Desafios para Moçambique 2011 - IESE PDF
Desafios para Moçambique 2011 - IESE PDF
Desafios para Moçambique 2011 - IESE PDF
O IESE é uma instituição comprometida com in- Reflectindo a decisão editorial tomada no início da série, o livro reúne tra- AUTORES
DESAFIOS
vestigação social e económica pluralista, interdisci- balhos de investigadores permanentes e associados do IESE e contribuições
plinar e heterodoxa, com enfoque no rigor e qua- de outros autores de reconhecido mérito, numa construção única, mas rica de António Francisco
lidade académica e na relevância e compromisso
diferentes experiências, abordagens e posições sobre algumas das grandes
social do seu trabalho, aberta à colaboração e coo- Aslak Orre
peração e dedicada a contribuir para o desenvolvi- questões que a sociedade moçambicana enfrenta ou deve enfrentar. Assim, são
PARA
mento de redes de investigadores e organizações de tratados temas como a descentralização, os desafios do financiamento do Es- Carlos Muianga
investigação associadas sobre Moçambique e o seu tado e da economia, a economia política das opções económicas em contexto
enquadramento na África Austral e no Mundo. de dependência da ajuda externa, a protecção social, o HIV-SIDA, o papel Carlos Nuno Castel-Branco
das economias emergentes no sector agrícola, economia política da ajuda ex-
Domingos do Rosário
MOÇAMBIQUE
terna e a dinâmica regional na construção da segurança pública.
Existe um fio condutor que liga o conjunto dos artigos: o desafio da cons- Fernanda Massarongo
trução de um Estado democrático. Naturalmente, o entendimento do que sig-
nifica ‘um Estado democrático’ abre o campo para muitas posições diferen- João Paulo Borges Coelho
tes e a identificação desse fio condutor não significa que sobre o assunto exista
José Óscar Monteiro
2011
no livro uma linha de pensamento e de análise única, partilhada por todos os
autores. Pelo contrário, estamos perante uma diversidade de pressupostos teó- Luís de Brito
ricos, de abordagens e de metodologias de análise que, sobretudo, contribuem
para alimentar um debate aberto e plural sobre as escolhas e opções que ca- Nelsa Massingue
racterizam as políticas públicas e que dependem dos interesses, por vezes con-
organização
traditórios, que são inerentes à vida social. Luís de Brito | Carlos Nuno Castel-Branco | Sérgio Chichava | António Francisco Rogério Ossemane
Rosimina Ali
Sandra Manuel
Sérgio Chichava
Sofia Amarcy
Yasfir Ibraimo
ISBN
www.iese.ac.mz
DESAFIOS
PARA
MOÇAMBIQUE
2011 organização
Luís de Brito | Carlos Nuno Castel-Branco | Sérgio Chichava | António Francisco
www.iese.ac.mz
ORGANIZAÇÃO
LUÍS DE BRITO, CARLOS NUNO CASTEL-BRANCO, SÉRGIO CHICHAVA, ANTÓNIO FRANCISCO
EDIÇÃO
IESE
COORDENAÇÃO EDITORIAL
MARIMBIQUE – CONTEÚDOS E PUBLICAÇÕES, LDA
EDITOR EXECUTIVO
NELSON SAÚTE
DESIGN GRÁFICO
ATELIER 004
PAGINAÇÃO
ZOWONA - COMUNICAÇÃO E EVENTOS
FOTOGRAFIA DA CAPA
JOÃO COSTA (FUNCHO)
REVISÃO
OLGA PIRES
IMPRESSÃO E ACABAMENTO
NORPRINT
NÚMERO DE REGISTO
6922/RLINLD/2011
ISBN
978-989-8464-04-0
TIRAGEM
2500 EXEMPLARES
ENDEREÇO DO EDITOR
AVENIDA PATRICE LUMUMBA, N. 178, MAPUTO, MOÇAMBIQUE
[email protected]
WWW.IESE.AC.MZ
TEL.: +258 21 328 894
FAX : + 258 21 328 895
António Francisco
Director de investigação do IESE e Professor Associado da Faculdade de Economia da
Universidade Eduardo Mondlane, é doutorado em Demografia pela Universidade Nacion-
al da Austrália. [email protected]
Aslak Orre
Investigador do Chr. Michelsen Institute (CMI), é doutorado em Ciência Política pela
Universidade de Bergen, Noruega. As suas principais áreas de pesquisa são partidos
políticos, processos de democratização, descentralização e governação local em Angola e
Moçambique. [email protected]
Carlos Muianga
Assistente de Investigação do IESE e Assistente na Faculdade de Economia da Universidade
Eduardo Mondlane, é licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade
Eduardo Mondlane. As suas áreas de pesquisa estão ligadas a recursos naturais, indústria ex-
tractiva e ligações intersectoriais. [email protected]
Domingos do Rosário
Investigador Associado do IESE e Professor Auxiliar da Faculdade de Letras e Ciências Sociais
da Universidade Eduardo Mondlane, é doutorado em Ciência Política pela Universidade de
Bordeaux, França. [email protected]
Fernanda Massarongo
Assistente de Investigação no IESE e Assistente na Faculdade de Economia da Universidade
Eduardo Mondlane, é licenciada em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade
Eduardo Mondlane. As suas áreas de pesquisa são relativas a opções de financiamento ao
Estado, dinâmicas do sector financeiro em Moçambique e ligações com a base produtiva. fer-
nanda. [email protected]
Luís de Brito
Director de investigação do IESE e Professor Associado da Universidade Eduardo Mondlane,
é doutorado em Antropologia (Antropologia e Sociologia da Política) pela Universidade de
Paris VIII. [email protected]
Nelsa Massingue
Assistente de investigação do IESE e Assistente na Faculdade de Economia da Universidade
Eduardo Mondlane, é licenciada em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade
Eduardo Mondlane. As suas áreas de pesquisa estão ligadas a ajuda externa, indústria extractiva
e desenvolvimento rural. [email protected]
Rogério Ossemane
Investigador do IESE e Assistente na Faculdade de Economia da Universidade Eduardo
Mondlane, é mestre em Desenvolvimento Económico pela Universidade de Londres. A sua
área de investigação é: comércio e finanças internacionais. [email protected]
Rosimina Ali
Assistente de investigação do IESE e Assistente na Faculdade de Economia da Universidade
Eduardo Mondlane, é licenciada em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade
Eduardo Mondlane. As suas áreas de pesquisa são: desigualdade, pobreza, protecção social,
desenvolvimento rural e desenvolvimento económico. [email protected]
Sandra Manuel
Doutoranda em Antropologia na School of Oriental and African Studies, Universidade de Lon-
dres. Docente e pesquisadora no Departamento de Arqueologia e Antropologia da Universi-
dade Eduardo Mondlane. Efectua pesquisa nas áreas de sexualidade, juventude e antropologia
urbana. [email protected]
Sérgio Chichava
Investigador do IESE, é doutorado em Ciência Política pela Universidade de Bordeaux, França.
As suas áreas de pesquisa são: processos de democratização, governação e relações entre a
China e a África lusófona.. [email protected]
Sofia Amarcy
Investigadora do IESE e Assistente na Faculdade de Economia da Universidade Eduardo
Mondlane, é mestre em Desenvolvimento Económico pela Universidade de Londres. A sua
área de investigação é: dinâmicas de expansão do sector financeiro em Moçambique e ligação
com a base produtiva. [email protected]
Yasfir Ibraimo
Assistente de investigação do IESE, é licenciado em Economia pela Faculdade de Economia
da Universidade Eduardo Mondlane. As suas áreas de pesquisa são: mercado de trabalho, em-
prego, pobreza e protecção social. [email protected]
PARTE I POLÍTICA 21
“7 MILHÕES”
REVISÃO DO DEBATE E DESAFIOS PARA DIVERSIFICAÇÃO DA BASE PRODUTIVA
Zaqueo Sande 207
SADC
COOPERAÇÃO E SEGURANÇA PÚBLICA
João Paulo Borges Coelho 355
Luís de Brito
Fevereiro de 2011
1
A expressão poderes, emprestada de outras práticas, é um pouco forçada, reconheça-se, num país
como Moçambique em que as autarquias não reconhecem poderes existentes mas constituem
uma mera atribuição de funções por desígnio e no formato decidido pelo centro. Se quere-
mos falar em “poderes”, ou pelo menos em formas naturais, endógenas de organização, devemos
procurá-los fora do quadro formal moderno e urbano, nas comunidades locais.
2
Acessos, serviços básicos, gestão de resíduos, regras de convivência…
3
Não confundir com a povoação/unidade territorial, inferior à localidade, consagrada com o mes-
mo nome que a povoação/autarquia, quiçá por distracção.
Bem longe dos lugares onde vivo, no meio do distrito de Sussundenga, avisam-nos que estamos a chegar.
Olho espantado para campos geometricamente lavrados por bois, onde crescia uma planta desconhecida e
bem verde. É cevada, dizem-me, produzida aqui e destinada à produção das fábricas de cerveja. Foi feito um
contrato e a produção é escoada regularmente. Já à entrada da aldeia de Mussapa, vejo à direita um grupo de
camponeses, maioritariamente senhoras, sentado sob uma árvore a trabalhar descascando e desbastando e
vergando ao fogo troncos de uma madeira branca. Com eles, uma pessoa de pele clara que ensinava a preparar
o que nos apercebemos serem cangas de bois. Parámos. Era um membro de uma organização americana, a
Tillers Association of America, lavradores organizados na modalidade, de que já ouvira falar, de “capitalismo so-
cial”. São empresas de agricultores e camponeses operando segundo as regras do mercado, mas distribuindo
os resultados entre os sócios trabalhadores, próximas do modelo cooperativo, mas com inúmeras modalida-
des. No conjunto dos Estados Unidos e Canadá representariam cerca de 25% da economia. O seu ramo inter-
nacional destaca membros, muitos deles reformados, para trabalhar com camponeses de outros países. En-
quanto vamos para a sala de reuniões, o grupo continua a trabalhar e no fim apresenta o resultado do trabalho.
Ao lado do local de reuniões, que era a escola, vejo um monte de pedras e tijolos. São a contribuição da
população para a construção de mais uma sala de aulas. Na reunião está presente um representante de
uma ONG. Originário de Inhambane, veio trabalhar por conta da ONG e fixou-se no local. Os dirigentes lo-
cais têm uma preocupação: melhorar a vida da população. O chefe da localidade tem uma motorizada que
usa para acompanhar a utilização dos sete milhões que se faz em comunidades ainda distantes do local. O
professor, um enorme e escuro mocetão, cheio de confiança e energia, fala dos planos e da confiança em
si próprios. O líder comunitário diz que a divisa ali é trabalhar: quem trabalha recebe ajuda, quem fica de
lado, fica. Wassala, wassala, dizia-se nas marchas longas durante a libertação. Quem fica, fica. Referem o
papel do senhor Gomes, um empresário local., também presente na reunião.
O senhor Gomes, contam, já trabalhou em vários locais da província, incluindo no Estado, e resolveu vir
melhorar a vida dos seus conterrâneos. Em Mussapa existe um curso de água de pequeno caudal mas per-
manente e com significativa diferença de nível, quase uma cascata. Lembrou-se que havia numa antiga
empresa estatal abandonada, uma velha moagem sem motor, conta-nos a nosso pedido e com relutante
modéstia. Decidiu utilizar a energia motriz da água. Fez os desvios necessários e instalou uma pequena
comporta manual que desvia a água para a moagem. Cobra um tanto por quilo moído, mas quem não pode
pagar não paga. Depois veremos... Não se queixam nem pedem nada. Só mostram o que fizeram. O entu-
siasmo dos dirigentes é tão grande que nos contagia. Lá vamos, sacrificando o resto do programa do dia.
Corrijo, não sacrificando nada, aprendendo, já no ocaso da vida, uma lição, diria um curso completo de
cidadania e de gestão. A bondade e o amor pelos outros – que há de mais nobre na cidadania, a solidarie-
dade internacional, internacionalista dizíamos outrora, o contar com as próprias forças, a solidariedade
da comunidade, a confiança no futuro.
O caminho da sede do Posto Administrativo de Chicomo no distrito de Massinga, ainda é longo. Vamos
assistir à elaboração do plano da localidade. A metodologia nasce num projecto financiado pela GTZ. To-
mam a palavra os porta-vozes dos grupos. Alguns vêm de longe. Fala o responsável da agricultura, o da
ordem e segurança, o das escolas e hospitais, outros. Articulam eloquentemente e de forma pensada os
seus problemas, como só sabem fazer os camponeses que têm tempo para pesar e pensar.
E aqui duas surpresas: a primeira, os chefes dos grupos falam dos problemas e das soluções que estão
a implementar. A segunda, os funcionários, tomam nota e asseguram que todos os assuntos sejam trata-
dos segundo uma lista de questões identificadas na reunião anterior. De vez em quando alguém intervém
para recordar que determinado ponto referido em reunião anterior ainda não foi abordado. Os funcioná-
rios escutam, tomam notas.
Em toda a reunião, os funcionários que eu vira na sede do distrito atrás de secretárias pareciam trans-
formados. Ouviam com respeito, quase ternura, e certificavam-se de que era bem isso que estava ser dito.
Para registar nas suas notas. Não havia chefes a “dar orientações”.
No fim, um balanço geral. Todos ouvem as experiências dos outros. É um curso. É nesse momento que
os dirigentes do Estado comentam, apoiam, sugerem outros caminhos, recolhem ideias para os planos.
Era a descentralização administrativa participada em acção, era o buscado papel facilitador do Estado,
era a articulação Estado/cidadão. Moçambique está a mudar.
INTRODUÇÃO1
1
Este artigo foi essencialmente elaborado com base no trabalho de campo realizado no distrito de
Gorongosa em Abril de 2010, no contexto do projecto de investigação intitulado “The political
economy of decentralization and local state building in Mozambique”, sob a direcção de Ber-
nhard Weimer. Uma versão mais desenvolvida do artigo fará parte do livro a ser publicado no
âmbito do referido projecto.
250
200
191
Número de Assentos
160
150
129
133
112 117
100
90
51
50
9
8
0 0 0
1994 1999 2004 2009
Neste contexto, a Frelimo foi capturando cada vez mais o Estado através da
implantação/revitalização das células do partido nas instituições públicas, facto
reforçado particularmente a partir do IX Congresso realizado em Novembro de
2006, em que a militância activa nos locais de trabalho passou a ser obrigatória
para os membros, especialmente para aqueles que exercem algum cargo de chefia
nas instituições estatais a todos os níveis.
Um dos aspectos mais marcantes das reformas políticas a nível local nos
últimos anos em Moçambique foi a constituição e institucionalização dos chama-
dos conselhos consultivos.2 Inicialmente associados às experiências de planifica-
ção participativa na região norte do país, nos finais dos anos 1990, os conselhos
2
Neste artigo, usamos os termos conselhos consultivos, conselhos locais e IPCCs como sinónimos.
3
Organização da Mulher Moçambicana.
4
Organização da Juventude Moçambicana.
5
Entrevista com F. V., Gorongosa, 14 de Abril de 2010.
6
Entrevista com C. H. J., Gorongosa, 15 de Abril de 2010.
(…) eu nasci aqui em Gorongosa e tenho 63 anos. Durante a guerra estive no Chimoio e re-
gressei para Gorongosa em 1994. Sou antigo combatente, membro da Frelimo … dois anos
depois do meu regresso do Chimoio, eu e outros camponeses fundámos esta associação e,
em 2003, com a ajuda da FAO, foi construído o nosso regadio. Sobre o conselho local, eu
sou membro desde 2003 … isso aconteceu assim: naquele ano [2003] eu estava em Tete
e fui escolhido pelo administrador para ser membro do conselho consultivo do distrito …
quando voltei de Tete, disseram-me que fui escolhido para ser membro do conselho consul-
tivo … lembro-me que, naquela altura, muitos foram escolhidos pelo administrador. Hoje a
nossa associação funciona bem e até já apresentámos um projecto que foi financiado pelos
7 milhões. A associação recebeu 125 mil meticais … o projecto foi aprovado pelo conselho
consultivo do distrito (…).7
7
Entrevista com D. N., Gorongosa 14 de Abril de 2010.
(…) sou pastor da Igreja Fé dos Apóstolos de Moçambique desde 1969. Quando a inde-
pendência chegou em 1975, eu estava aqui em Gorongosa. Até 1976, estava tudo bem, mas
a confusão começou em 1977 quando a Frelimo começou a fechar as igrejas. Nós tivemos
que ir rezar muito longe, cerca de 12 km fora de Gorongosa. Nunca abandonei Gorongosa,
mesmo durante a guerra, fiquei sempre aqui e nunca deixei de ser pastor e nunca aceitei ser
membro da Frelimo … mas as coisas mudaram em 2002. Em 2002, chamaram-me lá no
partido [sede do partido Frelimo] e disseram-me: ‘então, pastor, o senhor. é presidente do
Encontro Fraternal [associação das Igrejas a nível local], não acha melhor ser membro do
partido [Frelimo]? Nessa altura eles [Frelimo] estavam a desconfiar que eu estava para me
filiar à Renamo … Então, eu aceitei ser membro da Frelimo, porque eu achei melhor assim
para mim e para os crentes da minha Igreja. E os crentes disseram-me: pastor, foi melhor
assim porque isso vai facilitar a nossa vida com o partido [Frelimo] e com o governo. E em
2007, fui escolhido pelo administrador para ser membro do conselho consultivo do distrito.
Nessa altura, ele disse-me: como o pastor colabora bem com a Frelimo e é presidente do
Encontro Fraternal [associação das Igrejas a nível local], o senhor. vai passar a ser membro
do conselho consultivo do distrito … e eu aceitei (…).8
8
Entrevista com F. A., Gorongosa, 15 de Abril de 2010.
(…) nós nunca conseguimos ter alguém da Renamo nos conselhos consultivos. O go-
verno diz que os conselhos consultivos são para fazer toda a gente participar na vida do
distrito, mas eles [governo] não aceitam ter nossos membros lá … só aceitam pessoas que
são membros da Frelimo. Por isso, para nós [Renamo] estes conselhos consultivos são
todos da Frelimo (…).9
9
Entrevista com I. Z. M., Gorongosa, 17 de Abril de 2010.
Quando estamos nas reuniões do conselho consultivo, o que fazemos muitas vezes é
aprovar os projectos [do OIIL]. O presidente da mesa [o administrador] lê projecto por
projecto e pergunta-nos se conhecemos o dono do projecto … e nós dizemos se o dono é
sério ou não. É assim que nós trabalhamos nas reuniões do conselho consultivo … Além
de aprovar os projectos, o conselho consultivo não tem outras tarefas (…).10
Assim, com base nos elementos acima apresentados, pode-se considerar que,
em muitos casos, os conselhos locais têm um papel marginal não só no que se re-
fere à elaboração dos PESODs como também no processo da sua execução e fis-
calização. Este facto é uma das consequências do sistema de partido dominante a
nível local, consubstanciado na tendência cada vez mais centralizadora do Estado.
As limitações que o guião sobre a organização e funcionamento dos conselhos
locais traz, em termos de participação efectiva no processo deliberativo, cristalizam
10
Entrevista com F. A., Gorongosa, 15 de Abril de 2010.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
Brito, L., 2010. Le difficile chemin de la démocratisation. Politique africaine, 117, pp. 5–22.
Carbone, G., 2003. Political Parties in a No-Party Democracy. Hegemony
������������������
and Oppo-
sition Under Movement Democracy in Uganda. Party Politics, 9 (4), pp. 485–502.
Carbone, G., 2007. Political Parties and Party Systems in Africa: themes and Re-
search Perspectives. World Political Science Review, 3 (3), http://adpm.pbworks.
com/f/africa+party+systems+carbone.pdf (acedido a 15 de Outubro de 2010).
INTRODUÇÃO
1
Em Marromeu, as eleições locais de 2003 produziram uma coabitação: a Renamo elegeu o Presi-
dente do Conselho Municipal, João Germano, com 50,01 % dos votos, e a Frelimo ganhou uma
maioria na Assembleia Municipal, com 50,22% dos votos.
2
Para um estudo aprofundado da vitória da Renamo nos municípios da região costeira da Pro-
víncia de Nampula, vide: D. M. do Rosário, Les mairies des “autres”: Une analyse politique, sócio-
-historique et culturelle des trajectoires locales. Les cas d’Angoche, de l’Île de Moçambique et de Nacala
Porto, Tese de Doutoramento em Ciência Política, Instituto de Estudos Políticos de Bordeaux,
Bordeaux, Abril 2009.
3
A Frelimo ganha as eleições em todas as províncias do sul do país, Maputo, Maputo-Província,
Gaza e Inhambane, com mais de 80% dos votos e igualmente nas do extremo Norte, nomeada-
mente Niassa (47%) e Cabo Delgado (58%).
4
A Renamo impôs-se em todas as províncias do centro e Este do país, nomeadamente: Sofala
(79%), Manica (42%), Tete (35%), Zambézia (53%) e Nampula (41%).
Sem acordo entre os dois principais partidos, a data das eleições foi fixada ini-
cialmente para o dia 27 de Dezembro de 1997, em pleno período das festas do fim do
ano, acabando por ser adiadas para 29 de Maio de 1998. Manuel Tomé dizia então:
Mas se a Renamo mantiver sua vontade de não participar, nós vamos aceitar sua esco-
lha. É a Renamo que vai perder ainda mais de sua credibilidade e as eleições terão na
mesma lugar, … não haverá deficit democrático nenhum provocado pela ausência duma
A credibilidade das eleições seria ditada pelos resultados … se pouca gente participasse, podia-
-se questionar a credibilidade das eleições, … mas se a vontade do povo fosse bem manifesta,
as eleições iam ganhar credibilidade. Por isso, esperava que o povo tivesse bem compreendido
que o processo é guiado duma forma transparente, com o desejo de construir um processo
democrático baseado nas leis, nas estruturas e instituições, e por isso o povo iria participar nas
eleições e vai se dirigir as urnas para dizer o que quer (Notícias, 14 de Março de 1998)
5
Entre os sete juízes conselheiros do Tribunal Supremo que analisaram o processo eleitoral muni-
cipal de 1998 para sua homologação, dois abstiveram-se e pediram a realização de um inquérito
ao processo eleitoral.
6
Não tinham sido contabilizados 580 eleitores em Monapo, 871 em Nampula, 847 em Pemba e
488 em Quelimane.
Há lixo em todas as ruas, o conselho municipal deve fazer alguma coisa para resolver o
problema … Os problemas de água, de electricidade, de estradas, a falta de escolas e de
postos de saúde nos bairros rurais da cidade estão longe de ser resolvidos, contrariamente
às promessas feitas durante a campanha eleitoral (CMCN, 2001).
7
Os responsáveis dos serviços locais do Estado (Saúde, Educação, Polícia, etc.) tinham a obriga-
ção de participar (com direito a palavra) nas sessões do Conselho e da Assembleia Municipal.
Estas organizações políticas associam as novas elites chefes e notáveis locais cuja au-
toridade resulta de posições sociais anteriormente adquiridas, ou conquistadas segundo
procedimentos antigos, … ou ainda oferecem aos notáveis o acesso a novos recursos e
ocasiões de “demonstrar o poder”.
8
Quase a mesma do primeiro processo eleitoral autárquico, mas desta vez com a participação de
todos os partidos políticos e grupos de cidadãos independentes.
Votos Votos
Partidos/G. cidadãos % Candidatos %
obtidos obtidos
PT 230 0,86 Cesar Gabriel 1.304 5,0
Os resultados foram planificados muito antes das eleições. Quando algumas pessoas
anunciam a vitória antes do jogo, isso quer dizer que existiam planos concretos no ter-
reno … Se a Renamo ganhou em Nacala Porto é porque ela fez vir pessoas de Memba,
de Nacala-a-Velha, Itoculo e de Mossuril … Os dados da nossa contagem paralela são
muito diferentes dos resultados oficiais anunciados pela comissão distrital de eleições. Os
números constantes nos editais em nossa disposição são completamente diferentes dos
resultados oficiais, … ninguém compreende o que se passou”.
9
Por “poder dominante” Carothers (2002) entende um poder fundamentalmente caracterizado
pela dificuldade de se distinguir o Estado do partido no poder. Nesse sistema, o Estado, enquanto
fonte de recursos financeiros, de empregos, de serviços de informação pública e com o controlo
que exerce sobre a polícia, é gradualmente posto ao serviço do partido no poder. Sobre o regresso
ao partido-Estado Frelimo, veja-se a carta pastoral dos padres católicos de Moçambique em
http//oficina de sociologia.blogspot.com/2008/06/bispos-denunciam-partidarizaçao-do-Esta-
do.html (acedido a 26 de Junho de 2008).
10
Num Relatório intitulado «Balanço da Governação Municipal-1998-2003» escrito pelo PA-
DEM (Programa de AJuda à Descentralização em Moçambique) e pela Fundação Friedrich
Ebert sobre o primeiro processo de municipalização, Nacala-Porto constituía um dos exemplos
de gestão do solo urbano, gestão financeira, participação popular no pagamento de impostos,
melhoria das condições de vida dos habitantes, etc.
11
Faraó era o adversário que se opôs ao projecto de Deus até ao fim. Recusa categoricamente
obedecer à ordem de Mussa. Este não categórico inscreve-se no seguimento de uma política de
opressão já existente e livremente assumida, evocando claramente a autonomia de Faraó. É ele
que se opõe ao projecto de Deus e que se declara inimigo do povo de Deus, e como corolário
inimigo de Allah.
12
Num meio social muito islamizado, onde a maioria das pessoas viveu abusos e a perseguição de
que o Islão foi vítima ao nível local durante os primeiros anos da revolução, onde as crianças
seguem o ensinamento do alcorão nas Madrassas, e onde, por todo o lado, desde a sua infância,
o conflito entre Faraó e Allah é insistentemente renovado nas crianças, a probabilidade de estas
mensagens ganharem um eco muito forte é maior. Durante as minhas entrevistas em Nacala
Porto, fui interpelado por uma criança de quase 9 anos, acusando-me de ser cristão e, portanto,
inimigo do profeta Muhammad e dos muçulmanos.
