José Márcio Queiroz - Estudo Dzubukuá
José Márcio Queiroz - Estudo Dzubukuá
José Márcio Queiroz - Estudo Dzubukuá
João Pessoa
2012
JOSÉ MÁRCIO CORREIA DE QUEIROZ
João Pessoa
2012
Q3u Queiroz, José Márcio Correia de.
Um estudo gramatical da língua Dzubukuá, família Karirí/
José Márcio Correia de Queiroz.-- João Pessoa, 2012.
427f. : il.
Orientadora: Maria Elizabeth Affonso Christiano
Co-orientadora: Stella Virgínia Telles de Araújo Pereira
Lima
Tese (Doutorado) – UFPB/CCHLA
1. Linguística. 2. Karirí-Dzubukuá. 3. Funcionalismo.
4. Descrição. 5. Morfologia. 6. Sintaxe.
A Deus pela força espiritual que tem me fornecido durante todo o percurso da minha
formação acadêmica até aqui; especialmente por ter me acolhido nos momentos de solidão;
momentos esses que se tornaram proveitosos para a coleta e análise de dados e escritura da
tese.
A Nair Correia e Afonso Queiroz, meus pais e primeiros mestres, por terem me educado e me
orientado nesta jornada tão complexa e surpreendente que é a vida. Seu apoio afetivo,
espiritual e emocional se tornou (e é) a engrenagem fundamental que alimenta minha
esperança, fé, perseverança e dedicação. Ele me ajudou a vencer obstáculos objetivos e
subjetivos ao longo dessa caminhada acadêmica.
À Profª. Drª. Elizabeth Christiano pela sua orientação e compreensão ao longo do processo de
elaboração da tese. Sua disposição, apoio e atenção foram importantes para mim no início do
meu ingresso no programa de Pós-Graduação em Linguística da UFPB e essenciais nas
últimas etapas de condução e concretização do trabalho acadêmico-científico que aqui
apresento. Para mim, foi uma honra ter sido seu orientando. A ela minha estima e admiração.
À Profª. Drª Stella Telles pela sua (co-)orientação, dedicação e atenção e pelos anos de
convívio com estudos linguísticos indigenistas que me proporcionou. Com ela aprendi, além
de valores pessoais e acadêmico-científicos, a transformar os obstáculos que se impõem ao
longo do caminho em desafios, fontes de aprendizado e de amadurecimento que tornam o
trabalho ainda mais consistente e os dilemas pessoais e profissionais ainda mais
encorajadores. A ela deixo aqui registrado a minha eterna gratidão. É para mim uma
referência segura de profissional e cientista. Foi uma honra ter sido seu (co-)orientando. Isso
muito me orgulha.
À Profª. Drª. Iara F. de Melo Martins por suas considerações e sugestões dadas durante a 2ª
qualificação, que muito contribuíram para o aperfeiçoamento da pesquisa que se seguiu após
esta etapa. Suas observações deram uma maior consistência à versão final deste trabalho.
Ao Prof. Dr. Aldir Santos de Paula pela sua experiência com estudo de línguas indígenas,
observações e contribuições dadas ao texto deste trabalho. Suas considerações foram
relevantes para a consolidação das análises dos fenômenos observados e para a consistência
final desta tese.
À Profª. Drª. Rosana Costa de Oliveira pela presença na banca examinadora e por ter aceitado
o convite em participar da defesa. Sinto-me honrado e grato em tê-la neste momento tão
decisivo que é a defesa, uma vez que representa a conclusão de uma longa etapa de pesquisa e
estudos linguísticos. Suas observações durante a defesa tornaram o texto da tese ainda mais
coerente com a proposta da investigação pretendida e contribuíram para assegurar a
consistência das análises dos fenômenos que foram estudados.
À Profª. Drª. Daniele Marcelle Grannier por ter aceitado o convite em participar da banca.
Agradeço aqui, desde já, a sua presença e atenção. É uma honra tê-la na banca que representa
uma etapa conclusiva de um intenso processo de estudos, análise e reflexão linguísticos. Suas
considerações foram fundamentais para a consolidação das análises e interpretação de
fenômenos e contribuíram significativamente na elucidação de processos linguísticos que
foram aqui observados.
À Universidade Estadual do Piauí (UESPI) nas pessoas do magnífico Reitor Prof. Carlos
Alberto Pereira e do excelentíssimo Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação Prof. Isânio
Vasconcelos Mesquita por ter apoiado a presente pesquisa e haver me concedido a licença
para o afastamento integral das minhas funções docentes com garantias legais para o bom
andamento da pesquisa e elaboração da tese, cujos resultados alcançados apresento nestas
páginas.
Ao Prof. José Elias Borges pelos primeiros momentos de orientação, apoio, entusiasmo e
disponibilização de materiais sobre os índios Karirí; fatores esses que me foram bastante
relevantes para o prosseguimento e avanço da investigação linguística aqui empreendida.
À Profª. Drª. Ana Lima da Universidade Federal de Pernambuco pela sugestão, envio e
indicação de bibliografias para a concretização de um trabalho de caráter descritivo em bases
funcionalistas.
Ao Prof. Dr. Eduardo Rivail Ribeiro pelo apoio, atenção e fornecimento de material que me
foi bastante útil para o desdobramento de algumas partes da tese. Seu contato via e-mail me
despertou para o trabalho de outros pesquisadores da área.
Ao Prof. Dr. Marcos Galindo pelo fornecimento de materiais e informações acerca dos índios
Karirí. Eles foram imprescindíveis para a constituição do “corpus”, análise de dados e
conhecimento do povo e cultura Dzubukuá.
À pesquisadora Drª. Cristina Pompa pela atenção e retorno ao primeiro contato via e-mail me
indicando pesquisadores com quem eu poderia interagir e adquirir fontes sobre os índios
Dzubukuá.
E por fim, a todos que fazem parte do quadro de professores, alunos e funcionários do
Campus Universitário Prof. Antônio Giovanne Alves de Sousa da Universidade Estadual do
Piauí (UESPI) situado no município de Piripiri que direta ou indiretamente colaboraram neste
período em que me encontrava e acompanharam de alguma forma esta etapa do processo de
investigação por mim empreendida. Obrigado a todos.
“A descrição gramatical de uma língua é, sob esse aspecto,
como a partitura de uma sinfonia. As notas da partitura não descrevem
passo a passo os movimentos precisos feitos com os braços pelo regente,
nem dizem o que faz com os dedos o violinista para produzir os sons exatos
em seu instrumento. Simbolizam, sim, a estrutura intrínseca da obra musical.”
(LANGACKER, 1972, p. 44)
RESUMO
O Dzubukuá é uma língua polissintética pertencente à família linguística Karirí, que era
falada por índios do Nordeste brasileiro. Sua fonologia, morfologia e sintaxe são objetos desta
tese. Os estudos existentes sobre a gramática da língua são rudimentares e estão baseados em
perspectivas tradicionais carecendo do aprofundamento necessário que o assunto exige. Deste
modo, o presente trabalho, valendo-se do avanço teórico e metodológico que propicia
descrições mais acuradas de línguas pouco conhecidas, se apoia no funcionalismo tipológico a
fim de desenvolver o estudo dos fenômenos que regem a gramática do Karirí-Dzubukuá. Para
isso, foi realizada uma pesquisa descritiva, sincrônica e indutiva. O material para análise foi
constituído a partir do levantamento de dados linguísticos retirados do catecismo e manuscrito
de Frei Bernardo de Nantes. Em seguida, foram elaborados quadros e listas com itens
morfológicos, lexicais e sentenças e feita, logo depois, a análise, a sistematização, a
transcrição e a descrição dos fenômenos fonológicos e morfossintáticos que eles
apresentavam. A partir daí, foram constatados vinte e um fonemas (consoantes e vogais) e
nove classes lexicais; a presença de sufixos e prefixos e de cinco sintagmas diferentes.
Também foi atestada a existência de uma ordem verbo-inicial para os componentes sintáticos,
de predicados transitivos, intransitivos e ambitransitivos, de uma marcação cindida de casos
sintáticos (nominativo-acusativo e ergativo-absolutivo) e de cláusulas interrogativas,
imperativas e negativas. Foram também descritas as construções de coordenação e
subordinação na sintaxe da língua analisada. Desta forma, o presente trabalho contribuirá para
o reavivamento das reflexões acerca da teoria linguística geral a partir dos resultados obtidos
e para o delineamento de uma classificação mais consistente do Tronco Macro-Jê.
Palavras-chave: Karirí-Dzubukuá. Funcionalismo. Descrição. Morfologia. Sintaxe.
ABSTRACT
ABS absolutivo
AC acusativo
ADJ adjetivo
ADV advérbio
ALA alativo
BEN benefactivo
CAUS prefixo causativo
C1 primeira margem esquerda ou ataque da sílaba
C2 segunda margem esquerda ou ataque da sílaba
C3 margem direita ou coda
(C) ataque ou coda facultativa
CL prefixo classificador
CONJ conjunção
COM comitativo
COMP complementizador
CR cláusula relativa
DAT dativo
DIR direcional
ELA elativo
EP sufixo epistêmico
ERG ergativo
ESS essivo
FUT sufixo de tempo futuro
G genitivo
INES inessivo
INT sufixo interrogativo
INST instrumental
lit. tradução literal (literalmente)
LOC locativo
M marcador comparativo
MALE malefactivo
MD modo
NOM nominativo
NUM numeral
NML nominalizador
O objeto
OD objeto direto
OI objeto indireto
PNT sufixo de aspecto potencial
PAS sufixo de tempo passado
PI predicado intransitivo
PROG sufixo de aspecto progressivo
PT predicado transitivo
PL plural
PLUR1 pluralizador nominal
PLUR 2 pluralizador para nomes, adjetivos, verbos, advérbios e adposições
PLUR 3 pluralizador de primeira pessoa pronominal
PLUR 4 pluralizador de adposição e pronome demonstrativo
ADP adposição
PRES presentativo
PRO pronome
PT predicado transitivo
QT quantificador
RC referente de comparação
REFL sufixo reflexivo
REL sufixo relativizador
SADJ sintagma adjetival
SADV sintagma adverbial
SADP sintagma adposicional
SFP1 sufixo de polidez 1
SFP2 sufixo de polidez 2
SN sintagma nominal
SUB substantivo
S sujeito ou sílaba átona
(S) sílaba não obrigatória
S sílaba tônica
SV sintagma verbal
TC termo comparado
TOP tópico
V núcleo da sílaba ou verbo
VOC vocativo
1 INCL PL primeira pessoa inclusiva do plural
1 primeira pessoa
2 segunda pessoa
3ENF prefixo enfático de terceira pessoa
3 terceira pessoa
acento de tonicidade (proeminência acentual)
// transcrição fonológica
/ tanto um como outro ou simultaneamente
| demarcação de sintagma
[] transcrição fonética
[] elipse ou marcação zero (omissão de termo)
{} afixos e alomorfes
(...) supressão de uma parte
<> transcrição ortográfica
= fronteira entre clítico e palavra
- fronteira entre morfemas
σ Nível da sílaba
~ variação entre formas
→ de uma forma é gerada outra
+ combinação entre termos
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................23
OBJETIVOS............................................................................................................................26
HIPÓTESES............................................................................................................................27
JUSTIFICATIVA E RELEVÂNCIA....................................................................................29
METODOLOGIA...................................................................................................................31
1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA......................................................................................35
2 AS LÍNGUAS NATIVAS BRASILEIRAS........................................................................40
3 OS ÍNDIOS DZUBUKUÁ...................................................................................................45
4 FONOLOGIA DZUBUKUÁ REVISITADA.....................................................................60
4.1 FONEMAS.........................................................................................................................64
4.2 ALOFONES CONSONANTAIS.......................................................................................69
4.3 ALOFONES VOCÁLICOS................................................................................................72
4.4 OUTROS ASPECTOS FONÉTICO-FONOLÓGICOS DA LÍNGUA.............................76
4.4.1 Casos de adição silábica.................................................................................................76
4.4.2 Casos de redução fonológica.........................................................................................78
4.4.3 Nasalização.....................................................................................................................80
4.4.4 Alçamento vocálico........................................................................................................81
4.4.5 Alongamento vocálico....................................................................................................83
4.4.6 Vozeamento.....................................................................................................................84
4.4.7 Lateralização das oclusivas alveolares.........................................................................85
4.4.8 Rotacismo em consoantes alveolares............................................................................86
4.4.9 Neutralização entre consoantes nasais.........................................................................86
4.4.10 Harmonizações.............................................................................................................88
4.5 A SÍLABA...........................................................................................................................91
4.6 O ACENTO LEXICAL......................................................................................................95
5 MORFOLOGIA DZUBUKUÁ: CONSIDERAÇÕES TIPOLÓGICAS E
CONCEPÇÕES DE PALAVRA..........................................................................................103
5.1 SUBSTANTIVOS.............................................................................................................106
5.1.1 Aspectos semânticos.....................................................................................................107
5.1.1.1 Gênero........................................................................................................................110
5.1.2 Aspectos morfossintáticos............................................................................................112
5.1.2.1 Número.......................................................................................................................113
5.1.2.2 Posse...........................................................................................................................116
5.1.2.3 Nomes e os sufixos de futuro, reflexivo e de polidez................................................118
5.1.2.4 Adjuntos......................................................................................................................121
5.1.2.5 Funções gramaticais..................................................................................................124
5.2 VERBOS...........................................................................................................................126
5.2.1 Aspectos semânticos.....................................................................................................126
5.2.2 Aspectos morfossintáticos............................................................................................129
5.2.2.1 Tempo.........................................................................................................................133
5.2.2.2 Aspecto........................................................................................................................134
5.2.2.3 Modo...........................................................................................................................137
5.2.2.4 Voz..............................................................................................................................140
5.2.2.5 Particípio, infinitivo e gerúndio.................................................................................142
5.2.2.6 Verbos e afixos de ênfase e polidez............................................................................144
5.2.2.7 Verbos como modificadores nominais.......................................................................146
5.2.2.8 Transitividade verbal..................................................................................................147
5.2.2.9 Causativização verbal.................................................................................................152
5.2.2.10 Casos de homonímia entre verbos e outras classes lexicais...................................154
5.2.2.11 Regência entre verbos e adposições.........................................................................156
5.3 ADJETIVOS.....................................................................................................................158
5.3.1 Aspectos semânticos.....................................................................................................159
5.3.2 Aspectos morfossintáticos............................................................................................160
5.4 ADVÉRBIOS....................................................................................................................165
5.4.1 Aspectos semânticos.....................................................................................................166
5.4.1.1 Advérbios modais.......................................................................................................167
5.4.1.2 Advérbios temporais...................................................................................................168
5.4.1.3 Advérbios locativos.....................................................................................................171
5.4.1.4 Advérbios negativos....................................................................................................172
5.4.1.5 Advérbios dubitativos (interrogativos).......................................................................176
5.4.1.6 Advérbios intensificadores.........................................................................................177
5.4.2 Aspectos morfossintáticos............................................................................................179
5.5 NUMERAIS......................................................................................................................186
5.5.1 Aspectos semânticos.....................................................................................................187
5.5.2 Aspectos morfossintáticos............................................................................................189
5.6 PRONOMES....................................................................................................................192
5.6.1 Pronomes pessoais........................................................................................................193
5.6.1.1 Pronome pessoal de 1ª e 2ª pessoas...........................................................................193
5.6.1.2 Prefixos pessoais........................................................................................................196
5.6.1.2.1 Prefixos de primeira pessoa.....................................................................................198
5.6.1.2.2 Prefixos de segunda pessoa.....................................................................................204
5.6.1.2.3 Prefixos de terceira pessoa......................................................................................207
5.6.1.2.4 Funções gramaticais dos prefixos pessoais.............................................................211
5.6.2 Pronomes demonstrativos...........................................................................................214
5.6.3 Pronomes indefinidos...................................................................................................219
5.6.4 Pronomes interrogativos..............................................................................................221
5.7 ADPOSIÇÕES..................................................................................................................226
5.7.1 Aspectos semânticos.....................................................................................................226
5.7.2 Aspectos morfossintáticos............................................................................................231
5.8 CONJUNÇÕES................................................................................................................239
5.8.1 Aspectos semânticos.....................................................................................................239
5.8.1.1 Conjunções coordenativas.........................................................................................240
5.8.1.2 Conjunções subordinativas........................................................................................242
5.8.2 Aspectos morfossintáticos............................................................................................245
5.9 INTERJEIÇÕES..............................................................................................................248
6 ASPECTOS GERAIS DA DINÂMICA GRAMATICAL DO DZUBUKUÁ ..............250
6.1 REDUPLICAÇÃO............................................................................................................250
6.2 NOMINALIZAÇÃO.........................................................................................................252
6.3 NEGAÇÃO DERIVACIONAL........................................................................................253
6.4 COMPOSIÇÃO................................................................................................................254
6.5 INCORPORAÇÃO...........................................................................................................260
6.6 CONVERSÃO..................................................................................................................269
6.7 EMPRÉSTIMOS..............................................................................................................270
6.8 LOCUÇÕES.....................................................................................................................273
7 SINTAXE: CONSIDERAÇÕES SOBRE CLÁUSULA, PREDICAÇÃO E
COMBINAÇÃO DE SENTENÇAS....................................................................................280
7.1 SINTAGMA NOMINAL..................................................................................................282
7.2 SINTAGMA VERBAL.....................................................................................................288
7.3 SINTAGMA ADJETIVAL...............................................................................................291
7.4 SINTAGMA ADVERBIAL..............................................................................................292
7.5 SINTAGMA ADPOSICIONAL.......................................................................................293
7.5.1 Vocativo.........................................................................................................................295
7.6 ORDEM DOS CONSTITUINTES NA CLÁUSULA......................................................296
7.7 TIPOS DE PREDICADOS..............................................................................................307
7.7.1 Predicados não verbais................................................................................................307
7.7.2 Predicados verbais.......................................................................................................310
7.7.2.1 Predicados copulativos...............................................................................................310
7.7.2.2 Predicados existenciais e possessivos........................................................................312
7.7.2.3 Transitividade.............................................................................................................314
7.7.2.3.1 Transitivização e detransitivização.........................................................................321
7.8 PREDICAÇÃO: RELAÇÕES SEMÂNTICO-GRAMATICAIS E MARCAÇÃO DE
CASO......................................................................................................................................325
7.8.1 Sujeito............................................................................................................................326
7.8.2 Objeto............................................................................................................................329
7.8.3 Sistema de casos sintáticos..........................................................................................334
7.9 CLÁUSULAS INTERROGATIVAS................................................................................345
7.10 CLÁUSULAS IMPERATIVAS.....................................................................................352
7.11 CLÁUSULAS NEGATIVAS..........................................................................................356
7.12 CLÁUSULAS COORDENADAS...................................................................................359
7.13 CLÁUSULAS SUBORDINADAS.................................................................................364
7.13.1 Cláusulas completivas................................................................................................364
7.13.2 Cláusulas relativas.....................................................................................................366
7.13.3 Cláusulas adverbiais..................................................................................................372
CONCLUSÃO.......................................................................................................................379
REFERÊNCIAS....................................................................................................................384
APÊNDICE............................................................................................................................398
23
INTRODUÇÃO
1
Neste trabalho, os nomes das línguas e povos indígenas que serão aqui mencionados seguem regras de grafia e
de acentuação estabelecidas desde 1953 pela Associação Brasileira de Antropologia (RODRIGUES, 2002, p. 10-
12). Elas se diferenciam um pouco das convenções ortográficas atuais de Língua Portuguesa. Pela convenção
estabelecida em 1953, os nomes indígenas são empregados sem flexão de gênero ou de número. Os sons
oclusivos serão indicados por “p”, “b”, “t”, “d”, “k”, “g”. Assim, o “k” será o substituto de “c” e “q” e, para a
sequência “gu”, será usado apenas “g”. Os sons fricativos, no entanto, serão representados apenas por “f”, “v”,
“s”, “x”, “j”. Por exemplo, o som [ s ] será representado apenas por um “s” e não por “ss” ou “ç” como ocorre
em Português. E para as aproximantes, serão usados os símbolos “y” e “w” e não “i” e “u” do Português. E, por
último, o acento gráfico correspondente (agudo ou circunflexo) deve ser empregado na vogal da sílaba mais
forte.
2
Línguas que apresentam estruturas léxico-gramaticais complexas, reunindo em um só vocábulo conceitos
diferentes; os quais seriam expressos em outras línguas, como no Português, por meio de uma sentença inteira
(ver em Sapir, 1971, e Aikhenvald, 2007).
24
este caso. Esses conceitos ampliaram o alcance das análises, levando-as a níveis mais
profundos de observação. Isso possibilitou resgatar fenômenos até então desconhecidos do
objeto linguístico aqui estudado.
O Dzubukuá, hoje, infelizmente é uma língua extinta, vítima, como tantas outras, de
uma política de colonização que causou, em maior ou menor grau, o despovoamento nativo
em terras brasileiras de comunidades que, provavelmente, representam um estágio ulterior de
civilizações que viviam aqui há cerca de setenta mil anos (DIAS, 2008).
Do mesmo modo que outras línguas do período pré-cabralino, o Karirí chegou até nós
através de registros elaborados por missionários católicos que vieram aqui para dar início ao
processo de catequização dos índios. Até o momento, as únicas fontes primárias da língua
aqui pesquisada se encontram no catecismo impresso e no manuscrito, ambos elaborados pelo
capuchinho francês Frei Bernardo de Nantes no início do século XVIII. Ambos os registros
foram escritos em versões bilíngues: o catecismo em Português-Dzubukuá e o manuscrito em
Francês-Dzubukuá. Eles representam documentos históricos e etnolinguísticos que retratam
essa língua e parte dos costumes, crenças e comportamentos dos índios Karirí.
O nosso primeiro contato e interesse com línguas indígenas brasileiras começou na
graduação, quando integramos o quadro dos alunos voluntários de iniciação científica do
PIBIC em 2003 para trabalhar no Núcleo de Estudos Indigenistas (NEI) da Universidade
Federal de Pernambuco. Lá passamos dois anos fazendo um estudo de caráter comparativo-
tipológico das vogais pertencentes aos dialetos da língua Nambikwára falados por índios
situados, atualmente, em regiões entre Mato Grosso e Rondônia. Foi, nesse período, que
tivemos o nosso primeiro contato com o Karirí e nos foi lançada a proposta de trabalhar com
ele. O mesmo entusiasmo que nos conduzia durante os estudos com o Nambikwára também
nos levou a embarcar na descrição do Dzubukuá. Esse novo processo investigativo teve como
etapa inicial a descrição de aspectos fonéticos e fonológicos dessa língua e, como segunda
fase, a nossa atual pesquisa sobre sua morfossintaxe e uma reatualização de sua fonologia
cujos resultados são apresentados nesta tese.
Esperamos que a presente pesquisa aqui realizada venha despertar o interesse pelas
línguas indígenas de pesquisadores e estudantes de todos os níveis, em especial, pelas línguas
nativas brasileiras que contam com um total aproximado de 180 línguas, que hoje convivem
com o Português. Tais línguas possuem fenômenos ainda não descobertos que podem
confirmar aqueles observados em sistemas linguísticos conhecidos, como o próprio Português
e outras línguas do mundo; ou elucidar fatos novos ainda não razoavelmente explicados pelos
estudos atuais. Com isso, o estudo desses sistemas linguísticos podem complementar as
26
OBJETIVOS
O estudo aqui realizado tem por finalidade principal descrever a morfologia e a sintaxe
da língua Dzubukuá ou Karirí, delineando a gramática que está por trás do seu
funcionamento, tendo como base, para isso, o funcionalismo tipológico que se adéqua ao
objetivo aqui pretendido. A pertinência dessa abordagem está em suas reflexões teóricas cujas
bases foram construídas a partir da observação e descrição direta da dinâmica funcional de
diferentes línguas naturais. Esse construto teórico e metodológico é passível de ser aplicado,
ainda que com algumas limitações, a estudos prévios de línguas ágrafas ou até mesmo em
investigações sobre línguas mortas, como é o caso do Dzubukuá. A orientação funcionalista
tipológica se alinha, portanto, a uma visão teórica basilar para o estudos linguísticos aqui
presente, tal como apresentado em Dixon (2010ab).
Tendo em vista o propósito deste estudo delineado no parágrafo anterior, e como base
os conceitos teóricos e os recursos descritivos do funcionalismo tipológico, visa-se neste
trabalho mais especificamente a:
Vale salientar que, como delineado nos objetivos acima, incluiu-se aqui também a
descrição fonológica como parte integrante dos estudos gramaticais da língua. Portanto, o
título aqui escolhido para este trabalho, Um estudo gramatical da língua Dzubukuá,
família Karirí, abrange ambas as áreas dos estudos linguísticos, tanto a fonologia quanto a
morfossintaxe. Isso implica dizer que, juntamente com Chafe (1979), Mairal e Gil (2006) e
Dixon (2010a), considera-se que a fonologia e a morfossintaxe de um sistema linguístico são
dimensões intimamente relacionadas; pois a “experiência tem demonstrado que nem os
aspectos puramente formais de uma língua, nem o curso de sua história podem ser plenamente
compreendidos sem referência aos sons que essa forma e essa história se encarnam” (SAPIR,
1971, p. 51). Vê-se, então, que já Sapir nota-se uma preocupação com a indissociabilidade de
ambas as dimensões de uma língua. Deste modo, optou-se por considerar e incluir, neste
trabalho, as reflexões e observações feitas em torno da fonologia como parte integrante da
gramática do sistema linguístico em pauta.
HIPÓTESES
maior grau, acerca do universo experiencial dos seus falantes. Dito de outro modo, acredita-se
que é possível a reconstituição, em menor ou maior grau, da gramática de uma língua e de
algumas características culturais dos seus falantes tendo, unicamente, como base os registros
escritos dessa língua. Como o objetivo deste trabalho restringe-se ao funcionamento
linguístico interno da língua em foco, os elementos linguísticos proporcionados pela descrição
podem servir de base para estudos antropológicos, sociolinguísticos e discursivos posteriores.
A hipótese geral integra algumas deduções que previamente se impuseram no início da
investigação e que se pautaram em elementos universalmente presentes nos sistemas
linguísticos já conhecidos. A primeira delas é a de que o Dzubukuá teria classes de palavras,
cuja constituição, fronteiras e funções morfossintáticas seriam passíveis de descrição. A
segunda é a de que haveria recursos empregados pela língua para a renovação do seu léxico.
A terceira hipótese, por sua vez, se refere à provável existência de diferentes sintagmas,
relações gramaticais estabelecidas em uma predicação e de um sistema de marcação de casos,
todos suscetíveis de sistematização. E, por último, cogitou-se antecipadamente a presença de
diferentes tipos de cláusulas e, na combinação entre elas, a existência de algum tipo de
elemento de ligação sinalizado gramaticalmente pelo sistema morfossintático da língua.
As cogitações acima nada mais são do que réplicas a três perguntas gerais levantadas
nas primeiras etapas da pesquisa:
Como funcionava o Dzubukuá no período em que fora registrado?
Quais os mecanismos gramaticais responsáveis pelo seu funcionamento?
Quais os recursos morfossintáticos empregados pela língua para ligar palavras,
sintagmas e orações?
As hipóteses apresentadas foram sendo confirmadas e elucidadas no transcorrer das
investigações e instigaram o surgimento de outros questionamentos e cogitações que
motivaram a continuidade da pesquisa e possibilitaram a obtenção dos resultados e a
configuração atual do presente trabalho.
29
JUSTIFICATIVA E RELEVÂNCIA
Quando uma civilização morre, tende a deixar para trás sinais do seu passado. Indícios
de sua presença na história são evidenciados através de produtos de suas realizações
socioculturais preservados (em maior ou menor estado) pelo tempo. Embora silenciadas pelos
percalços históricos que sobre elas recaíram, sua vozes ainda balbuciam nesses artefatos
culturais. É por isso que se tornam objeto de interesse de estudos arqueológicos do mundo
inteiro. Os arqueólogos não se debruçam nestes materiais acreditando que eles são um fim em
si mesmo, mas porque acreditam fortemente na possibilidade de nelas escutar essa voz
apagada pelo tempo. Mas, para entender os trâmites da dimensão social dessas civilizações, é
necessário um trabalho de base voltado para a busca, coleta, descrição e catalogação dos
elementos que configuram a estrutura e a função desses materiais deixados pelo caminho.
São, portanto, nas peculiaridades formais e funcionais do objeto possuído que se encontram as
marcas do seu possuidor. Tendo, pois, a descrição das configurações e da funcionalidade
desses produtos, segue-se o estudo e o resgate das relações humanas neles refletidas.
Um pouco diferente de outros artefatos humanos, a língua é de natureza oral, adquirindo
um caráter também visual em sociedades com sistema de escrita. No entanto, em
comunidades ágrafas, isso não se verifica, e sua sobrevivência restringe-se quase que
unicamente a uma dimensão não tateável da realidade da língua. Nestas circunstâncias, como
fora a situação da maioria de povos nativos americanos no período anterior a Colombo, as
línguas geralmente morrem com a extinção dos seus falantes e nada ou quase nada chega à
contemporaneidade. Não obstante, quando há registros escritos dessa língua, a situação muda,
e ela se transforma em um artefato histórico, tal como os outros instrumentos que restaram de
uma determinada civilização precedente.
Infelizmente, muitas línguas indígenas se perderam no processo de colonização e
pouquíssimas delas foram documentadas, e, mesmo assim, um número ainda menor dos
registros documentados chega à modernidade.
