CANDAU A Didática e A Formação de Educadores-1
CANDAU A Didática e A Formação de Educadores-1
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se responsabiliza a Didática pela alienação dos professores em Se a abordagem humanista é unilateral e reducionista, fa-
relação ao significado de seu trabalho". zendo da dimensão humana o único centro configurador do
(Salgado, 1982, p. 16) processo de ensino-aprendizagem, no entanto, ela explicita a
. ,:" importância dessa dimensão. Certamente o componente afetivo
No entanto, esta problemática só pode ser adequadamente está presente no processo de ensino-aprendizagem. Ele perpas-
compreendida se for historicizada. Ela se dá num contexto concreto, sa e impregna toda sua dinâmica e não ppde ser ignorado.
em que o ensino de didática se foi configurando segundo umas
Quanto à dimensão técnica, ela se refere ao processo de
características específicas que têm de ser analisadas em função do
ensino-aprendizagem como ação intencional, sistemática, que
contexto educacional e político-social em que se situam.
procura organizar as condições que melhor propiciem a apren-
É nesta perspectiva que tenta se colocar o presente trabalho, dizagem. Aspectos como objetivos instrucionais, seleção do
que pretende oferecer subsídios para o aprofundamento da com- conteúdo, estratégias de ensino, avaliação etc., constituem o seu
preensão da polêmica atual sobre o papel da didática na formação núcleo de preocupações. Trata-se do aspecto considerado obje-
dos educadores e sugerir algumas pistas para a sua superação. tivo e racional do processo de ensino-aprendizagem.
No entanto, quando esta dimensão é dissociada das demais,
1. Um ponto de partida: a multidimensionalidade do
tem-se o tecnicismo. A dimensão técnica é privilegiada, analisada
processo de ensino-aprendizagem
de forma dissociada de suas raízes político-sociais e ideológicas, e
o objeto de estudo da didática é o processo de ensino-aprendi- vista como algo "neutro" e meramente instrumental. A questão
zagem. Toda proposta didática está impregnada, implícita ou expli- do "fazer" da prática pedagógica é dissociada das perguntas
citamente, de uma concepção do processo de ensino-aprendizagem. sobre o "por que fazer" e o "para que fazer" e analisada de
Parto da afirmação da multidimensionalidade deste proces- forma, muitas vezes, abstrata e não contextualizada.
so: O que pretende dizer? Que o processo de ensino-aprendiza- Se o tecnicismo parte de uma visão unilateral do processo
gem, para ser adequadamente compreendido, precisa ser ana- ensino-aprendizagem, que é configurado a partir exclusivamen-
lisado de tal modo que articule consistentemente as dimensões te da dimensão técnica, no entanto esta é sem dúvida um
humana, técnica e político-social. aspecto que não pode ser ignorado ou negado para uma adequa-
Ensino-aprendizagem é um processo em que está sempre da compreensão e mobilização do processo de ensino-aprendi-
presente, de forma direta ou indireta, no relacionamento humano. zagem. O domínio do conteúdo e a aquisição de habilidades
básicas, assim como a busca de estratégias que viabilizem esta
Para a abordagem humanista é a relação interpessoal o
aprendizagem em cada situação concreta de ensino, constituem
centro do processo. Esta abordagem leva a uma perspectiva
problemas fundamentais para toda proposta pedagógica. No
eminentemente subjetiva, individualista e afetiva do processo
entanto, a análise desta problemática somente adquire signifi-
de ensino-aprendizagem. Para esta perspectiva, mais do que um I
j cado pleno quando é contextualizada e as variáveis processuais
problema de técnica, a didática deve se centrar no processo de } tratadas em íntima interação com as variáveis contextuais.
aquisição de atitudes tais como: calor, empatia, consideração po- ~-
sitiva incondicional. A didática é então "privatizada". O cresci- Se todo o processodeensino-aprendiza.gem é."situa.d9'~, <1.