Para libertar o povo da prisão do Faraó-Fauna-Frelimo era necessário fazer a guerra e ela
foi conduzida pela Reh’ma-Renamo. Se a Renamo não tivesse existido, nem Abdul Razaq,
nem Chissano viriam aqui para fazer o que quer que seja. … Ontem, quando a Renamo
não existia, os dirigentes da Frelimo vinham aqui apenas para gozar convosco e com a
religião e vos impedir de rezar. Já se esqueceram do que Samora Machel veio fazer aqui?
(Entrevista com Silvestre Omar, 6 de Novembro de 2006).
Como é que a Frelimo sabe que esta doença vai chegar? Os secretários de bairro13 da Fre-
limo distribuem-vos sempre “cólera” [cloro] para vos matar. Como é que é possível? Existe
alguém entre vocês que apanhou esta doença durante o tempo colonial? Esta doença é uma
invenção da Frelimo para vos matar porque vocês são favoráveis à Renamo. É por isso que
vos distribuem garrafas com cólera (cloro) … Vocês vão votar em alguém que sempre quis e
continua a querer vos matar? (Entrevista com Cetade Juma, 16 de Agosto de 2006).
13
Antigos secretários dos Grupos Dinamizadores, formalmente abolidos como órgãos do partido
Frelimo, mas que sobreviveram graças ao exercício de funções político-administrativas ao nível
da base. Os secretários dos Grupos Dinamizadores eram responsáveis pelo enquadramento ide-
ológico das comunidades vivendo nas aldeias e bairros durante o período socialista.
14
Este procedimento contrasta com a atitude normal da Renamo durante os períodos eleitorais
que é de fazer comícios e campanha de rua.
O SENTIMENTO DE EXCLUSÃO
Os habitantes de Nacala Porto viam a Frelimo como o único responsável
pela situação de desemprego e de pobreza em que se encontravam:
Muitas pessoas tinham emprego durante o período colonial na Socajú, Mogás, Cimentos
de Moçambique, Cicomo, mas com a chegada da Frelimo e a instalação das comissões de
gestão, tudo foi destruído e fechado… Fomos dispensados do Porto. Diziam que queriam
jovens com formação mais elevada que a nossa, … olha, nossos filhos têm formação mais
avançada, mas não conseguem trabalhar no porto e nas alfândegas. São os landins que
ocupam os postos, roubam dinheiro do Estado e saem com nossas filhas… O porto de
Nacala participa grandemente no orçamento nacional, mas não vimos nada aqui (Entre-
vista com Pedro Y. Bonga, 4 de Novembro de 2006).
A Socajú, que empregava quase 4 000 pessoas, foi fechada. O Estado-Frelimo dizia que
era devido à falta de matéria-prima, mas víamos grandes quantidades de castanha de
cajú que saíam pelo porto para abastecer as empresas do sul … A partir desse momento
nunca mais saímos da miséria. Tínhamos coisas para comer e para alimentar as nossas
famílias, mas agora não temos mais nada, perdemos tudo. Se quiserem podem nos matar,
mas estaremos sempre ao lado da Renamo (Entrevista com Manuel A. Ibrahimo, 13 de
Agosto de 2006).
15
Para perceber as razões dos cálculos desproporcionais das indemnizações, ver Xitimela, publica-
ção semestral dos CFM, Junho de 2001, n°10.
(…) vou ferir a população de Nacala Porto. Mas a verdade deve ser dita, não!?… visitei
muitos países e cada país tem características particulares que podem servir de exemplo.
Tomemos o exemplo da religião: … encontrei católicos, protestantes, ortodoxos. Mas
encontrei também muçulmanos que existem em todos os cantos do mundo… Temos
muçulmanos também em Moçambique. Os muçulmanos comem gado, não é? … Mas
existe uma parte do mundo onde seus habitantes não comem o gado. Por exemplo na
Índia, a maioria da população não come … mas criam 400 milhões de cabeças de gado.
Porquê? Porque o gado constitui uma fonte de riqueza, fonte de divisas para o país que é
obtido através da venda de carne de gado, da sua pele e do leite que alimenta milhares e
milhares de crianças – portanto esta população cria o gado… Noutros países encontrei
Muçulmanos. Vocês sabem o que eles comem? Não sabem? É o porco, não?… Aliás, aqui
me parece que… o porco é Deus, não é? Mas quando estão bêbados comem o porco.
Vocês todos já comeram carne de porco… comeram carne de porco, morreram? Ficaram
doentes? Não… mas ao contrário ficaram gordos e mais fortes… Nos países por onde
passei e encontrei muçulmanos, encontrei-lhes a criar muitos porcos e não vi nenhum
muçulmano que tenha morrido, ou ficado maluco por ter tocado um porco, mas vi um
país que exporta 500 mil toneladas de carne de porco … Essa quantidade é suficiente
para desenvolver toda a província de Nampula. Gostaria que seguissem o exemplo dessa
gente aí que é mais muçulmana que vocês. Isto não é apenas válido para Nacala, mas para
toda a província de Nampula. Vos peço a carne de porco para exportar… Temos aqui
um porto muito bonito para exportar essa carne. O porco é um animal fácil de criar e
de se reproduzir. Não vão morrer, pelo contrário, terão dinheiro para construir hospitais,
escolas, fábricas e assim desenvolver Nacala e vosso porto… É completa ignorância ter
medo do porco. Essa ignorância é provocada pelo vosso obscurantismo… Gosto da car-
ne de porco para vendê-la. Portanto, vou-me associar a vocês para que possamos criar o
porco…. a religião é o nosso primeiro inimigo. Vamos resolver essa contradição entre nós
e esse inimigo (Notícias da Beira, 9 de Julho de 1977).
Para os líderes muçulmanos locais, este discurso foi considerado como uma
heresia e como um atentado à sua liberdade de praticar o Islão. Isto gerou um con-
16
Era boa parte da população adulta de Nacala Porto e vinda dos distritos vizinhos de Nacala-a-
-velha e Mossuril. Toda a população era obrigada a participar neste tipo de eventos, sob pena de
ser considerada “inimiga” do povo.
17
Afonso Dhlakama tinha obtido 48%, realizando uma progressão de 15% de votos em relação a
1994.
O governo da Frelimo toma todas as medidas em sua disposição para nos destruir, com a
intenção de deixar perceber às populações que não trabalhamos,… não nos dão os valores
que temos direito, ou então condiciona a sua concessão. Por exemplo, o dinheiro do orça-
mento do Estado para o combate à erosão. Para conseguir este dinheiro somos obrigados
a recorrer a manobras; e o mais grave é que esse dinheiro é gerido pela Secretaria Provin-
cial. Estamos no fim do ano, mas só nos deram apenas a metade do dinheiro, quer dizer
que não teremos a outra metade. Me parece que gastaram o dinheiro noutras actividades
… Apesar do esforço que desenvolvemos para fazer um trabalho visível, me parece que
há uma vontade política de bloquear nossa governação (Magazine Independente, 19 de
Setembro de 2007).
Durante a campanha eleitoral para as eleições locais, a Renamo tinha prometido resolver
o problema de água nos bairros da cidade… enganaram a população e, até agora, nada foi
feito. Pelo contrário, as pessoas que compraram a bomba de água para dar água à população
foram os empresários Gulamo Moti e Gulamo Raju Ussene, membros do partido Frelimo…
O presidente do Município foi a Naherenque e encontrou uma bomba a funcionar e disse
às populações que era o resultado do cumprimento das suas promessas eleitorais e iria con-
tinuar a inaugurar outros sistemas de abastecimento de água noutros bairros (Zambeze, 25
de Novembro de 2004).
A falta de dinheiro evocada pelo governo central é uma possibilidade a não ex-
cluir, ainda mais porque o dinheiro podia ter sido desviado para financiar a campanha
eleitoral do partido Frelimo para as eleições de 2004. Mas a perspectiva da realização
das eleições provinciais durante o ano de 2007 também pode ter sido um motivo para
o Estado-Frelimo adiar o fim do projecto para o início desse ano e tirar vantagens da
inauguração desses projectos. O presidente do município de Nacala dizia:
A problemática de água constitui uma acção premeditada para fazer sofrer as populações
que depositaram confiança no nosso partido, e por via de consequência desacreditar a Re-
namo… O problema de água é muito mais político que financeiro … A falta de água será
catastrófica para a população se a chuva não cair este ano aqui em Nacala… A reserva de
água da barragem sobre o rio Mecula está a secar (Entrevista com Manuel dos Santos, 16
de Setembro de 2007).
Durante nosso mandato fomos oferecer a esta senhora capulanas e arroz. Contente, ela
ajoelhou, espalhou farinha e no dia seguinte a chuva caiu abundantemente. A barragem
encheu e durante alguns meses o problema de água estava sob controlo, até que ela fe-
chou de novo a chuva (Domingo, 19 de Março de 2006).
18
É necessário não esquecer que as eleições municipais de 2003 tiveram lugar um ano antes das
eleições gerais de 2004. Ora, uma possível boa governação da Renamo ia dar a impressão de que
ela poderia melhor governar o país e de uma forma diferente da Frelimo.
Nunca pensei em me demitir devido a problemas no seio do meu partido… vou continuar
até ao fim do meu mandato, porque fui eleito pelo povo. E as pessoas que me escolheram
querem ainda trabalhar comigo, porque estou a fazer um bom trabalho (Notícias, 15 de
Fevereiro de 2005).
19
Ver a carta pastoral dos bispos católicos de Moçambique, in http//oficinadesociologia.blogspot.
com/2008/06/bisposdenunciam-partidarização-do-estado.html” (acedido a 9 de Setembro de 2009).
Eu lhes pedi para vir nos ajudar porque são técnicos que têm qualidades excepcionais
na área administrativa… O conselho Municipal não é a sede de meu partido, nem da
Renamo. Quando venho aqui não encontro a bandeira da Frelimo nem da Renamo, mas
a bandeira da República, por isso não vejo a razão para estas todas inquietações (Notícias,
13 de Março de 2004).
Uma coisa que contribuiu para a derrota eleitoral do antigo presidente do conselho munici-
pal Geraldo de Brito Caetano [da Frelimo] está a voltar a acontecer e será determinante nas
próximas eleições municipais… É um problema que vai pesar nas próximas eleições mu-
nicipais… É a política do camaleão. Existem aqui em Nacala políticos que mudam de cor
todos os dias e todo o tempo (Entrevista com Mussa Amade, 7 de Novembro de 2006).20
20 Por exemplo, o antigo representante do Estado e candidato da Frelimo nas eleições municipais
de 2008, Chale Ossufo, e o antigo Secretário Permanente do distrito-cidade de Nacala Porto
pertenciam ao mesmo tempo à Renamo e à Frelimo. Ver “Município de Nacala Porto: Candidato
da Frelimo é membro da Renamo”, in http://www.canalmoz.com/default.jsp?file (acedido a 11
de Setembro de 2009).
Tive problemas com meus camaradas do partido, contudo persisti. Mesmo o presidente do
partido Afonso Dhlakama quis saber porque é que mantinha esses homens da Frelimo, eu
lhe expliquei… (Magazine Independente, 19 de Setembro de 2007).
Mas não tinha capacidade estrutural para fazer face à pressão vinda “de bai-
xo”, nomeadamente dos membros influentes residentes nos bairros que queriam
também ser integrados na rede do município. De facto, a implementação de uma
política municipal da Renamo em Nacala Porto dependia exclusivamente da ex-
tensão da rede municipal nos bairros. Sempre com o mesmo espírito de profis-
sionalização da administração, o presidente do Conselho Municipal demitiu dois
chefes das unidades administrativas autárquicas de Mutiva e Muanona e vinte e
dois secretários de quarteirões, “acusados de exercer actividades políticas a favor
do partido Frelimo”, e nomeou membros do seu partido para ocuparem essas po-
sições: “Queremos trabalhar com pessoas que representam interesses da sociedade
civil, e não com os que representam interesses de partidos políticos.” (Notícias, 3
de Junho de 2005).
Os secretários de bairro são a interface local do poder administrativo. Adqui-
rem as suas posições graças à confiança que os residentes do bairro depositam em
si. Mas a sua função é controlada pelas autoridades municipais, que os nomeiam
oficialmente e lhes pagam um salário de 600 meticais por mês. Exercem funções
de proximidade que os tornam no primeiro interlocutor entre as populações do
bairro e as estruturas administrativas. Em Nacala Porto, a Renamo tinha necessi-
dade de trabalhar com as suas autoridades comunitárias, nomeadas e legitimadas
pelo Decreto 80/2004, porque iriam jogar não somente um papel administrativo,
mas também político, de mobilização e de difusão da sua política municipal.
A mesma medida de expulsão foi estendida aos cobradores de taxas e im-
postos nos mercados locais, que eram acusados pelo presidente do Município de
serem responsáveis pela baixa de receitas constatada durante os primeiros meses
da gestão da Renamo (CMCN, 2005c).
Durante os primeiros meses as receitas provenientes das taxas dos mercados locais ti-
nham tendência a baixar… Mais da metade das receitas cobradas nos três mercados não
O Presidente do Município diz que o município não podia construir escolas nem poços
de água nos bairros de Mahelene e de Lille, porque eram zonas não prioritárias e por isso
nenhum orçamento tinha sido previsto para o ano 2000 (CMCN, 1999).
21
A escola e o posto de saúde tinham sido pedidos pelos habitantes deste bairro à Renamo aquan-
do da campanha eleitoral. Para receber cuidados médicos, os habitantes de Mahelene caminha-
vam cerca de 25 km até ao centro da cidade, enquanto as crianças percorriam cerca de 12 km por
dia (ida e volta) para ir à escola situada no Bairro de Quissimajulo. Entrevista com Cetade Juma,
secretário do partido Frelimo em Mahelene, realizada no dia 16 de Agosto de 2006.
Enviaram professores que nem sequer conhecem os nossos hábitos culturais… o que
é que vão ensinar às nossas crianças? A “doutrina” da Frelimo? Nunca mandaremos as
nossas crianças a essa escola… A Frelimo deve autorizar a Renamo a abrir a sua escola
e escolher os seus professores… senão vamos continuar a mandar as nossas crianças à
Madrassa, como fazemos até agora (Entrevista com M. Aiuba, 16 de Agosto de 2006).
22
O papel das ONGs internacionais no apoio ao Estado-Frelimo é de relaçar. Não foi apenas em
Nacala Porto que se registaram exemplos de alinhamento com o partido no poder a nível nacio-
nal em detrimento do local. Por exemplo, em Angoche, município que também estava sob gestão
da Renamo, o presidente do Conselho Municipal também se queixava da SNV, organização
holandesa para o desenvolvimento, que, depois de ter financiado programas e desenvolvimento
durante o mandato da Frelimo (1998-2003), se retirou quando a Renamo tomou o poder nos
finais de 2003 (Entrevista com Alberto Omar, 25 de Outubro de 2006).
A oposição, no nosso país, não deve desaparecer, mas o partido Frelimo, no poder, deve
prosseguir os seus esforços de forma a reduzir a oposição à mais estrita insignificância…
Faremos tudo o que for necessário de modo que a Frelimo continue sempre no poder e
que continue a melhorar a sua acção… Milhares de partidos podem ser criados e partici-
par em todas as eleições, mas a Frelimo continuará no poder neste país… Queremos que
dentro de alguns anos a oposição não entre mais no parlamento; dito de outra forma, no
futuro, todos os assentos no parlamento devem ser ocupados pelos nossos deputados…
Não sou a favor do desaparecimento da oposição, mas ela deve permanecer insignifican-
te (Notícias, 28 de Abril de 2007).
23
Na cidade da Beira (Sofala), foi o antigo presidente (ex-Renamo) que, expulso do partido, se
apresentou como independente e ganhou o escrutínio com 62% dos votos expressos. O candida-
to da Frelimo, Lourenço Bulha, obteve 34% dos votos e o candidato oficial da Renamo, Manuel
Pereira, 3%.
Para salvar a democracia e evitar violência política pós-eleitoral semelhante àquela que
teve lugar no Kenya e no Zimbabwe, a Renamo deve ignorar os resultados oficiais e
negociar com o Presidente da Frelimo, Armando Guebuza, a partilha do poder nos mu-
nicípios … Não queremos guerra. Condenamos estas eleições. Foi um crime eleitoral …
Queremos negociar com o Chefe do Estado para preservar a democracia… O povo foi
roubado… Gostaria que o presidente Guebuza reconhecesse o crime eleitoral que foi
cometido… Devemos negociar a partilha do poder nos municípios para evitar o que se
passou no Kenya (O País, 13 de Janeiro de 2009).
Vou dirigir uma campanha de instabilidade política… Vou, dentro de alguns dias, investir
os candidatos da Renamo nos postos de Presidentes dos Conselhos Municipais onde
fomos roubados pela Frelimo nas eleições de 2008… Vamos instalar as administrações
municipais paralelas, onde os Presidentes da Renamo vão também nomear vereadores
para gerir o poder local (O País, 27 de Janeiro de 2009).
24
A utilização deste procedimento pela Frelimo está documentada em vários casos. Por exemplo,
em 2005, aquando das eleições intercalares em Mocimboa da Praia, convocadas devido à mor-
te do presidente do Conselho Municipal, pessoas vivendo em Nampula, Pemba, Montepuez e
outros distritos vizinhos foram transportadas em camiões e autocarros alugados pelo Partido
Frelimo para votar no seu candidato no Município de Mocímboa. Ver: Observatório Eleitoral,
Relatório preliminar do processo de observação e recolha de apuramentos parciais. Eleição Intercalar:
Mocimboa da Praia 2005, Maputo, Junho de 2005.
25
De facto, a deliberação foi anulada nas vésperas da votação, mas é provável que a decisão não
tenha chegado a tempo ao conhecimento de todas as mesas de voto.
26
No mês de Junho de 2004, teve lugar em Nampula uma conferência nacional de quadros do
partido Frelimo na qual participaram também os administradores de distritos, sem que isso
levantasse um escândalo, com o objectivo de preparar a campanha eleitoral. Nesta reunião, Ar-
mando Guebuza desenvolveu um discurso nacionalista, voluntarista e de ruptura com as práticas
da antiga direcção. Criticou o “deixa andar” e engajou-se a combater a pobreza.
Curiosamente, ontem, dia do anúncio dos resultados eleitorais, todas as torneiras da ci-
dade jorravam água com abundância – o que não acontecia desde há muitos anos, o que
foi visto pelos habitantes da cidade de Nacala como um bom presságio para a gestão
municipal de Chale Ossufo (Notícias, 18 de Fevereiro de 2009).
LEGISLAÇÃO
Decreto 65/2003, de 31 de Dezembro de 2003. Boletim da República, I Série, n°53,
2° Suplemento.
Lei 2/97, de 18 de Fevereiro de 1997. Boletim da República, I Série, n°7, 2° Suple-
mento.
Lei 3/94, de 13 de Setembro de 1994. Boletim da República, I Série, n°37, 2° Suple-
mento.
Resolução n° 3/81, de 2 de Setembro de 1981. Boletim da República, I serie, n°35,
2° Suplemento.
INTRODUÇÃO
1
Dos restantes partidos com representação na Assembleia da República, nas assembleias provin-
ciais e nas assembleias municipais, apenas a Renamo tem uma organização relativamente impor-
tante, com delegações em todas as províncias e na maioria dos distritos, mas a sua abrangência e
presença no terreno não pode ser, de maneira nenhuma, comparada à da Frelimo.
2
O conceito de “governação” é muito mais abrangente do que “governo” e, contrariamente a uma
opinião bastante generalizada, deve ser, neste caso, entendido que a falta de legitimidade se aplica
a todas as organizações e instituições políticas, sem excepção.
3
Num certo momento, com a dupla subordinação do STAE à CNE e ao executivo, esboçava-se a
adopção de um modelo misto. No entanto, com a subordinação permanente do STAE à CNE,
actualmente em vigor, voltou-se para o modelo independente.
4
Este aspecto decorre dos termos do Acordo Geral de Paz (AGP) assinado em Roma a 4 de
Outubro de 1992 (Lei 13/92). O AGP estabelecia que a Renamo apresentaria “um terço dos
membros a designar na referida Comissão” (ponto IV. 3a do Protocolo III).
5
No caso de não haver uma proposta consensual dos membros da comissão para a figura do presi-
dente da mesma, estes deveriam submeter ao Presidente da República uma lista de cinco nomes
dentre os quais ele faria a sua escolha.
6
A ONU estava presente no processo moçambicano através de uma operação especial designada
ONUMOZ.
7
Com excepção da última legislação eleitoral, que se aplicou às eleições presidenciais e legislativas
de 2009, aprovada apenas pela bancada da Frelimo, toda a restante legislação foi sempre formal-
mente aprovada por unanimidade na Assembleia da República. No entanto, essa unanimidade era
na realidade falsa na sua essência pois foi sempre resultado de negociações de última hora (apenas
a alguns meses da data das eleições) e de pressões várias da comunidade internacional sobre os
partidos, depois de as comissões de revisão da legislação eleitoral terem trabalhado durante longos
meses, por vezes anos, sem atingirem um consenso.
8
O próprio Acordo Geral de Paz, cuja negociação levou mais de dois anos, não obstante ser am-
plamente celebrado como um sucesso (o que é inegável do ponto de vista da solução do conflito
armado e da instalação no país de um clima de paz duradoura), pode ser visto mais como uma
rendição negociada da Renamo, do que como uma verdadeira solução consensual do conflito, o
que não é indiferente no que diz respeito à forma – e limitações – que assumiu o posterior pro-
cesso de democratização.
9
Dada a falta de tradição de negociação entre os partidos, o recurso à regra do consenso pode
significar alguma dificuldade inicial na obtenção de um acordo entre todas as partes, mas permite
depois uma maior legitimidade e eficiência na gestão do processo eleitoral, na medida em que
impede que as escolhas sejam feitas apenas com base em interesses estritamente partidários.
10
Na actual situação, à semelhança da CNE, toda a actividade do STAE é suspeita de ser influen-
ciada pelos interesses da Frelimo. Por outro lado, em processos eleitorais anteriores, a inclusão
de representantes da oposição no STAE, prevista na lei para garantir uma maior transparência e
confiança no processo, apenas teve como resultado inúmeras situações de tensão e dificuldades
no seu funcionamento.
11
Inicialmente regido pela lei eleitoral (Lei 4/93), passou desde 1997 a ser tratado numa lei espe-
cífica, a Lei 5/97, mais tarde substituída pela 9/99, a que se seguiram as leis 18/02 e 9/07.
12
É por esta razão que o valor oficial da abstenção nestas eleições (64%) está inflacionado. Na
verdade, a abstenção terá sido apenas ligeiramente superior a 50%.
13
Em princípio, há em cada ciclo dois anos eleitorais, sendo um para as presidenciais, legislativas e
provinciais e o outro para as autárquicas.
14
Dentre outras funções, pode-se salientar que o recenseamento, no sistema eleitoral moçambica-
no, serve também para definir o número de mandatos para cada círculo eleitoral.
15
A utilização de computadores no processo eleitoral sempre suscitou a oposição da Renamo,
quer para as operações de recenseamento eleitoral, quer para o apuramento dos resultados. Esta
oposição expressa uma desconfiança exagerada, mas que se pode compreender dado o controlo
que a Frelimo exerce sobre o processo e alguns problemas observados no uso de computadores
e programas, como aconteceu, por exemplo, com os programas informáticos de apuramento dos
resultados. Nestas condições, e dado que a informatização tem o potencial de facilitar e melho-
rar significativamente o processo eleitoral, a solução parece passar pela instituição de órgãos de
gestão reconhecidos por todas as partes como efectivamente independentes e imparciais, capazes
de estabelecer mecanismos de transparência total em relação a todas as suas actividades, fazendo
assim com que a desconfiança em relação a este tipo de solução técnica desapareça.
16
Note-se, no entanto, que muitos dos problemas que afectam a qualidade do desempenho dos ór-
gãos de gestão eleitoral resultam simplesmente da marcação tardia da data das eleições, que, entre
outras dificuldades, obriga a um trabalho sob pressão extrema do tempo e tem provocado sobrepo-
sições inevitáveis de alguns prazos legais com todos os efeitos perversos que daí decorrem.
17
Embora sempre tenham sido registados problemas com a observação eleitoral, depois das elei-
ções de 1994, houve momentos particularmente tensos envolvendo a observação internacional
em 2004. Naturalmente, a observação deve ser não só facilitada para reforçar a confiança e a
credibilidade dos resultados, como deve abranger todas as fases e actos do processo eleitoral, sem
excepção, e a única razão de incluir esta proposta a propósito do recenseamento eleitoral é porque
este constitui o primeiro momento desse processo.
18
Quando se diz “formato digital”, entende-se um formato que possibilite o tratamento e análise
da informação e não apenas a sua consulta.
19
Em geral, os órgãos de gestão eleitoral moçambicanos devem ter a preocupação, à semelhança do
que acontece na maior parte dos países, de desenvolver e manter um website onde divulgam uma
grande variedade de materiais relativos às eleições, desde a legislação e regulamentos, a materiais
de educação eleitoral, passando por estudos e resultados de inquéritos, resultados eleitorais e uma
grande variedade de dados estatísticos.
20
De facto, não só a divulgação pela CNE do número e localização das assembleias de voto tem
sido tardia, como tem sido incompleta: apenas locais de votação, sem indicação dos códigos das
assembleias, desrespeitando o que está estipulado na lei.
21
Estas afirmações nunca foram sistematicamente documentadas de maneira a confirmar, sem
margem de dúvida, a acusação, apesar de haver também registo de alguns testemunhos nesse
sentido de alguns observadores eleitorais.
22
Infelizmente, até hoje nenhuma sanção foi aplicada aos autores de tais práticas, mesmo em casos
perfeitamente documentados.
23
O maior dos quais parece ser o de não deixar um traço físico dos votos individuais.
24
Para uma apresentação pormenorizada do sistema, ver http://eci.nic.in/eci_main/Audio_Video-
Clips/presentation.asp.
25
A aprovação tardia e os erros e falhas detectadas em cima da hora nos programas informáticos
aprovados pela CNE para o tratamento dos resultados tem estado na origem de grandes descon-
fianças e fortes críticas por parte dos partidos da oposição.
NOTA FINAL
26
Recorde-se que a contagem nas mesas é feita à noite em condições pouco favoráveis, destacando-se
o cansaço dos membros da mesa depois de um longo dia de trabalho, as condições de iluminação
frequentemente pouco adequadas, e em alguns casos o baixo nível académico dos responsáveis
pelas operações de contagem que também favorece a ocorrência de erros.
