Unidade I

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UNIDADE I- Introdução

Nesta unidade, vamos tratar do conhecimento científico e do senso comum, bem como
discutiremos o processo de formação das Ciências Humanas, em especial, da Sociologia.
Vamos iniciar o estudo introdutório à Sociologia, buscando a compreensão de sua importância,
por meio da análise da evolução histórica dessa ciência.
A Construção do Conhecimento
A seguir, discutiremos algumas diferentes concepções existentes, relacionadas ao conceito de
conhecimento.
Senso Comum
Ao longo da história humana, os grupos humanos – na sua mediação com a natureza, com o
meio no qual vivia e na relação com outros homens – construíram formas de explicar a
existência do planeta, do mundo, das coisas da natureza e de sua própria existência.
Num primeiro momento, quando a relação com a natureza era maior, vivia-se num meio
denominado por Milton Santos (2006) de “meio natural”. Nesse período, homens e mulheres
dependiam mais da natureza, explicando sua existência por meio de componentes sobrenaturais,
de superstições, crenças e explicações míticas, que podem ser denominadas de senso comum.
Tais explicações variavam conforme o grupo ou povo, e também foram sendo modificados ao
longo da história do mundo, de acordo com as mudanças na história da humanidade e suas
frações, grupos e povos.
O que é senso comum? Um conjunto de conhecimentos culturais populares elaborados ao longo
da história para explicar a existência do mundo, do planeta, da humanidade, do universo, entre
outros.
Essa visão de mundo era comum entre os primeiros povos e mesmo as primeiras ivilizações –
caso da Grécia antiga, Egito, Mesopotâmia, Roma etc. – nas quais predominavam as
explicações sobrenaturais, como o uso da força dos deuses, entes sobrenaturais, que teriam
criado os fenômenos da natureza e a própria humanidade.
Se chovia, era porque os deuses queriam, se havia seca, era uma repressão divina, e por isso a
explicação dos fenômenos naturais era obtida a partir de crenças e superstições.8
Ao longo da história humana, mediante as relações do ser humano com a natureza, em suas
atividades de trabalho, nas interações intergrupais, socioculturais, ou intragrupais, homens e
mulheres foram adquirindo conhecimento em suas vivências cotidianas. Esse saber é
denominado de conhecimento popular, ou senso comum.
Tal conhecimento passava de pais para filhos, de geração em geração, por meio de conselhos,
recomendações, normas, tabus, proibições e práticas socioculturais, que variavam também
conforme o lugar.
À medida que a sociedade foi se tornando mais complexa e as relações sociais deixaram de ser
mediadas apenas pela natureza, homens e mulheres foram estabelecendo normas de
convivência, definindo padrões de moral daquele grupo, o que seria considerado aceitável
socialmente e o que não seria, práticas e convenções que ajudariam a fundamentar os costumes,
a vida diária, as tradições de cada grupo humano.
Com as sociedades mais complexas, o mundo foi passando de relações que eram tribais e de
clãs, mediadas por chefes, por estruturas sociais de forte laço de proximidade, de família, de
relação intragrupal, para situações de representatividade por meio de pessoas mais distantes, de
normas que não são mais oriundas daquele grupo.
Este foi o caso da existência e constituição do Estado-Nação, que marca definitivamente o
chamado “mundo moderno” – com a criação de um Estado delimitado, com soberania política,
com normas específicas para os que lá habitam.
Agora, as normas não eram mais apenas da família, ou de um grupo sociocultural, mas vinha do
Estado, por meio de leis, que também são normas, agora escritas,
definidas pelas formas de poder de cada Estado.
O saber e conhecimento popular e do senso comum, no entanto, não desapareceram. Mesmo
atualmente, com um mundo cada vez mais articulado por meio das redes sociais, ainda temos
orientações, normas, formas de explicar o mundo que são do senso comum. IDADE
Introdução à Sociologia e às Ciências Humanas
Os meios de comunicação, as mídias televisivas, das redes sociais da internet,
dos jornais e revistas também se utilizam das formas de concepções populares,
tornando-se muitas vezes formadores de opinião, cujo embasamento é originário
deste chamado senso comum.
As formas de explicação pelo senso comum não devem ser caracterizadas como menos importantes, pois
é a partir dele que se desenvolve a possibilidade de buscar entendimento sobre o cotidiano da vida,
procurando discernir erros e acertos do passado, na medida em que iam vivendo e produzindo
explicações, tanto em sociedades mais simples como nas mais complexas.
O saber das sociedades e comunidades que hoje chamamos de “tradicionais” – caso das indígenas – é o
conhecimento acumulado de muitas gerações, sobre a natureza, o uso de plantas e da biodiversidade, que
são fundamentais para a existência dessa e de outras gerações. Esse conhecimento tradicional tem servido
também como base para o conhecimento científico, indústria farmacêutica, alimentícia, entre outros.
Desse modo, não se trata de uma forma menos importante de saber, embora possa ser contestado por
outras maneiras de conhecimento. São notáveis, por exemplo, os conhecimentos e práticas desenvolvidos
por povos indígenas: conhecimentos, domínios e práticas cobiçados pelas multinacionais, principalmente
em questões medicinais.
Reconhecendo que o senso comum é um saber qualitativamente diferenciado do saber científico e
acadêmico, devemos nos colocar, contudo, na disposição de reconhecer os méritos que necessitam ser
atribuídos ao senso comum, que muito tem acrescentado à construção de novos saberes para a vida
humana em sociedade.
Portanto, não se trata de negar no cotidiano o bom senso, o conhecimento popular, pois dele depende a
vida de milhões de pessoas sobre a Terra, desde aqueles que não tiveram e continuam não tendo acesso à
escola de qualidade e à convivência social mínima, até aqueles que se julgam “portadores de verdades
absolutas”.
Logo, não precisamos desconsiderar o conhecimento popular ou o definirmos como menos importante.
Há alguns casos em que tais saberes são transformados também em conhecimento científico mediante
pesquisas em laboratório e confirmado pela ciência, muito depois de já conhecidos pelo saber popular.
Quantas vezes nos disseram que deveríamos tomar um chá de certa planta que faria bem para um
determinado problema? Isso é conhecimento cumulativo, passado por várias gerações pela experiência,
pela vivência empírica.
A empiria – experiência obtida pela vivência prática do cotidiano – ajuda-nos a ter exemplos que, embora
não sejam conduzidos pelo pensamento e normas científicas, podem conduzir-nos à razão, ao bom senso,
à verdade.
1O conhecimento científico, por outro lado, é mais cheio de formalidades, normas, regras, procedimentos
e maneiras de explicar as coisas, os objetos, os fatos, os fenômenos buscando a verdade científica,
mediante provas, teorias e hipóteses.
Trata-se de um produto da atividade humana que, ao refletir, questionar, pensar sobre a existência das
coisas, elaborou formas de explicação que foram sendo incorporadas por parte da sociedade, sobretudo
mediante o processo de educação formal a que tinham acesso principalmente nobres e burgueses num
primeiro momento.
Com o advento da Ciência Moderna, principalmente a partir dos séculos XVIIIXIX, houve avanços
significativos no conhecimento científico, impulsionados pelos processos de colonização e
neocolonialismo que os europeus empreenderem pelo mundo, que trouxe à tona lugares, culturas,
natureza com características bastante diferentes dos conhecidos até então pelos povos europeus.
Esse conhecimento empírico abriu possibilidades de se buscar explicações para tais diferenças na
natureza e no mundo. Tal período moderno, situado após a Idade Média na Europa, fez com que tais
explicações saíssem do senso comum e do cunho das explicações religiosas que permearam a Europa
Ocidental na Idade
Média – com a ascensão e consolidação do cristianismo católico romano.
Se antes, em grande medida, um Deus único era o responsável pelo o que ocorria no mundo e na natureza,
agora, havia a busca por outras explicações para compreender tudo o que acontecia.
O que diferencia essa forma de conhecimento era o método – o caminho escolhido para explicar a
“verdade”. Sobre a concepção de mundo, por exemplo, os procedimentos metodológicos precisariam ser
perseguidos, com regras de conduta para que o investigador, o pesquisador, o cientista pudesse comprovar
a veracidade de suas afirmações. Ciências Humanas
Esses procedimentos iriam variar conforme o objeto de análise da ciência, conforme as transformações
tecnológicas, conforme os métodos existentes.
Logo, o conhecimento científico também é mutável, ou seja, foi mudando conforme as sociedades foram
se sofisticando, bem como as próprias técnicas e tecnologias puderam ajudar no aprimoramento do
conhecimento de certas áreas do conhecimento. O que seria, por exemplo, da Astronomia e da Física sem
o incremento das novas tecnologias? Ou mesmo da engenharia genética?
Mas se a Ciência Moderna se difundiu da Europa para o mundo tornando-se universal, é fato que até hoje
nem todos têm acesso ou explicam a realidade dos homens, da natureza e dos fatos somente pelo viés
científico.
A busca pela prova, mediante um método, com um conjunto de pressupostos, de criação de leis gerais, de
hipóteses que precisam ser comprovadas, está no cerne do conhecimento científico.
A coleta de dados, a investigação por meio da observação, da descrição dos fatos e da experiência foram
muito comuns nos séculos XVIII e XIX e ajudaram a consolidar o discurso científico.
É preciso considerar a importância do conhecimento científico teve e tem para a humanidade, mas
fazendo ressalvas, pois nem sempre os propósitos da investigação foram usados para beneficiar a
humanidade em geral. Desse modo, o conhecimento científico não é melhor do que as outras formas de
produção de conhecimento.
O método é imprescindível para a ciência. Trata-se da concepção teórica, da visão de mundo que conduz
o pensamento do pesquisador. A partir dele buscam-se procedimentos metodológicos compatíveis com o
método- caso da experiência, da entrevista, da observação, do raciocínio lógico, da comparação,
entre outros procedimentos.
Contudo, existem outras formas de definir o conhecimento científico. A Ciência moderna, que foi
difundida pela Europa para praticamente todo o mundo, tornouse uma Ciência universal. Tal Ciência é
formal e esse formalismo é, portanto, exigido dentro do conhecimento científico por meio da elaboração
de regras, métodos, procedimentos, hipóteses e teorias.
Cada Ciência possui uma forma de compreender a realidade, cada Ciência tem um objeto de estudo, ou
seja, é a forma daquela Ciência buscar compreender a realidade. Mas nunca se deve confundir a própria
realidade com o modo de tentar entendê-la.
O ser humano, por exemplo, é alvo de interesse de inúmeras ciências, caso da Antropologia Cultural, da
Sociologia, da Psicologia, da Ecologia, da Geografia, mas todas estas têm objetos de estudos diferentes e
podem também ter diferentes métodos e procedimentos de pesquisa.
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A Formação das Ciências Humanas e Sociais

As chamadas Ciências Humanas e Sociais têm como premissa básica o estudo do ser humano. Existem
diferentes Ciências Humanas, entre elas, citamos:
· Sociologia – como o estudo da sociedade, considerando as relações sociais ao longo do tempo, as
normas sociais, as classes sociais, as formas de organizações sociais, os conflitos sociais, as formas nas
quais a sociedade influencia o comportamento das pessoas, entre outras temáticas; · Antropologia
Cultural – estuda o homem enquanto ser cultural, em seus hábitos, costumes, crenças e modos de vida;
· Ciência Política – estuda as formas de poder ao longo da história, o papel do Estado, as formas de
organização política, as formas de governo, a autoridade, as relações internacionais; · Geografia – estuda
o espaço geográfico, o homem no espaço em suas múltiplas relações; · Economia – estuda as atividades
produzidas pelo homem, relativas à produção e distribuição de bens e serviços. Tem como pesquisas
estudos sobre renda, políticas econômicas, planos econômicos, micro e macroeconomia etc.
A Sociologia é uma ciência que estuda a sociedade, as estruturas e processos sociais, políticos,
econômicos e culturais da sociedade. É uma ciência que se originou principalmente nos séculos XVIII-
XIX, quando na Europa a ascensão do Estado Moderno e a sociedade foram se tornando mais complexas.
Já no período após a Idade Média europeia (século XV), denominado pelos pesquisadores de
Renascimento, houve uma busca de romper com a ordem teológica do cristianismo católico na Europa
Ocidental. A visão de que o homem deveria ser o centro do mundo (antropocentrismo), a fé no indivíduo,
na experiência empírica para provar os fatos deu origem a um movimento que ficou conhecido
como Humanismo.
Podemos dizer que as origens das preocupações com a sociedade moderna estão baseadas principalmente
nesta concepção de mundo que permeou parte das obras e do pensamento intelectual da época do séculos
XVI-XVII.
As tentativas de explicações das relações sociais vigentes no período pós Idade Média, e também da
explicação da existência humana por meio da razão, procurando se distanciar dos dogmas e das
explicações religiosas deu a este período da história europeia um novo momento, denominado pelos
historiadores de Iluminismo. A fé pautada na razão, buscando lançar “luzes” ao que antes pareceria
encoberto por explicações religiosas ou do senso comum.
A ciência moderna torna-se universal, a partir do modelo europeu de expansão mediante os processos de
colonialismo (séculos XVI-XVIII) e imperialismo (principalmente após o século XIX), assim como o
próprio conhecimento da Sociologia e sua sistematização como ciência é difundido a partir da Europa.
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UNIDADE Introdução à Sociologia e às Ciências Humanas
Sob a égide da fé na ciência e na razão e que o progresso dependeria do conhecimento científico,
sobretudo, a partir do século XVIII, a ciência europeia difunde-se pelo mundo.
O conjunto de ideais fundamentados num novo modo de compreender o mundo, principalmente a partir
das existências vividas pelos europeus, tanto das relações sociais e políticas quanto pelo conhecimento da
natureza, é fundado no que alguns autores denominam de Iluminismo.
O período denominado por historiadores de Iluminismo foi um dos que ampliaram o rompimento do
conhecimento com a concepção teológica, das concepções sobrenaturais, com críticas ao poder da igreja e
também aos reis absolutistas.
Com um discurso que via na ciência a possibilidade de conhecer o mundo, explicá-lo mediante o uso de
regras, de um método, que segue uma lógica que pode ser explicada com certo grau de precisão.
O Iluminismo foi um movimento intelectual do século XVIII que procurou romper com as concepções e
visões do mundo da época, impulsionando o avanço do conhecimento científico na leitura do mundo e das
relações humanas e sociais.
Alguns pensadores da época passaram a escrever obras que retratavam esta nova concepção do mundo,
visto a partir da opinião destes intelectuais europeus.
Citamos, por exemplo, o francês Voltaire (1694-1778), considerado um importante Iluminista. Em suas
obras, fez críticas às formas de conduta da nobreza e também da Igreja Católica, pedindo reformas
sociais.
Outro pensador desse período foi Jean Jacques Rousseau (1712-1778), em sua obra “Contrato Social”, faz
uma proposta de revisão das formas de existência da sociedade em suas formas de vida e política,
defendendo a liberdade do homem na busca de uma sociedade que pudesse se basear nas formas antigas
de democracia, de consenso e de cidadania.
Como explica o sociólogo, Reinaldo Dias:
O contrato social. Nesse livro, Rousseau concebe as pessoas no estado de natureza como seres livres
bons, e iguais entre si, e que são as sociedades que as corrompem. Mas, como no estado de natureza
existem dificuldades para satisfazer todas as necessidades, os indivíduos precisam associar a sua vontade
a serviço de todos. Segundo ele, essa é uma vontade geral, e a obedecê-la o indivíduo obedece a si
mesmo. O resultado institucional desse contrato é o estado democrático de direito representativo onde o
parlamento é um instrumento fundamental da vontade geral que se expressa por meio da lei. Tais autores
foram precursores na Europa Moderna (do Estado absolutista – da burguesia nascente – do capitalismo)
de estudos da organização da vida em sociedade, o que ajudou nas formulações do que viria a ser a
Sociologia.
Importante caracterizar o período entre os séculos XVIII-XIX na Europa. Vivia-se um mundo de
Revolução Industrial em parte da Europa, com muitas pessoas sendo expropriadas do campo (com uso da
mecanização nas atividades rurais) e vindo morar na cidade para trabalhar em fábricas, morando quase
sempre em cortiços. UNIDADE Introdução à Sociologia e às Ciências Humanas
Além da Revolução Industrial, houve também a Revolução Francesa (1789), que depôs do poder a
nobreza francesa, sendo considerada uma revolução burguesa.
A Revolução Francesa transformou a sociedade e serviu de exemplo para outros países, nos quais a
monarquia era a principal forma de organização político-social.
Desse modo, os parâmetros de organização social e política no mundo ocidental pautaram-se em parte
pela Revolução Francesa. A consolidação da burguesia, do ideário capitalista, do individualismo, torna-se
A modernidade vem com a mudança do paradigma cristão católico – com as explicações religiosas para
um mundo que, embora continue religioso pauta a vida também pelo ganhar dinheiro, – pela luta pela
sobrevivência nos moldes capitalistas.
Como comenta o sociólogo sobre a modernidade:
A Revolução Francesa representou a consolidação da Modernidade como perspectiva histórica
identificada com a industrialização. As características desse novo período, ao qual se denominou
Modernidade incluem: o declínio das pequenas Comunidades; a expansão do individualismo; o
aumento da diversidade social; o predomínio de uma orientação para o futuro (progresso); e o aumento da
racionalização. Essa evolução do pensamento humano, que levou à utilização da razão para o livre exame
da realidade, inclusive a social, juntamente com os problemas originados pela Revolução Industrial foram
as duas principais circunstâncias que possibilitaram o surgimento da sociologia. Sua preocupação Inicial
foi organizada a sociedade. (DIAS, 2014, p. 21)
Tais transformações sociais, políticas e econômicas engendraram mudanças na sociedade de países como
Inglaterra e França, entre outros, trazendo à tona a questão da sociedade como foco das discussões da
época.16
O próprio capitalismo como processo gerou mudanças nas formas de trabalho, nas formas de apropriação
da terra, nas relações sociais, culminando na segunda metade do século XIX e início do século XX, com
protestos de trabalhadores que tinham condições de vida e moradia insalubres e de trabalho bastante
precário transformaram a sociedade.
Os trabalhadores, por exemplo, que antes trabalhavam como artesãos, e eram donos dos meios de
produção, agora passavam também a ser assalariados, trabalhando com máquinas e vendendo sua força de
trabalho em fábricas.
Outro aspecto a ser destacado foram as mudanças técnicas no período que ajudaram nessas
transformações sociais – caso do advento da máquina a vapor, da ferrovia, dos telégrafos, da energia
elétrica, das máquinas que transformaram as maneiras de produzir. Assim, o trabalho passou a ter um
ritmo de trabalho que é mediado pelo tempo, pela quantidade produzida, pelos usos de tecnologias e de
sistemas técnicos.
De pessoas que viviam principalmente no campo, passou-se a ter cidades apinhadas de pobres operários
em alguns lugares na Europa, num modo de vida totalmente transformado em relação ao anterior. De
camponeses a operários, da agricultura à indústria, do modo de vida no campo à cidade.
Logo, todas essas situações tornaram-se temas interessantes para estudos da Sociologia.
A Sociologia tornou-se a ciência que estuda a sociedade e de como os grupos sociais e a sociedade afetam
a vida das pessoas, tendo como foco as relações sociais.
De um lado, os homens vivendo criam, elaboram e mantêm relações sociais, de outro, estas relações agem
sobre as pessoas. Por exemplo, uma dada sociedade cria normas sociais de comportamentos – do que é o
certo a ser feito em certas situações – normas de conduta sobre a vida cotidiana –, algumas se tornam leis,
de outro lado, estas mesmas leis moldam a vida daquela sociedade. O homem passa a ser objeto de estudo
e também sujeito da história e da sociedade que é produzida.
A Sociologia é considerada uma ciência sistematizada, sobretudo, nos séculos XVIII-XIX, passou a ter
vários pensadores e tornou-se ciência estudada no Ensino Superior. Os termos e conceitos oriundos da
Sociologia passaram a ser usados indistintamente, tanto pelos cientistas sociais quanto também por parte
da população em geral, no caso de termos como: classes sociais, redes sociais, sociedade, ideologia,
burguesia, entre tantos outros.
Desse modo, a Sociologia vem contribuindo para a compreensão dos fenômenos sociais, as formas de
relações sociais existentes, tornando-se uma ciência social e humana importante.
