Sociologia Da Educação
Sociologia Da Educação
Sociologia Da Educação
José Sarney
Ministro da Educação
Carlos Sant'Anna
Secretário-Geral
SOCIOLOGIA GERAL
Autor:
Paulo Meksenas
"Falo somente do que falo:
Do seco e de suas pais agens,
Nordestes, debaixo de um sol
Ali do mais quente vinagre:
y.
levem a refletir sobro a possibilidade de recuperar sua capacida -
de de decisão em sua prática social, instrumentos que lhe permi
tam relacionar sua prática com a organização social mais ampla, pa
ra que ele possa definir-se como um agente ativo na tentativa de
construção de uma nova sociedade.
12.
sempre esse objetivo e alcançado. Isto porque, alem dos pro"Dle
mas já levantados, a grande maioria dos professores de hoje foi
formada sob a reforma universitária (5 5 40 /6 8), numa época de
extrema desvalorização da disciplina no cenário educacional. Por
13
tes diferentes entre si. Ao contrário, a totalidade que pretende-
mos atingir por meio da nossa proposta deve ser entendida como
processo em contradição — o que não significa uma soma das p ar
tes mas, antes, uma inter-relação entre elas, na qual uma das
partes ao explicar a outra, pode também negá-la.
A proposta de conteúdo que apresentamos pretende basear
um curso de Sociologia em que os conceitos e temas formem uma re-
de de relações, ou melhor, um processo, no qual a compreensão de
um conceito ou tema deve ser mediada pela compreensão do conteú
do subsequente. Assim, não é possível a supressão de uma de suas
partes, nem a sua fragmentação em uma lista de palavras ou conce-
tos a serem apresentados aos alunos. A proposta de curso apresen-
tada na seqüência, deve contribuir para que tanto professores co-
mo alunos percebam o desenvolvimento social como um processo em
contradição, não necessariamente ligado ao equilíbrio e à harmo
nia. Tentamos sempre que possível não "naturalizar" a realidade
social. Ao contrário, procuramos mostrá-la como produto de uma a
ção civilizadora, resultado de um longo processo histórico con
flitivo, no qual grupos humanos se complementam e, em situações
históricas determinadas, ao mesmo tempo se antagonizam.
CAPÍTULO 2
Justificativa do conteúdo
19.
pitalista. Percorridas essas etapas, ao se iniciar a terceira u
nidade, provavelmente o aluno estará em condições de refletir '
sobre as relações sociais que envolvem o exercício) do poder em
nossa sociedade. Nesse momento, priviligia-se a compreensão da
Problematizacão-teorização
24.
diana do aluno. É um conhecimento que não pode ser desprezado, uma
vez que consiste na matéria-prima a ser trabalhada pelo professor.
Mas, se partimos do princípio que a pura catologação do saber de
senso comum explica a dinâmica da sociedade contemporânea, a So
ciologia passa a ser uma ciência supérflua. Por isso a aula de So_
ciologia não deve resumir-se a um espaço para a troca de concep
ções não refletidas criticamente,
A tarefa primordial do professor e' portanto a de ser o a-
gente que relaciona o conhecimento de senso comum ao conhecimento
científico, capacitado que está por uma carga maior de leituras ,
pelo acesso às regras de reflexão sistematizada etc. Foi nesse
sentido que negamos o papel do professor como mero orientador, a-
firmando-o como um agente sistematizador do conhecimento: aquele
que deve ser capaz de indicar a diversidade de pensamentos possí
veis, justamente no momento em que se imagina existir um único
pensar.
Com base nessas considerações, afirmamos a aula expositi
va como um recurso Importante no desenvolvimento de um curso de
Sociologia, pois é o momento quo possibilita a sistematizaçã
o dos
conhecimentos o 0 aluno, por si so, dificilmente desenvolverá um
método de estudo, pois lhe falta a base de informações que inte
gram o conteúdo» Por isso a figura do professor é importante: em
sua exposição, ele coloca dados e argumentos teóricos a serem re
fletidos pelo aluno. No entanto, uma aula expositiva mal prepara
da pode levar esse professor a uma reprodução disfarçada do senso
comum. Isso significa que o professor necessita cada vez mais se
definir também como produtor de conhecimentos, o que, em Sociolo
gia, significa estar em permanente contato com livros, elaborar
pequenos textos a partir de suaa leituras, participar da discussão
da experiências de outros professores. A tal ponto de, no momento
em que prepara a sua aula, ser capaz de re-produzir os vários
"pontos de vista" existentes sobre aquele conteúdo.
26.
tulo de ilustração, sugerimos que se recorra a dinâmicas de grupo
em que o aluno tenha chance de lidar com imagens (fotos, desenhos),
com diversas modalidades de texto (artigos de jornal, poesias) e
dentre outros problemas, fazem com que a grande maioria dos pro
fessores que lecionam Sociologia no 2º grau também se apeguem à
utilização doe poucos livros didáticos existentes, como se esses
textos fossem a "tábua de salvação" para as precárias condições
de elaboração do seu curso. Muitos teóricos, ao analisarem recen
temente as informações dadas pelos livros didáticos, acabaram por
perceber e denunciar os graves problemas que acompanham esse tipo
de texto: trazem informações que nem sempre priorizam o entendi-
27.
mento das relações sociais fundamentais; apresentam os conceitos
fora do contexto histórico em que foram ou são produzidos; a no
ção de evolução social é tratada linearmente; a sociedade define-
-se como um corpo homogêneo, tendente ao equilíbrio e à harmonia;
os problemas sociai3, quando aparecem, são tratados como "doen
ças passageiras" dessa sociedade, cujas causas são atribuídas a
condutas individuais ditas desviantes. Por essas e outras razões,
são livros que valorizam uma visão de mundo a-critica.
Cabe, porém, lembrar que esses livros didáticos não apre_
sentam informações falsas. Ao contrário, estruturam-se até com
certo rigor científico . No entanto, são textos que explicam a
realidade social sob o ponto de vista da classe dominante. Por
isso, o professor que os adota na maioria das vezes acaba repro
duzindo esse ponto de vista particular como se fosse realidade
universal. 0 livro didático, nessa situação, desempenha um papel
puramente ideológico: apresenta a visão de mundo de uma classe
como a única visão possível. Assim, passa a ser um instrumento e_
ficaz de educação sob os padrões e interesses da classe dominan
te. Diante dessa realidade surgem as questões:adotar ou não o
livro didático? Criar um novo livro didático, substancialmente
diferente? Teria o professor disponibilidade para isso?
22.
CAPÍTULO 4
Aspectos teóricos
natureza humanizada.
Trabalho e cultura são portanto atividades que interagem,
permitindo a construção do mundo civilizado, cujo significado e
dado pela produção do ser humano cultivado, enxertado. 0 homem é
um ser que enxerta a si mesmo (produz-se), cora o objetivo de produ
zir frutos mais "nutritivos e saborosos". Nesse sentido, a civi
lização 6 o momento da elaboração das invenções e descobertas
realizadas pelo homem para proteger a sua vida, para torná-la
31.
mais independente em face das forças naturais. A civilização ga
rante o aperfeiçoamento da vida , ao mesmo tempo que ajuda a torná -
la mais bela e significativa. Civilizar é, portanto, aumen tar a
humanidade do homem nes se mundo ao mesmo tempo rea l e imaginário.
32.
Consideramos importante, num curso de Sociologia Geral,
abordar de modo Conciso e rápido a dinâmica das sociedades tri
bal e escravista como uma introdução às formas de produção das
sociedades que antecedem à nossa. Ao mesmo tempo essas socieda
des permitem a reflexão sobre as relações de igualdade - desigual
dade e dominação - libertação na construção da civilização huma
na. No entanto, não é obrigatório nesse momento um estudo das so_
ciedades do passado. É possível compreender a dinâmica de uma so
ciedade tribal por meio de um estudo introdutório das nações in
dígenas no Brasil de hoje, relacionando-as com a nossa sociedade
urbano-industrial, para que os alunos percebam alguns dos confli_
tos que resultam dessa relação-
Por outro lado, também e fundamental vincular o conceito
de saber a esse processo. 0 saber esta ligado não apenas à repro
dução da sociedade, mas esta intimamente ligado à produção dessa
33.
industrial é resultado de um movimento civilizador que mantém
dentro de si a contradição entre dominantes e dominados, não
mais na mesma dimensão da sociedade escravista. Aquela contradi
ção é agora mediatizada pela fábrica e por um saber muitas vezes
utilitário» Deve-se enfim tentar estabelecer os diferentes modos
com que o ser humano se apropria da natureza e a representa, com
o objetivo de captar a especificidade do trabalho e da cultura
sob a sociedade industrial, ainda que de modo introdutório.
Por último, ainda nesta Unidade, é possível fazer uma
breve referência ao surgimento da Sociologia. 0 desenvolvimento
contraditório que possibilitou a afirmação da sociedade industri
al criou também condições para o desenvolvimento de uma ciência
preocupada em entender, analisar e interferir nessa ordem social:
a Sociologia. Convém lembrar que, apesar de surgir como ciência
voltada à tentativa de restauração do equilíbrio da sociedade,
a Sociologia se desenvolve também por meio de teorias que apon
Métodos de ensino
36
clusões obtidas no debate da aula anterior, o professor fará uma
exposição na qual' trará para os alunos informações sistematiza
Textos de apoio
Nas aparece
educação palavras numa
do antropólogo Carlos Rodrigues
sociedade indígena Brandão,
quando: "As meninasa
aprendem com as companheiras de idade, com as mães. as avós,
as irmãs mais velhas, os velhos sábios da tribo, com esta, ou
aquela especialista em algum tipo de magia ou artesanato. Os me
ninos aprendem entre jogos e brincadeiras de seus grupos de idade,
aprendem com os pais, os irmãos-da-mãe, os avós, os guerreiros,
com algum xamã (mago, feiticeiro), com os velhos cm volta das
fogueiras. Todos os agentes desta educação de aldeia criam de
parte a parte situações que, direta ou indiretamente, forçam inicia
tivas de aprendizagem e treinamento. Elas existem misturadas com
ade vida
amor.enQuase
momentos
sempredenãotrabalho, de lazer,
são impostos de écamaradagem
e não ou
raro que sejam
os aprendizes os que tomam a seu cargo procurar pessoas e situa-
ções: de troca que lhes possam trazer algum aprendizado". '
Vemos que a educação nasce como processo comunitário de
ensinar c aprender, ligado com as necessidades de cada grupo so
cial. Essas formas primárias de socialização estão presentes, não
só nas sociedades do passado, nem só nas sociedades indígenas,
mas também fazem parte da nossa sociedade urbano-industrial.
pois, nus dias de hoje, mesmo existindo uma instituição especiali
zada em educar (a escola), vemos também a existência de toda
uma rede de relações educativas informais na família, notrabalho
ou no lazer.
Podemos também afirmar que essa educação se dá através do
mito. O que isso significa?
Podemos definir simplificadamentc o mito como conjunto de
estórias, tendas, crenças, religiões ou ritos que compõem a vida
de qualquer povo. Us mitos carregam mensagens que se traduzem
nos costumes e na tradição de um povo, são uma maneira pos
sível de explicar um modo de vida. Se a filosofia ou a ciência
explicam
(crença semo mundo através
necessidade de da razão, um mito o explica pelafé
provas).
Podemos afirmar que o ser humano não se caracterizou sem
pre por entender o mundo através das provas que o raciocínio
lógico 'lhe oferece. Antes de explicá-lo racionalmente, o ser hu
mano sente o meio em que vive (tem medo, coragem, ansiedade);
o mito fez com que o ser humano procurasse entender o mundo
através do sentimento e buscando a ordem das coisas. Por isso o
mito é educativo; traz mensagem ou normas que podem criar um
tipo de comportamento no indivíduo necessário para a vida em
grupo.
Daquilo
de que modo que foi discutido
a sociedade até aaqui,
se altera pontoficam algumas
de fazer com dúvidas:
que, ao
lado da consciência filosófica, apareça agora uma outra consciên
cia: a científica? Como se apresenta a sociedade contemporânea,
(Ext
raíd
o do livro So
ciologia da Edu
cação; Introdução ao Es
tudo-
O capitalismo manufatureiro
O capitalismo é uma economia de mercado também, mas do
índole completamente diferente, Ele surge, no século XVI, como fruto
da formação do mercado mundial, resultante das Grandes Navegações.
Estas estabeleceram a interligação marítima de todos os continentes e
elevaram o comércio a longa distância a um novo patamar. Acima dos
mercados locais e regionais segmentados, surge um mercado mundial
para produtos de grande densidade de valor, como o ouro c a prata,
a pimenta e o açúcar, tecidos de algodão e seda, tabaco, perfumes,
pérolas etc. O grande capital comercial e usurário se lança na expansão
deste mercado mundial, levando de roldão as limitações corporativas
preexistentes, O capital, que até então se limitava à circulação de
mercadorias e valores, penetra na produção, tornando-se manufatureira.
Surgem, na Europa, empresários capitalistas que empregam grande
número de artesãos e produzem cm massa para mercados que crescem
sobretudo pela destruição de barreiras que separavam os mercados
locais e regionais.
Ê claro que o desenvolvimento da navegação marítima e, por
conseqüência, da navegação fluvial, lacustre e de canais construídos
pelo homem foi condição necessária para esta unificação de mercados,
que constituiu a base do capitalismo manufatureiro. Mas esta condição
não era suficiente. O capital manufatureiro necessitava não só do
acesso físico aos mercados mas também do acesso econômico, ou seja,
da possibilidade de penetrar neles de fora para vender e comprar. E
este direito feria, obviamente, os interesses dos mestres c comerciantes
locais, protegidos pelas regulações corporativas. O período de desen
volvimento do capitalismo manufatureiro, do século XVI ao 6éculo
XVIII, assiste ao embate entre o capital manufatureiro (apoiado, cm
vários países, pelas monarquias absolutas) e as corporações, muitas
vezes aliadas à nobreza local. Deste embate surgem as nações moder
nas, politicamente dominadas pelo poder nacional e economicamente
unificadas pela abolição das barreiras ao comércio interno e pela
abolição das moedas c medidas locais. Os símbolos da nação mo
derna são, ao lado da bandeira nacional, a moeda nacional de curso
forçado c um sistema unico de pesos c medidas, que atualmente tende
a ser o sistema métrico decimal.
No Brasil, a luta pela unificação dos mercados foi levada a cabo
pela metrópole portuguesa nos limites do Pacto Colonial, que propu
nha o monopólio metropolitano do comércio com a colônia. Um epi
sódio desta luta fui a proibição da manufatura de panos, no Brasil,
em 1785. A medida se destinava a favorecer a importação de tecidos
britânicos por capitais comerciais portugueses. Deste modo. o capital
manufatureiro britânico, mediante os bons ofícios da diplomacia de
Sua Majestade, que tinha feito com Portugal o Tratado de Methuen,
ampliava o seu mercado mundial. Por este Tratado, o mercado portu
guês se abria aos tecidos britânicos, c o da Grã-Bretanha aos vinhos
portugueses. Obviamente, não bastava ao capital manufatureiro bri
tânico ter acesso ao mercado brasileiro. Precisava dominá-lo e para
tanto não se hesitava e m usar o poder do Estado para eliminar a
concorrência da manufatura local.
Foi também mediante o colonialismo que o grande mercado da
índia foi incorporado ao mercado mundial do capital manufatureira
britânico. A índia possuía uniu tecelagem de alto padrão, cujos pro
dutos tinham larga aceitação na Europa. O governo colonial inglês
conseguiu destruir esta manufatura, assegurando tanto o mercado eu
ropeu quanto o da própria índia aos tecidos britânicos.
