Pereira & Nunes - Diretrizes para Elaboração Do PEI
Pereira & Nunes - Diretrizes para Elaboração Do PEI
Pereira & Nunes - Diretrizes para Elaboração Do PEI
Resumo
Resultados de pesquisas recentes revelam as dificuldades dos sistemas regulares de
ensino em oferecer um currículo escolar que atenda as demandas acadêmicas de
educandos com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Dentre os fatores que con-
tribuem para esse fenômeno, evidencia-se a precária formação docente e a escassez
de estratégias que promovam a acessibilidade. Como consequência, é registrada a
deficitária participação acadêmica desse alunado na sala de aula comum. O objetivo
desse trabalho foi propor diretrizes para elaboração de um Plano Educacional Indi-
vidualizado (PEI). Trata-se de instrumento de organização curricular e de avaliação
acadêmica direcionado para um estudante com TEA, inserido em contexto pré-esco-
lar. Os resultados, produzidos por meio de um delineamento quase-experimental in-
trassujeito, indicaram mudanças qualitativas e quantitativas na participação do aluno
nas tarefas acadêmicas após o programa de intervenção.
Palavras-chave: Autismo; Plano educacional individualizado; Educação
inclusiva.
Abstract
Recent research results reveal the difficulties of regular education systems in provi-
ding a school curriculum that meets the academic demands of learners with Autism
Spectrum Disorder (ASD). Among the factors that contribute to this phenomenon
are the precarious teacher training and the lack of strategies that promote accessibi-
lity. As a consequence, the student's lack of academic participation is registered in
the common classroom. The purpose of this work was to propose guidelines for the
elaboration of an Individualized Educational Plan (IEP), an instrument of curricular
organization and evaluation for a student with ASD, enrolled in a pre-school context.
The results, produced through an intrasubject quasi-experimental design, indicated
qualitative and quantitative changes in student participation in academic tasks after
the intervention program.
Keywords: Autism; Individualized educational plan; Inclusive education.
Resumen
Los resultados de investigaciones recientes revelan las dificultades de los sistemas re-
gulares de enseñanza en ofrecer un currículo escolar que atienda las demandas acadé-
micas de educandos con Trastorno del Espectro Autista (TEA). Entre los factores que
contribuyen a este fenómeno se evidencia la precaria formación docente y la escasez
de estrategias que promuevan la accesibilidad. Como consecuencia, se registra la defi-
ciente participación académica de ese alumnado en el aula común. El objetivo de este
trabajo fue proponer directrices para la elaboración de un Plan Educativo Individu-
alizado (PEI). Se trata de un instrumento de organización curricular y de evaluación
académica dirigido a un estudiante con TEA, inserto en contexto preescolar. Los
resultados, producidos a través de un delineamiento cuasi experimental intra-sujeto,
indicaron cambios cualitativos y cuantitativos en la participación del alumno en las
tareas académicas después del programa de intervención.
Palabras-clave: Autismo; Plan educativo individualizado; Educación inclusiva.
Introdução
Dados do Censo Escolar 2017 revelam expressivo aumento nas últimas dé-
cadas, no número de matrículas, na escola comum, de alunos diagnosticados com
Transtorno do Espectro do Autismo (TEA; BRASIL, 2018). A despeito desses regis-
tros, estudos apontam prejuízos na qualidade do ensino ofertado e, particularmente,
no progresso acadêmico desse alunado (NEVES; ANTONELLI; SILVA; CAPELLI-
NI, 2014; NUNES; SCHMIDT; AZEVEDO 2013; OLIVIERA; PAULA, 2012).
Dentre os fatores contribuintes para a ocorrência de fenômenos dessa natureza des-
tacam-se a deficitária formação docente e a escassez de adaptações curriculares pro-
movidas pelas escolas. Esses mesmos fatores prejudicam, sobremaneira, o acesso dessa
população aos conhecimentos acadêmicos e ao repertório de competências e de habi-
lidades funcionais a serem desenvolvidas no contexto escolar (NUNES et al., 2013;
NOZI E VITALIANO, 2012; OLIVIERA; PAULA, 2012; SCHMIDT et al., 2016).
Deflagra-se, neste cenário, a relevância do uso do Plano Educacional Indivi-
dualizado (PEI), como instrumento que promove a acessibilidade curricular. Trata-se
de recurso pedagógico, centrado no aluno, que estabelece metas acadêmicas e fun-
cionais para os educandos com deficiência (SMITH, 2008). Concebido como um
mapa educacional, o PEI descreve, essencialmente, o nível atual de desempenho do
aluno e os objetivos educacionais de curto e de longo prazo, pareados com o currículo
destinado ao ensino regular. O alcance dos objetivos escolares é favorecido pelo uso
de formas alternativas e individualizadas de ensino e avaliação, que se adéquam às
especificidades cognitivas, sensoriais, sociocomunicativas e comportamentais do edu-
cando. Vale destacar que o referido instrumento trata da oferta de serviços educacio-
nais específicos, além da maneira com que o desempenho do aluno será mensurado.
