FUTEBOL4
FUTEBOL4
FUTEBOL4
Campinas
2012
1
Assinatura da orientadora
Campinas
2012
2
Título em inglês: Genders relations at a football school: when the game happen?.
Palavras-chave em inglês:
Gender relations
Physical Education
Pedagogy
Sport
Área de Concentração: Educação Física e Sociedade.
Titulação: Mestre em Educação Física.
Banca Examinadora:
Helena Altmann [Orientador]
Alcides José Scaglia
Ludmila Nunes Mourão
Data da defesa: 27-06-2012
Programa de Pós-Graduação: Educação Física
3
COMISSÃO JULGADORA
5
AGRADECIMENTOS
Ao meu pai e a minha mãe que não mediram esforços e abriram mão de muitos
sonhos. Sem o sacrifício de vocês, dificilmente, teria sido possível chegar até aqui. Pai e mãe,
minha vida depende da existência de vocês.
À minha amada e querida irmã, Ádria, por ser a minha melhor amiga. Você
sabe muito bem que “sou mais eu, porque sou você”.
Ao meu cunhado Bruno, por ser, acima de tudo, um grande amigo. Obrigada
pelos conselhos e pelas partidas de futebol que jogamos e assistimos juntos. Ainda faço você
torcer pelo meu time!
Ao meu lindo sobrinho, Lucca, que com o seu sorriso e jeito de brincar, sempre
me lembra que um dia já fui criança.
Aos meus/minhas tios/as, primos/as e avós que tanto amo. Família é tudo!
Ao Ravi, pela paciência, motivação, dedicação e amor. Sem você do meu lado
tudo teria sido mais difícil.
11
Aos meus amigos de infância que, por sinal, são todos meninos: Ismael (Isma),
Wanderson, Samuel (Sá), Matheus, Hugo, Thiago, Jhonny e Rodrigo (Tiguira), por terem me
aceito no jogo de vocês e por permitirem que, na Rua Delmira, o jogo tenha sido possível para
mim. Ao lado de vocês, o jogo foi jogado e jogante.
Aos meus amigos que não sabem o quanto são meus amigos: Caroline
Nogueira, Roseane, Carol (Japa), Cristina (Poia), Linda Rosa, Maria, Sabrina (Saca), Paulinho,
Anderson, Glauber, Débora (Debinha), Isabela (Isa) e Marina, pelo carinho e apoio. “A gente não
faz amigos, reconhece-os”.
À minha amiga Juliana Torres. Mais do que ninguém, você esteve comigo
desde o começo e sabe o quanto eu desejei, chorei e me alegrei para chegar até aqui. Amo você,
Juba!
À Renata Zuzzi, Marco Ferretti e Jorge Knijnik pelo carinho e atenção em
nossos momentos de interlocução no Grupo de Estudos.
Em especial, agradeço meu amigo Riller. Não existem palavras para expressar o
meu carinho e admiração por você. Obrigada pelas sugestões efetivas para a realização deste
trabalho e por compartilhar as minhas inquietações acerca da Pedagogia do Esporte. Você fez
esta pesquisa ser jogante! Riller, simplesmente, você é o cara!
13
Aos colegas que conheci na UNICAMP, Osmar, Heitor, Camila, Carol Maciel,
Liliane, Leonardo, Vitor e Laura, pelos momentos e conversas tão agradáveis.
Às minhas amigas da Ponte Preta, pelos anos que jogamos juntas: Natalia (tatá),
Paula (Paulete), Ana Paula (Paulão), Janaina, Joyce, Sandra, Paulinha, Débora (in memorian),
Ana Paula (Nana), Nádia, Vann Nunes, Vanessa (Almerão), Fernandinha, Nívea, Priscila
(Kimba) e Marta. Meninas, não conseguimos realizar o sonho de jogar na seleção brasileira de
futebol, mas ainda estamos sonhando com um futebol feminino mais digno, respeitado e
valorizado no Brasil.
Aos membros da banca examinadora, Prof. Alcides José Scaglia, com quem
tive o prazer de ser orientanda na graduação. Você pode não lembrar, mas foram os teus
incentivos que me instigaram a fazer um mestrado e a Prof. Dra. Ludmila Mourão, por aceitar o
convite e se dispor a ler o trabalho com tanto carinho.
Muito obrigada.
Sou feliz e agradeço por tudo que Deus me deu....
17
VIANA, Aline Edwiges dos Santos. As relações de gênero em uma escola de futebol: quando o
jogo é possível? 2012.142 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física)-Faculdade de Educação
Física. Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2012.
RESUMO
VIANA, Aline Edwiges dos Santos. Gender relations at a Football School: when do games
happen?2012. 142f. Dissertation (Master of Physical Education)-Faculdade de Educação Física
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2012.
ABSTRACT
This study aims to explore how gender relations permeate football practice when girls and boys
practice together. To do so, we carried out an ethnographic study in a private school in the city of
Campinas (in the state São Paulo in Brazil). This involved 22 visits to the school, 15 semi-
structured interviews and filming six training sessions of a class with boys and girls aged between
13 and 28 years old. We examined gender relations and the participation of players, parents and
instructors. The results indicate that, for this particular school, training reinforces traditional
football teaching, placing emphasis on basic technical skills. In addition, the procedures used do
not enable all students to learn the sport equally and do not consider individual skills of players in
relation to teaching stages. We found that gender prejudice is both verbally and physically
expressed by the teacher and the students, reinforcing male hegemony when it comes to football
practice. The study has also opened up new perspectives regarding what the practice of this sport
means. For example, we identified three factors that stimulate football practice within this group:
to play professionally, to keep fit and pleasure in practicing this sport.
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE QUADROS
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO..........................................................................................................................27
2 GENERO E FUTEBOL..............................................................................................................37
2.1 O conceito de gênero................................................................................................................37
2.2 A relação entre gênero e futebol...............................................................................................41
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................................119
REFERÊNCIAS...........................................................................................................................125
APÊNDICE ..................................................................................................................................133
27
1 - INTRODUÇÃO
1
Escola de futebol que utiliza a imagem e a marca de um clube profissional de futebol.
28
2
Empregamos o termo ‘saber jogar’ em referência à competência (saber fazer, poder fazer) do jogador para resolver
os problemas inerentes ao jogo, considerado de natureza essencialmente acontecimental, de forma mais eficiente
(REVERDITO; SCAGLIA, 2009), uma vez que o jogo exige respostas às situações que emergem do confronto de
objetivos - cooperação e oposição.
29
(...) os homens desviantes que por uma ou outra razão optam pela vida anti-
esportista, se arriscam a ser qualificados de forma insultuosa pelos seus pares, de
"afeminados" e ate mesmo de "homossexuais". A mesma tendência ocorre com a
qualificação também insultuosa de "masculinas” ou "Iesbicas" feita às mulheres
desportistas’
Creio que, por conta dessas premissas, meu envolvimento com a modalidade
gerou várias discussões e críticas pelas ruas, escolas e clubes por onde trilhei caminhos com a
bola nos pés. As questões de gênero permearam a minha infância e adolescência. Em geral, a
preferência por esportes e atividades caracterizadas como “masculinas” geravam preconceitos por
parte do meu pai, da minha mãe, dos meus/minhas professores /as e amigos/as. Eles/as
afirmavam que o futebol era “coisa” de homem e, “isso”, eu jamais poderia jogar. O que mais me
incomodava eram as dúvidas e questionamentos, pois na verdade queria compreender o que eram
“coisas de homem e coisas de mulher”, se é que elas existiam ou existem. Em meio aos
conflitos, equívocos e inquietações, ninguém sabia me responder, tampouco eu conseguia
entender “o que era ser feminina” e “o que era ser masculino”.
Quando pequena, dos quatro aos 14 anos de idade, fui estimulada a
desempenhar uma prática que conjugava passividade, delicadeza e leveza. O balé clássico não me
proporcionava alegria, sorriso no rosto ou vontade de ser a nova bailarina de destaque do Ballet
Bolshoi3. Eu usava meias e collant cor de rosa unicamente para fazer as vontades de minha mãe,
pois, para ela, essa era a imagem ideal de “ser e estar feminina”.
Na adolescência, decidi me dedicar ao futebol. No entanto, não tive incentivo
para o desenvolvimento dessa prática. Tecnicamente não consegui ir tão longe como gostaria,
mas, taticamente obtive a compreensão da lógica do jogo. O entendimento estrutural do jogo é
resultado de minha iniciação esportiva e da diversidade de práticas com as quais me envolvi, pois
sempre gostei e pratiquei vários esportes coletivos nas aulas de educação física, cujos elementos
funcionais são os mesmos: a defesa, o ataque, os/as companheiros/as, os/as adversários/as, a bola
e o alvo (GARGANTA, 1995).
Os preconceitos foram inevitáveis. Recordo-me do dia em que disse à minha
mãe que iria trocar as sapatilhas pelas chuteiras. Apesar das objeções, não abri mão do esporte.
Pelo contrário, busquei conhecê-lo, jogá-lo e ir aos estádios nas tardes de domingo. Contrariando
as vontades e expectativas familiares, participei de uma equipe4 de futebol. O grupo era formado
apenas por meninas entre 15 e 20 anos de idade.
Pelo fato do futebol ser essencialmente coletivo, surgiram alguns conflitos no
espaço da prática. Por exemplo, algumas jogadoras preferiam jogar com bermudas largas e
3
Companhia de Ballet localizada em Moscou, na Rússia.
4
Associação Atlética Ponte Preta- Clube de futebol localizado na cidade de Campinas/SP.
31
camisetas enormes, outras gostavam de usar shorts curtos. Quando uma garota do time tinha
cabelos curtos, era excluída, pois, ao julgar pela aparência física, poderia ser uma atleta
homossexual e, assim sendo, não era bem vinda à equipe e também corria o risco de ser
discriminada pelo público enquanto jogava.
De fato, no âmbito esportivo, além de questões hormonais, sexuais e biológicas,
o ser aceito como atleta homem e masculino e mulher e feminina, nos remete a uma questão
cultural e social em que se deve preservar um padrão, manter as expectativas de condutas e de
aparência corporal. Espera-se que a mulher atleta demonstre atributos “femininos” para ser aceita
no universo esportivo, seguindo padrões de beleza que não adotem uma aparência masculinizada
(KNIJNIK, 2006).
