Heywood - Jinga de Angola - A Rainha Guerreira Da África PDF

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Linda

M. Heywood

Jinga de Angola
A rainha guerreira da África

posfácio
Luiz Felipe de Alencastro

tradução
Pedro Maia Soares
Introdução
1. O reino de Ndongo e a invasão portuguesa
2. Crise e a ascensão de Jinga
3. Uma rainha combativa
4. Política traiçoeira
5. Guerra e diplomacia
6. Um ato de equilíbrio
7. A caminho dos ancestrais
Epílogo

Jinga, um destino
Luiz Felipe de Alencastro

Glossário
Lista de nomes
Cronologia
Notas
Agradecimentos
Termos para busca
Autora
Créditos
Ndongo (c . 1550) e Ndongo-Matamba (c . 1663) situados na atual Angola.
Introdução

A rainha Jinga, que, durante o século XVII , governou o Ndongo, um reino da


África Central localizado onde hoje é uma parte do norte de Angola, chegou ao
poder graças à bravura militar, à manipulação habilidosa da religião, à
diplomacia bem-sucedida e à notável compreensão da política. Apesar de seus
feitos extraordinários e de seu reinado de décadas, comparável ao de Elizabeth I
da Inglaterra, ela foi difamada por contemporâneos europeus e escritores
posteriores, que a acusaram de ser uma selvagem incivilizada que encarnava o
pior do gênero feminino. [1] Na época, os europeus a retrataram como uma
canibal sanguinária que não hesitava em assassinar bebês e trucidar seus
inimigos. Acusaram-na também de desafiar as normas do gênero ao vestir-se
como homem, liderar exércitos, ostentar haréns de homens e mulheres e rejeitar
as virtudes femininas de criar e cuidar dos filhos. Muito mais tarde, escritores do
século XVIII e XIX criaram relatos fictícios sobre Jinga, retratando-a como uma
mulher degenerada, movida por desejos sexuais heterodoxos, que se regozijava
com rituais bárbaros.
A vida de Jinga continuou a ser vista principalmente como uma curiosidade.
Mas o registro histórico revela uma coisa diferente: foi essa mesma Jinga que
conquistou o reino de Matamba e o governou em conjunto com o remanescente
do poderoso reino de Ndongo por três décadas; desafiou treze governadores
portugueses de Angola entre 1622 e 1663, mantendo seu reino independente
diante de ataques implacáveis; e fez importantes alianças políticas não só com
várias entidades políticas vizinhas, mas também com a Companhia Holandesa
das Índias Ocidentais. Foi a mesma Jinga, cuja diplomacia religiosa lhe
possibilitou entrar em contato direto com o papa, que a aceitou como governante
cristã, e estabelecer o cristianismo em seu reino.

Album Maciet 157-58. Bibliothèque des Arts Décoratifs, Paris, França. Fotografia: Suzanne Nagy.

Representação europeia tradicional da rainha Jinga.

A história de Jinga é importante sob muitos aspectos diferentes. De um lado,


é um capítulo significativo da história da resistência ao colonialismo. Ao longo
dos quatrocentos anos de ocupação portuguesa de Angola (1575-1975), a
resistência nunca cessou. O lugar de Jinga como a mais bem-sucedida entre os
governantes africanos na resistência aos portugueses influenciou não apenas o
colonialismo português em Angola, mas também a política de libertação e
independência na Angola moderna. A vida e a história de Jinga também tiveram
implicações para as Américas. Os africanos capturados pelos portugueses ou
comprados na região onde Jinga vivia e governava foram enviados como
escravos para o Brasil e a América espanhola e foram os primeiros africanos a
chegar às colônias norte-americanas. Esses escravos trouxeram a história e a
memória de Jinga com eles.
Mas a vida e as ações de Jinga transcendem a história africana e a história da
escravidão na África e nas Américas. Sua história revela temas maiores de
gênero, poder, religião, liderança, colonialismo e resistência. Contam-se às
centenas os livros sobre rainhas europeias famosas e, às vezes, famigeradas,
como Elizabeth I da Inglaterra, que governou duas décadas antes de Jinga, e
Catarina, a Grande, da Rússia, quase um século depois. Apesar dos muitos
paralelos que Jinga compartilha com essas mulheres, não existia até agora
nenhuma biografia séria sobre ela em inglês ou em qualquer outro idioma. Este
livro revela a vida completa e complexa de Jinga, com foco nas questões de
poder, liderança, gênero e espiritualidade.

Montando o cenário

Antes de entrarmos em contato com Jinga, precisamos conhecer o mundo em


que ela nasceu em 1582 — em seus aspectos geográficos, políticos e sociais.
Antes do reinado de Jinga, o Congo, que fazia fronteira ao norte com Ndongo,
era o único reino da África Central conhecido pelos europeus. É para lá que
vamos primeiro, a fim de entender a região que Jinga transformaria de um modo
que continua a nos informar não só sobre a história de Angola, mas sobre o lugar
das mulheres na política na África e no mundo.
Os primeiros europeus chegaram à África Central em 1483, quase exatamente
um século antes do nascimento de Jinga. Na época, o maior reino da região era o
Congo, que ocupava em torno de 85 mil quilômetros quadrados e se estendia por
quase quinhentos quilômetros das regiões de Soyo e Dande, na costa do
Atlântico, até o rio Kwango. As fronteiras do norte do Congo incluíam terras
logo ao norte do rio Congo, bem como algumas áreas na região sul da atual
República Democrática do Congo. A fronteira meridional do reino abrangia as
terras entre os rios Bengo e Dande. Uma colônia de cidadãos do Congo também
vivia mais ao sul, na ilha de Luanda, onde eles recolhiam os jimbos, pequenas
conchas que constituíam a principal moeda do reino. Apesar de seu tamanho, o
reino era escassamente povoado, com cerca de 350 mil habitantes,
principalmente porque sua zona ocidental árida e plana era inóspita. A maior
parte da população se concentrava ao redor da capital, Mbanza Congo (situada
hoje no norte de Angola e também conhecida como São Salvador), bem como
nas províncias do sudoeste.
O alcance geográfico do reino não foi o único fator que fez dele a potência
dominante na região. A organização política do Congo também o distinguia de
seus vizinhos menores. Tratava-se de uma entidade política centralizada e
governada por um rei escolhido entre várias linhagens reais elegíveis. Uma vez
eleito, o rei detinha poder absoluto. Ele selecionava parentes próximos de sua
própria linhagem para serem seus cortesãos e chefes de províncias. Mbanza
Congo, onde se situava a corte do rei, era o centro administrativo e militar do
reino. Era dali que o rei enviava seus cortesãos ou seu exército permanente para
transmitir suas ordens ou fazer cumprir sua vontade nas províncias. Os
governantes provinciais, apesar das forças militares próprias consideráveis, não
tinham segurança no cargo e, durante os primeiros anos do reino, os reis
concentravam força militar suficiente na capital para poder remover do cargo os
representantes provinciais pretensiosos e confiscar seus bens.
Os primeiros governantes do reino escolheram Mbanza Congo como capital
por razões estratégicas e defensivas. Situada em um planalto acima de um rio, a
cidade estava bem protegida e tinha um bom abastecimento de água, bem como
terras férteis para cultivo no vale do rio. As trilhas que ligavam Mbanza Congo
às capitais de cada província estavam sempre cheias de representantes de
províncias, assessores, exércitos, religiosos e pessoas comuns que viajavam à
capital para participar de cerimônias religiosas e políticas e pagar impostos.
Essas mesmas trilhas proporcionavam acesso a exércitos invasores.
Os reinos de Congo e Ndongo (c . 1550).

O Congo aumentou seu poder graças ao relacionamento que seus reis


cultivaram com os portugueses, que chegaram pela primeira vez à província
litorânea de Soyo em 1483. Em 1491, o rei Nzinga a Nkuwu e toda a liderança
do reino se converteram ao catolicismo e puseram em prática medidas para
transformar o reino no principal poder católico na região. O governante do
Congo que mais atuou para realizar essa transformação foi o rei Afonso (que
reinou de 1509 a 1543), filho de Nzinga a Nkuwu. Durante seu longo reinado,
ele empreendeu a alteração física da cidade e supervisionou uma revolução
religiosa e cultural que transformou o Congo num Estado cristão. Afonso enviou
os filhos da elite para serem educados em Portugal e outros países católicos e
acolheu missões culturais portuguesas que trouxeram artesãos qualificados para
trabalhar ao lado dos congoleses com o intuito de construir as igrejas de pedra
que dominavam a capital do reino. Afonso também mandou erguer escolas nas
quais crianças da elite estudavam latim e português.
Os planos de Afonso de transformar o reino em um Estado cristão foram
além da devoção pessoal, da instrução religiosa e da construção de igrejas e
escolas. Uma verdadeira transformação cultural teve lugar durante o seu longo
mandato. No Congo de Afonso, os membros da elite adotaram títulos como
duque, marquês e conde, e, em pouco tempo, os processos legais portugueses se
misturaram aos anteriores para reger os procedimentos judiciais. Além disso, o
calendário religioso da Igreja católica governava a vida do reino, e os filhos de
famílias tanto de elite como comuns aprendiam o catecismo com professores
locais, recebiam nomes cristãos e congoleses e eram batizados. Havia sempre
uma escassez de padres no reino, mas as cruzes eram onipresentes nas aldeias e
as visitas dos padres serviam para lembrar aos moradores sua condição de
cristãos.
A transformação cultural do país e o caráter cristão do reino eram evidentes
para os visitantes europeus muito depois da morte de Afonso. Os europeus que
conheceram o embaixador congolês Antônio Manuel, marquês de Ne Vundu,
durante suas viagens a Portugal, Espanha e ao Vaticano, de 1604 a 1608, ficaram
atônitos com sua sofisticação. Notaram que, embora tivesse sido educado apenas
no Congo, ele sabia ler e corresponder-se em latim e português e falava essas
línguas, além do quicongo nativo.
Mas a engenharia cultural de Afonso teve um custo trágico. Ele precisou
envolver-se tanto em guerras de conquista como em tráfico de escravos para
financiar e sustentar o projeto (assim como os reis que sucederam a ele). Durante
seu reinado, aumentou exponencialmente o número de pessoas que eram
capturadas e trazidas para o reino como escravas ou que eram condenadas à
escravidão como punição por seus crimes. O comércio de escravos levou à
expansão das guerras para sua captura, bem como ao aumento do tráfico e da
posse de escravos pela elite do reino e seus parceiros portugueses. Os reis do
Congo permitiam que os portugueses se dedicassem ao tráfico de escravos no
reino, enviavam escravos de presente aos reis portugueses e às vezes pediam
assistência militar portuguesa para enfrentar ameaças do interior do reino ou
para auxiliar nas guerras expansionistas e de captura de escravos que faziam
contra Estados vizinhos, entre eles Ndongo.
Foi durante o governo de Afonso que surgiram no reino três grupos sociais
distintos com diferentes perspectivas de vida. No topo da sociedade, estavam o
rei e os membros das várias linhagens reais, identificados pelo título português
de fidalgos . Os membros desse grupo residiam na capital e constituíam o
conselho eleitoral que escolhia o rei e ocupava cargos na corte. O grupo seguinte
era formado por aldeões livres, chamados de gente . Abaixo deles estavam os
escravos , cativos de guerras cujos donos pertenciam principalmente à elite, mas
também eram encontrados nas casas dos cidadãos comuns.
Os reis que sucederam a ele seguiram o padrão que Afonso havia
estabelecido. Por exemplo, Álvaro I (que reinou de 1568 a 1587), o rei que
governava o Congo quando Jinga nasceu, expandiu o alcance diplomático e
político do Congo. Ele cultivou relações não só com as cortes portuguesa e
espanhola, mas também com o Vaticano.
O Congo tinha ainda conexões com outros Estados da África Central, como
Matamba, um reino que ocuparia um lugar proeminente na vida de Jinga.
Matamba localizava-se a leste do Congo e de Ndongo e se estendia para o leste
até o rio Kwango, na região hoje conhecida como Baixa de Cassanje. Muito
pouco se sabe sobre a história inicial desse reino. Uma primeira referência a um
lugar chamado “Matamba” aparece numa carta escrita por Afonso ao rei de
Portugal em 1530. Nela, Afonso dizia que estava enviando dois lingotes de prata
(manillas ) que recebera de um nobre que vivia em uma de suas terras chamada
“Matamba”. [2] A partir de então, nas cartas que enviavam para Portugal, os reis
do Congo sempre incluíam Matamba como uma das áreas que governavam.
Outros registros, no entanto, indicam que Matamba se declarou independente em
algum momento entre 1530 e 1561. Em 1561, a “grande rainha” que governava
Matamba enviou um de seus filhos ao Congo, onde ele conheceu um padre
português ao qual disse que a rainha simpatizava com o cristianismo e queria se
comunicar com Portugal e tornar-se amiga dos portugueses. [3] Não sabemos no
que deu essa proposta, mas, como veremos, Matamba tornou-se mais tarde uma
base importante para Jinga.

O reino de Ndongo

Na época da chegada dos portugueses ao Congo, Ndongo era o segundo maior


Estado da África Central, com uma área de cerca de um terço do Congo. O reino
abrangia o que são hoje as províncias de Cuanza Norte, Cuanza Sul, Malange e
Bengo da Angola moderna. (Angola tem seu nome derivado da palavra ngola ,
título do governante de Ndongo.) Seu limite oeste era o oceano Atlântico, e
estendia-se da fronteira com o Congo, na foz do rio Bengo, para o sul, até a baía
onde o poderoso rio Kwanza desemboca no oceano. O limite norte de Ndongo se
dirigia do Atlântico para o leste através da região dos Dembos e das terras que
fazem fronteira com as províncias meridionais do Congo, como Mbwila, até
chegar ao rio Lucala. O limite sul seguia o rio Kwanza por cerca de 270
quilômetros, incluindo terras dos dois lados do rio, até atingir uma série de
grandes formações rochosas em Pungo Ndongo, localizadas a poucos
quilômetros ao norte do rio. O limite oriental de Ndongo começava a alguns
quilômetros adiante de Pungo Ndongo e incluía terras mais para o sul, até o rio
Kutato. O limite leste continuava na direção nordeste, seguindo o rio Lucala até
a fronteira com o Congo.
Ao contrário do Congo, Ndongo tinha alguns rios que eram navegáveis por
muitos quilômetros, mas em muitos também havia quedas-d’água traiçoeiras e
redemoinhos. O rio Kwanza, a principal via fluvial que levava ao centro do
reino, era navegável por pequenas embarcações por cerca de duzentos
quilômetros, mas num ponto, a cachoeira de Cambambe, com vinte metros de
altura, a navegação se tornava impossível. Uma cachoeira ainda maior a
montante impunha outra barreira. O rio Lucala, o outro curso de água importante
do reino e tributário do Kwanza, embora navegável em algumas partes, tinha
cachoeiras ainda mais espetaculares que também impediam seu pleno uso para o
transporte fluvial. A mais impressionante dessas cachoeiras caía de uma altura
espetacular de noventa metros numa área repleta de árvores altas e mata densa.
Se as cachoeiras eram perigosas para a navegação, a pouca profundidade dos
rios em outras partes também impunha limites às viagens fluviais. Partes do
Kwanza corriam através de pântanos que continham crocodilos, hipopótamos e
outros perigos. Essas condições significavam que até mesmo o transporte
terrestre perto das margens dos rios era traiçoeiro, e os viajantes eram forçados a
desmontar canoas maiores e contratar ou requisitar homens para transportar os
barcos e o material militar para áreas povoadas longe do rio, muitas vezes a
quilômetros de distância.
Mas os rios não eram tão desafiadores para a população local mbundu
[doravante ambundo] quanto seriam para os portugueses, que chegaram à região
em 1575. Os nativos usavam canoas fáceis de navegar pelas corredeiras ou nas
águas rasas. A parte alta do rio Kwanza também continha um conjunto de
grandes ilhas, as ilhas Kindonga, que eram econômica e estrategicamente
significativas. Elas ofereciam excelentes áreas de pesca, e algumas eram grandes
o suficiente para sustentar aldeias e agricultura. Umas poucas eram de uso
exclusivo do governante: numa ficava a capital do reino, enquanto outra era
reservada para os túmulos dos governantes de Ndongo e de membros das
linhagens dominantes. As ilhas também possuíam uma localização estratégica:
eram suficientemente próximas para que soldados — ou espiões — pudessem
mover-se facilmente entre elas, e, durante combates, soldados postados nas
colinas baixas poderiam lançar flechas contra exércitos inimigos que se
aproximassem em canoas enquanto permaneciam protegidos. Além disso, uma
vez que as ilhas não estavam longe da margem do rio, o governante que temesse
ser atacado na capital poderia facilmente deslocar a corte para as ilhas e
continuar a comandar a guerra, enviar missões diplomáticas e administrar outros
assuntos do Estado, como Jinga faria em várias ocasiões. Por fim, se todo o resto
falhasse, líderes e soldados poderiam escapar usando canoas para se deslocar de
ilha em ilha sem serem detectados até chegarem a um lugar seguro, no lado
oposto do rio.
Assim como encontraram maneiras de usar os rios, os ambundos
conseguiram explorar os recursos da terra e conectar todas as partes do país.
Esse povo adaptara-se a um clima que variava do semiárido na costa, passando
por um clima frio e até gelado na região do planalto, a uma condição úmida e
tropical nas áreas dos vales e savanas. Nas áreas costeiras baixas ao sul de
Luanda, incluindo partes de Kissama, o clima era semiárido e inóspito. No alto
Kwanza, porém, o majestoso e imponente embondeiro, o baobá, era o sustento
da população local, fornecendo água, comida, abrigo e remédios. A região de
Kissama era famosa por grandes placas de sal-gema, que eram extraídas e
distribuídas para todas as partes do país.
O clima e os recursos das regiões do planalto no interior de Ndongo diferiam
drasticamente dos das áreas costeiras secas. Os muitos rios que desciam das altas
montanhas para prados e vales proporcionavam água abundante para campos
férteis, onde a população cultivava vários produtos tropicais e pastagens para
criar animais domésticos, como gado, cabras, porcos e aves. As terras altas
ofereciam uma proteção natural, e foi ali que o ngola (o rei de Ndongo) situou
sua capital. Dali, os governantes e seus funcionários supervisionavam os
escravos e outras populações dependentes que também faziam parte da força
militar e forneciam os vários tipos de tributos e trabalhos agrícolas necessários
para sua manutenção.
As viagens entre os centros populacionais podiam ser traiçoeiras. As regiões
não cultivadas estavam cobertas por florestas espessas e abrigavam uma grande
variedade de animais selvagens, como grandes serpentes capazes de engolir um
homem adulto, elefantes, rinocerontes, leões, leopardos e hienas. As terras altas
também apresentavam enormes afloramentos rochosos, precipícios íngremes e
ravinas que representavam desafios até para os viajantes mais experientes que
iam de uma comunidade a outra.
A distribuição de recursos em Ndongo influía em sua estrutura política. O
reino dividia-se em dezessete províncias que incorporavam 736 divisões
territoriais chamadas murindas . Em algumas províncias, em especial as quatro
que ficavam entre a costa e a capital em Kabasa, a densidade populacional era
maior e, portanto, mais murinda . O ngola tinha controle administrativo e fiscal
mais direto sobre essas quatro províncias. [4]
Kabasa, a cerca de 250 quilômetros da costa, era a residência oficial do ngola
, que vivia ali com suas esposas, filhos e parentes ligados por descendência e
casamento. A primeira delegação portuguesa que visitou a capital, em 1560,
relatou que o rei da época tinha mais de setenta filhos e até quatrocentas esposas
e concubinas. A esposa principal dirigia a família e fazia com que os escravos,
servos e pessoas livres que viviam dentro dos muros da casa levassem as
mercadorias que produziam à feira diária e comprassem os suprimentos
necessários para os membros da família. [5] A competição na corte entre
diferentes facções era intensa, porque parentes de várias linhagens diferentes
relacionadas a ngolas anteriores também moravam na capital ou nas
comunidades que a rodeavam.
Vários funcionários que ajudavam o rei na corte também moravam na capital.
Os mais importantes eram o tendala , o principal assessor do ngola , que ficava
no comando quando o ngola estava longe da capital, e o chefe dos militares.
Além deles, os principais homens de Ndongo, chamados de macotas — talvez
relacionados aos chefes das dezessete províncias —, também moravam na
capital ou nela mantinham residências oficiais. Desse grupo faziam parte o
mwene lumbo , que administrava a casa do ngola , o mwene kudya , encarregado
de tributos e impostos, e o mwene misete , que mantinha os relicários dos
governantes passados. O mwene misete era o mais importante administrador de
rituais em Ndongo e supervisionava um grande número de sacerdotes que
desempenhavam as funções rituais essenciais que os ambundos acreditavam ser
necessárias para a proteção do ngola e do próprio Ndongo. [6]
Além do poder político que tinha em Kabasa e nas capitais provinciais
menores, o ngola controlava algumas terras estatais (murindas ) e seus
residentes. As pessoas que viviam nessas terras podiam participar de três
categorias legais diferentes: pessoas livres, servos (kijikos ) e escravos (mubikas
). As pessoas livres eram a maioria da população e formavam o campesinato. A
situação dos servos era semelhante à de seus homólogos na Europa: trabalhavam
nas terras do ngola, e ele não podia expulsá-los delas ou vendê-las, já que a terra
era propriedade da linhagem real. Os escravos eram prisioneiros de guerra ou
estrangeiros, e o ngola tinha o direito de vender ou retirar escravos das murindas
na capital e na vizinhança porque as possuía diretamente.
Fora da capital, os macotas tinham autoridade política, econômica e espiritual
semelhante à do ngola . Desse modo, mantinham o próprio sistema de hierarquia
em seus territórios e alguns deles eram bastante autônomos. Ocupavam sua
posição de chefes das murindas não por terem sido enviados da capital como
representantes do ngola na região, mas por alegarem ser descendentes das
linhagens mais antigas que ocupavam a área. Os sobas constituíam outro grupo
de funcionários importantes. Os macotas eram os eleitores e conselheiros,
enquanto os sobas realizavam as tarefas cotidianas de direção das aldeias. Da
mesma forma que o povo aceitava o direito dos macotas de mandar por
descenderem de macotas anteriores, também era esperado que a pessoa que
governasse como ngola fosse um descendente legítimo de ngolas anteriores. [7]
O ngola exercia uma grande autoridade militar, política e fiscal sobre as
províncias e as murindas . Por exemplo, tinha seu exército baseado em Kabasa, o
qual era ampliado quando havia convocação de forças para participar das
frequentes campanhas de Ndongo contra seus vizinhos. O ngola comandava as
próprias forças em combate, enquanto os capitães experientes que ele havia
selecionado conduziam outros batalhões. O exército contava com grandes
contingentes de mulheres, que forneciam alimentos, carregavam suprimentos e
realizavam os rituais considerados essenciais para seu sucesso. As mulheres
ligadas à casa do ngola (sua mãe ou esposas e seus filhos) não participavam da
batalha; um general de confiança protegia o local secreto onde se alojavam. Os
sacerdotes do lugar também realizavam rituais, como colocar crânios e outros
itens sagrados na paisagem, para intimidar os inimigos. Mas as principais
ferramentas militares dos soldados de Ndongo eram lanças, flechas envenenadas
e machados de guerra, pelos quais eram conhecidos. Os soldados, tanto homens
como mulheres, usavam os machados em combates corpo a corpo. Desde a
primeira infância, eles praticavam uma dança rítmica que aumentava a
velocidade e a agilidade, e possibilitava que se esquivassem das flechas
venenosas de seus inimigos. Tal sucesso militar se devia também à familiaridade
com as defesas naturais proporcionadas pelas árvores altas e a mata densa da
região, que ofereciam excelente cobertura para ataques surpresa. [8]
Além da força militar, o ngola exercia autoridade legal em Ndongo por meio
de agentes que viajavam por todo o reino para garantir que a população
obedecesse às leis. Ele impunha regulamentos rigorosos, principalmente nas
transações comerciais que se davam nas grandes feiras provinciais. Os agentes
tinham especial atenção para as transações relativas à venda de cativos
(escravos), a fim de se certificar de que a taxa de troca das várias coisas que as
pessoas usavam como dinheiro (como tecidos, conchas e sal) fosse regulada e
permanecesse estável. O ngola também enviava funcionários judiciais para
garantir que os sobas e os macotas cumprissem a obrigação de enviar-lhe
tributos periódicos em espécie e em pessoas, e prover alimentação e hospedagem
aos seus agentes. Além disso, agentes militares faziam visitas regulares às
províncias para garantir o cumprimento da obrigação dos governantes locais de
enviar soldados para o exército do ngola . Os exércitos do ngola agiam em todo
o reino, fosse com o propósito de fazer cumprir essas políticas ou de invadir
territórios vizinhos e trazer novas terras e povos para o controle de Ndongo.
O sistema econômico que sustentava a sociedade ndongo baseava-se num
extenso sistema de feiras locais, regionais e centrais. Além das feiras que cada
murinda realizava habitualmente, as feiras provinciais e centrais traziam
produtos naturais e manufaturados de todo o país para um único lugar. Entre as
mercadorias à venda estava uma grande variedade de frutas tropicais, produtos
agrícolas e animais domésticos, machados e lanças feitos por ferreiros locais e
peixes e carnes de animais domésticos ou selvagens. Essas feiras também
exibiam uma ampla seleção de aves, gatos-almiscarados e outros animais
pequenos, bem como madeiras raras e uma miríade de tecidos feitos de cascas de
árvores ou algodão da produção local. Nos dias de feira, era possível comprar as
placas altamente valorizadas de sal-gema, importadas de Kissama.
A posse e o comércio de escravos eram partes vitais da economia de Ndongo.
Os escravos eram obtidos durante as excursões militares bem-sucedidas.
Também podiam ser oriundos dos aldeões livres condenados por juízes por
infrações religiosas ou desobediência civil, como traição e adultério,
especialmente se este último incluísse algumas das numerosas esposas do ngola .
Nesses casos de adultério, todos os membros da linhagem daquela geração em
particular podiam ser condenados à escravidão. Porém, o meio mais comum de
obter escravos era fazer cativos em guerras contra governantes provinciais ou
reinos vizinhos. Os cativos estavam disponíveis para compra nas feiras
provinciais e centrais. Esse comércio era rigorosamente regulamentado e a
compra de escravos era uma operação demorada. Nas feiras de Kabasa, os
agentes do ngola supervisionavam cada transação para garantir que a venda
fosse legítima, numa tentativa de evitar o tráfico sem escrúpulos de kijikos . A lei
de Ndongo considerava os kijikos servos, indivíduos ligados à terra, e não
escravos. [9] Além do comércio de escravos, o ngola obtinha recursos através de
um sistema de tributos pagos pelas províncias e pelas murindas . Os agentes do
ngola , com suas escoltas armadas, conseguiam arrecadá-los não só porque
tinham a força militar necessária, mas também porque as pessoas consideravam
o ngola seu líder supremo, apesar de seus próprios líderes locais também
deterem um poder considerável.
Embora uma parte da legitimidade do ngola se baseasse no fato de ele ser
membro de uma linhagem dominante, bem como em sua capacidade de levar as
forças militares à vitória e de acumular recursos econômicos, grande parcela dela
dependia da posição espiritual que ocupava na sociedade ambundo. A tradição
de Ndongo atribuía a fundação do Estado a um ferreiro habilidoso do Congo,
que se acreditava ter o poder de falar com um deus chamado Zampungu ou
Zumbu. [10] O povo respeitava os reis e as autoridades religiosas porque
acreditava que possuíam poderes especiais. Esses homens e mulheres poderosos
tinham influência tanto mundana como sobrenatural, sendo assim capazes de
controlar a chuva e a fertilidade do solo, de exercer autoridade sobre a vida e a
morte e de possuir conhecimentos oniscientes. [11] Semelhante à ideia medieval
do direito divino dos reis, depois que uma pessoa se tornava o ngola , o povo
considerava que seu corpo era investido de poderes espirituais especiais sobre o
ambiente físico. Os reis estavam imbuídos também de um poder muito mais
formidável: possuíam a autoridade divina para sacrificar pessoas. [12]
Acreditava-se também que os membros próximos da família do ngola , bem
como as crianças que tinham nascimento incomum ou que sobreviviam a
doenças devastadoras, possuíam dons espirituais.
A autoridade religiosa oficial na corte de Kabasa era uma figura muito
importante. Um dos jesuítas portugueses que visitaram a corte do rei de Ndongo
em 1560 relembrou que o ngola enviara seu feiticeiro-mor, acompanhado de
muitas pessoas, para saudar os visitantes e cuidar do bem-estar deles quando a
embaixada se aproximou da corte. [13] Esse homem recusou-se repetidamente a
ouvir as tentativas do padre Gouveia de falar sobre o cristianismo. Foi inflexível,
insistindo que “Deus era seu Senhor” e que ele era o melhor curandeiro de todo
o Ndongo. [14] Os portugueses também relataram que o ngola era venerado e que
o rei fundador havia instituído novos rituais, inclusive a criação de um grupo
religioso chamado xingulas , que podiam ser possuídos pelos espíritos e eram
supostamente capazes de criar chuva. [15]
Para os ambundos de meados do século XVI , o ambiente natural às vezes
perigoso de Ndongo era uma força espiritual terrível que precisava ser
apaziguada. O povo realizava rituais (às vezes envolvendo sacrifício humano) no
topo e no sopé das montanhas e transmitia lendas para explicar as origens de
alguns dos picos mais impressionantes. Os sacerdotes precisavam executar os
rituais religiosos apropriados antes de entrar nos espaços desabitados do reino.
Esses sacerdotes, chamados ngangas (doravante gangas), eram essenciais
para a vida espiritual do ngola . Davam conselhos e levavam a cabo missões nas
províncias e regiões vizinhas. Seu principal dever era consultar os antepassados
reais e executar rituais com os ossos dos antepassados, que, ao lado de outros
objetos rituais, eram cuidadosamente guardados em um relicário, ou misete . Os
gangas eram curandeiros, adivinhos e restauravam a ordem em épocas de crises
e desastres naturais. Seu papel público mais importante era servir de emissários
do ngola em tempos de guerra. Os ngolas acreditavam no poder espiritual dos
gangas e os consultavam antes de qualquer decisão importante, fosse política,
militar ou de outro tipo.
O papel do ngola de juiz principal também fazia parte de seu poder espiritual.
De todas as partes de Ndongo, os querelantes afluíam a Kabasa a fim de
apresentar seus casos ao ngola e a seus conselheiros. Essas audiências públicas
eram realizadas num espaço aberto na primeira das dez áreas circulares cercadas
pelas quais todos os visitantes tinham de passar antes de chegar aos aposentos
pessoais do rei. Ali, o ngola e seus conselheiros legais deviam repetir as
tradições para que os precedentes pudessem ser sustentados, todos os aspectos
do caso discutidos e a justiça ser finalmente feita. [16] Em 1560, duas décadas
antes do nascimento de Jinga, pela primeira vez um forasteiro fez uma descrição
do ngola em seu papel de principal legislador. Conforme esse relato, em todo o
Ndongo, o povo temia o rei (não sem razão: ele acabara de ordenar a execução
de onze gangas que não conseguiram fazer chover durante uma seca), mas, não
obstante, preferia se dirigir à capital quando buscava justiça porque “ele faz
grande justiça a eles, e não há dia em que não ordene justiça”. [17]

As mulheres na vida política de Ndongo

De 1518 até 1582, quando Jinga nasceu, os quatro ngolas que governaram
Ndongo foram todos homens. Em 1624, quando se tornou rainha aos 42 anos,
Jinga foi a primeira mulher a governar o país. As mulheres, no entanto,
desempenhavam um papel poderoso na corte, e Jinga teria ouvido muitas
histórias sobre elas enquanto crescia na corte de seu pai, Mbande a Ngola. As
mulheres da elite costumavam frequentar o círculo íntimo e estar a par do mundo
dos homens. (A própria Jinga alegava ter participado de reuniões de conselheiros
de seu pai quando era apenas uma criança.) Uma mulher que se destacava nessas
histórias era Hohoria Ngola, uma das duas filhas do primeiro fundador de
Ndongo. Zundu, a outra filha, matou o filho de Hohoria e depois usou de
embustes para assegurar o trono. Zundu foi assassinada por instigação de
Hohoria, que buscava vingar a morte do filho. A história cativou os missionários
europeus décadas depois, quando a ouviram dos velhos contemporâneos de
Jinga. Ela testemunhava um sistema de governo ambundo ainda em construção
que desde o início incluía mulheres, mas também dava suporte a uma ideologia
política que tolerava a usurpação e o assassinato, o fratricídio, o infanticídio, a
expansão militarista e alianças políticas complicadas. [18]
As mulheres ocupavam um lugar importante nas tradições fundadoras de
Ndongo e figuram com destaque nos relatos escritos de testemunhas oculares
europeias que tiveram contato com governantes de Ndongo a partir dos anos
1560. É significativo que Hohoria fosse nomeada esposa legal de Ngola Kiluanje
kia Samba, o primeiro rei da história de Ndongo, e que tenha sido seu filho o
herdeiro do reino após a morte do pai. Embora Ngola Kiluanje kia Samba tivesse
várias concubinas cujos filhos fundaram as inúmeras linhagens reais que
competiam com os descendentes de Hohoria pela liderança de Ndongo, essas
mulheres permaneceram anônimas. [19]
Em anos posteriores, à medida que o reino se expandia e Ndongo enfrentava
incursões militares portuguesas, as mulheres da elite frequentemente estavam a
par de segredos de Estado. Isso fica evidente numa história a respeito de uma
filha de Ngola Kiluanje kia Ndambi que soube que o pai planejava matar os
membros da primeira missão portuguesa a Ndongo. Essa informação era muito
mais do que mera intriga política para a jovem: consta que o chefe da missão,
Paulo Dias de Novais, era seu amante. Embora possa não ser verdadeira, essa
história revela muito sobre o papel das mulheres na época. A jovem teria contado
a intenção de seu pai para Dias de Novais, instigando-o a sair com seu séquito do
país, para poupá-los da ira do pai e da morte certa. [20] A filha do ngola jamais
teria conseguido organizar a fuga do amante se não tivesse acesso irrestrito ao
que acontecia na corte de seu pai.
Outros relatos também detalham o papel essencial, embora mais tradicional,
que as mulheres desempenhavam na vida religiosa de Ndongo. Em 1585, Ngola
Kilombo kia Kasenda teria feito uma pausa, antes de lançar um ataque através do
rio Lucala, para mandar que “sua mãe e muitos praticantes religiosos homens e
mulheres” executassem rituais que dariam proteção ao seu exército. [21] Além
dos papéis religiosos, as mulheres ligadas a homens de alta posição social
costumavam acompanhar o marido aos principais eventos públicos, como foi o
caso registrado naquele mesmo ano de um senhor de Ndongo que levou consigo
“mais de quinhentas mulheres, todas com ricos toucados ( ferraguelos ) de
Portugal”, quando se aventurou a sair em público. [22]
Apesar do que possa parecer aos nossos olhos modernos, a presença de um
grande número de mulheres ligadas a um único homem não significava que elas
ocupassem uma posição subordinada. Um dos primeiros relatos de testemunhas
oculares sobre a posição das mulheres comuns na sociedade de Ndongo
observou que a mulher mantinha sua independência mesmo quando vivia numa
casa com centenas de outras mulheres. Tanto a esposa principal como as
concubinas podiam deixar o arranjo sempre que desejassem. A mulher que
deixava o marido não era condenada ao ostracismo ou mesmo repreendida, mas
era recebida de volta à linhagem de seu pai, na qual era livre para permanecer até
escolher outro marido ou parceiro. [23]
Curiosamente, essa mulher poderia ter passado toda a infância na casa do
futuro marido. No começo, o relacionamento assemelhava-se ao de
companheiros de brincadeira ou de irmãos. Pelo costume de Ndongo, as famílias
podiam mandar uma filha para a casa do rei ou de outro homem proeminente
“quando ainda estava sendo carregada nos braços de sua mãe”, para ser criada ao
lado do filho escolhido. Quando chegava à idade de casar, o filho montava a
própria casa, selecionando uma de suas companheiras de infância preferidas para
ser sua esposa principal. As posições das mulheres eram mutáveis, e uma esposa
principal podia ser substituída por capricho de seu marido, fosse por alguém do
grupo de concubinas já existente na casa, fosse de outra família nobre — a todo
momento, meninas eram enviadas para a casa do rei. [24] A mãe de Jinga,
Kengela ka Nkombe, foi enviada de presente ao homem que seria o pai de Jinga,
Mbande a Ngola, rei de Ndongo. Ele já era casado quando fez de Kengela sua
principal concubina, uma posição logo abaixo da de esposa principal. Com ela,
teria Jinga e outros três filhos. [25] Saberemos muito mais sobre todas essas
crianças. Mas antes vamos tratar dos predecessores de Jinga e dos
acontecimentos que ocorreram nas décadas anteriores ao seu nascimento.
1.
O reino de Ndongo e a invasão portuguesa

Jinga, nascida em 1582, descendia de uma linhagem real que remontava à


fundação do reino de Ndongo. Seus antecessores consolidaram Ndongo como
uma força poderosa na África Central e lutaram contra a chegada de uma missão
portuguesa em 1560 e uma subsequente força militar, em 1575. Eles
estabeleceriam fortes tradições de governo, que ela mais tarde manteria, ao
mesmo tempo que enfrentariam um desafio assustador vindo do exterior, que ela
por sua vez combateria.

A história inicial de Ndongo

O fundador e o primeiro rei da história de Ndongo, Ngola Kiluanje kia Samba


(reinado c . 1515-56), tomou o poder apenas poucas décadas antes do
nascimento de Jinga. [1] Ngola Kiluanje kia Samba promoveu o consenso
pacificamente, mas chegou ao poder graças a uma mistura complexa de intrigas
políticas e guerras. Ele preparou o cenário para o domínio da dinastia ao
restaurar um reino fragmentado que testemunhara o assassinato de seu filho por
um tio ciumento, do qual ele e a esposa haviam se vingado.
De acordo com a tradição, Ngola Kiluanje kia Samba começou seu governo
um pouco antes de 1515. Ele consolidou o poder em Ndongo mantendo a paz
interna, ao mesmo tempo que expandia significativamente as fronteiras mediante
a conquista de muitos Estados vizinhos. Em 1518, buscando aumentar seu poder
para competir com o poderoso reino do Congo, ele enviou dois embaixadores a
Portugal em busca de comércio e relações culturais mais amplas, mas uma
missão portuguesa que visitou seu reino em 1520 não teve impacto duradouro.
Seus sucessores mantiveram o modelo que ele estabelecera, sujeitando pequenas
províncias independentes à soberania de Ndongo, ao mesmo tempo que
continuavam a fazer alianças diplomáticas com Estados vizinhos, bem como
com os portugueses.

Antônio de Oliveira de Cadornega, Manuscrito Vermelho 78, v. 3, frontispício. Academia das Ciências de
Lisboa, Portugal.

Rei do Congo e rei de Angola, frontispício de uma obra de Antônio de Oliveira de Cadornega, c. 1680.

Os reis que sucederam a Ngola Kiluanje kia Samba foram hábeis líderes
militares e estadistas, embora, de acordo com a história oral, a coesão política
tenha sido minada durante o breve e brutal reinado de seu sucessor, Ndambi a
Ngola (1556-61). Ndambi a Ngola teria ascendido ao trono depois de assassinar
todos os seus irmãos, exceto dois; os dois sobreviventes escaparam por pouco de
tal destino fugindo para os reinos vizinhos. [2] Ndambi a Ngola manteve o trono
mediante terror e intimidação e, de acordo com o missionário capuchinho
Giovanni Antonio Cavazzi, quando morreu, foi homenageado com o sacrifício
de “inumeráveis vítimas humanas”. [3] Governantes posteriores, inclusive Jinga,
consideravam esse costume de sacrifício humano uma parte essencial dos rituais
funerários em honra aos reis de Ndongo e outros membros da elite.
Os relatos históricos detalhados e tradições orais de Ndongo começam com o
reinado de Ngola Kiluanje kia Ndambi (1561-75), que assumiu o poder após a
morte de Ndambi a Ngola. Um século após a sua morte, membros idosos da elite
ambundo e seus contemporâneos portugueses ainda regalavam missionários
capuchinhos com histórias de seus impressionantes feitos militares, que
resultaram em manter sob o controle de Ndongo todas as províncias ao longo
dos rios Dande, Zenza e Lucala, até Luanda. Seu legado foi duradouro. Durante
os anos 1650, o forte português de Muxima, no baixo rio Kwanza, era chamado
de Isandeira em homenagem à isanda (embondeiro ou baobá) que Ngola
Kiluanje teria plantado lá para marcar suas conquistas militares na região. [4]
Ngola Kiluanje kia Ndambi começou seu reinado em 1561, após a morte de
seu pai e logo após a chegada da primeira missão oficial de Portugal, na
primavera de 1560. Essa missão era comandada pelo capitão Paulo Dias de
Novais, que desempenharia um papel importante na conquista militar de
Ndongo. Os relatos dos membros dessa delegação fornecem-nos uma imagem
vívida do reino logo antes do início da conquista, durante a transição do reinado
de Ndambi a Ngola para o de Ngola Kiluanje.
Ao saberem que os reis de seu poderoso vizinho Congo haviam aberto suas
terras para estrangeiros do outro lado do oceano, os governantes de Ndongo
enviaram seus próprios emissários a Portugal para solicitar missionários, a partir
de 1518 até 1556, quando Ngola Kiluanje kia Samba mandou representantes a
Lisboa. [5] Uma missão portuguesa foi finalmente enviada para Ndongo em 22
de dezembro de 1559. Os portugueses que partiram de Lisboa naquele dia
tinham instruções da regente dona Catarina, que reinava em nome de seu neto
dom Sebastião, de ir a Ndongo para começar o trabalho missionário naquela
região. A delegação, que contava com quatro missionários jesuítas, fez uma
parada em São Tomé para apanhar portugueses que tinham conhecimento de
Ndongo, e chegou à foz do rio Kwanza em 3 de maio de 1560. Dois membros
ambundos do grupo que tinham ido a Portugal com os emissários originais foram
imediatamente enviados ao interior para avisar o rei Ndongo da chegada da
delegação. De acordo com Antônio Mendes, um dos jesuítas do grupo, eles
esperaram quatro meses ancorados na baía até que chegassem as autoridades que
lhes concederam permissão para fazer a longa viagem à capital. [6] A espera foi
penosa. Ndongo sofria uma seca severa, o calor era intenso e abundavam
mosquitos transmissores de doenças; os suprimentos de água e comida também
eram baixos. Dez membros do grupo, entre eles um dos sacerdotes, morreram.
Os sobreviventes foram salvos somente quando o chefe local da região forneceu
ao grupo gado, cabras e produtos da região.
Com a chegada do emissário do rei, à frente de um destacamento militar, Dias
de Novais e o resto do grupo puderam começar a jornada que os levaria rio
Kwanza acima e, depois, por terra até Kabasa, a capital de Ndongo. Eles
deixaram sua grande caravela e transferiram seus suprimentos para botes e
canoas. Viajaram 160 quilômetros pelo rio Kwanza até chegarem ao ponto em
que corredeiras e ilhas impediam a viagem a montante. A autoridade local
encarregada do porto nesse ponto do rio atendeu às suas necessidades. No mês
seguinte, seguiram por terra para Kabasa. Durante a viagem, o grupo passava de
um território para outro, e cada líder territorial tratava de alimentar, alojar e
proteger os viajantes, como era seu dever. Quando o grupo chegou finalmente a
Kabasa, o rei havia preparado três chalés para os visitantes em seu próprio
complexo residencial. [7]
Cerca de cinco dias depois de chegarem a Kabasa, os portugueses foram
autorizados a entrar na residência do rei, situada numa área bem irrigada da
cidade e protegida por grandes palmeiras. Uma das primeiras coisas que
chamaram a atenção dos portugueses foi o intrincado sistema de segurança pelo
qual precisaram passar antes de chegar à residência do rei, que exibia um grande
pátio e estava rodeada por enormes colunas pintadas.
O padre Mendes, um dos jesuítas, ficou impressionado com a aparência física
imponente do rei Ndambi a Ngola, que estava no último ano de seu reinado. De
acordo com o sacerdote, ele era “um dos mais altos do lugar, como um gigante, e
muito forte”. [8] É provável que Ndambi a Ngola estivesse vestido com as roupas
e os adornos que se tornariam a insígnia oficial da realeza de Ndongo nos anos a
seguir: uma pena vermelha (muito provavelmente de um pavão) [9] no cabelo,
um pano vermelho sobre o peito e o ombro e uma roupa feita de pele de carneiro
com manchas pretas e brancas que o cobria da cintura para baixo. [10] Seu corpo
estaria salpicado de pó, o que significava a consideração espiritual e militar que
alcançara graças a sua coragem no campo de batalha. [11] Sua aparência física
impressionante refletia seu imenso poder. Na época do encontro com os
portugueses, consta que Ndambi a Ngola controlava quinhentos “principados”,
cujos líderes lhe pagavam tributo e chefiavam esquadrões de seus próprios
subordinados nas muitas guerras que ele travou. Quase mil pessoas dependentes
o acompanhavam na capital, número que subia para cerca de trinta mil durante
festividades públicas. [12] De acordo com os missionários portugueses, Ndambi a
Ngola era considerado divino por seus súditos; ele “fazia-se adorar como a um
deus” e se vangloriava abertamente de que era “o senhor da chuva”. [13]
De seu majestoso assento feito de folhas de palmeiras, Ndambi a Ngola ouviu
as explicações dos padres portugueses sobre os princípios da fé cristã, que
esperavam que ele e seu povo adotassem. Apesar de suspeitar de seus motivos,
ele acabou por dar permissão ao grupo para começar o trabalho missionário em
Kabasa e selecionou entre quinze e vinte de seus filhos e de seus principais
conselheiros para serem os primeiros discípulos dos estrangeiros.
A chegada dos portugueses, com seus planos religiosos e políticos, criou um
dilema para os governantes de Ndongo. Os missionários jesuítas praticavam uma
religião que tinha o potencial de minar o poder espiritual e legal do rei e de seus
conselheiros. Além disso, as relações políticas que, conforme Dias de Novais, o
monarca português desejava com Ndongo poderiam potencialmente diminuir a
poderosa posição política que o rei mantinha em relação aos líderes provinciais e
territoriais, bem como aos governantes dos Estados vizinhos, como Congo e
Matamba. Além disso, havia a ameaça que os recém-chegados representavam
para todo o tecido social de Ndongo. Antes da chegada dos portugueses, o ngola
era, sem dúvida, a pessoa mais poderosa em um Estado mantido unido pelo
pagamento de tributo de entidades políticas menos poderosas, mas autônomas.
Esses pagamentos eram impostos pelo exército do ngola . Os portugueses
traziam não apenas armas, mas também valores culturais diferentes em relação à
espiritualidade, à justiça, às noções de posição social e status herdado com
direitos de mando, liberdade e escravidão, servidão e cativeiro, hospitalidade,
comércio e similares.
Assim, embora Ndambi a Ngola permitisse que os visitantes portugueses
permanecessem em Kabasa e até que os jesuítas abrissem uma escola, essa boa
recepção não durou. Quando ele morreu, em 1561, e seu filho Ngola Kiluanje
kia Ndambi (Ngola Kiluanje) assumiu o poder em Ndongo, a situação mudou.
Ngola Kiluanje voltou-se contra os portugueses, convencido de que os
verdadeiros motivos do grupo eram “espionar sua terra”. [14] Ele aprisionou Dias
de Novais e vários outros membros da delegação, bem como alguns ambundos
que haviam ajudado os portugueses, e expulsou o resto, mandando-os de volta à
costa sob escolta militar. Ngola Kiluanje acabou por libertar um dos padres e
mais tarde, em 1565, Dias de Novais foi libertado. Apenas um dos sacerdotes, o
padre Francisco de Gouveia, ficou em Kabasa, onde morreu dez anos depois. [15]
Embora tenha deixado Dias de Novais partir, Ngola Kiluanje manteve reféns
na capital alguns membros da delegação portuguesa por quase cinco anos,
decisão que tinha tanto a ver com a política estatal como com suas suspeitas
sobre a motivação dos portugueses. [16] Um capitão da segunda expedição de
Dias Novais sustentou mais tarde que Ngola Kiluanje e Dias de Novais fizeram
um acordo pelo qual o comandante português retornaria a Lisboa para usar a
suposta situação de reféns como estratagema para conseguir armas para o ngola ,
que estava ameaçado pela revolta de um poderoso nobre provincial. Em troca da
ajuda militar de Dias de Novais, Ngola Kiluanje pode ter prometido assinar um
tratado comercial com os portugueses. [17]
Ngola Kiluanje fazia uso estratégico do poder tanto em assuntos internos
como em externos. Por exemplo, garantia a fidelidade de seus subordinados
mantendo reféns jovens mulheres das principais famílias nos distritos onde
viviam sua esposa principal, as esposas secundárias e concubinas. Em 1564,
mudou a sede para a cidade de Angoleme, não muito longe de Kabasa. Ali
morava com sua esposa principal, Quilundonanboa, mais de quatrocentas
concubinas e pelo menos setenta filhos. [18] Exercia seu poder com habilidade,
mas também foi lembrado como um rei bom e justo; de acordo com os jesuítas,
até seus inimigos se submetiam a ele sem resistência. [19] O padre Gouveia
observou que os procedimentos judiciais eram ordeiros e abertos ao público.
Embora admirasse a transparência do rei, o sacerdote católico ficou consternado
diante de alguns de seus “costumes pagãos”, como distribuir justiça no tribunal
por meio de sentenças de morte. [20] Entretanto, esses atos não diminuíram a
reputação do governante entre seus súditos; aos olhos deles, Ngola Kiluanje era
semelhante a um deus. [21] Ao final de seu reinado, as fronteiras do país haviam
se expandido significativamente. Ndongo transformara-se de uma pequena
província localizada a mais de trezentos quilômetros do porto de Luanda em um
Estado que abrangia todos os povos de língua quimbundo que viviam entre as
fronteiras meridionais do reino do Congo e as terras ao sul do rio Kwanza.
O governante seguinte desse poderoso reino foi o avô de Jinga, Ngola
Kilombo kia Kasenda (1575-92). Kasenda começou seu governo com várias
desvantagens políticas, não sendo a menor delas a sua fraca reivindicação ao
poder. Ele não era descendente direto de Ngola Kiluanje kia Samba, o fundador
de Ndongo, mas de uma linhagem diferente. [22] Ele e seus partidários triunfaram
graças a um golpe sangrento, mas não estavam interessados em mudar a direção
do país. Durante seu reinado, Kasenda pegou em armas contra seus inimigos;
alguns foram intimidados e obrigados a voltar para o rebanho, enquanto outros
se sentiram alienados e nunca perdoaram a ele ou seus descendentes sua
ascensão ao trono. [23] Ele também conquistou novas províncias, de modo que o
número de governantes territoriais submetidos a Ndongo (a maioria dos quais
era obrigada a pagar tributo a Kasenda) chegou a dois mil em 1586. [24] Ndongo
se estendia por um território tão vasto que um observador europeu da época
confundiu as três maiores províncias com um “reino por direito próprio”. [25]

A invasão portuguesa de Ndongo

Embora Kasenda tenha expandido as fronteiras de Ndongo e obtido o poder em


várias regiões, o início de seu reinado coincidiu com o retorno dos portugueses e
com uma prolongada crise militar, econômica e espiritual que culminaria
décadas mais tarde nas desafiadoras campanhas da rainha Jinga, no início do
século XVII .
Os portugueses estreitram suas relações com o Congo entre 1565 e 1575, e,
em 1574, o rei do Congo deu-lhes permissão para construir uma pequena colônia
na ilha de Luanda, que o Congo reivindicava. A primeira coisa que fizeram foi
construir uma igreja provisória na ilha. Em 1575, o pequeno grupo de
portugueses de Luanda recebeu de volta Paulo Dias de Novais, que chefiara a
primeira missão portuguesa a Ndongo em 1560. Dessa vez, trazia consigo uma
significativa força militar e civil. Desse modo, começou a conquista militar
portuguesa de terras que Ndongo reivindicava havia muito tempo. Como Ngola
Kiluanje suspeitara, a verdadeira intenção dos portugueses era conquistar
Ndongo e integrá-lo ao império português. Os missionários jesuítas sustentavam
a conquista dando suas bênçãos às suas ações militares e civis.
Dias de Novais partira de Lisboa em 23 de outubro de 1574, trazendo o
significativo título de primeiro governador e “capitão-mor da conquista do reino
de Angola” e uma armada de nove navios, setecentos homens, “muita artilharia”
e quatro padres. As ordens que recebera do rei de Portugal eram de “subjugar e
conquistar o reino de Angola”. [26] A frota chegou ao porto de Luanda em 20 de
fevereiro de 1575. [27] Depois de ter sido alertado para a chegada dos
portugueses, Kasenda não demorou a entrar em contato com eles. Em 29 de
junho, um de seus funcionários chegou a Luanda com uma delegação e entregou
uma mensagem do rei numa igreja que os portugueses construíram. [28] Kasenda
oferecia-lhes escravos, provisões, gado e outras mercadorias. Em troca, Dias de
Novais ofereceu a Kasenda presentes do rei dom Sebastião de Portugal.
Posteriormente, Kasenda e Dias de Novais uniram forças em campanhas contra
líderes provinciais recalcitrantes, e portugueses ganharam livre acesso às feiras
de Ndongo. [29] Porém, após um curto período de cooperação, as relações se
deterioraram depois que Kasenda, convencido de que os portugueses pretendiam
conquistar seu reino, prendeu e matou quarenta portugueses em Kabasa,
confiscando suas mercadorias e muitos escravos. As suspeitas de Kasenda eram
bem fundamentadas. Dias de Novais vinha conduzindo as próprias campanhas
militares na região, tendo conquistado mais de trezentos quilômetros de território
de Ndongo e subordinado muitos dos vassalos que pagavam tributo a Kasenda.
[30] Em março de 1582, ano do nascimento de Jinga, Dias de Novais informou ao

rei dom Sebastião sua conquista de “setenta cavaleiros” tão poderosos que “cada
um deles pode resistir a todo o poder do rei de Angola”. [31] Ao longo dos anos
1580, os portugueses e seus aliados africanos obtiveram ganhos significativos
em muitas partes do reino.
O primeiro forte no interior foi erguido em Massangano, na confluência dos
rios Lucala e Kwanza, em 1582. O padre Baltasar Afonso, um dos quatro
sacerdotes da delegação de Dias de Novais, gabou-se para o rei dos sucessos dos
portugueses. Escrevendo em outubro de 1582 a fim de solicitar mais materiais e
homens para as campanhas de Dias de Novais, ele observou que, com apenas
cem homens, o governador havia tomado “metade do reino de Angola,
submetendo muitos grandes senhores [... e] em três meses ganhara três guerras
contra o rei de Angola, matando e capturando um número infinito de pessoas”.
[32] Embora não tenhamos confirmação independente do número de vítimas a

partir de fontes de Ndongo, os registros portugueses estão repletos de descrições


do devastador custo humano e físico dessas primeiras campanhas contra
Kasenda. Supõe-se que em apenas uma campanha de 1583, Kasenda tenha
perdido quarenta mil homens, enquanto as perdas portuguesas não passaram de
sete. Em outra batalha, consta que as forças portuguesas chegaram tão perto da
capital que, depois de darem apenas dois tiros, o rei “sem demora fugiu com seu
pessoal”. Jinga, ainda criança, estaria nesse grupo. [33]
O avanço contínuo dos portugueses e a perda de alguns de seus vassalos
obrigaram Kasenda e membros da corte a fugir novamente de Kabasa, dois anos
depois. Durante a fuga, ele construiu vários fortes provisórios, cada um à
distância de um dia de jornada do outro, para evitar a captura pelos portugueses
e seus aliados africanos que o perseguiam. [34] Em 1585, na batalha de
Talandongo, na província de Museke, a apenas quatro dias de distância de
Kabasa, Kasenda enviou um grande exército, “a flor de Angola”, para enfrentar
os portugueses, mas ele não foi páreo para o inimigo. No final da luta, as forças
portuguesas tinham diante delas um campo de batalha onde eram visíveis apenas
as cabeças cortadas, pois “os homens fugiram para salvar suas vidas!”. Entre os
mortos estavam muitos oficiais militares do alto escalão de Kasenda. Outros
altos funcionários e parentes do rei foram capturados vivos. [35] Kasenda
enfrentou uma perda ainda mais desastrosa em 1586, quando apenas vinte de
setecentos soldados de Ndongo não se afogaram ao tentar atravessar o rio
Lucala. [36]
Muitas das regiões vizinhas e territórios subordinados de Ndongo sofreram
destruição, brutalidade e humilhação nas mãos dos portugueses. Em 1581, numa
operação perto da província rica em sal de Kissama, 150 soldados portugueses
invadiram as terras de um senhor do lugar para vingar a morte de seus
companheiros. Eles aprisionaram cem escravos e queimaram as aldeias. Uma
testemunha missionária observou que as provisões que eles levaram ou
destruíram — entre elas, animais domésticos, óleo, mel e também “casas cheias
de sal”, a principal exportação da província — eram tão abundantes que “se
podem encher com elas dois navios da Índia”. [37] Em outra campanha, um chefe
provincial que fora capturado ofereceu aos portugueses cem escravos como
resgate. Eles aceitaram os escravos, e mesmo assim decapitaram o chefe em
praça pública. [38]
Durante essas operações, os portugueses começaram a macabra prática de
cortar o nariz das pessoas que matavam nas guerras e enviá-los aos
acampamentos portugueses como troféus. Numa batalha, 619 narizes foram
cortados de soldados de Ndongo; em outra, foram tantos os soldados inimigos
mortos que os portugueses empregaram vinte carregadores para levar todos os
narizes cortados ao seu quartel-general. [39] Em outra ocasião, as forças
portuguesas mataram tanta gente que soldados não tinham por onde andar, senão
“por cima deles”. [40]
As campanhas contra Ndongo não eram apenas guerras de conquista, mas
também operações de captura de escravos. Milhares de ambundos não
combatentes foram escravizados e enviados para o trabalho em fazendas criadas
nos arredores de Luanda, ou, como vinha acontecendo em outros países da
África havia cerca de setenta anos, foram vendidos para as Américas. Entre 1575
e 1590, os portugueses exportaram cerca de cinquenta mil ambundos para o
Brasil graças a suas guerras e operações de escravização em Ndongo. [41]
Apesar de todos os reveses enfrentados por Kasenda, os grandes exércitos
que ele pôs em campo lutaram bravamente contra os portugueses e obtiveram
alguns sucessos. Em 1581, ele enfrentou um exército composto por uma pequena
força portuguesa de 120 homens e um grande número de soldados do Congo. [42]
O exército de Kasenda prevaleceu, e o exército do Congo, em retirada, teria
deixado “milhares de feridos e mortos no campo”. [43]
Kasenda e seus partidários atacavam habitualmente os chefes provinciais que
se aliavam aos portugueses. Em 1582, por exemplo, seu exército invadiu as
terras de Popo Ngola, que se tornara vassalo dos portugueses. [44] No ano
seguinte, ele reuniu um grande exército que testemunhas oculares portuguesas
estimaram em centenas de milhares de soldados. As forças de Ndongo,
organizadas em três grandes esquadrões e comandadas por nobres importantes,
eram tão grandes que se espalhavam por muitos quilômetros. [45] Às vezes,
chefes provinciais que tinham passado para o lado dos portugueses voltavam
atrás quando calculavam que sua segurança estava mais com Ndongo do que
com os forasteiros. Isso aconteceu durante uma batalha travada em 1581 contra
as forças combinadas de portugueses e congos, quando “alguns senhores” que já
estavam do lado português “ficaram tão desconfiados” que se recusaram a ajudá-
los. [46] Poucos anos depois, “um grande número de senhores” rebelou-se contra
as forças de Dias de Novais e, em outras ocasiões, os chefes provinciais e seus
povos chegaram a fingir que se rendiam, mas depois voltavam-se contra as
forças portuguesas na primeira oportunidade. [47] Em 1588, alguns dos aliados
mais próximos de Kasenda convenceram Dias de Novais de que o ajudariam a
dominar Kabasa, mas conduziram os portugueses a uma emboscada. [48] No ano
seguinte, os portugueses executaram alguns aliados ambundos depois de
descobrir um complô que haviam tramado contra eles. [49]
As habilidades militares e diplomáticas de Kasenda possibilitaram que ele
reunisse uma confederação militar centro-africana que infligiu uma grande
derrota aos portugueses na batalha de Lucala, em 1589-90. Nessa campanha, que
envolveu tropas dos reinos de Matamba e do Congo, a aliança atacou
primeiramente o forte português em Massangano e depois levou a luta até o
porto de Luanda. [50] Luís Serrão, que assumira o controle das forças
portuguesas depois da morte de Dias de Novais, viu suas forças serem derrotadas
quando vinte ou trinta chefes provinciais, antes aliados seus, se voltaram contra
ele. Serrão teve de fugir rapidamente. [51] Um novo governador, Francisco de
Almeida, chegou a Luanda em 1592 com quatrocentos soldados brancos e
“cinquenta cavaleiros africanos” e a ordem de “expandir a conquista e pôr as
minas sob nosso domínio completo”. Ele levantou forças adicionais e iniciou
uma campanha, mas a erupção de uma epidemia o forçou a retornar à cidade.
Almeida abandonou a colônia em 1593, deixando o irmão em seu lugar. [52]
Mas Kasenda não conseguiu manter a integridade de Ndongo, apesar de
algumas vitórias impressionantes. Quando morreu, em 1592, ele já havia perdido
o controle de muitos macotas e sobas. Na visão desses chefes locais, Dias de
Novais e os portugueses não eram piores do que os governantes de Kabasa, uma
vez que ambos exigiam que pagassem tributos e oferecessem homens para o
serviço militar. Alguns desses líderes reivindicaram descendência de linhagens
reais e questionaram a legitimidade de Kasenda. Outros aproveitaram o caos
causado pela guerra para deixar de enviar tributo ou apoio militar, privando
assim Kasenda de recursos valiosos. O caso do soba Muxima Kitangombe ilustra
particularmente bem a situação em que Kasenda se viu. Em 1581, Muxima
ofereceu ajuda aos portugueses se eles o ajudassem a subjugar “um de seus
inimigos”, prometendo que “ele na companhia de todos os seus vassalos ajudaria
[Dias de Novais] contra o rei de Angola [Kasenda]”. Ele tornou-se vassalo dos
portugueses e enviou ao exército “muitas provisões, porcos e gado”. [53] O soba
de Bansan também abandonou sua fidelidade a Kasenda e passou para o lado dos
portugueses, levando consigo outros membros de sua linhagem, inclusive seu
irmão, seu filho e seu genro. [54] Entre os que se tornaram aliados dos
portugueses destacam-se indivíduos da linhagem Hari, que reivindicavam o
trono porque eram descendentes de uma das concubinas de Ngola Kiluanje kia
Samba, o fundador de Ndongo. [55]
O sistema de estados tributários que Kasenda herdara de seus antecessores
iniciou uma lenta agonia durante seu reinado. No passado, os chefes provinciais
haviam enfrentado a ameaça interna de conquista. Após a derrota para o rei de
Ndongo, os sobas não eram removidos de suas terras, mas forçados a enviar
tributos a Kabasa, bem como contingentes de soldados quando necessário.
Mesmo quando os reis de Ndongo decidiam remover os sobas vencidos de suas
terras, instalando seus “filhos” no lugar deles, esses novos chefes deviam enviar
tributo periodicamente. Se não o fizessem, seriam também removidos pelo
exército. [56]
Agora, o inimigo era externo. O sistema que os portugueses estabeleceram,
tanto em terras conquistadas como nas terras de sobas que ofereciam
voluntariamente sua lealdade ao poder colonial, baseava-se na propriedade de
terras, bens e pessoas pelos jesuítas e pelos soldados e mercadores portugueses.
Em 1581, por exemplo, Dias de Novais deu ao padre Baltasar Barreira, chefe da
comunidade jesuíta, terras que incluíam os “escravos liberados, aluguéis e terras
[pensões]” que pertenciam a oito chefes poderosos da região dos rios Lucala,
Zenza e Kwanza, bem como “porções de terras e lagos que os reis de Angola
deram a Francisco de Gouveia [...] e todo o resto que ele possa possuir e que lhe
pertença”. [57] Seguiram-se outras distribuições à medida que as conquistas
avançavam. Em 1587, Dias de Novais deu as terras de um poderoso soba da
província de Museke a um colonizador português. [58] Àquela altura, os objetivos
portugueses estavam claros: conquistar Ndongo e entregar as terras às ordens
religiosas e aos colonos portugueses.

Conquistas religiosas

A penetração religiosa e os avanços espirituais dos portugueses foram tão


influentes em minar a autoridade de Kasenda quanto as conquistas militares. Em
1575, quando chegou a Luanda, Dias de Novais estava totalmente preparado
para usar as armas religiosas com que o rei de Portugal lhe municiara. Seu grupo
desembarcou em Luanda com pompa e ostentação. Ao lado das centenas de
soldados portugueses estavam quatro jesuítas que levavam relicários dedicados
às lendárias onze mil virgens martirizadas de santa Úrsula. Um dos padres
carregava os relicários sob um dossel ornamentado, enquanto o resto do grupo
cantava hinos acompanhados por um corpo de trompetistas. [59] Ao final do
reinado de Kasenda, 26 missionários jesuítas já haviam se reunido às forças
portuguesas. [60]
Dias de Novais não tomava nenhuma decisão sem primeiro consultar os
jesuítas. Em 1575, por exemplo, adiou a reunião com o embaixador de Kasenda
até que tivesse tempo de rezar na pequena igreja que seus soldados haviam
construído. Durante o encontro, dois padres ficaram de guarda de cada lado de
seu assento recoberto de veludo. [61] Ele acreditava que, para ganhar no campo
de batalha, os soldados deveriam estar “armados com o sacramento da confissão
e da comunhão” e precisavam realizar exortações religiosas. Os soldados eram
encorajados a “ir à igreja cinco vezes para fazer devoções” antes de seguir para
uma campanha, e os padres que acompanhavam o exército “rezavam missa e
ladainhas para eles”. [62] Os ícones religiosos também tinham uma imensa
importância. Quando um pequeno retábulo portátil adornado com a imagem da
Virgem Maria desapareceu, todas as atividades habituais cessaram até ele ser
encontrado. Depois que foi localizado, consta que os homens rezaram muitas
ladainhas diante dele para mostrar sua reverência. [63] Dias de Novais e seus
seguidores atribuíam seus sucessos militares à orientação da “Virgem Nossa
Senhora”. [64]
Embora carregassem obviamente a fé católica no coração, Dias de Novais e
seus homens também tinham outros objetivos em mente. Decidido a completar
não só a conquista militar de Ndongo, mas também sua conversão religiosa ao
cristianismo católico, o comandante português fazia com que todos os rituais
religiosos fossem realizados em público, como forma de atrair a população local.
Seus primeiros alvos seriam a elite de Ndongo, seguida pelos feiticeiros,
sacerdotes (gangas) e crianças. [65]
No início de sua campanha, Dias de Novais e os missionários fizeram
avanços significativos entre elementos cruciais da liderança regional. Numa
elaborada cerimônia realizada em Luanda no início de 1581, o padre Barreira
batizou um dos genros de Kasenda, um nobre poderoso, e Dias de Novais foi seu
padrinho. O nobre, vestido com opulentos trajes portugueses, adotou o prenome
de Dias de Novais, passando a chamar-se dom Paulo. [66] O processo de
conversão era semelhante ao de um cortejo amoroso. No caso de dom Paulo,
Dias de Novais o encheu de presentes, atenção, privilégios e, o que talvez fosse
mais significativo, conferiu-lhe o direito de empunhar o “arco real”, uma marca
de realeza em Ndongo, que indicava sua posição de líder militar e sua
legitimidade como descendente da linhagem real. [67] Dias de Novais concedeu-
lhe outra honra, permitindo que se sentasse “numa cadeira coberta com um
tapete” sempre que se encontravam. [68] Não há dúvida de que dom Paulo foi
cooptado. Seis meses após sua conversão, agora aliado aos portugueses, ele
comandou um exército de cinco mil a seis mil de seus soldados para sufocar uma
revolta em Cambambe. [69] Um ano depois, voltou a entrar em batalha contra as
forças de Ndongo. Ele e seus homens atribuíram a vitória contra Kasenda ao
surgimento apocalíptico de uma cruz no céu durante a batalha. Os portugueses
referiam-se à batalha como “a guerra do céu e de Deus” e a chamaram de Nossa
Senhora da Vitória em homenagem à Virgem Maria. [70]
Mas dom Paulo não era nem de longe a única história de sucesso na
campanha portuguesa para ganhar convertidos e aliados. Muitos outros líderes
provinciais de Ndongo e seus seguidores foram batizados em rituais semelhantes
aos usados na cerimônia de dom Paulo. O soba Songa, por exemplo, junto com
seu filho e um irmão, foi batizado numa luxuosa cerimônia realizada em Luanda
na presença de 216 testemunhas, e Dias de Novais mandou que voltassem para
suas terras a fim de servirem de exemplo ao seu povo. [71] Acompanhados por
um jesuíta em seu retorno, Songa e seu filho, batizados respectivamente com os
nomes de dom Constantinho e dom Tomás, deram aos jesuítas permissão para
batizar centenas de aldeões e erguer cruzes no lugar dos ídolos. Eles flagelaram
o campo, incendiando publicamente os santuários e as cabanas onde os gangas e
os aldeões mantinham sua parafernália religiosa. Também recrutaram meninos
para coletar os ídolos e queimá-los em grandes fogueiras. Em troca de sua
colaboração, Dias de Novais designou Songa capitão-mor das tropas africanas e,
como fizera com dom Paulo, deu-lhe o “arco real” e um assento “diante dos
governadores sobre um tapete”. [72] Um nobre de Ndongo estava tão ansioso
pelo batismo que jogou fora seus “ídolos” e se apresentou para o batismo com
suas “esposas, seus filhos e seus amigos”. Depois da cerimônia de batismo,
casou-se legalmente com uma de suas esposas e desistiu das outras, aderindo à
proibição da poligamia imposta pela Igreja. Em 1586, o padre jesuíta Diogo da
Costa calculou que havia batizado não menos que cem nobres provinciais a
pedido deles mesmos. Ele especulou que esses nobres estavam ansiosos para
garantir uma aliança com os portugueses devido à “crueldade do rei [de
Ndongo]”. [73] A quantidade de ambundos batizados cresceu de forma constante,
aumentando de pouco mais de mil em 1584 para vinte mil até 1590. [74]
Essa dimensão religiosa da estratégia portuguesa foi devastadora para o
prestígio de Kasenda. Seu papel espiritual sempre fora um elemento essencial no
seu estadismo e os profissionais religiosos desempenhavam um papel importante
no reino. Em 1585, Kasenda vangloriou-se de que sabia que havia apenas três
reis no mundo — ele mesmo, o rei de Portugal e o rei do Congo —, mas que ele,
“o rei da terra, do mar e do céu”, era o mais importante. [75]
Os jesuítas concentraram boa parte de seu esforço em enfraquecer a fé do
povo nos gangas, os sacerdotes do Ndongo, facilmente identificados por suas
roupas e pela aparência física. Os jesuítas os tratavam como a feiticeiros que
falavam com o diabo. As descrições detalhadas que os jesuítas deixaram de suas
conversas com esses “feiticeiros” e de sua aparência física, parafernália religiosa
e santuários públicos não deixam dúvidas de que eles eram uma força poderosa
em Ndongo. [76] Muitos deles eram figuras públicas que dirigiam as principais
cerimônias religiosas durante as secas ou a guerra, ao mesmo tempo que
oficiavam nas aldeias os nascimentos, rituais de batismo, doenças e óbitos. Em
regiões conquistadas pelos portugueses, os gangas foram forçados à conversão.
Os jesuítas prendiam aqueles que ainda estavam em seus santuários e os
forçavam a aprender “as coisas de Deus”. [77] Em 1582, o padre Barreira
entrevistou um funcionário religioso muito antigo e importante, que era a
autoridade espiritual de uma província aliada aos portugueses. Acreditava-se que
esse homem tinha o poder de controlar o clima, garantir a saúde da população e
fornecer outros serviços importantes. Barreira ficou alarmado com a aparência
do ganga, observando que ele parecia estar vivendo como uma mulher, pelo
menos exteriormente — seus cabelos eram longos e soltos, e ele se vestia com
um longo manto “feito de seu cabelo”, envolto em muitas camadas de panos
normalmente usados somente por mulheres. Questionado por Barreira, o ganga
revelou que havia nascido homem, mas o “demônio” dissera à sua mãe que ele
morreria imediatamente se não “se tornasse uma mulher”. [78] Barreira obrigou-o
a cortar o cabelo e confiscou sua parafernália religiosa “supersticiosa”. E foi
ainda mais longe: cravou uma cruz onde o ganga executava suas funções e
começou imediatamente a construir uma igreja no próprio local onde ficava o
santuário dele. [79]
Apesar das muitas tentativas que os jesuítas fizeram de acabar com o poder
dos gangas, o número deles pode ter aumentado durante o reinado de Kasenda.
Existem muitos indícios de que as crenças religiosas tradicionais continuaram a
exercer uma forte influência sobre a população. Por exemplo, como já era
costume muito antes da chegada dos portugueses, o povo continuava a seguir os
ensinamentos dos gangas, usando nos braços e pernas pulseiras de ferro e cobre
limpas ritualmente (como Jinga faria mais tarde), acreditando que esses adereços
os protegiam de doenças. [80] Acreditava-se que os principais curandeiros que
davam assistência à corte e às capitais provinciais tinham a capacidade de entrar
em contato com governantes falecidos, que provavelmente possuíam os
sacerdotes e falavam através deles em tempos de crise política. Em 1586, um
nobre de Ndongo capturado desculpou a perda da importante província de
Ilamba com relatos de uma visão desse tipo. Ele alegou que os soldados fugiram
aterrorizados dos portugueses devido a “uma mulher de muita autoridade que
viram no céu, acompanhada por um velho com uma espada de fogo na mão”. [81]
A veneração de guerreiros mortos também era um elemento central da prática
religiosa de Ndongo. Os soldados vitoriosos faziam túmulos dos esqueletos e
crânios de camaradas mortos no local das batalhas. [82] O sacrifício humano
talvez tenha também aumentado durante o reinado de Kasenda, pois quando ele
morreu, em 1592, várias pessoas foram mortas e enterradas com ele. [83]
Durante seu reinado, Kasenda promoveu as tradições e os rituais religiosos de
Ndongo, talvez como contrapeso às facções da corte que aderiram ao
cristianismo e aos portugueses. Isso talvez explique por que ele enviou seu
principal representante religioso, em vez de seu tendala (a principal autoridade
administrativa da corte), para supervisionar a visita de Dias de Novais e dos
jesuítas em 1575. Quando suas suspeitas sobre os motivos dos portugueses
aumentaram, Kasenda não hesitou em agir contra os cristãos africanos e
europeus em sua corte. Em 1580, quando deu a ordem de matar quarenta
portugueses em Kabasa, também aprovou o assassinato de mil escravos cristãos
de Ndongo que estavam por lá negociando em nome dos portugueses. [84]
A situação dos gangas e de outros profissionais religiosos era paradoxal.
Embora fossem alvos de ataque, a liderança de Ndongo — até mesmo membros
que se tornaram aliados dos portugueses — punha grande fé na eficácia desses
sacerdotes tradicionais, nos rituais que supervisionavam e nos conselhos que
davam. Em 1581, um chefe provincial que se tornara aliado dos portugueses e
planejara assassinar Kasenda pediu a proteção de seus sacerdotes antes de
atravessar o rio para um encontro com Dias de Novais. [85] Em 1588, Kafuxi ka
Mbari, outro senhor de Ndongo que era inicialmente aliado dos portugueses, pôs
a culpa de suas perdas militares na ausência de chuvas. [86] Para melhorar suas
chances, convocou “seus sacerdotes chamados gangas em todas as suas terras”
para realizar as cerimônias necessárias. [87]
Os rituais que os gangas e outros líderes espirituais praticavam eram
considerados vitais para o sucesso nas guerras e em outras ocasiões importantes.
Nenhum rei ou chefe provincial realizava um evento público importante sem
incluir profissionais religiosos em sua comitiva. Eles também estavam presentes
nas cerimônias religiosas realizadas a cada cinco dias após a morte de um
governante provincial, nas quais criados pessoais poderiam ser enterrados com
seus senhores. [88]
Desde o início de seu governo, Kasenda ouvia o conselho de seus
orientadores religiosos. Em 1585, por exemplo, mandou sua mãe e “muitos
gangas homens e mulheres” para proteger seu exército. [89] Mas seu governo não
teve um final feliz. Anos mais tarde, ele foi aclamado por fortalecer Ndongo e
prevalecer contra chefes provinciais e membros de linhagens rivais que se
aliaram aos portugueses. [90] Mas Kasenda percebeu que suas guerras e seus
sacerdotes falharam a expulsar os invasores. Incapaz de aceitar que as conquistas
portuguesas o deixaram com apenas uma fração do reino que herdara, ele
abandonou a luta e recuou para Kabasa. Em seus últimos anos de vida, viveu
com a ignomínia de uma cidade portuguesa em expansão na costa e fortes
portugueses permanentes que controlavam a maioria do povo e das terras que
anteriormente estavam submetidos ao seu poder. [91] Kasenda morreu em 1592,
quando Jinga se aproximava dos dez anos. Embora o filho e o neto que
sucederam a ele tenham continuado a tradição das guerras e da resistência, seria
sua neta Jinga quem finalmente teria sucesso em resistir aos portugueses.
2.
Crise e a ascensão de Jinga

Depois da morte de Kasenda, em 1592, dois outros parentes de Jinga assumiram


o poder antes que ela se tornasse rainha, em 1624. O primeiro foi o filho de
Kasenda, Mbande a Ngola (que reinou entre 1592 e 1617), e o segundo foi seu
neto, irmão de Jinga, Ngola Mbande (entre 1617 e 1624). Durante esse período,
o reino viveu em crise. As batalhas contra os portugueses continuaram, mais e
mais pessoas foram capturadas pelo crescente tráfico de escravos, e o reino
sofreu fraturas internas. As repetidas tentativas diplomáticas fracassaram,
enquanto o cristianismo começava a fincar pé.

O reinado conturbado de Mbande a Ngola

Mbande a Ngola já era um homem maduro e chefe de uma grande família


quando foi escolhido para ser o sucessor de Kasenda. Sua família era composta
de uma esposa principal, filha de um poderoso chefe provincial, e numerosas
concubinas e filhos. Seu filho mais velho era filho da esposa principal, mas ele
tinha quatro filhos de sua concubina favorita, Kengela ka Nkombe. Desses
quatro, o mais velho era Ngola Mbande, e havia três filhas mais novas: Jinga
(com dez anos quando seu pai assumiu o poder), Kambu e Funji.
Quando se tornou o governante de Ndongo, Mbande a Ngola enfrentou
obstáculos formidáveis em quase todas as frentes, tanto de seu próprio povo
como dos portugueses. Dois de seus meio-irmãos contestaram a legitimidade de
sua eleição, assim como muitos ambundos que viviam em regiões conquistadas
pelos portugueses. Para se tornar um governante efetivo, ele precisou encarar a
dupla tarefa de demonstrar que era capaz de recuperar o controle sobre a
economia, agora dominada pelo tráfico de escravos, ao mesmo tempo que dava
continuidade à resistência aos portugueses.
Não restava dúvida de que os portugueses tinham superioridade militar e a
resistência a eles era extremamente difícil. Durante todos os 25 anos de seu
reinado, Mbande a Ngola ou seus aliados empreenderam lutas contra os
portugueses. Seu primeiro teste ocorreu em 1593, quando uma força mista
composta por soldados portugueses e os exércitos de 26 sobas aliados invadiram
e controlaram temporariamente o distrito produtor de sal de Kissama, que
também abrigava o tesouro do rei. Em outra campanha levada a cabo pouco
depois, as forças unidas de Portugal e Ndongo cercaram o exército de Mbande a
Ngola e em quinze dias avançaram por cerca de 450 quilômetros de território
sob seu controle, dizimando grande parte da população. [1]
As forças portuguesas sofreram uma grande derrota em 1594, nas mãos de
Kafuxi ka Mbari, um poderoso soba que controlava uma região ao sul de
Kissama, próxima de Cambambe. Ali, centenas de portugueses e cerca de
quarenta mil de seus aliados africanos perderam a vida. [2] Mas as forças
conjuntas logo contra-atacaram e os ataques violentos aos sobas leais a Mbande
a Ngola foram implacáveis ao longo de 1595 e 1596. [3]
O fracasso dos assaltos militares de Mbande a Ngola contra os portugueses
devia-se, em parte, à oposição que ele enfrentava de membros da corte que não
apoiaram sua eleição. As alianças nem sempre eram fáceis de obedecer ou
prever, e Kafuxi era um dos vários sobas que se opunham tanto aos portugueses
como a Mbande a Ngola. A façanha militar de Kafuxi aumentou sua
popularidade entre os outros sobas e confirmou sua condição de ameaça direta
ao ngola . Mbande a Ngola temia que o povo pudesse depô-lo se acreditasse que
Kafuxi poderia defendê-los melhor contra os portugueses.
Os avanços portugueses continuaram, no entanto, resultando na derrota de
Kafuxi e de outros sobas poderosos e na construção de um novo forte em
Cambambe, junto ao rio Kwanza. Em 1603, os portugueses, sob o comando do
governador Manuel Cerveira Pereira, invadiram Cambambe, a cerca de oitenta
quilômetros de Kabasa, em busca de supostas minas de prata. [4] Apesar de
Mbande a Ngola ter “entrado em campo com todo o seu poderio”, não conseguiu
deter o avanço português. Cambambe era uma província central, cujo soba se
recusara a reconhecer a soberania portuguesa. Incapaz de suportar o ataque
português, ele fugiu. O governador Pereira decapitou o soba que Mbande a
Ngola enviou para substituí-lo, pôs em seu lugar um soba mais submisso e
construiu um forte, que guarneceu com 250 soldados. [5]
A crise política que Mbande a Ngola enfrentava em Cambambe foi agravada
quando os portugueses conquistaram, ainda no mesmo ano, Museke, uma
província próxima antes governada por seu sogro. Essas perdas consecutivas
levaram a uma debandada, pois os sobas independentes transferiram
publicamente sua fidelidade para os portugueses. [6] A sucessão de derrotas
também levou Mbande a Ngola a procurar melhorar as relações com o
governador Pereira, mas, como veremos mais adiante neste capítulo, essa
tentativa de diplomacia não gerou frutos. [7]
Outra ameaça para o ngola vinha dos imbangalas, bandos de jovens
mercenários conhecidos por seu comportamento violento e sectário (incluindo o
canibalismo), que se aliaram aos portugueses. Os imbangalas já haviam invadido
territórios ao sul de Ndongo e destruído as terras de um tio de Mbande a Ngola,
na província de Tunda. [8] A invasão que fizeram nas terras de Kafuxi em 1607
aniquilou qualquer esperança que o ngola pudesse nutrir de recuperar os
territórios conquistados pelos portugueses. A aliança foi uma dádiva para os
europeus, pois possibilitava que colhessem os benefícios da destruição de
Ndongo pelos imbangalas, tais como escravos capturados entre o grande número
de refugiados, terra e sobas dispostos a trocar sua fidelidade a Ndongo por
Portugal. [9] Embora Mbande a Ngola e seus aliados provinciais independentes
restantes continuassem a ter escaramuças esporádicas com os portugueses,
Ndongo praticamente entrou em colapso. [10]
A longa espiral descendente que acabaria por culminar na morte de Mbande a
Ngola começou em 1611, quando o exército português, apoiado por aliados
ambundos locais e bandos de imbangalas, realizou campanhas sucessivas nas
áreas a leste de Cambambe e destruiu seus antigos aliados nas regiões norte e
sul. No entanto, restaram bolsões de resistência. Um relatório de 1612 ao rei de
Portugal identificava várias províncias em que “inimigos poderosos”
controlavam “grandes territórios”. Além disso, dizia o mesmo relatório, os
governantes provinciais ao sul do rio Longa e ao redor do forte português de
Muxima perturbavam as alianças comerciais e políticas feitas entre os
portugueses e a província de Hari, anteriormente uma região central de Ndongo,
e impediam o acesso fácil ao comércio de regiões além de Ndongo, como
Matamba e Tunda. Mbande a Ngola ainda impunha algum respeito, mesmo entre
aqueles sobas que haviam sido integrados pela força à colônia portuguesa de
Angola. Incomodados tanto pelos saqueadores portugueses que roubavam as
provisões da população como pelas exigências excessivas de escravos e soldados
para o exército e para os fortes portugueses, alguns sobas começaram a se
rebelar, preferindo aliar-se ao rei de Ndongo, que só exigia tributo uma vez por
ano. [11]
Angola portuguesa e Ndongo, 1622.

Não obstante, o relógio não podia voltar atrás; o Estado de Ndongo que
Mbande a Ngola herdara era coisa do passado. As batalhas que ele e seus poucos
aliados continuaram a travar contra os portugueses nunca alcançaram a escala —
ou o êxito — de confrontos anteriores. Nos últimos anos de seu reinado, ele não
conseguiu reunir os milhares de soldados necessários para defender o reino. O
apoio a Mbande a Ngola continuou a diminuir à medida que os portugueses
construíam mais fortes em terras dos governantes provinciais restantes. Em
1614, um relatório do governador português Bento Banha Cardoso informava
que a colônia de Angola estava em paz e que ele construíra uma fortaleza em
Hango, onde os dois sobas mais poderosos e alguns menores “prestaram
obediência”. [12] Em outro relatório datado de um ano depois, Cardoso contava
que um grande número de sobas tinha sido forçado a se submeter aos
portugueses graças a guerras com os imbangalas. Nesses territórios
conquistados, cada soba era agora obrigado a enviar tributo a um senhor
português designado. Tratava-se evidentemente do tributo que antes era enviado
a Mbande a Ngola. [13]

Crescimento do tráfico de escravos

A expansão do tráfico de escravos, iniciada e controlada pelos portugueses,


representou um grande obstáculo para a recuperação do poder de Mbande a
Ngola sobre as províncias tributárias que perdera. [14] A complexa estrutura
social que caracterizava a sociedade local dá uma ideia de como o tráfico de
escravos solapou a independência de Ndongo. Precisamos retroceder no tempo
por um momento para entender como o tráfico evoluíra nas décadas anteriores.
Como em outros lugares da África, a sociedade de Ndongo era composta por
indivíduos livres e não livres. Os indivíduos sem liberdade pertenciam a duas
categorias: os kijikos , que ocupavam uma posição semelhante à dos servos
europeus — eram herdados da terra e considerados patrimônio estatal —, e os
mubikas , que eram escravos no sentido tradicional — descendentes de cativos
de guerra, comprados nas feiras locais, ou de alguma forma convertidos em
propriedade do rei ou de um líder provincial ou territorial. [15] A posição social
dos kijikos era um pouco ambígua: em alguns períodos, podiam ser vendidos
como escravos, e em outros, não. Já em 1565, o padre Gouveia enumerava
escravos entre os artigos que Ngola Kiluanje kia Ndambi estava mandando ao rei
de Portugal. [16] Nos primeiros anos do governo de Kasenda, a categoria dos
escravizados ampliou-se para incluir aqueles “escravos originados de outros que
seus antepassados tomaram nas guerras [kijikos ]”, cativos recentes e criminosos
condenados à morte. Todos estavam disponíveis para compra em feiras de
Kabasa e nas províncias. [17] Depois de observar o funcionamento interno do
tráfico de escravos em Ndongo no início da década de 1580, o padre jesuíta
Baltasar Barreira concluiu que em nenhum outro país da África é possível
“comprá-los de forma mais segura” do que em Angola. [18] Porém, era ilegal
vender uma pessoa livre (ou às vezes um kijiko ). Os mercados de escravos eram
rigorosamente monitorados para verificar a legalidade de qualquer venda, e
nenhum esforço era poupado para resgatar uma pessoa livre ilegalmente vendida
para o cativeiro.
O comércio de escravos expandiu-se significativamente depois que Paulo
Dias de Novais retornou a Ndongo em 1575, no primeiro ano do reinado de
Kasenda. Um grande número de portugueses e seus auxiliares africanos foi a
Kabasa para vender mercadorias em troca de escravos durante as guerras
travadas após o retorno de Dias de Novais, de acordo com o frei capuchinho
Gaeta, baseado em informações recolhidas em entrevistas realizadas quase um
século depois. [19] Com efeito, estima-se que os cinquenta mil escravos que
foram enviados de Angola para o Brasil entre 1575 e 1578 tinham vindo em
grande parte do tráfico de escravos de Ndongo. [20] A cada batalha vitoriosa,
centenas de milhares de kijikos e mubikas eram entregues a jesuítas, capitães
portugueses e outros favoritos, junto com o controle dos territórios conquistados.
Muitas das campanhas militares de Dias de Novais contra Kasenda eram, na
verdade, expedições de captura de escravos. Além disso, à medida que os
portugueses obtinham o controle de um número cada vez maior de territórios, os
colonos montavam exércitos privados e organizavam suas próprias expedições
de pilhagem, escravizando moradores de aldeias, destruindo campos e deixando
grandes extensões de terra despovoadas. [21] Em 1587, os próprios jesuítas
controlavam nove sobas e sua gente nas terras que Dias de Novais lhes dera
como propriedade privada. Isso rendia cerca de trezentos escravos por ano, que
eram vendidos aos traficantes que os levavam para as Américas. [22] Entre 1579
e 1592, quando Kasenda morreu, mais de 52 mil escravos foram exportados de
Ndongo. [23]
O tráfico de escravos proliferou durante o reinado de 25 anos de Mbande a
Ngola, à medida que os portugueses conquistavam mais províncias. Em 1606, os
mercadores portugueses já exportavam de Angola entre dez mil e treze mil
escravos anualmente, um número que aumentou ainda mais depois que o
exército português uniu forças com os imbangalas, em 1607. [24] Os mercadores
portugueses sediados em Luanda também enviaram um número crescente de
seus escravos ( pumbeiros ) para as províncias para que agissem como
negociantes em seu nome. [25]
Os conflitos entre Ndongo e os portugueses eram motivados frequentemente
pelo uso de kijikos como escravos em suas fazendas ou a exportação deles para
as Américas. [26] Por volta de 1616, muitas dessas batalhas podiam ser
classificadas como guerras comerciais; uma investigação judicial daquele ano
revelou que “o rei de Angola e outros poderosos sobas” atacavam as feiras para
“roubar, matar e capturar o povo dos portugueses [isto é, os africanos] que
servem lá”. [27] Às vezes, Mbande a Ngola e seus sobas leais visavam os
africanos que negociavam em nome dos portugueses. Após os ataques, os
mercadores portugueses queixaram-se de que seus fortes corriam o risco de ser
atacados e destruídos. Na verdade, o principal objetivo de Mbande a Ngola não
era destruir essas posses portuguesas, mas recuperar o controle dos kijikos que os
portugueses haviam capturado. [28]
No fim do reinado de Mbande a Ngola, suas campanhas contra as posições
portuguesas representavam pouco mais do que incursões contra as feiras que os
portugueses haviam montado em todo o Ndongo; desistir de sua reivindicação
aos kijikos e murindas seria sinalizar o desaparecimento do reino. A resistência
às reivindicações portuguesas à terra e aos dependentes marcaria a relação entre
o filho e herdeiro de Mbande a Ngola e sua irmã Jinga. Enquanto isso, Mbande a
Ngola tentaria uma conduta diferente em sua resistência aos portugueses: a
diplomacia.

Diplomacia, cristianismo e a queda de Mbande a Ngola

Tendo perdido a maior parte de seu reino e o apoio de muitos sobas, bem como o
acesso ao tributo que lhe deviam, Mbande a Ngola decidiu tomar o caminho da
diplomacia na relação com os portugueses. Parte dessa estratégia envolvia
assegurar sua disposição de aceitar o batismo e permitir a entrada dos jesuítas no
restante de suas terras. A diplomacia era sua única esperança, depois que
reconheceu que não podia vencer seu adversário no campo militar ou
econômico.
No entanto, ele fracassaria também nesse terreno. Esse fracasso fica aparente
quando consideramos a propagação do cristianismo durante seu reinado. A
Angola portuguesa naquela época incluía milhares de cristãos ambundos, mas
eles se encontravam sobretudo nas províncias ocupadas pelos europeus,
especialmente em Luanda e em torno dos fortes de Massangano e Cambambe.
Os jesuítas ganharam a companhia dos franciscanos, muitos deles familiarizados
com a língua e a cultura quimbundos, na conversão de um número crescente de
ambundos. Atribuía-se a um único padre jesuíta a conversão de vinte mil
ambundos na ilha de Luanda. [29]
Mas, apesar do número de conversões, os missionários não estavam
satisfeitos com a versão do cristianismo praticada pelos ambundos. Um relatório
de 1606 escrito por um padre jesuíta dizia que os chefes regionais ainda tinham
muitas esposas (aparentemente centenas, algumas vezes), e os gangas
(sacerdotes ambundos) ainda exerciam um poder significativo. Numa região que
tinha dois mil cristãos, por exemplo, ainda havia “uma casa de muitos ídolos”
repleta de estátuas de homens e mulheres, ossos de animais e coisas assim. Os
missionários tinham de queimar esses santuários porque os ambundos
acreditavam que quem tocasse nos ídolos morreria. [30] O próprio Mbande a
Ngola confiava nos gangas ainda mais do que Kasenda. O cristianismo
continuaria a se fundir com as ideias de espiritualidade dos ambundos até o fim
do reinado de Mbande a Ngola. [31]
No âmbito da diplomacia formal, as tentativas de Mbande a Ngola também
fracassaram, desde a primeira, em 1599. Esgotado pelas guerras, ele enviou
embaixadores a Luanda para negociar um tratado de paz e anunciar seu desejo
de abraçar o cristianismo. Para demonstrar seu comprometimento, ofereceu
algumas crianças nobres aos portugueses. Os jesuítas ensinaram cristianismo a
esses reféns enquanto aguardavam uma resposta das autoridades europeias. [32]
(Não há registro de uma resposta.) Mbande a Ngola insistiu novamente na
diplomacia em 1603, depois que as forças portuguesas derrotaram o poderoso
soba Kafuxi ka Mbari e o forçaram a fugir. O ngola enviou a Luanda uma
embaixada de cerca de quinze pessoas, entre elas parentes seus, com uma
mensagem de paz. Seus emissários deixaram claro que o maior prazer de
Mbande a Ngola seria que os portugueses lhes devolvessem suas terras, mas, se
isso não fosse possível, ele esperava que ficassem satisfeitos com suas
conquistas territoriais até então. No mínimo, ele desejava conservar de “sua
cidade real [Kabasa] até o nosso forte em Cambambe”. Por fim, os emissários
reiteraram a afirmação de Mbande a Ngola de que ele sempre desejara e “ainda
deseja ser cristão”. [33]
Essa abordagem também não deu em nada; os vários dirigentes que
governaram a Angola portuguesa continuaram guerreando contra Mbande a
Ngola, ignorando as diretrizes das autoridades reais de Lisboa e da Espanha para
que fizessem a paz com Ndongo e evitassem a guerra em favor da conversão do
ngola e dos sobas. [34] Em vez disso, os portugueses, em aliança com os
mercenários imbangalas, capturaram centenas de milhares de ambundos, que
foram exportados para as Américas ou transferidos para plantações controladas
por soldados portugueses e pela Igreja.
Em 1607, Mbande a Ngola ficou tão frustrado com os ataques incessantes
que prendeu um diplomata português que fora enviado a Ndongo, alegando que
o ex-governador Manuel Cerveira Pereira fizera “guerra contra ele sem causa”.
[35] Os ataques continuaram, embora Francisco Correia da Silva, nomeado

governador em 1611 (sem entretanto chegar a assumir o posto), recebesse ordens


de fazer tudo ao seu alcance “para fazer as pazes com o rei de Angola a fim de
que ele concordasse em se converter à nossa santa fé”. [36]
Em 1612, a situação em Ndongo já era caótica. Províncias que os portugueses
haviam conquistado estavam em rebelião aberta. Os constantes saques,
assassinatos e roubos minavam qualquer possibilidade de relações pacíficas
entre Mbande a Ngola e os portugueses. [37] Restavam poucos vassalos de quem
o rei poderia exigir tributo e ele havia perdido milhares de kijikos , que estavam
trabalhando como escravos nas plantações portuguesas ao longo do rio Kwanza
e em outros lugares. [38] Bento Banha Cardoso, governador de 1611 a 1615,
ergueu mais um forte perto da capital de Ndongo, numa demonstração
inconfundível do poder português. Acima de tudo, Mbande a Ngola perdera a
boa vontade de muitos dos poderosos sobas restantes. Em 1616, quando o rei
Filipe III emitiu novas diretrizes ao governador Manuel Cerveira Pereira (em seu
segundo mandato), Mbande a Ngola estava desesperado. [39]
As ordens oficiais do rei ao governador eram claras. Ele deveria negociar
uma paz que forçasse Mbande a Ngola a submeter-se ao rei português e
convencer os sobas ainda fiéis a ele a “concordar em ter nossa fé em seu reino”.
A situação em Ndongo, no entanto, não abria espaço para a diplomacia. [40]
Mbande a Ngola nunca se encontrou com o governador. Ele já havia perdido
consideráveis terras e súditos que pagavam tributo. [41] Vários senhores
provinciais foram executados publicamente ou encarcerados, e oitenta sobas
foram integrados à força ao reino português de Angola.
A posição de Mbande a Ngola já estava debilitada quando Kakulu ka Hango,
o importante soba de Hango (local do novo forte dos invasores), se tornou o
oponente mais poderoso dos portugueses. Muitos kijikos e sobas descontentes
fugiram das áreas controladas por Portugal para juntarem-se à sua revolta.
Porém, o governador Pereira esmagou rapidamente a rebelião, restaurando a
autoridade portuguesa e entregando aos soldados e funcionários portugueses
todos os kijikos e outros ambundos que haviam participado da resistência. [42]
Foi outra perda embaraçosa para Mbande a Ngola. Seu prestígio entre os
senhores independentes remanescentes quase desapareceu e seus inimigos
começaram a tramar a vingança. Esses inimigos eram nobres que haviam
contestado a designação de seu pai Kasenda para rei. No início de 1617, eles
convenceram Mbande a Ngola a enviar reforços para auxiliar as forças que
lutavam contra um chefe provincial que se rebelara contra ele. O ngola
aproveitou essa chance de reconstruir sua reputação manchada e acompanhou a
coluna de auxílio até o rio Lucala, onde as forças estavam supostamente
encurraladas. Mas a informação era falsa. Ao se aproximar do rio, ele foi
emboscado por seus próprios homens e assassinado. [43] Apesar dessa traição,
seu funeral esteve à altura do de seus antepassados mais ilustres, repleto de “luto
e sacrifícios apropriados”. [44]
A morte súbita de Mbande a Ngola deixou um Ndongo muito reduzido, uma
nobreza dividida e nenhum sucessor designado. Os meses que se seguiram ao
enterro testemunharam banhos de sangue e intrigas políticas inacreditáveis,
enquanto as várias facções lutavam pelo controle do reino.

