ALICE SAMPAIO. O Aquario (1963)
ALICE SAMPAIO. O Aquario (1963)
ALICE SAMPAIO. O Aquario (1963)
LÍVRARÍA $£RTR&NI*
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OBRAS DA AUTORA
1961
O AQUÁRIO (romance) —
1963
ALICE SAMPAIO
O AQUÁRIO
ROMANCE
LIVRARIA BERTRAND
Capa de
Guilherme Casquilho
Capítulo I
inquieto —
era uma delicada e extravagante
«manchette».
O quadro desencadeava-se em contido tur-
bilhão. Voltando-se na cama, Maga estendeu
uma perna e teve um lento e suave sorriso.
A contragosto olhou o
<(monstro», demo-
rada e atentamente. Este mantinha-se em rí-
gida atitude de espera, o cérebro um globo
inerte, dir-se-ia apagado apesar das duas ja-
nelas ao alto espreitando vigilantes. ...Por- —
décimo, exactamente...
—
Deixa-me em
paz, Riri
—
interrompeu a
rapariga. •—
Qualquer deve ir
sono normal
além dos Quatro-Infinitos-Vega. Ou mais !
—
Depois, a olhar a
chapa-corpo-robot :
io 0AQUARI0
—
Pára e faz-te gente. E ouve,
com isso, Riri,
tu não és capaz de conhecer outra fôrmula
senão «oito-ou-oitenta» ?
Com lentidão a «chapa» regressava â sua
forma inicial e gargalhava em surdina por
entre jactos de luz e redondas cavernas:
—
Ômegas...
Maga riu, o
queixo apoiado nos joelhos, no
trega å luz.
— •
Yarath ? !
. . .
subtil acende-apaga.
—
verde-garrafa.
No novo compartimento havia uma vasta
tina circular, tendo em volta complicada rede
de olhos metálicos, quadros registadores, re-
Oh!...
—
já se sabe...
Fazê-lo parar,
—
■■—
De acordo... —
muito, Maga...
•—
complexas radiagôes.
Denise-Ya-Tsé poderá ter
:
—
respondeu alheada.
Bom, enco- —
2
18 OAQUARIO
esquisito labirinto de
pingas metálicas, adun-
cas garras movendo-se em
complicadas e ema-
ranhadas orbitas, em giros lentos, precisos,
pacientes, misturando aqui um líquido rosado,
além azulado, mais uma pílula encarnada, uma
outra negra de azeviche, ainda uma outra ama-
Já me
esquecia !
Como de costume...
—
a
rapariga, estendeu na ponta dos dedos mi-
mosa pulseira toda em compartimentos e cai-
o
depois a silhueta e, ao longo dela, o
rosto,
brago longo mordido pelo precioso metal:
«Algo que faz lembrar o quê?...»
Caminhou para a porta que se abria a partir
do centro, ampliando-se mais e mais å sua
aproximagão. Cá fora no terrago os olhos dila-
taram-se-lhe de prazer ao ver o seu spaac de
linhas aerodinâmicas, amarelo claro, seme- -
olhos de «biche» ,
calmos na inquietante vitali-
24 O AQU AR I O
como um
génio de
imaginárias idades, um
ponto imaterial ou
quimérico sonho realizado.
Mira, num
aparelho em tudo semelhante ao
seu, levantou voo no milésimo-vega seguinte.
Capítulo II
medido painel —
e rostos,
sempre rostos e cor-
pos juvenis aprisionados num movimento ciclô-
pico, num êxtase pagão de agressiva libertina-
gem, de vida convulsa —
criacôes escultoricas
e pictoricas em todas as formas concebíveis em
desesperado brinquedo ou ante-espasmo de
diabôlica contensão.
«Oh, consegui perder-me, não fago a mais
pequena ideia do ponto onde me encontro» di- ,
e
Maga, visível e palpável como os demais,
fazendo parte dele. Sorriu a Alexei.
—
tas bem
e comportadas como sonsos meninos
de escola.
Abruptamente, em letras
garrafais, ins-
creveu-se o dístico: «Tempo=Questionário=
=
d e =T ri v ialidades e Raciocínios Ilôgicos
= = =
> .
les Omégas?n
—
i
OAQUARIO 33
Isso rapariga.
mesmo —
apoiou uma •—
Invente o Robot-Biolôgico.
—
Jogue o Aba-Kaba.
—
Conte até Cem^
3
34 O AQU AR I O
—
Nos últimos mil vega-vega o eixo dos XX
da fungão-homem deslocou-se paralelamente a
si mesma de duas milésimas «ton»... Tem de
haver quem rode o eixo dos YY...
—
—
Ande para trás até se encontrar idêntico-
-a-si-prôprio, isto é...
—
Positivas !
—
Temos a pele nua. Somos trágicos e la-
=
mentáveis.
—
Trágicos e lamentáveis.
Faltam-nos as púrpuras do pecado e as
—
—
DoriaSawi, Dôria Sawi, o Pitecantro-
pus Erectus é uma bela lenda.
—
Um-disparate-perpétuo.
—
«quanta» !
« —
Que-não-pedem-licenga-a-ninguém-para-
-serem-como-são. Voilán.
•—
Há um dispositivo logico-metafísico cha-
mado Ube-Ru-Bú que deve usar-se em digres-
sôes P61o-a-Pôlo do Meridiano...
« Como ela é parva ! »
—
—
Temos todos os quadrantes por nossa
conta.
Para quê provar dos frutos proibidos?
—
São bichados.
—
pintas.
—
E o Ômega WXVL?
—
Bo Robot Biolôgico?
—
onde o assassino
seja o assassinado» .
Vou abri-la.
—
Oh! Oh! Oh!
(Dá para um campo pentadimensional, la-
macento sombrio,
e retalhado de sulcos. Po-
voando-o, estiragados e sangrentos,
corpos
semiapodrecidos uns, rastejantes e fugitivos
outros, crescendo nítidos, horrorizados e agô-
nicos. Crescem, crescem alucinantes e disfor-
i
O AQUARIO 37
crianga pequena, de
pele negra ( Oh, my God,
porquê a pele negra e não azul ou verde ? ) que ,
num
lapso mínimo de tempo enche o espago
(antiespago), eĩimina as trevas e sorri um
doce sorriso húmido de ternura.
i.a voz —
]S um inocente.
2.a voz —
será mais.
i.a voz —
É um inocente.
2.a voz —
Um homem em poténcia.
i.* voz —
abismo.
