Pobreza em Moçambique

Fazer download em docx, pdf ou txt
Fazer download em docx, pdf ou txt
Você está na página 1de 55

Análise da pobreza em Moçambique*

Situação da pobreza dos agregados familiares, malnutrição infantil e outros


indicadores 1997, 2003, 2009

Bart van den Boom

Março de 2011
*
Esta é a segunda parte da revisão documental da "Análise da Pobreza em Moçambique", um estudo para o
grupo de doadores bilaterais (G19) realizado através de um acordo com Embaixada do Reino dos Países Baixos
em Maputo. Os termos de referência e a primeira parte do estudo, constam do Anexo 3. Esta última consistiu de
uma breve avaliação do relatório "Pobreza e Bem-Estar em Moçambique: Terceira Avaliação Nacional da
Pobreza" (MPD-DNEAP, 2010). Esta segunda parte tem como objectivo fornecer uma análise aprofundada do
padrão de pobreza desde 1997, baseada principalmente em três inquéritos de grande escala aos agregados
familiares, que também formam a espinha dorsal do relatório MPD-DNEAP.

Correspondência: Bart van den Boom, SOW-VU, Centre for World Food Studies, VU University, Amsterdam,
The Netherlands, [email protected]:[email protected].
ii

Agradecimentos

Este relatório foi preparado sob a supervisão do Vasco Molini (Banco Mundial, Maputo),
com orientação adicional de Thomas Kring (PNUD, Maputo) e com a assistência de Alex
Halsema (Centre for World Food Studies, da VU University, Amsterdam). Agradecemos o
apoio Embaixada do Reino dos Países Baixos em Maputo, onde o relatório foi apresentado
em 23 de Fevereiro de 2011. Devemos um muito obrigado ao Vasco Molini por iniciar e
facilitar o trabalho, a Christine Pirenne (Embaixada Holandesa em Maputo) por organizar e
presidir à reunião, e a Thomas Kring por presidir a uma outra reunião no ACNUR em 24 de
Fevereiro de 2011. Gostaríamos também de agradecer aos participantes pelas suas
observações estimulantes e a Keyzer Michiel (Centre for World Food Studies, VU University
Amsterdam) e Elbers Chris (Departamento de Economia da VU University Amsterdam)
pelos comentários a uma versão anterior.
iii

Resumo

Três "Avaliações Nacionais da Pobreza" consecutivas realizadas para Moçambique forneceram


um manancial de informações sobre os padrões da pobreza e suas alterações no período recente
de 1997-2009. Este relatório analisa as evidências, observando uma incongruência marcante nos
padrões de pobreza ao longo do tempo, bem como nos diversos grupos populacionais e
províncias. Por exemplo, a avaliação concluiu que a incidência da pobreza diminuiu
acentuadamente de 69% em 1997 para 54% em 2003, mas manteve-se praticamente a mesma no
período recente de 2003-2009 (de 54,1% para 54,7%). No entanto, a economia apresentou taxas
altas de crescimento sustentado e há pouca evidência de que a distribuição da renda tenha
mudado dramaticamente. Também a posição de Maputo apareceu extraordinária no sentido de
que a pobreza na Cidade de Maputo era quase tão alta como em várias outras partes do país, e que
a província de Maputo se classificava entre as províncias mais pobres, enquanto que, de um modo
mais geral, a dimensão rural-urbana apareceu muito menos manifesta do que se poderia esperar.
Além disso, a ligação entre a situação de pobreza dos agregados familiares, por um lado - em
termos de deficiência de consumo - e a presença de crianças malnutridas e a falta de recursos por
outro lado, parecia bastante fraca. O relatório investiga a situação de pobreza dos agregados
familiares e afirma que os padrões inesperados podem ser parcialmente atribuídos à escolha de
uma linha de pobreza de um espectro de linhas teoricamente admissíveis. A comparação das
linhas de pobreza contexto específico dinamicamente ajustadas usadas nas avaliações com uma
única linha nacional de pobreza - uma referência comummente usada - mostra que esta leva a
resultados que estão mais em linha com as expectativas. As novas estimativas indicam uma
redução da pobreza de 70% em 1997 para 61% em 2003, e uma subsequente melhoria a um ritmo
inferior para 57% em 2009; a incidência da pobreza é relativamente baixa em Maputo, mais
consistente a nível provincial, muito maior na área rural e mais em linha com outras dimensões da
pobreza.
iv

Análise da pobreza em Moçambique†

Situação da pobreza dos agregados familiares, malnutrição infantil e outros


indicadores 1997, 2003, 2009

Agradecimentos ii

Este relatório foi preparado sob a supervisão do Vasco Molini (Banco Mundial, Maputo), com
orientação adicional de Thomas Kring (PNUD, Maputo) e com a assistência de Alex Halsema
(Centre for World Food Studies, da VU University, Amsterdam). Agradecemos o apoio
Embaixada do Reino dos Países Baixos em Maputo, onde o relatório foi apresentado em 23 de
Fevereiro de 2011. Devemos um muito obrigado ao Vasco Molini por iniciar e facilitar o
trabalho, a Christine Pirenne (Embaixada Holandesa em Maputo) por organizar e presidir à
reunião, e a Thomas Kring por presidir a uma outra reunião no ACNUR em 24 de Fevereiro de
2011. Gostaríamos também de agradecer aos participantes pelas suas observações estimulantes e
a Keyzer Michiel (Centre for World Food Studies, VU University Amsterdam) e Elbers Chris
(Departamento de Economia da VU University Amsterdam) pelos comentários a uma versão
anterior. ii

Resumo iii

1 Introdução 1

2 Padrões de pobreza emergentes das três avaliações nacionais da pobreza 4


2.1 Riqueza de informação nos inquéritos consecutivos aos agregados familiares 4
2.2 Dinâmica da pobreza e a sua dimensão urbano-rural 5
2.3 Incidência da pobreza por província 7
2.4 Estado nutricional das crianças com menos de cinco anos de idade 9
2.5 Alimentos como uma parte no consumo total e outros correlatos da pobreza 13

3 Possível impacto das linhas de pobreza na avaliação da pobreza em Moçambique 15


3.1 Linha de pobreza do custo das necessidades básicas 15
3.2 Dois lados do espectro: linhas nacionais de pobreza versus linhas de contexto
específico 19
3.3 Prós e contras das linhas nacionais de pobreza versus linhas de contexto específico 21


Esta é a segunda parte da revisão documental da "Análise da Pobreza em Moçambique", um estudo para o
grupo de doadores bilaterais (G19) realizado através de um acordo com Embaixada do Reino dos Países Baixos
em Maputo. Os termos de referência e a primeira parte do estudo, constam do Anexo 3. Esta última consistiu de
uma breve avaliação do relatório "Pobreza e Bem-Estar em Moçambique: Terceira Avaliação Nacional da
Pobreza" (MPD-DNEAP, 2010). Esta segunda parte tem como objectivo fornecer uma análise aprofundada do
padrão de pobreza desde 1997, baseada principalmente em três inquéritos de grande escala aos agregados
familiares, que também formam a espinha dorsal do relatório MPD-DNEAP.

Correspondência: Bart van den Boom, SOW-VU, Centre for World Food Studies, VU University, Amsterdam,
The Netherlands, [email protected]:[email protected].
v

4 Mudanças marcantes dos padrões de pobreza 23


4.1 A dinâmica e as disparidades urbano-rurais e provinciais estão mais de acordo com o
esperado 23
4.2 A relação entre o estado da pobreza, malnutrição e outros indicadores é mais forte 25

5 Discussão 26
5.1 Principal constatação 26
5.2 Análise da pobreza 28

6 Conclusão 31

Referências 34

ANEXO 1: Mapas 37

ANEXO 2: Tabelas 40

ANEXO 3: Breve análise do relatório da 3ª avaliação nacional da pobreza 45


1

1 Introdução

A história recente de Moçambique tem sido de uma luta contínua pelo desenvolvimento. Logo
depois do país ter ganho a independência em 1975, teve lugar uma perturbação civil que levou a
uma guerra civil, que durou mais de 15 anos. Esta terminou com o cessar-fogo em 1992, e uma
posterior transição para a democracia multipartidária em 1994.
Previsivelmente, o caminho do desenvolvimento de Moçambique foi pavimentado por reais
desafios, incluindo as complexidades envolvidas na recuperação pós-conflito, a construção da paz
e da governação partilhada. Um outro grande desafio de igual dimensão diz respeito ao padrão de
vida excepcionalmente baixo da maioria da população. A prevalência da pobreza é elevada em
todo o país, nomeadamente a inadequação do consumo e das condições de saúde e nutrição. Além
disso, as famílias estão vulneráveis a vários riscos, nomeadamente o risco que está associado com
as grandes cheias do rio Zambeze, que destroem as colheitas, casas e infra-estruturas, e os riscos
causados pelo aumento da epidemia do HIV / SIDA que cobra um alto preço em termos de óbitos
na primeira infância e de crianças que ficam órfãs.
Na verdade, ainda hoje Moçambique é considerado como um dos países mais pobres e
menos desenvolvidos. Isso reflecte-se no facto de Moçambique se encontrar situado nos últimos
lugares em várias listas de países classificados de acordo com o seu nível de desenvolvimento.
Por exemplo, Moçambique é número 197 de 210 no “ranking” de países por nível de renda ““per
capita”” (World Bank, 2010). Da mesma forma, numa lista do Banco Mundial de países que
foram classificados em termos de riqueza “per capita”, Moçambique ocupa a posição 139 de um
total de 152, enquanto que sua posição é nº 177 de entre os 195 países na lista das Nações Unidas,
ao aumentar a sua taxa de mortalidade de crianças com menos de 5 anos de idade (ONU, 2010).
Da mesma forma, na lista dos países africanos classificados pelo seu Índice de Desenvolvimento
Humano, apenas o Burundi, o Níger, o Congo e o Zimbabwe têm um índice ainda menor.
O presente estudo apresenta uma análise dos padrões actuais da pobreza em Moçambique.
O ponto de partida são os três grandes inquéritos consecutivos aos agregados familiares, que
fornecem uma riqueza de informação sobre os padrões da pobreza e as suas alterações na história
recente (INE, 1998, 2004, 2010). Com base nesses mesmos inquéritos, três "Avaliações
Nacionais da Pobreza" confirmaram que, apesar de se terem operado importantes melhorias, a
pobreza continua a grassar no país (MPF / UEM / IFPRI, 1998; MPF / IFPRI / PU, 2004; MPD-
DNEAP , 2010). Contudo, o retrato que emerge dessas avaliações da pobreza não é unívoco e em
um certo sentido inesperado. Em particular, quando se olha para a medida principal da pobreza –
a deficiência de consumo “per capita” - parece que a dinâmica da pobreza nacional e a dimensão
rural-urbana e provincial da pobreza se encontram um tanto em desacordo com a intuição,
2

embora a evidência sugira que a relação entre a situação de pobreza do agregado familiar, por um
lado e outros indicadores comummente utilizados de padrão de vida, por outro lado, deixe muito
a desejar.
Para tratar essas questões e explorar as suas implicações, o relatório procede da seguinte
forma. Após resumir as constatações nas avaliações nacionais da pobreza e sublinhando a
imagem que delas emerge (Secção 2), olhamos com mais atenção para as razões que poderiam
explicar a incongruência relevante dos padrões de pobreza ao longo do tempo, bem como em
vários grupos populacionais, províncias e localidades urbanas e rurais (Secção 3).
Especificamente, esta secção contém uma breve análise da metodologia para identificar e calcular
as linhas de pobreza (Ravallion, 2010a). Seguindo a prática em Moçambique, o enfoque será na
abordagem do Custo das Necessidades Básicas, e nos pressupostos sobre o grupo de agregados
familiares sobre os quais um certo custo estimado empiricamente se aplica. Desde já se deve
dizer que as avaliações nacionais da pobreza utilizam os preços locais (valores da unidade do
agregado familiar) e padrões de consumo local e dinâmicos ("cabaz flexível ajustado"), o que
acarreta muitas linhas de pobreza de contexto específico1 (Tarp et al, 2002;. Arndt e Simler,
2010). A avaliação resultante é única em África no sentido de que a linha de pobreza tem uma
especificidade incomum. Com efeito, de um ponto de vista teórico, as linhas de pobreza de
contexto específico podem ajudar a determinar o estado de pobreza dos agregados familiares com
mais precisão. Por exemplo, supondo que um agregado familiar num ambiente de alto custo
económico (cidade) está à beira da pobreza a um certo nível de despesas, um agregado familiar
semelhante com um mesmo nível das despesas pode ser não-pobre num ambiente de baixo custo
(aldeia). Ao mesmo tempo, a especificidade das linhas de pobreza também pode vir com um
custo, nomeadamente, uma certa perda de consistência e robustez. Por exemplo, pode acontecer
que os dados disponíveis sobrestimem grosseiramente a diferença urbano-rural no custo de vida e
no padrão de vida, o que pode levar a uma situação que muitos agregados familiares na aldeia
sejam erradamente classificados como agregados familiares não-pobres e muitos na cidade como
pobres. Como demonstrado por Ravallion e Bidani (1994) para o caso da Indonésia, isso pode
levar a uma inversão completa da dimensão urbana e rural da pobreza.