mento pessoal, interpessoal e intragrupal é desvinculado das dimensão'polft[co=;~~;;( lhe { in~re-;'t~:'-Ele acontece sempre'
condições sócio-econômicas e políticas em que se dá; sua di- lI numa ~~rtl~r~p~cífi~-~,wii:a com pessoas'
concretas que têm uma
mensão estrutural é, pelo menos, colocada entre parênteses. posição de classe definida na organização social em que vivem. Os
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condicionamentos que advêm desse fato incidem sobre processo experiência como aluna de Didática. Qual a temática privilegiada?
de ensino-aprendizagem. A dimensão político-social não é um Sem dúvida era a crítica à chamada didática tradicional e a afirma-
aspecto do processo de ensino-aprendizagem. Ela impregna toda ção da perspectiva escolanovista. Ao mesmo tempo, o Colégio de
a prática pedagógica que, querendo ou não (não se trata de uma •
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Aplicação da PUC/R} promovia uma experiência de educação
decisão voluntarista), possui em si uma dimensão político-social. personalizada em que se enfatizava a associação entre Montessori
e Lubienska e a utilização de técnicas inspiradas no Plano Dalton.
No entanto, a afirmação da dimensão política da educação em
Esta escola oferecia campo privilegiado de estágio para os licen-
geral, e de prática pedagógica em especial, tem sido acompanhada
ciandos que observavam os princípios básicos da Escola Nova.
entre nós, não somente da crítica ao reducionismo humanista ou
tecnicista, frutos em última análise de uma visão liberal e moderni- Nos últimos anos da década de 50 e nos primeiros da de 60,
zadora da educação, mas tem chegado mesmo à negação dessas o país passa por um período de grande efervescência político-
dimensões do processo de ensino-aprendizagem. social e educacional. O debate em torno da Lei de Diretrizes e
De fato, o difícil é superar uma visão reducionista, dissociada Bases mobiliza a área educacional. Se enfrentam diferentes
ou justaposta da relação entre as diferentes dimensões, e partir para posições mas a matriz liberal predomina.
uma perspectiva em que a articulação entre elas é o centro confi- Neste contexto, a didática faz o discurso escolanovista. O
gurador da concepção do processo de ensino-aprendizagem. Nesta problema está em superar a escola tradicional, em reformar inter-
perspectiva de uma multidimensionalidade que articula organica- namente a escola. Afirma-se a necessidade de partir dos interesses
mente as diferentes dimensões do processo de ensino-aprendiza- espontâneos e naturais da criança; os princípios de atividade, de
gem é que propomos que a didática se situe. individualização, de liberdade, estão na base de toda proposta
didática; parte-se da importância da psicologia evolutiva e da
aprendizagem como fundamento da didática: trata-se de uma
2. Ensinando didática
didática de base psicológica; afirma-se a necessidade de "aprender
Não pretendo fazer a história da didática ou do ensino de fazendo" e de "aprender a aprender"; enfatiza-se a atenção às
didática no Brasil. Considero que esta é uma tarefa importante diferenças individuais; estudam-se métodos e técnicas como:
e urgente. O que pretendo é partir da minha experiência pessoal "centros de interesse", estudo dirigido, unidades didáticas,
como professora de didática desde 1963, e situar esta experiên- método de projetos, a técnica de fichas didáticas, o contrato de
cia na evolução político-social e educacional do país. Procurarei ensino etc.; promovem-se visitas às "escolas experimentais",
realizar uma análise crítica da evolução do ensino de didática da seja no âmbito do ensino estatal ou privado.