Sucediam-se as formulas, ahfôrmulas
! mas
Oh!...
—
Odeio a Mansão Austral e a Ternura-
-Sensual.
—
Oh!...
Maga percorria-lhe os bragos num afago
demorado:
Amo
—
os teus bragos. Não posso amar os
teus bragos ?
—
Podes amar tudo o que seja amável.
A Primeira=Verdade=Nobre.
Yes.
—
Como quiseres.
A rapariga comegou a afastar-se, dirigindo-
-se a uma entrada interior que um Beta abriu
â sua passagem. Ao sentir o clique da porta,
a fechar-se atrás de si, Maga esbogou um
breve movimento de recuo, mas deteve-se ao
esbarrar no corpo quente de Alexei. Em volta
o jardim solitário: folhagem e flores em alu-
cinante profusão, fantásticas corolas sôfregas
é abertas para a luz; mais adiante a imensa
C'est dommage !
Entraram das hemisferas de interior
numa
e estilizadas com
requintes de suprema gra-
ciosidade e delicadeza. Alexei, abrindo um dos
O AQU AR I O 4i
—
Oh!... respondeu ela, um dedo nos
—
lábios.
—
Detesto tudo !
—
...Se eu fosse Zadi ou o livro de Syma
dir-te-ia que...
—
O quê ? Diz ! . . .
—
Nada !
42 O AQUARIO
Zadi é detestável.
Sûbitamente Alexei ri:
—
Verde-Verde.
—
quila mesmo
sem
Mar-da-Intranquilidade ou
inôspitas e assombradas paisagens... Conheces
o Dr. Fausto?...
Quero dizer, Albert de Mi-
chigan ? . . .
O A Q U A R I O 43
Não.
—
cortou
brusco Alexei.
olhou em volta o jardim, em desolado
Maga
alheamento. Encolheu os ombros:
—
...É um Universo-Com-Tanto-Sentido-
-Como-Outro-Qualquer. Nada tem de assus-
tador.
Um minúsculo peixe subiu å tona e ali ficou
a espreitar, mordendo as sombras projectadas
44 OAQUARIO
Do Robot Biologico...
—
acrescentou o —
J
O AQUARIO 45
No Instante-Seguinte encontrar -
nos -
Dispenso-o definitivamente.
Maga deteve-se a olhar o rapaz; depoisdis-
se, como
que sonâmbula:
—
—
Como?!...
Não prestando atengão ao espanto de Alexei,
Maga continuou:
—
ao estilo da época,
digamos...
—
tarde —
trabalham em Dimensôes...
—
-...Mas Albert...
—
xei?
Alexei estendeu de novo a mão, cruzando e
descruzando os dedos, a regular o Cosmos.
Uma brisa suave, morna, veio enxugar os
cabelos de Maga. A rapariga disfargou leve
bocejo :
—
...Temos optimo Robot Biolôgico:
um
nal.
Maga estendeu-se ao
comprido ao lado do ra-
O AQU AR I O 47
paz. Buscou-lhe
os lábios,
que recomegou a
sugar. De súbito ele soltou-se e, colando a
boca ao pescogo da rapariga, prendendo-a a si
com forga, principiou por sua vez a «bebê-la».
Maga engoliu em seco, os bragos caídos,
abandonados em desesperada entrega. Alexei
sorvia-a, sôfrego, detendo-se por fim, os lábios
húmidos e tumefactos.
•—
Odeio-te disse ela muito proxima, os
—
Eu
nunca rasgo a tua pele como fazes
comigo. Nunca rasgo a tua pele...
Albert rasga a minha pele;
—
sou a sua
Ai está
■—
interessante
uma violência que
valeria a pena reinventar. Verias a morte no
meu rosto. Maga fitou o rapaz, nos olhos
—
Estou a ver-te —
disse.
■—
Isso não é ver.
—
violências. Todas !
Todos sonham com isso... Que um dia
—
Disse mal.
—
gosto.
Não gosto de falar com o Tipo.
—
-branco-com-espago-para-tudo.
—
gaste a perceber o
que seja o tédio ! . . .
Não, percebi.
não
—
4
50 O AQU AR I O
coordenadas.
—
Alexei...
O rapaz deu-lhe a mão:
—
Vamos...
—
...
Dégagée —
tuscoe divertir-se !
me agrade ouvi-lo...
—
Albert não está preocupado com a destrui-
gão do Robot Biolôgico, se é isso que queres
saber; ele acha que nôs necessitamos dele como
um sub-homem do ar que respira... Quanto a
si, Albert vai escapar â dimensão através do
O-O...
Alexei soltou aguda gargalhada. Maga
olhou-o irritada voltou costas. O rapaz se-
e
disse
Maga como resposta.
Afastou-se do companheiro, o rosto inex-
Zut.
Capítulo IV
em
seguida tinha a sensagão de que estas volta-
vam ao
ponto de partida, estridentes e irre-
conhecíveis, doridas, em busca do dono.
( Arra-
sante, tudo deseja ter um dono, senhor). um
mente» —
Não..
•—
Rama ou passou a um Sistema-antimaté-
56 OAQUARIO
tivesse existido.
—
Como quê ? ! . . .
Como-Se-Nunca-Tivesse-Existido.
—
Oh!
José Fernandez riu com leve cinismo:
• —■
Lembro-me bem.
—
—
<
Não ! Não tenho coragem para tanto.
Conhego outros Campos, aliás...
—
Não podes !—
com tais
experiências.
Não me refiro a esses...
—
respondeu Al- —
bert alheado.
José Fernandez encolheu os ombros:
—
tou:
—
presa :
•—
na
rapariga. Pressentindo que alguém se vi-
nha aproximando, voltou-se råpidamente.
Era José Fernandez que contornava um bo-
judo aparelho de análises, bizarma.plantado a
meio do laboratôrio, este, por sua vez, uma
vasta floresta de máquinas e robots que vão
e vêm, surgem e desaparecem, transportando
objectos, deslizando ou parando, vigilantes e
atentos, e isto no meio de total silêncio. Ao
notar o amigo, Albert interrogou-o com os
olhos.
O disse jovialmente:
outro
—
WV reclama-a.
