Ficha de Leitura de Uate 2
Ficha de Leitura de Uate 2
Ficha de Leitura de Uate 2
RESUMO-2
A maior parte dos epítetos pejorativos acima mencionados são totalmente deslocados no
que se refere a esta tradição antropológica, que desde o início nunca isolou ou fechou
hermeticamente a comunidade rural. Em muitas das imagens populares exteriores à
antropologia, esta escola teórica permanece relativamente condida.
Por diversas razões, a primeira das correntes referidas tem sido mais destacada. E isto,
apesar de na própria disciplina se terem multiplicado recentemente os debates e diálogos
entre as duas tendências antagónicas. Com sucessivas aberturas e desenvolvimentos,
entre os quais é de destacar a colaboração crescente com a história, a sociologia e a
geografia humana, bem como o aparecimento de novos campos, como a antropologia
urbana, a comunidade de antropólogos contínua renovadamente a confrontar antigos
problemas da teoria social com novos desafios interdisciplinares e novos objectos de
pesquisa.
Logo de início confrontamo-nos com um profundo dilema: como tentar superar o hiato
vasto entre, por um lado, as linguagens da teoria e, por outro, as da pesquisa empírica, já
que cada uma destas se encontra bem enraizada, em termos académicos e institucionais,
nas ciências sociais? De Hubert Blalock a C. Wright Mills e de Robert Merton a
Pierre Bourdieu, a gravidade das implicações de tal hiato tem sido repetidamente
assinalada.
Mas penetremos mais a fundo no problema. Julgamos que uma das verdadeiras
novidades do texto consiste na aplicação do conceito de autonomia relativa do espaço
social rural e da categoria de camponeses parciais.
Dada esta especificação assídua, parece-nos algo estranho encontrar o nome de Robert
Redfield incorporado, logo de início, na formulação teórica de Madureira Pinto.
Embora reconhecendo a natureza pioneira das publicações de Redfield no domínio da
antropologia e do estudo das comunidades rurais inseridas em grandes civilizações
arcaicas, julgamos que o seu modelo original dos elementos distintivos da pequena
comunidade rural em sociedades complexas trouxe mais dúvidas, erros, problemas e
ideias falaciosas do que vantagens e contributo.
Não constitui novidade nenhuma descobrir Redfield nos anos 70, e ainda menos aplicar
os seus conceitos (severamente criticados, se não mesmo totalmente rejeitados por
certas correntes antropológicas) à sociologia rural europeia ou portuguesa.
Aqui tocamos num ponto muito frágil evocado pelo nosso próprio título vagamente
interdisciplinar: há benefícios, mas também enormes perigos, ao tentar estabelecer áreas
conjuntas entre a sociologia rural e a antropologia.
Apenas nos anos 70 surgiram duas escolas contestatarias que, de certo modo,
começaram a reparar os danos criados por Redfield: a que estudava as redes sociais
incorporando os estudos de John Barnes, Elizabeth Bott, Anton Blok e Jeremy
Boissevain e a que se debruçava sobre os sistemas mundiais, esta associada à obra de
Immanuel Wallerstein. Socorrendo-nos de uma imagem oitocentista do corpo social,
podemos afirmar que foram estas escolas que chamaram a atenção para os erros
inerentes na concepção destas comunidades aparentemente remotas como sendo
excessivamente isoladas.
Redfield não só concedeu uma atenção excessiva e míope às células dos dedos, como
também praticamente cortou a ligação destas com as partes centrais. Na procura
obcecada do micro camponês desvaneceu-se quase totalmente o macro englobante. Ao
retratar os camponeses os folk, nas suas palavras iniciais, como puras marionetas que
absorveram, ao longo de milénios, as ideias, instituições, línguas, técnicas e gostos que
emanavam da grande tradição dos centros urbanos sofisticados, Redfield impediu desde
logo qualquer visão das práticas dos camponeses que pudesse basear-se na sua acção
social, iniciativas ideológicas ou resistência consciente.
O FANTASMA DA FAMÍLIA
Um dos capítulos da parte ni do livro leva-nos ao último ponto temá- tico que nos diz
respeito: trata-se das páginas dedicadas às Práticas simbólico-ideológico: algumas
tendências, onde fica discriminada com a maior lucidez a aplicação empírica da teoria
do domínio do simbólico-ideológico. Mas, imediatamente antes, no capítulo intitulado
Classes e famílias de classe, depara-se-nos uma espécie de preâmbulo à matéria-chave
que se irá seguir. Referimo-nos concretamente aos conceitos de classe, fracções de
classe e ao que lhes aparece associado, o de famílias de classe.
Cada uma destas sete grandes categorias possui subdivisões que julgamos correcto, de
acordo com a nossa leitura, designar como fracções de classe. Dentro deste esquema,
então, o semiproletariado ocupará um lugar estrutural marcado pela dupla pertença de
classe. Sendo a categoria do campesinato parcial a maioritária, conclui-se que, para
trabalhadores agrícolas em vias de proletarização, a condição camponesa originária
se prolonga, no plano ideológico, através de uma preferência por tipos de trabalho não
inteiramente subordinados aos padrões tecnológicos da indústria transformadora.
Haverá, por conseguinte, resistências conscientes ao processo global de absorção do
campesinato, expressas de diversas formas por diferentes fracções de classe.
Como cientistas sociais, não nos devemos sentir obrigados a partilhar a posição ridícula
de vastas camadas sociais. Haverá aplicações imediatistas e utilitárias de certos ramos
das ciências sociais. Mas há também ramos cuja natureza é mais humanista e cujas
aplicações são embora indirecta e mais lentamente, igualmente aculturadoras.