Como Eduardo Bolsonaro Acabou Virando Quase Tudo o Que Não Era PDF

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15/03/2020 Como Eduardo Bolsonaro acabou virando quase tudo o que não era

EDIÇÃO 162 | MARÇO_2020

vultos da República

A VIAGEM DO VAGÃO
Como Eduardo Bolsonaro acabou virando quase tudo o que não era
THAIS BILENKY

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15/03/2020 Como Eduardo Bolsonaro acabou virando quase tudo o que não era

Eduardo, com seus livros: “Se você ficar lendo só as grandes imprensas, você vai ter uma visão de mundo. Se conseguir sair
disso e ler autores como Olavo, vai descobrir outro mundo” CRÉDITO: DIEGO BRESANI_2020
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“A
i, meu Deus! Eu escondo esse álbum dele! Deus me livre!”
Heloísa Wolf Bolsonaro, mulher de Eduardo, o filho Zero Três
do presidente da República, está zangada com o marido. Ele
acaba de pegar o book de fotos que fez quando tentou ser modelo na
adolescência para mostrá-las à piauí. “Tu vai vazar?”, ela questiona,
insistindo que não quer ver as imagens publicadas na imprensa. Nelas,
Eduardo aparece com a pele bronzeada e o cabelo loiro em formato
tigela, à la Nick Carter, o integrante bonitinho dos Backstreet Boys. Em
uma das fotos, está apenas de sunga vermelha, recostado em uma mureta
com as pernas cruzadas, em pose insinuante. “Coisa brega!”, reclama
Heloísa. Eduardo olha para o seu segurança e dá um sorrisinho, como
quem se diverte com o incômodo da mulher. Conta que nunca mostrou à
imprensa o álbum de modelo. “Não me chama de homofóbico, mas nessa
época sempre tinham uns caras que queriam ou me comer ou dar para
mim”, diz ele. Vigilante, Heloísa observa: “Essa tua frasezinha foi
anotada, Eduardo.”

O casal está em seu apartamento funcional, na Asa Norte de Brasília,


numa quarta-feira do início de fevereiro. Heloísa, gaúcha de Novo
Hamburgo, é psicóloga, tem 28 anos e acompanha de perto a entrevista
do marido. Quando ela intervém, antecipando alguma resposta, ele
reage: “Muito obrigado, minha senhora.” Ele gosta da fama. Na verdade,
Eduardo Nantes Bolsonaro, 35 anos, o deputado federal mais votado da
história, adora a fama. Ele saboreia o prazer de mostrar as fotos do book,
apesar dos protestos de Heloísa. Orgulha-se do número de seguidores no
Facebook (2,7 milhões), no Twitter (1,8 milhão), no Instagram (2,9
milhões). A repercussão nas redes sociais é, para ele, um termômetro
fundamental do seu desempenho público.

Eduardo não tira do pulso um relógio G-Shock, modelo à prova d’água,


mesmo quando usa trajes sociais. “Falam que não fica bem usar terno
com relógio esportivo, mas acho bacana. Tem problema não, adoro meu
G-Shock.” Ao marcar a sessão de fotos para esta reportagem, pediu logo
cópia das imagens. “Não tenho fotos feitas por profissionais”, explicou.
Queria postá-las nas redes sociais.

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A calvície chegou cedo. Aos 30 anos, tentou um implante capilar. Hoje,


usa o cabelo raspado, máquina 2. Tem um porte atlético – 1,87 metro de
altura, 100 quilos –, corre de 5 a 10 km quando a rotina permite e, se
acorda cedo, vai nadar na piscina do Palácio da Alvorada, a residência
oficial do pai presidente. Quando é assediado por simpatizantes, atende
todos com satisfação evidente. Mas sua fama é mais virtual do que real.
Naquela mesma semana de fevereiro, pegou um voo da Gol com destino
a São Paulo. Não chamou a atenção no avião. E ninguém o abordou no
Aeroporto de Congonhas, enquanto percorria os corredores,
acompanhado por um segurança e um assessor. Vestia boné e camiseta e
tinha uma mochila às costas.

Zero Três cumpre seu segundo mandato como deputado federal. Em


2014, era escrivão da Polícia Federal quando seu pai resolveu que o filho
deveria aderir à vida pública. Naquele mesmo ano, elegeu-se pela
primeira vez com 82 224 votos. Aprovou apenas um projeto e viajou
freneticamente. Na eleição para o segundo mandato, em 2018, beneficiou-
se da onda que levou Bolsonaro à Presidência e obteve uma votação
extraordinária – 1,8 milhão de votos. Com o passaporte de turista
carimbado em dezenas de países, mas sem experiência diplomática,
resolveu envolver-se com política externa – uma decisão de grande risco,
não tanto para a sua família, mas para o governo e a imagem do Brasil lá
fora. Comecemos por uma manhã na Terra Santa.

F
azia três dias que Eduardo Bolsonaro e mais cinco colegas da
Câmara estavam em visita oficial a Israel. Na primeira sexta-feira de
dezembro de 2019, resolveram fazer turismo em Jerusalém.
Eduardo apareceu bem-humorado no salão do café da manhã. Brincou
que o fantasma do Partido dos Trabalhadores estava no seu encalço
porque o número do seu quarto no hotel era o 513 – o PT é identificado
eleitoralmente pelo número 13. Contou que, na porta do quarto, ao lado
do 513, ainda havia uma estrela vermelha. Depois do café, enquanto os
deputados caminhavam pelas ruas de pedra da parte antiga de
Jerusalém, Eduardo apontou o número 13 de uma casa e insistiu na
piada: “Olha aí. Estão me perseguindo.”

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A primeira parte do tour foi dedicada à Basílica do Santo Sepulcro, um


conjunto arquitetônico milenar erguido no local onde, segundo a tradição
cristã, Jesus foi crucificado e sepultado. Seguindo o guia israelense que os
acompanhava, os deputados enfrentaram a multidão na entrada e
aproximaram-se da Pedra da Unção, sobre a qual o corpo de Jesus foi
preparado para o sepultamento. Todos queriam tocar a relíquia – um
monólito de mármore rosa assentado sobre um suporte baixo de madeira
–, como fazem há séculos peregrinos de várias partes do mundo. “Deita
aí”, zombou Zero Três, dirigindo-se aos dois colegas que se agachavam
para tocar na pedra. Seguiram para o Santo Sepulcro. Depararam com
uma fila de turistas que esperavam para entrar na edícula onde está o
túmulo de Jesus. O guia israelense deu um jeitinho, e os deputados
furaram a fila, penetrando no local apertado, onde cabem umas dez
pessoas por vez.

Na saída do Santo Sepulcro, os colegas da Câmara combinaram deixar as


compras para o fim do passeio, mas não resistiram às ofertas do mercado
de bugigangas e lembranças. Eduardo viu uma banca, deu uma
corridinha para chegar à frente do grupo e, sem titubear, pegou uma
camiseta verde-oliva com o brasão amarelo das Forças de Defesa de
Israel. Pagou cerca de 50 shekels (equivalente a uns 60 reais) e entrou no
primeiro banheiro público disponível para vestir a nova aquisição. Em
outra banca, comprou uma pulseira dourada com a Estrela de David,
pela qual pagou outros 50 shekels. “Para a minha senhora”, informou.

“Vai, Léo, igual uma criança!”, disparou Eduardo para o deputado Léo
Moraes, do Podemos de Rondônia, que fazia graça, pondo e tirando o
boné, enquanto tirava fotos em um mirante em frente ao Muro das
Lamentações, o principal monumento judaico de Jerusalém. O guia
informou que o grupo estava em um ponto privado que oferece uma
vista privilegiada do conjunto do Muro e da Cúpula da Rocha, o sagrado
domo dourado dos muçulmanos. Eduardo sacou o celular e tirou fotos.
Era quase meio-dia, mas a temperatura não passava de 10ºC, e a garoa
começara a se espalhar pelo local.

Na véspera, havia sido anunciada a descoberta, perto do Muro, das


ruínas de um edifício do século XII d.C. A comitiva brasileira teria
oportunidade de conferir, em primeira mão, a novidade arqueológica. A

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certa altura, o guia se pôs a explicar que, antigamente, as notícias eram


também transmitidas por inscrições feitas nas moedas. “Quando os
romanos destruíram o Templo de Salomão, não tinha Twitter ou
Facebook para espalhar a informação”, exemplificou o guia. “Não tinha?
Como eles conseguiam viver?”, debochou Eduardo. A boutade animou
um pouco os brasileiros, que não estavam muito entusiasmados com a
visita às ruínas recém-descobertas. Finalmente, chegou a última atração
do tour: o Muro das Lamentações propriamente dito. É um local onde se
costuma fazer silêncio em respeito aos religiosos, que se concentram em
orações enquanto tocam o monumento. Mas o deputado Fábio Ramalho,
do MDB de Minas Gerais, já estava impaciente e, aos berros, convocou os
colegas para almoçar. Foram.

