Heywood - Jinga de Angola - A Rainha Guerreira Da África PDF
Heywood - Jinga de Angola - A Rainha Guerreira Da África PDF
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M. Heywood
Jinga de Angola
A rainha guerreira da África
posfácio
Luiz Felipe de Alencastro
tradução
Pedro Maia Soares
Introdução
1. O reino de Ndongo e a invasão portuguesa
2. Crise e a ascensão de Jinga
3. Uma rainha combativa
4. Política traiçoeira
5. Guerra e diplomacia
6. Um ato de equilíbrio
7. A caminho dos ancestrais
Epílogo
Jinga, um destino
Luiz Felipe de Alencastro
Glossário
Lista de nomes
Cronologia
Notas
Agradecimentos
Termos para busca
Autora
Créditos
Ndongo (c . 1550) e Ndongo-Matamba (c . 1663) situados na atual Angola.
Introdução
Montando o cenário
O reino de Ndongo
De 1518 até 1582, quando Jinga nasceu, os quatro ngolas que governaram
Ndongo foram todos homens. Em 1624, quando se tornou rainha aos 42 anos,
Jinga foi a primeira mulher a governar o país. As mulheres, no entanto,
desempenhavam um papel poderoso na corte, e Jinga teria ouvido muitas
histórias sobre elas enquanto crescia na corte de seu pai, Mbande a Ngola. As
mulheres da elite costumavam frequentar o círculo íntimo e estar a par do mundo
dos homens. (A própria Jinga alegava ter participado de reuniões de conselheiros
de seu pai quando era apenas uma criança.) Uma mulher que se destacava nessas
histórias era Hohoria Ngola, uma das duas filhas do primeiro fundador de
Ndongo. Zundu, a outra filha, matou o filho de Hohoria e depois usou de
embustes para assegurar o trono. Zundu foi assassinada por instigação de
Hohoria, que buscava vingar a morte do filho. A história cativou os missionários
europeus décadas depois, quando a ouviram dos velhos contemporâneos de
Jinga. Ela testemunhava um sistema de governo ambundo ainda em construção
que desde o início incluía mulheres, mas também dava suporte a uma ideologia
política que tolerava a usurpação e o assassinato, o fratricídio, o infanticídio, a
expansão militarista e alianças políticas complicadas. [18]
As mulheres ocupavam um lugar importante nas tradições fundadoras de
Ndongo e figuram com destaque nos relatos escritos de testemunhas oculares
europeias que tiveram contato com governantes de Ndongo a partir dos anos
1560. É significativo que Hohoria fosse nomeada esposa legal de Ngola Kiluanje
kia Samba, o primeiro rei da história de Ndongo, e que tenha sido seu filho o
herdeiro do reino após a morte do pai. Embora Ngola Kiluanje kia Samba tivesse
várias concubinas cujos filhos fundaram as inúmeras linhagens reais que
competiam com os descendentes de Hohoria pela liderança de Ndongo, essas
mulheres permaneceram anônimas. [19]
Em anos posteriores, à medida que o reino se expandia e Ndongo enfrentava
incursões militares portuguesas, as mulheres da elite frequentemente estavam a
par de segredos de Estado. Isso fica evidente numa história a respeito de uma
filha de Ngola Kiluanje kia Ndambi que soube que o pai planejava matar os
membros da primeira missão portuguesa a Ndongo. Essa informação era muito
mais do que mera intriga política para a jovem: consta que o chefe da missão,
Paulo Dias de Novais, era seu amante. Embora possa não ser verdadeira, essa
história revela muito sobre o papel das mulheres na época. A jovem teria contado
a intenção de seu pai para Dias de Novais, instigando-o a sair com seu séquito do
país, para poupá-los da ira do pai e da morte certa. [20] A filha do ngola jamais
teria conseguido organizar a fuga do amante se não tivesse acesso irrestrito ao
que acontecia na corte de seu pai.
Outros relatos também detalham o papel essencial, embora mais tradicional,
que as mulheres desempenhavam na vida religiosa de Ndongo. Em 1585, Ngola
Kilombo kia Kasenda teria feito uma pausa, antes de lançar um ataque através do
rio Lucala, para mandar que “sua mãe e muitos praticantes religiosos homens e
mulheres” executassem rituais que dariam proteção ao seu exército. [21] Além
dos papéis religiosos, as mulheres ligadas a homens de alta posição social
costumavam acompanhar o marido aos principais eventos públicos, como foi o
caso registrado naquele mesmo ano de um senhor de Ndongo que levou consigo
“mais de quinhentas mulheres, todas com ricos toucados ( ferraguelos ) de
Portugal”, quando se aventurou a sair em público. [22]
Apesar do que possa parecer aos nossos olhos modernos, a presença de um
grande número de mulheres ligadas a um único homem não significava que elas
ocupassem uma posição subordinada. Um dos primeiros relatos de testemunhas
oculares sobre a posição das mulheres comuns na sociedade de Ndongo
observou que a mulher mantinha sua independência mesmo quando vivia numa
casa com centenas de outras mulheres. Tanto a esposa principal como as
concubinas podiam deixar o arranjo sempre que desejassem. A mulher que
deixava o marido não era condenada ao ostracismo ou mesmo repreendida, mas
era recebida de volta à linhagem de seu pai, na qual era livre para permanecer até
escolher outro marido ou parceiro. [23]
Curiosamente, essa mulher poderia ter passado toda a infância na casa do
futuro marido. No começo, o relacionamento assemelhava-se ao de
companheiros de brincadeira ou de irmãos. Pelo costume de Ndongo, as famílias
podiam mandar uma filha para a casa do rei ou de outro homem proeminente
“quando ainda estava sendo carregada nos braços de sua mãe”, para ser criada ao
lado do filho escolhido. Quando chegava à idade de casar, o filho montava a
própria casa, selecionando uma de suas companheiras de infância preferidas para
ser sua esposa principal. As posições das mulheres eram mutáveis, e uma esposa
principal podia ser substituída por capricho de seu marido, fosse por alguém do
grupo de concubinas já existente na casa, fosse de outra família nobre — a todo
momento, meninas eram enviadas para a casa do rei. [24] A mãe de Jinga,
Kengela ka Nkombe, foi enviada de presente ao homem que seria o pai de Jinga,
Mbande a Ngola, rei de Ndongo. Ele já era casado quando fez de Kengela sua
principal concubina, uma posição logo abaixo da de esposa principal. Com ela,
teria Jinga e outros três filhos. [25] Saberemos muito mais sobre todas essas
crianças. Mas antes vamos tratar dos predecessores de Jinga e dos
acontecimentos que ocorreram nas décadas anteriores ao seu nascimento.
1.
O reino de Ndongo e a invasão portuguesa
Rei do Congo e rei de Angola, frontispício de uma obra de Antônio de Oliveira de Cadornega, c. 1680.
Os reis que sucederam a Ngola Kiluanje kia Samba foram hábeis líderes
militares e estadistas, embora, de acordo com a história oral, a coesão política
tenha sido minada durante o breve e brutal reinado de seu sucessor, Ndambi a
Ngola (1556-61). Ndambi a Ngola teria ascendido ao trono depois de assassinar
todos os seus irmãos, exceto dois; os dois sobreviventes escaparam por pouco de
tal destino fugindo para os reinos vizinhos. [2] Ndambi a Ngola manteve o trono
mediante terror e intimidação e, de acordo com o missionário capuchinho
Giovanni Antonio Cavazzi, quando morreu, foi homenageado com o sacrifício
de “inumeráveis vítimas humanas”. [3] Governantes posteriores, inclusive Jinga,
consideravam esse costume de sacrifício humano uma parte essencial dos rituais
funerários em honra aos reis de Ndongo e outros membros da elite.
Os relatos históricos detalhados e tradições orais de Ndongo começam com o
reinado de Ngola Kiluanje kia Ndambi (1561-75), que assumiu o poder após a
morte de Ndambi a Ngola. Um século após a sua morte, membros idosos da elite
ambundo e seus contemporâneos portugueses ainda regalavam missionários
capuchinhos com histórias de seus impressionantes feitos militares, que
resultaram em manter sob o controle de Ndongo todas as províncias ao longo
dos rios Dande, Zenza e Lucala, até Luanda. Seu legado foi duradouro. Durante
os anos 1650, o forte português de Muxima, no baixo rio Kwanza, era chamado
de Isandeira em homenagem à isanda (embondeiro ou baobá) que Ngola
Kiluanje teria plantado lá para marcar suas conquistas militares na região. [4]
Ngola Kiluanje kia Ndambi começou seu reinado em 1561, após a morte de
seu pai e logo após a chegada da primeira missão oficial de Portugal, na
primavera de 1560. Essa missão era comandada pelo capitão Paulo Dias de
Novais, que desempenharia um papel importante na conquista militar de
Ndongo. Os relatos dos membros dessa delegação fornecem-nos uma imagem
vívida do reino logo antes do início da conquista, durante a transição do reinado
de Ndambi a Ngola para o de Ngola Kiluanje.
Ao saberem que os reis de seu poderoso vizinho Congo haviam aberto suas
terras para estrangeiros do outro lado do oceano, os governantes de Ndongo
enviaram seus próprios emissários a Portugal para solicitar missionários, a partir
de 1518 até 1556, quando Ngola Kiluanje kia Samba mandou representantes a
Lisboa. [5] Uma missão portuguesa foi finalmente enviada para Ndongo em 22
de dezembro de 1559. Os portugueses que partiram de Lisboa naquele dia
tinham instruções da regente dona Catarina, que reinava em nome de seu neto
dom Sebastião, de ir a Ndongo para começar o trabalho missionário naquela
região. A delegação, que contava com quatro missionários jesuítas, fez uma
parada em São Tomé para apanhar portugueses que tinham conhecimento de
Ndongo, e chegou à foz do rio Kwanza em 3 de maio de 1560. Dois membros
ambundos do grupo que tinham ido a Portugal com os emissários originais foram
imediatamente enviados ao interior para avisar o rei Ndongo da chegada da
delegação. De acordo com Antônio Mendes, um dos jesuítas do grupo, eles
esperaram quatro meses ancorados na baía até que chegassem as autoridades que
lhes concederam permissão para fazer a longa viagem à capital. [6] A espera foi
penosa. Ndongo sofria uma seca severa, o calor era intenso e abundavam
mosquitos transmissores de doenças; os suprimentos de água e comida também
eram baixos. Dez membros do grupo, entre eles um dos sacerdotes, morreram.
Os sobreviventes foram salvos somente quando o chefe local da região forneceu
ao grupo gado, cabras e produtos da região.
Com a chegada do emissário do rei, à frente de um destacamento militar, Dias
de Novais e o resto do grupo puderam começar a jornada que os levaria rio
Kwanza acima e, depois, por terra até Kabasa, a capital de Ndongo. Eles
deixaram sua grande caravela e transferiram seus suprimentos para botes e
canoas. Viajaram 160 quilômetros pelo rio Kwanza até chegarem ao ponto em
que corredeiras e ilhas impediam a viagem a montante. A autoridade local
encarregada do porto nesse ponto do rio atendeu às suas necessidades. No mês
seguinte, seguiram por terra para Kabasa. Durante a viagem, o grupo passava de
um território para outro, e cada líder territorial tratava de alimentar, alojar e
proteger os viajantes, como era seu dever. Quando o grupo chegou finalmente a
Kabasa, o rei havia preparado três chalés para os visitantes em seu próprio
complexo residencial. [7]
Cerca de cinco dias depois de chegarem a Kabasa, os portugueses foram
autorizados a entrar na residência do rei, situada numa área bem irrigada da
cidade e protegida por grandes palmeiras. Uma das primeiras coisas que
chamaram a atenção dos portugueses foi o intrincado sistema de segurança pelo
qual precisaram passar antes de chegar à residência do rei, que exibia um grande
pátio e estava rodeada por enormes colunas pintadas.
O padre Mendes, um dos jesuítas, ficou impressionado com a aparência física
imponente do rei Ndambi a Ngola, que estava no último ano de seu reinado. De
acordo com o sacerdote, ele era “um dos mais altos do lugar, como um gigante, e
muito forte”. [8] É provável que Ndambi a Ngola estivesse vestido com as roupas
e os adornos que se tornariam a insígnia oficial da realeza de Ndongo nos anos a
seguir: uma pena vermelha (muito provavelmente de um pavão) [9] no cabelo,
um pano vermelho sobre o peito e o ombro e uma roupa feita de pele de carneiro
com manchas pretas e brancas que o cobria da cintura para baixo. [10] Seu corpo
estaria salpicado de pó, o que significava a consideração espiritual e militar que
alcançara graças a sua coragem no campo de batalha. [11] Sua aparência física
impressionante refletia seu imenso poder. Na época do encontro com os
portugueses, consta que Ndambi a Ngola controlava quinhentos “principados”,
cujos líderes lhe pagavam tributo e chefiavam esquadrões de seus próprios
subordinados nas muitas guerras que ele travou. Quase mil pessoas dependentes
o acompanhavam na capital, número que subia para cerca de trinta mil durante
festividades públicas. [12] De acordo com os missionários portugueses, Ndambi a
Ngola era considerado divino por seus súditos; ele “fazia-se adorar como a um
deus” e se vangloriava abertamente de que era “o senhor da chuva”. [13]
De seu majestoso assento feito de folhas de palmeiras, Ndambi a Ngola ouviu
as explicações dos padres portugueses sobre os princípios da fé cristã, que
esperavam que ele e seu povo adotassem. Apesar de suspeitar de seus motivos,
ele acabou por dar permissão ao grupo para começar o trabalho missionário em
Kabasa e selecionou entre quinze e vinte de seus filhos e de seus principais
conselheiros para serem os primeiros discípulos dos estrangeiros.
A chegada dos portugueses, com seus planos religiosos e políticos, criou um
dilema para os governantes de Ndongo. Os missionários jesuítas praticavam uma
religião que tinha o potencial de minar o poder espiritual e legal do rei e de seus
conselheiros. Além disso, as relações políticas que, conforme Dias de Novais, o
monarca português desejava com Ndongo poderiam potencialmente diminuir a
poderosa posição política que o rei mantinha em relação aos líderes provinciais e
territoriais, bem como aos governantes dos Estados vizinhos, como Congo e
Matamba. Além disso, havia a ameaça que os recém-chegados representavam
para todo o tecido social de Ndongo. Antes da chegada dos portugueses, o ngola
era, sem dúvida, a pessoa mais poderosa em um Estado mantido unido pelo
pagamento de tributo de entidades políticas menos poderosas, mas autônomas.
Esses pagamentos eram impostos pelo exército do ngola . Os portugueses
traziam não apenas armas, mas também valores culturais diferentes em relação à
espiritualidade, à justiça, às noções de posição social e status herdado com
direitos de mando, liberdade e escravidão, servidão e cativeiro, hospitalidade,
comércio e similares.
Assim, embora Ndambi a Ngola permitisse que os visitantes portugueses
permanecessem em Kabasa e até que os jesuítas abrissem uma escola, essa boa
recepção não durou. Quando ele morreu, em 1561, e seu filho Ngola Kiluanje
kia Ndambi (Ngola Kiluanje) assumiu o poder em Ndongo, a situação mudou.
Ngola Kiluanje voltou-se contra os portugueses, convencido de que os
verdadeiros motivos do grupo eram “espionar sua terra”. [14] Ele aprisionou Dias
de Novais e vários outros membros da delegação, bem como alguns ambundos
que haviam ajudado os portugueses, e expulsou o resto, mandando-os de volta à
costa sob escolta militar. Ngola Kiluanje acabou por libertar um dos padres e
mais tarde, em 1565, Dias de Novais foi libertado. Apenas um dos sacerdotes, o
padre Francisco de Gouveia, ficou em Kabasa, onde morreu dez anos depois. [15]
Embora tenha deixado Dias de Novais partir, Ngola Kiluanje manteve reféns
na capital alguns membros da delegação portuguesa por quase cinco anos,
decisão que tinha tanto a ver com a política estatal como com suas suspeitas
sobre a motivação dos portugueses. [16] Um capitão da segunda expedição de
Dias Novais sustentou mais tarde que Ngola Kiluanje e Dias de Novais fizeram
um acordo pelo qual o comandante português retornaria a Lisboa para usar a
suposta situação de reféns como estratagema para conseguir armas para o ngola ,
que estava ameaçado pela revolta de um poderoso nobre provincial. Em troca da
ajuda militar de Dias de Novais, Ngola Kiluanje pode ter prometido assinar um
tratado comercial com os portugueses. [17]
Ngola Kiluanje fazia uso estratégico do poder tanto em assuntos internos
como em externos. Por exemplo, garantia a fidelidade de seus subordinados
mantendo reféns jovens mulheres das principais famílias nos distritos onde
viviam sua esposa principal, as esposas secundárias e concubinas. Em 1564,
mudou a sede para a cidade de Angoleme, não muito longe de Kabasa. Ali
morava com sua esposa principal, Quilundonanboa, mais de quatrocentas
concubinas e pelo menos setenta filhos. [18] Exercia seu poder com habilidade,
mas também foi lembrado como um rei bom e justo; de acordo com os jesuítas,
até seus inimigos se submetiam a ele sem resistência. [19] O padre Gouveia
observou que os procedimentos judiciais eram ordeiros e abertos ao público.
Embora admirasse a transparência do rei, o sacerdote católico ficou consternado
diante de alguns de seus “costumes pagãos”, como distribuir justiça no tribunal
por meio de sentenças de morte. [20] Entretanto, esses atos não diminuíram a
reputação do governante entre seus súditos; aos olhos deles, Ngola Kiluanje era
semelhante a um deus. [21] Ao final de seu reinado, as fronteiras do país haviam
se expandido significativamente. Ndongo transformara-se de uma pequena
província localizada a mais de trezentos quilômetros do porto de Luanda em um
Estado que abrangia todos os povos de língua quimbundo que viviam entre as
fronteiras meridionais do reino do Congo e as terras ao sul do rio Kwanza.
O governante seguinte desse poderoso reino foi o avô de Jinga, Ngola
Kilombo kia Kasenda (1575-92). Kasenda começou seu governo com várias
desvantagens políticas, não sendo a menor delas a sua fraca reivindicação ao
poder. Ele não era descendente direto de Ngola Kiluanje kia Samba, o fundador
de Ndongo, mas de uma linhagem diferente. [22] Ele e seus partidários triunfaram
graças a um golpe sangrento, mas não estavam interessados em mudar a direção
do país. Durante seu reinado, Kasenda pegou em armas contra seus inimigos;
alguns foram intimidados e obrigados a voltar para o rebanho, enquanto outros
se sentiram alienados e nunca perdoaram a ele ou seus descendentes sua
ascensão ao trono. [23] Ele também conquistou novas províncias, de modo que o
número de governantes territoriais submetidos a Ndongo (a maioria dos quais
era obrigada a pagar tributo a Kasenda) chegou a dois mil em 1586. [24] Ndongo
se estendia por um território tão vasto que um observador europeu da época
confundiu as três maiores províncias com um “reino por direito próprio”. [25]
rei dom Sebastião sua conquista de “setenta cavaleiros” tão poderosos que “cada
um deles pode resistir a todo o poder do rei de Angola”. [31] Ao longo dos anos
1580, os portugueses e seus aliados africanos obtiveram ganhos significativos
em muitas partes do reino.
O primeiro forte no interior foi erguido em Massangano, na confluência dos
rios Lucala e Kwanza, em 1582. O padre Baltasar Afonso, um dos quatro
sacerdotes da delegação de Dias de Novais, gabou-se para o rei dos sucessos dos
portugueses. Escrevendo em outubro de 1582 a fim de solicitar mais materiais e
homens para as campanhas de Dias de Novais, ele observou que, com apenas
cem homens, o governador havia tomado “metade do reino de Angola,
submetendo muitos grandes senhores [... e] em três meses ganhara três guerras
contra o rei de Angola, matando e capturando um número infinito de pessoas”.
[32] Embora não tenhamos confirmação independente do número de vítimas a
Conquistas religiosas
Não obstante, o relógio não podia voltar atrás; o Estado de Ndongo que
Mbande a Ngola herdara era coisa do passado. As batalhas que ele e seus poucos
aliados continuaram a travar contra os portugueses nunca alcançaram a escala —
ou o êxito — de confrontos anteriores. Nos últimos anos de seu reinado, ele não
conseguiu reunir os milhares de soldados necessários para defender o reino. O
apoio a Mbande a Ngola continuou a diminuir à medida que os portugueses
construíam mais fortes em terras dos governantes provinciais restantes. Em
1614, um relatório do governador português Bento Banha Cardoso informava
que a colônia de Angola estava em paz e que ele construíra uma fortaleza em
Hango, onde os dois sobas mais poderosos e alguns menores “prestaram
obediência”. [12] Em outro relatório datado de um ano depois, Cardoso contava
que um grande número de sobas tinha sido forçado a se submeter aos
portugueses graças a guerras com os imbangalas. Nesses territórios
conquistados, cada soba era agora obrigado a enviar tributo a um senhor
português designado. Tratava-se evidentemente do tributo que antes era enviado
a Mbande a Ngola. [13]
Tendo perdido a maior parte de seu reino e o apoio de muitos sobas, bem como o
acesso ao tributo que lhe deviam, Mbande a Ngola decidiu tomar o caminho da
diplomacia na relação com os portugueses. Parte dessa estratégia envolvia
assegurar sua disposição de aceitar o batismo e permitir a entrada dos jesuítas no
restante de suas terras. A diplomacia era sua única esperança, depois que
reconheceu que não podia vencer seu adversário no campo militar ou
econômico.
No entanto, ele fracassaria também nesse terreno. Esse fracasso fica aparente
quando consideramos a propagação do cristianismo durante seu reinado. A
Angola portuguesa naquela época incluía milhares de cristãos ambundos, mas
eles se encontravam sobretudo nas províncias ocupadas pelos europeus,
especialmente em Luanda e em torno dos fortes de Massangano e Cambambe.
Os jesuítas ganharam a companhia dos franciscanos, muitos deles familiarizados
com a língua e a cultura quimbundos, na conversão de um número crescente de
ambundos. Atribuía-se a um único padre jesuíta a conversão de vinte mil
ambundos na ilha de Luanda. [29]
Mas, apesar do número de conversões, os missionários não estavam
satisfeitos com a versão do cristianismo praticada pelos ambundos. Um relatório
de 1606 escrito por um padre jesuíta dizia que os chefes regionais ainda tinham
muitas esposas (aparentemente centenas, algumas vezes), e os gangas
(sacerdotes ambundos) ainda exerciam um poder significativo. Numa região que
tinha dois mil cristãos, por exemplo, ainda havia “uma casa de muitos ídolos”
repleta de estátuas de homens e mulheres, ossos de animais e coisas assim. Os
missionários tinham de queimar esses santuários porque os ambundos
acreditavam que quem tocasse nos ídolos morreria. [30] O próprio Mbande a
Ngola confiava nos gangas ainda mais do que Kasenda. O cristianismo
continuaria a se fundir com as ideias de espiritualidade dos ambundos até o fim
do reinado de Mbande a Ngola. [31]
No âmbito da diplomacia formal, as tentativas de Mbande a Ngola também
fracassaram, desde a primeira, em 1599. Esgotado pelas guerras, ele enviou
embaixadores a Luanda para negociar um tratado de paz e anunciar seu desejo
de abraçar o cristianismo. Para demonstrar seu comprometimento, ofereceu
algumas crianças nobres aos portugueses. Os jesuítas ensinaram cristianismo a
esses reféns enquanto aguardavam uma resposta das autoridades europeias. [32]
(Não há registro de uma resposta.) Mbande a Ngola insistiu novamente na
diplomacia em 1603, depois que as forças portuguesas derrotaram o poderoso
soba Kafuxi ka Mbari e o forçaram a fugir. O ngola enviou a Luanda uma
embaixada de cerca de quinze pessoas, entre elas parentes seus, com uma
mensagem de paz. Seus emissários deixaram claro que o maior prazer de
Mbande a Ngola seria que os portugueses lhes devolvessem suas terras, mas, se
isso não fosse possível, ele esperava que ficassem satisfeitos com suas
conquistas territoriais até então. No mínimo, ele desejava conservar de “sua
cidade real [Kabasa] até o nosso forte em Cambambe”. Por fim, os emissários
reiteraram a afirmação de Mbande a Ngola de que ele sempre desejara e “ainda
deseja ser cristão”. [33]
Essa abordagem também não deu em nada; os vários dirigentes que
governaram a Angola portuguesa continuaram guerreando contra Mbande a
Ngola, ignorando as diretrizes das autoridades reais de Lisboa e da Espanha para
que fizessem a paz com Ndongo e evitassem a guerra em favor da conversão do
ngola e dos sobas. [34] Em vez disso, os portugueses, em aliança com os
mercenários imbangalas, capturaram centenas de milhares de ambundos, que
foram exportados para as Américas ou transferidos para plantações controladas
por soldados portugueses e pela Igreja.
Em 1607, Mbande a Ngola ficou tão frustrado com os ataques incessantes
que prendeu um diplomata português que fora enviado a Ndongo, alegando que
o ex-governador Manuel Cerveira Pereira fizera “guerra contra ele sem causa”.
[35] Os ataques continuaram, embora Francisco Correia da Silva, nomeado
Diplomacia inicial
O fato de Jinga ser mulher, seu porte majestoso e seu orgulho pelas tradições dos
ambundos fundiram-se para torná-la uma força política antes mesmo que
assumisse o reino. A chefia da delegação a Luanda em 1622 para negociar com o
governador João Correia de Sousa ofereceu-lhe uma oportunidade para isso.
Vejamos esse evento agora em mais detalhes, valendo-nos dos relatórios
minuciosos deixados por várias testemunhas oculares e cronistas, buscando
delinear uma imagem de Jinga no limiar de seu reinado.
A partir do momento em que recebeu a missão de Ngola Mbande, Jinga
tratou de deixar claro seu contraste com o irmão. O rei, a seu pedido,
providenciou-lhe uma grande comitiva para acompanhá-la na viagem de mais de
1500 quilômetros de Kabasa a Luanda. Os ambundos que viviam nas regiões de
Ndongo pelas quais a comitiva de Jinga passou viram ou ouviram falar de uma
cena impressionante: o grande número de criados de ambos os sexos que atendia
Jinga; escravos homens fortes que carregavam a “Senhora de Angola” em seus
ombros; outros escravos que transportavam os numerosos presentes que Jinga
insistira em levar para as autoridades que ia encontrar. Seu desempenho perfeito,
no entanto, deu-se na sala de negociação com o governador e seus conselheiros,
onde sua conduta digna de uma rainha e seus argumentos legais se tornariam
lendários.
Enquanto esteve em Luanda, Jinga recusou-se a vestir roupas portuguesas,
escolhendo estrategicamente destacar os trajes ambundos. Ela sabia que os
portugueses respeitariam a postura e a etiqueta aristocrática e impressionou
muito os oficiais quando apareceu majestosa na entrada. Durante o encontro,
Jinga usou “numerosos panos”, e seus braços e pernas estavam cobertos por
“joias inestimáveis”. Além disso, usou “penas coloridas” nos cabelos. As damas
de companhia e as escravas estavam vestidas de maneira semelhante. [19] Mais
tarde, quando teve acesso a importações europeias, Jinga expandiu seu guarda-
roupa para incluir “cortinas de seda, veludos, brocados” e uma variedade de
“aromas e perfumes” que usava para realçar sua aparência até os seus sessenta
ou setenta anos. [20] A entrada teatral de Jinga atraiu toda a atenção para ela;
embora fosse a enviada oficial de Ngola Mbande, colocou-se no centro do palco
das negociações de questões políticas e econômicas de peso que viera discutir
com os portugueses.
Mas sua performance não ficou nisso. Jinga sabia que as autoridades
portuguesas tinham uma maneira de humilhar os líderes ambundos derrotados:
enquanto o governador se sentava “numa cadeira coberta de veludo bordado de
ouro”, os criados providenciavam assento para os visitantes ambundos
estendendo capas de veludo sobre um tapete no chão. O arranjo forçava os que
tinham uma audiência com o governador a exibir sua posição subordinada —
condição que os portugueses reservavam aos africanos conquistados. Jinga, no
entanto, recusou-se a rebaixar-se. Sem pausa, fez um sinal altivo para uma
criada, que imediatamente caiu de quatro e assumiu a posição de uma cadeira
humana. Ela permaneceu assim durante as longas horas da discussão. [21] Ao
acompanhar Jinga até a saída da sala de negociação, o governador Correia de
Sousa lembrou a ela que a jovem criada ainda estava de mãos e joelhos no chão.
Jinga desconsiderou a preocupação do governador: não se esquecera dela,
explicou, mas a deixara lá deliberadamente. Uma emissária de sua posição, que
representava um reino como o dela, jamais deveria sentar-se na mesma cadeira
duas vezes; afinal, observou ela, tinha muitas outras iguais. [22] Com efeito,
Jinga não só alcançou os fins políticos que seu irmão esperava como também
ganhou influência política para si mesma. Quando partiu, o governador prometeu
em particular que os portugueses manteriam amizade mútua com a região de
Matamba, onde Jinga consolidara seu próprio poder. [23]
Mais tarde, ela expressou apreciação pela graciosa maneira com que os
portugueses a trataram durante seu período em Luanda. Relembrou que o
banquete que o governador havia oferecido em sua homenagem fora uma
ocasião de “festividade e alegria [...] e esplendor”. Ela fez-se acessível a todos os
altos funcionários de Luanda que a visitaram e trocou presentes com seus
visitantes. Exibiu profundo interesse por sua anfitriã, Ana da Silva, esposa do
juiz com quem ela e sua delegação ficaram. Mais tarde, ela confessou que
durante aqueles meses em Luanda sentiu “uma felicidade profunda e uma paz
extraordinária”. [24]
Divisão de Livros Raros, Biblioteca Pública de Nova York, Fundações Astor, Lenox e Tilden.
Jinga usa uma criada como cadeira durante seu encontro com o governador João Correia de Sousa, em
1622. Giovanni Antonio Cavazzi da Montecuccolo, Istorica Descrizione de’ tre’ regni Congo, Matamba et
Angola (Bolonha: Giacomo Monti, 1687).
A consolidação do poder
que seu concubino principal, Kia Ituxi, recebesse o título de rei. [28]
Uma vez eleita, devia consolidar seu controle. [29] Liderou seus partidários
numa campanha para eliminar todos da corte (inclusive membros de sua própria
família) que se recusassem a aceitá-la como governante. Seu irmão havia
entregado seu filho, sobrinho dela, de sete anos — o legítimo herdeiro do trono
— ao imbangala Kasa para guardá-lo e dar-lhe treinamento militar, e um dos
principais objetivos da campanha de Jinga era trazer a criança de volta. Na
ocasião, o quilombo (acampamento de guerra) de Kasa ficava na região de Kina,
não muito longe da base de Jinga. Em setembro de 1625, Jinga já se livrara de
seu concubino e se aproximou de Kasa. Consta que usou suas artimanhas e
riquezas para persuadi-lo de que estava muitíssimo apaixonada por ele, exibindo
sua afeição publicamente e cobrindo-o de presentes. De início, Kasa resistiu,
perturbado pelo fato de que Jinga era mais velha do que ele e convencido de que
ela queria se casar com ele apenas para pôr as mãos no menino. Porém, acabou
concordando em unir-se a ela e entregar o garoto. [30] O casamento foi realizado
em algum lugar que não as ilhas Kindonga, mas nas proximidades de Matamba,
onde Jinga tinha um de seus quartéis-generais. Seu sobrinho acompanhou Kasa
até o lugar. A cerimônia nem havia terminado e Jinga pegou o menino, matou-o,
“jogou seu corpo no rio Kwanza e declarou que ela havia vingado seu filho”. Ela
também matou muitos outros parentes que estavam presentes no casamento.
Embora suas ações levassem alguns de seus seguidores a fugir, muitos ambundos
permaneceram leais. Eles consideravam Jinga a governante legítima de Ndongo,
e os atos assassinos dela não mudaram essa opinião. [31]
O próximo passo no plano de Jinga era retornar a Kabasa para reocupar a
capital tradicional e reafirmar o domínio real sobre as partes de Ndongo que os
portugueses, sob o comando de Luís Mendes de Vasconcelos, haviam tomado no
reinado de seu irmão. Durante todo esse período de consolidação de sua posição,
Jinga enviou frequentes emissários com cartas ao governador Fernão de Sousa,
buscando uma solução para a situação com as autoridades portuguesas. Em
agosto de 1624, lembrou-o de um acordo que seus antecessores haviam feito
com Ngola Mbande segundo o qual, depois que os portugueses removessem o
forte de Ambaca e devolvessem os kijikos e sobas tirados de Ndongo por
Mendes de Vasconcelos, ela imediatamente deixaria as ilhas e retornaria a
Kabasa. Pelos termos do acordo, ela reabriria as feiras em Kisala, onde elas eram
tradicionalmente realizadas; seu próprio povo iria à feira com escravos —
condição com a qual ela e seus conselheiros já haviam concordado — e o povo
voltaria a cultivar. Jinga também explicou detalhes sobre o papel que os
missionários jesuítas desempenhariam em Ndongo. [32]
A versão de Jinga dos acontecimentos era corroborada pela documentação
oficial que Fernão de Sousa examinou. Seus antecessores haviam concluído que
as guerras empreendidas por Mendes de Vasconcelos contra Ndongo tinham sido
injustas; recomendaram que o forte de Ambaca fosse removido e os kijikos
devolvidos. Fernão de Sousa aconselhou o rei português que finalizar a
resolução com Jinga seria benéfico não só para Angola, mas para os cofres do
rei: reabrir as estradas e as feiras, escreveu Sousa, seria “muito importante para o
tesouro de sua majestade, bem como para este reino que carece de escravos”. [33]
O próprio governador, em seu primeiro relatório oficial ao rei sobre a
situação da colônia, disse que Angola estava em “um estado miserável”. Mas
Sousa não tinha a intenção de permitir que Ndongo fosse reconstruído sob a
liderança daquela ambiciosa mulher ambundo e, como seus predecessores,
recusou-se a honrar os termos do acordo ao pé da letra. Ele exigiu que Jinga
devolvesse aos portugueses os kimbares (soldados ambundos que serviam sob o
comando de oficiais portugueses) e escravos que haviam fugido para juntar-se a
ela antes de poder tomar alguma decisão sobre a devolução dos kijikos . Ele
também exigiu que ela se tornasse vassala do rei português “em seu próprio
nome e em nome de todos os seus sucessores ao reino de Ndongo” e “pagasse
um pequeno tributo”. [34]
No início do outono de 1624, quando Jinga recebeu a resposta de Sousa, a
situação econômica e política em torno de Luanda se deteriorara, e pelo menos
alguns dos termos do acordo já haviam sido violados. Jinga sabia que o
governador enviara funcionários portugueses a Ndongo e regiões vizinhas para
reabrir os mercados de escravos e centros de provisão, e que novos funcionários
haviam sido nomeados para supervisioná-los, algo que Jinga pretendia fazer ela
mesma, com seu próprio povo. Além disso, esses funcionários estavam tentando
recrutar sobas para a causa portuguesa, oferecendo-lhes a manutenção de
condições pacíficas com eles e estimulando-os a se tornarem aliados. [35] Em
julho de 1626, Sousa registrou que, além dos 109 sobas que já eram vassalos do
rei português, ele acrescentara mais 83. [36]
Cada um desses sobas participou, de bom grado ou pela força, da cerimônia
degradante da vassalagem chamada undamento . Todos os aspectos do
undamento eram projetados para tirar a dignidade do soba. Ele deveria aparecer
no forte para ficar humildemente diante do governador ou de outra autoridade,
que lhe explicava os deveres e obrigações de um vassalo do rei: pagamento de
tributo em escravos e provisões não só dele e de seus descendentes, mas também
de seus conselheiros. [37] Imediatamente depois, o funcionário português jogava
farinha nas mãos e nos ombros do soba. Então, para simbolizar sua nova
situação, o soba caía no chão diante do funcionário e concordava com as
obrigações que passariam dele para seus descendentes. O nome do soba era
inscrito num livro e, no final da cerimônia, ele colocava sua marca ao lado do
nome. Do começo ao fim, era um espetáculo humilhante, e muitos sobas que se
submeteram à cerimônia nunca entenderam que tinham concordado em pagar
tributo para sempre. [38]
Ao pressionar os líderes provinciais para se tornarem vassalos, os
portugueses reforçaram involuntariamente o apoio deles a Jinga. Ela sentiu-se
incentivada quando um número cada vez maior de ambundos se recusou a
prestar tributo e procurou sua liderança. Jinga recusou-se a cumprir a exigência
de Fernão de Sousa de pagar ela mesma tributo; não se considerava vassala do
rei português. Em dezembro de 1624, um grande número de escravos
pertencentes aos portugueses, bem como muitos sobas que haviam se tornado
vassalos, já tinham fugido da área portuguesa e aderido às fileiras de Jinga.
Através de seus muitos agentes que viajavam entre as ilhas Kindonga e
Luanda, Jinga mantinha-se em contato direto com as autoridades portuguesas e o
povo ambundo. Em Luanda, por exemplo, um de seus porta-vozes informou ao
governador que ela não poderia devolver escravos fugidos, pois não tinha
nenhum deles. Fernão de Sousa também despachou seus representantes com
mensagens para Jinga, alertando-a de que se não devolvesse os kimbares e os
escravos agora alistados em seu exército, ele “encerraria toda comunicação com
ela e [...] ela não deveria enviar mais mensagens”. [39] Para atingir a maior
população de ambundos que vivia na área controlada pelos portugueses, Jinga
utilizou seus mensageiros (makunges ) para entregar uma mensagem em
desacordo com as demandas portuguesas. Nas proximidades de fazendas e
fortalezas portuguesas, esses makunges transmitiam as instruções de Jinga para
os escravos e kimbares que ainda estavam lutando ao lado dos portugueses,
instando-os a mudar de lado e aderir à causa de Jinga. Sua rede era
extremamente eficaz e instigou muitas fugas de escravos em grande escala
durante os primeiros meses de 1625: aldeias inteiras fugiram de fazendas
portuguesas e contingentes de kimbares ambundos evadiram-se de suas fileiras.
Em carta datada de 19 de março de 1625, Sousa manifestou sua preocupação
com a situação e advertiu o rei de Portugal de que Jinga estava persuadindo cada
vez mais ambundos a deixar os portugueses e aderir à causa dela com promessas
de que “lhes daria terras onde poderiam cultivar e viver” e que “estariam
melhores sendo senhores de sua terra natal do que nossos cativos”. [40] Jinga
impressionara o povo ambundo de um modo que Ngola Mbande jamais
conseguira; sem dúvida, seu desempenho em Luanda em 1622 estava ainda vivo
na memória das pessoas que a tinham visto ou simplesmente ouviram falar a
respeito. Os ambundos aderiram em massa à causa de Jinga, que ela havia
expressado de forma tão apaixonada em suas negociações de três anos antes. No
início do verão de 1625, Jinga já havia recrutado tantos ambundos que nenhum
dos emissários de Sousa podia persuadi-la a entregar os escravos que se juntaram
a ela. Em vez disso, Jinga simplesmente continuou a alegar que havia sido mal
compreendida e que não tinha escravos desse tipo. [41]
A posição de Jinga em 1625 representou um ponto de inflexão na relação
entre Ndongo e Portugal. De 1575 a 1624, os portugueses mantiveram vantagem
em suas relações com Ndongo. Durante os cinquenta anos decorridos desde que
Paulo Dias de Novais começara a conquista de Ndongo, os portugueses, com a
ajuda de seus aliados imbangalas, conquistaram ou reivindicaram terras cujos
governantes costumavam pagar tributo aos reis de Ndongo. Além disso, os
exércitos liderados por portugueses mataram ou cooptaram milhares de
autoridades locais e transformaram centenas de milhares de aldeões livres e
outros grupos dependentes em simples escravos, forçados a trabalhar em
plantações de propriedade portuguesa ou vendidos para o tráfico de escravos do
Atlântico. Os portugueses também transformaram dezenas de milhares de
súditos de Ndongo em kimbares , soldados que eram forçados a lutar contra o
próprio Ndongo.
