (Nóvoa, 1992, p. 15). A razão desse estudo
é a ampliação de conhecimentos disponíveis a respeito da formação docente, na perspectiva do discurso
e da constituição de sujeitos, observando-se o jogo de imagens, as representações como produtos de
uma certa posição sócio-histórica e ideológica, considerando que tais conhecimentos poderão fornecer
1 Bakhtin (1992) entende que o objeto das Ciências Humanas é o texto, definido por ele como objeto de significação, como produto social, como constitu-
tivamente dialógico (resultante do diálogo entre interlocutores e do diálogo entre discursos) e como objeto único, irrepetível.
O modelo é o que se entende por ideal. Nesse sentido, para P1, o modelo é a irmã, que “dá” portu-
guês. Seu fazer docente expressa o fazer desse modelo, o que explicita em muito de como eu trabalho
vem dela. Ocorre aqui o processo de identificação, no dizer de Lacan, de B para A, ou seja, aquilo que
o sujeito diz que “buscou” no outro era exatamente aquilo que já o constituía: o autoritarismo, a abne-
gação, a doação, conforme veremos adiante.
Ao enunciar não da faculdade, esse sujeito apresenta o outro, na teia discursiva. Há uma voz que
diz que a prática docente deve ser determinada pela academia. Nesse excerto, ocorre uma espécie de
negociação entre o sujeito locutor e a heterogeneidade que lhe é constitutiva. Ao negar essa presença,
segundo Authier-Revuz (1990, p.33) opera-se um retorno à segurança, um reforço do domínio do sujei-
to, da autonomia do discurso, mesmo em situações que lhe escapam. Percebe-se a presença de outros
discursos como aspecto fundador do dizer de P1, isto é, o discurso fundando-se no interdiscurso.
P2: letras...por causa do inglês e não por causa do português porque eu tinha uma profes-
sora de inglês... excelente...maravilhosa...e português eu resolvi fazer porque eu tinha uma
professora no 20 grau...que era muito chata...terrivelmente chata...eu achava errado a forma
que ela me avaliava// então eu disse não/ eu vou fazer português// vou ser bem crânio em
português para mostrar para ela ((risos)) que eu sou capaz ...foi muito positivo...ela me fez
eu seguir esse caminho...foi um fator positivo...superar essa dificuldade.
Os espelhos do sujeito-professor P5 foram, segundo seu depoimento, além da irmã, que é professora
de matemática, uma ex-professora de inglês e uma ex-professora do curso primário. Ao falar de suas
ex-professoras, estas são lembradas com expressões como calma, paciência, carinho, a maneira de ex-
plicar. Nesse recorte, quando se refere à professora de inglês, P5 diz eu gostava bastante/ a visão que
a minha professora de inglês era bem// mas só que naquela época não era muito de falar/ era mais de
explicar// mas eu gostava do jeito que ela explicava a gramática. O uso da forma adverbial “bastante”,
como modificadora do verbo “gostar”, expressa a apreciação do sujeito, em relação ao conteúdo dessa
proposição. Na seqüência mas só que naquela época não era muito de falar, entram em jogo diversas
vozes: uma que remete, possivelmente, à abordagem comunicativa do ensino de línguas estrangeiras,
outra que aceita esse tipo de abordagem como adequada para o ensino, e uma terceira que diz que
hoje se fala mais nas aulas de língua estrangeira, isto é, que a comunicação oral é mais valorizada, em
detrimento do ensino gramatical. A voz dos formadores de professores, através da referência ao ensino
comunicativo, mostra o aspecto de verdade irrefutável atribuído às teorias lingüísticas e de ensino e de
aprendizagem de línguas. Há uma voz que aceita a aplicação desse modelo teórico, mas que não partiu
do sujeito em si, mas da imagem que faz do professor ideal, sugerido por essa teoria, ou seja, o sujei-
to-professor diz aquilo que pode e deve ser dito (Foucault, 1987, Pêcheux, 1995) pela posição sujeito
que ocupa na FD a que se filia no momento. Dessa posição, o sujeito resvala para aquela que valoriza o
ensino da gramática, identificando-se com ela, o que pode ser observado na seqüência mas eu gostava
do jeito que ela explicava a gramática. O ensino da gramática passou a ser visto como ineficaz aos olhos
dos formadores de professores e até de lingüistas aplicados, o que equivale a dizer que não se deveria
dar espaço, em sala de aula, a estudos dessa natureza. Assim, parecia inadequado ensinar gramática,
bem como aprendê-la. Dirijamos nosso olhar ao próximo excerto.
P6: na faculdade tinha um padre que era meu professor...sonhador// e que fazia você/
ver que para tudo tem uma solução...o que mais me admirava no professor era o compro-
misso que ele tinha/ não sei se é porque ele era padre/ não em relação assim ao receber
por exemplo/ eu não posso dizer que eu vou ser assim fazer o magistério como vocação/
trabalho voluntário/ não mas ele passava para a gente uma idéia que se você pensar que
vai receber 200 reais no final do mês e vai chegar lá na sala de aula e vai sentar...porque
você ganha mal/ é melhor você desistir aqui na faculdade...você tem que ver que o aluno
ele está esperando/ mesmo que você ganhe pouco/ ele está esperando mais alguma coisa
Conforme a fala de P6, dois modelos lhe serviram de referência. Um deles, um padre que era meu
professor. Observemos que a organização sintática desse enunciado revela que, pela ordem que essas
lembranças foram verbalizadas, esse professor era um padre que era também professor. O sujeito P6
lembra dele como “padre-professor” e não como “professor-padre”, tampouco somente como “professor”.
Essa seqüência léxico-sintática, composta de um nome, padre, cujo sentido é modificado por que era
meu professor, sugere, no discurso de P6, que uma parte desse padre era o professor. A identificação
do sujeito P6 dá-se primeiro com a imagem do padre, de um padre que era meu professor. Ao se evocar
a imagem do padre, associam-se a ela elementos ligados ao sacerdócio, o que se pode observar em
o compromisso que ele tinha/ não sei se é porque ele era padre...ele passava isso pra gente...o aluno
está esperando/ mesmo que você ganhe pouco. Nesse sentido, o professor P6 expressa sua identificação
com a representação de professor “missionário”, que tem uma missão a cumprir, remetendo à idéia de
doação. Segundo Coracini (2000), a imagem de professor associada à imagem de ser vocacionado, de
missionário, possivelmente resulta do fato de que, em nosso país, a educação esteve, historicamente,
relacionada aos religiosos (clero). Os padres, principalmente os jesuítas, estavam incumbidos da tarefa
de ensinar (evangelizar). Essa tradição ainda faz eco na atualidade, haja vista o número de estabeleci-
mentos escolares que estão nas mãos dos religiosos. É à figura do padre-professor que se relaciona a
do professor missionário. O sujeito P6 também se identifica com alguns traços de seu ex-professor, tais
como a visão de mundo/ de mudança, o conhecimento que ele tinha em relação à filosofia. Além disso,
o sujeito professor P6 entende que, hoje, falta questionamento/ o pensar/ o refletir, atitudes que via
em seu modelo. E buscar mudanças/ não aceitar as coisas prontas como estão, são características que
P6 associa à imagem que faz do padre-professor. No entanto, observa-se uma aparente contradição na
constituição de seu discurso: a imagem do padre-professor está relacionada à de busca por mudanças, à
não aceitação do status quo, mas ao mesmo tempo, à de passividade. Ou seja, mesmo que você ganhe
pouco, deve prosseguir com sua missão. Resvala, aí, o sentido de que a mudança que deve ser busca-
da não é a que diz respeito ao professor e à sua profissão, mas a que se refere ao aluno, como se um
e outro não estivessem histórica, social e ideologicamente implicados. Isso reforça a idéia de vocação
incondicional, que sugere que a profissão de professor deve ser desempenhada com amor, com paixão,
mas principalmente com doação. Essa idealização de professor quase o desmaterializa, aproximando-o
da abstração, ou talvez, da divindade. Analogamente, pode-se associar a essa representação, a imagem
do professor sonhador. Aquele que sonha com mudanças, mas que não necessariamente as produz.
Considerações Finais
As produções discursivas de cada um desses sujeitos evidenciam que, em seu processo de formação
profissional, está presente a imagem de professores que lhes serviram de modelo, formando um pa-
tchwork, ou um manteau d’arlequim (cf. Serres, 1992). E mais, esse modelo pode ser um professor de
matemática, mas regularmente foi um profissional da área da linguagem: de inglês ou de português.
Vale ressaltar que as idades desses sujeitos variaram entre 25 e 42 anos. Embora se pudesse supor que
esses profissionais, dada a diferença de faixa etária, em seus percursos de formação, poderiam ter tido
diferentes modelos de professor, em nosso estudo observamos que tal fato não se confirma. O espelha-
mento desses sujeitos ocorreu com imagens de professores que estavam inscritos no modelo tradicional
de ensino, que define a figura do professor como autoridade máxima da sala de aula. Queremos lem-
brar também que, à exceção do sujeito-professor P6, que teve seu espelhamento em um professor (um
padre que era professor) da academia, a referência dos demais sujeitos remonta à sua formação de 1ª
a 8ª série do Ensino Fundamental (sujeitos P3, P4 e P 5) e de 2º Grau (P2, P3, P4 e P5). A identificação é
marcada, pelos entrevistados, a partir de traços existentes também nos professores que, possivelmente,
mais proximidade permitem na relação com o aluno, professores mais próximos de pré-adolescentes
e adolescentes. No momento em que esses discursos, objeto de nossa pesquisa, foram produzidos, os
professores identificaram-se com esses modelos-professores. Não significa dizer que em outros mo-
mentos, esses sujeitos não poderão se identificar com outros modelos presentes em seu imaginário. Ao
rememorarem seu passado, foram esses os que emergiram. Em outro momento podem ser outros, ou
até os mesmos, vistos numa outra perspectiva. Isso porque o processo identificatório é cambiante, mas
não anárquico. Nas representações desses sujeitos-professores, não unitários, mas dispersos, quando
aparecem traços que poderiam apontar para uma outra perspectiva de ensino, diferente da acima expli-
citada, referem-se ao jeito do professor (sujeitos P2 e P5), à dinâmica diferente de ensinar (sujeito P3),
ou seja, não se trata de uma outra base teórica, ou de uma outra abordagem de ensino de língua, mas
tão somente de procedimentos, de técnicas adotadas pelo professor, em sala de aula, o que lhes dá uma
aparência de inovação. Assim, os modelos desses sujeitos foram imagens que fizeram de professores
inseridos no modelo de ensino tradicional.
Cláudio Mello1
Comparecemos no congresso Bakhtin para fazer uma comunicação sobre o Catatau (1975) na tradi-
ção literária latino-americana, mostrando que o romance do autor curitibano coaduna com outras obras
que fazem uma desconstrução da literatura canônica nomeadamente européia, afrontando a cultura do
colonizador por meio da atitude antropofágica. Utilizando o critério de diferença para dar valor à nossa
literatura, o Catatau - assim como, dentre outros, o Concerto barroco, do cubano Alejo Carpentier -,
incorpora essa abordagem política ao barroco histórico, para conformar uma estética essencialmente
ideológica, que se traduz no neobarroco, próprio da América Latina.
Entretanto, durante o congresso, assistindo a palestras e conversando com outros estudiosos, sen-
timos a necessidade de acentuar outra discussão, de viés também político, só que mais cosmopolita,
da abordagem bakhtiniana na leitura de Leminski, e resgatar do teórico russo a perspectiva marxista
existente no livro sobre a filosofia da linguagem (Bakhtin/Voloshinov), necessária para refletir sobre
algumas questões latentes no livro do poeta, com o intuito de justamente valorizar a dimensão ideoló-
gica da estética. Por esta razão, este texto vai mostrar que o Catatau congrega uma série de questões
estéticas e filosóficas próprias do século XX, das quais fazemos um recorte para discutir aqui aquelas
relacionadas à teoria do conhecimento na literatura, a linguagem e o problema da representação, com
o objetivo de explicitar a visão de mundo existente na obra.
Catatau
O romance-idéia (subtítulo da 2a. edição) de Leminski é uma narrativa voltada para o seu processo
de construção: a ação se restringe a uma espera, a um não-acontecer. Trata-se de Renatus Cartesius
- narrador auto-diegético, instalado em plena natureza tropical, aguardando o tempo todo que seu
conterrâneo europeu Artichewski apareça para lhe explicar o que se passa à sua volta -, que faz uma
representação completamente caótica dessa realidade, situação que é agravada pela atuação do tercei-
ro personagem, Occan, uma entidade virtual que vive apenas na linguagem de Cartesius: trata-se de
um personagem sem existência material, mas apenas lingüística, semiótica. Por essa síntese, pode-se
inferir que a narrativa de Leminski de fato se afasta radicalmente do “modo tradicional” de composição
romanesca, pois o que está em pauta não é a representação ficcional de uma realidade empírica, mas
sim uma obra construída com elementos da estrutura narrativa - há um discurso narrativo, personagens,
ações que se passam em um espaço-tempo - centrada em seu próprio fazer estético, questionando a
capacidade de representação, tornando-se, assim, uma narrativa-ensaio que incorpora essa discussão
em sua forma. Um pequeno fragmento poderá dar noção da natureza da obra:
Aqui, pesadelo de camaleão é que tem só uma cor. O ouro é mais velho que Deus, os pri-
meiros deuses já vinham em ouro: não é só isso, é tudo isso, a única coisa que quer ouvir
Occam. Mas advirta que a tortura não deve chegar aos ossos, osso já não é gente: torturar
com raiva, sim, - mas os mestres são calmos, por onde pois para eles não existe perdão.
Artscherk dorme ainda e sempre, rede parada e quieta, uma eça, dúnia nox! - sangue nos
sonhos, mãos e olhos: camaleão depois de morto vira camaleão, o que não altera muito o
que se verá a seguir. Microcosmodilo! A um ramo que caiu com o peso de sua fruta - pulam
sementes pelo chão: água exala luz. Não quero ter que ver com a vida dos outros, já tem
gente demais na minha, e não estão lá fazendo nada! O fininho saiu de finório. Fazurka!
Não me vem com essa, que eu vou com outra nossa! A sopa, num upa, está supimpa! Até
o respectivo fazer bico, é muito no cu dum só: vai tomar café nos cafundós de jundiaí! (p.
99-100)
Linguagem
Já que não é uma leitura linear do Catatau que nos dará a chave para a sua compreensão (para “ten-
tar entender o enredo”), em função de sua forma, fragmentária, de inspiração joyceana, melhor buscar
os entendimentos possíveis a partir de uma visão mais sistêmica da narrativa, e nela focalizar questões
de ordem mais genérica, de cunho filosófico, que sustentam a cosmovisão do livro de Leminski, o que
De qualquer maneira, essa torrente de discurso caótica, vista do conjunto do livro, “como um todo”,
dá à linguagem um estatuto absoluto, refutando o seu papel fundamental de comunicação, de um lado, e
de representação da realidade, de outro - em ambos os casos, como se ela ou fosse uma pura abstração
usada pelo sujeito ou uma construção do individualismo subjetivista. A própria linguagem se projeta como
sendo um a priori, ou seja, há uma primazia da linguagem sobre a prática (base, realidade concreta),
como, aliás, o próprio Leminski disse em seus Ensaios e anseios crípticos (1997).
Diante de um romance histórico que coloca em primeiro plano o ato da enunciação; da radicalidade
com que isso acontece na narrativa; e de o seu discurso ser proferido por um duplo de Descartes, o
filósofo que buscou um método para a Verdade - , o Catatau invoca a discussão sobre a teoria do conhe-
cimento, necessária para compreendê-lo como um gênero que justamente coloca em questão o problema
da representação e cria um embate entre história e ficção.
Ficção versus história
Por se tratar de uma narrativa fragmentária, sem limites definidos, as referências históricas presentes
no romance-idéia não são diretas nem precisas; ao contrário, são relidas pelo tratamento estético que
impregna a obra, sob o clima da metamorfose. Ainda assim, não resta dúvida de que os três personagens
citados remetem a personalidades históricas, o que lhes dá uma dimensão mais ampliada. A primeira
delas diz respeito a René Descartes, filósofo racionalista cujo pensamento central estava centrado na
busca da verdade, que só poderia ser alcançada por meio de um método seguro. Como o homem é a
criação mais perfeita de Deus, guiado pela sua inteligência racional, o método para a verdade deveria
pautar-se em uma lógica apoiada na razão. Quanto a Occan, parece haver uma referência histórica
bastante direta a Guilherme de Ockhan, pensador nominalista cuja tese, contrária às correntes filosó-
ficas em voga na segunda metade da Idade Média européia, recusava a essência, as idéias gerais, que
seriam apenas palavras aplicadas indistintamente a qualquer referente; para o nominalismo, portanto,
tudo são signos, e os sentidos é que determinam o conhecimento - em vez da razão, como acontece no
cartesianismo. Por último, aquele que remete ao coronel Kristovf d’Artischau Arciszewski, integrante do
poderio holandês a serviço da Companhia das Indias no Brasil (Salvino, 2000, p. 69). O personagem
homônimo (ou heterônimo, aparecendo no texto como Artyczewski, Artiszewskf, Arciszewski, dentre
outros) que remete a ele tem papel importante na paródia do pensamento cartesiano, pois Cartesius
o espera durante toda a narrativa, na esperança de que ele o auxilie a compreender o caos em que se
encontra. Entretanto, Artycheski só aparece nas últimas três linhas na narrativa, completamente fora de
si: “AUMENTO o telescópio: na subida, lá vem ARTYSCHESWKI. E como! Sãojoãobatavista! Vem bêbado,
Artyscheswski bêbado... Bêbado como polaco que é. Bêbado, quem me comprenderá?” (p. 213).
Está claro que o Catatau não é um romance histórico tradicional, de linhagem scottiana, o qual se
colocava a missão de apresentar a história por meio da ficção, reconstruindo-a. A fórmula de Scott
constituía-se de alçar a história “real” para um segundo plano, e trazer para o primeiro uma narrativa
“totalmente ficcional”, que se harmonizava àquela. A ação narrada se dava em um passado distante o
bastante para reconhecer-se o poder supremo do narrador como aquele que iria organizar e dar coe-
rência aos fatos.
O romance de Leminski, por outro lado, é um novo romance histórico, gênero pós-moderno que, mais
do que o fazer histórico, possui a preocupação central de justamente problematizar essa construção,
em vista de sua essencial desconfiança no relato. No Catatau, em que não se encontra a representação
mimética da natureza na qual o narrador está inserido, a linguagem é colocada em primeiro plano, cha-
mando a atenção para a sua mediatização no processo de conhecimento da realidade.
A glória do nome: nada mais mingau e pelado da verdadeira natureza que os desmandos
das coisas em volta de sua presença! (...) Relação entre Coisa e Nome: entre medida e
medido! Nada me interessa mais: um palavra dita aqui dista de mim tanto quanto até ali.
(Leminski, 1975, p. 164-165)
Essa concepção da linguagem, pensada a partir de sua função especulativa, presente no Catatau, é
explicada pela hermenêtica como um espelho que mostra a realidade, estabelece a “Relação entre Coisa
e Nome”, como aparece na citação acima. Conforme Gadamer (1997), o conhecimento humano se dá
sempre a partir dos conhecimentos prévios de cada época, a partir do diálogo existente com o intérprete
É sob esse prisma que vemos no Catatau a relativização da verdade, em muitas passagens: “A velo-
cidade da lógica ultrapassa o limite da linguagem, atrás da linguagem, na frente de quê?”. (p. 22);.
No caso da América Latina, que tem uma história de colonização, dominação e de dependência eco-
nômica, esses romances encontraram espaço para se desenvolver. No Catatau, o desvirtuamento do
discurso do narrador mostra a incapacidade de “Descartes” de compreender o Novo Mundo, o qual não
pode ser entendido sob a lógica européia: “Cartésio: Nosso homem em Brasília. Dizer que fui quase
cartuxo, o fantoche. Filosofia barata, apenas uma vítima do perigo: bafo maroto de arroto batavo num
prato de pó de arroz movido a feijão mascavo” (Leminski, 1975, p. 198). Portanto, nessa paródia temos
uma antropofagia operada pela natureza brasileira e também pela ação de Occan sobre o europeu.
É nessa perspectiva do rebaixamento e da transgressão que vemos a carnavalização, no romance-idéia
usada como princípio de composição, tal como Bakhtin (1999) identificou na obra de François Rabelais,
como sendo uma maneira política de contestação e superação do dogmatismo da cultura oficial. No
contexto da Idade Média, esse poder se afastava da situação de vida real das pessoas do povo, que não
viviam sob a sombra do poder, veiculava valores que não condiziam com os interesses destas, e, portanto,
tinha uma dimensão abstrata e estéril. Em contraposição, ao invés do clima sério, rígido, cerimonioso
da elite, no carnaval, a festa do povo, vigora o ambiente festivo e alegre, favorecendo a inversão do que
ocorre na sociedade, sendo, portanto, permitida toda sorte de transgressões, como acontece no Catatau.
A começar pela língua - enquanto o discurso oficial era proferido em latim, Rabelais inaugura as narra-
tivas em francês popular, a língua falada nas ruas, verbal e não escrita, usada nos contextos cotidianos,
reais. Como a liberdade é irrestrita, prolifera a linguagem chula e os impropérios, como no romance de
Leminski (1975, p. 12): “Toda vespa quer pôr sua agulha, toda besta sua bosta, toda cobra sua peçonha,
todo tupinambaouts sua seta: calma, Messieurs, haverá para todos. Ora, senhora preguiça, vai cagar na
catapulta de Paris”. Observar que, no carnaval, as ofensas são realizadas sempre em tom lúdico, o que
contrasta com a seriedade da classe dominante, daí o humor que perpassa a obra.
Para fazer oposição à dimensão abstrata dos valores oficiais, na carnavalização há com freqüência o
uso do grotesco, que consiste em mostrar o aspecto concreto na vida humana, o processo biológico de
sobrevivência, por meio da alimentação (alimentos e excrescências) e da reprodução: “Pretendo a Ex-
tensão pura, sem a escória de vossos corações, sem o mênstruo desses monstros, sem as fezes dessas
reses, sem as besteiras dessas teses, sem as bostas dessas bestas” (Leminski, 1975, p. 27); às vezes,
isso acontece na mesma palavra, como em “merendamerda” (p. 196).
Esse poder de destronamento, de subversão, de questionamento do status quo faz da carnavalização
uma poderosa arma nos romances pós-modernos.
Rebatendo críticas ao pós-modernismo, Linda Hutcheon (1991) diz que ele de fato questiona todo
fazer histórico e não coloca nada no lugar, mas é porque não pode: tudo é representação. É por isso
Bakhtin argumenta que a língua não é um sistema normativo na consciência do locutor - esse sistema
objetivo é pura abstração. O locutor não se usa da língua como um sistema fechado de normas, mas sim
serve-se das formas normativas para adequá-las a um contexto concreto, prático, que é sempre novo,
ímpar. Para dar vida a essa forma, é preciso que ela seja atualizada na concretização da necessidade
do momento, configurando-se aí, pois, num processo de vivificação da forma lingüística (a qual, fora
de contextos, é morta, servindo apenas para estudo de língua, de forma abstrata, portanto). Daí que,
para o locutor, o que interessa é exatamente a novidade em cada forma lingüística, e não o sinal fixo e
invariável da norma abstrata (Bakhtin, 2002, 92-3).
No caso da recepção, a idéia é a mesma. Há que separar a descodificação (do signo) da identificação
(do sinal, que é fixo e invariável, como um sinal de trânsito, por exemplo). Mas “o elemento que torna a
forma lingüística um signo não é sua identidade como sinal, mas sua mobilidade específica”. Da mesma
forma, no processo de descodificação não se trata de ver no signo o sinal que ele representa, mas sim
de perceber sua significação de acordo com o contexto em que está inserido, convertendo-se, assim,
num processo dinâmico que se opõe ao imobilismo (Bakhtin, 2002, p. 94).
Quanto ao subjetivismo idealista, Bakhtin aponta um afastamento da vida concreta, na medida em que
nessa vertente há uma dualidade entre interior e meio de expressão, com predomínio do primeiro sobre
o segundo: para essa corrente, é a partir da consciência individual que o sujeito cria a representação,
dá-lhe forma e a exterioriza, por meio da expressão. Para o teórico russo, entretanto, tudo isso é falso:
não há distinção qualitativa entre o interior e o exterior, pois não existe atividade mental sem expressão
semiótica. “É a expressão que organiza a atividade mental, que a modela e determina sua orientação”.
Assim, Bakhtin (2002, p. 112) enfatiza a preponderância do concreto e do social sobre o interior do
indivíduo, condenando a existência idealista de um espírito absoluto - constantemente parodiado no
Catatau (p. 201): “Todo esse esforço em me tornar puro espírito, e agora vem os especialistas dizer que
não resisto ao próximo espetáculo”.
Essas tendências estabelecem uma dualidade entre o pensamento e a prática, entre o coletivo (meio
social) e o indivíduo (consciência), com implicações diretas na sua capacidade de representação do
real.
Materialismo dialético
Para romper com essa dualidade, e em acordo com o pensamento marxista de Bakhtin, desenvol-
veremos de forma sintética o processo de construção do conhecimento pelo método do materialismo
dialético, dividido (apenas didaticamente) em quatro etapas. A primeira delas, o ponto de partida de
todo pensamento, é o que Marx denomina de concreto real, esfera não caótica existente independente
do pensamento - é a realidade material, empírica; a segunda etapa é o concreto sensorial, que é a apre-
ensão da primeira por meio dos sentidos, e se caracteriza pela desordenação caótica, uma vez que ainda
não está trabalhada pelo intelecto, como ocorrerá a seguir; a terceira fase é a de coleção das abstrações
simples, em que se organizam os componentes significativos do real investigado; e, por último, o con-
[email protected] www.dainf.cefetpr.br/~merkle
Abstract
Wandering through the meanders of the Bakhtin Circle related work, I felt often puzzled by dichotomous
streams drifting topics related to Computing. Through one stream, computing science and technology
tended toward examples of the monologic. Through another stream, products of or related to compu-
ting science and technology, such as the Internet and other interactive media, drifted toward to what is
considered polyphonic. Monologised heteroglossia, a concept symmetrical to dialogised hereroglossia
introduced here, attempts to transcend this dichotomization in order to describe Computing professional
(authoritative) technical deeds. Linear and spiral sets of design process models, which prescribe patterns
of articulated technical deeds, exemplify the centripetal and centrifugal forces present in Computing
process models. A third more encompassing process model is proposed, and then illustrated with the
Lorenz attractor, a curve borrowed from Complex Systems. The mapping of design typical deeds onto
the proposed process model supports a description of Computing as a heterogeneous discipline with
monologic tendencies, but open to refraction, to the plural, even if in limited ways.
Resumo
Neste artigo é discutido o conceito de heteroglossia monologizada – simétrico ao de heteroglossia
dialogizada. Segue então com uma análise de dois típicos modelos de design de processo: o cascata e
o espiral. Um modelo mais inclusivo é proposto, e então ilustrado com auxílio do attrator de Lorenz. O
mapeamento de atividades de design no modelo proposto dá supporte a uma descrição da Computação
como uma disciplina heterogênea, mas com tendências monológicas, illustrating a heteroglossia mono-
logizada.
Under the risk of becoming repetitive, the apparent autonomy of Computing’s practices is also firmly
anchored on cultural and historical scaffolds. Computing includes several areas and has an established
role in some cultures or subcultures. It is not a detached world, it presupposes a we, a manifold of
communities and worldviews. But despite its multivoicedness and cultural anchor, it tends to behave
monologically. Therefore, Computing is in between the monologic and the polyphonic.
In heteroglossia, another concept developed by Bakhtin which imply diverity in a plurality of voices,
alterity is the norm rather than the exception. Bakhtin stressed that
the authentic environment of an utterance, the environment in which it lives and takes
shape, is dialogised heteroglossia, anonymous and social as language, but simultaneously
concrete, filled with specific content and accented as an individual.8
With that in mind, I am suggesting here the term monologised heteroglossia in response to the alterity
and multiplicity I recognise in Computing science and technology. I prefer monologised heteroglossia
over (dialogised) monologue in order to stress the plural as the norm, rather than the exception. It also
has a certain symmetry with dialogised heteroglossia.
Similarly to what Bakthin wrote, I would paraphrase him saying that the authentic millieu of a technical
deed, the situations in which it develops and takes form, is monologised heteroglossia, anonymous and
social as programming languages and graphic interfaces, but concomitantly concrete, filled with specific
content and tailored to a particular use.
In cultural studies, the “technical” usually qualifies media such as photography, video, and cinema as
in “technical images”. In the lack of a better word, I am using “technical deed” to refer to those actions
with strong technical or technological tone as the ones involved in design activities, such as tracing or
outlining a project, or using a product differently than specified.10
Monologised heteroglossia pulls towards the centre, to what is formal, abstract, and universal, towards
a delimited domain of culture. It tends to reflect more than to refract. Fuelled by material, semiotic, and
axiological resources, it attempts, but it does not grant, a detached world. Correspondingly, dialogised
heteroglossia pushes towards what is peripheral, informal, concrete, and individual. Although it tends more
to refract than to reflect, it does also not grant a connected world, equally. Within this broad spectrum,
the scientific and the technological tend toward the monologic, but are not bounded by it.
Contrariwise, interactive media may tend toward the dialogic, but they would be better described
as punctual archetypes of dialogised heteroglossia, if appropriate. In this fremework, either the pure
monological and the pure dialogical are hypothetical states, mostly target as utopic or dystopic orders,
to be pursued or avoided. The difference between monologised and dialogised heteroglossia, therefore,
is one of a degree, as illustrated in FIGURE 1.
If accepted that monologised hereteroglossia better describes Computing, its no longer possible to
describe it as homogeneous and universal. Its practices would be subject to both centripetal and centri-
fugal forces, to reflection and refraction, to maintenance and transformation. This will also implies that
both what is particular and different in each case will demand consideration. Bakhtin’s appropriation of
the chronotope seems well suited to ground a description of activities of design in Computing.
Chronotopes of Computing Design Processes
Bakhtin borrowed “almost entirely”11 the concept of the chronotope from the Theory of Relativity as a
metaphor to be used as a formal category in his studies in literature, which he called historical poetics.
Meaning “space time”, the appropriation he made of the chronotope enabled the definition of genres and
generic distinctions across literary studies.
I am borrowing the chronotope back, impregnated with bakhtinian values, in order to explore recur-
rent patterns and tendencies across different activities of design. A re-appropriation of the chronotope
intends to support a differentiation of some patterns of professional articulated activities that structure
Computing12. For example, although computer scientists and information technologists have not interacted
much in academia, the usual professional articulation assumes that an artefact is developed, deployed,
and used, in this strict order.
The resonance found among development, deployment and use, and their articulation, illustrates
how heteroglossia can be monologised. There are many voices, and they tend to agree as long as the
production chain flows smoothly. Symmetrically, the dissonance among the different professional pat-
encompass phases of breakdown or disposal. It is as if, despite the contrary evidences in everyday life
where it is undeniable that a product reached its end of life or became inadequate compared to other
alternatives, software went through a series of challenges to be developed and delivered, but theoreti-
cally it is still immune to time. It is as if the concept of software sustained in Computing were an eternal
young hero. Maybe in the future it will be possible to talk about technical genres in Computing.
Toward more encompassing design process models
As illustraded by these few examples, software process models usually prescribe linear, circular,
spiral patterns of activities. As already mentioned, they usually do not include phases dedicated to use,
breakdowns, or discard.
A more inclusive process model, however, comes from the field of Natural Resource Management,
where a policy, if not updated, quickly triggers other ecological problems. C. S. Holling drew on adaptive
dynamic cycles developed in the context of complex systems to grasp more encompassing models.20
According to him, the flow of events in an ecosystem can be described through a four-phase cycle of
events as depicted in FIGURE 4a.
Holling’s four phase cycle reflects the transformations of two attributes of a dynamic system: (a) the
amount of accumulated capital (nutrients, carbon) stored in variables at the moment (vertical dimen-
sion) – and (b) the connectedness among the variables (horizontal dimension). The entrance/exit from
the cycle depicted at the top-left corner suggests the transformations that lead to the emergence and
senescence of a productive and organised system with an established dynamics. The distance between
the arrows depicted in the eight-shaped cycle in FIGURE 4a intend to give an idea of the pace at which
transformations occur. The closer the arrows, the faster the transformation is, as in the release and re-
organisation phases. The further the arrows are, the slower the transformation is, as in the exploitation
and conservation phases.
The implications of Holling’s model to natural resource management supported the identification of five
main processes within institutional cycles by Gunderson et al.21 First of all, (i) resources must be availa-
ble to start the process. Once it emerges, (ii) alternatives are searched, (iii) development is made, (iv)
deployment takes place, (v) and a crisis is reached. Several main roles within the established dynamics
link these four phases: (i) The role of visionaries is key, because they establish the cycle. (ii) Once the
FIGURE 5 Centripetal and Centrifugal forces across a hypothetical chronotope for technological deeds
This is the case, for example, with formal approaches in Computer Science and Software Engineering.
Formal methods usually exclude the particular to stress the universality of a method, of a theory. Pure
reflection would only occur if centripetal and centrifugal forces were perfectly balanced. It would sustain
a circular trajectory around one of the centres. But centrifugal forces pushes toward the periphery. This
is the case of empirical methods in Software Engineering. For example, the increasingly broader scope
of the spiral model illustrates this tendency. It is circular with a constant prevalence of the centripetal
over the centrifugal. Similarly, pure refraction would exist only if either centrifugal or centrifugal forces
did not exist.
This curve is adequate to represent some of the dynamics found in design technical deeds. It assumes
that design in technology is also subject to both centrifugal forces and refraction. This may be trouble-
some for those who support a dichotomization between design and use; between science/technology
and its applications.
An analysis of reflection and refraction is found, for example, in Medevedev, another member of the
Bakhtin Circle. I should stress that he was analysing the formal method in literary scholarship, and not
science or technology. He wrote that the
difference between ideological objects, which signify, reflect, and refract reality, from ins-
truments of production should be assimilated and conclusively proved. It is necessary do
understand and study the special forms taken by ideological material, forms which sharply
differ from and cannot be reduced to any production technique whatsoever. 24
Although of interest, the implications of such a model to Bakhtin’s work reamains to be explored.
Revisiting traditional process models
FIGURE 6 describes some common technical deeds related to Computing. On the left side, I plotted
activities such as specification, requirements, programming and testing. Their order is only illustrative.
Usually, however, computer scientists first define the computer for which they will develop a program.
It is a requirement. After developing a program, they occasionally test it. Most of their activities would
be plotted on the left disk. The traditional waterfall model, for example, covers only a small segment of
the lower left disk. Most activities prescribed by Boehm’s models, such as prototyping and negotiation
with users are depicted on the left side of the FIGURE 6. In this model, the activities prescribed in the
waterfall model indeed form a chain, including specification, requirements, coding, testing, deployment,
etc. Refraction is usually not modelled, therefore is not prescribed. Alternatively, this use of the Lorenz
attractor explicitly shows that in each activity, at any time or space, refraction is not only allowed, but
also is part of the process.
Depicted on the right disk, deployment, maintenance and use traditionally fall outside computer
scientists and software engineers’ interests. Occasionally, maintenance is included as the last of the
activities performed by Computing professionals. Currently, however, movements such as user centred
design and usability evaluation stress the importance of including these activities in broader construed
design processes.
Traditionally, however, activities carried by professionals in Information Systems, and Information
Science, are on the right side of FIGURE 6. For example, after being delivered by information technologists,
information scientists deploy it in libraries, and people use it. Breakdowns, which are not usually covered
by traditional process models, are depicted on the lower right side. If maintenance is able to recover the
trajectory, the artefact continues in use. If not, the process finishes or continues its trajectory continues
back in the left disk, where designers will develop a newer set of alternatives, and so on.
A second illustration may aid the understanding of the proposed model. FIGURE 7 illustrates two va-
riables of a Lorenz attractor plotted as function of the simulation time. The two curves, in red and blue,
represent the accumulated capital; the human and the artificial. I have chosen this particular segment
because it is possible to show several traditional software process models in the same illustration. The
upper part corresponds to the right disk of the attractor, that is, it correspond to the use of a certain
technology. It usually involves a larger number of people and artifacts. The lower part corresponds to
the making of it.
It is important to point that traditional process models established in Computing do not usually sup-
port even already established practices of software production. For example, Jonathan Grudin identified
three main scheduling patterns associated with the activities of developers and users.25
According to Grudin, developers are identified before users in product development; users are identified
before developers in contract development; and both users and developers are identified simultaneously
in in-house and custom development. Using Grudin’s illustrations represented as black arrows, the three
types of development are depicted sequentially in FIGURE 8, from left to right. The Lorenz attractor is
rich enough to depict these processes.
Final remarks
The objective of presenting different process models is the identification of the domain of each Com-
puting field, its main tendencies, and the interrelationships between its different practices. Most of them
are still tangential, restricted to a small part of a broader process. Subject to other forces, not usually
originated in their common disciplinary venue, they are strongly dependent of the others, which scaffold
and sustain their only apparent autonomy. Resuming, monologised heteroglossia is still a strong tendency
in Computing. It is sustained by a traditional professional division of labour, forming a chain of practices
reflected into traditional process models. In the historical transformation of these models, which deserve
more attention, it is possible to identify traces of dialogisation. Dialogised monologised heteroglossia.
When current process models are on course for some, they are a curse for others.
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Incansables veces, hombres y mujeres profieren la palabra puta y con en ese solo acto de enunciaci-
ón se construye un completo universo imaginario que moviliza lo lúdico y lo reprobatorio. Casi ninguna
palabra de nuestro idioma condensa tanto sentido ético, político, juguetón y acusador a la vez. Es insulto
que traza fronteras entre dos universos opuestos que se niegan uno a otro: de un lado, la mujer buena,
respetable, de su casa, sumisa y silenciosa, y del otro, las de la calle, de la vida, de la vida alegre, de
la vida airada, denominaciones todas que instauran con mucha precisión el lugar que la prostitución
ocupa en la imaginación popular, pues obsérvese cómo, con ser todos nombres y adjetivos positivos
dado que se inscriben, literalmente, en el campo semántico de la alegría, de la felicidad, de la vitalidad,
se cargan, contradictoria o hipócritamente, de un peso reprobatorio, degradante, de tal modo que nadie
puede sentirse halagada si es interpelada con tales vocablos. El contraste se hace más claro aun entre
mujer pública y hombre público, donde el mismo adjetivo aplicado a la mujer es degradante y aplicado
al hombre, se hace positivo.
La prostitución constituye un universo referencial lleno de recovecos, contradicciones y turbiedades,
traza los perfiles de la sexualidad masculina y por oposición, de la femenina; si para los adolescentes es
horizonte de ensoñación, para el ejército de mujeres hambreadas es callejón sin salida. La prostitución
es “el espacio social, cultural y político de la sexualidad prohibida, la sexualidad estéril, no fundante de
futuro”1, en esta medida es que no se reduce a un mero oficio; es una forma de vida que toca lo moral,
atenta contra a la vez que asegura la organización social, niega y afirma; por ello se busca siempre cir-
cunscribirla a un territorio, con nítidas fronteras: se le fijan horarios, se asegura la vigilancia sanitaria y
policiaca y se le ubica éticamente al borde de lo prohibido, de la transgresión, en peligrosa colindancia
con el crimen.
En el seno de este territorio condenado y atractivo emerge el perfil de la mujer que perturba porque
se denigra ofreciendo placer por dinero, a la vez que se la imagina en plena posesión de su cuerpo; la
mujer que inquietantemente disocia en su cuerpo el erotismo y la maternidad; mujer a la que se quiere
víctima pero a la que es necesario imaginar innatamente mala. Sobre ella se ha predicado casi todo,
desde casi todos los foros: la han hecho objeto de discurso los sacerdotes de la iglesia, los científicos del
alma y del cuerpo, los políticos, los moralistas, los antropólogos, los sociólogos, los redentores y también
los artistas, particularmente pintores y escritores.
Casi paralelo a la emergencia del discurso médico y legal sobre la prostitución y la prostituta, a finales
del siglo XIX –momento en el que se empieza a dar la urbanización de las ciudades latinoamericanas—,
surge un inusitado interés por recrear ese mundo en la literatura. Las dos construcciones discursivas se
complementan una a otra, replican, discurren y confluyen en el orden moral más o menos compartido por
los hombres de la clase media ilustrada. En Francia e Inglaterra, donde la prostitución se volvió cuestión
de Estado, problema nacional, el discurso médico consideraba poco relevante el factor miseria en la vida
de la mujer proletaria, sin educación ni posibilidades de aprender oficios, y adjudicaban el ejercicio de la
prostitución a factores hereditarios y la natural orientación de la mujer al vicio, a su pereza y su debilidad
intelectual2. Desde el horizonte de los poetas, herederos del romanticismo, era posible desafiar el orden
burgués cantándole a la ramera y se recurría a su figura para celebrar el placer y el gozo efímero, a la
vez que se borraban los rastros del drama social que esas mujeres encarnaban.
América Latina apeló también a los incontestables descubrimientos hechos en Europa: “La ciencia
ha llegado a demostrar que la prostitución es un estado de inferioridad psicológica y social, una dege-
neración, como lo es la vagancia, como es la mendicidad, la criminalidad, como lo son todas las formas
de parasitismo, desde los audaces predatores hasta los holgazanes rentistas”3 y a la natural propensión
al mal de las mujeres se unía la inferioridad de clase: “Las mujeres menos cultas, más pobres, que son
indudablemente menos bien dotadas y menos defendidas con las causas ocasionales, son las que en
1 Marcela Lagarde, Los cautiverios de las mujeres: madresposas, monjas, putas, presas y locas, UNAM, 3ª ed., México, 1997, p. 563.
2 Véase Erika Bornay, Las hijas de Lilith, Cátedra, Madrid, 1998, pp. 53-66.
3 Luis Lara y Pardo, La prostitución en México, Librería de la viuda de Ch. Bouret, México, 1908, p. 108.
Así quedaban claramente asentados esos dos universos irreconciliables, el uno amenazante y seductor,
el otro seguro y protector. Por ello ha sido tan atractivo el ámbito burdelero para la recreación literaria:
las fantasías del hombre rebelde, romántico, que intenta contestar la moral de su época, no pueden
encauzarse hacia la imagen de la mujer casta que cumple cabalmente su función de madre y esposa.
No hay mejor y más clara comprobación de las teorías sexófobas que la encarnación de lo corruptor y
lo transgresor en el cuerpo de la mujer que se prostituye.
Hay otro aspecto que es importante tener en cuenta para entender el sentido y la función que
cumple el burdel en la novela moderna: es la naturaleza que adquirió ese espacio en el seno de la socie-
dad clasista y jerarquizada. Dice Erika Bornay: “Otro aspecto no desdeñable, y de una ironía paradójica
en aquella sociedad de clases, es que fue precisamente el sexo, por la vía de la prostitución –desde la
remera callejera hasta la cortesana de los salones—el único nexo de unión entre los estrictos comparti-
mientos de las clases sociales alta y baja”7. En la medida en que la prostitución se ubica en las fronte-
ras de lo tolerado y lo reprobado, se constituye en un espacio de cruce, de encuentro, de semejanza e
identidad para ricos y pobres. La posesión de unas monedas asegura, sin distinción, la posesión de un
cuerpo al que puede sometérsele sin resistencias. En ese cuerpo alquilado se halla la encarnación del
paraíso prometido por las leyes del mercado. Todos estos rasgos han hecho del burdel, en cualquiera
de sus modalidades —café, cabaret, salón de baile, zona de tolerancia—, un ámbito privilegiado para la
recreación literaria, un lugar para atisbar la vida humana, para comprender y aprehender las pulsiones
más secretas y negadas de los hombres, un espacio donde concurre y se condensa el tiempo histórico
concreto, un horizonte de enunciación y de afirmación, un punto en el que ocurren acontecimientos que
es posible trabar en líneas argumentales, de donde emergerán imágenes artísticas del hombre y de la
mujer, imágenes marcadas por el sello de su época. En esta medida puede pensarse el burdel como un
cronotopo particular creado por la novela europea decimonónica y continuado, actualizado y radicalmente
modificado por la literatura latinoamericana. Este cronotopo ha sido muy productivo y ha generado toda
una especie literaria que sigue dando frutos en nuestros días8.
Casi me atrevería a afirmar que son raras las novelas latinoamericanas escritas a fines del si-
glo XIX y a lo largo de todo el siglo XX que no hagan al menos alusión al burdel o a la prostituta, si no
construyen todos sus nudos argumentales a partir de este ámbito. Desde que en 1903 Federico Gamboa
publicó la paradigmática Santa, no ha dejado de producirse una copiosa literatura que recrea el sórdido
ambiente del burdel y sus nefastas consecuencias en la vida de la mujer pecaminosa, novelas que van
desde Nacha Regules, pasando por Juana Lucero, hasta llegar a la contemporaneidad nuestra con La
increíble y triste historia de la cándida Eréndira y de su abuela desalmada, Juntacadáveres, Pantaleón y
las visitadoras, El Señor Presidente, Las muertas, o incluso las más actuales como La novia oscura o la
4 Ibid, p. 110.
5 Todavía pueden encontrarse expresiones como la siguiente en el discurso de un fervoroso moralista: “La prostitución sólo podría desaparecer cuando la
humanidad llegue a un grado de perfección moral, que no es dado ni soñarlo. Pero en la humanidad tal cual es, mientras sufra la ciega influencia de los
instintos y los ímpetus sensuales, la prostitución tiene que existir, y más aún, es indispensable para conservar el orden y la tranquilidad pública; sin ella, sin
ese vergonzoso vicio social la pureza de las costumbres no tardaría en desaparecer, y la moral pública se trastornaría sensiblemente” (Xorge del Campo, La
prostitución en México, Editores Asociados, México, 1974, p. 61).
6 Jorge Bracamonte Allaín, “Sin honra ni decencia. Discurso y representación sobre la prostitución en México: 1890-1910”, Allpanchis 52 (1998), p. 161.
7 Erika Bornay, op. cit., p. 62.
8 Obviamente la figura de la prostituta no aparece con la literatura del siglo XIX; hay en el mundo hispánico varios textos literarios que recrean esa imagen,
recuérdese por ejemplo, La Celestina y La lozana andaluza. Pero en el siglo XIX es cuando se empiezan a delinear los perfiles del burdel como cronotopo y
así, el ámbito se vuelve punto de referencia para configurar la representación artística de la prostituta.
De esta manera, el vigilante médico debía resguardar la salud de los enfermos de pecado no sólo
denunciando la perversión moral del burdel, sino también combatiendo el formidable peligro que podía
ser la literatura para los incautos.
Para entender lo que ha hecho la novela latinoamericana con el mundo prostibulario es preciso
descartar la vía de entrada más fácil que sería la identificación de una temática común a un conjunto
de textos. Voy a tratar de analizarlo como un cronotopo pleno en el sentido que tiene la noción en la
propuesta bajtiniana; un cronotopo que nos permite entender un problema de poética histórica en la
conformación de la novela, en la medida en que ha sido dinámico, en constante proceso de reformulación
y ha sido propicio, incluso, para la parodia y la radical reorientación ideológica y estética del mismo. En
este trabajo sólo me detendré en algunos de los elementos esenciales que definen el cronotopo para
entender cómo se conforma y qué ha implicado en el desarrollo de la narrativa latinoamericana.
Las novelas que han intentado configurar una imagen más o menos totalizadora de la ciudad y
de la época que pretenden recrear, frecuentemente apelan al burdel como un espacio privilegiado para
aprehender desde ahí el ser nacional, sus problemas, su identidad, sus diferencias, porque el burdel es
un punto de encuentro fortuito y fugaz. Se configura como un microcosmos que condensa la historia de
una ciudad e, incluso, de una raza pecaminosa. Así lo sintetiza Gamboa:
Una noche excepcional, en que Santa considerábase reina de la entera ciudad corrompida;
florescencia magnífica de la metrópoli secular y bella, con lagos para sus arrullos y volcanes
para sus iras, pero pecadora, pecadora, cien veces pecadora; manchada por los pecados
de amor de razas idas y civilizaciones muertas que nos legaron el recuerdo preciso de sus
incógnitos refinamientos de primitivos; manchada por los pecados de amor de conquistadores
brutales, que indistintamente amaban y mataban; manchada por los pecados de amor de
varias invasiones de guerreros rubios y remotos, forzadores de algunas de sus trincheras
y elegidos de algunas de sus damas; manchada por los pecados complicados y enfermizos
del amor moderno... noche en que Santa sentíase emperatriz de la ciudad históricamente
imperial, supuesto que todos sus pobladores hombres, los padres, los esposos y los hijos la
buscaban y perseguían, la adoraban, proclamábanse felices si ella les consentía arribar, en
su cuerpo de cortesana, al anhelado puerto, al delicioso sitio único en que radica la suprema
ventura terrenal y efímera...10
Nótese así, cómo incluso se borran las fronteras entre las generaciones y todas se encuentran unidas
en el mismo punto del pecado. En el cuerpo alquilado de la cortesana van a desembocar los ríos de la
historia de la lascivia y la violencia que ha ejercido ancestralmente el conquistador. Este tratamiento del
burdel o la zona de tolerancia como un microcosmos en el que se sintetiza la vida de toda una ciudad
y la historia de la humanidad se da en otras novelas, no importa cuán lejanas estén de la estética y de
la ideología del Gamboa porfirista. Recuérdense las inmensas colas formadas fuera de la carpa donde
la abuela desalmada esclavizaba a su nieta Eréndira, un mundo integrado por hombres de toda laya y
condición.
Una de las razones que hace el burdel tan atractivo para dar una completa imagen artística de una
ciudad y una época es que es justamente el sitio donde se une el dinero con lo más personal e íntimo
del ser humano y la conjunción de estos dos elementos aparentemente contrapuestos lo convierte en un
punto de iluminación de la condición humana y del tiempo histórico en el que se vive la experiencia. El
burdel es así, sobre todo, un espacio de confluencia polémica de casi todos los discursos posibles de una
época. No hay institución que detente algún poder y que no se pronuncie sobre el “problema”. En esta
medida, se vuelve un espacio privilegiado para el novelista que intenta recrear la faz más compleja de su
momento. Tomar el burdel como espacio de creación da, de entrada, la posibilidad de trabajar con todos
estos discursos en pugna; por ello casi no hay novela que no incorpore el choque de la prostituta con la
iglesia, la amenaza constante de la institución sanitaria controlada por el Estado, la cárcel, la policía y sus
Y enseguida entra una voz que ironiza todo ese horizonte discursivo de la religión:
-Dios ya se hizo viejo y aún no acaba de inventar pecados11.
El juego desenmascarador de la ironía y de la inversión ha sido muy bien aprovechado por la novela
burdelera de las últimas generaciones. Escritoras como Laura Restrepo o Cristina Rivera Garza incorpo-
ran a sus argumentos el incesante dilema de conciencia de la prostituta y son frecuentes las alusiones a
ideas y valores que corresponden al rígido universo moralista y represivo, pero a los que se les incluye
en contextos contrapuestos por lo que sufren una radical reorientación ética: “[...] que de la putería,
si se ejerce con honestidad, nadie sale jubilado”12, dice por ejemplo, uno de los personajes de La novia
oscura, con un sentido del humor imposible de encontrar en los escritores de principios de siglo.
La presencia y el juego con las diversas temporalidades es un rasgo caracterizador de la novela del
prostíbulo. Además del fluir de un tiempo histórico real, concretado en esas pugnas discursivas absolu-
tamente enlazadas a las visiones de cada momento, el cronotopo del burdel implica la vivencia de una
temporalidad subjetiva, interna, que polemiza con ese tiempo histórico real. El tiempo de adentro no
parece concordar con el tiempo de fuera, de la cotidianidad. El tiempo mismo de la vivencia prostibula-
ria implica la negación de lo cotidiano social, pues se vive de noche. La vida parece una a la luz de los
candiles y es otra bajo la ciudad diurna del trabajo, de las obligaciones y deberes ciudadanos. El burdel
parece constituirse así en una paraje sustraído al fluir temporal. Ahí se atrapa la conciencia de la tem-
poralidad, dentro de las cuatro paredes se ahuyenta la angustia del devenir y cada noche es igual a la
noche anterior y la prostituta es tan joven y radiante como la noche de cinco años atrás por el efecto
de la teatralización.
Y a propósito de esto, aquí encontramos un elemento sumamente importante para entender cómo
se conforma este cronotopo sobre la base de las relaciones humanas que se establecen en el burdel
en tanto espacio de socialidad marcado por el artificio. Para que funcione como tal, el prostíbulo debe
construirse como un decorado teatral, única manera de crear el efecto ilusorio de que se trata de un
ámbito sacado del fluir de la vida ordinaria. Es el modo de resguardar incontaminado el espacio civil,
cotidiano. Si el burdel es realista, no se opera la magia de la liberación de las energías reprimidas; para
que cumpla con su función social tiene que parecer lo opuesto de la casa burguesa de cada día, donde
el hombre sufre las mezquindades y se enfrenta a su aburrimiento matrimonial. El burdel debe incitar la
fantasía, debe transfigurar el orden normal y no hay otro modo más eficiente que el de la creación de la
ficción. La prostitución se conforma como uno de los espectáculos por excelencia. De hecho, no puede
olvidarse que la prostitución ha estado culturalmente asociada al mundo teatral, en tanto ámbito que
invita al goce, a la participación, pero con fronteras claramente delimitadas entre ficción y realidad13,
11 Laura Restrepo, La novia oscura, Norma, Santa Fe de Bogotá, 1999, p. 61.
12 Ibid., p. 24.
13 Vale la pena copiar la siguiente cita sobre la vida teatral en España a principios del siglo XX porque no es tan ajeno al fenómeno como se vivía en las
grandes ciudades de América Latina: “Los espectáculos, la escena y todo lo que la rodea o acompaña, son los lugares por excelencia donde se cristalizan todas
las tensiones, las crisis, son los lugares de la “puesta en escena” social y cultural de la expansión burguesa y de sus contradicciones. La escena representa
la faceta cultural (visible, “espectacular”) de lo político. Todos los teatros, cafés cantantes, cabarets y demás establecimientos dedicados a los espectáculos
están vinculados con la prostitución, con el consumo sexual, con la cultura prostitucional más o menos encubierta, pero real. Los teatros “tradicionales” o
burgueses (ópera incluida) siempre han servido para operaciones matrimoniales, enlaces o encuentros (es decir, son una institución tradicionalmente útil
para la vida privada y afectiva) y las actrices o cantantes –las jóvenes y atractivas, evidentemente—siempre se han dedicado lo que se sigue llamando hasta
la guerra “galantería” o “coqueteo”: es el lugar de las “cocottes”, de las “demimondenes”, de las señoritas “protegidas”, etc. Con la zarzuela y el cuplé, las
tiples, vicetiples, señoritas del coro, la galantería se “democratiza” y se pone al alcance de las clases acomodadas de todo el país” (Serge Selaün, “Política
y moral en el teatro comercial a principios del siglo XX”, Boletín de la Fundación Federico García Lorca, 19-20 (1996), p. 44).
15 Mijaíl Bajtín, “Las formas del tiempo y del cronotopo en la novela” en Teoría y estética de la novela, trad. Helena S. Kriúkova y Vicente Cazcarra, Taurus,
Madrid, 1989, p. 278.
16 Cristina Rivera Garza, Nadie me verá llorar, Tusquets, México, 2003, p. 143.
Florianópolis - SC
CEP: 88037-100
RESUMO I
Esta pesquisa apresenta uma análise de reconhecimento de gêneros textuais/discursivos em um livro
didático para o Ensino Médio. Como referencial teórico adotamos a teoria bakhtiniana e os pressupostos
difundidos nos PCNs.
RESUMO II
This research develops an analysis of some text/discourse genres as they appear in a high school
guidebook is presented, according to a theoretical framework based on Bakhtin´s theory and National
Curriculum Parameters in Brazil (NCPs).
0. Introdução
Esta pesquisa apresenta uma análise de reconhecimento de gêneros textuais/discursivos1 em
seus aspectos formais e sócio-comunicativos em um livro didático do aluno denominado Português para
o Ensino Médio. Língua, Literatura e Produção de Textos – Série Parâmetros da Ed. Scipione dos seguin-
tes autores: Nicola, Floriana, Ernani, sendo um lançamento de 2002, tendo 605 páginas e apresenta-se
subdividido em quatro unidades.
Adotaremos a teoria bakhtiniana para abordar concepções como as de gênero, língua e socie-
dade, enunciado e texto/discurso para explicitarmos seus funcionamentos como prática sócio-histórica
na e pela linguagem, pois para Bakhtin (1997) a comunicação verbal só é possível por algum gênero
textual/discursivo.
Também observaremos se o livro didático está em consonância com o que propõem as políticas lin-
güísticas em os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para o ensino de língua portuguesa, especifi-
camente, os gêneros discursivos no segundo grau.
1. A linguagem e sua natureza sócio-ideológica.
No livro Marxismo e filosofia da linguagem2 (1999), Bakhtin busca a origem e o desenvolvimento da
linguagem no campo das relações sociais distanciando-se das teorias da informação e da perspectiva
do objetivismo abstrato vigentes na época. O autor considera a comunicação como uma inter-relação
produtiva e semiótica, ou seja, como interação.
Desta forma, a linguagem passa a ser entendida como a forma materializada da comunicação social,
sendo a sua existência consistida como signo, refletindo nos seus elementos a organização econômica
e sócio-política da sociedade que a gerou. Os signos se realizam no processo das relações sociais, de-
terminados e marcados pela organização social dos indivíduos e pelas condições de produção em que a
interação acontece (realidade), porém eles também refletem e refratam uma outra realidade que lhe é
exterior (a ideologia). Para Bakhtin tudo o que é ideológico é um signo. Sem signos não existe ideologia.
E, tudo que é ideológico possui um valor semiótico (1999, p. 31-2).
Sendo assim, todo signo ideológico tem uma encarnação material (som, massa física, cor) e é um
fenômeno do mundo exterior, portanto a linguagem exerce um papel enorme na vida social e na cons-
1 Optamos pela opção gêneros textuais/discursivos na contramão de muitos estudiosos da linguagem, apesar de termos bem clara a problemática quando
se fala em texto, pois se tem várias concepções de texto e inúmeras tipologias.
2 Embora a autoria deste livro seja creditada também a Volochinov, no corpo do texto optamos por citar apenas Bakhtin.
6 Tradução nossa. Ver: BAKHTIN, Mikail. Estética de la creación verbal. 2. ed. México: Siglo Veintiuno, 1985, p. 274
7 Pelo fato de estar seguindo a tradução mexicana, optamos pelo termo esgotamento = “agotamiento del sentido” p. 266, entretanto a opção brasileira da
tradução é “tratamento exaustivo”.
Sob este ponto de vista, é através da linguagem que podemos significar o mundo e a sociedade porque
ela é um sistema de signos histórico e social. Os PCNs adotam os postulados de Bakhtin ao referir-se a
linguagem, pois para ele, o espaço de produção de sentidos nas práticas sociais é simultâneo é “a arena
de luta daqueles que procuram conservar ou transgredir os sentidos acumulados são as trocas lingüís-
ticas, relações de força entre interlocutores” (PCNs p. 6). Com isso, observa-se que o caráter dialógico
das linguagens oferece uma visão além do ato comunicativo superficial e imediato.
No processo ensino-aprendizagem os PCNs propõem ao longo do Ensino Médio que sejam de-
senvolvidas algumas competências, sem as quais os alunos desse nível de ensino teriam dificuldades
para prosseguir seus estudos. Não as citaremos por questões de espaço adentraremos na análise do
livro didático.
5. Resultados da análise
Apresentaremos uma sumarização do que a análise nos proporcionou.
Com relação a primeira unidade: Linguagem e Linguagens
• A escolha dos textos a serem trabalhados pelos alunos abarca vários gêneros textuais/discursivos
como, por exemplo, legenda, reportagem, poema, slogan, quadrinhos, verbetes, obras de arte (pintura),
e outros mais, porém estes textos/discursos são usados apenas como suporte para atividades de análise
lingüística e não para se trabalhar do ponto de vista do gênero;
• O texto “Decifrando a escrita da vida” de Moacyr Scliar faz uma analogia entre o científico, o mítico
e o ficcional, seu autor é médico e escritor, a partir dessas informações, o professor poderia trabalhar o
discurso científico e literário, mostrando no próprio texto esta intercalação, no entanto, nesse texto são
trabalhadas apenas questões de análise lingüística;
• O fragmento do romance Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis relata o clí-
max amoroso de Brás Cubas e Virgília em forma de diálogo, novamente há intercalação de um gênero
em outro e isso não é mostrado aos alunos, pelo contrário, são trabalhadas questões de pontuação no
texto;
• Para os autores, “a linguagem verbal” tem como base o signo lingüístico e num primeiro momento
se aprende a decodificá-lo e a seguir “vamos nos familiarizando com diferentes modos de organização
desse código em unidades de sentido mais complexos: frases, períodos, parágrafos, textos, diversos
tipos de textos, sua coesão e coerência, etc.” (p.22) Parece que tanto a linguagem como os gêneros
textuais/discursivos são compreendidos pelos autores como seqüências textuais, isto é, linguagem como
instrumento de comunicação e não como interação, como entidade sócio-histórica, conforme proposta
por Bakhtin;
• Os autores se utilizam dos gêneros poemas e quadrinhos objetivando mostrar a diferença da
linguagem verbal e visual, entretanto como exercício solicitam a escritura de um novo gênero textual/
discursivo que sequer foi mostrado: a reportagem;
• Outros gêneros como notícia, cartas ao leitor, carta argumentativa e debate são usados como
suporte para os alunos compreenderem as funções da linguagem;
• Na intertextualidade há como exemplos um texto crítico (artigo de opinião) e um texto histórico
(ensaio didático) e estes dois gêneros não são enfatizados, as questões referentes a eles são de inter-
pretação e de comparação entre ambos, outras são sobre tempos verbais;
• Os autores adotam a concepção de discurso de Fiorin (1996), para eles o encontro do que se
quer dizer (plano do conteúdo) com o como dizer (plano da expressão) constitui o discurso, no entanto,
o livro didático diz estar de acordo com os PCNs e a concepção proposta pelos parâmetros é outra, é a
proposta por Bakhtin;
• Os gêneros cartas comerciais, textos históricos/científicos, artigos da constituição e textos in-
Com relação a segunda unidade: A linguagem verbal: suas estruturas e recursos expressi-
vos
• Esta unidade trata de aspectos gramaticais, novamente os gêneros poema, poema-letrado, tira,
texto jornalístico (notícia), verbetes, manuais de instrução etc., são usados como suporte para classifi-
cação de palavras, análise sintática, agramaticalidades;
• No item Os mecanismos de combinação e seleção, é mostrado o caráter pragmático da lin-
guagem (extra-verbal) levando em consideração o enunciador, o interlocutor, o tempo e lugar. A partir
destes elementos, o professor deve preencher a lacuna existente e ir para além do caráter pragmático
mostrando a ideologia do signo lingüístico e aspectos referentes ao gênero textual/discursivo conforme
a teoria bakhtiniana. No caso da notícia, o professor deveria levar em conta os elementos de produção
que são: - Em que jornal a notícia será publicada? – Qual o tipo de leitor suposto? – Qual o objetivo
maior desse jornal? – Qual o posicionamento ideológico mais geral desse jornal? – É possível relatar
fatos de forma totalmente neutra? – Quais fatos viram notícia e por quê? Por que o lead adquiriu essa
forma padronizada?