E
duardo Bolsonaro desembarcou em Tel Aviv no dia 4 de dezembro,
na condição de presidente da Comissão de Relações Exteriores e de
Defesa Nacional da Câmara. Encabeçava uma missão de duas
semanas pelo Oriente Médio, que custou 175 mil reais aos cofres
públicos. A viagem começou com uma agenda ambiciosa e terminou com
um saldo controverso. O ponto alto dos compromissos era uma reunião
com o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu. O encontro foi
desmarcado na última hora. Netanyahu, acossado por uma grave crise
política e investigações de corrupção, preferiu encontrar-se com o
secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, em Portugal. O
outro compromisso relevante era uma conversa com o presidente de
Israel, Reuven Rivlin, que deveria ocorrer na residência presidencial.
Também não aconteceu.

Como os encontros mais importantes caíram da agenda, Eduardo


resolveu aceitar o convite espinhoso de Yuli-Yoel Edelstein, presidente da
Knesset, o Parlamento israelense, para jantar em Psagot, um
assentamento israelense na Cisjordânia. É um lugar politicamente
corrosivo, que costuma ser evitado por autoridades estrangeiras, tanto
mais que a ONU considera o assentamento ilegal. O embaixador
brasileiro em Tel Aviv, Paulo Cesar de Vasconcellos, também foi
convidado para o jantar, mas não apareceu.

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No dia combinado, Eduardo e os demais deputados embarcaram num


ônibus blindado e rumaram para Psagot, a pouco mais de 20 km de
Jerusalém. O assentamento, com 2 mil moradores, fica no alto de uma
colina. É cercado por muros e guardas armados. A comitiva foi levada à
sede da vinícola local. Garçons serviram quibes à moda israelense (que se
parecem com coxinhas), kafta e uma espécie de rolinho primavera de
carne. Edelstein, o anfitrião, que é filiado ao Likud, o mesmo partido de
Netanyahu, só chegou uma hora depois. E não perdeu tempo em
comemorar o significado político da visita do filho do presidente do
Brasil. Também disse que a ideia de que Israel ocupa ilegalmente
territórios palestinos é uma “concepção velha” que não “leva a lugar
nenhum”, e completou: “Já é hora de reconhecer que a real coexistência
entre israelenses e palestinos está acontecendo bem aqui, onde pessoas
trabalham juntas, produzem juntas e constroem juntas um futuro de
paz.”

O deputado José Rocha, do PL da Bahia, propôs um brinde a Eduardo


com o vinho do assentamento, um produto que sofre ameaças de boicote
na Europa devido à sua origem. Descontraídos, os deputados jantaram,
provaram vinhos tintos e brancos e, no final, alguns compraram garrafas
de seus rótulos preferidos. Da varanda da sede da vinícola, um dos
administradores do assentamento apontou a cidade palestina de
Ramallah. Mostrou uma fábrica ali perto, onde “árabes e judeus
trabalham juntos, fazem dinheiro e constroem a paz”. Eduardo
interessou-se, gravou o depoimento do administrador, mandou editar e
publicou em suas redes.

Dias antes do jantar, o embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahim


Alzeben, tentou demover Eduardo da ideia de visitar Psagot. Telefonou
para ele quando o deputado estava deixando os Emirados Árabes Unidos
rumo a Israel. “Eu disse: ‘Eduardo, você não deve visitar assentamentos,
isso é prejudicial. Você está indo contra o consenso internacional’”,
contou o diplomata, semanas depois, em Brasília. “Lamentavelmente, ele
acabou indo.”

Pressionado, Eduardo incluiu de última hora uma visita a Belém e Jericó,


pontos turísticos da Palestina. Na tarde do seu derradeiro dia em Israel,
reuniu-se com o pastor evangélico palestino Jack Sara, no hotel onde

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estava hospedado, em Jerusalém. O pastor lamentou as posições recentes


do governo brasileiro, que prioriza os interesses de Israel em detrimento
das reivindicações palestinas. Eduardo ouviu e, logo depois, seguiu para
Belém e Jericó. Assim que os brasileiros partiram, o pastor reclamou: “Os
deputados brasileiros têm uma hora para ouvir um lado e a semana toda
para o outro. Minha sugestão é que ou se envolvam por inteiro, ou não se
envolvam em nada, porque se envolver com um lado só é problemático.”

Sem cumprir uma agenda relevante, Eduardo deixou Israel, visitou três
países árabes e, antes de voltar para o Brasil, fez uma nova escala de
algumas poucas horas em Jerusalém. O objetivo era inaugurar o escritório
da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos
(Apex-Brasil) na cidade. O escritório foi o recurso que o governo de
Bolsonaro encontrou para compensar a promessa até agora não cumprida
de transferir a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém.

Na inauguração do escritório da Apex-Brasil, Eduardo discursou que


vinha pautando suas decisões como deputado no Congresso Nacional a
partir de “instruções e ensinamentos” que recebera do embaixador
israelense em Brasília, Yossi Shelley, amigo da família Bolsonaro. A breve
escala foi providencial: ele finalmente conseguiu encontrar-se com
Netanyahu. Na reunião, estava também presente o embaixador Shelley, e
o presidente Bolsonaro participou, por alguns minutos, via FaceTime.

O encontro trouxe benefícios para Israel. Netanyahu pediu a Eduardo


que o governo brasileiro defendesse a posição de Tel Aviv no âmbito do
Tribunal Penal Internacional (TPI), que abriu uma investigação para
apurar eventuais crimes cometidos por Israel nos territórios ocupados. O
pedido foi atendido. No dia 14 de fevereiro, o Brasil mandou ofício ao
TPI alegando, entre outras coisas, que uma apuração criminal, nesse
momento, dificultaria os esforços em favor da paz na região.

O saldo final da viagem foi o previsível. “Eduardo tratou a todos com


dignidade e respeito”, disse o embaixador Shelley. Alzeben, o
embaixador palestino no Brasil, ficou exasperado: “Eduardo não visitou
regiões de conflito! Eu recomendei a ele: ‘Aproveite e veja o que é um
campo de refugiados, o que é um muro e o que é a ocupação militar
israelense. O que visitou? A Igreja da Natividade em tempos de Natal.

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Quantos palestinos são assassinados por dia em Gaza? Temos 7 mil


presos. Pessoas que morrem nas cadeias. Essa é a ocupação que Eduardo
não viu.” Para diplomatas no Itamaraty, que falam sob anonimato para
evitar represálias do governo, a viagem foi um desastre: fragilizou a
posição brasileira junto aos países árabes e, para piorar, colocou o Brasil
na posição de vassalo de Israel.

Z
ero Três tornou-se uma espécie de “diplomata” da família Bolsonaro
movido mais pelo prazer que tem de viajar do que propriamente
pelo apetite intelectual por política externa. Tudo começou em 2012,
quando o então deputado estadual Flavio Bolsonaro, seu irmão mais
velho, começou a assistir a vídeos de um polemista que dizia devotar sua
existência à luta contra a conspiração comunista mundial. Era Olavo de
Carvalho, que hoje vive em Richmond, no estado norte-americano da
Virgínia. Flavio gostou do que viu e, meses depois, decidiu homenagear o
novo ídolo com a Medalha Tiradentes, a maior honraria da Assembleia
do Rio de Janeiro. Ainda em 2012, tomou um avião para os Estados
Unidos para entregar a comenda em mãos. No encontro, transmitido ao
vivo pela internet e presenciado apenas por Roxane, mulher de Carvalho,
Flavio explicou que tomara a iniciativa de condecorar o polemista para
ajudar na divulgação de suas ideias. “Isso faz parte de um processo de
amadurecimento político, de as pessoas começarem a enxergar coisas que
não vão conseguir enxergar nunca se se basearem apenas em jornais,
revistas e periódicos dominados”, disse Flavio. O vídeo foi visto 60 mil
vezes no YouTube.

Paulatinamente, Flavio foi introduzindo o olavismo na família. “Confesso


para vocês que nós nunca estudamos a fundo essa corrente filosófica”,
contou o vereador Carlos Bolsonaro, o segundo da prole, em entrevista a
uma youtuber em 2014. “O Flavio foi o primeiro a identificar a
importância do Olavo de Carvalho.” Em 2016, Flavio passou a se dedicar
à sua fracassada campanha a prefeito do Rio de Janeiro. Seu trabalho de
criar pontes com o olavismo começou então a ser desempenhado por
Eduardo Bolsonaro, que exercia na época seu primeiro mandato de
deputado federal por São Paulo.

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Em janeiro de 2017, Eduardo fez sua primeira “peregrinação”, como os


olavistas chamam as visitas ao mentor, aos Estados Unidos. Numa sala
atulhada de papéis, objetos, livros e uma cama ao fundo, o deputado fez
uma transmissão ao vivo pelo Facebook, registrando a visita. Disse que o
“professor dispensava apresentações”, colheu a opinião do guru sobre a
eleição de 2018 e encerrou fazendo propaganda do cursinho de filosofia
online de Carvalho. “A mensalidade é baixinha”, disse. A transmissão foi
vista 260 mil vezes.

Nos meses seguintes, Eduardo se aproximou de um fiel seguidor de


Carvalho, tido como seu “melhor aluno”: Filipe Garcia Martins, na época
com 28 anos. Ex-funcionário da embaixada norte-americana em Brasília,
ele se correspondia com colunistas do site Breitbart News, que ajudou a
projetar o movimento de ultradireita nos Estados Unidos, e chegou a ter
contato com o então diretor-executivo da publicação, o consultor político
Steve Bannon. Mais tarde, Bannon deixou o cargo para participar da
campanha de Donald Trump, de quem se tornaria estrategista-chefe na
Casa Branca – foi demitido oito meses depois, em agosto de 2017.
Quando a campanha de Jair Bolsonaro começou a esquentar, Eduardo e
Carlos convidaram Martins para reuniões periódicas.