ADE Introdução à Sociologia e às Ciências Humanas
Os Meios de Produção e as Transformações Sociais

A sociedade, ao longo da história, passou por inúmeras mudanças nas formas de produzir, distribuir e
consumir bens e serviços. As chamadas formas de produzir e suas forças produtivas mais as relações
existentes nesta produção são chamadas de “modos de produção”.
A cada momento da história e em diferentes lugares do mundo, houve diferentes modos de produção que
alteraram o modo de vida em sociedade. Pelo modo de produção e de seu sistema econômico, podemos
evidenciar as características de uma determinada sociedade. Ou seja, não importa somente o que se
produz, mas o modo como se produz, as formas de trabalho social, as condições e relações
sociais existentes.
O modo de produção não é alheio à sociedade de cada época, às formas de se estruturar jurídico-
politicamente, dos códigos sociais. Por exemplo, no modo de produção escravista – havia uma repressão e
discurso que aceitava a escravidão como algo aparentemente “normal”, apoiado pelo regime social e
político e até mesmo religioso em alguns casos. Esta estrutura social e política legitimaram o próprio
modo de produção.
Marx e Engels são um dos autores que definiram o conceito de modos de produção. Sobre isso, Marx
afirma:
[...] na produção social da sua vida os homens contraem determinadas relações necessárias e
independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determinada fase de
desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. [...] O modo de produção da vida material
condiciona o processo da vida social, política e espiritual em geral [...] Ao mudar a base econômica,
revoluciona-se, mais ou menos rapidamente toda a imensa superestrutura erigida sobre ela. Logo, a cada
mudança de um modo de produção, alteram-se as formas de vida, de trabalho, de produção, ou seja,
mudam a sociedade e suas relações.
Os pesquisadores sobre o tema definem alguns tipos de modos de produção que existiram ou existem e
que trouxeram características específicas às formas de vida em sociedade. Destacamos, a seguir, alguns
modos de produção:
·· Primitivo: tem relação com uma forma de produzir e de uma sociedade que abrange todo o período
inicial da história humana no qual o homem tinha maior relação com a natureza. Neste caso, havia uma
divisão social de trabalho, mas, em geral, homens e mulheres trabalhavam em conjunto e os frutos do
trabalho e a propriedade eram de todos e, portanto, não havia uma organização social mais complexa
como Estado. Ainda existem sociedades assim, vivendo de modo isolado e com maior contato com a
natureza, caso de algumas sociedades indígenas que ainda foram pouco alteradas pelo modo de produção
atual.
· Escravista: os meios de produção e a forma de trabalho são realizados pelo escravo, sendo que ele é
propriedade de um senhor. O escravo, portanto, era considerado um objeto, o instrumento e o próprio
meio de produção e os “senhores” eram proprietários de sua força de trabalho. Tal modo de produção
ocorreu, por exemplo, na Idade Antiga (Egito, Grécia, Roma etc.) e também em países colonizados pelos
europeus, na América, a partir do século XVI principalmente.
· Feudal: é baseado na servidão. O servo trabalha para o senhor feudal em troca de um lugar para morar.
O poder político era descentralizado em “feudos”, foi muito comum, durante o período da Idade Média,
naEuropa Ocidental.
· Capitalista: trata-se de um modo de produção que se tornou universal, sobretudo após o século XIX, no
qual há a exploração do homem pelo homem, constituindo duas classes sociais, a burguesia, que detém os
meios de produção, e os proletários, que são a força de trabalho explorada.
O modo capitalista de produção revolucionou as formas de acesso a terra, que passou a ser privada, as
formas de trabalho (assalariado) e as formas de produção passaram a ter uma mediação cada vez maior
das técnicas e tecnologias, formando os sistemas técnicos.
Logo a sociedade passaria por inúmeras mudanças a partir do capitalismo – que chegou mais claramente
primeiro às cidades, com a industrialização, e depois se tornou o m odo de produção universal no campo e
na cidade.
Esse é um trabalho que vai se tornando mais alienado, com normas mais distantes da vida local, cada vez
mais artificial. Se, no modo de produção primitivo, as pessoas, por exemplo, sabiam o que produziam,
tinham conhecimento sobre todas as partes de seu trabalho, atualmente, cada um faz uma parte do
trabalho e é, inclusive, complicado definirmos nosso papel na divisão social do trabalho.
DADE Introdução à Sociologia e às Ciências Humanas
É uma sociedade que concentra terras, capital, diversificadas formas de dinheiro e na qual os que são
explorados não conseguem acesso a terra e nem aos meios de produção para sobreviver.
Como comenta Leonardo Boff:
[...] o núcleo desta sociedade não está construído sobre a vida, o bem comum, a participação e a
solidariedade entre os humanos. O seu eixo estruturador está na economia de corte capitalista. Ela é um
conjunto de poderes e instrumentos de criação de riqueza - e aqui vem a sua característica básica –
mediante a depredação da natureza e a exploração dos seres humanos. A economia é a economia do
crescimento ilimitado, no tempo mais rápido possível, com o mínimo de investimento e a máxima
rentabilidade. Quem conseguir se manter nessa dinâmica e obedecer a essa lógica acumulará e será rico,
mesmo à custa de um permanente processo de exploração. (BOFF, 1999, p. 42)
Desse modo, os diferentes modos de produção alteraram os modos de vida da sociedade ao longo da
história e em diferentes lugares. Não podemos dizer que todos os lugares do mundo passaram pelas
mesmas situações e modo de produção, nem tampouco que cada modo de produção sucedeu ao outro de
forma progressiva e linear.
Há, também, formas híbridas de viver, e nem todos que vivem atualmente partilham o mesmo modo de
vida. Podemos dizer sim que existem universalidades, formas de vida e sociedades que são hegemônicas,
mas nem todas são completamente iguais.
Sempre há diferentes temporalidades – formas e tempos de vida que são específicos, mesmo num mundo
cada vez mais global.
Então, cabe à Sociologia desvendar esses processos e relações sociais, evidenciados nas formas de
trabalho, na urbanização, no processo de globalização, nas formas de organização social e política. Tudo
isso é mote para estudos da Sociologia.

UNIDADE II-

Introdução
A Sociologia, assim como outras Ciências Humanas, passou por transformações, desenvolvendo-se como
campo de conhecimento mediante obras de diferentes autores, proporcionando novas maneiras de ler e
compreender a sociedade.
Nesta unidade, vamos tratar um pouco de alguns autores que tiveram importância para os estudos da
Sociologia, suas ideias, conceitos e concepções teórico-metodológicas.
O Positivismo de Auguste Comte
Auguste Comte (1798-1857) é considerado por muitos como o formulador e pai da Sociologia, por ter
sistematizado esse conhecimento sobre a sociedade, propondo um método para analisá-la. Formado em
Física, Comte procurou estudar a sociedade com objetividade e rigor metodológico, utilizando o método
que ficou conhecido como positivismo.
O positivismo é um método, uma forma de compreender, analisar e explicar a realidade. O termo foi
cunhado por Saint Simon, mas um dos precursores e principais autores do positivismo é Auguste Comte,
que escreveu a obra “Curso de Filosofia Positiva”.
Sua proposta de método não era específica da Sociologia, mas, segundo a sua concepção, o positivismo
serviria para analisar todas as ciências, fossem elas humanas, naturais ou físicas.
O positivismo influenciou várias ciências e baseava-se principalmente na concepção de que, qualquer que
seja a ciência, é fundamental o estudo a partir da aparência dos fenômenos. Por meio da aparência e da
observação do pesquisador, chega-se à explicação da realidade, podendo, ainda, mediante essa
observação e interpretação, realizar classificações.
O progresso do espírito humano, em relação ao conhecimento, para Auguste Comte, passaria por três
fases, a saber:
· A primeira, um estado teológico, no qual o homem procurava explicar a realidade através das crenças e
religiões. Para o autor, nessa fase, havia três etapas também: primeiro o fetichismo; depois o politeísmo,
com a crença em vários deuses e, por fim, o monoteísmo com a crença em apenas um Deus;
· Numa segunda etapa de evolução, o homem, por meio da concepção filosófica chamada metafísica,
procura explicar a natureza íntima das coisas, sua origem e destinos últimos, bem como a maneira pela
qual são produzidas, mas, para o autor, a metafísica ficava muito distante da realidade, questionando o
mundo, sem, no entanto, ter respostas que explicariam a sua existência.
· Por isso o autor propõe que o conhecimento chegue ao terceiro estágio, chamado por ele de “estado
positivo”, de onde vem o nome positivismo.
Portanto, no estado positivo é fundamental subordinar a imaginação mediante a argumentação e
observação. A observação dos fenômenos, neste caso, para o autor, é essencial.
Conforme afirma Auguste Comte:
A visão positiva dos fatos abandona a consideração das causas dos fenômenos (procedimento teológico
ou metafísico e torna-se pesquisa de suas leis; entendidos como relações constantes entre fenômenos
observáveis Este sentido lembra a tendência constante do verdadeiro espírito filosófico a obter em toda
parte o grau de precisão compatível com a natureza dos fenômenos e conforme as exigências de nossas
verdadeiras necessidades; enquanto a antiga maneira de filosofar conduzia necessariamente a opiniões
vagas, comportando apenas a indispensável disciplina, baseada numa repressão permanente e apoiada
numa autoridade sobrenatural.
(Dessa forma, aquilo que se observa é passível de ser descrito, obtendo valor científico para o
Positivismo. A aparência dos fenômenos é essencial, pois só pode ser descrito aquilo que todos podem
ver, mas, para ir além do senso comum, neste caso, é necessário fundamentar-se por uma teoria, que se
distancie de práticas metafísicas. É necessário ser objetivo, positivo!
Comte era ligado aos interesses do Estado Nacional, do liberalismo capitalista, daí sua concepção de
Sociologia – da ordem e progresso. A moral deveria estar presente na política e na economia da sociedade
para se alcançar a ordem e o progresso.
Era necessário, segundo ele, buscar a “ordem e o equilíbrio social” por meio do conhecimento científico –
um sistema cuja ordem imitaria a própria natureza.DE Teorias da Sociologia Clássica e Contemporânea
Como explica a pesquisadora sobre o autor e a questão da moral:
Na política, a moral despertaria nos súditos sentimentos de obediência e sujeição e, nos governadores,
responsabilidade no exercício da autoridade.
Na economia, a moral tornaria os ricos perfeitos administradores de seus bens e os pobres satisfeitos com
sua posição social, e todos colaborarias “para a prosperidade, grandeza e realização da humanidade”.)
Observe que a tal ordem dependeria dos mais pobres aceitarem sua condição social e serem obedientes.
Daí o apoio explícito do autor ao governo da época e ao liberalismo econômico.
Auguste Comte
Isidore Auguste Marie François Xavier Comte (1798-1857), conhecido como Auguste Comte
nasceu em Montpellier, na França. Foi um filósofo, e é considerado o fundador da Sociologia
e um dos principais autores do positivismo.
O positivismo influenciou várias ciências e baseava-se principalmente na concepção de que,
qualquer que seja a ciência, é fundamental o estudo a partir da aparência dos fenômenos.
Por meio da aparência e da observação do pesquisador, chega-se à explicação da realidade, podendo,
ainda, mediante essa observação e interpretação, realizar classificações.
Assim, no positivismo, parte-se do princípio que o conhecimento tem de ter uma base objetiva, fundada a
partir da observação e de uma teoria que possa explicá-la. Neste sentido a observação e descrição tornam-
se seus principais procedimentos metodológicos. Explor
Embora tenha se tornado referência para várias ciências e importante para a sistematização da Sociologia,
vários autores criticam o método positivista e a visão do autor sobre a sociedade. A principal crítica a
Comte é que, para ele, a sociedade evoluía de forma mecânica e natural, saindo de uma situação inicial e
evoluindo como num processo natural, consistindo, portanto, numa “naturalização” das estruturas sociais
vigentes.
Conforme explica Comte sobre a Sociologia, chamada por ele inicialmente de Física Social:
Entendo por física social a ciência que tem como projeto próprio o estudo dos fenômenos sociais,
considerados com o mesmo espírito que os fenômenos astronômicos, físicos, químicos e fisiológicos, isto
é, como submetidos a leis naturais invariáveis, cuja descoberta é o objetivo especial das suas
investigações. Assim, propõe-se explicar diretamente com a máxima precisão possível, o grande
fenômeno do desenvolvimento da espécie humana visto sob todas as suas partes essenciais; isto é,
descobrir através de que encadeado necessário de transformações sucessivas é que o gênero humano
partindo de um estado ligeiramente superior aos das sociedades dos grandes símios foi gradualmente
conduzido ao ponto onde hoje se encontra na Europa civilizada.
Nesta citação do próprio autor, observa-se que ele compara a Sociologia com as outras ciências físicas e
naturais, bem como coloca que o homem evoluiu chegando até a civilização europeia. A concepção de
Comte é que a sociedade é regulada por leis naturais, assim como os fenômenos da natureza- da Física, da
Química etc.
Essa visão foi muito criticada por diferentes pesquisadores, pois o homem é um ser que, em princípio,
tem consciência, cultura, pensa, tem discernimento, diferentemente dos aspectos físicos e naturais. Por
isso, comparar a sociedade a uma ordem natural não é adequado, assim como a comparação de estágios
de evolução, como se as sociedades mais simples fossem mais atrasadas do que a europeia.
Émile Durkheim e os Fatos Sociais
Émile Durkheim (1858 – 1917), francês, foi um importante autor para a elaboração de teorias das
Ciências Sociais, por isso para alguns pesquisadores é o principal expoente da sistematização da
Sociologia e sua relação com o meio acadêmico, pois foi professor de Sociologia. Suas obras “As Regras
do Método Sociológico” e “Divisão do Trabalho Social” foram fundamentais para trazer à tona
as questões sociais mediante abordagem teórica e acadêmica.
Segundo este autor, o objeto de estudo da Sociologia seriam os “fatos sociais”, que de acordo com esta
teoria não partem da vontade do indivíduo, mas sim da sociedade. Quando nascemos, já existem normas
sociais que ajudam a nos conduzir. Essas normas foram criadas e elaboradas ao longo do tempo por uma
determinada sociedade.
Assim, os fatos sociais podem ser um hábito social; o conjunto das leis; o sistema monetário; as religiões;
as normas em geral. Esses fatos sociais criam uma consciência coletiva sobre como agir em sociedade, já
que de forma coercitiva os fatos chegam ao indivíduo por meio das normas que a sociedade impõe a
todos.
Como afirma Durkeheim:
Isso é sobretudo evidente nas crenças e práticas que nos são transmitidas inteiramente prontas pelas
gerações anteriores; recebemo-las e adotamo-las porque, sendo ao mesmo tempo uma obra coletiva e uma
obra secular, elas estão investidas de uma particular autoridade que a educação nos ensinou a reconhecer
e a respeitar. Ora, cumpre assinalar que a imensa maioria dos fenômenos sociais nos chega dessa forma.
Mas, ainda que se deva, em parte, à nossa colaboração direta, o fato social é da mesma natureza. Um
sentimento coletivo que irrompe numa assembleia não exprime simplesmente o que havia de comum
entre todos os sentimentos individuais. Ele é algo completamente distinto, conforme mostramos.
(DURKHEIM, 2007, p. 9) Como mostra sua afirmação, por meio de nossa vivência diária e da educação,
as pessoas aprendem e são influenciadas pela sociedade onde vivem.DADE Teorias da Sociologia
Clássica e Contemporânea
Para o autor, cada um tem um papel a desempenhar na sociedade, uma função, levando ao conceito de
“divisão do trabalho social” no qual, segundo sua visão, todos têm direitos e deveres, e deve-se buscar a
solidariedade social orgânica, no qual todos busquem em sua função manter o todo, para o avanço de toda
a sociedade.
Karl Marx e Friedrich Engels
Se, para o positivismo, a nova sociedade capitalista precisava de ordem social para progredir, na visão de
Marx e Engels, tal ordem capitalista precisava ser contestada e analisada pormenorizadamente.
Com a obra de 1848 “Manifesto do Partido Comunista” e o “Capital”, Marx e Engels lançaram luz sobre
a questão do capitalismo e do modo de produção capitalista, criando uma teoria que ficou conhecida
como marxismo.
Para esta análise, os autores propõem o uso do método denominado de materialismo
histórico e dialético, buscando entender a sociedade como processo histórico, que vai sendo construído
com inúmeras contradições.
Para a lógica dialética, existe um processo que é sempre um ir e vir, uma luta de forças opostas de
diferentes formas e níveis de poder. Alguns autores são considerados importantes por terem discutido este
método, entre eles, Friedrich Hegel, Karl Marx e Friedrich Engels, Henri Lefebvre e Jean Paul Sartre –
ainda que com algumas premissas diferentes.
Marx e Engels propõem a necessidade de tratar o homem em sua vida real, envolvido em processos da
existência real, da sua forma de vida, de seu trabalho.
Consequentemente, a busca deste homem concreto é fundamental no entendimento deste discurso. Os
autores explicam:12
[...] partimos dos homens em sua atividade real, é a partir de seu processo de vida real que representamos
também o desenvolvimento dos reflexos e das repercussões ideológicas desse processo vital. (
Marx, sobretudo com o conjunto de livros conhecido como “O Capital”, busca explicar o funcionamento
da economia no modo de produção capitalista, no sistema produtor de mercadorias, evidenciando como a
sociedade industrial gerou enormes desigualdades, exploração do trabalho e criou especificidades nas
formas de trabalho.
Afrânio Mendes Catani explica o que seria o modo de produção capitalista:
Por meio de produção entende-se tanto o modo pelo qual os meios necessários à produção são
apropriados, quanto as relações que se estabelecem entre os homens a partir de suas vinculações ao
processo de produção. Por esta perspectiva, capitalismo significa não apenas um sistema de produção de
mercadorias, como também um determinado sistema no qual a força de trabalho se transforma em
mercadoria e se coloca no mercado como qualquer objeto de troca. (CATANI, 1995, p. 8)
A proposta de Marx preconiza que o homem deve ser estudado, em sua organização social, pelas formas
de trabalho, dos meios de produção – no caso da sociedade contemporânea, como parte do sistema
capitalista e suas formas de relações sociais. Por meio dos modos de produção seria possível desvendar as
características de uma sociedade.
No caso do capitalismo, uma sociedade cuja base seria a luta de classes – a burguesia (donos dos meios
de produção) e o proletariado (operários), sendo que a existência das classes sociais tem relação intrínseca
com a propriedade privada.
Max Weber e a Ação Social
Max Weber, sociólogo alemão, é considerado um importante pensador do final do século XIX que fez
várias contribuições para estudos da sociedade, caso da relação entre religião e organização social,
burocracia, estrutura social.
O período em que viveu Max Weber foi de intensas transformações na Alemanha e na Europa, com a
unificação e criação do Estado da Alemanha (1871), pela transição tardia da Alemanha no processo de
colonização e industrialização.
Alguns de seus trabalhos versaram sobre a relação da religião com a ética do trabalho e da economia.
Tratou das religiões e filosóficas asiáticas – caso do confucionismo na China – bem como da ética
protestante e sua relação com o capitalismo, seu trabalho mais conhecido.3
UNIDADE Teorias da Sociologia Clássica e Contemporânea
A Ética Protestante
A obra de Max Weber (1864-1920) “A ética protestante e o espírito do capitalismo” retrata
a existência de um comportamento ético acerca da acumulação de riquezas. Esse modo
de pensar, de acordo com o autor, teria surgido juntamente com a propagação do protestantismo,
nas nações anglo-saxônicas e do norte a Europa.
Para Weber, a economia tradicional encarava o trabalho apenas como um fator necessário
para sobrevivência, e não como valor em si. Já a “ética protestante” considera que a recompensa
material será dada àqueles que tiverem méritos durante sua existência, ou seja, que tenham trabalhado
arduamente para obter êxito.
Esta visão, segundo o autor, favoreceu o desenvolvimento do sistema capitalista, já que a riqueza passou a
ser considerado fruto do trabalho, ou seja, os méritos do trabalho árduo e da dedicação levam à
prosperidade do indivíduo.
O objetivo da Sociologia para Weber é a compreensão da ação social empreendida pelos agentes sociais.
Tais ações sociais devem ter um sentido (não no aspecto de ser bom ou ruim), podendo ter uma
racionalidade, ou ser feita motivada por uma emoção (ação afetiva), pela tradição (dos costumes sociais),
entre outros, evidenciando as causas e as consequências dessa ação.
