001 O Fim Do Envelhecimento
001 O Fim Do Envelhecimento
001 O Fim Do Envelhecimento
O FIM DO ENVELHECIMENTO
OS AVANÇOS QUE PODERIAM REVERTER O
ENVELHECIMENTO HUMANO DURANTE
NOSSA VIDA
TRADUÇÃO:
NINA TORRES ZANVETTOR
NICOLAS CHERNAVSKY
1ª EDIÇÃO
VALINHOS
NTZ
2018
Copyright © NTZ, Valinhos 2018
Fica totalmente proibida qualquer forma de reprodução, distribuição,
comunicação pública ou transformação total ou parcial desta obra sem a
permissão escrita dos titulares dos direitos.
Título original:
Ending aging: the rejuvenation breakthroughs that could reverse human aging
in our lifetime
Copyright © Aubrey de Grey, 2007
Publicado com autorização de Aubrey de Grey
Todos os direitos reservados
Tradução de Nina Torres Zanvettor e Nicolas Chernavsky
Edição e revisão de Nina Torres Zanvettor e Nicolas Chernavsky
Desenho da capa: Anne Corwin
Primeira edição 2018
NTZ
Valinhos/SP - Brasil
Contato:
Telefone: +55 19 99429-4741
E-mail: [email protected]
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Angélica Ilacqua CRB-8/7057
De Grey, Aubrey
O fim do envelhecimento : os avanços que poderiam reverter o
envelhecimento humano durante nossa vida [livro eletrônico] / Aubrey de
Grey com Michael Rae ; tradução de Nina Torres Zanvettor, Nicolas
Chernavsky. -- Valinhos : NTZ, 2018.
ISBN 978-85-54106-01-0 (Mobi)
ISBN 978-85-54106-00-3 (Epub)
Título original: Ending Aging: the rejuvenation breakthroughs that could
reverse human aging in our lifetime
1. Longevidade 2. Envelhecimento - Aspectos moleculares 3. Biotecnologia
I. Título II. Rae, Michael III. Zanvettor, Nina Torres IV. Chernavsky,
Nicolas
18-0685 CDD 612.68
Aubrey dedica este livro da seguinte forma: "Às dezenas de milhões de pessoas
cujo escape ilimitado do envelhecimento depende das atitudes que tomarmos
hoje."
Michael dedica este livro da seguinte forma: "Às duas chamas que me
inspiraram durante este trabalho. A April Smith, por irromper, como Atena, das
profundezas secretas da minha mente, precipitando fogo grego no meu coração
maniqueísta, reacendendo as brasas fumegantes que eu pensava estarem há
muito tempo apagadas, e abrindo a possibilidade de um amanhã infinito
compartilhado; e ao Dr. Aubrey de Grey, por levar de forma incansável e
corajosa o fogo de Prometeu para um mundo que ainda treme sob o inverno da
morte e deterioração relacionadas ao envelhecimento, atiçando as faíscas que
devemos transformar em uma grande fogueira que eliminará suas trevas
obscurecedoras e derreterá sua garra gelada."
Sumário
Prefácio
Parte 1
1. O momento "eureca"
2. Acordem: o envelhecimento mata!
3. Desmistificando o envelhecimento
4. Aplicando a engenharia ao
envelhecimento
Parte 2
5. O colapso das usinas de energia das
células
6. Saindo do sistema
7. Aperfeiçoando os incineradores
biológicos
8. Libertando-se das teias de aranha
celulares
9. Quebrando as algemas do AGE
10. Acabando com os zumbis
11. Trocando células velhas por novas
12. Mutações nucleares e a derrota total do
câncer
Parte 3
13. Indo daqui até lá: a guerra contra o
envelhecimento
14. Abrindo nosso caminho rumo a um
futuro sem envelhecimento
15. Títulos de guerra para a campanha
contra o envelhecimento
Notas
Notas de tradução
Glossário
Prefácio
A revolução biomédica descrita neste livro ainda está um pouco longe — pelo
menos algumas décadas, ou talvez mais. Então por que — vocês podem se
perguntar — devemos nos preocupar com isso agora?
A resposta é simples: assim que vocês souberem o que tenho a dizer, vão querer
ajudar a antecipar esta revolução, e alguns de vocês transformarão esse desejo
em ações concretas. Quanto mais pessoas estiverem informadas sobre o que já
pode ser previsto na luta contra nosso inimigo mais antigo, o envelhecimento,
mais rápido se tornará aceitável "assumir-se" como um fervoroso adversário do
envelhecimento, e então será inaceitável não fazê-lo. Não estamos próximos o
suficiente desta revolução a ponto de colocar prazos exatos quanto a sua
chegada, mas estamos próximos o suficiente para que as atitudes que tomamos
hoje (ou a falta destas) influenciem a data na qual o envelhecimento será
derrotado.
Na verdade, estamos neste ponto já há alguns anos. Portanto, poderia-se
argumentar que eu deveria ter escrito este livro antes. Bem, talvez seja verdade
— mas há um contra-argumento: ano a ano, desde que desenvolvi os conceitos
chaves descritos aqui, ocorreram avanços no laboratório. Cada um destes
avanços fortaleceu o argumento de que o esquema geral será bem-sucedido, e
então o livro como um todo é mais convincente do que poderia ter sido há um ou
três anos. De fato, sem os árduos esforços de um grande número de cientistas
dentro e fora da biogerontologia, meu plano para derrotar o envelhecimento não
poderia existir.
Outra razão pela qual este livro só foi escrito agora é uma razão muito comum:
livros não se escrevem sozinhos, e tenho passado todo meu tempo hábil ocupado
com outros trabalhos para avançar na missão antienvelhecimento. Sem dúvida,
vocês não teriam esse livro em suas mãos hoje se não fosse pelo trabalho árduo
de meu assistente de pesquisa Michael Rae, que dedicou grande parte do ano de
2006 ao livro: ele pode ficar com o crédito pela maior parte do texto da Parte 2.
Michael não é a única pessoa sem a qual este livro não poderia existir. Agradeço
a Peter Ulrich por examinar meticulosamente a fascinante história que envolveu
trabalho paciente, raciocínio brilhante e também um pouco de sorte na pesquisa
trabalho paciente, raciocínio brilhante e também um pouco de sorte na pesquisa
científica por trás do desenvolvimento do alagebrium. Quaisquer mal-entendidos
nesta parte da história são responsabilidade do Michael. Um agradecimento
especial vai para nossa equipe gráfica, que preparou as ilustrações: Bram
Thijssen, Bryan English, Benjamin Martin, Tyler Chesley, Zachary Bos, Hoyt
Smith, e seu coordenador, Jeff Hall. Além disso, Michael e eu recebemos
excepcional ajuda editorial de Anne Corwin, David Fisher e Reason, voluntários
da Fundação Matusalém. Nosso agente, John Brockman, e sua equipe foram
tremendamente eficientes em guiar o livro ao longo do processo de publicação
ao redor do mundo, e nosso editor na St. Martin's, Phil Revzin, também forneceu
contribuições editoriais inestimáveis. E finalmente, meu trabalho neste livro,
assim como todas as minhas contribuições à cruzada contra o envelhecimento,
dependeu imensamente do suporte intelectual e emocional inabalável da minha
amada esposa, Adelaide Carpenter.
Espero que este livro agrade a uma ampla gama de leitores; se isso ocorrer, a
maioria dos leitores não serão biólogos e certamente não serão
biogerontologistas. Alguns, porém, serão pessoas com conhecimento
especializado nestas áreas. A este grupo eu gostaria de deixar claro desde o
início que, ao apresentar as SENS — as "Estratégias para a Construção de um
Envelhecimento Negligenciável" (em inglês, Strategies for Engineered
Negligible Senescence) — para o público geral, não fui capaz de entrar em
detalhes sobre todas as minúcias da parte científica relevante, e vocês com
certeza identificarão aspectos das SENS que, se o que vocês lessem aqui fosse
tudo o que houvesse para ser lido sobre o assunto, pareceriam falhos. Somente
quero lembrá-los agora de que este livro não é tudo o que há para ser lido sobre
as SENS, e que, se notarem algo que pareça ser uma objeção óbvia ao que digo,
seria uma boa ideia consultar meu trabalho acadêmico publicado (e de
preferência me consultar pessoalmente também) antes de descartá-lo.
Porém, o que se descreve acima aplica-se somente a "erros" por omissão, é claro.
Quaisquer outros erros são, e aceito isso completamente, minha exclusiva
responsabilidade.
Parte 1
1
O momento "eureca"
Bom, mas eu certamente não estou dizendo que essas objeções são bobas, de
forma alguma. Devemos de fato considerá-las como possíveis perigos que
teríamos que evitar com um planejamento prévio, cuidadoso e apropriado. O que
me choca não são estas questões serem levantadas, mas a forma como são
levantadas. Pessoas que são totalmente racionais e abertas para discutir qualquer
outro assunto têm uma resistência irracional a debater o assunto de vencer o
envelhecimento. É inacreditável a determinação das pessoas para mudar de
assunto, para rebaixar a conversa a uma troca de comentários irônicos ou
simplesmente para fazer com que quem se opõe ao envelhecimento seja visto
como um palerma delirante.
Talvez vocês estejam se perguntando se esqueci que estou falando sobre vocês
aqui. Mas entendam que não estou de jeito nenhum repreendendo-os, pois meus
argumentos até agora só lidaram com a lógica de por que o envelhecimento deve
ser combatido, e a vida não é lógica. Há uma razão bem simples pela qual tantas
pessoas defendem tanto o envelhecimento — uma razão que agora é inválida,
mas que até pouco tempo atrás era completamente razoável. Até há pouco
tempo, ninguém havia tido uma ideia coerente sobre como vencer o
envelhecimento e, portanto, ele era de fato inevitável. E quando alguém se vê em
presença de um destino tão horrível quanto o envelhecimento e sobre o qual
ninguém pode fazer nada para evitá-lo, tanto em si mesmo quanto nos outros, faz
muito mais sentido psicologicamente tirar isso dos pensamentos — ou "fazer as
pazes com o assunto", pode-se dizer — do que gastar sua miseravelmente curta
vida preocupando-se com isso. O fato de que para manter este estado de espírito
deve-se abandonar toda aparência de racionalidade nesse assunto — e,
inevitavelmente, usar táticas de conversa embaraçosamente irracionais para
apoiar esta irracionalidade — é um pequeno preço a pagar.
Primeiro preciso garantir que vocês entendam que é comum que conceitos novos
e radicais que recebem muita atenção causem uma acentuada divisão de opiniões
entre os especialistas que os comentam. Em muitos casos, os detratores, ao
defenderem as ideias já estabelecidas, estão completamente corretos, e a
pretensiosa nova ideia está errada. Mas muito frequentemente, os detratores não
entenderam — ou até mesmo evitaram entender — detalhadamente o que estão
criticando, e foram motivados mais por interesses pessoais do que por
argumentos científicos. Se vocês não forem cientistas, podem achar que esta
possibilidade é descabida, mas o fato é que os cientistas veteranos fazem um
investimento intelectual e emocional nas suas crenças que pode ser um oponente
poderoso à objetividade: todos os cientistas reconhecem privadamente esse
problema, e às vezes até publicamente. Este assunto foi memoravelmente
exposto por muitos dos cientistas mais relevantes do mundo através dos anos.
Por exemplo, o físico Max Planck fez uma observação há mais de oitenta anos
em que dizia que "a ciência avança de funeral em funeral", e o biólogo J. B. S.
em que dizia que "a ciência avança de funeral em funeral", e o biólogo J. B. S.
Haldane disse que "há quatro estágios na aceitação: (I) isso é um absurdo inútil;
(II) isso é um ponto de vista interessante, mas errado; (III) isso é verdade, mas é
pouco importante; (IV) eu sempre disse isso."
Escondido discretamente neste último parágrafo está algo que quero ter certeza
Escondido discretamente neste último parágrafo está algo que quero ter certeza
de que vocês entendam corretamente: uma tentativa de estabelecer algum tipo de
prazo. Sim, acredito que com financiamento suficiente, temos uma chance de
50% de desenvolver, em cerca de vinte e cinco a trinta anos a partir de agora,
uma tecnologia que, levando em conta hipóteses razoáveis quanto à taxa de
subsequentes melhorias nessa tecnologia, permitirá que impeçamos as pessoas
de morrerem de envelhecimento em qualquer idade — algo equivalente ao efeito
dos antirretrovirais contra o HIV hoje em dia. Porém, há três grandes ressalvas
nessa afirmação. A primeira é justamente que há somente uma chance de 50%.
Qualquer previsão tecnológica tão longínqua no futuro, como para vinte e cinco
a trinta anos, é necessariamente muito especulativa, e se vocês me perguntarem
qual é o prazo mais curto para considerar que temos 90% de chance de vencer o
envelhecimento, eu não estaria disposto a apostar nem em cem anos. Mas acho
que uma chance de 50% é boa o suficiente para tentarmos, vocês não acham? A
segunda ressalva é que o envelhecimento não será completamente vencido nas
versões iniciais dessa tecnologia; teríamos que continuar a melhorá-la a uma
taxa razoável para manter o envelhecimento permanentemente à distância. Vou
explicar todos os detalhes sobre isso no Capítulo 14.
Discuti nesse capítulo por que o envelhecimento é defendido, mas não disse
muito sobre como ele é defendido, ou seja, sobre as objeções habituais à
perspectiva de prolongamento indefinido do tempo de vida. Em muitos dos meus
textos e apresentações públicas, e no meu site,4 respondo a muitas dessas
questões que surgem sobre como a sociedade seria diferente em um mundo pós-
envelhecimento, e especialmente como lidaríamos com a transição para este
mundo. Este livro não responde a essas questões detalhadamente; decidi lidar
aqui somente com a parte prática do radical prolongamento do tempo de vida.
Espero que vocês terminem este livro com um bom entendimento de que a
derrota genuína do envelhecimento é uma meta possível. Se é uma meta
desejável, é uma questão que vocês serão então capazes de considerar mais
seriamente — e até, me atrevo a dizer, mais consciente e responsavelmente —
do que seriam capazes se ainda pensassem se tratar de ficção científica.
3
Desmistificando o envelhecimento
Por que isso é um problema? De fato, à primeira vista vocês podem pensar que
isso facilitaria meu trabalho, pois claramente significa que o transe pró-
envelhecimento não é especialmente profundo. Infelizmente, porém, ilusões
autossustentadas não funcionam assim. Assim como é racional ser irracional
sobre a desejabilidade do envelhecimento para se fazer as pazes com ele,
também é racional ser irracional sobre a viabilidade de se vencer o
envelhecimento enquanto as chances de vencê-lo num futuro próximo
permanecerem baixas. Se uma pessoa pensar que há ao menos 1% de chance de
se vencer o envelhecimento ainda durante sua vida (ou durante a vida de alguém
que ela ama), esta ponta de esperança ficará ativa na sua mente e manterá seu
transe pró-envelhecimento desconfortavelmente frágil, independentemente de
quão arduamente ela tentar se convencer de que o envelhecimento não é, no fim
das contas, uma coisa tão ruim. Por outro lado, se ela estiver completamente
convencida de que o envelhecimento é imutável, poderá dormir mais
profundamente.
Aplicando a engenharia ao
envelhecimento
Beta amiloide, uma proteína de agregação, forma a base das "placas senis"
no cérebro dos pacientes com mal de Alzheimer. Ela é o resultado da
quebra anormal de uma proteína precursora normal no cérebro.
Mutações na base de dados genética das células ocorrem quando, durante o
processo de criação das cópias do "manual de instruções" de DNA
necessárias para a nova célula, o maquinário de replicação de DNA do
corpo comete "erros de digitação".
No Capítulo 4, expliquei que há sete classes principais de danos que se
acumulam ao longo da vida que devemos enfrentar se quisermos quebrar a
conexão entre suas causas (os processos da vida) e suas consequências (a
patologia do envelhecimento) para assim evitar essas consequências. Seis dessas
sete são, cada uma, o assunto de um capítulo desta parte do livro — Capítulos 7
a 12. Mas a primeira que abordarei — as mutações mitocondriais — vai tomar
dois capítulos. Isso porque a questão de se as mutações mitocondriais têm ou não
alguma importância no envelhecimento é, na verdade, muito complicada, e
devemos dar o nosso melhor para respondê-la de forma a saber se temos que nos
preocupar com elas. Lembrem-se de que no Capítulo 4, mencionei brevemente
que as SENS não incorporam um plano para lidar com as mutações nos núcleos
das nossas células a menos que essas mutações causem câncer, porque mutações
que não causam câncer acumulam-se muito lentamente para serem relevantes em
um tempo de vida normal (explicarei essa lógica de forma muito mais completa
no Capítulo 12). Muitos gerontologistas se sentem da mesma forma em relação
às mutações mitocondriais. Discordo deles, então tenho que explicar por quê.
Para cada uma das outras seis categorias de danos das SENS, ao contrário, não
há discussão: pelo menos uma das maiores patologias do envelhecimento é
claramente causada ou acelerada por esse tipo de dano. Então essas seis
categorias só necessitarão um capítulo cada, focando-se principalmente na
solução e com uma descrição relativamente breve de por que há um problema
que deve ser solucionado.
A válvula de segurança
Para transformar essa ideia em uma reformulação da teoria do envelhecimento
causado por radicais livres mitocondriais, eu precisava de respostas claras para
três questões. Primeiro, como essas células estavam enviando elétrons para
receptores localizados fora de suas próprias membranas? Segundo, dado que os
receptores de elétrons usados nos estudos de cultura de células rho0 normalmente
não são encontrados nos fluidos corporais (ou encontram-se em quantidades
inadequadas), quais receptores de elétrons estão disponíveis no corpo para
realizar a mesma função para as células com mitocôndrias mutantes? E terceiro,
esses processos poderiam fornecer uma explicação para a sistemática difusão de
toxicidade dessas células por todo o corpo, como parecia ser necessário para
aceitar-se que poderiam ter um papel significativo no envelhecimento?
A primeira questão na verdade já havia sido respondida. Há décadas, os
cientistas já sabiam da existência de um recurso para exportação de elétrons
localizado na membrana da célula que hoje em dia chamamos de Sistema Redox
da Membrana Plasmática (PMRS). Enquanto que pouco se compreendia sobre
seu real propósito no corpo, sua função básica era bem clara: aceitar elétrons do
NADH dentro das células e transportá-los para fora da célula, transformando
dessa forma o NADH em NAD+. Esse processo de exportação permite que
mesmo células saudáveis e normais tenham um melhor controle sobre o
equilíbrio entre constituintes quimicamente oxidantes e redutores dentro de suas
fronteiras, e mantenham um controle mais rígido sobre a disponibilidade de
NAD+ e NADH para a bioquímica celular essencial. Em outras palavras, ele faz
exatamente o que células com mitocôndrias mutantes precisariam ser capazes de
fazer para sobreviverem.
E o PMRS acabou se revelando um candidato quase perfeito para o trabalho. O
pesquisador de PMRS Dr. Alfons Lawen, da Universidade Monash (Austrália),
tinha já nessa época demonstrado (sem saber de sua aplicação em relação ao
envelhecimento, imaginem) não só que o PMRS é capaz de enviar elétrons para
os mesmos receptores de elétrons incapazes de passar pela membrana que
permitem às celulas rho0 sobreviverem, mas também que a atividade do PMRS é
necessária para a sobrevivência dessas células. Isso provou tanto que o processo
de exportação de elétrons é necessário para a sobrevivência celular, quanto que o
PMRS é a doca que solta esses elétrons no oceano de fluidos corporais
circundantes.
A capacidade das células com mitocôndrias mutantes de transformar o NADH
novamente em NAD+ permitiria que elas continuassem realizando seus
processos celulares normais, e não ficassem sobrecarregadas com elétrons extras
que criariam um ambiente interno no qual outros processos químicos celulares
essenciais se tornariam impossíveis de serem realizados. Além do mais —
percebi — isso é coerente com o fato dessas células terem um ciclo de Krebs
anormalmente ativo. Com a fosforilação oxidativa interrompida, intensificar o
ciclo de Krebs permitiria à célula duplicar sua produção do precioso ATP a
partir de açúcares (e realizar muitos outros processos metabólicos nos quais o
ciclo de Krebs participa). O PMRS tornaria isso possível, ao reciclar a
quantidade muito elevada de NADH que seria criada e assim fornecer à célula o
NAD+ extra necessário para manter o funcionamento do processo.
Porém, o drástico aumento na atividade do PMRS, necessário para manter
sustentável a atividade intensificada do ciclo de Krebs, tornaria a superfície das
células com mitocôndrias mutantes efetivamente encrespada com elétrons em
processo de exportação, formando um foco de pressão eletricamente "redutora"
(ou seja, um instável excesso de elétrons). A próxima questão, assim, era saber
em quais moléculas o PMRS estava descarregando o excesso de elétrons.
Nenhum dos receptores de elétrons usados para manter as células rho0 vivas em
meio de cultura estava presente em concentração adequada no corpo para
cumprir a tarefa, e por isso alguma outra coisa tinha que estar cumprindo esse
papel essencial. Por exemplo, parte do fardo poderia estar sendo absorvido pelo
desidroascorbato, o produto residual da vitamina C que é criado após ela ser
usada para desativar radicais livres, mas não havia o suficiente disso para se lidar
com o poderoso "foco redutor" criado por essas células.
Nesse ponto, um atraente candidato que poderia matar a charada me veio à
mente: nosso velho amigo de duas caras, o oxigênio.
Melhor não jogar o lixo no quintal do
vizinho...
O oxigênio, evidentemente, pode absorver (e de fato absorve) os elétrons
excedentes em seu meio. Como vimos anteriormente, é exatamente dessa forma
que a mitocôndria gera radicais livres durante a fosforilação oxidativa, quando
elétrons "perdidos", que escorregaram para fora da cadeia transportadora de
elétrons, são absorvidos pelo oxigênio dissolvido no fluido em volta. E o
oxigênio é a única molécula com as características necessárias que está presente
em quantidade suficiente para ser capaz de absorver o imenso vazamento de
elétrons que as células com mitocôndrias mutantes supostamente gerariam.
Essa absorção de elétrons pelo oxigênio poderia, em um mundo ideal, ser algo
seguro: o PMRS poderia carregar quatro elétrons em cada molécula de oxigênio,
gerando água, da mesma forma que a cadeia transportadora de elétrons faz com
elétrons que ela não "perde" no caminho. Mas era muito possível que o PMRS
também perdesse alguns elétrons — talvez uma grande quantidade deles. Se isso
acontecesse, geraria-se um grande número de radicais livres superóxido na
superfície das células com mitocôndrias mutantes. As consequências disso
seriam claramente ruins. Porém, talvez não tão ruins, na verdade: poderia-se
pensar que os efeitos negativos ficariam limitados em sua maioria à região
imediatamente próxima. Como quase todos os radicais livres, o superóxido é
altamente reativo, e portanto tem vida curta. Ele poderia ser neutralizado por
antioxidantes locais, ou senão ele poderia atacar a primeira coisa com a qual
entrasse em contato (a membrana de uma célula vizinha, por exemplo) — mas
sua agressividade seria desativada no processo. O superóxido certamente não
poderia permanecer como um radical livre por tempo suficiente para alcançar as
partes mais distantes do corpo, como as implicações da teoria do envelhecimento
causado por radicais livres mitocondriais requeriam.
Mas e se, em vez de atacar os componentes dos vizinhos imediatos da célula, o
superóxido gerado pelo PMRS danificasse alguma outra molécula que fosse
então estável o suficiente para ser carregada por todo o corpo? Havia um
suspeito óbvio: o colesterol sérico, especialmente as partículas de LDL
(lipoproteínas de baixa densidade, o colesterol "ruim"), que levam a carga de
colesterol às células por todo o corpo.
Já se sabia que o colesterol oxidado (e modificado de outras formas) estava
presente no corpo, e hoje em dia todo mundo aceita que ele é o principal culpado
da aterosclerose (um assunto ao qual retornaremos no Capítulo 7). Era muito
plausível — percebi — que o superóxido originado na superfície das células com
mitocôndrias mutantes pudesse estar oxidando o LDL quando este passasse por
perto, não só porque o LDL é onipresente e, portanto, um alvo fácil, mas
também porque a presença de metais reativos frouxamente ligados, como íons de
ferro, multiplicaria a virulência potencial do superóxido. Poderia-se pensar que a
presença de antioxidantes — como a vitamina E que está dissolvida no LDL —
evitaria que isso acontecesse, mas pesquisadores já tinham descoberto que não
evitava. Não só o LDL oxidado é encontrado rotineiramente no corpo, como
também estudos usando os mais exatos testes disponíveis de peroxidação lipídica
tinham mostrado que suplementos de vitamina E eram incapazes de reduzir a
oxidação de gorduras no corpo de pessoas saudáveis.14 Na verdade, a falta de
parceiros antioxidantes no cerne inacessível da partícula de LDL significa que
quando ela é atingida por qualquer coisa mais intensa que o mais insignificante
ataque de radicais livres, a vitamina E da partícula pode inclusive acelerar a
propagação de radicais livres até seu cerne através de um fenômeno chamado
"peroxidação mediada pelo tocoferol" (tocoferol é o nome técnico da vitamina
E).15
Eu via agora a luz no fim do túnel dessa lógica. A oxidação do LDL proveria um
mecanismo muito plausível para explicar a capacidade das células com
mitocôndrias mutantes de espalhar estresse oxidativo por todo o organismo
durante o envelhecimento. Apesar de sua capacidade de fomentar a aterosclerose
quando presente em quantidades excessivas no sangue, o colesterol LDL exerce
uma função essencial no corpo. As células precisam de colesterol para construir
suas membranas, e o LDL é o serviço de entrega de colesterol do corpo,
levando-o do fígado e do intestino (onde ele é fabricado ou absorvido dos
alimentos) para as células que precisam dele.
Porém, se sua remessa de colesterol fosse oxidada por células com mitocôndrias
mutantes durante o caminho, o LDL se tornaria um cavalo de Troia mortal,
entregando uma carga tóxica a qualquer célula que absorvesse seu carregamento
de colesterol danificado. Isso espalharia danos causados por radicais livres
dentro da célula receptora, com os lipídios radicalizados propagando sua
toxicidade pelas consolidadas reações químicas que degradam as gorduras. À
medida que, com a idade, cada vez mais células fossem tomadas por
mitocôndrias mutantes, cada vez mais células também acidentalmente
absorveriam LDL oxidado, e o estresse oxidativo aumentaria gradualmente de
forma sistêmica por todo o corpo. Vejam a Figura 4.
Saindo do sistema
Há boas razões para se acreditar que a maioria das tentativas atuais de modificar
o metabolismo para que sejam gerados menos danos às mitocôndrias (e assim ao
corpo em geral) representa um mau uso dos recursos. Felizmente, existe um
caminho melhor — consideravelmente mais promissor em termos de resultados
e que utiliza a mesma quantidade de tempo e dinheiro. Parece possível e
plausível evitar que danos às mitocôndrias nos prejudiquem com o passar dos
anos, e os cientistas já estão trabalhando em muitas opções para os primeiros
passos deste processo.
No capítulo anterior, expliquei nos mínimos detalhes minha visão sobre os
complexos mecanismos pelos quais as deleções no DNA mitocondrial podem
atuar como um importante motor do envelhecimento. Devo agora dizer-lhes que
em um sentido muito concreto, simplesmente não importa se essa hipótese está
correta ou não.
Esta ideia aplica-se de forma igualmente forte às outras intervenções das SENS,
e é tão central para a abordagem de engenharia para a medicina
antienvelhecimento — e tão intensamente contraintuitiva — que devo pedir sua
compreensão se você achar que estou repetindo-a com excessiva frequência.
Todos temos que tê-la sempre em mente quando pensamos sobre esses
problemas. Se nosso propósito fosse simplesmente entender o envelhecimento,
esmiuçar os caminhos específicos que levam à acumulação de danos com a idade
seria de fato absolutamente necessário. Mas esse não é nosso propósito. Nosso
propósito é acabar com as consequências do envelhecimento: o declínio rumo à
decrepitude e subsequente morte, a cada dia, de dezenas de milhares de pessoas.