• No item A hierarquia das palavras temos o texto “Adolescência” de Marta Suplicy e o enun-
ciado do primeiro exercício referente a este texto é o seguinte: “1. A área que se insere esse texto é a
da transmissão de saberes; seu gênero, o expositivo,11 o que determina o tipo de linguagem utilizado
pela autora. Em vista disso, responda: qual a função da linguagem predominante no texto?” (p. 151)
Com isso, fica claro que os autores do livro didático estão entendendo por gêneros, “tipos de discurso”,
ou seja, seqüências textuais como descrição, narração, dissertação, exposição porque dizem que esse
texto é do gênero expositivo. Na verdade, os autores estão influenciados pela Escola de Genebra (Dolz,
Schneuwly, Bronckart, 1996) que propõem para os gêneros agrupamentos do narrar, do relatar, do expor,
do argumentar e do descrever;
• O item A frase traz o texto “VII”, poema de Manoel de Barros e o enunciado da primeira questão
é : “1. Considerando os três gêneros básicos da composição de texto – descrição, narração, dissertação
-, como você classifica o poema?” (p.183) Mais uma vez percebemos que os autores estão tratando
como gêneros textuais/discursivos os tipos básicos da composição de texto: descrição, narração, disser-
tação;
• Demais unidades tratam nos exercícios de questões de análise lingüística, sem abordar a lingua-
gem como discurso.
• A coesão textual é tratada nesta unidade e há pouca solicitação de produção textual nela.
11 Grifo nosso.
(p. 599)
UFRN
1.INTRODUÇÃO
Na contemporaneidade, as Teorias Pedagógicas Críticas e Radicais vem ganhando espaço e despontando
como âncora para várias pesquisas e propostas que se realizam no campo pedagógico, principalmente,
em função daquilo que propõem como princípio básico ao fazer pedagógico, qual seja, o “modo dialógico
de operar”, respaldado, em sua grande maioria, nas formulações dos pensadores Jürgen Habermas e
Paulo Freire.
A discussão sobre o diálogo como modo de ação, no entanto, já estava colocada, no campo das
ciências da linguagem, desde os anos 20 do século passado, sendo temática privilegiada na produção
intelectual de M.Bakhtin e dos autores do seu círculo, embora, sua divulgação, tanto no Brasil como no
exterior, tenha se dado tardiamente, mais propriamente, a partir dos anos 70 e, quase que exclusiva-
mente cingindo-se aqueles que investigam a linguagem verbal e a área de literatura.
Nesse trabalho, a tese que defendemos é que o “modo dialógico de operar”, como procedimento
metodológico a ser adotado em uma proposta pedagógica emancipatória, não pode ser pensado inde-
pendentemente do funcionamento dialógico da linguagem verbal e, neste sentido, é que entendemos ser
relevante discutir o conceito de diálogo em M.Bakhtin, confrontando sentidos com aqueles presentes
nos trabalhos de Paulo Freire e de Habermas.
Inicialmente se faz necessário esclarecer que não desconhecemos as distâncias espaciais e temporais
entre esses três pensadores, de tal forma que, enquanto Habermas e Paulo Freire nasciam, Bakhtin já
produzia, juntamente com autores de seu círculo, suas primeiras obras. O que teriam em comum, pois,
estes três personagens, formuladores de discursos fundantes e estruturantes do século que findou e
daquele que se inicia?Autores, como dissemos, distanciados espacial e temporariamente, que se dedica-
ram a compreender e fazer propostas para a sociedade que viviam(Freire e Bakhtin)/ vive ( Habermas)
e, para além dela, a partir de discordâncias, de um lado, com às leituras reducionistas do marxismo,
principalmente no tratamento dado ao universo no qual circulam os signos, o mundo dos valores, das
idéias, da cultura em geral e, de outro, com os desdobramentos do processo de “desencantamento
do mundo”, inspirado nos ideais do iluminismo.
Em comum, portanto, o fato de que visam, todos eles, superar o paradigma da “disjunção” (Morin,
1986), materializado no pensamento dicotômico e no primado da objetividade, buscando abrir espaço
para novas abordagens, resgatando a natureza social, histórica e cultural do ser humano. E, esta a razão
porque estes autores vêm povoando o imaginário coletivo de uma certa fração de pesquisadores/inte-
lectuais que trabalham no campo das ciências humanas e sociais.
2. A CONCEPÇÃO DE DIÁLOGO EM BAKHTIN
Bakhtin, um pensador europeu, da primeira metade do século passado, filiado a uma vertente não-
cartesiana do pensamento filosófico, aventura-se pelo mundo da cultura, o mundo no qual circulam
valores, conferindo, neste percurso, estatuto privilegiado, a linguagem verbal, materialidade específica
daquele mundo, no qual se produzem, se trocam e se fazem circular signos, plenos de valores e de sig-
nificações. Uma das características essenciais do pensamento bakhtiniano, no dizer de Ponzio (1998),
é o de apresentar sempre “outras palavras” face àquelas hegemônicas em seu tempo histórico, outras
palavras que se encontram visceralmente relacionadas ao seu dialogismo, concebido como inseparável
dos mundos da vida, da cultura e da necessária alteridade.
O diálogo permeia todos os trabalhos de Bakhtin. Diálogo que se opõe ao monólogo, em vários sentidos.
Um dos sentidos do monólogo, ao qual o dialogismo bakhtiniano vai se opor é aquele que conhece ape-
nas uma modalidade de interação cognitiva entre as consciências, aquela na qual o sujeito cognoscente
domina a verdade e institui-se como mestre daquele que não é cognoscente, estabelecendo-se desta
UFRN/PPgEL
Resumo
Este estudo objetiva discutir a questão da autoria no ato de escrever, argumentando que não se
pode pensar em escrita apenas como um produto e/ou uma entidade autônoma e transparente. Há de
se vê-la de modo pluridimensional, perseguindo-se a marca, a letra, para se desvendar o processo e o
sujeito que nela estão atravessados. Ao lado dessas reflexões, o estudo pretende, também, trazer à tona
contribuições para a prática escolar, orientando o professor para “como ler os textos dos alunos”.
Abstract
The aim of this study is to discuss the authorship issue in the writing act, establishing that one cannot
think about writing just as a product or/and as an autonomous and transparent entity. It is necessary
to regard it in a pluri-dimensional way, chasing the mark, the letter, in order to disclose the involved
process and subject. Beside these reflections, the study also intends to bring up contributions for the
scholar practice, orienting the teacher about “how to read the students’ texts”.
0. Introdução
Os estudos tradicionais sobre a escrita têm-na reduzido, exclusivamente, às dimensões de superfície,
olhando-a, inclusive, como uma atividade monológica, produto da inspiração do escrevente e do domí-
nio que ele possui dos mecanismos gramaticais da língua. Nessa perspectiva, o foco de reflexão são as
marcas do processo de elaboração da textualidade, tendo-se em vista padrões de organização textual,
sem que seja levada em consideração a figura do sujeito escrevente, incluindo a sua experiência de vida
e de letramento.
Contrariando essa abordagem, este estudo objetivo discutir a questão da autoria no ato de escrever,
argumentando que não se pode pensar em escrita apenas como um produto e/ou uma entidade autô-
noma e transparente. Há de se vê-la de modo pluridimensional, perseguindo-se a marca, a letra, para
se desvendar o processo e o sujeito que nela estão atravessados. Nessa travessia, dois pontos hão de
se cruzar: a subjetividade expressa na letra e a natureza da alteridade que constitui essa subjetividade.
Isso implica considerar o sujeito como atuante no processo de significação, admitindo, também, que o
“eu” se constrói na atividade social, estando a escrita conectada indissoluvelmente à vida. Além dessas
especulações de ordem teórica, o estudo pretende, também, trazer à tona contribuições para a prática
escolar, orientando o professor para “como ler os textos dos alunos”.
Com vistas a essa reflexão, focalizaremos nossa atenção na análise de um texto produzido por uma
aluna da Casa Renascer, a escrevente “M”. Esse texto faz parte de uma coletânea - De ponto em ponto
se faz um conto II - organizada por essa instituição como produto de uma das suas atividades de letra-
mento.
Esta pesquisa é informada por estudos que discutem a natureza dialógica e polifônica da linguagem
(Bakhtin, 1988 e 1992; Faraco, 2001), o caráter sócio-cultural das práticas de letramento (Heath, 1983;
Barton, 1993), as relações que se tecem nas interações sociais (Fairclough, 1992), a relação sujeito/
linguagem (Ducrot, 1985; Benveniste, 1988; Orlandi, 1988; Maingueneau, 1998; Foucault, 2000) e as
noções de alteridade, identidade, estilo e autoria (Possenti,1993; Dunley Jr, 1996; Vidal, 2000; Silva,
2000; Peres, 2001)
1.Refletindo sobre a noção de autoria: premissas estabelecidas
A tarefa de discutir textos, seja a partir de um ponto de vista teórico seja levando-se em consideração
aspectos pedagógicos, conduz, necessariamente, a uma tomada de decisão do analista no que se refere
à questão: o que é um texto? Nesse sentido, há que se explicitar para o leitor o que entendemos por
essa unidade de análise. Trata-se de um produto resultante de um processo de elaboração revelador
ADVOGADA
“Por que eu quero ser uma advogada de defesa dos direitos da mulher, o motivo é que sendo uma
defensora dos nossos direitos podemos mudar alguns problemas que o nosso Brasil sofre como discrimi-
nação, exploração sexual, e outro caso bem pessoal como o de sobrevivência entre o marido e esposa
etc.
A advogada com o seu papel deve agir de forma certa que no caso me refiro, a ver quem está com
a razão e quem não está tem que ser justa com a vítima e com si mesma é útil mostrar a realidade dar
conselho e resolver os problemas de algumas pessoas, pode ajudar o nosso mundo se tornar melhor.
Por isso que quero ser uma advogada. Fazer um mundo melhor para que no futuro tenhamos um modo
de vida melhor.
(Escrevente “M” – 13 anos)
Solicitada a escrever, “M” apressa-se para atender à tarefa, iniciando o seu texto com uma pergunta
indireta, seguida imediatamente pelo motivo por que pretende ser uma advogada. Esse recurso argu-
mentativo, usado como uma forma de abertura do dizer, evidencia explicitamente a necessidade que “M”
tem de falar sobre si mesma, de contar a sua história. Como ela mesma expôs, em depoimento para a
pesquisadora: “o texto tem tudo a ver com a gente, com o nosso dia-a-dia. A gente acaba buscando nas
lembranças coisas que a gente já viveu”.
Marcada por diversas tensões, a preocupação mais forte de “M”, ao tecer o texto, reside em se
colocar em várias posições. Ela não se age apenas como o sujeito que fala de si ou de outro objeto. Ela
é também aquela que enuncia, a partir de um outro lugar, as expectativas que ela constrói de si, do
seu papel e do outro, da sua exterioridade. Com vistas a esse propósito, ela desliza no uso do “eu” e do
“nós”, querendo expressar que o direito do outro (no caso, o direito da mulher) é também o dela, pelo
fato de ela ser mulher. Paralelamente a esse jogo de aproximação, em que “M” se inclui no que ela diz
a respeito do outro, há também no texto formas de distanciamento, reveladas quando “M” afirma que é
o Brasil que sofre discriminação, exploração sexual e problema de sobrevivência entre marido e mulher
(e não ela). Ao deslocar-se para o lugar de quem está fora, “M” tenta apagar a sua história, mascarar
Esther Peeren
University of Amsterdam
Spuistraat 210
1012 VT Amsterdam
The Netherlands
Abstract I (English)
Through an analysis of an episode of the popular American television series Sex and the City, entitled
“The Real Me,” which centres on seeing and being seen, this paper explores the links and tensions between
Bakhtin’s notion of the other’s excessive look and the intersubjective psychoanalytic theories developed
by Kaja Silverman and Jessica Benjamin. On the one hand, Bakhtin’s positing of the consummating
self-other relationship as one of exterior aesthetic activity is paralleled by Silverman and Benjamin’s
insistence on identification at a distance against identification as internalisation. On the other hand, the
work of Silverman and Benjamin comes some way in correcting Bakhtin’s neglect of oppressive self-other
relationships, as well as his refusal to enter into the psychological dimension of subjectivity.
Abstract II (Spanish)
Analisando un capitulo de la serie Americana “Sexo y la Ciudad” (se titula “El verdadero Yo”), con
el tema de ver y de viendose, este articulo examin los conexiones y la tension entre el concepcion de
Bakhtin (viendo el otro demasiado) y las teorias psicoanaliticos de Kaja Silverman y Jessica Benjamin.
En un lado la teoria de Bakhtin propone como principio que el relacion si mismo el otro es un actividad
exterior y estetico. Este relacion sea paralelo a la teoria de Silverman y Benjamin que insiste en identifi-
cacion de distancia contra la identificacion interna. En otro lado la obra de Silverman y Benjamin rectifica
el descuido de Bakhtin, principalmente en los relaciones opresivos entre si mismo y el otro y denegacion
de considerar la dimension psicologico de la subjectividad.
This question falls into two parts: the first concerning the content of the image and its value (is the
image deadly or healthy?), the second addressing the accuracy of vision itself, with particular reference
to intersubjectivity (can we see perfectly and clearly in relation to ourselves and to others?)
1. I borrow the term interface from Elizabeth Grosz, who uses it in Space, Time, and Perversion to signify a two-way linkage of mutual definition and es-
tablishment (1995: 108).
3. Žižek considers the notion that there is a truth beyond the mask as an illusion: “There is more truth in the mask we wear, in the game we play, in the
‘fiction’ we obey and follow, than in what is concealed beneath the mask” (1999: 153).
4. Charlotte’s disavowal of her vagina might also be described as a mild case of agnosia, defined by Elizabeth Grosz as “the nonrecognition of a body part
that should occupy a position within the body image” and associated with “a forgetfulness, a refusal, a negative judgment” (1994: 89).
Resumo
Este texto aborda narrativas escritas, construídas por um sujeito de 10 anos, considerando o texto
escrito como um gênero discursivo secundário, criador de espaço para ampliação da subjetividade, em-
bora perpassado pelo dialogismo da linguagem.
Nesse contexto, analisa uma paráfrase reprodutiva, uma paráfrase criativa e um texto de criação,
levando em conta aspectos relativos à interlocução; à heterogeneidade do sujeito, em função dos papéis
discursivos assumidos e dos mundos nos quais os conteúdos são veiculados; além da designação da
partilha de referências e significações, traduzida pela coerência textual.
A subjetividade será observada no surgimento de singularidades textuais, lexicais e gramaticais,
veiculadas pela seleção e mobilização de subgêneros discursivos no texto escrito.
Abstract
This paper examines written narratives, produced by a 10 years old subject, taking on consideration
the written text as a secondary genre that can broaden subjectivity, among the linguistic dialogism. In
order to that analyses a reproductive paraphrase, a creative paraphrase and a creative text, taking into
account the aspects related to the interlocution; to the heterogeneity of the subject, regarding to the
assumed roles and worlds where the contexts are presented. It will also be considered the designation of
shared references and meanings translated by textual coherence. The subjectivity will be shown through
the raising of textual and lexical-grammatical resources, produced by the selection and mobilization of
discoursive subgenres.
0. Introdução
Ao levar em conta a primazia do diálogo2 e de sua anterioridade em relação ao discurso interior, Bakhtin
afirma (1988) que o centro organizador da atividade mental não está no interior do sujeito, mas no seu
exterior, no processo de interação verbal. Em conseqüência, postula que o sentido de qualquer texto,
resultado dos processos interativos, manifestado no momento único e não-reiterável da enunciação, só
pode expressar uma situação na cadeia de textos que o precederam e que o sucederão.
O texto escrito, caracterizado pelo autor (1992) como um ato de fala impresso, participante de uma
discussão ideológica em alta escala, porque responde a alguma coisa, refuta, confirma, antecipa as res-
postas e objetivos potenciais, procura apoio, etc., é considerado um gênero do discurso secundário, por
aparecer em circunstância de comunicacão relativamente mais avançada, correspondente ao conjunto
dinâmico e complexo, constituído pelos modos de dizer, em constante evolução.
Ao veicular gêneros discursivos à forma e ao estilo da enunciação, Bakhtin (op. cit.) assinala que o
enunciado oral ou escrito reflete a individualidade daquele que fala ou escreve. Embora os signos sejam
criados coletivamente, só são lidos ou ouvidos em forma de enunciados individuais, segundo o gênero a
que pertencem e em função do contexto único e não reiterável da enunciação3. Assim, para o autor, ao
1. Este texto foi elaborado, parcialmente, com elementos da tese de doutorado da autora. Algumas análises também fazem parte do artigo “Emergência de
autoria”, a ser veiculado em Estudos Lingüísticos. v. 2. São Paulo: Revista Eletrônica (no prelo).
2. Ao considerar que toda enunciação é dialógica, unidade de interação social, Bakhtin (1988) aponta que é nesta interação, a qual a língua estabelece com
a realidade, com o sujeito falante e com outros enunciados posteriores e anteriores, que a palavra então se torna real. Ou seja, a concretização da palavra,
como signo social, está intrinsecamente ligada ao caráter ideológico das alterações sociais.
3. Nesse sentido, reiteramos as palavras de Faraco (2003, p. 121), sobre a concepção de Bakhtin e seu Círculo: “Ao assumirem a linguagem como uma
realidade social infinitamente estratificada, abrem espaço para o individual (...)
É por esse caminho que podemos entender a argumentação daqueles autores, segundo a qual a elaboração estilística da enunciação é uma atividade de
seleção, de escolha individual, mas de natureza sociológica, já que o estilo se constrói a partir de orientação social de caráter apreciativo (...)”.
selecionar e combinar determinados gêneros, de acordo com os interlocutores, as esferas de atividade
em que são realizados e a relação valorativa com objeto de sentido, o sujeito escolhe, também, os re-
cursos léxico-gramaticais.
No que diz respeito, especificamente, à produção de histórias, François (1996a), caudatário dos
estudos bakhtinianos, postula a heterogeneidade organizativa desse gênero. Argumenta, então, que,
isolando-se a trama das histórias, isola-se os seus modos de dizer, os quais ele concebe como a base
inteligível das narrativas. Ainda, conforme o autor (1996b), toda narrativa comporta duas partes: uma
trama parafraseável que vai ser alimentada e tornar-se interessante por elementos não parafraseáveis
e não diretamente cronológicos, os subgêneros discursivos, mais ou menos equivalentes aos atos de
fala, produtores de diferentes pontos de vista.
Nesse sentido, o sujeito que conta deve ser considerado um sujeito heterogêneo, o qual muda o modo
de organização das narrativas em função dos conteúdos, assim como de sua capacidade de retomada-
modificação, do movimento em que novos sentidos, somados a sentidos anteriores, são reafirmados ou
deslocados, no momento da enunciação. Sob tal enfoque, no processo de construção de histórias, ao
invés de se falar em estrutura, dever-se-ia relacionar os modos de dizer aos mundos diferentes e aos
papéis discursivos assumidos pelos seus contadores.
Já Fiad (1997), pensando em autores não literários e estudantes, defende, segundo Bakhtin, que a
escolha dos gêneros e dos recursos lingüísticos nas produções textuais escritas, são decorrentes de que
cada enunciado tem autor e destinatário. Em vista disso, enfatiza a existência de índices de subjetividade
na escrita, relacionando o domínio que se tenha de determinado(s) gênero(s) ao trabalho que se realiza
com/sobre a linguagem. E, finalmente, Orlandi (1993), sob o ótica da Análise do Discurso, ao discutir
a questão da autoria, procura dessacralizar essa noção, levando-a para o uso corrente, enfatizando a
coerência no preenchimento da função-autor.
Isso posto, consideramos neste trabalho as marcas de individualidade na escrita de um sujeito de 10
anos, estudante de 5ª série, imersa em um mundo da escrita, a partir do domínio que apresenta das
variadas configurações textuais de narrativas curtas, em função dos conteúdos veiculados, dos mundos
nos quais se insere e dos papéis discursivos assumidos. Dessa forma, tal domínio manifesta-se pelas
marcas pessoais impressas em seus movimentos textuais e léxico-gramaticais, organizados com unidade
de sentido.
1. Procedimentos adotados na coleta de dados
Para analisar as singularidades nos encadeamentos textuais das diferentes narrativas escritas por I.,
valemo-nos da categorização didaticamente formulada por Meserani (1995), no que tange à prática de
produção de textos: reprodução; paráfrase reprodutiva e criativa; criação. Interessou-nos, particular-
mente, as categorias de paráfrase e criação, visto que, para o autor, reprodução eqüivale ao mesmo, à
cópia, à transcrição.
Segundo Meserani (op. cit.), a paráfrase reprodutiva traduz, em outras palavras, um texto original e
a proposta de recontar serve de apoio à possibilidade de mostrar como o texto-fonte é compreendido
e quais os modos de recontá-los. Para este tipo de produção, utilizamos a narrativa do livro Histórias
para acordar, de Diléa Frate (1996), que aborda, em único parágrafo, temas contemporâneos com
leveza, humor e concisão. A autora compõe histórias curtas, por meio de curiosa mistura de subgêneros
discursivos, tornando-as interessantes, pelos modos de contar.
A paráfrase criativa, elaborada após leitura de textos originais, serve de pretexto, motivo ou pata-
mar para que o sujeito produza um texto com maior grau de deslocamento de sentidos. A narrativa
desta categoria foi elaborada a partir da leitura de textos da Folhinha, do jornal Folha de S. Paulo, de
21/11/1997, relativos ao Natal de crianças pobres, visto que estávamos no final do ano.
Por fim, as atividades de criação, caracterizadas pela diferença, pelo novo, são aquelas nas quais
o indivíduo deve produzir um texto com maiores marcas de originalidade, articulando o que dizer ao
como dizer. Para a realização deste tipo de atividade, propusemos o relato de experiências vivida com
o tema: um momento de grande felicidade.
A coleta destes dados foi realizada em três encontros (texto de criação, paráfrase reprodutiva, pará-
frase criativa) na residência da pesquisadora, entre novembro e dezembro de 1997. O sujeito elaborou
seus textos através de instruções de que os planejasse (mesmo que mentalmente), os escrevesse a
lápis e os relesse (lançando mão de reelaboração total dos textos ou de inserções, apagamentos, subs-
tituições, etc.).
2. As produções de I.
2.1.Texto de criação
No primeiro encontro com I., após breve interlocução, nós solicitamos a construção de um texto sobre
um grande momento de felicidade, uma narrativa de experiência vivida, na qual a subjetividade é
privilegiada e o sujeito ocupa um lugar, do ponto de vista discursivo “...para falar de si mesmo, de suas
experiências, de seu conhecimento de mundo, dos sentimentos...” (Tfouni, 1995:74).
Nesta produção, I. ocupa o lugar discursivo de filha – da mãe, que viajara por prazer, deixando-a
em companhia de outros familiares –, colocando-se no mundo de sua realidade, de menina de classe
média-alta, evocando, conforme o tema proposto, lembranças de situações vivenciadas e narrando, por
isso, em primeira pessoa.
O título de sua narrativa evoca sentimento, num jogo de palavras, por meio do qual ele é caracteri-
zado (explicável) e modalizado pelo advérbio (inexplicavelmente), com I. demonstrando certo domínio
do processo de formação de palavras, através da incorporação de prefixos e sufixos.
No primeiro parágrafo, aparece, devidamente circunstancializado espácio-temporalmente, o elemento
complicador de sua história (Minha mãe foi para a Europa em julho de 1995... e eu fiquei com minha tia
e minha vó...), que é intermediada por evocação de sentimento (...e eu fiquei triste...) e por explica-
ções/justificativas (...pois ela não me levou junto, porque ela fez uma “renovação de Lua de Mel...”). I.
faz uso de aspas, certamente, para criar um valor enfático para esta expressão, que é realçada pelo uso
de iniciais maiúsculas em Lua de Mel. Depreendemos, ainda, neste parágrafo, a avaliação realizada pelo
fato de ter ficado (...foi muito bom...), contradizendo seu sentimento anterior (...eu fiquei triste...): é a
concessão feita a sua interlocutora, agora a tia, não a pesquisadora.
O acontecimento notável aparece como resolução do conflito – o reencontro com a mãe – que é
circunstancializado temporal e espacialmente (Quando minha mãe me aparece no aeroporto...). Neste
momento, relembrando-se, emotivamente, das situações vividas, I. presentifica o passado e utiliza par-
tícula expletiva, o pronome oblíquo me, provavelmente como forma de realce. Ao acontecimento notável
é encaixada a evocação de sentimento, que é refletida, intensificada, antecedida de outra partícula de
realce (...eu fiquei feliz, mas tão feliz...). Este sentimento é a antítese daquele revelado na época da
separação, narrada no primeiro parágrafo. Em seguida, ela evoca outro sentimento – retomando o título
– circunstancializando-o, modalizando-o, descrevendo-o, explicando-o, expondo o clímax de sua felicida-
de (...uma saudade inexplicavelmente inexplicável, era o que eu estava sentindo naquele momento...).
Todo o parágrafo com o uso do presente histórico, da locução perifrástica verbo estar no imperfeito +
sentir, no gerúndio, cria o efeito do retorno de I. ao passado, como que revivendo-o intensamente. O
aspecto durativo, revelado pelo uso destes tempos verbais, parece demonstrar, também, sua ansiedade
pelo reencontro com a mãe.
No terceiro parágrafo, temos o desfecho da história, através da sucessão de ações das personagens.
Embora já tendo se referido à mãe e a si própria, o nós parece comportar a existência de mais partici-
pantes no evento, o que é evidenciado via sobreposição de vozes – sem uso de aspas ou travessão, na
colocação dos discursos alheios – que, aqui, cria um efeito discursivo interessante, remetendo o leitor à
confusão no momento de entrega dos presentes (Chegamos em casa, abrimos a mala e começou a fala
mais ou menos assim: isso e para quem? Para mim, né, claro que não, é para mim.).
Se no parágrafo anterior há o fechamento da história, no último aparece o fechamento do texto, intro-
duzido pelo coesivo seqüencial enfim, antecedido, novamente pelo uso de mas como partícula enfática.
I. utiliza novamente o recurso das aspas, para dar maior expressividade e ênfase ao termo. Podemos
considerar o enunciado como uma avaliação da história vivenciada (Mas enfim foi o dia mais “delicioso”
de minha vida.).
Apesar de marcas formais de oralidade – síncope do a em pra; aférese em vó; falta de travessão;
repetição do e e de mas – o texto de I. demonstra domínio da escrita, como gênero discursivo secun-
dário, pelo fato de misturar e encaixar os subgêneros discursivos de forma concisa, distribuindo-os em
quatro parágrafos. Isso é produzido, inclusive, por meio do uso de conetivos, para introduzir explicações/
justificativas (pois, porque), ou para dar fecho ao texto (enfim). O texto em questão é marcado pelo uso
do presente histórico, pela sobreposição de vozes, pela utilização das aspas, para produzir certos efeitos
de sentido, por partículas de realce, etc...
2.2. As paráfrases reprodutivas
Após ler o texto original, Dia D4, o quanto fosse necessário para recontá-lo por escrito, I., sem interlo-
4. Dia D parece-nos uma alusão ao dia da invasão da Normandia, pelas tropas aliadas, que acabou pondo fim à Segunda Guerra Mundial. Certamente, o título
da narrativa, juntamente com a expressão Hora D, em meio ao texto, sugerem efeitos de sentidos como: dia/hora decisivos, marcados, combinados...
Texto-Fonte. Texto de I.
Eram meninos sapecas: os da rua de cima e Eram meninos sapecas: Quando os meninos da
os da rua de baixo. Quando os da rua de baixo rua de baixo iam para a rua de cima eles gritavam:
ousavam ir para a rua de cima, os da rua de cima Alto lá!, invasor e vice-versa.
gritavam: “alto lá! Território inimigo!” O mesmo
acontecia com os da outra rua.
Por causa disso, foi declarada uma guerra. A Certo dia eles resolveram declarar GUERRA.
primeira batalha foi marcada para logo depois da
aula.
Nelio, um dos meninos, chegou a tirar zero em Nélio levou um O na prova de matemática, pois
matemática, tão preocupado estava em armazenar preferiu juntar caroços de jaboticaba para a guerra
o caroços de jabuticaba que ia usar como arma. que iria ser depois da aula.
A hora D chegou e, armados com seus caroços, Todos os preparativos, e a guerra começou
eles esperaram o sinal, um pum do gordo Oscar. quando o pum do gordo Oscar saiu.
Foi aí que perceberam que não tinham levado Nisso os meninos da rua de cima se tocaram que
a bandeira branca para pedir trégua ou paz tanto não haviam levado a bandeira Branca para pedir
faz! trégua ou paz tanto faz.
Alguém teve a idéia “Vamos ver quem tem a Tiveram a idéia de mostrar a “bunda” mais
bunda mais branca, e quem tiver mostra”. Nélio, branca como bandeira.
coitado, foi o escolhido. E naquele dia, além do zero,
ele ganhou uma cusparada certeira bem ardida na No final das contas, Nelio teve que passar
traseira. Até agora está doendo. 2 vergonha: 1 – de tirar 0 na prova 2 – de mostrar
a bunda como bandeira e levar algumas cuspidas
certeiras no trazeiro Seu trazeiro está doendo até
hoje.
Sonhos viram livros Presente é o pai parar Pais trabalham na roça Mais 1 Desejo realizado
de bater
Embora admitindo um “continuum” entre linguagem oral e escrita, nós completaríamos a afirmação
do autor, postulando, que há sujeitos a quem foi dada a possibilidade desde a tenra infância, de maior
contato com a escrita, como um outro modo de funcionamento da linguagem via gênero discursivo
secundário, que influencia a própria fala (Kato, 1996; Rego, 1992) – a outros não (leitura de livros de
histórias, presença de jornais, revistas, outros livros, internet, etc., além das muitas vozes sociais orais,
perpassadas pela escrita, como os diálogos no próprio ambiente familiar).
De certa forma, podemos concluir que I., vivendo imersa em um mundo letrado, com uma situação
sócio-econômico-cultural privilegiada, começa a manifestar, com certa facilidade, em meio à heterogenei-
dade discursiva, sua subjetividade na escrita de textos narrativos, assumindo diferentes papéis discursivos,
de acordo com os temas propostos, aos conteúdos mobilizados e aos mundos onde são produzidos. Ela
os apresenta, inclusive, com unidade de sentido na seleção e articulação dos modos de dizer e, ainda,
movimenta com propriedade recursos lexico-gramaticais na produção de sentidos.
Referências Bibliográficas
BAKHTIN, M. (Voloshinov V.N). Marxismo e filosofia da linguagem. 4ed. Trad. M. Lahud e Y. F. Pereira. São Paulo:
Hicitec, 1988.
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. M. & G. G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
COSTA, S.B.B. O aspecto em português: semântica do verbo, aspecto e tempo, perífrases verbais. São
Paulo: Contexto, 1997.
FARACO, C.A. Linguagem e diálogo: as idéias lingüísticas do Círculo de Bakhtin. Curitiba: CRIAR EDIÇÕES,
2003.
FIAD, R.S. Reescrita e estilo. In: Cenas de aquisição da escrita: o sujeito e o trabalho com o texto. Abaurre,
M.B., Fiad, R.S. e Mayrink-Sabinson, M.L. (orgs.). Campinas: Mercado de Letras, 1997.
FOLHA DE S. PAULO. Natal. Presente é o pai parar de bater. Sonhos viram lixo. Pais trabalham na roça. In: Folhinha.
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__________. Anotações de aula do curso. A linguagem criança-adulto. São Paulo: FFLCH/USP, 6 a 21 de novem-
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FRATE, D. Histórias para acordar. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1996.
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REGO, L.B. Descobrindo a escrita antes de aprender a ler: algumas implicações pedagógicas. In: A concepção da
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TFOUNI, L.V. Letramento e alfabetização. Campinas: Cortez, 1995.
Textos-chave
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. de M. & G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
FRANÇOIS, F. Práticas do oral. Trad. de Lélia E. Melo. São Paulo: Pró-Fono, 1996.
__________. Anotações de aulas do curso A linguagem adulto-criança. São Paulo: FLCH/USP, 6 a 21/11/96.
FIAD, R.S. Reescrita e estilo. In: Cenas de aquisição da escrita: o sujeito e o trabalho com o texto. Abaurre,
M.B., Fiad, R.S. e Mayrink-Sabinson, M.L. (orgs.). Campinas: Mercado de Letras, 1997.
e-mail: [email protected]
Resumo
Este trabalho busca mostrar que a concepção dialógica de linguagem do Círculo de Bakhtin pode tornar-
se um dispositivo teórico importante para explicar a memória como constituída por elementos individuais
e coletivos ao mesmo tempo. Parte de uma reflexão sobre a relação da consciência com o tempo passado
através da apropriação do conceito de exotopia elaborado por Bakhtin em Para uma Filosofia do Ato e O
autor e o herói. Tratando a memória como composição multidimensional de vozes busca estabelecer um
diálogo entre os estudiosos do Círculo de Bakhtin e os historiadores. Nesse sentido, levanta questões
de linguagem que permeiam o fazer historiográfico, que nem sempre são levadas em conta, tentando
evidenciar que, tanto a experiência vivida quanto a produção estética compartilham parte do mesmo
processo de significação, fazendo do trabalho do pesquisador-historiador um gesto interpretativo que se
realiza nas fronteiras do eu e do outro.
Resumen
Este trabajo busca evidenciar que la concepción dialógica del lenguaje del Círculo de Bajtín puede
volverse un dispositivo teórico importante para explicar la memoria como constituída por elementos in-
dividuales y colectivos al mismo tiempo. Parte de una reflexión acerca de la relación de la conciencia con
el tiempo pasado a través de la apropiación del concepto de exotopía, desarrollado por Bajtín en Hacia
una Filosofía del Acto Ético y El autor y el heroe. Tratando la memoria como composición multidimen-
sional de voces, busca establecer un diálogo entre los estudiosos del Círculo de Bajtín y los historiadores.
En ese sentido, propone cuestiones de lenguaje que permean al trabajo historiográfico, que muchas
veces dejan de ser llevadas en cuenta, intentando evidenciar que, tanto la experiencia vivida, cuanto la
producción estética comparten el mismo proceso de significación, haciendo del trabajo del historiador
un gesto interpretativo que se realiza en las fronteras entre el otro y el yo.
.
As recentes discussões sobre o uso da memória como fonte historiográfica têm se deparado com a
dificuldade de se entender o que é individual e o que é coletivo na construção de interpretações do tempo
passado. De acordo com tais debates, a (re)constituição do passado como resultado da interpretação do
historiador se dá pela seleção, organização e interpretação de uma dispersão de documentos/monumentos,
que devem ser compreendidos na forma de uma apreensão, pelo pesquisador, do ambiente sócio-histórico
em que estes arquivos são elaborados. Por outro lado, apropriar-se daquilo que constitui a memória, em
cada momento, é, também, apropriar-se das regras de retórica que compõem os depoimentos daqueles
que viveram como presente aquilo que tentamos interpretar como passado. Caminhando nessa via de
mão dupla, só podemos entender a memória como resultado tanto do trabalho do historiador quanto da
atividade seletiva de quem organiza suas lembranças, tornando-se uma composição multidimensional;
ou seja, só podemos entender a memória como produto de duas consciências descentradas, povoadas
pelos signos e pelas vozes alheias que dão a elas o acabamento necessário à sua constituição.
Levando em conta o aspecto discursivo que compõe o texto da memória, devemos buscar, nos deba-
tes sobre as teorias do discurso, uma fonte teórica que dê conta de explicar como os discursos alheios
compõem a rede de significações que dão sentido àquilo que construímos como arquivos da memória.
O processo de formação do outro como herói deve ser visto como um processo de reconhecimento,
ou seja, não podemos reviver o que já foi vivido no outro, mas validar a experiência vivida através do
reconhecimento dos valores do outro. Para BAKHTIN (p. 145), isso significa que,
Desde o início devemos determinar, às apalpadelas, as fronteiras de seu sentido, admirar
a qualidade formal de seu acabamento e não esperar dele revelações de sentido; desde
o início devemos vivenciá-lo por inteiro, lidar com seu todo, e, no sentido, ele deve estar
morto para nós, formalmente morto. É isso que permite dizer que a morte é a forma estética
de acabamento da pessoa. A morte enquanto falência de uma validação, enquanto fracasso
do sentido, contabiliza o sentido, coloca um problema e propõe métodos para a validação
estética efetuada fora do sentido. Quanto mais perfeita for a encarnação melhor ouvire-
mos os sons intensos do acabamento operado pela morte, ao mesmo tempo que a vitória
estética sobre a morte, o combate da memória contra a morte (a memória entendida como
tensão que se exerce sobre os valores e como fixação e aceitação que se operam sem levar
em conta o sentido).
Entendo por biografia ou autobiografia (narrativa de uma vida) uma forma tão imediata
quanto possível, e que me seja transcendente, mediante a qual posso objetivar meu eu e
minha vida num plano artístico.(p.165)
No entanto, é importante ressaltar que a existência de elementos autobiográficos em uma obra não
a leva a compor um valor biográfico, ou seja, faltam-lhes os elementos específicos daquilo que constitui
a obra autobiográfica. Para BAKHTIN(1992, p. 166),
No que se referem aos elementos autobiográficos dentro de uma obra eles podem variar
ao infinito e relacionar-se seja com a confissão, seja com a exposição prática, puramente
objetiva que expõe um ato (ato cognitivo, especulativo, político, prático, etc) ou, enfim,
podem ser líricos; eles só nos apresentam interesse quando são precisamente biográficos,
ou seja, quando servem para realizar o valor biográfico.
Como, então, a memória, como um tipo de texto composto pelo valor biográfico pode ser constituída
individual e coletivamente? Para BAKHTIN, boa parte do que nós sabemos de nós mesmos vem do que os
outros nos dizem sobre nós. Nosso nascimento e nossa morte, por exemplo, não são eventos da nossa
vida, pois pertencem à existência do outro, que é o único capaz de ver o que nos é negado perceber
sobre nós mesmos. Somente na condição de ser um eu-outro é que posso falar destes acontecimentos,
pois eles foram vivenciados no mundo dos outros. Por isso, “o outro estabelecido por minha livre e es-
pontânea vontade em mim mesmo, com toda a sua autoridade, serve-me de orientação e não me sirvo
dele como de um meio (não é o mundo dos outros em mim, sou eu no mundo dos outros, um eu que
participa desse mundo)”(p.168)
Portanto, assim como na obra biográfica, a memória depende não só de uma condição de exotopia,
mas também de que essa condição seja alimentada pelo valor biográfico, composto, por sua vez, pelos
valores do mundo dos outros. “Logo, é com a condição de participar dos valores do mundo dos outros que
uma objetivação biográfica pessoal poderá ter autoridade e ser produtiva”(p.169). Por isso, o eu-autor,
para garantir a condição exotópica, deve retornar ao seu lugar e, “em seu ato criador, deve situar-se na
fronteira do mundo que está criando, porque sua introdução nesse mundo comprometeria a estabilidade
estética deste”(p. 205). Isso porque, como já dissemos anteriormente, minha autodeterminação não se
faz sem deturpar a imagem de minha existência interior, sem que algo se perca dessa existência.
Embora sempre esteja levando em conta a estabilidade estética da relação autor-herói é importante
ressaltar, para o propósito que assumimos nesse trabalho, que, para BAKHTIN, “a forma biográfica é a
forma mais ‘realista’, pois é nela que de fato transparecem menos as modalidades de acabamento, a ati-
vidade transfiguradora do autor, a posição que, no plano dos valores, situa-o fora do herói - limitando-se
a exotopia a ser quase que só espacio-temporal”(p.166). Mais adiante ele diz que “os valores biográficos
são valores comuns compartilhados pela vida e pela arte; em outras palavras, eles podem determinar os
atos práticos e suas finalidades; são as formas e os valores de uma estética da vida”(p.166). É por isso
que a biografia, como um tipo de relação estética entre o eu- autor e o outro-herói, pode nos interessar
também na pesquisa historiográfica, pois elas compartilham o mesmo modo de relação entre forma e
conteúdo numa estética da vida.
Para o pesquisador-historiador, diante do texto da memória, é importante levar em conta esse mo-
vimento de ida e vinda do autor nas fronteiras que estabelece com o herói, algumas mais nítidas outras
menos. Por isso a noção de exotopia como condição do texto da memória, pode ser tomado com um
dispositivo teórico importante no momento de se estabelecer o distanciamento do pesquisador, diminuindo
o risco de que se confundam as vozes e se percam as fronteiras. Embora estejamos sempre correndo
riscos no gesto interpretativo, o que mais compromete a qualidade do nosso gesto é o de tomar a lin-
guagem com transparente, e interpretar o texto da memória levando em conta somente o seu conteúdo,
como se fosse proferido por uma única voz, resultante de uma consciência auto-centrada. Ou seja, o
pesquisador-historiador deve levar em conta o todo do processo de composição que constitui qualquer
produto da consciência, em que entram em jogo tanto o conteúdo do que se diz, quanto o material e a
forma desse dizer. É preciso estar atento, por exemplo, e entre outras coisas, às formas de apropriação
da palavra alheia na composição da relação entre o autor e o herói.
Ao propormos esta reflexão sobre a memória como composição multidimensional de vozes, preten-
demos abrir um espaço a mais na interlocução entre os estudiosos do Círculo de BAKHTIN e os historia-
dores. Nosso propósito, além de fazer uma reflexão sobre uma possível extensão da noção de exotopia,
foi levantar questões de linguagem que permeiam o fazer historiográfico e que nem sempre são levadas
em conta pelos que se dedicam a ele. Para nós, é importante que o pesquisador, enfim, trabalhe com
a idéia de que o homem e seu mundo formam o centro irradiador da visão estética que produz certos
tipos de organização conteúdo/forma que se fundamentam na relação entre o eu e o outro, evidencian-
do que tanto a experiência vivida, quanto a produção estética, compartilham parte do mesmo processo
produtivo/interpretativo. Portanto, o trabalho do pesquisador-historiador é um gesto interpretativo que
se faz nas fronteiras do eu e do outro.
Enfim, para encerrar, lembramos que, para BAKHTIN,
Cumpre compreender que tudo o que dá valor ao dado do mundo, tudo o que atribui um
valor autônomo à presença no mundo, está vinculado ao outro que é seu herói, fundamen-
tado em seu acabamento: é a respeito do outro que se inventam histórias, é pelo outro que
se derramam lágrimas, é ao outro que se erigem monumentos; apenas os outros povoam
os cemitérios; a memória só conhece, só preserva e reconstitui o outro; e tudo isso é feito
a fim de que minha própria memória das coisas do mundo e da vida se torne, por sua vez,
memória estética (p.126)
Referências:
BAJTIN, M. M. Hacia una filosofía del acto ético. De los borradores y otros escritos. San Juan: Universidad de
Puerto Rico, 1997.
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
Textos chave: Por uma filosofia do ato; O autor e o Herói; História e memó-
ria
Nomes chave: Bakhtin, Le Goff, Pêcheux
Palavras chave: memória, exotopia, biografia, história
Biografia resumida: Professora de Língua Portuguesa e Espanhola do Ensino
Fundamental e Médio, Curitiba (Paraná -Brasil), de 1992 a 1998. Professora de
Metodologia e Prática de Ensino de Línguas Estrangeiras Modernas da UFPR (Uni-
versidade Federal do Paraná), em Curitiba, desde 1996. Mestre em Educação, pela
UFPR, em 2001. Doutoranda em Análise do Discurso, desde 2002, sobre as relações
entre as Teorias da História e as Teorias do Discurso, pela mesma universidade.
Autora do livro História, memória e ensino de espanhol (1942-1990), sobre as re-
lações entre teorias de linguagem, metodologia, procedimentos e livros didáticos
no ensino de espanhol como língua estrangeira no Paraná.
UFSM
Resumo I
A filosofia do diálogo ou da relação, do filósofo austríaco M. Buber, foi a base do dialogismo bakhtiniano.
Essa filosofia afirma a palavra como um meio de relação entre os seres humanos e funda a experiência
da interação. A palavra realiza um movimento entre-sujeitos. A base fenomenológica do pensamento de
Buber parte do princípio do homem como ser situado no mundo com os outros. O homem é uma relação
dialógica entre eu-tu e não um ser individual. O tu é condição de existência do eu, pois a realidade do
homem é a realidade da diferença entre um “eu” e um “tu”. O “eu” não existe individualmente, senão
como abertura para o outro. Origina-se aí a constituição do par fundador - eu-outro.
Palavras chave: dialogismo, enunciação, interação.
Resumo II
Bakhtin’s dialogism sprang from M. Buber’s Philosophy of the dialogue. Such a Philosophy sees the
word as a means of relationship among human beings and it originates the experience of interaction. The
word moves in between the subjects. The phenomenological basis of Buber’s thoughts considers man
as a being situated in the world among other people. Man is seen in his dialogic relationship between
I /you, rather than as an individual being. The ‘you’ is a condition for the existence of the ‘I’, as man’s
reality signifies the reality of the difference between ‘I’ and ‘you’. The ‘I’ does not exist by itself; only in
so far as it opens up in the direction of the ‘other’. This way, the set I /other is constituted.
É uma ousadia escrever sobre Mikhail Bakhtin. Grandes nomes já o fizeram. É também um desafio,
aquele de não apenas repetir o que já foi dito. Entretanto, cada um que encontra o pensamento bakhti-
niano e dele se aproxima, parece ficar com a necessidade de expressar alguma opinião, de igualmente
contribuir com o debate em torno de suas idéias.
A contribuição que pretendo fazer é orientada por uma posição teórico-filosófica humanista e moderna,
concernente a uma concepção de vida decisivamente influenciada pela obra de Bakhtin, que definirei,
usando os termos de M. Berman, de humanismo moderno1, cujos eixos centrais são a cultura do diálogo
e o estudo das manifestações do cotidiano.
Mikhail Bakhtin foi, no meu entender, um dos precursores do humanismo moderno, pois muitas dé-
cadas antes dessa nomeação, enquanto a lingüística tradicional, ao encarar o estudo da língua como
representação objetiva do real, referendava a filosofia humanista clássica – cartesiana -, priorizara, em
seus estudos, a intersubjetividade, considerando a relação sócio-histórica e dialógica entre sujeitos o
cerne do processo de constituição do discurso.
Para Bakhtin (1929)2, a linguagem não deveria ser somente um objeto de estudo da ciência lingüística,
mas deveria ser vista como uma realidade definidora da própria condição humana, uma vez que envolve,
como prática social cotidiana, a experiência do relacionamento entre os seres humanos.
Esse processo interativo entre sujeitos baliza a enunciação e edifica o princípio dialógico como ele-
mento essencial na teoria bakhtiniana.
A filosofia do diálogo ou da relação de M. Buber3 foi a base do dialogismo bakhtiniano. Todorov
(1981:52;151) confirma a admiração de Bakhtin pela obra do filósofo austríaco. Essa filosofia afirma a
palavra como um meio de relação entre os seres humanos, ao realizar um movimento entre-sujeitos, e
funda a experiência da intersecção ou interação. A base fenomenológica do pensamento de Buber parte
1 O termo foi cunhado por Marshall Berman em 1982.
2 As datas são referentes à publicação original.
3 Filósofo austríaco, publicou em 1923 sua principal obra: Ich und du, traduzida em 1977, pela Editora Moraes, com o título Eu e tu.
Mesmo havendo uma tentativa de reprodução, releitura e até citação, o enunciado será uma recriação,
uma singularidade, visto que produzido por um outro sujeito, em um outro momento. O acontecimento
na vida do texto, seu ser autêntico, sempre sucede nas fronteiras de duas consciências, de dois su-
jeitos (Bakhtin, 1979: 333). O enunciado manifesta, portanto, a história do pensamento em direção ao
pensamento e ao sentido dos outros.
As condições reais da enunciação geram os sentidos dos enunciados que se distribuem entre as di-
versas vozes que habitam o tecido da linguagem. Estabelece-se, assim, um relacionamento dialógico de
sentidos entre enunciados confrontados. As relações dialógicas são relações semânticas entre todos os
enunciados na comunicação verbal. (Bakhtin, 1979: 345).
E não poderia ser diferente, visto que a linguagem é um processo determinado pela vida social, estando
em permanente evolução. É isso que faz do enunciado um continuum no fluxo incessante da interação
verbal, ligado ao movimento perene da vida social e da história.
O suporte do sujeito é um “nós”, pois ele não coincide jamais consigo mesmo, sendo inesgotável em
sua significação. Eu só pode se realizar no discurso, apoiando-se em nós (Bakhtin, 1926: 192). O ser
humano não existe para si, senão na medida em que é para os outros. Certos acontecimentos da vida
de um indivíduo, conforme interpretava Todorov (1981:151) sobre essa questão, somente são expe-
rimentados pelos outros: o próprio nascimento ou a morte. Tal fato comprova a impressão de sermos
também continuum, ou seja, começarmos e terminarmos nos outros.
A consignação da relação eu-tu, que emerge da concepção dialógica, deve ser entendida como um
deslocamento do conceito de sujeito. O sujeito centrado é substituído pelas diferentes vozes sociais que o
tornam um sujeito histórico e ideológico. Sendo assim, o dialogismo é principio constitutivo tanto do ser
humano como da linguagem. No discurso, tal reflexo dá-se através das palavras empregadas, que são
sempre habitadas por outros discursos. A percepção do dialogismo, pioneiramente, abala a concepção
clássica do sujeito cartesiano uno, uma vez que seu sujeito torna-se solidário às vozes, às alteridades
de seu discurso (Pessoa de Barros, 1994 e Dahlet, 1997). Em Bakhtin, a intersubjetividade é anterior
à subjetividade, uma vez que o pensamento, enquanto pensamento, nasce no pensamento do outro
(Bakhtin, 1979:4 329). E a enunciação como uma experiência social, dialógica, ativa e interativa passa
a ser o centro da interlocução.
O princípio dialógico edifica a alteridade como constituinte do ser humano e de seus discursos. Reconhe-
cer a dialogia é encarar a diferença, uma vez que é a palavra do outro que nos traz o mundo exterior.
Nossa fala, isto é, nossos enunciados (...) estão repletos de palavras dos outros. (Elas)
introduzem sua própria expressividade, seu tom valorativo, que assimilamos, reestrutu-
ramos, modificamos. (...) Em todo o enunciado, contanto que o examinemos com apuro,
(...) descobriremos as palavras do outro ocultas ou semi-ocultas, e com graus diferentes
de alteridade. (Bakhtin, 1979: 314/318).
Uma mesma língua, afirma Bakhtin (1975)5, é coabitada por falares diversos, linguagens sociais di-
nâmicas, que se cruzam, atravessadas pelo social e pela história. São linguagens do plurilingüismo em
que estão inscritos pontos de vista inseparáveis das transformações da experiência cotidiana. É esse
4 Referências relativas ao texto Gêneros do discurso, escrito originalmente entre 1952 e 1953.
5 Os originais foram escritos entre 1934 e 1935.
6 Este termo foi usado por Buber com um sentido semelhante ao empregado por Bakhtin, de dialogismo. Conferir em Todorov(1981:151).
UFSM
Resumo I
M. Bakhtin e E. Benveniste relevaram a relação dos sujeitos com a língua, balizando a presença da
subjetividade no discurso. Busca-se, neste texto, aproximar o pensamento de ambos os autores, no que
concerne à teoria da enunciação, destacando alguns pontos de convergência, a saber, aqueles ligados à
soberania do sujeito e à questão da forma e da substância lingüísticas.
Palavras chave: enunciação, subjetividade, sentido.
Resumo II
M. Bakhtin and E. Benveniste revelead the relationship of the subjects with language, demar-
cating the presence of subjectivity within discourse. It is attempted, in this study, to bring the thoughts
of those authors together, emphasizing some aspects of similarity between them, that is to say, those
aspects related to the subjects-sovereinty and the problems of Linguistic form and matter.
Qui dit homme, dit langage et qui dit langage, dit so-
ciété. (Lévi-Strauss)
A Lingüística tradicional, no início do século XX, postulava a língua como uma representação evidente
e objetiva da realidade. Posteriormente, autores como Benveniste (1966)1 e Jakobson (1963) reivindi-
caram para a linguagem, ao analisarem seu funcionamento, o lugar da constituição da subjetividade do
indivíduo.
Muito tempo antes (por volta de 1920), todavia, Mikhail Bakhtin, dentro da tradição humanista (não
cartesiana), vira na relação sócio-histórica e dialógica entre sujeitos o cerne do processo de constituição
dos discursos.
Desde que Kant colocou em dúvida o preceito filosófico cartesiano da consciência (razão pura), o
sujeito viu-se na contingência de encarar a precariedade da identidade, negada pelo outro.
Herdeiros da filosofia kantiana, tanto Bakhtin quanto Benveniste, cada um a seu modo, enfatizaram
a relação dos sujeitos com a língua, relação esta que determina a enunciação e marca a presença da
subjetividade no discurso.
Meu interesse neste trabalho será, precisamente, aproximar o pensamento de ambos os autores,
no que diz respeito à teoria da enunciação, destacando seus pontos de convergência2. Neste sentido,
interessam-me conceitos precisos, a saber, sujeito e sentido. Mais especificamente, evidencio como os
autores lidam com temas cruciais como a soberania do sujeito e a questão da forma e da substância
lingüísticas, refletindo sobre a dicotomia exterior/interior de maneira dialética, evitando uma leitura
reducionista. O resultado de tal esforço são muitas interrogações e quase nenhuma convicção, em uma
análise preliminar que pretendo aprofundar posteriormente.
Já no final dos anos 20, Bakhtin (1929) defendia a necessidade de uma teoria lingüística da enuncia-
ção, por ver nela o único meio de dar conta da compreensão real das formas sintáticas. Em sua opinião,
as análises sintáticas dos elementos do discurso constituem análises do corpo vivo da enunciação (pois)
as formas sintáticas são as que mais se aproximam das formas concretas da enunciação, além de es-
tarem ligadas às condições reais da fala (Bakhtin, 1929: 139). A partir de então, ele passou a estudar
as formas sintáticas que representavam, no interior de um discurso, o discurso de outros, via discurso
relatado e suas variantes.
Antecedendo em décadas certas reflexões das teorias modernas da linguagem, o filólogo russo pregava
1 As datas apresentadas são as das obras originais.
2 Mais adiante, talvez, escreva sobre os pontos divergentes. Tantos já o fizeram que é possível não haver mais o que dizer.
A seguir, tratarei da questão da forma e do sentido em ambos os autores, tomando como base dois
textos: Tema e significação na língua de Bakhtin (1929) e A forma e o sentido na linguagem de Benve-
niste (1974). Procurarei abordar esses elementos de maneira dinâmica, sem cair na tentação positivista
de descrevê-los de forma estanque e acabada.
Bakhtin como Benveniste refletem sobre o assunto em função de oposições, estabelecidas no interior
do sistema língua ou exterior a ele. Para uma visão geral e facilidade didática, esboço a seguir um perfil
comparativo:
Em Bakhtin Em Benveniste
Interior Exterior Interior Exterior
Língua Enunciação Língua Enunciação
Forma Tema Signo Frase
Significação Sentido Forma Sentido
Sistema da Contexto da Propriedade Atividade do locutor
língua palavra da língua situação de discurso
O nível semântico é o locus da frase e do sentido, conjunto único de circunstâncias, que só exis-
tem no momento em que são enunciados. Com a frase liga-se às coisas fora da língua; (...) o sentido da
frase implica referência à situação de discurso e à atitude do locutor. (Idem, ibid.: 230). E, mais adiante,
em texto de 19695: A ordem semântica se identifica ao mundo da enunciação e ao universo do discurso.
(Benveniste, 1974:66).
Benveniste realiza um movimento sutil e produtivo, partindo das dicotomias, rumo à superação
das mesmas. Podemos acompanhar esse movimento, lendo com atenção os seus textos. Perceberemos,
então, a real importância, nesse autor, da intervenção da enunciação.
No início de seu texto, Bakhtin (1929:128), exatamente como Benveniste, chama a atenção para a
dificuldade do problema da significação no terreno lingüístico, devido ao monólogo, travado pelos lin-
güistas, sobre o assunto.
O filólogo russo igualmente preconiza dois modos de significação, um próprio da língua e outro ligado
ao ato enunciativo. Ao primeiro modo, atrelado à forma lingüística, e composto de elementos idênticos
e reiteráveis a cada enunciação, Bakhtin denomina significação. Em contrapartida, o tema é formado de
4 Benveniste proferiu a palestra A forma e o sentido na linguagem em um congresso de filósofos em 1966 na Suíça.
5 O texto referido é Semiologia da língua.
Biografia resumida: Vera Lúcia Pires. Doutora em Letras pela PUCRS e Mes-
tre em Educação Brasileira pela UFSM. Docente nos Cursos de Letras, Espanhol
e Psicologia e no Programa de Pós-Graduação em Letras da UFSM. Orientadora
de pesquisas nas áreas de Enunciação, Análise de discurso e Teorias do gênero.
Autora de artigos em livros e revistas das áreas de estudos lingüísticos e estudos
do gênero, entre os quais: Discurso e sociedade: Práticas em análise do discurso
(Pelotas-RS: Educat, 2001), Bakhtin: diálogos inconclusos (Coleção Ensaios, nº
5: Programa de Pós-graduação em Letras da UFSM: 2003) e Representações do
feminino (Campinas-SP: Átomo, 2003).
И.Л.Попова
i
Письмо В.Страда Бахтин получил 22 февраля 1961 г., ответ датирован следующим днем.
Официальное обращение издательства последовало 23 марта (см.: Бахтинский сборник – III. М.,
1997. С. 376).
ii
Обратная расписка о получении рукописи датирована 28 декабря 1961 г. См.: ДКХ. № 32–
33 (2000). С. 78.
iii
О воспрепятствовавших тому обстоятельствах см.: Бахтин М.М. Собрание сочинений. Т.
6. М., 2002 (комментарии С.Г.Бочарова к «Проблемам поэтики Достоевского»), а также
переписку М.М.Бахтина с В.В.Кожиновым: ДКХ. № 32–33 (2000). Публ. Н.А.Панькова.
iv
v
Письма А.А.Смирнова к М.М.Бахтину цитируются по материалам архива Бахтина. См.:
Бахтин М.М. Собрание сочинений. Т. 5. М., 1996. С. 476 – 477.
vi
Беседы В.Д.Дувакина с М.М.Бахтиным. М., 1996. С. 184–185.
подготовлена статья «Из предыстории романного слова» (ВЛЭ, с. 408–446). Второй доклад — «Роман как
литературный жанр» — был сделан 24 марта 1941 г. (автограф и авторизованная машинопись хранятся в
архиве М.М.Бахтина); на его основе написана статья «Эпос и роман (О методологии исследования
романа)» (ВЛЭ, с. 447–483).
viii
Евнина Е.М. Франсуа Рабле. М., Гослитиздат, 1948.
ix
Имеется в виду отзыв Томашевского для Гослитиздата, написанный в декабре 1944 г. См.:
ДКХ. 1993. № 2–3. С. 118–119.
x
ОР РГБ, ф. 527, картон 19, е.х. 13. Текст не датирован. Почтовая карточка получена
М.В.Юдиной, судя по дате на почтовом штемпеле, 18 января 1946 г.
xi
Л.Арагон и Э.Триоле прилетели в Москву 16 сентября 1945 г. См.: Лиля Брик — Эльза
Триоле. Неизданная переписка (1921 –1970) / Комм. И.И.Аброскиной, И.Ю.Генс. М., Эллис
Лак, 2000. С. 120.
xii
ОР РГБ, ф. 527, картон 24, е.х. 31.
xiii
ГА РФ, ф. 9506, оп. 73, д. 70, лл. 30–32.
xix
В декабре 1945 г., когда рукопись «Рабле» была принята к защите в качестве кандидатской
диссертации, а секретариат ИМЛИ не мог собрать для отправки А.А.Смирнову, назначенному
официальным оппонентом, специально присланный для этого экземпляр, Дживелегов среди прочего
напомнил Бахтину о его разрешении передавать рукопись коллегам: «... Ваша работа так заинтересовала
наших специалистов, что секретариат никак не может собрать все ее тетради, чтобы послать в
Л<енингра>д. Я приму меры, чтобы дальнейших задержек не было, а особенно ретивых буду снабжать
тетрадями моего экземпляра. Вы — помните? — разрешили мне это».
xx
ДКХ. 1994. № 2 (7). С. 109.
Resumo I
O principal objetivo deste texto é analisar as representações utópicas presentes em dois romances
do escritor brasileiro Menotti del Picchia: Republica 3000(1930) e Kalum (1936), tentando destacar a
pluridiscursividade e a intertextualidade presentes nos mesmos.
Menotti Del Picchia é considerado um importante representante do modernismo brasileiro, sua par-
ticipação no mesmo foi marcada pelo paradoxo, tão absolutamente modernista entre ordem e transfor-
mação. O período entre 1930-1938, quando escreveu os seus “romances de aventura”, caracterizou-se
para Dell Picchia por um profundo desencantamento da realidade, por causa das suas conexões com o
establishement da República Velha, deposta pela Revolução de 30.
Provavelmente este ambiente político ajuda a explicar a atmosfera de suas utopias marcadas ao
mesmo tempo, por um desejo absoluto de racionalidade e por um sentimento de melancolia e opressão.
Nas suas novelas Dell Picchia procurou (re)construir sua república ideal.
Resumo II
The main objective of this paper is to analyze the utopian representations and understand the in-
tertextuality, which are present in two romances by the Brazilian writer Menotti Del Picchia: Republic
3000(1930) and Kalum (1936).
Menotti Del Picchia is considered an important representative of Brazilian modernism. The period be-
tween 1930-1938 was characterized to Del Picchia by a deep “disenchantment of reality”, because of his
connections with the Establishment of the “Brazilian old republic” that was deposed by the “Revolution of
1930”. His strong opposition to the new political reality was expressed in his participation, as a chairman
of publicity department of the defeated “Paulista Revolution of 1932”.
Probably this political environment helps to explain the atmosphere of his utopias, his search by the ideal
republic, which was absolutely rational and marked by a certain feeling of melancholy and oppression.
O principal objetivo deste texto é analisar as representações utópicas presentes em dois romances
do escritor brasileiro Menotti del Picchia: Republica 3000(1930) e Kalum (1936), tentando destacar a
pluridiscursividade e a intertextualidade presentes nos mesmos.
Menotti Del Picchia é considerado um importante representante do modernismo brasileiro. Ao mesmo
tempo em que compartilhava com seus companheiros do movimento o mesmo desejo de ruptura com
o campo literário tradicional, sua participação foi marcada pelo paradoxo tão absolutamente modernista
entre ordem e transformação. Esse processo levou a sua participação no conservador grupo da anta, em
1929. Paralelamente a suas atividades artísticas, Del Picchia teve uma intensa vida política, ocupando
diversos cargos eletivos. O período entre 1930-1938, quando escreveu os seus “romances de aventura”1,
caracterizou-se para Del Picchia por um profundo desencantamento da realidade, motivado pelas suas
conexões com o establishment da República Velha2, deposta pela Revolução de 30, liderada por Getúlio
Vargas. A forte oposição de Del Picchia à nova realidade política, foi expressa através de sua participação
no Serviço de Propaganda da derrotada Revolução Paulista de 19323.
1 Além do já citado Kalum,Menotti Del Picchia escreveu em 1930, República 3000 e em 1938, Kumunnká.
2 Menotti Del Picchia foi redator político do Correio Paulistano, jornal do PRP, e deputado estadual pelo PRP. Ver: Menotti Del Picchia, A Longa Viagem, SP:
Martins Fontes, 1972.
3 A participação de Menotti Del Picchia na Revolução Paulista de 1932, está descrita no seu livro A Revolução Paulista de 1932.