1
A primeira avaliação da pobreza emprega 13 linhas diferentes de pobreza, com base nos preços locais e nos
padrões de consumo local observados no inquérito IAF 1996/97 (Niassa e Cabo Delgado, rural e urbano;
Nampula, rural e urbano; Sofala e Zambézia, rural e urbano; Manica e Tete, urbano e rural; Gaza e Inhambane,
rural e urbano, Província de Maputo, rural e urbano; Cidade de Maputo). Para a segunda avaliação, cada uma
destas linhas é ajustada de acordo com as mudanças dos preços locais e os padrões de consumo local observados
no inquérito subsequente IAF 2002/03, enquanto que a terceira avaliação emprega um outro conjunto de 13
linhas de pobreza estimadas usando o inquérito IOF 2008 / 09.
3

Em vista dos padrões inesperados de pobreza (Secção 2) e a possibilidade de que os


resultados sejam sensíveis às especificidades da linha de pobreza e às limitações relevantes de
dados (Secção 3), o significado desta sensibilidade é investigado na Secção 4. Isto é feito fazendo
uma comparação entre os padrões de pobreza resultantes dos " cabazes flexíveis ajustados " e os
padrões que emergem quando se utiliza uma abordagem do outro lado do espectro de
especificidade. Esta última é uma abordagem comum em muitos países (Asra e Santos-Francisco
2001; Ravallion, 2010B) e será referida como a abordagem do "cabaz fixo com preço fixo".
Identifica uma linha única nacional de pobreza para cada ano do inquérito, calculada como o
custo de um cabaz único de necessidades básicas avaliadas num único conjunto de preços que
prevaleceu nesse ano particular. Os resultados deste teste de robustez são impressionantes;
usando a abordagem do "cabaz fixo com preço fixo" para calcular as linhas de pobreza, a
dinâmica da pobreza nacional e as suas disparidades urbano-rurais e provinciais aparecem mais
em linha com as expectativas, enquanto que a relação entre a situação de pobreza dos agregados
familiares e outros indicadores de bem-estar nos inquéritos aparecem muito mais apertados. Esse
maior poder distintivo da linha nacional de pobreza é corroborado por evidências de outras fontes
de dados.
A Secção 5 discute estes resultados empíricos à luz da literatura e do debate em curso sobre
estratégias de redução da pobreza em Moçambique. Será argumentado que algumas ressalvas se
aplicam à prática actual de utilizar várias linhas de pobreza de contexto específico, em vez de
uma única nacional. Os resultados neste relatório sugerem que, a menos que as linhas de pobreza
de contexto específico sejam testadas contra linhas mais agregadas, a cura (ou seja, adicionando
especificidades ao custo de vida para grupos de agregados familiares) pode ser pior que a doença
(isto é, aplicando o mesmo custo de vida para os agregados familiares cujo real custo de vida é
diferente). Marcadamente, no caso de Moçambique, a distorção urbana das linhas de pobreza de
contexto específico pode muito bem levar a uma grosseira sobrestima da pobreza em Maputo e
uma grosseira subestimação do fosso rural-urbano (ver também Maia e Van den Berg, 2010).
A Secção final, Secção 6, conclui. Analisa brevemente as implicações de políticas e a
agenda de pesquisa que podem fortalecer a análise da pobreza em Moçambique. Como a
literatura e a experiência em muitos países tem demonstrado, uma análise aprofundada dos
padrões de pobreza e uma compreensão da complexidade multi-dimensional dos perfis de
pobreza pode ser de grande ajuda para monitorar, dirigir e descentralizar os esforços de redução
da pobreza do governo e da comunidade de doadores, para avaliar os efeitos que choques
económicos e intervenções têm sobre os mais pobres e, finalmente, para informar o público sobre
o progresso que tem sido feito em várias dimensões da pobreza.
4

2 Padrões de pobreza emergentes das três avaliações nacionais da pobreza

2.1 Riqueza de informação nos inquéritos consecutivos aos agregados familiares

As três "Avaliações Nacionais consecutivas da Pobreza" em Moçambique ofereceram uma


riqueza de informações sobre os padrões de pobreza e as suas alterações na história recente. As
avaliações empregam como sua fonte principal de dados, os ricos dados dos três inquéritos em
grande escala aos agregados familiares realizados em 1996/97, em 2002/03 e 2008/09- e
confirmam que, apesar de importantes melhorias terem sido feitas, a pobreza ainda é generalizada
no país.
Os dados encerram um amplo conjunto de indicadores de pobreza para cerca de oito a dez
mil agregados familiares em todo Moçambique e, por causa da base de amostragem e a inclusão
de pesos da população extraídos do Censo Populacional (INE, 2010a), os números podem ser
expandidos para números que são representativos tanto a nível nacional como a nível provincial2.
Os indicadores de pobreza que são capturados incluem os detalhes dos padrões de consumo dos
agregados familiares - a compra de alimentos, alimentos produzidos em casa e despesas não-
alimentares, bem como das características da sua habitação, educação, saúde e o emprego dos
seus membros e, por último mas não menos importante, a altura e o peso de crianças menores de
cinco anos de idade (ver INE, 1998a, 2004, 2010B para uma descrição detalhada dos inquéritos).
Porque os inquéritos consecutivos formam a mais completa fonte de dados sobre os
recentes padrões de pobreza em Moçambique, este estudo concentrar-se-á sobre essa fonte,
considerando também o facto de que esta é a principal fonte de dados considerados nas três
avaliações nacionais da pobreza. Da mesma forma, seguimos a prática actual em Moçambique de
ter uma visão multi-dimensional e tentar testar a validade do quadro de pobreza que emerge da
fonte principal de dados. Para isso voltar-nos-emos também brevemente para outras fontes, tais
como, o Inquérito Demográfico e de Saúde e o Inquérito de Indicadores Múltiplos agregados, e o
Estudo Nacional de Mortalidade Infantil sobre as condições das mães e das crianças (INE, 1998b,
2004b; INE /UNICEF 2009; INE /MdS 2010B).

2
As amostras dos três inquéritos são grandes e geograficamente muito bem equilibradas (respectivamente, cerca
de 42.700, 44.100 e 51.100 indivíduos em cerca de 8.250, 8.700 e 10.800 agregados familiares em todo o país).
Apenas 1 em 146 distritos está ausente na amostra de 2009, apenas 2 em 2003 e 18 em 1997. A nível das 11
províncias, a população está convenientemente representada em cada amostra, enquanto que o peso de
amostragem do censo foi aplicado para se obter resultados que sejam representativos da população em geral.
Ver a tabela A2.1 do Anexo 2, que contém as tabulações dos dados que fundamentam os números apresentados
no texto principal.
5

2.2 Dinâmica da pobreza e a sua dimensão urbano-rural

Como ponto de partida vamos resumir as principais conclusões, nas três avaliações
nacionais da pobreza. Como já mencionado, os padrões de pobreza que surgem são num certo
sentido inesperados. Em especial, quando se olha para a principal medida de pobreza - que é a
deficiência do consumo dos agregados familiares, medida em termos de consumo “per capita”
abaixo de uma certa linha de pobreza - parece que alguns resultados estão em desacordo com a
intuição, enquanto que outros resultados indicam que a relação entre a situação da pobreza do
agregado familiar e os indicadores comummente utilizados de padrões de vida, tais como estado
nutricional das crianças, propriedade de bens e a parte da alimentação no consumo total de deixa
muito a desejar.
Para ilustrar isto, considere um resultado contra-intuitivo relativo à evolução da pobreza
durante os dois períodos de seis anos entre dois inquéritos consecutivos.

Figura1: Evolução da pobreza em Moçambique, 1996/97, 2002/03 e 2008/09


(incidência, % do total da população)

Como indicado na figura 1 pela linha azul - a linha vermelha será discutida na Secção 4 e pode
ser ignorada neste momento3 - concluiu-se que a prevalência da pobreza em Moçambique reduziu
acentuadamente no primeiro período de 1997-2003 (de 69% para 54%), mas manteve-se
praticamente na mesma no período recente de 2003 a 2009, mesmo com um ligeiro aumento (de
54,1% para 54,7%). No entanto, na última década a economia apresentou um crescimento

3
As linhas e as barras azuis nesta figura e em todas as figuras subsequentes ilustram os resultados que estão de
acordo com incidência da pobreza nas três avaliações nacionais da pobreza. As linhas e as barras vermelhas nas
mesmas figuras ilustram os resultados depois de substituir as linhas de pobreza de contexto específico por uma
linha nacional de pobreza, ver a Secção 3. A comparação entre as duas é adiada para a Secção 4.
6

económico anual sustentado de até 8% (PNUD, 2009), enquanto que, apesar de um aumento
moderado na desigualdade, haver pouca evidência de que a distribuição de renda tenha mudado
dramaticamente (James et al., 2005).
A dimensão rural-urbana é outro caso onde os resultados parecem ser fora do comum, ver
figura 2, e mais uma vez, considere apenas as linhas azuis.

Figura2: Evolução da pobreza rural e urbana


(incidência, % da população total)

Verificou-se que a incidência da pobreza nas zonas rurais em Moçambique não é muito maior em
comparação com as zonas urbanas, enquanto que nos países da África Sub-saariana a pobreza
rural é geralmente cerca de duas ou três vezes maior. Por exemplo, no Gana, a pobreza rural é de
39% em comparação com 11% na área urbana, e no Uganda 34% em comparação com 14% e no
Quénia, 50% em comparação com 32%, ver World Bank (2011). Como pode ser visto na figura,
para Moçambique, a recente avaliação classificou cerca de 50% da população urbana como pobre
comparado com 57% da população rural, enquanto que em 2003 essa diferença é ainda menor:
52% de pobreza na área urbana e 55% na área rural. Além disso, a redução da pobreza no
primeiro período, avançou a um ritmo ligeiramente menor na área urbana (pobreza urbana de
61% para 51%; pobreza rural de 72% para 55%), ao mesmo tempo que continuou o declínio no
segundo período, embora a uma velocidade muito baixa (de 51,5% para 49,6%). A diminuição da
pobreza rural no primeiro período é ainda mais extraordinária, mas, ao contrário da pobreza
7

urbana, constatou-se que a pobreza rural aumentou um pouco no segundo período (de 55% para
57%).

2.3 Incidência da pobreza por província

Como se vê nos três painéis superiores da figura 3, as diferenças por província são
igualmente surpreendentes (barras em azul; recorde-se que as barras vermelhas nos painéis
inferiores serão discutidas na Secção 4 e podem ser ignoradas por enquanto). No inquérito
recente, a incidência da pobreza é menor no Niassa, Maputo Cidade e Cabo Delgado (em 32, 36 e
37%, respectivamente), seguido de Tete (42%) e Nampula (55%). A posição de Maputo é notável
no sentido de que a pobreza é quase tão alta como em diversas outras partes do país. Em outros
países africanos, a posição relativa da capital está consistentemente no topo.
Além disso, a comparação dos números da pobreza nas províncias e as classificações da
pobreza ao longo do tempo mostram um padrão incomum, especialmente porque as três amostras
foram concebidas para serem representativas a nível provincial. Durante os dois períodos
consecutivos de seis anos de 1997 a 2003 e 2003 a 2009, algumas províncias viram oscilações da
incidência da pobreza de mais de 20 por cento de pontos para cima e para baixo com uma
contínua reclassificação das províncias ao longo dos três inquéritos. Por exemplo, enquanto que
Sofala apareceu como a província mais pobre em 1997 (incidência da pobreza 88%) tornou-se a
província menos pobre em 2003 (36%) e era medianamente pobre em 2009 (58%). Outro
exemplo é Niassa, onde os números mostram um notável sucesso, de uma classificação entre as
províncias mais pobres em 1997 (71%) para uma posição intermediária em 2003 (52%) e uma
posição de topo no mais recente inquérito 2009 (32%). Um outro número notável diz respeito ao
empobrecimento da Cidade de Maputo entre 1997 e 2003 (de 47% para 54%) durante um período
em que a pobreza diminuiu significativamente em todas as outras províncias, excepto Cabo
Delgado.
Em outros países africanos, a posição da capital e a classificação das províncias em termos
de incidência de pobreza são geralmente muito mais robustas. Mesmo se factores externos
específicos das províncias, tais como secas, ciclones, doenças das culturas e choques de preços
são levados em conta, parece um assunto complicado explicar a amplitude das taxas provinciais
da pobreza em Moçambique.
8

Figura 3: Evolução da pobreza por província (incidência, % do total da população)


1996/97 2002/03 2008/09
9

2.4 Estado nutricional das crianças com menos de cinco anos de idade

O quadro que emerge das três avaliações da pobreza também é notável quando os dados da
pobreza (consumo) são comparados com os outros (não monetários), os indicadores de pobreza
dos ODM para os quais foram colectados dados nas rondas consecutivas de inquéritos e em
outros inquéritos que abrangem o mesmo período. Parece que a situação de pobreza dos
agregados familiares está apenas fracamente correlacionada com outros indicadores.
No que respeita a isto, o estado nutricional das crianças menores de cinco anos de idade é
frequentemente utilizado como um monitor importante para o sucesso dos esforços de redução da
pobreza. A partir dos dados sobre a idade, altura e peso, calculamos a medida usual para a
desnutrição crónica, insuficiência de peso, e desnutrição aguda por meio de curvas de
crescimento padrão (OMS, 2007). A Figura 4 mostra a evolução recente da desnutrição crónica e
insuficiência de peso. A figura mostra os resultados da antropometria infantil colectados como
parte dos inquéritos aos orçamentos de 1997 e 2009, (INE, 1998a; INE 2010a), enquanto
informações adicionais são tiradas do Inquérito Demográfico e de Saúde - e do Inquérito de
Indicadores Múltiplos Agregados (INE, 1998b, 2004b; INE / UNICEF, 2009). Estes últimos três
inquéritos são especialmente interessantes para uma avaliação do estado nutricional das crianças
e dos padrões de pobreza em Moçambique, porque o tempo mais ou menos coincide com os
inquéritos do orçamento. Assim, podemos colocar lado a lado os números do DHS1997 e do
MICS2008 com aqueles dos IAF1997 e IOF2009 e, mais interessante, podemos usar o DHS2003
para ver como o estado nutricional das crianças menores de cinco anos de idade evoluiu entre
1997 e 2008.
Como indicam as barras amarelas e azul claro, cerca de 45% dos menores de cinco anos
sofriam de desnutrição crónica em 2009 (ou seja, tinham uma altura-para-idade muito baixa),
uma melhoria em relação a 49% em 1997. Estas taxas de subnutrição estão entre as mais altas do
mundo. Os valores para as crianças com baixo peso para a idade mostram uma melhoria mais
notável de 25% em 1997 para 19% em 2009 (barras castanhas). Os números correspondentes do
DHS / MICS estão muito próximos destes valores e as diferenças podem ser atribuídas às
diferenças na estrutura de tempo dos inquéritos (ver Figura 3-12 na MPD-DNEAP, 2010).
10

Figura 4: Evolução da desnutrição crónica e baixo peso em Moçambique


(incidência, % de crianças com menos de cinco anos de idade com pontuação Z-
−2 e menos)

A característica que mais chama à atenção que surge da Figura 4 é a evolução da desnutrição
crónica e insuficiência de peso observada nos números do DHS / MICS que estão disponíveis
para os três anos. Olhando para a desnutrição crónica (as três barras amarelas), podia parecer que
o progresso é lento, mas também que a situação no período recente mostra um pouco mais de
progresso. Olhando para a insuficiência de peso (as barras verde escuro), parece que durante a
primeira parte do período de 1997 a 2009, a situação melhorou significativamente, enquanto que
depois de 2003, a melhoria continuou num ritmo mais lento. Vale a pena comparar estas
tendências com a tendência da pobreza na Figura 1 (linha azul). Há uma espécie de incongruência
no sentido de que a última tendência indica que a redução da pobreza teria paralisado nos últimos
anos, enquanto que as tendências da subnutrição continuam a mostrar algumas melhorias.
11

Como um outro exemplo desta incongruência, na Figura 5, calculamos os padrões espaciais da


malnutrição infantil como aparecem no inquérito mais recente, com o gradiente seguindo a
prevalência da insuficiência de peso do nível mais alto em Cabo Delgado, para os níveis
relativamente baixos em Maputo. Dados os padrões de pobreza em termos de deficiência de
consumo (Figuras 1, 2 e 3) e em termos de subnutrição infantil (Figura 4 e 5) não constitui
surpresa que a relação entre pobreza de consumo e a malnutrição não podem ser estabelecidos
com um grande nível de confiança. Por exemplo, enquanto que Cabo Delgado surge como a
província com mais baixa incidência de pobreza em termos de consumo inadequado (Figura 3)
parece ter a maior incidência em termos de insuficiência de peso das crianças, e está entre as
províncias onde a desnutrição crónica é mais prevalecente (Figura 5).