O envelhecimento é uma doença pandêmica mortal, e acredito que nossa
compreensão de seus mecanismos, mesmo que ainda altamente imperfeita, é
hoje em dia o suficientemente boa para que tenhamos condições de intervir nele.
Temos apenas que identificar a natureza do dano em si — as lesões acumuladas
que são a fonte da perda de funcionalidade no organismo relacionada à idade —
e então reverter esse dano ou eliminar sua ameaça para nossa saúde e expectativa
de vida. Esse objetivo deveria se tornar o foco central do trabalho
biogerontológico, e o principal alvo do financiamento biomédico em geral.
O problema das mitocôndrias mutantes é um excelente exemplo. As mutações no
DNA mitocondrial são uma forma de desordem molecular que distingue as
pessoas biologicamente novas das biologicamente velhas, e existe robusta
evidência de que elas são prejudiciais.1 Assim, tanto se a mitocôndria mutante
tomar sua célula hospedeira através da "Sobrevivência dos Mais Lentos" ou por
algum outro mecanismo, quanto se essas células exercerem seus efeitos tóxicos
sobre o resto do corpo através da exportação de elétrons pelo PMRS ou por outro
processo completamente diferente, a essência da tarefa a cumprir é a mesma, no
fim das contas. Nosso objetivo terapêutico é claro: reparar as próprias mutações
ou torná-las funcionalmente irrelevantes. Como atingir este objetivo é o assunto
deste capítulo.
Antes de apresentar minhas propostas para alcançar esse objetivo, porém, devo
explicar claramente por que as soluções aparentemente atraentes que muitos
biogerontologistas poderiam propor seriam provavelmente um desperdício de
tempo e recursos escassos.
Dei exemplos referentes a esse princípio geral no Capítulo 3, mas vamos agora
analisar o caso mais concreto da intervenção no problema das mutações
mitocondriais. A abordagem óbvia e mais tradicional seria tentar reduzir a
formação de DNA mitocondrial mutante diminuindo-se o bombardeio do DNA
mitocondrial por radicais livres. Conseguiu-se realizar exatamente esse feito com
algum sucesso em ratos2 ao dar-lhes uma cópia do gene para a enzima
antioxidante catalase de forma especialmente direcionada a suas mitocôndrias.
A catalase quebra o peróxido de hidrogênio — uma molécula similar aos radicais
livres — transformando-o na inofensiva água antes de que possa se tornar mais
perigoso e causar sérios danos moleculares. Os animais que receberam esse gene
da catalase direcionada tiveram um aumento de 50 vezes na atividade da enzima
dentro de suas mitocôndrias, evitando-se em grande medida os danos ao DNA
mitocondrial — incluindo algumas das mutações que iniciam todo o processo
destrutivo de declínio que descrevi no último capítulo.
Não há motivos para que isso nos desanime, pois apenas nos lembra da
necessidade de concentrar nossos esforços em outros lugares. Como mencionei
no Capítulo 4, defendo uma abordagem fundamentalmente diferente para se lidar
com os danos moleculares relacionados ao envelhecimento. Em vez de "mexer
com o metabolismo" de formas que poderiam evitar os danos do envelhecimento
(como as deleções de DNA mitocondrial), afirmo que precisamos nos concentrar
no desenvolvimento de uma biomedicina antienvelhecimento que possa reparar
ou tornar inofensivas quaisquer mutações que possam ocorrer no DNA
mitocondrial. Embora a maioria das pessoas — sejam elas leigas, sejam elas
cientistas profissionais — tenda a assumir que isso deve ser muito mais difícil de
ser bem-sucedido do que uma estratégia preventiva, há na verdade várias
técnicas promissoras à disposição na prancheta de projetos que requerem uma
biotecnologia que não é mais avançada que aquela que já seria necessária para
colocar a catalase nas mitocôndrias — especificamente, a terapia genética. Isso
indica que poderia de fato demorar aproximadamente o mesmo tempo para tanto
uma quanto a outra intervenção chegar à clínica médica. Na verdade, isso
efetivamente nos diz que as tecnologias de remediação seriam capazes de chegar
às pessoas que estão sofrendo os danos do envelhecimento antes que as
tecnologias de prevenção, devido às razões regulatórias e pragmáticas que
mencionei anteriormente.
Vamos ser claros sobre isso. A expressão alotópica não faria absolutamente nada
para evitar que os genes mitocondriais nativos sofressem mutações: os radicais
livres atingiriam as vulneráveis mitocôndrias com a mesma frequência que
atingiam antes, e as mutações ocorreriam exatamente com a mesma frequência
que ocorriam antes. Porém, com uma cópia reserva desses genes no núcleo,
essas mutações se tornariam funcionalmente irrelevantes, porque a célula seria
capaz de continuar produzindo as proteínas que os genes destruídos na
mitocôndria anteriormente codificavam. Essas mitocôndrias assim disporiam de
proteínas funcionais para realizar o transporte de elétrons e o bombeamento de
prótons, e portanto se comportariam exatamente como mitocôndrias com o DNA
intacto, como se não tivessem sofrido mutações em seu DNA "local". Elétrons
continuariam a fluir para a cadeia transportadora de elétrons a partir do NADH;
prótons continuariam a ser bombeados; radicais livres continuariam a vazar do
sistema aleatoriamente. O conceito está ilustrado na Figura 1.
Figura 1. O conceito da expressão alotópica para tornar inofensivas as
mutações mitocondriais.
E ainda tem mais: como tais mitocôndrias continuariam a danificar suas próprias
membranas mitocondriais, o "sistema de incineração" celular (o lisossomo) seria
capaz de detectar quando essas mitocôndrias ficam velhas e então coletá-las para
destruição. Portanto, o mecanismo de Sobrevivência dos Mais Lentos que faz
com que as mitocôndrias mutantes dominem suas células hospedeiras nunca se
iniciaria, e as células não seriam forçadas a entrar no estado metabólico anormal
em que células com DNA mitocondrial mutante precisam entrar para lidar com
um desequilíbrio na sua proporção entre NADH e NAD+. Assim, apesar dessas
células conterem mutações em seu DNA mitocondrial, elas não descarregariam
seu excesso de elétrons no LDL, não espalhariam estresse oxidativo pelo resto
do corpo, e não desempenhariam um papel mais relevante para o envelhecimento
do organismo como um todo do que as células com DNA mitocondrial
perfeitamente intacto.
"Mas" — vocês podem perguntar — "e se um desses genes de reserva sofrer
uma mutação? Não enfrentaríamos então a mesma catástrofe?". Felizmente não!
Não há, na verdade, nenhum risco real de que ocorra uma falha funcionalmente
significativa nesse sistema de backup, mesmo durante um tempo de vida já
dramaticamente prolongado por um conjunto completo de intervenções
antienvelhecimento das SENS.
Para entender o porquê disso, vejamos o que seria necessário para que uma falha
do tipo ocorra. Primeiro, para uma célula com uma cópia alotópica de um gene
mitocondrial entrar no estado de Sobrevivência dos Mais Lentos, ela teria que ter
sofrido mutação em ambas as cópias do gene: a original no DNA mitocondrial e
a cópia que teria sido colocada no núcleo.
Isso é menos provável de ocorrer do que pode parecer a princípio. Já é algo
incomum que o DNA localizado na mitocôndria sofra danos permanentes
(lembrem-se de que de acordo com os dados atuais, menos de 1% das células são
tomadas por mitocôndrias mutantes), e a probabilidade de que uma cópia reserva
localizada no núcleo sofra uma mutação é muito menor. Além de estar melhor
protegida de radicais livres por causa de sua localização (o DNA nuclear é
muitas vezes menos suscetível a sofrer mutações do que o DNA mitocondrial),
há muito mais proteínas codificadas por genes localizados no núcleo: dezenas de
milhares, contra somente 13 que são codificadas por genes que estão nas
próprias mitocôndrias. Então, mesmo quando um radical livre atinge o DNA
nuclear, as chances dele danificar um dos genes mitocondriais alotopicamente
expressos são muitas vezes menores do que as chances dele danificar algum
outro gene. De fato, nem será um gene (uma instrução para construir uma
proteína) o que muitos radicais livres atingirão, mas um dos muitos trechos de
DNA "sem significado" não funcional. Portanto, a probabilidade de que tanto o
gene original mitocondrial quanto a cópia reserva nuclear desse mesmo gene
sofram uma mutação é irrisoriamente pequena.
Além disso, enquanto que a forma incomum do DNA das mitocôndrias garante
que grandes deleções em sua estrutura destruam sua capacidade de sintetizar
qualquer uma de suas proteínas, o mesmo não ocorrerá no caso nuclear: somente
a proteína do gene específico que sofreu mutação será afetada. As mitocôndrias,
é claro, não conseguem funcionar sem todas as 13 proteínas, mas poderíamos
ajudar a reduzir o risco de qualquer desativação real da fosforilação oxidativa —
e da consequente expansão clonal de uma mitocôndria mutante — fornecendo
um conjunto duplo ou até triplo de cópias reservas funcionais.8
As "mitocondriopatias"
Um tipo de obstáculo que o desenvolvimento clínico da biomedicina
antienvelhecimento enfrenta é estrutural: o envelhecimento não é uma doença
reconhecida, e assim a FDA** não permitirá que intervenções biomédicas que
afirmem curá-lo sejam submetidas a testes clínicos. Isso é obviamente um balde
de água fria jogado diretamente na cabeça dos investidores de risco que
poderiam estar interessados em investir em startups que trabalhassem no
desenvolvimento de um tratamento para mutações no DNA mitocondrial
relacionadas ao envelhecimento. Considerando-se o objetivo de que intervenções
antienvelhecimento efetivas cheguem à clínica médica o mais rápido possível, a
expressão alotópica tem a vantagem de já estar sendo estudada como um
tratamento para um grupo reconhecido de doenças: as mitocondriopatias.
Essas doenças são causadas por defeitos no DNA mitocondrial que são
hereditários (ou, em casos mais raros, adquiridos através de causas
independentes do processo de envelhecimento). Essas mutações levam a uma
falha na produção de energia que causa uma série de disfunções em vários
órgãos, dependendo do distúrbio específico: o cérebro, o coração e os músculos
tendem a ser os mais vulneráveis, mas os danos também podem se estender ao
fígado, aos rins, aos pulmões e a certas glândulas. Como a expressão alotópica é
uma terapia promissora para as mitocondriopatias, já existe financiamento
governamental disponível (embora nem de longe o suficiente) para se trabalhar
em seu desenvolvimento; e assim que estiver pronta para ser aplicada na clínica
médica, haverá incentivo para que capital de risco seja investido em seu
desenvolvimento, proporcionando um claro caminho para se avançar no curto
prazo para a realização de testes clínicos aprovados pela FDA.
Por sua vez, quando tiver sido provado que a expressão alotópica é segura e
efetiva como um tratamento para mutações hereditárias do DNA mitocondrial,
estaremos em uma excelente posição para fazer os pequenos ajustes necessários
para adaptá-la para ser usada como um tratamento para mutações adquiridas
durante o processo de envelhecimento. Essa aplicabilidade paralela é uma
característica da maioria das intervenções antienvelhecimento incluídas na
plataforma SENS — e inclusive, versões prototípicas de várias das intervenções
propostas já estão em testes clínicos hoje em dia.
O caminho adiante
De um modo geral, o cenário é promissor. Não só sabemos bastante bem como
as mutações no DNA mitocondrial contribuem para o declínio relacionado ao
envelhecimento de nossos corpos, mas também temos um caminho claro adiante
para tornar esse problema inofensivo — mesmo se nossa compreensão da exata
relação funcional entre mutações e patologias acabar se revelando equivocada. A
expressão alotópica permitiria que nossas mitocôndrias continuassem
funcionando normalmente mesmo quando seu DNA adquirisse mutações; a
protofecção, alternativamente, poderia simplesmente remover o velho DNA
mutante periodicamente, substituindo-o por um novo conjunto de instruções
genéticas completamente funcional; e o uso de enzimas de mais fácil manuseio
que não bombeiam prótons mas que mantêm o metabolismo de elétrons
inofensivo pelo menos impediria que células mutantes causassem problemas fora
de suas próprias membranas.
Novamente, é bom lembrar que precisaremos desenvolver uma terapia genética
segura, eficiente e estável que funcione em humanos adultos se quisermos
transformar qualquer uma dessas intervenções em uma intervenção biomédica
real contra esse aspecto do processo de envelhecimento, e isso será, certamente,
um desafio. Porém, também devemos lembrar que esse é um desafio no qual
cientistas de todo o mundo já estão vigorosamente trabalhando para tratar
doenças genéticas — enfermidades que vão desde a doença de Huntington até o
risco hereditário de câncer, o mal de Alzheimer familiar e a anemia falciforme. E
poderíamos pegar uma carona ainda mais eficiente com as pesquisas que são
específicas para as mitocondriopatias — um campo muito menor, mas que, no
momento, ainda recebe mais financiamento de peso e atenção do que o trabalho
com a finalidade de vencer a praga global em câmera lenta que é o
envelhecimento.
Com os recursos que já estão sendo usados para avançar na terapia genética,
podemos confiantemente prever que a disponibilidade clínica desta
biotecnologia facilitadora está próxima. Estou, portanto, convencido de que o
maior obstáculo para a rápida implementação da expressão alotópica (ou de seus
tratamentos alternativos) não será nossa capacidade de desenvolver uma terapia
genética segura para os pacientes, mas a falta de investimento na ciência básica
necessária para mover genes mitocondriais para dentro do núcleo.
Lembram-se do resultado positivo no uso de inteínas para importar proteínas
para dentro de mitocôndrias em meio de cultura? Esta conquista ocorreu porque
os cientistas estavam procurando uma maneira de conseguir informações rápidas
sobre os resultados de um projeto completamente diferente que era de interesse
deles. Imaginem o que poderia ser alcançado com recursos especificamente
direcionados ao desenvolvimento da expressão alotópica com o propósito de
reverter danos causados pelo envelhecimento!
Como realizar essa mudança nas prioridades de pesquisa é o assunto do Capítulo
15; mas agora, deixem-me levá-los a uma excursão para conhecer o próximo dos
"Sete Danos Capitais" do envelhecimento, e mostrar o que podemos fazer a
respeito.
7
Aperfeiçoando os incineradores
biológicos
Exatamente como nossas casas, as células geram lixo como uma consequência
inevitável de seu funcionamento normal. Também como nossas casas, elas são
capazes de eliminar a maior parte de seus resíduos — apesar de reciclarem uma
tal proporção deles que a casa mais ecológica do mundo passaria vergonha.
Porém, as células não conseguem reciclar completamente todo o lixo que geram,
e a parte que não é destruída se acumula, acabando por prejudicar a célula em
algum momento. Alguns anos atrás, concebi uma nova abordagem para se lidar
com este problema que exemplifica, talvez melhor do que qualquer outra
contribuição minha nesta área, o valor da ampla interdisciplinaridade do
conhecimento que é tão rara na biologia hoje em dia.
Mary Shelley* não poderia imaginar uma cena melhor — pensei, ao afundar
minha espátula na relva suja do cemitério.
Uma análise rápida da vista do parque Coldham's Common inicialmente daria a
impressão de que é um pequeno campo desinteressante e um pouco monótono no
coração da Inglaterra. Mas saber a sua história transforma a percepção do local,
abrindo os olhos da mente para que vejam um trecho quase selvagem, sombrio e
fustigado pelo vento, como saído de um conto de terror gótico, no meio de uma
planície delimitada por campos de futebol e estacionamentos, cortada ao meio
por uma linha de trem. Embora às vezes seja usado para eventos públicos ou
pastoreio de gado, o local passa a maior parte do ano solitário e abandonado,
com sua única razão para fama vinda de sua associação com mortes em massa.
No final do século XVII, a Grande Praga passou sua foice pela Inglaterra.
Quando seus dedos gelados se arrastaram até Cambridge, a praga tomou a vida
de um terço a metade dos moradores — incluindo 16 dos 40 professores da
Universidade — e fez o jovem Isaac Newton fugir para tentar sobreviver.
Quando ela passou, os sobreviventes rapidamente despejaram anonimamente
embaixo do solo não sagrado deste pequeno campo a maior parte das vítimas da
praga. Mesmo antes de se tornar um túmulo coletivo, a área já era associada a
infecção e morte: sua marca histórica mais antiga são as ruínas do Hospital de
Leprosos de Cambridge do século XII. Para completar o clichê, na maioria dos
dias do ano, Coldham's Common está comprovadamente vários graus mais frio
do que as ruas empedradas a sua volta.
Devo confessar que o relato acima possui uma pequena quantidade de licença
poética: a pessoa que realizou a tarefa acima não fui eu, mas uma estudante de
pós-graduação do meu departamento da Universidade de Cambridge, e na
verdade ela colheu a amostra de solo do parque Midsummer Common, não do
parque vizinho Coldham's Common. Mas isso é só um detalhe. Para entender o
que ela estava fazendo lá, vamos desviar o foco do cemitério para o depósito de
lixo.
Não foi sempre assim, é claro. Durante a maior parte da história da civilização,
as ruas de nossas cidades eram literalmente esgotos, nos quais os cidadãos
lançavam seu lixo e dejetos diretamente de suas janelas sem ligar para o que —
ou mesmo quem — estava embaixo. A maioria de nós não consegue
verdadeiramente imaginar quão imundas, fétidas e perigosas eram as cidades até
muito recentemente. O preço de se viver em um ambiente tão tóxico pode ser
observado na disparidade da expectativa de vida de pessoas vivendo em
diferentes ambientes na Inglaterra do século XVII. Um inglês tipicamente
viveria entre 30 e 40 anos se morasse no campo, mas se ele morasse em Londres,
poderia-se esperar que vivesse somente de 21 a 34 anos.
Qualquer um que tenha vivido em uma cidade grande durante uma greve de
recolhimento de lixo como a que quase paralisou Londres em 1976 entende quão
vital é ter um sistema de recolhimento de lixo para a saúde e o andamento
normal da vida diária. Em um prazo surpreendentemente curto, o lixo pode
literalmente ser empilhado em montes precários de 3 metros de altura que
desmoronam com o vento ou quando novos sacos são adicionados às suas toscas
estruturas. E as montanhas de lixo não são somente feias: além do cheiro, o lixo
atrai vermes, e com eles, doenças — especialmente quando o conteúdo dos sacos
de lixo começa a se derramar nas ruas por causa dos ataques de animais, pela
ação do clima, ou pela putrefação e liquefação de seu conteúdo. As calçadas
ficam cada vez menos transitáveis, e até o tráfego na rua pode ser obstruído. As
pessoas têm menos vontade de sair de casa ou ir às lojas. Uma greve que durou
somente nove dias em 1968 chegou muito perto de acabar com Nova York.
Bem, algo similar ocorre com suas células à medida que elas envelhecem — só
que, em certo sentido, é pior. Em vez de uma "interrupção de serviço"
temporária, as células ao envelhecerem sofrem uma degeneração progressiva de
sua infraestrutura de gestão de resíduos que faria os piores exemplos de
deterioração do centro de cidades parecerem modelos de boa higiene.
Dois capítulos atrás, ao discutir o processo pelo qual as mitocôndrias mutantes
se "expandem clonalmente" de forma a substituir todas as suas primas saudáveis
na célula, apresentei a vocês o lisossomo — uma organela que chamei de
"incinerador" celular. Na verdade, "centro de reciclagem" seria uma metáfora
mais precisa do que incinerador, porque o trabalho do lisossomo não
é destruir completamente os resíduos celulares, mas decompô-los a nível
molecular em componentes mais básicos que podem ser usados como matéria-
prima para a biossíntese de novas membranas celulares, enzimas e outros
componentes importantes do maquinário celular. A metáfora do incinerador tem
o objetivo de comunicar o poder extraordinário do lisossomo ao desmembrar a
nível molecular os materiais que são jogados nele, assim como a natureza
química (lembrem-se de que a queima é uma reação química) de seus métodos
para decompor os resíduos em seus componentes fundamentais.
Embora a célula tenha, na verdade, uma variedade de mecanismos para
reprocessar os constituintes celulares danificados, seus lisossomos lidam com
alguns dos mais desafiadores entre eles, incluindo resíduos que ainda resistem
após os outros sistemas de descarte de resíduos da célula terem tentado processá-
los sem sucesso. Além disso, quando essas unidades alternativas de descarte de
resíduos ficam elas mesmas desgastadas ou danificadas, cabe aos lisossomos
decompô-las (frequentemente, junto com seus conteúdos semidigeridos). Este
capítulo é sobre a deterioração dos depósitos de lixo aos quais a célula recorre
como último recurso, e como poderíamos evitar este processo.
Combustão incompleta
Vocês não ficarão surpresos ao saber que coisas ruins acontecem se o corpo não
produzir uma hidrolase lisossômica que é necessária para decompor um resíduo
produzido em algum tipo de célula — ou se ele produzir uma forma defeituosa
da proteína que não realiza seu trabalho adequadamente. Na verdade, esta é
precisamente a descrição de um grupo raro mas bem estabelecido de doenças
genéticas conhecidas como doenças de depósito lisossômico (DDLs).
Existem cerca de 40 doenças desse tipo, mas felizmente, só uma a cada 7.500
pessoas, aproximadamente, nasce com qualquer uma delas. As vítimas dessas
doenças sofrem de algum tipo de falha em seus incineradores lisossômicos.
Muitas delas carecem completamente do gene para uma enzima lisossômica, ou
têm uma cópia mutante dele, o que resulta em uma versão deformada e inefetiva
da hidrolase. Em outros casos, o problema é que uma das proteínas
especializadas de transporte na superfície da membrana lisossômica está
defeituosa ou ausente, de forma que o lisossomo não consegue trazer o lixo para
dentro de si para decompô-lo.
Independentemente de sua origem em um determinado paciente, o resultado
dessas mutações é uma doença degenerativa mortal. Os órgãos que uma
determinada mutação afeta — e a intensidade em que isso acontece — variam de
uma DDL para outra, dependendo de qual enzima ausente ou defeituosa está na
raiz do problema. Isso ocorre porque diferentes tipos de células produzem
diferentes resíduos a diferentes taxas, e cada resíduo em particular exerce um
impacto patológico distinto na célula se não for degradado.
Porém, em todos os casos os pacientes são acometidos por patologias nos
principais órgãos. Na doença de Gaucher, o baço incha e desenvolve-se anemia.
Quanto à doença de Niemann-Pick, há duas formas hereditárias dela: na versão
de progressão rápida (Tipo A), o fígado e o baço aumentam de tamanho e os
nervos se degeneram desde o nascimento, com suas vítimas morrendo aos dois
ou três anos de idade; na variedade de progressão lenta (Tipo B), os pacientes
podem desenvolver nódulos gordurosos amarelos em suas pálpebras, pescoço ou
costas, e pode ocorrer o aumento do tamanho do fígado, baço e nódulos
linfáticos. E a síndrome de Hurler faz com que o formato facial fique retorcido e
ocorram deformações ósseas, além de causar aumento do tamanho do baço e do
fígado, rigidez das articulações, turvação dos olhos, demência precoce e perda de
audição.
Os mecanismos exatos que ligam a falta de uma eliminação efetiva de resíduos
às patologias específicas ainda não foram todos esclarecidos detalhadamente,
mas a ideia básica está clara. Os resíduos não degradados se acumulam no
lisossomo, fazendo com que este inche e ocupe espaço demais na célula,
obstruindo o trânsito de outros materiais no corpo principal da célula. Ao mesmo
tempo, os ácidos e enzimas dentro dos lisossomos ficam diluídos, o que inibe
tanto sua capacidade de importar quanto de decompor outros resíduos para os
quais a célula de fato tem as enzimas necessárias, estabelecendo-se assim um
círculo vicioso.
Também há alguns casos em que aparentemente resíduos tóxicos não degradados
se acumulam no corpo principal da célula. Isso pode ocorrer porque, para
começar, eles nem são introduzidos no lisossomo sobrecarregado, ou senão
porque a organela defeituosa começa a vazar ou até mesmo explode, expelindo
sua carga tóxica — incluindo os ácidos e enzimas que carrega, que são
essenciais para a funcionalidade lisossômica mas potencialmente mortais para o
resto da célula.
Doenças neurodegenerativas
Com exceção do caso do derrame — que discuti anteriormente e que é mais uma
lesão pontual e traumática do que propriamente um processo degenerativo — o
cérebro das pessoas que sofrem de qualquer uma das principais doenças
neurodegenerativas mostra evidências de funcionamento lisossômico
inadequado. Na maioria dos casos, o indicador mais significativo é a presença de
um agregado característico de material proteico dentro das células cerebrais:
corpos de Lewy no mal de Parkinson e na chamada, precisamente, "demência
com corpos de Lewy" (DCL), proteínas huntingtinas agregadas na doença de
Huntington, e emaranhados neurofibrilares (NFTs), formados por agregados de
proteínas tau, na doença de Niemann-Pick e no mal de Alzheimer.9 Ainda assim,
como esses agregados não se localizam dentro do lisossomo, e não são eles
mesmos lipofuscina, o papel da disfunção lisossômica nessas doenças ficou
obscurecido — pois, novamente, pessoas que procurassem especificamente uma
conexão com a "lipofuscina" poderiam acabar não tendo acesso a esses dados,
ocultando-se a conexão.
Em diversos casos, porém, há evidências mais diretas de problemas no depósito
de resíduos tóxicos. Algumas das mais notáveis dessas evidências foram
recentemente descobertas nos cérebros de pacientes com Alzheimer, onde a
decomposição de proteínas por outro dos principais componentes do sistema de
reciclagem celular (o proteassoma) está gravemente prejudicada. Em alguns
pacientes, isso pode ocorrer porque mutações no gene para uma proteína
chamada ubiquilina fazem com que ela iniba a atividade da ubiquitina, uma
proteína que "marca" proteínas para serem decompostas no proteassoma. Tanto
os emaranhados neurofibrilares do mal de Alzheimer quanto os corpos de Lewy
do mal de Parkinson estão cheios de ubiquitina, mas ainda assim o sistema do
proteassoma parece incapaz de coletar esses materiais agregados.
A conexão com o aparato lisossômico é esta: os proteassomas que não estão
fazendo seu trabalho colocam mais pressão sobre o sistema lisossômico pois os
proteassomas defeituosos (e os materiais que não conseguiram destruir) são
enviados para o lisossomo, aumentando a formação de lipofuscina.10 Pelo menos
um pouco dos resíduos que o proteassoma não consegue coletar — junto com as
próprias unidades danificadas de proteassomas — é em última instância enviado
ao lisossomo: este fenômeno foi definitivamente observado no caso de
agregados na doença de Huntington que seriam normalmente degradados pelo
proteassoma, e é provavelmente responsável pela descoberta de muita ubiquitina
dentro dos lisossomos de neurônios de pacientes com Alzheimer.
Porém, as características mais dramáticas de descarte anormal de lixo no mal de
Alzheimer são os sinais de mau funcionamento no próprio sistema lisossômico.
Para dar um pouco de contexto: uma das principais maneiras pelas quais o lixo
celular é enviado ao centro de reciclagem celular é por um processo chamado
macroautofagia, no qual os resíduos em questão são engolidos inteiros por uma
estrutura de membrana chamada autofagossoma ou vacúolo autofágico, que
então se prende no lisossomo e se funde com ele (se isso parece familiar, é
provavelmente porque mencionei este processo brevemente no Capítulo 5 como
uma forma pela qual mitocôndrias danificadas são entregues ao lisossomo). O
resultado, na prática, é um lisossomo maior, com uma única membrana fundida
que envolve tanto os conteúdos do vacúolo autofágico quanto as enzimas
hidrolíticas (e a acidez) do lisossomo original usadas para digerir esses
conteúdos.
Estudos recentes mostraram que esse aspecto do funcionamento lisossômico está
bastante prejudicado nos cérebros de pacientes com Alzheimer.11 Já se sabe há
algum tempo que o sistema lisossômico no cérebro com Alzheimer está, como o
proteassoma, aparentemente ao mesmo tempo hiperativo e inativo: é como se o
neurônio fosse um motorista insensato de um carro com um motor desgastado,
tentando compensar sem sucesso o estrago dos cilindros pisando com mais força
no pedal do acelerador. Novos trabalhos sugerem uma razão principal para esta
falha: as células cerebrais — e especificamente as células localizadas em áreas
do cérebro que são mais seriamente afetadas pela doença — estão cheias de
estruturas formadas por vacúolos autofágicos com muitas camadas, que são
como as conhecidas bonecas russas, com um vacúolo autofágico dentro de um
outro maior, que por sua vez está dentro de outro vácuolo autofágico ainda
maior.