4 Menotti Del Picchia, A República 3000, São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1930.
A cidade de Elinor, por sua vez, apesar de ter sua evolução tecnológica e social descrita de forma
ligeiramente diferente, - a civilização da máquina recebe em Elinor, a denominação de “nova era”, a “era
do instrumento”- acabou por adotar o mesmo sistema de governo da República 3000, o anarquismo
individualista definido da seguinte forma: “Agora reinava entre eles o mais absoluto anarquismo, o que
representava a suprema forma de estrutura social. Por esse meio, o individualismo, ilimitado nas suas
fronteiras, representava a força de aglutinação das idéias em torno das mais raciocinadas, sedutoras e
perfeitas”.(PICCHIA, Kalum,p.229)5 Forma de organização anarquista, ainda que, ironicamente no roman-
ce, a população feminina tenha eleito como rainha a “monstruosa” Elinor. Como nos lembra Paul Ricouer,
as utopias, sempre tratam do poder, “Tentam mostrar maneiras como os povos podem ser governados
sem ser pelo estado, porque cada estado é o herdeiro de algum outro estado”(RICOUER,1991)
Mas a adoção do mesmo sistema de organização política não implicou em um mesmo destino. Na
República 3000 ele facilitou a continuidade do desenvolvimento tecnológico e a consequente transcen-
dência da condição humana através da comunhão com a galáxia. Na cidade de Elinor, as relações de
poder, presentes no regime ideal, não impediram a passagem para uma nova era: a era da decadência.
Nas palavras de Elinor, “Eu disse que somos uma nação superada e esse é o grande drama do meu povo.
Saturamos nossa capacidade material de progresso dentro do limitado ambiente que o destino nos reser-
vou. Giramos em torno do nada. Hoje somos apenas um espectro de povo...O senhor vem surpreender
nesta caverna apenas um bando de fantasmas.”(PICCHIA, Kalum, pp. 231-233)
Identidade e Raças
As propostas utópicas de reorganização social descritas nos romances A Republica 3000 e Kalum de
Menotti Del Picchia dialogam com o desejo de constituição de uma nova identidade nacional embasada
no aperfeiçoamento racial. É neste não-lugar, onde se dão contradições e paixões, que as hierarquias
temporariamente são suspensas e reiteradas, para que, no ritmo das aventuras, seja forjada a nova
identidade brasileira. Del Picchia também insere seus romances no debate, tão premente no período,
sobre os processos históricos de mestiçagem racial e sua relação com a ascensão ou decadência civiliza-
cional dos povos. A construção imaginária de Menotti parece dialogar alegoricamente com as teorias do
filósofo mexicano José de Vasconcelos, as quais demonstrara conhecimento na elaboração do manifesto
verde amarelo, o “Nhengaçu verde-amarelo”(SEVCENKO, 1992, p.299),
Somos um país de imigração e continuaremos a ser refúgio da humanidade por motivos geo-
gráficos e econômicos demasiadamente sabidos. Segundo os de Reclus, cabem no Brasil 300
milhões de habitantes. Na opinião bem fundamentada do sociólogo mexicano Jose Vasconce-
los, é de entre as bacias do Amazonas e do Prata que sairá a “quinta raça” a raça cósmica,
que realizará a concórdia universal, porque será filha das dores e das esperanças de toda a
humanidade. Temos de construir essa grande nação, integrando na pátria comum todas as
nossas expressões históricas, étnicas, sociais religiosas e políticas.”(in:TELLES,1986)
Os caminhos nos romances, para a constituição da raça cósmica, divergem e confluem. Na Repú-
blica 3000 está presente de forma mais evidente a engenharia de controle social presente na década
de 20. Uma das técnicas que naquele momento carrega a promessa eficaz de resolução dos problemas
supostamente trazidos pela diversidade étnica e social, através da construção de uma nova identidade
racial-nacional pelo processo racional de homogeneização racial era a eugenia, definida por Vera Beltrão
Marques, como a “nova forma de intervenção da higiene que, apoiando-se na ordem biológica, buscava
5 Menotti Del Picchia, Kalum, p. 229. Ainda que, ironicamente no romance, a população feminina tenha elegido como rainha a “monstruosa” Elinor. Com-
pare-se, também, a definição acima com a encontrada na República 3000. “nosso individualismo anárquico, tornado possível e harmônico dado o alto nível
coletivo de cultura, aboliu a regra coectiva e formou o imperativo comum da consciência. Agimos por instinto, socializando-se, instantaneamente, o novo
espírito moral que o pensamento dos nossos sábios cria à medida que evolvemos eticamente. É o próprio interesse individual que determina a harmonia da
nossa ação e assegura a constância inalterada do interesse coletivo. Assim perdemos em egolatria o que naturalmente ganhamos em solidariedade social,
sublimando o espírito de cooperação…realizamos a liberdade integral dentro da absoluta unidade gregária nacional. É a suprema forma de organização
política concebível pela humanidade, somente atingível após a posse total das forças econômicas de que dispõe o planeta e após uma larga e experimental
elaboração histórica…”. Menotti Del Picchia, A República 3000, pp. 134-136.
6 Para uma análise das relações entre utopia e paixões ver Paul Ricoeur, Ideologia e Utopia ,Edições 70, 1991.
Karl e Elinor, os únicos sobreviventes da tragédia da Cidade de Elinor, saem da platônica caverna para
encontrar a luz, “havia uma louca festa de pássaros nas ramas das árvores e uma doida orgia de sol”
(PICCHIA, Kalum,p. 298). Como forma de diminuir a dor causada pelas suas tristes memórias, bebem o
elixir do esquecimento, apagando os “fantasmas da memória”, restaurando a “virgindade psíquica”, trans-
formando-se numa “chapa fotográfica pronta a receber a mais leve impressão”, tornando possível uma
nova comunhão com a natureza. Só através do esquecimento é possível entrar novamente em harmonia
com a natureza, “reabrir o leque das paixões”, em busca da liberdade. Para inverter-se a alienação, ela
mesmo um esquecimento/perversão das paixões, propõe-se a ingestão do oblívio. A utopia possível é
lançar-se ao futuro na busca arqueológica da “regressão à Lei Divina” (RICOUER, p.493)
Quero que nossas almas nasçam como que neste instante, para inaugurar uma vida nova
na face da terra. Seremos uma espécie de Adão e Eva deste novo Éden...Dê-me este frasco
Elinor...Uma alegria imensa vibrava nele. Tomou Elinor pela mão e ergueu-a. Onde esta-
va? Que lugar era aquele? Como tudo era belo, luminoso e virginal! (PICCHIA, Kalum, pp.
299-300)
A união dos sobreviventes Karl e Elinor pode também, na retomada da tradição adâmica, indicar a
transcendência possível através da fusão das raças, a chegada ao terceiro estado, aquele onde os ho-
mens resgatariam suas vidas de deuses, baseados no dogma do amor, o não lugar onde se encontram
para moldar a paixão utópica:
Nos espaços imaginários da utopia, Del Picchia propõe caminhos de convergência entre tradições cultu-
rais, como a portuguesa, a grega, a germânica, com o suporte dos caboclos locais. Seus heróis invadiram
fronteiras e descobriram utopias. Fragoso ultrapassou o escudo elétrico e descobriu a República 3000.
Karl descobriu a caverna secreta onde estava localizada a cidade de Elinor.Como nos relembra Bakhtin,
“tudo pode acontecer com o herói aventuresco e este pode ser tudo. Ele também não é substância, mas
mera função da aventura” (BAKHTIN, 2002, p. 102). Seres descarnados de posições sociais de tênue
construção psicológica, concretizam-se na própria dinâmica da ação, nas aventuras, “não se pode dizer
quem é o herói aventureiro. Ele não tem qualidades socialmente típicas e individualmente caractereo-
lógicas que possibilitem a formação de uma sólida imagem do seu caráter, tipo ou temperamento. Uma
imagem definida como essa tornaria pesado o tema do romance de aventura, limitaria as possibilidades
de aventura.” (BAKHTIN,2002, p.102)
Através de um fascinante processo dialógico, Menotti Del Picchia confrontou as ambíguas relações entre
discursos sociais, tecnológicos e literários, presentes nas representações utópicas, tentando estabelecer
não menos ambíguas visões sobre a identidade brasileira. Utilizando a “magia da palavra”, recorrendo
de forma criativa a diferentes gêneros discursivos -pois afinal na literatura assim como na utopia, “tudo
é compatível com tudo” (RICOUER, p.483) -, como o romance de aventuras e o gênero utópico literário,
dialogando com os discursos estético-políticos do modernismo, e com o contexto histórico brasileiro e
latino-americano, Menotti Del Picchia procura apontar para o cerne da utopia, “a desinstitucionalização de
todas as relações humanas” (RICOUER, p. 486), a completa “dissolução dos obstáculos” entre os seres
humanos, em um futuro marcado pela redenção edênica, ou quem sabe por um simpósio universal.
Referências Bibliográficas
BAKHTIN, Mikhail (VOLOCHINOV). Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Annablume;Hucitec, 2002.
BAKHTIN, Mikhail. Problemas da Poética de Dostoiévski, RJ: Forense Universitária, 2002
ELLIOTT, Robert C. The Shape of Utopia, Chicago: University of Chicago Press, 1970.
MARQUES, Vera Regina Beltrão. A Medicalização da Raça: Médicos, Educadores e Discurso Eugênico. Campinas:
Editora da UNICAMP, 1994
PICCHIA, Menotti Del. A Longa Viagem, SP: Martins Fontes, 1972, v. 2
PICCHIA, Menotti Del. A República 3000, São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1930.
PICCHIA, Menotti Del. Kalum, RJ: Ediouro, s/d.
RICOUER, Paul. Ideologia e Utopia, Lisboa: Edições 70, 1991.
SEVCENKO, Nicolau. Orfeu Extático na Metrópole, São Paulo: Cia. das Letras, 1992.
Resumo I
O objetivo desse trabalho é analisar algumas charges de Herônio, veiculadas pelas revistas curitibanas
O Olho da Rua (1907-1911), A carga! (1907), A Rolha (1908). Elas pluralizam o olhar sobre a cidade,
sobre as reformas e as inovações técnicas do início da República, ressemantizando a experiência urbana.
As charges interagem com as várias práticas culturais, como um discurso polifônico e dialógico do qual nos
falava Bakhtin. Através da ironia e da ambigüidade, dialogavam com as imagens difundidas pelas elites
e pela imprensa oficial, acabando por desconstruí-las, invertendo a ordem, mostrando o hibridismo e a
heterogeneidade do espaço urbano, construindo e reconstruindo fronteiras entre o público e o privado,
renegociando significados. Nesse mosaico de complexidades e intercâmbios culturais transitam várias
faces da população, que mesmo numa tentativa de síntese, como é o caso do Zé Povo, constituem não
um quadro único e homogêneo, mas conjugam fragmentação e interação.
Abstract
The aim of this work is to analyze some charges by Heronio published on the magazines: O Olho da
Rua (1907-1911), A carga! (1907), A Rolha (1908). They multiply the views about the city; about the
urban reformes and technical innovations in the First Republic. They resignify the urban experience. The
caricatures interact with several cultural practices, a dialogical and polyphonic discourse as defined by
Bakhtin. Through irony and ambiguity, caricatures established a constant dialog with the images dis-
seminated by the elite and its official press, de-constructing, reversing the order, showing us the hybrid-
ism and heterogeneity of urban space, drawing new borders between public and private, renegotiating
meanings. This mosaic of complexities and cutural exchanges shows several faces of the population, and
even in attempt of synthesis. Like in the figure of Zé Povo, it doesn’t constitute a picture homogenous
and unique, but conjugates in itself fragmentation and interaction.
O objetivo desse trabalho é analisar algumas charges de Herônio1, publicadas no início do século XX,
veiculadas pelas revistas curitibanas O Olho da Rua (1907-1911), A carga! (1907), A Rolha (1908). Elas
pluralizam o olhar sobre a cidade, sobre as reformas e as inovações técnicas do início da República, sobre
a política e sobre os cidadãos que nela circulam, ressemantizando a experiência urbana.
Estudar a caricatura é, de alguma forma, polemizar. É buscar uma imagem invertida, um olhar do
avesso, levar a sério algo que se caracteriza pela total irreverência. A charge é um tipo de caricatura
que se refere a uma situação política, cultural, “estritamente atual”, focada numa situação ou em per-
sonagens definidos.
No caso deste trabalho, pensar a charge é dar ênfase ao tempo, às temporalidades dadas num con-
texto. É considerar que enquanto “o retratista luta contra o tempo, o caricaturista, ao contrário, prende-
se a ele.” (Fonseca, p. 19)
Mas um tempo que traz “o encontro do presente com o passado. Não para deparar com identidades,
mas para enfatizar diferenças que possibilitam o diálogo”. A charge faz uma leitura simultânea do pre-
sente/passado, negando e afirmando a história a um só tempo.(Ferrara, p.76)
A definição de caricatura feita por Rivers amplia o debate, pois a considera não como uma entidade
pré-existente, emoldurada por um contexto, mas situada numa dimensão que interage com o processo
histórico em que se constitui. Ela é dinâmica, sendo sempre reiterada e atualizada, como algo que é
1 Herônio era um dos pseudônimos de Mário de Barros, certamente um dos mais marcantes caricaturistas do começo do século XX em Curitiba. Nasceu
em 1879 em Jaú, no estado de São Paulo e aproximadamente dez anos depois mudou-se para o Paraná. Foi aluno de Mariano de Lima e teve como colegas
João Turin, Zaco Paraná, Aureliano da Silveira, entre outros que marcaram a arte paranaense.
2 Rivers faz uma distinção entre macro e micro contexto e o modo como os dois interagem com a caricatura. Neste caso específico o micro seria, por
exemplo, o jornal no qual é veiculada, o editorial da página, a linha editorial....Macro “envolveria elementos como a relação com o leitor, o sistema econô-
mico no qual o Cartum é criado, o clima político, o sistema legal, o meio tecnológico, a extensão de disseminação do trabalho de arte.” Kenneth T. Rivers,
Transmutations, p. 183)
oficial como por ocasião da visita do estadista francês Doumer a Curitiba. No último instante, Zé se faz
presente. Interfere, interrompe, joga-se na foto oficial. Traz para a formalidade do gesto diplomático,
o “viva” popular, a voz carregada de ironias e da pronúncia afrancesada. A ação caracteriza-se pelo ex-
agero, pela tensão do corpo todo em curva, em desequilíbrio, pela forte expressão facial, boca em “O”
prolongado, como um grito que invade e rouba a cena. A bandeira ao fundo é uma fusão/síntese das
bandeiras do Brasil e da França, sendo que o azul e o branco da nossa bandeira são predominantes e
contaminam as roupas a rigor. O cumprimento de mãos reitera/duplica a faixa de ordem e progresso,
unindo-os. Monteiro, em desequilíbrio, inclina-se para frente, paralelo ao gesto de Zé. Este tangencia a
circunferência, com duas linhas curvas – corpo/cabeça, corpo/braço, alonga-se num aceno prolongado.
Insinua-se na paisagem/ inscreve-se na bandeira. Desorganiza a oficialidade do ato. Está dentro e à
margem ao mesmo tempo. A sátira às cerimônias oficiais repete-se no diálogo, onde a natureza (chuva)
é culpada por prejudicar a mistura entre os avanços da cidade “civilizada”, “moderna” (trem, arcos) e as
tradições do sul (mate, chimarrão, churrasco).
de ausência de algo que se faz presente pela memória e é revivido pela saudade: esperanças que se
tornam lembranças. Lembrar é um modo de atuação, de manter-se presente, de marcar presença. É
uma tentativa de estabelecer uma comunicação com algo em que ainda se acredita, que ainda é amado.
O respeito aos mortos o leva a uma busca, talvez de si mesmo, talvez de outras esperanças e anseios
jogados numa vala comum, de tantos outros zés. Como identificá-las? Ou serão as mesmas, unidas pelo
mesmo destino? “E assim são todos os símbolos carnavalescos: estes sempre incorporam a perspectiva
de negação (morte) ou o contrário. O nascimento é prenhe de morte, a morte, de um novo nascimento”
(Bakhtin, 1997, p. 125)
As reticências do discurso verbal criam o espaço do silêncio, que se prolonga, insinuando uma
espera. As relações de vida/morte, ausência/presença, esperança/desespero, conformidade/inconfor-
midade, submissão/revolta, intensificam-se diante da morte. Presente, passado e futuro tornam-se
simultâneos com a pura constatação da incerteza, no momento em que o “homem perdido e sem lugar
– pode rir e festejar sua crise e morte através dos contrastes mais divergentes e estranhos” (Pinheiro,
p. 39)
Transitando entre o estereótipo, na medida em que tenta fixar ou generalizar um padrão, e o simulacro,
representação que cria laços de semelhança com a realidade, acaba por descortinar a impossibilidade de
se falar do povo como único e homogêneo. Entre o estranhamento e a proximidade, impõe-se a com-
plexidade, percebe-se que não há uma unidade na caracterização, mas um convívio com a pluralidade.
Através de um “sistema de espelhos deformantes” que “alongam, reduzem e distorcem em diferentes
sentidos e em diferentes graus” damo-nos conta da presença do outro, ainda que em seus reversos,
pois “os contrários se encontram, se olham mutuamente, refletem-se um no outro, conhecem e com-
Dušan Radunović
Bakhtin Centre
Russian and Slavonic Department
The University of Sheffield
Arts Tower
Sheffield S10 2TN
United Kingdom
English Abstract:
In this essay the author elaborates on some of the pivotal concerns of early Bakhtin’s thought.
Scrutinizing Bakhtin’s Toward a Philosophy of the as well as some other early pieces, Radunovic argues
that Bakhtin’s principle of responsibility epitomizes the two fundamental insights of the Russian
philosopher: inseparable unity of diverse human activities—virtually separated by inert theoretical
thinking—and non-formal ought of the subject to act, which means to take responsibility for uniqueness
of his/her position in the world. The philosophical intention of the treatise, the author argues, follows the
two distinctly separate trajectories: a primary ethical demand for a non-indifferent, responsible subject,
and a seemingly derivative, overarching authorial imperative for unity and wholesomeness.
Russian Abstract:
В настоящей статье сделана попытка проанализировать главные аспекты мысли Бахтина на
протяжении первых лет его творчества. Критически анализируя статью К философии поступка, а
также и другие важные труды молодого Бахтина, автор доказывает, что принцип ответственности
воплощает два самых главных устремления его философии: неразделимое единство различных
деятельностей человека—которые только мыслимо разделимы в современном теоретическом
мышлении—и должность, но и свобода нравственного субьекта принять ответственность за
единственность и неповторимость своего места в мире. Между тем как философская интуиция
трактата, доказывает автор статьи, следует в двух отдельных направлениях: первычное этическое
требование не-индифферентного, ответственного субьекта и, только кажущийся вторичным,
авторский императив единства и целостности.
Ever since the early Bakhtin’s treatise Toward a Philosophy of the Act has been published, it
obtained privileged position within the Bakhtin studies. Since this unfinished piece elaborates an
idiosyncratic evaluative theory, calls for a daring reassessment of Western ontology, and at the same
time engages into explicit or oblique theological speculations, its reception almost immediately
transcended the scope of the Bakhtinian scholarship1. However, rather then making his/her stand on
any of mentioned aspects of the treatise, a proper Bakhtinian scholar is expected to raise some
important issues on various philosophical intentions noticeable within the treatise, both on their origin,
and on image they obtain in a broken mirror of Bakhtin’s hermeneutics. Finally, the interrelation
between diverse concepts within Bakhtin’s oeuvre as a whole is the issue that stands before the
Bakhtinian scholarship probably as the most challenging and the most misleading one.
Firstly, some will find the abovementioned compound “Bakhtin’s oeuvre” dubious, because
“oeuvre” always implies certain level of inner coherence of some author’s works; still, the awareness of
indeed excessive heterogeneity of Bakhtin’s scientific corpse should elicit our efforts on scrutinizing the
nexuses between his ideas during the 1920s, but also between the later, seemingly clear-cut concepts
1 Actually, in the West, a number of Bakhtin’s concepts (dialogism, carnival, heteroglossia, etc.), had had large application in the wide range of humanities
prior to the publication of TPA. In Russia, however (with exceptions, such as Sergei Averintsev or Vladimir Bibler), wider epistemological “utilization” of
Bakhtin’s concepts followed the delayed publication of his early, fully-fledged philosophical pieces.
2 It is probably this pathos of reality that gave rise to numerous discussions on the role that the factor of socio-historical reality has played in Bakhtin’s
thought throughout the years. An unfinalized dialectics—Bakhtin would certainly plead for dialogue instead of dialectics though—the interraction of the subject
and society as depicted in Bakhtin’s writings dwells in between the two instances—common aspect of social being as well as concrete individual, being that
way the decisive feature of his philosophical anthropology. Finally, the very term he uses to depict the moment of this balance is embodiment (in Russian
voploshchenie), which (Bakhtin varies it elsewhere) is understood as a plea to the responsible subject to give his own, personalized account on various
aspects of his surrounding (cultural, ethical, cognitive). This relationship thus should not be viewed as a subject’s external determination, but a framework
that challenges him to act and participate in the process of world’s permanent becoming.
3 It is likely that “contemporariness” with Bakhtin presupposes the age of European Modernity. Namely, although Bakhtin does give some historical referen-
ces in TPA it is difficult to maintain when the “principal rupture” within the totality of being he laments over occurred. Interestingly, the reference on Kant
he gives in Toward a philosophy of the Act is notorious: as it is known, Kant did say exactly opposite to what Bakhtin claims he had said: “hundred real
thalers”, we read in Kant’s first Critique, “are equal to a hundred thinkable thalers” (emphasis mine). Taking that into account, we might situate the origins
of the crisis at the time of Kant’s “Copernican turn”.
4 Although the Russian term “otvetstvennost`” etymologically implies an ability to answer, I will rather opt for more ethically sounding “responsibility”. It is
my firm belief that we should not dissolve Bakhtin’s clear-cut ethical intentions by displacing them in post-Saussurean linguistic universe. Not in the least,
a good deal of Bakhtin specialist impose “answerability” in order to utilize it and (if nothing, terminologically) bridge the “uncanny” gap between supposed
philosophical early corps and subsequent, naively assumed immanently linguistic, dialogism.
In quite a Schelerian manner, Bakhtin here strives to distance his moral subject from both formal and
material ethics: what makes a subject the responsible being must appear from the sphere of his/her
real existence. Responsibility should not be conditioned by any kind of imperative or with the content of
the good itself, no matter how indisputable the content might be. Thus, this non-conditional stance on
Bakhtin’s part does not presuppose relativism. Rather, it relies on the proposition that, if I am a respon-
sible being, I am not to have recourse to any type of “alibi in Being”, and should have no obligation laid
down on me from outside.
“It is this affirmation of my non-alibi in Being that constitutes the basis of my life, being
actually and completely given as well as its being actually and completely projected as
something-yet-to-be-achieved. It is only my non-alibi in Being that transforms an empty
possibility into an actual answerable act or deed” (Bakhtin, Philosophy of the Act 42).
Following the logical (though not discursive!) unfolding of Bakhtin’s argumentation in the treatise,
we can perceive the true hierarchy of his philosophical propositions. The subject’s responsibility is, un-
doubtedly, the core of Bakhtin’s philosophy of the act, but the ultimate horizon of his ethical project is
in the (personalized) overcoming of the “principal rupture” within the (always presupposed) totality of
human culture—the split between the given “world of culture” and the actual “world of life.” In other
words, the all-pervasive drive that constitutes a parallel ideological agenda of Toward a Philosophy of
the Act is holistic. Although Bakhtin’s analyses mostly focus on the ethical position of individual subject,
the definitive meaning of the individual action, as Bakhtin sees it, resides in the individual’s partaking
of the Being-as-Event (which is a participation that is, at the same time, a founding act). The subject’s
ultimate activity—the validation of his/her existence—is seen not in terms of concrete social practice, but
as a personal ontological “entering-the-communion” (in Russian, “priobshchenie,” which means “entering
a unity”, rather then the static, as if already finalized, “being in communion” as we find in the English
translation of TPA). This unity, which appears to the final aim of the subject’s moral act, permanently
reconstitutes the interpenetrated holistic world of human creation:
“At the basis of an actual deed is a being-in-communion with the once-occurent unity; what
is answerable does not dissolve in what is specialized (politics), otherwise what we have is
not an answerable deed but a technical or instrumental action” (Bakhtin, Philosophy, 56;).
Bakhtin’s notion of “inseparable unity”, the vision of interpenetrated universe consisted of all levels
of creation, cultural as well as material, with one axiological center – human being, pertains in diffe-
rent forms throughout his early formatting years. Alike, in the Problem of Content, Material and Form
Bakhtin brings his holistic view to bear on the assessment of contemporary poetics. The latter was, at
the time embodied in Russian Formalism, which was, from Bakhtin’s standpoint, tending to found the
literature science by isolating the literature from the wholeness of human culture. His main objection
to the Formalists did not concern their effort to explore literature on scientific grounds (Bakhtin was an
advocate on an aesthetic reevaluation of literature science), but rather the way they defined “literary
scientificity”—by isolating literature from the wholeness of human culture. Maintaining that every word
in literature is inscribed with layers of social and cultural usages that we can never be indifferent about,
he situates the realm of aesthetics inside the interpenetrated network of human culture (here the domain
of culture is understood in Bakhtin’s own manner; as a network consisted of mutually related acts of
human creation, not limited to the artistic sphere). The vital difference between the material object of art
conceptualized by Russian Formalists as the only “scientifically valid” object of aesthetic analyses, and
aesthetic object (the proper object for aesthetic analyses, according to Bakhtin) lies in connections that
tie the latter with its socio-cultural and cognitive environment. Again, in different way, each particularity
and partition from the whole is being sharply criticized. What was in TPA rendered as the “original sin”
of contemporary culture, here becomes a plea for more comprehensive literary scholarship.
This lead Bakhtin to firm belief that no sphere of human existence is detached from its surroundin-
gs. Every reductionism (what might be called “specialization of disciplines of knowledge”), especially if
applied to the humanities6, exacts Bakhtin’s disapproval: he denounces any mechanistic transposition
of positivist patterns of thinking into the domain of humanistic studies. Cnsidering the verbal arts and
culture, Bakhtin’s position is as comprehensive as it is straightforward: creating his/her art, verbal artists
never deal with neutral material; the world he/she encounters has been already evaluated—practically
(in Bakhtin, cognition and ethics necessarily precede aesthetics), as well as aesthetically (in other works
of literature):
Besides the reality of both cognition and performed action, the artist of the word also finds
literature to be already on hand: it is necessary for him to fight against or for old literary
forms, to make use of them, to combine them, to overcome their resistance or to find sup-
5 Thus conceived, the notion of “activity” does not appear to have much of political potential: indeed, the human capacity that Bakhtin is primarily addressing
here is the subject’s will. In terms of Bakhtin’s ethics of the will, “coming out of the responsibility,” which is the realm of theory, is inseparable from “inciting
an act,” the realm of practice: responsible (evaluative and volitional) attitude toward the world is moral activity par excellence.
6 Interestingly, whereas in Toward a Philosophy of the Act this ethically based argumentation concerns the spheres of the natural sciences and technology,
in later fragments on epistemology Bakhtin distinguishes between the human sciences and the broad category of “exact knowledge” (Cf. Bakhtin, “Toward
a Methodology for the Human Sciences.” 160 et passim).
The importance of the axiological sphere for the constitution of the subject in early Bakhtin is cru-
cial. In the living subject, axiological activity and existence overlap without a remainder: since existing
means being responsible, the subject, insofar as s/he exists, is always evaluating and being evaluated.
From Bakhtin’s perspective, the subject’s evaluative activity is an emotional-volitional act directed at the
outside world; it is the acknowledgement of his/her affinity with the world’s being (Philosophy 33-34).
The recognition of what is outside the subject brings a new recuperation of the world, neither solely
axiological nor moral, in a narrow sense, but rather holistically accented.
“My active deed . . . is not simply an affirmation of myself or simply an affirmation of actual
Being, but a non-fused yet undivided affirmation of myself in Being….” (Bakhtin, Philosophy
of the Act 41).
On its final horizon, this recuperation becomes a dynamic, creative redemption of the world, at the
center of which stands the non-indifferent subject, the subject that is, eo ipso, expected to act, making
his surrounding into the world-in-becoming, the world as a permanent, interdependently ongoing Event.
Significantly, Bakhtin introduces eminently theological terminology in order to describe the relationship
between the subject and the world. The balance between the subject’s self-affirmation and his/her di-
sappearing in Being is understood as a unity “without confusion, without separation”. The oxymoronic
Chalcedonian formulation “nesliianno i nerazdel’no” (or in Byzantine Greek “asynhytos, ahoristos”) captu-
res the most essential intuition of Bakhtin’s critical genius—the penchant for thinking difference-in-unity
and unity-in-difference. This intuition was to inform his entire oeuvre: from the concept of polyphony to
the theory of the utterance and the epistemology of the human sciences7.
In conclusion, we might say that the early “principle” of responsibility epitomizes the two of Bakhtin’s
fundamental concerns: inseparable unity of diverse human activities that were only virtually separated by
inert theoretical thinking, and both ought and freedom of the subject (the axiological/responsible center
of the world) to accept his/her unique position in the world. Consequently, the philosophical intention of
the treatise follows the two distinctly separate, yet related, trajectories: a primary ethical demand for
a non-indifferent, responsible subject, and a seemingly derivative, overarching authorial imperative for
unity and wholesomeness.
References
Primary sources
Bakhtin, Mikhail. Toward a Philosophy of the Act. Trans. Vadim Liapunov. Ed. Vadim Liapunov and Michael Holquist.
Austin: University of Texas Press, 1993.
__ __, “The Problem of Content, Material and Form in Verbal Artistic Creation.” Art and Answerability. Trans. Vadim
Liapunov. Ed. Michael Holquist and Vadim Liapunov. Austin: University of Texas Press, 1990.
__ __, “Toward a Methodology for the Human Sciences.” Speech Genres and Other Late Essays. Trans. Vern W. McGee.
Ed. Caryl Emerson and Michael Holquist Austin: University of Texas Press, 1986.
Secondary sources
Lock, Charles. “Bakhtin and the Tropes of Orthodoxy.” Bakhtin and Religion. Ed. Susan M. Felch and Paul J. Contino.
Evanston: Northwestern University Press, 2001
Mihailovic, Alexander. Corporeal Words: Mikhail Bakhtin’s Theology of Discourse. Evanston, Illinois Northwestern
University Press, 1997.
Khoruzhii, Sergei. “Ideia vseedinstva ot Geraklita do Bakhtina.” Posle pereryva. Putirusskoi filosofii. Sankt Peterburg:
Izdatel‘stvo ‘Aleteiia’. 1994.
7 For Bakhtin’s rendering of the formulation of Christ’s twofold nature canonized by the Fourth Ecumenical Council in Chalcedon in 451, see Mihailovic
125—148 and Lock 100 et passim
Poderá parecer, à primeira vista, que a escolha do tema a que me propus hoje é excessivamente
ambiciosa. Não posso dizer o contrário. Entretanto, para discutir o estado atual das questões que ocu-
pam aqueles que têm como preocupação teórica central a análise dos discursos, não parece haver outro
caminho senão o de tentar fazer uma espécie de reconhecimento de terreno, estabelecendo as fronteiras
capazes de desenhar áreas conceituais minimamente definidas, sem o que há o risco de se falar no vazio
e a vender alhos por bugalhos.
O campo da linguagem, já o reconhecia Saussure, é “multiforme e heteróclito; cavalgando múltiplos
domínios, a um só tempo físico, fisiológico e psíquico, ele pertence ainda ao domínio individual e ao
domínio social; ele não se deixa classificar em nenhuma categoria dos fatos humanos, porque não sa-
bemos como determinar a sua unidade.”1
O que o genial mestre genebrino faz aqui, se a ele pertence realmente tal pensamento — já que a
redação do Cours de Linguistique Générale foi tarefa de discípulos, aplicados, mas sempre discípulos
— é desferir um golpe de estilo. Pois, ao reconhecer a heterogeneidade do terreno e as conseqüentes
dificuldades daí advindas, o que ele faz é, autoritariamente, determinar que a linguagem não pode clas-
sificar-se entre os fatos humanos. Assim, a linguagem, enquanto totalidade, enquanto fenômeno humano
e, em conseqüência social e histórico, estaria fora do alcance de nosso conhecimento sistemático, fora do
campo do conhecimento científico, enfim. Pesa a seu favor, entretanto, o admitir, com louvável humildade
científica, que faz isto “porque não sabemos como determinar a sua unidade”.
Com esse simples passe de mágica, descarta um problema que, por ser de difícil solução, nem por isso
deixa de ser importantíssimo para o entendimento do próprio fenômeno humano. Que Saussure quisesse
estabelecer o seu objeto — e o fez com insuperável talento! — tudo bem. Era o passo necessário para
fundar a ciência que o tem como patrono. Fundou-a e bem fundada. Não é aí que reside o perigo!
O problema é outro. Ao fundar a Lingüística nas bases em que ele a fundou, com esse mesmo gesto,
descartou a possibilidade de um estudo sistemático e metodologicamente orientado do fenômeno mais
amplo da linguagem, relegando-a para o limbo das coisas incognoscíveis, criando um paradoxo de im-
possível solução. A linguagem, meio essencial de humanização do homem, não poderia ser objeto de
uma ciência que dela desse conta em toda a sua extensão e amplitude. No horizonte filosófico em que
Saussure se situava, talvez não houvesse, na época, outra alternativa, mas isso não impediu que, anos
mais tarde, o excluído retornasse ao palco das indagações.
E foi exatamente na Rússia, em meio à grande convulsão social decorrente da Revolução Bolchevique,
que uma outra corrente de pensamento sobre os fenômenos da linguagem começou a desenhar-se. Na-
vegando contra o oficialismo filosófico reinante em seu contexto, sempre empobrecedor e reducionista,
mas sem afastar-se, entretanto, do campo das indagações marxistas, Mikhaïl Mikhaïlovitch Bakhtin co-
meça um longo processo de repensar as grandes questões com que o campo da linguagem continuava
a desafiar todos aqueles que se defrontavam com suas manifestações. Desafio ainda maior para os que
se debruçavam sobre as questões da produção literária, mormente dentro da tradição russa, sempre
muito voltada para o social.
A partir de uma produção irregular, apesar de fecunda, atravessada pelos óbices de não ser um
intelectual bem-visto pelo sistema, Bakhtin vai lançando suas idéias inovadoras, seja através de livros
assinados por amigos e colaboradores como Medvedev e Voloshinov, seja por obras publicadas em seu
próprio nome. Vai tentando organizar, num cipoal de concepções inovadoras, as linhas de sua pesquisa
e de suas propostas. Extremamente preocupado com as questões da cultura popular, sua mirada estará
sempre assentada sobre as questões da oralidade, por onde circula e onde se perpetua a produção dos
segmentos menos privilegiados da sociedade. E este dado, muitas vezes omitido, é definitivo para a
compreensão de suas concepções teóricas.
A fixação na oralidade afasta-o das tentações sempre presentes do fetichismo do texto, tão comum
entre aqueles que, afeitos à página impressa como suporte da literatura, não conseguem dele escapar.
1 Saussure, Ferdinand de. Cours de Linguistique Générale. Publié par Charles Bally, Albert Sechehaye et Albert Riedlinger. Paris: Payot, 1966.
2 Bakhtine, Mikhail. La poétique de Dostoievski. Traduit du Russe par Isabelle Kolitcheff, présentation de Julia Kristeva. Paris: Éditions du Seuil, 1970.
3 Todorov, Tzvetan. Mikhaïl Bakhtine: le principe dialogique suivi de Écrits du Cercle de Bakhtine. Paris: Éditions du Seuil, 1981.
Luis Filipe Ribeiro é mestre em Letras pela PUC/RJ e doutor em História Social
das Idéias, pela UFF; professor adjunto de Teoria da Literatura, no Instituto de Letras
da UFF, e de Literatura e História no Programa de Pós-Graduação em História da
UFF. É autor, entre outros ensaios, de Mulheres de Papel: um estudo do imaginário
em José de Alencar e Machado de Assis . Niterói: Eduff, 1996 e de Geometrias do
Imaginário, Santiago de Compostela: Edicións Laiovento, 2000.
CEP: 88015-380
E-mail: [email protected]
Resumo
Neste artigo, objetiva-se apresentar a análise da constituição e do funcionamento do gênero do dis-
curso artigo, da esfera jornalística. Os dados constituíram-se de sessenta e dois artigos, publicados em
quatro jornais nacionais brasileiros. Na dimensão social do artigo, destacaram-se: vinculação à seção
de opinião, periodicidade diária, interlocutores das classes A, B, C, concepção de autoria centrada nos
critérios de prestígio social e midiológico. No aspecto temático, o artigo apresenta-se como uma reação-
resposta do autor face aos acontecimentos sociais da atualidade. A orientação apreciativa constrói-se
através da relação dialógica de três instâncias enunciativas: a posição da autoria e seus desdobramentos
enunciativos; a relação dialógica com os enunciados já-ditos: movimentos dialógicos de assimilação e
de distanciamento; a relação dialógica com a reação-resposta ativa do leitor: movimentos dialógicos
de engajamento, refutação e interpelação. Essas relações constroem-se estilístico-composicionalmente
pela incorporação de gêneros intercalados, uso de expressões avaliativas, introdução do discurso do(s)
outro(s) e modalização.
Abstract
The aim of the article is to present the analysis of the constitution and the functioning of the spe-
ech genre “article”, of the journalistic sphere. The data had consisted of sixty two articles, published
in four Brazilian national newspapers. In the social dimension of the article, we distinguished: linkage
to the opinion section, daily periodicity, classes A, B, C readers as addressees, authorship’s conception
centered upon social status and media-criteria. In the thematic aspect, the article is characterized as a
reaction-evaluative response of this author face to the social events of the present time. The appreciative-
oriented production is constructed through the dialogic relationship of three enunciative instances: the
enunciative position of the authorship and its developments; the dialogic relationship with the already
produced utterances: dialogic movements of assimilation and distancing; the dialogical relationship with
the reader’s active reaction-response: dialogical movements of engagement, refutation, and interpella-
tion. These relationships are constructed with the incorporation of intercalated genres, use of avaliations
expressions, introduction of the “related speech” and modalization.
1. Introdução
O resultado de pesquisa que se apresenta neste artigo científico é uma síntese da pesquisa de dou-
torado, realizada no período de 1998 a 2000, cujo objetivo foi analisar e elaborar uma descrição inter-
pretativa do gênero do discurso artigo, da esfera jornalística.
A seqüência do texto encontra-se organizada em quatro seções. Na seção 2, discutem-se alguns con-
ceitos teóricos do Círculo de Bakhtin que sustentaram os princípios teóricos e metodológicos da pesquisa.
Os procedimentos metodológicos de análise dos dados são relatados na seção seguinte. Nas seções 4
e 5, são apresentados os principais resultados da análise do gênero artigo. Na última seção, a título de
fechamento, são discutidos alguns desenvolvimentos de pesquisa possíveis.
O que se observa é o diálogo de Bakhtin com as correntes teóricas da época, como a lingüística.
As considerações teóricas da lingüística da sua época, pelo seu recorte teórico, ou seja, pela abstra-
ção de certos aspectos da vida concreta da linguagem, não podiam responder pelo todo do texto, ou
seja, pelo texto visto como enunciado. Bakhtin reconhece a legitimidade do objeto da lingüística – o
texto visto como fenômeno puramente lingüístico –, mas sua orientação é outra; ausculta o texto
como fenômeno sócio-discursivo: “Nos interesan ante todo las formas concretas de los textos y las
condiciones concretas de la vida de los textos, sus interrelaciones e interacciones.” (BAKHTIN, 1985,
p. 306)
Fazendo uma analogia com a distinção que Bakhtin estabelece entre discurso e língua (objeto da
lingüística) no livro Problemas da poética de Dostoiévski (1997, p. 181) – “temos em vista o discurso,
ou seja, a língua em sua integridade concreta e viva e não a língua como objeto da lingüística, obtido
por meio de uma abstração absolutamente legítima e necessária de alguns aspectos concretos da
vida do discurso” –, que se designou na pesquisa como língua-discurso e língua-sistema, respectiva-
mente, pode-se dizer que o texto, visto na sua integridade concreta e viva, e não o texto como
objeto da lingüística do texto de cunho mais imanente, faz dele um enunciado. Como no caso da
dupla orientação teórica para a língua, pode-se adotar a dupla orientação teórica para o texto: o
texto-sistema e o texto-enunciado. É novamente em El problema del texto en la lingüística, la filología y
otras ciencias humanas. Ensayo de análisis filosófico (1985) que o autor salienta que dois aspectos
“determinam” um texto como um enunciado: o seu projeto discursivo e a realização desse projeto,
sendo que a inter-relação entre eles imprime o caráter do texto. Assim, o texto visto como enunciado
tem uma função ideológica particular, tem autor e destinatário, mantém relações dialógicas com
outros textos (textos-enunciados) etc., isto é, tem as mesmas características do enunciado, pois é
concebido como tal.
Nessa perspectiva, o texto, objeto da vida concreta, pode ser analisado teoricamente de uma
dupla perspectiva: do pólo da língua, do texto propriamente dito (pólo 1) e do pólo do discurso, do
enunciado (pólo 2). O primeiro pólo do texto, abstraído da sua situação social, está relacionado com
tudo aquilo que é e pode ser reproduzido e repetido no texto, ou seja, a língua como sistema de
signos e o texto como sistema de signos. O segundo pólo do texto é o do acontecimento irrepetível
do enunciado, que pertence ao texto, mas que só se manifesta na situação, na interação com outros
textos (enunciados). Dessa forma, do ponto de vista do segundo pólo, e somente a partir dele,
pode-se estabelecer que o texto é enunciado, que a língua é discurso.
Assim, compreende-se que quando Bakhtin salienta que a constituição do homem social e da sua
linguagem é mediada pelo texto, que o texto é o ponto de partida para o estudo do homem social e
da sua linguagem, ele está se referindo ao texto-enunciado. A figura a seguir busca representar a
interpretação que se fez da complexa relação desenvolvida por Bakhtin entre texto, enunciado,
língua e discurso, vista a partir dos dois pólos de análise do texto.
Feitas as considerações a respeito da relação entre texto e enunciado, pode-se discutir a noção
de enunciado. Interessam-nos aqui certos aspectos da noção de enunciado apreendidos dos textos
do Círculo: a sua condição de unidade e elo na cadeia da comunicação discursiva, as suas dimensões
constitutivas e as características que o diferenciam das unidades da língua (sistema).
Pólo 1
texto língua (- situação social e
interlocutores)
(Plano da língua)
TEXTO
(+ situação social e
(Plano do discurso) interlocutores)
enunciado discurso
Pólo 2
Portanto, a noção de enunciado do Círculo inclui a sua dimensão social (ou dimensão extra-verbal)
como um elemento constitutivo. Sem essa dimensão, pode-se dizer que se está diante do texto-sistema.
É certo que essa posição não subestima a dimensão verbal (ou outro material semiótico) do enunciado,
uma vez que sem uma expressão material semiótica já não se está também mais diante de um enun-
ciado, mas de um fenômeno natural, não sígnico. A problemática levantada é que a noção de enunciado
como um todo de sentido não se limita apenas a sua dimensão lingüística. Para além de uma parte
verbal expressa (exprimida, materializada), fazem parte do enunciado, como elementos necessários a
sua constituição e a sua compreensão total, isto é, à compreensão do seu sentido, outros aspectos cons-
titutivos do enunciado, que compõem a sua dimensão social constitutiva. O Círculo de Bakhtin reafirma
essa posição em vários trabalhos, como se pode observar na citação a seguir:
Quels que soient le sens vécu et la signification de l’ énoncé dans la vie, ils ne coïncident
pas avec sa constitution purement verbale. Les discours prononcés sont imprégnés de sous-
entendu et de non dit. Ce qu’on appelle la “compréhension” et l’ “évaluation” de l’énoncé
(l’accord ou le désaccord avec lui) englobent toujours et le discours lui-même et la situation
vécue extra-verbale. (VOLOSHINOV,1981, p. 199, grifos do autor).
Ainda, o fato de a situação social “determinar” o enunciado, de se integrar a ele como um elemento
indispensável a sua constituição semântica não deve levar a crer que o discurso e o enunciado refletem
passivamente a situação extra-verbal (como um espelho reflete um objeto), ou que eles sejam expressão
de algo já acabado. O enunciado “conclui”, “acaba” uma determinada situação, representa a sua solução
valorativa, ou seja, sempre cria algo de novo e irrepetível.
Na diferenciação do enunciado (unidade do discurso) das unidades da língua, como a oração e a
palavra, Bakhtin (1985) aponta as seguintes características: alternância dos sujeitos discursivos (cria o
acabamento externo do enunciado, as suas fronteiras); expressividade (sua condição de elo da cadeia
da comunicação discursiva); e conclusividade (o acabamento visto de entro do enunciado), “calculada”
pela possibilidade de se empreender uma atitude responsiva, “medida” pelo interlocutor a partir de três
fatores, que são o tratamento exaustivo do sentido do objeto, a intencionalidade do falante e as formas
genéricas (os gêneros do discurso).
Para Bakhtin, os gêneros são necessários quer para a construção do enunciado (balizam o falante no
processo discursivo), quer para a sua compreensão (funcionam como horizonte de expectativas para o
interlocutor). Ainda, todos os nossos enunciados são construídos em um determinado gênero.
Chega-se, enfim, à relação entre enunciado e gênero. Como pensar que o gênero pode ser um ele-
mento de “acabamento” do enunciado e, ao mesmo tempo, um tipo relativamente estável de enunciado?
A resposta só pode ser compreendida na sua relação histórica. Na verdade, os gêneros são “impessoais”,
pois não são os próprios enunciados, individuais e irrepetíveis. Analisando-se a sua constituição e o seu
funcionamento, chega-se à problemática central da identidade e da diferença que os permeia. Bakhtin
(1985) observa que apesar da imensa variedade e heterogeneidade dos gêneros do discurso, que os
diferenciam uns dos outros, reflexo das possibilidades inesgotáveis da atividade humana, das condições
e das diferentes funções das esferas sociais, todos possuem um traço que os une, que é a sua natureza
Cada situación fija de la vida corresponde a una organización particular del auditorio y, en
consecuencia, a un repertorio de pequeños géneros cotidianos. El género de la vida cotidiana
se ubica siempre en el cauce del intercambio comunicativo social, y es el reflejo ideológico
de su tipo de estructura, su objetivo y su composición social. (VOLOSHINOV, 1993, p.248-
249).
Na citação acima, Voloshinov assinala para o processo de formação dos gêneros primários (co-
tidianos), que também serve como exemplo para a compreensão do processo de formação dos gêneros
secundários. A constituição dos gêneros encontra-se, assim, vinculada ao surgimento e (relativa) esta-
bilização de novas situações de interação social.
Essa situação social do gênero, na pesquisa, foi articulada à noção de cronotopo. Embora Bakhtin
desenvolva mais esse conceito para o estudo do romance, gênero do domínio artístico, comenta que a
dimensão cronotópica se estende para os outros domínios e que, sem subordinar a compreensão dos
enunciados apenas à analise cronotópica, “qualquer intervenção na esfera dos significados só se realiza
através da porta do cronotopo” (BAKHTIN, 1993, p. 362). Portanto, cada gênero inclui um horizonte
espacial e temporal, um horizonte temático e axiológico e uma concepção de autor e destinatário.
Uma outra observação a respeito da vida dos gêneros é a sua atualização, quer dizer, o seu movi-
mento entre a unidade e a continuidade (ou entre o dado e o criado). O gênero, ao mesmo tempo que
se constitui como força reguladora para a construção e acabamento do enunciado para o falante, como
horizonte de expectativa para o interlocutor, também se renova a cada interação, pois cada enunciado
individual contribui para a sua existência e continuidade. Para Bakhtin, o gênero não é uma forma abs-
trata, mas concreta e histórica.
A sua definição dos gêneros do discurso como tipos relativamente estáveis de enunciados liga-se ao
seu caráter histórico de formação e não aos seus aspectos formais propriamente ditos, distanciando-se
de uma visão formal ou imanente. Esse posicionamento pode ser observado também em outros textos
do Círculo, onde os gêneros são conceituados como formas sociais de discurso, tipos de interação verbal,
por exemplo. O mesmo pode ser dito a respeito do sentido da expressão tipo na definição dos gêneros,
que não opera a partir de um processo teórico de abstração (taxionomia científica).
3. Metodologia
Os dados foram formados pela coleta dos artigos da seção de opinião do jornalismo impresso diário,
veiculado pela Internet, de quatro jornais nacionais: dois de circulação estadual (no Estado de Santa
Catarina), A Notícia e Diário Catarinense; dois de circulação nacional, Folha de S. Paulo e O Estado de S.
Paulo. Esses dados foram coletados na terceira semana de cada mês, durante um período de sete meses,
de 16 de setembro de 1998 a 16 de março de 1999, em diferentes dias da semana, opção necessária para
apreender uma das regularidades de funcionamento desse gênero, a recorrência de articulistas. Foram
coletados sessenta e dois (62) artigos: 21 no jornal A Notícia, 7 no Diário Catarinense, 20 na Folha de S.
Paulo e 14 no Estado de S. Paulo. Esse conjunto de dados foi abordado de uma maneira diferenciada. A
análise das características da dimensão social do gênero artigo incidiu sobre o conjunto dos dados. Já a
análise do funcionamento da dimensão verbal abrangeu um grupo menor de dados, trinta e dois textos
(32), correspondendo àqueles artigos coletados entre novembro de 1998 e fevereiro de 1999.
Para empreender a análise e a descrição interpretativa do artigo, tentou-se manter no horizonte de
trabalho duas orientações metodológicas do Círculo de Bakhtin para os estudos da linguagem de uma
perspectiva sócio-histórica. A primeira foi a de que o acesso ao homem social e a sua linguagem se
realiza somente pela via do texto (enunciado) (BAKHTIN, 1985). Portanto, uma das primeiras grande
preocupações durante a coleta e a análise foi a de ao olhar os dados não considerá-los como textos
fechados neles mesmos, mas na sua relação dialógica com outros enunciados. Ainda, como segunda
orientação, seguiu-se a ordem metodológica proposta para o estudo da língua – ou outros aspectos da
comunicação discursiva, como os gêneros – de uma perspectiva sociológica, esboçada mais especialmen-
2 . As formas das distintas enunciações, dos atos de fala isolados, em ligação estreita com
a interação de que constituem os elementos, isto é, as categorias de atos de fala [gêneros
do discurso] na vida [esferas do cotidiano] e na criação ideológica [esferas das ideologias
formalizadas] que se prestam a uma determinação pela interação verbal.
3 . A partir daí, exame das formas da língua na sua interpretação lingüística habitual. (VO-
LOSHINOV, 1988, p. 124)
Dessa forma, não se partiu de categorias pré-estabelecidas para a análise do gênero. O objetivo foi
buscar a apreensão de certas regularidades, que foram sendo articuladas em cada etapa de pesquisa
dessa ordem metodológica adotada. Dito de outro modo, as etapas de pesquisa, junto com a concepção
teórica adotada, foram mostrando pontos de análise pertinentes para a interpretação do processo de
constituição e de funcionamento do artigo.
O primeiro passo metodológico centrou-se no estudo da esfera da comunicação jornalística. Foram
analisados o modo de constituição e de funcionamento da comunicação jornalística no conjunto da
vida social, os seus gêneros discursivos (de um modo abrangente), a relação entre gênero e mídia, por
exemplo.
No segundo passo metodológico, a observação centrou-se mais de perto no estudo do gênero artigo
em si. Com a compreensão do lugar e da função ideológico-discursiva da comunicação jornalística na
vida social, a pesquisa orientou-se mais especificamente para a análise dos dados. A busca de certas
regularidades de manifestação do artigo concretizou-se durante a própria análise dos textos (artigos).
Dessa forma, a partir do que se considerou como constitutivo dos gêneros do discurso, a análise foi
se construindo em torno de perguntas feitas aos dados, desde aquelas voltadas para a sua situação
de interação até aquelas para a dimensão verbal. As respostas a essas perguntas foram dando certos
contornos do gênero.
O segundo passo de análise efetivou-se a partir de sua subdivisão em duas estratégias metodo-
lógicas, articuladas entre si. A primeira orientou-se para a análise da dimensão social do artigo: mais
especificamente, a sua inscrição como um tipo particular de interação verbal na comunicação jornalística
(o estudo da esfera do jornalismo, que, na verdade, é parte da dimensão social do gênero, entrou no
primeiro passo metodológico). A atenção voltou-se para a questão da finalidade ideológico-discursiva
do artigo na esfera jornalística, seu lugar de circulação nos jornais pesquisados e a concepção de autor
e destinatário (interlocutor).
Na segunda estratégia metodológica de análise, as perguntas foram direcionadas mais para a par-
te verbal dos dados. Considerando que os enunciados individuais, pertencentes ao mesmo gênero,
compartilham entre si características também do ponto de vista da sua dimensão verbal, o desafio foi
buscar apreender o seu funcionamento no artigo, levando em conta a sua dimensão social. A análise foi
se efetuando pelas inúmeras leituras dos dados, buscando respostas a perguntas como: o que motiva
o acontecimento do artigo, ou seja, ele é uma reação-resposta ao quê, ou a quem?; como essa reação
se manifesta no artigo?; de que lugar social o autor se posiciona?; o que ele diz?; qual a sua orienta-
ção valorativa diante do que diz?; como e a partir de quê ele constrói essa sua orientação axiológica?;
como o autor se orienta para e percebe o seu interlocutor, o leitor?; como essas relações dialógicas se
inscrevem no artigo? Em síntese, a unidade de fundamento da análise foi a concepção da linguagem
como interação.
As respostas foram apontando para certas características de funcionamento da dimensão verbal do
artigo: o seu conteúdo temático; o papel das relações dialógicas do autor com os elos anteriores da
comunicação discursiva (o já-dito) para a construção do ponto de vista e seus efeitos estilístico-composi-
cionais; a questão das relações dialógicas do autor com o leitor e seus efeitos estilístico-composicionais;
e o papel dos gêneros intercalados e da “assinatura” na construção do ponto de vista do artigo.
4. Aspectos da dimensão social do artigo
Nesta seção, apresentam-se as características do artigo levantadas a partir da análise da sua dimensão
social: alguns comentários acerca da esfera jornalística e a situação social de interação do artigo, vista
como um tipo particular de interação social.
4.1. A esfera jornalística
A consideração da relação constitutiva entre as esferas sociais e a constituição e o funcionamento dos
gêneros do discurso leva necessariamente à análise das características da esfera onde eles se situam,
analisando as condições sócio-históricas da origem e do desenvolvimento dessa esfera, a sua função
Melo (1994) constata a existência de manifestações jornalísticas já a partir do século XV (de maneira
mais escassa), que se ampliaram no século XVI: as relações, os avisos e as gazetas, que atendiam as
necessidades sociais de difusão de informação na época. Para o autor, apesar de essas manifestações
discursivas informarem sobre fatos da atualidade, de se difundirem pela imprensa, elas não preenchem
os atributos do conceito de jornalismo, pois falta-lhes a periodicidade, em decorrência dos mecanismos
da censura prévia, que dificultavam a atividade jornalística, tornando-a de vida efêmera.
Seguindo-se a análise histórica de Melo, a primeira fase do jornalismo propriamente dito, que é mar-
cada pela manifestação e propagação das idéias, em especial as da burguesia contra o domínio aristo-
crático, caracteriza-se como um jornalismo essencialmente opinativo. A segunda fase do jornalismo, o
jornalismo de informação, tem suas origens nas novas formas de censura, que fazem retrair a forma do
jornalismo opinativo, consolidando-se como categoria hegemônica no século XIX, a partir do ritmo pro-
dutivo e industrial assumido pelo jornalismo, transformando a informação da atualidade em mercadoria.
O jornalismo opinativo não desaparece, mas acaba tendo seu espaço reduzido.
Nos textos do Círculo de Bakhtin também se tem pinçadas algumas considerações a respeito da co-
municação jornalística. Bakhtin vê o jornalismo e seus gêneros como uma “retórica viva e contemporâ-
nea”. Para o autor, o jornalista é, acima de tudo, um contemporâneo. A condição de jornalista requer o
tratamento de tudo no corte da atualidade, constituindo-se a página de jornal como um reflexo vivo das
contradições da atualidade social no corte de um dia e um espaço onde se desenvolvem (em contigüidade
e em conflito) enunciados diversos e contraditórios.
Un periodista es, ante todo, un contemporáneo. Está obligado a serlo. Vive dentro de una
esfera de problemas que pueden ser solucionados en la actualidad (o, en todo caso, en un
período próximo). Participa en el diálogo que puede ser terminado y hasta concluido, puede
llegar a ser realización, puede llegar a ser una fuerza empírica. Es en esta esfera donde es
posible la “palabra propia”[a palavra própria no jornalismo e na literatura.(BAKHTIN, 1985,
374).
Uma análise global dos grupos empresariais aos quais pertencem os quatro jornais onde foram pu-
blicados os artigos nos faz retomar algumas preocupações a respeito da comunicação jornalística no
contexto social atual, expressas por Eco (1988) e Ramonet (1999). No tocante à relação entre jornalismo
e poder, segundo os autores, as novas tecnologias de comunicação e a nova ordem econômica alteram o
domínio do poder e a relação do jornalismo com ele. Na atualidade, de acordo com Ramonet, na relação
entre jornalismo e poder, não dá mais para identificar esse poder com o político, na escala da ascensão
do econômico e do financeiro. A forma e a distribuição das grandes forças sociais já não é mais a mesma.
O primeiro poder hoje é exercido pela economia, o segundo, em intersecção forte com o primeiro, é o
midiático, controlado por grandes corporações empresariais, sendo que o político viria em terceiro lugar.
Não que a pontuação no conceito A, obtida pelo curso de Odontologia no chamado “provão”
do MEC, nos tivesse imbuído de euforia fácil. Nada disso. Quem nos tem acompanhado sabe
que a recente instalação do curso de Medicina é a coroação de esforços antigos. [Reitor da
UNIVALI] (DC4.1 )
No exemplo 3, muitas das informações referentes ao objeto discursivo estão ancoradas na situação
social da interação (imediata e ampla). Não há referência ao Dia Nacional da Consciência Negra, com
exceção da frase “Novembro não é maio e nem vinte é 13.” e o dia da publicação do artigo no jornal,
elementos a partir dos quais o leitor deve resgatar a data especial e então o sentido do enunciado.
Por essa sua vinculação à atualidade histórico-social, compartilhada pelos leitores, pode-se propor
uma espécie de “validade discursiva espacial e temporal” para o gênero artigo: o intervalo das vinte e
quatro horas de circulação do jornal e o seu espaço de abrangência sócio-geográfico. Quanto mais o
leitor efetivo se encontra afastado dessas características, mais difícil se torna a compreensão do sentido
do artigo.
O acontecimento do artigo se constitui como que motivado pelos eventos da atualidade (mudanças
na política governamental e econômica, crises financeiras internacionais, eleições, datas comemorativas
etc.), que aparecem discursivizados no texto.
(4) Do escandaloso processo de privatização ao pacote de onde saltará mais recessão e
desemprego, só para citar dois fatos mais visíveis atualmente, uma coisa deve chamar a
atenção de quem se preocupa, de fato, com a democracia: a falta de controle público sobre
o Estado. Ou seja, sobre a fonte das decisões que afetam o conjunto da sociedade. No lu-
gar do controle público, temos o privado. Telefonemas, articulações, tramas entre amigos
decidem negócios de bilhões de dólares para vender empresas estratégicas à soberania
nacional. (AN3.2)
Dentre esses acontecimentos sociais desencadeadores do artigo, muitos são determinados enun-
ciados, que aparecem mencionados no artigo, marcando textualmente essa relação com o enunciado
já-dito motivador:
(5) Talvez a publicação, pelo Sunday Times de Rupert Murdoch, das memórias da sra. Ro-
bin Cook revelando detalhes da intimidade do ministro das Relações Exteriores, finalmente
convença a maioria trabalhista do parlamento a fazer alguma coisa para que a imprensa
volte a seguir as leis. (OESP5.1)
Em síntese, em relação aos aspectos voltados para o conteúdo temático do artigo, tem-se como ca-
racterístico que nesse gênero interessa menos a apresentação dos acontecimentos sociais em si, mas
a sua análise: interessa, junto com eles, a posição do autor do artigo. O conteúdo temático do artigo
(referido a objetos e sentidos (enunciados), como observa Bakhtin) se encontra na articulação entre
a apreciação dos acontecimentos sociais e a questão do angulamento da autoria (um posicionamento
externo ao do jornal (empresa)). Por exemplo, interessam não só as informações sobre o déficit público,
que poderiam ser buscadas em outros enunciados, de outros gêneros, mas o posicionamento de uma
pessoa pública sobre esse assunto.
Assim sendo, pode-se dizer, relativamente a uma certa regularidade do gênero (mas não como regra),
que o conteúdo temático do gênero artigo constitui-se como o ponto de vista do seu autor, o articulista
(uma pessoa pública, credenciada socialmente, externa ao jornal), a respeito dos acontecimentos sócio-
políticos da atualidade histórica, que são objeto de notícia jornalística. O jornal noticia como informação
jornalística a opinião do articulista sobre esses acontecimentos.
5.2. As relações dialógicas face aos enunciados já-ditos e suas configurações estilístico-composicionais
Embora um dos traços do artigo seja a questão de a autoria se constituir como um argumento de au-
toridade para o que é dito, mesmo assim, a orientação apreciativa do articulista face aos acontecimentos
sociais não se constrói de modo solitário, mas se encontra entrelaçada com outras posições discursivas,
entabulando com elas relações dialógicas, desde as “não intencionadas” até aquelas vozes que o autor
incorpora ao seu discurso e com as quais mantém diferentes graus e formas de relação. O ponto de vista
do autor vai se construindo pelo modo diferenciado de incorporação e tratamento que dá às diferentes
vozes (pontos de vista) arregimentadas no seu enunciado.
Esses outros pontos de vista incorporados recebem diferentes valorações. Tem-se, como uma certa
regularidade genérica (de gênero) do artigo, a manifestação de dois conjuntos de movimentos dialógi-
cos em relação aos enunciados já-ditos: a incorporação de outras vozes ao discurso do autor, avaliadas
positivamente, que são “chamadas” para a construção do seu ponto de vista, que se denominou como
movimento dialógico de assimilação; e o apagamento, distanciamento, isolamento, desqualificação das
vozes às quais o autor se opõe, que se denominou como movimento dialógico de distanciamento.
Uma primeira faceta do movimento dialógico de assimilação de vozes ocorre pelo acúmulo da autoria
no artigo. Pelo processo de constituição do gênero, o jornal funciona como um “autor interposto”. Além
do articulista, em razão do processo de aprovação e publicação pela qual passa o artigo, também o jornal
acaba se constituindo de certa forma como uma espécie de autor do artigo, uma vez que a responsa-
bilidade jornalística e política da publicação cabe ao jornal. O acúmulo de autoria dá uma amplitude e
credibilidade maior ao que é dito. O jornal, pela publicação do artigo, “sustenta” o ponto de vista do
articulista. Embora não se tenha a “fala” física do jornal na expressão verbal do artigo, por este estar
incluído no jornal X, na seção Y, na Rubrica Z, sente-se o ponto de vista do jornal no gênero artigo; ele
é uma autoridade “mostrada” pelo processo de publicação e circulação do gênero.
Um outro movimento de assimilação de vozes encontra-se na relação do autor com a sua esfera de
atuação. Ele, pela sua projeção profissional e circulação social, apresenta-se como uma fala autorizada
por essa esfera, constituindo-se como seu representante legitimado no espaço jornalístico. A esfera
também se mostra, assim, como um argumento de autoridade: é a partir dela que o autor fala, que
ele busca mostrar a sua autoridade para o que diz. A esfera social (ou o órgão que o articulista está
representando), como visto, muitas vezes se torna como que uma voz junto da do articulista. O jornal
e a esfera social de onde fala o autor são os dois “pilares” que sustentam a opinião do articulista e que,
pelas condições da situação de interação, são as grandes regularidades que se encontram nas formas de
assimilação do discurso do outro para a sustentação da opinião (de certa forma, são eles que enquadram
o discurso do articulista).