No futebol, os homens devem demonstrar, dentro e fora de campo, uma
virilidade hegemônica. Já as mulheres, diferente da época de Pierre de Coubertin, podem jogar
futebol, pois não há leis que as proíbam de se inserir neste universo, todavia:
Por que uma atriz na capa como referência a uma jogadora? Penso que seria
imaginável ver o ator Cauã Reymond segurando uma bola nas mãos, divulgando o campeonato
brasileiro. No futebol masculino, as referências são sempre jogadores e não atores.
5
Repreensão que o juiz faz ao jogador contra o procedimento incorreto, falta técnica ou indisciplina (PENNA, 2008).
35
princípio de que as escolas de esportes são locais para a prática educativa não formal do futebol,
o texto discute os procedimentos pedagógicos utilizados pelo professor para o ensino-
aprendizagem da modalidade. Por fim, o capítulo aborda alguns estudos da Pedagogia do Esporte
(SCAGLIA, 1999 e 2003; REVERDITO, SCAGLIA, 2009; PAES, 2001, 2006) que discutem
como o futebol e os demais jogos coletivos devem ser ensinados, considerando os diferentes
cenários, personagens e significados.
37
2 - GÊNERO E FUTEBOL
6
Termo utilizado por Adroaldo Cesar Gaya (2006) para se referir aos corpos que praticam e gostam de esportes.
38
7
Termo utilizado por Scott (1995).
41
praticar algumas modalidades esportivas, dentre elas o futebol. O artigo 54 assegurava que “às
mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua
natureza” 8. Para este efeito, o CND (Conselho Nacional de Desportos) passou as devidas
instruções às entidades desportivas do país.
Durante o governo militar, o CND criou uma nova regulamentação, a 07/65,
estabelecendo quais os esportes a mulher não poderia praticar. Dentre as modalidades vetadas
estavam às lutas, o futebol, o futebol de salão, o futebol de areia, o polo, o halterofilismo e o
basebol. (GOELLNER, 2005; MOURA, 2003; MOURÃO, 2002). Em 1979, foi publicada, no
Diário Oficial da União, a deliberação nº 10/79, que revogava a nº 07/65, concedendo às
mulheres o direito de praticar futebol, desde que não jogassem com os homens ou contra os
homens.
A prática do futebol feminino foi legalizada somente em 1983. O avanço da
modalidade em outros países fez com que o CND, por meio da deliberação n° 01/83,
especificasse no Art 1° que “O futebol feminino poderá ser praticado nos Estados, nos
Municípios, no Distrito Federal e nos Territórios, sob a direção das Federações e Ligas do
desporto comunitário, cabendo à Confederação Brasileira de Futebol a direção no âmbito
nacional” 9.
Mesmo não sendo homogêneo o pensamento dessa época, estes documentos
oficiais expressam representações sobre o esporte naquele contexto cultural.
Reforçavam, também, concepções normatizadas de feminilidade, em geral,
associadas à maternidade e à beleza feminina e, para as quais, esportes
considerados como violentos deveriam passar ao largo das experiências de
sociabilização das meninas e moças (GOELLNER, 2005, p.145 e 146).
8
BRASIL. Lei nº 3199, de 14 de abril de 1941.
9
BRASIL. Ministério da Justiça, 1988.
43
10
Tradução para o português. Instrumento metodológico que busca identificar e registrar o desempenho individual e
coletivo dos participantes no transcorrer do jogo (TENROLLER, 2004).
46
(...) não como alguém que faz uma pequena paragem ao passar, mas como quem
vai fazer uma visita; não como uma pessoa que sabe tudo, mas como alguém que
quer aprender; não como uma pessoa que quer ser como o sujeito, mas como
alguém que procura saber o que é ser como ele (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p.
113).
Eu não conseguiria participar dos treinos da escola como aluna sem que meus
valores particulares interferissem na pesquisa, como fez Wacquant (2002), na academia de boxe
em Chicago. Nesta pesquisa, manter um distanciamento dos valores e aprendizagens pessoais foi
fundamental para analisar o grupo. Sendo assim, optei por apenas observar os treinos, sem
participar, todavia foi necessário criar uma proximidade e entrar no universo dos sujeitos.
O ponto de partida para entender o significado da etnografia é considerar o
método como uma “descrição densa”. Segundo Clifford Geertz (1989, p. 15):
11
Utilizamos nomes fictícios para resguardar a identidade dos sujeitos e da escola pesquisada.
12
Pessoa que tem como função observar atletas, especialmente no futebol, para descobrir novos talentos.
48
meu time do coração. Se fosse para jogar em outro lugar, eu não jogaria. [...] Meu pai também é
“Mestre”13”. As meninas, embora torcessem pelo clube, apresentavam outros motivos para a
escolha da escola:
“Eu escolhi jogar aqui por causa da Bia, sobrinha do Cesar14. Eu comecei a
fazer com ela, aí eu gostei, porque também tinha outra menina comigo. Aí,
ficamos super unidas. Eu continuei aqui, mas tive que parar quando rompi um
ligamento. Quando voltei, ela não estava mais aqui. Bom, mas depois eu
conheci a Priscila [aluna] e ficamos super amigas.”
Na escola não se falava de mais nada a não ser de futebol e da situação do time
no campeonato brasileiro, pelo menos quando eu estava por perto. Sem querer ser excluída do
universo da escola, optei por realizar uma observação participante. Passei a me vestir e a me
comportar clubisticamente de modo similar aos alunos, alunas, pais, mães e professores que ali
frequentavam.
Foi necessário, como pesquisadora, torcer pelo time da franquia. Deixei do lado
de fora do campo a fidelidade e o amor por outro time e me tornei uma torcedora do Mestre F.C..
Uma vez interiorizada, passei a ir uniformizada para a escola e, aos poucos, comecei a ter
afinidade e adquirir a confiança de todos/as. Acompanhei a tabela e a classificação do time ao
longo do campeonato brasileiro (Brasileirão). Sabia das principais transferências dos jogadores.
Aos poucos, a amizade e a confiança tornaram-se importantes durante a
pesquisa, pois eu ganhei a liberdade de conversar sobre vários assuntos com os/as alunos/as.
Além disso, fui convidada para alguns eventos, tais como: aniversários, excursões, passeios e
festa de confraternização.
Em uma das ocasiões, participei de um churrasco na escola com pais, mães,
alunos, alunas e professores. Havia cerca de 30 pessoas nas redondezas da lanchonete, a maioria
uniformizada, pois o coordenador tinha combinado de assistir um dos maiores clássicos do
futebol: o Mestre F.C. jogaria contra um grande time rival e a partida seria decisiva para a
classificação no Brasileirão. Gritei e torci como todos/as, mesmo contra minha vontade, já que a
vitória do Mestre F.C. prejudicaria o meu verdadeiro time do coração no campeonato. Em
momentos como esse, a importância da mudança da minha identidade clubística ficou clara: ser
13
Trecho da entrevista realizada em 8 nov. 2010.
14
Coordenador da escola.
49
torcedora de outro time poderia constituir um sério obstáculo à integração no grupo, uma vez que
a maioria dos presentes torcia loucamente enquanto assistia ao jogo.
Assim como os/as alunos/as, alguns professores pareciam me ver como olheira.
Em uma ocasião, enquanto esperava iniciar o treino da que observava, o professor me perguntou:
“Aline, o que você acha desse garoto? Tem talento, né?”15 Além de pedir minha opinião sobre o
garoto, o professor também perguntou o que eu havia achado da sua aula e das atividades
propostas. Acreditamos que o fato de eu pertencer a uma instituição conceituada, como a
UNICAMP, e estar realizando uma pesquisa sobre futebol, contribuiu para que o professor me
considerasse como detentora de conhecimento neste campo de saber.
O conhecimento sobre futebol acumulado ao longo dos anos foi suficiente para
que eu pudesse compreender a distribuição dos/as jogadores no espaço da prática, as regras, as
táticas, as técnicas e o jogo. Contudo, essas qualidades tinham que ser exploradas e reforçadas
constantemente. Mesmo tendo conhecimento futebolístico e papo de boleira 16, eu sentia a
necessidade de dizer que havia sido jogadora, árbitra e técnica para reforçar a confiança das
pessoas quanto o meu entendimento sobre futebol. Necessidade que parecia estar relacionada ao
fato de ser mulher naquele espaço. Imagino que as exigências não seriam as mesmas na hipotética
situação da pesquisa ter sido realizada por um homem.
De fato, adquiri a confiança das pessoas e a liberdade de estar e permanecer
dentro do campo. O professor Guilherme, responsável pela turma escolhida, desde o primeiro dia,
mostrou-se receptivo: auxiliou-me durante as entrevistas, liberando os/as alunos/as para serem
entrevistados durante os treinos. Além disso, tínhamos a liberdade de conversar, brincar e discutir
sobre futebol.
Durante a pesquisa, registrei 22 diários de campo, 13 entrevistas e seis jogos
coletivos filmados. Para a aplicação desses instrumentos, tive o consentimento dos/as alunos/as e
de seus responsáveis. As entrevistas aconteceram antes, durante e após os treinos. A maioria
ocorreu antes, pois alguns sujeitos conseguiam chegar à escola antes do inicio das atividades e
não queriam ser atrapalhados durante os treinos, uma vez que esses aconteciam apenas duas
vezes por semana.
15
Anotações feitas no diário de campo em 27 set. 2010.
16
Pessoa entendida em futebol. (Penna 1998).
50
cobrança de lateral
cobrança de falta
cabeceio
domínio de bola
passe
finalização
desarme
condução de bola
drible
Em algumas franquias, a faixa etária dos/as alunos/as não era condizente com a
proposta central do trabalho e, por esse motivo, o local foi descartado. Não encontrávamos
nenhuma escola de futebol cujas turmas fossem equitativamente mistas na faixa etária acima de
12 anos. O recorte da faixa etária foi extremamente importante para a seleção, pois cremos que
com essa idade as alunas praticam futebol por vontade própria.