Faltando ainda quase dois anos para a eleição presidencial, o clã começou
a achar que uma viagem de Bolsonaro aos Estados Unidos ajudaria a
promover sua candidatura e reduzir o descrédito que enfrentava no
Brasil. Flavio telefonou para o americano-brasileiro Gerald Brant, diretor
de um fundo de investimentos, e lhe pediu que montasse uma agenda
para o pai, a ser cumprida no final de 2017. Na contramão de seus pares
no mercado financeiro, Brant era um entusiasta do candidato e se animou
com a tarefa.

Em outubro de 2017, Bolsonaro viajou para os Estados Unidos. Em Nova


York, além de participar em um debate por videoconferência com o
próprio Olavo de Carvalho, foi recebido no Council on Foreign Relations,
um centro de estudos internacionais, e na Câmara de Comércio Brasil-
Estados Unidos. Em Washington, acadêmicos articularam um protesto
contra a sua presença na Universidade George Washington, onde o
candidato deveria palestrar. A família reuniu-se para discutir o que fazer.

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Eduardo opinou que o pai deveria confrontar os opositores, mas foi voto
vencido. Bolsonaro cancelou a programação.

Único membro da família Bolsonaro que consegue se comunicar em


inglês, Eduardo desdobrou-se na viagem. Ao final das conversas, quando
os tradutores eram dispensados, ele tinha diálogos informais com os
interlocutores norte-
americanos e incumbia-se de estabelecer laços. Encerrado o tour, ganhou
o posto informal de embaixador da família. “Desde a pré-campanha,
Eduardo se dedicou a desenvolver contatos com players-chave em
Washington, não apenas na Casa Branca”, disse Brant em um telefonema.
“Ele desempenhou um papel importante. Preparou o terreno para a
eleição do pai ao mostrar que eram pró-Estados Unidos e viáveis para
ocupar a Presidência do Brasil.”

Em agosto de 2018, Eduardo voltou aos Estados Unidos e conseguiu


contato com outro guru: Steve Bannon, o estrategista. No último dia da
visita, em um café da manhã no Trump International Hotel, em Nova
York, o empresário paulista Mario Garnero apresentou o brasileiro à
jornalista Michelle Caruso-Cabrera, da emissora CNBC, que era próxima
de Bannon. A jornalista gostou de Eduardo e ligou para o estrategista.
Duas horas depois, Eduardo e Garnero sentavam para conversar com
Bannon, num canto reservado do hotel Regency. Bannon recomendou:
“Seu pai tem 18% das intenções de voto. Ele tem uma longa caminhada
para conseguir se eleger. O movimento anti-PT vai ajudar, mas ganhar
uma eleição requer que agregue o centro. É o que fiz com Trump.” A
certa altura, Bannon disparou: “Você precisa falar a seu pai que ele corre
risco de ser assassinado. Vocês precisam de segurança.” Eduardo
empalideceu. Dias depois, em 6 de setembro, Bolsonaro foi esfaqueado
em Juiz de Fora.

D
epois da vitória de Bolsonaro, os salões de Washington finalmente
se abriram para a família, e quem estava lá, para receber os
holofotes, era Eduardo Bolsonaro. Na viagem, acompanhado do
olavíssimo Filipe Martins, ele foi recebido por Rudolph Giuliani, ex-
prefeito de Nova York e conselheiro de Trump. Esteve com Jared

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Kushner, genro do presidente e seu assessor na Casa Branca, e com os


senadores republicanos Ted Cruz, do Texas, e Marco Rubio, da Flórida.

Em todos os encontros, falou-se das semelhanças entre os dois


presidentes. Na conversa com Kushner, Eduardo defendeu a “aliança
histórica” do Brasil com os Estados Unidos, que, na sua visão, fora
substituída por uma “dependência artificial” da China, resultado de um
suposto alinhamento ideológico que – na ilusão daqueles tempos pós-
eleitorais – o governo do seu pai prometia romper.

Eduardo arriscou-se a dar uma entrevista em inglês, ao vivo, para a Fox


News, emissora abertamente trumpista. Disse que o governo do seu pai
precisava limpar “muita sujeira e muito corrupto”, razão pela qual tinha
nomeado o ex-juiz da Operação Lava Jato, Sergio Moro, como ministro
da Justiça. Garantiu que o Brasil estava trocando “um enorme socialismo”
por uma “economia muito mais liberal”. Suas expressões imprecisas em
inglês causaram certo estranhamento no entrevistador, o jornalista
veterano Lou Dobbs, que não se conteve e deu um largo sorriso quando
Eduardo, tropeçando no idioma, disse que “Bolsonaro, como Trump, não
segue o politicamente corretamente”.

Convidado para o jantar de aniversário de Bannon na Embassy, como era


chamada a casa do ex-assessor de Trump em Washington, Eduardo
sentou ao lado de Filipe Martins, que foi instado a falar sobre a
“revolução brasileira” deflagrada com a vitória de Bolsonaro. Na mesa,
estavam pesquisadores, agentes do mercado financeiro e membros do
sistema de defesa e inteligência dos Estados Unidos. Bannon e o analista
militar Sebastian Gorka, que também trabalhou na Casa Branca de
Trump, discorreram sobre suas experiências. De acordo com o relato de
quem estava presente, os brasileiros foram alertados para os riscos do
deep state, teoria de cunho conspiratório segundo a qual os funcionários
do Estado tramam contra o governante da vez para impor sua agenda.
“Personnel is policy”, repetiu Bannon. Ou seja: a equipe que integra a
administração é que determina as políticas públicas. Se Bolsonaro não
escolhesse “conservadores legítimos”, seu governo seria sequestrado por
burocratas e desviado do seu propósito original.

À
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À vontade com os salamaleques do poder, Eduardo tirou fotos com


todos, divulgou o que pôde nas redes e, num gesto arriscado de apoio
político, posou para fotos vestindo o boné da campanha de Trump para
2020. Em Nova York, Bannon lhe ofereceu outro jantar, dessa vez com
investidores. Em dado momento, reservadamente, convidou-o para ser o
representante na América do Sul de O Movimento, uma frente
internacional que Bannon criara para reunir as forças de ultradireita.
Eduardo aceitou. O anúncio só aconteceu dois meses depois. Até hoje, O
Movimento não teve nenhuma atividade no Brasil, e Bannon, que
prometera visitar o país, nunca veio.

Eduardo o considera uma “mente brilhante” e uma “pessoa de


notoriedade”. Em conversa com a piauí em seu gabinete, em dezembro
de 2019, definiu sua relação com o estrategista: “Somos pessoas que
conversam sobre tudo, temos uma visão de mundo bem semelhante,
prezamos valores conservadores. Como a gente quer ter essa
proximidade, já que a esquerda consegue se articular globalmente, o
mínimo que a gente tem que fazer é estar em contato com nossos pares
para ver o que acontece lá. Aprender com os erros dos outros, evitar
futuros erros.” Os laços de Bannon com racistas e supremacistas brancos
nos Estados Unidos nunca incomodaram o deputado: “É igual a Jair
Bolsonaro, racista, machista, xenófobo, misógino. Todo mundo que é de
direita e pisa fora do politicamente correto recebe esses rótulos. Quando
fiquei sabendo desse tipo de acusação contra ele, na minha cabeça foi um
ponto positivo a favor do Steve Bannon.”

O
primeiro problema que Eduardo trouxe ao governo por suas
conexões estourou logo nas semanas de transição. E o problema
tinha dois nomes: Steve Bannon e Filipe Martins. A ala mais
tradicional da equipe do novo governo, que defendia uma abordagem
pragmática das questões de política externa, estava alarmada com
Martins. Ele tinha uma postura tão radical que recebeu o apelido de
Robespirralho – uma mistura de pirralho com Robespierre, o líder da fase
mais violenta da Revolução Francesa, o Terror.

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Martins defendia que o governo devia adotar uma postura de


enfrentamento total com o status quo, similar à que Bannon tentara
imprimir ao governo Trump, até ser demitido. Os tradicionalistas
achavam-no ingênuo. Obcecado com o Foro de São Paulo, organização
que reúne partidos e entidades de esquerda, Martins insistia em falar do
assunto até com plateias de grandes investidores.

A turma pragmática também desconfiava que Bannon, ex-operador do


mercado financeiro, estava menos interessado em colaborar com a
política externa do governo de Bolsonaro e mais empenhado em obter
vantagens financeiras. A suspeita ganhou corpo um ano mais tarde,
quando o estrategista se alinhou ao lobby contra a gigante chinesa de
tecnologia Huawei, concorrente da norte-americana AT&T. Bannon
tentou persuadir o governo brasileiro a proibir a empresa de participar
do leilão da rede de 5G de internet, previsto para novembro deste ano.
Um filme de média-metragem produzido por ele, no qual denuncia a
Huawei como espiã do Partido Comunista Chinês, circulou no Palácio do
Planalto. Dependente dos negócios com a China, o governo brasileiro não
fechou as portas para a Huawei, mas a agência reguladora do setor, a
Anatel, deve limitar a participação da empresa chinesa a 35%. Procurado
para falar sobre o assunto, Bannon disse que responderia às perguntas da
piauí. Depois, parou de atender a revista.