As batalhas perdidas de Ngola Mbande

Como acontecera durante a ascensão de Kasenda ao trono, cerca de 45 anos


antes, as disputas pela sucessão após a morte de Mbande a Ngola foram um
processo confuso que envolveu autoridades da corte responsáveis pela escolha
do próximo rei, os filhos e parentes da esposa e da concubina principais do rei
morto e aspirantes de linhagens elegíveis que ainda ocupavam posições
importantes nas províncias centrais. Esse caos na corte implicava que qualquer
pessoa que pudesse mobilizar apoio suficiente — fosse um dos filhos de Mbande
a Ngola, fosse um membro de uma linhagem elegível — assumiria o controle da
capital. Ngola Mbande, filho da concubina favorita de Mbande a Ngola e irmão
de Jinga, Funji e Kambu, acabou vencendo a disputa. Após a morte do pai, ele
imediatamente mobilizou seus partidários em Kabasa, que concordavam com seu
argumento de que seu meio-irmão mais velho, filho mais velho da esposa
principal de seu pai e, portanto, herdeiro legítimo de acordo com as regras de
descendência dos ambundos, era inelegível para herdar o reino porque sua mãe
fora condenada por adultério e presa. [45] Ngola Mbande fez seus partidários
proclamarem-no rei antes que muitos dos eleitores tradicionalmente envolvidos
na seleção do rei chegassem a Kabasa.
Para consolidar sua posição, Ngola Mbande desencadeou um banho de
sangue contra rivais em potencial. Seu meio-irmão, a mãe dele, presa, e todos os
irmãos dela foram assassinados em pouco tempo. Passou então a matar membros
proeminentes da corte, inclusive o tendala (o principal funcionário
administrativo) e outras autoridades da corte junto com suas famílias. [46]
As próprias irmãs de Ngola Mbande não escaparam de sua ira, embora tenha
poupado a vida delas. Ele tinha uma rivalidade de longa data com Jinga, que
estava agora com 35 anos. Durante a infância e a juventude deles, ela fora a
favorita de seu pai, e consta que superava o irmão em aptidão mental e
habilidade militar. [47] Numa tentativa de garantir sua sucessão, Ngola Mbande
matou primeiro o filho recém-nascido de Jinga com um de seus muitos
concubinos. Então, segundo os relatos dos aliados dela, colhidos anos depois,
mandou esterilizar Jinga e suas duas irmãs mais moças: óleos combinados com
ervas foram jogados “ferventes na barriga de suas irmãs, de modo que, de
choque, medo e dor, elas seriam para sempre incapazes de dar à luz”. [48] Não há
registro de testemunhas oculares desse fato, mas é sabido que Jinga e suas irmãs
não deram à luz nenhum filho depois de 1617. Ngola Mbande, no entanto,
casou-se e teve um filho que acreditava que lhe sucederia no poder. Além disso,
teve muitos filhos com suas numerosas concubinas como meio de aumentar a
população sob seu controle direto. Como era costume, as concubinas vinham de
regiões fora de Kabasa, garantindo assim que suas linhagens pagassem tributo
em tempos de paz e fornecessem unidades militares durante a guerra. [49]
Ao cometer fratricídio e vários outros crimes para garantir a liderança de
Ndongo, Ngola Mbande seguia os passos de seus antepassados imediatos. No
entanto, ele desprezou suas estratégias militares e domésticas, de acordo com
histórias coletadas pelo missionário capuchinho Giovanni Antonio Cavazzi, que
mais tarde viveu na corte de Jinga. [50] Ngola Mbande procurou inspiração em
líderes mais antigos em seus esforços para restaurar a antiga glória do reino.
Uma de suas primeiras medidas foi ir além dos partidários de Kabasa que
haviam arquitetado sua eleição e tentar aumentar o número de kijikos em terras
estatais longe da capital. Ao lidar com os portugueses, rejeitou a diplomacia; em
vez disso, reuniu um grande exército e avançou contra as posições portuguesas
assim que assumiu o poder. [51]
Infelizmente para Ngola Mbande, os portugueses também estavam revisando
sua estratégia para lidar com Ndongo. O novo governador Luís Mendes de
Vasconcelos, durante seus quatro anos de mandato, realizaria campanhas
militares maciças que culminariam com o saque da capital Kabasa e a captura de
milhares de escravos. Quando chegou a Luanda no verão de 1617, pouco depois
de Ngola Mbande assumir o poder, Mendes de Vasconcelos tinha planos
grandiosos para conquistar não só Ndongo, mas todos os reinos até
Moçambique, passando em torno do cabo da Boa Esperança, no extremo sul da
África. Planejava financiar esse enorme empreendimento militar com a captura e
venda de africanos para o tráfico de escravos. Assim como Ngola Mbande
inspirou-se nos fundadores de Ndongo, Mendes de Vasconcelos reverenciou seus
predecessores, os primeiros conquistadores, como Dias de Novais, que
precipitaram o declínio de Ndongo. [52]
Não demorou para que Mendes de Vasconcelos pusesse em ação seu plano de
reunir uma enorme força de combate, sem tolerar nenhuma dissensão entre seus
compatriotas: prendeu, matou ou afastou os funcionários portugueses em Luanda
e nos fortes que se opuseram a ele. Aproximou-se também de funcionários
ambundos descontentes, muitos dos quais se submeteram voluntariamente à sua
autoridade. [53] Em poucos meses, Mendes de Vasconcelos reuniu um grande
exército composto por colonos portugueses e seus escravos, soldados, bandos de
imbangalas, sobas ambundos e ambundos livres. Sob o disfarce de atacar um dos
poucos sobas poderosos ainda aliados de Ngola Mbande, o exército, em vez
disso, marchou para o forte de Massangano, um ponto de parada no caminho
para Kabasa, destino final de Mendes de Vasconcelos. O governador português
contava com o apoio de um soba de uma linhagem concorrente à de Ngola
Mbande, que não só prometeu levar os próprios soldados como permitiu que as
tropas portuguesas passassem por suas terras. [54]
O exército de Mendes de Vasconcelos encontrou resistência no caminho para
Kabasa. Muitos sobas poderosos de Museke, onde Ngola Mbande e sua irmã
Jinga ainda gozavam de forte apoio, se envolveram em batalhas sangrentas
contra as tropas portuguesas. Mendes de Vasconcelos retaliou brutalmente,
promovendo decapitações em massa. Apesar disso, ou mais provavelmente por
causa dessa brutalidade, os sobreviventes desses massacres mantiveram seu
apoio a Ngola Mbande e, mais tarde, a Jinga, quando ela se tornou rainha. [55]
A resistência desses sobas não foi suficiente para barrar o exército de Mendes
de Vasconcelos e, entre o fim de 1617 e o início de 1618, com o apoio de
grandes contingentes de forças imbangalas, ele chegou à capital tradicional dos
governantes de Ndongo, no coração do reino, após destruir todas as aldeias no
caminho de Massangano a Kabasa. As forças de Ngola Mbande foram
subjugadas e o rei escapou por pouco com alguns membros de sua casa, fugindo
para suas terras mais a leste. O exército encontrou casas bem conservadas,
construídas com materiais locais e decoradas com elaboradas imagens da flora e
da fauna da região. Houve destruição em grande escala na cidade. Um
funcionário português relatou que os imbangalas “capturaram, mataram e
comeram milhares de pessoas, derrubaram palmeiras e destruíram tudo ao seu
alcance”. [56] Além disso, centenas de sobas que tinham evitado o domínio
português até então foram forçados a submeter-se. [57] Os soldados também
capturaram milhares de pessoas que não tiveram tempo de escapar, inclusive os
kijikos que Ngola Mbande usava para cultivar terras estatais. Mandaram um
recado para Ngola Mbande avisando que ele devia comparecer perante Mendes
de Vasconcelos para discutir as condições da paz. Ele não apareceu e o
governador respondeu deslocando o forte que Bento Banha Cardoso havia
construído em 1611, em Hango, para Ambaca, um lugar distante um dia de
viagem de Kabasa. [58] Agora, três fortes portugueses cercavam as áreas centrais
de Ndongo: Ambaca, Massangano e Cambambe, localizados na província de
Museke, entre 75 e 95 quilômetros de Kabasa. [59]
A violência estava longe de acabar. Forçado a retornar a Luanda para se
recuperar de uma doença, o governador Mendes de Vasconcelos entregou o
controle do exército a seu filho de dezenove anos, João, que continuou a
carnificina e invadiu as terras de Kaita ka Kabala, o principal aliado de Ngola
Mbande, e o executou junto com 94 sobas. [60] Nos dois anos seguintes, 1618 e
1619, João Mendes de Vasconcelos atacou implacavelmente as regiões vizinhas,
inclusive Matamba, fortalecido pela participação dos imbangalas e de um grupo
de quatro mil cristãos ambundos que haviam “se tornado jagas [imbangalas]”.
[61]
O choque dos ataques a Kabasa teve o efeito de reforçar o ânimo de Ngola
Mbande. Entre 1619 e 1621, ele reocupou Kabasa após a retirada de João
Mendes de Vasconcelos, enviou emissários a Luís Mendes de Vasconcelos para
negociar um tratado de paz e montou novamente um exército. Suas tropas
sitiaram o forte de Ambaca e atacaram os sobas leais aos portugueses. [62]
Ngola Mbande assediou sem cessar os fortes portugueses e os sobas, mas
travava uma batalha perdida. Em um caso, suas forças atacaram Ambaca, mas
foram derrotadas pelos aliados imbangalas dos portugueses. Após o cerco, Luís
Mendes de Vasconcelos convocou uma reunião pública de todos os sobas
rebeldes, supostamente para proporcionar-lhes um fórum no qual pudessem
manifestar suas queixas. Em vez disso, “cortou a garganta” daqueles que
considerava culpados de deslealdade. [63]
Em 1621, as forças de João Mendes de Vasconcelos atacaram Kabasa pela
segunda vez. [64] Embora Ngola Mbande tenha conseguido escapar, os que o
cercavam não tiveram tanta sorte. Muitos de seus principais partidários foram
mortos, e os portugueses chegaram muito perto de sua casa, capturando sua
esposa principal, sua mãe, suas duas irmãs mais moças, Funji e Kambu, e vários
membros da corte. [65]
Ngola Mbande refugiou-se nas ilhas Kindonga, a montante do rio Kwanza,
que pertenciam aos reis de Ndongo desde a época da fundação do reino. Depois
reapareceu na região vizinha de Haku, onde reconstituiu suas forças na forma de
um exército de guerrilha. Seus guerrilheiros atacaram fortalezas portuguesas,
enquanto seus emissários davam continuidade às tentativas de negociar um
tratado de paz com Luís Mendes de Vasconcelos. [66] Ngola Mbande disse que
concordaria com os termos do tratado depois que os portugueses libertassem os
membros de sua família. Em troca, prometia permanecer em termos amistosos
com os portugueses, devolver os ambundos que se juntaram a ele e libertar
outros escravos. [67]
Em quatro anos de luta, Luís Mendes de Vasconcelos arrebanhou um total de
190 sobas sob o controle direto português. [68] Mais da metade desses homens —
109, para ser preciso — foi subjugada durante as campanhas lideradas pelos
filhos de Mendes de Vasconcelos, e cada um deles teve de pagar quatro escravos
ao rei português. [69] Além disso, o governador impôs a Ngola Mbande um
tributo de cem escravos anuais e ordenou aos senhores provinciais e seus kijikos
que também pagassem tributos e impostos. [70] Por fim, Mendes de Vasconcelos
tentou instalar um novo rei no lugar de Ngola Mbande, um homem chamado
Samba Atumba, que assumira o nome cristão de Antônio Carreira. [71] Porém, a
população recusou-se a reconhecê-lo como rei.
Em 1621, ao mesmo tempo que negociava a libertação da esposa, da mãe, de
suas irmãs e outros prisioneiros, Ngola Mbande fazia uma aliança com Kassanje,
um líder imbangala que tinha forjado uma aliança com Donga, outro líder
imbangala. [72] Os dois haviam se posicionado anteriormente ao lado dos
portugueses, mas estavam descontentes. Kassanje já havia logrado Mendes de
Vasconcelos antes: quando era aliado do governador, fugira com um butim dos
portugueses, bem como com um grande número de kijikos e milhares de
ambundos livres. [73] Essas novas alianças com os imbangalas melhoraram a
posição de Ngola Mbande, pois um número cada vez maior de ambundos se
juntou ao movimento de resistência. Ngola Mbande estreitou ainda mais sua
conexão com os imbangalas ao entregar seu filho e herdeiro ao líder deles, Kasa,
para treinamento militar. Ngola Mbande continuou a representar uma grande
pedra no caminho da penetração militar e econômica portuguesa em Ndongo. [74]
Embora ele continuasse a ser uma ameaça, os portugueses obtiveram grandes
ganhos. As campanhas realizadas por Luís Mendes de Vasconcelos e seus filhos
levaram a presença militar e administrativa portuguesa às principais regiões de
Ndongo pela primeira vez. Em dezembro de 1620, como parte da cerimônia
jesuíta de beatificação de são Francisco Xavier em Luanda, Mendes de
Vasconcelos montou um espetáculo para lembrar a todos de sua vitória militar
sobre Ngola Mbande e os ambundos. A cerimônia teve música, poesia e esquetes
cômicos, entre eles um apresentado por um anão que fora capturado nas guerras
contra Ndongo. O anão, vestido com “uma túnica de veludo escarlate, sapatos
brancos e boina multicolorida”, fez o papel de bufão para o deleite dos
espectadores portugueses. [75] Não é difícil imaginar quão humilhante este e
outros espetáculos desse tipo de subserviência africana devem ter sido para os
milhares de ambundos que os testemunharam ou ouviram falar deles.
O tráfico florescente de escravos, que dependia da conquista, sequestro e
comercialização da população ambundo pelos portugueses, deve ter sido uma
fonte ainda mais potente de vergonha e humilhação para o povo de Ngola
Mbande. Durante os quatro anos de governo de Mendes de Vasconcelos, mais de
55 mil ambundos foram capturados e enviados como escravos para as Américas.
Além disso, as autoridades portuguesas transferiram centenas de milhares de
kijikos para colonos portugueses que passavam a usá-los como escravos em suas
fazendas em expansão nas regiões férteis ao longo dos rios Lucala e Bengo,
perto de Luanda, e nas aldeias ao redor de seus fortes. Milhares de outros
ambundos foram capturados pelos imbangalas, que haviam arrasado grandes
extensões de território. Os refugiados dessas guerras às vezes aderiam aos
atacantes imbangalas, criando um caos ainda maior. [76]
Não vendo nenhuma opção militar para restaurar seu reino, Ngola Mbande
voltou-se de novo para a diplomacia, como muitos de seus antecessores haviam
feito. Os obstáculos que teve de superar foram tremendos. Ele precisava não
apenas persuadir os portugueses a acabar com suas campanhas contra ele e
remover o forte de Ambaca, mas também reafirmar o controle sobre as partes de
Ndongo que ainda eram independentes e recuperar o acesso às terras e kijikos
que os portugueses haviam tomado.

Jinga abre suas asas

O momento para negociações ocorreu quando um novo governador, João Correia


de Sousa, substituiu Luís Mendes de Vasconcelos, em outubro de 1621. Assim
que soube de sua chegada a Luanda, Ngola Mbande decidiu designar sua irmã
afastada Jinga para chefiar uma delegação encarregada de negociar a paz. Havia
muitos anos que Jinga vivia no reino de Matamba, a leste de Ndongo. Embora
soubesse que ela nunca o havia perdoado por assassinar o filho e ordenar a
esterilização dela e de suas irmãs, Ngola Mbande sabia que ela nutria ambições
políticas, tinha seguidores fiéis em algumas facções importantes de Ndongo e,
como ele, estava decidida a reconstruir o reino e limitar o avanço português.
Jinga também estava fazendo um jogo político com o irmão, pois sabia que a
aceitação dessa missão melhoraria sua posição entre as lideranças de Ndongo.
[77]
Ngola Mbande não poupou despesas para montar uma delegação
impressionante. Jinga e seu grupo partiram de Kabasa com uma grande escolta
militar, músicos, escravos para presentear o governador e “muitos pajens e
atendentes” para cuidar do bem-estar de Jinga. Mais importante do que os
“vários privilégios e gentilezas” que Ngola Mbande concedeu a Jinga antes de
partir, ele a honrou com um novo título, Jinga Bande Gambole: Jinga Mbande,
enviada oficial. [78] Desse modo, estava autorizada a negociar em nome de Ngola
Mbande. Além disso, deu a ela permissão para submeter-se a um batismo
público — um elemento crucial de negociação para os portugueses — se
acreditasse que seria para o benefício de Ndongo. [79]
Ngola Mbande não poderia ter selecionado um emissário melhor. Jinga, o
primeiro membro da família real de Ndongo a visitar Luanda, partiu para a
cidade à frente do que deve ter sido a maior delegação oficial da África Central a
viajar pelas regiões de Ndongo conquistadas pelos portugueses. Com efeito, a
chegada de sua delegação à entrada da cidade tornou-se o principal tema de
conversa da população ambundo e dos portugueses. Os registros portugueses
contêm numerosos relatos de sua chegada, mas Jinga também deixou seu próprio
relato, que sobreviveria na memória popular séculos depois de muitos registros
oficiais terem sido perdidos.
O tratamento concedido a Jinga e sua comitiva pelo governador Correia de
Sousa indica que os portugueses consideravam Ngola Mbande o principal poder
africano na região. Uma escolta militar portuguesa acompanhou a delegação até
a praça principal de Luanda, onde foi recebida por toda a elite administrativa,
comercial e religiosa da cidade. A delegação recebeu uma elaborada saudação
militar, que incluiu salvas de artilharia e mosquetes, e uma serenata com música
tocada com instrumentos europeus e ambundos. [80] E, o que talvez tenha sido
mais significativo, o governo português abrigou o grupo e pagou todas as suas
despesas. [81]
Em sua primeira audiência oficial com o governador e seu conselho, Jinga
prometeu que Ngola Mbande viveria em paz com os colonos, devolveria
escravos que os portugueses reivindicavam como deles, mas que haviam fugido
para suas fileiras, e cessaria os ataques militares. Ela explicou as ações
agressivas de seu irmão contra os portugueses como imprudências juvenis. Por
fim, Jinga prometeu que seu irmão abraçaria qualquer aliado dos portugueses.
Ambos os poderes, enfatizou ela, se apoiariam mutuamente na luta contra
inimigos comuns. [82]
Jinga opôs-se a uma das demandas portuguesas, recusando-se
terminantemente a permitir que seu irmão pagasse tributo anual em escravos ao
rei português. Outros governantes de províncias conquistadas haviam feito isso,
mas Ngola Mbande não o faria. Tributos, argumentou ela, só poderiam ser
impostos a alguém que tivesse sido conquistado. Jinga lembrou à sua plateia que
Ngola Mbande não havia sido conquistado; ele era um rei soberano que buscava
voluntariamente amizade com outro soberano, e concordar em pagar tributo
equivalia a tornar-se escravo. Consta que ela teria dito: “Quem nasceu livre deve
manter-se em liberdade e não se submeter a outros [...] Pagar o tributo ao vosso
rei [...] seria tornar-se escravo em vez de livre”. [83] Quando o governador e seu
conselho questionaram o compromisso de Ngola Mbande com a paz, Jinga
apelou para a última arma que tinha em seu arsenal: ofereceu-se para estudar o
catecismo e outros elementos do cristianismo e ser batizada. Aos quarenta anos,
ela participou de um opulento batismo público na igreja matriz de Luanda (um
evento de que teremos mais detalhes no terceiro capítulo). Quando partiu de
Luanda, Jinga havia obtido a garantia do governador de um tratado entre os
portugueses e Ndongo. [84]

Giovanni Antonio Cavazzi da Montecuccolo, “Missione evangelica nel Regno de Congo” (1668), v. A,
livro 1, p. 30. Manuscritos Araldi, Modena, Itália. Fotografia: Vincenzo Negro.
Batismo de Jinga em 1622. Antonio Cavazzi, c. 1668.

Jinga voltou triunfalmente a Kabasa no outono de 1622. Ngola Mbande


comemorou publicamente os feitos da irmã, mas esse júbilo não duraria muito.
Ao mesmo tempo que as negociações com os portugueses entravam numa nova
fase, graças a Jinga, rompeu-se a aliança de Ndongo com o imbangala Kassanje
que havia elevado a posição de Ngola Mbande junto ao seu povo; o rei e seus
parentes, Jinga entre eles, foram forçados a fugir da capital. Mais uma vez,
viram-se no esconderijo real das ilhas Kindonga, no rio Kwanza. Mas os
portugueses estavam ansiosos para prosseguir as negociações e não deixaram a
localização se interpor em seu caminho: antes de dezembro de 1623, o padre
Dionísio de Faria Barreto foi até as ilhas para elaborar os termos que Jinga havia
negociado. A paz agora dependia da conversão de Ngola Mbande ao cristianismo
e o subsequente retorno a Kabasa. Os portugueses prometeram que, uma vez
cumpridas essas condições, expulsariam Kassanje e seus guerrilheiros da região,
devolveriam os kijikos e os sobas que Mendes de Vasconcelos havia levado e
mudariam o forte de Ambaca mais para o leste. [85]
Ngola Mbande concordou com os termos e iniciou o processo de batismo,
aprendendo o catecismo com o padre Barreto e até mesmo concordando em
desistir de suas muitas concubinas e de alguns costumes religiosos ambundos.
Ele também voltou a Kabasa e parecia estar pronto para consolidar a nova
relação com os portugueses. [86] Por um tempo, a segurança retornou a Ndongo e
um relatório oficial otimista afirmava que “o rei de Angola foi mais uma vez
reduzido à nossa amizade e as feiras de escravos já estão funcionando bem”. [87]
A palavra reduzido é reveladora. Jinga, por seus próprios motivos políticos,
capitalizou claramente a atitude desdenhosa dos portugueses que essa linguagem
revela e começou a pressionar seu irmão a não aceitar o batismo cristão com que
ele concordara. Segundo ela, seria uma afronta à tradição ambundo que proibia o
rei de curvar a cabeça diante de um inferior. E, uma vez que o padre Barreto não
era um português branco, mas um mulato com raízes ambundas, Jinga e Ngola
Mbande não o consideravam somente inferior, mas seu escravo. Enquanto
continuava a afirmar que estava se preparando para ser batizado, Ngola Mbande,
sob pressão de Jinga, passou a crer que os custos políticos do batismo superavam
os benefícios. [88] Se aceitasse o batismo na devida cerimônia pública, ele
arriscaria descontentar muitos de seus partidários ambundos, que o admiravam
precisamente por sua disposição de resistir aos portugueses.
Ademais, Ngola Mbande nutria uma desconfiança inabalável dos
portugueses, a quem culpava por privar seu pai e ele próprio de suas terras e de
seu povo. Considerando o que estava acontecendo na região em torno de
Ndongo, sua desconfiança era bem fundamentada. Em 1623, o governador
convencera vários sobas de uma região vizinha a ir a Luanda para se
submeterem formalmente ao rei português. Quando eles apareceram, ele os
sequestrou junto com gente do povo — 1211 pessoas ao todo — e os mandou
como escravos para o Brasil. Além disso, distribuiu as boas terras que o grupo
ocupava para soldados portugueses. [89] É provável que a notícia desse golpe
tenha chegado a Ngola Mbande.
Para o rei de Ndongo, a crise era tanto pessoal como política. Ele passou a
confiar cada vez mais em Jinga e não tomava nenhuma decisão sem a opinião
dela. Ainda vacilante em relação ao batismo, enviou Jinga e suas duas irmãs a
Luanda para obter do governador o compromisso de honrar os termos do tratado
anterior. Para Ngola Mbande, era de crucial importância que suas irmãs
pressionassem o governador a cumprir a promessa de enviar tropas para
desalojar Kassanje e seus guerrilheiros, que continuaram a brutalizar Ndongo.
[90] Kambu e Funji foram batizadas durante essa visita, mas os portugueses

adiaram a confirmação dos termos do tratado. Extremamente desconfiado, Ngola


Mbande enviou outro grupo de emissários para defender sua posição perante o
bispo Simão de Mascarenhas, o novo governador, que assumiu o cargo em
agosto de 1623.
Ngola Mbande percebeu que os governadores e funcionários portugueses de
Luanda não tinham intenção de cumprir seu lado do acordo. É fato que o
governo enviou tropas contra Kassanje, mas, em vez de viajar pelo rio Lucala,
como Ngola Mbande havia pedido, o comandante encaminhou-se por terra para
o forte de Ambaca — o mesmo forte que os portugueses haviam concordado em
mudar de lugar pelos termos do tratado. [91]
A reação de Ngola Mbande foi decisiva: ele se recusou categoricamente a ser
batizado. Caiu então numa profunda depressão, semelhante à que seu pai
Mbande a Ngola sofrera após as vitórias portuguesas em Museke. [92] Orgulhoso
e desafiador até o fim, Ngola Mbande rejeitou a ajuda do padre Barreto e o
obrigou a fugir. Ao contrário, confiou no tratamento dos curandeiros ambundos,
que pediram ao seu deus para curá-lo. [93]
O tratamento não teve sucesso. Na primavera de 1624, Ngola Mbande morreu
pouco depois de ingerir veneno que tomou voluntariamente ou, como alguns
acreditaram, foi-lhe administrado por sua irmã. Antônio de Cadornega, o
soldado-cronista português, escreveu que Jinga “o auxiliou a morrer com a ajuda
de uma bebida envenenada”. [94]
A morte de Ngola Mbande deixou um vazio que Jinga tratou de preencher
imediatamente. Sua ascensão ao poder iniciaria um novo capítulo na história
ambundo. A luta contra a agressão portuguesa devastara seu pai e seu irmão, que
não conseguiram trazer de volta a antiga glória de Ndongo. Jinga, que herdou
um reino que não passava de uma sombra daquele que ela conhecera em sua
juventude, assumiu-o onde seu irmão o deixou, motivada pela perspectiva de
reconstruir sua terra ancestral. Seu amor e respeito por seus antecessores e seu
ódio pelos portugueses tornaram-se paixões intensas, impulsionando-a pelo resto
da vida. Durante todo o seu reinado, de 1624 a 1663, Jinga trabalharia para
reafirmar a hegemonia de Ndongo e limitar o poder português na região,
objetivo que ela expressou pela primeira vez, de forma tão eloquente, em 1622,
quando foi enviada para defender o irmão perante o governador João Correia de
Sousa.
3.
Uma rainha combativa

Antes mesmo da morte de seu irmão, Ngola Mbande, na primavera de 1624,


Jinga já havia se posicionado para assumir a liderança de Ndongo e governá-lo
de uma forma que lembrasse o país de sua juventude. Seu avô e seu pai —
Kasenda e Mbande a Ngola, respectivamente — haviam controlado um vasto
território que abrangia uma grande parte do norte da atual Angola, conquistando
respeito e inculcando medo tanto em seus inimigos como em seus adeptos
durante a maior parte de seus reinados. Seus exércitos eram poderosos e
enormes. Os dois reis punham centenas de milhares de soldados em campo, mas
também buscaram relações diplomáticas com os portugueses e vizinhos aliados
quando as circunstâncias o exigiam. Sua riqueza pessoal vinha, em parte, dos
tributos pagos à corte por numerosos chefes subordinados de Ndongo, bem como
da renda obtida mediante o trabalho de centenas de milhares de servos e
escravos que cultivavam as terras estatais. Kasenda e Mbande a Ngola
complementavam essa renda com impostos que impunham às feiras locais, nas
quais seus agentes operavam negociando escravos e outras mercadorias. Além
disso, eles controlavam o acesso às rotas para as feiras nas regiões a leste de
Ndongo, fora de suas fronteiras territoriais. Mas, além dessa riqueza, grande
parte da posição excepcional de Kasenda e Mbande a Ngola decorria do poder
espiritual que o povo de Ndongo acreditava que seus líderes possuíam. O avô e o
pai de Jinga mantiveram-se fiéis às tradições dos ambundos, apesar dos avanços
que o cristianismo proporcionara a bolsões da população de seu país. Os gangas
conduziam rituais em todo o reino, reforçando a posição dos líderes. Não
surpreende que Jinga aspirasse a recriar o Ndongo de sua infância. Mas, depois
da morte de Ngola Mbande, pareceu que ela sonhava mesmo em superar as
conquistas políticas e espirituais de seus predecessores.
Juventude e educação militar de Jinga

Jinga destacou-se desde o dia de seu nascimento, em 1582, de acordo com


histórias que ela e outros contaram muitos anos depois a Giovanni Antonio
Cavazzi e Antonio Gaeta, seus biógrafos que viveram em sua corte. Rodeado por
sacerdotes de Ndongo e outros assistentes, seu parto foi na posição que hoje
chamamos de “virado”, com o “rosto virado para cima”, e, além disso, o cordão
umbilical estava enrolado firmemente em torno de seu pescoço. Segundo as
crenças dos ambundos, um bebê nascido desse modo não natural não teria uma
vida normal, e a maneira como uma pessoa nascia previa seu caráter quando
adulta. Seu pai, aludindo ao nascimento incomum, chamou a filha de Jinga, da
raiz quimbundo kujinga , que significa “torcer, virar, envolver”. [1] Os que
estavam presentes em seu nascimento executaram devidamente os muitos rituais
relativos ao parto, entre eles lavar o bebê nas soluções de plantas que
acreditavam serem necessárias para protegê-la. Conta a história que os
espectadores olharam para a recém-nascida com “pasmo e admiração” e,
pensando na vida que estava destinada a levar, suspiraram: “mà mà o aoê acê  ”
(Ó minha mãe!). Cavazzi explicou que essa era a expressão habitual de espanto
quando ocorriam acontecimentos notáveis. Ele interpretou seu significado como:
“Que exemplo de ferocidade essa criança seria!”. De qualquer modo, mesmo
quando Jinga já estava com mais de setenta anos, seu povo ainda cantava muitas
canções em sua honra, uma das quais tinha o refrão “Ó minha mãe! Ó! Ó!”. [2]
Em sua infância, contam os cronistas, Jinga mostrava uma habilidade
intelectual e física que a distinguia dos outros jovens da corte, inclusive de seu
irmão, e construiu uma relação especial com seu pai, que continuou na idade
adulta. Parece que essa relação estreita com o pai era incomum para uma menina
— ou, aliás, para qualquer filho de um rei. Os governantes corriam o risco de se
indispor com parentes da esposa principal ou das concubinas se favorecessem
um descendente em particular. Mbande a Ngola, no entanto, desconsiderou a
convenção, preferindo abertamente essa filha de sua concubina favorita a seus
outros filhos. Acreditava-se que Jinga recebera uma bênção especial, e isso
reforçou sua posição na corte. [3] As tradições que chegaram aos nossos dias
retratam Jinga como duplamente privilegiada: porque herdou a condição real
através da mãe, membro de uma linhagem real — os ambundos são matrilineares
—, e porque era também filha de um soberano reinante. [4]
Como foi o início da vida de Jinga na corte? Sabemos que sua infância foi
marcada por repetidos ataques de inimigos externos e internos e por
perturbações constantes causadas pelas guerras que se travaram em torno de
Kabasa. Nenhuma família, real ou não, deixou de ser afetada: todos os homens
deveriam prestar serviço militar e todas as mulheres eram obrigadas a contribuir
com alimentos e mão de obra para o esforço de guerra. Com efeito, no ano do
nascimento de Jinga, seu avô Kasenda enfrentou três sucessivas campanhas
devastadoras das forças portuguesas. Em janeiro do ano seguinte, antes do
primeiro aniversário de Jinga, seu avô e o resto da corte foram forçados a fugir
de Kabasa depois de ouvir os sons das armas portuguesas disparadas na direção
da capital.
Sabemos muito sobre as muitas batalhas que ocorreram durante a primeira
década de vida de Jinga, mas só podemos imaginar o impacto causado sobre a
menina por essa violência incessante e pela enorme perda de vidas. Se esperava
ou não provar que merecia atenção especial de seu pai, o fato é que em toda a
sua infância, até chegar à idade adulta, Jinga aprendeu com entusiasmo as
atividades políticas, militares e os rituais geralmente reservados aos filhos dos
governantes. Ela teve permissão para participar dos inúmeros conselhos
judiciais, militares e outros presididos por seu pai. Também foi uma estudante
dedicada das práticas e costumes da corte, que aprendeu com as veneráveis
mulheres mais velhas que foram suas amas e cuidadoras. Seus contemporâneos
observaram que, ao longo de toda a sua vida, ela foi meticulosa quanto a
respeitar e observar “leis, ritos e costumes de seus antepassados”. [5] Jinga
também era conhecida por superar o irmão, Ngola Mbande, e outras crianças da
família do ngola na habilidade com o machado de guerra, símbolo real do povo
de Ndongo. Ela gabava-se de sua perícia mesmo aos setenta anos, e seu biógrafo
Gaeta escreveu que ficou impressionado com o conhecimento sobre a arte da
dança militar e sua habilidade ao empunhar o machado. [6] Apesar da experiência
militar, a jovem Jinga não negligenciava sua aparência e seu lugar de mulher
privilegiada na corte. Uma pintura de Cavazzi, que a representa como uma
mulher de quarenta anos em audiência com o governador português João Correia
de Sousa, em 1622, fornece a única prova que temos do que poderia ser sua
aparência (ver ilustração na página 69 ).
Embora seja provável que o gênero de Jinga tenha influenciado sua decisão
de se tornar uma estudante tão diligente do ritual, ela deixou claro por suas ações
que seu gênero não a impedia de desfrutar das mesmas liberdades que seus
equivalentes do sexo masculino. Além de ter a seu serviço um círculo de
atendentes e escravas, manteve um grande número de jovens consortes
masculinos (concubinos), e teria tido vários amantes durante sua longa vida.
Embora nenhum deles tenha se tornado seu marido principal, levou uma vida
sexual ativa quando jovem. Cavazzi registrou que, mesmo septuagenária, Jinga,
como outros ambundos que seguiam as tradições, tinha “nove ou dez cortes no
braço”, ainda visíveis, feitos por seus muitos amantes. O filho que seu irmão
assassinou (ou mandou matar) apenas alguns dias após o nascimento foi
provavelmente de um desses amantes. [7]
Alguns membros da corte, no entanto, não achavam apropriado que Jinga
agisse como um homem. De acordo com Cavazzi, um funcionário escandalizado
com os muitos casos amorosos de Jinga disse a ela que seu comportamento era
um desrespeito à corte de seu pai. Ele pagou caro pelo “crime” de dar conselhos
não solicitados a alguém superior: Jinga mandou matar o filho do homem franco
diante dos olhos dele. Depois também mandou matá-lo. [8] Tal como seus
antepassados reais, Jinga seguia a tradição de exigir deferência absoluta dos
subordinados.
Já quando jovem adulta, Jinga tornou-se uma líder no esforço de guerra. Ao
contrário de outras mulheres que acompanhavam o exército na guerra, Jinga
parece ter desempenhado algum papel na mobilização da resistência contra os
portugueses. [9] É difícil reconstruir a carreira militar de Jinga anterior a 1624,
quando se tornou governante de Ndongo. A primeira referência à sua
participação em ações militares vem da história de Angola escrita por Antônio
de Cadornega. Em seu relato das campanhas de 1602-3, nas quais os portugueses
enviaram tropas para debelar a rebelião de sobas na província de Ilamba, ele
observa que os rebeldes responderam “à voz da rainha Jinga sua Senhora, que
sempre trabalhava para provocar naqueles a quem havíamos conquistado o ódio,
encorajando-os a fazer movimentos e alterações”. [10] Jinga teria dezenove ou
vinte anos nessa época e, embora não existam detalhes sobre sua experiência no
campo de batalha, ela só poderia ter sido eficaz se ela mesma estivesse
ativamente envolvida na luta.
Ela aparece pela segunda vez no registro militar de uma batalha na província
de Museke, no qual Cadornega descreve uma confederação de partidários de
Jinga juntando-se a ela na luta contra os portugueses depois que eles
conseguiram conquistar grande parte de Ndongo. [11] Cadornega também
destacou que durante os dois últimos anos do reinado de seu pai, em várias
campanhas portuguesas levadas a cabo de Kissama a Massangano, o povo
encontrou maneiras de resistir ao poder colonial, “induzido e mandado por essa
rainha esperta, nossa inimiga capital que nunca se cansa de procurar modos de
nos arruinar”. [12]
É provável que Jinga tenha ganhado sua experiência militar mais ampla
durante as guerras desastrosas que seu irmão, Ngola Mbande, travou contra João
Mendes de Vasconcelos, filho do governador Luís Mendes de Vasconcelos.
Talvez sem fé na capacidade de Ngola Mbande de vencer a guerra contra os
portugueses, Jinga deixara a corte para viver em outra parte do reino,
provavelmente no leste de Ndongo, perto de Matamba. [13] De seu remoto
quartel-general, parece que comandou as próprias tropas contra o jovem Mendes
de Vasconcelos em suas campanhas contra o leste de Ndongo e Matamba.
Durante muitos meses, escreveu Cadornega, João não conseguiu compartilhar
nenhuma novidade sobre seu progresso com seu pai em Luanda porque a
“Rainha de Angola Jinga” bloqueara o caminho, impedindo toda a comunicação.
Ela também teria lutado ao lado de dois líderes imbangalas em 1620, depois que
eles romperam com os portugueses, pois Cadornega nos conta que as tropas de
João travaram “grandes batalhas” contra Jinga e os imbangalas. [14]
De acordo com Cavazzi, ela se referiu mais tarde às experiências militares
que tivera antes de se tornar rainha. Lembrou que quando estava em Luanda
como emissária de seu irmão, apesar de estar “acostumada a batalhas”, ficou
deslumbrada e intimidada pela exibição de tiros militares e exercícios
disciplinados que o exército português realizou como parte de sua recepção. [15]
Depois de retornar a Kabasa, voltou imediatamente ao campo de batalha. Na
verdade, cada vez mais decepcionada com o comando da guerra exercido por seu
irmão, Jinga começou a consolidar sua própria base de apoio entre os soldados
de Ndongo. Foi nessa época que também incentivou alguns sobas a se juntarem a
ela. O papel de Jinga na resistência contra os portugueses bem como a
popularidade que ganhou entre segmentos importantes da população de Ndongo
mostraram-se inestimáveis após a morte de seu irmão. [16]
Além de aprimorar suas habilidades de líder militar, Jinga capitalizou outras
oportunidades durante os anos desastrosos do breve reinado de Ngola Mbande
para se promover como uma alternativa viável ao irmão. Após o retorno de Jinga
a Kabasa, Ngola Mbande recebeu, através de uma carta arrogante do governador
Correia de Sousa, ordem para se converter, entre outras exigências. É impossível
saber se Jinga se ofendeu com a própria exigência ou com o fato de que o
formato da carta violava a etiqueta, mas uma coisa ela deixou claro: se fosse a
governante, teria lidado com a situação de forma muito diferente. Ela insultou a
masculinidade de seu irmão. Se não conseguia agir nem como rei nem como
homem, espicaçou Jinga, ele deveria se retirar para uma pequena fazenda e
cultivá-la sozinho. Ela lançou estas e “outras palavras injuriosas, [diante das
quais] o rei seu irmão ficou muito emocionado e pensou em maneiras de
proteger sua soberania diminuída e com medo da audácia de uma mulher que
ainda era sua irmã”. [17]
Quando Ngola Mbande pensou em firmar a paz com os portugueses,
concordando com um batismo público, a provocação implacável de sua irmã
cobrou seu preço. Acredita-se que a depressão de Ngola Mbande no final de sua
vida foi provocada pelas ações de Jinga e pelo constante enfraquecimento de sua
autoridade por ela. [18]

Diplomacia inicial

O fato de Jinga ser mulher, seu porte majestoso e seu orgulho pelas tradições dos
ambundos fundiram-se para torná-la uma força política antes mesmo que
assumisse o reino. A chefia da delegação a Luanda em 1622 para negociar com o
governador João Correia de Sousa ofereceu-lhe uma oportunidade para isso.
Vejamos esse evento agora em mais detalhes, valendo-nos dos relatórios
minuciosos deixados por várias testemunhas oculares e cronistas, buscando
delinear uma imagem de Jinga no limiar de seu reinado.
A partir do momento em que recebeu a missão de Ngola Mbande, Jinga
tratou de deixar claro seu contraste com o irmão. O rei, a seu pedido,
providenciou-lhe uma grande comitiva para acompanhá-la na viagem de mais de
1500 quilômetros de Kabasa a Luanda. Os ambundos que viviam nas regiões de
Ndongo pelas quais a comitiva de Jinga passou viram ou ouviram falar de uma
cena impressionante: o grande número de criados de ambos os sexos que atendia
Jinga; escravos homens fortes que carregavam a “Senhora de Angola” em seus
ombros; outros escravos que transportavam os numerosos presentes que Jinga
insistira em levar para as autoridades que ia encontrar. Seu desempenho perfeito,
no entanto, deu-se na sala de negociação com o governador e seus conselheiros,
onde sua conduta digna de uma rainha e seus argumentos legais se tornariam
lendários.
Enquanto esteve em Luanda, Jinga recusou-se a vestir roupas portuguesas,
escolhendo estrategicamente destacar os trajes ambundos. Ela sabia que os
portugueses respeitariam a postura e a etiqueta aristocrática e impressionou
muito os oficiais quando apareceu majestosa na entrada. Durante o encontro,
Jinga usou “numerosos panos”, e seus braços e pernas estavam cobertos por
“joias inestimáveis”. Além disso, usou “penas coloridas” nos cabelos. As damas
de companhia e as escravas estavam vestidas de maneira semelhante. [19] Mais
tarde, quando teve acesso a importações europeias, Jinga expandiu seu guarda-
roupa para incluir “cortinas de seda, veludos, brocados” e uma variedade de
“aromas e perfumes” que usava para realçar sua aparência até os seus sessenta
ou setenta anos. [20] A entrada teatral de Jinga atraiu toda a atenção para ela;
embora fosse a enviada oficial de Ngola Mbande, colocou-se no centro do palco
das negociações de questões políticas e econômicas de peso que viera discutir
com os portugueses.
Mas sua performance não ficou nisso. Jinga sabia que as autoridades
portuguesas tinham uma maneira de humilhar os líderes ambundos derrotados:
enquanto o governador se sentava “numa cadeira coberta de veludo bordado de
ouro”, os criados providenciavam assento para os visitantes ambundos
estendendo capas de veludo sobre um tapete no chão. O arranjo forçava os que
tinham uma audiência com o governador a exibir sua posição subordinada —
condição que os portugueses reservavam aos africanos conquistados. Jinga, no
entanto, recusou-se a rebaixar-se. Sem pausa, fez um sinal altivo para uma
criada, que imediatamente caiu de quatro e assumiu a posição de uma cadeira
humana. Ela permaneceu assim durante as longas horas da discussão. [21] Ao
acompanhar Jinga até a saída da sala de negociação, o governador Correia de
Sousa lembrou a ela que a jovem criada ainda estava de mãos e joelhos no chão.
Jinga desconsiderou a preocupação do governador: não se esquecera dela,
explicou, mas a deixara lá deliberadamente. Uma emissária de sua posição, que
representava um reino como o dela, jamais deveria sentar-se na mesma cadeira
duas vezes; afinal, observou ela, tinha muitas outras iguais. [22] Com efeito,
Jinga não só alcançou os fins políticos que seu irmão esperava como também
ganhou influência política para si mesma. Quando partiu, o governador prometeu
em particular que os portugueses manteriam amizade mútua com a região de
Matamba, onde Jinga consolidara seu próprio poder. [23]
Mais tarde, ela expressou apreciação pela graciosa maneira com que os
portugueses a trataram durante seu período em Luanda. Relembrou que o
banquete que o governador havia oferecido em sua homenagem fora uma
ocasião de “festividade e alegria [...] e esplendor”. Ela fez-se acessível a todos os
altos funcionários de Luanda que a visitaram e trocou presentes com seus
visitantes. Exibiu profundo interesse por sua anfitriã, Ana da Silva, esposa do
juiz com quem ela e sua delegação ficaram. Mais tarde, ela confessou que
durante aqueles meses em Luanda sentiu “uma felicidade profunda e uma paz
extraordinária”. [24]

Divisão de Livros Raros, Biblioteca Pública de Nova York, Fundações Astor, Lenox e Tilden.

Jinga usa uma criada como cadeira durante seu encontro com o governador João Correia de Sousa, em
1622. Giovanni Antonio Cavazzi da Montecuccolo, Istorica Descrizione de’ tre’ regni Congo, Matamba et
Angola (Bolonha: Giacomo Monti, 1687).

As habilidosas negociações de Jinga garantiram o sucesso da delegação;


porém, foi a combinação de sua desafiadora exibição de orgulho pelas tradições
e pela cultura de Ndongo, seu uso esperto de seu gênero e sua sagacidade
política que lançaram as bases de sua carreira posterior de nacionalista ambundo.
Se havia sonhado com o dia em que pudesse vingar a ela e suas irmãs da
crueldade de seu irmão, conseguira isso agora no próprio palco público onde o
representava. Seu sucesso em Luanda contrastava dramaticamente com a
liderança ineficaz de seu irmão. Jinga deixara claro para os portugueses e os
ambundos que usaria seu gênero e o poder que acompanhava seu status real para
se encarregar da política de Ndongo e conduzir o reino de volta à grandeza que
seu irmão até então não conseguira alcançar.

A consolidação do poder

Após retornar de Luanda, Jinga tornou-se essencialmente a líder efetiva de


Ndongo. Com efeito, Ngola Mbande já havia indicado que ela deveria reinar
após sua morte, deixando “o pouco que tinha” para ela. [25] Mas Jinga precisava
consolidar sua posição de governante e, logo após a morte do irmão, fez com que
partidários que estavam em sua corte nas ilhas Kindonga, no rio Kwanza, a
confirmassem no governo mediante a costumeira eleição. Naquela ocasião,
também tomou posse de todos os objetos e símbolos rituais associados à realeza
de Ndongo, um ato essencial que validou seu poder. Alguns dos detalhes desse
período de transição são imprecisos. Jinga talvez tenha viajado de uma das ilhas,
chamada Danji, para a corte em Kabasa. O que se sabe é que em 1625 ela já
havia aumentado sua corte em Danji e trazido mais pessoas de Kabasa e outras
regiões para ocupar várias das ilhas, algumas das quais fortificou. Como
observou um cronista, as ilhas tornaram-se “o orgulho do Kwanza” em muito
pouco tempo. [26] Não está claro se Jinga recebeu o título de Rainha de Angola
(Ngola Kiluanje) nesse momento — como escreveu Cavazzi, baseado em
entrevistas com Jinga e seus cortesãos várias décadas depois — ou se os
eleitores apenas se dirigiam a ela como “Senhora de Angola” — como o
governador português nomeado havia pouco, Fernão de Sousa, relatou em sua
carta oficial de 15 de agosto de 1624, alguns meses depois da nomeação dela.
[27] Fosse qual fosse seu título oficial na época, Jinga também pode ter feito com

que seu concubino principal, Kia Ituxi, recebesse o título de rei. [28]
Uma vez eleita, devia consolidar seu controle. [29] Liderou seus partidários
numa campanha para eliminar todos da corte (inclusive membros de sua própria
família) que se recusassem a aceitá-la como governante. Seu irmão havia
entregado seu filho, sobrinho dela, de sete anos — o legítimo herdeiro do trono
— ao imbangala Kasa para guardá-lo e dar-lhe treinamento militar, e um dos
principais objetivos da campanha de Jinga era trazer a criança de volta. Na
ocasião, o quilombo (acampamento de guerra) de Kasa ficava na região de Kina,
não muito longe da base de Jinga. Em setembro de 1625, Jinga já se livrara de
seu concubino e se aproximou de Kasa. Consta que usou suas artimanhas e
riquezas para persuadi-lo de que estava muitíssimo apaixonada por ele, exibindo
sua afeição publicamente e cobrindo-o de presentes. De início, Kasa resistiu,
perturbado pelo fato de que Jinga era mais velha do que ele e convencido de que
ela queria se casar com ele apenas para pôr as mãos no menino. Porém, acabou
concordando em unir-se a ela e entregar o garoto. [30] O casamento foi realizado
em algum lugar que não as ilhas Kindonga, mas nas proximidades de Matamba,
onde Jinga tinha um de seus quartéis-generais. Seu sobrinho acompanhou Kasa
até o lugar. A cerimônia nem havia terminado e Jinga pegou o menino, matou-o,
“jogou seu corpo no rio Kwanza e declarou que ela havia vingado seu filho”. Ela
também matou muitos outros parentes que estavam presentes no casamento.
Embora suas ações levassem alguns de seus seguidores a fugir, muitos ambundos
permaneceram leais. Eles consideravam Jinga a governante legítima de Ndongo,
e os atos assassinos dela não mudaram essa opinião. [31]
O próximo passo no plano de Jinga era retornar a Kabasa para reocupar a
capital tradicional e reafirmar o domínio real sobre as partes de Ndongo que os
portugueses, sob o comando de Luís Mendes de Vasconcelos, haviam tomado no
reinado de seu irmão. Durante todo esse período de consolidação de sua posição,
Jinga enviou frequentes emissários com cartas ao governador Fernão de Sousa,
buscando uma solução para a situação com as autoridades portuguesas. Em
agosto de 1624, lembrou-o de um acordo que seus antecessores haviam feito
com Ngola Mbande segundo o qual, depois que os portugueses removessem o
forte de Ambaca e devolvessem os kijikos e sobas tirados de Ndongo por
Mendes de Vasconcelos, ela imediatamente deixaria as ilhas e retornaria a
Kabasa. Pelos termos do acordo, ela reabriria as feiras em Kisala, onde elas eram
tradicionalmente realizadas; seu próprio povo iria à feira com escravos —
condição com a qual ela e seus conselheiros já haviam concordado — e o povo
voltaria a cultivar. Jinga também explicou detalhes sobre o papel que os
missionários jesuítas desempenhariam em Ndongo. [32]
A versão de Jinga dos acontecimentos era corroborada pela documentação
oficial que Fernão de Sousa examinou. Seus antecessores haviam concluído que
as guerras empreendidas por Mendes de Vasconcelos contra Ndongo tinham sido
injustas; recomendaram que o forte de Ambaca fosse removido e os kijikos
devolvidos. Fernão de Sousa aconselhou o rei português que finalizar a
resolução com Jinga seria benéfico não só para Angola, mas para os cofres do
rei: reabrir as estradas e as feiras, escreveu Sousa, seria “muito importante para o
tesouro de sua majestade, bem como para este reino que carece de escravos”. [33]
O próprio governador, em seu primeiro relatório oficial ao rei sobre a
situação da colônia, disse que Angola estava em “um estado miserável”. Mas
Sousa não tinha a intenção de permitir que Ndongo fosse reconstruído sob a
liderança daquela ambiciosa mulher ambundo e, como seus predecessores,
recusou-se a honrar os termos do acordo ao pé da letra. Ele exigiu que Jinga
devolvesse aos portugueses os kimbares (soldados ambundos que serviam sob o
comando de oficiais portugueses) e escravos que haviam fugido para juntar-se a
ela antes de poder tomar alguma decisão sobre a devolução dos kijikos . Ele
também exigiu que ela se tornasse vassala do rei português “em seu próprio
nome e em nome de todos os seus sucessores ao reino de Ndongo” e “pagasse
um pequeno tributo”. [34]
No início do outono de 1624, quando Jinga recebeu a resposta de Sousa, a
situação econômica e política em torno de Luanda se deteriorara, e pelo menos
alguns dos termos do acordo já haviam sido violados. Jinga sabia que o
governador enviara funcionários portugueses a Ndongo e regiões vizinhas para
reabrir os mercados de escravos e centros de provisão, e que novos funcionários
haviam sido nomeados para supervisioná-los, algo que Jinga pretendia fazer ela
mesma, com seu próprio povo. Além disso, esses funcionários estavam tentando
recrutar sobas para a causa portuguesa, oferecendo-lhes a manutenção de
condições pacíficas com eles e estimulando-os a se tornarem aliados. [35] Em
julho de 1626, Sousa registrou que, além dos 109 sobas que já eram vassalos do
rei português, ele acrescentara mais 83. [36]
Cada um desses sobas participou, de bom grado ou pela força, da cerimônia
degradante da vassalagem chamada undamento . Todos os aspectos do
undamento eram projetados para tirar a dignidade do soba. Ele deveria aparecer
no forte para ficar humildemente diante do governador ou de outra autoridade,
que lhe explicava os deveres e obrigações de um vassalo do rei: pagamento de
tributo em escravos e provisões não só dele e de seus descendentes, mas também
de seus conselheiros. [37] Imediatamente depois, o funcionário português jogava
farinha nas mãos e nos ombros do soba. Então, para simbolizar sua nova
situação, o soba caía no chão diante do funcionário e concordava com as
obrigações que passariam dele para seus descendentes. O nome do soba era
inscrito num livro e, no final da cerimônia, ele colocava sua marca ao lado do
nome. Do começo ao fim, era um espetáculo humilhante, e muitos sobas que se
submeteram à cerimônia nunca entenderam que tinham concordado em pagar
tributo para sempre. [38]
Ao pressionar os líderes provinciais para se tornarem vassalos, os
portugueses reforçaram involuntariamente o apoio deles a Jinga. Ela sentiu-se
incentivada quando um número cada vez maior de ambundos se recusou a
prestar tributo e procurou sua liderança. Jinga recusou-se a cumprir a exigência
de Fernão de Sousa de pagar ela mesma tributo; não se considerava vassala do
rei português. Em dezembro de 1624, um grande número de escravos
pertencentes aos portugueses, bem como muitos sobas que haviam se tornado
vassalos, já tinham fugido da área portuguesa e aderido às fileiras de Jinga.
Através de seus muitos agentes que viajavam entre as ilhas Kindonga e
Luanda, Jinga mantinha-se em contato direto com as autoridades portuguesas e o
povo ambundo. Em Luanda, por exemplo, um de seus porta-vozes informou ao
governador que ela não poderia devolver escravos fugidos, pois não tinha
nenhum deles. Fernão de Sousa também despachou seus representantes com
mensagens para Jinga, alertando-a de que se não devolvesse os kimbares e os
escravos agora alistados em seu exército, ele “encerraria toda comunicação com
ela e [...] ela não deveria enviar mais mensagens”. [39] Para atingir a maior
população de ambundos que vivia na área controlada pelos portugueses, Jinga
utilizou seus mensageiros (makunges ) para entregar uma mensagem em
desacordo com as demandas portuguesas. Nas proximidades de fazendas e
fortalezas portuguesas, esses makunges transmitiam as instruções de Jinga para
os escravos e kimbares que ainda estavam lutando ao lado dos portugueses,
instando-os a mudar de lado e aderir à causa de Jinga. Sua rede era
extremamente eficaz e instigou muitas fugas de escravos em grande escala
durante os primeiros meses de 1625: aldeias inteiras fugiram de fazendas
portuguesas e contingentes de kimbares ambundos evadiram-se de suas fileiras.
Em carta datada de 19 de março de 1625, Sousa manifestou sua preocupação
com a situação e advertiu o rei de Portugal de que Jinga estava persuadindo cada
vez mais ambundos a deixar os portugueses e aderir à causa dela com promessas
de que “lhes daria terras onde poderiam cultivar e viver” e que “estariam
melhores sendo senhores de sua terra natal do que nossos cativos”. [40] Jinga
impressionara o povo ambundo de um modo que Ngola Mbande jamais
conseguira; sem dúvida, seu desempenho em Luanda em 1622 estava ainda vivo
na memória das pessoas que a tinham visto ou simplesmente ouviram falar a
respeito. Os ambundos aderiram em massa à causa de Jinga, que ela havia
expressado de forma tão apaixonada em suas negociações de três anos antes. No
início do verão de 1625, Jinga já havia recrutado tantos ambundos que nenhum
dos emissários de Sousa podia persuadi-la a entregar os escravos que se juntaram
a ela. Em vez disso, Jinga simplesmente continuou a alegar que havia sido mal
compreendida e que não tinha escravos desse tipo. [41]
A posição de Jinga em 1625 representou um ponto de inflexão na relação
entre Ndongo e Portugal. De 1575 a 1624, os portugueses mantiveram vantagem
em suas relações com Ndongo. Durante os cinquenta anos decorridos desde que
Paulo Dias de Novais começara a conquista de Ndongo, os portugueses, com a
ajuda de seus aliados imbangalas, conquistaram ou reivindicaram terras cujos
governantes costumavam pagar tributo aos reis de Ndongo. Além disso, os
exércitos liderados por portugueses mataram ou cooptaram milhares de
autoridades locais e transformaram centenas de milhares de aldeões livres e
outros grupos dependentes em simples escravos, forçados a trabalhar em
plantações de propriedade portuguesa ou vendidos para o tráfico de escravos do
Atlântico. Os portugueses também transformaram dezenas de milhares de
súditos de Ndongo em kimbares , soldados que eram forçados a lutar contra o
próprio Ndongo.
Jinga parece ter criado as condições para a primeira revolta popular ambundo
contra a exploração portuguesa. Ela atraiu para sua causa sobas ambundos que
faziam parte da Angola portuguesa, inclusive 109 sobas da província de Hari,
que se aliaram aos portugueses durante o governo de Luís Mendes de
Vasconcelos, mas que agora se recusavam a enviar tributo a Fernão de Sousa. [42]
Muitos ambundos apoiaram Jinga porque queriam ver suas terras lideradas por
um governante descendente dos reis antigos, em vez de ser um fantoche dos
portugueses. A revolta obteve sucesso. Em 1626, Fernão de Sousa escreveu que
não conseguira coletar o tributo com que contava devido “à guerra e à revolta de
dona Ana [Jinga] e porque muitos dos sobas de sua majestade passaram para o
lado dela”. [43]
Jinga criou assim um clima político e militar entre os ambundos que pela
primeira vez ameaçava as bases da força econômica e política portuguesa em
Angola. Fernão de Sousa resumiu a situação sucintamente numa carta de agosto
de 1625 ao rei, observando que estava particularmente preocupado com os
“escravos armados” que aderiam às fileiras de Jinga. Os escravos organizados,
temia ele, iriam “fortalecê-la e enfraquecer este reino”, e inspirar os “sobas que
são inimigos conquistados pela força” a também aderirem a ela. A revolta,
advertiu, arruinaria Luanda porque “aldeias inteiras estavam fugindo”; com
efeito, um português já havia perdido “cento e cinquenta escravos” que fugiram
juntos. [44]

Rivalidades pelo poder

Diante da persistente resistência de Jinga, Fernão de Sousa e seu gabinete


decidiram instalar no trono de Ndongo seu próprio candidato escolhido a dedo,
enquanto acusavam Jinga de usurpadora e enviavam tropas para expulsar a ela,
seus parentes e partidários de sua base nas ilhas Kindonga. Sousa informou ao
rei português que havia escolhido deliberadamente um soba chamado Hari a
Kiluanje, que ele sabia que era ao mesmo tempo inimigo de Jinga e seu parente
próximo, para colocar no trono. Hari a Kiluanje era descendente de Ngola
Kiluanje kia Samba, cuja linhagem havia perdido a sucessão para Kasenda, o
avô de Jinga. As duas linhagens nunca resolveram suas diferenças, e durante o
reinado de Ngola Mbande os membros da linhagem concorrente tornaram-se
aliados dos portugueses. A eleição de Jinga para governar tinha sido uma afronta
a seus membros, que acreditavam que eram os legítimos herdeiros do trono, e as
tensões ressurgiram, especialmente quando a popularidade e a audácia de Jinga
cresceram. Sua afirmação de autoridade sobre os sobas que Luís Mendes de
Vasconcelos conquistara era particularmente exasperante. Vários membros dessa
linhagem ocupariam um lugar proeminente na guerra contra Jinga. [45] No verão
de 1625, Jinga agiu contra um dos parentes mais velhos dessa linhagem rival
que, embora sendo seu tio, se recusara a aceitar a eleição dela. Quando ele estava
a caminho do forte de Massangano com um grande grupo para batizar seu filho
mais velho, Jinga o seguiu, decapitou-o e capturou a maior parte de sua gente.
Seu filho conseguiu escapar com alguns seguidores e acabou em Luanda, onde
foi criado pelos jesuítas. [46]
O maior rival de Jinga na linhagem rival viria a ser Ngola Hari, um meio-
irmão de Hari a Kiluanje. Governantes de terras chamadas Hari, localizadas na
região naturalmente fortificada de Pungo Ndongo, tanto Hari a Kiluanje quanto
Ngola Hari tinham sob sua autoridade muitos sobas que haviam sido aliados de
Mendes de Vasconcelos. [47] Durante o governo de João Correia de Sousa, Hari a
Kiluanje se tornou um “vassalo do rei nosso Senhor”, e o governador Fernão de
Sousa o considerou herdeiro legítimo do reino de Ndongo. Em algum momento
de meados de 1625, os portugueses identificaram Hari a Kiluanje como rei de
Ndongo. [48] Fernão de Sousa não contava, no entanto, com o fato de que os
conselheiros da corte de Ndongo e a população em geral questionariam o status
de Hari a Kiluanje e Ngola Hari, uma vez que ambos descendiam de linhagens
que não eram consideradas elegíveis para governar. [49] Talvez devido a seu
passado obscuro, Hari a Kiluanje temia Jinga e, em agosto de 1625, deixou
Pungo Ndongo e viajou para o forte de Ambaca a fim de pedir guarida militar e
uma tropa de soldados. Embora na ocasião estivesse em negociação com Jinga,
Fernão de Sousa prometeu honrar os pedidos de Hari a Kiluanje e lançar uma
campanha militar contra ela. Essa campanha implicava forçar sobas que
apoiavam Jinga a cumprir suas obrigações de enviar tributo em escravos e
provisões e permitir que as tropas portuguesas passassem por seus territórios. Ele
também queria que esses sobas agissem contra outros que apoiavam Jinga. [50]
Em dezembro de 1625, Hari a Kiluanje foi ao forte de Ambaca e ganhou um
pequeno contingente militar para levá-lo de volta às suas terras. [51]
Quando descobriu que os portugueses haviam fornecido soldados a Hari a
Kiluanje, Jinga ordenou que suas próprias forças atacassem as terras dele. Ao
mesmo tempo, enviou emissários a Luanda para defender, junto a Sousa, suas
reivindicações contra Hari a Kiluanje. Ela reclamou que ele impedira seu povo
de viajar para uma feira de escravos perto das terras dele, confiscando os 48
escravos que ela mandara para lá. O governador desconsiderou a queixa e, em
vez disso, enviou 34 soldados portugueses, junto com vários arqueiros africanos
e kimbares , para defender Hari a Kiluanje. Quando chegaram, os reforços
lutaram contra as forças de Jinga. Apesar de numerosas baixas e de alguns
oficiais capturados, as forças de Jinga conseguiram matar três portugueses,
inclusive o capitão, e capturaram seis soldados, que levaram para ela. [52] Os
membros capturados das forças de Jinga foram enviados para Luanda, onde
confessaram que, na verdade, Hari a Kiluanje não tinha tomado os escravos de
Jinga, mas que ela travara uma guerra contra ele por ter “ido ao forte sem pedir-
lhe permissão e ela considerava isso uma traição e uma rebelião contra ela”.
Tendo obtido a informação que desejava deles, o governador pôs os presos num
navio negreiro e os mandou para o Brasil a fim de serem vendidos no tráfico de
escravos. [53]

Tentando ganhar tempo

No início de 1626, a rebelião que Jinga provocou entre os ambundos ainda


estava tão disseminada e bem-sucedida que Fernão de Sousa e outros
funcionários portugueses precisavam achar uma maneira de justificar a guerra
em grande escala que estavam planejando contra ela. Eles decidiram se
concentrar no fato de Jinga ser mulher como motivo para a desqualificação ao
trono. Em carta ao rei português de fevereiro de 1626, Sousa declarava que Jinga
era uma governante ilegítima e argumentava que Hari a Kiluanje era o
governante certo de Ndongo porque “uma mulher nunca governou este reino”.
[54] Em outra carta escrita duas semanas depois, Sousa dizia que a guerra de

Jinga contra os portugueses ameaçava toda a conquista da potência colonial


porque muitos sobas estavam aderindo a Jinga e levando com eles escravos
portugueses para fazerem guerra “contra nós”. Hari a Kiluanje era o governante
legítimo, alegava Sousa, porque era aliado dos portugueses. [55] Jinga rejeitou de
imediato essas alegações e tratou de demonstrar aos portugueses que ser mulher
não a impedia de governar Ndongo. Sua recusa em permitir que os portugueses
deslegitimassem seu direito de governar estimularia sua resistência.
Depois que soube que Sousa e outros funcionários de Luanda tinham votado
para montar uma “guerra justa” contra ela, capturá-la e proclamar Hari a
Kiluanje rei de Ndongo, Jinga aprimorou seu estilo de liderança e cercou-se de
um grupo de funcionários devotos que a protegia da captura. Os dois anos que
passou nas ilhas Kindonga permitiram-lhe organizar a rebelião geral a partir de
sua base, comunicar-se diretamente com seus funcionários e com os sobas e
participar de operações militares. Se houvesse qualquer risco de ser capturada, as
próprias ilhas proporcionavam uma rota para a fuga. Ligadas a Luanda por uma
estrada que atravessava Pungo Ndongo, as ilhas também estavam conectadas à
região vizinha de Dumbo a Pebo, lar dos parentes maternos de Jinga. [56] Com
efeito, Jinga contava com passagem segura em muitas regiões porque muitos
sobas se ressentiam da política de Sousa de abrir mercados e instalar
supervisores portugueses — uma situação que os integrava à força na rede
comercial portuguesa, ameaçando sua renda e seu prestígio, ao mesmo tempo
que aumentava o poder dos portugueses. [57]
Apesar de sua crescente popularidade e do sucesso contra os portugueses,
Jinga percebeu que ainda não estava preparada para uma guerra total. Ela passou
a utilizar então a diplomacia como uma tática de protelação. Seus emissários
prometeram a Sousa que a paz retornaria a Ndongo sob a liderança de Jinga, e as
feiras de escravos voltariam a estar repletas de cativos. Quando as forças
portuguesas chegaram ao forte de Ambaca em fevereiro de 1626, Jinga enviou
seu principal emissário a Luanda para explicar sua posição; ele indicou que ela
estava pronta para aceitar os missionários e fazer a paz. Apresentou também
várias perguntas a Sousa: por que o capitão de Ambaca fornecera assistência
militar a Hari a Kiluanje quando sabia que ele era soba e súdito de Jinga? E por
que o capitão do forte a tratara tão mal? O emissário deixou claro que estava
falando em nome de Jinga ao concluir que viera à cidade para “fazer isso por sua
senhora como ela lhe havia mandado”. [58]
A resposta de Fernão de Sousa não foi encorajadora. Ele disse ao enviado que
a escolha agora dependia de Jinga: ela poderia “escolher a guerra ou a paz, como
quisesse”. [59] Poucos dias depois, Jinga fez uma segunda tentativa de
negociação, enviando seu porta-voz privado (moenho ) a Ambaca com uma carta
dos soldados portugueses capturados ao comandante militar. A carta dizia que,
embora os prisioneiros tivessem sofrido a indignidade de serem levados nus até
Jinga, ela ordenara imediatamente que eles fossem vestidos e, a partir daquele
momento, foram bem tratados e recebiam bastante comida de três em três dias.
Os prisioneiros elogiavam os funcionários de Jinga por seu tratamento humano e
justiça, especulando que, se não fosse por essa proteção especial, eles certamente
teriam sido assassinados. A carta concluía que haveria um pequeno preço para
resgatá-los: o governador teria de entregar a Jinga um de seus sobas que os
portugueses haviam capturado e deportar Hari a Kiluanje para as Américas ou
Portugal. [60] Depois que o comandante leu a carta, o moenho repetiu
verbalmente cada detalhe contido nela; esse tipo de comunicação oral fazia parte
da diplomacia de Ndongo. Ele desconsiderou a tentativa de negociação de Jinga,
dizendo ao moenho que não tinha tempo para levar a sério Jinga ou sua oferta, e
se ela não entregasse os cativos portugueses, “ele mandaria [seus homens]
procurá-los”. [61]
O governador Fernão de Sousa reconheceu na iniciativa de Jinga uma tática
de protelação, destinada a ganhar tempo com o objetivo de garantir reforços para
defender as ilhas ou planejar sua fuga. Naquele momento, o capitão Bento Banha
Cardoso, o ex-governador que fizera uma aliança com os imbangalas contra
Mbande a Ngola, pai de Jinga, estava a caminho do forte de Massangano para
Ambaca, e Sousa o exortou a arrebanhar todos os sobas neutros dos contingentes
militares e direcioná-los rapidamente para as ilhas. Cardoso obedeceu e forçou
muitos sobas a participar da guerra contra Jinga, decapitando os que resistiram à
ordem. [62]
Mas essa agressão não impediu Jinga de continuar seus esforços por uma
solução negociada. Em 8 de março de 1626, quando as tropas de Cardoso se
preparavam para deixar Cambambe, onde haviam parado a caminho de Ambaca
após o agrupamento, os makunges de Jinga chegaram com uma longa carta,
escrita alguns dias antes e dirigida ao capitão-geral do forte. Mais uma vez, ela
expunha suas razões para atacar Hari a Kiluanje: ele havia atacado seu exército e
confiscado os escravos que ela enviara para cumprir seus deveres de vassala,
conforme o acordo que seu irmão fizera com os portugueses. Na verdade,
afirmava Jinga, ela tinha o direito de atacar Hari a Kiluanje porque ele era seu
vassalo e, ademais, as forças portuguesas que ela havia recebido bem em suas
terras haviam atacado seu exército. Não obstante a presença do exército
português em suas terras a preocupasse, ela o acolhera, uma vez que se
considerava cristã e, portanto, vassala do rei da Espanha, a quem “reconheço e
obedeço como cristã que sou”. Jinga admitia que suas forças haviam de fato
capturado seis soldados portugueses. Ela também indicava que havia recebido
notícias de um grande número de tropas portuguesas reunidas em Ambaca, que
estavam aguardando ordens para avançar contra ela e libertar os seis
prisioneiros, mas advertia que nada seria resolvido pela força e que esse ataque
seria danoso tanto para ela como para os prisioneiros. A carta terminava em tom
ameaçador: se foram os colonos que convenceram o governador e o capitão a
iniciar uma guerra para que pudessem sair da dívida — uma referência ao tráfico
de escravos —, eles eram bem-vindos a fazer isso, mas ela mesma não desejava
nenhum mal ao capitão Bento Banha Cardoso. [63]
Como faria em várias outras missivas enviadas às autoridades portuguesas
nos anos seguintes, Jinga incluía um parágrafo em que solicitava vários itens
pessoais, entre eles uma rede, algumas lãs, uma capa para seu cavalo, vinho, cera
para velas, musselina, toalhas de mesa de renda, um chapéu de aba larga de
veludo azul e cem fólios de papel (para correspondência oficial). [64] Ela
assinava seu nome de batismo, Ana, mas pela primeira vez por escrito
apresentava-se com o título de “Rainha de Dongo [Ndongo]”. Com essa carta, e
com as assinaturas contrapostas, ela demonstrava tanto sua vontade de ser cristã
como sua determinação em afirmar sua autoridade em Ndongo como governante
legítima.
A resposta de Cardoso de 15 de março descartava a reivindicação de Jinga de
ser a governante legítima de Ndongo. O capitão negava cada argumento que
Jinga apresentara sobre seus direitos e todas as acusações contra os portugueses,
ressaltando sua falha em cumprir as promessas que fizera — em particular seus
votos de batismo — como a causa dos conflitos entre ela e os portugueses. Ele
sustentava que Jinga se recusara a entregar os kimbares e escravos dos
portugueses que haviam fugido para suas fileiras e que tratara mal os
portugueses capturados por suas tropas ao não os libertar. Por fim, negava-lhe as
coisas que ela havia solicitado. Não poderia entregá-las porque já estava a
caminho de levar-lhe a guerra. Cardoso terminava a carta com o terrível aviso:
“Deus a proteja, se Ele puder”. [65]
Liderança e espiritualidade

Nos esforços de Jinga em encontrar uma solução pacífica para seus conflitos
com os portugueses durante seus dois primeiros anos de reinado, ela muitas
vezes ressaltou sua vontade de viver como cristã, de dar a seus funcionários
permissão para serem batizados e permitir que missionários trabalhassem em
Ndongo. Embora Fernão de Sousa e outros funcionários nunca tenham levado
essas declarações a sério, Jinga parece ter considerado a espiritualidade uma
parte vital do seu estilo de liderança e elemento essencial de toda a sua vida. Ela
expandiu o papel das crenças e costumes indígenas além do que haviam
desempanhado durante os reinados do avô e do pai, e acrescentou a eles a
dedicação ao cristianismo.
O primeiro vislumbre que temos da ênfase de Jinga na espiritualidade veio
depois de suas negociações bem-sucedidas em nome de Ngola Mbande em
Luanda, em 1622, quando concordou em prolongar sua estada por meses para
que pudesse ser oficialmente preparada para o batismo. Tendo em vista seu
compromisso com as tradições de Ndongo, por que Jinga concordou em ser
batizada? Muitos chefes provinciais e sobas de Ndongo, entre eles membros de
sua própria linhagem, haviam passado por elaborados batismos públicos, e Jinga
estava bem ciente de que a religião era um componente central da política
portuguesa. Embora Ngola Mbande tivesse permitido que Jinga decidisse por si
mesma em relação ao batismo, é provável que a concordância dela em fazê-lo
teve mais a ver com o papel que ela imaginava que a espiritualidade
desempenharia em seus esforços para assumir a liderança de Ndongo do que
com a defesa da agenda política do irmão. Jinga também pode ter calculado que,
ao submeter-se ao batismo, ganharia o respeito dos portugueses e conquistaria o
apoio do grande número de cristãos ambundos que eram escravos na cidade e
nas fazendas, ou tinham fugido das guerras e se tornado refugiados. [66]
Talvez isso explique por que Jinga se jogou com tanto entusiasmo nos
preparativos para a cerimônia, ouvindo atentamente o governador explicar os
benefícios da conversão e o que ela ganharia ao abandonar os ritos e rituais
ambundos. Ela obedeceu prontamente quando a Igreja designou um padre
experiente na língua quimbundo para ensinar-lhe o catecismo; e no dia aprazado,
na presença da “nobreza e do povo”, ela se submeteu solenemente à cerimônia
na igreja oficial que os jesuítas construíram em Luanda. O próprio governador
João Correia de Sousa foi seu padrinho, e Ana da Silva, sua anfitriã, a madrinha.
Jinga recebeu o nome batismal de Ana de Sousa, em homenagem a eles. [67]
Funcionários do governo e da Igreja encheram-na de presentes, entre eles ícones
religiosos que sugeriam a esperança de que o batismo de Jinga e seu retorno a
Ndongo acabariam por levar à conversão de Ngola Mbande e de outros membros
da elite governante de Ndongo que até então impediam as tentativas dos jesuítas
de levar o cristianismo à região.
Apesar de seu batismo e sua aceitação dos presentes da Igreja, Jinga nunca
rejeitou as próprias crenças religiosas, nem os rituais tão essenciais para a elite
governante de Ndongo e para os ambundos comuns. Com efeito, durante sua
permanência em Luanda, Jinga nunca tirou as várias pulseiras de ferro e
relíquias que adornavam seus braços e pernas. [68] Mas ela também abraçou a
nova religião, pelo menos na superfície. Na primeira etapa de sua jornada de
regresso a Kabasa, cercada pela comitiva oficial fornecida pelo governador,
Jinga exibiu orgulhosamente os ícones cristãos que havia ganhado, assegurando
seus acompanhantes de sua profunda devoção. O pequeno destacamento de
portugueses seguiu com Jinga somente até os arredores de Luanda, assim como a
postura dela. Logo depois que os portugueses partiram, Jinga tirou os símbolos
cristãos do corpo e os guardou em seus relicários. De acordo com um relato
posterior do missionário Cavazzi, ela realizou várias “cerimônias pagãs” para
proteger sua viagem de volta a Kabasa e “pôs suas relíquias satânicas usadas por
aqueles etíopes [africanos] e vendidas por seus sacerdotes”. [69] De 1622 a 1624,
enquanto manobrava para apresentar-se como uma alternativa viável a Ngola
Mbande, Jinga usou seu conhecimento privilegiado do cristianismo para tentar
aproximar-se de funcionários portugueses e também para frustrar a tentativa de
seu irmão de usar a conversão cristã a fim de promover seus próprios objetivos
políticos. Com efeito, décadas mais tarde Jinga admitiria a Cavazzi que, em
diversas ocasiões, durante aqueles dois anos, aconselhara deliberadamente Ngola
Mbande contra o batismo. Jinga talvez temesse que o batismo dele pusesse em
risco a posição especial que ela conquistara duramente. [70]
Enquanto aconselhava Ngola Mbande a evitar o batismo, Jinga também
promovia as crenças espirituais dos ambundos, assumindo o comando das
cerimônias públicas em que os sacerdotes locais invocavam os antepassados,
queimavam incenso, realizavam sacrifícios humanos e participavam de danças e
outros rituais. [71] A tentativa de Jinga de demonstrar sua familiaridade com as
tradições ambundas começou para valer com a morte de seu irmão, em 1624,
quando ela organizou para ele nas ilhas Kindonga um complexo funeral que
incluía o sacrifício ritual de vários criados, que o acompanhariam à terra dos
antepassados. Jinga também preservou alguns dos restos do irmão; removeu
respeitosamente vários ossos do cadáver de Mbande, arrumou-os em pratos de
prata feitos à mão, cobriu-os com um rico tapete e guardou-os num relicário
portátil (misete ), semelhante aos que os sacerdotes de Ndongo carregavam. Com
esse ato, Jinga fez da misete o ponto focal de veneração que viria a ser associado
a rituais envolvendo sacrifício humano, vasos iluminados, incenso e coisas
assim. [72] Os missionários europeus ficariam escandalizados ao saber que Jinga
praticava sacrifícios humanos e guardava para consulta os ossos de seus
antepassados. Embora os missionários condenassem as duas práticas, a
veneração das relíquias de seu irmão não era diferente da tradição católica
romana medieval de guardar os restos de santos em mosteiros, conventos e
igrejas.
As cartas de Jinga ao governador Fernão de Sousa e a outros funcionários
portugueses durante os dois anos de negociações que precederam sua ascensão
ao trono proporcionam uma antevisão significativa do papel que a religião
desempenharia durante o seu reinado. Na primeira carta ao governador, logo
depois que ele assumiu o cargo em Luanda, em junho de 1624, Jinga diz que
queria que os missionários jesuítas fossem a suas terras para batizar as pessoas
que desejavam se tornar cristãs. [73] Ao fazer isso, Jinga apresentava uma
concepção da presença cristã em Ndongo, na qual ela e seus funcionários — e
não os missionários — supervisionariam a propagação do cristianismo. Ciente
de que membros de sua própria linhagem, aliados aos portugueses, estavam
buscando o batismo, Jinga não desejava impedir que os sacerdotes chegassem a
Ndongo, mas queria que fosse ela mesma quem determinasse o modo como
esses sacerdotes se aproximariam da população.
Fernão de Sousa, no entanto, ignorou o pedido de Jinga; os portugueses
tinham os próprios planos para estabelecer uma presença religiosa formal em
Ndongo. Com efeito, em junho de 1624, a correspondência da Igreja havia
listado Ndongo como um dos locais onde reside o “rei de Angola” e que
precisava ter pelo menos uma residência que pudesse acomodar seis
missionários. [74]
Não sabemos se Jinga estava ciente desses planos ou não, mas certamente
lembrava-se do que acontecera em Ambaca durante o reinado de seu irmão. O
governador na época, Luís Mendes de Vasconcelos, encarregara uma
fraternidade portuguesa de supervisionar a construção de uma igreja chamada
Nossa Senhora da Assunção em Ambaca, a pouca distância de Kabasa, a capital
de Ndongo. Para financiar a construção, ele forçara vários sobas da região,
inclusive um parente de Jinga chamado Ngola Kanini, a enviar seus pagamentos
de tributos à fraternidade, em vez de mandá-los para Kabasa. [75] Na qualidade
de nova governante de Ndongo, Jinga queria que iniciativas desse tipo ficassem
sob seu controle. Ela sabia que os padres portugueses que acompanhavam o
exército possuíam plena autoridade sobre a vida religiosa da população
conquistada. Mas a situação era complicada porque Jinga não considerava
Ndongo uma área conquistada. Fernão de Sousa deixou clara a preocupação de
Jinga numa carta que enviou ao rei da Espanha em dezembro de 1624: “Dona
Ana Senhora de Angola está me pressionando muito para manter a promessa que
o governador João Correia de Sousa lhe fez de mudar de lugar a fortaleza de
Ambaca, e [...] logo ela se mudará para o continente, e trará sacerdotes da
Companhia [jesuítas] e construirão igrejas”. [76]
Todas as cartas que Jinga enviou a Fernão de Sousa e Bento Banha Cardoso
entre 1625 e agosto de 1626 faziam referência ao lugar que ela estava abrindo
em Ndongo para o cristianismo e os missionários, e o mesmo acontecia com as
mensagens verbais que seus funcionários transmitiam. [77] De fato, durante
aquele período, os sobas contra os quais ela realizou ataques eram muitas vezes
parentes dela que tinham sido batizados e que se tornaram (ou pretendiam se
tornar) aliados dos portugueses sem sua permissão.
É impossível saber se Jinga teria colaborado com os missionários (como fez
vários anos depois) se Fernão de Sousa tivesse respondido positivamente aos
pedidos de uma reunião com autoridades da Igreja. O fato é que a conversão
cristã era parte essencial da política portuguesa em Angola, e governadores e
outros funcionários, inclusive os jesuítas, viam a propagação do cristianismo
católico sob o controle português como elemento central de seu projeto colonial.
Assim, desde o início, todo governador português em Angola teve dúvidas sobre
a sinceridade de Jinga, fosse em seus próprios escritos, fosse quando seus
mensageiros levavam relatos de que ela estava pronta para voltar à igreja. O
próprio Fernão de Sousa tratou disso em várias cartas ao rei. Em uma extensa
missiva escrita em agosto de 1625, ele adverte o rei da Espanha de que é cético
em relação ao pedido de missionários feito por Jinga e diz que acredita que ela
está agindo mais “por medo do que por devoção”. E propõe uma salvaguarda: se
o rei enviasse dois missionários ao forte de Ambaca, deveria exigir antes que
Jinga lhes desse alguns escravos, e só então os missionários iriam a Ndongo. Se
eles fossem a Ndongo antes que Jinga entregasse os escravos, escreve Sousa,
isso “seria razão para fazer guerra contra ela”, e os missionários deveriam ser
retidos. [78] As autoridades de Lisboa, ao receber muitos relatos igualmente
cheios de dúvidas, também continuavam desconfiadas de Jinga. [79]
Os membros da hierarquia religiosa em Luanda não eram diferentes de seus
antecessores, que haviam apoiado totalmente a conquista portuguesa das terras
de Ndongo e a escravização da população durante os reinados do avô e do pai de
Jinga. Quando o governador e outros funcionários apresentaram a proposta de
guerra contra Jinga, as autoridades religiosas foram plenamente de acordo.
Escrevendo em fevereiro de 1626, o governador Fernão de Sousa observou que
os teólogos do Colégio dos Jesuítas em Luanda concordavam que a guerra era
“necessária e justa”. Como fizeram em campanhas anteriores, os jesuítas
arcaram com o custo de dois padres para acompanhar o exército. [80] A religião e
a força militar continuavam inextricavelmente ligadas.

O caminho para a guerra de guerrilhas

O exército que Fernão de Sousa reuniu para combater Jinga e suas tropas
consistia da mistura usual de soldados portugueses e arqueiros ambundos e
kimbares . As tropas deixaram Luanda em 7 de fevereiro de 1626, sob a
liderança do ex-governador Bento Banha Cardoso, um comandante experiente
nas guerras contra Ndongo. Os portugueses partiram com a habitual música
marcial festiva e palavras de encorajamento de Sousa, que lhes lembrou que o
propósito deles era lutar “a serviço de Deus, do rei [da Espanha] e do bem do
Reino”. [81] Depois que o grupo chegou a Massangano, Cardoso recebeu ordem
do governador de dirigir-se diretamente para Pungo Ndongo, onde chegou no dia
30 de março. Pungo Ndongo tornou-se a base para as operações portuguesas
contra Jinga graças a suas fortificações naturais e seu fácil acesso às ilhas
Kindonga, base das forças de Jinga. Ao longo de abril, Cardoso e Sebastião
Dias, os dois comandantes portugueses que presidiam as operações militares
contra Jinga, atacaram os poderosos sobas de Museke, em torno do forte de
Cambambe e no próprio Ndongo, e forçaram a submissão deles. Os sobas
conquistados foram cruciais para o sucesso dos portugueses porque lhes
forneceram provisões muito necessárias e comandaram suas tropas na guerra
contra Jinga. [82]
Depois que a guerra começou nas regiões principais de Ndongo, onde Jinga
desfrutava de seu maior apoio, seu principal problema tático foi manter as linhas
de comunicação abertas com os sobas que ainda a sustentavam. Ela sabia que os
portugueses haviam postado espiões que relatavam os movimentos ao longo da
rota entre as ilhas e o continente. Esse obstáculo à boa comunicação era
extremamente prejudicial e perigoso para Jinga, porque Ndongo ficara ainda
mais fragmentado politicamente durante o reinado de seu irmão, e Jinga sabia
que não podia confiar na lealdade dos sobas, nem naqueles que tinham sido seus
principais apoiadores. Quando o soba Ngola Ndala Xosa, por exemplo, viu
Cardoso bombardear sua fortaleza e matar muita gente de seu povo, ele pediu
perdão ao governador e explicou que, embora durante o governo de João Correia
de Sousa houvesse obedecido a Jinga, agora sua lealdade era para com Hari a
Kiluanje e o rei de Portugal. E prometia que no futuro faria tudo o que o
governador ordenasse. [83]
As campanhas militares bem-sucedidas de Sebastião Dias contra os sobas ao
longo do rio Kwanza fizeram com que muitos deles passassem para o lado dos
portugueses. [84] Os sobas de Museke e Kissama, fortes adeptos de Jinga no
passado, que haviam sitiado a fortaleza de Ambaca, estavam entre os derrotados
pelos portugueses antes que Jinga tivesse posto em prática sua estratégia militar
geral. [85]
A maré voltara-se contra Jinga, e ela não podia mais confiar no apoio
absoluto do povo de Dumbo a Pebo, terra natal de sua mãe. O soba dali, que
tinha relações próximas com o soba agora derrotado de Museke, estava entre os
seguidores mais leais de Jinga e negou-se a atender ao pedido de assistência
militar de Cardoso. Esse soba já havia capturado alguns dos kimbares que
estavam passando por suas terras a caminho do acampamento português em
Pungo Ndongo. Em retaliação, Cardoso prendeu o soba e alguns dos macotas, e
acabou enviando vários cativos a Luanda para serem exportados e vendidos
como escravos nas Américas. [86]
O tempo certamente não estava do lado de Jinga. Fernão de Sousa pressionou
Cardoso durante a última semana de maio de 1626 para levar suas tropas até a
ilha e “tomá-la antes que ela fique mais forte”. [87] A fim de se preparar para o
ataque português, Jinga reuniu muitos soldados para proteger a si e aos
partidários que se juntaram a ela. Um desses soldados, que os portugueses
capturaram depois que ele saiu da ilha, forneceu o único testemunho dos
preparativos militares de Jinga. Ele relatou que ela protegeu as ilhas fortificando-
as intensamente com trincheiras. Em Danji, abrira uma entrada numa grande
rocha e cavara cavernas bem camufladas que serviam de esconderijos naturais.
Em torno dessa ilha, posicionara soldados ambundos, que estavam armados com
os arcabuzes e os rifles que haviam trazido quando fugiram do exército
português. Construíra também defesas em outras ilhas, onde posicionou mais
soldados. Uma vez que não tinha armas suficientes para enfrentar o exército de
Cardoso e não conseguira mobilizar forças no continente, Jinga havia estocado
nas ilhas provisões, gado e pessoas, preparando-se para um sítio prolongado. [88]
Apesar de algumas fraquezas, Jinga continuava a ser um inimigo perigoso: ela
era popular entre os ambundos do exército de Cardoso e ainda poderia persuadir
muitos deles a passar para o seu lado. Cardoso tinha poucos meios de manter a
lealdade dos combatentes ambundos e de outros que haviam sido forçados a
acompanhar o exército; em termos puramente práticos, ele tinha escassez de
suprimentos e Jinga tinha muito alimento e bebida para conquistá-los.
Suas provisões talvez pudessem garantir uma boa popularidade, mas Jinga
sabia que isso não era suficiente; mesmo que os soldados ambundos de Cardoso
mudassem de lado, ela ainda precisava de mais aliados. Diante da invasão
iminente, ela contava com algum apoio indireto de chefes vizinhos, que lhe
enviaram suprimentos, mas não tinha o apoio essencial dos imbangalas. [89] Seu
ex-marido Kasa, que lutara ao lado de seu irmão Ngola Mbande e cuja base
ainda era perto, era agora inimigo dos portugueses, mas não lhe mandara ajuda.
As operações militares contra Jinga começaram na última semana de maio de
1626 e terminaram na última semana de julho. As tropas de Cardoso e Dias
acamparam na borda ocidental da região hoje chamada Baixa de Cassanje e
atravessaram para as ilhas usando canoas, barcos de pesca e duas embarcações
especialmente construídas para a campanha. Jinga montara um sistema
coordenado de defesa. Quando os barcos dos portugueses se aproximaram das
ilhas, soldados (muitos deles kimbares que haviam desertado do exército
português) dispararam com seus mosquetes e atiraram flechas de suas posições
nas ilhas. As tropas de Jinga não foram surpreendidas porque ela havia
inventado um intrincado sistema de comunicações entre sentinelas postadas em
guaritas e vigias naturalmente protegidas em cada ilha, que tocavam sinos para
avisar da aproximação das tropas. [90]
Jinga postou a maior parte de seus melhores soldados na ilha de Mapolo, que
Cardoso e Dias escolheram capturar primeiro, já que servia de entrada para as
outras. Os soldados de Jinga lutaram valentemente, usando várias armas e
técnicas portuguesas e africanas, entre elas arcabuzes, espingardas de pederneira,
arcos e flechas, lanças e troncos endurecidos pelo fogo. Como os soldados de
Jinga estavam enfiados em trincheiras, os portugueses tiveram de capturar cada
trincheira individualmente. Muitos dos soldados portugueses que tiveram a sorte
de escapar da morte por afogamento, ferimentos de balas ou flechas encontraram
a morte ou sucumbiram a ferimentos recebidos na luta para tomar as trincheiras.
Não obstante, os portugueses conseguiram vencer, tendo matado muitos dos
homens mais valentes de Jinga, e foram recompensados com provisões, gado e
“tudo o que era necessário para nossas tropas famintas”. [91] Eles conseguiram
capturar muitas pessoas na ilha, mas um bom número delas fugiu.
Deixando uma guarnição em Mapolo, Cardoso capturou então uma segunda
ilha, que era o quartel-general do tendala (principal funcionário administrativo)
de Jinga. Essa ilha estava ainda mais fortificada do que a primeira, com a
presença da maioria dos melhores combatentes de Jinga. Tal como aconteceu em
Mapolo, as tropas de Jinga sofreram grandes perdas e tiveram que abandonar a
ilha quando foram sobrepujadas pelo poder de fogo dos portugueses. Essa ilha
também oferecia muitas provisões e tinha uma grande população, mesmo
levando em conta os muitos que se afogaram ao tentar escapar para as outras
ilhas. Apesar da vitória, Cardoso conseguiu escravizar apenas 150 cativos
porque muitas pessoas fugiram. Ele fez da ilha do tendala seu quartel-general, de
onde partiram as tropas que conquistaram outras ilhas, entre elas uma na qual o
comandante das forças de Ndongo estivera estacionado com seus soldados e
alguns aliados imbangalas. Além disso, Cardoso tomou a ilha em que o mwene
lumbo , outro alto funcionário, tinha seu quartel-general. Desse modo, Cardoso
montou uma espécie de bloqueio naval em torno da ilha de Danji, onde Jinga
havia instalado a corte. [92]
Em 7 de junho, Jinga emergiu do posto de observação, em plena vista de
Cardoso, cercada por kimbares armados com arcabuzes e espingardas de
pederneira. Parecia estar pensando se deveria enfrentar as tropas portuguesas.
Embora talvez tivesse condições de defender a ilha, ela aparentemente achou
melhor não atacar de imediato. No fim de junho, decidiu buscar uma paz
negociada. A escolha do momento estava certa: os portugueses estavam com
pouca munição, uma epidemia de varíola matara quatro mil kimbares
portugueses, e o resto estava morrendo de fome em consequência de suprimentos
inadequados. O surto da varíola já havia começado a afetar também as forças de
Jinga e pode explicar, pelo menos em parte, por que ela resistia a lutar. [93]
Os portugueses ainda estavam em vantagem. Jinga estava isolada em sua
ilha-fortaleza, sem a possibilidade de pedir novos estoques de munição ou de
soldados, mas Cardoso conseguiu receber reforços e suas tropas desembarcaram
em Danji no dia 12 de julho sem encontrar nenhuma resistência. No entanto,
Jinga possuía um trunfo: os seis reféns portugueses que capturara no início do
ano e estavam detidos em seu quartel-general. Ela decidiu tentar usá-los como
uma tática para retardar um ataque militar português o suficiente para que seus
seguidores restantes pudessem escapar com segurança para Tunda. De sua base
fortificada, despachou um mensageiro (makunge ) para se encontrar com
Cardoso. Sabendo que encurralara Jinga, Cardoso desconsiderou a declaração do
makunge de que Jinga era uma “filha obediente do capitão”, que desejava saber
“por que ele estava fazendo guerra contra ela e que estava disposta a viajar para
onde estava o acampamento dele localizado em Tabi e render-se junto com sua
corte em três dias”. Expressando impaciência com Jinga, Cardoso disse ao
mensageiro que sua senhora “não tinha vergonha”; ela deveria saber que os
portugueses haviam pegado em armas contra ela porque ela não havia obedecido
aos julgamentos que tinham sido feitos contra ela. Depois de receber a resposta
de Cardoso, Jinga enviou outro representante, desta vez seu mwene lumbo , cuja
mensagem não era diferente da do makunge . Embora tenha percebido que Jinga
estava embromando, Cardoso queria ter certeza de que ela entregaria os seis
reféns portugueses vivos, então ouviu o secretário — que era, afinal, um alto
funcionário — e deu a Jinga um prazo de 24 horas para entregar os reféns. Jinga
obedeceu e, antes que o prazo expirasse, o mwene lumbo voltou com os seis
cativos portugueses de aparência saudável — bem como com mais uma
mensagem para Cardoso: ela não queria mais danos às ilhas e desejava tornar-se
vassala dos portugueses. O mwene lumbo relatou que dentro de três dias ela
apareceria pessoalmente em seu acampamento, com membros de sua corte, para
assinar um tratado de paz. Ao discutir sua oferta, Cardoso e alguns outros
veteranos de campanhas anteriores se referiram a Jinga como “belicosa”, apesar
de ser uma “mulher e rainha, ou rei, como ela se chamava, porque não gostava
de admitir que era mulher”. Após a discussão, Cardoso mandou o mwene lumbo
dizer-lhe que tinha dois dias (ou três, de acordo com Cadornega) para entregar os
kimbares que haviam desertado do exército português. [94]
Cardoso voltou então para sua base em Tabi, onde esperou que Jinga
aparecesse. [95] Mas entregar os kimbares equivaleria a admitir a derrota. Então,
enquanto Cardoso esperava, Jinga ordenou que seus melhores combatentes
recuassem em canoas durante a noite, afrontando as armas e flechas que os
sentinelas portugueses disparavam. Também instruiu seu pessoal a queimar os
barcos que Cardoso planejava usar contra suas fortificações na noite seguinte e
atear fogo aos alimentos que havia armazenado. Ela mesma escapou para Tunda,
debaixo do nariz dos soldados de Cardoso. Embora eles a tenham perseguido,
talvez estivessem exaustos demais para vasculhar completamente as muitas e
grandes cavernas da região de Kina, onde ela e seu povo se esconderam no
caminho para Tunda. Qualquer que tenha sido o motivo, o fato é que, quando
Cardoso enviou seus batedores em perseguição, eles não tinham ideia da rota
que Jinga havia tomado em sua fuga da ilha. [96] Os sobas e outros ambundos
que permaneceram na ilha mataram muitos portugueses com suas flechas. Mas
muitos deles morreram de ferimentos de bala ou se afogaram ao tentar fugir. [97]
Não há dúvida de que manobras diplomáticas hábeis foram, ao menos em
parte, responsáveis pela fuga de Jinga, mas sua manipulação da espiritualidade
ambundo também pode ter ajudado. Um pouco antes de escapar, ela fez uma
mudança ideológica tão importante como a que fizera em 1622, quando decidiu
ser batizada em Luanda. Enquanto as tropas de Cardoso cercavam seu
esconderijo, Jinga percebeu que os portugueses jamais a aceitariam como
governante de Ndongo. Naquele momento, ela também já sabia que eles tinham
a intenção de substituí-la por um candidato próprio. Consciente de que nunca
poderia sobreviver como líder de Ndongo sem um compromisso firme com a
espiritualidade ambundo, ela apelou para as relíquias que fizera com os ossos de
Ngola Mbande. Jinga sabia que, de acordo com as crenças espirituais dos
ambundos, Ngola Mbande era uma força espiritual mais forte depois de morto
do que quando estava vivo e aproveitou essa crença para que seus partidários
tivessem plena fé em suas decisões. Se abandonasse a ilha sem prestar
deferência adequada ao irmão morto, arriscaria sofrer a vingança dele e poria em
risco o apoio de seus seguidores. Assim, antes da evacuação, ela convocou seus
sacerdotes para realizar os rituais que lhes permitiriam comunicar-se com o
espírito de Ngola Mbande. Durante a cerimônia, o espírito de Ngola Mbande
possuiu um sacerdote, que transmitiu seus desejos e advertiu Jinga de que ser
“um vassalo dos portugueses era perder liberdade e tornar-se um escravo” e que
“era melhor manter a liberdade mediante uma fuga”. Jinga aceitou esse conselho
e honrou seu irmão sacrificando catorze mulheres jovens sobre seu túmulo. [98]
Ao seguir cuidadosamente o conselho de Ngola Mbande, Jinga esclareceu a
seus seguidores que tinha as bênçãos dos antepassados para continuar a
resistência contra os portugueses. Desde o momento em que tomou a decisão de
venerar as relíquias de seu irmão até sua morte, em 1663, ela manipularia a
espiritualidade e faria dela um elemento central em sua arte de governar. Ela
acrescentava elementos novos quando necessário, mas sempre se assegurou de
que, em última análise, o controle estava em suas mãos.
4.
Política traiçoeira

Depois de ter fugido das ilhas Kindonga, Jinga encarou dificuldades


assustadoras em suas tentativas de voltar à política de Ndongo. O governador
Fernão de Sousa queria ter certeza de que ela permaneceria fora de combate; os
portugueses ainda não haviam conquistado o leste de Ndongo, e ele temia que
ela usasse a região como base para atrair partidários e solapar os ganhos que ele
havia obtido, ameaçando possivelmente a sobrevivência da colônia. Os planos
do governador de instalar Hari a Kiluanje no trono e capturar ou prender Jinga
foram frustrados porque ele morreu de varíola um pouco antes de outubro de
1626, sem que fosse coroado rei de Ndongo. Outro dos planos de Sousa —
persuadir Jinga a se tornar uma agente portuguesa e convencer os sobas das
terras além de Ndongo a serem vassalos dos portugueses — também foi
frustrado. [1] Mas Sousa tinha outras opções. Escolheu imediatamente Ngola
Hari, um meio-irmão de Hari a Kiluanje que controlava a área de Pungo
Ndongo, para rei de Ndongo.
Ngola Hari não estava no topo da lista de Sousa de substitutos de Jinga; ele
descendia de outro ramo da linhagem real de Ndongo, mas era considerado
inelegível para governar porque era filho de uma escrava da corte de Ngola
Mbande. Jinga e sua irmã Kambu o consideravam dependente delas; embora seu
nascimento na corte o protegesse de ser tratado como escravo, a falta de
linhagem real de sua mãe tornava sua posição social indefinida. [2] As noções de
parentesco dos ambundos diziam que os sobas não deveriam obedecer-lhe. A
escolha de Hari a Kiluanje para rei baseara-se na premissa de que ele era um
candidato mais respeitado e elegível. Para evitar rumores sobre a legalidade da
indicação de Ngola Hari, Sousa exigiu que o capitão Bento Banha Cardoso
reunisse todos os sobas leais a Ngola Hari junto com os macotas e outros
eleitores do reino e os fizessem passar pelos procedimentos tradicionais da
eleição de um novo rei. [3]
Foi nesse momento que Sousa apresentou o argumento de que o fato de Jinga
ser mulher a desqualificava para governar. Ele instou Cardoso a persuadir os
sobas e eleitores de que “Jinga não era uma rainha, nem podia ser, por ser
mulher” e que ela fora “tiranicamente” colocada na chefia de Ndongo. Além
disso, exigiu que Cardoso insistisse com os eleitores que tinham de escolher
Ngola Hari para sucessor legítimo do trono de Ndongo, de acordo com o
costume ambundo, e “colocá-lo numa cadeira e obedecer-lhe como a um rei
natural”. [4] A eleição de Ngola Hari ocorreu em 12 de outubro de 1626, no forte
de Ambaca, na presença de funcionários portugueses e seus “sobas, quizicos
[kijikos ] e os macotas que eram eleitores”. O novo rei prestou juramento de
vassalagem ao rei português e concordou em pagar um tributo anual de cem
escravos de primeira ( peças das Índias ), juntamente com outras obrigações.
Embora os termos do contrato de vassalagem que Ngola Hari assinou no seu
empossamento não subsistam, o documento teria contido uma linguagem
semelhante àquela do contrato que Hari a Kiluanje havia assinado, incluindo
pagamento de tributo em escravos, conversão ao cristianismo, envio de soldados
para lutar ao lado dos portugueses e o cumprimento de outras obrigações
onerosas e humilhantes. [5]
Para garantir que o povo aceitasse Ngola Hari como seu rei legítimo, os
portugueses mandaram que ele saísse de Pungo Ndongo e construísse uma nova
residência em Kabasa ou Vungo, onde os reis de Ndongo tradicionalmente
situavam suas cortes. Fernão de Sousa posicionou duas companhias de infantaria
junto com tropas adicionais em Pungo Ndongo para proteger Ngola Hari de
qualquer possível ataque de Jinga ou de seus partidários. [6] As condições que
Sousa impôs a Ngola Hari eram as mesmas que Jinga havia rejeitado quando
negociou em nome de Ngola Mbande em 1622. Sua recusa em aceitar essas
condições continuaria a persegui-la e a ser um problema central durante suas
muitas tentativas ao longo dos anos de chegar a um acordo pacífico com os
portugueses. Ela jamais perdoaria Ngola Hari por aceitar ser vassalo dos
portugueses.