Desse modo, ao se interessar também pelo funcionamento de línguas extintas, a
Linguística acredita que, mesmo mortas, essas línguas ainda têm muito a falar sobre
fenômenos linguísticos e socioculturais de uma determinada época. Embora não mais usadas,
tais línguas ainda apresentam reflexos dos seus usos; tal como os demais artefatos
arqueológicos que, embora inativos, ainda revelam o cenário sociofuncional para o qual foram
30
tem ou tinha do mundo que o cerca ou o cercava, de si e dos seus semelhantes e das relações
que mantêm ou mantinham com seus co-específicos. A descrição, portanto, é apenas o início
de um trabalho ainda mais amplo, inter e multidisciplinar.
No setor social, o presente trabalho representa um resgate de um patrimônio nacional e,
mais particularmente, nordestino de acesso ao público em geral – índio e não índio,
estudantes, professores e pesquisadores. Os elementos socioculturais presentes na língua e que
se sobressaem em todo o processo de descrição contribuem para se levantar cogitações sobre
o próprio ser humano em geral e acerca de componentes que podem estar por trás do
comportamento e organização social do homem brasileiro como um todo, ou mesmo da
sociedade nordestina em particular.
METODOLOGIA
O material para análise foi coletado diretamente dos escritos de Frei Bernardo de
Nantes, constituídos por um catecismo – obra impressa em Português-Dzubukuá que data de
1709, e por um manuscrito em Francês-Dzubukuá, datado de 1702.
No tocante ao catecismo impresso, foram usadas três versões da obra: uma
microfilmada, outra em PDF e uma terceira digitada pelo autor da presente tese através do
programa “Winword” (existente nas versões 2003 e 2007).
A versão microfilmada conta com cerca de 202 fotos sequenciadas contendo as capas, a
lombada, o conteúdo pré-textual do catecismo e as 363 páginas da primeira publicação do
catecismo que datam de 1709. Contudo, esta versão encontra-se incompleta. Faltam-lhe
quatro páginas (da 351 a 354) e, em alguns trechos do catecismo, aparecem palavras pouco
legíveis, devido a apagamentos parciais de sua estrutura gráfica. Para suprir essa falha,
recorreu-se também às 393 páginas do arquivo em PDF da obra que corresponde à segunda
edição da mesma, datada de 1896. Em complementação a essas versões, foram também
utilizadas as 257 páginas digitadas por nós no período de mestrado dos arquivos
microfilmados do catecismo. À versão digitada, foram adicionadas, com ajuda da versão em
PDF, as páginas ausentes e corrigidos os itens que se encontravam parcialmente apagados no
material microfilmado. A digitação de todo o conteúdo do catecismo em “Word” favoreceu
32
uma maior agilidade na coleta de dados e localização de itens e fenômenos que estavam sendo
analisados.
Com relação ao manuscrito, tal como foi feito com o catecismo, a versão microfilmada
foi digitada somando-se um total de 75 páginas em arquivos “Windword” para facilitar e
agilizar a localização e a dinâmica de coleta, organização, análise e sistematização de dados.
Os itens coletados foram confrontados com os do catecismo impresso e reunidos em um total
aproximado de 67 tabelas e 40 listas configuradas de acordo com a natureza gramatical dos
dados que estavam sendo extraídos do texto doutrinário do manuscrito e do catecismo.
Os quadros elaborados para a obtenção dos resultados contam com divisórias verticais
(colunas) e, quando necessário, também horizontais (linhas) que possibilitaram a separação de
diferentes dados que apresentam os fenômenos e suas variáveis. As listas se constituíram de
linhas verticais (sem colunas ou grades) que continham a distribuição em paralelo de
estruturas mais simples e de formas mais complexas. Em ambas (quadros e listas), os
elementos em análise eram dispostos em concomitância com suas variantes formais, flexões,
respectivos significados e de acordo com formações morfossintáticas correspondentes.
Quando necessário, foi destacado em negrito fenômenos de ordem fonético-fonológica,
lexical, morfológica e sintática.
Cada componente gramatical e processos relacionados aos dados em estudo foram
sistematizados quanto à sua função, comportamento, constituição e natureza. Em seguida,
foram reunidos em determinadas categorias fonológicas, morfológicas e sintáticas. Depois de
se postular as categorias com seus respectivos integrantes e dinâmica funcional, foi dado
prosseguimento à criação de tópicos para a estruturação do conteúdo dissertativo com os
resultados da pesquisa. Logo após, seguiu-se a escritura da tese e transcrição fonológica e,
quando necessário, também transcrição fonética dos resultados. Para as transcrições, foi
utilizada a fonte “Sil Doulos IPA” fornecida pelo “Summer Institute of Linguistics” – SIL
(Instituto Linguístico de Verão/ILV), específica para línguas indígenas, tendo como base as
configurações estabelecidas no Alfabeto Internacional de Fonética (IPA).
Desse modo, a pesquisa aqui realizada, de caráter descritivo, seguiu uma perspectiva
sincrônica e uma orientação indutiva. A natureza descritiva da investigação foi aqui aplicada
uma vez que visa a uma maior imparcialidade entre o pesquisador e os fenômenos por ele
estudados propiciada pela manutenção de uma certa distância entre o analista e o objeto de
sua análise. Deste modo, procedeu-se a somente observar, analisar, registrar, classificar e
interpretar os dados e sua dinâmica e os princípios que os subjaziam.
33
abordagem sobre os sintagmas da língua, passando pela ordem sintática dos constituintes na
cláusula, tipos de predicados, marcação de casos e atos de fala; terminando com os tipos de
combinação de sentenças observadas no sistema linguístico aqui em pauta.
No final do trabalho, aparece a seção “Conclusão”, reservada às últimas considerações
acerca dos capítulos anteriores. Nela, é feita uma síntese dos resultados encontrados e também
são adicionadas novas informações sobre o sistema linguístico analisado.
35
1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
3
“goal of a descriptive theory is to provide a set of tools and concepts for providing adequate descriptions of each
language in all its complexity and idiosyncrasy”.
37
prototípico, mais periférico. Neste último caso, suas fronteiras se aproximarão das de outros
membros de categorias diferentes (CROFT; CRUSE, 2008).
O Funcionalismo Tipológico, tal como é concebido hoje, representa uma vertente da
teoria funcionalista norteamericana voltada para a descrição tipológica e gramatical de
línguas, destacando-se por seu trabalho com línguas nativas americanas, asiáticas e africanas.
Os autores mais representativos que integram esse quadro são Aikhenvald (2007), Andrews
(2007a, 2007b), Bickel e Nichols (2007), Dixon (2010a, 2010b), Gorbett (2004), Grinevald
(2002), Schachter e Shopen (2007), entre outros.
Os estudos funcionalistas tipológicos têm como características teórico-metodológicas
básicas: o funcionamento linguístico não modular das dimensões gramaticais regidas pelo uso
e pela experiência; a investigação indutiva de orientação empírica; a interação entre sistema
linguístico abstrato e fatores externos; e, por fim, demonstra o interesse por universais
linguísticos a partir da descrição de línguas particulares (MAIRAL; GIL, 2006).
Em suma, parte-se de dados de uso concreto de uma língua específica, identificando
neles aspectos semântico-cognitivos que governam o seu funcionamento e regem a interação
entre os componentes léxico-gramaticais em um dado sistema linguístico. A partir destes
dados empíricos e dos processos a eles subjacentes, sistematiza princípios, relações e
implicações abstratas responsáveis por estes fenômenos. Essas descrições fornecem o aparato
conceitual e teórico para a postulação de tendências tipológicas universais e de implicaturas
semântico-gramaticais compartilhadas por todas ou pelo maior número de línguas possível;
contribuindo, com isso, para o aperfeiçoamento dos fundamentos da própria teoria.
Diante das considerações anteriores, a pertinência da perspectiva funcionalista aqui
escolhida para fundamentar a análise e interpretação dos dados está em seu interesse na
constituição de gramáticas descritivas (não prescritivas) fornecendo todo o suporte teórico
necessário a este empreendimento. Mais especificamente volta-se aqui para a vertente norte-
americana de orientação tipológica dedicada à descrição de línguas indígenas, pois tais
línguas nativas se constituem como uma realidade bastante presente no cenário americano. O
interesse em descrevê-las por pesquisadores da área teve seu grande impulso no século XX
entre linguistas e antropólogos, e até hoje muitos trabalhos descritivos estão sendo produzidos
nesse campo em universidades e centros de pesquisa norteamericanos. Desse modo, os
conceitos e nomenclaturas do funcionalismo tipológico se constituíram como importantes
ferramentas de investigação para o trabalho aqui apresentado. No entanto, de maneira a
subsidiar a pesquisa realizada, recorreu-se a alguns autores formalistas e cognitivistas.
39
O avanço dos estudos descritivos de línguas indígenas forneceu, dentre outras coisas,
uma visão panorâmica dessas línguas quanto à sua filiação entre grupos linguísticos
geneticamente semelhantes4, permitindo reuni-las em troncos, famílias e grupos isolados sem
qualquer parentesco entre si com os demais sistemas linguísticos conhecidos. Vários desses
grupos abrangem línguas já extintas ou línguas cujo número de falantes ainda é impreciso ou
uma incógnita. Quando se tem números definidos, pode-se identificar uma quantidade que
varia em uma média de línguas que possuem apenas 5 falantes vivos a outras constituídas por
18.000 deles.
De acordo com Rodrigues (2002), o cenário das línguas nativas brasileiras é constituído
pelos Troncos Tupí e Macro-Jê, pelas famílias Karíb, Aruák, Arawá, Tukáno, Makú,
Yanománi e pelas famílias menores do sul amazonense e um quadro aproximado de dez
línguas isoladas5.
Dentre as línguas sul-americanas, o Tronco Tupí é o que possui a maior dimensão
territorial no tocante à distribuição de suas línguas. Está formado por seis famílias linguísticas
(Tupí-Guaraní, Arikém, Jurúna, Mondé, Mundurukú, Ramaráma e Tuparí) e pelas línguas
Awetí, Puruborá e Mawé (Sateré). Grupos linguísticos pertencentes a esta família se estendem
do Sul ao Norte do país, em estados como o Rio Grande do Sul, São Paulo, Espírito Santo,
Mato Grosso do Sul, Goiás, Pará, Maranhão, etc; como também estão presentes em países
como Venezuela, Argentina, Peru, Bolívia, Paraguai.
O Tronco Macro-Jê, por sua vez, possui configurações menos definidas que o anterior,
visto que se tem menos estudos sobre ele (GUEDES, 1993). Está constituído pelas Famílias
Jê, Boróro, Botocudo, Karajá, Maxakalí ou línguas como Guató, Ofayé, Rikbaktsá e Yatê –
todas ainda vivas, e por grupos já extintos como é o caso da línguas constitutivas da famílias
Kamakã (Kamakã, Mogoyó, Kotoxó, Meniên) – faladas no sul da Bahia e norte do Espírito;
as da Família Purí (Coroado, Purí, Koropó) – faladas no leste de Minas Gerais e no oeste do
4
O critério genético acompanha a classificação tipológica das línguas do mundo. O designativo “genético” é um
termo emprestado da biologia que indica, em matéria de língua, uma origem ancestral comum para um grupo de
línguas . Ou seja, concebe-se que as línguas de uma determinada família são, na verdade, manifestações atuais de
uma língua anterior modificada através do tempo; como é o caso das línguas neolatinas em relação ao Latim.
5
No final deste capítulo, há um quadro com as respectivas filiações linguísticas e distribuição geográfica dos
grupos linguísticos mencionados até agora, resumindo o que será abordado nos parágrafos seguintes.
41
Espírito Santo e do Rio de Janeiro e as da família Karirí (Kipeá, Dzubukuá, Sabuyá, Kamurú)
documentadas séculos atrás nos Estados da Bahia e Pernambuco (AZEVEDO, 1965).
A família Karíb é constituída por línguas que se estendem ao norte do Brasil, estando
presentes no Amapá, Roraima e regiões ao norte do rio Amazonas, estendendo-se além das
fronteiras brasileiras. Sua presença se verifica no Suriname, Guiana Francesa e Inglesa até o
rio Orinoco. As línguas Karíb, em terras brasileiras, se restringem entre o norte e o sul da
região do Amazonas. No norte, tem-se, por exemplo, línguas como Apalaí, Makuxí,
Warikyána, etc; e ao sul é atestada a presença das línguas Arára do Pará, Kalapáio, Kuikúru e
outras.
A família Aruák é representada por línguas presentes em regiões guianesas, no Peru,
Bolívia, Venezuela, em regiões do Brasil Central, como Mato Grosso e Mato Grosso do Sul e
em regiões do norte brasileiro, como Acre, Roraima, Pará, Amazonas, Amapá e em São Paulo
(em virtude do traslado dos índios deste grupo para o sudeste brasileiro). Dentre outras, as
línguas Baníwa, Baré, Teréna, Salumã e Tariána pertencem a esta família.
O grupo Arawá, por seu turno, são línguas faladas nos Estados brasileiros do Amazonas
e do Acre e também são encontradas no Peru. Integra este grupo, o Jarawára, o Kulína, o
Paumarí e outros. As famílias Tukáno, Makú e Yanománi, por outro lado, se situam ao norte
do rio Amazonas.
A família Tukáno pode ser dividida em Tukáno Oriental e Ocidental. O primeiro se
estende do noroeste da Bacia Amazônica até a Colômbia. O segundo não tem representantes
no Brasil, sendo encontrada somente no Peru, Equador e Colômbia. O grupo Makú, por sua
vez, está localizado entre os rios Uaupés, Negro e Japurá estendendo-se também até a
fronteira com a Colômbia. Integram-se a este as línguas Makú-Bará, Guaríba, Húpda e Nadêb
e outras. A família Yanománi se situa no extremo norte dos Estados brasileiros de Roraima e
Amazonas sendo encontrada também na Venezuela. Ela é composta pelas línguas Ninám
(Yanám), Sanumá, Yanomám (Yainomá) e Yanomámi.
As famílias menores do sul do Amazonas, todavia, situam-se em regiões da floresta
amazônica ao longo de um arco que se estende do Pantanal matogrossense, ao sul, até a
fronteira com a Venezuela, ao norte. São constituídas por seis famílias: Gauikurú,
Nambikwára (do Norte e do Sul e Sabanê), Txapakúra, Páno, Múra e Katukína.
As línguas isoladas não pertencem a qualquer tronco ou família descritos anteriormente,
também não possuem qualquer filiação genética entre si. Os grupos isolados brasileiros são
encontrados em Mato Grosso (Trumái, Irántxe), Roraima (Awakê, Máku), Rondônia (Aikaná,
Arikapú, Jabutí, Kanoê, Koaiá) e Amazonas (Tukúna ou Tikúna).
42
3 OS ÍNDIOS DZUBUKUÁ
Registros mais completos acerca dos índios Dzubukuá ou Karirí são encontrados em
textos de Martinho de Nantes (1979[1706]) e de Bernardo de Nantes (1702 e 1709)6. São
relatos bastante fragmentados sobre os costumes, crenças e comportamento social dos Karirí.
Os comentários a seguir se baseiam nesses documentos e também em autores contemporâneos
ou não, que trataram do contato entre índios do interior nordestino e colonizadores, entre os
quais cita-se Ferrari (1957), Pompa (2003a, 2003b) e Galindo (2004). Tentou-se extrair dos
fragmentos encontrados acerca dos costumes Karirí um panorama geral dos hábitos sociais
desses índios com o firme propósito de fornecer uma visão preliminar sobre os traços
culturais peculiares a esse povo.
Os Karirí do ramo Dzubukuá eram habitantes nativos brasileiros do semi-árido
nordestino, situados nas proximidades das regiões baixa e média do rio São Francisco; mais
especificamente no município de Cabrobró – Pernambuco. O mapa abaixo traz a localização
da região pernambucana onde os Dzubukuá habitavam:
PERNAMBUCO
Esses índios pertenciam a um imenso grupo de povos que se estendiam da Bahia até o
Piauí. Garcia (in MAMIANI, 1942[1698]) os insere juntamente com as tribos das regiões ao
norte da Bahia, enquanto os Kirirí – um outro ramo Karirí, é situado entre as tribos da Bahia
6
No manuscrito não há paginação. Por isso, as citações diretas a trechos da referida obra aparecem apenas com o
ano de referência, sem a indicação da página (s.p.).
46
em si. Conforme o mesmo autor, o designativo “kirirí” ou “karirí” é de origem tupí e indica
“calado, silencioso” salientando, com isso, um traço do caráter sociocomportamental destes
povos. Isso se verifica nas interações verbais das quais esses índios participavam e onde o
ouvinte não costumava interromper o falante quanto este lhe dirigia a palavra (NANTES,
1979); e também nas refeições, que transcorriam “em grande silêncio” (NANTES, 1702, s.p.).
Os Dzubukuá, na concepção de Galindo (2004), eram um povo de hábitos seminômades
ou semi-extrativistas. Embora procurassem se fixar em um determinado local, estavam
sujeitos às condições contingentes do semiárido nordestino. Praticavam uma horticultura
complementar procurando, para isso, terrenos mais úmidos e férteis e menos áridos. Nessas
áreas, fixavam suas roças (“boette”) para o cultivo da mandioca (“muicu”), milho
(“madiqui”), feijão (“guinhe”) “e, provavelmente também o algodão” (FERRARI, 1957, p.
28). Suas técnicas agrícolas eram mais desenvolvidas que a dos povos vizinhos, porém menos
com relação às culturas tupí (GARCIA in MAMIANI, 1942[1698]).
Os Karirí eram essencialmente uma sociedade de caçadores-coletores. Suas atividades
extrativistas baseavam-se principalmente na catação, caça e pesca, praticadas em caráter de
subsistência. Ou seja, não havia a preocupação de estocar ou guardar alimentos, o seu
consumo voltava-se estritamente para atender às necessidades imediatas da comunidade.
A catação consistia na coleta de frutos como o caju, o ouricuri, o mandacaru e outros.
Para a caça, usava-se o arco e a flecha e a manutenção de armadilhas como as arapucas.
Segundo Ferrari (1957), os animais caçados eram principalmente veados e onças, dentre
outros. Na pesca, havia o manuseio de plantas, como o cipó timbó – vegetal piscicida
empregado nos rios para aturdir o peixe (“muidze”) e facilitar sua captura. Também
recorriam, nesses momentos, à utilização do anzol (“jakloro”), da rede de pesca (muhe) e de
cestos de formato cônico (“kludimu”) como armadilha.
Nantes (1702, s.p.) relata alguns traços fisionômicos que configuram o perfil físico
característico da etnia Karirí. Segundo o missionário, os índios “são de cor amarelada
puxando para o vermelho”, possuem em geral uma estatura pequena podendo encontrar entre
eles pessoas também com estatura alta. Têm o hábito de cortar o “pelo do corpo, até mesmo
os das pálpebras, tanto os homens como as mulheres, mas só os homens cortam o cabelo do
alto da cabeça, deixando apenas um círculo de cabelo que vai até as orelhas”. No corte de
cabelo, já se percebe aqui a diferenciação social entre os sexos. Aos homens (“anran”) fica o
encargo da caça, coleta de frutos e a pesca, enquanto às mulheres (“tedzi”, “tetsi”) é permitida
a coleta de frutos, cuidar dos filhos e dos afazeres domésticos. Nas festas comunitárias, onde
várias casas ou famílias são convidadas, as mulheres comem separadas dos homens. Essas
47
refeições coletivas são realizadas no chão de um grande espaço na aldeia reservado para esse
fim. Nesses momentos, bebia-se o vinho ou cauim de milho (“nuphŷ”) e cantava-se o
“soponhiu”.
No intervalo dos grandes banquetes, os índios costumavam dançar. Os registros do
Padre Bernardo de Nantes (1702, s.p.), descrevem pormenorizadamente essa dança que,
devido ao contato entre os índios e os escravos africanos trazidos para o Brasil, já traz alguns
traços da cultura negra incorporados à coreografia Karirí:
Eles gostam de dançar entre banquetes à maneira da dança dos negros, estilo que
adquiriram há pouco tempo, e lhes agrada mais que a antiga maneira deles, que era
bárbara, como eu a vi praticada pelos índios kracuís, meus vizinhos. Eles dançam 60
ou 70, separados igualmente uns dos outros, aproximadamente a um braço de
distância. Todos eles dançavam em diversos círculos diferentes em distância do
local da dança onde estava um velho índio que ditava a marcha, tocando um
instrumento feito de um certo osso. Antes de começar, ele fazia com que os outros
tomassem cada um uma posição diferente: para um, um braço para cima, outro com
o braço para baixo, outro com o pé para o ar, e ainda outro no chão. Aquele ali fica
inclinado para um lado, aquele outro tomando suas diferentes posições. Ele fazia o
sinal dando início à dança, coisa que eles seguiam todos saltando e orando, cada
qual guardando sempre sua primeira posição.
Além das danças, os índios participavam de uma corrida de toras grossas ou troncos de
árvore denominados por eles de “motto”. Nesse jogo, vencia aqueles que demonstrassem ser
capaz de correr mais rápido carregando um tronco pesado. Esse costume também foi atestado
em outros grupos indígenas do interior nordestino na época, como os Payayá. Segundo
Erckmans (1985[1639], apud Galindo, 2004), essa prática está ligada a um ritual de virilidade
masculina destinado a homens solteiros que desejassem se casar. Para isso, eles deviam
provar que eram capazes “de percorrer certo espaço carregando algumas árvores pesadas”.
Com base nos termos encontrados em Nantes (1709), a família Karirí era composta
pelos seguintes membros: pai (“padzu”), mãe (“de”), filhos – próprios (“nhunhu”) ou adotivos
(“jetta”), masculino (“inhura”) ou feminino (“nutedzi”, “nhutetsi”) –, avô (“to”), avó
(“unhique”), nora (“heitte”), tio (“cucu”), sobrinha (“nhutidzenha”), sogro ou sogra
(“dzacca”). Também a presença das palavras para esposo (“padzuinhu”) e para esposa
(“deinhu”) indicam a presença de relações maritais; no entanto, a estrutura desses compostos
com base na combinação entre os termos “pai” (“padzu”), “mãe” (“de”) com “filho” (“nhu”)
parecem sinalizar um ênfase maior dada pelos índios ao tipo de filiação entre pais e filhos do
que propriamente a relação entre cônjuges. Isso parece ser evidenciado na natureza pouco
consistente das relações conjugais. Os Karirí eram monogâmicos em termos de tendência, no
entanto, a poligamia entre os homens também era tolerada e a separação conjungal “era
48
relativamente fácil” (FERRARI, 1957, p. 30). Todavia, as mulheres tinham uma influência
dominante sobre seus maridos e ambos não costumavam castigar os filhos (NANTES, 1979),
os quais pareciam usufruir de uma certa liberdade no ambiente doméstico.
A entrada do jovem índio para a vida adulta era realizada por meio de um rito de
passagem próprio. Ao atingir a puberdade, o lábio inferior do índio era perfurado com um tipo
de osso afiado pelo ministro da cerimônia e, no buraco feito, era inserida uma pedra branca,
ato denominado de “romujhebbi” (tradução possível: “receber atributo/peça no lábio”). Aí ela
permanecerá mesmo após a morte do indivíduo. Nessas celebrações, queimava-se “ossos de
animais ou espinhas de peixe” e os jovens índios bebiam ervas amargas e recebiam
escarificações no corpo. Depois do ritual, segue um “banquete em homenagem ao Deus
Politay” que eles acreditavam tornar o jovem preparado para a caça e cujos esforços seriam
bem sucedidos para esse fim. A esta predisposição à caça, eles chamavam de “thonne do
duaplu” (tradução possível: “inventar a sua própria caça”) (NANTES, 1702). Esse rito durava
“dez dias”. Quando voltassem da caça e da pesca, deviam presentear os velhos com os
animais capturados (NANTES, 1979).
Entre os utensílios utilizados pelos índios, tem-se notícia de panelas (“runhiu”),
raladores (“eru”), peneiras (“kyhiki”), cachimbos (“paewi”), banquinhos (“pyca”) e outros.
Como instrumentos de trabalho, tem-se registro do machado (“bodzo”), cavador (“dahèboè”)
e facão (“cleyahè”). Suas casas (“era”, “anra”) eram feitas de barro (NANTES, 1709) e
tinham condições de abrigar em seu interior um número de até duzentas pessoas. A descrição
detalhada dessas construções é encontrada nos relatos do capuchinho Frei Francisco de Lucé:
A arquitetura do interior das casas já reflete o espírito comunitário dos Karirí, espírito
esse que girava em torno da sobrevivência coletiva, em detrimento da individual. Os próprios
49
laços familiares se estendiam para além dos limites domésticos, estando presentes na crença
de que todos pertenciam a um único núcleo familiar (PUDSEY apud GALINDO, 2004).
Os alimentos eram cozidos apenas com água e sem sal e organizados em porções que
depois eram colocadas em pequenos pratos ou recipientes de madeira pela mãe e servidos pela
filha aos demais membros da família que comiam “no chão separadamente uns dos outros”
(NANTES, 1702, s.p.). Segundo Ferrari (1957), os Karirí costumavam também comer
alimentos assados ou moqueados, como milho assado, beiju e carne preparada em fornos
subterrâneos.
Quanto ao seu vestuário, era comum o hábito de andar nu, cabendo ao homem utilizar
um protetor peniano ocultando “o pênis com a pele testicular levantada e presa com um atilho
ao corpo, aliás como fazem algumas tribos Jê” (SOBRINHO apud FERRARI, 1957, p. 30).
Os índios também utilizavam ornato de penas (“ubadi”) e um colar de osso (“beba”) –
substituído mais tarde por um colar de contas (“mwihi”). Estes atributos eram acompanhados
por pinturas corporais feitas com jenipapo e urucu aplicadas por razões estéticas ou
simbólicas, estando presentes tanto no cotidiano como também nos ritos religiosos e na
guerra. No caso desta última, somente os homens se pintavam, usando, para isso, várias tintas,
dentre elas, a de urucu. Os guerreiros eram liderados por um chefe ou capitão da aldeia
(“nanhe”) cuja autoridade só era exigida nessas ocasiões. Fora de situações de guerra, ele
recebia tratamento igual dado aos demais membros da aldeia. Nos combates bélicos, os índios
se comportavam da seguinte maneira: “os mais disformes passam por mais valentes e mais
terríveis” e, quando vêm que este tipo de coisa aflige ainda mais os inimigos, “alguns se
servem de um torno de penas de aves como chapéu, outros fazem uma frisa à maneira de
calção curto; há uns que se lambuzam com mel grosso e cobrem o corpo então com pequenas
penas de pássaros de várias cores” (NANTES, 1702, s.p.). Isso revela que investir em
mecanismos ornamentais para infligir medo ao oponente e vencer os inimigos era uma
estratégia comum usada por esses índios em tempos de guerra.
Os dias e as noites eram contados com base na observação dos astros. No catecismo,
palavras que se referem à lua (“kayacu”), ao sol (“uquie”) e “estrela” (“batti”) são utilizadas
também para indicar as significados de “meses”, “dia” e “anos”.
Na contagem, usavam a numeração até três e, acima disso, usavam as mãos e os pés.
Para isso, fazia-se uso de “quiecotto” ou cordões nodados (NANTES, 1709); comportamento
esse bastante peculiar. Sua existência não foi encontrada em outros grupos indígenas que se
tenha registro.
50
Acreditavam vir de uma grande lagoa encantada situada ao norte. Isso levou Garcia a
supor que tal lagoa seria o rio Amazonas (GARCIA in MAMIANI, 1942). Essa suposta
origem também é encontrada no catecismo:
“Dahi vem, que nós-outros todos quãdo fomos ficando manchados por este peccado
de nosso primeiro pay Adaõ; porque todos somos seus descendentes, brancos,
pretos, & vermelhos: digo vermelhos, para vos tirar o erro em que estivestes até
agora, de crer que vossos antecessores, de quem procedeis, sahirão formados de
grande lagoa, que está da parte do Norte: he erro grosseiro; somos todos
descendentes de Adaõ” (NANTES, 1709, p.194, grifo nosso) 7.
Havia, entre os Karirí, algumas práticas que eles realizavam com o propósito de
afugentar “o mal”. Jogavam cinzas ao redor das suas casas ou da cama do doente para se
protegerem contra o mau espírito. O encontro com determinados pássaros no meio do
caminho era considerado sinal de algum presságio. Evitavam sair de casa tarde da noite ou de
madrugada para não correrem o risco de contrair a bexiga. Para este mesmo fim, varriam o
adro das suas casas, faziam cauin de milho e o derramavam no chão. As mulheres, após o
parto, se abstinham de consumir determinados alimentos, como peixes, ovos, carne e
adotavam uma dieta específica baseada em legumes e cereais, própria para esses casos.
Entre eles, existiam três mitos principais: o da descida de Badzé a Terra, o mito dos
javalis e o mito da criação das mulheres. O primeiro relata que Badzé – uma das divindades
Karirí, um dia desceu a Terra para visitar os índios. Em vista disso, os nativos resolveram
festejá-lo, trazendo-lhe um prato feito com o que haviam caçado. Porém, esse prato não
agradou ao deus que retornou ao céu levando consigo “as toras de madeira” com o fim de
“puni-los pela falta de cortesia”. Depois disso, não conseguiam encontrar mais caça. Então, os
índios resolveram subir até o céu por meio de uma abertura de uma árvore “muito alta” e, no
céu, encontraram os animais que caçavam. Satisfeitos, “tentam descer da árvore com a caça
nas costas” escondidos de Badzé. Entretanto, o deus descobre e ordena que as formigas
retirassem a terra “junto ao pé da árvore” por onde os índios desciam. Sem apoio, a árvore cai.