Por exemplo, uma empresa demite um funcionário. Tal ação social é realizada no sentido da racionalidade
econômica e administrativa do agente social (neste caso, o empresário); mas, de outro lado, os efeitos
disso na vida do empregado quais serão?
Para Weber, o sociólogo ou cientista social deve buscar compreender as ações sociais produzidas pela
ação humana, buscando identificar as instâncias que promovem tal ação, sejam políticas, econômicas ou
religiosas, verificando os motivos e os efeitos da ação. Nem sempre os efeitos são os esperados pelo
agente social que dá início à ação, daí a importância do cientista social em estudar estas relações.
Em relação à forma que um cientista social deve estudar, Weber comenta:
A ciência social que nós pretendemos praticar é uma ciência da realidade.
Procuramos compreender a realidade da vida que nos rodeia e na qual encontramos situados naquilo que
tem de específico; por um lado, as conexões e a significação cultural das suas diversas manifestações na
sua configuração atual e, por outro lado, as causas pelas quais se desenvolvei historicamente assim e não
de outro modo. [...] Não há qualquer dúvida de que o ponto de partida do interesse pelas ciências sociais
reside na configuração real e portanto individual da vida sociocultural que nos rodeia. (WEBER, 1999, p.
Logo, para o autor, é a partir da realidade vivida na sociedade que as Ciências Sociais devem buscar
desvendar as ações sociais. Já as relações sociais são situações compartilhadas por várias pessoas ao
mesmo tempo, estabelecendo esta relação.
A Sociologia Contemporânea
A seguir, vamos delinear dois grupos de pensadores considerados contemporâneos, que formaram escolas
ou correntes das Ciências Sociais: a Escola de Chicago e a Escola de Frankfurt.
A Escola de Chicago foi um movimento de professores da Universidade de Chicago, formado
especialmente por sociólogos apoiados pelo magnata Rockfeller, que realizaram pesquisas sobre o espaço
urbano nas cidades americanas, nas décadas de 1910 e 1920.
É importante contextualizar que os EUA, no final do século XIX e começo do XX, receberam inúmeros
imigrantes de diferentes nacionalidades – muitos pobres moradores de cortiços que vinham tentar uma
vida melhor nos EUA. Havia problemas de gangues – cujos grupos em geral eram formados por
imigrantes, assim como problemas de moradia e a formação de comunidades segregadas. Isso
ocorreu também em Chicago, cidade industrializada do Meio-Norte dos EUA, onde o grupo criou essas
pesquisas.
UNIDADE Teorias da Sociologia Clássica e Contemporânea
Tornaram-se estudos de fenômenos sociológicos urbanos, da marginalidade urbana, dos problemas de
moradia, da imigração, da segregação social.
Escola de Chicago A Escola de Chicago surge nos Estados Unidos, no Departamento de Sociologia da
Universidade de Chicago, fundada por Albion W. Small em 1910. O surgimento dessa escola tem ligação
direta com a expansão urbana e demográfica que a cidade de Chicago sofria como resposta ao
desenvolvimento industrial que era alvo. Assim, foram surgindo fenômenos sociais urbanos
novos que acabaram se tornando objeto de pesquisa dos sociólogos da Escola de Chicago.
Esses estudos, acerca dos novos problemas sociais emergentes, estimularam a construção de um
arcabouço teórico-conceitual inédito, além da inauguração de novos métodos de investigação sociológica.
[...] Robert Ezra Park, um dos fundadores da Escola de Chicago e autor de “A Cidade: Sugestões para a
investigação do comportamento humano”, publicado em 1916, foi aluno de Simmel enquanto esteve na
Europa. Afirmava ser fundamental uma pesquisa voltada para o urbano para que surgissem respostas que
ajudariam a compreender melhor a cidade e os seus problemas. A cidade, na visão de Park, tem aspectos
técnicos e dimensões morais que influenciam os seus habitantes. Park estuda a cidade a partir de
uma Ecologia Humana, que leva em consideração os indivíduos inseridos no seu meio social urbano e
busca compreender qual relação o espaço físico e as relações sociais mantêm com o modo e estilo de vida
dos indivíduos. A cidade passa, assim, a ser vista como um laboratório social, e as análises sociológicas
da cidade, levantamento de dados e informações sobre os modos de vida urbana se dão pelo método
empírico de fazer pesquisa.
Já a chamada “Escola de Frankfurt” era formada por um grupo de pensadores sociais alemães, que no
início do século XX criou uma teoria crítica da sociedade.
Entre outros, este grupo de autores era formado por Theodor Adorno, Max Horkheimer, Herbert Marcuse
e Walter Benjamim.
Para esses autores, a ciência não era neutra, e havia uma massificação, realizada principalmente pela
indústria cultural, que ampliava a alienação do homem.
O período em que viveram no começo do século XX passou pela Segunda Guerra Mundial (1939-1945),
pelo nazismo na Alemanha, onde a propaganda estatal do governo Hitler ajudou a disseminar a cultura do
nazismo. Vieram num período pós-guerra de transformações sociais, políticas e econômicas na Europa.
A indústria cultural é um termo cunhado em 1947 por Adorno e Horkheimer para designar a
Transformação em mercadoria de bens culturais da sociedade contemporânea – caso do cinema, das
artes, da fotografia, da televisão, das mídias, dos valores culturais, que passaram a ser mercadorias e
existem como parte do processo de uso cultural mercadológico. Daí a origem da expressão “indústria
cultural”, substituindo o termo “cultura de massa”.
A indústria cultural acaba definindo padrões culturais da moda, dos modismos hegemônicos, que acabam
por estabelecer novos padrões culturais, difundidos por meio das mídias e dos meios de comunicação.
Tudo vira espetáculo a ser consumido, ocorrendo isso até mesmo nas tragédias reais, documentadas e
assistidas por todos na televisão.16
Adorno comenta:
O efeito do conjunto da indústria cultural é o de uma autodesmistificação, a de um anti-iluminismo [anti-
Aufklärung]; nela, como Horkheimer e eu dissemos, a desmistificação, a Aufklärung, a saber a ominação
técnica progressiva, se transforma em engodo das massas, isto é, em meios de tolher a sua consciência.
Ela impede a formação de indivíduos autônomos, independentes, capazes de julgar e de decidir
Conscientemente. Mas estes constituem, contudo, a condição prévia de uma sociedade Democrática, que
não se poderia salvaguardar e desabrochar senão através de homens não tutelados. Se as massas são
injustamente difamadas do alto, como tais, é também a própria indústria cultural que as transforma nas
massas que ela depois despreza, e impede de atingir a emancipação, para qual os próprios homens
estariam tão maduros quanto as forças produtivas da época o permitiriam. (ADORNO apud SANTOS,
2014, p. 28-29)
Já na metade do século XX, Adorno evidenciava o papel da indústria cultural na música e na Pseudo
individualidade, na definição dos gostos do indivíduo, já que o capitalismo aliena e mascara a pretensa
escolha de cada um, com a lógica da padronização da música e do consumo. É a música para ser
consumida.
Propuseram uma análise crítica da sociedade, a qual se denominou de Teoria Crítica, analisando o papel
da indústria cultural sobre a sociedade, na música, no cinema, nas artes em geral.
Habermas, filósofo e sociólogo alemão, faz críticas severas em relação à sociedade contemporânea, pois,
segundo ele, os meios de comunicação – as mídias em geral – mostram-se favoráveis a certos grupos e ao
Estado enquanto uma sociedade passiva, resignada, alienada consome as informações sem refletir sobre
elas.
Habermas afirma que os interesses da administração pública e dos setores econômicos mediante formas
de poder e do dinheiro intervêm na vida cotidiana da sociedade, por intermédio dos meios de
comunicação.
Mais recentemente, no final do século XX e início do século XXI, outras tantas preocupações passaram a
ser analisadas pelas Ciências Sociais. O processo de globalização vem cada vez mais transformando as
técnicas e formas de vida. O advento da revolução técnica e a disseminação das tecnologias
informacionais promovem mudanças radicais nas relações sociais e os modos de vida vêm se alterando.
Sociólogos como Manuel Castells vêm estudando o fenômeno da sociedade em rede, visto que, cada vez
mais, as redes sociais estabelecem relações sociais virtuais.
Teorias da Sociologia Clássica e Contemporânea
Assim explica as redes no atual período da globalização:
[...] a comunicação em rede transcende fronteiras, a sociedade em rede é global, é baseada em redes
globais. Então, a sua lógica chega a países de todo o planeta e difunde-se através do poder integrado nas
redes globais de capital, bens, serviços, comunicação, informação, ciência e tecnologia.
Aquilo a que chamamos globalização é outra maneira de nos referirmos à sociedade em rede, ainda que
de forma mais descritiva e menos analítica do que o conceito de sociedade em rede implica. Porém, como
as redes são selectivas de acordo com os seus programas específicos, e porque conseguem,
simultaneamente, comunicar e não comunicar, a sociedade em rede difunde- -se por todo o mundo, mas
não inclui todas as pessoas.
De facto, neste início de século, ela exclui a maior parte da humanidade, embora toda a humanidade seja
afectada pela sua lógica, e pelas relações de poder que interagem nas redes globais da organização social.
Evidencia que o governo, as instituições públicas e privadas, a sociedade civil, as empresas, vêm se
organizando cada vez mais em rede. Mesmo as atividades ilegais, aproveitam-se das tecnologias
informacionais mais recentes para atuarem em rede.
No início do século XXI, alguns temas têm sido revisitados pelos sociólogos, sendo que outros são
totalmente novos, caso das transformações pelas quais a sociedade vem passando com as mudanças
técnicas do atual período da globalização.
Mas também temas como o trabalho, o emprego, a condição e o papel das mulheres na sociedade, as
estruturas e formas de organização sociopolíticas continuam sendo abordados pelos pesquisadores em
Ciências Sociais, usando diferentes abordagens teórico-metodológicas.
Finalizando, é importante perceber que a Sociologia teve diferentes teorias, conceitos e abordagens para
os estudos da sociedade ao longo da história da ciência.
UNIDADE III
Introdução
Nesta unidade, vamos tratar da Sociologia Urbana, tanto de seus aspectos teóricos, quanto de estudos
sobre o tema na perspectiva de situações existentes no mundo e também especificamente no Brasil.
A Sociologia Urbana é um ramo da Sociologia que estuda as relações sociais entre os grupos e agentes
sociais no espaço urbano. Tais estudos têm interface principalmente com a Ciência Política, Geografia e
Antropologia Cultural.
Muitos estudos desta área da Sociologia têm relação com pobreza, tendências socioeconômicas e
demográficas nas cidades, migrações para e nas cidades, segregação social, problemas raciais e cultura no
urbano, entre outros temas.
O Processo de Urbanização pelo Mundo
Atualmente, segundo dados da UN-HABITAT (2016), a maioria da população do mundo vive em áreas
urbanas, mas há poucas décadas a maioria ainda vivia em áreas rurais, principalmente na Ásia e na
África. O processo de urbanização vem se ampliando em todos os continentes do mundo.
Mas o que é urbanização? O sociólogo espanhol Manuel Castells (2000, p. 46) assim define:
O termo urbanização refere-se ao mesmo tempo à constituição de formas espaciais específicas das
sociedades humanas, caracterizada pela concentração significativa das atividades das populações num
espaço restrito, bem como à existência e à difusão de um sistema cultural específico, a cultura urbana.
Trata-se de um processo que gera grande concentração de atividades econômicas e população num dado
espaço, principalmente em atividades de serviços, comércio e indústria.
Buscando definir estes processos relativos ao campo e cidade, Henri Lefebvre definiu três períodos da
história:
·· O primeiro foi a era camponesa, na qual predominava a atividade agrícola e a vida no campo;
·· Outro foi o período industrial, a partir da Revolução Industrial (século XVIII-XIX) que se iniciou na
Europa Ocidental e foi propagada pela expansão capitalista, com predomínio da indústria e de sua forma
racional na organização do espaço e nas condições do trabalho; ·· E, por fim, a era urbana, com
predomínio do modo de vida urbano, ou da sociedade urbana.8
Na perspectiva de Lefebvre, o urbano é o modo de vida predominante, que chega a interferir atualmente
até no campo, ou seja, as formas de vida do meio urbano estão cada vez mais no campo porque as
referências propiciadas pela cidade predominantes.
Desse modo, para esse autor, a cidade e o urbano não são sinônimos.
Como explica Oscar Sobarzo, em referências sobre o urbano:
Em primeiro lugar, a sociedade urbana deve ser entendida no contexto de um processo que nasce da
industrialização [...] a industrialização invade a realidade urbana anterior e a transforma [...] em função da
industrialização concentra (pessoas, atividades, riquezas, coisas, objetos, instrumentos, meios, idéias) e
projeta fragmentos múltiplos e disjuntos (periferias, subúrbios, residências secundárias, satélites etc.).
Contudo, cabe ressaltar que nem todos os lugares do mundo passaram por estes três períodos destacados
por Lefebvre. É fundamental sempre verificar as especificidades dos lugares e suas diversas
temporalidades e contextos.
Na África, por exemplo, só na segunda metade do século XX vai se iniciar um processo mais intenso de
urbanização, que, no entanto, não foi precedido de um processo de industrialização. Além disso, o grau de
urbanização no continente ainda é bastante baixo quando comparado a outras partes do mundo.
As grandes transformações do modo de vida de rural para urbano ocorreram mais intensamente a partir da
segunda metade do século XIX na Europa e em parte dos EUA. Nesse período, as cidades começam a
receber um grande contingente de imigrantes vindo do campo (muitos de outros países), sendo que o
processo de industrialização foi o motor da urbanização do momento.
No final do século XIX e início do século XX, com a expansão do processo capitalista e da
industrialização, a separação do local de trabalho e da moradia ocasionou o surgimento dos apinhados
prédios de cortiços nas cidades industrializadas na Europa e nos EUA – criando um padrão de segregação
social.DADE Sociologia Urbana
Em relação às condições de acesso à moradia, com o capitalismo surge a propriedade privada e o acesso à
terra torna-se uma disputa que atende ao interesse dos novos agentes sociais do mercado imobiliário, bem
como dos proprietários fundiários urbanos, ou seja, os proprietários de terra urbana.
Em geral, as cidades antigas tinham como marcos templos para os deuses. Na Europa, durante a Idade
Média, a igreja era o centro onde se reproduziam as relações sociais; já na paisagem da cidade industrial,
o relógio da fábrica, o cortiço e os bairros das elites vão evidenciando as novas mudanças.
No século XX, a urbanização intensifica-se no mundo, já com uma lógica mais global, sobretudo após a
2ª Guerra Mundial (1939-1945). As grandes metrópoles passam a ser as cidades que concentram
principalmente atividades de serviços e comércio especializados. Nessas metrópoles dos países
subdesenvolvidos, há também muita pobreza, trabalho informal, formas de moradias bastante precárias.
Importante!
País Subdesenvolvido Um país subdesenvolvido é um país onde há grandes desigualdades sociais e
alguns indicadores socioeconômicos que não são adequados, caso, por exemplo, de: menor renda per
capita, menor escolaridade, maior taxa de analfabetismo, maior mortalidade infantil, menor expectativa
de vida etc. Fundamental que não se confunda crescimento econômico, que se refere ao aumento da
produção econômica de um país ou região – com desenvolvimento – que pressupõem melhorias no nível
socioeconômico de uma sociedade – de um país ou região.
Segregação Social nas Cidades
As classes sociais são condicionantes importantes na estruturação social e no modo como as pessoas
vivem nas áreas urbanas. Embora não sejam as únicas condicionantes sociais são importantes e geram
segregação social nas cidades.
Classes Sociais Para Marx e Engels, as classes sociais são principalmente fruto da divisão social do
trabalho que, no capitalismo, opôs a burguesia (detém os meios de produção) e o proletariado (é
o operário que vende sua força de trabalho em troca de um salário). Para Marx, o fator econômico é
importante, mas também o cultural, político e ideológico atuam na formação das classes sociais.
Evidenciam também a questão da consciência de classe e o “desvio de consciência de classe”. lor
10
Conforme comentam Marx e Engels:
Na produção social da sua vida, os homens contraem determinadas relações necessárias e independentes
da sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determinada fase de desenvolvimento das
suas forças produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção forma a estrutura econômica da
sociedade, a base real sobre a qual se levanta toda a superestrutura jurídica e política e a qual
correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida
material condiciona o processo da vida social, política e espiritual em geral. Não é a consciência do
homem que determina o seu ser, mas, pelo contrário, o seu ser social é que determina a sua consciência. (
Por segregação social e espacial entende-se um determinado espaço com certa uniformidade ou com
alguns aspectos em comum, por exemplo, de indicadores como renda, escolaridade das famílias ou
mesmo do ciclo de vida e do tipo da característica da família (bairros mais jovens ou de idosos etc.), entre
outros, que os diferenciem do entorno.
Podemos ter um bairro, por exemplo, com grande número de idosos, ou um bairro de classes populares
com baixa renda e baixa escolaridade etc.
Existe uma diferença entre a segregação social e residencial dos mais ricos, que escolhem onde querem
morar, numa situação de autossegregação social (caso dos condomínios de luxo), e a dos mais pobres, que
sofrem uma segregação imposta pela ordem social e econômica vigente.
A situação das classes sociais estabelece onde morar, estudar, ter lazer, comprar, ser cidadão. Neste
sentido, a localização é fundamental numa cidade, e possibilita auferir uma renda diferencial, conceito
este definido por Marx, que assim afirma:
Onde quer que exista renda, a renda diferencial aparece por toda parte obedece às mesmas leis que a
renda diferencial agrícola. Onde quer que forças naturais sejam monopolizáveis e assegurem um sobre
lucro ao industrial que as explora, seja uma queda d’água, uma mina rica, um pesqueiro abundante ou um
terreno para construção bem localizado, aquele cujo título sobre uma parcela do globo terrestre o torna
proprietário desses objetos da natureza subtrai esse sobrelucro, na forma de renda, ao
capital em funcionamento. (MARX, 1988, p. 222)
A renda diferencial é obtida por meio de uma localização diferenciada na cidade, embora para Marx a
terra urbana em si não seja uma mercadoria, ganhando valor pela localização e situação na qual se
encontre. Para as classes populares esta valorização de certas partes das cidades afasta a possibilidade de
ali morar, de usufruir desta urbanização e de sua infraestrutura e serviços.
Logo, os agentes do mercado imobiliário agem buscando valorizar os espaços e se interessam em
produzir moradias somente para as classes sociais dominantes.
11
UNIDADE Sociologia Urbana
No Brasil, e em vários países subdesenvolvidos, devido à grande desigualdade social existente e à
dificuldade de acesso a uma habitação regularizada e em condições boas de habitabilidade, há vários tipos
de moradias precárias que colocam a vida do morador em risco.
Ao tratarmos da organização das cidades, é fundamental perceber os agentes sociais que participam do
processo de existência do urbano.
Um ator importante, sobretudo nas grandes cidades e metrópoles, são os promotores imobiliários. Tais
atores são formados por construtoras, incorporadoras, grupos técnicos de arquitetos e engenheiros,
sistema financeiro de habitação, entre outros. Os promotores imobiliários, em muitos casos, só se
interessam por produzir imóveis para as famílias de renda mais alta, sobrando ao Estado construir
moradia aos mais pobres.
Os grupos excluídos usam o espaço principalmente como abrigo, para morar.
Em geral, vivem em áreas menos valorizadas, com menor infraestrutura urbana e onde existem vários
problemas socioambientais.
O Estado tem um papel crucial nesse processo, ao criar normas e leis, políticas públicas e obras de
diferentes tipos que influenciam, ou têm relação, com a organização das cidades.
E, em grande, parte o Estado age em apoio às classes dominantes de proprietários de terras, dos
promotores imobiliários e dos donos de indústria, enquanto os grupos sociais excluídos ficam à mercê de
buscar morar onde é possível, trabalhando horas a fio.
Logo, as classes sociais são condicionantes importantes no processo de segregação residencial e social.
As classes dominantes acabam por influir em formas de pensamento dominante, pois esta classe possui os
meios de produção, diferentes modos de exercer o poder e também os meios de produção intelectual. De
forma que se trata de um discurso dominante, como explicam Marx e Engels:
[...] os pensamentos da classe dominante são também, em todas as épocas, os pensamentos dominantes,
ou seja, a classe que tem o poder material dominante numa dada sociedade é também a potência
dominante espiritual.