A fuga de Jinga

Nos meses anteriores à eleição de Ngola Hari, os portugueses, sob o comando de


Cardoso, fizeram esforços valorosos, mas que resultaram infrutíferos, para
perseguir e capturar Jinga. Ela conseguiu evitar a captura através de uma
combinação de desenvoltura e conexões políticas. Os primeiros quatro dias após
sua fuga das ilhas Kindonga foram angustiantes. Cardoso mandou oitenta
soldados de cavalaria e infantaria atrás de Jinga e sua comitiva, composta por
seus parentes, funcionários mais próximos, adeptos e escravos que haviam
escapado das ilhas. Eles evitaram por pouco a captura escondendo-se em várias
cavernas grandes e naturalmente fortificadas. O grupo heterogêneo, do qual
faziam parte muitas pessoas que sofriam os efeitos da varíola, teve de abrir
caminho pela parte leste de Ndongo.
Durante a jornada, Jinga abandonou muitos dos escravos que haviam
escapado com ela. Foi uma brilhante manobra tática: como os portugueses
priorizavam arrebanhar escravos a seguir Jinga, ela ganhou tempo. [7] A distância
entre ela e os portugueses deu-lhe a chance de lutar contra sobas que se
recusaram a ajudá-la, bem como ganhar novos seguidores. A permanência da
fidelidade de seus adeptos talvez dependesse de terem prestado ou não um
juramento específico que os prendia a ela. Depois que faziam esse juramento, os
ambundos preferiam a morte a rompê-lo. [8] Apesar da retirada penosa e da perda
de muitos de seus seguidores e parentes próximos para a varíola, Jinga
sobreviveu. Quando a cavalaria e os espiões de Cardoso chegaram à fronteira de
Ndongo, Jinga estava longe de ser encontrada. Alguns relatos dizem que o
imbangala Kasa permitiu que ela passasse com segurança por seu acampamento,
enquanto outros afirmam que ele se recusou a ajudá-la. [9] Qualquer que seja a
verdade, o fato é que Jinga foi parar na pequena região de Kina, onde o soba
Catamuito teve piedade dela e de seu grupo desesperado.
A popularidade de Jinga cresceu durante essa fuga extraordinária. Ela
conseguiu persuadir muitos sobas relutantes do leste de Ndongo e de reinos
vizinhos a aderir à sua causa e manter seu paradeiro em segredo. Não foi pouca
coisa. As tropas de Cardoso atacaram as terras dos sobas e os torturaram com a
esperança de que revelassem seu paradeiro. Eles continuaram mudos.
Durante a busca por Jinga, Cardoso montou uma grande máquina de
propaganda, enviando mensageiros e espiões ao leste de Ndongo para louvar
Ngola Hari. Eles disseram aos sobas e a seus povos que a eleição seria legítima e
que ele traria muitos benefícios materiais depois que fosse coroado rei. Teriam
segurança e acesso gratuito às feiras, entre outras coisas. Os agentes de Cardoso
entraram nas regiões vizinhas de Malemba e Matamba, onde um grande número
de ambundos de Ndongo se refugiara, e tentaram subornar seus governantes,
oferecendo aliança com os portugueses e outros incentivos para quem
concordasse em não ajudar Jinga. Os representantes de Cardoso advertiram que,
se Jinga aparecesse, as pessoas deveriam expulsá-la de suas terras ou entregá-la.
Se não obedecessem, deveriam esperar retaliação. [10]
Enquanto Fernão de Sousa tinha Cardoso e seus agentes à procura de Jinga e
planejavam a eleição de Ngola Hari, ela abria caminho através de Malemba. Se
encontrasse refúgio temporário na base de Kasa, não ficaria por muito tempo nas
proximidades de seu quilombo, pois não confiava nele, a quem havia traído no
passado. Ela estava certa: alguns meses depois, um dos espiões de Ngola Hari
informou que o chefe imbangala estava disposto a entregar Jinga ou matá-la se
lhe garantissem uma recompensa. [11] Jinga tampouco poderia encontrar abrigo
seguro em Malemba, pois Sousa pusera sua cabeça a prêmio. Com efeito, alguns
dos sobas dessa região a perseguiram com seus exércitos durante sua fuga. Ela
conseguiu escapar deles e refugiar-se na mata densa adiante de Malemba. [12]
Mesmo ali, não estava segura, pois Ngola Hari declarara guerra a alguns de seus
partidários, entre eles um parente de Jinga, o soba Zunge a Moke, porque se
recusavam a obedecer-lhe. O capitão português Sebastião Dias invadiu as terras
de Zunge a Moke com um exército de 78 portugueses e muitos kimbares
ambundos. [13]
Ngola Hari estava incentivando ativamente os milhares de residentes de
Ndongo que haviam se refugiado em Malemba e Matamba a retornar a Ndongo.
Se em algum momento Jinga imaginara tentar recrutá-los, ela pensou melhor.
Alguns deles não hesitariam em revelar seu esconderijo se isso significasse uma
permissão para retornar às suas casas. Qualquer esperança de conquistar o apoio
daqueles que permaneceram nas ilhas acabou quando eles proclamaram
fidelidade a Ngola Hari e o reconheceram como o rei legítimo. [14]
Apesar desses reveses, Jinga continuava a ser um grande obstáculo no
caminho de Ngola Hari para a legitimidade. No início de 1627, ele pediu a Sousa
que autorizasse outra campanha contra ela ao saber que Jinga estava perto de
Pungo Ndongo e que o imbangala Kasa, Zunge a Moke, Ndala Kisuba e
refugiados de Ndongo a estavam ajudando. [15]
Ngola Hari tinha razão em se preocupar com Jinga. Ela não só havia feito
alianças com governantes vizinhos como também tinha o apoio do rei Ambrósio
do Congo, o mais poderoso reino africano independente da região. Os reis do
Congo haviam apoiado Ndongo desde a chegada de Dias de Novais,
especialmente depois de 1622, quando as tropas de João Correia de Sousa
invadiram seu reino, capturaram muitos cristãos e os mandaram para ser
vendidos como escravos no Brasil. Até então, o Congo resistira aos portugueses,
e o reino fizera várias tentativas diplomáticas para restaurar a paz, mas seus
governantes continuavam alarmados com a incessante expansão militar
portuguesa. Ao mesmo tempo que mandara tropas contra Ndongo, Fernão de
Sousa também havia enviado soldados para a região dos Dembos; nessas terras,
que se situavam entre Congo e Ndongo, os governantes locais mantinham a
autonomia e evitavam pagar tributos mudando continuamente de lealdade entre
os dois reinos. Porém, o governador português insistia que, por terem
anteriormente obedecido ao rei de Ndongo, eles agora deviam tributo ao rei de
Portugal, que conquistara Ndongo. Em 1627, ele discutiu o envio de tropas à
região para forçar o governante de Mbwila (na região dos Dembos) a reconhecer
a soberania portuguesa e pagar tributo. [16] Em 1624, quando Jinga fugiu de
Ndongo, o novo rei do Congo, Pedro II , foi solidário com ela: enviou-lhe um
representante que levava consigo “uma cadeira e um tapete”, símbolos da
realeza. [17]
Embora os sobas de Ndongo nem sempre estivessem dispostos a apoiá-la
publicamente, a popularidade de Jinga continuou a aumentar. A maioria dos
ambundos julgava sua reivindicação ao trono de Ndongo mais legítima do que a
de Ngola Hari. Além disso, a crescente dependência de Ngola Hari dos
portugueses prejudicava qualquer apoio que ele tivesse conseguido. Durante os
primeiros meses de seu reinado, as muitas tentativas de Sousa de fazer a
população ambundo aceitá-lo como o governante legítimo foram, em grande
parte, malsucedidas. Um dos primeiros erros de Ngola Hari foi permitir que os
missionários agissem em Ndongo. O primeiro missionário que ele acolheu foi o
padre jesuíta Francisco Pacconio, a quem Sousa nomeara conselheiro espiritual
do novo rei. Em dezembro de 1626, Ngola Hari já construíra uma igreja em
Pungo Ndongo e permitira que o padre começasse a ensinar a doutrina católica
para sua família, bem como para seus partidários. Mas Ngola Hari viu-se numa
situação paradoxal. Ele percebeu que antes de poder residir em Kabasa, como
Cardoso e Sousa haviam exigido, teria de participar dos rituais ambundos que
possibilitariam que o povo o considerasse um governante legítimo. Assim,
tentou postergar seu batismo, explicando ao padre Pacconio que era obrigado a
“fazer certas cerimônias costumeiras”; negligenciá-las acarretaria uma falta de
legitimidade aos olhos de seu povo. [18]
Embora as autoridades religiosas nativas devessem desempenhar um papel
central em algumas dessas cerimônias, o padre Pacconio estava tentando reduzir
essa influência e elas não podiam participar abertamente. Na verdade, Ngola
Hari mantinha dois sacerdotes ambundos que o aconselharam a não desistir de
suas crenças tradicionais, levando o padre Pacconio a pleitear que Sousa os
expulsasse. A influência contínua deles sobre o rei e o povo, disse o jesuíta,
prejudicava o trabalho missionário. [19] Em fevereiro de 1627, o padre Pacconio
queixou-se ao governador que Ngola Hari, seus conselheiros e a população
estavam muito apegados aos seus “feitiços” (sacerdotes e objetos rituais). As
pessoas procuravam o rei para conseguir chuva, disse ele, e recusavam-se a ouvir
os protestos do padre, “porque este era o poder e o costume de seus
antepassados”. Desdenhavam especialmente das ideias sobre a vida após a
morte, zombando de seus ensinamentos e respondendo que “queriam mandar
alguém lá para verificar se o paraíso e o inferno realmente existiam”. [20]
Os portugueses travavam uma batalha árdua para influenciar a opinião
pública em favor de Ngola Hari. Além da dificuldade em convencê-lo a rejeitar
as crenças e as práticas rituais dos ambundos, não tiveram sucesso em suas
campanhas militares contra os sobas e os macotas que suspeitavam de ajudar
Jinga. Muitos ambundos se convenceram de que Sousa substituíra Jinga por
Ngola Hari simplesmente porque ele era mais flexível. Com efeito, em carta ao
secretário de Estado em Portugal, Sousa admitiu isso. Ele explicou que atacara
Jinga porque os portugueses que moravam em Angola temiam-na mais do que a
Ngola Hari: suas “contínuas persuasões levaram os sobas a se revoltar e os
escravos portugueses fugiram para ela e, de fato, criaram uma rebelião geral e
uma grande perda de receita”. [21] Sousa estava otimista de que a substituição de
Jinga por Ngola Hari melhoraria a situação econômica da colônia.
O governador fez muitas exigências onerosas a Ngola Hari. Primeiro, ele
deveria centralizar o comércio de escravos em feiras específicas que estavam sob
o controle de um de seus funcionários, em vez de deixá-lo para funcionários das
aldeias, como era costume. Em segundo lugar, deveria garantir que todos os
comerciantes portugueses pudessem viajar com segurança às feiras, sem ter de
pagar impostos. Terceiro, teve de concordar em participar de campanhas de
propaganda conjunta com funcionários portugueses em toda a área para
convencer as pessoas de que Jinga fugira e que ele era o rei legítimo. Por fim,
deveria respeitar o padre Pacconio e ouvir seus conselhos, como “os reis e
senhores de Portugal o fazem”. [22] Fernão de Sousa também advertiu Ngola
Hari de que ele não tinha autoridade para enviar seus funcionários para coletar
tributos dos sobas ou de outros senhores regionais sem o acompanhamento de
representantes do forte, já que os sobas eram aliados do rei português e não seus
vassalos; e os sobas deveriam pagar-lhe agora apenas um determinado imposto
tradicional. Finalmente, Ngola Hari tinha de entregar aos portugueses, dentro de
duas semanas, qualquer escravo pertencente aos portugueses que fugira para as
terras de um soba, caso contrário, teria de pagar o custo do escravo. [23] Em
suma, Sousa esperava que Ngola Hari não se comportasse como um rei
independente que se aliara aos portugueses, mas como um soba conquistado que
estava integrado à colônia portuguesa de Angola.
A relação que Ngola Hari formalizou com Sousa o tornou totalmente
dependente dos portugueses, e seu poder foi irrevogavelmente diminuído. Ao
contrário dos reis anteriores de Ndongo, ele não poderia exigir o tributo dos
sobas sob seu controle, e, durante seus primeiros anos de governo, seus pedidos
de assistência militar a Sousa para agir contra os sobas que recusavam suas
exigências foram negados. Ngola Hari também não teve permissão para tributar
comerciantes portugueses ou africanos sem primeiro obter aprovação dos fortes.
Sua posição fraca ficou evidente desde o início de seu governo, quando ele
pediu a ajuda de Sousa para repovoar Ndongo, que se transformara numa região
deserta, pois perdera grande parte da população após quase uma década de
guerras. Seus vários pedidos para repatriar os kijikos e ambundos livres que
estavam em Luanda e em outros lugares sob domínio português foram inúteis.
Nada resultou disso, apesar dos vários planos sugeridos por Sousa, um dos quais
envolvia uma troca de ambundos livres que viviam em Luanda e em várias
plantações portuguesas pelos kijikos que haviam fugido para Ndongo. Sousa
chegou a propor a divulgação de um decreto em Luanda e perto dos fortes que
incentivasse ambundos livres a retornar a Ndongo. No entanto, os funcionários
da Câmara (o órgão consultivo do governador) se recusaram a assiná-lo,
temendo que essa medida incentivasse a fuga em massa de kijikos e outros
ambundos escravizados e destruísse o sustento econômico dos proprietários
portugueses. [24] Mesmo que o plano para repovoar Ndongo tivesse funcionado,
Ngola Hari não poderia exigir tributo dos ambundos que retornaram a Ndongo,
porque ele não era considerado governante dessas terras. Como parente de Jinga,
tinha direitos naturais sobre os kijikos em suas províncias de Pungo Ndongo e
Hari, mas não podia reivindicar os mesmos direitos sobre os de Ndongo, que
pertenciam à linhagem direta de Jinga.
Esse problema complexo era apenas um dos muitos exemplos do fracasso de
Sousa em criar as condições que tornassem Ngola Hari um aliado confiável e
governante legítimo no lugar de Jinga. Não bastava instalá-lo no trono. Ngola
Hari ainda temia Jinga, e não estava sozinho; muitos dos principais membros de
sua linhagem também a consideravam inimiga. Eles acreditavam que, se
reconquistasse Ndongo, ela os escravizaria a todos, uma vez que, como dizia o
ditado popular, “quem é rei não tem parentes”. [25] Ao mesmo tempo, muitos
ambundos estavam decididos a aceitar Jinga se ela voltasse.
Embora não tivesse o poder tradicional associado aos reis de Ndongo, Ngola
Hari percebeu que, para manter sua posição, teria de aceitar as exigências de
Sousa, entre elas a de se converter ao cristianismo. Deixando de lado sua antiga
resistência, ele foi batizado em 1627 pelo padre Pacconio, junto com sua esposa
e outros parentes. Ele também enviou seu filho jovem a Luanda para ser batizado
numa cerimônia magnífica na igreja principal. E, numa atitude drástica, Ngola
Hari abandonou o conceito de casamento plural, tão essencial para a liderança
dos governantes de Ndongo, e casou-se com sua esposa conforme o rito cristão.
[26]

Jinga reaparece

Os temores de Ngola Hari e dos portugueses relativos ao ressurgimento de Jinga


concretizaram-se em 1627, quando ela começou a aproximar-se de alguns de
seus antigos aliados, numa tentativa de refazer sua base de apoio. Fernão de
Sousa ouviu falar pela primeira vez de sua atividade em março, quando recebeu
a notícia de que Jinga enviara dois representantes de baixo nível (makunges ) de
Tunda, onde estava temporariamente, a Kissama, uma província produtora de
sal, produto que fora uma fonte importante de receita para Ndongo, mas que
resistira ao domínio português. Os makunges encontraram-se com vários
macotas (anciãos) e sobas que ganharam o opróbrio dos portugueses por abrigar
imbangalas e não permitir que os portugueses se instalassem em suas terras. [27]
Alguns meses depois, em setembro, Jinga decidiu ir até a fronteira de
Ndongo para testar a situação. Chegando com o imbangala Kasa, com quem
estava temporariamente em bons termos, tentou reconstituir sua base. Porém,
logo descobriu que o ambiente político mudara tremendamente em favor dos
portugueses, embora sem favorecer Ngola Hari. Em consequência das operações
militares bem-sucedidas de Cardoso e Sebastião Dias, muitos sobas e poderes
regionais nominalmente independentes de uma grande área que se estendia da
fronteira sul do Congo à fronteira leste de Ndongo e pelas terras de ambos os
lados do rio Kwanza haviam aceitado os termos de vassalagem ou concordado
em se aliar aos portugueses, apesar de terem simpatizado anteriormente com
Jinga e participado de sua rebelião. Até mesmo os sobas de Tunda e Songo, que
haviam resistido aos portugueses, tinham agora feiras de escravos e permitiam
que mercadores portugueses e africanos traficassem em seus territórios. [28]
Outro fator que tornava difícil para Jinga obter apoio era o papel de Ngola Hari
na estratégia de Fernão de Sousa para controlar Ndongo. Em decorrência do
batismo de Ngola Hari e sua aparente disposição de recorrer à ajuda militar
portuguesa, muitos sobas se sentiram intimidados e relutaram em aceitar o
retorno de Jinga, temendo a reação dos portugueses.
Jinga deu-se conta de que precisava ter cuidado quanto a revelar seu
paradeiro e confiou somente naqueles sobas que eram membros de sua linhagem
e tinham terras localizadas em Ndongo. [29] Em consequência, teve o apoio de
apenas dois sobas. Depois de ter sido abandonada novamente por Kasa, ela ficou
sozinha no novo acampamento de guerra que construíra no leste de Ndongo. [30]
Sabia que tinha apenas duas opções: voltar para o mato e continuar lutando para
recuperar o trono, ou tentar reabrir negociações com Sousa. Jinga escolheu a
segunda via.
Em novembro de 1627, ela enviou o seu mais alto funcionário (seu mwene
lumbo ) e alguns funcionários ao forte de Ambaca para apresentar sua defesa. A
maior parte do que o mwene lumbo tinha a dizer não era novidade. Ele reiterou a
decisão de Jinga de se tornar subordinada e dependente de Sousa ( filha ).
Porém, não abria mão do direito de governar Ndongo, e o mwene lumbo
enfatizou que a rainha retornara porque era a governante legítima e, francamente,
estava cansada de vagar pelas matas. Informou ainda que Jinga culpava seus
conselheiros por aconselhá-la a fugir e agora estava pronta para participar da
cerimônia de vassalagem e pagar tributo ao rei de Portugal. Falando sobre as
origens do conflito, ressaltou que Jinga acreditava que, quando se tornara
vassalo dos portugueses em 1624, Hari a Kiluanje o fizera somente porque
queria herdar o reino dela. E disse também que Ngola Hari, a quem os
portugueses haviam eleito, estava mentindo quando dissera que ela retornara
para começar uma guerra. Como isso poderia ser verdade, se ela não tinha
inimigos em Ndongo? Todos eles eram seus dependentes. Em conclusão, o
mwene lumbo indicava que Jinga estava pronta para reabrir a feira de escravos.
Em nome dela, presenteou o capitão-geral do forte com vários escravos: seis
para o governador e quatro para Cardoso. Além disso, ele entregou quatrocentos
escravos e 150 cabeças de gado como tributo ao rei português em nome de Jinga
e Kasa. [31]
Ao saber do reaparecimento de Jinga, Ngola Hari enviou seu próprio mwene
lumbo com uma carta ao governador português em que se queixava de ter sido
informado sobre os mensageiros de Jinga no forte e observava que ela tinha um
grande número de escravos acorrentados esperando em Ambaca para serem
enviados a Sousa. Acusava Jinga de ter pagado subornos para permitir seu
retorno a Ndongo. Ademais, enfatizava que os sobas que viviam ao longo do rio
Kwanza ainda preferiam Jinga a ele e dizia que ela poderia ter ido para a ilha
onde seu irmão Ngola Mbande estava enterrado, presumivelmente para começar
a refazer novamente suas forças. Ngola Hari pleiteava que Sousa o ajudasse, pois
era seu pai. [32]
Fernão de Sousa, ao receber apelos de Jinga e Ngola Hari, preferiu apoiar o
último. A manipulação que Jinga fizera de Cardoso e sua fuga das ilhas o haviam
embaraçado e ele agora estava firmemente empenhado em apoiar Ngola Hari,
que era influenciável e fraco. Sousa sabia que Ngola Hari não seria capaz de
cumprir seus deveres se Jinga continuasse uma ameaça e tratou rapidamente de
encorajá-lo. Ao mesmo tempo que o repreendeu com severidade por acusar os
portugueses de aceitar subornos de Jinga, prometeu mandar reforços. Mas
ordenou que ele mantivesse o povo longe das ilhas — a fim de evitar que se
juntassem a Jinga — e enviasse soldados para coletar informações sobre Jinga.
Sousa exigiu que Ngola Hari preparasse seus soldados para a batalha e
encorajasse seu povo a plantar para que os soldados tivessem comida. Além
disso, instou o capitão-mor de Ambaca e o padre Pacconio a encorajar Ngola
Hari: em nenhuma circunstância, deveriam abandoná-lo naquele momento. [33]
Com Jinga, o governador não se arriscou. Não só recusou o apelo dela como
acusou seu mwene lumbo de ser um espião e mandou o capitão-mor prendê-lo. O
mwene lumbo foi acorrentado junto com os que o acompanharam, e os escravos
que trouxera foram confiscados. Ordenou ao capitão-geral que reunisse tropas,
perseguisse e matasse Jinga e cortasse a cabeça de qualquer soba que aderisse a
ela. [34]

Giovanni Antonio Cavazzi da Montecuccolo, “Missione evangelica nel Regno de Congo” (1668), v. A,
livro 1, p. 37. Manuscritos Araldi, Modena, Itália. Fotografia: Vincenzo Negro.

Rainha Jinga proferindo sentença. Antonio Cavazzi, c. 1668.

Preocupada por não ter notícias do mwene lumbo , Jinga enviou dois de seus
makunges favoritos a Ambaca, com mais escravos. Eles chegaram ao forte em 5
de dezembro de 1627, mesmo dia da prisão do mwene lumbo . Num curto espaço
de tempo, o capitão-mor os prendeu, junto com alguns outros adeptos de Jinga.
Evidentemente, àquela altura Jinga não sabia nada a respeito do destino de
seus emissários. Enquanto aguardava notícias, tentou esclarecer aos portugueses
sua disposição de viver em paz. Mudou-se para a ilha de Zongo, nas ilhas
Kindonga, a cerca de dois dias de viagem de Ambaca, para evitar lutar contra o
soba Andala Gonga Cangombe da região de Lucala, que a atacara depois que ela
pedira que ele devolvesse ao forte todos os kimbares (soldados escravos) dos
portugueses que haviam fugido para suas terras durante a revolta anterior. [35] E
chegou mesmo a mandar seus makunges pedirem permissão a Cardoso para
permanecer na ilha. Além disso, enviou um dos seus partidários em missão ao
soba Candele de Kisos, uma das principais bases de apoio a leste de Pungo
Ndongo, para pedir-lhe que tratasse bem os kimbares portugueses e os
pumbeiros (comerciantes africanos que trabalhavam para mercadores
portugueses) que estavam em suas terras com suas mercadorias. Candele rejeitou
o pedido de Jinga e, em vez disso, atacou os comerciantes, roubou-os e matou
três africanos pertencentes aos portugueses, um homem livre e dois escravos. Os
outros comerciantes portugueses e escravos fugiram para as terras do soba Ndala
Kisuba, um vassalo dos portugueses que prometeu protegê-los com sua vida. [36]
Esse incidente expôs a principal fraqueza de Jinga. Ela precisava agora
enfrentar a realidade de que havia perdido o apoio que tivera entre os principais
sobas da região. Atormentada por essa revelação, Jinga caiu numa depressão
severa, trancou-se num quarto e recusou-se a falar com todos. Foi nesse estado
que enviou, de sua nova localização numa ilha diferente do rio Kwanza, mais
dois emissários a Ambaca para dizer a Sousa que não era responsável pelo que
Candele fizera em Kisos. Para convencê-lo de sua sinceridade, pediu que,
quando os enviados chegassem, fossem submetidos a um teste brutal chamado
kilumbo , no qual uma faca quente era colocada na pele da pessoa que fazia um
juramento; se nenhuma ferida fosse detectada, considerava-se que a pessoa
falara a verdade. [37] Novamente sem receber notícias de seus mensageiros,
Jinga, ignorando que o destino deles havia sido selado, ficou desesperada e
mandou seu secretário pessoal ao forte, em 4 de janeiro de 1628. Porém, ele não
teve permissão para atravessar o rio Kwanza: foi bloqueado por um soba que
declarara apoio a Ngola Hari. Jinga estava efetivamente isolada na ilha. A
maioria das sobas da região em torno do rio Kwanza que a apoiavam estava
agora acampada em Pungo Ndongo, esperando reforços que lhes permitissem
atacá-la sob a liderança de Ngola Hari. [38]
Nesse meio-tempo, os dois enviados de Jinga submeteram-se à provação no
forte. Eles defenderam sua rainha e afirmaram sua inocência, negando que
tivesse mandado matar e capturar os kimbares e pumbeiros em Kisos ou
confiscar as mercadorias dos comerciantes. [39] Mas esses procedimentos legais
eram apenas uma encenação: o governador já decidira que os funcionários de
Jinga o estavam espionando e descartou os resultados da provação. Sousa
convocou um tribunal militar em Luanda para iniciar um processo formal contra
o mwene lumbo . O tribunal condenou-o por espionagem, transportar mensagens
falsas de Jinga e, ainda, pela responsabilidade por quase todas as ações dela,
inclusive unir forças com o imbangala Kasa e estimular os sobas a se rebelar. O
tribunal condenou-o à morte por decapitação na presença dos sobas. A vida dos
dois makunges foi poupada, mas eles foram condenados a serem transportados
para o outro lado do Atlântico e vendidos como escravos. Antes de cumprir as
sentenças, o capitão-mor e outros militares portugueses de Ambaca torturaram o
mwene lumbo e os dois makunges . Sob coação, o mwene lumbo forneceu
detalhes sobre como Jinga conseguira retornar a Ndongo. Mas ele continuou a
insistir que Jinga estava genuinamente interessada em fazer a paz com os
portugueses e preparada para se tornar vassala de Portugal. [40] Os makunges
também revelaram detalhes sobre os movimentos de Jinga desde seu retorno a
Ndongo, mas, tal como o mwene lumbo , afirmaram separadamente que Jinga
estava disposta a fazer a paz e se subordinar aos portugueses. Suas confissões,
no entanto, não os salvaram. O mwene lumbo foi decapitado em 23 de dezembro
de 1627.
Três semanas após a execução, em 15 de janeiro de 1628, o capitão-mor de
Ambaca enviou onze emissários e seguidores de Jinga para Luanda. Do grupo
faziam parte os dois makunges e outros funcionários que foram presos após sua
chegada ao forte ou apanhados em outros lugares de Ndongo. Entre eles estavam
um soba de Lucala e três companheiros que apoiavam Jinga. Todos deram
testemunho sob juramento que revelava o paradeiro e as ações de Jinga. Todos,
no entanto, juraram unanimemente que Jinga voltara porque queria fazer a paz
com os portugueses. [41]
Enquanto os dois makunges condenados ficaram presos em Luanda,
aguardando embarque para o Brasil, Sousa devolveu o resto do grupo para o
forte de Ambaca. Acompanhados por um funcionário português, eles levavam
uma mensagem do governador para Jinga. Nela, Sousa dizia que se ela era
sincera em querer ser sua dependente, precisava ir ao forte em Cambambe.
Tranquilizava-a afirmando que garantiria sua segurança e a circulação pelas
estradas, fosse ela por Ambaca ou por outro caminho. Assegurava-lhe que, na
qualidade de cristã e pessoa de alta posição, seria tratada com dignidade, e
pedia-lhe que não arriscasse sua vida voltando para a mata. Como incentivo
adicional, Sousa permitiria que ela trouxesse Kasa. Pedia-lhe que tivesse
confiança nele, pois ele a considerava uma dependente. Não obstante, o
governador deixava claro que aquela era a última chance de Jinga. Se ela não
aceitasse sua oferta, os portugueses “iriam buscá-la”, e ela não gozaria das
garantias que a mensagem prometia. Na verdade, Sousa declarava que, se Jinga
enviasse mais emissários ao forte, eles seriam decapitados. Em conclusão,
aconselhava Jinga a pensar seriamente no que perderia se não obedecesse e a
lembrava dos riscos que já enfrentara durante sua fuga. Certamente seria melhor
para ela passar o resto de sua vida descansando, sem precisar se preocupar com
sua sobrevivência e manutenção. [42]

Mobilizando o apoio popular

Através de seus vários emissários, Jinga indicara a Fernão de Sousa que estava
disposta a se tornar vassala do rei português. A resposta dele mostra como os
dois líderes concebiam de forma muito diferente o papel de uma mulher numa
família real. A visão de Sousa baseava-se no modelo europeu do início dos
tempos modernos. Ele esperava que Jinga desistisse de reivindicar as terras e o
trono de Ndongo e aceitasse Ngola Hari como o rei legítimo. Ele também queria
que ela aceitasse o título com menos status de “irmã do rei” e concordasse em
retirar-se da esfera pública para viver tranquilamente da generosidade de seu
guardião, o próprio governador. [43]
Sob muitos aspectos, o que ele estava oferecendo a ela era uma opção melhor
do que aquelas com que se deparava a maioria das mulheres das famílias reais
europeias se contestassem sua exclusão da liderança política. Na Europa, uma
mulher igualmente desafiadora poderia ser obrigada a casar com um príncipe de
uma terra distante, banida para um convento ou calabouço, ou mesmo
assassinada. [44] Nesse contexto, não é difícil entender por que o governador
português esperava que Jinga julgasse sua oferta atraente. Ele desconhecia a
realidade política de Ndongo, onde as mulheres tinham um papel importante na
governança. [45]
Sousa tentou resolver a crise política em Ndongo, causada por décadas de
guerras e por uma política comercial baseada na extração de escravos,
identificando o gênero de Jinga como a principal causa do conflito. Quando
apresentou as duas opções a Jinga — submeter-se e tornar-se uma mulher sem
poder, ou encarar as tropas portuguesas —, ele calculou mal. Havia tomado os
apelos de Jinga como um sinal de fraqueza e claramente não entendera a
profundidade da percepção de Jinga de si mesma como líder, tampouco as
tradições políticas e culturais que a motivavam. Se tivesse entendido esses
fatores, não ficaria surpreso com a resposta de Jinga: ela lutaria até a morte por
seu reino. Estava disposta a tornar-se vassala em condições que lhe permitiriam
reter o poder, mas não nas condições que Sousa estava oferecendo.
Entre dezembro de 1627 e março de 1628, no momento em que os emissários
de Sousa estavam a caminho com sua mensagem, Jinga iniciou uma intensa
campanha para recrutar sobas para sua causa. O governador, sem esperar por
uma resposta dela, já estava se preparando para a guerra. Sua prioridade maior
era garantir que Jinga não consolidasse sua posição nas ilhas Kindonga ou na
região entre Ndongo e Matamba. Ele enfrentava o problema recorrente de que os
sobas ainda se recusavam a aceitar Ngola Hari como líder legítimo. Mesmo
aqueles que, no início, o apoiaram com relutância simplesmente ignoravam suas
ordens de trazer homens e suprimentos para a nova campanha contra Jinga.
Mais uma vez, as exigências de Ngola Hari aos sobas tiveram o efeito de
minar o apoio deles. Quando Jinga chegou às terras de Ndala Kisuba e Matamba,
onde muitos dos sobas de Ndongo e sua gente se refugiaram, eles a saudaram e
ela logo conseguiu montar um acampamento de guerra na região. A crescente
popularidade de Jinga contrastava com o desprezo que os portugueses e os
ambundos sentiam por Ngola Hari.
Ngola Hari estava numa situação lamentável. Não tinha soldados próprios e
os sobas de Ndongo estavam em rebelião aberta contra ele. No fim de março de
1629, os portugueses e ele já tinham planejado atacar esses sobas. Antes de fazê-
lo, enviaram mensagens ordenando que eles comparecessem perante Ngola Hari.
Nenhum apareceu porque, como Ngola Hari e seus macotas reconheceram, todos
obedeciam a “Jinga Ambande”. Ngola Hari teve um ataque de raiva quando Paio
de Araújo de Azevedo, o capitão-geral que substituiu Bento Banha Cardoso,
exigiu que ele obrigasse os sobas a cumprir suas ordens. [46] Exclamou que ele e
Jinga eram ambos dependentes (filhos) de Azevedo, e que ele poderia muito bem
permitir que ela voltasse para Ndongo; ele mesmo deixaria Ndongo e voltaria
para Andongo ou para Lembo, perto do forte de Massangano, onde os
portugueses poderiam “cortar sua cabeça”. Durante o ataque, Ngola Hari pegou
uma palha, entregou-a ao intérprete e se afastou. Com esse gesto, indicava que
desistia de seus direitos ao reino. [47]
Os portugueses sabiam que os sobas preferiam obedecer suas ordens às de
Ngola Hari, desprezado como ele era por sua indigência e incapacidade de
manter o reino por conta própria. No entanto, a aliança com Ngola Hari era
importante, e Sousa estava empenhado em dar suporte ao rei tentando forçar os
sobas a obedecer-lhe. Ngola Hari instou Sousa a ir mais longe e a decapitar
vários dos macotas ou sobas de Jinga como um incentivo para que seus adeptos
se entregassem no forte. Ele também queria que os portugueses capturassem
Jinga, advertindo que, se continuasse livre e desse prosseguimento a sua aliança
com Ndala Kisuba, ela se tornaria mais poderosa ou até mesmo destruiria o
reino. [48] Sousa seguiu essencialmente o conselho de Ngola Hari.
A partir de junho de 1629, o capitão-geral do forte de Ambaca deteve e
aprisionou muitos sobas de Ndongo, que foram libertados somente depois que
concordaram em se tornar vassalos do rei de Portugal. Outros foram presos e
receberam na pele a marca do rei. Essas ações não fizeram nada para melhorar a
situação de Ngola Hari; na verdade, apenas exacerbaram os maus sentimentos
dos sobas em relação a ele. Os sobas ambundos tinham grandes expectativas em
relação a seus reis. Todos os governantes anteriores de Ndongo, bem como
Jinga, ganharam o respeito dos sobas e de outros senhores regionais por
liderarem grandes exércitos e vencerem batalhas. Ngola Hari fora despojado da
capacidade de fazer tal coisa. Ao impedi-lo de realizar campanhas militares
independentes deles, os portugueses o privaram de uma das principais funções
que separavam os reis de Ndongo dos sobas. Como vassalo dos portugueses,
Ngola Hari jamais poderia alcançar esse status. Ele admitira isso numa ocasião
anterior, quando fez uma visita inesperada a Ambaca. Ele queria saber por que
não podia ir à guerra, já que “sua vida e liberdade [quietação ] consistiam em
fazer a guerra para sustentar o reino”. O único conselho que o sargento-mor pôde
oferecer-lhe foi sugerir que ele voltasse para Pungo Ndongo em vez de ir a
Lembo para plantar; mudar-se para Lembo indicaria ao povo que “ele não queria
ser rei”. [49]
A situação de Ngola Hari ficou tão patética que ele se queixou de ter apenas
“seus conselheiros (macotas) e mulheres” ao seu redor, e que não conseguia
iniciar uma campanha nem mesmo contra os sobas descontentes. [50] Com efeito,
os sobas desrespeitavam tanto Ngola Hari que o capitão-mor de Ambaca
prendeu muitos deles, forçando-os a retornar a Pungo Ndongo e declarar
novamente que eram seus vassalos. Essas tentativas dos militares portugueses só
pioraram a situação, e a posição de Ngola Hari continuou a se deteriorar. [51] A
situação era especialmente explosiva na província de Hari, onde muitos sobas
deixaram de pagar os tributos. O próprio Ngola Hari não conseguiu levantar os
cem escravos que era obrigado a fornecer como tributo. [52]
Enquanto isso, Jinga continuava seus esforços para mobilizar o apoio
popular. Ela aceitara o fato de que Sousa recusara suas várias ofertas (a partir de
1625) de se tornar vassala de Portugal sob certas condições e agora acreditava
que ele desconfiava dela inteiramente: em uma palavra, era seu inimigo. [53] Ela
também estava ciente dos muitos obstáculos que teria de encarar para continuar a
se opor a ele. Soubera que ele havia encomendado cavalaria e reforços de
soldados portugueses de Luanda para todos os fortes, bem como numerosos
soldados africanos livres e escravos de muitas regiões.
A estratégia de Jinga era mover-se com rapidez para impedir que os reforços
portugueses chegassem a Ambaca e Pungo Ndongo para apoiar Ngola Hari. Em
julho de 1628, ela já havia conseguido recuperar o apoio dos sobas próximos ao
rio Kwanza, que foram a uma reunião pública onde ela apareceu com o
imbangala Kasa ao seu lado. Nessa reunião, Jinga proclamou-se “Senhora [de
Ndongo]”. E não parou aí: anunciou que Ngola Hari era seu escravo e que estava
preparada para tornar-se vassala do rei de Portugal e pagar-lhe tributo “das terras
que seu pai lhe dera”. [54] Pouco depois, Sousa recebeu a notícia de que Kasa
estava liderando uma grande força em direção a Ambaca. Enquanto isso, Jinga
recebera outra mensagem do governador que lhe ordenava que aparecesse em
Luanda para negociar as condições de sua vassalagem. É claro que ela
desconsiderou a ordem e enviou um emissário para dizer a Sousa que o
considerava “seu inimigo que queria mandá-la para a América espanhola
[presumivelmente como escrava]”. [55]
Continuando sua luta contra Ngola Hari, Jinga travou uma guerra psicológica
contra ele, além de enfrentá-lo no campo de batalha. Quando soube que Cardoso
deixara Pungo Ndongo, onde estivera protegendo o rei contestado, Jinga enviou
uma mensagem ameaçadora a Ngola Hari, junto com alguns fetiches que,
segundo Sousa, “esses pagãos temem mais do que armas”. Ngola Hari ficou
aterrorizado e não conseguiu enfrentar Jinga nem reunir coragem para liderar
suas forças através de Ndongo para mostrar que estava no comando. Em vez
disso, permaneceu em Pungo Ndongo e enviou mensagens em que pedia
reforços aos portugueses para “protegê-lo da mulher negra”. [56]
Àquela altura, Jinga já havia retornado às ilhas Kindonga, e seu prestígio
entre os sobas aumentava diariamente. Apesar dos esforços de Sousa para
obrigá-los a aceitar Ngola Hari como rei, eles acreditavam que Jinga era a
governante legítima de Ndongo e que, de acordo com as noções de linhagem
ambundo, Ngola Hari era dependente de Jinga. [57] Não era apenas seu próprio
povo que não respeitava sua autoridade. Os soldados portugueses que moravam
em Pungo Ndongo e que deveriam protegê-lo eram extremamente desrespeitosos
e o exploravam sem piedade. [58]
O fato de saberem que Jinga estava nas ilhas, tinha viajado para Matamba e
para as terras de Ndala Kisuba e contava com o apoio do imbangala Kasa
encorajou mais sobas a apoiá-la. Muitos deles expressaram esse apoio
simplesmente resistindo às exigências de Ngola Hari ou dos portugueses,
enviando muito pouco tributo ou ignorando completamente os pedidos. Em
alguns casos, nem sequer lhes era possível pagar o tributo necessário: muitos
sobas ficaram destituídos desde a primeira campanha contra Jinga, durante a
qual milhares de pessoas foram capturadas e escravizadas ou morreram na
epidemia da varíola. Mais importante, no entanto, era o fato de que várias rotas
do tráfico de escravos haviam sido interrompidas. Os laços renovados entre
Jinga e Kasa bloquearam as estradas para as terras de Ndala Kisuba, e as guerras
fecharam rotas que atravessavam Ndongo. Além disso, a presença de Jinga nas
ilhas levara ao fechamento de algumas rotas para o forte em Ambaca. [59]
Enquanto Jinga trabalhava para obter apoio, Sousa enviava emissários a
Ndala Kisuba para negociar a reabertura das rotas. Ele considerava Ndala Kisuba
um “senhor muito poderoso” e acreditava que, se conseguisse reabrir o mercado
de escravos em suas terras, Ngola Hari e os sobas de Ndongo participariam
novamente do tráfico de escravos e poderiam pagar seus tributos. [60] Fernão de
Sousa construíra o mercado nas terras de Ndala Kisuba durante a primeira
campanha contra Jinga. Ndala Kisuba ganhara muito graças a essas campanhas.
A fronteira para escravizar estava muito mais ao leste do que quando os reis de
Ndongo eram poderosos o suficiente para evitar o contato direto entre os
portugueses e as terras mais orientais. Desde 1628, a região já era uma fonte
importante de escravos. [61] A principal preocupação de Sousa era agora manter
Ndala Kisuba, que num certo momento dera abrigo a Jinga, como aliado dos
portugueses; seu emissário tinha muitos itens para dar conta e precisava ser
excepcionalmente persuasivo. Os portugueses queriam que Ndala Kisuba
deslocasse a feira de escravos para acampamentos militares, onde sua segurança
estaria assegurada. Para adoçar o acordo, levaram-lhe muitos presentes e
transmitiram garantias verbais de paz e segurança a longo prazo contra seus
inimigos, com Jinga no topo da lista. Além de subornar Ndala Kisuba com
presentes, Sousa construiu um novo forte entre Pungo Ndongo e as ilhas
Kindonga para que as tropas portuguesas e africanas pudessem patrulhar a região
e forçar os sobas vizinhos a contribuir para o esforço de guerra. [62]
Fernão de Sousa percebeu que, para abrir a rota dos escravos e possibilitar
que Ngola Hari governasse, teria de começar uma nova campanha contra Jinga.
Ela seria comandada por Paio de Araújo de Azevedo, o novo capitão que
chegara no outono de 1628 para substituir Cardoso, que morrera no verão
anterior. Em setembro de 1628, Azevedo liderou um ataque contra Jinga. O
exército era composto pelos mesmos veteranos portugueses e africanos de
Luanda que haviam lutado em campanhas anteriores, junto com tropas escravas
adicionais comandadas por capitães como Sebastião Dias, que vieram dos fortes
de Massangano e Ambaca. Azevedo esperava acrescentar tropas locais que
deveriam ser fornecidas por Ngola Hari e os sobas. O governador reunira uma
grande quantidade de informações sobre o paradeiro de Jinga, e seu objetivo
agora era defender Ngola Hari, “impedir que aquela mulher negra se fortalecesse
na ilha onde estava” e persegui-la onde quer que estivesse para que não
conseguisse reconstruir sua base. [63]
Azevedo não atacou Jinga imediatamente após sua chegada à região próxima
das ilhas Kindonga. A estação das chuvas dificultou a viagem, mas ele também
reconheceu que precisava coletar informações sobre a força militar e os
movimentos de Jinga. Além disso, tinha de fortalecer a confiança de Ngola Hari.
Os informantes de Sousa haviam sugerido que as tropas de Jinga e Kasa estavam
por todo o Ndongo e que ela continuava a atrair sobas que se recusavam a pagar
tributo a Ngola Hari e que, devido às perdas anteriores de seu povo, fugiram.
Quando as tropas de Azevedo vindas de Luanda (com 150 soldados europeus e
cavalaria) chegaram com seus escravos, juntaram-se aos milhares de soldados
africanos que estavam sob o comando de Dias e atacaram os sobas da província
de Hari que estavam apoiando Jinga através de uma resistência passiva. [64]
Além disso, antes de atacar Jinga, as tropas combinadas intimidaram alguns
dos sobas mais poderosos e ocuparam locais estratégicos, onde o apoio a Jinga
era forte. Os sobas de muitas regiões diferentes, inclusive aqueles da região em
torno do rio Lucala, em áreas fronteiriças, foram o alvo, e aqueles que
mandavam em certas áreas estratégicas, como Ndala Kisuba, foram ameaçados
de guerra se se recusassem a informar a presença de Jinga ou se permitissem que
ela escapasse através de suas terras. [65]
Por fim, Azevedo e suas tropas avançaram sobre as ilhas Kindonga. Mas,
quando chegaram, não encontraram Jinga.

O jogo de gato e rato

Apesar de a campanha ter de ser interrompida por quase oito meses devido às
chuvas, Azevedo nunca parou de procurar por Jinga e continuou a fustigar os
sobas suspeitos de ajudá-la. Em fevereiro de 1629, Jinga ainda não fora
localizada. O pequeno apoio que Ngola Hari obtivera entre os sobas já se
desfizera, e ele enfrentava uma rebelião aberta. Numa petição que seus
funcionários levaram a Azevedo, Ngola Hari queixava-se de que grande parte da
população de Ndongo fugira para Matamba e questionava a estratégia
portuguesa. A petição dizia que o exército se empenhava tanto em capturar e
destruir Jinga e seu povo — o próprio Ngola Hari recebera ordens para atacar
aldeias de Ndongo — que estava destruindo o que restava do reino. Ngola Hari
estimava que os soldados portugueses haviam tomado quatro mil escravos de
primeira, junto com muitos sobas. [66]
Através das palavras de seus emissários, o desespero de Ngola Hari era
evidente. Ele era desrespeitado em todos os cantos e não controlava mais os
soldados que comandava. A carta descrevia um incidente em que seus
carregadores abandonaram de repente suas responsabilidades, declarando
descaradamente que não estavam mais interessados em procurar por Jinga ou
participar da guerra contra ela. Acrescentando um tremendo insulto ao prejuízo,
eles o chamaram de cachorro. [67] Como havia feito antes, Ngola Hari ameaçava
deixar Ndongo e se mudar para Luanda ou Lembo.
Em resposta, Azevedo mandou tropas para a batalha contra os sobas de
Matamba, que eram conhecidos por abrigar os chefes que haviam fugido de
Ndongo para evitar o pagamento de tributo a Ngola Hari e a guerra contra Jinga.
Embora os partidários de Jinga tenham se organizado e lutado bravamente, o
lado português venceu, destroçando vários acampamentos, capturando três sobas
poderosos e forçando vários outros a jurar vassalagem a Azevedo. [68]
As operações portuguesas em Matamba ajudaram muito a desvendar a
estratégia de Jinga. Em primeiro lugar, elas frustraram ainda mais suas
esperanças de unir forças com o mais poderoso dos líderes imbangalas,
Kassanje. Ele atraíra uma grande quantidade de refugiados ambundos, e o
número de seus arqueiros foi estimado em mais de oitenta mil. Ele rejeitara as
tentativas iniciais de aproximação de Jinga, matando mais de nove dos
emissários que ela lhe enviou. [69] E depois foi expulso pelas incursões
portuguesas. Quando soube dos planos portugueses para invadir seu quilombo,
Kassanje fugiu para a vizinha província de Wandu, no Congo, recentemente
desocupada por seu próprio governante. De Wandu, vangloriou-se de que estava
pronto para enviar aos portugueses o gado e os escravos que trouxera para a
capital do Congo — em troca de bens comerciais, pólvora, armas e munições.
[70] Se Kassanje tivesse obtido sucesso, ele se tornaria a força política africana

dominante na região, representando um desafio aos portugueses e,


possivelmente, superando Jinga.
Enquanto esses eventos se desenrolavam, Jinga mantinha sua relação com
muitos dos sobas que se recusavam a obedecer a Ngola Hari. Essas alianças
garantiam que permanecesse bloqueada a rota de comércio de escravos entre
Ambaca e pontos a leste até Kisos, localizados na fronteira com as terras de
Ndala Kisuba. As incursões portuguesas em Matamba enfraqueceram a
determinação de muitos sobas de Ndongo, que fugiram e se ligaram a sobas do
interior de Matamba e das terras de Ndala Kisuba. Jinga continuava com suas
tentativas de reunir uma coalizão mais ampla, às vezes chegando a ameaçar
cortar a cabeça de um soba se ele se recusasse a aderir. Ela enviou mensageiros
aos três líderes imbangalas cujos acampamentos estavam localizados em torno
de Ndongo, mas essas tentativas fracassaram. [71] Sua esperança de uma aliança
com o imbangala Kassanje não dera em nada, e Kasa voltara-se contra ela
novamente: ele matou os dois makunges que ela enviou e fugiu para Tunda.
Kalunga, outro líder imbangala que estava em Haku — uma região na qual Jinga
contava com algum apoio —, também se recusou a unir-se a ela e mudou-se para
Libelo.
No início de maio de 1629, Jinga já encontrara alguns locais seguros para
seus acampamentos de guerra nas fronteiras das terras do soba Ndala Kisuba,
perto de Matamba, onde três de seus irmãos a apoiavam e havia muitos de seus
partidários. A sobrevivência de Jinga dependia dos alimentos, do gado e de
outros suprimentos fornecidos por vários sobas poderosos de Ndongo. [72] Ela
também tinha apoio de outro irmão de Ndala Kisuba, cujas terras ficavam na
fronteira com Ngangela, a sudeste de Matamba. [73] Jinga sabia que o exército
português recrutara muitos macotas de Ndongo para forçar Ndala Kisuba a
enviar seu exército para encontrá-la ou enfrentar uma invasão das forças
portuguesas. Os portugueses também ameaçavam as tropas de Ndongo com a
perda de suas posições se não fornecessem informações sobre o paradeiro dela.
Não obstante, a fidelidade a Jinga continuava forte; muitos dos sobas lhe haviam
jurado lealdade e temiam morrer imediatamente se revelassem sua localização.
[74] Assim, embora alguns enfrentassem castigos dos portugueses, outros

desafiaram a captura e viajaram de Ndongo para o grande acampamento que


Jinga havia construído em Ngangela para levar-lhe suprimentos. [75] O exército
português, composto por cem mosqueteiros, alguns cavaleiros e um exército de
soldados africanos, perseguia Jinga dia e noite, deixando um rastro de
destruição.

A grande fuga

Diante da sombria realidade, Jinga foi forçada a voltar à guerrilha. Na última


semana de maio de 1629, mudou seu acampamento de guerra das terras de Ndala
Kisuba para uma área muito além de Malemba, na região de Ngangela. Ela não
conseguira livrar-se de seus perseguidores, mas a paisagem acidentada dessa
região remota representava um grande obstáculo para eles. De acordo com o
relato que Fernão de Sousa fez desses eventos, quando o exército português
topou pela primeira vez com o acampamento dela, em 25 de maio de 1629, os
vigias, arqueiros de Jinga, escaparam com sua rainha correndo até um precipício
rochoso que lhes oferecia proteção. Uma pequena entrada para o precipício
permitia que apenas uma pessoa de cada vez passasse rastejando. Chegava-se a
ela atravessando uma ravina profunda tão traiçoeira que muitos soldados
portugueses caíram e morreram tentando chegar ao outro lado. O destemor, a
habilidade militar e o conhecimento do ambiente de Jinga destacaram-se durante
essa fuga penosa. Os soldados portugueses a perseguiram por cerca de cinco
quilômetros, mas não conseguiram recuperar o atraso — a passagem estreita fez
com que ela ficasse um passo à frente deles. Jinga conseguiu atravessar ravinas e
rios perigosos que entravaram os soldados que a seguiam, e estava protegida por
atiradores habilidosos na retaguarda. [76]
Porém, ela sabia que não estava segura. Em 26 de maio, novas forças, das
quais faziam parte sessenta mosqueteiros, chegaram à área, depois de atravessar
quatro rios e sete ravinas para encontrá-la. Quase a alcançaram: passaram a noite
de 27 de maio no próprio acampamento que Jinga ocupara na noite anterior.
Àquela altura, ela não se atrevia a permanecer em um local por muito tempo.
Ao atravessar um precipício estreito, Jinga foi avistada por alguns soldados
ambundos do exército português. Na pressa de encurralá-la, cinco deles correram
para a borda, perderam o equilíbrio e caíram no precipício, tendo seus corpos
despedaçados durante a queda. Para proteger Jinga, várias centenas de seus
soldados a cercaram, fazendo uma parede. Quando estavam discutindo qual o
melhor método para capturá-la, os soldados que a perseguiam testemunharam
um espetáculo espantoso. Jinga, então uma guerreira experiente de quase
cinquenta anos, agarrou o que parecia ser uma corda (talvez fosse uma das
trepadeiras fortes que cresciam nas superfícies rochosas) no alto do precipício e
desceu por ela até uma ravina onde gente sua a esperava. O precipício que Jinga
desceu era supostamente tão alto que, para alguém que estivesse no topo, as
vozes das pessoas que estavam embaixo eram inaudíveis. Não temos como saber
como ela planejou isso, mas Jinga pousou no meio de uma multidão de pessoas,
garantindo sua própria sobrevivência e a dos duzentos soldados (de um total
estimado em quinhentos) que haviam feito um cordão ao redor dela. [77] Jinga se
afastou sem ferimentos.
Após essa façanha, a trégua de seus perseguidores portugueses, se houve, foi
de curta duração. O capitão português mandou imediatamente que os soldados
ambundos tirassem os sapatos e descessem por cordas atrás dela. Eles
capturaram trezentos dos soldados restantes de Jinga que tinham conseguido
escapar durante a primeira batalha no quilombo. As revelações de alguns sobas e
kimbares capturados dão uma ideia do estado de espírito de Jinga e de seu
pequeno grupo de adeptos. Após intenso interrogatório, eles relataram que ela
estava inicialmente inclinada a render-se, quando reconheceu a gravidade de sua
situação. Foram os kimbares , que haviam fugido dos portugueses para se
juntarem a ela, que a encorajaram, prometendo que “onde ela morresse eles
também morreriam”. [78]
O apoio incansável deles deve ter estimulado a confiança de Jinga. Os
portugueses não tinham entusiastas desse tipo. Percebendo que suas tropas não
podiam imitar os feitos de Jinga, o capitão português enviou alguns soldados
para procurar uma rota alternativa. Quando eles finalmente chegaram a uma
colina menos intimidante, ela já havia tomado a distância de mais de um dia de
seus perseguidores.
Depois de passar alguns dias inspecionando as aldeias pelas quais Jinga
passara, o capitão concluiu que era inútil continuar a persegui-la e cancelou a
busca. Além disso, ela tinha apenas cem soldados em sua defesa. Estava
convencido de que não seria capaz de sobreviver por muito tempo num lugar
onde não era conhecida e onde os residentes tinham a fama de canibais. Nas
operações de limpeza realizadas no caminho de volta para Ndongo, os soldados
portugueses encontraram armas, pólvora, munições e roupas que as tropas e os
carregadores de Jinga haviam deixado pelo caminho. [79] Ela obviamente
encontrara pouca dificuldade para comprar armas, o que levou Sousa a
empreender uma investigação sobre a administração dos suprimentos militares
nos fortes e impor uma proibição de venda de armas aos africanos. [80]
Embora Jinga tivesse escapado de suas mãos, seus perseguidores
conseguiram encontrar o acampamento em Malemba para o qual suas irmãs,
outros parentes e conselheiros haviam se mudado. No acampamento estavam
também vários prisioneiros portugueses que ela capturara, bem como um grande
número de sobas e macotas. O exército português montou um ataque surpresa ao
acampamento ao amanhecer. Obedecendo à última ordem de Jinga de lutar até o
fim, os defensores mostraram uma resistência valente e sangrenta, mas foram
superados pela potência de fogo do inimigo. Os soldados portugueses
capturaram várias pessoas importantes, entre elas, as irmãs de Jinga, Kambu e
Funji. [81]
Com Jinga em fuga e pelo menos temporariamente fora do quadro, Fernão de
Sousa começou a pautar o governo de Ngola Hari de uma maneira que não havia
feito antes. Mandou que ele começasse imediatamente a construir assentamentos
em dois lugares de Matamba, onde os reis de Ndongo haviam instalado
anteriormente suas cortes e onde ele não conseguira até então impor seu mando.
Sousa também aconselhou-o a construir um assentamento nas terras de Ndala
Kisuba, onde Jinga encontrara uma recepção calorosa e exigir que os sobas da
região mandassem de volta os refugiados de Ndongo que estavam lá. Para
estabelecer-se como senhor e garantidor de segurança, Sousa instruiu Ngola Hari
a enviar presentes aos líderes das regiões vizinhas em que os reis de Ndongo
haviam tido vassalos. Por fim, o governador mandou Ngola Hari abrir as rotas de
comércio e as feiras de escravos.
Antes mesmo de ter notícias de Ngola Hari, Ndala Kisuba enviou-lhe
emissários com presentes e jurou obediência a ele e aos portugueses. Não foi o
único soba a fazê-lo, depois que ficaram sabendo que os adeptos de Jinga não
seriam punidos por ter tomado o partido dela. Os sobas foram instados a pagar
os cem escravos de tributo que não tinham pagado no ano anterior e lembrados
da obrigação de prover Ngola Hari com homens e suprimentos para manter a
segurança do reino. Em junho de 1629, com Jinga fora do caminho, Ngola Hari
estava tão confiante em sua posição de rei que prometeu abrir as feiras de
escravos e coletar tributo dos sobas. [82]
Embora o paradeiro de Jinga fosse desconhecido, suas irmãs eram agora
cativas que poderiam ser usadas para fins políticos. As decisões que os
portugueses tomaram a respeito dessas cativas influenciariam muitas das
escolhas que Jinga faria nas décadas subsequentes. Após a captura, Kambu,
Funji e sua tia Kiloge, bem como onze sobas e macotas, foram levados para
Luanda através de Ndongo e foram exibidas nuas ao longo do caminho. Ngola
Hari enviou uma mensagem confessando que era “escravo” de Kambu e
observando que, embora não fosse visitá-las, queria que aceitassem as roupas e
os presentes que enviava. Kambu e Funji foram tão inflexíveis quanto Jinga em
relação a suas reivindicações ao reino e permaneceram dedicadas à causa dela.
Elas recusaram os presentes, dizendo aos mensageiros que jamais lhe
obedeceriam; enquanto estivessem vivas, proclamaram, o reino era delas por
direito. [83]
Fernão de Sousa, no entanto, considerou a marcha dos cativos para Luanda o
palco perfeito para encenar seu sucesso militar sobre Jinga. Quando os
prisioneiros chegaram, em julho de 1629, fez com que as irmãs passassem por
uma variação da cerimônia de vassalagem que normalmente era imposta aos
sobas conquistados, mas à qual Jinga nunca fora submetida. Ao se preparar para
encontrá-las, organizou uma cerimônia semelhante àquelas que os governadores
anteriores haviam realizado para a realeza africana. Combinou com o capitão da
guarda da residência do governador que as prisioneiras nuas fossem levadas a
uma audiência pública. Nas palavras dele: “Eu as recebi sentado numa cadeira
cujos braços estavam cobertos de veludo carmesim, encostada a uma parede da
antecâmara, onde estavam as armas, com minha equipe militar, uma corrente e
uma espada de ouro, vestido de marrom com um cinto pequeno, e encostados na
parede estavam mais pessoas e capitães da cidade”. [84] Quando o grupo chegou,
Sousa levantou-se ligeiramente da cadeira e abriu os braços como se quisesse
abraçá-las. Ordenou então que pusessem um tapete para que elas se sentassem, e
através de um intérprete, que estava ajoelhado, disse-lhes que estava contente em
recebê-las e que desejava que tivessem vindo em circunstâncias diferentes, com
a irmã delas. Ele tentou acalmá-las. Não deveriam ficar tristes, pois tiveram sorte
porque Deus lhes mostrara boa fortuna, e o rei de Portugal lhes mostraria
misericórdia. No final de seu discurso, o governador ordenou que se vestissem e
as enviou para a casa de dona Ana da Silva, a mesma mulher que hospedara
Jinga e se tornara sua madrinha quando foi batizada, em 1622. O espetáculo
tornou-se ainda mais humilhante quando Sousa se levantou de sua cadeira,
deixando todos os prisioneiros deitados no chão “em pele descoberta”, e se virou
para felicitar o guarda delas, capitão Domingos Lopes de Sequeira, louvando-o
por agir “com valentia”. [85]
Após meses de lavagem cerebral intensa, Kambu e Funji finalmente
concordaram em ser batizadas. O batismo, que ocorreu na igreja oficial, lembrou
a cerimônia de Jinga anos antes, com toda a “nobreza da terra” presente para
testemunhar o evento. Fernão de Sousa foi o padrinho, e duas proeminentes
“senhoras de Luanda” serviram de madrinhas. Funji, a mais velha das duas
irmãs, recebeu o nome de Graça, e Kambu ganhou o nome de Bárbara. Após a
cerimônia, o governador manteve as duas irmãs reféns em Luanda enquanto
esperava a orientação das autoridades de Portugal sobre o que fazer com elas.
[86]
Fernão de Sousa também estava esperando por uma informação definitiva
sobre o paradeiro de Jinga. Recentemente, haviam chegado relatos de que ela
não fora comida por canibais ou morta por animais selvagens, mas, em vez
disso, havia atravessado o rio Kwango e se juntado ao imbangala Kassanje. Dois
ambundos, Alexandre Ladino e Manuel de Nóbrega, foram enviados do forte de
Ambaca para visitar um soba cujas terras margeavam o Kwango. A ordem era
irem diretamente ao quilombo de Kassanje e verificar se Jinga realmente havia
se associado ao poderoso imbangala. Os dois devem ter chegado logo depois que
Jinga atravessou o rio, pois conseguiram coletar detalhes sobre seus movimentos
com alguns sobas do lugar. Os detalhes que obtiveram alarmaram-nos quando
perceberam que Jinga se unira temporariamente a Kasanje e jurara continuar a
resistência.
Depois de sua fuga espetacular no precipício, Jinga concluíra que o pequeno
bando de seguidores que ainda estava com ela não conseguiria protegê-la da
gente que os portugueses haviam subornado para expulsá-la de suas terras. Ela
continuou sua marcha mais para o leste, mas, quando soube que Sousa havia
retirado seus soldados, voltou para Malemba, onde começou a construir um novo
acampamento no mesmo lugar em que os portugueses haviam capturado suas
irmãs. [87] Dali, enviou uma mensagem desesperada ao imbangala Kassanje, cujo
acampamento ficava do outro lado do rio Kwango, e pediu-lhe refúgio dos
portugueses. Kassanje, que anteriormente se recusara a colaborar com Jinga e até
matara os mensageiros dela, decidiu ajudá-la dessa vez.
Ajudar era uma coisa, mas confiar era outra. Kassanje não confiava em Jinga,
mas acreditava que, ao subordiná-la, não só se livraria de uma rival feroz como
aumentaria seu prestígio. Além disso, Jinga traria consigo muitos partidários
ambundos, o que aumentaria o número de pessoas sob seu controle.
Mas Kassanje não estava interessado em ajudar de graça. Ele disse a Jinga
que só a aceitaria em seu acampamento com a condição de que concordasse em
se tornar sua esposa e dispor de seu lunga (o grande sino militar levado para a
guerra pelos capitães militares ambundos). Deixou claro para Jinga que ele
mandaria em seu quilombo: não queria dois chefes em seu acampamento. [88]
Kassanje talvez tivesse pouca expectativa de que Jinga aceitasse sua
proposta, já que ela tinha a reputação de ser uma mulher poderosa e dominante
— uma fêmea alfa, em termos modernos. Tinha vários concubinos e valorizava
sua posição de guerreira formidável, representada pelo próprio lunga . Esse
grande sino era o símbolo precioso da autoridade militar. Com certeza, Jinga não
concordaria em assumir o papel de esposa de um capitão dos imbangalas, sem
poder participar de guerras e obrigada a abster-se de todos os contatos sexuais
até que seu marido voltasse da batalha. Uma dama de companhia que
acompanhava Jinga desde que ela fugira de Ndongo estava presente quando ela
recebeu a primeira resposta afirmativa e as condições de Kassanje. Mais tarde,
ela contou a Alexandre Ladino, um dos ambundos enviados pelos portugueses
para coletar informações sobre o paradeiro da rainha, que Jinga não hesitou
quando recebeu a resposta de Kassanje. Aceitou seus termos sem questionar, e,
quando ele chegou para encontrá-la em sua canoa, despediu-se de seus
seguidores restantes, jogou o lunga no mato e atravessou o rio com Kassanje,
acompanhada de suas ajudantes. [89] Enquanto Jinga atravessava o rio Kwango,
outra ajudante lhe avisou da captura de suas irmãs. [90]
Os partidários que haviam permanecido com ela até o momento em que
partiu com Kassanje se dirigiram com relutância para Matamba ou para as terras
de Ndala Kisuba e outros sobas, armados com o material de guerra restante e
esperando para ver o que aconteceria com as irmãs de Jinga. Muitos deles,
desanimados, como vários sobas do leste de Ndongo, se recusaram a voltar para
Ndongo e viver sob o reinado de Ngola Hari. Até mesmo o tendala (principal
chefe administrativo) de Ngola Hari se recusou a obedecer-lhe, estabelecendo-se
com seu povo numa área próxima das ilhas Kindonga. [91]
Giovanni Antonio Cavazzi da Montecuccolo, “Missione evangelica nel Regno de Congo” (1668), v. A,
livro 4, quarta página não numerada após a p. 32. Manuscritos Araldi, Modena, Itália. Fotografia: Vincenzo
Negro.

Uma sacerdotisa realizando um ritual (segunda a partir da esquerda ) e uma assistente carregando uma
misete (terceira a partir da direita ). Antonio Cavazzi, c. 1668.

A luta contínua de Ngola Hari

Apesar de estar em lugar remoto, Jinga nunca se afastava da mente de Fernão de


Sousa. O governador percebeu que os ambundos estavam cada vez mais ligados
a Jinga, bem como a suas irmãs cativas. Embora Ngola Hari se permitisse
durante um tempo acreditar que se encontrava seguro em sua posição de rei
graças ao planejamento estratégico de Sousa, a presença de Jinga continuava a
ter um impacto devastador sobre ele. Ainda não conseguia impor sua vontade
aos sobas que haviam retornado a Ndongo sem apelar para a ajuda militar
portuguesa; mesmo aqueles que lhe aceitavam de má vontade estavam sujeitos a
ser privados de suas posições. Alguns dos que retornaram só pagavam tributo
quando eram obrigados a isso, mas muitos tinham muito pouco para entregar.
Durante a guerra, o meio ambiente fora dizimado; os soldados haviam cortado
palmeiras e confiscado gado, galinhas, óleo de palma e porcos, que compunham
o tributo esperado. A população também fora profundamente afetada. As tropas
portuguesas haviam capturado muitos de seus membros jovens e saudáveis e os
levaram para Luanda, onde foram escravizados ou vendidos para o tráfico
negreiro do Atlântico. Isso deixou poucos jovens para Ngola Hari enviar como
tributo ao rei português. Muitos sobas que eram forçados a pagar simplesmente
se viraram com o que tinham, enviando cativos de oitenta anos que chegaram a
Luanda mortos ou tão doentes que não tinham valor no mercado. Outros sobas
que permaneceram nos acampamentos de guerra na fronteira oriental de Ndongo
se recusaram a enviar qualquer tributo e se refugiavam com sua gente na floresta
quando o exército vinha atrás deles. Alguns pegaram a trilha para o rio Kwango
na esperança de encontrar-se com Jinga, enquanto outros simplesmente
desapareciam no mato. [92]
Essa situação agravou-se porque, apesar de Sousa ter convidado imbangalas
como Kasa a retornar às terras de onde tinham sido expulsos e tornar-se vassalos
(convites que alguns acabariam aceitando), Jinga tinha simpatizantes nas regiões
vizinhas, como Mbwila, Kissama e Matamba, que continuavam desobedecendo
ao governador. Sobas e outros representantes locais dessas regiões contestavam
continuamente os tributos impostos pela autoridade portuguesa, evitavam
participar de cerimônias de vassalagem e não se comunicavam com Luanda. [93]
Quando Fernão de Sousa chegou ao fim de seu mandato de governador,
Kambu e Funji permaneciam reféns em Luanda. Nos anos seguintes, Jinga
concentraria sua atenção na obtenção da liberdade de suas irmãs, ao mesmo
tempo que dificultaria as coisas para Ngola Hari governar. Embora ele retivesse
o título de rei, o verdadeiro futuro político da região estava com Jinga, que em
breve abriria um novo capítulo de sua vida.
5.
Guerra e diplomacia

Embora houvessem expulsado Jinga de seu acampamento de guerra na remota


região de Ngangela em 1629 e capturado suas irmãs, os portugueses não tinham
nenhuma notícia dela. Alguns meses depois de sua ousada fuga, Jinga voltou a
participar da vida política de Ndongo: ela voltou às ilhas Kindonga e enviou
emissários ao novo governador português em Luanda, Manuel Pereira Coutinho,
que substituíra Fernão de Sousa em agosto de 1630. Nas duas décadas seguintes,
não passou um ano sem que Jinga liderasse suas tropas em batalhas contra os
portugueses e seus aliados africanos. Ela também usou suas formidáveis
habilidades diplomáticas para forjar uma aliança com os holandeses, que
conquistaram e governaram parte de Angola de 1641 a 1648, e montar uma
aliança centro-africana contra os portugueses, que incluía o reino do Congo e
vários outros Estados nominalmente independentes. Mas o que mais contribuiu
para seu renome foi a decisão de adotar rituais dos bandos de imbangalas e
combiná-los com as tradições ambundas, criando uma nova ideologia que se
baseava na inversão de categorias de gênero e novos ritos religiosos e seculares.
Essas ações ousadas distinguiram Jinga de tal modo que ela se tornou uma lenda
tanto entre africanos como entre europeus, não só depois de sua morte, mas
também em vida.

Enigmas da política portuguesa

O reaparecimento de Jinga na política de Ndongo em 1630 teve muitas


repercussões na política portuguesa. O impacto mais imediato foi o bloqueio das
rotas de escravos, o que fez com que os pumbeiros (africanos que negociavam
em nome de seus proprietários portugueses) não conseguissem mais viajar
livremente às feiras adiante de Ndongo para comprar escravos. Em
consequência, os mercadores de Luanda não tinham escravos para exportar, e os
membros da Câmara (o órgão consultivo do governador) advertiram Coutinho de
que, à luz do estado desolador da economia, ele não podia ignorar Jinga.
Sugeriram então que ele instalasse uma das irmãs dela no trono de Ndongo, no
lugar de Ngola Hari. Jinga deve ter sido informada sobre as discussões que
aconteciam em Luanda, pois não ofereceu escravos a seus emissários para
resgatar suas irmãs, como era o costume. Em vez disso, eles informaram
Coutinho de que Jinga desejava retornar a Ndongo como rainha, e que se ele não
concordasse com esse plano, então uma de suas irmãs, de preferência Kambu,
deveria governar. Ela também prometeu enviar os cem escravos anuais que
Ngola Hari vinha pagando de tributo. [1] Com essa mensagem, Jinga deixava
claro para o novo governador e outras autoridades de Luanda e de Lisboa que
teriam de lidar com ela se quisessem restaurar um comércio de escravos
florescente.
Coutinho, que estava preocupado em subordinar os sobas da região dos
Dembos que ameaçavam as fazendas portuguesas, não respondeu de imediato às
propostas de Jinga; em vez disso, pediu a Fernão de Sousa, que ainda estava em
Luanda (onde ficaria até o fim de janeiro de 1631), para estudar a situação e
aconselhá-lo. [2] O ex-governador estava decidido a resolver a situação em
Ndongo: a crise contínua comprometia a paz e a prosperidade que ele esperara
após as guerras contra Jinga, e ele queria proteger seu próprio legado. Assim,
tratou de reunir imediatamente materiais adicionais com o objetivo de apresentar
a Coutinho e ao rei de Portugal um plano abrangente para resolver a crise em
Ndongo. Ele percebia que a maioria dos sobas continuava a questionar a
legitimidade de Ngola Hari para governar. Além disso, os portugueses estavam
nervosos devido aos rumores de uma associação de Jinga com o líder imbangala
Kassanje, à situação de suas duas irmãs e à possibilidade de ela tentar resgatá-
las. As longas cartas de Fernão de Sousa ao rei de Portugal em que ele resume a
situação fornecem o único relato que temos dessas preocupações e negociações
envolvendo Jinga e suas irmãs.
Sousa estava certo ao ficar preocupado com o fato de que o reaparecimento
de Jinga na região possibilitaria que ela tivesse contato com suas irmãs e
provocaria mais sentimentos contra Ngola Hari e os portugueses. As
informações que reuniu sobre a opinião de sobas e macotas (cabeças de
linhagem) confirmaram suas suspeitas. Ele se deu conta de que a manutenção de
Ngola Hari no posto de rei representava muitos riscos para os planos futuros dos
portugueses. Do jeito que as coisas estavam, mesmo depois de quatro anos no
trono, Ngola Hari não conseguiria impor sua autoridade sobre os sobas. Eles
ainda não lhe mandavam tributos. E não eram quaisquer sobas. Desde 1627, a
maioria deles, até mesmo de suas próprias terras em Hari, não pagava tributos.
Ameaças de decapitação ou de embarque para as Américas como escravos não
adiantaram de nada. [3] Agora, o retorno de Jinga apenas expunha a espinhosa
questão da governança de Ndongo. Mais do que seus antecessores, Sousa
entendeu que a prosperidade portuguesa dependia de um sistema de governança
local estável, que permitisse que o comércio de escravos e a coleta de tributos
funcionassem sem problemas. Se o rei, seus macotas, sobas e outras autoridades
ambundos estivessem ligados por um sistema de clientela às feiras de escravos
portuguesas, então os escravos poderiam ser acumulados nos fortes e o sistema
funcionaria como deveria.
Sousa também sabia que um dos principais obstáculos para o bom
funcionamento desse sistema era a generalizada falta de respeito por Ngola Hari.
Em Ndongo, respeito era concedido a um homem que possuísse um grande
número de escravos, músicos e criados. Muitos sobas ambundos haviam sido
jovens durante os últimos anos do reino de Ndongo, quando o rei tinha
autoridade sobre centenas de milhares de camponeses e servos e comandava
grandes exércitos. Em comparação com os antigos reis, Ngola Hari levava uma
vida indigente. Em agosto de 1633, um missionário escreveu que estava
consternado por encontrar Ngola Hari “tão pobre de gente quanto qualquer soba
comum de Ilamba”. [4]
De fato, quase nada mudara em Ndongo desde que Sousa havia indicado
Ngola Hari para o trono, em 1626. Na época, ele o ameaçou com remoção se
procurasse alianças fora do reino de Ndongo ou perturbasse a paz. Uma vez que
Sousa o proibia de empreender novas guerras e não lhe dava a assistência militar
de que precisava, Ngola Hari não pôde realizar campanhas de sucesso. Em vez
disso, Sousa atribuiu-lhe o papel de principal coletor de tributos. Reduzindo sua
estatura e o alcance de seu cargo de rei, Sousa o colocou no que só poderia ser
descrito como uma situação nada invejável. [5]
Mas não era apenas a inadequação total de Ngola Hari que afastava as
pessoas. Líderes locais e ambundos comuns o rejeitavam porque tinham uma
concepção de realeza que considerava o rei não uma pessoa comum, mas uma
divindade com capacidade de proporcionar bem-estar ao seu povo. A liderança
era determinada pelo parentesco, e o governante legítimo era o descendente
biológico mais próximo do governante anterior. Embora Bento Banha Cardoso
tivesse forçado os sobas e macotas a eleger Ngola Hari para o trono, eles ainda o
consideravam ilegítimo. Não o respeitavam porque sua mãe era escrava e ele
próprio tinha sido escravo da família de Funji. E, mais importante ainda, essa
falta de ascendência adequada significava que ele não tinha os poderes
espirituais essenciais para validá-lo como rei. Jinga e suas irmãs, como parentes
mais próximas do antigo governante Ngola Mbande, possuíam a aura da
divindade que legitimava o direito delas de mandar no reino. Com efeito, esse
modo de pensar foi reforçado pela reação do povo à devastação total que
resultou das campanhas contra Jinga e da epidemia de varíola. Os ambundos
ligaram a seca que Ndongo sofreu durante esse período à ausência de um rei, ao
passo que atribuíam a chuva que Luanda desfrutou no fim de dezembro de 1629
e início de janeiro de 1630 à presença de Kambu e Funji na capital. [6] O que
surpreendeu Fernão de Sousa foi que os sobas e os macotas declararam que seu
amor e respeito por Jinga e suas irmãs era tamanho que, se o rei de Portugal
permitisse que Kambu ou Funji voltasse para ser rainha de Ndongo, eles
imediatamente obedeceriam e trabalhariam para repovoar o reino. No entanto, se
nenhuma das duas irmãs pudesse retornar como governante, tão intensa era a
repulsa deles a Ngola Hari que prefeririam acabar com o título de rei de Ndongo
a permitir que Ngola Hari o usasse; era melhor então que o reino fosse
dissolvido e eles se tornassem vassalos do rei de Portugal e obedecessem aos
governadores portugueses em Angola. [7]
Sousa sabia que essa ligação arraigada às irmãs tinha de ser levada a sério.
Ele discutiu com o novo governador, com as autoridades religiosas e outras de
Luanda e com o rei de Portugal a possibilidade de tirar Ngola Hari do trono e
devolvê-lo à sua posição anterior de senhor de Pungo Ndongo. Porém, estavam
divididos quanto a pôr Kambu ou Funji em seu lugar, especialmente porque
sabiam que Jinga havia retornado à região com uma parte do exército que havia
reunido. [8] De um lado, estava o bispo de Luanda, para o qual devolver o reino a
“essas mulheres” seria a coisa certa. Não havia nenhuma boa razão para privá-
las disso, disse ele, uma vez que Jinga já havia prometido desistir do seu direito
ao trono se os portugueses indicassem uma de suas irmãs para rainha. Ele
lembrou também que ela prometera pagar aos portugueses o tributo de cem
escravos que Ngola Hari ainda não havia pagado. Do outro lado estavam os
padres jesuítas que serviam de conselheiros de Ngola Hari. Eles eram
obviamente contra a devolução do reino a qualquer das irmãs de Jinga. Sabiam
melhor do que ninguém que Ngola Hari não conseguira entregar a população à
conversão como havia prometido; o trabalho missionário em Ndongo estava
quase paralisado, já que a maioria da população tolerava apenas uma forma de
cristianismo popular fortemente influenciado pelas práticas rituais dos
ambundos. Mas isso não importava. Eles argumentavam que Ngola Hari devia,
em princípio, manter a coroa de Ndongo porque tinha a plena intenção de pagar
os cem escravos que devia como tributo.
Sousa escreveu ao rei em Portugal que a situação precisava ser resolvida para
evitar mais danos aos interesses da Coroa portuguesa. [9] Se Ngola Hari
continuasse no trono, explicou ele, os sobas e macotas continuariam a
desobedecer-lhe e fugiriam para outras terras. Previa que Ngola Hari perderia
confiança, especialmente se acreditasse que “uma dessas mulheres” poderia
enganá-lo, bem como aos sobas. Embora soubesse que os sobas e macotas
estavam dispostos a aceitar uma das irmãs de Jinga no governo de Ndongo,
Sousa duvidava que qualquer uma delas estivesse disposta a trabalhar com os
portugueses. Ele sugeriu que Kambu fosse devolvida a Ndongo, uma vez que
“ela era amada por todos”, para “casar-se com uma pessoa relacionada aos reis
do passado, que se tornaria então um vassalo de Portugal e pagaria um tributo
anual”. Ele advertiu que Kambu não deveria ter permissão para residir nas ilhas
Kindonga (presumivelmente para impedir que tivesse acesso fácil a Jinga), e sim
em Kabasa. Consciente de que os rituais dos antepassados tinham um papel
proeminente na ideologia da liderança ambundo, sugeriu que, depois que
retornassem a Kabasa, Kambu e seu povo não deveriam ter permissão para
“fazer sacrifícios ao demônio, nem usar a superstição do túmulo”, mas deveriam
viver como cristãos, construir igrejas e permitir que o povo fosse batizado. Não
houve resposta do rei de Portugal. A situação permaneceu na mesma e Ngola
Hari continuou em seu papel de rei de Ndongo. Sua reputação nunca melhorou.
Tornando-se líder imbangala

Foi durante os anos 1630 que Jinga empreendeu a transformação que a tornaria
uma das principais figuras femininas do início do mundo moderno. Essa
transformação baseou-se em seus feitos anteriores, que influenciaram as noções
portuguesas de domínio colonial e até mesmo a política angolana moderna a
partir de seu extraordinário lance diplomático em Luanda, em 1622. Naquela
ocasião, ela adaptou habilmente as noções de liderança dos ambundos, ao
mesmo tempo que moldava uma colaboração econômica, diplomática e cultural
com os portugueses que lhe permitiu manter a autonomia ambundo. Sua
liderança política inovadora se desenvolveu ainda mais quando herdou o trono
de Ndongo, em 1624. Jinga governou com um estilo que estava ligado às noções
de liderança política e cultural tradicionais dos ambundos. E demonstrou
claramente isso em 1626, quando invocou o espírito de seu irmão para
orientação com o sacrifício de catorze virgens, antes de fugir da ilha de Danji.
[10]
Mas o que realmente impulsionou a imagem de Jinga como líder além dos
limites da África Central foi sua adaptação de outro estilo de liderança da região
ao do povo ambundo. As novas ideias vieram dos temidos imbangalas, cujas
tradições e rituais marciais ela testemunhara durante o reinado de seu irmão e,
talvez, no de seu pai. Em 1625, quando se casou com o imbangala Kasa, ela
passou a conhecer as cerimônias, pois participara de algo que Cavazzi descreveu
como “sacrifícios bárbaros e danças obscenas”. [11] E ficou mais familiarizada
com as complexas crenças e rituais que cercavam a liderança durante as
cerimônias de iniciação pelas quais passou ao se tornar uma guerreira no
acampamento de Kassanje, em Ngangela, entre 1629 e 1631. Foi então que Jinga
participou da cuia , a cerimônia de juramento que requeria beber sangue humano
para confirmar amizade e aliança. [12] Jinga tornou-se uma especialista em rituais
imbangalas, passando por uma transformação que mudou a vida de rainha
exilada ambundo para a de capitã imbangala por direito próprio.
Adotar a concepção imbangala de liderança talvez tenha sido mais fácil para
ela do que se tornar cristã. As noções ambundo e imbangala de liderança que
emergiram durante o século XVI eram, de certa forma, semelhantes, embora
também diferissem em alguns aspectos fundamentais. [13] Na tradição ambundo,
os sacrifícios humanos e outros a antepassados recentemente falecidos eram
praticados pela elite, mas não eram ocorrências cotidianas. Quando sacrificou as
jovens para invocar a boa vontade de seu falecido irmão, Jinga estava
participando de uma tradição de seus próprios antepassados ambundos. Quando
assassinou seu sobrinho para garantir a coroa de Ndongo, teve como modelo a
lendária rainha ambundo Zundu, que fizera a mesma coisa. [14] Os bandos
imbangalas também faziam sacrifícios humanos para honrar os guerreiros
falecidos, mas essas práticas, bem como o canibalismo, eram ocorrências
rotineiras.
Os primeiros fundadores imbangalas desenvolveram noções bastante
diferentes sobre liderança daquelas encontradas entre os ambundos. Como
vimos, o povo ambundo estabelecera um sistema de Estado regido por regras de
herança baseadas em linhagens designadas. De acordo com esse sistema, um
grupo de eleitores (macotas e sobas) validava o direito do candidato ao trono
certificando sua elegibilidade, cujo aspecto mais crucial era a descendência de
um rei do passado. Essa descendência era a garantia de que o candidato possuía
a graça espiritual que o elevava essencialmente ao grau de divindade.
Os imbangalas nunca desenvolveram um Estado, nem acreditavam na noção
de direito de governar através da descendência de uma linhagem. Em vez disso,
honravam uma antepassada fundadora que acreditavam ter-lhes legado catorze
ijila (leis ou proibições; singular, kijila ) e um conjunto de rituais sangrentos que
cada membro do bando tinha a obrigação de seguir. Qualquer indivíduo
imbangala que seguisse com rigor as ijila , realizasse os rituais necessários e se
destacasse na guerra poderia se tornar um líder de seu bando. Essa característica
aparentemente democrática do sistema imbangala coexistia com muitos traços
autocráticos que davam ao líder o direito de condenar qualquer membro de seu
bando que violasse as ijila à tortura e à morte. [15] As catorze ijila não se
destinavam a populações estabelecidas, mas funcionavam bem para os bandos
nômades de jovens desenraizados, que mudavam seus quilombos
(acampamentos de guerra) de um lugar para outro, depois que esgotavam os
suprimentos locais de comida, e destruíam as populações locais.
De acordo com as tradições, algumas das ijila já estavam estabelecidas
quando Donji, um dos líderes imbangalas originais, levou seu bando no fim do
século XVI até a região de Ngangela, então uma província de Matamba. Muitas
das ijila tinham a ver com o papel das mulheres: havia leis que exigiam que elas
matassem seus filhos ao nascerem, impediam-nas de dar à luz dentro do
quilombo, impunham restrições às relações sexuais e permitiam que fossem
sacrificadas nos funerais de seus concubinos falecidos. Outras leis ordenavam
que as mulheres não fossem mortas ou comidas em circunstâncias normais, e
exigiam festivais complexos para meninas na menarca (o primeiro ciclo
menstrual). A maioria das outras ijila tratava dos rituais realizados em funerais,
promoções ou mudanças de posição social, e mecanismos para iniciar crianças
pequenas no quilombo. [16]
Se Donji já havia estabelecido um sistema em que canibalismo, estupro,
violência e iniciação forçada de crianças cativas ao estilo de vida imbangala
eram comuns, sua concubina Mussasa, que assumiu o quilombo após sua morte,
tinha a reputação de tê-lo excedido em crueldade, instruindo Tembo a Ndumbo,
sua filha com Donji, a aperfeiçoar o sistema que herdara. Tembo a Ndumbo, a
quem atribuíam a regulamentação das ijila , teria realizado um ritual que mudou
seu gênero, transformando-a psicologicamente em “um homem, soldado e
guerreiro”, após o que se tornou legisladora do imbangalas e revisou as ijila . [17]
O ritual que exigia o assassinato do próprio filho é quase impensável para nossas
mentes modernas (embora rituais semelhantes sejam encontrados em muitas
mitologias culturais, inclusive na tradição judaico-cristã). [18] Tembo a Ndumbo
supostamente assassinou o próprio filho triturando-o num almofariz e fazendo
com ele o óleo que na época de Jinga era conhecido como maji a samba (óleo
sagrado). Esse ato brutal tornou-se a primeira kijila . A partir de então, os
guerreiros imbangalas passaram a besuntar-se com o óleo feito de um ser
humano (de preferência, de um inimigo morto em batalha). Se esse ritual não
pudesse ser realizado antes da batalha, o soldado deveria levar um pilão e
almofariz para fazer no campo de guerra o óleo dos corpos de inimigos mortos.
Acredita-se que Tembo a Ndumbo tenha iniciado outro ritual destinado a
esconder ou a transformar seu gênero. Em um tambor militar especial, ela fez e
triturou carvão, misturou-o com o maji a samba e acrescentou várias ervas para
produzir cores vermelhas e brancas. Depois, cobriu-se com a mistura enquanto
olhava para a grande fogueira que havia feito; então dançou e tocou tambor para
induzir um estado alterado de consciência, prática que constituía uma parte
importante dos rituais imbangalas. Atraídos pela batida ritualística, seus
seguidores a encontraram possuída, e ela anunciou que não deveria mais ser
conhecida como mulher, mas como guerreiro. Ela “pegou um arco, uma flecha e
uma lança” e executou a dança de guerra geralmente realizada por homens
guerreiros. Sua intenção declarada era viajar conquistando povos, e insistiu que
não deveria mais ser considerada uma “dama e capitã de um esquadrão, mas de
um batalhão inteiro”. Exigiu fidelidade de seus seguidores e ordenou que todos
se submetessem a rituais semelhantes, usando a mesma parafernália ritual que
ela utilizara. Tembo a Ndumbo renomeou o grupo de Muzimbo, em homenagem
ao primeiro “pai e general do quilombo Zimbo”, e mandou que todos seguissem
as catorze ijila que o primeiro capitão havia instaurado. [19] Os castigos que
Tembo a Ndumbo infligia a seus seguidores que violavam as ijila não só
aumentaram sua reputação de líder poderosa, mas também permitiram que ela
transformasse um grupo heterogêneo de seguidores indisciplinados em um
exército cujas façanhas e conquistas se tornaram lendárias na região. Por fim,
morta por seu concubino Culembe, Tembo a Ndumbo recebeu um elaborado
funeral em que foi sacrificada uma grande quantidade de pessoas que pudessem
servi-la na vida após a morte. Depois de seu falecimento, Culembe e sua nova
concubina ajudaram a institucionalizar as ijila e outros costumes que Tembo a
Ndumbo instaurara. [20]
Na época de Jinga, vários líderes imbangalas vagavam pela África Central,
invadindo os reinos de Matamba, Congo, Ndongo, Angola portuguesa e regiões
vizinhas. Líderes como Kasa e Kassanje impunham assiduamente as catorze ijila
e outros costumes aos seus seguidores, muitos dos quais capturados ainda
criança nas regiões que invadiam. Esses líderes imbangalas não criavam
Estados; eram nômades e mudavam-se com seus quilombos depois de destruir
tudo em seu caminho. A população não imbangala os via com medo,
considerando-os canibais que consumiam a carne dos inimigos mortos e que se
entregavam a rituais complexos que incluíam sacrifícios humanos. Foi graças a
essa reputação que vários governadores portugueses os usaram como aliados nas
muitas campanhas bem-sucedidas que realizaram contra Ndongo. [21]
Era irrelevante para Jinga se a reputação da ancestral Tembo a Ndumbo
baseava-se em acontecimentos históricos verdadeiros ou se fora aumentada para
propiciar um mito fundador aos imbangalas. [22] Jinga procurava um modelo
para sua futura vida política, e ela não escolheu os governadores portugueses,
dos quais planejava vingar-se, nem os reis do Congo, que tinham apenas um
domínio precário sobre seu povo, tampouco o irmão, Ngola Mbande, cuja
fraqueza desprezava. Em vez disso, escolheu para seu modelo Tembo a Ndumbo
e os temidos imbangalas, cuja reputação de carnificina, crueldade e canibalismo
fazia tremer de terror tanto inimigos quanto aliados.

Giovanni Antonio Cavazzi da Montecuccolo, “Missione evangelica nel Regno de Congo” (1668), v. A,
páginas preliminares, xxxiii, p. 45. Manuscritos Araldi, Modena, Itália. Fotografia: Vincenzo Negro.

Rainha Jinga com arco e flecha e machadinha de guerra. Antonio Cavazzi, c. 1668.