Mas, na composição da orientação valorativa, o autor incorpora outras vozes ao seu discurso, que, em
(7) Até lá, como ressaltou em editorial este jornal, na quarta-feira, se o que estamos fa-
zendo é ou não suficiente para evitar as mudanças climáticas, só a ciência e o tempo dirão.
(OESP3.2)
Se no movimento dialógico de assimilação o autor busca e incorpora no seu artigo diferentes vozes que
constroem e sustentam o seu ponto de vista, no movimento dialógico de distanciamento há o trabalho
de isolamento da orientação valorativa do outro (ela é colocada a sós, sem o apoio de outras vozes). O
movimento de distanciamento também se observa no chamamento de outras perspectivas que não têm
(ou não adquirem no enunciado do autor) o estatuto de credibilidade das vozes anteriores e que o autor
desqualifica pelo enquadramento que dá a esses enunciados.
(8) Os livros esquecem de contar o motivo da assinatura dessa lei. Não é dito que os fa-
zendeiros falidos abriram as porteiras para liberar os escravos e assim evitar gastos com
comida e alojamento. Para esses senhores de engenho, a abolição ocorreu antes mesmo
da assinatura da Lei Áurea. Para quem tinha dinheiro e não estava em crise financeira, a
resistência foi grande. (AN3.3)
(9) O inusitado encontro de Fernando Henrique com Lula é sinal dos tempos difíceis que vêm
por aí. Com 1999 em recessão, juros ainda muito altos e desemprego disparando, o governo
e o País estão reduzidos à expectativa de que o próximo ano seja apenas uma dura transição
para 2000 um pouco melhor. As circunstâncias nos deixam, pois, apenas a alternativa de
torcer por um mal menor; além de ter de agüentar o coro dos pessimistas, que garantem
o desastre inevitável. (OESP4.2)
(11) Ganhei um livro no último Natal sobre os problemas da sociedade que envelhece. O
estudo é de grande valor para um país como o Brasil, cuja população está envelhecendo
a uma velocidade espantosa (“Maintening Prosperity in an Ageing Society”, OECD, 1998).
(AN5.1/FSP5.1)
(13) E o congresso, que nada fez e nada faz, se apressa, acuado, a aprovar o que lhe põem
à mesa. Mas é tarde, terrível e tragicamente tarde. Eles, os congressistas de meia pataca,
é que devem ser responsabilizados. Não passam, mostram suas reações de pânico dos úl-
timos dias, daquilo mesmo que Lula, num rasgo de lucidez e coragem, ousou classificá-los:
“picaretas”. (AN5.3)
(14) O tempo é de consciência, apenas de consciência, para os negros brasileiros que len-
tamente começam a perceber a importância de não ser somente cidadãos e passam a lutar
contra o preconceito velado que há décadas assola este País. O momento é de tirar aquela
idéia de que negro só é bom no futebol, na música e na dança. Outras atividades, entre as
quais a empresarial, são desenvolvidas com grande desenvoltura pelos negros do Brasil.
(AN3.3)
Normalmente está entre aspas o discurso relatado direto que o autor cita mas não assume, ou que
é do âmbito da palavra de uma autoridade, que precisa ser destacada, um vez que não se acomoda
no discurso do autor (é preciso separá-la, mesmo no movimento de assimilação, marcar a sua origem,
seu direito autoral), tal como a voz da Bíblia, de um pesquisador, da Constituição de um País. Como
diz Bakhtin (1993, p. 143), “a vinculação da palavra com a autoridade – reconhecida por nós ou não
– distingue e isola a palavra de maneira específica; ela exige distância em relação a si mesma (distância
que pode tomar uma coloração tanto positiva como negativa, nossa relação pode ser tanto fervorosa
como hostil).”
A presença do discurso relatado indireto é bem mais representativa no gênero artigo. Para Voloshinov
(1988), o discurso relatado indireto é uma transmissão analítica do discurso de outrem. A análise é como
a alma do discurso indireto. Os elementos emocionais e afetivos desse outro discurso, para além do
verbo dicendi, tendem a não ser transpostos no discurso relatado indireto, uma vez que eles costumam
não ser expressos no conteúdo do enunciado, mas na sua forma. O autor apresenta duas variantes do
discurso indireto, o discurso indireto analisador do conteúdo e o discurso indireto analisador da expressão
(e, ainda, uma terceira variante, a impressionista).
O discurso indireto analisador da expressão é uma apreensão analítica não só do objeto do outro dis-
curso, mas, também, do próprio falante, do seu dizer. O enunciado citante integra, na construção indireta,
palavras e sentidos do discurso citado. Já o discurso indireto analisador do conteúdo é uma tomada de
posição em relação ao “conteúdo semântico preciso”, ou seja, ele se volta para o que o falante disse. Ele
preserva a “integridade” e a autonomia do discurso do outro menos em termos sintáticos, estilísticos,
mas semânticos. É essa a variante que é representativa do discurso relatado indireto no artigo, gênero
que, pela sua natureza ideológica, pela sua finalidade discursiva na comunicação jornalística, orienta-se
mais para a análise da posição axiológica do outro, que se avoluma no artigo.
Essa variante do discurso indireto pode trazer desde um outro discurso especificado, ou seja, um
determinado enunciado, que se particulariza no artigo (exemplo 17), como pode fazer referência a uma
fala não precisa, como a opinião pública ou um locutor social indeterminado (exemplo 18), mostrando,
por essas gradações de diluição do outro enunciado e do seu autor, o seu enquadramento no artigo e o
grau de adesão do articulista a essas vozes.
(17) No mundo, o cigarro mata 3 milhões de pessoas por ano. Se esse hábito não for re-
duzido, os epidemiologistas estimam que, por volta de 2020, o fumo matará 10 milhões
de pessoas anualmente (“Mortality in the Developed Countries”, Oxford University Press,
1999). (AN6.1)
(18) Nas ações judiciais, os produtores defendem-se ao dizer que em todos os maços está
escrito que o cigarro faz mal à saúde e que só fuma quem quer. Muitos argumentam, porém,
que essa informação é insuficiente para as pessoas entenderem a extensão do problema.
(AN6.1)
Outra característica do discurso relatado indireto no artigo diz respeito ao seu modo de introdução.
Muitas vezes o verbo de introdução não é propriamente um verbo de elocução, mas outros, que incor-
poram o sentido de um ato verbal; também o verbo pode não aparecer seguido de que ou se. Outras
vezes, a sua introdução não é marcada por um verbo, mas pela presença da referência ao enunciado
citado. Como no discurso relatado direto, também se encontra a presença do discurso indireto dentro
dos gêneros intercalados no artigo, dialogizando internamente estes gêneros (relatos).
As formas do discurso relatado direto e indireto são formas de introdução e de transmissão onde há
a presença de certos traços lingüísticos (sintáticos) que marcam as fronteiras internas (mais ou menos
visíveis) entre o discurso do autor e o outro discurso. Já no discurso bivocal há uma diluição das fron-
teiras internas formais entre o discurso direto do autor e o outro discurso já-dito que ele incorpora ou
reflete-se no artigo; ou a diluição da origem enunciativa desse outro discurso (o discurso da opinião
pública, de um determinado grupo social, profissional). Foi considerado como discurso bivocal aquele
que do ponto de vista gramatical (sintático) pertence a um único falante, mas onde se tem a “fusão”
de dois enunciados (potenciais), de duas perspectivas axiológicas (assimiláveis ou não). As palavras
pertencem formalmente ao articulista, mas nelas ressoa uma outra voz. A palavra, o conjunto sintático,
nessa situação, serve simultaneamente a dois locutores: exprime a intenção refratada do autor e a de
À diferença do valor das aspas no discurso relatado direto, onde elas podem funcionar como um mar-
cador de confiabilidade, de destacamento da palavra de autoridade, contrapõe-se o seu valor bivocal, pois
funcionam como um marcador de atitude de distanciamento do articulista face às palavras e expressões
aspeadas, sem se marcar sintaticamente a alteridade, que fica implícita. A palavra aspeada é um frag-
mento usado e mencionado, pois é uma palavra que remete também a um outro discurso, que é uma
perspectiva diferente da do autor. Nessas palavras destacadas, vistas como signos ideológicos, tem-se,
no seu interior, a presença de dois sentidos, de dois discursos, ou seja, de dois enunciados potenciais,
marcando a relação dialógica do autor com esse outro discurso (exemplo 19).
Na ironia, o discurso do autor é um discurso refratado que se eclipsa no discurso do outro, que “fala”
diretamente no enunciado do articulista. As palavras pertencem formalmente ao autor, mas não o discurso,
que é de um outro, pois elas estão afastadas dele pela entonação irônica. O autor é um vetríloquo que
mostra, põe em cena um outro locutor, um outro enunciado, mas do qual se distancia dialogicamente,
no todo do enunciado, pela entonação. Pela ironia, tem-se o embate de dois pontos de vista, um meio
dialógico para a construção do movimento de distanciamento no gênero artigo.
(20) Felizmente há, hoje, boas notícias. Na mesma Inglaterra da Terceira Via, de Tony Blear,
proibiram-se experiências científicas de uso de colírio nos olhos dos ratos e de cremes de
beleza no focinho dos porcos. (AN3.1/FSP3.1)
No exemplo 20, o embate se situa em torno dos acontecimentos sociais que são objeto de notícia (jor-
nalística). Pela orientação temática artigo, construída através da intercalação de um relato de fatos sobre
uma situação social jornalística já acontecida, e pela relação entre esse relato e o trecho exemplificado,
o marcador atitudinal “felizmente” e a enumeração das boas notícias do dia não são enunciados (ditos)
na perspectiva do autor. É a voz de um outro que é incorporada pelo autor e que, embora pareça dita e
sustentada por ele (não há índices gramaticais da introdução de um outro discurso), se relacionada com
o todo do enunciado, marca as suas fronteiras de sentido. A coerência do artigo resulta justamente na
compreensão dessa divisão dos discursos e do enquadramento irônico dado ao trecho destacado.
(21) A participação da iniciativa privada nesse prêmio, entregue no início de dezembro,
demonstra que a sociedade civil está plenamente engajada na luta pelo desenvolvimento,
conquista que não cabe apenas ao governo, mas a toda a Nação. (AN4.1)
A negação e os operadores discursivos mostram a tensão do discurso do autor com o outro discurso,
que acaba se refletindo na construção do seu enunciado. Orientado para o seu objeto, como diz Bakhtin,
o autor acaba não podendo deixar de tocar nesses outros discursos. O ponto de vista do autor se cons-
trói pela diferença, ou pela recusa das outras vozes. Muitas vezes, como no exemplo 21, o operador se
encontra articulado com a negação.
As relações entre o discurso alheio, no caso, os elos anteriores da comunicação discursiva, segundo
a teoria bakhtiniana, não têm analogia com as relações sintáticas dentro da língua, mas são análogas
com as que se estabelecem entre as réplicas de um diálogo. Elas são relações entre diferentes sujeitos,
expressas pela linguagem. O discurso alheio introduzido no discurso próprio possui uma dupla expres-
sividade: a própria, que é alheia, pois ele passa a ser um elemento do acontecimento do artigo, e a
expressividade do artigo, que “acolhe” o discurso alheio.
5.3. As relações dialógicas face à reação-resposta ativa do leitor e suas configurações estilístico-com-
posicionais
A orientação para os enunciados já-ditos, os elos anteriores da comunicação discursiva, e sua incor-
Nos exemplos 22 e 23, o movimento de engajamento se constrói pela aproximação do leitor ao pon-
to de vista do autor. O leitor é alçado à posição de um co-autor. Sua reação-resposta é assimilável à
orientação valorativa do articulista, que se manifesta em certos traços estilístico-composicionais, como
o verbo e o pronome na primeira pessoa do plural (nessa situação, o nós é um eu + tu) e as perguntas
retóricas como questionamentos possíveis do leitor.
No movimento dialógico de refutação, o autor antecipa as possíveis reações-resposta de objeção que
o leitor poderia contrapor ao seu discurso, abafando-as. Assim, pelo movimento de refutação, o autor
provoca o silenciamento de enunciados pré-figurados (possível contra-palavra), que ou incorpora no seu
discurso, ou leva em conta na construção do seu enunciado.
(24) A Justiça americana acaba de conceder uma megaindenização de US$ 51,5 milhões a
uma senhora que tem um câncer de pulmão causado pelo fumo. Pagará a empresa produtora
dos cigarros que ela fumou durante 35 anos.
Mas, no caso do tabagismo, as pesquisas são inequívocas ao apontar o fumo como um dos
principais responsáveis por várias doenças graves [...]. (AN6.1)
(25) Le Monde publica as matérias fascinantes na primeira página. Nem uma palavra apareceu
no Times, ou em nenhum outro jornal britânico, pelo que sei. Agora, não me entendam mal:
também não quero ver a vida particular de Murdoch invadida. Mas a proteção privilegiada
na qual ele insiste para si mesmo deveria ser outorgada, como direito legal, a Robin Cook
e a todo mundo. (OESP5.1)
No exemplo 24, as possíveis reações do leitor ao discurso do articulista, contrárias ao seu ponto de
vista, são incorporadas ao discurso do autor e enquadradas de modo refutativo. O trecho “As indenizações
judiciais nos campos do consumo, do meio ambiente, da saúde ocupacional, do assédio sexual e outros
estão se transformando numa verdadeira indústria advocatícia em todo o mundo. Isso é preocupante.”
constitue-se como possível enunciado pré-figurado do leitor (pois são dados da sua perspectiva), que
dialogiza o artigo, como que reconstruindo a forma composicional de um diálogo. É uma possível resposta
avaliativa do leitor face ao discurso do articulista, refutada pelo enquadramento do discurso do autor:
“Mas, no caso do tabagismo, as pesquisas são inequívocas”. No exemplo 25, não se tem a incorporação
(27) O maior risco nessa trajetória é a inflação. Assim, o grande desafio é monitorar a equação
câmbio-juros, de modo que o efeito da mudança cambial resulte, no máximo, em um “solu-
ço” inflacionário de 10%. Para isso, precisamos de um conjunto de ações que demonstrem
não apenas vontade, mas a construção de uma trajetória permanente de reestruturação
interna. Isso é fundamental para balizar as expectativas dos agentes internos e externos.
Precisamos de um choque de credibilidade. [...]. A sociedade pode e deve boicotar produtos
que tenham seus preços reajustados. Num momento em que estão querendo aumentar até
o preço da água de coco, é preciso que consumidores e agentes econômicos das diversas
cadeias produtivas se unam para resistir. (FSP6.3)
Nos exemplos 26 e 27, tem-se menos uma projeção de antecipação ou incorporação da possível
resposta do leitor, mas a busca de direcionamento da sua reação-resposta. A interação dialógica do
autor e leitor se apresenta como uma certa relação de imposição sobre o leitor, marcada no enunciado
preferencialmente por indicadores modais do tipo: “é preciso que”, “é condição essencial”, “deve ser”,
“isso é fundamental”, “precisamos”, “a sociedade pode e deve”.
Se a inter-relação para com o discurso do outro no objeto (enunciados já-ditos) encontra-se mais
“marcada” no artigo, quer dizer, percebe-se melhor a sua presença no discurso do articulista, a relação
dialógica para com o discurso de outrem na resposta antecipada do leitor, como apenas projeções de
enunciados pré-figurados, presumidos (ou seja, enunciados não ditos, sem existência concreta), tende
a se diluir mais no enunciado do autor. As fronteiras entre esses discursos tornam-se mais tênues. No
entanto, há certos traços estilístico-composicionais no artigo que fazem sentir a presença ativa do leitor,
sendo que os seus possíveis enunciados também “sulcam” o artigo.
Para Bakhtin, as duas formas de relações dialógicas (no objeto, na resposta antecipada), sendo em
essência diferentes, engendram efeitos estilísticos diferentes no discurso; no entanto, podem também se
entrelaçar. Essa situação pode ser observada no gênero artigo. Embora muitos efeitos estilísticos sejam
específicos de cada tipo de relação dialógica, certos traços lingüísticos da presença de um outro discurso
podem remeter tanto às relações dialógicas com o discurso do outro no objeto como com o discurso
resposta do leitor. É o caso do uso dos pronomes e verbos na primeira pessoa do plural, da negação e
do operador mas, que exigem do leitor que ele leve em conta a situação de interação do artigo como
condição necessária para a interpretação desses elementos (embora muitas vezes seja difícil discernir,
tanto para o interlocutor quanto para o pesquisador, os limites entre um e outro efeito estilístico).
Os diferentes movimentos dialógicos de orientação ativa para o leitor e o seu discurso se corporificam
no artigo por determinadas características estilístico-composicionais de incorporação e de orientação,
sendo que a sua introdução e o seu enquadramento se “marcam” pelo uso dos pronomes e dos verbos
na primeira pessoa do plural, pela negação, pelo uso de certos operadores, como o mas, pelas perguntas
retóricas e pelos indicadores modais.
(28) Se todos fizerem a lição de casa, o déficit público será controlado. Mas, se os Estados
não quiserem pagar suas dívidas, o governo federal só terá uma saída: aumentar impostos.
E nós, cidadãos, é que pagaremos a conta. (DC5.1)
O recurso aos pronomes ou aos verbos na primeira pessoa do plural, como no exemplo 28, cria o efeito
de uma dupla enunciação, de uma assimilação do ponto vista do leitor ao do autor. No artigo, algumas
vezes, observa-se o pronome todos junto com o pronome pessoal ou o verbo, reforçando a adesão do
leitor. Esse movimento de assimilação, de engajamento do interlocutor, adquire nuances particulares
(30) Daí decorre o que classifico como os cinco ralos de sonegação e evasão fiscal existentes
no Brasil.
São eles: a) O sonegador relapso. [...] b) O inadimplente. [...] c) Evasão fiscal por via
juducial. [...] d) Evasão fiscal pela ignorância legal. [...] e) Evasão fiscal pelo cidadão anar-
quista. [...].
É um quadro trágico, mas reflete a realidade tributária nacional, agravada a cada ano.
(FSP4.2)
Nos exemplos acima, por meio da negação e do uso do operador mas, tem-se a introdução e o en-
quadramento contra-argumentativo da reação-resposta do leitor diante das colocações do articulista.
No exemplo 29, já no início do texto, o autor “descarta” a perspectiva do leitor, a de que a sua opinião é
própria de quem é do contra, que reza pela cartilha do pior. No caso exemplo 30, o operador mas instaura
uma reação-resposta à projeção de um enunciado pré-figurado do leitor: “é um quadro trágico”.
(31) Mas, afinal, qual dos caminhos seguintes – supondo-se que ambos são viáveis – seria
mais útil ao País ver o PT trilhar? Buscar legitimamente, e com competência, sua condição
de líder de um arco de oposições, estruturando um plano alternativo consistente e lutando
por sua vez? Ou, diante da agudeza da crise, ter algumas de suas facções aproximando-se
do governo, forçando-o a um movimento para a esquerda e ajudando a restringir os espaços
do PFL? (OESP4.2)
Para Bakhtin (1985), as perguntas retóricas são um dos fenômenos da representação convencional
da comunicação discursiva e dos gêneros primários no enunciado. Já Voloshinov (1988) menciona o
valor persuasivo das perguntas retóricas no enunciado. O caráter persuasivo das perguntas retóricas
no gênero artigo (ver exemplo 31) pode ser compreendido na medida em que projetam no enunciado
uma perspectiva de interação tipo diálogo, em que as perguntas podem se dar tanto da perspectiva do
autor como da do leitor, sendo que preferencialmente representam uma antecipação de uma possível
reação-resposta deste. Mas, ao mesmo tempo que o articulista incorpora os possíveis questionamentos
entrevistos da perspectiva do leitor, ele mesmo os responde no seu enunciado.
A modalização na linguagem, nos seus estudos tradicionais, pressupõe a distinção, no enunciado
(proposição), de um dito (conteúdo proposicional) e de uma modalidade, constituindo-se como uma
atitude assumida pelo sujeito falante com respeito ao conteúdo, ou seja, com o dictum. Os indicadores
modais são considerados como a “lexicalização” dessas modalidades, como “sinalizadores” lingüísticos
da atitude do falante perante o seu enunciado (proposição). Essa é a visão mais geral a respeito da
modalização. Em síntese, a modalização é abordada a partir de fragmentos textuais e em uma visão
monológica da linguagem.
Ao observar a modalização e os indicadores modais no todo do enunciado e numa visão dialógica,
percebeu-se o seu papel como elementos estilísticos que são indícios, no artigo, da inter-relação do ar-
ticulista com a reação-resposta do leitor. Os indicadores modais são traços da projeção que o articulista
faz da reação-resposta ativa do leitor (a modalização não incide sobre o dito do autor, mas sobre uma
possível reação-resposta do interlocutor).
(32) Envolvendo as muitas dimensões da natureza humana, de matéria e espírito, a psi-
canálise, pode-se dizer, é uma nova fronteira da sempre velha e renovada curiosidade do
homem em saber a origem e as motivações de seus atos. (AN4.3)
(33) É certo que, do outro lado do Atlântico, Clinton fez um discurso não menos eufórico
sobre o Estado da União, como se a América tivesse resolvido, durante seus mandatos,
todos os problemas – os seus e os dos outros – e só lhe faltasse agora recolher a sagração
universal. Está longe de ser o caso. (FSP6.2)
Nos exemplos 32 e 33, os indicadores modais são traços da projeção que o articulista faz da reação
ativa do leitor. Em 32, o emprego do modalizador “pode-se dizer” é uma estratégia de reação do próprio
autor, uma espécie de recuo, contra uma possível objeção do interlocutor quanto ao conceito de psicanálise
apresentado, mas amenizado pelo tipo de indicador modal. No exemplo 33, o operador modal recai sobre
um possível enunciado do interlocutor, ao qual o autor se opõe, constituindo-se o seu discurso como que
uma reação ao discurso do leitor, onde “é certo que” e “está longe de ser o caso” são os elementos que
“enquadram” o enunciado pré-figurado. Os modalizadores destacados constituem-se como “pistas” de
um diálogo não desenvolvido, que poderia ser reconstruído como:
– Mas Clinton fez um discurso eufórico sobre o Estado da União ... [leitor]
– Sim, é certo que Clinton fez um discurso sobre [...]. Está longe de ser o
caso.[articulista]
Tem-se uma relação dialógica orientada para o leitor, onde se projeta a antecipação de suas possíveis
contestações, indagações, ou seja, dos seus enunciados pré-figurados. Essa reação-resposta antecipada
e inserida no discurso do articulista cria no artigo um efeito de uma conseqüência “já prevista”, embora
seja antes uma estratégia para evitar essa possível contra-palavra por parte do leitor.
Entretanto, os indicadores modais, além de introduzirem e avaliarem uma possível reação-resposta
do leitor, abafando uma contra-argumentação não desejada (movimento dialógico de refutação), tam-
bém funcionam no artigo como um outro modo de persuasão do leitor: eles não introduzem um possível
enunciado do leitor, mas funcionam como lugares de sua interpelação (movimento dialógico de interpe-
lação), ou seja, objetivam orientar a sua reação-resposta (verbal ou não, imediata ou retardada). Esse
é uma das funções discursivas centrais da modalização no artigo.
(34) Primeiro vem o alimento da auto-estima, rasgando de vez a carapuça de que preto nas-
ceu para ser empregado, serviçal ou marginal. É preciso descer o morro, a favela, e ocupar
áreas residenciais nobres. Afinal, a humanidade é nobre, e todas as raças estão incluídas
em tal conceito. Ou seja: as oportunidades devem ser iguais para todos.
O segundo passo, extremamente decisivo, é que os espaços devem ser ocupados. Os ban-
cos escolares precisam ter mais negros sentados, porque esse é o único caminho capaz de
igualar brancos, índios, alemães, italianos, japoneses, etc. (AN3.3)
Nesses exemplos de modalização, a relação dialógica com o leitor orienta-se menos como um mo-
vimento de introdução da palavra do outro, do que como uma estratégia no sentido de impor um de-
terminado ponto de vista (uma opinião) como uma verdade, como uma norma a ser seguida. Ou seja,
volta-se à questão do caráter hierárquico da situação de interação do artigo e da sua faceta de autoridade
em relação ao leitor. Os indicadores modais do tipo “é preciso” e “deve-se”, índices da presença de uma
modalização deôntica do campo da obrigação, são traços dessa relação assimétrica entre autor e leitor,
podendo-se situar o artigo, pela ótica da modalização, no âmbito do discurso de autoridade.
5.4. O papel dos gêneros intercalados e da “assinatura” do autor
Um dos traços relativos à heterogeneidade dos gêneros diz respeito à característica que muitos gê-
neros têm de combinar, de intercalar (implantar) diferentes gêneros no seu funcionamento discursivo.
Nessa situação, os gêneros introduzidos, chamados de gêneros intercalados, perdem a sua relação direta
com a realidade extraverbal e com os enunciados de outros falantes, pois não há a alternância real dos
sujeitos discursivos, para se tornarem componentes do gênero e do enunciado no qual se encontram.
Esse processo de intercalação se constitui como uma das causas da dialogização mais ou menos marcada
dos gêneros.
Os gêneros intercalados são outro modo de introdução do discurso do outro no gênero artigo, da sua
dialogização. Sua função não está voltada à construção do plurilingüismo, como no gênero romance,
mas à da articulação do ponto de vista, da opinião do autor. Mas, como explicar os gêneros intercalados
em termos de relações dialógicas? É que, além das relações dialógicas para com o já-dito e para com o
interlocutor, o enunciado pode estabelecer relações dialógicas com a sua própria enunciação como um
todo ou com partes isoladas, quando o locutor (autor) se separa de sua fala, como uma espécie de des-
dobramento da sua voz, assumindo diferentes posições enunciativas, incorporando a autoria de outras
situações de interação (outros gêneros) no enunciado (artigo).
A introdução dos gêneros intercalados assume um papel relevante na construção do ponto de vista
do autor, pois permite a este refratar a sua fala, substituir o seu discurso direto para além do discurso
relatado direto, indireto e o discurso bivocal. À diferença entre as formas do discurso relatado e bivocal,
o autor não incorpora outras falas, mas, como dito, ele se desdobra enunciativamente, enuncia-se a
partir de outras situações de interação, assumindo outras posições discursivas, que são incorporadas no
artigo, dialogizando-o.
Os gêneros intercalados presentes nos dados analisados foram: relato (de fatos vividos, presumidos),
provérbio, ditado e resumo, que são introduzidos e organizados de diferentes modos no artigo, esta-
belecendo com ele relações dialógicas. Os gêneros introduzidos, por se situarem nos limites do artigo,
perdem a relação com a sua situação de interação, para se tornarem acontecimentos do artigo, trans-
formando-se (pelo enquadramento), neste gênero, em maior ou menor grau. Mas, mesmo se situando
nos limites do enunciado artigo, as relações entre os gêneros intercalados e o artigo são relações de
sentido (dialógicas).
(35) Em 1957, a “Tribuna da Imprensa”, depois da sessão da Câmara dos Deputados, era o
As interpretações foram as mais disparatadas. Uns viam uma sátira e buscavam carapuças;
outro, uma mensagem cifrada aos golpistas que pululavam na cena política. Nada além do
que uma tarde de tédio do grande jornalista. Um interlúdio para fazer pensar.
No exemplo 35, tem-se a intercalação do gênero relato no artigo. A incorporação do relato de fatos
passados traz com ele o ethos da autoridade da experiência vivida do seu autor, do seu saber enciclopé-
dico; incorpora ao artigo dados com os quais o articulista constrói e sustenta o seu ponto de vista, pois,
mostrando-os como exemplos, ilustrações, coloca-os em relação com os acontecimentos presentes, que
são o objeto do seu discurso. O relato de uma situação das esfera político-jornalística é apresentada
para a construção da avaliação que o autor faz de uma situação presente. O final irônico do artigo só o
é à medida que é relacionado com a temática do relato (rever exemplo 20).
Outro gênero intercalado encontrado no artigo é o resumo, que difere do discurso relatado direto e
indireto porque, enquanto nestes se tem apenas a incorporação de determinados trechos de um enunciado
de um outro, no resumo tem-se a orientação para o enunciado total (oral ou escrito). Principalmente, o
autor, no artigo, desdobra-se em uma outra função discursiva, que é a de “relatar” e de “resumir” um
outro texto (enunciado) para o interlocutor, mas que, intercalado no artigo, entra como elemento cons-
titutivo deste gênero para a construção do ponto de vista do autor. Aqui observa-se um caso de dupla
bivocalidade: pelo desdobramento da função de locutor e pelo relato de um outro discurso: “relatar um
texto com nossas próprias palavras é, até um certo ponto, fazer um relato bivocal das palavras de ou-
trem; pois as ‘nossas palavras’ não devem dissolver completamente a originalidade das palavras alheias,
o relato com nossas próprias palavras deve trazer um caráter misto, reproduzir nos lugares necessários
o estilo e as expressões do texto transmitido.” (BAKHTIN, 1993, p. 142, grifos do autor).
(36) Ganhei um livro no último Natal sobre os problemas da sociedade que envelhece. O es-
tudo é de grande valor para um país como o Brasil, cuja população está envelhecendo a uma
velocidade espantosa (“Maintaining Prosperity in an Ageing Society”, OECD, 1998) [....]
Não há país que apresente equilíbrio nas contas da seguridade social, o que levou a OECD
a propor uma série de medidas, das quais destaco as seguintes:
Nos exemplos 15 e 36, o resumo intercalado aponta para uma outra situação de interação (finalidade
do resumo, sua concepção de autor, destinatário); como elemento composicional do artigo, estabelece a
relação dialógica do autor com um outro enunciado e sua situação de interação, no caso, uma entrevista
e um livro. O gênero intercalado resumo tanto pode entrar na construção do movimento de assimilação
(exemplo 36) como no de distanciamento (exemplo 15). As fronteiras internas do resumo no artigo
(alternância interna do gênero intercalado no artigo) podem ser notadas em certos traços estilísticos e
temáticos (de sentido) como: “Veja-se, por exemplo, a entrevista do cientista político mexicano Jorge
Catañeda”. “Embora Catañeda aluda a um ‘populismo democrático’, não são as instituições democráticas
que caracterizam o populismo.” (exemplo 15); “levou a OECD a propor uma série de medidas, das quais
destaco as seguintes” (exemplo 36).
Outros gêneros intercalados no artigo são o provérbio e o ditado popular. Diferentemente do relato
e do resumo, onde há um desdobramento do posição da autoria, no provérbio há ao mesmo tempo a
incorporação de uma outra voz, a do senso comum autorizado. Dessa forma, intercalados nos artigos,
com seu ar de déjà vu, seu tom sentencioso, funcionam como um argumento de autoridade que o arti-
culista incorpora ao seu enunciado. Na intercalação dos provérbios e ditados, o articulista se enuncia de
uma outra situação de interação, a do provérbio e do ditado. Eles funcionam no discurso do autor como
gêneros cristalizados, em que gênero/acontecimento do enunciado se fundem e que o autor incorpora
de maneira total (ou como um parte que representa a sua totalidade) no artigo.
(37) Mas lembre-se: quanto maior a altura, maior o tombo. (FSP3.2)
(38) É a prática do velho ditado “farinha pouca, meu pirão primeiro”. (FSP4.3)
O papel dos gêneros intercalados ainda pode assumir uma outra feição no artigo, diferente dos exem-
[...]
A inocência sobreviverá neste terceiro milênio para cuja inauguração nos preparamos? São
muitos os motivos em nosso milênio para inclinarmo-nos a temer que não. Mas, por sorte,
há também alguns que nos permitem alimentar esperanças. Sua obra é uma delas.
No exemplo 39, o enunciado artigo assume a forma do gênero carta. Com características formais de
carta (por exemplo, forma de introdução, fechamento), o enunciado artigo marca-se como constituindo
uma resposta a uma outra carta, situação de interação onde aquele a quem o enunciado responde é
também aquele a quem o autor se dirige. Há um desdobramento do papel do autor, que se enuncia de
uma outra situação de interação, sendo o texto todo construído em cima de um “suposto autor” e um
“suposto leitor”: as marcas de primeira pessoa (“Eu não sabia que o Pen Club japonês se negou nos
anos 70 a protestar contra a perseguição ao poeta coreano Kim Ji Ha”) não são marcas de discurso
relatado direto, nem as do autor; também as marcas lingüísticas de interpelação do leitor (“Para mim,
sempre foi inquietante o tema, mencionado em sua carta, da cumplicidade de alguns escritores com
os estragos que o fanatismo religioso ou político causa.”) não se referem ao leitor do artigo. Mas, pela
situação de interação, o leitor do jornal interpreta que o enunciado, mesmo em forma de carta, não é
esse gênero cotidiano, mas um gênero jornalístico, o artigo. O leitor interpreta essa situação como um
caso de reacentuação de gênero.
Nas situações em que o gênero intercalado determina a composição do conjunto do texto, é como
uma outra janela genérica (de gênero) que se maximiza sobre a do artigo: sua composição, seu estilo,
por exemplo, são de um outro gênero; entretanto, pela ancoragem do texto (texto) na situação de in-
teração, ou melhor, pela dimensão social do texto (enunciado), está-se diante de um artigo, mas cujo
gênero intercalado implantou naquele a sua dimensão verbal.
Em síntese, o processo de intercalação de gêneros no artigo funciona como uma estratégia discursiva
que possibilita ao autor se enunciar a partir de outros lugares enunciativos, dialogizando também o gê-
nero e construindo a sua orientação axiológica. A reação-resposta ao já-dito e a presença dos gêneros
intercalados, no artigo, funcionam como estratégias ou modos de construção da opinião do autor, da ar-
gumentação no enunciado, que não é um ato solitário deste face ao seu objeto, mas um ato dialógico.
As diferentes formas de incorporação dos outros enunciados e os gêneros intercalados apontam
para a elasticidade e plasticidade dos gêneros, para a própria essência da sua forma, ou seja, a relativa
estabilidade da sua parte verbal, como já comentado. Ainda, mostram que a dimensão verbal não é o
todo do enunciado, do gênero, mas uma parte, que tem de estar articulada com a dimensão social, a
situação social de interação.
Como visto, o gênero artigo constitui-se como uma reação-resposta do seu autor face aos aconte-
cimentos sociais do momento. Essa resposta não se constrói sem se relacionar com a palavra do outro
(os enunciados já-ditos e os pré-figurados), refutando-a, tomando-a em conta, refratando-se nela,
encontrando-se incorporada ou refletida de diversas maneiras na dimensão verbal do artigo. Mas, e na
arregimentação desses outros discursos, no mosaico enunciativo que constituem, como se expressa a
“última instância semântica do autor” (BAKHTIN, 1997) nesse gênero?
Nas suas diversas máscaras, o autor pode se manifestar de forma totalmente refratada, como nos
artigos onde gênero intercalado carta “impõe” a sua composição e o seu estilo: as formas de primeira
pessoa do singular e plural, por exemplo, não se referem à autoria do artigo, mas representam a fala de
um “suposto autor”, posto em cena pelo/no artigo.
Ainda, a “última instância semântica do autor” pode se manifestar pela indeterminação lingüística da
autoria. Mesmo não se tendo nenhuma marca explícita de primeira pessoa remetendo a uma instância
enunciativa, sente-se o trabalho e a responsabilidade da autoria na organização do enunciado, que se
“marca” nessa estratégia estilística.
(40) Como positivo, poder-se-ia citar o fato de a proposta acabar com a guerra fiscal, ao
estabelecer alíquota uniforme do novo ICMS. Entretanto, o simples anúncio da idéia já de-
Como uma certa preferência genérica, no entanto, a manifestação da autoria marca-se pela presença
da primeira pessoa do plural ou da primeira pessoa do singular articulada conjuntamente com a primeira
do plural (nos dados não se teve nenhum artigo onde se tivesse só a marcação da primeira pessoa do
singular). No caso da primeira pessoa do plural, essa projeção da autoria pode implicar a assimilação
do leitor ao artigo; tratar-se de um plural de modéstia; de um nós que não inclui o leitor, mas um outro
locutor incorporado/assimilado à perspectiva do autor (ver exemplo 41).
A presença da primeira pessoa do plural pode, em um mesmo artigo, marcar-se como um caso de
plural de modéstia, inclusão ou exclusão do leitor e ainda como uma marca de um locutor dentro de um
gênero intercalado. Também pode se manifestar de uma maneira mais ostensiva ou discreta no artigo.
Por fim, como mencionado antes, a projeção da autoria pode se manifestar lingüistamente pelas marcas
de primeira pessoa do singular e plural conjuntamente no artigo, onde a primeira pessoa do plural pode
assumir as diferentes nuances de sentido já discutidas. Essa opção genérica pela manifestação da primeira
pessoa do discurso é uma questão de estilo que, até de certo modo, contraria as normas de redação de
alguns manuais, que preconizam que em gêneros como crônica e artigo pode-se usar a primeira pessoa
do discurso como uma “forma de expressão”, mas que convém evitar, a todo custo, uma vez que dá um
ar narcisista ao texto, sendo preferível usar o nós plural de modéstia em lugar do eu.
(41) Quando assumi a prefeitura de Joinville, tratei, logo na primeira semana, de propor à
Câmara uma reforma administrativa nesse sentido. Por isso, mesmo com todas as dificul-
dades de conjuntura, temos nos distinguido por poder transformar Joinville num canteiro de
obras, não obstante tenhamos concedido um aumento linear a todo os servidores e venhamos
pagando em dia os salários. Aliás, Joinville foi o primeiro governo, em todo o país, a pagar
integralmente o décimo terceiro salário. No dia 27 de outubro.
Se todos fizerem a lição de casa, o déficit público será controlado. Mas, se os Estados não
quiserem pagar suas dívidas, o governo federal só terá uma saída: aumentar impostos. E
nós, cidadãos, é que pagaremos a conta. (DC5.1)
A presença das marcas lingüísticas de primeira pessoa (singular ou plural), no entanto, não deve
levar a crer que se esteja diante de um “discurso subjetivo”, diferente de um discurso objetivo, cuja
característica seria a ausência das marcas de primeira pessoa. A subjetividade se manifesta através da
impessoalização, da mesma maneira que a objetividade do discurso pode se marcar pelo eu. Essas mar-
cas têm sua função discursiva própria, funcionando como um recurso de autoridade, pois fazem menção
ao autor do enunciado e a sua posição social de destaque: é o articulista que fala, que tem boas razões
para dizer o que diz (elas remetem a um discurso de autoridade).
A articulação da presença da autoria também se marca no artigo através da assinatura e do pé bio-
gráfico (nome do articulista informações sobre ele) (ver exemplo 42). Na comunicação jornalística, tem-
se uma característica constante, confirmada pelos manuais de redação: o artigo sempre é assinado e é
acompanhado do pé biográfico. A assinatura (o nome completo do autor) tem, entre outras, uma função
jurídica: ela identifica e responsabiliza juridicamente o autor. Do ponto de vista legal, é ao articulista
que é imputada a responsabilidade pelas posições enunciadas no artigo. Discursivamente, a assinatura
inscreve o autor no artigo (enunciado), mostra-se como um indício de autoridade e seu compromisso
para com o enunciado. Também estabelece o vínculo entre o articulista e o seu texto, e a relação in-
trínseca entre a postura do autor prevista no gênero e o autor concreto, mostrando-se como o “selo da
individualidade” do autor do enunciado.
O pé biográfico, composto pelo nome do autor, profissão e cargo ou função que ocupa o articulista,
também é um elemento importante na construção do sentido do artigo, pois traz indicações da autoria,
ou melhor, funciona como uma biografia-síntese do articulista: quem fala no artigo, de que lugar social
ele se enuncia etc. Entretanto, pela constituição sócio-discursiva da autoria no artigo, o pé biográfico
também funciona como um recurso à autoridade, pelo fato de mostrar o caráter de prestígio social e
midiológico do autor. Dessa forma, orientados para o leitor, a assinatura e o pé biográfico funcionam
discursivamente como elementos de leitura, constituindo-se como índices importantes para a construção
da orientação temática do gênero e do sentido dos enunciados singulares. Eles como que ratificam o
discurso do autor.
(42) Emerson Kapaz, 43, é deputado federal pelo PSDB-SP, vice-presidente do Centro das
Indústrias do Estado de São Paulo e conselheiro da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança
e do PNBE (Pensamento Nacional das Bases Empresariais). Foi secretário de Ciência, Tecno-
logia e Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo. (FSP6.3)
Fechando com os aspectos em torno da assinatura e da autoria, nesta seção foram discutidas ques-
tões que, articuladas com a contrapartida social do artigo, configuram determinados aspectos de fun-
cionamento da dimensão verbal desse gênero (conteúdo temático, estilo e composição) na esfera da
comunicação jornalística.
LAEL/PUC-SP, Brazil
As far as I know, the discursive approach of classroom interaction based on Speech Genres Theory
(Bakhtin, 1953/1986a) is rare in the psychological or linguistic literature about this topic, a topic that
is most often discussed from the teaching-learning perspective. Here, I will present an exercise of dis-
course analysis — based on Bakhtinian Speech Genres Theory — of classroom interactions viewed as
different school speech genres: rules, arrangements, explanations, expositions and instructions, on the
one hand; on the other hand, multiple secondary genres that circulate out of school (e.g., in science or
in science writing for general public), transferred to classrooms.
This exercise of analysis of classroom interactional data as (maybe primary) speech genres and dis-
courses (utterances) used in classrooms and building secondary discourse genres started with a review
of linguistic and communicative analyses of classroom interactions. Rojo (1997) sustains that:
a) some empiricist approaches to interaction as overt action (linguistic or non-linguistic) or beha-
viour, and
b) some functional-communicative approaches of classroom language as “conversation” (Commu-
nicative Theory, Conversational Analysis, Micro-Ethnography of Speech)
may obscure interactional data, hiding the process of building both discourse and knowledge in clas-
srooms. This hiding effect is due to the theoretical focus and to the selection of phenomena, as well as
the view of language, interaction and learning that underlies these theories.
In this sense, an analysis focused on discourse and knowledge built from linguistic exchanges in
classrooms must take into account the interactional discursive flow. This focus implies the adoption of
not only a dialectical view of teaching and learning, but also a discursive view of classroom language.
I am following as a theoretical basis a Vygotskian (socio-historical) view of teaching and learning that
includes a Bakhtinian theory of discourse and utterance as an adequate view of linguistic and discursive
aspects of classroom language involved in the teaching-learning process. Also, some ideas and concepts
developed by the Educational and Didactic team of Geneva University (specially Schneuwly & Dolz ideas)
are taken into account to discuss didactic transposition and application at regular elementary school of
the Vygotskian and Bakhtinian concepts.
As Vygotsky sustains, the strictly human facts of development are built from the children insertion
in social institutions (e.g., family, school etc.), which works through social and interpersonal inte-
ractions. The human being appropriates (internalizes) these interactions and patterns of (language)
action through the discourse of others that becomes his/her own discourse. That is to say, this takes
place through semiotic mediation.
In a Bakhtinian view, social discourse and its appropriation by the human individual is a dialogic and
polyphonic phenomena: it works always in the dialogue with the discourses of others and with voices
from the past, present and future. This way, each language act or utterance takes from other utterances
its forms and meanings and is addressed to other possible utterances, in specific social conditions of
communication. It is exactly because of the diversity of these (social and material) conditions of human
interaction and activity that the utterance is a concrete reality of discourse that is never the same.
There are differences of time and place of communications; differences of participants and their mutual
social appreciation; differences of subject matters and goals of the interaction. Nevertheless, the dialec-
tical and historical dynamics of the social conditions of communication themselves, made of permanence
and change, creates relatively stable types of utterances: speech genres. Although speech genres
are flexible and change permanently in socio-historical spheres, they are also relatively stable, when the
social conditions of discourse production remain stable.
Therefore, the Speech Genre Theory of the Bakhtinian Circle (Volochínov, 1929a; 1929b; Bakhtin,
1 I am grateful to FAPESP (São Paulo State Foundation to Research Support) and to CNPq (National Council of Scientific and Technological Development)
concerning to the financial support of this research project.
Apparently, the teacher does the work upon the paradigmatic axe consciously in order to choose the
most adequate vocabulary for this secondary speech genre; one can see that because later, referring to
written texts, she will say: “This is when faeces and urine are expelled. Pay attention to the words we
must use: we do not use “to pee” and “ to shit”, because we are writing a scientific text. So: ‘faeces,
urine, back members, front members, reproduction, nourishment, locomotion…’ You will learn it to use in
a dissertative text about an animal, OK?” I cannot say the same about the work upon the syntagmatic
axe.
As I mentioned above, what happens in the public school class, in terms of construction of speech
genre, is not different from what takes place in the private school. The example is clear:
Science class 2, public school, 3rd grade:
(1) Tr: What is the composition of the ground?
St: Ground and rocks…
Tr: The ground is composed of clay, what else?
St: Sand, humus…
Tr: Humus and…
Sts: [limestone!
Tr: Limestone! Children, clay, that is to say, mud (the teacher shows a piece of clay), OK? Sand,
everybody knows… Sand is here… inside… We will make an experiment and then you will see… Well/
and… lime-stone, OK? This is the part of the formation of the…
Sts: [ground. (…)
(2) Tr: Ok now, look in the book! Which is the first picture of ground? Sandy ground. What
do we have a lot of in sandy ground?
Sts: Sand!
Tr: Sand. But, we call that…
Sts: [clay.
Here, we also have an empirical dialogued segment of classroom interaction; if we leave out the marks
of primary dialogic speech genres, we will have something like a encyclopaedic entry as: “Ground for-
mation: The ground is formed of clay, sand, humus and limestone. Sandy ground is formed essentially
of sand, which is not a good land to grow plants, because it is dry. This means that water goes down
easily in permeable ground. Clay ground…” and so-on. This is, perhaps, the kind of teaching text the
students have read.
So, the main interactional differences between public and private school discourses in this sample do
not have to do with speech genres, but they are related to how the teacher conducts the interaction in
a more internal persuasive or authoritative discourse.
Classroom interaction in science classes: from heteroglossia and social languages to authoritative
discourse
Cardoso (2000: 17), following Bakhtin on dialogism in discourse, emphasizes the relevance of the
concepts of heteroglossia and polyglossia to analyse science classroom interaction. She says:
“Analysing classroom discourse, we can recognise in it another concept developed by Bakhtin:
the process of dialogic reconstruction words undergo in order to be appropriated by
a speaker. According to Bakhtin, they are first perceived as “others’ words” and then
transformed as “one’s own words”. Therefore, other’s utterances appear in one’s own
utterance. That is what Bakhtin called voices, which will be expressed in different ways:
they may preserve the expressivity of the other; they may assume the expressivity of the
new speaker; the speaker may modify them, consciously or not. But, in this process they
inevitably enter in contact with other voices as well as with all the utterances of a social
group are always in permanent contact.”
To Cardoso, these different ways the speaker has of integrating the voices of others to his/her own
utterance have also different effects upon the active comprehension and reply of audience. According to
Bakhtin (1934-1935/1981: 342), there are two categories of words:
“…in one, the authoritative word (religious, political, moral; the word of a father, of adults,
and of teachers, etc.) that does not know internal persuasiveness, in the other internally
persuasive word that is denied all privilege, backed up by no authority at all and is fre-
quently not even acknowledged in society (not by public opinion, nor by scholarly norms,
nor by criticism), not even in the legal code. The struggle and dialogic interrelationship of
Also deeply involved in this discussion about different ways of dialogism and voices in conflict insi-
de an utterance are the Bakhtinian’s notions of social language and heteroglossia. To Bakhtin (1934-
1935/1981: 291),
“at any given moment of its historical existence, language is heteroglot from top to bottom:
it represents the co-existence of socio-ideological contradictions between the present and
the past, between differing epochs of the past, between different socio-ideological groups
in the present, between tendencies, schools, circles and so forth, all given a bodily form.
These “languages” of heteroglossia intersect each other in a variety of ways, forming new
socially typifying “languages””.
What arises when the teacher works upon the paradigmatic and syntagmatic axes – as I mentioned
above – is two (or more) voices and two (or more) social languages in conflict in the utterances: the voice
of daily language usually brought by the student (like in “The place where it leaves”); the intermediary
voice of the teacher (like in “the environment”); the voice of science (like in “the habitat”, example (1)
above). According to Bakhtin, utterances of the teacher like:
Tr: And which is the environment, the habitat, the place where the turtle lives?
or
Tr: Limestone! Children, clay, that is to say, mud (the teacher shows a piece of clay),
OK? Sand, everybody knows… Sand is here… inside… We will make an experiment and then
you will see… Well/ and… lime-stone, OK? This is the part of the formation of the…
are phenomena of hybridism of social languages in a concert with dialogic and heteroglossic voices.
What makes all difference in the two samples shown here (private and public school) is the way the
teacher integrates the voices of others in his/her own utterance. In the first sample (examples (1) and
(2)), the teacher listens to the students first, even in IRE pattern (example (1)), and then integrates
in a hybrid utterance their voices, his/her own and the voices of science (“And which is the environ-
ment, the habitat, the place where the turtle lives? “). Especially in example (2), we can see that
the students can comment and even ask questions that will be answered by the teacher, inverting the
traditional IRE pattern.
On the contrary, in the second sample (examples (3) and (4)), the IRE pattern is always maintained
and the voice of the students is only heard to complete the teachers/book/science voices. The students
behave as ventriloquists’ dummies of the teacher, only completing the teacher’s utterances; only in the
social language (science’s) accepted by the teacher and represented by the voice of the teaching material
in the classroom. That is to say: the appreciation and value that the teacher gives to the scientific word
is an authoritative one – that may not be internally persuasive for the students. Authoritative discourse
is to be repeated, not to be questioned. Again, in Bakhtin’s words:
“It is not a free appropriation and assimilation of the word itself that the authoritative dis-
course seeks to elicit from us; rather, it demands our unconditional allegiance.” (Bakhtin,
1934-1935/1981: 343).
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Piedade de Sá
UFPE
Introdução
No começo do século 20, um grupo de teóricos russos reunidos em torno da Sociedade para o es-
tudo da linguagem poética (Opoiaz) postulava que o objeto da ciência literária devia ser o estudo das
particularidades específicas da obra literária, que a distinguiriam das demais. Afirmavam esses teóricos
que o texto literário era auto-suficiente - daí a recusa em explicá-lo por meio de causas que lhe fossem
estranhas. Coincidentemente, na mesma época em que os formalistas concebiam o texto literário como
destituído de valores outros que não os específicos do discurso literário, considerando-o como objeto
independente do ambiente extraliterário, Bakhtin desenvolvia “uma teoria da comunicação na qual a
personalidade do autor, os valores éticos e o contexto social” são elementos definidores de um texto,
inclusive de um texto literário. (Clark/Holquist, 1998:209)
As críticas formuladas por Bakhtin/Medvedev em El método formal en los estudios literarios se dirigem
sobretudo à concepção defendida pelos formalistas de que a linguagem poética se opunha à linguagem
quotidiana, independia de qualquer contexto extralingüístico, sendo, portanto, autônoma, o que levava,
conseqüentemente, à valorização do estudo imanente do texto.
Procuraremos aqui tecer algumas considerações sobre o modo em que a linguagem quotidiana e a
linguagem poética, em particular, eram conceituadas pelos formalistas e por Bakhtin, tentando mostrar
os aspectos em que eles se contrapõem, uns e outro, e aqueles em que se aproximam.
A especificidade da linguagem poética
O estudo imanente do texto apregoado pelos formalistas explica em grande parte a oposição de
Bakhtin ao Formalismo Russo, uma vez que na perspectiva bakhtiniana a linguagem sempre se dirige
a alguém.
“Toda palavra - escreve Bakhtin (1995, p.113) - serve de expressão a um em relação ao outro,
isto é, em última análise, em relação à coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada entre
mim e os outros. Se ela se apóia sobre mim numa extremidade, na outra apóia-se sobre o meu interlo-
cutor.”
Esse dialogismo preconizado por Bakhtin como inerente à natureza da linguagem é, segundo ele, o
que deve ser considerado nos estudos literários.
Já Eikenbaum (1999:37) chamava a atenção para o fato de que, orientando os seus estudos para
a lingüística, os formalistas se opunham aos trabalhos anteriores dos teóricos da literatura, cujo inte-
resse se concentrava na história da cultura ou da vida social. Os trabalhos dos formalistas, embora se
aproximassem da poética pela natureza do seu estudo, baseavam-se noutros princípios e tinham outros
objetivos.
Para caracterizar o objeto de arte literária, partiam os formalistas do princípio de haver uma oposi-
ção entre língua poética e língua quotidiana, por eles consideradas como sistemas lingüísticos distintos.
Consideravam sua principal tarefa demonstrar a especificidade da linguagem literária.. É o que afirma
Eikenbaum (1999:36-37), como se pode ler no passo seguinte:
Apresentávamos e apresentamos ainda como afirmação fundamental que o objeto da ciên-
cia literária deve ser o estudo das particularidades específicas dos objetos literários que os
distinguem de qualquer outra matéria, [...]
Para a concretização desse princípio de especificação, acrescenta Eikenbaum, foi necessário
confrontar a série literária com uma outra série de fatos, que, contendo elementos comuns,
tivesse, contudo, uma função diferente. O confronto da língua poética com a língua quoti-
diana ilustrava este processo metodológico. (p.37)
A esse respeito, salienta Bakhtin (1994, p. 151) que esse método não permite saber “em que
consiste a língua poética, mas o que a diferencia da língua prática e quotidiana. Na análise dos forma-
E acrescenta:
A criação de uma poética científica exige que se admita à partida a existência de uma língua
poética e de uma língua prosaica cujas leis são diferentes, idéia provada por múltiplos fatos.
Devemos começar pela análise dessa diferença. (Grifo nosso)
Observa Bakhtin (1994) que a vagueza do conceito de especificidade não permite que os formalistas
precisem em que ela consiste realmente. “A linguagem poética, isolada pelos formalistas não incorporava
a estrutura da obra literária, mas se tornara o próprio objeto da investigação”.
Bakhtin (1994:158) também acusa os formalistas de desconhecerem os problemas concernentes
ao conceito de linguagem quotidiana, considerando-a como “algo evidente em si mesmo”, quando, na
verdade, são os problemas, de uma e de outra, os mesmos.
É preciso considerar, lembra Bakhtin (1994:159), que “não existe um determinado padrão de lingua-
gem quotidiana e prática”, uma vez que os enunciados produzidos em situações reais se constituem de
maneiras distintas, tendo em vista os diferentes propósitos e as diversas esferas da comunicação quoti-
diana e social. Assim, para ele, a linguagem quotidiana tomada pelos formalistas russos como ponto de
partida para determinação das especificidades da linguagem poética é uma “construção arbitrária”.
Outro aspecto sobre o qual recai a crítica de Bakhtin (1994:139-140) consiste em terem os formalistas
transferido para o estudo das obras - que eles concebiam como estruturas poéticas fechadas - as pecu-
liaridades da linguagem poética e os procedimentos de seu estudo, em vez de estudarem “as estruturas
poéticas” e “as funções estruturais de seus elementos.”
Bakhtin (1994:146) também contesta a compreensão da língua como “sistema de linguagem poética”,
uma vez que essa concepção requer que se conceba a língua como uma estrutura poética fechada”, o
que, consoante Bakhtin, não se poderia admitir, visto que, conforme postulado em El método formal
en los estudios literarios (p.147), “A língua adquire características poéticas só numa estrutura poética
concreta. Essas características não pertencem à língua em sua potencialidade lingüística, mas à estrutura
poética, qualquer que seja sua manifestação.”
Caráter niilista do método formal
Em sua apreciação crítica do Método Formal, Bakhtin (1999:151) se detém em examinar o que ele
denominou “tendência niilista” dos formalistas russos. Ressalta, com razão, o teórico que a linguagem
poética é definida pelos formalistas não pelo que ela é, mas pelo que ela não é. Por outras palavras, os
formalistas empenharam-se em mostrar as diferenças entre a linguagem poética e a linguagem quotidiana
ou prática, mas não conseguiram definir os elementos caracterizadores da linguagem poética.
Salienta Bakhtin (1994:152) que a
enumeração das diferenças casuais entre a linguagem poética, por uma parte, e a prática e
quotidiana por outra, se baseia no pressuposto tácito de que o importante são essas dife-
renças. Mas, semelhante premissa não pode ser reconhecida como evidente. Com o mesmo
direito pode-se afirmar o contrário: que o que importa são as semelhanças, enquanto as
diferenças carecem totalmente de importância.
Além disso, “essas diferenças e negações”, salienta Bakhtin, tomavam por base uma linguagem prática
e quotidiana “inventada”, escolhida aleatoriamente dentre as inúmeras possibilidades existentes.
De fato, em nenhum momento de sua obra teórica, tiveram os formalistas a preocupação de
especificar que tipo de material por eles denominado linguagem não-poética se opunha à linguagem
poética. Por outras palavras, não se preocuparam os formalistas em apresentar as bases sobre as quais
se apoiavam para definir a linguagem quotidiana
Observa Bakhtin (1994:153) que um exame cuidadoso das características negativas da linguagem
poética apontadas pelos formalistas, revela que todos os traços visam a um único propósito,“que as
palavras de Chklovsky definem perfeitamente: ‘tornar perceptível a estruturação da linguagem’”. Assim,
todas as características negativas servem ao mesmo propósito, qual seja, a desautomatização da per-
cepção ¾ ponto de vista também compartilhado por Tinianov ¾ de modo negativo, como por exemplo,
“eliminando” o sentido.
Segundo os formalistas, “a linguagem poética se define por levar os leitores a sentirem a forma, a
perceberem as palavras de novo, por meio do retardamento dos processos normais de percepção, tor-
nando a linguagem desautomatizada.
Diz Chklovski, em A ressurreição da palavra”, (apud Eikenbaum,1999:42) “se quisermos dar a definição
da percepção poética e até artística, será esta a que se impõe inevitavelmente: a percepção artística é
essa percepção em que sentimos a forma (talvez não só a forma, mas pelo menos a forma)”
A esse respeito, considera Bakhtin (1994:154) que é possível inferir “uma conclusão importante e
fatal para o formalismo: se a linguagem poética somente difere da quotidiana e prática no que se per-
cebe em sua estrutura, graças aos procedimentos negativos [...] resulta ser, como tal, uma linguagem
absolutamente improdutiva e não criativa.”
Como decorrência, a linguagem poética se caracteriza como o inverso da linguagem prática, e, des-
tituída de poder de criação, torna-se parasitária dela, sentencia Bakhtin. E esclarece:
Se, como pretendem os formalistas, a linguagem quotidiana e prática também se apresenta
como carente de toda potencialidade criadora, a linguagem poética vem a ser parasita de
outro parasita. (Bakhtin, 1994:163)
Em El método formal, Bakhtin rebate os principais conceitos do Formalismo, a saber, dentre outros,
linguagem transracional, desautomatização, estranhamento, deformação. outros.
No que concerne à desautomatização, julga Bakhtin (1994:154-155) que, se, como pretende a doutrina
formalista, é pelo desvio da norma que se dá a transformação da imagem comum numa nova, então “a
linguagem poética só pode distanciar e desautomatizar aquilo que já foi criado em outros sistemas da
linguagem. Por si mesma não cria estruturas novas.” Além disso, seria preciso esperar que uma constru-
ção da linguagem quotidiana se tornasse uma estrutura habitual e automatizada, para que a linguagem
poética a desautomatize, tornando-a perceptível. A observação de Bakhtin levanta um problema que
nos parece de difícil solução: se a desautomatização é uma característica da linguagem poética, como
explicar a existência de formas desautomatizadas na linguagem prática, quotidiana? Por outro lado, como
desautomatizar o que não foi criado?
Para ilustrar o seu ponto de vista, Bakhtin (1994, p.155) oferece um exemplo, retirado de um texto
de Chklovsky, e do qual transcrevemos um fragmento: “[...] o ritmo da prosa é importante como fator de
automatização. Mas o ritmo da poesia não é assim. [...] o ritmo poético consiste no ritmo interrompido
da prosa [...]”, em que se evidencia o caráter negativo dos princípios pregados pelo Formalismo, e, de
certa forma, a dependência da língua poética com relação à quotidiana ou prática. Daí conclui Bakhtin
(1994:155), talvez com um pouco de exagero, que, para os formalistas, a “única contribuição da arte é
a infração.” A poética teria por objetivo sistematizar as infrações.
O estranhamento, outro termo muito utilizado na primeira fase do Formalismo, e com o qual Chklovsky
e outros formalistas procuravam distinguir a linguagem literária da linguagem quotidiana e prática, leva
a conceber uma língua poética autônoma, em que inexiste a relação da arte com qualquer realidade
extralingüística.
A crítica de Bakhtin/Medevdev vai recair exatamente sobre essa descontextualização; sobre essa
“redução imanentista que retira toda significação ideológica ao conceito e, com isso, toda possibilidade
de entender a unidade interna da obra como processo orgânico carregado de sentido”, como escreve
Monroy (1994:.21-22), no Prólogo a El método formal en los estudios literarios. De fato, em sua ten-
tativa de caracterização da linguagem poética, os teóricos do Formalismo Russo não só não negam a
Considera Bakhtin (1994:156- 157) totalmente errônea essa concepção, visto que “nenhuma abstração
científica é levada a cabo mediante a pura negação.” E conclui com estas palavras:
Assim, pois, para os formalistas, as definições negativas da linguagem poética não são
abstrações, mas negações dogmáticas. Não se trata de uma abstração convencional de
alguns aspectos do objeto estudado, mas de uma negação incondicional da existência de
tais aspectos no próprio objeto.
Aliás, Bakhtin (1994, p.137) julga infeliz a própria denominação de ‘método formal’, visto que,
para os formalistas, o método é “um valor dependente e secundário”, devendo ajustar-se “aos traços
específicos do objeto literário.” Assim, os formalistas incorriam no erro de menosprezar a questão do
método, adotando, na maioria dos casos, uma metodologia ingênua.
Nas conclusões à análise metodológica do problema da linguagem poética, Bakhtin (p.150) escreve
que “ os formalistas construíram uma teoria da linguagem poética como um sistema lingüístico especial,
sem que dispusessem para isso de nenhuma base metodológica, e depois procuraram formular as leis e
as características ‘puramente lingüísticas do poético.’”
Em “A teoria do ‘método formal’”, publicada em 1925, Eikenbaum (1999:50) faz uma espécie de
defesa do Método Formal e dos formalistas:
É natural que os formalistas, nos anos de polêmica contra esta tradição [refere-se Eiken-
baum à escola simbolista] se esforçassem para mostrar a importância dos procedimentos
construtivos e descartassem tudo o que fosse motivação. Quando se fala de método formal e
da sua evolução, é preciso ter sempre em conta o fato de muitos princípios postulados pelos
formalistas nos anos de discussão intensa com os seus adversários terem uma importância,
não só como princípios científicos, mas também como slogans que, numa finalidade de pro-
paganda e de oposição, se acentuavam até o paradoxo. Não ter em conta este fato e tratar
os trabalhos da Opoiaz de 1916 a 1921 como trabalhos acadêmicos, é ignorar a história.
Buscando esclarecer o cerne do trabalho dos formalistas, diz Eikenbaum (1999, p. 62):
Tornou-se evidente - diz Eikenbaum -, mesmo para pessoas estranhas à Opoiaz, que a
essência do nosso trabalho consistia num estudo das particularidades intrínsecas da arte
literária, e não no estabelecimento de um “método formal”, imutável; [...]