De uma forma geral, o avanço do capitalismo manufatureiro foi
lento e desigual, muito dependente do apoio político de que podia
dispor e das vicissitudes das lutas entre as diferentes nações européias
pelo domínio das vias marítimas e dos mercados coloniais. No século
XVIII, sucessivas
o seu maior rival, guerras resultaram
a França. no triunfo odacapitalismo
Em conseqüência, Grã-Bretanha sobre
manufa
tureira alcançou maior desenvolvimento na Grã-Bretanha, criando as
condições pura a Revolução Industrial, que teve lugar logo a seguir,
O capitalismo manufatureiro foi capaz de explorar, em certa
medida, a possibilidade de aumentar a produtividade mediante a pro
dução em grande escala. Reunindo numerosos trabalhadores sob o
mesmo teto, o capitalista manufatureiro pôde criar uma divisão téc-
nica de trabalho dentro da manufatura, o que lhe permitiu alcançar
maior produtividade do trabalho. Em lugar de cada trabalhador rea
lizar todas as operações, cada operação passava a ser tarefa de um
grupo específico de trabalhadores.
Esta nova divisão do trabalho proporcionava três formas de au
mento da produtividade:
a) poupava o tempo que o operador perde quando passa duma
tarefa a outra;
b) aumentava a destreza do operador, que passava a se especia
lizar num único tipo de trabalho;
c) ensejava a invenção de ferramentas especialmente adaptadas a
cada tipo de trabalho.
de produção,
A manufatura
barateando
capitalista
seusconseguiu,
artigos, que
destecomeçaram
modo, reduzir
a se ostornar
custos
competitivos com a produção doméstica.
A economia de mercado, ao se tornar capitalista, começou a se
expandir pela incorporação de atividades até então integradas à eco
nomia de subsistência. E o que acontece, na Inglaterra, com a agri
cultura, que se torna, ao mesmo tempo, mercantil e capitalista. Uma
grande parte dos trabalhadores é expulsa da terra e, na medida em
que consegue alienar sua força de trabalho ao capital manufatureiro,
passa a adquirir sua comida no mercado. Surge assim um mercado de
bens para assalariados como corolário do surgimento de uma classe
de proletários puros, totalmente dependentes do mercado para sua
subsistência.
O capitalismo industrial
A dinamização da economia de mercado pelo capitalismo ganha
impulso enorme com a Revolução Industrial, que tem início na Grã-
Bretanha, no último quartel do século XV1I1. Ela consiste essencial
mente na invenção de máquinas capazes de realizar tarefas que antes
requeriam a mão do homem. Na manufatura, a operação é realizada
pelo trabalhador com o auxílio da ferramenta. Na maquinofatura, a
ferramenta é engastada numa máquina, que substitui o trabalhador
na realização da tarefa. O trabalhador em vez de produzir passa a
ser necessário apenas para regular, carregar e acionar a máquina c
depois para desligá-la, descarregá-la e pô-la novamente em condições
de funejonar. De produtor, o operário é literalmente reduzido a ser
vente de um mecanismo, com cuja força, regularidade e velocidade
ele não pode competir.
A máquina é mais "produtiva" do que O homem porque supera
facilmente os limites físicos do organismo humano. Movida por força
hidráulica e pouco depois pela energia do vapor, a máquina pode dar
conta de trabalhos para os 'quais o homem c fraco demais.
O movimento da máquina 6 muito mais uniforme do que o do
corpo humano, para o qual a monotonia aumenta a fadiga. Na pro
dução, em grande escala, de objetos iguais, a máquina é muito superior
ao homem. Além disso, ela pode ser acelerada, atingindo velocidades
de movimento inalcançáveis para o homem.
Por tudo isso, a substituição do homem pela máquina apresenta
vantagens inegáveis para o capital, pela redução do custo de produção
que proporciona.
Com a Revolução Industrial, nasce o capitalismo industrial que
difere do capitalismo manufatureíro não só pela técnica de produção
mas pela postura que assume perante a economia de mercado.
O capitalismo manufatureira inspira o mercantilismo: sua estra
tégia de expansão requer a unificação do merendo nacional (inclusive
o das colônias) e sua dominação mediante o monopólio político. Ele
necessita da intervenção do Estado nacional para eliminar seus rivais
do mercado, sejam estes artesãos locais ou manufatureiros estrangeiros.
Segundo a doutrina mercantilista, cabe ao Estado promover as expor
tações e limitar as importações, de modo a maximizar o saldo comer
cial e deste modo promover a entrada de dinheiro (ouro ou prata) no
país, para reforçar o Tesouro real.
O capitalismo industrial por sua vez inspira o liberalismo: sua
estratégia de expansão requer a unificação de todos, os mercados, lo
cais e nacionais, sendo a competição livre para todos. Rejeita, portanto,
a intervenção do Estado no mercado, mesmo que seja cm seu favor.
Sua superioridade produtiva dá-lhe confiança de poder vencer a com
petição, sem precisar da proteção estatal.
O liberalismo econômico é parte de uma doutrina maíor, com
desdobramento no nível político. Ele propugna a liberdade do indiví
duo, enquanto cidadão, produtor e consumidor. A famosa palavra de
ordem fisiocrata "laissez faire, laissez passer" (deixai fazer, deixai
passai) proclama o direito de cada um produzir o que deseja e de
comprar e vender em qualquer mercado. Este direito, no plano eco
nômico, se conjuga com o direito de livre expressão do pensamento,
de reunião e manifestação e de participação (mediante o voto) na
escolha dos governantes. Estes direitos implicam o controle do governo
pelos cidadãos ou seus representantes eleitos, cumprindo notar que o
direito de votar e ser votado estava restrito aos indivíduos detentores
de um mínimo de propriedade ou renda. Não se supunha quê a cida
dania se estendesse aos pobres.
O liberalismo é o estandarte sob o qual a burguesia luta e con
quista a hegemonia econômica e política.'Na época-do capitalismo
manufatureiro, a classe capitalista procura um lugar ao sol sob a tutela
do'Estado monárquico, que ela não pode encarar como seu. A luta
principal se trava entre a realeza e a nobreza, a primeira procurando
centralizar usurária,
burguesia o poder ecomercial
eliminar eos manufatureira
particularismosnão
locais.
passaNesta luta, ada
de aliada
monarquia, de cujos propósitos unificadores se aproveita para se ex
pandir. Com o triunfo do absolutismo e a constituição dos grandes
impérios coloniais, a relação de forças muda. A burguesia, agora
industrial, se torna imensamente rica e passa a enxergar no Estado
absolutista um rival na disputa pelo excedente. Já no fim do século
XVIII. Adam Smith, o grande clássico do liberalismo, deblatera contra
o parasítismo do aparelho de Estado, contra os elevados gastos mili
tares e contra a interferência reguladora do governo no funcionamento
do mercado. A burguesia quer agora um Estado "seu", sóbrio nos
gastos, avesso às aventuras guerreiras c neutro cm relação à disputa
pelos mercado s. 55
O fim do século XVIII é marcado pela Revolução Industrial na
Inglaterra c pela Revolução Francesa. Ambas abrem caminho ao triun
fo do liberalismo, no século seguinte,, primeiro, a seguir, na Europa
Ocidental e nos Estados Unidos; na Rússia, no Japão e cm diversos
países da América Latina.
No Brasil, o liberalismo tem seu primeiro êxito em 1808, quando
D. João VI decreta a abertura dos portos brasileiros às "nações ami
gas". Com a Independência, em 1822, o Brasil se torna uma monarquia
constitucional, nos moldes do parlamentarismo britânico. Mas a estru
tura sócio-econômica do país era completamente diferente, baseada
ainda no escravismo colonial.
Durante o século XIX, o liberalismo serviu, no Brasil, pa-ra con
ciliar a unidade nacional, representada pelo governo imperial no Rio
de Janeiro, com a dominação local da oligarquia escravocrata, O
verdadeiro liberalismo era representado pelos abolicionistas, cuja vitó
ria final, em 1888, criou finalmente no Brasil condições para a im
plantação e expansão do capitalismo industrial.
(Extraído do livro
0 Capita
lis
mo;
, suaEvolução_,_ Lógica e sua
sua
Aspectos teóricos
6O.
são do trabalho social é entendido por essa corrente como elemen-
to integrador do indivíduo à sociedade: os indivíduos ,ao se espe_
cializarem nas mais diversas atividades sociais, criam laços de
dependência funcional, o que caracteriza uma situação de solida
riedade orgânica. Nessa concepção sociológica, o funcionamento
da sociedade é interpretado segundo a ótica do equilíbrio-lineari-
dade-harmonia. Os problemas sociais são definidos portanto comodo-
enças" passíveis de serem "curadas" pela intervenção da sociolo
gia, combinada à do Estado.
No segundo tópico são abordados alguns dos conceitos da
corrente sociológica crítica, na qual a dinâmica social é inter
pretada a partir da organização contraditória do trabalho. Nesse
caso, a interpretação sociológica baseia-se no prisma do movimen-
to-contradição-conflito e a superação dos problemas sociais pres-
supõe uma ação politica. Por isso, este segundo tópico inicia-se
,
pela tentativa de compreensão do processo de formação do capital
para que o aluno perceba que a característica do trabalho em
nossa sociedade atual e a de produzirmercadorias, de tal modo
que confere à própria força de trabalho o estatuto de mercadoria.
Dentro desta concepção, o capital não e uma mera somo de dinhei
ro ou de bens de produção; e um conceito que desvenda uma deter
minada maneira na qual os homens se relacionam socialmente, na
produção desses bens. A realização do capital pressupõe a conver
são da força-de-trabalho em mercadoria, o que, por sua vez, pres-
supõe a análise das relações entre compradores e vendedores des
Métodos de ensino
66.
de um dos seguintes filmes: Tempos Modernos de Charlie Cha-
plin, ou 0 Homem que Virou Suco, de João Batista de Andrade. No
entanto, se houver dificuldades para o desenvolvimento dessa a-
tividade, ela pode ser substituída por outra. Neste caso, o pro-
fessor organizará os alunos em círculo, pedindo que alguns repre_
sentem, por mímica, os gestos que fazem parte de alguma ativida-
67.
torno do conceito de ideologia, de modo que, na terceira aula
se possa oferecer aos grupos de alunos um pequeno conjunto de ar
tigos de jornais onde estejam reproduzidas as opiniões de diver
sos setores da sociedade (Igreja, Exército, sindicatos
etc. etc.) sobre un mesmo tema. Caberá a cada grupo escrever uma
pequena conclusão sobre o significado desea diversidade de opini-
õos en torno de um mesmo assunto. Ao final da aula, a conclusão
de cada grupo deve ser apresentada ao restante da classe.
Assim procedendo, a quarta aula poderá ser reservada pa
ra leitura e análise de textos. É fundamental que o professor a-
companhe os alunos nessa atividade, ajudando-os a superar suas
dúvidas. Ao final da aula, pode-se pedir aos alunos que tragam
para a aula seguinte letras de músicas, poesias, objetos, fotos
etc. que retratem o modo de viver do3 habitantes da região.
Na quinta aula, a partir do material que os alunos trou
xeram, pode se organizar uma pequena mostra cultural na sala, pa
ra que todos os alunos tenham a oportunidade de observar e con
versar sobre as características da região em que vivem. A sexta
aula ficará então reservada para a realização de uma exposição
pelo professor sobre os possíveis significados da cultura popu
lar, aproveitando os acontecimentos ocorridos durante a mostra
cultural»
A sétima aula poderá ser usada para leitura e análise
de texto ou para a realização de exercícios propostos pelo pro
fessor. Ou ainda, se for preferível, para uma avaliação dos as
pectos positivos e negativos do curso de Sociologia desenvolvi
do ate então.
Textos de apoio
Paulo Me ks en as
Principais obras:
— A Divisão do Trabalho Social, 1893
— As Regras do Método Sociológico, 1895
— O Suicídio, 1897
— As Formas Elementares da Vida Religiosa, 1912
— Lições de Sociologia
— Educação e Sociologia
— Educação Moral.
exerceVimos
sobreacima.vários exemplos
o indivíduo. TENTE,do INDIVIDUALMENTE,
controle que a consciência
DES
COBRIU OUTROS EXEMPLOS DE COMO A CONSCIÊNCIA
COLETIVA EXERCE UM CONTROLE SOBRE AS NOSSAS VI
DAS. Pense um pouco o você Irá descobrir vários exemplos do
nosso dia-a-dia.
A sociologia e o Estado
"(...) O Estado é um órgão especial, encarregado de ela
borar certas representações que valem para a coletividade. Estas,
representações se distinguem das outras representações coletivas
por grau mais alto de consciência e de reflexão. (...) O Estado
é, para falar com rigor, o órgão mesmo do pensamento social.
Nas condições presentes, esse pensamento está voltado para um
fim prático (...) O Estado, ao menos em geral, não pensa por
pensar, para constiuir sistemas de doutrinas, e, sim, para dirigir
a conduta coletiva" (in Lições de Sociologia).
Homo interpretar esta definição de Estado? Partindo do
ápio de que a sociedade capitalista foi concebida por Dur-
n como um corpo que, às vezes, fica doente, esse corpo,
funcionar bem, depende de que todas as suas partes este-
funcionando harmonicamente. A responsabilidade de desen-
;rcabe
o funcionamento harmônico
ao Estado. Em de todas as partes da socie-
outras palavras,
balhoM(capital-mercadoria);
é o capital transformado em meios
no processo de de produçãoose trabalhadores
produção, força de tra
transformam os meios de produtos em produtos que são vendidos;
D' é a receita da venda, que reconstitui o capital-dinheiro inicial
(D) acrescido de sua valorização, isto é, de seu lucro (A D).
Por isso, D' é, via de regra, maior do que D, sendo D'=D + AD,
ou seja, o capital no final do ciclo de produção é igual ao capital inicial
acrescido do lucro.
Ilustremos o contraste entre produtor simples de mercadorias e
capitalista, mediante um exemplo. Suponhamos que o produtor simples
de mercadorias seja um motorista de táxi, dono de seu carro. Este carro,
com o seu tanque cheio de combustível, é seu meio de produção M, o
qual ele usa para prestar serviços de transporte. No fim do mês, ele
ganhou uma soma de dinheiro D que ele utiliza de duas maneiras:
1. para comprar combustível, pneus e outras peças de reposição
e pagar serviços de reparação, além de tributos e amortizar o valor do
carro;
2. para comprar mantimentos, pagar serviços (aluguel, luz, gás
etc.) e fazer outras despesas de consumo para si e seus dependentes.
O primeiro tipo de despesa reproduz o seu carro, ou seja, o seu
meio de produção; o segundo tipo reproduz ele próprio e sua descen
dência.
No ciclo M-D-M as condições de produção são normalmente' re
postas; ao fim de um mês, um ano ou uma vida, sempre ressurge um
motorista de táxi e seu carro, com o tanque cheio de combustível.
No caso do capitalista, suponhamos que se trate do dono de uma
frota de táxis. Êste senhor possui de início uma soma de dinheiro sufi
ciente para comprar os carros, o combustível para eles e para assalariar
um número correspondente de motoristas, além de fiscal, contador, se
cretária etc. O seu dinheiro também deve cobrir gastos com garagem,
licenciamento dos carros etc. Este é o seu capital inicial D. Na medida
em que a frota opera, a venda de corridas gera uma receita. Convém
observar que no processo de produção de corridas, o trabalho dos mo-
loristas transforma os carros + combustível (capital-mercadoria) em
produto que, neste caso, é passageiros/quilômetros trunsportados (tam
bém capital-mercadoria). Neste processo de produção, que podemos re
presentar por M. . .M' ocorre uma mudança de valor: o total de pas
sageiros/quilômetros transportados vale mais do que o seu custo, isto é,
a soma dos salários pagos aos motoristas + desgaste dos carros + com
bustível + gastos improdutivos (ordenados do fiscal, contador etc. +
garagem + tributos).
Esta mudança de valor é essencial para o funcionamento do
capital.