—
nem mal
comportado, digamos: passivo. Exac-
tamente como «Ela» quer, porque assim, e sô
assim, os meus gestos têm sentido, nenhum
deles discordando do pulsar gigantesco e mons-
truoso da Gorda.
dadeira dimensão —
respondeu Albert
no mesmo tom. —
Temos umUniverso-Como-
-Outro-Qualquer, um pobre bicho sem patas
nem olhos a quem gritamos constantes pergun-
tas sem nos lembrarmos de que o tipo é tam-
bém surdo-mudo. . .
Nada disso
—
^atalhou o amigo
—
nada —
Formidável, vê !
Albert veio espreitar, regulando a ocular
para o seu ponto optimo de visão. Entretanto
José Fernandez ia falando:
—
e Albert
prestava atengão ao microtelescopio —
,
a dois
um átomo.
Chamo Bob...
—
dade.
—
respondeu José. —
Eu
por exemplo arranho
finas sensibilidades
as
comprendre . . .
5
66 OAQUARIO
Albert ao robot.
—
de sentir o s-l-i:
—
-Naturalmente... Muitas vezes, em pe-
queno, tentei libertar-me «disto» cortando o
brago. Lera histôrias que falavam de elemen-
tos efectivâ e definitivamente cortantes...
Nunca bem entendido
consegui, disse. —
-â
OAQUARIO 69
—
Nem sequer valeria a pena cortar o brago
por tão pouco. Ultrapassada a fase Ykm você
fica livre automåticamente de tal cadeia.
Nessa altura sentir-se-á senhor de todos os
abre-te-sésamo, poderá desesperar-se, experi-
mentar na carne as delícias da dor física, do
brandura.
—
Sei que esteve no Robot Biologico, que...
—
Maga...
—
Maga ? ! —
plique...
Albert calou-se. Dirigiu-se ao aparelho S-D
colocado no centro da sala, rodou o fototipo e
ordenou :
—
tacto. . .
Merde!
Albert cruzou os bragos å frente do corpo.
Parecia possuído de fúria demoníaca:
—
O
Pássaro-de-Fogo abriga-se. Comega a
ter medo ! Não haverá ninguém capaz de usu-
fruir sem medo o prôprio medo ? Que quer você
de mim afinal? Dirigia-se a Alexei, os pu-
—
ZZZZZZZZ —
Maga!...
Ouvindo uma gargalhada voltou-se. A um
canto estava Albert que observava. Alexei
o
sem
interrupgão.
Falaria ele para alguém, o Dr. Fausto ?
Sim, havia uma outra sombra no
comparti-
mento. Onde se encontraria verdadeiramente ?
Alexei ouviu a sua prôpria voz:
—
Alexei ! . . .
—
Dá certo com o patético da humanidade.
Um longo assobio. Uma gargalhada.
74 O AQUARIO
branca... Vê...
O mundo girava em redor de Alexei, como
uma nebulosa rubra. Era o corpo de Maga
feito poeira estonteada, o corpo de Maga uma
onda escura, sanguinolenta, sufocando-o. Es-
tendeu as mãos que ficaram vermelhas, a es-
Em banda negativa.
—
surdecedor.
O AQU ARIO 75
Maga !
—
Malditos !
—
a
—
sem
passou
—
demorado silêncio.
Nada de especial: você tomou um praff
—
ameagou.
Albert riu:
—
Vá para o «Inferno» !
E Alexei, levantando-se, dirigiu-se para a
porta.
•—
Maga.
Voltem juntos.
—
Não é tal.
—
Outro Mito?...
—
Amiga intima:
Mulher:
Amiga intima:
Que horror?»
uMulher:
Amiga íntima:
Mulher:
Amiga íntima:
Então ? ! . . .
Mulher:
marido.
Amiga íntima:
Mas isso é um
disparate !
Mulher:
Amiga intima:
Mulher:
Amiga intima:
Mulher:
Amiga íntima:
goado da Mitologia.
Alexei olhou o outro, sinceramente admi-
rado e perplexo, desaparecido por completo o
estonteamento provocado pelo praff:
—
Então?!...
— —
Oh!
José Fernandez parecia mais disposto a con-
versar :
—
Oh!!!
José Fernandez riu:
—
—
Ca suffit. Dei-lhe o praff-v^ mesmo que
não acredites.
Perante a mudez de José Fernan-
espantada
dez, Albert encolheu os ombros e saiu.
Capítulo VI
. .
.Desapareceram todos. . .»
quido.
Maga atentou nas sombras coloridas que
pareciam agitar-se nas paredes como que pos-
suídas de vida prôpria ou de qualquer auto-
matismo reflexo que as aproximasse dos seres
vivos, e estendeu as mãos, tocando-as. Va-
gamente ludibriada encolheu os ombros. Tra-
tava-se de mais um jogo, não de gráficos
e números mas do jogo da pintura moderna,
por eles.
Rápida emissão de sinais luminosos seguida
de surdoguinchar e a rapariga cerrou os olhos,
um sorriso parado nos lábios entreabertos,
pois consultando um
mapa.
•—
Cá está: Mito-Dois.
Råpidamente vestiu-se e toucou-se de flores
meio murchas -domada e vencida a violenta
—
uma segunda
pele, fosforescente e agressivo.
Voltando costas ao espelho, Maga pegou em
pequena esfera que colocou no chão ! Tocou-lhe
e desviou-se como que medrosa de ser
tragada
nesse desenrolar duma cena sem
personagens,
de pássaros e plantas aquáticas numa paisa-
gem Andromeda-Menor. No sombrio anoite-
cer, o ar coalhava-se de aves de pesadelo sol-
tando gritos estridentes e esvoagando ao resvés
do solo, a ferir as asas por entre as plantas do
vastíssimo charco. Sobre as coisas uma atmos-
fera de susto, de emogôes informes e mons-
truosas.
Ao bater das das aves de encontro aos
asas
a sorrir-lhe:
«
Juro a mim
—
murando:
«
Que
—
a chuva me inunde até aos ossos...
Que...»
1^92 OAQUARIO
assim me
posso exprimir...
—
Å vontade, â vontade...
—
Pena?!
—
Oh! ! !
—
Máquina, mesquinha !
As gargalhadas sucederam-se e durante
breve intervalo de tempo Maga escutou-as
arrepiada.
—
Cala-te !
—
Sou o
Servo-da-Lâmpada. Que mandas?
—
medida.
Maga suspirou fundo e olhou os pulsos.
—
dida.
Ũúúúúúúú...