Algumas dessas estruturas parecem se formar quando vacúolos autofágicos não
conseguem se fundir com os lisossomos, e ficam na célula tempo suficiente para
começarem a sofrer danos, sendo, por fim, danificados tão gravemente a ponto
de serem vistos como lixo; neste ponto são então engolidos por outro vacúolo
autofágico. Depois, o ciclo se repete, quando o novo vacúolo autofágico também
não consegue se fundir. Em outros casos, parece que os vacúolos autofágicos
fundiram-se com um lisossomo, mas que o lisossomo está tão fraco — ou talvez
tão imaturo — que não consegue degradar os conteúdos do vacúolo autofágico.
É uma situação que me lembra muito o infame Khian Sea, um navio que foi
contratado pela cidade de Filadélfia (EUA) em 1986 para transportar cinzas de
incineradores para serem descartadas em uma ilha artificial nas Bahamas.
Infelizmente, o governo das Bahamas não tinha dado aos operadores do Khian
Sea permissão para despejar seus resíduos lá. E assim começou um cruzeiro de
14 anos do lixo, no qual o navio viajou de porto em porto, tentando descartar sua
carga em diferentes países no mundo todo — primeiro voltando à costa leste dos
Estados Unidos, depois voltando para o sul rumo ao Caribe e à América do Sul,
e finalmente perambulando tão longe quanto a Indonésia e as Filipinas.
Por fim, o Khian Sea — renomeado e com uma nova bandeira — se libertou de
sua carga tóxica ao jogá-la ilegalmente nos oceanos Atlântico e Índico. Mais
cedo ou mais tarde, só se pode esperar que os vacúolos autofágicos que estão
perambulando também despejem seus conteúdos perigosos.
Todos os cientistas concordam sobre os fatos básicos: as principais doenças
neurodegenerativas são caracterizadas pela presença de proteínas agregadas e
disfunção lisossômica no cérebro, e está claro para todos os envolvidos que há
algum tipo de conexão entre a clara falha de funcionamento dos sistemas de
descarte de resíduos das células para lidar com os agregados e as doenças nas
quais essa falha ocorre. A questão é só qual é essa conexão. Intuitivamente, faz
sentido que o lixo agregado ocioso em nossas células cerebrais deva ser ruim
para elas. A maioria dos cientistas da área compartilha desta intuição, e de fato é
fácil demonstrar, em experimentos in vitro relativamente simples, que essas
substâncias causam danos às células cerebrais às quais são adicionadas,
incluindo o início de um círculo vicioso no qual o acúmulo de agregados
interfere na função neuronal normal, levando a maiores disfunções lisossômicas
e agregação de proteínas.
Outros, porém, têm uma interpretação diferente desses fenômenos.
Surpreendentemente, alguns cientistas acreditam que agregados de proteínas
podem de alguma maneira ser protetores. A ideia é que embora os agregados em
si possam interferir na função celular a longo prazo por bloquear o tráfego
celular devido simplesmente ao seu tamanho, as unidades solúveis altamente
reativas que formam os agregados são ameaças muito mais imediatas para a
saúde da célula. Ao prender essas unidades juntas em uma única cadeia celular
agrupada, a célula pode impedir que ataquem outros aparatos celulares em seu
meio, evitando uma ameaça mortal de curto prazo à saúde celular.
E também há aqueles que veem os agregados como sendo mais como um
epifenômeno: um sinal de que algo está errado com a célula, mas não um fator
contribuinte real para a patologia. Neste modelo, os depósitos proteicos não
degradados são mais como a fumaça da pólvora de pistolas do que as próprias
pistolas ou as balas que elas disparam: em si mesmos eles são mais ou menos
inofensivos, mas sua presença é um sinal inconfundível de que se está em uma
cena de crime. Talvez, por exemplo, algum outro contaminante esteja se
acumulando no lisossomo, impedindo que ele incinere adequadamente o lixo
celular, de forma que agregados se acumulam — mas os agregados em si não
seriam a fonte do problema nem seriam um dos principais fatores contribuindo
para a patologia celular. Isto ainda seria algo ruim, é claro, porque as células
dependem de lisossomos funcionais — tanto para decompor constituintes
celulares benignos que já chegaram ao fim de suas vidas úteis para usar suas
partes para projetos futuros de construção celular, quanto para destruir resíduos
genuinamente tóxicos. Porém, a fonte do problema não estaria nas óbvias pilhas
de lixo que bagunçam o corpo principal da célula, e sim em outro lugar.
Por exemplo, os pacientes com Alzheimer podem ter mais mitocôndrias
defeituosas que necessitam ser recicladas do que pessoas saudáveis, criando
demandas que o lisossomo simplesmente não consegue satisfazer; assim que o
lisossomo falha, outros componentes podem formar os agregados observados,
mas ainda assim são as mitocôndrias disfuncionais que começaram a bola de
neve. Mas novamente, é muito difícil fugir da conclusão de que os agregados
proteicos resultantes são "quebra-molas" celulares que devem em algum
momento causar, por si mesmos, sérios problemas às células.
Infelizmente, há evidências substanciais — tanto em doenças
neurodegenerativas quanto no envelhecimento — que apoiam cada uma dessas
posições. Digo "infelizmente" porque sinto que isso está paralisando os
pesquisadores em suas jornadas em busca de curas. Os pesquisadores gastaram
grande parte da década de 1990 em entrincheiradas "guerras santas" entre os
"BAPtistas" (nomeados assim por causa da "Proteína Beta Amiloide") e os
"Tauistas" (nomeados assim por causa dos emaranhados neurofibrilares, ou
NFTs, à base de tau), cada um gastando energia considerável para tentar provar
que seu candidato favorito seria o problema primário do mal de Alzheimer
("Mas o que é essa proteína beta amiloide?", vocês podem estar se perguntando;
aprenderão bastante sobre isso no Capítulo 8). Hoje em dia, há uma rixa similar
sobre as diferentes interpretações sobre o papel geral dos agregados proteicos em
doenças neurodegenerativas. No pensamento mais antiquado — no qual a meta é
encontrar fármacos que interrompam os processos metabólicos que levam a uma
doença ou pelo menos perturbem a parte do caminho metabólico que causa mais
danos — problemas desse tipo devem ser definitivamente resolvidos em detalhes
antes de podermos sequer começar a projetar tratamentos para humanos, uma
vez que interferir nos caminhos metabólicos é algo arriscado que só pode levar a
danos se o processo que está sendo bloqueado acabar sendo um espectador
inocente.
Portanto, ainda mais do que com a aterosclerose, as abordagens médicas
tradicionais para as doenças neurodegenerativas estão, em relação aos agregados
proteicos, paralisadas por causa da compreensão inadequada da conexão entre o
lixo em questão e a doença em si.12 Novamente, porém, tenho uma solução em
mente que torna desnecessária a resolução dessas ambiguidades.
Degeneração macular
Apesar de não querer provocá-los, quero falar sobre o papel crítico de agregados
não degradados em um terceiro e importante aspecto do envelhecimento antes de
finalmente revelar minha proposta de terapia para todas as doenças que
envolvem algum tipo de falha lisossômica — incluindo o envelhecimento em si.
Este terceiro problema relacionado ao envelhecimento é a degeneração macular
relacionada à idade (DMRI).
Há menos suspense nesta seção pois não há controvérsias sobre o envolvimento
dos agregados na DMRI. Este é um caso clássico de como ciclos bioquímicos
que certamente não podemos eliminar levam à destruição dos sistemas nos quais
estão inseridos. A visão, como todos os outros processos da vida, é mediada, em
última instância, por uma complexa e cuidadosamente controlada reação química
em cadeia, e nossas percepções conscientes correspondem, todas elas, aos
fenômenos eletroquímicos específicos que esta cascata desencadeia em nossos
cérebros. Para enxergar um objeto, a energia da luz que se reflete nesse objeto e
entra no cristalino de nossos olhos deve ser traduzida para uma linguagem de
sinalização química que corresponda a nossa "visão" subjetiva do objeto.
Para nossas finalidades, o passo importante neste processo de tradução —
importante porque é fatal para as células que sofrem de falhas nele, e portanto
para nossa vista — é o ciclo (quase) perpétuo entre duas formas de um derivado
da vitamina A.13 As células bastonetes e cones de nossos olhos contêm a forma
de "estoque" deste composto (11-cis-retinal), que é quimicamente transformado
em um derivado "ativado" (trans-retinal) quando absorve a energia da luz que
está entrando nos olhos. Esta forma ativada é utilizada como um sinal que aciona
a descarga eletroquímica do nervo óptico, que carrega o sinal para o cérebro;
depois, normalmente, uma enzima converte essa forma de volta para a forma de
"estoque", deixando-a pronta para a próxima rajada de luz.
Porém, qualquer sistema que dependa de componentes quimicamente instáveis
sempre correrá o risco de que sua química reativa destrua os rigorosos controles
dos sistemas aos quais deveriam servir. Neste caso, o trans-retinal pode reagir
com algumas moléculas lipídicas que formam a membrana celular, levando,
através de uma complexa série de passos, à formação de um produto final
resistente chamado A2E. Este composto é completamente resistente à digestão
no lisossomo, e assim é uma grande fonte de lixo não degradado nos lisossomos
dessas células. Com o tempo, tanto A2E é produzido e absorvido pelos
lisossomos sem ser degradado que este pode ocupar até um quinto do volume
celular total das células que o acumulam. Estas células desafortunadas
produzem o epitélio pigmentar retinal (RPE) dos olhos — uma parte
responsável por manter o funcionamento correto das áreas sensíveis à luz na
retina.
Entretanto, novamente, por causa da terminologia específica usada (A2E, em vez
de "lipofuscina"), o papel da insuficiência lisossômica tem sido — e me perdoem
minha piada infame — obscurecido.
Limpando o ralo
Doenças de depósito lisossômico (DDLs) — as síndromes que hoje sabemos
serem o resultado de mutações em genes que codificam o nosso conjunto normal
de enzimas lisossômicas — já eram conhecidas décadas antes dos pesquisadores
descobrirem o que as causava. Quando sua origem ficou clara, porém, uma
forma de tratar a maioria das DDLs tornou-se evidente: a terapia de reposição
enzimática (TRE — não confundam essa abreviatura com a terapia de reposição
de estrogênio). Em pessoas que não têm uma enzima para algum resíduo
metabólico comum, resíduos celulares não degradados se acumulam dentro do
lisossomo (e também fora dele, no corpo principal da célula), e como resultado
inevitável ocorre a disfunção celular. Portanto — raciocinou-se — se a enzima
correta pudesse ser entregue ao lisossomo, o centro de reciclagem celular
retornaria a seu funcionamento normal, o lixo acumulado seria decomposto, as
células voltariam a ser saudáveis e os pacientes poderiam levar uma vida normal.
Após algumas décadas de trabalho, vítimas de três das mais comuns DDLs são
hoje tratadas com sucesso com terapias desse tipo. Por exemplo, há cerca de
4.000 pessoas que hoje em dia têm vidas normais apesar de terem a doença de
Gaucher, graças a injeções regulares da enzima lisossômica que suas células não
são capazes de produzir por si mesmas. O processo de desenvolvimento de
fármacos tem sido razoavelmente claro, apesar de desafiador tecnicamente.
Doença após doença, os pesquisadores identificaram a enzima cuja ausência
causava o transtorno; modificaram-na de diversas maneiras para que pudesse ser
injetada, absorvida pelas células e entregue aos lisossomos dos pacientes, onde
funcionam exatamente como a mesma enzima funciona no restante das pessoas
quando é produzida por suas próprias células; e observaram os sintomas
desaparecerem, as vidas serem prolongadas, e as vítimas serem capazes de viver
a vida que o resto de nós pode ter.
Evidentemente, todos enfrentamos esse mesmo problema fundamental no caso
das doenças por disfunção lisossômica de longo prazo: em algum momento,
todos sofreremos de "doenças de depósito lisossômico" relacionadas à idade
(como doenças neurodegenerativas ligadas à idade, degeneração macular e
aterosclerose), mesmo que só uma pequeníssima parte da população seja afetada
pelas atualmente reconhecidas DDLs congênitas (doença de Gaucher e outras do
tipo). Embora as origens exatas dos dois tipos de DDLs sejam diferentes (nas
DDLs congênitas, a origem são mutações genéticas raras em genes para
hidrolases lisossômicas que são parte do legado evolutivo padrão de nossa
espécie, enquanto que nas DDLs relacionadas ao envelhecimento, a origem é
nunca termos desenvolvido evolutivamente as enzimas necessárias para
decompor emaranhados neurofibrilares, A2E, etc.), a natureza molecular das
DDLs congênitas e relacionadas ao envelhecimento é essencialmente a
mesma — e como bioengenheiros antienvelhecimento, isso é suficiente para que
possamos fazer nosso trabalho, que é limpar os danos moleculares acumulados.
Para alcançar este objetivo, teremos que enfrentar uma série de desafios
específicos. Felizmente, em todos os casos temos opções disponíveis com as
quais já temos experiência, ou para as quais soluções já claramente à vista estão
sendo desenvolvidas por pesquisadores de outras áreas da biomedicina.
Dentro e fora
Como podem ver, há vários obstáculos para se superar antes de sermos capazes
de usar enzimas hidrolíticas novas para limpar o lixo em nossas células, evitando
ou revertendo muitos dos problemas de saúde mais debilitantes da idade
avançada. Porém, como mostrei, para todos esses problemas aparentemente
existem soluções perfeitamente plausíveis que já estão em uso no tratamento das
DDLs reconhecidas (as congênitas) ou que têm claras rotas de implementação
que estão sendo intensamente estudadas por pesquisadores de todo o mundo.
Uma vez identificadas as enzimas que necessitamos hoje, uma terapia de
primeira geração poderá parecer-se bastante com a terapia de reposição
enzimática para as doenças de depósito lisossômico existente hoje em dia: cara,
inconveniente, e de escopo limitado, mas que salva vidas. E então, com o passar
do tempo, melhoraremos progressivamente a terapia, tornando-a mais
abrangente e aumentando sua segurança e eficiência em sintonia com o avanço
da terapia genética e de outras tecnologias facilitadoras que também serão
utilizáveis nos tratamentos de DDLs.
Assim como em casos anteriores, a busca por esta solução dependerá de uma
síntese interdisciplinar da pesquisa realizada em áreas que aparentemente têm
muito pouco a ver com o envelhecimento, e de trabalhos originais feitos por
cientistas dedicados à meta de adaptar as tecnologias existentes aos novos
problemas associados com o processo do envelhecimento. O que é claramente
necessário é fazer com que capital privado e público sejam investidos na metade
final da equação, que sofre de uma séria falta de investimento de dólares e de
mentes, e sem isso o maior assassino de todo o mundo moderno continuará a
aleijar, torturar e matar os seres humanos a nossa volta em novas levas enormes
todos os dias.
Deixem-me agora mudar o foco do lixo que fica dentro de nossas células para
parte do lixo agregado que cobre nossas células, explicando quão nocivo ele é, o
que podemos fazer em relação a isso e como as ameaças que ele impõe à
saúde — e as soluções terapêuticas — estão intimamente ligadas ao problema da
disfunção lisossômica que estivemos abordando aqui.
8
No capítulo anterior, tratei do lixo que se acumula dentro de nossas células
com a idade — como ele contribui para o processo biológico do envelhecimento
e o que pode ser feito para eliminá-lo. Neste capítulo, o foco é o lixo que se
acumula fora de nossas células e tecidos, emaranhando-os em teias de proteínas
danificadas, prejudicando seu funcionamento, e contribuindo para o
envelhecimento e o desenvolvimento de doenças relacionadas ao
envelhecimento.
A maior parte do lixo do qual trataremos é algum tipo de amiloide. Quando digo
"amiloide", é claro que quase todo mundo pensa na proteína beta amiloide
(também chamada só de "beta amiloide") que se acumula na forma das "placas
senis" cerosas aglomeradas em torno das células do cérebro das pessoas com o
mal de Alzheimer. Porém, muitas outras doenças menos conhecidas
(amiloidoses) também têm em sua origem agregados proteicos anormais desse
tipo. A maioria dos amiloides são cadeias de moléculas que funcionam como
armadilhas para células, e essas cadeias iniciam sua existência como proteínas
saudáveis já presentes naturalmente em nosso sangue ou no fluido que banha
nosso cérebro. Muitos tipos de proteínas podem se tornar amiloides sob as
devidas (infelizes) circunstâncias, incluindo a imunoglobulina de cadeia leve,
um componente chave dos anticorpos de nosso sistema imunológico; a proteína
transtirretina, que é responsável por transportar hormônios da tireoide em nosso
sangue; e uma pequena proteína — polipeptídeo amiloide das ilhotas, ou IAPP,
também chamado de amilina — que ajuda o corpo a regular o nível de açúcar no
sangue junto com a insulina.
O que transforma essas proteínas em armadilhas que tiram a vida de células e
órgãos é a forma como elas se enovelam. Proteínas com enovelamento incorreto
são aquelas que ficaram torcidas em uma configuração incorreta de uma maneira
que faz com que formem interações tóxicas umas com as outras, ou com outros
constituintes da célula. As que causam as doenças amiloides têm sítios em suas
estruturas que, se expostos, rapidamente se grudam a outras proteínas do mesmo
tipo, fazendo com que se liguem umas às outras em uma sinistra cadeia auto-
organizada. Esses sítios aderentes são normalmente mantidos dentro do
enovelamento complexo da arquitetura tridimensional da proteína, justamente
para evitar que interações desse tipo ocorram. O enovelamento incorreto expõe
esses locais, iniciando a tecedura de uma teia enforcadora de células.
Muitas das doenças amiloides ocorrem porque as vítimas têm genes falhos que
produzem versões defeituosas dessas proteínas. Em algumas dessas
enfermidades, a mutação introduz falhas fatais na estrutura da própria proteína,
fazendo com que se abra em locais inapropriados de sua estrutura, expondo seu
sítio chave "aderente". Outras dessas doenças envolvem mutações em enzimas
que normalmente cortam a proteína em unidades funcionais quando esta emerge
do maquinário de montagem de proteínas da célula. Essas mutações fazem com
que as enzimas cortem perto demais do sítio crucial, novamente libertando-o da
influência restritiva do resto da conformação normal da proteína. Uma outra
causa para amiloidoses congênitas são erros nas proteínas chaperonas cujo
trabalho é auxiliar a proteína emergente (e potencialmente amiloidogênica) a
assumir uma forma final segura e não amiloidogênica.
Porém, além dessas doenças hereditárias de enovelamento incorreto de
proteínas, há também amiloidoses universais — doenças que não resultam de
mutações, mas da vulnerabilidade fundamental que as proteínas enfrentam no
decorrer de seu trabalho crítico no turbilhão molecular da bioquímica celular.
Com radicais livres, açúcares (açúcares? Sim, veja o Capítulo 9) e vibrações
constantemente interagindo com elas, as proteínas acabam por ser torcidas fora
de sua forma repetidas vezes de uma maneira que as abre, transformando-as na
origem de uma fibra amiloide. Uma vez que uma dessas proteínas se forma, ela
pode às vezes retorcer o formato de outras proteínas ao conectar-se a elas,
expondo outro sítio e formando o núcleo de uma fibra amiloide sempre em
expansão. Um exemplo disso acontecendo rapidamente é observado em pessoas
com falência renal, quando o corpo para de excretar a beta-2-microglobulina
pela urina. A beta-2-microglobulina normalmente é uma proteína perfeitamente
saudável que ajuda o corpo a distinguir suas próprias células das células de
bactérias ou de outros microrganismos. Mas sem ser regularmente excretada, os
níveis dessa proteína começam a subir excessivamente, e em um certo ponto
chegam a uma concentração tão alta que começam espontaneamente a se
aglutinar, formando depósitos de amiloide.
De fato, o professor de Cambridge Chris Dobson, que passou sua vida
acadêmica estudando doenças de enovelamento incorreto de proteínas, diz que
"podem ser encontradas condições em que aparentemente qualquer proteína
pode formar fibras amiloides [ênfase minha] (...) apesar de que a propensão a
formar tais estruturas sob determinadas circunstâncias pode variar muito
dependendo da proteína".1 Com o tempo, essas fibras se acumulam a níveis
potencialmente patológicos, enrolando-se em volta de nossas células e órgãos,
enforcando-os como se fossem muitas trepadeiras.
Grilhões mentais
A maioria dos pesquisadores hoje em dia acredita que os horrores do mal de
Alzheimer podem em grande parte estar ligados ao processamento anormal de
uma molécula chamada proteína precursora de amiloide (APP), que quando é
processada corretamente é saudável para o corpo. O cérebro produz a APP, e ela
é necessária para algumas funções essenciais em nosso corpo. Ironicamente, a
APP processada corretamente, na verdade, parece ser necessária para muitas das
atividades chave dos neurônios saudáveis, como sua capacidade de renovar seus
circuitos em resposta ao aprendizado e de fazer crescer as ramificações de
"cabos elétricos" (neuritos) que lhes permitem falar uns com os outros.
Quando as coisas funcionam bem, a APP é produzida no corpo principal da
célula e enviada para ser processada pela alfa-secretase, uma enzima do tipo
das endopeptidases. O resultado é a criação de duas moléculas, uma das quais
permanece na membrana dos neuritos do neurônio, enquanto que a outra é
liberada no fluido dentro da célula. A APP não pode formar o terrível beta
amiloide ao ser processada pela alfa-secretase. Após este processamento, um dos
fragmentos é cortado novamente, por uma outra enzima chamada gama-
secretase.2
A APP só se torna perigosa quando, em vez de ser cortada pela alfa-secretase, é
cortada por engano por uma enzima diferente, mas relacionada, chamada beta-
secretase.3 A beta-secretase, assim como a APP, não é uma vilã: ela tem uma
posição adequada na "fábrica" celular, como parte de uma outra linha de
montagem celular, distinta da que lida com a APP. Nesta linha de montagem, a
beta-secretase realiza cortes essenciais na estrutura de outras proteínas que têm
uma certa semelhança molecular com a própria APP. Mas se a beta-secretase
realiza essa mesma ação na APP, ela a corta no lugar errado. Isso distorce a
conformação da proteína e cria uma molécula com uma atividade totalmente
diferente dentro da célula.
É como se a beta-secretase fosse um trabalhador prestativo demais que, ao
cruzar a planta da fábrica na volta do almoço, visse uma APP em uma linha de
produção paralisada e a confundisse com uma peça com a qual normalmente
trabalha. Não vendo nenhuma alfa-secretase à sua volta, e achando que sabe o
que o produto semiacabado necessita, a beta-secretase decide fazer um favor à
alfa-secretase encarregando-se de um pouco de sua carga de trabalho. Após
golpear um pouco com seus martelos moleculares, a beta-secretase joga o
fragmento de APP — agora sutilmente deformado — de volta na linha, onde ele
por fim chega até a gama-secretase. E como a gama-secretase é uma enzima
atarefada, está focada demais em seu trabalho para perceber a mudança, e corta o
fragmento de APP distorcido como faria se a alfa-secretase tivesse feito as
modificações adequadas. O beta amiloide é o produto desta sequência errada —
a clivagem sequencial pela beta e gama-secretase em vez da alfa e gama-
secretase.
Quando processado corretamente, o componente do meio da APP (que fica entre
os sítios de clivagem da alfa e da gama-secretase) fica com uma forma parecida
com uma mola espiral esticada — uma conformação chamada de alfa-hélice.
Mas graças à interferência molecular da beta-secretase (e à cooperação
involuntária da gama-secretase), este fragmento perde sua forma normal — e,
assim como aconteceria se acidentalmente se cortasse uma mola muito
tensionada com alicates, o corte incorreto da APP faz com que o fragmento se
volte contra si mesmo, criando uma forma como de um grampo de cabelo
dobrado (uma folha-beta) que dá ao beta amiloide sua aderência molecular fatal
que caracteriza as proteínas amiloides.
Uma vez liberados pela gama-secretase, os fragmentos individuais (monômeros)
de beta amiloide inicialmente flutuam livremente pelo cérebro. Porém, logo
entram em contato com outros monômeros, e sua "aderência" faz com que
grudem uns nos outros tornando-se unidades maiores (mas que neste ponto ainda
flutuam livremente) chamadas oligômeros. Esses filamentos fibrosos, por sua
vez, também grudam uns nos outros formando filamentos ainda mais compridos,
que em certo momento ficam tão grandes e complexos que não conseguem mais
continuar dissolvidos nos fluidos do cérebro, e se precipitam nos espaços entre
os neurônios formando as notórias placas. Em um microscópio, essas teias
nocivas para a mente podem ser observadas estendendo-se até a equipe de
suporte que cuida dos neurônios (as células da glia) e inclusive nos neuritos (o
sistema de fios que mencionei anteriormente).
Algumas pessoas produzem quantidades anormalmente altas de beta amiloide
porque herdaram mutações que fazem com que seus corpos produzam muita
APP (aumentando assim as chances de que as enzimas problemáticas encontrem
as moléculas de APP e por engano cortem sua estrutura) ou codifiquem enzimas
secretase defeituosas que não são tão boas em fazer seu trabalho seletivo quanto
as variedades mais comuns. Porém, como todos temos tanto a APP quanto as
enzimas que podem de vez em quando transformá-la em beta amiloide, todos
produzimos beta amiloide, e havendo uma constante produção do material, uma
determinada quantidade daquele precursor de amiloide está fadada a ser cortada
da maneira errada ocasionalmente. Quando isso ocorre, é só uma questão de
tempo até que se acumule o suficiente para formar as típicas placas de
Alzheimer — e, de fato, todos temos pelo menos um pouco de placas em nosso
cérebro quando chegamos aos últimos anos da meia-idade.
Portanto, como outros danos do envelhecimento, as placas de beta amiloide
simplesmente se acumulam com o passar do tempo, e é razoável supor que
ocorre uma deterioração neurológica quando se alcança um patamar crítico. Isso
é provavelmente a razão pela qual, na maioria dos casos, o mal de Alzheimer
não é hereditário, mas ocorre esporadicamente na população: a bioquímica em
que ele se baseia é simplesmente parte do tipo de organismo que somos, vivendo
no tipo de universo em que vivemos. Fatores de risco derivados do estilo de vida
e a maioria das predisposições genéticas apenas determinam quão cedo em nossa
vida o processo começa a deteriorar nosso intelecto e nossa identidade.4 Isso
também explica por que, com exceção de um número muito pequeno de casos
hereditários de início precoce, quase ninguém que esteja no início da meia-idade
ou seja ainda mais jovem que isso tem Alzheimer, e também por que a
incidência da doença dobra a cada cinco anos depois dos 65 anos de idade, de
forma que as vítimas se acumulam exponencialmente com a idade, como os
grãos de arroz no tabuleiro de xadrez do imperador na antiga fábula. Nosso
cérebro está lentamente sendo emaranhado em placas de beta amiloide — a
questão é somente em que momento alcançaremos o patamar depois do qual
nosso cérebro não conseguirá funcionar suficientemente bem para manter a vida
e a identidade que passamos tantos anos construindo. Se não surgir alguma
terapia inovadora radical, todos nós seremos afetados pela demência do
Alzheimer se alguma outra coisa não nos matar antes.
Com o acúmulo de evidências indicando um papel central do beta amiloide no
desenvolvimento da patologia do Alzheimer, uma nova esperança surgiu. Os
cientistas começaram a discutir seriamente a ideia de que, ao transformar o beta
amiloide em si no alvo de novas intervenções médicas, eles seriam capazes de
desenvolver novos tratamentos que tratariam a doença em vez de meramente
fornecer muletas a uma mente aleijada que está rapidamente se deteriorando.