Figura 5: Desnutrição crónica nas províncias e insuficiência de peso em Moçambique


(incidência, % de crianças com menos de cinco anos de idade com pontuação Z-
ou −2 e menos)
12

Em geral, a nível de agregado familiar, a relação entre o estado da pobreza de consumo e a


presença de crianças sub-nutridas nunca pode ser estabelecido com um grande nível de confiança,
essencialmente porque os dados de consumo são muitas vezes imprecisos e porque os resultados
nutricionais têm causas próprias relacionadas com a frequência das refeições, desperdício,
diversidade da dieta, alimentação e práticas de assistência à infância, distribuição intra-domiciliar
de alimentos e o acesso a serviços de saúde. No entanto, a nível agregado, o consumo de
alimentos “per capita” está fortemente correlacionado com a malnutrição, responsável por cerca
de metade das diferenças entre os países (World Bank, 2011). Portanto, pode-se esperar encontrar
alguma correlação a nível provincial, também por causa das amostras de dimensão considerável.
Por exemplo, para a Etiópia, Girma e Genebo (2002) encontrou-se uma alta elasticidade da
prevalência da desnutrição crónica em relação à situação económica dos agregados familiares,
com 54% de desnutrição crónica nas famílias mais pobres e 26% nas mais ricas. Da mesma
forma, num estudo sobre o Bangladesh, Rahman et al. (2009) constatou que, sendo que noutras
coisas eram iguais, as mães que ganham um salário tinham duas vezes e meia mais
probabilidades de ter crianças saudáveis e com bom peso do que as mães sem renda em dinheiro.
Como ilustrado pelas barras azuis da Figura 6 abaixo (mais uma vez, a discussão sobre as
barras vermelhas é adiada para a Secção 4), uma correlação semelhante entre a pobreza e a
malnutrição infantil não pode ser encontrada nas avaliações da pobreza (ver também Figura 3-10
no MPD-DNEAP de 2010, mostrando que a subnutrição infantil praticamente não está
relacionada com o estado de pobreza). Para os agregados familiares com crianças mais novas,
cerca de metade dos agregados familiares, o coeficiente de correlação entre o seu estado de
pobreza e ter filhos que sofrem de desnutrição crónica é de uns meros 0,026. Estatisticamente,
esta correlação é insignificante no intervalo de confiança de 10%, o que significa que se poderia
muito bem dizer que a relação é nula. Agregando informações dos agregados a nível distrital, a
correlação entre a incidência da pobreza e a incidência de subnutrição aparece igualmente baixa e
sem nenhum significado estatístico, enquanto que a nível provincial, a relação praticamente
desaparece.
A presença de crianças com insuficiência de peso tem de uma certa forma uma correlação
um pouco maior com o estado de pobreza do agregado familiar (ver a barra azul na parte
esquerda da Figura 6) e é estatisticamente significante a nível de 5%. O coeficiente de correlação
é igual a 0,034 e torna-se maior 0,157 e 0,163 ao nível dos distritos e das províncias,
respectivamente. No entanto, mais uma vez, a relação perde o seu significado a níveis agregados
e portanto, é menos estreita do que se poderia esperar com base na evidência de outros países de
África.
13

Figura 6: Situação de pobreza e malnutrição, 2009


(Coeficientes de correlação de Pearson)

2.5 Alimentos como uma parte no consumo total e outros correlatos da pobreza

A parte dos alimentos no consumo total dá uma indicação da preocupação do agregado


familiar com suas necessidades básicas, enquanto que a parte do auto-consumo na alimentação
total mostra até que ponto as famílias dependem da agricultura de subsistência de baixa
produtividade. Estas duas características são frequentemente reflexo de comunidades
empobrecidas e, como tal, podem ser úteis como um indicador de pobreza (Schmidt, 2009). As
barras azuis na Figura 7 na página seguinte mostram estas participações e a sua relação com o
estado de pobreza do agregado familiar (ver secção 4 para uma discussão sobre as barras
vermelhas). Nesta pontuação também, parece que a correlação é inesperadamente baixa.

Dada esta análise, não é surpresa nenhuma que a relação entre a situação de pobreza
(consumo) por um lado e outras restantes medidas que são indicativas do padrão de vida do
agregado familiar seja considerada igualmente fraca. Como ilustração final, analisando os dados
14

do último inquérito, as barras azuis da Figura 8 mostram a baixa correlação com a alfabetização
do chefe do agregado familiar e a posse de bens domésticos seleccionados duradouros.

Figura 7: Parte alimentar (na % do consumo total), parte da subsistência (na % da


alimentação total) e a sua relação com a situação da pobreza (Coeficientes de correlação de
Pearson)
15

Figura 8: Situação da pobreza e indicadores seleccionados de bem-estar


(Coeficientes de correlação de Pearson)

3 Possível impacto das linhas de pobreza na avaliação da pobreza em Moçambique

Os padrões da pobreza (consumo) em Moçambique, tal como surgem das três avaliações
nacionais da pobreza parecem bastante inesperados em vários casos ilustrados na secção anterior.
Além disso, as relações entre a situação de pobreza dos agregados familiares e outros indicadores
de bem-estar parecem bastante fracos. Isto merece uma investigação suplementar dos factores que
podem explicar esta situação, sobretudo tendo em conta o papel que desempenham os índices da
pobreza na monitoria, desenho e avaliação dos esforços de desenvolvimento.

3.1 Linha de pobreza do custo das necessidades básicas

A linha de pobreza é um dos factores que podem ter impacto sobre os padrões de pobreza e,
como argumentaremos abaixo, isso pode de facto explicar algumas das incongruências relevantes
dos padrões ao longo do tempo, bem como sobre os diversos grupos populacionais, províncias e
zonas urbanas e rurais.
16

De acordo com Ravallion (2010a), a linha de pobreza é definida como a métrica do valor
monetário que um agregado particular necessitaria para alcançar um padrão de vida mínimo, num
determinado local e num determinado ano. Apesar do consenso geral sobre esta definição, na
prática, pode levar a valores muito diferentes, que vão desde o PPP-dólar-por-dia por um lado -
talvez o proxy mais credível do nível mínimo de consumo global – até ao custo local de um cabaz
específico, por outro lado - provavelmente o melhor proxy para comparar o custo das
necessidades básicas num país. A disponibilidade de dados detalhados de consumo dos inquéritos
recorrentes aos agregados familiares provocou várias aplicações deste último tipo de linhas de
pobreza, e esse é o caso de Moçambique.
As comparações de pobreza de um modo geral estão relacionadas com a definição das
necessidades básicas tais como os alimentos considerados necessários para alcançar um requisito
mínimo de calorias na dieta, mais um orçamento para cobrir os bens não-alimentares. As
comparações devem também ser receptivas às características dos dados, tais como a medição das
quantidades de consumo e dos valores unitários para os alimentos produzidos em casa. Estes
aspectos podem desafiar a robustez da estimativa da pobreza. Por exemplo, no caso da Indonésia,
Ravallion e Bidani (1994) discutem as implicações das linhas de pobreza alternativas. Eles
comparam os resultados das linhas de pobreza com base nos cabazes locais para cada província,
separadamente calculados para as áreas rurais e urbanas com o resultado de uma única linha de
pobreza com base no cabaz dos que se encontram na situação da menor despesa “per capita”. O
quadro muda drasticamente. Nomeadamente, nas dietas específicas rural e urbana, a pobreza
urbana ultrapassa a pobreza rural, enquanto que o inverso é verdadeiro, quando se considera a
dieta alimentar nacional, sendo que a razão principal é que a variação espacial da linha de
pobreza é muito menos pronunciada quando se trata da dieta alimentar nacional.
Para o caso de Moçambique, o estudo de Tarp et al. (2002) aborda a mesma questão,
nomeadamente, a robustez dos padrões de pobreza para a escolha da linha de pobreza.
Analisando os dados do inquérito do orçamento 1997 (INE, 1998a), os autores concluem que os
padrões de pobreza com base no custo das necessidades básicas são sensíveis ao cabaz de
alimentos que é escolhido. Com poucas excepções, como uma alternativa para um único cabaz
nacional, as linhas de pobreza com base em 13 cabazes locais regionais estão associadas com
uma mudança significativa para fontes mais baratas de calorias em resposta às variações regionais
de preços (valores unitários). Porque isto poderia capturar o comportamento de demanda
localmente relevante, cabazes regionais poderiam ser preferíveis.
No entanto, ao mesmo tempo, a incidência da pobreza a nível provincial correspondente à
utilização de um único cabaz nacional pareceu ser mais robusta em termos de uma associação
mais forte com outros indicadores de bem-estar de nível provincial, como a subnutrição infantil
17

(Tarp, op. Cit. , Tabela 9), embora a associação não seja particularmente forte. A nível do
agregado familiar, a correlação entre a situação de pobreza e a presença de crianças desnutridas
parece significativa quando se utiliza o cabaz nacional, mas, surpreendentemente, é zero quando
se utilizam os cabazes regionais (Tarp, op. Cit., Tabela 10).
Outra questão diz respeito à utilização dos valores unitários médios observados nos
inquéritos do orçamento como um indicador das diferenças de preços em Moçambique. Aqui,
também o argumento é que juntar a especificidade às linhas de pobreza pode ajudar a determinar
o estado de pobreza dos agregados familiares com mais precisão. Por exemplo, supondo que um
agregado familiar num ambiente de alto custo económico (cidade) está no limiar da pobreza a um
certo nível de despesas, um agregado familiar semelhante a um mesmo nível de despesas pode ser
não-pobre num ambiente de baixo custo (aldeia). No entanto, as diferenças de preços podem
também reflectir erros de medição, e, mais importante, diferenças de qualidade. Como resultado,
as diferenças de preços são muitas vezes pouco confiáveis e grandes, e o seu uso em linhas de
pobreza espacial pode criar graves distorções nos padrões de pobreza resultantes. De facto, um
estudo recente para Moçambique considera que o grande diferencial de preços que se diz existir
entre Maputo e o resto do país, é provável que seja a fonte de distorções consideráveis, com uma
grande sobrestima da pobreza na cidade de Maputo (Maia e van den Berg, 2010).
Tudo isto sugere que uma certa especificidade da componente alimentar da linha de
pobreza pode ser preferível a partir de um ângulo teórico, mas, empiricamente, pode vir com um
custo, ou seja, uma certa perda de consistência e robustez. Pode acontecer que os dados
disponíveis sobrestimem grosseiramente a diferença urbano-rural no custo de vida e no padrão de
vida. Isso pode levar a uma mudança completa da dimensão urbana - rural causada pelo risco de
muitos agregados familiares na aldeia serem erroneamente classificados como não-pobres e, por
outro lado, muitos agregados na cidade serem erroneamente classificados como pobres. As
evidências para a Indonésia em Ravallion (1994) e para Moçambique em Tarp et al. (2002), entre
outros, indicam que esta distorção urbana está longe de ser imaginária.
Há razões para acreditar que, no caso de Moçambique, o uso de padrões de consumo
observados localmente e preços imputados localmente (valores da unidade do agregado familiar)
ser susceptível de conduzir a uma subestimação das linhas de pobreza rural e uma sobrestimação
das linhas urbanas. As linhas de pobreza rural podem ser muito baixas, como resultado do facto
de os itens consumidos nos cabazes observados não serem homogéneos e por vezes consistirem,
de vários bens ("outras hortaliças", "carne" e "peixe fresco, refrigerado ou congelado"). Portanto,
os preços relativamente baixos na área rural são susceptíveis de reflectir não só condições de
mercado, mas também uma qualidade relativamente baixa. Ao contrário, na medida em que os
18

preços mais elevados nas áreas urbanas reflectem uma maior qualidade, as linhas de pobreza
alimentar urbana são provavelmente demasiado altas.
A linha de pobreza urbana alimentar pode também ser muito alta, porque os pobres urbanos
tendem a consumir mais refeições fora de casa, para as quais a sub-notificação é mais provável
que aconteça, e que não estão no cabaz de alimentos. No caso de Moçambique esta sub-
notificação constitui de facto um problema de dados importante e fazer o ajuste disto pode ter um
grande impacto (veja MPD-DNEAP de 2010, Secção 10.6). Por exemplo, como mostra o MPD-
DNEAP (op. cit. Tabela 10-4) a incidência da pobreza muda apreciavelmente depois de uma
inflação proporcional das despesas das famílias que vivem num domínio espacial, com um déficit
aparente de calorias. Embora este ajuste para a sub-notificação pareça ter apenas um impacto
limitado sobre a incidência nacional da pobreza em geral – menos de 3 pontos percentuais - tem
consequências importantes para a incidência da pobreza na Cidade de Maputo (em 2009: caiu de
36 para 22%) e na Província de Maputo (em 2009: de 63 para 31% na área urbana e de 77 para
66% nas zonas rurais).
Outro factor que entra em jogo é a componente não alimentar da linha de pobreza. Nas
avaliações da pobreza, esta componente tem sido estimada como a proporção média do
orçamento não alimentar dos agregados cuja despesa total está perto da linha de pobreza
alimentar. Porque a parte do orçamento não alimentar parece ser muito maior na área urbana, isso
pode amplificar qualquer distorção inicial urbana nas linhas de pobreza alimentar. Mais
importante, o principal elemento que poderia criar uma distorção na comparação entre as linhas
de pobreza urbana e rural é provavelmente o facto de que os itens que são essenciais para o
padrão de vida do agregado familiar são escondidos e praticamente impossível de incluir nas
estimativas de consumo. Exemplos são a disponibilidade e o uso de torneiras públicas, transportes
públicos, mercados regulamentados e as escolas e unidades de saúde de boa qualidade. Tais
produtos são consumidos muito mais pelos pobres urbanos e aumentam claramente o seu padrão
de vida, mas raramente são incluídos no seu consumo agregado. No caso de bens não-comerciais
fornecidos publicamente, um grande problema é que é um assunto complicado para se imputar
um valor ao acesso dos agregados familiares a determinados serviços e infra-estruturas físicas e
sociais. Também o uso de bens públicos pelos agregados familiares é difícil de medir e difícil de
atribuir um preço correcto. No caso de Moçambique, este "consumo de produtos fornecidos pelo
sector público a título gratuito ou o elemento subsidiado nesses bens" é reconhecido como uma
grande omissão da medida de consumo (MPF / IFPRI / PU, 2004, página 4). Claramente, isso
poderia criar uma distorção adicional e justificaria um aumento na medida do consumo dos
agregados urbanos ou, equivalentemente, um abaixamento da linha da pobreza urbana em relação
à rural.
19