Ao decidir adotar as tradições, os rituais e o estilo de vida dos imbangalas,


Jinga estava rejeitando a condição de exilada que os portugueses lhe impuseram.
Embora estivesse familiarizada com a reputação deles e tivesse provavelmente
usado algumas de suas técnicas quando lutou a seu lado durante o reinado de seu
irmão, foi somente depois que se tornou esposa de Kasa que ela estudou essas
técnicas em profundidade e optou por adotá-las em seu estilo de liderança. Mais
tarde, ela se transformou em uma líder imbangala, realizando cerimônias e
rituais baseados nos que Tembo a Ndumbo instituíra, e recrutou sacerdotes
imbangalas para treiná-la nas formas adequadas de executar rituais e danças. O
primeiro requisito para alcançar a posição de líder imbangala era matar a própria
prole e fazer maji a samba para ungir-se. Como não tinha filhos e era infértil,
Jinga pegou o bebê de uma das suas concubinas, esmagou-o num almofariz, fez
o óleo e passou-o no corpo. (Ela exigia daqueles que se propunham a segui-la o
mesmo ato, antes de permitir que entrassem para seu bando.) Após a cerimônia,
Jinga assumiu o novo nome de Ngola Jinga Ngombe e Nga (Rainha Jinga,
Mestre de Armas e Grande Guerreira) e tomou posse do longa (tambor militar),
que todo líder imbangala costumava usar para assinalar sua autoridade. [23]
A tendência de Jinga a adotar novos nomes em momentos cruciais de sua
vida era uma parte fundamental de sua busca por uma identidade, um meio de
encontrar seu lugar em um mundo onde as mulheres raramente tinham papel
importante na guerra, na política ou na diplomacia. Em 1622, ela apreciou o
título de Jinga Mbande Gambole que lhe foi concedido por Ngola Mbande e que
a identificava como sua enviada (literalmente, “árbitro”) oficial aos portugueses.
Naquele mesmo ano, recebeu o nome cristão de Ana de Sousa ao ser batizada
em Luanda, o qual utilizava em toda a sua correspondência oficial com os
portugueses. O uso de ambos os nomes, ambundo e cristão, indicava seu desejo
de entrelaçar as duas culturas. Quando assumiu a liderança de Ndongo, após a
morte de seu irmão, exigiu que tanto seu povo quanto os portugueses a tratassem
de Ngola Kiluanje (Rainha de Angola) em vez de continuar a usar o título
honorífico de Senhora de Angola. Agora, com a adoção do nome Ngola Jinga
Ngombe e Nga, ela sinalizava que havia chegado a mais um ponto decisivo de
mudança em sua vida.
Embora sua cerimônia de iniciação imbangala tenha representado uma
ruptura fundamental com a maior parte de seu passado, Jinga conservou alguns
símbolos e rituais que eram claramente ambundos. Assim como fizera após sua
conversão ao cristianismo, ela não descartou as tradições de seu povo:
simplesmente acrescentou ideias imbangalas ao seu sistema de crenças. Manteve
seu título de Rainha de Angola e incorporou Ngola Mbande como um dos
antepassados imbangalas. Ela também continuou a usar os ícones cristãos que
recebera ao longo dos anos.
Embora conservasse as influências ambundo e cristã e explorasse esses
aspectos de sua identidade quando lhe fosse conveniente, Jinga abraçou
fortemente sua nova identidade imbangala. Em particular, adotou todos os
requisitos das ijila e remodelou as leis para atender às suas necessidades. Ao
longo dos anos, as inovações que Jinga incorporou às ijila originais a colocaram
no centro dos rituais que acompanharam as guerras que travava, da teologia que
criou e das regras que ela impôs a cada um de seus seguidores. [24]
Embora não se saiba exatamente quando isso aconteceu, Jinga deve ter
presidido a cerimônia que a tornou uma líder imbangala na primavera de 1631,
um pouco antes ou depois de sua volta à ilha de Danji e de ter enviado
emissários a Luanda. A partir daí ela começou a montar um exército. Muitos dos
que se juntaram a seu quilombo e passaram pela iniciação imbangala eram
ambundos insatisfeitos que se recusavam a aceitar Ngola Hari como seu rei.
Quando souberam da nova identidade de Jinga como líder imbangala, as
autoridades portuguesas de Luanda ficaram seriamente preocupadas. As crenças
e as ações dos imbangalas contradiziam o comportamento que os portugueses
esperavam dos governantes africanos que consideravam seus vassalos. Em 1631,
um missionário jesuíta que trabalhava no Congo forneceu um dos primeiros
relatos sobre Jinga em seu papel de líder imbangala. Embora tivesse sido “criada
em Luanda e purificada pelo batismo”, dizia o relato com desdém, “[ela] levava
uma vida de não casada, tal como a rainha das Amazonas [e] comandava o
exército [como] uma mulher guerreira”. Além disso, ela estava temerariamente
“indo perante seu próprio povo exaltando o ânimo de todos”. O missionário
observava que ela estava se tornando “a melhor líder” e que “oferecia asilo aos
escravos que fugiam para ela, com uma grande perda financeira dos portugueses
que a haviam privado do reino”. [25] Seu confessor pessoal Cavazzi, baseado em
conversas que teve com alguns dos seguidores de Jinga quando viveu em sua
corte, entre 1657 e 1663, referiu-se aos imbangalas como “malfeitores e ladrões
que eram negligentes tanto com a vida deles como com a alheia”. [26] Ao rejeitar
a subordinação política aos portugueses e fazer uso de ideias de liderança dos
ambundos e de outros povos da África Central, ela conseguiu reafirmar-se como
um poder importante na região.
Jinga logo transformou seu exército em uma máquina de combate e
conquistou a reputação de formidável líder imbangala. Embora não subsistam
relatos de testemunhas oculares de suas façanhas militares no início dos anos
1630, é possível reconstruir seus movimentos durante o período, com base nas
conversas que Cavazzi teve com Jinga e seus funcionários em sua corte de
Matamba, algumas décadas depois. No fim de 1631, percebendo que o
governador Coutinho não estava respondendo às suas aproximações
diplomáticas, ela levou suas forças para Ndongo e liberou-as para devastar o
território e bloquear as rotas comerciais. Ao mesmo tempo, voltou sua atenção
para Matamba, onde já havia agido e onde muitos sobas ambundos se haviam
instalado com seu povo. Depois de realizar todos os sacrifícios necessários e os
preparativos rituais que as ijila exigiam, Jinga levou seu quilombo para o reino
com fúria. Seus soldados aprisionaram alguns dos primeiros grupos que
encontraram, mataram outros e, fiéis a suas práticas canibais, comeram muitos
deles. À medida que seu renome crescia, mais ambundos aderiam às filas de seu
quilombo e, por fim, ela chegou à capital Mkaria ka Matamba, onde se
localizava a corte da rainha Muongo. Houve uma batalha feroz e muitos dos
seguidores mais próximos de Muongo a abandonaram e fugiram. Jinga venceu,
capturando a rainha e sua filha. A conquista de Matamba, que ocorreu entre 1631
e 1635, foi o primeiro sucesso militar de Jinga como líder imbangala. [27]
Jinga marcou a rainha derrotada como uma escrava comum, mas não a matou
e comeu, conforme exigiam as leis imbangalas, aparentemente para evitar uma
revolta de seus próprios soldados ambundos, que ainda não estavam
acostumados com a maneira imbangala de lidar com os inimigos. A própria
Jinga talvez não aceitasse plenamente o que se esperava dela como líder
imbangala. Jinga baniu a rainha Muongo da capital, permitindo que mandasse
em outra parte do reino, mas ela morreu pouco tempo depois. Jinga mandou que
a enterrassem no túmulo dos ex-governantes de Matamba e exigiu que os rituais
tradicionais fossem seguidos durante o funeral. Jinga poupou a vida da filha da
rainha, também chamada Muongo, e a criou no quilombo. Com o tempo, deu a
Muongo um contingente de escravos sobre os quais ela detinha controle total.
Essa filha permaneceu ao lado de Jinga pelo resto de sua vida. [28]
A conquista de Matamba deu a Jinga a base política que lhe faltara até então.
Ela se tornou o primeiro líder imbangala a governar um Estado, aderindo ao
estilo de vida imbangala. Matamba era crucial para seus planos de reconquistar
Ndongo. Sua localização na fronteira do reino significava que ela poderia
continuar a fustigar Ngola Hari e pressionar Coutinho para libertar suas irmãs,
que ainda eram prisioneiras em Luanda. Sempre pronta a capitalizar as tradições,
Jinga também parece ter promovido a ideia de que era uma deidade por ser
descendente dos reis de Ndongo. O povo ambundo acreditava que os reis não
morriam, mas eram “a própria morte”. Com efeito, como ocorria em muitas
sociedades africanas, as pessoas nunca falavam publicamente sobre a morte de
seus governantes, e os governantes não toleravam que se discutisse sua
mortalidade, “mas preferiam ser chamados pelo nome da própria morte, que é
calunga ”. [29] A maior parte de seus seguidores parece ter abraçado a crença de
que ela era imortal. [30]
Entre 1631 e 1641, essa aura de invencibilidade seguiu Jinga enquanto ela
liderava suas forças numa série de campanhas vitoriosas, acabando por
conquistar terras que os portugueses haviam reivindicado anteriormente. Durante
esse período, ela também adotou outros aspectos do estilo de vida imbangala que
lhe possibilitaram tornar-se a líder imbangala dominante na região.
Uma transição importante em sua evolução foi sua decisão de que seu círculo
interno e seus seguidores deveriam considerá-la homem, e não mulher. Jinga
começou sua transição, por estranho que pareça, casando-se com um homem,
Ngola Ntombo (Senhor Ntombo), e insistiu que ele se vestisse como mulher.
Referia-se a ele no feminino, ao mesmo tempo que exigia que ele se dirigisse a
ela como rei em vez de rainha. Na época de seu casamento, ela aumentou o
número de concubinos que mantinha e ordenou que se vestissem com as mesmas
roupas de suas guarda-costas femininas. Mandou também que os homens
dormissem no mesmo quarto que suas guarda-costas, mas exigiu que
permanecessem castos. Se um dos concubinos ou uma das guarda-costas tocasse
em outra pessoa, mesmo acidentalmente em seu sono, seriam mortos ou
reduzidos a impotentes ou inférteis. [31]

Líder de quilombo e estadista

Quando iniciou as negociações com Coutinho a respeito de suas irmãs e da


situação em Ndongo, Jinga já era a líder africana mais poderosa da região. Sua
transformação em líder imbangala foi, em grande medida, responsável por isso.
Ela sabia que atrairia um grande número de ambundos e outros povos que havia
algum tempo estavam sem liderança. [32] A conquista de Matamba deu-lhe a base
que precisava para lançar ataques contra Ndongo e áreas vizinhas controladas
pelos portugueses. Ao longo de 1632 e 1633, as constantes incursões de seus
exércitos imbangalas em Ndongo aterrorizaram de tal modo os sobas e os
aldeões que haviam se colocado sob a autoridade de Ngola Hari após a fuga de
Jinga de Ngangela, em 1629, que muitos deles simplesmente se juntaram a ela
ou a um dos muitos bandos de imbangalas. Outros fugiam para o mato. [33] As
atividades de Jinga tiveram o efeito disruptivo que ela desejava: os pumbeiros e
portugueses que se aventuravam a ir às feiras de escravos além de Ambaca
arriscavam ser mortos ou aprisionados pelos soldados de Jinga. [34]
Um relatório oficial que a Câmara de Luanda enviou ao rei de Portugal em
julho de 1633 dizia que “o país não produz muito, já que as feiras que estavam
abertas com muitos escravos agora estão fechadas [...] devido aos exércitos que
Jinga, que quer o reino de Ndongo, traz para o interior e àqueles que os jagas
[imbangalas] trazem”. [35] Uma vez que os tributos pagos em escravos e em
espécie quase desapareceram e as exportações de escravos diminuíram de quase
treze mil em 1630-31, para quase nenhum, em 1633, Coutinho não tinha
recursos para combater Jinga. Os portugueses enfrentavam também outra
ameaça, representada pelas forças holandesas. Depois que os holandeses fizeram
incursões na região de Luanda, Coutinho dedicou a maior parte de sua atenção a
fortificar as áreas em torno de Luanda. Em Ndongo, Ngola Hari não tinha
escolha senão enfrentar o exército de Jinga sem garantia alguma de reforços dos
portugueses. E não havia nenhuma ajuda a caminho. [36]
Esses eventos talvez expliquem por que, entre 1632 e 1633, Coutinho decidiu
libertar Kambu, a irmã de Jinga. [37] Se ele pensou que essa libertação acalmaria
Jinga, estava redondamente enganado. As tropas de Jinga continuaram a castigar
Ngola Hari e o pequeno número de pessoas ainda leais a ele. Em 1634, como
não cessavam as notícias da devastação provocada por Jinga e outros bandos de
imbangalas que agiam em Ndongo, funcionários de Luanda e Lisboa começaram
a discutir com seriedade o que fazer a respeito dela. Mas, com o governador
ainda preocupado com a ameaça holandesa que vinha do mar e os sobas nas
regiões perto de Luanda submissos em grande parte devido à intimidação, eles
não podiam reunir o efetivo necessário para atacá-la. [38]
Enquanto os portugueses encaravam essa situação terrível em ambas as
frentes, Jinga passou a maior parte de 1634-35 consolidando sua posição em
Matamba; além de enfrentar ainda a oposição de seguidores da ex-rainha
falecida Muongo, precisava lidar com seu antigo aliado Kasa. Enquanto ela fazia
a guerra contra Ndongo, Kasa atacara Matamba com um grande exército.
Somente seu retorno rápido e resistência férrea o forçaram a se retirar, embora
não antes de destruir muitas aldeias e conseguir escapar com escravos e o gado
que suas forças haviam capturado. [39] Em 1635, Jinga já estava firmemente no
controle e comandava suas forças em ataques persistentes contra Ngola Hari e os
sobas que viviam perto de Ambaca e continuavam a ser vassalos leais do rei
português.
Angola portuguesa e Ndongo-Matamba, 1649.

Em 1636, esses ataques já haviam desestabilizado de tal modo a região que


os portugueses não podiam mais ignorar a presença de Jinga, e o governador
recém-empossado Francisco de Vasconcelos da Cunha mandou duas companhias
de infantaria para Ambaca. Instalando-se na mesma área do rio Lucala onde as
forças portuguesas tradicionalmente acampavam, as companhias não procuraram
entrar em batalha com Jinga, mas se posicionaram para agir imediatamente se
ela atacasse. Jinga não tinha intenção de travar uma guerra convencional contra
os portugueses e manteve suas forças fora do alcance das armas deles. Não
demoraria muito para que a situação virasse a favor de Jinga, pois ataques
holandeses ao porto de Benguela mais uma vez distraíram a atenção portuguesa
para longe de Ndongo e dela. O foco do governador fixou-se em fortificar
Luanda e outras regiões costeiras. [40]
Ao mesmo tempo que perturbava o comércio de escravos e dificultava para
Ngola Hari o desempenho de seus deveres de vassalo de Portugal, Jinga
procurava maneiras de chegar a um acordo com os portugueses. Sempre pronta a
fazer uso da diplomacia, mesmo quando punha em prática opções militares,
Jinga começou a tentar se aproximar dos jesuítas. Em 1637, mandou um presente
oficial de marfim e escravos para o colégio deles em Luanda, para indicar sua
disposição de começar uma aliança diplomática. Eles rejeitaram suas
aproximações, recusaram os presentes que ela enviou e enfatizaram a seus
superiores que Jinga era corrupta demais para que tivessem algum tipo de
relacionamento com ela. Eles a descreveram como “uma rainha dedicada aos
costumes mais horríveis e alguém cuja refeição mais apetitosa era o coração dos
meninos e os peitos das meninas”. [41] É possível que a tentativa de aproximação
de Jinga fosse sincera, em vez de simplesmente um estratagema político. Após a
conquista de Matamba, ela rompera seu relacionamento com Kasa, e há razões
para acreditar que pode ter pensado em abandonar o estilo de vida imbangala à
luz de seu sucesso no recrutamento de ambundos, muitos dos quais não estavam
entusiasmados com os costumes imbangalas a que deveriam obedecer.
Foi uma oportunidade perdida por parte dos jesuítas, e demoraria mais de
uma década para que Jinga voltasse a buscar relações por meio de um caminho
religioso. Seu exército continuou a agir em Ndongo e Ambaca e seu entorno até
outubro de 1639, quando outro governador, Pedro Cesar de Menezes, apareceu
em Luanda com trezentos soldados. A chegada desse governador bem armado
alterou imediatamente a estratégia de Jinga. Menezes impôs ordem de uma
maneira que a população local não via desde que Fernão de Sousa se tornara
governador, quinze anos antes. Pouco depois de se instalar, ele enviou uma
mensagem a Jinga que abordava várias questões que esperava resolver, entre elas
o retorno de vassalos e escravos portugueses que haviam fugido para as terras
dela.
Consciente do grande número de soldados que Menezes havia trazido, mas
ansiosa para capitalizar qualquer abertura política que lhe permitisse ganhar o
controle de Ndongo, Jinga respondeu positivamente à carta do governador,
enviando emissários a Luanda, junto com escravos de presente para ele, para o
bispo e outras autoridades. Em suas cartas, ela indicava que havia cooperado
com o comando de Menezes e entregado ao emissário português os escravos
reivindicados pelos portugueses. No entanto, esses escravos, ao contrário
daqueles que ela enviara de presente, eram supostamente tão velhos e decrépitos
que muitos deles não conseguiam lembrar o nome de seus antigos senhores. [42]
Alguns dos influentes colonos de Luanda suspeitaram que Jinga enviara
embaixadores à cidade para avaliar a dimensão das forças de Menezes. Outros
especularam que ela estava tentando receber notícias de sua irmã Funji, que
ainda era mantida prisioneira pelos portugueses. De qualquer modo, o
governador recebeu os emissários com estilo, com uma elaborada exibição
militar. Organizou o encontro em praça pública, onde as tropas ficaram em
formação com seus capitães e bandeiras. Antes de permitir que os embaixadores
de Jinga se dirigissem a ele, fez com que a infantaria realizasse uma
demonstração de tiro com munição de verdade, deixando claro que tinha forças
militares para enfrentar a crescente agressão dela. [43] Àquela altura, a exibição
visual de poder já se tornara uma parte bem desenvolvida da arte da política na
região, fosse na esfera política, fosse no espaço privado da residência. Após a
exibição militar, os emissários entregaram cartas de Jinga nas quais ela pedia que
uma delegação portuguesa de alto nível a visitasse em sua capital em Matamba
para “discutir questões de interesse das duas coroas”. [44] Ao identificar-se como
governante de Matamba, Jinga deixava claro ao governador que ele deveria
tratá-la como um soberano independente e não como um vassalo que estivesse
retornando.
Menezes concordou com a proposta de Jinga: indicou imediatamente o
respeitado residente de Luanda Gaspar Borges Madureira e o padre Dionísio
Coelho para visitá-la. Os dois traziam habilidades complementares para a
negociação. Borges Madureira, um mestre negociador que morava em Angola
havia vários anos, participara de muitas guerras anteriores e era um especialista
em costumes locais, enquanto Coelho era bastante versado em teologia cristã e
considerado um humanista. Os dois receberam ordens para buscar tratados de
paz com Jinga, bem como com o antigo aliado dela, Kassanje, e obter a
promessa dos dois líderes de que deixariam de dar primazia aos rituais
imbangalas sobre as práticas cristãs. Em algum momento entre 1639 e 1640, o
grupo chegou ao quilombo de Kassanje em Ngangela. Kassanje reagiu
favoravelmente às propostas de paz, com a condição de que Jinga desistisse de
sua reivindicação ao reino de Matamba, mas descartou de imediato a demanda
de que renunciasse à sua cultura imbangala. [45]
O grupo viajou então para a corte de Jinga em Matamba, onde esperavam ter
mais sucesso: afinal, Jinga já abraçara o cristianismo antes. A rainha recebeu os
visitantes com prodigalidade e, depois de estudar com muito cuidado os termos
do acordo que Borges Madureira trouxera, começou a falar. Jinga argumentou
que seu poder baseava-se na reputação que ganhara não só nas guerras bem-
sucedidas que travara, mas também entre os imbangalas, e afirmou que não
desistiria dos costumes que aprendera com eles. Ela relembrou seu batismo em
Luanda e sua exposição ao catolicismo, mas destacou que os portugueses que
estavam agora tentando atraí-la de volta para a Igreja eram as mesmas pessoas
que lhe haviam dado motivos para deixá-la em primeiro lugar. Respondendo à
sugestão de Borges Madureira de que deveria parar de fazer guerras contra os
portugueses, viver em paz e aceitar a mão amiga que o governador lhe estendia,
ela reconheceu que os portugueses eram inimigos poderosos e respeitados e que
ficaria honrada em participar de uma aliança com a Coroa portuguesa. Mas
voltou à questão de seus direitos sobre Ndongo, afirmando que somente por
meio de processos judiciais cuidadosos ou da guerra poderia haver alguma
resolução das reivindicações portuguesas às províncias que seus “antepassados
já haviam possuído pacificamente”. As discussões com Jinga chegaram a um
impasse e Borges Madureira partiu, deixando o padre Coelho para convencê-la a
renunciar às práticas imbangalas. [46]
Nesse ponto, no entanto, Jinga, ou um de seus generais, aparentemente
decidiu manifestar sua desaprovação das propostas portuguesas de uma maneira
mais aguda. Alguém, presumivelmente na corte de Jinga, deu a Borges
Madureira uma dose de veneno e, quando ele chegou de volta a Ndongo, estava
mortalmente doente. E só sobreviveu graças à rápida intervenção dos médicos de
Ngola Hari, que administraram o antídoto necessário. Quando o governador e
outras autoridades ficaram sabendo da traição, que supuseram ser obra de Jinga,
votaram imediatamente a favor de um ataque militar. Mas outros eventos
ganharam precedência. Como veremos em breve, a conquista holandesa de
Luanda em 1641 atrapalhou qualquer plano de atacar Jinga. [47]
Enquanto isso, o padre Coelho permaneceu mais seis meses na corte de Jinga,
mas mesmo assim não fez progressos. Suas conversas diárias o convenceram de
que ela se lembrava bastante do que tinha aprendido sobre o cristianismo em
Luanda, quase vinte anos antes. Não tinha dificuldade em fazer o sinal da cruz e
nenhuma objeção ao padre Coelho conduzi-la através dos rituais das orações de
confissão quando ela ficou doente. Tudo ia bem para o padre Coelho enquanto
ele se envolvia nessas discussões com a própria Jinga, mas, quando tentava se
aproximar de seus seguidores, ela impunha limites, rejeitando suas súplicas para
batizar as crianças que eram capturadas em suas campanhas. Se permitisse que
as batizasse, explicou ela, perderia sua condição de verdadeira imbangala. O
padre Coelho acabou indo embora de Matamba de mãos vazias. [48]
O encontro de Jinga com Borges Madureira e o padre Coelho lança um pouco
de luz sobre o desenvolvimento do estilo de liderança que ela empregaria a partir
de então. Ela não permitiu que as crianças fossem batizadas pelo padre, mas
confiava em suas orações e acolhia as bênçãos cristãs. Com o passar do tempo,
ela imporia a seus seguidores novos e mais elaborados conceitos e rituais
religiosos. Tem-se a impressão de que Jinga se tornara uma perita em manipular
a ideologia e os rituais religiosos para manter o poder. Ela sabia exatamente o
que precisava fazer para manter o controle sobre seus seguidores. As crueldades
arbitrárias que cometia contra aqueles que violavam as leis das ijila ou contra
inimigos que resistiam a suas exigências, que às vezes se assemelhavam às ações
de um tirano perturbado e não às de um governante lesado buscando recuperar o
reino que lhe fora injustamente tirado, eram necessárias para reconstruir sua base
de poder.

Aliança com os holandeses

Em 1641, um novo ator entrou em cena na África Central. Uma armada


holandesa, composta por 22 navios, dois mil soldados dos Países Baixos e de
outros países da Europa, além de nativos do Brasil, chegou a Luanda no dia 20
de abril. A cidade foi logo capturada. [49] Jinga ficou eufórica quando recebeu a
notícia da invasão holandesa e comemorou muito, antes mesmo de enviar seus
embaixadores para propor uma aliança. [50] Seus objetivos, evidentemente, eram
muito diferentes daqueles dos holandeses. Enquanto ela estava decidida a
expulsar os portugueses, recuperar suas terras ancestrais e se tornar a rainha
africana mais poderosa da região, os holandeses estavam interessados
principalmente em ter uma fonte confiável de escravos para abastecer o nordeste
do Brasil, que haviam tomado dos portugueses em 1630. Porém, Jinga não foi o
único governante africano na região a acolher os holandeses, e seu plano de
formar uma coalizão holandesa-africana para opor-se aos portugueses
dependeria de sua habilidade em lidar com outro grande concorrente da região, o
reino de Congo, o qual viria a ser seu maior aliado, mas também representaria
uma grande ameaça para seu objetivo.
Havia décadas que o Congo tentava expulsar os portugueses da região. Em
1622, quando Jinga iniciou sua luta pela autonomia de Ndongo, os reis do
Estado vizinho reivindicavam sua vassalagem. Os governantes do Congo
anteviam um momento em que poderiam reafirmar o domínio político sobre
Ndongo e outras regiões que os portugueses haviam conquistado. Com efeito,
em 1622, Pedro II do Congo escrevera aos Estados Gerais em Amsterdã,
convidando-os a enviar tropas para formar uma aliança militar Congo-Holanda,
a fim de atacar a Angola portuguesa. Quando os holandeses finalmente
invadiram Luanda, em 1641, o então governante do Congo, rei Garcia II ,
imediatamente confiscou bens e escravos dos comerciantes portugueses da
capital São Salvador e forçou-os a ir embora. Governantes de várias províncias
do Congo chegaram mesmo a matar alguns moradores portugueses. Garcia
também enviou tropas para as províncias do sul que ocupavam as duas margens
dos rios Bengo e Dande, onde o governador português e outros funcionários
buscaram refúgio depois que Luanda foi tomada. Soldados do Congo ajudaram
os holandeses nas operações militares em Luanda e nas regiões vizinhas, o que
resultou na fuga de funcionários portugueses e milhares de ambundos escravos
livres para os fortes mais seguros de Cambambe, Muxima, Massangano e
Ambaca. Além dos governantes do Congo, outros africanos ajudaram os
holandeses, entre eles vários líderes da região dos Dembos, mais de trinta sobas
da região de Libolo, chefes da província de Kissama (que nunca aceitaram o
domínio português) e centenas de sobas que haviam sido nominalmente vassalos
de Portugal. [51]
Para criar uma coalizão bem-sucedida, Jinga também teria de contar com
muitos líderes ambundos que, apesar de se oporem aos portugueses, não tinham
intenção de se tornar imbangalas ou ser súditos dela. Muitos desses líderes
receberam bem os holandeses, proporcionando-lhes assistência e informações
locais. Os portugueses estavam cientes das terríveis consequências políticas de
qualquer tipo de aliança entre holandeses e ambundos, especialmente com os
experientes e fiéis kilambas (soldados ambundos sob comando português), que
tinham sido tão cruciais para os sucessos militares portugueses no interior. Um
desses soldados defendeu a colaboração dos ambundos com os holandeses
argumentando que eles eram “soldados da fortuna” que tinham “esposas para
alimentar” e que, além disso, estavam “ultrajados pelo mau tratamento que
recebiam [dos portugueses] diante de suas esposas e filhos que estivessem por
perto”. [52]
Os holandeses não ficaram surpresos quando os emissários de Jinga
chegaram a Luanda em novembro de 1641, cerca de sete meses após sua
conquista. Eles já haviam coletado informações sobre possíveis aliados entre os
governantes locais e identificaram “uma certa mulher chamada Nzinga [com
quem] os portugueses nunca tiveram paz nem amizade como tinham com os
outros habitantes”. [53] Os emissários haviam decorado todo o texto da
mensagem de Jinga e o recitaram para Pieter Moortamer, o representante da
Companhia Holandesa das Índias Ocidentais em Angola. Eles começaram por
manifestar a “alegria que a rainha sentia diante do progresso da vitória [dos
holandeses]” e enfatizaram o interesse dela em negociar com eles. Embora
Moortamer tenha observado que não sabia o que fazer com aqueles “selvagens”
e sua rainha, que “não tinha ninguém que soubesse ler e escrever”, ele pressentiu
que a relação beneficiaria a empresa, já que Jinga havia indicado sua disposição
para negociar com eles, e isso era “algo que ela nunca fizera voluntariamente
com os portugueses”. [54] Moortamer saudou a iniciativa de Jinga, pois ela
prometia reforçar o principal objetivo da companhia: derrotar sua inimiga
católica, a Espanha (Portugal e Espanha estiveram sob a mesma Coroa de 1580 a
1640), na prolongada Guerra dos Trinta Anos, que se espalhara do norte da
Europa para o Brasil e Angola. [55] Apesar da aparência “selvagem” dos
embaixadores de Jinga, Moortamer mandou imediatamente, junto com os
enviados que voltavam para a corte dela em Matamba, soldados holandeses em
apoio a seus planos de ampliar a aliança contra os portugueses. [56]
Jinga também estava colocando outras peças de seu plano em ação. Enquanto
seus embaixadores estavam em Luanda, suas tropas agiam no leste de Matamba,
Ndongo, Ambaca e áreas circundantes. Entre abril de 1641 e 1642, o governador
português teve de enfrentar não somente as forças do Congo que se uniram aos
holandeses e invadiram as terras ocupadas pelos portugueses nas regiões dos rios
Bengo e Dande, mas também a resistência popular de escravos portugueses e
ambundos livres que viviam nas proximidades dos fortes de Cambambe,
Muxima, Massangano e Ambaca. O governador Menezes, percebendo que não
tinha munições ou tropas suficientes para enfrentar essas novas ameaças, recuou
para Massangano, que se tornou sua nova base de operações. De lá, ele enviou
pequenos contingentes de soldados e espiões contra alguns sobas, bem como
contra as forças holandesas e do Congo. [57] Ao verem os portugueses assim
encurralados, as tropas de Jinga puderam agir impunemente nas aldeias africanas
ao redor do forte de Ambaca, e muitos sobas de lá e de outros lugares voltaram a
reconhecer sua autoridade. [58] Ansiosa para aumentar sua vantagem, Jinga
ignorou os apelos à reconciliação contidos numa carta enviada pelo governador
Menezes em outubro de 1641. Ngola Hari continuava a ser seu principal alvo e
seus soldados o fustigaram sem medo de um contra-ataque português. [59]
Ao mesmo tempo, os espiões de Jinga na região dos Dembos passavam-lhe
informações fundamentais sobre o levante popular contra os portugueses que
estava acontecendo por lá. As tropas portuguesas sofreram uma tremenda derrota
quando atacaram o chefe local Nambu a Ngongo, que conseguiu repeli-los com a
ajuda de duzentos soldados holandeses. Jinga sentiu-se então encorajada a mudar
seu quilombo de oitenta mil pessoas para o meio da região dos Dembos, embora
mantivesse seu quartel-general em Matamba. Essa área ficava na região de
Sengas de Kavanga, nas terras de um dos seus partidários, o soba Kavanga. O
local tinha muitas vantagens. Não somente era estratégico do ponto de vista
militar como era bem irrigado, fértil e agradável, localizado perto dos rios
Dande, Zenza e Lifune, e com muitos pequenos riachos onde Jinga e sua corte
poderiam tomar banhos recreativos. O quilombo, estabelecido num platô, era tão
grande que exigia dois dias para ir-se de uma ponta à outra e, ao contrário dos
quilombos de outros líderes imbangalas — compostos por estruturas simples e
facilmente removíveis que permitiam retiradas rápidas —, era um grande centro
complexo que continha palmeiras e animais domésticos de todos os tipos. O
quilombo providenciou hospedagem para o seu grande exército, e mais tarde
Jinga construiria residências para ela, suas irmãs e os cortesãos e outros
funcionários, entre eles os muitos conselheiros religiosos e os governantes locais
que eram seus aliados. À medida que capturava mais pessoas, ela construía mais
residências onde poderiam ficar e trabalhar. O quilombo também contava com
áreas comuns nas quais ela poderia receber dignitários. [60]
Embora a mudança fosse uma ameaça direta ao Congo, que fazia fronteira
com a região dos Dembos, Jinga tinha agora acesso a seus dois aliados mais
próximos, os holandeses e os sobas da região. A partir dessa base, ela não tinha
dificuldade em intimidar quaisquer sobas que ousassem se opor a ela, em
particular Kitexi ka Ndambi, o único governante local que se recusara a unir-se a
ela. Quando Jinga o atacou com o apoio dos holandeses e incendiou sua capital,
ele foi finalmente obrigado a submeter-se. No fim de 1642, Jinga já conseguira
obrigar todos os sobas da região dos Dembos a reconhecer sua autoridade, um
feito que nem os reis portugueses nem os reis do Congo jamais conseguiram. [61]
Enquanto Jinga ampliava sua influência para além de Matamba,
reconquistando ou subordinando territórios que costumavam pagar tributo a
Ndongo, os portugueses estavam amontoados em seus quatro fortes —
Massangano, Muxima, Cambambe e Ambaca — e em algumas ilhas do Kwanza.
[62] Embora eles emboscassem periodicamente as forças holandesas e

organizassem expedições punitivas contra os sobas que viviam na proximidade


dos fortes, a maioria desses sobas trocara de lado e era agora fiel a Jinga ou aos
holandeses. [63] Àquela altura, Jinga enfrentava pouca resistência direta dos
portugueses.
No entanto, a situação mudou em janeiro de 1643, quando as autoridades
holandesas e portuguesas assinaram uma trégua em Lisboa. A trégua destinava-
se a acabar com a luta e forçar os portugueses a ceder Luanda e alguns outros
territórios aos holandeses. Em troca, os holandeses permitiriam que os
portugueses retornassem às suas fazendas ao longo do rio Bengo e viajassem
livremente para Luanda para vender escravos e outras mercadorias. Satisfeito
com os termos, o governador Menezes sentiu que a situação se estabilizara o
suficiente para retornar, com muitos portugueses que haviam fugido, para a
região do Bengo. Em maio, no entanto, as autoridades holandesas já haviam
rompido a trégua. Enviaram secretamente tropas para as áreas que os
portugueses haviam reocupado e mataram quarenta soldados e oficiais, fizeram
mais de 180 prisioneiros portugueses, inclusive o governador, e ocuparam fortes
portugueses nas regiões de Bengo e Hango. Os portugueses que tiveram a sorte
de sobreviver ao ataque voltaram para Massangano. [64]
Enquanto persistiam as tensões entre portugueses e holandeses, as tropas de
Jinga continuavam a tornar a vida difícil para Ngola Hari. Em março de 1643,
ele escreveu ao novo rei português, João IV , para se queixar das “perseguições
que sofri em consequência das ações de Jinga”. [65] Mas ela tinha mais do que
Ngola Hari em mente. Ao saber da trégua entre Holanda e Portugal, passou a
desconfiar dos holandeses. Eles manteriam a aliança com ela? Com efeito, pode
haver alguma verdade na afirmação de Cadornega de que, assim que usasse a
aliança holandesa para derrotar os portugueses, Jinga então “expulsaria os
holandeses de Angola”. [66] Ela seria insensata se acreditasse que eles estavam
totalmente comprometidos com seus interesses. Embora não confiasse
completamente nos holandeses, tampouco os considerava uma grande ameaça
para seus planos. Os portugueses ainda eram um problema muito maior. Jinga
talvez tenha acreditado que, se derrotasse os portugueses e obtivesse o controle
de todas as terras de Luanda a Matamba, poderia ditar os termos da relação com
os holandeses de uma maneira que nunca conseguira com os primeiros. [67]
Após a ruptura da trégua, Jinga ficou aliviada, acreditando que isso
assinalava o possível fim do domínio português em Angola. [68] Enquanto suas
tropas se ocupavam em fustigar incessantemente Ngola Hari, mas evitando
travar combate com as tropas portuguesas estacionadas no forte de Ambaca,
Jinga voltou sua atenção para o Congo. Para horror do rei Garcia II , ela
despachou a maior parte de suas forças, estimadas em cerca de 80 mil soldados
imbangalas, para Wandu, uma província oriental do Congo. [69] O governante da
província de Wandu revoltara-se contra Garcia, e Jinga aproveitou a
oportunidade para enviar seu exército. Embora fosse favorável à guerra de Jinga
contra os portugueses, Garcia temia as atividades expansionistas dela, e aquele
ataque em grande escala a Wandu ameaçava o próprio Congo. [70]
O crescente poder militar de Jinga levou a uma série de iniciativas
diplomáticas do Congo, dos portugueses e dos holandeses. Em setembro de
1643, dois emissários de Garcia II chegaram a Haia para solicitar assistência
militar holandesa. Embora alguns relatos sugiram que Garcia precisava de tropas
para debelar uma rebelião na província costeira de Soyo, é mais provável que
seu medo de Jinga o tenha levado a fazer o pedido. Por sua vez, os portugueses
temiam que ele estivesse pedindo ajuda para desalojá-los da região. Sem dúvida,
os sucessos militares de Jinga estavam forçando Garcia, os portugueses e os
holandeses a reavaliar suas relações com ela. As autoridades portuguesas
conjecturaram que ter mais tropas holandesas na área poderia ser desastroso para
eles, porque Garcia poderia consolidar as incursões que havia feito no norte de
Angola; aconselharam então o rei de Portugal a enviar tropas para Angola sob o
pretexto de ajudar Jinga. [71] Os dirigentes da Companhia das Índias Ocidentais
Holandesas, embora quisessem ajudar o Congo, relutavam em comprometer a
relação que esperavam desenvolver com Jinga. Um relatório de Luanda
observava que ela controlava uma enorme região, que se estendia das fronteiras
da Luanda ocupada pelos holandeses até cerca de trezentas léguas (mais de 1400
quilômetros) para o interior, e que entre dois mil e três mil escravos por ano
vinham de suas terras. O relatório especulava que ela teria capacidade de
fornecer aos holandeses “tudo de que precisamos”. [72]
Como vemos, as autoridades de Haia julgavam muito importante a amizade
com Jinga e alertaram os representantes locais para que não tomassem nenhuma
iniciativa que a hostilizasse. Em vez de ajudar Garcia, pressionaram os
funcionários locais da companhia para que enviassem uma embaixada de alto
nível a Jinga, a fim de persuadi-la a manter sua aliança com eles. [73] A
preocupação dos portugueses com ela era ainda maior. Por enquanto, as alianças
dela com o Congo e com os holandeses sobreviviam, mas ela sabia que, para
seus planos de acabar com o domínio português na região, não poderia contar
muito com o apoio do Congo. Sem dúvida, Jinga estava assumindo uma posição
central na região, cujas decisões poderiam mudar a fortuna política de
portugueses, holandeses e congoleses. [74]
Entre 1644 e 1646, enquanto o ressentimento da população africana em
relação aos portugueses aumentava, Jinga não hesitou em capitalizar seu
crescente domínio militar e diplomático. Ela fortaleceu seus laços com líderes
imbangalas e com sobas que aderiram à sua causa, e suas tropas atacaram as
populações nas proximidades de Ambaca e Pungo Ndongo, onde muitos ainda
eram leais aos portugueses. Também mandou suas forças em auxílio de inimigos
dos portugueses, os quais ela considerava seus aliados. Por exemplo, no início de
1644, enviou soldados para ajudar Ngolome a Keta quando ele pediu ajuda. Esse
soba, que andava destruindo aldeias nos arredores de Ambaca, fora atacado por
um exército formado por soldados portugueses de Massangano, tropas
comandadas pelo imbangala Kabuku Kandonga e pelo exército do filho de
Ngola Hari. Essas forças combinadas cercaram Ngolome a Keta e suas tropas em
seu esconderijo nas montanhas. Alguns de seus soldados conseguiram escapar e
foram até o quartel-general de Jinga, em Sengas de Kavanga, onde pediram
auxílio. Jinga imediatamente enviou um destacamento de seus soldados mais
experientes, comandados por Jinga a Mona. Quando soube que suas forças
haviam sofrido grandes perdas e não tinham conseguido romper as fileiras
portuguesas, Jinga convocou outro destacamento e comandou a carga
pessoalmente. Encorajados por sua exortação para que enfrentassem “esses
poucos mundeles [brancos]”, seus soldados engalfinharam-se com os
portugueses num conflito sangrento que durou um dia. Jinga saiu vitoriosa
depois que suas tropas mataram setenta oficiais e soldados portugueses. Muitas
tropas imbangalas e numerosos kilambas , sobas e seus soldados também foram
feridos, mortos ou capturados. Jinga advertira seus soldados de que não
matassem os oficiais portugueses que capturassem, mas eles a ignoraram e
decapitaram a maioria dos cativos. No final, apenas sete prisioneiros portugueses
permaneciam vivos, entre eles o padre Jerônimo Sequeira, que Jinga levou preso
para seu quilombo junto com os outros. As tropas de Jinga também capturaram o
imbangala Kabuku Kandonga, junto com sua concubina Coamza, e alguns
funcionários de seu quilombo, bem como vários sobas da região de Ambaca que
vinham apoiando os portugueses. [75]
Embora Kabuku fosse um aliado dos portugueses, Jinga ordenou sua
libertação, seguindo o juramento imbangala que proibia um líder imbangala de
matar outro líder imbangala. O que ela não sabia era que seu próprio sucesso
como líder imbangala prejudicara sua reputação entre os outros imbangalas.
Kabuku, por exemplo, que se considerava um verdadeiro imbangala e alegava
descender do grupo original, tinha mais prestígio do que Jinga. Muitos a
consideravam uma arrivista. Ao libertar Kabuku, ela permitiu que ele se unisse
aos portugueses e continuasse a guerra contra ela. [76] Jinga teve sua vingança
contra outro líder imbangala chamado Kalandula, alguns anos depois, quando ele
se recusou a se entregar aos portugueses para cumprir a parte dela de um tratado
de paz proposto. Como veremos no próximo capítulo, Jinga não tolerou esse ato
de desafio. Com quase 75 anos, ela vestiu seu traje de guerra e liderou seus
soldados numa dança de guerra rigorosa no meio da praça principal antes de
conduzi-los a um confronto com Kalandula. Zombando dos cumprimentos de
frei Gaeta, que testemunhou a dança, Jinga retorquiu: “Desculpe-me, padre, [...]
quando eu era jovem, não ficava nada a dever a nenhum jaga [imbangala] na
habilidade e na bravura. [...] Nunca temi encarar um grupo de 25 soldados
armados, exceto se tivessem mosquetes. [...] Quando se tratava de outras armas
em que qualquer um pudesse demonstrar sua coragem, agilidade e valor, [eu
estava pronta]”. [77]
Foi essa bravura que permitiu a Jinga incutir medo tanto em africanos como
em europeus. Ela também era uma estrategista cautelosa. Uma das maiores
consequências de seu apoio vitorioso a Ngolome a Keta em 1644 foi a captura de
muitos sobas de Ambaca que acompanhavam as forças portuguesas, entre eles
um parente de sangue próximo chamado Ngola Kanini. Tratava-se do mesmo
soba que fora forçado a pagar um tributo anual aos portugueses pela construção
e manutenção da igreja de Nossa Senhora da Assunção, em Ambaca, quando
Mendes de Vasconcelos construíra o forte, em 1619 (ver capítulo 3 ). Embora
Ngola Kanini tivesse sido vassalo dos portugueses durante todos esses anos,
Jinga o tratou bem, permitindo que ele permanecesse em seu acampamento e,
mais tarde, em sua corte, conferindo-lhe o respeitado título de mwene lumbo .
[78]
Como seu objetivo era montar instituições políticas ambundas em Matamba,
a captura dos sobas, macotas e outros que estavam conectados às linhagens
ambundas dominantes, que já conheciam as tradições, era vital para seus planos.
Com base no que lembrava do Ndongo de sua juventude, Jinga começou a
montar um complexo sistema cortesão em Matamba, mesmo enquanto construía
quilombos quando estava em campo. Não poupou nenhuma despesa em
habitação, vestuário e objetos materiais para o seu círculo mais próximo.
Construiu casas com materiais do lugar, todas ricamente decoradas com tapetes,
sedas e panos importados de vários padrões para ela, seus atendentes pessoais,
como o mwene lumbo Ngola Kanini, sua irmã Kambu, a princesa Matamba
Muongo, a quem havia adotado, e seus muitos concubinos.
Em 1641, quando mudou seu quilombo para a região dos Dembos, ela
reconstruiu meticulosamente o sistema cortesão que havia montado em
Matamba. Mas fez alguns acréscimos interessantes à sua residência temporária.
Tal como os reis de Ndongo de antigamente, que tinham diversas cortes, ela fez
com que sua irmã e os funcionários tivessem seus próprios aposentos. Também
construiu acomodações para os soldados holandeses e suas famílias que haviam
lutado ao lado de seus soldados. Os portugueses viam tudo isso com
desconfiança. Eles acreditavam que parte da estratégia holandesa era mandar
mulheres holandesas para viver no quilombo de Jinga, a fim de que a população
local a visse dando ordens aos brancos e ficasse mais disposta a participar da
campanha contra os portugueses. Vários chefes de Dembos tinham residências
no acampamento, que também servia de prisão para os portugueses e africanos
que capturavam. [79]
Jinga usava a maior parte da renda que recebia da venda dos escravos que
capturava, dos presentes e tributos que recebia dos holandeses e seus aliados
africanos e dos saques que fazia em suas campanhas militares para comprar
armas e munições, bem como panos e joias. Como considerava o rei Garcia II do
Congo seu único igual na região, esforçou-se para construir um espaço público
onde pudesse receber os embaixadores dele, bem como outras autoridades. O
local de encontro, localizado no centro do quilombo, era uma estrutura coberta
que continha dois estrados elevados com uma parede na parte de trás, e que
servia como lugar tanto de negócios como de prazer. Ali recebia diplomatas ou
visitantes, e também julgava casos. Para os diplomatas do Congo ou europeus,
Jinga cobria a parede e os estrados com ricos veludos e sedas e colocava vários
conjuntos de tapeçarias e panos importados no chão da praça inteira. Para
receber uma delegação visitante, ela sempre se vestia para a ocasião: envolvia-se
em panos de cores vivas, usava vários conjuntos de joias de ouro e pérolas e
exibia nas pernas e braços as pulseiras tradicionais de sua juventude. Nessas
ocasiões, seu companheiro pessoal e suas atendentes, que ficavam ao redor do
estrado em que ela se sentava, estavam igualmente enfeitados. Talvez se
lembrando dos dias em que ela se sentava aos pés de seu pai quando ele recebia
delegações, Jinga fazia com que Kambu e Muongo também estivessem bem
vestidas e se sentassem à sua frente em tapetes. Seus funcionários, soldados
holandeses e sobas, bem como membros da delegação visitante, sentavam-se em
tapetes colocados diante dos estrados. [80]
O sucesso de Jinga no estabelecimento de centros políticos tanto em
Matamba quanto na região dos Dembos e seus contínuos sucessos militares eram
motivo de grande preocupação para o rei João IV de Portugal e seu Conselho
Ultramarino. Embora os membros do conselho ainda apoiassem seu rival Ngola
Hari, a atenção se concentrava agora em como deter o avanço de Jinga. [81] As
notícias que o conselho recebia de Angola não eram boas. Nos meses que se
seguiram à vitória de Jinga sobre as forças portuguesas perto de Ambaca, a
situação dos lusitanos se deteriorou: o exército foi incapacitado por doenças e
pela falta de suprimentos militares, enquanto as forças de Jinga agiam
aparentemente em todos os lugares com impunidade. Suas tropas circulavam,
intimidando os sobas e atacando as terras de Ngola Hari, e ela continuava a fazer
novos aliados com sobas da região dos Dembos. Além disso, a invasão e a
destruição de Wandu, no leste do Congo, feitas por ela, deixaram o rei Garcia
pasmo. Suas ações chegaram a intimidar até as poderosas forças de Kassanje,
que, com outros imbangalas, invadiram Matamba, mas não fizeram nenhum
avanço contra ela. Em julho de 1644, funcionários do Conselho Ultramarino
manifestaram frustração diante dos sucessos militares de Jinga e alertaram o rei
para a necessidade de “exterminá-la”, referindo-se a ela como aquela “mulher
infernal em seus costumes, que se liga a todos os rebeldes”. Ela não poderia ser
mais diferente de Ngola Hari, que, conforme escreveram, “recuou para sua terra
e é fiel”. [82]
Com a aproximação do novo ano de 1645, tornou-se evidente que era
necessário fazer alguma coisa. O rei João IV decidiu finalmente nomear
Francisco de Sotomaior, o governador do Rio de Janeiro, para o cargo de
governador-geral de Angola. Ordenou que Sotomaior montasse um exército para
reconquistar Angola. As campanhas bem-sucedidas de Jinga contra os
portugueses fizeram dela o centro da discussão dos planos para a invasão.
Sotomaior chegou a Angola em 25 de julho de 1645, com 260 soldados, e,
em dezembro, apresentou um relatório a João IV que revelava até que ponto os
sucessos militares de Jinga haviam mudado a paisagem política e militar da
região. Sotomaior observou que muitos portugueses experientes na guerra local,
bem como cem soldados que tinham vindo como reforços do Brasil, foram
mortos por imbangalas de Jinga. Além disso, os conflitos dos holandeses com os
portugueses tinham levado os holandeses a banir para o Brasil centenas de
portugueses que haviam participado de muitas das guerras anteriores. [83] Na
ocasião, ele calculou que o número de soldados portugueses brancos disponíveis
não passava de escassos oitenta homens, que protegiam os fortes de Massangano
e Muxima, enquanto em Cambambe e Ambaca os portugueses talvez pudessem
reunir 130 soldados e cerca de oito mil arqueiros ambundos. O estado militar
lamentável das forças portuguesas encorajara Jinga a ser ainda mais agressiva, e
seu exército assumira posições em torno dos fortes e das aldeias dos sobas
ambundos que eram vassalos dos portugueses, impossibilitando-os de ajudar
Sotomaior e até mesmo ameaçando Ngola Hari, que parecia ter sobrevivido
somente porque conseguia defender-se na fortaleza natural de Pungo Ndongo,
onde se localizava sua capital. Embora reconhecendo o papel que os holandeses
desempenharam na terrível crise militar e política que a colônia enfrentava,
Sotomaior identificou em Jinga sua principal inimiga, reconhecendo que o
tráfico de escravos que ela realizava com os holandeses garantia seus
suprimentos de munição para sustentar seu exército de oitenta mil homens, ao
mesmo tempo que prejudicava o comércio e o poder dos portugueses. [84]
Contudo, Sotomaior, tal como os governadores portugueses anteriores,
relutou inicialmente em acreditar que Jinga possuísse as habilidades militares e
de liderança necessárias para desafiar o poder português em Angola. Depois de
seis meses de espera com suas tropas doentes em Massangano, ele ainda hesitava
em atacá-la, pondo a culpa do atraso na situação precária dos fortes e no clima
ruim, que afetava a saúde de seus soldados. Embora identificasse finalmente
Jinga como “o adversário mais poderoso que já existiu nesta Etiópia [África]”,
observasse que ela tinha a reputação de ser responsável pelas derrotas dos
portugueses e prometesse pôr fim à sua insolência, ele ainda culpava os
holandeses por fomentar a situação e por incutir em Jinga sentimentos
antiportugueses. Não obstante, admitia que não tinha condições de enfrentar
Jinga naquele momento: ela era popular demais, admirada demais pelos
africanos para que ele pudesse conseguir que gente do lugar participasse de uma
campanha contra ela. [85]

Derrota em Dembos

Após a chegada de Sotomaior a Luanda, os espiões de Jinga, entre eles sua irmã
Funji, que os portugueses ainda mantinham prisioneira em Massangano,
enviaram-lhe atualizações regulares sobre os planos militares dos portugueses.
Ela sabia que Sotomaior designara Gaspar Borges Madureira, o emissário que a
visitara em Matamba em 1640, para comandar uma força unificada contra ela. O
exército deveria incluir o leque usual de soldados e colonos portugueses, alguns
de seus ex-escravos, soldados ambundos e soldados imbangalas fornecidos pelo
líder Kabuku. Os preparativos ainda estavam em andamento quando Jinga
recebeu a informação de que Estácio de Sá Miranda, o capitão português da
cavalaria, já estava na aldeia de um homem chamado Gregório, um próspero ex-
escravo ambundo que vivia não muito longe de Ambaca. De seu quilombo na
região dos Dembos, localizado cerca de oito dias de Ambaca, ela mandou o
general imbangala Gaspar Akibata atacar com um contingente de seus soldados
a aldeia de Gregório e capturar e trazer-lhe o capitão. Akibata fez a viagem em
tempo recorde, guiado pelos experientes batedores que Jinga providenciara, mas,
ao chegar, descobriu que Sá Miranda havia partido. Decididos a não decepcionar
Jinga, seus soldados atacaram e aprisionaram ou mataram a maior parte da
população. Além disso, levaram todo o gado e outras provisões e destruíram o
que não puderam carregar, incendiando a aldeia ao partirem vitoriosos. [86]
Sotomaior, que estava em Ambaca, logo recebeu a notícia do ataque e reuniu
as tropas para um contra-ataque. No discurso emocionado que fez para os
soldados, relatou as ações ultrajantes que a inimiga Jinga cometera contra um
vassalo português e explicou a importância de reagir com força imediata para
preservar a integridade de Portugal. Em seguida, comandou um ataque bem-
sucedido ao quilombo de Akibata. O ataque aconteceu logo depois que os
homens de Akibata haviam voltado para sua base e fizeram uma fogueira para
banquetear-se com os despojos humanos e animais. O exército português
conseguiu matar Akibata e a maioria de seus soldados, embora alguns tenham
escapado para o quilombo de Jinga. Depois de receber a notícia da derrota pelos
poucos sobreviventes afortunados, ela mandou decapitá-los: considerou má sorte
o fato de trazerem notícias tão horríveis para ela, pois era melhor que tivessem
morrido junto com seus camaradas. Essa derrota foi desanimadora para os
partidários ambundos de Jinga, muitos dos quais fugiram do quilombo e
voltaram a submeter-se aos portugueses. O choque da derrota provocou uma tal
sensação de presságio e temor entre os que permaneceram no quilombo que eles
passaram vários dias executando tambos , os solenes ritos ambundos que
acompanhavam os funerais. Talvez tenha sido nesse momento que muitos
ambundos que viam em Jinga uma deusa perceberam que nem mesmo ela
poderia protegê-los dos portugueses. [87]
Esse revés, no entanto, não dissuadiu Jinga. Suas tropas logo atacaram sobas
leais aos portugueses, cujas populações estavam localizadas a alguma distância
de Ambaca. Ela deve ter obtido alguns sucessos, já que enviou um grande
número de escravos aos holandeses e pediu a ajuda deles para atacar Ambaca.
Os holandeses foram receptivos a suas propostas; uma delegação já havia sido
enviada a Jinga com a esperança de melhorar as relações. [88] Ela acreditava que,
apesar daquele recente revés, suas forças ainda eram mais numerosas do que as
dos portugueses e que a aliança com os holandeses a ajudaria a recuperar sua
vantagem militar e a melhorar seu prestígio, que estava em queda entre a
população local. [89]
O que ela não previra era que Sotomaior estava empenhado em romper sua
aliança com os holandeses e logo promoveria um ataque maior e mais
coordenado contra sua base em Dembos. Ao contrário dos governadores
anteriores, que se satisfaziam com a manutenção do estado das coisas,
organizando campanhas direcionadas a forçar os sobas leais a pagar tributo e
garantir que as feiras de escravos e suas rotas continuassem abertas, Sotomaior
se deu conta de que, em pouco tempo, essa situação poderia deixar de existir: a
aliança de Jinga com os holandeses e seus sucessos militares contra os
portugueses representavam uma ameaça muito séria ao status quo . O
governador percebeu que precisava levar a guerra ao quilombo de Jinga em
Sengas de Kavanga para impedir que ela lançasse novos ataques. As ambições
de Sotomaior eram grandiosas: ele planejava destruir Jinga e derrotar os
holandeses ao mesmo tempo. Jinga não deveria ser tratada com misericórdia. Ele
ordenou que, após sua captura, ela deveria ser imediatamente morta. Seria
“desnecessário trazê-la” com os outros prisioneiros, e deveriam destruir “o resto
de seu quilombo, e que até mesmo as árvores frutíferas deveriam ser derrubadas
e tudo com o nome dela deveria ser destruído para sempre”. [90]
Sotomaior calculou que suas tropas tinham uma chance melhor de derrotar
Jinga naquele momento, enquanto ela estava mais perto de Massangano, e não a
centenas de quilômetros, no interior de sua corte em Matamba. Ele percebeu que
poderia neutralizar os holandeses lutando em duas frentes: uma guerra fluvial,
em que barcos impediriam os holandeses de usar o rio Kwanza para levar
fornecimentos a Jinga, e uma guerra terrestre, na qual uma grande força
portuguesa-africana avançaria em direção ao seu quilombo. [91] De fato,
soldados holandeses e de Kissama haviam atacado recentemente as tropas
portuguesas em Muxima, que ficava a menos de cinquenta quilômetros de
Massangano, onde mataram oitenta soldados e levaram muitos cativos. O medo
era que essas mesmas forças logo tomassem Massangano. [92]
Em março de 1646, Borges Madureira reuniu a maior força terrestre que
Jinga já enfrentara e comandou suas tropas numa batalha que seria épica, com
objetivos igualmente épicos de capturá-la e matá-la, destruir seu quilombo e
acabar com sua aliança com os holandeses. A força reunida em Ambaca
compreendia mais de quatrocentos oficiais e soldados portugueses; duzentos
mulatos armados; dezesseis cavaleiros; artilharia de campo; trinta mil soldados
africanos, inclusive arqueiros; mais de dois mil batedores; tropas comandadas
por Ngola Hari; tropas imbangalas; tropas de sobas simpatizantes e escravos
libertados dos portugueses; e milhares de carregadores, que levavam todos os
suprimentos e alimentos, já que o exército não esperava que chegassem
provisões ao longo do caminho. Não seria nenhum exagero descrever o exército
de Borges Madureira como colossal. [93]
Marchando para o norte de Ambaca, as tropas de Borges Madureira
atravessaram o rio Zenza e chegaram finalmente ao rio Dande, onde acabaram
por avistar o quilombo de Jinga de colinas próximas. Jinga preparara-se para a
invasão, tendo construído três pontes, na expectativa de que os portugueses as
usassem para atravessar o rio Dande. Ela calculou que os soldados e
carregadores seriam excelentes alvos para seus arqueiros e milhares de soldados
que tinham armas de fogo. Mas Borges Madureira não permitiria que Jinga
ditasse as condições do ataque e dissuadiu os comandantes de seus esquadrões
de atravessarem pelas pontes. Em vez disso, seu exército pegou uma rota mais
longa e mais perigosa, atravessou o rio numa parte mais profunda e chegou
muito mais perto do quilombo de Jinga. Mas ela também estava preparada para
um ataque surpresa, tendo postado em torno do perímetro do quilombo tropas
fornecidas pelo governante Mbwila, da região dos Dembos, bem como alguns
soldados holandeses. Mandou que os soldados se escondessem em arbustos altos
e, assim que as tropas portuguesas entrassem, eles deveriam pôr fogo nos
arbustos para impedir seu avanço. Mas essa estratégia fracassou: Borges
Madureira conseguiu organizar as vanguardas de tal maneira que os carregadores
que levavam os suprimentos estavam no meio e, assim, sua carga ficou
protegida. À medida que se aproximavam do acampamento, as tropas
portuguesas tiveram de enfrentar os soldados holandeses e as tropas lideradas
pelo temido general Jinga a Mona, bem como os mwene lumbo de Jinga e outros
generais. A própria Jinga não ficou fora da luta: espiões portugueses a viram
numa colina, cercada por seu núcleo leal de jovens imbangalas e vestida com seu
traje de guerra.
Os dois lados travaram uma batalha sangrenta das nove horas da manhã até o
final da tarde, quando as tropas portuguesas conseguiram finalmente romper as
defesas de Jinga. Ela mandou soldados com armas de fogo descerem a colina
contra os portugueses, mas eles não impediram o avanço do inimigo. Os
soldados holandeses deram apoio, mas careciam de artilharia pesada, que teria
sido muito mais eficaz contra os invasores. No final, mesmo com a dura
resistência dos holandeses e dos imbangalas de Jinga, prevaleceram as tropas
portuguesas e a vanguarda chegou ao quilombo. [94]
Jinga postara vários batalhões de seu exército a distâncias estratégicas do
quilombo, mas, depois que a vanguarda portuguesa rompeu o perímetro e entrou,
ela se deu conta que o pequeno número de guarda-costas seria incapaz de
defendê-la. Ela e um grupo mais íntimo escaparam rapidamente. Sua partida
repentina ficou óbvia para os portugueses, que não encontraram nenhuma
resistência ao entrar no quilombo. Logo descobriram que Jinga e seus guarda-
costas não tiveram nem tempo de juntar coisas de sua residência ou das
residências de seus funcionários. Tudo foi deixado para trás. Ao saquear as casas
de Jinga e de seus principais conselheiros, acharam quinhentas armas de fogo e
estoques de tecidos finos e joias. Ngola Hari reivindicou tudo o que havia na
casa e foi embora com “muitas peças de seda fina e outras coisas valiosas”. [95]
A pressa da retirada significou que os muitos não combatentes que haviam
ficado no quilombo, esperando para comemorar o retorno vitorioso de Jinga e do
exército, não foram avisados e ficaram chocados ao ver as tropas portuguesas
entrarem em suas casas. Entre eles estavam vários funcionários e outros sobas de
Dembos que haviam estabelecido residência no quilombo, mas que não estavam
fisicamente aptos para participar da batalha.
Os portugueses ficaram mais surpresos ainda ao descobrir em uma das casas
uma “mulher flamenga” obviamente grávida. Em meio a lágrimas histéricas, ela
explicou aos soldados desconcertados que seu marido fazia parte do grupo de
soldados holandeses que moravam no quilombo. A jovem não sabia onde estava
o marido, mas achava que ele podia ter morrido ou a abandonado, fugindo com o
filho do casal. [96] A presença de soldados holandeses com suas famílias no
quilombo é uma indicação clara de que Jinga conseguira fazer desses
estrangeiros do norte europeu seus dependentes. A presença deles a ajudava a
pressionar os poderosos chefes de Dembos e os sobas independentes a aderirem
à sua causa. Ao saber dos detalhes de como Jinga dirigia seu quilombo, os
portugueses ficaram ainda mais hostis. Os soldados agrediram física e
verbalmente os chefes africanos que capturaram pela afronta que acreditavam
que Jinga havia cometido contra seus semelhantes europeus. [97]
De todas as riquezas acumuladas, de todos os habitantes do quilombo que
capturaram ou mataram, de longe a mais valiosa para os portugueses foi Kambu,
a irmã de Jinga. Se Jinga a abandonara ou se planejava negociar mais tarde com
os portugueses a libertação de Kambu, a aparência dela quando as tropas
inimigas entraram em sua casa sugeria que ela estava resignada a ser prisioneira
deles mais uma vez. Os kilambas ambundos (soldados aliados aos portugueses)
encontraram-na sentada numa cena de esplendor real, cercada por quarenta
damas de honra, aparentemente imperturbável pela intrusão. Kambu manteve-se
tão calma que o cronista militar Cadornega, que lutou na campanha, mais tarde
atribuiu sua conduta à “majestade e soberania”. Apesar do tratamento horrível —
foi abusada sexualmente durante a noite pelo soldado ambundo que a encontrou
e a manteve cativa —, Kambu se comportou com a mesma dignidade real
quando foi entregue a Borges Madureira na manhã seguinte. Para se preparar
para comparecer perante o capitão, Kambu fez com que suas damas de honra a
vestissem com elegância. Elas enfeitaram suas mãos com anéis de ouro, puseram
lindas joias em sua cabeça e correntes em torno de seu pescoço e enrolaram seus
cabelos com cordões que caíam da cabeça até os quadris. Com efeito, embora
Kambu tivesse mais de sessenta anos na época da sua segunda captura, ela
parecia tão mais moça que Borges Madureira, para evitar outra situação em que
ela pudesse ser atacada por guardas portugueses, assumiu a supervisão dela,
mantendo-a em seus aposentos até que pudesse transferi-la para Massangano. [98]
Borges Madureira sabia que Jinga mantinha vários prisioneiros portugueses,
inclusive o padre Jerônimo Sequeira, no quilombo; ao não encontrá-los na área
interna onde Kambu e os outros funcionários estavam alojados, foi informado de
que, antes de fugir, Jinga mandara esses prisioneiros, junto com alguns objetos
de valor, para o soba Kitexi ka Ndambi, cujas terras ficavam a cerca de um dia
de viagem do quilombo, exigindo que ele os guardasse nas florestas que
cercavam suas terras. Kitexi ka Ndambi era um aliado relutante desde que Jinga
e uma centena de soldados holandeses haviam invadido suas terras alguns anos
antes, e agora ele estava totalmente disposto a entregar os doze soldados e o
padre aos enviados de Borges Madureira.
A traição de Kitexi ka Ndambi significou que, se Jinga tinha planos para uma
troca de prisioneiros, teria agora de abandoná-los. Borges Madureira
imediatamente enviou os soldados e o padre libertados para Massangano e
executou publicamente no quilombo doze sobas e alguns dos chefes de Dembos.
As tropas portuguesas liberaram vários de seus aliados africanos que Jinga
mantinha prisioneiros, entre eles Coamza, a concubina do imbangala Kabuku.
Depois de permitir que seus próprios soldados e os de seus aliados imbangalas
saqueassem as casas, armazéns e corredores do quilombo e levassem os objetos
de valor e provisões em que conseguissem pôr as mãos, os portugueses puseram
fogo no acampamento, destruindo a maioria das casas e edifícios públicos, bem
como centenas de templos pequenos e espalhados, onde os sacerdotes de Jinga
realizavam seus rituais. [99]
A retirada às pressas de Jinga teve outras repercussões graves. Os
portugueses encontraram cartas escritas a Jinga por sua irmã Funji escondidas
debaixo do altar da pequena capela que ela construíra para o sacerdote católico.
As cartas revelaram muito sobre a rede de espionagem de Jinga e puseram a vida
de Funji em risco. Durante seus mais de quinze anos de cativeiro, Funji enviara
notícias sobre as operações militares portuguesas. Isso explicava por que Jinga
conseguira atacar os portugueses com tanta facilidade. Os portugueses também
descobriram cartas que Jinga recebera de seus aliados africanos, inclusive de
Garcia II do Congo. Em uma dessas cartas, Garcia felicitava Jinga por sua vitória
de 1644 contra os portugueses. O Congo pagaria caro pela aliança de Garcia com
Jinga. [100]
Com essa vitória, os portugueses destruíram a base estratégica que Jinga
montara em Dembos e, o mais importante, infligiram-lhe uma humilhante
derrota pessoal. Mais uma vez, estavam com suas duas irmãs prisioneiras. Além
disso, Borges Madureira concluiu que a fuga prejudicaria sua aliança com os
holandeses, destruiria as relações que cultivara com o rei Garcia II e
enfraqueceria o prestígio que ela adquirira em toda a região. Mas, como no
passado, Jinga continuou impávida. Com efeito, sua capacidade de escapar
incólume do quilombo, ainda que os portugueses trouxessem vários aliados
imbangalas para capturá-la, inclusive seu velho inimigo Kassanje, mostrou que
Jinga ainda contava com grande apoio popular na região. Embora seus inimigos
tivessem feito alguns prisioneiros importantes e seu exército tivesse sofrido
grandes perdas, a estratégia que Jinga utilizara de espalhar seus soldados por
todo o quilombo e ao redor dele, onde poderiam se esconder entre os arbustos
altos e as palmeiras, fez com que muitos de seus soldados e carregadores
conseguissem escapar junto com ela. Borges Madureira e seu exército
perceberam isso depois que sua revista do quilombo revelou a bagagem que os
carregadores haviam abandonado quando recuaram, mas nenhum deles foi
encontrado. Quando as tropas portuguesas chegaram ao pé das colinas, tudo o
que encontraram foram milhares de pegadas que soldados e carregadores tinham
deixado para trás. [101]

A traição holandesa

Poucos meses depois da fuga, Jinga novamente planejava um contra-ataque.


Dessa vez, os holandeses estavam totalmente envolvidos. Meses após a derrota,
emissários de Jinga foram a Luanda com um grande número de escravos, um
presente para os funcionários da Companhia das Índias Ocidentais Holandesas
que demonstrava seu firme compromisso com a aliança. [102] Eles responderam à
altura e, em abril de 1647, enviaram uma embaixada encabeçada por Ferdinand
van Chapelle, o diretor comercial da companhia, ao quilombo de Jinga. Ela se
mudara para Kunsi, na região nordeste de Ndongo, perto do alto rio Bengo.
Antes da chegada de Van Chapelle, Jinga reavaliara sua estratégia militar e
reconstituíra seu exército. Em vez de atacar os portugueses com todas as suas
tropas, como antes, ela passou a usar pequenas forças de guerrilha que
saqueavam incessantemente as terras de sobas amigos dos portugueses em torno
dos fortes de Ambaca e Massangano. Van Chapelle disse a Jinga que a
companhia a estava convidando formalmente a “celebrar por escrito com Sua
Majestade [Guilherme] um sólido acordo ofensivo e defensivo”. Jinga agradeceu
ao diretor, declarando que estava pronta para celebrar o “ato e contrato”, e Van
Chapelle saiu da reunião exultante. Um contrato formal assinado não demorou a
chegar. Em 23 de abril de 1647, o mwene lumbo de Jinga colocou o selo dela em
um acordo provisório e, em 27 de maio, ele o ratificou em nome de Jinga,
enquanto os diretores Cornelis Ouman e Adriaen Lens assinavam pela
companhia. [103]
Os termos do acordo convocavam, de um lado, os Estados Gerais, o Príncipe
de Orange e a Companhia das Índias Ocidentais, e de outro, a rainha Jinga, a
“ajudar-se mutuamente com o seu povo, seus conselhos e ações”, com o objetivo
de “exterminar os portugueses”. O pacto estabelecia que Jinga enviaria para
Luanda a metade de todos os escravos que capturasse. Também estipulava que
nenhuma das partes poderia ter relações com os portugueses e seus aliados sem o
conhecimento prévio da outra e que cada parte teria de apoiar a outra caso
ocorressem tais negociações. Não se tratava de um tipo de acordo que
costumasse ser feito durante o auge da conquista colonial, no fim do século XIX ,
entre exploradores europeus e comerciantes que tramavam enganar os “chefes”
africanos analfabetos e primitivos: era um pacto formal entre iguais. Ambas as
partes prometiam solenemente, sob juramento, “manter, respeitar e obedecer
sagradamente o acordo e vingar qualquer deslealdade, traição e ataque
cometidos contra a aliança”. Para demonstrar sua boa-fé, os holandeses enviaram
setenta soldados de Luanda ao quilombo de Jinga para ajudá-la em suas
incursões contra os portugueses e seus aliados. [104]
A assinatura formal do acordo foi uma vitória diplomática para Jinga. Embora
ela não soubesse, os diretores da companhia em Haia estavam dispostos o tempo
todo a fazer uma aliança formal com ela, apesar das frustrações que enfrentaram
ao se comunicar diretamente com Jinga. Eles tinham grande consideração por
sua liderança militar e a consideravam alguém que poderia ajudá-los em Angola.
Com efeito, desde a conquista de Luanda, em 1641, os diretores da empresa
esperavam que uma sólida aliança com Jinga alarmasse de tal modo os
portugueses que eles desistiriam de suas possessões em Angola. [105] Em 1645,
enviaram correspondência para Jinga, delineando os termos de uma aliança mais
forte, mas Garcia II do Congo, que já havia assinado um tratado com os
holandeses e suspeitava de seus acenos a Jinga, interceptou a mensagem. [106]
Para Jinga, bem como para as autoridades holandesas, as considerações
políticas estavam no cerne dos passos para finalizar um relacionamento formal.
Desde a destruição de seu quilombo, em março de 1646, e a captura de Kambu,
Jinga vinha procurando maneiras de se vingar dos portugueses e resgatar suas
irmãs. Em 1647, porém, ela recebeu uma notícia terrível: Funji fora afogada
pelos portugueses no rio Kwanza como castigo por espionagem. Mas Kambu
ainda estava viva, e Jinga ficou tão empenhada em salvar a irmã restante que
inundou os holandeses de presentes e prometeu comandar pessoalmente seu
exército para lutar ao lado deles. [107] A embaixada de Van Chapelle deve tê-la
animado ainda mais: ela convenceu-se de que os holandeses também queriam se
vingar dos recentes ataques bem-sucedidos dos portugueses contra as suas bases
em Luanda e arredores, e contra os sobas de Kissama que os apoiavam. [108] Os
holandeses estavam frustrados pelo fato de que todos os seus esforços, militares
e outros, não tinham conseguido quebrar a determinação dos portugueses. Em
setembro de 1647, estava sob ameaça o domínio holandês da capital, dos rios
Dande, Bengo e Kwanza e da ilha de Nsandeira, na foz do rio Kwanza, onde
suas tropas estavam estacionadas. Os soldados holandeses começaram a desertar
para o lado dos portugueses, revelando o mau estado das coisas na capital. Seus
aliados na região dos Dembos, temendo um ataque português, imploraram-lhes
por ajuda militar. [109]
Entre setembro e outubro de 1647, os holandeses, os sobas de Dembos e
Jinga prepararam-se para um ataque geral aos portugueses. À medida que os
planos para o ataque se desenvolviam, o prestígio de Jinga aumentava
consideravelmente. Dessa vez, ninguém vazou os detalhes de sua preparação
para os portugueses. Talvez eles temessem pela própria vida e optassem por não
contrariar Jinga desnecessariamente, ou talvez acreditassem que dessa vez ela
seria bem-sucedida. Até mesmo o rei Garcia II , seu aliado inconsistente,
calculou que poderia ser-lhe vantajoso participar do ataque. O plano era que
Garcia montasse um exército que incluísse soldados de suas províncias, bem
como de um povo chamado congos, que vivia na ilha de Luanda. Jinga
comandaria seu contingente de forças imbangalas, e Jinga a Mona e outros
capitães liderariam outros junto com sobas de Ilamba e de partes de Ndongo e
Matamba. Jinga se encontraria com os holandeses quando eles saíssem de
Luanda. Dessa aliança holandesa-africana participariam também muitos “sobas
rebeldes” que estavam espalhados por toda a região, com seus próprios soldados.
[110]
Porém, em 25 de outubro, antes que os holandeses pudessem se reunir no
acampamento designado, o exército português, com cerca de 25 mil homens
divididos em três grupos, atacou em três frentes. Embora as tropas de Dembos
tenham se defendido com bravura, conseguindo matar trezentos portugueses, foi
a chegada de Jinga, em 27 de outubro, que virou a sorte. Ela chegou dois dias
antes da data em que deveria encontrar o resto do exército holandês, trazendo
seus quatro mil homens, metade dos quais era de arqueiros veteranos de
batalhas, junto com os setenta soldados holandeses sob o comando de seu
próprio capitão, que tinham sido enviados para se juntar a suas forças. No total,
eram trezentos holandeses comandados por Ouman, dez mil homens de Dembos
e quatro mil imbangalas sob o comando de Jinga. Eles seguiram para Kumbi,
uma área ao norte do rio Lucala, onde um dos batalhões portugueses de Borges
Madureira montara acampamento, e lançaram imediatamente um ataque feroz.
[111]
Os portugueses foram apanhados de surpresa por esse ataque das forças
combinadas holandesas-africanas. Antes que a batalha terminasse, mais de três
mil inimigos jaziam mortos, e os sobreviventes, soldados e carregadores mulatos
e africanos, fugiram em desordem. O próprio Borges Madureira foi uma das
vítimas, tendo sofrido um ferimento fatal na perna. Milhares foram feitos
prisioneiros. [112]
Os exércitos vitoriosos se dirigiram então para Massangano. Jinga escolhera
Jinga a Mona para liderar a carga contra o forte e libertar Kambu, e ele
conseguiu que os sobas locais retransmitissem mensagens entre os três exércitos
e permitissem que embaixadas se deslocassem com facilidade entre um lugar e
outro. Com efeito, muitos desses sobas, que antes rejeitavam Jinga, de repente
passaram a demonstrar sua lealdade ao dar aos holandeses passagem livre
através de suas terras, possibilitando que chegassem a cerca de quatrocentos
metros do forte de Massangano. Durante oito dias, as forças de Jinga, junto com
os holandeses, incendiaram mais de duzentas aldeias de sobas que tinham
aderido aos portugueses e arrasaram as fazendas e plantações circundantes das
quais dependiam os 1500 portugueses que viviam no forte. [113] Segundo o relato
de um espião português, o exército que avançava era tão grande que cobria
“montanhas e vales”. No entanto, esse exército não conseguiu penetrar nas
defesas do forte.
Os portugueses sabiam que se Massangano caísse, isso sinalizaria o fim de
sua presença na região. Para evitar essa calamidade, haviam tomado precauções,
a fim de melhorar as defesas do forte. Massangano tornara-se o centro de
inteligência dos funcionários administrativos e militares portugueses e era um
refúgio para soldados africanos e portugueses e para milhares de carregadores
que acompanhavam o exército. O forte também abrigava sacerdotes, mulheres e
crianças que haviam fugido das regiões próximas aos rios Bengo e Dande, agora
controladas pelos holandeses. Alguns deles haviam mesmo saído do forte e
construído aldeias perto do rio Lucala, que protegiam com trincheiras. [114]
Quando as tropas de Jinga e Ouman chegaram, o forte estava tão lotado que
tiveram de destruir casas para acomodar a artilharia, e todos os homens estavam
armados, inclusive os padres. [115]
Os guerrilheiros de Jinga fizeram todo o possível para romper as defesas do
forte, mas a presença de Ouman ajudou pouco porque ele não tinha a artilharia
pesada fundamental para bombardear o bem construído forte. A estratégia
portuguesa de travar uma batalha tanto terrestre como fluvial foi
importantíssima, pois os bloqueios que os portugueses ergueram ao longo do rio
Kwanza impediram que os holandeses aproximassem o suficiente do forte a
artilharia pesada para bombardeá-lo. Seguindo ordens de Jinga, Jinga a Mona
tentou uma tática diferente: mandou que soldados incendiassem vários lugares
para distrair os guardas portugueses, na esperança de que alguns deles pudessem
abrir caminho. Mesmo que poucos soldados conseguissem entrar no forte, Jinga
esperava que pudessem determinar a localização exata das armas e munições e,
sobretudo, o paradeiro de sua irmã. Mas a estratégia de Jinga não deu em nada,
pois os guardas descobriram a trama. Quando um dos antigos aliados dos
portugueses, o soba Pedra Bamba Atungo, foi apanhado, os guardas o prenderam
e soaram o alarme, apesar de sua alegação de que estava ajudando os
portugueses. Mais tarde, ele foi decapitado. [116]
Desapontado com a incapacidade dos holandeses de atravessar as defesas
portuguesas e sem poder libertar Kambu, Jinga a Mona voltou de mãos vazias
para Jinga, que estava em um local estratégico. Nesse meio-tempo, Ouman e as
tropas holandesas restantes voltaram para Luanda, e Jinga teve de reavaliar sua
posição. Ela continuou a atacar sobas que apoiavam os portugueses e mandou
mensagens periódicas a Luanda com informações cruciais sobre os movimentos
das tropas portuguesas. Uma das mensagens, de abril de 1648, informava aos
holandeses que um exército português formado por 133 soldados brancos e 280
soldados especialmente treinados, armados com canhões, se localizava a uma
curta distância de Massangano e estava a caminho de Ambaca para auxiliar o
forte de lá, em reação aos incessantes ataques de Jinga a todos os assentamentos
portugueses da região. Os holandeses enviaram o major Thyn Pieterszoon e
trezentos soldados, junto com milhares de africanos, para encontrar Jinga no
acampamento ao qual ela levara suas tropas. Dessa vez, os holandeses fizeram a
viagem em tempo recorde: haviam secretamente construído um canal na região
de Muxima que lhes permitia contornar o forte extremamente armado. [117]
Em agosto de 1648, os trezentos soldados do major Pieterszoon ocuparam
suas posições ao lado dos quatro mil soldados de Jinga, no platô de Ambaca. Ali,
os dois exércitos esperaram as tropas portuguesas. Quando os soldados africanos
que apoiavam os portugueses finalmente apareceram, os imbangalas de Jinga
saltaram de seus esconderijos, tomando-os totalmente de surpresa. O ataque foi
tão repentino que os carregadores fugiram em pânico, deixando suas cargas pelo
caminho. Embora tenham lutado heroicamente, os portugueses tiveram de
dividir suas forças para que uma parte deles pudesse combater os soldados
imbangalas de Jinga e a outra, os holandeses. [118] Eles foram sobrepujados pela
combinação de fogo de artilharia dos canhões holandeses e a ferocidade dos
imbangalas de Jinga. Mais de cem portugueses perderam a vida e apenas onze
permaneceram vivos para render-se. As forças holandesas e Jinga saquearam o
que puderam, queimaram o resto, mataram inúmeros africanos e capturaram três
mil deles, que seriam vendidos como escravos. Entre os africanos mortos estava
o filho de Ngola Hari, Francisco.
Na segunda semana de agosto, a aliança entre holandeses e Jinga parecia
imbatível. Jinga estava planejando atacar Ngola Hari em Pungo Ndongo para
retirá-lo do poder e depois levar suas tropas junto com as de seus aliados
holandeses para acabar com os portugueses, que defendiam tenazmente
Massangano. Àquela altura, os que se aferravam a Massangano haviam perdido
toda a comunicação com os outros fortes e estavam desprovidos e famintos. Os
sobreviventes podiam prever o que lhes esperava, pois nenhum dos aliados da
região ousava enviar provisões e reforços. Era um risco grande demais. [119]
O que Jinga não sabia era que o rei português nomeara um novo governador,
Salvador Correia de Sá, e que, em junho de 1647, ele partiu do Rio de Janeiro
com uma armada de quinze navios e novecentos homens. Em agosto de 1648,
Correia de Sá e sua armada entraram no porto de Luanda, causando um tremor
no coração do diretor holandês Ouman. Embora ele não tivesse ideia que um dos
navios de Correia de Sá havia afundado, sabia quantos eram, e isso não era nada
tranquilizador. Ele contava com apenas 250 homens em armas e esperava que
pudesse aguentar até a chegada dos reforços comandados pelo major
Pieterszoon. Mas Correia de Sá soubera por intermédio de alguns pescadores que
Pieterszoon estava no interior, então bombardeou de imediato a cidade e enviou
negociadores com um ultimato a Ouman: que desistisse de Luanda em três dias
para que recebesse um salvo-conduto ou enfrentasse mais bombardeios. Ouman
mandou uma mensagem a Jinga e Pieterszoon, pedindo que mandassem tropas
para Luanda imediatamente. A mensagem desconcertante não poderia ter
chegado num momento menos oportuno para Jinga e Pieterszoon, que estavam
comandando suas tropas no que acreditavam ser o último ataque a Massangano.
Nesse meio-tempo, prevendo uma rápida chegada das forças de Jinga e
Pieterszoon, os diretores da Companhia das Índias Ocidentais Holandesas
tentaram arrastar as negociações. Porém, foram mais uma vez superados em
astúcia. Haviam deixado a entrada do porto completamente desprotegida, tendo
ordenado que seus soldados se reunissem nos fortes maiores, especialmente o
bem protegido Ardenburg (o Forte de São Miguel dos portugueses), onde
estavam guardados todos os livros da empresa e outras coisas valiosas. Em 15 de
agosto, Correia da Sá, sem esperar mais pela resposta holandesa, bombardeou a
cidade de todos os pontos e continuou noite e dia até que suas tropas chegaram
às muralhas dos fortes. Percebendo que as forças de Correia de Sá contavam
agora com grupos turbulentos de portugueses que ainda viviam na cidade,
Ouman perdeu o ânimo e, dentro de poucos dias, pediu paz. [120]
Jinga, ao chegar com Pieterszoon no fim de agosto, ignorava que, antes de
sua vinda, Ouman e outras autoridades haviam assinado um tratado de
capitulação em que entregavam suas posições em Angola para os portugueses e
concordavam em deixar Luanda. Ela posicionara suas tropas a poucos
quilômetros da cidade, preparando-se para fazê-las avançar ao primeiro sinal de
Pieterszoon, que seguira em frente. Não recebeu nenhuma notícia. Pieterszoon
chegara bem a tempo de embarcar nos navios com seus compatriotas que iam
embora. No entanto, o que Jinga não pôde deixar de ver ao se aproximar de
Luanda foi a bandeira portuguesa que tremulava no alto do Forte de São Miguel.
Ela foi levada a ponderar se havia algum europeu em que pudesse confiar. Mais
uma vez, uma grande traição obrigou-a a recuar para sua base em Matamba. [121]
Ao reunir-se com o resto de suas forças imbangalas, que realizavam
operações adiante de Massangano, a última coisa que Jinga queria fazer era dar a
seus inimigos a impressão de que ela estava rastejando de volta, derrotada.
Embora soubesse que precisava retornar a Matamba, onde Kassanje aproveitara
suas longas ausências para fazer várias incursões nas partes orientais do reino,
queria demonstrar que ainda era o maior poder africano da região.
Em 23 de setembro de 1648, pouco mais de duas semanas após seu recuo,
Jinga enviou um contingente de suas tropas para invadir a província oriental do
Congo, em Wandu, onde seus imbangalas operavam. Jinga talvez tenha enviado
suas tropas para ajudar Garcia II a disciplinar o ainda rebelde governante
provincial como parte de um acordo que fizera com o Congo. Mas também tinha
motivos pessoais para ordenar a invasão: queria vingar alguns de seus capitães e
soldados que haviam morrido por ordem do referido governante; e também
queria castigá-lo por ter dito que ela não passava de uma mera mulher que era
“mais hábil com uma roca do que com uma espada”. [122] Para destruir a
província, Jinga mandou cinquenta mil soldados, entre eles, as unidades
femininas que integravam seu exército geral. Os combates começaram no início
de outubro e duraram três dias: o próprio governante provincial e quinhentos de
seus soldados perderam a vida. A maioria das mulheres e crianças fugiu da
capital para a segurança das montanhas. Quando outro contingente de soldados
de Jinga chegou, a cidade estava em ruínas. Dois missionários capuchinhos
espanhóis se esconderam nas ruínas da igreja durante a luta. Após a batalha,
Jinga, que ficara a certa distância da cidade, enviou duzentos homens “com as
cabeças enfeitadas com várias plumas e os arcos e flechas flexionados”, para
realizar operações de limpeza. A igreja era um lugar conveniente para começar,
já que a maioria dos moradores fugira, levando tudo o que podia. Depois de
profanar o altar e tomar as vestes e outros artigos religiosos, eles encontraram os
missionários, que capturaram e maltrataram física e verbalmente, mas não
mataram. Capturaram também o acompanhante congolês e intérprete dos
missionários Calisto Zelotes dos Reis Magos, também padre, que mais tarde
viveu na corte de Jinga. [123]
Quando os sacerdotes foram levados perante Jinga, ela olhou para eles em pé
diante de seu trono provisório, talvez se perguntando se eram diferentes dos
outros homens brancos que a haviam traído ao longo dos anos. Será que poderia
usá-los, com o vínculo espiritual que compartilhava com eles, para obter o que
mais desejava: a liberdade de sua irmã, o fim do estilo de vida imbangala que
fora forçada a adotar para sobreviver militarmente e o reconhecimento de seu
direito de governar um Estado independente de Ndongo-Matamba? Embora não
fosse ainda a última guerra que Jinga travaria, a campanha de Wandu criou um
momento de mudança em sua estratégia. Do momento em que encontrou os dois
missionários até o dia de sua morte, quinze anos depois, Jinga preocupou-se com
o uso da diplomacia e da espiritualidade para atingir os objetivos que lhe
escaparam por tantos anos.
6.
Um ato de equilíbrio

No fim de 1648, quando estava com 66 anos, Jinga foi obrigada a formular uma
nova estratégia. Os holandeses haviam rompido o acordo com ela e foram
embora, e ela precisou abandonar seu plano de atacar o forte português de
Massangano. Jinga percebeu que, para atingir seus principais objetivos — obter
a libertação de sua irmã das mãos portuguesas e reivindicar a devolução das
terras de Ndongo —, precisaria adotar estratégias distintas das militares. Embora
continuasse a travar guerras, ela não mais se concentrou em expulsar totalmente
os portugueses, mas em garantir que não fizessem avanços políticos ou
econômicos no interior, a menos que tratassem com ela.
Para manter uma vantagem estratégica, Jinga adotou uma abordagem
tripartida entre 1648 e 1656. Em primeiro lugar, restabeleceu o controle político
firme sobre Matamba e as terras entre Matamba e Ndongo, regiões que
constituíam a principal fonte de escravos. Em consequência, apesar dos sucessos
das campanhas do governador Correia de Sá contra os imbangalas e os sobas que
tinham participado da aliança entre Jinga e os holandeses, ele e os governadores
posteriores foram forçados a reabrir as relações políticas com Jinga para resolver
a questão do tráfico de escravos. Em segundo lugar, Jinga iniciou relações
diretas com os capuchinhos, uma ordem religiosa cujos missionários serviriam
de seus intermediários políticos, não só com governadores portugueses de
Angola, mas também com altos funcionários na Europa. Em terceiro lugar, Jinga
traçou planos para substituir por crenças e rituais cristãos as ideias e rituais
religiosos imbangalas que haviam sido a ideologia unificadora que a vinculava
aos seus seguidores.
A implementação bem-sucedida de suas novas estratégias possibilitaria a
Jinga alcançar todos esses objetivos. Até o fim de 1656, ela conseguiu a
libertação de sua irmã, confirmou seu direito de governar Matamba como um
reino independente, com fronteiras definitivas reconhecidas pelos portugueses, e
estabeleceu as condições para transformar Matamba no reino cristão que
imaginava. Com efeito, o sucesso de Jinga em fundir diplomacia militar,
religiosa e política numa estratégia efetiva de governo impressionou de tal modo,
tanto seus detratores como seus admiradores, que nos últimos cinco anos de sua
vida ambos os grupos já a elogiavam, dizendo que não havia ninguém igual a ela
em toda a África. Para acompanhar Jinga durante a década decorrida após seu
retorno a Matamba, trataremos primeiro de suas operações militares, depois da
diplomacia religiosa e, por fim, da diplomacia política, que resultou na
assinatura de um tratado de paz com os portugueses em 1656.

As incessantes campanhas militares de Jinga

Embora a nova estratégia de Jinga já não tivesse por objetivo a derrota militar
dos portugueses, ela continuou a usar a guerra como um elemento essencial de
sua liderança. Um relato de 1650 feito por um observador português listou mais
de 29 invasões que os exércitos de Jinga realizaram entre 1648 e 1650,
observando que os governantes das terras que ela invadiu foram mortos ou se
tornaram tributários que a reconheciam como sua “senhora natural”. Ela não
perdera nada de sua ferocidade: numa campanha contra o imbangala Caheta, os
quarenta mil soldados de Jinga enfrentaram seu exército de dez mil homens e
dominaram de tal modo as tropas inimigas durante um ataque ao amanhecer que
Caheta ficou paralisado de medo, sem saber se lutava ou fugia. Ela foi embora
com mais de seis mil prisioneiros e destruiu tudo no quilombo de Caheta, “até as
árvores”. Ao descrever a Jinga que observou durante esses anos, o autor disse:
“Vi Jinga vestida como um homem, armada com arco, flechas, e já velha e de
pequena estatura. Seu discurso é muito efeminado”. [1]
Após sua partida rápida de Luanda em agosto de 1648, o primeiro ato de
Jinga foi alojar seu exército perto de Massangano e mandar tropas para obrigar
os sobas da região a reconhecê-la como sua rainha. Com 139 regimentos de
imbangalas sob seu controle, ela não teve dificuldade em fazer com que os sobas
concordassem com suas exigências. [2] A invasão da província de Wandu em
setembro daquele ano, descrita no capítulo anterior, resultou do desejo de Jinga
de demonstrar ao governante de lá que ela ainda podia impor sua vontade às
regiões que faziam fronteira com Ndongo.
Jinga continuou a usar seu exército para intimidar sobas das regiões que
faziam fronteira com Congo, Matamba e Ndongo, com o objetivo de mostrar que
ainda tinha forças poderosas sob seu controle, apesar dos reveses militares que
sofrera. Nos meses posteriores à invasão de Wandu, ela empreendeu várias
operações militares perto dos fortes portugueses de Massangano e Ambaca.
Jinga sabia que o governador estava preocupado em aumentar os reforços
militares nos fortes de Luanda e seus arredores, com o objetivo de trazer sobas
rebeldes da região de volta ao domínio português, e pensaria duas vezes antes de
enfrentá-la em batalha direta.
Quando estava voltando para Matamba, ela ordenou invasões no lado leste,
até as margens do rio Kwango, com o propósito de restabelecer uma presença
militar forte na região. Essa região estivera anteriormente sob o controle de
Jinga, mas fora invadida por seus inimigos durante os anos em que ela esteve
lutando nas proximidades de Ambaca. Seu maior oponente militar nessa área era
o imbangala Kassanje, que estabelecera seu quilombo numa parte de Matamba
que Jinga reivindicava como sua. [3]
É importante notar que os exércitos de Jinga durante essas campanhas do
início dos anos 1650 eram compostos por homens e mulheres. Um viajante
francês que esteve em Angola em 1652 observou que as mulheres que
acompanhavam o exército de Jinga eram numerosas e que cada uma tinha
“quatro ou cinco oficiais a seu serviço e para seu prazer”. Tal como Jinga, essas
mulheres eram treinadas para lutar e participavam de batalhas ao lado dos
homens ou empreendiam suas próprias campanhas. [4]
Jinga não restringiu suas atividades militares ao leste de Matamba. Em março
de 1655, por exemplo, mandou Jinga a Mona invadir a região de Mbwila, no
leste do Congo, e, apesar da forte resistência, conseguiu conquistar a província.
É provável que ela quisesse demonstrar aos portugueses que ainda era capaz de
executar operações militares, embora estivesse ao mesmo tempo buscando a paz
com eles. [5] Naquele período, ela controlava terras que se estendiam do lado
leste de Ndongo a Matamba e, para o norte, ao longo do rio Kwango. [6] Jinga
sempre sustentou que tinha direito a Angola e Ndongo, mas, mesmo depois de
ter sido derrotada e forçada a fugir da região dos Dembos, o reino que governava
ainda incluía partes de Ndongo, todo o reino de Matamba, território que o Congo
reivindicava, e partes do reino de Yaka (na atual República Democrática do
Congo). [7]
Durante esse período, Jinga não só mandava seus capitães para a guerra como
às vezes assumia ela mesma o comando. Em dezembro de 1657, pouco antes de
comandar suas tropas numa campanha contra o capitão imbangala Kalandula,
Jinga preparou-se para a batalha, liderando os soldados nos habituais exercícios
militares rigorosos com flechas e lanças. Em sua maioria, os soldados que
participavam do exercício poderiam, por sua idade ser bisnetos dela. No
caminho para o acampamento de Kalandula, Jinga deu ordens para bloquear
todas as possíveis rotas de fuga, e o exército cercou sorrateiramente a base dele
durante a noite. De manhã, ela mandou um soldado pôr sua bandeira no alto de
uma árvore e desafiou Kalandula a lutar. Percebendo que Jinga o havia
encurralado, Kalandula imediatamente enviou um emissário que jurou que ele
considerava Jinga “sua rainha e deusa” e que, no futuro, desejava obedecer-lhe e
servi-la. Quando quatrocentos de seus soldados tentaram fugir ao ouvir sua
declaração, Jinga enviou imediatamente algumas tropas atrás deles e capturou a
maioria. Muitos dos cativos foram enviados para Ambaca e vendidos como
escravos. Ela então comandou suas tropas num ataque feroz contra as forças
restantes de Kalandula, no qual 1500 soldados foram capturados e muitos
morreram. O próprio Kalandula morreu; sua cabeça foi cortada e oferecida a
Jinga, que mandou o sinistro troféu ao governador português. [8]
Embora essa batalha tenha sido a última que comandou pessoalmente, Jinga
nunca dissolveu o exército e continuou a confiar na guerra como parte de sua
estratégia para manter o controle sobre os territórios que havia subordinado,
ajudar aliados ou punir vizinhos que representassem uma ameaça ao seu
domínio. [9] Seu sargento-mor informava-a de qualquer movimento de exércitos
inimigos, e ela contava com um grupo de batedores militares que podiam entrar
em ação a qualquer momento para avaliar o perigo. Estava preparada para pôr
tropas em campo sempre que necessário. [10] Por exemplo, em março de 1658,
quatro meses após seu retorno da batalha contra Kalandula, ela recebeu a
informação de que o exército de Yaka se aproveitara de sua ausência e fizera
várias incursões na fronteira a nordeste de Matamba. Jinga tentou negociar com
o rei dos yakas, mas, quando ele deixou claro que considerava isso um sinal de
fraqueza, abandonou a diplomacia e ordenou um ataque. O capitão da operação
conseguiu capturar o rei, que imediatamente pleiteou indulto. Jinga
condescendeu; a guerra e o perdão asseguravam um grau adequado de respeito e
medo por ela, bem como a paz na parte distante do nordeste de Matamba. [11]
Para demonstrar que a guerra ainda era um aspecto central de sua liderança,
Jinga continuou a receber em suas fileiras muitos imbangalas e sobas que
haviam sido seus aliados durante a ocupação holandesa, mas que se passaram
para o lado português em consequência das campanhas militares de Correia de
Sá contra eles entre 1648 e 1650. Correia de Sá decapitou catorze sobas
identificados como rebeldes, que haviam aderido aos holandeses, bem como
quatro dos cinco imbangalas que suas tropas capturaram durante operações em
Kissama. Muitos dos sobas e imbangalas restantes logo ficaram descontentes
com a política portuguesa de promover os interesses dos colonos. Com efeito,
eles perderam a maior parte das terras férteis que cultivavam ao longo dos rios
Dande, Zenza e Kwanza para colonos portugueses que se mudaram após a
reconquista. Em consequência, trocaram novamente de lado e voltaram a ser
fiéis a Jinga. [12]
Um desses líderes era o imbangala Kabuku Kandonga (e não o Kabuku que
conhecemos no capítulo 5). Em fevereiro de 1653, ele decidiu romper sua
aliança com os portugueses e fazer um acordo secreto com Jinga para unir seu
quilombo ao dela em Matamba. Jinga enviou-lhe emissários no início de 1654,
mas o governador português, que descreveu Jinga na época como “o inimigo
capital dos portugueses”, soube do plano e mandou aprisionar todos que estavam
no quilombo de Kabuku. No ano seguinte, o novo governador Luís Martins de
Sousa Chichorro invadiu as terras de Kabuku, o capturou e despachou para o
Brasil. [13] Poucos dias depois, Sousa Chichorro organizou uma grande
campanha contra o soba Kambambe, um dos antigos aliados de Jinga que
ressurgira como uma importante ameaça para os portugueses, atraindo cerca de
dez mil ambundos escravizados que os colonos portugueses reivindicaram como
seus. Sousa Chichorro continuou suas operações na região por dezoito meses,
com ambos os lados acumulando grandes baixas. [14] Kalandula, o imbangala
que Jinga matou mais tarde em batalha, também estava envolvido em planos
para se juntar a ela, mas conseguiu escapar da captura e fugir com um grande
número de escravos e mil soldados. Ele se colocou junto com seu povo sob o
controle de Jinga e estabeleceu-se a dez quilômetros de Ambaca, em terras que
ela reivindicava. [15]
A estratégia militar de Jinga não se baseava apenas nos sucessos dos
exércitos que comandava ou nos imbangalas e sobas que atraía para Matamba ou
outras partes de suas terras. Ela também continuava ativamente envolvida na
política local de Ndongo, o que significa que costumava usar seu exército para
resolver disputas de sucessão a favor de candidatos que apoiava. Foi o que
aconteceu no caso de João Muquila, que contestou a escolha do irmão para
tomar o lugar de soba de seu pai, assassinando-o, bem como vários de seus tios.
Quando os portugueses reconheceram o filho do irmão, Sebastião Kiluanje,
como governante, em 1656, João chamou Jinga para ajudá-lo a expulsar
Sebastião. O exército de Jinga fez três tentativas contra Sebastião, mas as tropas
portuguesas repeliram os assaltos e mataram os três capitães que as
comandaram. [16] Embora não tenha conseguido derrubar Sebastião, o caso
ilustra que, mesmo quando negociava um tratado de paz com os portugueses,
Jinga estava preparada para agir contra sobas da região em torno de Ambaca.
Essa área continuaria a ser o centro da resistência para o resto de sua vida, e as
autoridades portuguesas, embora conseguissem consolidar algum grau de
controle sobre ela, não tinham escolha senão reconhecer que a força militar de
Jinga seria um obstáculo importante aos seus planos de expansão para além do
forte de Ambaca. [17]

Giovanni Antonio Cavazzi da Montecuccolo, “Missione evangelica nel Regno de Congo” (1668), v. A,
páginas preliminares, xlii. Manuscritos Araldi, Modena, Itália. Fotografia: Vincenzo Negro.
Rainha Jinga fumando diante de um santuário. Antonio Cavazzi, c. 1668.

Mesmo nos últimos anos de vida, quando não estava mais no comando de seu
exército, Jinga continuou a supervisionar as campanhas militares. Por exemplo,
em outubro de 1661, mandou seu exército para lutar contra o líder imbangala
Kassanje, depois que ele liderou seu exército num ataque contra um soba nas
terras dela, matando todos os homens e bebês e levando prisioneiras as mulheres
e crianças. Outro soba repeliu um segundo ataque, obrigando Kassanje a recuar,
mas mesmo assim Jinga decidiu contra-atacar imediatamente. Antes de reunir
combatentes, ela foi à igreja a fim de fazer uma confissão privada para explicar
os motivos de sua decisão de ir à guerra. Foi depois para a praça pública,
acompanhada de suas guarda-costas, armadas com arcos e flechas, e seus
soldados, que também serviam de proteção para ela. Ela incitou as pessoas com
palavras apaixonadas e logo reuniu um enorme exército para lutar contra
Kassanje. Seguindo o exército em retirada, suas tropas derrotaram as forças de
Kassanje, matando muitos, fazendo outros prisioneiros e entregando a Jinga
dezesseis bandeiras dos oficiais que se afogaram quando tentavam escapar
através do rio Kwango. Isso aconteceu depois que Jinga aceitou plenamente o
cristianismo como religião oficial de Matamba, mas a celebração da vitória
incluiu rituais imbangalas, junto com uma missa cristã na qual as bandeiras
capturadas do inimigo foram oferecidas à Virgem Maria em agradecimento pela
vitória. [18]
A estratégia de Jinga de usar a força militar para demonstrar a continuidade
de seu poder atormentava tanto os governadores portugueses que eles pediam
frequentemente ao rei de Portugal permissão para fazer guerra contra ela de
novo. Em julho de 1652, Bento Teixeira de Saldanha, um funcionário de Luanda,
observou em carta ao rei João IV que os principais adversários dos portugueses
em Angola eram o rei do Congo, Jinga e o governante da província totalmente
inconquistada de Kissama. Os três governantes, explicou ele, conseguiam deter o
tráfico de escravos para Luanda, “tão vital para a economia”, porque “perseguem
e atacam os sobas vassalos”. Ele pedia permissão para recrutar soldados
africanos, a fim de defender os sobas e fazer guerra aos três governantes. Em
dezembro de 1652, a questão foi parcialmente resolvida quando o Conselho
Ultramarino, numa decisão dividida, aconselhou o rei a não concordar com o
pedido. [19] A continuidade da força militar de Jinga provavelmente influenciou a
decisão do conselho. Alguns de seus membros alertaram-no de que deveria
advertir as autoridades em Luanda para não guerrearem contra Jinga ou outros
líderes, lembrando-lhe que governadores anteriores que usavam a guerra como
meio para capturar escravos causaram a ruína do território. O conselho sugeria
que perdoar Jinga e seus dois colegas africanos pela traição deles durante o
período da ocupação holandesa seria vantajoso para os portugueses. Uma
renovação da amizade significaria um retorno do tráfico de escravos. [20]
Em carta datada de 16 de setembro de 1653, autoridades de Lisboa mandaram
as autoridades de Luanda empreender uma guerra contra Jinga somente se
estivessem certas de que tinham tropas suficientes para proteger Luanda. A
cidade não devia, sob nenhuma circunstância, ficar sujeita a “uma invasão dos
inimigos”. Em 1654, João IV advertiu o governador Sousa Chichorro de que não
cedesse ao pedido de Ngola Hari para fazer guerra contra Jinga. Em vez disso,
Sousa Chichorro deveria trabalhar para “conservar essa rainha”, a fim de que o
exército dela não invadisse e arruinasse a colônia. [21] Embora João IV tenha
morrido no final daquele ano e Sousa Chichorro efetuado outras operações
militares contra o Congo e Kissama, a diretiva real do falecido rei continuava
influenciando as relações com Jinga. Ainda em 1657, depois que ela assinou um
tratado com os portugueses, dos “três inimigos” que os portugueses
identificavam em Angola, ela era a única com quem eles sentiam necessidade de
buscar a paz. [22] Enquanto outras regiões continuariam a ser alvo de luta,
Matamba não seria submetido à agressão militar portuguesa graças à poderosa
imagem de Jinga e à sua prontidão militar.

Diplomacia religiosa, de novo

Entre 1648 e 1656, ao mesmo tempo que seu exército efetuava campanhas em
todas as regiões a leste de Ndongo, Jinga procurava uma solução diplomática.
Como primeiro passo, em vez de tratar diretamente com os portugueses, ela fez
uso dos sacerdotes e missionários capuchinhos capturados por seus exércitos.
Suas primeiras tentativas de diplomacia religiosa ocorreram em 1643, em seu
quilombo de Sengas de Kavanga, na região dos Dembos. Ali, Jinga começou
uma campanha de longo prazo para conquistar a confiança dos missionários
vindos de Roma para que eles se dispusessem a defender sua causa na Europa.
Desde o início, ela tratou os missionários capturados de forma diferente de
outros soldados ou civis portugueses. Em vez de mantê-los reféns, costumava
libertá-los; se os mantinha prisioneiros, como fez com o padre Jerônimo de
Sequeira, concedia-lhes uma considerável liberdade. Ela capturou o padre
Sequeira em 1644, junto com doze soldados, mas deu-lhe livre acesso a seu
quilombo e até construiu um pequeno altar e solicitou que ele rezasse missa para
ela. Tratava-o com respeito, dirigindo-se a ele como nganga ngola (sacerdote do
ngola [rei]), ao que ele respondia “kalunga, kalunga queto ” (Céu, nosso Céu).
Não surpreende que os portugueses que capturaram o quilombo em 1646
ficassem escandalizados ao descobrir que o altar estava localizado ao lado de
uma “casa diabólica” que ela construiu para seus próprios gangas. [23]
A captura por seu exército de dois missionários capuchinhos espanhóis e um
sacerdote do Congo durante a invasão da província de Wandu, em 1648,
proporcionou-lhe a chance que estava procurando para iniciar relações
diplomáticas formais com a Igreja católica. Os espanhóis, freis Bonaventura de
Cordella e Francisco de Veas, junto com seu acompanhante e tradutor congolês,
padre Calisto Zelotes dos Reis Magos, haviam recebido permissão do rei Garcia
II para ir à província rebelde de Wandu e realizar trabalhos missionários. O grupo
chegou uma semana antes de o exército de Jinga atacar a província e saquear a
capital. Os guardas pessoais de Jinga apanharam os capuchinhos, que haviam se
refugiado na igreja e estavam escondidos embaixo do altar. Os soldados de Jinga
lembraram-se da ordem de que os gangas cristãos não deveriam ser mortos e
entregaram a ela os sacerdotes espanhóis. Ela assegurou-lhes que não
precisavam temê-la, mas eles tinham medo de ser obrigados a consumir carne
humana. Jinga acalmou-os, fazendo com que uma de suas criadas lhes
preparasse carne de veado, onde ainda se viam a pele e os ossos do animal para
indicar a origem da refeição. Jinga também passou muitas horas conversando
com eles em português, idioma que conhecia bem. Quando soube que o padre
Zelotes estava entre os prisioneiros que deveriam ser mortos e comidos pelos
soldados vitoriosos, ela exigiu que os capitães imbangalas o entregassem. Foi só
então que percebeu que se tratava do padre que a apresentara pela primeira vez
ao cristianismo, um quarto de século antes, em Luanda. Embora não pudesse
impedir que ele fosse marcado e tivesse dois dentes da frente arrancados
(indicando que seria um escravo no quilombo), Jinga cuidou dele, tratando de
seus ferimentos e restaurando sua saúde. Mais tarde, ele se tornaria seu
secretário pessoal e desempenharia um papel fundamental na reconciliação dela
com a Igreja. [24]
Mas Jinga tinha outro motivo para tratar bem os freis Cordella e Veas: queria
testá-los, a fim de ver se poderia usá-los como canal para comunicar-se com
Roma. Nas muitas conversas que teve com os dois capuchinhos, ela fez uma
defesa vivaz de seu estilo de vida. Não obstante se esquivasse das tentativas
deles de persuadi-la a mudar seus costumes, ela indicou que levava a sério
estabelecer vínculos mais estreitos com a Igreja. Era bem sabido que os
missionários e a Igreja estavam horrorizados com o canibalismo ritual dos
imbangalas. Jinga negou que ela fosse canibal, afirmando que ela e seus capitães
“não comiam carne humana”. [25] Admitiu que tolerava o costume entre seus
soldados imbangalas, mas o que poderia fazer? “Era costume deles”, disse ela,
resignadamente, e era impossível parar com aquilo.
Fólio de “Parma Watercolors” (final do século XVII ), n. 101. Coleção particular. Fotografia © Cécile
Fromont.

Rainha Jinga com missionários capturados.

Jinga esforçou-se para fazer uma aliança com a Igreja católica romana.
Entregou aos dois sacerdotes uma carta endereçada ao papa, na qual prometia
voltar ao cristianismo e convidar missionários capuchinhos ao seu reino assim
que a guerra com os portugueses acabasse e seu reino fosse restaurado. Como
era habitual, deu presentes aos frades para mostrar sua sinceridade, oferecendo-
lhes escravos e outros “bens valiosos”. Ela ficou espantada — e agradavelmente
surpreendida — quando eles recusaram suas ofertas, inclusive a de escravos.
Impressionada, permitiu que partissem na companhia de uma embaixada do
Congo que o rei Garcia II enviara com presentes para ela. [26]
Esse encontro com os dois capuchinhos espanhóis em 1648 foi o primeiro
contato de Jinga com os missionários dessa ordem, mas sua reputação já era bem
conhecida entre eles. Em março do mesmo ano, o frei capuchinho Giovanni
Francesco da Roma escrevera uma carta à Propaganda Fide (Propagação da Fé, a
Congregação da Santa Sé fundada com o propósito de evangelizar regiões do
mundo onde o cristianismo ainda não havia fincado pé) sobre o estado da Igreja
no Congo. Na carta, ele fazia referência a Jinga, observando que suas terras
faziam fronteira com o Congo e que ela tinha sido batizada na Igreja católica,
mas havia abandonado a fé devido à “crueldade dos portugueses” que “tinham
feito uma guerra contra ela e se apoderado de seu reino”. [27] Embora ela não
soubesse disso no momento de seu encontro com os freis Cordella e Veas, os
capuchinhos eram vistos com suspeita pelos portugueses e jesuítas e, em
consequência, os sacerdotes espanhóis estavam predispostos a simpatizar com
ela. As cartas que ela enviou aos capuchinhos indicando sua vontade de
desenvolver contatos diplomáticos com Roma obtiveram o tipo de atenção que
jamais teriam recebido dos jesuítas. A Companhia de Jesus havia desempenhado
o papel central de braço religioso da conquista de Angola pelos portugueses
desde a chegada de Dias de Novais, em 1575, a Luanda, e ainda representava a
ordem colonial oficial portuguesa em Angola.
Não obstante, Jinga enfrentou obstáculos em sua tentativa de aproximação
dos capuchinhos, que ainda estavam intranquilos com o que sabiam sobre ela.
Em fevereiro de 1651, dois anos depois de Jinga ter libertado os dois sacerdotes
espanhóis em Wandu, frei Serafino da Cortona, superior dos capuchinhos em
Luanda, recebeu uma carta de Jinga na qual ela dizia que queria que ele “viesse e
batizasse seu povo”. [28] Ele não respondeu de imediato, mas certamente ficou
intrigado. O frade demoraria quatro meses para escrever à Propaganda Fide.
Nessa carta, explicava que não poderia atender ao pedido de Jinga antes que o
rei Garcia II e os portugueses resolvessem sua longa disputa sobre o lugar onde o
bispo do Congo e de Angola deveria residir, que decorria das tentativas
portuguesas de mudar a sé da capital do Congo para Luanda como forma de
puni-lo por ter apoiado os holandeses. Porém, frei Cortona relutou em deixar
passar a oportunidade e incentivou as autoridades de Roma a enviar pelo menos
dois capuchinhos para trabalhar em Matamba, convencido de que a presença
deles “seria um ótimo serviço a Deus para ajudá-la”. A reputação de Jinga de
apóstata que consumia carne humana e tirava a vida de crianças inocentes estava
tão enraizada que os capuchinhos de Angola sabiam que precisariam do pleno
apoio de Roma antes de se comprometerem a atender ao pedido de Jinga. Com
efeito, em sua carta, frei Cortona referiu-se a Jinga como uma governante que ia
à guerra todos os anos, que tolerava os “costumes bárbaros” de matar recém-
nascidos, enterrá-los vivos ou abandoná-los para serem comidos por animais
selvagens, e viver de pilhagens, sem residência fixa. [29]
Em abril de 1651, Cortona ganhou em Luanda a companhia de um segundo
capuchinho, frei Antonio Romano, que viera diretamente de Roma; os dois
sacerdotes foram designados para trabalhar no forte português de Massangano.
Além disso, eles viajaram pelo interior, levando os sacramentos para muitos dos
habitantes das regiões em torno do forte. O mais significativo é que frei Cortona
tornou-se confessor de Kambu, irmã de Jinga — conhecida agora por seu nome
cristão de Bárbara e vivendo como prisioneira em Luanda —, e parece tê-la
persuadido a escrever uma carta a Jinga para incentivá-la a desistir de seu estilo
de vida imbangala e retornar ao cristianismo. Talvez inspirada por essa missiva
ou por uma breve visita dos freis Cortona e Romano, Jinga escreveu uma carta
em 15 de agosto daquele ano (que entregou a Cortona) diretamente à Propaganda
Fide. Nela, agradecia aos cardeais por preocuparem-se com a salvação dela e de
seu povo e por enviar o frei capuchinho Antonio Romano às suas terras.
Confessava ainda que, graças à visita, conhecera finalmente o “Deus verdadeiro”
e percebia agora que havia sido “enganada por nossas crenças idólatras, possuída
pelo demônio”. Ao pedir perdão por suas transgressões, Jinga prometia que
qualquer missionário seria acolhido com os braços abertos, porque havia “muitas
pessoas em nosso reino prontas para receber o santo batismo”. [30]
Embora as guerras em que estava envolvida na época e os costumes
imbangalas que tolerava sugiram que Jinga não estava pronta para uma
transformação completa, sua diplomacia missionária fazia progressos. A posição
favorável dos capuchinhos em relação a ela, apoiada pela carta simpática de frei
Romano de 1648, certamente ajudou sua causa. [31] Graças à perseverança, Jinga
parece ter convencido os capuchinhos de que havia alguma verdade em sua
afirmação de que os portugueses haviam invadido injustamente suas terras.
De repente, ela tinha uma voz no Vaticano. Uma carta de 1651 de frei
Cortona ao superior da ordem dos capuchinhos na Toscana deixa isso claro.
Citando o pedido de Jinga para que enviassem missionários, Cortona acusa os
portugueses de dissuadi-lo de responder a ela e exigir, em vez disso, que ele
enviasse missionários para Massangano. [32] Ademais, escreveu ele, os
portugueses haviam tomado Angola da rainha Jinga “pela força”. [33] Alguns
meses mais tarde, outro sacerdote capuchinho de Angola levantou de novo a
questão do pedido de missionários que ela fizera, lembrando à Propaganda Fide
que Angola, que estava sob jurisdição portuguesa, fora tomada “pela força de
armas da rainha Jinga, uma pagã”. [34]
Não obstante a simpatia, os capuchinhos relutavam em aproximar-se de Jinga
porque achavam difícil explicar por que ela desistira do cristianismo e adotara
práticas que iam contra tudo o que a religião deles representava. Jinga logo
percebeu que teria de tentar outra tática. Proclamar simplesmente que retornaria
ao cristianismo já não era suficiente: era hora de agir. No início de 1652, ela
mandou um emissário diretamente a Luanda. Jinga queria que os capuchinhos o
batizassem, disse ele aos funcionários portugueses, e assegurou-lhes seu desejo
de que missionários capuchinhos trabalhassem em Matamba. Depois de discutir
a questão, frei Cortona recusou-se a batizar o embaixador. Mesmo depois das
duas cartas de Jinga, mesmo depois da sua promessa de receber os missionários
em Matamba, Cortona estava convencido de que o emissário voltaria aos
costumes pagãos ao retornar para casa. Os capuchinhos elogiaram a bondade de
Jinga para com os freis Cordella e Veas, mas estavam bem cientes de que ela
queria ditar os termos da relação, e eles não se sentiam dispostos a confiar por
completo nela. [35]
No entanto, a aproximação com os capuchinhos foi compensada de outras
formas. Esses religiosos, que até então concentravam a maior parte de seus
esforços missionários no reino do Congo, perceberam que Matamba e os outros
territórios que Jinga reivindicava — inclusive partes de Ndongo — eram
extremamente populosos e seriam fecundos e gratificantes para o trabalho
missionário. Antecipando essa possível mudança de foco, frei Cortona, em carta
escrita em 1652, advertiu as autoridades em Roma de que os potenciais
candidatos à região deveriam aprender quimbundo, a língua de Jinga e de seu
povo, em vez de quicongo, a língua dos congoleses. [36] Poucas semanas depois,
um dos concorrentes em disputa pela nomeação para superior da ordem dos
capuchinhos em Luanda pediu permissão para viajar com um companheiro ao
“país pagão” porque haviam recebido da rainha Jinga “pedidos renovados” de
missionários. Embora ela estivesse “continuamente em guerra” e houvesse
cometido “inúmeras crueldades, condenadas não somente pela lei de Deus, mas
pela lei natural”, ele partiu para Matamba, armado com uma cópia da carta dela.
(Os registros existentes não mencionam se ele alcançou seu objetivo.) Os
missionários sabiam que enfrentavam desafios ao trazer para a Igreja uma
governante cujas muitas guerras e práticas imbangalas a tornavam igualmente
temida e fascinante. Eles, tal como seus equivalentes leigos, não conseguiam
entender o motivo das escolhas de Jinga. [37]
Frei Cortona e outros capuchinhos continuaram a pressionar o Vaticano no
que dizia respeito ao pedido de missionários, enviando cartas à Propaganda Fide
e a seus colegas capuchinhos em Roma e em outros lugares da Itália. As cartas
de Jinga tinham conseguido convencer os capuchinhos de Luanda de que ela era
uma governante importante demais para ser ignorada, e, apesar de sua
repugnância por alguns aspectos de seu estilo de vida, eles defenderam sua
causa. O fato de sua irmã Bárbara estar levando uma vida religiosa exemplar em
Luanda durante sua prisão pelos portugueses deu aos capuchinhos a esperança
de que Jinga encontraria na irmã um exemplo cristão. [38]
Embora demorasse alguns meses para que Jinga recebesse a notícia de Roma,
um avanço em sua diplomacia missionária ocorreu em março de 1653, quando
frei Cortona enviou o frei Antonio Maria de Monteprandone a Roma com o
objetivo de defender a indicação de um superior para Matamba que seria
diferente do enviado ao Congo. Embora não estivesse minimizando a
“pecaminosidade” de Jinga ou o fato de que seus súditos eram “pagãos que
comiam carne humana”, frei Monteprandone enfatizava os repetidos pedidos de
missionários feitos por ela. Em maio de 1653, numa reunião do colégio de
cardeais, eles finalmente aprovaram o pedido e, em outubro, selecionaram
missionários para ir a Matamba. [39] Entre os missionários estavam os freis
Antonio da Gaeta e Antonio Giovanni Cavazzi. Juntos com outros capuchinhos,
eles chegaram a Luanda em novembro de 1654. Quatro dias depois, o Vaticano
publicou o decreto oficial que estabelecia a missão no reino da rainha Jinga.
Quando o grupo chegou a Luanda, Cortona escreveu a Jinga. Ela respondeu
imediatamente. No início de 1655, depois de muito tempo, uma parte da
diplomacia missionária de Jinga dava frutos. Nos anos seguintes, Gaeta, Cortona
e Cavazzi se tornariam atores fundamentais da diplomacia política e missionária
de Jinga e, por fim, de sua própria transformação religiosa.
Diplomacia política, de novo

Jinga não desistira da diplomacia política, e ainda tinha uma estratégia a pôr em
prática antes que todos os seus planos dessem certo. Percebendo que precisava
conseguir um acordo formal com os portugueses para garantir a libertação de
Bárbara e resolver sua reivindicação de terras que acreditava terem sido
usurpadas pelos governadores portugueses, Jinga procurou um canal para tratar
diretamente com as autoridades de Luanda. Uma oportunidade surgiu
imediatamente após seu retorno a Matamba, em 1648, quando recebeu um
enviado do governador Correia de Sá. Ela sabia que, em decorrência das
operações militares dele, os portugueses haviam recuperado a fidelidade de
todos os sobas em partes da região dos Dembos que ela havia controlado, assim
como alguns das províncias de Libolo e Kissama e do entorno do forte de
Massangano. Com efeito, muitos sobas que antes lhe haviam prometido
fidelidade começaram a enviar embaixadas a Luanda para pedir amizade e paz
aos portugueses. [40] Ela calculou que Correia de Sá não tinha tropas suficientes
para atacá-la e não ficou surpresa quando, depois de retornar a Matamba,
começou a receber cartas e enviados de Correia de Sá, bem como do rei de
Portugal.
Jinga supôs que, em face de seus sucessos militares, Correia de Sá relutaria
em ameaçá-la com a guerra, ao contrário do que acontecia com o rei Garcia II do
Congo. Sua suposição estava correta. As comunicações deste com Correia de Sá
estavam carregadas de acusações e tensão. Ao contrário de Jinga, o próprio
Garcia enviou a Correia de Sá uma carta em 1648, depois que os holandeses
foram embora, em que resumia as condições para a paz. A resposta do
governador português no ano seguinte foi ameaçar o Congo com uma invasão
militar se Garcia não concordasse em pagar reparações. Correia de Sá acusou
Garcia de trair o rei de Portugal e advertiu que, se ele não concordasse em pagar
novecentos escravos, invadiria seu reino. A coisa não parou por aí: além de
várias outras condições onerosas, o governador português disse a Garcia que ele
perderia os direitos à ilha de Luanda e às minas de prata que supostamente se
localizavam em terras que o Congo reivindicava.
Enquanto estava envolvido nesse intercâmbio hostil de missivas com o
vizinho de Jinga, Correia de Sá tentava, ao mesmo tempo, apaziguá-la, iniciando
relações diplomáticas com ela. Jinga respondeu favoravelmente às embaixadas
do governador que foram a Matamba entre 1648 e 1650, mas que tinham a ver
com o comércio e outras questões menores. A partir do início de 1650, Correia
de Sá começou a enviar mensagens oferecendo-se para perdoá-la em nome do rei
João IV , e até mesmo indicando que o rei a receberia de volta à proteção
portuguesa. Mas essas mensagens não mencionavam as questões de maior
preocupação para ela: a libertação de Bárbara e as reivindicações de longa data
de terras em Ndongo. [41]
Cerca de dois anos depois de receber as primeiras cartas, Jinga respondeu ao
ramo de oliveira que Correia de Sá lhe estendera em dezembro de 1650.
Acreditando que o governador estava genuinamente interessado na paz e que
conseguiria finalmente a libertação de Bárbara, ela lhe mandou “escravos e
duzentos banzos ” (um banzo era um conjunto de artigos comerciais
equivalentes a um escravo) para incentivá-lo a enviar uma embaixada mais
formal. Correia de Sá fez o que ela pediu: alguns meses depois, enviou uma
embaixada chefiada por Rui Pegado da Ponte, um português com muitos anos de
Angola e fluência em quimbundo. Pegado levava consigo uma carta do
governador, datada de 13 de abril de 1651, na qual ele a tratava de “rainha” e a
lisonjeava dizendo que ela descendia do “sangue real de reis e imperadores” e
que era diferente dos imbangalas, que eram “ladrões” que não tinham “pais, nem
mães ou terras”, tão desprezados que “Deus não pode ajudar um povo assim”. O
governador implorava-lhe que abandonasse seus costumes imbangalas e voltasse
à Igreja, e esperava que ela permitisse que Pegado ou qualquer branco batizado,
ou senhor de seu país, “batizasse as crianças”. [42]
Antes de responder ao governador, Jinga consultou seus conselheiros, que
apoiaram plenamente seus esforços para resolver o impasse através da
diplomacia. Ao notar que a carta de Correia de Sá não fazia nenhuma referência
à libertação de Bárbara ou à questão de suas reivindicações de terras, ela pôs
essas questões no centro de sua resposta. Agradecendo a Pegado pelos presentes
e pelas palavras favoráveis expressas nas cartas, ela ressaltava que tudo dependia
da libertação de Bárbara. Detalhava então a longa história do conflito com os
portugueses e, como havia feito em tantas ocasiões no passado quando se reunia
com representantes da Coroa portuguesa, punha a culpa do início de todos os
seus problemas no ex-governador Fernão de Sousa. Ela o acusava não só de
oprimir e invadir seu Estado, mas de tomar-lhe o reino e transferi-lo para seu
vassalo Ngola Hari. Com a intenção de capitalizar em cima da abertura
diplomática que Correia de Sá iniciara, Jinga aproveitou a oportunidade para
pedir a ajuda dele na recuperação das partes de Matamba que o imbangala
Kassanje havia tomado, prometendo, em troca, desistir das práticas imbangalas.
Por fim, quanto à questão do cristianismo, ela o desanimava, prometendo
discuti-la numa data posterior. [43]
Pegado assegurou-lhe que Correia de Sá faria a paz com ela e libertaria
Bárbara. Então Jinga enviou mais presentes para selar o acordo. Isso talvez
explique por que Correia de Sá escreveu em 6 de outubro de 1651 ao rei João IV
dizendo que fizera de Jinga “um vassalo de sua majestade” e temerosa das
“armas de sua majestade”. [44] Porém, ela não se intimidava com tanta facilidade
e continuou a exigir uma série de condições para a paz. O processo de
detalhamento do acordo duraria de 1651 a 1656, com muitos começos e paradas
nas negociações.
Durante os três anos em que Correia de Sá permaneceu em Angola (1648‑51)
e nos três anos seguintes, nos quais Luanda teve dois outros governadores, Jinga
tentou, em várias ocasiões, capitalizar as aberturas diplomáticas para pressionar
pela libertação de Bárbara e obter ajuda portuguesa para consolidar seu controle
sobre Matamba. No fim de 1654, ela já estava convencida de que os
governadores portugueses não tinham intenção de exercer uma diplomacia séria,
que estavam apenas dispostos “a desacreditá-la aos olhos do mundo e da opinião
que os negros tinham dela”. [45]
Quando o governador Luís Martins de Sousa Chichorro começou seu
mandato, em outubro de 1654, e acenou que desejava reabrir as negociações de
paz, Jinga estava pronta para receber as propostas portuguesas. Ela achava que
estava numa boa posição, tanto política quanto pessoal. Seus exércitos tinham
conseguido consolidar seu domínio sobre Matamba e suas fronteiras, apesar de o
país ainda estar em grande parte despovoado, e os capuchinhos haviam entrado
em contato com ela e indicado que estavam prontos para começar a trabalhar em
Matamba. Do ponto de vista pessoal, ela ficou encantada ao saber que Sousa
Chichorro era parente de João Correia de Sousa, o ex-governador que fora seu
padrinho de batismo em 1622. Ela viu nessa relação uma oportunidade para
reavivar as negociações que estavam paralisadas desde Correia de Sá. Jinga
enviou um embaixador a Luanda com uma carta em que cumprimentava Sousa
Chichorro por sua chegada em segurança e outras amabilidades habituais. O
resto da carta, no entanto, era um pedido de libertação de sua irmã Bárbara, com
promessas de pagar o resgate apropriado. Também prometia voltar para a Igreja
e abandonar o estilo de vida imbangala. Solicitava que sacerdotes capuchinhos
fossem à sua corte para “reconciliá-la com o Deus abençoado, batizar seu povo e
fundar uma igreja em sua corte”. [46] Foram necessários ainda catorze meses de
negociações até que recebesse uma resposta positiva, mas o clima político em
Luanda estava mudando a favor de Jinga.
Em dezembro de 1654, ou início de janeiro de 1655, ela conseguiu (por
intermédio dos capuchinhos de Luanda) que Bárbara — ainda presa em Luanda
— e um emissário seu se encontrassem com o governador. Uma vez marcado o
encontro, Jinga e Sousa Chichorro prepararam-se para um elaborado evento
público, com cada lado planejando montar uma exibição tradicional de teatro
político. O governador Sousa Chichorro tomou providências para que mil
soldados armados e em trajes militares estivessem presentes na praça ao redor do
palácio de governo. Ele esperou dentro do palácio o anúncio da chegada de
Bárbara e seu séquito, sentado em sua cadeira na sala oficial de reuniões,
cercado por capitães militares e outras autoridades. Jinga, que não era de
desperdiçar uma oportunidade de se apropriar de qualquer espaço público,
preparou seus representantes para o que equivalia a um confronto. A embaixada
que ela montara era liderada por Bárbara e o enviado, ambos “vestidos com
riqueza e pompa e acompanhados por muitos negros cristãos da cidade”. Com
efeito, os servos de Bárbara eram tão impressionantes e pareciam “tanto com
cavalheiros cristãos” que os soldados da guarda de honra cumprimentaram o
grupo com salvas de tiros. Sousa Chichorro ficou encantado com o aparecimento
de Bárbara, do enviado e do resto do grupo. Quando eles entraram na sala, o
governador esqueceu-se de sua posição e “levantou-se imediatamente de sua
cadeira e foi cumprimentar e reverenciar Bárbara”. Não se esqueceu do
emissário, saudando-o e apresentando os dois à sua comitiva. [47]
Nesse momento, as duas partes iniciaram as negociações. O governador
encaminhou Bárbara e o enviado aos seus assentos, que eram almofadas
colocadas no chão. Ao contrário de Jinga, que três décadas antes se recusara a
sentar-se no chão, Bárbara e o enviado sentaram-se onde lhes foi indicado e, de
maneira profissional, ela apresentou a carta de Jinga ao governador. O enviado
então assumiu a palavra e informou Sousa Chichorro, em quimbundo, do motivo
da audiência. Ele explicou que sua rainha, Jinga, o enviara para oficialmente dar-
lhes as boas-vindas a Luanda e para que ele soubesse que ela e toda a sua corte
se regozijavam com sua chegada e ela esperava que tivessem uma relação
cordial e produtiva. Era essencial para Jinga estabelecer publicamente a conexão
entre seu padrinho e o atual governador, e o enviado informou, como Jinga o
havia instruído, que seu tio fora o padrinho de Jinga em 1622 e que ela
mantivera o nome da família. Depois, ele transmitiu a Sousa Chichorro o
fervoroso desejo de Jinga de que ele libertasse sua irmã Bárbara, que vivia como
prisioneira em Luanda havia nove anos. Jinga estava velha, observou o enviado,
e desejava ter por perto, nos últimos anos de sua vida, alguém relacionado pelo
sangue. Quantos cativos Jinga teria de enviar, o enviado perguntou em seu nome,
para resgatar Bárbara? No final do discurso, o enviado presenteou Sousa
Chichorro com dez escravos enviados por Jinga.
Sousa Chichorro aceitou os escravos e disse a Bárbara e ao enviado que,
embora não pudesse dar-lhes uma resposta antes de consultar seu conselho, eles
deveriam informar Jinga que ele estava disposto a negociar. Prometeu que, tendo
em vista que seu tio desempenhara um papel no batismo de Jinga, certamente
faria tudo o que estava ao seu alcance para libertar Bárbara. [48] O governador
sinalizou o fim da reunião, e Bárbara e o emissário, junto com seus servos,
saíram com a mesma pompa e ostentação que haviam exibido ao entrar.
Enquanto as negociações com Sousa Chichorro avançavam, Jinga enviou
dois emissários para novas discussões com o governador. [49] Além de trazer
credenciais, eles também transmitiram ao governador uma mensagem oral que
“haviam estudado bem”, a qual “falaram [em] sua própria língua ambundo
[quimbundo]”. Em fevereiro de 1655, as negociações em Luanda já estavam a
todo vapor. [50] Jinga hesitava em pôr os capuchinhos diretamente em cena
enquanto as conversas não estivessem muito avançadas. Ela também continuava
com suas operações militares, sabedora que Sousa Chichorro lançara
recentemente uma grande ofensiva contra Kissama e que escrevera ao rei de
Portugal para informá-lo de que, uma vez terminadas essas operações, ele estaria
livre para atacar o Congo e Jinga. Por essa razão, Jinga começara dois anos antes
negociações secretas com os sobas Kabuku e Kalandula. Mas Jinga também
percebia que a continuação das negociações com o governador era essencial, e
não abandonou suas comunicações com ele. [51]
E as negociações estavam realmente avançando. Os dois emissários que Jinga
enviara para discutir a paz com Sousa Chichorro fizeram algum progresso.
Enquanto isso, o enviado que acompanhara Bárbara na reunião com o
governador voltara para Matamba e transmitira a Jinga os detalhes da reunião
encorajadora que ele e sua irmã tiveram com o governador. Sousa Chichorro
ficou muito satisfeito com o presente, informou o enviado, e, apesar das
dificuldades, estava disposto a libertar Bárbara. Jinga mandou o emissário
imediatamente de volta a Luanda, dessa vez com vinte escravos para presentear
ao governador em seu nome, bem como outros seis para o auditor-geral, um dos
membros da burocracia de Luanda que se opunha tenazmente a qualquer acordo
com ela. Jinga voltou a orientar o emissário para abordar a questão da libertação
de Bárbara, e também pedir que Sousa Chichorro permitisse que um dos
capuchinhos fosse à sua corte em Matamba para ajudar nas negociações.
A decisão de Jinga de fazer seu enviado pedir ao governador que incluísse um
sacerdote capuchinho nas discussões valeu a pena. Sousa Chichorro escreveu ao
superior da ordem em Luanda e pediu que ele identificasse um frade que pudesse
ser incluído nas negociações. As autoridades portuguesas de Luanda discutiram
muito os méritos da decisão de negociar com Jinga e libertar Bárbara, e muitos
deles se manifestaram contra.
Jinga fazia exigências um pouco diferentes em suas trocas de mensagens com
os capuchinhos. Em sua correspondência com frei Cortona, que ainda não havia
viajado para o interior após ter sido escolhido para se estabelecer em Matamba,
ela sugeriu que um missionário capuchinho acompanhasse Bárbara na viagem a
Matamba após sua libertação. Ele se tornara confessor de Bárbara num momento
crucial das negociações, e, nos primeiros meses de 1655, Jinga enviou-lhe três
“cartas corteses”, uma indicação do quanto ela passara a confiar nele. Cortona
tornara-se outro elo entre ela e o governador, outra voz que defendia a libertação
de Bárbara. Desde sua eleição, ele estava ansioso para viajar a Matamba e, em
fevereiro, antes de deixar a cidade com frei Gaeta, entrou em contato com
Bárbara, sem dúvida para informá-la sobre o progresso das negociações. Ele
chegou a Ambaca no início de maio e imediatamente escreveu a Jinga duas
cartas informando-lhe que logo estaria em Matamba. Apesar de sua relação
próxima com Bárbara e do contato com o governador em seu nome durante os
delicados meses de negociações, Jinga recusara-lhe permissão para entrar em
Matamba — exceto sob uma condição. Em resposta à carta dele de 5 de maio de
1655, Jinga declarou em termos inequívocos que ele poderia ir a Matamba
somente se Bárbara o acompanhasse. Depois de esperar em Ambaca por dois
meses, Cortona voltou a Massangano e escreveu a Sousa Chichorro, explicando
sua situação e instando-o novamente a libertar Bárbara. [52]
A estratégia de Jinga de proibir a entrada dos capuchinhos em Matamba até
que as negociações sobre Bárbara se concluíssem teve o efeito desejado. No fim
do verão de 1655, reiniciaram-se as negociações. Embora bloqueasse a entrada
dos missionários, ela mantinha negociações secretas com o governador Sousa
Chichorro, recebendo suas mensagens, trocando opiniões sobre a guerra em
Kissama que ele estava planejando e agradecendo os presentes que ele lhe
enviava. Ele sempre escolhia coisas das quais sabia que ela gostava. Em
setembro, Sousa Chichorro informou ao rei João IV sobre suas conversações com
Jinga. Contou que ela lhe pedira a libertação de Bárbara e que estava esperando
a resposta dela para ver se ela e seus funcionários concordariam com as
condições de paz que ele havia apresentado. Sim, Bárbara era quase tão velha
quanto Jinga, mas era uma “boa cristã”, “bem instruída nas coisas da fé”; seu
retorno certamente facilitaria a reconciliação de Jinga com a Igreja. Tanto para o
governador quanto para Jinga, a libertação de Bárbara tornara-se a questão
central nas negociações. [53]
Jinga deve ter concordado com as condições de Sousa Chichorro, porque em
2 de dezembro de 1655 ela recebeu a embaixada formal que ele enviou a
Matamba. A missão era encabeçada por um colono bastante respeitado chamado
Manuel Fróis Peixoto, que chegou armado com uma lista de demandas que se
tornariam os elementos essenciais do acordo final. [54] Em duas semanas, Jinga
persuadiu-se de que Sousa Chichorro era sério a respeito da libertação de
Bárbara e da paz. Em decorrência de suas discussões e da crescente fé que teve
em Peixoto, Jinga escreveu uma longa carta ao governador em 13 de dezembro,
respondendo às demandas que Peixoto havia apresentado. Ela aproveitou a
oportunidade para analisar a história de suas tratativas com os portugueses, com
o objetivo de explicar por que ela e seus auxiliares continuavam a suspeitar de
seus pedidos de paz, e detalhou exatamente o que exigia antes que pudesse fazer
algum acordo significativo. Para começar, Jinga acusava Correia de Sá e outros
ex-governadores de renegar as promessas anteriores que haviam feito de libertar
Bárbara — e como se não fosse o suficiente, a tinham enganado e ficado com os
escravos que enviara como resgate. A maior parte da carta, no entanto, era uma
discussão ponto a ponto sobre as condições que Sousa Chichorro estabelecera
para a libertação de Bárbara, bem como as expectativas de Jinga em relação ao
traslado. Com uma estratégia semelhante à das negociações anteriores, Jinga
situou essas no contexto das ações portuguesas do passado, ao mesmo tempo que
tentava convencer o governador de que era tanto do interesse dela quanto do rei
João chegar a um acordo. Declarava logo no início da carta que queria que o rei
português soubesse que estava falando sério sobre fazer a paz. Mas, ainda
desconfiada de que as autoridades locais e os colonos viessem a frustrar o
acordo, aproveitou a oportunidade para elaborar um roteiro. Elogiou o
governador Sousa Chichorro por enviar Peixoto, a quem chamou de negociador
experiente e equilibrado, que convencera a ela e seus auxiliares da seriedade do
compromisso português com a paz. Estava particularmente impressionada com o
fato de Peixoto falar quimbundo (“a língua do meu reino”) e enfatizou que
esperava que ele continuasse sendo o principal negociador. Por que mudar de
curso agora, uma vez que todos os seus funcionários estavam satisfeitos com ele
e todos acreditavam que ele seguia as instruções do rei e “fala a verdade e relata
tudo”? Isso não era pouca coisa para um pessoal tão cético, e Jinga não queria
que isso passasse despercebido. Ela também foi inflexível num ponto: qualquer
acordo que ela assinasse deveria ser assinado pela mão do rei; nenhum
documento deveria ter origem nas autoridades locais, as quais acusou de sempre
jogar os governadores contra ela. Essa era a única maneira pela qual ela e seus
funcionários ficariam convencidos de que o documento era genuíno. Além disso,
ciente dos benefícios das conexões pessoais, lembrava a Sousa Chichorro que o
padrinho dela, João Correia de Sousa, era seu parente distante. [55]
Jinga também incluía um plano detalhado para o retorno de Bárbara, sem
esquecer que uma grande exibição pública de alta posição social era essencial
para seu povo. Ela pediu ao governador garantia de que Bárbara chegaria a
Matamba em companhia de dois sacerdotes católicos, o capuchinho Cortona e o
missionário carmelita João, que lhe proporcionariam “companhia boa e
credenciada”. Ela selecionara o frei João porque “me dizem que ele é um bom
pregador e conhece o idioma de Ndongo”. Exigia também que o governador
providenciasse para Bárbara uma escolta secular que deveria ser “um soldado
com conhecimento de fogos de artifício para que eu possa comemorar a chegada
da minha irmã com eles”. Depois, pela primeira vez, referia-se a sua própria
mortalidade (na época das negociações, estava com 74 anos): uma vez que
estava “muito velha”, queria resolver seus assuntos de uma vez por todas e viver
o resto de seus dias em paz. O retorno seguro de Bárbara era uma parte
fundamental dos planos de Jinga para manter a integridade das terras que
conquistara. Ela ainda acreditava fervorosamente que o fato de descender dos
fundadores do reino de Ndongo lhe dava (e a Bárbara) o direito de governar, ao
contrário de outros (Ngola Hari e os capitães imbangalas, em particular Jinga a
Mona), cuja descendência plebeia, acreditava ela, os excluía do governo. Jinga
expunha seus planos futuros para suas terras e como Bárbara se encaixava neles.
Deixaria as terras para Bárbara, e não para seus “escravos”: eles não saberiam
como governar. Para ela, se um capitão imbangala como Jinga e Mona herdasse
Matamba após sua morte, “uma grande ruína aconteceria porque eles não
saberiam como obedecer à Sua Majestade”. O direito inato de Bárbara e os
muitos anos que ela vivera entre os portugueses como boa cristã faziam dela a
melhor candidata para continuar o ato de equilíbrio que Jinga antevia como
decorrência da paz. Ela acreditava que Bárbara, pelo menos, manteria os
portugueses à distância, ao mesmo tempo que conservaria o respeito e a
admiração de seu povo num Ndongo-Matamba independente.
Jinga incluiu na carta instruções detalhadas para o governador seguir em
troca de sua concordância com as condições que Peixoto apresentara. Por
exemplo, indicou que “se empenharia imediatamente em permitir que as
mulheres parissem e criassem filhos [no quilombo]” somente depois que Bárbara
e os dois missionários chegassem em segurança a Matamba. De acordo com os
costumes imbangalas, as mulheres não tinham permissão para dar à luz ou criar
filhos no quilombo, e a maioria dos fetos era abortada ou, se nascesse,
abandonada para morrer fora do acampamento. Além disso, ciente de que
algumas autoridades governamentais e outras congregações religiosas de Luanda
desconfiavam de sua relação com os capuchinhos e, de fato, haviam impedido
frei Gaeta (que havia assumido o lugar de Cortona) de sair de Massangano para
viajar a Matamba, ela reiterava que desistiria de suas “práticas de guerra, desde
que eu tenha clérigos (especificamente os freis Gaeta e João)” para fornecer “a
mim e meus funcionários bons exemplos e ensiná-los a viver na santa fé
católica”. Jinga acreditava que era fundamental para manter a integridade do seu
reino e seu povo que tivessem um frade como João, que sabia falar quimbundo.
A promessa do retorno em segurança de Bárbara pareceu mudar tudo para
Jinga, e ela passou a aceitar condições que antes rejeitara. Uma dessas condições
exigia que ela entregasse aos portugueses o imbangala Kalandula, que ela
aprisionara porque destruíra suas terras. Na carta, declarou que faria isso; seu
desejo de ver Bárbara era tão grande que, assim que Peixoto a entregasse, ela
permitiria que Kalandula partisse “e se colocasse às ordens dele [de Sousa
Chichorro]”. Jinga não só estava disposta a trair esse aliado eventual em troca da
paz e do retorno de sua irmã como, além disso, se ofereceu para mandar um de
seus capitães com um grande exército para ajudar Sousa Chichorro a conquistar
Kissama, que os portugueses ainda não haviam conseguido controlar totalmente.
Estava disposta a tomar essas medidas drásticas para mostrar como era sincera
sua resposta à oferta portuguesa de paz, e quão pronta estava a prestar
“obediência” ao rei de Portugal. Jinga sabia que a restauração da paz fortaleceria
suas feiras de tráfico de escravos e possibilitaria que elas se integrassem melhor
à rede de comércio portuguesa. Os portugueses certamente se beneficiariam, e
ela previa a compra de produtos importados por um menor preço.
Havia uma condição com a qual ela não concordaria: a exigência de Sousa
Chichorro de que pagasse duzentos escravos para resgatar Bárbara. O número
era muito alto, argumentou ela. Afinal, ao longo dos anos, ela dera numerosos
escravos a vários governadores e seus emissários, além de mandar muitos
presentes para secretários e servidores. Sua contraoferta foi de 130 escravos.
Mandaria cem quando pudesse confirmar que Bárbara havia chegado a Ambaca,
e manteria Peixoto como refém em Matamba até que “eu possa ver com meus
próprios olhos minha irmã chegando em minha corte”. Jinga pediu ao
governador que não interpretasse seu comportamento como estranho. Ele devia
saber que ela fora enganada várias vezes pelos portugueses e agora se recusava a
ser crédula. Mas não era apenas Jinga: embora ela acreditasse que a delegação de
Peixoto era sincera, seus funcionários continuavam desconfiados dos motivos
dos portugueses.
Os emissários que entregaram a longa carta de Jinga ao governador ainda
estavam em Luanda quando outro enviado dela chegou, em fevereiro de 1656, e
disse numa apresentação verbal ao governador que ela estava pronta para assinar
o tratado. Foi esse enviado que retornou com a primeira cópia dos vários artigos
que comporiam o acordo final de paz. Sousa Chichorro, convencido de que
Peixoto ganhara a confiança de Jinga, queria avançar rapidamente para concluir
as negociações, mas enfrentou a oposição crescente de duas fontes: a primeira
foi a dos jesuítas, que faziam parte do aparato da conquista desde a época de
Dias de Novais. Grassavam ciúmes entre as diversas ordens de sacerdotes, e os
membros da Companhia de Jesus (e outros, principalmente portugueses) com
sede em Luanda estavam ressentidos porque os capuchinhos (principalmente
italianos) haviam recebido permissão para abrir um novo posto avançado em
Matamba. Eles fizeram de tudo para sabotar os planos dos capuchinhos de enviar
alguns de seus membros para Matamba (a essa altura, o frade carmelita João já
morrera).
Uma oposição ainda mais forte veio da Câmara, o órgão consultivo oficial em
Luanda composto por colonos, que era abertamente acrimonioso. Seus membros
enviaram duas cartas diretamente ao rei, uma escrita em março e a outra em
julho de 1656, queixando-se da liderança de Sousa Chichorro e pedindo que ele
impedisse o governador de prosseguir com os planos para libertar Bárbara. Tal
como Jinga, os colonos tinham memórias arraigadas das guerras angolanas e
incluíam na carta uma longa lista de razões pelas quais as decisões de Sousa
Chichorro deveriam ser anuladas. Eles repassavam a história de suas relações
com Ndongo, começando com Ngola Mbande, o irmão de Jinga, e lembravam ao
rei quanto as guerras lhes haviam custado em vidas e propriedades. Jinga era
ainda pior do que seu irmão, diziam eles, e todos os governadores, desde a época
de Mendes de Vasconcelos, quatro décadas antes, tinham sido obrigados a pegar
em armas contra ela. O conselho deles ao rei era que continuasse a manter
Bárbara como prisioneira. Se ela fosse libertada, não havia garantia de que Jinga
honraria o tratado. Se fosse mantida, e não houvesse nenhum tratado, Jinga não
teria ninguém em sua linhagem para herdar o reino de Ndongo, que eles
alegavam que havia sido “tirado com justiça de Ngola Mbande”, e o reino
desapareceria. [56]
Mas a diplomacia de mediação de Jinga estava avançada demais para sair dos
trilhos agora, e Sousa Chichorro estava cada vez mais convencido de que tinha
de libertar Bárbara e fazer a paz com Jinga para que a colônia prosperasse. Jinga
o convenceu de que a paz resultaria no fim do sistema imbangala de guerras e
traria estabilidade para as terras para além de Ndongo, estabilidade que percebia
ser essencial para os comerciantes portugueses. Em 1o de abril de 1656, Sousa
Chichorro escreveu ao superior dos capuchinhos em Luanda para informá-lo de
sua decisão, observando que acreditava que a causa de Jinga era justa e seria
benéfica para o “Rei e Senhor”. Além disso, acreditava que Jinga estava
genuinamente interessada em voltar à fé católica. Destacou também que havia
pedido duzentos escravos em troca da libertação de Bárbara e que, depois que
tudo estivesse resolvido, a colônia teria paz e o comércio com Matamba se
reabriria. Anunciou também que ia libertar Bárbara dentro de poucos dias. [57]
O governador Sousa Chichorro foi fiel à sua palavra e, no início de abril,
começou o processo de libertação de Bárbara. Ela saiu de Luanda sob escolta
armada para viajar a Massangano, onde, em 9 de abril de 1656, teve uma
recepção militar. Permaneceu em Massangano por uma semana, tendo frei Gaeta
ao seu lado, e depois partiram para Ambaca com uma escolta numerosa. Frei
Cortona dera a Gaeta uma longa lista de instruções sobre o que ele precisava
fazer para acelerar o fim das práticas imbangalas em Matamba. Em 20 de maio,
depois de uma longa viagem com breves paradas, em que a população ambundo
saudava Bárbara com entusiasmo, eles chegaram finalmente a Ambaca, onde ela
recebeu outra saudação militar. Após as formalidades, Bárbara foi levada para a
casa de um dos missionários, onde deveria permanecer por pouco tempo, antes
que ela e Gaeta, junto com a escolta militar exigida por Jinga, continuassem a
viagem para Matamba. Frei Gaeta mantinha Jinga a par do progresso do grupo e
escreveu-lhe assim que chegaram a Ambaca para informar que ele e Bárbara
estariam a caminho em breve.
Três dias após a chegada a Ambaca, no entanto, era imensa a indignação das
autoridades de Luanda com a libertação de Bárbara por Sousa Chichorro. Ainda
aguardando a palavra do rei, aprovaram uma resolução ordenando ao governador
que interrompesse a libertação. A resolução mandava que o governador enviasse
um recado ao capitão Giuseppe Carasco, que deveria escoltar Bárbara de
Ambaca a Matamba, para impedir que ela saísse de Ambaca. A ordem era que a
prendesse imediatamente no forte para impedir que a ajudassem a escapar e
estipulava que Bárbara deveria ser escoltada para Matamba somente depois que
o governador recebesse os duzentos escravos que havia exigido como resgate.
Essa virada nos eventos causou um tumulto. Frei Gaeta ficou furioso,
convencido de que tudo aquilo fazia parte de um esquema para impedir que os
capuchinhos começassem seu trabalho em Matamba. Os muitos criados e
cortesãos que Jinga enviara para acompanhar Bárbara ficaram aflitos. Os
ambundos do lugar que haviam se reunido para recebê-la e desejar-lhe uma boa
viagem ficaram irritados e desapontados. Em pouco tempo, espalharam-se
rumores de que os portugueses haviam enganado Jinga novamente — que o
governador não pretendia devolver Bárbara para Jinga, mas mandá-la de volta a
Luanda e aprisioná-la. [58]
Jinga passara meses preparando-se para o retorno da irmã e planejara uma
minuciosa cerimônia pública para marcar a ocasião. Quando recebeu a notícia do
que estava acontecendo em Ambaca, agora complementada pelos rumores de
que os portugueses haviam mentido para ela e a enganado para assinar o tratado,
sua raiva e seu desapontamento não tiveram limites. A informação a irritou tanto
que ela imediatamente se voltou contra Peixoto, que ainda estava em sua corte, e
ameaçou-o com um “assassinato cruel” se Bárbara não lhe fosse entregue.
Consta que lhe disse: “Se aqui chorarmos por causa da prisão de nossa irmã, nós
faremos isso, e em Luanda vão chorar sua morte”. [59] O encarceramento de
Bárbara em Ambaca ameaçava gorar todos os preparativos e pôr a vida de
Peixoto em grave perigo. Foi nesse momento que a diplomacia religiosa de Jinga
se fez valer, pois frei Gaeta percebeu que somente sua intervenção poderia
impedir que o acordo malograsse. Jinga sabia que as ameaças à vida de Peixoto e
a indignação pública eram os únicos meios que tinha para fazer o processo andar
e, embora não quisesse suportar outra série de guerras e impasses, estava
disposta a fazer qualquer coisa para obter a libertação de sua irmã. Uma carta
suplicante de Gaeta, junto com a notícia de um improvável encontro espiritual
do imbangala Jinga a Mona com um crucifixo cristão, acabou salvando a
situação.
Frei Gaeta, que estava ansioso por chegar a Matamba e começar a construir
uma igreja, aconselhou-a a continuar a acreditar. Assegurou-lhe que tudo ficaria
bem. Acalmada consideravelmente por essas palavras encorajadoras, Jinga
respondeu-lhe imediatamente, dizendo que a carta dele a reanimara e a deixara
feliz porque Deus lhe enviara um missionário da estatura dele. Ela reiterava seu
compromisso de cumprir a promessa de permitir que ele trabalhasse em
Matamba e garantia que, quando ele chegasse, encontraria tudo o que pedira para
a igreja que pretendia construir. Ela indicava novamente sua disposição de
desistir do estilo de vida imbangala. Em conclusão, dizia que estava muito
ansiosa para recebê-lo, junto com sua irmã, a escolta militar e o capitão Carasco,
em sua corte de Matamba. Jinga mandara cem escravos para Ambaca e 99 deles
chegaram em julho de 1656 (um deles morreu no caminho). [60] Ela esperava
que, assim que os escravos chegassem a Ambaca, o comandante do forte
libertasse Bárbara e ela pudesse tomar o caminho de Matamba.
Quando recebeu a carta de Jinga, frei Gaeta ainda não tinha certeza de que ela
enviaria os outros cem escravos que os portugueses haviam exigido. Ele temia
que, se não persuadisse Jinga a cumprir todas as condições do acordo, seu
trabalho missionário em Matamba não poderia prosseguir e todo o investimento
que os capuchinhos haviam feito daria em nada. Decidiu então ir diretamente a
Matamba para discutir o problema com Jinga cara a cara. Tanto Bárbara quanto
Carasco apoiaram inicialmente sua decisão, mas depois Carasco tentou dissuadi-
lo. E se Jinga ficasse tão indignada ao vê-lo sem a irmã que decidisse vingar-se
nele, como ameaçara fazer com Peixoto? Como a maioria dos portugueses,
Carasco demonizava Jinga e tentou impressionar Gaeta dizendo que ela era má,
tão imersa em seus costumes imbangalas que ela e seus subordinados não
hesitariam em matar um frade inocente. Resoluto, Gaeta não recuou. [61]
Àquela altura, a diplomacia religiosa e política de Jinga envolvera Sousa
Chichorro e o frei Gaeta de tal modo no processo que eles não podiam desistir.
Gaeta escreveu a Cortona e informou-lhe sua decisão de viajar sozinho para
Matamba. Frei Cortona encaminhou a carta ao governador, que respondeu
rapidamente. Sousa Chichorro agradeceu a Cortona por tudo o que ele havia
feito para avançar o processo e disse-lhe que aprovava o plano. Cortona poderia
agora pedir a frei Gaeta que viajasse imediatamente a Matamba para garantir a
Jinga que estava empenhado em libertar Bárbara. [62]

Milagres religiosos e paz política

Além de manter as negociações com o governador nos eixos, Jinga também


precisava preparar seus desconfiados conselheiros e capitães do exército para o
processo de paz e para a cristianização com a qual se comprometera. Ao mesmo
tempo que se correspondia com Gaeta e com o governador, aguardava
ansiosamente o retorno de Jinga a Mona das operações contra o governante
cristão Pombo Samba, na província de Mbwila. Aconteceu que o destaque do
retorno dele à corte não teve a ver com seus sucessos militares ou com os
despojos de guerra que trouxe consigo, mas com um crucifixo de quatro metros
de altura que ele mandou para Jinga. Tratava-se, disse a ela, da “imagem de seu
antigo [deus] Nzambi”. [63]
Mais tarde, Jinga a Mona contou a frei Gaeta de onde vinha o crucifixo.
Durante as operações contra Mbwila, seis meses antes da chegada do frade a
Matamba, seus soldados haviam profanado a igreja de lá. O dano ao seu grande
crucifixo fora grave, e Jinga a Mona mandou que os soldados o jogassem no
mato. Durante a noite, no entanto, seu sono foi perturbado por um sonho em que
o crucifixo lhe aparecia e em tom de reprimenda lhe ordenava que o recuperasse.
Ele disse as seguintes palavras: “Leve-me à sua rainha ou cuidarei para que você
não saia deste lugar”. Jinga a Mona ficou tão perplexo com o sonho que, na
manhã seguinte, mandou soldados procurarem o crucifixo. Eles o acharam,
envolto numa pele de animal, e entregaram a ele.
Jinga a Mona levou o crucifixo para a corte, onde o deu de presente a Jinga.
Alguns dos soldados que haviam andado com os brancos, disse ele, explicaram-
lhe que se tratava da “figura de Deus que os cristãos adoram”. Ele também
contou a ela o sonho que tivera. Parece que Jinga foi tomada por uma onda de
emoção e consta que falou em voz alta: “Deus procura por mim e vem
pessoalmente para me encontrar”. Ela então beijou o crucifixo e colocou-o no
altar de uma sala do palácio que havia construído especialmente para isso. Jinga
visitava a sala todos os dias e rezava para ter “paz e tranquilidade”, para que não
precisasse continuar conduzindo seus exércitos de batalha em batalha. [64]
Talvez o sonho tenha acontecido exatamente como Jinga a Mona contou.
Também é possível que a história do crucifixo fosse uma artimanha inventada
por Jinga para tornar as negociações e a conversão mais palatáveis aos seus
conselheiros e capitães. Qualquer que seja a verdade, o fato é que o encontro de
Jinga a Mona com o crucifixo ocorreu num momento oportuno. No fim de
agosto de 1656, frei Gaeta estava a dois dias de distância da corte de Jinga, após
uma árdua jornada de vinte dias, e enviou um dos ambundos de seu grupo à
frente com uma carta informando à rainha de sua chegada iminente. [65] Ao saber
que ele estava perto, Jinga preparou uma apresentação pública em sua
homenagem. De acordo com o relato dele, quando estava a menos de dois
quilômetros da corte, topou com uma procissão composta por capitães do
exército de Jinga, funcionários da corte e mil arqueiros, todos “vestidos com
pompa”, que se ajoelharam no chão diante dele e pediram para beijar sua mão.
Os capitães e os funcionários conduziram Gaeta até Jinga, que o esperava numa
grande praça, cercada por seus guarda-costas e atendentes. Sempre consciente da
impressão que causava, Jinga caminhou regiamente em direção ao frei Gaeta,
ajoelhou-se diante dele e beijou com profunda devoção um crucifixo que ele lhe
estendeu. Ainda ajoelhada, Jinga pronunciou estas palavras: “Agora sim,
viveremos em paz e alegria”. Mas a declaração extravagante de Jinga estava
longe de terminar. Depois que se levantou, ela deu as boas-vindas ao frei Gaeta e
se dirigiu a ele como o “sacerdote de Deus” que viera trazer-lhe descanso num
momento em que queria parar de lutar. Depois que Gaeta respondeu com
palavras de conforto, ela sinalizou aos seus guardas para que disparassem salvas
de boas-vindas. Todos seguiram então o grupo até a residência de Jinga. Seus
músicos tocavam cornos, tambores e outros instrumentos enquanto o povo
cantava e as mulheres ululavam alto. Jinga conduziu o grupo ao pátio de sua
residência, onde erguera uma plataforma com elaboradas colunas de madeira, na
qual seus arqueiros, vestidos com sedas e panos de diferentes cores, estavam em
posição de atenção. No meio do pátio, Jinga montara três assentos, um sob um
dossel branco para si mesma, um segundo assento não muito afastado do seu
para frei Gaeta e um terceiro para Peixoto. Todas as outras pessoas ficaram de pé
enquanto Jinga ouvia frei Gaeta recitar suas mensagens políticas e religiosas. [66]
Mas a profunda reverência que Jinga mostrou a Gaeta e sua aparência externa
de devoção sincera e disposição de ouvir as mensagens religiosas não eram o fim
do que ela havia planejado. Após a reunião formal, conduziu o frade à sala onde
pusera o crucifixo da campanha de Mbwila. Ela o pendurara sobre o altar, que
estava “enfeitado com várias sedas” e onde velas estavam acesas e tochas
queimavam. Depois que ambos beijaram os pés do crucifixo, Jinga confessou ao
frade que, embora as ações portuguesas a tivessem afastado da Igreja, ela estava
pronta para “parar de adorar ídolos”. “Todo o meu povo”, disse ela, “seguirá o
meu exemplo e se converterá à mesma fé.” Dentro de poucos dias, ela emitiu
ordens para que trouxessem materiais de construção, a fim de construir a
primeira igreja simples. [67]
A nova devoção de Jinga, no entanto, não garantia que ela assinaria o tratado.
Com efeito, quando ficou doente, poucos dias após a construção da igreja, os
elementos anticristãos de sua corte não perderam tempo em pôr a culpa de sua
doença na paixão pelo crucifixo e pelo culto cristão. À medida que sua doença
piorava e os remédios de ervas e objetos e marcas rituais que seus curandeiros e
feiticeiros prescreveram não conseguiam melhorar sua saúde, aumentaram as
chances de Jinga não sobreviver para supervisionar a transformação política e
religiosa que esperava efetuar em Matamba. Na verdade, sua doença
proporcionou uma chance para que alguns de seus curandeiros tradicionais,
muitos dos quais se sentiam marginalizados, se afirmassem e tratassem de
recuperar um pouco de seu poder.
Mas Jinga sobreviveu a essa provação, assim como já acontecera em tantas
outras ocasiões. [68] Após sua recuperação, ela pôs uma fé ainda maior no frei
Gaeta. Durante a pior parte de sua doença, ele rezou com ela e até a encorajou a
remover e a queimar os objetos rituais que seus sacerdotes puseram em seu
pescoço. Ele os substituiu por um cartão pendurado numa corrente de seda que
trazia uma imagem da Santíssima Virgem Maria e as palavras: “Na vossa
concepção, Virgem, Imaculada fostes: Rezai por nós ao vosso Pai, cujo filho
gerastes”. O frei Gaeta pôs a corrente de seda ao redor do pescoço dela e a
instruiu a segurar o cartão com carinho na mão e invocar o nome da Virgem
Maria sempre que pudesse. Sua recuperação, alguns dias depois, convenceu
Jinga de que sua decisão de trocar os rituais imbangalas/ambundos pelos cristãos
estava correta. [69]
A recuperação de Jinga e a nova devoção aos rituais católicos não
diminuíram de forma alguma seu desejo de ter certeza de que os portugueses não
a enganariam para tomar seu reino. Nos últimos dias de setembro, à medida que
suas forças retornavam, ela e seus conselheiros participaram de uma maratona de
discussões com Peixoto, frei Gaeta e outros representantes portugueses. Ela e
seus conselheiros estudaram cada palavra do rascunho do tratado de paz.
Opuseram-se vigorosamente aos termos pelos quais ela teria de pagar um tributo
anual ao rei português. Com efeito, Jinga achou os portugueses presunçosos por
incluir essa condição e a criticou acerbamente. No final, ela disse calmamente a
Peixoto e à delegação portuguesa que, se o rei português lhe devolvesse o reino
de Ndongo, que tomara dela pelas armas, estaria agindo como um cavalheiro;
mas, se ele lhe desse todo o Ndongo junto com as terras de Angola que tirara
dela, estaria agindo como um bom cristão. Ela estava voltando ao cristianismo
por sua própria vontade, explicou, e não queria construir apenas uma igreja, mas
muitas em Matamba. Ela seria “uma amiga dos amigos e inimiga dos inimigos”
dos portugueses, como o tratado exigia, desde que houvesse uma “paz
verdadeira e genuína”. Voltando à questão de pagar tributo ao rei português,
Jinga explicou que isso estava fora de questão:

Em relação a pagar o tributo que vós reivindicais de mim, não há motivo para
fazê-lo, porque, tendo nascido para governar o meu reino, não devo obedecer
ou reconhecer outro soberano, e de Senhora absoluta tornar-me uma serva e
escrava seria um grande embaraço. Agora que abracei a fé de Cristo para
viver em tranquilidade e terminar minha vida em paz, faço o que eu não
desejava fazer no passado, enquanto eu era uma imbangala, e no auge de
meus muitos problemas e perseguições. Se os portugueses querem um
presente de mim todos os anos, eu lhes darei voluntariamente, contanto que
eles também me deem um, para que ambos nos tratemos com cortesia. [70]

Jinga prevaleceu. O tratado que foi finalmente assinado não mencionava o


pagamento de um tributo anual ao rei português. [71] Durante as etapas finais das
negociações, Jinga também convenceu Peixoto e os outros representantes
portugueses a concordar que o rio Lucala seria a fronteira entre o reino de
Angola português e seu reino de Matamba. [72]
Àquela altura, tanto Peixoto quanto o padre Gaeta estavam convencidos da
seriedade de Jinga e enviaram uma mensagem ao governador para avalizá-la.
Frei Gaeta já havia contado a frei Cortona sobre as mudanças que testemunhara.
Pouco depois da sua chegada, ele escreveu a Cortona para dizer que a achava
“completamente diferente do que me foi apresentado, eu digo e afirmo que ela
não é o que era, ela se tornou outra pessoa, pacífica, piedosa e devota”. [73] O
governador levou em conta as opiniões do frei Gaeta e de Peixoto. Confiante
agora de que a mudança de Jinga era genuína, Sousa Chichorro emitiu a ordem
para a libertação de Bárbara de Ambaca e lhe deu permissão para partir para
Matamba, mesmo antes de receber os escravos que faltavam.
Acompanhada por uma pequena escolta portuguesa e por frei Ignazio de
Valsassina, o capuchinho que lhe arranjara o alojamento em Ambaca, Bárbara
partiu em 1o de outubro de 1656. Frei Ignazio permaneceria em Matamba com
Bárbara por quatro anos. [74] Quando o grupo cruzou o rio Lucala e pisou no solo
de Matamba, o ímpeto da multidão foi avassalador, pois as pessoas vindas de
todas as partes do país se esforçaram para vislumbrá-la. Muitas não voltaram
para suas aldeias, mas simplesmente se juntaram ao grupo e seguiram até a corte
de Jinga, onde Bárbara e sua comitiva chegaram no dia 12 de outubro.
Uma semana antes, os emissários de Jinga haviam chegado a Luanda e
entregado ao governador Sousa Chichorro os artigos da paz. Jinga esperou
impaciente pela resposta do governador. Ela sabia que não poderia ver Bárbara
até que o governador confirmasse o conteúdo do acordo e o tornasse público.
Depois que chegou a resposta do governador, Jinga e seus funcionários não
perderam tempo para iniciar os procedimentos finais. [75]
Uma multidão de pessoas, entre elas membros das forças militares e
funcionários da corte, saudou a chegada de Bárbara à corte. Assim que Jinga pôs
os olhos na irmã, suas emoções transbordaram. Ela se jogou ao chão diante de
Bárbara, esfregando-se no solo como era costume quando uma pessoa recebia
um favor ou quando os dependentes prestavam homenagem a senhores ou
superiores. Dada a permissão para se aproximar de Bárbara, Jinga beijou a mão
da irmã e se ajoelhou mais uma vez, inclinando-se até o chão de novo. Após esse
cumprimento cerimonial, as duas irmãs abraçaram-se por muito tempo
ternamente, sem dizer uma palavra, mas beijando-se muitas vezes. [76]
Terminada a saudação altamente emotiva, Jinga e seus auxiliares tiveram
imediatamente uma audiência com Peixoto, capitão Carasco, Bárbara e o escriba
oficial, além de frei Gaeta. Ambas as partes ouviram a leitura feita por um
funcionário em voz alta e em quimbundo de cada uma das condições da paz. Os
termos formais do acordo eram os mesmos com que Jinga havia concordado.
Enquanto eram lidos, o escriba português registrou os seguintes artigos: Jinga
concordava em reconciliar-se com a Santa Igreja Católica, em pedir
imediatamente sacerdotes e padres, em construir uma igreja para frei Gaeta e
permitir que ele batizasse todas as crianças nascidas após a assinatura do tratado.
Jinga também teria de fazer um anúncio público para informar a seu povo que o
frei Gaeta tinha autoridade para se livrar de todos os ritos e práticas imbangalas
em Matamba. Além disso, Jinga deveria passar a obedecer ao rei João IV e teria
de enviar seu exército para qualquer parte de Angola sempre que houvesse um
pedido do representante do rei. Jinga também concordava em enviar seu exército
para disciplinar os sobas rebeldes, a suas feiras, em entregar o líder imbangala
Kalandula a Sousa Chichorro (o que fez quando apresentou sua cabeça cortada
aos portugueses) e pagar 130 escravos para libertar Bárbara. O tratado prometia
que o governador devolveria a Jinga as terras de Kituxela, que ela afirmava ser
patrimônio seu, e concordava em mandar Kassanje e Ngola Hari repovoá-las
para que os comerciantes portugueses pudessem usá-las para renovar suas
provisões e viajar diretamente até a corte de Jinga. Na verdade, Sousa Chichorro
já havia forçado Kassanje a devolver a gente de Jinga que ele havia capturado.
[77] O acordo também obrigava as tropas portuguesas a proteger o povo de Jinga

contra Kassanje ou Ngola Hari se eles violassem o tratado.


Depois que todos ouviram os termos do acordo, Jinga e seus funcionários
bateram palmas, indicando à maneira formal ambundo que entendiam e
aceitavam o tratado. Jinga ratificou verbalmente o acordo mais uma vez numa
segunda cerimônia, enquanto seus assistentes, funcionários, espectadores, os
portugueses e outros esperavam. Após a cerimônia formal, seus funcionários e
todas as pessoas que se juntaram a Bárbara foram para a corte de Jinga. Lá, uma
multidão de pessoas que testemunharam a cerimônia começou a bater palmas,
indicando seu acordo com a aprovação verbal de Jinga. Ao ouvir o aplauso da
população, Peixoto e Carasco souberam que a parte formal da cerimônia
acabara. Eles entregaram Bárbara a Jinga. Nesse momento, Jinga e todos os seus
funcionários puseram sua marca no documento, que também foi assinado pelo
frei Gaeta, por Peixoto e Carasco. [78] A longa espera acabara. A paz, cuja
negociação levara mais de um ano, foi finalmente assinada em 12 de outubro de
1656.
Uma vez assinado o tratado e com Bárbara oficialmente livre, Jinga anunciou
o início das comemorações em homenagem ao retorno da irmã. Durante vários
dias e noites, Jinga e seu povo regozijaram-se com entusiasmo. Frei Gaeta
reclamou muito da farra noturna e lamentou o fato de que ninguém fora à igreja
para celebrar. Jinga e seu povo não se importaram com as muitas noites sem
dormir, e as celebrações públicas não se limitaram à corte em Matamba. Sousa
Chichorro anunciou em Luanda que Jinga concordara com os termos do tratado
ao som de trombetas, e os ambundos celebraram a paz há tanto tempo desejada.
Nem todos em Luanda ficaram tão entusiasmados: os membros da Câmara
que se opunham à libertação de Bárbara e ao tratado ainda aguardavam a
resposta do rei a respeito do pedido de que Sousa Chichorro fosse impedido de
libertar Bárbara e fazer a paz com Jinga. Em 12 de dezembro de 1656, quando a
regente portuguesa, rainha Luísa de Gusmão, finalmente respondeu ao pedido da
Câmara e enviou um decreto real ordenando ao governador Sousa Chichorro que
não prorrogasse a prisão de Bárbara, a sorte já estava decidida. A paz estava em
andamento. Os 99 escravos que o governador recebera de Jinga como resgate
para a libertação de Bárbara tinham sido transportados para Pernambuco, no
Brasil, e outros trinta foram enviados para cumprir os termos do tratado. [79] E, o
mais importante, Bárbara estava gozando a vida de uma princesa de Ndongo no
reino de Ndongo-Matamba, legado que sua irmã criara.
No próximo e último capítulo de sua vida terrena, Jinga provou que estava
disposta, ao abraçar sua nova vida religiosa e política, a ir ao mesmo extremo
fanático de anos antes, quando se tornara uma imbangala e sobrevivera a toda
uma vida de guerras e rapina. Suas relações com os portugueses a separaram de
seus colegas líderes da África Central, especialmente de Ngola Hari, que os
portugueses continuaram a marginalizar e humilhar até sua morte. Enquanto ela
estava ditando os termos de sua relação com o rei português e seus
representantes em Angola, Ngola Hari implorava que reconhecessem os
sacrifícios que ele havia feito em nome deles, inclusive a perda de seu filho na
guerra contra os holandeses. Sua queixa de 1652 de que era “importunado todos
os dias por pessoas que me pedem para levar as cargas de pessoas privadas para
o pumbo [feira]” e sua solicitação para favorecê-lo com “armas quando eu as
peço contra Jinga” estavam em forte contraste com o golpe diplomático e o
sucesso militar de Jinga. [80]
Contudo, Jinga jamais poderia ser complacente. Ela se preparou para os
desafios significativos que sabia que enfrentaria quando tomou medidas para
alinhar a relação de Ndongo-Matamba com os portugueses e com Roma, a fim
de garantir a independência política de seu reino.
7.
A caminho dos ancestrais

Tendo finalmente alcançado a paz com os portugueses depois de décadas de


guerras prolongadas e iniciativas diplomáticas tortuosas, Jinga passou os últimos
sete anos de sua vida numa jornada espiritual e política sem precedentes e
outrora impensável. Nesse período, investiu seus esforços na institucionalização
do cristianismo em seu reino de Ndongo-Matamba, reafirmando os conceitos de
nobreza com os quais crescera e se preparando para passar um reino cristão
independente à sua irmã Bárbara. Embora muitos de seus oponentes, tanto
dentro como fora de seu reino, não concordassem com esse programa, a
reputação que Jinga ganhara de figura política dominante na África Central fazia
com que poucos questionassem ou se opusessem abertamente à sua campanha
para construir um novo Ndongo em Matamba.

Uma governante cristã

Embora Jinga tenha confidenciado ao frei Gaeta seu profundo desejo de retornar
à fé católica, seu renascimento espiritual foi um processo que se desenrolou
lentamente. Ele começou na fase final das negociações de paz, quando, na
verdade, ela seria capaz de dizer qualquer coisa para garantir a libertação de sua
irmã. Depois que Bárbara foi libertada, Jinga não parou para desfrutar a euforia
do sucesso. O próximo passo no seu programa foi transformar seus seguidores
em cristãos e construir uma comunidade cristã em Ndongo-Matamba, em seus
termos e sob sua liderança de rainha. Ainda que fosse sincera em seu anseio de
tornar-se uma cristã devota, sua busca espiritual estava fortemente ligada à sua
ideia de realeza, e ela não pretendia deixar que os capuchinhos ditassem o ritmo
e a natureza da conversão cristã em seu reino. Como rainha de Ndongo e
Matamba, descendente da realeza de Ndongo, ela se aferrava aos ideais políticos
e símbolos que eram fundamentais para o domínio real.
Angola portuguesa e Ndongo-Matamba, 1663.

Jinga articulou a ideia de seu destino de governar uma comunidade cristã


como rainha cristã depois do reencontro com Bárbara, quando numa conversa
com frei Gaeta comentou que a família Sousa “me deu vida, morte e
ressurreição”. [1] Se por vida Jinga entendia o batismo que recebeu em Luanda
em 1622, quando João Correia de Sousa era governador, e por morte se referia à
transformação em imbangala em decorrência das guerras de Fernão de Sousa,
então por ressurreição se referia provavelmente à libertação de Bárbara, como
parte do tratado de paz que assinou com Luís Martins de Sousa Chichorro. Mas
essa ressurreição, de modo mais significativo, incluía também a substituição dos
costumes imbangalas pelas noções tradicionais de realeza dos ambundos.
A concepção de Jinga a respeito de como uma rainha de Ndongo deveria
viver tinha muito a ver com seu desejo de se estabilizar após sua retirada de
Luanda em 1648, e ela adotou os adornos da realeza em parte como meio de
conquistar o respeito tanto dos portugueses como de seus vizinhos. Ao mesmo
tempo que comandava pessoalmente seus exércitos ou mandava suas tropas
imbangalas para a batalha logo após a retirada, ela supervisionava a reconstrução
de sua corte em Matamba. Uma vez que grandes áreas a leste e oeste haviam
sido destruídas durante os vinte anos anteriores de guerras, Jinga escolhera um
lugar para instalar sua corte no meio do país. Boa parte de Matamba
permaneceria despovoada até 1658, mas a cidade e a corte que Jinga construiu
eram movimentados centros de rituais e diplomacia. [2]
Jinga nunca perdia uma oportunidade para causar impressão. A residência em
que recebeu frei Gaeta, em agosto de 1656, com seu grande pátio e muitas
colunas de madeira, continuou a ser um centro de pompa e negócios oficiais
muito depois de terem terminado as celebrações do tratado de paz. Na ocasião do
primeiro encontro de Gaeta com Jinga, quando ele veio para discutir detalhes do
tratado, ela mandou seus capitães reunirem mil arqueiros para servir de guarda
de honra quando ele entrasse na cidade. Ela acreditava que essa exibição maciça
era essencial porque a presença de Gaeta “aumentaria seu prestígio”. [3] Depois
da assinatura do tratado, houve muitas ocasiões em que ela recebeu delegações
visitantes, entretendo-as com o que se tornou sua marca registrada. A corte
sempre estava cheia de pessoas que lhe pediam audiências, e podiam ter certeza
que ela lhes ofereceria um espetáculo. [4]
Jinga dava atenção especial à roupa e ao comportamento de seus guarda-
costas armados de ambos os sexos. Como sempre, estava atenta à primeira
impressão que poderia causar: eles eram o primeiro grupo a receber os visitantes
que se aproximavam dos arredores da cidade e os responsáveis por escoltar as
delegações visitantes até a cidade. [5] Jinga sempre se sentava no trono quando
recebia visitantes oficiais. De acordo com Gaeta, que morou em Matamba por
mais de três anos, nessas ocasiões Jinga, além de cuidar da aparência dos
guardas, dava especial atenção ao seu próprio guarda-roupa. “Quando recebia
embaixadores estrangeiros”, observou ele, “ela estava sempre vestida com panos
de seda, veludo e brocados importados da Europa, com uma coroa na cabeça, e
sempre usava nas mãos, pés e braços muitos anéis feitos de ouro, prata, cobre,
ferro, corais e várias contas importadas.” Ela também usava o melhor dos xales
locais que as mulheres valorizavam e aproveitava essas ocasiões para exibir os
ricos tapetes, capachos enfeitados com contas de prata e outros itens preciosos
que havia adquirido. Sua corte era mantida no mesmo padrão, e ela fazia questão
de que seus muitos pajens e as trezentas assistentes pessoais também estivessem
“ricamente vestidas de acordo com a maneira portuguesa”. [6]
Durante seus anos de vida imbangala, Jinga havia minimizado sua identidade
real ou simplesmente não tivera oportunidade de expressá-la. Depois que o
tratado de paz lhe concedeu autoridade sobre uma parte do antigo reino de
Ndongo e legalizou sua posição de rainha de Matamba, ela encontrou outras
oportunidades para reforçar seu status real escondido havia tanto tempo.
Enfatizava que possuía atributos espirituais especiais e sempre aparecia no pátio
de sua residência numa hora designada para oferecer a “lunene real [palavra
real], que as pessoas acreditavam ser ‘a melhor sorte do mundo’”. [7] Jinga
esperava deferência, e seus súditos livres, nobres ou plebeus, tinham de trabalhar
três vezes por semana nas terras reais. [8] Em ocasiões públicas, ela exibia
símbolos reais que possuíam grande importância para ela e seu povo, e também
revivia muitos rituais. O machado de batalha, um símbolo real tradicional, era
uma arma que Jinga empunhava com tremenda habilidade. De acordo com
relatórios dos portugueses e dos missionários, após assinar o tratado, Jinga jogou
o machado no chão e informou aos soldados que o rei português a havia
derrotado. Nos anos seguintes, ela sempre exibia o machado e um arco em
ocasiões públicas, e consta ter se vangloriado de que o machado não poderia ser
derrotado porque era “uma arma real”. [9] Mesmo depois que deixou de
participar pessoalmente no campo de batalha, seus soldados acreditavam que, se
recebessem os arcos diretamente de suas mãos, eles atingiriam seus alvos e
seriam invencíveis. [10]
Seu desejo de manter alguns rituais e privilégios de Ndongo não contradizia
fundamentalmente as expectativas que os missionários tinham a respeito dela
como monarca cristã, mas ela enfrentou contestações de seu próprio povo
quando tentou descartar certos ideais religiosos e práticas rituais de ambundos e
imbangalas. Suas primeiras tentativas de implementar uma nova política
começaram durante as negociações de 1656, quando não teve escolha senão
demonstrar sua sinceridade quanto ao retorno à fé católica. Como havia feito no
passado ao tomar grandes decisões, Jinga encenou sua transformação numa
reunião pública com padres tradicionais.
A preservação do crucifixo que Jinga a Mona trouxera do campo de batalha e
sua prática de rezar diariamente representavam uma ameaça às relações que ela
cultivara com conselheiros religiosos e políticos durante sua época de
imbangala. Ela precisava da confiança deles para evitar rebeliões de seus
seguidores, especialmente dos poderosos capitães imbangalas. Ela arquitetou
uma ruptura com as crenças espirituais tradicionais num cenário público em
outubro de 1656, alguns dias antes de Bárbara chegar a Matamba, ao reunir o
conselho de nove pessoas no qual ela se baseava para impor sua autoridade: os
cinco poderosos xingulas (gangas possuídos por espíritos dos ancestrais) e seus
quatro principais conselheiros políticos. Pediria aos xingulas que fizessem
contato com seus honrados ancestrais. Ela organizara uma cerimônia semelhante
em 1626, quando fugira da ilha de Danji. Naquela ocasião, os sacerdotes
trouxeram o sagrado misete (relicário) em que ela guardara alguns ossos e
pertences de Ngola Mbande; ao invocar o espírito de seu irmão, ela buscara a
aprovação do espírito para sua fuga.
Trinta anos depois, os xingulas invocaram um panteão de cinco ancestrais.
Além da misete de Ngola Mbande, havia quatro outras que guardavam os ossos
de quatro capitães imbangalas reverenciados, que alcançaram o status de
ancestrais após a morte. Jinga sabia que precisava obter a aprovação dos
antepassados, além da de seu conselho, se quisesse ter êxito na substituição da
ideologia e das práticas religiosas ambundos/imbangalas pelo cristianismo.
O padre Zelotes, o sacerdote do Congo cuja vida Jinga salvara após a sua
captura na campanha de Wandu de 1648 e que desde então se tornara um dos
favoritos de sua corte, compareceu à cerimônia. Foi a única testemunha ocular
do evento e, mais tarde, relatou ao frei Gaeta como Jinga conduzira a reunião.
Ela ficou diante dos membros do conselho e dirigiu-se a um deles de cada vez.
Disse-lhes que frei Gaeta, um ganga cristão, lhes ensinaria a “lei de Cristo”. Os
cristãos, explicou ela, acreditavam que Cristo era “o Deus do céu e da terra”. Ela
anunciou então que pretendia seguir a lei cristã, já que tinha sido batizada
quando jovem ao ir a Luanda como embaixadora de seu irmão. Mas, antes de
abandonar suas crenças ambundos/imbangalas, ela precisava saber a opinião
deles. Isso era extremamente importante, disse ela, porque, depois que abraçasse
a lei cristã, teria de remover a misete dedicada a “nossos mortos”, e não poderia
mais realizar nenhum dos sacrifícios que faziam parte de seus rituais. Ela
terminou perguntando: “Que me dizem disso, qual é o vosso sentimento?”. [11]
Depois que Jinga terminou de falar, contou o padre Zelotes mais tarde ao frei
Gaeta, cada um dos xingulas foi possuído pelos espíritos dos capitães
imbangalas e de Ngola Mbande, e cada espírito deu sua permissão a Jinga.
Quando o padre chegasse, explicou ela, ele batizaria todas as crianças nascidas
em Matamba e elas teriam de ter permissão para viver, em vez de serem mortas
ou abandonadas para morrer, como se fazia no quilombo. Seguiu-se um debate
animado entre os espíritos incorporados pelos sacerdotes. Um deles disse a Jinga
que ela poderia livrar-se da misete , que poderia rejeitar todos os rituais
imbangalas, mas sempre haveria outros para honrá-los em outras regiões.
No final, os quatro espíritos imbangalas afirmaram que tinham sido criados
como imbangalas e seguiram Jinga, que lhes dera um lar. Se queria viver como
cristã, disseram eles, como rainha, ela era livre para fazê-lo. Jinga ouviu
particularmente o sacerdote através do qual falava o espírito de seu irmão, Ngola
Mbande. Quando ele vivia no mundo, disse, nem ele nem um único de seus
antepassados tinham sido um imbangala. Tranquilizou Jinga dizendo que estava
satisfeito com tudo o que ela fizera até agora e apreciava os sacrifícios que ela
precisara fazer. Sim, ele preferiria que ela vivesse de acordo com as antigas
tradições de Ndongo, à maneira de seus ancestrais, mas, se receber a lei cristã e
viver como cristão significava que os brancos não fariam mais a guerra e
permitiriam que ela vivesse em paz e tranquilidade no reino, então ele aceitava
sua decisão. Os quatro conselheiros políticos deram então sua aprovação para
que ela prosseguisse com sua transformação ideológica. [12]
Jinga estava agora pronta para iniciar o processo de cristianização. Isso
significava dirigir frei Gaeta e trabalhar ao lado dele. A preparação de Jinga para
a transição tinha sido feita com tanta habilidade, reforçada pela chegada de
Bárbara e pela aceitação do acordo de paz, que ela não teve dificuldade em gerar
excitação entre a população. Agora, em vez de consultar primeiro os xingulas ,
Jinga voltava-se para Gaeta, e mais tarde para o frei Cavazzi.
Os batismos em massa que ocorreram logo depois, na praça em frente à igreja
recém-construída, nos dias que frei Gaeta escolheu, tiveram mais em comum
com uma formação militar do que com um dos eventos mais sagrados da Igreja.
Mas Jinga estava presente no início de todos eles. Em pouco tempo, seis dos
principais cortesãos e muitos oficiais do exército foram batizados. Alguns
batismos eram casos especiais, e Jinga deixou claro que os reconhecia
adequadamente. Quando Jinga a Mona foi batizado, por exemplo, esquadrões de
soldados compareceram à praça com suas bandeiras desfraldadas, ao som de
tambores e instrumentos musicais antes da cerimônia religiosa. Jinga oferecia
banquetes em sua residência após cada um desses batismos especiais, realizados
diante de grande plateia. Depois que viu os funcionários da rainha concordarem
com o batismo, a população da cidade lotou a igreja para aprender o catecismo e
também se submeter ao rito. A maioria das pessoas comuns que receberam o
batismo era composta por soldados que haviam levado vida nômade até então,
permanecendo no máximo três ou quatro anos em um lugar antes de serem
enviados para outra campanha ao capricho de Jinga e seus capitães. Até oito mil
soldados e mil crianças que nasceram após a chegada do frei Gaeta passaram
pela cerimônia. [13]

Casamento cristão

Antes que fosse aceita na Igreja como membro pleno, Jinga passou por um longo
período de exame de consciência e transformação pessoal. Embora ela e seus
nobres tivessem aceitado até então os ensinamentos cristãos e o batismo com
relativa facilidade, o sacramento do casamento monogâmico era muito mais
difícil de aceitar. Os longos e acalorados debates que frei Gaeta teve com seus
nobres e soldados fizeram pouco para ajudar e acabaram apenas em acusações
mútuas. Os soldados comuns declararam que somente abandonariam suas
concubinas se os nobres fizessem isso primeiro, e os nobres disseram que só
fariam isso se seus superiores sociais dessem o exemplo. Os mais altos cortesãos
tinham de apontar somente para Jinga. Era injusto pedir-lhes que abandonassem
suas concubinas — um costume sagrado que haviam herdado de seus
antepassados — enquanto “a rainha nossa Senhora, ainda que seja batizada [...]
tem mais maridos e mais amantes do que temos esposas”. [14]
Jinga teve de admitir que isso era um dilema. Ela tomou uma decisão, como
sempre fazia, depois de calcular quanto suas ações fariam avançar seus
objetivos. Desde a morte de seu filho recém-nascido e o incidente que levou à
sua incapacidade de ter filhos tantos anos antes, Jinga tinha uma relação
complicada com os homens. Durante seus anos de imbangala, possivelmente
para compensar a perda do filho, ela humilhou publicamente os homens e muitas
vezes ordenou que homens e meninos fossem mortos em sacrifícios rituais. Ao
mesmo tempo, cercou-se de centenas de jovens viris que lhe serviam de amantes,
concubinos e soldados. No entanto, ao mesmo tempo que acolhia sua irmã de
volta e a designava sua sucessora, ela ainda ansiava por um filho. Chegou
mesmo a afirmar em certa ocasião que somente um filho asseguraria a
sobrevivência de Matamba. Um dia ela mencionou o tema para frei Gaeta e
pediu-lhe que orasse a Deus, a fim de ajudá-la a conceber um filho. Fazendo
tudo o que podia para controlar sua surpresa de que uma mulher de 75 anos
considerasse possível ter filhos, ele aproveitou a oportunidade para abordar a
questão do casamento cristão. Se ela quisesse esse presente de Deus, disse ele,
teria primeiro de desistir de seus amantes e concubinos e casar-se com apenas
um marido numa cerimônia católica. Isso não garantiria evidentemente que ela
pudesse conceber um filho; se não conseguisse, ele não queria que culpasse a
Deus. Independentemente disso, o casamento com um único homem realçaria
seu status, granjeando-lhe “grande crédito e reputação no mundo” por dar um
exemplo ao seu povo, e “glória e honra” no céu. Convencida por esses
argumentos, Jinga concordou em casar-se na igreja, ciente de que suas núpcias
estimulariam seu povo a seguir o exemplo. Ela escolheu dentre seus cortesãos
um jovem chamado Sebastião, “gracioso, robusto [...] e com as feições mais
bonitas”, para ser seu marido. [15]
Em 30 de janeiro de 1657, cinco dias antes da data do casamento, Jinga
enviou uma ordem a todos os funcionários e atendentes da corte e a milhares de
soldados para que se reunissem na praça diante de igreja, agora chamada Santa
Maria de Matamba. Vestida com seus trajes de guerra, mandou que efetuassem a
dança militar que costumavam realizar antes de partir em campanha. Após o
exercício, eles se reuniram em seus esquadrões, aguardando ansiosamente seu
anúncio. Jinga estava numa grande cadeira colocada no meio da praça. Em um
gesto dramático, ela pegou seu arco e se voltou para seus vassalos e as tropas.
Com sua voz em volume máximo, gritou: “Ouçam, meus queridos vassalos,
quem pode derrotar este arco e flecha de sua rainha Jinga?”. Eles responderam:
“Ninguém jamais fez isso porque milhares de homens viriam em sua defesa”.
Jinga continuou: “Quero dizer-lhes que o manipulo venceu, e, porque já estou
velha, não desejo mais ir à guerra contra o povo dele. Já estou vivendo em paz
com ele, e mais glória virá a mim através dos padres que vieram de Roma e que
nos reconciliarão com a Santa Igreja Romana. [...] Eu abraçarei a santa fé
católica que antes eu professava, e na qual irei morrer”. Ela admitiu que
entregara escravos aos portugueses para reaver sua irmã, e tudo estava como ela
desejava. Quando Jinga parou de falar, Bárbara apareceu e se jogou ao chão
diante dela, revirando-se na poeira numa demonstração de gratidão, como a
própria Jinga fizera quando ela lhe foi apresentada, finalmente livre. [16]
A cerimônia tinha a ver com o estabelecimento de exemplos. Ela dirigiu-se
novamente à multidão, proclamando que Jinga a Mona, o capitão do exército,
aceitara o batismo. E, o que era mais importante, ela mesma havia escolhido um
homem para se casar que já havia sido batizado. Anunciou que Bárbara também
se casaria com o mwene lumbo Ngola Kanini, agora conhecido pelo nome cristão
de João Guterres Kanini, logo que fosse confirmado que sua primeira esposa
estava morta. Convocou então todos os presentes a desistir de seus múltiplos
parceiros e adotar uniões monogâmicas, comparecer às aulas de catecismo e
concordar com o batismo. [17]
Em 4 de fevereiro de 1657, depois de ter dispensado os mais de quarenta
maridos ou concubinos que mantinha, Jinga casou-se com Sebastião em
cerimônia na igreja. [18] Embora seu esposo fosse décadas mais jovem do que ela
e não tivesse sangue nobre — era filho de um escravo que fugira de Luanda e se
alistara em suas tropas —, ela o honrou imediatamente com o título de “marido
de Jinga” (não de “rei”) e concedeu-lhe quinhentos escravos para que pudesse
viver como nobre. [19]
O casamento de Bárbara foi mais complicado. Jinga escolhera João Kanini
porque ele era um parente de sangue e, portanto, elegível para governar. Ela o
capturara na batalha em apoio de Ngolome a Keta, em 1644, e, em vez de matá-
lo, fez dele seu mwene lumbo , o zelador da casa. Ele tinha todas as qualidades
às quais ela dava preferência. Além de ser um parente próximo, devia lealdade a
ela por tê-lo libertado depois que o aprisionara. Além disso, já era católico. Ela
esperava que, ao selecionar um de seus parentes, o trono permaneceria dentro de
sua linhagem. Quando chegou de Massangano a notícia de que a primeira esposa
de João Kanini ainda estava viva, Jinga foi obrigada a cancelar o noivado.
Relutante, deu permissão para Bárbara casar-se com Jinga a Mona, agora
chamado de Antônio Carasco Jinga a Mona. A detalhada cerimônia de
casamento católico de Bárbara ocorreu em 9 de setembro de 1657. Embora as
duas irmãs não confiassem em Jinga a Mona — afinal, ele não era de linhagem
real, mas um imbangala e escravo —, Jinga reconheceu que ao longo dos anos
ele a servira fielmente. Desse modo, ela o honrou não apenas com a mão de sua
irmã, mas também com um título de nobreza. [20]
As decisões ousadas de Jinga causaram um impacto imediato. No início de
março de 1657, sua capital, cujo nome ela mudara para Santa Maria de
Matamba, em homenagem à igreja que havia construído, já contava com 2506
cristãos batizados e muitos de seus súditos estavam tendo aulas de catecismo.
Entre os primeiros convertidos estavam muitos dos funcionários de Jinga, entre
eles oitenta macotas (chefes de linhagem) e suas esposas. Durante esse período,
Jinga e Bárbara dedicaram toda atenção à igreja, comparecendo à missa três
vezes por semana e participando da procissão sagrada, um evento semanal às
sextas-feiras, em que as pessoas seguiam o frei Gaeta enquanto ele carregava o
Santo Crucifixo ao redor da praça. Durante essas procissões, seis jovens
ambundos faziam penitência açoitando-se com correntes de ferro. [21]

Jinga, os portugueses e o Vaticano

Depois que ela e Bárbara realizaram suas cerimônias de casamento cristão, Jinga
começou uma campanha sistemática para que o cristianismo católico de estilo
europeu se disseminasse entre seu povo, instando os membros da corte a se
batizar e viver como cristãos. Ela tinha motivos políticos para promover essa
transformação cristã de Ndongo-Matamba. Embora o tratado de paz tivesse
cedido aos portugueses certas terras em torno de Ndongo e na região dos
Dembos que Ndongo tradicionalmente controlava ou que ela conquistara, Jinga
ainda precisava garantir que Matamba e as áreas de Ndongo sob seu controle
permanecessem independentes. Entre janeiro e setembro de 1657, ela retomou os
contatos diplomáticos políticos e religiosos com Roma que havia iniciado quase
uma década antes, enviando quase dez cartas ao governador Sousa Chichorro, ao
rei João IV em Portugal e, o mais importante, a autoridades eclesiásticas em
Roma. Como veremos, chegou até a designar um de seus conselheiros para
encabeçar uma embaixada oficial ao Vaticano. Nessa época, frei Gaeta já era seu
confessor pessoal, conselheiro e defensor político, e ela não hesitou em usá-lo
para transmitir suas mensagens e providenciar os detalhes da viagem de seu
embaixador a Portugal e Roma.
As cartas e as embaixadas de Jinga aos portugueses e às autoridades de Roma
contêm elementos que mostram seus motivos políticos e religiosos. Nas cartas
que seus emissários entregaram ao governador de Luanda, por exemplo, Jinga
usou seu título de realeza (rainha) para referir-se a si mesma, junto com o nome
quimbundo (Jinga) e seu nome cristão (dona Ana). Essas cartas sempre
destacavam sua conformidade com os termos do tratado de paz, com o objetivo
de tranquilizar os funcionários portugueses céticos quanto ao seu compromisso
de aderir a todas as condições. Ela enfatizava sua seriedade em relação à nova
religião e fornecia detalhes sobre a propagação dela entre seus seguidores. Seu
objetivo era assegurar aos funcionários portugueses de Luanda e Lisboa que ela
não só era séria a respeito da paz como a nova fé a colocava em igualdade
espiritual com eles. Em janeiro de 1657, menos de três meses após a assinatura
da primeira cópia do tratado, ela enviou uma carta ao governador Sousa
Chichorro que falava de sua aceitação do cristianismo. Nela, dizia que se tornara
sua “parente espiritual”. [22] Três dias depois, escreveu-lhe outra carta, essa de
natureza mais política, em apoio a Peixoto, que fora tão importante no
direcionamento das negociações de paz à conclusão bem-sucedida. Ela o
elogiava pela dedicação e paixão que mostrara e por ter um conhecimento tão
profundo de quimbundo: ele era “o melhor linguista em meu reino porque
nasceu em Angola e foi criado por seus avós”. [23]
Em março de 1657, Jinga enviou novamente seus cortesãos ao governador
com a notícia de seu casamento católico e também com um jovem escravo de
presente. O governador Sousa Chichorro estava ansioso para transmitir às
autoridades de Lisboa as boas-novas da rápida propagação do cristianismo em
Matamba. Em sua carta de congratulações a Jinga, ele a chamava de “filha” e
mandava de presente uma peça de joalheria composta de muitas pérolas, no meio
das quais estava uma imagem da Virgem Maria. O governador também enviou
ao rei cartas detalhadas sobre os acontecimentos em Matamba. [24]
Jinga fazia de tudo para demonstrar que era agora uma forte aliada dos
portugueses. Em resposta ao presente de casamento, enviou ao governador outro
jovem escravo, destinado a servir como carregador. Em agosto daquele mesmo
ano, escreveu novamente a Sousa Chichorro, dessa vez oferecendo-se a enviar
seu exército para participar de uma guerra contra o rei do Congo, a quem os
portugueses acusavam de abrigar escravos fugitivos. Ao saber da morte do rei
João IV , em novembro de 1656, pouco depois de a paz ter chegado finalmente a
Ndongo-Matamba, Jinga declarou um período de luto público em sua memória
e, seguindo o costume português, ela mesma vestiu luto. [25]
Grande parte dos contatos escritos e verbais de Jinga com os portugueses de
Luanda nos cinco anos que se seguiram a essa série de cartas de 1657
concentrou-se em sua crescente inquietude em relação às operações militares
deles. Ela fazia questão de responder a seus pedidos persistentes para que
resolvesse disputas comerciais que surgiam entre os muitos comerciantes
portugueses e os seus representantes, que começaram cada vez mais a se mudar
para Matamba em decorrência do acordo de paz. Uma dessas cartas foi escrita
em resposta àquela que recebera do soldado/cronista português Antônio de
Cadornega, que se tornara juiz em Luanda e escrevera a Jinga após uma reunião
com frei Gaeta. Disposta a construir uma igreja inspirada nas que vira em
Luanda, ela pedira a Gaeta que recrutasse artesãos, carpinteiros, canteiros,
pedreiros e trabalhadores em ferro especializados. Ela lhe dera uma soma para
pagar adiantado aos proprietários de escravos pelo aluguel dos serviços de seus
cativos para que pudessem ser enviados a Matamba. Quando circulou a notícia
de que Jinga estava planejando um grande projeto de construção, escravos de
propriedade dos portugueses de Massangano fugiram e tentaram chegar à região.
Cadornega escreveu a Jinga pedindo que ela resolvesse o problema. Em sua
resposta, ela negou que seu povo tivesse aceitado ou vendido escravos
portugueses fugitivos e pôs a culpa em indivíduos que queriam perturbar a paz
de que ela e seu povo estavam usufruindo. Desafiou-o a questionar todos os
pumbeiros (africanos que traficavam escravos em nome de seus proprietários
portugueses) de sua corte sobre a mercadoria que seus donos lhes haviam dado
para comprar escravos. Terminava a carta frisando que, quando vendia escravos
a agentes portugueses, sempre os advertia de que deveriam trancá-los; mas, em
vez disso, parecia que a maioria deixava os escravos soltos. Eles assumiam um
risco. [26]
Apesar de muitas cartas ao governador e sua exibição pública de amizade, a
desconfiança de Jinga em relação aos portugueses nunca diminuiu. Ela
continuou a cultivar sua relação com os capuchinhos, que sabia que facilitariam
as relações diplomáticas que queria com o papa. Enquanto seus emissários
estavam em Luanda entregando suas cartas e relatando ao governador as muitas
coisas maravilhosas que Jinga estava fazendo para promover o cristianismo em
Matamba, ela continuava a avançar com sua diplomacia religiosa. Não estava
satisfeita com a qualidade dos frades que tinham vindo de Luanda e, de fato, já
havia demitido vários deles. Decidiu então pedir capuchinhos diretamente a
Roma.
Em agosto e setembro de 1657, Jinga escreveu várias cartas ao papa e à
Propaganda Fide informando que chegara finalmente ao conhecimento do Deus
verdadeiro e estava aliviada por não estar vivendo uma vida idólatra em poder
do diabo. Dizia que qualquer sacerdote que pudesse ser enviado seria recebido
com boa vontade em seu reino, já que muita gente de seu povo estava ansiosa
para ser batizada. [27]
Confiando no conselho de frei Gaeta, em agosto desse ano ela já havia
elaborado um plano minucioso para que o papado a reconhecesse como uma
monarca cristã e Matamba como um Estado cristão. Um de seus conselheiros,
João, que falava e escrevia em português, encabeçaria uma missão oficial a
Lisboa e Roma. Ela deu a ele um dos títulos mais altos de sua corte — mwene
makau (escanção-chefe) — e selecionou seu tendala e um macota para
acompanhá-lo. Também pôs à disposição de João vários escravos para que
pudesse viajar no estilo associado à realeza. [28] Em 8 de agosto de 1657, João
partiu de Matamba com as cartas que lhe foram confiadas por Jinga e que
deveria entregar pessoalmente às autoridades de Luanda, Lisboa e Roma. Uma
das cartas era endereçada à rainha Luísa de Portugal, viúva do rei João IV , então
regente, em nome de seu filho e futuro rei Afonso VI . A carta de Jinga
expressava à rainha suas profundas condolências pela morte do marido e
agradecia respeitosamente pela finalização do tratado de paz.
Jinga esperava que a carta convencesse as autoridades portuguesas de Luanda
de que seu único propósito ao enviar João a Portugal era transmitir suas
condolências pessoalmente à rainha. Evidentemente, isso estava longe da
verdade. Seu verdadeiro objetivo era que frei Serafino da Cortona e outros
capuchinhos de Lisboa arranjassem para que João pudesse viajar a Roma e
entregar as cartas que ela escrevera à Propaganda Fide e ao papa. Acreditando
que eles poderiam ajudá-lo a enfrentar a burocracia em Luanda e Lisboa, ela
confiou os arranjos da viagem de João aos freis Gaeta e Cortona, prefeito da
missão sediada em Massangano.
Jinga fez Gaeta jurar segredo depois de discutir os planos com ele. Ela temia
que, se a notícia chegasse aos comerciantes portugueses de Matamba ou a
membros de outras ordens religiosas em Luanda, eles tentariam prejudicar a
embaixada. Em 15 de agosto, escreveu a Cortona, compartilhando todos os
detalhes com ele e pedindo-lhe ajuda. Ela enfatizava ao sacerdote que era
imperativo que João viajasse a Roma para entregar sua carta pessoalmente ao
papa. Queria que o papa soubesse que o aceitara como “padre universal de todos
os cristãos”, e esperava que em seu nome João “beijasse seus pés e pedisse sua
bênção para a filha que sou da Igreja”. Sem deixar nada ao acaso, ela contou a
frei Cortona que havia “assinado com meu sinal da cruz e selo” para provar a
todos que João era realmente seu embaixador. [29]
Jinga confiava implicitamente no frei Gaeta, sabendo do profundo
comprometimento que ele tinha com o projeto cristão dela. Decorrido um ano de
sua presença na corte, ele não só se tornara seu conselheiro espiritual, mas
também seu confidente político. Por sua vez, Gaeta, vendo uma oportunidade
para os capuchinhos espalharem a notícia em Roma e em “toda a cristandade” da
conversão de uma “rainha pagã” que prometia total lealdade ao papa, servia de
canal de comunicação entre Jinga, seu embaixador e frei Cortona. [30] Em 20 de
agosto, ele escreveu uma carta a Cortona em que fornecia mais detalhes sobre a
embaixada e pedia que ele jurasse segredo, como ele próprio havia jurado. Gaeta
implorava a Cortona que encontrasse um professor que desse lições de etiqueta
europeia ao embaixador de Jinga antes de partir para Lisboa. Ela estava ciente da
importância da aparência e pretendia fornecer escravos a João, “de modo que se
façam coletes e roupas adequadas para ele usar durante a viagem a Lisboa”, bem
como um guarda-chuva (para indicar seu status) e cinco ou seis servos. João
levaria um ou dois desse grupo com ele para Roma e os outros o aguardariam em
Lisboa. Os capuchinhos envolvidos na promoção da diplomacia papal de Jinga
sabiam que poderiam fortalecer o pedido dela se pudessem mostrar que as
autoridades portuguesas estavam obstruindo o avanço missionário do papado.
Frei Gaeta disse a Cortona que, se as autoridades portuguesas de Luanda
impedissem o embaixador de Jinga de sair, ele deveria espalhar em Lisboa e
Roma que os portugueses haviam impedido o embaixador de levar carta de
condolências de Jinga para a viúva e o filho menino do rei João. Isso reforçaria a
simpatia dos cardeais pelos pedidos de Jinga. [31]

AHU _CU _OOL , Cx. 6, D. 707. Arquivo Histórico Ultramarino (AHU )/Direção‑Geral do Livro, dos
Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB ), Lisboa, Portugal.

Carta de Jinga ao frei Serafino da Cortona, 15 de agosto de 1657.

Mas João nunca partiu de Luanda. Em maio de 1658, João Fernandes Vieira
substituiu Sousa Chichorro no governo de Luanda e impediu sua partida. Sousa
Chichorro havia dado sua aprovação e, com efeito, João deveria viajar no mesmo
navio em que o ex-governador regressava a Lisboa. Fernandes Vieira anunciou
sua decisão de deter a partida do embaixador para Lisboa numa audiência
pública, na qual João fez uma apresentação aos funcionários sobre as razões
pelas quais Jinga desejava que ele fizesse a viagem. Vieira baseou sua posição
num decreto real que determinava que “nenhum Senhor etíope [africano] deveria
viajar ou enviar uma embaixada à Europa”. Mesmo que seus conselheiros
ameaçassem romper a paz em reação ao insulto, Jinga não teve escolha senão
chamar de volta seu embaixador. Foi um tremendo golpe para ela. Mas
permaneceu exteriormente imperturbável, pois já havia designado frei Cortona
para ser seu enviado e representante em Roma. Antes de retornar a Matamba,
João entregou a Cortona as cartas que deveria ter levado para a Europa, junto
com as instruções verbais que Jinga lhe dera. [32]
A frenética tentativa de aproximação de Jinga com Roma contrastava
fortemente com suas relações com os portugueses. Depois de ter alcançado seus
objetivos de libertar a irmã e estabelecer as fronteiras ocidentais de Matamba, os
portugueses eram menos importantes para seus planos. Ela ainda mantinha
contato com as autoridades de Luanda, mas o número de cartas que escrevia
começou a diminuir consideravelmente. Ademais, suas respostas careciam dos
detalhes, da urgência e do desespero das anteriores a 1658. Ela escrevia,
sobretudo, sobre a questão ainda contenciosa de sua relação política com sobas
que anteriormente havia subjugado e sobre os quais os portugueses
reivindicavam agora soberania, ou com aqueles que haviam sido seus aliados
durante a guerra. Jinga tinha consciência de que o tratado não resolvera todas as
disputas políticas com seus antigos rivais, e eles sabiam que ela ainda tinha
capacidade de mobilizar uma aliança antiportuguesa. Com efeito, em agosto de
1658, o novo governador Fernandes Vieira escrevera em relatório a Lisboa que
um desses sobas se recusava a obedecer a seus pedidos e até lhe enviara uma
carta afirmando que juraria lealdade apenas ao “rei do Congo e à rainha Jinga”.
Ele estava pronto para fazer o que esses governantes mandassem, mas não o
faria para o rei de Portugal. [33] As cartas que Jinga recebia das autoridades de
Luanda vinham muitas vezes depois de ordens de Lisboa para permitir que os
missionários de Roma fossem a Matamba com o propósito de batizar o povo e
converter os chefes de Jinga. Os mesmos funcionários receberam também ordens
para manter uma correspondência aberta e amizade com Jinga, de modo que,
“após a morte dela, seus funcionários continuassem obedientes ao rei”. [34]
Jinga ainda mantinha relações oficiais com os soberanos do Congo e recebia
periodicamente seus enviados, bem como trocava cartas com eles. Essa situação
levou o governador Vieira a declarar guerra contra o Congo em março de 1659.
Vieira afirmava ter recebido notícias de que o rei Garcia II renovara sua aliança
com Jinga, “nossa inimiga principal”, e advertia que, se ele não declarasse
guerra unilateral, Congo e Matamba voltariam a se tornar aliados e levariam
consigo muitos sobas, “alguns voluntariamente, outros por medo”. [35]
Ao mesmo tempo que mantinha as relações com os portugueses no mesmo
patamar, Jinga continuava os esforços para iniciar um contato direto com o
papado. Ela escreveu inúmeras cartas aos capuchinhos em Roma e no Vaticano
nas quais manifestava seu profundo desejo por missionários capuchinhos e
reconhecimento oficial. Em suas cartas para autoridades do Vaticano encontram-
se informações que ela obtivera dos capuchinhos sobre o tratamento que Roma
dispensava aos monarcas cristãos europeus e sobre o papel da Igreja na
sociedade. Elas equivalem a uma verdadeira campanha para persuadir as
autoridades do Vaticano de que ela era digna de ser tratada da maneira como
tratariam qualquer governante cristão, da Europa ou de outros lugares.
As cartas também destinavam-se a persuadir a Santa Sé a reconhecer
Matamba como um reino cristão. Numa carta escrita em setembro de 1657, que
frei Cortona levou a Roma, ela dizia que o sacerdote tinha permissão para jurar
em seu nome lealdade e obediência ao papa como vigário de Cristo na Terra,
bem como agradecer-lhe por ter enviado capuchinhos para ela. Declarava com
orgulho que ela e toda a sua corte tinham sido purificadas pelo batismo e haviam
construído uma igreja. Em conclusão, pedia ao pontífice para ajudá-la a
continuar no caminho que havia escolhido e mandar-lhe missionários,
indulgências e bênçãos. [36]
Jinga teria de esperar vários anos até receber respostas de Roma. Embora
apoiassem o trabalho missionário dos capuchinhos em Matamba, as autoridades
do Conselho Ultramarino português foram inflexivelmente contra a ordem de
estabelecer instituições religiosas naquele reino: temiam que isso permitisse que
Jinga encontrasse novas oportunidades para desafiar os portugueses. Em janeiro
de 1659, os conselheiros alertaram a rainha Luísa de que ela jamais deveria
permitir que os capuchinhos construíssem uma base permanente em Luanda
dedicada somente ao seu trabalho em Matamba, mas apenas um albergue onde
poderiam descansar após as viagens. [37]
Com as autoridades portuguesas erguendo tantos obstáculos, tornou-se difícil
para Roma atender aos pedidos de Jinga para que os capuchinhos fossem para
Matamba. A campanha de cartas de Jinga continuava, com ou sem respostas. O
fato de os freis Gaeta e Romano também enviarem cartas e relatos a autoridades
do Vaticano em seu favor, ressaltando o impacto que a conversão de Jinga tivera
nas sociedades vizinhas, manteve a campanha viva e atraiu mais capuchinhos
para sua causa. [38] Jinga nunca perdeu a esperança de que receberia uma
resposta positiva do Vaticano, e, depois de cada longa discussão que tinha com
Gaeta e Cavazzi, ela escrevia uma carta a qualquer autoridade do Vaticano que
eles sugerissem. Em dezembro de 1659, por exemplo, escreveu uma carta ao
cardeal D’Este, agradecendo-lhe pelo envio de frei Gaeta, ao qual atribuía a
salvação das almas dela e de seus vassalos e destacava que sua presença lhe
permitira conhecer o “Deus verdadeiro” e, graças a isso, ela estava em paz “em
corpo e alma”. A carta terminava, como tantas outras anteriores, com o pedido
de que outros capuchinhos fossem para Matamba, de modo que pudessem
conferir o santo batismo às muitas pessoas do seu reino desesperadas para
recebê-lo. [39]
Em março de 1661, Jinga recebeu finalmente o que tanto ansiava: uma carta
de próprio punho escrita pelo papa. Datada de 19 de junho de 1660, levara nove
meses para chegar. Nela, o papa Alexandre VII respondia favoravelmente a todos
os pedidos de Jinga. Dirigia-se a ela como “Querida em Cristo, nossa filha Ana,
rainha Nzinga”, a acolhia na verdadeira religião cristã e indicava que estava
orando para que seu país fosse próspero e virtuoso. O papa também escreveu
sobre sua esperança de que ela especificamente, como filha de Cristo, crescesse
em virtude e generosidade e que o Deus Supremo a admitisse entre os eleitos.
[40]
Em sua resposta, datada de 25 de agosto de 1662, menos de um ano e meio
antes de sua morte, Jinga admitia ao pontífice que não viveria para ver o pleno
florescimento do cristianismo em Matamba e que a transformação religiosa que
ela imaginava não poderia ser feita em um dia, mas tinha de se desenvolver
lentamente. Jurava, no entanto, que, enquanto Deus lhe desse vida, “deixaria a
nova cristandade em bom estado” para que, após sua morte, o seu substituto
governasse um reino verdadeiramente cristão. Jinga pedia ao pontífice que
pensasse com bondade em seu reino. Admitia que estava em grande necessidade
de tesouros espirituais da Santa Igreja e pedia que lhe enviasse duas
indulgências, uma para o Dia de Santa Ana, que ela prometia “ler na igreja que
fiz em minha corte dedicada à referida santa Ana” e a outra para outra igreja que
ela construíra, dedicada ao Santo Crucifixo e a Nossa Senhora. [41] Ela havia
assinado suas primeiras cartas ao papa simplesmente como “Rainha Dona Anna”
ou como sua filha “mais obediente e submissa”; ainda não incluíra a cruz como
seu selo oficial. Mas, quando respondeu à carta em que ele lhe oferecia a
aceitação oficial dela como monarca cristã, inseriu a cruz como seu selo oficial
antes de seu nome. [42]
Naqueles que seriam os últimos meses de sua vida, aumentou muito o
número de cartas escritas por Jinga. Em março de 1663, ela escreveu ao
capuchinho Crisóstomo de Gênova solicitando que entregasse pessoalmente uma
carta ao papa, bem como outra missiva endereçada ao Procurador dos
Capuchinhos. Ela pedia ao frei Gênova que cumprimentasse o papa em seu
nome e beijasse seus pés, e recebesse em seu nome a bênção do pontífice, bem
como divulgasse o progresso do cristianismo em seu reino. [43]
Em abril de 1663, apenas oito meses antes de sua morte, escreveu outra carta
ao prefeito da Propaganda Fide, dando-a novamente a frei Gênova para que a
entregasse. Como de costume, agradecia ao prefeito por enviar-lhe capuchinhos,
observando que eles lhe haviam trazido a “verdadeira luz” e que estavam
cumprindo todos os seus deveres. Observava também que, como monarca cristã,
beijava humildemente o manto sagrado do pontífice e pedia-lhe uma bênção. O
ponto principal de sua carta, no entanto, era lamentar o fato de que a morte ou a
doença de vários capuchinhos em Matamba deixara sua terra carente de
missionários para levar adiante o trabalho evangélico. Ela temia que, sem mais
capuchinhos, a situação ficasse perigosa. Aproveitava também a oportunidade
para anunciar que estava construindo mais uma igreja. Além disso, dera
permissão para construir uma escola em que os novos sacerdotes pudessem
ensinar as crianças. [44] Como em sua carta ao papa, a assinatura de Jinga refletia
sua nova posição social: ela inseriu “Filha em Cristo” e pôs a cruz cristã antes de
seu nome, “Rainha Dona Ana”. [45]


Archivum Secretum Vaticanum, Epistolae ad Principes, v. 64, fols. 70r-71v.

Carta do papa Alexandre VII para Jinga, 19 de junho de 1660.

Estabelecendo as bases para a transformação

A nova paixão espiritual de Jinga não se limitava a escrever cartas ou manobrar


para obter o reconhecimento diplomático do Vaticano. Enquanto esperava
ansiosamente a garantia de Roma de que enviaria mais missionários, ela
trabalhava com os capuchinhos que já estavam em Matamba para começar a
preparar as bases de sua transformação cristã. Naquela época, já abandonara suas
práticas imbangalas, mas não as técnicas que utilizara como líder imbangala.
Assim como reformulara as leis imbangalas quando se tornou capitã, ela iniciou
o esforço de cristianização por uma campanha de construção da igreja, para que
os freis Gaeta, Valsassina e Cavazzi e os poucos sacerdotes das paróquias de
Matamba pudessem pregar e ensinar o catecismo ao povo. Ela aprendeu com os
capuchinhos tudo o que pôde sobre celebrações e organização da Igreja na
Europa, às vezes lamentando que não conseguisse promover festejos tão
rebuscados. No entanto, levou a sério as informações e tentou pôr em prática
alguns dos paramentos públicos esperados de um monarca cristão.
No fim de 1658, ela já havia construído três locais para altares, quatro
cemitérios, logo depois das quatro entradas da cidade, e quatro igrejas novas,
uma das quais era para o uso exclusivo de sua irmã Bárbara. [46] Seguiram-se
outras igrejas menores, junto com pequenos altares cristãos e um cemitério
maior dentro da cidade. [47]
Em 1659, Jinga decidiu mudar sua capital para cerca de dez quilômetros
adiante, às margens do rio Hamba, um afluente do Kwango. Escolheu uma
excelente localização para a nova cidade, num vale cercado por uma variedade
de árvores. No início de 1660, começou os preparativos para a mudança e
ordenou que seu povo construísse uma igreja temporária e casas para a corte.
Usando materiais tradicionais, os construtores terminaram a igreja rapidamente.
Em seguida, vieram sua própria residência, uma casa para os capuchinhos, e as
casas para os funcionários e servidores da corte. (De início, ela pretendia que
somente pessoas que haviam sido batizadas pudessem morar na cidade, mas
acabou por revogar essa ordem.)
Antes da mudança, Jinga tomou uma decisão crucial que sinalizava a
crescente distância entre sua nova espiritualidade e as antigas crenças
ambundas/imbangalas. Foi quando decidiu entregar a frei Gaeta a misete de prata
que guardava os restos mortais de seu irmão e outros objetos rituais. A decisão
foi tomada, em parte, em resposta à pressão exercida pelo frade capuchinho e
seu intérprete Calisto Zelotes, o ex-padre do Congo cuja vida ela havia poupado
em 1648. Eles insistiam que ela não poderia ser considerada cristã de fato se
ainda acreditasse que a misete lhe oferecia proteção. Ela não discordava, mas
também percebia que não podia simplesmente entregar a misete a Gaeta sem
correr o risco de uma possível revolta dos gangas, que ainda exerciam um
tremendo poder espiritual sobre a população, apesar da conversão de Jinga ao
cristianismo. Tal como em 1656, ela sabia que precisava do apoio não só dos
gangas e xingulas , mas também de outros funcionários cujo apoio público seria
vital para a revolução ideológica que ela estava tentando promover. Para rebater
qualquer oposição pública, organizou uma de suas famosas discussões públicas,
na qual as principais facções discutiram acirradamente a questão. O resultado do
debate foi o esperado: não havia espaço para a misete na nova Matamba de
Jinga. Depois, ela a levou para a igreja e, ajoelhada perante o Santo Crucifixo,
entregou-a ao frei Gaeta. [48] Mais uma vez, ela conseguiu desarmar uma
situação potencialmente explosiva usando uma discussão aparentemente
democrática para dar mais um passo adiante em sua revolução cultural. Numa
última ruptura com seu estilo de vida imbangala, ela concordou que a misete
fosse fundida e transformada em uma lâmpada cristã para uso em sua nova
igreja. [49]
Após a entrega da misete , Jinga e os capuchinhos conduziram a população
numa procissão solene até a igreja temporária, onde se localizaria sua nova corte,
chamada Kabasa (o título tradicional para a sede dos governantes ambundos) e
também Santa Maria de Matamba, seu nome cristão. Eles visitaram o lugar onde
ela decidira realizar um grande projeto: a construção de uma grande igreja de
pedra, junto com um albergue para os frades e uma escola.
A nova igreja teria 37 por 12 metros, com varandas em todos os lados. Ela
queria uma construção que reproduzisse as igrejas de estilo europeu que vira em
Luanda e aproveitou todas as oportunidades para aprender, questionando os
comerciantes portugueses de Matamba sobre como fazer uma edificação daquele
tipo. [50] Enquanto frei Gaeta recrutava trabalhadores qualificados entre os
escravos de Massangano, Jinga mobilizava homens, mulheres e crianças para
começar o árduo trabalho de desenterrar e transportar pedras e vigas de madeira
para o local escolhido. Em alguns momentos da operação, Jinga recrutou todos,
independentemente de posição social — dos capuchinhos aos seus nobres e
criados domésticos —, para cavar e transportar pedras. Evidentemente, a maioria
dos operários era composta por escravos, que se contavam aos milhares, mas
mais de dezessete mil pessoas livres, inclusive mulheres e crianças, também
participaram. A própria Jinga carregou algumas pedras, além de fornecer
refeições e outros incentivos aos trabalhadores. Ela fez questão de que os rituais
cristãos em torno da construção fossem seguidos com rigor, colocando dois anéis
de ouro no solo antes que os construtores colocassem as pedras do alicerce. [51]
Embora a obra demorasse três anos para ficar pronta, Jinga conseguiu
construir uma igreja inteiramente de pedra num lugar onde os materiais de
construção eram escassos e havia pouquíssimos trabalhadores qualificados. Após
sua conclusão, em 1663, tornou-se a maior estrutura até então construída no
interior de Angola. Ao lado da igreja principal havia duas capelas laterais, uma
contendo o Crucifixo Sagrado que Jinga a Mona trouxera de Mbwila e a outra,
uma imagem de Nossa Senhora, que foi dedicada ao Santo Rosário. Essa capela
era muito importante para Jinga, que a construiu especificamente para uso da
Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, que estimulara os capuchinhos a
organizar. Ela forneceu os fundos para a construção da capela e para a
manutenção da irmandade.
Instisfeita por ter somente capuchinhos estrangeiros como transmissores da
religião, Jinga pressionou os missionários a construir um seminário, a fim de
preparar seu próprio povo para o sacerdócio. Também mandou construir uma
escola ao lado da igreja. Ela não viveu para ver gente de seu povo se tornar
sacerdote, mas, antes de sua morte, quarenta crianças receberam uma educação
rudimentar na escola, aprendendo a ler e recebendo instrução religiosa. [52] Ao
mesmo tempo que construía a igreja grande, ergueu uma menor em sua corte,
que dedicou a santa Ana. Como havia feito para a grande igreja de pedra,
também depositou um anel de ouro no alicerce dela. Quando a igreja ficou
pronta, ela pagou o que teria sido considerado na época uma pequena fortuna —
125 ducados italianos — por uma bela representação de santa Ana, e também
encomendou várias decorações de seda e brocado. [53]
Durante o período de construção dessas igrejas, o cristianismo começou a
enraizar-se em Matamba, em grande medida graças aos esforços de Jinga. Ela
encorajou as pessoas a frequentar as missas, a aprender os princípios mais
importantes da nova religião e a batizar-se e casar. Também esperava que as
crianças recém-nascidas fossem batizadas na Igreja e vivessem como cristãs.
Para alcançar esse objetivo, convocou os serviços do padre Zelotes para ajudar a
catequizar os adultos. Em pouco tempo, equipes de jovens que tinham aprendido
o catecismo estavam ensinando aos outros. Ela mesma não perdia ocasião para
levar as pessoas à igreja e estimulá-las a frequentar as aulas de catecismo — às
vezes usando ameaças (afinal, tratava-se de Jinga), mas também oferecendo
prêmios como incentivos. Ela mesma tornou-se professora, fazendo meninas
recitarem as litanias da Virgem Santa e explicando-lhes as virtudes da
virgindade.
Quando percebeu que sua campanha inicial não resultara num aumento
significativo do número de pessoas que os capuchinhos acreditavam estar
suficientemente preparadas para o batismo, Jinga tomou medidas mais
draconianas, e foi de casa em casa solicitando às famílias que abandonassem
suas concubinas e frequentassem a igreja. Decorridos cinco meses de seu próprio
casamento, três mil pessoas já tinham sido batizadas, incluindo as crianças.
Quando frei Cavazzi, que se tornaria o principal confessor de Jinga e
permaneceria em Matamba até depois da morte da rainha, e os outros
missionários chegaram, em outubro de 1658, muitas pessoas estavam ansiosas
para batizar seus filhos, e catorze mães recentes os receberam e pediram batismo
para seus bebês, afirmando que as crianças haviam nascido depois que frei Gaeta
fora embora de Matamba, no início daquele ano. Embora Cavazzi achasse que
alguns dos adultos que examinou tinham familiaridade suficiente com o
catecismo para receber o Santo Sacramento, o número de pessoas que haviam
sido batizadas até aquela data e que poderiam tomar a comunhão representava
uma porcentagem minúscula da população.

A batalha pelas almas

Os números simplesmente não estavam a favor de Jinga. Seria possível


argumentar que o pequeno número de cristãos em Matamba decorria do fato de
nunca ter havido mais do que dois capuchinhos presentes ao mesmo tempo e,
sozinhos, não conseguiram atingir uma população tão grande, estimada em cerca
de duzentos mil em todo o reino de Ndongo-Matamba. Mas Jinga sabia onde
estava a verdadeira raiz do problema. Esses dois capuchinhos e o punhado de
sacerdotes seculares não eram páreo para os milhares de gangas que
continuavam a praticar os rituais e fornecer os serviços espirituais de que a
maioria da população dependia. Alguns dos gangas e xingulas contestavam
publicamente Jinga e os capuchinhos; um deles chegou a declarar, quando
possuído por espíritos, que era Ngola Mbande, o criador do céu e da terra. [54]
Esses líderes espirituais tradicionais estavam em toda parte de Matamba e
compunham uma força poderosa contra o cristianismo que Jinga estava
incentivando. Em 1659, depois de uma missa de Páscoa em que apenas um
pequeno grupo de pessoas fez a comunhão, ela decidiu que era hora de agir
contra os gangas. Logo após a missa, emitiu uma proclamação exigindo que
todos se ajoelhassem e demonstrassem devoção apropriada quando o sino da
igreja tocasse de manhã, ao meio-dia e no final da noite, ou correriam o risco de
serem presos. Em seguida, outra proclamação determinou que os gangas
fechassem todos os seus acampamentos de iniciação.
Não demorou para que Jinga entrasse em discussões controversas com seus
conselheiros, instando-os a promover o fim do costume dos tambos , as
minuciosas cerimônias para os mortos que incluíam práticas tradicionais
imbangalas e ambundas, entre elas, sacrifícios humanos. Numa medida teatral,
ela os fez prometer que não realizariam tambos após sua própria morte. Muitas
pessoas resistiam a essas proclamações, escondendo seus objetos rituais e
continuando a realizar os ritos tradicionais em segredo nos túmulos de seus
antepassados. Mas uma decisão oficial estabeleceu que toda a veneração
religiosa tinha de ser feita nas igrejas cristãs através da mediação dos frades. Em
novembro de 1659, os esforços de Jinga já mostravam algum sucesso: o total de
pessoas batizadas aumentou para quatro mil, mas ainda era uma porcentagem
pequena da população. [55]
Em junho de 1661, com a intenção de erradicar os costumes imbangalas e
plantar o cristianismo em regiões fora de sua corte, Jinga enviou uma carta a frei
Gaeta em Luanda, na qual informava sobre seus esforços para exortar os sobas a
abraçar a fé católica e estimular seu povo a ouvir e obedecer aos missionários.
Ela queria que os sobas ajudassem os capuchinhos a queimar as casas onde os
gangas guardavam seus ícones religiosos e, no lugar delas, construir igrejas e
erguer cruzes. [56] Enviar missionários ao interior era uma abordagem ainda mais
direta. Em duas ocasiões, em 1661 e em 1663, ela enviou frei Cavazzi,
acompanhado por seus funcionários, para circular pelo reino e lhe deu permissão
para ir às cortes de todos os seus chefes regionais para convertê-los junto com
seus povos.
Do fim de 1661 ao início de 1662, Cavazzi viajou para as províncias
ocidentais de Matamba, distantes cerca de dez dias da corte de Jinga. Essa região
tinha sido a parte central do reino de Ndongo e local de sua corte antes de sua
fuga em 1629, depois que os portugueses mandaram tropas para a área. O
secretário de Jinga (provavelmente o padre Zelotes) e um pajem acompanharam
Cavazzi. O pajem atuou como intérprete, repassando a mensagem aos
governantes locais em quimbundo. Quando eles chegaram às ilhas Kindonga,
antigo local da corte de Jinga, Cavazzi enviou uma ordem a todos os sobas das
ilhas para que viessem ouvir a proclamação de Jinga, que foi transmitida pelo
pajem em quimbundo. Ele informou-lhes que a rainha enviara o padre
capuchinho e seu secretário para batizá-los e às crianças, para casá-los como
mandava a Santíssima Mãe Igreja e para exortá-los a “imitar seu exemplo”.
Jinga exigia que cada um deles construísse uma igreja em sua corte como ela
fizera na dela e “erguesse cruzes e outras coisas que o sacerdote indicará”. [57]
Essas ordens, concluiu ele, exigiam cumprimento rigoroso de todos os
ambundos.
Para aqueles ouvintes que não eram ambundos — a população local incluía
escravos refugiados e outros forasteiros —, Jinga tinha um conjunto diferente de
regras. Se eles se recusassem a obedecer suas instruções de desistir de seus
costumes tradicionais, deveriam deixar as ilhas. O secretário concluía com a
exigência de que as pessoas reunidas entregassem a Cavazzi “todas as suas
relíquias”. A título de exemplo, ele explicou às pessoas que Jinga entregara a
misete que continha os restos mortais de Mbande Ngola, que levara com ela
quando fugira das ilhas. Cavazzi também deu instruções sobre como construir
uma igreja. [58] O frade batizou 440 crianças nessa ocasião e destruiu muitos
altares e pequenos templos construídos por pescadores locais ao longo das
margens do rio. Segundo a crença popular, o rio falava aos antepassados, e esses
templos eram um sinal para que os ancestrais os abençoassem com uma
abundância de peixes. [59]
Na segunda viagem do padre Cavazzi, em setembro de 1663, Jinga o enviou
para uma área da região sudeste de Matamba, a cinco dias de distância de sua
corte, e deu a ele permissão para que queimasse todos os altares em que as
pessoas cultivavam suas divindades locais e erguesse cruzes em seu lugar. Em
pouco tempo, ele batizou 330 crianças e vários adultos, e também queimou
vários altares. Fincou muitas cruzes na estrada “para lembrar como santuários,
[e] deu a cada uma o nome de um santo”. [60] A campanha terminou em apenas
seis semanas, pois, apesar de bem-sucedida, Cavazzi precisou retornar a
Matamba porque Jinga estava doente e (como veremos) ele era necessário na
corte.
Em sua própria capital, Jinga permitiu que o frei Cavazzi e os outros
capuchinhos prendessem os xingulas e outros praticantes religiosos tradicionais,
confiscassem e queimassem seus objetos rituais e templos e os entregassem a ela
para um julgamento especial. Muitos dos condenados foram imediatamente
vendidos a comerciantes portugueses e enviados a Luanda para o transporte
“através da água salgada”. Foi o que aconteceu com um sacerdote de oitenta
anos chamado Nganga ya Matamba em 1661. Embora fosse um homem
extremamente popular — conhecido, respeitado e temido tanto pelos
capuchinhos como por funcionários portugueses —, Jinga o condenou junto com
um acompanhante a ser açoitado em público depois de encontrá-los praticando
rituais religiosos imbangalas/ambundos. Após a humilhação pública, vendeu-os
aos comerciantes portugueses. Nganga ya Matamba terminou em Luanda e foi
transportado para o Rio de Janeiro, onde foi questionado por jesuítas. Ao
perceberem que ele era um famoso ganga de Matamba que gozava de grande
reputação em Angola, temeram que ele logo teria adeptos entre os escravos no
Brasil. Mandaram-no de volta a Angola, mas ele morreu na viagem de retorno.
[61]
Logo após o incidente com Nganga ya Matamba, Jinga prendeu sete pessoas
suspeitas de estarem envolvidas em adivinhação e as condenou também. Ela
enfrentou os defensores dos xingulas no tribunal, exigindo que eles entregassem
aqueles que estavam protegendo. O dinheiro da venda dos curandeiros
condenados foi para os capuchinhos, que o usaram na compra de ornamentos
religiosos para a igreja. [62]
No verão de 1662, os esforços de Jinga já davam mostras de valer a pena,
pois o número de cristãos em Matamba aumentara significativamente. Embora
não tenhamos números exatos, um mês depois da inauguração da grande igreja
de pedra, em agosto de 1663, adultos batizados eram oito mil, além dos milhares
de crianças. Mais de seiscentos casamentos cristãos também foram consagrados
nessa época. [63]
O empenho de Jinga em transformar Matamba numa sociedade cristã também
era visível de outras maneiras. Tal como acontecera no reino do Congo, a cruz
tornou-se onipresente em Matamba e substituiu muitos dos símbolos tradicionais
que antes dominavam as assembleias públicas. Havia cruzes em todas as casas
da cidade, e os exércitos de Jinga acrescentaram o símbolo às bandeiras e
estandartes que carregavam em campanhas militares. Os sacrifícios humanos já
não tinham lugar nos rituais de guerra. Os cativos que queriam ser batizados
eram enviados aos capuchinhos, que os usavam para construir igrejas e trabalhar
com os pobres. A atração do cristianismo se espalhara da residência de Jinga e
da população central por quilômetros ao redor da cidade, e vinha gente à capital
para que seus filhos fossem batizados, para ouvir a pregação dos capuchinhos ou
para receber aconselhamento espiritual. [64]
O impacto da revolução cristã de Jinga não se limitava a Matamba e às
regiões que ela controlava, mas já tivera repercussões nos reinos de aliados e
inimigos. O imbangala Kassanje, que provocara medo nos capuchinhos ao se
banquetear com carne humana quando eles estavam em suas terras durante as
tentativas anteriores de convertê-lo, exigiu a presença de um deles. O frei
Antonio Seravezza batizaria Kassanje e 28 de seus filhos. Ngola Hari, que havia
negligenciado a promoção do cristianismo em seu reinado, pediu ao governador
Sousa Chichorro que lhe enviasse capuchinhos e estava com tudo pronto para
eles quando chegaram. A notícia da conversão e promoção ativa do cristianismo
de Jinga também se espalhou para Libolo, uma região cujos governantes haviam
resistido tenazmente aos exércitos portugueses e tinham sido alguns dos aliados
mais fortes de Jinga. Eles escreveram duas vezes ao governador Sousa Chichorro
pedindo sacerdotes. Embora ela não tivesse como saber disso, sua revolução
cristã pegou as autoridades portugueses de surpresa; sempre que um capuchinho
passava por Lisboa, era invariavelmente bombardeado de perguntas sobre a
milagrosa conversão da pessoa que para eles representava o epítome do mal e da
barbárie. [65]
A face pública da cristandade

Embora sua condição de rainha lhe possibilitasse implementar a revolução social


que estava começando a transformar Matamba em um reino cristão, Jinga sabia
que, para que seu projeto cristão atingisse a população em geral, ela, e não os
missionários, deveria ser sua face pública. Ela estava bem preparada para o
desafio: durante todo o tempo havia afirmado que retornaria à religião cristã se
os portugueses deixassem de fazer guerras contra ela. Jogava-se em todas as
tarefas com igual dedicação, e, tal como fizera quando se transformara numa
temida líder imbangala, tornou-se uma devotada adepta da fé. Imediatamente
após seu casamento, pôs-se a aprender, compreender e incorporar em sua vida
diária todos os elementos da fé católica. Três vezes por semana, ia até a capela
que construíra para a Irmandade do Rosário e, na companhia de sua irmã, de
funcionários da corte e líderes militares, de suas atendentes e outros cortesãos,
fazia suas devoções. [66] Em pouco tempo, não só aprendeu a dizer todas as
devoções e orações em quimbundo, mas também memorizou as palavras latinas
de alguns hinos. Ela exigia que seus assistentes aprendessem a cantar com ela
“os cânticos da Madona”. [67] E alcançou sua maior vitória espiritual em 1660,
quando, no domingo de Pentecostes, recebeu a Sagrada Comunhão pela primeira
vez. [68] A partir de então, Jinga foi um modelo de devoção cristã, tão fervorosa
em sua observação dos rituais que costumava passar horas na igreja,
especialmente após a comunhão. Com efeito, declarou certa vez que os sábados
eram “o dia da rainha” e não fazia nada o dia inteiro, mas rezava para a Virgem
Maria, tendo dito certa vez a frei Cavazzi que passar o dia em devoção à Santa
Mãe não era nada para ela, tão grande era o seu desejo de “homenageá-la”. [69]
Ao acreditar nos missionários, Jinga também observava a virtude cristã de ser
generosa para com os menos afortunados. Dava esmolas às pessoas e distribuía
provisões no Natal, na Páscoa, no Pentecostes e nos dias dos santos. Fazia
questão de que os capuchinhos tivessem recursos suficientes para comprar
vinho, velas e outras coisas essenciais para a missa. Aproveitava todas as
ocasiões que o calendário da Igreja oferecia para demonstrar sua generosidade e
piedade pública. Quando deu ao padre Gaeta a misete com os ossos de seu irmão
para ser fundida em Luanda, enviou também quatro escravos para serem
vendidos, a fim de cobrir o custo do recipiente que queria para a água benta.
Em abril de 1662, durante a cerimônia de dedicação de uma pequena igreja
que construíra, chamada Santa Ana, Jinga mostrou a profundidade de sua
transformação religiosa ao escrever ela mesma uma oração para a santa e recitá-
la em voz alta na igreja. Na oração, ela confessava a santa Ana que, apesar de ser
uma pecadora indigna de seu nome, construíra a pequena igreja para homenageá-
la. Reconhecendo que a Santa Mãe conhecia seus sentimentos e intenções, uma
vez que Deus lhe revelara tudo, admitiu que, durante anos, tinha sido cristã
apenas no nome, tendo abusado da fé através da idolatria e do derramamento de
sangue inocente, mas, graças aos seus sacerdotes, Deus lhe dera a chance de
penitenciar-se. A oração pedia a santa Ana que intercedesse junto a Jesus Cristo
e buscasse perdão para todos os seus pecados graves. Ela queria reparar o
imenso dano que causara à sua alma e às almas de tantas criaturas pelas quais
Ele havia morrido. Jinga pressentia que estava se aproximando do fim da vida e
manifestava contrição genuína. Rezava para que santa Ana aceitasse a modesta
oferta da pequena igreja e a considerasse entre os menores de seus escravos, de
modo que “por vossa intervenção em meu nome, Deus encha minha alma com
graça e suas eternas bênçãos”. De acordo com o relato de Cavazzi, ela mostrava
um remorso tão sincero ao recitar a oração que todos os que a ouviam sentiam
que viera do fundo de sua alma. Lágrimas brotavam dos olhos de todos,
inclusive dos olhos dos missionários. [70]
Jinga teve muitas outras oportunidades para divulgar sua nova devoção e
generosidade. Uma delas aconteceu depois da morte de frei Gaeta em Luanda,
em 9 de julho de 1662. Numa cerimônia em memória das almas dos mortos que
realizou em sua homenagem dois meses depois, Jinga e membros da corte
rezaram uma esmerada missa de réquiem para sua alma, trajando
apropriadamente luto, à moda portuguesa. [71] No dia seguinte, ela enviou
provisões ao albergue para que os capuchinhos distribuíssem aos pobres,
certificando-se de que havia mais do que suficiente para dar às pessoas que
moravam na cidade e área vizinha. [72]
Sua exibição pública mais grandiosa de devoção e generosidade ocorreu em
12 de agosto de 1663, quando dedicou a grande igreja de pedra à Virgem Maria,
numa rebuscada cerimônia. A igreja era uma realização espetacular, o edifício
mais alto já construído na região. Um enorme número de espectadores, que ia
desde sobas de terras próximas e distantes a europeus ansiosos para vislumbrar
aquela improvável obra-prima no meio da selva, reuniu-se diante de Jinga. Ela
anunciou que a primeira missa era dedicada a Nossa Senhora, que também dava
nome à igreja. No altar-mor, Jinga colocou uma pintura que era uma cópia da
que havia na igreja de Santa Maria Maggiore, que lhe fora enviada de Roma, e
estátuas de são Francisco e santo Antônio de Pádua, presentes de Portugal. [73]
Enquanto a espiritualidade cristã de Jinga se aprofundava, ela continuava a
desfazer-se de outros elementos de sua vida pagã, às vezes referindo-se a si
mesma em sua correspondência oficial simplesmente com seu título real e nome
cristão, “Dona Rainha Ana”, em vez de usar o nome Jinga. Em certo momento,
mudou completamente sua maneira de se vestir. Abandonou os primorosos
panos e sedas que amava, assim como os vestidos feitos com matéria-prima
local, sinal de sua condição de rainha. Também deixou de lado a moda
portuguesa, bem como as numerosas pulseiras que sempre foram sua marca
pessoal de rainha. Em vez disso, usava apenas dois panos para cobrir o corpo,
um como saia e outro como blusa, e envolvia os ombros com um xale de fino
acabamento. Em lugar dos adereços que adornavam seu pescoço e suas pernas,
usava um colar com “uma Cruz Sagrada e Coroa em relevo”. [74] Parecia ser uma
transformação total, por dentro e por fora.

Sucessão solidificadora e status real

O compromisso pessoal de Jinga com o cristianismo em seus últimos anos de


vida representava uma expressão genuína de seu renascimento espiritual, mas
seus motivos também eram, como sempre, profundamente políticos. Seu maior
medo era de que, se o cristianismo não se arraigasse em Matamba e nas partes de
Ndongo sob seu controle, Bárbara não fosse capaz de manter o reino após sua
morte. Certa de que a única maneira de preservar seu legado real era garantir que
Roma considerasse Matamba um reino cristão legítimo, ela continuou com a
revolução cristã.
Jinga tinha motivos para temer o que aconteceria com Matamba quando
Bárbara se tornasse rainha. Sua principal preocupação ainda girava em torno dos
portugueses, que ela sabia que não hesitariam em tomar Matamba na primeira
oportunidade. Com efeito, as operações militares que realizavam constantemente
contra os sobas que viviam nas terras que faziam fronteira com Ndongo e
Matamba a convenceram de que eles estavam inclinados a romper a paz e levá-la
de volta à guerra e à insegurança. Também suspeitava que eles estivessem
desgostosos por ela tê-los ignorado e procurado uma aliança oficial diretamente
com o Vaticano. [75] O que mais a incomodou foram as operações de setembro de
1663 que o governador André Vidal de Negreiros empreendeu contra áreas que
haviam estado sob seu controle. [76] O resultado dessas operações foi que os
portugueses instalaram o próprio candidato numa região que haviam tomado de
Jinga e capturaram, aprisionaram e deportaram para o Brasil alguns de seus ex-
aliados, junto com mais de quatro mil outros cativos. [77] Jinga sabia que isso
não era um bom augúrio para Matamba.
Ela também passou muitas noites sem dormir preocupada com a situação
política interna de Matamba. Em 1663, já estava óbvio que a aprovação que
recebera dos xingulas e de seus quatro conselheiros, pela qual eles apoiavam sua
decisão de abandonar a misete de prata e, por extensão, os ritos e as práticas
ambundas/imbangalas em favor do cristianismo, não era suficiente para garantir
o pleno apoio popular à sua revolução religiosa. A oposição era cada vez mais
evidente, pois funcionários da corte escondiam gangas que os missionários
haviam apanhado praticando suas artes, e alguns deles se ressentiam do poder
crescente que Jinga concedia aos capuchinhos. [78]
O líder da oposição não era outro se não Jinga a Mona, seu confidente e o
marido que havia selecionado com relutância para Bárbara. A relação entre os
dois era complicada e piorou à medida que sua jornada espiritual cristã ganhava
densidade. Nascido em Ndongo, Jinga a Mona fora capturado quando criança
por um dos exércitos imbangalas de Jinga e criado à maneira deles. Jinga tivera
um interesse particular pelo jovem cativo, talvez vendo nele um substituto para o
filho assassinado. Com efeito, seu próprio nome, Jinga a Mona — “filho de
Jinga” —, refletia a proximidade da relação. Na corte, havia quem visse nele um
irmão adotivo de Jinga, já que o conhecimento local o identificava como filho da
mulher que fora ama de leite de Jinga. [79] Durante o período imbangala da
rainha, Jinga a Mona galgara rapidamente as fileiras do exército e alcançara a
distinção de general das forças armadas de Jinga. Ao longo de todos esses anos,
ele nunca a desafiou abertamente, nem mesmo durante os primeiros anos do
retorno dela ao cristianismo. Com efeito, corria na corte o rumor de que a
história do crucifixo místico que ele havia resgatado durante a campanha de
Mbwila, em 1655, era uma invenção e que, na verdade, Jinga o enviara para
localizá-lo e trazê-lo para ela, numa tentativa de ajudá-la numa crise política
difícil.
Mas Jinga a Mona guardava certo grau de ressentimento e ciúme dela: ele
não tinha dúvidas de que ela valorizava suas habilidades militares e que era seu
conselheiro mais confiável, mas ela jamais o considerara completamente seu
igual, em virtude de seu passado plebeu. E, embora ele se considerasse herdeiro
natural do quilombo (agora o reino de Ndongo-Matamba), Jinga anunciara que
seria Bárbara — agora sua esposa — que assumiria o controle após sua morte. O
vínculo entre os dois ficou mais desgastado quando Jinga a Mona percebeu que a
jornada cristã de Jinga vinha também com um renovado interesse pela linhagem
real que claramente o impedia de ser cogitado para futuro líder de Matamba. Por
sua vez, Jinga temia e respeitava Jinga a Mona, mas, à medida que se
aproximava do cristianismo, a distância entre eles crescia. Embora apoiasse
abertamente o programa cristão de Jinga, Jinga a Mona cultivava ao mesmo
tempo e com discrição o apoio dos gangas descontentes (sendo até identificado
como líder deles e um praticante secreto de cultos não cristãos). [80] Jinga a
Mona também atraía outras facções na corte que achavam que a rainha estava
desistindo de muitos dos princípios democráticos que prevaleciam no quilombo,
onde o mérito, mais do que o nascimento, possibilitava que os indivíduos, até
mesmo humildes escravos, ascendessem a posições de liderança. Ela ainda
provocava medo e certamente ainda impunha respeito como rainha, mas essas
pessoas sentiam-se agora impotentes.
Jinga percebeu que Jinga a Mona não se submeteria a Bárbara. Por isso, ela o
mantinha em sua confiança, não só porque suas habilidades militares
excepcionais proporcionavam proteção a Matamba, mas também porque ele se
submetia à vontade dela, não hesitando em seguir suas instruções e nunca
questionando suas ações. Ele foi o primeiro funcionário da corte a apresentar-se
para ser batizado, e deleitava-se com os elogios e a adulação pública com que ela
o cobria. Estava sempre ao lado dela em suas aparições públicas. Mas mesmo
assim Jinga suspeitava de um crescente afastamento de Jinga a Mona em relação
à sua virada para o cristianismo. Isso ficou bastante evidente em 1659, quando
de seu anúncio público de que não deveria haver mais tambos (sacrifícios
humanos e outros rituais realizados nos enterros), nem mesmo para ela. Pela
primeira vez, Jinga a Mona a contradisse publicamente, declarando que o
sacrifício em homenagem a ela deixaria o povo muito feliz. Irritada por essa
demonstração de independência, Jinga atacou-o, sugerindo que seus nobres
seriam os primeiros a ser sacrificados, e ele estaria na linha de frente. Jinga a
Mona nunca mais se opôs a ela em público, mas continuou secretamente a
cultivar os gangas e, em vez de suprimir os rituais ambundos/imbangalas, ele os
promovia. [81] Apesar da oposição de Jinga a Mona, a rainha perseverou em seu
programa de cristianização. Seu objetivo era conquistar o reconhecimento oficial
pelo papa de Matamba como Estado cristão, pois estava convencida de que essa
era a única garantia de contar com um poderoso contrapeso político e ideológico
aos portugueses e partidários de Jinga a Mona.
Mas a ameaça ia além de Jinga a Mona, pois a maioria do povo de Jinga
ainda se aferrava às crenças tradicionais com as quais havia crescido. Com
efeito, o programa monarquista de Jinga era parcialmente responsável por isso,
porque ela integrara muitas das convenções da realeza de Ndongo em seus
rituais cristãos. Ironicamente, quanto mais ela tentava organizar uma transição
suave para se afastar das tradições militaristas imbangalas, mais ela permitia que
sua ideologia monarquista ambunda influenciasse a revolução cristã. Esse viés
deu a Jinga a Mona ampla oportunidade para atrair o apoio de outros membros
imbangalas poderosos e cada vez mais alienados de sua corte. Ao escolher
Bárbara e não Jinga a Mona para herdar seu trono, Jinga tornou oficial a ideia de
que sua descendência (e de Bárbara) dos fundadores do Estado de Ndongo fazia
delas as legítimas governantes de Matamba. Ainda que não tenha ouvido falar da
noção de direito divino dos reis, ela via em Roma o fiador que lhe permitiria
entregar Matamba a Bárbara.
Essa atitude já era evidente em 1657, durante o período de intenso envio de
cartas às autoridades portuguesas de Luanda, ao papa e outros funcionários do
Vaticano. Naquela ocasião, ela renunciou ao título de Ngola Jinga Ngombe e
Nga (Rainha Jinga, Mestre de Armas e Grande Guerreira), que assumira quando
se tornara imbangala, e passou a usar o título de rainha Jinga Ana. Além disso,
em vez de se referir à sua residência como o quilombo de Jinga, ela a chamou de
“nosso reino de Matamba” ou “minha corte em Matamba”. [82] Porém, Jinga
nunca desistiu de dois elementos centrais de sua identidade ambunda. Em
primeiro lugar, a ideia de que, como descendente dos governantes do reino de
Ndongo, tinha o direito inerente de governar e, em segundo, que tinha a
obrigação de preservar elementos essenciais da cultura e das tradições de seu
povo. Mesmo em suas últimas cartas ao Vaticano, nas quais anunciava sua
fidelidade absoluta ao papa e se identificava como dona Ana, ela usou o título de
rainha. [83]
As tendências monarquistas de Jinga estavam voltadas para sua agenda
doméstica e secular. Seu compromisso com a realeza aumentou à medida que ela
se envolvia mais profundamente com sua fé cristã. A crença em sua própria
superioridade matizava todos os argumentos que defendia. Em 1659, quando
soube das operações do exército português em partes de Ndongo ainda sob seu
controle, ela imediatamente convocou frei Gaeta para exigir explicações. Sem
lhe dar tempo para responder, fez uma longa diatribe contra os governadores e
colonos portugueses. Embora ela tivesse assinado o tratado de paz, disse
enfurecida, eles estavam com ciúme da paz que ela trouxera para Matamba e
tentavam instigá-la a retornar à guerra para que perdesse seu reino. Ela fez uma
defesa vigorosa de seu direito de governar, afirmando que “jamais provocara” os
portugueses e nem mesmo tinha sido a primeira a “pegar as armas contra eles”.
Ela os acusou de tentar repetidamente “tirar meu reino de mim” e culpou os
governadores e colonos por todas as guerras que ela travara. Explicou sua
conquista de Matamba culpando os portugueses, que haviam tirado seus reinos
de “Angola e Ndongo” e a forçaram a ocupar uma terra que “não era minha”. No
final da diatribe, asseverou enfaticamente que “nasci rainha e tenho de agir como
uma rainha em tudo o que faço”. Em virtude da maneira como ela percebia a
ideia de realeza, insistiu que ninguém deveria questionar sua autoridade de
rainha, muito menos todos os governadores portugueses, os quais
desconsiderava por serem meros funcionários que “nasceram subordinados na
Europa”. Acusava-os de ir para Angola somente por ambição e ganância, e que
todos queriam “viver como reis na África em detrimento do país”. [84]
Jinga estava sempre pronta a defender seu direito de rainha e usava todas as
oportunidades disponíveis para reforçar essa condição. As guerras que seu
exército travou depois de 1658, quando ela já não entrava pessoalmente no
campo de batalha, ainda ofereciam oportunidades para comparecer perante seu
povo como líder militar e rainha. As festas da Igreja também proporcionavam
ocasiões oportunas para exibir sua orientação monarquista e militarista. Ela
escolheu o dia 6 de janeiro de 1661, a festa da Epifania, menos de um ano depois
de ter feito sua primeira comunhão, para entregar à igreja a lâmpada que fora
feita com a prata fundida da misete em que guardara os ossos do irmão e outras
relíquias. Mandou que seus mosqueteiros e músicos tocassem música militar e
dessem salvas de tiros enquanto caminhava de sua corte para os degraus da
igreja. Envolta em vários xales e sedas, ela recebeu a água benta antes de entrar
na igreja. No grupo de Jinga estavam Jinga a Mona, que carregava a lâmpada,
um dos seus outros assessores mais velhos, que carregava o recipiente que ela
fizera para a água benta, seu tendala , que carregava um tapete feito de ouro, e
seu sargento-mor, que carregava um pedaço do mesmo tapete dourado. Jinga
encabeçou a procissão até o altar. Tomando a lâmpada de Jinga a Mona,
entregou-a a frei Cavazzi, junto com as outras coisas. [85]
Pouco tempo depois, ela pediu a Cavazzi que organizasse uma procissão ao
redor das casas de sua corte com o Santo Sacramento. Explicou que queria fazer
isso porque tinha tanto amor pelo mistério divino que desejava que todos os seus
súditos o vissem e aprendessem a mostrar a devida veneração e respeito. Na
manhã da procissão, ela chegou vestida com penas, joias e uma manta
lindamente desenhada, elementos associados à realeza na tradição ambunda.
Quando a procissão se aproximou de um altar que erguera no centro da praça,
Jinga levantou-se de onde estava sentada, entregou uma vela a um de seus pajens
e, pegando suas flechas e um arco, executou uma dança de guerra. Ajoelhou-se
três vezes diante do altar e começou uma dança majestosa. Isso era típico da
habilidade de Jinga para misturar as tradições ambundas e cristãs. Sua roupa e a
dança guerreira vinham das tradições reais que aprendera nas cortes do pai e do
avô, enquanto a dança em torno do altar cristão era uma tradição pela qual os
portugueses de Luanda eram famosos e que ela aprendera durante sua estada na
cidade, em 1622. [86]
Jinga teve algum sucesso em misturar habilmente os símbolos e rituais de seu
passado monarquista com elementos do cristianismo popular. O notável é que ela
viu claramente que os rituais cristãos funcionavam bem com as ideias religiosas
e políticas dos ambundos sobre monarquia e tentou institucionalizá-los. Com
efeito, quanto mais desenvolvia a devoção e a conduta cristãs, mais ela insistia
que os funcionários da corte e outros mantivessem a deferência e o respeito
tradicionais que sua pessoa real exigia. Ela esperava essa deferência em todas as
circunstâncias, estivesse ela trabalhando ao lado de seu povo quando construíam
igrejas, frequentando a missa ou fazendo penitência. Ela também estimulava
neles a crença de que os monarcas não morriam. Jinga vivera várias décadas a
mais do que a maioria de seus pares e por isso era fácil para as pessoas manter a
velha crença ambunda de que os governantes eram imortais e rejeitar o
ensinamento cristão sobre a morte terrena. Jinga reforçou essa crença tradicional
ao proibir que as pessoas discutissem sua morte. [87]
Ainda que tenha se tornado mais devota nos últimos anos de vida e às vezes
vestisse roupas simples, Jinga continuou a dar atenção à vestimenta e à postura.
Ia sempre à missa usando roupas especificamente desenhadas para ela, algumas
até importadas da região iorubá de Ijebu. Todos sabiam que somente Jinga e
Bárbara podiam usar as “sedas, veludos e brocados” que vinham da Europa. A
coroa real a separava obviamente de todos, e ela sempre a usava nas celebrações
religiosas e eclesiásticas. Antes de 1660, usava também muitos anéis feitos de
“ouro, prata, ferro, cobre, corais e vidro” nas mãos, pés e pernas, todos
legitimando sua condição real para seus seguidores ambundos e provando que
ela ainda era a rainha de Ndongo. [88] Com a atenção que Jinga prestava a sua
aparência, não é de admirar que relutasse tanto em se separar dos braceletes que
os xingulas haviam abençoado e que usava na crença de que a protegeriam de
doenças e danos físicos. Ela se livrara de alguns deles em 1657, devido a sua
doença, mas os outros foram deixados somente mais tarde em sua jornada
espiritual. [89] Dezenove anéis de ferro permaneceram. Cobrindo braços e pernas,
esses aros haviam sido dedicados a seus antepassados pelos sacerdotes. Até o
final, Jinga acreditou que eles tinham mais poder para protegê-la da doença do
que os objetos cristãos. Embora dedicada ao cristianismo, ela continuou a tolerar
muitos rituais ambundos/imbangalas.

Pompa e circunstância

Embora houvesse uma distinção clara entre o vestuário e os adornos usados por
Jinga e por seus nobres e suas atendentes, aqueles que serviam em sua corte
sempre estavam cuidadosa e adequadamente vestidos. Nos festejos, ela
costumava ser acompanhada por até mil assistentes magnificamente vestidas,
que saltavam para atender a suas ordens. [90] Chegou a mandar algumas delas a
Luanda para aprender a confeccionar rendas e costurar, tornando-as responsáveis
por fazer muitos dos vestidos, lenços e outros artigos de vestuário comuns entre
as mulheres de alta posição social de Luanda. Nas ocasiões oficiais em que
recebia autoridades portuguesas, Jinga e suas assistentes usavam essas roupas.
[91]
O fausto era fundamental em tudo o que Jinga fazia. Mantinha a tradicional
comitiva militar, cantores e músicos da cultura ambunda/imbangala, e esperava
que eles estivessem prontos para executar suas ordens, fosse para disparar
mosquetes quando a ocasião pedia, apresentar novas músicas que haviam
composto em sua honra, ou tocar a música tradicional que ela preferisse. Quando
saía da corte para fazer a ronda da cidade ou participar de festejos da Igreja, os
músicos a acompanhavam. Ela sempre se viu mandando em todas as coisas,
inclusive na justiça. Nunca abandonou a ideia de que, sendo rainha, tinha o
direito de julgar os casos, e seu tribunal era uma colmeia em atividade, enquanto
ela ouvia atentamente os vários casos criminais discutidos diante dela e de seus
conselheiros. Embora nunca tenha deixado de considerar a opinião de seus
conselheiros, era ela que tomava a decisão final quanto à culpa ou à inocência
dos demandantes. [92]
Nos primeiros anos de sua transição para o cristianismo, a maioria das
celebrações continha muitos elementos ambundos/imbangalas, com apenas um
verniz de cristianismo. Os rituais cristãos começaram a ganhar influência e, em
1662, as festividades públicas já se caracterizavam por uma mistura singular de
rituais cristãos e ambundos. Essa mistura já era evidente após seu casamento,
quando a igreja e a praça substituíram o quilombo como local para as
celebrações tanto seculares como religiosas. Àquela altura, as duas tradições
tornaram-se indistinguíveis. Na missa, seus músicos tocavam instrumentos
musicais ambundos; seus soldados davam salvas de mosquetes quando a anfitriã
se levantava e realizavam vigílias sagradas na noite anterior a um dia de festa.
Ela participava junto com o povo de várias danças, cantorias comunais em
quimbundo e atividades semelhantes. [93]
Em 1661, o recebimento da carta do papa Alexandre VII , em que ele a
chamava de filha, foi um evento que pediu comemoração. Todos os elementos
das tradições monárquicas ambundas e do teatro cristão juntaram-se
gloriosamente. Cavazzi traduzira a carta do latim para o quimbundo. No dia
anterior ao que ele deveria ler a carta para a multidão reunida, ela foi à igreja e a
ratificou espiritualmente com uma profissão pública de sua fé cristã; Cavazzi pôs
então o documento em suas mãos. Após essa cerimônia religiosa formal na
igreja, Jinga colocou cuidadosamente a carta numa bolsa de couro que pendia de
seu pescoço. No dia seguinte, ela apareceu com frei Cavazzi na praça, onde uma
grande multidão a esperava. Eles a receberam com a costumeira saudação
ambunda, “batendo palmas, gritando e se aplastando com terra”, o tipo de
saudação que os inferiores sempre davam aos seus superiores. Ela anunciou que
finalmente recebera uma saudação do papa e frei Cavazzi leu em voz alta a
versão em quimbundo da carta. Depois disso, Jinga conduziu a multidão,
inclusive o frade, outros funcionários religiosos e suas atendentes, para fora da
praça até uma área aberta em frente à sua residência, onde havia preparado uma
grande festa. Sentou-se na cadeira sob um dossel que seus funcionários haviam
arrumado e mandou que abrissem grandes barris de vinhos europeus, que pôs à
disposição do povo. As assistentes derramaram o vinho em grandes recipientes
de madeira e chamaram o povo para beber “à sua grandeza”. [94] Nessa ocasião,
ela rompeu com seu velho hábito de comer com os dedos à maneira ambunda.
Quando frei Gaeta perguntara por que preferia comer assim, ela declarara
orgulhosa que preferia seguir “o costume antigo de seus antepassados”. [95] Mas,
nessa festa especial, ela usou utensílios e pratos de estilo europeu.
A festa igualou-se a tudo o que o governador poderia ter preparado em
Luanda. O dia foi uma longa e única celebração. Jinga concedeu títulos e outras
honrarias a seus cortesãos e até libertou alguns de seus escravos. No final do dia,
participou da dança militar que se esperava de uma rainha e mostrou todas as
manobras que aperfeiçoara quando criança, empunhando habilmente arco, flecha
e espada. [96] Jinga tornou-se uma cristã devota, mas continuou a ser uma
monarquista e tradicionalista até o fim. Ela queria que Bárbara preservasse tudo
aquilo.
Seu desejo estava claro na carta de agradecimento que escreveu ao papa
Alexandre VII , na qual fazia uma descrição detalhada dos eventos que promoveu
ao receber a carta dele, observando que todos estavam felizes com a carta e que
as comemorações duraram “muitos dias contínuos”. Na ocasião, ela já
conseguira obter mais dois capuchinhos italianos para fazer companhia ao frei
Cavazzi para dar continuidade ao trabalho de cristianização de seu povo, mas o
número de sacerdotes continuava pequeno. [97]
Como havia feito em cartas anteriores, Jinga pedia ao papa que não se
esquecesse de seu reino. Ela sabia que os homens fortes de sua corte, em
particular Jinga a Mona, continuavam desconfiados dos missionários e da
religião deles e ela temia pelo futuro do reino. [98]

A morte de uma rainha

Os cortesãos de Jinga e até mesmo a facção de Jinga a Mona sabiam que a rainha
tinha uma dedicação profunda a suas ideias monarquistas. Os membros
imbangalas de seu círculo íntimo, saudosos dos dias excitantes em que a
mobilidade ascendente dependia das façanhas militares e dos rituais desumanos,
aguardavam ansiosamente pelo acontecimento momentoso que pressentiam ser
iminente. A partir de 1662, a morte provável de Jinga começou a desencadear
tensões crescentes. Até então, enquanto estava bem de saúde, ela conseguira
manter sob controle as tensões entre os cristãos e monarquistas, de um lado, e a
facção ambundo/imbangala, do outro, mas a doença a impediu de continuar a
fazê-lo. Isso ficou claro pela primeira vez em 1656, quando enfrentou uma
inflamação perigosa na garganta e uma febre alta que ameaçavam acabar com
sua vida. Seus conselheiros primeiro chamaram xingulas para que a tratassem, e
frei Gaeta só interveio depois que a medicação e os procedimentos deles
fracassaram. [99] Nos primeiros anos de seu renascimento espiritual, Jinga
tolerou os rituais ambundos/imbangalas na morte de altos funcionários. Foi o
que ocorreu em 1658, quando um de seus oficiais mais proeminentes morreu e
Gaeta se recusou a dar-lhe o funeral cristão que ela exigiu. Irritada pela recusa,
ela organizou e participou de tambos que incluíram o sacrifício humano que ela
havia condenado e declarado ilegal. Para o observador casual que olhasse para
Matamba nos três anos após o seu renascimento cristão, Jinga estava firme em
suas novas crenças, mas somente quando todos gozavam de boa saúde. Quando
surgiam doenças ou ocorriam mortes inexplicáveis de ambundos ou capuchinhos
em quem confiava, ela permitia algum espaço aos tradicionalistas. A sequência
de acontecimentos ocorridos do fim de março de 1662 até sua morte, em 17 de
dezembro de 1663, ilustra isso com bastante clareza.
Em março de 1662, frei Gaeta ficou doente em Matamba; no início de abril,
recuperara-se até certo ponto. A própria Jinga ficou doente poucos dias depois.
Nesse período, chegou de Luanda a notícia de que o papa e seus cardeais haviam
respondido às suas cartas recentes. Além disso, desembarcara em Luanda um
novo grupo de seis capuchinhos que deveriam ir trabalhar em Matamba. Embora
ainda não se sentisse bem, ela encontrou força para organizar o tipo de
celebração pública em que poderia contar as novidades emocionantes e
demonstrar que era uma monarca poderosa. No entanto, nem todas as notícias
eram boas. Jinga ficou desanimada ao saber que frei Gaeta devia ser transferido
de Matamba para Luanda para se tornar o superior de todos os capuchinhos da
África Central. Seu ânimo melhorou quando ele lhe deu sua velha e desgastada
batina de capuchinho. Ele também concordou em permanecer o tempo
necessário para supervisionar a dedicação da igreja de Santa Ana, que estava
quase concluída. O frade deixou Matamba após a missa de dedicação, em abril
de 1662. Nos dezenove meses que decorreriam entre a partida de Gaeta e a
morte de Jinga, ela implementaria várias políticas para fortalecer o cristianismo
em toda Matamba, muitas das quais giravam em torno de sua campanha de
escrever cartas para o papa e derrotar os gangas.
Quando recebeu a notícia da morte de frei Gaeta em Luanda, em 9 de julho
de 1662, seu ânimo ficou mais abatido do que nunca e sua saúde continuou ruim.
Ela e suas atendentes desfilaram em trajes de luto e realizaram uma missa de
réquiem para a alma dele. Os rituais de luto cristão, no entanto, só aumentaram
sua sensação de mau pressentimento e desgraça.
Pouco mais do que um ano depois, em agosto de 1663, duas mortes que
ocorreram no espaço de algumas horas representaram para ela o mais grave
desafio da facção pró-xingulas . Primeiro, Kabanga, irmão de Jinga a Mona, teve
morte súbita. A irmã dele, que chegou para o enterro algumas horas depois,
desabou sobre o cadáver e morreu instantaneamente. O fato de as duas mortes
ocorrerem na noite anterior à missa de dedicação da igreja de pedra criou um
clima sombrio para as celebrações iminentes. Frei Cavazzi suspeitou que os dois
tomaram veneno em um pacto de suicídio promovido pelos xingulas a fim de
prejudicar o projeto cristão de Jinga. No entanto, foi a recusa de Cavazzi de dar
aos mortos um enterro cristão que indignou a população. Seus líderes retrucaram
que os falecidos deveriam ter um enterro cristão e um tambo : o suicídio deles
era um ato de amor, mas eles ainda eram cristãos. Na discussão acalorada que se
seguiu, alguns líderes da facção pró-xingulas , ameaçaram boicotar a dedicação e
realizar o tambo . No final, as pessoas só conseguiram uma parte do que
queriam: puderam enterrar os irmãos perto da igreja, mas o tambo foi proibido.
Jinga prevaleceu nessa crise, mas sabia que se não tomasse novas medidas para
eliminar os xingulas eles agiriam de novo. No dia 2 de setembro, menos de duas
semanas após esse incidente explosivo, Jinga deu permissão ao frei Cavazzi para
ir a uma região que ficava a quatro dias de distância da corte com o objetivo de
convencer as autoridades do lugar a participar da campanha de erradicação dos
gangas e xingulas e destruir seus altares e outros objetos rituais. [100]
Ela podia ter vencido dessa vez, mas as mortes inexplicadas e o
desapontamento que sentiu diante da resistência aberta da facção pró-xingulas a
incomodaram. Embora continuasse com sua campanha religiosa, o estado de
espírito exuberante que costumava exibir foi substituído por um pressentimento
de desgraça e uma reflexão silenciosa. Entre 2 de setembro e 14 de outubro de
1663, cerca de dois meses depois da morte dos irmãos de Jinga a Mona, a
doença voltou a atacar. Dois capuchinhos que estavam em sua corte ficaram
doentes e logo depois foi a vez de Jinga cair gravemente enferma. No dia 14 de
outubro, sua saúde se deteriorou apesar das intervenções dos xingulas chamados
por seus conselheiros para adivinhar a causa da doença. Sua garganta e seu peito
ficaram tão inflamados que ela só conseguia pronunciar algumas palavras com
dificuldade. Entre 14 de outubro e 14 de dezembro, Jinga permaneceu acamada,
com uma febre alta que, em alguns dias, lhe provocava delírios. Sempre que
tinha forças para falar, refletiria sobre as decepções que sofrera, vendo a morte
de Kabanga e da irmã dele como uma advertência para si mesma sobre sua
própria mortalidade iminente. Quando conseguiu respirar, avisou aos que a
rodeavam que, embora parecesse estar melhorando, sentia que ia morrer. Um
abscesso que apareceu no lado direito de sua garganta nesse momento foi um
mau sinal, pois confirmou que a infecção estava se espalhando. Em 14 de
dezembro, o abscesso explodiu e a infecção se espalhou para os pulmões. Seus
médicos fizeram várias sangrias, mas sua situação só piorou. Ela permaneceu
nesse estado agudo por três dias, com febres altas e falta de ar que iam e vinham,
enquanto seus pulmões se deterioravam ainda mais. [101]
Em seus últimos dias de vida, o drama entre a facção pró-xingulas e o frei
Cavazzi desenrolou-se nos aposentos privados de Jinga. Cavazzi voltara de sua
viagem no dia 14 de outubro. Quando a doença apareceu, os quatro conselheiros
de Jinga que permaneciam em vigília na porta de seus aposentos privados
convocaram imediatamente os médicos tradicionais para atendê-la. O padre e
esses curandeiros ficaram junto a Jinga durante seus últimos dias. Enquanto os
médicos aplicavam seus diversos remédios e a sangravam, Cavazzi tratava de
suas necessidades espirituais, rezando missas na igreja por sua saúde, pondo a
imagem da Virgem Maria sobre seu peito, dando-lhe a Sagrada Comunhão e
encorajando-a a confessar seus pecados. Percebendo que não tinha muito tempo
de vida, ela tentou, como de costume, assumir o comando da situação, pois temia
que os conselheiros não seguissem suas instruções se não as ouvissem
diretamente dela. Em 11 de dezembro, antes de receber a comunhão, ela reuniu
toda a energia que podia e disse-lhes exatamente o que queria que fizessem após
sua morte. [102] Mandou que enviassem uma mensagem ao frei Cavazzi para
informá-lo da deterioração de seu estado e solicitar sua presença imediata na
corte. Depois que Cavazzi voltou, os conselheiros parecem ter dado o lugar para
curandeiros e capuchinhos. Os curandeiros continuaram a usar vários remédios
para aliviar seus sintomas, sem sucesso.
Três dias antes de morrer, Jinga mandou frei Cavazzi chamar os quatro
conselheiros novamente ao quarto. Entre ataques agudos de falta de ar, deu
aquelas que seriam suas últimas ordens. Ela desejava morrer como católica e
queria que eles continuassem a promover o cristianismo em Matamba. Seu único
arrependimento era “não ter deixado um filho porque desejava que alguém de
sua linhagem herdasse seu reino”. Parando várias vezes para recuperar o fôlego e
falando numa voz quase inaudível, ela pousou os olhos em seu conselheiro mais
velho (o tendala ) e disse-lhe que, depois que ela morresse, ele se tornaria vice-
rei interino. Ela o advertiu de que garantisse a paz no reino e encorajou-o a
trabalhar com o intérprete dela para defender o cristianismo que trouxera para o
país. Por fim, Jinga proferiu uma última ordem: não interferir nos preparos
fúnebres que ela já havia combinado com frei Cavazzi. [103]
Durante a missa de comunhão que Cavazzi realizou logo depois, ela
encontrou forças para pedir perdão várias vezes, e dizer “Amém” no final das
orações. Diante da morte que se aproximava, ela estava muito arrependida,
implorando aos conselheiros e ao frei Cavazzi que intercedessem por sua alma.
Foram suas últimas palavras. Nas 36 horas seguintes, Jinga permaneceu no
limiar da morte, para finalmente cair num sono tranquilo. Frei Cavazzi
administrou os últimos sacramentos logo antes de ela morrer pacificamente em
seu sono, às onze horas da manhã de 17 de dezembro de 1663.
As ramificações da revolução monarquista e cristã de Jinga começaram a se
manifestar enquanto ela ainda estava na agonia da morte. Ao dar o último
suspiro, seus conselheiros já estavam enviando soldados para reforçar a guarda
em torno da corte para evitar a fuga de escravos e atendentes que previam ser
sacrificados. Alguns já haviam escapado antes que os guardas se reunissem, e
muitos foram trazidos de volta à corte a força. Para evitar o pandemônio que
temiam que acontecesse quando a notícia de sua morte se tornasse pública, seus
conselheiros tentaram mantê-la em segredo, fechando os portões da corte. Só
puderam manter as coisas assim durante as 24 horas seguintes à morte. Então,
tiveram de anunciar publicamente o falecimento da rainha.
Essas preocupações faziam sentido. Nem eles nem ninguém em Matamba,
inclusive os capuchinhos, poderiam imaginar um enterro cristão para Jinga sem
os concomitantes ritos funerários tradicionais, entre eles os tambos e sacrifícios
humanos que ela havia banido. Seus atendentes pessoais, em particular as
mulheres, foram os primeiros a demonstrar o medo do que seu falecimento
augurava. Durante os seis anos anteriores, haviam acompanhado Jinga em sua
jornada cristã e monarquista, vivendo e exibindo como ela uma profunda
espiritualidade cristã e desdém e desconfiança em relação à facção pró-xingulas .
Os arranjos para seu enterro prometiam drama e medo para todos os envolvidos.

Competição de tradições e um funeral real

Mesmo antes que Jinga desse seu último suspiro, sua revolução cristã já estava
se desintegrando. As tensões quanto às noções monarquistas que estavam no
cerne da ideologia de governo de Jinga vieram à tona poucas horas depois de sua
morte, quando seus conselheiros tiveram de decidir que tipo de enterro deveriam
lhe dar. Embora em seu leito de morte ela tivesse reunido forças para adverti-los
a respeitar seus desejos e enterrá-la com o simples hábito capuchinho do frei
Gaeta, os conselheiros tinham outros planos. Assim que ela morreu, instruíram
suas atendentes pessoais a preparar o corpo para uma despedida real. A
simplicidade não faria parte disso.
As assistentes de Jinga lavaram amorosamente seu corpo, esfregando-o com
pós, ervas e perfumes. Após o embalsamamento, vestiram-no com todo o
refinamento que denotava sua condição de rainha. Os adornos que escolheram
refletiam as tradições monárquicas ambundas que Jinga tanto reverenciara. Ela
seria rainha na morte como na vida, da cabeça aos pés. As assistentes cobriram
sua cabeça com um gorro requintado, sobre o qual puseram sua coroa de corais,
pérolas e outras joias. Também arrumaram cuidadosamente quatro plumas, duas
vermelhas e duas brancas, sob a frente da coroa — somente a realeza podia usar
plumas nas cerimônias oficiais. Honrando seu amor pelos adornos pessoais, as
mulheres arrumaram seus cabelos com corais e pérolas e puseram dois grandes
brincos de pérola em suas orelhas. Cobriram seus membros com faixas de prata e
ouro, colocando entre cada conjunto de pulseiras um arranjo de pelos de
elefante, outro símbolo de realeza. Puseram nos pés um elegante par de chinelos
de veludo com botões de vidro e cobriram seu corpo com dois ricos xales de
brocado, um para a sua metade superior e o outro cobrindo-a até os tornozelos.
Por fim, jogaram uma capa escarlate bordada de ouro sobre seus ombros e
prenderam os dois lados com um grande broche. [104]
Com o corpo vestido de forma tão carinhosa e esmerada, as acompanhantes e
os conselheiros queriam que o povo visse o cadáver de Jinga em todo o seu
esplendor real. Eles ignoraram abertamente frei Cavazzi, que passara pelo quarto
durante todo o tempo, tentando lembrá-los da jura que haviam feito à rainha:
deveriam honrar seu desejo de leito de morte e enterrá-la com o hábito do frei
Gaeta. Sabiam que o frade tinha razão, mas concordaram somente depois que
Cavazzi prometeu que poderiam vestir o cadáver com todo o luxo real após a
cerimônia cristã. Começou então o cuidadoso processo de despir e vestir de novo
a rainha, envolver seu corpo no hábito capuchinho, pôr uma coroa em sua cabeça
e um rosário e um crucifixo em sua mão.
Nesse meio-tempo, os conselheiros concordaram que Bárbara deveria ser
coroada rainha antes que o povo fosse informado da morte de Jinga. Às oito
horas da manhã de quinta-feira, 18 de dezembro de 1663, cerca de 24 horas após
a morte de Jinga, os conselheiros anunciaram a eleição de Bárbara e deram-lhe o
“arco e flecha, que são os símbolos reais”. [105] Somente depois disso é que
anunciaram publicamente a morte de Jinga, enquanto suas assistentes
preparavam o corpo para a câmara-ardente oficial.
O grupo que cuidava do corpo deixou os aposentos de Jinga às duas horas da
tarde de quinta-feira, menos de seis horas depois de Bárbara ter sido coroada
rainha. Jinga ficaria orgulhosa dos membros da procissão fúnebre que fizeram a
curta caminhada, carregando seu corpo numa cama parecida com uma maca ou
um tampo de mesa de seus aposentos até a praça, onde durante sua vida ela
fizera tantos pronunciamentos oficiais, participara de inúmeros desfiles
religiosos e despedira-se das tropas, ou, depois de campanhas bem-sucedidas, as
recebera de volta. A essa altura, a procissão fúnebre tinha mais semelhança com
a de um monarca cristão do que com a de um líder ambundo/imbangala. Um
membro da Irmandade do Rosário, vestido com uma capa branca e carregando
uma grande cruz, encabeçou a procissão, seguido por quarenta outros membros,
vestidos com roupas semelhantes e carregando velas acesas e rosários. Frei
Cavazzi e os outros dois capuchinhos que estavam trabalhando em Matamba na
época ocupavam lugares proeminentes logo à frente do corpo, enquanto doze
irmãos do Rosário carregavam o féretro. Também acompanhando a procissão
seguia uma banda militar com mais de noventa músicos, bem como muitos dos
mil homens, mulheres e crianças que compunham a comitiva pessoal de Jinga.
[106]
Até então, o corpo de Jinga não fora colocado em um caixão e ainda estava
coberto de pilhas de lindo jabu (tecido importado de Ijebu, Nigéria). O cadáver
jazia de costas sobre a mesa; um jovem pajem sentou-se na mesa perto da cabeça
de Jinga e segurou-a em posição vertical. Quando a procissão chegou à praça,
depuseram a mesa no pórtico erguido na área chamada “sala de audiência”. Ali,
Jinga fizera muitos discursos em muitas ocasiões; agora os vinte mil soldados e
outras pessoas estavam reunidos na praça para ver o cadáver de sua rainha, para
ver Jinga pela última vez. [107] Durante as várias horas em que o corpo
permaneceu em exibição, o pajem ficou imóvel, segurando a cabeça coroada,
enquanto os súditos de Jinga passavam pelo pórtico para prestar sua
homenagem.
Não é de surpreender que a mistura de tradições cristãs e ambundas fosse
evidente enquanto seu corpo se encontrava em câmara-ardente, uma vez que
Jinga morreu antes que sua revolução cristã estivesse completa. Os rituais
fúnebres cristãos ocorreram nesse momento, ainda que o cadáver de Jinga
estivesse coberto por tecidos nigerianos coloridos. Frei Cavazzi e os outros
capuchinhos, junto com os membros da irmandade alfabetizados em português,
ficaram ao redor do corpo e se alternaram para ler as orações católicas do ofício
dos defuntos. As pessoas que se reuniram na praça desfilaram perante o corpo
com respeito e muitas delas retornaram várias vezes.
Essa vigília era familiar para qualquer católico da época, mas a cerimônia que
se seguiu foi especificamente ambunda. Quando os conselheiros anunciaram que
o enterro de Jinga ocorreria naquela mesma tarde para não atrasar a coroação de
Bárbara, os músicos militares começaram a tocar uma música que Cavazzi
descreveu como “muito estranha e bárbara e não feita para invocar compaixão”;
a música sinalizou aos membros do exército presentes na praça que era hora de
entrar em formação de desfile. Os soldados formaram imediatamente uma
guarda de honra em ambos os lados da praça e depuseram suas armas no chão.
Assim que os doze carregadores católicos ergueram o féretro e caminharam
lentamente pela praça e ao redor dela, os soldados levantaram as armas e, de
repente, começaram a dançar com alegria ao ver a rainha morta.
À medida que o cortejo avançava lentamente na direção da igreja de Santa
Ana, onde se realizaria a cerimônia cristã, o povo se dava conta da realidade.
Quando perceberam que Jinga não estaria mais lá para dar as bênçãos
costumeiras, as pessoas foram tomadas pela tristeza, lamentando que a rainha
que haviam perdido era insubstituível. Os soldados descarregaram suas armas de
fogo enquanto homens, mulheres e crianças erguiam os braços para o céu. Os
pranteadores caíram no chão, cuspiram na poeira e se emplastraram com uma
mistura de saliva e terra, alguns usando cinzas e ervas que haviam trazido para
passar no corpo. Nesse último ato de subordinação perante o cadáver,
demonstraram o mesmo grau de respeito à rainha morta que tinham quando ela
estava viva. Jinga não esperaria nada menos do que isso.
A interseção dos elementos culturais cristãos e ambundos continuou durante
o sepultamento no túmulo que havia sido cavado ao lado da igreja que Jinga
construíra, e também estava evidente nos rituais que ocorreram antes e depois do
enterro. Antes que o corpo fosse colocado no túmulo de três e meio por cinco e
meio metros, frei Cavazzi e os outros capuchinhos realizaram um funeral
católico com uma oração não diferente da ouvida nos serviços funerários
católicos para os governantes europeus falecidos. Depois que a oração terminou,
os funcionários de Jinga prepararam o túmulo para receber o cadáver. O costume
ambundo mandava que todas as roupas e objetos que a falecida usava fossem
colocados no túmulo para que nenhuma pessoa viva pudesse usá-los. De acordo
com esse costume, eles encheram as laterais do túmulo com os adornos favoritos
de Jinga — rendados de seda enfeitados de ouro, vários xales e belos tapetes —
dando ao túmulo a aparência de uma opulenta e almofadada arca real. Liderados
por Jinga a Mona, os conselheiros e atendentes acrescentaram então os pertences
pessoais de Jinga, entre eles grandes quantidades de xales, coroas, corais,
vasilhas de prata, panos finos holandeses, sedas importadas, capas, peças de
linho da Alemanha, veludos, bastões, escudos, arcos, flechas e uma grande
quantidade de peles de elefante que ela havia adquirido durante sua longa vida.
O pedido de Jinga de ser enterrada no hábito de capuchinhos de frei Gaeta
aparentemente não foi honrado, pois ela estava vestida com todo o luxo.
Também de acordo com o costume, Jinga a Mona mandou que algumas
assistentes e pajens de Jinga entrassem no túmulo para receber o corpo. Temendo
que fossem enterradas com sua senhora, elas se encolheram e depois fugiram
gritando. Durante o pandemônio, um dos sacerdotes, com a ajuda de Jinga a
Mona e outros funcionários da corte, enrolou o corpo em três panos, um
vermelho, um amarelo e um preto, nos quais um alfaiate português empregado
por Jinga havia bordado uma cruz branca. Eles também puseram sobre o corpo
as muitas sedas que Jinga usara. Antes de colocá-lo no caixão de madeira
forrado de veludo e carmesim, frei Cavazzi pôs sob a cabeça de Jinga uma placa
de chumbo com um epitáfio escrito em latim. Cavazzi, Jinga a Mona e os outros
funcionários fecharam o caixão e estavam prontos para baixá-lo ao túmulo —
mas não havia assistentes para recebê-lo. Todas desapareceram. Dois dos frades
capuchinhos concordaram em substituir as mulheres desaparecidas. Eles
arrumaram o caixão com segurança sobre os objetos que haviam sido colocados
no túmulo antes de saírem dali. [108] O valor das coisas sepultadas com Jinga
chegava a cerca de dezesseis mil escudos romanos, segundo Cavazzi. Isso
equivalia a tudo o que teria um nobre que vivesse em Roma naquela época. [109]
Apesar de ter sido enterrada com tantos bens mundanos valiosos, os únicos
objetos que identificavam o lugar do túmulo de Jinga eram pedras marcadas com
a cruz, que cercavam a sepultura, e outra cruz no topo do túmulo. [110]

Giovanni Antonio Cavazzi da Montecuccolo, “Missione evangelica nel Regno de Congo” (1668), v. A,
livro 2, entre p. 210 e p. 211. Manuscritos Araldi, Modena, Itália. Fotografia: Vincenzo Negro.

Rainha Jinga carregada para o seu sepulcro. Antonio Cavazzi, c. 1668.

Durante o enterro, foi Jinga a Mona, e não Bárbara, que supervisionou e


participou dos rituais fúnebres conforme o protocolo exigia. Ele identificou o
corpo, ajudou a fechar o caixão e jogou a primeira terra no túmulo. Embora
estivesse irado porque as assistentes não cumpriram seu dever, decidiu não as
repreender, e o grupo reapareceu depois que o túmulo foi coberto, certas de que
o perigo havia passado. Os moradores da cidade participaram da vigília em torno
do túmulo durante toda a noite. As atividades de luto consistiram de orações
cristãs, salvas de tiros disparadas pelos soldados e a realização de outros atos ao
redor do túmulo.
O enterro foi apenas o início de um longo período de luto em honra de Jinga;
durante os dias, semanas e meses seguintes realizaram-se cerimônias não só na
capital de Matamba, mas em todo o resto do reino, presididas por sobas e outros
chefes regionais. Os portugueses também realizaram uma cerimônia em sua
homenagem em Luanda.
A capital continuou a ser o centro oficial do luto. Na manhã seguinte ao
enterro, os capuchinhos rezaram missa de réquiem na igreja de Santa Ana com
Bárbara, toda a corte e membros das várias milícias presentes. Gritos e lamentos
interromperam várias vezes a longa cerimônia. Com efeito, as expressões
públicas de dor do povo eram tão fortes que os soldados pressionaram seu
capitão para obter permissão para um tambo , ignorando flagrantemente a
proibição que Jinga havia dado a essa prática. Os soldados acreditavam ser
injusto privar alguém tão reverenciada de tão alta honra, explicou o capitão a frei
Cavazzi e Bárbara. Ele também advertiu que poderia ser perigoso negar aos
soldados o tambo : não podia garantir o que aconteceria se o pedido fosse
recusado. Bárbara concordou com o pedido deles porque temia uma revolta e
esperava que, ao ceder, ela os conquistaria. Mas estabeleceu várias condições,
estipulando que o tambo fosse limitado a uma cerimônia militar e não deveria
haver derramamento de “sangue, fosse de homens, mulheres ou animais”. Ela
também os advertiu para não se envolverem em “danças imodestas”. [111]
Durante os seis dias seguintes, os mais de vinte mil soldados e civis que
tinham vindo assistir ao enterro de Jinga permaneceram numa aldeia temporária
que construíram no meio da cidade e montaram uma peça que retratava todos os
aspectos da longa vida da rainha. Entre os destaques estavam reconstituições e
esquetes de suas estratégias militares que mostravam o modo de Jinga de chamar
as tropas para a formação, seus ataques surpresa, suas ações na batalha, sua
forma de tratar os inimigos e o comportamento dos prisioneiros. No final de cada
apresentação, os soldados/atores ficavam na frente de seus oficiais, erguiam os
arcos e as flechas e gritavam: “Viva a rainha, estou pronto para dar minha vida
para defendê-la dos inimigos”. Os conselheiros de Jinga também recriaram as
cenas dos muitos debates e discussões que tiveram com ela. Suas atendentes
pessoais também fizeram sua parte: animaram o tambo com danças vigorosas e
sugestivas, tentaram vestir-se como o faziam quando Jinga estava viva, imitaram
sua maneira majestosa de caminhar e o modo como a atendiam e apresentaram
vários esquetes divertidos que demonstravam sua profunda devoção e a
profundidade de sua perda com a morte da rainha. No final da apresentação de
cada dia, Bárbara oferecia uma refeição suntuosa para os participantes, enquanto
recebia o tributo dos muitos sobas e senhores provinciais que foram à cidade
para prestar homenagem à rainha morta e jurar obediência à nova. Contudo,
algumas pessoas não ficaram satisfeitas com esse ritual modificado de tambo ,
temendo que não fosse suficientemente solene e se perguntando em voz alta se
Jinga voltaria e “se vingaria”. [112]
Os esforços do povo para homenagear a vida de Jinga de acordo com as
tradições ambundas e o fervor dos capuchinhos ao rezar por sua alma
significavam que as tradições ambundas e católicas continuavam a trabalhar
juntas, mas com propósitos cruzados, mesmo depois que o tambo formalmente
terminou. Para tentar fazer a população retornar à igreja, que não havia feito
nenhuma cerimônia desde que os rituais do tambo haviam começado, frei
Cavazzi anunciou imediatamente após o último conjunto de apresentações que a
Igreja realizaria orações para honrar a memória de Jinga. Nos oito dias seguintes,
ele e os outros capuchinhos conduziram o povo a recitar o ofício dos defuntos,
celebrando a missa solene e realizando as bênções habituais no túmulo para o
repouso da alma de Jinga. As cerimônias eram meticulosas: os altares e outras
partes da igreja estavam decorados de preto; velas acesas foram colocadas nos
altares e nas paredes; palmas foram exibidas de forma proeminente em toda a
igreja; e o incenso foi usado com liberalidade. A cada dia, Bárbara e membros de
sua corte, seguidos por grandes multidões, enchiam a igreja e participavam dos
rituais junto ao túmulo de Jinga, no qual os sacerdotes e os civis derramavam
água benta enquanto recitavam orações fúnebres.
Talvez não seja surpreendente que tenham irrompido conflitos. Embora os
capuchinhos planejassem restringir as atividades no túmulo a rituais puramente
católicos, o povo tinha outras ideias. Quando frei Cavazzi insistiu para que se
controlassem e fizessem apenas o que a Igreja permitia — para começar, rezar
somente orações em benefício da alma de Jinga, pois Deus cuidaria de todo o
resto —, eles o ignoraram em grande medida e prantearam à maneira ambundo,
chorando alto e exigindo permissão para pôr tochas acesas ao redor do túmulo.
Eles explicaram que era isso que faziam nas tumbas de seus reis. Jinga tinha
mais necessidade de seus gritos do que de orações, argumentaram eles, e seu
único propósito era honrar sua senhora real. No final, seus seguidores foram
autorizados a colocar apenas duas velas no túmulo. Os cortesãos, no entanto,
fizeram uma cerimônia desse evento, escolhendo imediatamente dois jovens
pajens para levar as duas velas da igreja para o túmulo. Antes que os pajens
saíssem da igreja, várias das assistentes de Jinga limparam completamente o
caminho por onde os jovens deveriam passar e, de acordo com a tradição
ambunda de honrar seus reis, as mulheres polvilharam o chão com grandes
quantidades de perfume e pó. [113]
A interseção de tradições ambundas e cristãs não se limitou aos eventos que
ocorreram na cidade onde Jinga tinha vivido. Era visível também em regiões do
reino muito distantes da corte. Com efeito, assim que a notícia da morte de Jinga
chegou às partes mais distantes de Matamba e até Luanda, as cerimônias em sua
homenagem variaram das que se enquadravam inteiramente nas tradições
ambundas/imbangalas a uma cerimônia católica formal em Luanda. Enquanto
nas áreas próximas da corte o povo havia respeitado com relutância a proibição
de Jinga de sacrifício humano, em algumas partes da fronteira do reino, as
celebrações incluíram essas práticas imbangalas, com sacrifícios de seres
humanos e animais. [114] Em Luanda, o governador realizou uma missa solene
em homenagem a Jinga. Acompanhados por seu gabinete, por membros do
conselho e outros membros de alto nível da sociedade de Luanda, os
capuchinhos conduziram dignitários religiosos, funcionários públicos e
comerciantes na procissão, carregando velas para rezar pela alma de Jinga.
Escravos e homens livres ambundos da cidade também celebraram Jinga com
uma mistura de rituais católicos e ambundos, mas os documentos não falam do
que ocorreu exatamente fora da cerimônia oficial.
Mesmo quando Jinga jazia morta, muitos aspectos de sua longa vida já
estavam moldando cada conversa e marcando cada face em sua corte e fora das
fronteiras de Matamba. Nos meses e anos que se seguiram à sua morte, as
estratégias políticas e as ideias em conflito das pessoas mais próximas a ela —
Bárbara, frei Cavazzi, Jinga a Mona, autoridades portuguesas, seus oponentes e
seus devotos —, todas reivindicaram o direito ao seu legado e contribuíram para
a evolução de sua memória.
Epílogo

Após a morte de Jinga, sua memória continuou viva nas histórias que se
contavam sobre ela. Essas histórias desenvolveram-se de maneiras muito
diferentes nas tradições da Europa em comparação com as da África e das
Américas, como ilustram dois poemas contrastantes sobre Jinga.
O primeiro poema foi escrito por Antonio Cavazzi, o missionário capuchinho
que morou na corte de Jinga nos últimos anos de sua vida. Ele foi incluído na
versão manuscrita do livro de Cavazzi de 1687, Istorica Descrizione de’ tre’
regni Congo, Matamba et Angola [Descrição histórica dos três reinos do Congo,
Matamba e Angola]. Porém, o poema não fez parte da versão publicada e
permaneceu escondido por mais de três séculos no manuscrito inédito que
Cavazzi terminou entre 1666 e 1668, dois anos após a morte de Jinga. [1]
Apesar de Cavazzi ter testemunhado a conversão de Jinga ao cristianismo e
estar presente em seu leito de morte, ele nunca se convenceu da sinceridade dela
e, com efeito, em seu poema, apresentava-a ao lado de mulheres, como Medeia,
que ganharam notoriedade pelo suposto uso de magia negra, pela astúcia e
crueldade. Para Cavazzi, Jinga superou todas elas porque enganou o céu,
roubando-o de sua alma:

Sob este pano três vezes dobrado


Neste túmulo escuro que vês
Jinga, que se fez Rainha de Dongo e Matamba,
Jaz enterrada, um cadáver seco
Neste túmulo escuro que vês
[...]
Aqui jaz aquela que viveu para morrer
Aqui jaz aquela que morta vive
Neste túmulo escuro em que se escondeu.
[...]
Por Agripina, Roma rebelou-se
Por Helena, a Grécia rebelou-se
Por Uxodonia, a Alemanha rebelou-se
Por Hécuba, a Espanha rebelou-se
Mas a Etiópia não se rebelou por Jinga
Em vez disso, Jinga transtornou, destruiu e arruinou a Etiópia.
Jinga na morte
roubou do tesouro do Céu
Neste túmulo
Seu corpo está trancado
Portanto, podemos cantar uma ladra muito esperta
Uma ladra muito esperta roubou do tesouro do Céu. [2]

Pouco mais de três séculos depois que Cavazzi escreveu esse poema, a poeta e
jornalista afro-cubana de ascendência iorubá Georgina Herrera escreveu um
poema muito diferente sobre Jinga. Herrera ressuscitou em linguagem poética
uma Jinga muito distante da construção de Cavazzi. Em seu poema de 1978,
“Canto de amor e respeito para dona Ana de Sousa”, Jinga torna-se a “santa
dama e rainha”, bem como a “mãe de todos os primórdios”. Herrera reivindica
Jinga, santifica sua memória na diáspora africana e traz vida e legitimidade para
ela, superando a separação que Cavazzi interpusera entre a governante e a “mãe
África”:

Oh! Dona Ana, avó


de ira e bondade. Tantos
anos de batalha contra o inimigo
[...]
fazem de você uma mulher inimitável.
É lindo fechar meus olhos, olhar
para você ao longo dos séculos
e circunstâncias, falar
com o seu povo [...] [3]

O poema de Herrera, publicado três anos depois da Primeira Conferência


Mundial das Mulheres promovida pelas Nações Unidas em 1975, não só falava
para as mulheres da diáspora africana como também reivindicava Jinga para
todas as mulheres. Essa Jinga saltou do túmulo escuro em que Cavazzi a
encaixotou para ocupar seu lugar de figura histórica notável.

Essa recuperação era extremamente necessária porque, ao longo dos séculos, a


memória de Jinga ficou cativa da versão de sua história com que os missionários
Antonio da Gaeta e Antonio Cavazzi alimentaram o público europeu. Esses dois
homens, cuja legitimidade nunca foi questionada, justamente por terem vivido na
corte de Jinga durante seus últimos anos, tiveram muito a ver com a imagem de
Jinga que chegou aos europeus. Eles coletaram tradições orais enquanto foram
seus confessores e conselheiros e pregaram para seu povo. Eles registraram os
diversos elementos contraditórios que Jinga combinou de forma criativa para
garantir sua sobrevivência política, cultural, espiritual e física. As cartas e os
relatórios privados que enviaram ao Vaticano compuseram o substrato do relato
biográfico, histórico e psicológico da história de Jinga. Eles e seus editores no
Vaticano moldaram a história que chegou ao público.
O autor da primeira biografia publicada de Jinga foi Antonio da Gaeta, o
primeiro capuchinho que pregou para ela em Matamba e que reivindicou o
sucesso de sua conversão ao cristianismo. A biografia apareceu em 1669, apenas
seis anos após a morte de Jinga, com o título laudatório de La Meravigliosa
Conversione alla Santa Fede di Cristo della Regina Singa e del suo Regno di
Matamba nell’Africa meridionale [A maravilhosa conversão à santa fé de Cristo
da rainha Jinga e de seu reino de Matamba na África Meridional]. A obra fazia
elogios silenciosos a Jinga, referindo-se a ela como uma “dama altamente
nobre”. [4] Gaeta punha Jinga na companhia de todas as mulheres da Antiguidade
que se tornaram famosas ou infames por sua capacidade de ganhar renome em
um mundo masculino. A lista incluía, entre outras, Minerva, Artemísia,
Semíramis, Hipólita, Cleópatra, santa Catarina, Maria Ana de Áustria e santa
Apolônia. [5] Na biografia de Gaeta, o que se destacava era a incrível façanha
dos missionários que conseguiram penetrar no coração dessa “amazona bélica”.
[6] A Divina Providência usara Gaeta como o arcanjo conquistador que subverteu

o diabo e transformou Jinga, uma “idólatra pagã” monstruosa, imersa em “rituais


e cerimônias diabólicas”, numa “cristã devota”. [7]
Uma segunda biografia de Jinga apareceu como parte do livro de Cavazzi,
publicado em 1687. O manuscrito passou por várias revisões nas mãos do comitê
editorial do Vaticano, que excluiu o poema e removeu outras referências
fantásticas que Cavazzi incluíra. A versão impressa trazia informações de cartas
escritas às autoridades do Vaticano por contemporâneos de Cavazzi. [8] Embora
os editores deixassem de fora o poema em que ele punia Jinga por ousar roubar
sua alma do Céu e declarava que seu destino era jazer para sempre escondida em
seu “túmulo escuro”, o livro que ele e seus manipuladores publicaram acabou
por libertar Jinga dessa tumba.
As publicações sobre Jinga que apareceram após os livros de Gaeta e Cavazzi
elogiaram-na fracamente por ser um “gênio selvagem” ou por ser uma
convertida relutante. Os escritores concentraram-se principalmente na barbárie
de Jinga, sua natureza sanguinária, sexualidade desenfreada e canibalismo.
Escritores holandeses e franceses fizeram traduções do livro de Cavazzi que
apresentavam apenas aspectos selecionados da vida de Jinga. O dominicano
francês Jean-Baptiste Labat, um irmão da Ordem Dominicana que viajara às
Índias Ocidentais para fazer trabalho missionário, publicou sua tradução francesa
ampliada de Cavazzi em 1732 para destacar o sucesso das missões católicas
entre os povos primitivos. Para ele, a história de Jinga ilustrava o poder do
Estado europeu e da Igreja católica de colonizar e espalhar o cristianismo pelas
terras pagãs. Desse modo, Labat transformou Jinga em uma súdita colonial
conquistada que se subordinou às armas e à Igreja europeias. [9]
Autores posteriores que escreveram em diferentes épocas e em diferentes
gêneros produziram as próprias versões da história de Jinga. Ignorando o retrato
feito por Gaeta de uma líder que a Igreja finalmente convertera, ou o retrato
menos elogioso, mas ainda complexo, feito por Cavazzi de uma líder política
astuta, escritores franceses, holandeses e alemães dos séculos XVIII e XIX
basearam-se em grande medida na versão adulterada que Labat fez de Cavazzi,
bem como em um livro de Olfert Dapper publicado em 1668, que descrevia
povos e sociedades africanos com base nos relatórios de comerciantes e
funcionários holandeses. [10] Na época, a única publicação disponível em
português sobre Jinga era um panfleto de oito páginas impresso em 1749. Mas
publicações portuguesas sobre Jinga continuaram a aparecer até o século XX . [11]
O longo trabalho do historiador e soldado português Antônio de Oliveira de
Cadornega, escrito entre 1670 e 1681 e que contém muitos detalhes sobre as
relações militares e diplomáticas de Jinga com os portugueses, só foi impresso
em 1940. [12]
A tradução de Cavazzi feita por Labat forneceu a base que os intelectuais
europeus do século XVIII e XIX usaram para criar suas próprias versões da vida de
Jinga. Embora alguns escritores ligassem-na às fábulas sobre monarcas africanos
antropófagos e outras histórias estranhas incluídas nos diários de viagem e
geografias históricas populares que ganharam ampla circulação na Europa em
meados do século XVIII , eles também criaram uma Jinga que mostrava todas as
fraquezas de um líder complexo. [13] Zingha reine d’Angola [Zingha, rainha de
Angola], publicado em 1769 por Jean-Louis Castilhon, destaca-se como a
primeira obra de ficção que tem Jinga como personagem. A Jinga de Castilhon é,
por natureza, cruel, mas não canibal; é seu desejo de vingança e de dominar que
a faz superar o horror de consumir carne humana e tornar-se uma imbangala. [14]
Ela é uma líder inteligente o suficiente para formular estratégias contra as
tentativas portuguesas de tomar suas terras. No final, ela se arrepende e é salva
pela conversão, apesar de seus crimes. [15]
O grande interesse dos escritores europeus pela vida de Jinga era para usá-la
como representante do “outro” africano. [16] Foi como rainha canibal que Jinga
dominou os romances libertinos publicados nos anos anteriores à Revolução
Francesa. Nesse período, os escritores rejeitaram a hierarquia estabelecida da
Igreja e da política e exploraram, entre outras coisas, o mundo do erotismo. Eles
criaram seus próprios detalhes lascivos e sangrentos a respeito de Jinga, usando
imagens de pintores europeus que a retratavam como uma figura erótica. A
filosofia na alcova do Marquês de Sade (1795) usava o exemplo de Jinga para
ilustrar a tendência das mulheres de serem conduzidas por sua sexualidade a
cometer atos horríveis. Sua “Zingua, Rainha de Angola”, cuja história de vida
ele alegava ter conhecido graças a “uma fonte missionária”, era apresentada aos
leitores como “a mais cruel das mulheres”, que exercia domínio total sobre os
homens. Essa rainha, escreveu ele, “matava seus amantes assim que conseguia o
que queria deles”. O espírito maligno e a disposição sexual de Jinga eram de tal
ordem que ela tratava os homens como os romanos tratavam seus gladiadores.
Como os romanos, ela fazia os guerreiros lutarem até a morte e o “prêmio do
vencedor” não era dinheiro ou liberdade, mas ela mesma. Sade criou uma Jinga
que não tinha respeito pela vida ordenada, apenas um desejo de prazer. Ela
chegou a ponto de baixar uma lei que promovia a prostituição e não tinha
problema em moer num almofariz “toda mulher grávida com menos de trinta
anos”. [17] Essa Jinga confirmava noções europeias do outro exótico. [18] Quando
Jinga apareceu em 1817 numa resenha de The Histories of the Discoveries of
Africa [As histórias das descobertas da África] publicada na London Quarterly
Review , o resenhista, bem familiarizado com o livro de Cavazzi, e também com
outras publicações, aceitou a narrativa existente sobre Jinga. Ele concluía que ela
era “um dos monstros mais horríveis que já apareceram na face da Terra em
forma feminina”. [19]
Essa imagem de Jinga como um ícone do desvio sexual, do mal e da
brutalidade não se limitava aos escritores libertinos franceses nem aos
resenhistas ingleses. O filósofo G.W.F. Hegel também propagou um retrato
semelhante. Em palestras feitas na Universidade de Berlim no início do século
XIX , ele usou os retratos de Jinga conhecidos nos círculos religiosos e literários
europeus para ilustrar que a África estava “fora da história”. Para Hegel, Jinga
(cujo nome ele escolheu não usar, talvez sabendo que um nome marca a pessoa
como sujeito da história), ao lado de outros líderes africanos, representava uma
aberração da história. Ela governou um “Estado feminino”, onde cenas
sangrentas prevaleciam enquanto homens adultos e crianças do sexo masculino
eram rotineiramente massacrados. Além disso, os homens que sobreviviam não
tinham poder como homens, uma vez que as mulheres guerreiras (Hegel se
refere a elas como “as fúrias”) que cercavam Jinga usavam os cativos
masculinos como amantes. Essas mulheres eram tão antinaturais que não
cultivavam nem amamentavam nada, destruindo terras colonizadas e indo para o
campo para dar à luz os bebês que concebiam. O ódio delas aos homens era
tamanho que abandonavam os bebês do sexo masculino no campo, deixando-os
morrer. Felizmente, concluía Hegel, esse Estado desapareceu. [20]
Publicado em 1834, três anos antes da obra de Hegel, um capítulo sobre a
rainha Jinga apareceu no livro Les femmes célebres de tous les pays [As
mulheres célebres de todos os países], de Laure Junot, duquesa de Abrantès, e
Joseph Straszewicz, que a retratava como o paradigma da luxúria e da crueldade
e contribuiu para uma imagem de Jinga que alimentava as fantasias sexuais
reprimidas da Europa, bem como a imagem emergente do primitivo. [21] Junot
colocava Jinga ao lado de gente como “Lady Jane Gray, Maria Letizia Ramolino
[mãe de Napoleão Bonaparte], Maria Antonieta e Catarina I da Rússia”, todas
mulheres famigeradas em suas épocas. Como observou um resenhista inglês, a
autora enfocou essas mulheres para ilustrar “retratos horríveis da natureza
humana”. A Jinga de Junot, como a de Hegel, era “uma das mais insaciáveis
fúrias do seu período”. Essa Jinga jamais poderia ser a “vovó” amorosa que uma
neta da diáspora como Herrera desejava contemplar. [22] Em vez disso, Junot
apresentava um demônio sedento de sangue que no funeral do pai matou e
consumiu duzentos homens, mulheres e crianças. Essas pessoas inocentes foram
mortas pela própria Jinga, que depois bebeu o sangue de uma das vítimas. A
imagem de Jinga transmitida por Junot foi amplamente propagada em
publicações inglesas. Por exemplo, foram publicados longos trechos e resenhas
em revistas como Royal Ladies Magazine , Literary Gazette e The Britannica
Magazine . [23]
Décadas após a publicação da obra de Junot, fragmentos de informações
distorcidas sobre Jinga continuaram a aparecer em jornais, revistas e periódicos
publicados na Europa. Naquela época, ensaístas e panfletistas portugueses e
brasileiros competiam para apresentar suas próprias versões de Jinga. Os
escritores portugueses tinham vários objetivos. Em particular, queriam corrigir o
que denunciaram como “a absurda lenda do missionário Cavazzi”, que dava aos
estrangeiros imagens distorcidas das conquistas portuguesas em Angola e do
lugar de Jinga nesses acontecimentos. Esses escritores lusófonos estavam
ansiosos para mostrar que os autores europeus não tinham conhecimento de
nenhum dos relatos das testemunhas oculares portuguesas e, portanto, não
podiam apresentar histórias imparciais das atividades portuguesas em Angola
naquela época. Apesar das alegações de que estavam corrigindo a história e,
assim, recuperando uma imagem menos distorcida de Jinga, o que eles fizeram
foi criar suas próprias distorções. Ao longo do século XIX , a imagem de Jinga
que os leitores portugueses consumiram conservava muitos dos elementos que a
tornaram uma figura atraente para os escritores libertinos franceses. Em uma das
versões, ela era pintada como uma “rainha varonil” que tinha prazer em realizar
os atos “mais cruéis”, enquanto em outra ela aparece como um canibal “que
comia o peito de suas vítimas porque era onde estava o coração”. [24] No século
XX , quando as autoridades portuguesas usavam a propaganda colonialista como
arma ideológica na tentativa de ampliar e consolidar o Estado português em
Angola, Jinga era “uma negra selvagem” que, apesar de possuir um “intelecto
indígena superior”, foi finalmente conquistada pelo poder militar português
superior e se submeteu voluntariamente ao cristianismo. [25]

As tradições dos angolanos colonizados e africanos escravizados e enviados para


as Américas durante a vida de Jinga pintavam uma imagem muito diferente da
rainha africana. Em Angola, os livros didáticos portugueses contavam a história
de Jinga como uma pagã que acabou por se subordinar aos portugueses, ou
apagavam seu nome completamente. Quando os africanos da colônia começaram
a luta nacionalista contra o colonialismo português, vozes das áreas rurais que
Jinga outrora controlara apresentaram uma versão muito diferente. A história de
Jinga que o povo das regiões rurais de Angola de língua quimbundo transmitia
oralmente para seus filhos e netos era a de uma governante orgulhosa que
conquistara terras, ganhara muitas guerras contra os portugueses e mantivera a
independência e as tradições de seu povo. [26]
Essa imagem de Jinga que as tradições orais preservaram assumiu uma nova
dinâmica na década de 1960, quando os angolanos passaram a olhar para sua
história, a fim de encontrar pontos de referência para sua luta de resistência
contra os portugueses. Enfrentando um regime colonial racista e explorador,
cujas políticas dividiam os angolanos conforme raça, classe, etnias, regiões e
línguas, os descendentes de anciãos ambundos que haviam absorvido as
tradições orais sobre a resistência de Jinga trouxeram de volta a Jinga heroica.
Nos poemas e histórias revolucionárias que publicaram em fontes ocidentais,
utilizados como propaganda para encorajar os jovens angolanos a participarem
da luta, puseram o exemplo da resistência de Jinga no centro do palco. A Jinga
deles não era a pervertida sexual ou a canibal cruel que enchia as páginas de
publicações europeias anteriores. Em vez disso, os angolanos fizeram dela uma
heroína revolucionária que unira seu povo numa luta épica contra a agressão
portuguesa. Essa Jinga proporcionou o modelo para transformar súditos
portugueses colonizados em guerrilheiros revolucionários cujo dever, como o
dela, era conquistar a independência de Angola e manter o povo unido. [27]
Desde que conquistou a independência, em 1975, o governo do MPLA
(Movimento Popular de Libertação de Angola) vem promovendo a história e a
imagem de Jinga. Além de publicar poemas, livros e histórias sobre ela e a
história de Angola durante sua época, o governo começou a transformá-la numa
heroína nacional. O novo governo, chefiado por ex-prisioneiros e líderes da
resistência, tratou de desfazer o legado colonial que excluíra Jinga dos livros
didáticos e exigia que os professores punissem os estudantes que falavam
quimbundo, e passou a compartilhar as tradições sobre as façanhas de Jinga que
haviam recolhido nas aldeias. Os novos líderes escolheram enraizar a história da
nova nação na história do século XVII de Jinga. O primeiro passo para torná-la
um símbolo da nação foi exigir que todas as escolas e centros de recrutamento
militar usassem uma edição revisada do livro História de Angola , que punha a
história da resistência de Jinga no centro da história da nação. [28] Além disso, o
governo apoiou a publicação de romances históricos e outras obras sobre Jinga e
o período em que ela viveu. [29]
Esse foco no nacionalismo assumiu especial importância devido à sangrenta
guerra civil que começou alguns meses antes da independência em 1975 e só
terminou oficialmente em 2002. Embora a guerra fosse, em parte, um
subproduto da Guerra Fria entre a URSS e os Estados Unidos, ela também foi
moldada pelas divisões etnolinguísticas que as políticas coloniais portuguesas
haviam estimulado.
Após o fim da guerra civil, as autoridades do governo do MPLA , que haviam
usado a história da resistência de Jinga para motivar os jovens guerrilheiros
angolanos, apropriaram-se de sua história como símbolo para unificar a nação.
Embora outras figuras históricas reconhecidas por sua contribuição para a
fundação da nação angolana moderna, Jinga recebeu atenção especial. Em 2003,
o governo inaugurou uma estátua monumental dela no largo de Kinaxixe, no
centro de Luanda, que tivera papel proeminente na história pré-colonial e
colonial de Angola. Durante as guerras portuguesas do século XVII contra
Ndongo, o Kinaxixe foi um mercado de escravos, e continuou a ser o local onde
os ambundos da zona rural traziam seus produtos para vender. Em 1937, os
portugueses fizeram dele um lugar de glória colonial quando as autoridades
inauguraram um monumento em homenagem aos mortos portugueses na
Primeira Guerra Mundial. Em 1975, o governo do MPLA removeu esse
monumento e o substituiu por um enorme veículo militar que simbolizava a
vitória sobre os portugueses. Quando a estátua monumental de Jinga substituiu o
veículo militar, milhões de angolanos que fugiram do campo durante a guerra
civil viviam agora em Luanda. A estátua de Jinga naquele lugar simbólico e
reverenciado atraiu os angolanos de todas as origens linguísticas e étnicas, que
passaram a considerá-la não só um símbolo de resistência, mas uma mãe severa
que nutria seus filhos na nova nação. A estátua de Jinga, localizada no espaço
mais limpo da capital, tornou-se um lugar onde, por exemplo, participantes de
festas de casamento se reuniam para tirar fotografias. Durante a década em que
sua estátua enfeitou o histórico largo de Kinaxixe, Jinga foi verdadeiramente a
“Mãe da Nação”, como muitos jovens angolanos de Luanda afirmavam. [30]
Os muitos simpósios, fóruns e encontros internacionais que o governo
angolano patrocinou sobre a história angolana reforçaram ainda mais a posição
de Jinga como uma figura exemplar do passado angolano com relevância
contemporânea. [31] Uma das principais iniciativas do governo foi identificar
Jinga como a “mãe da nação angolana moderna”. Essa campanha nacional fez
muito para resgatar sua imagem daquela que os escritores europeus haviam
perpetuado. Em 2013, quando os angolanos comemoraram o 350o aniversário da
morte de Jinga com uma série de exposições e livros em sua homenagem, a
imagem de Jinga já havia mudado para a de uma líder proeminente de Angola e
do mundo. Ela era uma figura da história, da memória e do mito. Nos colóquios
acadêmicos que o governo realizou em Angola e na Europa, as guerras de
resistência de Jinga ocuparam espaço igual ao da narrativa de Cavazzi sobre sua
conversão. Essa Jinga era uma rainha, “uma mulher em armas que lutou no
interior africano em defesa de seu povo”. [32]
O esforço do governo angolano que causou o maior impacto na
transformação da condição de Jinga foi a encomenda de um filme, Jinga, rainha
de Angola , que estreou em Angola no ano do 350o aniversário. [33] Tendo no
papel da heroína a linda atriz angolana Lesliana Pereira, o filme criou uma nova
Jinga para uma nova nação angolana e para o mundo. Em vez de uma Jinga
sexualizada com um seio exposto, como estava representada numa pintura usada
no livro de Castilhon (e que ainda continua a ser a imagem icônica de Jinga), a
nova Jinga era uma destemida líder guerrilheira. Vestida com uma tradicional
roupa de tecido de casca de árvore, que poderia ser confundida com uma
cartucheira, ostentando um penteado ao estilo afro politizado dos anos 1960 e
1970, essa Jinga estava decidida a manter Angola independente. [34]
Jinga também teve um renascimento no Brasil, para onde foram enviados
milhões de cativos africanos de Ndongo, Matamba e Congo, escravizados antes,
durante e depois de sua vida. Nas fazendas e nas regiões de mineração do
nordeste do Brasil, do Rio de Janeiro, de Minas Gerais e outros lugares, eles
fundiram elementos de suas línguas e culturas centro-africanas com tradições
brasileiras para desenvolver uma cultura afro-brasileira singular. Os primeiros
visitantes do nordeste do Brasil registraram as celebrações seculares e religiosas
nessas comunidades escravas. Sua língua, suas práticas religiosas, danças e
músicas continham referências a eventos históricos e culturais da África Central
da época de Jinga. Com o tempo, essas celebrações, especialmente a eleição de
reis e rainhas, passaram a incluir africanos escravizados de outras partes da
África que também foram levados para o Brasil. Apesar disso, a contribuição da
África Central continuou dominante; por exemplo, o rei e a rainha eleitos
durante as festividades sempre foram chamados de rei do Congo e rainha Jinga.

Fotografia © Linda M. Heywood.

A autora Linda Heywood ao lado da imensa estátua de Jinga, em Luanda, Angola.

No século XX , quando os desfiles e festejos de inspiração centro-africana —


lundus, maracatus, cucumbis, congadas, umbandas — estavam a caminho de se
tornarem sinônimo de cultura afro-brasileira, a história de Jinga e, em especial,
suas guerras contra os portugueses e os reis do Congo, foram o ponto focal de
dramas encenados em comunidades de todo o Brasil. Desde a região de
Pernambuco, onde durante as celebrações anuais dos cucumbis, a mulher que
carregava o título de “Jinga” sentava ao lado do “rei do Congo” e tinha
assegurada a veneração da comunidade durante todo o ano, até as apresentações
públicas das congadas no início do século XX , onde o embaixador de Jinga
tentava obter uma audiência com o “rei do Congo”, mas era impedido de
prosseguir devido ao medo que o rei tinha da rainha Jinga, seu nome manteve-se
vivo no Brasil. A história de Jinga também foi captada na terminologia da arte
marcial da capoeira, onde o termo ginga veio significar os movimentos
dissimulados reminiscentes do treinamento que os soldados de Jinga recebiam
em preparação para a batalha. No entanto, à medida que o termo evoluiu nos
centros urbanos afro-brasileiros empobrecidos, repórteres e autoridades policiais
passaram a estigmatizar as ações físicas associadas a esses movimentos como
perigosas ou criminosas. [35]
Mas Jinga estava no Brasil para ficar. Nas décadas de meados do século XX ,
à medida que os países africanos ganhavam sua independência, estudiosos
brasileiros procuraram na África as raízes da cultura afro-brasileira. Foi nesse
período que a primeira biografia em língua portuguesa de Jinga foi publicada no
Brasil. Na década de 2000, Jinga já se tornara a querida dos poetas das escolas
de samba do Rio de Janeiro. Eles escreveram canções louvando sua bravura e o
que eles interpretaram como promoção dos direitos das mulheres e do poder
negro. Os afro-brasileiros lideraram o interesse público pela história de Jinga,
acreditando que poderiam apresentar à nação a parte escondida até então de sua
identidade. Em 2013, quando o filme angolano Jinga, a Rainha de Angola
estreou no Brasil, os afro-brasileiros saudaram seu foco revolucionário, que
consideraram ligado à sua vida no Brasil. As mulheres afro-brasileiras,
especialmente as pertencentes às escolas de samba, cujas danças, comidas e
tradições religiosas demonstravam sua resiliência e independência, viam em
Jinga sua heroína. Consideravam-se “herdeiras reais da rainha Nzinga de
Angola”. [36]
A apropriação estratégica da vida de Jinga pelo governo angolano para
representar a resistência colonial e a unidade nacional foi apenas o primeiro
passo na reabilitação que a imagem de Jinga recebeu no último meio século. O
interesse no Brasil pelas raízes culturais também trouxe a história de Jinga para a
consciência de uma nova geração de afro-brasileiros ansiosos para se reconectar
com um passado africano glorioso. Mas o impacto de Jinga também se estendeu
a outras populações afrodescendentes das Américas. Em lugares como Cuba,
Jamaica e Estados Unidos, o interesse pela história de Jinga gerou uma efusão de
poesias, peças de teatro, pinturas e até mesmo um livro infantil. [37] O
renascimento cultural de Jinga também atingiu uma plateia global maior. Em
2013, a pedido do governo angolano e com o generoso apoio financeiro da
República da Bulgária, a Unesco comemorou o 350o aniversário da morte de
Jinga, acrescentando seu perfil à série Mulheres na História Africana. A história
em quadrinhos de 56 páginas, destinada ao uso em escolas de ensino
fundamental, inclui incidentes importantes da vida de Jinga e uma seção
pedagógica sobre temas como “resistência” e “governança por uma mulher”. [38]
Além disso, a Unesco acrescentou o nome de Jinga a uma lista de dezenove
importantes líderes femininas da África que homenageou até agora.
A ressurreição de Jinga, no entanto, ainda está em andamento. [39] Ela precisa
ocupar seu lugar na história popular, ao lado de suas quase contemporâneas
Elizabeth I da Inglaterra e Pocahontas, nas fileiras das “mulheres famosas da
história”, embora a homenagem da Unesco seja um passo nessa direção. Jinga já
não representa o outro, mas uma mulher poderosa, com poucos contemporâneos
de igual calibre, que fez o que era necessário para manter a independência de
suas terras. Ela serviu de inspiração para o seu povo durante sua vida e para os
angolanos e brasileiros, séculos após sua morte. Jinga exige ser apresentada
como o ser humano complexo que foi, e receber seu lugar merecido na história
mundial.
Jinga, um destino

Luiz Felipe de Alencastro

O livro de Linda Heywood traz uma importante contribuição à história do


centro-oeste africano e, mais largamente, à história do Atlântico Sul. O nome
étnico da rainha de Dongo e Matamba comporta várias grafias. Como tenho feito
noutros textos, optei neste posfácio pela designação usada em muitos
documentos portugueses dos séculos XVII e XVIII que se referem à rainha “Jinga”,
ao reino do “Dongo” e aos guerreiros “jagas”, em vez de Njinga , Ndongo ou
guerreiros imbangala . Acresce que o nome “Jinga” vem assim grafado em
relatos das congadas e cantos populares do Brasil de ontem e de hoje, como se lê
nos versos recolhidos por Câmara Cascudo e citados mais adiante.
Linda Heywood é autora de estudos de referência sobre a primeira
colonização do Congo e Angola (1483-1850), por vezes em coautoria com John
Thornton, seu colega no departamento de estudos afro-americanos da
Universidade de Boston. Caso pouco comum entre os estudiosos da história do
centro-oeste africano seiscentista, ela também pesquisou e escreveu sobre a
segunda colonização portuguesa, concluída em 1974, sobre temas econômicos
(“The Growth and Decline of African Agriculture in Central Angola, 1890-
1950”. Journal of Southern African Studies , v. 13, n. 3, 1987) e a guerra civil
angolana (“Unita and Ethnic Nationalism in Angola”. The Journal of Modern
African Studies , v. 27, n. 1, 1989), e, entre outras obras, coeditou o volume de
história diplomática African Americans in U.S. Foreign Policy: From the Era of
Frederick Douglass to the Age of Obama (2015).
Trata-se, portanto, de uma autora cuja produção acadêmica vai além dos
escaninhos temporais e temáticos que costumam circunscrever as
especializações universitárias. Sua biografia de Jinga é o reflexo de três décadas
de investigações e de uma longa familiaridade com os arquivos e a bibliografia
sobre a região Angola-Congo. Seus trabalhos sobre o tema do livro ainda não
terminaram, porquanto Jinga viverá noutros tempos e continentes no livro que a
autora redige atualmente.
Dada a singularidade do destino de Jinga e a presença mais ou menos
simultânea em Angola e no Congo de militares, funcionários metropolitanos,
traficantes portugueses e holandeses, assim como o clero regular, missionários
jesuítas e capuchinhos portugueses, espanhóis e italianos, a vida da rainha de
Matamba possui mais referências escritas do que a de qualquer outro soberano
da África subsaariana seiscentista.
A diversidade das fontes corresponde às diferentes narrativas dos agentes
históricos presentes na África centro-ocidental e à rivalidade que opunha os
capuchinhos espanhóis e italianos aos jesuítas, ao clero regular e às autoridades
portuguesas.
Linda Heywood descreve em profundidade a intervenção do cristianismo
pregado pelos missionários, associado às armas portuguesas, na invasão e na
desestabilização das sociedades nativas. Referindo-se a Ngola Kasenda, avô de
Jinga e rei do Dongo na época de Paulo Dias Novais, primeiro governador de
Angola, ela escreve: “A penetração religiosa e os avanços espirituais dos
portugueses foram tão influentes em minar a autoridade de Kasenda quanto as
conquistas militares”. Ela mostra como Ngola Kasenda e sua neta manobraram
de permeio ao cristianismo do clero português, aos missionários e às facções
religiosas nativas que se confrontavam nos reinos e nas comunidades angolanas.
A respeito do peso das tradições nos momentos críticos da organização social,
Linda Heywood chama a atenção para os sacrifícios humanos praticados nos
enterros dos reis do Dongo. Mencionando os que ocorreram na morte de Ndambi
a Ngola, o segundo rei do Dongo (1556-61), ela escreve: “Governantes
posteriores, inclusive Jinga, consideravam esse costume de sacrifício humano
uma parte essencial dos rituais funerários em honra aos reis de Ndongo e outros
membros da elite”.
A autora sublinha ainda as tensões entre as ordens religiosas que conduziam
as missões em Angola e a maneira pela qual Jinga se associou a capuchinhos
italianos e espanhóis para tentar neutralizar a pressão militar, política e religiosa
portuguesa e jesuíta tanto em Angola como na Europa. De fato, por iniciativa
própria ou aconselhada por missionários, Jinga enviou várias cartas a Roma para
obter proteção diplomática da Cúria e dos superiores dos capuchinhos. A
dimensão das quizílias entre capuchinhos e jesuítas merece ser explicitada.
Fiéis a Portugal durante o período da União Ibérica (1580-1640) e, sobretudo,
à dinastia bragantina depois da Restauração, os jesuítas lusitanos receberam mal
o proselitismo dos capuchinhos em Angola e no Congo. Dependendo
diretamente do papa através da Secretaria da Propaganda Fide, órgão romano
que a partir de 1622 buscou contornar a autoridade filipina, e depois bragantina,
sobre as missões ultramarinas, os capuchinhos nem sempre se identificavam com
a política colonial portuguesa. Acresce que entre os capuchinhos havia, além de
espanhóis, missionários oriundos dos territórios hispânicos na península Itálica,
Sardenha e Sicília, os quais, na prática, eram súditos do trono de Madri. Por isso,
na Restauração e durante a guerra luso-espanhola (1640-68), missionários
espanhóis ou súditos da Espanha eram vistos com desconfiança e hostilidade em
Angola e no Congo. O antagonismo se perpetuou na historiografia portuguesa
sobre o centro-oeste africano até o final do salazarismo, com autores que
consideravam os capuchinhos agentes do imperialismo (no sentido próprio e
figurado) madrilense no século XVII .
Mas havia mais. Inseridos desde o começo da invasão portuguesa na
economia atlântica e na sociedade colonial angolana, os jesuítas possuíam, para
escândalo dos capuchinhos recém-chegados, fazendas e escravos em Angola.
Por vezes também faziam tráfico de africanos de seu Colégio de Luanda para seu
Colégio da Bahia, onde os escravos eram usados ou vendidos. A respeito do
reino do Congo, onde a concorrência entre as duas ordens missionárias era mais
viva ainda do que em Angola, frei Cortona, diretor da missão capuchinha em
Matamba, escreveu a Roma em 1655 para denunciar os negócios dos jesuítas no
tráfico de escravos congolês. Este era o motivo, dizia ele, da oposição dos
jesuítas às missões dos capuchinhos na região. Na realidade, sem se oporem
frontalmente ao escravismo, os capuchinhos não se envolviam no tráfico
negreiro nem possuíam ou aceitavam escravos dos sobas (chefes locais
angolanos), traficantes e colonos. Na circunstância, a disputa entre as duas
ordens missionárias no Congo e Angola se insere na geopolítica global europeia
e ultramarina.
O itinerário da vida pecaminosa de Jinga, até sua morte com reputação de
santidade, foi inicialmente registrado em dois livros redigidos por missionários
capuchinhos que a conheceram bem. Na versão dos dois autores, mal
evangelizada e batizada com o nome de Ana de Sousa pelo clero português de
Luanda em 1622, Jinga retornou ao paganismo e a tradições e costumes jagas até
ser salva para Cristo em 1656, graças à persistência piedosa dos capuchinhos.
Dessa data em diante, até sua morte, Jinga e seus súditos de Matamba passaram
a viver com “temor de Deus e piedade cristã”, como escreve no seu livro frei
Antonio da Gaeta, que persuadiu Jinga a voltar ao cristianismo. O segundo livro
é de frei Cavazzi de Montecuccolo, que deu a extrema-unção e organizou o
cortejo fúnebre da rainha de Matamba. A obra de frei Gaeta — nascido no reino
de Nápoles e, portanto, súdito espanhol — sublinha todo o seu mérito e o dos
capuchinhos na conversão final da rainha de Matamba. O título do livro,
publicado em 1668, não deixa por menos: La Meravigliosa Conversione alla
Santa Fede di Cristo della Regina Singa e del suo regno di Matamba...
Participante ativo das negociações entre o governador de Angola e a rai-nha
de Matamba sobre o tratado de paz firmado em 1656, Gaeta reproduz em seu
livro as explicações dela sobre sua apostasia. Segundo Jinga, seu abandono do
cristianismo deveu-se à ausência de missionários em Matamba e à violência dos
portugueses que lhe roubaram o reino do Dongo em 1624.
O livro de frei Cavazzi incorpora partes do livro de Gaeta e tem por título:
Istorica descrizione de’ tre’ regni Congo, Matamba et Angola (1687). A obra foi
em seguida traduzida em várias línguas, divulgando a história da conversão da
rainha de Matamba para os leitores, missionários e fiéis da Europa e do Atlântico
Sul. Cavazzi ficou fascinado por Jinga e foi seu primeiro biógrafo. Aliás, junto
com John Thornton, Linda Heywood prefaciou uma tradução recente, ornada de
uma excelente cartografia, dos capítulos da Istorica descrizione referentes à
rainha de Matamba, publicada em Paris com o título Njinga, reine d’Angola: La
relation d’Antonio Cavazzi de Montecuccolo (2010). Em português, há a
tradução do livro de Cavazzi acrescida dos comentários do capuchinho frei
Graziano Maria Saccardo da Leguzzano, editada em dois volumes em Lisboa
(1965). Como escreveu o historiador angolano Adriano Parreira, as notas do
comentador são tão substanciosas e magistrais que os dois volumes deveriam ser
considerados como uma nova obra, designada como edição Cavazzi-Leguzzano.
Linda Heywood faz uma leitura fina das observações de Gaeta e Cavazzi sobre
Jinga, assim como dos autores que se inspiraram nos escritos dos dois
missionários.
Note-se que, quando os dois livros foram publicados na Itália, a Europa sofria
as consequências dramáticas do mais sangrento conflito de sua história, a Guerra
dos Trinta Anos (1618-48). Movida por conflitos religiosos e jogos de poder
entre as monarquias, essa guerra deu lugar a fanatismos, massacres e pilhagens
cuja lembrança pode ter levado leitores de Cavazzi a relativizar as violências
retratadas no reino de Matamba.
Outra fonte importante da época é o livro de Antônio de Oliveira de
Cadornega, História geral das guerras angolanas (1680-81). Cadornega viveu
51 anos em Massangano e Luanda e seu livro se baseia na documentação das
câmaras das duas cidades e na tradição oral dos angolistas (colonos portugueses
de Angola) e dos nativos angolanos (“negros noticiosos”). Seu livro defende o
ponto de vista dos colonos, suas lutas e seus méritos para explicitamente
compará-los aos colonos do Brasil, os brasílicos, que haviam vencido e
expulsado os holandeses de Pernambuco. Nada de similar foi escrito em nenhum
outro enclave europeu na África até a emergência, nas últimas décadas do século
XIX , da identidade “pied-noir” na Argélia francesa. Embora a História geral só
tenha tido uma edição completa em 1940, seu texto não era desconhecido. Havia
uma cópia completa do manuscrito na Academia de Ciências de Lisboa, outra,
também completa, com partes traduzidas em francês, na Biblioteca Real (depois
Nacional) de Paris desde os anos 1730 e uma cópia de um dos três volumes no
Museu Britânico desde meados do século XIX .
Um ponto a ser ressaltado na obra dos três autores concerne à longevidade de
Jinga, parte integrante de sua reputação e da lenda criada em torno de seu
reinado em Matamba.
Na sua fala reproduzida no livro de frei Gaeta, Jinga diz que foi batizada
fanciulla , isto é, “jovem ou donzela”. A expressão cola mal com os quarenta
anos que ela teria a essa altura (1622), conforme o ano de seu nascimento
indicado por Cavazzi (1582), retomada neste livro por Linda Heywood e pela
maioria dos autores. Outro acontecimento, o combate de Jinga na ribeira do rio
Dande, na batalha de Sengas de Kavanga, travada em 1646 contra os
portugueses, que a autora considera “épica” e descreve com vivacidade, também
lança dúvidas sobre sua suposta data de nascimento. No confronto, Cadornega
combatia junto com as tropas que atacaram o quilombo (acampamento de
guerra) de Jinga e foi testemunha ocular da bravura da rainha de Matamba. As
forças de Luanda dispunham de mosqueteiros portugueses e angolistas,
combatentes angolanos ou são-tomenses vestidos à portuguesa (“cangoandas”),
esquadrões de arqueiros e zagaieiros nativos, e tinham até pequenos canhões que
atiravam metralha. Mas Jinga não arredou o pé e lutou com seus soldados,
“como se fora um valente generalíssimo, tomando ela a vanguarda e
acometimento de nosso exército”, nas palavras de Cadornega. Ora, segundo a
data proposta por Cavazzi, Jinga teria nessa época 64 anos. Idade meio
avançada, considerando as agruras de sua vida guerreira, para combater e
comandar seus soldados durante um dia inteiro e, na caída da noite, conseguir
furar o cerco inimigo e escapar ilesa.
Por isso, junto com Arlindo Correia, faço parte da minoria dos historiadores
que questiona sua data de nascimento e penso que, quando morreu, em 1663,
Jinga tinha idade bem inferior aos provectos 81 anos indicados por Cavazzi. De
todo modo, na época da conclusão de seu manuscrito (1681), dezoito anos
depois da morte de Jinga, Cadornega diz que havia gente em Angola acreditando
que ela ainda vivia, escondida em seu quilombo, “velha e despossuída de seu
reino e senhorios”. Volto em seguida à lenda sobre sua longevidade e seus feitos.
Linda Heywood destaca o marco histórico causado pela invasão holandesa
em Angola no ano de 1641, depois de terem conquistado parte do Nordeste
brasileiro em 1630: “Em 1641, um novo ator entrou em cena na África Central”.
Na realidade, no mesmo movimento, entra em cena na África Central um
segundo novo ator: o brasílico, o português estabelecido no Brasil. Ponto que
deve ser ressaltado para os leitores desta tradução brasileira do livro.
Nos socorros vindos da Bahia e do Rio de Janeiro para atacar os holandeses e
Jinga, desde 1644, chegam oficiais, soldados e traficantes que vão introduzir,
mais duradouramente que os holandeses, seus interesses no centro-oeste
africano. Comandando a força expedicionária saída da Guanabara que expulsa os
holandeses de Angola e São Tomé em 1648, Salvador Correia de Sá, governador
do Rio do Janeiro, filho e neto de governadores da mesma capitania, senhor de
engenhos na região de Campos, assume o governo angolano. Com suas tropas da
expedição, majoritariamente financiada por negreiros fluminenses, ele ataca
Jinga e outros reinos da região. Em 1650, um ano e meio apenas depois de sua
posse em Luanda, o capuchinho frei Bonaventura de Sorrento, missionando em
Angola desde 1645, denunciava numa carta à Propaganda Fide, em Roma, a
carnificina e as escravizações perpetradas pelo governador Salvador de Sá e suas
tropas formadas em boa parte por brasílicos: “Desbarataram muitas aldeias,
mataram muita gente e fizeram mais de sete mil escravos”.
Jinga também registrou o novo patamar da ofensiva negreira desencadeada
pelos escravocratas brasílicos, considerando Salvador de Sá um dos mais
vorazes governadores de sua época. Ele havia se comprometido a libertar
Kambu, irmã de Jinga aprisionada em Luanda, e recebeu muitos escravos que ela
mandou como pagamento do resgate, mas não cumpriu a promessa e continuou
guerreando Matamba. Linda Heywood descreve as chantagens e extorsões a que
Jinga foi submetida para obter a libertação de Kambu em 1656. Em 1655, quatro
anos depois de Salvador Correia de Sá ter deixado o governo de Angola, a rainha
Jinga ainda reclamava para o novo governador em Luanda: “Estou tão queixosa
dos governadores passados, que me prometeram entregar minha irmã, pela qual
tenho dado infinitas peças [escravos]... e nunca me entregaram ela; mais ainda,
[...] moviam logo guerras, com que me inquietaram e fizeram sempre andar feito
jaga, usando tiranias [...]. E de quem estou mais queixosa é do governador
Salvador Correia, a quem dei as peças”.
A ofensiva negreira brasílica prossegue após o governo de Salvador Correia
(1648-51), com capitães e tropas vindas de Pernambuco, sobretudo com os dois
heróis da guerra contra os holandeses premiados por João IV com o governo de
Angola, João Fernandes de Vieira (1658-61) e André Vidal de Negreiros (1661-
66). Trazendo mais tropas brasílicas, esses governadores expandem o domínio
territorial português e a pilhagem negreira. Aclimatadas aos combates e às
doenças tropicais (ao contrário das tropas europeias, lusas e holandesas presentes
em Angola), integrando veteranos de guerras contra os holandeses, índios e
quilombolas, as tropas brasílicas têm um papel decisivo em algumas batalhas-
chave. A partir dessa época acentua-se um elemento central da afirmação dos
interesses brasílicos — e, depois de 1822, brasileiros — no Atlântico Sul: a
navegação bilateral entre o Brasil e Angola, em detrimento das viagens
triangulares que começavam e terminavam em Lisboa.
Linda Heywood aponta os reides de preação de nativos das tropas de André
Vidal de Negreiros em Matamba em 1663, pouco antes da morte de Jinga,
quando foram escravizados e enviados para Pernambuco e Paraíba, terra de
Negreiros, mais de quatro mil súditos de Jinga e de seus aliados. A ofensiva de
Vidal de Negreiros encetava os reides que culminaram com a batalha de
Ambuíla (1665), na qual tropas luso-pernambucanas e seus aliados locais
destroem o exército do reino independente do Congo e matam o rei local, os
membros de sua corte e seus aliados vindos de Matamba. A batalha, maior
embate colonial na África desde Alcácer-Quibir (1578), precipita o declínio dos
reinos do Congo e de Matamba, governado nessa época pela rainha Kambu
(dona Bárbara), sucessora de Jinga.
A presença de oficiais e milicianos brasílicos nas guerras angolanas pode ser
observada desde 1646. Na grande batalha de Sengas de Kavanga, citada acima, o
capitão do regimento luso-africano que atacava Jinga e seus homens era Paulo
Pereira. Afrobrasílico, capitão do terço de Henrique Dias em Pernambuco, ele
integrou, no começo de 1645, um contingente de duzentos soldados enviados da
Bahia em socorro de Angola. Desembarcadas no porto de Quicombo, as tropas
foram emboscadas por jagas da região de Benguela e quase inteiramente
massacradas. Paulo Pereira foi um dos raros sobreviventes do ataque; juntou-se,
em seguida, às tropas que cercaram Jinga no seu quilombo da várzea de Kavanga
e depois combateram os holandeses. Salvador de Sá o nomeou sargento-mor da
tropa africana em Benguela. Cadornega, que o conheceu e o admirava, conta sua
morte extravagante, sucedida pouco depois de reides de preação em Calumbo,
sudeste de Luanda, próximo ao território de Matamba. Na sequência, Paulo
Pereira foi atacado e morto por um leão: “E assim acabou este homem tão
benemérito na boca desta besta feroz”, conclui pesaroso Cadornega. Ao longo de
sua vida militar, Paulo Pereira comandou afrobrasílicos e africanos em
Pernambuco lutando contra os holandeses, a quem combateu de novo em
Angola, assim como a Jinga, comandando afrobrasílicos, luso-angolanos e
angolanos. Menciono o fato para assinalar que uma parte dos milicianos e
oficiais que saíram do Brasil para combater em Angola, mais afortunados que
Paulo Pereira, voltaram às suas capitanias de origem, trazendo para terras
brasileiras relatos sobre a vida e as batalhas de Jinga. De fato, de 1644 até as
primeiras décadas do século XVIII , várias expedições militares partiram do Brasil
em socorro dos colonos portugueses de Angola. Sem contar os oficiais, padres e
traficantes que circulavam nas duas margens do Atlântico Sul.
Câmara Cascudo registra dois versos do folclore nordestino que evocam o
feitio belicoso da rainha de Matamba: “Mandou matar Rei Meu senhor! E quem
mandou foi Rainha Jinga!”. Ou ainda: “Rainha Jinga é mulher de batalha! Tem
duas cadeiras arredor de navalha!”.
Embora o assunto seja tema de seu livro seguinte, intitulado Njinga, History
and Memory in the Angola, Europe and the African Diaspora , Linda Heywood
aborda no final desta biografia a presença de Jinga na cultura afro-brasileira, em
particular nas congadas, onde a rainha Jinga às vezes se contrapunha ao rei do
Congo. Mas a associação entre Jinga e o Brasil também permeava,
pejorativamente, círculos mais elitistas da vida cultural luso-brasileira.
Abespinhado com as broncas internas da Academia das Belas Letras de Lisboa
— presidida pelo poeta carioca Caldas Barbosa —, o poeta Bocage, nascido em
Setúbal, redige em 1792 um soneto, que citei alhures, ofendendo a Academia e
seu presidente. Fazendo referência ao fato de que Caldas Barbosa era mulato,
filho de uma ex-escrava angolana, Bocage o insulta, chamando-o de “neto da
rainha Jinga” e atribuindo-lhe ascendência simiesca com o “animal sem rabo”:

Preside o neto da rainha Jinga


À corja vil, aduladora, insana
[...]
Lembrou-se no Brasil bruxa insolente
De armar ao pobre mundo estranha peta
Procura um mono, que infernal careta
Lhe faz de longe, e lhe arreganha o dente
[...]
Conserva-lhe as feições na face preta;
Corta-lhe a cauda, veste-o de roupeta
E os guinchos lhe converte em voz de gente.
Deixa-lhe os calos, deixa-lhe a catinga;
Eis entre os Lusos o animal sem rabo
Prole se aclama da rainha Jinga.

A polissemia e a homonímia da palavra “Jinga” também ajudaram a propagar


relatos e lendas sobre a valentia e a quase imortalidade da rainha de Matamba.
Depois da morte de Kambu, seu marido Jinga a Mona toma o poder. Na
sequência, houve um rei Jinga (Francisco Ngola Kanini) no reino conjunto do
Dongo e Matamba, e uma rainha, sua irmã e sucessora, Veronica Guterres, que
ganhou o título de rainha Jinga no seu longo reinado (1681-1721). Na época de
sua subida ao trono, Matamba, na região de Malanje, já era chamado de território
jinga. Há também ali um dialeto do quimbundo denominado língua jinga. Assim,
quando o capitão do navio negreiro Santo Antônio e Almas , saído da Bahia em
1682, registrou o transporte de 74 soldados e quinze cavalos até Luanda para
socorrer as tropas portuguesas engajadas na “guerra da Jinga”, havia gente no
recôncavo e alhures convencida de que se tratava da mesma Jinga combatida
pelos companheiros de armas de Paulo Pereira embarcados na mesma Bahia em
1645. Por vezes governado por rainhas, Matamba conheceu outras soberanas
denominadas Jinga, tais como a rainha Ana II Guterres da Silva, no trono entre
1742 e 1756, e a rainha Ana III Guterres (morta em 1767).
“De fins do primeiro quartel do século XVII até cerca da primeira década do
século XIX foi a nação dos ambundos quase exclusivamente governada por um
escasso número de mulheres a quem os portugueses usualmente chamavam
rainha Jinga”, resume o historiador angolano Fernando Campos. Desse modo,
houve em Angola várias “guerras da Jinga que causaram espanto e curiosidade
no Brasil e em Portugal”.
Romances históricos recentes de dois conhecidos autores angolanos, A
gloriosa família (1997), de Pepetela, e, sobretudo, A rainha Ginga, de José
Eduardo Agualusa (2015), ajudaram a recentrar a narrativa sobre a rainha Jinga
no cenário seiscentista, na vida da neta de Ngola Kasenda, morta em 1663,
biografada por Cavazzi, cujo nome oficial, inscrito nas suas estátuas
monumentais na praça Kinaxixe, em Luanda, ou no centro de Malanje, sua terra,
é Mwene Njinga Mbandi, ou seja, Chefe Njinga Mbandi.
Mas nas congadas e na memória afro-brasileira Njinga Mbandi mistura-se a
outras rainhas Jinga sempre jovens, sempre vivas. Como escreve Câmara
Cascudo, a rainha de Matamba “sem jamais saber da existência do Brasil,
continua na memória brasileira, íntegra, feroz, na autenticidade do tipo
voluntarioso, decisivo, legítimo... Jinga vive”.
Glossário

ILIJA  leis ou proibições dos imbangalas (singular kijila ).

KIJIKO  servo.

KILAMBA  soldado ambundo, sob comando de um africano, que lutava ao lado


dos portugueses.
QUILOMBO  acampamento de guerra, ou unidade militar alojada no
acampamento.
KIMBARE  soldado ambundo das forças portuguesas.

MACOTA  homem importante de Ndongo; chefe de linhagem ou nobre


hereditário.
MAKUNGE  mensageiro, representante de nível baixo.

MISETE  relicário.

MUBIKA  escravo.

MURINDA  divisão territorial menor do que uma província.

MWENE LUMB  funcionário encarregado da residência real.

NGANGA (GANGA ) sacerdote de Ndongo ou curandeiro religioso.

NGOL  rei ou governante.

PUMBEIRO  escravo africano que trabalhava como negociante para os portugueses


nas feiras de escravos.
SOBA  líder local ou senhor provincial.

TAMBO  rito fúnebre ambundo.

TENDALA  o principal funcionário administrativo de Ndongo.

XINGULA  médium da corte; ganga possuído por um espírito.


Lista de nomes

Governantes de Ndongo (período do reinado entre parênteses)

Ngola Kiluanje kia Samba (1515-1556). Fundador de Ndongo.


Ndambi a Ngola (1556-1561)
Ngola Kiluanje kia Ndambi (1561-1575)
Ngola Kilombo kia Kasenda (1575-1592)
Mbande a Ngola Kiluanje (1592-1617). Filho de Kasenda.
Ngola Mbande (1617-1624). Filho de Mbande a Ngola, irmão de Jinga.
Ngola Hari (instalado no trono pelos portugueses em 1626). Rival de Jinga.
Jinga (1582-1663; reinou em 1624-1663). Filha de Mbande a Ngola e irmã de
Ngola Mbande. Irmãs: Kambu (Bárbara) e Funji (Graça)

Governadores portugueses de Angola, com datas do mandato

Francisco de Almeida (1592-1593)


Manuel Cerveira Pereira (1603-1606)
Bento Banha Cardoso (1611-1615)
Manuel Cerveira Pereira, segundo mandato (1615-1617)
Luís Mendes de Vasconcelos (1617-1621)
João Correia de Sousa (1621-1623)
Pedro de Sousa Coelho (1623)
Bispo Simão de Mascarenhas (1623-1624)
Fernão de Sousa (1624-1630)
Manuel Pereira Coutinho (1630-1635)
Francisco de Vasconcelos da Cunha (1635-1639)
Pedro Cesar de Menezes (1639-1645)
Francisco de Sotomaior (1645-1646)
Salvador Correia de Sá (1648-1651)
Luís Martins de Sousa Chichorro (1654-1658)
João Fernandes Vieira (1658-1661)
André Vidal de Negreiros (1661-1666)
Cronologia

1515 Fundação de Ndongo por Ngola Kiluanje kia Samba


1556 Morte de Ngola Kiluanje kia Samba; Ndambi a Ngola torna-se rei
1560 Missão portuguesa chega a Luanda
1561 Morte de Ndambi a Ngola; Ngola Kiluanje kia Ndambi torna-se rei
1575 Armada portuguesa chega a Luanda sob o comando de Paulo Dias de
Novais; morte de Ngola Kiluanje kia Ndambi; Kasenda torna-se rei
1582 Nasce Jinga
1592 Morte de Kasenda; Mbande a Ngola torna-se rei
1617 Morte de Mbande a Ngola; Ngola Mbande torna-se rei
1622 Jinga chefia uma delegação diplomática a Luanda e é batizada
1624 Morte de Ngola Mbande; Jinga torna-se rainha
1626 (julho)  Os portugueses derrotam as forças de Jinga nas ilhas Kindonga;
Jinga foge
1626 (outubro)  Os portugueses instalam Ngola Hari como rei fantoche de
Ndongo
1629 Jinga é atacada pelos portugueses e foge da região de Ngangela; os
portugueses capturam as irmãs de Jinga, Kambu e Funji
1631 Jinga torna-se líder imbangala e começa a conquista de Matamba
1632-33 Kambu é libertada
1641 Forças holandesas capturam Luanda
1646 Os portugueses destroem o quilombo de Jinga na região dos Dembos;
Kambu é recapturada
1647 Jinga e os holandeses assinam acordo de aliança; os portugueses matam
Funji (Graça), acusada de espionagem
1648 (agosto)  Os portugueses retomam Luanda e os holandeses retiram-se
1648 (setembro)  Jinga ataca a província de Wandu, no Congo; Jinga instala
uma corte em Matamba e reina como governante de Ndongo-Matamba
1654 Roma aprova o envio de missionários capuchinhos a Matamba
1656 (abril)  Os portugueses libertam Kambu (Bárbara) do cativeiro
1656 (outubro)  Bárbara chega a Matamba; Jinga assina tratado de paz com os
portugueses
1661 Jinga recebe uma carta do papa Alexandre VII
1663 (17 de dezembro) Morte de Jinga
Notas

Abreviações
AHU Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa

Cavazzi, MSS Araldi  Giovanni Antonio Cavazzi da Montecuccolo,


“Missione evangelica nel Regno de Congo” (1668), volume A. Coleção
particular, Família Araldi, Modena, Itália. Citado por livro e número de
página. Para mais informações sobre essa fonte, ver
<http://www.bu.edu/afam/faculty/john-thornton/cavazzi-missione-
evangelica-2/ >
CX . Caixa

FHA Beatrix Heintze, ed., Fontes para a história de Angola do século XVII , 2 v.
(Wiesbaden: Franz Steiner, 1985-1988)
fol. fólio
JAH Journal of African History

MMA António Brásio, ed., Monumenta Missionaria Africana: África Ocidental.


15 v. Lisboa: Agência Geral do Ultramar, Divisão de Publicações e
Biblioteca, 1952-1988
MS manuscrito

par. parágrafo

Introdução
1. Ver, por exemplo, Patrick Graille, “Zingha, reine d’Angola: Histoire Africaine
(1769) de Castilhon, Premier Roman Historique Africain et Anticolonialiste
de la Littérature Occidentale”, in Inocência Mata (org.), A rainha Nzinga
Mbandi: história, memória e mito , 2. ed. Lisboa: Edições Colibri, 2014, pp. 
47-56.
[ «« ]
2. “Carta do Rei do Congo ao D. João III , 28 de janeiro de 1530”, MMA 1:540.
[ «« ]
3. “Apontamentos do padre Sebastião de Souto” (1561), MMA 11:479.
[ «« ]

4. Para uma visão geral completa da organização de Ndongo no século xvi, ver
Beatrix Heintze, “O Estado do Ndongo no Século XVI”, in Heintze, Angola
nos séculos XVI e XVII : Estudos sobre fontes, métodos e história. Luanda,
2007, pp. 169-242.
[ «« ]

5. Carta do Irmão Antônio Mendes, 29 de outubro de 1562, MMA 2:511.


[ «« ]

6. Para uma análise mais detalhada da organização administrativa de Kabasa, ver


Linda M. Heywood e John K. Thornton, Central Africans, Atlantic Creoles,
and the Foundation of the Americas, 1585-1660. Nova York: Cambridge
University Press, 2007, pp. 72-9.
[ «« ]

7. Para a questão da legitimidade e poder em Ndongo, ver John K. Thornton,


“Legitimacy and Political Power: Queen Jinga, 1624-1663”, JAH 32 (1991),
pp. 25-40.
[ «« ]
8. John K. Thornton, “The Art of War in Angola, 1575-1680”, Comparative
Studies in Society and History , 30 (1988): pp. 360-78.
[ «« ]
9. [Baltasar Barreira], “Informação acerca dos Escravos de Angola” (1582-
1583), MMA 3:227-229.
[ «« ]

10. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 3.


[ «« ]

11. Pierre du Jarric, Histoire des choses plus memorables advenues tant ez Indes
Orientales, que autres païs de la descouverte des Portugais , 3 v. Bordeaux,
1608-1614, 2:98.
[ «« ]
12. Carta do irmão Antônio Mendes ao Padre Geral, 9 de maio de 1563, MMA
2:509.
[ «« ]

13. Carta do irmão Antônio Mendes, 29 de outubro de 1562, MMA 2:489.


[ «« ]

14. Padre Francisco de Gouveia ao Padre Geral, 1o de novembro de 1564, MMA


15:231-232.
[ «« ]

15. Giovanni Antonio Cavazzi da Montecuccolo, Istorica Descrizione de’ tre’


regni Congo, Matamba et Angola. Bolonha: Giacomo Monti, 1687, livro 2,
par. 131. Todas as referências a esta obra estão citadas por livro e número do
parágrafo. Há uma tradução portuguesa: João Antônio Cavazzi de
Montecúccolo, Descrição histórica dos três reinos do Congo, Matamba e
Angola, trad. Graciano Maria [Saccardo] de Leguzzano, 2 v. Lisboa: Junta de
Investigações do Ultramar, 1965.
[ «« ]

16. Carta do Irmão Antônio Mendes ao Padre Geral, 9 de maio de 1563, MMA
2:500.
[ «« ]
17. Carta do Irmão Antônio Mendes, 29 de outubro de 1562, MMA 2:508. Ver
também Heywood e Thornton, Central Africans , pp. 80-1.
[ «« ]
18. Para a história de Hohoria e Zundi, ver Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, pp. 2-
10; Antonio da Gaeta, La Meravigliosa Conversione alla Santa Fede di
Cristo della Regina Singa . Nápoles: ed. Francesco Maria Gioia, 1669, pp. 
136-9.
[ «« ]
19. Sobre as várias linhagens descendentes das concubinas de Ngola Kiluanje
kia Samba, ver Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 10. Ver também Cavazzi,
Istorica Descrizione , livro 2, pars. 129-133; Beatrix Heintze, “Written
Sources, Oral Traditions, and Oral Sources as Written Sources: The Steep and
Thorny Way to Early Angolan History”, Paideuma 33 (1987), pp. 263-87.
[ «« ]

20. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, pp. 13-4.


[ «« ]

21. Carta do Padre Diogo da Costa ao Provincial de Portugal, 31 de maio de


1586, MMA 3:333.
[ «« ]

22. Ibid., MMA 3:336-337.


[ «« ]

23. “Informação dos Casamentos de Angola” (1582-1583), MMA 3:231.


[ «« ]

24. Ibid., MMA 3:231-232. Ver também: Antônio de Oliveira de Cadornega,


História geral das guerras angolanas , José Delgado (org.), 3 v. (1940-1942;
repr. Lisboa: Agência-Geral do Ultramar, 1972), 1:30-32.
[ «« ]

25. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 14.


[ «« ]

1. O reino de Ndongo e a invasão portuguesa


1. Para uma visão geral das fontes europeias contemporâneas que fornecem
detalhes da relação Ndongo-Portugal, ver: Linda M. Heywood e John K.
Thornton, Central Africans, Atlantic Creoles, and the Foundation of the
Americas, 1585-1660. Nova York: Cambridge University Press, 2007, pp. 79-
82.
[ «« ]
2. Giovanni Antonio Cavazzi da Montecuccolo, Istorica Descrizione de’ tre’
regni Congo, Matamba et Angola. Bolonha: Giacomo Monti, 1687, livro 2,
par. 130.
[ «« ]
3. Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 2, par. 130.
[ «« ]

4. Para uma reconstrução dessa história inicial, ver: Cavazzi, MSS Araldi, livro 2,
pp. 4-12; Antonio da Gaeta, La Meravigliosa Conversione alla Santa Fede di
Cristo della Regina Singa. Nápoles: Francesco Maria Gioia, 1669, pp. 135-
45.
[ «« ]

5. Farinha Torres, “Campanhas contra o Rei de Angola”, Mensário


Administrativo 26/27 (1949), pp. 97-9.
[ «« ]

6. Ibid., 97-101.
[ «« ]

7. Para os detalhes dessa visita, ver: Carta do irmão Antônio Mendes ao Padre
Geral, 9 de maio de 1563, MMA 2:498-500.
[ «« ]

8. Carta do irmão Antônio Mendes ao Padre Geral, 9 de maio de 1563, MMA


2:509, 511.
[ «« ]

9. Andrew Battel observa que pavões domesticados eram considerados sagrados


e mantidos no túmulo do governante provincial Shillambansa, tio do rei de
Ndongo (The Strange Adventures of Andrew Battell in Angola , ed. E. G.
Ravenstein. Londres: Hakluyt Society, 1901, pp. 26-7).
[ «« ]
10. Para uma descrição desse traje, ver: Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 3.
[ «« ]
11. Carta do irmão Antônio Mendes ao Padre Geral, 9 de maio de 1563, MMA
2:509. Ver também: Heywood e Thornton, Central Africans , p. 81; David
Birmingham, Trade and Conflict in Angola: The Mbundu and Their
Neighbors under the Influence of the Portuguese, 1483-1790. Oxford:
Clarendon Press, 1966, pp. 33-8.
[ «« ]

12. Manuel Ruela Pombo, Angola-Menina, 1560-1565 . Lisboa, 1944, p. 18.


[ «« ]

13. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 6; Carta do irmão Antônio Mendes ao Padre
Geral, 9 de maio de 1563, MMA 2:508-509; Garcia Simões ao Provincial de
Portugal, 20 de outubro de 1575, MMA 3:134.
[ «« ]

14. Carta do irmão Antônio Mendes ao Padre Geral, 9 de maio de 1563, MMA
2:499-503.
[ «« ]
15. Esses eventos estão detalhados na carta do irmão Antônio Mendes ao Padre
Geral, 9 de maio de 1563, MMA 2:499-503.
[ «« ]
16. Antônio Mendes escreveu que Ngola Kiluanje recebera um recado do rei do
Congo, alertando-o de que os portugueses estavam interessados somente em
determinar se Ndongo tinha prata e ouro, para que Portugal pudesse “tomar a
terra”. Ver: ibid., 2:502.
[ «« ]
17. Ruela Pombo, Angola-Menina , 28. Essa hipótese vem de um documento
escrito pelo capitão Garcia Mendes Castelo Branco, que acompanhou Dias de
Novais em sua viagem de 1575 e foi soldado em Angola por meio século.
Ver: “Relação do que faz o Capitão Garcia Mendez das cousas tocantes ao
Reyno de Angola”, MMA 6:453-467 (datada de 1620 pelo editor de MMA ).
[ «« ]
18. Cartas de Francisco de Gouveia ao padre Diogo Mirão, 1o de novembro de
1564, MMA 2:528; 15:231-232.
[ «« ]
19. Cavazzi, Istorica Descrizione, livro 2, par. 131.
[ «« ]

20. Carta do irmão Antônio Mendes ao Padre Geral, 9 de maio de 1563, MMA
2:508-509; Carta de Francisco de Gouveia ao Padre Geral, 1o de novembro
de 1564, MMA 15:230.
[ «« ]

21. Carta do padre Garcia Simões ao Provincial, 20 de outubro de 1575, MMA


3:135. Tradições que coletei entre 2008 e 2011 na província moderna de
Malange, onde se localizavam o Estado e a capital de Jinga, e onde vive o
povo chamado de Jingas, atribuem muitos milagres a Ngola Kiluanje kia
Ndambi.
[ «« ]

22. Para uma discussão dessa questão, ver: Heywood e Thornton, Central
Africans , p. 85.
[ «« ]

23. Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 2, par. 132.


[ «« ]

24. Carta do padre Baltasar Barreira, 14 de maio de 1586, MMA 3:321.


[ «« ]

25. Carta de Diogo da Costa ao Provincial de Portugal, 31 de maio de 1586, MMA


3:337.
[ «« ]
26. Ruela Pombo, Angola-Menina , p. 29. Ver também: Capitão Durão Paias,
“Efemérides angolanas em mais de quatro séculos”, in Mensário
Administrativo 26/27 (1949): 16.
[ «« ]
27. Carta de Garcia Simões ao Padre Provincial, 20 de outubro de 1575, MMA
3:131.
[ «« ]
28. Torres, “Campanhas contra o Rei de Angola”, 98-101.
[ «« ]

29. Ruela Pombo, Angola-Menina , 29.


[ «« ]

30. Rodrigues, Pero. “História da Residência dos Padres da Companhia de Jesus


em Angola”, 1o de maio de 1594, MMA 4:572. Uma légua espanhola media
aproximadamente quatro quilômetros. “Memórias de Jerônimo Castanho a
El-Rei”, 5 de setembro de 1599, MMA 4:606-607; Carta de doação de Paulo
Dias de Novais aos padres da Companhia, 26 de agosto de 1581, MMA 15:265-
267, 279. Consta que eram mil escravos.
[ «« ]

31. Carta de Dias de Novais ao Rei, 13 de março de 1582, MMA 4:335.


[ «« ]

32. Carta do padre Baltasar Afonso, 31 de agosto de 1582, MMA 3:219.


[ «« ]

33. Carta do padre Baltasar Afonso, 3 de janeiro de 1583, MMA 3:233; Carta do
padre Baltasar Afonso, 3 de outubro de 1583, MMA 3:248.
[ «« ]
34. Carta de Diogo da Costa, 20 de julho de 1585, MMA 3:320.
[ «« ]

35. Carta do padre Baltasar Afonso ao Provincial do Brasil, 27 de agosto de


1585, MMA 3:323-325.
[ «« ]
36. Carta do padre Diogo da Costa ao Provincial de Portugal, 31 de maio de
1586, MMA 3:336.
[ «« ]
37. Carta do padre Baltasar Afonso ao padre Miguel de Sousa, 4 de julho de
1581, MMA 3:202.
[ «« ]
38. Carta do padre Baltasar Afonso, 3 de outubro de 1583, MMA 3:248.
[ «« ]

39. Ibid. Sobre os diversos relatórios das campanhas, ver: Carta de Pero
Rodrigues, 20 de novembro de 1583, MMA 4:567-568; Carta do padre Baltasar
Afonso, 3 de outubro de 1583, MMA 3:248.
[ «« ]

40. Carta do padre Baltasar Afonso, 3 de outubro de 1583, MMA 3:248.


[ «« ]

41. “Memórias de Jerônimo Castanho a El-Rei”, 5 de setembro de 1599, MMA


4:606-607.
[ «« ]

42. Consta que o exército que Sebastião Manibama, cunhado do rei Álvaro do
Congo, mandou em 1579-80 tinha quase sessenta mil homens. Ver: Pigafetta,
Felippo. Relazione dei Reame di Congo e circonvincine contrade . Roma,
1591, p. 27.
[ «« ]

43. Du Jarric, Pierre. Histoire des choses plus memorables advenues tant ez
Indes Orientales, que autres païs de la descouverte des Portugais , 3 v.
Bordeaux, 1608-1614, 2:87; Carta do padre Baltasar Barreira ao Padre Geral,
3 de janeiro de 1582, MMA 15:269.
[ «« ]
44. Carta de Paulo de Novais ao Rei, 3 de maio de 1582, MMA 4:342.
[ «« ]

45. Rodrigues, “História da Residência”, MMA 4:587.


[ «« ]

46. Carta do padre Baltasar Barreira ao padre Sebastião Morais, 31 de janeiro de


1582, MMA 3:208.
[ «« ]
47. Carta de Diogo da Costa, 4 de junho de 1585, MMA 3:316; Pero Rodrigues,
MMA 4:574.
[ «« ]

48. Carta Anual da Missão de Angola, 15 de março de 1890, MMA 3:482-483.


[ «« ]

49. Du Jarric, Histoire , 2:102.


[ «« ]

50. Seção de uma carta de Fernão Martins, 1591, MMA 3:433-434; “Desbarato
dos Reis da Etiópia e Descobrimento da Ilha de Luanda”, 1591, MMA 4:534-
540; “Memória intitulada O Livro Primeiro da Monarquia Angolana ... e os
fatos ocorridos dos anos de 1580 até 1590 ”, Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, Rio de Janeiro, África/Angola Col., DL41, doc. 13, fol. 8.
[ «« ]

51. Seção de uma carta sobre Angola e Congo, 1591, MMA 3:431-432.
[ «« ]

52. Silva Corrêa, Elias Alexandre da. História de Angola , Manuel Múrias (org.),
2 v. [1792]. Lisboa: Editorial Ática, 1937, 1:211.
[ «« ]
53. Carta do padre Baltasar Afonso ao padre Miguel de Sousa, 4 de julho de
1581, MMA 3:200.
[ «« ]

54. Du Jarric, Histoire , 2:89.


[ «« ]

55. Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 2, par. 132.


[ «« ]
56. Carta do irmão Antônio Mendes ao Padre Geral, 9 de maio de 1563, MMA
2:509.
[ «« ]
57. Memórias de Jerônimo Castanho ao Rei, 5 de setembro de 1599, MMA 4:606-
607; Carta de doação de Paulo Dias de Novais aos padres da Companhia, 26
de agosto de 1581, MMA 15:265-267, 279.
[ «« ]
58. Carta de Sesmaria de Paulo Dias de Novais, 2 de abril de 1587, MMA 4:461-
464.
[ «« ]

59. Rodrigues, “História da Residência”, MMA 4:554.


[ «« ]

60. Rodrigues, “História da Residência”, MMA 4:578.


[ «« ]

61. Carta de Garcia Simões ao Provincial, 20 de outubro de 1575, MMA 3:138-


141.
[ «« ]

62. Carta do padre Baltasar Barreira ao Padre Geral, 3 de janeiro de 1582, MMA
15:270-272.
[ «« ]
63. Rodrigues, “História da Residência”, MMA 4:578-581.
[ «« ]
64. Carta do padre Diogo da Costa ao Provincial de Portugal, 31 de maio de
1586, MMA 3:332-333.
[ «« ]

65. Carta do padre Baltasar Afonso ao padre Miguel de Sousa, 4 de julho de


1581, MMA 3:202-203, 206.
[ «« ]
66. Carta do padre Baltasar Barreira ao Padre Geral, 3 de janeiro de 1582, MMA
15:276.
[ «« ]
67. Du Jarric, Histoire , 2:90.
[ «« ]

68. Ibid. Em 1622, Jinga desafiaria esse costume quando foi a Luanda para
negociar a paz em nome de seu irmão.
[ «« ]

69. Carta de Paulo Dias de Novais ao Rei, 3 de julho de 1582, MMA 4:342.
[ «« ]

70. Carta do padre Baltasar Barreira ao Provincial, 20 de novembro de 1583,


MMA 3:258-259.
[ «« ]

71. Carta do padre Baltasar Barreira ao Padre Geral, 3 de janeiro de 1582, MMA
15:270-274.
[ «« ]

72. Carta do padre Baltasar Afonso ao padre Miguel de Sousa, 4 de julho de


1581, MMA 3:204-205.
[ «« ]

73. Carta de Diogo da Costa, 31 de maio de 1586, MMA 3:339.


[ «« ]

74. Du Jarric, Histoire , 2:91-92, 99.


[ «« ]

75. Carta do padre Diogo da Costa, 20 de julho de 1585, MMA 3:319-320.


[ «« ]

76. Carta do padre Diogo da Costa ao Provincial de Portugal, 31 de maio de


1586, MMA 3:339.
[ «« ]
77. Carta do padre Baltasar Barreira ao Padre Geral, 3 de janeiro de 1582, MMA
15:274.
[ «« ]
78. Carta do padre Baltasar Barreira ao Geral da Companhia; ver também Du
Jarric, Histoire , 2:89.
[ «« ]

79. Du Jarric, Histoire, 2:89.


[ «« ]

80. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, pp. 9-10, 15, 18; “Estado Religioso e Politico de
Angola” (1588), MMA 3:376.
[ «« ]
81. Carta do padre Baltasar Barreira, 14 de maio de 1586, MMA 3:329-331.
Descrições do aparecimento de seres fantasmagóricos durante batalhas
importantes ocorrem com frequência em textos religiosos e militares
portugueses da época. Ver, por exemplo: Thornton, John. The Kongolese
Saint Anthony: Donna Beatriz Kimpa Vita and the Antonian Movement,
1684-1706 . Cambridge: Cambridge University Press, 1998, pp. 32-5.
[ «« ]

82. Carta do padre Diogo da Costa ao Provincial, 31 de maio de 1586, MMA


3:332-333.
[ «« ]

83. Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 2, par. 132.


[ «« ]
84. Pero Rodrigues (1580), MMA 4:66. Ver também: Heywood e Thornton,
Central Africans , pp. 86-7.
[ «« ]

85. Carta do padre Baltasar Afonso ao padre Miguel de Sousa, 4 de julho de


1581, MMA 3:202-203.
[ «« ]
86. “Estado Religioso e Politico de Angola” (1588), MMA 3:376. Kafuxi ka Mbari
vivia na região de Kissama, que mais tarde se tornou um centro que atraía
escravos e homens livres fugitivos. Ver: Heintze, Beatrix. “Historical Notes
on the Kisama of Angola”, JAH 13 (1972), 407-418.
[ «« ]
87. “Estado Religioso e Politico de Angola” (1588), MMA 3:376.
[ «« ]
88. Carta do irmão Antônio Mendes ao Padre Geral, 9 de maio de 1563, MMA
2:509.
[ «« ]

89. Carta do padre Diogo da Costa ao Provincial de Portugal, 31 de maio de


1586, MMA 3:333.
[ «« ]

90. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, pp. 7-8.


[ «« ]

91. Gaeta, La Meravigliosa Conversione , pp. 171-2.


[ «« ]

2. Crise e a ascensão de Jinga


1. Rodrigues, Pero. “História da Residência dos Padres da Companhia de Jesus
em Angola, e Cousas Tocantes ao Reino e Conquista”, 1o de maio de 1594,
MMA 4:569-571.
[ «« ]

2. Garcia Mendes Castello Branco. “Relação”, MMA 6:465; Battel, Andrew. The
Strange Adventures of Andrew Battell, in Angola and the Adjoining Regions ,
E. G. Ravenstein (org.). Londres: Hakluyt Society, 1901, p. 27.
[ «« ]
3. Du Jarric, Pierre. Histoire des choses plus memorables advenues tant ez lndes
Orientales, que autres païs de la descouverte des Portugais , 3 v. Bordeaux,
1608-1614, 2:103.
[ «« ]
4. Ver: Birmingham, David. Trade and Conflict in Angola: The Mbundu and
Their Neighbors under the Influence of the Portuguese, 1483-1790. Oxford:
Clarendon Press, 1966, pp. 57-63.
[ «« ]

5. “Missão dos Jesuítas em Angola” (1602-1603), MMA 5:53-55, 82-83;


Cadornega, Antônio de Oliveira de. História geral das guerras angolanas,
José Delgado (org.), 3 v., 1940-42 (repr. Lisboa: Agência-Geral do Ultramar,
1972), 1:217-8.
[ «« ]

6. “Missão dos Jesuítas em Angola” (1602-1603), MMA 5:51.


[ «« ]

7. Ibid., MMA 5:54. Ver também: Heywood, Linda M.; Thornton, John K. Central
Africans, Atlantic Creoles, and the Foundation of the Americas, 1585-1660.
Nova York: Cambridge University Press, 2007, pp. 91-2.
[ «« ]

8. Battel, Strange Adventures , p.  26.


[ «« ]

9. Para a mais recente discussão dos imbangalas, ver: Heywood e Thornton,


Central Africans , pp. 93-5.
[ «« ]

10. Silva Corrêa, Elias Alexandre da. História de Angola , Manuel Múrias (org.),
2 v. ([1792] Lisboa: Editorial Ática, 1937), 1:219.
[ «« ]

11. André Velho da Fonseca ao Rei, 28 de fevereiro de 1612, MMA 6:64-70.


[ «« ]
12. Carta de Bento Banha Cardoso, 28 de junho de 1614, MMA 6:178.
[ «« ]
13. Devassa de Bento Banha Cardoso, 21 de agosto de 1615, AHU , Cx. 1, doc.
40.
[ «« ]
14. Sobre o tráfico de escravos dos portugueses nesse período, ver: Birmingham,
Trade and Conflict in Angola ; Heywood e Thornton, Central Africans.
[ «« ]

15. Du Jarric, Histoire , 2:79-80; [Barreira], Informação sobre os escravos de


Angola (1582-1583), MMA 3:228. Heywood e Thornton, Central Africans ,
pp. 77-9, afirmaram que os mubikas podiam ser vendidos, mas os kijikos não.
Porém, Baltasar Barreira (em “Informação sobre os escravos de Angola”, pp. 
228-9) declara que tanto mubikas quanto kijikos eram vendidos e trocados.
Giovanni Antonio Cavazzi da Montecuccolo, Istorica Descrizione de’ tre’
regni Congo, Matamba et Angola (Bolonha: Giacomo Monti, 1687), livro 1,
par. 330, relembrando a situação que existia nas décadas de 1650 e 1660,
observou que os kijikos não costumavam ser vendidos.
[ «« ]

16. Carta do padre Francisco de Gouveia ao Colégio das Artes, 19 de maio de


1565, MMA 2:530.
[ «« ]

17. [Barreira], Informação sobre os escravos de Angola (1582-1583), MMA 3:230.


[ «« ]

18. Ibid., MMA 3:228.


[ «« ]

19. Gaeta, Antonio da. La Meravigliosa Conversione alla Santa Fede di Cristo
della Regina Singa , ed. Francesco Maria Gioia (Nápoles, 1669), 169.
[ «« ]

20. “Memórias de Jerônimo Castanho a El-Rei”, 5 de setembro de 1599, MMA


4:606-607. Ver também: Heywood e Thornton, Central Africans.
[ «« ]
21. Carta de um padre ao Provincial de Portugal, 15 de dezembro de 1587, MMA
3:354.
[ «« ]
22. Graziano Saccardo, Congo e Angola: Con la storia dell’antica missione dei
cappuccini, 3 vols. (Veneza, 1982-1983), 1:102-103.
[ «« ]

23. Heywood e Thornton, Central Africans , p. 95.


[ «« ]

24. Ibid., p. 113.


[ «« ]
25. “Memórias de Pedro Sardinha ao Conselho de Estado” (1612), MMA 5:103-
106.
[ «« ]
26. André Velho da Fonseca, 4 de março de 1612, “Devassa que tem direito
sobre as Causas”, AHU , Cx. 1, doc. 18.
[ «« ]
27. “Processo de Justificação dos Actos de Bento Banha Cardoso”, em Alfredo
de Albuquerque Felner, Angola: Apontamentos sobre a Ocupação e Início do
Estabelecimento dos Portugueses no Congo, Angola e Benguela. Coimbra:
Imprensa da Universidade, 1933, pp. 437-9.
[ «« ]

28. Consulta, 31 de outubro de 1616, AHU , Cx. 1, doc. 58.


[ «« ]

29. Guerreiro, Relação (1602-1603), MMA 5:57.


[ «« ]
30. Guerreiro, “Das Coisas da Missão de Angola” (1606-1607), MMA 5:238-240.
[ «« ]
31. Para uma análise mais completa desses eventos, ver: Heywood e Thornton,
Central Africans , pp. 102-5. Ver também: Thornton, John K. “Religious and
Ceremonial Life in the Kongo and Mbundu Areas, 1500-1700”, in Heywood,
Linda (org.). Central Africans and Cultural Transformations in the American
Diaspora. Cambridge: Cambridge University Press, 2002), pp. 71-90.
[ «« ]
32. Du Jarric, Histoire , 2:103.
[ «« ]

33. Missão dos Jesuítas em Angola (1602-1603), MMA 5:55-56; “Relacion del
Governador d’Angola sobre el Estado en que tem Aquella Conquista ...”, 28
de maio de 1603, MMA 5:60-62.
[ «« ]

34. Saccardo, Congo e Angola , 1:168.


[ «« ]

35. Regimento do Governador de Angola, 26 de março de 1607, MMA 5:269.


[ «« ]

36. Regimento do Governador de Angola, 22 de setembro de 1611, MMA 6:26.


[ «« ]

37. Carta de André Velho da Fonseca ao Rei, 28 de fevereiro de 1612, MMA 6:65.
[ «« ]
38. Ibid., MMA 6:66; André Velho da Fonseca, 4 de março de 1612, “Devassa que
tem direito sobre as Causas”, AHU , Cx. 1, doc. 18.
[ «« ]
39. Regimento do Governador de Angola, 3 de setembro de 1616, MMA 6:258-
259.
[ «« ]

40. Ibid.
[ «« ]
41. “Catálogo dos Governadores do Reino de Angola” (1784), in Colecção de
Noticias para a Historia e Geografia das Nações Ultramarinas, v. 3, par. 1
(Lisboa, Academia Real das Sciencias, 1825), 361-362; João Carlos Feo
Cardoso de Castello Branco e Torres, Memórias Contendo a Biographia do
Vice Almirante Luiz da Motta Feo e Torres. Paris: Fantin, 1825, pp. 151-2.
[ «« ]
42. Ibid.
[ «« ]

43. Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 2, par. 134 [258].


[ «« ]

44. Ibid., livro 2, par. 23.


[ «« ]

45. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 23.


[ «« ]
46. Feo Cardoso, Memórias , p. 155.
[ «« ]

47. Gaeta, La Meravigliosa Conversione .


[ «« ]

48. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 23.


[ «« ]
49. Saccardo, Congo e Angola , 1:169; Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 15.
[ «« ]
50. Sobre a vida e as viagens de Cavazzi, ver a introdução de Francisco Leite de
Faria à tradução portuguesa de seu livro, Descrição histórica dos três reinos
do Congo, Matamba e Angola , trad. Graciano Maria [Saccardo] de
Leguzzano, 2 v. Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1965.
[ «« ]

51. Feo Cardoso, Memórias , p. 156.


[ «« ]
52. Carta de Luís Mendes de Vasconcelos ao Conde de Faro, 9 de setembro de
1617, MMA 6:286.
[ «« ]
53. Ibid.
[ «« ]

54. Cadornega, História geral , 1:86; ver também: Heywood e Thornton, Central
Africans , pp. 117-8.
[ «« ]

55. Cadornega, História geral , 1:86.


[ «« ]
56. “Informação de Manuel Vogado Sotomaior a Sua Majestade El-Rei” (c .
1620), MMA 15:476. Ver também os relatos do bispo Manuel Baptista Soares,
“Relata a el-Rei os excessos que presenciara no Governo de Angola”, 7 de
setembro de 1619, MMA 6:378-381; Manuel Severim da Faria, “História
portugueza e de outras provincias do occidente desde o anno de 1610 até o de
1640”, em Cadornega, História geral , 1:88n1; e Fernão de Sousa,
“Lembrança do estado em que achei a El Rey de Angola”, c . outubro de
1624, FHA 1:195.
[ «« ]

57. “Informação de Manuel Vogado Sotomaior a Sua Majestade El-Rei”, MMA


15:476.
[ «« ]
58. Saccardo, Congo e Angola , 1:170.
[ «« ]
59. Carta de Baltasar Rebelo de Aragão (1618), MMA 6:334. Situados na atual
província de Kwanza Norte.
[ «« ]

60. Saccardo, Congo e Angola , 1:171.


[ «« ]
61. Soares, “Relata a el-Rei”, MMA 6:380; Cadornega, História geral , 1:94-95.
[ «« ]
62. Feo Cardoso, Memórias , p. 157.
[ «« ]

63. Cadornega, História geral , 1:91-92.


[ «« ]

64. Ibid., 1:94-95; ver também: Heintze, Beatrix. Angola nos séculos XVI e XVII :
Estudos sobre fontes, métodos e história. Luanda, 2007, p. 286.
[ «« ]

65. “História Política de Angola (1622-1623)”, MMA 7:78; Cavazzi, MSS Araldi,
livro 2, p. 23; Cavazzi, Istorica Descrizione, livro 5, par. 106; Cadornega,
História geral , 1:88-89n1, 90; Feo Cardoso, Memórias , p. 157; Saccardo,
Congo e Angola , 1:171.
[ «« ]

66. Cadornega, História geral, 1:135.


[ «« ]
67. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 23.
[ «« ]

68. “Informação de Manuel Vogado Sotomaior a Sua Majestade El Rei” (c.


1620), MMA 15:479.
[ «« ]
69. Feo Cardoso, Memórias , p. 157.
[ «« ]

70. Parece improvável que Ngola Mbande tenha concordado em fazer um


pagamento anual dessa magnitude à Coroa portuguesa e aceitado a suserania
portuguesa, como alegaram alguns documentos posteriores. Sobre essa
recusa, ver: Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 25; Feo Cardoso, Memórias , p. 
159.
[ «« ]
71. Felner, Angola , p. 209.
[ «« ]
72. Cadornega, História geral, 1:155n.
[ «« ]

73. “Informação de Manuel Vogado Sotomaior a Sua Majestade El Rei” (c .


1620), MMA 15:476. Ver também: Saccardo, Congo e Angola , 1:171.
[ «« ]

74. Gaeta, La Meravigliosa Conversione , p. 148; Bento Banha Cardoso ao Rei,


2 de fevereiro de 1626, MMA 7:414.
[ «« ]
75. Ver: Birmingham, David. “Carnival at Luanda”, JAH 29 (1988), p. 96. Para a
descrição original, ver: “Relação das Festas que a Residencia de Angolla fez
na Beatificação do Beato Padre Francisco de Xavier da Companhia de Jesus”,
in Felner, Angola , pp. 531-41.
[ «« ]

76. Sottomaior, “Papel sobre as cousas de Angola” (c . 1620), MMA 15:476; ver
também: Heywood e Thornton, Central Africans , pp.  159-60.
[ «« ]

77. “Catálogo dos Governadores”, 364; Feo Cardoso, Memórias , p. 158;


Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, pp. 24-5.
[ «« ]

78. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 24.


[ «« ]

79. Ibid.; Cavazzi, Descrição histórica , v. 2, livro 5, par. 106.


[ «« ]

80. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 25; “Catálogo dos Governadores”, p. 364.
[ «« ]
81. “Catálogo dos Governadores”, pp. 364-5; Feo Cardoso, Memórias , p. 158;
Cavazzi, Araldi MSS , livro 2, p. 25; “Relação do Padre Mateus Cardoso”
(1623), MMA 7:177.
[ «« ]
82. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 25; Feo Cardoso, Memórias , p. 159.
[ «« ]

83. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 24; Feo Cardoso, Memórias , p. 159.
[ «« ]

84. A igreja era chamada Igreja Matriz.


[ «« ]

85. Cadornega, História geral , 1:156n.


[ «« ]
86. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, pp. 28-9.
[ «« ]

87. “História Política de Angola” (1622-1623), MMA 7:79.


[ «« ]

88. “Carta do Colector Apostólico ao Cardeal Barbnerini”, 30 de dezembro de


1623, MMA 7:172-173; Cavazzi, Descrição histórica , v. 5, livro 5, par. 106.
[ «« ]

89. O próprio Correia de Sousa descreveu essa campanha num relatório que
mandou para Lisboa: “Carta de Correia de Sousa ao Marques de Frecilha”, 3
de junho de 1622, MMA 7:17-24. Ver também: Heywood e Thornton, Central
Africans , pp. 136-7; Saccardo, Congo e Angola , 1:176.
[ «« ]
90. Heintze, Angola nos séculos XVI e XVII , p. 308.
[ «« ]
91. Ibid., p. 310.
[ «« ]
92. Silva Corrêa, História de Angola , 1:219.
[ «« ]

93. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 32.


[ «« ]

94. Ibid.; Cadornega, História geral , 1:161.


[ «« ]

3. Uma rainha combativa


1. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 20; Cavazzi da Montecuccolo, Giovanni
Antonio. Istorica Descrizione de’ tre’ regni Congo, Matamba et Angola.
Bolonha: Giacomo Monti, 1687, livro 5, par. 106; Gaeta, Antonio da, La
Meravigliosa Conversione alla Santa Fede di Cristo della Regina Singa ,
Francesco Maria Gioia (org.). Nápoles, 1669, p. 146.
[ «« ]

2. Cavazzi, Istorica Descrizione, livro 5, par. 106.


[ «« ]

3. Ibid.
[ «« ]
4. Entrevista. Rei Jinga , Corte Real, Marimba, Angola, 22 de julho de 2011.
Após os anos 1670, os portugueses passaram a chamar o governante de
Ndongo-Matamba de Rei Jinga. No século XIX , a palavra “jinga” passou a
ser associada ao povo que vivia na região de Matamba (hoje província de
Malange), onde se localizava Marimba, a última capital de Jinga. O título
ainda está em uso nos dias de hoje. Em 2011, visitei Marimba para localizar o
túmulo de Jinga e entrevistei o rei Jinga, que se chamava rei Cabombo.
[ «« ]

5. Cavazzi, MSS Araldi, livro 1, p. 21.


[ «« ]
6. Gaeta, La Meravigliosa Conversione.
[ «« ]
7. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, pp. 94-5.
[ «« ]
8. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, pp. 82-5.
[ «« ]

9. Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 1, par. 314.


[ «« ]

10. Cadornega, Antônio de Oliveira de. História geral das guerras angolanas ,
José Delgado (org.), 3 v. (1940-1942; repr. Lisboa: Agência-Geral do
Ultramar, 1972), 1:58. Embora o editor da História geral e historiadores
como Beatrix Heintze tenham desconsiderado todas as referências de
Cadornega a Jinga antes de ela se tornar rainha, argumentando que ele
confundiu as datas relativas a Jinga, discordo dessa conclusão. Sustento que,
embora Cadornega tenha de fato confundido datas, em todo o texto ele se
refere a Jinga como rainha Jinga porque essa era sua posição quando ele
chegou a Angola, em 1639. Acredito que Cadornega estava certo quando
disse que Jinga participou das guerras anteriores a 1624, pois consultou notas
de campo agora perdidas que descrevem a situação no terreno que
comandantes e governadores deixaram no forte de Massangano. Parece
provável que suas muitas referências a Jinga mobilizando a população para
lutar contra os portugueses nos anos anteriores à sua ascensão ao trono
baseavam-se em descrições das batalhas feitas por esses relatos, e Cadornega
não teria inserido Jinga na ação sem fundamentação. Veja-se, por exemplo, a
referência de Cadornega às campanhas de João Mendes de Vasconcelos, na
qual observa ter consultado “alguns documentos de serviço dos antigos
conquistadores” que acompanhavam Mendes de Vasconcelos e falaram de
fato com alguns dos participantes: Cadornega, História geral , 1:95.
[ «« ]
11. Cadornega, História geral , 1:59.
[ «« ]
12. Ibid., 1:61.
[ «« ]
13. Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 5, par. 106.
[ «« ]
14. Cadornega, História geral , 1:94.
[ «« ]

15. Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 5, par. 106.


[ «« ]

16. Cadornega, História geral , 1:53-54.


[ «« ]
17. Ibid. Cadornega diz que a carta do governador continha “palavras
imperiosas”, destinadas a indicar que ele era superior e Ngola Mbande,
inferior a ele. Cadornega teve acesso a documentos gerados na época,
inclusive às cartas do governador para Ngola Mbande. Muitos desses
documentos não existem mais.
[ «« ]

18. Pelo menos, os portugueses acreditavam nisso; ver: Cadornega, História


geral , 1:53-54.
[ «« ]

19. Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 5, par. 106.


[ «« ]

20. Gaeta, La Meravigliosa Conversione , p. 174.


[ «« ]

21. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, pp. 24-5; Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 5,
par. 106.
[ «« ]
22. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 25; Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 5,
par. 106.
[ «« ]

23. Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 5, par. 106.


[ «« ]
24. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 25; Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 5,
par. 106.
[ «« ]
25. “História das relações entre a Angola portuguesa e o Ndongo 1617-
Septembro de 1625”, FHA 1:199.
[ «« ]
26. Cadornega, História geral , 1:126.
[ «« ]

27. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 33; “Carta de Fernão de Sousa ao Governo”,
15 de agosto de 1624, FHA 2:85.
[ «« ]

28. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 33.


[ «« ]

29. Para uma descrição de como Jinga lidou com as contestações à sua
elegibilidade ao trono de Ndongo, ver: Thornton, John K. “Legitimacy and
Political Power: Queen Jinga, 1624-1663”, JAH 32 (1991), pp. 25-40; ver
também: Miller, Joseph C. “Nzinga of Matamba in a New Perspective”, JAH
16 (1975), pp. 201-16; Parreira, Adriano. Economia e sociedade em Angola
na época da Rainha Jinga, século XVII . Lisboa: Editorial Estampa, 1990, pp. 
177-83.
[ «« ]

30. Cadornega, História geral , 1:142.


[ «« ]
31. Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 5, par. 107; “História das relações entre
a Angola portuguesa e o Ndongo 1617-Septembro de 1625”, FHA 1:199.
[ «« ]
32. Carta de Fernão de Sousa ao Governo, 15 de agosto de 1624, FHA 2:85-86.
[ «« ]
33. Ibid.
[ «« ]

34. Ibid.
[ «« ]

35. “O Extenso Relatório do Governador a Seus Filhos” (s.d., 1625-1630), FHA


1:223.
[ «« ]

36. Carta de Fernão de Sousa sobre os tributos de vassalagem dos sobas, 8 de


julho de 1626, FHA 1:363.
[ «« ]

37. Ibid., 1:363-364.


[ «« ]

38. Ibid., 1:364.


[ «« ]

39. Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:227.


[ «« ]

40. Carta de Fernão de Sousa ao Governo, 19 de março de 1625, FHA 2:129;


Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:227.
[ «« ]

41. Carta de Fernão de Sousa a El-Rei, 22 de agosto de 1625, MMA 7:366.


[ «« ]

42. Carta de Fernão de Sousa ao Governo, 2 de agosto de 1627, FHA 2:183.


[ «« ]

43. Carta de Fernão de Sousa sobre os tributos de vassalagem dos sobas, 8 de


julho de 1626, FHA 1:364.
[ «« ]
44. Carta de Fernão de Sousa a El-Rei, 22 de agosto de 1625, MMA 7:365-368.
[ «« ]
45. Cadornega, História geral , 1:141-142.
[ «« ]
46. Ibid., 1:116-117, 146.
[ «« ]

47. Carta de Fernão de Sousa ao Governo (s.d., 9 de julho de 1626), FHA 2:166-
167.
[ «« ]

48. Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:229-230.


[ «« ]

49. “A ilegitimidade do novo rei do Ndongo, Angola Aire” (s.d., entre 20 de


julho e 14 de setembro de 1629), FHA 1:209. Para o passado da linhagem de
Hari, ver: Cadornega, História geral , 1:141-142.
[ «« ]
50. Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:229-230.
[ «« ]

51. Ibid., 1:240.


[ «« ]

52. Carta de Fernão de Sousa a El-Rei, 21 de fevereiro de 1626, MMA 7:417-420;


ver: Heintze, Beatriz. Angola nos séculos XVI e XVII : Estudos sobre fontes,
métodos e história. Luanda, 2007, pp. 321-9, para a mais recente
reconstrução da sequência desses eventos.
[ «« ]

53. Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:241.


[ «« ]
54. Carta de Fernão de Sousa a EI-Rei, 21 de fevereiro de 1626, MMA 7:417. Essa
questão provocou uma extensa discussão na literatura secundária. Ver, por
exemplo: Thornton, “Legitimacy and Political Power”; Miller, “Nzinga of
Matamba in a new Perspective”.
[ «« ]
55. Carta de Fernão de Sousa a El-Rei, 7 de março de 1626, MMA 7:426.
[ «« ]
56. Heintze, Angola nos séculos XVI e XVII , p. 328.
[ «« ]

57. Ibid., p. 331.


[ «« ]

58. Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:242-3.


[ «« ]
59. Ibid.; Heintze, Angola nos séculos XVI e XVII , pp. 340-1.
[ «« ]

60. Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:242-3.


[ «« ]

61. Ibid.
[ «« ]

62. Ibid.
[ «« ]

63. Rainha Jinga para Bento Banha Cardoso, 3 de março de 1626 [datada errada
de 1625], tal como citada em Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:244-
5. Portugal estava sob a Coroa espanhola.
[ «« ]

64. Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:245.


[ «« ]

65. Ibid., 1:245.


[ «« ]

66. Ibid., 1:261.


[ «« ]
67. Para mais detalhes, ver: Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 26; João Carlos Feo
Cardoso de Castello Branco e Torres. Memórias Contendo a Biographia do
Vice Almirante Luiz da Motta Feo e Torres. Paris: Fantin, 1825, p. 160.
[ «« ]
68. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 100.
[ «« ]

69. Ibid., livro 2, p. 27.


[ «« ]

70. Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 5, par. 106.


[ «« ]

71. Ibid.
[ «« ]

72. Ibid., par. 108.


[ «« ]

73. Carta de Fernão de Sousa a El-Rei, 15 de agosto de 1624, MMA 7:249.


[ «« ]

74. Carta do padre Péro de Novais aos Governadores de Portugal, 11 de junho de


1624, MMA 7:240-242. Ver também: MMA 7:491.
[ «« ]

75. Carta do Governador de Angola a El-Rei, 16 de janeiro de 1628, MMA 7:530-


531; Saccardo, Graziano. Congo e Angola: Con la storia dell’antica missione
dei cappuccini , 3 v. Veneza, 1982-1983, 1:170-1.
[ «« ]
76. Carta de Fernão de Sousa ao Governo, 10 de dezembro de 1624, FHA 2:117.
[ «« ]
77. Cadornega, História geral , 1:137-8; Heintze, Angola nos séculos XVI e XVII ,
p. 34l.
[ «« ]

78. Carta de Fernão de Sousa a El-Rei, 22 de agosto de 1625, MMA 7:361-5.


[ «« ]

79. “Notícias da África Ocidental (1624-1625)”, MMA 7:300.


[ «« ]

80. Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:242; Carta de Fernão de Sousa a
El-Rei, 21 de fevereiro de 1626, MMA 7:419.
[ «« ]

81. Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:242; Carta de Fernão de Sousa a
El-Rei, 21 de fevereiro de 1626, MMA 7:418-9.
[ «« ]

82. Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:245-7.


[ «« ]
83. Ibid., 1:247-8; ver também: Heintze, Angola nos séculos XVI e XVII , p.  342.
[ «« ]

84. Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:251.


[ «« ]
85. Carta de Fernão de Sousa ao Governo (s.d., 9 de julho de 1626), FHA 2:167.
[ «« ]

86. Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:248.


[ «« ]
87. Carta de Fernão de Sousa ao Governo (s.d., 9 de julho de 1626), FHA 2:167.
[ «« ]

88. Ibid.; Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:252.


[ «« ]

89. Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:252.


[ «« ]
90. Cadornega, História geral, 1:132-4.
[ «« ]
91. Ibid., 1:135-6.
[ «« ]
92. Ibid., 1:136-9; Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:252.
[ «« ]

93. Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:252.


[ «« ]

94. Ibid.
[ «« ]
95. Cadornega, História geral , 1:138-9; ver também: Carta do Governador a
Seus Filhos, FHA 1:254; Carta de Fernão de Sousa ao Governo (s.d. 9 de julho
de 1626), FHA 2:167.
[ «« ]

96. Cadornega, História geral , 1:139-40; ver também: Carta do Governador a


Seus Filhos, FHA 1:254; Carta de Fernão de Sousa ao Governo (s.d. 9 de julho
de 1626), FHA 2:167.
[ «« ]

97. Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:254; Carta de Fernão de Sousa ao
Governo (s.d. 9 de julho de 1626), FHA 2:167.
[ «« ]

98. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 38; Heintze, Angola nos séculos XVI e XVII ,
pp. 344, 348.
[ «« ]

4. Política traiçoeira
1. “O Extenso Relatório do Governador a Seus Filhos” (s.d., 1625-1630), FHA
1:254.
[ «« ]
2. Para a linhagem de Ngola Hari, ver: Campos, Fernando. “Conflitos na
Dinastia Guterres através da sua Cronologia”, África (São Paulo), 27-28
(2006-2007): 23-43, nas pp. 27-8.
[ «« ]
3. Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:256-257.
[ «« ]

4. Ibid., 1:254. Para uma compreensão dos debates em torno da legitimidade de


Jinga, ver: Thornton, John K. “Legitimacy and Political Power: Queen Jinga,
1624-1663”, JAH 32 (1991): 25-40; Miller, Joseph C. “Nzinga of Matamba in
a New Perspective”, JAH 16 (1975), pp. 201-16.
[ «« ]

5. Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:255-257. Para os termos impostos a


Hari a Kiluanje, ver: “Regimento de Fernão de Sousa a Bento Banha
Cardoso” (s.d., c . janeiro de 1626), FHA 1:204-205.
[ «« ]

6. Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:256.


[ «« ]

7. Saccardo, Graziano. Congo e Angola: Con la storia dell’antica missione dei


cappuccini , 3 v. Veneza, 1982-1983, 1:220.
[ «« ]

8. Cadornega, Antônio de Oliveira de. História Geral das Guerras Angolanas ,


José Delgado (org.), 3 v. (1940-1942; repr. Lisboa: Agência-Geral do
Ultramar, 1972), 1:158.
[ «« ]

9. Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:256; Cadornega. História Geral,


1:139.
[ «« ]
10. Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:256, 258.
[ «« ]
11. Ibid., 1:260.
[ «« ]

12. Ibid., 1:256.


[ «« ]

13. Ibid., 1:256-7.


[ «« ] <a href="

14. Ibid., 1:258.


[ «« ]

15. Ibid., 1:258; Heintze, Beatrix. Angola nos séculos XVI e XVII : Estudos sobre
fontes, métodos e história (Luanda, 2007), pp. 352-3.
[ «« ]

16. Carta de Fernão de Sousa ao Governo, 2 de agosto de 1627, FHA 2:183-184.


[ «« ]

17. Ibid., 2:183-185; Relação dos successos de Angola [1]623 a [1]624,


Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (BNRJ ), Seção Manuscritos, I-33-33-
11, Códice Manuel Severim de Faria, fols.1-10.
[ «« ]

18. Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:258; “Relação do Governo Fernão
de Sousa ao Secretario de Estado”, 30 de janeiro de 1627, MMA 7:497-489.
[ «« ]

19. Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:282; Saccardo, Congo e Angola,
1:224.
[ «« ]
20. “Estado Religioso do Reino de Dongo”, 27 de março de 1627, MMA 7:505.
[ «« ]
21. Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:282-8.
[ «« ]

22. Ibid., 1:284.


[ «« ]
23. Ibid., 1:282-3.
[ «« ]
24. Ibid., 1:26, 282-5.
[ «« ]

25. Cadornega, História geral, 1:141-2.


[ «« ]

26. Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:287.


[ «« ]
27. Ibid., 1:284.
[ «« ]

28. Ibid., 1:290, 298.


[ «« ]

29. Ibid., 1:298.


[ «« ]

30. Ibid.
[ «« ]

31. Ibid., 1:293-4.


[ «« ]

32. Ibid., 1:294.


[ «« ]

33. Ibid.
[ «« ]
34. Carta do Governador a Seus Filhos, 1:294.
[ «« ]
35. Ibid., 1:298.
[ «« ]

36. Ibid., 1:299-300.


[ «« ]

37. Ibid., 1:298-9, 314


[ «« ]

38. Ibid., 1:300.


[ «« ]

39. Ibid., 1:297.


[ «« ]

40. Ibid., 1:297-9.


[ «« ]

41. Ibid., 1:300.


[ «« ]

42. Ibid., 1:301.


[ «« ]

43. Carta de Fernão de Sousa ao Governo, 10 de julho de 1628, FHA 2:198.


[ «« ]
44. Ver, por exemplo: Wiesner-Hanks, Merry. Women and Gender in Early
Modern Europe , 3. ed. Nova York: Cambridge University Press, 2008;
Jansen, Sharon L. Debating Women, Politics, and Power in Early Modern
Europe . Nova York: Palgrave Macmillan, 2008.
[ «« ]
45. A exceção à regra na Europa não estava na península Ibérica católica de
Sousa, mas na Inglaterra pós-Reforma, com a incomparável rainha Elizabeth I
, que no ano em que Jinga nasceu completava meio século de seu reinado de
setenta anos. Ver: Christopher Haigh, Elizabeth I , 2. ed. Nova York:
Longman, 1998.
[ «« ]

46. Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:316.


[ «« ]
47. Ibid., 1:325, 328.
[ «« ]
48. Ibid., 1:328-9.
[ «« ]

49. Ibid., 1:316.


[ «« ]

50. Ibid.
[ «« ]
51. Ibid., 1:314-5.
[ «« ]

52. Carta de Fernão de Sousa ao Governo, 10 de julho de 1628, FHA 2:198-9;


Carta de Fernão de Sousa ao Governo, não enviada (s.d., final de julho ou
início de agosto de 1628), FHA 2:201.
[ «« ]

53. Carta de Fernão de Sousa ao Governo, 10 de julho de 1628, FHA 2:197-9.


[ «« ]

54. Ibid.
[ «« ]

55. Ibid., 2:198-9.


[ «« ]
56. Ibid.
[ «« ]

57. Ibid., 2:197-9.


[ «« ]

58. Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:306.


[ «« ]
59. Ibid., 1:305.
[ «« ]

60. Carta de Fernão de Sousa ao Governo, 10 de julho de 1628, FHA 2:197-9.


[ «« ]

61. Carta de Fernão de Sousa ao Governo, não enviada (s.d., final de julho ou
início de agosto de 1628), FHA 2:200.
[ «« ]

62. Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:303-5.


[ «« ]
63. Ibid., 1:303, 305.
[ «« ]

64. Ibid., 1:316.


[ «« ]

65. Ibid., 1:322.


[ «« ]

66. Ibid., 1:330.


[ «« ]

67. “Queixa dos Tendalas e Macotas de Ndongo”, 28 de fevereiro de 1629, FHA


2:286; Carta de Fernão de Sousa a Paio de Araújo de Azevedo, 20 de março
de 1629, FHA 2:287-8.
[ «« ]
68. Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:326.
[ «« ]
69. Ibid., 1:328-9.
[ «« ]
70. Ibid.
[ «« ]
71. Carta do Governador a Seus Filhos, I :328-9.
[ «« ]

72. Ibid., 1:331, 334.


[ «« ]

73. Ibid., 1:334.


[ «« ]

74. Cadornega, História geral , 1:148.


[ «« ]

75. Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:331-2; Cadornega, História geral ,
1:149.
[ «« ]

76. Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:332; João Carlos Feo Cardoso de
Castello Branco e Torres. Memórias contendo a biographia do Vice
Almirante Luiz da Motta Feo e Torres. Paris: Fantin, 1825, p. 166.
[ «« ]

77. Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:333.


[ «« ]

78. Ibid., 1:332.


[ «« ]

79. Ibid., 1:333-4.


[ «« ]
80. Ibid., 1:335.
[ «« ]

81. Ibid., 1:335; Cadornega, História geral , 1:150-2.


[ «« ]

82. Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:334-5.


[ «« ]
83. “A Ilegitimidade do Novo Rei do Ndongo, Angola Aire” (s.d., entre 20 de
julho e 14 de setembro de 1629), FHA 1:209-10.
[ «« ]
84. Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:336.
[ «« ]

85. Ibid.
[ «« ]

86. Ibid.; “Catálogo dos Governadores do Reino de Angola” (1784), Collecção


de Noticias para a Historia e Geografia das Nações Ultramarinas , v. 3,
parte 1 (Lisboa, Academia Real das Sciencias, 1825), 369-70; Feo Cardoso,
Memórias , p. 166.
[ «« ]

87. Carta do Governador a Seus Filhos, FHA 1:346.


[ «« ]
88. Ibid., 1:345.
[ «« ]

89. Ibid.
[ «« ]

90. Ibid., 1:345-6.


[ «« ]

91. Ibid., 1:346.


[ «« ]
92. Ibid., 1:339, 346.
[ «« ]
93. Ibid., 1:346-7.
[ «« ]

5. Guerra e diplomacia
1. Cadornega, Antônio de Oliveira de. História geral das guerras angolanas ,
José Delgado (org.), 3 v. (1940-1942; repr. Lisboa: Agência-Geral do
Ultramar, 1972), 1:166n; Delgado, Ralph. História de Angola , 2 ed. Banco
de Angola, s.d., p. 140.
[ «« ]
2. João Carlos Feo Cardoso de Castello Branco e Torres. Memórias contendo a
biographia do Vice Almirante Luiz da Motta Feo e Torres . Paris: Fantin,
1825, p. 69; Carta de Fernão de Sousa ao Governo, 8 de janeiro de 1630, FHA
2:244-5.
[ «« ]

3. “O Extenso Relatório do Governador a Seus Filhos” (s.d., 1625-1630), FHA


1:326-7.
[ «« ]

4. Carta e Verdadeira Relação do Padre Pedro Tavares ... as suas Missões dos
Reinos de Angola e de Congo. Biblioteca Pública de Évora, Códex cxvii2-4,
fols. 21,23.
[ «« ]
5. Relação do Governador Fernão de Sousa, 1624-1630, MMA 7:653.
[ «« ]

6. Carta de Fernão de Sousa ao Governo, 8 de janeiro de 1630, FHA 2:244;


Relação de Fernão de Sousa, 23 de fevereiro de 1632, MMA 8:138.
[ «« ]
7. Carta de Fernão de Sousa ao Governo, 8 de janeiro de 1630, FHA 2:244-5;
Relação de Fernão de Sousa, 23 de fevereiro de 1632, MMA 8:138.
[ «« ]
8. Cadornega, História geral, 1:166n; Carta de Fernão de Sousa ao Governo, 8
de janeiro de 1630, FHA 2:244; Relação de Fernão de Sousa, 23 de fevereiro
de 1632, MMA 8:138.
[ «« ]
9. Carta de Fernão de Sousa ao Governo, 8 de janeiro de 1630, FHA 2:244;
Relação de Fernão de Sousa, 23 de fevereiro de 1632, MMA 8:138.
[ «« ]
10. Para mais informações sobre sacrifício humano e rituais fúnebres ambundos,
ver: Carta do Padre Pedro Tavares ao Reitor do Colégio de Luanda, 14 de
outubro de 1631, MMA 8:71-2.
[ «« ]
11. Cavazzi da Montecuccolo, Giovanni Antonio. Istorica Descrizione de’ tre’
regni Congo, Matamba et Angola. Bolonha: Giacomo Monti, 1687, livro 5,
par. 107.
[ «« ]

12. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 95.


[ «« ]

13. Sobre as diversas ideias que foram propostas a respeito da origem dos
imbangalas, ver: Miller, Joseph C. Kings and Kinsmen: Early Mbundu States
in Angola. Oxford: Clarendon Press, 1976. Ver também: Sousa Pinto, Paulo
Jorge de. “Em Torno de um Problema da Identidade: Os ‘Jaga’ na História do
Congo e Angola”, in Mare Liberum 18-19 (1999‑2000): 193-246.
[ «« ]

14. Ver: Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, pp. 1-40.


[ «« ]
15. Ibid., livro 1, pp. 15-25.
[ «« ]
16. Ibid., livro 1, pp. 26-30.
[ «« ]

17. Ibid., livro 1, p. 4.


[ «« ]

18. Cavazzi, que conta toda a história de Tembo a Ndumbo, pode tê-la enfeitado
para seus leitores do século xvii.
[ «« ]

19. Cavazzi, MSS Araldi, livro 1, p. 23.


[ «« ]

20. Ibid., livro 1, pp. 37-40.


[ «« ]

21. Ibid., livro 1, p. 23.


[ «« ]

22. Para uma discussão do princípio de linhagem e o lugar dos imbangalas na


política da África Central, ver: Miller. Kings and Kinsmen , pp. 144-150, 162-
4, 234-5.
[ «« ]

23. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, pp. 35-9.


[ «« ]

24. Ibid., livro 2, pp. 35-9.


[ «« ]

25. Franco, Antonio, Synopsis Annalium Societatis Jesu in Lusitania. Augsburg:


Vieth, 1726, doc. 1632, par. 7 [p. 260].
[ «« ]

26. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 37.


[ «« ]
27. Ibid., livro 2, pp. 42-3. Ver também: Cadornega, História geral , 1:194.
[ «« ]

28. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, pp. 42-3; Cadornega, História geral , 1:414.
[ «« ]
29. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 196. Em quimbundo, kalunga significa “mar”
ou “morte.”
[ «« ]
30. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 3.
[ «« ]
31. Ibid., livro 2, pp. 42-3, 103; Cadornega. História geral, 1:405.
[ «« ]

32. Cadornega, História geral , 1:153.


[ «« ]

33. Carta do Padre Gonçalo de Sousa en Nome da Camara de Luanda, 6 de julho


de 1633, MMA 8:242-3.
[ «« ]

34. Relação de Fernão de Sousa a El-Rei, 2 de março de 1632, MMA 8:161-2.


[ «« ]

35. Carta do padre Gonçalo de Sousa en Nome da Camara de Luanda, 6 de julho


de 1633, MMA 8:242-3.
[ «« ]
36. Franco, Synopsis Annalium, doc. 1632, par. 7 [p. 260]; Carta de Fernão de
Sousa a El-Rei, 31 de março de 1634, MMA 8:261.
[ «« ]
37. Cadornega, História geral , 1:415.
[ «« ]

38. Carta de Fernão de Sousa a El-Rei, 31 de março de 1634, MMA 8:261.


[ «« ]

39. Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 5, par. 112.


[ «« ]

40. Cadornega, História geral , 1:193-4.


[ «« ]
41. Franco, Synopsis Annalium , do. 1637, par. 19 [p. 273].
[ «« ]
42. Cadornega, História geral , 1:209-10.
[ «« ]
43. Ibid.
[ «« ]

44. Ibid., 1:210.


[ «« ]

45. Cavazzi, Istorica Descrizione, livro 5, par. 113; Cavazzi, MSS Araldi, livro 2,
pp. 44-5.
[ «« ]

46. Cavazzi, Istorica Descrizione, livro 5, par. 113; Cavazzi, MSS Araldi, livro 2,
pp. 44-5.
[ «« ]

47. Cadornega, História geral , 1:222-4.


[ «« ]

48. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, pp. 44-5; Cavazzi. Istorica Descrizione, livro 5,
par. 113.
[ «« ]

49. Para detalhes da conquista holandesa, ver: Heywood, Linda M. e Thornton, e


John K. Central Africans, Atlantic Creoles, and the Foundation of the
Americas, 1585-1660. Cambridge: Cambridge University Press, 2007, pp. 
145-52.
[ «« ]
50. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 53.
[ «« ]
51. Feo Cardoso, Memórias , p. 175.
[ «« ]
52. Cadornega, História geral , 1:247-8.
[ «« ]
53. Jadin, Louis. L’Ancien Congo et l’Angola, 1639-1655: D’Après les Archives
Romaines, Portugaises, Néerlandaises et Espagnoles , 3 v. Bruxelas: Institut
Historique Belge de Rome, 1975, 1:158. Esse livro traz traduções francesas
dos documentos originais holandeses.
[ «« ]
54. Jadin, Ancien Congo , 1:255.
[ «« ]

55. Sobre a dimensão centro-africana da Guerra dos Trinta Anos e sobre as


iniciativas do reino do Congo para promover as relações comerciais e
políticas com os holandeses, ver: Thornton, John e Mosterman, Andrea. “A
Re-Interpretation of the Kongo-Portuguese War of 1622 according to New
Documentary Evidence”, JAH 51 (2010): 241-2. Para uma análise de maior
alcance desse período, ver: Thornton, John K. “The Kingdom of Kongo and
the Thirty Years War”, Journal of World History 27 (2016): 189-213.
[ «« ]

56. “Pièces d’un dossier ... Éstats-Généraux”, 20 de janeiro de 1649, in: Jadin,
Ancien Congo, 2:1102; Ratelband, Klaas. Os holandeses no Brasil e na costa
africana: Angola, Kongo e São Tomé, 1600-1650. Lisboa: Vega, 2003, pp. 
161-2.
[ «« ]

57. Carta do Governador de Angola a el Rei de Portugal, 9 de março de 1643,


MMA 9:28-31.
[ «« ]

58. Cadornega, História Geral, 1:261, 286-7.


[ «« ]

59. Jadin, Ancien Congo , 1:124; Cadornega. História Geral, 1:293; Cert. de
Francisco de Fonseca Saraiva, 29 de novembro de 1642, MS 1505, Papéis
sobre Angola, Biblioteca da Universidade da Coimbra (BUC ), Coimbra,
Portugal.
[ «« ]
60. Cadornega, História geral , 1:422-3.
[ «« ]
61. Ibid., 1:290-4.
[ «« ]

62. Cavazzi, lstorica Descrizione , livro 5, par. 115.


[ «« ]

63. Jadin. Ancien Congo , 1:124.


[ «« ]
64. Feo Cardoso, Memórias , p. 174; “Catalogo dos Governadores do Reino de
Angola” (1784), em Collecção de Noticias para a Historia e Geografia das
Nações Ultramarinas, v. 3, parte 1. Lisboa, Academia Real das Sciencias,
1825, p. 374; “Sucessos do Arraial do Bengo entre Portugueses e Holandes”,
17 de maio de 1643, MMA 9:46-54.
[ «« ]

65. Jadin, Ancien Congo , 1:416-7.


[ «« ]
66. Cadornega, História geral , 1:393-4.
[ «« ]

67. Embora não tenhamos prova direta da opinião de Jinga, os portugueses


acreditavam nisso, de acordo com: Cadornega. História geral, 1:394.
[ «« ]
68. Cadornega, História geral , 1:326.
[ «« ]

69. Cadornega, História geral , 1:326-8. Sobre a tentativa desesperada de Garcia


de obter o apoio holandês para atacar Jinga, ver: Carta de Sousa Coutinho a
El-Rei, 6 de setembro de 1643, MMA 9:64.
[ «« ]

70. Cadornega, História geral , 1:327-8.


[ «« ]
71. Carta de Sousa Coutinho a el Rei, 6 de junho de 1643, MMA 9:64; Carta de
Sousa Coutinho ao Conde da Vidigueira, 1o de outubro de 1643, MMA 9:81.
[ «« ]
72. Rapport de Pieter Moortamer au Conseil du Bresil, 14 de outubro de 1643,
em Jadin, Ancien Congo , 1:346-347.
[ «« ]
73. Ratelband, Os holandeses , p. 253.
[ «« ]

74. “Les XIX aux directeurs du district de la côte sud d’Africa”, 30 de novembro
de 1644, in: Jadin, Ancien Congo , 1:597.
[ «« ]

75. Cadornega, História geral , 1:352, 404.


[ «« ]
76. Ibid., 1:396.
[ «« ]

77. Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 6, par. 32.


[ «« ]

78. Cadornega, História geral , 1:350-3; Carta do Nuncio em Madrid a


Propaganda Fide, 27 de setembro de 1645, MMA 9:380.
[ «« ]
79. Cadornega, História geral , 1:412-3.
[ «« ]
80. Ibid., 1:412-4.
[ «« ]

81. “Consulta do Conselho Ultramarino”, 17 de agosto de 1644, MMA 9:133.


[ «« ]
82. “Avis du Conseil d’Outre-mer sur le Rapporr au Roi d’António de Abreu de
Miranda”, 23 de julho de 1644, in: Jadin, Ancien Congo , 1:556.
[ «« ]

83. Carta do Nuncio em Madrid a Propaganda Fide, 27 de setembro de 1645,


MMA 9:380.
[ «« ]

84. Carta de Francisco de Sotomaior a El-Rei D. João IV , 4 de dezembro de


1645, MMA 9:406-7; Cadornega, História geral , 1:387.
[ «« ]

85. Carta de Francisco de Sotomaior a El-Rei D. João IV , 4 de dezembro de


1645, MMA 9:402, 406-7.
[ «« ]

86. Cadornega, História geral , 1:387-8.


[ «« ]

87. Ibid.
[ «« ]
88. Ratelband, Os holandeses , p. 275.
[ «« ]

89. Cadornega, História geral , 1:395.


[ «« ]

90. Ibid.
[ «« ]
91. Ibid., 1:394.
[ «« ]

92. Carta de Antonio Teles da Silva a El-Rei D. João IV , 18 de dezembro de


1646, MMA 9:470-1.
[ «« ]

93. Cadornega, História geral , 1:394-5.


[ «« ]
94. As descrições da sequência da batalha e outros detalhes vêm de: Cadornega,
História geral , 1:393-432. Cadornega participou da batalha.
[ «« ]
95. Cadornega, História geral , 1:412; Carta de Antônio Teles da Silva a El-Rei
D. João IV , 18 de dezembro de 1646, MMA 9:471.
[ «« ]

96. Cadornega, Historia geral , 1:412-3, 418; Informação do piloto Manuel


Soares sobre do Reino de Angola, 1647, MMA 10:69.
[ «« ]

97. Cadornega, História geral , 1:413-5.


[ «« ]

98. Ibid., 1:415-6.


[ «« ]
99. Ibid., 1:421-2. Como sinal de sua dívida para com os soldados imbangalas,
os portugueses permitiram que eles saqueassem as moradias antes dos outros
soldados. Eles não perderam tempo para vender ou trocar os anéis de ouro, as
sedas e outros objetos valiosos com os portugueses, uma vez que não usavam
esses “adornos e coisas vistosas”. Cadornega, História geral , 1:421.
[ «« ]

100. Cadornega, História geral , 1:418-9.


[ «« ]
101. Ibid., 1:421-2.
[ «« ]
102. Ibid., 1:490.
[ «« ]

103. Ver as anotações de 17, 24 e 27 de maio de 1647, em “Extract uyt het


register der resolutien gehouden in Angola”, MS 5759, West-Indische
Compagnie Archiven (Arquivos da Companhia das Índias Ocidentais),
Nationaal Archief, Haia; Ouman e Lems para rainha Ana Jinga, 10 de junho
de 1647, ibid.; tal como citado por Ratelband, Os holandeses , 302-3, 334-5.
Consultei também o original holandês.
[ «« ]
104. Ibid.
[ «« ]

105. “Les XIX au Directeurs de Luanda”, 1o de agosto de 1646, in: Jadin, Ancien
Congo , 2:827-8.
[ «« ]

106. Jadin. Ancien Congo , 2:765.


[ «« ]
107. Cadornega, História geral , 1:507-8.
[ «« ]

108. Ibid., 1:521-3.


[ «« ]

109. Ratelband, Os holandeses , 223-4, 331.


[ «« ]

110. Cadornega, História geral , 1:491-2.


[ «« ]

111. Ibid., 1:491-2; Carta de São Paulo de Loanda, 16 de dezembro de 1647, in:
Jadin, Ancien Congo , 2:938-40.
[ «« ]
112. Cadornega, História geral , 1:430, 434.
[ «« ]
113. Carta de São Paulo de Loanda, 16 de dezembro de 1647, in: Jadin, Ancien
Congo , 2:938-40; Cadornega, História geral , 1:498-500. Ver também:
Arquivos de Angola , 2ª série 2 (1945), pp. 149-64, para o testemunho de
sobreviventes portugueses; Ratelband, Os holandeses , pp. 304-6; Extract van
seeckeren Brief gheschreven uyt Loando St. Paulo, in Angola, van weghen de
groote Victorei die de Onse verkregen hebben tegen de Portugesen onder’t
beleydt van onsen Directeur Ouman. Haia: Ludolph Breeckevelt, 1648.
[ «« ]
114. Cadornega, História geral , 1:444.
[ «« ]

115. Ibid., 1:501.


[ «« ]

116. Ibid., 1:501-5. Os portugueses tinham algumas fazendas em suas terras, mas
Atungo entrara para a aliança entre Jinga e os holandeses e lutara ao lado do
capitão-mor de Jinga, Jinga a Mona.
[ «« ]
117. Jadin, Ancien Congo , 2:883n1, 1053.
[ «« ]

118. Cadornega, História geral, 3:89-91; 462. Ver também: Jadin, Ancien Congo
, 2:883n1, 1053.
[ «« ]

119. Ratelband, Os holandeses , pp. 318-21; Cadornega, História geral , 1:521-


8.
[ «« ]

120. Ratelband, Os holandeses , pp. 330-5.


[ «« ]
121. Ibid., pp. 330-6; Jadin, Ancien Congo , 2:883n1.
[ «« ]
122. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 76.
[ «« ]
123. Para detalhes das operações em Wandu, ver: Tereul, “Descripcion
Narrativa”, pp. 85‑90, em MS 3533, Biblioteca Nacional de Espanha, Madri;
Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, pp. 78-80; J. B. Labat. Relation Historique de
l’Ethiopie Occidentale , 4 v. (Paris, 1732), 3:118-226; Cavazzi, Istorica
Descrizione , livro 4, pars. 21-2.
[ «« ]

6. Um ato de equilíbrio
1. “Araldi Ms. Informazione sopra la Regina Jinga, Ambaca, 20/10/1650”,
Congo, Angola, Documenti, v. 2 (1646-1653), p. 234, Coleção Saccardo,
Archivio Provinciale dei Cappuccini di Venezia, Veneza, ltália (doravante
citado como Coleção Saccardo). Esse relatório foi escrito por Rui Pegado da
Ponte, um embaixador enviado a Jinga pelos portugueses em 1648, ou pelo
padre Dionísio Coelho, um membro da embaixada portuguesa de 1640, à
corte dela em Matamba, que tentou e não conseguiu afastá-la das práticas
imbangalas e aproximá-la do cristianismo.
[ «« ]

2. Cavazzi da Montecuccolo, Giovanni Antonio. Istorica Descrizione de’ tre’


regni Congo, Matamba et Angola. Bolonha: Giacomo Monti, 1687, livro 6,
par. 138.
[ «« ]

3. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 2.


[ «« ]

4. “Relação de uma Viagem a Angola”, MMA 11:249.


[ «« ]

5. Cadornega, Antônio de Oliveira de. História geral das guerras angolanas ,


José Delgado (org.), 3 v. (1940-1942; repr. Lisboa: Agência-Geral do
Ultramar, 1972), 2:128-32.
[ «« ]

6. Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 6, par. 32.


[ «« ]

7. Gaeta, Antonio da. La Meravigliosa Conversione alla Santa Fede di Cristo


della Regina Singa , ed. Francesco Maria Gioia. Nápoles, 1669, p. 99. Jinga,
ao descrever ao frei Gaeta seus longos anos de vida como imbangala, alegou
que os portugueses “me expulsaram de meus reinos de Dongo e Angola”.
[ «« ]
8. Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 6, pars. 31-2.
[ «« ]

9. Ibid., livro 6, par. 93.


[ «« ]

10. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, pp. 151-2.


[ «« ]
11. Saccardo, Graziano. Congo e Angola: Con la storia dell’antica missione dei
cappuccini , 3 v. Veneza, 1982-1983, 2:507; Cavazzi, Istorica Descrizione ,
livro 6, pars. 4, 33.
[ «« ]

12. João Carlos Feo Cardoso de Castello Branco e Torres. Memórias Contendo a
Biographia do Vice Almirante Luiz da Motta Feo e Torres . Paris: Fantin,
1825, pp. 180-4; Saccardo, Congo e Angola , 2:75-79, 498.
[ «« ]
13. Cadornega, História geral , 2:128, 347, 355.
[ «« ]

14. “Consulta do Conselho Ultramarino”, MMA 11:498n30, 514-7; Carta de Luís


Martins de Sousa Chichorro para João IV , MMA 11:509; Cadornega, História
geral , 2:103-26.
[ «« ]
15. Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 6, pars. 31, 32; Cadornega, História
geral , 2:75-9; “Consulta do Conselho Ultramarino”, MMA 11:497-8; AHU ,
Angola, papéis avulsos, 9 de dezembro de 1656, Cx. 6, doc. 681; Saccardo,
Congo e Angola , 1:516.
[ «« ]
16. “Avventimenti della ‘Morinda’ o sobato Gunza-Moisa (1670)”, Africa,
Angola, Congo, Documenti, vol. 4 (1664-1674), p. 234, Coleção Saccardo.
[ «« ]

17. Treslado de Paz con Congo (transcrição), “Auto de Devaça que mandou
obrar o Cappitam-Mor Luis Lobo de Sequeira”, 25 de agosto de 1664, AHU ,
Cx. 5, doc. 15. Embora Jinga tenha morrido poucos meses antes dessa
investigação, as autoridades portuguesas suspeitavam que missionários
espanhóis estavam promovendo os interesses da Espanha durante a década de
1650. A testemunha n. 4, Manuel Afonso Salgado, disse que os congos
estavam esperando por uma frota espanhola que viria e destruiria os
portugueses. Ele queria a ajuda dos Dembos e também da “Raynha Jinga”
(s.p.).
[ «« ]
18. Cavazzi, MSS Araldi, livro 3, pp. 30-2.
[ «« ]

19. “Consulta do Conselho Ultramarino”: 14 de dezembro de 1652, MMA 11:245;


Bento Teixeira de Saldanha ao rei de Portugal, 13 de julho de 1652, in: Jadin,
Louis. L’Ancien Congo et l’Angola, 1639-1655: D’Apres les Archives
Romaines, Portugaises, Néerlandaises et Espagnoles , 3 v. Bruxelas: Institut
Historique Belge de Rome, 1975, 3:1428.
[ «« ]

20. “Consulta do Conselho Ultramarino”, 14 de dezembro de 1652, MMA 11:246.


[ «« ]

21. Carta do Rei ao Governador Chichorro, 22 de fevereiro de 1654, MMA


11:355.
[ «« ]

22. Carta do governador Sousa Chichorro, 11 de janeiro de 1657, AHU , Cx. 6,


doc. 92.
[ «« ]
23. Cadornega, História geral , 1:415-8.
[ «« ]
24. Da Firenze, Filippo. “Ragguagli del Congo, Succinta Relazione de i tre
Regni di Congo, Matamba e Angola” (1711), fols. 88-90. Archivo
Provinciale dei Cappuccini di Toscana, Florença; ver também: Jadin, Ancien
Congo , 2:818; Saccardo, Congo e Angola , 1:507.
[ «« ]
25. Teruel, António de. “Descripción Narrativa de la Mission serafica de los
Padres Capuchinos en Reino de Congo” (1660), p. 90, MS 3533, Biblioteca
Nacional de Espanha, Madri. Cavazzi também notou que Jinga não praticava
o canibalismo. Ele escreveu: “Se a rainha relutava em comer carne humana,
ela não se abstinha de beber sangue humano”. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2,
p. 9.
[ «« ]

26. Da Firenze. “Ragguagli del Congo, Succinta Relazione de i tre Regni di


Congo, Matamba e Angola” (1711), fols. 88-90.
[ «« ]

27. “P. Giovanni Francesco da Roma ai Cardinalli di Propaganda Fide, Rome,


Fine Marzo 1648”, África, Angola, Congo, Documenti, vol. 2 (1646-1653),
pp. 92-3, Coleção Saccardo.
[ «« ]
28. Jadin, Ancien Congo , 3:1331.
[ «« ]

29. Carta de Serafino da Cortona aos Cardeais de Propaganda Fide, 5 de junho


de 1651, MMA 11:43.
[ «« ]
30. Carta de Frei João Francesco de Roma a Propaganda Fide, MMA 11:427-8;
Carta de Frei Antonio Romano ao Secretario da Propaganda, MMA 11:432-8;
Carta da Rainha Ana Jinga a Propaganda Fide, 15 de agosto de 1651, MMA
11:70-1. Para uma tradução inglesa da carta de Jinga, ver: McKnight,
Kathryn Joy e Garofalo, Leo J. Afro-Latino Voices: Narratives from the Early
Modern Ibero-Atlantic World, 1550-1812. Indianapolis: Hackett, 2009, p. 45.
[ «« ]

31. Carta do padre Francesco da Roma ai Cardinali di Propaganda Fide, Roma,


Fine Marzo 1648: Congo, Angola, Matamba, Documenti, v. 2 (1646-1653),
pp. 92-3, Coleção Saccardo.
[ «« ]

32. Carta de Serafino da Cortona, 22 novembro 1651, MMA 11:113.


[ «« ]

33. Ibid.
[ «« ]

34. Ibid.; Carta de Bonaventura de Sorrenta ao Secretário de Propaganda Fide, 7


de maio de 1652, MMA 11:181.
[ «« ]

35. Carta do padre Serafino da Cortona ao Provincial da Toscana, 15 de maio de


1652, MMA 11:191-2.
[ «« ]

36. lbid.
[ «« ]

37. Carta do padre Jacinto de Vetralla ao Secretário da Propaganda, 30 de maio


de 1652, MMA 11:195-6.
[ «« ]
38. “Antonio da Monteprandone secrétaire de la Propagande”, s.d., in: Jadin,
Ancien Congo , 3:1463. Embora o relatório esteja sem data e sem assinatura,
Jadin (p. 1456) observa que foi escrito depois de março de 1653.
[ «« ]
39. “Décisions de la Propagande”, 6 de maio de 1653, in: Jadin, Ancien Congo ,
3:1468.
[ «« ]

40. Cadornega, História geral , 2:55-7.


[ «« ]

41. Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 6, par. 2.


[ «« ]

42. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 2.


[ «« ]

43. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, pp. 71-3; Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 6,
par. 2.
[ «« ]
44. Carta de Salvador de Sá a El-Rei, 6 de outubro de 1650, MMA 10:571;
Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 6, par. 2.
[ «« ]

45. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 10.


[ «« ]

46. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, pp. 2-3.


[ «« ]

47. Gaeta, La Meravigliosa Conversione , pp. 70-2.


[ «« ]

48. Ibid.
[ «« ]

49. “P. Serafino da Cortona a Propaganda Fide”, 10 de fevereiro de 1655, Congo,


Angola, Matamba, Documenti, v. 3 (1654-1663), p. 65, Coleção Saccardo.
[ «« ]

50. “P. Antonio de S. Pedro, Ministro dei Terziari, a un P. di Massangano”,


Congo, Angola, Matamba, Documenti, v. 3 (1654-1663), p. 70, Coleção
Saccardo.
[ «« ]
51. “Consulta do Concelho Ultramarino”, 13 de julho de 1655, MMA 11:497-501.
[ «« ]
52. “P. Serafino da Cortona a Padre Provincale de Toscana”, 21 de novembro de
1656, Congo, Angola, Matamba, Documenti, v. 3 (1654-1663), p. 62,
Coleção Saccardo.
[ «« ]
53. Carta do Governo Geral de Angola a El-Rey João IV , 17 de setembro de
1655, MMA 11:514.
[ «« ]
54. Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 6, par. 2.
[ «« ]

55. Para o texto dessa carta, ver: Cadornega, História geral , 2:500-3; tradução
para o inglês in: McKnight e Garofalo, Afro-Latino Voices , pp. 45-50.
[ «« ]

56. Carta da Câmara Municipal ao Rei, Museu de Angola, Documentação de


Angola , 2:253-62, em Congo Raccolta, 1654-1690, v. 2, p. 45, Coleção
Saccardo.
[ «« ]

57. Gaeta, La Meravigliosa Conversione , pp. 80-1; Cavazzi, MSS Araldi, livro 2,


p. 8; Carta do Governador a Serafim da Cortona, 1o de abril de 1656.
[ «« ]

58. Gaeta, La Meravigliosa Conversione , pp. 84-85.


[ «« ]

59. Ibid., pp. 85-86.


[ «« ]
60. Ibid.; Saccardo, Congo e Angola , 1:511.
[ «« ]
61. Gaeta, La Meravigliosa Conversione , pp. 90-1.
[ «« ]
62. Ibid., pp. 93-4.
[ «« ]
63. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 117; Gaeta, La Meravigliosa Conversione ,
pp. 108-11.
[ «« ]

64. Gaeta, La Meravigliosa Conversione , pp. 107-10.


[ «« ]

65. Sobre a data da chegada de frei Gaeta, ver a nota do editor in: Cavazzi,
Descrição histórica dos três reinos do Congo, Matamba e Angola , trad.
Graciano Maria [Saccardo] de Leguzzano, 2 v. Lisboa: Junta de Investigações
do Ultramar, 1965, 2:184n27.
[ «« ]
66. Gaeta, La Meravigliosa Conversione , pp.  97-100.
[ «« ]

67. Ibid., pp. 101-3, 116.


[ «« ]

68. Ibid., pp. 127-32.


[ «« ]

69. Ibid., pp. 130-1.


[ «« ]

70. Ibid., p. 233.


[ «« ]
71. Entre os signatários do tratado assinado em Matamba estavam o escriba
Francisco Ribeira Pereira, Jinga, o secretário que representava o governador e
dezessete outras pessoas, entre elas Jinga a Mona, que assinou com uma cruz,
Peixoto, o padre Antonio Romano e Calisto Zelotes; ver: Saccardo, Congo e
Angola , 1:514.
[ «« ]

72. Gaeta, La Meravigliosa Conversione , pp. 231-8.


[ «« ]
73. Ibid., p. 106.
[ «« ]
74. Saccardo, Congo e Angola , 1:512.
[ «« ]

75. Carta do Governador-Geral de Angola a El-Rei D. João IV , 14 de outubro de


1656, MMA 12:61-63; Gaeta, La Meravigliosa Conversione , p. 238.
[ «« ]

76. Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 6, par. 16.


[ «« ]

77. Ibid., livro 6, par. 9; Carta do Governador-Geral a El-Rei D. João IV , 29 de


julho de 1656, MMA 12:39-41.
[ «« ]

78. “Capitulações do Governador de Angola com a Rainha Dona Ana Jinga”, 12


de outubro de 1656, MMA 12:57-60.
[ «« ]

79. “Consulta do Ultramarino”, 3 de outubro de 1656, MMA 12:73-5; Carta Régia


ao Governador-Geral de Angola, 6 de dezembro de 1656, MMA 12:87-8.
[ «« ]

80. Filipe, rei de Dongo, a João IV , 8 de abril de 1653, MMA 12:286-7.


[ «« ]

7. A caminho dos ancestrais


1. Cavazzi da Montecuccolo, Giovanni Antonio. Istorica Descrizione de’ tre’
regni Congo, Matamba et Angola . Bolonha: Giacomo Monti, 1687, livro 6,
par. 100.
[ «« ]
2. Serafino da Cortona, Relatorio, 9 de dezembro de 1658, MMA 7:195-203.
[ «« ]
3. Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 6, par. 14.
[ «« ]
4. Ibid.; Gaeta, Antonio da, La Meravigliosa Conversione alla Santa Fede di
Cristo della Regina Singa , Francesco Maria Gioia (org.). Nápoles, 1669, p. 
176.
[ «« ]

5. Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 6, par. 141.


[ «« ]

6. Gaeta, La Meravigliosa Conversione , pp. 174-5; Cavazzi, Istorica


Descrizione , livro 6, par. 86.
[ «« ]

7. Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 6, par. 91.


[ «« ]

8. Ibid.
[ «« ]

9. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 10.


[ «« ]

10. Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 6, par. 91.


[ «« ]

11. Gaeta, La Meravigliosa Conversione , pp. 223-8.


[ «« ]
12. Ibid.
[ «« ]
13. Ibid., pp. 243-6.
[ «« ]
14. Ibid., p. 259.
[ «« ]

15. Ibid., pp. 261-3.


[ «« ]

16. “Serafino da Cortona ao Governador Geral”, 20 de março de 1657, MMM


12:101-3.
[ «« ]

17. Ibid.
[ «« ]

18. “Relazione sopra la Regina Zinga”, Roma, 26 de novembro de 1658, Congo,


Angola, Matamba, Documenti, v. 3 (1654-1663), pp. 187-9, Coleção
Saccardo, Archivio Provinciale dei Cappuccini di Venezia, Veneza, ltália
(doravante citado como Coleção Saccardo).
[ «« ]

19. Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 6, par. 23.


[ «« ]
20. Carta do padre Serafim de Cortona ao Padre Provincial da Toscana, 10 de
abril de 1657, MMA 12:108; Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 6, par. 25;
Saccardo, Graziano. Congo e Angola: Con la storia dell’antica missione dei
cappuccini , 3 v. Veneza, 1982-1983, 1:519.
[ «« ]

21. Carta de Frei Antonio Romano ao Superior dos Capuchinhos, Matamba, 8 de


março de 1657, MMA 12:94-5.
[ «« ]

22. Carta de Jinga ao Governo de Angola, Matamba, 12 de janeiro de 1657, MMA


12:92-3.
[ «« ]
23. Carta de Recomendação de “Ana Jinga” para Manuel Frois Peixoto, 15 de
janeiro de 1657, AHU , Cx. 11, doc. 130.
[ «« ]

24. “Relazione sopra la Regina Zinga”, Coleção Saccardo.


[ «« ]
25. Carta do Governo Geral de Angola a El-Rei D. Afonso VI , 29 de agosto de
1657, MMA 12:133-4.
[ «« ]
26. Cadornega, Antônio de Oliveira de. História geral das guerras angolanas ,
José Delgado (org.), 3 v. (1940-1942; repr. Lisboa: Agência-Geral do
Ultramar, 1972), 2:171-3; Carta da Rainha D. Ana Jinga a Oliveira de
Cadornega, 15 de junho de 1660, MMA 12:289.
[ «« ]

27. Jinga alla S. Congregazione di Propaganda, Matamba, 15 de agosto de 1657,


Congo, Angola, Matamba, Documenti, v. 3 (1654-1663), p. 146, Coleção
Saccardo; Carta da Rainha Ana Jinga ao Papa, 8 de setembro de 1657, MMA
12:138-9; Rainha Jinga aos Cardeais da Propaganda Fide, 8 de setembro de
1657, MMA 12:140.
[ «« ]

28. Lettera del P. Antonio da Gaeta ai P. Serafino da Cortona, Matamba, 20 de


agosto de 1657, Congo, Angola, Matamba, Documenti, vol. 3 (1654-1663),
pp. 86-9, Coleção Saccardo.
[ «« ]

29. Carta da Rainha D. Ana Jinga a Frei Serafim da Cortona, 15 de agosto de


1657, MMA 11:131-2.
[ «« ]

30. Lettera di P. Gaeta alla Serafino da Cortona, Matamba, 8 de setembro de


1657, Congo, Angola, Matamba, Documenti, v. 3 (1654-1663), p. 92,
Coleção Saccardo.
[ «« ]

31. Lettera dei P. Antonio da Gaeta al P. Serafino da Cortona, Matamba, 20 de


agosto de 1657, Coleção Saccardo.
[ «« ]

32. Ibid.; Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 6, par. 36. Para detalhes dos
eventos de 1658, ver: Saccardo, Congo e Angola , 1:520.
[ «« ]

33. “Declaração do Governo de Angola ao concelho e Junta de Guerra”, 9 de


setembro de 1658, MMA 12:173-5.
[ «« ]

34. “Consulta do Conselho Ultramarino”, 25 de janeiro de 1659, MMA 12:209-11.


[ «« ]

35. “Declaração de Guerra ao Rei do Congo”, 11 de março de 1659, MMA 12:226.


[ «« ]
36. Carta da Rainha Ana Jinga ao Papa, 8 de setembro de 1657, MMA 12:138-9.
[ «« ]

37. “Consulta do Conselho Ultramarino”, 25 janeiro 1659, MMA 12:211.


[ «« ]

38. Carta de Frei Antônio Gaeta Romano ao Secretário da Propaganda Fide, 8 de


setembro de 1858, MMA 12:160-3.
[ «« ]

39. Carta da Rainha D. Ana Jinga ao Cardeal D’Este, 2 de dezembro de 1659,


MMA 12:279.
[ «« ]

40. Breve do Papa Alexandre VII à Rainha Ana de Sousa Jinga, 19 de junho de
1660, MMA 12:290-1.
[ «« ]
41. Carta da Rainha D. Ana Jinga ao Papa Alexandre VII , 25 de agosto de 1662,
MMA 12:402-3.
[ «« ]
42. Ibid.
[ «« ]
43. Carta da Rainha D. Ana Jinga a Frei Crisóstomo de Gênova, 18 de março de
1663, MMA 12:430-1.
[ «« ]
44. Carta da Rainha D. Ana Jinga ao Prefeito da Propaganda, 10 de abril de
1663, MMA 12:434-5.
[ «« ]

45. Carta da Rainha D. Ana Jinga a Frei Crisóstomo de Gênova, 18 de março de


1663, MMA 12:430-1; Carta da Rainha Dona Ana Jinga ao Prefeito da
Propaganda, 10 de abril de 1663, MMA 12:434-5.
[ «« ]

46. Gaeta, La Meravigliosa Conversione , p. 284.


[ «« ]

47. Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 6, par. 40.


[ «« ]

48. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, pp. 134-5.


[ «« ]

49. Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 6, pars. 52-9.


[ «« ]
50. Ibid., livro 6, par. 26.
[ «« ]

51. Cavazzi, MSS Araldi, livro 9, p. 135.


[ «« ]

52. Ibid., livro 2, p. 7


[ «« ]

53. Ibid., livro 2, p. 136.


[ «« ]
54. Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 6, par. 48.
[ «« ]
55. “P. Serafino da Cortona a Propaganda”, Roma, novembro de 1659, Congo,
Angola, Matamba, Documenti, v. 3 (1654-1663), p. 222, Coleção Saccardo;
Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 6, par. 38.
[ «« ]
56. Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 6, par. 62.
[ «« ]

57. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, pp. 1-2, 167-74.


[ «« ]

58. Ibid., livro 2, pp. 167-74.


[ «« ]
59. Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 6, pars. 63-9.
[ «« ]

60. Cavazzi da Montecuccolo, Giovanni Antonio. “Missione evangelica nel


Regno de Congo”, v. B, fol. 493. Coleção particular, Família Araldi, Modena,
ltália.
[ «« ]
61. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, pp. 155-9.
[ «« ]

62. Ibid.
[ «« ]
63. Carta del p. Cavazzi a Propaganda, 12 de agosto de 1663, Raccolta L, v. 2
(1654-1690), p. 165, Coleção Saccardo.
[ «« ]
64. Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 6, par. 105.
[ «« ]
65. “Relazione sopra a Regina Zinga”, 26 de novembro de 1658, Congo
Raccolta L, 1654-1690, v. 3, pp. 190-1, Coleção Saccardo.
[ «« ]
66. Cadornega, História geral , 2:171-2.
[ «« ]
67. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, pp. 5, 22.
[ «« ]

68. Cadornega, História geral , 2:171n1.


[ «« ]

69. Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 6, par. 96.


[ «« ]
70. Ibid., livro 6, par. 75.
[ «« ]

71. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 5.


[ «« ]

72. Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 6, par. 79.


[ «« ]

73. Ibid., livro 6, par. 101.


[ «« ]

74. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, pp. 18-20.


[ «« ]

75. Gaeta, La Meravigliosa Conversione , 335-7.


[ «« ]
76. Cadornega, História geral , 2:157-9; Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 6,
pars. 44-6.
[ «« ]
77. “Relatorio de Bartholemeu Paes Bulhão”, 16 de maio de 1664, AHU , Cx. 8,
doc. 8; Birmingham, David. Trade and Conflict in Angola: the Mbundu and
Their Neighbours under the Influence of the Portuguese, 1483-1790. Oxford:
Clarendon Press, 1966, p. 121.
[ «« ]
78. Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 6, par. 6.
[ «« ]
79. Cavazzi, MSS Araldi, livro 11, p. 21.
[ «« ]

80. Ibid., livro 2, p. 216.


[ «« ]

81. Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 6, par. 94.


[ «« ]
82. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 36.
[ «« ]

83. Ibid., livro 2, p. 6.


[ «« ]

84. Gaeta, La Meravigliosa Conversione , pp. 336-7.


[ «« ]

85. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, pp. 150-2.


[ «« ]

86. Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 6, par. 59.


[ «« ]

87. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 3.


[ «« ]
88. Gaeta, La Meravigliosa Conversione , pp. 173-7.
[ «« ]

89. Cadornega, História geral , 2:169-70.


[ «« ]

90. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 22.


[ «« ]

91. Cadornega, História geral , 2:223-4.


[ «« ]

92. Gaeta, La Meravigliosa Conversione , pp. 173-7.


[ «« ]

93. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, pp. 161-4.


[ «« ]

94. Ibid., livro 2, p. 5.


[ «« ]

95. Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 2, par. 120.


[ «« ]

96. Ibid., livro 2, par. 74.


[ «« ]

97. “Lettera dei p. Cavazzi a Propaganda”, 12 de agosto de 1663, Congo


Raccolta L 1654-1690, v. 2, p. 165, Coleção Saccardo. Naquela época, os
portugueses temiam que os capuchinhos da Espanha pudessem ser espiões do
rei espanhol.
[ «« ]

98. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, pp. 18-20.


[ «« ]

99. Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 6, par. 28.


[ «« ]

100. Ibid., livro 6, par. 103.


[ «« ]
101. Os detalhes dos últimos dias de Jinga encontram-se em: Cavazzi, Istorica
Descrizione , livro 6, pars. 107-9. Em 2010, enviei as descrições de Cavazzi
para a dra. Ana Luiza Gibertoni Cruz, então estudante do quarto ano de
Medicina e minha assistente de pós-graduação, e Amanda Thornton, então
residente e agora médica especializando-se em doenças infecciosas, que
ofereceram diagnósticos a respeito da causa da morte de Jinga.
[ «« ]
102. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, pp. 197-8.
[ «« ]
103. Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 6, par. 108.
[ «« ]

104. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 61; Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 6,
par. 111.
[ «« ]

105. Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 6, pars. 110-1.


[ «« ]

106. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, pp. 8-9.


[ «« ]

107. Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 6, par. 111.


[ «« ]

108. Ibid. Ver também: Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, pp. 200-1.


[ «« ]

109. Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 6, par. 111.


[ «« ]

110. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, pp. 203-4.


[ «« ]

111. Cavazzi, Istorica Descrizione , livro 6, par. 112.


[ «« ]

112. Ibid., livro 6, par. 113.


[ «« ]
113. Ibid., livro 6, par. 114.
[ «« ]
114. Cavazzi, MSS Araldi, livro 2, p. 208.
[ «« ]
Epílogo
1. Para o livro publicado de Cavazzi, ver: Cavazzi da Montecuccolo, Giovanni
Antonio. Istorica Descrizione de’ tre’ regni Congo, Matamba et Angola.
Bolonha: Giacomo Monti, 1687.
[ «« ]

2. Cavazzi, Araldi MSS , livro 2, pp. 213-214. Agradeço a Rita Coté, professora


de italiano na Universidade de Boston, pela tradução desse poema, bem como
de outros trechos difíceis do manuscrito de Cavazzi. Agradeço também ao
estudioso anônimo da história italiana que a Harvard University Press
consultou sobre a transcrição e a tradução. Os nomes dessas mulheres
famosas apareciam com frequência nos escritos de literatura com os quais
Cavazzi estava familiarizado. Ver por exemplo: Villandrando, Agustín de
Rojas. El Viaje entretenido (1604), Manuel Cañete (org.). Madrid, 1901, p. 
193.
[ «« ]
3. Tal como citado em: Herrera, Georgina. Always Rebellious, Cimarroneando ,
edição bilíngue. Chico, CA : Cubanabooks, 2014. O poema foi publicado pela
primeira vez em: Herrera, Georgina. Granas de sol e luna. Havana, 1978.
[ «« ]

4. Gaeta, Antonio da. La Meravigliosa Conversione alla Santa Fede di Cristo


della Regina Singa , Francesco Maria Gioia (org.). Nápoles, 1669.
[ «« ]
5. Agradeço ao padre dr. Gabriele Bortolami por compartilhar comigo seu
trabalho inédito “Antonio da Gaeta e la conversione della regina Nzinga
Mbandi (1669)”.
[ «« ]

6. Relazione, Roma, 26 de novembro de 1658, fol. 264r, Coleção Saccardo,


Archivio Provinciale dei Cappuccini di Venezia, Veneza, Itália.
[ «« ]

7. Gaeta, La Meravigliosa Conversione , p. 228.


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8. Njinga, reine d’angola: La relation d’Antonio Cavazzi de Montecuccolo


(1687). Tradução de Xavier de Castro e Alix du Cheyron d’Abzac, prefácio
de Linda Heywood e John Thornton. Paris: Éditions Chandeigne, 2010. Ver
também: Gallouët, Catherine. “Farouche, touchante, belle, e cannibale:
Transmissions et permutations des representations de Jinga, reine d’Angola
du 17e au 18e siècle”, in: Dix-huitième siècle 44 (2012), pp. 253-72.
[ «« ]

9. Para a tradução francesa, ver: Labar, Jean-Baptiste. Relation historique de


L’Ethiopie Occidental: Contenant la description des Royaumes de Congo,
Angolle, et Matamba , 5 v. Paris, 1732. Para a tradução alemã, ver:
Historische Beschreibung der in dem untem occidentalischen Mobrenland
ligenden drey Kõnigreichen Congo, Matamba, und Angola , Munique, 1694.
[ «« ]

10. Dapper, Olfert. Naukeurige Beschrijvinge der Afrikaensche Gewesten.


Amsterdã, 1668. Uma tradução francesa foi publicada em 1676.
[ «« ]

11. Ver: Gonsalves, Domingos. Notícia Memorável da Vida et Acçoens da


Rainha Jinga, Jinga Amena. Lisboa, 1749; Cadornega, Antônio de Oliveira
de. História geral das guerras angolanas , José Delgado (org.), v. 2 (1940;
repr. Lisboa: Agência-Geral do Ultramar, 1972). O texto de Cavazzi foi
traduzido para o português somente em 1965: Cavazzi de Montecúccolo,
João Antônio. Descrição histórica dos três reinos do Congo, Matamba e
Angola, trad. Graciano Maria [Saccardo] de Leguzzano, 2 v. (Lisboa: Junta
de Investigações do Ultramar, 1965).
[ «« ]

12. Para uma análise do preconceito nessas publicações ver: Gallouët,


“Farouche, touchante, belle, e cannibale”.
[ «« ]

13. Diderot, Denis. Encyclopedie, ou Dictionnaire des sciences, des arts et des
métiers. Paris, 1751.
[ «« ]

14. Castilhon, Jean-Louis. Zhinga, reine d’Angola: Histoire Africaine en Deux


Parties. Paris, 1769, pp. 126-7.
[ «« ]

15. Ver também: Sauvage, Emmanuel. “Sade et l’exotisme Africain: Images de


Noirs”, Études littéraires 37 (2006), pp. 97-116.
[ «« ]

16. Ibid.
[ «« ]

17. Marquês de Sade. Philosophy in the Bedroom (1795), trad. Richard Seaver e
Austryn Wainhouse, digitalizado e composto por Supervert 32C Inc., 2002,
p. 57.
[ «« ]

18. Sauvage, “Sade et l’exotisme Africain”.


[ «« ]

19. London Quarterly Review, vol. 17 (1817), pp. 334-8.


[ «« ]

20. Hegel, G. W. F. Leçons sur la Philosophie de l’Histoire. Paris, 1998, p. 78.


[ «« ]
21. Duquesa d’Abrantès e Joseph Straszewicz, Les femmes célèbres de tous les
pays: Leurs vies et leurs portraits (Paris, 1834), pp. 7-25.
[ «« ]
22. Ibid., pp. 7-25.
[ «« ]
23. The Britannica Magazine, vol. 5, n. 57, pp. 50-6; Royal Ladies Magazine, v.
2 (1834), pp. 21-2; Literary Gazette (1834), v. 18.
[ «« ]
24. Almanach de Lembranças Luso-Brasileiro para o anno de 1859 (Lisboa,
1859), pp. 374-6.
[ «« ]
25. Ver, por exemplo: Delgado, Ralph. História de Angola. Luanda, 1948, pp. 
72-3.
[ «« ]

26. As tradições a respeito de Jinga que circularam entre os ambundos que


vivem nas regiões onde ela nasceu e que conquistou ainda não foram
coletadas e estudadas de forma sistemática. Cheguei a essa conclusão a partir
das entrevistas que fiz em Luanda e Malange, em 2008 e 2011. As entrevistas
foram realizadas em português e em quimbundo, com a ajuda de um
intérprete angolano de língua quimbundo.
[ «« ]

27. Agostinho Neto, Sagrada esperança , 11 ed. Lisboa, 1987, pp. 138-40;


República Popular de Angola, História de Angola (Ministério da Educação,
1976).
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28. República Popular de Angola, História de Angola.


[ «« ]

29. Pacavira, Manuel Pedro. Nzinga Mbandi , Luanda, 1975; Pepetela. A


gloriosa família. Alfradige: Dom Quixote, 1997; República de Angola, Jinga
a Mbande e Aimé Cesaire: independência e universidade. República de
Angola, Ministério da Cultura, 2013.
[ «« ]
30. Baseado em entrevistas com angolanos feitas quando visitei Kinaxixe in
2003, 2008 e 2011. A estátua está agora no recentemente inaugurado Museu
Angolano das Forças Armadas, em Luanda.
[ «« ]

31. Pacavira, Manuel Pedro. Nzinga Mbandi. Luanda, 1975; Pepetela, A gloriosa
família ; República de Angola, Jinga a Mbande e Aimé Cesaire.
[ «« ]
32. Miranda, Manuel Ricardo. Jinga: rainha de Angola. Cruz Quebrada: Oficina
do Livro, 2008.
[ «« ]
33. Mata, Inocência (org.). A rainha Nzinga Mbandi: história, memória e mito ,
2. ed. Lisboa: Colibri, 2014.
[ «« ]

34. <https://www.youtube.com/watch?v=m2TVm1GsPFU. >


[ «« ]

35. Ver, por exemplo: Silva, Rafael Ferreira da. “A mulher na capoeira e a
participação no movimento de resistência ao sistema racista e patriarcal”,
disponível em: <www.uneb.brenlacandosexualidades/files/2015/A >;
Barbosa, Solange, “O espírito da rainha Nzinga Mbandi no Brasil e no
Caribe”, em Mata (org.). A rainha Nzinga Mbandi , pp. 147-56.
[ «« ]

36. Câmara Cascudo, Luís da. Made in Africa. Rio de Janeiro, 1965; Glasgow,
Roy. Nzinga (São Paulo: Perspectiva, 1982);
<http://www.galeriadosamba.com.br/espacoaberto/topico /203340/0/2/0/>
[ «« ]

37. Herrera, Granos de sol e luna ; Oliveros, Pauline. Jinga, the Queen King:
The Return of a Warrior (DVD , 2010, baseado numa peça de 1993 encenada
na Brooklyn Academy of Music); Cook, Verna S. e Brooks, Charlotte K.
(orgs.) Distinguished Black Women , 1991-1995, v. 3. Washington, D.C.:
Black Women in Sisterhood for Action, 1995; Havemeyer, Janie. Jinga “The
Warrior Queen”. Foster City, CA : Goosebottom, 2011.
[ «« ]

38. Unesco. Jinga Mbandi: Queen of Ndongo and Matamba. Unesco, 2015.
Disponível em: <http://en .unesco.org/womeninafrica/Jinga-mbandi/comic>.
[ «« ]

39. Ver, por exemplo, sua inclusão em: Duindum, Jeroen. Dynasties: A Global
History of Power, 1300-1800. Cambridge: Cambridge University Press, 2015.
[ «« ]
Agradecimentos

Desde a infância, sou fascinada por mulheres famosas da história e, ao longo dos
anos, li biografias e ficção histórica sobre muitas mulheres governantes, em
particular Elizabeth I da Inglaterra. Transferi a paixão que tive por Elizabeth para
Jinga depois que comecei a lecionar história antiga da África Central na
Universidade Howard, em meados da década de 1980. Muitas pessoas me
apoiaram nessa longa jornada. Esta biografia não poderia ter sido escrita sem o
apoio de colegas da Universidade Howard e, mais importante, da Universidade
de Boston, minha base acadêmica durante quase treze anos. Entre 2008 e 2015,
essa universidade proporcionou-me bolsas de pesquisa e licenças sabáticas que
me permitiram coletar material para esta biografia em Angola, Portugal e Itália.
Minha gratidão vai também para o Centro de Ciências Humanas da Universidade
de Boston (BUCH ), pelo prêmio de produção de publicação para 2015-2016, que
cobriu o custo das ilustrações e os mapas originais que aprimoram o livro.
Valorizei o apoio e o incentivo ao longo dos anos dos vários diretores da
Faculdade de Artes e Ciências da Universidade de Boston e das cadeiras e dos
colegas professores do Departamento de História e do Programa de Estudos
Afro-Americanos.
Este livro baseia-se numa ampla gama de fontes arquivísticas e primárias
publicadas em português, italiano, holandês e francês, e em pesquisas realizadas
em arquivos e bibliotecas de Angola, Portugal, Itália, França, Holanda,
Inglaterra e Brasil. Passei nove anos reunindo e estudando os relatórios dos
governadores portugueses que detalham as guerras que travaram contra Jinga,
bem como as relações diplomáticas e econômicas que tiveram com ela.
Examinei cuidadosamente as duas biografias de Jinga publicadas por
contemporâneos seus: La Meravigliosa Conversione alla Santa Fede di Cristo
della Regina Singa (1669), de Antonio da Gaeta, e Istorica Descrizione de’ tre’
regni, Congo, Matamba et Angola (1687), de Giovanni Antonio Cavazzi. Os
dois missionários recolheram muitas tradições sobre a vida inicial de Jinga
diretamente dela, bem como dos anciãos de sua corte. Consultei também os
manuscritos inéditos das biografias de Gaeta e Cavazzi e a tradução feita por
John Thornton do manuscrito de Cavazzi, além de cartas e relatórios publicados
e não publicados que Cavazzi, Gaeta e outros missionários capuchinhos
enviaram para a Itália e Portugal. Obtive outros esclarecimentos sobre o estilo de
liderança e estratagemas militares de Jinga nos registros da Companhia
Holandesa das Índias Ocidentais (recolhidos e traduzidos para o francês por
Louis Jadin) deixados pelos dois diretores — seus futuros aliados — que
estiveram em Angola no auge das guerras de Jinga contra os portugueses (1641-
48). A tradução de John Thornton de alguns documentos holandeses originais
ajudou-me a comparar as traduções com os documentos originais. As opiniões
da própria Jinga sobre suas políticas militares, econômicas e diplomáticas,
preservadas nas muitas cartas que seus secretários escreveram em seu nome aos
portugueses, aos missionários e ao papa, proporcionaram uma ótima
compreensão do grau de cálculo político por trás de suas relações bem-sucedidas
com os portugueses e missionários. As versões publicadas dessas cartas
encontram-se na valiosa série Monumenta Missionaria Africana , editada por
Antônio Brásio. Algumas das cartas originais estão disponíveis no acervo do
Arquivo Histórico Ultramarino (AHU ) em Lisboa e em arquivos de Roma.
Obtive mais informações sobre o estilo de liderança e a experiência militar de
Jinga ao ler as muitas cartas enviadas pelo governador Fernão de Sousa ao rei de
Portugal, bem como a seus filhos, durante os primeiros anos da resistência de
Jinga. Beatrix Heintze coletou e publicou esses documentos em uma coleção de
dois volumes. Fundamentais para uma compreensão mais profunda dos instintos
políticos de Jinga foram as cartas enviadas a Portugal pelos muitos governadores
portugueses de Angola durante a época de Jinga, cartas entregues pelos
embaixadores dela em quimbundo e traduzidas para o português. As observações
de Antônio de Cadornega, o soldado português que participou de muitas batalhas
cruciais contra Jinga e que também se correspondeu com ela quando trabalhou
no sistema judiciário de Luanda, revelaram-se indispensáveis. Com suas muitas
referências a Jinga, a história em três volumes das guerras angolanas escrita por
Cadornega oferece uma verdadeira perspectiva privilegiada; ao contrário dos
governadores coloniais, Cadornega viveu em Angola por mais de cinquenta
anos, a partir de 1638. Também consultei biografias, livros, poemas e artigos
publicados nos dois séculos posteriores à morte de Jinga. As obras publicadas de
escritores portugueses do início até meados do século XIX , ansiosos por
reivindicar a posse de Jinga através de seus próprios relatórios e revisões,
também se mostraram essenciais.
A pesquisa não poderia ter sido concluída sem a assistência das inúmeras
equipes profissionais das várias bibliotecas e arquivos onde trabalhei durante
anos ou que me concederam permissão para usar as ilustrações incluídas no
livro. Ofereço meus agradecimentos ao Arquivo Histórico Ultramarino (Lisboa),
ao Arquivo Histórico Nacional de Angola, aos Arquivos Secretos e à Biblioteca
do Vaticano, ao Archivio Provinciale dei Cappuccini de Veneza (Coleção
Saccardo, Veneza), à Divisão de Livros Raros da Biblioteca Pública de Nova
York, às fundações Astor, Lenox e Tilden, à Bibliothèque des Arts Décoratifs de
Paris e à Academia das Ciências de Lisboa. Meus mais sinceros agradecimentos
ao dr. Vincenzo Negro, de Módena, Itália, que me concedeu permissão para usar
as seis ilustrações de Cavazzi do manuscrito de Araldi, e à dra. Cécile Fromont,
que me permitiu usar a ilustração de Jinga com missionários capturados.
Obrigado também a Aharon de Grassi e Isabelle Lewis pelos mapas incluídos no
livro.
Agradecimentos especiais ao Centro Hutchins de Pesquisas Africanas e
Africano-Americanas da Universidade Harvard, que me concedeu a honra de ser
uma Du Bois Fellow regular durante o ano letivo, bem como no verão. O
generoso apoio financeiro do centro permitiu-me viajar a Angola, ao Brasil e a
Portugal para realizar pesquisas sobre Jinga. Devo agradecer especialmente a
Henry Louis Gates Jr., que nunca duvidou de que a biografia de Jinga tivesse de
ser escrita e sempre assegurou que houvesse apoio institucional para fazê-la.
Além disso, o livro não teria sido concluído sem o estímulo e o apoio do diretor
executivo Abby Wolf, da diretora do programa de Fellows, Krishna Lewis, e de
todos os meus colegas e amigos no Centro Hutchins. Eu não poderia pedir um
ambiente mais estimulante para evocar Jinga.
Devo muitos agradecimentos aos estudantes da Universidade de Boston e da
Universidade Harvard que trabalharam como assistentes de pesquisa e ajudaram
a traduzir algumas das fontes do italiano para o inglês. As traduções feitas por
Miriam Bassi (Universidade de Boston, 2007-2008) e Ana Luíza Gibertoni Cruz
(MD , mestranda na Escola de Saúde Pública de Harvard, 2009-2010) foram
particularmente apreciadas. Um agradecimento especial mais uma vez a Luíza
Gibertoni e a Amanda Virginia Heywood Thornton, MD , pelo tempo gasto na
leitura da descrição que Cavazzi fez dos sintomas médicos exibidos por Jinga em
seus últimos dias e por terem chegado a diagnósticos semelhantes quanto à
doença que causou a morte da rainha.
Muito obrigado a Julie Wolf, por me ajudar a transformar o manuscrito em
um livro que leitores tanto do mundo acadêmico quanto do público em geral se
sentissem à vontade para ler. Eu não teria concluído o manuscrito sem sua
orientação especializada. Agradecimentos também a Paul Lucas, pelos conselhos
e sugestões sobre como melhorar a versão inicial do manuscrito. Sua
contribuição permitiu que eu separasse a vida e a morte de Jinga de Jinga como
uma figura de memória, para conceber esses dois aspectos da rainha como um
rico material. Os comentários e críticas dos leitores anônimos que leram o
manuscrito para a Harvard University Press foram todos muito apreciados e
enriqueceram este livro. Finalmente, estou em dívida para sempre com minha
editora na Harvard University Press, Kathleen McDermott, por seu estímulo, sua
paciência e orientação. Desde o primeiro momento em que ela leu o manuscrito,
Kathleen acreditou que a vida de Jinga transcendia o tempo e o lugar, e a
maneira profissional e pessoal com que ela tratou todo o processo foi
motivadora.
Por último, devo agradecer à minha família, pelo infinito e inequívoco apoio
e amor ao longo deste projeto, com o qual todos convivemos nos últimos anos.
Assim como minha filha Amanda emprestou-me sua experiência médica, minha
filha Amara tomou tempo de sua ocupada agenda em Londres para compartilhar
e-mails comigo sobre o manuscrito. Agradeço imensamente a John, meu marido
e colega, e único especialista sobre família na história pré-colonial da África
Central, por seu amor, compreensão e apoio irrestrito durante esses anos. As
conversas que tivemos e as pesquisas que realizamos juntos sobre a África
Central no século XVII possibilitaram que eu entendesse o lugar de Jinga em
Angola e o mundo à sua volta. Minha maior esperança é que John goste de ler a
vida de Jinga que recriei a partir dos documentos que ele tão generosamente
compartilhou comigo.

Termos para busca

A
Afonso (rei do Congo)
Afonso, Baltasar
Akibata, Gaspar
Alexandre VII (papa)
Almeida, Francisco de
Álvaro I (rei do Congo)
Ambaca (forte português): acordo para mudar; Bárbara (Kambu) em;
estabelecimento de; iniciativa de construção de igreja; ofensivas contra
Ambrósio (rei do Congo)
Andala Gonga Cangombe
Angola: imagem de Jinga em; nome de
Ardenburg (Forte de São Miguel)
Atumba, Samba
Atungo, Pedro Bamba
Azevedo, Paio de Araújo de

B
Bárbara ver Kambu (Bárbara)
Barreira, Baltasar
Barreto, Dionísio de Faria
batalhas: aparecimentos de espíritos durante; aparecimentos de espíritos durante;
ver também Jinga, campanhas militares
Borges Madureira, Gaspar
Brasil

C
Cadornega, Antônio de Oliveira de: biografia de Jinga; correspondência com
Jinga; frontispício de obra de; registros de; sobre a morte de Ngola Mbande;
sobre Jinga; sobre Kambu
Caheta (imbangala)
Cambambe (forte português)
Cambambe (província)
Candele de Kisos
canibalismo
capoeira
capuchinhos: apoio de Jinga aos; como viam Jinga; diplomacia por intermédio
dos; e o tráfico de escravos; oposição aos; trabalho missionário; ver também
Cavazzi, Giovanni Antonio; cristianismo; Cortona, Serafino da; Gaeta,
Antonio da; jesuítas
Carasco, Giuseppe
Cardoso, Bento Banha: e eleição de Ngola Hari; fortes construídos por; morte
de; ofensiva contra Jinga
casamento cristão
Castilhon, Jean-Louis
Catarina, dona (regente de Portugal)
catolicismo ver cristianismo
Cavazzi, Giovanni Antonio: e carta do papa; e legado de Jinga; enterro de
Kabanga e irmã; ilustração de Jinga; na festa da igreja; na morte e no funeral
de Jinga; poema sobre Jinga; sobre a experiência militar de Jinga; sobre as
práticas religiosas de Jinga; sobre Jinga e canibalismo; sobre Ndambi a
Ngola; sobre o nascimento de Jinga; sobre os imbangalas; trabalho
missionário
Chapelle, Ferdinand van
Coelho, Dionísio
Congo; aliança com Jinga; e Espanha; e Matamba; e os holandeses; e Portugal;
Jinga na província de Wandu; mapa; ver também Garcia II
Constantinho, dom (Songa)
Cordella, Bonaventura de
Correia da Silva, Francisco
Correia de Sá, Salvador
Correia de Sousa, João
Cortona, Serafino da: correspondência com Jinga; diplomacia por intermédio de;
e Bárbara (Kambu); e embaixada de Jinga ao Vaticano; sobre Jinga; sobre
trabalho da missão
Costa, Diogo da
Coutinho, Manuel Pereira
cristianismo: e casamento; e legitimidade de Ngola Hari; em Ndongo; no Congo;
papel na política portuguesa; ver também capuchinhos; jesuítas; Jinga,
religião
Culembe

D
Dapper, Olfert
Dembos, região dos: derrota de Jinga na; portugueses na; quilombo de Jinga em
Dias, Sebastião
Dias de Novais, Paulo: como amante da filha de Ngoia Kiluanje; e a missão de
1560 a Ndongo; e conquista militar de Ndongo; e cristianização de Ndongo; e
tráfico de escravos
diplomacia ver Jinga, diplomacia
Donji (imbangala)
Dumbo a Pebo (região)

E
Elizabeth I (rainha da Inglaterra)
escravidão ver tráfico de escravos/escravidão
Espanha
espiritualidade ver cristianismo; Jinga, religião; religião tradicional

F
feiras (ou mercados); ver também tráfico de escravos
Fernandes Vieira, João
Forte de São Miguel
franciscanos
Funji (Graça): autoridade de; batismo de; captura pelos portugueses; considerada
para substituir Ngola Hari; espiã; esterilização pelo irmão; morte de; pais e
irmãos

G
Gaeta, Antonio da: biografia de Jinga; e Bárbara (Kambu); e casamento cristão;
e doenças de Jinga; e embaixada ao Vaticano; e tratado entre Portugal e Jinga;
entrega da misete para; intermediário diplomático; morte de; oposição a;
recepção por Jinga; relação com Jinga; sobre o nascimento de Jinga; sobre o
tráfico de escravos; sobre os talentos militares de Jinga; trabalho missionário;
transferência para longe de Matamba
gangas (ngangas , sacerdotes); ver também religião tradicional
Garcia II (rei do Congo): disputa por bispo; e Correia de Sá; e Fernandes Vieira;
e Jinga; e missionários em Wandu; e os holandeses
Gouveia, Francisco de
Graça ver Funji (Graça)
Gregório (aliado dos portugueses)
Gusmão, Luisa de (regente de Portugal)

H
Hari a Kiluanje
Hegel, G. W. F.
Heintze, Beatrix
Herrera, Georgina
Hohoria Ngola
holandeses: acordo formal com Jinga; aliança com Jinga; capitulação para os
portugueses; conflito com os portugueses; no exército de Jinga

I
imbangalas; aliança com Ngola Mbande; aliança com os portugueses; caos
causado por; destruição do quilombo de Jinga; familiaridade de Jinga com;
Jinga transforma-se em líder dos; leis e rituais; liderança; reputação de Jinga
entre os; ver também Kalandula; Kasa; Kasanje
Irmandade do Rosário

J
jesuítas: concessões de escravos para; concessões de terras para; conflito com
capuchinhos; diplomacia com; e Ndambi a Ngola; e Ngola Hari; papel no
colonialismo português; trabalho missionário; ver também capuchinhos;
cristianismo
“jinga” (como título)
Jinga; casamento com Kasa; casamento com Sebastião; como divindade; e
canibalismo; esterilização pelo irmão; funeral; imagens de; infância;
intrepidez; luto por; nascimento; nomes e títulos; relação com os homens;
troca de sexo; últimos dias e morte; ver também Jinga, campanhas militares;
Jinga, diplomacia; Jinga, legado; Jinga, política; Jinga, religião
Jinga (filme)
Jinga, campanhas militares: aquisição de armas; como estratégia de liderança;
como líder imbangala; contra Kasanje; contra Yaka; em Dembos;
Jinga, campanhas militares (continuação )em Matamba; em Mbwila; em Wandu;
experiência militar inicial; fugindo dos portugueses; impacto sobre os
portugueses; ofensiva conjunta com os holandeses; ofensiva contra os
portugueses; ofensiva de Azevedo contra; ofensiva de Cardoso contra;
ofensiva de Fernandes Vieira contra aliados de; ofensiva de Sotomaior e
Borges Madureira contra; Vasconcelos da Cunha contra
Jinga, diplomacia: aliança com holandeses; aliança com Kasanje; aliança com o
Congo; ataques de gênero contra; com Correia de Sá; com Coutinho; com
Fernão de Sousa; com jesuítas; com Menezes; com o Vaticano; com os
portugueses após a libertação de Bárbara; com Sousa Chichorro; como
enviada de Ngola Mbande; como tática protelatória; demonstrações de
lealdade a Portugal; e tráfico de escravos; mobilização de apoio; pela
continuidade da independência; pela libertação de Bárbara (Kambu); política
portuguesa a respeito; por intermédio de missionários; recepção de
delegações; tratado com os portugueses; ver também Jinga, política
Jinga, legado; alcance global; de acordo com Cavazzi; de acordo com Herrera;
estátua em Luanda; interpretações angolanas; interpretações europeias;
moldado por Gaeta e Cavazzi; nas tradições orais ambundas; no Brasil
Jinga, política: adoção de práticas imbagalas; ambições políticas; apoio para;
asccensão ao trono; autoridade legal; como ameaça aos portugueses; como
estrategista; como potência regional; concepções monarquistas; consolidação
do poder; culpa dos portugueses; estilo de liderança; exibição de autoridade
real; nova capital em Matamba; preparação para a liderança; quilombo em
Dembos; recrutamento de apoio; reputação de imbangala; ressurgimento do
esconderijo; rivais apoiados pelos portugueses; rivalidade com Ngola
Mbande; sucessão; território controlado por; ver também Jinga, diplomacia
Jinga, religião: apoio a jornadas missionárias; batismo; casamento cristão; como
modelo cristão; confronto com a religião tradicional; construção de igrejas;
consulta aos ancestrais sobre cristianismo; controle sobre; crucifixo de Jinga
a Mona; devoção pessoal ao cristianismo; diplomacia com o Vaticano;
diplomacia por intermédio de missionários; e capuchinhos; educação cristã;
entrega da misete ; esforços de cristianização; impacto da cristianização;
importância da espiritualidade para; mistura de tradições; objetivos políticos
da cristianização; oposição dos seguidores à cristianização; recepção de
Gaeta; religião tradicional praticada por; retorno ao cristianismo; ver também
cristianismo; religião tradicional
Jinga a Mona: batismo; campanhas militares; casamento com Bárbara (Kambu);
desqualificação da liderança; e crucifixo de Mbwila; na festa da igreja; no
funeral de Jinga; oposição a Jinga; relação com Jinga; tratado com os
portugueses
João (embaixador proposto ao Vaticano)
João (frade carmelita)
João IV (rei de Portugal): carta de Ngola Hari para; cartas dos governadores para;
luto por; na diplomacia; preocupação com Jinga; tratado de Jinga com
Junot, Laure

K
Kabanga
Kabasa (capital de Ndongo)
Kabuku Kandonga
Kafuxi ka Mbari
Kaita ka Kabala
Kakulu ka Hango
Kalandula (imbangala)
Kalunga (imbangala)
Kambambe (soba)
Kambu (Bárbara): advertência de Sousa a respeito de; ascensão ao trono;
autoridade de; batismo; captura pelos portugueses; casamento; celebração da
libertação; como sucessora; considerada para substituir Ngola Hari; e
Cortona; e luto por Jinga; esterilização pelo irmão; libertação; na corte de
Jinga; negociação para sua libertação; oposição à libertação de; pais e irmãos
Kanini, João Guterres ver Ngola Kanini
Kasa (imbangala): ajuda a Jinga; casamento com Jinga; como líder imbangala;
conflito por Matamba; e Ngola Mbande; e os portugueses; hostilidade contra
Jinga
Kasenda ver Ngola Kilombo kia Kasenda
Kassanje (imbangala): aliança com Jinga; aproximações feitas pelos
portugueses; batismo; campanha de Jinga contra; como líder imbangala;
conflito por Matamba; danos a Ndongo; e Ngola Mbande; e tratado entre
portugueses e Jinga; poder político de
Kengela ka Nkombe
Kia Ituxi
Kindonga, ilhas; ataques dos portugueses às; base de Jinga nas; jornada
missionária às; refúgio de Ngola Mbande nas
Kissama (região); ofensiva portuguesa contra; oferta de Jinga de ofensiva
conjunta contra; resistência contra os portugueses
Kitexi ka Ndambi
Kwanza, rio

L
Labat, Jean-Baptiste
Ladino, Alexandre
Libelo (região)
Lopes de Sequeira, Domingos
Luanda: colonização portuguesa de; como colônia do Congo; conflito entre
portugueses e holandeses pela posse de; estátua de Jinga em; luto por Jinga
em; trabalho missionário em
Lucala, rio

M
Mascarenhas, Simão de
Massangano (forte português)
Matamba (Ndongo-Matamba): conquista por Jinga; corte de Jinga em; e os
portugueses; história anterior; mapa; reconhecimento como nação cristã;
trabalho missionário em
Mbande a Ngola
Mbanza Congo (capital do Congo)
Mbwila (província)
Mendes, Antônio
Mendes Castelo Branco, Garcia
Mendes de Vasconcelos, João
Mendes de Vasconcelos, Luís
Menezes, Pedro César de
missionários ver capuchinhos; cristianismo; jesuítas; Jinga, religião
Monteprandone, Antonio Maria de
Moortamer, Pieter
morte de governantes; ver também tambos
mulheres
“Mulheres na História Africana” (Unesco)
Muongo (princesa de Matamba)
Muongo (rainha de Matamba)
Museke (província)
Mussasa
Muxima (forte português)

N
Ndala Kisuba
Ndambi a Ngola
Ndongo: aliados dos portugueses em; autoridade espiritual dos governantes;
autoridade legal; clima e recursos naturais; conquista e controle pelos
portugueses; cristianização de; diplomacia com os portugueses; efeito da
conquista sobre; escravidão em; extensão geográfica; funcionários da corte;
história anterior; Kabasa (capital); liderança e governo em; linhagens rivais;
mapas; militares; mulheres em; organização política; organização social;
plano de repovoamento; reinado de Kasenda; reinado de Mbande a Ngola;
reinado de Ndambi a Ngola; reinado de Ngola Kiluanje; reinado de Ngola
Mbande; relações iniciais com Portugal; sistema econômico; tributos; viagem
por rio em; ver também Matamba (Ndongo-Matamba); Jinga; religião
tradicional; líderes específicos
ngola (líder ou rei): base da legitimidade; morte de um; papel tradicional de
Ngola Hari; apoio dos jesuítas a; ataques de Jinga contra; autoridade de;
batismo; desejo de atacar Jinga; e Kambu e Funji; e trabalho missionário; e
tratado entre os portugueses e Jinga; eleição como rei rival; legitimidade de;
morte do filho de; no exército de Borges Madureira; posição fraca como rei
rival; relação com os portugueses
Ngola Kanini (João Guterres Kanini)
Ngola Kilornbo kia Kasenda: e cristianização de Ndongo; e os portugueses; e
religião tradicional; família; reinado de; últimos anos
Ngola Kiluanje kia Ndambi
Ngola Kiluanje kia Samba
Ngola Mbande: acordo com os portugueses; conflito com os portugueses;
consolidação do poder; consultas ao espírito de; diplomacia com os
portugueses; e batismo; e imbangalas; entrega da misete com relíquias de;
morte; reinado de; rivalidade com Jinga; veneração das relíquias de
Ngola Ntombo
Ngolome a Keta
Nzinga a Nkuwu

O
Ouman, Cornelis

P
Pacconio, Francisco
Paulo, dom (genro de Kasenda)
Pedro II (rei do Congo)
Pegado da Ponte, Rui
Peixoto, Manuel Fróis
Pereira, Manuel Cerveira
Pieterszoon, Thyn
Portugal: aliado de Ndongo; conflito com os holandeses; conquista e controle de
Ndongo; e Matamba; e o Congo; e tráfico de escravos; estratégia de
conquista religiosa; mapa do território angolano; navegação fluvial; relações
iniciais com Ndongo; rivais de Ndongo apoiados por; tratado com Jinga; ver
também Ngola Hari; Jinga, diplomacia; Jinga, campanhas militares;
governadores, reis e padres específicos
Pungo Ndongo (região)

Q
quimbundo, língua

R
religião tradicional; confronto de Jinga com; confronto dos jesuítas com;
consulta aos ancestrais sobre cristianismo; e Jinga a Mona; entrega da misete
; fé na; liderança reforçada pela; mulheres na; papel dos ngangas
(sacerdotes); praticada por Jinga; veneração das relíquias de Ngola Mbande;
xingulas ; ver também sacrifícios humanos; tambos (ritos fúnebres)
religião ver cristianismo; Jinga, religião; religião tradicional
ritos fúnebres ver tambos
Roma, Giovanni Francesco da
Romano, Antonio

S
Sá Miranda, Estácio de
sacrifícios humanos: durante o reinado de Kasenda; e ritos fúnebres de Jinga; em
Ndongo; em ritos fúnebres; participação de Jinga em; praticados pelos
imbangalas; proibição de
Sade, Marquês de
São Miguel, Forte de
Sebastião (marido de Jinga)
Sebastião, dom (rei de Portugal)
Sequeira, Jerônimo de
Serrão, Luís
Silva, Ana da
sistema econômico (Ndongo); ver também tráfico de escravos
Songa (dom Constantinho)
Sotomaior, Francisco de
Sousa, Fernão de: aliados recrutados por; ataques de gênero contra Jinga; como
conselheiro de Coutinho; considerado culpado por Jinga; diplomacia com
Jinga; e Hari a Kiluanje como rei rival; e Ngola Hari como rei rival; e
repovoamento de Ndongo; e trabalho missionário; e tráfico de escravos;
ofensiva contra Jinga; recepção de prisioneiros; sobre Angola; sobre Jinga
Sousa Chichorro, Luís Martins de: campanhas militares; correspondência com
Jinga; e embaixada de Jinga ao Vaticano; e Kassanje; libertação de Bárbara
(Kambu); negociações com Jinga
Straszewicz, Joseph

T
tambos (ritos fúnebres)
Teixeira de Saldanha, Bento
Tembo a Ndumbo
tráfico de escravos/escravidão: com os holandeses; conflitos sobre; controlado
pelos portugueses; controle de Jinga; de curandeiros da religião tradicional; e
capuchinhos; e jesuítas; interrupção por Jinga; negociações sobre; pelo
Congo; regulamentos de Ndongo sobre
tributos

U
Unesco

V
Valsassina, Ignazio de
varíola
Vasconcelos da Cunha, Francisco de
vassalagem
Vaticano
Veas, Francisco de

W
Wandu (província)

X
xingulas

Y
Yaka (reino)

Z
Zelotes dos Reis Magos, Calisto
Zundu (rainha)
Zunge a Moke (soba)
Linda M. Heywood é professora de história e estudos afro-americanos na
Universidade de Boston.
Njinga of Angola © 2017 by the President and Fellows of Harvard College.
Publicado mediante acordo com Harvard University Press.

Todos os direitos desta edição reservados à Todavia.

Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990,


que entrou em vigor em 2009.

capa
Elohim Barros
Renata Mein
composição
Manu Vasconcelos
preparação
Ana Lima Cecílio
índice remissivo
Luciano Marchiori
revisão
Valquíria Della Pozza
Ana Alvares
versão digital
Antonio Hermida

fotografia de capa
© National Portrait Gallery, London
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP )
——
Heywood, Linda M. (1945-)
Jinga de Angola: A rainha guerreira da África: Linda M. Heywood
Título original: Njinga of Angola: Africa’s Warrior Queen
Tradução: Pedro Maia Soares
Posfácio: Luiz Felipe de Alencastro
São Paulo: Todavia, 1ª ed., 2019
320 páginas

ISBN 978-85-88808-60-7

1. História da África 2. África portuguesa 3. Rainha Jinga I . Soares, Pedro Maia


II . Título

CDD 960
——
Índices para catálogo sistemático:
1. História da África 960
——
todavia
Rua Luís Anhaia, 44
05433.020 São Paulo SP
T . 55 11. 3094 0500
www.todavialivros.com.br
Afiadas
Dean, Michelle
9788588808300
416 páginas

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Mulheres geniais, como Sontag, Didion e Arendt, transformaram o panorama de


seu tempo e fizeram de suas opiniões um novo capítulo das letras, influenciando
autores e autoras e moldando nosso cenário cultural até os dias de hoje. As
mulheres brilhantes que são o foco de Afiadas vieram de diferentes origens e
tinham opiniões políticas e artísticas divergentes. Mas todas elas fizeram uma
contribuição significativa para a história cultural e intelectual dos Estados
Unidos e, em última análise, moldaram o rumo do século XX, apesar dos
homens que frequentemente as subestimavam ou rejeitavam seu trabalho. Essas
mulheres – Dorothy Parker, Rebecca West, Hannah Arendt, Mary McCarthy,
Susan Sontag, Pauline Kael, Joan Didion, Nora Ephron, Renata Adler e Janet
Malcolm – estão unidas pela precisão de pensamento e sagacidade. Afiadas é
uma representação vibrante do mundo intelectual da Nova York do século XX,
onde as festas repletas de fofocas repercutiam nas páginas da Partisan Review ou
da New York Review of Books. Misturando biografa, crítica literária e história
cultural, Afiadas é uma celebração dessas mulheres extraordinárias, além de uma
introdução atraente para suas obras.

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Lucky Jim
Amis, Kingsley
9788588808546
328 páginas

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Jim Dixon está em uma situação delicada. Não sabe se conseguirá manter sua
posição como professor de história medieval na universidade, já que para isso
teria que publicar um artigo que lhe valesse a admiração da academia. Como se
não bastasse, ele também deve cultivar um bom relacionamento com o professor
Welch, o chefe de seu departamento, um homem pedante que jamais esquece que
Jim vem de uma família de classe média baixa. E tudo isso enquanto tenta
conquistar Margaret, uma de suas colegas de trabalho que está se recuperando de
uma tentativa de suicídio por causa do rompimento com o ex-namorado. Jim terá
sorte o bastante para alcançar seus objetivos? Lucky Jim é um clássico do
absurdo: toda a ação se desenvolve em torno do controle individual sobre o
outro. Os equívocos, as maquinações, os mal-entendidos, os favoritismos
concorrem para o tormento de Jim, que fuma e bebe em demasia e se dirige
inapelavelmente a um ponto de ruptura. Este livro é considerado por Christopher
Hitchens (cujo ensaio é reproduzido como posfácio da edição) o mais divertido
da segunda metade do século XX. Esta é a primeira tradução brasileira do
aclamado romance de estreia de Kingsley Amis.

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Valsa brasileira
Carvalho, Laura
9788593828638
192 páginas

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Um livro corajoso que traz uma visão arejada e acessível sobre a economia
brasileira. Entre 2006 e 2017, a economia brasileira viveu numa montanha russa.
Do segundo mandato de Lula ao impeachment de Dilma Rousseff, o país passou
por alguns dos anos de maior prosperidade de sua história, mas também viveu
uma crise Sem precedentes. O que aconteceu? Este livro sugere uma resposta.
Segundo a autora, os obstáculos para a continuidade do crescimento inclusivo de
2006 e 2010 eram superáveis, mas optou-se por fazer deles pretexto para uma
malsucedida mudança de rumo. Laura Carvalho não se limita ao diagnóstico, e
propõe uma nova agenda, partindo do princípio de que o aprofundamento da
democracia cabe, sim, no orçamento. A tese é simples: uma agenda para todos,
que não tema os investimentos públicos nem o Estado de bem-estar social. É
com esse espírito polêmico e propositivo que Laura Carvalho dá sua
contribuição no momento em que, chacoalhado por convulsões políticas, o Brasil
está na encruzilhada do futuro.

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Outras Mentes
Godfrey-Smith, Peter
9788588808621
280 páginas

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Combinando história natural e filosofia, Peter Godfrey-Smith conta uma nova


história da consciência e traz ao centro do debate um dos mais fascinantes
membros do reino animal: o polvo. Embora os mamíferos e as aves sejam
considerados as criaturas mais inteligentes da Terra, tem se tornado cada vez
mais claro que um ramo muito distante da árvore da vida também gerou uma
inteligência superior: os cefalópodes, grupo do qual fazem parte os polvos.
Sabemos que em cativeiro eles identificam pessoas, atacam tanques vizinhos
para roubar comida, tapam drenos e realizam fugas ousadas. Em Outras mentes,
Peter Godfrey-Smith, filósofo da ciência e mergulhador, mostra como
organismos primitivos no oceano se tornaram complexos e adquiriram a
inteligência necessária para sobreviver. Como o polvo, uma criatura solitária
com pouca vida social, se tornou tão inteligente? Comparando os seres humanos
com nossos notáveis parentes animais, o autor lança uma nova e crucial luz
sobre a mente dos polvos – e, por consequência, da nossa própria consciência.

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Acre
Zappi, Lucrecia
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Lucrecia Zappi é uma voz potente do romance contemporâneo. Poucas vezes na


cultura brasileira a relação conflituosa da classe média com a cidade foi retratada
de forma tão precisa. A solidez do casamento de Oscar é ameaçada pela chegada
de Nelson, ex-namorado de sua mulher e desafeto dos tempos de juventude.
Recém-chegado do Acre, ele se muda para o mesmo prédio do casal, na Vila
Buarque, centro de São Paulo. Perdido entre a paranoia, o ciúmes de Marcela e
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por São Paulo esbarrando em feridas do passado e ameaças de violência que
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mergulha o leitor numa cidade sufocante e hostil, onde preconceito, brutalidade e
decadência brotam a cada esquina.

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