Sem mais por onde descer, os caçadores, então, se prendem na cintura uns dos outros e
formam um tipo de cordão humano para possibilitar a descida uns dos outros. No entanto,
acabam todos caindo, deslocando “braços, mãos e pés”. Para eles, essa era a justificativa para
7
“Daí vem que nós todos ficamos manchados por este pecado do nosso primeiro pai Adão; porque todos somos
seus descendentes: brancos, negros e vermelhos. Digo “vermelhos” para vos corrigir o erro em que estivestes até
agora: o de crer que vossos antecessores, de quem procedeis, vieram de uma grande lagoa situada ao Norte. É
um erro grosseiro. Somos todos descendentes de Adão (grifo e versão nossos)”.
51
explicar certos traços do corpo, como “braços, mãos e pés tão chatos e com tantas emendas”
(Nantes, 1702, s.p.).
No mito dos javalis, encontra-se uma outra versão da narrativa anterior que revela
uma história um pouco diferente e mais detalhada. Conta-se que Touppart (possível variação
do termo Tupã de origem Tupí – POMPA, 2003a, p. 16), sendo o “grande deus do céu”,
enviou para a Terra um “grande amigo” para morar entre os índios e viver como eles.
Chamavam-no de “Grande Pai” e “recorriam a ele em todas as aflições”. Pediram ao Grande
Pai, então, auxílio para caçar “porcos selvagens, ou javalis”. Confiando na promessa dessa
divindade, foram à caça deixando seus “filhos menores de dez anos” na aldeia. Então, o
Grande Pai transformou as crianças em javalis. Os índios, ao regressarem da caça, não
encontraram mais seus filhos. Suspeitaram do deus, mas não ousavam perguntar-lhe nada a
respeito, pois “muito o respeitavam e temiam”. O Pai os mandou novamente caçar e, logo em
seguida, levou consigo as crianças transformadas em javalis para o céu. Tendo percebido a
subida dos javalis ao céu, os índios foram atrás deles. Lá, caçaram e “mataram muitos”. Ao
descobrir a presença dos invasores, o Grande Pai ordenou às formigas que cortassem a árvore
que logo foi derrubada. Alguns sapos tentaram deter as formigas e acabaram sendo picado por
elas. Para os Karirí, isso explicaria “a pele rude” nas costas desses animais, como se fosse
“empolada nas costas”. Ao perceber que a árvore havia sido derrubada, os índios se
prenderam “uns aos outros pela cintura, para fazer uma corda que lhes permitisse descer”.
Não conseguiram e acabaram caindo e “quebraram os ossos na queda”. Tristes, “rogaram ao
Grande Pai para que voltasse”. Mas ele não atendeu e “lhes deu o fumo como compensação”
(Nantes, 1979[1706], p. 99-100). Nestes dois mitos, encontra-se a base simbólico-
argumentativa que provavelmente os índios usavam para justificar a importância do fumo e
das corridas de toras no seio da sua sociedade; e também as bases para explicar a existência e
importância do Deus Badze e a origem de determinadas características do corpo humano e do
corpo de certos animais, como o sapo.
O último mito mencionado narra a origem das mulheres. Segundo essa narrativa,
havia apenas uma mulher, que “ainda não se casara”, e numerosos homens Karirí. Então
recorreram ao Grande Pai “que lhes desse mulheres”. Ele lhes prometeu e “mandou a todos
que fossem caçar”. Em seguida, fez com que a única mulher que existia na aldeia
adormecesse e, depois disso, “a dividiu em tantos pedaços” de acordo com o número de
homens que havia na comunidade. O Grande Pai pediu aos homens, após o regresso deles à
aldeia, que pusessem cada pedaço num algodão e “o pendurasse em determinados lugares de
sua casa, e que fossem depois à caça e não voltassem a não ser depois de alguns dias”. Assim
52
8
Possivelmente, a sequência gráfica ng no início da palavra representasse um som nasal velar // encontrado em
Kipeá (AZEVEDO, 1965), mas ausente em Dzubukuá. Isso poderia indicar uma entidade espiritual
compartilhada entre ambos os povos e/ou resquício de um segmento arcaico preservado, na época, nessa
53
que existia no ar. Criou o homem “cuja mulher teve um filho „Crumnimni‟ ”. Meneruru gerou
dois filhos chamados “Kenbarere” e Varidzam”. Já “Ngigos” são entidades inferiores que
hierarquicamente situam-se abaixo de “Meneruru” (FERRARI, 1957, p. 35).
Diante dos relatos, o fumo de tabaco e os feiticeiros ou “bidzamu” eram elementos
centrais na sociedade Karirí. O fumo estava sempre presente tanto nos rituais de cura como
nos rituais religiosos, assegurando, com isso, a “comunicação entre o céu e a terra, humano e
extra-humano” (POMPA, 2003b, p. 352). Ele assegurava tanto a cura física quanto espiritual;
garantia simbolicamente o sucesso da caça e da pesca e, portanto, a sobrevivência da
comunidade; e propiciava o entrosamento e a coesão entre os membros da comunidade, visto
ser um objeto em torno do qual se reuniam e interagiam os índios entre si. Os “bidzamu” ou
“pajés” tinham como ofício a magia e a medicina, eram ao mesmo tempo bruxos e
curandeiros. Eram representantes de uma concepção circulante entre os Dzubukuá de que não
havia separação entre medicina e religião. Os curandeiros podiam curar doenças e também
produzi-las e predizer o futuro. O processo curativo era feito por meio de assopros de tabaco
aplicados ao enfermo. Esta prática era acompanhada por orações e cantos. Caso não houvesse
melhora do doente, a causa do mal físico era atribuída à feitiçaria colocada por alguém. Nessa
circunstância, um culpado era designado e depois sentenciado à morte (NANTES, 1979). O
“bidzamu”, portanto, era uma peça-chave no cotidiano desses índios, pois representava o
médico do corpo e da alma, o profeta, o sacerdote, o orientador, o juiz; ou seja, consistia no
alicerce sobre o qual a vida espiritual dessa civilização estava estruturada.
Após passar pelo curandeiro, o doente era deixado sob a observação dos parentes,
processo denominado por eles de “pide idce dadinne hany”, “que vem a ser „eu estou aqui
para observá-lo‟” (NANTES, 1702, s.p.). Ele é transportado em uma rede para o “mato” e lá
os parentes do doente faziam sozinhos um tipo de confissão particular dirigida a si mesmos
dos possíveis males que poderiam ter cometido contra o enfermo e os quais estariam causando
o seu atual estado de debilidade. Para os índios, essa atitude contribuía para o processo
curativo, visto que eles acreditavam que a doença do corpo podia ter origem espiritual. Como
também, ao adotar este procedimento, eles estariam possivelmente se precavendo contra
acusações futuras que poderiam levá-los à morte no caso de o enfermo não se recuperar.
Em casa, o doente se integrava normalmente aos demais membros da família.
Participava igualmente das refeições, sendo tratado por eles sem qualquer distinção e não
recebendo qualquer privilégio ou tratamento especial nessas ocasiões. Em caso de falta de
estrutura. Nesse caso, o referido som não foi postulado como pertencente ao sistema fonológico do Dzubukuá,
não aparecendo nos exemplos e quadros referentes a fonologia da língua na próxima seção.
54
apetite na hora das refeições, os índios guardavam “a porção para ele algumas vezes, sem
perguntar a ele se ele está com vontade de comer outra coisa” (NANTES, 1702, s.p.).
Os Karirí só admitiam a morte como resultado de extrema velhice. Mortes prematuras
ou doenças irrecuperáveis eram consideradas não naturais, produtos de mau agouro ou de
forças sobrenaturais. Nesse sentido, o curandeiro e as práticas rituais por ele realizadas eram
essenciais para a expulsão do mal, descobrimento da causa ou do causador e para a
recuperação da vítima.
Nos sepultamentos, os índios utilizavam geralmente urnas funerárias de cerâmica cozida
nas quais colocavam os seus mortos, estando estes, muitas vezes, ainda à beira da morte,
“sobretudo quando muito velhos” (NANTES, 1702, s.p.).
O primeiro contato decisivo entre os Karíri-Dzubukuá e a civilização ocidental ocorreu
no século XVII com o adentramento de colonos e missionários no interior do nordeste
brasileiro em busca de minas de ouro, pedras preciosas e pastagens para a criação de gado e
estabelecimento de latifúndios. A catequese dos Dzubukuá ficou a cargo dos religiosos
franciscanos capuchinhos. Seu processo de catequização teve início em 1671 com Frei
Marinho de Nantes e continuou por meio do seu sucessor Frei Bernardo de Nantes a partir de
1681 (ou 1682?) – ambos franceses. A catequização terminou com o encerramento das
missões no sertão nordestino durante a segunda metade do século XVIII, em virtude da
política laica e integralista da gestão pombalina quando posta em prática nas colônias
portuguesas.
A partir desse período, iniciou-se o processo de transformação da cultura material e
imaterial desses índios por meio da doutrinação religiosa e dos novos padrões socioculturais
que lhes eram impostos. Somam-se a isso as guerras travadas entre índios e não índios, as
doenças que surgiam e contra as quais os índios não tinham defesa natural, os deslocamentos
e mudanças de hábitos por pressões externas. Todos esses fatores, entre outros, foram
minando e desestruturando a cultura e a sociedade Karirí culminando com a total dizimação
desse povo levando consigo a sua língua.
As únicas fontes primárias até então conhecidas que contém a língua dos Karirí-
Dzubukuá são o manuscrito e o catecismo impresso do missionário capuchinho francês Frei
Bernardo de Nantes datados, respectivamente, de 1702 e 1709.
Logo no prefácio do catecismo impresso, intitulado “ao Leytor”, Nantes já atesta a
distinção entre o modo de falar dos índios Karirí do rio São Francisco, sob sua tutela, e o dos
Kipeá cuja catequização ficou a cargo do missionário jesuíta Luiz Vicêncio Mamiani. O autor
55
situa ambos os índios em dois grupos diferentes e ainda faz menção ao catecismo elaborado
pelo padre jesuíta. Abaixo, segue o trecho de referência:
A ver o titulo deste Katecismo, poderá ser, Amigo Leytor, te pareça logo ser obra
inutil à vista de outro Katecismo na mesma língua, que poucos annos ha sahio a luz;
porêm se quizeres tomar o trabalho de combinar hum com o outro, mudaràs logo o
parecer; porque veràs que como ha em Europa nações de differentes linguas, como
terem o mesmo nome, assim tambem as ha no novo Orbe, como saõ os Kariris do
Rio S. Francisco no Brasil, chamados Dzubucua, que saõ estes, cuja lingua he tão
differente da dos Kariris chamados Kippea, que saõ os para quem se compoz o outro
Katecismo, como a lingua Portugueza o he da Castellana, quer pela distancia das
paragens entre estas duas nações, que he de cento, & tantas legoas, quer pela
diversidade das cousas, que cada terra cria (NANTES, 1709, s.p.)9.
O catecismo de Nantes é a fonte linguística mais abundante acerca da língua Karirí. Sua
parte pré-textual contém folha de rosto, dedicatória, prefácio, aprovações e autorizações em
Português ou Latim de autoridades eclesiásticas permitindo a leitura, divulgação e circulação
da obra, e também apresenta um índice geral com temas tratados no texto doutrinário e suas
respectivas páginas. Abaixo segue a folha de rosto microfilmada com título, autor e
oferecimento da obra:
9
“Ao ver o título deste Catecismo, poderá ser, Amigo Leitor, que logo te pareça uma obra inútil se comparada a
outro Catecismo escrito na mesma língua – que recentemente foi publicado. Porém, se quiseres comparar um
com o outro, mudarás logo o parecer, porque verás que como há, na Europa, nações de diferentes línguas, mas
tendo o mesmo nome, assim também acontece no novo Mundo com os Karirí do Rio S. Francisco no Brasil –
chamados Dzubukuá (que são estes aqui) e os Karirí chamados Kipeá para quem foi elaborado o outro
Catecismo. Uma língua é tão diferente da outra tanto como a Língua Portuguesa o é da Castelhana, quer pela
distância das paragens entre estas duas nações – que é de cento e tantas léguas, ou pela diversidade das coisas
que cada terra produz” (Versão nossa).
56
Como pode ser notado na figura, era de praxe na época oferecer e dedicar a obra ao
financiador da publicação. Como textos religiosos não tinham valor comercial, geralmente
estes textos eram patrocinados pela nobreza (BARROS, 2003a). No caso do catecismo aqui
comentado, oferecido diretamente a Dom João V, mostra que a obra foi financiada pelo
próprio rei de Portugal na época.
O conteúdo textual propriamente dito do catecismo conta com 363 páginas em
Português (à esquerda) e Dzubukuá (à direita). O conteúdo doutrinário pode ser distribuído
em quatro partes conforme as estratégias textual-discursivas empregadas. Na primeira, utiliza-
se a técnica de perguntas e respostas para transmitir lições sobre Deus, Cristo, orações,
mandamentos e sacramentos. A seguir, é apresentado um trecho da lição “Ensino de Deus
como único”, representante deste tipo de técnica textual:
A quarta parte traz oito discursos ou sermões acerca de Deus e da criação divina do
mundo e do homem; sobre a vida e obra de Jesus Cristo, Juízo Final e sacramentos da Igreja.
Caracterizam-se por apresentar textos contínuos mais densos e de natureza eloquente,
próprios para pregações destinadas a um público mais amplo. A ilustração seguinte traz um
trecho que contém o início do discurso da paixão e morte de Cristo, como exemplo:
58
O manuscrito, por sua vez, está formado por 114 folhas (algumas escritas frente e
verso): cerca de 42 delas trazem em francês dados etnográficos sobre os hábitos, costumes e
cultura Karirí e alguns contatos entre índios e colonos. Logo no início dessa parte, encontra-se
a abertura com o título, autor e ano de sua elaboração; como pode ser visto na figura abaixo:
A língua, como sistema simbólico, reflete, por meio de sua configuração formal, as
experiências individuais e sociais vivenciadas pelos falantes ao longo da história. É um
sistema semiótico que, além de expressar a cultura e as instituições sociais de um povo,
também os veicula e dar um significado a eles. Ela mesma se torna uma criação cultural, um
produto social, um “microcosmos” dos hábitos e costumes de um “grupo humano”:
A língua se apresenta, pois, como um microcosmos da cultura. Tudo que esta última
possui, se expressa através da língua; mas também a língua em si mesma é um dado
cultural. Quando um etnólogo vai estudar uma cultura, vê com razão a língua um
aspecto dessa cultura. Neste sentido, é o fragmento da cultura de um grupo humano
a sua língua. Mas, como ao mesmo tempo a língua integra em si toda a cultura, ela
deixa de ser esse fragmento para ascender à representação em miniatura de toda a
cultura (CÂMARA JR., 1979, 18).
Inglês pin, /pin/, por /b/ tem-se bin, /bin/, uma palavra totalmente diferente”10 (DIXON,
2010a, p. 264).
No entanto, ao serem oralizados ou vocalizados, os fonemas variam quanto à sua
manifestação física (qualidade sonora) e articulatória (aspecto fisiológico) gerando diferentes
fones para um mesmo som; é “o que de fato se pronuncia ao falar uma língua”
(TRUBETZKOY, 1981, p. 19).
De acordo com Kindell (1981), as variações fônicas ou alofonias ocorrem sob três tipos:
variações contextuais, variações posicionais e variações livres. As primeiras aparecem
conforme o ambiente em que se encontram, quando sofrem a interferência de fones vizinhos.
As segundas são desencadeadas quando os segmentos fônicos ocupam posições específicas na
sílaba. E as terceiras são representadas por fones cuja co-ocorrência se dá livremente sem
influência dos elementos circunvizinhos ou pela posição que ocupam na sílaba. Ou seja, onde
ocorre um, o outro também ocorre.
Conforme Bybee (2006), todas as línguas, independente da diversificação em suas
manifestações sonoras e léxico-gramaticais, possuem consoantes e vogais. Dentre elas, os
segmentos mais recorrentes nas línguas são as consoantes oclusivas e a vogal baixa //. Isso
revela o caráter universal destes segmentos, tão peculiares à linguagem humana.
Hengeveld (2006), por sua vez, trata a universalidade em termos de hierarquia
implicacional. Ou seja, onde ocorre um fonema pode ou não implicar a ocorrência do outro.
Isso irá depender em que posição determinado segmento ocupa na hierarquia. Para o autor,
entre as nasais, a alveolar // e a palatal // encontram-se nos dois polos extremos, um a
esquerda e outro à direita, da linha hierárquica e a nasal bilabial //, no meio. A implicação se
dá da esquerda para a direita. A presença, em uma língua, dos segmentos da esquerda não
implica necessariamente a ocorrência dos da direita. Entretanto, a presença dos fonemas da
direita implica a existência dos da esquerda. Portanto, se uma língua possuir //, isso não quer
dizer que ela apresentará as outras duas nasais em seu sistema fonológica; mas se ela tiver //,
ela também possuirá // e //. Ou seja, possuindo segmentos cuja articulação exige do falante
um maior esforço (ou tensão) em sua produção – //, por exemplo, a língua também possuirá
sons produzidos com menor esforço – como a nasal /n/.
10
The function of phonemes is to distinguish words of different meaning. If one phoneme is replaced by another,
a new word is produced. Thus, replacing the initial /p/ in English pin, /pin/, by /b/ gives bin, /bin/, quite different
word (Grifo do autor).
62
tônica, sinalizando a presença de estruturas mais simples, como monosílabos tônicos, até
vocábulos mais complexos com mais de duas sílabas e possuindo acento inicial, medial e
final.
Dessa forma, o presente capítulo aborda os seguintes assuntos: os fonemas postulados
para o Dzubukuá e seus respectivos alofones e outros aspectos fonético-fonológicos
encontrados referentes a esses fonemas, a sílaba e o comportamento do acento lexical. Como
se está trabalhando com uma língua extinta, tendo como único material disponível textos
escritos, alguns procedimentos específicos foram adotados para a obtenção dos resultados e
sistematização dos fenômenos aqui apresentados.
Primeiramente, foi realizada uma lista exaustiva de palavras, verificando cada grafema
recorrente e suas respectivas variações gráficas ou alografes. Tendo em vista a recorrência de
diferentes tipos de grafemas, seguiu-se a postulação dos fonemas correspondentes e de pares
mínimos que validassem seu “status” fonológico. Delineado, então, com isso, o quadro de
fonemas, a investigação voltou-se para os alografes, separando casos que evidenciavam
indícios de variação fonética daqueles que representavam apenas lapsos tipográficos do autor
ou de imprensa. Aqui, os casos que revelavam padrões recorrentes, passíveis de
sistematização, foram considerados ocorrências plausíveis de alofones, enquanto casos
isolados e aqueles que apresentavam traços explícitos de falhas gráficas ou tipográficas foram
avaliados como simples presença de alografes sem quaisquer implicações fonético-
fonológicas.
Tendo, então, sido estabelecido o quadro de alofones, verificou-se o ambiente em que se
encontravam para avaliar se sua presença era condicionada por fatores fonéticos ou
morfossintáticos, chegando, ao final, a uma sistematização das ocorrências fonéticas e ao
delineamento dos diferentes processos fonológicos implicados em cada um desses fenômenos.
O passo seguinte centrou-se na separação dos itens quanto ao padrão silábico e acentual
que apresentavam. Chegou-se, com isso, a uma configuração geral dos padrões subjacentes e
dos fenômenos envolvidos em cada uma dessas dimensões fonológicas da língua.
Vale salientar que este capítulo representa uma retomada da fonologia postulada e
descrita por Queiroz (2008)11 e uma reinterpretação dos fenômenos nela apresentados. Isso
implica dizer que aspectos fonéticos e fonológicos foram revistos, levando, quando
necessário, a uma nova configuração dos resultados; favorecendo, com isso, uma maior
compreensão do sistema fonético-fonológico da língua em estudo. Essa nova configuração
será descrita nas seções a seguir.
11
Dissertação de mestrado apresentada em fevereiro de 2008 na Universidade Federal de Pernambuco.
64
4.1 FONEMAS
Em linhas gerais, com base nos grafemas p/pp, b/bb, t/tt, d/dd, c/cc/k/qu, g/gu,
m/mm, n/nn, nh/nnh, r, h, ts/tç/tc, dz, l, foram depreendidos 14 fonemas consonantais –
constituídos pelos segmentos //. Estes segmentos sonoros
podem ser vistos no Quadro a seguir:
Flepe
Fricativa
Africadas
Lateral
estudado de Nantes, as palavras com os referidos grafemas duplicados aparecem também com
as formas consonantais simples correspondentes. E ao serem comparadas com suas cognatas
no Kipeá, elas também correspondiam a segmentos simples; levando, portanto, à conclusão de
que ambas as formas, simples e duplicada, são equivalentes. Resultavam, portanto, da
ausência de uma uniformização ortográfica utilizada pelo autor.
O comportamento das variações gráficas c/cc/k/qu e g/gu também foi observado. No
primeiro sequenciamento, as palavras que apareciam, no texto de Nantes, com c e k eram as
mesmas. Havia, para um mesmo item, alternância gráfica entre um e outro grafema. Ou seja,
tanto um como o outro poderia aparecer ocupando a mesma posição em um mesmo
vocábulo12. No caso do duplo cc, só ocorre em casos isolados, considerados lapsos
tipográfico, como em bucco “lama”, cuja correspondente em Kipeá é bucò com um único
“c”. No caso de qu, Nantes só à utiliza quando antecede e ou i, como ocorre com o português.
Mamiani é mais sistemático do que Nantes ao utilizar as mesmas letras. No início de sua
gramática, Mamiani (1877[1699], p. 2), adota a letra c para a, o e u e k para e, i e y. Ao serem
comparadas às suas cognatas no Kipeá, os tipos c/cc/k correspondiam, no Dzubukuá, ao
mesmo fonema oclusivo velar /k/ mencionado por Mamiani (ibid.) e postulado por Azevedo
(1965) para o seu parente linguístico. No caso das formações g e gu, Nantes foi mais
sistemático adotando gu apenas quando as vogais seguintes eram e e i/j e g para os demais
casos, tal como era feito ortograficamente para o português; levando, com isso, à postulação
de um fonema velar // para ambas as representações gráficas anteriores.
O fonema flepe foi aqui postulado para o grafema r devido à sua frequência ser bastante
atestada em línguas indígenas do Tronco Macro-Jê, ao qual o Dzubukuá pertence (ver teses de
Sousa Filho, 2007, para a língua Akw-Xerente, e Guedes, 1993, para o Suyá). A ocorrência
das alografias rr e R que, possivelmente, indicariam uma vibrante múltipla para a língua em
estudo é bastante limitada, restringindo-se somente a um ou dois casos isolados; casos esses
que, em quase todas as vezes que aparece, ocorre com apenas um r.
Deste modo, a plausibilidade do “status” fonológicos dos 14 segmentos postulados para
língua em pauta pode ser comprovada pelos pares mínimos apresentados abaixo:
12
Os termos “vocábulo”, “palavra”, “lexema”, “item lexical” e “forma lexical” são empregados neste trabalho
como sinônimos. Preferiu-se, nesse caso, adotar uma uniformização terminológica para se evitar discussões
teóricas exaustivas e concepções linguísticas cuja abordagem não correspondem aos objetivos deste trabalho e,
caso fossem consideradas, suscitaria e prolongaria reflexões não pertinentes à proposta da atual pesquisa.
66
(1) //, // e // (2) //, // //, //, // e //
//: roupa
//: derramar
//: chuva
(3) //, //, // e // (4) // e // (5) // e //
//: nome
//: irritar-se
(6) // e // (7) //, // e // (8) // e //
//: por
Baixas a
67
Os grafemas e e o foram considerados sinais da presença das vogais médias fechadas //
e // e não de suas contrapartes abertas, tendo como base, para isso, um dos princípios de
tendência sonora universal (CRYSTAL, 2000) e (BYBEE, 2006). Por serem menos marcadas,
as vogais fechadas tendem a ser mais universais e, portanto, sua frequência é bem maior nas
línguas humanas do mundo do que as vogais médias abertas.
O fonema // foi postulado a partir da sequência gráfica oe. No texto de Nantes, o o e o
e da sequência, nesse caso, sempre aparecem juntas nos mesmos ambientes e correspondem
em cognatas do Kipeá ao fonema // (ver Mamiani, (1877) [1699], p. 1, e Azevedo, 1965, p.1
e 9), ou a uma única vogal, em sua maioria, anteriores. Isso levou a considerá-la um único
som e não dois, como aparenta a sequência. Em Nantes, também se verifica, em pouquíssimas
ocorrências, a variação entre oe e ae. Essa observação levou a interpretá-la como um som
linguístico cuja articulação se assemelhava à vogal // do Kipeá, que segundo Mamiani
(ibid.) corresponde a um som vocálico “entre o A, & o E”. Na tabela do alfabeto internacional
de fonética, as possibilidades verficadas para oe do Dzubukuá eram //, //, //. Adotando
um critério quantitativo, oe aparece, no texto de Nantes, em quase todas as palavras e ae
apenas em três. Isso levou a adotar a primeira forma e não a segunda como básica e a outra
como variação. Nesse caso, oe representava, então, um som entre o o e o e. Seguindo
novamente o mesmo critério teórico utilizado para as vogais fechadas do parágrafo anterior,
adotou o símbolo // do alfabeto internacional como o que mais se aproximava da sequência
anterior, uma vez que representava um som fechado e menos marcado e, portanto, mais
universal do que seu par //, que representa um som aberto e, consequente, menos propenso a
ser encontrado em uma língua. A tabela alfabética geral classifica o segmento // como
anterior média arredondada. A anterioridade do fonema explica, então, a sua correspondência,
na maioria das vezes, com vogais anteriores em cognatas do Kipeá. A variação gráfica ae foi
considerada o fone [] para o Dzubukuá contendo as mesmas propriedades articulatórias do
Com base na sequência gráfica ui, postulou-se a vogal central //. Para isso, recorreu-se
primeiramente a uma análise comparativa entre cognatas do Kipeá e do. Com isso, observou-
se que os itens correspondentes no Kipeá ao referido composto vocálico em Dzubukuá
equivaliam, na verdade, a uma única vogal grafada como ŷ, postulada como central alta por
Azevedo (1965) em seu trabalho com o Kirirí-Kipeá. Então, essa interpretação da autora foi
68
(12) // e // (13) //, // e // (14) //, // e //
Postulou-se a existência de uma realização aspirada [] para // tendo como base as
anotações de Mamiani (1699, p.2) para certas pronúncias em Kipeá, parente linguístico do
Dzubukuá. Na obra, o autor afirma que // pede “mais ordinariamente aspiração” do que os
demais sons, corroborando, com isso, a presença de uma variante aspirada para a referida
consoante. Esse mesmo procedimento foi aplicado para // e seu alofone aspirado [].
O fonema africado // é representado pelos fones [] e [] (alografes ts/tç/tc e ds/dc)
e // possui, como suas realizações, as alofones [] e [] (alografes nh/nnh e h,
respectivamente):
Como pôde ser visto nos itens 25 e 26, a palatalização de // ocorre quando seguido de
// que condiciona a realização palatal13. Já a variante [] demonstra ser um caso particular
resultante de um processo de desnasalização que ocorre devido a assimilação do traço nasal
da consoante // pela vogal // precedente.
Os segmentos restantes //, //, //, //, //, //, // e // apresentam como realizações
13
Nos casos em que a variação entre // e // ocorre sem interferência da vogal //, foram considerados
ocorrências de neutralização. Isso será visto na subseção 4.4.9 adiante.
71
Os demais casos foram reunidos em um quadro mais geral de fenômenos que serão
vistos na seção 4.4 mais adiante, intitulado “outros aspectos fonético-fonológico da língua”.
A vogal baixa // possui os alofones [], []e [] (alografes a, â e ã); e a central //
A vogal // apresenta as realizações simples [], [], [] e alongada [] (grafemas e, ê,
e ee/eee); e o fonema anterior média // é representada pelos alofones [], [] e []
(grafemas oe, ae e oê):
73
O fonema anterior // possui os alofones [] e [] (letras correspondentes i e î) que
compõem os exemplos abaixo:
A vogal posterior alta // apresenta como realização os alofones simples [], [] e o
// realiza-se como as formas simples [], [] e alongadas [] e [] (letras correspondentes o,
ô, oo e ôo/oô):
nasal
central alta estendida wi, wj, ui, uj
14
Consoantes produzidas com o levantamento do corpo da língua acima de sua posição neutra.
77
O acréscimo recorrente do grafema i, sem causa aparente, nos dados analisados levou à
interpretação dessas ocorrências como casos de adição silábica, tendo em vista a regularidade
do surgimento do referido grafema vocálico em um ambiente específico.
15
Foi identificado somente um único caso onde aparece uma forma mais alongada do verbo “imputar”, a
estrutura com o acréscimo de uma sílaba final ao receber o marcador de polidez {-}. Provavelmente,
a forma alongada representa uma estrutura mais antiga da referida palavra cuja presença ainda estivera
subjacente na época, sendo desencadeada nos contextos em que é aplicado, na base do lexema, o referido
marcador de polidez.
16
Consoantes produzidas mediante uma obstrução na parte anterior da cavidade bucal.
78
As vogais // tendem a apagar-se ao serem precedidas pela vogal posterior //. O
apagamento também ocorre com a consoante // em coda, quando esta é precedida de um
Tendem, também, ao apagamento as vogais //, //, // e //e as consoantes //, // e //
(esta última como coda silábica) quando são precedidas e/ou seguidas por outros segmentos
anteriores e/ou coronais17:
17
O traço coronal corresponde ao som articulado com a ponta da língua elevada acima da sua posição de
descanso.
