4 - Ações Interdisciplinares em Salas de Eja - Os Projetos de Trabalho A Luz Do Enfoque Histórico Cultural
4 - Ações Interdisciplinares em Salas de Eja - Os Projetos de Trabalho A Luz Do Enfoque Histórico Cultural
4 - Ações Interdisciplinares em Salas de Eja - Os Projetos de Trabalho A Luz Do Enfoque Histórico Cultural
Resumo
Este artigo tem por finalidade discutir a organização do trabalho pedagógico nas salas
de aula do PEJA (Programa de Educação de Jovens e Adultos – Unesp – Marília) por
meio de Projetos de Trabalho, que subentendem ações interdisciplinares na perspectiva
da Teoria Histórico-Cultual. Aponta-se para as implicações pedagógicas dessa
concepção de ensino, considerando-se a formação do educando jovem e adulto diante
da utilização do tempo e do espaço de ensino, da produção do conhecimento, do
procedimento dado à informação, às disciplinas escolares, da elaboração/
implementação/ desenvolvimento/ avaliação dos projetos de trabalho
interdisciplinarmente à luz do enfoque vygotiskiano. Portanto, nosso olhar é teórico-
metodológico e volta-se para um contexto específico: as classes de EJA em suas
ações interdisciplinares. Abordaremos tal temática da seguinte maneira: numa primeira
parte, tentaremos apresentar os preceitos gerais da teoria, discutindo conceitos-chave
como mediação, atividade, aprendizagem, desenvolvimento, estando aí inseridas as
ações de educandos e de educadores de EJA. Numa segunda parte, tentaremos
retirar algumas lições dessa teoria, para (re)apresentar e (re)pensar os projetos em
EJA, ressignificando e redimensionando-os pelo viés vygotiskiano.
Palavras-chave: Interdisciplinaridade em EJA. Metodologia de Projetos. Enfoque Histórico-
Cultural.
Abstract
This article aims to discuss the organization of work teaching in classrooms of Pejão
(Program of Education for Youth and Adult - Unesp - Linda) through the Work Projects,
which underlie actions from the perspective of interdisciplinary Theory History-Culture.
Pointing to the pedagogical implications of this conception of education, considering
the formation of educating young adults and forth the use of time and space for education,
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Mesmo sabendo que a teoria histórico-cultural não é uma obra sua – individual –
mas constitui-se numa “escola”, da qual ele foi a liderança, detivemo-nos no estudo
de suas idéias. Nossa trajetória de estudo de algumas obras de Vygotsky, de
estudiosos de suas obras e de cursos que fizemos com especialistas na teoria, bem
como pesquisas já realizadas e fundamentadas nesse enfoque, permite-nos uma
apropriação de suas idéias de forma a que pudéssemos construir uma síntese que
possibilita tal proposição.
Cyntia G. G. S. Girotto; Elieuza Ap. de Lima. Ações Interdisciplinares em Salas de EJA:...
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Elemento intuitivo pode ser entendido como “elemento que orienta”, considerando a
ação do sujeito com o objeto (objetal ou intelectual) mediado por conhecimentos de
que ele já se apropriou.
Cyntia G. G. S. Girotto; Elieuza Ap. de Lima. Ações Interdisciplinares em Salas de EJA:...
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Os projetos e a interdisciplinaridade
Considerando que a atitude ativa do sujeito é essencial no processo em
que ele se humaniza, numa discussão sobre projetos de trabalho supõe-se que
estes podem ser um meio de ajudar a repensar e a recriar o espaço destinado
aos processos de ensinar e aprender de maneira a que cada criança, jovem ou
adulto seja ativo no processo em que buscam se apropriarem de capacidades
humanizadoras.
Segundo Jolibert (1994a, b), mediante esses projetos busca-se reorgani-
zar a gestão do tempo, do espaço, a relação entre os educadores e os educandos
e, principalmente, com a intenção de redefinir o discurso sobre o conhecimento
científico do ensinar (aquilo que regulamenta o que deve ser ensinado e como
fazê-lo) e também do que é aprender e como se aprende.
Retomando a idéia de ensino compartilhado, já exposto anteriormente,
como elemento primordial para a apropriação dos bens culturais pelos educandos,
aqui os de EJA3, retomamos a relevância de ações interdisciplinares na sala de
aula com a pretensão de dar voz, vez e atitude ativa àqueles que aprendem.
3
Normalmente quando se fala em EJA, retoma-se as contribuições dos estudos de
Paulo Freire para o entendimento do processo de alfabetização e letramento. Não
será este o nosso olhar no presente artigo, uma vez que, provisoriamente, por meio
de outros trabalhados já realizados e publicados, concluímos pela necessidade de
buscar outros referenciais que pudessem complementar e redirecionar as práticas
dos educadores de EJA: a metodologia de projetos e a teoria Histórico-Cultural.
O educador de EJA que leva em conta esse enfoque considera que a aula
é um momento com uma cultura própria (ou culturas) definida pelas formas de
discurso que se produzem nas situações de interação e intercâmbio, e os proble-
mas para aprender não são considerados como produtos de certas aptidões,
mas como complexas interações entre personalidades, interesses, contextos
sociais e culturais e experiências de vida. Esse processo de educação considera
a discussão cultural (considerando-se as histórias de vida dos sujeitos aí imersos)
emancipatória e humanizadora.