A escola Mestre da Bola foi a última franquia com a qual entramos em contato.
Após verificar pela internet que havia três unidades na cidade de Campinas, conversamos, por
telefone, com o secretário da escola que nos informou que em uma das franquias havia uma
turma mista com cinco meninas e todas com idade acima de 12 anos.
O motivo principal da escolha foi a quantidade de meninas que participavam
dos treinos com os meninos. Além disso, as aulas aconteciam no período noturno e a escola
funcionava todos os dias; de segunda à sexta, em todos os períodos, e aos sábados na parte da
manhã e da tarde.
A franquia pertence a um clube da primeira divisão estadual e nacional do
futebol e está localizada em uma região central e nobre da cidade. Os/as alunos/as, em sua
maioria, eram de bairros distantes, desprovidos de infraestrutura e, muitas vezes, utilizavam mais
17
Para preservar a identidade das escolas, os nomes das escolas são fictícios.
53
de uma condução para chegar até o local. No momento em que a pesquisa foi realizada, o clube e
alguns de seus jogadores eram os destaques do cenário futebolístico brasileiro e a equipe
feminina havia sido campeã de um campeonato internacional. Fatos fundamentais para que a
escola mantivesse uma média significativa de meninos e meninas matriculados/as, quando
comparada às demais.
Em uma conversa por telefone, César, coordenador e proprietário da Escola
Mestre da Bola, permitiu a realização da pesquisa perante a apresentação de alguns documentos,
tais como: cópia do projeto, cópia dos termos de consentimento e uma carta de apresentação.
Além disso, após o projeto ter sido aprovado pelo CEP (Comitê de Ética e Pesquisa), notificamos
o coordenador que as informações seriam utilizadas exclusivamente para fins de pesquisa e que,
em nenhum momento, divulgaríamos o nome da escola, dos professores e dos/as alunos/as.
No dia seguinte, fui até o local para conhecer o espaço e os possíveis sujeitos a
serem observados:
na lanchonete localizada dentro da escola para conversar, ler revistas e assistir aos jogos que
estavam sendo televisionados. Vale ressaltar, para os fins da presente pesquisa, que os pais e
mães das meninas não costumavam se envolver com as atividades da escola. Essa ausência de
interesse e, em alguns casos, desinteresse dos familiares em relação à participação das meninas
no futebol será problematizado ao longo da dissertação.
FIGURA 3: Lanchonete
55
questão
interess
ante.
Você
pode
posicio
nar a
caixa
de
texto
em
qualque
r lugar
do da lanchonete (superior) e os vestiários (inferior)
FIGURA 4: A frente
docume
nto.
Use a
A presença dos pais e das mães era tão habitual que quase todos/as que
guia
frequentavam o bar eram amigos/as. Ferram
Na época, percebi que os treinos acabavam e os pais e as
entas
mães permaneciam no local conversando. Em determinado momento da pesquisa, consciente de
de
Caixaao mesmo tempo, solicitei a ajuda do meu pai e pedi a ele
que não poderia estar em vários locais
de
que ficasse nas extremidades da lanchonete a fim de ouvir o que as pessoas falavam e discutiam
Texto
naquele espaço. Entendendo a minha paranecessidade e sendo real torcedor do Mestre F.C., meu pai
alterar
aceitou o convite prontamente.
a
formata
ção da
Hoje meu pai foi comigo para a escola. Ficou na parte de cima conversando com
caixa
os pais e mães dos (as) alunos (as). Fiquei um pouco chateada com ele, pois ele
de
não observou o que havíamos combinado. Assim que chegou fez amizade com o
coordenadortexto
que logo o convidou para assistir o jogo do “Mestre FC”. Como
da
estou me passando por torcedora do clube tive que ficar no local até o jogo
citação.
terminar (Diário de campo, 22 set. 2010).
]
56
Como podemos observar, a tentativa não foi bem sucedida. Meu pai fez
amizade com o pai de um aluno e esqueceu de observar a conversa dos demais. Sendo assim,
mudamos a estratégia e foi preciso que eu me infiltrasse no espaço durante alguns dias para tentar
conhecer os discursos presentes naquele local. No entanto, de modo semelhante ao meu pai,
também caí na conversa e na simpatia daqueles pais e mães. Conversávamos sobre tudo: o
capítulo anterior da novela, as eleições e as rodadas do campeonato brasileiro. Aquele ambiente
era muito prazeroso, talvez seja por isso que muitos faziam questão de ir aos treinos todas as
semanas.
A observação do comportamento e da opinião de alguns sujeitos ali presentes
contribuiu de forma significativa para nossa análise. Dona Rosa 18, uma senhora de
aproximadamente 50 anos de idade, que não perdia um treino do seu filho Gabriel, chamou
minha atenção durante a pesquisa de campo. Mesmo nas noites frias do mês de agosto, lá estava
ela, sentada, observando seu filho jogar. Apesar de não demonstrar muita habilidade com a bola,
para ela, seu filho era o melhor. Dona Rosa também era contra a presença das meninas na escola:
“Futebol não é coisa para mulher. Você me desculpe, Aline! Não dá pra misturar vaidade com
futebol. Elas usam caneleira! Os meninos gostam de jogar junto porque se mostram para elas.
Mostram que futebol é coisa para macho19”.
O início da pesquisa de campo foi difícil e incerto, a angústia, o medo e a
ansiedade tangenciavam o campo, pois a desistência de algumas meninas me fazia cogitar a
possibilidade de que a pesquisa poderia ser paralisada pela falta de meninas para serem
observadas e entrevistadas. O afastamento de algumas alunas foi desanimador, mas, ao longo da
pesquisa de campo, percebi que esse constante afastamento poderia ser problematizado e
discutido. Ressaltamos, aqui, que antes da minha inserção na escola outras alunas já tinham
desistido.
A turma escolhida começou com cinco meninas e dezoito meninos, era uma
turma grande que agregava todas as idades. Os treinos aconteciam às segundas e quartas-feiras,
das 19h30 às 21:15 e eram divididos em duas partes: em um dia era realizado um treino físico
com fundamentos técnicos do futebol e no outro apenas o coletivo. Cada professor era
responsável por uma turma, mas sempre que possível um ajudava o outro. Como na escola só
18
Para preservar a identidade dos sujeitos todos os nomes são fictícios.
19
Anotações feitas no diário de campo em 23 ago. 2010.
57
havia dois campos de futebol, algumas turmas compartilhavam o mesmo espaço para o
alongamento e o aquecimento, independente da faixa etária das turmas.
Em relação aos eventos da escola, durante o período observado, foram
organizados dois campeonatos internos, uma viagem para assistir um jogo do campeonato
brasileiro no estádio do clube e um torneio em uma cidade próxima. Porém, devido ao valor da
taxa de inscrição, muitas crianças e adolescentes não puderam participar.
No folder de divulgação do campeonato interno supracitado, três coisas nos
chamaram atenção. Primeiro, se o campeonato era destinado também às meninas, por que elas
não apareceram nas imagens? Segundo, os troféus 20 tinham apenas nomes de jogadores do sexo
masculino: o destaque do campeonato ganharia o troféu Ganso; o artilheiro receberia o troféu
Borges; o/a melhor jogador/a ficaria com o troféu Valdivia; e o melhor goleiro/a ganharia o
troféu Rogério Ceni. Em uma escola de turmas mistas, esses troféus não poderiam ter também
nomes de jogadoras? Será que os organizadores não pensaram na possibilidade de uma menina
ganhar? Por fim, a redação do texto não é inclusiva, pois em nenhum momento faz referência ao
sexo feminino.
Além de não serem mencionadas no folder, as meninas foram excluídas da
peneira 21 que foi organizada pela escola em parceria com o clube a fim de selecionar jogadores
para as categorias de base do time profissional do Mestre da Bola F.C. Apesar da exclusão das
meninas, poucos meninos foram selecionados pelos olheiros 22.
20
Os nomes dos troféus são fictícios para preservar a identidade da franquia, pois os nomes utilizados pela escola
referem-se aos jogadores que atuam no time principal do clube.
21
Seleção que o clube de futebol faz para descobrir novos talentos
22
Neste caso, ex-jogadores.
58
23
Documento que garante que os direitos dos participantes sejam respeitados. Disponível em
<http://www.sbppc.org.br>. Acesso em: 18 nov. 2012.
59
24
Jogador que de posse de bola procura decidir sozinho uma jogada, mesmo tendo um companheiro ao seu lado em
melhor condição de jogo. Individualista (PENNA, 1998).
60
25
Jogada na qual jogador de frente para o oponente, toca ou chuta a bola para um lado, e corre para o lado oposto,
buscando a bola novamente (PENNA, 1998).
26
Jogada na qual o atleta indo em direção ao seu marcador, passa varias vezes o pé sobre a bola, com o intuito de
enganar o (a) adversário (a) em relação ao lado para onde ele prosseguirá com a jogada (PENNA, 2008).
27
Jogada que a bola é rebatida com a perna dobrada para trás e usando a face externa da chuteira próxima ao
calcanhar.
28
Jogada na qual o atleta encobre o (a) adversário (a), ao passar a bola à meia-altura, apanhando-a mais à frente
como no ato de estender um lençol (PENNA, 2008).
61
uma cena bonita durante o jogo, um drible, um passe perfeito ou um golaço. Ainda assim, raras
eram as vezes que recebiam elogios pela boa apresentação em campo.
As meninas não eram vistas, elogiadas, aplaudidas e nem observadas por seus
pais e mães durante suas exibições em campo. Laura, que aos 19 anos cursava o ensino médio,
era uma das poucas que chegava à escola na companhia de seu pai. Ele, porém, não passava do
portão, parava o carro em frente à escola e Laura se despedia: “Até daqui a pouco pai. Eu te ligo
quando estiver terminando” 29.