A rapariga passou as mãos pelo rosto, e pelos
94 OAQUARIO
dividia-se em células de
Olnfinito-Infinito
paredes até ali
tinha
intransponíveis. A Hu-
manidade, essa, habitáculo numa das
células, sabia-se fechada no seu Cosmos-Mi-
niatura e de vez em quando soltava gritos de
claustrofobia e horror. Vinha em seguida a
mascarada exuberante das formas artísticas,
traduzindo gestos e vozes raivosas soltadas aos
quatro cantos do mundo e saídos simultânea-
mente dos biliôes de figuras, sombras ou sim-
Van Li.
Desculpa,
A continuares assim teremos de te pas-
—
-Vega ! . . .
7
98 O AQUARIO
Sei!
Porque desististe, se sabes isso, Van Li?
:
—
«
jovem» tão doloroso !
,
. . .
Em guarda, Maga !
—
my God /»
Levou a mão ao peito. O sangue quente jor-
rava ainda e empapou-lhe os dedos. Disse a
apaixonada entoagão:
—
Je t'aime.
—
Que pena !i
—
Que pena o
quê?!,
Ela pareceu ouvir a pergunta e olhou
nem
Henry !,
—
Uhm!
—
da avenida.
os ombros
Ele parou também, â frente dela,
ligeiramente encurvados como se buscasse umî
Escuta, Maga...
—
Diz..*
Tu há bocado falaste nisso... Dizem que
—
O rapaz irritava-se:
—
tou séria:
—
a
porcaria ! -., considerando que aprisionar
—
mais perfeita.
Não é uma coisa engragada fazermos nôs
—
prôprios o dicionário?
Entraram num «zut» e de olhos fechados,
rindo, marcaram as coordenadas. Quando saí-
ram de novo para o sol olharam
surpreendidos
a extensíssima, alongando-se a perder
praga
de vista, obsidiante e deserta, cega de clari-
dade.
Maga andou uns passos e parou, as mãos em
pala sobre os olhos a delimitar 0 espago povoado
de estátuas brancas, brancas, vestidas de sol
branco, desoladoras e brancas na esplendorosa
nudez dum Parnaso Inumano.
Inexplicâvelmente amedrontados, os dois
companheiros baixaram o olhar para o chão
ladrilhado de mármores coloridos e dispostos
de modo a constituírem figuras e arabescos su-
cedendo-se uns aos outros, harmonias desenca-
deando harmonias, formas desdobrando-se em
outras formas.
io6 OAQUARIO
pergun-
tou Maga, tomada de grande excitagão.
—
Não é difícil, vê
!...
Arapariga olhou para o local indicado, a
expressão de entusiasmo a morrer-lhe no
rosto. Abaixo da superfície onde assentava
os pés lá estavam
agulhas pretas jogando
as
com doiradas,
as com as de pontas de
estas
nácar, e todas, sem excepgão, percorrendo cal-
mas e sem ansiedades os seus quadrantes.
Maga verificou o seu «relôgio» e murmurou:
—
te perdeste, Henry?
'—
Nunca.
—
Gostarias?...
—
Talvez...
:— Há pessoas que têm escapado...
—
ironi-
zou o rapaz.
—
Quem sabe !
Recomegaram a caminhar. Maga, mergu-
lhada numa espécie de catalepsia, desorien-
tada, tinha a sensagão de pisar um mundo
inconsistente e irreal e escolhia com cuidado
os sítios onde punha os pés, evitando sempre
os rostos humanos. «Se eu tocasse
naquele par
de olhos acabava-se, o par de olhos desataria
a gritar; talvez «chorasse». Como será?!...
Ah, não, não quero pisar os olhos dos seres
da minha espécie...»
O AQU AR I O 107
'—
Nunca vi um Mar-Tão-Branco !
:
—
Por f avor ! . . .
O Azul é bom-em-si !
■—
Maga, ma jolie...
—
arrepios...,
—
Sapo sarapintado
Sapo sarapintado
Curtido em ácidos,
110 0 AQUARIO
Assado no fogo
A escorrer lama
Em saco fechado
Esfolado
Esmagado
A cuspir baba
Pegonhento
Pestilentd
Todo-verde, todo-verde, todo-verde
Malhado
De sangue raiado
Sarapintado...
—
Não há dúvida nenhuma de que és um Cy.
—
E tu um Sapo-Sarapintado-com-claustro-
fobia.
—
principal, mas
que visto-de-fora...
—
Naturalíssimo !|
—
Não gostarias mais de te saber dentro
duma retorta de incubagão, um ûtero espon-
joso e
quente ? . . .
Nada.,
—
Je t'aime^ —
E Maga le-
O AQU AR I 0 iii
Oh!....
Maga comegou a afastar-se, esbatendo-se
cada vez mais em luminosidade.
Henry dei-
xou-a ir até que, ao vê-la contornar uma das
estátuas, correu atrás dela chamando: Maga, —
Maga...
A solitária e desolada. A rapa-
sua voz soava
fixava :
—
lesa-humanidade ...
Ca suffit.
—
8
H4 O AQUARIO
teve:
—
Que lorpas !
—
Quem?...,
—
Ora ! os Tetas e os
ômegas que fabricam
essas bodegas.
o S-D e
Maga desligou passou um brago por
cima dos ombros do rapaz:
—
péssimas.
—
Riri.
A cabega do robot desenhou-se num écran.
—
Podes vir aqui ?,
—
Agora ? . .
.,
Vou...
Passados momentos Riri enquadrava-se na
lente-vermelha. Maga ordenou-lhe que en-
trasse. O robot capengava:
—
—
Conta aquela dos Dois-Amantes, encer-
se sabe se diabolicas
artes os
corpos dos
—
por
dois pobrezinl^os comegaram a emanar Tédio,
uma substância de cheiro
desagradável e que,
em vez de se os envolvia com
desprender, antes
seus tentáculos sufocantes e esponjosos de
Polvo-Acéfalo, sua teia...
Maga e Henry desataram a rir, em francas
gargalhadas. Riri calou-se e ficou a mirá-los
indiferente. Henry disse, por entre incontro-
láveis risadas:
—
Como é que
podiam morrer? Julgas que
se eu e
Maga nos atirássemos da plataforma-L
aconteceria alguma coisa?...
—
=
—
disse Maga.
■—
..Uma Tragédia.
.
=
—
tina-da-tragédia : o melodrama —
acrescentou
Riri, e
parecia gargalhar por sua vez em sur-
dina. Perguntou:
—
Posso retirar-me ?
■—
Podes... respondeu
—
Maga.