O objetivo deste artigo é relatar os resultados da análise dos efeitos da im-
plementação do PEI, no processo de escolarização de um aluno diagnosticado com
TEA, inserido em uma escola regular. Trata-se de pesquisa colaborativa de natureza
quase-experimental, na modalidade intrasujeito.
Método
Participantes
Os sujeitos participantes foram João, os seus pais e três professoras, sendo uma
titular, uma auxiliar e uma de apoio pedagógico. João era filho único, tinha 5 anos de
idade e estava regularmente matriculado no nível IV da educação infantil, em uma
escola regular. O diagnóstico apontava autismo moderado, de acordo com resultado
de avaliação baseado no Childhood Autism Rating Scale – CARS (PEREIRA et. al.,
2008), escala administrada no início da pesquisa. O menino não se comunicava ver-
balmente e utilizava limitado número de gestos não convencionais como forma de
expressão. Evidenciava dificuldade em interagir com seus pares, estereotipias motoras
e inflexibilidade comportamental. João era atendido semanalmente por uma tera-
peuta ocupacional e pela professora de apoio pedagógico, em contexto não escolar.
Agente de intervenção
A primeira autora, denominada de pesquisadora, atuou como agente de in-
tervenção. Ela era pedagoga com experiência na educação de alunos com TEA e, na
época, era aluna do 2º ano do curso de Mestrado em Educação.
Local
Os dados foram coletados em uma escola particular, localizada na cidade de
Natal (RN). O contexto de intervenção selecionado foi a sala de aula, durante a rea-
lização de duas rotinas, a de escrita e de lanche.
Delineamento de pesquisa
Um delineamento de pesquisa quase experimental intrassujeito (A-B) foi ado-
tado. O PEI, compreendido como instrumento de avaliação do desenvolvimento
educacional de estudantes com deficiência, elaborado por equipe multiprofissional
foi configurado como variável independente do estudo.
Dois conjuntos de variáveis dependentes foram analisados, sendo um de natu-
reza qualitativa e o outro, quantitativa. O primeiro conjunto contemplou duas vari-
áveis: (a) o desenvolvimento das produções escritas e (b) a qualidade da participação
do aluno na rotina de lanche. Na primeira, as tarefas escritas produzidas durante a
fase de linha de base foram comparadas com as tarefas executadas durante a fase de
intervenção. A teoria da Psicogênese da Língua Escrita, elaborada por Emília Ferreiro
e Ana Teberosky (FERREIRO E TEBEROSKY, 1999), foi empregada para a apre-
ciação do material.
A variável qualidade da participação na rotina de lanche foi avaliada conside-
rando-se os comportamentos apropriados, emitidos pelo aluno no cumprimento da
rotina de alimentação, como sentar-se no local adequado, utilizar um copo, esperar a
vez, solicitar o lanche aos professores, etc.
As variáveis dependentes, de natureza quantitativa, diziam respeito ao tempo
de permanência do aluno nas rotinas de escrita e lanche. Essas variáveis foram men-
suradas por meio de registro de frequência de evento (FAGUNDES, 2006).
Uma assistente de pesquisa, previamente treinada, e a pesquisadora atuaram,
respectivamente, como primeira e segunda juízas das sessões experimentais que ava-
liaram a permanência de João nas tarefas. O índice médio de concordância, calculado
por meio do modelo de Fagundes (2006), para a atividade de escrita foi de 76% e do
lanche, de 94%.
Instrumentos
Diários de campo, roteiros de entrevista e o instrumento CARS (PEREIRA, et
al. 2008) foram os instrumentos utilizados.
Equipamentos
Os equipamentos incluíram uma câmera videofotográfica e um notebook.
Procedimentos
Depois de submetido e aprovado, o projeto de pesquisa (Parecer nº 63139) foi
operacionalizado em quatro etapas distintas: caracterização, linha de base, interven-
ção e validação social. A fase de caracterização contemplou entrevistas com os pais e
com as professoras de João, bem como a identificação das rotinas escolares que seriam
foco da intervenção.
Na linha de base, as professoras (titular e auxiliar) foram instruídas a interagir
livremente com o aluno nas duas rotinas selecionadas (lanche e escrita). As sessões
foram videografadas e as variáveis dependentes, analisadas. O critério para o término
dessa fase foi a estabilidade ou tendência descendente no tempo de permanência de
João na tarefa em uma das duas rotinas analisadas.
A intervenção foi realizada em três fases, compreendendo 30 sessões expe-
rimentais. A primeira, denominada fase de reflexão, teve como objetivo auxiliar a
professora titular a analisar os conteúdos e objetivos do projeto curricular da turma,
considerando as demandas do educando com autismo. Nessa etapa, por meio da
prática de autoscopia1, as professoras analisaram as sessões videografadas das rotinas
e, com o auxílio da pesquisadora, ponderaram sobre possibilidades de participação
do aluno nas atividades.