Já Ricardo, 13 anos, tinha a sorte ou, talvez, o azar de contar com a presença da
família. Durante os treinos, pelo menos um integrante da família permanecia sentado ao redor da
lanchonete torcendo, elogiando ou criticando os erros considerados banais que o futuro zagueiro
da seleção brasileira, como ele mesmo dizia ser, cometia. O pai do menino tentou ser jogador de
futebol, mas não conseguiu fazer parte do cenário profissional. Todavia, com vontade e paixão,
ele jogava junto com seu filho e, pelo seu olhar, era possível perceber tamanha a obsessão em
fazer de Ricardo um jogador de futebol.
Ainda é cedo para dizer se Ricardo será o novo zagueiro do Mestre da Bola F.C
ou o substituto do zagueiro Lúcio, seu ídolo, na seleção brasileira. Jogar bem, ele até jogava.
Conseguia desarmar os/as adversários/as , tirar a bola adversária da área e concluir com êxito os
fundamentos exigidos para a sua posição.
Será que isso é tudo? Afinal, o que é necessário para ser um/a jogador/a de
futebol? De acordo com Ricardo, para ser um profissional, não basta jogar bem. É preciso “Ter
caráter, não ter muita ganância e levar o futebol e os treinos a sério” 30. A mesma pergunta foi
feita por todos/as os/as alunos/as e as respostas foram diferentes. Todavia, Ricardo foi o único
que apontou outras questões além da técnica como, por exemplo, o caráter.
João Batista Freire (2001, p.1) afirma a importância dos valores na vida dos/as
personagens do esporte: “[...] não vale a pena aprender se não for para viver melhor
individualmente e em sociedade”. Neste caso, não faz sentido aprender um esporte para ser um
(uma) jogador (a) em uma aula ou treino, seja no clube ou na escola, se os conteúdos não
contribuírem para a vida e para formação humana.
29
Anotações feitas nos diários de campo.
30
Trecho da entrevista realizada em 8 nov. 2010.
62
“[...] Estou decidida. Eu quero isso (ênfase), vou permanecer firme e não me
deixar abalar por nada! [...] Tipo assim, tipo: - ah futebol não é pra menina.
Menina tem que ficar em casa. Menina que não sei o que [...] (tom de ironia e
indignação). Para mim, menina tem que fazer o que gosta, se gostar de vôlei ou
de futebol, tem que praticar. Então eu persisto no que gosto de fazer, pois um
dia vou chegar lá! Por isso que eu não quero desistir agora, pois eu tenho fé que
eu vou conseguir”.
31
Trecho da entrevista realizada em 27 out. 2010.
32
Trecho da entrevista realizada em 8 nov. 2010.
63
“Eu fiz um estágio no SESI de Campinas por uns dois anos. Lá a gente vê de
tudo! Eu ficava mais na parte do futebol. Fiquei dois anos trabalhando com
tudo, mas procurei me especializar mais no futebol. Quando me formei já vim
trabalhar no “Mestre da Bola F.C.”. Já vim trazer um currículo, pois já tinha
jogado em uma escola do “Mestre F.C.”. Aí o Cesar (coordenador e
proprietário) falou: - ah vem dá uma aula pra mim.; aí eu comecei a dar aulas,
eu já tinha trabalhado com futebol. Ele perguntou: -você é experiente? Eu falei:
- Ah, eu fiquei dois anos trabalhando com futebol lá na minha cidade. Sempre
gostei de futebol. Eu já joguei e não deu certo de ser jogador profissional, fui
fazer faculdade pensando em ficar no futebol”33(Professor Guilherme, 29 anos).
33
Trecho da entrevista com o professor Guilherme realizada em 10 nov. 2010.
64
Para Carlos Augusto Homrich e Júlio Cesar Souza (2005), grande parte dos
professores e treinadores são ex-atletas profissionais ou jogadores que passaram por categorias de
base e que foram subordinados a uma vida de treinamentos intensos e técnicos, sem tempo de se
preparar para outra profissão além do futebol. As categorias de base surgem como oportunidade
de tentarem uma carreira profissional. No entanto, quando o sonho não se realiza, a experiência
adquirida na categoria de base é, muitas vezes, reproduzida e aplicada quando o ex-futuro-
jogador passa a atuar como treinador em uma escola.
Na Mestre da Bola F.C., a formação acadêmica não influenciava na ação
pedagógica e na organização dos treinos, pois todos os professores realizavam o mesmo
treinamento e mantinham uma rotina semelhante a dos clubes profissionais. Deste modo, eles não
reconheciam a necessidade de adaptar, organizar e sistematizar os conteúdos a fim de atender as
necessidades imediatas para que o jogo se tornasse possível a todos, independente do gênero,
idade ou nível de habilidade. Scaglia (1999) afirma que a ausência da formação acadêmica nos
espaços das escolas de futebol pode tornar-se um problema, pois alguns conhecimentos
adquiridos durante a formação acadêmica são fundamentais no exercício da prática educativa.
65
34
Conversa com o professor Guilherme em 10 nov. 2010.
66
mesmo princípios operacionais. De acordo com o autor, esses princípios são divididos em dois
grupos, o ataque e a defesa. Enquanto o/a jogador/a ou equipe está no ataque, três princípios
operacionais são enfatizados: conservação individual e coletiva da bola, progressão ao campo do
adversário e finalização da meta na tentativa de marcar pontos. Em relação à atuação na defesa,
os três princípios operacionais são: recuperação da posse de bola, conter a equipe adversária e
defender a meta.
Os conhecimentos adquiridos em um esporte coletivo podem ser transferidos
para outro quando o/a aluno/a encontra, na estrutura de um jogo, uma identificação com uma
estrutura já conhecida (GARGANTA, 1995). Se tomarmos a premissa de Júlio Garganta, as
situações vivenciadas durante os treinos por Gabriel e Laura permitiram o reconhecimento das
características funcionais e estruturais comuns entre o basquetebol e o futebol.
Observamos também que o local da iniciação esportiva do futebol e as relações
que se estabelecem entre o indivíduo e o contexto no qual ele está inserido influenciam, de forma
direta, na constituição dos saberes corporais de meninos e meninas, desempenhado, dessa forma,
um papel central no desenvolvimento das habilidades técnicas e táticas futebolísticas. Para
aprofundar a discussão, apresentamos, nos parágrafos seguintes, o conceito da iniciação
esportiva.
Gisele Viola-Machado et al. (2011) trazem a definição de Domingo Blázques
(1995, p. 41, tradução nossa) de iniciação esportiva: “Primeiro contato sistemático com um
esporte, supervisionado por um adulto, que tem a responsabilidade de orientar os aprendizes
(jogadores/alunos), e que visa o alcance da autonomia no domínio dos processos esportivos por
parte do aluno.” 35
Para Santana (2005), a iniciação esportiva é o período em que a criança começa
a aprender, de maneira orientada, sistematizada e organizada uma ou mais modalidades
esportivas.
35
primera toma de contacto sistemática com um deporte, dirigida por um adulto que tiene la responsabilidad de
ejercer dicha función em relación com unos aprendices (jugadores/alumnos), y que tiene como objetivo que el
aprendiz logre su autonomia en el domínio de lós procesos básicos del deporte.
68
maioria das meninas teve a iniciação nas aulas de educação física e após os onze anos. Apenas
Priscila teve uma experiência semelhante a dos meninos.
Refletindo sobre essa questão, Damo (2006) afirma que os meninos são
incentivados por questões simbólicas. Certos de que o futebol é um jogo culturalmente definido
como masculino, desde a infância ou, até mesmo, antes do nascimento, tendem a assumir um
compromisso com essa prática esportiva. As mesmas questões simbólicas, quando estendidas a
uma reflexão de gênero, podem explicar a iniciação tardia das meninas, já que não são
incentivadas a praticar futebol na infância.
Diego Moura et al. (2010), ao entrevistar um grupo de meninas que pratica
futebol em um clube localizado na zona norte do Rio de Janeiro, observam que o grupo é
heterogêneo em relação ao tempo de vivencia, pois grande parte das jogadoras iniciou a prática
do futebol nos clubes somente na puberdade. Além disso, poucas meninas tinham vivenciado o
futebol na rua com os amigos antes de se inserirem no clube.
Durante as entrevistas, Bárbara, uma das alunas, ressalta os motivos que a
levaram a ter uma inserção tardia nas escolas de futebol 36:
“[...] Sofri um pouco de preconceito por parte dos meus pais quando decidi
jogar futebol. Eles falavam que era coisa de menino - jogar futebol. Na escola, a
mesma coisa. Só que daí, quando eu estava com 14 ou 15 anos, decidi que iria
jogar futebol, mesmo que sozinha (fazendo referência às escolas). Não
importava o que os outros falavam ou não”!
36
Trecho da entrevista realizada em 08 de novembro de 2012.
70
“[...] Era só eu de menina, por isso que eles tinham mais preconceito, não
queriam que eu jogasse junto por eu ser menina. Daí, depois que o professor
conversou e pediu para eles deixarem eu jogar, eles começaram a deixar”.
---
Pesquisadora: Como você começou a jogar futebol?
Marcelo: Comecei a jogar bola com 12 anos de idade em uma escolinha
Pesquisadora: Mas antes você nunca havia jogado?
Marcelo: Não! Meu pai não ligava.
Pesquisadora: Nem na escola (aulas de Educação Física)?
37
Trecho da entrevista realizada em 08 de novembro de 2012.
71
38
Entrevistas realizadas em 08 nov. 2010.
39
No futebol, as técnicas constituem ações motoras especializadas que permitem resolver as tarefas do jogo
(Garganta, 1997).
40
O jogador pode dar no máximo dois toques quando a bola vier em sua direção, ou seja, deve dominar e tocar.
41
No capítulo seguinte, mostramos que, além da técnica, a compreensão tática influenciava no modo como os
meninos e as meninas participavam dos jogos e tentamos compreender os diferentes desempenhos durante os jogos
adaptado e formal.
72
propriedade para afirmar se a razão pela qual não conseguiam resolver os problemas inerentes ao
jogo deve-se à experiência tardia, ao cenário e ao tempo de vivencia. Acreditamos ainda que
alguns meninos podem ter recusado a ceder a entrevista devido à falta de habilidade para jogar.
Percebemos que, de alguma forma, as experiências iniciais com jogos de bola
em locais sem um caráter educativo intencional, cuja prática é espontânea, são importantes para a
constituição de um corpo habilidoso para a prática do futebol. Outro ponto que podemos
considerar é o fato da rua aparecer como um ambiente espontâneo e eficaz para a aprendizagem
do jogo.
Indubitavelmente, nesta pesquisa, os sujeitos que iniciaram a prática do futebol
quando pequenos e que tiveram experiências corporais em espaços não institucionalizados, como
a rua, tinham mais habilidade para jogar do que aqueles que começaram a jogar mais tarde e em
escolas de futebol. Logo, quem teve mais oportunidade, mais tempo de vivência e qualidade
nesse cenário bricolado joga melhor. Assim, a prática do futebol em locais não
institucionalizados favoreceu a constituição dos saberes futebolísticos desses/as alunos/as , pois a
menina que jogava melhor teve experiência na rua e o menino menos habilidoso não jogou na
rua, somente em escolas de futebol.
Concluímos, então, que as diferentes experiências e os locais em que os
meninos e as meninas iniciaram a prática do futebol foram fundamentais para compreender as
dificuldades do ensino-aprendizagem do futebol na escola pesquisada. Acreditamos, ainda, que o
mesmo fato também deve ocorrer em outros cenários, porém com outros/as personagens e
significados.
4.2 Futebol e Força Física: “Ah, eles jogam bem forte e esquecem que estão jogando com a
gente”
“Eu gosto dos treinos de segunda-feira em que ele (professor) nos separa em
grupos. Fazemos o treino físico e com a bola vamos batendo com um pé e depois
com outro. Depois a gente corre no campo. Também é legal o incentivo dele
cobrando: Vai, vai, vai! Força, Força! Porque aí eu tenho que fazer rápido e
bem feito para jogar43.
42
Trecho da entrevista realizada em 8 nov. 2010.
43
Trecho da entrevista com Laura em 8 nov. 2010.
44
Anotações feitas no diário de campo em 20 out. 2010.
75
“[...] treinar junto é complicado por causa da força física. Então, você junta
uma turma de meninos e meninas, e os meninos não se desempenham tanto por
medo de machucar. Eles, sabendo que sua forca física é maior, até fazem um
pouquinho mais de graça. As meninas às vezes desanimam por ter menos
força física. Elas tocam pouco na bola e participam pouco dos treinos. Se a
gente for fica em cima das meninas para elas participarem mais do treino,
acaba ficando meio frouxo, entendeu? Meio solto, entendeu?” 45
45
Trecho da entrevista realizada em 10 nov. 2010.
46
Trecho da entrevista realizada em 10 nov. 2010.
77
47
Ficar na frente do adversário para impedir que ele se aproxime da bola e a controle. Falta punida com dois lances.
(PENNA, 1998).
48
É uma das infrações puníveis com tiro direto e que constitui um pênalti se praticado dentro da área de pênalti.
(PENNA, 1998).
49
Ação na qual o jogador de futebol fica a uma pequena distancia do adversário com a posse de bola e, mesmo sem
ir para o combate direto, impede que ele tenha sucesso na finalização de um lance (PENNA, 1998).
78
4.3 A beleza em jogo: o short da Laura, a caneleira da Giovanna e os topetes dos meninos
Julia Gama et al. (2011) e Maria Cristina Paim e Marlene Strey (2005) apontam
que, na sociedade, a magreza virou padrão de beleza e estereótipo da verdade absoluta de estar
saudável. Consequentemente, estar gorda tornou-se sinônimo de doença. Ser obeso é estar fora
do padrão social e ser tratado de forma diferenciada. Existe, nos dias de hoje, uma forte
influência social e cultural sobre o padrão de beleza ideal:
O mito da beleza não tem absolutamente nada a ver com as mulheres. Ele diz
respeito às instituições masculinas e ao poder institucional dos homens. As
qualidades que um determinado período considera belas nas mulheres são
50
Anotações feitas no diário de campo em 16 ago. 2010.
80
vem desse jeito, que frescura! Logo após os exercícios o professor separou as
equipes para o jogo adaptado 51.
51
Anotações feitas no diário de campo em 13 set. 2010.
82
Outro fato que me chamou atenção é que as meninas imitavam os meninos com
o gesto de posição na barreira, protegendo a genitália, e não os seios. Tal fato nos permitiu
constatar o quanto o futebol masculino é visto como modelo pelas meninas, principalmente no
que se refere aos gestos que fazem parte da prática.
Observamos que, além das meninas, alguns meninos, mesmo que em um
número reduzido, demonstravam preocupação com a estética e com a beleza.
Em um dos treinos, cheguei cerca de 15 minutos mais cedo, sentei próximo aos
vestiários e, pelas circunstâncias, fui incentivada a observar o “campo fora de campo”. Percebi
que dois alunos entraram no vestiário para se prepararem para o treino. Após alguns minutos os
dois saíram e ficaram nas proximidades aguardando o início dos treinos. Tive a oportunidade de
ouvir a conversa dos garotos. Eles conversavam sobre modelos de corte de cabelo e de marcas de
hidratantes corporais. Enquanto falavam, Ricardo passava gel no cabelo e perguntava para
Madson se estava bom, pois havia cortado muito curto e não estava conseguindo fazer o penteado
moicano corretamente. Já Madson, sentado no banco, se preparava para entrar em campo
massageando as pernas e os braços com hidratantes. Na ocasião, pensei: Será que terá algum
evento importante na escola?
O moicano adotado por Ricardo, Madson e outros meninos da escola pareciam
inspirados em alguns jogadores do futebol profissional, famosos e bem sucedidos, que, além de
serem consagrados como craques, são alvos de especulações midiáticas constantes.
52
As fotos foram retiradas de três sites distintos:
83
Foto do Cristiano Ronaldo – disponível em: <http://moicanocabelo.blogspot.com.br>. Acesso em: 8 mai. 2012.
Foto do Neymar – disponível em: <http://www.humorgeral.com>. Acesso em: 8 ma. 2012.
Foto do Beckham – disponível em: <http://www.ideiasdahora.com/ Acesso em: 8 mai. 2012.
53
Disponível em: <http://voudesaia.com/2011/02/chuteira-rosa-no-mundo-da-bola/>. Acesso em 7 maio. 2012.
84
FIGURA 7: Jogador com chuteiras cor de rosa e jogadora com chuteiras pretas
54
Personagem infantil criado por Mauricio de Souza.
55
Jogada que a bola é rebatida com a perna dobrada para trás e usando a face externa da chuteira próxima ao
calcanhar.
85
masculinidade dos garotos não ser colocada em questão, nem mesmo pelo uso de cores e adoção
de práticas socialmente mais próximas do universo feminino, como o rosa e as práticas de
embelezamento, rotulam o cenário futebolístico como um espaço masculino.
Apresentadas as vaidades dos jogadores e meninos que praticam futebol, nos
questionamos se as práticas de embelezamento no âmbito futebolístico não anunciam uma ruptura
com o modelo hegemônico de masculinidade. Para responder a questão, ressaltamos que na
sociedade contemporânea, desde meados de 1990, surgiu um “novo homem”, um “homem
consumidor”, um “homem vaidoso” que passou a fazer parte de um mercado masculino da
beleza, exclusivo ao público feminino no século passado (GARRINI; HOFF, 2007). De acordo
com as autoras, o “novo homem”, preocupado com a aparência física, é fruto das transformações
socioculturais de gênero e das que estão ocorrendo no modelo masculino e patriarcal, voltado
para o trabalho, ausente e alheio às práticas de consumo:
4.4 As discriminações verbais e corporais nas relações entre meninos, meninas, professores,
pais e mães.
conteúdos e são “obrigados/as” a participar. Ademais, conforme analisado por Liane Uchoga
(2012), essas aulas muitas vezes não propiciam o aprendizado dos conteúdos, os/as alunos/as
simplesmente praticam o que foi aprendido em outro local.
Embora as escolas de futebol nem sempre garantam o aprendizado, os/as
alunos/as que ali estão praticam o esporte por livre e espontânea vontade. Alguns querem adquirir
um “saber jogar” para se tornarem profissionais; fato que, em alguns casos, está ligado à pressão
de familiares e treinadores e o jogar bem passa a ser uma obrigação.
No que se refere ao futebol no ambiente escolar, algumas pesquisas apontam
conflitos, discriminações, desigualdades e diferenças de gênero em aulas mistas. Em sua
dissertação de mestrado, Altmann (1998) constatou a resistência dos meninos em jogar futebol
com as meninas, pois se sentiam ameaçados por aquelas que jogavam com destreza. Em relação
aos espaços da quadra, a autora observou uma ocupação e dominação masculina.
Neíse Abreu (1995) aponta o desnível de habilidade das meninas como um dos
maiores problemas nas aulas, pois surgia uma hierarquia, já que os meninos apresentavam um
nível de habilidade maior, e as garotas ficavam inibidas para participar das atividades propostas.
Uchoga (2012) identificou dificuldade de alguns meninos em relação à prática
do futebol nas aulas de educação física. Além de os impedir de vivenciar o jogo, a falta de
habilidade colocava em risco a imagem da masculinidade perante os demais colegas.
As pesquisas citadas contribuem para a premissa de que as classificações,
conflitos, hierarquias e diferenças de gênero atravessam a educação física escolar em diferentes
momentos históricos. No entanto, o discurso da superioridade masculina e da fragilidade
feminina ainda está presente na escola e é entendido pelos docentes como algo “natural”.
É importante salientar que quando as meninas são hábeis ou superiores aos
meninos em determinadas práticas corporais, a feminilidade delas é questionada pelos colegas e,
até mesmo, pelos professores. Por outro lado, quando os meninos não apresentam um
desempenho esperado, a masculinidade deles também é colocada em questão. Tais
comportamentos são, de certa forma, esperados já que “a escola, não é uma ilha isolada do
mundo, as expectativas de gênero, não só são incitadas em seu espaço, mas emergem do olhar da
sociedade sobre o gênero” (SCHWENGBER, 2009, sem página).
Compartilhamos com as autoras supracitadas a ideia de que a escola é um
espaço de relações, diferenças e hierarquias, tanto de gênero como de classe, de raça e de outros
87
marcadores. No entanto, cremos que a escola pode ser um local em que os preconceitos podem
ser rescindidos para que novas relações de igualdade e respeito se configurarem.
Partindo dessa premissa e considerando que a escola de futebol é, também, um
local de socialização de gênero, nos perguntamos: Como são as relações entre meninos e meninas
quando treinam a mesma modalidade, partilhando o mesmo espaço, tempo e metodologia?
Podem ocorrer discriminações, exclusões e diferenças? Será que na escola de futebol também
emergem discursos advindos de uma construção simbólica do que é ser homem/ser mulher?
Afinal, os professores estão preparados para desmistificar os preconceitos inerentes às questões
de gênero?
Durante a pesquisa de campo, por meio das conversas e observações,
identifiquei a presença de um discurso da inferioridade feminina e a reprodução de expectativas
sociais distintas sobre os corpos. Mas, afinal, quais eram as expectativas corporais em relação aos
meninos e meninas no jogo? Como eram vistos pelos pais, mães e professores? Ficou claro que,
no Mestre da Bola F.C., havia definições e características para o universo masculino e feminino.
Uma enxurrada de perspectivas sobre o comportamento dos/as alunos/as
pairava em todos os espaços da escola. Discursos sobre o que tinham que fazer durante os jogos,
como deveriam se comportar durante os treinos e o que pertencia a meninos e meninas foi
suficiente para perceber que todos/as estavam condicionados e orientados a um padrão e norma
social. Um exemplo, entre tantos outros, pode ser encontrado em uma conversa que tive com a
mãe de um aluno.
Desde os primeiros dias de observação, bastava olhar para o banco mais
próximo dos alambrados do campo para encontrar Dona Rosa, aguardando o início dos treinos.
Com o passar dos dias, tendo estabelecido um contato mais próximo com aquela senhora,
constatei que ela não era a favor das meninas jogarem futebol. Em um dos treinos, Dona Rosa fez
o seguinte comentário:
56
Anotações feitas no diário de campo em 25 ago. 2010.
88
57
Anotações feitas no diário de campo em 25 ago. 2010.
58
Anotações feitas no diário de campo em 1 set. 2010.
89
destinado aos homens. Tomemos como exemplo os Jogos Olímpicos em 2008, quando Marta foi
descrita pelos jornalistas como a “Pelé do futebol feminino”:
Na escola, durante os treinos, era comum o professor se dirigir aos (às) alunos
(as) com uma postura e linguagem militarista: “Vamos! Eu quero é força, velocidade! Aqui é
homem a homem na marcação! Aqui não é moleza!” . É evidente que os meninos, ao serem
comandados dessa forma, também cobravam de seus colegas desempenho e reproduziam o
mesmo discurso em campo.
Em um dos treinos, Rodrigo e Letícia não conseguiram terminar a atividades
propostas, correr durante dez minutos em volta do campo e fazer abdominais em duplas
utilizando as bolas de futebol. A atuação individual do menino chamou a atenção dos demais, não
concordaram com a queda do seu rendimento e por isso o chamaram de “boneca doce”. Como
59
Disponível em < http://veja.abril.com.br/blog/copa-2010/jogadores/marta-e-a-versao-feminina-de-pele/> Acesso
em:16 abr. 2012.
90
Todas as sociedades contam com registros culturais de gênero, mas nem todas
têm o conceito masculinidade. Em seu uso moderno o termo significa que a
própria conduta é resultado do tipo de pessoa que se é. Isto quer dizer que uma
pessoa não masculina se comportaria diferentemente: seria pacífica em vez de
violenta, submissa em vez de dominante, quase incapaz de chutar uma bola de
futebol, indiferente na conquista sexual, e assim sucessivamente.
destacariam e ficariam com uma imagem negativa. Por outro lado, se realizassem a atividade com
os meninos, a posição deles perante o grupo poderia ser neutra, uma vez que havia entre eles uma
grande discrepância de habilidades, de saberes e leituras do jogo e também outros atributos
valorizados no futebol.
Neste momento, identifiquei dois tipos de discriminações de gênero
reproduzidas na escola: verbal e corporal. Algumas evidências permitem identificar a
discriminação verbal vinculada aos dois sexos, ou seja, ao se desviarem e romperem com as
normas e expectativas sociais, meninos e meninas eram discriminados verbalmente. Destaco três
diários de campo que nos permitem aguçar o olhar sobre as questões de discriminação:
Durante o jogo, Rodrigo levou uma bolada nas nádegas, levantou a bermuda e
perguntou para o professor se havia ficado com hematomas na pele. O professor
então fez o seguinte comentário: Que coisa é essa Rodrigo? Que bichice! É
meio gay, meio Richarlyson, ficar levantando o shortinho assim. To estranhando
você, hein! (Diário de campo, 13 set. 2010).
Laura falou um palavrão após sofrer uma falta. O professor não gostou da
atitude da garota e lhe deu uma bronca: Laura, mulher não pode falar palavrão,
viu! Tem que ser delicada e, às vezes, nem futebol jogar. Laura, respondeu
(brincando): tá bom! Vou ser mais delicada e não vou jogar mais, tá! (Diário de
campo, 27 set. 2010).
Hoje cheguei mais cedo na escola e pude observar o treino do sub 13. Havia,
naquela turma, três meninas e 11 meninos treinando. Durante o alongamento, o
professor perguntou para as meninas se elas tinham limpado a casa e lavado a
louça para mãe antes de virem para o treino, pois “para jogar futebol mulher
deve lavar a louça antes”. (Diário de campo, 8 set. 2010).
recebiam a bola com frequência, não protagonizavam cenas de cobrança de falta, de lateral e de
pênalti. Ademais, eram as últimas a serem escolhidas para os jogos, pelo professor.
O fato de pertencerem ao sexo feminino era o principal motivo das alunas não
participarem ativamente do jogo e de não receberem a bola com a mesma frequência que os
alunos, ao passo que os meninos, independentemente se sabiam jogar ou não, conseguiam
participar. Nessas situações, o que estava em jogo não era o “saber jogar”, mas, sim, o sexo de
quem jogava. É fato que as diferenças físicas e biológicas influenciavam negativamente na
participação das meninas nos jogos.
Nesta perspectiva, uma lógica dicotômica e um discurso binário permeavam os
espaços da escola. Conforme Louro (2003, p. 33) “[...] essa lógica supõe que a relação
masculino-feminino constitui uma oposição entre um polo dominante e outro dominado e essa
seria a única forma de relação entre os dois elementos”. Deste modo, mesmo escapando do
binarismo, todos os meninos eram vistos e reconhecidos como os “bons de bola” quando
comparados a qualquer uma das meninas. O trecho abaixo, retirado do diário de campo do dia 18
de agosto de 2010, exemplifica essa questão:
Após o treino físico, o professor Guilherme pediu para todos/as os/as alunos/as
sentarem próximos ao centro do campo para separar as equipes que iriam jogar
(jogo adaptado). O professor escolheu primeiro todos os meninos para as
equipes e, devido à quantidade de alunos, colocou as únicas meninas que
compareceram ao treino para jogarem na mesma equipe. Dessa forma, uma
equipe ficou formada só por meninos e a outra mista. Madson não concordou e
se dirigiu da seguinte maneira para o professor: “Manda uma menina para lá,
três meninas no mesmo time não dá! O time está fraco!”
[...] o que faz o poder das palavras e das palavras de ordem, poder de manter a
ordem ou de a subverter, é a crença na legitimidade das palavras e daquele que
93
Alguns jogos são atravessados pelo engedramento dos papéis sexuais que
causam tensões, já que existem consensos estabelecidos em torno do significado de certos
códigos. Nos jogos realizados no Mestre da Bola F.C., jogar bem e ter um desempenho melhor
do que o dos meninos, faz das meninas uma ameaça nos jogos de futebol e, certamente, podem
modificar os significados de certos eventos que ocorrem no interior do jogo e colocar em risco a
masculinidade dos meninos. Portanto, diante dessa situação, os meninos tendem a buscar outras
estratégias para se afirmarem como meninos (DAMO, 2006). No contexto em questão,
compreendemos os motivos que levaram Fernando a dizer que o drible de Bárbara foi uma
permissão dele, pois o reconhecimento da superioridade da menina poderia colocar em risco sua
masculinidade.
95
O futebol que hoje conhecemos deixou de ser jogado com frequência nas ruas,
nos campinhos de várzea e nos terrenos baldios. Há algumas décadas, muitas crianças e
adolescentes aprendiam a jogar apenas nesses locais e, da várzea, eram recrutados muitos futuros
jogadores profissionais, já que os meninos da várzea apresentavam uma maneira toda particular
de jogar futebol (FREIRE, 2003).
Os locais em que o futebol era aprendido, em que crianças chutavam latas e
tampas de garrafas e faziam traves com chinelos e tijolos, foram substituídos por prédios, casas e
indústrias.
As escolas de futebol foram criadas somente quando pessoas dos
grandes centros urbanos, constatando a escassez do espaço para
jogar bola, perceberam que podiam reinventá-los. E foi assim que
surgiram as primeiras tentativas de ensinar futebol em escolas; os
craques se aposentavam e viravam professores dessas escolas
(FREIRE, 2003, p. 2).
Crianças e adolescentes que aprendiam a jogar, regidos por suas próprias regras
e valores, conectados ao universo das brincadeiras infantis com a bola, aprenderam a jogar e
socializar por meio do futebol em outros locais além da rua como, por exemplo, as escolas de
futebol (FREIRE, 2003).
De acordo com Claudemir José dos Santos (2009), tendo em vista os
empreendimentos e investimentos industriais, algumas escolas de futebol são apoiadas pelas
estruturas que dirigem o futebol profissional. Nesses casos, faz-se necessário refletir sobre os
objetivos da propagação desses espaços, pois podem ter um caráter pedagógico-educacional ou
uma relação comercial e lucrativa pela busca de novos talentos, acarretando, muitas vezes, na
especialização precoce de algumas crianças (SCAGLIA, 1996).