3.2 Dois lados do espectro: linhas nacionais de pobreza versus linhas de contexto
específico

Na sequência da discussão acima, e com referência à prática corrente em Moçambique,


pode-se concluir que a escolha de linhas de pobreza pode ser uma questão delicada,
especialmente quando se trata da identificação dos grupos específicos de agregados familiares aos
quais um certo custo de vida mínimo estimado empiricamente é aplicado. No caso de
Moçambique, as três avaliações nacionais da pobreza utilizaram os preços locais (valores médios
da unidade dos agregados familiares) e os padrões de consumo local, e dinâmicos ("cabaz flexível
ajustado"), o que levou a diferentes linhas de pobreza de vários contextos específicos (Arndt e
Simler , 2010) 6. A avaliação é única em África no sentido de que a linha de pobreza tem uma
especificidade incomum, com um cabaz diferente de necessidades básicas de cada um dos 13
domínios espaciais e para cada ano de acordo com os diferenciais de preços relativos.
Para introduzir algumas das questões envolvidas na identificação e cálculo das linhas de
pobreza adaptamos o quadro de Ravallion (2010) para o caso de Moçambique. Considere um
índice r que indica, por exemplo, as dez províncias divididas em área rural e urbana, ou para este
caso, os três anos consecutivos de inquérito do orçamento. Em cada domínio r , assume-se que
todos os agregados familiares são considerados semelhantes e que têm as mesmas preferências
nos diferentes cabazes, representado por um certo nível de bem-estar / utilidade / padrão de vida
que será denotado por u(q) ,, onde q  (q1 ,..., qK ) é um cabaz de quantidades consumidas
consistindo de k  1 , 2 , ..., K bens e serviços e u é uma função de utilidade com propriedades
padrão. Dependendo de onde e quando a família consome o seu cabaz q  (q1 ,..., qK ) , vamos

supor que pode comprar todos os itens contra os preços pr  ( p1r ,..., pKr ) . Finalmente, vamos
deixar u ser um padrão mínimo de vida abaixo do qual os agregados familiares são considerados
pobres, um nível que deve naturalmente ser mantido fixo em todos os domínios e todos os
agregados familiares. Então, se se conhecesse u , poder-se-ia considerar os agregados no domínio

r e seleccionar aqueles com esse padrão de vida e ver o seu consumo qr que produz u(q r)  u .
* *

Este consumo pode ser interpretado como o conjunto das necessidades básicas e, desde que todos
os produtos pudessem ser comprados no mercado ou, pelo menos, pudessem ser valorizados de
forma adequada, a linha de pobreza correspondente seria definida da seguinte forma:

6
A primeira avaliação da pobreza emprega 13 linhas diferentes de pobreza, com base nos preços locais e nos
padrões de consumo local observados no inquérito IAF 1996/97 (Niassa e Cabo Delgado, rural e urbano;
Nampula, rural e urbano; Sofala e Zambézia, rural e urbano; Manica e Tete, urbano e rural; Gaza e Inhambane,
rural e urbano, Província de Maputo, rural e urbano; Cidade de Maputo). Para a segunda avaliação, cada uma
destas linhas é ajustada de acordo com as mudanças dos preços locais e os padrões de consumo local observados
no inquérito subsequente IAF 2002/03, enquanto que a terceira avaliação emprega um outro conjunto de 13
linhas de pobreza estimadas usando o inquérito IOF 2008 / 09.
20

zr p qr *r  p
k
q .
kr kr
*
(1)

Isto é o ideal. Infelizmente, porque u não é observado, é impossível observar na realidade o


cabaz referência qr* em cada um dos domínios específicos e, daí as linhas de pobreza ideais prqr *
são também desconhecidas. Este problema básico do ideal nunca pode ser observado
directamente, mesmo se assumirmos por um momento que todos os preços pr são observados ou

imputados com precisão e que todas as quantidades consumidas qi são conhecidas também para
uma amostra i  1, 2 , ..., I de agregados familiares pobres e não pobres em todos os domínios.
Assim, as linhas de pobreza têm que ser construídas de uma forma ou outra de um
raciocínio à priori e, portanto, é difícil de evitar um certo grau de arbitrariedade. Para produtos
alimentares, um candidato óbvio seria o cabaz q que é tipicamente consumido nos segmentos

mais pobres da população e que é dimensionado para obter um determinado requisito de calorias.
Esta abordagem tem sido aplicada na maioria dos países em desenvolvimento e leva a linhas de
pobreza alimentar pr q que podem capturar as diferenças espaciais de preços, bem como a

inflação ao longo do tempo. Especificamente, ao confinar a análise a diferenciais de preços ao


longo do tempo e descartando as diferenças de preços regionais, esta abordagem identifica uma
única linha de pobreza nacional para cada ano do inquérito, calculado como o custo de um único
cabaz de necessidades básicas avaliadas num único conjunto de preços que prevaleceram nesse
ano particular. Em muitos países, após a aplicação de um determinado custo para cobrir as
despesas não alimentares, esta tem sido uma maneira comum de definir as linhas de pobreza
(Ravallion, 2010). Para o caso de Moçambique isto significaria:
zt  (1   ) pt q , (2)

para t1997,2003,2009 e uma parte 0 para responder às necessidades de consumo não
alimentares.
Alternativamente, como é prática corrente em Moçambique, pode-se optar por dietas
flexíveis que se ajustam ao domínio particular, em que o agregado familiar vive. Isto significa
que em cada local e a cada ano o cabaz alimentar pode ter uma composição diferente, ao mesmo
tempo, que também os preços e a alocação para bens não alimentares pode mudar com o tempo e
com o espaço. Para Moçambique, deixar qtsdenotar o cabaz mínimo de alimentos para os pobres
7
no domínio espacial específico s  1, 2 , ...,1 3
na altura do inquérito t1997,2003,2009 e com

7
OS 13 domínios espaciais definidos nas avaliações nacionais de pobreza são: 1=Niassa e Cabo Delgado, rural;
2=Niassa e Cabo Delgado, urbano; 3=Nampula, rural; 4=Nampula, urbano; 5=Sofala e Zambézia, rural;
6=Sofala e Zambézia, urbano; 7=Manica e Tete, rural; 8=Manica e Tete, urbano; 9=Gaza e Inhambane, rural;
10=Gaza e Inhambane, urbano; 11=Maputo Província, rural; 12= Maputo Províncias, urbano; 13=Maputo
cidade.
21

os preços correspondentes pts e com alocações não alimentares ts 0, as linhas de pobreza de
contexto específico ler-se-iam:
zts  (1  ts ) pts qts . (3)

No caso de Moçambique, estas linhas de pobreza foram calculadas em duas etapas. O estágio
inicial é semelhante a (2), mas agora usando cabazes de consumo local, preços locais e alocações
locais para bens não alimentares. Numa segunda ronda de cálculos, a composição do cabaz obtido
na primeira fase é ajustado para garantir que o agregado familiar no ano t e no local s realmente
prefere o seu próprio cabaz ao cabaz de qualquer outro agregado, desde que seja capaz de
comprar esse cabaz. Tecnicamente, isto significa que cada cabaz na equação (3) deve satisfazer as
condições de "preferência reveladas": pts qts  pts qts , onde t e s incluem todos os outros anos e

todas as outras províncias. Estas condições devem se manter, pois, se for o caso de
pts qts  pts qts num dos outros anos, ou numa das outras províncias, o cabaz realmente escolhido qts

é inconsistente com a minimização de custos. Claramente, se o agregado familiar pudesse mudar


para a alternativa mais barata qts, que, por hipótese, produz o mesmo padrão de vida

u(qts )  u(qts )  u −, então o cabaz escolhido não pode ser o cabaz que minimiza o custo para

atingir esse padrão de vida u . Referimos Arndt e Simler (2010) para uma descrição da estimação
de entropia, que considera este ajuste para "preferências reveladas", e foi aplicado aos dados de
Moçambique.
Deve-se notar que esta segunda etapa, o ajuste para "preferência revelada", é necessária
quando se utilizam cabazes das necessidades básicas de contexto específico, a fim de se
estabelecer a comparabilidade de padrões de vida entre os agregados familiares ao longo do
tempo e do espaço. Com a utilização de um cabaz fixo, esta comparabilidade é obtida pela
construção, porque todos têm o mesmo cabaz ao longo do tempo e do espaço, o que
presumivelmente reflecte as necessidades básicas de todos.

3.3 Prós e contras das linhas nacionais de pobreza versus linhas de contexto específico
22

Como já foi referido na introdução, as linhas de pobreza da equação (3) serão referidas como
"cabazes flexíveis ajustados", enquanto que a linha da equação (2) será chamada de "cabaz fixo
com preço fixo". Os prós e contras de optar por qualquer uma destas abordagens resultam
directamente das vantagens e desvantagens de especificidade, veja também a discussão na secção
3.1 acima. Refraseando, poderíamos dizer que a especificidade pode ser capaz de capturar hábitos
relevantes de consumo local, as condições do mercado local e as perspectivas relacionais locais,
mas poderia ser incapaz de capturar as limitações de dados relevantes, tais como a volatilidade
típica dos valores da unidade dos agregados familiares e a inevitável sub-notificação de consumo.
Nisto, uma linha nacional de pobreza poderia ter melhor desempenho.
Porque os "cabazes flexíveis ajustados" são baseados naquilo que os segmentos mais
pobres em cada província e em cada localidade urbana-rural na realidade consome, há um
problema de qualidade que vale a iteração. Por exemplo, se ao longo do tempo, devido a um
aumento do preço do trigo, um agregado familiar no limiar da pobreza, que inicialmente
consumia uma mistura de trigo e mandioca, é forçado a mudar inteiramente para a mandioca
menos nutritiva, pode-se querer concluir que ele caia na pobreza, mesmo que a quantidade total
de calorias permaneça a mesma. Quando o cabaz fixo da equação (2) é aplicado, esse aumento da
pobreza precisa de facto de ser observado. No entanto, o aumento da pobreza pode passar
despercebido quando, como na equação (3), a nova situação tem o seu próprio consumo de
subsistência caracterizado por menos calorias de alimentos mais gostosos e mais nutritivos.
Quando os pobres recorrem a alimentos baratos de alto teor calórico e de baixa qualidade, como é
frequentemente o caso, o uso de linhas de pobreza de contexto específico pode, assim, resultar
numa situação em que a pobreza não é afectada pelo aumento dos preços dos alimentos de melhor
qualidade que os pobres consomem, o que seria um resultado contra intuitivo.
Da mesma forma, quando são dados meios aos pobres nas áreas rurais e descartando os
diferenciais de preços, eles poderiam muito bem, querer trocar o seu cabaz mínimo com o cabaz
dos pobres urbanos por causa da melhor qualidade. Nesses aspectos, deve-se notar que a
diversidade e a qualidade de uma dieta não são questões de somenos importância. A literatura
recente descobriu que esses factores são importantes anunciadores de deficiência de micro
nutrientes (Moursi et al., 2010) e subnutrição infantil (Rah et al., 2010).
Naturalmente, a linha de pobreza da equação (2) com base no "cabaz fixo com preço fixo"
tem os seus próprios problemas, essencialmente porque é uma medida bastante grosseira para as
classificações da pobreza. Uma vez que esta abordagem está no outro lado do espectro da
especificidade, pode muito bem ser que seja o inverso, ou seja, que a linha de pobreza é muito
23

elevada na área rural e muito baixa na área urbana, onde o custo de vida é geralmente mais
elevado.
A construção de uma linha de pobreza nunca é uma tarefa fácil. Tendo em conta o “trade-
off” entre especificidade e robustez-consistência, e face às limitações relevantes de dados que
estão relacionados com as componentes não observadas e observáveis do padrão de vida e do
custo de vida, irá sempre envolver um julgamento cuidadoso (ver Asra e Santos Francisco , 2001,
entre outros). No entanto, nos casos em que dados complementares sobre várias dimensões da
pobreza estão disponíveis, a sondagem empírica sobre os benefícios potenciais que a escolha de
linhas de pobreza de contexto específico tem em relação à escolha de uma linha de pobreza mais
genérica, pode ajudar a fazer o “trade-off”. Na secção seguinte iremos abordar esta questão para o
caso de Moçambique, comparando os padrões de pobreza que foram revistos com algum detalhe
na Secção 2 e que emergem das linhas de pobreza local (3) com os padrões alternativos que irão
surgir quando se utiliza a linha de pobreza nacional (2) 8. Já é possível levantar o véu,
mencionando que todos os resultados parecem apontar na mesma direcção, ou seja, que a linha de
pobreza nacional parece ter um melhor desempenho do que as linhas locais: a dinâmica e os
padrões espaciais de pobreza serão mais como era de se esperar, e o relacionamento com outras
dimensões da pobreza será mais estreito.

4 Mudanças marcantes dos padrões de pobreza

4.1 A dinâmica e as disparidades urbano-rurais e provinciais estão mais de acordo com o


esperado

Em vista da discussão sobre a possibilidade de que os resultados inesperados na Secção 2


possam ser parcialmente atribuídos à sensibilidade da metodologia da linha de pobreza às
limitações dos dados, calculamos a linha de pobreza nacional de acordo com a equação (2) e
comparados os padrões de pobreza concomitantes com aqueles que emergem do uso das 39 linhas
de pobreza local (3).
A linha nacional de pobreza revela-se uma referência muito útil, como é ilustrado nas
linhas vermelhas e nas barras vermelhas das várias figuras da Secção 2. Na verdade, o uso do

zt  (1   ) pt q é calculada a partir das linhas de pobreza locais


8
A linha nacional de pobreza
zts  (1  ts ) pts qts tomadas as médias ponderadas da população para o cabaz alimentar q   t  s1Nqtsts ,
para a parte não alimentar    tsNs e para os preços pt   s Nts pts , onde Nts é a população do
1 1
t ts

domínio espacial s  1, 2 , ...,1 3 na altura do inquérito respectivo t  1 9 9 7 , 2 0 0 3 , 2 0 0 9 .


24

"cabaz fixo com preço fixo" leva a mudanças marcantes nos padrões de pobreza em
Moçambique, e a maioria dessas mudanças são compreensíveis, acrescentando confiança e
consistência. Por exemplo, considerando a tendência nacional na Figura 1 e as tendências urbanas
e rurais na Figura 2, a dinâmica de redução da pobreza parece ser mais consistente com outras
fontes de dados, incluindo o crescimento macroeconómico e as disparidades rural-urbano. A
redução da pobreza no primeiro período de 1997 a 2003 é agora menos acentuada (de 70% para
61%, em comparação com uma redução de 69% para 54% para os "cabazes flexíveis ajustados"),
enquanto no período recente de 2003 a 2009 a pobreza continuou a declinar, embora a um ritmo
mais lento (de 61% para 57%, em comparação com uma paralisação para os " cabazes flexíveis
ajustados").
A dimensão rural-urbana da pobreza também muda drasticamente quando se substitui os
"cabazes fixos ajustados" de preços locais pelos "cabazes fixos com preço fixo". A pobreza é
agora muito mais prevalecente na população rural (65% em 2009, anteriormente de 57%),
enquanto a população urbana é menos pobre (39% em 2009, anteriormente 50%). Aqui também,
como a Figura 2 ilustra, a dinâmica mostra um padrão diferente. A pobreza urbana cai
gradualmente de 43% em 1997 para 40% em 2003, em oposição ao forte declínio de 61% para
51% nesse período, conforme relatado nas avaliações nacionais da pobreza. Da mesma forma, a
redução da pobreza rural de 77% em 1997 para 71% em 2003 é muito menos pronunciada
(anteriormente de 72% para 55%), enquanto que, ao contrário do subsequente aumento
mencionado no relatório de avaliação da pobreza (de 55% para 57%), o novo estudo sugere que a
pobreza rural continuou a diminuir progressivamente de 71% em 2003 para 65% em 2009. Pode-
se notar ainda que as evidências do TIA são muito menos positivas sobre o aumento da
produtividade rural, especialmente entre os pequenos agricultores (INE / TIA, 2009). Alguns
autores chegam a afirmar que a pobreza não está de forma alguma a ser reduzida (Cunguara e
Hanlon, 2010).
Olhando para a dinâmica a nível provincial, a consistência dos padrões de pobreza também
parece melhorar sensivelmente (ver os painéis inferiores da figura 3 com as barras vermelhas).
Por exemplo, utilizando linha de pobreza do "cabaz fixo com preço fixo ", a amplitude das
oscilações excessivas da pobreza, na província de Sofala é reduzida pela metade, enquanto que na
Zambézia, a oscilação para cima e para baixo de mais de 20 pontos percentuais agora se
transforma numa deterioração gradual. Também, a posição da cidade de Maputo e da província
de Maputo, como as partes do país onde a incidência da pobreza é relativamente a mais baixa, é
agora consistente ao longo dos anos. O tamanho do fosso rural-urbano e a posição de Maputo
como a área onde os indicadores de desenvolvimento são relativamente favoráveis são
confirmados por outros estudos, como Tvedten et al. (2009), que constatam taxas de mortalidade
25

infantil na Cidade de Maputo de menos de metade da área rural, e taxas de alfabetização das
mulheres que são quase o quadruplo.