Ao comentar essa passagem, considera Bakhtin (1994, p.123) que, em termos gerais, o resumo
feito por Eikenbaum é correto, mas alega não ser possível concordar com as conclusões a que ele che-
gou a partir do descrito, porquanto, a seu ver, a informação contida na exposição feita pelo formalista
leva necessariamente à conclusão de que é preciso uma revisão “radical e impiedosa” dos princípios e
slogans ‘não apenas científicas’ que constituem os alicerces do Formalismo. Mas, com alguma ironia,
conclui Bakhtin, se forem eliminados os “‘slogans, que em sua finalidade de propaganda e oposição se
acentuavam até o paradoxo’, restaria muito pouco dos princípios científicos. Faltaria justamente o espírito
formalista em toda a sua especificidade.” Ademais, assinala Bakhtin (1994, p. 123), seríamos necessa-
riamente levados à conclusão seguinte:
Se durante anos de luta e polêmica os formalistas deixaram de lado ‘todo o resto’ para de-
monstrar a importância dos procedimentos estruturais como ‘motivação’, agora é de todo
necessário recuperar ‘todo o resto’, isto é, voltar a pôr no primeiro plano da investigação
toda a profundidade do sentido ideológico
Em várias passagens de El método formal en los estudios literarios, Bakhtin faz referência à imutabi-
lidade das concepções dos formalistas. No entanto, em seu artigo intitulado “A Teoria do Método Formal”,
publicado em 1925, escrevia Eikenbam (1999, p.71), a modo de conclusão:
No momento em que formos obrigados a confessar que temos uma teoria que explica tudo,
que dá resposta a todos os casos do passado e do futuro, e que, por esta razão, não tem
necessidade de evolução e nem é capaz dela, seremos ao mesmo tempo obrigados a con-
fessar que o método formal terminou a sua existência, que o espírito de pesquisa científica
o abandonou.
Nada obstante a sua formulação clara e incisiva a respeito da evolução do Método Formal, não con-
seguiu Eikenbaum livrar os formalistas do comentário mordaz de Bakhtin (1994, p.136):
Não importa que os formalistas assegurem que o método formal evolui. Não é certo. Evolui
cada um dos formalistas individualmente, mas não seu sistema. [...] Uma evolução efetiva
e completa dos formalistas será a morte definitiva do formalismo.
No entanto, em algumas passagens do El método formal en los estudios literarios, Bakhtin (1994,
p.164) refere-se à evolução do método dos formalistas russos, embora, assinale ele, isso só ocorre no
plano teórico. É o que se pode ler na citação a seguir:
Em sua evolução posterior, os formalistas reconheceram em parte, por si mesmos, o caráter
fortuito da oposição entre a linguagem prática e a poética. Contudo, até o momento não
tentaram tirar alguma conseqüência desse reconhecimento.
E, mais adiante, diz Bakhtin (1994, p.165) que não obstante Eikenbaum afirmar em seu artigo “O
estilo oratório de Lenin”, de 1924, a necessidade de uma revisão dos conceitos de língua poética/língua
prática, “continuou defendendo obstinadamente as velhas posições em sua totalidade, embora nem ele
mesmo pensasse que tinham uma base sólida.”
Na passagem a seguir, escrita nos primeiros anos da década de 70, quando o calor das polêmicas
estaria arrefecendo, escreve Bakhtin (1992:362-363):
Por muito tempo concedeu-se uma atenção especial ao problema da especificação da litera-
tura. Cumpre reconhecer que uma especificação estrita é totalmente alheia à nossa tradição
científica no que ela tem de melhor. [...] Tomados de entusiasmo pela especificação, alguns
deliberadamente ignoraram os problemas de interdependência e de interação entre os di-
ferentes campos da cultura, esquecendo as mais das vezes que as fronteiras entre esses
campos não são absolutas, que cada época as traça a seu modo; ignoraram que não é dentro
de campos fechados em sua própria especificidade, mas por onde passa a fronteira entre
campos distintos que o fenômeno cultural é vivido com mais intensidade e produtividade.
Essas palavras não parecem muito diferentes das que escreveu Eikenbaum, em 1925.
No entanto, o ponto de vista de Bakhtin (1992:413) a respeito da especificidade da linguagem literária,
expressa na década de 20, é reafirmado nos últimos anos, como se pode comprovar nesta entrevista
concedida a Novy Mir, na qual o teórico resume as razões da sua discordância dos princípios do forma-
lismo, e aponta alguns aspectos positivos
Minha posição ante o formalismo? Tenho uma compreensão diferente da especificação.
Ignorar o conteúdo leva a uma ‘estética material’ (a crítica dele que fiz em 1924); não à
‘fabricação’, mas à criação (um material sempre proporciona apenas um ‘produto fabricado’);
uma incompreensão da historicidade e da consecução (percepção mecânica da consecução).
O valor positivo do formalismo: novos problemas e novos aspectos na arte; o novo, em suas
fases iniciais, as mais criativas do seu desenvolvimento, sempre adota formas unilaterais
e extremas.
Por isso, seria incorreto subestimar o formalismo ou criticá-lo fora de seu próprio terreno. (Bakhtin,
1994, p.264)
Foi de fato complexa a relação entre Bakhtin e os teóricos do Método Formal: por um lado, ele par-
tilha muito dos princípios defendidos pelos formalistas, por outro, a eles se opõe, sobretudo no tocante
à concepção das peculiaridades da obra de arte literária. Esse intercâmbio iniciado na década de vinte,
Mi conferencia se entiende como una contribución al tema “Latin American Cultures: Borders and
Thresholds” en el contexto de la XI Conferencia Bakhtin. A través de la historia de vida de un guerrillero
adolescente, este texto explora el problema del encuentro y del rostro del migrante, como expresiones
representativas de lo urbano y de la exterioridad trágica de nuestra modernidad, en general. La interac-
ción entre lo oficial y lo no oficial en este texto es asimilado al rostro humano como forma de espacio
y tiempo, es decir como cronotopo del encuentro. Y aquí es donde el texto realiza conexiones entre los
cronotopos artísticos en la obra de Bakhtin, el trabajo sobre la epifanía del rostro en Emmanuel Levinas
y la noción de iluminación profana en el trabajo de Walter Benjamin.
Desde una narrativa en la que aparecen de manera alternativa imágenes de la guerra en las montañas
y del recorrido por las calles de Bogotá (ciudad capital de Colombia), el encuentro de estas imágenes
es analizado como rostro, iluminación profana y así mismo como borde entre lo urbano y lo rural. Lo
que no se puede definir de un encuentro, igual que de un rostro, y algo que aplica a la manera como
entendemos el problema de la identidad en la ciudad, puede ser comparado a la experiencia surrealista
de los encuentros y desencuentros entre Nadja y André Bretón, similar a la experiencia antropológica
de encarar el consumo de objetos y la mirada sobre las cosas mientras caminamos por las calles y nos
bajamos de los buses que nos traen por primera vez a la ciudad.
Este ensayo es un abordaje al tipo de interacciones que Bakhtin plantea como “dialógicas” desde la
ciudad y desde la percepción de lo moderno en una ciudad latinoamericana como Bogotá, cuyas expre-
siones de nuestra relación con la modernidad y el desarrollo en general deben entenderse también desde
un tratamiento del exceso y de lo no oficial como “texto” a la manera de Bakhtin.
Y este texto narrado por un guerrillero, que es el texto del cronotopo del encuentro entre el campo
y la ciudad, es un encuentro que se dá en la intersección y fusión de ejes temporales y espaciales que
tienen una expresión narrativa y una imagen en la representación del migrante y de lo no oficial como
punto de convergencia de marcadores espaciales y temporales en la ciudad. El cuerpo del guerrillero
y su historia aparecen como la nueva expresión y experiencia de lo urbano. Pero es una experiencia
“heteroglósica” de la ciudad en la que se encuentran múltiples voces que son un decir de lo rural y de la
guerra, un decir de otras partes que construyen la ciudad.
Al mismo tiempo, se escuchan las voces del desdén y de la negación hacia el migrante y el ilegal,
que yo señalo como crueldad y como expresiones modernas del rechazo al sufrimiento y en contraste
nos encontramos con la tecnología, las nuevas mercancías y las nuevas formas de seguridad como una
forma de refugiarnos de la inminencia de esa crudeza.
“De ahí, yo tenía como 15 años, trajeron un revólver, y nos dieron de a once tiros y enseña-
ron a manejarlo, cada pieza cómo se desarmaba, y ahí ya trajieron armas largas, y así fue
transcurriendo el tiempo, y uno no se dá cuenta, cuando uno se dá cuenta ya está metido
en el cuento, ya que después que un trote, gimnasia, y así ...... nos devolvimos al área de
La forma y el contenido de este texto, que presento en esta Conferencia dedicada a Bakhtin, es la
voz, el cuerpo, el encuentro con lo urbano, y mi diálogo con un joven ex-guerrillero, todas experiencias
narrativas que señalan cómo “encontrarse” es parte de una rutina cultural que es lo urbano mismo,
despreocupado de expresiones y lógicas ciudadanas, y que es en el hábito del encuentro con personas
y en las disposiciones corporales que desarrollamos para asumir procesos de cambio cultural, como la
ciudad adquiere una expresión espiritual y onírica en las diferentes maneras como se chocan y se de-
sencuentran objetos y personas, provocando esa experiencia de inaprensión en la que durante un sueño
nos sentimos por primera vez adultos ó por primera vez pertenecientes a algo y que relacionamos con
haber llegado a una ciudad.
Los lectores y quienes escuchen este texto se encontrarán con una experiencia antropológica en la que
lo que Mikhail Bakhtin elaboró como “cronotopo” es ni más ni menos que lo inaprensible del encuentro
con otros y con la modernidad en la ciudad. De ahí la importancia que tiene presentar esta conferencia
en el contexto de un Borde y Umbral en una ciudad latinoamericana como Bogotá.
A Bakhtin no es ajeno este encuentro de experiencias narrativas y sensoriales como antropología y
experiencia moderna y como “Poética de la Expresión” (Todorov, 1984). La inaprensión como elemento
artístico también esta presente en lo que él declara como su “considerable insuficiencia, insuficiencia
no de pensamiento sino de su expresión, de su exposición” (Bakhtin en Todorov, 1984). Y esto es un
aspecto fundamental en el desarrollo posterior de este ensayo, pues la propia expresión del antropólo-
go es insuficiente desde el punto de vista de la conciencia del ser con respecto a otras conciencias en
ámbitos urbanos específicos.
La ciudad y esa relación borrosa e inaprensible entre el campo y la ciudad también esta presente como
exceso y trasgresión en el trabajo de Bakhtin sobre Rabelais, en donde el mercado, el hablar tosco, los
excesos gastronómicos y la risa aparecen como el centro de lo no oficial, en contraste con la oficialidad
de los palacios, las iglesias y las instituciones, todos estos los centros de una urbanidad que se ha des-
plegado históricamente como el centro de una conciencia de un centro que domina a la periferia.
¿Por qué la ciudad en América Latina es importante para producir y entender una textualidad de la
relación entre lo oficial y lo que lo trasgrede como representación literaria de la ciudad, de lo que está
afuera del autor, de su alteridad y de los elementos de la conciencia externos a nosotros y propios de
los otros, que son necesarios para nuestra conclusión como seres?
La propuesta que se presenta en este ensayo está relacionada con una percepción de lo que nos
transciende [“transgredient”] (Bakhtin, 1979) con relación a una alteridad transgresiva, en este caso un
joven ex-guerrillero que ha dejado las filas de la guerrilla para venir a vivir a la ciudad. Nuestra mirada
sobre él como migrante desplazado, que es una mirada tan indiferente como despectiva es una mirada
que necesariamente niega esa exterioridad de nuestros elementos de la conciencia, y es esta negación
la que aparece como cruel en nuestra vida cotidiana, pero que aparece anestesiada por nuestro hábito
de negarnos esa exterioridad que es nuestra relación con el orden.
Los encuentros y sus cronotopos en Bogotá están vinculados a narrativas de familiaridad con la
La expresión trágica que aparece en esta narración se refiere a lo que aparece en el lugar de la aflicción,
que no es llanto ni sangre sino un texto imposible de intervenir sino es con los textos de los encuentros.
Y así, quiero proponer con Walter Benjamin, un símil entre los encuentros y desencuentros urbanos y la
ráfaga de imágenes que articulan el encuentro de espacios, memorias, vigilias, experiencias de percep-
ción, cuerpos, rituales y sueños en la clase de imagen dialéctica conocida como “iluminación profana”.
Benjamin entiende por iluminación profana a una experiencia que supera a la iluminación religiosa y que
no reduce la experiencia onírica a la experiencia narcótica, sino que como André Bretón en Nadja, es una
experiencia que está más cerca de las cosas de las que está cerca Nadja, que cerca de ella misma.
“¿Quién soy? Si sólo por una vez tuviera que confiar en un proverbio, entonces talvez todo
se reduciría a saber ¿quién me obsesiona?” (Breton: 1960)
Ser ¿quién es uno? Y ser todas esas formas y lugares en donde uno no está en la ciudad, porque es
eso lo que persigo, esa forma de la ciudad que es la sustitución de personas por auras, por representa-
ciones de la memoria, por objetos encontrados en el piso y por luces y puertas que se encienden y se
abren a nuestro paso, es lo que considero el encuentro con otros en espacios urbanos.
El encuentro que se hace la pregunta ¿quién es uno? delante del objeto, persona y lugar hallados,
expresa una mirada sobre eso que es también una mirada sobre lo sustituído, sobre lo que se vá con
esa persona y sobre lo que no vino con ella.
Considero que esta iluminación que está cerca de lo que nos pasa en las ciudades es lo que Benja-
min reflexiona en su ensayo sobre “Crítica de la Violencia” como la relación entre los medios y los fines,
cuando la violencia son los medios para alcanzar fines justos o injustos, y cuando las instituciones temen
a estos medios en su capacidad de hacer y preservar leyes que gobiernen como violencia establecida
(Benjamin: 1986(a)). Estamos indisolublemente más cerca de los medios por medio de los que habitantes
de espacios y la policía ejercen la fuerza y no necesariamente padecemos el fin de esa violencia. Perci-
bimos el centelleo de cosas que apenas nos afectan, pasamos por el lado de cosas que acaban de pasar,
choques, palizas de policías, huelgas sindicales de las que apenas filtramos la tonada final en la Plaza de
Bolívar, prohibiciones que tratamos de padecer parcialmente y que se convierten en prohibiciones que
oficializamos, tales como pasarnos la señal del semáforo.
El vínculo que quiero elaborar entre la iluminación profana y la fuerza del desprendimiento tiene sen-
tido en el encuentro que realizamos los habitantes de los espacios urbanos de Bogotá con lo cruel, y con
la exterioridad trágica de las apariencias que se modernizan y al tiempo se arcaízan en tanto exhiben
todo su exceso (Maffesolí, 2001). Primero porque la violencia como la vivimos en las calles, que con-
sidera sólo a la estructura social y económica, está solamente considerando los mismos medios y fines
que cuando hablamos de formas de matar y de números de muertos, y segundo porque la iluminación
profana se refiere a los medios y estructuras inconscientes ó lo que yo quiero ver como encuentros con
lo no oficial y lo trágico en espacios urbanos.
El encuentro como iluminación es lo que está a punto de suceder (los medios) antes del golpe, el
maltrato y la muerte que damos, y este encuentro lo vivimos en el rostro de otros transeúntes recién
llegados a la ciudad y a quienes repudiamos no sólo a través de la violencia que ejerce el estado, sino
a través de las maneras como nos encontramos con ellos en las calles, formas de encuentro que para
Margaret Cohen en su libro sobre la Iluminación Profana en el trabajo de Benjamin, son “reencuentros”
con formas de vida cotidiana, objetos, tecnología e imágenes que ya han sido deseadas, soñadas ó vivi-
das como una “aplicación de nociones psicoanalíticas de la historia a la historia colectiva para desplazar
una visión lineal ó mecánicamente casual del proceso histórico y romper la distinción entre infra-supe-
restructura, apelando a las fuerzas libidinales que las permean” (Cohen: 1993).
Estos reencuentros, como los que se dan en las calles en donde tienen lugar los proyectos de desarrollo,
Significa “no-matarás”, pero solo puedo decir eso cuando tengo a alguien delante de mí en una rela-
ción de contingencia con el espacio. El rostro de una persona es el rostro de su espacio, y como tal es el
conjunto formado por el mobiliario urbano y la multitud que pasa, se aglomera, se dispersa en grupos,
en individuos y en parejas. Rostro es alguien mirando una vitrina y señalando cosas a través del vidrio,
rostro es la figura que hace la fila frente al banco, la figura del vendedor de colombinas y periódicos
recostado contra el poste del semáforo, es el reciclador abriendo la bolsa de basura y desparramando
materiales para reciclarlos. Rostro es cualquier objeto ubicado en un espacio urbano que pueda ser
convertido en extensión del cuerpo de un transeúnte ó de cualquier habitante de la ciudad, objetos de
uso cotidiano como sillas de madera, bolardos, así como objetos que vemos todos los días como vallas
publicitarias. Rostro se hace pasando por el frente, y haber pasado desde hace tiempo por esa esquina,
de tal manera que si vemos una fotografía del lugar lo reconocemos por habernos acostumbrado a hacer
rostro con la calle, con el andén, con el poste con la fachada del almacén ó con la soledad soleada del
acceso a un parque un domingo. Rostro es el movimiento brusco de una mano halando una cuerda en el
sueño y vuelto a ver en la mañana pasando por esa esquina. La diferencia de un rostro en la ciudad es
su encuentro con los espacios y las personas que lo hacen uno, irreconocible y contingente a la mirada
de los que pasan, a la mirada de los medios de comunicación y al cubrimiento del “velo de la multitud”
(Benjamin, 1969). La distancia de ese rostro con respecto a otros espacios de encuentro hace posible
su epifanía, su no estar donde otros configuran un rostro similar o diferente al mío, es lo que hace que
Bretón busque esos espacios donde Nadja acaba de estar pero en donde ella no está, y que no tienen
sentido si ella está.
Los bordes narran el encuentro en los espacios no-oficiales: Pasar por la Calle Novena, así me en-
cuentro con Edison: ahí está con su camisa de cuadros y su ex-servicio militar en el pelo creciéndole, de
espaldas, negociando algún cachivache. El saludo es muy serio pues cualquier sonrisa o gesto efusivo
resulta excesivo para su hermetismo, la situación en la que él está y la misma calle-entrada del Cartu-
cho. Cuenta que su amigo de dieciocho años estaba diciendo que se iba a volver para el monte y que
con seguridad lo había hecho, pues había viajado a Neiva, de donde él era. Hay más gente alrededor de
nosotros, con mochilas, anteojos y muy atentos a lo que hablamos. La atención para mí es muy notoria
en esa calle, donde ni la atención ni la mirada son importantes, y hacen parte del dominio de la seguridad
y de la policía. Los rostros de la atención hacen generalmente de la oreja un rostro, es la oreja la que
no sólo me mira a mí y a la situación en la que yo hablo con otros, sino que la oreja se posesiona del
dueño y hace girar su cuerpo hacia el sitio donde se encuentran los sonidos y las palabras que los otros
emiten. Así es en las calles, donde los transeúntes se inclinaban a escuchar lo que nosotros decíamos
caminando por la Séptima, en la calle del Cartucho, donde un cachivachero se acerca detrás de nosotros
y nos ofrece una bala y Edison, como frase extraída del Manifiesto Futurista de Marinetti, dice “calibre
32”, 200 pesos, y él mismo estirando su cuerpo y sus manos delante del puesto de cachivaches, se alarga
y mete una de sus manos dentro del delantal del encargado del puesto y saca una moneda de 200, se
asegura que el diseño precolombino corresponda a la numeración de la moneda como es común en la
calle, que la gente se toma su tiempo reconociendo las monedas, y luego se la entrega a esa mano que
de pronto apareció como rostro, detrás de nosotros ofreciéndonos una bala.
Todas estas expresiones de lo ilícito en público representan a miles de seres que se encuentran,
se escabullen y se arremolinan entre objetos reciclados, y toda la peligrosidad y transgresión de esta
calle, en la que un cuchillo no es más que un instrumento de comunicación con el valor de culto de un
objeto, cuando el objeto de culto es el rostro humano y la cortadura del cuchillo representa su valor de
exhibición, toda la peligrosidad de esta calle parece benigna comparada con el encuentro en la esquina
con un conocido ó desconocido, un contacto que despliega la crueldad de la separación y de la apertura
desde el primer instante.
“....... encontramos un puente, nos pasamos por debajo de un puente, pero no un puente
así como los que hacen sino un puente que casi pasamos así estrechitos y ya con hambre
entonces unas pepitas que se comen, entonces yo comencé a comer de esas pepas y Claudia
también estaba comiendo, ahí en el caño, estábamos ya en el puro potrero, cuando pasan
dos por la carretera, hablando tan, yo que los veo y apenas me quedaba quietico ahí en
el caño y pasaron y no nos vieron, y ahora pa’ la salida del caño sabiendo que esa gente
estaba por ahí regada, nos salimos del caño, avanzamos como 100 metros, nos metimos
Matar, y matar al otro y preguntar si lo debo matar o no, aparece también como rostro delante de lo
nuevo, el rostro de lo más vulnerable, que es el rostro de la prohibición de matar al otro. Esta prohibición
representa para Levinas el rostro mismo, pero también porque el rostro es la diferencia o la despropor-
ción entre el acto y aquello a lo que el acto da acceso, la desproporción entre la visión de algo como lo
dicho, como conocimiento y la mirada de algo como Rostro, Decir, Infinito.
Y es en este sentido que el encuentro con el objeto callejero reitera a esta desproporción como al-
ternativa a la muerte del Rostro.
Y esto implica una cronotopicidad del borde, que no supone solamente que le cuenten a uno estas
historias mientras uno camina por la calle, como mi encuentro con este guerrillero, sino que el encuen-
tro con los bordes es semejante a encontrarse con partes de la vida en la calle que ahora caminamos,
como si fueran espacios urbanos de la memoria. A uno le van contando cambios de lugares, recorridos,
decisiones que se toman, contradicciones, comprensión de formas de conocimiento a través de relaciones
con objetos nuevos como formas de crecer, como formas de cambiar de status a través de interacciones
con superiores. Todo ese relato en el que el adolescente refiere formas de socialización de su más in-
mediato pasado tienen un referente actual y una razón para ser narrados, porque se cuentan mientras
se recorre la ciudad y porque el que habla se dirige hacia objetos específicos del mobiliario urbano como
una manera de afirmarse en su conocimiento del recorrido.
No hay privacidad ni aislamiento, sino un permanente colectivizar de lo nuevo con la cara que le pon-
go a lo nuevo. Y materiales como el plástico, responden inmediatamente al encuentro del rostro con lo
nuevo, así como se percibe en el cambio de la vereda, el camino y el caño al pavimento, la cafetería y el
equipo de sonido, caras que tienen cara de orden. Los empaques plásticos, el yogurth y los artículos de
belleza como el aceite Johnson (yonson) “dramatizan los efectos de las cosas en el ser, como cuerpo y
marca de la relación del ser y del mundo como un movimiento de deseo” (Stewart, 1996). Es un deseo
de hacer táctiles las cosas desde el hábito de su consumo y de su mirada como signo de progreso y de
realización de lo urbano. Donde hay nevera con bebidas gaseosas y productos lácteos exhibidos en su
interior, y asientos de plástico, es allí donde puedo actualizar mi cuerpo, antes incompleto, en pasaje en
un limbo hacia lo nuevo.
El significado de los objetos para el cronotopo de la calle y sus bordes, específicamente aquellos ob-
jetos que son encontrados en la realidad presente de la calle frente a los objetos narrados ó soñados, es
que ellos son los que atan o desatan la narrativa del espacio-tiempo frente a lo nuevo como lo urbano,
transmutando el dolor narrado, un dolor que no quiero vivir ni sentir, y que para muchos, sentirlo es
ilegal, en formas de progreso que solo son visibles, vividas y sentidas cotidianamente de una manera
espectral en preguntas como ¿cuáles son todas esas cosas de las que está cerca Bretón, el guerrillero o
el etnógrafo, y de las que otros no están cerca? (Benjamin, 1986; citado por Cohen, 1993):
“Llegamos, sacamos una pieza, yo andando en chanclas en San José, en la pieza ahí quietos
porque yo pensaba pedirle plata a los compradores de mercancía, yo sé que ellos me daban,
El cronotopo del encuentro coexiste con el cronotopo de la calle en todo lo que el relato entiende
como urbano: desde transportarse a gasolina y guardar fotografías en la billetera hasta trabajar para
los paramilitares o para la guerrilla sin importar si se trabaja para la izquierda o la derecha. El rostro
es el uniforme a la vuelta de la esquina y caminar en chancletas por San José del Guaviare. Los cam-
bios y metamórfosis culturales no son hechos cumplidos en los escenarios crueles de la violencia, como
diría Kathleen Stewart acerca de la historia, sino más bien “tendencias sin forma, sitios ocupados de
contingencia y deseo en los que la gente vaga” (Stewart, 1996). Así mismo estos sitios ocupados de
contingencia son cronotopos del umbral, cruces de caminos entre lo primitivo y lo moderno expresados
en espacios-tiempos de crisis y de esguince con la moral de la vida y de la muerte. El “no matarás” en
Levinas queda en ese sitio en el que el objeto es visible y tocado, objeto inseparable del trabajo y de
la casa, pero también queda en el umbral entre el decir y lo dicho, un lugar en el que el rostro aparece
como rechazo del sentido de muerte. Rostro en ese sentido, es negociar en las calles de San José, en las
de Bogotá ó en la Fiscalía esas formas de identidad que quieren fijar al yo como culpable ó no culpable,
como fin único de la violencia.
“... hablé con un sargento de narcóticos, ahoritica sale un avión para Bogotá, ahí lo echamos,
claro y nos sacaron del batallón en carro, bien cuidados con guardaespaldas, dentramos al
Batallón de narcóticos y un “para” me dijo venga chino, el que nos llevaba uvas, usted va
a trabajar con nosotros, le vamos a pagar 650 mil, y dije no, nunca, yo voy a torear lo civil
a ver que pasa, dijo vea, me dio un número telefónico, si alguna cosa le llega a pasar, no
tiene donde dormir o está aguantando hambre, llámeme que yo le mando plata y véngase
pa’ca a trabajar con nosotros, y trae la muchacha, y conforme entré al Batallón boté el
teléfono ...”
¿De qué manera, la epifanía como rostro determina una relación diferente de la que caracteriza toda
nuestra experiencia sensible?
“Llegamos a Bogotá, eso fue rapiditico, el mismo día llegamos y tan! nos bajamos y ya pa’
donde iba a coger, ah el de la ropa que teníamos lavada, y esto y lo otro, teníamos una
abogada de oficio, que me regaló 20 mil pesos, teníamos en total 170 mil, entonces yo dije
la Clarita mi prima que vive en Santa Helenita, no tengo dirección nada , llegué y cogí un
taxi, pero yo no me acordaba sino de ese punto , lléveme a la Clarita, sin dirección todo
ha sabido cambiar, el parque lo han construído, eso fue mucho lo que ha cambiado, sino
que había una casa en una esquina que las paredes eran puros huecos, como de piedra,
entonces voltiamos con ese señor, y dijo de un lado ¿no sabe donde es?, le dije, llévenos
para una residencia más bien, allí hay unas residencias baraticas, yo dije ¿cuánto vale la
noche?, 40 mil ¿baraticas? Cree que es que traemos mucha plata, lléveme al Parque de la
Florida, cuando el man iba quisque pa’l parque de la florida, yo miré la esquina, la casa y
me acordé, y aquí es así, así tal parte es la casa, claro de una vez le dije al man voltié aquí
y aquí, cuánto le debo, 8 mil pesos me cobró ese tiempo, hace 3 años, bueno, le pagué, ya
llegué, golpié, salió mi prima, se quedó mirándome ......”
La diferencia es un más allá de la percepción que es reconocimiento de afecto y gozo. Quedarse mi-
rando a alguien reconoce el plano de la vida vivida como gozo (Levinas, 1969), pero sugiero que también
reconoce que el límite entre la ética del rostro y su sensación, que para Levinas no es fenomenológica
como lo es para Merleau-Ponty, produce ese espacio del rostro como destitución, y que en espacios ur-
banos se expresa en objetos, espacios y cuerpos cuya ética no solo se inspira en “estructuras formales a
priori del no-yo” (Levinas, 1969) sino en el trauma de la ausencia ó presencia de eso que es la ausencia
de otro. Considero encuentros a cualquier interacción con objetos, espacios y personas que produzcan
este vacío de significación, esta corporeidad de la experiencia onírica que es el lenguaje como epifanía
del rostro. ¿Podría la ética del rostro en tanto ética del gozo ser la percepción del cuerpo de otro que es
mi cuerpo?
“¿qué! Usted no se acuerda de mí, yo hace mucho tiempo que no venía, si yo soy hijo de
fulano de tal y tal y tal, de una vez, que yo no sé qué y bajan los primos, que quiubo y me
miraban pero este man se creció, pues cuando me distinguieron yo estaba sardino, ahí ya
Ser reconocido, que le conozcan a uno la cara, que lo vean pasar a uno por la misma esquina todos
los días delante de esos periódicos: ¡Ah sí es usted! nosotros lo conocemos, le detallo la cara, la distingo
“he visto sus ojos de helecho, mañanas abiertas a un mundo donde el golpear de las alas de la esperan-
za es escasamente distinto de otros sonidos, que son aquellos del terror, y en ese mundo solo he visto
hasta ahora ojos que se cierran” (Breton, 1960). Venirse otra vez para Bogotá con el entusiasmo de
salir adelante, ir al barrio La Soledad, sentir que uno ya sé desembolata, hacer las vueltas con un primo,
segundo piso, tercer piso cómo se llama usted, fulano de tal, el proceso, los archivos, conocer calles
entre diligencias, una que llaman el Park Way, los mismos edificios por los que ahorita estamos pasando,
conseguirse un trabajo con la Fundación Conespu para los desmovilizados del Quintín Lame que ayudan
a construir andenes, parques, mantener zonas verdes, sembrar árboles, enmallar. Ser reconocido, que
le reconozcan a uno la cara en un andén. Desembolatarse, ojos abiertos.
CUARTO CONTEXTO: SER ¿QUIÉN SOY YO? PENSAR EL ORDEN A TRAVÉS DE LA CIUDAD.
“Eso fue un problema muy grande porque pa’ sacar la cédula me tocaba sacar el registro
civil, y yo sabía que estaba en la notaría primera, pero no sabía dónde era que quedaba, mi
prima me acompaño, más antes yo había hecho varios intentos, para poder desembolatar-
me me tocó andar mucho, hartísimo yo anduve a pie, ya fui conociendo que es el centro,
que era sur que era norte, todo, andando va aprendiendo uno la diferencia entre calles y
carreras, ya el uno le va diciendo una cosa que otra, entonces uno le va cogiendo el ritmo.
A mí me decían tal bus lo lleva hasta tal parte, y yo no sabía que era Caracas, ni que era
décima, ni qué era carrera séptima, decía tal bus que vaya un Directo Caracas, me subía en
ese ¿a dónde me iba a bajar? Y varias veces me bajé y nunca supe ni dónde me bajé ni a
qué, me daba rabia, voltiaba, el bus para el barrio, sí sabía qué bus era que cogía y me iba
otra vez pa’ la casa, hasta que fuí desembolatándome. Inmediatamente se dan cuenta que
uno no es de acá, de una vez, porque uno no dice Carrera Décima ni Carrera Séptima, sino
uno es Carrera Diez o Carrera Siete, sino ya con el tiempo uno va perfeccionando mucho,
el hablado, la forma de ser no porque lo que es uno siempre es de ahí, pero el hablado si
ha cambiado muchas diferencias, porque uno cuando sale de allá sale hablando, no está
adaptado al ambiente, o sea del monte acá cambia mucho.”
Llegar a la ciudad y aprenderse sus esquinas y sus objetos por primera vez es una de las formas que
toma la epifanía del rostro como epifanía de los objetos. Funcionamos frente a esa supuesta lógica del
cemento a través de la “tactilidad” que producen los materiales y cosas de la ciudad en nuestra manera
de habituar los espacios, de ceder frente a ellos y de repetirlos (Taussig, 1993), pero recién llegamos
parece claro que funcionamos frente a nuestra estupefacción y desconocimiento de lo urbano que es
conocimiento en el encuentro:
“Yo veo el letrero y yo dejo a más de uno asombrado, yo me paro en la Décima con unas
chinas de aquí y yo no sé leer pero yo leo, sí pero de corrido no, y me paro en la Décima y
me pongo a leer y le leo más rato que cualquiera, entonces, cómo que no sabe leer, si yo
no sé leer entonces cómo lee, porque ya me conozco todos los letreros que diga Soacha,
entonces si vá por la Primera aquí o por la primera de Mayo, entonces si va por la Primera
de Mayo tiene que pasar por Venecia, yo me conozco de ahí pa’ abajo.
Leo rápido porque talvez ahorita que estoy estudiando fue que aprendí mucho, entonces tal
cosa, alcanzo a leer o yo no se si es que me los conozco ....”
A manera de conclusión, quiero señalar que el espacio público es el espacio para el deseo del desco-
nocimiento, para el deseo de tener otra cara, de mostrar esa-parte-de-la-cara, que es rostro de todos,
pero que tú no conocías. Y es precisamente en los espacios públicos en donde nos encontramos con una
lucha clara con esa “mirada sobre el que padece sin conmovernos” como muestra de nuestra lucha por
la definición de rasgos, por la definición de palabras y por la definición de mi relación con la muerte, que
para Levinas es el rostro del otro.
Y es en este punto, en el que la “antropología filosófica” de Bakhtin está en correspondencia con
el asunto de la exterioridad y la epifanía del rostro, pues necesitamos de los otros para poder existir
fuera de nosotros. Dice Bakhtin, que “no es uno el que se percibe en su aspecto externo” sino que “son
los demás por los que nuestra exterioridad tiene sentido” (Bakhtin, 1984). Y así, se puede hablar de la
necesidad estética del hombre por el otro, por una conciencia cuya realización está en la pérdida de mi
ser en otro ser.
Hay una nariz que no conoces, unos ojos que no conoces, una frente que es de otra persona que
no te han presentado, y que tú la ves y dices, la desconozco y no la quiero conocer. Eso es lo que es
humano, el miedo a mí como el miedo a una violencia que se arraiga en la definición de las facciones
de los demás.
Resumo I
Este trabalho apresenta registros de uma oficina de formação continuada em Ensino de Ciências, para
professores do Ensino Fundamental, esboçando a reflexão teorico-metodológica que lhe serve de base.
A oficina procura incentivar a contação de histórias, apoiar o estudo dos insetos e refletir sobre o uso de
diferentes linguagens em aulas de Ciências e a importância das interações discursivas para os processos
de ensino-aprendizagem. O pensamento de Bakhtin, buscando compreender os discursos na ciência, na
vida e na arte, permite discutir as possibilidades de enriquecimento das aulas de Ciências, pelo trabalho
simultâneo com textos científicos e literários. As noções de interação verbal, dialética interna do signo,
linguagens sociais, gêneros de fala, palavra alheia/própria, excedente de visão, exotopia e plurilingüis-
mo são categorias bakhtinianas tomadas para essa reflexão. Considera-se que o ensino, abrindo-se à
perspectiva do dialogismo e vivenciando diferentes narrações, pode romper barreiras inter-disciplinares
e potencializar as práticas pedagógicas.
PALAVRAS CHAVE:
Ensino de Ciências / Interações Discursivas / Ciências e Literatura
Resumo II
This work presents reports of a workshop in science, outlining the theoretical and methodological
reflection on which it is based. The main objectives of the workshop was to incentive the narrating of
stories, to form a base for studies in insects, and think about the use of different languages in science
classrooms, and about the importance of discursive interactions to the teaching-learning processes. The
thought of Bakhtin, as trying to understand the discourse in science, in life, and in arts, leads to the dis-
cussion of the possibilities of improvements is science classrooms, through the simultaneous work with
scientific and literary texts. The notions of verbal interaction, internal dialectic of sign, social languages,
speech genres, one´s own/someone else´s word, exceeding of vision, exotopy, and heteroglossia are
bakhtinian categories applied in this reflection. The teaching, as opens itself to the perspective of dialo-
gism, can break interdisciplinary barriers and improve the pedagogic practices.
A definição das intenções de um texto pode ser um ponto relevante, sobretudo quando esse compõe,
junto com outros textos, uma coletânea ao redor de um evento, de um teórico, o que, na maioria das
vezes, acaba criando para os possíveis leitores determinadas expectativas. Esclarecer o lugar do qual se
fala, além de prevenir um leitor de boa vontade, pode contribuir para a compreensão do que se quer dizer.
Este texto procura atender a duas intenções distintas mas, sem dúvida, simultâneas e complementares.
Por se constituir em um “relato de experiência” apresenta, de forma bastante sucinta, o trabalho que foi
desenvolvido na ocasião, o que já está, em linhas gerais, finalizado; e procura, também, sistematizar a
reflexão teórica que embasou essa experiência vivida, o que, por sua vez, na continuidade do fluido das
BIOGRAFIA:
Simone Rocha Salomão
Professora de Ciências e Biologia da Rede Municipal de Ensino de Macaé - RJ,
Mestre em Educação pela Faculdade de Educação da UNICAMP e Doutoranda da
Faculdade de Educação da UFF.
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo demonstrar a importância da aplicação de dois conceitos bakhti-
nianos para a apreensão dos efeitos de sentido construídos na relação dialógica instaurada entre Estado
e Sociedade no Movimento Grevista da Educação em Pernambuco na “Nova República” (1986-1987): 1)
a compreensão como forma de diálogo; e 2) a avaliação social: acento apreciativo.
COMPREENSÃO DIÁLOGO AVALIAÇÃO SOCIAL MEMÓRIA DISCURSIVA
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo demonstrar a centralidade desempenhada pelos conceitos
bakhtinianos “compreensão como forma de diálogo” e a “avaliação social” (acento apreciativo) para a
apreensão dos efeitos de sentido e a transformação da significação em tema no interior dos enunciados
bem como compreender a circulação de temas e os sentidos que eles evocam, na perspectiva de uma
memória discursiva interna e externa, na relação dialógica instaurada entre Estado e Sociedade no
Movimento Grevista da Educação em Pernambuco na “Nova República” (1986-1987).
Partimos dos pressupostos de que a interação entre locutor e receptor, na enunciação, é fundamental
para que a significação ocorra e que é a compreensão ativa que permite acrescentar novos elementos
à compreensão de um discurso. Procuraremos demonstrar que, ao revelar este aspecto de uma dialogi-
zação interior, Bakhtin oferece, ao pesquisador, uma nova pista para a procura e o encontro da palavra
do outro – diferente daquela que sugere o encontro da palavra do outro no próprio objeto. Nesse caso,
não é o objeto que serve de palco para esse encontro, mas a perspectiva subjetiva do interlocutor, ou
seja, a palavra do outro se encontra na resposta antecipada do interlocutor.
Tomaremos como exemplos os temas participação e democratização no âmbito dos discursos insti-
tucionais produzidos no espaço público midiatizado, no espaço público da sociedade civil (Sindicato) e
no espaço público do Estado (Governo) no Movimento Grevista da Educação em Pernambuco na Nova
república, no período de 1987-1990 (SAMPAIO, 2002).
PARTICIPAÇÃO E DEMOCRATIZAÇÃO
A palavra participação, nos discursos dos atores, aparece relacionada tanto a questões político-pe-
dagógicas na Escola como a questões político-administrativas na própria gestão governamental. Não
obstante, observa-se que há uma discrepância no acento apreciativo do tema em relação aos três ato-
res, ou seja, no que diz respeito ao horizonte social de valores comuns e no reconhecimento mútuo de
legitimidades sociais e políticas. Trata-se, como sugere Bakhtin (1978, p. 175-176), na Estética e Teoria
do Romance, de uma palavra híbrida que encerra em si “duas consciências lingüísticas, duas visões de
mundo”, separadas por diferenças sócio-políticas. Esse tema é atualizado e, eventualmente, transfor-
mado, não apenas pela alternância dos sujeitos falantes, mas, sobretudo, pela sua circulação discursiva
nos diferentes espaços discursivos institucionais numa perspectiva espaço-temporal. Pretende-se, assim,
tornar visível a sua pluriacentuação em função dessa variação contextual. Iremos, inicialmente, traçar
um paralelo entre as formas de representação da palavra participação, em relação aos nossos atores, na
intermediação do embate dialógico entre Governo-Sindicato. Podemos identificar, nas práticas discursivas
do Governo e do Sindicato, a respeito da participação, a existência de um discurso fundador comum que
se constitui num dos eixos do regime democrático: a idéia de que todos os atos do governo devam ser
do conhecimento do povo, o que significa, em outras palavras, o caráter público do poder, no sentido
de imprimir transparência e visibilidade administrativas às ações do governo. Em termos práticos, isso
representa uma forma de controle, pelo povo, das ações daqueles que estão no exercício do poder. A
DP,29.3.1987 (2)
E, de outro lado, a retórica dos professores, reivindicando a criação de conselhos escolares (com
a participação de pais, professores, alunos e funcionários), a participação nas comissões do Governo,
encarregadas de elaborarem o plano de reclassificação do magistério e a reforma administrativa e de
analisarem a evolução da receita estadual.
PROFESSORES MARCAM DIA DE GREVE COM PASSEATA DP, 1 de abril de 1987, A-11 (3)
APENOPE ACHA QUE SUA VITÓRIA ESTÁ NO AVANÇO CONSEGUIDO DP, 20.05.87,A-3)
(4)
[...] Segundo Ailton, a greve foi suspensa mas foi decretado o “estado de greve”, uma vez
que outras conquistas ainda faltam ser colocadas no papel. “É o caso de não haver descontos
pelos dias parados a negociação do calendário, a nossa participação na comissão dos
servidores que vai auxiliar no plano de reclassificação e na comissão que vai ter
acesso à evolução da receita estadual. [...]
GREVE DE PROFESSORES ATINGE 95% DA REDE OFICIAL, DP, 01.03.1988, A-8 (5)
Paralisação quase total. Este foi o resultado do primeiro dia de greve dos professores da
rede oficial, na Capital e área metropolitana.
Não obstante a retórica comum de um discurso fundador, que toca a idéia do caráter público do poder,
o fato é que a compreensão responsiva, de ambos os atores, em relação ao significado de participação,
difere substancialmente, conforme podemos observar no embate dialógico dos recortes discursivos a
seguir.
Participar, para a categoria dos professores (ex. 6 e 7), não significa apenas ser ouvido: há uma
diferença política muito grande entre apenas “participar e participar, decidindo”, enquanto que, para o
Governo, participar, significa fazer-se representar: “uma forma mais organizada de participação depende,
inclusive, da indicação, pelas entidades, dos nomes que as representariam” (ex. 8).
OF. APENOPE n. 137, 4.12.1987 à Secretária da educação de PE (6)
No encontro promovido por esta entidade no dia 21 de novembro desse ano, [...] decidimos
fazer algumas considerações sobre o processo de discussão do plano Estadual de Educação
O diretor de Comunicações, Valdênio Carvalho, disse que [...] “Muito se tem discutido a
forma com foi imposto o Plano pela secretária Silke Weber”, lembrando “a forma não de-
mocrática de discussão e de deliberação; a categoria foi apenas ouvida, mas não
decidiu nada. Num Governo autenticamente popular, a decisão se dá através da
participação dos segmentos sociais”. [...]
Tendo em vista as notícias veiculadas nos meios de comunicação de massa de que o Go-
verno do Estado não estaria negociando com os professores, cabe esclarecer, [...] que: [...]
(2) garantir espaço para a participação dos servidores quanto ao desempenho da
política salarial do Estado, verificando o comportamento da receita junto à Se-
cretaria da Fazenda, bem como no que concerne ao encaminhamento da reforma
administrativa e da reclassificação, continua sendo meta do Governo. Não foram
pois descumpridos os compromissos assinados em maio de 1987 [...] Uma forma mais
organizada de participação depende, inclusive, da indicação pelas entidades dos nomes
que as representariam;
Não obstante a retórica comum de um discurso fundador, que toca a idéia do caráter público do poder,
o fato é que a compreensão responsiva, de ambos os atores, em relação ao significado de participação,
difere substancialmente, conforme pudemos observar no embate dialógico dos recortes discursivos 6,7 e
8. Participar, para a categoria dos professores não significa apenas ser ouvido: há uma diferença política
muito grande entre apenas “participar e participar, decidindo”, enquanto que, para o Governo, participar,
significa fazer-se representar.
Quanto à Mídia, embora ela não assuma a autoria de uma posição própria – ora representando, através
do discurso citado, na notícia, os diferentes pontos de vista expressos pelo Governo e pelo Sindicato (ex.
7,9,10) – ela tanto pode deixar marcada a diferença entre ambas as posições (ex.7), como pode imprimir
um tom de denúncia ao ponto de vista sindical (ex. 9), ao evocar a memória discursiva-histórica dos
trabalhadores em educação e ao leitor em geral, como também pode funcionar como uma mera “caixa
de ressonância”, ao tornar públicas as notas oficiais pagas do Governo do Estado (ex. 8 anterior), ou
quando simplesmente veicula informações tais quais recebidas de fontes externas (no presente caso, o
Governo) através de press releases.
APENOPE COMEÇA CAMPANHA SALARIAL DE 89 DP, 19 DE FEVEREIRO DE 1989 (7)
Foi entregue ontem, ao governador Miguel Arraes, a pauta das reivindicações dos Traba-
lhadores em Educação. [...] Na pauta de reivindicações que os Trabalhadores em Educação
entregaram ontem ao Governador de Pernambuco, é lembrado o discurso político de
Miguel Arraes como “progressista e a favor das causas populares” ao mesmo tem-
po em que sua prática “impõe medidas de caráter autoritário, antidemocrático e
centralizador”. O documento segue dando exemplos de tais práticas como a lei 622/1989
(que fere o Estatuto do Magistério que foi amplamente debatido), a reforma administrativa
(que não conta com a participação das entidades envolvidas) e a própria desmobilização
das entidades organizadas (materializadas nas punições contra os trabalhadores que exer-
cerem seu direito de greve). [...]
[...] “A discussão da nova política é um momento importante nas relações entre o governo
do Estado e os funcionários públicos, e sem dúvida teremos a participação consciente
de todos para que os encaminhamentos, em um clima de realismo, considerem as
reivindicações dentro das possibilidades e obrigações da administração”, disse o
secretário do Trabalho e Ação Social Romeu da Fonte. “Estamos otimistas”.
Por conseguinte, se, por um lado, podemos observar uma relativa estabilidade nas práticas discursivas
dos atores no espaço público Governamental (do Estado) e no espaço público Não-governamental (da
Sociedade), caracterizável por um discurso fundador comum em torno da questão do caráter público do
poder, por outro, observa-se uma evidente instabilidade na circulação de sentido da palavra participa-
ção no espaço público midiático que talvez possa ser explicada pelo seu caráter híbrido. Trata-se de um
espaço público atrelado à iniciativa privada, que tanto pode atender a interesses públicos, da Sociedade
como um todo, como a interesses particulares e corporativos, de segmentos sociais ligados a governos,
partidos, sindicatos, etc ou simplesmente a interesses privados, mercadológicos, do capital, a exemplo
da própria empresa jornalística.
DEMOCRATIZAÇÃO
Em março de 1987, quando Arraes assume o Governo do Estado com os professores já em greve, a
imprensa noticia um encontro com a Secretária de Educação do Estado, Silke Weber, no qual é reiterada,
pelos grevistas, a necessidade da democratização da educação pernambucana, incluindo a questão
da participação – o que representa, na prática, a viabilização política da eleição direta de diretores e
vice-diretores na Rede de Escolas Públicas do Estado.
A primeira menção oficial ao processo de democratização na escola, por parte dos professores, é
feita através de ofício datado de fevereiro de 1987, dirigido ao governador eleito, mas ainda não em-
possado, conforme podemos observar no exemplo 11:
TEMA: DEMOCRATIZAÇÃO
[...] No ofício em que solicitamos esta audiência salientamos dois pontos pertinentes para
o momento: o da democratização das nossas Escolas que entendemos passar pela
eleição na escolha do diretor e vice-diretor e a nossa intenção de contribuir na escolha
do Secretário do Governo de Vossa Excelência, no que desde já lamentamos não ter sido
possível discutir alguns critérios que poderiam servir para traçar um perfil do secretário
desejado por nós professores. [...]
Em março do mesmo ano, com o governador já empossado, pode-se observar uma mudança de tom
dos professores em relação ao exemplo anterior, configurado pela introdução de um acento apreciativo
(em itálico) no discurso citado (exemplo 12): “sem liberdade, sem democratização e sem participação,
não somos sujeitos da educação nem os alunos o fim. Para mudar, só através de eleição”.
SILKE REÚNE-SE COM MESTRES, MAS A GREVE CONTINUA DP,
Existe um nós – sujeito que fala de um lugar no presente inacabado e que se endereça e se projeta
para um Outro – eles (alunos), um auditor-leitor virtual compreensivo que se situa na zona de contato
do presente (inacabado) e de um vir-a-ser futuro. Trata-se da palavra persuasiva à qual Bakhtin se
refere na “Estética e Teoria do Romance” (1978, p. 164) que:
[...] é uma palavra contemporânea que nasce na zona de contato com o presente inacabado,
onde se torna contemporânea; ela se endereça a um contemporâneo e a um descendente
como a um contemporâneo; a concepção particular de auditor-leitor compreensivo é, para
ela, constitutiva.
Mas existe ainda um segundo acento apreciativo (em itálico), desta vez introduzido pelo próprio
jornalista, após o discurso citado da Secretária de Educação, ao colocar a Secretaria “aberta para o
debate e para a avaliação sistemática de sua atuação”, segundo o qual nessa abertura estaria “incluída
a questão da eleição direta para diretores de escolas”. Acento apreciativo reforçado, logo em seguida,
[...] O que fazer com a educação em Pernambuco? O que fazer para dar-lhe credibilidade?
Perguntou a secretária aos presentes. “O Governo que assume irá propor um amplo debate
sobre o assunto ainda para este semestre. A nossa preocupação é com a formação da cida-
dania que está intimamente ligada à qualidade do ensino. Ao mesmo tempo, colocaremos a
Secretaria de Educação aberta para o debate e para a avaliação sistemática de sua atuação”,
respondeu Silke. Dentro desta abertura, ficou claro que será incluída a questão da eleição
direta para diretores de escolas, uma das reivindicações dos grevistas intensamente en-
focada no encontro. “Nossa proposta é de socializar o que se tem em mão; democratizar a
administração da educação. Porém, a curto prazo, sugeriríamos que os setores organizados
do sistema educacional encaminhassem o debate e indicassem um diretor de transição. A
eleição passaria, então, a ser um passo seguinte”. [...] (“Silke reúne-se com mestres, mas
a greve continua.” DP, 14.3.1987, A-10) (13)
À palavra persuasiva se contrapõe, na narrativa da notícia, uma outra palavra, uma palavra-autori-
tária1, fundada em um futuro hierárquico próximo que lhe confere autoridade – “o governo que assume”
(poder político), “a Secretaria de Educação” (poder institucional) e “o nós” (poder político-institucional-
individual) – que se distingue e se isola de uma maneira específica, uma vez que estabelece uma distância
hierárquica em relação às outras palavras do texto e que nos questiona, no alto de sua autoridade: “
O que fazer com a educação em Pernambuco? O que fazer para dar-lhe credibilidade?” Ela não nos dá
direito à réplica, ela se impõe a nós como um bloco compacto e inerte. É o próprio autor da pergunta
que responde ele mesmo: “O Governo que assume irá propor um amplo debate sobre o assunto ainda
para este semestre. A nossa preocupação é com a formação da cidadania que está intimamente ligada
à qualidade do ensino. Ao mesmo tempo, colocaremos a Secretaria de Educação aberta para o debate
e para a avaliação sistemática de sua atuação”.
A palavra é autoritária. Mas a História é flexível e nos permite – público, povo, cidadãos – retomá-la,
recapturá-la em um outro contexto, em perspectiva espaço-temporal, e submetê-la a julgamento. Mesmo
que em algum momento da História ela se imponha pela força do poder à nossa consciência verbal.
Não obstante o discurso governamental, contido na proposta de “democratizar a administração da
educação”, o que se observa, na prática, durante todo o período em questão, é que a eleição direta nunca
foi prioridade no Governo Arraes, uma vez que as eleições diretas2 jamais se concretizaram no âmbito
do sistema público de educação em Pernambuco durante os três anos de seu governo.
Não obstante, a rede discursiva da palavra persuasiva do Governo (participação, democratizar a
gestão da educação, eleição direta) encontra uma contra-resposta na compreensão responsiva dos
professores, em relação ao tema da eleição direta, ao declararem, um ano depois, em junho de 1988,
em matéria publicada no Boletim da Apenope, que
A GREVE FAZ AVANÇAR A DEMOCRATIZAÇÃO DA ESCOLA, Boletim Apenope, junho/88
[...] Quando o governo assume a posição de “respeitar os processos em curso nas escolas”,
para nós significa dizer, que dele não partirá iniciativas democratizadoras da gestão es-
colar, porém, estará aberto a considerar os processos de mobilização pela democratização,
quando estes forem desencadeados pela comunidade escolar. Fica claro nesta tomada de
posição do governo que a democratização da escola será resultado da luta e da mobili-
zação de cada comunidade escolar não por vias legais como esperam alguns.
A história tem nos ensinado que a conquista da liberdade e da democracia será sempre
resultado das lutas sociais e, no que concerne à democratização da escola pública, nunca
se verificou um momento tão oportuno [...] para se desencadear processos democratiza-
dores [...] A repressão desencadeada pelo governo Estado sobre os professores, teve nos
diretores escolares – fiéis às orientações do poder – importantes colaboradores na tarefa de
dividir, desmobilizar e desmoralizar o legítimo movimento da categoria.[...] Nestas escolas,
o processo de democratização, encontrará mais facilidade de encaminhamento, pois os
seus diretores se encontram abalados no possível respaldo que teriam antes da greve. Em
1 Bakhtin (1978, p.161-163), na Esthétique et théorie du roman, ao se reportar às palavras do Outro, no horizonte do futuro ideológico do Homem, faz
alusão à palavra autoritária como uma palavra imposta, organicamente ligada a um passado hierárquico e que pode organizar, no seu entorno, uma massa
de palavras, sem, no entanto, se confundir com elas, mantendo-se “isolada, compacta e inerte”, exigindo, não somente ser “aspeada”, mas uma “escritura
especial”, como se soasse uma “palavra estrangeira”. Trata-se de uma palavra que “penetra em nossa consciência verbal” de forma “compacta e indivisível”,
cabendo-nos “aceitá-la totalmente ou rejeitá-la”. “Ela é inseparavelmente ligada à autoridade (poder político, instituição, personalidade)” e pode “encarnar
conteúdos diferentes”( “a alta autoridade, o tradicionalismo, o universalismo, o oficialismo”, etc) como também estabelecer “diferentes zonas” de contato e
“diversas relações com o auditor-compreensivo presumido”.
2 O primeiro projeto de lei, em toda a história da educação em Pernambuco, no que se refere à instituição da eleição direta nas escolas para diretor e
vice-diretor foi assinado apenas em 2001, no Governo Jarbas Vasconcelos, e mesmo assim com críticas e ressalvas feitas pelo Sintepe, uma vez que os
candidatos à eleição devem passar por um processo de seleção prévia (concurso), o que, segundo o sindicato, vai contra a Lei de n. 11.329 do Estatuto
É a memória discursiva das lutas empreendidas pela classe trabalhadora ao longo da história da hu-
manidade que os trabalhadores da educação evocam quando ponderam que a “história tem nos ensinado
que a conquista da liberdade e da democracia, será sempre resultado das lutas sociais”. De fato, se
revisitarmos a história, observaremos que os direitos-credores, instituídos após as revoluções de 1848,
sob a pressão dos socialistas e do movimento operário francês, dizem respeito à obrigação do Estado
em prover, a todo o cidadão, o direito ao trabalho, à segurança material, à instrução, forçando uma
ação estatal no sentido de transformar a cidadania formal em cidadania real, assegurando a todos o seu
exercício, de fato e de direito (SCHNAPPER, 2000).
A ênfase do discurso político dos trabalhadores em educação recai, portanto, em dois aspectos da
democracia e da cidadania contemporâneas e que proporcionam um conteúdo concreto às conquistas
democráticas resultantes de um processo de luta social cotidiana: de um lado, o exercício dos direitos
políticos – e daí a importância atribuída à instituição do processo de escolha de diretores de escola, através
da eleição direta, visando “consolidar uma instância democrática de decisão interna nas escolas, com a
participação de professores, pais, funcionários e alunos”. Nesse sentido, o voto assume um papel privile-
giado e simbólico da soberania de toda uma comunidade escolar (professores, pais e alunos) sobre o nepo-
tismo institucional de governos – independentemente de suas orientações político-ideológicas-partidárias
– uma vez que a eleição é um meio não apenas de assegurar a escolha democrática dos representantes
da comunidade escolar, no que diz respeito à gestão e a todos os processos decisórios da escola, mas,
sobretudo, de garantir que esta mesma comunidade possa exercer um controle efetivo de suas ações.
Além disso, a eleição institui também um compromisso político recíproco entre os representantes eleitos
e a comunidade que os elegeu: o direito de votar e o direito de ser eleito significam também uma forma
de demonstrar que pertencemos todos, de fato e de direito, a uma comunidade social e política e que,
portanto, estamos todos igualmente incluídos nela e não excluídos dela. A participação, por conseguinte,
é expressa por uma cidadania ativa que emerge das demandas e das lutas empreendidas pela sociedade
civil organizada pela ampliação de espaços dos direitos políticos do cidadão através de um processo de
tomada de decisão em matérias que digam respeito ao interesse público.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os exemplos analisados nos permitem inferir que é o dialogismo constitutivo (a toda a palavra, a todo
o enunciado) que convoca os temas (aquilo sobre o qual se fala) de um discurso, ou seja, que os institui
no horizonte sócio-discursivo de comunidades lingüísticas caracterizáveis sócio- e historicamente, e que
é a passagem de um tema de uma comunidade lingüística a outra, no domínio de um espaço sócio-dis-
cursivo público, atravessado pela interpenetração do Estado e da Sociedade, que provoca a circulação de
seus sentidos. Ou seja, a motricidade do diálogo pressupõe relações de força que se inscrevem, de um
lado, numa memória discursiva interna e externa e de outro, naquilo que a produz, ou seja, a atividade
dialógica, a relação dialógica que se estabelece entre ambas, que produz a motricidade, que a faz avançar.
Trata-se da historicidade inerente a todo o evento enunciativo, do discurso como acontecimento. É essa
mesma memória histórica que constituiu todo um complexo de referências objetivas e subjetivas para
os nossos atores (Governo, Mídia e Sindicato), sujeitos individuais e coletivos dos discursos em questão,
para os seus destinatários (os trabalhadores em educação, público-leitor em geral). Uma memória que,
ao mover-se do presente ao passado e vice-versa, projetando-se também no futuro, possibilita, a partir
do confronto dialógico das práticas discursivas de nossos atores, o desvelamento de novos efeitos de
sentido.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAKHTIN, MIKHAIL (1975/1978). Esthétique et théorie du roman. Trad. do russo de Daria Olivier. [S.l.], Galimard.
SAMPAIO, Maria Cristina Hennes. (2002) Democracia, Cidadania e Produção de um espaço público democrático em
tempos de globalização: práticas discursivas entre Estado-sociedade no Movimento Grevista da Educação em Per-
nambuco. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo, 348p.
SCHNAPPER, Dominique (2000). Qu’est-ce que la citoyenneté? [S.l.], Galimard.
Adail Sobral
Doutorando, LAEL/PUC-SP.
Abstract
The concepts of act and activity are complex in the work of Bakhtin, being as they are immersed in
the difficult critical discussion they are object of in the field of philosophy, something that goes back to
Plato (fourth century B.C.), to megaric philosophers (c. 400-c.330 B.C) and Aristotle (384-322 B.C.),
and relates to the neo-kantian Marburg school (founded in Germany in 1896 by Hermann Cohen, it had
Ernst Cassirer as one of its members).
The concept of act informs the notion of concrete utterance, so crucial to bakhtinian theories. Unders-
tanding the definition it receives from Bakhtin, a definition intimately linked, both by incorporating and by
rejecting elements, to Marburg school’s studies, one has to briefly examine its long history from Aristotle
on, for this latter’s formulation is still present in discussions about act, even though his exact definition
is in a way almost non-reconcilable with the way modern philosophy understands act. Act relates to
“action”, sometimes understood as the same as “activity”, and also as actualization of a possibility, that
is, act or reality of being. Act has na important role to play in Renaissance philosophy, in several modern
philosophical systems, not to mention the idealist neo-kantians notion of Absolute and Spinoza’s philo-
sophy (1632-1677), the first author to propose a thoughtful and incisive non-dualist system). Besides,
act relates to actuality (as opposed to potentiality), sometimes used as synonyms.
Another significant factor linked to act/activity in Bakhtin is its presence, understood as action, both in
the so-called “action philosophies” and other philosophical trends, like Pragmatism (Peirce (1839-1914),
James (1842-1910), Mead (1863-1931), Dewey (1859-1952), Existencialism (mainly Sartre —1905-1980,
who also examines ethical aspects of act), Marxism (mainly as social acting to bring a world transfor-
mation, although the Marxist authors prefer to talk of praxis”, and analytical (Moore [1852-1933] and
Russell [1872-1970]) and post-analytic philosophies (Wittgenstein [1889-1951] and Quine [1908-2000)
— having these last gone beyond the scientificist and positivist reductionism these philosophies have
known from the beginning. Though incorporating their aspects more reconcilable to his point of view
Bakhtin goes clearly beyond the neo-kantian trends he dialogues with, and he emphasizes the process
moment of acts, rejecting theoreticist trends that see act only a certain content. Our work intends to
explore the explanatory capacity of Bakhtin’s notion of act by means of an analysis of the terrorist acts
of September 11 in the United States.
1. Bases da proposta de Bakhtin
Os conceitos de ato e atividade têm em Bakhtin caráter complexo, em linha de continuidade com
a difícil problemática desses conceitos no campo filosófico, o que remonta a Platão (séc. IV a.C), aos
filósofos megáricos (c. 400- c. 300 a.C) e a Aristóteles (384-322 a.C.), e tem estreitas relações com o
neo-kantianismo da escola de Marburgo, Alemanha (fundada por Hermann Cohen em 1896, e de que
fez parte Ernst Cassirer).
Esse conceito é uma das bases da noção de enunciado concreto, fundamental nas teorias bakhtinianas.
Para compreender a definição que Bakhtin dá ao conceito de ato, definição que tem estreitas relações,
tanto assimilativas como opositivas, com essa escola, deve-se rever a questão, naturalmente em termos
sumários, a partir de Aristóteles, visto que a formulação deste tem marcado as discussões de ato até o
presente momento, ainda que seu conceito seja hoje, de certa maneira, quase incompatível com o modo
de ver o ato da filosofia moderna.
Ato tem igualmente relações com “ação”, que pode em alguns casos ser o mesmo que “atividade”,
bem como realização de uma possibilidade, logo, ato, ou realidade do ser. Ato tem importante papel na
filosofia do Renascimento, em inúmeros sistemas filosóficos modernos, bem como na noção de Absoluto
dos idealistas neo-kantianos e na filosofia de Espinoza (1632-1677, primeiro autor a fazer uma ponde-
rada e penetrante proposta de filosofia não-dualista). Além disso, ato se associa com atualidade (oposta
a potencialidade), por vezes usada como sinônimo
PO Box 425481
Abstract
A Bakhtinian approach to Wise Blood exposes the truly dialogic underpinning of the protagonist’s dia-
lectical polemic against Christianity, especially when Bakhtin’s concept of the “penetrative word” (Problems
of Dostoevsky’s Poetics) is applied to uncover the full significance of key moments in the novel where the
repressed inner voice, the “genuine voice” that wants to believe in Christ, is activated by a remark from
another character or by an event. Through the agency of the penetrative word, Haze gradually makes
the transition from strident atheistic existentialism to a subdued acquiescence to religious Truth. What
appears on the surface to be the un-Bakhtinian dialectical polemic of an atheist masks a deeper dialogic
dynamic which structures from within the protagonist’s actions. Hazel Motes is a Christian “malgré lui”
who finally comes home.