A classe que dispõe dos meios de produção material dispõe igualmente dos meios de produção
intelectual, de tal modo que o pensamento daqueles a quem são recusados os meios de produção
intelectual está submetido igualmente à classe dominante. Os pensamentos dominantes são apenas
a expressão ideal das relações materiais dominantes concebidas sob a forma de ideias e, portanto, a
expressão das relações que fazem de uma classe a classe dominante; dizendo de outro modo, são as ideias
do seu domínioNas cidades, e nas relações sociais urbanas, principalmente nos países subdesenvolvidos,
é comum percebermos discursos que são de interesse exclusivo das classes dominantes, mas
aparentemente parecem ser de toda a sociedade.
Logo, é fundamental perceber por quem está sendo feito o discurso. Quem é o agente social que o está
produzindo e a quem realmente interessa.
Existem relações de poder que levam a desigualdades neste processo de organização espacial. O que é
aparentemente desorganizado, na verdade esconde premissas de interesses de alguns agentes sociais em
detrimento de toda a população.
Serviço Público nas Cidades O serviço público, a princípio, deve ser igual para todas as classes sociais e,
segundo a norma brasileira, deve atender à coletividade, sendo dever do Estado. Há casos comuns de
serviços públicos que funcionam plenamente em algumas partes da cidade e não em outras. Mas
não é público? Não deveria funcionar igualmente em toda a cidade do mesmo modo? Como exemplo: há
serviços de limpeza pública, estações de trem e metrô, linhas de ônibus que ocorrem em condições
distintas quando comparamos as áreas mais pobres da cidade com outras de classe média alta ou alta.
Quantos exemplos no Brasil e no mundo temos para evidenciar as desigualdades sociais nas cidades? O
discurso dominante acaba camuflando a real necessidade das classes sociais populares em detrimento dos
interesses da elite.Explor
Quantos exemplos de obras são realizados nas cidades no Brasil e também em outros países que atendem
somente aos interesses da classe dominante? Muitas vezes, o discurso dominante faz com que parcela das
classes populares adote o mesmo discurso – num desvio de consciência de classe social.
Entretanto, cabe ressaltar que parte das classes populares é organizada por meio dos movimentos sociais
que buscam lutar por melhores condições de vida (associações de moradores, ONG com atividades
sociais etc. Tais movimentos são considerados agentes sociais que buscam se contrapor ao modo
dominante e ao discurso hegemônico.
UNIDADE Sociologia Urbana
Desse modo, segregação social, classes sociais, discurso dominante, movimentos sociais populares são
condições que interagem nos processos de existência social nas cidades do Brasil e no mundo.
Em geral, os mais pobres moram em favelas, cortiços, loteamentos irregulares e clandestinos, ou em
conjuntos habitacionais populares no Brasil. No mundo, há casos de moradias em telhados, antigas
tumbas de cemitérios, e milhares na rua, caso de algumas cidades na Índia.
Roberto Lobato Corrêa pesquisador de problemáticas urbanas afirma:
Para se entender a questão do como morar é preciso que se compreenda o problema da produção da
habitação. Trata-se de uma mercadoria especial, possuindo valor de uso e valor de troca, o que faz dela
uma mercadoria sujeita aos mecanismos de mercado. Seu caráter especial aparece na medida em que
depende de outra mercadoria especial –a terra urbana -, cuja produção é lenta, artesanal e cara, excluindo
parcela ponderável, senão a maior parte, da população de seu acesso, atendendo apenas a uma pequena
demanda solvável. Esta desvalorização, por exemplo, comum em áreas do centro antigo de algumas
cidades do mundo, leva à existência de prédios inteiros que viram cortiços e tornam se moradia popular,
especialmente nas cidades que crescem rapidamente e onde são criadas novas centralidades.
Isso é comum em grandes cidades no Brasil e no mundo. As áreas centrais são comumente os lugares
onde este processo de valorização e desvalorização – e, eventualmente, até revalorização – ocorre mais
intensamente, havendo diferentes agentes sociais interessados nesses espaços.
Um desses agentes são os promotores imobiliários, que buscam valorizar tais áreas com novos
empreendimentos comerciais e residenciais, enquanto aos mais pobres interessa que existam moradias as
quais eles possam viver, já que nas áreas centrais concentram-se muitos empregos e não teriam custos
adicionais com transportes.
Em algumas cidades, ocorrem intervenções por parte do poder público, proporcionando mudanças no
sentido de revalorizar urbanisticamente determinadas áreas degradadas, visando a atrair uma população
de maior poder aquisitivo.
Este processo é denominado por alguns autores de gentrificação. Barcelona(Espanha), Los Angeles
(EUA) e Buenos Aires (Argentina) são alguns exemplos.
Importante!
O que é gentrificação?
Trata-se de um termo que foi definido pela socióloga Ruth Glass, em 1964, por meio de uma pesquisa
sobre a cidade de Londres, na Inglaterra, na qual se evidenciou uma dinâmica em alguns bairros operários
da cidade, que passaram a ser ocupados posteriormente por parte de uma classe média, ou seja, havia uma
mudança social urbana em termos de classe social e a substituição das classes populares por uma classe
média ou média-alta.
em geral, o conceito de “gentrificação” pode ter diferentes definições. Comumente é definido como um
processo de mudança social urbana na qual algumas áreas da cidade são transformadas tanto em sua
morfologia e forma espacial quanto do ponto de vista das classes sociais que as habitam:
O que é a gentrification continua sendo uma pergunta sem uma única resposta válida para todos os casos.
Parece aceito, de qualquer modo, que se trata de um processo de mudança social urbana, no sentido de
que determinadas áreas da cidade são transformadas tanto morfológica quanto socialmente. Mas, quais
são as causas? Quais são as consequências? Quais atores participam? Qual é o papel nessas mudanças na
transformação geral das cidades? Todas essas questões permanecem em aberto. (
Assim, além da segregação social condicionada pelas condições socioeconômicas da população, há
também alguns agentes sociais como o mercado imobiliário e o Estado que, muitas vezes, de forma
conjunta agem a favor das classes dominantes em detrimento das demais classes sociais.
Megacidades e Metrópoles
Apesar de chegarmos ao começo do século XXI, com um número cada vez maior de grandes cidades em
todo o mundo, em muitas delas, imperam formas de moradias precárias.
Alguns pesquisadores e entidades, como a Organização das Nações Unidas (ONU), denominam de
megacidades aquelas cidades, cujo número de população é grande, com mais de 10 milhões de habitantes.
Contudo, não se podem confundir megacidades com metrópoles, pois podemos ter casos de megacidades
que não são consideradas metrópoles, dada a menor centralidade em termos de atividades econômicas,
entre elas, o de serviços e atividades comerciais. Assim como, há metrópoles que não são megacidades,
pois não alcançam 10 milhões de habitantes. Importante!
O que é metrópole?
Trata-se de um conceito que diz respeito a cidades que têm grande centralidade político-econômica e
concentram grande quantidade de serviços e comércio, em quantidade e diversidade. São Paulo, por
exemplo, é uma metrópole nacional porque tem diversifi cados tipos de serviços comuns e especializados
nas áreas de educação, saúde, ambiental, de auditoria, de informação, entre outros, e que atendem também
a uma grande população externa.Sabia?
15
UNIDADE Sociologia Urbana
Até o século XIX, era mais comum que grandes cidades estivessem localizadas nos países desenvolvidos
ou de urbanização mais antiga, caso da China e Índia. Já era comum naquela época uma segregação
espacial existente entre ricos e pobres em diversificadas situações.
Assim, nas cidades de Nova Iorque, Londres e Paris, no final do século XIX e começo do século XX, era
comum a existência de cortiços, onde geralmente moravam os trabalhadores e imigrantes, enquanto de
outro lado havia bairros burgueses.
Apesar da globalização da economia e da divisão territorial do trabalho, atualmente, há diversas formas
de existência pelo mundo. A caracterização das cidades é muito influenciada por aspectos culturais
regionais, o que dificulta, inclusive, uma comparação entre elas, devido às peculiaridades históricas,
culturais, raciais e étnicas.
A difusão dos sistemas técnicos de informação, de tecnologia e de produção, no contexto da sociedade
capitalista, tornou as características das cidades um pouco mais globais, com formas de existência mais
homogêneas e disseminadas.
No continente africano, por exemplo, onde o grau de urbanização ainda é mais baixo quando comparado a
outros continentes, há diversificadas formas de existências urbanas. Em muitos casos, há a dificuldade de
se definir claramente o que é urbano e o que é rural, tecnicamente. Há muitos casos de aldeias, por
exemplo, próxima às cidades, ou de favelas que estão entre o rural e o urbano.
Como pode se observar no gráfico, a seguir, o continente onde se concentra o maior número de grandes
cidades (com 500 mil ou mais habitantes) é a Ásia, com 56%; das 7 cidades mais populosas do mundo, 10
encontram-se no continente asiático.
Dessa maneira, é importante destacar que definir a existência da maioria da população como urbana, não
significa uma urbanização com infraestrutura adequada, nem tampouco características de urbanização nos
moldes europeus, por exemplo.
Conforme explica o relatório Demographia World Urban Áreas (Demografia das Áreas Urbanas do
Mundo): Mais de metade da população de grandes áreas urbanas (500.000 ou mais) é da Ásia e vive em
473 das 922 grandes áreas urbanas do mundo. Nos últimos anos, o mundo passou a ter mais da metade da
população urbana, pela primeira vez na história. Esta edição do ano indica que existem 28 megacidades
no mundo (áreas urbanas com mais de 10 milhões de habitantes). Além disso, é possível que com duas
outras cidades- Lahore e Kinshasa esse número chegue a um total de 30; se os dados dos Censos mais
atuais foram disponibilizados. Aparecem, ainda, um total de 69 áreas urbanas com 5.000.000 ou mais de
habitantes.
No entanto, seria um erro dar a entender que os moradores urbanos do mundo vivem em configurações
semelhantes a 5ª Avenida, em Nova Iorque, ou dentro do quarto anel rodoviário de Pequim ou na cidade
de Paris. Desde 1990, vem aumentando a população em áreas urbanas em todo o mundo, segundo UN-
HABITAT das Nações Unidas (2016) de 57 milhões entre 1990-2000 aumentou para 77 milhões entre
2010-2015. Em 1990, 43% (2,3 bilhões) da população mundial viviam em áreas urbanas; até 2015, esta
tinha crescido para 54% (4 bilhões).
A Ásia tem, de longe, o maior número de pessoas que vivem em áreas urbanas, seguidas pela Europa,
África e América (vide gráfico a seguir). O fato de que 2,1 bilhões de pessoas Ásia vivem em áreas
urbanas, o que não é exatamente sinônimo de desenvolvimento, pois muitos vivem de forma precária.
NIDADE Sociologia Urbana
No final do século XX, houve uma notável transformação econômica chinesa, impulsionada pela
urbanização, principalmente no sul da China, onde antes áreas que eram rurais ou pequenas cidades
transformaram-se nas últimas décadas do século XX em grandes cidades.
Figura 5 – Cidade de Xangai – China Fonte: iStock/Getty Images Contudo, as taxas de crescimento
urbano pelo mundo foram muito mais rápidas em algumas regiões do que outros. A maior taxa de
crescimento entre 1995 e 2015 ocorreu nos países subdesenvolvidos, sendo que em alguns países da
África foi maior. Ou seja, apesar da África ser menos urbanizada do que outras partes do
mundo as cidades deste continente vêm crescendo mais nas últimas décadas.
A taxa de crescimento urbano da África é quase 11 vezes mais rápida do que a taxa de crescimento da
Europa. A rápida urbanização da África é impulsionada pelo crescimento natural da população, pela
migração rural-urbana, pela expansão das áreas urbanas (em áreas que eram antes rurais e foram
incorporadas ao espaço urbano), devido a guerras e conflitos políticos que fazem as pessoas a migrarem
para as cidades.
Contudo, muitas cidades de países subdesenvolvidos, como Nova Délhi na Índia ou no Cairo no Egito,
não têm infraestrutura e serviços públicos adequados para esta população que vem crescendo.
Há também estudos urbanos como do sociólogo Wacquant que relaciona a questão da marginalidade e da
formação dos guetos com a questão racial e cultural existente nas grandes cidades.
Sobre isso, o cientista social Heitor Frugoli Jr. comenta:
Tendo em vista tal densidade sociológica, Wacquant (2001) voltou-se à análise de outros contextos
marcados por certas formas de marginalidade e segregação socioespacial, como no caso de um banlieue
parisiense – La Courneuve –, com traços socioculturais que aparentemente o aproximariam dos guetos
norte-americanos, mas cuja comparação criteriosa demonstra que, apesar do agravamento das condições
de vida local, a (des)qualificação de gueto a tal espaço seria explicada em boa
parte pela articulação entre discursos de uma determinada imprensa interessada em abordagens
catastróficas para aumento das tiragens, de agentes públicos ou de ONGs empenhados em acirrar uma
visão dramática sobre tais locais – em busca de prioridade para programas (incluindo negociações
clientelistas) ou captação de recursos. (FRUGOLI JR, 2005, p. 147)
Atualmente, no século XXI, com o grande processo de migração para países europeus, tem se ampliado a
tensão entre os moradores locais e imigrantes, principalmente em algumas cidades na França, Alemanha e
Itália. Geram-se novos processos de segregação sociocultural e racial, formando novos guetos urbanos.
Isso aumenta a marginalidade e cria novas tensões sociais.
Dessa maneira, sobre Sociologia Urbana, verifica-se que existe uma gama de estudos em relação à
questão social, pobreza, segregação social, tensão sociocultural e racial que são alvo deste ramo da
Sociologia.

UNIDADE IV

Introdução
Nesta unidade vamos abordar o ramo da Sociologia Política, que trata da questão da política e
de suas formas de poder.
Para isso, abordaremos alguns estudos e conceitos sobre o tema, bem como trataremos
brevemente de alguns eventos e processos da história política no Brasil.
Política, Poder e Ideologia
A Sociologia Política é um ramo da Sociologia que estuda as formas de poder, constituídas
formalmente ou não. Podemos estudar política atrelando-a a um determinado contexto social.
Por exemplo, no governo Vargas (1930-45) foi instituída uma política trabalhista que culminou
com a criação da CLT, lei trabalhista que ainda rege parte dos trabalhadores do Brasil.
Logo, tal atividade pública é uma forma de política. A política ocorre de diferentes maneiras,
por meio de um partido político, mediante políticas públicas, a partir das relações internacionais,
através dos movimentos sociais e políticos, entre outros.
É um ato social que tem a premissa de discutir e compreender as relações de poder, bem como
as atividades que buscam uma finalidade sociopolítica, a arte de negociação com vistas a
Compatibilizar determinados interesses da sociedade, ou de suas parcelas.
A política é um tema antigo na história humana, anterior à própria Sociologia.
Na Grécia antiga muitos autores, como Aristóteles e Platão, já abordavam este tema.
Com o aparecimento do Estado Moderno, surgiram teorias específicas acerca das formas
políticas do Estado, em suas diversas facetas. Tais estudos de política, na maioria dos casos,
convergem para a finalidade de desvendar a vida estatal, sua estrutura, funções, maneiras de
atuar e suas relações.
Mas o que é política? A origem etimológica da palavra vem do grego “politeia”, por sua vez
derivado do termo “polis”, que era o termo usado para designar a cidade grega, e o que se
destina, para a Polis, de sua vida em coletividade.
Na Ciência Política há vários conceitos para esta categoria, mas prevalecem estudos em relação
às formas de atuação do governo, mediante as políticas públicas (educação, saúde, assistência
social, meio ambiente etc.), bem como das formas de sistemas políticos existentes
parlamentarismo, presidencialismo, monarquia etc.) e suas relações de poder.
Ao abordarmos questões sobre política estamos, portanto, tratando de relações de poder. O
poder, seja ele formal ou informal, diz respeito a um grupo ou relação interpessoal, não
existindo, assim, poder em uma só pessoa, que viva isolada.
Como explica a filósofa Hannah Arendt:
O poder jamais é propriedade de um indivíduo, pertence ele a um grupo e existe apenas
enquanto o grupo se mantiver unido. Quando dizemos alguém está ‘no poder’ estamos na
realidade nos referindo ao fato de encontrar-se esta pessoa investida de poder, por um certo
número de pessoas para atuar em seu nome. No momento em que o grupo - de onde
se originara o poder - desaparece, desaparece também o seu poder [... ]
Trata-se de uma habilidade social humana de agir de comum acordo, de imposição de sua
vontade contra ou com apoio de outros. Este poder pode ser exercido pelo Estado, em suas
diferentes formas de poder, mas também por pessoas e/ou instituições de diversos tipos.
Logo, nem sempre o poder é fruto da violência, do abuso de poder, da força.
Cita-se o caso de Gandhi que, sem utilizar métodos de violência, produziu uma onda social e
política em torno de sua figura que culminou com a obtenção, pela Índia, de sua independência.
da Inglaterra. Poder, neste caso, que lhe foi conferido por milhares de indianos que apoiaram
suas ideias e, em alguns casos, seguiram suas propostas.
Para que o poder seja legítimo deve ser fundado na liberdade de escolha daqueles que serão
investidos de poder no Estado, tendo consentimento da população.
Se não é nessa condição, então há uso da força, da violência, como poderíamos citar inúmeros
governos ditatoriais pelo mundo.
Cabe lembrar que não é só o Estado que tem poder, mas também diversos grupos, instituições,
organizações tanto formais e criadas legalmente, quanto as existentes de maneira ilegal ou
informal. Assim como tais grupos e instituições, também podem usar de violência e força física,
moral ou de infraestrutura para produzir coerção e violência, ultrapassando o consenso.
Poderíamos citar como exemplos os grupos de narcotráfico e de redes de traficantes que se
espalham pela América Latina, e especificamente no Brasil, e que usam da persuasão, da
violência e da força para dominarem territórios e parte da sociedade.
Logo, tratam-se de formas de poder paralelos ao do Estado, mas muitas vezes com apoio de
algumas pessoas inseridas dentro do próprio Estado.
Há também o poder econômico, que ocorre por pressão das grandes corporações, e mesmo o
poder ideológico, que pode ser propagado por agentes hegemônicos, pela mídia, por grandes
corporações ou partidos. A ideologia pode estar num discurso, numa ideia, numa concepção ou
visão de mundo que ganha força, tornando-se assim a “verdade”, ainda que não seja
necessariamente.
Num mundo atual, cada vez mais global, há uma ideologia dominante e um discurso de que se
todos se esforçarem o mundo fica melhor, que basta trabalhar que as situações serão melhores.
Isso é um discurso, tornado verdade, mas ao mesmo tempo, sabemos por meio de dados que oito
pessoas do mundo detêm a mesma renda de quase 50% da população mundial. Então basta nos
esforçarmos ou o mundo precisa ser menos desigual? Todos têm as mesmas condições de
poder? Todos os agentes? Todas as instituições? Sabemos que não.
Logo, há um poder ideológico, dominante, mesclado com um poder econômico, explicitado, por
exemplo, pela alta renda de 8 pessoas, empresários de megacorporações, em detrimento de mais
da metade da população, muitos vivendo de maneira indigna.
Em nosso cotidiano estamos impregnados de ideologias de variados tipos. Há uma ideologia
dominante capitalista, global, conservadora, neoliberal, que cada vez mais adentra as nossas
vidas, em todo o mundo. Estes discursos aparecem no nosso cotidiano mediante as mídias em
geral, na escola, no mundo acadêmico, nas ruas, na propaganda, entre outros meios.
Marilena Chauí explica as contradições da ideologia burguesa mediante um exemplo:
Assim, por exemplo, faz parte da ideologia burguesa afirmar que a educação é um direito de
todos os homens. Ora, na realidade sabemos que isto não ocorre. Nossa tendência, então, será a
de dizer que há uma contradição entre a idéia de educação e a realidade. Na verdade, porém,
essa contradição existe porque simplesmente exprime, sem saber, uma outra: a contradição entre
os que produzem a riqueza material e cultural com seu trabalho e aqueles que usufruem dessas
riquezas, excluindo delas os produtores. Porque estes se encontram excluídos do direito de
usufruir os bens que produzem, estão excluídos da educação, que é um desses bens. Em geral, o
pedreiro que faz a escola; o marceneiro que faz as carteiras, mesas e lousas, são analfabetos e
não têm condições de enviar seus filhos para a escola que foi por eles produzida. Essa é a
contradição real, da qual a contradição entre a idéia de “direito de todos â educação” e
uma sociedade de maioria analfabeta é apenas o efeito ou a consequência .