Jinga parece ter criado as condições para a primeira revolta popular ambundo
contra a exploração portuguesa. Ela atraiu para sua causa sobas ambundos que
faziam parte da Angola portuguesa, inclusive 109 sobas da província de Hari,
que se aliaram aos portugueses durante o governo de Luís Mendes de
Vasconcelos, mas que agora se recusavam a enviar tributo a Fernão de Sousa. [42]
Muitos ambundos apoiaram Jinga porque queriam ver suas terras lideradas por
um governante descendente dos reis antigos, em vez de ser um fantoche dos
portugueses. A revolta obteve sucesso. Em 1626, Fernão de Sousa escreveu que
não conseguira coletar o tributo com que contava devido “à guerra e à revolta de
dona Ana [Jinga] e porque muitos dos sobas de sua majestade passaram para o
lado dela”. [43]
Jinga criou assim um clima político e militar entre os ambundos que pela
primeira vez ameaçava as bases da força econômica e política portuguesa em
Angola. Fernão de Sousa resumiu a situação sucintamente numa carta de agosto
de 1625 ao rei, observando que estava particularmente preocupado com os
“escravos armados” que aderiam às fileiras de Jinga. Os escravos organizados,
temia ele, iriam “fortalecê-la e enfraquecer este reino”, e inspirar os “sobas que
são inimigos conquistados pela força” a também aderirem a ela. A revolta,
advertiu, arruinaria Luanda porque “aldeias inteiras estavam fugindo”; com
efeito, um português já havia perdido “cento e cinquenta escravos” que fugiram
juntos. [44]
Nos esforços de Jinga em encontrar uma solução pacífica para seus conflitos
com os portugueses durante seus dois primeiros anos de reinado, ela muitas
vezes ressaltou sua vontade de viver como cristã, de dar a seus funcionários
permissão para serem batizados e permitir que missionários trabalhassem em
Ndongo. Embora Fernão de Sousa e outros funcionários nunca tenham levado
essas declarações a sério, Jinga parece ter considerado a espiritualidade uma
parte vital do seu estilo de liderança e elemento essencial de toda a sua vida. Ela
expandiu o papel das crenças e costumes indígenas além do que haviam
desempanhado durante os reinados do avô e do pai, e acrescentou a eles a
dedicação ao cristianismo.
O primeiro vislumbre que temos da ênfase de Jinga na espiritualidade veio
depois de suas negociações bem-sucedidas em nome de Ngola Mbande em
Luanda, em 1622, quando concordou em prolongar sua estada por meses para
que pudesse ser oficialmente preparada para o batismo. Tendo em vista seu
compromisso com as tradições de Ndongo, por que Jinga concordou em ser
batizada? Muitos chefes provinciais e sobas de Ndongo, entre eles membros de
sua própria linhagem, haviam passado por elaborados batismos públicos, e Jinga
estava bem ciente de que a religião era um componente central da política
portuguesa. Embora Ngola Mbande tivesse permitido que Jinga decidisse por si
mesma em relação ao batismo, é provável que a concordância dela em fazê-lo
teve mais a ver com o papel que ela imaginava que a espiritualidade
desempenharia em seus esforços para assumir a liderança de Ndongo do que
com a defesa da agenda política do irmão. Jinga também pode ter calculado que,
ao submeter-se ao batismo, ganharia o respeito dos portugueses e conquistaria o
apoio do grande número de cristãos ambundos que eram escravos na cidade e
nas fazendas, ou tinham fugido das guerras e se tornado refugiados. [66]
Talvez isso explique por que Jinga se jogou com tanto entusiasmo nos
preparativos para a cerimônia, ouvindo atentamente o governador explicar os
benefícios da conversão e o que ela ganharia ao abandonar os ritos e rituais
ambundos. Ela obedeceu prontamente quando a Igreja designou um padre
experiente na língua quimbundo para ensinar-lhe o catecismo; e no dia aprazado,
na presença da “nobreza e do povo”, ela se submeteu solenemente à cerimônia
na igreja oficial que os jesuítas construíram em Luanda. O próprio governador
João Correia de Sousa foi seu padrinho, e Ana da Silva, sua anfitriã, a madrinha.
Jinga recebeu o nome batismal de Ana de Sousa, em homenagem a eles. [67]
Funcionários do governo e da Igreja encheram-na de presentes, entre eles ícones
religiosos que sugeriam a esperança de que o batismo de Jinga e seu retorno a
Ndongo acabariam por levar à conversão de Ngola Mbande e de outros membros
da elite governante de Ndongo que até então impediam as tentativas dos jesuítas
de levar o cristianismo à região.
Apesar de seu batismo e sua aceitação dos presentes da Igreja, Jinga nunca
rejeitou as próprias crenças religiosas, nem os rituais tão essenciais para a elite
governante de Ndongo e para os ambundos comuns. Com efeito, durante sua
permanência em Luanda, Jinga nunca tirou as várias pulseiras de ferro e
relíquias que adornavam seus braços e pernas. [68] Mas ela também abraçou a
nova religião, pelo menos na superfície. Na primeira etapa de sua jornada de
regresso a Kabasa, cercada pela comitiva oficial fornecida pelo governador,
Jinga exibiu orgulhosamente os ícones cristãos que havia ganhado, assegurando
seus acompanhantes de sua profunda devoção. O pequeno destacamento de
portugueses seguiu com Jinga somente até os arredores de Luanda, assim como a
postura dela. Logo depois que os portugueses partiram, Jinga tirou os símbolos
cristãos do corpo e os guardou em seus relicários. De acordo com um relato
posterior do missionário Cavazzi, ela realizou várias “cerimônias pagãs” para
proteger sua viagem de volta a Kabasa e “pôs suas relíquias satânicas usadas por
aqueles etíopes [africanos] e vendidas por seus sacerdotes”. [69] De 1622 a 1624,
enquanto manobrava para apresentar-se como uma alternativa viável a Ngola
Mbande, Jinga usou seu conhecimento privilegiado do cristianismo para tentar
aproximar-se de funcionários portugueses e também para frustrar a tentativa de
seu irmão de usar a conversão cristã a fim de promover seus próprios objetivos
políticos. Com efeito, décadas mais tarde Jinga admitiria a Cavazzi que, em
diversas ocasiões, durante aqueles dois anos, aconselhara deliberadamente Ngola
Mbande contra o batismo. Jinga talvez temesse que o batismo dele pusesse em
risco a posição especial que ela conquistara duramente. [70]
Enquanto aconselhava Ngola Mbande a evitar o batismo, Jinga também
promovia as crenças espirituais dos ambundos, assumindo o comando das
cerimônias públicas em que os sacerdotes locais invocavam os antepassados,
queimavam incenso, realizavam sacrifícios humanos e participavam de danças e
outros rituais. [71] A tentativa de Jinga de demonstrar sua familiaridade com as
tradições ambundas começou para valer com a morte de seu irmão, em 1624,
quando ela organizou para ele nas ilhas Kindonga um complexo funeral que
incluía o sacrifício ritual de vários criados, que o acompanhariam à terra dos
antepassados. Jinga também preservou alguns dos restos do irmão; removeu
respeitosamente vários ossos do cadáver de Mbande, arrumou-os em pratos de
prata feitos à mão, cobriu-os com um rico tapete e guardou-os num relicário
portátil (misete ), semelhante aos que os sacerdotes de Ndongo carregavam. Com
esse ato, Jinga fez da misete o ponto focal de veneração que viria a ser associado
a rituais envolvendo sacrifício humano, vasos iluminados, incenso e coisas
assim. [72] Os missionários europeus ficariam escandalizados ao saber que Jinga
praticava sacrifícios humanos e guardava para consulta os ossos de seus
antepassados. Embora os missionários condenassem as duas práticas, a
veneração das relíquias de seu irmão não era diferente da tradição católica
romana medieval de guardar os restos de santos em mosteiros, conventos e
igrejas.
As cartas de Jinga ao governador Fernão de Sousa e a outros funcionários
portugueses durante os dois anos de negociações que precederam sua ascensão
ao trono proporcionam uma antevisão significativa do papel que a religião
desempenharia durante o seu reinado. Na primeira carta ao governador, logo
depois que ele assumiu o cargo em Luanda, em junho de 1624, Jinga diz que
queria que os missionários jesuítas fossem a suas terras para batizar as pessoas
que desejavam se tornar cristãs. [73] Ao fazer isso, Jinga apresentava uma
concepção da presença cristã em Ndongo, na qual ela e seus funcionários — e
não os missionários — supervisionariam a propagação do cristianismo. Ciente
de que membros de sua própria linhagem, aliados aos portugueses, estavam
buscando o batismo, Jinga não desejava impedir que os sacerdotes chegassem a
Ndongo, mas queria que fosse ela mesma quem determinasse o modo como
esses sacerdotes se aproximariam da população.
Fernão de Sousa, no entanto, ignorou o pedido de Jinga; os portugueses
tinham os próprios planos para estabelecer uma presença religiosa formal em
Ndongo. Com efeito, em junho de 1624, a correspondência da Igreja havia
listado Ndongo como um dos locais onde reside o “rei de Angola” e que
precisava ter pelo menos uma residência que pudesse acomodar seis
missionários. [74]
Não sabemos se Jinga estava ciente desses planos ou não, mas certamente
lembrava-se do que acontecera em Ambaca durante o reinado de seu irmão. O
governador na época, Luís Mendes de Vasconcelos, encarregara uma
fraternidade portuguesa de supervisionar a construção de uma igreja chamada
Nossa Senhora da Assunção em Ambaca, a pouca distância de Kabasa, a capital
de Ndongo. Para financiar a construção, ele forçara vários sobas da região,
inclusive um parente de Jinga chamado Ngola Kanini, a enviar seus pagamentos
de tributos à fraternidade, em vez de mandá-los para Kabasa. [75] Na qualidade
de nova governante de Ndongo, Jinga queria que iniciativas desse tipo ficassem
sob seu controle. Ela sabia que os padres portugueses que acompanhavam o
exército possuíam plena autoridade sobre a vida religiosa da população
conquistada. Mas a situação era complicada porque Jinga não considerava
Ndongo uma área conquistada. Fernão de Sousa deixou clara a preocupação de
Jinga numa carta que enviou ao rei da Espanha em dezembro de 1624: “Dona
Ana Senhora de Angola está me pressionando muito para manter a promessa que
o governador João Correia de Sousa lhe fez de mudar de lugar a fortaleza de
Ambaca, e [...] logo ela se mudará para o continente, e trará sacerdotes da
Companhia [jesuítas] e construirão igrejas”. [76]
Todas as cartas que Jinga enviou a Fernão de Sousa e Bento Banha Cardoso
entre 1625 e agosto de 1626 faziam referência ao lugar que ela estava abrindo
em Ndongo para o cristianismo e os missionários, e o mesmo acontecia com as
mensagens verbais que seus funcionários transmitiam. [77] De fato, durante
aquele período, os sobas contra os quais ela realizou ataques eram muitas vezes
parentes dela que tinham sido batizados e que se tornaram (ou pretendiam se
tornar) aliados dos portugueses sem sua permissão.
É impossível saber se Jinga teria colaborado com os missionários (como fez
vários anos depois) se Fernão de Sousa tivesse respondido positivamente aos
pedidos de uma reunião com autoridades da Igreja. O fato é que a conversão
cristã era parte essencial da política portuguesa em Angola, e governadores e
outros funcionários, inclusive os jesuítas, viam a propagação do cristianismo
católico sob o controle português como elemento central de seu projeto colonial.
Assim, desde o início, todo governador português em Angola teve dúvidas sobre
a sinceridade de Jinga, fosse em seus próprios escritos, fosse quando seus
mensageiros levavam relatos de que ela estava pronta para voltar à igreja. O
próprio Fernão de Sousa tratou disso em várias cartas ao rei. Em uma extensa
missiva escrita em agosto de 1625, ele adverte o rei da Espanha de que é cético
em relação ao pedido de missionários feito por Jinga e diz que acredita que ela
está agindo mais “por medo do que por devoção”. E propõe uma salvaguarda: se
o rei enviasse dois missionários ao forte de Ambaca, deveria exigir antes que
Jinga lhes desse alguns escravos, e só então os missionários iriam a Ndongo. Se
eles fossem a Ndongo antes que Jinga entregasse os escravos, escreve Sousa,
isso “seria razão para fazer guerra contra ela”, e os missionários deveriam ser
retidos. [78] As autoridades de Lisboa, ao receber muitos relatos igualmente
cheios de dúvidas, também continuavam desconfiadas de Jinga. [79]
Os membros da hierarquia religiosa em Luanda não eram diferentes de seus
antecessores, que haviam apoiado totalmente a conquista portuguesa das terras
de Ndongo e a escravização da população durante os reinados do avô e do pai de
Jinga. Quando o governador e outros funcionários apresentaram a proposta de
guerra contra Jinga, as autoridades religiosas foram plenamente de acordo.
Escrevendo em fevereiro de 1626, o governador Fernão de Sousa observou que
os teólogos do Colégio dos Jesuítas em Luanda concordavam que a guerra era
“necessária e justa”. Como fizeram em campanhas anteriores, os jesuítas
arcaram com o custo de dois padres para acompanhar o exército. [80] A religião e
a força militar continuavam inextricavelmente ligadas.
O exército que Fernão de Sousa reuniu para combater Jinga e suas tropas
consistia da mistura usual de soldados portugueses e arqueiros ambundos e
kimbares . As tropas deixaram Luanda em 7 de fevereiro de 1626, sob a
liderança do ex-governador Bento Banha Cardoso, um comandante experiente
nas guerras contra Ndongo. Os portugueses partiram com a habitual música
marcial festiva e palavras de encorajamento de Sousa, que lhes lembrou que o
propósito deles era lutar “a serviço de Deus, do rei [da Espanha] e do bem do
Reino”. [81] Depois que o grupo chegou a Massangano, Cardoso recebeu ordem
do governador de dirigir-se diretamente para Pungo Ndongo, onde chegou no dia
30 de março. Pungo Ndongo tornou-se a base para as operações portuguesas
contra Jinga graças a suas fortificações naturais e seu fácil acesso às ilhas
Kindonga, base das forças de Jinga. Ao longo de abril, Cardoso e Sebastião
Dias, os dois comandantes portugueses que presidiam as operações militares
contra Jinga, atacaram os poderosos sobas de Museke, em torno do forte de
Cambambe e no próprio Ndongo, e forçaram a submissão deles. Os sobas
conquistados foram cruciais para o sucesso dos portugueses porque lhes
forneceram provisões muito necessárias e comandaram suas tropas na guerra
contra Jinga. [82]
Depois que a guerra começou nas regiões principais de Ndongo, onde Jinga
desfrutava de seu maior apoio, seu principal problema tático foi manter as linhas
de comunicação abertas com os sobas que ainda a sustentavam. Ela sabia que os
portugueses haviam postado espiões que relatavam os movimentos ao longo da
rota entre as ilhas e o continente. Esse obstáculo à boa comunicação era
extremamente prejudicial e perigoso para Jinga, porque Ndongo ficara ainda
mais fragmentado politicamente durante o reinado de seu irmão, e Jinga sabia
que não podia confiar na lealdade dos sobas, nem naqueles que tinham sido seus
principais apoiadores. Quando o soba Ngola Ndala Xosa, por exemplo, viu
Cardoso bombardear sua fortaleza e matar muita gente de seu povo, ele pediu
perdão ao governador e explicou que, embora durante o governo de João Correia
de Sousa houvesse obedecido a Jinga, agora sua lealdade era para com Hari a
Kiluanje e o rei de Portugal. E prometia que no futuro faria tudo o que o
governador ordenasse. [83]
As campanhas militares bem-sucedidas de Sebastião Dias contra os sobas ao
longo do rio Kwanza fizeram com que muitos deles passassem para o lado dos
portugueses. [84] Os sobas de Museke e Kissama, fortes adeptos de Jinga no
passado, que haviam sitiado a fortaleza de Ambaca, estavam entre os derrotados
pelos portugueses antes que Jinga tivesse posto em prática sua estratégia militar
geral. [85]
A maré voltara-se contra Jinga, e ela não podia mais confiar no apoio
absoluto do povo de Dumbo a Pebo, terra natal de sua mãe. O soba dali, que
tinha relações próximas com o soba agora derrotado de Museke, estava entre os
seguidores mais leais de Jinga e negou-se a atender ao pedido de assistência
militar de Cardoso. Esse soba já havia capturado alguns dos kimbares que
estavam passando por suas terras a caminho do acampamento português em
Pungo Ndongo. Em retaliação, Cardoso prendeu o soba e alguns dos macotas, e
acabou enviando vários cativos a Luanda para serem exportados e vendidos
como escravos nas Américas. [86]
O tempo certamente não estava do lado de Jinga. Fernão de Sousa pressionou
Cardoso durante a última semana de maio de 1626 para levar suas tropas até a
ilha e “tomá-la antes que ela fique mais forte”. [87] A fim de se preparar para o
ataque português, Jinga reuniu muitos soldados para proteger a si e aos
partidários que se juntaram a ela. Um desses soldados, que os portugueses
capturaram depois que ele saiu da ilha, forneceu o único testemunho dos
preparativos militares de Jinga. Ele relatou que ela protegeu as ilhas fortificando-
as intensamente com trincheiras. Em Danji, abrira uma entrada numa grande
rocha e cavara cavernas bem camufladas que serviam de esconderijos naturais.
Em torno dessa ilha, posicionara soldados ambundos, que estavam armados com
os arcabuzes e os rifles que haviam trazido quando fugiram do exército
português. Construíra também defesas em outras ilhas, onde posicionou mais
soldados. Uma vez que não tinha armas suficientes para enfrentar o exército de
Cardoso e não conseguira mobilizar forças no continente, Jinga havia estocado
nas ilhas provisões, gado e pessoas, preparando-se para um sítio prolongado. [88]
Apesar de algumas fraquezas, Jinga continuava a ser um inimigo perigoso: ela
era popular entre os ambundos do exército de Cardoso e ainda poderia persuadir
muitos deles a passar para o seu lado. Cardoso tinha poucos meios de manter a
lealdade dos combatentes ambundos e de outros que haviam sido forçados a
acompanhar o exército; em termos puramente práticos, ele tinha escassez de
suprimentos e Jinga tinha muito alimento e bebida para conquistá-los.
Suas provisões talvez pudessem garantir uma boa popularidade, mas Jinga
sabia que isso não era suficiente; mesmo que os soldados ambundos de Cardoso
mudassem de lado, ela ainda precisava de mais aliados. Diante da invasão
iminente, ela contava com algum apoio indireto de chefes vizinhos, que lhe
enviaram suprimentos, mas não tinha o apoio essencial dos imbangalas. [89] Seu
ex-marido Kasa, que lutara ao lado de seu irmão Ngola Mbande e cuja base
ainda era perto, era agora inimigo dos portugueses, mas não lhe mandara ajuda.
As operações militares contra Jinga começaram na última semana de maio de
1626 e terminaram na última semana de julho. As tropas de Cardoso e Dias
acamparam na borda ocidental da região hoje chamada Baixa de Cassanje e
atravessaram para as ilhas usando canoas, barcos de pesca e duas embarcações
especialmente construídas para a campanha. Jinga montara um sistema
coordenado de defesa. Quando os barcos dos portugueses se aproximaram das
ilhas, soldados (muitos deles kimbares que haviam desertado do exército
português) dispararam com seus mosquetes e atiraram flechas de suas posições
nas ilhas. As tropas de Jinga não foram surpreendidas porque ela havia
inventado um intrincado sistema de comunicações entre sentinelas postadas em
guaritas e vigias naturalmente protegidas em cada ilha, que tocavam sinos para
avisar da aproximação das tropas. [90]
Jinga postou a maior parte de seus melhores soldados na ilha de Mapolo, que
Cardoso e Dias escolheram capturar primeiro, já que servia de entrada para as
outras. Os soldados de Jinga lutaram valentemente, usando várias armas e
técnicas portuguesas e africanas, entre elas arcabuzes, espingardas de pederneira,
arcos e flechas, lanças e troncos endurecidos pelo fogo. Como os soldados de
Jinga estavam enfiados em trincheiras, os portugueses tiveram de capturar cada
trincheira individualmente. Muitos dos soldados portugueses que tiveram a sorte
de escapar da morte por afogamento, ferimentos de balas ou flechas encontraram
a morte ou sucumbiram a ferimentos recebidos na luta para tomar as trincheiras.
Não obstante, os portugueses conseguiram vencer, tendo matado muitos dos
homens mais valentes de Jinga, e foram recompensados com provisões, gado e
“tudo o que era necessário para nossas tropas famintas”. [91] Eles conseguiram
capturar muitas pessoas na ilha, mas um bom número delas fugiu.
Deixando uma guarnição em Mapolo, Cardoso capturou então uma segunda
ilha, que era o quartel-general do tendala (principal funcionário administrativo)
de Jinga. Essa ilha estava ainda mais fortificada do que a primeira, com a
presença da maioria dos melhores combatentes de Jinga. Tal como aconteceu em
Mapolo, as tropas de Jinga sofreram grandes perdas e tiveram que abandonar a
ilha quando foram sobrepujadas pelo poder de fogo dos portugueses. Essa ilha
também oferecia muitas provisões e tinha uma grande população, mesmo
levando em conta os muitos que se afogaram ao tentar escapar para as outras
ilhas. Apesar da vitória, Cardoso conseguiu escravizar apenas 150 cativos
porque muitas pessoas fugiram. Ele fez da ilha do tendala seu quartel-general, de
onde partiram as tropas que conquistaram outras ilhas, entre elas uma na qual o
comandante das forças de Ndongo estivera estacionado com seus soldados e
alguns aliados imbangalas. Além disso, Cardoso tomou a ilha em que o mwene
lumbo , outro alto funcionário, tinha seu quartel-general. Desse modo, Cardoso
montou uma espécie de bloqueio naval em torno da ilha de Danji, onde Jinga
havia instalado a corte. [92]
Em 7 de junho, Jinga emergiu do posto de observação, em plena vista de
Cardoso, cercada por kimbares armados com arcabuzes e espingardas de
pederneira. Parecia estar pensando se deveria enfrentar as tropas portuguesas.
Embora talvez tivesse condições de defender a ilha, ela aparentemente achou
melhor não atacar de imediato. No fim de junho, decidiu buscar uma paz
negociada. A escolha do momento estava certa: os portugueses estavam com
pouca munição, uma epidemia de varíola matara quatro mil kimbares
portugueses, e o resto estava morrendo de fome em consequência de suprimentos
inadequados. O surto da varíola já havia começado a afetar também as forças de
Jinga e pode explicar, pelo menos em parte, por que ela resistia a lutar. [93]
Os portugueses ainda estavam em vantagem. Jinga estava isolada em sua
ilha-fortaleza, sem a possibilidade de pedir novos estoques de munição ou de
soldados, mas Cardoso conseguiu receber reforços e suas tropas desembarcaram
em Danji no dia 12 de julho sem encontrar nenhuma resistência. No entanto,
Jinga possuía um trunfo: os seis reféns portugueses que capturara no início do
ano e estavam detidos em seu quartel-general. Ela decidiu tentar usá-los como
uma tática para retardar um ataque militar português o suficiente para que seus
seguidores restantes pudessem escapar com segurança para Tunda. De sua base
fortificada, despachou um mensageiro (makunge ) para se encontrar com
Cardoso. Sabendo que encurralara Jinga, Cardoso desconsiderou a declaração do
makunge de que Jinga era uma “filha obediente do capitão”, que desejava saber
“por que ele estava fazendo guerra contra ela e que estava disposta a viajar para
onde estava o acampamento dele localizado em Tabi e render-se junto com sua
corte em três dias”. Expressando impaciência com Jinga, Cardoso disse ao
mensageiro que sua senhora “não tinha vergonha”; ela deveria saber que os
portugueses haviam pegado em armas contra ela porque ela não havia obedecido
aos julgamentos que tinham sido feitos contra ela. Depois de receber a resposta
de Cardoso, Jinga enviou outro representante, desta vez seu mwene lumbo , cuja
mensagem não era diferente da do makunge . Embora tenha percebido que Jinga
estava embromando, Cardoso queria ter certeza de que ela entregaria os seis
reféns portugueses vivos, então ouviu o secretário — que era, afinal, um alto
funcionário — e deu a Jinga um prazo de 24 horas para entregar os reféns. Jinga
obedeceu e, antes que o prazo expirasse, o mwene lumbo voltou com os seis
cativos portugueses de aparência saudável — bem como com mais uma
mensagem para Cardoso: ela não queria mais danos às ilhas e desejava tornar-se
vassala dos portugueses. O mwene lumbo relatou que dentro de três dias ela
apareceria pessoalmente em seu acampamento, com membros de sua corte, para
assinar um tratado de paz. Ao discutir sua oferta, Cardoso e alguns outros
veteranos de campanhas anteriores se referiram a Jinga como “belicosa”, apesar
de ser uma “mulher e rainha, ou rei, como ela se chamava, porque não gostava
de admitir que era mulher”. Após a discussão, Cardoso mandou o mwene lumbo
dizer-lhe que tinha dois dias (ou três, de acordo com Cadornega) para entregar os
kimbares que haviam desertado do exército português. [94]
Cardoso voltou então para sua base em Tabi, onde esperou que Jinga
aparecesse. [95] Mas entregar os kimbares equivaleria a admitir a derrota. Então,
enquanto Cardoso esperava, Jinga ordenou que seus melhores combatentes
recuassem em canoas durante a noite, afrontando as armas e flechas que os
sentinelas portugueses disparavam. Também instruiu seu pessoal a queimar os
barcos que Cardoso planejava usar contra suas fortificações na noite seguinte e
atear fogo aos alimentos que havia armazenado. Ela mesma escapou para Tunda,
debaixo do nariz dos soldados de Cardoso. Embora eles a tenham perseguido,
talvez estivessem exaustos demais para vasculhar completamente as muitas e
grandes cavernas da região de Kina, onde ela e seu povo se esconderam no
caminho para Tunda. Qualquer que tenha sido o motivo, o fato é que, quando
Cardoso enviou seus batedores em perseguição, eles não tinham ideia da rota
que Jinga havia tomado em sua fuga da ilha. [96] Os sobas e outros ambundos
que permaneceram na ilha mataram muitos portugueses com suas flechas. Mas
muitos deles morreram de ferimentos de bala ou se afogaram ao tentar fugir. [97]
Não há dúvida de que manobras diplomáticas hábeis foram, ao menos em
parte, responsáveis pela fuga de Jinga, mas sua manipulação da espiritualidade
ambundo também pode ter ajudado. Um pouco antes de escapar, ela fez uma
mudança ideológica tão importante como a que fizera em 1622, quando decidiu
ser batizada em Luanda. Enquanto as tropas de Cardoso cercavam seu
esconderijo, Jinga percebeu que os portugueses jamais a aceitariam como
governante de Ndongo. Naquele momento, ela também já sabia que eles tinham
a intenção de substituí-la por um candidato próprio. Consciente de que nunca
poderia sobreviver como líder de Ndongo sem um compromisso firme com a
espiritualidade ambundo, ela apelou para as relíquias que fizera com os ossos de
Ngola Mbande. Jinga sabia que, de acordo com as crenças espirituais dos
ambundos, Ngola Mbande era uma força espiritual mais forte depois de morto
do que quando estava vivo e aproveitou essa crença para que seus partidários
tivessem plena fé em suas decisões. Se abandonasse a ilha sem prestar
deferência adequada ao irmão morto, arriscaria sofrer a vingança dele e poria em
risco o apoio de seus seguidores. Assim, antes da evacuação, ela convocou seus
sacerdotes para realizar os rituais que lhes permitiriam comunicar-se com o
espírito de Ngola Mbande. Durante a cerimônia, o espírito de Ngola Mbande
possuiu um sacerdote, que transmitiu seus desejos e advertiu Jinga de que ser
“um vassalo dos portugueses era perder liberdade e tornar-se um escravo” e que
“era melhor manter a liberdade mediante uma fuga”. Jinga aceitou esse conselho
e honrou seu irmão sacrificando catorze mulheres jovens sobre seu túmulo. [98]
Ao seguir cuidadosamente o conselho de Ngola Mbande, Jinga esclareceu a
seus seguidores que tinha as bênçãos dos antepassados para continuar a
resistência contra os portugueses. Desde o momento em que tomou a decisão de
venerar as relíquias de seu irmão até sua morte, em 1663, ela manipularia a
espiritualidade e faria dela um elemento central em sua arte de governar. Ela
acrescentava elementos novos quando necessário, mas sempre se assegurou de
que, em última análise, o controle estava em suas mãos.
4.
Política traiçoeira
A fuga de Jinga
Jinga reaparece
Preocupada por não ter notícias do mwene lumbo , Jinga enviou dois de seus
makunges favoritos a Ambaca, com mais escravos. Eles chegaram ao forte em 5
de dezembro de 1627, mesmo dia da prisão do mwene lumbo . Num curto espaço
de tempo, o capitão-mor os prendeu, junto com alguns outros adeptos de Jinga.
Evidentemente, àquela altura Jinga não sabia nada a respeito do destino de
seus emissários. Enquanto aguardava notícias, tentou esclarecer aos portugueses
sua disposição de viver em paz. Mudou-se para a ilha de Zongo, nas ilhas
Kindonga, a cerca de dois dias de viagem de Ambaca, para evitar lutar contra o
soba Andala Gonga Cangombe da região de Lucala, que a atacara depois que ela
pedira que ele devolvesse ao forte todos os kimbares (soldados escravos) dos
portugueses que haviam fugido para suas terras durante a revolta anterior. [35] E
chegou mesmo a mandar seus makunges pedirem permissão a Cardoso para
permanecer na ilha. Além disso, enviou um dos seus partidários em missão ao
soba Candele de Kisos, uma das principais bases de apoio a leste de Pungo
Ndongo, para pedir-lhe que tratasse bem os kimbares portugueses e os
pumbeiros (comerciantes africanos que trabalhavam para mercadores
portugueses) que estavam em suas terras com suas mercadorias. Candele rejeitou
o pedido de Jinga e, em vez disso, atacou os comerciantes, roubou-os e matou
três africanos pertencentes aos portugueses, um homem livre e dois escravos. Os
outros comerciantes portugueses e escravos fugiram para as terras do soba Ndala
Kisuba, um vassalo dos portugueses que prometeu protegê-los com sua vida. [36]
Esse incidente expôs a principal fraqueza de Jinga. Ela precisava agora
enfrentar a realidade de que havia perdido o apoio que tivera entre os principais
sobas da região. Atormentada por essa revelação, Jinga caiu numa depressão
severa, trancou-se num quarto e recusou-se a falar com todos. Foi nesse estado
que enviou, de sua nova localização numa ilha diferente do rio Kwanza, mais
dois emissários a Ambaca para dizer a Sousa que não era responsável pelo que
Candele fizera em Kisos. Para convencê-lo de sua sinceridade, pediu que,
quando os enviados chegassem, fossem submetidos a um teste brutal chamado
kilumbo , no qual uma faca quente era colocada na pele da pessoa que fazia um
juramento; se nenhuma ferida fosse detectada, considerava-se que a pessoa
falara a verdade. [37] Novamente sem receber notícias de seus mensageiros,
Jinga, ignorando que o destino deles havia sido selado, ficou desesperada e
mandou seu secretário pessoal ao forte, em 4 de janeiro de 1628. Porém, ele não
teve permissão para atravessar o rio Kwanza: foi bloqueado por um soba que
declarara apoio a Ngola Hari. Jinga estava efetivamente isolada na ilha. A
maioria das sobas da região em torno do rio Kwanza que a apoiavam estava
agora acampada em Pungo Ndongo, esperando reforços que lhes permitissem
atacá-la sob a liderança de Ngola Hari. [38]
Nesse meio-tempo, os dois enviados de Jinga submeteram-se à provação no
forte. Eles defenderam sua rainha e afirmaram sua inocência, negando que
tivesse mandado matar e capturar os kimbares e pumbeiros em Kisos ou
confiscar as mercadorias dos comerciantes. [39] Mas esses procedimentos legais
eram apenas uma encenação: o governador já decidira que os funcionários de
Jinga o estavam espionando e descartou os resultados da provação. Sousa
convocou um tribunal militar em Luanda para iniciar um processo formal contra
o mwene lumbo . O tribunal condenou-o por espionagem, transportar mensagens
falsas de Jinga e, ainda, pela responsabilidade por quase todas as ações dela,
inclusive unir forças com o imbangala Kasa e estimular os sobas a se rebelar. O
tribunal condenou-o à morte por decapitação na presença dos sobas. A vida dos
dois makunges foi poupada, mas eles foram condenados a serem transportados
para o outro lado do Atlântico e vendidos como escravos. Antes de cumprir as
sentenças, o capitão-mor e outros militares portugueses de Ambaca torturaram o
mwene lumbo e os dois makunges . Sob coação, o mwene lumbo forneceu
detalhes sobre como Jinga conseguira retornar a Ndongo. Mas ele continuou a
insistir que Jinga estava genuinamente interessada em fazer a paz com os
portugueses e preparada para se tornar vassala de Portugal. [40] Os makunges
também revelaram detalhes sobre os movimentos de Jinga desde seu retorno a
Ndongo, mas, tal como o mwene lumbo , afirmaram separadamente que Jinga
estava disposta a fazer a paz e se subordinar aos portugueses. Suas confissões,
no entanto, não os salvaram. O mwene lumbo foi decapitado em 23 de dezembro
de 1627.
Três semanas após a execução, em 15 de janeiro de 1628, o capitão-mor de
Ambaca enviou onze emissários e seguidores de Jinga para Luanda. Do grupo
faziam parte os dois makunges e outros funcionários que foram presos após sua
chegada ao forte ou apanhados em outros lugares de Ndongo. Entre eles estavam
um soba de Lucala e três companheiros que apoiavam Jinga. Todos deram
testemunho sob juramento que revelava o paradeiro e as ações de Jinga. Todos,
no entanto, juraram unanimemente que Jinga voltara porque queria fazer a paz
com os portugueses. [41]
Enquanto os dois makunges condenados ficaram presos em Luanda,
aguardando embarque para o Brasil, Sousa devolveu o resto do grupo para o
forte de Ambaca. Acompanhados por um funcionário português, eles levavam
uma mensagem do governador para Jinga. Nela, Sousa dizia que se ela era
sincera em querer ser sua dependente, precisava ir ao forte em Cambambe.
Tranquilizava-a afirmando que garantiria sua segurança e a circulação pelas
estradas, fosse ela por Ambaca ou por outro caminho. Assegurava-lhe que, na
qualidade de cristã e pessoa de alta posição, seria tratada com dignidade, e
pedia-lhe que não arriscasse sua vida voltando para a mata. Como incentivo
adicional, Sousa permitiria que ela trouxesse Kasa. Pedia-lhe que tivesse
confiança nele, pois ele a considerava uma dependente. Não obstante, o
governador deixava claro que aquela era a última chance de Jinga. Se ela não
aceitasse sua oferta, os portugueses “iriam buscá-la”, e ela não gozaria das
garantias que a mensagem prometia. Na verdade, Sousa declarava que, se Jinga
enviasse mais emissários ao forte, eles seriam decapitados. Em conclusão,
aconselhava Jinga a pensar seriamente no que perderia se não obedecesse e a
lembrava dos riscos que já enfrentara durante sua fuga. Certamente seria melhor
para ela passar o resto de sua vida descansando, sem precisar se preocupar com
sua sobrevivência e manutenção. [42]
Através de seus vários emissários, Jinga indicara a Fernão de Sousa que estava
disposta a se tornar vassala do rei português. A resposta dele mostra como os
dois líderes concebiam de forma muito diferente o papel de uma mulher numa
família real. A visão de Sousa baseava-se no modelo europeu do início dos
tempos modernos. Ele esperava que Jinga desistisse de reivindicar as terras e o
trono de Ndongo e aceitasse Ngola Hari como o rei legítimo. Ele também queria
que ela aceitasse o título com menos status de “irmã do rei” e concordasse em
retirar-se da esfera pública para viver tranquilamente da generosidade de seu
guardião, o próprio governador. [43]
Sob muitos aspectos, o que ele estava oferecendo a ela era uma opção melhor
do que aquelas com que se deparava a maioria das mulheres das famílias reais
europeias se contestassem sua exclusão da liderança política. Na Europa, uma
mulher igualmente desafiadora poderia ser obrigada a casar com um príncipe de
uma terra distante, banida para um convento ou calabouço, ou mesmo
assassinada. [44] Nesse contexto, não é difícil entender por que o governador
português esperava que Jinga julgasse sua oferta atraente. Ele desconhecia a
realidade política de Ndongo, onde as mulheres tinham um papel importante na
governança. [45]
Sousa tentou resolver a crise política em Ndongo, causada por décadas de
guerras e por uma política comercial baseada na extração de escravos,
identificando o gênero de Jinga como a principal causa do conflito. Quando
apresentou as duas opções a Jinga — submeter-se e tornar-se uma mulher sem
poder, ou encarar as tropas portuguesas —, ele calculou mal. Havia tomado os
apelos de Jinga como um sinal de fraqueza e claramente não entendera a
profundidade da percepção de Jinga de si mesma como líder, tampouco as
tradições políticas e culturais que a motivavam. Se tivesse entendido esses
fatores, não ficaria surpreso com a resposta de Jinga: ela lutaria até a morte por
seu reino. Estava disposta a tornar-se vassala em condições que lhe permitiriam
reter o poder, mas não nas condições que Sousa estava oferecendo.
Entre dezembro de 1627 e março de 1628, no momento em que os emissários
de Sousa estavam a caminho com sua mensagem, Jinga iniciou uma intensa
campanha para recrutar sobas para sua causa. O governador, sem esperar por
uma resposta dela, já estava se preparando para a guerra. Sua prioridade maior
era garantir que Jinga não consolidasse sua posição nas ilhas Kindonga ou na
região entre Ndongo e Matamba. Ele enfrentava o problema recorrente de que os
sobas ainda se recusavam a aceitar Ngola Hari como líder legítimo. Mesmo
aqueles que, no início, o apoiaram com relutância simplesmente ignoravam suas
ordens de trazer homens e suprimentos para a nova campanha contra Jinga.
Mais uma vez, as exigências de Ngola Hari aos sobas tiveram o efeito de
minar o apoio deles. Quando Jinga chegou às terras de Ndala Kisuba e Matamba,
onde muitos dos sobas de Ndongo e sua gente se refugiaram, eles a saudaram e
ela logo conseguiu montar um acampamento de guerra na região. A crescente
popularidade de Jinga contrastava com o desprezo que os portugueses e os
ambundos sentiam por Ngola Hari.