Entre os setores do governo Bolsonaro que mais assustam pelo


radicalismo, a política externa ocupa um lugar de honra. E quase tudo ali
tem a mão de Eduardo, a começar pelo chanceler Ernesto Araújo, um
obscuro diplomata do Itamaraty, que dedicava as horas vagas à escrita de
ficções como A Porta de Mogar e Xarab Fica. Desde a campanha eleitoral,
a política externa vinha sendo debatida por três grupos diferentes. Havia
a turma dos generais, que travavam conversas com diplomatas e
acadêmicos, como Hussein Kalout, pesquisador em Harvard e ex-
secretário especial de Assuntos Estratégicos do governo de Michel Temer.
Criou-se outro grupo em torno de Paulo Guedes, futuro ministro da
Fazenda, que contava com os economistas Marcos Troyjo e Carlos
Alexandre da Costa. Na terceira frente, estavam Eduardo e Martins – e
então apareceu Ernesto Araújo.

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Desde a publicação do artigo Trump e o Ocidente, em 2017, no qual


condenava o “globalismo”, o “marxismo cultural” e atribuía a Trump um
papel divino na política mundial, Araújo capturara a atenção de
Martins. Ainda na campanha, o diplomata escrevera outro ensaio, não
divulgado publicamente, que fizera chegar às mãos de Olavo de
Carvalho, que, por sua vez, encaminhou-o para Eduardo, com elogios.
Depois da vitória de Bolsonaro, quando se discutiu quem ocuparia o
Itamaraty, Eduardo sugeriu Araújo – e o pai acatou. Martins, por sua vez,
tornou-se assessor para assuntos internacionais no Planalto, um
“chanceler em palácio”.

Aos poucos, a divisão de trabalho entre os três ficou nítida. A Martins


cabia formular ideias e pensar a política externa. Araújo executava as
sugestões, tirando-as do papel. E Eduardo, que não formula nem executa,
continuou no papel de abre-alas da área internacional e propagandista
nas redes sociais. Em março do ano passado, quando Bolsonaro esteve
com Trump no Salão Oval da Casa Branca, foi Eduardo quem
acompanhou o presidente na conversa a portas fechadas, e não o
chanceler. Em agosto passado, quando já estava em campanha para ser
embaixador em Washington, Eduardo foi recebido novamente por
Trump. Dessa vez, estava sem o pai, mas com Araújo e Martins. O acesso
a Trump seria uma credencial para o cargo pleiteado. Não funcionou.
Com inglês claudicante e inexperiência em assuntos diplomáticos, sua
candidatura não resistiu à pressão contrária, inclusive de boa parte do
seu eleitorado.

E
m seu apartamento em Brasília, além de exibir as fotos do book de
modelo, Eduardo decide mostrar alguns de seus livros. Ele informa
que sua referência intelectual é Roger Scruton, o filósofo
conservador britânico que morreu em janeiro passado. “Ele tem vários
livros, não li todos, obviamente”, diz. Mas leu qual? “Estou para ler”,
responde. “Vou começar o branquinho dele. Da capa branquinha.” Ele
pega o livro sobre a mesa de centro da sala para lembrar o título e mostra
a edição em inglês. Chama-se Conservatism: An Invitation to the Great
Tradition (Conservadorismo: Um Convite à Grande Tradição, mesmo
título da tradução brasileira).

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15/03/2020 Como Eduardo Bolsonaro acabou virando quase tudo o que não era

Entre seus livros preferidos, está O Mínimo que Você Precisa Saber para
Não Ser um Idiota, uma coletânea de artigos de Olavo de Carvalho. Ele
mostra o volume e se deixa fotografar com ele. “No final, como diz o
título, você realmente consegue ter uma bagagem que te torna apto a
debater vários temas”, diz.

Eduardo, entretanto, não parece ser um homem tão ligado a livros como
é a redes sociais, de onde extrai a maioria de suas referências. Indagado
sobre o que encontrou de mais relevante em O Mínimo…, ele titubeia, e
Heloísa, sua mulher, intervém: “O próprio título.” Ele ri brevemente e
volta para o mundo da internet: “É que Olavo abre seus olhos. Se você
ficar lendo só as grandes imprensas, você vai ter uma visão de mundo. Se
você conseguir sair disso e ler autores como Olavo, e começar a entrar no
mundo da internet, onde vários perfis têm muito mais curtidas e retuítes
do que jornalistas com grande aparato por trás deles, você vai descobrir
outro mundo.” Scruton também lhe chegou pelo YouTube. “Tem alguns
vídeos muito bons. O que mais repercutiu depois da morte dele foi o que
fala da importância da beleza. Ele critica muito as obras de arte nos
Estados Unidos, o pessoal colocando coisas nojentas, sujeira…”

Nas aulas que recebeu de diplomatas do Itamaraty durante sua


preparação para a sabatina no Senado, etapa necessária para a nomeação
de um embaixador, Eduardo aprendeu algumas coisas que, agora, repete
em diferentes ocasiões. Barão do Rio Branco? “Conseguiu tirar as nossas
relações do eixo das potências europeias e virou aqui para os nossos
vizinhos da América do Sul e os Estados Unidos”, diz. Oswaldo Aranha?
“Presidiu a Assembleia Geral da ONU que criou o Estado de Israel, fez
acordos internacionais com os Estados Unidos de viés liberal.”

Ao ser questionado sobre seus ídolos na área da política externa, Eduardo


cita o trio norte-americano que conheceu em Washington: Kushner-Cruz-
Rubio. Indagado sobre o que pensa de Henry Kissinger – o poderoso
secretário de Estado que ganhou o Nobel da Paz pela negociação do fim
da Guerra do Vietnã e teve papel ativo na repressão a opositores das
ditaduras na América do Sul –, Eduardo toma um gole d’água, olha para
o assessor ao lado, e responde: “Não conheço.” Em fevereiro último, o
nome de Nestor Forster foi aprovado pela Comissão de Relações
Exteriores do Senado como o novo embaixador do Brasil em Washington.

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15/03/2020 Como Eduardo Bolsonaro acabou virando quase tudo o que não era

Ele já chefiava interinamente a missão diplomática brasileira na capital


norte-americana. É um devoto olavista e conhece Henry Kissinger.

O
interior do apartamento de Heloísa e Eduardo em Brasília já
ganhou as redes sociais, desde que ela postou um vídeo no
Instagram mostrando como estava ficando a decoração. Nas
paredes, há uma foto de Jair Bolsonaro, com a faixa presidencial, e um
retrato a óleo de Eduardo, obra de Silvio Zatti, um artista que mais
comumente pinta rosas de cores coruscantes e cavalos brancos galopando
ao léu. São muitas as referências a armas. Nas paredes, os enfeites bélicos
trazem frases em inglês. Um diz: “Você não gosta de armas? Então não
compra uma. Fácil.” Outro, com dois revólveres entrecruzados, avisa:
“Aqui não telefonamos para o 911”, o número de emergência nos Estados
Unidos. Em uma foto, feita em Gramado (RS), o casal aparece vestindo
roupas de época: ela está de pé, com chapéu e vestido longo bufante; ele
está sentado, de boina, camisa xadrez e suspensório; ambos seguram uma
espingarda comprida e gasta. Na prateleira de bebidas, há uma garrafa
da tequila Hijos de Villa em formato de revólver. A bebida sai pelo cano.
A cachorra, uma vira-lata cor de caramelo que usa três presilhas na
cabeça, chama-se Beretta, uma marca italiana de armas.

O culto às armas é uma obsessão. Eduardo já apareceu em plena Avenida


Paulista com uma pistola Glock 17, calibre 9 mm, em uma manifestação
pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff. A pistola, disse depois,
estava “desmuniciada”. No ano passado, deixou-se fotografar com uma
arma na cintura, detrás do paletó, quando visitava o pai no hospital Vila
Nova Star, em São Paulo. No dia seguinte, empolgado com a repercussão
que a foto com a arma causara nas redes sociais, chegou armado em uma
reunião com empresários na Federação das Indústrias do Estado do Rio
de Janeiro (Firjan), segundo noticiou o jornal O Globo.

Na única vez conhecida em que ele poderia ter usado uma arma, as
coisas não deram muito certo – a exemplo, aliás, do que aconteceu com
seu pai, que foi assaltado quando passeava de moto no Rio de Janeiro, em
1995, e o ladrão levou-lhe o veículo e até a arma que Bolsonaro usava,
uma pistola Glock, calibre .380. O caso de Eduardo, testemunhado por

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15/03/2020 Como Eduardo Bolsonaro acabou virando quase tudo o que não era

colegas da faculdade, ocorreu em Juiz de Fora (MG). Eles contam que, ao


ver um assalto, Eduardo, que já tinha porte de arma, se atrapalhou e
acabou abordando a vítima em vez do bandido, que conseguiu fugir
ileso. Ele diz que não foi nada disso. “O ladrão caiu na minha frente,
puxei a arma, tentei enquadrar, mas ele saiu correndo, e eu não atirei
para cima dele, não tinha o que fazer”, contou. “Nesse dia, ele ganhou.
No outro, ele cai.”

