Camafeus Romanos - Eugênio de Castro

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Camafeus Romanos

Eugênio de Castro

Atualização ortográfica e projeto gráfico


Iba Mendes

Publicado originalmente em 1921.


Livro Digital nº 675 - 2ª Edição - São Paulo, 2018.
Poesia - Literatura Portuguesa.

Eugênio de Castro e Almeida


(1869-1944)

Iba Mendes Editor Digital


www.poeteiro.com
PROJETO LIVRO LIVRE

Oh! Bendito o que semeia


Livros... livros à mão cheia...
E manda o povo pensar!
O livro caindo n'alma
É germe — que faz a palma,
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Castro Alves

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É isso!

Iba Mendes
ÍNDICE

ALGO MAIS: Eugênio de Castro – Aspectos biográficos......... 1

A sepultura de Cornélia Eutíquia................................................... 3


Os cuidados de Horácio................................................................... 3
Propércio a Cíntia............................................................................ 4
Propércio e Cíntia............................................................................ 5
O anel de Corina ............................................................................. 5
Ovídio furioso................................................................................... 6
Pesca imperial.................................................................................... 6
Pálpebras de Popeia......................................................................... 7
Os dois cortejos................................................................................. 8
Matricídio........................................................................................... 8
O poeta pobre.................................................................................... 9
Peixe de aquário................................................................................ 9
Musa doméstica................................................................................ 10
No pórtico de Lívia........................................................................... 11
Convite a Fábulo............................................................................. 11
Tíbulo empobrecido......................................................................... 12
Os brincos de Pórcia........................................................................ 13
A carestia do amor.......................................................................... 13
Tuliazinha........................................................................................ 14
A vingança de Fúlvia........................................................................ 14
Na via Ápia....................................................................................... 15
EUGÊNIO DE CASTRO – ASPECTOS BIOGRÁFICOS

Eugênio de Castro, notável poeta português, nasceu em Coimbra a 4


de março de 1869. É uma das figuras de maior relevo no conjunto
das letras contemporâneas lusitanas.

Suas poesias são de um esquisito e têm um encanto particular, que


firma uma personalidade inimitável. Eugênio de Castro publicou
uma infinidade de volumes. Fecundo e inspirado, soube levar à
poesia os mais triviais problemas diários, elevando-os com a magia
de sua arte sublime. Seus poemas são, precisamente, uma elevação
da vida permanente dos sentimentos humanos, dos sonhos de seu
povo, com o qual se sente plenamente identificado, apesar da sua
excepcional universalidade poética.

Suas rimas e sua métrica são absolutamente pessoais, de maneira


que os poemas de Eugênio são a expressão singular de um
pensamento não menos singular. Daí surge, então, sua
inimitabilidade, sua personalidade, sua individualidade poética,
porque o popular poeta português tem, antes de tudo, o valor
indiscutível da individualidade. Individual no aspecto criador;
individual no sentido orientador e não menos individual na forma
expressiva de seu pensamento, que foi sempre a superação de si
mesmo.

Eugênio de Castro, num país no qual a poesia se manifesta


geralmente lírica, é o mais lírico de todos os poetas. Mas, sob o
acentuado lirismo da forma alenta a mais crua das realidades: a da
vida do homem, com suas tribulações, com suas dores, com seus
sonhos mais íntimos. É que no fundo do poeta domina o pensador, o
1
sociólogo, o patriota que sonha um futuro de glória para sua pátria e
seu povo.

Se em algum poeta domina a angústia permanente do momento,


Eugênio é dos primeiros, porque sendo como é um homem do povo,
está superado na angústia pela angústia criadora, que é alento para
as multidões, e que é nele a mesma vida feita verso, feita dor.

Eugênio de Castro é dos poucos poetas — partindo da base


universalística do autêntico poeta — que soube unir o popular ao
eminentemente artístico. Por isso, apreciando muito nele a ideia, não
se pode desprezar a forma. Com artifícios deslumbrantes, com
frases magníficas, com imagens cheias de luz e cor, construía
verdadeiras maravilhas poéticas. Daí o ocupar por méritos próprios
uma cadeira na Academia de sua pátria.

Jornal “A Noite”, 8 de maio de 1945.

2
CAMAFEUS ROMANOS

A SEPULTURA DE CORNÉLIA EUTÍQUIA


(Ao Visconde de Vila Moura)

No seu último sono aqui descansa


Cornélia Eutíquia. Os astros no alto céu
Invejam todos o destino seu:
Fiou; foi esposa e mãe; foi linda e mansa.

As joias, os cosméticos e a dança


Nunca a tentaram; nunca apareceu
No pórtico elegante de Pompeu...
Era, sendo matrona, uma criança.