Importante!
O que é ideologia?
Trata-se de uma categoria que tem vários signifi cados e começou a ser usado a partir do
século XIX. Aqui trazemos uma dessas concepções: É o conjunto de ideias e formas de
pensamento de um grupo de pessoas, organizações e/ou instituições que se manifestam
e legitimam por meio de formas de poder, por condutas de grupos ou organizações.
É um sistema ordenado de pensamento e ideias, mas é comum, num mundo cheio de
contradições, que exista uma diferença entre o que é posto por uma determinada ideologia e o
que ocorre na prática. Existem ideologias de diferentes tipos, de esquerda e de direita,
neoliberal, socialista, capitalista etc. Na ideologia capitalista, por exemplo, a classe social
dominante, tanto política quanto econômica, torna suas ideias dominantes para toda a sociedade,
como dizia Marx e Engels:
Os indivíduos que constituem a classe dominante possuem, entre outras coisas, também
consciência e, por isso, pensam. Na medida em que dominam como classe e determinam todo o
âmbito de uma época histórica, é evidente que o façam em toda a sua extensão e,
consequentemente, entre outras coisas, dominem também como pensadores, como produtores de
idéias; que regulem a produção e distribuição das idéias de seu tempo e que suas idéias sejam,
por isso mesmo, as idéias dominantes da época.ê Sabia?
11
UNIDADE Sociedade, Política e Ideologia
Há o poder das mídias em geral, como transmissor de informação e formador de opinião. No
caso brasileiro, por exemplo, a televisão ainda tem um papel crucial na formação da opinião da
população. As redes sociais da internet vêm se disseminando mais recentemente como outra
forma importante. Trata-se de formas de poder, de persuasão. Influenciando em
comportamentos, na opinião política e social, nos hábitos do cotidiano.
Há que se estabelecer contraponto em relação às informações selecionadas e divulgadas pela
mídia em geral (jornais e revistas impressos; blogs, sites pessoais e de empresas de
comunicação; televisão, rádio etc.). Todos sempre devem ser questionados, mas no Brasil há
uma crença generalizada de que se foi divulgado na mídia não precisa ser questionado.
Há fatos, mas também muita manipulação, intencionalidades por trás de informações, além de
uma seleção que é feita pelas grandes agências de notícias que são internacionais, caso da
Reuters, por exemplo. A seleção do que deve virar notícia e os fatos que devem ser ignorados
não deixa de ser ideológica também.
Na produção acadêmica, na história que nos contam, nas publicações científicas, em tudo há
ideologia, embora para alguns a ciência seja neutra. Mas será que é? Chauí (2004) chama
atenção para a produção do conhecimento e sobre a história. Diz ela:
12
Não é, assim, por exemplo, que os estudantes negros ficam sabendo que Abolição foi um feito
da Princesa Isabel? As lutas dos escravos estão sem registro e tudo que delas sabemos está
registrado pelos senhores brancos.
Não há direito à memória para o negro. Nem para o índio. Nem para os camponeses. Nem para
os operários. História dos “grandes homens”, dos “grandes feitos”, das “grandes descobertas”,
dos “grandes progressos”, a ideologia nunca nos diz o que são esses “grandes”. Grandes em
quê? Grandes por quê? Grandes em relação a quê? No entanto, o saber histórico nos dirá que
esses “grandes”, agentes da história e do progresso, são os “grandes e poderosos”, isto é, os
dominantes, cuja “grandeza” depende sempre da exploração e dominação dos “pequenos”, aliás,
a própria idéia de que os outros são os “pequenos” já é um pacto que fazemos com a ideologia
dominante.
Dessa forma, o poder tem relação intrínseca com a política, a ideologia, a economia. Todos
estes campos têm relação, influenciando e sendo influenciados pela sociedade.
O Estado Moderno e o Governo
Na Europa, no período da Idade Média, as divisões territoriais eram baseadas em unidades
políticas que não se constituam em Estados, e sim principados, bispados, em feudos. A partir do
século XVI, alguns destes feudos foram se unificando em torno de reis, formando
gradativamente grandes reinos unificados sob a égide da centralização do poder na mão de uma
só pessoa, de um território igualmente unificado, cujo poder era personificado por um rei, cujo
poder se atribuía originado de direito divino.
A forma de poder do governo neste caso era a monarquia absolutista, na qual o poder estava
centralizado nas mãos do rei ou da rainha.
De um lado, emerge a figura do rei ou da rainha absolutista, mas ao longo dos séculos XVII e
XVIII outro agente social surge como importante figura: trata-se da burguesia mercantil, que se
beneficia da ampliação dos ganhos dos Estados europeus com o comércio colônia, substituindo
a antiga nobreza absolutista no domínio do aparato do Estado.
Ao longo do século XIX e começo do século XX há a expansão capitalista, uma nova fase de
colonização na África e Ásia empreendida pelos europeus, conhecida como fase imperialista,
pois os impérios europeus partilharam politicamente várias regiões destes continentes.
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UNMediante estre processo imperialista, países como Inglaterra, França, Espanha, Bélgica,
Portugal partilharam regiões da África, criando Estado-Nações, definindo fronteiras conforme
seus próprios interesses.
A exploração capitalista em relação às formas de trabalho, no final do século XIX e começo do
XX, levou a milhares de trabalhadores a morarem em cortiços, em condições sub-humanas e
com condições de trabalho bastante degradantes.
Muitas leis trabalhistas surgiram a partir daí, como forma do Estado procurar conter os
interesses da classe dominante (neste caso, a burguesia industrial), pois seu avanço ocorria de
maneira desenfreada e sem regulamentações nas formas de trabalho.
Após a crise mundial de 1929, na qual a Bolsa de Valores de Nova York quebrou, alguns
Estados procuraram desenvolver políticas de bem-estar social que ficaram conhecidas como
“Estado do Bem-Estar Social” (Welfare State). Tais políticas já existiam em países como
Finlândia e Suécia, no norte da Europa, e após a crise influenciaram as políticas de proteção
social em outros países do mundo A ideia por trás destas políticas era criar condições mínimas
de apoio à população, com programas sociais, legislações que beneficiassem os trabalhadores,
serviços públicos gratuitos etc. A crítica que muitos fazem a estas políticas é que o
estabelecimento dessa proteção social serve de apoio ao surgimento de ideias populistas por
parte de grupos oportunistas que queiram se perpetuar no poder.
14
Tais condições ficaram restritas mais aos países desenvolvidos, mas no Brasil, a partir de 1930,
algumas destas benesses, caso das legislações trabalhistas, foram incorporadas à política
brasileira.
Para alguns autores, como Marx, no século XIX e ao longo do século XX, dois agentes, o
Estado - que para Marx era a classe dominante no poder - coaduna-se em muitos casos com os
interesses da burguesia, produzindo uma política para poucos, uma oligarquia de poder.
O Estado Moderno diverge das antigas formas de poder, pois se constitui em três pilares
básicos: o território delimitado, o governo e o povo. Se no passado os reis eram reis dos
ingleses, passaram, com o tempo da criação das monarquias absolutistas, a serem reis da
Inglaterra. Um Estado constituído formalmente, soberano, definido formalmente.
Já o governo tem um aparato técnico-administrativo, com vistas a exercer o poder, delegado ou
não pela população. Este aparato é formado por um conjunto de instituições públicas cuja
finalidade é a gestão administrativa e jurídica.
Como explica a socióloga Eloísa de Mattos.Hofling:
Torna-se importante aqui ressaltar a diferenciação entre Estado e governo.
Para se adotar uma compreensão sintética compatível com os objetivos deste texto, é possível se
considerar Estado como o conjunto de instituições permanentes – como órgãos legislativos,
tribunais, exército e outras que não formam um bloco monolítico necessariamente – que
possibilitam a ação do governo; e Governo, como o conjunto de programas e projetos que parte
da sociedade (políticos, técnicos, organismos da sociedade civil e outros) propõe para a
sociedade como um todo, configurando-se a orientação política de um determinado governo que
assume e desempenha as funções de Estado por um determinado período (HÖFLING, 2001, p.
Assim podemos ter uma monarquia absolutista, na qual o poder é exercido, mas sem escolha
livre e direta da população, como podemos ter uma ditadura presidencialista em que, embora a
escolha não seja hereditária, igualmente não é uma democracia.
Monarquia: Regime de governo no qual o poder é transmitido segundo os princípios de
hereditariedade a um monarca, podendo ser rei ou rainha, fi cando no poder em geral até
sua morte ou abdicação.
Parlamentarismo: Regime político no qual o parlamento (poder legislativo) apoia diretamente o
governo, o primeiro ministro é responsável por governar. Pode ser usado em monarquias e em
regime presidencialista. Nele o rei ou o presidente é somente chefe de Estado, mas quem
governa é o Primeiro Ministro. Isto ocorre, por exemplo, no Reino Unido, que é uma monarquia
parlamentarista.
Ditadura: Forma de governo no qual o poder está nas mãos de uma só pessoa ou de um grupo,
que não foi eleito pelo povo.
República: Forma de governo na qual, em geral o eleito governará por um tempo determinado
como presidente, tornando-se chefe de Estado.plor
15
UNIDADE Sociedade, Política e Ideologia
A democracia requer que exista liberdade de escolha dos representantes do grupo político
(agente social político) que irá representar toda a sociedade civil em princípio. Ocorre, que na
prática, nem sempre as formas denominadas de democracia efetivamente o são, ou são
parcialmente.
Contudo, sabemos que por conta das contradições inerentes ao processo político, esta
representação nem sempre se faz de forma adequada, já que existem diferentes
intencionalidades dos diferentes partidos políticos existentes. Bem como, para além disso, existe
também interesse dos agentes do sistema econômico, dos atores hegemônicos que, muitas vezes,
apoiam os governos e, posteriormente, acabam ganhando benefícios pessoais em detrimento da
maioria da população.
Conforme afirma Cornelius Castoriadis (SOUZA, 2006), na verdade, muito do que temos no
mundo, hoje, não são democracias de fato e sim oligarquias liberais.
Muitos países que se auto definem como democratas, muitas vezes, na verdade, a gestão pública
está voltada primordialmente a alguns grupos e classes sociais, por isso são denominados de
oligarquias (poder de poucos).
Ao mesmo tempo, conforme afirma o autor, há também uma alienação dos dirigidos, ou seja,
muitas vezes a sociedade é muito mal informada, alienada e pouco preocupada com as questões
políticas.
Isso faz com que os dirigentes acabem se aproveitando desta alienação para definir as políticas
públicas conforme seus próprios interesses e não conforme os interesses de toda sociedade.
Assim, ocorrem assimetrias de acessos aos processos decisórios e informações.
Quando afirmamos que existem assimetrias, estamos nos referindo ao fato de que poucos têm
informações sobre o que acontece no seu país, na sua cidade, com a sua classe social.
Muitas vezes as pessoas desconhecem por completo qual é o papel do governo em seus
diferentes níveis de atuação (municipal, estadual e federal), qual o papel do prefeito, do
governador, do presidente e acabam confundindo também de quem é a competência para fazer e
decidir sobre o que.
Cabe ressalvar que os regimes políticos e econômicos ditos socialistas, caso da antiga União
Soviética, entre outros, também criaram uma classe de dirigentes e burocratas tanto quanto no
capitalismo, e que, por isso, não tornou a sociedade menos desigual.
Cornelius Castoriadis diz que o poder de alguns cria as “oligarguias no poder”
(poucos detém o poder) tanto nos países chamados de democráticos quanto nos que se
autodenominam socialistas:
Quer o regime interno da organização seja “democrático” como nos reformistas, quer seja
ditatorial, como nos estalinistas, a massa dos militantes não pode absolutamente influir em sua
orientação, que é determinada sem apelação por uma burocracia cuja estabilidade nunca
é questionada; pois mesmo quando o núcleo dirigente chega a ser substituído, ele o é em
proveito de um outro não menos burocrático
Portanto, na visão do autor, nem as ditas democracias são de fato democracias, nem o
socialismo implantado em países como a antiga União Soviética levou a uma maior equidade
social e política.
De outro lado, não é possível separarmos a política da economia, na sociedade contemporânea.
Quando observamos as relações internacionais, por exemplo: se um presidente viaja para
estabelecer melhores relações com outros países está fazendo diplomacia, política, de outro leva
junto inúmeros empresários interessados em relações econômicas.
A ideologia do liberalismo econômica é antiga. A concepção de que o Estado em suas diferentes
formas de governo deveria dar liberdade ao mercado na velha máxima “o mercado se
autorregula” ou ainda “o mercado não precisa de normas e leis”.
Mais recentemente, principalmente após anos 1980-90 temos a doutrina do neoliberalismo, que
se coaduna com o interesse de um Estado mínimo, com poucas regulamentações e que sirvam
para a expansão do capitalismo, representados principalmente pelas megacorporações.
A política neoliberal prega abertura das fronteiras do ponto de vista do mercado, da diminuição
das leis e normas que regulam o mercado econômico, com vistas a ampliar as fronteiras do
capitalismo.
Em 1989, um grupo de organizações multilaterais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário
Internacional, criam uma recomendação internacional principalmente aos países
ubdesenvolvidos latino-americanos chamada de “Consenso de Washington”, no qual definia
algumas medidas a serem tomadas, a saber:
• Reforma fiscal - buscando diminuir impostos para as grandes empresas; • Redução fiscal e do
aparelho estatal, cortando gastos e funcionários do governo, terceirizando parte da mão de obra;
• Política de privatização de órgãos, empresas e instituições públicas; Tal política seria um
parâmetro mundial para os países que necessitassem de empréstimos mundiais, caso do Fundo
Monetário Internacional (FMI), do Banco Mundial entre outros.
UNIDADE Sociedade, Política e Ideologia
Tais medidas vêm sendo criticadas por entidades sociais e políticas de esquerda, pois afirmam
ser uma política de arrocho salarial, de interesse das grandes corporações econômicas.
Por outro lado, existem os movimentos sociais, que são agentes sociais de diferentes tipos, que
buscam se contrapor ao atual processo de globalização, buscando maior equidade social e
também reduzir desigualdades de natureza política, racial, sexual, entre outras dimensões.
Entende-se por movimento social um grupo de pessoas, organizados, com uma intenção
específica de alcançar transformações sociais e políticas de forma coletiva. Há diferentes
maneiras de se expressarem: por meio de artigos, passeatas, manifestações, denúncias,
ocupações, entre outras.
Este é o caso do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terras (MST), do Movimento
dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), do Fórum Social Mundial (que engloba inúmeros
movimentos contra o atual processo de globalização), dos movimentos estudantis de diferentes
países, dos movimentos negros, entre tantos outros.
A seguir, vamos evidenciar, de forma resumida, alguns eventos e períodos da política brasileira.
18
Resumo da Trajetória das Formas de Política no Brasil
O Brasil constitui-se como Estado com a independência formal de Portugal, em 1822, e com a
Constituição de 1824 delineia sua forma de governo, que naquela época era o Império, uma
forma de monarquia.
Assim, em vários momentos do período imperial, houve conflitos regionais, geralmente
relacionados à excessiva intervenção do governo central na vida das províncias. Foram estes os
casos da Guerra da Cisplatina, que resultou na independência do Uruguai, em 1827; da Guerra
dos Farrapos, no Rio Grande do Sul (1835-1845); e da Revolução Praieira1, em Pernambuco,
em 1849.
Como explica o historiador Boris Fausto (1994), a chegada da metade do século XIX é marcada
por uma busca por modernização, que pode ser verificada principalmente pelas mudanças nas
leis:
1. O movimento ocorrido em Pernambuco entre 1842 a 1849 pode ser caracterizado como o
mais “politizado” de todas as revoltas do período (alguns historiadores consideram-na uma
revolução).9
UNIDADE Sociedade, Política e Ideologia
[...] 1850 não assinalou no Brasil apenas a metade do século. Foi o ano de várias medidas que
tentavam mudar a fisionomia do país, encaminhando-o para o que então se considerava
modernidade. Extinguiu-se o tráfico de escravos, promulgou-se a Lei de Terras, centralizou-se a
Guarda Nacionalve foi aprovado o primeiro Código Comercial. Este trazia inovações e
ao mesmo tempo integrava os textos dispersos que vinham do períodovcolonial. Entre outros
pontos, definiu os tipos de companhias que poderiam ser organizadas no país e regulou suas
operações. Assim como ocorreu com a Lei de Terras, tinha como ponto de referência a extinção
do tráfico (FAUSTO, 1994, p. 197).
Foram mudanças importantes na sociedade brasileira, pois acabou a escravidão negra
formalmente no país e toda uma nova ideologia é elaborada para este novo momento da história
social do Brasil.
Se antes o trabalho era visto como algo que escravo deveria fazer, no final do século XIX,
funda-se a ideologia de que o trabalho dignifica o homem e os imigrantes vão ser trazidos para
trabalharem principalmente nas lavouras do Sul-Sudeste.
A Questão da Escravidão:
As leis que promoveram a abolição, começando pela Lei de Proibição do Tráfico, de 1850; a
Lei do Ventre Livre, de 1871; a Lei do Sexagenário, de 1886; e, finalmente, a Lei Áurea, de
1888; levaram a imensa mão de obra representada pelos escravos a uma situação precária, visto
que não foram seguidas por leis que promovessem o acesso à terra por parte desta população.
Grandes nomes dentre os abolicionistas, destacando-se Joaquim Nabuco, André Rebouças e
João Alfredo, lutavam para aprovar leis que dessem terras e garantissem crédito agrícola, para
fazer dos ex-escravos pequenos produtores rurais, dando-lhes garantia de segurança alimentar e
evitando desordens sociais.Explor
Em 1889, o Brasil torna-se uma República presidencialista e federalista. Em 1889, com a
Proclamação da República, o Brasil seguiu o modelo norte-americano de federalismo,
transformando as então províncias em Estados. Entretanto, na história brasileira houve vários
períodos de governos ditatoriais, nos quais, na prática, o poder centralizador foi grande em
detrimento da descentralização do poder dos Estados-membros.
Tivemos, por exemplo, a ditadura Vargas, no período de 1930-1945, os governos militares, de
1964-1985, períodos nos quais a liberdade de expressão e política foram suprimidas, alguns
partidos políticos foram proibidos de exercer sua atuação política.
No começo do século XX, o poder central passou a ter uma influência maior dos poderes
regionais, dentro de uma composição hierárquica, ligada principalmente ao poder econômico
das elites locais, que num primeiro momento ficou conhecida como café com leite, pois parte de
tal elite era produtora de café e de gado leiteiro, em Minas e em São Paulo.
20Já com o final da ditadura de Getúlio Vargas (1930-1945), alguns partidos ressurgiram e
outros novos foram criados. No final da década de 1950 a ideologia por trás do governo JK
(1956-1961) consistia num programa de desenvolvimento rápido, cujo lema era “50 anos em 5”.
Juscelino havia sido governador de Minas Gerais, tendo promovido amplas reformas,
especialmente no que se refere à infraestrutura. Construiu estradas, usinas hidrelétricas, além de
ter trazido uma indústria siderúrgica para seu Estado.
Ficou conhecido pela sua gestão desenvolvimentista, o que o credenciou à candidatura
presidencial. Sua eleição foi apoiada por seis partidos, embora houvesse muita desconfiança,
principalmente por parte dos militares, com relação a um possível apoio comunista a sua
candidatura.
De modo a reduzir o poder do presidente, a oposição conseguiu passar no Congresso Nacional
uma emenda que instituía o parlamentarismo no Brasil. Assim, ao tomar posse, João Goulart
tinha seus poderes limitados à chefia do Estado, sendo que a chefia de governo caberia ao
primeiro ministro Com o golpe militar em 1964 um novo período de ditadura se estabelece no
Brasil. Em 1967, Castello Branco outorga a Constituição, institucionalizando as práticas já
adotadas pelo governo, o que de certa forma conferia legitimidade a suas ações. Por esta
Constituição, passou a existir uma ditadura impessoal, em que os chefes militares revezavam-se
no poder.
Dentre os atos institucionais promulgados pelos governos militares o Ato Institucional número
5, de 1968, conhecido como AI-5, tornou-se o mais importante ato na supressão da liberdade no
Brasil, que perdurou até 1978.Importante!