D
uda, como Eduardo Bolsonaro era chamado na infância e
adolescência, cresceu na Tijuca, na Zona Norte do Rio de Janeiro.
Embora o bairro fosse longe da praia, ele vivia pegando onda.
Subiu numa prancha de body-board aos 12 anos, inspirado por Flavio, o
primogênito. Um ano depois, interrompeu a prática do novo hobby para
ser submetido a uma cirurgia para corrigir uma ginecomastia, que é o
crescimento excessivo das mamas em homens. Sofreu na mão dos colegas
de escola. Seu apelido virou Buba, o nome de uma personagem
intersexual na novela Renascer, exibida pela Rede Globo, em 1993.
“Falavam que eu tinha vagina e pênis”, diz. “Eu dava risada. Às vezes
caía na porrada.”

A família Bolsonaro morava em um condomínio na Rua Dona Maria.


Eduardo e os amigos também gostavam de frequentar festinhas e a área
de lazer do prédio, que tinha churrasqueira, piscina, academia e
playground. Não era segredo para ninguém que os jovens bebiam,
fumavam maconha e cheiravam loló, um entorpecente caseiro à base de
clorofórmio e éter. O síndico do prédio na época, um militar da
Aeronáutica, chegou a fechar o acesso ao playground depois das dez da
noite porque o local estava virando um ponto de drogas. “Duda era o
bonitinho do surfe, adolescente normal, saía e usava o que estava na
roda”, contou uma amiga da época, que pediu para não ser identificada
por temer ataques da família presidencial. Nessa época, Bolsonaro
chamava Duda de Vagão, corruptela de vagabundo.

Um dia, na Praça Varnhargen, a poucas quadras de sua casa, Duda e


outros garotos foram flagrados por um policial enquanto fumavam
maconha. Um amigo lembra que foram levados para a delegacia. O

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15/03/2020 Como Eduardo Bolsonaro acabou virando quase tudo o que não era

delegado conhecia o então deputado Bolsonaro e ligou para avisá-lo do


incidente com o filho. “Deixa ele aí guardado para aprender”, disse o pai.
Os jovens tomaram uma dura e, horas depois, foram liberados. Eduardo
afirma que a história é pura invencionice. “Jamais! Nego
categoricamente”, diz. “Droga para mim é coisa de pessoas que têm falta
de personalidade. Meu prazer é surfar, estar em família, visitar minha
avó. Se eu quiser desestressar, eu vou à igreja, à praia. Nunca fumei
maconha, nem cheirei cocaína, crack, nada. Loló? Nada.”

Nas férias, um dos programas preferidos da família era acampar em


Tarituba, na região de Paraty, no litoral do Rio de Janeiro, para onde iam
de carro – primeiro uma Belina, depois, um Chevette Junior. No reboque,
as barracas e um bote inflável, motor cinco cavalos. Bolsonaro aplicava
testes de matemática nos filhos durante o caminho. “Faltam 200 km até o
destino. Se viajarmos a 100 km/h, em quanto tempo a gente chega?” Na
praia, cada filho recebia sua incumbência. Um levantava a barraca, outro
enchia o fole do barco, o terceiro arrumava o material de mergulho. Na
hora da caça submarina, Bolsonaro instruía os meninos a estarem sempre
juntos.

Eduardo cursou o ensino médio no Colégio Palas (entre as escolas


fluminenses, o Palas ficou em 52º lugar na classificação do Enem-2018).
No último ano, prestou vestibular para direito, mas não passou. Precisou
de um ano de curso preparatório. Foi aprovado na primeira fase do
vestibular na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), mas
esqueceu de se inscrever para a segunda fase. “Comi essa bola”, diz. “Fui
até o local da prova no dia certo e descobri que eu não estava inscrito.
Liguei para um amigo meu, e a gente foi pra praia, e tinha onda muito
boa, então foi muito bom para desestressar.” Como segunda opção,
conseguiu entrar no curso de direito da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ).

Um amigo próximo desses tempos, que pediu anonimato para falar com
mais liberdade, descreve Eduardo como “um cara gente boa, meio
bobalhão, meio retardado”. Suas intervenções pareciam “meio lesadas”, o
que rendeu ao futuro deputado um novo apelido – Loide, em referência
ao personagem do filme Debi & Loide – Dois Idiotas em Apuros, de 1994.
Eduardo integrava a equipe de futebol, era assíduo nos Jogos Jurídicos,

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15/03/2020 Como Eduardo Bolsonaro acabou virando quase tudo o que não era

tradicionais campeonatos esportivos entre faculdades de direito, não


perdia as noitadas do time e dava carona aos colegas, pois era um dos
poucos que tinha carro. Não gostava que suas namoradas usassem saias
curtas, revelava intimidades delas para os amigos e era muito ciumento.

Aos 20 anos, no início do curso de direito, passou dois meses das férias
trabalhando no interior do Maine, estado norte-americano na fronteira
com o Canadá. A empresa de intercâmbio arranjou como hospedagem
uma casa compartilhada com oito brasileiros e catorze peruanos. Todos
trabalhavam em restaurantes fast-food, onde Eduardo preparava
hambúrgueres. Ele falava mais espanhol do que inglês, mas gostou tanto
da experiência que a estendeu por mais dois meses, desta vez em um
lugar menos monótono. Conseguiu um emprego em uma estação de
esqui no estado do Colorado. Trabalhava em uma lanchonete no alto da
montanha. “Pelo menos uma vez por dia você fazia snow-board (surfe na
neve)”, contou.

Aos 22 anos, quando já estava na metade do curso, fez outro intercâmbio,


desta vez na Universidade de Coimbra, em Portugal. As aulas não
deixaram impressão tão entusiasmada quanto as viagens de mochilão.
“Como a passagem é muito barata, viajava nas low fare (companhias
aéreas de baixo custo). Você ia empacotado no avião, pagava 30 dólares,
mas chegava.” Esteve na Espanha, Portugal, Ilhas Canárias, Bélgica,
Holanda, Itália, Noruega, República Tcheca e Alemanha.

Nunca se envolveu com política universitária. Era tão avesso à política


em geral que chegava a abandonar as rodas de amigos quando
começavam a falar do assunto e entravam em questões que envolviam as
posições do pai – o que não o impediu de ter um emprego fantasma na
política. Durante mais de um ano, foi funcionário da liderança do PTB em
Brasília, enquanto cursava a faculdade no Rio de Janeiro. Seu salário, em
valores atuais, passava de 10 mil reais.

A regra da família impedia que dois membros disputassem o mesmo


cargo. Como Carlos era vereador, Flavio tinha uma cadeira de deputado
estadual e Bolsonaro exercia mandato de deputado federal em Brasília,
Eduardo estava docemente proibido de se lançar. (A regra familiar foi
violada em 2000, quando Bolsonaro, numa decisão que deixou traumas

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15/03/2020 Como Eduardo Bolsonaro acabou virando quase tudo o que não era

na família, resolveu lançar o filho Carlos, então com 17 anos, à disputa de


uma vaga de vereador contra a própria mãe, Rogéria. O casal, na época,
já estava separado. Carlos venceu a mãe por uma diferença de 10 944
votos.)

O
que mais intriga amigos de juventude e colegas de faculdade é a
metamorfose do Vagão. Ouvidos pela piauí, eles contam que
Eduardo era um sujeito boa-praça, agradável e cordato, que nunca
defendeu posições extremistas. Seus professores da UFRJ dizem que não
conseguem reconhecer o jovem estudante no deputado. “Quando leio nos
jornais e nas redes sociais as falas dele, é como se fosse um personagem
que eu não conheço, porque o Eduardo Bolsonaro aluno era normal,
gentil, educado”, diz a professora Vanessa Berner, titular de direito
constitucional na universidade.

Seu trabalho de conclusão de curso, escrito em 2008, é um testemunho da


sua mutação. Em 67 páginas, Eduardo criticou o plea bargaining,
instituto do direito norte-americano que dá aos procuradores o poder de
negociar a pena com o acusado em troca de sua confissão. Disse que a
disparidade de forças entre defesa e acusação é tão “escrachante” que o
plea bargaining parece “uma pena sem julgamento”. Em três passagens,
mencionou o professor Geraldo Prado, uma referência na área de direitos
humanos, e qualificou-o como “um autor alumiado”. Louvou o trabalho
dos juristas que combatem “os populares [que] clamam por vingança a
todo custo, principalmente diante de casos de repercussão nacional [e]
deleite da mídia”. O trabalho de advogados e juízes, escreveu, é a
garantia de que o país não vai regredir à “barbárie do tempo dos
primatas”. Por fim, defendeu que condenados em primeira instância
tenham amplo direito a recorrer de suas sentenças. “Estaríamos
retrocedendo aos tempos da Inquisição, onde julgamentos feitos em
praças públicas condenavam pessoas à morte sem direito de recurso?”,
perguntou, retoricamente.