Assim que os pesquisadores tivessem as ferramentas necessárias, na forma de
ratos modificados cujos cérebros produzissem variações do beta amiloide
humano que levava à formação de placas cerebrais e disfunções no cérebro e na
memória, eles poderiam começar a trabalhar no teste de terapias que teriam
como alvo o beta amiloide diretamente.
Um incêndio no cérebro
Já após poucos meses depois do início deste teste, alguns pacientes tinham
começado a exibir sérios efeitos colaterais. De mais de 300 pacientes recrutados
em 28 centros clínicos na Europa e na América do Norte, cerca de um a cada 15
desenvolveu meningoencefalite, um inchaço do cérebro que pode levar à morte,
aparentemente como resultado de uma reação exagerada do sistema imunológico
dentro do próprio cérebro.19
Assim que o efeito colateral foi descoberto, o teste foi paralisado, rapidamente
enviando-se os pesquisadores de volta ao laboratório para tentar descobrir o que
tinha dado errado. O surgimento do problema foi um grande choque. A vacina
tinha sido testada em ratos com uma ampla variedade de anomalias genéticas,
cada uma levando à formação de placas típicas de Alzheimer a partir de um
defeito diferente na síntese ou no metabolismo da APP, e nenhum efeito
colateral do tipo tinha sido observado — mesmo considerando-se que os
cientistas tinham sido muito mais agressivos em seus protocolos de tratamento
com ratos do que se atreveriam a ser com pacientes humanos.
Como uma crise dessas pôde ocorrer, depois de testes pré-clínicos tão
cuidadosos, é algo que foi bastante documentado na mídia e na literatura
acadêmica, e penso ser uma digressão muito grande descrever isso aqui. O ponto
importante é que os pesquisadores rapidamente se debruçaram sobre os
problemas da primeira vacina — e, como veremos, sobre como esses problemas
podem ser superados.
Possibilidades abertas
Há todas as razões possíveis para se acreditar que este tipo de abordagem de
vacinação baseada no sistema imunológico contra os amiloides, demonstrada em
modelos animais do mal de Alzheimer e em três amiloidoses humanas (e agora
em testes clínicos para o primeiro caso), também funcionará em outros casos de
amarras celulares. Tomem, por exemplo, a amilina, ou "polipeptídeo amiloide
das ilhotas", cujas propriedades de indução de amiloide mencionei brevemente
no início deste capítulo. Os agregados de amilina se acumulam em células beta
que produzem insulina no pâncreas de quase todas as pessoas com diabetes do
tipo 2 (diabetes de ocorrência tardia ou não-insulino-dependente). Os agregados
ou os oligômeros solúveis pelos quais são compostos parecem ter um papel na
morte gradual de células beta que ocorre com a progressão da doença,33 levando
à incapacidade do corpo de produzir insulina suficiente para acompanhar os
picos incessantes de açúcar que ocorrem a cada refeição.
Ninguém tentou ainda desenvolver uma vacina para remover esses depósitos,
mas a exequibilidade de uma abordagem do tipo é indicada pelo fato de que
fibras de amilina foram identificadas dentro de macrófagos coletados em áreas
adjacentes aos depósitos de amilina, onde esta se acumula sem ser
completamente degradada. Além disso, as fibras de amilina são englobadas por
macrófagos expostos a elas sob condições in vitro, acumulando-se dentro
deles.34 Tudo isso sugere que o sistema imunológico monta um ataque contra
esta forma de lixo extracelular assim como faz com o beta amiloide e com o lixo
responsável por amiloidoses secundárias — e neste caso, há todas as razões
possíveis para se pensar que este ataque poderia ser fortalecido com uma vacina
similar às que estão atualmente em fase de preparação para estas outras
amiloidoses. As possibilidades terapêuticas de uma abordagem do tipo seriam
ainda maiores se fosse combinada com um melhoramento dos lisossomos dos
macrófagos com enzimas mais capazes de digerir as fibras de amilina — um
trabalho que demanda o uso da abordagem LysoSENS que descrevi no último
capítulo.
Outras formas de amiloidoses poderiam também ser eliminadas com o uso de
uma infusão de anticorpos especializados ou outras vacinas. E embora
atualmente o foco do desenvolvimento de fármacos esteja em tratamentos para
doenças específicas baseadas em amiloide, esta mesma pesquisa pode ser
incorporada aos objetivos das SENS. Uma vez que tiver provada sua eficácia no
mal de Alzheimer, na amiloidose cardíaca senil e na diabetes do tipo 2, a
tecnologia derivada desta abordagem permitirá o rápido desenvolvimento de
vacinas para os depósitos mais obscuros de amiloide que hoje em dia passam
quase desapercebidos exceto nas pessoas que têm 100 velinhas ou mais
iluminando seus bolos de aniversário.
O fato dessas terapias terem se movido tão rapidamente do laboratório para os
testes clínicos (lembrem-se de que os resultados em ratos da primeira vacina
contra beta amiloide foram reportados em 1999 e esta vacina já estava em testes
clínicos em 2001) sugere que seremos capazes de progredir ainda mais
rapidamente no futuro, quando as primeiras vacinas contra amiloide tiverem
passado pelos testes clínicos e tiverem sido usadas com sucesso nos consultórios
médicos por todo o mundo.
Mais à frente, o que prevejo é a existência de um protocolo para manter nossos
corpos livres do lixo extracelular no qual talvez tenhamos que tomar uma
sequência regular de vacinas antiamiloide, de uma forma semelhante à série
padronizada atualmente administrada sucessivamente durante nossa infância. O
momento e a frequência da aplicação de uma determinada vacina dependeriam
de quão rapidamente seus alvos se acumulassem em níveis que prejudicassem o
funcionamento do corpo: receberíamos uma "carga de reforço" a cada alguns
anos para algumas dessas vacinas, enquanto que outras seriam aplicadas somente
algumas vezes a cada século de uma vida amplamente prolongada. Cada vez que
tomássemos uma dessas vacinas, nossas células e órgãos novamente viveriam e
funcionariam livres de uma espécie específica de amarras moleculares,
recuperando o potencial literalmente ilimitado da juventude.
9
Ano após ano, processos químicos contínuos vão algemando umas às outras as
proteínas estruturais do nosso corpo, restringindo o cumprimento de suas
funções essenciais. Por fim, isto leva a uma variedade bastante conhecida (e em
última instância fatal) de deficiências e doenças relacionadas ao
envelhecimento — especialmente nos rins, coração, olhos e vasos sanguíneos. E
se pudéssemos quebrar essas algemas químicas, e portanto permitir que essas
proteínas voltassem a exercer suas funções, como fazem nas pessoas jovens? Os
cientistas estão fazendo progresso no desenvolvimento de fármacos para
alcançar exatamente esta meta.
Vocês estão nas últimas horas antes do grande banquete do feriado, e a
atmosfera está pesada com os aromas e a carga emocional do período de festas.
Foi um longo dia na cozinha — com o forno ligado continuamente e a matrona
da casa tentando se manter refrescada ao deixar uma janela entreaberta — e por
fim a correria e o estresse estão se transformando em um tipo de tensão mais
ansiosa e expectante. O purê de batatas está pronto, o molho de cranberry já foi
colocado nas travessas, as batatas doces estão sendo mantidas aquecidas no
forno, a torta de abóbora está sendo esfriada no parapeito da janela...e agora, um
único componente da refeição domina a atenção da cozinheira e o apetite de sua
família.
A cada quinze minutos, pontualmente, durante a última hora e meia, o peru foi
amorosamente regado com sua própria gordura, e talvez um pouco de mel; e
agora, para deixar o banquete perfeito, o grill é ligado para dourar sua superfície.
Durante todo o tempo em que o peru esteve no forno, processos químicos
complexos estiveram ocorrendo imperceptivelmente — e agora se aceleram. A
nível molecular, o calor intenso faz com que os açúcares e as gorduras ataquem
as proteínas na pele da ave. Ligações moleculares são formadas; novos produtos
químicos surgem e são decompostos; proteínas vizinhas grudam-se como em um
casamento forçado, endurecendo a superfície externa do peru e cobrindo-o com
cadeias grossas e grudentas de proteínas, gorduras e açúcares ligados uns aos
outros.
Finalmente, o ato se completa. A "mãe" desliga o forno e veste as luvas térmicas
enquanto fala para o "pai" pegar a faca de cortar carne. A família observa
ansiosamente o resultado de seu trabalho artesanal culinário, olhando fixamente
com fome e satisfação para a superfície escurecida, crocante, grudenta e
levemente endurecida que o turbilhão químico criou a partir da pele do peru. O
jantar está pronto.
Tenho certeza de que vocês e suas famílias passaram por cenas semelhantes no
Natal — ou no Hanucá, dourando latkes ou sufganiyot. Mas, em um sentido
profundo, vocês têm tanto em comum com o banquete quanto com a família.
Todos os dias de nossas vidas, os mesmos processos envolvidos em dourar
carnes e outras comidas assadas ou fritas estão insidiosamente ocorrendo em
nossos corpos. Em nossas artérias. Em nossos rins. Em nossos corações, olhos,
pele, nervos. Neste exato momento, em todos os nossos tecidos, o açúcar que
fornece ao nosso corpo tanto da sua energia também está realizando alguns
experimentos químicos indesejados, caramelizando seu corpo por exatamente os
mesmos processos que caramelizam cebolas ou pés de moleque. Lenta mas
continuamente, ligações indesejadas feitas por açúcares e gorduras algemam
nossas proteínas, inativam nossas enzimas, disparam sinais químicos nocivos em
nossas células e danificam nosso DNA. Envelhecendo-nos. Ou melhor,
envelhecendo-nos através do AGE.
Figura 1. Como envelhecemos por causa do AGE. (a) O mecanismo
"químico" (Maillard); (b) o mecanismo "metabólico" (pela triose-
fosfato isomerase); (c) fontes de metilglioxal.
Entretanto, apesar de serem relativamente estáveis, os produtos de Amadori
ainda estão sujeitos à confusão bioquímica à sua volta. Podem, portanto, sofrer
diversas outras transformações químicas, como rearranjo ou degradação de sua
estrutura básica, inserção forçada de moléculas de água ou remoção também
forçada de grupos amino, ou ainda ataque de radicais livres. Muitas dessas
mudanças levam à formação de estruturas ainda mais estáveis, diretamente ou
através de compostos intermediários altamente reativos como os oxoaldeídos.
Essas estruturas são estáveis o suficiente, na verdade, para serem chamadas de
"produtos finais" — são os produtos finais da glicação avançada, ou AGEs, na
sigla em inglês.
Para nossos objetivos aqui, o resultado importante desses processos é a formação
de AGEs com ligações cruzadas, um tipo de AGE no qual as proteínas que já
estão trabalhando com um braço amarrado atrás das costas por causa da glicação
ficam algemadas a uma proteína vizinha.
A formação de AGEs ocorre muito mais rapidamente em pessoas com diabetes
do que no resto da população, parcialmente pela simples razão de que os níveis
de açúcar no sangue dos diabéticos são maiores: em qualquer reação química,
uma maior concentração de um agente ativo tenderá a aumentar a velocidade de
sua interação com seus alvos, desde que esses alvos estejam presentes em
abundância. Mas AGEs com ligações cruzadas também se acumulam em pessoas
com níveis normais de açúcar no sangue, e está bem claro que são responsáveis
por muito da patologia e do aumento da vulnerabilidade aos ataques da vida
diária que acompanham o envelhecimento "normal".
Dourando até a morte
A formação de ligações cruzadas em proteínas é algo similar, tanto a nível
molecular quanto funcional, aos processos que fazem com que borrachas de
limpadores de para-brisas percam sua flexibilidade. Para as pessoas que não têm
diabetes, o local mais mortal quanto ao decorrente endurecimento dos tecidos é o
sistema cardiovascular. Os AGEs com ligações cruzadas lentamente prejudicam
a elasticidade jovial do coração e dos vasos sanguíneos, deixando-os rígidos e
inflexíveis. O endurecimento das artérias resultante é em grande parte
responsável pelo aumento da pressão sanguínea sistólica que todos sofrem com a
idade (a pressão sistólica é o primeiro dos dois números que vemos quando
medimos a pressão, como o "11" em "11 por 8"). Além disso, a formação de
AGEs no coração danifica sua capacidade de se contrair para bombear sangue
pelo corpo ou de se expandir para primeiramente se encher com sangue. A
combinação desses dois fatores aumenta a carga de trabalho do coração, por fim
levando a uma das diversas formas de insuficiência cardíaca se nada nos matar
antes. Esta mesma falta de plasticidade também significa que os vasos
sanguíneos se tornam menos capazes de aguentar as constantes variações da
pressão do sangue que passa por eles: eles ficam rígidos e em algum momento se
quebram por causa da pressão como elásticos velhos, sendo que um resultado em
potencial disso são os derrames hemorrágicos.
E os danos causados por AGEs com ligações cruzadas se espalham bem além do
sistema cardiovascular. Eles acorrentam proteínas por todo o corpo,
acumulando-se com a idade em tecidos tão diversos quanto os minúsculos vasos
sanguíneos nos olhos e as bainhas da mielina que dão suporte aos nervos. Onde
quer que ocorram, os AGEs com ligações cruzadas danificam o funcionamento
dessas proteínas, contribuindo para a disfunção relacionada ao envelhecimento,
deficiência e morte. Em nossos olhos, eles se acumulam nas proteínas cristalinas
que formam a estrutura do cristalino. Proteínas do cristalino afetadas por AGEs
deixam de permitir a passagem de luz por elas, levando aos pontos pigmentosos
marrons no cristalino que conhecemos como catarata. A junção deste
escurecimento com diversos efeitos a nível celular é o motivo pelo qual a idade e
a diabetes são os maiores fatores de risco para a ocorrência desta doença, que é a
maior causa, individualmente, de perda de visão no mundo todo.
E esta não é a única maneira pela qual os AGEs contribuem para a perda da
visão. Nas outras partes dos olhos, os AGEs contribuem para a retinopatia
diabética (a perda de visão em diabéticos ligada a danos nos vasos sanguíneos
finos que alimentam os tecidos que absorvem luz localizados no fundo do globo
ocular), para a degeneração macular relacionada ao envelhecimento e
possivelmente também para o glaucoma de ângulo aberto.
Os rins, também, sofrem terrivelmente com a formação de AGEs — novamente,
em especial nas pessoas com diabetes. O dano causado pela diabetes é a maior
causa individual de insuficiência renal nos Estados Unidos, e um terço de todos
os pacientes que estão na ala de diálise chegaram lá por causa de sua diabetes.
Na verdade, a severidade da enfermidade renal em diabéticos está ligada à
quantidade de AGEs renais, que formam ligações cruzadas nas proteínas do
material do filtro biológico dos rins e desencadeiam um processo inflamatório
que faz com que o corpo realize uma compensação excessiva ao fazer crescer
tecidos de reposição em demasia, em um tipo de resposta de regeneração de
feridas fora de controle. O efeito final desses dois processos é um acúmulo de
algo similar a um tecido de cicatrização no rim, que se acumula em níveis que
literalmente esmagam os minúsculos vasos sanguíneos por onde a filtração
deveria ocorrer, reduzindo o tamanho da superfície de filtragem disponível e
levando portanto a um controle ineficaz das substâncias no sangue — como se
um filtro de café de papel tivesse algumas de suas partes coladas umas nas outras
antes de se ligar a cafeteira, levando a uma bagunça de pó de café quando a água
começasse a passar.
Os AGEs também contribuem para a neuropatia diabética, o dano debilitante
nos nervos que afeta muitos diabéticos. A severidade desta doença pode variar,
mas o sintoma mais comum é uma versão contínua da experiência que se tem
após uma redução temporária no fluxo sanguíneo nas mãos ou nos pés induzida
por pressão (ou seja, quando uma extremidade está dormente): uma sensação de
"formigamento", dor ou insensibilidade nos membros afetados, junto com
alguma perda de controle ou falta de jeito ao usá-los. Pessoas com neuropatia
diabética também perdem parte do controle inconsciente que seu sistema
nervoso tem sobre funções como a regulação do ritmo cardíaco, o processo
digestivo, a bexiga e a função erétil, e também sofrem tontura e náusea que pode
chegar a vômitos. Se os AGEs desempenham algum papel similar e mais sutil
nas falhas de funcionamento nervoso que ocorrem com a idade em pessoas
saudáveis (pelo menos quanto aos outros aspectos) não está claro, mas parece
algo provável.
Comparações das velocidades de acúmulo de ligações cruzadas em tecidos entre
espécies que envelhecem mais lentamente e mais rapidamente, e entre
indivíduos que envelhecem mais lentamente e mais rapidamente de uma mesma
espécie, sugerem que a formação de AGEs desempenha um papel importante no
próprio envelhecimento, e não somente em doenças específicas ou nas
complicações da diabetes. Tanto a taxa de acúmulo relacionada ao
envelhecimento de um dos AGEs mais facilmente medidos (pentosidina) quanto
o endurecimento relacionado de proteínas da pele ou de caudas são inversamente
associados com o tempo de vida máximo de diferentes espécies de mamíferos.
Isto significa que quanto mais lentamente uma espécie envelhece, mais
lentamente seu colágeno é endurecido pela formação de AGEs (vejam a Figura
2). No mesmo sentido, a restrição calórica — que é, como mencionei em
capítulos anteriores, a forma mais estudada para desacelerar o envelhecimento
em mamíferos — desacelera estes processos; e de fato, mostrou-se que maiores
velocidades de formação de AGEs em tecidos indicam a morte precoce em
animais individuais em restrição calórica.1 Em nossa própria espécie, estudos
mostram que mesmo dentro de uma variação "normal" (ou seja, com valores
bem menores do que os tipicamente encontrados em pessoas com diabetes), mais
altos níveis no sangue de glicose em si2 ou do produto de Amadori HbA1c3 são
associados com um maior risco de morte por todas as causas.
Ouvindo Parmênio
"Pílulas de açúcar"
O fato de que AGEs com ligações cruzadas frequentemente são, em última
instância, o resultado de moléculas de açúcar agindo como uma cola, arruinando
as proteínas dos nossos tecidos, imediatamente sugere uma possível solução para
o problema: simplesmente diminuir os níveis de açúcar no sangue das pessoas
reduziria a formação de bases de Schiff (vejam a Figura 1) em seu corpo e,
portanto, a carga de AGE diminuiria. Evidentemente, isto há muito tem sido o
principal foco do controle da diabetes, e nos anos 1990, dois estudos imensos e
amplamente citados — o Ensaio sobre Controle e Complicações da Diabetes
(DCCT) e o Estudo Prospectivo de Diabetes do Reino Unido (UKPDS) — foram
aclamados como a comprovação mais clara até o momento da efetividade desta
estratégia quando levada ao limite. Esses dois estudos demonstraram que quando
os diabéticos realizam procedimentos estritos (uso agressivo de fármacos que
diminuem o açúcar no sangue e análises regulares na forma de testes frequentes
de açúcar no sangue) para manter seu nível de açúcar no sangue sob um controle
muito rígido, reduz-se muito o risco de que desenvolvam as principais
complicações da doença. O DCCT, em especial, mostrou que — quando
comparado com o nível de cuidado padrão da época — um regime de controle
intensivo do açúcar no sangue poderia reduzir o risco de diabéticos
desenvolverem doenças nos nervos em quase dois terços, doença renal diabética
aproximadamente pela metade, e retinopatia diabética em impressionantes três
quartos.
Os resultados desses dois estudos foram proclamados por todo o mundo — por
seus patrocinadores governamentais, por organizações defensoras dos pacientes,
e por empresas farmacêuticas que procuravam aumentar as vendas de fármacos
que diminuem a glicose no sangue. O plano era encorajar os médicos a
prescrever esses fármacos a pacientes cujo controle de açúcar no sangue estava
na faixa que seria segura de acordo com os padrões anteriores mas que
comprovadamente estava na faixa de risco de acordo com os novos dados, e
também aumentar as doses tomadas por pessoas com um pior controle que já
estavam tomando esses fármacos.
Os benefícios que se acumulariam nos pacientes como resultado deste aumento
no uso dos fármacos pareciam ser muito claros: pessoas com diabetes por todo o
mundo teriam melhoras milagrosas na qualidade e duração de suas vidas através
de dramáticas reduções
no risco de cegueira, danos nervosos, e insuficiência renal. Mas quando os
cientistas de fato avaliaram a qualidade de vida geral das pessoas que tinham
passado pelos regimes intensivos da terapia nos estudos, os resultados foram
surpreendentemente desanimadores. Apesar do tratamento mais agressivo ter
reduzido o risco de se desenvolver todas as principais complicações da diabetes,
os pacientes desta terapia intensiva não apresentaram nenhuma melhora em seu
bem-estar geral em comparação com pessoas que tinham recebido o tratamento
padrão.5,6
Muitos fatores provavelmente contribuem para a falta de benefícios claros da
agressiva diminuição dos níveis de açúcar no sangue. Embora as complicações
diabéticas claramente tenham um impacto negativo na qualidade de vida, os
fármacos usados para diminuir o açúcar no sangue também têm custos que não
estão incluídos na etiqueta de preço. Pessoas que tomam esses medicamentos
tendem a ganhar peso, o que reduz sua qualidade de vida — tanto diretamente
quanto pelo aumento do risco de outras doenças como a artrose. Muitos
pacientes também consideraram que manter a programação rígida de injeções e
testes de picada no dedo necessários para a continuidade destes regimes impõe
restrições reais em suas vidas, que alguns estudos reportam como sendo um fator
que contribui para a depressão, frustração, isolamento e dificuldades no trabalho.
E, por fim, tentar constantemente colocar os níveis de glicose no sangue dentro
da faixa "normal" traz o risco de que os níveis de açúcar no sangue
caiam demais, levando a uma "crise hipoglicêmica" cujas consequências podem
ser desde tontura até coma. Isso é especialmente relevante no envelhecimento
normal. Se empurrar para baixo os níveis de açúcar no sangue é uma faca de dois
gumes para os diabéticos, pode-se perceber que seria uma solução
decididamente duvidosa para o problema dos AGEs no resto de nós, onde a
margem de manobra entre nossos níveis normais de açúcar no sangue e uma
crise hipoglicêmica é muito menor, fazendo com que os benefícios em potencial
sejam mais limitados e os riscos maiores.
E mesmo se pudéssemos diminuir, de forma segura, nossos níveis de açúcar no
sangue para o menor nível seguro possível, estaríamos ainda bem longe de uma
solução completa para o problema dos AGEs. Todos devemos manter algum
nível de glicose no sangue como uma fonte de energia, e uma porcentagem desta
glicose sempre acabará reagindo com proteínas dos tecidos, levando às ligações
cruzadas.
E além de tudo isso, nem todos os AGEs são derivados da glicose. Lipídios no
sangue (triglicerídeos) também podem causar as ligações cruzadas entre
proteínas, especialmente se houver um alto grau de estresse oxidativo; esta é a
química na qual se baseia o escurecimento da pele de um peru quando assa,
mesmo sem ter sua superfície besuntada com um xarope doce. Assim como com
o açúcar no sangue, os diabéticos geralmente têm altos níveis de triglicerídeos, e
mesmo muitas pessoas que não têm diabetes se beneficiariam por ter seus níveis
de triglicerídeos reduzidos; mas os triglicerídeos também têm em comum com o
açúcar no sangue o fato de serem indispensáveis para o funcionamento normal
do organismo, e assim essa estratégia só pode ser explorada de forma segura até
certo ponto.
Dano colateral
Os caminhos melhor compreendidos para a formação de AGEs com ligações
cruzadas são eventos fundamentalmente aleatórios, não muito distantes do que
ocorre no escurecimento de comida no forno ou do que ocorre in vitro. Os
combustíveis do metabolismo, dissolvidos no sangue ou no fluido dentro das
células, aleatoriamente esbarram nas proteínas; dependendo de fatores como
temperatura, concentração e a presença de metais de transição e radicais livres,
uma série de eventos químicos pode ocorrer; e se ocorrerem exatamente na
ordem correta, um AGE com ligação cruzada será formado.
Porém, alguns AGEs resultam mais diretamente da atividade regulada dos
processos metabólicos. Um exemplo recentemente identificado é a enzima
mieloperoxidase, que é usada por macrófagos para matar bactérias ao gerar o
tóxico ácido hipocloroso. Foi demonstrado que o ácido hipocloroso, em
presença do componente base (para a construção de proteínas) serina, pode
induzir a formação de ligações cruzadas do tipo dos AGEs, independentemente
da química de combustíveis usual de açúcares e lipídios.12
Se a mieloperoxidase somente fosse ativada para matar bactérias, ela poderia ser
uma fonte relativamente pouco importante de AGEs em pessoas vivendo em
países desenvolvidos que não têm infecções crônicas (embora a quantidade
dessas pessoas seja muito maior do que é geralmente reconhecido). Entretanto,
como vimos no Capítulo 7, os macrófagos não atacam somente bactérias: eles
também lançam um ataque — aumentando a atividade da mieloperoxidase —
em seus esforços míopes para eliminar o colesterol preso nas artérias. Alguns
cientistas atualmente acreditam que a mieloperoxidase é provavelmente um dos
principais fatores que contribuem para os altos níveis de AGE encontrados nas
células espumosas ateroscleróticas de pessoas não diabéticas.
Embora reduzir o excesso de atividade da mieloperoxidase possa ser algo
desejável nos locais com placas ateroscleróticas, provavelmente nunca
poderíamos reduzir sua atividade farmacologicamente sem também afetar
negativamente nossa capacidade de autodefesa contra bactérias. Como as
pessoas com AIDS sabem, quando o sistema imunológico é suprimido, o
organismo não fica só ameaçado por assassinos bacterianos relativamente raros
como a tuberculose: pode-se ser dizimado por infecções de que a maioria de nós
se livra antes mesmo de começar a ter os sintomas iniciais. Além disso, e
surpreendentemente, um estudo descobriu que animais criados para produzir
algo similar à aterosclerose humana, mas sem a capacidade de produzir
mieloperoxidase, apresentaram aterosclerose mais severa do que animais com
atividade normal desta enzima, novamente ilustrando a complexidade frustrante
dos processos metabólicos.13
Se um fármaco tão promissor quanto a aminoguanidina não pôde evitar de forma
segura danos relacionados aos AGEs suficientes para melhorar a saúde de
diabéticos, podem ter certeza de que não faria muito pelas pessoas basicamente
saudáveis. Como as concentrações de lipídios e açúcar no sangue são muito
menores em pessoas sem diabetes, o acúmulo de AGE é muito mais lento, e
portanto mais difícil de desacelerar a um nível que leve a uma mudança
perceptível na saúde dessas pessoas. Portanto, demoraria muito mais para que
quaisquer benefícios potenciais se manifestassem, enquanto que os riscos
permaneceriam igualmente altos para cada ano de uso.
De fato, um estudo publicado após a retirada da aminoguanidina do
desenvolvimento clínico17 parece mostrar que mesmo os relatos iniciais de
redução, em roedores não diabéticos, dos AGEs com ligações cruzadas
relacionados com o envelhecimento, eram específicos à linhagem de rato usada
nos primeiros estudos (que é particularmente suscetível a doenças renais). Outras
linhagens exibiram pouco ou nenhum benefício provindo da administração,
durante toda a vida, de aminoguanidina.
Estes são somente alguns exemplos dos caminhos conhecidos ou esperados pelos
quais os mecanismos que baseiam a formação de ligações cruzadas
comprometem nossa capacidade de prevenir o acúmulo de AGEs. Este pesadelo
de complexidade bioquímica é tão elaborado que faria até o mais dedicado
entusiasta de quebra-cabeças desistir e ir dormir frustrado; isso deveria levantar
sérias dúvidas sobre a sensatez de se continuar a investir recursos para procurar
maneiras de interferir nesta rede de caminhos tão pouco compreendidos e tão
ramificados (Figura 1). Na confusão da bioquímica do corpo, uma certa
quantidade de AGEs é simplesmente inevitável, e tentar impedir suficientemente
que ocorra a formação de ligações cruzadas para se ter um impacto real no
endurecimento dos tecidos, sem perturbar de alguma forma processos
metabólicos essenciais, pode no fim das contas ser inútil.