79
ataque silábico, ela tende a desaparecer com a afixação dos prefixos de 1ª pessoa {-} (78) e
{-} (79), de 2ª pessoa {-} (80) ou dos sufixos {-} (81) e {-} (82) à palavra da qual a
consoante faz parte. E, em coda, seu apagamento se dá quando o vocábulo do qual faz parte
recebe o nominalizador {-} (83) e o pluralizador{-} (84):
1-por causa de
(79) /--/ → [--]: temos vergonha
1-ter vergonha-PLUR2
(80) /-/ → [ai-abe]: pagamento
ter vergonha-NML
(81) /-/ → [-]: respeito
ter vergonha-NML
(82) /---b/ → [---ba]: têm grande vergonha
ter vergonha-CL:aparência-grande-PLUR2
(83) /-/ /--te/ → [-] [--]: tirar a vida
matar-não matar-não-NML
(84) /-/ /--/ → [-] [-]: nos queima
1INCLPL-queimar 1INCLPL-queimar-PLUR2
80
Os últimos casos ocorrem com as vogais // e // quando constituem o núcleo da última
moço-PLUR2
(86) /-/ → [-] ~ [-]: covas
cova-PLUR2
(87) /--/ → [--] ~ [--]: existem
3-existir-PLUR2
Os casos apresentados até aqui, neste subitem, foram considerados casos de redução
sonora devido à frequência e regularidade com que ocorriam, sinalizado pelo apagamento
gráfico de letras ou grafemas no texto de Nantes. Esses casos não foram considerados lapsos,
visto que apresentam um ambiente ou contexto regular de surgimento e, portanto, passíveis de
sistematização. Desse modo, optou-se por interpretá-los como casos de apagamento.
4.4.3 Nasalização
vogal da última sílaba da palavra anterior assimila a nasalidade da consoante nasal que inicia
a primeira sílaba da palavra seguinte (95):
81
existir-tempo
(94) /=/ → [=]: ó filho
por=filho
(95) /-/ → [-]: “dirá o sacerdote” (NANTES, 1709, p. 124)
sacerdote dizer-SFP1
Como pode ser verificado nos exemplos 88, 90 e 93, com a nasalização das vogais,
ocorre a queda do arquifonema //18 quando este ocupa a posição de coda na sílaba.
A nasalização de vogais foi aqui considerado com base nas variações gráficas
respectivas an/am ~ ã, en/em ~ e, on/om ~ õ, un/um ~ u. As formações à esquerda do par,
constituídas por uma vogal e uma nasal, foram adotadas como formas predominantes, visto
que, quantitativamente, ocorriam em maior número e abrangiam a maior parte de todas as
ocorrências analisadas.
18
O referido arquifonema resultada da neutralização entre consoantes nasais na coda silábica. Esse tipo de
fenômeno será descrito adiante na subseção 4.4.9.
82
Nos exemplos 102 e 103, embora as vogais // e [], sua variante, sejam médias, esta
última, conforme o alfabeto fonético internacional, é mais alta do que sua correspondente
arredondada. Desse modo, integra-se ao quadro dos fenômenos de alçamento, visto que, ao se
tornar uma vogal anterior não arredondada, a vogal // era produzida com a elevação do
corpo da língua acima de sua articulação regular.
Nos dados seguintes, de 106 a 109, o alçamento é motivado morfologicamente. Nessas
ocorrências, ele consiste no alteamento de traços fonéticos da vogal // tornando-a
foneticamente uma vogal média. Isso ocorre em algumas palavras quando o núcleo da
primeira sílaba do vocábulo recebe prefixos de 1ª pessoa {-} (106) e {-} (108) e de 2ª
pessoa {-} (107); e também se dá no núcleo da última sílaba da palavra “fazer
ocorrências do segundo tipo se enquadra a vogal média posterior // da adposição // “de” e
a vogal // do verbo “queimar”. No primeiro caso, o alongamento da vogal posterior
ocorre quando a referida adposição recebe, no singular, os prefixos pessoais de 1ª pessoa /-/,
de 2ª /-/ e de 3ª /-/ (110 a 112); e, no segundo caso, quando o verbo recebe os
1-de
(111) /-/ → [-]: de em 2ª pessoa
2-de
(112) /-/ → [-]: de em 3ª pessoa
3-de
(113) /--/ → [--]: não queima
queimar-não-SFP1
84
queimar-totalidade-PLUR2
4.4.6 Vozeamento
O vozeamento se dá em Karirí com as consoantes //, //, // e // quando assimilam a
sonoridade dos segmentos vozeados adjacentes:
No caso do //, no exemplo 117 e 118, o vozeamento é seguido por outro processo. Nos
dados analisados, a referida fricativa surda se vozeia quando está contígua às vogais
//, assimilando a anterioridade do // e do //, sendo produzida mais à frente da
cavidade bucal ou a labialidade do // e do //, tornando-se uma consoante labial. Nos demais
casos, quando é seguido pelo // e também pelas vogais anteriores mencionadas há uma
consoante bilabial próxima pertencente à margem esquerda das sílabas vizinhas.
Provavalmente, há a interferência também destas consoantes na qualidade vocal da fricativa,
tornando-a um segmento labial, além de sofrer também as assimilações já mencionadas.
A postulação dos casos dessa subseção levou em conta a alternância gráfica entre as
consoantes t, k, h, ts e d, g, b, dz indicadoras de segmentos surdos e sonoros. As primeiras 04
consoantes foram consideradas os fonemas originais devido à sua recorrência maior nos dados
analisados.
classificado aqui como lateralização. Nesse caso, elas tornam-se a lateral alveolar []:
19
Segmentos com o traço [+contínuo] são aqueles em que o estreitamento na cavidade bucal não é o suficiente
para interromper o fluxo de ar.
86
122, a lateralização do // também é motivada por uma harmonização consonantal. Isso será
visto na subseção 4.4.10 adiante.
As ocorrências dessa subseção foram postuladas como casos de lateralização devido à
alternância gráfica entre as letras t, d com um l nos mesmos ambientes. Em um mesmo item
analisado, as oclusivas ocorriam na maioria das vezes, enquanto a lateral ocorria algumas
poucas vezes. Por isso, ela foi interpretada como variação das oclusivas e não o contrário.
Nos dados analisados, o rotacismo ocorre quando as consoantes alveolares // e //
ocorrências de neutralização, visto que dois segmentos interpretados como fonemas distintos
pelo sistema fonológico da língua são encontrados ocupando os mesmos espaços sem alterar o
significado da palavra e sem receber interferência contextual dos segmentos vizinhos. Isso
implica uma neutralização dos traços distintivos, anulando, nesses ambientes, sua oposição
dentro do sistema (CRYSTAL, 2000). Em Dzubukuá, isso ocorre entre as nasais // e // e
Como se observa nos exemplos 127 e 128 acima , a neutralização entre as nasais
alveolar // e palatal // ocorre quando ambos ocupam a margem esquerda da sílaba. Nessa
posição, tanto um como o outro podem aparecer sem modificar o significado da palavra ou
sua função gramatical. Chegou-se a essa interpretação devido à alternância entre os grafemas
n e nh, representantes de fonemas distintos na língua. A recorrência expressiva desses
segmentos nos dados analisados e em um ambiente regular, levou-os a serem considerados
como casos de neutralização e não como lapsos gráficos do autor ou de impressão.
Os demais casos em que a alveolar aparece também como palatal são casos em que há
um // adjacente. Nesses casos, há a interferência da vogal desencadeando a palatalização da
referida consoante alveolar e, portanto, não foram interpretados aqui como casos de
neutralização.
Nos itens de 129 a 131, as consoantes // e // tendem a se neutralizarem na margem
direita da sílaba. Por isso, quando se transcreve um // nessa posição, indica-se que esta
consoante alveolar é um arquifonema20. A escolha por esta transcrição deve-se a um critério
quantitativo e a um critério teórico. No primeiro caso o grafema n, nessa posição, é mais
predominante do que o m no catecismo e no manuscrito de Nantes e, portanto, optou-se pela
20
Arquifonema foi um terminologia elaborada pelos teóricos do Círculo Linguístico de Praga e usada para
indicar o segmento sonoro resultante da neutralização dos traços distintivos entre fonemas diferentes da língua.
88
permanência do primeiro nas transcrições e não do segundo. O segundo critério, se apoia nas
reflexões de Hengeveld (2006) acerca da tendência universal das nasais alveolares. Segundo o
autor, quando há consoantes nasais em uma língua, tende-se a encontrar no sistema
fonológico dessa língua a nasal alveolar mais não necessariametne uma labial. Isso reforçou
ainda mais a opção por manter // na posição de coda e não //. Por isso, na seção seguinte,
referente à sílaba e a seus padrões, transcrever-se-á na margem esquerda ambas as consoantes,
mas, na margem direita, somente a nasal alveolar aparecerá e não a nasal labial. Este último
tipo de neutralização representada na escrita pela alternância entre os grafemas n e m não foi
considerado um lapso tipográfico devido à sua frequência e regularidade, sendo passível de
explicação fonológica e sistematização; visto que ocorre em uma dada posição sinalizando,
assim, um fenômeno que também ocorre nas línguas vivas do mundo. Portanto, optou-se por
interpretar esse tipo de ocorrência como um reflexo de fatores fonológicos que, na época,
ocorriam na língua.
4.4.10 Harmonizações
mentir-PNT-não-SFP1-EP 2-mentir-PNT-não-SFP1-EP
(141) /-/ → [-]: virá
vir-SFP1
Como pode ser percebido acima, no item 140 a consoante inicial do sufixo epistêmico
se assemelha foneticamente à consoante labial do sufixo de polidez precedente. E, no item
141, a vogal do verbo “vir” torna-se um vogal central baixa igual a vogal que ocupa o núcleo
silábico do sufixo de polidez que segue o referido verbo.
Aparecimento gráfico de consoantes na margem esquerda da sílaba e de vogais no
núcleo silábico iguais àquelas existentes nas sílabas vizinhas e que ocupavam os mesmos
ambientes, levou à classificação desses casos como indicadores de um processo de
harmonização. A postulação da sílaba original se deu com base em um critério quantitativo,
ou seja, as sílabas de recorrência mais predominantes foram adotadas como padrão.
Os fenômenos discutidos nesta seção são apresentados resumidamente no Quadro
abaixo:
4.5 A SÍLABA
(a) A presença de, no mínimo, um núcleo vocálico obrigatório, podendo ou não ser
acompanhado de ataque e/ou coda;
(b) A sílaba deve possuir, no máximo, dois ataques: um ocupando a primeira posição e
o outro, a segunda formando juntos um ataque complexo;
(c) A sílaba deve ter na coda apenas um segmento.
segunda posição (C2), entretanto, é mais restrita sendo constituída apenas pelas líquidas // e
// (retornar aos exemplos 143 e 145 atrás). A posição de coda (C3), por sua vez, é reservada
somente à fricativa // e ao arquifonema nasal // (rever os itens 143 a 146 dos exemplos
anteriores).
A partir das observações acima, obtém-se o seguinte diagrama arbóreo geral
configurado abaixo em relação a cada posição silábica vista isoladamente:
ataque Rima
/Núcleo Coda
/
//
//
//
(C) (C) V (C)
anteriores // e // não ocorrem sozinhos, mais sempre acompanhados por consoantes.
Em sílabas C1V, núcleos ocupados por // ou // recebem ataques constituídos por
qualquer uma das 14 consoantes postulados para a línguas. As vogais // ou //, por sua vez,
são precedidas por todas as consoantes menos pelo oclusiva velar //. A vogal //, no entanto,
ocupados pelas vogais anteriores // ou //, são mais restritos, aceitando em ataque apenas as
Em sílabas C1C2V, a combinação //, com uma velar surda em C1 e uma lateral em C2,
precede as vogais //. Por sua vez, o ataque complexo //, com uma velar surda
em C1 e um flepe em C2, ocorre apenas quando o núcleo silábico é ocupado pelos fonemas
//. Já as combinações //, // e //, com uma oclusiva labial surda ou um velar sonora
em C1 e uma líquida em C2, ocorrem apenas seguindo a vogal //. E o ataque complexo
formado por //, com uma labial sonora em C1 e líquida em C2, restringe-se às vogais
posteriores //. A vogal anterior // não ocorre nesse tipo de estrutura silábica.
Em sílabas com o padrão VC3, a coda (C3) somente é ocupada pelo arquifonema nasal
// seguindo apenas as vogais // que ocupam o núcleo (V) da sílaba. As demais vogais
não foram encontradas constituído o núcleo deste tipo de estrutura silábica.
No padrão C1VC321, quando // ocupa o núcleo e C3 é ocupado pela nasal //, C1 pode
pela fricativa //, como C3, apenas as labiais // podem ocupar C1. Quando V é constituído
por //, a sílaba aceita somente as consoantes // ou // como C1 e apenas // como C3.
Quando a vogal // constitui o núcleo V e C3 é ocupado por //, C1 permite apenas a presença
das consoantes // ou /b/. No entanto, quando a referida vogal posterior é seguida por //,
como C3, o ataque C1 só aceita a consoante //. Já para as vogais altas // e //, quando uma ou
outra ocupam o núcleo da sílaba, nessa estrutura, somente é permitida a presença de // em
ataque (C1) e // em coda (C3). Os segmentos vocálicos // não foram encontrados neste
tipo de estrutura.
As sílabas do tipo C1C2VC3 são maiores que as outras e, ao mesmo tempo, são as mais
restritas, aceitando o menor número de segmentos possível em sua estrutrura. O núcleo V só
pode ser ocupado por // ou por // e a segunda posição de ataque (C2) reserva-se apenas a
lateral alveolar // para todos os casos. Quando a vogal // ocupa o núcleo, C1 é constituído
21
Não foi levado em consideração aqui a palavra tupam, bastante recorrente no texto do catecismo e do
manuscrito analisados por ser um empréstimo do Tupí não adaptado ao sistema fonológico do Dzubukuá. A
palavra supostamente apresentaria o padrão CVC em sua sílaba final, ocupada por um labial surda em ataque e
uma nasal em coda.
94
por // e C3 por //. Porém, quando o núcleo é ocupado por //, C1 encontra-se constituído por
C1 ______ V ______
/
/ //
/
/ //
/
/ //
// //
// //
Padrão específicos C1 C2 V ______
// // //
______ ______ V C3
// //
C1 ______ V C3
/
C1 C2 V C3
// // // //
Tendo em vista, pois, essas restrições, os resultados a seguir objetivam apresentar tão
somente um panorama geral da tonicidade em nível do vocábulo e de suas fronteiras lexicais,
visto que, na língua estudada, é o fenômeno mais seguramente visível e mais sujeito à
descrição e comprovação. Abstrai-se, dessa forma, quaisquer aspectos suprassegmentais,
existentes apenas na dimensão oral das línguas. Tais aspectos, em Dzubukuá, ainda situam-se
em um nível além da plausabilidade, existindo tão somente no limiar da especulação, da
dúvida e das cogitações ainda não comprováveis linguisticamente.
Verificou-se, na língua, que o acento lexical recai em três posições atestadas nos
dados22: inicial, medial e final. Constata-se também a presença de monossílabos tônicos que
se soma ao quadro geral do comportamento acentual da língua em estudo.
O acento inicial recai na primeira sílaba de palavras paroxítonas e proparoxítonas
encontradas em Dzubukuá. Nesses casos, o referido acento ocorre em sílabas abertas e
fechadas23 cujo núcleo é ocupado pelas vogais //:
Como pode ser verificado na coluna à direita, o acento inicial apresenta os padrões
gerais SS e SSS, segundo os quais lexemas com tonicidade inicial permitem
obrigatoriamente de uma até duas sílabas átonas pós-tônicas e uma sílaba tônica que pode se
22
A posição do acento na palavra fora contabilizada da direita para a esquerda, da última sílaba à terceira a partir
dela (antepenúltima).
23
Sílabas abertas, em Dzubukuá, são aquelas sem coda, V, CV, CCV, por exemplo, e fechadas são as que
possuem coda consonantal: VC, CVC, CCVC.
97
situar na segunda ou terceira posição a partir da última sílaba átona pós-tônica24 (da direita
para a esquerda).
O acento medial, tal como o anterior, pode ser proparoxítono ou paroxítono, podendo
aparecer tanto na antepenúltima sílaba de algumas palavras e na penúltima sílaba de outras.
Em relação ao primeiro, a tonicidade proparoxítona restringe-se a um número bastante
reduzido de palavras, atestando sua pouca frequência nos dados analisados; ao mesmo tempo
em que reflete sua menor preferência pelo sistema fonológico da língua em estudo.
O acento medial proparoxítono aparece em palavras com, no mínimo, quatro sílabas,
ocorrendo somente em sílabas abertas cujos núcleos são constituídos pelas vogais //:
24
Foi encontrado, no catecismo impresso, um caso isolado onde há dupla acentuação em um vocábulo, uma na
preantepenúltima sílaba e outra na antepenúltima. A ocorrência encontrada é constituída pela forma gráfica
“útsótsoho” do verbo “ofender”. Entretanto, no texto de Nantes, o referido verbo apresenta tonicidade
medial. O acento lexical, nessa palavra, pode recair tanto na antepenúltima, [], quanto na penúltima
sílaba, []; com maior tendência para esta última. Esse comportamento regular e mais recorrente leva a
considerar o comportamento acentual em “útsótsoho” como um lapso tipográfico, não sendo, portanto,
considerado aqui.
98
Os padrões acentuais fornecidos pelos itens acima são três: SSS, SSSS e SSSSS. Essas
configurações sugerem o seguinte: em palavras paroxítonas com três ou mais sílabas e de
acento medial, o vocábulo deve ter, no mínimo, uma sílaba átona pós-tônica obrigatória. E
também devem possuir obrigatoriamente de uma até três sílabas átonas pré-tônicas.
O acento final ou oxítono aparece em sílabas abertas e fechadas de palavras de duas a
quatro sílabas e cujo núcleo é ocupado pelas vogais //:
Acima, os exemplos revelam três padrões acentuais: SS, SSS e SSSS. A partir desses
padrões, observa-se, que, em palavras de tonicidade final com mais de uma sílaba, ocorre a
presença de, no mínimo, uma sílaba átona pré-tônica e, no máximo, três.
99
acentual S:
inicial SS
Acento paroxítono medial SSS, SSSS e SSSSS
Monossílabos tônicos S
Nos dados analisados, foi observado que o acento tônico tende a permanecer em cada
um das formas quando elas se unem gramaticalmente em uma única estrutura morfológica.
Isso é evidenciado quando, em construções léxico-gramaticais, ocorre graficamente, no texto
de Nantes, o aparecimento de dois diacríticos simultâneos em uma mesma estrutura. Essa
dupla acentuação aparece, em um grupo reduzido de itens, na combinação entre lexemas
livres (181, 182), entre formas presas e livres (183) e entre estruturas reduplicadas (184):
guardar-se
(184) []: ficar manchado → [] ficar manchado+ []: ficar
Manchado
os grafemas foram reinterpretados como vogais altas // e //. Essa mudança de perspectiva
ocorreu com base em três observações. A primeira que, no catecismo impresso, Nantes
mostrou-se pouco sistemático em representar graficamente as referidas vogais altas, grafando-
as ora j/y e w/v, ora com i e u, seja elas acompanhadas de outra vogal ou precedidas de uma
consoante. No manuscrito, o autor marca com um trema ( ¨ ) o i e u nos casos em que se
101
encontram contíguas a outras vogais, indicando que representam sílabas diferentes e não
ditongos. No catecismo, as mesmas vogais altas tremadas são grafadas como j/y e w/v. Isso
corroborou ainda mais a hipótese de que estes últimos grafemas não eram “glides”, mas
vogais e a estrutura silábica em que se encontravam não eram ditongos e sim representavam
núcleo de sílabas independentes. Uma terceira observação que veio confirmar a hipótese
deve-se às notificações deixadas por Mamiani (1877[1699], p.1) para o Kipeá, onde ele
afirma que “as vogais entre si não formam ditongos, mas se pronuncia cada uma por si como
sílaba diversa”. Como a língua aqui estudada e o Kipeá são parente próximos, então foi dada
relevância a essa notificação. Isso levou a rever os constituintes que compunha a sílaba em
Dzubukuá reinterpretando as tipologias silábicas quanto ao seu padrão silábico e léxico-
acentual. Em decorrência disso, houve apenas a reorganização de alguns dados, sem interferir
diretamente nas configurações gerais encontradas para a sílaba e para o acento lexical. Ou
seja, as novas estruturas silábicas e acentuais resultantes desse processo se encaixaram
adequadamente dentro dos padrões silábico e acentuais postulados para a língua,
confirmando-os.
Os casos de alofonia, antes estipuladas isoladamente para cada fonema consonantal e
vocálico, foram revistos em virtude de sua generalização para dois ou mais fonemas
diferentes. A revisão desses casos possibilitou configurar processos plausíveis mais
abragentes indicadores de fenômenos novos que poderiam ser adicionados ao quadro dos
demais processos fonológicos da língua. Com base nessas ocorrências, foram identificados os
casos de êpentese, vozeamento, lateralização, rotacismo, neutralização e harmonização
ampliado o quadro dos aspectos fonético-fonológicos da língua. Ainda nesse contexto, alguns
dos fenômenos já existentes nesse quadro foram reinterpretados e redistribuídos. Os casos de
elisão e palatalização foram considerados, respectivamente, processos de apagamento e
adição silábicos. O primeiro foi reunido aos casos de apagamento no quadro dos fenômenos
de redução fonológica e o segundo inserido juntamente com os casos de epêntese ao contexto
dos fenômenos de adição silábica. Os exemplos tidos como espraiamento da nasal palatal
foram incluídos nos casos de nasalização e adição silábica e, portanto, não foram
considerados aqui como uma seção à parte, tal como fora colocada no trabalho de
investigação anterior.
Essas alterações foram possibilitadas pelo estudo do manuscrito que forneceu mais
dados, complementando o material já coletado do catecismo impresso e favorecendo o
amadurecimento das reflexões e análises aqui apresentadas. A dissertação de 2008 dedicou-se
exclusivamente à obra impressa de Nantes; ao contrário da presente investigação que se
102
CONCEPÇÕES DE PALAVRA
vez, as palavras são conceituadas como unidades prosódicas, apresentando, entre outras
coisas, acento, comportamento fonotático e princípios fonológicos próprios. Na perspectiva
gramatical, por outro lado, a palavra é tratada como uma unidade morfossintática, consistindo
da coesão de elementos gramaticais que a estruturam e que ocorrem juntos e não dispersos em
uma cláusula.
Todas as palavras se encontram organizadas no léxico, o qual funciona como se fosse
uma espécie de enciclopédia onde estão estocados os conhecimentos culturais permanentes,
internalizados e expressos pelos falantes de uma determinada comunidade. Léxico, nesse
sentido, seria como uma lista organizada de vocábulos, onde haveria a correspondência
arbitrária entre forma e sentido convencionalizada pelos falantes (AIKHENVALD, 2007). É a
essa lista que os falantes sempre recorrem linguística e cognitivamente nas interações
sociocomunicativas.
Ao serem enunciadas, as palavras desempenham determinados papéis morfossintáticos,
favorecendo a compreensão de uma dada sentença quando comunicada; contribuindo, dessa
maneira, para o andamento normal da comunicação verbal. Conforme o conteúdo lexical que
trazem e seu comportamento gramatical, as palavras se enquadram em determinadas
categorias morfossintáticas que, por sua vez, podem ser divididas em classe aberta e
fechada, no tocante a possibilidade de seu inventário ser ampliado ou não.
A classe aberta consiste de um inventário amplo de componentes que pode ser ampliado
mediante a incorporação de novas palavras. Essa incorporação pode ser feita via empréstimo
ou através da formação de novos itens, empregando, para isso, outros já existentes em seu
próprio sistema. A classe fechada, ao contrário, apresenta um inventário restrito, composto de
uma quantidade fixa de membros. Tende a consistir de um número razoavelmente reduzido e
limitado de componentes.
Interdialetalmente, as classes abertas variam de falante para falante, enquanto as classes
fechadas comportam membros que “são [essencialmente] o mesmo para todos os falantes da
língua, ou do dialeto” (SCHACHTER; SHOPEN, 2007, p.3).
Para o Dzubukuá, foram empregados, além do critério semântico, o critério ortográfico
e o gramatical, ambos complementados pelas considerações de Mamiani (1877[1699]) e
Azevedo (1965) em relação às cognatas em Kipeá (parente linguístico mais próximo da língua
em estudo). Com base, portanto, nesses critérios, com destaque no comportamento gráfico dos
componentes ao nível individual ou combinados com demais elementos, foram configuradas
as fronteiras do vocábulo fonológico e postulados lexemas e morfemas gramaticais bem como
a dinâmica de suas relações ao nível sintagmático e clausal.
105
“pouco” e -iho “muito”, por exemplo. Palavras pertencentes ao quadro dos lexemas livres
tem-se padzu “pai”, “fazer bem” e “brilhante” considerados, na língua, como
características e comportamento dos referidos prefixos. Enquanto isso, eles serão abordados
com menos detalhes em cada seção relativa às classes mencionadas anteriormente, visto que
são componentes da dinâmica flexional dessas categorias lexicais.
5.1 SUBSTANTIVOS
existente no tempo. Está diretamente associada, conforme Givón (1984), aos nomes
semiabstratos, como “semana”, “mês”, “ano”, etc. O grupo concreto abrange as entidades
existentes tanto no tempo como no espaço. Estão relacionadas ao seres inanimados, como
“mesa”, “montanha”, “flor”, “planta”, “água”, etc. A categoria animada, por outro lado,
representa todo e qualquer organismo vivo que apresenta deslocamento no tempo e no espaço.
Refere-se aos seres animados propriamente ditos, como “cavalo”, “besouro”, “pássaro”, etc.
E, por fim, segue a classe das entidades humanas que está diretamente associada a entidades
de caráter humano, como “homem”, “mulher”, “criança”, etc.
(185) -----
3-carga-não-SFP1 de 3-trabalhar-PLUR2
não tinham obrigação do trabalho
25
As cinco categorias aqui apresentadas não são rígidas. Um mesma palavra, dependendo do seu uso, pode
apresentar mais de um significado e, portanto, aparecer em duas categorias diferentes. Por exemplo, os
vocábulos e . O primeiro pode ser usado tanto para indicar “ano” como “estrela” e os segundo pode
referir-se tanto a “dia” como também a “sol”. A depender do seu uso em um determinado contexto, essas duas
palavras podem tanto pertencer à classe das entidades temporais não concretas como à das entidades concretas.
108
(186) ---
(187) -----?
(188)
três sol
três dias
(189) --
(190) -
(192) --
(194) ---
(195) -
a. --
26
Quando necessário, serão abertos parênteses dentro da própria tradução portuguesa ou numa linha à parte com
significado literal (lit.) dos itens em Dzubukuá apresentados ou com o contexto a que eles fazem referência.
110
(196) -
(197) -----
(198) -
Vale salientar que as categorias semânticas dos substantivos elencadas aqui foram
caracterizadas apenas com base em seu significado. Ou seja, não apresentam qualquer
distinção gramatical entre elas e quaisquer implicações diretas na morfossintaxe da língua.
5.1.1.1 Gênero
De acordo com Crystal (2000), gênero sinaliza os tipos masculino, feminino e neutro.
Há, nesta categoria, dois tipos de marcação de gênero que podem co-ocorrer juntas em um
sistema linguístico: gênero natural e gênero gramatical. O primeiro está associado à relação
natural entre a palavra e o sexo do referente e o segundo tipo tem a ver com as relações
27
Nos exemplos 196 e 198 acima, o sujeito não aparece explicitamente nas cláusulas, nem lexicalmente e nem
prefixalmente. Esse fenômeno é classificado aqui de analepse ou marcação zero de sujeito. É bastante recorrente
em Dzubukuá e, portanto, se repetirá com bastante frequência nos exemplos dados ao longo deste trabalho. Esses
casos serão tratados com detalhes, nas subseções 7.8, 7.12 e 7.13 do próximo capítulo.
111
gramaticais de concordância entre o substantivo e outras classes lexicais regidas por ele em
matéria de gênero.
Em Dzubukuá, a indicação de gênero é de natureza semântica, sendo expressa
diretamente pela raiz lexical do vocábulo. Ou seja, ele é inerente às próprias palavras. Não foi
identificada, portanto, nenhuma marcação morfológica ou sintática diferenciadora de gênero.
Diante disso, conforme o comportamento semântico dos itens lexicais analisados, foram
postulados, com base na classificação encontrada em Crystal (2000), três tipos de gêneros
para as palavras da língua em pauta: o masculino, o feminino e o neutro.
Os gêneros masculino e feminino em Karirí reúnem termos familiares, de parentesco e
consanguinidade, genealógicos e demais expressões atribuídas às entidades humanas cujo
significado28 está diretamente associado ao sexo biológico do referente:
(199) --
3-tio-PLUR1
tios
(200) -
3ENF-neta
sua neta
(201) -
1INCLPL-avó
nossa primeira mãe
(202) -
homem-PLUR1
varões
28
A título de uma maior objetividade e clareza, está se considerando aqui os termos “sentido”, “significado” e
“acepção” como sinônimos.
112
5.1.2.1 Número
Os substantivos que recebem apenas o morfema {-} está associado, em grande parte,
aos vocábulos designativos de entidades animadas humanas ou de termos referentes ao corpo
humano:
29
A ocorrência do pluralizador {-} em substantivos aplica-se só a casos de marcação morfológica de posse
(ver subseção 5.1.2.3).
114
(216)
: escravo → -: lit. escravos ~ --: seus escravos
escravo-PLUR1 3ENF-escravo-PLUR2
1INCLPL-inimigo-PLUR1
mulher-PLUR2
animal-PLUR2
1INCLPL-comida-PLUR2 1-comida-PLUR3
115
Vale salientar aqui que não foi encontrada qualquer evidência concreta no texto do
catecismo e do manuscrito de Nantes que possa levar a uma diferenciação morfossintática ou
semântica mais sistemática ou mais consistente no emprego dos dois pluralizadores em
substantivos. Neste caso, o que se fez aqui foi um apresentação de alguns itens que recebem
os sufixos de plural mencionados; evitando-se, com isso, recorrer a exposição de listas
exaustivas de palavras.