Ficaram novamente sôs. Maga disse, depois
de longo silêncio:
—
Sabes o que
me faz lembrar o ((Tédio»,
morna e macia ?
—
Oh ! J'aimerais bien rester lâ par terre
comme morte, mastigar, envolver-me em Té-
a Magia ? . . .
,í..ji
O AQUARIO 119
Je t'aime.
>—
Nota-se.
Ela olhou-o surpreendida e riu, fazendo
cômica mesura em frente dele:
—
Why?
Distraidamente Maga tinha pegado nas
mãos do companheiro e percorria-lhe os dedos
um a um:
—
Eu
prôpria mago quando ougo tal
me
—
Lisa?!
'—
Lisa ou Zad. Nous ferons une petite Ba-
chanal, une três petite Bachanal...
Maga transpôs a lente vermelha. Dali a ins-
Henry ouvia alegre e desgarrada can-
tantes
i2o O A Q U A R I O
Não!
—
Êtes-vous-faché-avec-moi ?
—
Oui.
Seguiu-se prolongado silêncio. A rapariga
voltou por fim e enquadrada na lente-doirada
lhante...
Calaram-se deixarem de se fitar mû-
sem
Tocou-lhe ao de
leve no rosto, repetindo em catalepsia: —
Tu
sabes que a Ordem-Universal nunca nos levou
em conta. Esperam-me...
—
Henry.
Maga baixou a cabega, a esconder o clarão
vitorioso do olhar:
—
A iludiu a resposta:
rapariga
—
= ...Ficou o Pigmalião sem mármore para
talhar a face do ser humano.
—
Tens medo.
—
Mais oui, mon amour, j'ai peur et je
t'aime.
Albert poisou-lhe as mãos nos cabelos e bei-
jou-a ao de leve nos lábios.
—
ver-me, vem...
Tenho medo.
Ele parou:
—
:—
Se calhar não é. me olhe E agora não
mais desse modo sede...
e mate a sua
. .
.Bs muito doce e o teu rosto fica mais
belo quando assim deixas que eu esgote as
tuas veias...
Quero sair
daqui ! gemeu.
—
significado exacto do
prazer-de-existir. Po- . .
Desapareceu !
—
disse aterrorizada, ao
—
De-
sapareceu, não viste, Albert ?
—
queria chorar !
Riu e disse despropositadamente :
Vou recitar-te um pseudo-poema...
—
A morder o rabo
A comer a Mãe
Depois de ter devorado o Pai
Na meninice
E calcava o Cosmos-Que-Era-Engano
Atordoando o Sem-Tempo
Com gritos Sem-Voz
Para dizer
Merda!
9
130 OAQUARIO
á
O AQU ARIO 131
Sem saber?...
—
Nada há a saber.
Num gesto impetuoso a rapariga arredou o
copo e passou os bragos â volta do pescogo de
Albert. Este, por instantes, reteve a respira-
gão, tenso, subtraindo-se ao contacto, depois
em descontrolada emotividade entregou-se,
abragando-a também, as mãos pesadas afas-
134 O AQUARIO
,
uma das mãos
Magia !
Alexei. comegou a irritar-se com tais apartes
(cínicos apartes, note-se).
-...«Pão» é uma imagem,
■—
uma metáfora.
—
Arte-pela-Arte.
—
Talvez úm palavrão-sem-dono.
—
Sem tino.
—
Ou uma miragem.
—
Calem-se
e escutem-me. Estamos perante um sério di-
lema !
—
Número ! ? —
Julgas-nos na Proto-Histôria.
—
(Merde).
—
-(Merde alors).
<—
( Vai pentear macacos) .
Destruirei tudo
■—
o
que se opuser å minha
«liberdade».
Um dos rapazes aproximou-se da estátua
onde se encontrava Alexei e disse:
—
■
Oponho-me å tua liberdade. Mas tenta,
tenta «assassinar-me», desafio-te.
OAQUARIO 137
—
Alexei cerrou os punhos:
—
Vegetais.
Pergunte-se
—
å Esfinge!
Deixo-vo-la de
—
presente
—
respondeu
correndo, a descer os degraus quatro a quatro.
Quase a atingir a rapariga, chamou:
Maga !
—
138 O A Q U A R I O
meiguice distraída:
—
Tens a mão fresca e bonita. Oh, muito
bonita !
—
Gene 3004-xb —
—
...Muito parvo, muito «assassino»... —
Vens comigo?
■—
Aonde ?
—
Depois te digo.,
Ela notou-lhe o pomo-de-adão em rápido e
Vou contigo.
Instalaram-se ambos
no spaac e Maga pro-
crime-passional-perfeito.
O Robot Biolôgico vela por ti
— —
respon-
deu no mesmo tom.
Em breve o spaac se elevava no ar e num
Maga ! —
Diz...,
—
Aonde ?.. . .
Sôisso?! Oh!
—
Estamos a
chegar —
respondeu Maga
em surdina e acrescentando em seguida: —-
Deixa-me em paz.
—
ia repetindo Maga.
140 0 AQU ARIO
-Intranquilidade ?
Ela voltou-se, olhar incendiado dessa fée-
o
B um belo Mardalntranquilidade,
um Pântano, talvez...
—
Não fagas confusôes.
—
Que disparate !
Como se o não ouvisse ela continuou:
—
ilha de presente.
Correu a vestir-se. Quando Alexei chegou
junto dela, o rosto vermelho, Maga perguntou:
Nunca tiveste frio?
—
Nunca.
—
Mentiroso.
—
ostensi vamente .
Ela riu:
B, sim, meu «assassino» de inofensivos
—
um manjar-dos-deuses
que deves provar um
dia...
0 AQUARIO 143
pouco infantilmente :
—
B imoral, Maga...
—
E mudássemos de poiso?
se perguntou
—
pontos extremidades
-
coincidiram, um em
Alexei :
—
Não estamos o
que chama nus-e-ino-
se
o
quê, desinteressada já desse jogo. As has-
tes de bambu elevavam-se acima das de-
Detesto «criptonios» .
10
146 OAQUARIO
—
Mesmo assim, vê !
Pegando-lhe por um brago obrigava a rapa-
riga a espreitar pelo micro. Esta olhou e a
contragosto deixqu-se absorver fascinada pelo
crescimento vibrátil e desmesurado das péta-
las encerradas em seus prôprios e inconcebí-
veis sistemas dimensionais.
•—
Somos «deuses».
—
Deusoides.
—
Muito deuses !