Se leram os capítulos anteriores deste livro, vocês provavelmente já têm uma
boa ideia do tipo de estratégia que eu gostaria de ver sendo usada para se lidar
com o problema dos AGEs, tanto em diabéticos quanto no envelhecimento
"normal". Não mexam no açúcar do sangue. Não tentem bloquear os radicais
livres. Não tentem inventar maneiras de ludibriar o metabolismo. Não tentem
evitar de nenhuma maneira a formação dos AGEs. A abordagem da engenharia
antienvelhecimento deve ser permitir ao metabolismo ir adiante com seu
bagunçado jeito infame, e então remover os próprios AGEs completos antes de
que se acumulem o suficiente para prejudicar o funcionamento dos tecidos,
roubando-nos a flexibilidade jovial de nosso corpo e aumentando nosso risco de
morte e deficiência.
Neste caso, porém, não estou fazendo tanto o papel de visionário, mas mais o de
animador de torcida. Pelo menos duas empresas desenvolveram fármacos do tipo
e testaram-nos em animais. Um deles já foi submetido a diversos testes clínicos.
Os grilhões desaparecem
Estes estudos necessários foram novamente realizados por pessoas sob o
comando de Jack Egan na Alteon, cujos laboratórios primeiramente confirmaram
a capacidade do PTB de cortar AGEs usando proteínas e tecidos isolados com
ligações cruzadas. Com cada superação bem-sucedida de um obstáculo
experimental, seu otimismo crescia, até que se sentiram prontos para levar o
trabalho para o laboratório vivo de roedores de laboratório diabéticos. Quando a
equipe de Egan injetou seu novo composto nos animais, os resultados foram
novamente positivos: os níveis de proteínas glicadas presas às hemácias dos
animais caíram mais de um terço na primeira semana, e continuaram caindo,
chegando à metade do nível original depois de três semanas e a somente 40% ao
final do mês. Realmente parecia que tinham algo muito promissor.
Com essas evidências à mão, os cientistas da Alteon começaram a aplicar
injeções de PTB em roedores com corações, rins e artérias endurecidas por
AGEs que se acumularam durante uma vida inteira saudável ou de forma rápida
por causa da diabetes. Aqui a verdadeira animação começou a surgir, pois o PTB
continuou a ter o desempenho esperado, restaurando a performance maleável
dos sistemas cardiovasculares que tinham previamente perdido sua flexibilidade
jovial, em vez de simplesmente desacelerar um declínio inevitável como a
aminoguanidina tinha feito. Estruturalmente, os tecidos dos animais tratados
estavam mais macios e elásticos, esticando-se como tiras de borracha novas, e
prontamente desfazendo-se quando embebidos em substâncias químicas de
digestão; funcionalmente, seus corações estavam expandindo-se para se
encherem com o sangue de entrada como se fossem balões novos, e o sangue
passava por suas artérias sem os grandes "ecos" de reverberação reversa do pulso
que são característicos de vasos sanguíneos velhos.
Porém, eles tinham um problema, pois o PTB é instável demais para ser um
fármaco de sucesso para uso humano: depois de uma pílula ter passado pelo
sistema digestivo e pela química complexa dos processos de metabolização de
fármacos do corpo, muito pouco ainda restaria para se ter um efeito terapêutico
significativo. Mas Ulrich não iria desistir de um agente tão promissor, e com um
pouco de trabalho, ele e os químicos da Alteon foram capazes de desenvolver
uma variação da estrutura básica que não só era mais estável, como também
mais ativa: o cloreto de 4,5-dimetil-3-(2-oxo-feniletil)-tiazólio. Por conveniência,
a Alteon o apelidou de ALT-711 (porque foi o 771º composto da ALTeon); mais
tarde, o composto seria renomeado para o nome mais comercializável de
alagebrium.
Um fármaco com a capacidade de quebrar os AGEs que já estivessem formados
no corpo teria aplicações na diabetes e em uma ampla gama de doenças do
envelhecimento, mas as agências reguladoras só aprovam drogas para uma única
indicação por vez. Querendo colocar o fármaco no nicho mais exclusivo
possível, os estrategistas da Alteon decidiram desenvolver o alagebrium para
doenças que ainda não estivessem sendo tratadas com sucesso pelos
medicamentos existentes, e que esperaria-se que respondessem bem
exclusivamente ao novo tratamento.
Uma dessas doenças é a hipertensão sistólica isolada (HSI), o tipo de pressão
alta no qual a pressão sistólica (novamente, este é o primeiro dos dois números
de uma medição de pressão, como o "11" em "11 por 8") é alta, embora a
pressão diastólica (o segundo número) esteja adequada. A pressão sistólica é
uma medida de quanta pressão é aplicada à parede da artéria pelo fluxo de
sangue no vaso quando o coração se contrai, enquanto que a pressão diastólica é
a pressão base nas artérias em descanso (tecnicamente, na "diástole"). Fatores
hormonais e de outros tipos podem ativamente apertar o vaso sanguíneo,
mantendo a pressão dentro das artérias alta mesmo durante a diástole; esses
efeitos aumentam a pressão sanguínea independentemente da flexibilidade
intrínseca da artéria como um tecido. Mas quando a pressão sistólica é alta
mesmo havendo uma pressão diastólica normal, isso é um sinal de que o próprio
vaso tornou-se rígido, incapaz de se expandir para acomodar o fluxo de sangue
vindo do coração.
Esse "endurecimento arterial" não aterosclerótico não é uma preocupação
somente quanto a pessoas diagnosticadas com hipertensão sistólica isolada. Ao
passar-se da meia-idade, o endurecimento arterial torna-se um indício cada vez
mais poderoso de doenças e ataques cardíacos, e na verdade supera muitos
fatores de risco convencionais como o colesterol e a pressão arterial quanto ao
risco de eventos cardiovasculares reais (ataques cardíacos e derrames). A FDA e
outros órgãos reguladores não reconhecem este efeito "normal" do processo de
envelhecimento como uma "doença" para a qual aprovariam um fármaco, de
forma que a Alteon sabia que nunca poderia obter uma autorização oficial para o
uso do alagebrium no tratamento dessas pessoas; porém, ela também sabia que,
uma vez que se comprovasse que o fármaco serrava os grilhões restritivos dos
AGEs nas artérias, restaurando a flexibilidade e abrindo os vasos para o fluxo
sistólico, ela poderia expandir amplamente o mercado para o fármaco
encorajando discretamente sua prescrição não aprovada (a utilização não
indicada no rótulo) para incontáveis milhares de pessoas que estão envelhecendo
e têm endurecimento arterial relacionado ao envelhecimento.
Outra doença cujas vítimas não se beneficiam muito dos fármacos existentes e
que esperaria-se que respondesse mais especificamente a um quebrador de AGE
é a insuficiência cardíaca diastólica (ICD). A forma mais comum e sistólica de
insuficiência cardíaca ocorre quando a câmara inferior de bombeamento do
coração perde a força necessária para empurrar sangue suficiente — daquele que
recebe da câmara superior — para manter o suprimento de oxigênio e nutrientes
do corpo. Mas cerca de um terço dos pacientes com insuficiência cardíaca tem
uma capacidade perfeitamente normal de bombear sangue; seu problema é que a
mesma câmara não consegue, primeiramente, expandir-se o suficientemente bem
para receber o volume necessário de sangue, de forma que as necessidades do
corpo continuam não sendo satisfeitas mesmo depois de bombear praticamente
toda a carga recebida. O resultado é o mesmo — os tecidos do corpo ficam
famintos por sangue — mas a causa é diferente, e os tratamentos que cuidam
admiravelmente bem da insuficiência cardíaca sistólica deixam o corpo dos
pacientes com ICD ainda carentes de combustíveis essenciais. Embora a perda
estrutural da capacidade de enchimento do coração possa resultar de diversos
fatores, muitos casos da doença estão associados ao endurecimento do coração
devido a AGEs. Novamente, um fármaco que quebrasse AGEs seria, com
exclusividade, adequado para restaurar a funcionalidade saudável destas pessoas,
e testes mostrando que poderia restaurar a elasticidade de corações
velhos também despertariam um interesse em seu uso em grandes segmentos de
uma população "saudável" mas que está rapidamente envelhecendo.
O alagebrium provou seu valor rapidamente, fazendo tudo o que o PTB
conseguia fazer e mais. Estudos mostraram que o alagebrium colocado na água
de animais de laboratório conseguia proporcionar o mesmo tipo de restauração
da flexibilidade do coração e das artérias que o PTB tinha proporcionado
somente por injeção, e ainda mais facilmente que este. E havia coisas que o
alagebrium conseguia fazer que o PTB nunca tinha sido capaz. Por exemplo, o
PTB tinha quebrado alguns dos AGEs que tinham se acumulado nos rins de
roedores diabéticos, mas não o suficiente para restaurar a funcionalidade do
órgão. Ao tratar-se os mesmos animais com alagebrium, não só o colágeno de
seus rins ficou mais solúvel, mas também ocorreu a regressão da fibrose renal, e
os órgãos ficaram melhores em filtrar proteínas para fora do sangue, evitando
assim seu extravasamento para a urina.
E os roedores foram somente a primeira ordem de mamíferos que se beneficiou
com o uso do alagebrium. A Alteon e seus colaboradores logo provaram que o
alagebrium conseguia rejuvenescer os corações e vasos sanguíneos de cachorros
e macacos. Estes estudos eram muito mais informativos quanto às perspectivas
do alagebrium como um verdadeiro fármaco antienvelhecimento do que
qualquer coisa que tinha vindo antes, por duas razões. Em primeiro lugar, eles
foram realizados em animais que estavam passando pelo envelhecimento
"normal", enquanto que os estudos com alagebrium em roedores tinham usado
animais com diabetes severa. Em segundo lugar, cachorros e primatas não
humanos têm vidas mais longas, e os anos extras dão às forças do
envelhecimento mais tempo para induzir os mesmos tipos de mudanças
patológicas no sistema cardiovascular que são observadas em humanos idosos,
tornando-os melhores modelos para doenças humanas do ponto de vista clínico e
teórico.
Assim como em humanos idosos, as câmaras do coração de cachorros mais
velhos se esticam menos para receber o sangue do que as de animais mais novos,
levando a um enchimento reduzido e a um aumento simultâneo na pressão em
seu interior. Em outras palavras, cachorros velhos sofrem de uma leve
insuficiência cardíaca diastólica. Quando foi dada uma dose moderada de
alagebrium por um mês a animais mais velhos, seus corações ficaram 42% mais
flexíveis, como demonstrado por um aumento no volume de sangue recebido
sem um aumento na pressão sanguínea dentro da câmara. O contraste foi ainda
maior quando o volume de sangue entregue à câmara de bombeamento cardíaca
foi aumentado usando outros fármacos: somente algumas semanas antes, este
tratamento tinha ampliado ainda mais a diferença de desempenho entre
cachorros jovens e velhos em termos de flexibilidade cardíaca, mas após o
tratamento com alagebrium seus corações estavam praticamente tão elásticos
quanto os dos animais jovens de controle.18
Os resultados observados em nossos amigos primatas foram ainda mais
impressionantes.19 Em 2001, cientistas da Alteon — trabalhando em colaboração
com pesquisadores do Instituto Nacional do Envelhecimento (NIA) dos EUA,
que estavam estudando os efeitos do envelhecimento e da restrição calórica em
primatas não humanos, e também com especialistas do NIA em medicina
cardiovascular — publicaram os resultados de um estudo sobre os efeitos do
alagebrium nos sistemas cardiovasculares de macacos Rhesus. Seu grupo de
teste eram macacos velhos mas "saudáveis" (considerando-se o estado usual de
macacos biologicamente velhos), e em especial, sem diabetes.
No começo do estudo, a flexibilidade arterial dos macacos foi avaliada, assim
como o grau com que as câmaras de seus corações se expandiam durante sua
fase de enchimento com sangue (diastólica), como uma medida da flexibilidade
do tecido. Os macacos então receberam o alagebrium em dias alternados por três
semanas, e depois disso seus tecidos foram testados novamente a cada algumas
semanas pelos nove meses seguintes.
Surpreendentemente, não houve um efeito mensurável na pressão arterial —
sistólica ou diastólica. Porém, após três semanas de tratamento, e ainda mais
intensamente após seis semanas, o tecido de seu sistema cardiovascular tinha
claramente passado por uma restauração de forma a se tornar mais jovialmente
elástico. Usando-se um teste de flexibilidade arterial rudimentar e fácil de
realizar, verificou-se que suas artérias tinham se tornado impressionantes 60%
mais maleáveis; uma avaliação mais direta revelou uma melhora de 25%. Ao
mesmo tempo, seus corações também estavam se expandindo mais facilmente:
estavam recebendo 16% mais sangue durante a fase diastólica, e outras medições
de funcionamento cardíaco que são pelo menos parcialmente dependentes da
melhora do enchimento diastólico também melhoraram depois do tratamento
com alagebrium.
Não se esperava que o alagebrium evitasse a formação de novas ligações entre
açúcares e proteínas, então não foi surpresa nenhuma quando a suspensão do uso
do fármaco foi seguida pela perda desses ganhos uma vez que o acorrentamento
molecular gradual dos tecidos dos macacos não estava mais sendo combatido
pela ruptura ainda mais rápida dessas ligações. Algumas semanas após o pico da
volta da elasticidade mais jovial induzida pelo alagebrium, as artérias dos
macacos estavam novamente tão duras quanto tinham estado na preparação
inicial do estudo. Seus corações mantiveram sua melhora por um pouco mais de
tempo do que as artérias, mas também iniciaram uma tendência a voltar a sua
antiga rigidez. Deixar de tomar o fármaco não deixou os macacos pior do que
estavam antes do estudo — mas estava claro que as ligações de AGE que
estavam sendo quebradas pelo alagebrium podiam ser rapidamente refeitas. A
implicação é que os usuários de alagebrium teriam que tomar o fármaco de uma
forma quase contínua para que continuassem a desfrutar de sua nova
flexibilidade arterial.
Mas isso não diminuiu muito a animação de ninguém. Os resultados desses
estudos representavam um marco claro no desenvolvimento do alagebrium. A
toxicidade era baixa; nenhum efeito colateral sério tinha sido observado; e estava
claro o potencial promissor para um novo tratamento para doenças persistentes.
Estava na hora dos testes em humanos.
Da escuridão, luz
O primeiro teste em humanos do alagebrium, publicado no prestigioso periódico
Circulation da American Heart Association (Associação Estadunidense do
Coração) em 2001,20 parecia o começo ainda pouco firme de algo grande.
Setenta e três homens e mulheres idosos com sinais de endurecimento vascular
tiveram sua pressão sanguínea e flexibilidade arterial avaliadas e foram então
distribuídos aleatoriamente em dois grupos. Por dois meses, dois terços dos
pacientes tomaram o alagebrium em forma de pílula; ao mesmo tempo, o
restante recebeu uma pílula com a mesma aparência mas sem o ingrediente
ativo, como um grupo placebo de controle. No marco de um mês, e novamente
ao final do estudo, seus parâmetros foram reavaliados.
Os resultados não foram completamente claros, permitindo uma variedade de
interpretações, mas o estudo foi considerado como sendo preliminar por sua
própria natureza, e a maioria dos pesquisadores estava disposta a dar o benefício
da dúvida ao fármaco por causa dos resultados impressionantes obtidos em
modelos animais. A pressão arterial sistólica e a geral diminuíram nos dois
grupos, provavelmente por causa de um anormalmente forte "efeito placebo" no
grupo que estava tomando a pílula falsa: a influência do poder de crença sobre o
estado real do corpo, que é um fator problemático sabidamente importante em
estudos de hipertensão. Independentemente do motivo, o resultado era que o
fármaco não conferia uma vantagem clara nos resultados de pressão arterial. Ao
mesmo tempo, o endurecimento arterial das pessoas que tomaram o alagebrium
parecia ter melhorado em comparação com o grupo placebo de acordo com duas
medições diferentes, mas havia objeções técnicas ao método usado em uma
dessas avaliações, e a natureza da comparação entre os grupos também fez com
que os resultados fossem muito pouco determinantes.
Testes posteriores, porém, forneceram resultados que, em seu conjunto,
permitem-nos extrair conclusões mais firmes — e, para infelicidade da Alteon,
elas indicam que o alagebrium nunca será aprovado para uso clínico pelos
órgãos reguladores. Mais de 1000 pacientes com hipertensão sistólica,
insuficiência cardíaca diastólica, insuficiência cardíaca sistólica (com ou sem um
crescimento associado compensatório da principal câmara de bombeamento do
coração) e até disfunção erétil, além de algumas pessoas saudáveis, foram
tratados com alagebrium em testes clínicos preliminares,21,22,23,24 e apesar dos
resultados fornecerem evidências suficientes para sugerir que o fármaco é seguro
e está quebrando AGEs nesses pacientes, o efeito é claramente insuficiente para
ter considerável impacto em termos de funcionamento. Os resultados quanto à
função diastólica no coração não impressionaram; os benefícios na melhora da
flexibilidade arterial não foram claros; e foi observado pouco — se é que houve
algum — efeito na hipertensão propriamente. Frequentemente o principal
objetivo dos estudos não foi alcançado, com os benefícios em geral vindo em
marcadores menos importantes do processo da doença que não estão claramente
ligados aos resultados clínicos (doenças cardiovasculares, ataques cardíacos ou
derrames). Além disso, os benefícios que foram observados não estavam ligados
claramente a nenhuma dose específica do fármaco. Isto é paradoxal porque
poderia-se muito bem esperar que, com um fármaco que quebra AGEs, os
benefícios aumentassem com a dose: mais fármaco deveria significar mais AGEs
quebrados e, portanto, sistemas cardiovasculares mais jovens.
Até o momento, a somatória dos dados dos estudos com animais sugere
claramente que o alagebrium consegue quebrar AGEs; a questão é por que este
benefício não está se traduzindo em uma melhor saúde vascular e cardíaca em
pacientes humanos da mesma forma que ocorre em tantas outras espécies.
Alguns críticos dizem que, no fim das contas, o alagebrium não está realmente
quebrando os AGEs, mas que em vez disso seria um inibidor de AGE, assim
como Ulrich e seus colegas tinham inicialmente planejado. Há uma certa
plausibilidade superficial nesta ideia, mas esses argumentos não se sustentam
contra o fato irrefutável de que, em estudos com animais, o alagebrium não
simplesmente desacelera o desenvolvimento de complicações em roedores
diabéticos ou evita o endurecimento dos tecidos relacionado ao AGE do sistema
cardiovascular em cachorros e macacos que estão envelhecendo normalmente:
ele reverte esses processos. Um fármaco que somente inibisse a formação de
ligações cruzadas nos tecidos seria capaz de reduzir a taxa com que novas
ligações cruzadas se formam e, portanto, de desacelerar a degeneração dos
tecidos com ligações cruzadas — mas não teria o tipo de efeitos restauradores
rápidos que foram desencadeados pelo alagebrium.
O fato de que os tecidos de animais tratados com alagebrium se tornam
inflexíveis novamente tão rapidamente após a suspensão do uso do fármaco
também parece pesar contra a sugestão de que o fármaco esteja na verdade só
reduzindo a formação de AGEs, uma vez que as ligações cruzadas subjacentes
estão claramente voltando a se formar muito mais rapidamente do que ocorreu
durante os muitos anos que foram necessários para seu acúmulo inicial. Esta
observação sugere que a quebra da ponte de alfa-dicetona nesses AGEs expõe
um grupo carbonila altamente reativo, que rapidamente gruda-se novamente a
uma proteína adjacente. Por causa da quebra contínua de outras ligações
cruzadas, os usuários do fármaco ficam um passo à frente deste problema com a
estratégia de "dois passos para a frente, um passo para trás" — mas quando se
suspende seu uso, eles rapidamente retornam a seu antigo estado com AGEs.
E quanto à incapacidade dos pesquisadores de encontrar ligações cruzadas de
alfa-dicetona no corpo? O motivo para isso é quase certamente que estas
estruturas são, ironicamente, relativamente fáceis demais de destruir. A parte
difícil ao se projetar um fármaco que quebra AGEs não é a falta de substâncias
químicas que possam quebrar uma determinada ligação cruzada; o problema é
conseguir algo que não destrua completamente também as proteínas normais e
saudáveis durante o processo. As formas comuns de encontrar AGEs no corpo
envolvem encharcar uma amostra de tecido com ácidos fortes e examinar o que
restar. Esta técnica detecta os AGEs mais extremamente difíceis de destruir,
como a pentosidina, mas elimina todos os traços das ligações cruzadas mais
delicadas.
Suspeitou-se durante muito tempo, e durante os últimos anos foi confirmado,
que a rudeza desses ensaios introduziu sérias distorções na pesquisa sobre AGEs.
Na última década, novas metodologias foram desenvolvidas para encontrar-se
ligações cruzadas de AGEs em tecidos através de um processo trabalhoso de
quebra, quase uma por uma, das ligações químicas normais e saudáveis em um
tecido, deixando para trás somente ligações químicas anormais como as dos
AGEs. Usando essas técnicas, os pesquisadores provaram que os AGEs que se
pensava serem os mais abundantes são na verdade somente os mais resistentes
ao bombardeio químico que previamente tinha sido usado para tirá-los do
esconderijo. Os AGEs mais facilmente observados (como a pentosidina) são na
verdade relativamente raros no corpo (e, portanto, contribuem pouco para o
estado geral de endurecimento dos tecidos), enquanto que outras ligações
cruzadas que são muito mais comuns (e, portanto, infligem uma carga total de
acorrentamento de proteínas muito maior nos tecidos vivos) permaneceram
invisíveis aos nossos métodos de teste.
Acredito que esta seja a explicação para a nossa incapacidade, até o momento,
de identificar os alvos moleculares do alagebrium. A estrutura prevista de
ligações cruzadas alfa-dicetona é tal que elas seriam relativamente fáceis de
quebrar: de fato, vocês se lembrarão de que este é o motivo pelo qual Peter
Ulrich originalmente pensava que nem durassem tempo o suficiente para que
valesse a pena explorá-las como um alvo farmacêutico.
Por sua vez, a infeliz diferença no impacto funcional do tratamento com
alagebrium em pacientes humanos em comparação com roedores, cachorros e
macacos de laboratório pode ser o resultado das ligações cruzadas alfa-dicetona
serem simplesmente um tipo muito mais comum de AGEs nessas espécies do
que na nossa. Está claro que há diferenças entre as espécies nos caminhos
metabólicos que estruturam a formação de AGEs. Por exemplo, como vimos
anteriormente, o corpo de ratos diabéticos sofre muito mais estresse oxidativo do
que o nosso em resposta à doença. Isto deve afetar não somente como os AGEs
são gerados, mas quais ligações cruzadas específicas são formadas: estruturas
cuja formação envolve radicais livres provavelmente terão um peso muito maior
nos tecidos de ratos do que em tecidos humanos.
Outro motivo para se pensar que as ligações cruzadas alfa-dicetona podem ser
menos importantes em nossa própria espécie do que em outras é o simples fato
de que vivemos muito mais tempo do que esses outros organismos. AGEs de
vida longa e resistentes como a pentosidina são muito difíceis de serem
quebrados pelo corpo, e assim tendem a se acumular de forma bastante linear
com a idade: o resultado é que, embora organismos de vida mais longa os
acumulem mais lentamente do que organismos de vida mais curta, esses
organismos acabam ficando com níveis absolutos maiores desses AGEs no
momento em que suas vidas terminam, simplesmente porque tiveram muito mais
anos para acumulá-los. Dessa forma, se analisarem a Figura 2, verão que com
14 anos de idade, um cachorro extremamente "idoso" tem cerca de 40 unidades
de pentosidina em um miligrama de colágeno, enquanto que um miniporco da
mesma idade — mas com metade de sua expectativa de vida média ainda pela
frente — tem somente 15 unidades. Um macaco possivelmente poderia viver por
40 anos, e aos 10 anos de idade só tem acumuladas cinco unidades de
pentosidina. Um humano, com uma expectativa de vida máxima de mais de 100
anos, teria acumuladas ainda menos unidades. Porém, aos 60 anos, quando os
AGEs com ligações cruzadas estão começando a afetar seriamente a
probabilidade de sobrevivência por mais um ano, a pele humana carrega o fardo
de cerca de 50 unidades de pentosidina fazendo ligações cruzadas em suas
proteínas por miligrama de colágeno — mais do que qualquer uma das espécies
de vida mais curta teve tempo de acumular.
Agora, lembrem-se de que, de forma oposta às ligações cruzadas extremamente
resistentes do tipo da pentosidina, supõe-se que as ligações cruzadas alfa-
dicetona — o tipo que o alagebrium quebra — sejam relativamente frágeis no
contexto dos AGEs, e assim a quantidade dessas ligações cruzadas se baseia em
um equilíbrio entre formação e quebra relativamente rápidas. Como todos os
AGEs, o declínio do controle metabólico do combustível ao envelhecermos
levaria a um aumento na taxa de formação deste tipo de AGE com a idade —
mas sua eliminação relativamente fácil deveria permitir ao corpo manter seu
aumento sob controle em sua maior parte, levando a uma taxa de acúmulo muito
mais lenta do que a da resistente pentosidina.
O resultado final disso seria que na parte final da vida, quando o endurecimento
induzido por AGEs está se tornando rapidamente fatal, a contribuição das
ligações cruzadas alfa-dicetona para a carga total de AGE (e, portanto, para a
perda da necessária flexibilidade) em um tecido seria menor em uma espécie de
vida longa como a nossa do que em um macaco ou um cachorro (sem falar de
um rato), pela simples razão de que muito mais desses tipos mais resistentes de
AGE teriam se acumulado nos organismos de vida longa do que as criaturas de
vida curta tem sequer a possibilidade de acumular. Portanto, um quebrador de
alfa-dicetona como o alagebrium deixaria para trás — mesmo sendo
extremamente efetivo em sua tarefa molecular específica — uma carga muito
maior de outras ligações cruzadas do que aconteceria em organismos modelo,
ocasionando uma restauração muito menos efetiva da plasticidade jovial dos
tecidos.
Até o momento, falei principalmente sobre formas específicas de danos que
ocorrem a nível molecular em nossas células e seus componentes, e sobre como
podemos restaurar a funcionalidade de nossas células e tecidos desfazendo ou
tornando inofensivos esses danos. Mas existem alguns casos em que o corpo ao
envelhecer acumula células que estão danificadas de tal forma que não param
simplesmente de contribuir para o funcionamento do corpo, mas na verdade
tornam-se tóxicas ao sistema que lhes dá suporte.
Já discuti um caso desse tipo no Capítulo 5: células que foram tomadas por
mitocôndrias mutantes. Quando mitocôndrias perdem sua capacidade de
processar os combustíveis bioquímicos devido a mutações em seu DNA interno,
o que nos causa danos (na minha opinião) não é a consequente impossibilidade
dessas organelas desempenharem seu trabalho, mas a forma mal-adaptativa
através da qual sua célula hospedeira altera seu próprio metabolismo para
conseguir sobreviver com esta insuficiência. Esta alteração metabólica faz com
que essas células fiquem "mancas" e problemáticas por jogarem o estresse
oxidativo para fora de suas membranas e para áreas remotas do corpo.
À primeira vista, poderia-se pensar que o melhor que o corpo poderia fazer com
essas células seria matá-las, salvando assim o resto do corpo de sua influência
tóxica. Mas a natureza das células específicas que desenvolvem este problema
faz com que qualquer tentativa de simples remoção seja perigosa. O caso mais
conhecido, poderia-se dizer, é o do tecido muscular estriado. A forma como os
músculos são estruturados implica que destruir uma única estrutura muscular,
similar a uma célula, quebraria a fibra inteira da qual faz parte. A perda de
células musculares devido ao envelhecimento (e não à falta de uso) já é uma das
principais causas da fraqueza relacionada ao envelhecimento; não podemos
agravar ainda mais este problema matando mais dessas células em uma tentativa
de autodefesa.
Então, neste caso específico, como descrevi no Capítulo 6, o que parece fazer
mais sentido é encontrar uma maneira de preservar e restaurar a atividade
metabólica normal das células afetadas, que foram colonizadas por mitocôndrias
mutantes, em vez de matá-las.
