Jaime Ginzburg
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Cultura e violência
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Resumo
Abstract
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uma obra que ultrapassa seu valor como mercadoria. Ao abordar o con-
tato humano com uma forma de vida alienígena, e apresentar a potência
destruidora desse elemento estranho, o filme é estruturado a partir do
deslocamento das próprias premissas, na medida em que Ripley (Sigourney
Weaver) descobre que a prioridade é trazer o espécime vivo para a Terra, e
que a equipe é descartável (“crew expendable”). Diversos filmes de horror
investem na ideia de uma polarização, em que o monstro é o mal e, sime-
tricamente, o humano é o bem. Ao passar de uma visão de um mal absolu-
to, apresentada na cena da morte de Kane (John Hurt), para uma crítica
de uma corporação bélica e gananciosa, a narrativa abandona as conven-
ções binárias, em favor de uma percepção da vida, em um microcosmo,
como situação limite, em que a sobrevivência é uma exceção.
Em outro filme de ficção científica, Under the skin, ocorre um deslo-
camento semelhante. A primeira parte da narrativa mostra uma força
alienígena destruidora, mas a segunda mostra, na tentativa da alieníge-
na (Scarlett Johansson) de se aproximar do comportamento humano, a
emergência, junto com a empatia, do sofrimento e da vulnerabilidade. A
protagonista atravessa a imagem da predadora para se transformar no
seu oposto, quando agredida pelo homem na floresta. Esses dois filmes
não estão dentro da linha industrial de produção voltada para o gozo ime-
diato diante da violência e do sofrimento. Alien, um sucesso de mercado
capaz de motivar várias novas produções, hoje vendido em caixas de dvds
ao lado de sequências como se fosse o início de uma quadrilogia, ultrapas-
sa as convenções do terror e da ficção científica. As explicações para seu
êxito podem ser várias, e certamente o filme é admirado por razões mui-
to diversificadas, de acordo com suas faixas de público. Não há dúvida,
no entanto, de que, diferentemente de Os mercenários ou Jogos Vorazes,
esse filme não restringe seu fôlego a suas atribuições de mercado. Isso não
impediu que James Cameron se encarregasse, em 1986, de elaborar uma
continuação muito mais carregada de imagens violentas que a primeira,
transbordando nacionalismo conservador e estereótipos de heroísmo épico.
Com suas cenas de sabotagem, exibição atlética e muitas armas, Aliens
pareceu inspirado em filmes da guerra fria.
O diretor Cameron, premiado por filmes com violência e catástrofes
– Terminator, Terminator 2, Titanic, Avatar – é um dos nomes de Holly-
wood que mais se dedica a explorar o prazer dos espectadores ao contem-
plar destruição e sofrimento, em escala industrial. Esse mesmo diretor, ao
receber um Oscar, em 1998, gritou “I’m the king of the world”, frase que,
independentemente de sua conexão com Titanic, poderia aparecer, talvez,
no contexto de uma fala de um ditador.
A ampla presença da violência no mundo do entretenimento não é uma
novidade. Ao longo do século XX, com a disseminação de aparelhos de
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O Brasil vem se tornando dia a dia mais e mais um país fascista. Ao invés
de lutarmos pela construção de prédios escolares decentes, reivindicamos
presídios; no lugar de exigirmos um sistema educacional de qualidade, pe-
dimos mais policiamento; ao invés de ruas seguras, aspiramos condomínios
invioláveis.
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devem ser abordados com uso de bala. Mais do que a legitimação das ur-
nas, o reconhecimento de leis ou a capacidade de argumentação inteligen-
te, o que conta, para essa perspectiva, é quem tem mais armas e quem
pode despertar medo.
O momento atual motiva uma reflexão continuada sobre as relações
próximas entre violência e produção cultural. A ascensão de linhas políti-
cas de direita e extrema direita, no Brasil, nos Estados Unidos, na França
e em outros países, a decisão referente ao Brexit na Inglaterra, e a vota-
ção contrária ao acordo de paz com as FARC na Colômbia, entre outros
fatores, sinalizam uma tendência regressiva, contrária à preservação de
direitos civis conquistados historicamente, e capaz de inviabilizar ou re-
primir movimentos no espaço público dedicados à resistência à regressão.
A eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos
exige um amplo trabalho de reflexão acadêmica; trata-se de um indivíduo,
sem experiência política, que obteve força eleitoral com uma reputação de
fomentar e multiplicar falas de ódio. A ridicularização e a manipulação
de estereótipos contribuem para uma retórica ordenada sempre em cau-
sa própria, e montada de modo indiferente a importantes conquistas em
direitos humanos nas últimas décadas. Trump atinge mulheres, negros,
asiáticos, latinos, políticos adversários, e diversos outros grupos.