4.2 A relação entre o estado da pobreza, malnutrição e outros indicadores é mais forte

Seguindo a metodologia do "cabaz fixo com preço fixo" parece que a classificação das
províncias em termos de pobreza de consumo (Figura 3, barras vermelhas) está mais de acordo
com a classificação em termos de malnutrição infantil (Figura 5). Além disso, a incidência da
pobreza está mais correlacionada com a malnutrição infantil do que no caso de "cabazes flexíveis
ajustados" – os coeficientes de correlação são mais de duas vezes mais elevados, ver as barras
vermelhas da Figura 6. Esta relação continua agora a ser significativa quando se considera grupos
populacionais a nível de distrito e provincial. Uma relação similar, mais forte, é encontrada em
relação tanto à parte dos alimentos no consumo total como em relação à quota de consumo
próprio no total de calorias, como mostrado pelas barras vermelhas da figura 7. Finalmente, a co-
variação entre bem-estar do agregado e bens do agregado parece ser mais robusta quando é usada
a linha de pobreza nacional, ver a Figura 8 (barras vermelhas).
Comparando as Figuras 1 e 4, uma outra constatação muito interessante emerge da
aplicação da linha nacional de pobreza. Parece que as tendências da pobreza correspondem
melhor às tendências da malnutrição infantil. Nomeadamente, a nível nacional, a redução da
pobreza e a insuficiência de peso têm andado de mãos dadas, com um aceno em 2003, que
reflecte uma desaceleração da rapidez no período de 1997 a 2003. A evolução ao longo das duas
linhas mostra um padrão similar e parece que a mesma congruência vale para vários outros
correlatos da pobreza. A este respeito, vale a pena ver o Índice de Desenvolvimento Humano, que
já foi mencionado na introdução. Como a prevalência da pobreza no âmbito da linha nacional de
pobreza, o IDH mostra pequenas melhorias, mas consistentes ao longo do tempo, tal como
ilustrado na Figura 9 (PNUD, 2010).
26

Figura 9: Índice de Desenvolvimento Humano em Moçambique, 2005 a 2010

5 Discussão

5.1 Principal constatação

Como os padrões de pobreza em Moçambique parece serem muito sensíveis à escolha de


linhas de pobreza e porque a mudança de resultados pode ter importantes implicações de
políticas, é importante analisar atentamente os benefícios potenciais que têm as linhas de pobreza
de contexto específico em relação a uma linha de pobreza mais genérica. De um ponto de vista
teórico a especificidade das linhas de pobreza pode ser uma propriedade desejável.
Empiricamente, porém, a construção de uma linha de pobreza não pode passar sem um “trade-
off” com a consistência e robustez (Lokshin e Ravallion, 2006). Além disso, a fim de se tornar
uma linha de pobreza operacional, tem que se levar em conta as limitações de dados que são
típicos de inquéritos de orçamento de grande escala, incluindo a distorção urbana na medição do
consumo, as componentes não observáveis e a volatilidade dos valores de preços unitários. Na
medida do possível, as comparações da pobreza devem evitar que dois agregados familiares com
de facto o mesmo nível de bem-estar sejam tratados de forma diferente. Por outras palavras o seu
estado de pobreza deve ser ou o mesmo, ou, pelo menos, qualquer distorção sistemática na má
classificação deve ser reduzida ao mínimo.
As nossas constatações empíricas sugerem que a prática corrente em Moçambique, de usar
muitas linhas de pobreza e dinamicamente ajustadas não é isenta de riscos a esse respeito. Em
geral, é recomendável verificar a robustez, testando empiricamente os resultados de linhas de
pobreza de contexto específico contra linhas mais agregadas, um procedimento que é comum em
muitos países (Asra e Francisco Santos, 2001). A menos que tais testes sejam em apoio de linhas
27

de pobreza de contexto específico, a cura (ou seja, acrescentar especificidades ao custo de vida de
um agregado familiar) pode ser pior que a doença (isto é, aplicar o mesmo custo de vida para
agregados familiares cujo custo de vida real é diferente). Por outras palavras, há uma
possibilidade de que as linhas de pobreza de contexto específico possam aumentar o risco de
erros de classificação.
Uma das principais conclusões do relatório é que este é realmente o caso de Moçambique.
Conforme indicado na Secção 3.3, os resultados inesperados da aplicação de linhas de pobreza
baseadas em "cabazes flexíveis ajustados" poderiam ser parcialmente devidos à susceptibilidade
das linhas de pobreza a uma distorção urbana inerente e a características dos dados do inquérito.
Em particular, o uso de padrões de consumo localmente observados dos pobres e os preços
localmente imputados (valores da unidade dos agregados familiares) são susceptíveis de conduzir
a uma subestimação das linhas de pobreza rural e uma sobrestimação das urbanas. As linhas de
pobreza rural podem ser muito baixas, como resultado do facto de que os itens consumidos nos
cabazes observados não são homogéneos e consistem, por vezes de vários bens ("outros
vegetais", "carne" e "peixe fresco, refrigerado ou congelado"). Portanto, os preços relativamente
baixos na área rural são susceptíveis de reflectir não só condições de mercado, mas também uma
relativa baixa qualidade. Ao contrário, na medida em que os preços mais elevados nas áreas
urbanas reflectem uma maior qualidade, as linhas de pobreza alimentar urbana são provavelmente
demasiado altas. As linhas de pobreza de alimentos urbanos poderá também ser muito alta,
porque os pobres urbanos tendem a consumir mais refeições fora de casa em relação às quais é
mais provável que aconteça a sub-notificação, e que não estão no cabaz de alimentos. Para além
disso, a componente não alimentar da linha de pobreza é estimada como a proporção média do
orçamento não alimentar das famílias cuja despesa total está perto da linha de pobreza alimentar
e, porque esta parte do orçamento não alimentar parece ser muito maior nas áreas urbanas, isto
amplia a distorção urbana nas linhas de pobreza alimentar. Um último elemento que poderia
distorcer a comparação entre a pobreza urbana e rural são os itens que faltam, como os serviços
públicos, que estão todos mais disponíveis e são consumidos pelos pobres urbanos. Isso também
poderia criar uma distorção e justificaria uma redução da linha de pobreza urbana.
Naturalmente, a linha de pobreza com base no "cabaz fixo com preço fixo" pode ter os seus
próprios problemas. Uma vez que esta abordagem está no outro lado do espectro da
especificidade, pode muito bem ser que seja o inverso, ou seja, que a linha de pobreza é muito
elevada na área rural e muito baixa na área urbana, onde o custo de vida é geralmente mais
elevado. No entanto, o uso de uma linha nacional de pobreza é normal em muitos países (por
exemplo, Al-Hasan e Diao de 2007 para o Gana) e em praticamente todos os países, é utilizada
como referência. A nível internacional, o Banco Mundial recomenda a utilização de linhas de
28

pobreza absoluta, com uma paridade de poder de compra de US$ 1,25 (dólar) (PPP), enquanto
que muito antes da redução da pobreza ser oficialmente definida como o ODM número um,
muitos pactos e tratados internacionais estabeleciam metas semelhantes. Por exemplo, o artigo 25
da Declaração Universal dos Direitos Humanos diz que "Toda pessoa tem direito a um padrão de
vida capaz de assegurar a saúde e o bem-estar próprio e de sua família, incluindo a alimentação,
vestuário, habitação, cuidados médicos e serviços sociais ". Neste contexto, pode-se dizer que a
busca e o debate público em torno do estabelecimento de uma linha de pobreza estão intimamente
relacionados com o desafio de dar o direito aos pobres a um apoio na renda e ao acesso aos
serviços públicos, de forma operacional e compreensiva.
Como maneira de avançar, parece que a busca por uma linha de pobreza, que seja mais
adequada para Moçambique tem de andar entre as linhas de pobreza de contexto específico e a
linha nacional de pobreza. No entanto, e apesar do inegável alcance e necessidade de avanço da
metodologia do "cabaz fixo com preço fixo", a análise empírica dos padrões de pobreza e a
dinâmica da pobreza neste relatório sugere que a linha única nacional de pobreza pode ser mais
adequada para a análise da pobreza em Moçambique do que as treze linhas de contexto
específico. Todos os resultados parecem apontar na mesma direcção, ou seja, que o uso de uma
única linha de pobreza tem melhor desempenho: a dinâmica e os padrões espaciais de pobreza são
mais como se poderia esperar, e a relação com a malnutrição e outros indicadores de bem-estar é
muito mais forte. Com isto, podemos iterar a importância da malnutrição infantil como uma
dimensão da pobreza que pode ter efeitos devastadores sobre o bem-estar. Por exemplo, um
estudo realizado por Black et al. (2008) constatou que o “odds ratio” para mortalidade por peso-
para-idade aumenta de um factor 9 quando se compara crianças com peso normal (pontuação Z
de - 1 ou superior) com os que sofrem de grave insuficiência de peso (pontuação Z- de -3 ou
inferior).

5.2 Análise da pobreza

O terceiro relatório nacional de avaliação da pobreza lançou uma agenda de pesquisa e


capacitação para investigar "um conjunto detalhado de perfis de pobreza, incluindo uma análise
dos ultra-pobres, um exercício de mapeamento da pobreza, uma análise da incidência de
benefícios e uma extensa análise da nutrição infantil" (DNEAP-MPD, 2010: xv). Esta é uma
agenda importante na perspectiva da necessidade de monitorar o progresso e avaliar as estratégias
de redução da pobreza. Como ilustrado no presente relatório, a agenda também é bastante
desafiadora, especialmente quando se trata das implicações de políticas de padrões de pobreza
29

(in) consistentes, a concentração da pobreza nas zonas rurais e a sobre-estimativa da incidência da


pobreza em Maputo.
Seja como for, é, contudo, irrealista esperar que as comparações dos padrões de vida entre
os agregados familiares em Moçambique e dos padrões de pobreza ao longo do tempo possam ser
analisadas por uma única característica como um limite de consumo “per capita”, ou sobre o
estado nutricional de crianças menores de cinco anos de idade. Já mencionamos o facto bem
conhecido que a correlação entre as várias dimensões de pobreza dos agregados familiares
raramente é tão alta quanto se poderia desejar, essencialmente porque cada dimensão tem causas
próprias e porque a medida pode ser imprecisa.
Isto pode ser ilustrado olhando a prevalência do HIV / SIDA, que foi mencionada na
introdução como uma das principais ameaças ao desenvolvimento em Moçambique. Estudos
sobre a relação entre o (consumo), a pobreza e o HIV / SIDA não são conclusivos. Na verdade,
utilizando os padrões de pobreza acima, não há nenhuma correlação clara com a incidência de
HIV / SIDA. Isso é mostrado na Figura 10, usando os números provinciais do inquérito INSIDA
2009 (INE / MDS, 2010a). A imagem é ilustrativa do risco de usar a situação de pobreza do
consumo do agregado familiar como o princípio orientador para a análise da pobreza.
Aparentemente, os factores subjacentes à infecção pelo HIV são demasiado complexos para
serem capturados por outros indicadores de pobreza e podem, portanto, exigir intervenções
dirigidas.

Figura 10: Ocorrência provincial do HIV/SIDA e a sua relação com a pobreza do consumo,
2009
30

Felizmente, a riqueza de informações disponíveis em Moçambique abre oportunidades para


analisar a pobreza com base no conjunto das características dos agregados familiares, e não
limitado aos analisados neste relatório. Concentramo-nos na situação da pobreza, subnutrição
infantil, a parte dos alimentos e da subsistência, a alfabetização do chefe do agregado e de alguns
bens seleccionados duradouros do agregado, deixando inexplorada a rica informação sobre outras
dimensões da pobreza. Entre outras, estas dimensões são: composição do agregado familiar e as
taxas de dependência, o acesso à electricidade, o acesso e a qualidade da água potável, instalações
de saúde e escolas, saneamento e sector de emprego.
Para começar, pode-se expandir a tabulação das características da pobreza para anos
seleccionados e traçá-los num mapa para obter uma primeira impressão dos padrões espaciais e
dinâmica, tal como foi feito para alguns indicadores seleccionados no Anexo 1. Em seguida,
utilizando técnicas multi-variadas de análise, pode-se regredir uma medida particular de pobreza
nas suas co-variáveis. Por exemplo, na sua análise dos inquéritos de 1997 e de 2003 para
Moçambique, Fox et al. (2005) regrediram (o logaritmo) de despesas equivalentes “per capita” ou
por adulto na demografia, educação e sector de trabalho, juntamente com os efeitos fixos do
distrito. Estas variáveis explicaram cerca de 35% da variação das despesas e mostraram um
padrão consistente de elevados retornos para a educação (pós-) secundária e para o emprego nos
sectores dos serviços (op. cit., Tabela 15), um padrão que é confirmado pela recente avaliação da
pobreza MPD-DNEAP (2010, Tabela 12-5). A última refere-se a uma regressão similar para os
inquéritos de 2003 e 2009, utilizando o "rácio de bem-estar", como variável dependente -
definido como o rácio das despesas do agregado familiar na sua linha da pobreza, ver Blackorby e
Donaldson (1987) - e adicionando diversas variáveis relativas à habitação e bens do agregado. O
conjunto de variáveis explicam cerca de 50% da variação do "rácio do bem-estar" à volta de um,
e as estimativas indicam que os retornos para a educação em Moçambique parecem estar a cair
em todos os níveis da educação, enquanto que os empregados no sector dos serviços estão a
perder gradualmente a sua relativa vantagem.
Usando a distribuição completa das características da pobreza pela população, trabalho
posterior poderá abordar diversas questões de interesse em relação à avaliação dos esforços de
desenvolvimento. Nesse sentido, vale a pena mencionar a disponibilidade de “software” dedicado
à análise multidimensional da pobreza (por exemplo, Keyzer e Pande, 2010). Isto vai permitir que
aplicações práticas e capacitação em Moçambique vão a par com os avanços na literatura. Por
exemplo, combinando dados do inquérito com os dados do censo da população e com base na
experiência adquirida em outros países africanos, um mapa da pobreza pode ser construído com
tonalidades da imagem da pobreza e pode ser usado para identificar as bolsas de pobreza de um
lado e de riqueza relativa por outro (Jalan e Ravallion, 2002; Elbers et al, 2003). Também, vários
31

inquéritos transversais podem ser usados para construir um pseudo-painel de agregados que
podem ser utilizados para tratar do provável impacto de políticas redistributivas e o
fortalecimento de redes de segurança e protecção social (Molini et al. 2010). Este ponto pode ser
mais elaborado, investigando uma tipologia dos agregados usando combinações de características
de pobreza que são mais prevalecentes, e estudando como o grupo mais pobre se pode beneficiar
de uma combinação de intervenções, digamos, em termos de acesso aos cuidados de saúde e
educação, a sua proximidade dos mercados e os aumentos da produtividade das suas culturas
(Arndt et al., 2010). Da mesma forma, a análise da pobreza com base nos vários inquéritos
recorrentes em Moçambique poderá beneficiar significativamente dos avanços na literatura de
efeitos-do-tratamento e sua aplicação a questões de avaliação de políticas (Heckman, 2008;
Florens et al, 2010).