Duas hipóteses podem ser levantadas em relação ao emprego dos dois pluralizadores
apontados. Na primeira hipótese, cogita-se que o emprego de {-} e {-} enquadra-se no que
Bickel e Nichols (2007) denominam, respectivamente, de plural distributivo e plural
coletivo. Ou seja, enquanto {-} indicaria a “pluralidade de indivíduos separados” – como
“homens”, por exemplo, {-} corresponderia a uma indicação mais geral e abstrata,
denotando um único grupo formado por vários indivíduos ou uma totalidade de indivíduos
“humanidade”. Na segunda, deduz-se que, como nos verbos, o sufixo {-} seria, na verdade,
um morfema derivacional ou um nominalizador, tornando os substantivos mais abstratos e
gerais, como ocorre em dois casos isolados - “amigo-PLUR1”: “amizade” e
5.1.2.2 Posse
(223) ---ɨ
3-morrer-NML 1INCLPL-parente
morte de nossos parentes
(224) --
pai-2-filho
vosso marido
(lit. o pai do vosso filho)
30
Foi encontrado um caso isolado: <inhunha> --- “filhos”, que apresenta redundância de plural
mediante a reduplicação da raiz mais o acréscimo do pluralizador {-}. Diante disso, cogita-se a possibilidade de
este caso resultar de um lapso do autor do catecismo ao registrar por escrito a palavra ou de um lapso de
tipografia ao trocar erroneamente o grafema “u” por “a” na sílaba final da palavra. Trocas gráficas são bastante
frequentes no catecismo. Para isso, consultar a dissertação Queiroz (2008), seção reservada às “alografias”.
31
Informações mais detalhadas sobre as características e dinâmica funcional dos prefixos pessoais são descritas
na subseção 5.6.1.2. referente aos prefixos pessoais.
117
(225) -
3-comida céu
manjar do céu
(226) -
chefe-PLUR1 em chão
majestades da terra
Quando a relação de posse ocorre com os prefixos pessoais enfáticos de terceira pessoa
{-}, {-} ou {-}, tem-se a intenção de enfatizar simplesmente a relação estabelecida entre
o possuidor e a entidade possuída:
3ENF-mão
sua (própria) mão
(228) -
3ENF-corpo
seu corpo próprio
(229) -
3ENF-chão
sua (própria) terra
No plural, os prefixos pessoais são acompanhados pelos sufixos {-}, {-} e pelo
pluralizador pronominal{-} que ocorre apenas, nesses casos, com a primeira pessoa
(230) --
2- alma-PLUR2
vossas almas
118
(231) --
3ENF-mãe-PLUR1
suas mães
(232) --
1-avô-PLUR3
nosso pai
(233) -----
(234) --
(235) ----
(236) -------
}. Quando um nome opera como predicado intransitivo, recebe o marcador {-} (237),
mas quando o substantivo denomina uma autoridade, tende a receber o sufixo {-}:
(237) ---
notícia-SFP1 3-a-PLUR2
tiveram antigamente alguma notícia
Feminino
32
Os sinais “< >” são empregados, nesta tese, para indicar palavras do Português introduzidas pelo próprio
Bernardes de Nantes no texto em Dzubukuá.
120
exclusiva;
- substantivo + aumento silábico (alomorfia lexical) + pluralizador;
- Ruplicação silábica;
- utilização dos prefixos pessoais de 1ª, 2ª e 3ª pessoas (não enfáticos);
Comum
- emprego de incorporações;
- jusposição;
Posse
- sintagmas adposicionais.
Enfática
inerente
Traço
5.1.2.4 Adjuntos
(239) --
3-corpo CL:aparência-pequeno
um corpo pequenino
(240) ----
3-CL:aparência-mau-PLUR2 diabo-PLUR2
maus diabos
(241) ---
3-roupa-CL:aparência-branco
um lençol limpo
(242)
um homem
um homem só
(243)
três gente
três pessoas
122
(244)
aquele fruta
aquela fruta
(245)
outro remédio
outro remédio
(246) a
(247) --
(248) -
doença 3-corpo
doenças do corpo
(249) -
3-comida em chão
manjar da terra
123
(250) --
avareza-não-PLUR1
esmolas
(251) -
chão-só
terra sensível
(252) -
1INCLPL-mãos totalidade
dez
(253)
Deus muito
é verdadeiramente Deus
(254) -
fruta proibir-NML
fruta vedada
(255) --
(256) -----
(257)
Deus mentir
Deus falso
(258) --
(259) ɨ
animal em céu
pássaros (lit. animal do céu)
(260)
escravo diabo
escravo do diabo
(261) -
(263) --
(264) --
5.2 VERBOS
e verbos como “tremer” e “matar”, dentre outros, que denotam processos mais
rápidos de mudança.
As diferentes categorias semânticas e o comportamento morfossintático dos verbos
serão tratados nas subseções a seguir.
Na língua estudada, conforme o conceito expressos pela sua raiz lexical, pode-se
classificar semanticamente os verbos em estativos e ativos33. Em geral, os primeiros
33
A divisão e subdivisão apresentadas nesta subseção têm caráter meramente classificatório e semântico não
possuindo, deste modo, quaisquer implicações morfossintáticas para a língua em estudo. Optou-se em assim
127
representam estados, sinalizando uma postura não-ativa do sujeito ou denotam uma situação
mais duradoura na linha do tempo; enquanto os do segundo tipo fazem referência às ações ou
eventos limitados no tempo (SCHACHTER; SHOPEN, 2007).
Os verbos estativos denotam estado (265), posição (266), cognição (pensamento e
memória) (267), sensação (que envolve os cinco sentidos) (268), emoção (269) e eventos
potenciais (270, 271)34:
(265) ----
(266) ------
(267) ----
(268) ---
(269) --
(270) ----
(271) ----
(272) ----
3-alagar-PAS-todo-NML
(as chuvas) alagaram toda a terra
(273) --
(274) -
(275) -
tremer-SFP1 chão
a terra tremeu
129
(276) --
3-subir-PAS em céu
Subiu ao Céu
(277) -
(278) ---
35
Mais informações e detalhes sobre os prefixos pessoais é descrita na subseção 5.6.1.2 pertencente à parte
reservada, neste trabalho, ao comportamento dos pronomes pessoais em Dzubukuá.
130
(280) a. ---
(281) a. ----
(282) -
1INCLPL-trabalhar
S-V
nós trabalhamos
(283) ----
1INCLPL-ajudar-PLUR2 3-a-PLUR2
O-V S
eles nos ajudam
“ter força”, por exemplo, e como não finitos cita-se os verbos “querer”,
finitos “matar”, “fazer sair” e “comer” e como não finitos tem-se os lexemas
: “começar”, “vir depressa” e “opor-se”. Dentre os não finitos, destaca-
cumulando em si mesmo as noções de 2ª pessoa, plural e modo. Ele pode ocorrer sozinho ou
ser acompanhado de um objeto indireto opcional:
(284) =---
(285) hi-aboho
(286) ----
3-irritar-se-sofrer-não-SFP1
sofreu sem nenhuma indignação
(287) ---
ofender-muito-PLUR2-SFP1
fizeram muitas afrontas
(288) ----
3-dizer-CL:aparência-pequeno-não
nunca ou quase nunca rogar
(289) --
decidir-um-PLUR2
logo consentiram
133
(290) --
3-existir-pertences
ser rico
(291) --
dizer-PAS-isto
dizer estas palavras
(292) ---
ver-3-de-PLUR2
eles souberam
5.2.2.1 Tempo
(293) ---
36
As terminologias “marcado” e “não marcado”, seguindo a proposta de Andrews (2007b) e Dryer (2007b), são
empregadas, neste trabalho, como referência a presença explícita ou ausência de algum indicador ou operador
morfossintático (morfológico e/ou sintático) que sinalize uma determinada função ou comportamento gramatical.
134
(294) --
(295) --
1-amar 2-de
eu vos amo
(296) --
obedecer-PAS-PLUR2 talvez
Obedeceram-lhe porventura?
(297) ----
3-vir-FUT 3-ter força-muito
virá com grande poder
5.2.2.2 Aspecto
expresso mediante a afixação do sufixo potencial {-} ao verbo, que obrigatoriamente deve
estar na forma negativa (298). O progressivo, por sua vez, representa um processo em
andamento, uma ação ainda não concluída na linha do tempo. Nos exemplos abaixo, ele é
representado pela afixação do sufixo - à estrutura verbal (299):
(298) ----
mentir-PNT-não-SFP1-EP
não pode mentir
(299) -----
verbo. Todos estes advérbios denotam “muito”. O atenuativo, por seu turno, ocorre quando os
verbos recebem o advérbio - “pouco” (303), e o iterativo ocorre com os advérbios -
“(agir) repetidamente” (304) ou presos ao verbo – que denota, neste contexto, “mais
(300) ---
1-agradecer-muito 2-para
dou-vos muitas graças
136
(301) ----
ter vergonha-muito-PLUR2-SFP1-EP
terão muita vergonha
(302) ----
3-existir-muito-PLUR2 3-descedente
Teve muitos descendentes
(303) -----
(304) ---
3-marcar-repetidamente-SFP1 cruz
fazemos tantas vezes o sinal da Cruz
(305)
---(...) ---
Com base nos dados analisados, foi postulada a ordem morfológica geral Verbo–
Aspecto–Tempo:
37
Quando necessário, recorrer-se-á à supressão de partes do enunciado – sinalizada por (...), sem com isso
prejudicar o sentido do mesmo. Esse procedimento foi adotado para evitar a transcrição de trechos
excessivamente longos que poderiam dificultar o acompanhamento e a compreensão do leitor às análises
realizadas.
137
(306) ------
---
de 3-dizer-PLUR2 de 3ENF-comer
Mandastes a vossos filhos que frequentassem a Igreja?
(307) -----
5.2.2.3 Modo
(309) ----
(310) ---
(311) ---
sair-mais-PNT-não
nunca mais sai
(312)
=-
a haver-não chão
Onde estava Deus antigamente quando não havia Céu nem terra?
(313) -----
(314) =------
(315) =--=--
(316) -=-
(317) ==---
(318) =--
(319) ----
de 2-roubar-inventar-não-FUT
Não furtarás
140
(320) --
5.2.2.4 Voz
Podem ser identificadas quatro vozes verbais em Dzubukuá: ativa, passiva, reflexiva e
recíproca.
A voz passiva se faz com a sufixação do nominalizador {-} à forma ativa do verbo no
(321) a. ----:
2-morrer-não-PLUR2-FUT
não morrereis
b. ---
2-morrer-PAS-NML
haverdes padecido a morte
(322) a. -:
fazer-se-PAS de menino
ele se fez menino
b. ---
1-fazer-se-PAS-NML
me haverdes feito
141
(323) a. -----
Em geral, a voz reflexiva e a voz recíproca na língua são construídas de acordo com os
princípios abaixo:
(324) ----=
(325) =-----
38
Foi encontrado no catecismo e no manuscrito apenas um caso isolado em que se usa a 3ª pessoa comum e não
a enfática na adposição constituindo a forma --na voz reflexiva. No entanto, como há somente um
único caso, esta estrutura foi interpretada aqui como um lapso tipográfico ou do autor da obra; sendo a forma
verdadeira considerada --.
142
(327) ------
(328) -------
(329) -----
Nos verbos da língua em estudo, foi identificada a presença das seguintes formações
verbais: particípio, infinitivo e gerúndio.
O particípio é consituído pela afixação no verbo do sufixo de tempo passado {-}
3-fechar-PAS-NML
3-criar-PAS-NML
143
(332) ----
1INCLPL-carga-PLUR2 de 1INCLPL-amar-PLUR2 de
--
1INCLPL-pai-PLUR2 Deus
Temos obrigação de amar a Deus nosso Senhor
(333) =-
o verbo flexionado na 3ª pessoa enfática (334). Em quase todos os casos, ocorre, nessas
circunstâncias, a cliticização da referida adposição ao verbo com o prefixo enfático. A forma
cliticizada da adposição é representada pelo proclítico {=}:
de 3ENF-dizer
de=3ENF-dizer
de=3ENF-olhar
de=3ENF-fazer bem
144
(338) ------
(339) -----
(340) --------
Para expressar eloquência, os verbos recebem os sufixos de polidez {-} e{-}, dando
um certo tom solene ao que é dito, visto que se dirige a um público mais amplo.
O morfema de polidez{-}, por seu lado, aparece em verbos tanto no modo afirmativo
(menos recorrente) como negativo (mais frequente). Ao sufixar-se na forma afirmativa de
verbos estativos e ativos, ele realça, no caso dos primeiros, o estado atual em que o sujeito da
cláusula se encontra (341), e, no caso dos segundos, ressalta a ação em si mesma realizada
39
Foi encontrado um único caso no catecismo em que {-} ocorre diretamente na estrutura verbal. Isso foi visto
com o verbo “fazer igual” na estrutura -- (3-fazer igual-REFL) “assim o fez”. Contudo, foi
interpretado como uma falha tipográfica, uma vez que não existe no manuscrito e nem em qualquer outra parte
do próprio catecismo. Ele aparece em início de resposta, caso típico de palavras cuja posição é marcada pelo
sufixo epistêmico {-}. Então, possivelmente a forma verdadeira da estrutura anterior seria --.
145
pelo sujeito sintático (342). E preso à forma negativa desses verbos, ele ressalta a própria
negação verbal expressa no discurso (343, 344):
(342) ---
2-morrer-SFP1-EP
perdereis a vida
(343) ----
(344) ---
1INCLPL-baixar-se-não-SFP1
não descemos nós
O sufixo {-} recai apenas em verbos no modo afirmativo. Em verbos estativos, ele
realça o caráter provisório (345) ou permanente (346) expressso por estes. E em verbos ativos,
indica o caráter temporário de uma determinada ação (347):
(345) ------
(346) -----
}. De acordo com Mamiani (1877 [1699], p. 94-95), o primeiro “se usa por elegância no
fim dos verbos, em particular com os verbos de Estar, Jazer”; enquanto o segundo “serve de
elegância no fim dos verbos” e “em particular se forem negativos”. Essa visão também foi
adotada por Azevedo (1965, p.86) para o próprio Kipeá. Isso corrobora ainda mais a
empregabilidade destes sufixos também como indicadores de polidez para Dzubukuá.
Nos termos propostos por Delbecque (2006), Croft e Cruse (2008), os verbos
apresentados acima representam os membros menos prototípicos da categoria gramatical ao
qual pertencem, uma vez que revelam comportamentos particulares que os situam na fronteira
entre uma classe lexical e outra. Nesse caso, o subgrupo de verbos apresentados acima
possuem traços que os aproximam dos adjetivos.
(352) -----
(353) --
dormir-não-SFP1 Deus
V S
Deus não dorme de noite
(354) ------u
(355) -
tremer-SFP1 chão
V S
a terra tremeu
Verbos transitivos bivalentes são encontrados também entre as formas verbais finitas
(356, 357) e não finitas (358, 359) sejam ambos estativos (356, 358) ou ativos (357, 359):
149
(357) --
(358) ---
(359) --
(361)
----
(362) a. ----
(363) a. -
(364) a. -
haver-não céu
V S
não havia céu
b. ---
Por outro lado, os verbos relacionados ao segundo processo são monovalentes quando
acompanham um agente não humano (365a, 366a) que desempenha a função de sujeito; ou,
ao contrário, são bivalentes quando o papel de sujeito é exercido por um agente humano
(365b, 366b):
(365) a.
mentir isto
V S
isto é mentira
b. ---
(366) a. -
Como pôde ser visto nos exemplos acima, os verbos ambitransitivos são encontrados
entre verbos finitos (365) e não finitos (366). Porém, enquanto eles podem ser estativos e
ativos no quadro dos finitos, eles só são estativos quando não finitos.
A presente subseção teve como foco somente o verbo e o número de argumentos por ele
exigidos na cláusula. A relação semântico-gramatical mantida entre ele e os participantes da
predicação serão tratatados na seção 7.8 relativa à marcação dos casos semânticos e sintáticos
recorrentes em Dzubukuá.
(367) a. -
viver Deus 2-com
Deus está em vossa companhia
153
b. =--
(368) a. --
deixar-SFP1 chão 1-a
eu deixei a terra
b. ------
(369) a. ---
fazer mal-PAS 1INCLPL-pessoa-PLUR2
V(PI) S
nós fizemos mal
b. ---
(370) ---
Em geral, com relação à posição dos afixos na estrutura verbal, pode-se obter a seguinte
configuração geral: (proclítico adpositivo) + (prefixo pessoal) + (prefixo causativo) + verbo +
154
Verbo adposição
: comer : de
As palavras acima possuem, cada uma, traços morfológicos e sintáticos próprios que as
integram na categoria gramatical a qual pertencem, ao mesmo tempo em que as diferenciam
de seus correspondentes homônimos e de outras classes lexicais.
156
“esperar” seguido de “por”; “ter medo” e “ter vergonha” que
aparecem com “para”; o verbo “suspirar” que exige a adposição “com”;
(371) =---
(372) -----
(373) ---40
(374) ---
(375) --
ativos;
- Aumenta a
valência de
verbos
intransitivos.
158
Funções Sintáticas
- Núcleo do SV; - Transitivos bivalentes → verbo e 2
- Predicado; argumentos (sujeito e objeto):
- Adjunto nominal (subgrupo verbal); - Transitivos trivalentes → verbo e 3
- Regência de adposições; argumentos (1 sujeito e 2 objetos);
- Intransitivos (monovalentes) → verbo e sujeito. - Ambitransitivos → monovalentes ~
bivalentes.
5.3 ADJETIVOS
3-roupa CL:aparência-branco
vestido branco
(377) --
3-corpo CL:aparência-pequeno
pequenino corpo
(378) ----
3-CL:aparência-mau-PLUR2 diabo-PLUR2
maus diabos
(379)
raivoso bicho
leão raivoso
(380) ----
pesado-PLUR2 3ENF-corpo-PLUR2-FUT
lit. seus próprios corpos pesados
160
(381) a. -
CL:aparência-grande
grande
b. -
CL:redondo-grande
grande
(382) -
CL:aparência-pequeno
pequeno
(383) a. -
CL:aparência-vermelho
vermelho
b. -
CL: redondo-vermelho
ouro (tonalidade dourada)
161
c. -
CL:buraco-vermelho
vermelho (algo vermelho em um buraco)
(384) -
CL:aparência-mau
mau
(385) ----
aparecer-PLUR2 3-para-PLUR4 dois homem-PLUR1
-----
3ENF-vestir-REL 3-roupa-CL:aparência-branco
lhes apareceram nos ares dois varões com vestidos brancos
(386) -----
(387) ---
Os adjetivos longos possuem de duas a três sílabas e pertencem ao grupo dos que
denotam propriedades físicas e tendências humanas:
(388)
brilhante
(389)
dedicado
(390)
pesado
(391)
raivoso
CL:aparência-mau 3-CL:aparência-mau-PLUR2
CL:aparência-grande 3-CL:aparência-grande-PLUR2
pesado pesado-PLUR2
(395) ------
(396) ---
(397) (...)----
(398) ----
(399) ----
(400) -
dedicado 2-pessoa
fostes pois muito extremoso
Além das propriedades citadas até aqui, os adjetivos curtos de dimensão “pequeno” e
Geralmente, se pospõe aos substantivos como adjunto nominal. Contudo, opera como
(402) -----
(403) ---
(404) -----
5.4 ADVÉRBIOS
Os advérbios nas línguas humanas correspondem a uma classe lexical aberta e bastante
heterogênea tanto semântica, morfológica e sintaticamente (GIVÓN, 1984). Segundo Payne
(1997), a categoria adverbial abrange todo e qualquer item lexical (não claramente
166
identificado como substantivo, verbo ou adjetivo e não sendo a palavra uma partícula.
Conforme o referido autor, a dinâmica semântica dos advérbios dificulta abordá-los em
termos da escala de tempo-estabilidade ou de outros parâmetros semânticos, uma vez que seu
escopo varia, podendo restringir-se a um verbo ou predicado ou envolver toda uma cláusula.
Seguindo este critério, postulou-se semanticamente diferentes grupos de advérbios em
Dzubukuá e observou-se os diferentes comportamentos morfossintáticos que eles
apresentavam. Verificou-se que a classe dos advérbios, na referida língua, envolve formas
livres e presas e também construções adverbiais constituídas pela composição de palavras
pertencentes a diferentes classes lexicais. Todos estes tipos integram os resultados
apresentados nas subseções a seguir.
(406) ---
(407) ---
CL:aparência-mau-não-SFP1
é coisa louvável
(408) --
fazer bem-muito-só
fostes tão bom
167
(409) ----
Os advérbios modais correspondem ao grupo que indica a forma ou modo como a ação
verbal é realizada. Este subgrupo envolve os lexemas apresentados no Quadro abaixo:
(410) --
(411) -------
(412) ---
3-comer-bem-PLUR2
eles comem bem
(413)
----- <Espírito Santo> -
instantaneamente
hoje
amanhã
depois de amanhã
diariamente
ontem
breve
logo
finalmente
repentinamente
então
(414)
(415) -----
(416) ---
(417) ----
(418) -
(419) ----
(422) ----
(424) --
(425) ---
(426) --
(427) --
3-subir-até lá
(ele) ter subido já alto
(429) =-
Os dois negadores acima aparecem sempre presos aos itens que eles modificam e são
mutuamente exclusivos, ou seja, não ocorrem juntos em uma mesma palavra. Ao nível
semântico, o negador - é mais produtivo do que o advérbio - aparecendo em um maior
173
(430) --
avareza-não-PLUR1
esmolas
(431) --
CL:modo-um-não
não só
(432) --
3-diante de-não
ausência
Não
(lit. Não obedeceram)
41
Refere-se a perguntas diretas que exigem “sim” ou “não” como resposta; ao contrário das informacionais que
exigem uma resposta mais elaborada.
174
relativas (435). O uso de - é bastante raro em perguntas e está ausente em cláusulas
relativas:
(434) ------
(435) ------
que bloqueia a fronteira das palavras a qualquer outro componente que possa prender-se a ela,
após o negador:
(436) a. --
haver-não-SFP1
não houve
b. -
haver-não
não houve
(437) a. ---
1INCLPL-ter força-não-NML
nossas enfermidades
175
b. -
ter força-não
não tem poder
(438) a. ---
3-morrer-não-SFP1
não morre
b. --
3-morrer-não
não morre
(439) ----
(440) -------
avareza avareza-não
avareza esmolas
176
mais mais-não
mais menos
(444) --
(445) -
muito
- pouco
- tanto
Muito
totalidade (todos juntos)
(448) ---
(449) -
CL:aparência-mau muito
muito mau
(450) --
1INCLPL-estar triste-tanto
entristecemos tanto
(451) ----
3-existir-muito-PLUR2 3-descendente
tem muitos descendentes
O advérbio - combina-se com o pronome interrogativo “por que”, formando o
(452) --
(453) a. --
CL:aparência-grande-muito-só 1INCLPL-pai-PLUR2
Nosso Senhor é tão grande
(454) a. -
haver-não-SFP1 3ENF-existir-antes-REL
ninguém foi antes dele
42
Optou-se por considerar os morfemas presos indicadores de circunstâncias como raízes lexicais presas e não
como mero sufixos, devido ao seu comportamento semântico-gramatical. Primeiramente, eles apresentam todas
as noções circunstanciais indentificadas nos advérbios livres da língua, podendo se distribuírem, conforme a
noções que trazem, em cada uma das modalidades adverbiais, como apresentado nos quadros da subseção 5.4.1
anterior. Os lexemas adverbiais presos também alteram o sentido das mesmas palavras modificadas pelas formas
livres. E, por fim, ocupam morfossintaticamente, nos vocábulos, a mesma posição ocupada pelos advérbios
livres quando estes são incorporados à direita de outras palavras.
180
(455) a. -
dizer-mais-PAS 1INCLPL-pai-PLUR2
Nosso Senhor disse mais
marcadores aspectuais, atuando como se fossem flexões verbais (retornar à seção 5.2.2.2,
referente ao aspecto do verbo). Eles estariam, na época, em um estágio intermediário entre
uma forma livre e presa, indo em direção para esta última, contribuindo para aumentar a
velocidade do processamento linguístico na comunicação verbal (GIVÓN, 2011). Por outro
lado, as formas presas recorrentes na língua já se encontrariam em um estágio posterior de
gramaticalização, ocorrendo somente presas à estrutura lexical de outras palavras, vindo
posteriormente a se tornar possíveis sufixos circunstanciais na língua.
Os advérbios constituem o núcleo de um sintagma adverbial e, geralmente, as formas
livres tendem a apresentar flexão de pessoa, número e, quando em final de cláusula, também
de tempo futuro, recebendo, para este último, o sufixo {-}. A flexão de pessoa ocorre
mediante a afixação, no advérbio, dos prefixos pessoais de 1ª, 2ª e 3ª sinalizadas,
respectivamente, por {-}, {-} e {-} (3ª comum) ou {-} (3ª enfática). Detalhes sobre estes
prefixos serão dadas na subseção 5.6.1.2 adiante. A flexão de número, por outro lado, é
sinalizada apenas pelo pluralizador {-}.
Ainda segundo Givón (1984), a classe dos advérbios corresponde a um grupo misto,
podendo ser derivada de outras classes lexicais, como substantivos, verbos e adjetivos. É o
caso, portanto, dos lexemas “a sós”, “mais” e “assim”.
181
(461) -
alma-bem
perfeitíssima alma
(462) -
chão-só
terra sensível
notícia antigamente
antiga tradição dos índios Cuminis
(464) --
3-mãe-muito
mãe verdadeira
(465) ---
3-filho-filho-só Deus
ele é filho de Deus
(466) -
3-um-só Deus
há um só Deus
(467) ---
pessoa-só 2-pai-muito
eu sou vosso pai verdadeiro
(468) -
1-mão totalidade
dez
(469) -
comer-totalidade animal
os animais (todos) também o comem
184
Nos casos dos advérbios , dos que também podem funcionar, em casos
(474)
----- --
Em 474 acima, retoma a cláusula “não tem corpo” e em 475, se reporta à
- Predicados intransitivos
→ e ;
- Modifica o sentido de
verbos, adjetivos e outros
advérbios e também o de
uma sentença inteira.
- Recaem em cláusulas
declarativas, interrogativas
e imperativas;
- Formam novas palavras;
- Operam como
mecanismos anafóricos.
5.5 NUMERAIS
Segundo Dryer (2007b), numerais são palavras que expressam quantidade ou extensão.
Nessa perspectiva, há línguas que distinguem entre numerais cardinais e numerais ordinais.
Quando seu sistema numérico é bastante limitado, as línguas tendem a recorrer a empréstimos
linguísticos para quantificações mais altas (PAYNE, 1997).
Os componentes que compõem o quadro dos numerais envolve aqui os numerais
propriamente ditos e membros provenientes de outras classes lexicais. O sistema numeral do
Dzubukuá é composto por termos indicadores de quantidades definidas, classificados em
numerais cardinais e ordinais, e aqueles que apontam para quantidades imprecisas, que aqui
denominados de quantificadores.
187
(476)
um Deus
Um Deus
(477) -
dois doença-PLUR1
dois tipos de doenças
(478)
três sol
três dias
(479) ----
(480) ---
(482)
“primeiro” e “depois deste”. Esta última denota uma ordem sequencial situada
(483) -
1INCLPL-mão totalidade
dez
(484)
---- <Espírito Santo>
numerais provenientes de outras classes lexicais podem ou não apresentar flexão de pessoa.
Para este último caso, foi atestada a presença dos prefixos pessoais de 1ª e de 3ª pessoas,
representadas, nesta ordem, pelos prefixos {-} (arcaico) e {-}43:
3-muito tempo
empregado para quantificar o tempo (489). O prefixo {-}, por outro lado, é utilizado
quando se quer evidenciar a quantidade ou o número por si mesmo de entidades mencionadas
(490). E o prefixo classificador{-}, por seu lado, é usado apenas na forma negativa com o
numeral cardinal – quando este recebe o advérbio -. O numeral, nesse caso, opera
43
Mais comentários a respeito desxes prefixos serão dadas na subseção 5.6.1.2.
190
(489) --
(490) -----
(491) --------
(492)
um homem
um só homem
(493) -
dois filho-filho
dois filhos
(494)
três Deus
três Deuses
191
(495) --
um 3ENF-marcar-NML
PI S
só é sua imagem
(496)
Além das funções referidas acima, o numeral também pode funcionar como
advérbio. Isso ocorre de quatro formas: quando recebe o negador - juntamente com o
(497) =-----
(498) ---
Em uma ocorrência isolada, aparece constituindo sozinho núcleo de uma cláusula
(499) -
O Quadro a seguir reúne os traços que configuram o comportamento geral dos numerais
observados em Karirí:
- Função predicativa
(pouco frequente).