Many critics have had difficulty understanding and appreciating Flannery O’Connor’s Wise Blood (1952).
Their frustration with the novel is not surprising, given its oddness. One way to deepen appreciation of
a literary text is to perform a Bakhtinian analysis on it, which can uncover subtleties and complexities
not previously appreciated. There have been two such studies of Wise Blood (overtly labeled Bakhtinian)
and they have indeed contributed to the vast scholarship on the novel by examining it through the lens
of Bakhtinian carnival and heteroglossia. I will first summarize those studies and then offer my own
Bakhtinian reading. (A plot summary has been provided in the appendix for readers who are unfamiliar
with the novel.)
In “Rhetorical Figures and their Effects,” Sandra J. Hays demonstrates convincingly through a rigo-
rous analysis of the novel that the plot conforms in numerous ways to a carnivalized world, containing
the following motifs: the grotesque; the debased body; perverse sexuality; blasphemy of Christianity;
use of insult, mockery, and curses; the suspension of normal time in favor of the carnival chronotope;
an overthrowing of the king; a mock battle; a festive atmosphere; verbal games and riddles; and the
implication of rebirth. Ranging well beyond the obvious fact that the protagonist’s polemic is an attack
on the institutionalized authority of the Church, Hays demonstrates that Hazel Motes’s experience in
Taulkinham, Tennessee resembles in many ways a carnivalized medieval marketplace. She argues con-
vincingly that such an approach to the novel explains its unique tonality.
In “The Rhetoric of Heteroglossia in Flannery O’Connor’s Wise Blood,” Mary Frances Hopkins argues
that a radical diversity of perspectives worthy of the term heteroglossia is achieved in Wise Blood throu-
gh the following phenomena: the interaction of different linguistic strata, including the use of regional
dialect; character zones enhanced through Free Indirect Discourse (with examples selected following
Bakhtin’s cue in his analysis of Dickens’s Little Dorrit); incorporated genres (including newspaper hea-
dlines and clippings as well as various signs); and the contrast between the values of the implied author
and those of the inhabitants of Taulkinham, Tennessee. Arguing that Bakhtin underestimates the power
of heteroglossia alone, Hopkins asserts that the sheer presence of a radical diversity of perspectives and
There is in Haze’s rantings and ravings against Christianity a certain rigidly monologic quality. He
simply asserts the falsity of the Christian premises of original sin, grace, redemption, and the like. In
their place, he advocates dialectically what amounts to nihilistic existentialism. Rather than stressing
the tremendous opportunities conferred upon the individual by the absence of a priori certainties, as
Sartre does in his famous existentialist manifesto, “On Existentialism,” Haze appears entirely hung up
on a strident rejection of Christian premises.
Examples of Haze’s rigid polemical stance abound. Indeed, the most salient feature of his character
as O’Connor presents him to us throughout the novel is his near hysterical denunciation of fundamental
Christian premises. He seeks out Asa Hawks, whom he believes to be a genuine man of God because he
allegedly blinded himself to prove his belief, and obsessively flaunts his atheism in front of Hawks. He
hopes to attract a large following to his Church Without Christ to prove to Hawks that he means what he
says (146). He intends to have sex with Hawks’s daughter, Sabbath Lily Hawks, “to prove that he didn’t
believe in sin since he practiced what was called it . . .” (110). He harangues the crowds emerging from
movie theaters with his vitriolic declarations against the concepts of a fall, sin, redemption, a conscien-
ce, and Truth (105, 165-66). Instead, he proclaims “the church of truth without Jesus Christ Crucified”
(55). The fact that the name for his church is centered on a negation points up his oppositional polemic.
This strident polemic is epitomized by his need to engage in blasphemy to establish his own position: “
‘The only way to the truth is through blasphemy,’ ” he asserts (148). The pathetic nature of his obses-
sion with rejecting the doctrine of original sin can be seen in his declaration to an innocent waitress as
well as an owl in the zoo that he is “clean” (91, 95). His forward driving intensity of purpose manifests
itself from the very beginning when he feels compelled to declare to the ladies in the dining car that he
wouldn’t believe in Jesus even if He were on the train (16) and when we see him declaring to the cab
driver, who assumes he is a preacher, that he “ ‘doesn’t believe in anything’ ” (32). It would seem from
these selected examples of Haze’s strident polemic against Christianity that there is nothing of the rich
engagement, interaction, and interpenetration of viewpoints that characterizes a truly Bakhtinian dialogic
relationship. The plot line of Wise Blood consists of a string of such pronouncements. We cannot even
argue that there is the kind of internal dialogizing in Haze’s pronouncements that we see in Dostoevsky’s
Underground Man, as Bakhtin analyzes him. It will be recalled that Bakhtin demonstrates the “cringing”
quality of the Underground Man’s discourse, showing that the apparent bravado of his narrative is un-
dermined by a neurotic anticipation of possible criticism and an attempt to respond to that anticipated
criticism. We do not find anything of the sort in the characterization of Hazel Motes.
Nevertheless, I believe there is a dialogic quality to Haze’s character. The fundamental mechanism
of the dialogism underlying his intense dialectical polemic is an unconscious desire to believe in a po-
wer outside himself. He yearns to accept his fallen state and atone for his share in the abstract guilt
In Wise Blood, two “voices” comprise Hazel Motes’s interior dialogue: one voice is a conscious and
compulsive denial of Jesus; the other voice is an unconscious desire to accept Him. That is Haze’s “in-
ternal and secret discourse.” There are several instances in the novel where this repressed dialogue is
activated by a remark made by a character or by the occurrence of an event. In the case of the latter, we
need to extend Bakhtin’s concept of the penetrative word to include “penetrative events” or “penetrative
moments.” Bakhtin’s concept of the penetrative word is very useful for uncovering the rich dialogic de-
bate within Hazel Motes precisely because O’Connor refrains from commenting on this dynamic in order
to approximate Haze’s own failure to fully understand his psyche.
The first penetrative word or moment I can determine in Wise Blood is when Sabbath, an illegitimate
child, asks Haze if she could be saved in his Church Without Christ. What follows is the following pas-
sage:
‘There’s no such thing as a bastard in the Church Without Christ,’ he said. ‘Everything is all
one. A bastard wouldn’t be any different from anybody else.’
‘That’s good,’ she said.
He looked at her irritably, for something in his mind was already contradicting him and saying
that a bastard couldn’t [be saved]. . . . The thing in his mind said that the truth didn’t con-
tradict itself and that a bastard couldn’t be saved in the Church Without Christ. He decided
Although it is Sabbath’s question that partially activates his repressed internal dialogue, we might
consider his response to her the real penetrative word because it is his response, which does not ring
true to his second voice (the “genuine voice”), that activates the internal dialogue.
The next example of a Bakhtinian penetrative word or moment in Wise Blood occurs when Sabbath
decides to “go give him a jolt” (185) by presenting as their “baby” the three-foot mummy that Enoch
has delivered to Haze. When she enters the room she utters the following penetrative words: “ ‘Call me
Momma now’ ” (187). O’Connor once again refrains from commentary; instead, she shows Haze in a
state of extreme agitation and she has him throw the miniature mummy out the door. He then announces
his intention to pick up and move on to another town to recruit for his Church Without Christ. Although
her protagonist is not fully cognizant of the implications of Sabbath’s penetrating words, O’Connor would
have us understand that Haze is taken aback by the suggestion that their fornication of the night before
could result in a baby. That repressed voice which questions his atheistic agenda causes him to respond
violently to Sabbath because he does not want to acknowledge that voice.
The next penetrative word or moment concerns Solace Layfield. Solace functions as a twin for Haze,
not a Double. Enoch is the Double. This is widely misunderstood in the criticism on Wise Blood. One
of the brilliant things about this novel is not the use of a Double to suggest what is lacking in the prota-
gonist. O’Connor does not want us to understand that Enoch’s intuitiveness, spontaneity, emotionality,
and nonrationality are what Haze needs. On the contrary. Enoch is a foil to point up the greater stature
of Haze. For this novel, his twin is what Haze needs to confront, not his Double or alter ego. Solace
is a stand-in for Haze because he believes in Jesus deep down but pretends on the surface that he is
a prophet of a church that promises happiness without Christ (and without all the inconveniences the
existence of a Christ implies for traditional believers). Without recognizing that Solace is literally his
“twin,” Haze lashes out at him because he cannot stand Solace’s hypocrisy. In so doing, he is lashing
out at himself and moving himself closer to the point where he will reverse his course and fully embrace
Christ. In Bakhtinian terms, encountering Solace functions as a penetrative event which activates his
repressed voice, the voice of a believer, and causes him to kill Solace as a symbol of his own contradic-
tion. The murder satisfies the inner, repressed voice, even though Haze is not aware of the complex
dynamic driving his behavior.
The final example of a penetrative word in Wise Blood is the event that precipitates Haze’s conversion.
When the cop pushes Haze’s beloved Essex over the embankment and destroys the car after discove-
ring that Haze is driving without a license, Haze is stunned. He has invested so much in his car—like
most Americans—and has thought of it as his way to continue preaching the truth of his Church Without
Christ. He has even declared at one point, “ ‘Nobody with a good car needs to be justified’ ” (113).
Now, though, he is doomed to remain in one place and face up to his inner voice. The cop utters words
which penetrate to and activate his interior dialogue: “ ‘Where was you going?,’ ” he asks (209). This
question reverberates in Haze’s mind; he realizes he was not really going anywhere.
***
Flannery O’Connor writes in her preface to the second edition of Wise Blood that the novel “was written
by an author congenitally innocent of theory, but one with certain preoccupations.” Her disinterest in
theory notwithstanding, I believe drawing on Bakhtin enhances an understanding of the complex situation
in which O’Connor places her protagonist—a situation that she deliberately refrains from articulating at
any length. A Bakhtinian approach to Wise Blood exposes the truly dialogic underpinning of Haze’s stri-
dent dialectical polemic against Christianity, especially when Bakhtin’s concept of the penetrative word
is applied to uncover the full significance of key moments in the novel where the repressed inner voice
is activated. To pick up on the epigraph, which also comes from O’Connor’s preface (“Free will does
not mean one will, but many wills conflicting in one man”), Haze uses his free will to break free from
the authoritative discourse of religion in an attempt to achieve an internally persuasive discourse that
represents a true liberation of his humanity. However, O’Connor suggests that that internally persuasive
discourse is nothing but another authoritative discourse—that of mid-twentieth-century Sartrean exis-
tentialism, which, ultimately is not internally persuasive for Haze because there is an inner voice that
can never be convinced of the validity of the nihilistic existentialist agenda. Thus, Haze is a Christian
“malgré lui” who strays but finally comes “home.”
Acknowledgements: I am grateful to the following for their assistance with this project: Hugh
Burns, Bernice Fischer, Russ Greer, Michelle Hepner, Rae Murphy, and Annita Owens.
Appendix: Plot Summary
Wise Blood is a novel published in 1952 by the well-known Southern U.S. writer from Georgia, Flan-
nery O’Connor. The following plot summary is intended to help those who do not know the novel follow
the argument of the paper.
A 22-year-old soldier, Hazel Motes, upon being released from the army because of a wound, makes his
way to his home state of Tennessee. There he founds a Church Without Christ, not only in revolt against
his grandfather, a preacher, but in opposition to Asa Hawkes, a religious charlatan who pretends to be
blind. Hazel does not realize right away that Asa is a charlatan. Hazel’s follower, Hoover Shoates, who
calls himself Onnie Jay Holy, comes to champion Solace Layfield, a rival prophet of the Church Without
São Paulo - SP
RESUMO
A orientação filosófico-lingüística da Metalingüística se encontra na fronteira entre, por um lado, uma
filosofia do ato e da palavra e, por outro, a Lingüística, em relação a qual se coloca como um estudo
complementar e autônomo tanto do ponto de vista lingüístico quanto estilístico. Em sua obra revisada
sobre Dostoiévski - Problemas da poética de Dostoiévski (1963), Bakhtin nomeia o campo de seus estu-
dos da linguagem como Metalingüística e entre os objetos principais: as relações dialógicas e a palavra
bivocal. Durante a divulgação de PPD na França, na segunda metade da década de 60 do século passa-
do, preferiu-se o termo Translingüística. No entanto, seja como Metalingüística ou Translingüística, a
ciência dialógica da linguagem proposta por Bakhtin acabou sendo suplantada por um rótulo de maior
peso e extensão: dialogismo. Neste artigo, procuramos retomar a Metalingüística como uma das chaves
importantes para interpretação e aplicação da obra de Bakhtin e seu círculo.
ABSTRACT
The philosophical-linguistics orientation of Metalinguistics is on the border of, on one side, a philosophy
of the act and a philosophy of the word, and on the other, Linguistics, a science which is a complement
and independent both from the linguistical and stylistical point of view. In his second version of the book
on Dostoevsky - Problems of Dostoevsky’s Poetics (1963), Bakhtin named his research on language
Metalinguistics and as the main subject of this science the dialogical relationship and the double-voiced
word. When this book started to become reknowned, via France, during the latter part of 60’s in last
century, the name Translinguistics was preferred. Eventhough, as Metalinguistics or Translinguistcs,
the dialogical science of language proposed by Bakhtin was hidden behind another label: dialogism. In
this article, we try to reinsert Metalinguistics as one of the keys to an interpretation and application of
Bakhtin and his circle’s works.
Observações Iniciais
Numa de suas primeiras divulgações no Ocidente, que se deu na França via Julia Kristeva, o nome
da ciência criada por Bakhtin foi mudado para Translingüística:
“Bakhtine postule la nécessité d’une science qu’il appelle translinguistique et qui, partant
du dialogisme du langage, saurait comprendre les relations intertextuelles, des relations
que le discours du XIXe siècle nomme “valeur sociale” ou “message” moral de la littérature”
(KRISTEVA,1969:149)
Essa tese foi adotada na tradução francesa de PPD2(1970), e também na tradução espanhola (1986)3
1 Este artigo é parte de tese, defendida na Unversidade de São Paulo em junho de 2002, intitulada A construção da Metalingüística. Fragmentos de uma
ciência da linguagem na obra de Bakhtin e seu círculo, e sob orientação da Professora Doutora Beth Brait.
2. Doravante, utilizaremos PPD para designar a obra Problemas da poética de Dostoiévski.
Todorov, ao construir o primeiro grande estudo sobre Bakhtin e seu Círculo, no interior da tradição
francesa de estudos da linguagem, da qual ele é um participante dos mais ativos, não deixa de expressar
algumas dificuldades em relação à inserção de Bakhtin nessa tradição. No capítulo 5, “Intertextualité”,
esse desconforto fica bem claro quando ele dá uma definição do termo criado por Kristeva:
“Il n’est pas, et c’est essentiel, d’énoncé sans relation aux autres énoncés. La théorie géné-
rale de l’énoncé n’est pour Bakhtine qu’une sorte de détour inévitable, qui doit lui permet-
tre l’étude de cet aspect-lá. Le terme qu’il emploie, pour désigner cette relation de chaque
énoncé aux autres énoncés, est dialogisme; mais ce terme central est, comme on peut s’y
attendre, chargé d’une pluralité de sens parfois embarassante; un peu comme j’ai transposé
“métalinguistique” en “translinguistique”, j’emploierai donc ici de préférence, pour le sens le
plus inclusif, le terme d’intertextualité, introduit par Julia Kristeva dans sa présentation de
Bakhtine, réservant l’appelation dialogique pour certains cas particuliers de l’intertextualité,
tels l’échange de répliques entre deux interlocuteurs, ou la conception élaborée par Bakhtine
de la personnalité humaine” (TODOROV, 1981:95).
3. Em nota, a tradutora Tatiana Bubnova dá a seguinte explicação: “En el original de Bajtin aparece el término metalingüística. Para evitar confusiones
con el significado tradicional de este concepto, se admite aqui la acepción (translingüística) dada a dicho término en la traducción francesa de esta obra,
perteneciente a Tzvetan Todorov (BAJTIN, 1986:253).
4. Sublinhamos os termos que, nas citações plurilingües de PPD, são polêmicos. Como exemplos temos, por um lado, discurso, mot, discourse, word e
palabra, e por outro lado, metalingüística, translinguistique, metalinguistics e translinguística.
O próprio fenômeno palavra é aquele que aproxima e separa as duas ciências - Lingüística e Metalin-
güística - do ponto de vista do ângulo e dos aspectos abordados por uma e por outra. Cada gênero, cada
ciência, embora trabalhe conjuntamente, precisa ter seus limites, suas fronteiras definidas. E Bakhtin
assim define as da sua ciência em relação à lingüística:
“As pesquisas metalingüísticas, evidentemente, não podem ignorar a lingüística e devem
aplicar os seus resultados. A lingüística e a metalingüística estudam um mesmo fenômeno
concreto, muito complexo e multifacético - o discurso, mas estudam sob diferentes aspectos
e diferentes ângulos de visão. Devem completar-se mutuamente e não fundir-se. Na prática,
os limites entre elas são violados com muita freqüência” ( BAKHTIN, 1997:181).
“Il est évident que dans ses recherches, la translinguistique ne peut ignorer la linguistique
et doit se servir des résultat obtenus par cette dernière. Toutes les deux étudient le même
phénomène concret, infiniment complexe et multiforme: le mot, mas elles en choisissent
divers aspects et les observent sous des angles différentes. Elles doivent se compléter, no se
mélanger. Dans la praticque leurs frontières sont souvent difficiles à respecter” ( BAKHTINE,
1970:238).
“Of course, metalinguistics research cannot ignore linguistics and must make use of its
results. Linguistics and metalinguistics study one and the same concrete, highly complex,
and multi-faceted phenomenon, namely, the word - but they study it from various sides and
various points of view. They must complement one another, but they must not be confused.
In practice, the boundaries between them are very often violated” (BAKHTIN, 1994:181).
“Desde luego, las investigaciones translingüísticas no pueden menospreciar a esta última
[lingüística] y deben aprovechar sus resultados. Tanto la una como la outra estudian un
mismo fenómeno concreto, sumamente complejo y polifacético: la palabra, pero lo estudian
en sus diferenes aspectos y bajo diversos puntos de vista. Deben completarse mutuamente
sin confundirse. Pero en la práctica las fronteras entre estos enfoques se pierden con mucha
frecuencia” (BAJTIN, 1986:253).
Uma segunda distinção entre a Lingüística e a Metalingüística é o ângulo sob o qual elas observam
o mesmo fenômeno concreto - a palavra -, o ângulo monológico, na primeira, entendendo-se essa abs-
tração ora não só como o uso monológico da palavra (estilística numa acepção puramente lingüística),
mas também, como a própria abstração desse uso (estudo sistêmico); e o ângulo dialógico até o uso
polifônico da palavra, na segunda:
O objeto da lingüística, como bem lembra Bakhtin, é a língua. No capítulo que trata desse problema,
no Curso de Lingüística Geral, Saussure esclarece: “Para atribuir à língua o primeiro lugar no estudo da
linguagem, pode-se, enfim, fazer valer o argumento de que a faculdade - natural ou não - de articular
palavras não se exerce senão com ajuda de instrumento criado e fornecido pela coletividade; não é, então,
ilusório dizer que é a língua que faz a unidade da linguagem” (SAUSSURE, 1995:18)5. A oposição entre
Saussure e Bakhtin parece residir em concepções diferentes de linguagem. Para Saussure, a linguagem
como língua e, para Bakhtin, a linguagem como comunicação dialógica. Parece ser nesse eixo que se
distingue, a princípio, as concepções de uma e outra escola de estudos da linguagem. Como observa
Bakhtin no ensaio “El problema del texto en la lingüística, la filología y otras ciencias humanas“: “... la
lengua y la comunicación discursiva (como un intercambio dialógico de enunciados) nunca han de ser
confundidos” (BAJTIN, 1982:299).
Mas, como já vimos, Bakhtin e seu Círculo, ao tomar a linguagem como comunicação dialógica e definir
o enunciado concreto como sua unidade, irá abrir um campo para estudos dos fenômenos da linguagem
cuja riqueza e importância heurística ainda não foram profundamente observadas.
Uma das bases filosóficas desses estudos é, conforme Volochinov (1986) demonstra em Marxismo
e Filosofia da Linguagem, ao definir a natureza de seus estudos (e do Círculo), uma Filosofia marxista
da linguagem concebida como uma Filosofia da palavra e seus estudos como um estudo da “palavra na
palavra”. Isso implica em pensar que, do ponto de vista da dialogicidade interna da obra, é a palavra
(Filosofia da palavra, palavra como um ato responsável, palavra como signo ideológico) que orienta as
reflexões filosófico-lingüísticas do Círculo.
O átomo da investigação bakhtiniana e de seu Círculo é o enunciado concreto, e o núcleo desse é a
palavra, a qual permite que eles dialoguem com outras disciplinas lingüísticas - estilística, lexicologia,
sintaxe etc. a partir de um mesmo ponto em comum. Para testar o seu método e o da lingüística, em
vários momentos os estudiosos russos tomam como exemplo, um enunciado de uma única palavra,
mostrando a impossibilidade de uma sua compreensão ativa do ponto de vista da lingüística.
À diferença de outras disciplinas, o real empenho de Bakhtin e seu Círculo é construir um sistema
dialógico de avaliação e apreciação dos fenômenos da linguagem, o que inclui, também, uma relação de
complementariedade com essas outras disciplinas. O enfoque dialógico aponta para uma compreensão
responsiva impossível dentro de um enfoque estritamente lingüístico. Mesmo os fenômenos monológi-
cos são colocados na cadeia da comunicação dialógica e, desse ponto de vista, são também respostas a
enunciados anteriores e apontam para enunciados futuros, ou seja, participam da mesma engrenagem
dinâmica que os fenômenos dialógicos.
Nesse sentido, Bakhtin escolhe como objeto de sua ciência da linguagem as próprias relações dialó-
gicas:
“As relações dialógicas (inclusive as relações dialógicas do falante com sua própia fala) são
objetos da metalingüística. Mas aqui estamos interessados precisamente nessas relações,
que determinan as particularidades da construção da linguagem nas obras de Dostoiévski”
(BAKHTIN, 1997:182)6.
5. O fato de alguns tradutores traduzirem o termo slovo por discurso pode ser uma influência da Lingüística da fala/do discurso que era prevista mas não
foi desenvolvida por Saussure.
6. Observe a polêmica entre os termos fala, mot, discours e discurso na vida plurilingüe da obra.
O aprofundamento do problema do diálogo, para além do discurso dialógico, nas relações entre o
autor e os heróis dostoievskianos nos leva a colocar dois planos para se pensar as relações dialógicas:
na vida e na arte:
“As relações dialógicas - fenômeno bem mais amplo do que as relações entre as réplicas
do diálogo expresso composicionalmente - são um fenômeno quase universal, que penetra
toda a linguagem humana e todas as relações e manifestações da vida humana, em suma,
tudo o que tem sentido e importância” ( BAKHTIN, 1997:42).
No sentido acima, quase filosófico, as relações dialógicas caem como uma luva enquanto expressão do
“dialogismo” de Bakhtin. Mas é na sua transposição para o enunciado artístico que reside a originalidade
do gênero de romance criado por Dostoiévski:
“Dostoiévski teve a capacidade de auscultar relações dialógicas em toda a parte, em todas
as manifestações da vida humana consciente e racional; para ele, onde começa a consciência
começa o diálogo. Apenas as relações puramente mecânicas não são dialógicas, e Dostoiévski
negava-lhes categoricamente importância para a compreensão e a interpretação da vida e
dos atos do homem... Por isso todas as relações entre as partes externas e internas e os
elementos do romance têm nele caráter dialógico; ele construiu o todo romanesco como um
“grande diálogo”. No interior desse “grande diálogo” ecoam, iluminando-o e condensando-
o, os diálogos composicionalmente expressos das personagens; por último, o diálogo se
adentra no interior, em cada palavra do romance, tornando-a bivocal, penetrando em cada
gesto, em cada movimento mímico da face do herói, tornando-o intermitente e convulso;
isto já é o “microdiálogo”, que determina as particularidades do estilo literário de Dostoié-
vski” (BAKHTIN, 1997:42).
A partir dessas características gerais, podemos dar uma amostra de tipos de relações dialógicas apre-
sentadas por Bakhtin, fragmentariamente, ao longo da obra. As relações dialógicas são possíveis:
1) entre enunciados integrais [complets], isto é, entre dois sujeitos no diálogo face a face (com-
posicionalmente expresso) ou, num sentido mais amplo, entre duas obras de um mesmo autor, ou de
autores diferentes;
2) entre uma palavra isolada no interior de um enunciado completo, se a vemos “como signo da
posição semântica de um outro, como representante do enunciado de um outro, ou seja, se ouvimos
nela a voz do outro” (BAKHTIN, 1997:184);
3) numa palavra isolada no interior de um enunciado completo, se nela se chocam duas vozes, ou
seja, a dialogicidade interna da palavra (o microdiálogo);
4) entre estilos de linguagem, dialetos sociais, etc. “desde que eles sejam entendidos como certas
posições semânticas, como uma espécie de cosmovisão da linguagem, isto é, numa abordagem não mais
lingüística” (BAKHTIN, 1997:184);
5) entre nosso próprio enunciado como um todo e suas partes, “une attitude dialogique est enfin
possible vis-à-vis de notre propre énoncé dans sa totalité, ou bien de l’une de ses parties, ou même d’un
mot isolé, si nous prenons du recul par rapport à cet énoncé, si nous ouvrons des parenthèses intérieu-
res s’il y a une distanciation par rapport à lui, soit que nous restreignions, soit que nous dédoublions en
quelque sorte notre paternité” (BAKHTINE, 1970:242).
Em alguns desses tipos, as relações dialógicas vão para o interior do enunciado, e correspondem, na
tipologia de usos da palavra de Bakhtin, à palavra orientada para a palavra do outro, isto é, ao objeto
principal da Metalingüística: a palavra bivocal. Essa última, principalmente, as variantes multidirecionais
e o tipo ativo, são essenciais para a construção do romance polifônico:
“A própria orientação do homem em relação ao discurso [mot] do outro e à consciência do
outro é essencialmente o tema fundamental de todas as obras de Dostoiévski” (BAKHTIN,
1997:208).
Convém ressaltar que o objetivo último de Bakhtin, em PPD, é o estudo de Dostoiévski em Dostoiévski,
isso é, o estudo das particularidades de sua obra que, para ele, é dialógica em todos os seus aspectos,
é como que uma Filosofia dialógica da linguagem desenvolvida enquanto enunciado artístico até o limite
da polifonia.
O estudo da palavra na palavra que é o centro da investigação de Bakhtin e seu Círculo se desenvolve
a partir de um aprofundamento das particularidades do discurso dialógico:
“A lingüística conhece, evidentemente, a forma composicional do “discurso dialógico” e
estuda as suas particularidades sintáticas léxico-semánticas. Mas ela as estuda enquanto
fenômenos puramente lingüísticos, ou seja, no plano da língua, e não pode abordar, em
hipótese alguma, a especificidade das relações dialógicas entre as réplicas. Por isso, ao es-
tudar o “discurso dialógico”, a lingüística deve aproveitar os resultados da metalingüística”
(BAKHTIN, 1997:183).
“La linguistique connaît évidemment la forme compositionnelle du “discours dialogique”,
Sair do plano da língua para o plano da comunicação dialógica, para além de uma idéia mecânica da
comunicação verbal, onde as relações dialógicas entre enunciados, estilos e gêneros podem ser investi-
gadas. Essa parece ser a tarefa que se propõe Bakhtin ao definir o campo de estudo da Metalingüística.
Mas não é só isso, Bakhtin não está interessado só em ir além das “possibilidades” da língua, ele quer
estudar efetivamente a natureza dialógica da vida da linguagem, da língua, do discurso, da palavra, seja
lá qual variante escolhermos, ou seja, é o uso da palavra em gêneros, estilos e enunciados concretos:
“Toda a vida da linguagem, seja qual for o seu campo de emprego (a linguagem cotidiana, a
prática, a científica, a artística, etc.), está impregnada de relações dialógicas. Mas a lingüís-
tica estuda a “linguagem” propiamente dita com sua lógica específica na sua generalidade,
como algo que torna possível a comunicação dialógica, pois ela abstrai conseqüentemente
as relações propriamente dialógicas. Essas relações se situam no campo do discurso, pois
este é por natureza dialógico e, por isto, tais relações devem ser estudadas pela metalingü-
ística, que ultrapassa os limites da lingüística e possui objeto autônomo e metas próprias”
(BAKHTIN, 1997:183).
“Toute la vie de celle-ci [langue], quelle que soit la zone de son emploi (langue quotidienne,
d’affaires, scientifique, artistique, etc.), est sous-tendue de rapports dialogiques; mais la
linguistique étudie la “langue” même avec sa logique specifique, dans sa généralité, comme
ce qui rend possible l’échange dialogique; quant aux rapports dialogiques eux-mêmes, la
linguistique ne les effleure qu’en passant. Ces rapports se situent dans le domaine du mot
(qui, lui, est dialogique par nature) et son, par conséquent, objet de la translinguistique”
(BAKHTINE, 1970:240).
“The entire life of language, in any area of its use (in everyday life, in business, scholarship,
art, and so forth), is permeated with dialogic relationships. But linguistics studies “language”
itself and the logic specific to it in its capacity as a common ground, as that which makes
possible dialogic interaction; consequently, linguistics distances itself from the actual dialogic
relationships themselves. These relationships lie in the realm of discourse, for discourse is
by its very nature dialogic; they must therefore be studied by metalinguistics, which exceeds
the limits of linguistics and has its own independent subject matter and tasks” (BAKHTIN,
1994:183).
“Toda la vida de una lengua en cualquier área de su uso (cotidiana, oficial, científica, artística,
etc.) está compenetrada de relaciones dialógicas. Pero la lingüística estudia la “lengua” misma
con su lógica, dentro de un carácter general, como algo que vuelve posible la comunicación
dialógica, abstrayéndose metódicamente de las propias relaciones dialógicas. Éstas se ubican
en el dominio de la palabra, puesto que la palabra es dialógica por naturaleza, y por lo tanto
deben estudiarse por la translingüística que trasciende los límites de la lingüística y posee
un objeto y propósitos independientes” (BAJTIN, 1986:255).
O objeto principal de Bakhtin e seu Círculo não é a palavra enquanto signo lingüístico, enquanto pos-
sibilidades de atualização. Não, para ele é a palavra enquanto signo ideológico, signo dialógico, realizado
concretamente na vida da linguagem, da língua, do discurso em enunciados concretos. O limite de sua
ciência é a palavra. Não que não aponte para uma análise ampla das relações dialógicas envolvendo
outros fenômenos não-verbais:
“Lembremos para concluir que, numa abordagem ampla das relações dialógicas, estas são
possíveis também entre outros fenômenos conscientizados desde que estes estejam expres-
sos numa matéria sígnica. Por exemplo, as relações dialógicas são possíveis entre imagens
de outras artes, mas essas relações ultrapassam os limites da metalingüística” (BAKHTIN,
1997:184),
“Rappelons pour conclure que des rapports dialogiques, au sens large, sont possibles entre
Em outro momento da mesma obra, Bakhtin dirá, por exemplo, que “do ponto de vista de uma
estética filosófica, as relações de contraponto na música são uma mera variedade musical das relações
dialógicas entendidas em termos amplos” ( BAKHTIN, 1997:44).
Definidos os limites da Metalingüística, Bakhtin trata de tornar mais específico esse objeto relacional
- relações dialógicas -, indo até o seu núcleo, seu objeto principal: a palabra bivocal:
“O objeto principal de nosso exame, pode-se dizer, seu herói principal, é o discurso bivocal,
que surge inevitavelmente sob as condições da comunicação dialógica, ou seja, nas condições
da vida autêntica da palavra. A lingüística desconhece esse discurso bivocal. Mas, achamos,
é precisamente ela (sic) que deve tornar-se o objeto principal de estudo da metalingüística”
( BAKHTIN, 1997:184-185).
“L’objet essentiel de notre étude, la vedette pourrait-on dire, sera le mot à deux voix (bivocal)
qui nâit immanquablement lors de l’échange dialogique, c’est-à-dire dans les conditions de la
vie authentique du mot. Ce mot est ignoré de la linguistique. Mais il nous semble que c’est
lui précisément qui doit devenir l’un des principaux objets d’étude de la translingüístique”
( BAKHTINE, 1970:242).
“The chief subject of our investigation, one could even say its chief hero, will be double-
voiced discourse, which inevitably arises under conditions of dialogic interaction, that is,
under conditions making possible an authentic life for the word. Linguistics does not recog-
nize double-voiced discourse. But precisely it, in our opinion, must become one of the chief
objects of study for metalingüistics” ( BAKHTIN, 1994:185).
“Se puede decir que el objeto principal de nuestro examen, su protagonista, será la palabra
bivocal que se origina ineludiblemente en las condiciones de la comunicación dialógica, es
decir, en las condiciones de la vida auténtica de la palabra. La lingüística no conoce esta
palabra bivocal, y es precisamente ésta, según nuestro parecer, la que debe ser el objeto
principal de estudio en el campo de la translingüística” ( BAJTIN, 1986:25).
Metalingüística e Estilística
Definido o objeto principal da Metalingüística, a palabra bivocal, Bakhtin apresenta alguns fenômenos
literários que são precisamente fenômenos bivocais, que já eram seu objeto de estudo em Problemas da
obra de Dostoiévski (1929) dentro de uma Sociologia da palavra artística e que, aqui, são reacentuados
para o interior da Metalingüística:
“Existe um conjunto de fenômenos do discurso-arte que há muito tempo vem chamando a
atenção de críticos literários e lingüistas. Por sua natureza, esses fenômenos ultrapassam
os limites da lingüística, isto é, são fenômenos metalingüísticos. Trata-se da estilização, da
paródia, do skaz e do diálogo (composicionalmente expresso, que se desagrega em réplicas)”
( BAKHTIN, 1997:185).
“Il existe une série de phénomènes, dans le discours artistique, qui attire depuis longtemps
l’attention des linguistes et des critiques littéraires. Par leur nature ces phénomènes sortent
du cadre de la linguistique, autrement dit son translinguistiques. Il s’agit de la stylisation, de
la parodie, du dit (skaz) et du dialogue (“produit” par la composition, divisé en répliques)”
( BAKHTINE, 1970:242-243).
“There exists a group of artistic-speech phenomena that has long attracted the attention of
both literary scholars and linguists. By their very nature these phenomena exceed the limits
of linguistics; that is, they are metalinguistic. These phenomena are: stylization, parody,
skaz and dialogue (compositionally expressed dialogue, broken down into rejoinders)” (
BAKHTIN, 1994:185).
“Existe un grupo de fenómenos artísticos discursivos que desde hace mucho tiempo atrae la
atención, tanto de los analistas literarios con de los lingüistas, pero que por su naturaleza
están fuera del objeto de la lingüística, es decir, son de índole translingüística. Estos fenóme-
nos son: estilizaciones, parodia, relato oral (skaz) y diálogo (expresado composicionalmente,
O fato da lingüística não levar em consideração a palavra bivocal tem consequências para a própria
estilística. Assim como, para o Círculo, uma poética lingüística não teria condições de analisar uma obra
artística na sua especificidade artística, também a estilística lingüística não pode tratar da função pro-
priamente artística do estilo:
“Os autênticos fatores formadores do estilo ficam fora do campo de visão da estilística lin-
güística” ( BAKHTIN, 1997:227).
Por não reconhecer a palavra bivocal, a Estilística lingüística não consegue perceber certas particu-
laridades de estilo que ocorrem numa determinada obra, quando justamente esse tipo de palavra, essa
orientação do autor para a palavra do outro, é o seu tema.
Recolhemos, algumas particularidades estilísticas das análises concretas que Bakhtin faz de obra de
Dostoiévski, para termos uma idéia geral do alcance de uma estilística metalingüística. Nesse sentido, a
estilística lingüística não consegue perceber, entre outras, as seguintes particularidades estilísticas:
1) o choque e a dissonância de diferentes acentos nos limites de um todo sintático;
2) as relações interiormente dialógicas da palavra com a mesma palavra em um contexto de outro
e em lábios outros;
3) as ligações dinâmicas e tensas entre os enunciados;
4) a orientação dialógica da narração voltada para o herói;
5) a relação da narração com o diálogo interior do herói;
6) a pluralidade de estilos numa mesma obra;
A palavra, a voz, o enunciado. Bakhtin orienta todas essas variantes de um mesmo fenômeno en-
quanto unidade da comunicação dialógica, e sob o ângulo dialógico dispõe essas categorias segundo o
princípio arquitetônico da relação eu/outro:
“Um membro de um grupo falante nunca encontra previamente a palavra como uma palavra
neutra da língua, isenta das aspirações e avaliações de outros ou despovoada das vozes dos
outros. Absolutamente. A palavra ele a recebe da voz de outro e repleta de voz de outro. No
contexto dele, a palavra deriva de outro contexto, é impregnada de elucidações de outros.
O próprio pensamento dele já encontra a palavra povoada. Por isso, a orientação da palavra
entre palavras, as diferentes sensações da palavra do outro e os diversos meios de reagir
diante dela são provavelmente os problemas mais candentes do estudo metalingüistico de
toda palavra, inclusive da palavra artisticamente empregada” ( BAKHTIN, 1997:203).
“Tout membre d’une collectivité parlante trouve non pas des mots neutres “linguistiques”,
libres des appréciations et des orientations d’autrui, mais des mots habités par de voix
autres. Il les reçoit par la voix d’autrui, emplis de la voix d’autrui. Tout mot de son prope
contexte provient d’un autre contexte, déjà marqué par l’interprétation d’autrui. Sa pensée
ne rencontre que des mots déjà occupés. C’est pour cette raison que l’orientation du mot, les
différentes perceptions d’autrui, les multiples façons d’y réagir, sont peut-être les problèmes
essentiels de l’étude translinguistique de n’importe quel mot, et surtout du mot littéraire”
(BAKHTINE, 1970:263).
Polifonia
A obra de Dostoiévski não é só a fonte como a origem de toda a reflexão de Bakhtin sobre a natu-
reza dialógica da linguagem. É em Dostoiévski que encontramos o material concreto para explicitar a
importância e complexidade dessa nova ciência da linguagem, como que uma ciência do diálogo e seu
objeto principal - a palavra bivocal:
“A cosmovisão dialógica, como vimos, prescreve toda a obra restante de Dostoiévski, a
começar por Gente Pobre. Por isto, a natureza dialógica do discurso manifesta-se nela com
imenso vigor e sensibilidade marcante. O estudo metalingüístico dessa natureza, particular-
mente das múltiplas variedades do discurso bivocal e sua influência em diversos aspectos
da construção do discurso, encontra nessa obra matéria excepcionalmente abundante” (
BAKHTIN, 1997:272).
“Nous avons vu que la perception dialogique du monde traverse également tout le reste
de l’oeuvre, depuis les Pauvres Gens. De là que la nature dialogique du mot se manifeste
chez Dostoïevski avec tant de force et de netteté. L’étude translinguistique de cette nature
dialogique, en particulier des variantes multiples du mot bivocal et de son influence sur les
differents aspects structuraux du discours, trouve dans cette oeuvre une matière exceptio-
nelle” ( BAKHTINE, 1970:342).
“A dialogic feeling for the world, as we have seen, permeates all Dostoevsky’s other works as
well, beginning with Poor Folk. Thus the dialogic nature of the word is revealed in his work
with enormous force and with an acute palpability. Metalinguistic research into the nature
of this dialogicality, and especially into the diverse varieties of double-voiced discourse and
its influence on various aspects of the structure of speech, finds in Dostoevsky’s creative art
extraordinarily rich material” ( BAKHTIN, 1994:265).
“La percepción dialógica del mundo impregna, como hemos visto, toda la obra de Dostoievski
en su conjunto a partir de Pobres gentes. Es por eso que la naturaleza dialógica de la palabra
se manifeiesta en sus escritos con tanta fuerza y es tan palpable. El estudio translingüístico
de esta naturaleza y en particular de las numerosas variedades de la palabra bivocal, con
sus influencias sobre los diversos aspectos de la estructuración del discurso, encuentra en
su obra un material excepcionalmente fértil” ( BAJTIN, 1986:375).
Num diálogo com as idéias de Chklovski (1957), um dos fundadores do formalismo russo, Bakhtin
vai falar, pela primeira vez, da relação das relações dialógicas, objeto da Metalingüística, com o gênero
polifônico de romance:
“De fato, o caráter essencialmente dialógico em Dostoiévski não se esgota, em hipótese
alguma, nos diálogos externos composicionalmente expressos, levados a cabo pelas suas
personagens. O romance polifônico é inteiramente dialógico. Há relações dialógicas entre
todos os elementos da estrutura romanesca, ou seja, eles estão em oposição como contra-
ponto” ( BAKHTIN, 1997:42).
Considerando-se que gênero são tipos de enunciados relativamente estáveis do ponto de vista te-
mático, composicional e estilístico, e que o tema fundamental do romance polifônico, em Dostoiévski, é
examente a orientação do autor/narrador em relação ao discurso do herói, quais são as características
composicionais e estilísticas desse gênero?
O princípio composicional de construção do todo, na autêntica polifonia, leva em consideração não
só a multiplicidade de planos, mas também uma multiplicidade de mundos e de vozes plenivalentes nos
limites de uma obra, de um enunciado completo:
“... c’est le mot divergent bivocal qui prédomine, surtout son sous-groupe actif, avec le mot
Compreender a categoria polifonia como ela é construída por Bakhtin em PPD é muito difícil. Ela não
envolve apenas as relações dialógicas entre os enunciados, nem somente as palavras bivocais que se
chocam dentro desses enunciados, mas atinge exatamente o âmago da compreensão do homem no
próprio Dostoiévski:
“Somente na comunicação, na interação do homem com o homem revela-se o “homem no
homem” para outros ou para si mesmo” ( BAKHTIN, 1997:256).
Se no centro do mundo artístico de Dostoiévski está situado o diálogo como fim, é esse o mesmo
sentimento que temos ao estudar o mundo filosófico-metalingüístico de Bakhtin e seu Círculo. Ao situar
as relações dialógicas e a palavra bivocal como objetos de sua ciência, o problema da palavra na palavra,
do enunciado no enunciado, Bakhtin quer investigar o diálogo como fim:
“ Uma só voz nada termina e nada resolve. Duas vozes são o mínimo da vida, o mínimo de
existência” ( BAKHTIN, 1997:257).
A interação discursiva, o diálogo, é a realidade concreta da linguagem. Com esse postulado e seus
desdobramentos, Bakhtin e seu Círculo constróem não só uma nova ciência da linguagem, mas uma
autêntica ciência humana.
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Curitiba PR 80060-150.
RESUMO
O presente trabalho é uma aproximação de aspectos do pensamento bakhtiniano sobre a sátira de
uma obra específica do século XVIII brasileiro, as Cartas chilenas, de Tomás Antônio Gonzaga. Chamo de
aproximação porque, textualmente, o autor russo não compreende as sátiras desse período como passí-
veis de serem incluídas nas perspectivas carnavalizadas com as quais ele se preocupa e que desenvolve
em seu A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. Apesar
disso, e até mesmo porque os modelos europeus chegaram sempre ao Brasil um pouco desvirtuados,
podemos encontrar em alguns trechos da sátira frestas para espiar, literalmente, momentos arqueoló-
gicos do carnaval brasileiro.
ABSTRACT
The present paper is an attempt at drawing together some aspects of the bakhtinian thought about
the satire and one specific XVIIIth century brasilian work of literature, the Cartas chilenas, by Tomás
Antônio Gonzaga. I mean drawing together because, on his texts, the russian thinker does not unders-
tand this period’s satires as possibly to be included in the carnivalized perspectives with which he works
and which he develops on his Rabelais and his world. Nevertheless, and even because european models
have always come to Brasil somehow debased, we can find in some instances of the satire cracks through
which we can peek, literally, at archaeological moments of brasilian carnaval.
As Cartas chilenas de Tomás Antônio Gonzaga, sátira que trata de um período específico da história
de Minas Gerais, da decadência do ouro e da corrupção colonial, tem uma longa e conturbada história
que vai da autoria ao estabelecimento do texto, passando por todos os perigos da devassa.
A obra é composta por uma “Dedicatória”, um “Prólogo”, a “Epístola a Critilo”, única epístola escrita
pelo suposto destinatário das outras cartas, Doroteu, e treze “Cartas”. Exceto pela “Dedicatória” e pelo
“Prólogo”, a ordem exata das cartas não é conhecida. Há variações especialmente na seqüência entre a
sétima e a oitava e ao menos duas delas, a sétima e a décima, estão incompletas. Não há texto autógrafo
e os manuscritos não são concordes. Além disso, as edições todas, a primeira em panfleto, de 1826, as
que as seguiram, a primeira em livro, de 1845, e suas subseqüentes, criaram um pântano crítico até
a edição de 1957, de Rodrigues Lapa: As Cartas chilenas: um problema histórico e filológico põe fim à
longa discussão de autoria, definindo-a como sendo realmente de Tomás Antônio Gonzaga, e uma parte
dela, a “Epístola a Critilo”, de Cláudio Manuel da Costa.
Há ainda uma quantidade considerável de informações sobre a trajetória e o estabelecimento dos
textos. As razões que estenderam tal discussão não estão só no anonimato dos manuscritos apógrafos,
mas também e talvez principalmente na história da recepção crítica da obra. As Cartas chilenas ora eram
lidas como um dos primeiros libelos literários contra o jugo do colonizador, ora como um manifesto do
conformismo do colonizado apenas incomodado com uma situação que o desagradava, por colocar em
risco o status de alguns bem-nascidos. O que o século XIX faz é inclusive determinar as possibilidades
de autoria segundo tais critérios, muito mais próximos do nacionalismo romântico de um país recém-
liberto que da pertinência histórico-literária que se buscará depois. Não deve ser portanto por acaso que
o estudioso responsável pela palavra definitiva seja um filólogo, e português.
Estabelecido o texto, a crítica literária se apossa da obra e gera uma fortuna particular, onde o seu
contexto é o dado mais relevante: história e denúncia, travestidas de versos decassílabos. Só muito
recentemente alguns estudos resgataram a obra do seu lugar de cânone mal compreendido e deram ao
texto novas dimensões, mostrando como, no uso do gênero satírico, a obra nada mais faz que repetir
modelos de enredo e personagens, numa execução nada original mas coerentemente bem construída
A sátira foi, no entanto, durante o século XVIII, um dos modos mais contundentes de expressão da
revolução promovida pelo Iluminismo, fazendo parte do processo de pensamento que vai aos poucos se
vendo livre de amarras religiosas e que constrói uma consciência histórica específica, para a sociedade
Ora, nada menos racional que o susto e a crença descritos no trecho acima. Embora possamos con-
siderá-los um reforço estilístico para a desgraça que será o governo e portanto justifique-se assim a
construção do discurso satírico, a perspectiva assumida pela voz que conduz as cartas nos revela uma
indecisão de princípios. De onde nos fala Critilo? De dentro do clara e racionalmente iluminado século
da Revolução Francesa?
Obviamente nos aproveitamos aqui de um recorte muito específico. O texto não cometerá outros des-
Na missa de sua posse, Fanfarrão não tira seu chapéu e ainda troca de assento, colocando-se em um
lugar superior ao do Bispo. Durante as “festas que se celebraram nos desposórios de nosso Sereníssimo
Infante com a Sereníssima Infanta de Portugal”, Fanfarrão porta-se com superioridade e desprezo com
“os grandes” do governo e da sociedade, ao mesmo tempo em que se mistura, “vergonhosamente”, ao
povo, e no seu camarote, onde só poderiam estar padres, senadores e sua esposa, se esta houvesse,
o encontramos com uma viúva bonita. E ainda, se os homens da Câmara, os “Camaristas” do texto,
resolvem em qualquer assunto se opor às esdrúxulas decisões do governo, a mera menção de um juiz,
o “vil Alberga”, de que isso possa ser revelado a Fanfarrão, faz Critilo descrevê-los como crianças ame-
drontadas. Para maior efeito, deixa aparecer no seu texto uma canção infantil...
Apenas, Doroteu, o vil Alberga
Fala em queixa fazer ao nosso Chefe,
De susto os Camaristas nem respiram;
Quais chorosos meninos, que emudecem,
Quando as amas lhes dizem: “Cala, cala,
Que lá vem o tutu, que papa gente!”.
A entrada textual da cantiga é um bom exemplo da permissividade instalada na sátira. A própria es-
trutura da epístola, supondo sempre o interlocutor, permite à voz de Critilo remeter-se continuamente,
com seus vocativos e interjeições, a um Doroteu que é todos os leitores. Embora, a princípio, este não
responda, Critilo supõe reações em Doroteu e num esforço metalingüístico muda o discurso, ou termina
a carta, ou suspende um assunto.
Já na carta 11, num esforço maior para destruir completamente a moral de Fanfarrão, Critilo vai des-
crever uma festa, uma orgia, organizada na casa do governador. Num trecho particularmente divertido,
temos homens sérios e prostitutas na dança da embigada. O trecho ainda termina com o pedido de
uma das moças para a realização de um entrudo, o carnaval da época. Assim, malgrado todos os seus
esforços, Gonzaga fez das Cartas chilenas um documento satírico de intenções moralistas, mas onde
encontramos, em seus melhores momentos, um personagem que ele próprio adequadamente compara
a Sancho Pança e que deixa, para seu próprio gosto, o carnaval chegar a Vila Rica.
Chegam-se enfim as horas, em que o sono
Estende na Cidade as negras asas
Em cima dos viventes, espremendo
Viçosas dormideiras. Tudo fica
Em profundo silêncio; só a casa,
A casa, aonde habita o grande Chefe,
Parece, Doroteu, que vem abaixo.
Poderíamos enfim concluir apressadamente que o texto de Gonzaga não pertence, de direito, à corrente
satírica do século XVIII. Ao deixar escapar o retrato da festa ou mesmo, na construção do discurso, permitir
alguma, ainda que rara, interlocução, o autor estaria muito mais próximo de uma sátira Renascentista,
carnavalizada e feliz, como queria Bakhtin. Mas esta seria, acredito, só mais uma das leituras parciais
sobre as Cartas chilenas. O texto se organiza em estrutura, temas e intenções, como uma sátira de seu
tempo. Uma voz racional descreve e julga uma personagem desvirtuada: ganha-se, nesse sentido, em
clareza e objetividade, o que se perde em qualidade literária; e a construção das argumentações, embora
ceda muitas vezes a meras disposições de uma tradição de poder, não apela para o silogismo escolástico.
Aquilo que Bakhtin mostra como sendo a crítica de Voltaire a Rabelais é que escapou a Gonzaga. Este,
como o racional satirista francês, critica o absurdo e a bizarria... mas precisa ainda descrevê-la.
Não tivemos Renascença e a Razão chega aqui meio estropiada. E nos momentos em que ela se
distrai, fazemos o nosso Entrudo.
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, M. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo:
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FURTADO, Joaci Pereira. Uma república de leitores: história e memória na recepção das Cartas chilenas (1845-1989).
São Paulo: Hucitec, 1997.
UNISINOS
RESUMO I
Este trabalho interroga-se sobre a natureza do sujeito em Bakhtin. Parte do pressuposto de que essa
noção emerge e se sustenta no modo como o autor entende a enunciação: processo em que o eu se
constitui pelo outro e como outro do outro. Sendo assim, a questão da subjetividade em Bakhtin está
ligada à de alteridade, ambas vinculadas a uma concepção dialógica da linguagem. Pensar o sujeito em
Bakhtin é, então, tentar cercar o estatuto do outro em sua teoria, e isso só pode ser feito sem reducio-
nismo percorrendo-se o conjunto de sua obra. Uma leitura abrangente, que não comprometa Bakhtin
com configurações acadêmicas conhecidas, leva a concluir que seu conceito de sujeito transcende tanto
a leitura que o faz efeito de determinações sociais quanto a que o faz descontínuo e instável. O sujeito
bakhtiniano advém na intersubjetividade, dialogizado por um terceiro que tem substância e atravessa
constitutivamente o um.
RESUMO II
This work questions itself about the nature of subject in Bakhtin. It starts from the presumption
that this notion emerges and supports itself in the way the author understands enunciation: process in
wich the “I” constitutes itself by the other and as other of the other. Thus, the question of subjectivity in
Bakhtin is linked to the otherness one, both linked to language dialogic conception. Thinking the subject
in Bakhtin is then to try to approach the other’s statute in the theory, and this can only be made without
reductionism going through his work. An enlarged reading, with does not compromise Bakhtin with
known academic configurations, leads one to conclude that his concept of subject goes beyond both the
reading that produces it as an effect upon social determinations and the one that makes it discountinous
and instable. The bakhtinian subject comes in the intersubjectivity, dialogized by a third one that holds
substance and crosses constitutively the one.
Diante de uma teoria como a de Bakhtin, em que diferentes focalizações são possíveis e que serve
para iluminar questões em vários campos do saber, julgo ser preciso definir previamente um lugar de
fala. Lingüista que sou, busco no diálogo com Bakhtin uma outra compreensão dos fatos de língua na
enunciação e no discurso. Meu encontro com ele deu-se através de Authier-Revuz que examina no quadro
do dialogismo a heterogeneidade do fio do discurso no que diz respeito a dois tipos de não-coincidências:
não-coincidência interlocutiva e não-coincidência do discurso com ele mesmo, pontos de ruptura que
deixam “surpreender” a relação com o interlocutor e com outros discursos (1998, p. 23 e 193).
O propósito deste trabalho é discutir a noção de sujeito na teoria bakhtiniana. A densidade do pensa-
mento de Bakhtin faz com que ele seja reivindicado por várias correntes. É de se esperar que o modo como
se entende o sujeito em sua teoria não siga um caminho único.Teóricos do campo social e historiadores
apossam-se dele como marxista, enquanto há quem o veja como um pós-modernista avant la lettre.
Os que o consideram como um marxista “de raiz” acham que Bakhtin desloca a responsabilidade da
explicação sobre o sujeito do indivíduo para uma identidade coletiva chamada classe social. Rajagopalan
(2001, p. 32), por exemplo, considera que Voloshinov e Bakhtin, por professarem uma abordagem mar-
xista da língua e da lingüística, rejeitando a idéia de um indivíduo tendo uma existência inicial e primária,
estariam mantendo o conceito cartesiano de indivíduo individuado e indivisível, bem como a idéia de que
parte alguma da consciência é teoricamente inacessível à introspecção. Existiria então no pensamento
1 O trabalho aqui apresentado integrou a Mesa-Redonda “Linguagem, enunciação e subjetividade: reflexões a partir do princípio dialógico e suas interfaces”,
pensada a partir do ponto de vista compartilhado por suas integrantes de que os conceitos desenvolvidos pelo Círculo de Bakhtin não se encontram dados,
mas têm que ser construídos a partir de leitura atenta do conjunto de sua obra. A Mesa se propôs a revisitar as concepções de linguagem, enunciação e
sujeito, tomando o princípio dialógico como eixo articulador dos posicionamentos de Bakhtin a esse respeito.
Afirmações como essas mostram que a questão da subjetividade em Bakhtin vem entrelaçada à
de alteridade, ambas vinculadas a uma concepção dialógica da linguagem, e que, numa leitura mais
abrangente de sua obra, o lugar conferido à alteridade ultrapassa tanto a idéia de supra-estrutura ide-
ológico-discursiva como à de consciência absoluta. Vinda com a enunciação, a alteridade faz parte da
unidade. Não se trata nem do objeto exterior do discurso nem do duplo não menos exterior do sujeito,
mas é a própria condição do discurso.
Toda a obra de Bakhtin gira em torno do eixo eu/outro e da concepção de que a vida é vivida nas
fronteiras entre a particularidade de nossa experiência individual e a auto-expressão de outros (Stam,
2000). Então, se Bakhtin não autoriza que se compreenda o sujeito como essencialidade egocêntrica,
também não autoriza que ele seja tomado como “arquitetura móvel” e multidimensional, sem consistência
interna, sem contornos definidos, sempre em fluxo ou em processo. Não parece haver em Bakhtin a
visão de mundo instável, imprevisível, um conjunto de culturas ou interpretações desunificadas gerando
um certo ceticismo em relação às idiossincrasias das identidades (Eagleton, 1998), visão essa que anco-
raria um entendimento de sujeito como composição metamórfica de estilhaços heterogêneos e disjuntos
(Signorini, 2001, p. 336), típica da pós-modernidade.
Ainda que o carnaval represente uma cosmovisão alternativa, caracterizada pelo questionamento
lúdico de todas as normas, e, nesse sentido, represente uma critica à idéia totalitária de ideologia do-
minante, não faz desaparecer o sujeito como resultado da intersubjetividade, dialogizado pelo “nós” de
todos, para usar uma expressão de Dahlet (op. cit., p. 69).
Antes de reivindicar um Bakhtin adequado a algum tipo de inscrição acadêmica, talvez seja mais
produtivo ouvi-lo em sua singularidade e derivar de seus ensinamentos repercussões para nossas in-
quietações particulares. No que diz respeito à lingüística, o pensamento bakhtiniano foi revolucionário,
provocando o descentramento da sintaxe de seu posto de nível fundamental, destronando a frase e
alçando as “grandes massas verbais” ao estatuto de objeto dos estudos da linguagem. Bakhtin elabora
uma teoria da enunciação a partir da qual todas as categorias lingüísticas fundamentais podem ser re-
vistas como pontos que inscrevem constitutivamente a presença do outro no um. Sua originalidade está
na articulação que permite entre o social e a subjetividade através da enunciação.
Finalmente, para compreender a especificidade da concepção de outro no quadro do dialogismo,
confronto-a com a noção lacaniana de outro/Outro. A necessidade de incluir esse comentário deve-se
ao fato de que na abordagem teórica em que fundamento meus estudos – a teoria da enunciação tal
como é praticada por Authier-Revuz – o dialogismo bakhtiniano é chamado a interferir na descrição de
fatos de língua, paralelamente a considerações lacanianas sobre a subjetividade em sua relação com a
linguagem. Se, no quadro da teoria de Authier-Revuz, Bakhtin fundamenta o estudo das não-coincidên-
cias que se mostram no fio do discurso na relação com o outro interlocutor e com os outros discursos é
pela psicanálise que dois outros tipos de não-coincidência são aí examinados: a não-coincidência entre
as palavras e as coisas e a não-coincidência das palavras com elas mesmas.
Vimos que falar na incorporação do exterior no interior através da enunciação equivale a colocar em
crise a unicidade do sujeito falante. Nesse sentido, o dialogismo e a psicanálise constituem questiona-
mentos radicais, ainda que em bases diferentes, com relação à imagem de um locutor, fonte consciente
de um sentido que ele traduz nas palavras de uma língua, instrumento de comunicação ou de um ato
que ele realiza no âmbito de uma troca verbal. Os sujeitos não são, por nenhum desses saberes, hiper-
trofiados na condição de fonte absoluta da expressão (Faraco, 2001, p. 122).
No entanto, o outro de Bakhtin não se confunde com o Outro lacaniano, noção esta que se fundamenta
na concepção de um sujeito dividido, que enuncia, sem saber o que diz, uma fala que diz muito sobre
este saber. Quando Lacan formula (1978, p. 289): É do Outro que o sujeito recebe mesmo a mensagem
que emite, isso significa, como também em Bakhtin, que o discurso não se reduz a um dizer explícito cuja
autoria é de um sujeito dono de sua fala. Só que Lacan (op. cit., p. 162) acrescenta: O emissor recebe
do receptor sua própria mensagem sob uma forma inversa. Essa forma inversa, que produz um efeito
enganador na linguagem, não está contemplada em Bakthin, para quem a questão do inconsciente não
se coloca. Em Bakhtin, o outro tem consistência, é sempre “o outro de um outro” (interlocutor, discurso,
superdestinatário).
A tomada em consideração do outro bakhtiniano como fator constitutivo do discurso acrescenta um
parâmetro à produção do discurso dentro do terreno do interdiscurso, ao mesmo tempo em que coloca
a enunciação como produto da interação eu/outro, sempre uma combinação do que é efetivamente ver-
balizado e do que é não-verbalizado, mas pressuposto pelo interlocutor, mas não introduz um elemento
Galin Tihanov
Introduction
In this article I wish to pose the question of how cultures produce traditions and to discuss the place
that Bakhtin’s theory of the novel occupied in this process in Soviet Russia in the 1930s. I will do so against
the background of important German polemics on community, language and the classical. The analysis of
some essential and so far unexplored aspects of the German scene of hermeneutic and sociological enquiry
would assist us in locating the intellectual bedrock, putting in perspective, and determining the wider
significance of Russian – foremost Bakhtin’s – theory of culture, the novel, and the classical in the 1920s-
1930s. It seems to me that so far we have been lacking the perspective of estrangement when looking at
these debates and have been entangled – perhaps exclusively – in the fabric of Russian intellectual life,
without endeavoring to cast our interpretive net further afield. It is therefore with developments outside
Russia that I shall begin, returning in the second half to the Russian theoretical landscape to look at it
through the prism of Bakhtin’s attempts to offer his own version of the classical by suggesting in his book
on Rabelais a synthesis between the fluidity of the novelistic and the tradition-bound stability of the epic.
Thus in the first part of this article I briefly survey some significant issues and positions in the German
hermeneutic and sociological research in the 1920s-1960s, as well as the interactions between the two
disciplines exemplified in the work of, and the biographical connections between, Hans-Georg Gadamer
and Hans Freyer. I then proceed to analyze Gadamer’s theory of tradition and the classical in connection
with Hans Freyer’s take on community, society, and language. Finally, I situate Bakhtin’s work on the
non-canonical nature of the novel, as well as his engagement with Rabelais, in the rich and controver-
sial intellectual context of his own time, thus emphasizing the significance of his theory of the novel as
the product of, and an oblique intervention in, the struggles over the meaning of the classical in Soviet
Russia in the 1930s. I examine Bakhtin’s interpretation of a number of crucial aesthetic and sociological
categories (such as ‘polyphony’ and particularly ‘heteroglossia’) to arrive at a fresh appreciation of his
agenda and accomplishment as a theorist of culture and the classical in the inter-war decades.
4 Jerry Muller, The Other God That Failed. Hans Freyer and the Deradicalization of German Conservatism, Princeton: Princeton University Press, 1987, p.
305.
5 Jürgen Habermas, “Vom öffentlichen Gebrauch der Historie”, Die Zeit, 7 November 1986.
6 Cf. Jerry Muller, The Other God, pp. 322-24.
7 Jerry Muller, p. 91 n. 14. For an English translation of Freyer’s book, see Hans Freyer, Theory of Objective Mind. An Introduction to the Philosophy of Cul-
ture, tr. and introduced by Steven Grosby, Athens: Ohio University Press, 1998; further references are to this edition, abbreviated as ‘T’, with page numbers
in brackets in the main text.
8 Hns-Georg Gadamer, Truth and Method, 2nd rev. ed., tr. Joel Weinsheimer and Donald G. Marshall, New York: Continuum, 2002, p. 306 (Wahrheit und
Methode: Grundzüge einer philosophischen Hermeneutik, Tübingen: J.C.B. Mohr (Paul Siebeck), 6th ed., 1990, p. 311). All further references are to these
two editions and contain only the relevant page numbers in brackets in the main text: the first figure refers to the English translation, the second one to the
German original. I occasionally modify the English translation for the sake of accuracy.