Formado há menos de doze anos, Eduardo hoje pensa o oposto. Em


dezembro, em conversa com a piauí, defendeu o plea bargaining, que
chegou a ser incluído sem sucesso no pacote anticrime proposto pelo

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15/03/2020 Como Eduardo Bolsonaro acabou virando quase tudo o que não era

ministro da Justiça, Sergio Moro. No ano passado, apoiou a prisão de


condenados antes que todos os recursos fossem analisados. Em
novembro, replicou nas redes sociais um vídeo em que policiais, durante
um assalto a um restaurante, aparecem atirando em criminosos até
derrubá-los no chão. Como quem acha que a violência é superior a uma
sentença judicial, comemorou: “Esse é um dos raros momentos em que
vemos a justiça sendo aplicada no Brasil. Um clássico”, disse.

Em 2019, fez reverberar nas redes uma acusação de que Geraldo Prado, o
“autor alumiado” de outrora, recebera dinheiro do Primeiro Comando da
Capital (PCC), a maior facção criminosa do país. Logo Eduardo, que, no
auge da campanha pró-impeachment, fez um discurso dizendo o
seguinte: “Voto no Marcola, mas não voto na Dilma. Pelo menos o
Marcola tem palavra.” Marcola era – e ainda é – o chefão do PCC. Prado,
em resposta à acusação do ex-aluno, de quem disse não ter nenhuma
lembrança, afirmou: “Nunca fui contratado ou recebi pagamentos de
nenhuma organização criminosa.”

Para Eduardo, é natural que sua visão de mundo tenha mudado tão
radicalmente em tão pouco tempo. “Poxa, vai comparar agora, eu com 35
anos, em segundo mandato? A minha preocupação era passar de ano, ir
nos Jogos Jurídicos e estudar para concurso.” Sua amizade com a turma
da faculdade continuou nos anos seguintes à formatura. Uns dez amigos
mais próximos mantinham contato com ele em um grupo de WhatsApp,
mas não o pouparam de críticas, quando, já deputado federal, ergueu
bandeiras que eles jamais esperavam vê-lo erguer. Na votação do
impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em abril de 2016, o tempo
fechou. Os amigos da UFRJ ouviram Jair Bolsonaro homenagear o
torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra em seu discurso e notaram que
Eduardo, posicionado atrás do pai, repetia em voz baixa o nome de Ustra
e depois provocou quem o vaiava fazendo um gesto que sugeria que os
opositores eram ladrões. A turma da faculdade expulsou-o do grupo.

C
omo deputado, as posições de Eduardo também sofrem guinadas.
Em 2017, por exemplo, ele era contra a reforma da Previdência
proposta pelo então presidente Michel Temer. Chegou a postar um

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15/03/2020 Como Eduardo Bolsonaro acabou virando quase tudo o que não era

vídeo nas redes sociais dizendo que a Previdência não era deficitária –
aliás, seguindo posição do seu pai. Quando o governo de Bolsonaro
propôs uma reforma previdenciária até mais profunda, Eduardo apoiou-
a integralmente. No início de sua vida parlamentar, apresentou um
projeto para acabar com a prerrogativa do presidente da República de
indicar ministros do Supremo Tribunal Federal. Depois da eleição de seu
pai, abandonou o projeto.

Em 2019, Eduardo e o pai eram favoráveis ao orçamento impositivo,


mecanismo que retirou do governo parte do controle das contas públicas
e passou a obrigá-lo a liberar as verbas aprovadas pelas bancadas
estaduais. Em discurso no plenário da Câmara, Eduardo disse que a
medida, então sob votação, traria “independência para este plenário,
independência para os colegas deputados federais”. Rebatendo a
acusação de que o orçamento impositivo usurpava poderes do governo,
disse que a medida era o contrário – um sinal de uma “relação harmônica
entre os poderes”. Em março daquele ano, a Câmara aprovou a medida
por 453 votos contra seis. Agora, Eduardo virou-se contra o orçamento
impositivo. Até colocou-se a favor de uma manifestação popular, prevista
para meados de março, contra o Congresso, porque os parlamentares
estão fazendo uso do orçamento impositivo, que agora passou a ser
considerado uma “chantagem” contra o governo.

Hoje, as posições políticas de Eduardo completam toda a lista ideológica


da direita. É a favor do regime militar, da pena de morte, de Brilhante
Ustra, de motins policiais. É contra a descriminalização do aborto, o
casamento gay, o desarmamento, a demarcação de terras indígenas, as
políticas de direitos humanos, o combate ao aquecimento global, a
diversidade de gênero, o feminismo, o ambientalismo, o politicamente
correto, as cotas raciais.

C
om o diploma de bacharel em direito nas mãos, Eduardo precisava
sepultar a fama de Vagão. Queria ficar longe das ondas e das festas
cariocas. Confinou-se no apartamento do pai em Brasília para
estudar e prestar concursos. Em 2010, a Polícia Federal abriu um processo
de seleção para preencher duzentas vagas de agente e quatrocentas de

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15/03/2020 Como Eduardo Bolsonaro acabou virando quase tudo o que não era

escrivão. O primeiro é um investigador. O segundo, um burocrata.


Eduardo tentou o mais fácil – o de escrivão – e passou. Durante cinco
meses, fez academia de polícia em Brasília.

Seu primeiro posto foi em Guajará-Mirim, no interior de Rondônia. A


cidade na divisa com a Bolívia, no meio da selva amazônica, contava com
42 mil habitantes e quase nenhum esgoto sanitário. “Tinha meia dúzia de
ruas asfaltadas e dois restaurantes, e a diversão no fim de semana era um
rio”, resumiu Eduardo. Ele especulou pedir ao pai que desse uma
carteirada para lhe conseguir um posto menos ermo, mas desistiu. “Era o
governo da Dilma, o ministro da Justiça [a quem a PF responde] era o
José Eduardo Cardozo. Se meu pai pedisse para ele para eu ir para o Rio
de Janeiro, era capaz de eu ser mandado para… tem algum lugar pior
que Guajará-Mirim?”, zombou, durante uma palestra em meados de
2018. Equivocou-se: quando Cardozo assumiu o Ministério da Justiça em
2011, Eduardo já não trabalhava mais em Rondônia.

De início, em Guarujá-Mirim, o escrivão morou num motel, depois


alugou uma casa junto com outros dois policiais novatos. Teve um caso
com uma juíza da cidade e, nem seis meses depois, estava de partida.
“Dei uma sorte tremenda. Era para ficar três anos, mas faltava escrivão
em São Paulo e abriram sessenta vagas”, contou. Trabalhou no Aeroporto
Internacional de Guarulhos, o mais movimentado do país, e menos de
um ano depois foi transferido para a superintendência da PF da capital
paulista, onde se ocupou do setor previdenciário.

Quando fala da carreira na Polícia Federal, observa que não é um


trampolim para o sucesso – ou seja, não é o lugar adequado para ser
muito filmado, muito fotografado e quebrar a internet. “Não é um local
em que você vai ser o cara, que você vai aparecer muito, fora uma
exceção ou outra, um agente hipster aí mais barbudo que conduza o
Dirceu”, diz. O ex-ministro José Dirceu, na verdade, foi levado para o
xilindró pelo Japonês da Federal.

A
grande guinada de sua vida veio em 2014. Até então, Eduardo
conseguira evitar as urnas. Quatro anos antes, o pai ensaiou lançá-lo

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A
15/03/2020 Como Eduardo Bolsonaro acabou virando quase tudo o que não era

para deputado federal pelo PP, mas as coisas acabaram não dando certo,
para alívio do rapaz. Da segunda vez, porém, Bolsonaro foi enfático: ele
deveria se candidatar. Eduardo aceitou a incumbência. Bolsonaro
calculou que poderia expandir sua base eleitoral se Eduardo fosse
candidato em São Paulo, o maior colégio eleitoral do país, onde o filho
havia morado por cerca de quatro anos. Obediente, ele abriu mão do
surfe e começou a campanha.

Eduardo foi carregado nas costas por Bolsonaro. Com sua sexta reeleição
como deputado federal pelo Rio de Janeiro praticamente garantida,
Bolsonaro dedicou-se a viajar para cidades paulistas apresentando o
filho. Estava nas rápidas aparições em programas de tevê de Eduardo,
estava nos santinhos, estava nos panfletos e estava nas ruas, anunciando
os eventos da candidatura do filho em suas redes sociais.

Como sempre aconteceu em campanhas dos Bolsonaro ao longo dos


anos, os próprios familiares e alguns assessores que vivem acomodados
nos gabinetes legislativos da família fizeram contribuições financeiras.
Oficialmente, Eduardo arrecadou 73 mil reais (em valores atualizados
pela inflação). Por decisão do pai, concorreu pelo PSC, a fim de pegar
carona nos votos da legenda. Foi uma decisão sábia. Com apenas 82 224
votos, Eduardo não conseguiria se eleger, mas ganhou a cadeira graças às
sobras de campeões das urnas, como o deputado Pastor Marcos Feliciano,
amigo de Bolsonaro, que obteve quase 400 mil votos.

Ao tomar posse, Eduardo licenciou-se da polícia. Em seu primeiro


discurso na tribuna da Câmara, em fevereiro de 2015, disse: “Tenho que
agradecer a 82 mil eleitores que me confiaram o voto, com certeza por
conhecerem o trabalho do meu pai, porque na Polícia Federal eu conheço
meus colegas, mas não conheço 82 mil pessoas, muito menos em São
Paulo.” Em seguida, anunciou que pautaria sua atuação segundo os
ditames paternos. “Sou filho do deputado Jair Bolsonaro. A batida a ser
seguida é essa: lá em casa não tem muita democracia, não.” Assumiu já
anunciando que, na sua opinião, o PT estava prestes a “implantar uma
ditadura cubana” no Brasil.