Ngola Hari estava numa situação lamentável. Não tinha soldados próprios e
os sobas de Ndongo estavam em rebelião aberta contra ele. No fim de março de
1629, os portugueses e ele já tinham planejado atacar esses sobas. Antes de fazê-
lo, enviaram mensagens ordenando que eles comparecessem perante Ngola Hari.
Nenhum apareceu porque, como Ngola Hari e seus macotas reconheceram, todos
obedeciam a “Jinga Ambande”. Ngola Hari teve um ataque de raiva quando Paio
de Araújo de Azevedo, o capitão-geral que substituiu Bento Banha Cardoso,
exigiu que ele obrigasse os sobas a cumprir suas ordens. [46] Exclamou que ele e
Jinga eram ambos dependentes (filhos) de Azevedo, e que ele poderia muito bem
permitir que ela voltasse para Ndongo; ele mesmo deixaria Ndongo e voltaria
para Andongo ou para Lembo, perto do forte de Massangano, onde os
portugueses poderiam “cortar sua cabeça”. Durante o ataque, Ngola Hari pegou
uma palha, entregou-a ao intérprete e se afastou. Com esse gesto, indicava que
desistia de seus direitos ao reino. [47]
Os portugueses sabiam que os sobas preferiam obedecer suas ordens às de
Ngola Hari, desprezado como ele era por sua indigência e incapacidade de
manter o reino por conta própria. No entanto, a aliança com Ngola Hari era
importante, e Sousa estava empenhado em dar suporte ao rei tentando forçar os
sobas a obedecer-lhe. Ngola Hari instou Sousa a ir mais longe e a decapitar
vários dos macotas ou sobas de Jinga como um incentivo para que seus adeptos
se entregassem no forte. Ele também queria que os portugueses capturassem
Jinga, advertindo que, se continuasse livre e desse prosseguimento a sua aliança
com Ndala Kisuba, ela se tornaria mais poderosa ou até mesmo destruiria o
reino. [48] Sousa seguiu essencialmente o conselho de Ngola Hari.
A partir de junho de 1629, o capitão-geral do forte de Ambaca deteve e
aprisionou muitos sobas de Ndongo, que foram libertados somente depois que
concordaram em se tornar vassalos do rei de Portugal. Outros foram presos e
receberam na pele a marca do rei. Essas ações não fizeram nada para melhorar a
situação de Ngola Hari; na verdade, apenas exacerbaram os maus sentimentos
dos sobas em relação a ele. Os sobas ambundos tinham grandes expectativas em
relação a seus reis. Todos os governantes anteriores de Ndongo, bem como
Jinga, ganharam o respeito dos sobas e de outros senhores regionais por
liderarem grandes exércitos e vencerem batalhas. Ngola Hari fora despojado da
capacidade de fazer tal coisa. Ao impedi-lo de realizar campanhas militares
independentes deles, os portugueses o privaram de uma das principais funções
que separavam os reis de Ndongo dos sobas. Como vassalo dos portugueses,
Ngola Hari jamais poderia alcançar esse status. Ele admitira isso numa ocasião
anterior, quando fez uma visita inesperada a Ambaca. Ele queria saber por que
não podia ir à guerra, já que “sua vida e liberdade [quietação ] consistiam em
fazer a guerra para sustentar o reino”. O único conselho que o sargento-mor pôde
oferecer-lhe foi sugerir que ele voltasse para Pungo Ndongo em vez de ir a
Lembo para plantar; mudar-se para Lembo indicaria ao povo que “ele não queria
ser rei”. [49]
A situação de Ngola Hari ficou tão patética que ele se queixou de ter apenas
“seus conselheiros (macotas) e mulheres” ao seu redor, e que não conseguia
iniciar uma campanha nem mesmo contra os sobas descontentes. [50] Com efeito,
os sobas desrespeitavam tanto Ngola Hari que o capitão-mor de Ambaca
prendeu muitos deles, forçando-os a retornar a Pungo Ndongo e declarar
novamente que eram seus vassalos. Essas tentativas dos militares portugueses só
pioraram a situação, e a posição de Ngola Hari continuou a se deteriorar. [51] A
situação era especialmente explosiva na província de Hari, onde muitos sobas
deixaram de pagar os tributos. O próprio Ngola Hari não conseguiu levantar os
cem escravos que era obrigado a fornecer como tributo. [52]
Enquanto isso, Jinga continuava seus esforços para mobilizar o apoio
popular. Ela aceitara o fato de que Sousa recusara suas várias ofertas (a partir de
1625) de se tornar vassala de Portugal sob certas condições e agora acreditava
que ele desconfiava dela inteiramente: em uma palavra, era seu inimigo. [53] Ela
também estava ciente dos muitos obstáculos que teria de encarar para continuar a
se opor a ele. Soubera que ele havia encomendado cavalaria e reforços de
soldados portugueses de Luanda para todos os fortes, bem como numerosos
soldados africanos livres e escravos de muitas regiões.
A estratégia de Jinga era mover-se com rapidez para impedir que os reforços
portugueses chegassem a Ambaca e Pungo Ndongo para apoiar Ngola Hari. Em
julho de 1628, ela já havia conseguido recuperar o apoio dos sobas próximos ao
rio Kwanza, que foram a uma reunião pública onde ela apareceu com o
imbangala Kasa ao seu lado. Nessa reunião, Jinga proclamou-se “Senhora [de
Ndongo]”. E não parou aí: anunciou que Ngola Hari era seu escravo e que estava
preparada para tornar-se vassala do rei de Portugal e pagar-lhe tributo “das terras
que seu pai lhe dera”. [54] Pouco depois, Sousa recebeu a notícia de que Kasa
estava liderando uma grande força em direção a Ambaca. Enquanto isso, Jinga
recebera outra mensagem do governador que lhe ordenava que aparecesse em
Luanda para negociar as condições de sua vassalagem. É claro que ela
desconsiderou a ordem e enviou um emissário para dizer a Sousa que o
considerava “seu inimigo que queria mandá-la para a América espanhola
[presumivelmente como escrava]”. [55]
Continuando sua luta contra Ngola Hari, Jinga travou uma guerra psicológica
contra ele, além de enfrentá-lo no campo de batalha. Quando soube que Cardoso
deixara Pungo Ndongo, onde estivera protegendo o rei contestado, Jinga enviou
uma mensagem ameaçadora a Ngola Hari, junto com alguns fetiches que,
segundo Sousa, “esses pagãos temem mais do que armas”. Ngola Hari ficou
aterrorizado e não conseguiu enfrentar Jinga nem reunir coragem para liderar
suas forças através de Ndongo para mostrar que estava no comando. Em vez
disso, permaneceu em Pungo Ndongo e enviou mensagens em que pedia
reforços aos portugueses para “protegê-lo da mulher negra”. [56]
Àquela altura, Jinga já havia retornado às ilhas Kindonga, e seu prestígio
entre os sobas aumentava diariamente. Apesar dos esforços de Sousa para
obrigá-los a aceitar Ngola Hari como rei, eles acreditavam que Jinga era a
governante legítima de Ndongo e que, de acordo com as noções de linhagem
ambundo, Ngola Hari era dependente de Jinga. [57] Não era apenas seu próprio
povo que não respeitava sua autoridade. Os soldados portugueses que moravam
em Pungo Ndongo e que deveriam protegê-lo eram extremamente desrespeitosos
e o exploravam sem piedade. [58]
O fato de saberem que Jinga estava nas ilhas, tinha viajado para Matamba e
para as terras de Ndala Kisuba e contava com o apoio do imbangala Kasa
encorajou mais sobas a apoiá-la. Muitos deles expressaram esse apoio
simplesmente resistindo às exigências de Ngola Hari ou dos portugueses,
enviando muito pouco tributo ou ignorando completamente os pedidos. Em
alguns casos, nem sequer lhes era possível pagar o tributo necessário: muitos
sobas ficaram destituídos desde a primeira campanha contra Jinga, durante a
qual milhares de pessoas foram capturadas e escravizadas ou morreram na
epidemia da varíola. Mais importante, no entanto, era o fato de que várias rotas
do tráfico de escravos haviam sido interrompidas. Os laços renovados entre
Jinga e Kasa bloquearam as estradas para as terras de Ndala Kisuba, e as guerras
fecharam rotas que atravessavam Ndongo. Além disso, a presença de Jinga nas
ilhas levara ao fechamento de algumas rotas para o forte em Ambaca. [59]
Enquanto Jinga trabalhava para obter apoio, Sousa enviava emissários a
Ndala Kisuba para negociar a reabertura das rotas. Ele considerava Ndala Kisuba
um “senhor muito poderoso” e acreditava que, se conseguisse reabrir o mercado
de escravos em suas terras, Ngola Hari e os sobas de Ndongo participariam
novamente do tráfico de escravos e poderiam pagar seus tributos. [60] Fernão de
Sousa construíra o mercado nas terras de Ndala Kisuba durante a primeira
campanha contra Jinga. Ndala Kisuba ganhara muito graças a essas campanhas.
A fronteira para escravizar estava muito mais ao leste do que quando os reis de
Ndongo eram poderosos o suficiente para evitar o contato direto entre os
portugueses e as terras mais orientais. Desde 1628, a região já era uma fonte
importante de escravos. [61] A principal preocupação de Sousa era agora manter
Ndala Kisuba, que num certo momento dera abrigo a Jinga, como aliado dos
portugueses; seu emissário tinha muitos itens para dar conta e precisava ser
excepcionalmente persuasivo. Os portugueses queriam que Ndala Kisuba
deslocasse a feira de escravos para acampamentos militares, onde sua segurança
estaria assegurada. Para adoçar o acordo, levaram-lhe muitos presentes e
transmitiram garantias verbais de paz e segurança a longo prazo contra seus
inimigos, com Jinga no topo da lista. Além de subornar Ndala Kisuba com
presentes, Sousa construiu um novo forte entre Pungo Ndongo e as ilhas
Kindonga para que as tropas portuguesas e africanas pudessem patrulhar a região
e forçar os sobas vizinhos a contribuir para o esforço de guerra. [62]
Fernão de Sousa percebeu que, para abrir a rota dos escravos e possibilitar
que Ngola Hari governasse, teria de começar uma nova campanha contra Jinga.
Ela seria comandada por Paio de Araújo de Azevedo, o novo capitão que
chegara no outono de 1628 para substituir Cardoso, que morrera no verão
anterior. Em setembro de 1628, Azevedo liderou um ataque contra Jinga. O
exército era composto pelos mesmos veteranos portugueses e africanos de
Luanda que haviam lutado em campanhas anteriores, junto com tropas escravas
adicionais comandadas por capitães como Sebastião Dias, que vieram dos fortes
de Massangano e Ambaca. Azevedo esperava acrescentar tropas locais que
deveriam ser fornecidas por Ngola Hari e os sobas. O governador reunira uma
grande quantidade de informações sobre o paradeiro de Jinga, e seu objetivo
agora era defender Ngola Hari, “impedir que aquela mulher negra se fortalecesse
na ilha onde estava” e persegui-la onde quer que estivesse para que não
conseguisse reconstruir sua base. [63]
Azevedo não atacou Jinga imediatamente após sua chegada à região próxima
das ilhas Kindonga. A estação das chuvas dificultou a viagem, mas ele também
reconheceu que precisava coletar informações sobre a força militar e os
movimentos de Jinga. Além disso, tinha de fortalecer a confiança de Ngola Hari.
Os informantes de Sousa haviam sugerido que as tropas de Jinga e Kasa estavam
por todo o Ndongo e que ela continuava a atrair sobas que se recusavam a pagar
tributo a Ngola Hari e que, devido às perdas anteriores de seu povo, fugiram.
Quando as tropas de Azevedo vindas de Luanda (com 150 soldados europeus e
cavalaria) chegaram com seus escravos, juntaram-se aos milhares de soldados
africanos que estavam sob o comando de Dias e atacaram os sobas da província
de Hari que estavam apoiando Jinga através de uma resistência passiva. [64]
Além disso, antes de atacar Jinga, as tropas combinadas intimidaram alguns
dos sobas mais poderosos e ocuparam locais estratégicos, onde o apoio a Jinga
era forte. Os sobas de muitas regiões diferentes, inclusive aqueles da região em
torno do rio Lucala, em áreas fronteiriças, foram o alvo, e aqueles que
mandavam em certas áreas estratégicas, como Ndala Kisuba, foram ameaçados
de guerra se se recusassem a informar a presença de Jinga ou se permitissem que
ela escapasse através de suas terras. [65]
Por fim, Azevedo e suas tropas avançaram sobre as ilhas Kindonga. Mas,
quando chegaram, não encontraram Jinga.
Apesar de a campanha ter de ser interrompida por quase oito meses devido às
chuvas, Azevedo nunca parou de procurar por Jinga e continuou a fustigar os
sobas suspeitos de ajudá-la. Em fevereiro de 1629, Jinga ainda não fora
localizada. O pequeno apoio que Ngola Hari obtivera entre os sobas já se
desfizera, e ele enfrentava uma rebelião aberta. Numa petição que seus
funcionários levaram a Azevedo, Ngola Hari queixava-se de que grande parte da
população de Ndongo fugira para Matamba e questionava a estratégia
portuguesa. A petição dizia que o exército se empenhava tanto em capturar e
destruir Jinga e seu povo — o próprio Ngola Hari recebera ordens para atacar
aldeias de Ndongo — que estava destruindo o que restava do reino. Ngola Hari
estimava que os soldados portugueses haviam tomado quatro mil escravos de
primeira, junto com muitos sobas. [66]
Através das palavras de seus emissários, o desespero de Ngola Hari era
evidente. Ele era desrespeitado em todos os cantos e não controlava mais os
soldados que comandava. A carta descrevia um incidente em que seus
carregadores abandonaram de repente suas responsabilidades, declarando
descaradamente que não estavam mais interessados em procurar por Jinga ou
participar da guerra contra ela. Acrescentando um tremendo insulto ao prejuízo,
eles o chamaram de cachorro. [67] Como havia feito antes, Ngola Hari ameaçava
deixar Ndongo e se mudar para Luanda ou Lembo.
Em resposta, Azevedo mandou tropas para a batalha contra os sobas de
Matamba, que eram conhecidos por abrigar os chefes que haviam fugido de
Ndongo para evitar o pagamento de tributo a Ngola Hari e a guerra contra Jinga.
Embora os partidários de Jinga tenham se organizado e lutado bravamente, o
lado português venceu, destroçando vários acampamentos, capturando três sobas
poderosos e forçando vários outros a jurar vassalagem a Azevedo. [68]
As operações portuguesas em Matamba ajudaram muito a desvendar a
estratégia de Jinga. Em primeiro lugar, elas frustraram ainda mais suas
esperanças de unir forças com o mais poderoso dos líderes imbangalas,
Kassanje. Ele atraíra uma grande quantidade de refugiados ambundos, e o
número de seus arqueiros foi estimado em mais de oitenta mil. Ele rejeitara as
tentativas iniciais de aproximação de Jinga, matando mais de nove dos
emissários que ela lhe enviou. [69] E depois foi expulso pelas incursões
portuguesas. Quando soube dos planos portugueses para invadir seu quilombo,
Kassanje fugiu para a vizinha província de Wandu, no Congo, recentemente
desocupada por seu próprio governante. De Wandu, vangloriou-se de que estava
pronto para enviar aos portugueses o gado e os escravos que trouxera para a
capital do Congo — em troca de bens comerciais, pólvora, armas e munições.
[70] Se Kassanje tivesse obtido sucesso, ele se tornaria a força política africana
A grande fuga
Uma sacerdotisa realizando um ritual (segunda a partir da esquerda ) e uma assistente carregando uma
misete (terceira a partir da direita ). Antonio Cavazzi, c. 1668.
Foi durante os anos 1630 que Jinga empreendeu a transformação que a tornaria
uma das principais figuras femininas do início do mundo moderno. Essa
transformação baseou-se em seus feitos anteriores, que influenciaram as noções
portuguesas de domínio colonial e até mesmo a política angolana moderna a
partir de seu extraordinário lance diplomático em Luanda, em 1622. Naquela
ocasião, ela adaptou habilmente as noções de liderança dos ambundos, ao
mesmo tempo que moldava uma colaboração econômica, diplomática e cultural
com os portugueses que lhe permitiu manter a autonomia ambundo. Sua
liderança política inovadora se desenvolveu ainda mais quando herdou o trono
de Ndongo, em 1624. Jinga governou com um estilo que estava ligado às noções
de liderança política e cultural tradicionais dos ambundos. E demonstrou
claramente isso em 1626, quando invocou o espírito de seu irmão para
orientação com o sacrifício de catorze virgens, antes de fugir da ilha de Danji.
[10]
Mas o que realmente impulsionou a imagem de Jinga como líder além dos
limites da África Central foi sua adaptação de outro estilo de liderança da região
ao do povo ambundo. As novas ideias vieram dos temidos imbangalas, cujas
tradições e rituais marciais ela testemunhara durante o reinado de seu irmão e,
talvez, no de seu pai. Em 1625, quando se casou com o imbangala Kasa, ela
passou a conhecer as cerimônias, pois participara de algo que Cavazzi descreveu
como “sacrifícios bárbaros e danças obscenas”. [11] E ficou mais familiarizada
com as complexas crenças e rituais que cercavam a liderança durante as
cerimônias de iniciação pelas quais passou ao se tornar uma guerreira no
acampamento de Kassanje, em Ngangela, entre 1629 e 1631. Foi então que Jinga
participou da cuia , a cerimônia de juramento que requeria beber sangue humano
para confirmar amizade e aliança. [12] Jinga tornou-se uma especialista em rituais
imbangalas, passando por uma transformação que mudou a vida de rainha
exilada ambundo para a de capitã imbangala por direito próprio.
Adotar a concepção imbangala de liderança talvez tenha sido mais fácil para
ela do que se tornar cristã. As noções ambundo e imbangala de liderança que
emergiram durante o século XVI eram, de certa forma, semelhantes, embora
também diferissem em alguns aspectos fundamentais. [13] Na tradição ambundo,
os sacrifícios humanos e outros a antepassados recentemente falecidos eram
praticados pela elite, mas não eram ocorrências cotidianas. Quando sacrificou as
jovens para invocar a boa vontade de seu falecido irmão, Jinga estava
participando de uma tradição de seus próprios antepassados ambundos. Quando
assassinou seu sobrinho para garantir a coroa de Ndongo, teve como modelo a
lendária rainha ambundo Zundu, que fizera a mesma coisa. [14] Os bandos
imbangalas também faziam sacrifícios humanos para honrar os guerreiros
falecidos, mas essas práticas, bem como o canibalismo, eram ocorrências
rotineiras.
Os primeiros fundadores imbangalas desenvolveram noções bastante
diferentes sobre liderança daquelas encontradas entre os ambundos. Como
vimos, o povo ambundo estabelecera um sistema de Estado regido por regras de
herança baseadas em linhagens designadas. De acordo com esse sistema, um
grupo de eleitores (macotas e sobas) validava o direito do candidato ao trono
certificando sua elegibilidade, cujo aspecto mais crucial era a descendência de
um rei do passado. Essa descendência era a garantia de que o candidato possuía
a graça espiritual que o elevava essencialmente ao grau de divindade.
Os imbangalas nunca desenvolveram um Estado, nem acreditavam na noção
de direito de governar através da descendência de uma linhagem. Em vez disso,
honravam uma antepassada fundadora que acreditavam ter-lhes legado catorze
ijila (leis ou proibições; singular, kijila ) e um conjunto de rituais sangrentos que
cada membro do bando tinha a obrigação de seguir. Qualquer indivíduo
imbangala que seguisse com rigor as ijila , realizasse os rituais necessários e se
destacasse na guerra poderia se tornar um líder de seu bando. Essa característica
aparentemente democrática do sistema imbangala coexistia com muitos traços
autocráticos que davam ao líder o direito de condenar qualquer membro de seu
bando que violasse as ijila à tortura e à morte. [15] As catorze ijila não se
destinavam a populações estabelecidas, mas funcionavam bem para os bandos
nômades de jovens desenraizados, que mudavam seus quilombos
(acampamentos de guerra) de um lugar para outro, depois que esgotavam os
suprimentos locais de comida, e destruíam as populações locais.
De acordo com as tradições, algumas das ijila já estavam estabelecidas
quando Donji, um dos líderes imbangalas originais, levou seu bando no fim do
século XVI até a região de Ngangela, então uma província de Matamba. Muitas
das ijila tinham a ver com o papel das mulheres: havia leis que exigiam que elas
matassem seus filhos ao nascerem, impediam-nas de dar à luz dentro do
quilombo, impunham restrições às relações sexuais e permitiam que fossem
sacrificadas nos funerais de seus concubinos falecidos. Outras leis ordenavam
que as mulheres não fossem mortas ou comidas em circunstâncias normais, e
exigiam festivais complexos para meninas na menarca (o primeiro ciclo
menstrual). A maioria das outras ijila tratava dos rituais realizados em funerais,
promoções ou mudanças de posição social, e mecanismos para iniciar crianças
pequenas no quilombo. [16]
Se Donji já havia estabelecido um sistema em que canibalismo, estupro,
violência e iniciação forçada de crianças cativas ao estilo de vida imbangala
eram comuns, sua concubina Mussasa, que assumiu o quilombo após sua morte,
tinha a reputação de tê-lo excedido em crueldade, instruindo Tembo a Ndumbo,
sua filha com Donji, a aperfeiçoar o sistema que herdara. Tembo a Ndumbo, a
quem atribuíam a regulamentação das ijila , teria realizado um ritual que mudou
seu gênero, transformando-a psicologicamente em “um homem, soldado e
guerreiro”, após o que se tornou legisladora do imbangalas e revisou as ijila . [17]
O ritual que exigia o assassinato do próprio filho é quase impensável para nossas
mentes modernas (embora rituais semelhantes sejam encontrados em muitas
mitologias culturais, inclusive na tradição judaico-cristã). [18] Tembo a Ndumbo
supostamente assassinou o próprio filho triturando-o num almofariz e fazendo
com ele o óleo que na época de Jinga era conhecido como maji a samba (óleo
sagrado). Esse ato brutal tornou-se a primeira kijila . A partir de então, os
guerreiros imbangalas passaram a besuntar-se com o óleo feito de um ser
humano (de preferência, de um inimigo morto em batalha). Se esse ritual não
pudesse ser realizado antes da batalha, o soldado deveria levar um pilão e
almofariz para fazer no campo de guerra o óleo dos corpos de inimigos mortos.
Acredita-se que Tembo a Ndumbo tenha iniciado outro ritual destinado a
esconder ou a transformar seu gênero. Em um tambor militar especial, ela fez e
triturou carvão, misturou-o com o maji a samba e acrescentou várias ervas para
produzir cores vermelhas e brancas. Depois, cobriu-se com a mistura enquanto
olhava para a grande fogueira que havia feito; então dançou e tocou tambor para
induzir um estado alterado de consciência, prática que constituía uma parte
importante dos rituais imbangalas. Atraídos pela batida ritualística, seus
seguidores a encontraram possuída, e ela anunciou que não deveria mais ser
conhecida como mulher, mas como guerreiro. Ela “pegou um arco, uma flecha e
uma lança” e executou a dança de guerra geralmente realizada por homens
guerreiros. Sua intenção declarada era viajar conquistando povos, e insistiu que
não deveria mais ser considerada uma “dama e capitã de um esquadrão, mas de
um batalhão inteiro”. Exigiu fidelidade de seus seguidores e ordenou que todos
se submetessem a rituais semelhantes, usando a mesma parafernália ritual que
ela utilizara. Tembo a Ndumbo renomeou o grupo de Muzimbo, em homenagem
ao primeiro “pai e general do quilombo Zimbo”, e mandou que todos seguissem
as catorze ijila que o primeiro capitão havia instaurado. [19] Os castigos que
Tembo a Ndumbo infligia a seus seguidores que violavam as ijila não só
aumentaram sua reputação de líder poderosa, mas também permitiram que ela
transformasse um grupo heterogêneo de seguidores indisciplinados em um
exército cujas façanhas e conquistas se tornaram lendárias na região. Por fim,
morta por seu concubino Culembe, Tembo a Ndumbo recebeu um elaborado
funeral em que foi sacrificada uma grande quantidade de pessoas que pudessem
servi-la na vida após a morte. Depois de seu falecimento, Culembe e sua nova
concubina ajudaram a institucionalizar as ijila e outros costumes que Tembo a
Ndumbo instaurara. [20]
Na época de Jinga, vários líderes imbangalas vagavam pela África Central,
invadindo os reinos de Matamba, Congo, Ndongo, Angola portuguesa e regiões
vizinhas. Líderes como Kasa e Kassanje impunham assiduamente as catorze ijila
e outros costumes aos seus seguidores, muitos dos quais capturados ainda
criança nas regiões que invadiam. Esses líderes imbangalas não criavam
Estados; eram nômades e mudavam-se com seus quilombos depois de destruir
tudo em seu caminho. A população não imbangala os via com medo,
considerando-os canibais que consumiam a carne dos inimigos mortos e que se
entregavam a rituais complexos que incluíam sacrifícios humanos. Foi graças a
essa reputação que vários governadores portugueses os usaram como aliados nas
muitas campanhas bem-sucedidas que realizaram contra Ndongo. [21]
Era irrelevante para Jinga se a reputação da ancestral Tembo a Ndumbo
baseava-se em acontecimentos históricos verdadeiros ou se fora aumentada para
propiciar um mito fundador aos imbangalas. [22] Jinga procurava um modelo
para sua futura vida política, e ela não escolheu os governadores portugueses,
dos quais planejava vingar-se, nem os reis do Congo, que tinham apenas um
domínio precário sobre seu povo, tampouco o irmão, Ngola Mbande, cuja
fraqueza desprezava. Em vez disso, escolheu para seu modelo Tembo a Ndumbo
e os temidos imbangalas, cuja reputação de carnificina, crueldade e canibalismo
fazia tremer de terror tanto inimigos quanto aliados.
Giovanni Antonio Cavazzi da Montecuccolo, “Missione evangelica nel Regno de Congo” (1668), v. A,
páginas preliminares, xxxiii, p. 45. Manuscritos Araldi, Modena, Itália. Fotografia: Vincenzo Negro.
Rainha Jinga com arco e flecha e machadinha de guerra. Antonio Cavazzi, c. 1668.
Derrota em Dembos
Após a chegada de Sotomaior a Luanda, os espiões de Jinga, entre eles sua irmã
Funji, que os portugueses ainda mantinham prisioneira em Massangano,
enviaram-lhe atualizações regulares sobre os planos militares dos portugueses.
Ela sabia que Sotomaior designara Gaspar Borges Madureira, o emissário que a
visitara em Matamba em 1640, para comandar uma força unificada contra ela. O
exército deveria incluir o leque usual de soldados e colonos portugueses, alguns
de seus ex-escravos, soldados ambundos e soldados imbangalas fornecidos pelo
líder Kabuku. Os preparativos ainda estavam em andamento quando Jinga
recebeu a informação de que Estácio de Sá Miranda, o capitão português da
cavalaria, já estava na aldeia de um homem chamado Gregório, um próspero ex-
escravo ambundo que vivia não muito longe de Ambaca. De seu quilombo na
região dos Dembos, localizado cerca de oito dias de Ambaca, ela mandou o
general imbangala Gaspar Akibata atacar com um contingente de seus soldados
a aldeia de Gregório e capturar e trazer-lhe o capitão. Akibata fez a viagem em
tempo recorde, guiado pelos experientes batedores que Jinga providenciara, mas,
ao chegar, descobriu que Sá Miranda havia partido. Decididos a não decepcionar
Jinga, seus soldados atacaram e aprisionaram ou mataram a maior parte da
população. Além disso, levaram todo o gado e outras provisões e destruíram o
que não puderam carregar, incendiando a aldeia ao partirem vitoriosos. [86]
Sotomaior, que estava em Ambaca, logo recebeu a notícia do ataque e reuniu
as tropas para um contra-ataque. No discurso emocionado que fez para os
soldados, relatou as ações ultrajantes que a inimiga Jinga cometera contra um
vassalo português e explicou a importância de reagir com força imediata para
preservar a integridade de Portugal. Em seguida, comandou um ataque bem-
sucedido ao quilombo de Akibata. O ataque aconteceu logo depois que os
homens de Akibata haviam voltado para sua base e fizeram uma fogueira para
banquetear-se com os despojos humanos e animais. O exército português
conseguiu matar Akibata e a maioria de seus soldados, embora alguns tenham
escapado para o quilombo de Jinga. Depois de receber a notícia da derrota pelos
poucos sobreviventes afortunados, ela mandou decapitá-los: considerou má sorte
o fato de trazerem notícias tão horríveis para ela, pois era melhor que tivessem
morrido junto com seus camaradas. Essa derrota foi desanimadora para os
partidários ambundos de Jinga, muitos dos quais fugiram do quilombo e
voltaram a submeter-se aos portugueses. O choque da derrota provocou uma tal
sensação de presságio e temor entre os que permaneceram no quilombo que eles
passaram vários dias executando tambos , os solenes ritos ambundos que
acompanhavam os funerais. Talvez tenha sido nesse momento que muitos
ambundos que viam em Jinga uma deusa perceberam que nem mesmo ela
poderia protegê-los dos portugueses. [87]
Esse revés, no entanto, não dissuadiu Jinga. Suas tropas logo atacaram sobas
leais aos portugueses, cujas populações estavam localizadas a alguma distância
de Ambaca. Ela deve ter obtido alguns sucessos, já que enviou um grande
número de escravos aos holandeses e pediu a ajuda deles para atacar Ambaca.
Os holandeses foram receptivos a suas propostas; uma delegação já havia sido
enviada a Jinga com a esperança de melhorar as relações. [88] Ela acreditava que,
apesar daquele recente revés, suas forças ainda eram mais numerosas do que as
dos portugueses e que a aliança com os holandeses a ajudaria a recuperar sua
vantagem militar e a melhorar seu prestígio, que estava em queda entre a
população local. [89]
O que ela não previra era que Sotomaior estava empenhado em romper sua
aliança com os holandeses e logo promoveria um ataque maior e mais
coordenado contra sua base em Dembos. Ao contrário dos governadores
anteriores, que se satisfaziam com a manutenção do estado das coisas,
organizando campanhas direcionadas a forçar os sobas leais a pagar tributo e
garantir que as feiras de escravos e suas rotas continuassem abertas, Sotomaior
se deu conta de que, em pouco tempo, essa situação poderia deixar de existir: a
aliança de Jinga com os holandeses e seus sucessos militares contra os
portugueses representavam uma ameaça muito séria ao status quo . O
governador percebeu que precisava levar a guerra ao quilombo de Jinga em
Sengas de Kavanga para impedir que ela lançasse novos ataques. As ambições
de Sotomaior eram grandiosas: ele planejava destruir Jinga e derrotar os
holandeses ao mesmo tempo. Jinga não deveria ser tratada com misericórdia. Ele
ordenou que, após sua captura, ela deveria ser imediatamente morta. Seria
“desnecessário trazê-la” com os outros prisioneiros, e deveriam destruir “o resto
de seu quilombo, e que até mesmo as árvores frutíferas deveriam ser derrubadas
e tudo com o nome dela deveria ser destruído para sempre”. [90]
Sotomaior calculou que suas tropas tinham uma chance melhor de derrotar
Jinga naquele momento, enquanto ela estava mais perto de Massangano, e não a
centenas de quilômetros, no interior de sua corte em Matamba. Ele percebeu que
poderia neutralizar os holandeses lutando em duas frentes: uma guerra fluvial,
em que barcos impediriam os holandeses de usar o rio Kwanza para levar
fornecimentos a Jinga, e uma guerra terrestre, na qual uma grande força
portuguesa-africana avançaria em direção ao seu quilombo. [91] De fato,
soldados holandeses e de Kissama haviam atacado recentemente as tropas
portuguesas em Muxima, que ficava a menos de cinquenta quilômetros de
Massangano, onde mataram oitenta soldados e levaram muitos cativos. O medo
era que essas mesmas forças logo tomassem Massangano. [92]
Em março de 1646, Borges Madureira reuniu a maior força terrestre que
Jinga já enfrentara e comandou suas tropas numa batalha que seria épica, com
objetivos igualmente épicos de capturá-la e matá-la, destruir seu quilombo e
acabar com sua aliança com os holandeses. A força reunida em Ambaca
compreendia mais de quatrocentos oficiais e soldados portugueses; duzentos
mulatos armados; dezesseis cavaleiros; artilharia de campo; trinta mil soldados
africanos, inclusive arqueiros; mais de dois mil batedores; tropas comandadas
por Ngola Hari; tropas imbangalas; tropas de sobas simpatizantes e escravos
libertados dos portugueses; e milhares de carregadores, que levavam todos os
suprimentos e alimentos, já que o exército não esperava que chegassem
provisões ao longo do caminho. Não seria nenhum exagero descrever o exército
de Borges Madureira como colossal. [93]
Marchando para o norte de Ambaca, as tropas de Borges Madureira
atravessaram o rio Zenza e chegaram finalmente ao rio Dande, onde acabaram
por avistar o quilombo de Jinga de colinas próximas. Jinga preparara-se para a
invasão, tendo construído três pontes, na expectativa de que os portugueses as
usassem para atravessar o rio Dande. Ela calculou que os soldados e
carregadores seriam excelentes alvos para seus arqueiros e milhares de soldados
que tinham armas de fogo. Mas Borges Madureira não permitiria que Jinga
ditasse as condições do ataque e dissuadiu os comandantes de seus esquadrões
de atravessarem pelas pontes. Em vez disso, seu exército pegou uma rota mais
longa e mais perigosa, atravessou o rio numa parte mais profunda e chegou
muito mais perto do quilombo de Jinga. Mas ela também estava preparada para
um ataque surpresa, tendo postado em torno do perímetro do quilombo tropas
fornecidas pelo governante Mbwila, da região dos Dembos, bem como alguns
soldados holandeses. Mandou que os soldados se escondessem em arbustos altos
e, assim que as tropas portuguesas entrassem, eles deveriam pôr fogo nos
arbustos para impedir seu avanço. Mas essa estratégia fracassou: Borges
Madureira conseguiu organizar as vanguardas de tal maneira que os carregadores
que levavam os suprimentos estavam no meio e, assim, sua carga ficou
protegida. À medida que se aproximavam do acampamento, as tropas
portuguesas tiveram de enfrentar os soldados holandeses e as tropas lideradas
pelo temido general Jinga a Mona, bem como os mwene lumbo de Jinga e outros
generais. A própria Jinga não ficou fora da luta: espiões portugueses a viram
numa colina, cercada por seu núcleo leal de jovens imbangalas e vestida com seu
traje de guerra.
Os dois lados travaram uma batalha sangrenta das nove horas da manhã até o
final da tarde, quando as tropas portuguesas conseguiram finalmente romper as
defesas de Jinga. Ela mandou soldados com armas de fogo descerem a colina
contra os portugueses, mas eles não impediram o avanço do inimigo. Os
soldados holandeses deram apoio, mas careciam de artilharia pesada, que teria
sido muito mais eficaz contra os invasores. No final, mesmo com a dura
resistência dos holandeses e dos imbangalas de Jinga, prevaleceram as tropas
portuguesas e a vanguarda chegou ao quilombo. [94]
Jinga postara vários batalhões de seu exército a distâncias estratégicas do
quilombo, mas, depois que a vanguarda portuguesa rompeu o perímetro e entrou,
ela se deu conta que o pequeno número de guarda-costas seria incapaz de
defendê-la. Ela e um grupo mais íntimo escaparam rapidamente. Sua partida
repentina ficou óbvia para os portugueses, que não encontraram nenhuma
resistência ao entrar no quilombo. Logo descobriram que Jinga e seus guarda-
costas não tiveram nem tempo de juntar coisas de sua residência ou das
residências de seus funcionários. Tudo foi deixado para trás. Ao saquear as casas
de Jinga e de seus principais conselheiros, acharam quinhentas armas de fogo e
estoques de tecidos finos e joias. Ngola Hari reivindicou tudo o que havia na
casa e foi embora com “muitas peças de seda fina e outras coisas valiosas”. [95]
A pressa da retirada significou que os muitos não combatentes que haviam
ficado no quilombo, esperando para comemorar o retorno vitorioso de Jinga e do
exército, não foram avisados e ficaram chocados ao ver as tropas portuguesas
entrarem em suas casas. Entre eles estavam vários funcionários e outros sobas de
Dembos que haviam estabelecido residência no quilombo, mas que não estavam
fisicamente aptos para participar da batalha.
Os portugueses ficaram mais surpresos ainda ao descobrir em uma das casas
uma “mulher flamenga” obviamente grávida. Em meio a lágrimas histéricas, ela
explicou aos soldados desconcertados que seu marido fazia parte do grupo de
soldados holandeses que moravam no quilombo. A jovem não sabia onde estava
o marido, mas achava que ele podia ter morrido ou a abandonado, fugindo com o
filho do casal. [96] A presença de soldados holandeses com suas famílias no
quilombo é uma indicação clara de que Jinga conseguira fazer desses
estrangeiros do norte europeu seus dependentes. A presença deles a ajudava a
pressionar os poderosos chefes de Dembos e os sobas independentes a aderirem
à sua causa. Ao saber dos detalhes de como Jinga dirigia seu quilombo, os
portugueses ficaram ainda mais hostis. Os soldados agrediram física e
verbalmente os chefes africanos que capturaram pela afronta que acreditavam
que Jinga havia cometido contra seus semelhantes europeus. [97]
De todas as riquezas acumuladas, de todos os habitantes do quilombo que
capturaram ou mataram, de longe a mais valiosa para os portugueses foi Kambu,
a irmã de Jinga. Se Jinga a abandonara ou se planejava negociar mais tarde com
os portugueses a libertação de Kambu, a aparência dela quando as tropas
inimigas entraram em sua casa sugeria que ela estava resignada a ser prisioneira
deles mais uma vez. Os kilambas ambundos (soldados aliados aos portugueses)
encontraram-na sentada numa cena de esplendor real, cercada por quarenta
damas de honra, aparentemente imperturbável pela intrusão. Kambu manteve-se
tão calma que o cronista militar Cadornega, que lutou na campanha, mais tarde
atribuiu sua conduta à “majestade e soberania”. Apesar do tratamento horrível —
foi abusada sexualmente durante a noite pelo soldado ambundo que a encontrou
e a manteve cativa —, Kambu se comportou com a mesma dignidade real
quando foi entregue a Borges Madureira na manhã seguinte. Para se preparar
para comparecer perante o capitão, Kambu fez com que suas damas de honra a
vestissem com elegância. Elas enfeitaram suas mãos com anéis de ouro, puseram
lindas joias em sua cabeça e correntes em torno de seu pescoço e enrolaram seus
cabelos com cordões que caíam da cabeça até os quadris. Com efeito, embora
Kambu tivesse mais de sessenta anos na época da sua segunda captura, ela
parecia tão mais moça que Borges Madureira, para evitar outra situação em que
ela pudesse ser atacada por guardas portugueses, assumiu a supervisão dela,
mantendo-a em seus aposentos até que pudesse transferi-la para Massangano. [98]
Borges Madureira sabia que Jinga mantinha vários prisioneiros portugueses,
inclusive o padre Jerônimo Sequeira, no quilombo; ao não encontrá-los na área
interna onde Kambu e os outros funcionários estavam alojados, foi informado de
que, antes de fugir, Jinga mandara esses prisioneiros, junto com alguns objetos
de valor, para o soba Kitexi ka Ndambi, cujas terras ficavam a cerca de um dia
de viagem do quilombo, exigindo que ele os guardasse nas florestas que
cercavam suas terras. Kitexi ka Ndambi era um aliado relutante desde que Jinga
e uma centena de soldados holandeses haviam invadido suas terras alguns anos
antes, e agora ele estava totalmente disposto a entregar os doze soldados e o
padre aos enviados de Borges Madureira.