Retomando o contexto da pesquisa, os treinos costumavam ocorrer por etapas,
seguindo, tradicionalmente, o mesmo roteiro: às segundas-feiras, no campo menor, os treinos
seguiam a seguinte ordem: (1) aquecimento; (2) alongamento; (3) exercícios para o
condicionamento físico e treino técnico dos fundamentos; (4) jogo adaptado com a regra dos dois
toques. Às quartas-feiras, no primeiro momento do treino, eram realizados o aquecimento e o
alongamento no campo menor. No segundo momento, o jogo formal de futebol no campo maior
(sem adaptações de regras).
98
60
Material usado para demarcar os espaços do campo.
99
61
Trecho da entrevista realizada em 27 out. 2010.
62
Trecho da entrevista realizada em 18 out. 2010.
101
....................
......................
63
Trecho da entrevista realizada em 10 nov. 2010.
64
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102
exercícios analíticos aplicados aos fundamentos do futebol. Na maioria das vezes, os meninos
que tinham nível de habilidade compatível ou inferior ao das meninas relutavam em juntar-se a
elas para realizar as atividades. Por outro lado, os alunos mais habilidosos faziam questão de
formar duplas com as meninas, principalmente com a Laura e a Giovanna.
Os meninos e meninas faziam o aquecimento e o alongamento separados.
Eles/as gostavam de conversar enquanto realizavam essas tarefas, talvez pelo fato de poderem
falar de outros assuntos além do futebol e darem risadas sem o professor achar ruim.
As meninas realizavam os exercícios com dedicação e sem reclamar. Nos
exercícios de fundamentação técnica, apresentavam certa dificuldade na execução. Laura, por
exemplo, em um dos treinos65 mostrou ter problemas em dominar a bola de futebol.
65
Anotações feitas no diário de campo em 30 ago. 2010.
105
competências individuais e coletivas, tais como: finalização, passe, controle, condução, desarme,
drible, lançamento, cruzamento e cabeceio.
Durante as observações, constatei que as meninas não tinham competência para
dominar a bola área, não arriscavam chutes em direção ao gol e raramente conseguiam driblar os
meninos. Quando tentavam conduzir a bola, na maior parte das vezes, eram “impedidas” de
seguirem adiante, pois os meninos, que conseguiam tocar e executar com destreza os
fundamentos, comandavam as jogadas exigindo que elas tocassem rapidamente para o
companheiro mais próximo.
As atitudes dos meninos e das meninas durante os treinos eram bem diferentes.
Eles reclamavam que o jogo adaptado e os treinos aplicados para o desenvolvimento das
habilidades eram maçantes e repetitivos. Já as meninas não reclamavam, no entanto, só realizam
com facilidade os exercícios que exigiam o passe rasteiro e o domínio da bola com os pés.
66
Jogada na qual o atleta encobre o adversário, ao passar a bola à meia-altura deste, apanhando-a mais na frente,
como o ato de estender um lençol (PENNA, 1998).
67
Trecho da entrevista realizada em 8 nov. 2010.
108
jogo. Elas até entendiam a estrutura do jogo, mas não conseguiam realizar todos os fundamentos.
Alguns meninos ficavam irritadíssimos com as meninas queriam vencer o jogo a qualquer custo e
paravam de tocar a bola para elas. Os meninos também perdiam o domínio da bola ou eram
desarmados pelo/a adversário/a, mas um menino perder a bola era algo normal, pois esses
apresentavam outros atributos importantes para o jogo, tal como a força e a velocidade durante a
marcação.
Enquanto participavam do jogo formal, as meninas não conseguiam realizar os
fundamentos exigidos. Em uma das análises dos scalts, verifiquei que Priscila realizou apenas
quatro passes, uma finalização e um desarme. Já Fernando fez 16 passes, uma finalização, um
desarme, sete conduções de bola e quatro dribles.
O prazer dos meninos em participar do jogo formal pode estar relacionado ao
entendimento e à boa execução dos fundamentos e o modo como se envolviam no mundo do
jogo. Observemos a citação de Scaglia (2003, p. 62):
“[...] muitas meninas vem treinar, mas acabam parando, porque tocam pouco
na bola. Elas chegam e falam: “- professor ninguém toca a bola para mim”,
mas é complicado você ficar cobrando o grupo para tocar a bola pra elas,
fazendo elas participarem, correndo atrás. Até certo ponto elas vão fazer, só que
vai chegar um momento em que vão se sentir em desvantagem. Então, acho que
a maior dificuldade é motivá-las a jogar com os meninos”.69
68
Jogante é usado para expressar a entrega do jogador ao jogo – “ao desejo de jogar” (REVERDITO; SCAGLIA,
2007, p. 52).
69
Trecho da entrevista realizada em 10 nov. 2010.
109
Autoriza o professor. O time de colete laranja mexe na bola. Gabriel toca para
Lucas que, em seguida, tenta devolver o passe, mas é desarmado por Fernando.
Fernando toca na lateral para Priscila, que resolve tocar lá na zaga e recomeçar o
jogo. João Murilo, improvisado na zaga, domina a bola no peito - que domínio
lindo! Os pais e a mães aplaudem e vão à loucuraaaa! João lança a bola na linha
de fundão. Felipe recebe a bola, tenta driblar o primeiro, o segundo, mas é
puxado por careca. O professor não marcou a falta! Irritadíssimo, Felipe reclama
com o professor. Careca pega a bola e sai tocando com Ricardo. Madson aparece
para receber a bola e devolve para Ricardo, que toca na lateral para careca.
Careca olha de longe Gustavo, que está livre. Gustavo tem o meio de campo
todo aberto; carrega a bola, vai arriscar! Vai arriscar o chute, vai bater, mais é
travadoooo por João Murilo, que já domina a bola e sai jogando na lateral com
Priscila. Priscila está livre e pede jogo. Priscila recebe a bola, toca para Lucas.
Ronaldo aparece no meio para receber o passe, mas está marcado e, sem espaço,
recomeça o jogo.
70
Jogo Formal filmado no dia 06/10/2010.
111
Cremos que o nível de eficiência pedagógica dos jogos adaptados não era
relevante aos alunos/as. Em nenhum momento a regra dos dois toques proporcionou os/as uma
aquisição gradual de conhecimento, pois eles já sabiam muito mais do que tocar e dominar a bola.
No caso das meninas, criou-se uma adaptação, a qual permitiu que o futebol se tornasse possível,
uma vez que elas participavam do jogo utilizando os fundamentos que sabiam, repetindo o que já
sabiam fazer.
Ante o exposto, acreditamos que algumas questões devem ser discutidas e
repensadas em relação aos treinos de futebol na escola Mestre da Bola. No caso do jogo
adaptado, o professor deveria diversificar a regra, proporcionando a meninos e meninas novos
desafios. Se o objetivo da prática fosse unicamente a inclusão das meninas nos treinos, o objetivo
teria sido alcançado.
Nesta pesquisa, desconsideramos a inclusão como a finalidade da pedagogia do
futebol. O objetivo central é fazer com que todos/as aprendam a jogar melhor. Para tanto, é
necessária uma proposta que permita sistematizar os conteúdos de acordo com o nível de
complexidade dos/as alunos/as. Deve haver uma sequência do fácil para o difícil; do mais
simples para o mais complexo; e do conhecido para o desconhecido a partir daquilo que eles/as já
conhecem e são capazes de fazer (REVERDITO; SCAGLIA, 2009).
Garganta (1995) afirma que o professor ou treinador deve estar ciente do
potencial de cada aluno/a. O autor propõe a organização do jogo em forma de unidades
funcionais, as quais não permitem que o/a professo/ar identifique as etapas em que os/as
alunos/as se encontram. Durante o processo de ensino-aprendizagem, essas etapas devem ser
respeitadas e consideradas nas práticas educativas propostas.
Ao elaborar uma proposta pedagógica para o ensino do futebol, não devemos
limitá-la apenas ao ensino da técnica ou às padronizações de movimentos. De acordo com Freire
(2003), devemos pensar em uma metodologia que leve o individuo a compreender suas próprias
ações. Portanto, o ensino da técnica não deve ser separado do ensino da tática e o “como fazer”
deve estar vinculado às “razões do fazer”:
anos de idade, Marcelo não havia praticado futebol antes. Portanto, pela proposta didática
apresentada por Garganta (1995), ele deveria ter iniciado a aprendizagem nas etapas que lhe
permitissem conexões entre os elementos do jogo, a bola e o alvo.
É preciso que estas etapas sejam respeitadas, pois um aluno que se encontra no
“jogo anárquico” (onde todos correm atrás da bola e ainda verbalizam demais,
além de não conseguirem distribuir funções e posicionamentos), não irá
compreender a “descentração” (onde se abre mão do objeto primordial que é a
bola, para assumir funções e compreender a lógica do jogo) e nem a
“estruturação” deste jogo (cujas funções entre os participantes precisam ser
coordenadas) (VENDITTI JR; SOUSA, 2008, p. 53).
*CLUBES
*ESCOLAS
PROFESSORES
E DE
ESCOLA
TREINADORES ESPORTES
“Jogar futebol porque que é meu sonho. Meu sonho mesmo é ser jogador de
futebol. É um sonho, sabe? Eu vejo os caras lá, na televisão, jogando e aí... Um
dia sonho ser um daqueles jogando bola.”(Gutierres, 13 anos).
“Quero ser um profissional e dar uma vida melhor para a minha mãe e para o
meu pai” (Gabriel, 15 anos.).
“[...] Ahhh, virar um jogador de futebol profissional é meu sonho. Sei lá, é que
eu ainda não tive a chance de mostrar para os times que podem me levar pra ser
profissional. Eu ainda não tive essa oportunidade” (Ronaldo, 19 anos).71
“Eu sei que aqui no Brasil não tenho muita oportunidade. Eu quero me
aperfeiçoar aqui e, quando eu tiver uns 17 ou 18 anos, ir para fora do país. Pois
lá tem mais colaboração do país e do governo, essas coisas...” (Bárbara, 15
anos).
“Aqui (se referindo ao Brasil) a gente não tem sorte! Se eu conseguir chegar ao
meu objetivo, que é um time profissional, vou continuar com o futebol. Caso
contrário na, eu vou fazer outra coisa” (Priscila, 16 anos).
71
Trecho das entrevistas realizadas em 27 nov. 2010.
72
Disponível em: < http://www.youtube.com/watch?v=ctlmN7NOWgE>. Acesso em: 08 mai. 2012
117
Para chegar até aqui, a caminhada foi longa. Pisei em um campo de futebol sem
poder jogar; vivenciei tristezas; saboreei alegrias; tabelei com duas áreas de estudo: a pedagogia
do esporte e os estudos de gênero; chutei os problemas particulares; driblei os empecilhos; joguei
na posição de pesquisadora, na qual nunca havia atuado; e finalizei esta dissertação tentando
fazer uma “bela jogada”. Enfim, o jogo da pesquisa foi jogado e também jogante.
Este estudo buscou compreender como as relações de gênero perpassam a
prática do futebol quando meninas e meninos treinam juntos. Dentre as questões que emergiram
durante a pesquisa, analisamos a interferência pedagógica em relação às questões de gênero e ao
processo de ensino/aprendizagem desenvolvido no cenário das escolas de futebol.
A observação dos treinos nos possibilitou concluir que o espaço pedagógico era
inspirado em técnicas de treinamento de clubes profissionais. O ensino do gesto técnico
predominava por meio da repetição de exercícios distantes da situação real de jogo. A técnica não
era trabalhada em conjunto com aspectos táticos e dentro do contexto de jogo e,
consequentemente, não priorizava a resolução de problemas inerentes ao jogo. As análises nos
mostram que a forma como o treinamento era desenvolvido propiciava conhecimento e domínio
corporal dos saberes futebolísticos bastante limitados, que pouco qualificavam os jogadores e,
principalmente, as jogadoras para a prática do futebol.
O futebol não era ensinado a todos, pois alguns (umas) alunos/as não
conseguiam realizar os exercícios propostos e apresentavam dificuldades durante os jogos.
Ademais, os treinos propostos pouco alteravam essa situação. As intervenções ali realizadas não
consideravam as diferenças corporais, culturais, sociais, de habilidade, dentre outras. As práticas
não eram construídas a partir das necessidades concretas de cada jogador/a a fim de qualificá-
lo/a.
73
Trecho da canção “A estrada” composta por Toni Garrido.
120
inerentes ao jogo devido à falta de domínio dos fundamentos exigidos. Embora as dificuldades
não fossem exclusivas das meninas, elas representavam o maior número de indivíduos com
dificuldades e não se mostravam motivadas nos jogos formais, já que, para elas, o jogo era apenas
jogado e não jogante.
O fato da maior parte dos meninos ter vivenciado a prática do futebol na rua e
ter mais tempo de vivencia influenciou, de forma direta, no domínio que tinham dos aspectos
técnico-táticos em suas mais diversas variações. Ademais, tinham outros atributos positivos
como, por exemplo, a força, a velocidade e a coragem de se arriscarem nas atividades propostas.
O jogo adaptado não proporcionava prazer aos meninos, que acabavam não se entregando ao
jogo, pois a regra adaptada quebrava a dinâmica do jogo e os garotos eram impedidos de jogar o
futebol que já sabiam e de utilizar todos os atributos e técnicas corporais. Como podemos
observar, o comportamento dos meninos e das meninas nos jogos adaptado e formal era bastante
distinto.
Ainda acerca da participação dos/as alunos/as nos jogos, observamos que as
experiências corporais com outras modalidades coletivas de invasão também pode exercer
influência na compreensão tática do futebol, uma vez que os princípios operacionais são os
mesmos e podem ser transferidos de uma modalidade para a outra. Durante os jogos, alguns
(umas) alunos/as não apresentavam tantos saberes técnicos, todavia compreendiam a tática
devido à percepção das estruturas comuns entre o futebol e o outro esporte coletivo já praticado.
Observamos que uma iniciação esportiva diversificada propicia aos/às jogadores/as um
desenvolvimento mais amplo das habilidades corporais e esportivas.
Quanto às questões de gênero, podemos afirmar que o cenário da escola é
permeado pelos significados sociais e culturais que são atribuídos socialmente aos corpos
masculino e feminino. O discurso biológico que diferencia e hierarquiza um sexo em detrimento
do outro, evidenciando ser o masculino supostamente superior ao feminino é abertamente
reproduzido. Neste cenário, o futebol é considerado uma atividade mais apropriada aos meninos e
menos apropriada às meninas.
Identificada a questão, investigamos como os significados que eram
reproduzidos em relação aos gêneros influenciavam os treinos e constatamos que embora as
meninas fossem inclusas e aceitas nos jogos, os meninos e o professor ditavam a forma como elas
deveriam/poderiam participar. Sendo assim, o fato de treinarem juntos, não implicava em
122
igualdade de condições para meninas e meninos. A prática pedagógica não era pautada em
princípios de equidade ao que se refere o ensino e aprendizagem do futebol. O ensino e a
aprendizagem do futebol estavam vinculados às concepções de gênero, ou seja, a aprendizagem
não era possível a todos, pois um discurso biológico e “natural” atravessava e permeava a prática
docente.
A ação do professor de Educação Física, por mais progressista que seja, ainda
não conseguiu se liberar da dicotomia criada culturalmente entre o masculino e o
feminino, prosseguindo a atual ação pedagógica a limitar o pleno
desenvolvimento motor dos indivíduos, norteada pelos atributos aceitos
socialmente para cada sexo (CARDOSO, 1994, p. 267).
meninas a se considerarem frágeis, partindo da premissa de que a fragilidade é usada por elas
para justificar a deficiência de algumas habilidades.
Por que as meninas se preocupavam tanto com a força física? A força é um
atributo indispensável para jogar futebol? As meninas se preocupavam com a força física para
serem reconhecidas dentro de campo por seus companheiros e adversários. Observamos que, para
o professor, o jogo não era possível para as meninas devido à superioridade física dos meninos.
Por fim, partindo do ponto de vista pedagógico, cremos que o jogo só será
possível quando meninos e meninas forem vistos dentro dos ambientes de ensino e aprendizagem
como corpos esportivos; quando as experiências vividas por eles/as durante os processos de
socialização forem reconhecidas; quando as características individuais forem respeitadas; quando
as questões de gênero tiverem um significado complexo na iniciação esportiva; e quando os
aspectos corporais, culturais e sociais desses corpos influenciarem, da mesma forma, na prática
docente, ou seja, no modo de ensinar futebol.
125
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Tradução: Waldéa Barcellos. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.
133
APÊNDICES
.
135
Como e onde começou a jogar futebol? Quantos anos tinha? Com quem iniciou a prática?
Teve o apoio da família?
Alguém da sua família joga? Pratica algum outro esporte ou atividade física?
Onde joga futebol hoje? Com quem? Com que frequência?
Quem o leva para jogar?
Quais são suas ambições no futebol?
O que você acredita que seja necessário pra chegar lá?
Quais dificuldades você acredita que irá enfrentar?
O que você acha de jogar futebol no Mestre da Bola ?
Você gosta dos treinos?
Por que você escolheu o Mestre da Bola?
O que você acha dos treinos? O que funciona? O que não funciona?
Com quem você gosta de treinar?
Com quem não gosta de treinar?
Como são as relações com os outros jogadores?
O que acha do treinador?
137
Campinas,______de__________________________de 2010.
_______________________________________________
Comitê de Etica-FCM/UNICAMP
Tel:3521-8936
Aline Edwiges dos Santos Viana (pesquisadora responsável)
Faculdade de Educação Física/UNICAMP
End: Érico Veríssimo, 701, cidade universitária Zeferino Vaz
Campinas, SP-Brasil
Fone: ( 19) 88108606
E-mail: [email protected]
Eu______________________________________RG_______________responsavel pelo/a
aluno/a _________________________ de_______ anos de idade, autorizo a pesquisadora Aline
Edwiges dos Santos Viana a realizar a pesquisa : As relações de gênero em uma escola de
futebol: quando o jogo é posível?
141
Prezado professor:
Eu, Aline Edwiges dos Santos Viana estudante de Mestrado da Faculdade de Educação Física da
UNICAMP responsável pelo projeto “As relações de gênero em um escola de futebol: quando
o jogo é possível?”, orientado pela Dra. Helena Altmann.
Essa pesquisa tem por objetivo: compreender como as relações de gênero
perpassam a prática do futebol, quando meninas e meninos aprendem e treinam juntos essa
modalidade. Para isso a pesquisadora observara treinos de turmas mistas, sem nenhum
interferência na dinâmica dos treinos durante o período de 2 (dois) bimestres, podendo estender -
se por mais um se houver necessidade. Além de entrevista gravada com os/as alunos/as e com o
professor previamente agendada.
Portanto, conto com a sua colaboração, no sentido de permitir que o/a aluno/a
sob sua responsabilidade possa ser observado/a pela pesquisadora durante os treinos. O
consentimento não é obrigatório; a qualquer momento o Sr. poderá retirar seu
consentimento, desde que entre em contato com a responsável pela pesquisa.
Garantimos que as informações serão utilizadas exclusivamente para fins de
pesquisa e em nenhum momento divulgaremos nome da escola, professores e alunos na pesquisa.
Destaco que o Sr. não terá nenhum gasto neste estudo.
Caso concorde de livre espontânea vontade, em permitir minha presença nos
treinos, por favor, assine este termo.
Campinas,______de__________________________de 2010.
_______________________________________________
Comitê de Etica-FCM/UNICAMP
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Aline Edwiges dos Santos Viana (pesquisadora responsável)
Faculdade de Educação Física/UNICAMP
End: Érico Veríssimo, 701, cidade universitária Zeferino Vaz
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E-mail: [email protected]
Eu______________________________________RG_______________professor da escola de
futebol______________________, autorizo a pesquisadora Aline Edwiges dos Santos Viana a
realizar a pesquisa: As relações de gênero em uma escola de futebol: quando o jogo é possível?
142