Eleitos, pai e filho grudaram. Os gabinetes eram vizinhos, tinham


assessores em comum e se ajudavam nas tarefas até mesmo braçais: há

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15/03/2020 Como Eduardo Bolsonaro acabou virando quase tudo o que não era

registros da TV Câmara que mostram Jair Bolsonaro filmando discursos


do filho no plenário para depois postá-los nas redes sociais. Deputados
chamavam Eduardo de Bolsonarinho, Bolsokid e variações do gênero. Ele
nunca se incomodou. “As pessoas me conhecem um pouco mais hoje,
mas continuo sendo o filho do Jair”, afirmou, em dezembro passado.
“Para mim é motivo de orgulho. Não procuro me distanciar, procuro
fazer meu trabalho, e o julgamento depende das pessoas.” Ou das redes
sociais.

Nos primeiros anos de mandato, Eduardo foi pródigo em gastos com


viagens e econômico em projetos legislativos. Um de seus destinos
prediletos era a região Sul. Só no primeiro ano de mandato, viajou oito
vezes para Porto Alegre, sete das quais em fins de semana. Em um blog
que mantinha à época, explicou a única viagem feita em dia útil: “Ouvir
os gaúchos sobre o desarmamento do cidadão de bem proposto pelo PT.”
Para Santa Catarina, viajou sete vezes para atividades como um “bate-
papo com cidadãos de bem sobre a situação do Brasil” ou “bate-papo com
moradores, comerciantes e investidores daquela localidade”.

Em outubro de 2015, teve um fim de semana particularmente intenso por


conta da Câmara. Numa sexta-feira à tarde, voou do Rio para
Florianópolis, alugou um Sandero Expression, dirigiu até Balneário
Camboriú, hospedou-se num hotel de frente para o mar e voltou para o
Rio no domingo à noite. Fez “um bate-papo com moradores” e divulgou
uma foto em que aparece ao lado do pai e de outros dez homens, em
torno de uma mesa após a refeição. Fez viagem parecida no fim de
semana anterior. E outra no fim de semana posterior. As três, somadas,
custaram à Câmara cerca de 8 000 reais. Seu padrão de viagens se
manteve nos anos seguintes. Em uma delas, conheceu a gaúcha Heloísa,
com quem se casou em maio do ano passado.

“Se for ao Rio Grande do Sul me acompanhar, vai ver como eu sou
querido lá. Tudo fruto de um trabalho”, diz Eduardo. “A gente trabalha
24 horas por dia. Mas tudo está justificado, pelo amor de Deus. Não fiz
nenhuma viagem que não a trabalho.” Eduardo viajou até quando não
devia. Em fevereiro de 2017, Bolsonaro estava no plenário da Câmara e
trocava mensagens de WhatsApp com o filho, que se encontrava na
Austrália. Era dia de eleição para a presidência da Câmara. Bolsonaro era

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15/03/2020 Como Eduardo Bolsonaro acabou virando quase tudo o que não era

um dos candidatos, e o filho não estava lá para votar no pai. “Papel de


filho da puta que você está fazendo comigo”, ralhou Bolsonaro, cujo
celular foi flagrado pelo fotógrafo Lula Marques. “Tens moral para falar
do Renan?”, esbravejou o pai, referindo-se ao seu quarto filho, Jair Renan
Bolsonaro, meio-irmão de Eduardo. E arrematou: “Irresponsável.”
Bolsonaro ainda sugeriu que Zero Três, além de se ausentar, estava
cometendo outros pecados. “Mais ainda, compre merdas por aí. Não vou
te visitar na Papuda”, continuou, fazendo menção ao presídio de Brasília.
“Se a imprensa te descobrir aí e o que está fazendo, vão comer seu fígado
e o meu. Retorne imediatamente.”

Eduardo acatou as censuras, mas não gostou de ser comparado ao meio-


irmão. “Quer me dar esporro, tudo bem. Vacilo foi meu. Achei que a
eleição só fosse semana que vem. Me comparar com o merda do seu filho,
calma lá”, respondeu Eduardo. Na eleição, Bolsonaro teve quatro votos.
Com 293 votos, Rodrigo Maia, do DEM do Rio de Janeiro, elegeu-se para
o comando da Câmara, cargo que ocupa até hoje. Nunca se soube o que
poderia levar Zero Três à Papuda. Pai e filho sempre desconversaram,
dizendo que, na verdade, não era nada.

O único projeto que aprovou em seu primeiro mandato, assinado em


conjunto com outros dezessete deputados, inclusive alguns petistas,
autorizava o uso da fosfoetanolamina sintética, conhecida como “pílula
do câncer”. Outros dois ainda dependem de aprovação do Senado. Um
institui o Dia Nacional da Pessoa com Atrofia Muscular Espinhal e outro
propõe inscrever o nome de Ayrton Senna no Livro dos Heróis e
Heroínas da Pátria, composto por dez páginas de aço guardadas no
Panteão da Pátria, em Brasília. Entre os projetos que ficaram na gaveta
está a proposta de homenagear o capitão Alberto Mendes Júnior, oficial
da Força Pública de São Paulo capturado e morto a pauladas por
guerrilheiros liderados por Carlos Lamarca em maio 1970, no Vale do
Ribeira, região natal de Bolsonaro.

A
o encerrar um mandato em que faltou a 9% das sessões plenárias,
30% das sessões em comissões e gastou 1,5 milhão de reais dos
cofres públicos com a cota parlamentar, Eduardo concorreu à

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15/03/2020 Como Eduardo Bolsonaro acabou virando quase tudo o que não era

reeleição por um partido inexpressivo, mas obteve 1,8 milhão de votos. A


popularidade conquistada por Jair Bolsonaro nas eleições de 2018 alçou o
filho à categoria de superstar. Dessa vez, foi a sua montanha de votos que
ajudou a eleger outros cinco candidatos do PSL paulista.

Em valores atualizados, arrecadou apenas 235 mil reais, quase tudo em


pequenas contribuições feitas ao pai, que as repassou para o filho. Entre
elas, havia as de um punhado de assessores e amigos, que, encerrado o
pleito, ganhariam seus prêmios na forma de empregos públicos. O
advogado olavista Victor Metta, tesoureiro do PSL paulista, doou 6,4 mil
reais e se tornou assessor especial do ministro da Educação, Abraham
Weintraub. A empresária Letícia Catelani, ex-secretária-geral do PSL em
São Paulo, ofereceu 5,4 mil reais e virou diretora da Apex-Brasil. O
publicitário Floriano Barbosa de Amorim Neto, que já trabalhava em seu
gabinete, fez uma módica doação de 50 reais e emplacou como chefe da
Secretaria Especial de Comunicação Social do governo. Paulo Eduardo
Lopes, conhecido como Paulo Chuchu, contribuiu com 100 reais e virou
secretário parlamentar de Eduardo. Os exemplos são inúmeros.

A vitória eleitoral ampliou a teia de colaboradores da família e permitiu


dar emprego ou mesmo eleger um sem-número de auxiliares. Uns estão
instalados nos ministérios, outros no próprio palácio, e uma plêiade foi
abrigada nos gabinetes legislativos da família e de aliados – onde, vez por
outra, se engalfinham por poder ou dinheiro, ou ambos. A ascensão mais
notória foi da turma que hoje compõe o “gabinete do ódio”, como é
conhecido um grupo que se empenha em incitar, pelas redes sociais,
ataques virulentos contra adversários políticos. Eles trabalham no
terceiro andar do Palácio do Planalto, a poucos metros do gabinete do
presidente. Entre eles, estão o olavista Mateus Matos Diniz e Tércio
Arnaud Tomaz, ex-assessor de Carlos Bolsonaro na Câmara de
Vereadores do Rio. O integrante mais conhecido, no entanto, é Filipe
Martins, o Robespirralho. O “gabinete do ódio” atua sob os auspícios dos
irmãos Eduardo e Carlos.

C
omo o pai, Zero Três aprendeu a falar em público como se fala em
um botequim. Como o pai, coleciona uma sucessão de

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C
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destampatórios. Antes da eleição, falou que o Supremo Tribunal Federal


poderia ser fechado com o emprego apenas de “um soldado e um cabo” –
“não querendo desmerecer o soldado e o cabo”, emendou. Depois da
eleição, disse que a eventual radicalização da esquerda brasileira poderia
ser respondida pelo governo “via um novo AI-5”. Nas duas situações,
quando a repercussão negativa estava no auge, com todos os defensores
da democracia protestando, Eduardo saboreava o barulho. Seu pai, no
entanto, assustado com a maré de críticas, mandou que recuasse. No caso
do STF, Eduardo pediu desculpas. No do AI-5, disse que “talvez tenha
sido infeliz”.