[...] Art. 4º - No interesse de preservar a Revolução, o Presidente da República, ouvido o
Conselho de Segurança Nacional, e sem as limitações previstas na Constituição, poderá
suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassarmandatos
eletivos federais, estaduais e municipais.
Parágrafo único - Aos membros dos Legislativos federal, estaduais e municipais, que tiverem
seus mandatos cassados, não serão dados substitutos, determinando-se o quorum parlamentar
em função dos lugares efetivamente preenchidos.
Art. 5º - A suspensão dos direitos políticos, com base neste Ato, importa, simultaneamente, em:
I - cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função; II - suspensão do direito de votar e
de ser votado nas eleições sindicais; III - proibição de atividades ou manifestação sobre assunto
de natureza política; IV - aplicação, quando necessária, das seguintes medidas de segurança:
a) liberdade vigiada; b) proibição de freqüentar determinados lugares;
c) domicílio determinado [...]
IDADE Sociedade, Política e Ideologia
Em 1978, começa a primeira mudança no campo político, com a anistia para alguns brasileiros
que haviam sido exilados do Brasil por conta da ditadura. Apesar de um avanço no campo
político, no começo dos anos 1980, o Brasil ainda estava assolado pela hiperinflação,
desemprego e estagnação econômica.
Em 1985 alguns setores da sociedade brasileira criaram uma grande campanha pelas eleições
diretas, movimento conhecido como “Diretas Já”, do qual participavam políticos de oposição e
também artistas e pessoas famosas. Houve comícios principalmente nas cidades do Rio de
Janeiro e de São Paulo, com a participação de milhões de pessoas. Este amplo movimento social
e político redundou no final dos governos militares em 1985 e num novo período de
democratização.
A partir daí, o Congresso elaborou uma Nova Constituição em 1988, tornando-se um marco
político importante neste novo período de redemocratização no Brasil.
Apesar dos avanços no campo político com novas eleições presidenciais diretas, num primeiro
momento a questão social e econômica ainda se encontrava bastante debilitada, com grande
inflação, desemprego e inúmeros planos econômicos que buscavam sem sucesso equilibrar as
finanças do país.
Para se ter uma ideia, em 1988 a inflação anual chega ao patamar de 1.037,53% em um ano (só
para comparação, a inflação de 2016 foi 6,2%). Tal condição fez com que a década de 1980 e
começo de 1990 como período de aumento da pobreza, do desemprego, das desigualdades
sociais ampliadas no Brasil.
Um novo momento social e econômico ocorreu com a estabilização econômica e monetária no
Brasil, com o Plano Real, de 1994, que permitiu uma melhoria na condição socioeconômica do
Brasil, ainda muito desigual socialmente, mas em condições melhores do que nas décadas
anteriores.
Nos anos 1990, com a implantação de políticas neoliberais, vários setores e empresas estatais
foram privatizadas dentro da lógica do “Consenso de Washington”. 22
Ao mesmo tempo nos anos 2000 voltam a ser de crescimento econômico no Brasil, com novas
políticas sociais em voga.
Já no século XXI entramos num momento de crescimento econômico e depois com grandes
escândalos de corrupção, envolvendo políticos de diversos partidos e grandes empresas
(principalmente do setor de construção civil) denunciados por um sistema chamado de “delação
premiada”.
Para alguns era o “fim do Brasil”; para outros um momento histórico importante, no qual alguns
políticos que estavam envolvidos em irregularidades e fraudes econômicas foram presos ou
denunciados, situação incomum em nossa história.
É fundamental que se analise sempre as implicações de tais eventos. Estão todos sendo
efetivamente punidos, ou há um componente ideológico que está sendoexplorado por alguns
setores políticos?
É essencial lembrar que não se faz política sem poder, sem ideologias, sem relação entre a
dimensão econômica e política e tudo isso afeta o Brasil, o mundo e a sociedade.
Apesar de tantas desigualdades sociais, assimetrias de acesso, de alienação, certamente se
compararmos o Brasil hoje ao do período da escravidão, por exemplo, podemos afirmar que
avançamos positivamente, mas certamente ainda há muito para ser questionado, discordado,
repensado do ponto de vista social e político no país.
UNIDADE V
UNIDADE Socio
Introdução
Nesta unidade vamos tratar da situacao das populacoes de mulheres, jovens e dosos no mundo, dando
enfase as condicoes existentes na sociedade brasileira.
A Mulher e a Sociedade
Ao longo da historia humana as mulheres tiveram diferentes papeis sociais e na divisao do trabalho,
variando essa condicao conforme o lugar, o povo e a classe social na qual estavam inseridas.
Segundo alguns historiadores (MUMFORD, 1998) entre os povos primitivos era comum um trabalho em
comunidade. Em geral cabia as mulheres a coleta de vegetais e aos homens a caca e pesca, bem como,
com decorrer das transformações empreendidas, coube principalmente as mulheres, num primeiro
momento, as atividades de agricultura.
Contudo, muitas civilizacoes ao longo da historia submeteram as mulheres a um papel secundario na
sociedade, tendo algumas sofrido todo tipo de violência psicologica, mental ou fisica.
Para muitas sociedades alem de mae, cuidadora da familia, do lar, a mulher ainda tem de submeter-se a
vontade e decisao dos homens.
Em relacao ao voto, por exemplo: somente no seculo XX alguns paises passaram a dar o direito ao voto
as mulheres. Mesmo em paises centrais como Franca e Inglaterra, a mulher nao podia votar ate o comeco
do seculo XX. No final do século XIX e comeco do seculo XX, houve movimentos feministas que
lutaram pelo direito ao voto das mulheres, e ficaram conhecidas como sufragistas.
A Nova Zelandia foi um dos primeiros paises a reconhecer o direito das mulheres social chamado de
“Uniao Politica e Social das Mulheres”, que usou estrategias de militancia politica, propaganda e
desobediencia civil, que acabaram servindo de referencia para outras mulheres no mundo.
Esta situacao foi retratada no filme “As sufragistas”, que conta a historia das mulheres que lutaram pelo
voto na Inglaterra, evidenciando o papel social delas na epoca do comeco do seculo XX.
No Brasil este direito foi definido por lei em 1932; na Africa do Sul somente em 1994, com final do
Apartheid; e na Arabia Saudita somente em 2011.
Mesmo com o advento da escolarizacao universal, em muitos paises a mulher nao era incentivada a
estudar, mas sim a constituir familia e cuidar do lar, sendo que mesmo em alguns lugares e sociedades
atuais isto ainda acontece. Ha grupos em que ainda e comum que se escolha o casamento da mulher, bem
como muitas tornam-se esposas ainda muito novas.
Tal situacao esta relacionada as condicoes de pobreza e ignorancia, ou a costumes ancestrais e religiosos
de alguns povos, que coagem mulheres ainda criancas (menores de quinze anos) a casamentos forcados,
muitas ficando a mercê de violencia, escravidao e abusos sexuais. Ha ainda casos de pais que “vendem”
suas filhas para pagar dividas, ou para auferirem alguma renda.
Tais praticas de violencia com a crianca do sexo feminino ocorrem mais comumente em paises do Sul do
continente asiatico, do sul da Africa Subsaariana (ao Sul do deserto do Saara), sendo grande em paises
como Bangladesh, India, Niger, Afeganistao, Paquistao, entre outros, principalmente entre os mais
pobres.
O habito de casamentos no periodo da puberdade, ocorre tambem por fatores culturais, de maneira a
preservar a virgindade ate o casamento, o que para algumas sociedades e considerado fundamental.
A maioria dos paises do mundo e signataria de tratados internacionais que proíbem casamentos deste tipo.
Estas normas, contudo, nem sempre sao cumpridas, ou porque ha brechas em algumas legislacoes
permitindo que os pais decidam sobre o assunto, ou porque prevalecem fatores culturais que impedem sua
plena aplicacao.
Assim sendo, em pleno seculo XXI existem ainda praticas de violencia de variados tipos em relacao as
mulheres, atingindo duplamente as mais pobres.
As interacoes humanas estabelecem-se por meio de relacoes de poder e de violencia, de diversos tipos e
ordens: entre sexos, entre generos, no mundo do trabalho, por questoes raciais e etnicas, por preconceito
religioso, por perseguição politica, entre outras. Para tentar equilibrar tais discrepancias e estabelecer um
padrao minimo de civilizacao, foi estabelecida, em 1948, no ambito das Nacoes Unidas, a Declaracao
Universal dos Direitos Humanos.
Como diz Hannah Arendt (2005, p. 213): “O unico fator material indispensável para a geracao de poder e
a convivencia entre os homens. Estes so retem poder quando vivem tao proximos um aos outros que as
potencialidades da acao estão presentes [...]”. Desse modo, nao ha poder de so um individuo, o poder se
manifesta no grupo e tambem pelas instituicoes e organizacoes existentes no mundo.
A “Declaracao Universal dos Direitos Humanos”, estabelecida em comum acordo entre as nacoes, e um
marco importante no entendimento da busca da cidadania, da igualdade e da fraternidade no mundo,
embora concretamente ainda ha muito a ser feito em diversos paises.
No Brasil, mediante as politicas de Direitos Humanos mais recentes do governo federal, houve a criacao
em 1997 da “Secretaria Especial dos Direitos Humanos” (SEDH), bem como da “Secretaria de Politicas
das Mulheres” (SPM), em 2003, pela qual formularem-se politicas especificas para as mulheres no ambito
do governo federal.
No entanto, ao tratar da questao de genero e fundamental conceitua-la. As bibliografias, artigos
e documentos,sobre a questao dizem que falar de genero nao e a mesma coisa que tratar de sexo, pois o
gênero representa o papel social desempenhado ou definido pelos sexos e dele decorrem alguns
preconceitos sobre qual seria este papel, sobretudo das mulheres. Genero e, portanto, um conceito
relacional de poder, que exprime a relacao do masculino e do feminino.
A questao de genero como politica publica vem, por conseguinte, dessa mundializacao e globalizacao
da sociedade humana, adquirindo visibilidade nas Conferencias Mundiais de Mulheres no Mexico
(1975), em Nairobi (1985) e em Pequim (1995).
No Brasil, as politicas em prol da igualdade de direitos de genero sao definidas principalmente na nova
Constituicao brasileira de 1988, e tambem pos anos 1990, periodo no qual ha varias normatizacoes sobre
a questao dos direitos da mulher e politicas de assistencia e de saude especificas. Com a criacao da
“Secretaria das Politicas das Mulheres”, em nivel federal, em 2003, realizou-se a “I Conferencia
Nacional de Politicas para as Mulheres” no Brasil, em 2004, evento que subsidiou a elaboracao do “Plano
Nacional de Politicas para as Mulheres”, assim como as demais politicas desenvolvidas pelos governos
estaduais e municipais.
Alem das condicoes socioeconomicas e de trabalho, que sao importantes para a emancipacao feminina, ha
tambem as condicoes relativas a saude, ao direito reprodutivo e a assistencia a mulher como aspectos
fundamentais no entendimento da condicao de genero, da mulher, e de suas transformacoes. Segundo
Miriam Ventura (2006), na Conferencia Internacional de Populacao e Desenvolvimento,
em 1994, no Cairo, foi incorporado o conceito de direito reprodutivo.
O direito reprodutivo tem como premissa o direito a dignidade, a integridade psicologica e fisica, assim
como o direito a definicao da liberdade da escolha de como o planejamento familiar ocorrera pelo casal.
Direito que necessita, portanto, de acessos a informacao sobre o assunto, acesso ao conhecimento sobre
assistencia ginecologica, saude sexual e saude reprodutiva, assim como assistência a maternidade.
A mortalidade materna e um dos grandes problemas que ainda assolam a humanidade. E mais um
indicador originado das politicas que sao universais e atualmente sua reducao faz parte das “Metas do
Milenio” da ONU.
As maiores dificuldades no uso de dados de mortalidade materna sao as definições da causa da morte,
principalmente nos paises subdesenvolvidos.
Ao analisar os casos de mortalidade materna, por macrorregioes do mundo, verifica-se uma diferenca
grande entre os paises de regioes desenvolvidas, onde as condicoes de infraestrutura de saude, bem como
as politicas de assistencia a mulher sao melhores, ao contrario dos paises da Africa Subsaariana, por
exemplo, nos quais as condicoes gerais da saude da populacao sao piores entre vários indicadores, nao
apenas na saude da mulher. Este e o caso tambem do Sudeste da Asia, incluindo-se nos dados a India,
Bangladesh, Vietna etc.
A pobreza de boa parte da populacao, a deficiencia de infraestrutura basica e das politicas publicas de
saude fazem desta parte da Africa uma das regioes onde a falta da pratica dos direitos humanos e mais
acentuada. Contudo, cabe lembrar que ha tambem variacoes nestes dados se compararmos diferentes
paises e ou regiões Para analisar esta sociedade tao desigual e preciso opor o modo de vida
capitalista e a maneira dominante de viver, nao vendo tais situacoes como acaso, como acidentais, tanto
em relacao ao sexo, genero ou condicao de classe social.
Como afirma a sociologa Mary Garcia Castro:
Ora se as ciencias sociais que pretendemos, afasta-se de individualismos metodologicos, podemos afirmar
que o outro no caso da corrente feminista emancipacionista, nao e o homem, mas o patriarcado e o
capitalismo, se o foco nao sao algumas mulheres na classe. Assim tambem o outro, em correntes
emancipacionistas que estao na luta antirracista, nao e o branco, mas a supremacia politica-economico-
cultural da identidade branca, seus privilegios, ou seja, o conjunto nao disjunto entre raca-e-classe.
Correntes emancipacionistas anti-sexistas focalizam como o outro a ser combatido e o poder hegemonico
da heteronormatividade, e nao os individuos com praticas diferentes dos grupos LGBT. Assim, na visao
da autora tais situacoes nao podem ser dissociadas da cultura e concepcao do mundo global, capitalista,
individualista a que todos estao cada vez mais expostos.
Contudo, isso nao significa que devamos ser meros expectadores num mundo tao desigual, machista,
intolerante e preconceituoso. E necessario refletir sobre nossa conduta em relacao as outras pessoas.
Violência contra a Mulher no Brasil No Brasil os casos de violencia contra a mulher ainda persistem,
embora venham caindo. A fidedignidade das informacoes que sao levantadas como estatistica, no
entanto, representa um problema, ja que ha muitos casos nao registrados, seja por falta de acesso ao poder
publico ou por medo de represalias por parte das vitimas.
A Lei 11.340/06 (BRASIL, 2006), conhecida como lei Maria da Penha, no Brasil foi um marco na
questão sobre violência contra a mulher. Segundo a lei:
Art. 2º Toda mulher, independentemente de classe, raca, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nivel
educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes a pessoa humana, sendo-lhe
asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violencia, preservar sua saúde fisica e mental e
seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.
Art. 3º Serão asseguradas as mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos a vida, a
segurança, a saúde, a alimentação, a educação, a cultura, a moradia, ao acesso a justiça, ao esporte, ao
lazer, ao trabalho, a cidadania, a liberdade, a dignidade, ao respeito e a convivência familiar e
comunitária. (BRASIL, 2006, s.p)
12Com a promulgação de tal Lei, pela primeira vez no Brasil ha uma legislação especifica sobre a
violência contra a mulher, garantindo que o agressor(a) seja julgado(a) por um juizado especial que cuida
especificamente sobre crimes e violências familiar e domestica contra a mulher, que podem ser tipificadas
como violência física, patrimonial, moral, psicológica e sexual. O atendimento policial será feito
preferencialmente nas delegacias da mulher.
Nos últimos anos houve vários casos ocorridos no Brasil, de repercussão na mídia, sobretudo de ex-
casais, cujos maridos ou namorados não aceitam o fim do relacionamento e começam a ameaçar as
mulheres. Alguns destes casos culminam em homicídios, sem que a vitima tenha tido a chance de ser
protegida, porque so a denuncia nao as protege, ja que muitas vezes suas moradias ou locais de trabalho
sao conhecidos.
No Brasil ha “Delegacias, Seções, Postos de Atendimento Especializados da Mulher” (Deam), conhecidos
como “Delegacias das Mulheres”. Trata-se de uma iniciativa importante na busca dos direitos da mulher,
sobretudo as que sofrem violência. Ha muitos relatos de mulheres que buscam delegacias de policia
comuns em casos de violência, principalmente estupro, e não são atendidas adequadamente.
Além das delegacias temos também no Brasil outras instituições que atendem mulheres, algumas destas
desenvolvem-se por parceria publico-privada, são organizações não governamentais que se utilizam de
verba publica. Destacam-se as seguintes instituições: Centros de Referencia de Atendimento a Mulher,
Casas de Abrigo, Serviços de Atendimento as Mulheres Vitimas de Violência Sexual, Pastorais da
Mulher Marginalizada, entre outras entidades.
São instituições fundamentais na garantia da defesa dos direitos da mulher, mas suas atuações ainda
ocorrem pontualmente em algumas comunidades, o que não diminui sua relevância social. Faltam ainda
politicas publicas mais efetivas que cumpram os planos e leis existentes.
Os direitos das mulheres, inseridos na temática dos direitos humanos como um todo, representam uma
temática que precisa ser disseminada de uma forma mais ampla para toda a população e território
brasileiro, cabendo a educação um importante papel nesta questão. Não uma educação como existe hoje,
que se preocupa mais em informar do que formar para a vida, mas um modelo em que esta questao seja
discutida de forma transversal em sala de aula.
Para além das leis, dos planos, dos equipamentos sociais destinados ao atendimento da mulher,
necessitamos de uma educação para a emancipação feminina, para a convivência pacifica entre os sexos,
para o respeito mutuo do seres humanos, homens e mulheres, independentemente de sua posição social,
racial e de sua opção sexual.
Embora ainda haja muitos problemas em relação aos direitos da mulher e de sua condição social, seja no
trabalho, na família ou na saúde sexual e reprodutiva, houve avanços dos anos 1990 aos dias atuais no
Brasil.
Ha ainda muitas disparidades no Brasil, quer porque ainda faltem espaços que possam atender
adequadamente a mulher, quer porque persistem politicas inadequadas e preconceitos em relação ao papel
desempenhado pela mulher.
Verificamos que já estão mais consolidados os direitos do ponto de vista jurídico e das politicas mais
universais dos governos federal, estaduais e municipais no Brasil. Contudo, a existência real destas
politicas, no cotidiano familiar, na vida das mulheres pelo território brasileiro ainda requer mais atenção
dos Conselhos da Mulher e outras entidades de cidadania existentes nos estados e municípios.
Por fim, falta também uma atenção maior na educação de homens e mulheres, uma educação que busque
tratar dos direitos humanos e da importância do respeito entre sexos, respeito pelas diferenças, em busca
de maior igualdade de acesso aos direitos e a cidadania.
A Mulher e o Trabalho no Brasil
No Brasil a maioria da população e formada por mulheres, e o numero de domicílios chefiados por
mulheres vem aumentando, concomitantemente a ampliação do nível de escolaridade das mulheres, que e
maior do que dos homens.
Verifica-se, percentualmente, que este numero aumentou em todas as regiões do Brasil de 1991, 2000 e
2010. Como demonstra dados do IBGE:
No Brasil, as mulheres são maioria da população, passaram a viver mais, tem tido menos filhos, ocupam
cada vez mais espaço no mercado de trabalho e, atualmente, são responsáveis pelo sustento de 37,3% das
famílias. Dados da ultima Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilio, divulgada pelo IBGE em 2013,
indicam que viviam no Brasil 103,5 milhões de mulheres, o equivalente a 51,4% da população.
Cabe ressaltar tratar-se de chefia por domicilio, nao de família propriamente dita, já que o Censo e feito
por domicilio e não por unidade familiar. Os arranjos familiares nos domicílios são bastante diversos,
sendo comum em áreas mais pobres que existam mais de uma geração no mesmo domicilio, com maes
mais velhas que sustentam toda a família, filhos e netos.
Esta situacao ocorre por causa da maior inserção da mulher no mercado de
trabalho, bem como devido ao fato do aumento do numero de mulheres que vivem
sozinhas com seus filhos, ou seja, são famílias mono parentais femininas, situação comum em
todas as classes sociais.