9 Gadamer’s difficult-to-render wordplay between ‘Bewahrung’ and ‘Bewährung’ goes back to Hegel.
10 Hans-Georg Gadamer, Gesammelte Werke, Vol. 2, Tübingen: J.C.B. Mohr (Paul Siebeck), 1993, pp. 100; 398.
11 Freyer here takes up an important distinction made by the German Romantics. For Adam Müller, too, the fundamental polar division in social life is that
between space (the principle of Nebeneinander) and time (the principle of Nacheinander); when both principles are harmoniously implemented, then a
healthy nation comes into being. (Aadmittedly, Adam Müller found an early version of this distinction in Burke.) More on this see in Hans Reiss’s introduction
to his edition The Political Thought of the German Romantics (Oxford: Basil Blackwell, 1955), pp. 29-30. For Freyer’s appreciation of German Romanticism’s
role in the rise of modern sociology, see Hans Freyer, “Die Romantiker”, in Fritz Mann (ed.), Gründer der Soziologie, Jena: G. Fischer, 1932, pp. 79-95; for
a discussion of continuities between Freyer and Fichte in particular, see Michael Grimminger, Revolution und Resignation. Sozialphilosophie und die geschi-
chtliche Krise im 20. Jahrhundert bei Max Horkheimer und Hans Freyer, Berlin: Duncker und Humblot, 1997, pp. 195-209.
12 Hans Freyer, Soziologie als Wirklichkeitswissenschaft, Leipzig and Berlin: Teubner, 1930, p. 241. All further references are to this edition, abbreviated as
‘S’ and in my translation; page numbers appear in brackets in the main body of the text.
13 Hans Freyer, “Der Fortschritt und die haltenden Mächte” [1952], in Hans Freyer, Herrschaft, Planung und Technik. Aufsätze zur politischen Soziologie,
ed. Elfriede Üner, Weinheim: VCH, Acta Humaniora, 1987, pp. 73-83, here p. 82.
Kaus, and after him Bakhtin, equates crisis and modernity and conceives capitalism as a critical state
of society marked by a healthy yet unsettling process of the mutual opening up of various fields of life,
which brings along a multitude of previously concealed horizons and voices. Bakhtin was particularly
eager to stress the propitiousness of the Russian circumstances:
The polyphonic novel could indeed have been realized only in the capitalist era. The most
favourable soil for it was moreover precisely in Russia, where capitalism set in almost ca-
tastrophically, and where it came upon an untouched multitude of diverse worlds and social
groups which had not been weakened in their individual isolation, as in the West, by the
gradual encroachment of capitalism. […] In this way the objective preconditions were created
for the multi-leveledness and multi-voicedness of the polyphonic novel. (PDA, 22).
But despite these attempts to argue the case sociologically, Bakhtin’s earlier work still regards polyphony
almost exclusively as an artistic phenomenon that foregrounds the singular achievement of Dostoevsky
as an innovative writer. At this stage, Bakhtin did not stipulate the exclusiveness of the novel as an em-
bodiment of polyphony. All he asserted there was that Dostoevsky’s novel was compellingly innovative,
in the sense of being, like no other novel before, polyphonic.15 There was no necessary connection be-
tween polyphony and the genre of the novel. Dostoevsky’s novel was a one-off artistic event that stood
outside of any tradition. The unprecedented nature of Dosteovsky’s achievement, which was placing him
above and beyond tradition – was something of a common place in European Dostoevsky criticism – left
and right – at the time. Suffice it to point to the Dostoevsky interpretations of Moeller van den Bruck
or Georg Lukács. For Lukács of Theory of the Novel, in particular, Dostoevsky was the last novelist and
the first herald of the “new-old” epic form. As a matter of fact, Bakhtin’s radical praise of the novelty of
Dostoevsky was doing little more than to reaffirm – in positive terms – Leo Tolstoy’s assertion that the
Russians could not write novels in the sense in which this genre was understood in Europe.
In the 1930s, however, the notion of polyphony is gradually ousted by that of heteroglossia. Bakhtin
understands heteroglossia as a phenomenon independent of an author’s individual artistic attainment.
It is rather, in Hans Freyer’s sense, the state of affairs where language is no longer used holistically, but
– one would remember – as a range of partial sociolects. While ‘polyphony’ encapsulates a mixture of
aesthetic but also moral overtones – to listen to the other, not to place oneself above him/her – ‘hetero-
glossia’ disowns this potential warmth of the moral expectation. Instead, it promotes a more neutral view
on language and the novel, one that makes no moral demands. In promoting the term ‘heteroglossia’
and analyzing (in a passage too well-known not to need to be quoted here) the world of the peasant who
speaks different sociolects in different circumstances, Bakhtin behaves like a sociologist who is concerned
to offer an accurate description of the language situation16 – not like the humanist concerned to retrieve
voices that may otherwise be hushed and lost in the cacophony of modernization. It is only now – in
the 1930s – that Bakhtin produces a necessary link between heteroglossia and the novel: the novel is
considered the preeminent, if not the sole, embodiment of heteroglossia, the artistic form that is best
suited to capture and accommodate the often disparate languages and voices available in society.
But what matters in my view is the fact that the question of heteroglossia and of the indispensable
sociological underpinnings of a theory of the novel became in 1930s Russia a variation on the question of
tradition and the classic. With the Russian hermeneutic scene being rather unremarkable at the time,17
there was no domestic body of work that Bakhtin could resort to while elaborating his own theoretical
proposal. Instead, he turned for support to the rich home tradition of Formalist studies. Strongly indebted
to Shklovsky’s discovery of the self-mocking nature of the novelistic genre that never allows the novel
to create its own ossified canon,18 Bakhtin was now supplementing the Formalists with the important
discovery of the linguistic partiality of the novel embodied in the principle of heteroglossia. As a theorist,
then, in the 1930s Bakhtin was facing the most challenging of tasks: how to convert the non-canonical,
14 Mikhail Bakhtin, Problemy tvorchestva Dostoevskogo, Moscow: Labirint, 1994, p. 21 (Further abbreaviated as ‘PDA’, with page numbers in brackets in
the main text); a new edition with commentaries is available in Mikhail Bakhtin, Sobranie sochinenii, Vol. 2, Moscow: Russkie slovari, 2000.
15 For a study of the evolution of Bakhtin’s interpretation of Dostoevsky, see Galin Tihanov, “The Dynamics of Dialogue: How are Bakhtin’s Dostoevsky texts
made?”, Wiener Slawistischer Almanach, 2001, Vol. 48, pp. 127-151.
16 On Bakhtin as a sociologist, in a different context and with a different agenda in mind, see also Ken Hirschkop, “Bakhtin, philosopher and sociologist”, in
Carol Adlam et al. (ed.), Face to Face: Bakhtin in Russia and the West, Sheffield: Sheffield Academic Press, 1997, pp. 54-67, esp. pp. 63-4.
17 A notable exception in the years of the Revolution and the Civil War was Gustav Shpet, but his major work Germenevtika i ee problemy (‘Hermeneutics
and its Problems’) was left in manuscript form and did not appear (in several journal installments) until the late 1980s/early 1990s (for a German translation,
see Gustav Spet, Die Hermeneutik und ihre Probleme, Freiburg: Alber, 1993).
18 On Bakhtin’s debt to the Formalists, see Galin Tihanov, The Master and the Slave: Lukács, Bakhtin, and the Ideas of Their Time (Oxford: Clarendon
Press, 2000, pp. 131-36); most recently, see Simon Milligan, “Shklovsky’s Practice and Bakhtin’s Theory” (Variations. Literaturzeitschrift der Universität
Zürich, 2003, no. 10, pp. 137-49). Bakhtin hardly ever acknowledged his debt to the Formalists (nor is the name of Georg Lukács, another major influence
on Bakhtin, mentioned in any of Bakhtin’s published texts).
19 On this see more in Galin Tihanov, “The Ideology of Bildung”, Oxford German Studies, 1998, Vol. 27, pp. 102-140.
20 In the formulation of Bakhtin’s criteria of epicness I follow, with some modification, the helpful summary in Sue Vice, Introducing Bakhtin, Manchester
and New York: Manchester University Press, 1997, pp. 79-80.
21 Mikhail Bakhtin, “Epic and Novel”, in The Dialogic Imagination: Four Essays by M. M. Bakhtin, ed. Michael Holquist, trans. Caryl Emerson and Michael Holquist,
Austin: University of Texas Press, 1994, p. 16; abbreviated henceforth as ‘EN’, with page numbers appearing in brackets in the main body of the text.
Moreover, carnival is endowed with the same colonizing power as the novel. Not unlike the novel,
which tends to novelize all other genres (precisely because it is thought of as something more than gen-
re), carnival does not get on well with other forms of popular culture: “when carnival flourished... and
became the centre of all popular forms of amusement, it weakened all the other feasts to some extent
by depriving them of almost every free and utopian folk element. All other feasts fade when placed
alongside carnival” (R, 220). We thus arrive at the conclusion that the novel and carnival function in
the same way in Bakhtin’s theoretical discourse. They absorb previous historical experience and sublate
genres and cultural forms that otherwise cannot obtain, or are doomed to lose, independence. Not only
do both the novel and carnival retain the features of past forms on a higher level; they also assume
the power of colonizing previous cultural forms (genres) by stamping on them their own – much more
flexible – identity.
Having drawn attention to the points of convergence between carnival and novel, we can now proceed
to examine the aspects of their divergence in Bakhtin’s book on Rabelais. To do so, we need to revisit
Bakhtin’s criteria of epicness in their relation to the concept of carnival articulated in Rabelais.
The first criterion of epicness, as we have seen, addresses the status of the hero as an epitomy of
distance and an object of veneration. In “Forms of Time and of the Chronotope in the Novel”, Bakhtin
asserts that both Homer and Rabelais build their worlds upon “the immanent unity of folkloric time”,
which, moreover, is “not yet defined against the backdrop of another and fallen time”.23 Extending the
idea of a common ground embodied in the folkloric chronotope of Homer and Rabelais, Bakhtin labels
Rabelais’s Gargantua and Pantagruel “fundamentally folkloric kings and giants-bogatyri”. He regards them
as a sublimated version of the great heroes of the Homeric epic, about which Hegel says in his lectures
on aesthetics that they were selected as heroes “not because of any sense of superiority, but because
of their absolute freedom of will and the creativity they demonstrate in establishing their kingdoms”
(FTCN, 241, my emphasis). Thus Bakhtin abandons the principle of superiority and the ensuing necessity
for the hero to be venerated by the listener/reader; instead, he asserts “the great man” in Rabelais as
“profoundly democratic”, “an ordinary man raised to a higher power”. Rabelais, in other words, supplies
the everyday copy of the epic hero. The novelistic (the idea of the ‘profoundly democratic’ nature of the
hero, of his heroism being clad in everyday dress) and the epic (the retention of the idea of a ‘higher
power’ that confirms the hero in his status of exceptionality) seem thus to be joining forces to produce
a contradictory image of the Rabelaisian characters. Neither exclusively novelistic nor exclusively epic,
they are both at the same time and at all times, the desired synthesis of principles which Bakhtin himself
in the “Epic and Novel” essay tends to see as opposed to one another beyond reconciliation.
The second criterion brings to the fore the fact that the epic depends on a ‘national tradition’ which
is always ‘impersonal and sacrosanct’. But so does carnival, where the forms of experience are utterly
impersonal, while – at the same time – being far from sacrosanct. Bakhtin’s vision of carnival in Rabelais,
then, spells out the contours of this very same unity of epic and novel, which remains unfeasible in his
essays on the novel. The substratum of this new form of experience, which synthesizes the impersonal
(as in the epic lore) and the irreverent (as in the novel), is found by Bakhtin in the “collective body”, be
it that of the people (narod) or of mankind. In his early treatise “Author and Hero”, Bakhtin had analyzed
the individual human body, the body of a certain ‘I’. While the “Author and Hero” essay sought to outli-
ne the boundaries of this individual body, in the 1930s Bakhtin turned to a different idea of the human
body. He arrived at it not without the impact of contemporary physiology and biology exercised through
Ukhtomskii’s lectures24 and his friendship with Ivan Kanaev.25 In his book on Rabelais, Bakhtin is already
busy analyzing the collective body, whose identity is shaped not by drawing a boundary between the
self and the other, but in an experience of transgressive togetherness. This collective body denies the
value of the individual appropriation of the world. Its overwhelming collectivity rests on its ‘non-classic’
constitution; it is grotesque in the sense of not knowing beginning or end, exterior and interior, depths
22 Mikhail Bakhtin, Rabelais and His World, trans. Hélène Iswolsky, Bloomington: Indiana University Press, 1984, p. 218; henceforth abbreviated as ‘R’,
with the relevant page numbers appearing in brackets in the main text. I have occasionally amended the existing English translation for the sake of greater
accuracy.
23 Mikhail Bakhtin, “Forms of Time and of the Chronotope in the Novel”, in The Dialogic Imagination: Four Essays by M. M. Bakhtin, ed. Michael Holquist,
trans. Caryl Emerson and Michael Holquist, Austin: University of Texas Press, 1994, p. 218; abbreviated henceforth as ‘FTCN’, with page numbers appearing
in brackets in the main text.
24 For an overview of Bakhtin’s interest in biology, see Michael Holquist, “Bakhtin and the Body”, in The Bakhtin Circle Today, ed. Myriam Diaz-Diocaretz
(Critical Studies, Vol. 1, no. 2), Amsterdam and Atlanta: Rodopi, 1989, pp. 19-42; for Bakhtin and Ukhtomskii, see N. Marcialis, “Michail Bachtin e Aleksej
Uchtomskij”, in Bachtin, teorico del dialogo, ed. F. Corona, 1986, Milano: Angeli, pp. 79-91. For a provocative interpretation of Bakhtin, medicine and the
problem of the body, see Peter Hitchcock, “The Grotesque of the Body Electric”, in Bakhtin and the Human Sciences, ed. M. Bell and M. Gardiner, London:
Sage, 1998, pp. 78-94; see also G. Tihanov, “The Body as a Cultural Value: Brief Notes on the History of the Idea and the Idea of History in Bakhtin’s
Writings”, Dialogism, 2001, nos. 5-6, pp. 111-121.
25 On Kanaev, see Ben Taylor, “Kanaev, vitalism and the Bakhtin Circle”, in D. Shepherd et al. (ed.), The Bakhtin Circle: In the Master’s Absence, Manchester
and New York: Manchester University Press, 2003.
26 Undoubtedly, Bakhtin is following here Nietzsche’s Birth of Tragedy, most likely through the mediation of the Russian symbolist poet and philosopher of
culture Viacheslav Ivanov. In section 8, Nietzsche stresses the absence of differentiation between viewer and actor in Greek tragedy.
27 H. Bergson, “Laughter”, in W. Sypher (ed.), Comedy, Baltimore and London: The Johns Hopkins University Press, 1980, p. 74; abbreviated henceforth
as ‘L’, with page numbers appearing in brackets in the main text.
Universidade de Brasília
1ª Aula / 2o. período - Distribuição dos temas para pesquisa (com posterior apresentação em sala
de aula) sobre “Conscientização do sentido de cidadania e desenvolvimento social”.
Antes de propor estratégias para uma leitura mais produtiva, o objetivo deste trabalho é avaliar como
é importante a conscientização da pessoa que lê. Nesta linha de avaliação, o livro aparece como “objeto
acabado” pronto para o consumo e o leitor, como “sujeito em acabamento” – ser com possibilidade con-
tínua de aprimoramento de opiniões e conceitos. Partindo dessa premissa, antes da leitura (por exemplo,
de livros literários) há que se estabelecer todo um trabalho de consciente disposição do aluno – leitor
em potencial – ao ato produtivo desta leitura.
A proposta de distribuição de temas gerais para pesquisa visa a oferecer aos alunos as condições
básicas para que eles, mediante suas próprias habilidades para discussão em grupo, divisão de tarefas,
pesquisas em bibliotecas, coleta geral de dados (e sua pertinência para o trabalho), possam ir se familia-
rizando com os conceitos implícitos em palavras como consciência, desenvolvimento e contexto sociais,
grupos sociais, conscientização etc.
Os temas propostos pelo professor, depois desta preleção com os alunos, seriam os que versassem
sobre assuntos como, por exemplo:
• O nível de conscientização política das pessoas no Brasil.
• O desenvolvimento econômico e a possibilidade de as classes sociais dele poderem usufruir .
• O sistema educacional como prioridade, ou não, dos governos municipal, estadual e federal.
• A relação Liberdade X Juventude: a vida em sociedade.
• Os métodos de ensino atuais e a questão da Conscientização.
• A importância da Língua Portuguesa no dia a dia das pessoas.
• A universidade como ambiente moderno de transmissão de informações.
Observa-se que a atividade de pesquisa sobre esses temas, que não são “fechados” mas fruto
de uma discussão prévia em sala de aula, tem a intenção básica de oferecer ao aluno, através de seu
próprio trabalho, as primeiras noções do que seja CONSCIEN-TIZAÇÃO SOCIAL para que ele possa per-
ceber mais claramente, ao longo do processo, a importância de ser, também, um “bom leitor”.
2ª Semana:
2ª Aula / 1o. Período - Leitura de três textos propostos com diferentes níveis de construção para
análise dos alunos.
Oferecendo textos não muito longos, o professor, mediante análise comparativa entre eles, pode
levantar alguns indicadores de intenção dos autores ao escrevê-los. Essa análise permitiria aos alunos
perceberem que a linguagem, quanto mais desviada de sua linearidade gramatical-discursiva, mais exige
do leitor uma efetiva disposição par apreendê-la em suas possibilidades de expressão.
Avalia-se esse exercício de “habilidade interpretativa” como positivo na medida em que o aluno-lei-
tor (decodificador de mensagens) passe a avaliar o trabalho com a expressão escrita como algo mais
amplo mais do que alinhar palavras em uma dada seqüência lógica, mesmo em se tratando de um texto
dissertativo, que prima por esta logicidade textual.
Como exemplo, o professor poderia oferecer à turma:
a) Um texto publicitário.
b) Um breve poema.
c) Um trecho de texto dissertativo.
2ª Aula / 2o. Período - Leitura de um “texto técnico” e um “texto poético” que tratem do mesmo as-
sunto para avaliação pelos alunos da seguinte questão:
Um texto literário, por ser “obra aberta”, exige uma leitura mais atenta?
A intenção no desenvolvimento desta atividade é a de esclarecer para os alunos que há diferenças
quanto à intenção com que se deve ler determinadas obras.
Deve ficar claro para eles que há obras cujo interesse básico é informar com concisão e objetivi-
dade ao leitor (caso de uma notícia de jornal) e outras em que o autor, mais que informar, preocupa-se
em “transformar” a linguagem padrão fazendo uso de uma ambigüidade intencional trabalhada com
recursos poéticos expressos por elementos subjetivos (caso de um poema, um conto, um romance).
O professor, para tento, dividirá a sala em grupos a fim de que, depois das leituras e discussões
prévias feitas, sejam apresentadas e debatidas as opiniões dos alunos com o intuito de se avaliar “as
intenções” dos autores, ao escreverem seus textos, e as “intenções” de leitura. A apresentação das opi-
niões de cada grupo, coordenada pelo professor, será feita na aula seguinte.
OBSERVAÇÃO:
Esta aula tem também a intenção de complementar a análise sobre os “Níveis de compreensão” para
leituras de textos distintos, atividade desenvolvida na 1ª Aula da 2ª Semana.
2ª Aula / 3o. Período - Produção de texto
Este momento fica reservado ao trabalho com a produção de textos breves como um parágrafo dis-
sertativo ou um texto descritivo de objetos ou mesmo pessoas da sala de aula.)
É importante que o professor avalie com os alunos que o processo de leitura envolve outras expres-
sões como a da escrita, em que, à medida que melhor se produz um texto (levando em conta todos
seus níveis de construção), melhor são fixadas as estruturas frasais, gramaticais e, portanto, melhor e
mais facilmente estas estruturas serão “lidas” em uma leitura mais produtiva porque mais consciente
3ª Semana:
3ª Aula / 1o. Período - Leitura proposta de livros característicos de uma Escola Literária a ser estudada
e divisão de grupos para pesquisa de informações sobre a época referente (aspectos da religião, artes,
ciências, hábitos sociais, políticas etc.).
Como atividade voltada à leitura de obras das Escolas Literárias, o professor pode iniciar este mo-
mento avaliando a importância em se ler tais obras, cujos conteúdos representam a própria evolução
histórica do país.
Ao término dessa avaliação o professor apresentará a relação dos livros que caracterizaram deter-
minada Escola, ponderando que eles são reflexo de toda uma época estruturada pelos mais variados
aspectos culturais (religião, política etc.) cuja composição será pesquisada pelos alunos, divididos em
grupos, e posteriormente apresentada para melhor posicioná-los frente à leitura feita e sua relação com
a época atual.
Em se tratando do Romantismo, por exemplo, os livros da Escola Romântica seriam distribuídos aos
grupos (poderia ser um mesmo título a cada um deles), que também ficariam responsáveis por pesquisar
um determinado aspecto sócio-cultural da época, neste caso, basicamente o século XIX.
2º MÊS
1ª Semana:
1ª Aula / 1o. Período - Apresentação das pesquisas feitas (atividade da 1ª aula, 3ª Semana do 1º
Mês) sobre os aspectos gerais da sociedade da época referente à Escola Literária estudada no período
letivo.
1ª Aula / 2o. Período - Idem.
2ª Semana:
2ª Aula / 1o. Período - Idem.
2ª Aula / 2o. Período - Idem.
2ª Aula / 3o. Período - Avaliação geral das pesquisas realizadas nas aulas anteriores.
Seguindo a orientação das outras atividades desenvolvidas em sala de aula, também nesta o professor
deve ter a preocupação de esclarecer os alunos quanto à importância de conhecer mais amplamente a
sociedade na qual viviam os autores das obras pertencentes à Escola Literária que será estudada.
Estabelecendo a relação, pois, do meio social como um dos fatores de produção de um trabalho
artístico, ao professor cabe orientar os grupos para que, utilizando de “instrumentos efetivos de comu-
nicação”, consigam informar os colegas sobre a influência de um determinado aspecto na composição
da sociedade da época. Esses instrumentos poderiam ser:
• apresentações em forma de seminário, do tema pesquisado;
• proposta de debates;
• uso variado de meios áudio-visuais;
• músicas da época com mensagens significativas;
• teatro de fantoches;
• representações teatrais etc.
OBSERVAÇÃO:
Nada impede que os grupos, se desejarem, e com o intuito de enriquecer o trabalho, possam utilizar
mais de um desses instrumentos, integrando-os para uma melhor exposição do tema.
A hipótese é que, de posse de informações mais variadas sobre um dado período histórico-social, o
aluno possa avaliar mais criticamente os componentes de manifestação artística desse período (no caso,
realizando “leituras produtivas” de livros pertencentes a determinadas correntes literárias) por meio de
um processo eficaz de aprendizagem em que há uma melhor apreensão das informações contidas nas
obras de autores românticos, realistas, modernistas etc.
3ª Semana:
3ª. Aula / 1o. Período - Apresentação e discussão sobre os livros lidos (relação de livros das Escolas
Literárias distribuída na 1ª Aula, 3ª Semana do 1º Mês).
3ª Aula / 2o. Período - Idem.
4ª Semana:
4ª Aula / 1o. Período - Idem.
4ª Aula / 2o. Período - Idem.
4ª Aula / 3o. Período - Avaliação final das atividades desenvolvidas ao longo do Bimestre. Proposta
de um tema a ser discutido:
Um aluno mais consciente e sua produção escolar - processo e produto.
O professor deve propor esta discussão com o intuito de observar “quanto” foi apreendido das estra-
tégias desenvolvidas, em sala de aula e fora dela, na intenção de gerar uma leitura mais consciente de
que a aprendizagem (e aqui o re-aprender a ler) é um processo.
Com a turma, ele deve avaliar os pontos positivos e negativos (e seus porquês), as dificuldades
encontradas nesse desenvolvimento e os resultados obtidos, satisfatórios ou não, com vistas a valorizar
a figura de um leitor consciente de sua função política - a leitura toma, nesta análise, uma posição de
instrumento de conscientização social.
A discussão deve procurar ser mais uma estratégia inovadora da experiência vivida pela turma
– avaliando este momento final como uma consciente retomada de posição frente a sua realidade sócio-
educacional – do que acabar sendo mais uma exigência curricular, em que o que conta, basicamente, é
a nota recebida que permite, ou não, passar para a outra série.
Esse é um momento, portanto, onde o professor deve deixar claro para si próprio e para os alu-
nos que se faz necessária, como opção mesmo de uma experiência de convívio social mais pleno, uma
relação efetiva de ensino-aprendizagem estabelecida em um processo de (re)descoberta da criatividade
e da consciência educacional como elementos construidores de uma escola e nela, com ela, de um novo
aluno. E um novo professor.
Esquema da Metodologia aplicada
1º MÊS -
Aulas -
1ª Semana. 1.1. Comentários gerais sobre as atividades a serem realizadas.
1.2. Distribuição de temas vários, relacionados à conscientização sócio-cultural,
para pesquisa posterior.
1.3. Discussão proposta: Níveis de importância de textos escritos.
2º MÊS -
RESUMO
Nesse trabalho, através do discurso documental, buscou-se, a compreensão de quem são os inter-
locutores das propostas curriculares investigadas (PCNs de Língua Portuguesa-Volume 2- MEC e Projeto
Caminho Novo/Caderno 2- SME de Juiz de Fora-MG), do estilo assumido, das condições sociais em que
foram produzidas, da estrutura composicional e dos conteúdos desses documentos. Para tal, a Teoria da
Enunciação de Mikhail Bakhtin e os estudos de Vygotsky se constituíram no arcabouço teórico-metodo-
lógico dessa pesquisa.
ABSTRACT
The present work, based on documentary speech, it was searched for the understanding of those
who are the investigated curricular proposals‘ interlocutors (PCNs de Língua Portuguesa-Volume 2- MEC
e Projeto Caminho Novo/Caderno 2- SME de Juiz de Fora-MG), of the assumed style, from the social
conditions where they had been produced, from the composed structure and from the contents of these
documents. For such, Mikhail Bakhtin´s Theory of Enunciation and Vygotsky´s studies constituted the-
mselves in the theoretical-methodological framework of that research.
Introduzindo a questão
Minha pesquisa de dissertação do Mestrado da UFJF/FACED objetivou investigar como um grupo de
1
professoras do segundo ciclo do Ensino Fundamental da Rede Municipal de Juiz de Fora- MG compreende
a proposta de gêneros discursivos presente no PCN de Língua Portuguesa e no Projeto Escola do Caminho
Novo e a colocam em prática no seu trabalho pedagógico.
Para tal, busquei a compreensão das práticas discursivas que se efetivavam no trabalho docente de
nove professoras de Língua Portuguesa do segundo ciclo de uma escola da Rede Municipal de Juiz de
Fora-MG, através de uma investigação na abordagem qualitativa e na perspectiva sócio-histórica. As
principais estratégias de pesquisa adotadas foram a análise documental, as entrevistas dialógicas com
os sujeitos da pesquisa, as observação das Reuniões de Planejamentos e de algumas aulas.
A partir dessa perspectiva de trabalho, um dos objetivos almejado, durante a investigação, foi a de
buscar estabelecer um diálogo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) de Língua Portuguesa-
Volume 2 propostos pelo MEC e com o Caderno 2 elaborado pela SME2 de Juiz de Fora-MG (documentos
curriculares que orientam o ensino de Língua Portuguesa no Ensino Fundamental da SME de Juiz de
Fora- MG), no que concerne ao gênero discursivo como proposta de ensino de língua materna.
Nesse sentido, este texto, em particular, pretende expor os principais achados dessa parte da in-
vestigação. Para tal estudo, conto com os princípios teóricos da perspectiva sócio- histórica (Teoria da
Enunciação de Mikhail Bakhtin e os estudos de Vygotsky), e com a interlocução com outros autores que
se dispõem a tal debate.
A partir das concepções de enunciação como “unidade real da linguagem” (BAKHTIN, 1993, p.248);
de enunciado como produto desta e “unidade real da comunicação verbal” (BAKHTIN, 1992, p.293) e; de
gênero discursivo como “tipos relativamente estáveis de enunciados” (BAKHTIN, 1992, p.279), que são
compostos por “três elementos (conteúdo temático, estilo e construção composicional), [que] fundem-se
indissoluvelmente no todo do enunciado, e [que](...) são marcados pela especificidade de uma esfera
de comunicação.” (IBID, 1992, p. 279), os documentos curriculares pesquisados foram entendidos como
enunciados escritos, que refletem e refratam a realidade, as condições em que foram produzidos e as
1 Desenvolvida no período de setembro de 2001 a abril de 2003, com a orientação da Professora Doutora Maria Teresa de Assunção Freitas.
2 Secretaria Municipal de Educação
Suponho, então, que tal recorrência se deve à modulação desses documentos ao gênero discursivo
responsável pelo uso do discurso documental, assim como às especificidades do gênero textual “pro-
postas curriculares”.
Uma outra característica fundamental contida nos discursos dos Parâmetros e do Caderno 2 diz respeito
à forma de construção dos mesmos, já que, para BAKHTIN (1993), além da situação e da orientação
social em relação ao ouvinte-participante, faz parte do enunciado a sua forma. A forma do enunciado
é definida pelo autor como expressão material, que permite a realização do conteúdo e do significado
da enunciação.
Na apresentação dos Parâmetros, encontrei diversos trechos iniciados por: “É com alegria...” “Esta-
mos certos de que...” Nessas expressões, percebi a possibilidade de exclamações mentais no entoar dos
parágrafos. Essa forma de entonação presente no texto busca o convencimento de seus leitores, pela
“expressão sonora da valoração social”5 (BAKHTIN, 1993, p. 263).
Percebi, também, nesses ditos exclamativos usados nos Parâmetros, uma entonação exclamativa-
expressiva. Segundo BAKHTIN (1992), nas formas de comunicação verbal, existem muitos enunciados
avaliativos padronizados, em que os gêneros discursivos assumem diferentes julgamentos de valor,
através de expressões de elogio, de encorajamento e de entusiasmo. A meu ver, o Ministro se utilizou
desses recursos para exprimir a sua relação valorativa com o objeto do seu discurso, a fim de obter a
entonação desejada.
Do mesmo modo, a eleição das palavras e expressões no texto de apresentação dos PCNs não foi
aleatória. De acordo com BAKHTIN (1993), cada entonação necessita de palavras que lhe sejam corres-
pondentes, ou seja, que estejam melhor adaptadas à expressão valorativa que se quer imprimir ao que
é dito. A meu ver, a escolha recaiu na opção pelas palavras que fornecessem ao discurso uma entonação
exclamativa, visando à plena aceitação da proposta pelos professores. Parece-me que tal entonação é
necessária, pois, de antemão, a autoridade responsável (o Ministro da Educação) prevê uma recusa por
parte dos professores.
6 Segundo OLIVEIRA JÚNIOR (1999), o neoliberalismo despontou no século XX, logo após a II Guerra Mundial, como crítica à crise do capitalismo instaurada
no período pós-guerra. Como estratégia à superação do modelo econômico vigente, foi proposto o projeto neoliberal, que assumiu a hegemonia capitalista,
através dos postulados do Liberalismo Clássico, com uma roupagem de um “novo discurso” e de modernidade. Desse modo, os princípios proclamados pelo
discurso neoliberal passaram a ser: a exaltação do mercado autônomo, a liberdade político-intelectual, o Estado mínimo e fraco, a privatização, a liberação
do comércio internacional, dentre outras. Tais postulados tiveram por objetivo final a acumulação de capital e a concentração de rendas nas mãos da nova
elite formada.
7 Segundo CASANOVA (1999), o discurso da globalidade obedece a fatos objetivos e universais; expressa uma crescente interdependência das economias
nacionais e a emergência de um sistema transnacional bancário-produtivo-comunicativo, cuja ascensão coincide com o enfraquecimento real da soberania
dos estados-nação e das correntes nacionalistas, antiimperalistas e marxistas-lenistas.
8 Segundo a UNESCO/ BRASIL (2001), foi elaborado o Plano Nacional de Educação sob a coordenação do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais) e, por intermédio do convênio NUPES-USP/UNESCO, a fim de atender aos dispositivos legais em vigor, como a Constituição de 1988 e o Art.
87 - § 1º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei Darcy Ribeiro), que determinou a elaboração desse Plano, “com diretrizes e metas para
os dez anos seguintes, em sintonia com a Declaração Mundial de Educação para Todos”. Nos fundamentos do documento, o MEC considerou não somente
a Declaração de Jomtien, como outros compromissos e recomendações internacionais, entre eles a Conferência Internacional sobre População e Desenvol-
vimento (Cairo, 1994), a Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Social, a Declaração de Hamburgo sobre Educação de Adultos (1997), as Declarações
de Nova Deli e Amann sobre educação para todos (1993 e 1996, respectivamente), bem como as recomendações das Conferências Gerais da UNESCO. A
UNESCO/Brasil prestou cooperação técnica ao processo de elaboração e finalização do plano.
9 A Resolução Nº 002/2000-CME (Conselho Municipal de Educação) condiciona a opção das escolas pelo Ciclo ou Seriação de acordo com o projeto político-
pedagógico de cada uma delas e regulamenta a organização dos Ciclos de Formação do Ensino Fundamental com a duração de nove anos, divididos em três
ciclos, pela faixa etária (JUIZ DE FORA, 2000, p.27).
10 Devido ao recorte feito na pesquisa para o segundo ciclo, só foi analisada, além da primeira parte dos PCNs de Língua Portuguesa, a seção referente
ao trabalho pedagógico na fase investigada. Do mesmo modo, no Caderno 2, meu estudo se restringiu ao quinto texto, que esmiúça o ensino da Língua
Portuguesa no segundo ciclo.
Língua:
é um sistema de signos histórico e social que possibilita ao homem significar o mundo e
a sociedade. Assim, aprendê-la é aprender não só as palavras, mas também os seus signi-
ficados culturais e, com eles, os modos pelos quais as pessoas entendem e interpretam a
realidade e a si mesmas (BRASIL, 1997, p.24).
Aprender a língua não significa apenas aprender palavras ou o modo como elas devem ser
organizadas,mas também compreender os sentidos que elas têm para diferentes pessoas
e o modo como elas são utilizadas para comunicar o entendimento e a interpretação que
estas pessoas têm sobre o mundo (JUIZ DE FORA, 2000, p.18).
Percebem-se, por esses fragmentos, muitos pontos comuns entre os documentos. Alguns trechos
chegam a usar as mesmas palavras ou seus sinônimos nas suas definições. Pode-se notar, também,
como, nesses documentos, as concepções de linguagem e língua são muito próximas àquelas definidas
na perspectiva sócio-histórica por Bakhtin e Vygotsky.
Para Bakhtin, a linguagem é uma produção humana e coletiva, que constitui os sujeitos, pois a vida
humana se constitui nas relações sociais via linguagem. O homem, na tentativa de dominar a natureza,
interage com ela e com outros homens. Transforma e transforma-se, criando significações e sentidos.
Do mesmo modo, a língua é concebida como expressão das relações e lutas sociais, veiculando e
sofrendo o efeito dessa luta, servindo, ao mesmo tempo, de instrumento e de material e, portanto, re-
sulta da grande diversidade das produções de linguagem. Para Bakhtin, “a interação verbal se constitui
Nas conceituações acima, pode-se perceber uma forte influência da obra bakhtiniana, principalmente a
voltada para os estudos do texto11. Também para BAKHTIN (1992), o texto deve ser estudado “como uma
mônada” que reflete e refrata a realidade social de uma dada esfera da comunicação verbal. Para o autor,
o texto só pode ser compreendido como um enunciado único, irreproduzível e dado historicamente.
Parece-me que as teorias da enunciação e do discurso, na vertente sócio-histórica, como a obra de
Bakhtin, influenciaram fortemente várias propostas para o ensino da Língua Portuguesa nos últimos anos,
quebrando a hegemonia da concepção formalista predominante anteriormente.
Segundo MARINHO (1998), se existe unanimidade nas vozes que ecoam das propostas curricula-
res elaboradas na década de 90, como os PCNs de Língua Portuguesa (em 1997) e o Caderno 2 (em
1999/2000), pode ser facilmente detectada pela preconização do ato da leitura e da escrita como produção
de sentidos, opondo-se à prática escolar da leitura de textos como pretexto aos estudos da gramática,
ou de recursos literários, como os exercícios (muito conhecidos) de análise de figuras de linguagem.
Os PCNs e o Caderno 2, ao adotarem essa abordagem, tentam estar em consonância com as atuais
concepções do ensino da língua, apontando os gêneros discursivos como objeto de ensino. Tanto os Parâ-
metros quanto o Caderno 2 procuram demonstrar que ensinar a língua supõe ensinar diferentes gêneros
e não apenas ensinar códigos e sistema de normas abstratas que regem a língua. Entretanto, existem
algumas diferenças entre os dois documentos, que merecem uma análise mais detalhada.
Os gêneros do discurso são assim conceituados nos PCNs:
Todo texto se organiza dentro de um determinado gênero . Os vários gêneros existentes, por
sua vez, constituem formas relativamente estáveis de enunciados, disponíveis na cultura,
caracterizados por três elementos: conteúdo temático, estilo e construção composicional.
Pode-se ainda afirmar que a noção de gêneros refere-se a “famílias” de textos que compar-
tilham algumas características comuns, embora heterogêneas, como visão geral da ação à
qual o texto se articula, tipo de suporte comunicativo, extensão, grau de literariedade, por
exemplo, existindo em número quase ilimitado. Os gêneros são determinados historicamente.
As intenções comunicativas, como parte das condições de produção dos discursos, geram usos
sociais que determinam os gêneros que darão forma aos textos (BRASIL, 1997, p.26).
12 Segundo os PCNs de Língua Portuguesa, o termo “gênero” é utilizado como é proposto por Bakthin e desenvolvido por Bronckart e Schneuwly.
13 Trecho retirado de um outro documento dos PCNs, que também se refere ao ensino de Língua Portuguesa- “Estrutura dos Parâmetros Nacionais para
o Ensino Fundamental”.
O bloco de conteúdos intitulado “Língua Oral: usos e formas” determina a língua oral como conteúdo
escolar que exige planejamento, para que se possa “garantir, na sala de aula, atividades sistemáticas
de fala, escuta e reflexão sobre a língua” (BRASIL, 1997, p.49). Aponta como atividades pedagógicas
para o desenvolvimento da linguagem oral: atividades de produção e interpretação de ampla variedade
de textos orais, observação de diferentes usos e reflexão sobre os recursos que a língua oferece para
alcançar diferentes finalidades comunicativas. Salienta, ainda, que as atividades com esse eixo organi-
zador devem ser significativas para o aluno.
Apesar do avanço presente nos Parâmetros, no destaque dado a essa modalidade no ensino do Por-
tuguês, visando mostrar ao aluno a grande variedade de usos da fala, dando-lhe a consciência de que
a língua não é homogênea e monolítica, além de permitir o trabalho com diferentes níveis (do coloquial
ao mais formal), percebe-se, nos desdobramentos do mesmo capítulo, uma ênfase mais acentuada ao
desenvolvimento da língua escrita do que à oralidade.
Um exemplo disso é a não explicitação do tratamento didático a ser dado à “Língua Oral”, o que só
ocorre na parte destinada à “Língua Escrita”. Além disso, parece-me que o ensino da oralidade ainda é
visto nos PCNs de maneira isolada do da escrita, o que demonstra uma contradição com a abordagem
adotada (voltada para os estudos sócio-históricos). Nessa perspectiva, oralidade e escrita se interpene-
tram e mantêm relações mútuas e intercambiáveis, o que não ocorre nos PCNs, visto que essas duas
modalidades são tratadas isoladamente.
No bloco que trata da “Língua Escrita: usos e formas” , a leitura e a escrita são compreendidas como
“práticas complementares, fortemente relacionadas, que se modificam no processo de letramento” (BRA-
SIL, 1997, p.52) e a meta de ensino é a formação de leitores “que sejam também escritores capazes
de produzir textos coerentes, coesos, adequados e ortograficamente escritos” (BRASIL, 1997, p.52-53).
Esse bloco de conteúdos se subdivide em “Práticas de Leitura” e “Produção de Textos”, que, por sua vez,
desdobram-se em “Aspectos Discursivos” e “Aspectos Notacionais” 14.
A parte referente a “Práticas de Leitura” subdivide-se em “Tratamento Didático” e “Aprendizado
inicial da leitura”. O primeiro se refere às questões das práticas pedagógicas de incentivo à leitura.
Nele, o trabalho didático é tratado, de maneira vaga, salientando apenas a importância “[do] contato
sistemático com bons materiais de leitura” (BRASIL, 1997, p.54) pelos alunos e colocando “como a mais
importante estratégia de prática de leitura a diversidade textual” (IBID, p.55), sem deixar claro o que
esses termos significam.
O segundo tema abordado na seção é intitulado “Aprendizado inicial da leitura” e destina-se às te-
máticas referentes à alfabetização e aos processos iniciais de leitura. Nele, é reafirmada a relevância da
diversidade textual, entretanto, novamente, as questões postas não clareiam o trabalho a ser realizado.
São, apenas, colocados reflexões e exemplos genéricos.
A outra parte do bloco “Língua Escrita: usos e formas”, designada “Prática de Produção de Textos”
reafirma, mais uma vez, a necessidade de o aluno “ter acesso à diversidade de textos escritos” e a fi-
nalidade de “formar escritores capazes de produzir textos coerentes, coesos e eficazes” (BRASIL, 1997,
p.65). Também nessa parte não são definidos os termos usados. Além disso, uma outra questão que
se apresenta e que perpassa todo o documento é a falta de clareza no que se refere ao trabalho com
os gêneros discursivos. O texto do documento não deixa claro como fazê-lo, fornecendo informações
indefinidas e exemplos precários.
Quanto ao “Tratamento Didático” dado à produção de textos, é feita uma lista de procedimentos a
serem adotados em sala-de-aula, o mesmo se repetindo ao se tratar de “Algumas situações didáticas
fundamentais para a prática de produção de textos”15 , onde é sugerida uma série de atividades de
produção de textos. Desse modo, os conteúdos e as atividades a serem realizadas se misturam indis-
criminadamente, pois a finalidade da escrita é a produção de textos. Percebe-se que os Parâmetros,
14 De acordo com os PCNs, os aspectos discursivos se referem às características da linguagem em uso e os notacionais estão relacionados com as carac-
terísticas da representação gráfica.
15As atividades e exemplos dados fazem parte do texto do documento. Para maiores esclarecimentos, cf. BRASIL, SEF, Parâmetros Curriculares- volume
2, p.74-75.
Por sua vez, o Caderno 2 propõe como blocos de conteúdos “Práticas de Leitura”, “Produção de Texto”
e “Linguagem e Conhecimento Lingüísticos”. Como ocorre nos Parâmetros, os dois primeiros blocos não
explicitam o trabalho a ser realizado, destinando-se a definições teóricas genéricas e indefinidas.
Quanto à parte destinada à “Linguagem e Conhecimento Lingüísticos”, esta se subdivide em “Linguagem
Oral” e “Conhecimentos Lingüísticos”. Na primeira, destinads ao desenvolvimento da oralidade, ocorre
um tratamento semelhante ao dos Parâmetros: não é esclarecido como desenvolver essa modalidade e
o que se espera com esse trabalho. É apenas apontada a relevância da linguagem para a “comunicação
de idéias, pensamentos, intenções a outras pessoas e (...) [estabelecimento] de diversas relações, re-
sultado da convivência entre os homens” (IBID, p.20).
Essa “displicência” no trabalho com a oralidade, que se repete nos dois documentos (PCNs e Caderno
2), não é ao acaso. Segundo FÁVERO (2000), apesar das diversas pesquisas sobre o assunto, ainda
não existe concordância nas questões referentes à relação oralidade e escrita. De um lado, temos os
que acreditam na estrutura complexa, formal e abstrata da escrita, enquanto a oralidade é vista como
simples, desestruturada, informal, concreta e dependente do contexto. Por outro lado, existem aqueles
que enfatizam a importância do desenvolvimento da oralidade, já que se constitui como uma prática
social interativa, que se apresenta sob variadas formas e gêneros e, por isso, merecedora de estudos
relacionados às suas formas de uso e variações lingüísticas.
Na parte do Caderno 2 que trata dos “Conhecimentos Lingüísticos”, é dada importância ao uso de
palavras, sintaxe, trabalho com a estrutura e adequações de textos, além de regras normativas da
língua (pontuação, acentuação e outras). Enfatiza-se que tal trabalho não visa à memorização e sim à
compreensão do funcionamento da língua escrita.
Em relação aos conteúdos destinados para o seguindo ciclo, Os documentos investigados (PCNs de
Língua Portuguesa e Caderno 2), agrupam os gêneros em função da circulação e dos usos sociais mais
freqüentes. Essas propostas estão muito mais voltadas para o “domínio da língua que tenha estreita
relação com a possibilidade de plena participação social” (BRASIL, 1997, p.23) e para a “compreensão e
análise do meio social, visando à construção de vida em sociedade” (JUIZ DE FORA, 2000, p.22), do que
para a distribuição e agrupamentos dos gêneros pelas capacidades de linguagem, já que isso pressupõe
o desenvolvimento de competências textuais, o que pode incorrer no equívoco de um trabalho voltado
muito mais para o estudo estrutural do texto do que para uma concepção discursiva ou interativa de
linguagem.
Algumas considerações:
De acordo com MACHADO (1997), o gênero do discurso não é, apenas, reproduzido, mas é também
transformado no cruzamento de vários gêneros, na interpenetração do estilo de um gênero em outro, ou
pelo empréstimo de um gênero característico de uma determinada instituição a uma outra e na própria
interpenetração da vida nos gêneros.
Assim sendo, Os documentos analisados (PCNs e Caderno 2) foram entendidos como práticas discur-
sivas que, sofrem as transmutações da história, ou seja, da mesma maneira que esses documentos são
determinados pelo gênero do discurso, que os circunscrevem, esses gêneros do discurso e suas práticas
discursivas são produzidos e constantemente transformados nas relações sociais e no entrecruzamento
e penetração dos gêneros entre si.
Apesar das contradições apontadas nos PCNs de Língua Portuguesa, estou de acordo com ROJO
(2000), que afirma o avanço considerável nas políticas educacionais brasileiras em geral, e em particular,
nas políticas lingüísticas, proporcionado pelos Parâmetros, visto que esses não se constituíram- como
16 Tais como: a oportunidade do trabalho com uma grande variedade de textos, o exercício do ajustamento da escrita do texto a um leitor (revisão e cui-
dados com o trabalho), a possibilidade da intersecção dos conteúdos de diferentes áreas e outros. Esses e outros benefícios estão detalhados no texto dos
Parâmetros. Cf. BRASIL, SEF, Parâmetros Curriculares- volume 2, p.72-74.
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Myriam N. Torres
Myriam N. Torres
Introduction
Dialogism as a social philosophy represents a true alternative to the positivist ideology prevalent in
western society. Dialogism, as it has been advanced by Mikhail M. Bakhtin in Russia and Paulo Freire in
Latin America, Africa and North America, has wide and profound implications for rethinking important no-
tions such as self, language, knowing, and hence, pedagogy, in a radically different perspective from that
inherited from Descartes—the ‘grandfather’ of positivism. I am going to argue about the pervasiveness
of the positivist views, and how deeply and comprehensively we need to go in order to unveil its roots in
our language, thinking, relating with others, and social practices. Precisely because of this entrenchment
of the positivist philosophy, dialogism has not been recognized in its full magnitude. A major obstacle is
that positivism creates the illusion of an infinite variety of perspectives and operating procedures while
keeping its fundamental roots intact and invisible. In order to proclaim an alternative to positivism, we
need to dig out its roots, to rethink and reconceptualize them, and to expose their practical implications.
The focus of this paper is precisely to present some core ideas of self, language, knowing/research, and
pedagogy from the point of view of dialogism, and in contrast to positivism.
Appropriations of Bakhtin’s and Freire’s ideas on dialogism have been made in piecemeal fashion, and
often co-opted. When Bakhtin’s or Freire’s followers pick and choose specific aspects of their philosophies,
they may miss the big picture of dialogism as a true alternative to positivism. Concerning appropria-
tion of Bakhtin’s philosophical ideas, Gardiner & Bell (1998) consider that there has been a superficial
appropriation of them coupled with negligence in engaging with Bakhtin’s philosophical ideas. Some
well known Bakhtinians have assimilated Bakhtin’s dialogism into western liberalism by considering it
as the reality of discourse and not as a rebellion against authoritative discourse; thus, his work becomes
depoliticized (Brandist, 1995; Hirschkop, 1986). Holquist (1986) characterizes dialogue as an “amicable”
encounter, and opposition as the difference between linguistic practices and/or concepts. Similarly, Mor-
son & Emerson (1992) consider dialogue as bringing up and acknowledging differing opinions. Thus, the
individual is ‘a priori’ to the ‘other’, and the dialogue does not transform the individuality, except perhaps
by accident. There has been not only fractional understanding of Bakhtin’s ideas, but also alterations in
major issues such as epistemology. Dop (2000) criticizes Holquist (1990) and Morson & Emerson (1992)
for misquoting Bakhtin, which led them to frame his epistemology as relativist.
Appropriations of Freire’s dialogism are also often characterized by reductionism and co-opta-
tions. Freire’s broad and profound philosophy is often reduced to a ‘method’, even though he never
called his vision and mission of teaching just a ‘method’ (Macedo, 1997; Aronowitz, 1993; Freire, 1996).
Sometimes dialogue is understood as group therapy, centered on the psychology of the individual and
disconnected from power and ethics of education. The notion of pedagogy, which is for Freire a whole
philosophy including theory, reflection and action, is often referred to as merely ‘teaching’.
Bakhtin’s and Freire’s dialogism as philosophy has tremendous implications for a wide range of discipli-
nes and sciences (Gardiner & Bell, 1998; Hicks, 2000; Holquist, 1990). Their ideas overlap in their bases
or are at the least complementary. Gardiner and Bell (1998) point out the slow pace by which Bakhtin’s
conceptual richness has been acknowledged, and the strong tendency by academics to frame his work
within the traditional compartmentalization of knowledge and disciplines. In addition, Todorov (1984) and
Clark & Holquist (1984) warn us about the tendency to select only bits and pieces of Bakhtin’s thoughts,
given his refusal to present them comprehensively and systematically in a book. This limitation does not
imply that Bakhtin’s work lacks coherence and integration. Makhlin (1997) defends the programmatic
unity of Bakhtin’s work centered on the idea of participation or relations among elements in a ‘whole’. The
interaction of those elements is neither systematic nor non-systematic, but “participatively free” (p.49).
Grozovsky (1997) also defends the coherence of Bakhtin’s ideas centered on a theological argument. He
even considers that Bakhtin’s Philosophy of the Act is a hidden debate with Descartes.
Bajtín [Bakhtin] (1982) himself considers his analysis as philosophical, preventing in this way its
Becoming conscious of oneself is not a solitary process. It happens in the threshold between the I
and the thou, “on the boundary between one’s own and someone else’s consciousness” (Bakhtin, 1984,
p.287). The whole Bakhtin circle (Bakhtin, Medvedev and Volosinov) opposes individualism and individu-
alist psychology as promoted by capitalism and the Western Cartesian philosophy. Specifically, Volosinov
(1973) opposes the individualist subjectivity proclaimed by Freud:
There is no such thing as abstract biological personality, this biological individual that has
become the alpha and the omega of the contemporary ideology. There is no human being
outside society, and therefore outside objective socioeconomic conditions (p.23). The con-
tent of psyche life is thoroughly ideological . . . and therefore a sociological phenomenon
(p.37).
Bakhtin (Bajtín,1982), distinguishes between the person and the psychological individual: “Persona-
lization is in no sense subjective. The boundary there is not the I, but this I in interrelation with other
persons, that is, I and the other” (p.390). For Bakhtin (1981) the psychological individual is self-con-
tained: “a hermetic and self-sufficient whole, one whose elements constitute a closed system presuming
nothing beyond themselves, no other utterances” (p.273). In brief, for the Bakhtin circle, psyche, cons-
ciousness, and self are dialogical.
Sampson (1993), inspired by Bakhtin’s ideas on dialogue, examines closely the self-contained indi-
vidual that has been constructed by most of the psychological schools. He considers that it is time for
“celebrating the other”, it is time for “the dialogic turn”:
What is basic about human nature is its dialogic quality. This involves processes occurring
between people rather than events that occur inside a single individual. Therefore, whatever
is essential about human nature is to be found between people in a social dialogue, talk,
conversation, debate, and so forth, and not in the inner recesses of an individual abstracted
from these ongoing transactions (p.21).
The relational and social nature of human beings contrasts dramatically with the dominant indivi-
dualist view of the self as ‘self-contained’, with clear-cut boundaries between the self and the other, as
described by Sampson (1993).
We need to think of the self as a kind of bounded container, separate from other similar-
ly bounded containers and in possession or ownership of its own capacities and abilities.
In order to ensure this container’s integrity, we need to think of whatever lies outside its
boundaries as potentially threatening and dangerous, and whatever lies inside as sufficiently
worthy to protect. These beliefs establish a possessive individualist view of the person and
the assumption of a negative relation between self and other, both of which understandings
permeate much of Western civilization (p.31).
The relation between the self and the other in this view is a posteriori to their own separately cons-
tituted entities. Hence, this relation is accidental and often unnecessary. Sampson refers to this view
of self as “monological” and “egocentric”. The other is defined on the basis of the attributes of the self
which are identified looking within the self, rather than between the self and the other. This self-contained
individual is what traditionally is assumed in understanding society and human-social relationships. The
self as self-contained and self-sufficient is a myth created and sustained both by the academic world (es-
pecially in psychology) and the everyday world. In this society, we highly value self-esteem on the basis
of thinking of ourselves as independent and self-sufficient individuals. Sampson (1993) refers to this as
“autonomy obsession”. In addition, this feeling of self-reliance and pride has been systematically used
(actually exploited) to impose on the individual the whole responsibility for his/her actions and achieve-
In contrast, the subject of study in human sciences is a participating subject with voice in the dialogue.
When comparing the object of study of natural sciences and that of human sciences, participation of the
Despite his critique of Dilthey’s monologism, Bakhtin’s division between natural and human sciences
or sciences of the “spirit” obviously retains Dilthey’s tradition. Todorov (1984) follows closely Bakhtin’s
struggle and the evolution of his thinking concerning this problem of knowledge in human sciences and
natural sciences. Bakhtin initially opposed sign to thing, and ended opposing persona to thing.
In the way both Bakhtin and Freire characterize being and knowing as dialogical, social, open, unfi-
nalized, always in process of becoming, they set the premises for tearing down the boundaries between
the humanities and the social sciences, that is, between the individual substantial being and the social
being. From a dialogical perspective, it makes no sense to study human phenomena outside their social
and cultural milieu. A full understanding and adoption of the dialogical perspective will require a radical
reform in academic organization and specialization. Actually, rather than specialization, and sub-specia-
lization, the focus now becomes the commonalities along with cross-disciplinary studies and practices.
As we see, this is a whole new “order of things”, to use Michel Foucault’s expression (1973), and implies
new relationships among disciplines and blurred disciplinary boundaries.
Thus, the type of knowing in human sciences is based on the phenomenological concept of unders-
tanding (verstehen). Bakhtin’s (1984) notion of understanding is dialogical, active and holistic:
“The author is profoundly active, but his activity is of a special dialogic sort. It is one thing to
be active in relation to a dead thing, to voiceless material that can be molded and formed as
one wishes, and another thing to be active in relation to someone else’s living autonomous
consciousness. This is a questioning, provoking, answering, agreeing, objecting activity; that
is it is dialogic activity no less active than the activity that finalizes, materializes, explains,
and kills causally, that drown out the other’s voice with non-semantic arguments” (Bakhtin,
1984, p.285).
Bakhtin distinguishes four intermingled acts in the unique process of understanding, which gives a
good sense of its depth and complexity:
1) The psychological perception of the physical sign (the word, color, spatial form). 2) Its
recognition (either known or unknown). The understanding of its reiterative signification in
language. 3) The understanding of signification in the given context (immediate as well as
more remote). 4) Active and dialogical understanding (debate, agreement). Inclusion in a
dialogical context. The moment of evaluation in understanding and the degree of its depth
and its universality (p. 381).
Difference in the object of study between the natural sciences and the human sciences implies
a difference of method as well. Understanding a text is a way to complete it and to participate in the
dialogue to which this text and its author belong (Bajtín,1982). The text (written or oral) which is the
product of this understanding is on ongoing development in the “chain of speech communication” (Bakhtin,
1986, p. 111). In contrast, the positivist methods of natural sciences ‘thingificate’ human beings and
make knowledge static, ahistorical and irrelevant:
“Realism reifies man [and woman], but this is not an approach to him [her]. Naturalism, with
its tendency toward a causal explanation of man’s [and woman’] acts and thoughts (his/her
semantic position in the world) reifies man [woman] even more. The inductive approach,
which is assumed to be inherent in realism, is, in essence, a reifying causal explanation of
man [and woman]. The voices (in the sense of reified social styles) are in this way simply
transformed into signs of things (or symptoms of processes); it is no longer possible to
respond to them; one can no longer polemicize with them, and dialogic relations with such
voices fade away (Bakhtin, 1986, p.112).
Bakhtin goes beyond differences in objects and methods between natural and human sciences to
clarify their basic criteria: accuracy for natural sciences and depth for the human sciences. “Accuracy
presupposes the coincidence of the thing with itself” (Bakhtin, 1974, cited by Todorov, 1984, p.23). “The
limit of accuracy in the natural sciences is identification (a=a)” (Bakhtin, 1975, cited by Todorov, 1984,
p.23). For the human sciences what is essential is depth rather than accuracy. Actually, accuracy in
human research has the opposite meaning from that in natural sciences; the point is to establish a true
dialogical relation, which implies that there will not be a complete identification with the subject, that
is, the object of study:
There the knowing subject does not question itself nor a third party standing in front of
the dead thing; it puts the question to the knowable itself. The criterion is not the accu-
racy of knowledge but the depth of the insight. The object of the human sciences is [the]
In the analysis above, Bakhtin contrasts the monological and abstract character of dialectics as
conceived by Hegel (thesis, antithesis and synthesis sequence) with the multiple, even contradictory
voices created by Dostoevsky, which never merged in a synthesis. This is why Gardiner & Bell (1998)
indicate that Bakhtin uses a dialectics without synthesis. This is not to say that Bakhtin’s work has no
room for dialectics. As Dop (2000) indicates, dialectics for Bakhtin is an “abstract form of dialogue” (p.16).
Sketching the relationship between dialogue and dialectics, Bakhtin writes: “Dialectics is an abstract
product of dialogue” (Bakhtin, 1984, p. 293). And, “dialectics was born from dialogue, returning to dia-
logue at a higher level” [Bajtin, 1982, p.384). Dialectics becomes an abstraction when we remove the
voices from the dialogue and convert it into a continuous text. It thus becomes similar to what Hegel did
with dialectics: the contextual meaning disappears and with it the basis of meaning; it becomes totally
abstract. Reification will conduce to the disappearance of the infinite creation of meaning; concepts are
transformed into things (monological dialectics) (Bakhtin, 1986, p.162). Actually, Bakhtin tried to get
away from the Hegelian notion of dialectics, but did not outline completely how this dialectics returns to
dialogue, or how it is different from dialogue.
Meanwhile, Freire (1992/1970) seems to refer to dialectics in terms of reciprocal, interdependent
and constituting relationships; hence the focus is on change. He refers, for example to the subjectivity-
objectivity dialectics, knowledge of reality and transformation of it (Freire, 1994), and between teaching
and learning (Freire, 1996). However, Freire does not clarify the actual meaning of dialectics when he
refers to it, nor does he elaborate on the specific distinction from a dialogical relationship. Is he assuming
that dialectics has a universal meaning which is compatible with dialogue?
At any rate, the notion of dialectics that is more compatible with dialogue is that used by Freire as
reciprocal, dynamic, and constitutive interdependence between the phenomena in relationship. The
knowledge produced as a result of a dialectical relationship between phenomena contrasts with the com-
mon idea of knowledge as a linear, decontextualized, and unchanging cause- effect relationship between
isolated variables. The abstract, monological notion of the Hegelian dialectics, as Bakhtin contends, has
no place in dialogism.
While Bakhtin conceptualized the differences between object, purpose and method of the human
sciences and the natural sciences, Freire developed a research approach for working with human beings.
At first he called it thematic research in his book Pedagogy of the Oppressed (1992/1970); then, he and
his collaborators began to use its fundamental and distinctive characteristic, participatory research, and
so referred to it in Pedagogy of the City (1993). A further development in Latin America of this partici-
patory approach to research has become known as Participatory Action Research (PAR) (Demo, 1985;
Fals-Borda, 1987; Zamosc & Fals-Borda, 1987; Cardenas, 1987; de Souza, 1990; Vio-Grossi, 1990; de
Shutter, 1990; Torres, 1995, among others). This new research paradigm has been developed and used
extensively as an alternative to the conventional positivist paradigm of research in most of the countries
of Latin America and many other so-called ‘Third World’ countries. Although PAR has a diversity of ap-
proaches and political commitments, most of them share some basic ideas: the critical understanding
of reality, involving participants as co-investigators of their own reality, and their communal action to
transform that reality for the improvement of the life conditions of the participants and the society at
large. These principles are in essence those of the critical and liberating pedagogy developed by Freire,
as indicated below.
Dialogic research
Dialogic research, as an integral part of dialogic knowing, is participatory, language mediated, and
transformative, hence educational. In Pedagogy of the Oppressed Freire (1992/1970) describes in de-
tail several examples of what nowadays is called “participatory action research”. For example, Freire
talks about “thematic research” (p.100) which includes: awareness of one’s own reality and awareness
of one’s self. Thematic research is actually the beginning of curriculum development and / or “cultural
action” for liberation. At this point three separate areas of human activity converge: pedagogy (in the
broad sense), research, and cultural action. This represents an opportunity for “submersion” in our
The integration of education and research implies also an integration between theory and prac-
tice or between schooling and working. “One doesn’t study in order to work, nor work in order to study,
but one studies while working” (Freire, 1977, p.32). This dialogical view of education includes also the
question of political literacy. Freire (1996) states the inseparability between technical knowledge and
political knowledge:
In the education and training of a plumber, I cannot separate, except for didactic reasons, the
technical knowledge one needs to be a good plumber and the political knowledge one needs
to be a part of the polis, the political knowledge that raises issues of power and clarifies the
contradictory relationships among society classes in the city (Freire, 1996, p.115).
Dialogic and liberating education involves also the investigation of the generative themes which
will constitute the content of the curriculum and provide the occasion for participants (students) to stu-
dy critically their own reality: “To investigate generative themes is to investigate man’s [and woman’s]
thinking about reality and man’s [and woman’s] action upon reality, which is his [her] praxis” (Freire,
1992/1970, p.97, brackets added). The most revolutionary and distinctive characteristic of his research
perspective is the systematic involvement of the participants (so called subjects, actually objects of study
in conventional research) as co-investigators of their own reality:
... the methodology proposed requires that the investigators and the people (who would
normally be considered objects of that investigation) should act as co-investigators. The
more active an attitude men [and women] take in regard to the exploration of the thematics,
the more they deepen their critical awareness of reality and, in spelling out those thematics,
take possession of that reality (p.97).
Participation in research means for Freire more than giving information to the researcher or
participating in the discussion s/he is leading. From his dialogical perspective on research, participation
means digging into the whys of their own situation: “the critical effort through which men and women
take themselves in hand and become agents of curiosity, become investigators, become subjects in an
ongoing process for the quest of the ‘why’ of things and facts... ‘a reading of the word and reading of
the world’” (Freire, 1994, p.105). Participation is active engagement of people in the production of new
knowledge and not only in the consumption of it (Horton & Freire, 1990).