—
Les nouveaux-riches .
O quê?!
Ela demorou a responder, fazendo girar
presa pelo pedúnculo uma corola vermelha:
—
Pequena larva
empanturrada. Pequeno
bem... A linguagem é difícil e ridícula... Não
deveria haver linguagem.
—
Oui. Je t'aime.
Lentamente o abrago dele foi abrandando.
Disse, de súbito, em tom irritado:
—
1
148 OAQUARIO
Estou
farta !
Aposto que ainda não viste «aquilo»
—
—
Campo-Experi-
mental-12-0 !
—
respondeu a ra-
pariga e, sem esperar por qualquer comentá-
rio, afastou-se correndo.
Alexei, por momentos, teve a sensagão de
que a via ser tragada pela fornalha do sol, que
ardia com ele, ultrapassando-o a seguir e sur-
gindo límpida e incôlume do outro lado, muito
prôxima agora da manada, frágil e comovente
silhueta humana a sair vitoriosa desse recon-
puma e baba
escorrer-lhe do focinho, nari-
a
e humilde a um
palmo
—
freada, enraivecida.
—
Estagão-de-Zut ?
—
Gira, já te
:
disse !
—
ALBERT
ligentíssimo servo construído especial-
mente para investigadores Youri.
—
Está certo.
—
B agora? !...
—
Estou pronto.
—
vez
que enviar-te
vou ao «Passado» a dar- —
Não...
—
O quê?...
—
ve !
Porque é que aquele não há-de dar um
Deixemo-nos de lérias.
A sua frente e como que saída duma nebu-
losa foi-se evidenciando gigantesca
ampola de
paredes trémulas e inconsistentes, brilhante
como bola de sabão, a
surgir cada vez mais
nítida, mais nítida e
prôxima como um uni-
verso captado numa objectiva —
um cosmos-
OAQUARIO 153
Sistema-Contacto. Contacto.
O homem deu mostras de suprema agitagão,
mexendo-se em descontrolados movimentos de
afogado, a fitar como cego o espago em frente.
Depois, tacteante, parecia querer aproximar-se
das paredes da ampola, tocar-lhes... Por fim
aquietou-se lá no fundo, fitando o observador;
frente a frente, ratinho e super-rato... E a sur-
momentâneo conforto.
—
ar livre. Murmurou:
Muito catita isto !
—
Estendeu as pernas,
—
gemeu:
porque um tipo, depois de tantos anos sentado
naquele escritôrio estréito, já nem sabe esticar
as pernas.
Ao notaras biqueiras cambadas dos sapatos
murmurou —
vido, vejamos...
O homenzinho coscuvilhava de novo o
mundo envolvente. Depois esfregou os olhos.
O rosto de Albert agigantava-se prôximo. O
homem desviou o olhar, a expressão envelhe-
cida de intensa amargura:
—
guagem é articulada?»
Oh ! Oh ! Oh ! Se falo? Então que tenho
—
riu:
—
Deixa-o, Bob,
—
não vale a pena. A verdade
está aí, nítida e miserável. Deixa-o em paz.
—
...Tenho quarenta anos e já fiz versos.
B claro que com esta idade ainda podia fazer
versos e lê-los aos meus inimigos, se não
temesse que eles se rissem... Ah ! Ah ! B
—-
Desligo ?
Não, que fale. B um bicho curioso,
—
ape-
sar de tudo.
O homenzinho perdia-se num desbobinar de
palavras sem
nexo, por catadupa
vezes numa
'Souelemento Youri.
um
—
mento Youri?...
—
Bob!...
—
Cada indivíduo percorre no seu desen-
volvimento mental as mesmas etapas que a es-
pécie percorreu já através dos seus três siste-
mas-dimensionais. A cada homem o mesmo
«quantum», necessário...
O homenzinho de súbito desatou a rir, a
rir como doido. Descontrolado e fora de si le-
vantava-se do chão onde estivera anichado e
caminhava no sentido da periferia da ampola,
dava passadas umas atrás das outras, sem que
por isso aparentasse sair do mesmo ponto, agi-
á
O AQUARIO 159
teve
um solugo de riso ou choro e continuou: —
A
natureza connosco fez-se rica e variada, mais !
depois de nos ter engendrado tal como somos
es-
. .
perfeigão ? Olhar os
.B isto atingir a
O homenzinho levou as
mãos å cara, gargalhou: Lá ficou a carga
—
n
i62 O A QU A R I O
B inútilrespondeu Albert. —
tos ! —
-gozo-porque-sou-um-homem-normal e res- - -
■—
Vê isto, Bob Albert debrugava-se sobre
—
virtudes, um
ponto médio-viragem...
—
modesto, um gajo...
O homem fita as biqueiras dos sapatos. So-
bressalta-se.
—
movimento brusco:
—
is a woman !
/T —
femme !
O Campo tremeluzia na obscuridade, cinti-
lante gota de orvalho ampliada å escala
como
que se
compare a isto: dormir, sempre, assim
anichada, enovelada como um feto dentro de
um útero. Amanhã compro o tecido «ceri-
—
siva:
—
.
mulher-tipo. Há toda uma lite-
. .Sou uma
e esboga um
gesto evasivo: Sou uma bur- —
uma
- - - -
tipa-como-outra-qualquer. Voilá.
Irreal e patética no interior da mirabolante
campânula, o pescogo alongado de exaustão, a
mulher parou de arengar. Parecia assim con-
centrar-se, reter
energias poderosas, preparar
qualquer salto demoníaco
e mortal. Bob se-
guia-lhe no quadrante o pulsar agigantado e
monstruoso do coragão. Alberto veio
espreitar
por sua vez:
—
—
Demasiado vivo !
—
Talvez...,
A mulher olhava-os, prôxima, passando uma
das mãos por sobre a outra, em suave iro-
nia.
—
Do maravilhoso e intocável
Um assassinato-suicídio
Um-tipo a esgrimir contra-si-prôprio
Em raivoso-ímpeto
A defender-se combraveza
De maquiavélica-heranga
Trai-la-rai-la-rai
Todos sucumbem vencidos
(Porque a vitôria é movimento
uma coisa incomível)
tes de
qualquer descoberta, qualquer pobre
achado, réstia de luz ou corrente gelada que
me oriente na exploragão do meu Antro-
-porque toda a existência-feminina-se-processa-
-num-Antro-mal-cheiroso, onde os corpos ago-
nizam e morrem muito antes da verdadeira-
-morte. (Oh, em belas mortalhas, em belíssi-
mas mortalhas. Voilá) .
suavidade, entoagôes,
sem olhos fechados,
os
Bob.