No caso das mulheres mais pobres, com filhos, a vulnerabilidade social ocorre porque estas necessitam ter
emprego e nem sempre ha com quem deixar os seus filhos, faltam creches. Se de um lado ha emancipação
da mulher e sua maior inserção no mercado de trabalho, de outro lado, ha uma dupla jornada da mulher
que trabalha fora e ainda precisa cuidar de seus filhos, não havendo muitas vezes condições sociais e de
infraestrutura para existência adequada desta dupla função.
No Brasil ha legislação sobre a necessidade de pais pagarem pensão alimentícia para o provimento dos
filhos ao se separarem, mas nas áreas mais pobres estes direitos comumente são negligenciados.
Conforme aponta estudo do IBGE:
As estatísticas mais recentes sobre as mulheres brasileiras mostram que, cada vez mais, elas estão
presentes no mercado de trabalho e com níveis de escolaridade mais elevados do que os homens. Estas
mudanças influenciam o comportamento social das mulheres tanto no âmbito publico como
no privado. Independentemente de se tratar de casal sem filhos ou casal com filhos, houve um aumento
considerável da proporção de mulheres responsáveis pelos núcleos familiares entre 2002 e 2012. No caso
dos núcleos formados por casal sem filhos, a proporção de mulheres passou
de 6,1% para 18,9%, nos casais com filhos de 4,6 % passou para 19,4%.
Nas mono parentais, as mulheres sempre foram maioria, proporção que se mantem no período. (IBGE,
2013, p.73)
Segundo dados do Ministério do Trabalho a inserção das mulheres no mercado de trabalho tem
aumentado, chegando a 42,7% no total da população em 2013.
Os fatores para a menor inserção das mulheres em relação aos homens no mercado de trabalho são
bastante variados, desde a opção de não quererem participar do mercado de trabalho, ate mesmo a
proibição por parte do cônjuge, além da necessidade de cuidarem de seus filhos, entre outros motivos.
As mulheres que trabalham formal ou informalmente apresentam salários que são menores do que dos
homens. Dados (IBGE, 2013) apontam que o rendimento das mulheres continua mais baixo do que o dos
homens que exercem a mesma função. Afirma o relatório:
Na perspectiva de gênero, na ultima década se mantiveram as características da desigualdade de
rendimento em relação a escolaridade, visto que a distancia entre o rendimento-hora de homens e
mulheres aumenta a medida que avança a escolaridade. No grupo dos mais escolarizados (12
anos ou mais de estudo), as mulheres recebiam em media por hora, 66% do rendimento dos homens, o
mesmo percentual observado em 2002 (IBGE, 2013, p. 152).
Ha uma diferença marcante quando comparamos a proporção de ocupação dos homens e das mulheres.
As mulheres entram no mercado de trabalho mais tarde, tem salários menores e trabalhos mais precários
segundo os dados de variadas fontes (IPEA, 2009; IBGE, 2008; 2012;2013).
E fundamental a emancipação da mulher, seja a que tem emprego formal ou não. Para isso e importante
que toda a sociedade brasileira incorpore os avanços nas leis para refletir, reivindicar e lutar por melhores
condições sociais para as mulheres no Brasil.
Os Grupos Etários no Brasil e sua Condição Social
A sociedade brasileira vem envelhecendo, característica comum em países desenvolvidos e em países
subdesenvolvidos industrializados como o Brasil.
Se comparamos a população no inicio do século XX, esta era formada primordialmente por crianças e
jovens, visto que a taxa de natalidade era alta, a taxa de fecundidade também (numero de filhos por
mulher), bem como a expectativa de vida era baixa, devido as precárias condições de vida, principalmente
em áreas rurais.
Atualmente, em nossa sociedade eminentemente urbana, as pessoas vivem mais devido a diversos fatores,
como acesso a serviços básicos de saúde, vacinação, alimentação. Tal fenômeno acarreta uma nova
constituição familiar e social no Brasil.
Os dados da estrutura etária brasileira, entre os anos de 2000 e 2010, mostram
uma mudança no perfil etário brasileiro, já que a participação do grupo com ate 24
anos de idade passou de 48,2%, em 2001, para 40,2%, em 2011. Ocorreu ainda um aumento da
participação do grupo com 45 anos ou mais de idade. Isto significa uma transição demográfica de uma
população que, no passado, era formada por maioria de crianças e adolescentes, mas que atualmente esta
envelhecendo.
Este envelhecimento da população brasileira requer politicas publicas para os idosos, já que além do
aumento da porcentagem de idosos no Brasil ha também ampliação da esperança de vida no Brasil nas
ultimas décadas.
No Brasil, em 2003, foi criado o Estatuto do Idoso com a Lei n˚ 10.741/2003, que em seu Art. 3º expoe:
E obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Publico assegurar ao idoso, com
absoluta prioridade, a efetivação do direito a vida, a saúde, a alimentação, a educação, a cultura, ao
esporte, ao lazer, ao trabalho, a cidadania, a liberdade, a dignidade, ao respeito e a convivência familiar e
comunitária. (BRASIL, 2003, p. 1)
Vivemos numa sociedade na qual o apelo a ser jovem e muito grande, em que a aparência tem ganho cada
vez mais notoriedade, o que torna árdua a tarefa de ser idoso. Reconhecer os idosos, em sua totalidade,
observando-se as necessidades especiais de cuidado, atenção, na saúde, de lazer etc. seja da família ou por
parte do governo, e fundamental, especialmente a medida em que a população desta faixa etária tende a
aumentar.
Já em relação aos jovens no Brasil, algumas Regiões Metropolitanas apresentam alto numero de
homicídios entre jovens, principalmente envolvidos em crimes ou acidentes de transito, ou que estão
vulneráveis e moram em lugares onde a criminalidade e alta.
Entre 1998-2008 a taxa de homicídio cresceu de 232% para 258%, entre jovens de 15 a 24 anos. Isso
reflete situação de calamidade publica, de países que se encontram em guerra, mas nossa sociedade trata
como se fosse algo normal, corriqueiro, e assim vamos nos acostumando com a violência.
E fundamental estabelecer condições sociais que permitam a todos terem acesso a uma boa educação,
prevenção a saúde, respeito mutuo - independente da classe social, raça, cultura, sexo e idade, garantindo
a todos o acesso básico aos direitos fundamentais do ser humano.
Este processo passa, necessariamente, pela valorização do ensino e do conhecimento como forma de
progresso para a sociedade. Os paradigmas atuais da sociedade fazem com que muitos jovens não vejam a
educação como uma possibilidade de melhorar na vida, não somente do ponto de vista socioeconômico,
mas como ideal de vida, como possibilidade de ampliação de seus conhecimentos.
Observe dados da tabela a seguir, que evidencia que muitos jovens, principalmente depois de 18 anos
param de estudar, sendo maior os que desistem de estudar entre os jovens do sexo masculino.
Os mais pobres tem ainda muitos problemas de inserção social e na educação ate o Ensino Superior.
Muitos jovens ainda param de estudar, principalmente no Ensino Médio, eventualmente por necessidade
de trabalhar para sustentar suas famílias. Apesar disso, vem melhorando os dados de escolaridade dos
jovens brasileiros: de 1992 a 2013 a proporção de jovens que estudavam de 15 a 17 anos passou de 59,7%
para 84,4%, bem como de 2004 a 2013, na mesma faixa etária que frequentava o Ensino Médio aumentou
de 44,2% para 55,2%.
Por outro lado, muitos jovens preocupados numa sociedade de consumo em “Ter” mais do que “Ser”,
envolvem-se na “cultura da ostentação”, numa demonstração de autoafirmação por meio de usos de
roupas de marcas famosas, da aparência - como dita a ordem capitalista global.
Mas ha também jovens comprometidos com a coletividade, buscando mediante participação politica,
formal ou não, reivindicar melhorias sociais para o pais. Caso dos movimentos estudantis secundaristas
que no começo deste século vem lutando por mudanças na escola básica, por mobilidade urbana, entre
outros.
Deve-se ter o cuidado de não encarar a separação entre jovens pobres e ricos apenas pelo viés econômico,
mas também pelos diferentes pontos de vista originários de seus ambientes familiares, suas redes de
relações, que denotam a riqueza do universo dos jovens.
Como explica a socióloga Mary Garcia Castro:
Adverte-se, portanto sobre o cuidado com analises comparativas que abstraem historia, mentalidades,
modelação de subjetividades, tempos e espaços, ou seja, da relativa distancia a ser mantida de expressões
comuns como “quando eu era jovem”, “no meu tempo”, “nos da heroica geração dos 60 com um projeto
de transformação social e esta juventude alienada, individualista, narcísica”, etc.’. Mas que juventude, que
juventudes, em que tempos, a que cenários estamos nos referindo? Que perspectivas apresentam
estes tempos, para estas juventudes? (CASTRO, 2014, p. 27)
Logo, ha diversidade social, cultural no que chamamos de juventude. Assim, não podemos tipificar toda a
juventude como alienada, como individualista. Há diferentes segmentos e grupos em condições bastantes
distintas no Brasil.
Ha jovens que formam grupos religiosos, de diferentes religiões; ha outros que formam microgrupos nas
grandes metrópoles brasileiras, baseados em afinidades comuns culturais, étnicas ou de ideologias; ha
aqueles que tem acesso a uma boa educação e outros que não. Existe muita desigualdade, sobretudo se
compararmos as periferias urbanas com áreas de segregação de alto status social.
E comum que a juventude busque sempre transgredir, questionar, pertencer a um grupo, contestando o
modo de vida vigente das gerações anteriores, buscando autonomia e autoafirmação.
Se por um lado e necessário estabelecer limites na vida social dos jovens, ao mesmo tempo e importante a
renovação nas formas de encarar o mundo que a juventude proporciona.
E essencial garantir a existência uma rede de apoio social e familiar, seja na educação formal, na proteção
a saúde para o jovem e adolescente principalmente em relação a sexualidade e prevenção a saúde em
geral, bem como equipamentos sociais, de cultura e lazer.
Em relação ao mercado de trabalho, tanto no Brasil quanto em outros países, vem se disseminando a ideia
de discutir o que e a “juventude” bem como politicas publicas que tratem deste grupo em relação a sua
inserção no mercado de trabalho.
Neste caso, e necessário considerar a Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1989,
que proibiu a exploração econômica de crianças ate 18 anos, bem como da Organização Internacional do
Trabalho (OIT) em 1999, que aprovou a Convenção n. 182 sobre as piores formas de trabalho infantil,
para as demais faixas etárias e importante considerar as legislações vigentes no Brasil.
Os reflexos destas politicas internacionais se fizeram sentir no Brasil, com a criação do “Estatuto da
Criança e do Adolescente” (ECA) pela Lei n˚ 8.069/1990.
Cabe ressaltar que tal norma ocorre de diferentes modos, conforme os grupos sociais e raciais, bem como
mediante uma analise espacial. Verificamos que ha contradições entre leis e a analise empírica de sua
concretização no território brasileiro.
Em relação aos jovens que moram no campo, muitos pensam em migrar para a cidade em virtude da
maior possibilidade de ter uma formação, emprego, por conta do menor acesso a infraestrutura no campo.
Muitos gostariam de ter uma vida no campo, mas acabam migrando em alguns casos pela falta de
condições de permanecer e ampliar seu horizonte social e econômico nas áreas rurais.
Em relação aos jovens negros, estabelecem-se inúmeros problemas, que refletem as desigualdades de
acesso aos negros no Brasil. Como explica a pesquisadora:
As desigualdades raciais marcam profundamente a sociedade brasileira, reproduzindo-se ao longo do
tempo por meio de mecanismos presentes em vários campos da vida social. Sao os negros os mais pobres,
os menos escolarizados e os que padecem com o racismo estrutural, o que redunda, sobretudo, na
ocupação de espaços mais precários no mundo do trabalho.
Este ciclo vicioso perpassa diversos espaços da vida social e sua continuidade permite, além de perpetuar
a exclusão dos negros, a naturalização e a invisibilidade deste fenômeno. Este mecanismo, por
conseguinte, cria obstáculos para o avanço da temática racial nas agendas publica e governamental.
E imprescindível interromper o ciclo perverso da exclusão social com base na raça, e, para isto, a
juventude tem papel fundamental.
Os negros ganham menos que os brancos no Brasil, estudam menos e tem menor renda. Programas do
governo federal instituídos no começo do século XXI, caso do Programa Universidade Para Todos
(Prouni), e as Cotas Raciais instituídas em algumas universidades vem desempenhando um papel para
inserir alguns jovens pobres no Ensino Superior e permitir que alguns jovens negros alcancem a
mesma condição.
Embora tenha havido politicas publicas buscando inserir os jovens por meio da educação e do trabalho, ha
ainda muito a ser feito no Brasil, tanto em relação aos jovens, quanto aos idosos.
Uma sociedade que não valoriza o professor, o idoso, a mulher, e na qual a educação e concebida como
algo menos importante, não pode diminuir as desigualdades existentes.
E importante repensar nossas praticas cotidianas, na escola, no trabalho buscando diminuir o preconceito,
dando oportunidades a todos de terem acesso a uma boa educação e a melhores condições de trabalho. E
essencial também politicas publicas visando minimizar os efeitos da exclusão social no Brasil.

UNIDADE VI

Introdução
Nesta unidade discutiremos o processo de globalização e as alterações que vem produzindo na sociedade,
em relação às formas de produção, no trabalho e nas relações sociais.
O Processo de Globalização
No decorrer do século XIX, o mundo conheceu o desenvolvimento de importantes ramos do
conhecimento científico. A Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra no final do século XVIII
proporcionou o surgimento de grandes inovações técnicas, que com o passar do tempo foram sendo
disseminadas pelo mundo.
Esta revolução passa pelos sistemas de produção, seja na agricultura, comércio e indústria, promovendo a
disseminação de informações em escala mundial.
Até meados do século XX, a produção industrial era concentrada em regiões.
Mesmo com a industrialização de áreas dos países chamados subdesenvolvidos, permaneceu uma lógica
de concentração das atividades junto a regiões que poderiam ter algum atrativo especial: matéria prima
abundante, fontes de energia, mão de obra barata, proximidade de alguma estrada de ferro, rodovia ou
porto.
Nestas áreas industriais concentradas prevalecia um sistema de produção dentro da fábrica no qual cada
operário ficava responsável por uma tarefa específica, num processo de execução e montagem. A este
processo chamamos fordismo.
A partir da segunda metade do século XX, com a corrida espacial entre Estados Unidos e União
Soviética, temos um amplo desenvolvimento de tecnologias de informação. O lançamento de satélites e a
descoberta de novos materiais acelerou a comunicação entre os povos, por meio de redes de fibra ótica.
Canais de televisão e de rádio, bem como sistemas telefônicos aproximaram lugares distantes,
promovendo a disseminação de informações como nunca antes vivido pela humanidade.
A este conjunto de relações de movimentação de capitais, ideias, informação, intercâmbio cultural e
dinâmica de bens e de serviços é dado o nome de globalização.
No atual período da história, sobretudo a partir da segunda metade do século XX, o mundo vai se
tornando cada vez mais global. Esta afirmação considera, no entanto, que este mundo tornado global
refere-se principalmente à dimensão econômica, do mundo capitalista, das grandes empresas, da
circulação de mercadorias, do sistema financeiro e dos sistemas de informação. 8
Há uma racionalidade capitalista norteando as formas de existência, com uma aceleração do tempo social
que é moldado pelo modo capitalista de produção.
Trata-se do tempo rápido, evidenciado em expressões como “tempo é dinheiro”, da rapidez na circulação
das informações, da correria desenfreada nas grandes cidades, entre outras situações. Não é o tempo da
natureza humana e sim do capitalismo.
Podemos dizer, assim, utilizando-se de uma metáfora, que o mundo “encolheu”.
Atualmente, uma viagem entre o Brasil e a Europa, que há um século levava várias semanas, pode ser
feita em menos de 10 horas.
Outro aspecto a destacar é o fato de que as técnicas são cada vez mais universais; basta para isso observar
o cotidiano de uma grande cidade. Por exemplo, se no passado as técnicas eram mais locais e cada povo
tinha uma técnica para produzir objetos, para morar, etc., que geralmente se relacionava com os materiais
disponibilizados no meio.
Atualmente as técnicas são cada vez mais universais, sejam as usadas na agricultura, na criação das
formas das cidades ou nos objetos usados no cotidiano pela sociedade.
A evolução dos sistemas técnicos ocasionou um enorme crescimento econômico, que ocorre,
principalmente, devido à redução de custos de produção. Assim, o que antes era produzido numa
concentração geográfica elevada – um parque industrial, por exemplo – atualmente pode ser feito com
peças produzidas em diferentes partes do mundo.
9
UNIDADE Globalização, Inovações Técnicas e Sociedade
Essa mudança na esfera da produção afeta toda a vida cotidiana do planeta. Um executivo de uma
multinacional pode sair da matriz em Nova York, ir até o Japão visitar sua filial, depois à Austrália e ao
Brasil. Se não puder fazer tal viagem, ainda é possível controlar os processos de sua fábrica por meio da
internet, por diversos aplicativos, como Skype ou WhatsApp.
Essa universalização também implica mudanças no cotidiano dos cidadãos comuns. Se desejar obter uma
melhor colocação profissional nesta multinacional, um cidadão indiano, brasileiro ou moçambicano deve
pelo menos fazer um bom curso de inglês. Isso porque o inglês tornou-se um idioma universal,
principalmente pela sucessão das hegemonias britânica e norte-americana no controle global da
produção capitalista. Talvez no futuro possa ser o mandarim, falado na China.
Uma das formas de promover transformações em escala global, utilizada pelo sistema de produção de
mercadorias, implica no que alguns autores chamam de “indústria cultural”. A veiculação de propaganda,
filmes, novelas, séries televisivas e pela internet, tudo isso contribuía para a propagação de informações
antes próprias de um único sistema de valores e crenças.
Uma das características marcantes desse período é a propagação do consumo.
As empresas multinacionais dispersaram suas bases pelo globo, aproveitando-se de benesses como acesso
à mão de obra barata. Para obter lucro, é preciso que se venda a maior quantidade possível de produtos a
um custo unitário baixo.
Como explica o sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1999, p. 77):
Quando falamos de uma sociedade de consumo, temos em mente algo mais que a observação trivial de
que todos os membros dessa sociedade consomem; todos os seres humanos, ou melhor, todas as criaturas
vivas “consomem” desde tempos imemoriais. O que temos em mente é que a nossa é uma “sociedade de
consumo” no sentido, similarmente profundo e fundamental, de que a sociedade dos nossos redecessores,
a sociedade moderna nas suas camadas fundadoras, na sua fase industrial, era uma “sociedade de
produtores”. Aquela velha sociedade moderna engajava seus membros primordialmente como produtores
e soldados; a maneira como moldava seus membros, a “norma” que colocava diante esses dois papéis.
Desse modo, como afirma o autor, deixamos de ser uma sociedade de produtores para ser uma sociedade
de consumo, a partir da qual ter é mais importante do que ser. Assim, torna-se necessário que as pessoas,
nos mais diversos países, consumam aceleradamente os mais distintos produtos. Mas como tornar
atraente, para um mesmo número de pessoas, os mesmos produtos?
Existem formas de se alcançar isso. Uma delas é o investimento em inovação, que faz com que cada
edição de um mesmo produto – seja uma televisão, automóvel ou telefone celular – acrescente novas
aplicações, tecnologias e modernizações.
Muitas vezes as inovações nos produtos não podem mais ser alcançadas por mudanças na estrutura de seu
funcionamento. Neste momento, a indústria pode utilizar-se de algum apelo estético: um automóvel
“Edição Especial Copa do Mundo”, por exemplo, com alguma alteração externa, ou de acabamento
interno, para atrair a atenção do consumidor.
O produto comprado anteriormente fica assim, sob certo aspecto, ultrapassado.
Ou, utilizando um termo mais adequado, obsoleto. Esta característica do projeto do produto é chamada de
“obsolescência programada”.
O que é obsolescência programada? Trata-se de uma estratégia de empresas que programam o tempo de
vida útil de seus produtos para que durem menos do que a tecnologia permite. Assim, eles se tornam
ultrapassados em pouco tempo, motivando o consumidor a comprar um novo modelo.
Os casos mais comuns de obsolescência programada ocorrem com eletrônicos, eletrodomésticos e
automóveis. É algo relativamente novo: até a década de 20, as empresas desenhavam seus produtos para
que durassem o máximo possível. A crise econômica de 1929 e a explosão do consumo em massa nos
anos 50 mudaram a mentalidade e consagraram essa tática. É uma estratégia “secreta” dos fabricantes
para estimular o consumo desenfreado.