A traição de Kitexi ka Ndambi significou que, se Jinga tinha planos para uma
troca de prisioneiros, teria agora de abandoná-los. Borges Madureira
imediatamente enviou os soldados e o padre libertados para Massangano e
executou publicamente no quilombo doze sobas e alguns dos chefes de Dembos.
As tropas portuguesas liberaram vários de seus aliados africanos que Jinga
mantinha prisioneiros, entre eles Coamza, a concubina do imbangala Kabuku.
Depois de permitir que seus próprios soldados e os de seus aliados imbangalas
saqueassem as casas, armazéns e corredores do quilombo e levassem os objetos
de valor e provisões em que conseguissem pôr as mãos, os portugueses puseram
fogo no acampamento, destruindo a maioria das casas e edifícios públicos, bem
como centenas de templos pequenos e espalhados, onde os sacerdotes de Jinga
realizavam seus rituais. [99]
A retirada às pressas de Jinga teve outras repercussões graves. Os
portugueses encontraram cartas escritas a Jinga por sua irmã Funji escondidas
debaixo do altar da pequena capela que ela construíra para o sacerdote católico.
As cartas revelaram muito sobre a rede de espionagem de Jinga e puseram a vida
de Funji em risco. Durante seus mais de quinze anos de cativeiro, Funji enviara
notícias sobre as operações militares portuguesas. Isso explicava por que Jinga
conseguira atacar os portugueses com tanta facilidade. Os portugueses também
descobriram cartas que Jinga recebera de seus aliados africanos, inclusive de
Garcia II do Congo. Em uma dessas cartas, Garcia felicitava Jinga por sua vitória
de 1644 contra os portugueses. O Congo pagaria caro pela aliança de Garcia com
Jinga. [100]
Com essa vitória, os portugueses destruíram a base estratégica que Jinga
montara em Dembos e, o mais importante, infligiram-lhe uma humilhante
derrota pessoal. Mais uma vez, estavam com suas duas irmãs prisioneiras. Além
disso, Borges Madureira concluiu que a fuga prejudicaria sua aliança com os
holandeses, destruiria as relações que cultivara com o rei Garcia II e
enfraqueceria o prestígio que ela adquirira em toda a região. Mas, como no
passado, Jinga continuou impávida. Com efeito, sua capacidade de escapar
incólume do quilombo, ainda que os portugueses trouxessem vários aliados
imbangalas para capturá-la, inclusive seu velho inimigo Kassanje, mostrou que
Jinga ainda contava com grande apoio popular na região. Embora seus inimigos
tivessem feito alguns prisioneiros importantes e seu exército tivesse sofrido
grandes perdas, a estratégia que Jinga utilizara de espalhar seus soldados por
todo o quilombo e ao redor dele, onde poderiam se esconder entre os arbustos
altos e as palmeiras, fez com que muitos de seus soldados e carregadores
conseguissem escapar junto com ela. Borges Madureira e seu exército
perceberam isso depois que sua revista do quilombo revelou a bagagem que os
carregadores haviam abandonado quando recuaram, mas nenhum deles foi
encontrado. Quando as tropas portuguesas chegaram ao pé das colinas, tudo o
que encontraram foram milhares de pegadas que soldados e carregadores tinham
deixado para trás. [101]
A traição holandesa
No fim de 1648, quando estava com 66 anos, Jinga foi obrigada a formular uma
nova estratégia. Os holandeses haviam rompido o acordo com ela e foram
embora, e ela precisou abandonar seu plano de atacar o forte português de
Massangano. Jinga percebeu que, para atingir seus principais objetivos — obter
a libertação de sua irmã das mãos portuguesas e reivindicar a devolução das
terras de Ndongo —, precisaria adotar estratégias distintas das militares. Embora
continuasse a travar guerras, ela não mais se concentrou em expulsar totalmente
os portugueses, mas em garantir que não fizessem avanços políticos ou
econômicos no interior, a menos que tratassem com ela.
Para manter uma vantagem estratégica, Jinga adotou uma abordagem
tripartida entre 1648 e 1656. Em primeiro lugar, restabeleceu o controle político
firme sobre Matamba e as terras entre Matamba e Ndongo, regiões que
constituíam a principal fonte de escravos. Em consequência, apesar dos sucessos
das campanhas do governador Correia de Sá contra os imbangalas e os sobas que
tinham participado da aliança entre Jinga e os holandeses, ele e os governadores
posteriores foram forçados a reabrir as relações políticas com Jinga para resolver
a questão do tráfico de escravos. Em segundo lugar, Jinga iniciou relações
diretas com os capuchinhos, uma ordem religiosa cujos missionários serviriam
de seus intermediários políticos, não só com governadores portugueses de
Angola, mas também com altos funcionários na Europa. Em terceiro lugar, Jinga
traçou planos para substituir por crenças e rituais cristãos as ideias e rituais
religiosos imbangalas que haviam sido a ideologia unificadora que a vinculava
aos seus seguidores.
A implementação bem-sucedida de suas novas estratégias possibilitaria a
Jinga alcançar todos esses objetivos. Até o fim de 1656, ela conseguiu a
libertação de sua irmã, confirmou seu direito de governar Matamba como um
reino independente, com fronteiras definitivas reconhecidas pelos portugueses, e
estabeleceu as condições para transformar Matamba no reino cristão que
imaginava. Com efeito, o sucesso de Jinga em fundir diplomacia militar,
religiosa e política numa estratégia efetiva de governo impressionou de tal modo,
tanto seus detratores como seus admiradores, que nos últimos cinco anos de sua
vida ambos os grupos já a elogiavam, dizendo que não havia ninguém igual a ela
em toda a África. Para acompanhar Jinga durante a década decorrida após seu
retorno a Matamba, trataremos primeiro de suas operações militares, depois da
diplomacia religiosa e, por fim, da diplomacia política, que resultou na
assinatura de um tratado de paz com os portugueses em 1656.
Embora a nova estratégia de Jinga já não tivesse por objetivo a derrota militar
dos portugueses, ela continuou a usar a guerra como um elemento essencial de
sua liderança. Um relato de 1650 feito por um observador português listou mais
de 29 invasões que os exércitos de Jinga realizaram entre 1648 e 1650,
observando que os governantes das terras que ela invadiu foram mortos ou se
tornaram tributários que a reconheciam como sua “senhora natural”. Ela não
perdera nada de sua ferocidade: numa campanha contra o imbangala Caheta, os
quarenta mil soldados de Jinga enfrentaram seu exército de dez mil homens e
dominaram de tal modo as tropas inimigas durante um ataque ao amanhecer que
Caheta ficou paralisado de medo, sem saber se lutava ou fugia. Ela foi embora
com mais de seis mil prisioneiros e destruiu tudo no quilombo de Caheta, “até as
árvores”. Ao descrever a Jinga que observou durante esses anos, o autor disse:
“Vi Jinga vestida como um homem, armada com arco, flechas, e já velha e de
pequena estatura. Seu discurso é muito efeminado”. [1]
Após sua partida rápida de Luanda em agosto de 1648, o primeiro ato de
Jinga foi alojar seu exército perto de Massangano e mandar tropas para obrigar
os sobas da região a reconhecê-la como sua rainha. Com 139 regimentos de
imbangalas sob seu controle, ela não teve dificuldade em fazer com que os sobas
concordassem com suas exigências. [2] A invasão da província de Wandu em
setembro daquele ano, descrita no capítulo anterior, resultou do desejo de Jinga
de demonstrar ao governante de lá que ela ainda podia impor sua vontade às
regiões que faziam fronteira com Ndongo.
Jinga continuou a usar seu exército para intimidar sobas das regiões que
faziam fronteira com Congo, Matamba e Ndongo, com o objetivo de mostrar que
ainda tinha forças poderosas sob seu controle, apesar dos reveses militares que
sofrera. Nos meses posteriores à invasão de Wandu, ela empreendeu várias
operações militares perto dos fortes portugueses de Massangano e Ambaca.
Jinga sabia que o governador estava preocupado em aumentar os reforços
militares nos fortes de Luanda e seus arredores, com o objetivo de trazer sobas
rebeldes da região de volta ao domínio português, e pensaria duas vezes antes de
enfrentá-la em batalha direta.
Quando estava voltando para Matamba, ela ordenou invasões no lado leste,
até as margens do rio Kwango, com o propósito de restabelecer uma presença
militar forte na região. Essa região estivera anteriormente sob o controle de
Jinga, mas fora invadida por seus inimigos durante os anos em que ela esteve
lutando nas proximidades de Ambaca. Seu maior oponente militar nessa área era
o imbangala Kassanje, que estabelecera seu quilombo numa parte de Matamba
que Jinga reivindicava como sua. [3]
É importante notar que os exércitos de Jinga durante essas campanhas do
início dos anos 1650 eram compostos por homens e mulheres. Um viajante
francês que esteve em Angola em 1652 observou que as mulheres que
acompanhavam o exército de Jinga eram numerosas e que cada uma tinha
“quatro ou cinco oficiais a seu serviço e para seu prazer”. Tal como Jinga, essas
mulheres eram treinadas para lutar e participavam de batalhas ao lado dos
homens ou empreendiam suas próprias campanhas. [4]
Jinga não restringiu suas atividades militares ao leste de Matamba. Em março
de 1655, por exemplo, mandou Jinga a Mona invadir a região de Mbwila, no
leste do Congo, e, apesar da forte resistência, conseguiu conquistar a província.
É provável que ela quisesse demonstrar aos portugueses que ainda era capaz de
executar operações militares, embora estivesse ao mesmo tempo buscando a paz
com eles. [5] Naquele período, ela controlava terras que se estendiam do lado
leste de Ndongo a Matamba e, para o norte, ao longo do rio Kwango. [6] Jinga
sempre sustentou que tinha direito a Angola e Ndongo, mas, mesmo depois de
ter sido derrotada e forçada a fugir da região dos Dembos, o reino que governava
ainda incluía partes de Ndongo, todo o reino de Matamba, território que o Congo
reivindicava, e partes do reino de Yaka (na atual República Democrática do
Congo). [7]
Durante esse período, Jinga não só mandava seus capitães para a guerra como
às vezes assumia ela mesma o comando. Em dezembro de 1657, pouco antes de
comandar suas tropas numa campanha contra o capitão imbangala Kalandula,
Jinga preparou-se para a batalha, liderando os soldados nos habituais exercícios
militares rigorosos com flechas e lanças. Em sua maioria, os soldados que
participavam do exercício poderiam, por sua idade ser bisnetos dela. No
caminho para o acampamento de Kalandula, Jinga deu ordens para bloquear
todas as possíveis rotas de fuga, e o exército cercou sorrateiramente a base dele
durante a noite. De manhã, ela mandou um soldado pôr sua bandeira no alto de
uma árvore e desafiou Kalandula a lutar. Percebendo que Jinga o havia
encurralado, Kalandula imediatamente enviou um emissário que jurou que ele
considerava Jinga “sua rainha e deusa” e que, no futuro, desejava obedecer-lhe e
servi-la. Quando quatrocentos de seus soldados tentaram fugir ao ouvir sua
declaração, Jinga enviou imediatamente algumas tropas atrás deles e capturou a
maioria. Muitos dos cativos foram enviados para Ambaca e vendidos como
escravos. Ela então comandou suas tropas num ataque feroz contra as forças
restantes de Kalandula, no qual 1500 soldados foram capturados e muitos
morreram. O próprio Kalandula morreu; sua cabeça foi cortada e oferecida a
Jinga, que mandou o sinistro troféu ao governador português. [8]
Embora essa batalha tenha sido a última que comandou pessoalmente, Jinga
nunca dissolveu o exército e continuou a confiar na guerra como parte de sua
estratégia para manter o controle sobre os territórios que havia subordinado,
ajudar aliados ou punir vizinhos que representassem uma ameaça ao seu
domínio. [9] Seu sargento-mor informava-a de qualquer movimento de exércitos
inimigos, e ela contava com um grupo de batedores militares que podiam entrar
em ação a qualquer momento para avaliar o perigo. Estava preparada para pôr
tropas em campo sempre que necessário. [10] Por exemplo, em março de 1658,
quatro meses após seu retorno da batalha contra Kalandula, ela recebeu a
informação de que o exército de Yaka se aproveitara de sua ausência e fizera
várias incursões na fronteira a nordeste de Matamba. Jinga tentou negociar com
o rei dos yakas, mas, quando ele deixou claro que considerava isso um sinal de
fraqueza, abandonou a diplomacia e ordenou um ataque. O capitão da operação
conseguiu capturar o rei, que imediatamente pleiteou indulto. Jinga
condescendeu; a guerra e o perdão asseguravam um grau adequado de respeito e
medo por ela, bem como a paz na parte distante do nordeste de Matamba. [11]
Para demonstrar que a guerra ainda era um aspecto central de sua liderança,
Jinga continuou a receber em suas fileiras muitos imbangalas e sobas que
haviam sido seus aliados durante a ocupação holandesa, mas que se passaram
para o lado português em consequência das campanhas militares de Correia de
Sá contra eles entre 1648 e 1650. Correia de Sá decapitou catorze sobas
identificados como rebeldes, que haviam aderido aos holandeses, bem como
quatro dos cinco imbangalas que suas tropas capturaram durante operações em
Kissama. Muitos dos sobas e imbangalas restantes logo ficaram descontentes
com a política portuguesa de promover os interesses dos colonos. Com efeito,
eles perderam a maior parte das terras férteis que cultivavam ao longo dos rios
Dande, Zenza e Kwanza para colonos portugueses que se mudaram após a
reconquista. Em consequência, trocaram novamente de lado e voltaram a ser
fiéis a Jinga. [12]
Um desses líderes era o imbangala Kabuku Kandonga (e não o Kabuku que
conhecemos no capítulo 5). Em fevereiro de 1653, ele decidiu romper sua
aliança com os portugueses e fazer um acordo secreto com Jinga para unir seu
quilombo ao dela em Matamba. Jinga enviou-lhe emissários no início de 1654,
mas o governador português, que descreveu Jinga na época como “o inimigo
capital dos portugueses”, soube do plano e mandou aprisionar todos que estavam
no quilombo de Kabuku. No ano seguinte, o novo governador Luís Martins de
Sousa Chichorro invadiu as terras de Kabuku, o capturou e despachou para o
Brasil. [13] Poucos dias depois, Sousa Chichorro organizou uma grande
campanha contra o soba Kambambe, um dos antigos aliados de Jinga que
ressurgira como uma importante ameaça para os portugueses, atraindo cerca de
dez mil ambundos escravizados que os colonos portugueses reivindicaram como
seus. Sousa Chichorro continuou suas operações na região por dezoito meses,
com ambos os lados acumulando grandes baixas. [14] Kalandula, o imbangala
que Jinga matou mais tarde em batalha, também estava envolvido em planos
para se juntar a ela, mas conseguiu escapar da captura e fugir com um grande
número de escravos e mil soldados. Ele se colocou junto com seu povo sob o
controle de Jinga e estabeleceu-se a dez quilômetros de Ambaca, em terras que
ela reivindicava. [15]
A estratégia militar de Jinga não se baseava apenas nos sucessos dos
exércitos que comandava ou nos imbangalas e sobas que atraía para Matamba ou
outras partes de suas terras. Ela também continuava ativamente envolvida na
política local de Ndongo, o que significa que costumava usar seu exército para
resolver disputas de sucessão a favor de candidatos que apoiava. Foi o que
aconteceu no caso de João Muquila, que contestou a escolha do irmão para
tomar o lugar de soba de seu pai, assassinando-o, bem como vários de seus tios.
Quando os portugueses reconheceram o filho do irmão, Sebastião Kiluanje,
como governante, em 1656, João chamou Jinga para ajudá-lo a expulsar
Sebastião. O exército de Jinga fez três tentativas contra Sebastião, mas as tropas
portuguesas repeliram os assaltos e mataram os três capitães que as
comandaram. [16] Embora não tenha conseguido derrubar Sebastião, o caso
ilustra que, mesmo quando negociava um tratado de paz com os portugueses,
Jinga estava preparada para agir contra sobas da região em torno de Ambaca.
Essa área continuaria a ser o centro da resistência para o resto de sua vida, e as
autoridades portuguesas, embora conseguissem consolidar algum grau de
controle sobre ela, não tinham escolha senão reconhecer que a força militar de
Jinga seria um obstáculo importante aos seus planos de expansão para além do
forte de Ambaca. [17]
Giovanni Antonio Cavazzi da Montecuccolo, “Missione evangelica nel Regno de Congo” (1668), v. A,
páginas preliminares, xlii. Manuscritos Araldi, Modena, Itália. Fotografia: Vincenzo Negro.
Rainha Jinga fumando diante de um santuário. Antonio Cavazzi, c. 1668.
Mesmo nos últimos anos de vida, quando não estava mais no comando de seu
exército, Jinga continuou a supervisionar as campanhas militares. Por exemplo,
em outubro de 1661, mandou seu exército para lutar contra o líder imbangala
Kassanje, depois que ele liderou seu exército num ataque contra um soba nas
terras dela, matando todos os homens e bebês e levando prisioneiras as mulheres
e crianças. Outro soba repeliu um segundo ataque, obrigando Kassanje a recuar,
mas mesmo assim Jinga decidiu contra-atacar imediatamente. Antes de reunir
combatentes, ela foi à igreja a fim de fazer uma confissão privada para explicar
os motivos de sua decisão de ir à guerra. Foi depois para a praça pública,
acompanhada de suas guarda-costas, armadas com arcos e flechas, e seus
soldados, que também serviam de proteção para ela. Ela incitou as pessoas com
palavras apaixonadas e logo reuniu um enorme exército para lutar contra
Kassanje. Seguindo o exército em retirada, suas tropas derrotaram as forças de
Kassanje, matando muitos, fazendo outros prisioneiros e entregando a Jinga
dezesseis bandeiras dos oficiais que se afogaram quando tentavam escapar
através do rio Kwango. Isso aconteceu depois que Jinga aceitou plenamente o
cristianismo como religião oficial de Matamba, mas a celebração da vitória
incluiu rituais imbangalas, junto com uma missa cristã na qual as bandeiras
capturadas do inimigo foram oferecidas à Virgem Maria em agradecimento pela
vitória. [18]
A estratégia de Jinga de usar a força militar para demonstrar a continuidade
de seu poder atormentava tanto os governadores portugueses que eles pediam
frequentemente ao rei de Portugal permissão para fazer guerra contra ela de
novo. Em julho de 1652, Bento Teixeira de Saldanha, um funcionário de Luanda,
observou em carta ao rei João IV que os principais adversários dos portugueses
em Angola eram o rei do Congo, Jinga e o governante da província totalmente
inconquistada de Kissama. Os três governantes, explicou ele, conseguiam deter o
tráfico de escravos para Luanda, “tão vital para a economia”, porque “perseguem
e atacam os sobas vassalos”. Ele pedia permissão para recrutar soldados
africanos, a fim de defender os sobas e fazer guerra aos três governantes. Em
dezembro de 1652, a questão foi parcialmente resolvida quando o Conselho
Ultramarino, numa decisão dividida, aconselhou o rei a não concordar com o
pedido. [19] A continuidade da força militar de Jinga provavelmente influenciou a
decisão do conselho. Alguns de seus membros alertaram-no de que deveria
advertir as autoridades em Luanda para não guerrearem contra Jinga ou outros
líderes, lembrando-lhe que governadores anteriores que usavam a guerra como
meio para capturar escravos causaram a ruína do território. O conselho sugeria
que perdoar Jinga e seus dois colegas africanos pela traição deles durante o
período da ocupação holandesa seria vantajoso para os portugueses. Uma
renovação da amizade significaria um retorno do tráfico de escravos. [20]
Em carta datada de 16 de setembro de 1653, autoridades de Lisboa mandaram
as autoridades de Luanda empreender uma guerra contra Jinga somente se
estivessem certas de que tinham tropas suficientes para proteger Luanda. A
cidade não devia, sob nenhuma circunstância, ficar sujeita a “uma invasão dos
inimigos”. Em 1654, João IV advertiu o governador Sousa Chichorro de que não
cedesse ao pedido de Ngola Hari para fazer guerra contra Jinga. Em vez disso,
Sousa Chichorro deveria trabalhar para “conservar essa rainha”, a fim de que o
exército dela não invadisse e arruinasse a colônia. [21] Embora João IV tenha
morrido no final daquele ano e Sousa Chichorro efetuado outras operações
militares contra o Congo e Kissama, a diretiva real do falecido rei continuava
influenciando as relações com Jinga. Ainda em 1657, depois que ela assinou um
tratado com os portugueses, dos “três inimigos” que os portugueses
identificavam em Angola, ela era a única com quem eles sentiam necessidade de
buscar a paz. [22] Enquanto outras regiões continuariam a ser alvo de luta,
Matamba não seria submetido à agressão militar portuguesa graças à poderosa
imagem de Jinga e à sua prontidão militar.
Entre 1648 e 1656, ao mesmo tempo que seu exército efetuava campanhas em
todas as regiões a leste de Ndongo, Jinga procurava uma solução diplomática.
Como primeiro passo, em vez de tratar diretamente com os portugueses, ela fez
uso dos sacerdotes e missionários capuchinhos capturados por seus exércitos.
Suas primeiras tentativas de diplomacia religiosa ocorreram em 1643, em seu
quilombo de Sengas de Kavanga, na região dos Dembos. Ali, Jinga começou
uma campanha de longo prazo para conquistar a confiança dos missionários
vindos de Roma para que eles se dispusessem a defender sua causa na Europa.
Desde o início, ela tratou os missionários capturados de forma diferente de
outros soldados ou civis portugueses. Em vez de mantê-los reféns, costumava
libertá-los; se os mantinha prisioneiros, como fez com o padre Jerônimo de
Sequeira, concedia-lhes uma considerável liberdade. Ela capturou o padre
Sequeira em 1644, junto com doze soldados, mas deu-lhe livre acesso a seu
quilombo e até construiu um pequeno altar e solicitou que ele rezasse missa para
ela. Tratava-o com respeito, dirigindo-se a ele como nganga ngola (sacerdote do
ngola [rei]), ao que ele respondia “kalunga, kalunga queto ” (Céu, nosso Céu).
Não surpreende que os portugueses que capturaram o quilombo em 1646
ficassem escandalizados ao descobrir que o altar estava localizado ao lado de
uma “casa diabólica” que ela construiu para seus próprios gangas. [23]
A captura por seu exército de dois missionários capuchinhos espanhóis e um
sacerdote do Congo durante a invasão da província de Wandu, em 1648,
proporcionou-lhe a chance que estava procurando para iniciar relações
diplomáticas formais com a Igreja católica. Os espanhóis, freis Bonaventura de
Cordella e Francisco de Veas, junto com seu acompanhante e tradutor congolês,
padre Calisto Zelotes dos Reis Magos, haviam recebido permissão do rei Garcia
II para ir à província rebelde de Wandu e realizar trabalhos missionários. O grupo
chegou uma semana antes de o exército de Jinga atacar a província e saquear a
capital. Os guardas pessoais de Jinga apanharam os capuchinhos, que haviam se
refugiado na igreja e estavam escondidos embaixo do altar. Os soldados de Jinga
lembraram-se da ordem de que os gangas cristãos não deveriam ser mortos e
entregaram a ela os sacerdotes espanhóis. Ela assegurou-lhes que não
precisavam temê-la, mas eles tinham medo de ser obrigados a consumir carne
humana. Jinga acalmou-os, fazendo com que uma de suas criadas lhes
preparasse carne de veado, onde ainda se viam a pele e os ossos do animal para
indicar a origem da refeição. Jinga também passou muitas horas conversando
com eles em português, idioma que conhecia bem. Quando soube que o padre
Zelotes estava entre os prisioneiros que deveriam ser mortos e comidos pelos
soldados vitoriosos, ela exigiu que os capitães imbangalas o entregassem. Foi só
então que percebeu que se tratava do padre que a apresentara pela primeira vez
ao cristianismo, um quarto de século antes, em Luanda. Embora não pudesse
impedir que ele fosse marcado e tivesse dois dentes da frente arrancados
(indicando que seria um escravo no quilombo), Jinga cuidou dele, tratando de
seus ferimentos e restaurando sua saúde. Mais tarde, ele se tornaria seu
secretário pessoal e desempenharia um papel fundamental na reconciliação dela
com a Igreja. [24]
Mas Jinga tinha outro motivo para tratar bem os freis Cordella e Veas: queria
testá-los, a fim de ver se poderia usá-los como canal para comunicar-se com
Roma. Nas muitas conversas que teve com os dois capuchinhos, ela fez uma
defesa vivaz de seu estilo de vida. Não obstante se esquivasse das tentativas
deles de persuadi-la a mudar seus costumes, ela indicou que levava a sério
estabelecer vínculos mais estreitos com a Igreja. Era bem sabido que os
missionários e a Igreja estavam horrorizados com o canibalismo ritual dos
imbangalas. Jinga negou que ela fosse canibal, afirmando que ela e seus capitães
“não comiam carne humana”. [25] Admitiu que tolerava o costume entre seus
soldados imbangalas, mas o que poderia fazer? “Era costume deles”, disse ela,
resignadamente, e era impossível parar com aquilo.
Fólio de “Parma Watercolors” (final do século XVII ), n. 101. Coleção particular. Fotografia © Cécile
Fromont.
Jinga esforçou-se para fazer uma aliança com a Igreja católica romana.
Entregou aos dois sacerdotes uma carta endereçada ao papa, na qual prometia
voltar ao cristianismo e convidar missionários capuchinhos ao seu reino assim
que a guerra com os portugueses acabasse e seu reino fosse restaurado. Como
era habitual, deu presentes aos frades para mostrar sua sinceridade, oferecendo-
lhes escravos e outros “bens valiosos”. Ela ficou espantada — e agradavelmente
surpreendida — quando eles recusaram suas ofertas, inclusive a de escravos.
Impressionada, permitiu que partissem na companhia de uma embaixada do
Congo que o rei Garcia II enviara com presentes para ela. [26]
Esse encontro com os dois capuchinhos espanhóis em 1648 foi o primeiro
contato de Jinga com os missionários dessa ordem, mas sua reputação já era bem
conhecida entre eles. Em março do mesmo ano, o frei capuchinho Giovanni
Francesco da Roma escrevera uma carta à Propaganda Fide (Propagação da Fé, a
Congregação da Santa Sé fundada com o propósito de evangelizar regiões do
mundo onde o cristianismo ainda não havia fincado pé) sobre o estado da Igreja
no Congo. Na carta, ele fazia referência a Jinga, observando que suas terras
faziam fronteira com o Congo e que ela tinha sido batizada na Igreja católica,
mas havia abandonado a fé devido à “crueldade dos portugueses” que “tinham
feito uma guerra contra ela e se apoderado de seu reino”. [27] Embora ela não
soubesse disso no momento de seu encontro com os freis Cordella e Veas, os
capuchinhos eram vistos com suspeita pelos portugueses e jesuítas e, em
consequência, os sacerdotes espanhóis estavam predispostos a simpatizar com
ela. As cartas que ela enviou aos capuchinhos indicando sua vontade de
desenvolver contatos diplomáticos com Roma obtiveram o tipo de atenção que
jamais teriam recebido dos jesuítas. A Companhia de Jesus havia desempenhado
o papel central de braço religioso da conquista de Angola pelos portugueses
desde a chegada de Dias de Novais, em 1575, a Luanda, e ainda representava a
ordem colonial oficial portuguesa em Angola.
Não obstante, Jinga enfrentou obstáculos em sua tentativa de aproximação
dos capuchinhos, que ainda estavam intranquilos com o que sabiam sobre ela.
Em fevereiro de 1651, dois anos depois de Jinga ter libertado os dois sacerdotes
espanhóis em Wandu, frei Serafino da Cortona, superior dos capuchinhos em
Luanda, recebeu uma carta de Jinga na qual ela dizia que queria que ele “viesse e
batizasse seu povo”. [28] Ele não respondeu de imediato, mas certamente ficou
intrigado. O frade demoraria quatro meses para escrever à Propaganda Fide.
Nessa carta, explicava que não poderia atender ao pedido de Jinga antes que o
rei Garcia II e os portugueses resolvessem sua longa disputa sobre o lugar onde o
bispo do Congo e de Angola deveria residir, que decorria das tentativas
portuguesas de mudar a sé da capital do Congo para Luanda como forma de
puni-lo por ter apoiado os holandeses. Porém, frei Cortona relutou em deixar
passar a oportunidade e incentivou as autoridades de Roma a enviar pelo menos
dois capuchinhos para trabalhar em Matamba, convencido de que a presença
deles “seria um ótimo serviço a Deus para ajudá-la”. A reputação de Jinga de
apóstata que consumia carne humana e tirava a vida de crianças inocentes estava
tão enraizada que os capuchinhos de Angola sabiam que precisariam do pleno
apoio de Roma antes de se comprometerem a atender ao pedido de Jinga. Com
efeito, em sua carta, frei Cortona referiu-se a Jinga como uma governante que ia
à guerra todos os anos, que tolerava os “costumes bárbaros” de matar recém-
nascidos, enterrá-los vivos ou abandoná-los para serem comidos por animais
selvagens, e viver de pilhagens, sem residência fixa. [29]
Em abril de 1651, Cortona ganhou em Luanda a companhia de um segundo
capuchinho, frei Antonio Romano, que viera diretamente de Roma; os dois
sacerdotes foram designados para trabalhar no forte português de Massangano.
Além disso, eles viajaram pelo interior, levando os sacramentos para muitos dos
habitantes das regiões em torno do forte. O mais significativo é que frei Cortona
tornou-se confessor de Kambu, irmã de Jinga — conhecida agora por seu nome
cristão de Bárbara e vivendo como prisioneira em Luanda —, e parece tê-la
persuadido a escrever uma carta a Jinga para incentivá-la a desistir de seu estilo
de vida imbangala e retornar ao cristianismo. Talvez inspirada por essa missiva
ou por uma breve visita dos freis Cortona e Romano, Jinga escreveu uma carta
em 15 de agosto daquele ano (que entregou a Cortona) diretamente à Propaganda
Fide. Nela, agradecia aos cardeais por preocuparem-se com a salvação dela e de
seu povo e por enviar o frei capuchinho Antonio Romano às suas terras.
Confessava ainda que, graças à visita, conhecera finalmente o “Deus verdadeiro”
e percebia agora que havia sido “enganada por nossas crenças idólatras, possuída
pelo demônio”. Ao pedir perdão por suas transgressões, Jinga prometia que
qualquer missionário seria acolhido com os braços abertos, porque havia “muitas
pessoas em nosso reino prontas para receber o santo batismo”. [30]
Embora as guerras em que estava envolvida na época e os costumes
imbangalas que tolerava sugiram que Jinga não estava pronta para uma
transformação completa, sua diplomacia missionária fazia progressos. A posição
favorável dos capuchinhos em relação a ela, apoiada pela carta simpática de frei
Romano de 1648, certamente ajudou sua causa. [31] Graças à perseverança, Jinga
parece ter convencido os capuchinhos de que havia alguma verdade em sua
afirmação de que os portugueses haviam invadido injustamente suas terras.
De repente, ela tinha uma voz no Vaticano. Uma carta de 1651 de frei
Cortona ao superior da ordem dos capuchinhos na Toscana deixa isso claro.
Citando o pedido de Jinga para que enviassem missionários, Cortona acusa os
portugueses de dissuadi-lo de responder a ela e exigir, em vez disso, que ele
enviasse missionários para Massangano. [32] Ademais, escreveu ele, os
portugueses haviam tomado Angola da rainha Jinga “pela força”. [33] Alguns
meses mais tarde, outro sacerdote capuchinho de Angola levantou de novo a
questão do pedido de missionários que ela fizera, lembrando à Propaganda Fide
que Angola, que estava sob jurisdição portuguesa, fora tomada “pela força de
armas da rainha Jinga, uma pagã”. [34]
Não obstante a simpatia, os capuchinhos relutavam em aproximar-se de Jinga
porque achavam difícil explicar por que ela desistira do cristianismo e adotara
práticas que iam contra tudo o que a religião deles representava. Jinga logo
percebeu que teria de tentar outra tática. Proclamar simplesmente que retornaria
ao cristianismo já não era suficiente: era hora de agir. No início de 1652, ela
mandou um emissário diretamente a Luanda. Jinga queria que os capuchinhos o
batizassem, disse ele aos funcionários portugueses, e assegurou-lhes seu desejo
de que missionários capuchinhos trabalhassem em Matamba. Depois de discutir
a questão, frei Cortona recusou-se a batizar o embaixador. Mesmo depois das
duas cartas de Jinga, mesmo depois da sua promessa de receber os missionários
em Matamba, Cortona estava convencido de que o emissário voltaria aos
costumes pagãos ao retornar para casa. Os capuchinhos elogiaram a bondade de
Jinga para com os freis Cordella e Veas, mas estavam bem cientes de que ela
queria ditar os termos da relação, e eles não se sentiam dispostos a confiar por
completo nela. [35]
No entanto, a aproximação com os capuchinhos foi compensada de outras
formas. Esses religiosos, que até então concentravam a maior parte de seus
esforços missionários no reino do Congo, perceberam que Matamba e os outros
territórios que Jinga reivindicava — inclusive partes de Ndongo — eram
extremamente populosos e seriam fecundos e gratificantes para o trabalho
missionário. Antecipando essa possível mudança de foco, frei Cortona, em carta
escrita em 1652, advertiu as autoridades em Roma de que os potenciais
candidatos à região deveriam aprender quimbundo, a língua de Jinga e de seu
povo, em vez de quicongo, a língua dos congoleses. [36] Poucas semanas depois,
um dos concorrentes em disputa pela nomeação para superior da ordem dos
capuchinhos em Luanda pediu permissão para viajar com um companheiro ao
“país pagão” porque haviam recebido da rainha Jinga “pedidos renovados” de
missionários. Embora ela estivesse “continuamente em guerra” e houvesse
cometido “inúmeras crueldades, condenadas não somente pela lei de Deus, mas
pela lei natural”, ele partiu para Matamba, armado com uma cópia da carta dela.
(Os registros existentes não mencionam se ele alcançou seu objetivo.) Os
missionários sabiam que enfrentavam desafios ao trazer para a Igreja uma
governante cujas muitas guerras e práticas imbangalas a tornavam igualmente
temida e fascinante. Eles, tal como seus equivalentes leigos, não conseguiam
entender o motivo das escolhas de Jinga. [37]
Frei Cortona e outros capuchinhos continuaram a pressionar o Vaticano no
que dizia respeito ao pedido de missionários, enviando cartas à Propaganda Fide
e a seus colegas capuchinhos em Roma e em outros lugares da Itália. As cartas
de Jinga tinham conseguido convencer os capuchinhos de Luanda de que ela era
uma governante importante demais para ser ignorada, e, apesar de sua
repugnância por alguns aspectos de seu estilo de vida, eles defenderam sua
causa. O fato de sua irmã Bárbara estar levando uma vida religiosa exemplar em
Luanda durante sua prisão pelos portugueses deu aos capuchinhos a esperança
de que Jinga encontraria na irmã um exemplo cristão. [38]
Embora demorasse alguns meses para que Jinga recebesse a notícia de Roma,
um avanço em sua diplomacia missionária ocorreu em março de 1653, quando
frei Cortona enviou o frei Antonio Maria de Monteprandone a Roma com o
objetivo de defender a indicação de um superior para Matamba que seria
diferente do enviado ao Congo. Embora não estivesse minimizando a
“pecaminosidade” de Jinga ou o fato de que seus súditos eram “pagãos que
comiam carne humana”, frei Monteprandone enfatizava os repetidos pedidos de
missionários feitos por ela. Em maio de 1653, numa reunião do colégio de
cardeais, eles finalmente aprovaram o pedido e, em outubro, selecionaram
missionários para ir a Matamba. [39] Entre os missionários estavam os freis
Antonio da Gaeta e Antonio Giovanni Cavazzi. Juntos com outros capuchinhos,
eles chegaram a Luanda em novembro de 1654. Quatro dias depois, o Vaticano
publicou o decreto oficial que estabelecia a missão no reino da rainha Jinga.
Quando o grupo chegou a Luanda, Cortona escreveu a Jinga. Ela respondeu
imediatamente. No início de 1655, depois de muito tempo, uma parte da
diplomacia missionária de Jinga dava frutos. Nos anos seguintes, Gaeta, Cortona
e Cavazzi se tornariam atores fundamentais da diplomacia política e missionária
de Jinga e, por fim, de sua própria transformação religiosa.
Diplomacia política, de novo
Jinga não desistira da diplomacia política, e ainda tinha uma estratégia a pôr em
prática antes que todos os seus planos dessem certo. Percebendo que precisava
conseguir um acordo formal com os portugueses para garantir a libertação de
Bárbara e resolver sua reivindicação de terras que acreditava terem sido
usurpadas pelos governadores portugueses, Jinga procurou um canal para tratar
diretamente com as autoridades de Luanda. Uma oportunidade surgiu
imediatamente após seu retorno a Matamba, em 1648, quando recebeu um
enviado do governador Correia de Sá. Ela sabia que, em decorrência das
operações militares dele, os portugueses haviam recuperado a fidelidade de
todos os sobas em partes da região dos Dembos que ela havia controlado, assim
como alguns das províncias de Libolo e Kissama e do entorno do forte de
Massangano. Com efeito, muitos sobas que antes lhe haviam prometido
fidelidade começaram a enviar embaixadas a Luanda para pedir amizade e paz
aos portugueses. [40] Ela calculou que Correia de Sá não tinha tropas suficientes
para atacá-la e não ficou surpresa quando, depois de retornar a Matamba,
começou a receber cartas e enviados de Correia de Sá, bem como do rei de
Portugal.
Jinga supôs que, em face de seus sucessos militares, Correia de Sá relutaria
em ameaçá-la com a guerra, ao contrário do que acontecia com o rei Garcia II do
Congo. Sua suposição estava correta. As comunicações deste com Correia de Sá
estavam carregadas de acusações e tensão. Ao contrário de Jinga, o próprio
Garcia enviou a Correia de Sá uma carta em 1648, depois que os holandeses
foram embora, em que resumia as condições para a paz. A resposta do
governador português no ano seguinte foi ameaçar o Congo com uma invasão
militar se Garcia não concordasse em pagar reparações. Correia de Sá acusou
Garcia de trair o rei de Portugal e advertiu que, se ele não concordasse em pagar
novecentos escravos, invadiria seu reino. A coisa não parou por aí: além de
várias outras condições onerosas, o governador português disse a Garcia que ele
perderia os direitos à ilha de Luanda e às minas de prata que supostamente se
localizavam em terras que o Congo reivindicava.
Enquanto estava envolvido nesse intercâmbio hostil de missivas com o
vizinho de Jinga, Correia de Sá tentava, ao mesmo tempo, apaziguá-la, iniciando
relações diplomáticas com ela. Jinga respondeu favoravelmente às embaixadas
do governador que foram a Matamba entre 1648 e 1650, mas que tinham a ver
com o comércio e outras questões menores. A partir do início de 1650, Correia
de Sá começou a enviar mensagens oferecendo-se para perdoá-la em nome do rei
João IV , e até mesmo indicando que o rei a receberia de volta à proteção
portuguesa. Mas essas mensagens não mencionavam as questões de maior
preocupação para ela: a libertação de Bárbara e as reivindicações de longa data
de terras em Ndongo. [41]
Cerca de dois anos depois de receber as primeiras cartas, Jinga respondeu ao
ramo de oliveira que Correia de Sá lhe estendera em dezembro de 1650.
Acreditando que o governador estava genuinamente interessado na paz e que
conseguiria finalmente a libertação de Bárbara, ela lhe mandou “escravos e
duzentos banzos ” (um banzo era um conjunto de artigos comerciais
equivalentes a um escravo) para incentivá-lo a enviar uma embaixada mais
formal. Correia de Sá fez o que ela pediu: alguns meses depois, enviou uma
embaixada chefiada por Rui Pegado da Ponte, um português com muitos anos de
Angola e fluência em quimbundo. Pegado levava consigo uma carta do
governador, datada de 13 de abril de 1651, na qual ele a tratava de “rainha” e a
lisonjeava dizendo que ela descendia do “sangue real de reis e imperadores” e
que era diferente dos imbangalas, que eram “ladrões” que não tinham “pais, nem
mães ou terras”, tão desprezados que “Deus não pode ajudar um povo assim”. O
governador implorava-lhe que abandonasse seus costumes imbangalas e voltasse
à Igreja, e esperava que ela permitisse que Pegado ou qualquer branco batizado,
ou senhor de seu país, “batizasse as crianças”. [42]
Antes de responder ao governador, Jinga consultou seus conselheiros, que
apoiaram plenamente seus esforços para resolver o impasse através da
diplomacia. Ao notar que a carta de Correia de Sá não fazia nenhuma referência
à libertação de Bárbara ou à questão de suas reivindicações de terras, ela pôs
essas questões no centro de sua resposta. Agradecendo a Pegado pelos presentes
e pelas palavras favoráveis expressas nas cartas, ela ressaltava que tudo dependia
da libertação de Bárbara. Detalhava então a longa história do conflito com os
portugueses e, como havia feito em tantas ocasiões no passado quando se reunia
com representantes da Coroa portuguesa, punha a culpa do início de todos os
seus problemas no ex-governador Fernão de Sousa. Ela o acusava não só de
oprimir e invadir seu Estado, mas de tomar-lhe o reino e transferi-lo para seu
vassalo Ngola Hari. Com a intenção de capitalizar em cima da abertura
diplomática que Correia de Sá iniciara, Jinga aproveitou a oportunidade para
pedir a ajuda dele na recuperação das partes de Matamba que o imbangala
Kassanje havia tomado, prometendo, em troca, desistir das práticas imbangalas.
Por fim, quanto à questão do cristianismo, ela o desanimava, prometendo
discuti-la numa data posterior. [43]
Pegado assegurou-lhe que Correia de Sá faria a paz com ela e libertaria
Bárbara. Então Jinga enviou mais presentes para selar o acordo. Isso talvez
explique por que Correia de Sá escreveu em 6 de outubro de 1651 ao rei João IV
dizendo que fizera de Jinga “um vassalo de sua majestade” e temerosa das
“armas de sua majestade”. [44] Porém, ela não se intimidava com tanta facilidade
e continuou a exigir uma série de condições para a paz. O processo de
detalhamento do acordo duraria de 1651 a 1656, com muitos começos e paradas
nas negociações.
Durante os três anos em que Correia de Sá permaneceu em Angola (1648‑51)
e nos três anos seguintes, nos quais Luanda teve dois outros governadores, Jinga
tentou, em várias ocasiões, capitalizar as aberturas diplomáticas para pressionar
pela libertação de Bárbara e obter ajuda portuguesa para consolidar seu controle
sobre Matamba. No fim de 1654, ela já estava convencida de que os
governadores portugueses não tinham intenção de exercer uma diplomacia séria,
que estavam apenas dispostos “a desacreditá-la aos olhos do mundo e da opinião
que os negros tinham dela”. [45]
Quando o governador Luís Martins de Sousa Chichorro começou seu
mandato, em outubro de 1654, e acenou que desejava reabrir as negociações de
paz, Jinga estava pronta para receber as propostas portuguesas. Ela achava que
estava numa boa posição, tanto política quanto pessoal. Seus exércitos tinham
conseguido consolidar seu domínio sobre Matamba e suas fronteiras, apesar de o
país ainda estar em grande parte despovoado, e os capuchinhos haviam entrado
em contato com ela e indicado que estavam prontos para começar a trabalhar em
Matamba. Do ponto de vista pessoal, ela ficou encantada ao saber que Sousa
Chichorro era parente de João Correia de Sousa, o ex-governador que fora seu
padrinho de batismo em 1622. Ela viu nessa relação uma oportunidade para
reavivar as negociações que estavam paralisadas desde Correia de Sá. Jinga
enviou um embaixador a Luanda com uma carta em que cumprimentava Sousa
Chichorro por sua chegada em segurança e outras amabilidades habituais. O
resto da carta, no entanto, era um pedido de libertação de sua irmã Bárbara, com
promessas de pagar o resgate apropriado. Também prometia voltar para a Igreja
e abandonar o estilo de vida imbangala. Solicitava que sacerdotes capuchinhos
fossem à sua corte para “reconciliá-la com o Deus abençoado, batizar seu povo e
fundar uma igreja em sua corte”. [46] Foram necessários ainda catorze meses de
negociações até que recebesse uma resposta positiva, mas o clima político em
Luanda estava mudando a favor de Jinga.
Em dezembro de 1654, ou início de janeiro de 1655, ela conseguiu (por
intermédio dos capuchinhos de Luanda) que Bárbara — ainda presa em Luanda
— e um emissário seu se encontrassem com o governador. Uma vez marcado o
encontro, Jinga e Sousa Chichorro prepararam-se para um elaborado evento
público, com cada lado planejando montar uma exibição tradicional de teatro
político. O governador Sousa Chichorro tomou providências para que mil
soldados armados e em trajes militares estivessem presentes na praça ao redor do
palácio de governo. Ele esperou dentro do palácio o anúncio da chegada de
Bárbara e seu séquito, sentado em sua cadeira na sala oficial de reuniões,
cercado por capitães militares e outras autoridades. Jinga, que não era de
desperdiçar uma oportunidade de se apropriar de qualquer espaço público,
preparou seus representantes para o que equivalia a um confronto. A embaixada
que ela montara era liderada por Bárbara e o enviado, ambos “vestidos com
riqueza e pompa e acompanhados por muitos negros cristãos da cidade”. Com
efeito, os servos de Bárbara eram tão impressionantes e pareciam “tanto com
cavalheiros cristãos” que os soldados da guarda de honra cumprimentaram o
grupo com salvas de tiros. Sousa Chichorro ficou encantado com o aparecimento
de Bárbara, do enviado e do resto do grupo. Quando eles entraram na sala, o
governador esqueceu-se de sua posição e “levantou-se imediatamente de sua
cadeira e foi cumprimentar e reverenciar Bárbara”. Não se esqueceu do
emissário, saudando-o e apresentando os dois à sua comitiva. [47]
Nesse momento, as duas partes iniciaram as negociações. O governador
encaminhou Bárbara e o enviado aos seus assentos, que eram almofadas
colocadas no chão. Ao contrário de Jinga, que três décadas antes se recusara a
sentar-se no chão, Bárbara e o enviado sentaram-se onde lhes foi indicado e, de
maneira profissional, ela apresentou a carta de Jinga ao governador. O enviado
então assumiu a palavra e informou Sousa Chichorro, em quimbundo, do motivo
da audiência. Ele explicou que sua rainha, Jinga, o enviara para oficialmente dar-
lhes as boas-vindas a Luanda e para que ele soubesse que ela e toda a sua corte
se regozijavam com sua chegada e ela esperava que tivessem uma relação
cordial e produtiva. Era essencial para Jinga estabelecer publicamente a conexão
entre seu padrinho e o atual governador, e o enviado informou, como Jinga o
havia instruído, que seu tio fora o padrinho de Jinga em 1622 e que ela
mantivera o nome da família. Depois, ele transmitiu a Sousa Chichorro o
fervoroso desejo de Jinga de que ele libertasse sua irmã Bárbara, que vivia como
prisioneira em Luanda havia nove anos. Jinga estava velha, observou o enviado,
e desejava ter por perto, nos últimos anos de sua vida, alguém relacionado pelo
sangue. Quantos cativos Jinga teria de enviar, o enviado perguntou em seu nome,
para resgatar Bárbara? No final do discurso, o enviado presenteou Sousa
Chichorro com dez escravos enviados por Jinga.
Sousa Chichorro aceitou os escravos e disse a Bárbara e ao enviado que,
embora não pudesse dar-lhes uma resposta antes de consultar seu conselho, eles
deveriam informar Jinga que ele estava disposto a negociar. Prometeu que, tendo
em vista que seu tio desempenhara um papel no batismo de Jinga, certamente
faria tudo o que estava ao seu alcance para libertar Bárbara. [48] O governador
sinalizou o fim da reunião, e Bárbara e o emissário, junto com seus servos,
saíram com a mesma pompa e ostentação que haviam exibido ao entrar.
Enquanto as negociações com Sousa Chichorro avançavam, Jinga enviou
dois emissários para novas discussões com o governador. [49] Além de trazer
credenciais, eles também transmitiram ao governador uma mensagem oral que
“haviam estudado bem”, a qual “falaram [em] sua própria língua ambundo
[quimbundo]”. Em fevereiro de 1655, as negociações em Luanda já estavam a
todo vapor. [50] Jinga hesitava em pôr os capuchinhos diretamente em cena
enquanto as conversas não estivessem muito avançadas. Ela também continuava
com suas operações militares, sabedora que Sousa Chichorro lançara
recentemente uma grande ofensiva contra Kissama e que escrevera ao rei de
Portugal para informá-lo de que, uma vez terminadas essas operações, ele estaria
livre para atacar o Congo e Jinga. Por essa razão, Jinga começara dois anos antes
negociações secretas com os sobas Kabuku e Kalandula. Mas Jinga também
percebia que a continuação das negociações com o governador era essencial, e
não abandonou suas comunicações com ele. [51]
E as negociações estavam realmente avançando. Os dois emissários que Jinga
enviara para discutir a paz com Sousa Chichorro fizeram algum progresso.
Enquanto isso, o enviado que acompanhara Bárbara na reunião com o
governador voltara para Matamba e transmitira a Jinga os detalhes da reunião
encorajadora que ele e sua irmã tiveram com o governador. Sousa Chichorro
ficou muito satisfeito com o presente, informou o enviado, e, apesar das
dificuldades, estava disposto a libertar Bárbara. Jinga mandou o emissário
imediatamente de volta a Luanda, dessa vez com vinte escravos para presentear
ao governador em seu nome, bem como outros seis para o auditor-geral, um dos
membros da burocracia de Luanda que se opunha tenazmente a qualquer acordo
com ela. Jinga voltou a orientar o emissário para abordar a questão da libertação
de Bárbara, e também pedir que Sousa Chichorro permitisse que um dos
capuchinhos fosse à sua corte em Matamba para ajudar nas negociações.
A decisão de Jinga de fazer seu enviado pedir ao governador que incluísse um
sacerdote capuchinho nas discussões valeu a pena. Sousa Chichorro escreveu ao
superior da ordem em Luanda e pediu que ele identificasse um frade que pudesse
ser incluído nas negociações. As autoridades portuguesas de Luanda discutiram
muito os méritos da decisão de negociar com Jinga e libertar Bárbara, e muitos
deles se manifestaram contra.
Jinga fazia exigências um pouco diferentes em suas trocas de mensagens com
os capuchinhos. Em sua correspondência com frei Cortona, que ainda não havia
viajado para o interior após ter sido escolhido para se estabelecer em Matamba,
ela sugeriu que um missionário capuchinho acompanhasse Bárbara na viagem a
Matamba após sua libertação. Ele se tornara confessor de Bárbara num momento
crucial das negociações, e, nos primeiros meses de 1655, Jinga enviou-lhe três
“cartas corteses”, uma indicação do quanto ela passara a confiar nele. Cortona
tornara-se outro elo entre ela e o governador, outra voz que defendia a libertação
de Bárbara. Desde sua eleição, ele estava ansioso para viajar a Matamba e, em
fevereiro, antes de deixar a cidade com frei Gaeta, entrou em contato com
Bárbara, sem dúvida para informá-la sobre o progresso das negociações. Ele
chegou a Ambaca no início de maio e imediatamente escreveu a Jinga duas
cartas informando-lhe que logo estaria em Matamba. Apesar de sua relação
próxima com Bárbara e do contato com o governador em seu nome durante os
delicados meses de negociações, Jinga recusara-lhe permissão para entrar em
Matamba — exceto sob uma condição. Em resposta à carta dele de 5 de maio de
1655, Jinga declarou em termos inequívocos que ele poderia ir a Matamba
somente se Bárbara o acompanhasse. Depois de esperar em Ambaca por dois
meses, Cortona voltou a Massangano e escreveu a Sousa Chichorro, explicando
sua situação e instando-o novamente a libertar Bárbara. [52]
A estratégia de Jinga de proibir a entrada dos capuchinhos em Matamba até
que as negociações sobre Bárbara se concluíssem teve o efeito desejado. No fim
do verão de 1655, reiniciaram-se as negociações. Embora bloqueasse a entrada
dos missionários, ela mantinha negociações secretas com o governador Sousa
Chichorro, recebendo suas mensagens, trocando opiniões sobre a guerra em
Kissama que ele estava planejando e agradecendo os presentes que ele lhe
enviava. Ele sempre escolhia coisas das quais sabia que ela gostava. Em
setembro, Sousa Chichorro informou ao rei João IV sobre suas conversações com
Jinga. Contou que ela lhe pedira a libertação de Bárbara e que estava esperando
a resposta dela para ver se ela e seus funcionários concordariam com as
condições de paz que ele havia apresentado. Sim, Bárbara era quase tão velha
quanto Jinga, mas era uma “boa cristã”, “bem instruída nas coisas da fé”; seu
retorno certamente facilitaria a reconciliação de Jinga com a Igreja. Tanto para o
governador quanto para Jinga, a libertação de Bárbara tornara-se a questão
central nas negociações. [53]
Jinga deve ter concordado com as condições de Sousa Chichorro, porque em
2 de dezembro de 1655 ela recebeu a embaixada formal que ele enviou a
Matamba. A missão era encabeçada por um colono bastante respeitado chamado
Manuel Fróis Peixoto, que chegou armado com uma lista de demandas que se
tornariam os elementos essenciais do acordo final. [54] Em duas semanas, Jinga
persuadiu-se de que Sousa Chichorro era sério a respeito da libertação de
Bárbara e da paz. Em decorrência de suas discussões e da crescente fé que teve
em Peixoto, Jinga escreveu uma longa carta ao governador em 13 de dezembro,
respondendo às demandas que Peixoto havia apresentado. Ela aproveitou a
oportunidade para analisar a história de suas tratativas com os portugueses, com
o objetivo de explicar por que ela e seus auxiliares continuavam a suspeitar de
seus pedidos de paz, e detalhou exatamente o que exigia antes que pudesse fazer
algum acordo significativo. Para começar, Jinga acusava Correia de Sá e outros
ex-governadores de renegar as promessas anteriores que haviam feito de libertar
Bárbara — e como se não fosse o suficiente, a tinham enganado e ficado com os
escravos que enviara como resgate. A maior parte da carta, no entanto, era uma
discussão ponto a ponto sobre as condições que Sousa Chichorro estabelecera
para a libertação de Bárbara, bem como as expectativas de Jinga em relação ao
traslado. Com uma estratégia semelhante à das negociações anteriores, Jinga
situou essas no contexto das ações portuguesas do passado, ao mesmo tempo que
tentava convencer o governador de que era tanto do interesse dela quanto do rei
João chegar a um acordo. Declarava logo no início da carta que queria que o rei
português soubesse que estava falando sério sobre fazer a paz. Mas, ainda
desconfiada de que as autoridades locais e os colonos viessem a frustrar o
acordo, aproveitou a oportunidade para elaborar um roteiro. Elogiou o
governador Sousa Chichorro por enviar Peixoto, a quem chamou de negociador
experiente e equilibrado, que convencera a ela e seus auxiliares da seriedade do
compromisso português com a paz. Estava particularmente impressionada com o
fato de Peixoto falar quimbundo (“a língua do meu reino”) e enfatizou que
esperava que ele continuasse sendo o principal negociador. Por que mudar de
curso agora, uma vez que todos os seus funcionários estavam satisfeitos com ele
e todos acreditavam que ele seguia as instruções do rei e “fala a verdade e relata
tudo”? Isso não era pouca coisa para um pessoal tão cético, e Jinga não queria
que isso passasse despercebido. Ela também foi inflexível num ponto: qualquer
acordo que ela assinasse deveria ser assinado pela mão do rei; nenhum
documento deveria ter origem nas autoridades locais, as quais acusou de sempre
jogar os governadores contra ela. Essa era a única maneira pela qual ela e seus
funcionários ficariam convencidos de que o documento era genuíno. Além disso,
ciente dos benefícios das conexões pessoais, lembrava a Sousa Chichorro que o
padrinho dela, João Correia de Sousa, era seu parente distante. [55]
Jinga também incluía um plano detalhado para o retorno de Bárbara, sem
esquecer que uma grande exibição pública de alta posição social era essencial
para seu povo. Ela pediu ao governador garantia de que Bárbara chegaria a
Matamba em companhia de dois sacerdotes católicos, o capuchinho Cortona e o
missionário carmelita João, que lhe proporcionariam “companhia boa e
credenciada”. Ela selecionara o frei João porque “me dizem que ele é um bom
pregador e conhece o idioma de Ndongo”. Exigia também que o governador
providenciasse para Bárbara uma escolta secular que deveria ser “um soldado
com conhecimento de fogos de artifício para que eu possa comemorar a chegada
da minha irmã com eles”. Depois, pela primeira vez, referia-se a sua própria
mortalidade (na época das negociações, estava com 74 anos): uma vez que
estava “muito velha”, queria resolver seus assuntos de uma vez por todas e viver
o resto de seus dias em paz. O retorno seguro de Bárbara era uma parte
fundamental dos planos de Jinga para manter a integridade das terras que
conquistara. Ela ainda acreditava fervorosamente que o fato de descender dos
fundadores do reino de Ndongo lhe dava (e a Bárbara) o direito de governar, ao
contrário de outros (Ngola Hari e os capitães imbangalas, em particular Jinga a
Mona), cuja descendência plebeia, acreditava ela, os excluía do governo. Jinga
expunha seus planos futuros para suas terras e como Bárbara se encaixava neles.
Deixaria as terras para Bárbara, e não para seus “escravos”: eles não saberiam
como governar. Para ela, se um capitão imbangala como Jinga e Mona herdasse
Matamba após sua morte, “uma grande ruína aconteceria porque eles não
saberiam como obedecer à Sua Majestade”. O direito inato de Bárbara e os
muitos anos que ela vivera entre os portugueses como boa cristã faziam dela a
melhor candidata para continuar o ato de equilíbrio que Jinga antevia como
decorrência da paz. Ela acreditava que Bárbara, pelo menos, manteria os
portugueses à distância, ao mesmo tempo que conservaria o respeito e a
admiração de seu povo num Ndongo-Matamba independente.
Jinga incluiu na carta instruções detalhadas para o governador seguir em
troca de sua concordância com as condições que Peixoto apresentara. Por
exemplo, indicou que “se empenharia imediatamente em permitir que as
mulheres parissem e criassem filhos [no quilombo]” somente depois que Bárbara
e os dois missionários chegassem em segurança a Matamba. De acordo com os
costumes imbangalas, as mulheres não tinham permissão para dar à luz ou criar
filhos no quilombo, e a maioria dos fetos era abortada ou, se nascesse,
abandonada para morrer fora do acampamento. Além disso, ciente de que
algumas autoridades governamentais e outras congregações religiosas de Luanda
desconfiavam de sua relação com os capuchinhos e, de fato, haviam impedido
frei Gaeta (que havia assumido o lugar de Cortona) de sair de Massangano para
viajar a Matamba, ela reiterava que desistiria de suas “práticas de guerra, desde
que eu tenha clérigos (especificamente os freis Gaeta e João)” para fornecer “a
mim e meus funcionários bons exemplos e ensiná-los a viver na santa fé
católica”. Jinga acreditava que era fundamental para manter a integridade do seu
reino e seu povo que tivessem um frade como João, que sabia falar quimbundo.
A promessa do retorno em segurança de Bárbara pareceu mudar tudo para
Jinga, e ela passou a aceitar condições que antes rejeitara. Uma dessas condições
exigia que ela entregasse aos portugueses o imbangala Kalandula, que ela
aprisionara porque destruíra suas terras. Na carta, declarou que faria isso; seu
desejo de ver Bárbara era tão grande que, assim que Peixoto a entregasse, ela
permitiria que Kalandula partisse “e se colocasse às ordens dele [de Sousa
Chichorro]”. Jinga não só estava disposta a trair esse aliado eventual em troca da
paz e do retorno de sua irmã como, além disso, se ofereceu para mandar um de
seus capitães com um grande exército para ajudar Sousa Chichorro a conquistar
Kissama, que os portugueses ainda não haviam conseguido controlar totalmente.
Estava disposta a tomar essas medidas drásticas para mostrar como era sincera
sua resposta à oferta portuguesa de paz, e quão pronta estava a prestar
“obediência” ao rei de Portugal. Jinga sabia que a restauração da paz fortaleceria
suas feiras de tráfico de escravos e possibilitaria que elas se integrassem melhor
à rede de comércio portuguesa. Os portugueses certamente se beneficiariam, e
ela previa a compra de produtos importados por um menor preço.
Havia uma condição com a qual ela não concordaria: a exigência de Sousa
Chichorro de que pagasse duzentos escravos para resgatar Bárbara. O número
era muito alto, argumentou ela. Afinal, ao longo dos anos, ela dera numerosos
escravos a vários governadores e seus emissários, além de mandar muitos
presentes para secretários e servidores. Sua contraoferta foi de 130 escravos.
Mandaria cem quando pudesse confirmar que Bárbara havia chegado a Ambaca,
e manteria Peixoto como refém em Matamba até que “eu possa ver com meus
próprios olhos minha irmã chegando em minha corte”. Jinga pediu ao
governador que não interpretasse seu comportamento como estranho. Ele devia
saber que ela fora enganada várias vezes pelos portugueses e agora se recusava a
ser crédula. Mas não era apenas Jinga: embora ela acreditasse que a delegação de
Peixoto era sincera, seus funcionários continuavam desconfiados dos motivos
dos portugueses.
Os emissários que entregaram a longa carta de Jinga ao governador ainda
estavam em Luanda quando outro enviado dela chegou, em fevereiro de 1656, e
disse numa apresentação verbal ao governador que ela estava pronta para assinar
o tratado. Foi esse enviado que retornou com a primeira cópia dos vários artigos
que comporiam o acordo final de paz. Sousa Chichorro, convencido de que
Peixoto ganhara a confiança de Jinga, queria avançar rapidamente para concluir
as negociações, mas enfrentou a oposição crescente de duas fontes: a primeira
foi a dos jesuítas, que faziam parte do aparato da conquista desde a época de
Dias de Novais. Grassavam ciúmes entre as diversas ordens de sacerdotes, e os
membros da Companhia de Jesus (e outros, principalmente portugueses) com
sede em Luanda estavam ressentidos porque os capuchinhos (principalmente
italianos) haviam recebido permissão para abrir um novo posto avançado em
Matamba. Eles fizeram de tudo para sabotar os planos dos capuchinhos de enviar
alguns de seus membros para Matamba (a essa altura, o frade carmelita João já
morrera).
Uma oposição ainda mais forte veio da Câmara, o órgão consultivo oficial em
Luanda composto por colonos, que era abertamente acrimonioso. Seus membros
enviaram duas cartas diretamente ao rei, uma escrita em março e a outra em
julho de 1656, queixando-se da liderança de Sousa Chichorro e pedindo que ele
impedisse o governador de prosseguir com os planos para libertar Bárbara. Tal
como Jinga, os colonos tinham memórias arraigadas das guerras angolanas e
incluíam na carta uma longa lista de razões pelas quais as decisões de Sousa
Chichorro deveriam ser anuladas. Eles repassavam a história de suas relações
com Ndongo, começando com Ngola Mbande, o irmão de Jinga, e lembravam ao
rei quanto as guerras lhes haviam custado em vidas e propriedades. Jinga era
ainda pior do que seu irmão, diziam eles, e todos os governadores, desde a época
de Mendes de Vasconcelos, quatro décadas antes, tinham sido obrigados a pegar
em armas contra ela. O conselho deles ao rei era que continuasse a manter
Bárbara como prisioneira. Se ela fosse libertada, não havia garantia de que Jinga
honraria o tratado. Se fosse mantida, e não houvesse nenhum tratado, Jinga não
teria ninguém em sua linhagem para herdar o reino de Ndongo, que eles
alegavam que havia sido “tirado com justiça de Ngola Mbande”, e o reino
desapareceria. [56]
Mas a diplomacia de mediação de Jinga estava avançada demais para sair dos
trilhos agora, e Sousa Chichorro estava cada vez mais convencido de que tinha
de libertar Bárbara e fazer a paz com Jinga para que a colônia prosperasse. Jinga
o convenceu de que a paz resultaria no fim do sistema imbangala de guerras e
traria estabilidade para as terras para além de Ndongo, estabilidade que percebia
ser essencial para os comerciantes portugueses. Em 1o de abril de 1656, Sousa
Chichorro escreveu ao superior dos capuchinhos em Luanda para informá-lo de
sua decisão, observando que acreditava que a causa de Jinga era justa e seria
benéfica para o “Rei e Senhor”. Além disso, acreditava que Jinga estava
genuinamente interessada em voltar à fé católica. Destacou também que havia
pedido duzentos escravos em troca da libertação de Bárbara e que, depois que
tudo estivesse resolvido, a colônia teria paz e o comércio com Matamba se
reabriria. Anunciou também que ia libertar Bárbara dentro de poucos dias. [57]
O governador Sousa Chichorro foi fiel à sua palavra e, no início de abril,
começou o processo de libertação de Bárbara. Ela saiu de Luanda sob escolta
armada para viajar a Massangano, onde, em 9 de abril de 1656, teve uma
recepção militar. Permaneceu em Massangano por uma semana, tendo frei Gaeta
ao seu lado, e depois partiram para Ambaca com uma escolta numerosa. Frei
Cortona dera a Gaeta uma longa lista de instruções sobre o que ele precisava
fazer para acelerar o fim das práticas imbangalas em Matamba. Em 20 de maio,
depois de uma longa viagem com breves paradas, em que a população ambundo
saudava Bárbara com entusiasmo, eles chegaram finalmente a Ambaca, onde ela
recebeu outra saudação militar. Após as formalidades, Bárbara foi levada para a
casa de um dos missionários, onde deveria permanecer por pouco tempo, antes
que ela e Gaeta, junto com a escolta militar exigida por Jinga, continuassem a
viagem para Matamba. Frei Gaeta mantinha Jinga a par do progresso do grupo e
escreveu-lhe assim que chegaram a Ambaca para informar que ele e Bárbara
estariam a caminho em breve.
Três dias após a chegada a Ambaca, no entanto, era imensa a indignação das
autoridades de Luanda com a libertação de Bárbara por Sousa Chichorro. Ainda
aguardando a palavra do rei, aprovaram uma resolução ordenando ao governador
que interrompesse a libertação. A resolução mandava que o governador enviasse
um recado ao capitão Giuseppe Carasco, que deveria escoltar Bárbara de
Ambaca a Matamba, para impedir que ela saísse de Ambaca. A ordem era que a
prendesse imediatamente no forte para impedir que a ajudassem a escapar e
estipulava que Bárbara deveria ser escoltada para Matamba somente depois que
o governador recebesse os duzentos escravos que havia exigido como resgate.
Essa virada nos eventos causou um tumulto. Frei Gaeta ficou furioso,
convencido de que tudo aquilo fazia parte de um esquema para impedir que os
capuchinhos começassem seu trabalho em Matamba. Os muitos criados e
cortesãos que Jinga enviara para acompanhar Bárbara ficaram aflitos. Os
ambundos do lugar que haviam se reunido para recebê-la e desejar-lhe uma boa
viagem ficaram irritados e desapontados. Em pouco tempo, espalharam-se
rumores de que os portugueses haviam enganado Jinga novamente — que o
governador não pretendia devolver Bárbara para Jinga, mas mandá-la de volta a
Luanda e aprisioná-la. [58]
Jinga passara meses preparando-se para o retorno da irmã e planejara uma
minuciosa cerimônia pública para marcar a ocasião. Quando recebeu a notícia do
que estava acontecendo em Ambaca, agora complementada pelos rumores de
que os portugueses haviam mentido para ela e a enganado para assinar o tratado,
sua raiva e seu desapontamento não tiveram limites. A informação a irritou tanto
que ela imediatamente se voltou contra Peixoto, que ainda estava em sua corte, e
ameaçou-o com um “assassinato cruel” se Bárbara não lhe fosse entregue.
Consta que lhe disse: “Se aqui chorarmos por causa da prisão de nossa irmã, nós
faremos isso, e em Luanda vão chorar sua morte”. [59] O encarceramento de
Bárbara em Ambaca ameaçava gorar todos os preparativos e pôr a vida de
Peixoto em grave perigo. Foi nesse momento que a diplomacia religiosa de Jinga
se fez valer, pois frei Gaeta percebeu que somente sua intervenção poderia
impedir que o acordo malograsse. Jinga sabia que as ameaças à vida de Peixoto e
a indignação pública eram os únicos meios que tinha para fazer o processo andar
e, embora não quisesse suportar outra série de guerras e impasses, estava
disposta a fazer qualquer coisa para obter a libertação de sua irmã. Uma carta
suplicante de Gaeta, junto com a notícia de um improvável encontro espiritual
do imbangala Jinga a Mona com um crucifixo cristão, acabou salvando a
situação.
Frei Gaeta, que estava ansioso por chegar a Matamba e começar a construir
uma igreja, aconselhou-a a continuar a acreditar. Assegurou-lhe que tudo ficaria
bem. Acalmada consideravelmente por essas palavras encorajadoras, Jinga
respondeu-lhe imediatamente, dizendo que a carta dele a reanimara e a deixara
feliz porque Deus lhe enviara um missionário da estatura dele. Ela reiterava seu
compromisso de cumprir a promessa de permitir que ele trabalhasse em
Matamba e garantia que, quando ele chegasse, encontraria tudo o que pedira para
a igreja que pretendia construir. Ela indicava novamente sua disposição de
desistir do estilo de vida imbangala. Em conclusão, dizia que estava muito
ansiosa para recebê-lo, junto com sua irmã, a escolta militar e o capitão Carasco,
em sua corte de Matamba. Jinga mandara cem escravos para Ambaca e 99 deles
chegaram em julho de 1656 (um deles morreu no caminho). [60] Ela esperava
que, assim que os escravos chegassem a Ambaca, o comandante do forte
libertasse Bárbara e ela pudesse tomar o caminho de Matamba.
Quando recebeu a carta de Jinga, frei Gaeta ainda não tinha certeza de que ela
enviaria os outros cem escravos que os portugueses haviam exigido. Ele temia
que, se não persuadisse Jinga a cumprir todas as condições do acordo, seu
trabalho missionário em Matamba não poderia prosseguir e todo o investimento
que os capuchinhos haviam feito daria em nada. Decidiu então ir diretamente a
Matamba para discutir o problema com Jinga cara a cara. Tanto Bárbara quanto
Carasco apoiaram inicialmente sua decisão, mas depois Carasco tentou dissuadi-
lo. E se Jinga ficasse tão indignada ao vê-lo sem a irmã que decidisse vingar-se
nele, como ameaçara fazer com Peixoto? Como a maioria dos portugueses,
Carasco demonizava Jinga e tentou impressionar Gaeta dizendo que ela era má,
tão imersa em seus costumes imbangalas que ela e seus subordinados não
hesitariam em matar um frade inocente. Resoluto, Gaeta não recuou. [61]
Àquela altura, a diplomacia religiosa e política de Jinga envolvera Sousa
Chichorro e o frei Gaeta de tal modo no processo que eles não podiam desistir.
Gaeta escreveu a Cortona e informou-lhe sua decisão de viajar sozinho para
Matamba. Frei Cortona encaminhou a carta ao governador, que respondeu
rapidamente. Sousa Chichorro agradeceu a Cortona por tudo o que ele havia
feito para avançar o processo e disse-lhe que aprovava o plano. Cortona poderia
agora pedir a frei Gaeta que viajasse imediatamente a Matamba para garantir a
Jinga que estava empenhado em libertar Bárbara. [62]
Em relação a pagar o tributo que vós reivindicais de mim, não há motivo para
fazê-lo, porque, tendo nascido para governar o meu reino, não devo obedecer
ou reconhecer outro soberano, e de Senhora absoluta tornar-me uma serva e
escrava seria um grande embaraço. Agora que abracei a fé de Cristo para
viver em tranquilidade e terminar minha vida em paz, faço o que eu não
desejava fazer no passado, enquanto eu era uma imbangala, e no auge de
meus muitos problemas e perseguições. Se os portugueses querem um
presente de mim todos os anos, eu lhes darei voluntariamente, contanto que
eles também me deem um, para que ambos nos tratemos com cortesia. [70]
Embora Jinga tenha confidenciado ao frei Gaeta seu profundo desejo de retornar
à fé católica, seu renascimento espiritual foi um processo que se desenrolou
lentamente. Ele começou na fase final das negociações de paz, quando, na
verdade, ela seria capaz de dizer qualquer coisa para garantir a libertação de sua
irmã. Depois que Bárbara foi libertada, Jinga não parou para desfrutar a euforia
do sucesso. O próximo passo no seu programa foi transformar seus seguidores
em cristãos e construir uma comunidade cristã em Ndongo-Matamba, em seus
termos e sob sua liderança de rainha. Ainda que fosse sincera em seu anseio de
tornar-se uma cristã devota, sua busca espiritual estava fortemente ligada à sua
ideia de realeza, e ela não pretendia deixar que os capuchinhos ditassem o ritmo
e a natureza da conversão cristã em seu reino. Como rainha de Ndongo e
Matamba, descendente da realeza de Ndongo, ela se aferrava aos ideais políticos
e símbolos que eram fundamentais para o domínio real.
Angola portuguesa e Ndongo-Matamba, 1663.
Casamento cristão
Antes que fosse aceita na Igreja como membro pleno, Jinga passou por um longo
período de exame de consciência e transformação pessoal. Embora ela e seus
nobres tivessem aceitado até então os ensinamentos cristãos e o batismo com
relativa facilidade, o sacramento do casamento monogâmico era muito mais
difícil de aceitar. Os longos e acalorados debates que frei Gaeta teve com seus
nobres e soldados fizeram pouco para ajudar e acabaram apenas em acusações
mútuas. Os soldados comuns declararam que somente abandonariam suas
concubinas se os nobres fizessem isso primeiro, e os nobres disseram que só
fariam isso se seus superiores sociais dessem o exemplo. Os mais altos cortesãos
tinham de apontar somente para Jinga. Era injusto pedir-lhes que abandonassem
suas concubinas — um costume sagrado que haviam herdado de seus
antepassados — enquanto “a rainha nossa Senhora, ainda que seja batizada [...]
tem mais maridos e mais amantes do que temos esposas”. [14]
Jinga teve de admitir que isso era um dilema. Ela tomou uma decisão, como
sempre fazia, depois de calcular quanto suas ações fariam avançar seus
objetivos. Desde a morte de seu filho recém-nascido e o incidente que levou à
sua incapacidade de ter filhos tantos anos antes, Jinga tinha uma relação
complicada com os homens. Durante seus anos de imbangala, possivelmente
para compensar a perda do filho, ela humilhou publicamente os homens e muitas
vezes ordenou que homens e meninos fossem mortos em sacrifícios rituais. Ao
mesmo tempo, cercou-se de centenas de jovens viris que lhe serviam de amantes,
concubinos e soldados. No entanto, ao mesmo tempo que acolhia sua irmã de
volta e a designava sua sucessora, ela ainda ansiava por um filho. Chegou
mesmo a afirmar em certa ocasião que somente um filho asseguraria a
sobrevivência de Matamba. Um dia ela mencionou o tema para frei Gaeta e
pediu-lhe que orasse a Deus, a fim de ajudá-la a conceber um filho. Fazendo
tudo o que podia para controlar sua surpresa de que uma mulher de 75 anos
considerasse possível ter filhos, ele aproveitou a oportunidade para abordar a
questão do casamento cristão. Se ela quisesse esse presente de Deus, disse ele,
teria primeiro de desistir de seus amantes e concubinos e casar-se com apenas
um marido numa cerimônia católica. Isso não garantiria evidentemente que ela
pudesse conceber um filho; se não conseguisse, ele não queria que culpasse a
Deus. Independentemente disso, o casamento com um único homem realçaria
seu status, granjeando-lhe “grande crédito e reputação no mundo” por dar um
exemplo ao seu povo, e “glória e honra” no céu. Convencida por esses
argumentos, Jinga concordou em casar-se na igreja, ciente de que suas núpcias
estimulariam seu povo a seguir o exemplo. Ela escolheu dentre seus cortesãos
um jovem chamado Sebastião, “gracioso, robusto [...] e com as feições mais
bonitas”, para ser seu marido. [15]
Em 30 de janeiro de 1657, cinco dias antes da data do casamento, Jinga
enviou uma ordem a todos os funcionários e atendentes da corte e a milhares de
soldados para que se reunissem na praça diante de igreja, agora chamada Santa
Maria de Matamba. Vestida com seus trajes de guerra, mandou que efetuassem a
dança militar que costumavam realizar antes de partir em campanha. Após o
exercício, eles se reuniram em seus esquadrões, aguardando ansiosamente seu
anúncio. Jinga estava numa grande cadeira colocada no meio da praça. Em um
gesto dramático, ela pegou seu arco e se voltou para seus vassalos e as tropas.
Com sua voz em volume máximo, gritou: “Ouçam, meus queridos vassalos,
quem pode derrotar este arco e flecha de sua rainha Jinga?”. Eles responderam:
“Ninguém jamais fez isso porque milhares de homens viriam em sua defesa”.
Jinga continuou: “Quero dizer-lhes que o manipulo venceu, e, porque já estou
velha, não desejo mais ir à guerra contra o povo dele. Já estou vivendo em paz
com ele, e mais glória virá a mim através dos padres que vieram de Roma e que
nos reconciliarão com a Santa Igreja Romana. [...] Eu abraçarei a santa fé
católica que antes eu professava, e na qual irei morrer”. Ela admitiu que
entregara escravos aos portugueses para reaver sua irmã, e tudo estava como ela
desejava. Quando Jinga parou de falar, Bárbara apareceu e se jogou ao chão
diante dela, revirando-se na poeira numa demonstração de gratidão, como a
própria Jinga fizera quando ela lhe foi apresentada, finalmente livre. [16]
A cerimônia tinha a ver com o estabelecimento de exemplos. Ela dirigiu-se
novamente à multidão, proclamando que Jinga a Mona, o capitão do exército,
aceitara o batismo. E, o que era mais importante, ela mesma havia escolhido um
homem para se casar que já havia sido batizado. Anunciou que Bárbara também
se casaria com o mwene lumbo Ngola Kanini, agora conhecido pelo nome cristão
de João Guterres Kanini, logo que fosse confirmado que sua primeira esposa
estava morta. Convocou então todos os presentes a desistir de seus múltiplos
parceiros e adotar uniões monogâmicas, comparecer às aulas de catecismo e
concordar com o batismo. [17]
Em 4 de fevereiro de 1657, depois de ter dispensado os mais de quarenta
maridos ou concubinos que mantinha, Jinga casou-se com Sebastião em
cerimônia na igreja. [18] Embora seu esposo fosse décadas mais jovem do que ela
e não tivesse sangue nobre — era filho de um escravo que fugira de Luanda e se
alistara em suas tropas —, ela o honrou imediatamente com o título de “marido
de Jinga” (não de “rei”) e concedeu-lhe quinhentos escravos para que pudesse
viver como nobre. [19]
O casamento de Bárbara foi mais complicado. Jinga escolhera João Kanini
porque ele era um parente de sangue e, portanto, elegível para governar. Ela o
capturara na batalha em apoio de Ngolome a Keta, em 1644, e, em vez de matá-
lo, fez dele seu mwene lumbo , o zelador da casa. Ele tinha todas as qualidades
às quais ela dava preferência. Além de ser um parente próximo, devia lealdade a
ela por tê-lo libertado depois que o aprisionara. Além disso, já era católico. Ela
esperava que, ao selecionar um de seus parentes, o trono permaneceria dentro de
sua linhagem. Quando chegou de Massangano a notícia de que a primeira esposa
de João Kanini ainda estava viva, Jinga foi obrigada a cancelar o noivado.
Relutante, deu permissão para Bárbara casar-se com Jinga a Mona, agora
chamado de Antônio Carasco Jinga a Mona. A detalhada cerimônia de
casamento católico de Bárbara ocorreu em 9 de setembro de 1657. Embora as
duas irmãs não confiassem em Jinga a Mona — afinal, ele não era de linhagem
real, mas um imbangala e escravo —, Jinga reconheceu que ao longo dos anos
ele a servira fielmente. Desse modo, ela o honrou não apenas com a mão de sua
irmã, mas também com um título de nobreza. [20]
As decisões ousadas de Jinga causaram um impacto imediato. No início de
março de 1657, sua capital, cujo nome ela mudara para Santa Maria de
Matamba, em homenagem à igreja que havia construído, já contava com 2506
cristãos batizados e muitos de seus súditos estavam tendo aulas de catecismo.
Entre os primeiros convertidos estavam muitos dos funcionários de Jinga, entre
eles oitenta macotas (chefes de linhagem) e suas esposas. Durante esse período,
Jinga e Bárbara dedicaram toda atenção à igreja, comparecendo à missa três
vezes por semana e participando da procissão sagrada, um evento semanal às
sextas-feiras, em que as pessoas seguiam o frei Gaeta enquanto ele carregava o
Santo Crucifixo ao redor da praça. Durante essas procissões, seis jovens
ambundos faziam penitência açoitando-se com correntes de ferro. [21]
Depois que ela e Bárbara realizaram suas cerimônias de casamento cristão, Jinga
começou uma campanha sistemática para que o cristianismo católico de estilo
europeu se disseminasse entre seu povo, instando os membros da corte a se
batizar e viver como cristãos. Ela tinha motivos políticos para promover essa
transformação cristã de Ndongo-Matamba. Embora o tratado de paz tivesse
cedido aos portugueses certas terras em torno de Ndongo e na região dos
Dembos que Ndongo tradicionalmente controlava ou que ela conquistara, Jinga
ainda precisava garantir que Matamba e as áreas de Ndongo sob seu controle
permanecessem independentes. Entre janeiro e setembro de 1657, ela retomou os
contatos diplomáticos políticos e religiosos com Roma que havia iniciado quase
uma década antes, enviando quase dez cartas ao governador Sousa Chichorro, ao
rei João IV em Portugal e, o mais importante, a autoridades eclesiásticas em
Roma. Como veremos, chegou até a designar um de seus conselheiros para
encabeçar uma embaixada oficial ao Vaticano. Nessa época, frei Gaeta já era seu
confessor pessoal, conselheiro e defensor político, e ela não hesitou em usá-lo
para transmitir suas mensagens e providenciar os detalhes da viagem de seu
embaixador a Portugal e Roma.
As cartas e as embaixadas de Jinga aos portugueses e às autoridades de Roma
contêm elementos que mostram seus motivos políticos e religiosos. Nas cartas
que seus emissários entregaram ao governador de Luanda, por exemplo, Jinga
usou seu título de realeza (rainha) para referir-se a si mesma, junto com o nome
quimbundo (Jinga) e seu nome cristão (dona Ana). Essas cartas sempre
destacavam sua conformidade com os termos do tratado de paz, com o objetivo
de tranquilizar os funcionários portugueses céticos quanto ao seu compromisso
de aderir a todas as condições. Ela enfatizava sua seriedade em relação à nova
religião e fornecia detalhes sobre a propagação dela entre seus seguidores. Seu
objetivo era assegurar aos funcionários portugueses de Luanda e Lisboa que ela
não só era séria a respeito da paz como a nova fé a colocava em igualdade
espiritual com eles. Em janeiro de 1657, menos de três meses após a assinatura
da primeira cópia do tratado, ela enviou uma carta ao governador Sousa
Chichorro que falava de sua aceitação do cristianismo. Nela, dizia que se tornara
sua “parente espiritual”. [22] Três dias depois, escreveu-lhe outra carta, essa de
natureza mais política, em apoio a Peixoto, que fora tão importante no
direcionamento das negociações de paz à conclusão bem-sucedida. Ela o
elogiava pela dedicação e paixão que mostrara e por ter um conhecimento tão
profundo de quimbundo: ele era “o melhor linguista em meu reino porque
nasceu em Angola e foi criado por seus avós”. [23]
Em março de 1657, Jinga enviou novamente seus cortesãos ao governador
com a notícia de seu casamento católico e também com um jovem escravo de
presente. O governador Sousa Chichorro estava ansioso para transmitir às
autoridades de Lisboa as boas-novas da rápida propagação do cristianismo em
Matamba. Em sua carta de congratulações a Jinga, ele a chamava de “filha” e
mandava de presente uma peça de joalheria composta de muitas pérolas, no meio
das quais estava uma imagem da Virgem Maria. O governador também enviou
ao rei cartas detalhadas sobre os acontecimentos em Matamba. [24]
Jinga fazia de tudo para demonstrar que era agora uma forte aliada dos
portugueses. Em resposta ao presente de casamento, enviou ao governador outro
jovem escravo, destinado a servir como carregador. Em agosto daquele mesmo
ano, escreveu novamente a Sousa Chichorro, dessa vez oferecendo-se a enviar
seu exército para participar de uma guerra contra o rei do Congo, a quem os
portugueses acusavam de abrigar escravos fugitivos. Ao saber da morte do rei
João IV , em novembro de 1656, pouco depois de a paz ter chegado finalmente a
Ndongo-Matamba, Jinga declarou um período de luto público em sua memória
e, seguindo o costume português, ela mesma vestiu luto. [25]
Grande parte dos contatos escritos e verbais de Jinga com os portugueses de
Luanda nos cinco anos que se seguiram a essa série de cartas de 1657
concentrou-se em sua crescente inquietude em relação às operações militares
deles. Ela fazia questão de responder a seus pedidos persistentes para que
resolvesse disputas comerciais que surgiam entre os muitos comerciantes
portugueses e os seus representantes, que começaram cada vez mais a se mudar
para Matamba em decorrência do acordo de paz. Uma dessas cartas foi escrita
em resposta àquela que recebera do soldado/cronista português Antônio de
Cadornega, que se tornara juiz em Luanda e escrevera a Jinga após uma reunião
com frei Gaeta. Disposta a construir uma igreja inspirada nas que vira em
Luanda, ela pedira a Gaeta que recrutasse artesãos, carpinteiros, canteiros,
pedreiros e trabalhadores em ferro especializados. Ela lhe dera uma soma para
pagar adiantado aos proprietários de escravos pelo aluguel dos serviços de seus
cativos para que pudessem ser enviados a Matamba. Quando circulou a notícia
de que Jinga estava planejando um grande projeto de construção, escravos de
propriedade dos portugueses de Massangano fugiram e tentaram chegar à região.
Cadornega escreveu a Jinga pedindo que ela resolvesse o problema. Em sua
resposta, ela negou que seu povo tivesse aceitado ou vendido escravos
portugueses fugitivos e pôs a culpa em indivíduos que queriam perturbar a paz
de que ela e seu povo estavam usufruindo. Desafiou-o a questionar todos os
pumbeiros (africanos que traficavam escravos em nome de seus proprietários
portugueses) de sua corte sobre a mercadoria que seus donos lhes haviam dado
para comprar escravos. Terminava a carta frisando que, quando vendia escravos
a agentes portugueses, sempre os advertia de que deveriam trancá-los; mas, em
vez disso, parecia que a maioria deixava os escravos soltos. Eles assumiam um
risco. [26]
Apesar de muitas cartas ao governador e sua exibição pública de amizade, a
desconfiança de Jinga em relação aos portugueses nunca diminuiu. Ela
continuou a cultivar sua relação com os capuchinhos, que sabia que facilitariam
as relações diplomáticas que queria com o papa. Enquanto seus emissários
estavam em Luanda entregando suas cartas e relatando ao governador as muitas
coisas maravilhosas que Jinga estava fazendo para promover o cristianismo em
Matamba, ela continuava a avançar com sua diplomacia religiosa. Não estava
satisfeita com a qualidade dos frades que tinham vindo de Luanda e, de fato, já
havia demitido vários deles. Decidiu então pedir capuchinhos diretamente a
Roma.
Em agosto e setembro de 1657, Jinga escreveu várias cartas ao papa e à
Propaganda Fide informando que chegara finalmente ao conhecimento do Deus
verdadeiro e estava aliviada por não estar vivendo uma vida idólatra em poder
do diabo. Dizia que qualquer sacerdote que pudesse ser enviado seria recebido
com boa vontade em seu reino, já que muita gente de seu povo estava ansiosa
para ser batizada. [27]
Confiando no conselho de frei Gaeta, em agosto desse ano ela já havia
elaborado um plano minucioso para que o papado a reconhecesse como uma
monarca cristã e Matamba como um Estado cristão. Um de seus conselheiros,
João, que falava e escrevia em português, encabeçaria uma missão oficial a
Lisboa e Roma. Ela deu a ele um dos títulos mais altos de sua corte — mwene
makau (escanção-chefe) — e selecionou seu tendala e um macota para
acompanhá-lo. Também pôs à disposição de João vários escravos para que
pudesse viajar no estilo associado à realeza. [28] Em 8 de agosto de 1657, João
partiu de Matamba com as cartas que lhe foram confiadas por Jinga e que
deveria entregar pessoalmente às autoridades de Luanda, Lisboa e Roma. Uma
das cartas era endereçada à rainha Luísa de Portugal, viúva do rei João IV , então
regente, em nome de seu filho e futuro rei Afonso VI . A carta de Jinga
expressava à rainha suas profundas condolências pela morte do marido e
agradecia respeitosamente pela finalização do tratado de paz.
Jinga esperava que a carta convencesse as autoridades portuguesas de Luanda
de que seu único propósito ao enviar João a Portugal era transmitir suas
condolências pessoalmente à rainha. Evidentemente, isso estava longe da
verdade. Seu verdadeiro objetivo era que frei Serafino da Cortona e outros
capuchinhos de Lisboa arranjassem para que João pudesse viajar a Roma e
entregar as cartas que ela escrevera à Propaganda Fide e ao papa. Acreditando
que eles poderiam ajudá-lo a enfrentar a burocracia em Luanda e Lisboa, ela
confiou os arranjos da viagem de João aos freis Gaeta e Cortona, prefeito da
missão sediada em Massangano.
Jinga fez Gaeta jurar segredo depois de discutir os planos com ele. Ela temia
que, se a notícia chegasse aos comerciantes portugueses de Matamba ou a
membros de outras ordens religiosas em Luanda, eles tentariam prejudicar a
embaixada. Em 15 de agosto, escreveu a Cortona, compartilhando todos os
detalhes com ele e pedindo-lhe ajuda. Ela enfatizava ao sacerdote que era
imperativo que João viajasse a Roma para entregar sua carta pessoalmente ao
papa. Queria que o papa soubesse que o aceitara como “padre universal de todos
os cristãos”, e esperava que em seu nome João “beijasse seus pés e pedisse sua
bênção para a filha que sou da Igreja”. Sem deixar nada ao acaso, ela contou a
frei Cortona que havia “assinado com meu sinal da cruz e selo” para provar a
todos que João era realmente seu embaixador. [29]
Jinga confiava implicitamente no frei Gaeta, sabendo do profundo
comprometimento que ele tinha com o projeto cristão dela. Decorrido um ano de
sua presença na corte, ele não só se tornara seu conselheiro espiritual, mas
também seu confidente político. Por sua vez, Gaeta, vendo uma oportunidade
para os capuchinhos espalharem a notícia em Roma e em “toda a cristandade” da
conversão de uma “rainha pagã” que prometia total lealdade ao papa, servia de
canal de comunicação entre Jinga, seu embaixador e frei Cortona. [30] Em 20 de
agosto, ele escreveu uma carta a Cortona em que fornecia mais detalhes sobre a
embaixada e pedia que ele jurasse segredo, como ele próprio havia jurado. Gaeta
implorava a Cortona que encontrasse um professor que desse lições de etiqueta
europeia ao embaixador de Jinga antes de partir para Lisboa. Ela estava ciente da
importância da aparência e pretendia fornecer escravos a João, “de modo que se
façam coletes e roupas adequadas para ele usar durante a viagem a Lisboa”, bem
como um guarda-chuva (para indicar seu status) e cinco ou seis servos. João
levaria um ou dois desse grupo com ele para Roma e os outros o aguardariam em
Lisboa. Os capuchinhos envolvidos na promoção da diplomacia papal de Jinga
sabiam que poderiam fortalecer o pedido dela se pudessem mostrar que as
autoridades portuguesas estavam obstruindo o avanço missionário do papado.
Frei Gaeta disse a Cortona que, se as autoridades portuguesas de Luanda
impedissem o embaixador de Jinga de sair, ele deveria espalhar em Lisboa e
Roma que os portugueses haviam impedido o embaixador de levar carta de
condolências de Jinga para a viúva e o filho menino do rei João. Isso reforçaria a
simpatia dos cardeais pelos pedidos de Jinga. [31]
AHU _CU _OOL , Cx. 6, D. 707. Arquivo Histórico Ultramarino (AHU )/Direção‑Geral do Livro, dos
Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB ), Lisboa, Portugal.
Mas João nunca partiu de Luanda. Em maio de 1658, João Fernandes Vieira
substituiu Sousa Chichorro no governo de Luanda e impediu sua partida. Sousa
Chichorro havia dado sua aprovação e, com efeito, João deveria viajar no mesmo
navio em que o ex-governador regressava a Lisboa. Fernandes Vieira anunciou
sua decisão de deter a partida do embaixador para Lisboa numa audiência
pública, na qual João fez uma apresentação aos funcionários sobre as razões
pelas quais Jinga desejava que ele fizesse a viagem. Vieira baseou sua posição
num decreto real que determinava que “nenhum Senhor etíope [africano] deveria
viajar ou enviar uma embaixada à Europa”. Mesmo que seus conselheiros
ameaçassem romper a paz em reação ao insulto, Jinga não teve escolha senão
chamar de volta seu embaixador. Foi um tremendo golpe para ela. Mas
permaneceu exteriormente imperturbável, pois já havia designado frei Cortona
para ser seu enviado e representante em Roma. Antes de retornar a Matamba,
João entregou a Cortona as cartas que deveria ter levado para a Europa, junto
com as instruções verbais que Jinga lhe dera. [32]
A frenética tentativa de aproximação de Jinga com Roma contrastava
fortemente com suas relações com os portugueses. Depois de ter alcançado seus
objetivos de libertar a irmã e estabelecer as fronteiras ocidentais de Matamba, os
portugueses eram menos importantes para seus planos. Ela ainda mantinha
contato com as autoridades de Luanda, mas o número de cartas que escrevia
começou a diminuir consideravelmente. Ademais, suas respostas careciam dos
detalhes, da urgência e do desespero das anteriores a 1658. Ela escrevia,
sobretudo, sobre a questão ainda contenciosa de sua relação política com sobas
que anteriormente havia subjugado e sobre os quais os portugueses
reivindicavam agora soberania, ou com aqueles que haviam sido seus aliados
durante a guerra. Jinga tinha consciência de que o tratado não resolvera todas as
disputas políticas com seus antigos rivais, e eles sabiam que ela ainda tinha
capacidade de mobilizar uma aliança antiportuguesa. Com efeito, em agosto de
1658, o novo governador Fernandes Vieira escrevera em relatório a Lisboa que
um desses sobas se recusava a obedecer a seus pedidos e até lhe enviara uma
carta afirmando que juraria lealdade apenas ao “rei do Congo e à rainha Jinga”.
Ele estava pronto para fazer o que esses governantes mandassem, mas não o
faria para o rei de Portugal. [33] As cartas que Jinga recebia das autoridades de
Luanda vinham muitas vezes depois de ordens de Lisboa para permitir que os
missionários de Roma fossem a Matamba com o propósito de batizar o povo e
converter os chefes de Jinga. Os mesmos funcionários receberam também ordens
para manter uma correspondência aberta e amizade com Jinga, de modo que,
“após a morte dela, seus funcionários continuassem obedientes ao rei”. [34]
Jinga ainda mantinha relações oficiais com os soberanos do Congo e recebia
periodicamente seus enviados, bem como trocava cartas com eles. Essa situação
levou o governador Vieira a declarar guerra contra o Congo em março de 1659.
Vieira afirmava ter recebido notícias de que o rei Garcia II renovara sua aliança
com Jinga, “nossa inimiga principal”, e advertia que, se ele não declarasse
guerra unilateral, Congo e Matamba voltariam a se tornar aliados e levariam
consigo muitos sobas, “alguns voluntariamente, outros por medo”. [35]
Ao mesmo tempo que mantinha as relações com os portugueses no mesmo
patamar, Jinga continuava os esforços para iniciar um contato direto com o
papado. Ela escreveu inúmeras cartas aos capuchinhos em Roma e no Vaticano
nas quais manifestava seu profundo desejo por missionários capuchinhos e
reconhecimento oficial. Em suas cartas para autoridades do Vaticano encontram-
se informações que ela obtivera dos capuchinhos sobre o tratamento que Roma
dispensava aos monarcas cristãos europeus e sobre o papel da Igreja na
sociedade. Elas equivalem a uma verdadeira campanha para persuadir as
autoridades do Vaticano de que ela era digna de ser tratada da maneira como
tratariam qualquer governante cristão, da Europa ou de outros lugares.
As cartas também destinavam-se a persuadir a Santa Sé a reconhecer
Matamba como um reino cristão. Numa carta escrita em setembro de 1657, que
frei Cortona levou a Roma, ela dizia que o sacerdote tinha permissão para jurar
em seu nome lealdade e obediência ao papa como vigário de Cristo na Terra,
bem como agradecer-lhe por ter enviado capuchinhos para ela. Declarava com
orgulho que ela e toda a sua corte tinham sido purificadas pelo batismo e haviam
construído uma igreja. Em conclusão, pedia ao pontífice para ajudá-la a
continuar no caminho que havia escolhido e mandar-lhe missionários,
indulgências e bênçãos. [36]
Jinga teria de esperar vários anos até receber respostas de Roma. Embora
apoiassem o trabalho missionário dos capuchinhos em Matamba, as autoridades
do Conselho Ultramarino português foram inflexivelmente contra a ordem de
estabelecer instituições religiosas naquele reino: temiam que isso permitisse que
Jinga encontrasse novas oportunidades para desafiar os portugueses. Em janeiro
de 1659, os conselheiros alertaram a rainha Luísa de que ela jamais deveria
permitir que os capuchinhos construíssem uma base permanente em Luanda
dedicada somente ao seu trabalho em Matamba, mas apenas um albergue onde
poderiam descansar após as viagens. [37]
Com as autoridades portuguesas erguendo tantos obstáculos, tornou-se difícil
para Roma atender aos pedidos de Jinga para que os capuchinhos fossem para
Matamba. A campanha de cartas de Jinga continuava, com ou sem respostas. O
fato de os freis Gaeta e Romano também enviarem cartas e relatos a autoridades
do Vaticano em seu favor, ressaltando o impacto que a conversão de Jinga tivera
nas sociedades vizinhas, manteve a campanha viva e atraiu mais capuchinhos
para sua causa. [38] Jinga nunca perdeu a esperança de que receberia uma
resposta positiva do Vaticano, e, depois de cada longa discussão que tinha com
Gaeta e Cavazzi, ela escrevia uma carta a qualquer autoridade do Vaticano que
eles sugerissem. Em dezembro de 1659, por exemplo, escreveu uma carta ao
cardeal D’Este, agradecendo-lhe pelo envio de frei Gaeta, ao qual atribuía a
salvação das almas dela e de seus vassalos e destacava que sua presença lhe
permitira conhecer o “Deus verdadeiro” e, graças a isso, ela estava em paz “em
corpo e alma”. A carta terminava, como tantas outras anteriores, com o pedido
de que outros capuchinhos fossem para Matamba, de modo que pudessem
conferir o santo batismo às muitas pessoas do seu reino desesperadas para
recebê-lo. [39]
Em março de 1661, Jinga recebeu finalmente o que tanto ansiava: uma carta
de próprio punho escrita pelo papa. Datada de 19 de junho de 1660, levara nove
meses para chegar. Nela, o papa Alexandre VII respondia favoravelmente a todos
os pedidos de Jinga. Dirigia-se a ela como “Querida em Cristo, nossa filha Ana,
rainha Nzinga”, a acolhia na verdadeira religião cristã e indicava que estava
orando para que seu país fosse próspero e virtuoso. O papa também escreveu
sobre sua esperança de que ela especificamente, como filha de Cristo, crescesse
em virtude e generosidade e que o Deus Supremo a admitisse entre os eleitos.
[40]
Em sua resposta, datada de 25 de agosto de 1662, menos de um ano e meio
antes de sua morte, Jinga admitia ao pontífice que não viveria para ver o pleno
florescimento do cristianismo em Matamba e que a transformação religiosa que
ela imaginava não poderia ser feita em um dia, mas tinha de se desenvolver
lentamente. Jurava, no entanto, que, enquanto Deus lhe desse vida, “deixaria a
nova cristandade em bom estado” para que, após sua morte, o seu substituto
governasse um reino verdadeiramente cristão. Jinga pedia ao pontífice que
pensasse com bondade em seu reino. Admitia que estava em grande necessidade
de tesouros espirituais da Santa Igreja e pedia que lhe enviasse duas
indulgências, uma para o Dia de Santa Ana, que ela prometia “ler na igreja que
fiz em minha corte dedicada à referida santa Ana” e a outra para outra igreja que
ela construíra, dedicada ao Santo Crucifixo e a Nossa Senhora. [41] Ela havia
assinado suas primeiras cartas ao papa simplesmente como “Rainha Dona Anna”
ou como sua filha “mais obediente e submissa”; ainda não incluíra a cruz como
seu selo oficial. Mas, quando respondeu à carta em que ele lhe oferecia a
aceitação oficial dela como monarca cristã, inseriu a cruz como seu selo oficial
antes de seu nome. [42]
Naqueles que seriam os últimos meses de sua vida, aumentou muito o
número de cartas escritas por Jinga. Em março de 1663, ela escreveu ao
capuchinho Crisóstomo de Gênova solicitando que entregasse pessoalmente uma
carta ao papa, bem como outra missiva endereçada ao Procurador dos
Capuchinhos. Ela pedia ao frei Gênova que cumprimentasse o papa em seu
nome e beijasse seus pés, e recebesse em seu nome a bênção do pontífice, bem
como divulgasse o progresso do cristianismo em seu reino. [43]
Em abril de 1663, apenas oito meses antes de sua morte, escreveu outra carta
ao prefeito da Propaganda Fide, dando-a novamente a frei Gênova para que a
entregasse. Como de costume, agradecia ao prefeito por enviar-lhe capuchinhos,
observando que eles lhe haviam trazido a “verdadeira luz” e que estavam
cumprindo todos os seus deveres. Observava também que, como monarca cristã,
beijava humildemente o manto sagrado do pontífice e pedia-lhe uma bênção. O
ponto principal de sua carta, no entanto, era lamentar o fato de que a morte ou a
doença de vários capuchinhos em Matamba deixara sua terra carente de
missionários para levar adiante o trabalho evangélico. Ela temia que, sem mais
capuchinhos, a situação ficasse perigosa. Aproveitava também a oportunidade
para anunciar que estava construindo mais uma igreja. Além disso, dera
permissão para construir uma escola em que os novos sacerdotes pudessem
ensinar as crianças. [44] Como em sua carta ao papa, a assinatura de Jinga refletia
sua nova posição social: ela inseriu “Filha em Cristo” e pôs a cruz cristã antes de
seu nome, “Rainha Dona Ana”. [45]
Archivum Secretum Vaticanum, Epistolae ad Principes, v. 64, fols. 70r-71v.
Pompa e circunstância
Embora houvesse uma distinção clara entre o vestuário e os adornos usados por
Jinga e por seus nobres e suas atendentes, aqueles que serviam em sua corte
sempre estavam cuidadosa e adequadamente vestidos. Nos festejos, ela
costumava ser acompanhada por até mil assistentes magnificamente vestidas,
que saltavam para atender a suas ordens. [90] Chegou a mandar algumas delas a
Luanda para aprender a confeccionar rendas e costurar, tornando-as responsáveis
por fazer muitos dos vestidos, lenços e outros artigos de vestuário comuns entre
as mulheres de alta posição social de Luanda. Nas ocasiões oficiais em que
recebia autoridades portuguesas, Jinga e suas assistentes usavam essas roupas.
[91]
O fausto era fundamental em tudo o que Jinga fazia. Mantinha a tradicional
comitiva militar, cantores e músicos da cultura ambunda/imbangala, e esperava
que eles estivessem prontos para executar suas ordens, fosse para disparar
mosquetes quando a ocasião pedia, apresentar novas músicas que haviam
composto em sua honra, ou tocar a música tradicional que ela preferisse. Quando
saía da corte para fazer a ronda da cidade ou participar de festejos da Igreja, os
músicos a acompanhavam. Ela sempre se viu mandando em todas as coisas,
inclusive na justiça. Nunca abandonou a ideia de que, sendo rainha, tinha o
direito de julgar os casos, e seu tribunal era uma colmeia em atividade, enquanto
ela ouvia atentamente os vários casos criminais discutidos diante dela e de seus
conselheiros. Embora nunca tenha deixado de considerar a opinião de seus
conselheiros, era ela que tomava a decisão final quanto à culpa ou à inocência
dos demandantes. [92]
Nos primeiros anos de sua transição para o cristianismo, a maioria das
celebrações continha muitos elementos ambundos/imbangalas, com apenas um
verniz de cristianismo. Os rituais cristãos começaram a ganhar influência e, em
1662, as festividades públicas já se caracterizavam por uma mistura singular de
rituais cristãos e ambundos. Essa mistura já era evidente após seu casamento,
quando a igreja e a praça substituíram o quilombo como local para as
celebrações tanto seculares como religiosas. Àquela altura, as duas tradições
tornaram-se indistinguíveis. Na missa, seus músicos tocavam instrumentos
musicais ambundos; seus soldados davam salvas de mosquetes quando a anfitriã
se levantava e realizavam vigílias sagradas na noite anterior a um dia de festa.
Ela participava junto com o povo de várias danças, cantorias comunais em
quimbundo e atividades semelhantes. [93]
Em 1661, o recebimento da carta do papa Alexandre VII , em que ele a
chamava de filha, foi um evento que pediu comemoração. Todos os elementos
das tradições monárquicas ambundas e do teatro cristão juntaram-se
gloriosamente. Cavazzi traduzira a carta do latim para o quimbundo. No dia
anterior ao que ele deveria ler a carta para a multidão reunida, ela foi à igreja e a
ratificou espiritualmente com uma profissão pública de sua fé cristã; Cavazzi pôs
então o documento em suas mãos. Após essa cerimônia religiosa formal na
igreja, Jinga colocou cuidadosamente a carta numa bolsa de couro que pendia de
seu pescoço. No dia seguinte, ela apareceu com frei Cavazzi na praça, onde uma
grande multidão a esperava. Eles a receberam com a costumeira saudação
ambunda, “batendo palmas, gritando e se aplastando com terra”, o tipo de
saudação que os inferiores sempre davam aos seus superiores. Ela anunciou que
finalmente recebera uma saudação do papa e frei Cavazzi leu em voz alta a
versão em quimbundo da carta. Depois disso, Jinga conduziu a multidão,
inclusive o frade, outros funcionários religiosos e suas atendentes, para fora da
praça até uma área aberta em frente à sua residência, onde havia preparado uma
grande festa. Sentou-se na cadeira sob um dossel que seus funcionários haviam
arrumado e mandou que abrissem grandes barris de vinhos europeus, que pôs à
disposição do povo. As assistentes derramaram o vinho em grandes recipientes
de madeira e chamaram o povo para beber “à sua grandeza”. [94] Nessa ocasião,
ela rompeu com seu velho hábito de comer com os dedos à maneira ambunda.
Quando frei Gaeta perguntara por que preferia comer assim, ela declarara
orgulhosa que preferia seguir “o costume antigo de seus antepassados”. [95] Mas,
nessa festa especial, ela usou utensílios e pratos de estilo europeu.
A festa igualou-se a tudo o que o governador poderia ter preparado em
Luanda. O dia foi uma longa e única celebração. Jinga concedeu títulos e outras
honrarias a seus cortesãos e até libertou alguns de seus escravos. No final do dia,
participou da dança militar que se esperava de uma rainha e mostrou todas as
manobras que aperfeiçoara quando criança, empunhando habilmente arco, flecha
e espada. [96] Jinga tornou-se uma cristã devota, mas continuou a ser uma
monarquista e tradicionalista até o fim. Ela queria que Bárbara preservasse tudo
aquilo.
Seu desejo estava claro na carta de agradecimento que escreveu ao papa
Alexandre VII , na qual fazia uma descrição detalhada dos eventos que promoveu
ao receber a carta dele, observando que todos estavam felizes com a carta e que
as comemorações duraram “muitos dias contínuos”. Na ocasião, ela já
conseguira obter mais dois capuchinhos italianos para fazer companhia ao frei
Cavazzi para dar continuidade ao trabalho de cristianização de seu povo, mas o
número de sacerdotes continuava pequeno. [97]
Como havia feito em cartas anteriores, Jinga pedia ao papa que não se
esquecesse de seu reino. Ela sabia que os homens fortes de sua corte, em
particular Jinga a Mona, continuavam desconfiados dos missionários e da
religião deles e ela temia pelo futuro do reino. [98]
Os cortesãos de Jinga e até mesmo a facção de Jinga a Mona sabiam que a rainha
tinha uma dedicação profunda a suas ideias monarquistas. Os membros
imbangalas de seu círculo íntimo, saudosos dos dias excitantes em que a
mobilidade ascendente dependia das façanhas militares e dos rituais desumanos,
aguardavam ansiosamente pelo acontecimento momentoso que pressentiam ser
iminente. A partir de 1662, a morte provável de Jinga começou a desencadear
tensões crescentes. Até então, enquanto estava bem de saúde, ela conseguira
manter sob controle as tensões entre os cristãos e monarquistas, de um lado, e a
facção ambundo/imbangala, do outro, mas a doença a impediu de continuar a
fazê-lo. Isso ficou claro pela primeira vez em 1656, quando enfrentou uma
inflamação perigosa na garganta e uma febre alta que ameaçavam acabar com
sua vida. Seus conselheiros primeiro chamaram xingulas para que a tratassem, e
frei Gaeta só interveio depois que a medicação e os procedimentos deles
fracassaram. [99] Nos primeiros anos de seu renascimento espiritual, Jinga
tolerou os rituais ambundos/imbangalas na morte de altos funcionários. Foi o
que ocorreu em 1658, quando um de seus oficiais mais proeminentes morreu e
Gaeta se recusou a dar-lhe o funeral cristão que ela exigiu. Irritada pela recusa,
ela organizou e participou de tambos que incluíram o sacrifício humano que ela
havia condenado e declarado ilegal. Para o observador casual que olhasse para
Matamba nos três anos após o seu renascimento cristão, Jinga estava firme em
suas novas crenças, mas somente quando todos gozavam de boa saúde. Quando
surgiam doenças ou ocorriam mortes inexplicáveis de ambundos ou capuchinhos
em quem confiava, ela permitia algum espaço aos tradicionalistas. A sequência
de acontecimentos ocorridos do fim de março de 1662 até sua morte, em 17 de
dezembro de 1663, ilustra isso com bastante clareza.
Em março de 1662, frei Gaeta ficou doente em Matamba; no início de abril,
recuperara-se até certo ponto. A própria Jinga ficou doente poucos dias depois.
Nesse período, chegou de Luanda a notícia de que o papa e seus cardeais haviam
respondido às suas cartas recentes. Além disso, desembarcara em Luanda um
novo grupo de seis capuchinhos que deveriam ir trabalhar em Matamba. Embora
ainda não se sentisse bem, ela encontrou força para organizar o tipo de
celebração pública em que poderia contar as novidades emocionantes e
demonstrar que era uma monarca poderosa. No entanto, nem todas as notícias
eram boas. Jinga ficou desanimada ao saber que frei Gaeta devia ser transferido
de Matamba para Luanda para se tornar o superior de todos os capuchinhos da
África Central. Seu ânimo melhorou quando ele lhe deu sua velha e desgastada
batina de capuchinho. Ele também concordou em permanecer o tempo
necessário para supervisionar a dedicação da igreja de Santa Ana, que estava
quase concluída. O frade deixou Matamba após a missa de dedicação, em abril
de 1662. Nos dezenove meses que decorreriam entre a partida de Gaeta e a
morte de Jinga, ela implementaria várias políticas para fortalecer o cristianismo
em toda Matamba, muitas das quais giravam em torno de sua campanha de
escrever cartas para o papa e derrotar os gangas.
Quando recebeu a notícia da morte de frei Gaeta em Luanda, em 9 de julho
de 1662, seu ânimo ficou mais abatido do que nunca e sua saúde continuou ruim.
Ela e suas atendentes desfilaram em trajes de luto e realizaram uma missa de
réquiem para a alma dele. Os rituais de luto cristão, no entanto, só aumentaram
sua sensação de mau pressentimento e desgraça.
Pouco mais do que um ano depois, em agosto de 1663, duas mortes que
ocorreram no espaço de algumas horas representaram para ela o mais grave
desafio da facção pró-xingulas . Primeiro, Kabanga, irmão de Jinga a Mona, teve
morte súbita. A irmã dele, que chegou para o enterro algumas horas depois,
desabou sobre o cadáver e morreu instantaneamente. O fato de as duas mortes
ocorrerem na noite anterior à missa de dedicação da igreja de pedra criou um
clima sombrio para as celebrações iminentes. Frei Cavazzi suspeitou que os dois
tomaram veneno em um pacto de suicídio promovido pelos xingulas a fim de
prejudicar o projeto cristão de Jinga. No entanto, foi a recusa de Cavazzi de dar
aos mortos um enterro cristão que indignou a população. Seus líderes retrucaram
que os falecidos deveriam ter um enterro cristão e um tambo : o suicídio deles
era um ato de amor, mas eles ainda eram cristãos. Na discussão acalorada que se
seguiu, alguns líderes da facção pró-xingulas , ameaçaram boicotar a dedicação e
realizar o tambo . No final, as pessoas só conseguiram uma parte do que
queriam: puderam enterrar os irmãos perto da igreja, mas o tambo foi proibido.
Jinga prevaleceu nessa crise, mas sabia que se não tomasse novas medidas para
eliminar os xingulas eles agiriam de novo. No dia 2 de setembro, menos de duas
semanas após esse incidente explosivo, Jinga deu permissão ao frei Cavazzi para
ir a uma região que ficava a quatro dias de distância da corte com o objetivo de
convencer as autoridades do lugar a participar da campanha de erradicação dos
gangas e xingulas e destruir seus altares e outros objetos rituais. [100]
Ela podia ter vencido dessa vez, mas as mortes inexplicadas e o
desapontamento que sentiu diante da resistência aberta da facção pró-xingulas a
incomodaram. Embora continuasse com sua campanha religiosa, o estado de
espírito exuberante que costumava exibir foi substituído por um pressentimento
de desgraça e uma reflexão silenciosa. Entre 2 de setembro e 14 de outubro de
1663, cerca de dois meses depois da morte dos irmãos de Jinga a Mona, a
doença voltou a atacar. Dois capuchinhos que estavam em sua corte ficaram
doentes e logo depois foi a vez de Jinga cair gravemente enferma. No dia 14 de
outubro, sua saúde se deteriorou apesar das intervenções dos xingulas chamados
por seus conselheiros para adivinhar a causa da doença. Sua garganta e seu peito
ficaram tão inflamados que ela só conseguia pronunciar algumas palavras com
dificuldade. Entre 14 de outubro e 14 de dezembro, Jinga permaneceu acamada,
com uma febre alta que, em alguns dias, lhe provocava delírios. Sempre que
tinha forças para falar, refletiria sobre as decepções que sofrera, vendo a morte
de Kabanga e da irmã dele como uma advertência para si mesma sobre sua
própria mortalidade iminente. Quando conseguiu respirar, avisou aos que a
rodeavam que, embora parecesse estar melhorando, sentia que ia morrer. Um
abscesso que apareceu no lado direito de sua garganta nesse momento foi um
mau sinal, pois confirmou que a infecção estava se espalhando. Em 14 de
dezembro, o abscesso explodiu e a infecção se espalhou para os pulmões. Seus
médicos fizeram várias sangrias, mas sua situação só piorou. Ela permaneceu
nesse estado agudo por três dias, com febres altas e falta de ar que iam e vinham,
enquanto seus pulmões se deterioravam ainda mais. [101]
Em seus últimos dias de vida, o drama entre a facção pró-xingulas e o frei
Cavazzi desenrolou-se nos aposentos privados de Jinga. Cavazzi voltara de sua
viagem no dia 14 de outubro. Quando a doença apareceu, os quatro conselheiros
de Jinga que permaneciam em vigília na porta de seus aposentos privados
convocaram imediatamente os médicos tradicionais para atendê-la. O padre e
esses curandeiros ficaram junto a Jinga durante seus últimos dias. Enquanto os
médicos aplicavam seus diversos remédios e a sangravam, Cavazzi tratava de
suas necessidades espirituais, rezando missas na igreja por sua saúde, pondo a
imagem da Virgem Maria sobre seu peito, dando-lhe a Sagrada Comunhão e
encorajando-a a confessar seus pecados. Percebendo que não tinha muito tempo
de vida, ela tentou, como de costume, assumir o comando da situação, pois temia
que os conselheiros não seguissem suas instruções se não as ouvissem
diretamente dela. Em 11 de dezembro, antes de receber a comunhão, ela reuniu
toda a energia que podia e disse-lhes exatamente o que queria que fizessem após
sua morte. [102] Mandou que enviassem uma mensagem ao frei Cavazzi para
informá-lo da deterioração de seu estado e solicitar sua presença imediata na
corte. Depois que Cavazzi voltou, os conselheiros parecem ter dado o lugar para
curandeiros e capuchinhos. Os curandeiros continuaram a usar vários remédios
para aliviar seus sintomas, sem sucesso.
Três dias antes de morrer, Jinga mandou frei Cavazzi chamar os quatro
conselheiros novamente ao quarto. Entre ataques agudos de falta de ar, deu
aquelas que seriam suas últimas ordens. Ela desejava morrer como católica e
queria que eles continuassem a promover o cristianismo em Matamba. Seu único
arrependimento era “não ter deixado um filho porque desejava que alguém de
sua linhagem herdasse seu reino”. Parando várias vezes para recuperar o fôlego e
falando numa voz quase inaudível, ela pousou os olhos em seu conselheiro mais
velho (o tendala ) e disse-lhe que, depois que ela morresse, ele se tornaria vice-
rei interino. Ela o advertiu de que garantisse a paz no reino e encorajou-o a
trabalhar com o intérprete dela para defender o cristianismo que trouxera para o
país. Por fim, Jinga proferiu uma última ordem: não interferir nos preparos
fúnebres que ela já havia combinado com frei Cavazzi. [103]
Durante a missa de comunhão que Cavazzi realizou logo depois, ela
encontrou forças para pedir perdão várias vezes, e dizer “Amém” no final das
orações. Diante da morte que se aproximava, ela estava muito arrependida,
implorando aos conselheiros e ao frei Cavazzi que intercedessem por sua alma.
Foram suas últimas palavras. Nas 36 horas seguintes, Jinga permaneceu no
limiar da morte, para finalmente cair num sono tranquilo. Frei Cavazzi
administrou os últimos sacramentos logo antes de ela morrer pacificamente em
seu sono, às onze horas da manhã de 17 de dezembro de 1663.
As ramificações da revolução monarquista e cristã de Jinga começaram a se
manifestar enquanto ela ainda estava na agonia da morte. Ao dar o último
suspiro, seus conselheiros já estavam enviando soldados para reforçar a guarda
em torno da corte para evitar a fuga de escravos e atendentes que previam ser
sacrificados. Alguns já haviam escapado antes que os guardas se reunissem, e
muitos foram trazidos de volta à corte a força. Para evitar o pandemônio que
temiam que acontecesse quando a notícia de sua morte se tornasse pública, seus
conselheiros tentaram mantê-la em segredo, fechando os portões da corte. Só
puderam manter as coisas assim durante as 24 horas seguintes à morte. Então,
tiveram de anunciar publicamente o falecimento da rainha.
Essas preocupações faziam sentido. Nem eles nem ninguém em Matamba,
inclusive os capuchinhos, poderiam imaginar um enterro cristão para Jinga sem
os concomitantes ritos funerários tradicionais, entre eles os tambos e sacrifícios
humanos que ela havia banido. Seus atendentes pessoais, em particular as
mulheres, foram os primeiros a demonstrar o medo do que seu falecimento
augurava. Durante os seis anos anteriores, haviam acompanhado Jinga em sua
jornada cristã e monarquista, vivendo e exibindo como ela uma profunda
espiritualidade cristã e desdém e desconfiança em relação à facção pró-xingulas .
Os arranjos para seu enterro prometiam drama e medo para todos os envolvidos.
Mesmo antes que Jinga desse seu último suspiro, sua revolução cristã já estava
se desintegrando. As tensões quanto às noções monarquistas que estavam no
cerne da ideologia de governo de Jinga vieram à tona poucas horas depois de sua
morte, quando seus conselheiros tiveram de decidir que tipo de enterro deveriam
lhe dar. Embora em seu leito de morte ela tivesse reunido forças para adverti-los
a respeitar seus desejos e enterrá-la com o simples hábito capuchinho do frei
Gaeta, os conselheiros tinham outros planos. Assim que ela morreu, instruíram
suas atendentes pessoais a preparar o corpo para uma despedida real. A
simplicidade não faria parte disso.
As assistentes de Jinga lavaram amorosamente seu corpo, esfregando-o com
pós, ervas e perfumes. Após o embalsamamento, vestiram-no com todo o
refinamento que denotava sua condição de rainha. Os adornos que escolheram
refletiam as tradições monárquicas ambundas que Jinga tanto reverenciara. Ela
seria rainha na morte como na vida, da cabeça aos pés. As assistentes cobriram
sua cabeça com um gorro requintado, sobre o qual puseram sua coroa de corais,
pérolas e outras joias. Também arrumaram cuidadosamente quatro plumas, duas
vermelhas e duas brancas, sob a frente da coroa — somente a realeza podia usar
plumas nas cerimônias oficiais. Honrando seu amor pelos adornos pessoais, as
mulheres arrumaram seus cabelos com corais e pérolas e puseram dois grandes
brincos de pérola em suas orelhas. Cobriram seus membros com faixas de prata e
ouro, colocando entre cada conjunto de pulseiras um arranjo de pelos de
elefante, outro símbolo de realeza. Puseram nos pés um elegante par de chinelos
de veludo com botões de vidro e cobriram seu corpo com dois ricos xales de
brocado, um para a sua metade superior e o outro cobrindo-a até os tornozelos.
Por fim, jogaram uma capa escarlate bordada de ouro sobre seus ombros e
prenderam os dois lados com um grande broche. [104]
Com o corpo vestido de forma tão carinhosa e esmerada, as acompanhantes e
os conselheiros queriam que o povo visse o cadáver de Jinga em todo o seu
esplendor real. Eles ignoraram abertamente frei Cavazzi, que passara pelo quarto
durante todo o tempo, tentando lembrá-los da jura que haviam feito à rainha:
deveriam honrar seu desejo de leito de morte e enterrá-la com o hábito do frei
Gaeta. Sabiam que o frade tinha razão, mas concordaram somente depois que
Cavazzi prometeu que poderiam vestir o cadáver com todo o luxo real após a
cerimônia cristã. Começou então o cuidadoso processo de despir e vestir de novo
a rainha, envolver seu corpo no hábito capuchinho, pôr uma coroa em sua cabeça
e um rosário e um crucifixo em sua mão.
Nesse meio-tempo, os conselheiros concordaram que Bárbara deveria ser
coroada rainha antes que o povo fosse informado da morte de Jinga. Às oito
horas da manhã de quinta-feira, 18 de dezembro de 1663, cerca de 24 horas após
a morte de Jinga, os conselheiros anunciaram a eleição de Bárbara e deram-lhe o
“arco e flecha, que são os símbolos reais”. [105] Somente depois disso é que
anunciaram publicamente a morte de Jinga, enquanto suas assistentes
preparavam o corpo para a câmara-ardente oficial.
O grupo que cuidava do corpo deixou os aposentos de Jinga às duas horas da
tarde de quinta-feira, menos de seis horas depois de Bárbara ter sido coroada
rainha. Jinga ficaria orgulhosa dos membros da procissão fúnebre que fizeram a
curta caminhada, carregando seu corpo numa cama parecida com uma maca ou
um tampo de mesa de seus aposentos até a praça, onde durante sua vida ela
fizera tantos pronunciamentos oficiais, participara de inúmeros desfiles
religiosos e despedira-se das tropas, ou, depois de campanhas bem-sucedidas, as
recebera de volta. A essa altura, a procissão fúnebre tinha mais semelhança com
a de um monarca cristão do que com a de um líder ambundo/imbangala. Um
membro da Irmandade do Rosário, vestido com uma capa branca e carregando
uma grande cruz, encabeçou a procissão, seguido por quarenta outros membros,
vestidos com roupas semelhantes e carregando velas acesas e rosários. Frei
Cavazzi e os outros dois capuchinhos que estavam trabalhando em Matamba na
época ocupavam lugares proeminentes logo à frente do corpo, enquanto doze
irmãos do Rosário carregavam o féretro. Também acompanhando a procissão
seguia uma banda militar com mais de noventa músicos, bem como muitos dos
mil homens, mulheres e crianças que compunham a comitiva pessoal de Jinga.
[106]
Até então, o corpo de Jinga não fora colocado em um caixão e ainda estava
coberto de pilhas de lindo jabu (tecido importado de Ijebu, Nigéria). O cadáver
jazia de costas sobre a mesa; um jovem pajem sentou-se na mesa perto da cabeça
de Jinga e segurou-a em posição vertical. Quando a procissão chegou à praça,
depuseram a mesa no pórtico erguido na área chamada “sala de audiência”. Ali,
Jinga fizera muitos discursos em muitas ocasiões; agora os vinte mil soldados e
outras pessoas estavam reunidos na praça para ver o cadáver de sua rainha, para
ver Jinga pela última vez. [107] Durante as várias horas em que o corpo
permaneceu em exibição, o pajem ficou imóvel, segurando a cabeça coroada,
enquanto os súditos de Jinga passavam pelo pórtico para prestar sua
homenagem.
Não é de surpreender que a mistura de tradições cristãs e ambundas fosse
evidente enquanto seu corpo se encontrava em câmara-ardente, uma vez que
Jinga morreu antes que sua revolução cristã estivesse completa. Os rituais
fúnebres cristãos ocorreram nesse momento, ainda que o cadáver de Jinga
estivesse coberto por tecidos nigerianos coloridos. Frei Cavazzi e os outros
capuchinhos, junto com os membros da irmandade alfabetizados em português,
ficaram ao redor do corpo e se alternaram para ler as orações católicas do ofício
dos defuntos. As pessoas que se reuniram na praça desfilaram perante o corpo
com respeito e muitas delas retornaram várias vezes.
Essa vigília era familiar para qualquer católico da época, mas a cerimônia que
se seguiu foi especificamente ambunda. Quando os conselheiros anunciaram que
o enterro de Jinga ocorreria naquela mesma tarde para não atrasar a coroação de
Bárbara, os músicos militares começaram a tocar uma música que Cavazzi
descreveu como “muito estranha e bárbara e não feita para invocar compaixão”;
a música sinalizou aos membros do exército presentes na praça que era hora de
entrar em formação de desfile. Os soldados formaram imediatamente uma
guarda de honra em ambos os lados da praça e depuseram suas armas no chão.
Assim que os doze carregadores católicos ergueram o féretro e caminharam
lentamente pela praça e ao redor dela, os soldados levantaram as armas e, de
repente, começaram a dançar com alegria ao ver a rainha morta.
À medida que o cortejo avançava lentamente na direção da igreja de Santa
Ana, onde se realizaria a cerimônia cristã, o povo se dava conta da realidade.
Quando perceberam que Jinga não estaria mais lá para dar as bênçãos
costumeiras, as pessoas foram tomadas pela tristeza, lamentando que a rainha
que haviam perdido era insubstituível. Os soldados descarregaram suas armas de
fogo enquanto homens, mulheres e crianças erguiam os braços para o céu. Os
pranteadores caíram no chão, cuspiram na poeira e se emplastraram com uma
mistura de saliva e terra, alguns usando cinzas e ervas que haviam trazido para
passar no corpo. Nesse último ato de subordinação perante o cadáver,
demonstraram o mesmo grau de respeito à rainha morta que tinham quando ela
estava viva. Jinga não esperaria nada menos do que isso.
A interseção dos elementos culturais cristãos e ambundos continuou durante
o sepultamento no túmulo que havia sido cavado ao lado da igreja que Jinga
construíra, e também estava evidente nos rituais que ocorreram antes e depois do
enterro. Antes que o corpo fosse colocado no túmulo de três e meio por cinco e
meio metros, frei Cavazzi e os outros capuchinhos realizaram um funeral
católico com uma oração não diferente da ouvida nos serviços funerários
católicos para os governantes europeus falecidos. Depois que a oração terminou,
os funcionários de Jinga prepararam o túmulo para receber o cadáver. O costume
ambundo mandava que todas as roupas e objetos que a falecida usava fossem
colocados no túmulo para que nenhuma pessoa viva pudesse usá-los. De acordo
com esse costume, eles encheram as laterais do túmulo com os adornos favoritos
de Jinga — rendados de seda enfeitados de ouro, vários xales e belos tapetes —
dando ao túmulo a aparência de uma opulenta e almofadada arca real. Liderados
por Jinga a Mona, os conselheiros e atendentes acrescentaram então os pertences
pessoais de Jinga, entre eles grandes quantidades de xales, coroas, corais,
vasilhas de prata, panos finos holandeses, sedas importadas, capas, peças de
linho da Alemanha, veludos, bastões, escudos, arcos, flechas e uma grande
quantidade de peles de elefante que ela havia adquirido durante sua longa vida.
O pedido de Jinga de ser enterrada no hábito de capuchinhos de frei Gaeta
aparentemente não foi honrado, pois ela estava vestida com todo o luxo.
Também de acordo com o costume, Jinga a Mona mandou que algumas
assistentes e pajens de Jinga entrassem no túmulo para receber o corpo. Temendo
que fossem enterradas com sua senhora, elas se encolheram e depois fugiram
gritando. Durante o pandemônio, um dos sacerdotes, com a ajuda de Jinga a
Mona e outros funcionários da corte, enrolou o corpo em três panos, um
vermelho, um amarelo e um preto, nos quais um alfaiate português empregado
por Jinga havia bordado uma cruz branca. Eles também puseram sobre o corpo
as muitas sedas que Jinga usara. Antes de colocá-lo no caixão de madeira
forrado de veludo e carmesim, frei Cavazzi pôs sob a cabeça de Jinga uma placa
de chumbo com um epitáfio escrito em latim. Cavazzi, Jinga a Mona e os outros
funcionários fecharam o caixão e estavam prontos para baixá-lo ao túmulo —
mas não havia assistentes para recebê-lo. Todas desapareceram. Dois dos frades
capuchinhos concordaram em substituir as mulheres desaparecidas. Eles
arrumaram o caixão com segurança sobre os objetos que haviam sido colocados
no túmulo antes de saírem dali. [108] O valor das coisas sepultadas com Jinga
chegava a cerca de dezesseis mil escudos romanos, segundo Cavazzi. Isso
equivalia a tudo o que teria um nobre que vivesse em Roma naquela época. [109]
Apesar de ter sido enterrada com tantos bens mundanos valiosos, os únicos
objetos que identificavam o lugar do túmulo de Jinga eram pedras marcadas com
a cruz, que cercavam a sepultura, e outra cruz no topo do túmulo. [110]
Giovanni Antonio Cavazzi da Montecuccolo, “Missione evangelica nel Regno de Congo” (1668), v. A,
livro 2, entre p. 210 e p. 211. Manuscritos Araldi, Modena, Itália. Fotografia: Vincenzo Negro.
Após a morte de Jinga, sua memória continuou viva nas histórias que se
contavam sobre ela. Essas histórias desenvolveram-se de maneiras muito
diferentes nas tradições da Europa em comparação com as da África e das
Américas, como ilustram dois poemas contrastantes sobre Jinga.
O primeiro poema foi escrito por Antonio Cavazzi, o missionário capuchinho
que morou na corte de Jinga nos últimos anos de sua vida. Ele foi incluído na
versão manuscrita do livro de Cavazzi de 1687, Istorica Descrizione de’ tre’
regni Congo, Matamba et Angola [Descrição histórica dos três reinos do Congo,
Matamba e Angola]. Porém, o poema não fez parte da versão publicada e
permaneceu escondido por mais de três séculos no manuscrito inédito que
Cavazzi terminou entre 1666 e 1668, dois anos após a morte de Jinga. [1]
Apesar de Cavazzi ter testemunhado a conversão de Jinga ao cristianismo e
estar presente em seu leito de morte, ele nunca se convenceu da sinceridade dela
e, com efeito, em seu poema, apresentava-a ao lado de mulheres, como Medeia,
que ganharam notoriedade pelo suposto uso de magia negra, pela astúcia e
crueldade. Para Cavazzi, Jinga superou todas elas porque enganou o céu,
roubando-o de sua alma:
Pouco mais de três séculos depois que Cavazzi escreveu esse poema, a poeta e
jornalista afro-cubana de ascendência iorubá Georgina Herrera escreveu um
poema muito diferente sobre Jinga. Herrera ressuscitou em linguagem poética
uma Jinga muito distante da construção de Cavazzi. Em seu poema de 1978,
“Canto de amor e respeito para dona Ana de Sousa”, Jinga torna-se a “santa
dama e rainha”, bem como a “mãe de todos os primórdios”. Herrera reivindica
Jinga, santifica sua memória na diáspora africana e traz vida e legitimidade para
ela, superando a separação que Cavazzi interpusera entre a governante e a “mãe
África”:
KIJIKO servo.
MISETE relicário.
MUBIKA escravo.
Abreviações
AHU Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa
FHA Beatrix Heintze, ed., Fontes para a história de Angola do século XVII , 2 v.
(Wiesbaden: Franz Steiner, 1985-1988)
fol. fólio
JAH Journal of African History
par. parágrafo
Introdução
1. Ver, por exemplo, Patrick Graille, “Zingha, reine d’Angola: Histoire Africaine
(1769) de Castilhon, Premier Roman Historique Africain et Anticolonialiste
de la Littérature Occidentale”, in Inocência Mata (org.), A rainha Nzinga
Mbandi: história, memória e mito , 2. ed. Lisboa: Edições Colibri, 2014, pp.
47-56.
[ «« ]
2. “Carta do Rei do Congo ao D. João III , 28 de janeiro de 1530”, MMA 1:540.
[ «« ]
3. “Apontamentos do padre Sebastião de Souto” (1561), MMA 11:479.
[ «« ]
4. Para uma visão geral completa da organização de Ndongo no século xvi, ver
Beatrix Heintze, “O Estado do Ndongo no Século XVI”, in Heintze, Angola
nos séculos XVI e XVII : Estudos sobre fontes, métodos e história. Luanda,
2007, pp. 169-242.
[ «« ]
11. Pierre du Jarric, Histoire des choses plus memorables advenues tant ez Indes
Orientales, que autres païs de la descouverte des Portugais , 3 v. Bordeaux,
1608-1614, 2:98.
[ «« ]
12. Carta do irmão Antônio Mendes ao Padre Geral, 9 de maio de 1563, MMA
2:509.
[ «« ]
16. Carta do Irmão Antônio Mendes ao Padre Geral, 9 de maio de 1563, MMA
2:500.
[ «« ]
17. Carta do Irmão Antônio Mendes, 29 de outubro de 1562, MMA 2:508. Ver
também Heywood e Thornton, Central Africans , pp. 80-1.
[ «« ]
18. Para a história de Hohoria e Zundi, ver Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, pp. 2-
10; Antonio da Gaeta, La Meravigliosa Conversione alla Santa Fede di
Cristo della Regina Singa . Nápoles: ed. Francesco Maria Gioia, 1669, pp.
136-9.
[ «« ]
19. Sobre as várias linhagens descendentes das concubinas de Ngola Kiluanje
kia Samba, ver Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 10. Ver também Cavazzi,
Istorica Descrizione , livro 2, pars. 129-133; Beatrix Heintze, “Written
Sources, Oral Traditions, and Oral Sources as Written Sources: The Steep and
Thorny Way to Early Angolan History”, Paideuma 33 (1987), pp. 263-87.
[ «« ]
4. Para uma reconstrução dessa história inicial, ver: Cavazzi, MSS Araldi, livro 2,
pp. 4-12; Antonio da Gaeta, La Meravigliosa Conversione alla Santa Fede di
Cristo della Regina Singa. Nápoles: Francesco Maria Gioia, 1669, pp. 135-
45.
[ «« ]
6. Ibid., 97-101.
[ «« ]
7. Para os detalhes dessa visita, ver: Carta do irmão Antônio Mendes ao Padre
Geral, 9 de maio de 1563, MMA 2:498-500.
[ «« ]
13. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 6; Carta do irmão Antônio Mendes ao Padre
Geral, 9 de maio de 1563, MMA 2:508-509; Garcia Simões ao Provincial de
Portugal, 20 de outubro de 1575, MMA 3:134.
[ «« ]
14. Carta do irmão Antônio Mendes ao Padre Geral, 9 de maio de 1563, MMA
2:499-503.
[ «« ]
15. Esses eventos estão detalhados na carta do irmão Antônio Mendes ao Padre
Geral, 9 de maio de 1563, MMA 2:499-503.
[ «« ]
16. Antônio Mendes escreveu que Ngola Kiluanje recebera um recado do rei do
Congo, alertando-o de que os portugueses estavam interessados somente em
determinar se Ndongo tinha prata e ouro, para que Portugal pudesse “tomar a
terra”. Ver: ibid., 2:502.
[ «« ]
17. Ruela Pombo, Angola-Menina , 28. Essa hipótese vem de um documento
escrito pelo capitão Garcia Mendes Castelo Branco, que acompanhou Dias de
Novais em sua viagem de 1575 e foi soldado em Angola por meio século.
Ver: “Relação do que faz o Capitão Garcia Mendez das cousas tocantes ao
Reyno de Angola”, MMA 6:453-467 (datada de 1620 pelo editor de MMA ).
[ «« ]
18. Cartas de Francisco de Gouveia ao padre Diogo Mirão, 1o de novembro de
1564, MMA 2:528; 15:231-232.
[ «« ]
19. Cavazzi, Istorica Descrizione, livro 2, par. 131.
[ «« ]
20. Carta do irmão Antônio Mendes ao Padre Geral, 9 de maio de 1563, MMA
2:508-509; Carta de Francisco de Gouveia ao Padre Geral, 1o de novembro
de 1564, MMA 15:230.
[ «« ]
22. Para uma discussão dessa questão, ver: Heywood e Thornton, Central
Africans , p. 85.
[ «« ]
33. Carta do padre Baltasar Afonso, 3 de janeiro de 1583, MMA 3:233; Carta do
padre Baltasar Afonso, 3 de outubro de 1583, MMA 3:248.
[ «« ]
34. Carta de Diogo da Costa, 20 de julho de 1585, MMA 3:320.
[ «« ]
39. Ibid. Sobre os diversos relatórios das campanhas, ver: Carta de Pero
Rodrigues, 20 de novembro de 1583, MMA 4:567-568; Carta do padre Baltasar
Afonso, 3 de outubro de 1583, MMA 3:248.
[ «« ]
42. Consta que o exército que Sebastião Manibama, cunhado do rei Álvaro do
Congo, mandou em 1579-80 tinha quase sessenta mil homens. Ver: Pigafetta,
Felippo. Relazione dei Reame di Congo e circonvincine contrade . Roma,
1591, p. 27.
[ «« ]
43. Du Jarric, Pierre. Histoire des choses plus memorables advenues tant ez
Indes Orientales, que autres païs de la descouverte des Portugais , 3 v.
Bordeaux, 1608-1614, 2:87; Carta do padre Baltasar Barreira ao Padre Geral,
3 de janeiro de 1582, MMA 15:269.
[ «« ]
44. Carta de Paulo de Novais ao Rei, 3 de maio de 1582, MMA 4:342.
[ «« ]
50. Seção de uma carta de Fernão Martins, 1591, MMA 3:433-434; “Desbarato
dos Reis da Etiópia e Descobrimento da Ilha de Luanda”, 1591, MMA 4:534-
540; “Memória intitulada O Livro Primeiro da Monarquia Angolana ... e os
fatos ocorridos dos anos de 1580 até 1590 ”, Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, Rio de Janeiro, África/Angola Col., DL41, doc. 13, fol. 8.
[ «« ]
51. Seção de uma carta sobre Angola e Congo, 1591, MMA 3:431-432.
[ «« ]
52. Silva Corrêa, Elias Alexandre da. História de Angola , Manuel Múrias (org.),
2 v. [1792]. Lisboa: Editorial Ática, 1937, 1:211.
[ «« ]
53. Carta do padre Baltasar Afonso ao padre Miguel de Sousa, 4 de julho de
1581, MMA 3:200.
[ «« ]
62. Carta do padre Baltasar Barreira ao Padre Geral, 3 de janeiro de 1582, MMA
15:270-272.
[ «« ]
63. Rodrigues, “História da Residência”, MMA 4:578-581.
[ «« ]
64. Carta do padre Diogo da Costa ao Provincial de Portugal, 31 de maio de
1586, MMA 3:332-333.
[ «« ]
68. Ibid. Em 1622, Jinga desafiaria esse costume quando foi a Luanda para
negociar a paz em nome de seu irmão.
[ «« ]
69. Carta de Paulo Dias de Novais ao Rei, 3 de julho de 1582, MMA 4:342.
[ «« ]
71. Carta do padre Baltasar Barreira ao Padre Geral, 3 de janeiro de 1582, MMA
15:270-274.
[ «« ]
80. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, pp. 9-10, 15, 18; “Estado Religioso e Politico de
Angola” (1588), MMA 3:376.
[ «« ]
81. Carta do padre Baltasar Barreira, 14 de maio de 1586, MMA 3:329-331.
Descrições do aparecimento de seres fantasmagóricos durante batalhas
importantes ocorrem com frequência em textos religiosos e militares
portugueses da época. Ver, por exemplo: Thornton, John. The Kongolese
Saint Anthony: Donna Beatriz Kimpa Vita and the Antonian Movement,
1684-1706 . Cambridge: Cambridge University Press, 1998, pp. 32-5.
[ «« ]
2. Garcia Mendes Castello Branco. “Relação”, MMA 6:465; Battel, Andrew. The
Strange Adventures of Andrew Battell, in Angola and the Adjoining Regions ,
E. G. Ravenstein (org.). Londres: Hakluyt Society, 1901, p. 27.
[ «« ]
3. Du Jarric, Pierre. Histoire des choses plus memorables advenues tant ez lndes
Orientales, que autres païs de la descouverte des Portugais , 3 v. Bordeaux,
1608-1614, 2:103.
[ «« ]
4. Ver: Birmingham, David. Trade and Conflict in Angola: The Mbundu and
Their Neighbors under the Influence of the Portuguese, 1483-1790. Oxford:
Clarendon Press, 1966, pp. 57-63.
[ «« ]
7. Ibid., MMA 5:54. Ver também: Heywood, Linda M.; Thornton, John K. Central
Africans, Atlantic Creoles, and the Foundation of the Americas, 1585-1660.
Nova York: Cambridge University Press, 2007, pp. 91-2.
[ «« ]
10. Silva Corrêa, Elias Alexandre da. História de Angola , Manuel Múrias (org.),
2 v. ([1792] Lisboa: Editorial Ática, 1937), 1:219.
[ «« ]
19. Gaeta, Antonio da. La Meravigliosa Conversione alla Santa Fede di Cristo
della Regina Singa , ed. Francesco Maria Gioia (Nápoles, 1669), 169.
[ «« ]
33. Missão dos Jesuítas em Angola (1602-1603), MMA 5:55-56; “Relacion del
Governador d’Angola sobre el Estado en que tem Aquella Conquista ...”, 28
de maio de 1603, MMA 5:60-62.
[ «« ]
37. Carta de André Velho da Fonseca ao Rei, 28 de fevereiro de 1612, MMA 6:65.
[ «« ]
38. Ibid., MMA 6:66; André Velho da Fonseca, 4 de março de 1612, “Devassa que
tem direito sobre as Causas”, AHU , Cx. 1, doc. 18.
[ «« ]
39. Regimento do Governador de Angola, 3 de setembro de 1616, MMA 6:258-
259.
[ «« ]
40. Ibid.
[ «« ]
41. “Catálogo dos Governadores do Reino de Angola” (1784), in Colecção de
Noticias para a Historia e Geografia das Nações Ultramarinas, v. 3, par. 1
(Lisboa, Academia Real das Sciencias, 1825), 361-362; João Carlos Feo
Cardoso de Castello Branco e Torres, Memórias Contendo a Biographia do
Vice Almirante Luiz da Motta Feo e Torres. Paris: Fantin, 1825, pp. 151-2.
[ «« ]
42. Ibid.
[ «« ]
54. Cadornega, História geral , 1:86; ver também: Heywood e Thornton, Central
Africans , pp. 117-8.
[ «« ]
64. Ibid., 1:94-95; ver também: Heintze, Beatrix. Angola nos séculos XVI e XVII :
Estudos sobre fontes, métodos e história. Luanda, 2007, p. 286.
[ «« ]
65. “História Política de Angola (1622-1623)”, MMA 7:78; Cavazzi, MSS Araldi,
livro 2, p. 23; Cavazzi, Istorica Descrizione, livro 5, par. 106; Cadornega,
História geral , 1:88-89n1, 90; Feo Cardoso, Memórias , p. 157; Saccardo,
Congo e Angola , 1:171.
[ «« ]
76. Sottomaior, “Papel sobre as cousas de Angola” (c . 1620), MMA 15:476; ver
também: Heywood e Thornton, Central Africans , pp. 159-60.
[ «« ]
80. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 25; “Catálogo dos Governadores”, p. 364.
[ «« ]
81. “Catálogo dos Governadores”, pp. 364-5; Feo Cardoso, Memórias , p. 158;
Cavazzi, Araldi MSS , livro 2, p. 25; “Relação do Padre Mateus Cardoso”
(1623), MMA 7:177.
[ «« ]
82. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 25; Feo Cardoso, Memórias , p. 159.
[ «« ]
83. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 24; Feo Cardoso, Memórias , p. 159.
[ «« ]
89. O próprio Correia de Sousa descreveu essa campanha num relatório que
mandou para Lisboa: “Carta de Correia de Sousa ao Marques de Frecilha”, 3
de junho de 1622, MMA 7:17-24. Ver também: Heywood e Thornton, Central
Africans , pp. 136-7; Saccardo, Congo e Angola , 1:176.
[ «« ]
90. Heintze, Angola nos séculos XVI e XVII , p. 308.
[ «« ]
91. Ibid., p. 310.
[ «« ]
92. Silva Corrêa, História de Angola , 1:219.
[ «« ]
3. Ibid.
[ «« ]
4. Entrevista. Rei Jinga , Corte Real, Marimba, Angola, 22 de julho de 2011.
Após os anos 1670, os portugueses passaram a chamar o governante de
Ndongo-Matamba de Rei Jinga. No século XIX , a palavra “jinga” passou a
ser associada ao povo que vivia na região de Matamba (hoje província de
Malange), onde se localizava Marimba, a última capital de Jinga. O título
ainda está em uso nos dias de hoje. Em 2011, visitei Marimba para localizar o
túmulo de Jinga e entrevistei o rei Jinga, que se chamava rei Cabombo.
[ «« ]
10. Cadornega, Antônio de Oliveira de. História geral das guerras angolanas ,
José Delgado (org.), 3 v. (1940-1942; repr. Lisboa: Agência-Geral do
Ultramar, 1972), 1:58. Embora o editor da História geral e historiadores
como Beatrix Heintze tenham desconsiderado todas as referências de
Cadornega a Jinga antes de ela se tornar rainha, argumentando que ele
confundiu as datas relativas a Jinga, discordo dessa conclusão. Sustento que,
embora Cadornega tenha de fato confundido datas, em todo o texto ele se
refere a Jinga como rainha Jinga porque essa era sua posição quando ele
chegou a Angola, em 1639. Acredito que Cadornega estava certo quando
disse que Jinga participou das guerras anteriores a 1624, pois consultou notas
de campo agora perdidas que descrevem a situação no terreno que
comandantes e governadores deixaram no forte de Massangano. Parece
provável que suas muitas referências a Jinga mobilizando a população para
lutar contra os portugueses nos anos anteriores à sua ascensão ao trono
baseavam-se em descrições das batalhas feitas por esses relatos, e Cadornega
não teria inserido Jinga na ação sem fundamentação. Veja-se, por exemplo, a
referência de Cadornega às campanhas de João Mendes de Vasconcelos, na
qual observa ter consultado “alguns documentos de serviço dos antigos
conquistadores” que acompanhavam Mendes de Vasconcelos e falaram de
fato com alguns dos participantes: Cadornega, História geral , 1:95.
[ «« ]
11. Cadornega, História geral , 1:59.
[ «« ]
12. Ibid., 1:61.
[ «« ]
13. Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 5, par. 106.
[ «« ]
14. Cadornega, História geral , 1:94.
[ «« ]
21. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, pp. 24-5; Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 5,
par. 106.
[ «« ]
22. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 25; Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 5,
par. 106.
[ «« ]
27. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 33; “Carta de Fernão de Sousa ao Governo”,
15 de agosto de 1624, FHA 2:85.
[ «« ]
29. Para uma descrição de como Jinga lidou com as contestações à sua
elegibilidade ao trono de Ndongo, ver: Thornton, John K. “Legitimacy and
Political Power: Queen Jinga, 1624-1663”, JAH 32 (1991), pp. 25-40; ver
também: Miller, Joseph C. “Nzinga of Matamba in a New Perspective”, JAH
16 (1975), pp. 201-16; Parreira, Adriano. Economia e sociedade em Angola
na época da Rainha Jinga, século XVII . Lisboa: Editorial Estampa, 1990, pp.
177-83.
[ «« ]
34. Ibid.
[ «« ]
47. Carta de Fernão de Sousa ao Governo (s.d., 9 de julho de 1626), FHA 2:166-
167.
[ «« ]
61. Ibid.
[ «« ]
62. Ibid.
[ «« ]
63. Rainha Jinga para Bento Banha Cardoso, 3 de março de 1626 [datada errada
de 1625], tal como citada em Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:244-
5. Portugal estava sob a Coroa espanhola.
[ «« ]
71. Ibid.
[ «« ]
80. Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:242; Carta de Fernão de Sousa a
El-Rei, 21 de fevereiro de 1626, MMA 7:419.
[ «« ]
81. Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:242; Carta de Fernão de Sousa a
El-Rei, 21 de fevereiro de 1626, MMA 7:418-9.
[ «« ]
94. Ibid.
[ «« ]
95. Cadornega, História geral , 1:138-9; ver também: Carta do Governador a
Seus Filhos, FHA 1:254; Carta de Fernão de Sousa ao Governo (s.d. 9 de julho
de 1626), FHA 2:167.
[ «« ]
97. Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:254; Carta de Fernão de Sousa ao
Governo (s.d. 9 de julho de 1626), FHA 2:167.
[ «« ]
98. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 38; Heintze, Angola nos séculos XVI e XVII ,
pp. 344, 348.
[ «« ]
4. Política traiçoeira
1. “O Extenso Relatório do Governador a Seus Filhos” (s.d., 1625-1630), FHA
1:254.
[ «« ]
2. Para a linhagem de Ngola Hari, ver: Campos, Fernando. “Conflitos na
Dinastia Guterres através da sua Cronologia”, África (São Paulo), 27-28
(2006-2007): 23-43, nas pp. 27-8.
[ «« ]
3. Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:256-257.
[ «« ]
15. Ibid., 1:258; Heintze, Beatrix. Angola nos séculos XVI e XVII : Estudos sobre
fontes, métodos e história (Luanda, 2007), pp. 352-3.
[ «« ]
18. Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:258; “Relação do Governo Fernão
de Sousa ao Secretario de Estado”, 30 de janeiro de 1627, MMA 7:497-489.
[ «« ]
19. Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:282; Saccardo, Congo e Angola,
1:224.
[ «« ]
20. “Estado Religioso do Reino de Dongo”, 27 de março de 1627, MMA 7:505.
[ «« ]
21. Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:282-8.
[ «« ]
30. Ibid.
[ «« ]
33. Ibid.
[ «« ]
34. Carta do Governador a Seus Filhos, 1:294.
[ «« ]
35. Ibid., 1:298.
[ «« ]
50. Ibid.
[ «« ]
51. Ibid., 1:314-5.
[ «« ]
54. Ibid.
[ «« ]
61. Carta de Fernão de Sousa ao Governo, não enviada (s.d., final de julho ou
início de agosto de 1628), FHA 2:200.
[ «« ]
75. Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:331-2; Cadornega, História geral ,
1:149.
[ «« ]
76. Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:332; João Carlos Feo Cardoso de
Castello Branco e Torres. Memórias contendo a biographia do Vice
Almirante Luiz da Motta Feo e Torres. Paris: Fantin, 1825, p. 166.
[ «« ]
85. Ibid.
[ «« ]
89. Ibid.
[ «« ]
5. Guerra e diplomacia
1. Cadornega, Antônio de Oliveira de. História geral das guerras angolanas ,
José Delgado (org.), 3 v. (1940-1942; repr. Lisboa: Agência-Geral do
Ultramar, 1972), 1:166n; Delgado, Ralph. História de Angola , 2 ed. Banco
de Angola, s.d., p. 140.
[ «« ]
2. João Carlos Feo Cardoso de Castello Branco e Torres. Memórias contendo a
biographia do Vice Almirante Luiz da Motta Feo e Torres . Paris: Fantin,
1825, p. 69; Carta de Fernão de Sousa ao Governo, 8 de janeiro de 1630, FHA
2:244-5.
[ «« ]
4. Carta e Verdadeira Relação do Padre Pedro Tavares ... as suas Missões dos
Reinos de Angola e de Congo. Biblioteca Pública de Évora, Códex cxvii2-4,
fols. 21,23.
[ «« ]
5. Relação do Governador Fernão de Sousa, 1624-1630, MMA 7:653.
[ «« ]
13. Sobre as diversas ideias que foram propostas a respeito da origem dos
imbangalas, ver: Miller, Joseph C. Kings and Kinsmen: Early Mbundu States
in Angola. Oxford: Clarendon Press, 1976. Ver também: Sousa Pinto, Paulo
Jorge de. “Em Torno de um Problema da Identidade: Os ‘Jaga’ na História do
Congo e Angola”, in Mare Liberum 18-19 (1999‑2000): 193-246.
[ «« ]
18. Cavazzi, que conta toda a história de Tembo a Ndumbo, pode tê-la enfeitado
para seus leitores do século xvii.
[ «« ]
28. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, pp. 42-3; Cadornega, História geral , 1:414.
[ «« ]
29. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 196. Em quimbundo, kalunga significa “mar”
ou “morte.”
[ «« ]
30. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 3.
[ «« ]
31. Ibid., livro 2, pp. 42-3, 103; Cadornega. História geral, 1:405.
[ «« ]
45. Cavazzi, Istorica Descrizione, livro 5, par. 113; Cavazzi, MSS Araldi, livro 2,
pp. 44-5.
[ «« ]
46. Cavazzi, Istorica Descrizione, livro 5, par. 113; Cavazzi, MSS Araldi, livro 2,
pp. 44-5.
[ «« ]
48. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, pp. 44-5; Cavazzi. Istorica Descrizione, livro 5,
par. 113.
[ «« ]
56. “Pièces d’un dossier ... Éstats-Généraux”, 20 de janeiro de 1649, in: Jadin,
Ancien Congo, 2:1102; Ratelband, Klaas. Os holandeses no Brasil e na costa
africana: Angola, Kongo e São Tomé, 1600-1650. Lisboa: Vega, 2003, pp.
161-2.
[ «« ]
59. Jadin, Ancien Congo , 1:124; Cadornega. História Geral, 1:293; Cert. de
Francisco de Fonseca Saraiva, 29 de novembro de 1642, MS 1505, Papéis
sobre Angola, Biblioteca da Universidade da Coimbra (BUC ), Coimbra,
Portugal.
[ «« ]
60. Cadornega, História geral , 1:422-3.
[ «« ]
61. Ibid., 1:290-4.
[ «« ]
74. “Les XIX aux directeurs du district de la côte sud d’Africa”, 30 de novembro
de 1644, in: Jadin, Ancien Congo , 1:597.
[ «« ]
87. Ibid.
[ «« ]
88. Ratelband, Os holandeses , p. 275.
[ «« ]
90. Ibid.
[ «« ]
91. Ibid., 1:394.
[ «« ]
105. “Les XIX au Directeurs de Luanda”, 1o de agosto de 1646, in: Jadin, Ancien
Congo , 2:827-8.
[ «« ]
111. Ibid., 1:491-2; Carta de São Paulo de Loanda, 16 de dezembro de 1647, in:
Jadin, Ancien Congo , 2:938-40.
[ «« ]
112. Cadornega, História geral , 1:430, 434.
[ «« ]
113. Carta de São Paulo de Loanda, 16 de dezembro de 1647, in: Jadin, Ancien
Congo , 2:938-40; Cadornega, História geral , 1:498-500. Ver também:
Arquivos de Angola , 2ª série 2 (1945), pp. 149-64, para o testemunho de
sobreviventes portugueses; Ratelband, Os holandeses , pp. 304-6; Extract van
seeckeren Brief gheschreven uyt Loando St. Paulo, in Angola, van weghen de
groote Victorei die de Onse verkregen hebben tegen de Portugesen onder’t
beleydt van onsen Directeur Ouman. Haia: Ludolph Breeckevelt, 1648.
[ «« ]
114. Cadornega, História geral , 1:444.
[ «« ]
116. Ibid., 1:501-5. Os portugueses tinham algumas fazendas em suas terras, mas
Atungo entrara para a aliança entre Jinga e os holandeses e lutara ao lado do
capitão-mor de Jinga, Jinga a Mona.
[ «« ]
117. Jadin, Ancien Congo , 2:883n1, 1053.
[ «« ]
118. Cadornega, História geral, 3:89-91; 462. Ver também: Jadin, Ancien Congo
, 2:883n1, 1053.
[ «« ]
6. Um ato de equilíbrio
1. “Araldi Ms. Informazione sopra la Regina Jinga, Ambaca, 20/10/1650”,
Congo, Angola, Documenti, v. 2 (1646-1653), p. 234, Coleção Saccardo,
Archivio Provinciale dei Cappuccini di Venezia, Veneza, ltália (doravante
citado como Coleção Saccardo). Esse relatório foi escrito por Rui Pegado da
Ponte, um embaixador enviado a Jinga pelos portugueses em 1648, ou pelo
padre Dionísio Coelho, um membro da embaixada portuguesa de 1640, à
corte dela em Matamba, que tentou e não conseguiu afastá-la das práticas
imbangalas e aproximá-la do cristianismo.
[ «« ]
12. João Carlos Feo Cardoso de Castello Branco e Torres. Memórias Contendo a
Biographia do Vice Almirante Luiz da Motta Feo e Torres . Paris: Fantin,
1825, pp. 180-4; Saccardo, Congo e Angola , 2:75-79, 498.
[ «« ]
13. Cadornega, História geral , 2:128, 347, 355.
[ «« ]
17. Treslado de Paz con Congo (transcrição), “Auto de Devaça que mandou
obrar o Cappitam-Mor Luis Lobo de Sequeira”, 25 de agosto de 1664, AHU ,
Cx. 5, doc. 15. Embora Jinga tenha morrido poucos meses antes dessa
investigação, as autoridades portuguesas suspeitavam que missionários
espanhóis estavam promovendo os interesses da Espanha durante a década de
1650. A testemunha n. 4, Manuel Afonso Salgado, disse que os congos
estavam esperando por uma frota espanhola que viria e destruiria os
portugueses. Ele queria a ajuda dos Dembos e também da “Raynha Jinga”
(s.p.).
[ «« ]
18. Cavazzi, MSS Araldi, livro 3, pp. 30-2.
[ «« ]
33. Ibid.
[ «« ]
36. lbid.
[ «« ]
43. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, pp. 71-3; Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 6,
par. 2.
[ «« ]
44. Carta de Salvador de Sá a El-Rei, 6 de outubro de 1650, MMA 10:571;
Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 6, par. 2.
[ «« ]
48. Ibid.
[ «« ]
55. Para o texto dessa carta, ver: Cadornega, História geral , 2:500-3; tradução
para o inglês in: McKnight e Garofalo, Afro-Latino Voices , pp. 45-50.
[ «« ]
65. Sobre a data da chegada de frei Gaeta, ver a nota do editor in: Cavazzi,
Descrição histórica dos três reinos do Congo, Matamba e Angola , trad.
Graciano Maria [Saccardo] de Leguzzano, 2 v. Lisboa: Junta de Investigações
do Ultramar, 1965, 2:184n27.
[ «« ]
66. Gaeta, La Meravigliosa Conversione , pp. 97-100.
[ «« ]
8. Ibid.
[ «« ]
17. Ibid.
[ «« ]
32. Ibid.; Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 6, par. 36. Para detalhes dos
eventos de 1658, ver: Saccardo, Congo e Angola , 1:520.
[ «« ]
40. Breve do Papa Alexandre VII à Rainha Ana de Sousa Jinga, 19 de junho de
1660, MMA 12:290-1.
[ «« ]
41. Carta da Rainha D. Ana Jinga ao Papa Alexandre VII , 25 de agosto de 1662,
MMA 12:402-3.
[ «« ]
42. Ibid.
[ «« ]
43. Carta da Rainha D. Ana Jinga a Frei Crisóstomo de Gênova, 18 de março de
1663, MMA 12:430-1.
[ «« ]
44. Carta da Rainha D. Ana Jinga ao Prefeito da Propaganda, 10 de abril de
1663, MMA 12:434-5.
[ «« ]
62. Ibid.
[ «« ]
63. Carta del p. Cavazzi a Propaganda, 12 de agosto de 1663, Raccolta L, v. 2
(1654-1690), p. 165, Coleção Saccardo.
[ «« ]
64. Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 6, par. 105.
[ «« ]
65. “Relazione sopra a Regina Zinga”, 26 de novembro de 1658, Congo
Raccolta L, 1654-1690, v. 3, pp. 190-1, Coleção Saccardo.
[ «« ]
66. Cadornega, História geral , 2:171-2.
[ «« ]
67. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, pp. 5, 22.
[ «« ]
104. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 61; Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 6,
par. 111.
[ «« ]
13. Diderot, Denis. Encyclopedie, ou Dictionnaire des sciences, des arts et des
métiers. Paris, 1751.
[ «« ]
16. Ibid.
[ «« ]
17. Marquês de Sade. Philosophy in the Bedroom (1795), trad. Richard Seaver e
Austryn Wainhouse, digitalizado e composto por Supervert 32C Inc., 2002,
p. 57.
[ «« ]
31. Pacavira, Manuel Pedro. Nzinga Mbandi. Luanda, 1975; Pepetela, A gloriosa
família ; República de Angola, Jinga a Mbande e Aimé Cesaire.
[ «« ]
32. Miranda, Manuel Ricardo. Jinga: rainha de Angola. Cruz Quebrada: Oficina
do Livro, 2008.
[ «« ]
33. Mata, Inocência (org.). A rainha Nzinga Mbandi: história, memória e mito ,
2. ed. Lisboa: Colibri, 2014.
[ «« ]
35. Ver, por exemplo: Silva, Rafael Ferreira da. “A mulher na capoeira e a
participação no movimento de resistência ao sistema racista e patriarcal”,
disponível em: <www.uneb.brenlacandosexualidades/files/2015/A >;
Barbosa, Solange, “O espírito da rainha Nzinga Mbandi no Brasil e no
Caribe”, em Mata (org.). A rainha Nzinga Mbandi , pp. 147-56.
[ «« ]
36. Câmara Cascudo, Luís da. Made in Africa. Rio de Janeiro, 1965; Glasgow,
Roy. Nzinga (São Paulo: Perspectiva, 1982);
<http://www.galeriadosamba.com.br/espacoaberto/topico /203340/0/2/0/>
[ «« ]
37. Herrera, Granos de sol e luna ; Oliveros, Pauline. Jinga, the Queen King:
The Return of a Warrior (DVD , 2010, baseado numa peça de 1993 encenada
na Brooklyn Academy of Music); Cook, Verna S. e Brooks, Charlotte K.
(orgs.) Distinguished Black Women , 1991-1995, v. 3. Washington, D.C.:
Black Women in Sisterhood for Action, 1995; Havemeyer, Janie. Jinga “The
Warrior Queen”. Foster City, CA : Goosebottom, 2011.
[ «« ]
38. Unesco. Jinga Mbandi: Queen of Ndongo and Matamba. Unesco, 2015.
Disponível em: <http://en .unesco.org/womeninafrica/Jinga-mbandi/comic>.
[ «« ]
39. Ver, por exemplo, sua inclusão em: Duindum, Jeroen. Dynasties: A Global
History of Power, 1300-1800. Cambridge: Cambridge University Press, 2015.
[ «« ]
Agradecimentos
Desde a infância, sou fascinada por mulheres famosas da história e, ao longo dos
anos, li biografias e ficção histórica sobre muitas mulheres governantes, em
particular Elizabeth I da Inglaterra. Transferi a paixão que tive por Elizabeth para
Jinga depois que comecei a lecionar história antiga da África Central na
Universidade Howard, em meados da década de 1980. Muitas pessoas me
apoiaram nessa longa jornada. Esta biografia não poderia ter sido escrita sem o
apoio de colegas da Universidade Howard e, mais importante, da Universidade
de Boston, minha base acadêmica durante quase treze anos. Entre 2008 e 2015,
essa universidade proporcionou-me bolsas de pesquisa e licenças sabáticas que
me permitiram coletar material para esta biografia em Angola, Portugal e Itália.
Minha gratidão vai também para o Centro de Ciências Humanas da Universidade
de Boston (BUCH ), pelo prêmio de produção de publicação para 2015-2016, que
cobriu o custo das ilustrações e os mapas originais que aprimoram o livro.
Valorizei o apoio e o incentivo ao longo dos anos dos vários diretores da
Faculdade de Artes e Ciências da Universidade de Boston e das cadeiras e dos
colegas professores do Departamento de História e do Programa de Estudos
Afro-Americanos.
Este livro baseia-se numa ampla gama de fontes arquivísticas e primárias
publicadas em português, italiano, holandês e francês, e em pesquisas realizadas
em arquivos e bibliotecas de Angola, Portugal, Itália, França, Holanda,
Inglaterra e Brasil. Passei nove anos reunindo e estudando os relatórios dos
governadores portugueses que detalham as guerras que travaram contra Jinga,
bem como as relações diplomáticas e econômicas que tiveram com ela.
Examinei cuidadosamente as duas biografias de Jinga publicadas por
contemporâneos seus: La Meravigliosa Conversione alla Santa Fede di Cristo
della Regina Singa (1669), de Antonio da Gaeta, e Istorica Descrizione de’ tre’
regni, Congo, Matamba et Angola (1687), de Giovanni Antonio Cavazzi. Os
dois missionários recolheram muitas tradições sobre a vida inicial de Jinga
diretamente dela, bem como dos anciãos de sua corte. Consultei também os
manuscritos inéditos das biografias de Gaeta e Cavazzi e a tradução feita por
John Thornton do manuscrito de Cavazzi, além de cartas e relatórios publicados
e não publicados que Cavazzi, Gaeta e outros missionários capuchinhos
enviaram para a Itália e Portugal. Obtive outros esclarecimentos sobre o estilo de
liderança e estratagemas militares de Jinga nos registros da Companhia
Holandesa das Índias Ocidentais (recolhidos e traduzidos para o francês por
Louis Jadin) deixados pelos dois diretores — seus futuros aliados — que
estiveram em Angola no auge das guerras de Jinga contra os portugueses (1641-
48). A tradução de John Thornton de alguns documentos holandeses originais
ajudou-me a comparar as traduções com os documentos originais. As opiniões
da própria Jinga sobre suas políticas militares, econômicas e diplomáticas,
preservadas nas muitas cartas que seus secretários escreveram em seu nome aos
portugueses, aos missionários e ao papa, proporcionaram uma ótima
compreensão do grau de cálculo político por trás de suas relações bem-sucedidas
com os portugueses e missionários. As versões publicadas dessas cartas
encontram-se na valiosa série Monumenta Missionaria Africana , editada por
Antônio Brásio. Algumas das cartas originais estão disponíveis no acervo do
Arquivo Histórico Ultramarino (AHU ) em Lisboa e em arquivos de Roma.
Obtive mais informações sobre o estilo de liderança e a experiência militar de
Jinga ao ler as muitas cartas enviadas pelo governador Fernão de Sousa ao rei de
Portugal, bem como a seus filhos, durante os primeiros anos da resistência de
Jinga. Beatrix Heintze coletou e publicou esses documentos em uma coleção de
dois volumes. Fundamentais para uma compreensão mais profunda dos instintos
políticos de Jinga foram as cartas enviadas a Portugal pelos muitos governadores
portugueses de Angola durante a época de Jinga, cartas entregues pelos
embaixadores dela em quimbundo e traduzidas para o português. As observações
de Antônio de Cadornega, o soldado português que participou de muitas batalhas
cruciais contra Jinga e que também se correspondeu com ela quando trabalhou
no sistema judiciário de Luanda, revelaram-se indispensáveis. Com suas muitas
referências a Jinga, a história em três volumes das guerras angolanas escrita por
Cadornega oferece uma verdadeira perspectiva privilegiada; ao contrário dos
governadores coloniais, Cadornega viveu em Angola por mais de cinquenta
anos, a partir de 1638. Também consultei biografias, livros, poemas e artigos
publicados nos dois séculos posteriores à morte de Jinga. As obras publicadas de
escritores portugueses do início até meados do século XIX , ansiosos por
reivindicar a posse de Jinga através de seus próprios relatórios e revisões,
também se mostraram essenciais.
A pesquisa não poderia ter sido concluída sem a assistência das inúmeras
equipes profissionais das várias bibliotecas e arquivos onde trabalhei durante
anos ou que me concederam permissão para usar as ilustrações incluídas no
livro. Ofereço meus agradecimentos ao Arquivo Histórico Ultramarino (Lisboa),
ao Arquivo Histórico Nacional de Angola, aos Arquivos Secretos e à Biblioteca
do Vaticano, ao Archivio Provinciale dei Cappuccini de Veneza (Coleção
Saccardo, Veneza), à Divisão de Livros Raros da Biblioteca Pública de Nova
York, às fundações Astor, Lenox e Tilden, à Bibliothèque des Arts Décoratifs de
Paris e à Academia das Ciências de Lisboa. Meus mais sinceros agradecimentos
ao dr. Vincenzo Negro, de Módena, Itália, que me concedeu permissão para usar
as seis ilustrações de Cavazzi do manuscrito de Araldi, e à dra. Cécile Fromont,
que me permitiu usar a ilustração de Jinga com missionários capturados.
Obrigado também a Aharon de Grassi e Isabelle Lewis pelos mapas incluídos no
livro.
Agradecimentos especiais ao Centro Hutchins de Pesquisas Africanas e
Africano-Americanas da Universidade Harvard, que me concedeu a honra de ser
uma Du Bois Fellow regular durante o ano letivo, bem como no verão. O
generoso apoio financeiro do centro permitiu-me viajar a Angola, ao Brasil e a
Portugal para realizar pesquisas sobre Jinga. Devo agradecer especialmente a
Henry Louis Gates Jr., que nunca duvidou de que a biografia de Jinga tivesse de
ser escrita e sempre assegurou que houvesse apoio institucional para fazê-la.
Além disso, o livro não teria sido concluído sem o estímulo e o apoio do diretor
executivo Abby Wolf, da diretora do programa de Fellows, Krishna Lewis, e de
todos os meus colegas e amigos no Centro Hutchins. Eu não poderia pedir um
ambiente mais estimulante para evocar Jinga.
Devo muitos agradecimentos aos estudantes da Universidade de Boston e da
Universidade Harvard que trabalharam como assistentes de pesquisa e ajudaram
a traduzir algumas das fontes do italiano para o inglês. As traduções feitas por
Miriam Bassi (Universidade de Boston, 2007-2008) e Ana Luíza Gibertoni Cruz
(MD , mestranda na Escola de Saúde Pública de Harvard, 2009-2010) foram
particularmente apreciadas. Um agradecimento especial mais uma vez a Luíza
Gibertoni e a Amanda Virginia Heywood Thornton, MD , pelo tempo gasto na
leitura da descrição que Cavazzi fez dos sintomas médicos exibidos por Jinga em
seus últimos dias e por terem chegado a diagnósticos semelhantes quanto à
doença que causou a morte da rainha.
Muito obrigado a Julie Wolf, por me ajudar a transformar o manuscrito em
um livro que leitores tanto do mundo acadêmico quanto do público em geral se
sentissem à vontade para ler. Eu não teria concluído o manuscrito sem sua
orientação especializada. Agradecimentos também a Paul Lucas, pelos conselhos
e sugestões sobre como melhorar a versão inicial do manuscrito. Sua
contribuição permitiu que eu separasse a vida e a morte de Jinga de Jinga como
uma figura de memória, para conceber esses dois aspectos da rainha como um
rico material. Os comentários e críticas dos leitores anônimos que leram o
manuscrito para a Harvard University Press foram todos muito apreciados e
enriqueceram este livro. Finalmente, estou em dívida para sempre com minha
editora na Harvard University Press, Kathleen McDermott, por seu estímulo, sua
paciência e orientação. Desde o primeiro momento em que ela leu o manuscrito,
Kathleen acreditou que a vida de Jinga transcendia o tempo e o lugar, e a
maneira profissional e pessoal com que ela tratou todo o processo foi
motivadora.
Por último, devo agradecer à minha família, pelo infinito e inequívoco apoio
e amor ao longo deste projeto, com o qual todos convivemos nos últimos anos.
Assim como minha filha Amanda emprestou-me sua experiência médica, minha
filha Amara tomou tempo de sua ocupada agenda em Londres para compartilhar
e-mails comigo sobre o manuscrito. Agradeço imensamente a John, meu marido
e colega, e único especialista sobre família na história pré-colonial da África
Central, por seu amor, compreensão e apoio irrestrito durante esses anos. As
conversas que tivemos e as pesquisas que realizamos juntos sobre a África
Central no século XVII possibilitaram que eu entendesse o lugar de Jinga em
Angola e o mundo à sua volta. Minha maior esperança é que John goste de ler a
vida de Jinga que recriei a partir dos documentos que ele tão generosamente
compartilhou comigo.
Termos para busca
A
Afonso (rei do Congo)
Afonso, Baltasar
Akibata, Gaspar
Alexandre VII (papa)
Almeida, Francisco de
Álvaro I (rei do Congo)
Ambaca (forte português): acordo para mudar; Bárbara (Kambu) em;
estabelecimento de; iniciativa de construção de igreja; ofensivas contra
Ambrósio (rei do Congo)
Andala Gonga Cangombe
Angola: imagem de Jinga em; nome de
Ardenburg (Forte de São Miguel)
Atumba, Samba
Atungo, Pedro Bamba
Azevedo, Paio de Araújo de
B
Bárbara ver Kambu (Bárbara)
Barreira, Baltasar
Barreto, Dionísio de Faria
batalhas: aparecimentos de espíritos durante; aparecimentos de espíritos durante;
ver também Jinga, campanhas militares
Borges Madureira, Gaspar
Brasil
C
Cadornega, Antônio de Oliveira de: biografia de Jinga; correspondência com
Jinga; frontispício de obra de; registros de; sobre a morte de Ngola Mbande;
sobre Jinga; sobre Kambu
Caheta (imbangala)
Cambambe (forte português)
Cambambe (província)
Candele de Kisos
canibalismo
capoeira
capuchinhos: apoio de Jinga aos; como viam Jinga; diplomacia por intermédio
dos; e o tráfico de escravos; oposição aos; trabalho missionário; ver também
Cavazzi, Giovanni Antonio; cristianismo; Cortona, Serafino da; Gaeta,
Antonio da; jesuítas
Carasco, Giuseppe
Cardoso, Bento Banha: e eleição de Ngola Hari; fortes construídos por; morte
de; ofensiva contra Jinga
casamento cristão
Castilhon, Jean-Louis
Catarina, dona (regente de Portugal)
catolicismo ver cristianismo
Cavazzi, Giovanni Antonio: e carta do papa; e legado de Jinga; enterro de
Kabanga e irmã; ilustração de Jinga; na festa da igreja; na morte e no funeral
de Jinga; poema sobre Jinga; sobre a experiência militar de Jinga; sobre as
práticas religiosas de Jinga; sobre Jinga e canibalismo; sobre Ndambi a
Ngola; sobre o nascimento de Jinga; sobre os imbangalas; trabalho
missionário
Chapelle, Ferdinand van
Coelho, Dionísio
Congo; aliança com Jinga; e Espanha; e Matamba; e os holandeses; e Portugal;
Jinga na província de Wandu; mapa; ver também Garcia II
Constantinho, dom (Songa)
Cordella, Bonaventura de
Correia da Silva, Francisco
Correia de Sá, Salvador
Correia de Sousa, João
Cortona, Serafino da: correspondência com Jinga; diplomacia por intermédio de;
e Bárbara (Kambu); e embaixada de Jinga ao Vaticano; sobre Jinga; sobre
trabalho da missão
Costa, Diogo da
Coutinho, Manuel Pereira
cristianismo: e casamento; e legitimidade de Ngola Hari; em Ndongo; no Congo;
papel na política portuguesa; ver também capuchinhos; jesuítas; Jinga,
religião
Culembe
D
Dapper, Olfert
Dembos, região dos: derrota de Jinga na; portugueses na; quilombo de Jinga em
Dias, Sebastião
Dias de Novais, Paulo: como amante da filha de Ngoia Kiluanje; e a missão de
1560 a Ndongo; e conquista militar de Ndongo; e cristianização de Ndongo; e
tráfico de escravos
diplomacia ver Jinga, diplomacia
Donji (imbangala)
Dumbo a Pebo (região)
E
Elizabeth I (rainha da Inglaterra)
escravidão ver tráfico de escravos/escravidão
Espanha
espiritualidade ver cristianismo; Jinga, religião; religião tradicional
F
feiras (ou mercados); ver também tráfico de escravos
Fernandes Vieira, João
Forte de São Miguel
franciscanos
Funji (Graça): autoridade de; batismo de; captura pelos portugueses; considerada
para substituir Ngola Hari; espiã; esterilização pelo irmão; morte de; pais e
irmãos
G
Gaeta, Antonio da: biografia de Jinga; e Bárbara (Kambu); e casamento cristão;
e doenças de Jinga; e embaixada ao Vaticano; e tratado entre Portugal e Jinga;
entrega da misete para; intermediário diplomático; morte de; oposição a;
recepção por Jinga; relação com Jinga; sobre o nascimento de Jinga; sobre o
tráfico de escravos; sobre os talentos militares de Jinga; trabalho missionário;
transferência para longe de Matamba
gangas (ngangas , sacerdotes); ver também religião tradicional
Garcia II (rei do Congo): disputa por bispo; e Correia de Sá; e Fernandes Vieira;
e Jinga; e missionários em Wandu; e os holandeses
Gouveia, Francisco de
Graça ver Funji (Graça)
Gregório (aliado dos portugueses)
Gusmão, Luisa de (regente de Portugal)
H
Hari a Kiluanje
Hegel, G. W. F.
Heintze, Beatrix
Herrera, Georgina
Hohoria Ngola
holandeses: acordo formal com Jinga; aliança com Jinga; capitulação para os
portugueses; conflito com os portugueses; no exército de Jinga
I
imbangalas; aliança com Ngola Mbande; aliança com os portugueses; caos
causado por; destruição do quilombo de Jinga; familiaridade de Jinga com;
Jinga transforma-se em líder dos; leis e rituais; liderança; reputação de Jinga
entre os; ver também Kalandula; Kasa; Kasanje
Irmandade do Rosário
J
jesuítas: concessões de escravos para; concessões de terras para; conflito com
capuchinhos; diplomacia com; e Ndambi a Ngola; e Ngola Hari; papel no
colonialismo português; trabalho missionário; ver também capuchinhos;
cristianismo
“jinga” (como título)
Jinga; casamento com Kasa; casamento com Sebastião; como divindade; e
canibalismo; esterilização pelo irmão; funeral; imagens de; infância;
intrepidez; luto por; nascimento; nomes e títulos; relação com os homens;
troca de sexo; últimos dias e morte; ver também Jinga, campanhas militares;
Jinga, diplomacia; Jinga, legado; Jinga, política; Jinga, religião
Jinga (filme)
Jinga, campanhas militares: aquisição de armas; como estratégia de liderança;
como líder imbangala; contra Kasanje; contra Yaka; em Dembos;
Jinga, campanhas militares (continuação )em Matamba; em Mbwila; em Wandu;
experiência militar inicial; fugindo dos portugueses; impacto sobre os
portugueses; ofensiva conjunta com os holandeses; ofensiva contra os
portugueses; ofensiva de Azevedo contra; ofensiva de Cardoso contra;
ofensiva de Fernandes Vieira contra aliados de; ofensiva de Sotomaior e
Borges Madureira contra; Vasconcelos da Cunha contra
Jinga, diplomacia: aliança com holandeses; aliança com Kasanje; aliança com o
Congo; ataques de gênero contra; com Correia de Sá; com Coutinho; com
Fernão de Sousa; com jesuítas; com Menezes; com o Vaticano; com os
portugueses após a libertação de Bárbara; com Sousa Chichorro; como
enviada de Ngola Mbande; como tática protelatória; demonstrações de
lealdade a Portugal; e tráfico de escravos; mobilização de apoio; pela
continuidade da independência; pela libertação de Bárbara (Kambu); política
portuguesa a respeito; por intermédio de missionários; recepção de
delegações; tratado com os portugueses; ver também Jinga, política
Jinga, legado; alcance global; de acordo com Cavazzi; de acordo com Herrera;
estátua em Luanda; interpretações angolanas; interpretações europeias;
moldado por Gaeta e Cavazzi; nas tradições orais ambundas; no Brasil
Jinga, política: adoção de práticas imbagalas; ambições políticas; apoio para;
asccensão ao trono; autoridade legal; como ameaça aos portugueses; como
estrategista; como potência regional; concepções monarquistas; consolidação
do poder; culpa dos portugueses; estilo de liderança; exibição de autoridade
real; nova capital em Matamba; preparação para a liderança; quilombo em
Dembos; recrutamento de apoio; reputação de imbangala; ressurgimento do
esconderijo; rivais apoiados pelos portugueses; rivalidade com Ngola
Mbande; sucessão; território controlado por; ver também Jinga, diplomacia
Jinga, religião: apoio a jornadas missionárias; batismo; casamento cristão; como
modelo cristão; confronto com a religião tradicional; construção de igrejas;
consulta aos ancestrais sobre cristianismo; controle sobre; crucifixo de Jinga
a Mona; devoção pessoal ao cristianismo; diplomacia com o Vaticano;
diplomacia por intermédio de missionários; e capuchinhos; educação cristã;
entrega da misete ; esforços de cristianização; impacto da cristianização;
importância da espiritualidade para; mistura de tradições; objetivos políticos
da cristianização; oposição dos seguidores à cristianização; recepção de
Gaeta; religião tradicional praticada por; retorno ao cristianismo; ver também
cristianismo; religião tradicional
Jinga a Mona: batismo; campanhas militares; casamento com Bárbara (Kambu);
desqualificação da liderança; e crucifixo de Mbwila; na festa da igreja; no
funeral de Jinga; oposição a Jinga; relação com Jinga; tratado com os
portugueses
João (embaixador proposto ao Vaticano)
João (frade carmelita)
João IV (rei de Portugal): carta de Ngola Hari para; cartas dos governadores para;
luto por; na diplomacia; preocupação com Jinga; tratado de Jinga com
Junot, Laure
K
Kabanga
Kabasa (capital de Ndongo)
Kabuku Kandonga
Kafuxi ka Mbari
Kaita ka Kabala
Kakulu ka Hango
Kalandula (imbangala)
Kalunga (imbangala)
Kambambe (soba)
Kambu (Bárbara): advertência de Sousa a respeito de; ascensão ao trono;
autoridade de; batismo; captura pelos portugueses; casamento; celebração da
libertação; como sucessora; considerada para substituir Ngola Hari; e
Cortona; e luto por Jinga; esterilização pelo irmão; libertação; na corte de
Jinga; negociação para sua libertação; oposição à libertação de; pais e irmãos
Kanini, João Guterres ver Ngola Kanini
Kasa (imbangala): ajuda a Jinga; casamento com Jinga; como líder imbangala;
conflito por Matamba; e Ngola Mbande; e os portugueses; hostilidade contra
Jinga
Kasenda ver Ngola Kilombo kia Kasenda
Kassanje (imbangala): aliança com Jinga; aproximações feitas pelos
portugueses; batismo; campanha de Jinga contra; como líder imbangala;
conflito por Matamba; danos a Ndongo; e Ngola Mbande; e tratado entre
portugueses e Jinga; poder político de
Kengela ka Nkombe
Kia Ituxi
Kindonga, ilhas; ataques dos portugueses às; base de Jinga nas; jornada
missionária às; refúgio de Ngola Mbande nas
Kissama (região); ofensiva portuguesa contra; oferta de Jinga de ofensiva
conjunta contra; resistência contra os portugueses
Kitexi ka Ndambi
Kwanza, rio
L
Labat, Jean-Baptiste
Ladino, Alexandre
Libelo (região)
Lopes de Sequeira, Domingos
Luanda: colonização portuguesa de; como colônia do Congo; conflito entre
portugueses e holandeses pela posse de; estátua de Jinga em; luto por Jinga
em; trabalho missionário em
Lucala, rio
M
Mascarenhas, Simão de
Massangano (forte português)
Matamba (Ndongo-Matamba): conquista por Jinga; corte de Jinga em; e os
portugueses; história anterior; mapa; reconhecimento como nação cristã;
trabalho missionário em
Mbande a Ngola
Mbanza Congo (capital do Congo)
Mbwila (província)
Mendes, Antônio
Mendes Castelo Branco, Garcia
Mendes de Vasconcelos, João
Mendes de Vasconcelos, Luís
Menezes, Pedro César de
missionários ver capuchinhos; cristianismo; jesuítas; Jinga, religião
Monteprandone, Antonio Maria de
Moortamer, Pieter
morte de governantes; ver também tambos
mulheres
“Mulheres na História Africana” (Unesco)
Muongo (princesa de Matamba)
Muongo (rainha de Matamba)
Museke (província)
Mussasa
Muxima (forte português)
N
Ndala Kisuba
Ndambi a Ngola
Ndongo: aliados dos portugueses em; autoridade espiritual dos governantes;
autoridade legal; clima e recursos naturais; conquista e controle pelos
portugueses; cristianização de; diplomacia com os portugueses; efeito da
conquista sobre; escravidão em; extensão geográfica; funcionários da corte;
história anterior; Kabasa (capital); liderança e governo em; linhagens rivais;
mapas; militares; mulheres em; organização política; organização social;
plano de repovoamento; reinado de Kasenda; reinado de Mbande a Ngola;
reinado de Ndambi a Ngola; reinado de Ngola Kiluanje; reinado de Ngola
Mbande; relações iniciais com Portugal; sistema econômico; tributos; viagem
por rio em; ver também Matamba (Ndongo-Matamba); Jinga; religião
tradicional; líderes específicos
ngola (líder ou rei): base da legitimidade; morte de um; papel tradicional de
Ngola Hari; apoio dos jesuítas a; ataques de Jinga contra; autoridade de;
batismo; desejo de atacar Jinga; e Kambu e Funji; e trabalho missionário; e
tratado entre os portugueses e Jinga; eleição como rei rival; legitimidade de;
morte do filho de; no exército de Borges Madureira; posição fraca como rei
rival; relação com os portugueses
Ngola Kanini (João Guterres Kanini)
Ngola Kilornbo kia Kasenda: e cristianização de Ndongo; e os portugueses; e
religião tradicional; família; reinado de; últimos anos
Ngola Kiluanje kia Ndambi
Ngola Kiluanje kia Samba
Ngola Mbande: acordo com os portugueses; conflito com os portugueses;
consolidação do poder; consultas ao espírito de; diplomacia com os
portugueses; e batismo; e imbangalas; entrega da misete com relíquias de;
morte; reinado de; rivalidade com Jinga; veneração das relíquias de
Ngola Ntombo
Ngolome a Keta
Nzinga a Nkuwu
O
Ouman, Cornelis
P
Pacconio, Francisco
Paulo, dom (genro de Kasenda)
Pedro II (rei do Congo)
Pegado da Ponte, Rui
Peixoto, Manuel Fróis
Pereira, Manuel Cerveira
Pieterszoon, Thyn
Portugal: aliado de Ndongo; conflito com os holandeses; conquista e controle de
Ndongo; e Matamba; e o Congo; e tráfico de escravos; estratégia de
conquista religiosa; mapa do território angolano; navegação fluvial; relações
iniciais com Ndongo; rivais de Ndongo apoiados por; tratado com Jinga; ver
também Ngola Hari; Jinga, diplomacia; Jinga, campanhas militares;
governadores, reis e padres específicos
Pungo Ndongo (região)
Q
quimbundo, língua
R
religião tradicional; confronto de Jinga com; confronto dos jesuítas com;
consulta aos ancestrais sobre cristianismo; e Jinga a Mona; entrega da misete
; fé na; liderança reforçada pela; mulheres na; papel dos ngangas
(sacerdotes); praticada por Jinga; veneração das relíquias de Ngola Mbande;
xingulas ; ver também sacrifícios humanos; tambos (ritos fúnebres)
religião ver cristianismo; Jinga, religião; religião tradicional
ritos fúnebres ver tambos
Roma, Giovanni Francesco da
Romano, Antonio
S
Sá Miranda, Estácio de
sacrifícios humanos: durante o reinado de Kasenda; e ritos fúnebres de Jinga; em
Ndongo; em ritos fúnebres; participação de Jinga em; praticados pelos
imbangalas; proibição de
Sade, Marquês de
São Miguel, Forte de
Sebastião (marido de Jinga)
Sebastião, dom (rei de Portugal)
Sequeira, Jerônimo de
Serrão, Luís
Silva, Ana da
sistema econômico (Ndongo); ver também tráfico de escravos
Songa (dom Constantinho)
Sotomaior, Francisco de
Sousa, Fernão de: aliados recrutados por; ataques de gênero contra Jinga; como
conselheiro de Coutinho; considerado culpado por Jinga; diplomacia com
Jinga; e Hari a Kiluanje como rei rival; e Ngola Hari como rei rival; e
repovoamento de Ndongo; e trabalho missionário; e tráfico de escravos;
ofensiva contra Jinga; recepção de prisioneiros; sobre Angola; sobre Jinga
Sousa Chichorro, Luís Martins de: campanhas militares; correspondência com
Jinga; e embaixada de Jinga ao Vaticano; e Kassanje; libertação de Bárbara
(Kambu); negociações com Jinga
Straszewicz, Joseph
T
tambos (ritos fúnebres)
Teixeira de Saldanha, Bento
Tembo a Ndumbo
tráfico de escravos/escravidão: com os holandeses; conflitos sobre; controlado
pelos portugueses; controle de Jinga; de curandeiros da religião tradicional; e
capuchinhos; e jesuítas; interrupção por Jinga; negociações sobre; pelo
Congo; regulamentos de Ndongo sobre
tributos
U
Unesco
V
Valsassina, Ignazio de
varíola
Vasconcelos da Cunha, Francisco de
vassalagem
Vaticano
Veas, Francisco de
W
Wandu (província)
X
xingulas
Y
Yaka (reino)
Z
Zelotes dos Reis Magos, Calisto
Zundu (rainha)
Zunge a Moke (soba)
Linda M. Heywood é professora de história e estudos afro-americanos na
Universidade de Boston.
Njinga of Angola © 2017 by the President and Fellows of Harvard College.
Publicado mediante acordo com Harvard University Press.
capa
Elohim Barros
Renata Mein
composição
Manu Vasconcelos
preparação
Ana Lima Cecílio
índice remissivo
Luciano Marchiori
revisão
Valquíria Della Pozza
Ana Alvares
versão digital
Antonio Hermida
fotografia de capa
© National Portrait Gallery, London
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP )
——
Heywood, Linda M. (1945-)
Jinga de Angola: A rainha guerreira da África: Linda M. Heywood
Título original: Njinga of Angola: Africa’s Warrior Queen
Tradução: Pedro Maia Soares
Posfácio: Luiz Felipe de Alencastro
São Paulo: Todavia, 1ª ed., 2019
320 páginas
ISBN 978-85-88808-60-7
CDD 960
——
Índices para catálogo sistemático:
1. História da África 960
——
todavia
Rua Luís Anhaia, 44
05433.020 São Paulo SP
T . 55 11. 3094 0500
www.todavialivros.com.br
Afiadas
Dean, Michelle
9788588808300
416 páginas
Jim Dixon está em uma situação delicada. Não sabe se conseguirá manter sua
posição como professor de história medieval na universidade, já que para isso
teria que publicar um artigo que lhe valesse a admiração da academia. Como se
não bastasse, ele também deve cultivar um bom relacionamento com o professor
Welch, o chefe de seu departamento, um homem pedante que jamais esquece que
Jim vem de uma família de classe média baixa. E tudo isso enquanto tenta
conquistar Margaret, uma de suas colegas de trabalho que está se recuperando de
uma tentativa de suicídio por causa do rompimento com o ex-namorado. Jim terá
sorte o bastante para alcançar seus objetivos? Lucky Jim é um clássico do
absurdo: toda a ação se desenvolve em torno do controle individual sobre o
outro. Os equívocos, as maquinações, os mal-entendidos, os favoritismos
concorrem para o tormento de Jim, que fuma e bebe em demasia e se dirige
inapelavelmente a um ponto de ruptura. Este livro é considerado por Christopher
Hitchens (cujo ensaio é reproduzido como posfácio da edição) o mais divertido
da segunda metade do século XX. Esta é a primeira tradução brasileira do
aclamado romance de estreia de Kingsley Amis.
Um livro corajoso que traz uma visão arejada e acessível sobre a economia
brasileira. Entre 2006 e 2017, a economia brasileira viveu numa montanha russa.
Do segundo mandato de Lula ao impeachment de Dilma Rousseff, o país passou
por alguns dos anos de maior prosperidade de sua história, mas também viveu
uma crise Sem precedentes. O que aconteceu? Este livro sugere uma resposta.
Segundo a autora, os obstáculos para a continuidade do crescimento inclusivo de
2006 e 2010 eram superáveis, mas optou-se por fazer deles pretexto para uma
malsucedida mudança de rumo. Laura Carvalho não se limita ao diagnóstico, e
propõe uma nova agenda, partindo do princípio de que o aprofundamento da
democracia cabe, sim, no orçamento. A tese é simples: uma agenda para todos,
que não tema os investimentos públicos nem o Estado de bem-estar social. É
com esse espírito polêmico e propositivo que Laura Carvalho dá sua
contribuição no momento em que, chacoalhado por convulsões políticas, o Brasil
está na encruzilhada do futuro.