Albert riu mordaz :
—
-restava-me-morrer. . .
) .
. .
.Quanto melhor conhecem os condiciona-
mentos mais se' enredam neles. (... —
Mesmo
que o Sol me inundasse, mesmo que eu ardesse
no seu centro e fosse o prôprio Sol... Ah, eu
luz,..)
O AQU ARIO 179
sespero:
—
—
Vejo.
O AQUARIO 1S1
Compreendo. . .
•—
Qualquer-coisa-não-interessa.
—
tificar-me.
Inesperadamente, em tom aflitivo e surdo,
a mulher
sem sequer levantar os olhos, pediu:
—
Por favor, retira o muro para que eu
possa abragar-te em pleno Sol. Por favor, dei-
xa-me ver a luz.
—
Não sou.
Mesmo assim... Gostaria de acertar as
—
( —
—
DEIXA —
Oh!
—
tadora lucidez:
-Já?
—
Não éo
que julgas... Nada mais que uma
pequena digressão...
—
Hum...
■—
Um jogo de esferas-limites, limites con-
cêntricos-circunscritos aos limites, assim «ad
Petit enfant —
e Albert afagava-lhe os
cabelos e as faces —
,
mon
petit enfant, és o
meu nada, a minha única dimensão.
Ela olhava para fora, para lá da lente, ensi-
mesmava-se friorenta e arrepiada. Disse num
dido. —
honra ! ?
Recusaste, porquê ? !
Maga suspirou de aborrecimento. Deu uma
resposta evasiva:
—
Omnipotente Omnipresente
- -
Alexei !
Tinha assim
a sensagão de protegê-lo e pro-
nale.
Maga e Alexei olharam-se. O rapaz pergun-
tou-lhe rindo:
Percebes
—
Sei.
«Libertos da carapaga protectora,
senhores do nosso destino poderemos coman-
dá-lo, dizer que nascemos, enfim...» Cheira-
-me a slogan, Alexei, não acredites nele.
O AQU AR 10 189
—
-Teremos de comprovar pela experiên-
cia. Rama...
Uma gargalhada de Albert interrompeu o
rapaz :
—
Rama, o
Magnífico, sô desejou uma coisa
quando conheceu a «verdade» : desaparecer !
Foi o
que fez, o bandido ! Deixou uma bela
teoria, simples quando se trata de passar duma
dimensão para a outra como
quem passa-
-paredes nega lei da e a impenetrabilidade da
matéria. Pobre Rama ! —
disse Maga —
concluiu
Alexei rindo.
Bob entrou com uma bandeja de bebidas que
serviu, dando a cada um seu copo cheio de
líquido esverdeado. A rapariga hesitou antes
de o levar aos lábios. Vendo isto Albert disse-
-lhe:
Podes recusar...
.
—
A
Vagabundagem !
—
Ao regresso do Pássaro=de=Fogo.
Alexei esvaziou o copo, que atirou depois
para longe, gritando em esfuziante e desassi-
sada alegria:
—
Ao R-Q-T-P!
Bob continuou a servir líquidos rosados ou
esverdeados que eles bebiam, quebrando em
seguida as tagas, que iam estilhagar-se de en-
contro aos painéis, num rumor abafado pelas
perguntava-se Alexei.
—
embebedaram.
Fez-se silêncio. Maga e Alexei olhavam-se
perplexos.
Ela fugiu para o Terrago e o rapaz seguiu-a,
tomando-lhe as mãos geladas entre as suas:
—
Venham.
Como autômatos seguiram-no e meteram-se
no aparelho ao lado dele. Maga passou os bra-
Estamos no Inferno.
■■—
Há um Purgatôrio.
—
Sou Pássaro-de-Fogo.
o
■—
se» ?
Ah, encontrei-o. O quase é uma condi-
gão, uma única : que o pensamento sobreviva !
—
o hangar de chegadas e
vasto
Sobrevoaram
partidas interplanetárias, um mundo des-
povoado e alucinante, de construgôes gigantes-
cas arredondadas, encimadas de fusos brancos,
as pontas espetadas lá longe, no espago, ma-
cigas e fantasmagôricas, assentes na espectral
luminosidade de invisíveis projectores.
O spaac parou na plataforma prôpria.
Albert, sem uma palavra para os compa-
nheiros, pisando com familiar â-vontade o chão
escuro do hangar, seguiu â frente deles como
Alexei.
—
13
194 O AQUARIO
centou :
—
■—
Não fomos nôs quem lembrou esta Roma-
gem-de-Amor.
—
e dava
pancadas no foguete espacial sô é —
carou-os :
—
tra-qualquer.
—
Alexei.
Albert riu:
—
disse Maga.
—
—
Como sabes ? perguntou Albert sur-
—
=■
preendido.
—
Tenho olhos.
A rapariga apontava um quadrante a
pe-
quena distância deles.
—
,
tu nunca tinhas visto um foguete-côs-
mico.
—
-de-papoilas.
Albert aparecia e desaparecia, percorria o
foguete de lés a lés, dava ordens aos Beta-
-Beta, verificava ele proprio os maquinismos,
mostrando-se eficiente dinâmico como um e
Maga Alexei,
e reduzidos ao
papel de espec-
tadores sem utilidade nem voz -activa, conti-
- - - -
O AQUARIO 199
for.
Este Bad está muito abaixo da capaci-
—
O brinquedo é dele.
—
B...
Albert parecia exercer um domínio completo
sobre a máquina e isto acabou por fasciná-los;
seguiam-lhe movimentos, as vozes preci-
os
O que é isto ? !
Alexei indicava uma nebulosa elipsoidal de
densos vapores cor-de-fogo, contidos, e enci-
mando-a, suspenso, insôlito objecto prateado
em forma de manípulo.
—
dar !
Ela oferecia resistência:
—
Sei lá o
que me aconteceu. De repente vi
o
que o gajo queria. Vem !
—
direm...
—
Não ouves,Maga?!
—
Larga-me, já disse.
—
Eu fui a isca !
—
—
^Youri Albert de Michigan, atengão !
Albert respondeu rápido:
—
gritou Maga.
—
A rotina.
—
bater.
Maga fechou os olhos procurando abrandar
a tensão que a tomara. Que lhe importava no
fim de contas que essa aventura ficasse em
nada? Seria de facto uma aventura ou mais
204 O AQUARIO
Vê!