Por isso, o viúvo dela, ao sepultá-la,


No cipo que lhe marca a sepultura,
Sob terna inscrição d’altos louvores,

Mandou lavrar, querendo retratá-la,


Este baixo-relevo que figura
Uma dócil ovelha a comer flores.

OS CUIDADOS DE HORÁCIO
(Ao Dr. Antônio do Vasconcelos)

Lida a grata missiva em que Mecenas


Com terno empenho a versejar o exorta,
Sob a latada que lhe ensombra a porta,
Horácio escuta as pastorais avenas.

Passam no azul retardatárias penas;


A lua nasce num palor de morta...
3
E ao escravo o Poeta diz, descendo à horta
Onde a colmeia dorme entre verbenas:

— Estas rosas, Licínio, e essas, vermelhas,


Rega-mas bem, e os cravos da Numídia
Que estão além, defronte do lagar;

Quero um festim de flores dar às abelhas,


Que em troca me darão mel para Lídia
E cera para as ânforas selar.

PROPÉRCIO A CÍNTIA

—P’ra que te enfeitas? Que tontice a tua!


P’ra quê esse penteado singular,
E, de cós, esses véus tecidos de ar?
P’ra que estas vestes, se te quero nua?

Nua, no espaço, é que é formosa a lua;


Se a cobre alguma nuvem, que pesar!
Flores, estrelas do céu, ondas do mar
Mostram despidas a beleza sua...

Sobrancelhas postiças! Estás tonta!


Vermelhão e cosméticos! Que afronta
Para esse lindo e penugento rosto!

Lança fora pomadas e pinceis!


Anda nuzinho o amor: todo o seu gosto
É ver, como ele, nus os seus fiéis!

PROPÉRCIO E CÍNTIA
(A Joaquim Costa)
4
Tulo, procônsul na Ásia, ao seu amigo
Propércio vai dizer o extremo adeus:
— Por que é que ensurdeceste aos rogos meus,
Por que é, Propércio, que não vens comigo?

A sábia Atenas de renome antigo,


E a Iônia doce que nos campos seus
Vê o Pacíolo refletindo os céus,
Mais belas me hão de parecer contigo!

Mas Propércio responde: — Um néscio eu fora


Se às iras me expusesse do Ariático
Para ver terras! Não, de nenhum modo

Te seguirei! Vai tu, e em boa hora!


Da minha bela Cíntia no aromático
Seio de rosas tenho o mundo todo!

O ANEL DE CORINA
(A Alfredo Pimenta)

Enquanto espera a hora combinada


De o remeter com flores a Corina,
Ovídio oscula o anel que lhe destina
E em que uma gema fulge bem gravada.

— Como eu te invejo, ó prenda afortunada!


Com ela vais dormir, mimosa e fina,
Com ela hás de banhar-te na piscina
Donde sairá, qual Vênus, orvalhada,

O dorso e o seio lhe verás de rosas,


E selarás as cartas deliciosas
Com que em minh’alma alento e esperança verte...
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E temendo (suprema felicidade!)
Que a cera adira à pedra, ai! então há de
Com a ponta da língua umedecer-te!

OVÍDIO FURIOSO
(A Carlos de Sacadura)

Com sanhudo furor Ovídio atira


A tabuinha encerada para a rua;
— Que um carro te esmigalhe e te destrua,
Odiado objeto da mais justa ira!

Quem a árvore negra destruíra


De que provéns! Contorcionada e nua,
Nela alguém se enforcou à luz da lua,
Amaldiçoando as parte que o traíra!

A uma abelha da Córsega, nutrida


Só de flores de cicuta, é que é devida
A cera que te cobre... Vai-te, foge,

Ó tábua, onde o estilete de Corina


Traçou, tremendo em sua mão divina,
Esta sentença; — É impossível, hoje...

PESCA IMPERIAL
(A Carlos Reis)

Pesca no Tibre o Imperador. A cana,


Como também o anzol, é d’ouro fino,
E de púrpura a linha. Tigelino,
De Nero aos pés, dos seus anéis se ufana.
6
Do rio à superfície baça e plana
Nem uma ruga só. No ar cristalino,
Demandando os ciprestes do Aventino,
De rolas foge alada caravana...

É morno o dia. A natureza dorme...


Nisto, entesa-se a linha fugidia,
E co’a fronte apoplética, vermelha,

Vai decerto aparecer! Mas... que!


O que o anzol traz é uma sandália velha.

PÁLPEBRAS DE POPEIA

Focas, o astuto lapidado grego,


Mostra a Nero uma gema nunca vista,
Uma espécie de pálida ametista
Que arde no mais febril desassossego.