década de 60 até hoje. Soares (81), referindo-se aos primeiros anos da década de
50, identifica este mesmo predomínio da perspectiva escolano-
2.1. r M omento: A afirmação do técnico e o silenciar do político: I vista no ensino de Didática:
o pressuposto da neutralidade h
I
"A proposta da Escola Nova - ideológica, que era, como toda e
Cursei a Licenciatura em Pedagogia na PUC/R} de 1959 a qualquer proposta pedagógica - apresentava-se a mim, e a
1962 e, no ano seguinte, comecei a lecionar Didática nesta quase todos os educadores, àquela época, como um conjunto
mesma Universidade. O núcleo inspirador dos meus primeiros lógico e coerente de idéias e valores, capaz não só de explicar
anos de professora de Didática foi certamente minha própria
'I a prática pedagógica como também, e sobretudo, de regulá-Ia,
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o enfoque sistêmico e o não-sistêrnico da Didática. Se um en- dos fins a que servem, do contexto em que foram gerados. Signifi-
fariza objetivos gerais, formulados de forma vaga, o outro enfa- ca ver a prática pedagógica exclusivamente em função das variá-
tiza objetivos específicos e opcracionais. Se um enfatiza o processo, veis internas do processo de ensino-aprendizagem, sem articula-
o outro o produto. Se um parte de um enfoque da avaliação baseada ção com o contexto social em que esta prática se dá. Neste sentido,
na "norma", o outro enfatiza a avaliação baseada em "critérios". Se a Didática não tem como ponto de referência os problemas reais
no primeiro o tempo é fixo, o segundo tende a trabalhar a variável da prática pedagógica quotidiana, aqueles que enfrentam os pro-
tempo. Se um enfatiza a utilização dos mesmos procedimentos e fessores de 1° e 2° graus, tais como: precárias condições econômicas
materiais por todos os alunos, o outro faz variar os procedimen- das escolas e dos alunos, classes superlotadas, taxas significativas
tos e materiais segundo os indivíduos. E assim por diante ... de evasão e repetência, conteúdos inadequados, condições de
Nesta perspectiva, a formulação dos objetivos instrucionais, trabalho aviltantes, etc. Como a Didática não fornece elementos
as diferentes taxionornias, a construção dos instrumentos de significativos para a análise da prática pedagógica real e o que ela
avaliação, as diferentes técnicas e recursos didáticos, consti- propõe não tem nada que ver com a experiência do professor, este
tuem o conteúdo básico dos cursos de Didática. Modelos sistê- tende a considerá-Ia um ritual vazio que, quando muito, pertence
micos são estudados, habilidades de ensino são treinadas e são ao mundo dos "sonhos", das idealizações que não contribuem
analisadas metodologias tais como: ensino programado, plano senão para reforçar uma atitude de negação da prática real que
Keller, aprendizagem para o domínio, módulos de ensino etc. não oferece as condições que tornariam possível a perspectiva
didática proposta. A desvinculação entre a teoria e a prática
Entre as publicações indicadas pela pesquisa de Oliveira
pedagógica reforça o formalismo didático: os planos são elabo-
(80) como mais representativas do conteúdo atual da Didática
rados segundo as normas previstas pelos cânones didáticos;
segundo os professores de Didática de Belo Horizonte, o pre-
quando muito o discurso dos professores é afetado, mas a prática
domínio da tecnologia Educacional é, sem dúvida, evidente.
pedagógica permanece intocada.
Neste enfoque a acentuação da dimensão técnica do pro-
cesso de ensino-aprendizagem é ainda mais enfatizada do que
2.2.2° Momento: A afirmação do político e a negação do técnico:
na abordagem escolanovista. Nesta, pelo menos em algumas de
a contestação da didática
suas expressões, a dimensão humana também é salientada e a
relação professor-aluno é repensada em bases igualitárias e mais Principalmente a partir da metade da década de 70, a crítica
próximas, do ponto de vista afetivo. às perspectivas anteriormente assinaladas se acentuou. Esta
Na perspectiva da tecnologia educacional a Didática se crítica teve um aspecto fortemente positivo: a denúncia da falsa
neutralidade do técnico e o desvelamento dos reais compromis-
centra na organização das condições, no planejamento do am-
sos político-sociais das afirmações aparentemente "neutras", a
biente, na elaboração dos materiais instrucionais. A objetivida-
afirmação da impossibilidade de uma prática pedagógica que
de e racionalidade do processo são enfatizadas.
não seja social e politicamente orientada, de uma forma implí-
Mas, se estas duas abordagens se diferenciam, elas partem cita ou explícita. Mas, junto com esta postura de denúncia e de
de um pressuposto comum: "o silenciar da dimensão política". explicitação do compromisso com o "status quo" do técnico
E este silêncio se assenta na afirmação da neutralidade do aparentemente neutro, alguns autores chegaram à negação da
técnico, isto é, na preocupação com os meios desvinculando-os própria dimensão técnica da prática docente.
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"Há uma suposição firmada entre os críticos do 'saber fazer' de 3. De uma didática instrumental a uma didática
que a dimensão de eficácia do trabalho pedagógico é, definiti- fundamental
vamente, uma invenção do pragmatismo pedagógico. Dessa
forma todas as técnicas e meios pedagógicos são produtos da No momento atual, segundo Salgado (82), ao professor de
burocracia e instrumentos do poder dominador exercido pelo Didática se apresentam duas alternativas: a receita ou a denún-
professor (...) Há um consenso tácito de que as noções de cia. Isto é, ou ele transmite informações técnicas desvinculadas
'eficácia', racionalidude, organização, 'instrumentalização', dos seus próprios fins e do contexto concreto em que foram
'disciplina', estão indissoluvelmente ligadas ao modelo buro- geradas, como um elenco de procedimentos pressupostamente
crático capitalista e, onde existem, são restritoras dos processos neutros e universais, ou critica esta perspectiva, denuncia seu
de democratização da escola e da sociedade. C .. ) compromisso ideológico e nega a Didática como necessaria-
mente vinculada a uma visão tecnicista da educação.
A critiquice antitécnica é própria do democratismo e responde
em boa dose pela diminuição da competência técnica do edu- Certamente, na maior parte das vezes, o ensino de Didática
cador escolar. A ênfase no saber ser, sem dúvida fundamental está informado por uma perspectiva meramente instrumental.
para se definir uma postura crítica do educador frente ao conhe-
cimento e aos instrumentos de ação, não pode dissolver as "Este enfoque limitado reflete-se nos livros sobre o assunto que
outras duas dimensões da prática docente, o sabere osaberfazer, são, em geral, pobres, restringindo-se ao enunciado de 'receitas',
pois a incompetência no domínio do conteúdo e no uso de com uma fundamentação teórica insuficiente e inconsistente".
recursos de trabalho compromete a imagem do professor-edu- (Alvite, 81, p. 52).
cador. Tornar nossa prática ineficiente põe em risco os próprios
fins políticos dessa prática". Mas a crítica à visão exclusivamente instrumental da Didá-
tica não pode se reduzir à sua negação. Competência técnica e
(Libânio, 82, p. 42-43)
competência política nãQsii:.2.aspectos contrapostos. -Apfátlca
pedagógica, exatamente por s-~;p~iít,ca~--exíge--acúmpetêficía
Essa tendência reduz a função da Didática à crítica da
técnica. As dimensões política, técnica e humana da prática
produção atual, geralmente inspirada nas perspectivas anterior-
pedagógica se exigem reciprocamente. Mas esta mútua impli-
mente mencionadas. cação não sedá automática e espontaneamente. É necessário
A afirmação da dimensão política da prática pedagógica é que seja conscientemente trabalhada. Daí a necessidade de
então acompanhada da negação da dimensão técnica. Esta é vista uma didática fundamental.
como necessariamente vinculada a uma perspectiva tecnicista. A perspectiva funçl<l!I1~!1.t:.ªJ
da.º-!9ática assume a multidi-
Mais uma vez as diferentes dimensões do processo de ensino- mensionalid adedoprocesso de ensino-a prend i~;ge-;:rl'e-cõloca
aprendizagem são contrapostas, a afirmação de uma levando à a articulação das três dimensões, técnica; humanaepolítica, no \
negação das demais. Afirmar a dimensão política e, conseqüente-
mente, estrutural da educação, supõe a negação do seu caráter
centro configurador de sua ternática. j
Procura partir da análise da prática pedagógica concreta e
pessoal. Competência técnica e política se contrapõem.
de seus determinantes.
Neste momento, mais do que uma Didática, o que se pos-
Contextualiza a prática pedagógica e procura repensar as
tula é uma antididática.
dimensões técnica e humana, sempre "situando-as".
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