Porém, há diversos outros casos nos quais os custos de destruir uma célula tóxica
são muito pequenos, e os benefícios são claros e diretos. Todos conhecemos um
desses casos — o câncer — e ninguém discorda de que destruir células
cancerígenas seja inequivocamente bom. Entretanto, não discutirei o câncer
neste capítulo (com exceção da aplicabilidade mais além do câncer de alguns
tratamentos anticâncer existentes), porque esta doença impõe desafios tão
singulares que dediquei um capítulo inteiro só para ela (Capítulo 12). Em vez
disso, focarei em três tipos de células que impõem ameaças muito menos
catastróficas do que o câncer, mas que ainda assim contribuem
significativamente, de forma coletiva, para o declínio relacionado ao
envelhecimento rumo a doenças, fraqueza e morte. Do meu ponto de vista, não
há motivos para se tentar reabilitar estas células: parece ser melhor que elas,
assim como as células cancerígenas, sejam destruídas. Prefiro analisar esses
tipos de células conjuntamente por causa da similaridade das ameaças que
impõem e das estratégias que defendo para se lidar com elas.
Equilíbrio orçamentário
Isso não seria problema nenhum se pudéssemos ter à mão tantas células T
quanto quiséssemos, incluindo muitas células virgens e grandes contingentes de
células de memória específicas para cada um dos diversos patógenos que nosso
corpo juntou em sua galeria de "indesejados" ao longo dos anos. Mas produzir e
manter esses exércitos é um investimento que usa muitos recursos e, como em
qualquer situação, o "orçamento" do corpo para o sistema imunológico é
limitado. Para evitar ter um déficit em seus gastos "militares", o corpo mantém
uma política rigorosa de equilíbrio orçamentário — uma quantidade limitada de
"espaço imunológico" (como tem sido chamado) para toda a população de
células T em seu conjunto. O sistema imunológico impiedosamente mantém um
teto quanto ao número total de células virgens e de memória somadas no corpo
em qualquer momento dado, embora a estrutura específica desta população
esteja em fluxo constante, mudando dinamicamente quando o corpo responde à
ameaça do momento.
Quando este sistema está funcionando bem — como ocorre na maioria das
pessoas jovens — ele é praticamente como aquele tipo de exército flexível, de
baixo custo, altamente móvel e bem treinado que muitos dos generais e líderes
mundiais de hoje em dia sonham em criar. Durante uma infecção com um
patógeno específico, há uma rápida reorganização de forças para lutar contra a
ameaça no território. Seja no caso de células de memória se mobilizando contra
um inimigo que já viram antes, seja no de células virgens encontrando e
lançando um ataque contra uma ameaça nova, as células CD8 apropriadas para o
inimigo à vista aumentam seu contingente, dividindo-se rapidamente em um
processo chamado expansão clonal, e depois se dispersam, identificando e
destruindo células que tenham os marcadores proteicos estrangeiros contra os
quais são especializadas (este uso do termo "clone" é um entre vários na
biologia, e não deve ser confundido, devo salientar, com o uso popular e não
científico da palavra; falarei mais sobre os diferentes significados de "clonagem"
no próximo capítulo).
Mas após o inimigo ser derrotado, manter grandes quantidades de células CD8
cuja única missão é guerrear contra um inimigo já vencido seria um desperdício
de recursos limitados. Com a disciplina estrita do corpo sobre seu orçamento
imunológico, ele não pode se dar ao luxo de ter tanto de seu exército
especializado em combater só um oponente se este inimigo não estiver mais no
processo de levar a cabo um ataque. Assim, o corpo inicia um movimento de
retirada rápida e gigantesca dessas células, ordenando que a maioria dos
veteranos entre em um programa de autodestruição cuidadosamente organizado
(apoptose), após o qual ele pode reequilibrar a estruturação de suas forças para
uma postura de defesa mais genérica. Entretanto, alguns veteranos do conflito
recente são mantidos depois das hostilidades cessarem como células de
memória, vigiando quanto a sinais de um novo ataque dos invasores que
conhecem tão bem. As pequenas quantidades necessárias para manter a
vigilância do corpo contra um inimigo conhecido fazem com que este gasto seja
bastante tolerável, de forma que o custo de manter estas células na folha de
pagamento nunca representa um peso significativo para o "orçamento" do
sistema imunológico. Pelo menos, este é o plano.
Embora haja menos pesquisas dedicadas a isso, portadores de CMV velhos
também sofrem de uma expansão da quantidade de células CD4 defeituosas (as
células CD4 são as células "T auxiliares" que ajudam as outras células
imunológicas a fortelecerem suas contraofensivas quando os patógenos iniciam
uma invasão). Portadores velhos e externamente saudáveis de uma infecção por
CMV têm as mesmas grandes expansões clonais de células CD4 específicas para
o CMV mas carentes do receptor CD28 que são vistas em suas populações de
células CD8, levando à mesma redução de outras células T especializadas e à
falta da resposta de ativação que deveria ser provocada pelas células
apresentadoras de antígenos.11
Como ocorre com suas primas CD8, as células CD4 que não contêm o CD28 não
conseguem responder aos estímulos das células apresentadoras de antígenos
acionando células CD8 e outras do sistema imunológico para enfrentar a ameaça.
Juntando-se a isso a incapacidade dessas mesmas células CD8 de atacar seus
alvos de forma efetiva, o CMV é deixado vagando livremente, gerando ainda
mais expansões clonais e maiores disfunções imunológicas.
Células CD8 anti-CMV que se expandiram clonalmente também são anérgicas
(ineficazes) de outras maneiras. Quando ratos jovens são infectados pela
primeira vez com a versão de sua espécie do CMV, eles produzem células CD8
muito efetivas que têm o vírus como alvo, as quais reconhecem pelo menos 24
proteínas específicas dele; porém, após a infecção se tornar crônica, suas forças
anti-CMV ficam restritas a clones que reconhecem uma média de somente cinco
dessas proteínas.12 E as células CD8 anérgicas de humanos idosos infectados
com CMV lançam uma resposta mais fraca à ameaça do que as células de
infectados mais jovens, produzindo significativamente menores quantidades de
interferon gama, um mensageiro químico essencial responsável por aumentar a
resposta das células T ao vírus.13,14
Cheira a Gleevec
Mesmo que ninguém que vocês conheçam tenha câncer, há uma boa chance de
já terem ouvido falar de Gleevec (também conhecido como STI-571 ou
imatinib), Iressa (ZD1839 ou gefitinib), Herceptin (trastuzumab) e outros
fármacos menos famosos ou que ainda estão passando pelo processo de
aprovação. Estas chamadas "terapias contra o câncer direcionadas" foram
adequadamente aclamadas como grandes inovações; até mesmo a palavra
"milagre", embora absurdamente usada em demasia em livros populares sobre
saúde, parece ter seu uso justificado para muitas pessoas que viram tumores
desaparecerem de seu corpo ou do corpo de entes queridos, sem os horríveis
efeitos colaterais associados com a radioterapia e a quimioterapia. Mesmo assim,
esses fármacos não estão completamente livres de efeitos colaterais — nenhum
fármaco que "mexe com o metabolismo" pode estar. O Herceptin, por exemplo,
tem como alvo um receptor de crescimento chamado HER-2: ao inutilizar o
HER-2, ele evita o crescimento excessivo das células cancerígenas que obtêm
sua dose de estímulo de crescimento produzindo muito HER-2 em sua
superfície. Mas outras células saudáveis dependem de um pequeno nível de
estimulação do HER-2 para proliferarem normalmente. Por causa disso, os
usuários de Herceptin podem sofrer de insuficiência cardíaca congestiva fatal —
um efeito colateral que pesquisas recentes também descobriram existir em um
pequeno número de usuários de Gleevec, que se pensava ser um fármaco
extremamente limpo precisamente porque só tem como alvo uma forma anormal
de um transdutor de sinal de crescimento.27
Da mesma maneira, interferir na resistência à apoptose de células T anérgicas
pode levá-las à morte, mas isso ainda deixa em aberto a questão de como
desfazer esta resistência sem matar células necessárias em outros lugares do
corpo.
Tenho convicção de que podemos fazer a engenharia reversa para adaptar as
novas terapias contra o câncer direcionadas — e também terapias mais novas
que estão agora em diversos estágios do desenvolvimento clínico — para
desenvolver a capacidade de criar "bombas inteligentes" que destruirão células T
anérgicas (e também os outros tipos de células tóxicas que discutirei mais à
frente) com danos mínimos às células saudáveis.28 Podemos prever que seremos
capazes de acoplar toxinas cuidadosamente escolhidas a moléculas que
seletivamente tenham como alvo as marcas distintivas que denunciam os clones
anérgicos, e portanto os matem direta e decisivamente em vez de só interferir em
seu metabolismo.
Balas de prata
O primeiro desenvolvimento significativo nesta área ocorreu em 1995, em um
laboratório pertencente ao Laboratório Nacional Lawrence Berkeley (EUA)
liderado pela Dra. Judith Campisi, uma das pessoas que foram minhas coautoras
no manifesto científico original das SENS. Campisi e seus colegas descobriram
que um teste relativamente fácil e confiável para a atividade de uma enzima
chamada beta-galactosidase associada à senescência (SA-beta-gal) conseguia
identificar células senescentes não só em placas de petri, mas também em
amostras de pele tiradas de humanos idosos.
Infelizmente, a SA-beta-gal não é um marcador perfeitamente seletivo para a
senescência. Como estudos posteriores mostraram, a enzima também está
presente em células não senescentes — geralmente em níveis muito baixos, mas
algumas vezes em altas concentrações. Acontece que, contrariamente à
interpretação simples das descobertas do laboratório de Campisi, esta enzima é
na verdade idêntica a uma que é encontrada normalmente em todos os nossos
lisossomos — os incineradores de lixo celular, cuja obstrução (como devem se
lembrar do Capítulo 7) é um fator chave em muitas das piores patologias do
envelhecimento. A transformação no estado senescente não aciona
repentinamente a secreção de SA-beta-gal no corpo principal da célula
simplesmente do nada: na verdade, parece que há sempre uma pequena
quantidade de SA-beta-gal mesmo em células saudáveis, como pode ser
detectado com técnicas que avaliam a concentração da enzima em si na célula —
mas a concentração é tão baixa que sua atividade mal pode ser detectada (se é
que pode) pelos métodos que o laboratório de Campisi inicialmente usou, que
são desfavoráveis ao funcionamento da enzima.49,50,51
Entretanto, à medida que a célula passa por repetidos ciclos de replicação —
portanto chegando cada vez mais perto da senescência — seus níveis de SA-
beta-gal aumentam.52 Provavelmente isto ocorre porque a célula começa a
produzir a enzima excessivamente em resposta ao estresse do envelhecimento —
em especial, à necessidade de mais lisossomos à medida que eles se tornam cada
vez menos efetivos em fazer seu trabalho (e também à medida que a velocidade
de divisão celular — e portanto a taxa de diluição de lixo — diminui e o trabalho
se torna, portanto, intrinsecamente mais difícil). Em um determinado ponto, o
nível fica tão alto que a atividade desta enzima é detectável mesmo sob
condições não ideais.
A atividade da SA-beta-gal é detectada particularmente em níveis anormalmente
altos em células tiradas de tecidos em que as células estão sob estresse, por causa
de doenças inflamatórias que fomentam a proliferação celular (como a hepatite
C crônica, placas ateroscleróticas e úlceras venosas). O mais interessante é que
descobriu-se que os níveis da enzima crescem muito em células que estão
passando por uma "crise",53,54 que é um período no qual células que de alguma
forma escaparam da senescência ainda estão realizando divisão celular e
sofrendo a erosão de seus telômeros. Estas células geralmente ficam
simplesmente sem energia, mas ocasionalmente podem sofrer uma mutação que
remove a tranca de seus genes de telomerase, tornando sua transformação
completa em células malignas quase inevitável.
O que está surgindo, portanto, é um quadro no qual a SA-beta-gal é uma enzima
que aparece em altos níveis nos corpos principais das células que estão sofrendo
algum tipo de estresse que pode acabar ameaçando suas vizinhas. Isso pode
significar que ao usar-se altos níveis de SA-beta-gal como um identificador para
a destruição de células senescentes, estaríamos simultaneamente eliminando de
forma útil alguns "alvos não prioritários".
Entretanto, poderemos ser capazes de estabelecer um sistema de checagem
múltipla para nos ajudar a selecionar as células mais genuinamente senescentes
enquanto deixamos as mais inocentes (mas com aparência suspeita) intactas. Isso
porque, além da SA-beta-gal, as células senescentes também produzem níveis
anormalmente altos de outras moléculas envolvidas na resposta programada da
senescência. Células senescentes da pele de babuínos, por exemplo, contêm uma
forma ativada da proteína ATM quinase, que responde aos danos no DNA
ativando diversos genes supressores de tumor, incluindo o famoso p53. As
células senescentes também exibem altos níveis de p53, assim como da proteína
de ligação (53BP1) pela qual seu gene interage com a ATM quinase, e de p21,
um regulador de senescência que trabalha sob o comando do p53.55 Algumas
células senescentes também contêm altos níveis de p16, o outro principal
regulador do processo. Os níveis desta proteína, por razões ainda desconhecidas,
também aumentam lentamente com a idade em células não senescentes,
tornando-a um marcador não confiável para senescência quando tomada
isoladamente; mas ela — como essas outras características — poderia ainda
assim ser usada potencialmente como parte de um mecanismo de checagem
múltipla, com diversas proteínas sendo usadas para distinguir células
genuinamente senescentes daquelas que expressam somente uma dessas
proteínas por alguma outra razão.56
Este capítulo teve como foco o acúmulo de células tóxicas com a idade e a
biotecnologia que já pode ser antevista para que possamos ser capazes de nos
limpar dessas células como parte de nossa plataforma de rejuvenescimento de
nossos corpos — restaurando o sistema imunológico, reduzindo o caos
metabólico e protegendo nossas células do perigo de serem incitadas a virar
câncer. No próximo capítulo, vamos analisar o problema inverso: a perda de
células com a idade, e os obstáculos científicos — e, tão importante quanto,
políticos — que enfrentamos para alcançar a capacidade de renovar nossos
tecidos com substitutos frescos e novos.
11
Após o esforço enorme que tinha sido realizado para organizar a conferência,
foi um momento incrivelmente gratificante ver o homem que estava
revolucionando a biologia na área de células-tronco subir ao palco na frente de
uma plateia cheia de colegas.
Era a segunda conferência que eu realizava em Cambridge focada no progresso
científico rumo à reversão do envelhecimento humano, de forma que eu estava
sob pressão para superar o sucesso da primeira. Faço parte da diretoria da
Associação Internacional de Gerontologia Biomédica (IABG) — uma das
poucas sociedades biogerontológicas do mundo com um objetivo explícito de
buscar o desenvolvimento de soluções biomédicas para o envelhecimento — e
alguns anos antes eu tinha me voluntariado para encabeçar sua décima
conferência. Eu sabia na época no que estava me metendo. A sociedade iria
prover muito pouca assistência logística além da facilidade para se entrar em
contato com as pessoas relevantes, de forma que eu teria pouca ajuda além do
suporte (moral e de outros tipos) de minha querida esposa Adelaide, e isso era
perfeitamente adequado para mim. Com a autoridade formal de uma sociedade
que já estava na ala progressista da comunidade da biogerontologia, eu queria
fazer os limites avançarem um pouco mais, e ser deixado somente com meus
próprios recursos significava que eu não teria que discutir minhas prioridades
com um comitê.
Apesar dos objetivos da sociedade, as conferências anteriores da IABG haviam
tido a tendência de ser dominadas pelo mesmo tipo de apresentação que eu via
em todas as conferências de biogerontologia às quais eu havia ido (e tento ir à
maioria delas): ciência básica, medicina geriátrica, e trabalhos com modelos
animais que os pesquisadores esperam que possam algum dia ser transformados
em uma pílula que desacelere o envelhecimento em humanos. Eu assumi o
trabalho imenso e exaustivo de realizar esta conferência porque me daria a
oportunidade de dar destaque a trabalhos que poderiam contribuir para um
conjunto de intervenções projetadas para reverter o envelhecimento.
O IABG 10 — o congresso que seria, em retrospecto, o primeiro de uma série de
conferências SENS — foi um sucesso enorme. Sei que sou suspeito para dizer
isso, mas não estou exagerando: o entusiasmo com o qual meus colegas me
agradeceram por minha dedicação ao final da semana foi geral e
inequivocamente genuíno. Os participantes ficaram surpresos e animados com o
que tinham ouvido, não só pelo próprio mérito das pesquisas apresentadas, mas
porque eram algo completamente novo para eles. Isso era esperado: enquanto
que uma típica conferência biogerontológica convida um quadro de palestrantes
quase inteiramente provindos da comunidade biogerontológica, eu tinha
introduzido um forte elemento interdisciplinar, trazendo pesquisadores que
trabalhavam com câncer, diabetes, células-tronco e muitas outras áreas, cujo
trabalho eu pensava ser essencial para o desenvolvimento de uma biomedicina
antienvelhecimento eficaz, mas que eram quase completamente desconhecidos
dos pesquisadores propensos a se prender dentro da seção "biogerontologia".
Ao mesmo tempo, esses palestrantes tiveram a oportunidade de se misturar com
pesquisadores em cujos laboratórios os processos degenerativos do
envelhecimento estavam, se não sendo revertidos, certamente sendo
dramaticamente atrasados em ratos e outros organismos modelo. Esse era o tipo
de trabalho que em geral dificilmente impressionaria os biogerontologistas, que
estavam imersos em um campo no qual isso tinha estado ocorrendo desde os
primeiros experimentos com restrição calórica quase sete décadas antes, mas ele
deslumbrou os oncologistas experimentais e os engenheiros de tecidos que eu
tinha trazido para mostrar aos biogerontologistas o que tinham estado perdendo.
O IABG 10 foi tão bem-sucedido quanto ao alcance de minhas metas
acadêmicas, e os pedidos dos meus colegas para que eu realizasse uma segunda
conferência foram tão obviamente sinceros, que me senti confiante de que
poderia aproveitar seu impulso para torná-lo na prática o congresso inaugural de
uma série contínua de conferências acadêmicas sobre as questões científicas das
SENS em Cambridge. Desse ponto em diante, porém, eu sabia que os esforços
teriam que ser inteiramente meus: eu não poderia contar com o apoio (nem
permitir a interferência, por menor que tivesse sido) da IABG nem de nenhuma
outra sociedade. Embora o trabalho de organizar este tipo de evento fosse
desafiador, eu sabia que valeria a pena.
Por outro lado, eu também sabia que tinha estabelecido um padrão bastante alto
na primeira conferência, e que alguns dos meus colegas ficariam menos
inclinados a comparecer a uma conferência que não fosse organizada sob a tutela
de uma sociedade biogerontológica reconhecida. Isso tinha um peso ainda maior
porque era eu o organizador, já que uma campanha silenciosa contra minhas
credenciais como cientista tinha sido iniciada logo após a primeira
conferência por alguns de meus rivais gerontológicos genuinamente bem-
intencionados mas conservadores. Então, se eu quisesse que as pessoas fossem à
SENS2, e que a série tivesse continuidade, a qualidade da "escalação" da
conferência teria que ser de primeira, independentemente da oposição. Eu teria
que alcançar um nível ambiciosamente alto — e eu queria superá-lo.
RECONSTRUINDO O TIMO
Pode-se perceber o quão promissor é o uso de células-tronco para tratar a
involução do timo ao observar-se avanços recentes no tratamento de bebês com
a síndrome de DiGeorge — uma doença genética cujas vítimas nascem com uma
variedade de defeitos, incluindo ter a glândula do timo subdesenvolvida ou, em
alguns casos, completamente ausente, neste caso sendo chamada de "síndrome
de DiGeorge completa". Até recentemente, a síndrome de DiGeorge completa
era em geral uma sentença de morte de muito curto prazo: sem a capacidade de
produzir células T, esses bebês morreriam de infecções que são triviais para o
resto de nós dentro de alguns meses após deixarem o ventre da mãe.
A forma óbvia de se resolver o problema de um timo ausente é o transplante,
mas isso é algo bastante complexo: para realizar-se este procedimento, o tecido
necessita um suprimento muito bom de sangue e alta saturação de oxigênio, o
que é difícil de se alcançar sem a penetração natural de minúsculos vasos
sanguíneos. Há muito tempo também existem problemas quanto à rejeição e à
doença do enxerto contra o hospedeiro: como que perversamente, às vezes
algumas das células da medula óssea da criança se transformam
"espontaneamente" em células T desreguladas que não reconhecem os antígenos
da própria criança nem os do doador do tecido de timo. Isso leva a um ataque
feroz aos dois alvos, geralmente matando a criança; além disso, frequentemente
as células T do doador se voltam contra os tecidos estrangeiros do receptor do
transplante em um ataque recíproco igualmente mortal.
Recentemente, cirurgiões e imunologistas da Universidade Duke (EUA)
desenvolveram um protocolo usando fatias bem finas de tecido que garantem a
máxima transferência de oxigênio e que são enxertadas na coxa da criança para
lhe dar um suprimento de sangue generoso e de fácil acesso, junto com um novo
fármaco imunossupressor que tem como alvo específico as células T. Esta
intervenção ainda é experimental, mas está se tornando progressivamente melhor
através da introdução de mais inovações e agora parece ser relativamente bem-
sucedida. Em um relatório de 2004, a equipe de Duke constatou que cinco dos
seis pacientes que receberam a nova terapia ainda estavam vivos de 15 a 30
meses depois, o que significava uma grande melhora na taxa de sobrevivência.
Se em vez de usar transplantes de tecido estrangeiro, pudéssemos pegar as
próprias células-tronco da criança, estimulá-las a se tornarem células do timo e
enxertá-las, eliminaríamos a necessidade da arriscada supressão imunológica.
Depois, se pudéssemos encorajar essas células a crescerem em uma armação na
qual pudéssemos construir uma estrutura complexa de órgão, incluindo um
suprimento adequado de sangue, poderíamos abandonar a substituição altamente
insatisfatória de um órgão por uma fatia extremamente fina de tecido, e em seu
lugar realizaríamos um "transplante" verdadeiro de órgão. Podemos nunca ser
realmente capazes de fazer isso quanto à síndrome de DiGeorge, pela simples
razão de que não temos tempo o suficiente, mas se um implante de tecido
estrangeiro pode gerar células T viáveis e prolongar a sobrevivência de bebês
que nasceram sem o timo, só posso ver como sendo promissor implantar células
da própria pessoa — ensinando-as a se tornar células T e, se necessário,
estimulando-as e estruturando-as para que se tornem um tecido mais complexo
— em um órgão existente mas atrofiado, de forma a restaurá-lo para que volte a
ter seu funcionamento jovial.
Similarmente, no coração existem células que alguns pesquisadores chamaram
de "células cardíacas progenitoras" (ou usaram algum nome similar); porém,
embora essas células possam in vitro ser estimuladas a exibir algumas
características moleculares típicas de células-tronco, ainda não foi demonstrado
que podem formar células cardíacas no corpo. De fato, algumas células-tronco
muito parecidas encontradas em outro lugar do corpo (células-tronco
mesenquimatosas) têm essas mesmas características mas com certeza não
conseguem se tornar células cardíacas. Independentemente do que no fim das
contas seja a realidade quanto ao assunto, o que sabemos de fato é que nem essas
nem quaisquer outras células do corpo se voluntariam para curar os danos
enormes causados no músculo cardíaco pela privação de oxigênio ocorrida
durante um ataque cardíaco — como qualquer cardiologista ou sobrevivente de
ataque cardíaco pode tristemente atestar. Novamente, a razão para isto reside nas
análises estatísticas impessoais realizadas pela seleção natural após gerações de
aleatoriedade genética em um ambiente ancestral: ataques cardíacos não matam
pessoas entre os 20 e os 29 anos de idade, de forma que pelos cálculos da
evolução, não vale a pena investir em um sistema de reparo que quase nunca
será usado antes de seu dono ser morto por alguma outra coisa.
Nos primeiros dias do debate político sobre células-tronco embrionárias, alguns
laboratórios muito respeitados emitiram relatórios sobre uma flexibilidade
semelhante à de células-tronco embrionárias em células-tronco adultas
(descrevendo células formadoras de sangue transformando-se espontaneamente
em células hepáticas e cerebrais, e talvez mais promissoramente, relatando que
essas células foram injetadas no coração de ratos nos quais se provocaram
ataques cardíacos artificiais, tendo como resultado a formação de novos tecidos
de músculo cardíaco e a restauração da funcionalidade do órgão). Esses
relatórios foram encarados tão seriamente que diversos grupos começaram testes
clínicos iniciais em humanos, nos quais células-tronco derivadas da medula
óssea de vítimas de ataque cardíaco foram injetadas em seu tecido cardíaco
devastado.
Entretanto, laboratórios independentes não foram capazes de confirmar estas
alegações. Em vez disso, o que pode estar ocorrendo é que as células estão de
fato sendo incorporadas aos tecidos em questão, mas estão fazendo isso
fundindo-se com as células existentes.3,4,5,6,7,8,9,10 Pode haver algum benefício
limitado nesse processo: a fusão pode dar apoio às células sobreviventes nos
tecidos danificados, seja pela secreção de fatores de crescimento necessários
durante o reparo, seja pelo auxílio ao crescimento de novos vasos sanguíneos no
tecido.11 Porém, embora esses efeitos possam ajudar a manter um coração em
desintegração batendo por um pouquinho mais de tempo, eles não podem
substituir a real reconstrução do tecido cardíaco, seja em vítimas de ataques
cardíacos, seja em humanos idosos cujos corações queremos rejuvenescer.
Na verdade, recentemente o New England Journal of Medicine publicou os
resultados dos primeiros testes clínicos de células-tronco de medula óssea, como
um tratamento para vítimas humanas de ataques cardíacos, que foram amplos o
suficiente para fornecer informações significativas sobre resultados clínicos reais
nos pacientes (em vez de simplesmente coletar dados de segurança e relatórios
iniciais sobre a experiência de médicos e pacientes). Um dos testes12 não
encontrou benefício algum, e os outros dois13,14 relataram o que o editorial de
resumo do Journal descreveu como "uma melhora pequena, [estatisticamente]
significativa, mas clinicamente incerta"15 nos pacientes tratados, em comparação
com os que receberam injeções de placebo. Eles não reportaram nenhuma
evidência quanto ao assunto das células de fato estarem se transformando em
células de músculo cardíaco, mas os estudos em animais mencionados acima já
frustraram as esperanças anteriores de um efeito desse tipo.
Contrastemos esses efeitos fracos com os resultados de um estudo com animais
usando células-tronco embrionárias para tratar um ataque cardíaco induzido.
Dezoito ovelhas foram objeto de tal ataque, e então foram deixadas definhando
por duas semanas. Durante este período, os cientistas colheram células-tronco
embrionárias e estimularam-nas a começar a fazer a transição para se tornarem
células-tronco de músculo cardíaco. Antes de que as células-tronco embrionárias
tivessem completado sua jornada de desenvolvimento, os pesquisadores
implantaram estas células no coração de metade do grupo, enquanto que, para
fins comparativos, os nove animais restantes foram deixados para deslizarem
ainda mais rumo à deterioração.
Onde os benefícios das células-tronco adultas tinham sido duvidosos, a
influência em termos de cura das células-tronco embrionárias foi inegável
(vejam a Figura 1). As células estabilizaram-se nos corações danificados e
demonstrou-se que se transformaram em células cardíacas maduras, com os
animais se recuperando drasticamente. Duas semanas após seus parceiros
comparativos terem recebido o tratamento com células-tronco embrionárias, os
corações do grupo controle tinham perdido mais um décimo de sua capacidade
de bombeamento de sangue. Contrastantemente, os animais que tinham recebido
as células-tronco destinadas a se tornarem cardíacas tiveram uma melhora de
6,6% em sua capacidade de bombeamento.