—
Talvez o eixo dos XX tenha rodado so-
bre si mesmo e...
Alexei interrompeu-se. Albert estava å
frente deles, agigantava-se como uma sombra
debrugado sobre as suas cabegas.
—
B simples
o que aconteceu, se vocês
que-
rem saber... Deteve-se a mirá-los atenta-
—
Ougo-te-daqui-meu-senhor.
—
Não comeces com palermices. Ele apro-
—
cio do corpo.
Alexei deu um murro no chão:
—
Ouvi.
—
Estamos å mercê dum paranôico. Tudo
por tua culpa, tudo porque para ti o Caminho
é a Magia !
Ela olhou-o longamente; depois, num gesto
de indiferenga, deitou novamente a
cabega nos
Tudo normal?
Era a voz de Albert.
dois Beta-Beta.
Alexei viu o outro debrugar-se, mas não
pôde notar o brilho de vitôria alastrando nas
suas pupilas claras, nem as agulhas, fios de
Mil é o limite-do-infinito
Mil fica para lá de todos os nûmeros
Sete é da Álgebra-Mágica
Três, o mais antigo,
Tem Feitico.
Este, como se a
pressentisse atrás de si, vol-
tou-se:
—
Então?!...
Ela encolheu os ombros:
—
Je suis. I am.
Atentou no líquido sanguinolento que caía
gota gota da
a clépsidra.
—
Perfeito !
—
Parfait, oui !
•—
-Se o não fosse também não faria mal.
—
recitativo :
Se os outros
Ah, os outros
Não souberam da nossa vida e da nossa morte.
,—
Riri, Capítulo XX !
Ele prendeu rapariga a si. Maga,
a sur-
Branco? !
—
De-que-outra-cor-quererias-que-fosse ?
—
Nada !
Continuaram a'fumar, calados. Maga fixava
um
ponto da parede, aquilo a que ela chamava
«A estúpida-rapariga-das-papoilas (a abelha
escondida na corola vai picá-la, provocar-lhe
dor, o s-l-i acorrerá em sua defesa e eu vou
rir, rir de prazer, Voilá ! Pobre rapariga-ex-
perimental, porque não foge-ela-da-abelha e
imprime um verdadeiro impulso åquele corpo
O AQU ARIO 211
Fantasmas !
—
Ummm !...
212 0 AQUARIO
—
Como consegues ficar tão longo tempo dei-
tado?
—
B simples.
Alexei ajeitou melhor as pernas.
—
per-
—
Porque
deixamos que ele tome assim conta de nôs?
(A pega não tem contihuagão, vai acabar. Por-
que não nos matamos uns aosoutros?)
Um terrível estrondo. O painel em frente
comegou a escorrer
sangue verde, vermelho,
azul, sangue fosforescente castanho-doirado,
esborratava-se em cores sombrias e espessas,
fazia-se cenário. (No palco não-se-passava-
-nada. Isto é, no palco ensaiava-se a seguinte
cena:)
;■ .
.
^^L^iũjijy
O AQUARIO 213
Meu —
amor —
Pe-
queno bicharoco Magia Pássaro deFogo
—
—
Vais continuar a fazer fitas? Choramin-
gar?
—
Quem sabe !
—
encontramos, escuta...
—
centava :
—
ele
proprio...
Rindo, acrescentou:
Rama descansa em paz, ámen.
—
fazer oô.
A face de Albert fez-se sombria, quase lúgu-
bre. Maga vira já uma face parecida com
aquela, magoada e flácida. (Onde vira Maga
uma coisa assim doentia e sinistra ?) Fitaram-
Materializa-zona-pipe-line.
—
Impossível !
—
A é senhora-de-si !
nave responderam
—
Que ordena? —
-repetiu o outro.
Albert soergueu-se, ainda arquejante:
—
Cala-te
—
admoestou Alexei
—
B
■—
bela a voz humana. '
Todos mortos.
O rapaz puxou-a por um brago. Dôcil, ela
estendeu-se entre ambos, os olhos abertos de
espantada ausência.
Um grande e espesso silêncio correu por
sobre eles.
Capítulo XVI
por fora.
•—
perguntou
—
Porque um
224 OAQUARIO
Que experiência?
—
Esta... —
Vejo...,
Ela desnorteada até ao OZ, um saco
correu
hermêticamente fechado :
—
^Estamos em casa.
—
Shiu!
Maga estendeu um brago. Ao alcance da sua
mão ficava o infinito de todos-os-dias, sôis
como que suspensos duma abobada escura, de
Estamos em Casa.
r
Capítulo XVII
a fantasia dum
CY. Mente descaradamente !
Não mente.
—
Ora! .
Ih! Oh!
—
B um
corpo espesso, de cortar å Faca
A epiderme do Aquário.
O AQUARIO 229
O Porco.
—
Que arrepio !
—
A verem oMundo-de-Fora.
■—
A rirem-se da Humanidade.
—
Do Eu Colectivo
—
Uns Asnos !
—
Maga !
Alexei encontrou a companheira junto do
spaac cor-de-favo-de-abelha. Foi por detrás e
poisou a sua mão sobre a dela, pressionando-a
de encontro ao metal, interrompendo-lhe os
movimentos demorados. Um ciclo acabava de
fechar-se.
Entraram no spaac.
Em breve sobrevoaram o Campo=de=Abrô=
teas
230 0 AQU AR 10
Cinzento e alagado
Mal-assombrado
Corpo desolado
desamparado
(Riri em visita â Proto-Historia),
Meu amor.
tulo-de-nenhum-Syma) .
Azul-com-pintas-brancas.
Je ne veux pas coucher seulement avec
—
Odeio-te.
—
Temos um habitáculo. )
Ela correu â frente do rapaz, blue-jeans es-
curos colados ås pernas longas, fino chemisier
a moldar-lhe o busto. Chamou em voz vi-
brante:
—
trou-se furiosa-sem-estar-tal.
Ele (que não-estava-para-aí-virado) bei-
jou-a. (Competia-lhe colaborar no happy-end.)
232 O AQUARIO
IMPRENSA PORTUCAL-BRASIL
.ij^
>íil
poema do estranho, profunda-
mente perturbante.
Nesse mundo perfeito, po-
voado de «super-homens» que se
mov.em para lá do ano 20000,
—
Cleopatra.
O Aquário.
A PUBLICAR: