Desafios para Moçambique 2012 - IESE PDF
Desafios para Moçambique 2012 - IESE PDF
Desafios para Moçambique 2012 - IESE PDF
PARA
peração e dedicada a contribuir para o desenvolvi- te uma unidade temática em torno de uma questão comum, definida ex-ante,
mento de redes de investigadores e organizações de para todos os artigos: o que é que a investigação social e económica em Moçam- Bridget O’Laughlin
investigação associadas sobre Moçambique e o seu bique tem, como conhecimento e abordagem, para oferecer à planificação económica
enquadramento na África Austral e no Mundo. e social de médio prazo e, consequentemente, o que pode a planificação económica e Carlos Muianga
MOÇAMBIQUE
social de médio prazo aprender da investigação social e económica existente em Mo-
çambique? O Plano de Acção para a Redução da Pobreza (PARP) 2011-2014
Carlos Nuno Castel-Branco
foi tomado como ponto de referência comum para esta análise. Por causa deste Carlos Oya
enfoque comum, explicitado ex-ante, as quatro partes temáticas do livro
(política, economia, sociedade e Moçambique no Mundo) apresentam maior Gustavo Sugahara
2012
interligação, mesmo que as abordagens e metodologias dos autores sejam dis-
tintas e, por vezes, em contradição umas com as outras.
João Mosca
Lourenço do Rosário
Oksana Mandlate
Philip Woodhouse
Rogério Ossemane
Sérgio Chichava
Sofia Amarcy
Tomás Selemane
Yasfir Ibraimo
ISBN
www.iese.ac.mz
DESAFIOS
PARA
MOÇAMBIQUE
2012
organização
Luís de Brito | Carlos Nuno Castel-Branco | Sérgio Chichava | António Francisco
DESAFIOS
PARA
MOÇAMBIQUE
2012
organização
Luís de Brito | Carlos Nuno Castel-Branco | Sérgio Chichava | António Francisco
www.iese.ac.mz
TÍTULO
DESAFIOS PARA MOÇAMBIQUE, 2012
ORGANIZAÇÃO
LUÍS DE BRITO, CARLOS NUNO CASTEL-BRANCO, SÉRGIO CHICHAVA, ANTÓNIO FRANCISCO
EDIÇÃO
IESE
COORDENAÇÃO EDITORIAL
MARIMBIQUE – CONTEÚDOS E PUBLICAÇÕES, LDA
EDITOR EXECUTIVO
NELSON SAÚTE
DESIGN GRÁFICO
ATELIER 004
PAGINAÇÃO
ZOWONA - COMUNICAÇÃO E EVENTOS
FOTOGRAFIA DA CAPA
JOÃO COSTA (FUNCHO)
REVISÃO
OLGA PIRES E MARIA LUÍSA BLACK
IMPRESSÃO E ACABAMENTO
NORPRINT
NÚMERO DE REGISTO
7423/RLINLD/2012
ISBN
ISBN 978-989-8464-11-8
TIRAGEM
1500 EXEMPLARES
ENDEREÇO DO EDITOR
AVENIDA PATRICE LUMUMBA, N. 178, MAPUTO, MOÇAMBIQUE
[email protected]
WWW.IESE.AC.MZ
TEL.: +258 21 328 894
FAX : + 258 21 328 895
António Francisco
Director de investigação e Coordenador do Grupo de Investigação sobre Pobreza e Protecção
Social do IESE. É Professor Associado da Faculdade de Economia (FE) da Universidade
Eduardo Mondlane (UEM). Licenciado em Economia (FE-UEM, 1987), Mestre (1990) e
Doutorado (1997) em Demografia pela Universidade Nacional da Austrália.
[email protected]
Bridget O’Laughlin
Doutorada em Antropologia pela Universidade de Yale. Professora em População e
Desenvolvimento, no Institute of Social Studies, de Haia (Reformada). Investigadora Associada
do IESE. As suas actuais áreas de pesquisa são transformação agrária, migração, género e saúde
rural na África Austral.
[email protected]
Carlos Muianga
Assistente de Investigação no IESE, é licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da
Universidade Eduardo Mondlane. As suas áreas de pesquisa estão ligadas a recursos naturais, indús-
tria extractiva e ligações intersectoriais.
[email protected]
Gustavo Sugahara
Colaborador Associado do IESE em Maputo e Membro Associado do Instituto Universi-
tário de Lisboa (ISCTE-IUL), DINÂMIA’CET-IUL. Mestre em Economia e Políticas
Públicas pelo ISCTE-IUL (2010), Lisboa. As suas áreas de pesquisa são o Envelhecimento
Populacional e as Cidades, encontrando-se presentemente envolvido no projecto do Grupo de
Investigação sobre Pobreza e Protecção Social do IESE, “Envelhecimento Populacional em
Moçambique: Conquista, Ameaça ou Oportunidade?”.
[email protected]
João Mosca
Professor Catedrático e investigador na Universidade A Politécnica em Maputo. Doutorado em
Economia Agrária e Sociologia Rural pela Universidade de Córdoba (Espanha) e Agregado pela
Universidade Técnica de Lisboa (Portugal).
[email protected]
Lourenço do Rosário
Reitor da Universidade A Politécnica, Presidente do Mecanismo Africano de Revisão de Pares
(MARP) Moçambique, Presidente do Fundo Bibliográfico da Língua Portuguesa (FBLP), Profes-
sor Titular da Universidade Eduardo Mondlane (UEM) e Professor Associado da Universidade
Nova de Lisboa. É Doutorado em Letras (Literatura Africana de Língua Portuguesa) pela Uni-
versidade de Coimbra.
[email protected]
Oksana Mandlate
Directora do Centro de Documentação do IESE e assistente de investigação no Grupo de Inves-
tigação sobre Economia e Desenvolvimento. É licenciada em Economia pela Faculdade de Eco-
nomia da UEM, e mestranda em Socioeconomia pelo Instituto Superior de Ciência e Tecnologia
de Moçambique (ISCTEM). A sua área de investigação é relacionada com recursos minerais e
desenvolvimento.
[email protected]
Philip Woodhouse
Senior Lecturer em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural no Institute for Development Policy
and Management (IDPM) da School of Environment and Development (Universidade de Man-
chester). Bacharel (Univ. de Oxford) e Doutorado (Univ. de Reading) em Agricultura. As suas áreas
de investigação são aspectos institucionais do uso de recursos naturais e gestão ambiental e a sua
relação com a transformação agrária; o impacto da transformação tecnológica, socioeconómica e
política na agricultura e outras formas de utilização da terra e água.
[email protected]
Rogério Ossemane
Investigador do IESE e Assistente na Faculdade de Economia da Universidade Eduardo Mond-
lane. É mestre em Desenvolvimento Económico pela Universidade de Londres (SOAS). A sua área
de investigação é a relação entre política monetária e fiscal e o seu impacto nos padrões de cresci-
mento económico. Tem igualmente trabalhado na iniciativa de transparência da indústria extractiva
em Moçambique.
[email protected]
Sérgio Chichava
Investigador Sénior do IESE, é doutorado em Ciência Política pela Universidade de Bordeaux,
França. As suas áreas de pesquisa são: processos de democratização, governação e relações entre
Moçambique e as economias emergentes.
[email protected]
Sofia Amarcy
Investigadora do IESE e Assistente na Faculdade de Economia da Universidade Eduardo Mond-
lane, é Mestre em Desenvolvimento Económico pelo SOAS (Universidade de Londres). A sua
área de investigação é dinâmicas de expansão do sector financeiro em Moçambique e ligação com
a base produtiva.
[email protected]
Tomás Selemane
Mestrando em Economia Política do Desenvolvimento na Universidade de Witwatersrand, África
do Sul. Em 2011, publicou, em co-autoria com João Mosca, o livro “El dorado Tete: os mega-pro-
jectos de mineração”, para além de várias outras publicações ao longo de seis anos em que trabalhou
como pesquisador no Centro de Integridade Pública (CIP) em Maputo, onde estabeleceu e liderou
um fórum de organizações da sociedade civil sobre indústria extractiva, tendo participado no lan-
çamento e desenvolvimento da iniciativa de transparência da indústria extractiva em Moçambique
[email protected]
Yasfir Ibraimo
Assistente de investigação do IESE, é licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da
Universidade Eduardo Mondlane. As suas áreas de pesquisa são: mercado de trabalho, emprego,
pobreza e protecção social.
[email protected]
ÍNDICE
INTRODUÇÃO
António Francisco 15
PARTE I POLÍTICA 23
AGRICULTURA, POBREZA E A RECEITA DO PARP
Philip Woodhouse 165
IDOSOS EM MOÇAMBIQUE:
ROMPER A CONSPIRAÇÃO DO SILÊNCIO
Gustavo Sugahara | António Francisco 295
Este é o terceiro número da série “Desafios para Moçambique”, iniciada pelo IESE
no ano de 2010, com o objectivo de contribuir para o debate público sobre temas
relevantes da vida do país.
Esta edição apresenta uma característica diferente das anteriores, nomeadamen-
te uma unidade temática em torno de uma questão comum, definida ex-ante, para
todos os artigos: o que é que a investigação social e económica em Moçambique tem, como
conhecimento e abordagem, para oferecer à planificação económica e social de médio prazo
e, consequentemente, o que pode a planificação económica e social de médio prazo aprender
da investigação social e económica existente em Moçambique? O Plano de Acção para a
Redução da Pobreza (PARP) 2011-2014 foi tomado como ponto de referência co-
mum para esta análise. Por causa deste enfoque comum, explicitado ex-ante, as quatro
partes temáticas do livro (política, economia, sociedade e Moçambique no Mundo)
apresentam maior interligação, mesmo que as abordagens e metodologias dos autores
sejam distintas e, por vezes, em contradição umas com as outras.
Nos dois números anteriores, a unidade temática e intertextualidade foi contida
dentro de cada parte, ainda que pudesse haver um fio condutor comum ao longo dos
livros.
O presente livro contém 18 artigos, organizados em quatro partes, designada-
mente Política, Economia, Sociedade e Moçambique no Mundo.
Quatro artigos integram a primeira parte do livro, Política. No artigo “Pobreza,
‘PARPAS’ e Governação”, o autor discute três questões relacionadas. Em primeiro
lugar, chama a atenção para o aumento do número de pobres em Moçambique desde
2002. Portanto, mesmo se a percentagem da população pobre diminui ou se mantém
constante, esta redução relativa da pobreza não tem conseguido compensar o aumen-
to da pobreza em termos absolutos. Em segundo lugar, o autor faz uma análise das
António Francisco
Setembro de 2012
Luís de Brito
INTRODUÇÃO
1
O termo “Parpas” é aqui usado para referir o conjunto dos quatro planos de redução da pobreza
que foram adoptados em Moçambique: o “Plano de Acção para Redução da Pobreza Absoluta
(2000-2004), elaborado na sequência da aprovação em Abril de 1999 pelo Governo das “Linhas
de Acção para a Erradicação da Pobreza absoluta”, neste texto referido como PARPA (MPF
2000); o “Plano de Acção para a Redução da Pobreza Absoluta, 2001-2005 (PARPA)”, aprova-
do pelo Conselho de Ministros em Abril de 2001, neste texto referido como PARPA I (GdM
2001); o “Plano de Acção para a Redução da Pobreza Absoluta, 2006-2009 (PARPA II)”, apro-
vado pelo Conselho de Ministros em Maio de 2006, referido como PARPA II (GdM 2006); e o
“Plano de Acção para a Redução da Pobreza (PARP), 2011-2014”, aprovado pelo Conselho de
Ministros em Maio de 2011 e aqui referido como PARP (GdM 2011).
2
A adopção pelo governo de um Plano Estratégico para a Redução da Pobreza Urbana (PERPU)
em 2010, cobrindo na fase inicial 11 municípios e capitais provinciais, parece mais uma resposta
ad-hoc às manifestações violentas que se registaram em Maputo em Outubro de 2008 e Fevereiro
de 2010, do que uma política assente num diagnóstico aprofundado dos problemas enfrentados
pelos grupos sociais mais pobres, tanto nas cidades, como no campo. Entretanto, dados do Banco
Mundial mostram que, no período de 1997 a 2009, teria havido uma redução da pobreza mais
acelerada nas zonas urbanas (14%) do que nas zonas rurais (10%) (World Bank 2012).
3
No momento em que se precedeu à publicação do relatório da terceira avaliação nacional da
pobreza, a questão da não redução da pobreza e das diferenças provinciais na sua evolução já
tinha sido levantada por Francisco (2010b).
25
20
(Milhões de Habitantes)
15
10
0
1997 2002 2009
4
Apenas os dados populacionais de 1997 correspondem a um recenseamento da população. Os
cálculos relativos a 2002 e 2009 foram feitos em relação às projecções da população do Instituto
Nacional de Estatística.
Assim, temos um primeiro grupo formado por cinco províncias, que dão in-
dicação de uma tendência positiva, na medida em que em duas delas, Niassa e Tete,
houve uma redução da pobreza ao longo de todo o período em causa, e que em Cabo
Delgado, Inhambane e Maputo Cidade, apesar de ter sido registada uma subida de
1997 para 2002, houve uma diminuição entre 2002 e 2009. O segundo grupo é cons-
tituído pelas restantes províncias, que demonstram uma evolução negativa: em Nam-
pula, Zambézia, Manica e Sofala, depois de uma redução entre 1997 e 2002, a pobreza
aumentou no período seguinte para níveis superiores aos registados em 1997; por seu
lado, as províncias de Gaza e de Maputo registam uma tendência permanente para o
aumento da pobreza ao longo dos dois períodos aqui considerados.
O crescimento global de dois milhões de pobres no período de 2002 a 2009 não
reflecte bem a realidade, pois, considerando as diferentes tendências provinciais, trata-
-se de um saldo envolvendo valores positivos e negativos (enquanto uns saem da po-
breza, outros caem nela). Na verdade, houve uma redução de cerca de 800 mil pobres
5
Esta hipótese mereceria aprofundamento através de uma desagregação dos dados do cresci-
mento da pobreza e da abstenção a nível distrital, dado que o nível provincial ainda esconde
variações muito significativas entre os distritos. Infelizmente, as amostras do INE não são re-
presentativas a nível distrital.
6
Apenas a descentralização e o desenvolvimento participativo eram evocados, não como ob-
jectivos, mas em termos de metodologia de implementação inspirada nas experiências então
existentes de planificação descentralizada, nomeadamente a planificação distrital participativa
(MPF 2000).
7
Numa avaliação sumária e rápida, das 37 acções específicas na área de governação que estão defini-
das no PARPA I, apenas uma era possível de avaliar clara e objectivamente; no PARPA II esse é o
caso de apenas 18 das 113 acções previstas; e no PARP são três, num total de 41 acções definidas.
8
Cerca de um terço das acções enumeradas no PARPA I refere-se à elaboração de leis, planos,
políticas, estratégias e programas.
9
Num balanço depois do primeiro ciclo de aplicação de planos de redução da pobreza, um in-
vestigador do Overseas Development Institute de Londres já apontava que, excepto em situações
de crise aguda, as mudanças no pensamento político das lideranças de um país não podem ser
induzidas por actores externos, que os resultados de tais planos [de redução da pobreza] eram
incertos, e que se tratava de uma experiência cujo desfecho não podia ser totalmente antecipado
(Booth 2005).
32
PARPA I PARPA II PARP
DESCENTRALIZAÇÃO E DESCONCENTRAÇÃO REFORMA DO SECTOR PÚBLICO DESCENTRALIZAÇÃO E GOVERNAÇÃO LOCAL
Dotar os Órgãos Locais do Estado ao nível Distrital e os Reestruturar e descentralizar as estruturas do Gover- Garantir a reforma e capacitação institucional da admi-
Governos Provinciais de maior dinamismo e capacida- no para promover eficiência e eficácia na prestação de nistração local
de para a interacção imprescindível com outros actores serviços públicos
sociais perante os desafios de combate à pobreza e
promoção do crescimento económico
Impulsionar a acção, ao nível local e regional, no com- Fortalecer a capacidade institucional dos Governos lo- Consolidação e capacitação do funcionamento dos mu-
bate à pobreza e promoção do crescimento económico, cais nicípios e melhorar o desenvolvimento urbano
facilitando progressos efectivos na equidade regional
TRANSFORMAÇÃO E REFORÇO DE INSTITUIÇÕES PÚBLI- Reformular os processos de prestação de serviços para Reforçar a participação do cidadão na acção governa-
CAS LIDANDO COM O SECTOR PRIVADO que sejam mais simples, acessíveis e satisfaçam as ne- tiva
cessidades do cliente
Promoção de eficiência de instituições lidando com o Fortalecer os processos de gestão de políticas a nível MELHORAR O ACESSO E A QUALIDADE DE PRESTAÇÃO DE
sector privado, tornando-as amigáveis, servidoras e sectorial e intersectorial para que sejam coerentes, SERVIÇOS PÚBLICOS AOS CIDADÃOS EM TODA A EXTEN-
33
QUE DESCENTRALIZAÇÃO?
10
Para um balanço de 20 anos de descentralização em Moçambique, ver Weimer (2012).
11
Apenas no PARP, na secção que se refere aos desafios na área da descentralização, aparece uma
referência à necessidade de “aperfeiçoar os instrumentos de gestão do Fundo de Desenvolvimento
Distrital” (GdM 2011, p.17), mas sem que isso se traduza depois em qualquer acção específica.
12
Para uma análise mais detalhada sobre os “7 Milhões”, ver Sande (2011) e Forquilha (2010).
100%
90%
80%
70%
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0%
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
13
O gráfico representa o orçamento total, isto é, o orçamento de funcionamento e o orçamento
de investimento.
14
O nível local inclui aqui conjuntamente os fundos atribuídos aos distritos e aos municípios.
GRÁFICO 3 EVOLUÇÃO DA COMPOSIÇÃO RELATIVA DO ORÇAMENTO DO ESTADO DA ÁFRICA DO SUL POR NÍVEL
ADMINISTRATIVO, 2005-2012
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
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10%
0%
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15
Este é o primeiro ano em que as dotações orçamentais foram directa e nominalmente atribuídas
aos distritos.
CONCLUSÃO
Em suma, contrariamente às expectativas, os Parpas não têm cumprido a sua função
de instrumentos para a redução da pobreza no país. Os dados aqui apresentados re-
forçam a ideia de que um dos problemas, provavelmente o problema de base, está na
própria concepção deste tipo de planos e levam-nos a partilhar a opinião de autores
(Cornwall & Brock 2005) para quem os conceitos centrais destes planos, nomea-
damente “participação” e “empoderamento” (aqueles que os distinguiriam dos seus
antecessores, os planos de ajustamento estrutural) foram reconfigurados ao serviço de
receitas de desenvolvimento, que continuam a seguir um modelo único (one-size-fits-
-all), e foram esvaziados do seu conteúdo político de modo a tornarem-se aceitáveis
para todos, estabelecendo-se assim uma forma de consenso que deixa pouca esperança
em relação à sua real contribuição para a eliminação da pobreza.
REFERÊNCIAS
van den Boom, B., 2011. Análise da pobreza em Moçambique - Situação da pobreza
dos agregados familiares, malnutrição infantil e outros indicadores 1997, 2003,
2009, Maputo.
Booth, D., 2005. Missing Links in the Politics of Development: Learning from the
PRSP Experiment. Nord-Süd Aktuell, pp.239–245.
16
Para uma análise das tendências de re-concentração e re-centralização numa perspectiva jurí-
dica, veja-se Chiziane (s/d).
INTRODUÇÃO
Diferentes estudos sobre a problemática de descentralização e pobreza têm demons-
trado que existe uma correlação positiva entre a descentralização e a redução de po-
breza (Katsiaouni 2003; McCarten & Vyasulu 2006). A primeira é tida como uma
condição necessária, contudo não suficiente, para a última1. De acordo com Macuane
et al (2003, p.27), os argumentos principais para esta correlação são os seguintes:
• “Os governos locais são mais próximos das populações e comunidades carentes
e conhecem melhor as suas necessidades e prioridades;
• Processos participativos na elaboração de planos, programas e orçamento,
bem como na monitoria destes dão voz às populações pobres, e assim permite
orientar tais planos em função dos alvos estratégicos de programas de redução
de pobreza;
• Orçamentos e receitas próprias dos governos locais, como os destinados ao
investimento social público, podem ser dirigidos e executados de acordo com
1
No caso concreto de Moçambique, os planos de acção para o combate à pobreza salientam a
necessidade da descentralização, e reserva aos distritos e municípios um papel mais dinâmico e
proactivo no combate à pobreza.
A Descentralização Ajuda a Reduzir a Pobreza Política em Moçambique? Desafios para Moçambique 2011 43
as prioridades definidas pelos programas sectoriais no âmbito de estratégias de
redução de pobreza;
• As actividades de ONG’s e empresas privadas locais, em parceria com os go-
vernos locais, podem ser uma força motriz na implementação de programas
locais de redução de pobreza.”
44 Desafios para Moçambique 2011 A Descentralização Ajuda a Reduzir a Pobreza Política em Moçambique?
sendo muitas vezes, a um só tempo, fórum de debates, instância consultiva, delibera-
tiva e de gestão das políticas públicas. A participação dos membros das comunidades
nos Conselhos locais possibilita a formulação de políticas públicas que respondam às
demandas das comunidades; e quanto mais forte é a participação cívica dos membros
das comunidades, mais eficaz é o governo na resolução dos problemas dos pobres”.
Está assente no estudo a hipótese que considera a pobreza não simplesmente
como a insuficiência de renda, mas a exclusão política em que os pobres estão mergu-
lhados, resultante da crise da sua participação e da sua representação nos espaços pú-
blicos (Conselhos locais, fóruns provinciais, plataformas locais, provinciais e nacionais
e mecanismos de consultas no âmbito de formulação do PARPA), da desmobilização
política dos actores cívicos, da ausência de uma educação virada para o desenvolvi-
mento de uma consciência crítica e de uma cultura política clientelista que bloqueia
a democratização efectiva da sociedade moçambicana. A melhoria da qualidade de
vida dos pobres depende não somente do aumento da renda, mas também da sua
capacidade em formar redes sociais e organizações cívicas, onde possam envolver-se
em discussões públicas, negociações de interesses e de suas demandas, e lutar pelo
aumento dos seus direitos cívicos (ver por exemplo Bava 2000; Santos-Junior 2002),
não só em termos de acesso a serviços básicos de qualidade, mas também em termos
de participação em mecanismos de consultas de formulação de políticas públicas, tais
como do PARPA, dos partidos políticos e espaços públicos (designadamente, Conse-
lhos locais, fóruns e plataformas locais, provinciais e nacionais, acesso à informação,
liberdade de mobilização e expressão). Para isso, torna-se fundamental empoderar e
dinamizar associações comunitárias formadas pelos pobres ou pelos segmentos mais
marginalizados das zonas urbanas ou peri-urbanas.
O caminho metodológico utilizado para elaboração deste trabalho seguiu o se-
guinte: pesquisa bibliográfica sobre os temas pobreza política, participação, represen-
tação e controlo social; análise documental das actas dos Conselhos locais e entrevis-
tas aos membros dos Conselhos locais.
A Descentralização Ajuda a Reduzir a Pobreza Política em Moçambique? Desafios para Moçambique 2011 45
aprovação de uma nova Constituição (Assembleia Popular 1990)2 . Ao mesmo tempo,
assistimos �����������������������������������������������������������������������
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crescente transferência de responsabilidades e de competências do go-
verno nacional para os governos locais, impulsionando profundas transformações nas
instituições de governo local do país, que alteram o sistema de decisões municipais e
as práticas dos actores políticos (Macuane & Weimer 2003; Kuliposa 2003; Reaud &
Weimer 2010). O argumento central legitimador da descentralização e da autonomia
local é a proximidade entre o governo e os cidadãos, que torna possível estabelecer
“uma relação directa e imediata da organização representativa com o território e a
população” (Macuane & Weimer 2003:5) , ao mesmo tempo que a esfera local está
muito mais sujeita ao controlo público do que a nacional (S. C. Forquilha & Orre
2011; Monteiro 2011; Rosário 2011).
O processo de legitimação dos mecanismos de participação e controlo social
em Moçambique deu-se, por um lado, a partir da Constituição de 1990 e pelo fim
da Guerra civil (Forquilha 2009; Forquilha & Orre 2011). Esses dois acontecimentos
permitiram a abertura do espaço político e a criação de novas instituições políticas,
tais como partidos políticos, organizações da sociedade civil “indepedentes”, media
indepedentes (Abrahamsson & Nilsson 1994). Por outro lado, o mesmo processo
foi possível através da aprovação da Lei dos Órgãos Locais do Estado (LOLE)-Lei
8/2003 e seu regulamento (Decreto 11/2005). Após a aprovação da Lei dos Órgãos
Locais do Estado (LOLE)-Lei 8/2003 e seu regulamento (Decreto 11/2005, MPD,
2008), foram estabelecidas formas de participação da sociedade, por meio de órgãos
denominados Conselhos locais, constituídos por representantes do governo e das or-
ganizações da sociedade civil. Nesses casos, são previstas, em todos os âmbitos de
governo local, a criação e a implantação de Conselhos. O levantamento levado a cabo
pelo Ministério de Planificação e Desenvolvimento (MPD) em 2009, revelou que,
numa amostra de 121 distritos, os Conselhos locais foram estabelecidos a todos os
níveis (distrito, posto administrativo, localidades e povoados) em cerca de 86% dos
distritos (MPD, 2010).
Mas a questão que se coloca é: Qual é a diferença entre os Conselhos locais e
os conselhos comunitários ou fóruns civis? Para Gohn (2001), os Conselhos locais
são diferentes dos conselhos comunitários, populares ou dos fóruns civis não gover-
2
A Constituição de 1990, que introduz o Estado de Direito, consagra o multipartidarismo e abre
o país para a economia de Mercado, marcando um ponto de viragem também na necessidade de
se adequar a estrutura, conteúdo de trabalho e funcionamento do aparelho de Estado, para além
de uma nova dinâmica nas relações entre os agentes da administração Pública e os cidadãos.
46 Desafios para Moçambique 2011 A Descentralização Ajuda a Reduzir a Pobreza Política em Moçambique?
namentais porque estes últimos são compostos exclusivamente por representantes da
sociedade civil, cujo poder reside na força da mobilização e da pressão, não possuindo
assento institucional junto do poder público. Os Conselhos locais são instrumentos de
gestão pública, funcionando como canais de comunicação entre o governo e a socieda-
de, e buscando a aproximação com os usuários do serviço. Conforme assevera Avritzer
(2000, p.18) , os Conselhos locais são “ instituições híbridas”, na medida em que são
“formadas em parte por representantes do Estado, em parte por representantes da so-
ciedade civil, com poderes consultivos e/ou deliberativos, reúnem, a um só tempo, ele-
mentos da democracia representativa e da democracia directa”. Os Conselhos locais,
em geral, caracterizam-se por serem espaços de conflitos e de lutas entre interesses
contraditórios, confirmados pela diversidade de segmentos da sociedade neles repre-
sentados; e, em contrapartida, por serem um canal importante de participação colecti-
va e de criação de novas relações políticas entre governos e cidadãos, proporcionando
a interlocução permanente entre estes segmentos (Guimarães 2005; Bava 2000).
A Descentralização Ajuda a Reduzir a Pobreza Política em Moçambique? Desafios para Moçambique 2011 47
local, de forma a assegurar a representação dos diversos actores e sectores (De-
creto, 11/2005).
Uma pesquisa realizada por SAL-CDS (2009, p.16) revela que os Conselhos
locais “são esferas públicas constituídas pelos representantes do governo, autoridades
comunitárias, secretários do partido Frelimo, sociedade civil no geral, incluindo
alguns camponeses, líderes religiosos, representantes do sector privado, membros
da OMM, OJM, ex-combatentes e outros” (ver também Forquilha & Orre 2011)3.
Dentre todos os actores representados nos Conselhos locais, os representantes das
organizações de massa ligadas ao partido no poder (e.g. OJM, OMM, associação
de antigos combatentes) são as que mais se destacam4. A experiência política é um
factor diferenciador na actuação dos membros dos Conselhos locais. Os indivíduos
com experiência política e de mobilização de massas tendem a ter um desempenho
diferenciado em relação àqueles sem essa trajectória. A participação em partidos
políticos de natureza da FRELIMO e em mobilização política permanente permite
aos indivíduos da OJM, OMM e dos representantes da associação de antigos
combatentes desenvolver capacidades organizativas e habilidades argumentativas que
são importantes no desenho da função dos representantes dos Conselhos.
Nos Conselhos locais visitados, nomeadamente nos distritos de Tsangano,
Chitima, Ile, Mocuba, Montepuez, Caia, Bárue e Angónia, nota-se uma reduzida
expressão partidária de mulheres, jovens, indivíduos portadores de deficiência e
representantes dos sectores mais pobres, de baixa escolaridade (aqueles com educação
informal), da economia informal, das associações de moradores das comunidades
e das organizações comunitárias não registadas. Estes dados tendem a confirmar
que os Conselhos locais ainda se encontram internamente estruturados de forma
discriminatória, por exemplo, ao nível da juventude e da deficiência, do sector
informal, dos seguimentos mais pobres da sociedade e dos que têm uma educação
informal, o que tem como consequência a dificuldade dos jovens, dos mais pobres e
3
Muitos destes representantes estão na faixa etária entre 40 a 60 anos, possuem uma educação
primária de primeiro grau. No que se refere à situação profissional, muitos deles praticam a agri-
cultura de subsistência como base de sobrevivência ou são trabalhadores do partido Frelimo ao
nível da base e recebem alguma remuneração simbólica por pertencerem às estruturas político-
-administrativas do partido Frelimo ou ainda são pensionistas.
4
No que se refere à influência das organizações de massas ligada ao partido no poder, Forquilha
(2011, p.51) afirmou o seguinte: “ À semelhança do tempo de partido único, a Frelimo continua
sendo o vector principal de participação no espaço público a nível distrital, facto que acentua a
exclusão e a intolerância políticas e afunila a base de participação local.”
48 Desafios para Moçambique 2011 A Descentralização Ajuda a Reduzir a Pobreza Política em Moçambique?
portadores de deficiência em influenciar políticas públicas. Vários estudos têm sido
unânimes em apontar a existência de distorções entre o perfil socio-demográfico dos
membros dos Conselhos locais e o da população em geral, tais como os levados a
cabo por Forquilha (2009; 2011) sobre descentralização e redução de pobreza em
Gorongosa (Moçambique), Tonnela (2004), Santos Jr (2004) e Dombrowski (2009)
sobre os Conselhos locais no Brasil. Estes estudos revelam que os sectores mais pobres
e de baixa escolaridade da população, ou seja, exactamente aqueles que constituem o
público preferencial das políticas sociais, não encontram representação nos Conselhos.
A subrepresentação do sector mais pobre das comunidades locais e com baixa
escolaridade, dos jovens, das mulheres e de pessoas portadoras de deficiência nos
Conselhos locais deve-se a múltiplos factores, designadamente a existência em
Moçambique de uma democracia excludente que tem como protagonistas as elites, as
organizações cívicas e os partidos políticos, a falta de informação, o fraco interesse pela
política por parte deste segmento da população, a descrença nas instituições políticas,
a inexistência de movimentos sociais de pobres com predisposição pela luta política,
a incapacidade dos partidos políticos e da sociedade civil em articular os interesses
dos pobres, e os critérios usados na selecção dos representantes dos Conselhos locais,
baseado no clientelismo em detrimento de um modelo meritocrático. O problema
com o modelo do tipo clientelar é de promover um sistema de participação política
débil, dependente, controlado hierarquicamente, de cima para baixo (Brinkerhoff &
Goldsmith 2002; McCourt 2002).
A Descentralização Ajuda a Reduzir a Pobreza Política em Moçambique? Desafios para Moçambique 2011 49
No geral, os representantes dos Conselhos locais são indicados pelo poder exe-
cutivo local, particularmente pelo administrador5, chefes dos postos administrativos,
presidentes das localidades e estruturas do partido Frelimo. As instituições e os in-
divíduos que são responsáveis pelo recrutamento e selecção dos candidatos aos Con-
selhos locais tendem a privilegiar critérios como a amizade pessoal, as redes sociais e
familiares, influência política, e a lealdade ao partido (FRELIMO) e seus dirigentes.
No sistema de selecção, muito pouco se usa critérios objectivos, como por exemplo:
currículo e prestígio profissionais e formação, qualidades e atributos pessoais. Falando
sobre os critérios de selecção dos representantes dos consellhos locais, um membro
da plataforma da sociedade civil em Ile, na Zambézia, e uma outra camponesa em
Montepuez, em Cabo Delgado, afirmaram:
“…A escolha dos membros dos Conselhos locais é feito entre eles… Ninguém sabe porque
é que a senhora Juleita ou senhor Mário está lá…Mas quando nós aprofundamos quem são
estes senhores ou senhoras descobrimos que fazem parte do partido ou são familiares dos
régulos, secretários de bairro ou amigas das estruturas locais… Aqueles que são críticos raras
vezes fazem parte dos Conselhos locais…Mesmo no tempo de Samora Machel não era as-
sim… Havia votação para secretários dos bairros e a comunidade escolhia aqueles que tinham
reputação… Agora não… tudo é feito às escondidas… Nós só ouvimos que fulano det al é
nosso representante… Mas quando se pergunta na comunidade quem escolheu aquele fulano
para nos representar ninguém sabe responder….6”
“.…Todas as mulheres que o senhor vê nos Conselhos locais são da OMM ou da OJM ou
antigas combatentes…. Se não destes grupos de organizações elas são indicadas pelas pessoas
muito próximas dos chefes locais com forte ligação com a administração local… Mesmo os
líderes religiosos são escolhidos na base da sua fidelidade aos chefes locais (secretários dos
bairros)... Até sobrinhos e mulheres dos chefes você pode encontrar nestes lugares….Nós que
não temos ligações ficamos simplesmente de fora….7.”
Com base nestes dois depoimentos percebe-se que a selecção dos representantes
aos Conselhos locais é filtrada pelos mecanismos político-partidários ao nível local e
pelas ligações familiares. Os processos de recrutamento para os Conselhos locais pare-
cem construir uma espécie de “jardins secretos” ou “espaços interditos” da vida política,
5
No que se refere à influência dos administradores na constituição dos Conselhos locais, For-
quilha & Orre (2011, p.45) afirmou que “A dinâmica da constituição dos Conselhos locais está
também ligada à maneira como os actores locais, nomeadamente os administradores distritais
se apropriam e interpretam a legislação referente à governação… Assim por exemplo, no que se
refere à representatividade da mulher (mínimo 30%), pouco ou quase nunca se questiona sobre
o grupo de proveniência dessas mulheres, facto que muitas vezes resulta na quase exclusiva pre-
sença de mulheres provenientes da OMM….”
6
Entrevista com JVF, Ile, 5 de Junho de 2011.
7
Entrevista com PMC, Montepeuz, 10 de Agosto de 2011.
50 Desafios para Moçambique 2011 A Descentralização Ajuda a Reduzir a Pobreza Política em Moçambique?
particularmente para os sectores mais críticos das comunidades locais e membros dos
partidos de oposição. De acordo com Forquilha & Orre (2011, p.47), “a predominân-
cia de representantes da Frelimo no seio dos Conselhos locais resulta de diferentes
factores, especialmente do sistema de partido dominante e da centralização do pro-
cesso de institucionalização da Instituição de Participação e Consulta Comunitárias
(IPCCs) no Gráfico dos administradores”.
Dombrowski (2009, p.2) argumenta que os Conselhos locais são apresentados como ins-
trumento próprio de democracia directa que, combinados com aqueles do regime repre-
sentativo, têm como objectivo reduzir o grau “da insuficiência de representação política”
que caracteriza as democracias modernas. Conforme o caso, os Conselhos locais podem
desempenhar funções de fiscalização, de mobilização, de deliberação ou de consultoria.
A função fiscalizadora dos Conselhos pressupõe o acompanhamento e o controlo dos
actos praticados pelos governantes ao nível local, provincial ou nacional. A função mo-
bilizadora refere-se ao estímulo à participação popular na gestão pública dos governos
locais, provinciais e nacionais e às contribuições para a formulação e disseminação de
estratégias de informação para a sociedade sobre as políticas públicas. A função delibe-
rativa, por sua vez, refere-se à prerrogativa dos Conselhos de decidir sobre as estratégias
utilizadas nas políticas públicas de sua competência, enquanto a função consultiva rela-
ciona-se com a emissão de opiniões e sugestões sobre assuntos que lhes são correlatos.
No caso concreto de Moçambique, a questão que se coloca é se os Conselhos
locais se caracterizam mais por uma função consultiva ou deliberativa. Em Moçam-
bique, os Conselhos locais caracterizam-se como “órgãos públicos colegiados”, direc-
tamente subordinados às estruturas administrativas locais, particularmente ao Poder
Executivo. Assim, não tem poder de influenciar acções e decisões do poder Legislativo
ou Judiciário. A função dos Conselhos locais é meramente consultiva, não possui ca-
rácter deliberativo (Francisco & Matter 2007; S. C. Forquilha & Orre 2011). Assim
como no Brasil, a finalidade das consultas não é de submeter a minuta do acto nor-
mativo a comentários e sugestões do público em geral, nem documento ou assunto
relevante. As críticas e sugestões recebidas pelos governos locais não são examinadas
A Descentralização Ajuda a Reduzir a Pobreza Política em Moçambique? Desafios para Moçambique 2011 51
pelo governo local antes da edição da resolução. Ao examiná-lo, o Conselho local não
expõe os motivos que levaram à adopção ou não das medidas propostas. Os governos
locais parecem ter dificuldades em ver-se como coordenadores de um processo de
gestão de políticas públicas, em que caberia à sociedade civil ou aos representantes das
comunidades locais o papel de formular e gerir estas mesmas políticas (Daniel 2001;
Gohn 2001; Santos-Junior 2004; Gerschman 2004; Dombrowski 2009).
Francisco e Matter (2007) consideram que este tipo de funcionalidade dos Con-
selhos locais e de participação é mais de “terapia e manipulação”, do que de uma
participação efectiva. Cabe ainda acrescentar que há uma modalidade autoritária de
exercício do poder por parte dos representantes do governo, os quais tendem a tutelar
os representantes das OSC’s nos Conselhos locais.
Diferentes factores têm contribuído para a transformação dos Conselhos locais
em espaços de “terapia e de manipulação” ou despolitizados no âmbito do exercício
da cidadania (Francisco & Matter 2007). Um dos factores da despolitização vem do
facto de que a maior parte das OSC’s representadas nos Conselhos locais não nasce
de experiências de lutas e reivindicações. Assim sendo, as suas lideranças não foram
forjadas com uma consciência crítica. Um outro factor está relacionado com a cultura
associativa e a dinâmica de participação cívica nos Conselhos locais que ainda são res-
tritas a um pequeno segmento social, o qual convive com a apatia política de amplas
parcelas da população e produz a cultura do híbrido institucional (instituições poli-
árquicas em coexistência com a informalidade e o clientelismo). Em Moçambique,
observa-se facilmente que a cultura cívica em vários distritos e municípios, agravada
pelas desigualdades, é bastante insuficiente para gerar um contexto social que, de um
lado, favoreça a ampla participação social política da população (cidadania política)
e, de outro, seja capaz de ampliar o exercício efectivo dos direitos sociais necessários
a uma vida de qualidade (cidadania social), de forma a reverter a situação de desabi-
litação a que milhares de pobres estão submetidos. Pelo contrário, constatamos uma
participação restrita a poucos segmentos sociais com capacidade de organização e
expressão política, cujo risco é, exactamente, reforçar o círculo vicioso de produção e
reprodução das enormes desigualdades já existentes, em razão da crescente dificulda-
de (ou incapacidade) de organização e expressão política dos segmentos sociais em
situação de vulnerabilidade ou exclusão social.
52 Desafios para Moçambique 2011 A Descentralização Ajuda a Reduzir a Pobreza Política em Moçambique?
OS CONSELHOS LOCAIS E ARTICULAÇÃO DOS INTERESSES
Diferentes pesquisadores, tais como Gohn (2001), Teixeira (2000), Daniel (2001),
Gerschman (2004), argumentam que a legitimidade e a força política da representação
nos Conselhos locais somente serão asseguradas quando os representantes que actuam
nos conselhos tiverem vínculos permanentes com a comunidade que os elegeu ou
nomeou.
No caso de Moçambique, questiona-se o seguinte: será que existe uma articulação
entre os membros dos Conselhos locais e as respectivas comunidades? E se existe, como
é que ela se opera? Dados empíricos recolhidos nos distritos que visitamos e estudos
levados a cabo por Forquilha (2009; S. C. Forquilha & Orre 2011), Sal-CDS (2009),
MASC (2008) mostram que existe um enorme défice de aproximação ou ligação entre
os representantes dos Conselhos locais e as respectivas comunidades . A documentação
consultada nos distritos de Ile, Mocuba, Gurué (Zambézia), Montepuez (Cabo Delgado),
Changarra, Chitima , Angónia e Tsangano (Tete) permite afirmar que existe uma
ausência das comunidades nas reuniões dos Conselhos locais. Neste sentido, indivíduos
e organizações, sem que tenham sido eleitos nem indicados, sem que ainda participem
em fóruns deliberativos com os próprios interessados, reivindicam representar interesses
e anseios e agir em nome dos pobres, jovens e indivíduos envolvidos no sector informal.
O que estas organizações ou indivíduos representam são perspectivas, discursos ou
anseios e não pessoas8; e os discursos em nome dos outros podem tornar-se meramente
formais, vazios, ou mesmo constituírem-se em novas fontes de alienação e opressão
(Avritzer 2007; Saward 2006), isso por um lado. Por outro lado, a falta de vínculos
permanentes entre os representantes dos Conselhos locais e as comunidades contribui
para a incompreensão da realidade por parte dos membros dos Conselhos locais, assim
como por parte dos governos locais9.
8
Young (2002; 2006) aponta que a representação de perspectivas e pontos de vista que emergem
da posição diferenciada das pessoas no campo social é diferente da representação de interesses
e opiniões. Grupos marginalizados e oprimidos, por exemplo, não possuem as mesmas opiniões
políticas; mas, segundo a autora, a perspectiva delas condiciona os seus interesses e as suas opi-
niões.
9
De acordo com Brito (2011, p.91), “os levantamentos populares de Fevereiro de 2008 e de
Setembro de 2010 mostram que, apesar dos vários escalões de governo e de toda a máquina
administrativa que cobre o país até ao nível dos bairros e quarteirões, acompanhada de uma
estrutura paralela de órgãos partidários da Frelimo, não existem canais funcionais e eficientes
de negociação e concertação na sociedade moçambicana, o governo conhece mal a realidade da
vida das camadas sociais mais desfavorecidas, e nenhum dos partidos políticos com representa-
ção parece assumir de facto a representação dos interesses dos pobres”.
A Descentralização Ajuda a Reduzir a Pobreza Política em Moçambique? Desafios para Moçambique 2011 53
Como resultado desta fraca ligação com as comunidades locais, torna-se
difícil ampliar a consciência crítica das comunidades pobres ou excluídas e dirigir
acções tendo como referência as dificuldades e os problemas vividos no quotidiano
das suas comunidades. Destacamos como hipóteses para esta ausência de ligação
entre os representantes e as comunidades, a ausência de indícios de um processo
efectivo de mobilização da comunidade para a participação nesta instância, a falta
de cultura cívica por parte das comunidades mais desfavorecidas, a baixa qualidade
de educação nas famílias pobres e o grau limitado de informação, e a descrença por
parte das comunidades nas OSC’s, nos Conselhos locais e governos. As comunidades
estão cansadas de dispender o seu tempo livre para discutir sobre questões que, na
maioria das vezes, para serem operacionalizadas dependem da vontade política dos
governantes. É mais fácil ou produtivo buscar alternativas individuais para as suas
dificuldades e problemas ao invés de se inserirem em movimentos de luta colectiva
que dependem, via de regra, de uma intervenção mais contundente dos governos, no
sentido de garantir, por exemplo, o acesso a bens e aos serviços públicos.
No que se refere à educação, torna-se necessário referir que o sistema educacional
em Moçambique tem sido mais eficiente em assegurar o acesso e menos em assegurar
a permanência e a efectiva aprendizagem dos estudantes, o que transformou a escola
pública em uma escola para os pobres. Os estudantes e os grupos mais vulneráveis que
a frequentam – os pobres e a população que vive distante dos grandes centros urbanos
e das vilas-sedes dos distritos – estão em desvantagem. Contraditoriamente, as escolas
privadas de melhor qualidade são ocupadas por alunos com maior poder aquisitivo. Se
todos os jovens tivessem acesso ao mesmo tipo de educação, e pudessem concluir o nível
de educação secundário em igualdade de condições, teríamos uma situação de igualdade
de oportunidades, mesmo com um mercado de trabalho restrito.
Para agravar ainda mais a situação dos pobres, o tipo de ensino que lhes é
oferecido nas escolas públicas, parafraseando Paulo Freire (1992; 2000; 2003), é
de “concepção Bancária” e não uma educação virada para a libertação, autonomia e
crítica. Este tipo de sistema, de acordo com Paulo Freire, não pode ajudar o pobre a
sair da situação de pobreza em que está mergulhado. Não há libertação que se faça
com homens e mulheres passivos, é necessária consciencialização e intervenção no
mundo. O pobre não tem como sair da pobreza, se não descobrir criticamente que é
injustamente pobre:
Pobre é o povo que sobrevive na dependência, como periferia de um grande centro, como per-
dedor oficial no comércio internacional, como sucursal de potências externas, como recebedor
54 Desafios para Moçambique 2011 A Descentralização Ajuda a Reduzir a Pobreza Política em Moçambique?
passivo de tecnologias e investimentos... que não passa de massa de manobra nas mãos do
Estado e das oligarquias ... que não reivindica direitos, mas os espera passivamente ... que se
entrega ao Estado e dele aguarda sua defesa de modo acomodado ... que não se organiza para
cuidar de sua defesa, de maneira democrática e competente ... que somente reclama, mas não
se congrega para influir (Freire, 2000, p.10).
CONCLUSÃO
A Descentralização Ajuda a Reduzir a Pobreza Política em Moçambique? Desafios para Moçambique 2011 55
associativos dos grupos locais, suas mobilizações e organizações representativas, de
forma a incentivar e fortalecer as relações entre os diferentes actores com presença
na esfera pública, e 5) estimule a emancipação popular, a consciência comunitária e
a participação democrática, através de um forte investimento numa educação, onde
o professor se assuma como ser político e não apenas como técnico, exigindo-se uma
posição diante das realidades sociais.
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58 Desafios para Moçambique 2011 A Descentralização Ajuda a Reduzir a Pobreza Política em Moçambique?
APRENDIZADO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
NO CONTEXTO DO PARP:
ABORDAGEM BASEADA NAS REDES
INTRODUÇÃO
1
Até porque os próprios processos de escolha eleitoral estão sujeitos a distorções, dentre as quais a
vontade de participação, as barreiras à participação, a cultura cívica, as fraudes, as abstenções e outros
elementos que limitam a fiabilidade do apoio eleitoral como parâmetro de aprovação do Governo.
2
Nestas manifestações os transportadores semi-colectivos (vulgo chapas cem) também pressio-
naram o governo no sentido de subsidiar as suas operações e praticamente aderiram à manifes-
tação, aumentando o poder de pressão sobre o governo. No fim acabaram beneficiando de um
subsídio de combustível.
3
No entanto, há que referir que politicas como o Programa Estratégico para a Redução da Po-
breza Urbana foram inspirados na constatação de estudos sobre o aumento da pobreza urbana.
A ABORDAGEM DE REDES
4
Os exemplos foram ajustados à realidade moçambicana.
5
Estes índices são produzidos com o pressuposto de que os países empreendem reformas visan-
do a transformação para uma economia de mercado e democracia. Embora se recorra a várias
fontes para fundamentar os vários índices e garantir-lhes maior consistência, este pressuposto é
claramente ideológico, daí não ser pacífico. Mas partindo do pressuposto de que o país se define
explicitamente como uma democracia e uma economia de mercado, o uso destes índices tem
a sua plausibilidade, embora seja importante que o leitor esteja ciente de que não se quer aqui
endossar nenhuma visão ideológica sobre o assunto.
6
Recentemente (Maio de 2012) foi aprovado o Código de Ética dos Servidores Públicos, mas
com ressalvas quanto à sua entrada em vigor e à publicidade da declaração dos bens dos titula-
res de órgãos públicos.
0.5
0
2000 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
-0.5
-1
-1.5
-2
7
O índice varia de -2,5 a +2,5 e os valores maiores indicam melhor desempenho.
8
O indice de Transformação de Bertelsmann – BTI mede a tranformação em direcção à econo-
mia de mercado e democracia e varia de 0 a 10; os maiores números indicam maior mudança.
9
Refere-se aos constrangimentos que o governo enfrenta, como a o desempenho económico, as
tensões sociais, os choques externos e outros elementos que colocam barreiras à gestão do país.
0
2006 2008 2010 2012
Desempenho da gestão
FONTE BERTELSMANN TRANSFORMATION ATLAS 2010 E 2012
GRÁFICO 3 EVOLUÇÃO DA COMPOSIÇÃO RELATIVA DO ORÇAMENTO DO ESTADO DA ÁFRICA DO SUL POR NÍVEL
ADMINISTRATIVO, 2005-2012
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
0
2006 2008 2010 2012
10
Redes e comunidades de práticas assemelham-se à��������������������������������������������
���������������������������������������������
distinção entre redes de questões e comuni-
dades de políticas. Enquanto no primeiro caso os indivíduos estão ligados pelas circunstâncias
(porque fazem coisas que, de alguma forma, têm ligações entre si) mas sem um vínculo formal,
no segundo caso a prática leva à���������������������������������������������������������������
criação de formas mais consistentes de cooperação e reciproci-
dade (Freeman 2008, p.378).
CONCLUSÕES
As manifestações que se tornam cada vez mais recorrentes, assim como a derrota
eleitoral da Frelimo em Quelimane nas eleições intercalares de 8 de Dezembro de
2011, mostram que há uma dissonância entre o discurso político sobre as políticas
públicas e seus efeitos na percepção dos cidadãos. Com a impaciência que parece estar
a surgir com a demora dos resultados prometidos no combate à pobreza, um maior
activismo social em torno de questões de políticas públicas parece estar a surgir, com
contornos mais localizados, confinados às demandas e interesses dos actores sociais
em questão. A par disto, há uma preocupação crescente em produzir conhecimento
sobre as políticas públicas de combate à pobreza, vindo tanto da academia como das
unidades do próprio governo, assim como do activismo da sociedade civil e das con-
sultorias (principalmente encomendado por doadores), mas que não tem contribuído
Lourenço Rosário
INTRODUÇÃO
DESENVOLVIMENTO
CONCLUSÃO
Analisando o percurso das estratégias que desde 1995 foram sendo adoptadas para a
evolução, expansão e consolidação do ensino superior, podemos concluir o seguinte:
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INTRODUÇÃO
CONSISTÊNCIA DO PARP
REFERÊNCIAS
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tico ao PARP 2011-2014. In L. de Brito et al., eds. Desafios para Moçambique
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Banco de Moçambique, 2000-2009. Balança de Pagamentos. Maputo: Banco de Moçam-
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Banco de Moçambique, 2000-2010. Relatório Anual. Maputo: Banco de Moçambique.
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Castel-Branco, C.N., 2003. Indústria e Industrialização em Moçambique: Análise
da Situação Actual e Linhas Estratégicas de Desenvolvimento. I Quaderni della
Cooperazione Italiana 3/2003. Disponível em: http://www.iese.ac.mz/lib/cncb/
AI%202003c%20QUADER_.PDF.
INTRODUÇÃO
O Plano de Acção para Redução de Pobreza (PARP) 2011-2014 (GdM 2011) re-
flecte uma mudança, pelo menos em retórica, na percepção oficial sobre a origem e
o tratamento da pobreza (Cruz 2011) e o reconhecimento de que a pobreza tem de
ser tratada no contexto da actividade e estrutura produtivas nacionais. O PARP men-
ciona a necessidade do alargamento e diversificação da base produtiva, em particular
orientada para a promoção de emprego e o aumento da produção alimentar, como a
principal arma na luta contra a pobreza. A promoção de Pequenas e Médias Empresas
(PMEs) e a assistência ao sector familiar são os caminhos principais desenhados pelo
executivo (GdM 2011) para materializar a estratégia de diversificação e alargamento
da base produtiva,
A configuração historicamente específica da economia é um resultado da com-
binação de pressões e ligações económicas com os interesses, motivações, organização
e acções dos diferentes agentes económicos (Fine & Rustomjee 1996). Portanto, a
planificação económica deve começar com o reconhecimento das dinâmicas econó-
micas existentes – as pressões (ou ligações), os agentes e seus interesses e preocupações
dentro do quadro económico e político existente, e a relação entre o Estado, o capital,
o trabalho e as finanças – as quais são o ponto de partida para pensar no futuro ime-
diato ou mais distante.
Da Economia Extractiva à Diversificação da Base Produtiva Desafios para Moçambique 2012 117
A economia moçambicana, com um modo de acumulação caracteristicamen-
te extractivo (Castel-Branco 2010), é dominada pelo grande capital internacional
associado a focos de capitalismo doméstico, geralmente rendeiro e dominantemente
especulativo ou prestador de serviços, cuja estratégia a nível global está caracterizada
como “acumulação pela desapropriação” das rendas de recursos naturais nos países
pobres (Harvey 2005). O capital internacional determina o padrão extractivo de acu-
mulação que, por sua vez, determina o enquadramento de Moçambique na economia
internacional. No entanto, o PARP “prescreve as soluções” para a geração de emprego,
produção de comida, redução da pobreza e geração de uma classe capitalista nacio-
nal independentemente deste padrão extractivo dominante. O PARP não questiona
como é que as suas intenções se podem relacionar com este padrão de acumulação de
capital, apropriação e uso do excedente, com a organização de processos produtivos
e o sistema de incentivos existentes em Moçambique, nem tão pouco discute como é
que o modo de acumulação existente pode ser modificado para resultar nos objectivos,
pelo menos retóricos, declarados pelo PARP.
O presente artigo procura demonstrar a natureza extractiva da economia e como ela
estrutura os padrões produtivos, e discutir como usar as dinâmicas existentes para produzir
os resultados que o PARP pretende atingir. O artigo argumenta que a diversificação da
base produtiva só pode ser atingida se for reconhecida e devidamente explorada a natu-
reza extractiva do padrão de acumulação de capital, pois isto permite usar dinâmicas de
acumulação reais para transformar essas mesmas dinâmicas de acumulação. Prescrever
políticas ignorando a realidade não é uma metodologia útil sobre a qual deve assentar um
sistema de política e planificação públicas. A primeira secção do artigo mostra a natureza
extractiva dominante da economia. A segunda secção discute como é que as dinâmicas
extractivas existentes podem ser aproveitadas para transformar a economia num processo
de industrialização diversificado, articulado e que satisfaça as necessidades de acumulação
nacional e dos cidadãos. A última secção discute as lições e os desafios para o futuro.
118 Desafios para Moçambique 2012 Da Economia Extractiva à Diversificação da Base Produtiva
dia. Estas taxas de crescimento económico foram sustentadas pelo consumo social
e público, em grande parte financiado pela ajuda externa, e pela aceleração do in-
vestimento privado sustentado por fluxos externos de capital. Embora usados para
fins imediatos diferentes, a ajuda externa e os fluxos externos de capitais privados
complementam-se através das parcerias público-privadas, da construção de infra-
-estruturas para o investimento privado e da abertura da oportunidade de atrair
capital externo com recurso a incentivos fiscais, porque a ajuda externa permite
compensar pela receita fiscal perdida devido aos incentivos. Nos últimos anos, en-
quanto os fluxos de ajuda externa tendem a estagnar e diminuir, os fluxos de capital
privado externo tendem a expandir com enfoque na extracção de recursos (sobre-
tudo minerais, energéticos e madeiras) (Castel-Branco 2010; Castel-Branco 2011;
Castel-Branco 2012c; Castel-Branco et al. 2005).
Entre 2000 e 2010, os fluxos externos de capital privado representaram cerca de
87% de todo o investimento privado em Moçambique, nomeadamente: 54% em forma
de investimento directo estrangeiro (IDE) e cerca de 33% em forma de empréstimos
do sector bancário internacional aos grandes investidores em Moçambique. O investi-
mento directo nacional (IDN) representou cerca de 5% e os restantes 8% foram em-
préstimos da banca nacional (uma parte do IDN e dos empréstimos da banca nacional
foi financiada com fluxos externos de capital) (Castel-Branco 2010). Dado o peso dos
fluxos externos de capital no investimento privado em Moçambique, é facilmente dedu-
zível que a entrada do capital estrangeiro estrutura a base produtiva nacional.
Que tipo de estrutura produtiva é gerado por este domínio do capital externo?
Esta estrutura pode ser descrita com base nos dados sobre o investimento privado,
a alocação de terra, a produção e o comércio de Moçambique. No que diz respei-
to ao investimento, no período 2000-2010 aproximadamente 50% do investimento
privado foi aprovado para a exploração de recursos minerais e energéticos e cerca
de dois terços do investimento em construção, transportes, energia e comunicações
estão relacionados com actividades extractivas directas. Além disso, do investimento
privado na agricultura, cerca de 95% foi para actividades extractivas directas: florestas,
tabaco, algodão e biocombustíveis (Castel-Branco 2010)1. O grosso do investimento
na indústria (alumínio, gás e actividades e serviços de engenharia industrial para as
grandes empresas do complexo mineral e energético) está também directamente as-
sociado ao complexo mineral energético. O mesmo acontece com o investimento na
1
Dados de Centro de Promoção de Investimentos, anos 2000-2010.
Da Economia Extractiva à Diversificação da Base Produtiva Desafios para Moçambique 2012 119
pesca e turismo, onde a actividade consiste em extrair das reservas naturais existentes,
sem desenvolvimento e diversificação da base produtiva. Portanto, entre 80% e 90%
de todo o investimento privado em Moçambique na última década foi, ou está sendo,
aplicado na reprodução e expansão da natureza extractiva da economia.2
O carácter extractivo da economia também é observável pela alocação da terra.
Apesar de não existir um levantamento detalhado e completo sobre a alocação da
terra em Moçambique3, a base de dados compilada pelo The Oakland Institute4
mostra que 88% da terra cedida aos grandes investidores agrícolas entre 2007 e
2009 (5 mil quilómetros quadrados) foi destinada a actividades directamente ex-
tractivas: produção florestal, fauna bravia e biocombustiveis (Gráfico 1). Como os
dados não permitem identificar a terra alocada ao tabaco (exportado em folha),
algodão (exportado em fibra) e outras actividades agrícolas desta natureza, pode
concluir-se que o peso estimado das actividades agrícolas extractivas na alocação da
terra está subestimado.
2%
66% 5%
12%
1%
6%
20%
2
Para a definição e descrição do conceito e características da “economia extractiva” veja Castel-
-Branco, 2010.
3
Em Moçambique, a terra normalmente é concessionada para um prazo de 50 anos. (República
de Moçambique 1997, p.Art. 17).
4
Disponível no http://www.oaklandinstitute.org/land-concessions-made-mozambique (consul-
tado 13 de Janeiro de 2012).
120 Desafios para Moçambique 2012 Da Economia Extractiva à Diversificação da Base Produtiva
Paralelamente, a economia também não extrai rendas da terra na magnitude ne-
cessária para se diversificar. As taxas médias para uso e exploração de terra para grandes
explorações comerciais rondam os US$ 0,40 (40 cêntimos!) por hectare por ano, o que é
ridiculamente baixo. Assim, com os 2,5 milhões de hectares alocados a grandes explora-
ções agrícolas entre 2004 e 2009, o Estado deveria ter recolhido taxas totalizando cerca
de US$ 1 milhão por ano mas recolheu apenas cerca de US$ 100 mil (Castel-Branco
2012b; Ministérios da Agricultura e das Finanças 2010; República de Moçambique
2011; The Oakland Institute 2011). Portanto, a natureza extractiva do uso da terra pode
verificar-se quer pelo peso das actividades extractivas na alocação física da terra, quer
pelo facto de que a economia nem sequer recolhe rendas significativas desse uso da terra
para acumulação económica endógena. Dados dos relatórios da iniciativa de transparên-
cia da indústria extractiva em Moçambique para 2008 e 2009 e do orçamento do Estado
mostram que o peso dos impostos de superfície (sobre a terra utilizada) dos grandes
projectos mineiros e energéticos nas receitas fiscais é quase nulo, apesar das grandes
porções de terra já alocadas a esses projectos (Boas & Associates 2011; Castel-Branco
2010; Castel-Branco 2012c; Ernst & Young 2012). Portanto, a inadequada valorização
da terra alocada para grandes projectos comerciais é mais uma forma de extracção de
renda da economia para as mãos privadas e para o exterior.
A concessão da terra tem a ver com a redistribuição e o controlo dos meios de
produção na sociedade. Os extractos pobres das comunidades que enfrentam compe-
tição pela terra e água com os projectos de agro-negócios, turismo e mineração são
frequentemente deslocados para terras de menor valor produtivo e passam a ser mais
dependentes da aquisição comercial da comida, enquanto as expectativas de criação
de novas fontes de rendimento não ficam realizadas5: os seus activos e os meios de
subsistência ficam reduzidos ( Justiça Ambiental & UNAC 2011; Mosca & Selemane
2011). É observável ao nível nacional uma realocação da terra em favor do grande
capital extractivo estrangeiro, que resulta da associação dos interesses, motivações e
investimento de multinacionais com as elites económicas nacionais (Hanlon 2011).
No que diz respeito à produção, apesar da diferença entre as intenções de in-
vestimento e a sua realização efectiva, assim como o desfasamento temporal entre
o momento do investimento e a realização do seu impacto na estrutura produtiva,
a natureza extractiva da base produtiva fica evidenciada pelo seu crescente afunila-
5
Por exemplo, no caso das propostas de investimento no sector dos biocombustiveis e da madeira,
espera-se a criação de um posto de trabalho por cada cinco hectares de terra (Hanlon 2011, p.8)
com a renumeração, na maioria dos casos, correspondente ao salário mínimo do sector agrícola.
Da Economia Extractiva à Diversificação da Base Produtiva Desafios para Moçambique 2012 121
mento, desarticulação e especialização em exportações com baixo nível de proces-
samento. O Gráfico 2 mostra o peso dominante do alumínio e gás (pouco menos
de 80%) na produção industrial total do país. Aliás, se o alumínio e o gás forem
excluídos, a produção industrial per capita de Moçambique no último meio século
terá estagnado, pois a produção industrial total terá crescido apenas ao ritmo da
taxa de crescimento da população. No entanto, se o alumínio e o gás forem incluí-
dos, a produção industrial per capita, no mesmo período, terá crescido cerca de 60%
(Castel-Branco 2010, p.33).
GRÁFICO 2 EVOLUÇÃO DO PRODUTO INDUSTRIAL TOTAL INCLUINDO E EXCLUINDO ALUMÍNIO E GÁS NATURAL
(MILHÕES DE METICAIS A PREÇOS CONSTANTES DE 2003)
42,500
40,000
37,500
35,000
32,500
30,000
27,500
25,000
22,500
20,000
17,500
15,000
12,500
10,000
7,500
5,000
2,500
0
1961
1965
1967
1971
1975
1977
1981
1985
1987
1991
1995
1997
2001
2005
2007
1959
1963
1969
1973
1979
1983
1989
1993
1999
2003
122 Desafios para Moçambique 2012 Da Economia Extractiva à Diversificação da Base Produtiva
desenvolvimento para servir os grandes projectos do complexo mineral-energético.
Quer ao nível mais agregado da indústria como um todo, quer ao nível dos subsectores
industriais e das firmas, a imagem é semelhante: o domínio das dinâmicas extractivas,
a ruptura das ligações e o gradual desaparecimento das actividades de substituição de
importações (Castel-Branco 2002; Castel-Branco 2010) .
A tabela 1 mostra esta crescente concentração das actividades produtivas por ramo
industrial em actividades cada vez mais simples e menos interligadas, resultando na
expansão, reprodução e aprofundamento da natureza extractiva da indústria. Os únicos
ramos com peso significativo que desenvolvem processamento industrial para além dos
níveis mais primários a que estão sujeitos o alumínio e o gás são os de natureza oligopo-
lista – concentração da propriedade, controlo, finanças e mercados num pequeno grupo
de grandes empresas, como é o caso das bebidas, açúcar e tabaco e dos cimentos.
Nos outros sectores da economia também se registam as mesmas tendências de
desarticulação, simplificação e produção para extracção – a actividade agrícola é domi-
nada pelo tabaco, pela madeira, algodão, açúcar e caju não processado; os transportes
estão focados nos grandes corredores logísticos dos países da hinterland e de prestação
de serviços às plantações e minas; a pesca e o turismo estão concentrados nas vanta-
gens que podem extrair directamente da natureza; as finanças estão concentradas na
extracção, na logística para extracção ou no comércio.
Esta realidade é, aliás, captada pela estrutura industrial já descrita – na medida
em que a economia evolui para o afunilamento e especialização em dinâmicas extrac-
tivas de acumulação, as ligações industriais vão desaparecendo, como ilustra a tabela 1.
As actividades extractivas não só são as de maior peso, como também são as
mais dinâmicas na economia moçambicana, o que permite prever que o carácter ex-
tractivo da economia se vai expandir, consolidar e aprofundar nos próximos anos.
Moçambique é destacado entre os quatro países que mais contribuirão com novos
projectos para o crescimento da indústria mineira mundial no período até 2020 (Mi-
ning Journal 2011), em particular devido aos projectos de exploração de carvão. O
governo moçambicano prevê que em 2015 a contribuição do sector mineiro para o
PIB chegará aos 12% (Mining Journal 2010)6. Com a possibilidade de construção de
refinarias de liquidificação de gás natural na bacia de Rovuma pela Anadarko e ENI,
o valor estimado do investimento extractivo na próxima década será dez vezes maior
do que o PIB do país em 2009 (Financial Times 2012).
6
Em 2010 o peso do sector mineiro era de 1,5% do PIB.
Da Economia Extractiva à Diversificação da Base Produtiva Desafios para Moçambique 2012 123
124
TABELA 1 CONCENTRAÇÃO DA PRODUÇÃO NOS PRINCIPAIS SUBSECTORES DA INDÚSTRIA TRANSFORMADORA
Da Economia Extractiva à Diversificação da Base Produtiva Desafios para Moçambique 2012 125
possibilitadas porque os pequenos e médios projectos não poderão criar a sua base de
infra-estruturas, nem terão espaço para utilizar a infra-estrutura criada pelos e para
os grandes projectos.
O afunilamento da actividade económica desincentiva investimento por dificul-
tar a diversificação e limitar, assim, as oportunidades de investimento. Segundo dados
do Banco de Moçambique7, apenas entre 3% e 5% dos rendimentos do investimento
directo estrangeiro são reinvestidos em Moçambique. Dados os custos e escassez de
capital doméstico e a não retenção de receita fiscal devida aos incentivos redundantes,
o facto de as multinacionais não reinvestirem mais dos seus lucros em Moçambique
tem grande impacto na capacidade real de promover diversificação e alargamento da
base produtiva.
No que diz respeito ao comércio, o crescimento das exportações entre 2000 e
2010 foi sustentado pela economia extractiva, o que é reflectido no aumento do peso
dos principais produtos do complexo mineral-energético e madeiras no total das ex-
portações de 39% para 77% (Gráfico 3). Alumínio, energia eléctrica e gás representam
76% destas exportações (ou 59% das exportações totais de Moçambique). O começo
de exploração de carvão mineral em larga escala, de acordo com as estimativas oficiais
(Bias 2010, p.32) exercerá um impacto sobre as exportações e o PIB similar à entrada
da Mozal. O mesmo acontecerá com a entrada em funcionamento dos projectos de
gás da bacia de Pemba e dos fosfatos em Nampula (MMEC 2012).
As exportações de Moçambique para a África do Sul (principal parceiro comer-
cial de Moçambique quando o alumínio é excluído das contas) aumentaram cerca
de 8 vezes entre 1990 e 2009. No entanto, o peso da componente extractiva nestas
exportações passou de 45% em 1990 para 78% em 2009, ano em que energia e gás
natural representaram cerca de 76% das exportações moçambicanas para o vizinho
sul-africano (Castel-Branco 2010). Além disso, o défice comercial com a África au-
mentou, no mesmo período, em cerca de 8 vezes, sendo determinado pela importação
de bens de consumo e equipamento (Castel-Branco 2010).
O exemplo do comércio externo com a África do Sul é ilustrador da estrutura
extractiva da economia moçambicana: as suas actividades produtivas são cada vez mais
afuniladas em torno de um pequeno leque de produtos naturais ou quasi-naturais, e é
incapaz de substituir importações de forma significativa. Dado que a economia pouco
absorve do excedente (Castel-Branco 2010; Castel-Branco 2012c), também não au-
7
Relatório Anual e Balança de Pagamentos, anos 2000-2010.
126 Desafios para Moçambique 2012 Da Economia Extractiva à Diversificação da Base Produtiva
menta significativamente a sua capacidade de importação independente dos grandes
projectos extractivos.
3,000
2,500
2,000
1,500
1,000
500
0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Da Economia Extractiva à Diversificação da Base Produtiva Desafios para Moçambique 2012 127
2010, p.48; Castel-Branco 2012c). Outro exemplo é a privatização e exportação das
rendas da terra (por via de baixas taxas sobre a exploração comercial da terra e sua
não colecta) e da produção (por via dos incentivos fiscais redundantes, fuga ilícita de
capitais e não reinvestimento em diversificação). O terceiro exemplo é a aceleração do
afunilamento da economia e a sua especialização na prestação de serviços ao capital
extractivo e apropriação privada das rendas. Estes factores, quando associados, geram
a porosidade. Os gráficos seguintes mostram a distribuição do rendimento dos gran-
des projectos e como estes não geram rendas disponíveis para a economia. O gráfico
4 também mostra que quanto mais rentáveis são os projectos mais capital é exportado
da economia e, inversamente, quando a rentabilidade dos projectos diminui signifi-
cativamente (como aconteceu em 2008-2009 com o alumínio por causa da queda do
preço mundial em mais de um terço) as exportações de capital também diminuem e
mais do que proporcionalmente (Castel-Branco 2012c).
2,000
1,800
1,600
1,400
1,200
1,000
800
600
400
200
0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
128 Desafios para Moçambique 2012 Da Economia Extractiva à Diversificação da Base Produtiva
públicas de “diversificação” da base produtiva centram-se nas zonas francas industriais
(CdM 2007; MPD 2012), que, tipicamente, não desenvolvem ligações produtivas
dentro da economia, não substituem importações e são exclusivamente orientadas
para exportações simples de produtos finais rentabilizadas pelo investimento público
na infra-estrutura e pelo baixo custo da força de trabalho.
Como pode o PARP, nestas circunstâncias, ignorar esta realidade socioeconó-
mica na construção de perspectivas de transformação a médio prazo? Será possível
mudar estas dinâmicas?
Para além dos óbvios desafios económicos e institucionais existentes, é preciso
tomar em conta que o domínio económico do grande capital extractivo gera inte-
resses, motivações, estímulos e poder político. Não é por acaso, por exemplo, que,
como ilustrado anteriormente com vários exemplos, a política pública na prática está
orientada para apoiar a rentabilização da economia extractiva e a apropriação privada
e/ou exportação das rendas, ao mesmo tempo que, em retórica, o discurso político
anuncia a necessidade de diversificar e alargar a base produtiva. Aliás, o facto de o
discurso político, na forma de plano de médio prazo, ignorar o domínio da economia
extractiva e negligenciar o debate sobre como aproveitar as dinâmicas extractivas para
diversificar, alargar e articular a base produtiva, mostra que o discurso de diversificação
é pouco mais do que retórica. A transformação não é apenas, nem fundamentalmente,
uma questão técnica; é sobretudo uma opção política. Logo, o primeiro passo nessa
transformação é a mobilização dos interesses e motivações favoráveis à mudança e
articulá-los politicamente para a efectivar.
A secção que se segue discute como é que as dinâmicas extractivas existentes podem
ser aproveitadas para transformar a economia num processo de industrialização diversi-
ficado, articulado e que satisfaça as necessidades de acumulação nacional e dos cidadãos.
Como foi mencionado anteriormente, o PARP afirma que pretende reduzir a pobreza
promovendo a diversificação da base produtiva e o emprego. No entanto, o PARP ig-
nora as dinâmicas extractivas de produção, reprodução, acumulação e uso do exceden-
te e recursos que existem e dominam a economia moçambicana. Na secção anterior,
foi demonstrado que o investimento, o uso da terra, a estrutura logística e as finan-
Da Economia Extractiva à Diversificação da Base Produtiva Desafios para Moçambique 2012 129
ças estão enquadrados pela economia extractiva. Se estas dinâmicas forem ignoradas,
como será possível equacionar transformação (transformar o quê, porquê, com quem
e para quê), identificar que políticas específicas precisam de ser adoptadas e mobilizar
capacidades? Em resumo, sem entender como a economia funciona e estudar como
tirar proveito dessas dinâmicas de funcionamento, como será possível fazer alguma
coisa sobre a economia?
A secção anterior mostrou a porosidade da economia e esta secção pretende
discutir como reduzir essa porosidade aproveitando as dinâmicas extractivas da eco-
nomia (que, queiramos ou não, são a realidade dominante) para atingir os objectivos
de diversificação da base produtiva e geração de emprego.
Além disso, a secção também mostra que a “diversificação” é apenas parte da
questão; é necessário pensar igualmente na articulação e substituição de importações
e nos objectivos produtivos.
LIGAÇÕES FISCAIS
A redução da porosidade da economia depende das ligações que se desenvolvem entre
actividades económicas e sociais, pois estas ligações permitem a retenção, absorção e
reprodução do excedente. A primeira e mais imediatamente importante ligação deri-
vável da economia extractiva é a apropriação e socialização das rendas resultantes do
poder e competição oligopolistas, das economias de escala (incluindo do uso de terra
em larga escala) e da elevada elasticidade da procura dos bens e serviços gerados rela-
tivamente ao rendimento e da baixa elasticidade da procura desses bens e serviços re-
lativamente ao preço. Estas rendas podem surgir em três formas principais: impostos
sobre os lucros do capital e/ou sobre as exportações, royalties em espécie e monetárias
e impostos ou taxas sobre a exploração comercial da terra. A estas rendas dominantes
juntam-se os impostos directos sobre os rendimentos do trabalho. A minimização da
fuga ilícita de capitais (primariamente promovida pela subfacturação das exportações
e sobrefacturação das importações) e da apropriação de rendas indevidas pelo capital
(resultantes dos incentivos fiscais, das baixas taxas sobre a terra, da depreciação ace-
lerada do capital, entre outras) poderá maximizar a massa colectável, isto é, as rendas
possíveis de serem apropriadas pelo Estado e pelas comunidades onde as actividades
se desenvolvem.
As ligações fiscais têm grande relevância pelas seguintes três razões principais.
Primeira, o orçamento do Estado é altamente deficitário, pois mais de um terço da
despesa é financiado pela ajuda externa que tende a estagnar ou ser reduzida. A ex-
130 Desafios para Moçambique 2012 Da Economia Extractiva à Diversificação da Base Produtiva
pansão da despesa pública, quer através do investimento em infra-estruturas sociais
e económicas, quer através da despesa corrente associada ao investimento (operação
e manutenção das capacidades criadas com o investimento), põe pressões contínuas
e crescentes sobre os recursos disponíveis. Portanto, o problema não consiste apenas
em encontrar respostas para substituir a ajuda externa em declínio mas em fazer essa
substituição num quadro de expansão inevitável da despesa pública.
Actualmente, as receitas fiscais crescem por causa da redução da evasão fiscal, o
que a médio prazo conduz a inevitáveis retornos decrescentes do esforço de melhoria
da administração fiscal; e por causa dos impostos indirectos sobre as transacções, com
inevitáveis impactos negativos, quer do ponto de vista da distribuição mais equita-
tiva do rendimento, quer do ponto de vista da promoção de ligações entre activida-
des económicas (Ossemane 2011). Por causa dos seus custos (juros comerciais não-
-concessionais e curtos períodos de maturação), o uso da dívida pública, doméstica e
externa, para financiar o Estado tende a promover uma despesa pública orientada para
objectivos de curto prazo com altos retornos financeiros o que, no caso moçambicano,
quer dizer investimento na reprodução da economia extractiva (Castel-Branco 2011;
Massarongo & Muianga 2011).
Além disso, a dívida pública doméstica aumenta as pressões sobre a massa mo-
netária restringida pela prioridade dada pelo Banco Central ao controlo da inflação.
Como resultado, os custos do capital aumentam para todos os sectores da economia,
com excepção dos que são sobretudo financiados por fluxos externos de capital (como
é o caso dos grandes projectos extractivos), os bancos e outro capital doméstico de-
senvolvem preferência para a especulação com activos financeiros e a taxa de câmbio
aprecia (Castel-Branco 2012a; Massarongo & Muianga 2011; Castel-Branco & Os-
semane 2012). A combinação destes efeitos é letal para as aspirações de diversificar e
articular a base produtiva e substituir importações a partir de ligações efectivas dentro
da economia. Isto é, é letal para as intenções definidas no PARP.
No entanto, como foi demonstrado por Ossemane (2011) e Castel-Branco
(2012b e 2012a), existem reservas fiscais ociosas ligadas aos incentivos redundantes
para o investimento directo estrangeiro de grande escala, ���������������������������
�����������������������������
s baixas tarifas sobre a ex-
ploração comercial de terra em grande escala e à fuga ilícita de capitais. As pequenas e
médias empresas e a produção de alimentos são penalizadas, enquanto as multinacio-
nais recebem subsídios implícitos (através dos incentivos fiscais, das baixas taxas sobre
a terra, das infra-estruturas, etc.) e a elite política e económica tem acesso privilegiado
a ligações às transnacionais.
Da Economia Extractiva à Diversificação da Base Produtiva Desafios para Moçambique 2012 131
A mobilização destas reservas ociosas, que no seu conjunto representam entre 7%
e 9% do Produto Interno Bruto (PIB) de Moçambique, pode trazer quatro benefícios
imediatos: (i) ligar a expansão da base fiscal à expansão da economia, (ii) reduzir as
pressões macroeconómicas que encarecem o capital, promovem especulação e apreciam
a taxa de câmbio, (iii) garantir justiça social no esforço fiscal e na redistribuição do ren-
dimento e (iv) reter e absorver na economia uma porção cada vez maior do valor adicio-
nado em território nacional, o PIB, para efeitos de transformação do padrão de produ-
ção, apropriação, acumulação e uso do excedente (Castel-Branco 2011; Castel-Branco
2012a; Castel-Branco 2012b; Massarongo & Muianga 2011; Ossemane 2011).
Segunda, as ligações fiscais permitem a apropriação social de recursos finan-
ceiros não consignados, que podem ser livremente redistribuídos entre sectores da
economia e entre grupos sociais através da estratégia de despesa pública e comuni-
tária. Deste modo, cria-se a capacidade de financiar a diversificação das actividades
económicas e sociais e da própria base fiscal, criando gradualmente uma economia
menos extractiva e menos porosa.
Terceira, as ligações fiscais aumentam a poupança doméstica como proporção do
rendimento nacional e do excedente gerado, criando uma relação dinâmica positiva en-
tre crescimento económico, acumulação e oportunidades de investimento diversificado
e de substituição de importações, e gerando uma base sustentável de crescimento da
despesa pública orientada para provocar o crowding in do investimento privado, a re-
dução dos custos marginais de investimento e o aproveitamento produtivo das rendas.
Em última análise, as ligações fiscais permitem ligar positivamente a economia
extractiva �������������������������������������������������������������������������
às�����������������������������������������������������������������������
intenções declaradas fundamentais do PARP: diversificação da base pro-
dutiva, geração de emprego, promoção da pequena e média empresa e desenvolvimen-
to da capacidade de financiamento da economia.
Mas o mero fortalecimento das ligações fiscais não garante que os objectivos
acima descritos sejam alcançados. Se os recursos fiscais adicionais forem apenas in-
vestidos nos grandes projectos (por exemplo, na sua infra-estrutura) ou somente em
consumo social corrente ou investimento não directamente produtivo, a retenção e
absorção da riqueza pode resultar na consolidação, reprodução e expansão da econo-
mia extractiva, na expansão insustentável da procura ou em contínuas pressões infla-
cionárias e de apreciação da moeda. A redução da porosidade da economia por via da
melhoria da retenção e absorção da riqueza pode ser prejudicial na ausência de estra-
tégias de industrialização orientadas para a diversificação, articulação e substituição
efectiva de importações. A subsecção seguinte discute as ligações industriais.
132 Desafios para Moçambique 2012 Da Economia Extractiva à Diversificação da Base Produtiva
LIGAÇÕES INDUSTRIAIS E ESTRATÉGIA DE INDUSTRIALIZAÇÃO
O segundo tipo de ligações, as que directamente afectam a densidade da malha eco-
nómica, é constituído pelas ligações produtivas: a jusante, a montante, paralelas e a
partilha de produção.
De um modo geral, as ligações a jusante adicionam valor ao produto primário (de-
pendendo da profundidade do processo de transformação), mas o impacto deste valor
adicional na economia é muito variável. Por um lado, os produtos primários variam muito
e a sua transformação tem implicações diferentes – o processamento do tabaco, do algodão
e das madeiras, o desenvolvimento do processamento pesqueiro e pecuário não têm nem
os custos nem as economias de escala dos minérios e hidrocarbonetos, são mais próximos
dos actuais níveis tecnológicos e logísticos da economia nacional e podem gerar a multi-
plicação de ligações tecnológicas e logísticas de diversos tipos. Naturalmente, estas ligações
têm de responder à procura e às condições do mercado: onde existe a procura, para que
quantidades e especificações/standards e a que preços? (Woodhouse 2012). O mesmo se
aplica à exploração de fontes de energia (hidroeléctrica e hidrocarbonetos) para criar alter-
nativas energéticas mais abundantes, acessíveis, baratas e limpas para a economia nacional.
Já o desenvolvimento, a médio prazo, das indústrias metalúrgica e química com
base na transformação dos minérios e hidrocarbonetos é assunto muito mais contro-
verso. Esta opção é atractiva para elites políticas e económicas nacionais por causa da
expectativa de o valor adicionado gerar altas rendas para acelerar e consolidar acu-
mulação privada de capital em grande escala, e para empresas que prestam serviços
de engenharia industrial ou outros serviços de logística, por causa da escala e relativa
continuidade da procura.
Contudo, há seis problemas principais a considerar quando esta opção é discu-
tida. Primeiro, a implementação destes grandes projectos tem um potencial reduzido
para alterar a natureza extractiva da economia. As economias de escala nas indústrias
transformadoras ligadas a actividades extractivas normalmente excedem a capacidade
dos mercados nacionais dos países pobres, e o investimento depende das condições
do mercado internacional, envolve a integração vertical e grandes montantes de in-
vestimento (Kraemer & Tulder 2009, p.140). A concretização destes grandes investi-
mentos, no contexto de falta de capacidade financeira e técnica interna, depende das
estratégias, globais e regionais, das multinacionais (Castel-Branco 2004)8. Logo, a
8
A política industrial selectiva pode intervir para alterar o sistema de incentivos de algumas
actividades específicas: percebendo as estratégias das multinacionais, o estado tem possibilidade
de influenciar o processo de decisão de multinacionais.
Da Economia Extractiva à Diversificação da Base Produtiva Desafios para Moçambique 2012 133
exportação de produtos primários um pouco mais processado ou semi-processdos não
altera, no essencial, nem as estruturas nem as dinâmicas económicas pois as oportuni-
dades de diversificação, articulação e substituição de importações que cria são muito
limitadas.
Segundo, os mercados de produtos primários processados não geram necessa-
riamente mais rendas nem são necessariamente mais estáveis do que os de produtos
primários não processados, e geralmente enfrentam mais barreiras ao comércio. Um
exemplo do problema de instabilidade nestes mercados foi a queda brusca da procura
e do preço mundial de lingotes de alumínio entre 2008-2010, que fez cair o valor das
exportações de alumínio de Moçambique em mais de um terço (Castel-Branco &
Ossemane 2010), Portanto, além de as rendas não serem necessariamente altas nem
estáveis, a procura por serviços não é sempre contínua e pode afectar negativamente
a rentabilidade e expectativas de crescimento das indústrias nacionais prestadoras de
serviços (Castel-Branco & Goldin 2003; Krause & Kaufmann 2011).
Terceiro, adicionar valor em território nacional não significa necessariamente
que o valor adicionado seja absorvido pela economia de Moçambique ou pelos capita-
listas nacionais – com o actual nível de porosidade da economia, não existe nenhuma
garantia de que o valor adicional seja retido e absorvido, para além dos custos corren-
tes dos projectos e alguma partilha de lucros com capitalistas nacionais.
Quarto, a base logística e de qualificações necessárias para a industrialização
básica a jusante do complexo mineral-energético é intensiva em capital e difere subs-
tancialmente do que é necessário para gerar uma base produtiva mais alargada, diver-
sificada, articulada e que substitua importações efectivamente.
Quinto, a extensão da economia extractiva e da dependência do investimento e
da organização da produção e comércio em relação ao grande capital externo multi-
plica as oportunidades e condições para fuga lícita e ilícita de capitais.
Sexto, esta opção aumenta o peso e a influência do capital extractivo no desenho
e implementação da política económica, limitando ainda mais o espaço de acção para
romper estruturalmente com a economia extractiva e porosa.
As ligações a montante são uma das opostas à estratégia da redução de pobreza
(GdM 2011, p.24). A experiência de programas de promoção do aumento da compo-
nente local nos fornecedores dos grandes projectos em Moçambique demonstra que
as ligações efectivas entre o grande capital extractivo e as firmas locais são limitadas
pelos requisitos de qualidade e escala, os quais exigem das firmas investimento em ca-
pacidades que só se justifica se a escala e continuidade dos contratos forem garantidas.
134 Desafios para Moçambique 2012 Da Economia Extractiva à Diversificação da Base Produtiva
Muitas firmas nacionais são apenas delegações de firmas estrangeiras que recolhem
encomendas ou prestam serviços simples, ou são joint-ventures entre firmas locais e
estrangeiras, especialmente quando os custos de investimento inicial são baixos pelo
que os sunk costs das firmas estrangeiras são limitados. Quando os sunk costs são altos,
ou a especialização tecnológica é muito alta, as firmas estrangeiras optam por mon-
tar uma delegação local para receber encomendas que são satisfeitas por empresas
sediadas fora do território nacional. A componente importada dos bens e serviços
prestados por firmas nacionais aos grandes projectos é muito elevada, e o desenvolvi-
mento de qualificações e transferência de tecnologias são limitados (Castel-Branco &
Goldin 2003, pp.30–32; Krause & Kaufmann 2011, pp.49–52).