Tais pressupostos têm sido norteadores da prática pedagógica dos edu-
cadores do PEJA, especialmente daqueles vinculados ao PEJA da FFC da UNESP
(Marília, SP.), levando-os permanentemente a redimensionar os significados pre-
sentes em suas ações, bem como a realizar releituras de suas categorias de
compreensão, na direção de redefinir o saber acumulado pela experiência huma-
na em EJA, dialogando com as múltiplas vozes que nos antecederam e com
aquelas contemporâneas, para afirmarem, dentre tantas vozes alheias, os rotei-
ros do PEJA.
se processo, significando que a formação dos alunos não pode ser pensada ape-
nas como uma atividade intelectual, mas como um processo global e complexo,
onde não é possível dissociar as atitudes de conhecimento e de intervenção no
real, no mundo.
Para avançar nessa reflexão, recorremos aos estudos de Abrantes (1995)
que apontam algumas características fundamentais do trabalho com projetos.
Segundo a autora,
• um projeto é uma atividade intencional: o envolvimento dos alunos é uma carac-
terística-chave do trabalho de projetos, o que pressupõe um objetivo que dá uni-
dade e sentido às várias atividades, bem como a expressão de um produto final
que pode assumir formas muito variadas, mas sempre na tentativa de responder
ao objetivo inicial e refletir o trabalho realizado.
• num projeto, a responsabilidade e autonomia dos alunos são essenciais: os
alunos são co-responsáveis pelo trabalho e pelas escolhas ao longo do desen-
volvimento do projeto. Em geral, fazem-no em equipe, motivo pelo qual a coopera-
ção está também associada ao trabalho.
• a autenticidade é uma característica fundamental de um projeto: o problema a
resolver é relevante e tem um caráter real para os alunos. Não se trata de mera
reprodução de conteúdos prontos. Além disso, não é independente do contexto
sociocultural e os alunos procuram construir respostas pessoais e originais.
• um projeto envolve complexidade e resolução de problemas: o objetivo central
do projeto constitui um problema ou uma fonte geradora de problemas que exige
uma atividade para sua resolução.
• um projeto percorre várias fases: escolha do objetivo central, formulação dos
problemas, planejamento, execução, avaliação, e divulgação dos trabalhos.
A partir dessas características podemos situar os projetos como uma
proposta de intervenção pedagógica que requer dos sujeitos que aprendem e dos
que ensinam uma atividade, uma atitude ativa no processo de apropriação e de
atribuição de sentidos aos objetos culturais, mediante ao qual podem surgir no-
vas necessidades de aprendizagem nas próprias tentativas de resolução de situ-
ações problemáticas.
Para Jolibert (1994b) e colaboradores, um projeto gera situações de apren-
dizagem, ao mesmo tempo, reais e diversificadas. Possibilita, assim, que os
educandos, ao decidirem, opinarem, debaterem, construam sua autonomia e seu
compromisso com o social, formando-se como sujeitos culturais. Autonomia,
tomada de decisões e enfrentamento de dificuldades reais são, pois, questões
cias e habilidades que cada um deve construir para si até o final de um ciclo/
projeto, de tal forma que seja possível marcar-se coletiva ou individualmente as
etapas alcançadas.4
Assim entendida, a Metodologia de Projetos é um caminho para transfor-
mar o espaço escolar (as práticas pedagógicas que envolvem processos de ensi-
no e de aprendizagem) em um espaço aberto a aprendizagens significativas para
todos os que dele participam, considerando que a organização dos projetos não
acontece em detrimento dos conteúdos das disciplinas, mas envolve tais conteú-
dos numa prática pedagógica centrada na formação cultural ampla e harmônica
dos alunos.
Conforme vimos reiterando, com o objetivo de resolver questões relevan-
tes para o grupo, o desenvolvimento de projetos pode vir a gerar necessidade de
aprendizagem, e, nesse processo, os alunos – jovens, adultos ou idosos - pode-
rão se apropriar de conteúdos de diversas disciplinas, entendidos como “instru-
mentos culturais” valiosos para a compreensão da realidade e intervenção em
sua dinâmica.
Nesse trabalho com projetos, os conteúdos deixam de ser um fim em si
mesmos e passam a ser instrumentos para ampliar a formação dos alunos e sua
interação com a realidade, de forma crítica e ativa. Além disso, nessa perspectiva
de trabalho educativo há a possibilidade de rompimento com a concepção de
“neutralidade” dos conteúdos disciplinares. Estes passam a ganhar significados
diversos, a partir das experiências sociais dos alunos, envolvidos nos projetos.
Os projetos de trabalho têm implicações no processo pedagógico, parti-
cularmente no que concerne à de selecionar e seqüenciar os conteúdos das
disciplinas. Normalmente, o “hábito” é organizar o conteúdo em etapas, de modo
cumulativo, de tal forma que este vá sendo “vencido” para outro ser “apresentado”
ao aluno. Os projetos de trabalho trazem nova concepção de seqüenciação, fun-
dada na dinâmica, no processo de “ir e vir”, em que os conteúdos vão sendo
tratados de forma mais abrangente e flexível, dependendo do conhecimento pré-
vio e da experiência cultural dos alunos. Assim um mesmo projeto pode ser de-
sencadeado em turmas de ciclos diferentes, recebendo tratamento diferenciado,
a partir do perfil dos grupos.
Não é com o simples fato de projetos gerarem necessidade de conheci-
mento que se está garantindo tal aprendizagem. É preciso que os alunos se
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Esta atividade decorrente é fundamental para a avaliação formativa adotada para o
trabalho pedagógico interdisciplinar na sala de aula.
Cyntia G. G. S. Girotto; Elieuza Ap. de Lima. Ações Interdisciplinares em Salas de EJA:...
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