6 Conclusão

Agora é bem reconhecido que o fenómeno da pobreza é multi-dimensional e toca praticamente


todos os aspectos da vida humana das famílias em Moçambique. Isto está bem reflectido no
PARPA e PARPAII, planos que visam a eliminação da pobreza absoluta (GdM, 2001; GdM,
2006) e no contínuo debate sobre as melhores estratégias para reduzir a pobreza em todas as suas
dimensões. Como a literatura e a experiência em muitos países em desenvolvimento tem
demonstrado, uma análise profunda e compreensão da pobreza e da sua complexidade multi-
dimensional pode ser de grande ajuda para direccionar, descentralizar e avaliar os esforços de
redução da pobreza por parte do governo e da comunidade doadora, para avaliar os efeitos das
intervenções e choques económicos sobre os pobres, e finalmente, para informar o público sobre
o progresso que tem sido feito nas várias dimensões da pobreza.
Em relação a isto, vale a pena mencionar que a capacidade local de análise da pobreza é
muitas vezes um elemento fundamental no avanço da estratégia de desenvolvimento de um país.
No caso de Moçambique, os dados ricos das três rondas recorrentes de inquéritos em grande
escala aos agregados familiares são uma mais valia. Juntamente com os dados dos dois Censos e
com vários outros dados do inquérito, de boa qualidade, isto fornece os ingredientes para uma
construção de capacidade efectiva, especialmente através da participação activa dos
investigadores e decisores políticos em programas de formação e na co-autoria de documentos.
A evidência indica que a pobreza em Moçambique está ainda muito dispersa em todas as
dimensões. As três avaliações nacionais da pobreza em 1998, em 2004 e, recentemente em 2010,
mostraram isso claramente. Também salientaram que está longe de ser simples identificar padrões
de pobreza com base em, se um agregado familiar pode ou não pagar o custo das suas
necessidades básicas, isto é, se está acima ou abaixo da linha de pobreza considerada relevante.
32

As subsequentes avaliações nacionais da pobreza elaboram cada vez mais neste ponto e propõem
o uso de diferentes preços e de diferentes cabazes de consumo mínimo em cada ano e para cada
grupo de agregados familiares (rurais-urbanos e provinciais), ao mesmo tempo que ajustam mais
os cabazes em resposta à mudança de preços relativos. Em princípio, para dados de consumo e de
preços suficientemente precisos e exaustivos, e para similaridade suficiente dentro do grupo e
dissemelhança entre-grupo, isso pode levar a estimativas mais precisas da linha relevante de
pobreza e, portanto, da classificação da pobreza dos agregados familiares.
No entanto, a análise neste relatório sugeriu o contrário, no sentido de que as comparações
da pobreza em Moçambique são menos consistentes quando se usa linhas de pobreza de contexto
específico comparando com o uso de uma linha nacional de pobreza, como é prática comum. De
facto, pretende que a distorção urbana inerente no cálculo das linhas de contexto específico pode
ser a origem dos resultados inesperados. Isto é representado por meio de testes das linhas de
pobreza que são específicas para grupos da população e para anos de inquérito, contra a
alternativa de uma única linha de pobreza para todos os moçambicanos. Embora a alternativa seja
reconhecidamente, uma medida de pobreza bastante grosseira, é uma referência comum noutros
países e, mais importante, no caso de Moçambique parece ter um melhor desempenho no sentido
em que evolução de padrões de pobreza nacional, urbano-rural e provincial parece mais plausível
e também mais em linha com outros indicadores de pobreza como a malnutrição das crianças e a
falta de recursos. Argumentamos que isto pode ter implicações nas políticas, de forma mais
acentuada em relação à consistência das tendências da pobreza, a concentração da pobreza nas
zonas rurais, e a grosseira sobrestimativa da pobreza em Maputo.
Moçambique está em busca de perfis consistentes de pobreza, que sejam adequados para a
avaliação da sua estratégia de desenvolvimento, em particular em relação ao direccionamento dos
esforços de redução da pobreza desde o nível nacional até ao nível dos diversos grupos da
população, províncias e distritos. Os padrões de pobreza analisados neste estudo apoiam a idéia
de que Moçambique está gradualmente a mover-se em direcção às metas de redução da pobreza
dos ODM, apesar de evidências também indicarem que o ritmo a que isso acontece está a
abrandar.
Embora isto possa ser interpretado como um apoio ao modelo actual de desenvolvimento
de Moçambique, também há razões para acreditar que a redução da pobreza tem sido demasiado
lenta, especialmente porque o crescimento económico foi alto na última década. Com a economia
a crescer a cerca de 8 por cento ao ano durante o período de 1997 a 2009, a redução média anual
de incidência da pobreza de 1 ponto percentual parece pouca. A baixa elasticidade do crescimento
da redução da pobreza é preocupante e tem levado a uma certa controvérsia a respeito da eficácia
da sustentada assistência dos doadores e da acumulação de empréstimos do exterior que têm
33

ajudado Moçambique a implementar a sua estabilização macro-económica e as políticas de


crescimento.
A dependência da ajuda externa e de capital estrangeiro tem várias consequências. Por
exemplo, em 1998, Moçambique tornou-se o sexto país elegível para alívio da dívida no âmbito
da iniciativa dos países pobres altamente endividados, que cobre actualmente cerca de 30 países.
Actualmente, a parte leão do orçamento do governo é financiado através de assistência dos
doadores e os esforços do governo para reduzir essa dependência com a ampliação da base
tributária acabaram ficando no vazio. Da mesma forma, existem preocupações sobre a eficácia
dos investimentos em bens públicos (especialmente a electricidade e infra-estrutura rural) e a
implementação de políticas sociais redistributivas, que favorecem o crescimento inclusivo. A
baixa elasticidade do crescimento da pobreza pode reflectir uma economia dual, com pouca
atenção ao crescimento na agricultura (pequena escala) e um enfoque no crescimento em grandes
projectos industriais (mão-de-obra extensiva, subsidiados).
Se qualquer coisa indicam os debates políticos em curso em Moçambique, indicam que
estas preocupações sobre a elasticidade do crescimento da redução da pobreza, sobre as
concessões dadas a grandes empresas e sobre a sustentabilidade do orçamento do governo estão
no topo da agenda de desenvolvimento.
34

Referências

Al-Hasan, Ramatu M. and Xinshen Diao (2007) “Regional disparities in Ghana: Policy options
and public investment implications”. Discussion Paper 693, Washington D.C.: International
Food Policy Research Institute.
Arndt, Channing, and Kenneth R. Simler (2010) “Estimating utility-consistent poverty lines with
applications to Egypt and Mozambique.” Economic Development and Cultural Change
58(3): 449-74.
Arndt, Channing, Andres Garcia, Finn Tarp, and James Thurlow (2010) “Poverty reduction and
economic structure: Comparative path analysis for Mozambique and Vietnam”. UNU-
WIDER Working Paper 122, Helsinki: United Nations University, World Institute for
Development Economics Research.
Asra, Abuzar and Vivian Santos-Francisco (2001) “Poverty line: Eight countries’ experiences and
the issue of specificity and consistency”. Manila: Asian Development Bank.
Black, Robert E, Lindsay H Allen, Zulfiqar A Bhutta, Laura E Caulfield, Mercedes de Onis,
Majid Ezzati, Colin Mathers, and Juan Rivera (2008) “Maternal and child undernutrition:
global and regional exposures and health consequences”. Lancet 371(9608): 243-60.
Blackorby, Charles and David Donaldson (1987) “Welfare ratios and distributionally sensitive
cost-benefit analysis”. Journal of Public Economics 34:265-90.
Cunguara, Benedito, and Joseph Hanlon (2010) “Poverty is not being reduced in Mozambique”.
Working Paper 74, London: Crisis States Research Centre.
Elbers, Chris, Jean O. Lanjouw, and Peter Lanjouw (2003) “Micro-level estimation of poverty
and inequality”. Econometrica 71(1): 355-64.
Florens, Jean-Pierre, James J. Heckman, Costas Meghir and Edward J. Vytlacil (2010)
“Identification of treatment effects using control functions in models with continuous,
endogenous treatment and heterogeneous effects”. Econometrica 76: 1191–206.
Fox, Louise, Elena Bardasi and Katleen Van den Broek (2005 “Poverty in Mozambique:
Unraveling changes and determinants”. Africa Region Working Paper 87, Washington
D.C.: The World Bank.
GdM (2001) Plano de Acção para a Redução da Pobreza Absoluta (2001-2005) (PARPA).
Documento de estratégia para a redução da pobreza e promoção do crescimento
económico, Maputo: Governo de Moçambique.
GdM (2006) Plano Acção para a Redução da Pobreza Absoluta 2006-2009 (PARPA II).
Documento de estratégia da redução da pobreza, Maputo: Governo de Moçambique.
GdM (2009) Plano de Acção Nacional Multissectorial sobre Género e HIV e SIDA, 2010-2015.
Maputo: Governo de Moçambique.
Girma, Woldemariam and Timotiows Genebo (2002) “Determinants of nutritional status of
women and children in Ethiopia”. Addis Ababa: Ethiopia Health and Nutrition Research
Institute.
Heckman, James J. (2008) “Econometric causality”. International Statistical Review 76(1):1-27.
INE (1998a) Inquérito Nacional aos Agregados Familiares Sobre Condições de Vida 1996/1997.
Maputo: Instituto Nacional de Estatística.
INE (1998b) Inquérito Demográfico e de Saúde, Moçambique 1997. Maputo: Instituto Nacional
de Estatística e MEASURE DHS, ICF Macro.
35

INE (2002) Impacto Demográfico do HIV/SIDA em Moçambique. Maputo: Instituto Nacional de


Estatística, Ministério da Saúde, Ministério do Plano e Finanças, Centro de Estudos de
População-UEM, Conselho Nacional de Combate ao HIV/SIDA, Faculdade de Medicina-
UEM, Ministério da Educação.
INE (2004a) Inquérito Nacional aos Agregados Familiares Sobre Orçamento Familiar
2002/2003. Maputo: Instituto Nacional de Estatística.
INE (2004b) Inquérito Demográfico e de Saúde, 2003. Maputo: Instituto Nacional de Estatística
and Calverton: MEASURE DHS, ICF Macro.
INE (2010a) Inquérito Sobre Orçamento Familiar 2008/2009. Maputo: Instituto Nacional de
Estatística.
INE (2010b) Base de Dados do Censo 2007 . www.mozdata.gov.mz Maputo: Instituto Nacional
de Estatística.
INE/MdS (2010a) Inquérito Nacional de Prevalência, Riscos Comportamentais e Informação
sobre o HIV e SIDA em Moçambique (INSIDA) 2009. Maputo: Ministério da Saúde,
Instituto Nacional de Saúde and Instituto Nacional de Estatística.
INE/MdS (2010b) Estudo Nacional sobre a Mortalidade Infantil, Moçambique 2009 Maputo:
Ministério da Saúde, Instituto Nacional de Saúde.
INE/TIA (2009) Trabalho de Inquérito Agrícola 2002 to 2008. Maputo: Instituto Nacional de
Estatística.
INE/UNICEF (2009) Inquérito de Indicadores Múltiplos Agregados, Moçambique 2008. Maputo:
Instituto Nacional de Estatística.
Jalan, Jyotsna and Martin Ravallion (2002) “Geographic poverty traps? A micro model of
consumption growth in rural China”. Journal of Applied Econometrics 17(4): 329-46.
James, Robert C., Channing Arndt and Kenneth R. Simler (2005) “Has economic growth in
Mozambique been pro-poor?” FCND Discussion Paper 202, Washington, D.C.:
International Food Policy Research Institute.
Keyzer, Michiel and Saket Pande (2010) “Classification by crossing and polling for integrated
processing of maps and surveys”. Staff Working Paper 10-01, Amsterdam: Center for
World Food Studies.
Lokshin, Michael and Martin Ravallion (2006) “On the consistency of poverty lines”. In Alain de
Janvry and Ravi Kanbur (eds) Poverty, Inequality and Development: Essays in Honor of
Erik Thorbecke. New York / Heidelberg: Springer.
Maia, Carlos and Servaas van den Berg (2010) “When the remedy is worse than the disease:
Adjusting survey income data for price differentials, with special reference to
Mozambique”. MPRA Paper 26572, München: Munich Personal RePEc Archive.
Molini, Vasco,Michiel Keyzer, Bart van den Boom, Wouter Zant and Nicholas Nsowah-Nuamah
(2010) “Social safety nets and index-based crop insurance: historical assessment and semi-
parametric estimation for Northern Ghana”. Economic Development and Cultural Change
58(4): 671–712.
Moursi, Mourad M., Mary Arimind, Kathryn Dewey, Serge Trèche, Marie T. Ruel and Francis
Delpeuch (2010) “Dietary diversity is a good predictor of the micronutrient density of the
diet of 6- to 23-month-old children in Madagascar”. Journal of Nutrition 140(1):2448S-
53S.
36

MPD-DNEAP (2010) Pobreza e bem-estar em Moçambique: Terceira Avaliação Nacional da