5.6 PRONOMES
apresentando três alomorfes funcionais: {}, {} e {}. A forma {} ocorre sem
flexão e indica somente a primeira pessoa do singular (500). {} indica a primeira pessoa
do singular – operando, nesse contexto, como predicado intransitivo (501), ou sinaliza a
primeira pessoa exclusiva do plural recebendo, para isso, o pluralizador {-} (502). O
alomorfe {}, por outro lado, expressa a primeira pessoa inclusiva do plural (503) ou a
44
Segundo Adam (1897), corresponderia a forma pronominalizada do substantivo “natureza”. Isso é
plausível, visto que o referido pronome pessoal apresenta algumas propriedades dos substantivos em Dzubukuá,
como flexão de pessoa e número, função predicativa, opera como núcleo do sintagma nominal e como sujeito e
objeto de uma cláusula. Portanto, o pronome seria uma forma gramaticalizada do substantivo mencionado. Isso
implica dizer que, ao se flexionar em primeira e segunda pessoas, o substantivo já estava sendo interpretado, na
época, como pronome pessoal pelos falantes da língua, sendo empregado para esse fim. Nessas circunstâncias, o
pronome assumiu a forma desnasalizada e respectivas alomorfias perdendo sua flexão de terceira pessoa e
de posse. A forma nasalizada ainda sobrevive na língua ficando restrita a raras ocorrências.
194
segunda pessoa (504, 505) recebendo, para ambas as indicações, respectivamente o prefixo de
1ª pessoa inclusiva plural {-} e o de 2ª pessoa {-}. Para o plural, recebe o sufixo {-}:
(500)
(501) --
(502) ---
(503) ----
(504) --
(505) ------
O pronome pessoal e seus respectivos alomorfes podem ser melhor visualizados no
Quadro abaixo:
195
apenas as flexões de primeira e segunda pessoa e os pluralizadores {-} e {-} (retornar aos
exemplos 502, 503 e 505 anteriores), o sufixo de futuro {-} (506) e, quando opera como
predicado, incorpora advérbios (507) e recebe o sufixo reflexivo {-} enfatizando, no caso
deste último, o estado em que se encontra o sujeito da cláusula intransitiva (508):
(506) -
levantar-se pessoa-FUT
hei de me ressuscitar
(507) ---
pessoa-só 2-pai-muito
eu sou vosso pai verdadeiro
(508) ---
pessoa-REFL 2-pai-PLUR2
eu sou vosso mesmo mestre
(509) -
(510) -
pessoa 2-pai
eu sou vosso Senhor e Deus
(511) --
(512) --
-
197
(519) -
3-contudo
contudo
(520) -
2-ter vergonha
tendes de ter vergonha
(521) -----
2-ver-mais-não-PLUR2 1-a
eu não vos vejo mais
198
O prefixo {-} pode ocorrer tanto em sua forma completa (menos frequente) como
em suas formas reduzidas {-} e {-}. Em alguns exemplos, há alternância entre elas:
A forma reduzida {-} é mais produtiva e abrange um maior número de classes. Recai
1-ofender-PAS
ofendi
Quando o prefixo {-} recai nos verbos “ajudar”, “socorrer”, e “ver”, a ele se
(525) a.
ajudar
b. =-
de=1-ajudar
socorrei-me
(526) a.
ver
b. =-
de=1-ver
veja
(527) a.
avô
b. --
1-avô-PLUR3
nosso (primeiro) pai
(528) a.
alma
--
1INCLPL-alma-PLUR2
as nossas almas
45
Conforme Payne (1997), a primeira pessoa inclusiva inclui o ouvinte/interlocutor no discurso: “nós” = “eu” +
“ele”+ “tu”, e “nosso”, que quer dizer, “meu”, “dele” e “teu”. A exclusiva inclui apenas o falante/emissor e um
terceiro participante excluindo o ouvinte/interlocutor: o pronome “nós”, nesse contexto, quer dizer “eu” e “ele” e
não “tu”; e “nosso” implica “meu” e “dele” e não “teu”.
200
(529) a.
matar
b. -
1INCLPL-matar
nos atormentarem
(530) a.
pai
b. -
1INCLPL-pai
nosso pai
c. --
1INCPL-pai-PLUR2
nosso pai
(531) a.
corpo
b. -
1INCLPL-corpo
nossos corpos
c. --
1INCLPL-corpo-PLUR2
nossos corpos
Essa co-ocorrência entre as mesmas formas plurais parece apontar para a existência, em
Dzubukuá, de uma primeira pessoal inclusiva dual46 que ocorre com a aplicação do prefixo
46
A forma dual da primeira pessoa plural é constituída pela inclusão do falante/emissor e do interlocutor
(receptor) e exclusão de um terceiro participante; ou seja, o “nós” corresponde apenas a “meu e seu”, “eu e você”
e não “ele”, ou a “nós dois” apenas e mais ninguém.
201
inclusivo à palavra sem a presença do pluralizador. Ou seja, as formas do item “b” nos
exemplos 530 e 531 acima teriam, nesta ordem, os seguintes significados: “nosso pai” (o meu
e o teu somente) e “nossos corpos” (só o meu e o teu). Nessas circunstâncias, o prefixo de 1ª
pessoa inclusiva cumula sozinho as noções de pessoa e plural.
As formas cujo prefixo inclusivo é acompanhado pelo pluralizador abrangeriam mais do
que dois participantes no discurso. As palavras do item “c” dos dois exemplos acima
expressariam mais ou menos as noções “o meu, o teu e o pai dele” e “o meu, o teu e o corpo
dele(s)”.
Esta hipótese também foi cogitada por Adam (1897) para o Dzubukuá e para o seu
parente linguístico o Kipeá. Também aqui se considera a plausabilidade dessa hipótese.
Primeiramente porque é razoavelmente comum a presença desse tipo de plural em línguas
indígenas do Tronco Macro-Jê. Isso pode ser constatado em línguas como a Akwe-Xerente
(SOUSA FILHO, 2007) – falada por índios de mesmo nome habitantes dos Estados de Goiás
e Tocantins; a Panará (DOURADO, 2001) – pertencente ao povo Panará, situados ao norte do
Estado de Mato Grosso; e a Apãniekrá (ALVES, 2004) – falada pelos índios Canela
Apãniekrá do interior do Estado do Maranhão, entre outros.
Uma outra possibilidade para justificar o aparecimento de duas formas plurais, uma
constituída pela presença e outra pela ausência de pluralizador, seria a tese do plural coletivo
e distributivo de Bickel e Nichols (2007) mencionado para os morfemas indicativos de plural
{-} e {-}, na subseção 5.1.2.1 atrás, referente à flexão de número do substantivo. Nessa
perspectiva, as formas com o pluralizador {-} acima indicariam a soma resultante de cada
entidade individualmente, “os corpos de cada um”, “os pais de cada um”; enquanto aqueles
sem o pluralizador estruturadas apenas com o prefixo inclusivo sinalizariam uma coletividade
geral reunindo todos os indivíduos em uma única categoria mais geral. Desse modo, as formas
sem pluralizador indicariam acima, mais ou menos, “o pai da humanidade”, “o corpo
humano”. Todavia, nas versões portuguesas utilizadas pelo autor, ambas as formas aparecem
traduzidas do mesmo modo, obscurecendo, com isso, quaisquer indícios que possam
corrobarar consistemente uma das hipóteses levantadas nos parágrafos anteriores. As
considerações feitas acerca do morfema {-} como indicador hipotético de um plural
distributivo tiveram como base as discussões já levantadas para esse morfema na subseção
5.1.2.1 mencionada anteriormente no presente parágrafo.
202
contra 1INCLPL-contra-PLUR4
para 1INCLPL-para-PLUR4
O prefixo {-} ocorre com palavras iniciadas por vogal (menos as coronais). A forma
{-}, por sua vez, ocorre em itens iniciados por consoantes e por vogais coronais, ou seja, //
e //.
Os vocábulos iniciados pela consoante // tendem a perdê-la quando recebe o prefixo
{-} de 1ª pessoa:
(534) a.
induzir
b. -- → [--]
1-induzir-NML
minhas tentações
O último prefixo a ser considerado aqui é a forma {-}, primeira pessoa inclusiva
plural, que aparece somente em dois substantivos referentes a partes do corpo, “mão” e
“veia”:
(535) a.
mão
b. -
1INCLPL-mão
mãos (nossas)
203
(536) a.
veia
b. -
1INCLPL-veia
(nossas) sangrias
Provavelmente, o prefixo acima corresponde a uma forma arcaica do prefixo {-}, uma
vez que ambos ocorrem em palavras iniciadas por vogais não coronais. A forma longa acabou
sobrevivendo nas duas ocorrências apontadas acima como um resquício dessa estrutura mais
antiga.
A seguir, aparecem reunidas as características gerais dos prefixos de primeira pessoa:
A segunda pessoa é marcada pelos prefixos {-}, {-} e {-}. Os dois últimos
- Palavras iniciadas por // - Palavras iniciadas por - Palavras iniciadas por
47
O termo apócope é aplicado ao processo linguístico no qual a palavra sofre redução de um dos seus sons finais.
205
“de” e “decidir”).
ir 2-ir-PLUR2 2-ir-PLUR2
(540), e aquelas com // inicial perdem a vogal com a prefixação de {-} (541):
2- barriga 2-barriga
Nos prefixos de segunda pessoa ocorre ainda dois processos observáveis: o alçamento
vocálico e a palatalização. O primeiro processo se dá com {-} e {-} quando eles se
em {}, o prefixo {-} torna-se a vogal anterior média [] (542); e, ao afixar-se em {}, o
48
Referente ao som produzido sem abaixamento do corpo da língua em direção a uma posição mais baixa que a
neutra (ou posição de descanso).
206
prefixo {-} torna-se {-} (543). O segundo processo, por outro lado, ocorre com {-}
que, devido à interferência da vogal // ao final do prefixo, gera a variante [-] (544). Neste
último caso, a palatalidade49 do // é assimilada pela consoante // que aparece adjacente à
referida vogal:
2- a 2-a
2- pessoa 2-eu
2- 2- 2-
Para indicar o plural, une-se aos prefixos de segunda pessoa o pluralizador {-}, na
maioria das palavras (545-547), ou, para algumas adposições, une-se ao prefixo {-} o
2-alma-PLUR2
2-testa-PLUR2
2-coração-PLUR2
49
O termo “palatalidade” refere-se à propriedade articulatória resultante do elevamento da língua em direção à
parte anterior do palato duro; ou seja, a língua move-se para a frente da cavidade bucal tocando a parte superior
interna da boca.
207
2-para-PLUR4
-...-
{-}. O primeiro recai em palavras iniciadas por vogais não posteriores (exceto
“menino”). Ele não recai em “fome” e em itens iniciados por // contendo um número
igual ou inferior a duas sílabas. O prefixo {-}, por outro lado, aparece em itens iniciados por
consoantes, pela vogal //, em vocábulos com até duas sílabas iniciados por // e na palavra
“fome”50. No caso do verbo “estar preparado”, a vogal inicial é apagada quando a
50
A palavra “fome” possui como par homólogo o também substantivo “comida”. No entanto,
demonstram um comportamento morfológico diferente no tocante aos prefixos de terceira pessoas comuns.
Enquanto recebe {-}, seu homônimo recebe {-}, obedecendo o princípio acima para este último prefixo,
uma vez que começa por vogal não posterior.
208
Nos verbos, quando não posssui caráter argumental, o prefixo {-} é facultativo:
(550) a. -
3-trabalhar Deus
Deus trabalha
b. -
trabalhar pessoa-FUT
eu trabalharei
(551) a. ---
O prefixo {-} é menos produtivo que sua contraparte {-}. Enquanto o primeiro
advérbios.
O quadro dos prefixos enfáticos de terceira pessoa é composto pelos morfemas {-},
{-} e {-}. O prefixo {-} aparece em vocábulos iniciados por vogal (exceto “carga”,
recai nas palavras tidas como exceção para o prefixo anterior. Os vocábulos e
“boca”:
3ENF chão
3ENF livro
3ENF boca
Tanto o prefixo {-} como o prefixo {-} constituem juntamente com o relativizador
{-} cláusulas relativas, formando, para isso, a estrutura circunfixal {-...-l} e {-...-l},
respectivamente. Quando há co-ocorrência de ambos os tipos de construções relativas, elas se
diferem funcionalmente, conforme os participantes envolvidos na predicação. Nessas
construções, {-} sinaliza que o sujeito é o agente da predicação, enquanto {-} tende a
estar associado a um sujeito-paciente51:
51
Nesta categoria, também se incluem os denominados agentes e pacientes menos prototípicos que, por extensão
metafórica, recebem o mesmo tratamento dado pela sintaxe ao sujeito-agente e paciente prototípicos da língua
(Givón, 1984). Os menos prototípicos são, por exemplo, os sujeitos e objetos de predicados estativos e de
predicados cujo núcleo é ocupado por verbos de cognição e emoção, nos quais não há propriamente um controle
por parte do sujeito, e o objeto não é propriamente afetado pela ação de um agente.
210
(558) -----
“matar”, “deixar”, “criar”, “dar”, “receber”, “enviar” e “levantar-
se”. Nos demais casos, não há co-ocorrência entre os dois e ambos sinalizam o sujeito-agente
da cláusula relativa. O grupo de palavras que integra este último caso é composta por
substantivos, verbos, adjetivos, advérbios e adposições.
O plural de palavras flexionadas em terceira pessoa é marcado pelos pluralizadores {-}
filha 3ENF-filha-PLUR2
por 3-por-PLUR2
para 3-para-PLUR4
Os prefixos pessoais sinalizam dois tipos de posse: a comum (562 a 564) e a enfática
(565) em substantivos:
(562) a.
mãe
212
b.-
1-mãe
minha mãe
(563) a.
remédio
b. -
2-remédio
vosso medicamento
(564) a.
luz
b. -
3-luz
sua luz
(565) a.
pai
b. -
3ENF-pai
seu (próprio) pai
(566) -
1INCLPL-levantar-se
ressuscitamos
213
(567) -----
(568) ----
(569) ----=
(570) ----
dizer-SFP1 3ENF-contra-REFL-PLUR2
diziam-se uns aos outros
de 3-morrer-não-PLUR2
(ele) induziu a nossos pais a pecar (...) prometendo-lhes que não haviam de
morrer
(572) -----
(573) --------
O pronome sinaliza referentes não humanos que estão próximos do emissor e/ou do
interlocutor (574). aplica-se a referentes humanos (na maioria dos casos, masculinos)
215
quando estes estão próximos do enunciador (575). O demonstrativo , por outro lado,
aparece apenas com substantivos locativos de referência não animada (576). O pronome
, por seu turno, aplica-se tanto a entidades humanas como não humanas, estando elas
anteriores, denota uma distância maior entre o referente indicado e o enunciador (578), sendo
empregado tanto para entidades humanas como para aquelas não humanas:
(574) -
Isto dormir-NML
Isto é sono
(575) -
(576)
este chão
esta terra
(577) ---
(578) -=
(582)
mentir isto
isto é mentira
(583) -
(584) -----
(585)
(586) -
(587) -----
(lit. os que caíram) que fora introduzido pela primeira vez numa cláusula anterior (NANTES,
1709, p.147).
Os pronomes demonstrativos são utilizados também pela língua na constituição de
locuções numerais e adverbiais contribuindo para o sequenciamento textual de assuntos
tratados no texto:
(588)
---- <Espírito Santo>
(589) ----
(590) -52
Dos pronomes demonstrativos apresentados até aqui, é o único que ocorre também
incorporado ao verbo quando este se encontra no tempo passado. Para isso, sofre redução
silábica realizando-se, nesta situação, como forma presa -:
52
A adposição que precede o demonstrativo , nestas circunstância, pode aparecer ou não cliticizada ao
referido pronome mediante seu alomorfe proclítico {=} constituindo a estrutura =. Neste caso, a
cliticização da adposição, nesta construção, é opcional.
218
(592) --------
Assumiu-se aqui a forma acima do demonstrativo como caso de incorporação tendo
Resposta: koho
esse
Sim.
Conforme Crystal (2000) e Delbecque (2006), pode-se dizer que os signos que integram
o quadro dos pronomes pessoais e demonstrativos e os advérbios temporais e locativos
apresentados até aqui são exemplos, em Dzubukuá, de signos indexicais (índices ou dêiticos).
Eles expressam a propriedade cognitiva e funcional da língua de situar os participantes no
discurso, de indicar a distância entre eles e das demais entidades envolvidas no evento
comunicativo e situá-las no espaço e no tempo em que ocorre a interlocução.
alguém
Dos pronomes encontrados acima, somente ocorre com flexão de número,
recebendo o sufixo pluralizador {-}. Os demais aparecem sem flexão de número ou pessoa:
220
(594) --
(596) --
(597) ---
(598) -
(599) -
(600) --
dar-não-SFP1 de outro
não deu a outro qualquer
221
quantificador:
(601) ----
quem CL:aparência-mau 3ENF-CL:aparência-mau-REL por
---
3-CL:aparência-mau-NML tudo
Qual o pior de todos os males?
(602)
fruta tudo
Todas estas castas de frutas
Foram encontrados três tipos de lexemas que possuem a função de introduzir sentenças
interrogativas. Eles aparecem reunidos no Quadro seguinte53:
53
Provavelmente as proformas interrogativas acima são formas cristalizadas provenientes da junção entre uma
raiz lexical (de significado e classe gramatical desconhecidos) e o sufixo interrogativo {-de}. Isso implica crer
que, na época, a combinação desses morfemas já representava uma forma lexicalizada na língua.
222
(603) --
(604) ------
(605) --
{-}, sofre processo de adição silábica no início de sua estrutura. Nesse ambiente, um []
epentético é acrescido entre o seu // inicial e a nasal // seguinte gerando duas sílabas
distintas; ampliando; com isso, a constituição do lexema que, de dissilábico, passa a
trissilábico. Nessas condições, a estrutura gerada [] denota “a quem”, constituindo,
(606) ---
[---]
= denotando “(a)onde”, “para onde”, “donde” sinalizando o caso locativo (LOC) em
cláusulas interrogativas. Mas, nessas circunstâncias, nenhuma mudança em sua raiz lexical é
verificada:
223
(607) =--
A proforma combina-se com o advérbio intensificador - (608), com o advérbio
temporal - (609) e é seguida pelo advérbio modal (610) constituindo, respectivamente,
(608) -
(609) -
(610) --
(611) -----
(612) -
(614)
Pergunta: ------
Resposta: ------
5.7 ADPOSIÇÕES
Quadro 32 – Adposições
Dzubukuá Português
~ ~ em
~ ~ de
por
~ ~ a
para
~ contra
i para
de
227
por
para (movimento)
entre
com
diante de
com
por
por causa de
até
vezes, por . O alativo (movimento para) é indicado por . O instrumental (por
intermédio de algum instrumento) é expresso por e . O essivo (estado de) é marcado
por , , , e . O elativo (de dentro para fora) é indicado pela adposição .
O inessivo (posição dentro de) é expresso por . O direcional (direcionado a, voltado
para) ocorre com as adposições , , , e . O benefactivo (beneficiário de) pode
ser indicado por , . O malefactivo (prejudicado por), no texto de Nantes, ocorre
apenas com . O comitativo (em companhia de) é sinalizado por e . O
presentativo (em presença de) é indicado apenas por . A razão ou o motivo pela qual
uma ação, processo e estado ocorrem é marcado pela adposição . E o limite de ação
54
Os casos semânticos acima desempenhados pelas adposições foram configurados com base em Chafe (1979),
Crystal (2000), Dixon e Aikhenvald (2000) e Andrews (2007b).
55
As indicações aos casos ergativo, dativo e vocativo expressos também por adposições não foram colocados no
Quadro 33 desta subseção por corresponderem a casos gramaticais em Dzubukuá e não a casos semânticos.
Portanto, eles serão abordados no subtópico seguinte, reservado ao comportamento morfossintático das
adposições.
228
Elativo (ELA)
Inessivo (INES)
direcional (DIR) , , , ,
Benefactivo (BEN) ,
Malefactivo (MALE)
Comitativo (COM) ,
Presentativo (PRES)
Razão ou motivo
Limite de ação e tempo
(616) -
(617) -----
(618) ---
(619) -
3-fazer-se de gente
ESS
tomou o ser de homem
(620) ---
(621) ------
3-CL:aparência-pequeno-fazer-se-PAS a 1INCLPL-entre-PLUR2
INES
se fez pequeno entre os homens
(lit. se fez pequeno entre nós)
(622) ----
(623) =-----
(624) --
que talvez pagamento dar Deus 1INCLPL-pai-PLUR2
de diabo
MALE
Que castigo Deus deu ao diabo?
(625) -
(626) ----
receber 3ENF-a-REFL-PLUR2 de 3-esposa de marido também
diante de sacerdote
PRES
se receberem por marido e por mulher em presença do Pároco
(627) --
vir-PAS 3-filho Deus por céu em chão de
--
(628) -------
Como foi observado no Quadro 33 atrás, uma mesma adposição cumula em si mais de
um caso semântico. A distinção se dá, em Dzubukuá, como base em um princípio semântico-
regencial. Ou seja, dependendo de que verbo a adposição seguir, ela expressará um ou outro
caso. A própria semântica verbal direcionará a indicação do caso sinalizado pelo conectivo
regido por ela. Por exemplo, a adposição dzene marca tanto o essivo e o direcional.
Entretanto, se ela vier regida pelo verbo “ter medo”, indicará o essivo. Porém, se
vier precedida do verbo hanakle “ter vergonha”, ela sinalizará o direcional (retornar à
subseção 5.2.2.11 atrás relativa à regência entre verbos e adposições).
demais. Enquanto {-} ocorre na maioria das adposições, {-} aplica-se apenas ao lexemas
, e :
(629) a.
por
232
b. --
1-por-PLUR3
por nós
(630) a.
de
b. --
3-de-PLUR2
deles
(631) a.
contra
b. --
1INCLPL-contra-PLUR4
contra nós
pessoas, resultando, com isso, no alomorfe com vogal alongada{} (632). O abaixamento
vocálico aplica-se a , a e a quando a vogal média // do núcleo de cada uma delas
torna-se a vogal baixa []; resultando, com isso, respectivamente, nos alomorfes adpositivos
{}, {} e {}. O alomorfe {} surge quando recebe a flexão de pessoa (633) e
quando introduz locuções (634). As formas {=} (635) e {=} (636) aparecem,
com a prefixação dos afixos {-} e {-} à adposição gerando o alomorfe {} (637). O
aumento silábico, por sua vez, ocorre com e . Quando ambas as adposições anteriores
se flexionam em pessoa, é adicionada às suas raízes lexicais mais uma sílaba, resultando nos
dissílabos {} (638) e {} (639). No caso de , o aumento silábico é acompanhado
a 3-morrer a sede
de de=3ENF-notícia de=1-ajudar
em em=filha
a 1-a 3-a
(640) ------
(641) --
(d) Fazem parte da constituição de locuções (647), adjuntos nominais (648), adjuntos
adverbiais (649) e de genitivos sintáticos (650);
235
(e) Constituem o caso vocativo (sinalizado pelos proclíticos adpositivos {=} e {=}
(h) Operam como marcadores do caso ergativo – indicado apenas pela adposição
(643), e do caso dativo – sinalizado pelas demais adposições, salvo , ,
Abaixo segue um exemplo representativo para cada uma das funções listadas acima:
(642) --
(643) --
(644) --
56
Predicados inciados em // tende a perdê-lo quando recebem diretamente a forma proclítica adpositiva //,
realizando-se foneticamente sem a vogal inicial de origem:
a. : fazer + → [=] /=/: faça-se
b. : mandamento + → [=] /=/: mandai
236
(645) ----
1INCLPL-carga-PLUR2 de 1INCLPL-amar-PLUR2 de
--
1INCLPL-pai-PLUR2 Deus
temos obrigação de amar a Deus nosso Senhor
(646) ----=--
(647) ---
(648)
vara de ferro
vara de ferro
(649) ----
(650) -
3-comida em chão
manjar da terra
(651) --=-
(652) ---
em=quem-REL em
No Paraíso Terreal
(654) =--
(655) ==-
Com relação ao ergativo (exemplo 643 atrás), no Kipeá (parente do Karirí, língua aqui
em estudo), a adposição também marca o ergativo (LARSEN, 1984) e (ALBUQUERQUE,
2009); corroborando ainda mais a presença da referida adposição como marcador desse caso
sintático em Dzubukuá.
Foram encontrados também casos isolados apresentando, na grafia, uma junção entre
algumas adposições e um advérbio ou entre elas e um nome, constituindo, respectivamente as
formas: “3-com-só”, “3-em-só”, e “em-3-nome”. Essas
no contexto em que aparece como locativo e não como vocativo. Isso, portanto, contesta o
último caso mostrado atrás de uma possível cliticização de mo ao substantivo . Em
As adposições , , , e também funcionam sozinhas como
5.8 CONJUNÇÕES
“também”
Copulativas
(=) “também” (com cliticização opcional da adposição à
conjunção )
“mas”
Adversativas nelu “porém”
“contudo”
Disjuntivas “ou”
Explicativas “porque”
() “por isso”
Conclusivas “portanto”
(656) ---
(657)
--(...) --
remédio gente ter força-não-SFP1 mas remédio Deus este 3ENF-ter força-
REL
As mesinhas humanas não têm às vezes todas as virtudes (...) mas a mesinha de Deus
é infalível
(658) ----
(660) -------=-
2-olhar-PLUR2 de 2-amar-NML
nunca mais hão de sair (do inferno). Portanto, fiéis, olhai de que banda e
companhia quereis ser
3-em-INT porventura
Por que razão?
242
Resposta: -
em ver-PLUR2 de Deus
Porque estão vendo a Deus
() “como”
“como”
(662) -------
(663) ---
57
A conjunção possui dois significados: de “quando” e o de “se”, acumulando tanto a função de conjunção
temporal como a de condicional. A distinção de ambas as funções situa-se apenas no plano semântico e
contextual.
58
Os itens e () aparecem tanto denotando a ideia de comparação de igualdade como a ideia de
conformidade, sem qualquer distinção morfossintática. Tal como a conjunção , a diferença entre as duas
funções, exercidas por ambas as conjunções mencionadas, se situa, em Dzubukuá, no plano semântico e
contextual.
244
(664) ---
natureza Deus
Quando se fez homem, o Filho de Deus deixou porventura de ser Deus?
(665) ----
(666) -----
(667) -----
(668) =----
(669) --
como 3ENF-pai
por esta razão ele é homem como nós e é também Deus como seu Pai
(670) -=---
(671) ---
(672)
caso das conjunções , , , que ocorrem nas formas -, -, -
, -. As não flexionadas, por seu turno, são as mais predominantes, sendo o caso
das conjunções restantes: , , , , , , e .
conjunções , (=) e variam entre uma posição prepositiva e outra
pospositiva. demonstra uma maior tendência em ocorrer na primeira posição; enquanto
(673) ----
(674) =----
de=1INCLPL-mandar-PLUR2 de moço 3ENF-obedecer-REL
-
de calar-PLUR2 verdade
digamos aos soldados, que estiveram de guarda no sepulcro, que calem a
verdade
247
(675)
--------
Abaixo segue um quadro geral reunindo os traços que compõem o comportamento das
conjunções apresentados nesta seção:
5.9 INTERJEIÇÕES
Interjeições geralmente correspondem aos itens lexicais que, por si mesmos, formam
interlocuções, funcionando como mecanismos puramente emotivos. É uma categoria mista
que envolve desde palavras usualmente comuns, tais como no Português “viva!”, “alô!”,
“tomara!”, a expressão de sons particulares como “ops!”, “ah!”, “oh!”. Em Dzubukuá, foi
encontrado somente um item que corresponde a essa descrição. Ele é formado pelo som
“oh!”:
(676) =---
(677) =---
(678) --=
determinados contextos, provenientes de outras classes lexicais. Nesse último item, encontra-
249
expressando desejo.
Segundo Schachter e Shopen (2007, p. 57), com relação à descrição de línguas extintas
a partir de documentos escritos (que é o nosso caso), alegam que “(...) interjeições não podem
ser atestadas em registros escritos devido ao caráter geralmente informal e coloquial desta
classe de palavra”59. Isso parece explicar a ausência quase total de interjeição nos textos
analisados do catecismo e do manuscrito. Ambas as obras, por se destinarem à doutrinação,
apresenta em seu conteúdo catequético um discurso com um teor bastante formal suprimindo
qualquer traço de expontaneidade ou emoção necessária à ocorrência de interjeições.
59
“In the case of extinct languages interjections may not be attested in the written records because of the
generally informal, colloquial character of this word class”.
250
6.1 REDUPLICAÇÃO
b. ---
b. ---
b. --
tremer-tremer-SFP1 chão
a terra tremeu (terremoto)
b. -------(...) -
6.2 NOMINALIZAÇÃO
CL:aparência-branco 3-CL:aparência-branco-NML
CL:aparência-mau 3-CL:aparência-mau-NML
mentir-NML
2-trabalhar-NML
cavar-PNT-não-NML
morrer-PAS-NML
253
viver-bem-NML
avareza avareza-não
avareza esmola
3-inveja 3-inveja-não
inveja caridade
254
CL:aparência-mau CL:aparência-mau-não
mau coisa boa
mais mais-não
mais menos
amanhã amanhã-não
amanhã todos os dias
CL:modo-um CL:modo-um-não
um não só (não apenas um)
6.4 COMPOSIÇÃO
(705) ----
1INCLPL-CL:aparência-grande-ser diferente-PLUR2
nossos corpos
(706) ---
3-fazer sair-ir-PAS
eles saíram
(707) --
3-por-a
contudo
256
(708) ---
dizer-cantar-não-NML
murmuração
Em algumas construções, todavia, o especificador não está claro ou seu significado está
obscurecido. No entanto, foram consideradas aqui composições endocêntricas, em virtude de
a acepção geral do composto estar relacionada diretamente com o significado das partes ou
com uma delas:
Do total das composições levantadas, 48,96% delas são formadas por palavras
pertencentes à mesma classe lexical, enquanto os 51,04% restantes são mistas. Dentre as
composições com membros da mesma classe, as dos verbos são as mais predominantes
contando com mais da metade das ocorrências neste grupo (31,25%). As dos substantivos
vêm em segundo lugar contabilizando 11,46% dos dados; e, por último, segue o grupo das
adposições contando com 04 ocorrência apenas, perfazendo um total de 4,17% do total. Isso
revela que combinações lexicais entre verbos são mais recorrentes e mais produtivas que as
dos demais tipos de composições mencionadas. Esses resultados encontram-se reunidos no
Quadro abaixo:
6.5 INCORPORAÇÃO
(736) --
pedra-CL:redondo-grande
grande pedra
261
(737) --
sacerdote-PLUR2-muito
sacerdotes (verdadeiros)
(738) ---60
1-olhar-3-subir
eu levantei os olhos
(739) ---
3-mãe-2-filho
vossa esposa
(740) ----
queimar-PLUR2-totalidade-PLUR2-só
sempre queimam
(741) ----
fazer-se-PLUR2-subir-PLUR2 3-para
ela mostrou mágoa e sentimento
Como pode ser observado nos exemplos acima, a maioria deles expressam mais de um
significado ao mesmo tempo e, no caso dos itens 737 a 741, os membros apresentam flexões
individuais.