Hoje, avaliando as duas declarações, ele afirma que sua diatribe contra
uma radicalização da esqueda era mera “conjectura” e não deixa de
lembrar que recebeu “muito apoio” na internet. “Não apoio para se ter
um AI-5, mas de pessoas que entenderam o que eu falei e tiveram
honestidade intelectual.” Sobre o fechamento do STF, diz que respondia a
uma hipótese esdrúxula – a improvável impugnação da candidatura
presidencial do seu pai – e que fizera só uma brincadeira. E completa com
uma declaração dissonante: “Eu não acredito no uso da força.”

Eduardo, no entanto, vem se mostrando cada vez mais radical e


provocador. Um dos seus mais recentes destemperos ocorreu no dia 11
de fevereiro, numa sessão da CPI das Fake News, na Câmara dos
Deputados. O depoente Hans River do Rio Nascimento estava negando
tudo o que afirmara para uma reportagem da Folha de S.Paulo e, a certa
altura, começou a insultar uma repórter do jornal, Patrícia Campos Mello.
E então partiu para uma cafajestada: disse que a jornalista lhe propusera
“matéria a troco de sexo”. Eduardo endossou a acusação de imediato: “Eu
não duvido que a senhora Patrícia Campos Mello, jornalista da Folha,
possa ter se insinuado sexualmente, como disse o senhor Hans, em troca
de informações para tentar prejudicar a campanha do presidente Jair
Bolsonaro. Ou seja, é o que a Dilma Rousseff falava: fazer o diabo pelo
poder.”

Mesmo quando ficou esclarecido que a acusação de Nascimento era uma


mentira – a repórter exibiu mensagens escritas pelo acusador, provando
que foi ele quem se insinuou para ela –, Eduardo esquivouse: “Só
reproduzi o que uma pessoa falou. Se verdade ou mentira, o tempo vai

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dizer, mas é uma acusação grave.” Fez mais do que repetir uma calúnia
alheia: difundiu-a em suas redes sociais, com apoio declarado do pai, que
também cerrou fileiras na difamação contra a repórter. As milícias
digitais do bolsonarismo entraram em ação e orquestraram uma das
maiores campanhas de difamação contra uma jornalista já realizadas no
Brasil. No dia em que um grupo de deputadas promoveu um ato de
repúdio às declarações de pai e filho, Eduardo subiu à tribuna da
Câmara. “Em nome das mulheres, uma banana”, disse, ao fazer o gesto
correspondente. “Não vão nos calar”, proclamou, quando começou a
ouvir as deputadas gritando “fascista, fascista”. Virou-se para elas e disse:
“Pode gritar à vontade, mas só raspa o sovaco, senão dá um mau cheiro
do caramba.”

Com o relativo silêncio dos irmãos, atolados eles próprios em denúncias,


Eduardo parece ter decidido que sua missão, agora, é ocupar todos os
espaços do extremismo – junto com o pai. Carlos, irascível e volúvel, é
investigado por envolvimento com rachadinha em seu gabinete, esquema
segundo o qual a pessoa contratada pelo político devolve parte do salário
que recebe. Flavio, também enrolado com rachadinhas, ainda amarga as
consequências de seu envolvimento com milicianos. Por isso, só aparece
quando inevitável. Em 12 de fevereiro passado, três dias depois da morte
do miliciano Adriano da Nóbrega numa controvertida operação policial
no interior da Bahia, foi inevitável. Flavio surgiu no Twitter com uma
“DENÚNCIA!”, escrita assim mesmo, com maiúsculas e ponto de
exclamação, pedindo que fosse proibida a cremação dos restos mortais do
miliciano: “Rogo às autoridades competentes que impeçam isso e
elucidem o que de fato houve.”

Com seu apelo, queria sepultar as suspeitas de que a morte de Nóbrega


fora uma queima de arquivo do seu interesse. Afinal, Flavio fez duas
homenagens públicas a Nóbrega quando era deputado estadual e ainda
empregou a filha e a ex-mulher do miliciano no seu gabinete – e suspeita-
se que o fez no esquema de rachadinha. Seu apelo, porém, soou falso.
Naquela altura, a Justiça já tinha proibido a cremação do miliciano. O
tema, dias depois, voltou a mobilizar Flavio, que postou nas redes um
vídeo de um cadáver para denunciar que havia sinais de tortura e
execução – mas o governador da Bahia, Rui Costa, do PT, afirmou que o
corpo era de outra pessoa. O assunto perturba a família Bolsonaro.

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15/03/2020 Como Eduardo Bolsonaro acabou virando quase tudo o que não era

Perguntado sobre o caso, Eduardo tenta tomar distância. “O que eu tenho


a ver com isso?”, diz ele. Quando ouve que o morto tinha laços evidentes
com sua família, faz cara de bravo e fica em silêncio.

E
duardo Bolsonaro opera em três níveis. Em público, ele é o
provocador das redes sociais, um político voluntarista cujo
comportamento tem sido cada vez mais incendiário – o que lhe
rende crescente popularidade nas redes sociais. Tanto é que até superou o
irmão Carlos no Twitter. Só neste ano, de acordo com um levantamento
da consultoria Arquimedes, Eduardo fez mil publicações a mais que o
irmão na rede, e cada postagem teve 11% a mais de retuítes do que as de
Carlos. No terreno privado, Eduardo é o oposto. É simpático e gentil,
cativa seus interlocutores. O terceiro nível em que atua é o do operador
das sombras. Nesta função, empenha-se em prestigiar os aliados com
cargos no governo, detonar quem não lhe parece suficientemente fiel e
azeitar a engrenagem do “gabinete do ódio”, cuja missão é garantir e
ampliar o espaço ideológico da ultradireita.

“Eduardo é um filhinho de papai”, acusa o advogado Gustavo Bebianno,


o ex-coordenador da campanha de Bolsonaro que virou ministro e caiu
em menos de dois meses sob ataques de Carlos. “Ele deve seu segundo
mandato a mim e ao Major Olimpio [senador que presidiu o PSL em São
Paulo na campanha]. Enquanto trabalhávamos para regularizar o partido
e viabilizar a eleição dos seus candidatos, ele surfava em algum lugar do
exterior.”

O deputado Alexandre Frota, hoje filiado ao PSDB, acusa Eduardo de


incitar grupos como o Movimento Brasil Conservador a atacarem
autoridades da República sem dar, ele mesmo, as caras. “Eduardo é
frouxo, mimado e covarde”, dispara Frota. “Infelizmente, no momento,
tem a máquina para trabalhar por ele. Dos três filhos, é o mais bobo.
Cansei dessa gente.”

O senador Major Olimpio diz que Eduardo “foi a maior decepção da


vida”. Ao substituí-lo no comando do PSL, em maio passado, Eduardo
destituiu diretórios montados pelo antecessor no interior e paralisou a

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15/03/2020 Como Eduardo Bolsonaro acabou virando quase tudo o que não era

máquina partidária. “Agora a gente vê que houve premeditação


realmente, já existia esse espírito de implodir o partido”, diz Major
Olimpio, referindo-se à intenção de Bolsonaro e família de montar uma
nova legenda, a Aliança pelo Brasil. “Eduardo não tem caráter. É um
sujeito fraco. Se tiver um problema, ele dá um jeito de sumir sem
resolver.” No fim de 2019, Eduardo venceu a guerra interna do PSL pela
liderança da bancada, mas deixou-a rachada: metade não o reconhece.

Suas indicações para o governo também provocaram problemas. A


empresária Letícia Catelani, a doadora da campanha de Eduardo, causou
tantas crises que acabou demitida da Apex-Brasil. Floriano Barbosa de
Amorim, que ajudou com 50 reais, foi exonerado da Secretaria de
Comunicação Social do Planalto. O sub-chefe da Casa Civil, José Vicente
Santini, perdeu o cargo depois de voar com um avião da FAB para a
Índia. A demissão caiu na conta do então ministro-chefe da Casa Civil,
Onyx Lorenzoni, que acabou perdendo o cargo, mas o verdadeiro
padrinho de Santini era o Zero Três – que, aliás, tentou emplacar o amigo
em um segundo posto, dessa vez como assessor especial da própria Casa
Civil, mas Bolsonaro demitiu-o novamente, no mesmo dia da nomeação.

Nas vésperas do Carnaval, outro baque para a turma de Eduardo. Um


decreto publicado no Diário Oficial reduziu a estatura de Filipe Martins,
o operador do gabinete do ódio. Antes, ele respondia diretamente ao
presidente da República, uma prerrogativa que denota poder e prestígio
na vida palaciana. Com a mudança, ele passou a responder ao almirante
Flavio Augusto Viana Rocha, nomeado para a chefia da Secretaria
Especial de Assuntos Estratégicos (SAE).

Chamado de Mitinho, diminutivo do apelido dado a Bolsonaro por seus


seguidores, Eduardo tem sido considerado, nos círculos bolsonaristas,
como um potencial sucessor do pai. Em parte, a expectativa decorre da
falta de opções na família, já que Carlos e Flavio caíram na vala dos
investigados. E Zero Três, depois de todo o esforço para abrir um
caminho na área externa, estabelecer contatos internacionais, tentar um
lugar de destaque na diplomacia brasileira, depois de viajar para o Japão,
a Índia, a Itália, o Chile, a Argentina, a Hungria, vários países do Oriente
Médio e diversas vezes para os Estados Unidos, agora, depois de tudo
isso, planeja outra guinada. “Quero me dedicar mais ao Brasil.”

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