No valor das corridas de táxi produzidas, o valor dos meios de
produção) — do carro e seus consertos, reposição de pneus etc. e do
combustível — reaparece por inteiro mas não aumentado, O que au
menta é o valor criado pelos trabalhadores assalariados, no caso os
motoristas, em relação ao que sua força de trabalho custa ao capitalis
ta, isto é, os salários que ele lhe paga. Digamos que um motorista ga
nhe 3 salários mínimos por mês e que ele transforme meios de
produção (carro + combustível) em produto (corridas) no valor de
outros 3 salários mínimos por mês. Isso quer dizer que cada motorista
"custa" ao nosso dono de frota 6 salários mínimos por mês. Ora, é
óbvio que nosso herói só dará emprego a motoristas que forem capazes
de lhe entregar mensalmente uma fériasuperior a 6 salários mínimos,
sendo a diferença suficiente para, somados os lucros brutos de todos
motoristas da frota, pagar os gastos improdutivos (ordenados, aluguel,
tributos) e ainda sobrar um lucro líquido proporcional ao capital
investido.
Temos portanto para o dono da frota de táxis um ciclo de pro
dução que pode ser representado por: D-M. . .M'-D\ Ao fim de um
ano, ele terá uma frota de carros com seus tanques cheios de gasolina
e uma
da soma forma:
seguinte de dinheiro D'. Ao fazer seu balanço, ele apurará seu lucro
A D = D' + valor dos carros com combustível, depreciados por
um ano de uso-D (valor do capital inicial).
Sc D' acrescido do valor da frota depreciada for maior,que o ca
pital inicial D, A O será positivo, isto e, houve realmente lucro. Mas
isso ainda não satisfará nosso capitalista. Ele quererá saber se o seu
lucro foi suficiente. Para tanto ele calculará a taxa de lucro A D/D.
Suponhamos que o capital inicial tenha sido de 10.000 salários
mínimos e que o lucro anual tenha sido de 1.Ü00 salários mínimos.
Neste caso. a taxa de lucro foi 1.000/10.000 ou 0,1 ou 10%. Então
ele tratará de comparar esta taxa com as que outros capitalistas obti
veram em frotas de táxis ou em outras linhas de negócio. O nosso
capitalista só continuará mantendo seu capital nesta atividade se se
convencer que com um capital de 10.000 salários mínimos ele dificil
mente obterá um lucro anual superior a 1.000 salários mínimos em
outro ramo de negócio. Se ele achar que o plantio de café ou a produ
ção de microcomputadores proporcionam taxas mais elevadas de lucro,
ele sem dúvida porá sua frota à venda e transferirá seu capital a uma
dessas atividades.
2. meios
os meios de produção
de produção colocados
não forem à venda,privada
propriedade como mas
mercadorias: se
coletiva ou
estatal, o capital-dinheiro não pode se transformar em capital produtivo
e, portanto, não pode se valorizar. Em economias centralmente plane
jadas, como a cubana, por exemplo, dinheiro acumulado só pode ser
emprestado ao Estado, o qual paga algum juro, mas isso não o torna
capitai;
3. força de trabal ho como merc adori a, ou seja, é preciso que uma
parte significativa dos trabalhadores não possua meios de produção e
por isso eles só tenham acesso à produção social mediante alienação de
sua força de trabalho. Se todos os motoristas tivessem seu próprio táxi,
não poderia haver frotas operando com motoristas assalariados.
Ora, estas condições especificam o capitalismo. Uma sociedade em
que o dinheiro é o representante geral da riqueza, em que os meios de
produção são produzidos e alienados como mercadorias e em que os
trabalhadores, em boa parte, vendem sua força de trabalho para sobre
viver é uma sociedade capitalista. E é só cm sociedades com estas ca
racterísticas que somas de valor podem ser e tendem a ser capital.
O que c então capital? Uma soma de dinheiro? Meios de produção
sendo movidos pelo trabalho de assalariados? Produtos de trabalho
assalariado postos à venda?
Capital é tudo isso c, sobretudo, c tudo isso cm relação. Capital é
a continua transformação do valor através do processo de produção e
de circulação. Na produção, o valor-capital se valoriza; na circulação,
o capital-valor já prenhe do mais-valor, da mais-valia, se realiza, É por
isso que a melhor maneira de entender o que é capital é entendê-lo
como relação social. No fundo, capital é uma forma específica de rela
cionamento entre homens em sociedade, na qual proprietários de ri
queza empregam o trabalho de não-proprietários para produzir mais
riqueza.
formas físicas,
consumidor, quenada surgindo
podemos em seu
chamar lugar a não ouser"saciedade".
de "satisfação" uma sensação
O no
consumo do ca rr o e da mesa é paulatino e leva tem po; o do co mbu stí
vel e do feijão é imediato e instantâneo. O valor de uso da mercadoria
revela que ela é produzida para ser consumida (destruída) e que o
consumidor se dispõe a pagar o suficiente para que a produção seja
retornada.
Mas mercadorias não são apenas compradas para serem consumi
das, mas também para serem revendidas. Cada mercadoria oferece ao
seu possuidor a possibilidade de — mediante venda e compra — obter
outra mercadoria. Esta dimensão do valor é o chamado valor de troca.
O valor de troca das mercadorias se exprime em seus preços, é uma
dimensão quantitativa, Ele pressupõe o valor de uso, pois uma merca
doria só tem preço se há consumidores que se dispõem a comprá-la. O
valor de uso em si não é mensurável,pois o consumo de diferentes
mercadorias não é comparável. Os partidários da teoria do valor-utili-
dade não entendem assim c sustentam que o valor de troca é expressão
direta do valor de uso ou "utilidade" da mercadoria. Explicam que se
o valor de troca de um anel de brilhantes é mil vezes maior do que o
de uni par de sapatos 6 porque o primeiro é mil vezes mais "útil" aos
consumidores do que o segundo. Como a utilidade é subjetiva, variando
de indivíduos a indivíduo, esta explicação é tautológica, isto é, ela só
nos informa que, se o anel encontra compradores dispostos a pagar por
ele mil vezes mais do que pelo par de sapatos, o aneldeve ser mil vezes
mais "útil" do que o par de sapatos. Que as diferenças de utilidade
sejam refletidas pelos preços é apenas presumido e é uma presunção
improvável, pois os preços são em geral fixados pelos vendedores, ca
bendo aos compradores decidir se desejam adquirir cada mercadoria a
este preço c (em caso positivo) em que quantidade.
O valor de uma mercadoria resulta do seu valor de uso e do seu
valor de troca. Ele exprime o fato de que a mercadoria resulta sempre
de uma ação humana deliberada — a produção dum bem ou serviço
— que visa o intercâmbio por dinheiro, a venda. O valor é a razão de
ser da mercadoria para quem a suscita.
Para o produtor simples de mercadorias ou para o capitalista, a
forma física da mercadoria é indiferente; o que ele visa é a receita
monetária que ele obtém com sua venda. Neste sentido, a mercadoria
é tão-somente a materialização do valor. Para o capitalista tanto faz
que seu capital assuma a forma de corridas de táxi, café ou microcom
putadores. O que lhe interessa é D', o valor destes produtos, que,
comparado com o seu capital inicial D, permite-lhe saber quanto lucrou.
Valor e lucro
Mas se a mercadoria não passa economicamente de uma portado
ra de valor, o que srcina este valor? Para responder esta questão,
temos que proceder por etapas. A srcem do valor de uma mercadoria
é o seu custo de produção, acrescido de uma margem de lucro. O valor
de uma corrida de táxi de uma hora é a soma do salário do motorista
(por hora de trabalho), da depreciação do carro, do valor do combus
tível consumido etc. e do lucro do dono da frota. A questão passa a
ser: qual a srcem do lucro do capitalista? A resposta imediata é a
existência do seu capital, o monopólio que a classe capitalista detém
da riqueza social e especificamente dos meios de produção. A quanti
dade de lucro contida no valor de uma mercadoria específica (uma
corrida de táxi) decorre do valor do capital aplicado (a frota de táxis,
combustível etc.) e da taxa de lucro aplicada a este capital. Em outras
palavras, o capitalista calcula o preço da sua mercadoria, de tal modo
que ele cubra os custos e obtenha um lucro tal que, multiplicado pela
quantidade de mercadorias vendidas durante o ano, proporcione a taxa
de lúcio almejada.
No exemplo anterior supusemos que o dono da frota tenha obtido
um lucro anual de 1.000 salários mínimos. Imaginemos que a sua frota
faça 250 000 horas de corrida por ano. Então, logicamente, o preço de
1
uma corrida de uma hora inclui de salário minimo de lucr o. Com
250
esta margem de lucro, o capitalista alcança uma taxa de lucro de 10%
sobre o seu capital.
Mas vimos que cada capitalista procura obter a maior taxa de
lucro possível. O que impede o nosso dono de frota de incluir no preço
2 3
uma margem maior de lucro, digamos de ou mesmo de sa-
250 250
lário mínimo, para obter unia taxa de lucro de 20 ou 30%7 l . É a
concorrência. O nosso capitalista não 6 o único a possuir táxis. Ele
1 Estamos abstraindo aqui que as tarifas de taxi são controladas pelo governo
municipal. Em geral, os capitalistas tem liberdade de fixar seus preços.
2. do valor da força de trabalho total, ou seja, da soma de todos os
salários pagos, que chamaremos de V (de capital variável);
3. do valor do lucro total, soma dos lucros de todos os capitais indivi
duais, e que chamaremos de M (de mais-valia).
A classe capitalista começou o ano com seu capital inicial D =
C + V, isto é, meios de produção e força de trabalho c chega ao fim
do ano com D'= C + V + M, tendo lucrado D*— D = M. Qual a
srcem de M? Só pode ser o trabalho dos assalariados, graças ao qual
foram produzidas as mercadorias que compõem M' e que são vendidas
por D*.
Como se demonstra isso? Simplesmente perguntando qual é a ori
gem de toda.riqueza da classe capitalista. Ora, esta riqueza é composta
por mercadorias, que são produto de trabalho assalariado. Cada corrida
de táxi, cada quilo de café, cada microcomputador surge na posse da
classe capitalista graças à atividade da classe dos trabalhadores assa
lariados. Há uma relação evidente de causa e efeito entre o volume de
trabalho realizado pela classe trabalhadora e a quantidade de mercado
rias, de formas físicas portadoras de valor.
A classe trabalhadora recebe como salários um valor V menor do
que o valor total criado pelo seu trabalho, que é V -+- M. O valor C
dos meios de produção consumidos no processo de produção só reapa
rece no valor M' do capital-mercadoria. Por isso o denominamos de
capital constante, pois no processo de produção o seu valor não varia.
Mas o capital aplicado na compra de força de trabalho V tem o seu
valor alterado. A classe capitalista paga V de salário para obter mer
cadorias no valor de V + M, que é o novo valor, criado durante o ano.
Por isso chamamos o capital gasto na aquisição de força de trabalho de
variável. Esta parte do capital aumenta de valor, a força de trabalho
cm funcionamento cria mais valor do que ela custa à classe capitalista.
Este valor a mais constitui o lucro e é por isso que o denominamos de
mais-valia.
aosmercadorias
de cm que ela écai,
maior.
o queMas,
faz no mercado
subir o seu de que portanto
preço, o capital asai, a ofertae
margem
a taxa de lucro. No mercado em que o capital entra, acontece o oposto:
a oferta de mercadorias aumenta, o que faz o preço diminuir, reduzindo
a margem c a taxa de lucro. O incessante vaivém de capitais individuais
entre os diversos mercados faz com que flutuem a produção, os preços,
as margens de lucro c as taxas de lucro. Neste movimento, os capitais
individuais elevam a taxa de lucro nos mercados em que ela estava
mais baixa c a reduzem nos mercados cm que ela estava mais alta. Não
dá para dizer que as taxas de lucro de todos os capitais tornam-se
iguais, mas a concorrência entre os capitais tende a aproximá-las. Po
de-se falar de uma taxa geral de lucro, ao redor da qual oscilam as
taxas reais de lucro dos capitais individuais.
A srcem do lucro
Chegamos agora ao âmago do problema: o que srcina a taxa ge
ral de lucro, que pode ser concebida como a relação entre o lucro anual
de todos os capitais individuais c o valor somado dos mesmos?
A taxa geral de lucro nos permite visualizar o capitalismo como
ele realmente funciona. Temos de um lado o capital total, riqueza
conjunta da classe capitalista, que aparece subdividido em inúmeros
capitais individuais. De outro lado temos a classe dos trabalhadores
assalariados, que transformam o capital produtivo total (M) em pro
duto total (M'). Êste se compõe de uma miriade de mercadorias dife
rentes, que são vendidas, ou seja, transformadas num capital monetário
total (D).
Examinemos agora o valor do capital total D'. Ele se Compõe de
3 parcelas:
1. do valor dos meios de produção consumidos na produção de M ', que
denominaremos de C (de capital constante);
estas decisões visando o lucro, ou seja, o valor a ser ganho com a venda
das mercadorias. O lucro decorre da diferença entre o valor da produ
ção e o custo da produção. Esta diferença é incluída no preço de cada
mercadoria e o mais difícil é explicar o que a determina.
Se cada capitalista pudesse determinar unilateralmcnte o lucro que
irá ganhar, on preços seriam cada vez rnais altos, impulsionados por
margens crescentes de lucro. Obviamente, a vontade ilimitada de lucrar
de cada capitalista frustrar-se-ia porque os preços de uns* são os custos
de outros. O superlucro do fabricante de carros ou de combustível es
magaria o lucro do dono da frota. Este naturalmente aumentaria ainda
mais o preço da corrida, Teríamos uma inflação galopante, coisa que
ocorre realmente quando certos preços disparam, causando a elevação
dos outros.
dual, Se deixarmos
obcecado em momentaneamente
lucrar ao máximo, de lado nosso
poderemos capitalista
entender indivio
melhor
que se passa. Quando os capitalistas elevam os preços uns contra os
outros, o máximo que eles fazem é redistribuir entre si o mesmo lucro
total. Mas eles podem efetivamente aumentar o seu lucro total se au
mentarem os seus preços contra os outros participantes do jogo do
mercado, Entre estes outros, o mais importante é a classe dos trabalha
dores assalariados. Se os capitalistas elevarem os preços das mercado
rias consumidas pelos trabalhadores sem alterar o valor dos salários
que lhes pagam, a margem de lucro total se eleva na mesma medida
em que a parcela do valor novo consumido pelos trabalhadores cai.
Este tipo de inflação aumenta M, o lucro total, em detrimento de V, e
como o capital total continua o mesmo, a taxa geral de iucro também
aumenta. Através da concorrência, o aumento da taxa geral de lucro
permite que as taxas de lucro de muitos capitais individuais aumentem,
embora as dos capitais que produzem mercadorias especificamente para
o consumo operário possam diminuir.
£ claro que a classe dos trabalhadores assalariados, ao perceber
que a subida dos preços deteriora seus salários, irá reagir exigindo o
reajustamento dos mesmos. Conform e a força de seus sindicatos, terá
mais ou menos êxito, O que essa discussão mostra é que por mais do
minante que a classe capitalista seja, ela não determina sozinha a mar
gem de lucr o total nem a taxa geral de lucr o
Começou
cupa-se seus estudos
com Direito, História,universitários em e Bonn,
Filosofia, Arte onde Será
Literatura. preo
na Universidade de Berlim, contudo, que concluirá seus estudos
superiores. Era essa a melhor Universidade de toda a Alemanha.
A pretensão de Marx era tornar-se professor de alguma
universidade alemã e prosseguir com suas pesquisas sociais.
Entretanto, quando diplomou-se, era simpatizante da obra de
um filósofo que tinha falecido poucos anos antes: Hegel. Marx
foi um crítico das teses de Hegel; no entanto, havia um aspecto
no seu método que Marx admirava muito. Tal aspecto metodo
lógico permitia fazer uma crítica ao governo alemão que, repre
sentado por Frederico IV, começava a perseguir todos os sim
patizantes de Hegel, proibindo-os, inclusive, de dar aulas. Com
isso, Marx inicia o ano de 1842 como professor, proibido de
pôr os pés numa universidade, estando, portanto, desempre
gado.
Para sobreviver, toma-se jornalista. Seu primeiro artigo era
um comentário contra a censura e, infelizmente, não pôde ser
publicado: foi censurado.
Devido à sua capacidade, em pouco tempo já era diretor
do jornal "Gazeta
patrocinou Renana".
um estudo sobre aFoi
vidacomo diretor desse
de camponeses que jornal que
roubavam
madeira pertencente ao Estado, vendendo-a em seguida. Esse
estudo provou que os camponeses recebiam um salário tão baixo,
que passavam fome, e, por conseqüência, roubavam a madeira.