Na segunda fase da intervenção foi prevista uma reunião multiprofissional,
incluindo os pais de João, as professoras, a coordenadora pedagógica, a psicóloga es-
colar a orientadora pedagógica e a terapeuta ocupacional. O objetivo desse encontro
foi apresentar um modelo de PEI à equipe e identificar as contribuições de cada um
dos membros.
Por fim, na terceira fase interventiva, o PEI foi estruturado e operacionalizado
pelas duas professoras da escola. Configurou-se, nesse processo, um movimento dia-
lógico que envolvia planejamentos, aplicação das ações planejadas e reflexão sobre a
prática docente, por meio da apreciação do material videografado. Na última etapa
da pesquisa, uma entrevista semiestruturada com a professora titular foi realizada
com o intuito de avaliar a validade social do estudo.
Resultados e discussão
Os dados para a produção dos resultados foram extraídos dos diários de cam-
po, dos relatórios de planejamento, da análise das sessões videografadas, de registros
fotográficos e das entrevistas. No total, foram realizadas 36 sessões (6 de linha de base
e 30 de intervenção), conduzidas durante 8 meses.
Fonte própria.
Fonte própria.
Lanche 1. Fazer uso adequado 1. Consumir suco no 1. Disponibilizar cartões com ima-
dos materiais escolares; copo da escola; gens sobre objetos e rotinas da es-
cola;
2. Consumir alimentos 2. Consumir alimen-
saudáveis; tos saudáveis (lanche 2. Disponibilizar um copo com
da escola); bico e um copo descartável;
3. Solicitar o lanche ao
professor; 3. Solicitar o lanche Organizar o ambiente de forma a
ao professor; instigar que o aluno solicite os ali-
4. Compartilhar o lan-
mentos espontaneamente
che com os colegas;
Fonte própria.
Fonte própria.
Fonte própria.
Fonte própria.
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Nas atividades acima, João escreve o próprio nome e o nome da escola, uti-
lizando a técnica das letras pontilhadas e vazadas. Vale ressaltar que sua produção
aproxima-se da escrita convencional das letras.
Os registros escritos observados na figura 7 sugerem que João foi capaz de re-
gistrar os acontecimentos sobre seu final de semana, como também de comunicá-los,
através de imagens, para a sua turma (objetivo 5 da escrita).
Fonte própria.
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Fonte própria.
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Fonte própria.
Fonte própria.
Fonte própria.
Fonte própria.
Fonte própria.
Considerações finais
Os resultados desse estudo revelam a eficácia do programa interventivo pro-
posto, tanto no processo de escolarização do aluno, quanto na prática das docentes.
Em termos acadêmicos, foram observadas melhorias na qualidade e tempo de per-
manência do aluno nas atividades de escrita após a implementação do PEI. Quanto
às habilidades funcionais foram registrados avanços nas formas de comunicação da
criança, que passou a interagir com os colegas e a utilizar um sistema pictográfico de
CAA para solicitar alimentos. Mudanças qualitativas foram, ainda, identificadas, na
medida em que o menino desenvolveu um repertório de comportamentos equiva-
lente à de seus pares. Dados observacionais indicaram, por fim, mudanças na prática
docente, viabilizadas pelo uso de estratégias colaborativas de intervenção, de cunho
teórico-prático, operacionalizadas através de procedimento de autoscopia.
Limitações são identificadas nesta pesquisa. Primeiramente não foram regis-
trados dados de follow-up que pudessem indicar se os efeitos da intervenção foram
mantidos ao término do trabalho da pesquisadora. Ademais, por intercorrências pre-
viamente discutidas, a participação de agentes interventivos chave, como os pais e a
terapeuta ocupacional, foi minimizada, afetando a dinâmica proposta pelo PEI. A
despeito das barreiras identificadas, o presente estudo apresenta diretrizes importan-
tes para realizar adaptações curriculares, de cunho colaborativo, por meio do PEI.
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Notas
1
Autoscopia compreende um procedimento investigativo que visa a autoavaliação do sujeito participante por meio da
videogravação de sua atuação, servindo também como instrumento de formação. A videogravação é o instrumento mais
apropriado para serem revividos situações, interações e objetos por um sujeito, em determinada realidade (SADALLA
E LAROCCA, 2004).
2
Feurstein e colaboradores (1987) desenvolveram um modelo interventivo denominado de Experiência de
Aprendizagem Mediada (EAM), que contempla um conjunto de ações propositivas de um mediador, com maior
nível de desenvolvimento, que seleciona, modifica, amplia e/ou interpreta os estímulos ambientais para um aprendiz,
tornando-o mais autônomo e independente.
Correspondência
Débora Mara Pireira – Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Av. Sen. Salgado Filho, 3000,
Lagoa Nova, CEP: 59078-970. Natal, Rio Grande do Norte, Brasil.
E-mail: [email protected] – [email protected]
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4.0)