Figura 1. Restauração da capacidade de bombeamento do coração por
células-tronco embrionárias. Controle vs receptores de células-tronco
embrionárias. Redesenhado.16
E se vocês se aprofundarem nos detalhes do estudo, encontrarão ainda mais
razões para estarem otimistas quanto ao potencial das células-tronco
embrionárias como uma terapia para o coração. Em primeiro lugar, os cientistas
deste estudo esperaram até que passassem duas semanas após os animais terem
sofrido seus ataques cardíacos para fazer algo em relação ao dano em seus
corações, e foi durante este período que ocorreu a maior parte da deterioração da
capacidade de bombeamento cardíaco dos animais. Uma intervenção mais
antecipada, com células-tronco ou até mesmo com uma assistência mais
tradicional, poderia ter evitado muito deste declínio, potencialmente levando a
resultados muito melhores após o tratamento com células-tronco embrionárias.
Em segundo lugar, as células-tronco embrionárias que foram usadas neste estudo
nem eram derivadas de ovelhas, mas de ratos — um ponto importante ao qual
retornaremos depois. Embora as células claramente tenham feito seu papel —
amadurecendo até se tornarem células cardíacas, unindo-se ao tecido nativo e
restaurando significativamente a funcionalidade do coração dos animais — ainda
assim parece razoável pensar que o uso de células que fossem de fato da mesma
espécie teria levado a uma melhor adequação metabólica e funcional, e portanto,
a melhores resultados.
E, em terceiro lugar, a melhora média no grupo tratado com células-tronco
embrionárias na verdade esconde uma variação muito positiva na resposta a este
tratamento dentro do grupo. Como havia a possibilidade de seu sistema
imunológico rejeitar as células-tronco embrionárias derivadas de ratos e isso
estragar o experimento, cinco dos nove animais tratados receberam fármacos
imunossupressores. Os fármacos acabaram revelando-se desnecessários: os
pesquisadores retiraram fatias do coração de todos os animais após o estudo
terminar, e não havia evidências de inflamação ou ataque de células
imunológicas no coração dos animais que receberam células-tronco
embrionárias, independentemente de terem ou não sido administrados a eles
fármacos imunossupressores.
Esta notícia é positiva por si só, mas há outras notícias ainda melhores. A
recuperação reportada de 6,6% da capacidade de bombeamento do coração em
animais tratados com células-tronco embrionárias foi um resultado global,
incluindo os animais que receberam e os que não receberam fármacos
imunossupressores. Quando os pesquisadores analisaram os resultados levando
em conta quais animais tinham recebido esses fármacos e quais não, descobriram
que os animais imunossuprimidos haviam tido, na verdade, uma resposta mais
fraca ao tratamento com células-tronco embrionárias do que os que ficaram com
seu sistema imunológico inalterado. As ovelhas no grupo tratado somente com
células-tronco embrionárias tiveram 25% mais tecido de cicatriz de seus ataques
cardíacos originais curado do que os animais tratados com os fármacos, e seu
coração recuperou mais do dobro de capacidade de bombeamento: um ganho de
cerca de 9% contra só 4% (comparados esses ganhos, é bom notar novamente,
com uma perda adicional de 9,9% de funcionalidade nos animais que não
receberam as células-tronco embrionárias — vejam a Figura 2). Assim, ao
avaliar-se as perspectivas para o uso em humanos de células-tronco
embrionárias, devemos observar os resultados mais intensos disponíveis da
abordagem com uso somente de células-tronco embrionárias, em vez dos
resultados mais fracos obtidos ao juntar-se esses animais com os que receberam
imunossupressores.
Figura 2. Restauração da capacidade de bombeamento do coração por
células-tronco embrionárias. Controles, células-tronco embrionárias
mais fármacos imunossupressores, e apenas células-tronco
embrionárias. Redesenhado.16
Após este estudo ser publicado, foi reportada a primeira comparação direta entre
terapias com células-tronco embrionárias e terapias com células-tronco adultas
para danos cardíacos similares aos que ocorrem durante um ataque cardíaco; os
resultados mostraram uma clara superioridade do tratamento com células-tronco
embrionárias, que se transformaram em células de músculo cardíaco, alcançaram
uma incorporação de longo prazo no tecido cardíaco dos animais, e melhoraram
a função cardíaca desses animais, enquanto que as células-tronco da medula
óssea não tiveram nenhum efeito significativo.17
E este é só o início das perspectivas biomédicas promissoras dessas células
incrivelmente versáteis. Células-tronco embrionárias têm sido usadas para curar
modelos animais de algumas das doenças mais temíveis que os seres humanos
podem sofrer, como a diabetes juvenil,18 lesões na medula espinhal,19,20 esclerose
múltipla,21 paralisia cerebral,22 derrame,23,24 mal de Parkinson,25 uma forma de
paralisia causada por um vírus que induz um modelo animal padrão da esclerose
lateral amiotrófica,26 e — muito recentemente — a degeneração macular (a
forma de cegueira causada pela perda de células sensíveis à luz no centro da
retina).27 Todas essas são doenças em que o suprimento de células-tronco
nativas adultas de uma pessoa nem consegue começar a repor a perda celular
causada pela doença em questão.
Evidentemente, nenhuma dessas terapias chegou até a clínica médica — ainda.
Porém, há todas as razões para se pensar que levarão a melhorias drásticas em
nossa capacidade de tratar esses pacientes. O saldo de evidências preliminares de
testes em humanos usando-se células fetais ou células derivadas de tumores de
células-tronco (que não são células-tronco embrionárias verdadeiras) no
tratamento do mal de Parkinson e de vítimas de derrame, por exemplo, já mostra
muitos resultados promissores, de modo que só se pode esperar que melhorem
com o uso de células-tronco verdadeiras. Além disso, recentemente um estudo
usando células-tronco embrionárias em um modelo de Parkinson em macacos
confirmou a capacidade dessas células de transformar-se nos tipos de neurônios
necessários, de enxertar-se na área correta do cérebro e de aliviar muitos dos
sintomas da doença.28 Essas são notícias muito animadoras.
Um falso amanhecer
Então repentinamente, em 2005, veio o anúncio de Hwang sobre técnicas com
relativamente alta produtividade para criar células-tronco embrionárias sob
medida individualmente. A notícia agiu como uma jamanta, destruindo barreiras
políticas e científicas. Do ponto de vista técnico, a capacidade de se fazer
células-tronco embrionárias viáveis e customizadas sob medida para cada
paciente era um avanço científico gigantesco. Politicamente, essa notícia não só
reenergizou as forças a favor da pesquisa, mas também gerou uma nova fonte de
pressão nos políticos. Os defensores das células-tronco há muito argumentavam
que se o governo continuasse restringindo a pesquisa com células-tronco
embrionárias, a ciência seria feita em outros lugares: os Estados Unidos
simplesmente sofreriam de fuga de cérebros, à medida que cientistas
estadunidenses se mudassem para ambientes mais hospitaleiros para a realização
de seu trabalho vital e estudantes de pós-graduação estrangeiros (já irritados com
as novas restrições de segurança) recusassem convites de universidades
estadunidenses. Agora, a profecia começava a se cumprir. O governo coreano
estava pronto para apoiar o trabalho de sua nova estrela científica com recursos
significativos, países tão distantes uns dos outros como o Reino Unido, Israel,
Suécia e Cingapura começavam a se estabelecer como polos bem financiados
para a pesquisa com células-tronco embrionárias, e relatos de cientistas
importantes fazendo as malas para ir embora dos EUA começavam a aparecer na
mídia.
mídia.
As forças da competição começaram a fazer sua mágica habitual. Estados dos
EUA, com medo de ficarem para trás, começaram individualmente a fazer
projetos de lei para financiar a pesquisa com células-tronco dentro de suas
próprias fronteiras. Políticos da esfera federal que não estavam tão fortemente
comprometidos ideologicamente com a posição contrária às células-tronco
embrionárias — incluindo muitos republicanos orientados ao livre mercado —
tornaram-se cada vez mais dispostos a se opor à posição dos ideólogos
antipesquisa. Alguns anos antes, 58 senadores — a maioria deles democratas,
mas com um apoio substancial de republicanos importantes — tinham assinado
uma carta pedindo a Bush que revogasse sua política; pouco depois de um mês
do anúncio de Hwang, 206 deputados juntaram-se à ação.
Eu sabia que destacar esses avanços, e as oportunidades que proporcionavam aos
pesquisadores, seria uma ótima maneira de realizar de forma mais aprofundada a
missão da minha conferência no sentido de promover a pesquisa biomédica
antienvelhecimento. Tirando o próprio Hwang, a melhor pessoa para apresentar
essas oportunidades era Gerald Schatten, um pesquisador de células-tronco da
Universidade de Pittsburgh (EUA) que tinha estado trabalhando com Hwang
pelos últimos dois anos, tinha usado suas técnicas veterinárias para clonar um
macaco, e havia participado do artigo científico que anunciou as novas linhagens
por TNCS na Science. Pedi a ele que apresentasse seus resultados e explicasse
como se poderia ter acesso a células-tronco embrionárias específicas para
pacientes através da equipe de Hwang na Universidade Nacional de Seul (Coreia
do Sul): seria criado um "polo mundial de células-tronco" que geraria células
pela TNCS sob demanda usando as instalações estabelecidas por Hwang e seus
técnicos experientes.
Fiquei muito feliz quando Schatten aceitou meu convite — mas fiquei
certamente extasiado quando, não muito depois, ele escreveu um outro e-mail
dizendo que gostaria de trazer um amigo com ele. O próprio Hwang tinha
expressado interesse em fazer uma apresentação na SENS2, segundo Schatten;
ele sabia que era em cima da hora, mas perguntava se eu deixaria que Hwang
compartilhasse a meia hora que lhe era destinada na conferência. Evidentemente,
em vez disso ofereci reservar a Hwang sua própria apresentação de meia hora
como um expositor especial na sessão de células-tronco e medicina regenerativa.
Eu estava disposto a fazer isso mesmo se para tanto fosse necessário jogar fora
minha programação original e começar do zero, pedindo perdão aos palestrantes
ao mudar seus horários tão tardiamente no planejamento de uma programação de
conferência muito cheia; porém, felizmente não tive que fazer isso, já que um
outro palestrante recentemente tinha sido forçado a deixar de participar. Com
quase nenhuma alteração, Hwang foi confirmado.
Então foi assim que, com grande prazer da minha parte e uma aguçada atenção
de centenas de meus colegas, Hwang subiu à plataforma para dar sua palestra no
Fitzpatrick Lecture Hall de Cambridge.
Evidentemente, como sabem muito bem, a menos que tenham passado grande
parte do inverno de 2005 para 2006 em uma caverna no meio do nada, foi tudo
uma farsa. Alguns meses depois de eletrificar minha audiência científica em
setembro, Hwang revelou-se uma fraude.
Em alguns lugares dos capítulos anteriores, especialmente no Capítulo 10,
aticei sua curiosidade em relação aos telômeros e à telomerase. Sei que vocês
têm essa curiosidade porque quando alguém me pergunta o que faço e digo que
trabalho no combate ao envelhecimento, a resposta mais comum (tirando o
levemente previsível "Anda logo!") é "Ah, telômeros". E de fato, os telômeros e
a telomerase desempenham um papel muito importante nas SENS, mas não o
papel que a maioria de vocês está provavelmente imaginando.
Como ressaltei ao longo desses capítulos, a abordagem "de engenharia" para
combater o envelhecimento é fundamentalmente diferente do pensamento
convencional sobre o envelhecimento e sobre o que podemos fazer a respeito
dele, pois foca-se nos danos reais que o organismo em processo de
envelhecimento acumula, em vez dos processos metabólicos que fazem esses
danos se acumularem.
Esta definição operacional do envelhecimento torna o problema tratável. Na
abordagem convencional "gerontológica", é incontável o número de potenciais
fatores contribuintes para o processo de envelhecimento, e conseguir controlar
todos eles é uma tarefa assustadoramente paralisante. Ela requer a compreensão
detalhada de um número enorme de caminhos metabólicos complexos, sendo
que interferir em qualquer um deles não só é difícil mas também está fadado a
causar efeitos colaterais indesejados ao perturbar-se seu funcionamento normal.
A engenharia antienvelhecimento liberta-nos amplamente desses problemas;
deixamos o metabolismo continuar a realizar seu trabalho necessário mas
bagunçado, e encontramos formas de desfazer ou tornar inofensivos os
relativamente poucos tipos de mudanças fixas — danos moleculares, em outras
palavras — que ocorrem na estrutura real do organismo em processo de
envelhecimento como resultado desses processos. Ficamos com um conjunto de
apenas sete classes de danos para se lidar — classes para as quais as soluções
podem ser antevistas, e cujo reparo é improvável que cause por si só quaisquer
efeitos colaterais negativos. Tudo aquilo que queremos remover são danos
inicialmente inertes, mas que depois de um certo ponto tornam-se patogênicos
(causadores de patologias) — ou seja, aspectos do corpo envelhecido sem os
quais o organismo jovem funciona bem.
Entretanto, há um buraco aparentemente colossal nesta lógica, que é a questão
dos danos ao código de DNA localizado no núcleo da célula (diferentemente do
DNA que fica nas mitocôndrias, do qual tratei lá atrás, nos Capítulos 5 e 6).
Enquanto que o DNA mitocondrial é responsável somente pela produção das
fábricas de energia nas quais fica alojado, o DNA nuclear é o livro de instruções
mestre a partir do qual nossa estrutura biológica completa é construída e mantida
ao longo do tempo. As proteínas1 que ele codifica não só formam elementos
estruturais essenciais do nosso corpo — desde o cristalino dos olhos até os
músculos de bombeamento do coração e os quilômetros e quilômetros de artérias
que levam o sangue até nossas células — mas também incluem máquinas
enzimáticas minúsculas que realizam inúmeras tarefas, desde destoxificar
toxinas até construir membranas lipídicas e carregar sinais químicos de uma
célula a outra. Ao danificar-se o DNA, corrompe-se o código de nosso programa
genético, ou deixa-se ilegíveis instruções genéticas perfeitamente preparadas
para o maquinário que as transcreve nas ordens que são enviadas para as
"fábricas" de proteínas do corpo.
E seus genes de fato sofrem danos que se acumulam com o tempo. O DNA no
núcleo está sujeito a ataques contínuos a sua estrutura. O DNA nuclear de cada
célula recebe cerca de um milhão de "golpes" nocivos todos os dias, causados
por inúmeros fatores, desde radiação ultravioleta e toxinas do ambiente até os
radicais livres que são subproduto dos processos metabólicos celulares. E
mesmo o DNA novo em folha não é necessariamente imaculado: quando a célula
se replica, os erros perpetrados pelo maquinário que copia a informação genética
da célula frequentemente provocam defeitos de produção com diversos graus de
severidade.
Muitos desses danos são rapidamente consertados pelo elaborado sistema de
controle de qualidade da célula para o DNA, mas alguns deles são irreparáveis
por sua própria natureza. Alguns outros danos são potencialmente reparáveis,
mas se tornam irreparáveis se a célula se dividir antes do reparo ser feito. Essas
mudanças permanentes são mutações, e embora mutações ocorridas em outros
lugares que não o esperma e o óvulo (e seus progenitores) não sejam passadas
adiante para os descendentes do organismo, elas serão perpetuadas na célula na
qual ocorrerem e em quaisquer "descendentes" dela.
Além dos danos ao DNA nuclear em si, há também os danos às chamadas
estruturas epigenéticas de nossos cromossomos — a "armação" que está
ancorada ao DNA. As estruturas epigenéticas contribuem com informações
importantes ao determinarem quais genes estarão ativos em uma célula e quais
estarão inativos, permitindo que o mesmo DNA geral seja usado para criar
células tão diferentes quanto células do fígado, do coração e dos rins. Por causa
disso, modicações na armação epigenética do DNA de uma célula acabam tendo
a mesma gama de efeitos funcionais na célula que as modicações nos próprios
genes: ao ativar genes que deveriam estar desativados (ou vice-versa), ou
aumentar ou diminuir a intensidade de sua atividade, essas "epimutações"
mudam o conjunto de proteínas produzido pela célula. Como são
operacionalmente equivalentes em termos de seu impacto no funcionamento
celular, vou me permitir um pouco de desleixo terminológico para evitar
elaborar as ideias com um palavreado desnecessariamente complexo. A partir de
agora, usarei "mutações" em geral para me referir a esses dois tipos de danos
genéticos — mutações verdadeiras e epimutações.
Como ocorrem de forma ocasional e aleatória, e são permanentes, as mutações
se acumulam com a idade — e, portanto, podem ser qualificadas como "danos
do envelhecimento" pela definição aceita pela engenharia antienvelhecimento. A
implicação, então, é que teremos que consertá-las ou torná-las inofensivas se
quisermos impedir que o corpo entre em um declínio progressivo em direção à
patologia com o passar do tempo.
O desafio de 2015
Esta análise mostra que não precisamos conseguir lidar com todas as mutações a
fim de desenvolver um conjunto de intervenções amplo o suficiente para resultar
nos primeiros grandes prolongamentos do tempo de vida humano. Minha
compreensão deste fato foi crucial no desenvolvimento inicial da plataforma
SENS lá pelo ano 2000, porque mostrou-me que o escopo efetivo do problema
das mutações nucleares era em um certo sentido muito menor do que eu temia a
princípio. Ficara claro para mim que, em sua maior parte, o acúmulo de
mutações nucleares relacionado ao envelhecimento é basicamente inofensivo
durante o curso de um tempo de vida atualmente normal: a velocidade de seu
acúmulo é absolutamente insuficiente para contribuir significativamente para o
declínio relacionado ao envelhecimento. Porém, precisamos de fato
enfaticamente confrontar a enorme exceção a esta regra: o câncer. Em princípio,
podemos simplesmente ignorar as mutações nucleares se, e somente se,
conseguirmos encontrar uma forma verdadeiramente efetiva de nos proteger
contra esta doença fatal.
Essa questão é de altíssima importância. O câncer é um ponto essencial para a
criação de um organismo que não envelheça. Podemos quebrar os grilhões
celulares dos AGEs, libertar nosso cérebro e nosso coração das teias de amiloide,
limpar os interiores sujos de nossos lisossomos, e ser bem-sucedidos em todo o
resto — mas se não conseguirmos fazer um grande avanço contra esta doença
específica, ainda teremos a perspectiva de morrer na metade de nossa nona
década de vida.
Se estiverem dando atenção aos relatos da imprensa popular quanto ao progresso
da Guerra contra o Câncer, podem estar se sentindo agora muito menos inquietos
do que deveriam. A mídia, e também os cientistas e burocratas sobre os quais ela
noticia, adoram anunciar em alto e bom som cada avanço (na verdade, cada
indício de um avanço) no tratamento do câncer. Há tantas notícias sobre
possíveis novos tratamentos para o câncer que poderia-se muito bem pensar que
já estamos bastante perto do dia em que finalmente teremos dominado o câncer.
Isso ocorre especialmente levando-se em conta as terapias de câncer
direcionadas sobre as quais falei no Capítulo 10 — terapias que geralmente são,
ou pode-se prever que serão, muito mais seguras e efetivas que os bisturis, as
toxinas e a radiação que têm sido a base do tratamento do câncer há décadas.
E vocês não seriam os únicos a pensar assim, não estando nem sequer
discordando da corrente científica dominante. Em 2003, ninguém menos do que
o Dr. Andrew von Eschenbach, diretor do Instituto Nacional do Câncer (NCI)
dos EUA, notoriamente apresentou um objetivo ambicioso, mas (segundo ele)
realista, para sua organização: eliminar o sofrimento e a morte por câncer até o
ano de 2015. O Dr. von Eschenbach não estava simplesmente colocando seus
sonhos caprichosamente em palavras: ele estava apresentando sua avaliação
sóbria do que a comunidade científica mundial, encabeçada pelo NCI, poderia
alcançar em pouco mais de uma década. Isso tornou-se o objetivo principal do
Instituto: "O Desafio da Meta de 2015". Este cronograma está agora tão
incorporado na organização que é simplesmente chamado de "2015", sem
explicações adicionais necessárias — da mesma forma que um dia falamos sobre
o "bug do milênio".
Acredito que esta meta é totalmente não realista — e que somente surgiu pela
falta de reconhecimento das falhas em seus pressupostos. Em primeiro lugar, e
muito explicitamente, "não significa 'curar' o câncer mas, em vez disso, eliminar
muitos cânceres e controlar os outros, de forma que as pessoas possam viver
com — e não morrer de — câncer".24 Se viável, este seria um objetivo médico
perfeitamente legítimo, pois ter o câncer sob o mesmo nível de controle que
temos hoje em dia sobre a diabetes tardia ou a AIDS (com as doenças ainda
existindo mas sendo tão bem controladas que os pacientes podem ter vidas quase
normais) representaria uma enorme redução de morte e sofrimento humanos
causados por uma doença terrível.
Porém, o câncer é fundamentalmente diferente dessas doenças de uma forma que
inviabiliza seu "controle" crônico. A diabetes e a hipertensão podem ser
mantidas em níveis seguros e controláveis justamente porque são doenças
essencialmente estáveis. Diferentemente, o que faz do câncer um inimigo tão
temível é que é uma doença que está constantemente em evolução, uma colmeia
de inventividade genética que continuamente encontra novas e melhores
maneiras de superar inteligentemente nossas tentativas de controlá-la. Relegar o
câncer ao nível de uma doença crônica é uma ideia que só poderia ser em algum
momento considerada se fossem completamente ignorados os princípios básicos
da seleção natural.
As células cancerosas são caracterizadas por uma imensa instabilidade genética,
o que resulta em grande parte do fato de quase todas se originarem de mutações
em um ou mais dos "guardiões do genoma" — os genes que verificam a
existência de mutações e regulam o reparo dos danos no DNA ou a ativação das
programações de senescência e apoptose. Sem esta vigilância e manutenção
constantes, permite-se que os danos aleatórios que as células sofrem todos os
dias tornem-se mutações completas, e o processo se realimenta à medida que
mais genes regulatórios são perdidos.
Muitas dessas mutações são fatais para a célula cancerosa, mas algumas delas
resultam em proles viáveis que são somente diferentes de suas genitoras e meias-
irmãs. E é aí que a seleção natural entra em ação. As células cancerosas, por
definição, reproduzem-se em uma velocidade extraordinária. Elas jogam seus
filhos bastardos no mundo e deixam a sobrevivência dos mais aptos reinar. O
sistema imunológico ou os oncologistas logo tentam usar sua melhor arma
contra o tumor, explorando os pontos fracos no metabolismo das células
cancerosas: por exemplo, sua dependência de determinados fatores de
crescimento, sua necessidade do gene da telomerase estar reativado ou sua
"fome" por ácido fólico. Entretanto, dentro de um único tumor existe uma
população de células tão incrivelmente variada, cada uma com sua própria
combinação de genes normais e anormais, que pelo menos algumas dessas
células quase sempre arranjam um jeito de sobreviver a qualquer ataque
específico: uma maior capacidade de destoxificar uma toxina específica, ou uma
forma alternativa de manter seu crescimento abastecido quando algum caminho
específico de transdução de sinal é desativado.
O resultado é que acaba não importando se uma determinada terapia mata 99%
das células de um tumor. Em algum lugar dentro de seu cerne esconde-se a
sombria genitora de uma "linhagem" do câncer com uma nova mutação que lhe
permite sobreviver à droga que destruiu suas primas. O crescimento furioso
desta célula fundadora continua mesmo quando dizimamos suas primas, ou
recomeça quando o paciente não pode mais suportar o estresse do tratamento.
Suas descendentes permanecem de pé após a agressão e, portanto, são
selecionadas para sobreviver pela própria força que matou suas primas.
Quando o tumor decorrente torna-se grande o suficiente para que o detectemos,
atacamos o que parece ser o mesmo câncer no mesmo paciente usando o mesmo
tratamento, mas desta vez os antigos truques não funcionam. Há realmente muita
verdade quando se diz que não se pode ludibriar a evolução.
Enquanto eu estava sentado refletindo sobre tudo isso logo após meu momento
"eureca!" original das SENS na virada do milênio, uma formulação sombria do
problema cristalizou-se na minha mente. Não é meu objetivo — pensei
— ganhar tempo para o câncer.
A pele
Por causa da pressão para se fornecer enxertos de pele para pacientes com
queimaduras, crianças desfiguradas e cirurgias plásticas, fizemos um progresso
impressionantemente rápido em dominar a arte de se fazer pele nova a partir de
células-tronco. Em ratos, podemos atualmente remover sua pele inclusive até a
derme (a camada de tecido embaixo do que normalmente consideramos "pele",
que contém folículos pilosos, glândulas de suor e de secreção de óleo na pele e
vasos sanguíneos) e reconstituir completamente a pele velha que removemos. As
células da derme não se dividem regularmente, de forma que não precisamos nos
preocupar com a possibilidade de seus telômeros se esgotarem.
Impressionantemente, a epiderme (a camada que fica acima da derme, que é
onde precisaremos repor células-tronco) pode ser reabastecida usando-se células-
tronco derivadas até mesmo de locais tão distintos quanto a córnea dos olhos, e a
derme conduz sua rápida transformação em células-tronco de folículos pilosos
que depois se expandem para fora, renovando o tecido.
Novamente com base na frequência com a qual as células-tronco de pele
dividem-se na situação atual, uma rodada de reabastecimento de células-tronco
de pele deve durar por cerca de dez anos. Como a pele é de muito fácil acesso,
essa deve ser uma das rotinas de reposição de células-tronco da WILT mais
fáceis e menos invasivas.
Pulmões
A camada mais interna do pulmão, assim como a pele e o intestino, é
continuamente desgastada e assim necessita ser permanentemente renovada.
Previsivelmente, complicações pulmonares são uma das principais causas de
morte em pacientes com DC. Como o pulmão é, em vários aspectos importantes,
similar à pele, e é relativamente fácil de se acessar, não há motivos para se
pensar que não faremos um progresso rápido e relativamente tranquilo nesta
frente uma vez que decidamos nos dedicar a ela. Na verdade, alguns cientistas já
estão fazendo isso, em geral na esperança de tratar pacientes com fibrose cística.
E o que é ainda melhor: as últimas estimativas indicam que as células-tronco do
pulmão dividem-se com uma frequência consideravelmente menor até que
aquelas localizadas na pele.
O trabalho até o momento tem avançado usando abordagens similares às usadas
para a pele, embora células-tronco ainda não tenham sido usadas. Ainda assim,
tem-se feito progresso. Em dois modelos diferentes de ratos imunodeficientes,
cientistas retiraram a "pele" (epitélio) do pulmão, "raspando-o" até se alcançar a
membrana basal, e então substituíram o tecido perdido usando células
reestruturadas tiradas da camada mais interna do pulmão humano. O próximo
passo será fazer isso com células-tronco.
Intestino
No presente momento, ainda precisam ser superados desafios significativos
quanto à reposição de células-tronco no trato gastrointestinal dos humanos.
Vários anos atrás, o Dr. F. Charles Campbell, agora professor de cirurgia na
Faculdade de Medicina da Queen's University de Belfast (Reino Unido), realizou
o primeiro avanço significativo. Sua equipe extraiu células-tronco do tecido
intestinal de ratos, retirou as células de pequenos trechos do intestino grosso, e
então repopulou o tecido com células-tronco, que se diferenciaram em todos os
tipos adequados de células e constituíram um tecido novo completamente
funcional. Entretanto, o progresso não tem sido rápido desde então. No
congresso da WILT, Campbell explicou que em estudos que nunca publicou, sua
equipe tentou a mesma abordagem com porcos, mas o resultado foi uma massa
de tecido cicatricial disfuncional. Desde então, porém, um outro grupo fez
progressos consideráveis trabalhando com cachorros,36 e o mesmo grupo
avançou ainda mais a tecnologia em ratos e camundongos.
Muito trabalho ainda deve ser feito quanto a este assunto: especificamente, a
abertura de seções do intestino para remover as células existentes seria algo
invasivo demais para o uso humano da WILT. A colonoscopia, similarmente ao
que se usa atualmente para remover pólipos do intestino grosso potencialmente
cancerosos, pode nos fornecer uma solução mais tolerável e deve estar muito
mais avançada em algumas décadas, quando realmente precisaremos dela.