Para resolver esse problema de criminalidade, Marx propôs que
se aumentassem os salários dos camponeses ao invés de prendê-
-los. O governo alemão não gostou da sugestão, e, por isso,
fechou o jornal.
Diante desse acontecimento, Marx muda-se para a França,
onde, em Paris, organiza uma revista ("Os Anais Franco-Ale-
mães") que denuncia a repressão do governo alemão contra a
cultura e contra os trabalhadores. Essa revista entra clandesti
namente na Alemanha; mesmo assim, em pouco tempo chega
às mãos do Estado alemão que, por sua vez, pressiona o Estado
francês, que acaba por expulsar Marx da França. Novamente,
por motivos políticos, Marx muda-se para outro país: a Bélgica.
No tempo em que viveu na França, Marx começou a inte
ressar-se pelo movimento dos trabalhadores. Diante de tanta
exploração e miséria, a única coisa a ser feita é o trabalhador
unir-se e lutar pelos seus direitos. Com essa idéia, Marx passa
a se dedicar k ajuda aos trabalhadores para sua organização:
tudo o que escreve, artigos e livros, passa a ser com o objetivo
de mostrar o quanto a sociedade capitalista produz de injusti
ça; para acabar com os problemas sociais, seria necessário
acabar com o capitalismo e começar a construir uma nova socie
dade onde todos os que trabalhassem recebessem o suficiente
para viver bem. Onde todas as decisões fossem tomadas demo
craticamente pela maioria das pessoas. Uma sociedade onde não
extistissem nem ricos, nem pobres; enfim, lutar pela criação da
sociedade socialista.
E é lutando junto com os trabalhadores pela Instauração
do socialismo que Marx escreve os seus livros, que explicam a
sociedade em que vivia, ou seja, a capitalista.
No ano de 1848, o movimento operário preparou um Con
gresso em Londres: Marx é convidado para expor suas idéias
sobre como deve ser uma sociedade sem exploração; é quando
escreve e apresenta ao público seu artigo "Manifesto Comu
nista".
Expulso pelo governo da Bélgica, Marx instala-se definitiva
mente na Inglaterra. Sua vida foi a de um peregrino que lutou
em defesa dos trabalhadores, e isso fez com que passasse por
momentos difíceis na vida. Uma carta que Marx escreveu a seu
amigo Engels, em 8 de setembro de 1852, dá uma idéia da
pobreza em que se encontrava:
"(...) minha mulher está doente. Minha filha, Jenny, está
doente. Heleninha está com uma espécie de febre nervosa. Não
pude e nem posso chamar o médico por falta de dinheiro para
os remédios. Há oito dias que alimento minha família unica
mente com pão e batatas. E não sei se ainda vou poder comprar
pão e batatas para hoje" (in Leonardo Konder, Marx — Vida
e Obra, p. 96).
Karl Marx veio a falecer no dia 14 de março de 1883, devido
a uma infecção na garganta e muito abalado com a morte de
sua mulher e de sua filha mais velha. Somou-se a tudo isso a
repressão policial ao movimento dos trabalhadores, que tam
bém o abalou bastante.
Sua obra é muito grande, e, durante a vida, Marx não pôde
ver as conseqüências do que tinha escrito. Morreu sendo pouco
conhecido, a não ser pelos trabalhadores. No entanto, com o
passarlivros
seus dos anos, principalmente
tornaram-se nessesfamosos,
mundialmente últimos inspirando
oitenta anos,
os
mais diversos movimentos de libertação da humanidade.
Principais obras:
— Manuscritos econômico-filosóficos, 1844.
— A Ideologia alemã, 1845 (escrito em colaboração com Engels).
— A Miséria da Filosofia, 1847.
— Manifesto comunista, 1848.
— As lutas de classe na França entre 1848 e 1850.
— O 18 brumário de Luis Bonaparte.
— Contribuição a crítica da Economia Política, 1857.
— O Capital, 1867.
deContudo, a realidade
seu movimento. socialmais
Muito, não que
se esgota
isso, anosrealidade
modos
tem um movimento concreto que 'entra em contradi
ção com os modo s possíveis d esta movi mento , pois a
realidade concreta inclui outros elementos muito mais
complexos do que a abstração das condições de seu
movimento.
Segunda nivel: a estrutura social
Uma sociedade concreta, historicamente dada, não
pode corresponder de forma direta a categories abstra
tos. Como dissemos, o marxismo não usa a abstração
de maneira formal. Quando elabora o conceito abstra
tamente, nega-o em seguida, ao mostrar as limitações
deste nivel do conceito. Dal a necessidade de passar
a níveis mais con cretos de ab stra ção . Numa sociedade
concreta:
1.' O desenvolvimento do modo de pr odução e de
suas contradições coloca situações sociais historica
mente especificas (por exemplo: o modo capitalista de
produção passa, no fim do século XIX, a uma forma
imperialista e esta forma assume hoje um caráter Inte
grado mundialmente, etc);
2. O desenvolvimento do modo de produção desen
volve novas formas especificas de relação entre seus
componentes e cria novos componentes (exemplo: o
desenvolvimento do sindicato limita as relações assa
lariadas, o surgimento de novos setores sociais como
a chamada "aristocracia operária" ou "as novas clas
ses médias", muda a distribuição da mais-valia no sis
tema u afeta as formas de realização da mais-valia, etc);
3. Num nivel ainda mais concreto, numa sociedade
coexistem formas sociais diferentes em antagonismo
com a formação dominante e limitando-a, mas for
mando situações de equilíbrio historicamente delimi
tadas (por exemplo: a luta entre as classes dominan
tes o dominadas de modos de produção antagônicos
— capitalismo vs. feudalismo —; o surgimento de
classes intermédias em vias de desaparecimento, ou
classes em formação; o caso da contradição campo/
cidade, etc).
A este nivel, a análise deve concretizar-se mediante
a descrição ainda teórica dos modos de relação pos
síveis numa determinada sociedade, quer dizer, numa
estrutura
anterior ósocial determinada.'
quo agora A tem
a análise diferença do nivel a
que referir-se
um universo histórico e geograficamente situado, no
qual se distingue o nível de desenvolvimento de uma
determinada formação social e suas relações com
outras formações sociais. É preciso trabalhar sobre
dado s empíricos de c. . . . históri co, demográfico, so
ciológico, etc, a fim de compor o quadro das rela-
ções básicas e de sua dinâmica. A este nivel, a cons
ciência de classe deve ser tratada sob a forma de
Interesses sociais definidos teoricamente. Quer dizer,
por consciência de classe so entenderão as formas pos
síveis de consciência nas condições especificas de urna
dada estrutura social. A análise será muito mais con
creta e matizada, mas ainda não se relaciona com o
que as pessoas ou grupos sociais empiricamente pensam.
Terceiro nivel: situação social
Algumas conclusões
Podemos chegar a algumas formulações de conjunto
neste momento. As diversas classes sociais que Marx
descobriu, bem como os enfoques aparentemente dife
rentes do fenômeno de classes não correspondem a
uma superposição de enfoques diferentes mas a um
sistema relacionado de planos de abstração que vão
desde o mais concreto ao mais abstrato e desde o
mais abstrato ao mais concreto. Quanto mais nos apro
ximamos do concreto mais as leis gerais se vão rede
finindo em relações cada vez mais complexas.
Representar o concreto sem estas determinações não
é aind a trab alho científico mas de obser vação siste
mática. A ciência começa quando a descrição se torna
determinação, se torna "concreto-determinado" ou, ao
contrário, "universal-concreto". Certas conjunturas de
terminadas tendem a acentuar as contradições entre
a aparência dos fenômenos e seus modos de ser, quer
dizer, sua "essência"; outras conjunturas, contudo, par
ticularmente as revolucionárias, fazem "aparecer" os as
pectos essenciais da realidade na experiência imediata.
A ciência total empirista absolutiza o imediato, pois
não
ou aspode mostrar que
condições suas o relações com eos portanto
determinam modos denãoseré
ciência. É codificação de métodos de observação (as
pectos positivos) e ideologização de relações existentes
(aspectos negativos).
Quem é camponês
Vivendo na terra e do que ela produz, plantando e
colhendo o alimento que vai para sua mesa e para a
do príncipe, do tecelão e do soldado, o camponês é o
trabalhador que se envolve mais diretamente com os se
gredos da natureza. A céu aberto, é um observador dos
astros e dos elementos. Sabe de onde sopra o vento,
quando virá a primeira chuva, que insetos podem amea
çar seus cultivos, quantas horas deverão ser dedicadas a
determinada tarefa. Seu conhecimento do tempo c do
espaço é profundo e já existia antes daquilo que con
vencionamos chamar de ciência.
Habituado igualmente a trocar aquilo que a terra
produz, seus contatos sociais podem ocorrer tanto den
tro da pequena localidade cm que vive, como se estender
a habitantes distantes, mais especificamente à população
das cidades.
Houve um tempo em que a maioria da humanidade
já não vivia exclusivamente da caça e coleta. A agricul
tura passara a ser a atividade dominante em inúmeras
sociedades humanas. O cultivo da terra marcara de modo
decisivo as formas de organizar a vida social. Os funda
mentos
mente àdessa organização
fecundação ligavam-se
da terra. material eassim
As sociedades simbolica
orga
nizadas foram denominadas agrárias. No passado, eram
imensos impérios ou conglomerados humanos unidos,
pelo princípio da obediência, a um príncipe e por crité
rios de identidade etnossocial determinados. Em tais so
ciedades havia uma população trabalhadora capaz de pro
duzir alimentos e artesanatos para a própria sobrevivência
e em benefício daqueles que os subordinavam.
As cidades, além de centros cerimoniais, eram nú
cleos de atividades intelectual, comercial e política. As
castas ou os estamentos que formavam esses núcleos depen
diam física e socialmente do campesinato. Era preciso co
mer. Era preciso guerrear. Era preciso trocar. Era preciso
explicar o mundo. Surgiram ofícios exclusivos, como os
de poeta, profeta e sacerdote. Tudo e todos tomavam o
camponês a base indispensável da reprodução social.
Formas de coerção política e econômica foram ge
radas para assegurar o fluxo contínuo de bens e de tra
balhadores
Tais parasãoo aexercício
coerções material
base através da das
qual práticas sociais.
é possível en
tender a oposição entre dominantes e dominados, entre
opressores e oprimidos. O campesinato é sempre um pólo
oprimido de qualquer sociedade. Em qualquer tempo e
lugar a posição do camponês é marcada pela subordina
ção aos donos da terra c do poder, que dele extraem dife
rentes tipos de renda: renda em produto, renda em traba
lho, renda em dinheiro.
As formas de se valer do trabalho camponês eram
asseguradas por sistemas que envolviam obrigações distin
tas. Algumas sociedades dividiram a terra que o campo
nês cultivava cm diferentes frações, nas quais o produto
de seu trabalho, na primeira fração, abastecia sua família
e sua aldeia; na segunda, abastecia a igreja e os sacer
dotes; na terceira, produzia um quantum que era arma
zenado nos celeiros do príncipe e ali guardado para gra
dativa redistribuição, Em outras sociedades, a aldeia
camponesa fora separada das terras do senhor. O cam
ponês cultivava a terra aldeã, de onde tirava seu susten
to e o de sua família, c trabalhava as terras senhoriais.
Os senhores da terra retribuíam o trabalho camponês com
bens materiais c procedimentos simbólicos, capazes de re
novar continuamente os laços de dependência e os meca
nismos de coerção. Tais procedimentos tanto davam
sentido ao conjunto da vida social como esmaeciam a
relação de dominação que unia camponês e senhor na
diferença de propósitos c na oposição de interesses, salva
guardando as punes reveladas c secretas da relação social.
A esses princípios deve ser acrescentado o do mer
cado. Mercado e lugar de mercado são realidades distin
tas e não devem ser confundid os. O lugar de mercado —
espaço onde este ocorre — é parte vital da existência cam
ponesa. Aq ui o camponês adquire mercadorias de outr o
cultivador, recebe informações sobre a vida pública e
privada da comunidade a que pertence e de outras mais
longínquas. Podem ocorrer trocas mercantis simples, rea
lizadas entre camponeses, que mutuamente lhes possibi
lita m novas aquisiçõe s. Mas nesse mesmo lugar ocorrem
lambem complexas trocas mercantis, que transcendem o
universo imediato da sobrevivência camponesa, geram
lucros comerciais para intermediários e terminam colo
cando o produto, a preços elevados, nas mãos de con
sumidores distantes.
O mercado, no sentido moderno da palavra, não co
loca, fuce a face, dominantes e dominados, produtores e
consumidores. Seu conteúdo transcende a realidade física
do dinheiro como mediador privilegiado das transações
mercantis. O mercado revoluc iona a existênc ia campo
nesa porque 6 revolucionado por novas lógicas de pro
dução, que consistem basicamente na transformação da
terra c da própria força de trabalho do camponês tam
bém em mercadoria, como ocorre nas formações capi
talistas.
Elos longos e assimétricos, como os que ligam uma
aldeia, ou aldeias, a algum lugar distante, elos próximos
e igualitários, como os que caracterizam a troca de bens
ou de trabalho entre camponeses, sempre envolvem o
parentesco e os poderes polític o e jur ídi co. Tais estrut u
ras c que são capazes de movimentar economias e socie
dades através da criação de princípios de organização,
explicação c submissão dos grupos humanos a rotinas
de trabalho e de exercício ritual.
neiras.Podemos descrever
Uma delas o -locamponês
é def ini de diferentes
como cultivad ma
or de peque
nas extensões de terra, as quais controla diretamente com
sua família . Esta visão c bastante difu ndid a nos livros
de ciências sociais, e tem por objetivo identificar a con
dição camponesa com o controle direto sobre a terra
onde habita c produz. Tal control e pode advir do cos
tume ou da propriedade privada garantida peio código civil.
Alguns autores denominam esse pequeno proprietário
rural do camponês parcelar.
Num contexto de terras livres, assim entendidas as
que ainda não foram privadamente apropriadas, os cam
poneses que aí residem, juridicamente"denominados pos
seiros, trabalham apenas para seu próprio sustento. Se
comparados àqueles que sofrem a exploração do senhor
da terra, os posseiros dedicam à lavoura um tempo de
trabalho menor. Além disso, vivem isolados e comerciali
zam sua produção apenas eventualmente. No entanto, nada
disso lhes retira a condição de lavradores e de subalternos.
Outra forma de definir o camponês, também en
contrada nos livros de ciências sociais, 6 a de concei
tuá-lo como o cultivador que trabalha a terra, opondo-o
àquele que dirige o empreendimento rural. Aqui, o con
ceito é estendido a todos os cultivadores que, através do
seu trabalho
transferir os eexcedentes
do de sua defamília,
suas se dedicamaosa plantar
colheitas que nãoe
trabalham a terra. Ao mesmo tempo que integra um grupo
de trabalho familiar, que produz para sobreviver, algum
tipo de engrenagem política e econômica encarrega-se de
extrair-lhe compulsóriamente os excedentes gerados por
sua produção, que garantem a existência de outros grupos
sociais não-produtores. Assim, o camponês é um produ
tor que se define por oposição ao não-produtor, não im
portanto se planta a terra ou se pesca no mar, conceituação
esta defendida por antropólogos. Situando a questão da
subordinação na extração da renda em trabalho, renda em
produto e renda em dinheiro, tal conceito aparece em
Marx.
Há autores que distinguem camponês de pequeno
produtor. Enquanto para eles o conceito de camponês é
vago e indefinido, os de pequeno produtor e pequena
produção se inserem de modo imediato na polêmica so
bre os modos de produção. Argumentam que o pequeno
produtor é o ator fundamental da produção mercantil
simples,
por sua quevez, precede a produção
caracteriza mercantil ampliada; esta,
o capitalismo.
Optar por um dos conceitos não é tão simples quanto
possa parecer à primeira vista. Camponês e campesinato
são conceitos de grande vitalidade, de grande força his
tórica, tanto teórica quanto empiricamente, o mesmo
ocorrendo com o conceito de burguesia. Campesinato e
burguesia são termos repletos de conteúdos culturais,
tanto no plano social como no político. Assim como não
se pode declinar do conceito de burguesia para falar tão-
-somente em capitalistas, não é possível preterir o con
ceito de camponês para falar apenas em pequeno pro
dutor.
Deve-se acrescentar, cm primeiro lugar, que o cam
pesinato é constituído de cultivadores que se definem cm
oposição à cidade; esta, por sua característica de sede de
poder político, subordina os trabalhadores da terra, No
entanto, a distinção campo/cidade é problemática porque
inúmeras sociedades antigas tiveram conglomerados arqui
tetônicos destinados a abrigar atividades sociais de tipo
religioso, político e esportivo, que dificilmente se enqua
dram no conceito de cidade que se aplica à Roma antiga
ou à São Paulo contemporânea, É O caso dos centros
cerimoniais dos maias, que periodicamente recebiam a
população circundante cm busca das atividades sociais
citadas acima, mas que não se constituíam cm locais de
moradia. Em segundo lugar, é fundamentalmente no
próprio campo que o camponês vivência a exploração
exercida sobre ele, seja através da apropriação de parte
do que produz, sob forma de tributos entregues ao dono
da terra, seja através dos preços depreciados que o comer
ciante comprador de sua colheita impõe, ou ainda pela
expropriação de sua terra pelo grande proprietário.
Por outro lado, a cidade não está habitada somente
por uma casta rica ou por uma classe dominante, mas
ali estão representados, em grande número, os seus opri
midos: nas formações anteriores ao capitalismo, os ser-
viçais domésticos, os artesãos c os mendigos; na sociedade
industrial, o proletariado fabril, os empregados mais hu
mildes do setor de serviços e os desempregados. Por essas
razões, não 6 a cidade que, por oposição, define o campo
c seus habitantes, mas sim o Estado. Este dispõe de ins
trumentos de natureza jurídica c política que disciplinam
o camponês na obrigação de pagar impostos, na obediência
a códigosdaescritos
priedade terra, que impõem uma
ao matrimônio verdade
e ao legalgaran
contrato, à pro
tindo o fluxo contínuo c estável das rendas camponesas
as classes rurais c urbanas com poder econômico.
Desse modo, é possível afastar a ambigüidade que
pode advir da observação de uma sociedade primitiva
onde seus membros são cultivadores da terra, mas não
canalizam excedentes para não-trabalhadores. Esses povos
são agricultores, mas não camponeses. Assim também se
torna mais pertinente a distinção entre camponês c traba
lhador rural proletarizado. Este, desapossado da terra e
de seus instrumentos de trabalho, cm suma, dos meios de
produção, não mais dispõe da autonomia social mínima
dos cultivadores, fundada no controle costumeiro ou ju
rídico da terra.
Um modo de vida
O trabalho familiar caracteriza o vínculo social do
camponês com
camponesa a terra.nas Nuclear
se envolve diversas ou extensa,
tarefas a família
produtivas, vi
sando à reprodução física e social deste grupo de pessoas.
Em geral, cabe ao chefe da família a direção e o desem
penho de atividades de derrubada e limpa das áreas des
tinadas ao plantio e à colheita nas roças. É igualmente
de sua responsabilidade o trato com os animais domés
ticos de grande porte, cujo número e qualidade é sempre
comparativamente inferior aos encontrados nas proprie
dades de um grande fazendeiro ou de uma empresa agro
pecuária.
A mulher pode estar presente nas tarefas de produ
ção, ou ausente cm grande número delas, restringindo-se
a tarefas que executa no interior de sua própria casa e
no terreiro que lhe é contíguo. Há no campesinato for
mas muito variadas de se valer do trabalho feminino, que
atua complementarmente às tarefas masculinas em todos
os níveis. Em certas áreas do Brasil rural, a mulher do
sitiante não vai à roça trabalhar; em outras, o trabalho fe
minino inclui a participação no plantio c na colheita, ati
vidades que acumula com as tarefas desempenhadas no
corpo da casa e no quintal contíguo. Sabe-se que peque
nas parcelas da roça podem estar sob controle feminino,
e que o produto nelas obtido visa assegurar às mulheres
condições de convertê-lo, pela venda, em bens para uso
próprio.
O mesmo pode-se dar com o trabalho infantil. Ele
está presente na ajuda às tarefas domésticas e às propria
mente agrícolas. Se comparada a participaç ão ativa de
uma criança camponesa, cm tarefas que demandam es
forço,ate nção e responsabilidade, com a de uma criança
da cidade, nascida numa família de classe media, são no
táveis as diferenças tanto no que se refere à idade em
que é iniciada cm tarefas que demandam esses predicados,
quan to ao volume de trabalho a ela atribuído. Esta obser
vação comparativa é tão verdadeira para a Inglaterra do
século XVI II quanto para o Brasil contemporâneo. Nem
mesmo nas áreas agrárias do mundo capitalista mais rico
é possível dizer que entre a criança do campo c a da cidade
Inexistem diferenças quanto à socialização, instrução e in
corporação à esfera do trabalho.
O trabalho familiar camponês abastece a casa de mo
rada, alimenta seus membros, mas também é destinado a
lugares e pessoas exteriores a esta realidade. É grande a
variedade de formas pelas quais parte da produção cam
ponesa escapa ao controle de quem a produziu. Rara s
são, hoje; as unidades camponesas que visam ao auto-
-sustento quase completo, reduzindo ao mínimo, ou le
vando à inexistência, as relações sociais calcadas na ces
são de um tributo ou na reserva de uma parcela do
produto colhido para se r vendido à feira . No passado,
isso ocorria, por exemplo, na zadruga iugoslava e na so
ciedade caipira brasileira do século XVII, ambas bastante
auto-suficientes no sentido acima mencionado.
Os pagamentos da renda em produto e de uma renda
em trabalh o estão entre as formas adotadas .no sistema
feudal para ligar o camponês servo a seu senhor. Consta
que num domínio inglês medieval o acordo entre as duas
partes previa a cessão pelo camponês, ao senhor feudal,
de três dias de trabalho por semana nas terras deste, de dias
de trabalho gratuito no tempo da colheita, de ovos e fran
gos; previa, também, o pagamento de um shilling ao senhor
quando a filha do camponês se casasse. Esta forma de se
valer do trabalho camponês estava praticamente extinta
no século XVIII, quando já não era mais possível falar
num campesinato inglês.
Num contexto historicamente diverso do feudalismo,
sabe-se que no Brasil rural a fórmula político-social en
contrada pela sociedade agrária para imobilizar o cam
ponês no interior da grande propriedade territorial con
sistia na obrigação de ceder quartas, terças e até meias
de suas plantações ao dono da terra. Outras obrigações
incluíam o trabalho gratuito de limpa do mato que crescia
junto às cercas, a capina de estradas e caminhos. As re
tribuições patronais vinham sob a forma de leite para ali
mentar as crianças, remédios para os doentes e doação
de pequenos ani mais para consumo n as festas. A bateçã o
dos pastos e a drenagem das várzeas podiam ser remune
radas com pequenas parcelas de alimentos, tais como fru
tas, toucinho ou fubá. Não era rara a obrigação de a mu
lher do camponês arcar com o serviço doméstico da sede
da fazenda, sem remuneração monetária direta.
Com a expansão do capitalismo no campo, arranjos
desse tipo desapareceram em certas regiões, já que o cam
ponês mo rador foi expulso da fazenda. Tais arranjos
foram substituídos pelas empreitadas e diárias pagas ao
trabalhador que vem ao grande empreendimento por de
terminado número de dias, ainda que subsistam cm ou
tras regiões, redefinidos e mesclados à lógica do lucro mo
netário puro e simples.
A transferência de uma parte da produção camponesa
para a feira da cidade próxima é outro exemplo do modo
pelo qual essa produção circul a. Ela tanto ocorre com o
camponês parcelar quanto com o que mora nas fazendas.
Um camponês poderá levar arroz para.vender, enquanto
outro levará feijão; ambos se interessam cm negociar. O
dinheiro obtido na venda de uma determinada quantidade
do cereal oferece ao camponês a possibilidade de adqui
rir tecidos, panelas, remédios.
A estranha classe
A transição do sistema de produção mercantil simples
para o capitalista não teria sido possível sem uma acumu
lação preliminar às custas da prod ução camponesa. Tal
transição teria ocorrido num ritmo lento, se a acumulação
adicional às custas da pequena produção não houvesse sido
mantida, ao mesmo tempo que se dava a acumulação capi
talista graças à força de trabalho do proletariado. Re
sumindo, a ampliação do capitalismo enquanto sistema de
produção pressupõe não só a extração do sobretrabalho
do operário, mas a captação do sobretrabalho camponês,
processo que sempre se baseia na violência política e mi
litar.
O fato de o capitalismo não ter liquidado com a
produção camponesa pode ser explicado através de um
caso concreto. Digamos que o pequeno produtor se de
dique à cultura de produtos que oferecem um nível de
renda pouco atraente para o empreendimento capitalista,
por não gerarem uma taxa de lucro condizente com a taxa
efetiva de lucro vigente na economia como um todo. Em
casos assim, torna-se necessário entender igualmente como
se dá a ação
produção do Estado.
realizada em basesSecapitalistas,
este subsidia fortemente
aumenta as cona
dições favoráveis a tal tipo de produção, enquanto as sub
trai da pequena produção camponesa.
O campo brasileiro oferece inúmeros exemplos de
como se dá esse contraditório movimento de manter o
camponês, ainda que empobrecendo-o. Ao somar a essas
constatações aquelas já feitas em outros capítulos deste
livro, onde se nota que o próprio campesinato também
luta de diversas formas pela manutenção do seu perfil
social, temos aqui o ponto de partida para futuras ava
liações da magnitude das forças internas e externas que
agem no sentido de exterminar ou conservar o camponês.
Pode-se dizer que o camponês é alvo inevitável dessa
contraditória vivência do meio agrário. A agricultura, ao
mesmo tempo que recebe estímulos à capitalização, en
frenta permanentemente a questão de produzir alimentos
a custo mais baixo, missão desempenhada, ainda que não
com exclusividade, pela produção camponesa. Este papel
conferido ao camponês e à sua família tem íntima relação
com a manutenção de relações não especificamente capi
talistas na agricultura, concretizadas no trabalho campo
nês, seja na sua parcela de terra, no interior de um grande
empreendimento, ou mesmo em terras ainda livres.
A extensão do capitalismo no campo não se dá sim
plesmente pelo advento de relações de produção baseadas
na compra c venda da força de trabalho — portanto, na
expropriação dos meios de produção do camponês. Na ver
dade, o capitalismo se estende ao campo quando se institui
a propriedade capitalista da terra. A renda territorial capita
lizada vincula imediatamente a atividade produtiva campo
nesa aos requisitos reprodução ampliada do capital e às
leis do mercado camponês passa a se vincular ao movi
mento do capital, na condição de produtor de mercado-
rias ou mesmo de trabalhador para o capital industrial,
mesmo que continue habitando sua parcela de terra.
Essa transformação não torna a sociedade rural ho
mogênea, muito menos transforma os camponeses cm
massa indiferenciada submetida às leis do capital. Como
as práticas sociais se dão cm sociedades concretas, carac
terizadas por diferentes tipos de trabalhadores, aí incluí
das as frações camponesas, essa nova subordinação se
concretiza de diversas formas, cada uma delas demandando
uma explicação que se some à construção da totalidade do
sistema social.
3. O que é alienação?
Alienação na produção
Nos todas
conhecer sistemas domésticos
as etapas de manufatura,
da produção, inclusive era
a decomum
projeto odotrabalhador
produto.
A partir da implantação do sistema fabril, no entanto, isso não será mais
possível, devido ã crescente complexidade resultante da divisão do trabalho.
Chamamos dicotomia concepção-execução do trabalho justamente ao pro
cesso pelo qual um grupo de pessoas concebe, cria, inventa o que vai ser
produzido, inclusive a maneira como vai ser produzido, e outro grupo é
Obrigado à simples execução do trabalho, sempre parcelado, pois a cada um
cabe uma parte do processo. Essa divisão foi intensificada no início do
século XX, quando Henry Ford introduziu o sistema de linha de montagem
na indústria automobilística. O homem, reduzido a gestos mecânicos, tor
nado "esquizofrênico" pelo parcelamento das tarefas, foi retratado em Tem
pos modernos, filme clássico de Charles Chaplin, o popular Carlitos.
A expressão teórica desse processo de trabalho parcelado é levada a
efeito por Frederick Taylor (1856-1915), no livro Princípios de administra-
ção cientifica, onde estabelece os parâmetros de um método científico de
racionalização da produção — daí em diante conhecido como taylorismo —
e que visa aumentar a produtividade, economizando tempo, suprimindo ges
tos desnecessários " comportamentos supérfluos no interior do processo
produtivo.
Esse sistema foi implantado com sucesso no início do século nos EUA
e logo extrapolou os domínios da fábrica, atingindo outros tipos de empresa,
os esportes, a medicina, a escola e até a atividade da dona-de-casa. Por
exemplo, um ferro de passar deve ser fabricado de acordo com os critérios
de economia de tempo, de gasto de energia (de eletricidade e da dona-de-
casa, por que não?); a localização da pia e do fogão deve favorecer a
mobilidade; os produtos de limpeza devem ser eficazes num piscar de olhos.
Taylor parte do princípio de que o trabalhador é indolente, gosta de
"fazer cera" e usa os movimentos de forma inadequada. Observando esses
gestos, determina a simplificação deles, de tal forma que a devida coloca
ção do corpo, dos pés, das mãos, possa aumentar a produtividade. Também
a divisão e parcelamento do trabalho se mostra importante para a simpli
ficação e maior rapidez do processo. São criados cargos de gerentes espe
cializados em treinar operários, usando cronômetros e depois vigiando-os
no desempenho de suas funções. Os bons funcionários são estimulados com
recompensas, os indolentes, sujeitos a punições. Taylor tentava convencer os
operários de que tudo isso era para o bem deles, pois, em última análise, o
aumento da produção reverteria em benefícios também para eles, gerando
a sociedade da opulência.
Esse sistema faz com que o setor de planejamento se desenvolva, tendo
em vista a necessidade de sofisticar as formas de controle da execução do
trabalho.
A necessidade de planejamento desenvolve uma intensa burocratização.
Os burocratas são especialistas na administração de coisas e de homens, esta
belecendo e justificando a hierarquia e a impessoalidade das normas. A buro
cracia e o planejamento se apresentam com uma imagem de neutralidade e
eficácia da organização, baseando-se num saber objetivo, .competente, desin
teressado. Mas é apenas uma imagem, que mascara o conteúdo ideológico
(ver Cap. 7) eminentemente político: na verdade, trata-se de uma técnica
social de dominação. Vejamos por quê.
Não é fácil submeter o operário a um trabalho rotineiro, irreflexivo,
repetitivo, em que o próprio homem se encontra reduzido a gestos estereoti
pados. Se não compreendemos o sentido da nossa ação e se o produto do tra
balho não é nosso, é bem difícil dedicar-nos com empenho a essa tarefa.
O taylorismo substitui as formas de coação visíveis, de violência direta, pes
soal, de um "feitor de escravos", por exemplo, por formas sofisticadas e
sutis que tornam o operário dócil e submisso. Impessoaliza a ordem, que
não aparece mais com a face de um chefe que oprime, mas a dilui nas
ordens de serviço vindas do "setor de planejamento". Esse processo retira
toda iniciativa do operário, que cumpre ordens, modelando seu corpo segun
do critérios exteriores, "científicos", c criando a possibilidade da interiori
zação da norma, que culmina com a figura do operário-padrão.
O que ocorre é a desarticulação do operário, a fim de impedir sua agre
gação com outros companheiros, dificultando a solidariedade entre eles.
Estimula a competição por níveis cada vez maiores de produção com a dis
tribuição de prêmios, gratificações c promoções. Isso gera uma "caça" aos
postos mais elevados.
A fragmentação que ocorre nas fábricas facilita ao capitalista ser o único
a ter o controle do produto final. A "racionalização" do processo de traba
lho traz cm si uma irracionalidade básica: desaparece a valorização do sen
timento, da emoção, do desejo.
105.
As "pessoas" que aparecem nas fichas do setor de pessoal são vistas
sem amor nem ódio, de modo impessoal. O burocrata-diretor é "profissio
nal" e manipula as pessoas como se fossem cifras ou coisas.
Ê interessante, no entanto, mostrar que esse processo não é exclusivo do
capitalismo, pois a "racionalização" da produção também foi introduzida na
URSS por Lênin, com a justificativa de que o sistema não seria utilizado para
. a exploração do trabalhad or, mas para sua libertação. O produto do trabalho
não seria apropriado pelo "capitalista", já que a propriedade privada dos
meios de produção fora eliminada. O que resulta disso não é a empresa
burocratizada, mas o próprio Estado burocrático. Não faltaram críticas de
grupos anarquistas, intelectuais, acusando Lênin de ter esquecido o princi
pio da realização do socialismo a partir de organizações de base, ao intro
duzir relações hierárquicas de poder.
Com isso, chegamos a um impasse que nos deixa perplexos diante de
uma técnica apresentada de início como libertadora e que se mostra, afinal,
geradora de uma ordem tecnocrática que oprime.
Enquanto prevalecerem as funções divididas do homem que pensa e
do homem -que só executa, será impossível evitar a dominação, pois sempre
existirá a idéia de que só alguns sabem e são competentes e portanto deci
dem, e a maioria nada sabe, é incompetente c obedece.
Não queremos assumir a posição ingênua de crítica à técnica, mas é
preciso preocupar-se com a absolutização do "cs.p(rito" da técnica. Onde a
técnica se torna o princípio motor, o homem se encontra mutilado, porque
é reduzido ao anonimato, às "funções" que desempenha, e nunca é um fim,
mas sempre meio para qualquer coisa que se acha fora dele.
Por isso, a questão que se coloca é a da necessidade de uma reflexão
moral que levante o problema dos fins a que a técnica se destina, a fim de
observar em que medida ela está a serviço do homem ou da sua exploração.
O que é ideologia?
Introdução conceitual
Há vários
conjunto sentidos
de idéias, para a palavra
concepções ideologia.
ou opiniões sobreEm sentido
algum amplo,
ponto é oa
sujeito
discussão.
Quando perguntamos qual é a ideologia de um determinado pensador,
podemos estar nos referindo à sua doutrina, ao corpo sistemático de suas
idéias e ao seu posicionamento interpretativo diante de determinados fatos.
Podemos ainda estar nos referindo à teoria, como organização sistemá
tica dos conhecimentos destinados a orientar a prática, a ação efetiva. Nesse
sentido, já ouvimos a expressão "atestado ideológico", que é a declaração
exigida a um indivíduo sobre sua filiação partidária e idéias que orientam
sua ação política. No Brasil, por exemplo, durante o recrudescimento do
poder autoritário, órgãos como o DEOPS (Departamento Estadual de Ordem
Política e Social) exigiam em certas circunstâncias que as pessoas apresen
tassem atestados desse tipo, a fim de controlar a adesão às ideologias marxis
tas, consideradas perigosas ã segurança nacional.
Em sentido pejorativo, ideologia é o conjunto de idéias e concepções
sem fundamento, mera análise ou discussão oca de idéias abstratas que não
correspondem a fatos reais.
Há outros sentidos mais específicos, elaborados por autores como
Destutt de Tracy, Comte, Durkheim.
Aqui, no entanto, não usaremos o conceito de ideologia cm nenhum
desses sentidos. Vejamos então !.
"A ideologia é um conjunto lógico, sistemático e coerente de represen
tações (idéias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que indicam e
prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar e como devem
pensar, o que devem valorizar c como devem valorizar, o que devem sentir
e como devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer. Ela é, portanto,
um corpo explicativo (representações) c prático (normas, regras, preceitos)
de caráter prescritivo, normativo, regulador, cuja função é dar aos membros
de uma sociedade dividida em classes uma explicação racional para as dife
renças sociais, políticas c culturais, sem jamais atribuir tais diferenças à
divisão da sociedade em classes, a partir das divisões na esfera da produ
ção. Pelo contrário, a função da ideologia é a de apagar as diferenças como
de classes e de fornecer aos membros da sociedade o sentimento da identi
dade social, encontrando certos referenciais identificadores de todos e para
todos, como, por exemplo, a Humanidade, a Liberdade, a Igualdade, a
Nação, ou o Estado." 2 Fundamentalmente, a ideologia é um corpo sistemá
tico de representação e de normas que nos "ensinam" a conhecer e a agir.
A ideologia tem como função assegurar uma determinada relação dos
homens entre si e com suas condições de existência, adaptando os indiví
duos às tarefas prefixadas pela sociedade. Portanto, a ideologia assegura a
coesão dos homens e a aceitação sem críticas das tarefas mais penosos e
pouco recompen:adoras, em nome da "vontade de Deus" ou do "dever mo
ral" ou simplesmente como decorrente da "ordem natural das coisas".
É interessante observar que não se trata de uma "mentira" que os indi
víduos da classe dominante "inventam" para subjugar a classe dominada.
Também eles sofrem a influência da ideologia, o que lhes permite exercer
como natural sua dominação, aceitando como universais os valores especí
ficos de sua classe. Os missionários que acompanhavam os colonizadores às
terras conquistadas, certamente não percebiam o caráter ideológico da sua
ação ao querer implantar uma religião e uma moral estranhas ao do povo
dominado. '
Essa universalidade das idéias e dos valores é abstrata porque na reali
dade concreta o que há são classes particulares com interesses divergentes,
e a ideologia de uma "sociedade harmoniosa e una" oculta a divisão de
classes. Portanto, a universalização e a abstração supõem uma lacuna ou o
ocultamento de alguma coisa que não pode ser explicitada sob pena de des-
mascaramento da ideologia. Istoé, sob o aparecer da ideologia existe uma
realidade concreta que precisa ser descoberta pela análise da gênese do pro
cesso, ou seja, pela verificação de como a realidade foi produzida.
Por exemplo, quando se diz que "o trabalho dignifica o homem", esta
mos diante de um conceito ideológico, na medida em que se trata:
• de uma abstração, já que o trabalho se apresenta como uma "idéia de tra
balho", e a análise da situação concreta e particular da realidade histó
rico-social em que os operários realizam seu trabalho mostra exatamente
o contrário: o cmbrutecimento e reificação ("coisificação") do homem,
e não a sua dignidade.
• de uma lacuna, pois, analisando a gênese do trabalho assalariado, desco
brimos a mais-valia e, portanto, o componente que leva à alienação do
homem e à diferença de condição de vida das pessoas na "comunidade".
Outro exemplo: "A educação é um direito de todos" (e até um dever,
já que há obrigatoriedade legal de se completar o curso primário). Essa afir
mação é abstrata e lacunar, pois apresenta como universal um valor que
beneficia apenas uma classe. Quando observamos as estatísticas que mostram
evasão e o baixo índice de freqüência escolar por parle das classes desfavo
recidas, são comuns as "explicações" em função das dificuldades de adapta
ção, do mercado de trabalho e até do desinteresse ou preguiça. O que está
oculto aí é que na sociedade de classes há uma contradição entre os que
produzem a riqueza material e cultural com seu trabalho e os queusufruem
essas riquezas, excluindo delas os produtores. Assim, a educação é um dos
bens a serem usufruídos pelos componentes da classe dominante. A educa
ção aparece como um direito de todos, mas, analisando a gênese da produ
ção e usufruto dos bens, descobre-se que de fato a educação está restrita a
uma classe.
Além disso, a ideologia mostra uma realidadeinvertida, ou seja, o que
seria a srcem da realidade é posto como produto e vice-versa. Por exemplo,
a ideologia burguesa afirma que existem nos homens diferenças individuais
c que estas determinam a desigualdade social: a desigualdade natural seria
a causa da desigualdade social. Ora, a sociedade c na verdade resultado da
práxis, e as desigualdades sociais estabelecidas pela divisão do trabalho e
107.
pelas relações de produção é que determinam (são causas) das desigualdades
individuais. Não estamos querendo desconsiderar as diferenças que de fato
existem entre os indivíduos, como interesses, aptidões, inteligência. Mas,
grosso modo, a atividade a que cada um se submete aparece como decor
rente da competência e não como resultado da divisão de classes (lembre
mos ainda que a própria divisão de classes não deve ser vista como um
"dado" inicial, mas tomo o resultado da práxis).
Mais um exemplo: se um filho de operário não melhora o padrão de
vida, isto é explicado como resultado da sua incompetência, falta de força
de vontade ou disciplina de trabalho, quando na realidade ele joga um "jogo
de cartas marcadas", e suas chances de melhorar não dependem dele, mas
da classe que detém os meios de produção.
Outra inversão própria da ideologia é a maneira pela qual se estabe
lecem as relações entre teoria e prática, colocando a teoria como superior à
prática, porque a antecede e "ilumina". As idéias tornam-se autônomas e
causa da ação humana (c não o contrário).
Essa divisão hierárquica entre o pensar e o agir se encontra também
na dicotomia da sociedade em um segmento que se dedica ao trabalho inte
lectual e outro, ao trabalho manual. Uma classe "sabe pensar"; a outra "não
sabe pensar" e só executa. Portanto, uma decide, porque sabe, e a outra
obedece.
Aspectos teóricos
115.
desces movimentos e a sua relação com as classes sociais. De tal
modo que se chegue a defini-los não so como expressão da classe
trabalhadora fabril mas também como expressão dos mais diversos
agentes sociais que compõem as cla3sea populares. Para atingir
esse nível de analise dos movimentos sociais, sugere-se neste mo_
Métodos de ensino
116.
/
117.
nais que tratem do mesmo assunto. •
Na seq uênc ia, a seg und a au la co n s i st i rá de u ma ex po si
ção do professor, que poderá teorizar sobre os movimentos socia
is,
dessarelacionando-os
aula, pode-secom as classes
propor sociais dee oalunos
a um grupo Estado.
queNopreparem
final pa
ra a aula seguinte uma pequena representação teatral cujo tema
gi r e en torn o de algum fa to que envolva mov imentos s o c i a i s . Ge
isso for pos sív el, a te rc ei ra aula ini ci ar -s e- á com a a present a
ção do que foi preparado pelos alunos. Em seguida, abre-se o de
bate para toda a classe, para que professor e alunos discutam so-
bre a possível relação entre a representação teatral e os aspec
tos teóricos desenvolvidos na aula anterior.
Propomos que a qu ar ta a u l a s e ja dedi cad a a exp osi ção do
professor, tentando abordar a produção de uma política pública
de ensin o a pa rt i r d a rela ção Estad o-mov iment os s o c i a i s . 0 obje
tivo é o de reafirmar que a cidadania e algo conquistado pela a-
ção política, exemplificando tal idéia a partir da questão educa
cional. A quinta e sexta aulas poderão ser reservadas, respecti
vamente, para leitura de textos e desenvolvimento de exercícios
propostos pelo professor.
Textos de apoio
Hobbes e o absolutismo
Thomas Hobbes (1588-1679), ínglês de família pobre, conviveucom a
nobreza, de quem recebeu apoio e condições para estudar, e defendeu ferre
nhamente
rais. Teve ocontato
direito com
absoluto dos reis,Francis
Descartes, ameaçado pelas
Bacon novas tendências
e Galileu. libe
Preocupou-se,
entre outras coisas, com o problema do conhecimento, tema básico das re
flexões do século XVIÍ, e também escreveu sobre política: De cive e Leviatã.
O que ocorria no século XVII, época em que Hobbes viveu?
O absolutismo, atingindo o apogeu, encontra-se em vias de ser ultra
passado, enfrentando inúmeros movimentos de oposição, baseados em idéias
liberais. Se numa primeira fase (Inglaterra de Isabel e França de Luís XIV)
o absolutismo é o corolário normal do mercantilismo, pois as indústrias nas
centes são protegidas pelo governo, numa segunda fase o desenvolvimento
do capitalismo comercial contribuí para miná-lo, já que a burguesia ascen
dente agora aspira ao poder.
Continua a laicização do pensamento, a partir de um sentimento de
independência em relação ao papado e de uma crítica a teoria do direito
divino dos reis.
A vida política é agitada por movimentos revolucionários; na França,
terminada a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), rebenta a Fronda; na
Inglaterra, Cromwell, comandando a Revolução Puritana, destrona e exe
cuta o rei Carlos I (1649).
As teorias contratualistas
sofosAdopartir da XVII
século tendência
estãodepreocupados
seeularização
emdojustificar
pensamento político, ose fíló-
racionalmente legi-
timar o poder do Estado sem recorrer à intervenção divina ou a qualquer
explicação religiosa. Daí a preocupação com a srcem do listado.
£ bom lembrar que não se trata de uma visão histórica, de modo que
seria ingenuidade concluir que a "srcem" do Estado se refere à preocupação
com o seu "começo": o termo deve ser entendido no seu sentido lógico, e
não cronológico, como "princípio" do Estado, ou seja, sua "raison d'êlre"
(razão de ser). O ponto crucial não é a história, mas a validade da ordem
social e política, a base legal do Estado.
Essa temática aparece em Hobbes e, posteriormente, em Locke e
Rousseau, se bem que a partir de variáveis que às vezes se contrapõem e
com resultados e propostas diferentes.
O que há de comum entre esses filósofos c que eles partem da análise
do homem em estado de natureza, isto é, antes de qualquer sociabilidade,
quando desfruto ria de todas as coisas, realizaria todos os seus desejos c seria
dono de um poder ilimitado. O que faria o homem abandonar esse estado
para se submeter ao Estado instituído por um pacto, por um contrato?
omenores
Estado, de
um serem
giganteengolidos
cuja carnepelos mais fortes.
é a mesma E essa
de todos figura
os que a eleque representa
delegaram
o cuidado de os defender.
Investido de poder, o soberano não pode ser destituído, punido ou
morto. Tem o poder de prescrever as leis, de julgar, de fazer a guerra c a
paz, de recompensar e punir, de escolher os conselheiros. Hobbes preconiza
ainda a censura, já que o soberano é juiz das opiniões c doutrinas contrárias
à paz. E quando, afinal, pergunta se não é muito miserável a condição de
súdito diante de tantas restrições, conclui que nada se compara às misérias
que acompanham a guerra civil ou ã condição dissoluta de homens sem
senhor.
Carlos
mesmo I com
e a aascensão de Gloriosa,
Revolução Cromwell. em
Mas1688,
a liquidação
quando do absolutismo
Guilherme III é se dá
pro
clamado rei, após ter aceito a Declaração de Direitos, que limitava muito
sua autoridade e dava mais poderes ao parlamento. Fica, portanto, o poder
executivo subordinado ao legislativo.
Essas conquistas burguesas exigem do rei a convocação regular do par
lamento, sem o qual ele não pode fazer leis ou revogá-las, cobrar impostos
ou manter um exército. Institui-se ainda o habeas-corpus a fim de evitar as
prisões arbitrárias, e assim nenhum cidadão pode ficar preso indefinida
mente sem ser acusado diante dos tribunais, por meio de uma denúncia
bem definida.
do pensamento
recem de Locke desse
em conseqüência é que consentimento,
os direitos naturais
mas dos homenspara
subsistem não limitar
desapao
poder do soberano, justificando, em última instância, o direito à insurreição:
o poder é um trust, um depósito confiado aos governantes — trata-se de
uma relação de confiança —, e, se estes não visarem o bem público, é per
mitido aos governados retirá-lo e confiá-lo a outrem.
O contrato social
Soberano e governo
O ato pelo qual o povo institui um governo não o submete a ele. Ao
contrário, não há um "superior" ao povo, pois os depositários do poder não
são os senhores do povo, mas seus oficiais, e o povo pode elegê-los e desti
tuí-los quanto lhe aprouver. Os magistrados que constituem o governo ape
nas executam as leis, estando subordinados ao poder de decisão do soberano.
O soberano é o povo incorporado, é o corpo coletivo que expressa,
através da lei, a vontade geral. A soberania do povo, manifesta pelo legisla
tivo, é inalienável, ou seja, ela não pode ser representada. A democracia
rousseauniana critica o regime representativo, pois considera que Ioda lei
não ratificada pelo povo em pessoa é nula. Daí preconizar a democracia
participativa ou direta. Só se mantém a soberania do povo através de assem
bléias freqüentes de todos os cidadãos. É evidente que, para o próprio
Rousseau, tal projeto só é possível cm uma sociedade de reduzidas propor
ções. Além de inalienável, a soberania é também indivisível, pois não se
pode tomar os poderes separadamente. Aqui Rousseau critica a autonomia
dos poderes, cuja discussão começa com Locke e se explicita com Montes-
quieu (executivo, legislativo e judiciário).
Enquanto soberano, o povo é ativo c considerado cidadão. Mas há
também uma soberania passiva, assumida pelo povo enquanto súdito. Então,
o mesmo homem, enquanto faz a lei, é um cidadão e, enquanto a ela obe
dece e se submete, é um súdito.
A vontade geral
Taissupomos,
do que, discussõesdeverá
controvertidas têm sido
pôr em questão sujeitas atradicionais
concepções um debate afermenta
respeito
desse assunto.
(Extraído do livro Filosofando
, de Maria LúciaA. Aran
ha e Maria
aos órgãos
que da conquistá-lo;
pudessem constituição gentílica já não
veículos de lhes basta,
um poder que semesmo
tinha
tomado estranho á sociedade, precisam impor respeito através
de leis de exceção, em virtude das quais gozam de uma santi
da de e uma inviol abilidade especiais. O mais reles dos bele-
guins do Estado civilizado tem mais "autoridade" do que todos
os órgãos da sociedade gentílica juntos; no entanto, o príncipe
mais poderoso, o maior homem público, ou general, da civili
zação pode invejar o mais modesto dos chefes de gens, pelo
respeito espontâneo e indiscutido que l he profe ssavam . Est e
existia dentro mesmo da sociedade, aqueles vêem-se compe
lidos a pretender representar algo que está fora e acima dela.
Como o Estado nasceu da necessidade de conter o anta
gonismo das classes, c como, ao mesmo tempo, nasceu em
meio ao conflito delas, é, por regra geral, o Estado da classe
mais poderesa, da classe economicamente dominante, classe
que, por intermédio dele, se converte também em classe politi
camente dominante e adquire novos meios para a repressão e
exploraç ão da classe oprim ida. Assim, o Esta do antigo f oi,
sobretudo, o Estado dos senhores de escravos para manter os
escravos
valeu subjugados;
a nobreza para omanter
Estadoa feudal
sujeiçãofoidoso servos
órgão de que se
e campo
neses dependentes; e o moderno Estado representativo é o ins
trumento de que se serve o capital para explorar o trabalho
assalariado. Entr etan to, por exceção, há perío dos em que as
lutas de classes se equilibram de tal modo que o Poder do
Estado, como mediador aparente, adquire certa independência
mom entâ nea em f ace das c lass es- Nesta situação, achava -se
a monarquia absoluta dos séculos XVII e XVIII, que contro
lava a balança entre a nobreza c os cidadãos; de igual ma
neira, o bonapartisrno do primeiro império francês, e princi
palmente do segundo, que jogava com os proletários contra a
burgu esia e com est a contra aquele s. O mais recen te caso dessa
espécie, em que opressores e oprimidos aparecem igualmente
ridículos, é o do novo império alemão da nação bismarckiana:
aqui, capitalistas e trabalhadores são postos na balança uns
contra os outros e são igualmente ludibriados para proveito
exclusivo dos degenerados "junkers" prussianos.
Além disso, na maior parte dos Estados históricos, os di
reitos concedidos aos cidadãos são regulados de acordo com as
posses dos referidos cidadãos, pelo que se evidencia ser o
Estado um organismo para a proteção dos que possuem contra
os que não possuem. Foi o que vimos em Atenas e cm Roma ,
onde a classificação da população era estabelecida pelo mon
tante dos bens. O mesmo acontece no Estado feudal da Ida de
Média, onde o poder político era distribuído conforme a im
portância da propriedade territorial. E é o que podemos ver
no censo esse
tretanto, eleitoral dos modernos
reconhecimento Estados
político das represen tativos.
diferenças En
de for
tuna não tem nada de essencial; pelo contrário, revela até um
grau inferior de desenvolvimento do Estado. A república de
mocrática— a mais elevada das formas de Estado, e que, em
nossas atuais condições sociais, vai aparecendo como uma
necessidade cada vez mais iniludível, e é a única forma de
Estado sob a qual pode ser travada a última e definitiva
batalha entre o proletariado e a burguesia — não mais reco
nhece oficialmente as diferenças de fortuna. Nela, a riquez a
exerce seu poder de modo indiret o, embora mais seguro. De
um lado, sob a forma de corrupção direta dos funcionários
do Estado, e na América vamos encontrar o exemplo clássico;
de outro lado, sob a forma de aliança entre o governo e a
Bolsa. Tal aliança se concretiza com facilidade tanto mai or
quanto mais cresçam as dívidas do Estado e quanto mais as
sociedades por ações concentrem em suas mãos, além do
transporte; a própria produção, fazendo da Bolsa o seu centro.
Tanto quanto a América, a nova república francesa ó um
exemplo muito claro disso, e a boa e velha Suíça também
traz a sua cont ribuição nesse terreno. Mas, que a r epública •
democrática não é imprescindivel para essa fraternal união
entre Bolsa e governo, prova-o, além da Inglaterra,,o novo
império alemão, onde não se pode dizer quem o sufrágio
univers al elevou mais alto, se Bismarck,. se Bleichrode r. E,
por último, é diretamente através do sufrágio universal que a
classe possuidora domina. Enqu ant o a classe oprimid a — em
nosso caso, o proletariado — não está madura para promover
ela mesma a sua emancipação, a maioria dos seus membros
considera a ordem social existente como a única possível e,
politicamente, forma a cauda da classe capitalista, sua ala da
extrema esquerda. Na medida, entretanto, em que vai ama
durecendo para a auto-emancipação, constitui-se como um
partido independente e elege seus próprios representantes e
não os dos capitalistas. O sufrágio universal é, assim, o ín
dice do amadurecimento da classe operária. No Estado atual ,
não pode, nem poderá jamais, ir além disso; mas é o suficiente.
No dia em que o termômetro do sufrágio universal registrar
para os trabalhadores o ponto de ebulição, eles saberão —
tanto quanto os capitalistas — o que lhes cabe fazer.
Portanto, o Estado não tem ex istido eternamente. Houve
sociedades que se organizaram sem ele, não tiveram a menor
noção do Esta do ou de seu poder . Ao chegar a certa fase
de desenvolvimento econômico, que estava necessariamente
ligada à divisão da sociedade cm classes, essa divisão tornou
o Estado uma necessi dade. Estamos agora nos aproximando,
com rapidez, de uma fase de desenvolvimento da produção
em que a existência dessas classes não apenas deixou de ser
uma necessidade, mas até so converteu num obstáculo à pro
dução mesma. As classes vão desaparecer, e de maneira tão
inevitável como no passado surgiram. Com o desapare cimento
das classes, desaparecerá inevitavelmente o Estado . A socie
dade, reorganizando do uma forma nova a produção, na base
de uma associação livre de produtores iguais, mandará toda
ader:
máquina do do
o museu Estado para o lugar
antigüidades, quedalheroca
ao lado há de
de fiar
correspon
o do
machado do bronze,
(Extraí
do do liv
ro A Origem da Famíl
ia, da Prop
riedade Privada
leira, Rio de
Janeiro, 1981)
_Os conceitos d e democracia e autoritarismo
Maria Inicia de Arruda Aranha e Maria .Helena Pires Martins
A personalização do poder
O que caracteriza os governos não democráticos é que o poder é inves
tido numa pessoa que pretende exercê-lo durante toda sua vida, como se
dele fosse proprietário. O faraó do Egito, o césar romano, o rei cristão me
dieval, em virtude de privilégios, se apropriam do poder, identificando-o
com o seu próprio corpo. É a pessoa do príncipe que se torna o intermediário
entre os homens e Deus, ou o intérprete humano da suprema Razão.
identificado com determinada pessoa ou grupo, o poder personalizado
é um poder de fato, e não de direito, pois não é legitimado pelo consenti
mento da maioria, mas depende do prestígio e da força dos que o possuem.
Trata-se de uma usurpação do poder, que perde o seu lugar público quando
é incorporado na figura do príncipe.
Que tipo de unidade decorre desse poder? Como não se funda na
expressão da maioria, ele precisa estar sempre vigiando e controlando o
surgimento de divergências
ção das crenças, que dos
das opiniões, poderão abalá-lo.
costumes, Buscaoentão
evitando a uniformiza
pensamento diver
gente e destruindo a oposição.
Eis aí o risco do totalitarismo, quando o poder é incorporado ao partido
único, representado por um homem todo-poderoso. O filósofo político con
temporâneo Claude Lefort' diz que o escritor soviético dissidente Soljenitsin
costumava se referir a Stálin como sendo o Egocrata (que significa o poder
personalizado; etimologicamente, "poder do eu"). O Egocrata é o ser todo-
poderoso que faz apagar a distinção entre a esfera do Estado e a da socieda
de civil: o partido, onipresente, se Incumbe de difundir a ideologia dominan
te por todos os setores de atividades, a todos unificando, o que permite a
reprodução das relações sociais conforme o modelo geral.
A institucionalização do poder
A Idade Moderna promove uma profunda mudança na maneira de
pensar medieval, que era predominantemente religiosa. Ocorre a seeulariza-
ção da consciência, ou seja, o abandono das explicações religiosas, para se
usar o recurso da razão, Essa transformação se verifica nas artes, nas ciên-
cias na política.
A tese de que todo poder emana de Deus, se contrapõe a srcem social
do pacto feito pelo consentimento dos homens. A legitimação do poder se
encontra no próprio homem que o institui.
Com a emergência da burguesia no panorama político, dá-se a criação
do Estado como organismo distinto da sociedade civil. Em outras palavras,
na Idade Média, o poder político pertencia ao senhor feudal, dono das terras,
e era transmitido como herança juntamente com seus bens; com as revôlu-
ções burguesas, essas duas esferas dissociam-se: o poder não é herdado, mas
conquistado pelo voto. Assim, separa-se o público do privado. O espírito da
democracia está em descobrir o valor da coisa publica, separada dos interes
ses particulares.
Desse modo, ocorre a institucionalização do puder, que não mais se
identifica com aquele que o detém, pois este é mero depositário da soberania
popular. O poder se torna um poder de direito, e sua legitimidade repousa,
não no privilégio, não no uso da violência, mas do mandato popular.
O súdito, na verdade, torna-se cidadão, já que participa da comunidade
cívica. Não havendo privilégios, todos são iguais e têm os mesmos direitos
e deveres.
Isto se torna possível pela criação deinstituições baseadas na plurali
dade de opiniões e na elaboração de leis para orientar a ação dos cidadãos,
garantindo seus direitos e evitando o arbítrio. A institucionalização implica
a elaboração de uma Constituição, que é a lei magna.
Portanto, o poder torna-se legítimo porque emana do povo e se faz em
conformidade com a lei.
Retomando a pergunta "Onde é o lugar do poder na democracia?",
respondemos que é o lugar do vazio, ou seja, é o poder com o qual ninguém
pode se identificar e que cera exercido transitoriamente por quem for esco-
lhido para tal.
No entanto, como já dissemos, a democracia burguesa se mostrou defi
ciente no exercício desse ideal, pois redundou em uma forma elitista, privi
legiando
do acessoosao segmentos da sociedade
poder a grande maioria. que possuem propriedades e excluindo
Com a ajuda da ideologia , as classes privilegiadas
dissimulam a divisão e mostram a sociedade como uma. harmônica e iguali
tária. Asseguram, assim, a tranqüilidade e o "progresso". Entretanto, a outra
parte da sociedade se acha reduzida ao silêncio e à incapacidade de pensar
a sua própria condição.
Como seria o exercício da verdadeira democracia?
Segundo Marilena Chauí 2 , as determinações, constitutivas do conceito
de democracia são as idéias deconflito, abertura e rotatividade.
• O conflito — se a democracia supõe o pensamento divergente, isto é, os
múltiplos discursos, ela tem de admitir uma heterogeneidade essencial.
Então, o conflito é inevitável. A palavraconflito sempre teve sentido
pejorativo, de algo que devesse ser evitado a qualquer custo. Ao contrário,
divergir é inerente a uma sociedade pluralista. O que a sociedade demo
crática deve fazer com o conflito é trabalhá-lo, de modo que, a partir da
discussão, do confronto, os próprios homens encontrem a possibilidade de
superá-lo. E assim que a verdadeira história se faz, nesta aventura em que
0 homem se lança em busca do possível, a partir dos imprevistos. Se os
conflitos existem, evitá-los é permitir que persistam, degenerem em mera
oposição ou sejam camuflados.
• A abertura •— significa que na democracia a informação circula livremen
te, e a cultura não é privilégio de poucos. Essa circulação não se reduz
ao mero consumo de informação e cultura, mas significa produção de
cultura, que se enriquece nesse processo.
• A rotatividade — significa tornar o poder na democracia realmente o
lugar vazio por excelência, sem privilégio de um grupo ou classe. E permi
tir que todos os setores da sociedade possam ser legitimamente represen
tados.
A fragilidade da democracia
Paulo Meksenaa
143.
CAPÍTULO 7
Aspectos teóricos
145.
lise parta de um estudo preliminar da organização familiar na
história. Isto para que o aluno perceba que civilizações difere-
tes produzem instituições familiares diferentes e que essas di
ferenças são dadas pelos diversos modos possíveis de humanizar a
natureza. Com esse objetivo propusemos o estudo da família numa
sociedade tribal. Pode-se nesse caso, fazer uma referência à or
ganização das nações indígenas ainda existentes no Brasil contem-
porâneo.
Passamos então à discussão da organização da família na
sociedade capitalista, para que se perceba que nessa sociedade
encontramos diferentes modelos familiares, mesmo que ao nível da
ideologia predomine a noção de família burguesa. Nesse momento é
interessante fazer uma rápida referência aos aspectos a produ
ção e reprodução da concepção de modelo familiar dos . In-
teressante e também possível e a breve reflexão sobre a ação
das mulheres como forma de resistência às condições de dominação
a que estão submetidas. E ainda, se o professor preferir, uma
breve discussão em torno da dominação sobre a criança ou jovem.
Quanto à instituição escola, não propomos um estudo apro-
fundado, uma vez que ela será objeto de estudo de uma disciplina
específica: a Sociologia da Educação. Cabe aqui iniciar as dis
cussões em torno da dinâmica dessa instituição, para que o aluno
perceba que ela aparece revestida de formas diferentes em civili-
zações diferentes. Em seguida, propõe-se a reflexão sobre a erga
nização escolar na sociedade industrial. Para essa reflexão pode
-se partir da caracterização dos agentes presentes na escola (a-
lunos, professores, funcionários) e do modo como atuara fronte à
hierarquia, disciplina e regras dessa instituição.Isto, por sua
vez, possibilitará uma análise introdutória das formas de poder
presentes na escola.
Por fim, consideramos necessário discutir a escola em
nossa sociedade industrial não só como instituição reprodutora
de ideologia, mas como espaço institucional aberto também aos in-
146.
teresses das classes populares —desde que estas se organizem na
defesa dos seus direitos. É possível, nesse caso, uma referência
direta às preocupações levantadas na Unidade 3 desta proposta
de curso.
Métodos de ensino
147.
obtidas nus aulas anteriores de Sociologia. A partir desce con
fronto propõe-se um debate em classe, a partir das seguintes
questões: " Qual é a realidade familiar apr sentada nos livros a
nalisados? Com quais atribuições aparece a mulher? Com quais a-
Textos de apoio
O quo é família?
A história da humanidade, assim como os estu
dos antrop ológico s sobre os povos e culturas distan
tes de nós (no espaço e no tempo), esclarece-nos
sobre o que é a família, como existiu e existe.
Mostra-nos como foram e são hoje ainda variadas
as formas sob as quais as famílias evoluem, se
modificam, assim como são diversas as concepções
do significado social dos laços estabelecidos entre
os Indivíduos de uma sociedade dada.
Ninguém tem por hábito perguntar; "Você sabe
o que é uma família?" A palavra FAMÍLIA, no
sentido popular e nos dicionários, significa pessoas
aparentadas que vivem em geral na mesma casa,
particularmente o pai, a mãe e os filhos. Ou ainda,
pessoas de mesmo sangue, ascendência, linhagem,
estirpe ou admitidos por adoção.
Paradoxalmente, todos sabem o que é uma
família já que todos nós somos parte integrante de
alguma família. £ uma entidade por assim dizer
óbvia para tod os. No ent ant o, para qualquer pe ssoa
é difícil definir esta palavra e mais exatamente o
conceito que a engloba, que vai além das definições
livrescas.
A maioria das pessoas, por isso, quando aborda
questões familiares, refere-se espontaneamente a
uma realidade bem próxima, partindo do conhe
cimento da própria família, realidade que crêem
semelhante para todos, e daí acabarem genera
lizando ao falar das famílias em abstrato.
Os tipos de família variam muito, como veremos
no decorrer destas reflexões, embora a forma mais
conhecida e valorizada de nossos dias seja a
família composta de pai, mãe e filhos, chamada
família "nuclear", "normal" etc.
Este é o nosso modelo, que desde criança vemos
nos livros escolares, nos filmes, na televisão,
mesmo que em nossa própria casa vivamos um
esquema diverso.
As famílias, apesar de todos os seus momentos
de crise e evolução, manifestam até hoje uma
grande capacidade de sobrevivência e também,
por que não dizê-lo, de adaptação, uma vez que ela
subsiste sob múltiplas formas.
Jamais encontramos através da História uma
sociedade que tenha vivido à margem de alguma
noção de família. Isto é, de alguma forma de
relação institucional entre pessoas de mesmo
sangue.
Nem mesmo nas sociedades que tentaram novas
experiências, como a China com o questionamento
da família tradicional, ou Israel com os kibutzim,
onde as mulheres saem,para trabalhar e as crianças
vivem em comunidades. Nem nessas sociedades
desapareceu a noção básica de família. Se genera
lizando desta for ma tom a se d if íc il def inir o
que entendemos por FAMÍLIA, não é difícil
- indicar o que seria a NÂ O F AM Í L I A .
Entre o indivíduo e o conjunto da sociedade
existem os vários grupos profissionais, de identi
dade, ideológicos, religiosos, raciais, educacionais
etc. Estes não englobam, no entanto, os indivíduos
enquanto indivíduos, em toda a sua história de
vida pessoal. Não incluem necessariamente, como
na família, os recém-nascidos a os anciãos, o
deficiente e o "normal". São grupos delimitados
e temporários, no tempo e no espaço, com
objetivos definidos.
A natureza das relações dentro de uma família
vai se modificando, através do tempo. O aspecto
mais problemático da evolução da família está
sem dúvida alguma ligado ao questionamento
da posição das crianças como "propriedade" dos
pais e à posição econômica das mulheres dentro
da família. Inclui-se aí o questionamento da
distribuição dos papéis ditos especificamente
masculinos, ou femininos, e esse é um problema-
chave para o surgimento de uma nova estrutura
social.
De fato, não se poderá mudar a instituição
familiar sem que toda a sociedade mude também.
Podemos afirmar ainda que qualquer modificação
na organização familiar implicará também uma
modificação dos rígidos papéis de esposa, mãe
ou prostituta, os únicos atribuídos às mulheres.
Quanto ás crianças, há algum tempo já o Estado
intervém entre os pais e filhos, sendo que na
Suécia desde há pouco os pais são passíveis de
denúncia pelos vizinhos, caso punam fisicamente
seus filhos.
Através da escola, do controle sobre os meios
de comunicação, de médicos e psicólogos, o
poder dominante de cada sociedade mais ou
menos sutilmente impõe normas educacionais,
sendo difícil aos familiares contrariá-las. De uma
maneira geral, no entanto, cabe ainda aos pais
grande parcela de poder de decisão sobre seus
tada. Amenores.
filhos esse poder
Parcela
eqüivalem,
essa cada
por parte
vez mais
dos filhos,
contes
direitos legais em relação a seus pais, em particular
no sistema capitalista. Direitos á assistência,
educação, manutenção e participação em seus
bens e proventos.
Ao inverso do que comumente pensamos,
segundo o tipo de sociedade e a época vivida ou
estudada, varia a composição dessa unidade social,
a família, assim como seu modelo ideal.
Cada família varia também a sua composição
durante sua trajetória vital e diversos tipos de
família podem coexistir numa mesma época e
local. Por exemplo: casais que viveram numa
família extensa, com mais de duas gerações dentro
de casa, tornam-se nucleares pela morte dos mem
bros mais velhos e, quando os filhos saem de casa,
voltam a viver como uma família conjugal (somente
um casal). Paralelamente, podem existir famílias
naturais em virtude de fatores diversos, istoi, mu
lheres que não quiseram ou não puderam viver com
caso,homem
um a história
do qual
individual
tiverampode
um levar
filho. Ainda
essa mulher
nesse
a casar-se num outro momento e compor uma
família nuclear.
Uma mãe com filhos sem designação de um
pai não constitui uma FAMÍLIA, mas sim uma
FAMÍLIA NATURAL, ou INCOMPLETA, na
c!assificação de sociólogos e demógrafos.
Há ainda os fatores culturais que determinam o
predomínio do um tipo de família nuclear, como
é o caso hoje em dia, por ser esse o modelo veicu
lado por determinada cultura, coexistindo com
várias famílias que por fatores sócio-econômicos
apresentam grande variedade em sua estrutura.
Assim, nos Estados Unidos encontramos os mem
bros da seita Mórmon que admitem a poligamia, o
que é inadmissível para os outros grupos religiosos
do país. Há famílias muçulmanas que desejam
emigrar com destino a países onde a poligamia
período da infância e da adolescência.
Talvez porque os laços de sangue (ou de adoção
equivalente)
ninguém podecriem umfeliz
se sentir sentimento de comple
se lhe faltar dever,
tamente a referência familiar.
Além dos laços de sangue, há os compromissos
assumidos, como aqueles existentes entre marido
e mulher. E também, porque não abordarmos isso
aqui, entre uma criança e um pai "provável".
Sabemos que só a mãe pode confirmar a pater
nidade exata de seu filho. Por parte do homem,
limita-se a um "ato de fé" naquela mulher, ou
em normas legais que lhe atribuem qualquer
criança nascida na vigência de um casamento.
Famílias alternativas
Hoje em dia, há diversas experiências substitu
tivas da família. Entre outras, as COMUNIDADES,
que correspondem a tentativas para resolver os
problemas enfrentados pela redução das famílias
contemporâneas, por sua mobilidade, por suas
dificuldades em geral em se relacionarem com
outras de modo estável.
Vale a pena refletirmos sobre essas experiências.
Tratam-se de, podemos dizer, fenômenos sociais
cuja extrema variedade impede que sejam assimi
lados às outras formas de família. Pode-se dizer
que uma comunidade nasce da união de alguns
indivíduos adultos decididos a viver num grupo
social auto-suficiente.
Entre as inúmeras razões que levam a essa
escolha, existe a tentativa de reencontrar um tipo
de relações existente ou idealizado através da
família extensa, educando coletivamente as
crianças e integrando os deficientes de qualquer
idade. Ou seja, a recusa do isolamento em que vive
a família nuclear.
Há também uma srcem mística ou religiosa,
nessas comunidades, em particular naquelas que so
formaram em tempos remotos.
No mundo contemporâneo, notam-se certas
motivações de caráter político ou ideológico, que
se impõem como uma tentativa revolucionária de
recusa aos sistemas sócio-econômicos e morais
em vigência, assim como às formas de produção
e ao consumo,
No século passado, no Brasil, tivemos uma
comunidade anarquista, chamada Colônia Cecília,
romanceada por Afonso Schmidt, composta de
imigrantes italianos.
Mais recentemente, temos os casos das comuni
dades "hippies", sobre as quais os meios de
comunicação divulgaram somente aspectos pejora
tivos. As comunidades viriam muito em sua
composição e regras de vida. Em algumas,
mantém-se a monogamia como forma de ligação
entre os casais/membros. Em outras, há experiên
cias de amor livre ou de "monogamias sucessivas"
entre todos os elementos do grupo, inclusive entre
pessoas do mesmo sexo.
As formas de relacionamento sexual diverso
da fidelidade tradicional constituem uma aventura
difícil, pois as relações afetivas entre os indivíduos
se intensificam, e, em nossa cultura, fomos
condicionados a um agudo senso de propriedade
em relação a nossos parceiros sexuais.
Expectativa em relação ao
futuro da família
Para os jovens de hoje, segundo pesquisas feitas,
vemos que no tocante à família e na maneira como
eles gostariam que esta evoluísse, temos as
seguintes afirmações:
a) a instituição familiar está ultrapassada, há
uma necessidade de modificá-la em seus preceitos
codificados pelo legislador (Código Civil). Mas
ultrapassada não significa a negação da família e
sim a negação da legalização do casamento; a
denúncia das dificuldades em obter um divórcio
ou separação;
regimens dosdaproblemas
de bens; burocracia decorrentes
legal relativa dos
aos
filhos menores etc;
b)a denúncia da redução dos membros da
família, com um poder centrado nos pais. Cada
vez mais, cada membro da família deseja sua
autonomia e independência, e a noção de comu-
nidade familiar cede lugar a um individualismo
absoluto,
c) reivindicam a transformação das relações da
educação, sobretudo no plano da autoridade.
Começam pelo questionamento da autoridade do
pai, que para os jovens é ressentida mais como um
autoritarismo e não simplesmente como uma
autoridade própria decorrente da relação hierár
quica. Alguns já consideram que os país atuais,
graças à influência dos meios do comunicação e
da necessidade de manter unido afetivamente o
núcleo familiar, procuram evoluir e compreender
ou pelo menos aceitar novos comportamentos
e valores.
Já para os adultos, os aspectos que deveriam
evoluir a respeito da instituição familiar são outros.
De um lado, tentar romper a relação dominador/
dominado que rege fundamentalmente, tanto
do ponto de vista moral, material como legal, a
relação entre um homem e uma mulher que vivem
maritalmente juntos.
De outro, criar um intercâmbio de papéis no
seio da própria família, intercâmbio esse para o
que a legislação mu ito poderia cont rib uir, modi
ficando certas leis que discriminam as mulheres
e que datam do Código de Napoleão.
Para alguns, e sobretudo para as feministas, não
é a situação atual da família que é inaceitável mas
sua própria existência. E o que existe de funda
mental neste questionamento, segundo elas, é que a
situação das mulheres se deteriora cada dia mais,
assim como a do assalariado.
Segundo as feministas, é a decadência do sistema
patriarcal e do sistema capitalista que faz aparecer
as infra-estruturas que impediam a visão e a
compreensão de todos esses problemas em pro
fundidade. Até então, ficaram fortemente entre
laçados.
Cada dia torna-se mais difícil para a sociedade e
para o Poder estabelecido impor a forma e a
legalização das relações sexuais, assim como as
regras sociais sobre a procriação, numa época
em que o sexo foi transformado em bem de
consumo.
Jamais poderá existir uma igualdade concreta
entre homens e mulheres, que permita uma
transformação total das relações sociais, enquanto
seguirmos vivendo numa sociedade patriarcal
e portanto discriminativa das mulheres (sexista)
e dividida em classes.
Será que a análise das pesquisas de opinião
permitiria de forma mais objetiva conjecturar
sobre o futuro da instituição familiar?
Pensamos que obviamente não, }á que as modi
ficações e a evolução da mesma não são o simples
resultado
ou de com
de acordo projetos elaborados
planos e escolhas conscientemente
racionais.
O que se poderia tentar buscar através de tais
sondagens seriam as diferenças existentes entre
os diversos modelos familiares e quais dentre eles
estariam evoluindo de forma dominante. Ou
ainda: buscar quais as condições atualmente
favoráveis ou desfavoráveis em cada extrato social
para a evolução ou transformação da família.
As estatísticas tem registrado certos fenômenos,
de maneira mais ou menos acentuada em todos
os países. Assim critico, cada vez mais
sem filhos, ou quando estes já são considerados
semi-auto-suficientes; as taxas de natalidade que
estão em franca diminuição.
Se pusermos lado a lado essas afirmações esta
tísticas universalmente mais evidentes, as reivin
dicações dos jovens e das mulheres, assim como
as tentativas de formas alternativas elaboradas
por homens e mulheres (comunidades, famílias
"or igi nai s" e tc ), veremos que há cert a coinci
dência nas suas formulações.
Seria fácil concluir, após as premissas acima,
que caminhamos nessa direção. Ora, deixamos
de lado justamente aquelas correntes de pensa
mento que detêm um grande poder nas sociedades
atuais, as crenças religiosas e suas respectivas
igrejas. Um dos campos de atuação fundamental
de suas doutrinas é o da normalização das relações
entre os sexos, a "moral"
Para essas, as propostas que alinhamos no
decorrer deste trabalho, e que tentam manter os
laços familiares com seus aspectos positivos, são
ju st am en te os aspectos mais condenáv eis das
experiências modernas. Acusam-nos como sendo
os sintomas de "crise" na família, de sua "deca
dência". Representam as forças tradicionais.
Defendem a manutenção de uma estrutura rígida,
com papéis definidos para homens e mulheres,
ignorando os fatos objetivos, isto é, a grave
insatisfação existencial das sociedades contem
porâneas. Confundem causas e conseqüências.
Afinal, esse modelo de família centralizado na
autorida de paterna vigorou por tem po suficiente
para ser avaliado. Exemplo disso é a fuga dos
jovens através do co ns um o de tóx icos , fa to esse
presente em todas as famílias, inclusive naquelas
que procuram manter-se, contra ventos e marés,
numa hierarquia autoritária, em que o poder de
escolha, de decisão, de orientação cabe sempre
aos mais velhos.
Não se pode negar também as verdades estatis
ticam ente co mpro vada s, em relação' às mulher es.
Os índices de suicídio atingem as casadas com
muito maior freqüência do que as celibatárias,
fenômeno constatado desde o século XIX. A
necessidade de consumo de tranqüilizantes, de
antidepressivos e ansiolíticos é também maior entre
elas. Isso reflete, sem dúvida, uma passiva revolta
contra sua não inserção social adequada. Ora, a
família constitui o objetivo prioritário da educação
das mulheres, para afirmar-se socialmente.'
Por outro lado, a História recente nos demonstra
que um dos pontos de apoio de filosofias e regimes
autoritários sempre foi a rigidez dogmática de
usos e costumes referentes ao inter-relacionamento
entre homens e mulheres.
Stalin fez retroceder nos anos 30, com o decreto
de 1940, o caminho de uma estrutura familiar
liberal que germinava nos ideais da revolução
soviética. Hitler preconizava a teoria dos três Ks—
"Kinder, Küche, Kirche" (crianças, cozinha,
Igreja) — como único destino das mulheres
patriotas, na Alemanha nazista. O integralismo e
o fascismo fundamentam na constituição da
família sua força, assim como assistimos às lutas
de um islamismo obscurantista, no Irã, que pune
hoje com a morte uma infidelidade conjugai, que
retirou as mulheres das universidades etc.
As formas alternativas de vida familiar expostas
neste texto, que se confundem com novas atitudes
em relação à produção e ao consumo, não são
talvez mais do que os indícios precursores de
uma transformação profunda da vida cotidiana,
única estratégia, sem dúvida alguma, para sabotar,
aorganização
longo prazo, formas arcaicas e perigosas de
social.
(Ext
raído do livroO que é Famíl
ia, de DantaPrado, Editor
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