Like Bakhtin, Freire proposes specific goals and criteria upon which this dialogic or participatory
research with human beings must be based, in contrast to the goals and criteria of conventional research.
The imperative objectivity driving conventional research with human ‘subjects’ (read it ‘objects’) makes
this type of researcher treat human beings as ‘objects’, as ‘voiceless things’ in Bakhtin’s terms. On the
contrary, participatory research allows subjects to participate as dialogical human beings and agents of
culture:
The real danger of the investigation is not that the supposed objects of the investigation,
discovering themselves to be co-investigators, might ‘adulterate’ the analytical results. On
the contrary, the danger lies in the risk of shifting the focus of the investigation from the
meaningful themes to the people themselves, thereby treating the people as objects of the
investigation. Since this investigation is to serve as a basis for developing an educational
program in which teacher-student and students-teachers combine their cognitions of the
same object, the investigation itself must likewise be based on reciprocity of action (Freire,
1992/1970, p.99).
Freire means by participation the active engagement of people such as students, workers, and
women in the investigation and transformation of their own reality. Meanwhile, Bakhtin’s (1982) te-
legraphic notes “Toward a methodology of human sciences” distinguishes between the participation of
the knowing subject and that of the known subject; in the process of research both enter into a dialogic
relationship, both become knowing subjects, neither is object or thing to the other’s consciousness. “The
participation of the subject who is knowing a voiceless thing, and the participation of the subject who is
knowing another subject, that is the dialogic participation of the knowing subject. Degrees of dialogic
participation of the known subject” (Bajtín, 1982, p.383).
Both Bakhtin and Freire, based on a dialogic philosophy, have presented clear ideas of what dialogic
Thus, according to Bakhtin (1986), the study of the language in use (text or discourse) should
go beyond linguistics to the other disciplines that have to do with the human phenomena (such as an-
thropology, history, literature, psychology, sociology, philosophy, and philology) which he refers to as
‘metalinguistics’. Todorov (1984) calls this crossdisciplinary study of language “translinguistics”. Bakhtin
(1986) even goes on to affirm that “Language and the word are almost everything in human life” (p.118).
“When man [woman] is studied outside text and independent of it, the science is no longer one of the
human sciences [but) human anatomy, physiology, and so forth.” (Bakhtin, 1986), p.107).
In the same vein, Freire (1992/1970) elaborates on the word (meaning language in use) as constitutive
of dialogue with two dimensions, reflection and action, which are in a dialectical relationship:
But the word is more than just an instrument which makes dialogue possible; accordingly,
we must seek its constitutive elements. Within the word we find two dimensions, reflection
and action, in such radical intersection that if one is sacrificed—even in part—the other
immediately suffers.... When a word is deprived of its dimension of action, reflection auto-
matically suffers as well; and the word is changed into idle chatter, into verbalism, into an
alienated and alienating “blah.”... On the other hand, if action is emphasized exclusively,
to the detriment of reflection, the word is converted into activism. The latter—action for
Language, as characterized by Bakhtin and Freire, is far from the traditional idea of language as a
closed system of signs, forms and rules. They understand it as a living phenomenon embedded in hu-
man activity. Bakhtin (1986) carries out a deep examination of the embeddedness of language in any
human activity. For him, the text as utterance is part of the historical chain of “speech communication”
concerning a given subject matter. The text “always develops on the boundary between two consciou-
snesses, two subjects” (p.106); hence, it is constructed in dialogue. The text, as any other utterance,
has repeatable elements, which constitutes the ‘language system’; but it also has its ‘individual, unique
and unrepeatable’ aspect in accordance with the social, political, historical function and context of the
situation where it develops.
Language, as language in use (discourse), becomes for Bakhtin (Bajtín, 1982) a differentiating cha-
racteristic between the exact and natural sciences and the human sciences. Objects of inquiry in natural
sciences do not reveal themselves in discourse:
“Mathematics and natural sciences do not acknowledge discourse as an object of inquiry . .
. The entire methodological apparatus of the mathematical and natural sciences is directed
toward mastery over reified objects that do not reveal themselves in discourse and com-
municate nothing of themselves. In their practice, knowledge is not bound to the reception
and interpretation of discourse or signs coming from the very object to be known (Cited by
Todorov, 1984, p.15).
In contrast, in the human sciences discourse is the primary datum to work with:
In the human sciences, as distinct from the natural sciences, there arise the specific pro-
blems of establishing, transmitting, and interpreting the discourses of others (for example,
the problem of sources in the methodology of the historical disciplines). And of course in
the philological disciplines, the speaker and his or her discourse are the fundamental object
of inquiry” (Bakhtin,1981, cited by Todorov, 1984, p.15).
Given its dialogic character, discourse cannot be reified as a static thing in order to be studied; even
positivist approaches need to deal with the dialogical character of discourse to understand its ideological
meaning:
even the most arid earthbound positivism cannot treat discourse neutrally as if it were a
thing, but is forced to engage in talk not only about discourse but with discourse in order to
penetrate its ideological meaning, which is attainable only by a form of dialogical understan-
ding that includes evaluation and response (Bakhtin, 1972, cited by Todorov, 1984, p.16).
The dialogical character of language is present in each of its dimensions. Concerning mea-
ning, its production and reception only happen in dialogue . “The signification of discourse and the
understanding of this signification by the other (or by others)... exceed the boundaries of the isola-
ted physiological organisms…” (Bakhtin, 1976, cited by Todorov 1984, p.30). Along the same line,
when Bakhtin (1981) talks about the connection of language with the individual consciousness, he
proclaims that, “The word in language is half someone else’s.” (p.293). That understanding leads
him to question authorship, given the fact that any utterance is a social construction among inter-
locutors in a face-to-face modality or separated in time and space: “No utterance in general can be
attributed to the speaker exclusively, it is the product of the interaction of the interlocutors, and, bro-
adly speaking, the product of the whole complex social situation in which it has occurred” (Bakhtin,
1976, cited by Todorov, 1984, p.30). Each utterance is a response to previous utterances, and the
instigator of other utterances that somehow respond to it. Hence the interlextuality of discourses.
As indicated above, Freire developed an approach to research based on participation and action,
which is centered in dialogue among participants. Thus, if dialogue is constituted in discourse, language
becomes the focus of research in the form of collective reflection in dialectical relationship with trans-
formative action. For both Bakhtin and Freire, language is central to their development of the dialogical
philosophy, although with different emphases.
Freire worked extensively on the praxis of language in terms of literacy, which he defines in a
very broad sense, beyond the simple ‘learning to read and write”. In their book Literacy: Reading the
word and the world, Freire and Macedo (1987) expose the sociopolitical, cultural, and philosophical fra-
meworks of literacy as a liberating process. The phrase “reading the word and the world” has become
a succinct yet self-explanatory notion of true literacy, and one of the two major purposes of a liberating
education. The other purpose is its transformative character: education for social change.
Freire started his career as a teacher of Portuguese grammar and then worked for 15 years in a pro-
gram of literacy for adults in Recife (Brazil). Just when he had started a national literacy campaign, the
military coup occurred and he was exiled to Chile. He instituted literacy campaigns in Latin America and
in Africa (e.g. Guinea Bissau), but the impact of his work goes beyond popular education and literacy.
Obviously, Freire developed the area of literacy to a great extent and inspired many other edu-
cators in this area. Letters to Christine (1996) is a profound reflection on what is liberating literacy and
We must use simple, but not simplistic language when working with people who have low educational
levels, avoiding rhetorical jargon.
Shor and Freire (1987) consider that educators cannot be honest when they teach their students only
to read and write the word without a reading of the world. Nor can they be serious when they dichotomize
literacy in schools from the literacy that takes place in the world outside the school. They seem to be
talking of the reality we are living today, when literacy in schools goes precisely in the opposite direction
from what is needed in our world. There are so many vested interests that prevent students from deve-
loping a critical consciousness and understanding of their realities, to “read the word and the world”.
Dialogical Pedagogy as Liberating Praxis
Shor and Freire (1987) consider that educators cannot be honest when they teach their students only
to read and write the word without a reading of the world. Nor can they be serious when they dichotomize
literacy in schools from the literacy that takes place in the world outside the school. They seem to be
talking of the reality we are living today, when literacy in schools goes precisely in the opposite direction
from what is needed in our world. There are so many vested interests that prevent students from deve-
loping a critical consciousness and understanding of their realities, to “read the word and the world”.
A dialogical pedagogy involves basically two interdependent moments: critical understanding,
and transformative action. Thus, dialogic pedagogy is democratic, critical and transformative. For both
Bakhtin and Freire, true human life is dialogical; dialogue is necessary in the struggle for humanization
and liberation from oppressive monological conditions. They also agree that these latter conditions are
socially originated, and then become internalized by the oppressed as their own individual characte-
ristics. However, Freire is much more explicit and systematic than Bakhtin in developing a liberating
praxis, specifically in the area of education. His approach, called ‘Pedagogy of Liberation’, is well known
by progressive and radical educators. It is composed of basically two interdependent moments for the
participants in dialogue on a given situation: conscientization through critical understanding of their
realities, and liberation through transformative action.
Conscientization through critical understanding of one’s own reality
Conscientization is a fundamental concept in Freire’s philosophy of education as stated in Peda-
gogy of the Oppressed. It refers to the process of transformation from intransitive to transitive cons-
ciousness:
Intransitive consciousness is the limitation in his [her] sphere of apprehension... Critical
transitivity, on the other hand, will be achieved through dialogic and active education, pre-
cipitated into social and political responsibility, and characterized, among other things, by
the depth in the interpretation of the problems (Freire, 1968, my translation from Spanish,
p. 58-59).
The notion of conscientization was one of the first landmarks of Freire’s work in Latin America.
In his book Pedagogy of Hope (1994) he explains why he stopped using this notion of conscientization;
it was co-opted and reduced to a mechanical process of skill development. Besides, the notion of naive
or false consciousness implies an underlying idea of true reality vs. false reality, which has been reva-
lued from a postmodern view of critical pedagogy. Nonetheless, the notion is useful for integrating the
ideas about becoming aware of one’s own reality and the why of it by understanding its connections with
broader sociopolitical structures such as alienating myths.
Freire argues that the creation of myths is part of the strategy to keep the oppressed alienated
and subjugated, and ultimately to maintain the status quo:
For example, the myth that the oppressive order is a ‘free society’; the myth that all men
[and women] are free to work where they wish;... the myth that this order respects human
rights and is therefore worthy of esteem; the myth that anyone who is industrious can beco-
me an entrepreneur;... the myth of the universal right of education, when of all the Brazilian
It is amazing how these examples of myths are so prevalent today not only in Brazilian society,
and in all other Latin American or ‘Third World’ countries, but also in the United States. Despite the fact
that this book was written in the late 60s, it seems as though it were describing the myths of society
today. These myths are internalized by the oppressed people, unaware but alienated by them, until they
feel fearful and powerless: “The oppressed who have adapted to the structure of domination in which
they are immersed, and have become resigned to it, are inhibited from waging the struggle for freedom
so long as they feel incapable of running the risks it requires” (Freire, 1992/1970, p.32).
Bakhtin, on the other hand, talks about materialization of man [and woman], a term somewhat
equivalent to what Freire refers to as oppression. This violence is political, economic and ideological. It
comes from outside but also it is internalized by the individual:
The materialization of man [and women] under conditions of class society, carried to its
extreme under capitalism. This materialization is accomplished (realized) by external for-
ces acting on the personality from without and from within; this is violence in all possible
forms of its realization (economic, political, ideological), and these forces can be combated
only from the outside and with equally externalized forces (justified revolutionary violence)
(Bakhtin, 1984, p.298).
Those materializing and oppressive forces are monological, therefore they deny the rights of the
oppressed to participate in dialogue with other consciousnesses.
Whereas Bakhtin puts in Dostoevsky’s mouth his own rejection of the oppressive monological
consciousness, denying the other equal rights to dialogue, Freire is direct and reiterative in expressing his
ideology and critique of the oppressive society. Certainly, concerning Bakhtin, I have found no explicit,
direct critique of the government and society in which he lived. Is this a case of (external or internal)
censorship? Actually this question is difficult to answer, having no access to all his writings.
Liberation through transformative action
Fighting for liberation from dominant monological social conditions is a human right in its own
for both Bakhtin and Freire. Once again Freire, taking the side of the oppressed, is much more explicit
and direct in his writings than Bakhtin. Freire conceives of liberation as a social and therefore dialogical
process:
The liberation of the oppressed is a liberation of men [and women], not things. Accordingly, while no
one liberates himself [herself] by his [her] efforts alone, neither is he [she] liberated by others. Liberation,
a human phenomenon, cannot be achieved by semihumans. Any attempt to treat men [and women]
as semihumans only dehumanizes them. When men [and women] are already dehumanized due to the
oppression they suffer, the process of their liberation must not employ the methods of dehumanization.
The correct method lies in dialogue. The conviction of the oppressed that they must fight for their libe-
ration is not a gift bestowed by the revolutionary leadership, but the result of their own conscientization
(Freire, 1992/1970, p.53-54, brackets added).
In Freire’s terms, the struggle for liberation of the oppressed people is educational, cultural and poli-
tical. Liberating methods must unveil the dominant ideology; liberating education is not only a question
of methods and techniques but a different conception of knowledge, society, and life:
The liberating educator has to be very aware that transformation is not just a question of
methods and techniques... The question is a different relationship to knowledge and to so-
ciety... For me, one characteristic of a serious position in liberating education is to stimulate
criticism that goes beyond the walls of the school—that is, in the last analysis, by criticizing
traditional schools, what we have to criticize is the capitalist system that shaped these
schools. Education does not create the economic base in society. Nevertheless, in being
shaped by the economy, education can become a force that influences economic life (Shor
and Freire, 1987, p.35).
From a dialogical perspective, the task of liberating educators and revolutionary leaders is to
pose problems regarding the myths created by the oppressor and internalized by the oppressed in order
to foster a critical understanding of their situation within a broader sociocultural context of relationships.
Freire argues:
This task implies that revolutionary leaders do not go to the people to order to bring them
a message of ‘salvation’ but in order to come to know, through dialogue with them, both
their objective situation and their awareness of that situation— the various levels of percep-
tion of themselves and of the world in which and with which they exist (Freire, 1992/1970,
p.86).
Students’ engagement in liberating dialogue requires, from both educators and teachers them-
selves, effort and commitment to overcome obstacles and to work toward a deep understanding of their
situation and the sociocultural forces which determine that situation. On the part of the educators or
leaders, their task is to provide the opportunities, conditions and atmosphere for dialogue among students
to occur. In addition, educators must be able to communicate with student teachers in their language,
culture and ways of knowing. The content of the dialogue will be the themes, concerns and problems
meaningful and relevant to both parties. Neither authoritarian imposition of themes and perspectives,
nor laissez-faire for students, can be the strategy of the liberating educator. The educator’s directive
responsibility is an important premise of dialogical pedagogy for Freire. In a dialogue with Ira Shor,
Freire states:
On the one hand I cannot manipulate the students, on the other hand I cannot leave students
by themselves. The opposite of these two possibilities is being radically democratic. That
means accepting the directive nature of education... We must say to the students how we
think and why. My role is not to be silent. I have to convince students of my dreams but not
conquer them for my own plans. Even if students have the right to bad dreams, I have the
right to say their dreams are bad... The teacher is unavoidably responsible for initiating the
process and directing the study (Shor and Freire, 1987, p.157; emphasis added).
Freire questions the substitution of teacher by facilitator, in order to appear as non-directive and
therefore more democratic. This is for him a way to hide power, and represents a confusion between
authoritarianism and authority:
The teacher turned facilitator maintains the power institutionally created in the position.
That is, while facilitators may veil their power, at any moment they can exercise power as
they wish... What one cannot do in trying to divest of authoritarianism is relinquish one’s
authority as teacher... This educator [facilitator], then, ends up helping the power structure.
To avoid reproducing the values of the power structure, the educator must always combat a
laissez-faire pedagogy, no matter how progressive it may appear to be... I do not think that
there is real education without direction (Freire and Macedo, 1995, p.378).
As indicated above, Freire erases the boundaries between education / pedagogy and resear-
ch, and community development. Participatory action research, as developed by him, is participative,
transformative and educative. Curriculum development is based on the research that the educator and
the students carry out in order to make it relevant, responsive and engaging. The transformative action
should start in the classroom and then go outside its four walls into the school and the community.
Concluding remarks
The theses stated in the introduction and documented in this paper serve as the frame for
making some final remarks. The first of them is that, given the analyses and insights provided by Freire
and Bakhtin, dialogism represents a well-conceived alternative to positivism: a) The conception of self
changes from the self-contained, and self-sufficient individual to the dialogic self—being-in- relation with
others. b) Knowing is dialogical, above all when the ‘object’ of study has to do with the human phe-
nomena; research is with people, not about people; the positivist approach to knowing reifies humans
into passive objects. c) Language is constitutive of being human, of our thinking and knowing, and the
primary datum of all human sciences; this contrasts with the positivist notion of language as a closed
system of signs, forms and rules, which only represents a medium for expression of thoughts. d) Dia-
logical pedagogy is participative, democratic, critical and transformative, which involves research and
community development; it opposes the “banking” education in which students are passive receptacles
of information with no real understanding of themselves and the world around them.
The second general remark is that Bakhtin’s and Freire’s contributions to the development and
understanding of dialogism as an alternative to positivism is comprehensive, consistent with each other,
or at least complementary. This characterization of their own work invites any of us to be part of this
dialogue on dialogism, and “reinvent” and/or adapt it to new contexts and historical circumstances. It is
important to clarify that ‘reinvention’ should not mean ‘assimilation’ into all systems of thought, as has
happened already with both Bakhtin’s and Freire’s central ideas.
The third and last remark is that even when dialogism involves possible alternatives to the
conception of human life, social practices, relations among persons, communities and nations, the full
turning to dialogism has been and will be very difficult, but not impossible. As educators convinced of
Н.Л.Васильев
Paulo Venturelli
Quando o narrador de Bom-Crioulo descreve os marinheiros que, juntamente com Amaro, serão cas-
tigados, o retrato que ele nos dá desses personagens contém signos específicos: “um rapazinho magro”,
“rosto liso, completamente imberbe”, “rosto de adolescente”, com “uns longe de melancolia serena” e
precoce morbidez (BC, p. 13).1 Esta descrição parece preparar o clima que cerca a figura de Bom-Crioulo.
Configurado como “primeira-classe, negro alto, espadaúdo, cara lisa”, os traços adolescentes de seus
companheiros ressaltam-se como contraponto à força e ao vigor do negro. Mas, além do contraponto,
as figuras dos jovens marinheiros, com a tintura de “precoce morbidez”, constituem um portal de cha-
mamento à convivência sensual no pequeno mundo flutuante.
O negro, homem feito e de plena tenacidade, não demoraria muito para ter sua atenção chamada
para outro jovem, um daqueles frágeis grumetes entendidos como marinheiritos. Por isso, os que são
descritos neste momento da narrativa funcionam como seres de antecipação daquele e criam um certo
traço de fatalismo no encadeamento romanesco. É como se, entre a potência muscular de um e a lan-
guidez dos corpos púberes dos outros, não deixasse de agir o apelo para a proteção que logo redundaria
em experiências físicas e eróticas.
O MITO IMBERBE
Cercado por estas figuras definidas como “tristes”, seria difícil a Amaro escapar da vontade de pro-
tegê-las, proteção que geraria a atração. Como escravo, portanto, homem sofrido, ele conhecia bem o
abandono e não deixaria os pobres rapazes ao relento. E é se aproximando deles que pode contornar o
problema de ser homem que não se satisfazia com mulheres – “não se lembrava de ter amado nunca
ou de haver sequer arriscado uma dessas aventuras tão comuns na mocidade, em que entram mulheres
fáceis, não: pelo contrário, sempre fora indiferente a certas cousas, preferindo antes a sua pândega
entre rapazes a bordo mesmo.” Ele também as considerava fingidas, tendo dado “péssima cópia de si
mesmo”, quando “obrigado a dormir com uma rapariga.” (BC, p. 24).
Obviamente, nestas condições e com tal horizonte, estava criando orientação sexual voltada para ra-
pazes, principalmente para aquele que era “meio criança”, tinha “olhos azuis”, “muito alvo, bonitinho”(BC,
p. 78). Os rapazes frágeis ao seu redor têm condições de substituir a mulher, se mais não fosse, porque
experiência anterior com o sexo feminino fora frustrante. O desamparo, neles estampado, chamava por
mão protetora. Além disso, sofrem castigo físico. Merecem então que Amaro, feito bom samaritano,
pense suas feridas. O sentimento de proteção e cuidado abre caminho, em termos romanescos, ao sur-
gimento da relação que aproxima o adulto dos jovens marinheiros de forma mais conseqüente. Sendo
assim, Aleixo, na vida de Amaro, não é produto do acaso ou desígnio dos deuses. É fruto que vinga das
atitudes paternais do homem marcado por sofrimento.
Sabemos que em sociedade como a grega, onde e quando o que se pode chamar de homoerotismo
era prática que não causava espécie, o homem mais velho, o erastes, vivia um jogo de sedução para
atrair o adolescente que lhe despertara a atenção, o erômenos.2 Este homem tornava-se uma espécie
de professor, “companheiro apaixonado que guia seu bem-amado no caminho da honra e da virtude.”3
Por isso, a cena inicial de Bom-Crioulo é significativa. Ela coloca sobre a mesa as cartas do jogo que será
encenado: Amaro atraído pela beleza e fragilidade de Aleixo, oferece-lhe ajuda, até que se estabeleça
a união erótica.
O ritual mórbido que conhecemos com a descrição das chibatadas, com o prazer “especial” de Agos-
tinho, também acrescenta ao cenário dados fundamentais: prazer e dor, sofrimento do corpo macerado,
1 Para facilitar a leitura, faremos as indicações das referências do romance no próprio corpo do texto. Todas elas remetem a CAMINHA, Adolfo. Bom-Crioulo.
Rio: Ediouro, s/d.
2 Cf. LEWIS, Thomas S. W. Los hermanos de Ganimedes. In: STEINER, George; BOYERS, Robert. Homosexualidad: literatura y politica. Madrid: Alianza
Editorial, 19895. p. 124-148.
3 SPENCER, Colin. Homossexualidade: uma história. Rio: Record, 1966. p. 44.
4 FRY, P. Léonie, Pombinha, Amaro e Aleixo: prostituição, homossexualidade e raça em dois romances naturalistas. In: Eulálio, A. (org.). Caminhos cruzados:
linguagem, antropologia, ciências sociais. São Paulo: Brasiliense, 1982. p. 33.
16 CASTRO , M. L. D. A dialogia e os efeitos de sentido irônicos. In: BRAIT, B. Bakhtin, dialogismo e construção de sentido. Campinas: Editora da Unicamp,
1997. p. 130.
17 FREYRE, G. Casa grande e senzala. 27a. ed. Rio de Janeiro: Record, 1990. p. 415-416.
21 BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. São PauloL Hucitec/Unesp, 1988. p. 165.
Amsterdam-NL / 00 31 20 6260598
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Resumo I
Estudamos a esfera de atividade clínica de infectologistas com pacientes de AIDS, baseados na con-
cepção bakhtiniana do dialogismo. Observamos a circulação temática retomando textos em três feixes
de trocas concretas: diálogos entre médico e paciente em consulta; reflexões de médicos e de pacientes
sobre a atividade de consulta e escritos do/no e sobre o trabalho. Articulando os materiais confrontamos
enunciado concreto e representação discursiva, caracterizando a autoconfrontação enunciativo-discursi-
va, um dispositivo metodológico que mobiliza o diálogo de fragmentos da situação estudada refletindo e
refratando a mobilidade do sentido. Desenhamos dois temas: a facilidade genérica de tratar a doença
AIDS e a dificuldade localizada de dialogar com o paciente “aidético”, cuja “ambiguidade” entre ação e
representação não impediu a progressão da atividade, posto que, no espaço plurivocal retomado pelo
desenho e materiais da análise, atualizava-se uma experiência dialógica polifônica que possibilitava a
reformulação das reflexões do coletivo e redimensionava o gênero consulta.
Resumo II
We have studied the sphere of clinical activity between infectology specialists and AIDS patients, with
the purpose of recovering the dialogic process of production of sense. We followed the theme circulation
between undertaking the activity and talking about it, in three levels of material production: the phy-
sician-patient dialogue during consultation; the physician and patient reflection upon the consultation
activity and the writings of and about the work. We applied a dialogic analysis called speech-enunciative
autoconfrontation, a methodological instrument that mobilise the dialogue of speech fragments from the
situation and developing an inner structure of exchanges among materials which is reflect and refract
the sense. Than we have found two themes: the generic facilities to make a medical procedure and the
localized difficulties to dialogue with patients. However, this “ambiguity” does not stop the progression
of the activity and the polyphonic dialogue makes a new consultation speech gender possible.
1 Estudo elaborado como parte das atividades de pesquisa desenvolvidas correlatas à área de Psiquiatria do Departamento de Clínica Médica (DCM) da
Faculdade de Ciências Médicas (FCM), em articulação com Pesquisas do Programa de Mestrado em Estudos de Linguagem (MeEL) do Instituto de Linguagens
(IL), ambos da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Particularmente associado ao desenvolvimento dos projetos de pesquisa: A análise da atividade
de diagnóstico psiquiátrico: a autoconfrontação enunciativo-discursiva aplicada ao exame psíquico (PROPEG 006/cap-2003) e Atividade e discurso nos gê-
neros de ensino: um projeto de análise enunciativo-discursiva do trabalho de professores (PROPEG 008/cap-2003), coordenados pelo Prof. Dr. Marcos Vieira
(UFMT); bem como ao projeto Maternidade e Paternidade na esquizofrenia: o impacto da doença na vida de pacientes e seus filhos, (CNPq 4744002003-4),
coordenado pelo Prof. Dr. Jair de Jesus Mari (UNIFESP).
2 Esta preocupação esteve presente no projeto de Doutorado em LAEL pela PUC-SP e foi desenvolvida no período de DWS na França (novembro de 2000 a
fevereiro de 2002) sob co-orientação do Prof. Daniel Faïta, junto ao Departamento de Ergologia da Universidade de Provence, coordenado pelo Prof. Yves
Schwartz e ao Laboratório de Psicologia do Trabalho e da Ação, equipe da Clínica da Atividade do CNAM-Paris, coordenado pelo Prof. Yves Clot.
3 A Clínica da Atividade analisa situações de trabalho partindo do estudo da atividade e da ação, utilizando dispositivos metodológicos que buscam dar conta do
dialogismo constitutivo das situações estudadas. Propõe e mobiliza dispositivos metodológicos caracterizados como cronotropos de autoconfrontação do sujeito
aos discursos circulantes no trabalho (método do sósia, autoconfrontação simples, autoconfrontação cruzada, autoconfrontação enunciativo-discursiva).
4 A partir de diversas reflexões sobre os diferentes esferas da atividade (Clot, Faïta, Fernandes & Scheller, 2001), também foram propostos diferentes termos
que, em nossa compreensão, estão engajados no campo do gênero da atividade e podem ser agrupados em gênero da técnica, gênero profissional e gênero
social do métier. Para esclarecimento dessas noções consultar Vieira (2002: 161-162).
5 Consultar a esse respeito a revisão feita por Vieira (1989) em dissertação de mestrado.
Mesmo se concordamos com os pressupostos bakhtinianos de que a unidade real da língua é o diá-
Anthony Wall
Abstract
Bakhtin as an object of study has changed over the past twenty years just as Bakhtin’s readers
have changed over the same period of time. It is time to take stock of these changes in our horizon of
expectations, in order to see where the major changes have occurred, and to discover some of the rea-
sons behind these changes. At the same time, in the four linguistic spheres where Bakhtin Studies have
achieved such international prominence, it is important to inquire about the reasons behind this staying
power. These questions are posed in the context of the first eleven International Bakhtin Conferences.
Sinopsis
Ha cambiado desde veinte años el objeto de estudio que se llama Bajtín, tal como sus lectores han
cambiado durante el mismo período. Ahora se presenta un buen momento para mirar esos cambios en
nuestro horizonte de expectivas, para ver dónde se encuentra la mayoría de los cambios, también para
descubrir algunas razones que los expliquen. Al mismo tiempo, en las cuatro zonas linguísticas en que los
estudios bajtinianos alcanzaron a una tal importancia internacional, conviene ahora saber porqué Bajtin
conoce tanta permanencia. Se exploran esos asuntos en el contexto de las once primeras Conferencias
Internacionales sobre Mijaíl Bajtín.
I begin with a title that is partially reminiscent of Hans Robert Jauss’ famous book about the aesthetics
of reading (Rezeptionsästhetik)1, or, as others have aptly put it before me, the aesthetics of misreading.
This title should not, however, convey the idea that I am attempting to go back to some old-fashioned
trend, nor even to rehearse some of the interesting things Jauss had to say in his day about Bakhtin the
hermeneutician or, in his use of Bakhtin’s thinking, about the French Enlightenment philosopher Denis
Diderot2. The reason I turn to Jauss’ well-known title lies rather in the fact that, in his theoretical thinking,
the German hermeneutician gives us a number of useful tools for looking back, not too fruitlessly I hope,
at some of the incredible voyages we have made with the cultural philosopher Mikhail Bakhtin since
that very first International Bakhtin Conference held in October 1983 at Queen’s University in Kingston,
Canada, a ground-breaking event organized by Clive Thomson.
Of course, Jauss gives us many terms and concepts in his work for possible use in ours, and we could
not ever take advantage of all of them here. The one I wish to stress, in order to speak about the dyna-
mic history of Bakhtin’s international reception, is the “horizon of expectations” (Erwartungshorizont)3.
Quoting from the explanatory work done by Robert Holub, we might say that this term means something
like “an intersubjective system or structure of expectations, a ‘system of references’, or a mind-set that a
1 Hans Robert Jauss, Toward an Aesthetic of Reception, trans. Timothy Bahti, Minneapolis, University of Minnesota Press, “Theory and History of Theory”,
1982.
2 Hans Robert Jauss, “Der dialogische und der dialektische Neveu de Rameau oder : Wie Diderot Sokrates and Hegel Diderot rezipierte” in Ästhetische
Erfahrung und literarische Hermeneutik, Vol. 2, Munich, Fink, 1982, pp. 467-504. English translation: “The Dialogical and the Dialectical Neveu de Rameau:
How Diderot Adopted Socrates and Hegel Adopted Diderot” in William R. Herzog (ed.), Protocol of the Forty-Fifth Colloquy, Berkeley, The Centre for Herme-
neutical Studies in Hellenistic and Modern Culture, 1983, pp.1-29; French translation: “Le Neveu de Rameau, dialogique et dialectique (ou : Diderot lecteur
de Socrate et Hegel lecteur de Diderot)”, Revue de métaphysique et de morale 2, 1984, pp. 143-181.
3 The term “horizon of expectations” was first introduced by Jauss in one of his earlier essays Literaturgeschichte als Provokation, Frankfurt, Suhrkamp,
1970, p.9.
12 Horace, Odes III, 30. For a Bakhtinian reading that prods this ode in detail, see Renate Lachmann’s “Intertextuality as an Act of Memory: Pushkin’s
Transposition of Horace”, in Memory and Literature, op. cit., pp. 194-221.
13 On this important point, see Brian Poole’s controversial article, “Bakhtin and Cassirer: The Philosophical Origins of Bakhtin’s Carnival Messianism”, The
South Atlantic Quarterly 97, 3-4, 1998, pp. 537-578.
14 I am assuming that Bakhtin would share the Pascalian belief that what distinguishes us from animals and plants is precisely that we can think, however
imperfect and feeble this thinking may be. “L’homme n’est qu’un roseau, le plus faible de la nature; mais c’est un roseau pensant.”
15 Charles Baudelaire, “Le Gâteau”, in Petits Poèmes en prose (Le Spleen de Paris), Paris, Classiques Garnier, 1980, pp.76-79. In the Duvakin tapes, we
hear Bakhtin reciting Baudelaire from memory, and in French.
16 Peter Hitchcock (ed.), Bakhtin / “Bakhtin”: Studies in the Archive and Beyond, special issue of the journal South Atlantic Quarterly 97, 3-4, 1998, pp.
511-792.
17 Nielsen, op. cit., pp. 125-141.
Takayuki Yokota-Murakami
Osaka University
“Globalization” has been one of the most fashionable critical terms of contemporary theory. Surely
its effect is sufficiently felt at this very moment when the scholars from Europe, North America, and Asia
are discussing the works of the Russian thinker in Brazil.
Being Japanese, I have a special feeling about it. Brazil and Japan have had a very long and strong
tie. Given this, I was quite surprised to learn that I needed a visa to enter the country. The first wave of
Japanese immigrants arrived in Santos in 1908 and ever since some 250,000 Japanese have immigrated.
The opposite flow has been remarkable in the recent decades, with many third-generation Japanese-
Brazilians, who can now be considered, culturally and linguistically, sheer Brazilians, immigrating back
to Japan this time. In Japan, with Brazilians along with other nationalities, such as Iranians, Philippines,
Indians, Russians, Chinese, overflowing our streets, globalization has certainly become a lived experience
in a country which used to be on the whole mono-linguistic, mono-ethnic, and mono-cultural.
Such a multicultural society was hard to imagine in Japan a few decades ago. Everyone looked alike,
spoke the same language, and understood one another easily. The linguistic and ethnic identity was
taken for granted. Perhaps, precisely because of such homogeneity, fantasies were, conversely, created
to challenge it. Let me acquaint you with a very popular Japanese comic hero, Golgo 13, dating from
1960s. He is a sniper, assassin, and terrorist, and he works on the commission of just about anyone, be
it KGB, CIA, Ford Foundation, Sony, or what not. He appears to be Japanese, but no one knows for sure.
If anything, he is a mixture of several ethnic origins. He speaks a number of languages fluently, and it is
not clear, which is his native tongue. With these specifics, he changes his identity swiftly: in Moscow he
is a Chinese elite student; in Hungary he is an officer of the Secret Police; in Ukraine he is a coal-miner
from Donetsk; in Guatemala he is a native American.
Apparently, he belongs to the new generation of crime narratives. Spy fiction in the first half of the
twentieth century was complementary to the ideology of nation-state. Being an agent was not contra-
dictory to representing the country. In Somerset Maugham’s Ashenden, or the British Agent (1928), the
hero, Ashenden, who is a loose self-portrait of the author, worked for England, spied for it, because he
was an Englishman, spoke English, and was proud of English literature (In Writer’s Notebook Maugham
proudly declared that only England and France had great literatures, whereas other nations only had
great authors.)
The world structure during the Cold War has completely changed the scene. Double spies now flou-
rish. Within the Empires, that is, the Soviet Union and the United States, a single ethnic group does not
represent the state. Thus, globalization in a sense has already begun in 1960’s, long before September
the 11th, 2001. This makes it difficult for a spy (in fiction and in real life) to assume a single national
identity. Such a state of multiple identities of spies and terrorists is neatly described by John le Carre,
a master of spy fiction, featuring double agents. In his Tinker, Tailor, Soldier, Spy: “Smiley (the hero
and British agent, after having found out who was really the double spy, to his surprise) shrugged it
all aside, distrustful as ever of the standard shapes of human motive. He settled instead for a picture
of one of those wooden Russian dolls that open up, revealing one person inside the other, and another
inside him.” (p. 367)
The metaphor of matreshka by Le Carre, however, may not be a happy one, as it invokes a sociologi-
cal/psychological concept of a “core identity.” According to this model a human being has a hierarchical
structure of identity consisting of layers: ethnic, professional, gender, class, religious, sexual, and so
on; identities are layouted depending on the identity politics of that person, making one identity more
basic than another.
What the double agent or Golgo 13 invokes is quite different from this model of “core identity.” In
them various identities appear to be competing on the same plane, at least their ethnic/national and
linguistic identities are. In contrast Ashenden and British spies described by Maugham are highly homo-
geneous personae (or monologic, I might say, slowly introducing Bakhtin). They are English by behavior,
by language, by ethnicity, by gender, and by nationality. For instance, Ashenden’s boss, “R,” is depicted
Edwiges Zaccur
Por onde começar, quando se trata de ir ao encontro de um andarilho, que perscrutava as fronteiras
do conhecer e do conhecer-se humano? Qualquer que seja o caminho, será sempre um entre outros
possíveis: estamos sempre a reiniciar um diálogo com Bakhtin. A via que propomos revolve memórias
de futuro, em busca do que poderia ser arché – fogo central da terra, força vital, algo que, em qualquer
tempo e lugar, possa se fazer encarnadamente presente em novos discursos que, sendo novos, fazem
ressoar antigas vozes.
Como protocolo, poderíamos indagar: de onde nos fala Bakhtin? Essa pergunta, porém, suscita
muitas respostas possíveis. Ele nos fala de um espaço geopolítico, sócio-cultural e econômico: a Rússia
em plena efervescência revolucionária, pré e pós 1917. Mas nos fala também de espaços praticados
como professor de história da literatura e como interlocutor do círculo de Bakhtin, onde se exercitava o
confronto da própria palavra com a palavra do outro, em meio a intelectuais e artistas que ignoravam
fronteiras entre ciência e arte. Eis que nos defrontamos com uma teia de múltiplas implicações. A partir
dela, Bakhtin se refere a outros pensadores, contemporâneos ou não, com e contra quem dialogou.
Entre os críticos que costumam explorar as correlações entre Bakhtin e seus interlocutores privile-
giados, destacamos: Julia Kristeva, Todorov, Clark e Holquist. Cada abordagem privilegiada por eles dá
visibilidade a algumas facetas, deixando, inevitavelmente, outras na invisibilidade.
Em companhia de Clark e Holquist, veremos aproximações e convergências entre Bakhtin, Rabelais e
Dostoievski. Aproximando Bakhtin e Rabelais, poderíamos propor uma analogia; Rabelais estaria para seu
personagem Villon, assim como Bakhtin estaria para Rabelais. Villon permitiria a Rabelais direcionar suas
baterias contra a ordem escolástica e eclesiástica, artificial e séria, imutável e aprisionante. Rabelais, por
sua vez, permitira a Bakhtin contrapor à ordem oficial, igualmente monológica, uma ordem não-oficial.
Quanto a Bakhtin e Dostoievski, haveria uma parceria que possibilitou ao primeiro, em diálogo com o
segundo, problematizar a desafiadora idéia, senão do duplo, do papel do outro no self.
Se acompanharmos Kristeva, poderíamos prosseguir pensando uma poética arruinada, em que ocorre
uma dupla identificação de Bakhtin com Dostoievski. Um olhar sobre a história pessoal de ambos pode
nos ajudar a arrolar um encadeamento de crises - problemas econômicos, doenças, perseguições po-
líticas - na dramática tensão em que a pulsão de morte freudianamente carrega a pulsão de vida. Essas
experiências existenciais concorriam para que Bakhtin pudesse compreender, em sua radicalidade, a
presença das vozes do subsolo no romance de Dostoievski, e a partir daí, teorizar a complexidade do
texto, aberto à intertextualidade e à polifonia.
Com Todorov podemos assinalar uma revolução em que Dostoievski se descolava da pergunta - quem
é o personagem? - para problematizar como ele percebe o mundo e a si mesmo?. Impregnado da mul-
tiplicidade de visões, no interior de uma sociedade que acabava de romper tardiamente com o mundo
fechado da ordem feudal, Dostoievski rompia com um ponto de vista unívoco: Dostoievski transformava
em um momento de autodefinição do personagem o que antes era uma definição fechada e fixa ema-
nando do autor1 . Assinalando o quanto fora definitivo o encontro de ambos, Todorov viu em Dostoievski
o maître à penser de Bakhtin, flagrando, inclusive, o ponto crítico de uma reviravolta espetacular nas
idéias de Bakhtin, o momento de uma compreensão nova que rompia com a lei estética da exotopia
superior do autor em relação ao personagem2:
No meio do caminho, Bakhtin deixa-se influenciar pelo seu contra-exemplo, Dostoievski (ou
pela imagem que dele faz para si); seu primeiro livro, publicado em 1929, é consagrado a
ele, e é um elogio da via anteriormente condenada. A concepção anterior, em vez de ser
mantida na categoria de uma lei estética geral, torna-se característica de um estado de
1 BAKHTINE,M. La poétique de Dostoievski, Paris, Editions du Seuil, 1970, opus cit. p.85.
2 TODOROV, Tzvetan. Prefácio in BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo, Martins Fontes, 1992, p. 7
Essa tomada de consciência representou um divisor de águas nas reflexões de Bakhtin. Considerando
que um capítulo de Problemas da Poética de Dostoievski contém o gérmen de Rabelais e a Cultura Po-
pular na Idade Média, avançamos algumas indagações. Que movimento levaria Bakhtin de Dostoievski
a Rabelais? Que intenção presidiria à escolha de Dostoievski e Rabelais, nessa ordem, como caleidos-
cópios cronotópicos das grandes questões humanas? Por que partiria do mais próximo (um autor russo
do século anterior) para o mais distante (um autor francês do século XVII)? Por que auscultar com
Dostoievski as vozes abafadas do subsolo, para depois remexer com Rabelais a terra fértil da cultura
popular, com seu riso regenerador, com sua praça sem rampa, sua festa tenda onde todos se incluem
num riso congregante? Que significação teria, para Bakhtin, preservar apenas a paternidade inequívoca
dos livros centrados em Dostoievski e Rabelais?
Na hipótese que avalizamos essas duas obras nos permitem inferir questões que refratam crises da
atualidade: a do sujeito, a da verdade e a da representação. Bakhtin sublinhava que a particularidade
da criação artística é ser receptiva e acolhedora, tomando a realidade como um elemento constitutivo.
Nesse sentido, a vida se encontra no interior da arte, em toda a plenitude de seu peso axiológico social,
político, cognitivo ou outro que seja. Acrescente-se a tal pregnância, um sentido antecipatório que se
realiza de modo mais significativo no turbilhão de crises.
Se bem que distantes no tempo e no espaço, as perspectivas cronotópicas de Dostoievski e Rabelais
podem nos reportar a tempos de crises em que uma nova ordem se delineava. Dostoievski pôs em jogo
em seus romances uma multiplicidade de mundos conflitantes em meio à turbulência das transforma-
ções sociais, políticas e culturais, após a entrada tardia no modo capitalista. O pathos de Bakhtin iria
ao encontro do que, segundo ele, (co)move Dostoievski: a luta contra a coisificação do homem e dos
valores humanos no mundo capitalista. Naquele cronotopo de crise, em que a ordem capitalista subvertia
o modelo anacrônico e fechado de um mundo unívoco, Raskolnikov pode ser tomado como personagem
emblemático. Seu nome significa “cismático”, o que se separa da comunhão de fiéis, o que encarna em
si a divisão. Raskolnikov só poderia ser o que se impacta diante da decomposição do modelo antigo e
da constituição de uma nova ordem sob o império do capital. Herói conflitado e ambíguo, ele interroga o
mundo se interrogando, vivendo, simultaneamente, o inquisidor e o carrasco e a vítima, diante de uma
realidade tormentosa que violenta a consciência do herói. Seu cronotopo, como sublinha Bakhtin, é o
do limiar; o do não-lugar de quem anda à deriva entre duas ordens, sem se encontrar minimamente
em nenhuma delas, condenado a ser menos, quando seu desejo em correspondência com a expectati-
va materna lhe cobrava ser mais. Nesse tenso embate, o herói vive existencialmente pressionado pelo
modelo que desumaniza o humano.
Em contraponto, a figura que emerge na primeira leitura dos romances de Rabelais seria a do excesso
– o hiperbólico crescimento de um mundo, abrindo-se às descobertas e à expansão do conhecimento.
Porém, o discurso bivocal do autor atravessa ironicamente o clima pantagruélico de festas e viagens,
combates e conquistas – ironizando o sucesso daquele afã quantitativamente transbordante. O tom de
paródia desvelava, no ser que se agigantava, o bicho da terra tão pequeno, ainda e sempre desejante
de cobrir a falta original – a de se saber um ser para a morte. Viajando na garupa do herói, o ambíguo
riso rabelaisiano, mordaz, mas compreensivo e complacente, ironiza tanto o modelo escolástico, como
o humanista e o sensualista. Cada um deles, ao absolutizar um modo de ver-conhecer, construía um
modelo artificioso, tomando, como totalidade, o que antes fora posto à margem. Um riso nutrido do cô-
mico popular criticava uma alargada distância entre o conhecimento arrogante, cioso de seus conceitos
científicos, e a sabedoria humilde da gente sem importância, apoiada em conceitos cotidianos. Rabelais
possivelmente denunciasse a hybris humana e sua pretensa onisciência.
Ao discutir Rabelais e Dostoievski, Bakhtin, de alguma forma, poderia sinalizar uma transformação
necessária, talvez no sentido contrário ao da flecha do tempo, um retorno às forças vitais que moveram
o processo de humanização?
A leitura, que aqui propomos, tem como referência a tríade: Rabelais, Bakhtin e Dostoievski. Dos-
toieski não seria propriamente o maître à penser de Bakhtin, mas um companheiro ao qual se junta
Rabelais. Do diálogo com ambos, ressalta a percepção da ambivalência humana. O movimento recursivo
de Dostoievski a Rabelais o levaria ao encontro da arché humana – energia presente na interação: ser-
para-o-outro-ser-com-o-outro-ser-para-si. No primeiro extremo, ressoa o quenoticismo aberto a ser para
o outro o que Cristo é para o si; no último extremo ecoa o ser para si absolutizado, peculiar ao modelo
capitalista. Na ponte entre o dois extremos, o ser-com-o-outro, na cumplicidade sem rampa, presente
na ordem não-oficial, no tempo da festa popular, na expressão do baixo corporal, no riso revitalizador
da cultura popular que se distende em arco antes e depois da Idade Média.
Ousamos afirmar que a partir da história da literatura e do estudo do romance como gênero híbrido
cujas raízes escavou, Bakhtin abre uma terceira via para os estudos das ciências humanas, sob o viés
uma ciência imprecisa que disseminava uma translingüística em contraponto à fundação da lingüística.
Entre o discurso e o sistema lingüístico, entre a fundação e a disseminação
Paralelamente à publicação da Poética da poética de Dostoievski, foi lançado Marxismo e Filosofia da
Em face de tal dilema, a decisão seria tomada pelos que chamaram a si a responsabilidade de publicar
uma obra, não autorizada pelo próprio Saussure. Assim sendo, a definição pela língua em si mesma e por
si mesma como o único e verdadeiro objeto da lingüística passa pelos discípulos C. Bally e A. Sechehaye,
na condição de co-enunciadores privilegiados, organizadores e editores do livro de Saussure.
A partir de tais pistas, por que não interrogar a resistência do objeto linguagem face à rigidez do mé-
todo positivista? O próprio isolamento crescente de Saussure diante da comunidade científica não seria a
evidência da contradição entre a pesquisa que apelava o pensamento e o homem de ciência que não se
permitia romper com o modelo da ciência positivista? Na sua concepção, para fazer ciência era preciso
classificar, separar, definir, mas desenredar um objeto complexo seria também descaracterizá-lo.
Bakhtin não se refere às hesitações de Saussure, mas se contrapôs à opção pelo sistema lingüístico.
A partir daí, muitos estudiosos perceberam a necessidade de ampliar o domínio da ciência da lingua-
gem. A contribuição bakhtiniana detonaria, assim, o que Boaventura dos Santos chama uma crise de
crescimento de terminado campo do conhecimento. Sem romper com a herança do pai fundador da
lingüística, tentava-se enriquecê-la através da contribuição de Bakhtin.
Nos anos 1960, o grupo de intelectuais da revista Tel quel começou a divulgar as contribuições de
Bakhtin. Dentre estes, Kristeva, por exemplo, escolheu aprofundar o conceito de intertextualidade. Por
sua vez, lingüistas, como Ducrot e Benveniste, chamaram a si questões do texto e da polifonia, da
enunciação e do enunciado, abrindo caminho a novos conceitos e estudos lingüísticos.
Nessa produtiva efervescência, a questão da polemos entre Saussure e Bakhtin permaneceu velada.
Diferentes sujeitos, diferentes olhos, diversas as perguntas e diversos os objetos. O olhar de Saussure
conformado pela razão objetiva voltava-se para o analítico, o linear, o cartesianismo de um paradigma
científico-explicativo. O olhar de Bakhtin era desafiado a apreender o complexo, o dialógico, o descon-
tínuo-inconcluso a partir de um paradigma estético-filosófico-compreensivo. Como alternativa à sim-
plificação denunciada pelo próprio Saussure, a abordagem bakhtiana buscava escapar aos limites do
3 BAKHTINE, Mikhaïl. Marxismo e filosofia da linguagem . opus cit. p.72-73
4 Trecho de entrevista concedida a L. Gautier. Cf. SAUSSURE, Ferdinand. (org. BALLY e SECHEHAYE) Curso de Lingüística geral. São Paulo, Cultrix, 1974,
p. XVII.
Por esse caminho buscava-se compreender dialógica e complexamente o que vinha sendo estudado
como dicotomia. A abordagem bakhtiniana introduz mudanças radicais: (i) conteúdo e forma mutuamente
se remetem, denunciando a estética do material dos formalistas como coisa em si mesma, simplificação
tão artificial como redutora; (2) sujeito e objeto se implicam em relação dialógica entre dois sujeitos,
denunciando o observador neutro e sua pretensão de objetividade; (3) a parte e o todo se vinculam
organicamente, denunciando o reducionismo de se considerar o todo como soma das partes; (4) per-
manência e mudança se tensionam na cultura em movimento, denunciando abordagens fragmentadas
sincrônico – diacrônico, uno - múltiplo; o eu e o outro que se constituem na linguagem entretecendo
subjetidade e intersubjetividade.
Uma trama de muitos nós vai nos aproximando de um problema insistentemente revisitado por Bakhtin:
a especificidade das ciências humanas. Num texto, cujas notas primeiras datam de 1940 e a redação
última de trinta anos depois, Bakhtin propõe diferenciá-las, a partir do princípio dialógico:7
As ciências exatas são uma forma monológica de conhecimento: o intelecto contempla uma
coisa e pronuncia-se sobre ela. Há um único sujeito: aquele que pratica o ato de cognição
(de contemplação) e fala (pronuncia-se) . Diante dele há a coisa muda. Qualquer objeto do
conhecimento (incluindo o homem) pode ser percebido e conhecido a título de coisa. Mas o
sujeito como tal não pode ser percebido e estudado a título de coisa, porque como sujeito,
não pode, permanecendo sujeito ficar mudo; conseqüentemente o conhecimento que se
tem dele só pode ser dialógico.
Um outro texto recolhido em seus arquivos, escrito entre 1959 e 61, foca o problema do texto na área
da lingüística, da filosofia e das ciências humanas. Novamente a especificidade das ciências do espírito
é reafirmada de par com a impossibilidade de tratar o espírito (o próprio e o do outro) tal como o objeto
é observado no domínio das ciências naturais. Bakhtin enfatiza que, no campo das ciências humanas o
pensamento nasce no pensamento do outro impregnado dele existencial, ideológica e culturalmente. O
texto como dado primário, lugar de encontro, desencontro, é dialógico, razão por que não considerá-lo
como um objeto: nele é impossível de eliminar ou neutralizar a segunda consciência, a consciência
de quem toma conhecimento dele. Até porque o texto só se torna vivo, só realiza seu ser autêntico na
fronteira de dois sujeitos, de duas consciências8.
Nos apontamentos de 1970-71, a par da diferença entre as ciências naturais e as humanas, Bakhtin
vai sublinhar a recusa à idéia de uma fronteira intransponível entre elas. Rejeita, inclusive, o proce-
dimento de contraposição estabelecido por Dilthey, alegando que a evolução posterior das ciências o
desmentira. Ou seja, a diferença entre as ciências não passaria pela explicação como fundamento das
ciências naturais e pela compreensão, como fundante das ciências do espírito. Por outro lado, Bakhtin
mantém a distinção rigorosa entre a compreensão e o estudo científico, reforçando o princípio dialógi-
co pois o objeto, durante a comunicação dialógica que ele enseja se transforma em sujeito (em outro
eu)9. Ao discutir a compreensão pela via da relação dialógica, sinalizando a contribuição da microfísica
(teoria dos quanta), Bakhtin afirmou que o observador não se situa em parte alguma fora do mundo
observado, e sua observação é parte integrante do objeto observado.
Em outro texto de 1937-38 ele introduziu a expressão cronotopo como metáfora (quase, mas não só),
desvinculada de sua especificidade na teoria da relatividade, porém enfatizando a indissolubilidade de
5 BAKHTINE, Mikhaïl. Estética da criação verbal. São Paulo, Martins Fontes, 1992, p. 329.
6 TODOROV, .Mikhail Bakhtine le principe dialogique. opus cit, p. 7.
7 BAKHTINE, Mikhaïl. Estética da criação verbal. Opus cit. p. 403.
8 Bakhtin, Mkhail. O problema do texto in Estética da criação verbal. opus cit. p. 333.
9 Bakhtin, Mkhail. Apontamentos (1970-1971) in Estética da criação verbal. opus cit p. 385.
Ao contrário da visão da ciência que opera a partir da flecha do tempo, avançando a idéia de progresso,
Bakhtin sublinhou o diálogo infinito na grande temporalidade, que se distende em circularidade no espa-
ço-tempo, compreendendo toda poiesis humana, o fazer cultura e fazer-se na cultura. Descontinuidades
e ressonâncias entre acontecimentos se dão em diferentes espaços e tempo.
A cultura, assim substantiva, abarca toda a multiplicidade do UM e, desse modo, cada ato, cada
fenômeno cultural transforma-se como que numa mônada que reflete tudo em si e que está refletida
em tudo14.
Na leitura que avalizamos, Bakhtin prenunciou uma nova epistemologia das ciências humanas a
partir da teoria do texto15, pois o homem em sua especificidade humana se exprime sempre, isto é cria
textos. No encalço de Dostoievski, ele subverte a lei estética da exotopia superior, que absolutiza o autor
e objetaliza o herói e se põe à escuta de vozes e idéias, de modos de ser e estar que se reconfiguram no
mundo e com os homens no mundo. Mas, ao fazê-lo, também nos convida a folhear páginas antigas da
história dos gêneros, que conservam a idéia imorredoura da archaica que é eternamente viva, ou seja
mantém a capacidade de renovar-se.16 Da pluralidade de estilos e vozes, da conjunção de experiência
e fantasia, da incorporação do cotidiano nutriram-se os gêneros antigos e medievais, integrantes do
cômico-sério. Há toda uma evolução literária que Bakhtin revisitou, buscando no romance polifônico de
Dostoievski e no texto carnavalesco de Rabelais, a fonte popular e vital que alimenta a invenção: a arché
humana que se dissemina na arché da bakhtiniana.
Quanto a nós, que vivemos a aguçada crise de um mundo globalizado que acirra desigualdades,
que palavra poderíamos buscar em Bakhtin? Esta pergunta pode ser pensada a partir da atualização
da experiência e da fantasia, do cotidiano e da pluralidade de vozes e linguagens. Muito recentemente,
algumas escolas brasileiras foram premiadas por terem superado a violência através de projetos orien-
tados para a criação: teatro e dança, paródia e música, rádio e jornal. Diríamos que uma vez mais se
reinventaram caminhos para ir ao encontro da arché humana. Um tal empoderamento17 é perfeitamente
administrável pelo statu quo, se ocorre em pequena escala. Mas o que aconteceria, caso pudesse se
abrir a todos silenciados do mundo? Bakhtin festejaria tal acontecimento em que liberdade e amor se
abrem a todos e a todos reúne na Criação.
ZACCUR, Edwiges. Por que não uma epistemologia da linguagem? In Método, métodos, contramétodo. Regina Leite
Garcia, (org), São Paulo, Cortez, 2003.
Resumo I
Este trabalho pretende verificar de que forma a obra Casos do Romualdo, de João Simões Lopes
Neto, vincula-se, em diferentes graus, à tradição da sátira menipéia – atrelada ao gênero do cômico-
sério – conforme as concepções de Mikhail Bakhtin em seu estudo Problemas da poética de Dostoiévski.
Publicada, originalmente, sob a forma de folhetim, por volta de 1914, Casos do Romualdo filia-se ao
regionalismo gaúcho. O “contar casos”, comum nas rodas de chimarrão, entre os peões das estâncias,
se toma por base o riso, o fantástico e a mentira como características folclóricas, converte-se, na lin-
guagem de Simões Lopes Neto, numa forma de resgatar o passado e contrapor – através das aventuras
mirabolantes de Romualdo – um novo tempo histórico-social, dessacralizando, pela via do cômico, o
mito heróico do gaúcho.
Resumo II
This paper aims at verifying how the work Casos do Romualdo (Romualdo’s Anecdotes) by João Simões
Lopes Neto is related, in different degrees, to the Menippean Satire tradition – tied to the comic-serious
genre – according to the conceptions found in Mikhail Baktin’s Problemas da poética de Dostoievski.
Published, originally, in the form of a pamphlet, around 1914, Casos do Romualdo is affiliated with the
gaucho regionalism. If the “telling anecdotes”, common in chimarrão reunions among herdsmen in ranch
houses, takes the laughter, the fantastic and the lie as folkloric characteristics, it is converted, in Simões
Lopes Neto’s language, into a way of retrieving the past and contrasting – through Romualdo’s crazy
adventures – a new historic-social time, demythologizing, via comic, the heroic myth of the gaucho.
Simões Lopes Neto destaca-se no cenário da literatura regionalista por sua obra Contos gauchescos e
lendas do sul, na qual é possível observar a apologia da vida gaúcha em seus primórdios. Utilizando-se
das chamadas “formas simples” da narrativa oral – como os casos, as lendas e os mitos – e valendo-se,
como estratégia ficcional, de Blau Nunes – um narrador vaqueano, a conduzir um viajante interlocutor,
a narrativa e seu cavalo –, Simões Lopes Neto dá conta da articulação entre o velho e o novo, a expe-
riência e a memória, o passado e o presente na formação do gaúcho, o qual é plasmado ficcionalmente
como mito heróico.
Os Casos do Romualdo, publicados originalmente por volta de 1914, sob a forma de folhetim, no
Correio Mercantil (Pelotas-RS), foram divulgados como obra póstuma, em 1952, graças à pesquisa dedi-
cada de Carlos Reverbel, a pedido da Editora Globo. Em relação a Contos gauchescos e lendas do sul, a
obra Casos do Romualdo é considerada, por significativa parcela da crítica, como uma literatura menor,
atribuição que seria comungada pelo próprio autor, como justificativa para a sua não-publicação em vida.
Contrariando alguns críticos (entre os quais Flávio Loureiro Chaves e Guilhermino César) Ligia Chiappini
(1988, p. 380) defende opinião divergente a respeito da “autocensura do escritor que explicaria a não
publicação dos Casos... em vida: ele os havia confiado a Pinto da Rocha para que os publicasse no Rio
de Janeiro e os prefaciasse, mas este, ao que parece, os perdeu.”
Entretanto, mesmo considerando-se a publicação da obra em folhetim, tendo em vista as condições
da época, depreende-se, da própria estrutura que interliga os casos, uma vontade autoral de publicação.
Defende-se, com tal posicionamento, que a pertinência da publicação agencia uma pretensão autoral
de contraposição, caracterizada pela vontade de, vincando o elemento regional como base, credenciar
As ponderações de Baeta Neves são corroboradas por Bakhtin (1987), teórico que fundamenta a
análise do presente estudo, a respeito de Simões Lopes Neto, quando discute o riso – em suas mais
variadas formas – como o campo menos estudado da criação popular:
A concepção estreita do caráter popular e do folclore, nascida na época pré-romântica e
concluída essencialmente por Herder e os românticos, exclui totalmente a cultura específica
da praça pública e também o humor popular em toda a riqueza das suas manifestações.
Nem mesmo posteriormente os especialistas do folclore e da história literária consideraram o
humor do povo na praça pública como um objeto digno de estudo do ponto de vista cultural,
histórico, folclórico ou literário. Entre as numerosas investigações científicas consagradas
aos ritos, mitos e às obras populares líricas e épicas, o riso ocupa apenas um lugar modesto.
(BAKHTIN, 1987, p. 3).
A segunda peculiaridade ligada aos gêneros do cômico-sério é que estes não se baseiam na lenda nem
devem a ela sua consagração. Para Bakhtin (1981, p. 93), “baseiam-se conscientemente na experiência
(se bem que ainda insuficientemente madura) e na fantasia livre; na maioria dos casos seu tratamento da
lenda é profundamente crítico, sendo, às vezes, cínico-desmascarador.” A pluralidade de vozes e estilos,
a renúncia à unidade estilística (típica da epopéia, da tragédia, da retórica elevada e da lírica) constituem
a terceira peculiaridade dos gêneros ligados ao campo do cômico-sério, que se afirmam pela fusão do
vulgar e do sublime, do sério e do cômico e, igualmente, pela intercalação de gêneros diversos: cartas,
Com base nos postulados de Hutcheon e tentando correlacioná-los com o caso em análise – O Pa-
pagaio – verifica-se que, de imediato, o narrador aponta os ingredientes que compõem a cena irônica,
abrindo o conto com a seguinte descrição: “O reverendo Padre Bento (...) era um santo homem paciente
- paciente” paciente! – como naquela época outro não houve.” (p. 35). O terceiro parágrafo, contudo,
desmente a paciência do vigário: “O Padre Bento, farto de aturar sacristões e não querendo estragar a
sua paciência, que estava-lhe na massa do corpo, resolveu dizer as suas missas ... sozinho.” (p. 35),
celebração que assim começava e concluía, mas que se desestruturava no momento da ladainha, quando
os fiéis respondiam o “Ora pro nobis” entoado pelo Lorota.
O fantástico do caso, no entanto, não opera aí, mas no fato de, muitos anos depois, o narrador ter
presenciado na mata virgem, um fato inusitado: “Nisto, a ladainha pousou nas árvores, por cima de
mim. Pousou, sim, é o termo próprio, porque quem cantava era um bando de papagaios e quem puxava
a ladainha era o papagaio do Padre Bento, era o Lorota!” (p. 37). Ora, o fantástico de mãos dadas com
o cômico, não decide pela trama do caso. Subjacente a ela está o que Hutcheon denomina de “arestas
cortantes”, isto é, a atribuição de uma atitude avaliadora, um julgamento crítico que pode ser extraído
do fato do Lorota, o papagaio, assumir a posição do Padre Bento e ambos lidarem com respostas às
ladainhas religiosas: quer fossem respostas dos outros papagaios; quer fossem respostas dos fiéis (as
pessoas que participavam das missas). O comportamento dos bichos, em tudo semelhante ao das gentes,
caracteriza uma transgressão das normas, misturando o sagrado e o profano, o cômico e o sério, numa
atitude típica da sátira menipéia.
A ironia, enquanto estratégia relacional, não opera apenas entre o significado do que ficou dito e seu
pressuposto, quanto à temática religiosa, mas também, entre a pessoa do ironista (representada pelo
narrador) e o leitor interpretante do acontecimento religioso. A igreja como “alvo”, ou como “vítima” é
o foco a quem é dirigida a ironia.
5ª) Uso de categorias como o escândalo e a excentricidade
É comum, na menipéia, a marcha dos acontecimentos estranhos, das violações às regras, dos com-
portamentos excêntricos, de discursos e declarações inoportunas, da infração às normas ou às regras
de etiqueta, incluindo-se aí, também a violação às normas do discurso. Tais excentricidades, acentua
Bakhtin, não se compararam aos escândalos dos acontecimentos épicos e das catástrofes trágicas ou
aos desmascaramentos e brigas que aparecem na comédia.
A presença dos aspectos acima arrolados podem, de forma característica, remeter ao XI caso, intitu-