Uma questão adicional é com que frequência teremos que repor células-tronco
do intestino. As estimativas realizadas até o momento sugerem que o
procedimento teria que ser realizado muito mais frequentemente do que com o
prazo de cerca de dez anos necessário em outros tecidos — mais próximo a
algumas vezes por ano. Felizmente, porém, há uma forma fácil de ver que esses
números devem estar errados. Se as células-tronco do intestino se dividissem tão
mais rapidamente do que aquelas de outros tecidos, os pacientes com DC e ratos
sem telomerase sofreriam de falência intestinal em idades menos avançadas do
que aquelas em que sofrem falência da medula óssea ou da pele — mas
geralmente isso não ocorre. Em vez disso, todos esses tecidos entram em
falência mais ou menos na mesma idade em qualquer paciente específico; na
verdade, o sangue é mais frequentemente o primeiro a parar de funcionar em
humanos, o que é a razão dos transplantes de medula óssea serem
temporariamente úteis. Mas mesmo assim, a reposição de células-tronco no
intestino provavelmente será um procedimento mais invasivo do que nos ossos.
de uma linhagem cujo tempo de vida médio natural seja de pelo menos três
anos,
receberem tratamentos que comecem somente quando já tiverem pelo
menos dois anos,
e vivam até uma idade média de cinco anos, sendo saudáveis durante todo o
tempo extra.
Pensei sobre esta definição com bastante cuidado antes de divulgá-la, e ela
parece estar resistindo ao teste do tempo: ninguém apontou nenhuma maneira
pela qual esses resultados poderiam ser alcançados de formas "desinteressantes",
ou seja, de formas que não convenceriam os cientistas versados de que um
avanço gigantesco, que provavelmente seria relevante para humanos, teria sido
realizado. O requisito de usar pelo menos 20 camundongos existe para
garantirmos que a idade não seja uma variação aleatória ou um erro de registro
de dados. O requisito de usar Mus musculus existe porque outras espécies de
camundongos já têm um tempo de vida maior do que a Mus musculus mas são
menos bem caracterizadas pelos cientistas. O requisito de usar-se uma linhagem
desta espécie que viva naturalmente até os três anos, que é uma duração de vida
incomumente longa para esta espécie, existe para evitar qualquer possibilidade
de que os camundongos tenham algum problema congênito específico, algo que
em geral os mate bastante jovens, e que o tratamento meramente aplaque este
defeito em vez de afetar amplamente o envelhecimento. E, evidentemente, o
requisito de que o tratamento comece somente quando os camundongos já
tiverem chegado a dois terços de seu tempo de vida normal existe para garantir
que haja potencial relevância para pessoas que já estejam vivas, leiam os jornais,
paguem impostos e votem.
A razão para eu chamar o período que começa com a conquista deste marco de
"guerra contra o envelhecimento" vem da reação inicial essencialmente imediata
que suponho que a sociedade terá em relação a esta conquista. Para descrever
esta reação, devo primeiro descrever um efeito colateral do transe pró-
envelhecimento que ocasiona a atual relutância da sociedade em levar a sério o
envelhecimento. Tenho um nome para isso também: é o impasse triangular.
Vejam a Figura 1.
Figura 1. O impasse triangular que impede o financiamento — e como
a filantropia pode resolvê-lo.
A biologia experimental, assim como qualquer outra área da ciência, custa
dinheiro — e realmente bastante dinheiro. A maior parte da biologia não é nem
de perto tão cara quanto a física de altas energias ou a astronomia, mas é o
suficientemente cara para que professores tenham que passar muito tempo
levantando fundos. A esmagadora maioria dos recursos financeiros que
sustentam a biologia experimental vem dos fundos públicos.
A biogerontologia é bastante típica em relação ao que se descreve acima, mas é
extremamente incomum em um aspecto: o público é absolutamente fascinado
por ela, de forma que os biogerontologistas aparecem na televisão o tempo todo.
É isso mesmo: o tempo todo. Esta diferença entre a biogerontologia e outras
áreas biológicas — mesmo áreas da medicina muito importantes — não está
sendo exagerada aqui: até biogerontologistas bem pouco experientes atraem
mais atenção da mídia do que cientistas que são líderes mundiais de outras áreas.
E evidentemente, quando têm a oportunidade, os biogerontologistas estão tão
dispostos quanto qualquer outro cientista a falar sobre sua própria pesquisa —
que, necessariamente, é a pesquisa para a qual conseguiram obter financiamento.
Imaginem, por um momento, o que mais um biogerontologista poderia escolher
falar na mídia. Em especial, imaginem a possibilidade dele falar sobre
abordagens científicas que o público considere distintamente suspeitas: derrotar
o envelhecimento, por exemplo. Quais são os atrativos de se discutir estes
tópicos? Bom, o nome do cientista pode ficar bastante conhecido do público
geral, e ele pode receber mais exposição midiática. Mas esperem um momento:
para que serve a exposição midiática? Os cientistas estão intensamente
preocupados, como acabei de mencionar, em realizar o infeliz trabalho de
manter um fluxo de financiamento para seus laboratórios. Como, exatamente,
uma grande exposição midiática os ajudaria a alcançar isso — ou, de forma
inversa, dificultaria sua tarefa?
Para explicar a resposta a este questionamento, preciso garantir que vocês
estejam cientes de uma característica chave da forma pela qual o financiamento
público para a ciência é alocado. Quando os cientistas querem fazer uma série
específica de experimentos, eles escrevem uma descrição detalhada do que
querem fazer — informando também quanto tempo pensam que irá demorar o
procedimento e quanto ele irá custar — e a enviam à agência governamental
apropriada. Porém, a agência do governo não decide simplesmente sozinha se o
cientista receberá o dinheiro. Apesar dessas agências empregarem ex-cientistas
muito experientes para administrarem os fundos de financiamento, esses ex-
cientistas estão muito longe de ter um conhecimento de amplitude suficiente
para conseguir diferenciar uma ideia boa de uma ideia ruim em toda a gama de
disciplinas científicas pelas quais são responsáveis. Assim, eles procuram
aconselhamento especializado de outros cientistas. Isso é chamado de "avaliação
por colegas" e é um componente absolutamente universal do processo de
avaliação de solicitações de financiamento governamental para se fazer ciência.
Ser selecionado para avaliar as ideias de seus colegas para experimentos é uma
responsabilidade e um privilégio imensos. Não é algo que cientistas em início de
carreira têm a chance de fazer com muita frequência; geralmente os cientistas
mais experientes são os que mais o fazem.
Já conseguem ver o problema?
Fazer ciência envolve testar e refinar hipóteses e teorias. Em princípio, a
qualidade mais importante em um cientista deveria ser sua capacidade de aceitar,
com uma mente aberta, evidências que desafiem as teorias nas quais tenha
acreditado por muitos anos. Mas cientistas são seres humanos, e além disso
sabem que os cientistas que apresentam novas evidências também são seres
humanos. Em especial, sabem que quando se publica um resultado que contradiz
o pensamento convencional estabelecido, frequentemente descobre-se
posteriormente que as novas evidências foram o resultado de um erro
experimental. Assim, geralmente é muito difícil fazer com que cientistas
veteranos mudem de ideia, mesmo a evidência sendo muito forte. É muito
conhecido o comentário feito nos anos 1920 pelo lendário físico Max Planck de
que "a ciência avança de funeral em funeral", e isso está bem perto de não ser
um exagero: pode muito bem levar mais do que uma década para que mudanças
realmente fundamentais na compreensão de aspectos da ciência sejam aceitas de
forma generalizada. Um exemplo notório na biologia é o mecanismo de ação das
mitocôndrias, componentes celulares que analisamos bastante neste livro.1 E
inevitavelmente, esta resistência a ideias novas pesa bastante em como cientistas
veteranos avaliam solicitações de financiamento.
Nenhum grande problema até aqui. Afinal de contas, uma resistência moderada a
ideias novas que podem ainda não ser compreendidas completamente é uma
coisa boa em alguns aspectos — também não iríamos querer que o consenso
científico mudasse de uma ideia nova para outra muito facilmente, porque (como
acabei de mencionar) ideias novas frequentemente estão erradas. Porém, a
inércia existente no pensamento científico é geralmente maior do que este
possível ponto de equilíbrio. E infelizmente, não é somente uma inércia de
ideias; é uma inércia de reputações. Os cientistas veteranos escolhidos pelo
governo para avaliar as solicitações de financiamento de seus colegas são,
essencialmente por definição, membros do sistema em vigor. Se eles receberem
duas solicitações de igual mérito científico, mas tiverem recursos para
financiar somente uma delas, e uma for de um cientista que tem um histórico de
ideias radicais sobre o que a ciência pode em breve alcançar, enquanto a outra
for de um cientista que nunca disse nada escandaloso em sua vida, podem
apostar que é este último que receberá o dinheiro.
E isso não é tudo. Os revisores de solicitações de financiamento recebem,
evidentemente, instruções indicando-lhes quais aspectos do mérito ou demérito
científico das solicitações devem ser considerados particularmente importantes.
Um aspecto que é invariavelmente bastante relevante nesta lista, se não for o
mais importante dela, é a exequibilidade: a aparente probabilidade de que o
cientista completará o programa experimental proposto dentro do prazo e do
orçamento pedidos e obterá resultados que merecerão ser publicados em um
periódico científico de boa reputação. Isso parece ser bastante coerente, não?
Porém, na verdade, esta política é um enorme problema para a ciência, porque
(na prática) não é ponderada a importância científica. Ou seja: uma proposta
para um estudo que quase certamente nos esclarecerá algo, independentemente
de seu resultado final, se sairá bem melhor em uma avaliação por colegas do que
um estudo que pode muito bem não nos esclarecer nada, mesmo se o que este
segundo estudo puder nos esclarecer for muito mais importante do que o
que qualquer resultado do primeiro estudo nos esclareceria. Esta parcialidade
que favorece as pesquisas de baixos riscos e poucos ganhos à custa das pesquisas
de altos riscos e grandes ganhos permeia toda a ciência e é extremamente forte
na biogerontologia.
Gastei bastante tempo neste capítulo descrevendo o teimoso comportamento
"mente fechada" dos cientistas veteranos, mas espero que tenham notado que nos
últimos parágrafos expliquei que isso não é inteiramente culpa deles: na verdade,
a culpa é daqueles que lhes pagam, as agências de financiamento, ou seja, o
governo. Revisores de financiamento científico também recebem esse tipo de
financiamento de modo geral (embora, evidentemente, não avaliem suas próprias
solicitações). Assim, se a agência de financiamento deixar claro —
explicitamente através de diretrizes escritas ou implicitamente através de suas
ações e observações extraoficiais — que preferiria financiar pessoas medianas
para fazer trabalhos confiáveis do que financiar encrenqueiros para fazer
trabalhos controversos, os revisores dificilmente vão discordar. Seria muito bom
se mais destes cientistas resistissem a este tipo de instrução, mas realisticamente
isso é querer demais.
Mas na verdade... a culpa também não é do governo. O real culpado são vocês, o
público.
Isso não deveria ser uma surpresa para vocês. Não é segredo nenhum que os
governos em todas as democracias agem em última instância para alcançar algo
que está acima de todas as outras coisas: sua própria reeleição. Esta não ficará
mais próxima se o governo gastar, e for visto gastando, consideráveis quantias
do dinheiro dos contribuintes naquilo que o público considera serem sonhos
impossíveis: pesquisas que provavelmente não levarão a nada. Se o público fosse
cientificamente maduro o suficiente para entender que, a longo prazo, a
velocidade do progresso científico fica reduzida por esta abordagem cuidadosa
demais, seus representantes eleitos poderiam agir segundo essa compreensão e
instruir os revisores de financiamento científico para agirem de acordo. Porém, o
público não entende adequadamente como a ciência funciona, de forma que isto
não ocorre (um problema no mesmo sentido, mas ainda pior, existe na medicina;
falarei mais sobre este tópico mais à frente neste capítulo). Isso se dá
basicamente porque formar uma opinião sobre quão provável é a veracidade de
uma hipótese, ou qual é a probabilidade de um resultado experimental levar a um
aprofundamento do conhecimento, é na verdade um dos aspectos de se fazer
ciência mais sofisticados e difíceis de se ensinar.
Entretanto, na biogerontologia há uma potencial maneira de se escapar disso, o
que me traz de volta, completando o círculo (ou triângulo!), para aquilo que
distingue a biogerontologia de todos os outros campos da ciência em termos de
sua interação com o público: simplesmente a extensão desta interação. Embora
não seja factível esperar que o público seja transformado em um conjunto de
cientistas suficientemente sofisticados para entender os méritos de experimentos
muito ambiciosos, há grandes chances de simplesmente dizer-lhe que vale a pena
explorar determinadas abordagens experimentais. Provavelmente não haja
chances suficientes de se fazer isso na maioria dos campos da ciência, mas no
caso da biogerontologia isso é abundantemente possível. Sendo assim, por que
os biogerontologistas não fazem exatamente isso quando estão diante de uma
câmera? Eu já lhes disse o porquê: eles não querem ganhar a reputação, entre
seus colegas, de serem irresponsáveis, porque isso afetaria negativamente as
chances de seus trabalhos, mesmo os pouco ambiciosos, serem financiados.
Então aí está o impasse triangular. Os biogerontologistas são cautelosos quando
se comunicam com o público para proteger seu financiamento, fornecido pelo
governo, que é cuidadoso em relação ao que e quem financia para proteger seus
votos, provistos pelo público, que é fatalista quanto ao que nem vale a pena se
tentar alcançar porque vê os biogerontologistas dizendo somente coisas
cautelosas na TV.
Para derrotarmos o envelhecimento em um futuro minimamente próximo,
acredito que um primeiro passo essencial deve ser acabar com este impasse.
Como isto pode ser feito?
Desde que entrei na biogerontologia, venho desgastando principalmente um dos
"cantos" do triângulo: o "canto" referente aos meus colegas biogerontologistas,
especialmente os veteranos. Os cientistas estão muito atentos à política, como
descrevi anteriormente, mas também são pessoas honestas e sinceras. Além
disso — e isso é um ponto fundamental — quase nenhum biogerontologista
sofre do transe pró-envelhecimento. Eles sabem muito bem quão horrível o
envelhecimento é, e com muito poucas exceções querem que ele seja eliminado
tanto quanto eu. Outro ponto importante é que não há muitos deles, de forma que
o contato pessoal é fácil: conheço basicamente todo mundo do campo
pessoalmente já há alguns anos. E por fim, eles são todos o suficientemente
inteligentes para terem conseguido chegar a ser doutores. Levando isso tudo em
conta, se eu tiver bons argumentos para defender a ideia de que podemos estar
muito mais perto de consertar o problema do envelhecimento do que as pessoas
até o momento perceberam que estamos, eu não deveria ser capaz de convencê-
los — e até mesmo convencê-los a dizer isso publicamente?
Bom, não exatamente — mas quase. Como em todos os aspectos da vida, o que
as pessoas dizem é importante, mas o que não dizem também é importante.
Meus colegas aos quais apresentei detalhadamente o conjunto de terapias SENS
geralmente concluíram que não é uma fantasia, embora certamente seja algo
bastante ambicioso — mas isso não se traduziu em pedidos públicos explícitos
para as SENS serem financiadas. O que ocorreu, entretanto, foi uma variedade
de demonstrações de apoio tácito. Começou com a coautoria de cinco colegas
veteranos no primeiro artigo sobre as SENS, que surgiu de um workshop no ano
2000 (vejam o Capítulo 4); continuou com a recusa de diversos colegas
eminentes de serem coautores de uma denúncia das SENS publicada no
respeitado periódico EMBO Reports e orquestrada por alguns dos membros da
comunidade com a mente menos aberta;2 e mais recentemente incluiu o fato
impressionante de que algumas pessoas que assinaram aquela denúncia tomaram
a iniciativa de se divorciar dela ao publicar respostas construtivas ao plano das
SENS,3,4 algo que a crítica da EMBO Reports especificamente aconselhava não
fazer. Embora isso possa parecer algo bastante morno visto de fora, posso
garantir que é uma reviravolta do tipo mais completo possível na ciência.
Entretanto, isso obviamente não é suficiente. Porém, é tudo o que provavelmente
vou conseguir por enquanto com meus colegas veteranos na biogerontologia, ou
seja, até eu conseguir financiamento suficiente para impulsionar a pesquisa das
SENS substancialmente apesar de sua natureza radical. Assim, nesse meio-
tempo (que com sorte será curto!), devo lidar também com os outros cantos do
triângulo.
É até possível que o governo possa ser influenciado diretamente. Existem
visionários no governo, e só ocasionalmente eles encontram uma forma de
transformar seus projetos em realidade. Porém, para se ter qualquer chance real
no Capitólio* ou em seus equivalentes em outros países, é preciso realmente
conhecer bem a mente dos principais atores — e isso é algo que não se aprende
do dia para a noite. Assim, tenho deixado esta estratégia para outros — e fico
muito feliz em dizer que a ideia parece pouco a pouco estar sendo captada, mais
notavelmente através da esplêndida iniciativa "Dividendo da Longevidade", um
novo esforço encabeçado pelo lobista de longa data Dan Perry da Aliança para a
Pesquisa do Envelhecimento em colaboração com três gerontologistas.5 O
quanto de chances de sucesso eles têm é algo ainda a se verificar, mas
enfaticamente desejo-lhes sorte.
Entretanto, ao ficar mais conhecido, tornei-me capaz de começar a abordar o
terceiro canto do impasse: o público. Vocês podem se lembrar de que comecei
este livro com uma reclamação um pouco irritada em relação a que se não fosse
pelo transe pró-envelhecimento, eu conseguiria ir adiante com a ciência e a
tecnologia concretas para derrotar o envelhecimento. Bem, isso é certamente
verdade — mas assim que tive a oportunidade, passei a dedicar tanta energia aos
meus esforços de ativismo e divulgação quanto já estava dedicando à ciência.
Além do mais, tenho consciência de que o público é uma fonte de financiamento
em si mesmo, assim como uma fonte de pressão nos governos para que alterem
suas prioridades de financiamento.
O transe pró-envelhecimento domina a natureza da minha interação com a mídia,
e através dela, com o público. A imensa maioria do meu tempo em entrevistas é
ocupado por discussões quanto à desejabilidade da vitória sobre o
envelhecimento, em vez de sua exequibilidade. Mas a boa notícia, que é uma
situação com a qual felizmente entro em contato frequentemente, é que
geralmente é suficiente só uma leve sondagem para se revelar que a base real da
preocupação do meu interlocutor é sua relutância em aceitar a exequibilidade. É
isso o que me convence tão completamente de que alcançar o rejuvenescimento
robusto de camundongos fará com que o transe pró-envelhecimento seja coisa do
passado em um piscar de olhos.
Acredito que nenhuma dessas diferenças tem chances reais de fazer com que a
sociedade se comporte de forma minimamente diferente no cenário após a
implementação do RRC em comparação com o cenário do HIV universal. A
inexistência das terapias não é fundamentalmente diferente da inexistência de
fármacos antirretrovirais suficientes, o que certamente seria a situação inicial no
cenário que descrevi: trabalharemos para desenvolver essas terapias o mais
rápido possível, assim como trabalharíamos para aumentar a produção de
antirretrovirais o mais rápido possível. A ideia de que a ordem dos eventos
poderia acabar tendo importância parece igualmente inverossímil; se todo
mundo tiver um problema de saúde mortal e tivermos a chance de fazer com que
ele não seja mais mortal, certamente nos empenharemos em alcançar este
objetivo.
Hipócrates e Gelsinger
Para terminar este capítulo, quero abordar um último aspecto da guerra contra o
envelhecimento — um que completa minha argumentação quanto a que ela pode
muito bem durar somente de 15 a 20 anos.
Em 1999, um adolescente chamado Jesse Gelsinger morreu de choque
anafilático em um teste clínico de um procedimento de terapia genética em um
hospital na Filadélfia (EUA).7 Este foi o primeiro incidente do tipo, e acabou
causando um "choque anafilático" no próprio mundo da terapia genética. O
resultado foi que basicamente todos os testes clínicos de terapia genética em
todo o mundo foram suspensos por cerca de um ano. Não sabemos em quanto
tempo de atraso isso vai no fim das contas se traduzir em termos do
desenvolvimento de terapias genéticas seguras e efetivas, mas as chances são
bastante altas de que será em pelo menos algumas semanas, e dada a enorme
amplitude de aplicabilidade da terapia genética, isso pode significar milhares de
vidas perdidas — talvez até centenas de milhares se isso atrasar a derrota do
envelhecimento. Tendo isso em mente, pode-se dizer que a suspensão de testes
por tanto tempo foi uma resposta proporcional?
A FDA dos EUA responderia afirmativamente, assim como os organismos
equivalentes em todo o mundo. A regulação de fármacos e terapias
experimentais, tanto em relação a quais resultados são necessários quanto a
como eles são obtidos, está baseada em um princípio fixo que fica acima de
todos os outros: minimizar o risco da terapia fazer com que o paciente piore.
Especificamente, minimizar os riscos explicitamente conta mais, muito mais,
que maximizar os benefícios. Desta forma, a FDA está seguindo um princípio
que existe desde os primeiros dias da medicina: o famoso édito de Hipócrates,
primum non nocere, ou "primeiramente, não prejudicar" (notem que esta frase
não faz parte do Juramento de Hipócrates, o conjunto de princípios que os
profissionais médicos juram seguir como parte de seu processo de qualificação).
Sou da opinião, bastante simples, de que Hipócrates já deveria ficar no passado.
Evitar prejudicar pacientes era uma estratégia racional a ser adotada durante os
primeiros dias da medicina, quando as pessoas muito frequentemente se
recuperavam espontaneamente do que seus médicos pensavam ser doenças fatais
simplesmente porque não tinham ferramentas de diagnóstico adequadas. Nesse
tipo de situação, o efeito psicológico de poder prejudicar, seja no médico, seja
nos entes queridos do paciente, legitimamente afeta a análise objetiva de custo-
benefício de um determinado tratamento. No mundo moderno, entretanto,
recuperações desse tipo são relativamente muito raras. Portanto, acredito que a
proporção de (pelo menos) dez para um de vidas perdidas pela lenta aprovação
de fármacos seguros em relação a vidas perdidas pela aprovação precipitada de
fármacos inseguros8 não é mais aceitável.
Além disso, acredito que na turbulência da guerra contra o envelhecimento, o
público geral também chegará à conclusão de que esta proporção é inaceitável.
Isso levará, em questão de meses após o RRC ser alcançado, a uma revisão
completa das leis e regulamentos que governam os testes clínicos e a aprovação
de fármacos e terapias. Um palpite razoável é que os fármacos serão aprovados
para uso universal (com receita) após um nível de teste que seja semelhante à
atual fase 2. Pessoas morrerão como resultado; a razão 10:1 mencionada
anteriormente provavelmente se reduzirá para 2:1. E as pessoas ficarão
satisfeitas com esta mudança, porque saberão que estaremos em tempos de
guerra, e a maior prioridade — que até justifica a perda considerável de vidas no
curto prazo — é acabar com o massacre o mais rápido humanamente possível.
Evidentemente, reconheço que sem essa mudança de prioridades minha previsão
de que a guerra contra o envelhecimento pode muito bem durar somente 15 anos
seria completamente absurda. Mas com esta mudança, somente a velocidade da
pesquisa será um fator limitante.
14
Tenho uma confissão a fazer. Do Capítulo 5 até o Capítulo 12, onde expliquei
os detalhes das SENS, omiti um fato bastante importante — um fato que os
biólogos entre meus leitores muito provavelmente terão detectado. Vou abordar
essa questão neste capítulo, aprofundando uma linha de raciocínio que introduzi
em um contexto aparentemente muito específico no final do Capítulo 9.
É o seguinte: as terapias a serem desenvolvidas em cerca de uma década em
ratos, e aquelas que podem vir a surgir somente uma ou duas décadas depois
para humanos, não serão perfeitas. Permanecendo as outras coisas da mesma
forma, haverá um acúmulo residual de danos em nosso corpo,
independentemente de quão completa e frequentemente usarmos essas terapias, e
vamos acabar em algum momento sofrendo deterioração e morte relacionadas ao
envelhecimento da mesma forma que hoje em dia, só que em uma idade mais
avançada. Esta, aliás, provavelmente nem será tão mais avançada assim —
somente de 30 a 50 anos a mais do que hoje em dia, possivelmente.
Porém, as outras coisas não permanecerão da mesma forma. Neste capítulo, vou
explicar por que não — e por que, como já podem saber por outras fontes,
prevejo que muitas pessoas vivas atualmente permanecerão vivas até os 1000
anos de idade e evitarão os problemas de saúde relacionados ao envelhecimento
mesmo nesta idade.
Começarei descrevendo por que não é realista esperar que essas terapias sejam
perfeitas.
3. Desmistificando o envelhecimento
1. Isso foi observado com linguagem especialmente esplêndida por Leonard
Hayflick em seu livro de 1994 How and Why We Age (Como e Por Que
Envelhecemos, Ballantine, New York, p. 377). O livro de Hayflick foi o
primeiro de uma sequência de livros que biogerontologistas veteranos
escreveram sobre seu campo para o público geral (o que você não vai
encontrar em nenhum desses livros, é claro, é um plano para vencer o
envelhecimento).
2. Em 1972, Nixon vetou a primeira lei para criar o NIA (sigla em inglês de
Instituto Nacional do Envelhecimento), devido ao lobby de outros NIHs
(sigla em inglês de Institutos Nacionais de Saúde) e de autoridades do
governo. A lei foi aprovada em uma segunda tentativa porque, com o
tumulto do Watergate à sua volta, Nixon estava menos disponível para os
lobistas. A força do sentimento contra a biogerontologia naquela época me
dá uma clara sensação de déjà vu.
3. No momento em que este livro está sendo escrito, quatro de meus
colegas estão encabeçando um novo impulso para espalhar essa ideia entre
os políticos dos EUA, sob o cativante nome "The Longevity Dividend" ("O
Dividendo da Longevidade"). Aplaudo sinceramente sua persistência neste
esforço, e juntei-me entusiasticamente a cerca de cem de nossos colegas ao
publicamente apoiar esta iniciativa, mas para falar a verdade, será quase um
milagre se esta nova iniciativa tiver mais sucesso que as frustradas
iniciativas anteriores.
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6. Saindo do sistema
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2. Schriner, S. E.; Linford, N. J.; Martin, G. M.; Treuting, P.; Ogburn, C.
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7. Rhee, S. G. Redox signaling: hydrogen peroxide as intracellular
messenger. Exp Mol Med 1999; 31(2): 53-59.
8. Isso potencialmente poderia causar um problema, pois conjuntos de
instruções demais poderiam produzir proteínas demais — assim como
mandar ordens de serviço demais para uma fábrica que tem alta capacidade
de produção. Apesar de eu pensar, por razões técnicas um pouco
complexas, que não é muito provável que esse problema ocorra, devemos
ser capazes de encontrar uma forma de evitar qualquer problema do tipo, se
ele de fato ocorrer, alterando-se um pouco a regulação genética de forma
que cada cópia produza um pouquinho menos de sua proteína codificada do
que produziria normalmente, mantendo-se normal a taxa total de síntese de
proteínas.
9. de Grey, A. D. N. J. Forces maintaining organellar genomes: is any as
strong as genetic code disparity or hydrophobicity? BioEssays 2005; 27(4):
436-446.
10. De fato, os casos que veremos nos quais a expressão alotópica foi
realizada mostraram que é quase trivial expressar genes mitocondriais
alotopicamente quando o problema central é a disparidade de código e não
a hidrofobicidade.
11. de Grey, A. D. N. J. Mitochondrial gene therapy: an arena for the
biomedical use of inteins. Trends Biotechnol 2000; 18(9): 394-399.
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3. Desmistificando o envelhecimento
* Richard Nixon foi presidente dos Estados Unidos entre 1969 e 1974.
6. Saindo do sistema
* Da sigla em inglês (Advanced Glycation Endproducts).
** A FDA (Food and Drug Administration) é a agência reguladora federal
dos EUA responsável (entre outras funções) por aprovar os testes e a
utilização de fármacos e procedimentos médicos.
*** Das siglas em inglês (TIM: "Translocase of the Inner Mitochondrial"
membrane; TOM: "Translocase of the Outer Mitochondrial" membrane).
**** Margaret Thatcher foi primeira-ministra do Reino Unido entre 1979 e
1990.