Poemas Bocage

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[JÁ BOCAGE NÃO SOU!...

À COVA ESCURA]

Já Bocage não sou!... À cova escura


Meu estro vai parar desfeito em vento...
Eu aos céus ultrajei! O meu tormento
Leve me torne sempre a terra dura.

Conheço agora já quão vã figura


Em prosa e verso fez meu louco intento.
Musa!... Tivera algum merecimento,
Se um raio da razão seguisse, pura!

Eu me arrependo; a língua quase fria


Brade em alto pregão à mocidade,
Que atrás do som fantástico corria:

Outro Aretino fui... A santidade


Manchei!... Oh! Se me creste, gente ímpia,
Rasga meus versos, crê na eternidade!

AUTORRETRATO

Magro, de olhos azuis, carão moreno,


Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;

Incapaz de assistir num só terreno,


Mais propenso ao furor do que à ternura;
Bebendo em níveas mãos, por taça escura,
De zelos infernais letal veneno;
Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só memento,
E somente no altar amando os frades,

Eis Bocage, em quem luz algum talento;


Saíram dele mesmo estas verdades,
Num dia em que se achou cagando ao vento.

[NARIZ, NARIZ, E NARIZ]

Nariz, nariz, e nariz,


Nariz, que nunca se acaba;
Nariz, que se ele desaba,
Fará o mundo infeliz;
Nariz, que Newton não quis
Descrever-lhe a diagonal;
Nariz de massa infernal,
Que, se o cálculo não erra,
Posto entre o Sol e a Terra,
Faria eclipse total!

[SONETO DE TODAS AS PUTAS]

Não lamentes, ó Nize, o teu estado;


Puta tem sido muita gente boa;
Putissimas fidalgas tem Lisboa,
Milhões de vezes putas teem reinado:

Dido foi puta, e puta d'um soldado;


Cleopatra por puta alcança a c'roa;
Tu, Lucrecia, com toda a tua proa,
O teu conno não passa por honrado:

Essa da Russia imperatriz famosa,


Que inda ha pouco morreu (diz a Gazeta)
Entre mil porras expirou vaidosa:

Todas no mundo dão a sua greta:


Não fiques pois, ó Nize, duvidosa
Que isso de virgo e honra é tudo peta.

[SONETO DE TODOS OS CORNOS]

Não lamentes, Alcino, o teu estado,


Corno tem sido muita gente boa;
Cornissimos fidalgos tem Lisboa,
Milhões de vezes cornos teem reinado.

Sicheu foi corno, e corno de um soldado:


Marco Antonio por corno perdeu c'roa;
Amphitryão com toda a sua proa
Na Fabula não passa por honrado;

Um rei Fernando foi cabrão famoso


(Segundo a antiga lettra da gazeta)
E entre mil cornos expirou vaidoso;

Tudo no mundo está sujeito à greta:


Não fiques mais, Alcino, duvidoso,
Pois isto de ser corno é tudo peta.

[SONETO DA CAGADA]
Vae cagar o mestiço e não vae só;
Convida a algum, que esteja no Gará,
E com as longas calças na mão ja
Pede ao cafre canudo e tambió:

Destapa o banco, atira o seu fuscó,


Depois que ao liso cu assento dá,
Diz ao outro: "Ó amigo, como está
A Rittinha? O que é feito da Nhonhó?"

"Vieste do Palmar? Foste a Pangin?


Não me darás noticias da Russu,
Que desde o outro dia inda a não vi?"

Assim prosegue, e farto ja de gu,


O branco, e respeitavel canarim
Deita fora o cachimbo, e lava o cu.

[SONETO DO PAU DECIFRADO]

É pau, e rei dos paus, não marmeleiro,


Bem que duas gamboas lhe lobrigo;
Dá leite, sem ser arvore de figo,
Da glande o fructo tem, sem ser sobreiro:

Verga, e não quebra, como zambujeiro;


Oco, qual sabugueiro tem o umbigo;
Brando às vezes, qual vime, está comsigo;
Outras vezes mais rijo que um pinheiro:

À roda da raiz produz carqueja:


Todo o resto do tronco é calvo e nu;
Nem cedro, nem pau-sancto mais negreja!

Para carvalho ser falta-lhe um U;


Adivinhem agora que pau seja,
E quem adivinhar metta-o no cu.

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