O Imperador, no fervoroso apego


De lisonjear da nova esposa a vista
Com essa pedra única, imprevista,
De a remirar à força, é quase cego.

— Estas pedras que são? Em tom sereno:


— São pálpebras de Vênus, diz o heleno.
— De Vênus? volve Nero, não é feia

A expressão, porém quero-a mais radiante:


Chamemos a tais pedras doravante
Pálpebras (não de Vênus!) de Popeia...

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OS DOIS CORTEJOS

Na Via Ficulense enrubescida


Do sol pelos vislumbres derradeiros,
Quatro homens levam, graves e trigueiros,
O sangrento cadáver dum suicida.

Atrás, chamando-o inutilmente à vida,


A mãe com uns olhos que são dois braseiros,
Segue, sob os atônitos pinheiros,
Em descomposta e lúgubre alarida.

Nisto, ergue-se na estrada um bulcão louro


De poeira; e o triste enterro que sopeia
A marcha enquanto o céu se enche d’estrelas,

Desviando-se vê, ferradas d’ouro,


As quinhentas burrinhas que Popeia
Mantém, p’ra se banhar no leite delas.

MATRICÍDIO

Hercúleo centurião parte incumbido


De matar Agripina. Indiferente,
Nero compõe ao espelho lentamente
A c’roa de verbenas, presumido.

Depois, cantarolando, embevecido


Co’a própria voz, põe-se a mirar contente
Um colar de carbúnculos, presente
Por ele a certa escrava prometido.

Assoma um atriense anunciando


A linda escrava. Nero, que palpita,
Clama, co’as fontes latejantes: — Que entre!
8
Longe, Agripina, o centurião fitando,
E adivinhando tudo, assim lhe grita:
— Sei quem te manda; fere-me no ventre!

O POETA POBRE

— Por que não faço um longo poema? A rua


Que aqui vês com seus prédios e calçada,
Foi outrora uma veiga embalsamada,
Cheia de rouxinóis cantando à lua.

Debalde a pobre terra se extenua


Em q’rer florir de novo: carregada
De pedras, só produz a erva enfezada
Que entre as frinchas das pedras se insinua.

Assim eu sou também. Pobre de haveres,


Conquistando o meu pão com os meus suores,
Vivo amarrado a ocupações mesquinhas...

As minhas pedras são os meus deveres,


E não podendo desatar-lhe em flores,
Contento-me em criar débeis ervinhas...

PEIXE DE AQUÁRIO

Na água límpida e fria da redoma


Move-se lento um peixe que parece
Feito de nácar que espelhado houvesse
As labaredas ruivas de Sodoma.

9
Ao vê-lo, a doce Pirra d’áurea coma,
Dessa cor uma túnica apetece,
Diz:— Que estúpido! e no cristal revê-se
Da boceta em que traz lânguido aroma.

E eis que Petrônio atalha; — Quererias


Que fosse outro Demóstenes? Que míngua
De siso tens! Elege-o por modelo,

Voluptuoso encanto dos meus dias,


E repara, travando mais a língua,
Que a sua missão única é ser belo!

MUSA DOMÉSTICA
(A Antônio Correia de Oliveira)

Cheio de inspiração, Lucano escreve:


O áureo estilete célere caminha
Como dourado inseto na tabuinha
Que a cera cobre de camada leve.

Por trás do Poeta, surge, alva de neve,


Pola Argentaria, dele se avizinha
E espreita os versos: nunca uma rainha
Tão jubiloso e nobre orgulho teve!

Nisto, a meio dum verso, o poeta hesita;


Mas pola, em doce voz, logo lhe dita
O hemistíquio fugaz que tanto o rala;

E ao escrevê-lo, febril, com mão nervosa,


Marco Lucano crê, sem dar pela esposa,
Que é a própria Calíope quem fala...

10
NO PÓRTICO DE LÍVIA
(A Guedes de Oliveira)

Demo, filha de Atenas, passa airosa


Com um ar de virgem tão discreta e pura,
Que mais dum amador sonha a ventura
De a oscular um dia como esposa.

Dir-se-ia pisar estrelas! Luminosa. Cintila


entre os seus pés a poeira escura: Na sola
das sandálias lhe fulgura
Em pregos d’ouro uma inscrição radiosa.

E tais pregos no chão deixam impressas


Estas palavras: Segue-me! Traída,
Parte a ingênua ilusão pelos céus fora...

Com o juízo a paz volta às cabeças...


E quem sonhara um amor de toda a vida
Corre a pagar um amor de meia hora.

CONVITE A FÁBULO

— Vem, amigo: dar-te-ei mimosa ceia;


Mas traze vinhos bons, ricos manjares,
Chalaça fina que sacuda os ares,
E alguma ninfa que não seja feia,

Isso tudo trazendo, noite cheia


Terás aqui para esquecer pesares,
Que eu, no meu bolso, vítima de azares
Encontro apenas, aracnídea teia.