Esse movimento em direção ao consumo desenfreado não ocorre, evidentemente, sem conflitos e
contradições.
A primeira delas diz respeito aos limites físicos de uma expansão acelerada da economia. Para se produzir
qualquer tipo de mercadoria, é necessária certa quantidade de matéria prima, energia e mão de obra. Do
mesmo modo, para que haja consumo, é vital que a totalidade, ou pelo menos grande parte da população,
tenha uma renda.
O sistema global de produção de mercadorias opera pela maximização dos resultados, ou seja, obtenção
do maior lucro com o mínimo de investimento. As escolhas por parte dos investidores, ao instalar uma
empresa num determinado ponto do mundo, são determinadas por este atrativo, que chamamos fatores
locacionais.
Fatores locacionais são atributos de um determinado território, ou de uma porção do território, que
influenciam na localização de um determinado empreendimento (industrial, agrícola, comercial, ou de
serviços).
Estes atributos podem ser naturais – a proximidade de uma fonte de água é importante para uma indústria
de bebidas, por exemplo. Podem ser também atributos relacionados à proximidade de um bom sistema de
transporte, para recebimento de matéria prima e escoamento da produção.
Na medida em que o mundo foi se modernizando, a dependência relativa de alguns fatores locacionais
também foi mudando. No início da Revolução Industrial, era fundamental que as indústrias se
localizassem próximas a regiões produtoras de matéria prima e energia (no caso da Inglaterra, a fonte de
energia primordial foi o carvão mineral).
A disponibilidade de mão de obra para trabalhar num empreendimento é outro fator importante. Isso se
torna evidente pela própria evolução do processo de urbanização dentro do sistema capitalista. Todos os
países que se industrializaram apresentam elevadas taxas de urbanização, com massivas quantidades de
trabalhadores mudando-se do campo para as cidades.
O Brasil, dentre estes países, apresentou uma das mais radicais e rápidas mudanças na composição da sua
população, passando em poucas décadas de uma nação com maioria de população rural para uma
extremamente urbanizada.
Com a evolução dos processos relacionados à industrialização dos países, os governos nacionais cada vez
mais tiveram que competir por investimentos, numa verdadeira corrida para adequar seus territórios aos
projetos corporativos globais.
A necessidade de geração de empregos e de renda levou a um enorme aumento da competitividade entre
os lugares. Governos têm criado diversos incentivos, como redução de impostos, doação de terrenos,
apoio à capacitação de pessoal, de modo a aumentar o potencial de atração de investimentos para seus
territórios.
Mesmo dentro de um país, como o Brasil, temos estados federados e municípios que “competem” entre si,
numa verdadeira “guerra de lugares”, para obter algum benefício, como aumento de empregos e
arrecadação. Muitas vezes, este processo causa transformações drásticas na condição social, por conta do
crescimento rápido da população, o que acaba não proporcionando oportunidades para todos, gerando
mais problemas do que benefícios (aumento da criminalidade, desemprego, prostituição etc.).
No atual sistema globalizado do modo de produção capitalista ocorreram importantes modificações, que
tinham como objetivo flexibilizar a produção, reduzindo custos e promovendo maior competitividade
econômica. No território brasileiro temos alguns exemplos a respeito.
Existem atualmente várias montadoras de automóveis, em diversos estados brasileiros, com estruturas de
produção fortemente automatizadas. Estas montadoras trocaram a mão-de-obra intensiva presente no
período fordista, a qual era menos qualificada, por menos trabalhadores, porém mais especializados, que
operam robôs e utilizam peças pré-fabricadas, cuja origem não é mais uma fábrica de autopeças vizinha
dentro de um mesmo polo industrial, mas sim fabricadas em cidades longínquas na Índia, Indonésia ou
China.
Neste contexto, novas estruturas de transporte são criadas para atender este sistema globalizado de
produção. A utilização do contêiner no transporte internacional de mercadorias, por exemplo, permite
uma padronização das cargas, dentro do conceito de intermodalidade, favorecendo a utilização de várias
modalidades de transporte de modo integrado, o que minimiza os custos e procura atender várias
demandas, do modo mais adequado possível.
As Cidades no Contexto da Produção Global
Em seu livro “A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção”, Milton Santos (2006) descreve o
nosso mundo, na atual fase do capitalismo globalizado (ou mundializado, como alguns autores preferem),
como um lugar onde os fluxos tornam-se mais importantes que os fixos (o “imperativo da fluidez”). Ou
seja, o deslocamento de pessoas, mercadorias e das informações tornou-se fundamental, ocorrendo de
forma cada vez mais rápida, na medida em que a evolução tecnológica transforma diariamente as bases
sobre as quais transcorrem tais deslocamentos.
A evolução tecnológica, especialmente a ocorrida a partir da Segunda Guerra Mundial, mudou
significativamente todos os setores da existência humana. Para cumprir a finalidade deste trabalho,
convém atermo-nos, basicamente, ao setor de transportes.
A evolução extremamente rápida deste setor, assim como o de comunicações, ocasionou transformações
muito importantes do ponto de vista espacial. Os fatores que determinam a estratégia das empresas quanto
à localização das suas unidades de produção foram em sua essência profundamente alterados.
Como vimos anteriormente, na fase anterior do capitalismo (o regime de acumulação fordista), a
produção estava diretamente relacionada à existência de matérias primas, mão de obra barata e
proximidade de mercados consumidores.
Na atual fase, que Castells (2005) chama de “capitalismo informacional”, a inexistência de um destes
fatores ou vantagens pode ser superada, mediante a utilização de eficientes sistemas de transporte e
telecomunicações, e da descentralização de atividades produtivas no território.
A descentralização das atividades produtivas, por outro lado, é acompanhada pela centralização das
atividades de gerenciamento, planejamento e articulação global destas empresas, em um ponto
determinado do território. Este ponto central, cérebro das atividades produtivas no território é,
necessariamente, o local aonde se encontra a maior “densidade técnica” (SANTOS, 2006). Ou seja, onde
se concentra o maior número de fixos, como universidades, sistemas de comunicações (rádios, tv, jornais,
provedores de internet) e meios de transporte (portos, aeroportos, rodovias, ferrovias).
Este processo ocorreu conjuntamente com a centralização das atividades de gerenciamento, controle e
planejamento das estratégias de reprodução do capital em escala nacional. A condição hegemônica da
cidade de São Paulo, por exemplo, enquanto principal centro do capitalismo no território brasileiro
conferiu-lhe status de “cidade global” (CASTELLS, 2005). Através dela, o capital internacional
internaliza-se comandando os espaços locais, dentro da lógica dos espaços que mandam e espaços que
obedecem.
De acordo com Corrêa (2003), o espaço urbano no sistema capitalista de produção:
[...] é um produto social, resultado de ações acumuladas através do tempo, e engendradas por agentes que
produzem e consomem espaço.
São agentes sociais concretos, e não um mercado invisível ou processos aleatórios atuando sobre um
espaço abstrato. A ação destes agentes é complexa, derivando da dinâmica de acumulação de capital, das
necessidades mutáveis de reprodução das relações de produção, e dos conflitos de classe que dela
emergem (CORRÊA, 2003, p. 11).

Os sistemas técnicos que são criados servem, portanto, aos interesses reprodutivos do capital, abarcando
o espaço como objeto a agregar valor e transformar-se em mercadoria, o que está totalmente de acordo
com os mecanismos econômicos prevalentes na sociedade no momento de reprodução.
Esta é uma característica inerente ao conceito de “acumulação flexível de capital”, que pode ser assim
caracterizada, nas palavras de Eustáquio de Sene:
[...] novos processos produtivos passam a ser instalados dentro das fábricas. A economia de escala,
desenvolvida do interior da grande planta fabril, típica da produção fordista, gradativamente foi sendo
superada pela economia de escopo, de produção descentralizada em escala nacional e mundial e, muitas
vezes, em plantas menores (SENE, 2004, p.76).
Esta nova forma de acumulação depende cada vez menos de uma concentração espacial da atividade
industrial, que pode estar situada dispersa no território.
Há, no entanto, uma necessidade de centralização das atividades gerenciais e administrativas. Esta
descentralização locacional provoca uma “guerra de lugares”,
que usam isenções fiscais e investimentos em infraestrutura para atrair empresas.
Por esta razão, a ação do Estado não pode ser ignorada. Cabe a este:
“[...] a orquestração da dinâmica do processo de investimento e a provisão de investimentos públicos
chave, no lugar e tempo certos, para fomentar o êxito na competição interurbana e inter-regional”
(HARVEY, 2005, p. 231).
A nova localização das empresas é determinada por fatores que facilitem a inserção destas no mercado
cada vez mais competitivo. Esta inserção, por sua vez, depende das chamadas “externalidades”, que vêm
a ser:
[...] os efeitos econômicos sobre as empresas e atividades decorrentes da ação de elementos externos a
elas. A localização junto a um nó de tráfego confere maior acessibilidade. A co-presença de outras
empresas em um mesmo local cria uma escala que uma única empresa não teria: fala-se então em
economias externas de escala ou economias de aglomeração (CORRÊA, 2003, p. 83).
A centralização das atividades de gerenciamento e administração da produção no território ocorre
principalmente nas grandes metrópoles, entre as quais podemos destacar as “cidades globais”, ou
metrópoles globais, segundo a definição de Milton Santos:
[...] Pelos objetos em que se apoia e pelas relações que cria, a nova divisão internacional do trabalho leva
a uma verdadeira mundialização dos lugares. Destes, alguns são lugares complexos, as metrópoles, dentre
as quais se destacam metrópoles globais (SANTOS, 1994, p.17).
Nestas metrópoles globais predominam o tempo acelerado nos quais as relações sociais entre amigos, na
família, tornam-se cada vez menores, pois quase todo o tempo é vivido em torno do trabalho, dos
problemas cotidianos.
Já o conceito de “cidade global” é explorado pela socióloga Saskia Sassen, que aplica a esta uma
importância proporcional à dispersão das atividades econômicas no território:As cidades globais são os
lugares chaves para os serviços avançados e para as telecomunicações necessárias à implementação e ao
gerenciamento das operações econômicas globais. Elas também tendem a concentrar as matrizes das
empresas, sobretudo daquelas que operam em mais de um país (SASSEN, 1994, p. 35).
Todas estas mudanças nas formas de produção e nos lugares alteram a sociedade, as formas de trabalho,
bem como as relações sociais. As produção e disseminação serviços especializados, mas nos países
subdesenvolvidos também muita desigualdade socioeconômica.
O Mundo do Trabalho e a Globalização
A globalização, enquanto processo, abrange atualmente todas as dimensões da vida humana em
sociedade. Mas além das questões relacionadas à distribuição da produção e a vida nos centros urbanos,
este processo afeta diretamente, também, o universo do trabalho.
A flexibilidade na localização das indústrias permite que mais e mais pessoas possam trabalhar em
diferentes pontos do mundo. Apesar disso, permanece uma concentração de população nas áreas com
melhor infraestrutura técnica: melhores transportes e comunicações.
O trabalho, especialmente se compararmos com o início do século XX, tornou-se também flexível. É
muito comum vermos pessoas trabalharem com empregos informais, principalmente nos setores de
comércio e de prestação de serviços. A necessidade de redução dos custos das empresas e a competição
entre os lugares por investimentos é uma das causas deste fenômeno.
Há também que ser considerado o alto crescimento em termos relativos do setor terciário da economia
(comércio e serviços). O desenvolvimento dos sistemas avançados de comunicação, como a internet,
favoreceu o aparecimento de diversos serviços especializados de atendimento que são realizados “online”,
e não mais presencialmente.
Por exemplo: quando precisamos de serviços bancários, não mais precisamos nos deslocar até uma
agência para obter um determinado serviço. Sendo cliente de um banco de porte, basta acessar a internet,
baixar um “aplicativo” do banco e efetuar os serviços digitalmente, no celular ou computador.
É óbvio que alguns serviços não poderão ser feitos digitalmente, mas a possibilidade de um serviço ser
realizado à distância se ampliou, o que também, por outro lado, demanda que novos serviços, como os
chamados “call centers” – centrais de atendimento online para clientes – sejam desenvolvidos.
As pessoas que trabalham nestes ambientes cada vez mais apresentam uma relação mais precária,
flexível, com relação à empresa. Na eventualidade de uma mudança de cenário econômico, fica mais fácil
para um grupo ou empresa se “readequar” ou “reestruturar”.UNIDADE Globalização, Inovações Técnicas
e Sociedade
Com o atual processo de globalização, há maior flexibilidade na produção e também na circulação de mão
de obra, geralmente com precarização do trabalho.
De acordo com David Harvey (2005), com a acumulação flexível nas formas de produção e nas relações
de trabalho, cria-se uma rotatividade da força de trabalho, que migra, atrás de trabalho, seja permamente
ou temporário.
Tal flexibilidade ocorre, por exemplo, por formas de trabalho mais flexível, sem muita regulamentação,
com flexibilização nos contratos de trabalho, com trabalho em horário variado, com subcontratações ou
com terceirização de mão de obra, ou seja, o empregado trabalha em uma empresa, mas é funcionário de
outra.
Cria-se, deste modo, um ambiente flexível, ou instável – dependendo de como se queira encarar esta
realidade – no qual as coisas e as pessoas se tornam fluidos, mantendo poucos laços de relação. Crescem
os empregos temporários, os “bicos”, os trabalhos por tempo determinado.
Como explica Michel Chossudovsky (1999, p. 46): Como consequência, essa política econômica flexível
tem resultado em desemprego, postos de trabalho mal remunerados, retrocesso do poder sindical,
destruição de antigas habilidades e construção de novas, além do aumento da capacidade de fabricação de
uma variedade de artigos em pequenos lotes a preços mais baixos e com rápidos giros de estoques.
Houve também a fllexibilização do processo de produção, capacitando as empresas a responder às
diferentes necessidades do consumidor num mercado instável e fugaz.
Esse fenômeno faz parte de um contexto amplo de “reestruturação produtiva”, nas palavras de Pierre
Veltz (1996), no qual os grandes conglomerados industriais passaram a terceirizar suas atividades,
descentralizando a escala produtiva, sendo, muitas vezes, mero gerenciador de processos que estão
inseridos em uma complexa e intrincada rede.
As redes do chamado “capitalismo informacional” (CASTELLS, 2005) induzem à construção de um
sistema de produção horizontalizado, com uma hierarquia pouco rígida. A produção se concretiza por
intermédio de “projetos de negócios”, não havendo uma unidade dentro do sistema.
O sociólogo espanhol Manuel Castells evidencia as grandes diferenças de desenvolvimento desigual pelo
mundo, com a inserção de diferentes lugares neste processo global:
[...] testemunhamos a integração global dos mercados financeiros; o desenvolvimento da região do
Pacífico asiático como o novo centro industrial dominante; a difícil unificação econômica da Europa; o
surgimento de uma economia regional na América do Norte; a diversificação, depois a
desintegração, do ex-Terceiro Mundo; a transformação gradual da Rússia e da antiga área de influência
soviética nas economias de mercado; a incorporação de preciosos segmentos de economias do mundo
inteiro em um sistema interdependente que funciona como uma unidade em tempo real. Devido a essas
tendências, houve também a acentuação de um desenvolvimento desigual, desta vez não apenas entre o
Norte e o Sul, mas entre os segmentos e territórios dinâmicos das sociedades em todos os lugares e
aqueles que correm o risco de tornar-se não pertinentes sob a perspectiva da lógica do sistema. Na
verdade, observamos a liberação paralela de forças produtivas consideráveis da revolução informacional e
a consolidação de buracos negros de miséria humana na economia global, quer em Burkina Faso, South
Bronx, Kamagasi, Chiapas, quer em La Courneuve (CASTELLS, 1999, p. 22).
A sociedade em rede exclui milhares de pessoas e amplia os bolsões de pobreza, entre os que têm acesso
às benesses do mundo atual e dos que são extremamente explorados pelo mesmo sistema.
Em seu livro “Por uma outra globalização”, Milton Santos (2001) apresenta a globalização como uma
“fábula” com os mitos da aldeia global e com o fim das fronteiras.
Verdadeiramente a circulação das pessoas é mediada pelo poder socioeconômico e para os mais pobres as
barreiras continuam existindo, basta observar os imigrantes latino-americanos buscando adentrar os EUA
pelas fronteiras do México. Logo, há uma seletividade social na definição dos movimentos das pessoas no
mundo.
Há também um processo de globalização perverso, como denomina o autor, pois há exploração da mão de
obra, desemprego, baixos salários, com aumento da pobreza e uma educação formal, quando há, de baixa
qualidade, situações inerentes ao próprio processo capitalista e as políticas existentes.
A Sociedade em Rede
A sociedade em rede é, também, um espaço seletivo. Há pessoas, ou grupos, mais integrados a este
sistema produtivo avançado. Quanto mais integrado, maiores as chances de se fazer valer neste novo
sistema de relações sociais. Uma pessoa que opera um aplicativo pode conectar-se a serviços e bens que
não estão diretamente disponíveis para quem não está conectado.
Por meio de canais da internet, podemos, por exemplo, escolher mercadorias – uma geladeira, um
automóvel – comparar preços e escolher o melhor disponível. Da mesma forma com viagens, hotéis, e até
mesmo serviços médicos. Enquanto isso, em lugares onde as pessoas não possuem conexão com a
internet, permanece relações mais pessoais, o contato direto olho no olho.
Essa impessoalidade nas relações via internet gera muitas críticas, pela possibilidade de afastamento das
pessoas dos contatos reais. Por outro lado, abre a possibilidade de contato entre pessoas que jamais se
veriam, por conta da distância ou por não fazerem parte dos mesmos círculos pessoais.
Eventualmente, um parente ou amigo pode ir morar em outra cidade, estado ou país, e ainda assim manter
contato diário com sua família. Não só pessoas, mas serviços também são conectados. Uma pousada ou
hotel situado na Austrália pode oferecer seus quartos no Brasil, Japão, Estados Unidos.
Empresas podem oferecer cursos de capacitação para funcionários em qualquer parte do mundo via
Internet. Universidades podem oferecer cursos em outros estados ou países, por meio de plataformas
interativas. Empregados podem ser contratados por empresas por suas habilidades específicas, mesmo
estando muito longe de sua sede.
Evidentemente, esta “hiperconectividade” tem suas contradições. As mesmas possibilidades técnicas
permitem também a aceleração de processos envolvendo atividades criminosas: pedofilia, tráfico de
drogas e de pessoas, terrorismo. A dificuldade em rastrear ou localizar a origem de determinadas
informações ou pessoas também possibilita a difusão de notícias falsas, a veiculação de ofensas de
caráter étnico ou sexual.
Dentro de cada país, os poderes públicos (governos nacionais, órgãos estatais, polícia, justiça) têm tido
imensa dificuldade em estabelecer limites e parâmetros para estas atividades informacionais.
A criação de leis e normas nem sempre tem efeito prático, já que as estruturas dos países podem ser
obsoletas, ou estes podem não dispor de pessoal qualificado para atuar, já que este ambiente virtual se
renova e se amplia com grande agilidade.
Aos que têm acesso, as tecnologias de informação e comunicação (TIC) possibilitam rapidamente acessar
informações sobre diferentes lugares e assuntos, criar uma rede social para trocar ideias, conversas, bate
papos etc.
Assim, as TICs em si não são portadoras de intencionalidades apenas perversas, embora
hegemonicamente algumas vezes sejam usadas para este fim. Tampouco são portadoras somente de
benesses como alguns as apresentam. Há muito discurso a favor das novas tecnologias como se elas por si
mesmas fossem tornar o mundo melhor. Dependem de seu uso, de suas práxis sociais, considerando que
estas TICs mudam as relações e as dinâmicas sociais, mas também contêm intencionalidades que vão
além do uso técnico dos objetos e podem ter usos que não são democráticos e nem aceitáveis socialmente.
O individualismo exacerbado é outro ponto negativo nesse atual momento do processo de globalização,
em detrimento de relações sociais mais coletivas, assim como a ampliação das desigualdades sociais.
Finalizando esta unidade é importante reiterar que a sociedade vem se transformando rapidamente com as
mudanças advindas do processo de globalização, algumas situações são positivas, mas a globalização
também pode ser perversa.

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