27
Traduzido pelo autor de “Observing the 2004 Mozambique Elections”, The Carter ������������
Center, Spe-
cial Report Series, October 2005, p. 23.
1
Ver, por exemplo, o dossier de apresentações feitas no decurso do seminário sobre “Os desafios de
crescimento económico e do emprego em Moçambique”, organizado pelo governo de Moçam-
bique em colaboração com o DFID, o Banco Mundial e o FMI, e que decorreu em Maputo de
9 a 11 de Fevereiro de 2011.
• Outro argumento sugere que os incentivos fiscais são para compensar as em-
presas pelo investimento em infra-estruturas. De facto, o investimento em
infra-estruturas é deduzido da matéria tributável não coberta pelos benefícios
fiscais. Além disso, as infra-estruturas criadas pelos mega-projectos são geral-
mente usadas para satisfazer as necessidades desses projectos e praticamente
não adicionam nada às capacidades mais gerais da economia.
CONCLUSÕES
REFERÊNCIAS
LIVROS E ARTIGOS
Amarcy, S. e Massingue, N., 2011. Desafios da expansão dos serviços financeiros
em Moçambique. In Brito, L., Castel-Branco, C., Chichava, S. e Francisco, A.
(orgs), Desafios para Moçambique 2011. Maputo: IESE.
Arndt, C. e Tarp F. (eds.), 2009. Taxation in a low-income economy: the case of Mozam-
bique. New York: Routledge.
Boas & Associates, 2011. Report on the preparation and reconciliation of the first
EITI report. Maputo.
Bolnick, B., 2009. Investing in Mozambique: the role of fiscal incentives. Maputo: USAID.
Byers, B., 2009. Taxation in retrospect. In Arndt, Ch. e Tarp F. (eds.), Taxation in a
low-income economy: the case of Mozambique. New York: Routledge.
Castel-Branco, C., 2002a. An investigation into the political economy of industrial po-
licy: the Mozambican case. Unpublished PhD Thesis: London: Univ. of Lon-
don (SOAS).
Castel-Branco, C., 2002b. Economic linkages between South Africa and Mozam-
bique. Research report. http://www.iese.ac.mz/lib/cncb/AI-2002a-SA-Mo-
zambique-linkages.pdf.
Castel-Branco, C., 2002c. Mega projectos e estratégia de desenvolvimento. Mi-
meo. http://www.iese.ac.mz/lib/cncb/Mega_projectos_Moz_texto.pdf.
Castel-Branco, C., 2004. What is the experience and impact of South African tra-
de and investment on growth and development of host economies? A view
from Mozambique. HSRC Conference on “Stability, poverty reduction and
South African Trade and Investment in Southern Africa”, 29-30 March. Pre-
toria. http://www.iese.ac.mz/lib/cncb/CCA-AI-2004-Impact-of-SA-trade-
-and-FDI.pdf.
INTRODUÇÃO
AGRICULTURA (E Desconto de 80% na taxa do IRPC até Desconto na taxa do IRPC de 80% até
AQUACULTURA EM 2009) 2012 2015; 50% entre 2016 até 2025.
HOTELARIA E TURISMO O pacote por do CFI por províncias é re- Sujeito aos benefícios gerais e outros
forçado em 3 pontos percentuais. específicos aplicáveis.
ZONAS FRANCAS Desconto de 60% na taxa do IRPC du- Isenção total nos primeiros 10 anos;
INDUSTRIAIS (ZFIs) rante os primeiros 10 anos. desconto de 50% entre o 11º e o 15º
ano; 25% no restante tempo de vida do
projecto.
ZONAS DE CFI que garante durante 5 anos fiscais CFI que garante durante 5 anos fiscais
DESENVOLVIMENTO um desconto no valor do IRPC de 20% um desconto no valor do IRPC de 20% do
RÁPIDO (ZDRs) do valor total do investimento. valor total do investimento.
FONTE CBF, 2002; CBF, 2009; Lei 13/2007 e Bolnick e Byiers, 2009
NOTA
N.A.: Sem definição específica do sector no respectivo cbf.
(*) Investimento mínimo no valor de US$ 500.000.
CRÉDITO FISCAL POR Infra-estruturas Públicas pelo sec- Infra-estruturas Públicas pelo sec-
INVESTIMENTO tor privado ou por Parcerias Públi- tor privado ou por PPPs: Descon-
co-Privadas (PPPs): Descontos até tos de 120% na matéria colectável
150% na matéria colectável (120% (110% para cidade de Maputo) du-
para investimentos realizados na rante 5 anos.
cidade de Maputo) durante 10 anos.
DEPRECIAÇÃO ACELERADA Aplicação de taxas de depreciação Aplicação de taxas de depreciação
o dobro das taxas normais. Para 1.5 vezes superior ás taxas normais.
investimentos realizados nos sec-
tores de hotelaria e turismo a taxa
é triplicada.
MODERNIZAÇÃO E INTRODUÇÃO Desconto de 15% da matéria colec- Desconto de 10% da matéria colec-
DE NOVAS TECNOLOGIAS tável. tável.
FORMAÇÃO/TREINAMENTO Durante cinco anos, desconto até 5% Durante cinco anos, desconto até 5%
PROFISSIONAL da matéria colectável (10% no caso da matéria colectável (10% no caso
de treinamento para uso de tecnolo- de treinamento para uso de tecnolo-
gia de ponta). gia de ponta).
FONTE CBF, 2002; CBF, 2009; Lei 13/2007 e Bolnick e Byiers, 2009.
1
Por exemplo, a Mozal obteve o benefício excepcional de substituir o pagamento do IRPC à taxa
de 32% pelo pagamento de um valor correspondente a 1% das vendas brutas. De acordo com
Kuegler (2009), isto representou em 2006 um desconto de cerca de 90% na taxa do IRPC.
FONTE CBF, 2002; CBF, 2009; Lei 13/2007 e Bolnick e Byiers, 2009.
NOTAS
Classe “K” refere-se a classe de bens de capital.
n.a.: Sem definição específica do sector no respectivo CBF.
FONTE CBF, 2002; CBF, 2009; Lei 13/2007 e Bolnick e Byiers, 2009.
NOTA
N.A.: Sem definição específica do sector no respectivo CBF
NOTA
(*)
Para 2002 e 2003 os dados da CGE referem-se a contribuição industrial.
GRÁFICO 1 EVOLUÇÃO DO IPRS E DO IRPC, 2002-2008 (EM MILHÕES DE METICAIS A PREÇOS CORRENTES)
6.000
5.000
4.000
3.000
2.000
1.000
0
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Embora não tenha sido possível obter os dados sobre a evolução da massa
tributável, o artigo usa a combinação de algumas variáveis para obter uma aproxi-
mação do comportamento desta variável. Se considerarmos uma taxa de imposto
constante (o que se pode considerar uma assumpção razoável para o período em
análise – exceptuando no caso dos DA), teremos que o somatório dos montantes
absorvidos pelos impostos e pelas isenções representam uma proporção fixa da
respectiva massa tributável. Assim, podemos usar a evolução do somatório das
receitas arrecadadas e das isenções fiscais como proxy para evolução da massa
tributável identificada pelo sistema tributário.
12.000
10.000
8.000
6.000
4.000
2.000
0
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
100%
80%
60%
40%
20%
0%
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
GRÁFICO 4 EVOLUÇÃO DOS MONTANTES ISENTOS COMO PROPORÇÃO DOS MONTANTES ARRECADADOS POR VIA DO
IRPC E DOS IMPOSTOS SOBRE IMPORTAÇÕES (IVA, DA e ICE), 2002-2008 (%)
120%
100%
80%
60%
40%
20%
0%
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
2
No caso das importações, porque estas não adicionam ao PIB, o seu aumento não contribui
para redução do rácio RF/PIB e qualquer aumento no valor das receitas arrecadas por via das
importações contribui para o aumento do rácio RF/PIB.
• Os megaprojectos têm custos de insucesso (ou sunk costs) muito altos por
causa da dimensão e complexidade destes investimentos. Deste modo, estes
empreendimentos são pouco sensíveis a incentivos de curto prazo ou de
ocasião, e muito sensíveis às estratégias corporativas globais, dinâmicas dos
mercados, condições logísticas e de infra-estruturas, acesso barato e seguro a
recursos produtivos e custos do capital. Em Moçambique estes projectos são
orientados para mercados externos maiores e com acordos futuros, investem
massivamente na infra-estrutura e logística de que necessitam, exigem livre
repatriamento de capitais, negoceiam preços baixos para as matérias-primas
e outros principais insumos locais e isenções de direitos nas importações de
equipamentos e matérias-primas. Na essência, as decisões de investimento e
a sua localização, expansão, escolha de mercados e tecnologia são o resulta-
do da combinação de estratégias corporativas num ambiente oligopolista, em
vez de respostas de curto e médio prazo a incentivos não estruturais.
• Por outro lado, estes são projectos com interesses estratégicos localizados, quer
por serem centrados na exploração de recursos naturais não renováveis (ener-
géticos e minerais) com localização bem definida, quer por serem guiados por
estratégias corporativas oligopolistas que determinam a escolha de localiza-
ção. Por causa disto, estes projectos não têm interesse em circular à procura de
incentivos marginais, pois as suas decisões locacionais são sempre estratégicas.
No caso específico da Mozal, a sua decisão locacional foi determinada pelos
seguintes factores: um subsídio da ESKOM sobre a energia (principal custo
da fundição) para incentivar a Mozal a estabelecer-se em Moçambique de
modo a justificar a intervenção da ESKOM na rede de energia Moçambicana;
e a disponibilidade do Porto da Matola para as importações e exportações da
Mozal (mais de metade da actividade deste Porto está associada ao comércio
externo da Mozal). Nos restantes casos, a existência de um recurso natural
não renovável (gás, areias minerais, carvão, etc.) é um factor determinante nas
decisões de localização do investimento que faz sentido dentro de um quadro
estratégico corporativo de controlo e exploração dos recursos.
• Muito poucos projectos que beneficiaram destes incentivos podem ser consi-
derados footloose – apenas 7 empresas (12%) consideraram outras opções para
além de Moçambique e destas nenhuma considerou incentivos fiscais como
relevantes.
DESAFIOS
Com vista a atacar o objectivo de expansão das receitas internas do país por
via das receitas fiscais, uma série de desafios se apresentam.
Primeiro, é preciso que esteja claro que os benefícios fiscais representam um
custo para o país. O facto de um projecto trazer vários benefícios líquidos para o país
não justifica automaticamente a concessão de benefícios fiscais. Só fará sentido incor-
rer em custos fiscais se a obtenção desses benefícios for dependente da concessão dos
benefícios fiscais. Num país que apresenta défices crónicos nas suas contas públicas, a
concessão de incentivos fiscais não pode ser feita de ânimo leve. Para que o país esteja
em condições de analisar a relevância dos incentivos fiscais, antes da sua concessão é
necessário desenvolver um conhecimento mais profundo da quantidade e qualidade
dos recursos que o país possui, o seu valor de mercado (actual e tendências futuras) e
os interesses e dificuldades dos potenciais investidores. Este conhecimento do valor
da riqueza do país é, em si, um factor de atracção do investimento, ao mesmo tempo
que permite o aumento do poder negocial do país. Quando aliado a uma maior cla-
reza do que o país pretende e pode obter da exploração das suas riquezas ao longo
do tempo, permite simultaneamente expandir os benefícios da sua exploração (por
exemplo, usando a informação sobre as tendências do valor da produção no mercado
para determinar o melhor momento para autorizar a exploração de determinados
recursos) e reduzir os custos fiscais (por exemplo, quanto mais rentável for o produto
no mercado, menos relevante se torna a concessão de incentivos fiscais).
REFERÊNCIAS
Arndt, Ch. e Tarp, F. (eds.), 2009. Taxation in a Low-Income Economy: The Case of
Mozambique. New York. Routledge.
Bolnick, B., 2004. The Effectiveness and Economic Impact of Tax Incentives in
the SADC Region. Preparado pela Nathan Associates para a USAID ao abri-
go do Projecto SADC-TIFI.
Bolnick, B., 2009. The Motivation for Investments in Mozambique: The Role of
Fiscal Incentives. Preparado pela Nathan Associates, Inc. para o Projecto de
Comércio e Investimento da USAID/Moçambique.
Bolnick, B. e Byiers, B., 2009. PARPA II Review of the Tax System in Mozambi-
que. Preparado pela Nathan Associates para a USAID.
Bucuane, A. e Mulder, P., 2009. Prospects for an Electricity Tax. In Arndt, Ch. e
Tarp F. (eds.), Taxation in a Low-Income Economy: The Case of Mozambique.
New York. Routledge.
INTRODUÇÃO
1
Importa referir que, neste artigo, o Orçamento do Estado é usado como proxy do financiamento
ao Estado, uma vez que este é o instrumento básico da actividade financeira do Estado e agrega
a maioria das transacções desta entidade. Claramente, é necessário ter em conta que a actividade
financeira do Estado inclui outras operações que não são inscritas directamente no orçamento
como é o caso das chamadas despesas extra-orçamentais, dos orçamentos das empresas públicas,
autarquias e outras instituições com autonomia administrativa e financeira.
2
Importa realçar que a análise é feita em termos nominais e com base nos dados oficiais do
Instituto Nacional de Estatística (INE) e da Conta Geral do Estado (CGE), o que, em si, e neste
contexto, constitui um problema devido à variabilidade da estrutura de preços na economia ao
longo do período em análise. Contudo, esforços foram feitos na tentativa de deflacionar os dados
e, com base nos dados reais do FMI, constatou-se um comportamento quase similar quando
comparados com os dados nominais usados no artigo. Portanto, estando numa fase inicial, há
que tomar mais em conta a análise em termos de problemática e desafios do financiamento do
Estado e do DO em particular.
40.000
30.000
20.000
10.000
Milhõe de Meticais
0
-10.000
-20.000
-30.000
-40.000
-50.000
-60.000
-70.000
2010*
2011*
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
Défice orçamental Empréstimos externos líquidos
Créditos internos líquidos Donativos
* Previsão
FONTE INE (vários anuários); Governo de Moçambique (vários anos); República de Moçambique 2010 e 2011
20%
15%
10%
5%
0%
-5%
-10%
-15%
-20%
-25%
-30%
2010*
2011*
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
FONTE INE (vários anuários); Governo de Moçambique (vários anos); República de Moçambique 2010 e 2011
3
A presente previsão baseia-se nos dados da lei orçamental, conciliados com a taxa de crescimento
de 6,5% (FMI, in Jornal a Verdade, 16 de Junho de 2010) do PIB para 2010.
4
Cálculos baseados nos dados do INE (vários anuários) e CGE (vários anos).
5
Para além de a ajuda externa financiar quase metade da despesa pública total, os fluxos externos
de capital privado (IDE e Empréstimos) financiam cerca de 80% do investimento privado total
(Castel-Branco, 2010a).
140%
120% 42%
% do Défice Orçamental
2% 6% 2% 3% 1% 1% 2%
100% 8% 8% 10% 11% 32%
14%
42%
29% 23% 25% 13% 17% 31% 30% 42% 42% 34% 23% 16%
35% 23% 29%
80% 33%
33% 43% 41% 39% 38%
35% 30%
67%
60% 36%
45% 94%
40% 75% 79% 77% 72% 76% 70% 71% 74% 74% 72%
81% 75%
71%
58% 65% 57% 63% 64%
54% 58% 62% 56% 60%
20% 26%
20% 41%
13%
0% -11% -13% -5% -1% -13%
-3% -6% -6%
-20% -36%
-40%
2010*
2011*
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
Donativos (% do Défice Orçamental) FONTE INE (vários anuários);
Empréstimos Externos Líquidos (% do Défice Orçamental) Governo de Moçambique (vários anos);
República de Moçambique 2010 e 2011
crédito Interno Líquido (% do Défice Orçamental)
* Previsão
140%
120%
% do Défice Orçamental
5% 1% 0% 0% 4% 3%
1% 1% 6% 6% 0% 17% 0.5% 0% 7% 1%
100% 11% 13% 13% 10% 15%
17% 9% 19% 16% 20% 21% 18% 16% 13% 10%
8% 17% 18% 17%
18% 21% 15%
80% 17% 38%
21% 39% 34%
28% 31% 40% 33% 27%
10% 40% 45% 40% 41% 34% 35% 36% 28% 30% 37%
60% 32% 34% 33% 45% 45% 29%
11% 23% 32%
8%
40%
63% 56% 52% 59% 58% 56%
20% 43% 43% 45% 48% 43% 47% 43% 47% 37% 47% 51% 50% 46% 40% 40% 50% 52% 52% 47% 49% 55%
6
As PPPs têm sido normalmente privilegiadas na provisão, desenvolvimento e gestão de
infra-estruturas económicas e sociais e serviços associados Esta informação é consistente
com o discurso do recentemente empossado presidente do concelho de administração da
Administração Nacional de Estradas (ANE). Segundo este, todas as estradas estratégicas do
país serão concessionadas a privados de modo a garantir a sua manutenção periódica, o que
demonstra, de alguma forma, a incapacidade do Estado responder aos desafios que a rede infra-
estrutural coloca para o país.
7
LIC DSF- Low Income Countries Debt Sustainability Framework. No que diz respeito aos
limites de sustentabilidade definidos pelo LIC DSF, os rácios valor actual da dívida sobre o PIB
e Receitas Públicas deverão ser menores ou iguais a 40% e 250%, respectivamente, e o serviço da
dívida, em termos de receitas fiscais, deverá situar-se nos 11%.
8
Deste montante, cerca de 300 milhões já foram concedidos pelo Brasil em 2010 e destinam-se à
construção do aeroporto de Nacala (U$D 80 milhões) e modernização do porto da Beira (U$D
220 milhões) (O País, 05/01/11).
110.000
100.000
90.000
80.000
70.000
60.000
50.000
40.000
30.000
20.000
10.000
0
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
DPE (milhões de Meticais) FONTE Banco de Moçambique, 2010
2.250%
2.000%
% do PIB e das Receitas Públicas
1.750%
1.500%
1.250%
1.000%
750%
500%
250%
0%
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
9
Questionado se esta medida não iria agravar a dívida externa do país, o ministro das Finanças, Manuel
Chang, disse que o recurso àquele tipo de fontes de financiamento não tradicionais não iria representar
mais um agravamento da dívida externa moçambicana, porque “será avaliado em função das prioridades
para a realização de projectos de investimento com taxas de retorno económico e financeiro elevadas e
com capacidade de gerar rendimentos para sustentar a amortização dos créditos contraídos (Correio da
Manhã, 15/06/10 e 16/06/10; Savana, 2010). Do ponto de vista político, este argumento faz sentido.
Contudo, do ponto de vista social, qual é a relevância dos projectos de investimento com altas taxas de
retorno, se os mesmos só podem gerar tal retorno se estiverem ligados aos grandes projectos de IDE
(com os já referidos problemas de porosidade da economia moçambicana)?
10
Governo de Moçambique: Decreto no 22/2004 de 7 de Julho, sobre o Regime Jurídico dos
Bilhetes do Tesouro. Boletim da República. I Série, Número 27, República de Moçambique. 2004
11
O financiamento mobiliário nas modalidades actuais foi inicialmente feito em 1999. Porém, dados
das estatísticas oficiais (INE) indicam a existência de stock de OTs no ano de 1990.
12
A pressão para o aumento das taxas de juros ocorre porque a venda de títulos públicos representa a
procura de crédito pelo sector público. Assim, dado o aumento da procura por este recurso, e visto que
o seu preço é a taxa de juro, esta tenderá a aumentar. Adicionalmente, o elevado nível de rendibilidade
dos títulos públicos leva a que seja desviado crédito para a sua aquisição. Desta maneira sobra, ao sector
privado, uma menor proporção de recursos financeiros para os quais diferentes agentes competem para
financiar as suas actividades, colocando outro tipo de pressão sobre o juro. De uma maneira clássica,
este mecanismo de transmissão explica-se pelo facto de a oferta de títulos públicos levar à redução
do seu preço, o que, por sua vez, tem relação inversa com a taxa de juro. Porém, a aplicabilidade deste
mecanismo é discutível, uma vez que, por natureza, os padrões, as estruturas produtivas e as pressões e
interesses à sua volta não são homogéneos.
13
Esta prática tem sido frequente nos países da África subsaariana que, com mercados de
capitais relativamente subdesenvolvidos, a única alternativa à falta de ajuda e créditos externos
concessionais tem sido a contracção de dívida internamente (Kahn, 2005).
14
Pode-se ler no relatório: “…No entanto, não houve emissão de dívida de curto prazo para efeitos
de política fiscal exceptuando as emissões ocorridas em 2009, motivadas pela necessidade de
estimular a recuperação da economia após o efeito da crise financeira global que afectou a
demanda de exportações em Moçambique.” (Ministério das Finanças, 2010)
15
Deste valor, já foram apenas emitidas OTs no valor de 1.500 milhões de meticais em Agosto de
2010. Contudo, há um certo cepticismo relativamente à emissão das restantes OTs, uma vez que,
até Novembro de 2010, a data para a emissão da segunda série de OTs, que havia sido prevista
para o mês de Outubro de 2010, ainda não tinha sido determinada. As razões por detrás deste
cepticismo estão ligadas às elevadas taxas de juro e aos problemas de liquidez que vêm sendo
sentidos no mercado nacional.
16
Este pode ser conotado como uma deficiência na prestação de contas públicas, pois seria
prudente, do ponto de vista de partilha de informação com a sociedade civil, que esta informação
estivesse disponível para o público.
GRÁFICO 7 STOCK DA DPIM EM MILHÕES DE METICAIS E EM PERCENTAGEM DO PIB E DAS RECEITAS PÚBLICAS
40% 18.000
35% 16.000
% PIB e das Receitas Públicas
30% 14.000
Milhões de Meticais
12.000
25%
10.000
20%
8.000
15%
6.000
10% 4.000
5% 2.000
0% -
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010*
DPIM (% PIB) DPIM (% das Receitas Públicas) FONTE INE (vários anuários);
Governo de Moçambique (vários anos);
Stock da DPIM (milhões de Meticais) * Previsão
Ministério das Finanças, 2010
IMPLICAÇÕES
Alguns dos efeitos directos do uso do endividamento para financiar o orça-
mento são os encargos públicos resultantes, que implicam o desvio de recursos
que poderiam ser usados para a realização de outras despesas, devido ao paga-
mento de juros e de capital da dívida (gráficos 8 e 9). Por outro lado, há uma
possibilidade de redução da flexibilidade de intervenção do Estado para realizar
despesas. A questão que se coloca é: diante das novas contracções de dívida co-
mercial, até que ponto poderão ser mantidos os níveis decrescentes de carga de
liquidez derivados do serviço da dívida?
No caso do endividamento interno, dada a sua indexação às taxas de juro
de mercado, tem resultado em elevados encargos para o Estado. Isto é, com o
aumento do stock da dívida, espera-se que os gastos com juros venham a crescer
significativamente. Estes juros, provavelmente, agravar-se-ão ainda mais com as
medidas de aumento das taxas de juros e de redução de liquidez que vêm sendo
levadas a cabo pelo Banco de Moçambique, com vista a conter as pressões infla-
cionárias que a economia vem experimentando.17
17
Em 2010 o Banco de Moçambique aumentou a taxa de incidência das reservas obrigatórias por
duas vezes consecutivas, uma em Abril de 2010 em 0,5% e posteriormente em Setembro de 2010
em 0,25%, passando para 8,75%. Esta medida afectou, de alguma forma, a disponibilidade de
• Aumento do valor actual líquido (VAL) da DPE para acima dos limiares de
sustentabilidade definidos, e do risco de a economia se tornar mais vulnerá-
vel a choques externos, visto que a dívida passa a ser altamente comercial.18
• Redução do défice público, com vista a libertar recursos para fazer face aos
encargos da dívida. Isto requereria um aumento nas receitas e/ou um corte
na despesa pública. Esta opção poderá ter impacto na estratégia de realiza-
ção da despesa e, por via disso, no bem-estar económico e social.
crédito à economia. (O País, 29 de Setembro de 2010, p.14). Por seu turno, no presente ano, o
Banco central voltou a rever as taxas de referência com vista a fazer face às pressões inflacionárias.
Assim, a taxa de Facilidade Permanente de Cedência de Liquidez aumentou de 15,5% para cerca
de 16.5%, a taxa de facilidade permanente de depósitos aumentou de 4% para 5% e o coeficiente
de reservas obrigatórias aumentou de 8,75% para 9% (Savana, 21 de Janeiro de 2011).
18
É importante reforçar que o presente artigo defende a questão levantada por Ossemane (2010)
sobre os índices de sustentabilidade da dívida, devido às diversas limitações em expressar a
sustentabilidade da dívida num contexto em que a economia é altamente dependente de um
pequeno grupo de megaprojectos, focados na exportação de produtos primários e com fracas
ligações com o resto da economia.
3.000
2.500
Milhões de Meticais
2.000
1.500
1.000
500
0
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
Dívida Interna Dívida Externa Total FONTE INE (vários anuários);
Governo de Moçambique (vários anos)
4.500
4.000
3.500
Milhões de Meticais
3.000
2.500
2.000
1.500
1.000
500
0
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
AS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS
Uma outra forma de endividamento público, que se vem destacando recen-
temente, são as Parcerias Público-Privadas (PPPs). Em Moçambique, o recurso a
PPPs para o financiamento das actividades do Estado tem sido, sobretudo, virado
para a construção e desenvolvimento de infra-estruturas económicas e sociais,
financiamento aos funcionários do Estado via acordos entre bancos comerciais e
instituições públicas.
Em geral, as PPPs são acordos20 (normalmente de longo prazo) entre entida-
des do sector público e um ou mais grupos de entidades do sector privado (nacio-
nais e/ou internacionais), através dos quais estes últimos, com acompanhamento
e participação do sector público, conceptualizam, financiam, constroem, operam
e/ou fazem a gestão de activos e/ou serviços públicos associados, que tradicio-
nalmente são de responsabilidade e domínio exclusivamente do Estado (OECD21,
2008, citado em Government of India, 2010, p.12; Scally, 2004).