As incorporações ocorrem com substantivos, verbos, adjetivos, advérbios, pronomes e
com o numeral “um”. Nesse contexto, adjetivos e advérbios, quando incorporados
60
Optou-se por considerar as combinações entre verbos, nessas circunstâncias, como incorporação e não como
serialização, visto que o termo “incorporação” mais se adéqua aos fenômenos observados na língua. Nessas
condições, os verbos incorporados demonstram o mesmo comportamento visto nos demais tipos de incorporação
não verbal recorrentes em Dzubukuá. Ou seja, ao serem incorporados, os verbos apresentam flexão independente
do verbo incorporante, ao contrário das formas serializadas cuja flexão dos verbos incorporados é regida pelo
verbo central ou regente da série (KEENAN; DRYER, 2007). A incorporação verbal, em Dzubukuá, demonstra
estar mais propícia a lexicalização do que uma construção serial cuja tendência para esse tipo de comportamento,
segundo Aikhenvald (2007), é bem menor. Esse comportamento é verificável na maioria das incorporações da
língua que revelam variação semântica, expressando os significados de cada um dos seus membros
separadamente ou expressam, em outros contextos, um único significado. Isso evidencia uma forte tendência
dessas incorporações, na época, em tornarem-se, em um tempo posterior, composições na língua.
262
aparecem apenas à direita do substantivo. Porém, em verbos, eles são incorporados tanto à
direita quanto à esquerda.
Nos exemplos abaixo, seguem destacadas as palavras incorporadas:
(742) --
3-ser-pertences
ser rico
(743) --
3-subir-começar
começaram a levantar-se
(744) ---
dizer-2-irritar-se-PAS
falaram apaixonadamente
(745) -----
CL:aparência-pequeno-fazer-se-PAS a 1INCLPL-entre-PLUR2
fez-se menino entre os homens
(746) ------
3-repentinamente-3-alegrar-se-3-alegrar-se-PLUR2
ficaram cheios de alegria
(747) ---
receber-SFP1-CL:redondo-branco
aparências brancas
(748) ---
trabalhar-CL:aparência-grande-PAS
trabalhou muito
263
(749) ---
3ENF-estar triste-muito-REL
muito triste
(750) --
dizer-mais-PAS
ele disse mais
(751) --
criar-totalidade-PLUR2
todos fizeram
(752) --
2-dizer-uma
dizei só uma palavra
(753) ---
2-morrer-um-FUT
no mesmo instante morrereis
(754) ----
3-marcar-CL:aparência-grande-SFP1
ele aponta todas
(755) --:
pedra-CL:redondo-(muito)grande
grande pedra
(756) --
dizer-PAS-isto
dizer estas palavras
264
Os verbos podem incorporar à sua direita mais de um item, formando, com isso, uma
estrutura morfossintática mais complexa. Abaixo, eles seguem destacados em negrito:
(757) -----
1INCLPL-comer-CL:aparência-pequeno-não-SFP1
devemos estar em jejum, sem comer
(758) -----
beber-CL:aparência-pequeno-não-SFP1-água
devemos estar sem beber nada
(759) -----
1INCLPL-morrer-mais-não-PLUR2-FUT
nunca mais morreremos
(760) --
dizer-crer-não
não levantar falso testemunho
Isso se dá, na maioria dos casos, quando a cláusula se encontra no tempo futuro:
(761) ----
receber-1INCLPL-a-PLUR2-FUT
devemos receber
(762) ---
saber-3-a-PLUR2
souberam
265
(763) ----
2-ajudar-1-a-FUT
eu vos ajudarei
(764) ----
de 2-comer dizer-2-pessoa-FUT
Para comer, direis
(765) ---
Fazer bem-2-pessoa-PLUR2
sede bons
(766) ---
(767) -----
1INCLPL-pai-PLUR2 3ENF-encurvar-joelho-REL
Nosso Senhor que se ponhe de joelhos
(768) ----
3ENF-morrer-subir-ir-REL
os que estão para morrer
61
Mais informações sobre o comportamento das cláusulas relativas em Dzubukuá serão dadas na subseção
7.13.2 pertencente à seção das cláusulas subordinadas.
266
(769) ----
3ENF-fazer bem-CL:aparência-grande-REL
o que fará bem a todos
(770) ---
3ENF-existir-antes-REL
o que tem ser primeiro
(lit. o que existe antes)
(771) ---
3ENF-fazer bem-REL-muito
aquele que é perfeito
(lit. o que faz muito bem)
(772) ----
3ENF-fazer mal-cantar-carne-NML
o resto dos seus pecados
(773) ----
arrastar-colocar-chuva-ir-SFP1
ele foi arrastado e levado
Dentre as classes lexicais verificadas, os advérbios são a categoria que mais aparece
incorporada às outras palavras, perfazendo cerca de 48,10% do total de dados levantados. Em
segundo lugar, segue os adjetivos, com 18,65%; em terceiro, os verbos, com 17,80%. Os
demais grupos contam com menos de 6% de ocorrência. Essa constatação revela que a
incorporação de advérbios, adjetivos e verbos é mais produtiva em Dzubukuá e também a
267
mais recorrente. Isso pode ser observado no número de ocorrências com seus respectivos
grupos no Quadro abaixo62:
62
Foi encontrado o caso isolado i-peneho-a-bu-ie (3-diante de-PLUR2-CL:aparência-grande) “diante de todos”,
no texto do catecismo impresso, que aparentemente poderia estar sinalizando um caso de incorporação
adposicional: tendo ou a adposição como incorporante e o adjetivo como incorporado ou vice-versa. No entanto,
não foi considerada aqui. Primeiramente foi observado que, em Dzubukuá, as adposições não incorporam e,
menos ainda, são incorporadas pelos adjetivos e vice-versa. No manuscrito, e na maioria dos trechos em que
aparece esta mesma ocorrência, a adposição flexionada em pessoa e número e o adjetivo ocorrem um ao lado do
outro separadamente. Essas observações levaram, deste modo, a reinterpretar esta ocorrência e considerá-la tão
somente como um lapso tipográfico, sem qualquer implicações para morfossintaxe da língua em estudo.
268
6.6 CONVERSÃO
(777)
(778)
embora sejam verbos, “amar” e “walk” em suas respectivas línguas, ocorrem, nesse contexto,
como substantivos não sofrendo qualquer modificação morfológica para exercer esta função.
6.7 EMPRÉSTIMOS
Empréstimos do Tupí
Empréstimos do Português63
63
Preferiu-se transcrever nesta seção as palavras tal como grafadas por Nantes na época em que o missionário
escreveu o catecismo. Esse procedimento foi adotado numa tentativa de preservar suas configurações gráficas tal
como aparecem no texto da obra. Para isso, utilizou-se os sinais “< >” que vêm sendo empregados, quando
necessário, desde o início deste trabalho.
272
“cruz”, e apenas 01 ocorre com o acento oxítono SS – [] “sacerdote”. Esse
“baleia” – esta última formada pela composição entre “peixe” (?) mais o adjetivo -
6.8 LOCUÇÕES
(794)
(795)
notícia em Deus
Ensino de Deus
(796) -
As locuções numerais encontradas são compostas por adposição mais substantivo (797,
798), advérbio mais pronome demonstrativo (797) e substantivo mais advérbio (799). Os dois
primeiros denotam números ordinais enquanto o último expressa dezena:
(798) ------
(799) -
(800) =---
(801) ---
As locuções verbais, em Dzubukuá, são constituída de, no mínimo, duas palavras e, até
no máximo, quatro. A posição inicial dessas locuções pode ser ocupada por verbos ou
substantivos. A posição final pode ser preenchida por verbos, substantivos, adjetivos e
advérbios. A posição medial, todavia, pode ser ocupada por adposições, advérbios, verbos,
adjetivos e substantivos.
275
64
As composições são parte constitutiva de várias locuções verbais. Nos exemplos apresentados, as formações
composicionais foram consideradas individualmente como um único lexema. Os seus elementos constitutivos
não foram contabilizados separadamente. Ou seja, foi levada em consideração a estrutura da composição como
um todo e não cada parte que a compunha em separado.
276
(814) -----
(815) =-(...)--
(816) -
(817) ---
(818) --
(819) =-------
de=perdoar 2-a 1-de-PLUR3 em 1-fazer mal-NML-PLUR3 2-para
------
(820) ----
“por causa de”; e entre “a”, “em”, “com” e “entre”. Nesta
outras, não:
(821) ----
oferecer 3ENF-a-REFL antigamente 3-para 3ENF-pai em cruz
--
(822) ------
1INCLPL-CL:aparência-grande-fazer-se-PLUR2 em 3-entre
fez-se menino entre os homens para nos fazer grandes entre os Anjos
e .
demonstrativo;
- Conjuntivas → adposição + pronome, conjunção +
conjunção, advérbio + adposição;
- Adpositivas → + , , ou
+ .
Mais do que uma associação formal entre sintagmas, a sintaxe corresponde a uma
combinação de conceitos ou proposições que discursivamente são expressos por meio de
cláusulas (PAYNE, 1997). Esta definição, como qualquer outra, é geral e não pretende ser
exaustiva ou esgotar todas as possibilidades funcionais da gramática ou mesmo figurar toda a
dinâmica relacional do comportamento sintático de uma língua. Todavia, nessa definição,
subjaz um aspecto bastante particular: o de que os seres humanos cognitivamente combinam e
manipulam conceitos. Nesse jogo discursivo, são envolvidas entidades (animadas e
inanimadas, concretas e abstratas) e as propriedades pertencentes às mesmas, bem como as
atividades e relações realizadas, estabelecidas e mantidas por elas. Essas relações se
materializam na língua, viabilizando a comunicação interpessoal e organizando-se
gramaticalmente por meio da cláusula, sentença ou frase – “unidade central da sintaxe”
(DELBECQUE, 2006, p. 113).
A cláusula, em geral, comporta um predicado e seus argumentos, nos quais estão
situados os participantes da predicação (GIVÓN, 1984). Ela expressa um acontecimento
completo integrando a ele um participante (pelo menos), o evento, o estado, a ação e o
processo em que este participante está envolvido. Essas relações predicativas, por seu turno,
são ancoradas no tempo e no espaço mediante mecanismos morfossintáticos empregados pela
língua; ao mesmo tempo em que indicam a postura e a atitude do locutor ante seu interlocutor.
Esses aspectos não só alicerçam a predicação, mas também favorecem linguisticamente o
transcurso efetivo da comunicação verbal entre os indivíduos.
Na língua, as relações predicativas são articuladas em uma estrutura linear constituída
hierarquicamente por unidades sintático-funcionais denominadas de sintagmas. Os sintagmas
são formados por uma ou mais palavras que mantêm relações entre si mediante elos bastante
coesivos que se unem na formação de níveis imediatamente superiores na hierarquia da
estruturação clausal.
Além de combinações entre palavras, como os sintagmas, as línguas humanas também
revelam combinações ainda maiores que associam sintaticamente sentenças inteiras formando
construções mais complexas, por meio das quais o pensamento humano é verbalmente
transmitido e comunicado durante o processo da interação social com outros indivíduos.
281
Dessa forma, o que se segue neste capítulo é uma proposta de descrição sintática
organizada em duas partes principais: a primeira reserva-se às considerações acerca dos
sintagmas que constituem a gramática da língua em pauta, a ordem dos constituintes na
cláusula simples, tipos de predicados, relações semântico-gramaticais presentes em uma
predicação e tipos de sentenças. A segunda versa sobre a coordenação e subordinação de
cláusulas e os tipos de combinação sintática envolvidas em cada uma delas.
A princípio, em Dzubukuá, foram identificados cinco tipos de sintagmas que se
articulam na constituição das sentenças e viabilizam as relações sintáticas. São eles: sintagma
nominal, sintagma verbal, sintagma adjetival, sintagma adverbial e sintagma
adposicional. Dentre estes, os sintagmas nominal, verbal e adposicinal são centrais, em torno
dos quais são aplicados os mecanismos gramaticais e funcionais essenciais da língua. Vale
salientar também que, dentre os cinco sintagmas apresentados, o sintagma verbal é o maior e
o mais complexo em tamanho e em número de componentes sintagmáticos que o compõe.
tremer-SFP1 chão
SUB
a terra tremeu
65
As cláusulas relativas anucleares mencionadas nesta seção serão abordadas na subseção 7.13.2 deste trabalho,
parte pertencente às cláusulas subordinadas.
66
Para demarcar os sintagmas, separando-os dos demais constituintes da cláusula, foi empregada a barra
horizontal “ | ” duas vezes, uma no início e outra no final do sintagma. Esse procedimento foi adotado nesta e nas
outras seções referentes aos sintagmas verbais, adjetivais, adverbiais e adposicionais.
283
(826) | |--
67
Não foi considerados aqui as palavras não verbais que precediam o substantivo operando sintaticamente como
predicados intransitivos. Isto, funcionalmente, as colocava fora do sintagma nominal, o qual exercia, nestas
circunstâncias, o papel de sujeito da cláusula intransitiva.
284
(830) --|----|
(832) -||
A primeira posição à direita do núcleo nominal é ocupada por substantivos (834, 835),
verbos (836), adjetivos (837), advérbios (838), pronomes (839), sintagmas adposicional
(SADP) (840), ou por cláusulas relativas nucleares (841, 842). E na segunda à direita (843-
848), podem aparecer todas as categorias recorrentes na posição anterior, exceto os pronomes:
285
(841) =-----
em=quem-só 3-estar fincado-NML 2-a aquele-PLUR4
| --|
(842) | -----|
(844) | ----|
(845) ---
ser igual talvez 3-comer-NML 2-a em
| ----|
receber-SFP1-CL:redondo-branco CL:aparência-pequeno
SUB(Núcleo) ADJ ADJ
tomais, porventura, tanto em uma partícula consagrada (...)?
O Sintagma verbal (SV), em relação aos demais tipos, é o mais complexo. Seus
constituintes variam de um único verbo até a combinação de vários sintagmas diferentes, os
quais se unem ao verbo central podendo ou não aparecer incorporados a ele.
O sintagma em questão, portanto, comporta um componente central ou nuclear
obrigatório, de natureza verbal (V), e seus complementos68 (objetos e/ou adjuntos). Dessa
forma, o verbo (849) pode aparecer sozinho constituindo o sintagma ou possuir elementos
adjacentes à esquerda (850 a 852) e outros à direita (850, 851) . Geralmente, à esquerda do
núcleo verbal, situam-se sintagmas adjetivais (850) e adverbiais (851, 852):
(849) | --|
3-morrer-PLUR2
SV
eles morrem
(850) | ------|
3-CL:aparência-pequeno-fazer-se-PAS a 1INCLPL-entre-PLUR2
SADJ V (Núcleo) SADP (OI)
fez-se menino entre os homens
(851) | ----|
68
O sujeito sintático não foi considerado aqui como parte integrante do sintagma verbal, não sendo, portanto,
incluído nos exemplos referentes a este sintagma. Com isso, está se seguindo, como critério, as definições de
Crystal (2000) que restringe o complemento verbal apenas aos objetos e adjuntos do verbo. Em suma, considera-
se o sujeito como parte constituinte da predicação como um todo e não do sintagma verbal.
289
(852) | ----|
3-repentinamente-3-alegrar-se-PLUR2
SADV V (Núcleo)
ficam todos alegres
À direita, o núcleo de sintagmas verbais intransitivos pode ser seguido por um outro
sintagma verbal (851 acima), por um sintagma adverbial (853, 854), um sintagma
adposicional (855) ou por numeral (856). Ou pode-se também verificar a ocorrência da
combinação de sintagmas adjacentes após o verbo, constituídos por sintagma adverbial e
nominal (857) (ou vice-versa), adverbial e adposicional (858), adjetival e adposicional (859):
(853) | ----|--
3-acabar-PNT-não-PLUR2 3-alegrar-se-NML
V(Núcleo) SADV
a alegria não acaba
(854) | --|-
sofrer-não-SFP1 3-para
V(Núcleo) SADV
ele não padece nada
(855) | --|
3-morrer-PAS em cruz
V(Núcleo) SADP
ele morreu na cruz
(856) | -|-
3-morrer um 3ENF-alma
V(Núcleo) NUM
a alma morre repentinamente
290
(857) | ----|
(858) | --|
dormir-não-SFP1 a noite
V(Núcleo) SADV SADP
ele não dorme (à noite)
(859) | ---|
trabalhar-CL:aparência-grande-PAS de isto
V(Núcleo) SADJ SADP
ele trabalhou muito para isto
(860) | -|
(861) | --|
(862) | ---|
As considerações feitas até aqui a respeito dos sintagmas verbais podem ser reunidas no
Quadro abaixo:
CL:aparência-grande-muito-só 1INCLPL-pai-PLUR2
ADJ ADV ADV
Nosso Senhor é tão grande
3-fazer-repentinamente-instantaneamente chão
ADV ADV
em um instante foi a terra feita
O sintagma adposicional (SADP) pode ser constituído por uma única adposição
flexionada (870, 874), por adposição mais sintagma nominal (871, 874), por adposição mais
sintagma verbal (871, 872), sintagma adverbial (873) ou por adposição mais sintagma
adposicional (874):
A partir dos exemplos acima, pode-se configurar o seguinte Quadro abaixo contendo a
constituição geral do sintagma adposicional:
7.5.1 Vocativo
de ):
(875) | =|----
Como os exemplos acima atestam, além de apresentar ordem sintática flexível dentro da
cláusula, o vocativo é um elemento gramaticalmente livre em Dzubukuá, não apresentando
qualquer ligação morfossintática com os demais componentes da sentença. Em outras
palavras, no plano formal, sua presença não é obrigatória. Sua relevância está mais na
296
dimensão sociocomunicativa. Como pode ser percebido nos exemplos dados acima, o
vocativo é um sintagma adposicional que, na língua, carrega um tom afetivo e apelativo.
(878) --
3-morrer-SFP1 gente
V S
nós todos morreremos
(879) ----
3-acabar-não-só 3-pai
V S
o pai é eterno
As cláusulas VSO e VOS indicam que o sujeito e objeto podem aparecer tanto
antepostos como pospostos um em relação ao outro. A configuração geral VSO envolve os
padrões específicos VSOD (881) e VSOI (882), enquanto VOS abrange os padrões VODS
(883) ou VOIS (884). Ou seja, nestes tipos de cláusulas, o objeto direto e o indireto ocupam
as mesmas posições, sendo, portanto, mutuamente exclusivos (não co-ocorrentes):
69
Para a postulação desta ordem, os casos com sujeitos e objetos prefixais presos ao verbo, expressos mediante
prefixos pessoais, foram computados como uma só estrutura, visto que, nestes casos, sujeito ou objeto e verbo
constituem uma única forma léxico-gramatical.
298
(881) ---
ver-PAS 1-a 2-pessoa
V S O(OD)
Eu vos reconheço
(882) ---
amar-muito Deus 3-de-PLUR2
V S O(OI)
Deus nosso Senhor lhes tem grande amor
(883) ----
matar 3-morrer-NML 1INCLPL-pai-PLUR2
V O(OD) S
Nosso Senhor matou a morte
(884) ------
1-perdoar-PLUR3 de 3ENF-fazer mal-REL 1-para-PLUR3
V O(OI) S
nós perdoamos aos nossos devedores
(885) ------
3-dar 3-a 3-fazer bem-NML 1INCLPL-de-PLUR2
V S O(OD) O(OI)
ele nos dar as coisas que lhe pedidos
299
(886) ----
oferecer-SFP1 1-a 2-para 2-filho
V S O(OI) O(OD)
eu vos ofereço vosso filho
(887) ------
3-pedir-PLUR2 3-a-PLUR2 de Deus 1INCLPL-por-PLUR2
V S O(OI) O(OI)
eles rogam a Deus por nós
(888) -----
avisar 2-filho-filho 2-a-FUT 2-diante de
V O(OD) S O(OI)
mandai vir vossos filhos perante vós
(889) =---
(890) -=-
Os demais casos de redução nos padrões gerais ocorrem quando o sujeito ou o objeto
não são expressos lexicalmente na cláusula e sim, quando são expressos diretamento no verbo
mediante os prefixos pessoais. O padrão intransitivo VS é reduzido para V (com sujeito
prefixado no verbo) (891), e os padrões transitivos bivalentes VOS, VSO se reduzem
conjuntamente a VS (com objeto expresso no verbo) (892) ou VO (com sujeito prefixado no
verbo) (893, 894); e os trivalentes VSOO e VOSO se restringem VSO (895), VOO (896,
897) – para ambos, e VOS (898) – apenas para o segundo:
(891) ---
3-morrer-PAS-PLUR2
S-V
eles morreram
(892) ---
3-matar 3-a-PLUR2
O(OD)-V S
o terem crucificado e tirado a vida
(893) ----
(894) --
1-irritar-se-PAS de marido
VS-V O(OI)
agastei-me contra meu marido
301
(895) ----
(896) ---
(897) ------
(898) ----
Como pode ser verificado nos casos de redução sintática acima, em Dzubukuá, somente
o sujeito e o objeto direto podem ser prefixados ao verbo e não o objeto indireto.
A topicalização (TOP) ocorre quando componentes que normalmente aparecem após o
verbo na predicação são deslocados para o início da cláusula. Os deslocamentos podem
acontecer com sujeitos (899), objetos (900, 901) e com sintagmas adposicionais indicando as
circunstâncias em que os fatos ocorrem: o local (902), o meio pelo qual uma ação é realizada
(903), a procedência (904) e natureza (905) das entidades envolvidas na predicação, a causa
ou motivo (906), a finalidade (907) das ações praticadas e o modo como estas ações são
realizadas (908). No caso das cláusulas comparativas, ocorre o deslocamento de cláusulas
introduzidas pela conjunção para antes do verbo da cláusula principal (909):
302
(899) ---
um 1INCLPL-corpo-PLUR2 3-morrer
TOP(S)
só nosso corpo morre
(900) ----
(901) --
(902) -----
(903) ----
(904) ---
(905) ---
(907) ----
(908) -------
(909) --
encontra contiguamente à sua esquerda, dando, com isso, sequencialidade aos fatos narrados
no texto:
(910) ------
(911)
------
(913)
gente em chão
ADP
SUB G
os moradores da terra
(914)
peixe cesto
SUB G
peixe do covo
(915) ----
(916) ----
(917) -----
70
O marcador e o referente de comparação são componentes da cláusula subordinada comparativa. Eles serão
abordados na subseção 7.13.3 relativa às claúsulas subordinadas adverbiais.
306
(918) ----
O Quadro abaixo reúne as considerações feitas até aqui acerca da ordem dos
constituintes na cláusula, abordados nesta seção:
prefixado ao verbo;
- VOS → cláusulas transitivas trivalentes com objeto
prefixado ao verbo.
-Função: informação antecipada sobre participantes e
Aspectos discursivo-pragmáticos
adjetivos, advérbios, numerais e pronomes. Nesse caso, tais predicados intransitivos podem
ser classificados, respectivamente, em nominais (919), adjetivais (920), adverbiais (921),
numerais (922) e pronominais (923):
(919) ----
3-amigo-PLUR2 2-para-FUT
PI S
sejam vossos amigos
(920) ----
(921) -
assim 3-filho
PI S
é assim o filho
(922) --
um 3ENF-marcar-NML
PI S
só é sua imagem
(923) --
esse 1INCLPL-avô-PLUR2
PI S
este é o nosso primeiro pai
71
Como pode ser observado em casos como o exemplo acima, embora a adposição venha após o sintagma
nominal, ela não foi considerada, nessas circunstâncias, uma posposição, visto que ela e o nome não constituem
um único sintagma e sim, dois: um SN que opera como predicado formado pelo substantivo e um SADP
separado que opera como sujeito constituído pela adposição flexionada em pessoa e número. Para que fosse uma
posposição teriam que substantivo e adposição formarem um único sintagma adposicional, que não é o caso.
309
Atesta-se também, ainda dentro do quadro dos predicados não verbais, a presença de
predicados equacionais ou equativos com cópula zero, cujo núcleo predicativo e o sujeito
são, ambos, constituídos de sintagmas nominais adjacentes (respectivamente, substantivo e
pronome demonstrativo). Nesses tipos de predicados nominais, os componentes podem ser
invertidos sem alterar o sentido da cláusula:
(924) a.
verdade isto
PI S
é verdade isto
b.
(925) a. -
dormir-NML isto
PI S
é um sono
(lit. é sono isto)
b. -
isto dormir-NML
PI S
é sono
(lit. isto é sono)
(926) a. --
3-morrer-NML este
PI S
ela é a morte
310
b. --
este 3-morrer-NML
PI S
ela é a morte
Como pôde ser observado nos exemplos anteriores, a função dos predicados não verbais
se assemelha a dos verbos intransitivos. Nesse caso, o sistema linguístico em questão os
coloca na mesma posição ocupada por verbos em uma sentença, ou seja, no início da cláusula.
Portanto, as construções intransitivas não verbais seguem a mesma configuração sintática
postulada para verbos intransitivos, o padrão VS.
Os predicados locativos são formados pelos verbos , , e (927-930). Já os
predicados comitativos são construídos com a utilização dos lexemas (931), (932).
Todos os verbos aqui mencionados atuam como verbos de ligação e, nesse contexto, são
empregados no sentido de “estar”:
(927) ----
(928) ---
(929) -
(930) ---
(931) -
(932) --
circunstâncias, ambos os verbos são transitivos, possuem sujeito nominativo, denotam “ser” e
expressam estados não transitórios situando o referente dentro de uma determinada categoria
substantiva ou grupo de entidades:
de 3-cabeça-NML 3-existir-PAS
O V S(NOM)
o primeiro foi Caim
(934) u---
Contudo, as funções mais frequentes dos dois verbos mencionados no parágrafo anterior
são como predicados existenciais (função prototípica) e como predicados possessivos. Essas
duas propriedades serão descritas na próxima subseção.
“haver-não” constituída pela combinação do verbo com os negadores {-} ou {-}.
(935) --
(936) -
3-existir um Deus
Há um só Deus
(937) -
haver-não céu
não havia Céu
(938) ------
(939) ------
(940) ----
7.7.2.3 Transitividade
sujeito. Em Dzubukuá, predicados desse tipo podem ser agrupados em duas categorias:
intransitivos estativos e intransitivos ativos. Os do primeiro tipo denotam estados
permanentes ou transitórios e seus núcleos são ocupados por verbos estativos (941, 942); e os
do segundo tipo expressam ações, tendo como componente central um verbo ativo (943, 944):
(941) ---
(942) --
3-estar triste-PAS
S-V(PI)
ele ficou muito triste
(943) .-
(944) ---
Os predicados intransitivos podem ser estendidos em até dois argumentos, sendo a eles
adicionado, para isso, um objeto opcional:
(945) --
(946) -
(947) -
(948) --
(949) ------
(950) -----
(951) ----
(952) -
amar Deus 2-de
V(PT) S O
Deus vos tem amor
(953) ----
(954) ------
(955) --
(956) ---
(957) --
(958) --
(959) a. ----
b. ------
(960) a. -
existir Deus
V(PI) S
há Deus
b. ---
mentir isto
V(PI) S
isto é mentira
b. ---
pessoa ou sem qualquer flexão de pessoa. O sujeito e objeto direto, nesdes casos, aparecem
obrigatoriamente separados da estrutura verbal:
(962) --
3-ficar assustado-PLUR2
S-PI
ficaram assustados
(963) ---
1INCLPL-ajudar-PLUR2 3-a
O-PT S
ele nos ajuda
(964)
-----
(965) ---
(966) a. -
levantar-se tudo gente
V(PI) S(NOM) (monovalente)
ressuscitam todas as pessoas
b. -----
(967) a. -
fazer mal-PAS pessoa
V(PI) S(NOM) (monovalente)
eu pequei
322
b. ---
(968) a. -(monovalente)
3-existir um Deus
V(PI) S(NOM)
Há um só Deus
b. ---(bivalente)
(969) a. -
ter medo diabo 3-de água Deus
V S O (bivalente)
O diabo tem medo de água benta?
b. ------
(970) a. ---
(971) a. --
dar sal a sacerdote 1INCLPL-de-PLUR2
V O S O (trivalente)
o sacerdote nos dá o sal
b. -----
A incorporação, por seu lado, se dá com o sujeito e o objeto direto lexicalmente livres
quando incorporados à estrutura do predicado verbal. Isso ocorre com a adposição
(972) a. ----
3-ver 3-a 3-opor-se-NML
V S O (bivalente)
ele vê algum impedimento
b. -----
3-em ver-1INCLPL-a-PLUR2-FUT
O V-S (monovalente)
nisto, somos instruídos
(973) a. ---
receber 3-corpo 1-a=FUT
V O S (bivalente)
tomarei um corpo
b. ---
receber-2-pessoa 1-a
V-O S (monovalente)
eu vos recebo
As discussões feitas até aqui sobre os tipos de predicados podem ser resumidas no
Quadro abaixo:
predicados existenciais→
aumento de valência;
- Detransitivização →
prefixação argumental e
incorporação de sujeito e
objeto ao verbo → redução
de valência.