Pobreza. Maputo: Ministério da Planificação e Desenvolvimento - Direcção Nacional de
Estudos e Análise de Políticas.
MPF/IFPRI/PU (2004) Pobreza e bem-estar em Moçambique: Segunda Avaliação Nacional
da Pobreza. Maputo: Ministério do Plano e Finanças / Purdue University/ International
Food Policy Research Institute.
MPF/UEM/IFPRI (1998) Compreensão da Pobreza e Bem-estar em Moçambique: Primeira
Avaliação Nacional. Maputo: Ministério do Plano e Finanças/ Eduardo Mondlane
University/ International Food Policy Research Institute.
Rah, JH, N Akhter, RD Semba, S de Pee, MW Bloem, AA Campbell, R. Moench-Pfanner, K
Sun, J Badham and K Kraemer (2010) “Low dietary diversity is a predictor of child
stunting in rural Bangladesh”. European Journal of Clinical Nutrition 64: 1-6.
Rahman, Mosiur, Golam Mostofa and Sarker Obaida Nasrin (2009) “Nutritional status among
children aged 24-59 months in rural Bangladesh: An assessment measured by BMI index”.
Journal of Biological Anthropology 3(1).
Ravallion, Martin (2010a) “Poverty lines”. In Larry Blume and Steven Durlauf (eds) The New
Palgrave Dictionary of Economics, 2nd edition. London: Palgrave Macmillan.
Ravallion, Martin (2010b) “Poverty lines across the world”. Policy Research Working Paper,
Washington D.C.: The World Bank.
Ravallion, Martin, and Benu Bidani (1994) “How robust is a poverty profile?” World Bank
Economic Review 8(1): 75–102.
Schmidt, Matthias (2009) “Poverty, inequality and growth linkages: National and sectoral
evidence from post-Independence Namibia”. IPPR Briefing Paper 48, London: Institute for
Public Policy Research.
Tarp, Finn, Kenneth Simler, Cristina Matusse, Rasmus Heltberg and Gabriel Dava (2002) "The
robustness of poverty profiles reconsidered". Economic Development and Cultural Change
51(1): 77-108.
Tvedten, Inge, Margarida Paulo and Carmeliza Rosário (2009) “Monitoring and evaluating
Mozambique’s poverty reduction strategy PARPA 2006-2008: A synopsis of three
qualitative studies on rural and urban poverty”. CMI Reports 5, Bergen: Chr. Michelsen
Institute.
UN (2010) World Population Prospects. New York: United Nations.
UNDP (2008) Mozambique National Human Development Report 2008. Maputo: United Nations
Development Programme.
UNDP (2010) Human Development Indicators. New York: United Nations.
WHO (2007) Child Growth Standards. Department of Nutrition for Health and Development,
Geneva: World Health Organization.
World Bank (2010) World Development Report 2010: Development and Climate Change.
Washington D.C.: The World Bank.
World Bank (2011) World Development Indicators 2010. Washington D.C.: The World Bank.
37

ANEXO 1: Mapas

Densidade de população dos distritos, 2008/09


38

Incidência da pobreza nos distritos, 2008/09 (“cabazes flexíveis ajustados”)

Incidência da pobreza nos distritos, 2008/09 (“Cabaz fixo com preço fixo”)
39

Prevalência da malnutrição, 2008/09: Crianças sub-nutridas menores de 5 anos de idade

Prevalência da malnutrição, 2008/09: menores de 5 anos de idade com baixo peso


40

ANEXO 2: Tabelas

Tabela A2.1 Dimensão das amostras e população total (em milhões) para 1997/98, 2002/03 e
2008/09
1997/1998 2002/2003 2008/2009
# Tamanho Pop # Tamanho Pop # Tamanho Pop
Agreg agreg. Agreg agreg. Agreg agreg.
Nacional 8.250 6,2 17,484 8.700 6,2 18,302 10.832 6,0 21,537
Urbano 2.439 7,0 3,681 4.005 6,6 5,871 5.223 6,3 6,548
Rural 5.811 6,0 13,803 4.695 6,0 12,431 5.609 5,8 14,989
Niassa 657 5,8 0,873 816 6,2 0,929 814 5,4 1,276
Cabo 743 5,2 1,342 738 4,9 1,541 780 5,2 1,687
Delgado
Nampula 955 5,4 3,261 756 5,4 3,448 1.575 5,5 4,133
Zambezia 884 5,4 3,356 733 5,6 3,518 1.523 5,8 4,100
Tete 611 6,0 1,173 756 5,6 1,406 768 5,8 1,935
Manica 661 6,9 1,000 816 7,6 1,225 804 5,8 1,500
Sofala 762 6,8 1,766 795 7,3 1,532 851 6,9 1,750
Inhambane 729 7,3 1,281 753 6,5 1,345 803 6,5 1,319
Gaza 637 7,5 1,266 786 7,6 1,283 815 7,3 1,356
Maputo 718 7,1 0,999 828 6,4 1,022 900 6,1 1,358
Província
Maputo 893 7,6 1,1676 923 8,0 1,052 1,199 6,4 1,124
Cidade

Tabela A2.2 Tendências na incidência da pobreza (%): nacional, urbana-rural e por província
1997/1998 2002/2003 2008/2009
Flex. Aj. Fixo Flex. Aj. Fixo Flex. Aj. Fixo
Nacional 69,4 70,3 54,1 61,2 54,7 57,5
Urbana 61,1 43,4 51,5 40,1 49,6 39,5
Rural 71,6 77,5 55,3 71,2 56,9 65,4
Niassa 70,7 79,9 52,1 58,6 31,9 40,6
Cabo Delgado 57,4 74,4 63,2 68,3 37,4 48,0
Nampula 68,9 86,5 52,6 75,4 54,7 70,2
Zambézia 68,0 72,8 44,6 71,8 70,5 81,1
Tete 82,2 83,7 59,8 69,2 42,0 39,0
Manica 62,2 62,6 43,6 47,5 55,1 51,4
Sofala 87,9 85,5 36,1 51,6 58,0 64,5
Inhambane 82,1 72,0 80,7 76,3 57,9 57,0
Gaza 64,2 48,8 60,1 52,9 62,5 61,2
Maputo Província 65,7 43,4 69,3 30,0 67,5 35,5
Maputo Cidade 47,5 20,9 53,6 12,0 36,2 10,1
41

Tabela A2.3 Prevalência de baixo peso em 2009 por situação de pobreza (%)
Pobre Não-pobre Todos
Flex. Aj. Fixo Flex. Aj. Fixo
Nacional 20,1 21,1 17,6 15,8 19,1
Urbana 14,9 16,9 12,3 11,2 13,8
Rural 22,0 22,2 20,1 19,1 21,3
Niassa 18,6 17,2 19,0 20,2 18,9
Cabo Delgado 30,6 30,5 25,9 24,7 28,1
Nampula 23,0 24,1 22,6 18,9 22,9
Zambézia 20,1 19,8 15,2 13,1 18,9
Tete 27,8 27,7 25,4 25,5 26,5
Manica 25,3 25,6 16,4 16,7 21,7
Sofala 22,3 20,6 15,1 17,9 19,9
Inhambane 11,9 12,1 5,0 4,9 9,4
Gaza 11,4 11,6 9,5 9,2 10,7
Maputo Província 9,4 12,5 1,0 3,9 7,3
Maputo Cidade 9,5 16,2 6,7 6,7 7,9

Tabela A2.4 Prevalência de desnutrição crónica em 2009 por situação de pobreza (%)
Pobre Não-pobre Todos
Flex. Aj. Fixo Flex. Aj. Fixo
Nacional 45,8 47,9 43,4 39,5 44,8
Urbana 38,7 43,0 30,4 28,5 35,2
Rural 48,4 49,3 49,2 47,3 48,7
Niassa 50,6 50,3 53,7 54,3 52,5
Cabo Delgado 54,7 53,9 49,4 48,9 51,8
Nampula 57,6 57,4 49,1 44,3 54,5
Zambézia 45,5 46,3 48,0 45,2 46,1
Tete 54,9 55,9 49,0 48,6 51,7
Manica 63,7 63,0 50,2 52,3 58,3
Sofala 36,9 37,8 33,7 31,0 35,8
Inhambane 36,9 37,2 32,8 32,4 35,4
Gaza 29,9 30,3 35,2 34,3 31,7
Maputo Província 22,6 28,4 9,0 13,3 19,2
Maputo City 27,4 33,7 20,3 21,8 23,5
42

Tabela A2.5 Prevalência de desnutrição aguda em 2009 (%) por situação de pobreza
Pobre Não-pobre Todos
Flex. Aj. Fixo Flex. Aj. Fixo
Nacional 7,0 7,5 7,4 6,6 7,2
Urbana 7,6 8,1 6,6 6,3 7,1
Rural 6,8 7,4 7,8 6,7 7,2
Niassa 2,9 4,4 8,5 8,0 6,4
Cabo Delgado 9,4 10,2 6,8 5,0 8,0
Nampula 8,3 8,8 8,8 7,5 8,5
Zambézia 7,3 7,5 6,0 3,9 7,0
Tete 6,7 6,7 11,4 11,2 9,2
Manica 5,8 5,7 4,4 4,7 5,2
Sofala 13,0 12,3 10,5 11,9 12,2
Inhambane 2,9 3,0 2,6 2,5 2,8
Gaza 4,6 4,5 2,9 3,0 4,0
Maputo Província 4,6 4,8 5,8 4,9 4,9
Maputo Cidade 3,8 7,1 6,4 4,9 5,2

Tabela A2.6 Alimentação como parte do consumo total em 2009 (%) por situação de pobreza
Pobre Não-pobre Todos
Flex. Aj. Fixo Flex. Aj. Fixo
Nacional 65 67 61 58 63
Urbano 57 60 44 45 51
Rural 68 69 70 69 69
Niassa 68 69 63 62 64
Cabo Delgado 67 67 69 69 68
Nampula 69 69 63 59 66
Zambézia 72 73 67 62 71
Tete 64 63 75 75 71
Manica 64 63 71 71 67
Sofala 64 66 61 57 63
Inhambane 59 59 55 55 58
Gaza 58 58 52 51 55
Maputo Província 52 54 37 43 47
Maputo Cidade 43 48 29 32 34

Tabela A2.7 Subsistência como parte do total do consumo alimentar em 2009 por (%) situação de
pobreza
Pobre Não-pobre Todos
Flex. Aj. Fixo Flex. Aj. Fixo
Nacional 63 68 59 51 61
Urbana 28 34 21 18 24
Rural 76 77 78 77 77
Niassa 59 63 68 67 65
Cabo Delgado 81 81 67 64 72
Nampula 67 69 62 55 65
Zambézia 79 80 73 69 77
Tete 73 73 86 85 81
43

Manica 55 56 67 65 60
Sofala 54 56 45 39 50
Inhambane 72 72 61 60 67
Gaza 48 59 58 47 54
Maputo Província 24 31 8 12 19
Maputo Cidade 2 2 1 1 1
44

Tabela A2.8 Analfabetismo do chefe do agrg. fam. 2009 por (%) situação de pobreza
Pobre Não-pobre Todos
Flex. Aj. Fixo Flex. Aj. Fixo
Nacional 49,1 51,9 38,3 33,9 44,3
Urbano 34,6 38,6 16,2 16,7 25,3
Rural 54,8 55,4 49,7 47,1 52,6
Niassa 57,9 56,7 48,7 48,2 51,6
Cabo Delgado 66,3 68,7 57,7 53,6 61,0
Nampula 54,2 54,2 42,1 35,8 48,7
Zambézia 49,9 50,6 40,2 31,4 47,0
Tete 44,0 45,4 41,3 40,6 42,5
Manica 46,4 47,0 34,1 34,4 40,9
Sofala 47,1 47,7 36,0 33,0 42,5
Inhambane 50,3 50,7 30,6 30,3 42,0
Gaza 55,3 55,9 38,0 37,7 48,8
Maputo Província 35,2 43,7 14,6 20,1 28,4
Maputo Cidade 21,0 27,4 8,1 11,1 12,8

Tabela A2.9 Nº de celulares no agreg. em 2009 por situação de pobreza


Pobre Não-pobre Todos
Flex. Aj. Fixo Flex. Aj. Fixo
Nacional 1,09 1,01 1,39 1,51 1,22
Urbano 1,42 1,23 2,06 2,08 1,74
Rural 0,96 0,95 1,04 1,07 1,00
Niassa 0,98 0,97 1,11 1,14 1,07
Cabo Delgado 1,06 1,05 1,22 1,25 1,16
Nampula 0,85 0,86 1,10 1,21 0,97
Zambézia 1,03 1,04 1,20 1,26 1,08
Tete 0,86 0,83 1,00 1,01 0,94
Manica 1,06 1,04 1,21 1,22 1,13
Sofala 0,90 0,90 1,41 1,51 1,12
Inhambane 1,07 1,05 1,49 1,50 1,24
Gaza 1,28 1,28 1,77 1,77 1,47
Maputo Província 1,71 1,46 2,44 2,22 1,95
Maputo Cidade 2,14 1,90 2,78 2,62 2,55
45

ANEXO 3: Breve análise do relatório da 3ª avaliação nacional da pobreza


(4 Outubro, 2010)

“ Pobreza e bem-estar em Moçambique: Terceira avaliação nacional”

Direcção Nacional de Estudos e Análise de Políticas


Ministério da Planificação e Desenvolvimento
Setembro 2010

1 Principal constatação

Com base no teor calórico estimado do cabaz alimentar local e nos preços locais pagos
pelos alimentos, o inquérito indica que a incidência da pobreza é geralmente muito elevada e que
a dinâmica da pobreza (nacional e provincial) no período de 1997 a 2009 é por vezes,
surpreendente (Tabela 3-5). A dinâmica, como será indicado a seguir, é de certa forma
controversa.
a) Com base nos três inquéritos consecutivos IAF96, IAF02 e IOF08, o relatório conclui
que, entre 1996/97 e 2002/2003, a taxa nacional de pobreza caiu de 70 para 54%,
enquanto que entre 2002/2003 e 2008/2009, essa taxa manteve-se praticamente
inalterada, apesar do crescimento económico sustentado
b) O relatório indicou ainda que o nível de pobreza varia consideravelmente por região,
variando de 48 a 88% em 1996/97, de 36 para 81% em 2002/03 e 32-71% em 2008/09
c) A mudança da pobreza ao longo do tempo também mostra grande variação regional,
mostrando uma redução sustentada da pobreza em três províncias (71para 52 para 32%
no Niassa; de 82 para 60 para 42% em Tete; de 83-81 para 58% em Inhambane), a
estagnação em 2 províncias (Gaza e Maputo em cerca de 65%) e uma taxa de pobreza
que oscila para cima e para baixo nas restantes seis províncias (por exemplo de 68 para
45 para 70% na Zambézia e de 48 para 54 para 36 na cidade de Maputo)

a) O elevado nível de pobreza em Moçambique está bem documentado e reflecte as limitadas


oportunidades de emprego na economia, principalmente devido à persistente baixa produtividade
na agricultura. No entanto, a mudança da pobreza ao longo do tempo é algo surpreendente. A
pergunta é por que razão a taxa nacional de pobreza não diminuiu no período recente de
crescimento económico sustentado de 2002/03 a 2008/09. O relatório argumenta que existem três
razões principais para explicar isso: i) a estagnação do crescimento da produtividade na
agricultura de pequena escala, ii) as condições climáticas desfavoráveis em 2008, especialmente
nas províncias do centro e, iii) os preços elevados de alimentos e combustível.
b) A grande variação regional do nível de pobreza não é nenhuma surpresa. Num país pobre
com uma grande variedade de condições agro-ecológicas, e um padrão de urbanização apenas
para algumas cidades principais, a magnitude das diferenças observadas nas taxas de pobreza
regional é razoável. A variação regional reflecte que o quadro geral não é tão sombrio em
46

algumas partes do país, enquanto que em outras a situação de pobreza é particularmente


preocupante. Como mostra a evidência em outros países em desenvolvimento, a prevalência da
pobreza nas regiões mais pobres pode ser um factor dois e mais???, em comparação com a
prevalência da pobreza na região mais rica. Se alguém desagregar ainda mais os números e se
concentrar nos distritos e comunidades, a imagem da pobreza pode até ter mais tonalidades e
identificar bolsas de pobreza por um lado, e de riqueza relativa, por outro. As evidence in other
developing countries indicates, the prevalence of poverty in the poorest region can be a factor two
and more as compared to the prevalence of poverty in the richest region.

c) A inesperada dinâmica da pobreza a nível nacional é amplificada ao nível regional. Com


efeito, as alterações regionais da pobreza ao longo do tempo são enormes e, como o relatório
admite, seria muito desafiador explicar os padrões que são apresentados. De facto, o relatório
recomenda mais investigação que vise "um conjunto detalhado de perfis de pobreza" e que inclua
"um exercício de mapeamento da pobreza" (p xv). É evidente que a identificação de áreas
geográficas de importância vital exigiria um quadro mais consistente e mais convincente ao longo
do tempo.

2 Outros resultados de interesse particular para a análise da pobreza

O relatório contém muitos mais resultados que são pertinentes para a compreensão dos
padrões de pobreza e da dinâmica da pobreza em Moçambique. A maioria do trabalho diz
respeito a uma análise mais aprofundada da pobreza, dos dados do inquérito IOF08 para além da
secção de consumo alimentar e de uma vasta gama de outros dados do inquérito, bem como dados
sobre preços e contas nacionais.
O estudo inclui uma análise da pobreza com base na malnutrição infantil, acesso à saúde e
educação, qualidade da habitação, posse de bens duráveis e de bens agrícolas. Em particular, são
feitas as seguintes comparações:
i) Malnutrição infantil (IAF96; DHS03, MICS08; IOF08)
ii) Capital humano e acesso à saúde e educação (IAF02; IOF08)
iii) Habitação e bens duráveis (IAF02; IOF08)
iv) Tamanho das machambas, gado e produção agrícola (TIA02; TIA08; IOF08)
Na verdade, estes são todos aspectos vitais da pobreza. Um resultado negativo em cada um destes
campos pode ser visto tanto como uma causa da pobreza (por exemplo, a saúde e educação são
pré-requisitos para o emprego produtivo) como um efeito da pobreza (por exemplo, rendimentos
suficientes são um pré-requisito para a compra de bens duradouros e aumento do gado).
O relatório mostra que estes vários indicadores de pobreza mostram um progresso misto.
Por exemplo, melhorias na malnutrição infantil são observadas, mas são muito pequenas (Figura
3-11). Há um progresso considerável no acesso à educação (Figura 3-2 e 3-3), embora a queda
das taxas de retorno indiquem que há também preocupações com a qualidade (Tabela 12-5 a 12-
8). Em algumas partes do país, o acesso às unidades sanitárias e água potável também melhorou
(Figura 3-4 e 3-5), sendo que a qualidade da habitação e a posse de bens duráveis também
melhorou, especialmente no Sul (Tabela 8 - 1 e 8-2). Ao mesmo tempo, não há nenhum progresso
na agricultura, há uma crescente pressão demográfica, explorações agrícolas muito pequenas,
pouco uso de fertilizantes e redução significativa de pesticidas, irrigação e créditos (Quadro 12-
4).
A última contribuição distinta do relatório deve ser mencionada e diz respeito à macro-
análise (Capítulo 7). Para efeitos de simulação da economia, um modelo CGE foi utilizado. O
47

modelo é brevemente descrito na Secção 7.1, com alguns pressupostos adicionais dados no ponto
7.2.2. Possui detalhes de sectores (56 sectores) e três tipos de mão-de-obra, enquanto que o
capital e a terra agrícola são os dois factores adicionais de produção. O modelo CGE tem 2003
como ano-base e, com poucas excepções, os resultados da simulação estão bem de acordo com a
avaliação da pobreza com base nos IAF02 e IOF09.

3 Pontos fortes do relatório

O relatório analisa a pobreza de muitos ângulos, seguindo a transição do mero conceito


monetário que foi usado no PARPA I para um conceito muito mais holístico usado no PARPA II
(p. 78 "Um tema chave subjacente a este relatório é que a pobreza é um conceito multi-
dimensional"). A visão mais ampla define pobreza como "a impossibilidade, devido à
incapacidade ou por falta de oportunidades dos indivíduos, famílias e comunidades para
alcançar condições mínimas de vida de acordo com as normas básicas da sociedade" (p. 3).
Claramente, esta definição tem em conta as diversas medidas da pobreza brevemente discutidas
acima.
O relatório é particularmente bem articulado, a este respeito. Os dados do IOF são
colocados lado a lado com uma ampla variedade de dados de outras fontes que reflectem vários
aspectos da pobreza. O trabalho técnico é excelente e o cruzamento de referências entre o texto e
as tabelas e figuras é excelente.
O principal resultado do inquérito é apresentado de forma clara, nomeadamente, que a
redução da pobreza estagnou, apesar do crescimento económico sustentado, embora não haja
provas claras de que a desigualdade tenha aumentado. Estão a ser desenvolvidos esforços para
explicar isto, e a hipótese de que a estagnação se deve principalmente a factores externos, tais
como choques climáticos e de preços (idiossincráticos) é testada com um modelo de simulação
macro-económica. Os resultados do teste numa taxa de referência de pobreza de 45,7% em 2009,
e "Isto é essencialmente o mesmo que o nível almejado no PARPAII" (p. 68). Os diferentes
cenários confirmam a análise dos inquéritos IAF02 e IOF08 anteriormente no relatório, com
grandes efeitos adversos dos preços elevados de combustível e baixo índice pluviométrico
(Figura 7-2). A taxa de pobreza simulada sob choques de preços e do clima está bastante perto
das estimativas do inquérito, apenas um pequeno 0,4 ponto percentual mais baixo. Por certo, os
pressupostos subjacentes podem desempenhar um papel aqui, por exemplo, que "as taxas de
crescimento da mão-de-obra e da terra são impostas exogenamente " (p. 61) e que "a mão-de-
obra está totalmente empregue e é móvel em todas as actividades" (p. 63), uma questão que vai
além desta breve avaliação.

4 Robustez dos resultados principais e as possíveis explicações alternativas

Após a leitura do relatório, pode-se ficar com a impressão de que tanto o resultado
principal, bem como a sua interpretação exigiria uma análise mais aprofundada. Essa análise
adicional parece justificada, a fim de explicar os padrões de pobreza observados e a dinâmica da
pobreza em Moçambique, com mais confiança e mais consistência. A pesquisa teria de olhar para
dois aspectos importantes.
Em primeiro lugar, o resultado em si poderia ser em parte um artefacto de colheita de dados
e do processamento de dados.
48

i) Grave sub-notificação- do consumo de alimentos: Como pode o teor calórico dos


alimentos ser inferior a 800 Kcal “per capita” por dia para mais de 20% dos
agregados familiares?
ii) Uso de cabaz de alimentos locais e preços locais: estamos a comparar maçãs com
laranjas? Será que os preços espaciais reflectem apenas o custo de transporte ou
também aspectos de qualidade?
iii) A utilização de uma linha de pobreza alternativa baseada num padrão de consumo
nacional e uma variação mais modesta do preço espacial poderia ter grandes
implicações para a incidência da pobreza e as dinâmicas da pobreza. Em particular,
uma re-estimativa do consumo “per capita” (de alimentos) no IAF97, IAF02 e IOF08
que também leva em conta a qualidade da dieta poderia resultar numa imagem
totalmente diferente daquela que aparece na Tabela 3-5 e Tabela 10 -1. A observação
de que as partes norte e rural do país estão relativamente bem em relação às partes
sul e urbana poderia transformar-se no inverso.
Para tratar dessas questões, a metodologia descrita no capítulo 10 (especialmente na secção 10.1,
pp 80-84) precisa ser mais testada e eventualmente adaptada a fim de melhorar a consistência dos
padrões de pobreza ao longo do tempo, bem como nos vários grupos da população, províncias e
distritos.
Quanto aos problemas de dados, o relatório na página (p. xiv) afirma que "os níveis de
pobreza são susceptíveis de ser sobre-estimados em cerca de 3 pontos percentuais" e que as "
tendências da pobreza ao longo do tempo são bastante robustas ...". Ao mesmo tempo e na
mesma página, o relatório adverte que "... o ênfase não deve ser colocado na precisão das
estimativas de pobreza a nível provincial" (ver também a discussão do ponto 8.2 do relatório). O
relatório continua dizendo: "No entanto, o amplo padrão espacial das mudanças (ou seja,
melhorias nas regiões Norte e Sul, e piora no Centro), é confirmado por outras fontes de dados".
Esta breve avaliação constatou evidências limitadas para apoiar plenamente estas conclusões.
Para mencionar apenas um pequeno exemplo, considere os números provinciais sobre a qualidade
da habitação na Tabela 8-1. Tomando os pesos da população, consulte a tabela em anexo,
verifica-se que a luz eléctrica está altamente concentrada nas regiões do Sul e praticamente todas
as melhorias entre IAF02 e IOF08 ocorreram no Sul, onde um adicional de 15 em cada 100
agregados familiares têm acesso à energia eléctrica, trazendo a cobertura para 33 por cento. Tanto
no Centro como no Norte apenas cerca de 4% tinham iluminação eléctrica durante o IAF02 e o
aumento entre os períodos do inquérito foi de apenas 3 pontos percentuais.
Em segundo lugar, se se aceita o resultado, tal como está, a explicação proposta só pode
fazer parte do enredo. O teste da hipótese de que a perda na redução da pobreza é causada
principalmente por factores externos (clima, preços internacionais dos alimentos e combustíveis)
não é inteiramente convincente. O lento crescimento da produção de alimentos também é
mencionado, mas a investigação das razões subjacentes recebe pouca atenção. Assim, outras
hipóteses terão de ser testadas, especialmente porque o crescimento sustentado da produtividade
no sector da agricultura familiar é "o principal elemento em falta no actual processo de
desenvolvimento" (xiv p). Por exemplo:
i) O resultado pode reflectir uma economia dual, com um pequeno grupo (que não está
representado no inquérito) que capta a maior parte do crescimento da renda?
ii) Se a economia dual é parte da história, como é que isso se relacionaria com as
capacidades do governo de fazer investimentos públicos e implementar políticas
sociais redistributivas, que são favoráveis ao crescimento pró-pobre?
49

iii) Seria interessante investigar as razões pelas quais o inquérito aos agregados
familiares parece ser um instrumento fraco para medir a desigualdade no país (secção
6.3).

5 Recomendações

O relatório "Pobreza e Bem-estar em Moçambique: Terceira Avaliação Nacional" é uma


investigação completa sobre a pobreza em várias dimensões. No entanto, contudo, como indicado
no relatório, é necessária pesquisa adicional de (p xv: "Isto inclui um conjunto detalhado de perfis
de pobreza, incluindo uma análise do ultra-pobres, um exercício de mapeamento da pobreza,
uma análise da incidência de benefícios e uma análise aprofundada da nutrição infantil.").
A partir desta rápida avaliação ressaltam duas razões principais que justificam um tal
aprofundamento da análise. Em primeiro lugar, os resultados apresentados são muitas vezes
inesperados, especialmente em relação à profundidade da pobreza nas várias regiões do país e a
volatilidade extremamente alta nas taxas de pobreza a nível das províncias. O relatório admite
que há necessidade de investigar mais detalhadamente esta questão, e essa necessidade de uma
avaliação consistente da pobreza que seja mais específica do que apenas o agregado é
particularmente urgente, tendo em conta a análise de políticas e a avaliação de políticas, a partir
do nível nacional até ao nível dos diferentes grupos da população, províncias e distritos.
Os resultados agregados podem mascarar uma certa controvérsia sobre a eficácia das
políticas do governo e, mais em geral, a adequação do modelo de desenvolvimento de
Moçambique. Nesse contexto, o apoio sustentado dos doadores e a acumulação de empréstimos
do exterior são notáveis. Estes têm ajudado Moçambique a implementar a estabilização
macroeconómica e as políticas de crescimento, bem como os programas de redução da pobreza,
desde a guerra civil que terminou em 1992.
No entanto, a dependência da ajuda externa e do capital estrangeiro não é isenta de custos.
Por exemplo, em 1998, Moçambique tornou-se o sexto país elegível para alívio da dívida no
âmbito da iniciativa dos Países Pobres Altamente Endividados - que cobre actualmente cerca de
30 países. Actualmente, a parte de leão do orçamento do estado é financiado através do apoio dos
doadores, e os esforços do governo para reduzir essa dependência através da ampliação da base
tributária em grande parte são nulos. Da mesma forma, existem preocupações sobre a capacidade
do governo de efectivamente investir em bens públicos (especialmente em infra-estrutura rural) e
de implementar políticas sociais redistributivas, que sejam favoráveis ao crescimento pró-pobre.
Conforme indicado, o resultado do relatório pode reflectir uma economia dual, com pouca
atenção ao crescimento (em pequena escala) agricultura, e uma pequena parte da população no
sul do país que se beneficia desproporcionalmente do crescimento. Nesse modelo, a repassagem
para os mais pobres é mínima e o risco de procura de renda pela elite é máxima. Finalmente, o
nível de participação estrangeira no desenvolvimento pode também limitar a margem de manobra
para desenvolver políticas que se afastam das receitas (neo-clássicas) da comunidade de
doadores. Por exemplo, programas de subsídios rurais em Moçambique são raros, mas como a
experiência recente com subsídios para os fertilizantes no Malawi tem mostrado, estes podem ser
uma importante fonte de crescimento agrícola.
Isso nos leva à segunda razão pela qual o relatório carece de investigação adicional. A
explicação do relatório da paralisação da redução da pobreza no período de 2003 a 2009 não é
inteiramente convincente. Porque sobrevaloriza os factores externos, tais como os choques
idiossincráticos do clima e dos preços no mercado mundial. Há espaço para exploração de
alternativas e para colocar mais ênfase nos factores internos que podem explicar fracassos e
50

sucessos em várias partes do país. Um caso em questão aqui é o crescimento da produtividade dos
pequenos agricultores, que é "o principal elemento em falta" e que poderia reflectir certas
tendências no processo de desenvolvimento actual.
Escusado será dizer que uma reavaliação dos padrões de pobreza nacional e a nível das
províncias, juntamente com uma maior atenção aos aspectos de economia política poderia ter
implicações importantes para a avaliação das estratégias de redução da pobreza.

Você também pode gostar