Os projectos de investimentos em infra-estruturas com recurso a PPPs necessi-
tam de crédito, adquirido sobretudo em moldes comerciais, o que pode exigir retornos
relativamente altos a curto e médio prazos. Assim, dependendo dos moldes do acordo
firmado entre o Estado e os parceiros privados, as PPPs podem traduzir-se em endi-
19
Por exemplo, um dos principais determinantes da baixa disponibilidade de liquidez no
mercado nacional foi o facto de as OTs emitidas em Agosto de 2010 terem sido adquiridas,
quase na sua totalidade, por instituições financeiras (bancárias e não bancárias) acrescido
de outras medidas de restrição de liquidez que foram tomadas na economia (O País, 29 de
Setembro de 2010, p. 14).
20
O ponto central é que tais acordos são feitos de tal forma que os objectivos do governo (de
proporcionar o bem-estar social através da provisão de infra-estruturas e serviços básicos para
as comunidades) estejam em linha com os objectivos de rentabilidade dos parceiros privados,
pela transferência (ou partilha) parcial (ou completa) de riscos para (ou com) o sector privado
(Webb e Pulle, 2002; Cheston et al, 2006; Jamali, 2004; Asian Development Bank (ADB), 2006;
OECD, 2008, citado em Government of India, 2010, p.12).
21
Organization for Economic Cooperation and Development (em português: Organização para a
Cooperação Económica e Desenvolvimento).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
Asian Development Bank, 2006. Facilitating Public Private Partnership for Accelera-
ted Infrastructure Development in India. Regional Workshops of Chief Secreta-
ries on Public Private Partnership. Workshop Report. Disponível em: http://
www.adb.org/documents/reports/consultant/39659-ind/39659-ind-tacr.
pdf (acedido a 15 de Julho de 2010).
Banco de Moçambique, 2010. Base de dados da Direcção de Estudos Económicos
(DEE). Maputo.
22
Este ponto baseia-se na apresentação feita por Castel-Branco (2010b), aquando do lançamento
do “ African Economic Outlook 2010”.
INTRODUÇÃO
DIMENSÃO TERRITORIAL
Esta subsecção procura demonstrar, com recurso a estatística descritiva, qual vem
sendo a evolução do número de balcões, ATMs e POS e a sua localização, de maneira
a perceber o que está a acontecer com a expansão territorial em Moçambique. O argu-
mento central é que a expansão é dominantemente concentrada por bancos, balcões
e por regiões. E esta característica vem-se verificando ao longo do período em análise.
INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO
As instituições de crédito em Moçambique são constituídas por bancos co-
merciais e de investimento, cooperativas de crédito, micro-bancos, instituições de
locação financeira. Os bancos são maioritariamente de capital estrangeiro, sobre-
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
Total de Instituições
de crédito* (nº) 16 19 18 20 20 19 20 20 22 24
Bancos** (nº) 11 13 12 13 12 12 12 12 14 14
Peso no total (%) 69 68 67 65 60 63 60 60 64 58
Cooperativas (nº) 3 3 3 4 5 5 6 6 6 6
Peso no total (%) 19 16 17 20 25 26 30 30 27 25
Microbancos (nº) 0 0 0 0 0 0 0 1 1 3
Peso no total (%) 0 0 0 0 0 0 0 5 5 13
Instituições de Loca-
ção Financeira (nº) 2 3 3 3 3 2 2 1 1 1
Peso no total (%) 13 16 17 15 15 11 10 5 5 4
NOTAS
(*) O número total de instituições de crédito apresentadas não inclui operadores de micro crédito
(**) Em 2001 fundem-se dois bancos o BCM e BIM actualmente conhecido por Millennium BIM e, em 2003 verifica-se a fusão de
mais dois bancos o BCI e o Fomento que actualmente é conhecido por BCI.
Bancos 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
Millennium BIM (nº de balcões) - - - - 76 76 76 86 101 117
Peso no total de balcões (%) - - - - 39 38 38 36 34 33
Banco Comercial e de Investi-
mentos (BCI) 23 23 23 32 32 35 38 42 50 71
Peso no total de balcões (%) 45 43 43 50 16 17 19 18 17 20
Standard Bank* 27 27 27 27 27 27 23 26 29 32
Peso no total de balcões (%) 53 51 51 42 14 13 11 11 10 9
Barclays - - - - 48 48 48 48 60 59
Peso no total de balcões (%) - - - - 24 24 24 20 20 17
Mauritius Commercial Bank
(MCB) 1 1 1 1 1 1 1 1 2 2
Peso no total de balcões (%) 2 2 2 2 1 0 0 0 1 1
First National Bank (FNB) - 2 2 4 4 5 5 5 8 12
Peso no total de balcões (%) - 4 4 6 2 2 2 2 3 3
African Banking Corporation
(ABC) - - - - - - - - 2 2
Peso no total de balcões (%) - - - - - - - - 1 1
Moza Bank 0 0 0 0 0 0 0 0 1 2
Peso no total de balcões (%) - - - - 0 0 0 0 0 1
Banco Mercantil e de Investi-
mentos (BMI) - - - - 2 2 2 2 2 2
Peso no total de balcões (%) - - - - 1 1 1 1 1 1
Banco Internacional de Co-
mércio (ICB) - - - - 2 2 3 5 5 5
Peso no total de balcões (%) - - - - 1 1 1 2 2 1
Banco Terra 2 8
Peso no total de balcões (%) - - - - - - - - 1 2
Socremo 9 11 12
Peso no total de balcões (%) - - - - - - - 4 4 3
Banco Oportunidade 4 4 4 4 6
Peso no total de balcões (%) - - - - - 2 2 2 1 2
Banco Procredit 12 19 21
Peso no total de balcões (%) - - - - - - - 5 6 6
Total de balcões** 51 53 53 64 197 201 202 238 296 351
FONTE KPMG, 2004-2008 e Relatórios anuais dos vários bancos consultados nos respectivos websites
NOTAS
(*) Até 2002 o Standard Bank chamava-se Standard Totta de Moçambique;
(**) O número total de balcões por ano na tabela acima difere dos totais nos relatórios do BdM porque nem todos os bancos têm
dados disponíveis por ano e o BdM não publica os dados por banco.
400
352
350
297
300
274
150
100
50
0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
Província 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
Maputo* 89 91 101 104 102 114 121 147 158 167
Peso no total de balcões 38% 38% 48% 53% 54% 52% 53% 54% 53% 47%
Gaza 21 21 16 15 13 14 14 16 17 24
Peso no total de balcões 9% 9% 8% 8% 7% 6% 6% 6% 6% 7%
Inhambane 12 13 10 10 9 12 13 16 18 27
Peso no total de balcões 5% 5% 5% 5% 5% 6% 6% 6% 6% 8%
Manica 14 14 11 7 8 12 12 14 14 17
Peso no total de balcões 6% 6% 5% 4% 4% 6% 5% 5% 5% 5%
Sofala 26 26 21 19 18 21 22 26 31 33
Peso no total de balcões 11% 11% 10% 10% 10% 10% 10% 9% 10% 9%
Zambézia 14 14 13 10 7 10 10 10 11 16
Peso no total de balcões 6% 6% 6% 5% 4% 5% 4% 4% 4% 5%
Tete 13 13 10 7 8 8 8 11 11 19
Peso no total de balcões 6% 5% 5% 4% 4% 4% 4% 4% 4% 5%
Nampula 24 24 17 16 15 16 17 22 24 31
Peso no total de balcões 10% 10% 8% 8% 8% 7% 7% 8% 8% 9%
Niassa 9 9 4 3 2 4 4 4 6 9
Peso no total de balcões 4% 4% 2% 2% 1% 2% 2% 1% 2% 3%
Cabo Delgado 13 13 8 6 6 7 7 8 7 9
Peso no total de balcões 6% 5% 4% 3% 3% 3% 3% 3% 2% 3%
Total 235 238 211 197 188 218 228 274 297 352
NOTA
(*) Os valores incluem província e cidade de Maputo
A tabela 4 mostra que, tanto em 2006 quanto em 2010, a zona Norte do país
concentrava o grosso dos distritos não cobertos por rede bancária. Pese embora
o facto de todas as províncias estarem cobertas por agências bancárias, em geral,
estas encontram-se localizadas maioritariamente nas respectivas capitais provin-
ciais. Segundo o BdM (2007b), em 2006, as três principais cidades, nomeadamente
Maputo, Beira e Nampula, possuíam um total de 132 agências (cerca de 58%
do total) 105 das quais (cerca de 78%) estavam situadas na Cidade de Maputo.
Castel-Branco, Ossemane e Massingue (2010) mostram que a cidade de Nampula
concentrava 48% dos balcões de bancos da Província de Nampula e os restantes
balcões encontravam-se distribuídos pelos outros sete distritos.
2006 2010
Total de
Província Distritos sem Peso na Peso no Distritos sem Peso na Peso no
distritos
agências província Total agências província total
Maputo a) 7 2 29% 2% 0 0% 0%
Gaza 11 6 55% 6% 5 45% 9%
Inhambane 12 9 75% 9% 5 42% 9%
Manica 9 7 78% 7% 3 33% 6%
Sofala 12 10 83% 10% 8 67% 15%
Zambézia 16 12 75% 12% 12 75% 23%
Tete 12 10 83% 10% 4 33% 8%
Nampula 18 16 89% 16% 13 72% 25%
Niassa 15 14 93% 14% 11 73% 21%
Cabo Delgado 16 13 81% 13% 14 88% 26%
Total 128 99 77% 100% 53 41% 100%
Província 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
Maputo* 297 290 261 254 259 232 218 180 167 158
Gaza 3.597 3.597 4.721 5.036 5.811 5.396 5.396 4.721 4.443 3.147
Inhambane 5.718 5.278 6.862 6.862 7.624 5.718 5.278 4.288 3.812 2.541
Manica 4.404 4.404 5.606 8.809 7.708 5.138 5.138 4.404 4.404 3.627
Sofala 2.616 2.616 3.239 3.580 3.779 3.239 3.092 2.616 2.194 2.061
Zambézia 7.366 7.366 7.933 10.313 14.732 10.313 10.313 10.313 9.375 6.445
Tete 7.483 7.483 9.729 13.898 12.161 12.161 12.161 8.844 8.844 5.120
Nampula 3.258 3.258 4.600 4.887 5.213 4.887 4.600 3.554 3.258 2.522
Niassa 13.575 13.575 30.544 40.725 61.088 30.544 30.544 30.544 20.363 13.575
Cabo Delgado 5.990 5.990 9.733 12.978 12.978 11.124 11.124 9.733 11.124 8.652
Total 3.314 3.273 3.691 3.954 4.143 3.573 3.416 2.843 2.623 2.213
FONTE BdM, 2010a, BdM (vários anos) e base de dados do website do INE acedida a 7 de Janeiro de 2011
NOTA
(*) Os valores incluem província e cidade de Maputo
Província 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
Maputo a) 21.943 21.980 20.283 20.175 21.066 19.302 18.620 15.649 15.219 14.819
Gaza 57.300 58.778 79.152 86.635 102.580 97.750 100.311 76.782 73.904 53.214
Inhambane 104.678 99.308 132.685 136.360 155.691 119.978 113.779 79.489 73.850 50.134
Manica 81.246 83.709 109.757 177.663 160.479 109.912 113.166 100.875 106.711 91.258
Sofala 55.920 57.098 72.198 81.513 87.903 76.987 75.097 63.189 55.707 53.614
Zambézia 236.907 242.523 267.422 355.992 520.804 373.365 382.412 384.946 363.142 256.387
Tete 101.531 104.110 138.821 203.466 182.706 187.557 192.597 162.179 171.379 103.478
Nampula 136.077 139.044 200.597 217.839 237.548 227.734 219.244 181.164 174.634 138.748
Niassa 96.727 99.236 229.168 313.732 483.290 248.191 254.955 292.696 209.971 145.430
Cabo Del-
gado 112.734 115.018 190.704 259.465 264.790 231.653 236.476 200.821 238.010 188.717
Total 73.380 74.194 85.709 94.027 100.944 89.167 87.350 73.921 71.414 61.946
FONTE BdM (2010a), BdM (vários anos) e base de dados da população do website do INE acedida a 7 de Janeiro de 2011
NOTA
(*) os valores incluem província e cidade de Maputo
Banco Localização Nº
Millennium BIM Maputo-cidade e Beira 2
Banco Comercial e de Investimentos Maputo-cidade (3) Nampula-cidade (1) Monapo (1) 4
Standard Bank Maputo-cidade 1
Barclays Bank Maputo-cidade, Beira, Nampula-cidade 3
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Maputo* Gaza Inhambane Manica Sofala Zambézia Tete Nampula Niassa Cabo-Delgado
NOTA
(*)Maputo engloba Província e Cidade de Maputo
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Maputo* Gaza Inhambane Manica Sofala Zambézia Tete Nampula Niassa Cabo-Delgado
NOTA
(*)Maputo engloba Província e Cidade de Maputo
NOTA
(*) Em Dezembro de 2001 houve fusões dos bancos: BIM e BCM actualmente conhecido como Millennium BIM
(**) Em Dezembro de 2002 fundiram-se o Banco Comercial e de Investimentos e Banco Fomento passando a designar-se BCI-
-Fomento e, actualmente conhecido por BCI.
No caso das operações activas, na tabela 6b, verifica-se que o BIM apresenta,
igualmente, maior peso ao longo do período. Verifica-se, ainda, que o BCI tem
DEPÓSITOS
O gráfico 3 mostra que os depósitos totais em percentagem do PIB tem
vindo a aumentar ao longo do período. No entanto, mostra, igualmente, que os
depósitos a prazo são uma proporção muito pequena dos depósitos totais e que,
ao longo do período, há um certo nível de mudança embora não muito significati-
va (gráfico 4). Segundo Osman (2009), a expectativa de a bancarização aumentar
as poupanças não é válida pois, embora haja espaço para aumentar a bancariza-
ção, este esforço não deverá trazer grandes aumentos de depósitos a prazo pelas
seguintes razões: (i) tendo as pessoas rendimentos monetários muito baixos, estas
serão, durante muito tempo, tomadoras líquidas de recursos, pois o excesso de
liquidez nos momentos de comercialização são rapidamente despendidos e não
chegam a constituir poupança (depósitos a prazo); (ii) além disso, há uma concen-
tração de depósitos, tanto para empresas como para particulares, e é muito pos-
sível que 5% das contas individuais detenham mais de 95% do total dos depósitos
de particulares.
35%
30%
25%
20%
15%
10%
5%
0%
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
Moeda Estrangeira Moeda Nacional FONTE BdM (2010a) e INE (vários anos)
25%
20%
15%
10%
5%
0%
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
• Por que razão a maior parte dos distritos do país não dispõe de uma única
instituição bancária, ATM ou POS?
Abreu, A., 2005. Moçambique: sistema financeiro nos últimos 20 anos – realidades
e perspectivas - Tópicos para uma conversa com gestores bancários e dife-
rentes agentes económicos no Instituto de Formação Bancária de Moçambi-
que. Maputo: IFBM.
BdM (Banco de Moçambique), 2010a. Base de dados da Direcção de Estudos
Económicos (DEE). Maputo.
BdM (Banco de Moçambique), 2010b. Síntese da Situação Financeira na Quinze-
na de 15 a 30 de Abril de 2010, comunicado nº8/2010. Maputo, disponível
em www.bancomoc.mz.
BdM (Banco de Moçambique), 2010c. Síntese da Situação Financeira na Quinze-
na de 15 a 30 de Abril de 2010, comunicado nº23/2010. Maputo, disponível
em www.bancomoc.mz.
BdM (Banco de Moçambique), 2010d. Discurso de sua excelência o governador
do Banco de Moçambique por ocasião da V conferência nacional de micro-
finanças. Matola, disponível em www.bancomoc.mz.
BdM (Banco de Moçambique), vários anos. Relatórios anuais. Maputo.
BdM (Banco de Moçambique), 2007a. “XXXIII Conselho Consultivo do Banco de
Moçambique: Discurso de abertura do Governador do BdM”. Nampula Dis-
ponível em www.bancomoc.mz/FILES/DOI/XXXICCBMDiscGovSessa-
oAberta.pdf (acedido a 20 de Agosto de 2010).
BdM (Banco de Moçambique), 2007b. “XXXIII Conselho Consultivo do Banco
de Moçambique: Bancarização da Economia Extensão dos serviços às zonas
rurais. Nampula Disponível em www.amomif.co.mz/.../bancarizatpo-vers-
po%207%20-%20MF.pdf (acedido a 20 de Agosto de 2010).
Carvalho, P. e Sousa, J., 2009. Estudos Económicos e Financeiros – Moçambique,
departamento de estudos económicos e financeiros do BPI. Disponível on-
line em www.bpiinvestimentos.pt/Research (acedido a 3 de Setembro de
2010).
Castel-Branco, C., 2008. Desafios do Desenvolvimento Rural em Moçambique.
Working paper nº 03/2008. IESE. Maputo disponível em www.iese.ac.mz/.../
DP_03_2008_Desafios_DesenvRural_Mocambique.pdf.
WEBSITES CONSULTADOS
www.bancomoc.mz
www.barclays.co.mz
www.bci.co.mz
www.ine.gov.mz
www.milleniumbim.co.mz
www.standardbank.co.mz
INTRODUÇÃO
1
Este artigo é publicado a título póstumo, pois Zaqueo Sande faleceu vítima de acidente de
viação perto de Vilanculos, província de Inhambane, no dia 28 de Dezembro de 2010. Zaqueo
Sande já havia iniciado a revisão final deste artigo. Depois da sua morte, os seus colegas do
Grupo de Investigação de Economia e Desenvolvimento do IESE completaram as revisões
que Zaqueo previa fazer para que o artigo pudesse ser incluído nesta publicação, como estava
previsto.
2
O OIIL foi criado pela Lei nº 12/2005, de 23 de Dezembro, que aprovou o orçamento de
Estado para o ano 2006. Esta lei fixa um limite orçamental de investimento público de iniciativa
privada cuja responsabilidade de execução era delegada aos governos distritais. Esses projectos
deviam obedecer a um princípio que era o da produção de comida e geração de renda e com
impacto junto às populações locais. Contudo, é preciso realçar que o lançamento do OIIL foi
resultado de um longo processo e debate ideológico de descentralização em Moçambique, cuja
operacionalização mais agressiva está patente na Lei 08/2003 de 19 de Maio (Lei dos Órgãos
Locais de Estado, LOLE) e o Decreto do Conselho de Ministros n°11/2005, de 10 de Junho,
que aprova o Regulamento da Lei dos Órgãos Locais do Estado (RELOLE).
3
O nome popular do OIIL, 7 milhões, é derivado do facto de, nos seus primeiros anos, terem sido
atribuídos 7 milhões de meticais a cada distrito rural, independentemente das características
económicas, demográficas e territoriais do distrito. Ao longo do tempo, os montantes monetários
foram alterados significativamente e já não são idênticos para todos os distritos. Mas o nome
popular, sete milhões, prevaleceu.
4
A iniciativa contemplou quatro regiões administrativas com características rurais, nomeadamente
Catembe e Inhaca (parte da cidade e Município de Maputo), Maxixe (Inhambane) e Nacala
Porto (Nampula), além de 128 distritos rurais.
5
O que engloba a estrutura de produção, quanto, quando, onde, como e para quem é produzido e
quais são as interligações no processo produtivo.
6
Instituições significam as relações económicas e sociais; organizações e estruturas, Estado e suas
políticas e legislação, mecanismos de consulta ou participação dos cidadãos e negociação política
das opções de desenvolvimento, etc.).
7
O PPFD tinha como objectivo principal contribuir para a redução da pobreza através da
governação local melhorada. O seu objectivo imediato era aumentar o acesso pelas comunidades
rurais à infra-estrutura básica e serviços públicos, através de formas sustentáveis e replicáveis
de planificação, orçamentação, financiamento e gestão pública participativas e descentralizadas
(Ver Borowczak et al., 2004: ii).
8
RELOLE: Regulamento da Lei de Órgãos Locais de Estado.
9
Recentemente, no âmbito do discurso oficial de combate à pobreza urbana, o primeiro-ministro,
Aires Aly, anunciou que o Plano Económico e Social (PES) de 2011 prevê que os “7 Milhões”
passarão a beneficiar também os distritos urbanos e, por isso, serão alocados perto de 140
milhões de meticais para 11 capitais provinciais (O País, 24/09/2010: 6).
10
Diploma Ministerial nº 67/2009 publicado em conjunto pelo Ministério da Planificação e
Desenvolvimento e Ministério das Finanças publicado em MPD (2009a).
11
Ver Circular nº 002/MPD/GM/2009 do Ministério da Planificação e Desenvolvimento
publicada em MPD (2009a).
(...) 7 Milhões são direccionados aos nossos compatriotas pobres que através do reem-
bolso permitem que outros pobres tenham acesso a estes recursos e, ao mesmo tempo,
aumentem a capacidade de empréstimo a mais pobres. São recursos que contribuem
para elevar a sua auto-estima e para combater a prática da mão estendida. Por isso, seria
demagógico partilhar da opinião de que os mutuários não devem devolver o emprésti-
mo. Eles devem-no aos seus pares, também pobres, que querem libertar-se da pobreza
(Guebuza, 2009).
(...) uma aposta estratégica e decisiva nas PMEs é a primeira grande mudança que se
impõe… As micro e PMEs são o motor da nossa economia, constituem uma das princi-
pais fontes das nossas exportações, contribuem decisivamente para a criação da riqueza e
geram um elevado número de postos de trabalho (Valá, 2009: 349).
12
É nessa perspectiva em que se enquadra a Estratégia de Desenvolvimento Rural, Estratégia de
Revolução Verde, Programas de Promoção de Indústria Rural, Plano de Acção para Produção
de Alimentos (PAPA) e a Estratégia de Finanças Rurais. A preocupação não é a criação de uma
base produtiva com agentes e ligações historicamente e socialmente definidas, mas sim criar um
tipo de empresas, de certo tamanho, porque se acredita que reduzem a pobreza. No entanto, a
pobreza não é reduzida por haver grande ou pequena empresa mas sim pela maneira como os
recursos são usados e os ganhos são distribuídos entre os donos do capital e dos trabalhadores.
Se estamos a falar de crédito, é preciso termos instituições apropriadas para dar crédito.
As instituições das administrações locais não foram concebidas e não estão preparadas
para fazer isso. A observação não é minha, é de todas as pessoas que sabem como fun-
ciona o sistema financeiro. (Quando não se observam as regras) o resultado é óbvio: há
desvios e uma ineficiente aplicação (O País, 16/04/2009).
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
A amplitude do que pensamos e fazemos está limitada por aquilo que nos escapa. E,
porque não nos damos conta do que nos escapa pouco nos resta fazer para mudar; até
nos apercebermos de como o facto de não nos darmos conta condiciona os nossos pen-
samentos e os nossos actos” (R.D. Laing, in Covey, 2005: 47).
1
Partes deste artigo foram partilhadas publicamente, ao longo do ano 2010 (Francisco, 2010b,
2010c; Francisco et al., 2010a, 2010b). As traduções de textos em Inglês são da responsabilidade
do autor. Agradeço os comentários, sugestões e questões colocadas pelos leitores que
generosamente partilharam as suas opiniões sobre versões anteriores deste artigo.
2
Incluindo, até recentemente, o próprio autor deste trabalho (e.g. Francisco, 2010a).
3
‘O conceito de sociedade-providência designa um conjunto de fenómenos que são frequentemente
descritos como manifestações de pré-modernidade, como sobrevivências e atavismos destinados
a desaparecer com o processo de modernização e com o esvanecer de alguns dos mecanismos que
constituem a sua base material, tais como a pequena agricultura familiar ou as redes alargadas de
relações de parentesco e de relações sociais continuadas’ (Nunes, 1995: 8).
4
E.g., segurança social contributiva, obrigatória e complementar, no sistema legal moçambicano, e
não contributiva, segurança social básica e assistência social por direito legalmente reconhecido,
solidariedade ou caritativa.
5
E.g., mecanismos de ajuda mútua e redes sociais, familiares e comunitárias, através de grupos
de poupança e de crédito rotativo (e.g. Xitique, da palavra Tsonga que significa poupança),
internacionalmente conhecidas por ROSCAs (Rotating Savings and Credit Association);
as actividades laborais de entre-ajuda (e.g. Kurhimela, Ganho-Ganho), envolvendo troca de
mão-de-obra por numerário; associações funerárias e outras organizações comunitárias visando
mitigar e antecipar riscos (Dava, Low e Matusse, 1998; de Vletter et. al., 2009).
6
A fecundidade é uma estimativa da frequência dos nascimentos ocorridos num subconjunto
FIGURA 1 TIPOLOGIA DAS FASES DA TRANSIÇÃO DEMOGRÁFICA EM ARTICULAÇÃO COM O CICLO DA VIDA
1 2 3 4 5
1 - Infância
2 - Adolescência
3 - Juventude
4 - Maturidade
5 - Velhice
NOTA
(*) Projecção ajustada com variante média da ONU 2008
7
Reagindo a estas estimativas, apresentadas no Ideias 28 (Francisco, 2010b), o historiador
Gerhard Liesegang questionou o tamanho da população indicado para o início do século
XX. Segundo Liesegang, em 1900, a população moçambicana deveria rondar apenas os três
milhões de habitantes; ou seja, menos oitocentos mil do que é estimado na Tabela 1 para o ano
1891, uma década antes. Se esta hipótese corresponder aos factos, a correcção das estimativas
permite adicionar uma nova hipótese sobre o início e ritmo da aceleração da taxa de crescimento
populacional entre 1990 e 1950. Em vez de um crescimento médio anual de 0,84%, no período
1900-1950, a taxa seria 1,57%, correspondente a 1,13%, em 1990- 1930 e 2,01%, em 1930-1950.
Não foi possível ter acesso a fontes mais específicas que fundamentem esta hipótese, mas não
deixa de ser uma hipótese interessante, ao avançar a possibilidade de a transição da mortalidade
ter iniciado algumas décadas antes dos meados do século XX.
8
Um Estado de natureza colonial, nos 84 anos decorrentes até à Independência em 1975, e Estado Soberano,
nos últimos 35 anos, convertido num Estado Falido mas não Falhado (Francisco, 2010a).
45.000 42.790
40.000
2028, Previsão da
35.000
População (em Mil Habitantes)
3ª Duplicação
31.746
30.000
2010
25.000 22.174
1995,1ª Duplicação
20.000 desde 1891
1975, Independência 15.765
15.000 de Moçambique
10.433
1961, 1ª Duplicação
1891, Nascimento desde 1891
10.000 do Estado Moderno 7.628
(colonial) 3.807
5.000
1890 1906 1922 1938 1954 1970 1986 2002 2018 2034 2050
Anos
FONTE Maddison, 2006, 2010; UN, 2010
9
Recentemente, o Continente Africano registou a passagem da barreira de mil milhões
de pessoas, prevendo-se que volte a duplicar por volta do ano 2050. Em Moçambique, se a
terceira duplicação populacional, desde 1891, ocorrer por volta de 2028, significa que o ritmo
de crescimento demográfico acelerado manter-se-á, tal como na duplicação anterior, com uma
duração de 33 anos.
10
Reagindo à divulgação pública dos resultados do Censo 2007, um cidadão não familiarizado com
a ciência demográfica indagou: “Se morreram tantas pessoas, devido à guerra civil, a calamidades,
fome e subnutrição, como é que a população moçambicana cresceu tão rapidamente?”.
60
49,1 (dados do meio da década, em ‰ e %)
50 46,9
Taxa (por 1000 Habitantes)
43,5
39,5
40 Taxa de Natalidade (TBN-Moz)
Taxa de Mortalidade (TBM-Moz) 32,6
30
Taxa de Cres. Natural
30 (TCN-Moz) 2,6% 28,5
25,6 24,5
21,2
1,9%
20 21,7 21
17,4
16,1
13,5
11,8 1,2%
10 10,6 9,7
TCN-Mundo 0,3%
0
1955 1965 1975 1985 1995 2005 2015 2025 2035 2045
Anos
TBN-Mundo TBM-Mundo TCN-Moz
11
Por desaceleração sustentável entende-se, neste caso, a diminuição da taxa de crescimento
populacional, resultante de mudanças estruturais da composição etária e condições de reprodução
da população, em vez de mudanças meramente circunstanciais ou conjunturais.
TABELA 2 MOÇAMBIQUE NO CONTEXTO DA DISTRIBUIÇÃO DOS PAÍSES POR FASES DA TRANSIÇÃO DEMOGRÁFICA,
2005-2010
Honduras 27,9 5,6 2,2 3,3 28,2 A TBN inicia uma redu-
Zimbabwe 27,9 17,9 1,0 3,2 58 ção, mas como a TBM
Fase Botwana 24,9 14,1 1,1 2,9 46,5 também continua em
[1,0-1,9]
3 Índia 23,0 8,2 1,5 2,8 55 queda, o crescimento
Marrocos 20,5 5,8 1,5 2,4 30,6 demográfico permanece
Africa do Sul 22,3 17 0,5 1,9 19,8 marcadamente positivo.
NOTA
(*) Dados referentes a 2002/07 do INE (2010), www.ine.gov.mz/populacao/indicadores/indemo_proj (Acedido a 25.01.2011)
12
‘Cleland (2001), num artigo recente, inspirado nas ideias originalmente elaboradas por
Kingsley Davis (1963), argumentou de forma persuasiva que reduções substanciais da mortalidade
representam a condição necessária e suficiente do estímulo da queda da fecundidade em contextos
históricos dos países em desenvolvimento. Os resultados apresentados aqui oferecem forte suporte
empírico à ideia de Cleland: em parte nenhuma do mundo, independentemente da época, dos
níveis de riqueza ou estágios da modernização, a fecundidade mudou sem que primeiro mudasse
significativamente a mortalidade (Reher, 2004: 25; ver também Livi-Bacci, 1992: 152-153;
Malmberg e Sommestad, 2000; Malmberg, 2008).
Uma rapariga é casada na puberdade, tem doze ou treze anos quando o esposo vem dormir com ela na
cozinha da sua ‘mãe’. Pode ter o seu primeiro filho, o mais tardar, por volta dos quinze anos; a este ritmo a
passagem das gerações efectua-se rapidamente. É-se frequentemente ‘avó’ aos trinta e cinco anos, idade
aproximada em que uma mulher é por consequência introduzida na geração sénior. Uma mulher que viva
mais de cinquenta anos tem todas as hipóteses de vir a conhecer os seus ‘bisnetos’. (p. 78).
… A verdade é que não há três, mas pelo menos quatro gerações em presença, demograficamente in-
duzidas pela precocidade da fecundidade das mulheres (quinze anos). Com o tempo, com a passagem das
gerações, o grupo doméstico renova-se em torno das mulheres da ex-geração júnior, promovida a sénior,
e expulsa dos seus efectivos a antiga geração sénior… É o casamento das ‘netas’ que provoca e sanciona
simultaneamente esta última passagem de geração para as mulheres velhas, que as introduz na geração
dos anciãos. Têm entre cinquenta e setenta anos, são excluídas das redes sociais e económicas, constituin-
do e integrando os grupos domésticos que outrora polarizavam, em proveito agora da geração sénior. Esta
passagem de geração corresponde além disso ao período das suas vidas em que as mulheres e os sues
esposos, ainda mais velhos, vêem declinar as suas capacidades físicas. Como subsistem? (p. 79).
As consequências funestas, para os anciãos, da sua expulsão do grupo doméstico renovado, são na
realidade evitadas uns quinze anos antes. Com efeito, nessa altura a ‘avó’ adoptou e criou sob o seu tec-
to a primeira ‘neta’ nascida do casamento da sua ‘filha’. A mais velha das filhas não vive junto da sua
‘mãe’, é levada para casa da avó desde o desmame, onde é criada e alimentada. Como mais velha, atinge
a idade de ser casada antes que se inicie a passagem das gerações, que irá excluir a sua avó dos efectivos
do grupo doméstico… Por outras palavras, a ‘avó’ tomou uma opção sobre o futuro do lar da sua ‘neta’ ao
adoptá-la e açambarca antecipadamente o serviço dos seus primeiros ‘genros’ da nova geração, da qual
ela inaugurará o advento matrimonial junto da sua adelfia… Assim, ela será de novo o pólo de atracção
das prestações de uma nova geração de ‘genros’ que supriram junto dela a falta dos outros, quando
estes forem promovidos a seniores… A mulher sénior subtrai a primeira criança nascida do casamento
da sua ‘filha’ aos cuidados desta, e renova com a criança o investimento que efectuou outrora com a sua
‘filha’. Ela beneficiará assim mais tarde, quando se tornar improdutiva, de serviços provenientes do lar
desta ‘neta’, equivalente aos que goza agora parte do lar da sua ‘filha… uma prepotência das mulheres
seniores sobre o destino da progenitura das jovens ‘mães’ juniores, com o objectivo de preparar e ga-
rantir a assistência social e material na sua velhice… (pp. 79-81).
… As reservas assim acumuladas no pátio da mais velha das anciãs destinam-se a fazer face aos anos
difíceis… A terra é transmitida entre e pelas mulheres: quando morre uma mulher, uma outra da adelfia
substitui-a junto do viúvo. Toma o estatuto, o esposo e as terras da defunta, de quem ‘herda’ – isto é, de
quem ela toma o lugar e a identidade -, um vivo por um morto (diz-se ‘tomar o nome’ do morto). As mu-
lheres permanecem assim toda a sua vida no interior do território. Os homens só têm acesso à terra por
intermédio das mulheres, enquanto esposas, no quadro do casamento… (pp. 82-83).
A condição masculina parece aqui particularmente desagradável: as mulheres dependem do trabalho
dos homens, mas o dispositivo é tal que são estes que dependem delas para usufruir do seu próprio pro-
duto. Finalmente, embora o mesmo produto sirva para prover às necessidades das crianças, os homens
não desfrutam do crédito de as ter alimentado, apenas as mulheres tiram disso partido, para reivindicar,
em prejuízo dos homens, a autoridade sobre esta progenitura, nascida das suas uniões. Em virtude destas
relações, liga-se, como vimos, a pertença das crianças ao grupo das mulheres, a relação adélfica (p. 90).
… a sociedade macua evoca uma espantosa dependência dos homens em relação às mulheres… E
no entanto… os homens não possuem quase nenhum ascendente sobre as mulheres com quem casam,
mas exercem a sua autoridade sobre as mulheres da sua própria adelfia, com as quais cresceram. A pro-
genitura das esposas escapa-lhes, mas são senhores do destino das crianças das suas congéneres. O
domínio feminino dos celeiros e do ciclo produtivo é claro e sem partilha, mas são os homens que orde-
nam e fazem os casamentos que iniciam e sancionam cada um dos momentos do dito ciclo… As mulheres
administram este, os homens dispõem, com a dominação do casamento, do controlo das modalidades
sociais da reprodução deste ciclo produtivo no tempo e, em virtude desta prerrogativa estratégica, exer-
cem indirectamente sua autoridade sobre toda a sociedade. De onde lhes vem este poder? Que fazem
com ele? (p. 107- 108).
13
A estratégia-r é praticada por insectos, peixes e certos mamíferos pequenos que vivem em
ambientes muito instáveis, o que requer que aproveitem os períodos favoráveis (anual ou sazonal)
para se reproduzirem rápida e abundantemente, apesar da probabilidade de sobrevivência da
prole ser pequena. Num ambiente muito instável, os seres vivos são de tamanho pequeno,
crescem rapidamente, têm uma maturidade precoce e dependem de grandes proles ou de elevado
número de nascimentos – ‘life is a lottery and it makes sense simply to buy many tickets’ (May
e Rubinstein, ‘Reproductive Strategies’, p.2 (Livi-Bacci, 1992: 3).
14
Os conceitos fecundidade e fertilidade são susceptíveis de certa confusão (e.g. Mariano e
Paulo, 2009: 11), em grande parte porque em inglês eles têm sentido diametralmente oposto
ao que é dado nas línguas portuguesa, francesa e espanhola. Assim, no francês: fécondité; no
espanhol: fecundidad; e no português: fecundidade correspondem ao termo fertility em inglês. Os
termos fertilité, fertilidad e fertilidade correspondem ao termo fecondity em inglês, significando
o potencial ou capacidade fisiológica de produzir um nascido vivo, por parte de um homem,
uma mulher ou um casal. Em outras palavras, fertilidade é a probabilidade de engravidar, ou a
probabilidade de exposição à possibilidade de engravidar, a qual depende do padrão de saúde
sexual e comportamentos preventivos da gravidez. A ausência de tal capacidade é denominada
infertilidade ou esterilidade (Newell, 1988: 35; UN, 2010b: #621).
15
O tempo de gravidez (9 meses); o tempo perdido após o parto e antes de retomar a fertilidade
(infertilidade pós-parto, cerca de 1,5 meses); o tempo de espera para a concepção (cerca de 7,5 meses);
o tempo perdido por causas naturais intra-uterinas (cerca de 2 meses); a mortalidade e o tempo
perdido por esterilidade decorrente naturalmente da idade, ou induzida por um estado patológico,
dependendo de factores biológicos e da variabilidade de comportamentos sexuais. Tendo em conta os
riscos atrás referidos, em média, a fertilidade máxima possível reduz de 35 nascimentos para cerca de
15 filhos, assumindo que a mulher comece a procriar na adolescência, entre os 14 e 15 anos de idade,
até ao fim da vida reprodutiva, por volta dos 50 anos de idade (Frank, 2008: 2; Newell, 1988: 35).
16
Em geral, nenhuma população atinge o máximo da fertilidade natural, tal como também existe
grande variabilidade individual entre as mulheres. Algumas mulheres, por várias razões, são
inférteis. Noutros casos, têm muitos filhos, como acontece ainda em Moçambique. De acordo
com o Guiness Book of Records, a mãe mais prolífica na história foi uma camponesa dos arredores de
Moscovo, no século XVIII; teve 69 crianças oficialmente registadas, 67 das quais sobreviveram à
infância. Entre 1725 e 1765, ela gerou 27 nascimentos múltiplos, incluindo 16 pares de gémeos,
sete conjuntos de trigémeos e quatro conjuntos de quadrigémeos. O recorde mundial moderno,
para partos múltiplos, pertence a Leontina Albina, de San Antonio, no Chile. Actualmente, nos
seus sessentas, ela afirma ser mãe de 64 filhos, dos quais 55 estão registados com certidão de
nascimento (Newell, 1988: 35; http://www.answerbag.com/q_view/576125).
17
‘Tanto quanto sabemos, baseando-nos na informação de que actualmente dispomos, os nossos
antepassados saíram de África (ou permaneceram lá, se o leitor for africano) há aproximadamente
setenta mil anos e espalharam-se pelo planeta, chegando à Austrália há aproximadamente trinta
mil anos. Podemos agradecer esta expansão à inteligência humana, pois ela exigiu a solução
para diversos problemas a uma grande escala. Para onde quer que fôssemos, descobríamos como
extrair comida do ambiente, até estarmos a comer tudo, desde sementes até baleias…Em cada
população humana distinta, a lenta sabedoria da selecção natural seguia para onde a rápida
sabedoria da inteligência humana a conduzia. Em civilizações que criavam gado, o leite tornou-
se, pela primeira vez na história dos mamíferos, um recurso para os adultos…Na década de 1950,
os programas americanos de ajuda ao estrangeiro enviaram leite em pó para todo o mundo,
produzindo flatulência generalizada em regiões onde as pessoas não estão geneticamente
adaptadas a digerir leite em adultos. Não admira que nos odeiem! ...’ (Wilson, 2009: 83).
18
‘A evolução exige continuidade, pelo que as nossas capacidades devem ter tido precursores no
antepassado comum que partilhamos com os outros grandes primatas vivos – chimpanzés,
bonobos, gorilas e orangotangos – há apenas seis milhões de anos’(Wilson, 2009: 220).
19
Refira-se que o PNUD, no cálculo do índice de esperança de vida, estabelece como limite mínimo
25 anos e limite máximo 85 anos. Significa que, há dez anos, assumindo que as estimativas do
INE representam a realidade, em certos distritos de Moçambique, a população apresentava um
nível de esperança abaixo do próprio limite mínimo que internacionalmente se assume estar
superado em todo o mundo. Será interessante verificar qual será a situação mais recente, a partir
da análise detalhada dos dados do Censo de 2007 (INE, 2009).
GRÁFICO 3 MORTALIDADE INFANTO-JUVENIL E TAXA DE FECUNDIDADE TOTAL (TFT), MOÇAMBIQUE E O MUNDO, 1995-2000
14 14
Mavago Maua
13 13
GRUPO 1
12 12
10 10
GRUPO 2 Changara
9 9
Muembe
8 Yemen. 8
Zavala
7 GRUPO 3 Yemen 7
6 Arábia Saudita CENTRO
NORTE
6
Oman
Zamb
5 CD
5
Pemba
4 SUL 4
MOÇAMBIQUE
3 DU2 3
Banglades
Myanmar
2 DU1 2
y Moz= 1.1599ln(x) - 0.724 yMundo = 2.639ln(x) - 7.2065
1 R = 0.6776 R = 0.3236 1
0 0
0 50 100 150 200 250 300 350 400 450 500
Log. (Mundo) Log. (Moz-Dist) Log. (Moz-Dist) FONTE INE, 2005; UNDP, 2001
20
Distrito Urbano 3 (100,5‰), Cidade da Matola (105,3‰), Moamba (108,4‰), Zavala
(113‰), Cidade de Inhambane (115,1‰), Marracuene (116,8‰), Cahora Bassa (117,4‰),
Maxixe (124,4‰), Namaacha (124,7‰), Inharrime (125,5‰), Xai-Xai (128,7‰), Cidade
de Xai-Xai (128,7‰), Boane (132‰), Magude (144,7‰), Cuamba (147,6‰), Cidade de
Lichinga (147,7‰) e Mossurize (148,8‰).
Acredita-se que o baixo estatuto social da mulher na África Sub-Saariana também promove níveis ele-
vados de fecundidade... A dependência económica das mulheres nos homens, que caracteriza a estrutura
familiar patriarcal da maior parte da África Sub-Saariana, resulta em níveis de fecundidade desejadas re-
lativamente elevados de modo a minimizar os riscos na velhice (Cain, 1993; Mason, 1993; Abadian 1996).
Contudo, mesmo quando os desejos de fecundidade das mulheres são baixos, estes níveis podem não ser
facilmente atingidos, pois as mulheres têm um poder de tomada de decisão limitado. Nas estruturas fami-
liares africanas, as mulheres não têm autoridade na tomada de decisões sobre o tamanho da família e de
praticar ou não o planeamento familiar. A prática do Lobolo é vista como um meio que confere ao esposo
e seus familiares o direito de decidir sobre a prática do planeamento familiar (Boserup, 1985; Caldwell e
Caldwell, 1987; Frank e McNicoll, 1987; Caldwell et al., 1992). Em adição ao seu mínimo envolvimento na to-
mada de decisões sobre o número de filhos a ter, as mulheres em África temem a esterilidade: ter filhos de
um modo regular e muitos, reforça o prestígio da mulher e assegura respeito, enquanto que, em contraste,
a esterilidade ou um menor número de filhos sujeita a mulher ao ridículo, sofrimento e consequências so-
ciais negativas (vide Capitulo 7). (Arnaldo, 2007: 23).
A investigação sobre os diferenciais da fecundidade tem observado, sistematicamente, que as mulhe-
res que vivem em áreas urbanas têm [mais] baixos níveis de fecundidade do que a sua contraparte rural…
Esta diferença nos níveis de fecundidade pode reflectir diferentes estatutos socio-económicos entre as
mulheres urbanas e rurais. As mulheres urbanas têm uma melhor escolarização e estão mais susceptíveis
de participar no mercado de trabalho formal, casar mais tarde, e possuir melhor conhecimento sobre e
acesso a contraceptivos modernos do que as mulheres rurais (Cohen, 1993; Shapiro e Tambashe, 2001).
Por outro lado, devido ao facto dos custos de procriação serem elevados em áreas urbanas do que em ru-
rais, onde as crianças ajudam nas actividades domesticas e agrícolas, as mulheres de áreas urbanas estão
mais susceptíveis de apreciarem as vantagens de terem uma família pequena (Cohen, 1993; Jolly e Griblle,
1993). Níveis elevados de fecundidade em áreas urbanas podem também estar associados, parcialmente,
à residência rural per se, pois a vida está associada a muitos filhos e normas que tendem a favorecer a fa-
mília alargada (United Nations, 1987:188) (p. 131)
Como se esperava, as TFTs estimadas (Tabela 4.7) são [mais] baixas em áreas urbanas do que em rurais.
A nível nacional, a diferença é de 1.7 filhos por mulher, reflectindo uma TFT de 6.3 comparada com 4.6 para
áreas urbanas. As diferenças entre as áreas urbanas e rurais são grandes na região Centro (1.9) do que as
regiões Norte (1.2) ou Sul (1.4). Em termos relativos, a fecundidade urbana é de 28, 18 e 25% mais baixa
do que a fecundidade rural nas regiões Centro, Norte e Sul, respectivamente. Em sete das dez províncias,
a diferença urbano-rural na TFT excede um filho por mulher, e aproximando-se a dois em Sofala. Não existe
quase nenhuma diferença entre a TFT urbana e rural em Manica, onde a TFT urbana é de apenas 0.2 filhas
menos do que a rural. Na verdade, Chimoio (em Manica) é a capital provincial com a mais elevada TFT (6.2),
2.1 filhos por mulher mais alto do que a média nacional. Fazendo uso de métodos quantitativos e qualita-
tivos, Martinho (2000) sugere que as razões por detrás da elevada fecundidade na Cidade de Chimoio são,
talvez, o alto prestígio social que as mulheres com muitos filhos gozam e a ausência de motivação para
adoptar métodos de contracepção modernos. Mais ainda, Manica, tanto quanto Niassa, Nampula e Tete,
todas com TFTs de 5.0 ou mais, estão entre as províncias menos desenvolvidas do país (Ministério do Plano
e Finanças, 2000) (p. 131).
21
Arnaldo e Muanamoha (2010:11) concluem que o nível de fecundidade moçambicana é o triplo do que
seria necessário para garantir a reposição das gerações, mas este valor abstrai-se do efeito da mortalidade.
Em todas as províncias moçambicanas, a demanda [por crianças] é em média superior à oferta. O país
tem uma das maiores demandas de crianças no mundo, mas também uma dos maiores ofertas, para além
da elevada mortalidade infantil e juvenil. Em muitas províncias, os custos de controlo da fecundidade ainda
são elevados. Os que deliberadamente usam anticonceptivos são os que já têm muitos filhos (pp. 21-22).
…vamos apresentar três casais que, hipoteticamente, podem exemplificar o comportamento típico da
fecundidade em Moçambique. Os casais representam também três fases do comportamento da fecundi-
dade: tradicional, em transição e moderno. As histórias dessas famílias são definidas pela interacção entre
oferta e demanda de crianças e os custos de regulação da fecundidade... (p. 22).
Casal tradicional O casal tradicional pertence ao grupo étnico Emakua e vive na zona rural de Nampula,
uma das províncias do norte. Vivendo num ambiente agrícola, o casal deseja ter o maior número de filhos;
para eles, quanto maior for o número de crianças, maior será a força de trabalho para a agricultura e sua
subsistência ficará garantida a longo prazo... Não tem acesso a água potável, nem a TV ou rádio. Duas filhas
já morreram de cólera, razão pela qual desejam ter mais filhos. O número total de crianças depende de
uma fecundidade sem controlo, simbolizada pela frase “depende de Deus”; oito, é o número de filhos que
desejam ter... (p. 23) (sublinhado nosso).
Casal em transição O casal em transição pertence aos grupos étnicos Xitswa e Xitsonga e vive na capital
da província de Inhambane, depois de ter mudado do interior, há alguns anos atrás. Apesar de saudável,
é analfabeto e tem um padrão de vida instável porque a sobrevivência da família depende de empregos
temporários do homem conseguidos noutras províncias moçambicanas. O estilo de vida urbano reduziu
ligeiramente o desejo do casal quanto ao número de filhos; os custos com as crianças tornaram-se maiores
devido à escola. Além disso, suas crianças estão todas vacinadas e a sua mortalidade é menor do que a
dos seus primos rurais. Quando o casal está esperando seu quinto filho, discute sobre a estranha e pouco
tradicional noção de limitar o tamanho da família. No entanto, acaba por não ir à clínica; ainda vê com des-
conforto o recurso a métodos anticonceptivos (por exemplo, abstinência ou preservativos), para além dos
custos reais, em tempo e dinheiro, de certas técnicas (por exemplo, aborto ou esterilização). É só quando
está à espera do seu sexto filho que decide limitar o tamanho da sua família. Obtêm um método moderno
anticonceptivo na clínica de saúde local (p. 23)
Casal moderno O casal moderno, dos grupos étnicos Xitsonga e Português, sempre viveu na Cidade
de Maputo. Um dos parceiros tem o ensino médio e pelo menos o homem tem emprego permanente em
tempo inteiro. Assumindo estilos de vida urbana, desde o início da união, o casal sente-se motivado para
controlar o tamanho da família, já que ter filhos indesejados implicaria custos adicionais. Decidiu não ter
mais de três filhos, uma vez que os custos de uma quarta criança poderiam comprometer o investimento
direccionado para a “qualidade da educação” dos três primeiros filhos. A perspectiva de crianças não dese-
jadas motivou-o a escolher a contracepção moderna, a qual é relativamente barata na Cidade de Maputo,
onde comparativamente às áreas rurais é fácil de obter informação e contraceptivos. Os contraceptivos,
neste caso, são utilizados não só como meio para conseguir o número de filhos desejado, mas para definir
também quando é que as crianças devem nascer (p. 23)
22
Thomas Malthus (1766-1834). http://www.ucmp.berkeley.edu/history/malthus.html.
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
1
Partes deste artigo foram partilhadas em vários debates públicos e em artigos publicados na
Poverty in Focus 22 (Francisco et al. 2010b) e no Ideias No. 32 (Francisco et al., 2010a). As
traduções de textos em Inglês são da responsabilidade dos autores. Agradecemos os comentários,
sugestões e questões colocadas pelos leitores que generosamente comentaram versões anteriores
deste artigo.
2
Os países ainda excluídos do dividendo demográfico mundial poderão, eventualmente,
beneficiar dele no futuro, dependendo do progresso da transição demográfica e das condições
institucionais, políticas e económicas, prevalecentes.
3
Eduard Hugh (2010), comentando a recente revolta popular na Tunísia, escreveu no Blog
Global Economic Matter (tradução do autor): ‘A situação política por si só não provocaria a
revolução, penso eu, se não fosse a incapacidade da economia e da política da Tunísia de tirar
o melhor proveito do seu dividendo demográfico. Os jovens descontentes da Tunísia acabaram
por demolir tudo’ (Hugh, 2010, http://demographymatters.blogspot.com/2011/01/why-did-
tunisia-revolt-too-deferred.html).
O DEBATE ANALÍTICO
A vertente analítica envolve inúmeros aspectos conceptuais e teóricos, ge-
rais e específicos, os quais não podem ser abordados exaustivamente no espaço
reservado a este texto. No entanto, um aspecto pode servir para ilustrar um ponto
fundamental sobre o contexto analítico da protecção social. Diz respeito ao divór-
cio, persistente entre a maneira como a protecção social é concebida, analisada
e gerida nos países desenvolvidos, comparativamente às abordagens e modelos
aplicados na análise e gestão da protecção social nos países subdesenvolvidos. Re-
flectir um pouco sobre o divórcio analítico no pensamento internacional poderá
ajudar a compreender melhor a natureza dos mecanismos de protecção social,
desenvolvidos e aplicados nos países subdesenvolvidos como Moçambique.
Actualmente, os pesquisadores, analistas e fazedores de políticas dos países de-
senvolvidos, encontram-se cada vez mais preocupados e empenhados em repensar a
segurança social e a assistência social, com o objectivo de as tornar viáveis, sustentá-
veis e consistentes com as mudanças observadas na estrutura demográfica e econó-
mica das suas sociedades.4 Porém, mais inquietante do que os gastos financeiros ime-
diatos é a preocupante perspectiva de crescimento insustentável dos gastos futuros.
Ao longo da primeira década do Século XXI, intensificaram-se as dúvidas
quanto à sustentabilidade do Estado Social, tal como é conhecido actualmente
nos países desenvolvidos, nas suas diferentes feições e variantes. Razões objectivas
sobrepõem-se às controvérsias ideológicas e filosóficas sobre os prós e contras dos
modelos de segurança social actuais. São razões determinadas por factores objec-
tivos diversos, tais como: 1) Mudanças demográficas profundas, associadas aos
progressos gerados pela transição demográfica, manifestados na transformação
dos regimes reprodutivos de altas para baixas taxas de mortalidade e fecundidade,
4
‘Todas as sociedades capitalistas avançadas de hoje são Estados de bem-estar de alguma espécie’
afirmam George e Wilding (2008: 10). ‘Gastam entre um terço e metade da sua renda em
serviços públicos, dos quais a metade é dispendida naquilo que passou a ser conhecido por
serviços sociais’.
5
A imprensa internacional e a Internet estão repletas de artigos sobre a problemática da
protecção social nos países desenvolvidos. Alguns exemplos: “Alguém viu por aí o Estado
social de Sócrates?” (IOnline de 15.10.2010), www.ionline.pt/conteudo/83372-alguem-viu-
ai-o-estado-social-socrates; No Blog de Santiago Niño Becerra: “Pensiones ¿llegaremos al
2050?” (08.03.2010); “Seguridad social” (22.07.2010); Malcolm Gladwell, no New Yorker de
28.08.2006: “What’s behind Ireland’s economic miracle – and G.M.’s financial crisis?” Butler e
MacGuineas (2008) “Rethinking social insurance”.
6
Primeiro a Grécia, depois a Irlanda e, nos meses recentes, cresce a probabilidade de outros países
(e.g. Portugal, Espanha) virem a reconhecer a falência soberana e a recorrerem oficialmente à
intervenção do BCE e do FMI.
7
Acções benevolentes e caritativas, se bem que boas em si mesmas, são insuficientes do ponto de
vista dos direitos humanos’ (UNICEF, 2000a) (Ver também UNICEF, 2004: 11-12)’ (Munro,
2007: 10).
O DEBATE EMPÍRICO
Relativamente à segunda vertente, o contexto empírico, interessa sublinhar
que Moçambique encontra-se entre os 12 países no mundo com maior intensida-
de e incidência de pobreza, medida pelo recentemente criado Índice de Pobreza
Multidimensional (IPM) (Alkire e Santos, 2010; UNDP, 2010). Com cerca de 80%
da população moçambicana classificada como pobre em termos do IPM, esta pro-
porção da população cai dentro do intervalo definido pelos dois indicadores mais
comuns de pobreza internacional “extrema” - 75% da população vivendo com 1,25
dólares ou menos por dia e 90% vivendo com 2 dólares ou menos por dia.
Moçambique entrou, assim, na segunda década do Século XXI, com um efecti-
vo de 18 milhões de pessoas vivendo em extrema pobreza, correspondendo a, pelo
menos, cinco milhões de pessoas a mais do que o efectivo estimado na base das
linhas de pobreza nacional - 54% em 2003 e 55% em 2009 (MPD, 2010) (Gráfico 1).
Entretanto, como sublinhou Francisco (2010d) em reacção à divulgação pú-
blica dos dados oficiais da 3ª Avaliação Nacional de Pobreza, as pesquisas recen-
tes sobre a situação e evolução da pobreza em Moçambique, tanto de pesquisas
baseadas em dados estatisticamente representativos (Alkire e Santos, 2010; de
25 100%
90%
80%
Números Absolutos, Pobres (em Milhões)
20 75% 80%
10 19,6 40%
LINHAS DE POBREZA NACIONAL
16,4 17,4
12
5 10 20%
0 0%
Linha Nacional de Linha Nacional de U$1,25 / dia IPM (H) U$2 / dia
Pobreza, 2002/03 Pobreza, 2008/09
Indicadores de Pobreza
FIGURA 1 NÍVEIS DE INCIDÊNCIA DA POBREZA E VARIAÇÕES NO TEMPO POR PROVÍNCIAS, MOÇAMBIQUE 2003
(VARIAÇÕES EM PONTOS PERCENTUAIS, PP.)
Niassa Cabo-Delgado
31,9% 37,4%
(-20,2) (-25,8) Pemba
Lichinga
Nampula
Tete 54,7%
42% (+2,1)
Nampula
(-17,8) Tete Zambézia
70,9%
(+25,9)
Manica
Quelimane
55%
Sofala
(+11,5)
58%
(+21,9)
Chimoio
Beira
Maputo
Província Xai-xai
67,5% Maputo Cidade
(-1,8) 36,2%
Ponta do Ouro (-17,4)
FONTE MPD, 2010: 4; Republic of Mozambique, 2010: 13
O DEBATE EM FALTA
Quanto à terceira vertente, o debate em falta, um dos assuntos mais carentes
de reflexão e investigação é a questão da natureza da economia nacional e do
Estado em Moçambique. Será por falta de massa crítica, que ninguém pode ser
responsabilizado? Ou é receio de enfrentar a realidade, quer por desinteresse, quer
por conveniência de interesses inconfessáveis?
Francisco (2010a) tem caracterizado Moçambique como um Estado Falido
mas não Falhado.8 Não é um Estado Falhado, tanto do ponto de vista dos critérios
e indicadores do Índice de Estados Falhados (Foreign Policy, 2010) como de outras
metodologias de avaliação do nível de estabilidade e vulnerabilidade da governação,
serviços prestados ao cidadão e níveis de corrupção, disfuncionalidade e informali-
dade. No entanto, apesar de não existir um índice de Estados Falidos propriamente
dito, existem suficientes evidências testemunhando a natureza falimentar do Estado
Moçambicano, em vários sentidos, nomeadamente, financeiro e económico. Finan-
ceiramente, o Estado Moçambicano só tem conseguido honrar as suas obrigações
perante os credores internacionais, recorrendo à ajuda externa massiva.
No final do século XX, a dívida pública de Moçambique atingiu os seis mil
milhões de dólares, representando 153% do PIB do ano 1998, cerca de 13 vezes
as receitas do Estado e 25 vezes as exportações do mesmo ano (Ministério das
Finanças, 2008: 3). Foi graças ao perdão de grande parte da dívida internacional,
acumulada de forma insustentável, antes e depois da adesão às Instituições de
Bretton Woods em 1984, que Moçambique voltou a ser reconhecido como de-
tentor de uma dívida sustentável (Reinhart e Rogoff, 2009: 375t; Sachs, 2002: 14).9
8
As expressões ‘estado falido’ e ‘estado falhado’ não são termos ingénuos, muito menos visam ocupar o
lugar de termos usados abusivamente na literatura internacional (e.g. neoliberais, capitalismo selvagem,
esquerda, direita ou pró-mercado) por palavras que apenas soam bem mas sem conteúdo claro.
9
‘Com o objectivo de tornar a dívida sustentável, Moçambique beneficiou, sucessivamente em 1999
e 2000, do alívio de dívida no âmbito da Iniciativa dos Países Pobres Altamente Endividados
(HIPC). Beneficiou, ainda em 2006, do cancelamento da dívida no âmbito da Iniciativa do Alívio
da Dívida Multilateral (MDRI)…’ (Ministério das Finanças, 2008: 3-7).
10
‘Moçambique, uma das histórias mais notáveis de sucesso em África, tem beneficiado de
fluxos de ajuda sustentada, crescimento forte e de base ampla, bem como profunda redução da
pobreza…’ (Christensen, 2008: v).
11
‘Sem dúvida, Moçambique é uma história de sucesso. Um sucesso, tanto em termos de
crescimento, mas também como modelo para outros países a respeito de como tirar o melhor
partido possível do interesse do doador’ (Baxter, 2005).
12
‘O ritmo acelerado de crescimento económico tem continuado desde 2003. A continuidade no
crescimento e na redução da pobreza em Moçambique é já uma das mais prolongadas em países
de baixos rendimentos …’ (Fox et al., 2008: 3-4).
13
‘Wishful thinking’, termo inglês que significa o padrão de pensamento que toma os desejos pela
realidade, levando as pessoas a tomar decisões e a interpretar os factos, relatos e percepções com base
nesses desejos, em vez do que acontece na realidade e na racionalidade (Francisco e Matter, 2007).
14
O wishful thinking moçambicano não é unicamente produzido e desenvolvido por moçambicanos.
Investigadores e personalidades internacionais influentes têm contribuído para a elaboração
do pensamento desejoso moçambicano. A título de exemplo, Jeffrey Sachs, célebre economista
norte-americano e activo promotor das chamadas ‘Aldeias do Milénio’, numa visita recente a
Moçambique esforçou-se por dar alento ao actual wishful thinking moçambicano. Na palestra
que proferiu em Maputo sobre o tema ‘Moçambique e a Economia Global’, Sachs defendeu
que Moçambique tem registado importantes progressos ‘que faz com que o país pertença já ao
grupo das economias emergentes’. Esta declaração parece ter apanhado a audiência de surpresa,
incluindo alguns dos mais notáveis promotores do wishful thinking moçambicanos presentes na
palestra. Em resposta ao pedido para que explicasse os critérios para definir um país emergente,
Sachs explicou que Moçambique tem condições para crescer a uma média anual de 10% ou
mais nesta década, para além de que a economia também está apta para duplicar o seu tamanho
em cada cinco ou sete anos (‘Moçambique já é uma economia emergente’ in Jornal Notícias,
‘Economia & Negócios’, 21.01.2011, pp. 4-5).
15
Na sua mais recente avaliação, o FMI considera o desempenho da economia de Moçambique
em 2010 como ‘forte’, ‘robusto’ e ‘… melhor durante a recessão mundial que os seus congéneres
da África subsariana (AS) …’ (Relatório nº 10/375, 2010: 4).
16
Índices de liberdade económica (The Heritage Foundation, 2010; Fraiser Institute, 2010);
ambiente de negócios (World Economic Forum, 2010; World Bank, 2010); índices de
notação de crédito das agências de rating Standard & Poor e Fitch (www.pri-center.com/
country/country_specific.cfm?countrynum=139); níveis de corrupção, democracia, qualidade
institucional (Transparency International, 2010; The Economist, 2010); índices de crescimento,
desenvolvimento humano e de pobreza humana (UNDP, 1994, 2010).
17
Para além da 3ª Avaliação, baseada no Inquérito ao Orçamento Familiar (IOF) 2010 (MPD, 2010),
os dados dos Inquéritos do Trabalho Agrícola (TIA), relativos aos anos 2000 e 2009 (e.g. ver artigo
de Cunguara e Hanlon, 2010) e o Censo de 2007 (INE, 2009a, 2010) mostram uma realidade
urbana e rural muito mais complexa e difícil do que as que as informações oficiais admitem.
10,0%
8,0% Taxa de
Crescimento 7,2%
6,0% Económico
4,2% Taxa de 5,0%
4,0% Crescimento
Demográfico
2,2% 2,2%
2,0%
Taxa Média
2,0%
0,0%
1960-64 1965-69 1970-74 1975-79 1980-84 1985-89 1990-94 1995-99 2000-04 2005-09
-2,0% Taxa de
Desenvolvimento
-4,0% Económico
-6,0%
-6,5%
-8,0%
-10,0% -9,6%
Períodos
FONTE PWT 6.1; www.foreignpolicy.com
Entre 1960 e 2009, a população cresceu à taxa média anual de 2,2%, en-
quanto a economia moçambicana cresceu à taxa média anual de 1,7%. Ou seja,
ao longo do último meio século, o moçambicano produziu abaixo do mínimo ne-
cessário (pelo menos 2,2% correspondente ao crescimento populacional) para que
18
‘Contra o seu mandato e vocação, o FMI acabou ficando envolvido em programas de rápida
estabilização que nunca terminavam, ou que se sucediam uns aos outros nos mesmos Países.
Killick (1995) mostra que, em cada um dos mais de 30 Países da África Sub-Sahariana (SSA)
que solicitaram e receberam apoio do FMI nas duas ultimas décadas, o FMI implementou, ou
tentou implementar, pelo menos três, em alguns casos mesmo dez, programas sucessivos de
estabilização económica. Na maioria dos casos, o FMI entrou no País para ficar entre um a dois
anos, e acabou ficando dez ou mais anos sem conseguir atingir a totalidade dos objectivos de
estabilização definidos’ (Castel-Branco, 1999: 12).
19
É duvidoso que a proporção do mercado informal, no seu sentido amplo, represente somente os 40%
do PIB estimados por Schneider et al.(2010: 21; ver também Francisco e Paulo, 2006).
20
Em 2010, o Governo dos Estados Unidos da América, através do Presidente Barak Obama,
tomou medidas em defesa do seu sistema financeiro nacional, alegadamente por Moçambique
estar a tornar-se cada vez mais envolvido no narcotráfico internacional (www.clubofmozambique.
com/solutions1/sectionnews.php?secao=business&id=18539&tipo=one).
Além da África Austral, Moçambique, Gana e Quénia também têm sido bem sucedidos
no desenvolvimento de estruturas de protecção social, e / ou no avanço em direcção à
definição de uma perspectiva de longo prazo das suas políticas e programas (IPC-IG,
Nota Conceptual, 2010).
Uma reflexão cuidada dos reais desafios colocados pela ampliação e consoli-
dação da protecção social em Moçambique mostra como esta tarefa está a tornar-
-se cada vez mais difícil nos dias de hoje. Parte das dificuldades, como se refere
e exemplifica no início deste artigo, derivam de factores objectivos e acontecem
independentemente da vontade política dos governantes; outra parte deriva de
factores subjectivos e conjunturais, incluindo o empenho, a honestidade e o pro-
fissionalismo na implementação das políticas públicas.
Setembro de 2010 foi um mês terrível para os pensadores desejosos em Moçam-
bique. O mês começou com mais uma revolta popular violenta e sangrenta nas duas
principais cidades da Província de Maputo (Maputo e Matola)21 e terminou com a
divulgação de novos dados devastadores contra a tese de que a pobreza estava a dimi-
nuir e a ser controlada. Segundo a 3ª Avaliação Nacional da Pobreza e Bem-estar em
Moçambique, a pobreza estagnou na melhor das hipóteses, mas em várias províncias
do país, e nas zonas rurais em geral, aumentou substancialmente (MPD, 2010).
Face a este panorama da economia e do Estado de Moçambique, é legítimo
perguntar: que perspectivas se pode esperar para a protecção social num país
21
Os distúrbios violentos de 1 a 3 de Setembro, apelidados na imprensa internacional como a
‘revolta do pão’, (www.guardian.co.uk/world/2010/sep/02/mozambique-bread-riots-looters-
dead, ou a ‘revolução do pão’ (www.tvi24.iol.pt/sociedade/visao-quiosque-tvi24-revista--
imprensa/1190312-4071.html), originaram mais de uma dezena de mortes de civis. Seguiram-
se alguns dias de tensão e boatos, até que, a 7 de Setembro, o Governo recuou na sua decisão,
suspendendo o aumento dos preços de alimentos, água e electricidade, para além de anunciar
outras decisões visando pôr termo ao protesto popular. Uma onda similar de protesto popular
ocorreu também em 05.02.2008 contra o aumento dos preços dos “chapas” (transportes urbanos
informais), originando confrontos com a polícia, paralisação do comércio e outras actividades
na cidade de Maputo. Este tipo de protestos populares apontam para uma nova etapa política
nacional, um novo dissenso, parafraseando o conceito criado pelo filósofo francês Jacques
Rancière. Dissenso, ao invés de consenso, em que as pessoas que não fazem parte do poder de
Estado e da gestão da coisa pública apoderam-se das ruas e do palco público, para declarar que
aquilo que o Governo decide não é inevitável.
TABELA 2 POPULAÇÃO EM IDADE ECONOMICAMENTE ACTIVA E PROTECÇÃO SOCIAL FORMAL EM MOÇAMBIQUE 2007
Total %
(em 1000 pessoas)
População Total (Censo 2007) 20.632 100
População 7 e mais anos de idade 15.213 73,7%
População em Idade Activa (PIA), 15-64 anos 10.589 51,3%
PIA por Sector de Actividade
Assalariada 837 7,9%
Informal 7.942 75%
Desempregada 1.800 17%
População infantil trabalhadora (7 -14 anos) 1.354 8,9%
PIA por Fonte de Contribuição
Previdência Social Estado (Funcionário da Adm. Pública)* 231,8 2,2%
Trabalhadores no Sistema de Segurança Social (INSS) 690,0 6,5%
Activos 193,4 1,8%
Inactivos 496,5 4,7%
População Abrangida pela P.S Formal (Previdência Social + INSS) 921,7 8,7%
Actuais Beneficiários de Segurança Socia Formal (INSS Activos + Estado) 425,2 4,0%
Excluídos 77,8%
Formalmente
Bancarizado
(6,1%)
1,1% 3,1%
1,6%
NOTA
Câmbio: 30,6 MT por 1US$
A resposta curta e directa às três interrogações atrás colocadas pode ser dada
recorrendo ao conceito de Protecção Social Demográfica (PSD), tal como foi
definido na introdução deste texto - o conjunto de relações e mecanismos interge-
racionais, de género, familiares, comunitários e sociais que moldam e determinam,
directa ou indirectamente, os componentes de mudança demográfica, nomeada-
mente: mortalidade, natalidade e migrações.
Aos mais de quatro quintos de moçambicanos adultos, sem qualquer tipo de
acesso aos sistemas financeiros, não resta outra alternativa senão procurar garantir
a sua segurança e sobrevivência através dos sistemas reprodutivos e demográficos
estabelecidos ao longo dos séculos em torno das elevadas taxas vitais. Mesmo os
moçambicanos com alguma forma de acesso a mecanismos financeiros podem
dispensar o contributo significativo dos mecanismos demográficos.
Na sua vida quotidiana, a solução para a prevenção e mitigação dos prin-
cipais riscos humanos, desde o risco de perder a vida precocemente na infância
(antes de completar um ou cinco anos) até ao risco de mergulhar na insegurança
durante a velhice, continua a depender fortemente dos sistemas demográficos de
protecção social. São sistemas predominantemente não financeiros, mas social-
mente relevantes e determinantes do controlo social exercido nas práticas, atitu-
des e comportamentos das mulheres e dos homens.
Precisamente por causa desta característica, geralmente vulgarizada e assu-
mida como natural ou biológica, Francisco (2010c) tem contraposto um argu-
mento de algum modo provocativo, considerando o desprezo que o assunto tem
recebido nas políticas de protecção social mais convencionais. Em Moçambique,
defende Francisco (Francisco et al., 2010a, 2010b), ter muitos filhos continua a ser
a principal forma de protecção social. Este assunto é abordado, de forma mais
extensiva, num outro artigo incluído neste livro. A este nível, basta apenas registar
o facto de tal argumento suscitar um misto de reacções curiosas, desde surpresa,
algum embaraço e também perplexidade. A surpresa e o embaraço derivam da
forma como uma constatação tão mundana e óbvia expõe de forma muito simples
a desatenção ou mesmo desprezo dispensado ao domínio da protecção social,
socialmente relevante, enquanto a maior parte das energias, recursos humanos e
financeiros são concentradas em áreas cujos resultados deixam muito a desejar.
22
‘…dada a vulnerabilidade crónica dos nossos antepassados, as primeiras formas de seguro talvez
tenham sido, até, as sociedades fúnebres que poupavam recursos para garantir ao membro de
uma tribo um enterro digno. Esse tipo de sociedades permanece a única forma de instituição
financeira, em algumas das partes mais pobres da África Oriental. Poupar antecipadamente para
uma provável adversidade futura continua a ser o princípio fundamental dos seguros, quer seja
contra a morte, quer seja contra os efeitos da idade avançada, de uma doença ou de um acidente.
O truque é saber quanto devemos poupar e o que devemos fazer com essas poupanças…’
(Ferguson, 2009: 164).
5) Como bem referiu Reher (2004), a ideia segundo a qual, antes da transi-
ção demográfica, as pessoas preferem grandes famílias, por perceberem
a utilidade dos filhos na economia familiar e, mais tarde, como seguro na
As (43
sa %
lar )
Sector Público,
iad
316.644
os
(13%)
Trabalho Infantil
Sector Privado,
(assalariado & outros),
708.550
1.332.630
(30%)
(57%)
23
Não é por acaso que grande parte das políticas e estratégias nacionais - e.g. Agenda 2025,
EDR (Estratégia de Desenvolvimento Rural), 2007; ODMs (Objectivos de Desenvolvimento
do Milénio) - revelam fraca ligação e consistência com os planos de acções nacionais, sectoriais
(e.g. PRSPs (Poverty Reduction Strategy Papers)/PARPA (Plano e Acção para a Redução da
Pobreza Absoluta, PES (Plano Económico e Social) e projectos distritais e locais.
REFERÊNCIAS
Adésínà, J., 2010. Rethinking the Social Protection Paradigm: Social Policy in
Africa’s Development, Commissioned Background Paper for the European
Report on Development 2010. Florence: European University Institute, http://
erd.eui.eu/media/2010/Rethinking%20the%20Social%20Protection%20Para-
digm.pdf. (acedido a 06.11.2010).
INTRODUÇÃO
Província Ronda 2000 Ronda 2001 Ronda 2002 Ronda 2004 Ronda 2007 INSIDA 2010
Maputo Cidade 13,5% 15,5% 17,3% 20,7% 23% 16,8%
Maputo Província 14,4% 14,9% 17,4% 20,7% 26% 19,8%
Gaza 12,6% 19,4% 16,4% 19,9% 27% 25,1%
Inhambane 7,8% 7,9% 8,6% 11,7% 12% 8,6%
Zona Sul 12,0% 14,4% 14,8% 18,1% 21% 17,8%
Sofala 20,6% 18,7% 26,5% 26,5% 23% 15,5%
Manica 17,3% 18,8% 19,0% 19,7% 16% 15,3%
Tete 16,3% 16,7% 14,2% 16,6% 13% 7,0%
Zambézia 10,0% 15,4% 12,5% 18,4% 19% 12,6%
Zona Centro 14,4% 16,8% 16,7% 20,4% 18% 12,5%
Niassa 6,2% 5,9% 11,1% 11,1% 8% 3,7%
Nampula 4,8% 7,9% 8,1% 9,2% 8% 4,6%
Cabo Delgado 7,5% 5,0% 7,5% 8,6% 10% 9,4%
Zona Norte 5,7% 6,8% 8,4% 9,3% 9% 5,6%
Nacional 11,0% 12,7% 13,6% 16,2% 16% 11,5%
O Governo de Moçambique reconhece que o PNCS é de alta prioridade, mas não deverá
impedir o funcionamento de outros programas sanitários devendo por isso ser promovido
tanto quanto possível nas actividades dos Cuidados Primários (MISAU in Matsinhe, 2005).
1
O termo queer refere-se aos grupos de minorias sexuais e identidades de género que se distanciam
da heteronormatividade (tendência que naturaliza a heterossexualidade e a elege como norma
social).
2
Indivíduos que não tenham passado por determinado ritual (por exemplo ritual de iniciação)
podem perder regalias e estatuto social.
3
A tradição refere-se a dinâmicas diferentes dos valores ocidentais. Assim, a divisão de papéis
masculinos e femininos na família, na ocupação dos espaços público e privado onde se percebe a
mulher como submissa e o homem como dominador; o marido (chefe da família) como decisor
da fertilidade e sexualidade da mulher são exemplos do que se considera tradição no referente ao
parentesco e relações de género, sexualidade.
(...) os indivíduos agem por escolha e podem optar por ter relações sexuais com um parceiro
único (fiel e monógamo) ou múltiplos parceiros (promíscuo), como pessoas informadas (sen-
síveis) ou sem informação (ignorantes) tomando decisões de risco (irresponsáveis) ou seguras
(responsáveis) baseadas no prazer (irracional) ou no amor (racional) (Thornton, 2009: 2).
(...) ampliar o tamanho e diversidade das redes sexuais e sociais do indivíduo e, por con-
sequência, aumentar o capital social ... que por conseguinte garante aos indivíduos maior
e melhor acesso a bens económicos e sociais. [Assim], os indivíduos que se encontram
nos pontos mais instáveis e com menos conexões na rede sexual são os mais activos na
construção das suas redes sexuais (Thornton, 2009: 1).
EM JEITO DE CONCLUSÃO...
Amadiume, I., 1987. Male Daughters, Female Husbands: Gender and sex in an African
society. London: Zed Books.
Arnfred, S., 2004. Re-thinking sexualities in Africa: Introduction. In S. Arnfred, ed.
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Maputo: Texto Editores.
INTRODUÇÃO
1
Uma versão anterior deste texto foi publicada como “Public Safety Dimensions of Security
Cooperation in the Southern Africa Development Community, in JM Kaunda (ed), Proceedings
of the 2006 FOPRISA Annual Conference, Gaborone: Lightbooks, 2007.
CONTEXTO
A ÁFRICA AUSTRAL EM TRANSIÇÃO
Presentemente, a África Austral é talvez a região mais coerente e integrada
da África sub-sahariana (McGowan, 2006: 301). Por detrás desta realidade está
uma cultura partilhada de libertação, originada na luta contra o colonialismo e o
apartheid, mas também a coerência histórica de países que partilham a condição
de satélites económicos da África do Sul e, finalmente, o facto de que todos eles,
de formas desiguais mas paralelas, experimentam transições democráticas.
Em termos políticos, tais transições envolvem a substituição dos antigos regi-
mes autoritários, caracterizados pelo colonialismo, pelo apartheid ou por sistemas
de partido único, por uma nova ordem democrática dirigida por governos eleitos.
Em termos económicos, elas dizem respeito ao surgimento de novas economias
liberais de mercado. E, finalmente, de um ponto de vista da defesa e segurança,
referem-se às profundas mudanças relacionadas com a substituição da anterior
confrontação militar por uma cultura de cooperação e segurança comum.
Apesar da vontade da maioria dos países da região em levar até ao fim tais
transformações, e da evidência dos passos concretos que estão a ser dados nesse
sentido, as transições são fenómenos complexos e não seguem itinerários pré-
-determinados. Pelo contrário, manifestam sempre avanços e recuos, uma vez que
o que as faz mover são actores sociais concretos com interesses diversos, ou mes-
mo contraditórios, num contexto regional em que nem sempre é clara a distinção
entre aquilo que se consideram interesses nacionais e o que é o interesse regional
comum. Muitas vezes este último é encarado até como estabelecendo uma relação
de conflito com os interesses nacionais.
Se estas percepções são já de si sensíveis nas esferas mais amplas da vida
dos Estados-membros, tornam-se ainda mais quando o que está em questão é o
sector de defesa e segurança, onde se coloca uma relação clara entre a integração
regional e a soberania nacional, em que os avanços na primeira correspondem
necessariamente ao enfraquecimento da última.
CRIME
Em certos círculos regionais circula uma piada segundo a qual o crime é o
sector que mais prontamente respondeu aos desafios da regionalização e inte-
gração na África Austral. Por detrás desta situação está o aumento acentuado do
crime transfronteiriço organizado, verificado nos últimos anos. Este fenómeno
encontra explicação tanto na ligação à “velha” região como ao “novo” contexto
liberal.
Em relação à primeira, sem dúvida de que foi a pobreza generalizada e a
série de conflitos entre Estados e no interior dos Estados que caracterizou a região
até ao início da década de 1990, que alimentou situações de instabilidade social e
violência e deixou atrás de si um acesso relativamente fácil aos meios de violência,
em particular a armas ligeiras.2 Centenas de milhar de refugiados, deslocados e
soldados desmobilizados vieram ocupar um ambiente instável e vulnerável onde,
para além do pequeno crime, surgiram rapidamente, e desenvolveram-se, novas
formas mais amplas e complexas de crime organizado.
O desaparecimento dos regimes autoritários desde o início dos anos 90,
o relaxamento nas formas de controlo, os sinais de recuperação económica
desde então até à actual crise, assim como as dificuldades em controlar as
longas e porosas fronteiras nacionais, foram acompanhados por um aumen-
to acentuado dos movimentos populacionais de cruzamento de fronteiras,
2
Tem sido observado que os índices de criminalidade aumentam dramaticamente nos contextos
pós-conflito. Ver, por exemplo, Neild, 1999: 13.
RESPOSTA AO CRIME
Em geral, as autoridades dos países da SADC demonstraram uma limitada
capacidade para responder a estes novos desafios. Em parte, tal deveu-se ao novo
contexto, caracterizado por maior complexidade social e económica e maior li-
berdade de movimentos, tanto no âmbito doméstico como transfronteiriço. Outra
importante razão é que esta nova situação apanhou a polícia e os sistemas de
justiça criminal altamente impreparados.
As forças policiais de todos os países da região procuravam na altura levar a
cabo reestruturações profundas que as libertassem dos seus próprios passados. Na
África do Sul e na Namíbia, as forças policiais tinham um longo registo de bruta-
lidade e repressão em defesa do sistema do apartheid, registo esse de que faziam
parte terríveis abusos dos direitos humanos. Em Angola e Moçambique, as forças
policiais saíam de guerras civis no decorrer das quais haviam ganho um perfil mi-
litarizado e por vezes obscuro. E, tanto nestes como noutros países da região com
passado autoritário, a distinção entre partidos políticos e o Estado era pouco clara,
3
Segundo Neild (1999: 3-5), “o policiamento de regime (regime policing) revela características típicas da
abordagem autoritária ao policiamento em muitos países da África, Ásia e América Latina”, características
que podem ser definidas como integrando os seguintes elementos: a missão principal da polícia
consiste, mais do que em fazer valer a lei, em apoiar ou zelar pela preservação de um regime político
ou de um governo particular; para ser eficaz, a polícia não necessita de legitimidade pública; a
polícia não possui, ou possui muito poucos, mecanismos de prestação de contas; as capacidades
de prevenção do crime são fracas e concentradas em áreas/beneficiários restritos; as estruturas de
recolha de informações não apontam às actividades criminosas mas antes aos inimigos do regime;
a concentração das actividades policiais no controlo político significa um fraco desenvolvimento
das capacidades de entender e praticar a prevenção do crime (falta de tradições de policiamento de
proximidade ou comunitário, por exemplo). Ainda de acordo com Neild, “o policiamento de regime
não é apenas uma herança de regimes militares ou autoritários. O policiamento de regime, ou degradação
continuada da ordem pública e das funções de justiça criminal, pode também resultar de situações de
conflito interno violento com base em diferenças sectárias”, como foi o caso em Moçambique e Angola.
Para o policiamento de regime, no caso da África do Sul, ver Rauch 1993.
4
Boone et al. (2003: 150), entre muitos exemplos, refere que “os dados sugerem que as prisões
sofrem de sobrepovoamento grosseiro”, e “os tribunais da região estão destituídos de recursos,
acumulam processos-crime e não têm pessoal legal com formação.”
5
Organisation for Economic Co-operation and Development, “Security System Reform and
Governance: Policy and Good Practice”, Paris: OECD, 2004, apud Marenin 2005: 8.
6
O Zimbabwe opôs-se fortemente às mudanças na subestrutura de defesa e segurança,
segundo Bah (2004: 23-24), com base em três argumentos: confiá-la ao Secretariado da
SADC comprometeria a confidencialidade dos assuntos sensíveis uma vez que este dependia
fortemente de doadores externos; beneficiaria ainda mais o Botswana, onde o Secretariado da
SADC estava localizado, e que já recebia o grosso dos recursos dos doadores; e finalmente, as
normas e procedimentos formais comprometeriam a soberania nas questões de ‘alta política’, e
limitariam a liberdade de acção nacional e multilateral em situações de crise. Mais, sobre este
processo, em Cilliers (1999); e, para uma perspectiva diferente e bastante crítica, Natham, 2004.
7
Os objectivos do SIPO para o sector de segurança pública são os seguintes: 1) Proteger
a população e salvaguardar o desenvolvimento da Região da instabilidade decorrente da
quebra da lei e ordem, dos conflitos intra-estatais e de agressão; 2) Promover a coordenação
e cooperação regionais em matérias relacionadas com a segurança e a defesa, e estabelecer os
mecanismos apropriados a esta finalidade; 3) Considerar acções correctoras em harmonia com a
lei internacional e, como solução de último recurso, onde os meios pacíficos tiverem fracassado;
4) Promover o desenvolvimento de instituições e práticas democráticas nos territórios dos
Estados-membros, e encorajar a observância dos direitos humanos universais tal como vêm
estabelecidos nas cartas e convenções da UA e da ONU; 5) Desenvolver uma cooperação
estreita com as forças estatais de defesa e segurança dos Estados-membros com o intuito de
combater o crime transfronteiriço e promover uma perspectiva de segurança doméstica baseada
na comunidade; 6) Observar e encorajar os Estados-membros a implementar os tratados sobre
controlo de armas e desarmamento da ONU e da UA, e outras convenções internacionais, assim
como o desenvolvimento de relações pacíficas entre os Estados; 7) Desenvolver capacidades de
manutenção de paz nos serviços nacionais de polícia, e coordenar a participação dos Estados-
membros em operações internacionais e regionais de manutenção da paz; e 8) Reforçar a
capacidade regional de gestão de desastres e coordenação da assistência humanitária internacional.
Com a finalidade de implementar alguns dos objectivos, foram assinados protocolos adicionais
cobrindo campos como a corrupção, armas de fogo, drogas, assistência legal e extradição.
8
O ISDSC tem um sub-comité permanente dedicado à segurança pública, dotado de organismos
ad hoc para a imigração, alfândegas, armas ligeiras, minas e gestão de catástrofes. Contudo, esta
solução está longe de fornecer um tal quadro. Ver Oosthuizen (2006: 222).
9
A Interpol estabeleceu o seu gabinete regional em Harare, em 1997. A SARPCCO e a Interpol
partilham o mesmo Secretariado nessa cidade.
10
Os objectivos da SARPCCO são os seguintes: promoção, reforço e perpetuação da cooperação,
e dinamização de estratégias conjuntas de combate a todas as formas de crime transfronteiriço
ou com ele relacionado, e com implicações regionais; preparação e disseminação de informação
relevante sobre actividades criminosas em benefício dos membros e dos seus esforços para
combater o crime na região; revisão regular das estratégias conjuntas de combate ao crime com
a finalidade de responder às necessidades e prioridades nacionais e regionais em permanente
evolução; cooperação e gestão eficientes dos registos criminais, e monitoramento conjunta
eficiente do crime transfronteiriço através de uma utilização plena das condições apropriadas
disponibilizadas pela Interpol; formulação das recomendações relevantes aos governos dos
países membros relativamente a questões que afectem o policiamento eficaz da região da África
Austral; e adopção de medidas e estratégias relevantes e apropriadas para fins de promoção da
cooperação e colaboração policial regional ditadas pelas circunstâncias regionais. Ver Gastrow
(2001: Introdução).
11
Os princípios adoptados pela SARPCCO são os seguintes: respeito pela soberania nacional;
igualdade entre as forças/serviços policiais; profissionalismo a-político; benefício mútuo de
todos os países membros; observância dos direitos humanos; não-discriminação e flexibilidade
dos métodos de trabalho; e respeito e boa-vontade mútuos.
12
Levou a cabo, entre outras, as seguintes operações principais: Voyager 4 (1997, África do Sul,
A SADC foi criada sob a premissa de que existe uma relação entre o desenvol-
vimento, a democracia e a segurança. Só um ambiente democrático seguro, tanto
regional como doméstico, pode permitir que sejam atingidos os objectivos-chave
da SADC, nomeadamente o crescimento e desenvolvimento económicos, o alívio
da pobreza e a elevação do padrão e qualidade de vida dos povos da África Austral.
Obrigada a enfrentar problemas decorrentes de um passado recente de con-
flitos regionais agudos, deparando-se com fortes desequilíbrios sociais e económi-
cos, assim como com um certo nível de desconfiança entre Estados-membros, as
estruturas políticas da SADC dirigiram prioritariamente os seus esforços para a
cooperação económica e para as questões de segurança militar entre os Estados.
Por outras palavras, a ligação atrás referida acabou reduzida à relação entre o de-
senvolvimento e a segurança dura ou de sentido estrito (Kiplin e Harrison, 2003:
11). Além de ser mais difícil de definir conceptualmente, a segurança humana
centrada nas pessoas levantava questões menos ameaçadoras e, portanto, menos
urgentes para a causa da construção da região. Assim, os primeiros esforços de
cooperação na esfera da segurança pública surgiram fora da iniciativa directa das
estruturas políticas da SADC, mesmo que subsequentemente tenham sido legiti-
mados e integrados pelas estruturas formais.
A consequência geral deste facto é que a SARPCCO parece ter adquirido
um perfil de certa forma independente. Embora tal perfil possa ter por vezes pre-
judicado o progresso do seu trabalho (Oosthuizen, 2006: 283), também se pode
dizer, no sentido contrário, que a independência e o profissionalismo da SARPC-
CO constitui a melhor garantia contra a tentação de voltar a indesejáveis lógicas
anteriores, nomeadamente o policiamento de regime que, num tempo não muito
distante, caracterizou a actividade das polícias da maioria dos Estados da região.16
16
Segundo Cilliers (1999), “a SARPCCO não deveria nunca ser completamente integrada na SADC
ou no Órgão. Para além do facto de a organização ter sido independentemente estabelecida, em termos
de legislação internacional, uma ligação demasiado estreita prejudicaria as vantagens da utilização
dual do escritório sub-regional da Interpol como Secretariado da SARPCCO e o benefício que tal
implica em termos de custos. Mas, mais importante ainda, a prevenção do crime transfronteiriço não
deve depender de um controlo ou interferência política estreitos.” E acrescenta: “O que é necessário é
mais reconhecimento político regional e um maior apoio ao seu papel [da SARPCCO], particularmente
ao nível da SADC. O termo ‘reconhecimento’ é aqui deliberadamente utilizado, no sentido em que a
SARPCCO deveria ser apreciada de um ponto de vista policial profissional, evitando-se a tentação de
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especialmente os necessários a uma actividade política livre que constitui o fulcro da democracia;
e 4. A polícia deve ser transparente nas suas actividades.
19
Até à data, as operações policiais regionais têm dependido, em grande medida, das forças e
recursos sul-africanos.
Sérgio Chichava
INTRODUÇÃO
1
Entretanto, o aumento da influência dos BRICs a nível mundial tem gerado muitos debates e
inquietações nos mais variados fóruns de discussão, sobretudo no que diz respeito às relações
entre estes países e África, alguns acusando os BRICs de estarem apenas interessados nos
recursos naturais africanos e não no seu desenvolvimento. Igualmente, cientes da sua crescente
importância, os BRICs têm cada vez mais reivindicado uma nova ordem mundial mais “justa”,
ou seja, que tenha em conta o peso de cada de um destes países no mundo: reformas no Banco
Mundial e Fundo Monetário Internacional, assento permanente para o Brasil e para a Índia nas
Nações Unidas, entre outras exigências.
2
Sobre estes assuntos ver, por exemplo, Freemantle & Stevens (2009) e Troude (2009).
3
Desde os primeiros anos das independências africanas que a China e África cooperam na
área agrícola. Para uma visão histórica das diferentes fases da cooperação China-Africa, ver
Bräutigam e Xiaoyang (2009); Bräutigam (2010); FOCAC (21 de Setembro de 2006).
4
Os primeiros escritórios do CADFund em África foram abertos em 2010 na África do Sul.
5
Para mais informação sobre a cooperação brasileira com África, ver o sítio da Agência Brasileira
de Cooperação (ABC): http://www.abc.gov.br/abc/introducao.asp.
6
Sobre o interesse brasileiro na agricultura africana, ver também Freemantle e Stevens (2010),
“Brazil weds itself to Africa’s latent agricultural potential”, Economics, Standard Bank; ABC
(2010), Diálogo Brasil-África em Segurança Alimentar, Combate à Fome e Desenvolvimento Rural,
Brasília.
7
Ver: http://www.embrapa.gov.br.
8
Trata-se de Angola, Botswana, Costa do Marfim, Madagáscar, Moçambique, Senegal, Seychelles,
Uganda, Zâmbia, Namíbia Zimbabwe, Egipto, Líbia, Tunísia, Sudão, Marrocos, Argélia. Sobre
os objectivos do Focus Africa ver Government of India (s/d).
A seguir à Cimeira de Nova Deli de 2008, uma série de iniciativas com vista
à dinamização do sector agrícola africano têm sido levadas a cabo. Em Novembro
de 2008, sob iniciativa do governo indiano, da Indian Farmers Fertiliser Cooperative
Limited (IFFCO)9, Indian Council of Agricultural Research (ICAR)10 e a IFFCO
Foundation, foi realizada a conferência “India-Africa Cooperation for Sustainable
Food Security”, destinada a discutir as melhores soluções para uma melhor coo-
peração no reforço da segurança alimentar em África (IFFCO Foundation, 2008).
Igualmente, e dando seguimento às decisões tomadas na cimeira de Nova Deli
de 2008, a Índia também se comprometeu, em Março de 2010, a oferecer anualmente,
durante um período de quatro anos, 25 e 50 bolsas de estudos a estudantes africanos
para os níveis de Doutoramento e de mestrado, respectivamente, ligados ao sector
agrícola (Indiavision, 10 de Março de 2010; Thestatesman, 10 de Março de 2010).
É preciso sublinhar também que cerca de 30% dos fundos do programa Focus
África, geridos pelo Exim Bank em forma de Linha de crédito, foram dedicados à
compra de equipamentos agrícolas e/ou projectos correlacionados (Modi, 2009: 122).
9
Sociedade cooperativa de farmeiros indianos especializada na produção e distribuição de
fertilizantes.
10
Uma instituição de pesquisa e ensino em agricultura no Ministério da Agricultura indiano.
11
Ver, por exemplo, Africa Confidential (2010).
12
Em 1994, Castel-Branco (1994) dizia que a agricultura e as agro-indústrias contribuíam com
cerca de 50% do PIB e com 2/3 das exportações de Moçambique.
13
Em 1977, falava-se do estabelecimento uma farma estatal produzindo arroz em Moamba, sul de
Moçambique (Eadie & Grizzelli, 1979).
Postos de trabalho
Empresa Ano Província IDE* (USD) Total**
previstos
União dos Trabalhadores
2003 Sofala 1.000.000 1.000.000 150
de África
China Grains & Oils Group
2005 Sofala 5.500.000 6.000.000 150
Corporation Africa
NOTAS
(*) IDE = Investimento Directo Estrangeiro Chinês
(**) TOTAL = IDE + Investimento Directo Nacional + Empréstimos
Em termos de investimentos, não está a acontecer grande coisa, muito pouco dinheiro
metido pela China na agricultura. Tirando a questão do GPZ, equipamento, a única coisa
é Xai-Xai. Tudo ainda está numa fase inicial (entrevista, 1 de Setembro de 2010).
14
Entre 1990 e 2000, ou seja, antes do primeiro FOCAC, o único caso assinalável é o investimento
de 500 mil dólares da Zhong An Mozambique.
15
O governo indiano queixava-se ainda de, entre 2007 e 2008, não terem sido enviados técnicos
moçambicanos para formação em curso sobre questões agrícolas oferecidos por este país
(MINAG, 2009).
16
O destaque aqui vai para o sector dos transportes e comunicações que, entre 2002 (ano do lançamento
do programa Focus Africa) e 2009, recebeu cerca de 180 milhões de dólares em investimentos. Cerca
de 152 milhões deste valor foi investido pela Rites Ltd e Ircon International Ltd em parceria com os
Caminhos de Ferro de Moçambique (CFM), para a constituição da Companhia dos Caminhos de
Ferro da Beira (CCFB) que, para além de ter reabilitado as linhas férreas de Sena e de Machipanda,
faz a gestão do porto e dos caminhos-de-ferro ou seja, do corredor da Beira. Ver CPI (2010b, c e d).
17
Em 2005, a Sagar Zambézia deparava-se com inúmeras dificuldades, levando ao desemprego
dezenas de trabalhadores. Sobre este assunto ver, Benedito (2005).
18
Sobre o suposto investimento massivo da Índia e de outros países asiáticos na agricultura
moçambicana, ver Nyanhi (2009); Smith (2009) e Agriculture & Industry Survey (2010).
19
Sobre o sucesso obtido no cerrado brasileiro ver The Economist (2010a; 2010b; 2010c; 2010d).
Usar milhares de hectares de terra agrícola para plantações de jatrofa (planta também
conhecida como pinhão-manso) e cana-de-açúcar em Moçambique, um país que sofre de
fome permanente, para cultivos destinados a abastecer carros europeus é imoral e perver-
so (Estadão, 10 de Julho 2010).
CAIXA 2 QUADRO RESUMO DAS INICIATIVAS DA ABC NA ÁREA DE AGRICULTURA E SEGURANÇA ALIMENTAR EM
MOÇAMBIQUE 2009/2010
Missão de estudos ao Brasil para conhecer os ciclos anuais de plantio e colheita de sementes tradicio-
nais/crioulas.
CONCLUSÃO
20
Para além de participar em parceria com a Camargo Corrêa na construção das instalações da
mina de carvão de Moatize, a Odebrecht vai construir o Aeroporto Internacional de Nacala,
estimado em cerca de 100 milhões de dólares.
21
Segundo dados do CPI (2010c), até 2009, a Camargo Corrêa tinha investido cerca de 3 milhões
de dólares em Moçambique.
22
A Vale S.A., investiu cerca de 170 milhões de dólares americanos nas minas de carvão de
Moatize (CPI, 2010c).
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
1
Este artigo resulta da adaptação e desenvolvimento de Castel-Branco (2008).
2
O termo ownership geralmente significa propriedade de alguma coisa. Contudo, no contexto
deste artigo (dependência da ajuda externa), ownership tem um significado mais amplo e difícil
de traduzir, pois refere-se também à influência sobre direcções de política pública e natureza
de reformas sociais, económicas e políticas, opções e escolhas de decisões públicas e avaliação
de resultados, em contexto de luta, tensão e conflito social sobre a magnitude e direcção da
influência sobre política, sobre as opções e escolhas e sobre o significado social dos resultados.
Sendo difícil de traduzir com uma palavra, por causa dos muitos elementos de subjectividade e
complexidade envolvidos, optou o autor por utilizar o termo ownership em língua inglesa.
3
Ajuda internacional ao desenvolvimento, ajuda externa ou, simplesmente, ajuda, são termos
usados com o mesmo significado ao longo deste artigo. Ajuda internacional ao desenvolvimento
inclui donativos e créditos concessionais internacionais, bilaterais ou multilaterais, destinados
ao desenvolvimento económico e social – sejam estes meios canalizados por via da ajuda
programática (ajuda geral ao orçamento do Estado, ajuda aos orçamentos sectoriais e ajuda
a projectos que formam programas de desenvolvimento do governo) ou por via de projectos
individuais. Exclui cancelamento, rescalonamento, troca (swap), reciclagem ou qualquer outra
forma de ajuda concedida por meio da gestão da dívida externa. Exclui, igualmente, ajuda militar
e humanitária de emergência.
4
Ajuda internacional ao desenvolvimento de longo prazo baseada em políticas significa, neste
artigo, a ajuda que é associada a opções de políticas sociais e económicas e a reformas ou
mudanças de natureza estrutural. Este é, por exemplo, o caso da ajuda associada ao pacote do
Consenso de Washington (Washington Consensus), que, tipicamente, inclui a estabilização das
variáveis monetárias (Fundo Monetário Internacional, FMI) em conjugação com o ajustamento
estrutural dos mercados, transacções, políticas e outras instituições, com enfoque na liberalização
e privatização (Banco Mundial).
5
A dependência da ajuda externa é multidimensional quando afecta a cultura institucional, o
pensamento, as políticas e as opções dos sistemas de governação, bem como as interacções entre
os agentes, as opções de políticas públicas, o financiamento dessas políticas, etc. Assim, o carácter
multidimensional da dependência da ajuda externa significa que a dependência vai para além
dos recursos financeiros básicos (financiamento do défice público, da balança de pagamentos
e do investimento na economia) e das capacidades básicas (técnicas, de gestão, de informação
e monitoria, de desenvolvimento e análise de política) para incluir muitos outros aspectos da
vida. A dependência da ajuda é estrutural quando as funções básicas do Estado, da economia e
da sociedade são dependentes da ajuda externa. Finalmente, a dependência da ajuda é dinâmica
quando o padrão de desenvolvimento que é multidimensional e estruturalmente dependente da
ajuda gera novas e mais profundas dependências da ajuda, ao invés de a reduzir. Para simplificar,
no resto deste artigo, o conceito de “dependência multidimensional, estrutural e dinâmica da
ajuda” será referido apenas como “dependência da ajuda”, salvo se especificado de outro modo.
6
Semelhante discussão implicaria uma série completa de outros artigos.
7
Para uma interessante análise da ajuda de emergência de 1986-1989 (relacionada com os efeitos
combinados da guerra e de secas persistentes), veja-se Ratilal (1990). O subtítulo do seu livro,
“utilizar a ajuda para terminar a emergência”, sumariza uma das principais preocupações do
governo moçambicano na altura: gerir a emergência para sair da situação de emergência e salvar
vidas através da capacitação das famílias para se tornarem produtivas. Com um terço do total da
população afectada pela emergência (1988), o foco da ajuda foi para a disponibilização massiva
de alimentos, de cuidados de saúde e outras questões relacionadas, bem como para a logística da
operação de emergência. Estes itens absorveram 80% dos fluxos da ajuda externa. No entanto,
mesmo sob extremas condições de emergência, o Governo de Moçambique estava, na altura,
preocupado com as implicações a longo prazo da ajuda de emergência de curto prazo.
8
Doravante, assume-se que a agência receptora da ajuda é sempre a agência implementadora
porque recebe ajuda em troca da implementação de determinado pacote de reformas ou
políticas. Portanto, por simplificação, a referência passará a ser “agência receptora” em vez de
“agência receptora/implementadora”.
9
Resumido da literatura com base em Cramer (2002), Cramer, Stein e Weeks (2006), Bird
(1998), Cassen (1994), Elgstrom (1999), Hanlon (2000 e 1997), De Renzio e Hanlon (2007),
Hjertholm e White (2002), Hopkins (2002), Morrissey (2004, 2001 e 1999), Mosley e Eeckhout
(2002), Mosley, Harrigan e Toye (1995), Paris High Level Forum (2005), Lahiri e Raimondos-
Moller (2002), entre outros.
(ii) Tanto por vontade própria como por arquitectura do sistema de ajuda, as
agências doadoras não têm influência sobre a agenda política da agência
receptora, e as suas decisões e vontade de manter o financiamento ao receptor
não são perturbadas por esta ausência de influência política das agências
doadoras sobre as receptoras;
(iv) Mudanças no ambiente político num país doador não afectam, em qualquer
forma substancial, as dinâmicas da ajuda, de tal maneira que a agência
receptora não tem que se preocupar com tais mudanças;
(v) O fluxo da ajuda é previsível, a curto e longo prazos, e não volátil, de tal
forma que a agência receptora não os tenha que implorar ou regatear, não se
sinta sob pressão para satisfazer as preferências do doador e saiba quanto e
por quanto tempo o fluxo da ajuda está disponível – isto é, a ajuda externa
funciona como fundo programático perfeitamente planificável;
(vi) Qualquer outra forma potencial de influência por parte do doador – como,
por exemplo, através de assistência técnica – é exclusivamente implementada
no quadro e de acordo com a agenda política e prioridades definidas pela
agência receptora; e
Obviamente, este conjunto de condições irrealistas, mesmo que possam ser consideradas
desejáveis, define ownership de uma maneira que se abstrai da realidade histórica e do
domínio da economia política da dependência de ajuda e do desenvolvimento, e das
relações entre doador e receptor, como se discute adiante.
10
A este propósito, ver, por exemplo, os debates entre Easterly (2007 e 2006) e Sachs (2006);
Macamo (2006); Fraser (2006); Plank (1993); De Renzio e Hanlon (2007), Mosley e Eeckhout
(2002); Mosley, Harrigan e Toye (1995); Cassen (1994); Morrissey (1999); Thorbecke (2002);
Hjertholm e White (2002); Hopkins (2002); IDD and Associates (2006); Arvin, Barrilas e Lew
(2002); Oya e Pons-Vignon (2010).
11
A diferença entre ownership e apropriação nem sempre é clara. Na literatura, ownership do
pacote de reformas políticas geralmente designa o pacote (ideias, interesses, visões, medidas e
arquitectura políticas) pertencente à agência receptora. Apropriação pode ser definida como uma
forma mais ténue de ownership, uma vez que designa a adopção, pela agência receptora, do pacote
de reformas políticas que pode não ter sido concebido dentro da agência. Na prática, contudo, a
apropriação pode ser entendida como parte da, ou um passo para a, completa ownership. A maior
parte da literatura sobre espaço político, por exemplo, considera que a apropriação é a única
forma realista de ownership, uma vez que a completa ownership não é possível (por exemplo,
Cramer, 2002; e Cramer, Stein e Weeks, 2006).
12
Vejam-se, por exemplo, os efeitos das manifestações contra a subida de preços em Maputo, a 5
de Fevereiro de 2008 e 1-2 de Setembro de 2010, bem como os efeitos da ondas de protestos
populares pela democratização da sociedade em Países do Médio Oriente (até á altura da
elaboração deste artigo, os Governos da Tunísia e Egipto haviam caído, o da Líbia resistia com
a utilização plena do seu poderio contra o seu próprio Povo, no Iémen, Arábia saudita, Jordânia
e Bahrein as manifestações estavam a começar, e havia sinais de “contaminação” de outros Países
do Continente Africano ao Sul do Sahara).
13
A doutrinação pode, por exemplo, resultar da assistência técnica disponibilizada pelo principal
ou da formação dos gestores e analistas de políticas que trabalham para o agente, dada a natureza
e conteúdo da perspectiva da economia política e da política económica que domina as escolas
em que os funcionários do agente são formados, que são normalmente escolhidas pelo principal.
14
“…searchers and takers of local market opportunities…”, no original.
15
O relatório da Comissão para África 2005 também expressa o conceito de “uma África” da
mesma maneira em que o faz a maior parte da literatura nacionalista africana. Para uma mordaz
e interessante crítica histórica e política da autenticidade africana, vide Tutashinda 1978. Uma
crítica adicional, num contexto diferente, está em Castel-Branco 2007c.
16
As dinâmicas da dependência da ajuda foram construídas desde os anos 1980, como resultado da
situação de emergência criada pelo colapso económico e pelos efeitos combinados da guerra e de
uma grave seca regional (Ratilal, 1990). Desde 1987, ainda sob condições de guerra generalizada
(o acordo de paz só foi assinado em Outubro de 1992), o Governo de Moçambique embarcou
na implementação do seu Programa de Reabilitação Económica, recomendado e apoiado pelas
instituições de Bretton Woods e pela comunidade doadora em geral. Do ponto de vista do
Washington Consensus, Moçambique adoptou reformas de política económica sãs. Duas décadas
e meia mais tarde, a economia cresceu e a paz foi consolidada mas a dependência da ajuda
externa penetrou em todos os poros da esfera social, económica e política.
17
Mais de 60% da despesa pública, incluindo a despesa não registada no orçamento, são financiados
através da ajuda. O défice da conta corrente em 2008, incluindo a contribuição dos megaprojectos
de recursos naturais para exportação, rondava US$ 1 bilião, o que era equivalente a 14% do
PIB real. Este défice é maioritariamente financiado através da ajuda internacional. Apesar dos
seus relatórios optimistas sobre a economia de Moçambique, o FMI interveio fortemente para
financiar as reservas externas oficiais do País em 2009 e 2010. Entre 2005 e 2008, o total do
fluxo da ajuda ao desenvolvimento para Moçambique, do qual 90% financia despesas públicas
(dentro e fora do orçamento), flutuou em torno de 25% do PIB (estatísticas oficiais obtidas a
partir de http://www.ine.gov.mz, Castel-Branco, 2007; Castel-Branco, Sulemane et al, 2005;
Castel-Branco, 2010a; Castel-Branco, Ossemane e Amarcy, 2010; Ernst & Young, 2006a).
18
Argumentos semelhantes podem ser apresentados a respeito do programa acelerado de
privatizações em geral, e mais especificamente sobre a reforma do sector financeiro.
19
O debate sobre a articulação da ajuda com o investimento privado é frequentemente reduzido ao
uso da ajuda para financiar empresas privadas. No outro extremo, vários doadores têm financiado
centenas de esquemas de apoio ao sector privado para micro e pequenas empresas, que resultaram
em muito pouca capacidade produtiva nova, inovativa e sustentável. Foi estabelecido um par
de grandes programas de apoio ao sector privado pelo Banco Mundial (PoDE) e UNIDO
(programa integrado) para apoiar as firmas existentes através dos mercados. Os megaprojectos
baseados em investimento directo estrangeiro estabeleceram também esquemas para ajudar as
firmas privadas a prepararem propostas competitivas para concursos. Muitos destes esquemas
são demasiado pequenos e desarticulados para poderem ter sucesso e não são parte de uma
estratégia industrial específica. Assim, não apontam mercados, habilidades, tecnologias,
organização industrial, produção e cadeias de fornecimento específicos: são programas gerais
sem qualquer contexto específico. Uma abordagem alternativa liga os investimentos públicos e
privados em torno do desenvolvimento de capacidade produtiva (em vez de desenvolvimento
do sector privado, em geral) como parte de estratégias industriais específicas. O argumento é o
de que, na ausência de uma intervenção estratégica do estado na criação de capacidades numa
base ampla para o desenvolvimento das forças produtivas, a estratégia do investimento orientado
para o mercado está a resultar num conjunto enviesado e social e geograficamente limitado de
parceiros de investimento em minerais, energia e mercados de competição oligopolista como
consequência das estratégias globais das corporações multinacionais (Castel-Branco, 2006b,
2006c, 2005b, 2004b e 2002a; Castel-Branco, Sulemane et al, 2005; Wuyts, 2003).
20
Os Policy Framework Papers (PFP) eram documentos de política acordados entre o FMI, o
Banco Mundial e o Governo de Moçambique, geralmente válidos por dois anos, que vincula-
vam o governo a uma direcção detalhada de políticas e planos de acção para o período coberto.
Estes documentos precederam os Poverty Reduction Strategy Papers (PRSP), nos quais as es-
tratégias e planos de acção dos governos da maioria dos países menos desenvolvidos se inspiram
(incluindo, obviamente, os vários PARPA e o mais recente PARP em Moçambique).
21
Este processo ficou conhecido como o subsídio implícito do Estado para a criação de uma
burguesia nacional rendeira (Cramer, 1998; Castel-Branco e Cramer, 2003).
22
Estes estudos de caso são tomados de Castel-Branco (2002a), onde uma vasta e diversificada
literatura relacionada com o estudo constrangedor destas duas indústrias pode ser conferida.
23
Excluindo os megaprojectos do complexo mineral-energético, o açúcar é a principal indústria
nacional no que diz respeito aos volumes de investimento total e do investimento directo
estrangeiro (IDE) no sector industrial.
Desafios.indb 436
QUADRO 1 DIFERENÇAS E SEMELHANÇAS ENTRE AS INDÚSTRIAS DE AÇÚCAR E CAJU EM MOÇAMBIQUE EM 2002
AÇÚCAR CAJU
DIFERENÇAS
A ESTRUTURA DA INDÚSTRIA:
Maioritariamente unificada, porque as actividades agrícola e de pro- Maioritariamente fragmentada: pequenos camponeses apanham a castanha bruta, não descas-
cessamento estão integradas. A Tongäat-Hüllet detém a maioria dos cada; comerciantes retalhistas compram-na aos camponeses e vendem-na para comerciantes
activos em duas propriedades açucareiras e a Illovo e Sena Holdings de maior escala, que, por seu turno, a exportam em bruto ou vendem-na a 16 fábricas de pro-
(um consórcio de companhias açucareiras das Maurícias) são os accio- cessamento de diferentes dimensões e tecnologias. A Mocita é a única fábrica detida por uma
nistas maioritários com uma propriedade açucareira cada. Todas são multinacional, a Anglo-American. 11 das 16 fábricas pertencem a 7 grupos económicos diversifi-
corporações açucareiras internacionais que controlam a produção do cados nacionais, dos quais 5, que detêm 8 fábricas, estão também envolvidos na comercialização
açúcar na África Austral. e exportação da amêndoa de caju em bruto*.
ESPECIALIZAÇÃO NO NEGÓCIO:
Todas as corporações são especializadas em açúcar, controlam a pro- Apenas os trabalhadores das fábricas de processamento dependem inteiramente da indústria. Os
dução e comercialização de açúcar em outros países da África Austral, camponeses também trabalham como mão-de-obra assalariada e produzem outras culturas (de ren-
são influentes nos mercados internacionais e organizam as suas pró- dimento ou para consumo). Todos os comerciantes grossistas estão envolvidos na comercialização
prias cadeias de fornecedores. rural de grande escala e diversidade, e também são operadores financeiros informais (concedem
empréstimos e crédito comercial) e providenciam outros serviços. Os proprietários das fábricas de
processamento detêm outros negócios, incluindo na comercialização rural e exportação de caju em
bruto.
INVESTIMENTO:
Dos 230 milhões de dólares americanos investidos, 70% são emprésti- Dos 37 milhões de dólares americanos investidos, 60% provêm de empréstimos maioritariamen-
mos estrangeiros concedidos por corporações financeiras e agências te concedidos pelo sistema bancário nacional.
multilaterais internacionais. O investimento privado foi feito depois
de as políticas de preços, de limitação de entrada de novos agentes e
de coordenação do comércio terem sido adoptadas.
3/29/11 4:54 PM
Desafios.indb 437
SEMELHANÇAS
CONDIÇÕES DO MERCADO:
As duas indústrias enfrentam mercados internacionais complexos e “imperfeitos”. Menos de 10% da produção de açúcar é comercializada no mercado mundial, sendo o
restante comercializado internamente ou através de sistemas de quotas preferenciais. Todos os países produtores de açúcar adoptam medidas de protecção de diferen-
tes graus e formas (quotas, taxas, etc.) contra a importação de açúcar bruto ou refinado, bem como de produtos contendo açúcar. A disponibilidade de açúcar no mercado
mundial é instável, porque depende de condições climatéricas imprevisíveis; o excedente do consumo interno e das quotas preferenciais é vendido no mercado mundial
abaixo do custo marginal de produção. O preço mundial do açúcar é, portanto, volátil. No sector do caju, muitos produtores protegem o processamento nacional. A Índia usa
medidas fiscais e outras de política industrial, incluindo o financiamento de importações da amêndoa de caju em bruto, para assegurar o fornecimento de matéria-prima
às fábricas. O Brasil introduziu um banimento total das exportações de caju em bruto, e o Vietname e a Indonésia aplicam altas taxas sobre a exportação de castanha não
processada. Portanto, grandes importações de amêndoa de caju em bruto têm forte probabilidade de serem transitórias, nos períodos em que o fornecimento nacional de
castanha em bruto se está ajustando à expansão da indústria doméstica de processamento. Enquanto os produtores africanos são os maiores exportadores mundiais de
castanha em bruto, os asiáticos e latino-americanos são os maiores exportadores de castanha processada.
NOTA
(*)Os comerciantes que são também industriais têm a opção de exportar a amêndoa de caju não processada ou processá-la, de acordo com as mudanças e choques que podem ocorrer nos preços
relativos internacionais e a qualidade da amêndoa [entrevistas com Raimundo Matule (INCAJU), Rogério Nunes (Entreposto) e Kekobad Patel (Enacomo)]. Depois da liberalização das exportações da
castanha de caju não processada, todas as fábricas mencionados no Quadro 1 foram encerradas. Em meados dos anos 2000 surgiram várias pequenas fábricas de descasque manual da castanha de
caju. As novas dinâmicas desta indústria não são discutidas neste artigo porque o artigo pretende apenas ilustrar a diferença no que diz respeito a ownership entre o sector açucareiro e o do caju no
período de definição das políticas que decidiram os futuros dissemelhantes destas duas indústrias em meados dos anos 1990.
3/29/11 4:54 PM
Segundo, o Banco Mundial não percebeu a organização oligopolista da comercia-
lização rural em Moçambique, particularmente no que diz respeito às mercadorias para
exportação, nem o impacto dessa estrutura de mercado na distribuição dos ganhos da co-
mercialização entre os comerciantes e os camponeses (Mackintosh, 1987 e 1986; Pereira
Leite, 1999). O custo da logística de entrar neste mercado disperso e fragmentado, bem
como o facto de que os comerciantes estabelecidos têm relações multidimensionais (co-
merciais, financeiras, etc.) com os produtores, funcionam como factores que dão vantagem
aos comerciantes estabelecidos e dificultam a penetração de novos comerciantes formais no
mercado. Ligações específicas de negócios de longo prazo entre grandes comerciantes do
norte de Moçambique e da Índia e o papel das exportações de castanha em bruto no impul-
sionamento dessas relações são outras características estruturais importantes dos mercados
rurais e da circulação de dinheiro, que dão vantagens a certos grupos de comerciantes.
Pereira Leite (1999: 45) mostra que o número de grandes comerciantes/exporta-
dores de castanha de caju não processada aumentou de 3, em 1991, para 11, em 1997,
depois da liberalização da indústria. Os dados não mostram que este aumento do nú-
mero de comerciantes tenha reduzido a sua margem comercial por via da competição.
Pelo contrário, segundo Pereira Leite (1999 e 1995), por exportarem castanha em
bruto, as margens dos comerciantes nacionais, depois da liberalização, aumentaram
entre 50% e 1.000% relativamente ao que ganhariam vendendo para as indústrias
locais. A magnitude destas margens dependia da flutuação dos preços relativos da
castanha de caju processada e não processada no mercado mundial, e os preços relati-
vos foram favoráveis para as exportações de castanha não processada apenas durante
cerca de cinco anos (até 1999), enquanto as novas plantações de cajueiros na Índia
e no Vietname cresciam. Grandes margens comerciais são indicativas de fraca com-
petição; os dados que mostram que o número dos comerciantes formais aumentou
através da incorporação de mais comerciantes de grande escala com monopólio par-
cial na estrutura comercial oligopolista, em parte porque os processadores de castanha
passaram a exportar castanha em bruto e transformaram-se em comerciantes – dos
novos 8 grandes comerciantes e exportadores de caju em bruto, seis eram industriais
convertidos em comerciantes (Pereira Leite, 1999 e 1995; Castel-Branco, 2002a). As-
sim, a liberalização das exportações não eliminou o poder de mercado exercido pelos
comerciantes e, portanto, os camponeses não receberam necessariamente preços mais
altos pelo seu produto (Pereira Leite, 1999 e 1995). Estes dados minam os argumen-
tos do Banco Mundial e do FMI de acordo com os quais a liberalização, em si, traria
mais competição, alocação mais eficiente de recursos e melhor distribuição de renda.
24
Obviamente, se o interesse nacional é descrito de forma tão ampla e vaga como, por exemplo,
“redução da pobreza” ou “crescimento acelerado”, então é possível ter todos os grupos e or-
ganizações sociais incluídos no mesmo interesse. No entanto, uma tal definição do interesse
nacional seria inútil do ponto de vista de ownership, liderança e empenho, porque não ofereceria
qualquer ponto de referência para a direcção política, social e económica concreta. Por exemplo,
“redução da pobreza” pode ser definido em termos meramente individuais, como o faz o discurso
presidencial de Guebuza em Moçambique, conduzindo a ideias como enriquecimento pessoal
com base na privatização das rendas sociais dos recursos naturais ou outros meios, ou mudança
da atitude miserabilista dos pobres (Brito, 2010); ou em termos dos padrões de acumulação,
conduzindo a argumentos sobre a mudança dos padrões e estruturas sociais de produção e de
apropriação e utilização social das rendas dos recursos (Castel-Branco, 2010a). A questão de
fundo, portanto, não é “redução de pobreza”, com a qual todos concordam, mas o entendimento
da questão e os processos políticos e económicos antagónicos que emergem desse entendimento.
OWNERSHIP E APRENDIZAGEM
O desenvolvimento e a implementação de políticas são influenciados pelo con-
junto de ideias, abordagens, metodologias, teorias e paradigmas que constituem o
quadro analítico adoptado. Contudo, o quadro analítico social não é neutro em relação
às dinâmicas sociais sobre as quais se pretende agir, porque é gerado como parte, e é
aprendido ou modificado através, das dinâmicas sociais (Thorbecke, 2002; Hjertholm
e White, 2002). A teoria e as metodologias sociais são aprendidas através do estudo,
do aconselhamento político, experiência e pressão e podem ser institucionalizadas
em abordagens analíticas corporativas. Elas têm grande influência sobre a natureza
e substância dos programas de políticas do desenvolvimento, porque definem o que
deve ser observado e examinado, o tipo de questões que devem ser colocadas e inves-
tigadas para que se obtenham respostas em relação ao objecto do estudo, como é que
estas questões são estruturadas, que dados serão gerados e recolhidos e como podem
ser interpretados os resultados.
AVALIAÇÃO E OWNERSHIP
A avaliação do desempenho dos programas de reforma política e institucional
é uma componente importante no contexto da economia política da transformação e
ownership do Estado. O debate sobre os méritos relativos da avaliação centrada nos pro-
25
High Level Symposium “Country-level experiences in coordinating and managing development
cooperation”. [Simpósio de Alto Nível “Experiências de nível nacional na coordenação e gestão na
cooperação para o desenvolvimento”. Viena (19-20 de Abril de 2007)].
26
“Eastern and Southern African Regional Conference on Debt Cancellation”, Maputo, 1998. [“Con-
ferência Regional da África Austral e Oriental sobre o Cancelamento da Dívida”, Maputo, 1998.]
O que é que, então, se entende quando se afirma que estas proposições [da geometria de Eu-
clides] são verdadeiras? (…) A geometria parte de certas noções fundamentais, como “plano”,
“ponto”, “recta”, com as quais somos capazes de associar ideias mais ou menos claras, e de
certas proposições simples (axiomas), que, em virtude destas ideias, nos sentimos inclina-
dos a aceitar como “verdadeiras”. Depois, com base num método lógico, cuja justificação nos
sentimos compelidos a admitir, todas as demais proposições são inferidas a partir daqueles
axiomas, isto é, são demonstradas. Uma proposição é então correcta (“verdadeira”) quando
é derivada por forma reconhecida a partir dos axiomas. A questão da “verdade” das diversas
proposições geométricas individuais é reduzida, portanto, à questão da “verdade” dos axiomas.
[a afirmação de que a proposição da geometria euclidiana é verdadeira] em si não possui
sentido nenhum. (…) Não nos podemos interrogar se é verdade que por dois pontos passa
uma única recta. Podemos apenas dizer que a geometria euclidiana trata de coisas chamadas
“rectas”, às quais atribui a propriedade de serem determinadas unicamente por dois dos seus
pontos” (Einstein, 1952: 3-4, tradução livre).
REFERÊNCIAS
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Addison, T., Hansen, H. e Tarp, F. (eds.), 2004. Debt Relief for Poor Countries. New
York and London: Palgrave Macmillan in association with the United Nations
University – World Institute for Development Economics Research, WIDER.
Admjumobi, S., 1996. The structural adjustment programme and democratic transi-
tion in Africa. Verfassung und Recht im bersee. 29(4), pp. 416-33.
Africa America Institute, 2001. Mozambique – price of cashew nuts collapses. allA-
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ca). http://www.urfig.org/news-africa-nepad-civil-society-declaration-pt.htm.
LIVROS
Economia extractiva e desafios de industrialização em Moçambique – comunicações
apresentadas na II Conferência do Instituto de Estudos Sociais e Económicos. (2010)
Luís de Brito, Carlos Nuno Castel-Branco, Sérgio Chichava e António Francisco
(organizadores)
Maputo: IESE.
Protecção social: abordagens, desafios e experiências para Moçambique – comunicações
apresentadas na II Conferência do Instituto de Estudos Sociais e Económicos. (2010)
Luís de Brito, Carlos Nuno Castel-Branco, Sérgio Chichava e António Francisco
(organizadores)
Maputo: IESE.
Pobreza, desigualdade e vulnerabilidade em Moçambique – comunicações apresentadas
na II Conferência do Instituto de Estudos Sociais e Económicos. (2010)
Luís de Brito, Carlos Nuno Castel-Branco, Sérgio Chichava e António Francisco
(organizadores)
Maputo: IESE.
Desafios para Moçambique 2010. (2009)
Luís de Brito, Carlos Nuno Castel-Branco, Sérgio Chichava e António Francisco
(organizadores)
Maputo: IESE.
Cidadania e governação em Moçambique – comunicações apresentadas na Conferência
Inaugural do Instituto de Estudos Sociais e Económicos. (2009)
Luís de Brito, Carlos Castel-Branco, Sérgio Chichava e António Francisco
(organizadores)
Maputo: IESE.
Reflecting on economic questions – papers presented at the inaugural conference of the
Institute for Social and Economic Studies. (2009)
Luís de Brito, Carlos Castel-Branco, Sérgio Chichava and António Francisco (editors)
Maputo: IESE.
Southern Africa and Challenges for Mozambique – papers presented at the inaugural
conference of the Institute for Social and Economic Studies. (2009)
Luís de Brito, Carlos Castel-Branco, Sérgio Chichava and António Francisco (editors)
Maputo: IESE.
DISCUSSION PAPERS
(Artigos em processo de desenvolvimento/debate. Colecção descontinuada e substituída pela
série “Cadernos IESE”)
DP nº 6: Recursos naturais, meio ambiente e crescimento económico sustentável em
Moçambique. (2009)
Carlos Nuno Castel-Branco
http://www.iese.ac.mz/lib/publication/DP_2009/DP_06.pdf
DP nº 5: Mozambique and China: from politics to business. (2008)
Sérgio Inácio Chichava
h t t p : / / w w w. i e s e . a c . m z / l i b / p u b l i c a t i o n / d p _ 2 0 0 8 / D P _ 0 5 _
MozambiqueChinaDPaper.pdf
DP nº 4: Uma Nota Sobre Voto, Abstenção e Fraude em Moçambique (2008)
Luís de Brito
http://www.iese.ac.mz/lib/publication/dp_2008/DP_04_Uma_Nota_Sobre_o_
Voto_Abstencao_e_Fraude_em_Mocambique.pdf
DP nº 3: Desafios do Desenvolvimento Rural em Moçambique. (2008)
Carlos Nuno Castel-Branco
http://www.iese.ac.mz/lib/publication/dp_2008/DP_03_2008_Desafios_
DesenvRural_Mocambique.pdf
DP nº 2: Notas de Reflexão Sobre a “Revolução Verde”, contributo para um debate. (2008)
Carlos Nuno Castel-Branco
http://www.iese.ac.mz/lib/publication/dp_2008/Discussion_Paper2_Revolucao_
Verde.pdf
DP nº 1: Por uma leitura sócio-historica da etnicidade em Moçambique (2008)
Sérgio Inácio Chichava
http://www.iese.ac.mz/lib/publication/dp_2008/DP_01_ArtigoEtnicidade.pdf
RELATÓRIOS DE INVESTIGAÇÃO
Moçambique: Avaliação independente do desempenho dos PAP em 2009 e tendências de
desempenho no período 2004-2009 (2010)
Carlos Nuno Castel-Branco, Rogério Ossemane e Sofia Amarcy
http://www.iese.ac.mz/lib/publication/2010/PAP_2009_v1.pdf
Current situation of Mozambican private sector development programs and implications
for Japan’s economic cooperation – case study of Nampula province (2010)
Carlos Nuno Castel-Branco, Nelsa Massingue and Rogério Ossemane
Mozambique Independent Review of PAF’s Performance in 2008 and Trends in PAP’s
Performance over the Period 2004-2008. (2009)
Carlos Nuno Castel-Branco, Rogério Ossemane, Nelsa Massingue and Rosimina Ali.
http://www.iese.ac.mz/lib/publication/outras/PAPs_2008_eng.pdf
(também disponível em versão em língua Portuguesa no link http://www.iese.ac.mz/
lib/publication/outras/PAPs_2008_port.pdf ).
Mozambique Programme Aid Partners Performance Review 2007 (2008)
Carlos Nuno Castel-Branco, Carlos Vicente and Nelsa Massingue
http://www.iese.ac.mz/lib/publication//outras/PAPs_PAF_2007.pdf
DESAFIOS
vestigação social e económica pluralista, interdisci- balhos de investigadores permanentes e associados do IESE e contribuições
plinar e heterodoxa, com enfoque no rigor e qua- de outros autores de reconhecido mérito, numa construção única, mas rica de António Francisco
lidade académica e na relevância e compromisso
diferentes experiências, abordagens e posições sobre algumas das grandes
social do seu trabalho, aberta à colaboração e coo- Aslak Orre
peração e dedicada a contribuir para o desenvolvi- questões que a sociedade moçambicana enfrenta ou deve enfrentar. Assim, são
PARA
mento de redes de investigadores e organizações de tratados temas como a descentralização, os desafios do financiamento do Es- Carlos Muianga
investigação associadas sobre Moçambique e o seu tado e da economia, a economia política das opções económicas em contexto
enquadramento na África Austral e no Mundo. de dependência da ajuda externa, a protecção social, o HIV-SIDA, o papel Carlos Nuno Castel-Branco
das economias emergentes no sector agrícola, economia política da ajuda ex-
Domingos do Rosário
MOÇAMBIQUE
terna e a dinâmica regional na construção da segurança pública.
Existe um fio condutor que liga o conjunto dos artigos: o desafio da cons- Fernanda Massarongo
trução de um Estado democrático. Naturalmente, o entendimento do que sig-
nifica ‘um Estado democrático’ abre o campo para muitas posições diferen- João Paulo Borges Coelho
tes e a identificação desse fio condutor não significa que sobre o assunto exista
José Óscar Monteiro
2011
no livro uma linha de pensamento e de análise única, partilhada por todos os
autores. Pelo contrário, estamos perante uma diversidade de pressupostos teó- Luís de Brito
ricos, de abordagens e de metodologias de análise que, sobretudo, contribuem
para alimentar um debate aberto e plural sobre as escolhas e opções que ca- Nelsa Massingue
racterizam as políticas públicas e que dependem dos interesses, por vezes con-
organização
traditórios, que são inerentes à vida social. Luís de Brito | Carlos Nuno Castel-Branco | Sérgio Chichava | António Francisco Rogério Ossemane
Rosimina Ali
Sandra Manuel
Sérgio Chichava
Sofia Amarcy
Yasfir Ibraimo
ISBN
www.iese.ac.mz