Mas darei os perfumes: sem perfumes


11
Não pode haver festim! Graças aos Numes,
Da minha Lésbia o corpo rescendente

Perfumar à com tal doçura a festa,


Que ter desejarás, dos pés à testa,
Cem narizes... ou ser nariz somente!

TÍBULO EMPOBRECIDO
(A Rui de Betecourt da Câmara)

— Empobreci a amar! Risonhos prados


E vinhedos que davam louros vinhos,
Tudo vendi para comprar carinhos
Mentirosos e beijos simulados.

Os beijos, mesmo quando assim comprados,


São por vezes tão suaves como arminhos...
Mas que fazer agora? Pelos caminhos.
Vou ser ladrão, roubar os descuidados!

De Vênus, que comigo não se importa,


Vou o templo saquear, despir-lhe os muros!
Antes morrer, sacrílego, a seus pés,

Do que ser encontrado morto à porta


Que enchi de flores e cujos gonzos duros
Não rangeram por mim uma só vez!

OS BRINCOS DE PÓRCIA

As indianas pérolas que vejo


Nessas orelhas, Pórcia, não são elas

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As que te deu, alçando-se às estrelas,
Hortênsio, a troco de fingido beijo?

Para as obter, submisso ao teu desejo,


Vendeu quanto possuía; mas ao vê-las
Por ti miradas, que as dizias belas,
Rico o pobre se achava de sobejo.

Passados quatro dias bem pungentes,


Ao Tibre se deitou, louco de dor,
E lá morreu... Que miserável sorte!

Esses brincos esconde aos teus clientes,


Pois supondo exibir troféus d’amor,
Lábaros ergues de perfídia e morte!

A CARESTIA DO AMOR

Feliz o tempo em que uma cortesã


O era porque o sangue lho pedia,
E só ligeiras prendas recebia,
Uma ode, um junquilho ou uma romã.

Hoje, d’amor toda a paixão é vã


Se o cantar dos sestércios a não guia;
Qualquer rameira vil ganha num dia
Cem vezes mais do que se fiasse lã.

Por isso, Cláudia que eu, cheia de andrajos,


Há pouco vi, seguindo, ao sol adusto,
O pai no amanho de arrendadas glebas,

Ontem, no Circo, apareceu com trajos


E joias cujo fabuloso custo
Daria para erguer de novo Tebas!
13
TULIAZINHA
(Ao Conde de Bertiandos)

Cícero escreve a Ático na paz


Do seu jardim. Dum colmeal fugida,
Chega a pequena Túlia esbaforida
Que um farto ramo de narcisos traz.

— A quem escreves, a Ático? Dir-lhe-ás


Que me mande a boneca prometida;
E aperta-o bem, senão... por minha vida!
Se o falso m’a não der, tu ma darás!

Rindo, o orador lá escreve esse recado


Em castiço latim.
Fresco e pausado, Arfa, no ar,
balsâmico favônio...

Abala Túlia. O pai segue-a co’a vista...


Mas uma nuvem lúgubre, imprevista
Lhe ensombra o olhar: pensara em Marco Antônio.

A VINGANÇA DE FÚLVIA

De Cícero a cabeça decepada


Sangra num prato, lívida e serena;
Mirando-a, como satisfeita hiena,
Fui via, bela e feliz, sorri vingada,

— Como foi isto? Boca tão danada


Com sua baba já não me envenena?
Já me não mordes, boca d’ouro? É pena
14
Que pena eu tenho de te ver calada!

Ardem-lhe os olhos em rogais delírios,


E crispando os seus dedos, claros lírios,
Enclavinhados por um ódio cego,

Cospe, entreabrindo-a, na gelada boca,


Puxa-lhe a língua, e nela crava, louca,
De seus fulvos cabelos o áureo prego.

NA VIA ÁPIA
(A Antônio Carneiro)

Da Ápia Via ao lado, onde o violento


Siroco erguia folhas e poeira,
Num cipo li, ao pé duma aveleira,
Esta inscrição, detendo-me um momento:

De Cláudia aos Manes, que Plutão cruento


Prostrou, do leito nupcial à beira,
Álbio, seu noivo, como derradeira
Prova d’amor, eleva este moimento.

Terminada a leitura, reparei


Que a minha noiva, conturbado o busto,
De flores enchia o cipo abandonado.

— Conheceste-la acaso? perguntei:


— “Não” respondeu Lavínia; mas é justo
Que o amor ditoso amime o desgraçado...

Iba Mendes Editor Digital


www.poeteiro.com
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