No entanto, as ligações a montante têm um potencial maior para a economia,
a médio prazo, do que as ligações a jusante. A sofisticação e expansão do forneci-
mento local permitem flexibilizar a logística e reduzir os custos de grandes projectos
extractivos, se as empresas locais se tornarem competitivas, além de que podem gerar
externalidades importantes para o resto da economia com impacto na redução dos
custos marginais de investimento, desenvolvimento de infra-estruturas e qualificações
diversificadas e melhoria das condições de rentabilidade de uma base produtiva mais
diversificada e articulada. O desenvolvimento das ligações a montante (fornecedores)
pode também minimizar a fuga ilícita de capitais pois a substituição de importações
decorrente deste desenvolvimento reduz a margem de manobra para sobrefacturar
importações de bens e serviços. A produção de bens básicos de consumo, peças so-
bressalentes e serviços especializados de engenharia industrial (manutenção e repa-
ração, estudos e projectos, desenho de produtos, etc.) pode tornar-se viável se for
possível atingir a escala mínima necessária e diversificar as fontes de procura para
garantir continuidade dos mercados. Também é preciso entender as dinâmicas de
procura (escala, estabilidade e dinâmicas tecnológicas) de cada produto e mercado de
modo a identificar oportunidades viáveis que maximizem ligações e, assim, as opor-
tunidades de expansão sustentável (Castel-Branco 2004; Castel-Branco & Goldin
2003; Krause & Kaufmann 2011).
A política industrial de Moçambique está em transição. Por um lado, o docu-
mento de política de 2007 (CdM, 2007) é generalista e apenas lista actividades po-
tenciais, sem análise de mercados e prioridades, pelo que não fornece uma base para
este desenvolvimento, particularmente num contexto em que a economia nacional
não detém vantagens tecnológicas nem pode, por isso, ter acesso às rendas que essas
vantagens poderiam dar. Por outro lado, em 2011 o Ministério da Indústria e Comér-
Da Economia Extractiva à Diversificação da Base Produtiva Desafios para Moçambique 2012 135
cio apresentou as bases da nova política e estratégia industrial (Fernando 2010), que
claramente (i) enfatiza o domínio do complexo mineral-energético sobre a economia,
como determinante do foco do investimento, produção, exportações e infra-estrutura
(energia, estradas, linhas férreas, portos); e (ii) adiciona as zonas económicas especiais
para processamento e montagem final em actividades de indústria ligeira intensivas
em trabalho para exportação, mas sem quaisquer outras ligações com a economia. Esta
nova estratégia, ainda não tornada oficial, está claramente em linha com a utilização
do capital internacional como fonte de acumulação do capital privado nacional, mas
não prevê transformação da base produtiva.
Em face das dificuldades de instalação de sistemas de protecção prolongada por
causa das regras actuais de comércio internacional, a política industrial tem de se virar
para os sistemas de rápida aprendizagem e inovação para que as indústrias nascentes
amadureçam a curto e médio prazos. Isto requer investimento nos sistemas de apren-
dizagem e qualidade, clara identificação de mercados e oportunidades que permitam
definir prioridades, e perspectivas de diversificação, articulação e inovação (Castel-
-Branco & Goldin 2003; Chang 2002; Krause & Kaufmann 2011). As ligações a
montante podem fortalecer a rede de capitalistas locais, e criar algumas capacidades e
competências, envolvendo o capital extractivo em partilha de custos. Entretanto, esta
opção não é suficiente para criar as dinâmicas de diversificação da base produtiva com
impacto extenso sobre a redução da pobreza, esperada pelo PARP.
O terceiro tipo de ligações produtivas é constituído pelas ligações paralelas (re-
lativamente à base extractiva da economia). Estas ligações são paralelas apenas no
sentido em que não são dependentes nem dominadas pelas cadeias de produção dos
projectos extractivos. Consistem num leque diversificado de actividades produtivas
que podem parcialmente ligar-se a grandes projectos por estes representarem fontes
de procura, ou fornecedores de matérias-primas ou fontes de rendas para financia-
mento das actividades paralelas, mas estas actividades oferecem à economia oportuni-
dades de diversificação para além dos grandes projectos e que não desaparecem com
os grandes projectos.
No caso de Moçambique, o desafio que o PARP coloca para este tipo de liga-
ção paralela (ou diversificação que beneficia, mas não depende da cadeia de produto
e valor dos mega-projectos) é a produção e acesso fácil a bens básicos de consumo,
em especial a comida. A disponibilidade de bens básicos de consumo a baixo preço e
acessíveis no mercado é fundamental para gerar emprego decente em grande escala.
Para além do óbvio impacto destas actividades na criação directa de emprego, o acesso
136 Desafios para Moçambique 2012 Da Economia Extractiva à Diversificação da Base Produtiva
a bens básicos de consumo a baixo preço permite aumentar salários reais (isto é, o
nível de vida garantido pelo salário) ao mesmo tempo que permite manter o rácio
entre salário nominal e produto a um nível suficientemente competitivo para que
as firmas tenham interesse em criar postos de trabalho (Wuyts 2011). Portanto, a
questão é como tornar a produção de comida e outros bens e serviços básicos de con-
sumo economicamente viáveis, ao mesmo tempo que geram emprego e níveis de vida
decentes. [Woodhouse (2012) discute esta questão relativamente ao desenvolvimento
agrário, enquanto Muianga (2012) faz uma discussão mais geral do sistema produ-
tivo]. A ligação entre emprego e redução da pobreza não é directa nem automática,
pois depende do que acontece com o salário real, o qual depende da produtividade do
trabalho, da porção do valor gerado pelo trabalho que é apropriado pelos trabalhado-
res, e do poder de compra do salário (Ibraimo 2012). Por isso, a produção de comida
barata, diversificada e acessível é o contributo fundamental que as ligações paralelas,
em especial a agricultura, podem nesta fase prestar para a transformação do modo de
acumulação em Moçambique.9
Os modelos produtivos e os mercados também se criam. Um exemplo disso é o
mercado interno de biocombustivel. O Estado “criou” o mercado, legislando a mistura
de etanol e biocombustivel na gasolina e gasóleo. Mas não basta legislar para criar o
mercado, é preciso criar as condições produtivas para poder tirar proveito desse mer-
cado.
A identificação e a promoção de actividades com alto potencial para gerar liga-
ções e criar novas dinâmicas de acumulação doméstica, incluindo com o grande capi-
tal extractivo, é fundamental na planificação económica em Moçambique. A expansão
de linhas férreas, electrificação, pipelines, estradas e sistemas de transporte, sistemas
especializados de armazenamento e embalagem, a indústria de construção, a crescente
procura de alimentos a baixo custo no mercado, a procura de componentes e peças
sobressalentes, tanto ao nível doméstico como ao nível regional, vão precisar de uma
quantidade significativa de insumos: ferro e aço, cabos eléctricos, rolamentos, peças
sobressalentes, estruturas metálicas, alimentos, vestuário especializado, entre outros.
Que tipo de indústria pode ser implementado, considerando a escala, os standards, a
continuidade e o preço da procura esperada? A pergunta de partida é: que indústrias
são viáveis e permitem criar as cadeias de valor e ligações mais completas na economia
9
O outro papel tradicional fundamental da agricultura, garantir a exportação de bens primários
semi-processados para sustentação da balança de pagamentos, poderá ser rapidamente ultrapas-
sado pelas outras actividades extractivas, se a porosidade da economia diminuir.
Da Economia Extractiva à Diversificação da Base Produtiva Desafios para Moçambique 2012 137
nacional, e têm potencial para gerar, criar novas dinâmicas de diversificação e arti-
culação da base produtiva, aproveitando as dinâmicas existentes? E qual é o quadro
macroeconómico mais favorável para promover essas indústrias?
Finalmente, a partilha de produção das unidades extractivas entre o Estado e
as empresas privadas é particularmente útil, como se de um imposto em espécie se
tratasse, nos casos de recursos estratégicos, como os energéticos. O acesso a fontes de
energia barata e limpa é vital para a industrialização e desenvolvimento da logística
económica e social, e é estratégico do ponto de vista da segurança intergeracional,
equilíbrio da balança de pagamentos e geração de alternativas energéticas mais limpas
no contexto do ajustamento e minimização das mudanças climáticas.
A questão de fundo é como é que os recursos minerais, energéticos, florestais e
marinhos, a terra, a água e as actividades que nela se desenvolvem são enquadrados
por uma visão macroeconómica de médio e longo prazos do País. Ao ignorar as dinâ-
micas extractivas da economia nacional, o PARP perdeu a oportunidade de enfrentar
esta questão.
138 Desafios para Moçambique 2012 Da Economia Extractiva à Diversificação da Base Produtiva
jos formais e informais entre o governo e o grande capital para facilitar a apropriação
privada de rendas (Castel-Branco 2010; Khan 2008). Será que, como é argumentado,
o PARP ignora o grande capital extractivo porque este não precisa de apoio de go-
verno? Mas como é possível definir estratégias de mudança ignorando o que existe
– mudar porquê, para onde, como, com quê e com quem? A resposta a qualquer uma
destas perguntas depende do que existe.
Quiçá o argumento mais plausível seja outro: o capital extractivo apresenta
uma oportunidade de acumulação rápida de riqueza para a elite política e económica
nacional. Portanto, o foco principal da industrialização não é o combate à pobreza,
nem o aumento da densidade da malha económica e produtiva ou a transformação
do padrão de acumulação de capital, mas a intensificação da acumulação extracti-
va, representada pela aliança do capital multinacional e elites políticas e económicas
nacionais. O PARP é um documento importante de negociação da ajuda externa e
de negociação entre interesses domésticos em conflito com vista a garantir a estabi-
lidade política e social, mas é irrelevante para dirigir a vida económica real. Portanto,
“a vida económica real” não consta no PARP. Aliás, o discurso oficial do Presidente
da República e do Governo tem sido focado em gerir as expectativas do povo sobre
os recursos minerais, energéticos e outros recursos naturais e enfatizar que estes não
vão resolver os problemas da pobreza. Mas enquanto o Presidente da República e o
Governo trabalham intensamente para atraírem investidores, negociarem contratos e
estabelecerem ligações entre o capital nacional e multinacional, também atribuem a
responsabilidade da pobreza à atitude mental miserabilista dos pobres e encarregam-
-nos de combaterem a sua própria pobreza. Se os recursos naturais são tão irrelevan-
tes e a pobreza tão importante, porque é que na prática o governo e o Presidente da
República se ocupam somente com os primeiros e se desenvencilham do segundo?
Não estará, o executivo, a criar um ambiente psicológico para tentar evitar as pressões
sociais e a monitoria sobre a gestão do capital extractivo de modo a tornar a economia
extractiva um pasto sem contestação para o capital emergente nacional?
A economia extractiva constitui o modo dominante de acumulação de capital
em Moçambique, concentrando os recursos, definindo o desenho das infra-estruturas,
da base tecnológica e as qualificações, construindo dinâmicas macroeconómicas que a
ajudam a reproduzir-se, estruturando as relações de força e as alianças entre o Estado
e o capital, influenciando as instituições e a política económica e, assim, estruturando
e restringindo as oportunidades para a emergência e desenvolvimento de outras op-
ções. A não consideração das dinâmicas extractivas dominantes e a ausência de uma
Da Economia Extractiva à Diversificação da Base Produtiva Desafios para Moçambique 2012 139
estratégia industrial selectiva, apoiada na análise de processos produtivos, interesses e
agentes reais, deixa o PARP pouco operacional no que diz respeito à sua capacidade
de criar uma base produtiva diversificada e alargada e gerar emprego decente. Ao
ignorar as dinâmicas extractivas de acumulação, o PARP perdeu a oportunidade de
equacionar a mobilização de recursos domésticos através da retenção, socialização e
absorção das rendas da economia extractiva e a concretização de ligações industriais
efectivas e prioritárias. Em suma, o PARP perdeu a oportunidade de usar inteligen-
temente as dinâmicas extractivas de acumulação para atingir os seus objectivos de
transformação.
A acumulação privada das elites nacionais com base na privatização de rendas
da economia extractiva e especulação não tem potencial para alterar nem a estrutura
da economia moçambicana, nem o seu enquadramento na cadeia internacional de
acumulação, pelo que não pode servir como ponto de partida válido de promoção
da independência económica e do combate contra a pobreza. A interligação entre
as classes capitalistas nacionais e o capital extractivo conduz à transnacionalização
dos seus interesses, desligando-os dos interesses mais amplos da sociedade (Robinson
2010).
A maior lição da análise feita ao longo deste artigo é que os arranjos entre o
grande capital (nacional e multinacional) e o governo são cruciais para projectar o
futuro padrão de crescimento de Moçambique. O maior desafio no que diz respeito à
diversificação da base produtiva não é a falta de capacidades e competências técnicas,
mas a sobre-representação dos interesses do grande capital multinacional/transna-
cional e seus aliados nacionais na definição e implementação da política pública. A
mudança desta situação depende da organização e mobilização políticas, das pressões
e lutas políticas na sociedade e no seio do partido dominante, e da capacidade de
articular politicamente o discurso sobre a transformação do modo de acumulação
em Moçambique, que requer tanto a socialização das rendas geradas na economia
extractiva como a sua aplicação numa estratégia de industrialização efectiva. O debate
nacional, informativo e participativo sobre o papel do grande capital extractivo no
desenvolvimento do país é o primeiro passo para inclusão dos interesses mais amplos
da sociedade na construção de políticas públicas.
140 Desafios para Moçambique 2012 Da Economia Extractiva à Diversificação da Base Produtiva
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IESE.
ENTREVISTAS
Entrevista com António Sousa de Cruz, Director da Direcção Nacional de Estudos e Análise
de Política (DNEAP)/Ministério da Planificação e Desenvolvimento (MPD), de 8
de Novembro de 2011. Maputo.
144 Desafios para Moçambique 2012 Da Economia Extractiva à Diversificação da Base Produtiva
SERÁ A ITIEM RELEVANTE PARA
MELHORAR A GESTÃO DOS
RECURSOS MINERAIS?
UMA ANÁLISE CRÍTICA DA EXPERIÊNCIA
Rogério Ossemane
INTRODUÇÃO
1
A boa gestão dos recursos naturais vai para além da captação de rendas e inclui aspectos relacio-
nados com a conservação do meio ambiente, preservação de valores sociais e culturais, aplicação
dos recursos gerados pelo sector para o amplo desenvolvimento do país, etc. Em todas estas
áreas, a transparência é um instrumento importante.
Será a ITIEM Relevante para Melhorar a Gestão dos Recursos Minerais? Desafios para Moçambique 2012 145
roso para as empresas e redundante para atracção de investimentos desvia potenciais
recursos do Estado); na declaração de custos e rendimentos pelas empresas (onde
a sobrefacturação de custos e subfacturação de vendas reduz a matéria tributável e,
por consequência, as receitas arrecadadas pelo Estado); e na afectação e utilização da
despesa pública. O cruzamento dos dados da ITIEM com outra informação oficial
mostra que os problemas mais relevantes relacionados com desvios de fundos e capta-
ção de rendas não ocorrem na fase monitorada pela ITIEM - verificação das discre-
pâncias entre pagamentos das empresas e recebimentos do governo – mas antes dela.
Com efeito, as perdas de rendas geradas pelo sector extractivo relacionadas tanto com
o regime fiscal aplicado (mais concretamente com os benefícios fiscais concedidos) e
dificuldades de implementação desse regime, como com a fuga ilícita de capitais supe-
ram largamente os montantes das discrepâncias encontradas pelos relatórios.
O artigo desenvolve este argumento começando por apresentar, na secção se-
guinte, a concepção da ITIE. A terceira secção revela alguns dos principais problemas
relacionados com o aproveitamento dos recursos naturais para o desenvolvimento do
país. A última secção sumariza os desafios para que a ITIEM seja mais relevante para
responder a estes desafios.
A ITIE foi anunciada em 2002, pelo ex-primeiro ministro britânico Tony Blair durante
a realização da Cimeira Mundial para o Desenvolvimento Sustentável. A ITIE foi pos-
teriormente lançada oficialmente durante a conferência de Lancaster House realizada
em 2003, onde foram definidos os princípios que regem a iniciativa. A motivação para
a sua criação foi a constatação de que países ricos em recursos naturais muitas vezes
não conseguem transformar esta riqueza em desenvolvimento amplamente partilhado
pela população. Este insucesso deve-se, em parte, a problemas relacionados com a fraca
captação, por parte do Estado, da renda gerada pelo sector extractivo, ao uso indevido
dos recursos e à inadequada consideração dos impactos negativos sociais e ambientais
gerados pela actividade extractiva.
A ITIE procura contribuir para que a exploração dos recursos naturais se tradu-
za em ganhos mais amplamente partilhados na sociedade através da provisão de in-
formação relativa aos fluxos de pagamentos do sector extractivo (mineração, petróleo
e gás) ao Estado, sendo regida por um padrão internacional de qualidade de informa-
146 Desafios para Moçambique 2012 Será a ITIEM Relevante para Melhorar a Gestão dos Recursos Minerais?
ção definido pela ITIE. Este fluxo de receitas para o Estado deve ser reportado pelas
empresas (quanto pagam) e pelo governo (quanto recebem). A informação fornecida
por estas duas partes deve ser reconciliada por uma firma de consultoria independente
que garanta a fiabilidade e credibilidade dos dados fornecidos. O principal produto
da ITIE é o relatório de reconciliação dos pagamentos entre empresas e o Estado.
Entretanto, existe um amplo reconhecimento de que os desafios da transparência para
a boa governação dos recursos naturais vão para além da ITIE básica, ou seja, para
além da produção do relatório de reconciliação nos moldes descritos anteriormente.
Neste contexto, a ITIE a nível internacional recomenda que cada país defina o âmbito
de alcance da iniciativa (para além da ITIE básica) para que a Iniciativa seja relevante
para boa gestão dos recursos naturais para o desenvolvimento em contextos específi-
cos (EITI 2011a).2
Para implementação da iniciativa, é constituído em cada País candidato um gru-
po tripartido composto por representantes do governo, das empresas e de Organiza-
ções da Sociedade Civil (OSC). Em Moçambique este grupo é designado comité de
coordenação (CC-ITIEM) e é composto por quatro representantes de cada uma das
partes. O CC-ITIEM tem a função de organizar, desenvolver, executar e monitorar
a implementação da ITIE no país (ITIE Moçambique, Sem data). A coordenação
internacional da iniciativa é igualmente garantida por um Comité de Coordenação
composto por membros destas três partes, que são indicados nas conferências globais
bi-anuais da EITI (2011b).
De acordo com a EITI (2011a), cada uma destas partes tem benefícios espe-
cíficos mais directos. Os governos beneficiam do cumprimento de um padrão de
transparência internacionalmente reconhecido que demonstra o seu compromisso em
relação a reformas e medidas anti-corrupção, resultando em melhorias no processo
de arrecadação de impostos e no fortalecimento da confiança e da estabilidade do
sector extractivo. As empresas ganham um ambiente de negócios equilibrado, no qual
todas as empresas são obrigadas a revelar as mesmas informações, e um ambiente de
investimentos mais positivo e estável, no qual é possível envolver-se mais eficazmente
com os cidadãos e a sociedade civil. Os cidadãos e a sociedade civil beneficiam da
2
Vários países já fizeram evoluções em relação à ITIE básica para que a Iniciativa responda
melhor aos seus desafios específicos. Por exemplo, a ITIE no Iraque revela os valores de expor-
tações por companhia; no Peru a ITIE revela as transferências dos recursos arrecadados que são
feitas a nível local; a Libéria inclui nos seus relatórios de reconciliação os sectores de agricultura
e florestas (Rich 2012).
Será a ITIEM Relevante para Melhorar a Gestão dos Recursos Minerais? Desafios para Moçambique 2012 147
disponibilidade de informações confiáveis sobre o sector e de uma plataforma que
envolve diversas partes, por meio da qual é mais fácil responsabilizar o governo e as
empresas. Adicionalmente, existem benefícios a nível global, uma vez que a segurança
energética é fortalecida por um ambiente de negócios mais transparente e equilibrado.
Esta maior estabilidade incentiva o investimento a longo prazo na produção e,
consequentemente, melhora a confiança no fornecimento de produtos energéticos.
Os Países que participam na ITIE aspiram a ser declarados “em conformidade”
com a Iniciativa (ou pleno cumpridor dos princípios da iniciativa, na terminologia
usada até Fevereiro de 2011), pois isso é mais uma demonstração do compromisso do
governo e das empresas com as melhores práticas de governação transparente e demo-
crática. Para ser declarado “em conformidade” com os princípios da ITIE, é necessário
que cada País cumpra uma série de 21 requisitos definidos internacionalmente (ver
quadro 1). Destes requisitos, cinco (requisitos 1 a 5) referem-se às condições para se
obter o estatuto de candidato a implementar a iniciativa; oito (6 a 13) referem-se aos
requisitos de preparação do relatório de reconciliação; quatro (14 a 17) referem-se
aos requisitos de divulgação da informação para produção do relatório; o requisito 18
diz respeito à disseminação do relatório; dois requisitos (19 e 20) dizem respeito ao
suporte e sustentabilidade do processo; e o vigésimo primeiro refere-se a condições
para manutenção do estatuto de “em conformidade” caso este estatuto seja alcançado.
O cumprimento destes requisitos é verificado por uma entidade externa (firma
de validação e/ou secretariado internacional da ITIE e CC Internacional da ITIE).
Até Junho de 2012, 14 países haviam adquirido o estatuto de “em conformidade”; 20
mantinham o estatuto de países candidatos. Madagáscar foi suspenso uma vez que o
governo actual não foi reconhecido quer pelas Nações Unidas quer pela União Afri-
cana. A Guiné Equatorial perdeu o estatuto de candidato por não ter cumprido com
os requisitos mínimos dentro do prazo estabelecido (ver Quadro 1).
Moçambique aderiu formalmente à ITIE em 2009. Até ao momento, Moçam-
bique ainda não logrou atingir o estatuto de “em conformidade”, uma vez que, no
exercício de validação realizado em 2011, o CC internacional da ITIE considerou que
o país falhou no cumprimento de um terço dos requisitos necessários.3
3
Para detalhes sobre quais os requisitos cumpridos ou não por Moçambique, veja Selemane &
Nombora 2012.
148 Desafios para Moçambique 2012 Será a ITIEM Relevante para Melhorar a Gestão dos Recursos Minerais?
QUADRO 1 LISTA DE REQUISITOS DA ITIE
1. O governo deve emitir uma 6. O governo deve se certificar de que o envolvimento da 21. Para manter o status de “em
declaração pública categórica sociedade civil é integral, independente, ativo e efetivo. conformidade”, os países em
da sua intenção de implementar 7. O governo deve envolver empresas na implementação da EITI. conformidade com a EITI devem
a EITI. continuar a aderir aos
8. O governo deve remover quaisquer obstáculos à implemen-
2. O governo deve se comprometer requisitos.
tação da EITI.
a trabalhar com a sociedade civil
9. O grupo composto pelas diversas partes envolvidas deve
e com empresas na implemen-
estabelecer uma definição de materialidade e os modelos de
tação da EITI.
relatórios.
3. O governo deve nomear um
10. A organização nomeada para conduzir o relatório de
funcionário sênior para liderar a
conciliação da EITI deve ser considerada pelo grupo composto
implementação da EITI.
pelas diversas partes envolvidas como sendo credível,
4. O governo deve formar um confiável e tecnicamente competente.
grupo composto pelas diversas
11. O governo deve assegurar que receberá relatórios de todas as
partes envolvidas para
empresas e entidades governamentais relevantes.
supervisionar a implementação
da EITI. 12. O governo deve assegurar que os relatórios das empresas são
baseados em contas auditadas segundo os padrões
5. O grupo composto pelas
internacionais de auditoria.
diversas partes envolvidas, em
consulta com as principais 13. O governo deve assegurar que os relatórios governamentais
partes envolvidas na EITI, deve são baseados em contas auditadas segundo os padrões
estabelecer e publicar um plano internacionais de auditoria.
de trabalho integralmente
orçado, contendo metas REQUISITOS DE DIVULGAÇÃO
mensuráveis, um cronograma
para a implementação e a 14. As empresas devem fazer divulgação completa de todas as
incorporação de uma variação rendas materiais, de acordo com os modelos de relatórios
de possíveis restrições estabelecidos.
referentes à capacitação. 15. A agências governamentais devem fazer a divulgação
completa de todas as rendas materiais, de acordo com os
modelos de relatórios estabelecidos.
16. O grupo composto pelas diversas partes envolvidas deve estar
certo de que a organização contratada para realizar a
conciliação dos números das empresas e do governo o faz
satisfatoriamente.
17. O Conciliador deve se certificar de que o relatório da EITI é
abrangente, identifica quaisquer discrepâncias, e, sempre
que possível, explica essas discrepâncias e, sempre que
necessário, faz recomendações para que medidas corretivas
sejam tomadas.
REQUISITOS DE DISSEMINAÇÃO
Será a ITIEM Relevante para Melhorar a Gestão dos Recursos Minerais? Desafios para Moçambique 2012 149
QUADRO 2 LISTA DE PAÍSES DE ACORDO COM O SEU ESTATUTO NA IMPLEMENTAÇÃO DA ITIE
Países “em conformidade” Azerbaijão, República Centro Africana, Gana, Libéria, Mali, Mauritânia, Mongó-
lia, Níger, Nigéria, Noruega, Peru, Quirguistão, Timor-Leste, Iémen.
Países candidatos Afeganistão, Albânia, Burquina Faso, Camarões, Chade, Costa do Marfim, RD
Congo, Gabão, Guatemala, Guiné Conacri, Indonésia, Iraque, Cazaquistão, Mo-
çambique, Republica do Congo, Serra Leoa, Tanzânia, Togo, Trindade e Tobago,
Zâmbia.
Países suspensos Madagáscar
Países excluídos Guiné Equatorial
4
Este desfasamento temporal entre o ano a que dizem respeito os dados e o ano de publicação
do relatório tem a ver com a disponibilidade de informação já auditada pelas empresas e com
atrasos no processo de produção dos relatórios de reconciliação.
5
Os pagamentos indirectos das empresas do sector extractivo incluem: (i) o Imposto sobre o
Rendimento de Pessoas Singulares (IRPS) que é o imposto pago pelos trabalhadores ao Estado
descontando do seu rendimento; e (ii) Retenções na fonte que é o pagamento ao Estado que
as empresas prestadoras de serviços descontam do rendimento que obtêm pela prestação de
serviços à��������������������������������������������������������������������������������������
���������������������������������������������������������������������������������������
s empresas do sector extractivo. Regra geral, estes pagamentos indirectos são transfe-
ridos pelas empresas do sector extractivo que descontam os respectivos valores do pagamento a
efectuar aos trabalhadores e empresas prestadoras de serviços.
150 Desafios para Moçambique 2012 Será a ITIEM Relevante para Melhorar a Gestão dos Recursos Minerais?
buto directo (pagamentos descontados directamente dos rendimentos das empresas
do sector extractivo)6. A secção mostra que estes aspectos são explicados por benefí-
cios fiscais redundantes concedidos e por problemas com a implementação do regime
fiscal das empresas do sector extractivo. Estes problemas geram perdas para o Estado
de montantes substancialmente maiores do que as discrepâncias encontradas entre os
montantes pagos pelas empresas não declarados pelo governo.
Os dados dos relatórios mostram que, em 2008, as seis empresas do sector ex-
tractivo incluídas no relatório pagaram um total de cerca de 530 milhões de meticais
e, em 2009, as 31 empresas incluídas pagaram cerca de 1.274 milhões de meticais (ver
Quadro 2).7 A título comparativo, o valor pago em 2009 foi inferior a 3% das receitas
do Estado naquele ano.
O exercício de reconciliação entre o que as empresas e o governo reportaram
como pagamentos não encontrou discrepâncias em 2008,8 mas em 2009 revelou que,
dos pagamentos que foram objecto de reconciliação, o governo não foi capaz de jus-
tificar 3.043.762 meticais e as empresas não foram capazes de mostrar que pagaram
3.668.983 meticais dos montantes declarados pelo governo.9
6
Os pagamentos directos das empresas do sector extractivo incluem: (i) Imposto de rendimento
das pessoas colectivas (IRPC) que é descontado dos lucros das empresas; (ii) imposto sobre a
produção em dinheiro (uma percentagem do valor da produção que é paga ao Estado) e em
espécie (percentagem das quantidades produzidas que são pagas ao Estado); (iii) imposto de
superfície (pago por Km2 de terra atribuída ao projecto); licenças (valor pago pela atribuição
de determinada licença, por exemplo, licença ambiental e licença de prospecção); (iv) fundo de
capacitação institucional (valor pago pelas empresas do sector de hidrocarbonetos destinados a
capacitação institucional do Instituto Nacional de Petróleos (INP)); fundo de contribuições so-
ciais (valores pagos pelas empresas do sector de hidrocarbonetos ao INP para projectos sociais);
contribuições sociais (encargos incorridos pelas empresas no âmbito do mecenato/responsabili-
dade social).
7
Dado que por vezes o relatório de 2009 apresenta valores diferentes, um referente ao que as
empresas reportaram como tendo pago e outro referente ao que o governo reportou como tendo
recebido, no caso de divergências de reporte, este artigo considera sempre o valor declarado que
seja superior ao declarado pela contraparte. Isto porque, uma vez que o reconciliador aprova a
fiabilidade da informação recebida (todos os pagamentos e o grosso dos recebimentos reporta-
dos estão devidamente justificados), quando os valores declarados pelo governo e pelas empresas
são diferentes, aquele que for superior é o valor correcto (ou, pelo menos, mais próximo do
correcto).
8
O relatório de reconciliação produzido pela firma de consultoria Boas & Associates (2011)
encontrou uma discrepância de mais de 110 milhões de meticais. Posteriormente, o governo
e as empresas fizeram uma revisão dos dados que foi validada por uma firma de consultoria
independente, a BDO Moçambique, em que não foi reportada qualquer discrepância de valores
(BDO 2011).
9
Por lapso, o relatório de reconciliação apresenta, na sua página 47, valores diferentes destes
(Ernst & Young 2012, p. 47).
Será a ITIEM Relevante para Melhorar a Gestão dos Recursos Minerais? Desafios para Moçambique 2012 151
O crescimento do valor total reportado em cerca de 141% é explicado em gran-
de parte pela expansão do número de empresas (de seis para 31)10 e de categorias
de pagamentos directos (adicionando fundos de capacitação institucional, fundo de
contribuições sociais e contribuições sociais) cobertas pelo relatório de 2009. Desta
forma, este crescimento não pode ser interpretado como a evolução da contribuição
do sector. Com efeito, do valor total de 1.274 milhões de meticais pagos em 2009,
765 milhões (56%) foram pagos por empresas não incluídas no primeiro relatório, 94
milhões (8%) foram pagamentos feitos pelas empresas cobertas pelo primeiro relató-
rio nas novas categorias de pagamentos, e 465 milhões (36%) foi o valor total pago
pelas seis empresas que fizeram parte do primeiro relatório nas mesmas categorias de
pagamentos incluídas no relatório de 2008.
Dos 1.274 milhões de meticais pagos em 2009, 723 milhões (57%) represen-
taram pagamentos indirectos e 551 milhões (43%) pagamentos directos (ver gráfico
1). Em termos comparativos, o contributo directo dos rendimentos de capital destas
empresas para as receitas fiscais equivale a 1,3% das receitas fiscais totais. A fraca con-
tribuição fiscal directa das empresas extractivas é em grande medida explicada pelo
excesso de benefícios fiscais concedidos. Muitas vezes é argumentado que esta fraca
contribuição deriva do facto de as empresas ainda estarem em fase inicial de explora-
ção e, como tal, não terem rendimentos significativos. Embora isto possa ser verdade
para algumas empresas, não o é para todas.
10
Esta expansão do número de empresas foi resultado da revisão do nível de materialidade. O ní-
vel de materialidade estabelecido para o primeiro relatório definia que deveriam ser incluídas no
relatório todas as empresas do sector extractivo que tivessem realizado pagamentos de impostos
directos no valor mínimo de 1.500.000 meticais. Para o segundo relatório, foi definido que
seriam incluídas todas as empresas que tivessem feito pagamentos no valor mínimo de 500.000
meticais.
152 Desafios para Moçambique 2012 Será a ITIEM Relevante para Melhorar a Gestão dos Recursos Minerais?
TABELA 1 PAGAMENTOS TOTAIS E POR CATEGORIA DE PAGAMENTO EFECTUADOS PELAS EMPRESAS DO SECTOR EXTRAC-
TIVO AO ESTADO EM 2008 E 2009 (EM METICAIS).
2008 2009
Pagamentos totais 529.666.233 1.273.878.459
Total de pagamentos directos das empresas (1) 269.533.416 551.170.153
IRPC 70.378.722 95.068.563
Imposto sobre a produção pago em dinheiro 96.315.552 54.725.413
1.1 Total de
Pagamentos
Directos 43%
1.2 Total de
pagamentos
Indirectos 57%
Será a ITIEM Relevante para Melhorar a Gestão dos Recursos Minerais? Desafios para Moçambique 2012 153
A título de exemplo, analisemos o caso da empresa SASOL Petroleum Temane
(SPT) que evidencia a falácia deste argumento e a dimensão do problema. Os paga-
mentos directos da SPT em dinheiro (excluindo impostos pagos pelos trabalhadores
e por empresas prestadoras de serviços) totalizaram, em 2009, 1% do valor das expor-
tações de gás e condensado do país. Incluindo pagamentos em espécie (valorizado
pelo valor médio unitário das suas exportações) e contribuições sociais, a Sasol PT
contribui com 6,4% do valor das suas exportações. Do imposto sobre os lucros da
empresa (IRPC), a SPT pagou 100.000 meticais (curiosamente, o mesmo valor re-
portado no primeiro relatório da ITIEM referente a pagamentos feitos em 2008), o
que equivale a 380 vezes menos do que o valor que a contraparte moçambicana no
projecto, a Companhia Moçambicana de Hidrocarbonetos (CMH), pagou de IRPC.
Tendo em conta que a CMH detém 25% do projecto de gás natural e a SPT 70%,
significa que a carga fiscal do IRPC para a SPT é cerca de 1.000 vezes inferior à carga
da CMH. Se a SPT tivesse pago um valor em proporção ao que a CMH pagou, teria
pago 38 milhões de meticais. Assumindo que este pagamento da SPT corresponde à
aplicação correcta do seu regime fiscal (e não há incumprimento das suas obrigações
fiscais acordadas com o governo), esta carga fiscal seria irrisória para uma empresa
que, pelo menos quatro anos depois de ter começado a produzir, já gerava lucros. Este
exemplo mostra, de forma evidente, o mau negócio que o governo (em representação
dos cidadãos de Moçambique) fez com esta empresa.11 Este valor, com referência a
apenas uma empresa, supera a discrepância encontrada em todo o sector extractivo
em mais de 12 vezes.12
Adicionalmente, os valores pagos relativos ao imposto sobre a superfície são
irrisórios para as grandes extensões de terra exploradas. Em 2009 as empresas paga-
ram menos de 16 milhões de meticais de imposto de superfície representando pouco
mais de 1% dos pagamentos totais do sector apesar de, de acordo com Castel-Branco
(2012a), estas companhias explorarem centenas de milhares de hectares de terra e
controlarem centenas de milhões de toneladas de minerais diversos.
11
Note-se que estes dados dizem apenas respeito aos incentivos e pagamentos fiscais sobre os
rendimentos do capital declarado. Esta análise exclui fuga ilícita de capitais – relacionada com
subfacturação de exportações – bem como o próprio preço a que o gás é exportado, que é um
dos mais baixos do mundo, e as baixas tarifas sobre a superfície usada. Se estes dados adicionais,
que não são cobertos pela ITIEM, fossem incluídos na análise, a magnitude do problema de
subretenção de excedente gerado na economia (ou porosidade) seria muito maior.
12
Uma vez que os dados de exportações do Banco de Moçambique são apresentados em dólares
americanos, a conversão foi feita usando a taxa de câmbios média do último dia de Dezembro
de 2009, 27,51 MZN/USD (Banco de Moçambique 2009).
154 Desafios para Moçambique 2012 Será a ITIEM Relevante para Melhorar a Gestão dos Recursos Minerais?
A tabela 2 mostra o peso total dos pagamentos e por categoria de pagamentos
de duas empresas, a Sasol PT e a Kenmare Moma Mining, como proporção das suas
exportações. A tabela selecciona estas duas empresas por já estarem em fase de produção
há vários anos e os dados sobre os valores das suas exportações estarem disponíveis. Os
dados mostram que o Estado arrecadou em 2009, como resultado do funcionamento
destes projectos, um total de 7,2% das suas receitas de exportação. A Kenmare Moma
Mining, que explora vastas extensões de terra para extracção de areias pesadas no distri-
to de Moma, pagou de imposto de superfície apenas 0,1% do valor das suas exportações.
Apenas 3,3% foi pago em imposto sobre a produção (em dinheiro e em espécie), e
apenas 2% foi pago como responsabilidade social e apoio institucional (pagamento que
empresas do sector de hidrocarbonetos fazem para o Instituto Nacional de Petróleos).
TABELA 2 ESTRUTURA DA RETENÇÃO DE RECEITAS DE EXPORTAÇÃO DE DOIS GRANDES PROJECTOS PELA ECONOMIA NA-
CIONAL EM 2009 (COMO % DAS RECEITAS DE EXPORTAÇÃO)
Das receitas de exportação dos dois projectos, 5,4% foram pagos directamente
pelas empresas e 1,8% foram pagos por trabalhadores e fornecedores de bens e servi-
ços. Dito de outra forma, por cada 1.000 dólares que estas empresas exportaram em
2009, 946 dólares ficaram com as empresas (para pagar os seus custos de capital e ope-
racionais, lucros e dividendos) e apenas 54 dólares foram pagos por estas empresas ao
Estado. Isto revela que os ganhos da exploração dos recursos naturais são largamente
Será a ITIEM Relevante para Melhorar a Gestão dos Recursos Minerais? Desafios para Moçambique 2012 155
absorvidos pelas empresas, ficando o Estado com uma percentagem ínfima destes
ganhos para serem partilhados na sociedade e contribuírem para o combate à pobreza.
Para além de resultarem numa fraca contribuição para as receitas do Estado,
(Ossemane 2011; Castel-Branco 2012a), mostram que os benefícios fiscais concedi-
dos ao capital a operar no país alteram significativamente o contributo fiscal relativo
entre o capital e o trabalho. A tabela 3 apresenta a relação entre o contributo agregado
do imposto sobre o rendimento do capital (IRPC) e do imposto sobre o rendimento
do trabalho (IRPS) com e sem incentivos fiscais sobre os rendimentos de capital de
duas empresas, a Mozal e da Sasol PT entre 1999 e 2010. A tabela mostra que os
incentivos fiscais sobre os rendimentos do capital (IRPC) fizeram com que, em onze
dos doze anos considerados, os trabalhadores contribuíssem mais para as receitas fis-
cais directas (através do IRPS) do que o capital (através do IRPC). No entanto, se os
incentivos fiscais sobre os rendimentos do capital fossem eliminados em apenas dois
mega-projectos (Mozal e Sasol), o contributo do rendimento do capital excederia o
do rendimento do trabalho pelo menos a partir de 2004.
Isto acontece numa economia em que apenas uma fracção marginal da força de
trabalho é formal e paga impostos, e a maioria dos trabalhadores nessa fracção aufere
salários abaixo da linha de pobreza. Ao mesmo tempo, a percentagem do PIB que cabe
aos lucros subiu rapidamente neste período para mais de 60%, a economia está a cres-
cer rapidamente e o investimento está cada vez mais concentrado em grandes projec-
tos (Castel-Branco 2012a). Finalmente, os impostos indirectos, sobre o consumo, são a
principal fonte de receita fiscal. Neste contexto, a penalização relativa dos ganhos do tra-
balho em relação aos do capital é mais grave ainda do que os dados da tabela 3 mostram.
TABELA 3 RELAÇÃO (RÁCIO) ENTRE O CONTRIBUTO AGREGADO DO IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DE CAPITAL (IRPC) E
DO IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DO TRABALHO (IRPS), COM E SEM INCENTIVOS FISCAIS SOBRE OS REN-
DIMENTOS DE CAPITAL DA MOZAL E SASOL
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Rácio IRPC/
IRPS com in- 88 60 55 50 40 42 53 67 91 96 96 114
centivos fiscais
Rácio IRPC/
IRPS sem in- nd nd nd nd 43 107 127 149 173 149 135 128
centivos fiscais
156 Desafios para Moçambique 2012 Será a ITIEM Relevante para Melhorar a Gestão dos Recursos Minerais?
Olhando para a evolução entre 2008 e 2009 e mantendo, para efeitos de com-
paração, as mesmas empresas e categorias de pagamentos, nota-se um cenário ainda
mais preocupante (ver tabela 4). Os dados mostram que os pagamentos destas em-
presas reduziram em 12% como resultado da redução dos pagamentos directos em
25%, uma vez que os pagamentos indirectos cresceram marginalmente (em menos de
1%). Desagregando ainda mais os pagamentos, nota-se que apenas duas categorias de
pagamentos registaram evolução positiva, o IRPS cresceu em 17% e os impostos sobre
a produção pagos em espécie cresceram 9%. As restantes categorias registaram redu-
ções, lideradas pela queda do imposto sobre superfície (-57%), seguido do imposto so-
bre a produção pago em dinheiro (-47%), IRPC (-45%) e retenções na fonte (-22%).
TABELA 4 PAGAMENTOS TOTAIS E POR CATEGORIA DE PAGAMENTO EFECTUADOS PELAS EMPRESAS DO SECTOR EXTRAC-
TIVO EM 2008 E 2009, CONSIDERANDO APENAS AS EMPRESAS E CATEGORIAS DE PAGAMENTOS INCLUÍDAS
EM AMBOS OS RELATÓRIOS (EM METICAIS)
Será a ITIEM Relevante para Melhorar a Gestão dos Recursos Minerais? Desafios para Moçambique 2012 157
dos anos, as empresas não pagaram o valor correcto (independentemente de as taxas
“correctas” serem ou não extremamente baixas).
A contracção da receita proveniente dos impostos sobre a produção, pagos em
dinheiro, deveu-se, em grande medida, à redução do valor pago pela SPT, em cerca de
67%, no mesmo período em que o Banco de Moçambique reportava uma queda no
valor das exportações de gás em menos de 20% (Banco de Moçambique 2009). Por-
tanto, o mecanismo de valorização da produção tem impacto significativo no montan-
te de impostos arrecadados pelo Estado e, neste caso, a contracção dos pagamentos ao
Estado foi três vezes superior à contracção das receitas de exportação.
De acordo com Boas & Associates (2011), o governo de Moçambique não tem
capacidade de avaliar atempadamente a qualidade dos minerais, as quantidades extra-
ídas e vendidas, os preços de venda, os custos operacionais, entre outros, dependendo
excessivamente da informação que é fornecida pelas empresas. Castel-Branco (2012a)
chama atenção para a experiência internacional que mostra que as empresas tendem
a inflacionar custos e deflacionar ganhos para minimizar lucros e custos fiscais. Logo,
além de estar a subsidiar estas empresas com benefícios fiscais massivos e redundantes,
o governo poderá estar ainda a subvalorizar massivamente os recursos que estão sendo
concessionados. Portanto, a economia perde duas vezes: pelos benefícios fiscais e pela
subvalorização da riqueza. Se a produção da SPT tivesse sido valorizada pelo mon-
tante das exportações, a SPT teria pago um valor adicional de cerca de 26 milhões, ou
seja, oito vezes mais do que a discrepância encontrada.
Portanto, existem problemas evidentes com o regime fiscal das empresas do sec-
tor e com a implementação desse mesmo regime (dificuldades relacionadas com a
incapacidade do Estado de avaliar os custos de produção e valorizar as vendas que
determinam a matéria tributável, entre outros problemas). Castel-Branco (2012a) es-
tima que as saídas de capital resultantes da combinação de benefícios fiscais redun-
dantes e práticas comerciais de sobrefacturação dos custos e subfacturação de vendas
representem 7-9% do PIB do país.
As perdas de capital geradas pelo sector extractivo são largamente superiores
ao problema de “desaparecimento” de fundos irrisórios, que é actualmente o foco da
ITIE. Na verdade, os problemas existentes com o regime fiscal e sua implementação
podem explicar porque o problema de “desaparecimento” de fundos não é tão rele-
vante no país. Com efeito, quando o potencial de receitas definido pela legislação (já
de si redundantemente generosa) não é realizado graças a acordos firmados secreta-
mente entre as empresas e o governo, cujos termos de negociação ficam ao critério
158 Desafios para Moçambique 2012 Será a ITIEM Relevante para Melhorar a Gestão dos Recursos Minerais?
de membros do governo com influência no processo negocial, cria-se espaço para os
“desvios” de fundos serem feitos à priori. Desta forma, é possível desviar fundos dos
cofres do Estado firmando acordos em que as responsabilidades das empresas para
com o Estado são reduzidas em troca de benefícios pessoais para os membros da elite
política com influência no processo negocial (em troca de acções, comissões ou lugares
nos Conselhos de Administração das empresas). Esta possibilidade pode encontrar
algum sustento em um trabalho investigativo desenvolvido por Machel (2012) em
que é apresentada uma lista de figuras do sector público e ligadas ao partido no poder
que estabelecem alianças entre si e com interesses económicos em empresas do sector
extractivo. Machel apelida estas relações como “alianças com selo de tráfico de influ-
ências e conflito de interesses”.
O “desvio” de fundos do Estado a priori é uma forma mais segura de as elites po-
líticas e económicas privatizarem, em seu benefício, os rendimentos que deveriam ser
socializados para todo o País. Neste sentido, o secretismo da informação (sobretudo
relacionada com o regime fiscal) é essencial para negar ao público as evidências da má
gestão dos recursos naturais do ponto de vista da sociedade como um todo. Aliás, só
assim se pode entender o enorme empenho do governo em manter esse secretismo,
evidenciado em (Ossemane 2012), mesmo quando algumas empresas afirmaram que
não se importavam de revelar os seus regimes fiscais.
Resumindo, no caso de Moçambique, para atingir o objectivo de melhorar o
aproveitamento dos recursos naturais para o desenvolvimento, a transparência do re-
gime fiscal e do sistema de valorização dos recursos, dos custos e vendas é muito mais
relevante do que a informação sobre discrepâncias entre pagamentos e recebimentos.
A secção seguinte apresenta os desafios para que a ITIE se torne num instrumento
relevante para o alcance deste objectivo.
A informação providenciada pela ITIEM é relevante para o país porque permite sa-
ber qual a contribuição fiscal do sector (informação esta que não é disponibilizada por
outras vias). A desagregação da informação por empresa permite, também, formular
hipóteses de investigação sobre as dinâmicas dos pagamentos e conhecer a contribui-
ção do sector por região, o que dá às comunidades onde os projectos se localizam uma
base para sustentar a sua advocacia por uma partilha mais justa dos benefícios. Esta
Será a ITIEM Relevante para Melhorar a Gestão dos Recursos Minerais? Desafios para Moçambique 2012 159
informação é igualmente importante por permitir verificar se o que as empresas pa-
garam entrou nos cofres do Estado (actualmente, a inexistência de um mecanismo de
responsabilização pelas discrepâncias encontradas reduz a utilidade desta informação
para melhorar o sistema de gestão dos pagamentos/recebimentos).
Entretanto, a capacidade para contribuir para uma melhor gestão dos recursos
naturais, do ponto de vista da sociedade como um todo, é severamente constrangida
pela falta de informação sobre os termos dos acordos firmados ente as empresas e o
governo e pela fraca capacidade de implementação dos acordos firmados. O Quadro
3 mostra a cadeia de valor da exploração dos recursos naturais, desde a fase da decisão
sobre a extracção até às políticas públicas para o desenvolvimento do país. O quadro
mostra que a publicação de pagamentos e recebimentos, que é o foco da ITIE, é pre-
cedido da decisão sobre extracção do recurso e obtenção de um bom negócio. Se o País
não é capaz de fazer um bom negócio e implementar correctamente os termos desse
negócio, não haverá muitos fundos a entrarem nos cofres do Estado, nem para serem
partilhados com as comunidades locais, nem financiar desenvolvimento sustentável
mais em geral, nem para serem desviados por indivíduos ou instituições corruptas.
Portanto, informação credível sobre pagamentos e recebimentos disponibilizada ao
público, mesmo que ajude a identificar e eliminar discrepâncias, é largamente in-
suficiente para tornar o ITIEM num instrumento útil de gestão social dos recursos
naturais em Moçambique. Isto acontece porque esta informação não permite saber
se o que as empresas pagaram é correcto de acordo com os acordos firmados, se esses
acordos definem uma partilha justa dos ganhos gerados pela actividade extractiva, e
se os custos e as receitas dos projectos e os recursos em exploração são correctamente
valorizados. Estes aspectos são de extrema relevância na capacidade do país para ab-
sorver e socializar a riqueza gerada pela actividade extractiva.
Os dados dos relatórios da ITIE mostram que actualmente o problema das
discrepâncias entre pagamentos e recebimentos não é tão relevante. Estes relatórios
apresentam dados que reforçam e confirmam constatações de vários estudos sobre as
enormes perdas para o País resultantes do regime de exploração dos recursos naturais
(excessivos benefícios fiscais redundantes, dificuldades de monitorar as actividades e
de valorizar os recursos, custos e ganhos dos projectos, secretismo dos contratos, entre
outros) (Castel-Branco 2010; Castel-Branco 2012a; Castel-Branco 2012b; Castel-
-Branco & Mandlate 2012; Bolnick 2009; Ossemane 2011; Ossemane 2012). Estes
são os factores que determinam a matéria tributável e o potencial de arrecadação de
rendas para o Estado. Os dados fornecidos pelos relatórios da ITIEM não permitem
160 Desafios para Moçambique 2012 Será a ITIEM Relevante para Melhorar a Gestão dos Recursos Minerais?
avaliar quanto as empresas deveriam ter pago se o regime fiscal acordado fosse correc-
tamente aplicado e muito menos avaliar com exactidão a dimensão das perdas resul-
tantes dos benefícios fiscais redundantes e da incapacidade de avaliar correctamente a
produção, custos, vendas e a matéria tributável. Entretanto, os relatórios permitem fa-
zer aproximações que mostram a severidade destes problemas para o País com perdas
de receitas para o Estado largamente superiores ao problema de “desaparecimentos”
de fundos, e aproximadamente iguais aos ganhos das altas taxas de crescimento do
PIB nos últimos anos.
Será a ITIEM Relevante para Melhorar a Gestão dos Recursos Minerais? Desafios para Moçambique 2012 161
de transparência para que a ITIE seja mais relevante no contexto do País identificadas
em Castel-Branco (2011), nomeadamente: a transparência do regime fiscal e o estabe-
lecimento de um sistema transparente e público que permita a obtenção de informa-
ção atempada, credível e independente sobre a qualidade dos minerais, as quantidades
em reserva, extraídas e vendidas, os preços de venda, os custos operacionais, os custos
de capital acumulados na fase pré-extracção, o tamanho das concessões, as dinâmicas
dos mercados (volatilidade, previsibilidade, tendências de expansão, funcionamento e
estrutura) entre outros. Estas informações permitem verificar se as empresas pagam o
que devem e o que é justo antes, e para além, da simples verificação de que o governo
reporta correctamente o que as empresas declaram ter pago.
Estes aspectos são apenas parte do que a transparência deve revelar. Para além
de que é necessário estender a ITIE para outros sectores para além da mineração e
hidrocarbonetos, outros aspectos ao longo da cadeia dos recursos naturais devem ser
abordados. Estes aspectos são a transparência dos contratos em geral;13 da afectação
e utilização das rendas do sector em despesa pública (onde existe enorme espaço para
desvio de fundos públicos – quiçá maior do que na fase de reporte de recebimentos),
da gestão ambiental e dos impactos sociais, e na definição e implementação de po-
líticas públicas de desenvolvimento. Estas informações são fundamentais para uma
participação mais ampla e efectiva da sociedade nas decisões, monitoria e implemen-
tação de políticas de desenvolvimento para maximização e partilha ampla dos ganhos
gerados.
13
Com a devida preservação da confidencialidade de informação tecnológica e comercialmente
sensível, caso exista.
162 Desafios para Moçambique 2012 Será a ITIEM Relevante para Melhorar a Gestão dos Recursos Minerais?
REFERÊNCIAS
Será a ITIEM Relevante para Melhorar a Gestão dos Recursos Minerais? Desafios para Moçambique 2012 163
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164 Desafios para Moçambique 2012 Será a ITIEM Relevante para Melhorar a Gestão dos Recursos Minerais?
AGRICULTURA, POBREZA
E A RECEITA DO PARP
Philip Woodhouse
INTRODUÇÃO
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INTRODUÇÃO
Política Monetária e Redução da Pobreza em Moçambique Desafios para Moçambique 2012 185
conter o nível geral dos preços, nem tão pouco considera a possibilidade de a redução
do consumo de bens e serviços básicos para as camadas sociais de baixo rendimento
ser insustentável do ponto de vista económico e social.
No que diz respeito ao padrão de acumulação, a política monetária em vigor não
equaciona a articulação entre medidas monetárias e a expansão e diversificação da
base produtiva, nem se interroga sobre o tipo de dinâmicas económicas que as medi-
das monetárias de contenção do consumo ajudam a promover. Ignorando estas ques-
tões, a política monetária contribui para reproduzir e intensificar o mesmo padrão
extractivo e poroso de crescimento da economia, que é gerador de enormes tensões
económicas e pressões inflacionárias.
Para discutir estas questões, o artigo começa por apresentar, na secção seguinte, a
concepção do papel da política monetária no PARP. De seguida, o artigo analisa esta
concepção evidenciando questões fundamentais que devem ser equacionadas para
colocar instrumentos monetários ao serviço da transição económica para um cresci-
mento mais efectivo na redução da pobreza. A última secção sumariza os desafios para
política monetária no país.
1
O nível geral dos preços é medido através do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da cidade
de Maputo, embora as autoridades monetárias também usem o IPC combinado das três princi-
pais cidades do país: Maputo, Beira e Nampula (MABENA), que apresenta um comportamen-
to similar ao IPC de Maputo. O IPC da cidade de Maputo mede os preços de um cabaz que
representa o consumo médio de bens e serviços na cidade de Maputo. A evolução do preço de
cada produto que compõe o cabaz reflecte-se na evolução do índice na medida da importância
desse produto na estrutura média de consumo da cidade de Maputo. A meta definida como
limite máximo para o crescimento dos preços (do IPC) é inferior a 10%. Ou seja, em cada ano,
os preços na sua globalidade não devem aumentar 10% ou mais em relação ao ano anterior.
186 Desafios para Moçambique 2012 Política Monetária e Redução da Pobreza em Moçambique
além de promover crescimento económico consentâneo com a geração de emprego,
que é fundamental para redução da pobreza, o PARP assume ainda que a baixa infla-
ção tem um impacto mais directo e imediato sobre os níveis de pobreza, uma vez que
concorre para preservar o poder de compra das populações pobres cuja estrutura de
despesas é maioritariamente composta por alimentos (GdM 2011).2
O argumento do PARP conclui que a baixa inflação pode alcançar todos estes
benefícios porque concorre para: (i) estimular a realização de novos investimentos pri-
vados, nacionais ou estrangeiros; (ii) melhorar o ambiente de negócios; (iii) alocar de
forma eficiente os recursos disponíveis na economia; (iv) melhorar a distribuição do
rendimento; e (v) manter o poder de compra dos consumidores (GdM 2011, p. 38).
Em Moçambique (e não só), os benefícios da baixa inflação são definidos por
hipóteses construídas em oposição directa às desvantagens da inflação alta (aliás, a
EMLPPM (Banco de Moçambique, Sem data) justifica o foco da política monetária
na contenção dos preços apresentando as desvantagens da inflação alta). Por exemplo,
se num ambiente de alta inflação os agentes económicos têm receio de fazer investi-
mentos porque fica extremamente difícil prever os retornos reais desse investimento,
logo, por oposição, a baixa inflação vai gerar o benefício de promover mais investi-
mento do que seria possível num cenário de alta inflação. Embora este modelo de ar-
gumentação pareça intuitivo e sólido, no essencial é um pressuposto assumido porque
salta por cima dos passos de argumentação lógica.3 Em termos práticos, a relevância
do argumento a favor de baixa inflação depende de vários aspectos que têm de ser
contextualizados em cada economia: o que é inflação alta ou baixa e porquê? Qual é
a composição social da inflação e o que é que a determina? Como é que a inflação de
facto afecta os sectores de actividade económica e grupos de rendimento, e porque o
faz de forma diferenciada?
2
Para além destes objectivos gerais, a componente de política monetária no PARP é demasia-
do sintética para permitir uma discussão detalhada. Portanto, no que se segue, serão também
usados outros documentos orientadores da concepção e implementação da política monetária
em Moçambique (sobretudo o documento da Estratégia de Médio e Longo Prazo da Politica
Monetária – EMLPPM (Banco de Moçambique (sem data)). Estes documentos são em geral
consistentes com a abordagem de política monetária no PARP, ao mesmo tempo que são mais
elaborados e detalhados. Estes documentos bem como uma entrevista com o Banco de Moçam-
bique servem de suporte a esta secção.
3
O facto de o fenómeno descrito por A ser mau, não torna o fenómeno descrito por B, oposto
de A, necessariamente bom. Para além de que “mau” e “bom” são juízos de valor, cujo valor
depende do juíz e do contexto, no sistema de informação “A é mau e B é o oposto de A” não
existe informação suficiente para decidir se B é bom (A pode ser uma seca e B pode ser uma
cheia – são opostos, mas nenhum é necessariamente bom).
Política Monetária e Redução da Pobreza em Moçambique Desafios para Moçambique 2012 187
Além do mais, a justificação do caso a favor da “baixa” inflação por oposição às
desvantagens da “alta” inflação negligencia as implicações das medidas e do processo
de conter a inflação. A maneira como a inflação é combatida define os perdedores e
ganhadores, bem como os resultados atingidos. A discussão sobre as implicações do
combate à inflação raramente entra na análise usada para justificar as metas de infla-
ção e os instrumentos usados.
A secção seguinte levanta alguns dos aspectos que não são geralmente discutidos
na argumentação monetarista sobre baixa inflação, mas que determinam a relevância
da política monetária para alcance dos objectivos mais amplos da política ou plano
económico de que faz parte, nomeadamente reduzir a pobreza, sustentar crescimento
e promover transformação económica.
188 Desafios para Moçambique 2012 Política Monetária e Redução da Pobreza em Moçambique
Segunda, para que a política monetária seja eficaz na contenção dos preços dos
bens e serviços básicos de consumo, que dominam o cabaz de consumo dos pobres,4
ela tem de ser capaz de ou restringir a procura destes bens por via da restrição da capa-
cidade de compra dos agentes económicos (abordagem monetarista, em que a inflação
é causada pelo excesso de consumo promovido pelo excesso de dinheiro nas mãos dos
consumidores), ou ser parte da estratégia de promoção da capacidade de produção e
circulação destes bens e serviços a baixo custo (abordagem estruturalista, em que a
inflação dos bens e serviços básicos é causada por um défice de oferta, provavelmente
originado pelo desequilíbrio entre consumo e investimento). Seguindo a lógica da
abordagem monetarista reflectida no PARP, a política monetária pode implicar uma
redução na capacidade de consumo dos grupos de menor rendimento, dependendo
de quem é relativamente mais afectado pela redução da procura de bens básicos de
consumo (esta questão não é objecto de análise no desenho da política monetária de
teor monetarista).
Terceira, a política monetária focada na contenção da capacidade de consumo
negligencia as verdadeiras causas da inflação que, no caso moçambicano, estão obvia-
mente relacionadas com um padrão de crescimento económico de natureza extractiva,
que não produz nem tem capacidade de fazer circular, a baixo custo, bens básicos de
consumo. Logo, o problema é o défice da produção e as condições de competitividade
da economia nacional. Mas a abordagem de política monetária adoptada pelo PARP
não analisa o impacto das medidas de controlo do consumo na capacidade de diver-
sificação, articulação e alargamento da base produtiva e de competitividade da econo-
mia como um todo. Aliás, é argumentado que a actual política monetária exacerba a
estrutura extractiva da economia, bem como a dependência externa, os altos custos do
capital e as pressões de apreciação real da taxa de câmbio (Castel-Branco 2011; Cas-
tel-Branco 2012b; Castel-Branco & Mandlate 2012; Massarongo & Muianga 2011),
impactos estes que são impeditivos à solução do problema do défice de produção e
competitividade. Em resumo, a política monetária de teor monetarista pode estar a
contribuir para inviabilizar a resolução estrutural do problema da inflação acentuada
dos preços dos bens e serviços básicos de consumo, mesmo que a muito curto prazo
4
Se a intenção de manter baixos níveis de inflação for a protecção do poder de compra dos po-
bres, então é preciso manter baixa a inflação dos bens e serviços que formam o cabaz de consu-
mo dos pobres (predominantemente alimentos e outros bens e serviços básicos). Por isso é tão
importante saber sobretudo o que está a acontecer com a inflação destes bens e serviços, em vez
de pôr o foco analítico no IPC agregado.
Política Monetária e Redução da Pobreza em Moçambique Desafios para Moçambique 2012 189
permita amortecer os efeitos da inflação importada nos preços de alguns destes bens
e serviços.
Como já foi mencionado, as autoridades monetárias usam oficialmente o IPC
da cidade de Maputo como indicador da variação do poder de compra, fazendo igual-
mente o acompanhamento do IPC conjunto das três principais cidades do país (Ma-
puto, Beira e Nampula), MABENA. O IPC é calculado pelo Instituto Nacional de
Estatística (INE) através da monitoria da evolução periódica dos preços de uma lista
de bens e serviços consumidos pelos cidadãos. Para cada bem ou serviço consumido
é atribuído um peso (uma percentagem) que corresponde ao peso médio do consumo
desse bem ou serviço pela totalidade dos cidadãos da região em causa no cabaz de
consumo total desses cidadãos.
No entanto, este indicador não tem sensibilidade para detectar a diferenciação
do custo de vida por grupo de rendimento porque é uma medida média que procura
captar o padrão de consumo médio de todos os extractos de rendimento na sociedade
(cidade de Maputo e/ou MABENA). Para avaliar o custo de vida dos grupos de me-
nor rendimento, o custo de Bens Básicos de Consumo (BBC), composto sobretudo
por alimentos, é muito mais importante porque os alimentos representam 75% das
despesas destes grupos (MPD 2010), contra 55% do consumidor urbano médio5. Esta
divergência entre o IPC total da cidade de Maputo e o consumo dos pobres varia
de região para região e tende a agravar-se à medida em que aumenta a distância dos
centros urbanos.
Um olhar aos dados ajuda a ilustrar a relevância desta diferença no padrão de
consumo. A base de dados do IPC do INE mostra que, entre Janeiro de 2002 e De-
zembro de 2008, o nível de preços dos bens alimentares duplicou. Calibrando este
aumento de preços pelo peso relativo de bens alimentares nos diferentes grupos de
rendimento, enquanto o custo de vida dos pobres aumentou 75%, o do cidadão urbano
médio aumentou apenas 55%. Esta diferença, de 20 pontos percentuais, é devida ape-
nas aos pesos diferentes que os alimentos têm nos padrões de consumo de cada grupo
de rendimento. Além disto, esta análise também implica que o uso do cabaz médio
de consumo (em vez do cabaz de bens básicos diferenciado por grupo de rendimento
e região) subvaloriza quer os níveis de pobreza, quer os níveis de vulnerabilidade em
torno da linha de pobreza.
5
De acordo com o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) do INE com base em Dezembro de
2004.
190 Desafios para Moçambique 2012 Política Monetária e Redução da Pobreza em Moçambique
Wuyts (2011) mostra, com dados do INE, que de 2002 a 2009 a taxa de cres-
cimento média anual do IPC de alimentos foi 2,3% superior ao do IPC total, o que
implica um impacto na redução do rendimento real dos grupos de menor rendimento
maior do que aquele que é captado pelo IPC total e pelo deflactor do PIB. A subes-
timação do impacto do aumento do preço de alimentos no custo de vida dos diferen-
tes grupos de rendimento em função dos seus padrões específicos de consumo pode
explicar, em grande parte, como foi possível que o número de pessoas pobres tenha
aumentado em cerca de 1,8 milhões e a percentagem da população pobre não tenha
reduzido (MPD 2010), apesar das baixas taxas de inflação agregada, da estabilidade
do indicador de desigualdade monetária (o coeficiente de Gini) e do crescimento do
rendimento real médio per capita em cerca de 30% durante este período.
Resumindo, na óptica oficial, o sucesso da política monetária é avaliado em fun-
ção de o nível de inflação, medido pelo IPC, ser de 7% (um dígito, sucesso) ou de 10%
(dois dígitos, fracasso), sendo o nível de inflação dos bens básicos de consumo ignora-
do nesta análise. No entanto, a análise anterior e o artigo de Wuyts (2011) concluem
que o índice dos preços dos bens básicos de consumo (que pode captar os efeitos da
inflação nos diferentes grupos de rendimento por ser sensível à diferenciação dos pa-
drões de consumo) é melhor indicador da distribuição real do rendimento e do custo
de vida real do que o IPC total. Logo, o mecanismo de transmissão entre preços e
pobreza não é o IPC (nem o deflactor do PIB) mas o nível de preços dos bens básicos
de consumo. Por consequência, uma política monetária focada na redução da inflação
agregada medida pelo IPC (ou deflactor do PIB) desvia-se do alvo de protecção do
poder de compra dos grupos de baixo rendimento porque não é sensível à diferencia-
ção dos padrões de consumo e do efeito dos preços relativos no custo de vida de cada
grupo de rendimento em função dessa diferenciação.
A segunda questão é como é que o processo de contenção da inflação afecta os
diferentes grupos de rendimento. O gráfico 1 mostra que “alimentação e bebidas não
alcoólicas” é a categoria de bens básicos que determina o comportamento do IPC
geral. Portanto, para ser eficaz na contenção do IPC, a política monetária deve ser
capaz de conter a subida dos preços de alimentos.
A teoria económica e a experiência sugerem que a eficácia da política monetária
(de teor monetarista) na contenção dos preços dos bens alimentares por via do con-
trolo da massa monetária é reduzida quando a satisfação das necessidades alimentares
é muito dependente de importações (o que resulta na importação de inflação) e os
níveis de produção doméstica são muito dependentes de condições climatéricas. Estas
Política Monetária e Redução da Pobreza em Moçambique Desafios para Moçambique 2012 191
limitações são agravadas pela generalização da Lei de Engels, segundo a qual, quanto
mais baixos forem os níveis de rendimento, maior é a proporção do rendimento gasto
em alimentos. Assim, perante reduções de rendimento nominal (ou dinheiro disponí-
vel), as pessoas tendem a sacrificar primeiro o consumo de bens e serviços não básicos
e poupanças para pelo menos manter o consumo de alimentos. Logo, a contracção da
massa monetária pode resultar na redução da inflação geral e na pressão para subida
dos preços de bens alimentares de que compõem os cabazes dos grupos de menor
rendimento na medida em que os grupos de maior rendimento podem, para protege-
rem o seu consumo de bens básicos, ser levados a substituir os bens alimentares que
consumiam por outros mais baratos (por exemplo, batata reno por farinha de milho),
agravando a magnitude e a profundidade da pobreza.
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192 Desafios para Moçambique 2012 Política Monetária e Redução da Pobreza em Moçambique
PARP, tenha impacto no controlo dos preços de bens básicos de consumo, é neces-
sário, em primeiro lugar, que ela contenha a procura desses bens. Então, de que vale
tentar manter os preços baixos para proteger o poder de compra dos pobres, por um
lado, quando por outro lado se restringe esse poder de compra por via da contracção
do acesso a dinheiro?
Os pobres só poderiam ter um ganho na sua capacidade de consumo se o peso da
redução do consumo de alimentos fosse maioritariamente suportado pelos grupos de
maior rendimento. No entanto, quanto maior for o rendimento, maior é a proporção
de despesa em bens não básicos. Logo, os grupos de maior rendimento têm maior
campo de manobra para reduzir a despesa em bens não básicos e proteger a despesa
em bens básicos. Por consequência, a contracção do rendimento tende a aumentar o
peso de bens básicos no padrão de consumo dos grupos de maior rendimento, já que
estes podem contrair a despesa em bens não básicos, enquanto os pobres ficam mais
expostos à redução do seu consumo em termos absolutos, o que os torna mais pobres
ainda. Este efeito será exacerbado se os grupos de maior rendimento substituírem
bens de consumo mais caros por mais baratos, pois o efeito da substituição pode ser
o aumento dos preços dos bens básicos, tornando os pobres ainda menos capazes de
proteger o seu consumo mínimo. Portanto, quanto mais elevado for o rendimento
à partida, mais protegido está o poder de compra de bens básicos! Isto sugere que a
hipotética eficácia da política monetária na contenção do preço de bens básicos de
consumo por via da contracção da massa monetária pode exigir um sacrifício relativa-
mente maior dos grupos de menor rendimento, agravando a sua pobreza em termos
absolutos e em relação aos grupos de rendimento mais alto. Este tipo de questão não
é avaliado ao conceber o controlo geral da inflação como instrumento de protecção do
poder de compra dos grupos de menor rendimento.
A terceira questão é como é que a política monetária focada no controlo da
inflação contribui para a resolução das causas estruturais da inflação? Nhate & Cirera
(2009) e Vicente (2008) revelam um alto grau de transmissão, para o consumidor
doméstico, da variação preços na fronteira resultante de oscilações da taxa de câmbio.
De acordo com MPD (2010), grande parte do aumento da pobreza pode ser explicada
pela subida dos preços de alimentos no mercado internacional em 2008. Estas duas
categorias de estudos mostram o grande impacto da inflação importada no nível de
preços de bens alimentares em Moçambique. No PARP, a política monetária ataca a
inflação importada protegendo a taxa de câmbio (isto é, mantendo-a estável mas num
nível sobrevalorizado).
Política Monetária e Redução da Pobreza em Moçambique Desafios para Moçambique 2012 193
A sobrevalorização da taxa de câmbio pode, a curto prazo, suavizar o impacto
da inflação importada por tornar as importações mais baratas, dado que a quantidade
de meticais necessária para importar a mesma quantidade de produtos diminui (logo,
com a mesma quantidade de meticais é possível importar mais produtos).
No entanto, esta “solução” não resolve a causa estrutural da elevada inflação de
bens alimentares e do contributo da inflação importada para a subida do nível de
preços dos alimentos, nomeadamente a baixa oferta doméstica e a elevada dependên-
cia em relação a importações de alimentos. Ao mesmo tempo, a sobrevalorização da
taxa de câmbio, num contexto em que as importações (excluindo grandes projectos)
são dominantemente de bens de consumo, desencoraja a produção doméstica e, por
consequência, agrava a dependência externa e o peso relativo da inflação importada.
Este efeito é exacerbado pelo facto de a apreciação da taxa de câmbio ser acompanha-
da por (e também o efeito de) medidas de controlo da massa monetária (redução da
liquidez para esterilização de fluxos externos de capital que são convertidos para me-
ticais, contracção de dívida pública doméstica por via de venda de títulos do tesouro).
Estas medidas, além de contribuírem para apreciar a taxa de câmbio, elevam os custos
do capital no mercado doméstico e reduzem a sua disponibilidade, incentivam as
preferências especulativas do sistema financeiro, e reproduzem as tendências de uma
economia extractiva e rendeira (Castel-Branco 2012b; Castel-Branco & Mandlate
2012). A combinação destes impactos é nociva para o desenvolvimento de respostas
produtivas domésticas para a escassez de alimentos e seus altos preços.
Por conseguinte, não é surpreendente que dados do Trabalho de Inquérito Agrí-
cola (TIA) (MPD 2010) mostrem que entre 2002 e 2008 a produção per capita de
9 de 12 das principais culturas alimentares reduziu, num contexto em que o PIB
per capita aumentou significativamente. Obviamente, o País ficou mais dependente
da importação de alimentos e mais vulnerável às pressões inflacionárias importadas.
Além do mais, este quadro é economicamente insustentável a médio prazo por causa
das pressões que coloca sobre as reservas externas e sobre o financiamento doméstico
da economia.
Em resumo, as principais pressões inflacionárias fazem-se sentir sobre bens
básicos de consumo, sobretudo alimentos, e este é o mecanismo de transmissão en-
tre pobreza e inflação por causa das diferenças nos padrões de consumo dos diferen-
tes grupos de rendimento. Estas pressões inflacionárias são o resultado da fraca pro-
dução doméstica de alimentos, cujo crescimento tem sido inferior ao da população,
e da dependência de importações com a consequente importação de inflação. Além
194 Desafios para Moçambique 2012 Política Monetária e Redução da Pobreza em Moçambique
disso, os alimentos constituem uma alta percentagem da despesa do cidadão médio
(55%) e muito mais alta ainda,dos mais de 54% da população moçambicana que
vive abaixo da linha da pobreza (75%). Nestas circunstâncias, priorizar a contenção
da inflação por via de medidas de restrição do consumo pode ter efeitos negativos
sobre os níveis de pobreza sem ajudar a resolver os problemas reais de produção que
geram as pressões inflacionárias prevalecentes na economia. A solução das pressões
inflacionárias passa por expandir, diversificar e tornar a produção doméstica mais
competitiva e reter e distribuir mais amplamente os ganhos do crescimento. Até
que ponto a política monetária responde a estes desafios é o objecto de discussão na
sub-secção seguinte.
Política Monetária e Redução da Pobreza em Moçambique Desafios para Moçambique 2012 195
mando como base a meta de inflação definida pelo governo e a tendência futura do
PIB real. A TQM diz que, para um determinado nível de produção real, existe uma
quantidade de dinheiro que deve ser disponibilizado para realizar as operações corres-
pondentes a esse nível de produção. Se o dinheiro disponível na economia excede essa
quantidade, esse excesso reflecte-se directamente na subida dos preços sem afectar a
produção real.6 Portanto, cabe à política monetária, no contexto do seu papel de con-
trolar a inflação, aplicar os instrumentos ao seu dispor para garantir que a moeda na
economia não exceda a quantidade definida.7
Ressalta imediatamente deste procedimento que a prossecução da meta de
inflação depende apenas da taxa de crescimento da economia, sendo indiferente
(para além da retórica) ao padrão do crescimento da economia, às dinâmicas eco-
nómicas que se pretendem promover e à natureza das pressões inflacionárias que
devem ser combatidas. Por exemplo, se o PARP priorizasse a produção de larga
escala de culturas de rendimento baseadas em sementes transgénicas e a exploração
de recursos minerais-energéticos (ambas intensivas em capital), na medida em que
essa estratégia gerasse a mesma taxa de crescimento do PIB, a implementação da
política monetária seria essencialmente a mesma da actual estratégia que prioriza a
produção de alimentos, promoção de pequenas e médias empresas e geração de em-
prego. Ou seja, podem mudar os PARPs e suas prioridades mas a implementação da
política monetária não muda desde que as metas de inflação e a taxa de crescimento
permaneçam idênticas.
Porque é que a política monetária deve ser sensível ao padrão de crescimento, em
vez de apenas à taxa de crescimento? Porque é que o padrão de crescimento é impor-
tante e, mesmo, mais importante do que as taxas de crescimento? Uma vez que grande
parte das pressões inflacionárias na economia derivam da escassez da produção do-
méstica de alimentos, se o crescimento for gerado com grande expansão da produção
per capita de alimentos, acompanhada do aumento da sua produtividade e competiti-
vidade, então a economia é capaz de suportar uma maior procura de alimentos deriva-
da de um crescimento mais rápido do emprego (e, portanto, uma maior quantidade de
6
A equação da TQM é MV=PY. Onde M – massa monetária, V – velocidade de circulação
da moeda, P – nível geral de preços; Y – produção real. Para cada ano existe um potencial de
crescimento real da economia o qual não é possível ultrapassar. Se a massa monetária expande
acima do necessário para atingir este nível de produção real, ela será transmitida para os preços
na proporção deste aumento multiplicado pela velocidade de circulação da moeda.
7
As funções do Banco Central vão para além disto e incluem: supervisão bancária, banco dos
bancos comerciais, emissor de moeda, etc.
196 Desafios para Moçambique 2012 Política Monetária e Redução da Pobreza em Moçambique
dinheiro disponibilizada na economia para comprar alimentos), com reduzida pressão
para subida de preços. Contudo, se a economia crescer impulsionada pela exportação
de recursos minerais-energéticos e culturas de rendimento com redução da produção
doméstica per capita de alimentos, então aumenta a pressão para subida dos preços de
alimentos agravando as pressões inflacionárias gerais.
Portanto, mesmo aceitando que dinheiro em excesso gera inflação, a mesma quan-
tidade de dinheiro gera estruturas, magnitudes e cadeias de transmissão de pressões
inflacionárias diferenciadas perante padrões de crescimento diferentes. Portanto, deveria
ser do interesse da política monetária, mesmo a que é focada no controlo da inflação,
promover as dinâmicas económicas que eliminam ou reduzem as causas estruturais da
inflação e que permitem relaxar a severidade da política monetária no refreamento das
condições económicas. Deveria ser do interesse dos objectivos de crescimento que a
política monetária não necessite de ser tão árdua no refreamento das condições econó-
micas, uma vez que a expansão da procura é também um estímulo para o aumento da
produção. Num contexto de promoção do crescimento e emprego, redução da pobreza e
transformação económica, a política monetária não pode ser concebida independente-
mente da estrutura económica que é gerada ou que se pretende gerar.
Neste caso, o grande equilíbrio macroeconómico a manter não seria entre a
quantidade de dinheiro e a taxa de crescimento, mas entre a capacidade de produzir
para consumo e para acumulação, pois para cada taxa de crescimento existe uma dada
taxa de consumo que tem de ser satisfeita para evitar inflação. Logo, o padrão de cres-
cimento é mais importante do que a taxa de crescimento pois é esse padrão, e não a
taxa, que pode decidir sobre o balanço entre produção, consumo e acumulação. Então,
se o Banco Central e o Governo estão mesmo interessados em conter a inflação, de-
vem preocupar-se mais com a promoção da produção e circulação de bens básicos de
consumo em grande escala e a baixo custo.
Quais os perigos de não prestar atenção à ligação da política monetária com o
padrão de crescimento? As pressões inflacionárias podem agravar-se como resultado
de questões relevantes para a expansão e diversificação da produção, substituição de
importações e retenção da riqueza na economia não serem consideradas, ou por a
política monetária impor restrições ao tratamento dessas questões.
Tomemos o exemplo de alguns procedimentos da política monetária, e da po-
lítica pública mais em geral, para mostrar os perigos desta abordagem de política
monetária desligada das dinâmicas e desafios de diversificação e transformação eco-
nómica. Perante a necessidade de combater a inflação importada, as autoridades mo-
Política Monetária e Redução da Pobreza em Moçambique Desafios para Moçambique 2012 197
netárias fazem escassear meticais na economia relativamente à moeda externa para
conter a procura e apreciar a taxa de câmbio (encarecer o metical). A dependência
de importações acentua-se com a escassez de meticais e taxas de juro altas (a disputa
pelos meticais escassos gera pressões para subida das taxas de juros) para financiar a
produção doméstica e de a tornar competitiva vis-à-vis as importações, o que aumenta
as pressões sobre as reservas internacionais. Portanto, o controlo da inflação é feito, a
curto prazo, à custa do sacrifício da base produtiva doméstica.
Num cenário em que a política fiscal permite que um volume elevado de divisas
seja retirado da economia como consequência dos benefícios fiscais redundantes e em
que a fuga ilícita de capitais é significativa, as pressões sobre a disponibilidade de me-
ticais e de moeda externa aumentam consideravelmente por causa do défice fiscal e do
défice da balança de pagamentos. Portanto, o controlo da inflação por via da extracção
de meticais e apreciação da moeda nacional é insustentável a médio e longo prazos.
(Ossemane 2011; Castel-Branco 2010; Castel-Branco 2012a; Castel-Branco 2012b;
Castel-Branco & Mandlate 2012).
Esta dinâmica de controlo defensivo da base monetária resulta em menos recur-
sos disponíveis para financiar as estratégias de expansão e diversificação da produção,
na redução da competitividade e rentabilidade da produção doméstica de alimentos
quando esta compete directamente com importações, e no incentivo ao desenvolvi-
mento do capitalismo especulativo e rendeiro (Castel-Branco 2012b; Castel-Branco
& Mandlate 2012).
Para o Estado fazer face a esta escassez de recursos pode ter de recorrer cres-
centemente ao endividamento não concessional (ou comercial) doméstico e externo
porque a política fiscal generosa para o grande investimento estrangeiro em todos
os sectores da economia, associada com a fuga ilícita de capitais, torna a economia
porosa (Castel-Branco 2011; Massarongo & Muianga 2011; Ossemane 2011). Para
além dos custos do endividamento comercial (pago com receitas fiscais que incidem
principalmente sobre os trabalhadores e pequenas e médias empresas ou com mais
endividamento público), o Estado disputa os escassos recursos com o sector produtivo
(sobretudo as pequenas e médias empresas que dependem mais do sector financeiro
doméstico para se financiarem).
Para captar liquidez na economia por via de endividamento público doméstico,
o Estado contribui para o aumento das taxas de juro e para a realocação de recur-
sos financeiros escassos para a actividade especulativa. Para sustentar os custos desta
dívida, o Estado tem de investir em áreas e actividades de retorno financeiro mais
198 Desafios para Moçambique 2012 Política Monetária e Redução da Pobreza em Moçambique
alto e de curto prazo, em detrimento de investimento com maior retorno social na
diversificação da base produtiva (Massarongo & Muianga 2011; Castel-Branco 2010;
Castel-Branco 2012b). A escassez e custo do capital no sistema financeiro doméstico,
as prioridades do investimento público distorcidas pelas pressões da dívida e interes-
ses do grande capital internacional e doméstico na economia extractiva, e o incentivo
à emergência do capitalismo financeiro especulativo conspiram para impedir a diver-
sificação da produção, promoção da pequena e média empresa e geração de emprego
sustentável que o PARP afirma serem seus objectivos fundamentais.
Neste contexto, perdem os sectores que necessitam de mais intervenção do Es-
tado para se desenvolverem, tais como a produção de alimentos. A incapacidade de
expandir a produção de alimentos e de outros bens básicos de consumo a baixo custo
transmite uma série de pressões negativas para o resto da economia: torna o emprego
miserabilista ou não competitivo gerando um conflito entre a necessidade de um sa-
lário real decente e um salário nominal competitivo (ou entre gerar emprego e reduzir
pobreza); aumenta as pressões sobre as reservas externas, a base monetária e o nível
geral dos preços, em especial dos preços dos bens básicos de consumo.
Como resultado, as dinâmicas económicas que se reproduzem (ou, pelo menos,
não são prejudicadas) são as dominadas pelos interesses do grande capital estrangei-
ro no complexo mineral-energético e outras actividades extractivas, pois este tem a
possibilidade de aceder ao mercado externo de capitais, tem enormes economias de
escala, domina mercados internacionais e o capital nacional estrutura-se, ou tenta
estruturar-se, em torno deste investimento estrangeiro (Castel-Branco 2010; Castel-
-Branco & Mandlate 2012). Portanto, reproduz-se a mesma estrutura económica que
cria as tensões económicas e sociais que o PARP diz querer resolver.
Concluindo, a política monetária desligada da estratégia de expansão e diver-
sificação não só não é capaz de responder aos desafios de transformação económica
como contribui para a reprodução e intensificação da natureza extractiva da economia
e, consequentemente, das pressões inflacionárias. Esta discussão mostra porque é
importante a política monetária questionar a política fiscal e de despesas tanto quanto
estas devem questionar a política monetária (mesmo havendo acordo em relação ao
seu foco no controlo da inflação).
Política Monetária e Redução da Pobreza em Moçambique Desafios para Moçambique 2012 199
CONCLUSÃO:
DESAFIOS PARA POLÍTICA MONETÁRIA EM MOÇAMBIQUE
Este artigo mostra que as pressões inflacionárias na economia são explicadas pela natu-
reza extractiva e porosa da economia (elevada dependência de importações, sobretudo
de alimentos, e fraca capacidade de retenção da riqueza gerada no país). Estas pressões
têm um impacto significativo sobre os grupos de menor rendimento porque se fazem
sentir sobretudo na inflação de bens básicos de consumo. Para efectivamente contribuir
para resolver as causas estruturais das pressões inflacionárias, a política monetária deve
ser um instrumento de suporte aos desafios de transição económica e, para tal, não pode
ser tratada independentemente do padrão de crescimento e de consumo da economia.
Para ligar a política monetária ��������������������������������������������������
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estratégia de transformação do padrão de cresci-
mento é preciso incluir, na concepção e implementação da política monetária, questões
sobre como afectar a composição social da inflação; como avaliar os impactos do proces-
so de contenção da inflação sobre diferentes extractos da sociedade; como se relacionar
com a política fiscal para gerar recursos que permitam relaxar as condições de refrea-
mento da economia; como tomar em conta que a estrutura de arrecadação de receitas
e a estrutura de despesas determinam a estrutura, magnitudes e cadeias de transmissão
de pressões inflacionárias que a massa monetária gera. Sem abordar estas questões, a
política monetária não pode desempenhar o papel de suporte à�����������������������
������������������������
s prioridades de desen-
volvimento mencionadas no PARP e, pelo contrário, operará contra essas prioridades.
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Política Monetária e Redução da Pobreza em Moçambique Desafios para Moçambique 2012 201
DESAFIOS DE DESENVOLVIMENTO
DA BASE PRODUTIVA:
UM OLHAR A PARTIR DO PARP 2011-2014
Carlos Muianga
INTRODUÇÃO
O Plano de Acção para a Redução da Pobreza (PARP 2011-2014) tem como objecti-
vo geral reduzir a incidência da pobreza dos actuais 54,7% para cerca de 42% em 2014,
com base num crescimento económico inclusivo e de base alargada (GdM, 2011a).
Uma das questões que o PARP levanta é o desenvolvimento de uma base produti-
va alargada e diversificada, com foco no aumento da produção e produtividade agrária e
pesqueira, promoção de emprego e apoio às pequenas e médias empresas (PMEs). Con-
tudo, a forma como o PARP discute ou conduz as questões à volta do desenvolvimento
da base produtiva levanta, pelo menos, dois problemas fundamentais: (i) a análise sobre
o aumento da produção e produtividade agrária e pesqueira abstrai-se, quase completa-
mente, da análise sobre processos de acumulação e de organização social da produção,
mercados e ligações que existem e estão em curso, e que têm impactos sobre as dinâmi-
cas macroeconómicas, a alocação e utilização de recursos e as oportunidades de opções
reais de desenvolvimento, e (ii) o foco no desenvolvimento de PMEs encontra-se desli-
gado da análise sobre estruturas produtivas e não reflecte nem conduz a uma discussão
de qualquer problema e/ou estratégia industrial concretos.
Este artigo pretende discutir, com base nas dinâmicas existentes (e seus constran-
gimentos específicos), como pensar no desenvolvimento de uma base produtiva alargada
e diversificada no contexto do PARP, e quais são as questões e desafios que se levantam.
O artigo argumenta que, para desenvolver uma base produtiva alargada e diversificada,
é necessário compreender o que existe e porque existe, encontrar o fio condutor comum
Como já foi mencionado na secção introdutória, uma das questões que o PARP le-
vanta é o desenvolvimento de uma base produtiva alargada e diversificada, com foco
no aumento da produção e produtividade agrária e pesqueira, promoção do emprego
e apoio ao desenvolvimento de PMEs. Portanto, a definição de prioridades para o de-
senvolvimento da base produtiva no PARP reflecte um carácter sectorial, isto é, uma
soma de prioridades dos diferentes sectores, contidas nos respectivos documentos/
estratégias sectoriais do governo1.
1
Plano Estratégico do Desenvolvimento Agrário (PEDSA) 2011-2020 (GdM, 2011b), Política
e Estratégia Industrial (GdM, 2007a), Estratégia para o Desenvolvimento das Pequenas e Mé-
dias Empresas em Moçambique (GdM 2007b), Estratégia para a Melhoria do Ambiente de
Negócios em Moçambique (GdM, 2008), Estratégia de Emprego e Formação Profissional em
Moçambique 2006 – 2015 (GdM, 2006).
2
O argumento dualista sobre processos de acumulação é amplamente contestado, sobretudo pela
literatura heterodoxa, que olha para a diferenciação dos processos e relações sociais de produção
nas zonas rurais, em particular para as dinâmicas dos mercados rurais de trabalho (Karshenas,
1999; Cramer, Oya & Sender, 2008; Mueller, 2012). No caso de Moçambique ver (O’Laughlin,
1981; Castel-Branco, 1983, 1994).
3
Estes documentos já foram mencionados na secção anterior.
4
Cramer, Oya & Sender (2008), com base no inquérito sobre o mercado rural de trabalho em
Moçambique 2002/2003, defendem que os mercados de trabalho são determinantes para entender
as dinâmicas de desenvolvimento nas zonas rurais. Segundo os resultados do inquérito, constatam
que existe uma diversidade e complexidade de actividades e relações laborais nas zonas rurais, que
os modelos standards de mercado de trabalho não captam.
5
Existem algumas questões sobre a importância de olhar para as dinâmicas agrárias reais e do-
minantes (que incluem também o sector familiar) quando se pensa em transformação agrária. A
questão é que pensar numa estratégia de transformação de uma agricultura familiar de “subsis-
tência”, para uma agricultura mais virada para o mercado, como o PARP pretende fazer, implica,
necessariamente, a compreensão das dinâmicas socioeconómicas no campo, sua diferenciação (a
diferenciação dos processos e organização da produção, da escala, dos mercados, etc.) e ligação
com o actual padrão de acumulação.
6
Ajuda externa, endividamento público interno e externo, parcerias público-privadas, etc.
7
Na maioria dos casos, a política fiscal e monetária até entram em contradição com a estratégia
de expansão e mobilização de recursos para financiar as prioridades produtivas do PARP.
Uma das questões que o artigo levanta é de que existem dinâmicas reais da activi-
dade produtiva (dinâmicas dos mega-projectos minerais e energéticos, as concessões
agrícolas de média e grande escala viradas para a exportação, e outras actividades pro-
dutivas de pequena escala, etc.) que, do ponto de vista metodológico, como do ponto
de vista de possibilidades reais, não são consistentes com o tipo de intervenção para
responder às questões que o PARP coloca. Tais dinâmicas, como o artigo argumenta,
devem ser compreendidas para uma análise mais consistente dos problemas de desen-
volvimento da base produtiva nacional.
8
Sande, (2011) faz uma análise das diferentes concepções e abordagens sobre os “7 milhões” e
levanta alguns desafios no contexto da diversificação da base produtiva.
9
Por exemplo, parte substancial da actividade agrícola de pequena escala (agricultura familiar)
não tem carácter comercial (se tem é mínimo), pelo que o uso intensivo de insumos aumenta os
custos de produção e não necessariamente o rendimento familiar e, dificilmente, pode competir
com os camponeses médios e privados mais virados para o mercado - que são os que de facto
usam os insumos e meios de produção relativamente mais avançados (Castel-Branco, 1983).
10
Castel-Branco & Goldin (2003) discutem com mais detalhe a experiência da Mozal na geração de
ligações com empresas nacionais, as vantagens e problemas dos modelos de ligações desenvolvidos.
11
Esta questão chama a atenção para se ter o cuidado de evitar que parte considerável do in-
vestimento das firmas domésticas em novas capacidades industriais seja absorvida a favor dos
grandes projectos (por meio de contratos de prestação de serviços de curta duração).
CONCLUSÕES
Este artigo desenvolveu uma análise sobre como o PARP trata da produção e apresen-
tou algumas questões específicas sobre como pensar no desenvolvimento de uma base
produtiva alargada e diversificada. O artigo argumenta que, para desenvolver uma
base produtiva alargada e diversificada, é necessário compreender o que existe e por-
que existe, encontrar o fio condutor comum que explica as várias dinâmicas existentes
e a consistência e ligações entre elas.
Uma das principais preocupações levantada neste artigo é que a análise sobre a
produção no PARP é feita sem considerar os processos reais de acumulação e de or-
ganização social e técnica da produção, os mercados e ligações que existem e em curso,
e que têm impactos sobre as dinâmicas macroeconómicas, a alocação e utilização de
recursos e as oportunidades de opções reais de desenvolvimento.
Entretanto o artigo defende a existência de dinâmicas reais (por exemplo, as
dinâmicas dos mega-projectos minerais, as concessões agrícolas viradas para a expor-
Sofia Amarcy
INTRODUÇÃO
40%
35% 33.80%
31.10% 31.20%
30% 28.30%
25.70% 25.50%
25%
20.00% 21.00%
20% 17.92% 17.53%
13.70% 14.60%
15%
9.60%
10% 8.04%
5%
0%
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012* 2013* 2014*
Além disso, se os créditos internos, de curto prazo e com altíssimas taxas de juro,
crescerem, o tipo de despesa de investimento tenderá a mudar, concentrando-se em
actividades altamente lucrativas a curto prazo, porém apenas lucrativas em termos
financeiros para que seja possível cumprir com os encargos de dívida. Este reencami-
nhamento do tipo de despesa pode vir a ter repercussões em todas as outras despesas
que digam respeito à função social do Estado e não só. Compromete igualmente os
sectores dependentes da intervenção do Estado para se desenvolverem, tais como os
sectores responsáveis pela produção de alimentos.
Um aspecto final é o facto de a política monetária estar actualmente direcciona-
da ao controlo da massa monetária na economia. Isto leva a que, sempre que a massa
monetária exceda o programado, ocorra o enxugamento do excesso via emissão de
BT’s. Ou seja, a dívida é contraída para estabilizar a massa monetária e não necessa-
riamente para efeitos produtivos.
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INTRODUÇÃO
Mega-projectos no Meio Rural, Desenvolvimento do Território e Pobreza Desafios para Moçambique 2012 231
sos naturais. A terceira apresenta alguns aspectos que relacionam a presença de mega-
-projectos no meio rural com o desenvolvimento do território e a agricultura como ele-
mento fundamental da pobreza em Moçambique. A quarta concentra-se na governação
relacionada com a gestão das situações no terreno resultantes da implantação dos gran-
des investimentos, com particular ênfase para a agricultura, como principal actividade
até ao início dos grandes investimentos, bem como para as recentes dinâmicas na socie-
dade e no tecido produtivo local; nesta secção salienta-se a incapacidade da burocracia
pública em exercer as funções básicas de Estado, como seja o planeamento, a regulação, a
fiscalização e a monitorização. A quinta secção destina-se à análise do aprofundamento
dos padrões de acumulação centrados no exterior e a consequente (re)configuração das
alianças externas que sustentam o poder, excluindo ou secundarizando os grupos econó-
micos e sociais internos. Na sexta e última secção, faz-se uma breve conclusão.
O PARP E OS MEGA-PROJECTOS
1
Muitos dos recursos minerais já eram conhecidos durante o período colonial, sobretudo os
minerais e em particular o carvão, as potencialidades da energia hídrica, o gás de Inhambane,
entre outros. Existiram razões que justificam a então não exploração desses recursos como as
seguintes: (1) a debilidade financeira portuguesa aliada ao nacionalismo económico do Estado-
-Novo e ao isolamento do regime, o que dificultava o interesse do investimento estrangeiro; (2)
não existia uma demanda internacional de alguns destes recursos, não só mas também porque os
“emergentes” ainda não possuíam as economias actuais como o défice ou os preços internacio-
nais de outras fontes energéticas; (3) a guerra, sobretudo na sua fase final. A expressão novo-rico
representa não a introdução de novos recursos naturais (o que não é possível), mas a existência
de investimentos e de produções, a maioria dos quais na sua fase inicial.
232 Desafios para Moçambique 2012 Mega-projectos no Meio Rural, Desenvolvimento do Território e Pobreza
• O cumprimento da legislação para que as zonas e locais onde a exploração de
recursos tem lugar beneficiem de alguma proporção das receitas dessa actividade.
2
Para além da conhecida posição governamental de não querer publicar os contratos assinados
com os mega-projectos, é emblemática a recusa dos representantes dos mega-projectos em pu-
blicar tais contratos. Essa posição ficou conhecida com a publicação do segundo relatório da
ITIE em Março de 2012.
Mega-projectos no Meio Rural, Desenvolvimento do Território e Pobreza Desafios para Moçambique 2012 233
dade dos Grandes Contribuintes. Isto é, tanto a Divisão de Coordenação de
Mega-projectos e Instituições Financeiras quanto a mencionada Unidade dos
Grandes Contribuintes são criações muito anteriores ao PARP e enquadradas
no plano de aperfeiçoamento da administração fiscal em curso no país. Fica,
portanto, absurdo um plano feito em 2011 estar a “prever” acções existentes há
mais tempo, como o caso acima referido.
• Sobre o incremento dos benefícios para as comunidades: desde que Moçambique
começou a ser conhecido como um novo-rico em recursos naturais, na pri-
meira metade da década de 2000 intensificaram-se as exigências e questiona-
mentos sobre os benefícios da exploração desses recursos para as comunida-
des circunvizinhas (Selemane 2009; Selemane 2010). Diferentes sectores de
recursos naturais têm marcado passos diferentes: o sector florestal está mais
avançado do que os sectores mineiro e petrolífero. Desde a década passada que
concessionários florestais estão obrigados a canalizar 20% das suas receitas
(nos termos do no 1 do art. 102 do RLFFB3) para as comunidades dos locais
onde os recursos florestais e faunísticos são extraídos. Porém, são conhecidas
várias dificuldades que não têm permitido o cumprimento integral daquele
dispositivo legal4. Em contrapartida, desde 2007, a legislação mineira e pe-
trolífera prevê um mecanismo similar ao das florestas e fauna bravia, sem que,
até ao momento, tenha sido operacionalizado algum mecanismo de aplicação,
justificado por se aguardar, desde 2007, por um regulamento que defina a per-
centagem a ser transferida para as comunidades mineiras e petrolíferas.
3
Vinte por cento de qualquer taxa de exploração florestal ou faunística destina-se ao benefício
das comunidades locais da área onde foram extraídos os recursos, nos termos do nº 5 do art. 35
da Lei nº 10/99, de 7 de Julho.
4
A implementação da transferência não tem sido efectiva para a maioria dos casos. Atrasos nas
transferências, alocação parcial dos recursos, trâmites administrativos inter-ministeriais com-
plicados, dificuldades de organização das comunidades, acesso a contas bancárias, processos
de decisão no seio das comunidades, entre outros aspectos, não têm permitido o usufruto dos
benefícios dos 20% do valor da exploração florestal e faunística.
5
A inclusão no orçamento do Estado não implica uma obrigatoriedade de lei. A canalização des-
234 Desafios para Moçambique 2012 Mega-projectos no Meio Rural, Desenvolvimento do Território e Pobreza
República 2002). Portanto, muito longe do que se faz no sector florestal, onde conces-
sionários florestais canalizam directamente um quinto das suas receitas aos comités de
gestão, cujos membros são eleitos pela própria comunidade, assim como a planificação
dos destinos a dar ao dinheiro.
Casos como o de Tete mostram que são necessárias mais acções em prol do de-
senvolvimento das pessoas residentes nas zonas mineiras. Os procedimentos dos reas-
sentamentos precisam de ser profundamente melhorados, tornados mais humanos, e
com possibilidades de melhoria das oportunidades de sobrevivência.
A REALIDADE
Os estudos realizados sobre as zonas mineiras de Tete revelam vários aspectos:
• A inexistência de um plano de ordenamento do território reflectindo a espe-
cialização produtiva, as infra-estruturas, a urbanização e o reassentamento da
população, as reservas naturais e ambientais, etc. O princípio da priorização
da terra para fins mineiros (Conforme estabelece o no 2 do art. 43 da Lei no
14/2002, de 26 de Junho – Lei de Minas6)(Assembleia da República 2002)
tem relegado para plano secundário a habitação, a agricultura e as pastagens,
infra-estruturas, etc. Em províncias onde se prevê a existência de recursos em
quase todo o território, este aspecto surge com acuidade especial7.
• O crescimento das actividades, tanto no meio rural como nas cidades, verifica-
-se com implantação física caótica, pressionando as infra-estruturas existentes
e com ampliações sem obediência de planos directores dos municípios e pelas
aptidões e potenciais produtivos agrários no meio rural.
sas parcelas de receitas ficará refém das dotações (em quantidade e regularidade) que em cada
ano forem decididas. Em resumo, provavelmente nada exigirá à governação alguma dotação
financeira que beneficie directamente as comunidades.
6
Tal disposição legal diz que “O uso da terra para operações mineiras tem prioridade sobre os outros
usos da terra quando o benefício económico e social relativo das operações mineiras seja superior”. O
problema que se coloca, na prática, é o da inexistência de estudos comparativos que afiram a referida
superioridade dos benefícios económicos e sociais da mineração sobre outras actividades como a
agricultura, o turismo, a caça, etc. nos vários projectos de mineração em curso no país.
7
A província de Tete está quase completamente esquartejada com licenças mineiras. Niassa segue
o mesmo percurso.
Mega-projectos no Meio Rural, Desenvolvimento do Território e Pobreza Desafios para Moçambique 2012 235
• Os reassentamentos reflectem o referido: as populações são deslocadas para zo-
nas com solos menos férteis, com piores pastagens, mais distantes dos serviços e
mercados, sem meios de transportes públicos, menos oportunidades de desen-
volver actividades económicas formais e informais, entre outros aspectos.
8
Nos termos do no 3 do art. 43 da Lei 14/2002 (Lei de Minas) e não da Lei 14/2000 como erra-
damente citado por (Cambaza 2009).
236 Desafios para Moçambique 2012 Mega-projectos no Meio Rural, Desenvolvimento do Território e Pobreza
humana ; (3) recusa de deslocação para os locais de reassentamento9; (4) greves dos
trabalhadores das explorações mineiras; e (5) manifestações populares boicotando as
actividades de exploração e transporte de minérios, como o caso da revolta popular de
Cateme (Tete) a 10 de Janeiro de 2012, onde a população reassentada colocou barri-
cadas na linha férrea que liga Moatize ao porto da Beira, impedindo a circulação do
comboio transportando carvão10.
Várias fontes (Henrique 2012; Vunjane 2012; Pantie 2012; Muchanga 2012)
indicaram como razões da revolta a falta de cumprimento das promessas por parte
da mineradora Vale, no respeitante ao pagamento das indemnizações devidas, à re-
paração das fissuras das casas, solução para as precárias condições de vida (emprego,
alimentação e assistência médica), acesso à água potável, terra arável e energia, trans-
porte de e para Moatize e Tete.
A revolta de Cateme era de todo previsível, porque houve, desde cedo, sinais claros
de forte insatisfação popular inclusive das autoridades do distrito de Moatize – facto
escrito e publicado inúmeras vezes por vários autores dentro e fora de Moçambique11.
Os reassentamentos são realizados considerando apenas o factor “urbanístico”
- Construção de casas de qualidade e tamanho variável12 e arruamentos. Não existem
nesses locais acções de extensão rural, prestação de serviços à produção, comerciali-
zação, etc. Existem locais de reassentamentos construídos e habitados há mais de um
ano, estando a população a ser abastecida de água por camiões-cisternas que trans-
portam água a mais de 40 Kms. As terras agrícolas não estão distribuídas e os solos
são pedregosos. Nestas condições, é fácil prever a redução da produção e necessidade
de ajuda alimentar.
O predomínio de uma actividade económica (mineração) dificulta o crescimen-
to de outras actividades com possibilidade de criação de externalidades conhecidas em
situações similares, como por exemplo:
9
Este posicionamento foi verificado durante o trabalho de campo que originou o livro EL DO-
RADO TETE: Os mega-projectos de mineração.
10
Como nas outras manifestações populares, em Cateme a Polícia da República de Moçambique
(PRM) e a Força de Intervenção Rápida (FIR) responderam com repressão desmedida, dispa-
rando gás lacrimogéneo e detendo 14 pessoas consideradas líderes da revolta. Depois de tenta-
tivas de abafamento do caso por parte da imprensa – sobretudo a mais alinhada com o governo
– dias depois, vários órgãos de informação nacionais e estrangeiros deram cobertura ao assunto.
Este caso suscitou uma onda de solidariedade com as vítimas, dentro e fora de Moçambique.
11
São disso exemplos: Selemane (2010); Mosca & Selemane (2011); Vunjane (2011).
12
Existem reclamações das populações reassentadas alegando casas construídas sem fundações
nem vigas de ferro deixando dúvidas quanto à segurança das mesmas.
Mega-projectos no Meio Rural, Desenvolvimento do Território e Pobreza Desafios para Moçambique 2012 237
• Não emergência da pluriactividade para diversificação da produção e fontes de
rendimento como estratégia de redução do risco e consequente maior vulne-
rabilidade das populações e alterações produtivas e estratégicas das empresas
multinacionais.
• Proletarização ou semi-proletarização da população a curto prazo, sem os ne-
cessários ajustamentos culturais e de profissionalização em sistemas de pro-
dução e organizações “modernas” com efeitos sobre o trabalho (por exemplo,
o elevado absentismo) e a produtividade.
A criação de emprego que tem sido apresentada como um benefício local destes
investimentos deve ser analisada sob várias perspectivas: (1) o investimento é inten-
sivo em capital sendo o ratio investimento por emprego, em alguns casos, de muitas
centenas de milhões de dólares; (2) O emprego local é sobretudo de trabalhadores não
qualificados13 a quem são pagos salários considerados “melhores” pelas mineradoras
porque superam o salário mínimo legalmente estabelecido no país. Isso mesmo quan-
do consideradas as refeições tidas nas empresas e a assistência médica14; (3) o salário
deve ser analisado também pelo seu custo de oportunidade, isto é, o que se deixou de
ganhar (rendimentos, tarefas de natureza social no quadro da divisão social do traba-
lho no seio das famílias, etc.), para que um membro do agregado familiar se assalarie.
Os principais beneficiários dos grandes projectos são as empresas subcontratadas
(geralmente de capital externo) a quem são atribuídos trabalhos como o da recupera-
ção/construção de infra-estruturas (caminhos-de-ferro, portos, logística, transportes,
habitação, hotéis, estudos, etc.). A importação ou contratação de empresas estrangei-
ras reside principalmente no facto de o tecido económico nacional não ter capacidade
para satisfazer a demanda das multinacionais15. Localmente, existem alguns efeitos
dinamizadores sobretudo derivados da demanda de habitação, hotelaria e restauração,
13
Em Tete, como em todo o país, existe uma quase nula oferta de trabalho de profissões com
qualificação média (técnicos de minas, mecânica, electricidade, agricultura, etc.) e básica (ope-
radores de máquinas, motoristas, electricistas, mecânicos, etc.). Este facto é derivado da secun-
darização ou negligência da política educativa em relação à formação básica e média.
14
Estes “benefícios” devem ser analisados segundo lógicas empresariais de assegurar maior pro-
dutividade, menor absentismo e redução dos riscos inevitáveis de “doenças profissionais”. No
caso das minas de carvão está estudado em outras realidades a maior incidência de doenças
respiratórias nas zonas de mineração (no caso do carvão).
15
O exemplo da importação de alimentos da África do Sul para os refeitórios das empresas é
muito comentado como crítica. Porém, não existem, em Tete ou no país, empresas agrícolas
capazes de fornecer as demandas em quantidades, com a qualidade e regularidade exigidas pelos
compradores.
238 Desafios para Moçambique 2012 Mega-projectos no Meio Rural, Desenvolvimento do Território e Pobreza
transportes de curta distância e pequenos negócios de um mercado segmentado de
baixa renda (por exemplo, comércio de produtos agrícolas e animais, terrenos e habi-
tação nos subúrbios das cidades, etc.).
A dinamização da economia local é ainda derivada da crescente procura devido
à imigração de técnicos estrangeiros e de outras zonas do país16, pela massa monetária
introduzida pela cultura do tabaco17 e por comerciantes que adquirem bens locais
(sobretudo milho, batata e cabritos) para venda em outros pontos do país18.
O incremento da demanda de vários bens e serviços tem provocado uma sig-
nificativa inflação autárquica19. Os principais afectados são as populações de baixo
rendimento através do chamado imposto da inflação.
Em resumo, o caso de Tete não indica que exista planeamento físico do ter-
ritório integrando actividades económicas e sociais, infra-estruturas e povoamento,
numa perspectiva de longo prazo e de um desenvolvimento equilibrado do território,
onde o planeamento para o mercado é fundamental20. Segundo, nada sugere que os
rendimentos, as oportunidades de negócios e o acesso aos serviços das populações
directamente abrangidas tenham melhorado. Terceiro, ainda não emergiu um tecido
empresarial nacional em resposta às demandas de serviços e bens dos mega-projectos.
Quarto, é destacável que existe uma pirâmide de beneficiários que, de uma forma
simplificada, se apresenta no quadro seguinte:
16
Uma parte significativa do pessoal nacional contratado pelas multinacionais é oriunda de Mapu-
to, Beira e Quelimane. As profissões especializadas (mecânicos, electricistas, etc.) são ocupadas
sobretudo por pessoas provenientes dos vizinhos Zimbabué, Zâmbia e Malawi.
17
A empresa Mozambique Leaf Tobbaco adquire tabaco aos pequenos produtores em regime de
subcontratação de várias dezenas de milhões de dólares.
18
Existe bastante comércio de bens produzidos em Tete e que são adquiridos por comerciantes
informais para venda em vários pontos do pais, inclusivamente em Maputo.
19
Não é possível estabelecer a taxa de inflação segundo os métodos tradicionais de cálculo.
Porém, os dados recolhidos no trabalho de Mosca & Selemane (2011) revelam claramente uma
importante inflação local, de bens e serviços.
20
Entende-se por planeamento para o mercado a realização pelo Estado de um conjunto de fun-
ções de gestão macroeconómica, de regulação, investimento público, de criação de condições
para uma crescente melhoria do ambiente de negócios e de edificação de uma economia com-
petitiva, que permita que o tecido económico opere sem grandes distorções dos mercados (in-
tervenção pública, monopólios, dificuldades de comunicações, burocracias entorpecedoras, falta
de transparência e corrupção).
Mega-projectos no Meio Rural, Desenvolvimento do Território e Pobreza Desafios para Moçambique 2012 239
QUADRO 1 HIERARQUIA DE BENEFICIÁRIOS E PERDEDORES
BENEFICIÁRIOS/GANHADORES
Actividades ilícitas
PERDEDORES
População reassentada
Imigrantes sem emprego
População em geral por efeitos ambien-
tais
População de renda baixa pelo efeito in-
flação
Funcionários públicos e desempregados
pelo efeito inflação
FONTE Construção dos autores com base em trabalho de campo realizado em 2011 em Tete e Moatize.
21
Parece evidente que são os pobres os que suportam os custos sociais dos mega-projectos: os
reassentados de forma directa, conforme já referido no texto, a população que se desloca para
Tete e Moatize em busca de emprego e oportunidades, a população em redor das explorações
mineiras pelos efeitos ambientais e a população em geral devido ao efeito da inflação sobre o
poder aquisitivo.
240 Desafios para Moçambique 2012 Mega-projectos no Meio Rural, Desenvolvimento do Território e Pobreza
estrangeiros, com segmentação do mercado e poucas relações entre si. Os benefici-
ários locais são sobretudo dos sectores de serviços não apenas em consequência da
actividade mineira mas também da produção local e de demandas criadas de outros
projectos. Isto é, até ao momento, a resposta do tecido produtivo foi limitada e o au-
mento de actividades de pequena escala que se verifica não é somente consequência da
actividade mineira, mas também da produção e comércio do tabaco.
A partir do quadro atrás pode-se induzir da existência de dinâmicas econó-
micas e sociais que reconfigurarão grupos económicos e fenómenos de mobilidade
social. Os primeiros sinais indicam a emergência de pequenos empresários benefi-
ciando de uma demanda de segunda e terceira ordem (ou “anel”), que configuram
padrões de acumulação secundários não directamente relacionados com os grandes
investimentos externos. A elite das burocracias pode beneficiar através de relações
não transparentes e perigosas (veja mais adiante). Grande parte da população será
provavelmente perdedora pelo efeito da inflação autárquica, dos reassentamentos,
da imigração com expectativas não concretizadas e, a longo prazo, devido aos efeitos
ambientais negativos.
É possível realizarem-se estudos ex ante (antes do facto) da produção, permitin-
do a tomada de medidas de antecipação. Actualmente, os estudos têm como objectivo
a verificação de consequência ex post (depois do facto) com limitadas possibilidades
de correcção das falhas.
Mega-projectos no Meio Rural, Desenvolvimento do Território e Pobreza Desafios para Moçambique 2012 241
te semelhantes e diferentes)22 ou a introdução pontual e passageira de objectivos (caso
da jatropha); (2) inconsistentes porque geralmente não fundamentadas em estudos
mas sim justificadas por motivações políticas (caso do PROAGRI); (3) a valorização
do metical é um exemplo incontestável de incoerência entre o discurso político rela-
cionado com a agricultura e a prática da política económica (neste caso da política
monetária).
O Estado, além da incapacidade institucional para o exercício das suas funções
como referido, tem revelado uma clara decisão de não priorização da agricultura e
sim dos sectores associados ao investimento directo estrangeiro (complexo mineral
e energético) e à configuração de padrões externos e que aprofundam a natureza ex-
travertida da economia. Na agricultura, por exemplo, são as culturas de exportação
(algodão, caju, copra, madeiras e tabaco) as que têm merecido a atenção dos centros
de decisão na captação de investimento, na atribuição de DUATs e licenças de ex-
ploração, no crédito, na organização institucional, entre outros aspectos. Não existem
políticas económicas que ajustem ou corrijam a tendência de alocação de recursos
realizada apenas pelos mercados, onde as culturas alimentares não possuem vantagens
competitivas. Por exemplo:
• O orçamento público poderia ser um instrumento de intervenção do governo:
porém, a agricultura, com excepção dos últimos três anos, recebeu menos de
3% dos gastos do Estado. Sendo a agricultura definida como base do desen-
volvimento, pode questionar-se acerca da constitucionalidade dos sucessivos
orçamentos23.
22
Existiram políticas agrárias muito diferenciadas e com variações pendulares de grande ampli-
tude (socialização (1975-1986), liberalização caótica (sobretudo ao longo da década de noventa
após a implementação do Programa de Ajustamento Estrutural), Estratégia de Segurança Ali-
mentar e Nutricional (2007-2015 elaborado em 2007), jatropha (2007), Estratégia de Extensão
Rural (2007), Estratégia da Revolução Verde (2008), PAPA (Plano de Acção para a Produ-
ção Alimentar, 2008), Política e Estratégia de Biocombustíveis (2009), Estratégia de Irriga-
ção (2010), PEDSA (Plano Estratégico de Desenvolvimento do Sector Agrário 2011-2020,
aprovado em 2011), PROAGRI, PARP (Plano de Acção de Redução da Pobreza (2011-2014)
aprovado em 2011, PIP (Plano Integrado de Produtividade, 2011) etc. Alguns destes documen-
tos tiveram várias edições, por exemplo o PARPA I e II substituido pelo PARP, PROAGRI I
E II, os PEDSAs, etc. Mosca (2010) afirma que os documentos de políticas e estratégias não
resultam de necessidades da governação, mas de condições impostas pelos parceiros da comuni-
dade internacional para a aprovação de planos e orçamento da cooperação. São ainda políticas
de defesa do poder, como é o caso da valorização do metical durante o ano de 2010.
23
O Artigo 103, no 1 da Constituição, afirma que, “na República de Moçambique, a agricultura
é a base do desenvolvimento nacional”. No no 2 do mesmo artigo, especifica-se que “O Estado
garante e promove o desenvolvimento rural para a satisfação crescente e multiforme das neces-
sidades do povo e o progresso económico e social do pais”.
242 Desafios para Moçambique 2012 Mega-projectos no Meio Rural, Desenvolvimento do Território e Pobreza
• O desarmamento alfandegário ao nível da SADC foi realizado sem quaisquer
estudos sobre os efeitos na agricultura e particularmente sobre a produção
alimentar24: todos os sinais indicam uma clara desvantagem da agricultura
moçambicana e as dificuldades de colocação de produtos nacionais quando
existem bens similares ou sucedâneos nos mercados.
• Sectores de fornecimento de serviços aos produtores foram desmantelados
sem criação de alternativas (produção e venda de sementes e insumos, manu-
tenção de infra-estruturas com regadios, o estado estacionário ou regressivo
da extensão rural, etc.), na expectativa de que o mercado tudo resolveria.
• Secundarização do investimento público em relação às infra-estruturas rurais,
como por exemplo, as estradas que articulam localidades e zonas produtoras.
24
Um dos raros estudos de que há registo é de Castel-Branco (2005).
25
Trata-se do Grupo de Estudos de Aprofundamento na área de nutrição, de 2009. Relatório de
Avaliação de impacto do PARPA II 2006-2009.
26
O caso dos 1,500 frangos por dia para o refeitório da Vale é conhecido. O tomate, a batata e a
cebola, entre outros vegetais, são importados da África do Sul.
27
Conforme o jornal Notícias de 15 de Setembro de 2011, “devido à falta de mercado – Produ-
ção apodrece na cintura verde de Tete”.
Mega-projectos no Meio Rural, Desenvolvimento do Território e Pobreza Desafios para Moçambique 2012 243
As pessoas reassentadas não são assistidas por extensionistas nem existem acções
específicas para compensar as mudanças de local28 de produção para terras menos férteis
e pastagens mais distantes dos locais de residência29. Nenhuma das acções previstas no
PARP para a agricultura foram ou estão sendo realizadas nas zonas dos grandes inves-
timentos. Para além de que nada indica que venham a ser realizadas num futuro breve.
As prioridades e os objectivos estratégicos e do PARP para a agricultura e as
pescas são as seguintes (GdM 2011, pp.19–22):
28
Receberam, no momento da deslocação, uma “cesta” com géneros alimentícios considerados
pelos “doadores” (empresa mineira) como suficientes para 3 meses, tempo insuficiente para as
famílias obterem as suas primeiras colheitas. Ademais, o período referido não é suficiente para
a abertura de novas parcelas agrícolas nem para o crescimento biológico das plantas até à matu-
ração do produto. Desconhecem-se os critérios do tempo e do tipo de “cesta”.
29
As famílias já reassentadas, há cerca 10 meses, ainda não começaram a trabalhar nos campos.
Referem que os solos não são aptos (Mosca & Selemane 2011).
244 Desafios para Moçambique 2012 Mega-projectos no Meio Rural, Desenvolvimento do Território e Pobreza
Prioridade 3: Melhorar a gestão sustentável de recursos naturais (terras, águas,
pescas e floresta).
• Melhorar o planeamento territorial e os mecanismos de gestão de terras.
• Adoptar medidas de prevenção e adaptação às mudanças climáticas.
• Estabelecer um quadro normativo e operacional para a prevenção e controlo
das queimadas descontroladas.
A REALIDADE E O PARP
Comparando os pontos 3.1 e 3.2 e as questões da agricultura, pode afirmar-se que o
que acontece nas zonas mineiras de Tete tem pouca coincidência com o preconizado
no documento do PARP.
Mega-projectos no Meio Rural, Desenvolvimento do Território e Pobreza Desafios para Moçambique 2012 245
EXPLORAÇÃO MINEIRA, AJUSTAMENTO DO ESTADO E DE
POLÍTICAS
A REALIDADE
A implantação de mega-projectos, com processos produtivos complexos, tecnologias
de ponta, intensivos em capital, com fortes relações com o mercado internacional es-
pecializado através de multinacionais cotadas nas principais praças de valores, exigiria
um profundo ajustamento do Estado: revisão de concepção, estratégias e políticas de
desenvolvimento, da capacidade política e técnica das instituições públicas especiali-
zadas, eficientes, com sistemas informatizados e cruzamento de bases de dados; uma
burocracia capacitada para o exercício das funções de Estado, pelo menos na versão
minimalista de planeamento, regulamentação, regulação, fiscalização e monitoria; um
estado transparente, tecnicamente capacitado e com poder negocial.
A província de Tete pode ser considerada um bom exemplo da falta de capacida-
de de resposta do estado moçambicano à azáfama da mineração. No estudo de Mosca
& Selemane (2011), foram detectadas incapacidades de desenvolver as actividades
minimalistas do Estado. Por exemplo:
30
Na altura do trabalho de campo ( Julho de 2011), aquela direcção possuía 11 técnicos, sendo 7
de planificação física e 4 de outras áreas (Mosca & Selemane 2011). E os técnicos de minas?
Existem informações da formação no exterior de centenas de técnicos para diversos níveis de
graduação. Também existem informações de que as multinacionais contratam grande parte dos
técnicos formados nas diferentes especialidades relacionadas com a actividade mineira. Reali-
zam-se inclusivamente reuniões com os estudantes finalistas.
246 Desafios para Moçambique 2012 Mega-projectos no Meio Rural, Desenvolvimento do Território e Pobreza
• A Direcção Provincial de Recursos Minerais e Energia revelou desconhecimento
sobre os contratos entre as empresas e o governo. Pode especular-se sobre quem
sabe, na governação a nível central, desses contratos. A ausência de transparência
e arrogância manifestam-se no secretismo e não prestação de informação, recusas
em responder a cartas e acusações de anti-patriotismo a quem procura pesquisar.
31
Conforme estabelece o no 2 do art. 43 da Lei no 14/2002, de 26 de Junho – Lei de Minas
Mega-projectos no Meio Rural, Desenvolvimento do Território e Pobreza Desafios para Moçambique 2012 247
serão os sistemas de produção de longo prazo e quais as implicações sobre as
necessidades de solos e o respectivo planeamento físico?
• A crise mundial de alimentos caracterizada pela subida dos preços dos bens ali-
mentares no mercado internacional como resultado de variações climáticas e
consequente redução da oferta das economias principais produtoras, seguido de
práticas especulativas e posicionamentos proteccionistas (reforço dos stocks de se-
gurança alimentar, cancelamento de exportações, etc.), agravando, em ciclo desvir-
tuoso, a espiral inflacionista32, aumento dos preços das fontes energéticas, redução
da produtividade dos países maiores produtores de alimentos ( Jorge 2012).
• A abertura crescente das economias à escala global e regional, muitas vezes em pro-
cessos precipitados que confrontam economias com dimensões, capacidade com-
petitiva, estruturas económicas muito diferenciadas, colocando as economias po-
bres mais expostas e vulneráveis aos efeitos não desejáveis do mercado liberalizado.
32
“Entre Setembro de 2006 e Junho de 2008, os preços de referência no mercado mundial aumen-
taram 70%, em particular para o trigo, o milho, o arroz e os produtos lácteos, sendo acompanha-
dos por subidas, ainda que menos acentuadas, dos preços da carne de aves e dos óleos vegetais”,
Jorge (2012, p. 159).
248 Desafios para Moçambique 2012 Mega-projectos no Meio Rural, Desenvolvimento do Território e Pobreza
Internamente, é considerado bom o desempenho da economia, tendo em con-
ta o ritmo de crescimento, a relativa estabilidade macroeconómica, mesmo que com
indicadores elevados e com os principais balanços financiados pela cooperação (acu-
mulação, orçamento público e balança de pagamentos), a entrada de capitais externos
para o investimento, a imigração estrangeira em busca de pequenos negócios e de
emprego, como consequência da crise na Europa33.
Os volumes da cooperação tendem a baixar, não apenas devido à crise interna-
cional, como também em consequência dos governos europeus estarem em ciclos po-
líticos de centro-direita com diferentes concepções de cooperação (comparativamente
a governos de centro-esquerda) e ainda alguns erros políticos internos, como foi o caso
de situações pouco transparentes nas últimas eleições gerais, baixo comprometimento
e eficácia na luta contra a corrupção, poucos avanços nas reformas económicas e na
democratização da sociedade. Os discursos oficiais, excessivamente optimistas quanto
à riqueza e ao papel dos recursos naturais no desenvolvimento34, podem fazer pon-
derar acerca dos volumes de influxos da cooperação levando à redução dos mesmos.
Por outro lado, persiste a pobreza em níveis acima dos 54,7% da população.
Com o aumento do número de pobres devido ao crescimento demográfico35, as desi-
gualdades sociais tendem a aumentar, a produção agrícola e especialmente de alguns
bens alimentares essenciais não aumenta significativamente (Mosca 2010), os riscos
de instabilidade social urbana estão latentes, a má qualidade do ensino foi assumida
pela governação, a competitividade da economia não evolui favoravelmente (Mosca
et al. 2012), o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o Índice de Percepção da
Corrupção (IPC) e o Doing Business regrediram nas últimas avaliações das respectivas
organizações internacionais36.
33
A recente imigração europeia é sobretudo de Portugal. Existe um fenómeno de menor dimen-
são a partir da Índia e do Paquistão, além da proveniente de países africanos (principalmente
nigerianos, somalis, etíopes, e senegaleses – por ordem alfabética).
34
Assiste-se a discursos optimistas e simultaneamente nervosos. As elevadas expectativas de cres-
cimento rápido dos benefícios dos recursos naturais contradizem-se com as realidades e inde-
cisões acerca das vias e capacidades de escoamento dos minerais, da gestão de todo o sistema
produtivo adjacente à actividade principal e às capacidades do Estado em desenvolver e salva-
guardar os interesses nacionais face a naturais pressões externas.
35
As taxas de pobreza estimadas para 2003 e 2008 ponderadas com a população dos respectivos
anos indica o aumento de perto de 2,8 milhões mais de pobres (Mosca et al. 2012).
36
Mosca (2012) analisa os últimos indicadores internacionais, referindo-se ao caso de Moçam-
bique. “O Doing Business de 2012, indica o retrocesso de Moçambique no ranking internacio-
nal e no contexto da África Austral. (… ) O Índice de Desenvolvimento Humano indica que
Moçambique se localiza na 184ª posição entre 187 países avaliados (…) O último relatório
Regional Economic Outlook do Fundo Monetário Internacional (Outubro de 2011) refere que,
Mega-projectos no Meio Rural, Desenvolvimento do Território e Pobreza Desafios para Moçambique 2012 249
Em resumo, Moçambique atravessa um período de expectativas elevadas mas
com grandes dificuldades internas, tanto económicas, como políticas e sociais. A prá-
tica da governação indica uma clara priorização para o sector externo (investimento
externo, cooperação e diplomacia económica) embora com discursos para dentro do
país onde é ressaltada a luta contra a pobreza” (Mosca 2012).37
250 Desafios para Moçambique 2012 Mega-projectos no Meio Rural, Desenvolvimento do Território e Pobreza
Três questões fundamentais não são referidas no PARP e estão directamente
associadas aos grandes investimentos:
• A transparência (secretismo) dos contratos, a prática de execução dos investi-
mentos e a prestação de informações ao públicos e à sociedade civil sobre as-
suntos diversos e que não afectam a “segurança do Estado”. Cumpre-se apenas,
e de forma arrogante e desprezível, a não prestação de informação.
• Quais as moedas de troca para contratos tão aliciantes concedidos às empresas
multinacionais de mineração no quadro geral da fusão da cooperação com os
negócios entre países e elites.
• A eventual promiscuidade entre política e negócios.
A REALIDADE E O PARP
Comparando os pontos 4.1 e 4.2, pode afirmar-se que o que acontece nas zonas mi-
neiras de Tete tem pouca coincidência com o preconizado no documento do PARP.
Para o conjunto da economia, nada indica que os objectivos do PARP estejam
sendo realizados: e conforme já referido, a última avaliação do Índice de Percepção da
Corrupção não alterou a posição de Moçambique no ranking internacional e o Doing
Business (que contém índices de governação) piorou, como referido em 4.1.
Mega-projectos no Meio Rural, Desenvolvimento do Território e Pobreza Desafios para Moçambique 2012 251
Considerando o contexto nacional e local, a actual estrutura económica e o pa-
drão de criação de riqueza, parece ser necessário: primeiro, fazer crescer a produção,
a produtividade e os rendimentos dos pequenos produtores e das diversas actividades
económicas do meio rural onde reside mais de 70% da população, com prioridade
para a produção alimentar, principal factor da pobreza em Moçambique; segundo,
recuperar a indústria transformadora, sobretudo a alimentar, bebidas, têxteis, bebidas,
construção civil, embalagens assente em empresas de dimensão e tecnologia competi-
tiva, que acrescentem valor, que seja geradoras de emprego e destinadas ao crescimen-
to do mercado interno.
Estas opções transformariam a tripla aliança numa aliança pentagonal com a
inclusão dos pequenos produtores (camponeses) e do capital industrial nacional. Esta
aliança, como outra qualquer, deveria estar assente em políticas económicas que bene-
ficiem os actores económicos associados às actividades/sectores do desenvolvimento
relacionados com o mercado interno para fazer crescer a procura interna e criar uma
estrutura social mais equitativa onde seja possível o surgimento de uma classe média
alargada.
Esta opção implica rupturas fundamentais de política económica, das estratégias
dos grupos económicos e das relações de promiscuidade entre a política e os negócios.
Isto porque, a curto e médio prazos, as possibilidades de obtenção e acumulação de
rendas localiza-se nas relações externas, sobretudo com o investimento directo estran-
geiro de grande dimensão. Os pequenos produtores e as pequenas e médias empresas
não possuem riqueza e acumulação suficientes para suportar a emergência, em poucos
anos, de grupos económicos internos consolidados, de base material sólida e com
relações internacionalizadas, condições essenciais para a estabilidade (segurança) e
reprodução a longo prazo.
Às multinacionais estas alianças permitem facilidade de operação interna,
discricionariedade e excepcionalidades na aplicação da lei, contratos com condições
económicas e fiscais vantajosas e fuga de capitais. Eventuais subornos de grande
escala são integrados nos custos de produção e possuem como retorno as vantagens
acima descritas.
252 Desafios para Moçambique 2012 Mega-projectos no Meio Rural, Desenvolvimento do Território e Pobreza
CONCLUSÕES
Mega-projectos no Meio Rural, Desenvolvimento do Território e Pobreza Desafios para Moçambique 2012 253
mudanças fundamentais no sistema de alianças políticas e económicas que actual-
mente suportam o poder.
Finalmente, nada indica que a implantação de grandes empreendimentos de mi-
neração, nos actuais moldes, venha a contribuir para a redução da pobreza, a melhoria
do bem-estar da população, para um desenvolvimento endógeno, socialmente inclu-
sivo, sustentável na exploração dos recursos naturais e ambientalmente não agressiva.
Com a persistência das actuais realidades pode-se estar a caminho da “maldição dos
recursos” em Moçambique.
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Mega-projectos no Meio Rural, Desenvolvimento do Território e Pobreza Desafios para Moçambique 2012 255
PARTE III
SOCIEDADE
POLÍTICA PÚBLICA E
INTERVENCIONISMO:
PORQUE EXISTE O PARP EM MOÇAMBIQUE?
António Francisco1
…aqui está o segredo de uma boa governação: conceber um plano que está
para além dos meios disponíveis… (Couto 2003, p.70).
O PARP salva-nos do Estado Falhado mas não nos liberta do estado
Falido (Francisco 2012).
INTRODUÇÃO
…e isso não chega. O Banco Mundial argumenta que Moçambique precisa de crescer pelo
menos a uma média anual de 10% para que haja algum impacto sensível ao nível do PIB per
capita; caso contrário, só daqui a 100 anos os moçambicanos terão os mesmos rendimentos
que hoje têm os mexicanos ou os mauricianos (Cardoso 2000b, p.6).
1
O autor agradece os comentários e sugestões de L. de Brito, J. Mosca, G. Sugahara, I. Fernan-
des, Y. Ibraimo, A.S. Ganho e E. Macamo.
Ou seja, enquanto o Banco Mundial tiver como padrões de ‘apoio’ a Moçambique frankens-
teins como o ROCS, é óbvio que uma das principais fontes de financiamento da economia
– os créditos concessionais do Banco Mundial – não vai gerar PIB cá dentro mas sim endivi-
damento externo (Cardoso 2000b, p.6).
Num outro artigo da mesma edição do Metical, Cardoso (Cardoso 2000a, pp.2–
3) noticia o apoio do FMI ao pedido de financiamento de 500 milhões de USD, para
o período 2000-2001; a garantia do BM de que entre os doadores havia disponibili-
dade para subsídios fiscais, pois ninguém esperava que Moçambique pudesse, a curto
prazo, ter uma base tributária capaz de sustentar toda a despesa pública; recomendou
o alargamento da base tributária para se ir substituindo a dependência relativamente
aos donativos externos; garantiu a sua adesão a uma política pró-agricultura com uma
duração mínima de dez anos; insistiu em que houvesse um ‘esclarecimento’ definitivo
quanto à questão da propriedade da terra; sugeriu ao governo uma política de contra-
tação de estrangeiros menos apertada e uma política laboral mais liberal que facilitasse
o despedimento; insistiu na entrada do sector privado nos sectores de telecomunica-
ções e de transporte de energia, e na desobstrução fiscal do comércio; e reiterou a sua
proposta de que o Estado se encare cada vez mais apenas como facilitador e não como
fornecedor de serviços.
Esta notícia e, em particular, a síntese das prioridades dos parceiros interna-
cionais do Governo Moçambicano, para estimular o crescimento da economia de
Moçambique, continua grosso modo válida nos dias de hoje. Segundo os dados dispo-
nibilizados pelo GdM e o FMI/BM, ao longo da primeira década do corrente Século
XXI, os níveis de crescimento económico oscilaram entre as expectativas do primeiro
e estimativas dos últimos, mas nunca chegou a colocar-se na fasquia de crescimento
prolongado (pelo menos 10% ao ano), considerada pelo BM o mínimo indispensável
para que se observe um impacto sensível na melhoria do padrão de vida dos moçam-
bicanos.
Este longo destaque à notícia de Cardoso, no seu pioneiro jornal-fax, ilustra a
importância conferida pelos doadores internacionais ao novo mecanismo de ajuda
internacional a Moçambique, o chamado ‘Poverty Reduction Strategy Paper’ (PRSP),
2
ROCS - “Costal Shipping Project” (ROCS): Projecto de dez anos, lançado pelo Governo de
Moçambique (GOM), em 1991, visando melhorar a base de infra-estrutura de transportes da
economia, o qual contou com o financiamento do Banco Mundial.
3
O romance de Shelley conta a história de Victor Frankenstein, um estudante de Ciências Na-
turais que cria um monstro no seu laboratório; um monstro com aparência humana que acaba
por destruir o seu criador. O romance conquistou imenso sucesso internacional, tendo inspirado
todo um novo género de horror, com enorme influência na literatura e cultura popular ocidental.
4
O autor agradece a Elísio Macamo pelas observações e sugestões, resultantes da sua primeira
leitura ao artigo publicado no Semanário Canal de Moçambique. Reconhecendo a utilidade da
distinção entre os objectivos verdadeiros e os objectivos declarados no PARP, Macamo sugeriu
que igual atenção merecia ser dada a uma outra distinção também útil, nomeadamente entre os
objectivos verdadeiros e declarados na perspectiva dos actores políticos (neste caso do Governo,
dos doadores, entre outros) e os objectivos verdadeiros e declarados no PARPA(A) na pers-
pectiva do analista. Algumas incoerências apontadas por Francisco (2012), adiantou Macamo,
parecerem derivar da não distinção entre a posição do autor (como analista) e as outras posições
que são objecto da sua análise.
O limitado espaço reservado a este texto apenas permite adiantar, sem elabora-
ção, alguns pontos adicionais sobre a actual definição de pobreza. Primeiro, ela sugere
que as palavras passaram a escolher os significados, e não o contrário. ‘… [A]largando
o conceito para abarcar aspectos como falta de acesso à educação, saúde, água e sane-
amento… isolamento, exclusão social, falta de poder, vulnerabilidade e outros’ MPD
(2006, p.8), o conceito de pobreza enveredou pela imprecisão e inutilidade para efeitos
de medição. Segundo, como se não houvesse melhor maneira de tornar a natureza
multidimensional da pobreza inteligível, os autores parecem distanciar-se do sentido
monetarista, livrando-se da palavra ‘absoluta’. Porém, não só a abordagem moneta-
rista como também a teoria neoclássica encontra-se distribuída, ao longo do texto,
misturada com outras ideias peregrinas. Terceiro, a nova definição de pobreza perdeu
os atributos elementares de uma definição operacional: ser específica, concreta, men-
surável e útil, para que desempenhe um papel orientador e estruturante de análises e
métodos aplicáveis em circunstâncias específicas.
Quem queira fazer uso do conceito e abordagem de pobreza do PARP deve
tomar como adquirida a ideia de que a pobreza é um fenómeno multidimensional;
Consequentemente, o PES ainda não se tornou realmente um instrumento eficaz para a im-
plementação e monitorização anuais do PARPA, contrariamente às intenções declaradas no
próprio documento do PARPA, no qual o PES e o seu balanço são os instrumentos indicados
para desempenhar esse papel (Hodges & Tibana 2005, p.66).
5
A generalidade dos trabalhos dos outros colaboradores no livro Desafios para Moçambique 2012
centram a sua atenção nos objectivos declarados (Castel-Branco 2012; Castel-Branco & Man-
dlate 2012; Castel-Branco & Ossemane 2012; Ibraimo 2012; Muianga 2012; Woodhouse
2012).
6
Não admira, por isso, que a liderança da Frelimo recuse admitir que a guerra dos 16 anos, em
Moçambique, tenha sido uma “guerra civil”. Reconhecê-lo implicaria aceitar parte da culpa por
uma das guerras mais devastadoras em África, o que reduziria parte do efeito de vitimização
conseguido pelo Governo Moçambicano junto da comunidade internacional.
LIÇÕES E IMPLICAÇÕES
Que lições e implicações a extrair do argumento apresentado neste texto? Que lições
alternativas ao argumento, em particular, segundo o qual a melhor alternativa ao in-
tervencionismo estatal e externo, a partir de Washington, um outro e mais interven-
cionismo Made in Maputo? É provável que esta última interrogação suscite dúvidas,
como já aconteceu, com um dos comentadores que leu uma versão anterior deste
texto. Não é possível fundamentar aqui o argumento sobre a natureza intervencionista
de muitas das acções propostas pelos Estados que financiam e integram as instituições
financeiras internacionais; principalmente no caso específico do FMI, um organismo
governamental (ou seja, diferente do habitual termo ‘multilateral’ para distinguir de
‘bilateral’), regido por funcionários públicos, composto presentemente por 187 gover-
nos membros, cuja influência é proporcional ao valor da contribuição accionista de
cada governo.
Existem várias lições, de ordem analítica e metodológica, bem como práticas e
com implicações aplicáveis às políticas públicas. Por razões de espaço, enumeram-se
apenas três exemplos.
Uma primeira lição de natureza epistemológica diz respeito à leitura e interpre-
tação do PARP. Esta reflexão permite concluir que, em vez de tentar avaliar ou julgar
o desempenho do PARP pelos seus resultados, o mais apropriado é considerar os
custos da alternativa; ou seja, seguir a sugestão det aleb (2004, p.22), que considera a
‘história alternativa’ se, por exemplo, os recursos mobilizados fossem aplicados de ma-
neira diferente. Tão pouco, como afirma ainda Taleb (2004, p.22), tem sentido tentar
avaliar a qualidade das decisões (e.g. as metas de redução da pobreza) apenas na base
dos seus resultados. Um ponto entendido e defendido quando as metas e resultados
não são alcançados (como aconteceu com o PARPA 2006-2009) – ‘aqueles que têm
sucesso atribuem o seu sucesso à qualidade da sua decisão’ (Taleb 2004, p.22).
Segundo, ‘o PARPA é propriedade de Moçambique’, escreveu Macamo (2006,
p.29), referindo-se às avaliações que indicam ‘forte comprometimento com os objec-
tivos da iniciativa’. Sem rodeios e com a frontalidade e coragem que tem caracterizado
este sociólogo, Macamo não hesitou em usar a palavra apropriada: hipocrisia. Uma
REFERÊNCIAS
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ria de desenvolvimento durante o período 1974-1992, Maputo: Padrign &CEEI-
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Disponível em: pdf.usaid.gov/pdf_docs/PNABS408.pdf.
INTRODUÇÃO
Num breve texto publicado em meados de 2011, os autores deste trabalho defende-
ram a necessidade e a pertinência da inclusão do envelhecimento da população na
agenda dos principais desafios do desenvolvimento de Moçambique (Sugahara &
Francisco 2011).
À primeira vista, tal sugestão pareceu pretender provocar simplesmente assunto
sobre o qual não existe matéria suficiente. Só que esta percepção deriva mais da atitude
dos analistas e profissionais para com a demografia. Apesar do reconhecimento
generalizado de que a demografia joga um papel importante no desenvolvimento,
poucos são os que de facto incorporam explicitamente os fenómenos que a teoria
demográfica tem identificado em suas análises e programas de acção política. Em
muitos casos����������������������������������������������������������������������
, governantes e outros fazedores de políticas públicas também não aju-
dam, pelo facto de estarem mais preocupados com questões de imediato ou curto
prazo (e.g. as próximas eleições) do que com os desenvolvimentos de longo prazo. De
qualquer forma, mesmo se os governos nada contribuem - positiva ou negativamente
- para as mudanças demográficas, elas acontecem ao ritmo da dinâmica da própria
população, dependendo da sua estrutura e interdependência com o meio onde vive
(Dyson 2010; Francisco 2010a; Francisco 2011a; Francisco 2011e).
Porque as pessoas reconhecem os efeitos da dinâmica dos fenómenos demográ-
ficos imediatamente perceptíveis, é compreensível que o senso comum reaja negati-
vamente, ou pelo menos com surpresa, à sugestão de se prestar atenção à questão do
envelhecimento populacional num país como Moçambique. Por um lado, a população
moçambicana integra o grupo de populações reconhecidas como jovens, populações
1
Shapiro (2010, p.73) chama a estas mudanças um “terramoto demográfico”: “Durante centenas
de anos, em quase todos os países, cada geração era apenas ligeiramente maior ou mais pequena
do que as gerações que vinham imediatamente antes ou depois”.
0.95
EUA Japão
Singapura Itália
0.85 EAU UK
Áfria do Sul
0.55 Índia
0.45
0.35
Serra Leoa Moçambique
0.25
0 5 10 15 20 25 30 35 40
TDI
IDH - Índice de Desenvolvimento Humano;
TDI - Taxa de Dependência Idosa FONTE UN 2010; UNDP 2012
2
Considerando que os autores da classificação foram insuficientemente explícitos quanto aos
critérios usados na classificação dos quatro grupos, de algum modo, fica-se com a impressão de
que esta categoria poderá ter sido criada para acomodar os países da ex-união soviética.
0.65 1995
2000
1990 2005 2010 2011
1985
0.55
1990 1995 2011
2000 2005
0.45
IDH
2011
...
0.35 2005
...
1995 2000 2011
...
1990 2008...
1985 2005
0.25 2000
1995
1990
1985
0.15
5 6 7
TDI
Mozambique Malawi South Africa Swaziland
3
Para mais informações sobre o tema ver Silva (2011).
4
Para a autora, há duas maneiras de reduzir a incidência desse tipo de erro, sendo que ambas
exigem um melhor conhecimento das peculiaridades da população em questão: (i) Aprimorar
critérios de forma a aumentar a precisão das definições, com um ou mais marcos que permitam
identificar melhor os indivíduos com certas características; (ii) Modificar os conteúdos das
definições por determinados critérios, assumindo que os marcos utilizados são referências
apropriadas apenas para algumas das características buscadas (Camarano 2004).
5
Mais especificamente na chamada “fase 2”, caracterizada por uma Taxa Bruta de Natalidade
(TBN) elevada e uma diminuição na Taxa Bruta de Mortalidade (TBM), que tem como conse-
quência um forte crescimento da população (Francisco 2011b).
Moçambique 2010 (área cinzenta) & Moçambique 2050 Maurícias 2010 (área cinzenta) & Maurícias 2050
Masculino Femenino Masculino Femenino
80+ 80+
75-79 75-79
70-74 70-74
65-69 65-69
60-64 60-64
55-59 55-59
50-54 50-54
45-49 45-49
40-44 40-44
35-39 35-39
30-34 30-34
25-29 25-29
20-24 20-24
15-19 15-19
10-14 10-14
5-9 5-9
0-4 0-4
10 8 6 4 2 0 2 4 6 8 10 5 4 3 2 1 0 1 2 3 4 5 6
Percentagens Percentagens
GRÁFICO 4 TEMPO NECESSÁRIO PARA A PARCELA DA POPULAÇÃO COM 65 OU MAIS ANOS DE IDADE PASSE
DOS 7 PARA 14 POR CENTO E DOS 14 PARA OS 21 POR CENTO, PAÍSES SELECCIONADOS
Países Desenvolvidos
Japão
polónia
Canadá
EUA
Hungria
Austrália
Reino Unido
Itália
Suécia
França
Países em Desenvolvimento
Índia 2005
indonésia
Tunísia
Brasil Período necessário para
crescer dos 7% para os 14%
China
Coreia do Sul Período necessário para
Argentina crescer dos 14% para os 21%
FIGURA 5 EVOLUÇÃO DA PARCELA DA POPULAÇÃO IDOSA COM 60 OU MAIS ANOS DE IDADE, PAÍSES
SELECIONADOS
África do Sul 5% 6% 7% 9% 10% 11% 12% 13% 15% 16% 18% 19% 21% 22% 24% 25% 26% 27% 28%
Zimbabwe 5% 6% 5% 6% 7% 9% 12% 15% 17% 19% 20% 22% 24% 25% 27% 28% 29%
Suazilândia 5% 4% 5% 6% 8% 11% 13% 15% 17% 18% 20% 22% 23% 24% 26%
África Austral 5% 6% 7% 8% 9% 10% 11% 12% 13% 14% 16% 17% 19% 20% 22% 23% 25% 26% 27% 28%
África 5% 6% 7% 8% 9% 10% 11% 12% 13% 14% 15% 16% 17% 18% 19% 20%
África Sub-Sah. 5% 6% 7% 8% 9% 10% 11% 12% 13% 15% 16% 17% 18% 19%
1975
1980
1985
1990
1995
2000
2005
2010
2015
2020
2025
2030
2035
2040
2045
2050
2055
2060
2065
2070
2075
2080
2085
2090
2095
2100
6
Segundo as projecções das Nações Unidas (UN 2011), a proporção da população moçambicana
com idade inferior a 15 anos deverá diminuir de 44% em 2010 para 30% em 2050, enquanto a
população idosa (com 60 e mais anos) poderá aumentar de cinco para oito por cento no mesmo
período (INE 2010c, p.48) (Gráfico 3).
1400
1200
1000
Mil Pessoas
800
600
400
200
0
2007
2011
2012
2014
2015
2017
2008
2009
2010
2013
2016
2018
2019
2020
Rural Urbano
FONTE INE 2010b
7
Parte significativa das propriedades rurais que utilizam técnicas modernas de produção e tive-
ram algum acesso ao crédito localizam-se na região de Tete, o que seria um forte indício de que
estes recursos são mobilizados para a produção de Tabaco.
FIGURA 7 RELAÇÃO ENTRE PARTICIPAÇÃO NA FORÇA DE TRABALHO DOS TRABALHADORES COM 65 E MAIS
ANOS E PIB PER CAPITA, 2010
100
Trabalhadores 65 e maos anos (em %)
90
Moçambique
80
70
60
50
40
30
20
10
Luxemburgo
0
800 8000 80000
PIB per capita
FONTE ILO -LABORSTA 2011
FONTE UN 2011
Para al�����������������������������������������������������������������������
���������������������������������������������������������������������
m do já mencionado tema da violência contra a mulher idosa, outros in-
dícios podem auxiliar-nos a compreender a questão da vulnerabilidade destas mulhe-
res, como por exemplo a questão da literacia. Segundo as estatísticas mais recentes da
UNESCO (2012), a incidência de literacia entre as mulheres idosas em 2003 era de
apenas 5%, enquanto para os homens idosos este indicador rondava os 33% (Gráfico 8).
FIGURA 8 INCIDÊNCIA DE LITERACIA ENTRE IDOSOS EM MOÇAMBIQUE, 1997 E 2003 (EM PERCENTAGEM)
Mulheres Homens
2003
5% 33%
Anos
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45
Percentagem
TABELA 2 NÚMERO DE PEQUENAS E MÉDIAS EXPLORAÇÕES POR SEXO DO CHEFE E GRUPOS ETÁRIOS (MILHARES E %)
O Estado tem responsabilidades especiais sobre os cidadãos e segmentos sociais que por
razões de suas condições particulares (físicas, psíquicas ou de estatuto social) se possam quali-
ficar de vulneráveis, perante a dinâmica da organização e opções de gestão social e económica.
Ao Estado cabe providenciar: (a) suporte para o seu enquadramento na vida normal da so-
ciedade; e (b) protecção social àqueles sob risco de queda na indigência e ou delinquência…
É de salientar que outras acções específicas de Acção Social assentam na procura, dentro do
possível, de promover o “empowerment” dos elementos/grupos vulneráveis, minimizando-se
a dependência em eventuais subsídios/caridade (MPF 2001, p.83).
8
No Anexo 1 do PARP existe uma outra menção à população idosa: “Promover e prestar assis-
tência e integração social dos grupos em situação de vulnerabilidade, particularmente, mulheres,
crianças, idosos e pessoas portadoras de deficiência”.
9
1) Aumento da produção e produtividade agrária e pesqueira; 2) Promoção do emprego; e 3)
Desenvolvimento humano e social (GdM 2011, p.5).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a publicação do seu ensaio sobre “A Velhice” (Beauvoir 1990), publicado no final
dos anos 1970, Simone de Beauvoir buscava quebrar o que chamou de “conspiração
do silêncio” que pairava sobre o tema. Passados mais de 40 anos desde a primeira pu-
blicação de “A Velhice”, Moçambique depara-se com um processo de envelhecimento
populacional “lento”, num contexto em que certamente se questionaria o processo
descrito por Beauvoir. Por outro lado, os idosos moçambicanos deparam-se com bar-
reiras semelhantes ��������������������������������������������������������������������
������������������������������������������������������������������
s descritas pela autora, a mesma conspiração do silêncio, eventual-
mente com uma origem diversa. Este artigo é, portanto, uma clara tentativa de romper
com esta conspiração.
Ao trazer o tema do envelhecimento esperamos ressaltar a importância, os ris-
cos e, principalmente, as oportunidades advindas das transformações impostas pelos
fenómenos demográficos. Principalmente se tivermos em conta o momento em que
estamos, onde ainda temos o privilégio de pensar e preparar-nos, com tempo, para as
consequências que elas trarão.
Como vimos, o processo de envelhecimento populacional Moçambicano possui
algumas particularidades. O ritmo desta transformação, a sua característica rural, o
contexto de alta dependência económica do país são apenas algumas das variáveis
para as quais chamamos a atenção, pois nos dão bons indícios para compreendermos
também as necessidades particulares desta população e, consequentemente, respostas
específicas em termos de políticas públicas.
O tema do envelhecimento populacional em Moçambique enfrenta, portanto,
desafios tanto na esfera conceptual e analítica, quanto na definição e reflexão de po-
líticas públicas nos três níveis de organização territorial: central, provincial e distrital.
Lembra-se ainda a fundamental necessidade de estabelecer metas para diferentes ho-
rizontes temporais: curto, médio e longo prazos.
REFERÊNCIAS
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Fernand Braudel de Economia Mundial. Disponível em: http://pt.braudel.org.br/
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de.php [Acedido February 20, 2012].
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Finance and Development | F&D. Disponível em: http://www.imf.org/external/
pubs/ft/fandd/2002/06/ames.htm [Acedido March 28, 2012].
Bridget O’Laughlin1∗
1
Gostaria de agradecer a Julie Cliffe pelos comentários a uma versão anterior deste estudo,
‘Questions of Health and Inequality in Mozambique’, incluído nos Cadernos IESE 4/2010 e a
António Francisco pela ajuda editorial a este projecto.
2
WHO – World Health Organization/Organização Mundial de Saúde (NT)
3
Desigualdade na Saúde, Iniquidade, e Determinantes Sociais da Saúde (NT)
Uma das vantagens do PARP é a sua franqueza em reconhecer que o progresso nos
indicadores sociais não acompanhou o crescimento económico. Esta secção revê al-
guns dos dados da saúde que deveriam ter incomodado os autores do PARP, para se
averiguar se se justifica a preocupação e se existem algumas inferências sobre a relação
entre a saúde e os padrões de crescimento que se possam extrair.
4
De acordo com o Censo de 2007, a proporção varia de 86,6% na Zambézia a nada na cidade do
Maputo e 37,25% na província de Maputo.
5
O acrónimo DHS vem da designação em inglês Mozambique Demographic and Health Surveys
(NT).
6
UNDP – United Nations Development Program (NT).
7
HDI – Human Development Index (NT).
8
MICS – Moçambique 2008 Inquérito de um conjunto de indicadores múltiplos (NT).
9
Os tópicos abrangidos pelo inquérito incluem: composição da família, mortalidade entre crian-
ças, cobertura de vacinação, prevalência e tratamento das principais doenças infantis, o estatuto
nutricional das crianças, amamentação, micro-nutrientes, acesso a água potável e instalações sa-
nitárias seguras, saúde reprodutiva, educação, registo de nascimentos, trabalho infantil, crianças
órfãs pelo HIV/SIDA e que se tornaram vulneráveis devido ao HIV/SIDA.
12
Escolhi diarreia simples (sem sangue nas fezes) porque me pareceu ser a doença com menos
probabilidades de mostrar um efeito de tratamento, i.e. , é mais provável que aqueles que têm
uma oportunidade de tratamento, os que estão em melhor situação económica, reconheçam
a incidência da doença.
13
Conforme o standard da classificação WHO, taxas da subnutrição crónica entre 20 e 30 por
cento são consideradas ‘médias’, taxas entre 30 e 40 por cento são consideradas ‘altas’ e taxas
acima dos 40 por cento são consideradas ‘muito altas’ (MICS 2009, p. xvii).
250 237
192
GRÁFICO 1200
MORTALIDADE DE CRIANÇAS COM MENOS DE 5 ANOS NAS ÁREAS RURAIS E URBANAS (MICS 2008, P. 3)14
Per 1000 Lives Births
162
150
150 135
143
100
50
0
1997 (DHS) 2003 (DHS) 2009 (DHS)
Urban Rural
14
Por 1000 nascidos vivos (NT).
15
Presumivelmente estes fossos foram tratados pelos programas GAVI posteriores a este estu-
do de 2002. (GAVI-Global Alliance for Vaccines and Immunization-Aliança Global para Vacinas e
Imunizações, NT).
A PERSISTÊNCIA DA DESIGUALDADE
Observando estes dados não podemos fazer afirmações definitivas nem mesmo sobre o
que aconteceu e menos ainda sobre as causas. No período de recuperação do pós-guerra
parece ter havido progresso em alguns aspectos, tanto nas condições como nos cuidados de
saúde, e em algumas desigualdades regionais, e os fossos entre as áreas rurais e as cidades
foram reduzidos. As taxas de mortalidade infantil estão em queda, especialmente nas áreas
rurais. A proporção de crianças com doença respiratória aguda que foram tratadas numa
instalação de saúde subiu, particularmente em áreas rurais, e subiu transversalmente em
todos os quintis de rendimento. A epidemia do HIV/SIDA parece estar em estabilização.
No entanto, podemos também ver alguma evidência nestes dados que justifica a
preocupação do PARPA com a estagnação dos indicadores de saúde e a persistência e
até aumento de algumas formas de desigualdade na saúde. Em termos absolutos, a taxa
de mortalidade infantil (162/1000) nas áreas rurais permanece alta. A taxa do deficit de
crescimento infantil está mais alta transversalmente em todos os quintis do que em 1997,
uma preocupação especial para aqueles que contam com progressos na saúde da força
16
Apesar de Pfeiffer (2003) ter notado como as NGO’s muitas vezes minam a capacidade de o
SNS oferecer a longo prazo cuidados de saúde primários.
17
Esta secção baseia-se em B. O’Laughlin, ‘Land, Labour, and the Production of Affliction in
Southern Africa’ a ser publicado no Journal of Agrarian Change.
18
Veja, por exemplo, o relatório colonial sobre a província de Nampula escrito por E. Ferreira de
Almeida (1956, p.37), que atribuía a saúde precária da população nativa a parasitas e à dieta
tradicional.
TABELA 2 PROPORÇÃO DE TRABALHADORES ESTRANGEIROS NAS MINAS DA ÁFRICA DO SUL, ANOS SELECCIONADOS
1904-2004
FONTE First (1983, pp. 32-3); Crush & Dodson (2007, p. 439)
NOTA
[*] Nesta Tabela alterei o nome de países no período colonial para os seus nomes actuais. Os anos também foram propositada-
mente escolhidos; 1915, pouco depois da proibição de recrutamento a Norte do paralelo 22, 1946 após a renovação do recruta-
mento na África Central durante a II Grande Guerra, 1975 o ano da independência de Moçambique e da proibição temporária de
trabalho nas minas pela Frelimo e pouco depois de Banda ter retirado temporariamente os mineiros do Malawi, na sequência
da queda de um avião em 1974, e 1994, ano da formação de um governo do ANC.
19
PPI – Plano Prospectivo Indicativo (NT)
20
Um estudo feito em 1982 na Zambézia do Norte mostrou que os mais importantes agentes a
comprar em mercados paralelos eram as propriedades do Estado, o exército em Nampula e o
governo provincial, (Mackintosh 1985).
Campanhas de curto prazo, tais como a recente e bem sucedida promoção de redes
mosquiteiras, podem ter um impacto positivo nos estados de saúde, como sugerem
as recentes melhorias nas taxas de mortalidade infantil21. Contudo, se olharmos para
21
Apesar de ser necessário cruzar e monitorar os dados da mortalidade infantil, pois oscilações ra-
dicais para cima e para baixo como as registadas na Zambézia, por exemplo, são pouco prováveis.
FONTES
Os dados DHS para 1997 e 2003 foram compilados utilizando a Tabela de medidas
DHS STAT. Macro International Inc., 2010. http://www.measuredhs.com
Os dados MICS sobre saúde e qualidade da água de 2008 foram obtidos no
Final Report of the Multiple Indicator Cluster Survey, 2008, Maputo, Instituto Nacional
de Estatística (INE), 2009.
Os dados 2003/2003 2003/2004 sobre prestação de saúde foram tirados
do Relatório Final do Inquérito aos Agregados Familiares sobre Orçamento Familiar,
2002/03, Instituto Nacional de Estatística, 2004, e de Lindelow, M., Ward, P. &
TABELA A1 CRIANÇAS COM IDADES INFERIORES AOS TRÊS ANOS SOFRENDO DE DIARREIA NAS DUAS SEMANAS ANTE-
RIORES AO INQUÉRITO, POR ÁREA DE RESIDÊNCIA11
Rural 18 17.6
TABELA A2 CRIANÇAS COM IDADES INFERIORES AOS TRÊS ANOS SOFRENDO DE DIARREIA NAS DUAS SEMANAS ANTE-
RIORES AO INQUÉRITO, POR PROVÍNCIA11
Gaza 8 13.6
FONTE Macro International Inc, 2010. MEASURE DHS STATcompiler. http://www.measuredhs.com, 5 de Agosto de 2010.
Gaza 30 30 34.2
Maputo Província 16 22 28
MORTALIDADE DAS CRIANÇA COM MENOS DE CINCO ANOS (MÉDIA DE DEZ ANOS)
TABELA A8 MORTALIDADE DE CRIANÇAS (MENOS DE 5 ANOS) % POR PROVÍNCIA (DA MAIS BAIXA À MAIS ALTA)
URBANA RURAL
TABELA A11 % INFECTADOS PELO HIV - 15-49 ANOS POR REGIÃO E SEXO
MULHERES POR
MULHERES HOMENS TOTAL
100 HOMENS
NORTE 6.1 4.9 5.6 124
Urbana 11.7 7.7 9.9 152
Rural 4.2 3.8 4 111
Centro 14.4 9.9 12.5 145
Urbana 22.9 16 19.7 143
Rural 12 7.8 10.3 154
SUL 20.2 14.2 17.8 142
Urbana 19.7 13.9 17.2 142
Rural 20.8 14.6 18.6 142
FONTE INSIDA (INS 2010 p. 163)
TABELA A13 % DE MULHERES E HOMENS COM BOM CONHECIMENTO GERAL DO HIV/SIDA POR RESIDÊNCIA
URBANA RURAL
Mulheres 40.2 27.8
Homens 46 29
FONTE INSIDA (INS 2010), p. 54-55
QUALIDADE DA ÁGUA
TABELA A14 PERCENTAGEM DE AGREGADOS COM ACESSO A FONTE DE ÁGUA MELHORADA POR RESIDÊNCIA 2008
Urbana 69.9
Rural 29.9
Urbana/Rural 2.3
TABELA A15 PERCENTAGEM DE AGREGADOS COM ACESSO A FONTE DE ÁGUA MELHORADA POR PROVÍNCIA 2008
Niassa 44.1
Cabo Delgado 29.9
Nampula 43.1
Zambézia 23.6
Tete 34.2
Manica 32.1
Sofala 48
Inhambane 34.9
Gaza 60.7
Maputo Província 67.7
Maputo Cidade 94.3
FONTE Calculado a partir do MICS 2008
Rural 28.3 55 65
TABELA A21 PERCENTAGEM DE CRIANÇAS COM IRA LEVADAS A UMA UNIDADE DE SAÚDE POR REGIÃO
Gaza 43 61 55.7
TABELA A23 QUALIDADE DAS INSTALAÇÕES DE SAÚDE PRIMÁRIAS: RURAL E URBANA, MOÇAMBIQUE
MAPUTO
PRESTADOR NORTE CENTRO ZAMBÉZIA SUL
CIDADE
Postos de saúde comunitários 1.5 2.7 2.6 6.4 0.0
Hospital 34.2 11.1 25.1 40.4 84.6
Outros centros ou postos de saúde 62.2 23.4 25.1 56.7 77.5
Clínica privada com fins lucrativos 0.2 0.2 0.7 2.9 26.9
Enfermeiro ou médico a trabalhar em
casa 1.0 0.0 0.3 4.7 1.6
Serviços externos por pessoal das instala-
ções públicas 0.0 0.0 1.0 0.7 0.0
Organização religiosa ou ONG 1.2 22.5 30.1 12.1 26.3
Prestador medicina tradicional 77.9 92.3 77.8 48.0 18.4
Farmácia fora das instalações públicas 3.9 14.9 4.6 7.7 48.5
Mercado (que vende medicina) 4.0 1.4 13.5 1.4 14.3
FONTE Adaptado de Lindelow et al 2004, Tabela 53, p. 82
Chenery, H., Ahluwalia, M., Duloy, J., Bell, C. & Jolly, R. 1974, Redistribution with
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view?searchterm=iof.
Yasfir Ibraimo
INTRODUÇÃO
O Plano de Acção para Redução da Pobreza (PARP, 2011 – 2014) colocou como
desafio principal gerar um crescimento económico inclusivo e reduzir o índice de
incidência da pobreza alimentar dos actuais 54.7% para 42% em 2014. Matemati-
camente, significa que, ao longo do quinquénio 2010 – 2014, o governo pretende
reduzir a incidência de pobreza em 12.7%, isto é, em média cerca de 2.5% ao ano. Para
responder a este desafio, foram colocados três objectivos gerais, sobre os quais serão
direccionados os esforços da acção governativa, nomeadamente: aumento da produ-
ção e da produtividade agrária e pesqueira, promoção de emprego e desenvolvimento
humano e social (GdM 2011).
Este artigo tem como foco principal o segundo objectivo geral do PARP, relativo à
promoção de emprego. Dado o objectivo global do PARP – reduzir a pobreza - estabele-
ce-se, neste plano, uma ligação directa, automática e simplista entre promoção massiva de
emprego e redução da pobreza. Como a geração de emprego é uma forma de distribuição
de rendimentos na economia, e o nível de pobreza em Moçambique é classificada como
alimentar, assume-se, neste plano, que a mera geração de emprego reduz a pobreza.
O PARP considera que a criação de empresas e indústrias de mão-de-obra
intensiva podem contribuir para a criação de emprego. Para tal, a liberalização das
condições de emprego é destacada como um incentivo à criação de emprego. Parale-
lamente a este incentivo, o PARP destaca outras formas de criação de emprego como,
Reflexões Sobre Emprego e (Redução da) Pobreza no PARP Desafios para Moçambique 2012 373
por exemplo, o auto-emprego e criação de esquemas de obras públicas intensivas em
mão-de-obra que forneçam postos temporários de emprego de baixo custo em obras
públicas como a construção e manutenção de infra-estruturas locais.
O principal objectivo do artigo é levantar questões que o PARP não trata, mas
que deveria abordar quando discute a questão da promoção de emprego e redução de
pobreza. O artigo pretende, também, fazer uma reflexão sobre algumas questões que
precisam de ser contextualizadas e discutidas quando se aborda a ligação entre a pro-
moção de emprego e a redução da pobreza. Não se pretende, de forma alguma, com este
artigo, elaborar uma receita de política para a geração de emprego e redução de pobreza.
Pretende-se, acima de tudo, perceber, problematizar e ilustrar algumas inconsistências
no PARP, e, em forma de desafios, propor algumas alternativas de abordagem.
O artigo argumenta que (i) a ligação entre emprego e redução de pobreza existe,
mas não é automático que seja uma ligação de redução ou de aumento de pobreza, (ii)
a liberalização das condições de emprego não permite aumentar a produtividade das
empresas e consequentemente não cria nem expande o emprego e (iii) com a libe-
ralização das condições de emprego, a tendência vai ser a de impedir que o emprego
reduza a pobreza porque a competitividade do emprego tenderá a ser garantida por
via da redução dos rendimentos reais dos trabalhadores.
O presente artigo é composto por quatro secções, para além da introdução. A
primeira secção apresenta o argumento do PARP sobre a criação de emprego e redu-
ção de pobreza. A segunda secção apresenta algumas críticas ao argumento do PARP
sobre a relação simplista e automática que estabelece entre emprego e redução de
pobreza. A terceira secção discute a questão da liberalização das condições de empre-
go e seus impactos na criação massiva de emprego. A quarta secção apresenta alguns
desafios para uma abordagem alternativa.
374 Desafios para Moçambique 2012 Reflexões Sobre Emprego e (Redução da) Pobreza no PARP
Neste contexto, a promoção massiva de emprego, independentemente das suas con-
dições, é equacionado como um dos mecanismos para atingir este propósito (GdM
2011). Dado o objectivo último do PARP - reduzir a pobreza - estabelece-se, neste
plano, uma ligação directa, automática e simplista entre promoção massiva de em-
prego e redução da pobreza. Como a geração de emprego constitui uma das formas
de distribuição de rendimentos na economia e o nível de pobreza em Moçambique é
classificada como alimentar, assume-se, neste plano, que a mera geração de emprego
contribuirá para a redução de pobreza.
Porquê gerar emprego? Para o PARP, há necessidade de promover a criação
massiva de emprego para reduzir a pobreza. Esta ligação automática e simplista não é
explicada neste documento, isto é, apenas é tido como um dado adquirido. Portanto,
de acordo com este plano, para promover o emprego é necessário criar um ambiente
favorável à constituição e desenvolvimento das Micro, Pequenas e Médias Empresas
(MPMEs) e à atracção de investimento doméstico e estrangeiro em indústrias de
mão-de-obra intensiva. Para tal, como um dos principais estímulos às actividades in-
tensivas em trabalho, é fundamental flexibilizar a Lei Laboral nas questões relativas à
contratação de mão-de-obra nacional e estrangeira qualificada, horas extraordinárias,
salário mínimo, faltas justificadas e despedimentos. Paralelamente a este incentivo, o
PARP destaca o auto-emprego e a criação de esquemas de obras públicas intensivas
em mão-de-obra que forneçam postos temporários de emprego de baixo custo em
obras públicas como a construção e manutenção de infra-estruturas locais, como uma
das formas de criação de emprego (GdM 2011, pp.23 - 25).
A abordagem do PARP sobre emprego olha para as MPMEs e as indústrias
de mão-de-obra intensiva como fonte de geração de emprego, independentemente
do tipo de emprego e das condições de trabalho, da produção e da sua organização.
Aqui, o emprego é visto como função de empresa, onde a criação de uma empresa está
associada à criação de emprego.
O argumento do PARP sobre o emprego, isto é, os objectivos de criação de em-
prego e seus mecanismos (porquê gerar emprego e o que fazer para gerar emprego)
levantam algumas interrogações, nomeadamente: (i) será que a relação entre emprego
e pobreza existe? (ii) Será que a relação entre emprego e redução de pobreza é linear?
(iii) Será que os mecanismos de geração de emprego destacados no PARP criam, de
facto, emprego? (iv) Será que estes mecanismos de criação de emprego são consisten-
tes com a criação de um emprego produtivo e competitivo? (iv) Será que aquilo que o
PARP diz que vai fazer para criar emprego é consistente com o objectivo de reduzir a
Reflexões Sobre Emprego e (Redução da) Pobreza no PARP Desafios para Moçambique 2012 375
pobreza? Estas, entre outras, questões que se levantam deixam muito a desejar sobre
a possibilidade de o emprego reduzir o nível de pobreza. Portanto, estes mecanismos
podem, até certo ponto, gerar emprego assalariado mas acompanhado por trabalha-
dores pobres1.
As questões aqui levantadas serão discutidas nas próximas secções, contribuindo,
assim, para a reflexão de questões sobre emprego e redução de pobreza.
1
Trabalhadores pobres são aqueles que obtêm os seus rendimentos a partir do seu trabalho bem
abaixo da linha da pobreza por causa do seu envolvimento em qualquer actividade de baixa
produtividade e auto-emprego (por exemplo, no sector informal) ou em trabalho assalariado de
baixa remuneração formal ou informal [Atkinson, 1998, p. 80; citado por Wuyts (2010)].
376 Desafios para Moçambique 2012 Reflexões Sobre Emprego e (Redução da) Pobreza no PARP
não permite expandir as actividades geradoras de rendimento de natureza informal.
Portanto, a existência de um emprego, com um salário minimamente seguro, torna-
-se importante, pois permite que as famílias possam acumular para posteriormente
investir na diversificação das suas fontes de rendimento (Castel-Branco 1995; Oya,
Cramer & Sender 2007, p. 36).
A forma simplista de tratar e assumir a ligação directa entre emprego e redu-
ção de pobreza constitui uma outra objecção do artigo ao argumento do PARP. Esta
assunção, para além de não permitir tratar das questões de forma rigorosa e sistemá-
tica, tem implicações nas opções políticas. Por exemplo, no caso específico do PARP,
uma das opções políticas para estimular o emprego é a liberalização das condições de
emprego. Mas é questionável se a liberalização das condições de trabalho gera real-
mente emprego. Portanto, não se pode olhar para o emprego em si como uma mera
meta numérica a atingir. Isto significa que a geração de emprego numa economia não
pode ser vista como um indicador de redução de pobreza e/ou melhoria do padrão de
vida da população ou das pessoas que trabalham. O emprego em si pouco diz sobre a
melhoria do padrão de vida das pessoas, e evidências empíricas têm demonstrado que
existem pessoas que, mesmo estando empregadas, vivem abaixo da linha da pobreza;
os chamados trabalhadores pobres [Atkinson, 1998, p. 80; citado por Wuyts (2010)].
Não existe, a priori, uma forma para decidir se a criação de emprego reduz ou au-
menta a pobreza. A ligação entre emprego e redução de pobreza não depende apenas
do emprego, depende, também, da articulação de uma série de factores, nomeadamen-
te: (i) estrutura produtiva da economia, (ii) condições de trabalho e (iii) produtividade
das empresas, em particular, e da economia como um todo, no geral.
A estrutura produtiva da economia, que em parte reflecte o padrão de cresci-
mento económico e o tipo de economia que está sendo construída, permite que haja,
ou não, um equilíbrio entre o consumo agregado da economia e o crescimento econó-
mico, isto é, para cada taxa de crescimento há uma taxa de consumo que faz com que
a expansão da economia não seja feita com o aumento dos preços dos bens básicos de
consumo. Como mostrou Kalecki, o crescimento económico pode fazer-se à custa dos
pobres, caso seja acompanhado pela inflação nos preços dos bens básicos de consumo
(Wuyts 2011, p.5). Os preços dos bens básicos de consumo, em particular, dependerão
da taxa de acumulação da economia, em relação aos rendimentos ganhos nos investi-
mentos na produção de bens ou nas exportações, para financiar a produção interna ou
a importação dos bens básicos de consumo (Wuyts 2011, p.6).
Reflexões Sobre Emprego e (Redução da) Pobreza no PARP Desafios para Moçambique 2012 377
Este equilíbrio, que é gerado pelo padrão de produção, permite aumentar os
salários reais2 e expandir o emprego por causa da competitividade do salário nominal.
Isto pode ser garantido por via do fornecimento de bens e serviços básicos de consu-
mo a baixo custo e do aumento da produtividade, contribuindo, assim, para a melhoria
do padrão de vida dos trabalhadores (Wuyts 2010; Wuyts 2011).
As condições de trabalho também desempenham um papel muito importante
na ligação entre emprego e redução de pobreza. Estas dão ou tiram, mais ou menos,
ao trabalhador porções do seu rendimento (gerado pelo seu trabalho), o que influencia
o salário real dos trabalhadores. Melhorias nas condições de trabalho, por exemplo,
investimento na formação e qualificação da mão-de-obra, podem contribuir para o
aumento da produtividade e expansão do emprego.
A produtividade das empresas e da economia como um todo (Wuyts 2011, p.13)
também é um factor importante na relação entre emprego e redução de pobreza. A
produtividade das empresas permite expandir o emprego e aumentar o salário real dos
trabalhadores. É preciso tomar em consideração que melhorias na produtividade das
empresas nem sempre se reflecte directamente no aumento do salário real. Depende,
em parte, das condições de trabalho e da proporção dos ganhos de produtividade que
os trabalhadores absorvem no processo produtivo. Se estes ganhos de produtividade
e a proporção do rendimento vão afectar o salário real, depende do que acontece com
os bens e serviços básicos de consumo. Portanto, isto tem relação com a estrutura pro-
dutiva da economia e com a distribuição de rendimentos, isto é, o que se produz, para
quem se produz e como se distribui. Não é apenas o aumento da produtividade das
empresas que interessa, mas também da economia como um todo (Wuyts 2011, p.13).
A redução de pobreza não está, apenas, associada à criação de emprego, aos
ganhos de produtividade e ao acesso aos bens básicos de consumo (especialmente
comida), mas também a níveis elevados de educação e ao acesso aos serviços de saúde
e saneamento de qualidade. O acesso a níveis mais altos de educação e saúde está asso-
ciado à expansão e à qualidade dos serviços públicos, que podem ser financiados pela
redistribuição de rendimentos na economia. Portanto, é necessário conjugar os ganhos
de produtividade, o emprego e o acesso a bens básicos de consumo com a expansão do
acesso aos serviços de saúde e de educação de qualidade a preços acessíveis.
2
O salário real é obtido deflacionando o salário nominal pelo índice de preço ao consumidor (ou,
mais precisamente, pelo índice de preço de bens de consumo). O principal canal de comunicação
entre emprego e redução de pobreza é o salário real dos trabalhadores. O salário real é uma medida
de qualidade de vida das pessoas que trabalham. Por outras palavras, uma variação positiva (um
aumento) no salário real tem um efeito directo no bem-estar dos trabalhadores (Wuyts 2010, p.7).
378 Desafios para Moçambique 2012 Reflexões Sobre Emprego e (Redução da) Pobreza no PARP
É possível aumentar a produtividade e ter acesso a bens básicos de consumo,
comida, por exemplo, mas, sem uma estrutura básica de qualidade e a preços acessíveis
dos serviços sociais, como educação e saúde, financiada pelo sistema produtivo através,
por exemplo do orçamento do estado, os níveis de pobreza e de vulnerabilidade das
famílias pode aumentar.
Reflexões Sobre Emprego e (Redução da) Pobreza no PARP Desafios para Moçambique 2012 379
lidade para os empregadores decidirem sobre quais condições de trabalho oferecerem
aos trabalhadores e a possibilidade de ajustar as condições de produção à custa do
bem-estar do trabalhador.
No debate sobre a flexibilização das condições de emprego, a questão que se levan-
ta é se, de facto, esta pode ser vista como uma estratégia sustentável de geração massiva
de emprego, num contexto em que o objectivo principal é reduzir a pobreza. De facto,
a liberalização das condições de emprego não gera emprego produtivo e sustentável e
também não cria empresas produtivas e intensivas em trabalho. Porque a criação de
emprego numa economia não é uma questão isolada do contexto produtivo, isto é, tem
ligação com a diversificação, articulação e expansão da base produtiva. Por outras pa-
lavras, haverá mais emprego se a economia puder expandir-se de forma sustentável e
inovadora. Para tal, é necessário inovar e aumentar a produtividade do trabalho.
Aumentar a produtividade, segundo Amsden (1997), citado por Wuyts (2001,
p.419), depende, por um lado, da formação e qualificação da mão-de-obra, da pesqui-
sa e inovação por parte das empresas, da organização da produção e, por outro lado,
depende da melhoria na produção, da operação de gestão, das relações de trabalho e
da produtividade das cadeias de produção de que as empresas fazem parte.
Uma objecção à liberalização das condições de emprego é que esta, a priori,
pressupõe a disseminação de trabalhos de baixa produtividade e, como consequên-
cia, não cria nem expande o emprego. Porque, num contexto em que o mercado de
trabalho e as leis laborais são flexíveis, o empregador tem facilidades na contratação,
despedimentos e na definição das condições laborais. Estas condições não incentivam
as empresas a apostar na formação e qualificação da sua mão-de-obra e a investir na
pesquisa e inovação dos seus processos produtivos. Assim, desenvolvem-se, dentro da
economia, empresas que vão extrair rendas dos trabalhadores e não vão desenvolver
a sua base produtiva. Reproduz-se, também, um emprego de subsistência, com baixa
produtividade e com incapacidade de expandir o emprego.
Um problema associado aos trabalhos de baixa produtividade é que, para me-
lhorar as condições de vida das pessoas que trabalham, é necessário aumentar o sa-
lário nominal, afectando ou aumentando o rácio salário-produto3, onde as empre-
3
O salário produto é obtido deflacionando o salário nominal pelo preço do produto (que, no
nível agregado, consiste no deflactor do PIB). O salário produto é uma variável fundamental
na determinação da estrutura de custos de produção e, portanto, da sua rentabilidade e, mais
genericamente, a sua viabilidade económica, particularmente no caso de produção intensiva de
trabalho (Wuyts 2010, p.7).
380 Desafios para Moçambique 2012 Reflexões Sobre Emprego e (Redução da) Pobreza no PARP
sas se tornaram menos competitivas e, consequentemente, não irão empregar mais
trabalhadores.
Fica evidente que liberalizar as condições de emprego não é a opção política
sustentável para a criação de um emprego produtivo e redutor de pobreza. Uma alter-
nativa é reduzir a flexibilidade do mercado de trabalho, através de uma certa regula-
mentação, por exemplo, altos custos de indemnização por despedimentos, contratos
de trabalho de longo prazo e melhoria das relações laborais. Esta regulamentação
pode obrigar as empresas a investir na qualificação da mão-de-obra e a inovar, e con-
sequentemente a aumentar a produtividade.
Por um lado, se de facto se pretende inovar e aumentar a produtividade, não se
pode reproduzir condições de trabalho precárias e de subsistência, assentes em traba-
lhos temporários de baixo custo e sem investimento por parte das firmas na formação
da mão-de-obra. Por outro lado, uma certa regulamentação do mercado de trabalho
associada ao poder dos sindicatos pode gerar pressões, por exemplo, para a subida dos
salários nominais, obrigando as empresas a inovar e a aumentar a produtividade, sem
necessariamente despedir os trabalhadores.
Portanto, pensar na liberalização das condições de emprego como um estímulo à
criação de emprego não responde a este objectivo. Porque é um modelo que reproduz
uma força de trabalho não qualificada e pouco produtiva, não garante ganhos de pro-
dutividade e de melhoria do padrão de vida dos trabalhadores e não reduz a pobreza.
Reflexões Sobre Emprego e (Redução da) Pobreza no PARP Desafios para Moçambique 2012 381
tividade das empresas. Estes factores devem ser incorporados na discussão e nas
opções políticas.
Segundo, a criação de emprego não pode ser vista como uma meta meramente
quantitativa e isolada do resto da economia, porque não é o emprego, em si, que reduz
a pobreza. O crescimento do emprego deve ser acompanhado não apenas pelo au-
mento da produtividade, mas também pelo crescimento dos ganhos do trabalho, caso
contrário o crescimento do emprego pode levar ao crescimento do número de traba-
lhadores pobres (Wuyts 2011, p.11). É necessário, também, transformar a estrutura
produtiva da economia para que os ganhos de produtividade sejam absorvidos pelos
trabalhadores e que haja acesso a bens e serviços básicos de consumo.
Terceiro, a liberalização das condições de emprego não pode ser vista como uma
estratégia sustentável de geração de emprego. O PARP destaca a liberalização das
condições de trabalho como um estímulo à competitividade das empresas e criação
de emprego. Isto reduz o poder negocial dos trabalhadores e não é um caminho para
reduzir a pobreza nem para tornar uma economia competitiva. É um caminho para
tornar uma economia que depende de uma força de trabalho não qualificada. É neces-
sário aumentar a produtividade do trabalho, apostando na formação e qualificação da
mão-de-obra e na organização da produção. A base produtiva e, consequentemente, o
emprego não irá expandir se não houver inovação e qualificação. Com a liberalização
das condições de emprego, a tendência vai ser a de impedir que o emprego reduza
a pobreza porque a competitividade do emprego tenderá a ser garantida por via da
redução dos rendimentos reais dos trabalhadores.
REFERÊNCIAS
382 Desafios para Moçambique 2012 Reflexões Sobre Emprego e (Redução da) Pobreza no PARP
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Reflexões Sobre Emprego e (Redução da) Pobreza no PARP Desafios para Moçambique 2012 383
PARTE IV
MOÇAMBIQUE NO
MUNDO
CRISE GLOBAL, CRESCIMENTO E
DESAFIOS PARA MOÇAMBIQUE E SUA
ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO1
Carlos Oya
INTRODUÇÃO
Um relatório recente do Banco Mundial (World Bank 2012) assinala, entre outras
coisas, que a não ser que a economia global deteriore seriamente, as perspectivas para
a África Subsaariana (doravante neste texto designada África) são positivas, com um
ligeiro aumento do crescimento até 5.3% em 2012 e 5.6% em 2013 acima das taxas
médias do período anterior à crise. Além disso, o crescimento parece estar a alastrar-
se por um número cada vez maior�������������������������������������������������
de países, graças ao elevado preço das matérias-
-primas, às exportações e ao aumento do consumo. É cada vez mais frequente os
grandes meios de comunicação destacarem o comportamento económico positivo de
África e as suas mais que prometedoras perspectivas (veja-se por exemplo The Econo-
mist 2011).
Assim, a bem conhecida crise financeira e económica mundial parece até agora
ter passado por grande parte de África sem causar grandes sobressaltos, ao ponto de
se questionar se esta aparente solidez face à recessão augura novos e melhores tem-
pos para as economias africanas. Tanto o FMI como o OCDE (OECD et al. 2010)
prognosticavam uma recuperação mais rápida do que a prevista e realçavam a nova
capacidade de reacção (resiliência) das economias Subsaarianas em comparação com
crises anteriores, especialmente com a dos finais da década 70 que levou ao início do
ajustamento estrutural dos anos 80.
1
Este capítulo é uma versão adaptada e actualizada de Oya (2011).
Crise Global, Crescimento e Desafios para Moçambique e Sua Estratégia de Desenvolvimento Desafios para Moçambique 2012 387
Poder-se-ia pensar que este impacto da crise mundial nas economias de África,
aparentemente menos significativo do que o previsto, se deveu à sua relativa margina-
lização do sistema económico capitalista (SEC) mundial.2 Muito pelo contrário, pois
na verdade as economias da região estão muito integradas na economia capitalista
mundial; o seu grau de abertura em termos de comércio internacional é muito elevado
e a sua exposição às flutuações dos mercados internacionais é evidente, como demons-
trou o impacto da crise alimentar de 2007-08. Além disso, a integração relativamente
desfavorável e vulnerável das economias africanas na cena internacional aumenta, em
parte, a sua debilidade estrutural face aos ciclos do capitalismo, embora, comparando
com outros espaços regionais, os mecanismos de transmissão da crise possam variar
devido às diferentes características estruturais. De facto, os dados oficiais de 2008
e 2009 demonstraram que África não era alheia às oscilações da economia global.
Como diz Lawrence (2010, p.245): ‘A combinação da recessão, que é algo que sucede com
bastante frequência, e a quebra financeira, que sucede mais raramente, teve efeitos dramáti-
cos, embora diferentes, em todas as economias.’
Por outro lado, para quem habita o sub-continente pode realmente parecer es-
tranho falar de ‘crise’, num contexto de níveis de pobreza já por si muito elevados,
fraco desenvolvimento industrial e pouca capacidade de competir nos mercados in-
ternacionais. Na literatura sobre crescimento económico tem-se sugerido que África
é um caso excepcional, com um desempenho económico inferior ao esperado ao nível
de rendimento per capita. Sobre as economias da região há actualmente uma combina-
ção de pessimismo tradicional (reflectido na literatura sobre a “dummy africana – ver
secção abaixo) e optimismo superficial derivado dos dados de crescimento económico
dos últimos dez anos. De facto, desde a difusão dos programas de ajustamento estrutu-
ral (PAEs), poucas economias africanas tinham atingido a cifra de 5% de crescimento
anual real, mas desde o ano 2000 que esta meta foi ultrapassada por um número con-
siderável de países com diferentes trajectórias económicas e estruturas produtivas. A
verdade é que a história económica africana pós-colonial (desde o início dos anos 60)
contém as contradições típicas do desenvolvimento capitalista à escala mundial, talvez
com alguns traços mais acentuados. Estas contradições são bem conhecidas da histó-
ria recente do capitalismo, mas durante o período de financeirização neoliberal, nos
anos 80, acentuaram-se, quando possível, ou modificaram-se parcialmente. No entan-
2
O facto de os sistemas financeiros e bancários africanos não estarem tão integrados nos circuitos
internacionais e, portanto, não sujeitos aos “activos tóxicos”, tem sido frequentemente citado
como motivo de esperança face à crise.
388 Desafios para Moçambique 2012 Crise Global, Crescimento e Desafios para Moçambique e Sua Estratégia de Desenvolvimento
to, apesar das fortes reacções anti-finanças que a crise provocou à escala mundial, o
certo é que as intervenções dos Estados não fizeram senão salvaguardar a força estru-
turante da financeirização, sem questionar radicalmente o modelo capitalista fundado
na autoridade dos mercados financeiros e a regulação neoliberal. Isto sucedeu à custa
de um significativo aumento das contradições, especialmente entre grupos sociais e
também entre modelos de capitalismo e em parte entre Estados.
Este capítulo tentará fornecer algumas notas em relação à forma como a crise
global se fez sentir em África, os seus traços mais significativos, e abordará critica-
mente a aparente “resilience” (resistência ou capacidade de reacção) das economias
africanas face à actual conjuntura. Isso exige também uma avaliação das dinâmicas
e processos que caracterizam a chamada África “emergente” e o período de boom
experimentado em muitos cantos do continente entre 2000 e 2007. Contudo, o novo
optimismo sobre África baseia-se em suposições e análises demasiado superficiais,
que não levam suficientemente em conta as características mais marcantes das di-
nâmicas africanas de crescimento. Assim, far-se-á uma avaliação crítica do período
precedente à crise, os factores do aparente êxito e a realidade dos padrões de cresci-
mento económico observado no período 2000-07. Finalmente, reflectir-se-á sobre as
implicações que a crise e a chamada “emergência” africana têm para Moçambique,
um país frequentemente incluído na lista de casos de êxito e exemplo frequente do
“Emerging Africa”.
Crise Global, Crescimento e Desafios para Moçambique e Sua Estratégia de Desenvolvimento Desafios para Moçambique 2012 389
que impera desde os anos 80 sobre as economias e políticas públicas em países
africanos são mais profundos do que podem parecer a um olhar superficial sobre as
suas recentes trajectórias económicas.
Perante a crise de 2008 e a muito antecipada recessão mundial de 2009, que em
algumas economias da OCDE (leia-se a zona Euro, por exemplo) se foi aprofun-
dando até aos nossos dias, havia expectativas diferentes sobre a forma como África
seria afectada. Embora muitos opinassem que os efeitos não seriam tão devastadores,
devido à pouca exposição dos sistemas financeiros da região aos activos ‘tóxicos’, ou-
tros diziam que a própria abertura económica da maioria das economias da região e
a sua dependência em relação aos mercados da OCDE seriam condições suficientes
para uma dolorosa transmissão da recessão no mundo industrializado e ao comporta-
mento das economias Subsaarianas (Lawrence 2010). Fosu (2010) faz uma distinção
empírica entre o choque pela via do comércio (“trade schock”) e o choque financeiro
(“financial shock”). Este último inclui não só a exposição do sistema financeiro à
crise global, como também, principalmente, os efeitos sobre os vários fluxos de finan-
ciamento relevantes para os processos de crescimento africano. Portanto, em geral,
antecipavam-se três canais “reais” de transmissão: (a) a queda da procura de produtos
básicos e, portanto, do valor das exportações (via volume e preços), um dos motores-
-chave do crescimento em 2000-07; (b) a redução das remessas de emigrantes; e (c)
a estagnação ou redução dos investimentos estrangeiros directos (IED). Os dados de
2008 e 2009 confirmam terem sido estes os mecanismos fundamentais de transmis-
são da crise global na fase inicial, principalmente, o efeito do comércio internacional,
cujo impacto no PIB é maior do que o do IED ou das remessas (Lawrence 2010;
IMF 2010). Por seu lado, o IED sofreu uma contracção significativa de 36% em 2009
(OECD et al. 2010), com grandes empresas multinacionais, como a Arcelor-Mittal,
a cancelar importantes contratos em países de África Ocidental, embora apenas um
ano antes as boas perspectivas dos mercados de produtos básicos (recorde-se o boom
dos índices de commodities em 2008) tivessem impulsionado notavelmente o cresci-
mento dos fluxos privados de capital. Por outro lado, o comportamento das remessas
não foi tão mau como se esperava, pelo menos em termos agregados. Segundo dados
do African Economic Outlook (AEO), as remessas dos emigrantes caíram apenas 2,8%,
menos do que se previa, sobretudo tendo em conta o impacto da recessão nos países
da OCDE sobre o emprego e o rendimento dos imigrantes (OECD et al. 2010). Nem
sequer se concretizaram as perspectivas mais pessimistas em relação aos fluxos de
ajuda externa, pois vários governos da OCDE cumpriram a promessa de não cortar a
390 Desafios para Moçambique 2012 Crise Global, Crescimento e Desafios para Moçambique e Sua Estratégia de Desenvolvimento
curto prazo os seus orçamentos de ajuda. Além disso, instituições multilaterais como
o FMI, o Banco Mundial e o Banco Africano de Desenvolvimento incrementaram o
seu contributo precisamente para apoiar a expansão ou manutenção do espaço fiscal
necessário para compensar, em parte, os efeitos negativos da recessão mundial sobre
as finanças públicas.
Portanto, de acordo com os dados disponíveis até 2011, estes mecanismos de
transmissão ocorreram em quase todos os países, de forma muito desigual, mas não
com a intensidade esperada, nem sequer com a duração prevista, pelo menos se nos
limitarmos à informação disponível sobre fluxos de capital, comércio, remessas e cres-
cimento económico.3 O relatório do FMI para África Subsaariana destaca também
que, após uma queda significativa da taxa de crescimento em 2009, se observou um
retorno relativamente rápido às taxas do período anterior à crise, cerca de 5% (taxa de
crescimento real do PIB) em 2010, prevendo-se 5,5% em 2011. Portanto, a aparente-
mente efémera queda do crescimento e dos investimentos sugere que a deterioração
observada em 2008, e especialmente em 2009, talvez tenha sido um acidente e que o
modelo experimentado no período de bonança pode ter continuidade. Para explicar
a aparente “resiliência” de África Subsaariana face à crise mundial, o Africa Economic
Outlook 2010 da OCDE e o relatório do FMI (IMF 2010) sugerem que a combina-
ção de prudência fiscal antecipada, o controlo da inflação e a acumulação de reservas
(sempre sob recomendação do FMI) permitiu a alguns países contar com um certo
espaço fiscal para amortecer os efeitos da recessão a curto prazo. Por outras palavras,
apontam como factor importante a gestão macroeconómica ortodoxa do período de
boom, tentando assim justificar os quadros de política macroeconómica defendidos
pelas instituições de Bretton Woods. Porém, desta vez o comportamento relativamen-
te menos ortodoxo do FMI, em comparação com a experiência dos anos 80, permitiu
o uso deste espaço fiscal para promover políticas anti-cíclicas, embora isto, de facto,
apenas tenha acontecido em alguns países da região e não como regra geral (Weeks
2009). Poder-se-ia pensar que esta atitude aparentemente mais flexível do FMI fosse
reflexo do dano que a crise financeira tinha causado à credibilidade da instituição. No
entanto, é verdade que, em situações normais, raramente é revisto o teor das políticas
macroeconómicas, especialmente em relação a países de baixo rendimento, todavia
3
Houve até alguns países cujas taxas de crescimento aumentaram no período crítico de 2007-
2009, como é o caso da República do Congo (“Congo-Brazaville”), Guiné-Bissau, Eritreia e
Malawi, alguns dos quais com comportamento económico negativo no período geral de boom
anterior à crise (Fosu 2010, p.12).
Crise Global, Crescimento e Desafios para Moçambique e Sua Estratégia de Desenvolvimento Desafios para Moçambique 2012 391
muito sujeitos aos programas do FMI (incluindo os Policy Support Instruments sem
empréstimos associados), devido ao impacto que isso tem noutros fluxos de ajuda
externa.
O nexo do comércio exterior é por sua vez interessante, pois a demonstração
empírica parece sugerir que a reorientação do destino das exportações africanas para
a Ásia criou condições para que a crise europeia não se fizesse sentir muito em várias
economias africanas. 4 Assim sendo, o facto de o impacto da crise global nas econo-
mias asiáticas emergentes ter sido aparentemente curto e pouco intenso afectou por
arraste positivamente as economias africanas que mais reorientaram o seu comércio
para aquela região, especialmente os exportadores de matérias-primas e combustíveis.
Mas pode-se pensar se a “resistência” das economias emergentes, sobretudo as do
Leste da Ásia, persistirá se, por exemplo, a recessão na Europa se agudizar. Tarde ou
cedo se fará sentir o impacto nas perspectivas de crescimento asiáticas de médio e
longo prazos.
Em todo o caso, apesar de efectivamente até agora a crise 2008-09 não parecer
ter o mesmo impacto desolador da crise dos anos 70, é preciso refrear o optimismo
e rever alguns factos não negligenciáveis. Primeiro, tendo em conta a dinâmica favo-
rável do período anterior, não se pode negar que o impacto a nível macroeconómico
foi bastante significativo, por muito fugaz que de momento pareça. A este respeito
Lawrence observa:
4
Embora isto não melhore o modelo “exportador-primário” dos países africanos, sendo as maté-
rias-primas, sobretudo o petróleo, os principais produtos de exportação para a Ásia.
5
Este dado foi alterado para 2,5% pelo relatório do FMI (IMF 2010, p.3).
392 Desafios para Moçambique 2012 Crise Global, Crescimento e Desafios para Moçambique e Sua Estratégia de Desenvolvimento
tensidade que os países da OCDE ou da América Latina, não se pode afirmar que te-
nha escapado dela. Está tão sujeita ao ciclo económico do SEC como qualquer outra
região. Weeks (2009) recorda-nos que a correlação existente entre o comportamento
económico de África e o das economias da OCDE continua sendo bastante relevante,
apesar da importância crescente dos parceiros comerciais asiáticos. Em média e adap-
tando ao período mais desastroso dos anos do ajustamento estrutural (1980-95), um
ponto percentual de crescimento médio na OCDE está para 0,42 pontos percentuais
de crescimento em África com um ano de atraso. A descrição das flutuações do cres-
cimento económico corrobora a integração das economias africanas nos ciclos globais,
especialmente dos países da OCDE, embora com uma notável diversidade de casos.
Segundo, passando da análise mais agregada para a análise da realidade concreta
de países específicos, constata-se que a “resiliência” africana é de facto menos signi-
ficativa, se comparada com a resistência e reacção observadas na Ásia e em alguns
países emergentes da América Latina, reflectindo-se no impacto da recessão mundial
na África do Sul, país que concentra uma importante proporção do PIB subsaariano.
Neste país o impacto sobre o sector industrial e mineiro e sobre o emprego e a quali-
dade de vida das classes mais pobres foi imediato e desolador, com mais de meio mi-
lhão de postos de trabalho perdidos, um processo de desindustrialização preocupante
e uma crescente tensão social (Padayachee 2010). De acordo com Marais (2009), o
colapso do sector de mineração em finais de 2008 e princípios de 2009 foi o maior de
que há memória na história do país (mais de um terço de queda de produção); houve
um aumento de quase 50% de empresas encerradas durante os primeiros quatro meses
de 2009; o sector manufactureiro também sofreu quedas de mais de 20% na sua pro-
dução entre finais de 2008 e meados de 2009; mais de 20% da capacidade industrial
instalada não foi utilizada. Sendo esta a principal economia africana de grande escala,
estas quedas não se podem considerar irrelevantes. Até hoje se notam as sequelas so-
ciais e económicas da recessão global na África do Sul. Além da sul-africana, outras
economias aparentemente sólidas como a do Botswana e do Kenya, bem como de
outros exportadores de minerais como a Zâmbia, que haviam crescido notavelmente
no período anterior à crise, sofreram em 2009 grandes recessões e perdas de postos de
trabalho na indústria (Cramer, Johnston & Oya 2009, p.651).
Há outros exemplos que levam a questionar a utilidade de se centrar exclusi-
vamente na observação das tendências macroeconómicas, em especial nas taxas de
crescimento económico, como variáveis fundamentais. No caso do Uganda, o declínio
do crescimento económico foi bastante limitado pois, em 2009, registou-se uma taxa
Crise Global, Crescimento e Desafios para Moçambique e Sua Estratégia de Desenvolvimento Desafios para Moçambique 2012 393
de crescimento real de cerca de 7%, abaixo dos 8,5% dos dois anos precedentes, mas
muito acima da média da África Subsaariana. No entanto, como demonstra o relató-
rio de Sender e von Uexkull (2009), o impacto nas vidas dos trabalhadores e famílias
mais vulneráveis foi bastante mais evidente. Os autores concluem que o impacto mais
determinante foi o declínio muito acentuado dos salários reais dos trabalhadores e o
incremento da severidade da pobreza. O principal canal de transmissão é o preço dos
alimentos combinado com salários nominais estagnados. Os empresários e investi-
dores aproveitaram a conjuntura da crise para justificar a sua resistência a aumentos
salariais, inclusive em sectores que não foram directamente afectados pela crise. Sen-
der e von Uexkull (2009) acrescentam que a situação foi agravada pela depreciação da
moeda como resultado da forte abertura da conta de capitais e as saídas de capital de
carteira em 2008 e 2009. Portanto, a vulnerabilidade da classe trabalhadora mais po-
bre no Uganda é tal que qualquer choque tem sérias consequências num contexto de
pobreza já de si importante. Assim, apesar dos dados macroeconómicos positivos do
Uganda, frequentemente citados pelos países doadores, há um desequilíbrio estrutural
entre a oferta e a procura de emprego, com uma crescente reserva de mão-de-obra não
qualificada, de baixa escolaridade e um estado de sub-investimento em sectores de
trabalho intensivos que limita demasiado a criação de postos de trabalho decentes. Se
a isto juntarmos a quase inexistência de um sistema de protecção social e instituições
de mercado de trabalho incipientes, qualquer restrição aos investimentos, à procura
de emprego ou choque sobre os preços dos bens essenciais tem um grande impacto
social. Pela primeira vez em muito tempo, o Presidente Museveni enfrenta violen-
tos levantamentos sociais na capital em protesto contra o agravamento dos níveis de
bem-estar e o aumento dos preços de alimentos e combustíveis. Tudo isto com uma
taxa de crescimento anual do produto de 7%.6
O que sucedeu no Uganda em relação aos preços de bens básicos e à crescente
tensão social não é excepcional. De facto, talvez tenha sido o fenómeno mais evidente
associado à crise e que teve sérias consequências políticas em muitos países da região,
incluindo o gigante sul-africano, onde, mesmo com um governo supostamente mais
de esquerda (liderado pelo populista Jacob Zuma), a tensão social aumentou nota-
velmente (Padayachee 2010). Em 2009 a UNCTAD prognosticava o incremento do
número de pobres, de entre 12 e 16 milhões adicionais, como resultado do impacto da
crise, fundamentalmente devido aos efeitos negativos sobre o emprego e o impacto da
6
Veja http://www.guardian.co.uk/world/2011/apr/29/uganda-riots-kampala-museveni
394 Desafios para Moçambique 2012 Crise Global, Crescimento e Desafios para Moçambique e Sua Estratégia de Desenvolvimento
inflação dos preços de alimentos (UNCTAD 2009).7 Sem dúvida, a crise alimentar
global, com as fortes flutuações dos preços de alimentos básicos desde 2007, caracte-
rizadas por fortes subidas em 2008 e mais recentemente também em finais de 2010,
teve um impacto notável no bem-estar dos mais pobres em particular, mesmo nos
países ‘emergentes’ mais célebres, como Moçambique, onde pela primeira vez, desde o
final da guerra, se desencadearam episódios alarmantes de violência social em resposta
ao aumento do custo da vida, especialmente nas zonas urbanas.8 De novo, tudo isto
num contexto de taxas de crescimento económico mais do que respeitáveis.
De modo geral e apesar da chamada “resiliência”, é preocupante a vulnerabili-
dade das economias do continente, os riscos associados à recuperação do padrão de
crescimento verificados na década de 2000. Até o FMI e a OCDE indicam riscos
não negligenciáveis apesar do cenário aparentemente favorável. Em primeiro lugar, a
excessiva dependência das tendências na economia global dado o grau de abertura dos
países africanos e a importância dos fluxos de capital externos (incluindo as remessas);
se o cenário internacional for pior do que o esperado, isso afectará muito os prognósti-
cos para África. Em segundo lugar, a instabilidade política presente em determinados
países e as possíveis consequências dos custos sociais da crise podem ameaçar as pers-
pectivas de recuperação mais duradoira. De facto, estes riscos reflectem a fragilidade
da actual recuperação que está estreitamente ligada às características dos processos de
crescimento típicos da região no período anterior à crise e na sua trajectória desde os
anos 60, que passamos agora a analisar nas duas secções seguintes.
ÁFRICA EMERGENTE?
Os dados de crescimento económico para o período 2000-07 dão uma imagem muito
positiva a um importante conjunto de economias da região, que levou muitos analis-
tas a usar cada vez mais frequentemente o termo “emergente” em relação a África.
No período anterior à crise, em termos agregados, o conjunto de África Subsaariana
cresceu, per capita, ao ritmo de 1,7% entre 1995 e 2007 e à média de 2,3% entre 2000
e 2007, superando assim o balanço desastroso agregado do período 1980-95 em que
o referido crescimento foi negativo na maioria dos países da região. No entanto, por
7
O Banco Mundial também refere repetidamente esta tendência desde a crise alimentar de
2007-08.
8
Ver também Oya (2009), para uma análise das consequências da crise alimentar em África, que
é pertinente após os levantamentos registados nos meses recentes.
Crise Global, Crescimento e Desafios para Moçambique e Sua Estratégia de Desenvolvimento Desafios para Moçambique 2012 395
trás destas recentes tendências agregadas esconde-se uma importante heterogeneida-
de pois, apesar de um grande número de economias terem registado crescimento po-
sitivo, o certo é que há um grupo com crescimento acelerado que contrasta com outro
grupo de países cujo desempenho melhorou apenas ligeiramente ou até piorou (neste
último caso são exemplos significativos o Zimbabwe e a Costa do Marfim). Por isso,
é necessário primeiro distinguir entre clusters de economias em crescimento e grupos
de economias em recessão ou estagnação.
Entre os mais dinâmicos podemos destacar, por um lado, um grupo de 15 pa-
íses (chamêmo-lo G-15 africano) que cresceu a uma taxa anual de mais de 3% per
capita no período 2000-07, algo que não se verificava desde os anos 60 e 70, antes do
período do ajustamento estrutural dos 80 e 90.9 Este conjunto de países cresceu em
média ao ritmo de 5,4%, com pelo menos oito deles crescendo a um ritmo superior
a 5%.10 Muitos países deste grupo, especialmente aqueles que atingiram ritmos de
crescimento espectaculares, são exportadores de petróleo (Guiné Equatorial, Angola,
Chade, Nigéria e Sudão). Usando um critério menos exigente, como taxas de cresci-
mento do PIB percapita acima de 2%, Radelet (2010) destaca, no período 1996-2008,
a existência de um grupo de 17 países africanos “emergentes” (chamêmo-lo G-17
Radelet), que se caracterizam por não serem exportadores de petróleo, além de incluir
seis micro-estados como Cabo Verde, Lesotho ou São Tomé e Príncipe e outros países
pouco populosos (Botswana, Namíbia).11
Estas cifras, embora não sem precedentes, são questionáveis, como demonstra
Jerven (2010a; 2010b). Convém portanto relativizar o êxito económico da região Sub-
saariana no seu conjunto, durante os períodos pré-crise. É certo que, comparado com
os maus resultados do período 1980-95 ou 1980-99, o registo de crescimento econó-
mico durante o período 2000-07 foi bastante positivo, não diferindo ainda assim do
da economia mundial no seu todo. Além disso, se compararmos os resultados destes
9
Trata-se de um critério exigente se tivermos em conta que a taxa de crescimento per capita à
escala mundial desde 1950 tem sido de cerca de 2% ( Jerven 2010a, p.26).
10
Entre estes destacam-se os de crescimento mais acelerado: Guiné Equatorial, um micro-estado
“abençoado” pela abundância do petróleo e taxas anuais de crescimento per capita de 16% (ou
cerca de 10% em mediana); Angola, país petrolífero e diamantífero saído de uma longa guerra
civil em 2002 e com taxas anuais de crescimento per capita superiores a 9% no mesmo período;
Serra Leoa, com taxas superiores a 6%, também depois de sair de um longo e sangrento conflito
civil.
11
Segundo Radelet (2010), este grupo congrega 300 milhões de habitantes, aproximadamente
37% da população total de África Subsaariana, a maioria dos quais (dois terços) concentrados
em apenas quatro dos 17 países mencionados (Etiópia, África do Sul, Tanzânia e Uganda).
396 Desafios para Moçambique 2012 Crise Global, Crescimento e Desafios para Moçambique e Sua Estratégia de Desenvolvimento
grupos emergentes com o comportamento das economias emergentes da Ásia e Amé-
rica Latina, os resultados deixam de ser tão atraentes. Por exemplo, o Leste asiático
cresceua uma taxa anual de 8.2% per capita entre 2000 e 2007, principalmente com o
impulso da China e do Sudeste Asiático. Durante o mesmo período a Índia cresceu a
uma média de 5.7% (6.8% taxa mediana de crescimento per capita), enquanto a Amé-
rica Latina cresceu a um ritmo muito semelhante ao de África em termos de média,
mas superior se utilizarmos a mediana (ver Gráfico 1).
9.0
8.0
7.0
6.0
5.0
4.0
3.0
2.0
1.0
0.0
África África África do Norte Ásia Oriental América Latina Ásia Meridional
Subsahariana Subsahariana (em Desenv.) & Caribe
excl. África Austral
Média Mediana
FONTE Elaboração própria a partir de dados do World Development Indicators 2010
12
Os dois grupos juntos constituem no total 23 países, praticamente metade dos da região subsa-
ariana.
Crise Global, Crescimento e Desafios para Moçambique e Sua Estratégia de Desenvolvimento Desafios para Moçambique 2012 397
de, Maurícias ou Etiópia). Em princípio, o G-17 de Radelet não inclui exportadores
de petróleo, mas sim países tradicionalmente dependentes de exportações de minerais
(por exemplo, Zâmbia, Bostwana, Namíbia) ou cujos sectores de extracção mineira
foram motores do recente crescimento económico, como é o caso de Moçambique,
Tanzânia, Mali, África do Sul ou Ghana (que de facto já é um exportador de petró-
leo) e largamente beneficiados pelo commodity boom pós-2000.13 Os dois grupos reú-
nem países que viveram prolongados períodos de paz e estabilidade política (Zâmbia,
Ghana, Tanzânia, Maurícias, Botswana, etc.) e países saídos de violentos e devastado-
res conflitos e apoiados por fortes contribuições da ajuda internacional (Moçambique,
Ruanda, Serra Leoa).
É também digno de nota o facto de a maior economia de África, aquela que sem
dúvida dispõe de um tecido produtivo melhor articulado e de uma infra-estrutura
fora do comum para a região - a África do Sul – ter registado taxas de crescimento
realmente pouco destacáveis, em média de 0,9% per capita entre 1994 (ano das eleições
livres) e 2003 e de 3,9% entre 2004 e 2007 (Marais 2009), num período em que a po-
breza e o desemprego chegaram mesmo a aumentar.14 Neste período também houve
poucas mudanças estruturais na África do Sul, pois o complexo extractivo energético-
-mineiro continuou dominando a estrutura da economia, enquanto as finanças foram
adoptando um papel sempre mais determinante na estratégia do capital sul-africano,
cada vez mais virado para o exterior do país (Fine 2008).15
Além da mencionada heterogeneidade, um olhar mais atento ao padrão de cres-
cimento deixa dúvidas sobre a sustentabilidade e eficácia dos processos de crescimen-
to observados no decénio de 2000 e a recuperação pós-crise.16 Em primeiro lugar, a
experiência das acelerações de crescimento pós-2000 ou pós-1995 não é uma novida-
de. Pelo contrário, pode-se enquadrar no conceito de “crescimento recorrente” (recur-
13
Assim, mais de metade dos 23 países dos dois grupos combinados são muito dependentes das
exportações de petróleo ou de algum produto mineral básico (cobre, diamantes, ouro, etc.).
14
Além disso, a melhoria no período 2004-07 é também atribuída a uma considerável queda do
crescimento demográfico de 2,5% em 2000 para menos de 1,2% no período 2004-07, em parte
devido aos efeitos da pandemia do HIV-SIDA.
15
Em relação a estas mudanças, Fine (2008) destaca a crescente incidência da fuga de capitais
desde 1994. Ver também Padayachee (2010).
16
Uma avaliação crítica deveria começar por assinalar os problemas de fiabilidade e comparabili-
dade dos dados do PIB e dos principais agregados macroeconómicos, que dificultam seriamente
generalizações e análises sobre ‘crescimento’ ou ‘crise’ em África. Para uma avaliação mais apro-
fundada destas questões ver Jerven (2010b). Ele demonstra, por exemplo, que uma taxa estima-
da de crescimento anual de 3% pode ser consistente com uma realidade de crescimento entre 0
e 6%.
398 Desafios para Moçambique 2012 Crise Global, Crescimento e Desafios para Moçambique e Sua Estratégia de Desenvolvimento
rent growth) sustentado por Jerven, que oferece exemplos de arranque generalizados
semelhantes em diferentes épocas da história económica de África Subsaariana, desde
a era pré-colonial até aos nossos dias ( Jerven 2010a)17. Num exercício exemplar de
análise da longue durée, Jerven refere, entre outras coisas, que os episódios recorrentes
de crescimento em África têm sido frequentemente seguidos por períodos de declí-
nio ou estagnação mas que, sobretudo, tiveram sempre um carácter essencialmente
“extravertido” e historicamente dependente de fontes externas, na medida em que os
preços dos produtos primários exerceram neles um papel dinamizador, o que também
é demonstrado pela experiência do G-15 pós-2000 (o caso da Zâmbia e os preços
do cobre é muito elucidativo a este respeito). De facto, mesmo juntando o G-15 e o
G-17 de Radelet, em 2008 os termos de intercâmbio eram em média 17% superio-
res comparados com 2000, principalmente para os exportadores de petróleo e outros
minerais. Hailu (2008) destaca ainda a forte dependência de muitos dos “emergentes”
africanos (também conhecidos como ‘cheetahs’ -chitas) dos anos do commodity boom
precedentes à crise. Portanto, a experiência pós-95 ou pós-2000 não é nova nem única,
nem é menos frágil do que anteriores experiências de crescimento acelerado (incluída
a do período 1950-75).
Em segundo lugar, um crescimento sustentado a este ritmo deveria, em princí-
pio, transformar de forma significativa as economias e contribuir de modo determi-
nante para a redução dos níveis de pobreza absoluta. Mas não parece que os resultados
neste sentido tenham sido muito positivos. O padrão de crescimento centrou-se tanto
na exploração de recursos naturais não renováveis que poucas mudanças houve na
estrutura produtiva durante o período de crescimento acelerado (tanto desde 1995,
como desde 2000). A mudança estrutural mais notável é o crescimento da estru-
tura do sector de serviços, cujos motores variaram entre o boom das telecomunica-
ções, especialmente da telefonia móvel, o desenvolvimento dos sectores financeiros
como resultado da financeirização global e liberalização financeira do ajustamento
estrutural e, naturalmente, a crescente informalização, que também se reflecte num
aumento substancial de população que encontra emprego precário nas múltiplas ac-
tividades de comércio, transporte e serviços pessoais informais que acompanham o
desenvolvimento urbano acelerado num contexto de fraca industrialização ou mesmo
de desindustrialização. Portanto, o modelo de acumulação de “África emergente” dos
anos 2000 é muito diferente do observado noutras economias emergentes em desen-
17
Ver também Oya (2007).
Crise Global, Crescimento e Desafios para Moçambique e Sua Estratégia de Desenvolvimento Desafios para Moçambique 2012 399
volvimento, onde se constata um processo acelerado de industrialização, uma rápida
diversificação da produção e uma tendência para a especialização em sectores de mais
elevado nível tecnológico e maior produtividade, como demonstram em especial as
economias emergentes do Leste asiático. Os dados agregados para a região Subsaa-
riana, bem como os observados por países, mostram que os países “emergentes” nesta
região não desenvolveram capacidades para produzir e exportar produtos manufac-
turados de grande valor acrescentado (Tabela 1). Se juntarmos as 23 economias dos
dois grupos ‘emergentes’, o sector manufactureiro, que representava 10.3% do PIB em
1995,passou a representar só 9.6% em 2008. O peso médio do sector manufactureiro
nestes países, no período 1995-2008, foi menor (9.4%) do que a já baixa média de
África Subsaariana (14.2%).
INDÚSTRIA
EXPORTAÇÕES DE MANUFAC- EXPORTAÇÕES DE MANUFACTU-
MANUFACTU-
TURADOS RADOS DE ALTA TECNOLOGIA
REIRA
(% PIB) (% X) (% DE X DE MANUFACTURAS)
REGIÕES - PAÍSES 2009 1995-99 2000-09 1995-99 2000-2009
Ásia Oriental e Pacífico a
32 77 80 26 31
Renda baixa e média 21 61 60 15 19
Renda Baixa 13 44 49 3 3
África Subsaariana 13 29 32 6 5
Etiópia 4 9 9 0 3
Ghana 7 15 21 4 2
África do Sul 15 53 55 7 6
Tanzânia 7 b
16 19 3 1
NOTAS
[a] Apenas inclui economias em desenvolvimento (excluindo, portanto, países da OCDE como o Japão ou a Coreia do Sul);
[b] Dado de 2006.
400 Desafios para Moçambique 2012 Crise Global, Crescimento e Desafios para Moçambique e Sua Estratégia de Desenvolvimento
em parte alguns ganhos em produtividade dentro dos sectores.18 Em suma, trata-
-se geralmente de processos de crescimento liderados por booms dos mercados de
produtos primários, especialmente de minerais, bem como de alguns subsectores de
serviços, beneficiados pelos processos de privatização (o caso do dinamismo das tele-
comunicações é comum a muitos países da região). Assim, o período de boom dos anos
2000, precedente à crise, apenas consolidou o padrão de especialização primária e/ou
a lógica de receitas e economias extractivas prevalecente em grande parte de África19,
agudizando deste modo a dependência estrutural daquilo que ocorre nos mercados de
produtos básicos (commodities), os termos de intercâmbio associados e a competição
por recursos naturais entre as potências industriais às quais se vão juntando as econo-
mias emergentes.
Este padrão de acumulação tem importantes implicações no que se refere a in-
dicadores sociais, emprego e pobreza. Na África do Sul, de 2000 a 2007, apenas foram
criados 1,7 milhões de postos de trabalho, a maioria deles temporais, num país que
se confronta com uma taxa de desemprego de cerca de 20% ou de quase 40% se in-
cluirmos aqueles que se resignaram e não buscam activamente emprego (Marais 2009,
p.6). Outras economias “emergentes” do sub-continente apresentam contradições se-
melhantes. Com estas constatações não se pretende negar alguns dos progressos as-
sinalados por Radelet sobre a “África emergente”, mas não podemos esquecer que no
passado (anos 60 e 70) já houve um progresso significativo, sem o devido reconheci-
mento, num número ainda maior de países ( Jerven 2010a)20, ao passo que os actuais
processos de crescimento económico têm carácter desequilibrado e contraditório, por
serem excessivamente extractivos e extravertidos.
18
Como resultado disto, McMillan e Rodrik (2011, p.18) estimam que 61% do diferencial de
produtividade do trabalho de África e Leste asiático (a favor deste último) se explica pelo efeito
perverso da mudança estrutural.
19
Ver Castel-Branco (2011) para uma ilustração do caso de Moçambique.
20
Jerven (2010a, p.30) afirma que “o recente período de crescimento económico não trouxe tantas
melhorias para o desenvolvimento humano como as que se deram no período de crescimento
sustentavél de 1950-75”.
Crise Global, Crescimento e Desafios para Moçambique e Sua Estratégia de Desenvolvimento Desafios para Moçambique 2012 401
casos de maior êxito nos tempos recentes e, por isso, considerado parte da chamada
“África emergente”. Seria desnecessário e inútil negar os progressos alcançados desde
a assinatura dos acordos de paz em 1992, tanto económica como socialmente. Não
se trata apenas das altas taxas de crescimento, mas também do progresso a nível de
escolarização e dos indicadores de saúde, bem como da melhoria das infra-estruturas
básicas. O “dividendo da paz”, em conjunto com o contexto económico internacional
e regional pré-crise, e sobretudo com as generosas contribuições da ajuda internacio-
nal a Moçambique desde meados dos anos 90, foram sem dúvida factores centrais na
“emergência” de Moçambique. No entanto, do mesmo modo que antes se questionou
a “bonança” dos anos 2000, cabe agora fazer uma leitura menos eufórica da experiên-
cia de Moçambique e as possíveis implicações da mudança no contexto económico
internacional. Assim, o padrão de acumulação actualmente dominante na economia
de Moçambique reproduz o tipo de debilidades e vulnerabilidades que muitas outras
economias africanas apresentam histórica e recentemente, o que incide na generaliza-
ção do chamado “crescimento recorrente” ( Jerven 2010a). Abaixo questionaremos se
os actuais quadros estratégicos de desenvolvimento, e em particular o quadro princi-
pal, o PARP, têm em conta este facto ou simplesmente o ignoram.
Do ponto de vista histórico, não constitui novidade o carácter extractivo do
padrão de acumulação em Moçambique, mas é verdade que, desde os finais dos anos
90, vem sendo muito exacerbado o grau de concentração em actividades de extracção
e o carácter central e estruturante da economia extractiva para o desenvolvimento
económico do país. A chegada dos chamados ”mega-projectos” criou desequilíbrios e
níveis de concentração de produção e comércio exterior sem precedentes, sobretudo
com os investimentos no sector do alumínio (Mozal), gás natural, hidrocarbonetos e
carvão. Portanto, o padrão de acumulação baseia-se, por um lado, no papel preponde-
rante dos interesses capitalistas multinacionais na extracção de recursos minerais (e
naturais em geral) e em mínimas actividades de processamento e, por outro lado, na
capacidade do Estado moçambicano de atrair fluxos de capital público estrangeiro
(ajuda externa) para financiar despesas de cariz social e sustentar o aparelho do Estado
(Castel-Branco 2010).
Este padrão de acumulação é consistente com as tendências não muito positivas
em relação aos níveis de pobreza, emprego e estado da segurança alimentar. É bem
sabido que os dados agregados de crescimento económico são importantes mas não
reflectem toda a dimensão do desenvolvimento económico e social e por vezes podem
apresentar uma imagem enviesada, especialmente quando o padrão de crescimento
402 Desafios para Moçambique 2012 Crise Global, Crescimento e Desafios para Moçambique e Sua Estratégia de Desenvolvimento
observado é fundamentalmente extractivo. O que acontece com os preços relativos,
isto é, o diferencial entre o deflactor do PIB e o IPC, por exemplo, assim como as di-
ferenças entre os índices de preços dos alimentos e os gerais pode explicar que consi-
deráveis taxas de crescimento do PIB não se traduzam logo, a nível macroeconómico,
em incrementos semelhantes nos rendimentos reais dos segmentos mais pobres da
população (Wuyts 2011). Isto foi, em parte, o que ocorreu em países como Moçambi-
que, cuja recente tensão social e os decepcionantes resultados em matéria de redução
da pobreza extrema contrastam com os seus dados macroeconómicos, que ocultam a
realidade de um padrão de crescimento desequilibrado e essencialmente extractivo,
como bem explica Castel-Branco (2011).21 Este autor refere que em Moçambique
“mais do que um paradoxo, a consolidação e expansão da dependência externa fazem
parte das vias de crescimento e investimento da economia”, pois o governo moçambi-
cano pode oferecer vantagens e incentivos exagerados a grandes empresas multinacio-
nais do sector extractivo, sem a devida tributação, com grande impacto no crescimento
económico e efeito mínimo no emprego e na redução da pobreza, ao mesmo tempo
que recebe ajuda externa suficiente para suportar despesas sociais e prover serviços
públicos (educação, saúde, etc.) que lhe outorgam certa legitimidade política e social
(Castel-Branco 2011).
O comércio externo, cujo desempenho melhorou na última década, especial-
mente após o surgimento das exportações de alumínio e minerais, apresenta impor-
tantes níveis de concentração por produto e destino. Assim, o alumínio tem realmente
representado cerca de 50% das exportações do país desde o início do ano 2000 até
agora. Apenas sete produtos - todos eles produtos primários, com pouco ou nenhum
processamento, ou seja, com pouco encadeamento sectorial (Castel-Branco 2010,
p.25) - representam 70% das exportações de bens. Como refere este autor, o alumí-
nio, o gás e a energia eléctrica representam mais de 60% das exportações de bens e
serviços e destinam-se essencialmente a apenas três mercados. Não se pode ignorar a
vulnerabilidade que isto causa, especialmente em tempos de recessão global. Segundo
dados de 2010, a Europa representava mais de 60% das exportações de bens de Mo-
çambique. Dadas as dificuldades que enfrentam a maioria de economias europeias,
especialmente da zona euro, é preocupante o impacto que isso possa ter a médio prazo
sobre a economia de Moçambique.
21
À escala agregada para África Subsaariana, os níveis de incidência da pobreza absoluta extrema
reduziram apenas 5 pontos percentuais, partindo do nível 47% em 2000 (dados do AEO e do
BM).
Crise Global, Crescimento e Desafios para Moçambique e Sua Estratégia de Desenvolvimento Desafios para Moçambique 2012 403
Embora a análise dos dados estatísticos da produção industrial, comércio exter-
no e infra-estruturas prove este padrão de acumulação, os documentos de estratégia
de desenvolvimento e de políticas económicas parecem ignorar estes aspectos centrais
e sobre o crescimento económico e a redução da pobreza, levantando em seu lugar
questões muito ambíguas, de grande superficialidade de análise e clichés de manuais
de economia convencional. As diferentes versões do PARPA (ou PARP na sua desig-
nação mais recente) desde 2001 até 2011 são uma boa prova disso, ao mesmo tempo
que reflectem as preocupações e prioridades associadas à manutenção do “complexo
da Ajuda Externa”, que funciona em paralelo e como instrumento do complexo eco-
nómico extractivo em torno do qual gira a economia (GdM 2011).
O PARP 2011-14, por exemplo, apresenta projecções de crescimento muito op-
timistas, à volta de 8% anuais, equilibradas por sectores e sem considerar explicita-
mente os efeitos do contexto global de crise, assumindo que este crescimento estará
directamente relacionado com os programas e actividades contidos no documento.
Nas 53 páginas do Plano, a palavra “crise” é mencionada apenas duas vezes e precisa-
mente a propósito das previsões de crescimento, assumindo-se que em 2010-11 já se
estava numa fase de recuperação mundial, o que está longe de ser verdade. Assim o
PARP (GdM 2011, p.10) refere:
404 Desafios para Moçambique 2012 Crise Global, Crescimento e Desafios para Moçambique e Sua Estratégia de Desenvolvimento
terceiro, como não podia deixar de ser, o desenvolvimento humano e social – leia-se,
continuar a promover a educação e a saúde, na linha estratégica que Amsden (2010,
p.60) - resume muito bem como:
grassroots activists hold as an article of faith that a supply of better clothed, housed, and fed
workers automatically creates the demand to employ it at a living wage
Crise Global, Crescimento e Desafios para Moçambique e Sua Estratégia de Desenvolvimento Desafios para Moçambique 2012 405
traria o processo de crescimento, precisamente centrado em indústrias muito pouco
intensivas no uso de mão-de-obra. Não se especificam que sub-sectores e oportu-
nidades há, nem com que mecanismos se atrairiam investidores para este tipo de
actividades. A equação “promoção de emprego = promoção de actividades intensivas
em trabalho” não indica claramente o caminho a seguir em termos de medidas de
política económica, sobretudo num contexto onde não existe uma política industrial
activa digna desse nome. Amsden (2010) insiste claramente na importância que teve
no Leste da Ásia a criação massiva de empregos por via de uma industrialização
acelerada, baseada no “emprego em fábricas” e não em actividades dominadas por
micro-empresas e muito menos impulsionada pelo auto-emprego. Esta realidade his-
tórica choca com a insistência dos planos de redução da pobreza e de promoção do
crescimento económico baseados na produtividade dos pequenos camponeses e no
“dinamismo” das pequenas unidades informais.
Nestes documentos oficiais não há qualquer consideração sobre as implicações
do contexto internacional, dado o modo de acumulação preponderante na economia
moçambicana. Não se analisam as possíveis implicações nos investimentos na econo-
mia extractiva, da dinâmica dos preços de matérias-primas ou da evolução da procura
internacional dos produtos que geram o grosso das divisas para Moçambique.
A volatilidade e sustentabilidade no tempo deste modelo de acumulação, con-
solidado desde os anos 2000, é uma questão crucial. Se esgotar o ciclo do commodity
boom como resultado de uma recessão prolongada dos países da OCDCE, com o
possível contágio às economias emergentes, que a longo prazo parece ser inevitável,
as perspectivas para países como Moçambique serão preocupantes. O impacto que
a fuga de capitais estrangeiros e a queda da procura de produtos primários pode ter
sobre a dinâmica da acumulação e crescimento económico pode ser desastroso a curto
e médio prazos. Como já se referiu, a recessão global pode também ameaçar a manu-
tenção das contribuições provenientes da Ajuda Internacional, que são fundamentais
para a actual sustentabilidade política do modelo de acumulação de Moçambique. Na
verdade, a possível perda destas contribuições e de receitas fiscais poderia ser ame-
nizada se houvesse uma mudança radical na política fiscal em relação aos grandes
projectos e à economia extractiva, como vêm insistindo diversos foros investigadores
do IESE nos últimos anos.
406 Desafios para Moçambique 2012 Crise Global, Crescimento e Desafios para Moçambique e Sua Estratégia de Desenvolvimento
BIBLIOGRAFIA
Amsden, A.H., 2010. Say’s Law, Poverty Persistence, and Employment Neglect. Jour-
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Crise Global, Crescimento e Desafios para Moçambique e Sua Estratégia de Desenvolvimento Desafios para Moçambique 2012 409
INVESTIMENTO DIRECTO
ESTRANGEIRO E O COMBATE À
POBREZA EM MOÇAMBIQUE:
UMA LEITURA A PARTIR DO INVESTIMENTO
CHINÊS NA AGRICULTURA
Sérgio Chichava
INTRODUÇÃO
Investimento Directo Estrangeiro e o Combate à Pobreza em Moçambique Desafios para Moçambique 2012 411
para uma viagem de até cinco quilómetros, custando 10,00 Mts acima disso (Notícias
2008). Num país em que uma parte significativa da população é desempregada e a
maior parte (em idade economicamente activa, entre 15-64 anos) não tem emprego
formal (cerca de 75% da população está no sector informal) ou, se tem emprego, au-
fere o salário mínimo1, e onde o número médio de membros num agregado familiar é
de 4,8 pessoas, este aumento vinha asfixiar ainda mais a vida das famílias mais pobres.
Se, como resultado das manifestações de Fevereiro de 2008, o preço do “chapa”
acabou por não sofrer nenhum aumento, confrontado com a crise de Setembro 2010,
o governo adoptou algumas medidas de emergência, de entre elas a manutenção dos
preços de energia, pão e arroz, o congelamento do aumento de salários e subsídios dos
membros de conselhos de administração de empresas públicas ou com capital estatal
maioritário, diversas restrições nas viagens aéreas para fora do país por parte dos qua-
dros do Estado e acções visando fortalecer o metical, privilegiando-o nas transacções
e pagamentos locais (CdM 2010).
Uma breve análise das manifestações deixa poucas dúvidas de que a principal
razão que levou as pessoas a manifestarem-se foi a pobreza. Com efeito, um relatório
do Ministério da Planificação e Desenvolvimento (MPD) lançado um mês após as
manifestações de Setembro viria a confirmar que, apesar de ter havido alguns avan-
ços em certos campos, nomeadamente na posse de bens duráveis, acesso à educação,
saúde e habitação, a pobreza de consumo não tinha conhecido evolução positiva des-
de 2002/2003, altura da realização do último Inquérito aos Agregados Familiares
(IAF02/03), em que tinha sido calculada em 54%. Pelo contrário, a situação tinha
conhecido uma ligeira degradação em 0,6% (MPD 2010).
É interessante sublinhar que, ao longo dos seus dois mandatos (2005-2009;
2009-2014), Armando Guebuza definiu o combate à pobreza como principal desafio
do seu governo, tendo multiplicado iniciativas com vista a lutar contra este flagelo,
sem, no entanto, ter logrado sucessos tangíveis até ao momento. De entre estas inicia-
tivas, pode mencionar-se a criação de um fundo oficialmente destinado a financiar o
desenvolvimento local a nível distrital, inicialmente denominado “Orçamento de In-
vestimento de Iniciativa Local (OIIL) e mais tarde conhecido por Fundo de Desen-
volvimento Distrital (FDD). O fundo, conhecido como “sete milhões”, destinava-se,
numa primeira fase, somente às zonas rurais e, posteriormente, em 2011, foi estendido
1
Variável consoante os sectores, sendo o mais baixo na agricultura, 1315,00 Mts, e o mais alto na
indústria transformadora, 1975,00 Mts.
412 Desafios para Moçambique 2012 Investimento Directo Estrangeiro e o Combate à Pobreza em Moçambique
às zonas urbanas. Também se pode referir a aposta em biocombustiveis, com destaque
para o incentivo do cultivo da jatrofa, com o objectivo de reduzir o impacto negativo
dos preços internacionais de petróleo na economia moçambicana.
Uma das apostas do Plano de Acção para a Redução da Pobreza 2011-2014
(PARP 2011-2014) é incentivar o investimento público e privado no sector agrícola,
sobretudo em actividades com impacto directo e positivo na produção de alimentos.
O PARP 2011-2014 conta concretamente com estes investimentos para estabelecer
sistemas locais de produção de insumos, providenciar serviços e infra-estruturas bási-
cas, em particular nas zonas com potencial produtivo (GdM 2011b, p.20). Espera-se
que estes investimentos venham a contribuir para a dinamização do sector familiar,
responsável por cerca de 90% da produção de culturas alimentares básicas do país
(GdM 2011b, p.19).
O presente artigo, olhando para as características e tendências do IDE, em
particular do investimento chinês na agricultura em Moçambique no período 2000-
2011, irá discutir os desafios e constrangimentos que o Governo moçambicano terá
de enfrentar para realizar este objectivo do PARP 2011-2014. É preciso sublinhar
que a economia de Moçambique depende enormemente do IDE. Por exemplo, entre
2000 e 2008, este representou 46% do total do investimento realizado na economia
moçambicana, enquanto o Investimento Directo Nacional (IDN) quedou-se apenas
em 3% (Castel-Branco 2010, p.53)2. Portanto, em última instância, o padrão e as ca-
racterísticas do investimento em Moçambique são determinados pelo IDE.
Os dados usados para sustentar a presente análise são do Centro de Promoção
de Investimentos (CPI). A escolha da China tem que ver com o facto de ser uma das
chamadas “economias emergentes” que mais se comprometeu em investir na agricul-
tura em África. Terá o IDE chinês na agricultura moçambicana as mesmas tendências
e padrão em relação ao resto do IDE?3.
2
A parte restante corresponde a empréstimos que servem tanto para o IDE assim como para o IDN.
3
De realçar que se trata apenas de projectos de investimento submetidos ao CPI para aprovação,
e não de todos os projectos de investimento daquele país em Moçambique durante o período
em estudo. Isto porque a submissão de um projecto de investimento ao CPI para aprovação é
opcional, pois a abertura e registo de uma empresa e subsequente obtenção do alvará de exer-
cício de actividade, a partir do Ministério da Indústria e Comércio (MIC) ou dos órgãos locais
do Estado e autarquias, é suficiente para fazer negócios em Moçambique (Decreto nº49/2004).
A vantagem de submeter o projecto ao CPI é a obtenção de incentivos fiscais e aduaneiros
consagrados na Lei de Investimentos (lei 3/93) e no Código dos Benefícios Fiscais (Decreto
nº16/2002). Certamente que, para uma avaliação mais completa das tendências e do impacto do
investimento chinês em Moçambique, seria necessária a análise conjunta dos dados de diferen-
tes projectos de investimento chinês submetidos no mesmo período às diversas entidades acima
Investimento Directo Estrangeiro e o Combate à Pobreza em Moçambique Desafios para Moçambique 2012 413
O artigo encontra-se organizado em duas partes. A primeira faz uma revisão
sumária da concepção agrícola governamental presente nos Planos de Acção de Re-
dução da Pobreza (PARPAs) desde o PARPA 2001-2005 ou PARPA I até ao PARP
2011-2014; a segunda discute o padrão e tendências do IDE na agricultura tendo
como base o exemplo chinês.
mencionadas. Uma análise desta abrangência não foi possível presentemente, mas os dados
fornecidos pelo CPI certamente fornecem uma importante indicação dos projectos chineses no
país.
4
Em inglês, Poverty Reduction Strategy Paper (PRSP).
5
As outras três causas da pobreza dos moçambicanos apontadas no documento eram o cresci-
mento lento da economia até ao começo da década de noventa; o fraco nível educacional dos
membros do agregado familiar em idade economicamente activa, com maior destaque para as
mulheres, e as elevadas taxas de dependência nos agregados familiares.
414 Desafios para Moçambique 2012 Investimento Directo Estrangeiro e o Combate à Pobreza em Moçambique
Na época (1997), dizia-se que, para além de contribuir para o produto interno
bruto (PIB) em cerca de 30%, a agricultura ocupava cerca de 70% da população mo-
çambicana, em particular nas zonas rurais. Ora, se a maior parte da população pobre
vivia da agricultura e se situava nas zonas rurais, a pobreza era maior nas zonas rurais:
71,2% nas zonas rurais contra 62,0% no meio urbano, diferença colossal, porque, como
referenciado, a maior parte da população moçambicana reside no campo. Por isso, o
governo dizia que a sua acção iria incidir no estímulo e desenvolvimento do sector
familiar, o que, em última instância, equivalia a desenvolver as zonas rurais (GdM
2001, p.125). Havia também consciência de que o fortalecimento do sector familiar só
seria efectivo com um investimento importante em infra-estruturas (estradas, pontes,
sistemas de irrigação entre outros), grande nó de estrangulamento dos camponeses na
produção, escoamento e acesso aos mercados; com melhor e maior acesso a insumos e
tecnologias de produção simples e de qualidade, e a serviços de extensão (GdM 2001).
É preciso salientar que a discussão dos objectivos agrícolas constantes no PARPA
I se baseava explicitamente no primeiro Programa Nacional de Desenvolvimento
Agrário (PROAGRI I) correspondente ao período 1998 – 2004.
Em 2003, estatísticas oficiais indicavam que o número de pobres absolutos tinha
baixado para cerca de 54%, ou seja, de acordo com a definição que o PARPA I dava ao
conceito de pobreza, este objectivo estava a ser atingido. Por isso, o PARPA II - 2006-
2009 fixaria como objectivo reduzir este índice para 45% em 2009, sendo a pobreza
entendida aqui como “Impossibilidade por incapacidade, ou por falta de oportunidade de
indivíduos, famílias e comunidades de terem acesso a condições mínimas, segundo as normas
básicas da sociedade” (GdM 2006, p.8), uma modificação ligeira em relação à concep-
ção de pobreza absoluta constante no PARPA I, para incluir a falta de oportunidades
como uma das causas da pobreza.
É importante sublinhar que o presidente Guebuza não parecia considerar
a falta de oportunidades como uma das causas da pobreza em Moçambique, mas
sim a incapacidade motivada pelo medo de ser rico por preguiça, ausência de auto-
estima, de criatividade, inveja e intriga. Segundo ele, esta mentalidade “miserabilista”
assentaria em razões morais ou em crenças que consideram que ser rico é imoral e que
ser pobre é uma fatalidade (Brito 2010; Chichava 2010b).
À semelhança do PARPA I, o PARPA II mantinha as seis áreas consideradas
pelo primeiro plano como prioritárias para o desenvolvimento do país. Embora sem
um enfoque especial na agricultura, continuava a considerar-se o desenvolvimento
da agricultura como crucial para a redução da pobreza, sobretudo no meio rural. Os
Investimento Directo Estrangeiro e o Combate à Pobreza em Moçambique Desafios para Moçambique 2012 415
obstáculos do sector agrícola observados no PARPA I, bem como as alternativas
preconizadas com vista a ultrapassá-los, continuavam essencialmente os mesmos.
Novamente à semelhança do PARPA I, a visão do Governo sobre o sector agrícola
era um decalque da segunda fase do PROAGRI, correspondente ao período 2005-
2009. Todavia, até ao final do PARPA II, este ambicioso objectivo não tinha sido
atingido. Mais grave ainda, um relatório publicado um mês após as manifestações de
Setembro de 2010 afirmava que a situação da pobreza (absoluta ou de consumo) não
tinha conhecido nenhuma evolução desde 2003, tendo mesmo aumentado em algu-
mas províncias (MPD 2010).
As três causas apontadas pelo governo para esta situação têm que ver directa ou in-
directamente com a ineficiência do sector agrícola moçambicano e a sua vulnerabilidade
a choques externos, sobretudo no que diz respeito à produção alimentar, nomeadamente
(i) Baixas taxas de crescimento na produtividade agrícola, observadas nos TIA6 realiza-
dos desde 2002 na componente da produção de culturas alimentares; (ii) choques climá-
ticos que influenciaram a colheita de 2008, particularmente nas províncias do Centro;
(iii) termos de troca agravados devido a grandes aumentos nos preços internacionais
de alimentos e combustíveis. Os preços dos combustíveis, em particular, aumentaram
substancialmente durante o período de 2002/03 a 2008/09 (MPD 2010).
Para além disso, o acesso e uso de tecnologias melhoradas e de qualidade (pes-
ticidas e fertilizantes, por exemplo) por parte dos pequenos camponeses (sector fa-
miliar), ou seja, por parte daqueles que mais produzem no sector agrícola — uma das
grandes apostas do Executivo moçambicano presente no PARPA I e II —, para além
de permanecer extremamente baixo, estava a decrescer continuamente. De acordo
com o relatório do MPD (MPD 2010, p.50) “de 2002 a 2008, a proporção de famílias
a receber informação sobre a extensão evidencia um decréscimo de 13,5% para 8,3%. Da
mesma maneira, o uso de pesticidas diminui de 6,8% para 3,8%”.
Este fraco acesso e uso de tecnologias agrárias deve-se, segundo o PEDSA
2008-2019, à falta de conhecimento sobre o seu uso, à sua limitada oferta e poder de
compra dos camponeses, e fraca cobertura dos serviços de extensão, ligada à deficiente
interacção com os serviços de pesquisa (MINAG 2010).
Em consequência disso, lidar com as dificuldades do sector agrícola já identifica-
das no PARPA I e II e não resolvidas era a tarefa do terceiro plano de acção contra a
pobreza. Embora mantendo a mesma concepção de pobreza constante no PARPA II,
6
Trabalho de Inquérito Agrícola.
416 Desafios para Moçambique 2012 Investimento Directo Estrangeiro e o Combate à Pobreza em Moçambique
a terceira estratégia para a redução da pobreza no período 2011-2014, diferentemente
das anteriores, deixou de conter a palavra “absoluta”, passando a designar-se simples-
mente por Plano de Acção de Redução da Pobreza (PARP 2011-2014), e tem como
ambição reduzir o índice de pobreza de 54,7% para 42% em 2014.
De acordo com o governo, este objectivo só “é possível com um investimento
na agricultura que possa aumentar a produtividade do sector familiar, diversificação da
economia, criando emprego e ligações entre os investimentos estrangeiros e a economia local,
apoio às Micro, Pequenas e Médias Empresas (MPME’s), desenvolvimento humano e so-
cial” (GdM 2011b, p.10).
Portanto, diferentemente dos dois anteriores planos, o PARP 2011-2014 tem
um enfoque especial na agricultura, considerando-a de forma explícita a solução do
problema da pobreza em Moçambique. Mas para que tal aconteça, espera-se que a
agricultura cresça, em média, cerca de 10,8% ao ano durante o período 2011-2014,
num contexto em que a economia moçambicana irá crescer anualmente cerca de 7,7%
(GdM 2011b, pp.10 – 11) e não seja afectada pelo impacto negativo do preço dos
combustíveis.
Paradoxalmente, e embora reconhecido o seu impacto negativo na economia e
na agricultura em particular, a questão dos combustíveis não tem nenhum tratamento
no PARP 2011-2014. Aliás, esta questão não é discutida mesmo nos planos estraté-
gicos da agricultura.
O PEDSA 2008-2019, — principal estratégia do governo para o sector agrí-
cola — apenas fala da promoção do uso de recursos locais (i.e, de calcário, fosfato,
guano, diatomites) para melhorar a qualidade dos solos, mas não explica nem discute
as condições nem a maneira como se vai fazer tal promoção, ou as ligações aos outros
sectores da economia. Por exemplo, como é que o país poderá usar parte da sua produ-
ção de gás natural e carvão mineral para apoiar o desenvolvimento da agricultura? De
que maneira a indústria extractiva poderá ser usada para criar ligações com o resto da
economia? Como é que a infra-estrutura que está sendo estabelecida graças ao inves-
timento na indústria extractiva poderá ser usada para promover a agricultura? Numa
altura em que previsões mostram que Moçambique pode vir a ser um dos maiores
produtores e exportadores mundiais de gás natural e de carvão mineral, estas questões
deveriam ter merecido um melhor tratamento no PEDSA.
Em relação aos combustíveis, é preciso sublinhar que uma das alternativas en-
saiadas até aqui para mitigar o impacto negativo do preço dos combustíveis em Mo-
çambique não deu o resultado esperado. Pelo contrário, em alguns casos, teve efeitos
Investimento Directo Estrangeiro e o Combate à Pobreza em Moçambique Desafios para Moçambique 2012 417
perversos. Tome-se como exemplo a campanha de fomento do cultivo de jatrofa, ini-
ciada pelo executivo de Armando Guebuza em 2006, sem visão e objectivos claros.
Os camponeses responderam a este apelo sem hesitação. Contudo, volvido pouco
tempo, a promoção do cultivo de jatrofa revelava-se um autêntico fracasso. Em 2008,
notícias indicavam que, após cerca de três anos de intenso trabalho, os camponeses
de Pebane, província da Zambézia, tinham abandonado o cultivo da jatrofa por falta
de mercado (Canal de Moçambique 2008). Em 2011, os camponeses pediram ao
presidente Guebuza para encontrar solução para as enormes quantidades de jatrofa
por eles produzida, que não tinha mercado nem podia servir como alimento (Notícias
2011). Este exemplo mostra que a falta de uma estratégia ou de políticas de desenvol-
vimento claras no sector agrícola, articuladas com outros sectores da economia, é um
dos principais problemas de que padece o sector.
A breve leitura dos três planos de acção contra a pobreza já elaborados em Mo-
çambique mostra que os problemas e desafios que o sector agrícola enfrenta, assim
como as acções preconizadas para a sua solução, não mudaram ao longo do período
que vai do PARPA I até ao PARP 2011-2014. Conseguirá o PARP 2011-2014 en-
contrar uma solução para o desenvolvimento do sector agrícola?
418 Desafios para Moçambique 2012 Investimento Directo Estrangeiro e o Combate à Pobreza em Moçambique
QUADRO 1 INVESTIMENTO CHINÊS NA AGRICULTURA MOÇAMBICANA (2000-2010)
POSTOS DE
EMPRESA OBJECTO ANO PROVÍNCIA TRABALHO IDE ($) TOTAL ($)
PREVISTOS
E x p l o r a ç ã o , Exploração e comércio de 2001 Cabo Del- 1803 400 000 63,699,600
Transformação madeira gado
e Comércio de
Madeira
União dos Tra- Exploração e comércio de 2003 Cabo Del- 150 1,000,000 1,000,000
balhadores de madeira gado
África (UTA)
China Grains & Plantio, distribuição, pro- 2005 Sofala 150 5 500 000 6,000,000
Oils Group Cor- cessamento e comércio de
poration Africa produtos agrícolas, cortes
(CGOG Africa) florestais, distribuição,
(a) processamento e relevan-
te comércio, bem como
turismo e transporte.
Biworld Inter- Compra e venda de madei- 2006 Tete 215 200,000 2,000,000
national Limi- ra, venda de diverso tipo
ted de maquinaria industrial e
agrícola, com importação
e exportação.
Xin Jian Compa- * 2006 Zambézia 200 195 000 200,000
nhia
Hubei Liafeng Importação e comercia- 2007 Gaza 6 1200000 1,200,000
Mozambique lização de máquinas in-
dustriais e equipamentos
agrícola e de adubos e
outros produtos químicos
para agricultura;
Desenvolvimento de acti-
vidades agrícolas, nome-
adamente a produção de
todo o tipo de cereais, le-
gumes e vegetais, produ-
ção de animais de peque-
na espécie, entre outros.
Weng Chen Liao * 2009 Sofala 60 60 000 60 000
Sunway Inter- Produção e processamen- 2010 Nampula 50 500 000 500 000
national Mo- to industrial de amendoim
zambique LDA e gergelim
FONTE CPI-2000-2010
NOTA
[*] Desconhecido.
Importa também referir que dois dos oito projectos autorizados nunca chega-
ram a arrancar. Trata-se do projecto da China Grains and Oils Group Corporation
Investimento Directo Estrangeiro e o Combate à Pobreza em Moçambique Desafios para Moçambique 2012 419
Africa, (CGOG África), uma associação entre a empresa chinesa China Grains and
Oils Group Corporation e a empresa moçambicana Aruangua Agro-Industrial, Li-
mitada, que, por razões ainda por apurar, nunca chegou a entrar em funcionamento
(CPI 2009). A Aruangua Agro-Industrial, Limitada, é uma empresa detida por em-
presários moçambicanos próximos da Frelimo, nomeadamente o famoso empresário
Zaid Ali. Para além da agro-pecuária, tem como objecto o desenvolvimento de em-
preendimentos de hotelaria e turismo entre outros (Boletim da República nº 37, III
Série 11 de Setembro de 2002). Se tivesse sido implementado, a CGOG África teria
sido, de entre os projectos aprovados pelo CPI, o maior projecto de investimento
chinês no sector agrícola no período em estudo. Outro projecto que nunca chegou a
ser implementado é do Wen Cheng Liao, em virtude de não ter sido autorizado pelas
autoridades moçambicanas. A razão avançada para esta situação “foi a suspensão de
concessões de grandes extensões de terra para sua inventariação” (CPI 2009).
Em termos sectoriais, entre 2000-2010, a agricultura, a agro-indústria e a cons-
trução, com 4%, foram os sectores que menos investimento receberam, tendo grande
parte do investimento chinês se concentrado na indústria transformadora, com 77%,
seguido da aquacultura e pescas com 12% (ver Gráfico 1).
Transportes e Comunicações
1%
Turísmo e Hotelaria
Serviços 0%
1%
Outros Agricultura e Agro-indústria
1% 4%
Aquacultura
e Pescas
12% Construção
4%
Indústria
77%
420 Desafios para Moçambique 2012 Investimento Directo Estrangeiro e o Combate à Pobreza em Moçambique
Portanto, o IDE chinês na agricultura moçambicana, para além de concentrar-se
quase exclusivamente nas florestas, é bastante ínfimo. Olhando para os dados do CPI
correspondentes a 2011, a situação não mostra nenhuma evolução. Com efeito, a maior
parte do investimento neste sector dirigiu-se mais às florestas (44%) e a culturas de ren-
dimento (36%), como são os casos de cana-de-açúcar e seda, por exemplo (Gráfico 2)7.
Agroindústria, 7%
Apropecuária
13%
Outros, 36%
Florestas, 44%
7
Neste gráfico, a rubrica “agropecuária” inclui todo o investimento relacionado com a produção
alimentar e animal; “Outros”, todo o investimento em culturas de rendimento bem como a
indústria a ela ligada, a “agro-indústria”, todo o investimento relacionado com infra-estruturas
de processamento e comercialização agrícola.
Investimento Directo Estrangeiro e o Combate à Pobreza em Moçambique Desafios para Moçambique 2012 421
No mesmo período, nenhum investimento foi dirigido à produção de insumos
agrícolas (ver Gráfico 3).
Outros
Reino Unido 13%
5%
Noruega
8%
RAS
74%
422 Desafios para Moçambique 2012 Investimento Directo Estrangeiro e o Combate à Pobreza em Moçambique
actuais do IDE no sector agrícola moçambicano, e, por outro lado, de mostrar que a
maneira como o investimento neste sector tem sido feito entra em contradição com
o objectivo de reduzir a pobreza. É preciso salientar também que o que tem sido
criticado não é o investimento em florestas em si, mas a maneira como este tem sido
feito, com a cumplicidade da burguesia compradora periférica (no sentido dado por
Poulantzas)8 moçambicana, subordinada ao capital externo, sem respeito pela legis-
lação sobre a matéria, exportando madeira não processada, explorando para além dos
limites estabelecidos por lei, sem obviamente criar mais-valia senão para um punhado
de indivíduos9.
Entretanto, se é possível confirmar certas tendências com base nos dados do CPI,
conforme se disse, estes não captam toda a realidade sobre o investimento no país. Por
exemplo, para além das mencionadas neste estudo, existem outras empresas chinesas
cujo investimento não consta nos dados do CPI, porque foram registadas a nível local
(província, autarquia) e que se dedicam à agricultura, em particular à exploração de
madeira. Só para se ter uma ideia, pode citar-se o caso das cinco empresas chinesas
(Green Timber limitada; Casa Bonita Internacional Limitada; ZHEN LONG Inter-
nacional, SENNYU, YZHOU, TONG FA) citadas no caso de tráfico de madeira em
conluio com generais moçambicanos, cujos projectos de investimentos não passaram
pelo CPI, mas sim pelo nível local10. Por exemplo, o pedido de concessão florestal da
Green Timber Limitada, foi feito na Direcção Provincial de Agricultura de Manica
(Boletim da República no 3, III Série, 23 de Janeiro de 2007). Além disso, dois só-
cios chineses da Green Timber Limitada aparecem em parceria com Paulo Muxanga,
importante figura da Frelimo (antigo ministro dos Transportes e Comunicações e
actual Presidente do Conselho de Administração da Hidroeléctrica de Cahora Bassa)
como sócios da Ketpaca, Limitada, empresa também com interesse na exploração de
madeira (Boletim da República nº 18, III Série, 30 de Abril de 2003). À semelhança
da Green Timber Limitada, não se encontra nenhum traço da Keptaca, Limitada, nos
dados do CPI. O mesmo se pode dizer da Casa Bonita Internacional, Limitada, cujo
8
Conforme sua relação com o capital estrangeiro, a burguesia de um país pode ser dividida em
três fracções: burguesia compradora, burguesia interna e burguesia nacional (Poulantzas 1978).
9
Sobre este assunto ver (Chichava 2010a).
10
A aliança com o capital estrangeiro tem sido uma das formas usadas pela nova burguesia mo-
çambicana para se implantar no mundo de negócios em Moçambique e a aliança entre empresá-
rios chineses e a elite política moçambicana não constitui segredo. A mais conhecida e que mais
polémica tem criado é a aliança no sector madeireiro. Contudo, há indicações de fortes ligações
noutros sectores, com destaque para os recursos minerais. Pela sua importância, este assunto
merece um estudo aprofundado que não constitui objecto do presente trabalho.
Investimento Directo Estrangeiro e o Combate à Pobreza em Moçambique Desafios para Moçambique 2012 423
registo efectuado na Direcção Provincial da Agricultura em Nampula não é acessível
através dos dados do CPI. Apesar de tudo, todos os dados permitem concluir que o
IDE chinês na agricultura concentra-se maioritariamente na exploração madeireira.
CONCLUSÃO
Ao longo das páginas precedentes, com o PARP 2011-2014 como pretexto, preten-
deu-se, com base no tipo e estrutura de IDE chinês na agricultura moçambicana, ve-
rificar se ele se distinguia do resto de IDE e se respondia de certa forma às pretensões
do Governo em atrair maior investimento direccionado à produção de alimentos. Para
além de nos informar sobre a situação real do sector, isto ajuda a discernir os desafios
que se impõem ao Governo no que diz respeito à agricultura. Duas conclusões prin-
cipais se impõem aqui. A primeira é a de que a produção de alimentos não é o foco
central dos investimentos na agricultura; tal obriga obviamente o Governo a redobrar
esforços para atrair investimentos interessados na produção alimentar, não apenas em
florestas e biocombustíveis. Este esforço passa, entre outros, pela concepção de políti-
cas visando incentivar directamente este tipo de investimento. A segunda é a de que
o IDE chinês possui o mesmo padrão e tendências que o resto do IDE na agricultura
moçambicana, concentrando-se maioritariamente na exploração e comércio florestal.
Para terminar, é preciso insistir num ponto crucial: sendo a economia moçambi-
cana dependente do IDE, desenhar políticas que permitam atrair investimento com
características diferentes das actuais é o principal desafio neste sector. Isto também
depende muito da vontade política, o que até ao momento as acções no terreno mos-
tram não ser o caso. Embora não seja fácil, dado o facto de, por ser dominante, o IDE
determinar as características do investimento em Moçambique, é necessário fazer
coincidir o gesto e a palavra, para que o discurso de combate à pobreza, de enfoque
na produção de alimentos, não passe de mera retórica. É preciso ter uma política
agrícola clara e não vulnerável a interesses de momento, como foi o caso da jatrofa,
cujo cultivo foi propagandeado sem uma análise das suas implicações, redundando
em mais pobreza.
424 Desafios para Moçambique 2012 Investimento Directo Estrangeiro e o Combate à Pobreza em Moçambique
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426 Desafios para Moçambique 2012 Investimento Directo Estrangeiro e o Combate à Pobreza em Moçambique
OUTRAS PUBLICAÇÕES DO IESE1
LIVROS
Moçambique: Descentralizar o Centralismo? Economia Política, Recursos e
Resultados. (2012)
Bernhard Weimer (organizador)
IESE: Maputo
A Mamba e o Dragão: Relações Moçambique-China em Perspectiva. (2012)
Sérgio Chichava e Chris Alden (organizadores)
IESE/SAIIA: Maputo
Desafios para Moçambique 2011. (2011)
Luís de Brito, Carlos Nuno Castel-Branco, Sérgio Chichava e António Francisco
(organizadores)
IESE: Maputo
Economia extractiva e desafios de industrialização em Moçambique – comunicações
apresentadas na II Conferência do Instituto de Estudos Sociais e Económicos. (2010)
Luís de Brito, Carlos Nuno Castel-Branco, Sérgio Chichava e António Francisco
(organizadores)
IESE: Maputo
Protecção social: abordagens, desafios e experiências para Moçambique –
comunicações apresentadas na II Conferência do Instituto de Estudos Sociais e
Económicos. (2010)
Luís de Brito, Carlos Nuno Castel-Branco, Sérgio Chichava e António Francisco
(organizadores)
IESE: Maputo
Pobreza, desigualdade e vulnerabilidade em Moçambique – comunicações
apresentadas na II Conferência do Instituto de Estudos Sociais e Económicos. (2010)
Luís de Brito, Carlos Nuno Castel-Branco, Sérgio Chichava e António Francisco
(organizadores)
IESE: Maputo.
1
Muitas outras publicações do IESE (como comunicações das suas conferências internacionais,
apresentações feitas pelos seus investigadores em conferências, aulas, seminários e palestras, ar-
tigos de investigação, entre outras) estão disponíveis no site do IESE, www.iese.ac.mz, seguindo
os links para publicações ou para investigação. Todas as publicações do IESE, incluindo as
constantes nesta lista, podem ser livremente descarregadas do seu site.
CADERNOS IESE
(Artigos produzidos por investigadores permanentes e associados do IESE. Esta colecção
substitui as séries “Working Papers” e “Discussion Papers”, que foram descontinuadas).
Cadernos IESE nº 9: Can Donors ‘Buy’ Better Governance? The political economy of
budget reforms in Mozambique. (2011)
Paolo de Renzio
http://www.iese.ac.mz/lib/publication/cad_iese/CadernosIESE_09_PRenzio.pdf
DISCUSSION PAPERS
(Artigos em processo de desenvolvimento/debate. Colecção descontinuada e substituída
pela série “Cadernos IESE”)
DP nº 6: Recursos naturais, meio ambiente e crescimento económico sustentável em
Moçambique. (2009)
http://www.iese.ac.mz/lib/publication/DP_2009/DP_06.pdf
Carlos Nuno Castel-Branco
DP nº 5: Mozambique and China: from politics to business. (2008)
h t t p : / / w w w. i e s e . a c . m z / l i b / p u b l i c a t i o n / d p _ 2 0 0 8 / D P _ 0 5 _
MozambiqueChinaDPaper.pdf
Sérgio Inácio Chichava
DP nº 4: Uma Nota sobre Voto, Abstenção e Fraude em Moçambique. 2008http://
www.iese.ac.mz/lib/publication/dp_2008/DP_04_Uma_Nota_Sobre_o_Voto_
Abstencao_e_Fraude_em_Mocambique.pdf
Luís de Brito
DP nº 3: Desafios do Desenvolvimento Rural em Moçambique. (2008)
http://www.iese.ac.mz/lib/publication/dp_2008/DP_03_2008_Desafios_
DesenvRural_Mocambique.pdf
Carlos Nuno Castel-Branco
DP nº 2: Notas de Reflexão sobre a “Revolução Verde”, contributo para um debate. (2008)
http://www.iese.ac.mz/lib/publication/dp_2008/Discussion_Paper2_Revolucao_
Verde.pdf
Carlos Nuno Castel-Branco
DP nº 1: Por uma leitura sócio-histórica da etnicidade em Moçambique. (2008)
http://www.iese.ac.mz/lib/publication/dp_2008/DP_01_ArtigoEtnicidade.pdf
Sérgio Inácio Chichava