Um excesso de violência em um filme de ação, em que um personagem
principal pode matar dezenas de inimigos em poucos minutos, é análo-
go a um excesso de imagens concentradas, observadas em pouco tempo.
A compulsão no ato de matar, muitas vezes motivadora de um sorriso do
protagonista, pode ter como base a ideia de que aos inimigos cabe aquilo
mesmo, a destruição. Sendo bandidos, estão em um mundo em que devem
morrer, pela lógica narrativa convencional. O fato de que o Major Olímpio
utilize o vocabulário de futebol para afirmar que bandidos devem morrer
pode ser interpretado em acordo com a trivialidade das convenções dos fil-
mes de ação.
A existência dessa analogia – ainda que parcial, eventual ou contro-
versa – leva a considerar que os gestos de descarte de informações em
um tempo concentrado, em um celular, expressam algo. Se o usuário das
imagens não distingue (ou não se interessa em produzir uma emoção re-
sultante do ato de distinguir) o sofrimento real de seres humanos e a cons-
trução de fantasias, as chances de empatia com o sofrimento de outros
podem ser diluídas ou mesmo esvaziadas. Sendo assim, um espectador
pode esperar, em suma, que as lógicas narrativas dos filmes de ação este-
jam inteiramente moldadas em acordo com a compreensão de fenômenos
históricos e sociais. Por exemplo, nessa perspectiva, Tropa de elite 2 seria
tomado como um registro realista da sociedade brasileira. Um espectador
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de um filme pode supor que fatos da vida social seriam ordenados de modo
homólogo à estrutura convencional de um filme, que a realidade funciona
como uma estória em película; mas não é assim.
Não surpreende, nesse sentido, que a candidatura de Donald Trump,
absurda desde a origem em termos de ética política, tenha prosperado
com a instrumentalização do Twitter, de noticiários e de frases de efeito.
Para a insegurança de quem não consegue emprego em uma crise econô-
mica, mas pode navegar continuamente na internet, as frases acintosas
de Trump iludem quanto à eficácia de mudança social, em sentido conser-
vador, contra a diversidade e as conquistas em direitos civis. São frases
que, independentemente de terem capacidade de se referir a fatos verificá-
veis, podem obter o impacto cognitivo que retira o dedo da tela do celular.
Em junho de 2015, o candidato à presidência afirmou sobre mexicanos:
“They’re bringing drugs. They’re bringing crime. They’re rapists.”2. Uma
frase como essa, em um país em que residem mais de 11 milhões de mi-
grantes mexicanos, ultrapassa os limites do nacionalismo republicano e
atinge a esfera dos mitos de superioridade elaborados nos anos 1930 e
1940 na Europa.
Uma das expressões mais preocupantes dessa tendência regressiva é o
Projeto de Lei PL 5825/2016, de autoria de Jair Bolsonaro (PSC-RJ), atual-
mente em tramitação na Câmara dos Deputados. Em tempos de elevado vo-
lume de informações em circulação, surpreende que esse Projeto, até hoje,
permaneça ausente nos debates públicos. Trata-se de um plano voltado para
o combate ao terrorismo, em território brasileiro. Nesse plano, é conferido
um enorme poder àqueles que forem responsáveis por esse combate.
O texto, em sua “Justificativa”, menciona um episódio de ação terroris-
ta na França, e o ataque às Torres Gêmeas, nos Estados Unidos. Embora
reconheça que o Brasil nunca passou por nada semelhante, a argumen-
tação propõe a “possibilidade de algum grupo terrorista internacional ter
logrado se infiltrar no território nacional, logo após a decisão de que a ci-
dade do Rio de Janeiro seria a sede dos Jogos Olímpicos, em outubro de
2009”. Esse projeto de lei merece amplo debate no país; independentemen-
te de vir a ser aprovado ou não, sua existência, em si, é razão suficiente
para grande preocupação com as condições de vida das próximas gerações.
É citada uma fala atribuída a Boaz Ganor, apresentado como presi-
dente da Associação Internacional de Contraterrorismo, que teria dito:
“O Brasil não faz parte da coalizão que está atacando as bases do Es-
tado Islâmico na Síria e no Iraque”, havendo, portanto, segundo o autor
2 “Eles estão trazendo drogas. Eles estão trazendo crime. Eles são estupradores.” (Tra-
dução minha).
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4 LEAHY, Joe. Brazil neo-Nazi claim challenges myth of nation’s racial harmony.
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5 Youtube, 12/8/15. Donald Trump bodyslams, beats and shaves Vince Mc-
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Filmes
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