- Intransitivos - Nominais;
(monovalentes); - Adjetivais;
- Predicados não verbais - Estendidos → adição de - Adverbiais;
objeto opcional. - Numerais;
- Pronominais;
- Equacionais → com
cópula zero.
expressando uma ação, processo, estado ou evento. Ainda conforme Lehmanni (ibid.), há dois
elementos fundamentais que caracterizam as relações entre os diferentes participantes que
compõem a predicação: os níveis de envolvimento e de controle. Dito de outro modo, na
predicação verbal um dos participantes é mais envolvido em uma situação do que outros e um
deles detém o controle maior dessa situação. Quanto ao nível de envolvimento, os
participantes podem ser categorizados em centrais e periféricos (ou oblíquos nos termos de
Mithun, 2005). Os que pertencem ao primeiro tipo são os mais envolvidos na predicação e os
do segundo são os menos envolvidos nesse processo. Para a autora, os centrais são os
elementos constitutivos da predicação e os periféricos, por seu lado, apenas enriquecem a
situação predicativa sem com isso alterar sua estrutura básica; ou seja, sua participação
pressupõe a existência dos componentes centrais. Os participantes periféricos, portanto,
representam elementos circunstanciais na predicação (ANDREWS, 2007b).
Nesse quadro, os argumentos de um predicado são os componentes que ocupam a
posição dos tipos centrais, e os que preenchem a função de comitativo, benefactivo e
instrumental, por exemplo, integram o grupo dos periféricos. Da mesma forma se dá com o
controle da situação. Há os que controlam a situação, como é o caso do agente, em um polo
extremo, e há os que são controlados por ela, como é o caso do paciente, situado no polo
oposto.
Para cada relação semântico-gramatical mantida entre os constituintes de uma estrutura
predicativa, existe um determinado indicador morfológico e/ou sintático que a sinaliza por
meio da marcação de caso. Quando se fala de caso, faz-se referência à função desempenhada
por um determinado sintagma nominal em uma dada cláusula (DIXON, 2004b). Cada língua
tem seu próprio sistema de marcação de caso que pode ser representado por componentes
constitutivos presos e/ou livres. Em Dzubukuá, esse sistema é constituído pela ausência (casos
não marcados) ou pela presença de adposições (casos marcados).
7.8.1 Sujeito
(974) --
esse 1INCLPL-avô-PLUR2
este é o nosso primeiro pai
(976) ------
(977) -[]
72
Os papéis semânticos codificados no sujeito (nesta subseção) e no objeto (tratado na subseção seguinte) foram
classificados de acordo com as categorias encontradas em Andrews (2007b), Crystal (2000), Lehmanni (2005),
Dixon e Aikhenvald (2000).
328
(978) --
(979) ------
(980) ---
3-sepultar-PAS-NML em cova
S(paciente)
ele foi sepultado
(981) ------
(982) -73
(983) ---
73
Fruto desconhecido. A configuração gráfica da palavra ombus, nos escritos de Nantes, lembra a palavra
“umbu” ou “imbu”. Talvez fosse esse o significado, visto que o umbuzeiro ou imbuzeiro é uma planta nativa do
semiárido nordestino e, portanto, é bastante encontrada no sertão do Nordeste brasileiro, onde viviam esses
índios.
329
(984) ---
(985) ----
(986) ---
sofrer-SFP1 1-para-FUT
S(DAT)
eu estarei sujeito às dores
7.8.2 Objeto
(987) --
(988) --
Tal como o sujeito, o objeto pode também ser expresso de forma livre, presa e
elíptica. No primeiro modo, ele pode ser representado por um único sintagma nominal ou
adposicional (forma simples) (989) ou por mais de um (forma complexa) (990). A forma
presa, por seu turno, é diretamente expressa na própria estrutura verbal mediante o emprego
dos prefixos pessoais, ocorrendo apenas com objetos diretos (991). O objeto elíptico, por
outro lado, corresponde à marcação zero em uma dada cláusula, retomando, sem qualquer
marcação, um referente mencionado previamente, sende este inferido pelo interlocutor (992):
(989) -
(990) =------
(991) --
1INCLPL-lavar-PLUR2 a sacerdote
o sacerdote nos batiza
(992) ---(...)---
a índio bravo
elipse de objeto
Não é assim neste manjar celestial (...), não o podem comer os infiéis
331
(993) --
1-ofender-PAS de Deus
O (paciente)
ofendi a Deus
(994) -------
(995) ---
3-para Deus
O(BEN)
Não oferece também o sacerdote o Filho de Deus à majestade de Deus?
332
(996) --
de diabo
O (MALE)
Que castigo Deus deu ao diabo?
(997) --
(998) ----
(999) -
(1000) --
1INCLPL-ver-PLUR2 de Deus
O(estímulo)
vemos a Deus
Quanto à marcação sintática, os objetos podem funcionar como objeto direto acusativo
(AC), objeto direto absolutivo (ABS) e objeto indireto dativo:
333
(1001) -
(1002) --
(1003) ---
O(DAT)
o mundo não lhes ama
(b) Marcação de sujeito intransitivo e objeto transitivo iguais, mas ambos diferentes da
marcação do sujeito transitivo → sistema ergativo-absolutivo.
Nos casos mencionados, o objeto indireto corresponde ao caso dativo (PAYNE, 1997).
Todavia, há línguas em que o sujeito da predicação também pode, em determinadas
circunstâncias, ser marcado da mesma forma que os objetos indiretos. Nessas condições,
constata-se a presença de sujeitos dativos constituídos gramaticalmente pelo sistema da
língua (ANDREWS, 2007b).
Em Dzubukuá, a sintaxe de casos revela uma estrutura bastante complexa. Sua dinâmica
se apoia em um sistema de marcação dupla de casos, também conhecida como “split” ou
marcação cindida (DIXON, 2010a). Esse comportamento se alicerça em dois sistemas
principais: nominativo-acusativo e ergativo-absolutivo; tendo um caso menos produtivo de
sujeito dativo.
No Dzubukuá, os casos ergativo e dativo são marcados, enquanto o absolutivo, o
acusativo e o nominativo equivalem a casos não marcados. Todavia, como no Dzubukuá a
ordem sintática regular dos constituintes impõe uma posição pós-verbal ou, sendo mais geral,
pós-predicativa do sujeito e do objeto, a diferenciação entre os sistemas em questão se dá pelo
tipo de marcação ou pelo tipo de relação gramatical estabelecida entre eles. O ergativo e o
dativo se diferenciam do absolutivo, do acusativo e do nominativo por serem os únicos
marcados do sistema; e ambos se diferenciam entre si pelo tipo de adposição que os sinaliza.
O ergativo marcado pela adposição e o dativo pelas demais adposições – exceto ,
(1004) =------
(1005) --------
(1006) =----
(1007) a. ----
(1008) a. ----
(1009) a.
levantar-se 3ENF-a-REFL
S(ERG)
todas as nações ressuscitaram
338
(1010) -----
(1011) a. -
3-existir um Deus
S(NOM)
há um só Deus
b. ---
(1012) -
(1013) -
(1014) ----
(1015) ------
(1016) --
(1017) -----
(1018) ---
(1019) a. ----
(1020) a. ------
(1022) a. ---
Nos itens “a” acima, percebe-se que os fatos ocorrem naturalmente, de forma
circunstancial, aparentemente sem uma vontade deliberada do sujeito da predicação. Já nos
itens “b”, a percepção é a de que os sujeitos deliberadamente têm controle da situação,
atuando intencionalmente e de forma mais consciente.
O caso acusativo ocorre apenas como objeto que acompanha um sujeito nominativo em
predicados transitivos diretos, ou seja, predicados que se ligam ao seu objeto sem auxílio de
uma adposição. Nesse caso, ao contrário do ergativo e do dativo, o acusativo é constituído por
um sintagma nominal não marcado:
(1023) -------
(1024) ------
(1025) ---
(1026) =---
(1027) ---
(1028) ---
sofrer-SFP1 1-para-FUT
S(DAT)
estarei sujeito às dores
(1029) ---
(1030) a. -----
dar-não-SFP1 talvez pagamento 3-a em 1INCLPL-morrer-tempo
O(ABS) S(ERG)
ele não nos julga na hora da morte?
b. -----
(1031) a. -----
Como pode ser observado acima, a voz reflexiva e recíproca são formações sintáticas
sempre marcadas, recaindo obrigatoriamente em um sintagma adposicional. Não ocorrem,
portanto, com os três casos indicados no parágrafo anterior, visto que, ao contrário do ergativo
e do dativo, são casos não marcados em Dzubukuá.
74
O sufixo interrogativo {-} é bastante produtivo em Dzubukuá prendendo-se a adposições em início de
perguntas. Porém, ao contrário dos pronomes interrogativos “quem”, “(o)que” e “por que”, não
aparece introduzindo respostas. Já os referidos pronomes unidos ao relativizador {-} também introduzem
346
(1032) -----
(1033) ------
(1034) ---
(1035)
conhecer de gente tudo
Conhece também a todos os que estão neste mundo?
respostas dadas a perguntas iniciadas por eles próprios. Essa última propriedade será comentada mais adiante,
nas considerações referentes às perguntas do tipo informacional, ainda nesta seção.
347
Ou seja, são perguntas que exigem respostas do tipo “sim”, “não”, “certo”, “errado”, “falso”,
“verdadeiro”, etc:
Como pode ser observado acima, o sufixo epistêmico {-} aparece como uma resposta
alternativa dada às perguntas polares indicando discursivamente a certeza ou a convicção do
emissor em relação à verdade de um fato ou de um assunto. Ele aparece apenas em sentenças
assertivas (negativas ou afirmativas) curtas – quando em resposta às questões polares, ou em
clausulas declarativas mais extensas expressando a convicção e a crença do enunciador do
discurso em relação a um acontecimento ou em relação a uma dada matéria:
(1041) ----
(1042) --
(1043)
Pergunta: ----75
ser diferente-SFP1 talvez 3-olho Deus por 1INCLPL-olho-
PLUR2
A esta conta, os olhos de Deus são bem diferentes dos nossos?
75
No item (1043), embora esteja no início da pergunta, {-} não corresponde ao sufixo interrogativo {-} visto
que este último não se repete na resposta; enquanto o marcador de polidez sim, como ocorreu no exemplo do
item mencionado.
349
Resposta: --
ser diferente-SFP2-EP
Sim por certo
(1044) ------
Resposta: --
de 1INCLPL-por causa de-PLUR2
Para nós.
Resposta: ---
Como pode ser verificado nas respostas às questões dos exemplos 1046 a 1049 acima,
além de sua função prototípica de constituir cláusulas relativas, o relativizador {-}, em
Dzubukuá, pode também ser empregado como sufixo responsivo em respostas dadas às
351
“quem”, “(o) que” e “por que”. Nesde caso, como os exemplos acima mostram,
(1051) ------
76
No catecismo impresso, a construção -- foi a única ocorrência em que {-} desempenha a função de
marcador epistêmico. É um caso isolado. No entanto, acredita-se que sua presença corresponda a um lapso
tipográfico em que o sufixo {-} foi impresso erroneamente como “li”. Essa ideia é reforçada pelo fato de que o
adjetivo “ser diferente” ocorre, nesse contexto, sempre com {-} e não com {-}. Desda forma, com base
nisso, o referido caso isolado não foi considerado aqui para postular {-} também como um marcador
epistêmico, tal como ocorre com{-} visto nas considerações feitas para as perguntas polares.
352
(1052)
---------
(1053) =----
(1054) =------
(1055) =----
(1056) =-
de=fazer-FUT céu
Faça-se o Céu
(1057) =-
de=fazer-FUT chão
Faça-se a terra
(1058) =--
Segundo Köing e Siemund (2007), o imperativo propriamente dito são atos de fala
manipulativos voltados diretamente para um sujeito em segunda pessoa. Em Dzubukuá, as
imperativas referentes à segunda pessoa são as mais produtivas e as mais predominantes em
comparação aos dois tipos anteriores. Elas são introduzidas pelos alomorfes adpositivos
{(=)} ou {=} seguidos do verbo e seus argumentos ou simplesmente pela presença da
(1059) =--
de=2-ver 1-testa
vede-me o rosto
(1060) -----
(1061) =--=--
(1062) =-
O verbo não finito se usa unicamente no imperativo afirmativo e não recebe
qualquer flexão de pessoa ou de número. Como brevemente mencionado na seção 7.6 anterior
(referente a ordem dos constituintes), o referido verbo pode ser definido como um lexema
“portmanteau”, possuindo, portanto, um caráter fusional. Ele cumula em si próprio as noções
de pessoa, de tempo, número e de modo, denotando juntas as noções de 2ª pessoa, tempo
presente, plural e de imperativo. Ele pode sozinho (1063) constituir uma sentença imperativa
ou vir seguido de um objeto (1064):
355
(1063)
vir depressa
Vinde
(1064) -
Sentenças proibitivas são atos de fala manipulativos negativos cujo propósito é impedir,
vetar ou inibir uma determinada ação ou comportamento. O Dzubukuá emprega duas formas
para formar esses tipos de construção: o emprego do alomorfe verbal {} e a utilização do
“deixar” mediante sua realização alomórfica {} sem qualquer flexão de pessoa ou número
(1065) =--
de=deixar 2-preguiça-FUT
Não sejais preguiçosos daqui por diante
(1066) =--
(1067) =--
(1068) ----
(1069) =----
de=2-fornicar-não-PLUR2-FUT
Não fornicarás
(1070) ----
de 2-roubar-inventar-não-FUT
Não furtarás
(1071) ----
comer-não 1-a-PLUR3-FUT
não comeremos dela
(1072) --
direita dos predicados levando esses predicados de uma polaridade afirmativa para uma outra
negativa. Funcionalmente, o negador - é mais produtivo, sendo empregado em todos os
tipos de sentenças, enquanto que - aparece mais em cláusulas declarativas e, em sua
maioria, em respostas a perguntas polares. No entanto, este último negador está ausente em
formações relativas, em construções imperativas, e seu uso é bastante raro em sentenças
interrogativas.
357
(1073) ----
1-mentir-mais-não-SFP1
não hei de mentir mais
(1074) -----
em 3-caminho-caminho
É também coisa boa rezarmos pelo caminho?
(1075) =----
de=2-fornicar-não-PLUR2-FUT
Não fornicarás
qual não aceita qualquer um dos negadores acima. Para formar sua contraparte negativa, é
necessário que o verbo seja substituído por unido a um negador. Em outras palavras, a
forma negativa é feita mediante a presença de uma construção totalmente diferente daquela
usada para cláusulas afirmativas com o verbo . (A título de exemplificação, retornar às
CR para início de
pergunta.
(1076)
-------
(1077)
=---=---
(1078) ---
(1079) ------
(1080) ----
3-fazer bem-SFP1 alma de esse 3-ser bonito-SFP1 também
às vezes a alma está melhor e mais formosa
(1081) -----
fazer mal 3ENF-fazer bem-não-REL 1INCLPL-alma-PLUR2
----
matar-3-morrer-não-SFP1 porém
É um pecado que faz a nossa alma doente, porém não a mata.
(1083) ------
3-estar preparado 1INCLPL-pai-PLUR2 Deus de 2-ajudar-PLUR2 3-a
--
porque amar 2-de-PLUR2
Deus nosso Senhor está pronto para vos ajudar, porque ele vos ama
(1084) -------=-
3-sair-mais-PNT-não-PLUR2 3-por 3-portanto por=filho-filho de
----
2-olhar-PLUR2 de 2-amar-NML
nunca mais hão de sair (do inferno). Portanto, fiéis, olhai de que banda e
companhia quereis ser
361
(1085) -----
procurar-PAS 2-pessoa 2-a-REFL 2-a sós
Procurastes-vos a malícia?
-- ---
“ou”. Como pode ser observado no exemplo, a escolha entre uma alternativa ou outra não faz
a menor diferença, uma vez que a escolha de uma delas ou de ambas é um erro da mesma
forma; ou seja, ambas estão contidas no quadro de desvio dos preceitos religiosos.
Outro item a considerar é o fato de que também o lexema é empregado tanto
como adposição comitativa – “com”, quanto como conjunção copulativa – “e”. Isso é bastante
comum em algumas línguas, as quais aproveitam uma mesma forma para marcar o comitativo
e também construções copulativas. Isso pode ser verificado em várias línguas observadas na
África, na América do Sul e do Norte, no Leste e Sudeste da Ásia e nas Ilhas do Pacífico
(HASPELMATH, 2007). Haspelmath (ibid.) situa esse fenômeno no plano diacrônico,
defendendo uma origem comitativa para o referido marcador adpositivo que, por meio de um
processo unidirecional de gramaticalização, torna-se uma conjunção coordenativa. Em
Dzubukuá, é justificável o duplo emprego de , visto que os significados de “com” e “e”
têm em comum a indicação de que duas entidades estão justas em uma dada situação. Esta
dupla função (comitativo-copulativo) aparece somente na associação entre sintagmas
nominais, mas, entre predicados, funciona apenas com sentido copulativo:
362
(1086) ---
(1087)
-------
(1090) -----
1INCLPL-pessoa-PLUR2
elipse (sujeito)
ele nos fortifica, formosea e santifica
(1091) -------
[] -
finalmente 3-pé
elipse (verbo)
primeiro lhe cravaram as mãos, e depois os pés
364
(1093) ---(...)---
[]
a índio bravo
elipse (objeto)
Não é assim neste manjar celestial (...), não o podem comer os infiéis
Como pode ser observado nos exemplos mostrados acima, o sujeito, o verbo ou objeto
não são explicitados na cláusula posterior, mas apenas inferidos pelo interlocutor.
(1094) -----
(1095)
-----
3-de 1INCLPL-pai-PLUR2
Deus nos encomendou muito que respeitássemos nossos pais
encontrado em outros exemplos funcionando como adposição. Este duplo papel é justificável
pelo fato de que, segundo Nooman (2007), uma das fontes históricas derivantes de
complementizadores são as adposições (preposições ou posposições).
Conforme o tipo de cláusula principal que complementam, foram encontrados três tipos
de predicado dependentes: o de interlocução (1096), o de manipulação (1097) e
desiderativo (1098):
(1096) -----
(1097) ----
(1098) -------
(1099) -------
(1100) ----
3-CL:aparência-mau-NML tudo
Qual é o pior de todos os males?
367
(1101) =--
um diabo de=1-ajudar-REL
V
lit. um diabo foi quem me ajudou
(1102) ---=-
(1103) -----
(1104) ----
(1105) -----
(1106) =---
nos termos de Andrews (2007a), que possuem um núcleo nominal o qual modificam. As do
segundo tipo, entretanto, não funcionam como adjuntos; elas próprias operam sozinhas como
núcleo de um sintagma nominal.
As relativas nucleares possuem núcleo externo ao qual estão associadas. Ocorrem à
direita do núcleo nominal:
(1107) ----
(1108) ------
1INCLPL-a-PLUR2 1INCLPL-olho-PLUR2
só é sua imagem que vemos com os nossos olhos
(1109) ---
(1110) -----
(1111) ----
(1112) ---
3ENF-morrer-PNT-não-REL
vinde da terra dos mortais para a terra dos vivos
(1113) -------
(1114) =-----
em=quem-só 3-estar fincado-NML 2-a aquele-PLUR4
---
(1115) ------
(1116) =----
(1117) --
(1118) ---
de 3ENF-filho
Deus vos ama, porque ama aos que são semelhantes a Jesus Cristo, seu Filho
(1120) ------
Observe que nos exemplos 1119 e 1120 acima, as relativas destacadas, tal como um
substantivo, recebem como adjuntos o adjetivo “cristãos” (1119) e uma outra cláusula relativa
(1120), -- “os que decidem” que as modificam.
(1121) --------
(1122) -----
um 1INCLPL-copro-PLUR2 3-morrer em isto 1INCLPL-corpo-PLUR2
---
3ENF-levantar-se-REL-FUT
só nosso corpo morre e por isso só nossos corpos hão de ressuscitar
(1123) -----
(1124) --------
Como pode ser observados acima, os marcadores temporais {-} (1122) e {-} (1123)
ocorrem em diferentes posições. Nas cláusulas relativas da língua, enquanto o sufixo de futuro
ocorre depois de {-}, o sufixo de tempo passado aparece antecedendo o relativizador.
Os dois tipos de construções relativas apresentadas aqui também podem ser vistas em
outras línguas pelo mundo. As cláusulas nucleares são encontradas, por exemplo, em línguas
como o próprio Português, o Russo, o Inglês, o Persa e o Húngaro (COMRIE, 2006); e as
cláusulas anucleares são verificadas em línguas como o Cebuano (falado nas Filipinas), o
Turco (DRYER, 2007a), o Qiang (língua tibetana falada no Norte da Província de Sichuan –
China) (LA POLLA; HUANG, 2004), entre outras.
372
(1125) =------
2-de-REFL-PLUR2
Amai-o também, para que ele vos dê a graça de vos amardes um ao outro
(São José) varão justo com o qual sempre morou ao modo que irmã e irmão
(1127) -=---
(1128) ------
(1129) -----
(1130) ----
(1131)
-------
(1136) | |||--
ser diferente talvez Deus 1INCLPL-de-PLUR2
SV SN M/RC
Deus é diferente de nós?
(1137) | ||--|--
pessoa em Deus homem velho-não-SFP1 3ENF-de-REFL
SN SN M/RC
as pessoas em Deus uma não é mais velha do que a outra
(1138) | --|--
receber-mais imitar-PLUR2 de Deus 1INCLPL-por-PLUR2 |
SV M/RC
são mais semelhantes a Deus do que a nós
(1139) =-----(...)
por=pai Deus 1-agradecer muito 2-para em 1-fazer-NML 2-a
----
(1140) ----
a Deus
Porventura eles eram bons quando Deus os criou?
(1141) ---[]
O Quadro a seguir resume as considerações feitas até aqui, nesta seção, acerca do
comportamento sintático das cláusulas coordenadas e subordinadas em Dzubukuá:
CONCLUSÃO
lexemas separados. Ou seja, o que em outras línguas tende a ser construído morfologicamente
por meio de elementos gramaticais presos a itens lexicais, em sistemas isolantes, é expresso
analiticamente ou perifrasticamente mediante formas livres. As fronteiras entre os morfemas
da língua estão nitidamente separadas.
Numa língua aglutinante, as palavras são formadas pela combinação de vários
morfemas mantendo nítidas as fronteiras entre eles. Isso implica que, embora unidos em uma
estrutura lexical, eles possuem significados individualizados. Cada unidade morfológica
apresenta formas variantes de fácil identificação e suas combinações formais demonstram
facilidade de segmentação. Os sistemas fusionais, contudo, demonstram nenhuma ou quase
nenhuma nitidez na fronteira entre morfemas. Isto é, os traços semanticamente distintivos
aparecem geralmente fundidos em uma única unidade morfológica presa (PAYNE, 1997). A
título de esclarecimento, tem-se o exemplo das flexões verbais em Português, tais como a
flexão “cantamos” cujo morfema {-mos} cumula ao mesmo tempo em si as noções de
primeira pessoa, plural e tempo presente.
Quanto à complexidade da estrutura gramatical interna das palavras, Aikhenvald (ibid.)
identifica também três tipos linguísticos principais: línguas analíticas, sintéticas e
polissintéticas. Os sistemas analíticos são os que apresentam uma distinção clara entre
palavras e morfemas presos. Sua gramática é formada totalmente ou quase totalmente por
morfemas livres. O segundo grupo é representado por sistemas formados por vários morfemas
livres e presos. E o terceiro tipo, denominado também de sistemas incorporantes, recai em
grupos linguísticos que possuem alta capacidade de combinar uma grande quantidade de
morfemas lexicais e gramaticais dentro de mesmo vocábulo. Suas palavras, com isso,
apresentam uma complexidade gramatical extrema. Com isso, tais sistemas linguísticos têm a
propriedade de expressar em uma única palavra gramatical o que em outras línguas
expressariam sintaticamente por meio de cláusulas. E morfemas presos têm a capacidade de
comunicar geralmente significados que em outros sistemas linguísticos seria expresso por
meio de morfemas livres.
A gramática do Karirí-Dzubukuá demonstra um comportamento peculiar ao verificado
em línguas polissintéticas. Ela permite unir em uma só palavra membros pertencentes à classe
dos substantivos, verbos, adjetivos, advérbios, pronomes, numerais e o sujeito e objeto
sintáticos, como foi visto na subseção 6.5 (referente às incorporações e pertencente ao
capítulo dos aspectos gramaticais gerais da língua). Essa capacidade gera estruturas léxico-
gramaticais complexas como, por exemplo, as palavras “nunca mais
382
única palavra, o Karirí comunica o que a própria tradução portuguesa desse vocábulo faz
utilizando uma cláusula inteira. Isto é, enquanto a língua aqui analisada expressa uma
proposição inteira morfologicamente, outras línguas, dentre elas, o Português, a transmitiria
apenas em uma construção sintática. Além disso, nessas palavras, itens, tais como os
advérbios - “não” e - “pouco”, que ocorrem apenas como formas presas, transmitindo
capaz de configurar o sentido de cada um dos componentes. Cada um deles não traz mais do
que um conteúdo semântico. O caráter fusional se restrite somente a alguns poucos casos,
como é o que ocorre com “vir depressa” – reunindo em si e ao mesmo tempo os
conceitos de pessoa (2ª), número (plural), tempo (presente) e modo (imperativo); e o dos
prefixos enfáticos de 3ª pessoa que cumulam em si as noções de pessoa e ênfase; ou mesmo
do prefixo inclusivo de 1ª pessoa {-} que denota tanto pessoa como número, entre outros.
Isso não invalida o enquadramento do sistema linguístico em questão na lista dos grupos
linguísticos aglutinativos, já que os casos de morfemas fusionais são mínimos e geralmente
línguas polissintética também possuem estes tipos de unidades morfológicas, sendo que em
poucas proporções (AIKHENVALD, ibid.).
Nas línguas, as relações gramaticais contraídas entre os componentes sintáticos em uma
predicação podem ser marcadas no núcleo dos sintagmas principais de uma predicação ou nos
dependentes desse núcleo. O primeiro caso representa sistemas com marcação de núcleo e o
segundo, os com marcação de dependentes (BICKEL; NICHOLS, 2007). O termo
dependente se refere aos elementos não nucleares que acompanham o núcleo sintagmático
sinalizando uma determinada relação gramatical.
Em Dzubukuá, a marcação recai obrigatoriamente no núcleo dos sintagmas nominal,
verbal e adposicional – elementos centrais na predicação da referida língua, pois constituem
383
como formas presas. Segundo a mesma autora, com base em pesquisas feitas desde 1990,
afirma que línguas desse tipo geralmente tendem a apresentar sistemas de marcação de caso,
visto que reunem em torno de estruturas centrais, como nome e verbo, categorias léxico-
gramaticais que, em outras línguas isolantes e fusionais, equivaleriam a lexemas livres.
Para Mairal e Gil (2006), a descrição tipológica de línguas individuais auxiliam na
postulação de tendências tipológicas universais que levam ao aperfeiçoamento da teoria
linguística e das implicaturas semântico-gramaticais subjacentes aos fenômenos
morfossintáticos gerais da linguagem humana. Além disso, a descrição de sistemas
linguísticos extintos, como o Dzubukuá, representa um resgate de uma parte central da
herança cultural dos seus falantes, descendentes de toda a humanidade; e em cuja língua
encontram-se incorporadas suas tradições culturais e sabedoria (PAYNE, 1997).
Embora o presente estudo realizado até aqui, e cujos resultados foram descritos neste
trabalho, não esgota as possibilidades interpretativas sobre o Dzubukuá. Espera-se que ele
tenha contribuído para o conhecimento mais aprofundado da família e da língua Karirí e que
abra caminhos para pesquisas e estudos futuros.
384
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APÊNDICE
LISTA DE ITENS
Abaixo segue uma lista de itens do Dzubukuá utilizados nos exemplos apresentados
neste trabalho. A título de exposição, eles foram dispostos de duas formas: a primeira traz os
itens do Dzubukuá seguidos de seus respectivos significados em Português e a segunda, em
sentido inverso, reúne os itens em Português seguidos de suas correspondências em
Dzubukuá.
DZUBUKUÁ-PORTUGUÊS
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/g/
157.: feijão
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171.: superstição
404
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268.: mau
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317.: cobra
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337.: agradecer
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381.: lagoa
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471.: amar
472.: calar
473.: veneno
474.: sol
475.: sabre
476.: perguntar
477.: queimar
479.: imitar
480.: mandar
482.: nora
483.: dormir
484.: sofrer
485.: caminho
413
PORTUGUÊS-DZUBUKUÁ
<A>
<B>
<C>
127.crer:
<D>
<E>
186.esquerda:
418
<F>
<G>
<H>
<I>
255.interior:
420
<J>
<L>
277.livrar:
<M>
301.moço:
<N>
<O>
<P>
360.pessoa: -
376.pouco: -
<Q>
<R>
409.remédio:
<S>
<T>
463.tempo: -
468.testa:
469.testemunhar:
470.tio:
471.tirar:
472.tísica:
473.todo:
475.totalidade:
476.trabalhar:
477.transmitir:
478.tremer:
479.três:
480.trincheira:
481.tudo:
427
<U>
482.um:
483.urucu:
<V>
484.vara:
485.varrer:
486.veia:
487.veneno:
488.ventre:
489.ver:
490.ver:
491.verdade:
492.vermelho:
493.vinho:
495.vir:
496.viver: