Quem Tem Medo Dos Cristãos Progressistas

Fazer download em docx, pdf ou txt
Fazer download em docx, pdf ou txt
Você está na página 1de 5

QUEM TEM MEDO DOS CRISTÃOS PROGRESSISTAS?

Em um debate teológico é normal, e até esperado, que haja divergência de opiniões. Todavia,
quando um dos lados parte para a demonização do oponente, lançando mão de inverdades e
falácias para deslegitimá-lo, claramente vemos a presença da desonestidade intelectual e da falta
de amor ao próximo. Seguindo a Escritura, mesmo o debate de ideias deve ser um debate de
argumentos racionais e não de acusações e juízo contra pessoas (cf,2 Coríntios 10,3-5). Cristãos
progressistas são acusados de forma absurda por autoproclamados teólogos da reta doutrina, de
negarem a fé cristã para defenderem suas propostas de sociedade. Ora, o termo progressista
aponta para um conjunto de ideias em movimento crescente, pela melhoria da sociedade e da
vida na terra, em oposição à paralisia conservadora dos que defendem a chamada ortodoxia.

Cristãos progressistas não são contrários à tradição, mas ao tradicionalismo, que o teólogo antigo
assim descrevia: “Tradição é a fé viva dos que já morreram e Tradicionalismo é a fé morta dos
que estão vivos” (Nikolai Berdiaev). Uma pessoa progressista vive a sua fé como alguém que
busca sempre reconhecer a presença e a ação de Deus nos sinais dos tempos, conforme ensinava
Jesus, e, assim, busca praticar a vontade de Deus em todas as dimensões da vida – pessoal e
pública – mesmo correndo riscos de perseguição e difamação. Em primeiro lugar, cremos nós
cristãs e cristãos progressistas, está o Reino de Deus e é a soberania de Deus que nos impulsiona
a amar o próximo e, por amor ao próximo e a Deus, buscar uma vida melhor para toda a
humanidade e para todo o planeta.

Em decorrência dessa convicção quanto ao próprio modo dinâmico de ser igreja, o movimento
Resistência Reformada é um movimento progressista. Essa explicação identitária se faz
necessária, tendo em vista a acusação que grupos progressistas vêm sofrendo de que teriam
abandonado uma “tradição mais ampla”, conforme defendida por grupos neocalvinistas e
reacionários no contexto evangélico brasileiro. Cristãos Progressistas têm sido atacados em novas
investidas desprovidas de qualquer critério epistemológico.

E assim a alcunha progressista recebida com elogio por uns é proferida por outros como um
xingamento que aponta para a condição herética daqueles que assim se definem ou são definidos.
Entretanto, o progressismo do qual fazemos parte, não pretende requerer certidão de quem quer
que seja para nos dar o direito espiritual e institucional de nos considerarmos cristãos.

O que significa ser cristão progressista para os fundamentalistas? Onde está o suposto
progressismo? Na teologia? No comportamento? Na visão política? Segundo o mundo
reducionista de tais pessoas, há um pacote pronto e fechado nesse quesito. Não obstante, a
realidade não é assim.

Para esses, cristãos que ousam refletir sobre a relevância e responsabilidade do próprio
cristianismo ao estabelecer uma reflexão teológica a partir do contexto em que vivem, não podem
ser considerados cristãos, pois devido ao progressismo assumido afastaram-se da “tradição mais
ampla” ou da sã doutrina.

Entretanto, reafirmamos, que essa “tradição mais ampla” aponta mais para um fundamentalismo
que quer fazer perpetrar uma visão de mundo colonial e eurocentrista, do que para uma tradição
viva e dinâmica que nos legaram os pais da igreja e os reformadores. Estes grupos neocalvinistas,
que querem se fazer majoritários, ignoram que a teologia enquanto reflexão humana é como o
maná, estraga se se deixar para o dia seguinte.

Além de não definirem adequadamente, nem do ponto de vista teológico, nem do ponto de vista
pastoral, o que vem a ser "cristão progressista", aqueles que se fazem porta-vozes dos
fundamentalistas acusam o suposto ‘bloco progressista’ de apostasia. Para eles, os crentes
progressistas abandonaram premissas básicas da fé cristã. Será que tais comentários referem-se a
teólogos como Rene Padilla, Pedro Arana, Samuel Escobar, Orlando Costas e toda a miríade de
pensadores latino-americanos vinculados à Teologia da Missão Integral?

Qualquer leitor que se detenha na leitura e reflexão constatará que os nomes citados unem
progressismo social e político com a mais sólida ortodoxia cristã.  Quem sabe o alvo seja Karl
Barth, o reformado e social-democrata suíço responsável por solapar o liberalismo teológico
reinante! Mas esses aprendizes de teólogos podem estar falando de Reinhold Niebuhr, o norte-
americano que denunciou, ao mesmo tempo, a pecaminosidade humana e o sistema capitalista
opressor. Ou será que seu dedo acusatório aponta para o escocês John Mackay, ativista em
inúmeras causas sociais e divulgador de uma teologia pietista e evangelical? Esses são alguns
poucos exemplos, dentre milhares, de cristãos que uniram pautas progressistas à mais sólida
tradição cristã.

Em trecho de determinado e sofrível texto nessa perspectiva, acusam o progressismo cristão de


investir na cultura da retaliação, separando povos, etnias e classes. Outro engodo generalizante!
Nelson Mandela, líder negro sul-africano, esquerdista e crente metodista, após assumir o poder
em seu país, não retaliou a parcela branca e opressora. Constituiu um governo de união nacional
composto por negros, brancos, mestiços, indianos etc.
Acusam também o progressismo cristão de culto ao estado. Outra sandice! O progressista cristão
valoriza a sociedade civil, sociedade que necessita da presença reguladora do estado para seu
bom funcionamento.

Tim Keller, teólogo presbiteriano estadunidense absolutamente conservador, seguindo fielmente


sua tradição calvinista, corretamente nos ensina que o cristão não pode comprar integralmente
qualquer agenda ideológica ou política. Premissa que vale para a direita e para a esquerda. Todo
pensamento humano carrega consigo erros e acertos. Diante dessa realidade, grotescas
generalizações feitas até, por “pastores” bolsonaristas, morrem antes de nascer.

Keller narra um exemplo muito interessante. Eis que um presbiteriano norte-americano e fiel
eleitor do direitista Partido Republicano resolve viajar para as Terras Altas da Escócia. Já em
solo escocês, estabelece contatos íntimos com presbiterianos escoceses. A teologia dessa
comunidade é absolutamente conservadora. O mesmo se dá com seus costumes morais. Mas para
sua surpresa, as ideias políticas e econômicas desses piedosos calvinistas são, segundo sua visão,
demasiadamente esquerdistas ou socialistas. Em suma: há elementos conservadores e
progressistas no referido grupo. Pensamento monolítico só existe na mente de seres obtusos e
cauterizados. 

Recomendamos a leitura de "Ensaios Sobre as Leis da Natureza" e "Carta sobre a Tolerância", de


John Locke. As mesmas pessoas que bradam veementemente contra a "idolatria do estado" são as
que se calam diante da "idolatria do mercado", postura dúbia e hipócrita contida por exemplo, no
livro “Contra a Idolatria do Estado - O Papel do Cristão na Política”, livro que é a somatória de
teologia duvidosa com analfabetismo econômico.

Por fim, mesmo sem definirem o que entendem por "progressismo cristão", porta-vozes dos
grupos fundamentalistas vinculam essa tendência imaginária à atual situação do cristianismo na
Europa Ocidental e em parte da América do Norte. Ao defenderem a antiga ladainha
fundamentalista, seus articulistas comprovam o completo desconhecimento em assuntos
históricos e sociológicos. Segundo Max Weber e Peter Berger, importantes expoentes da
sociologia, o protestantismo, principalmente calvinista, foi um dos grandes propulsores da
secularização de parte substancial da Europa Ocidental. Obviamente não foi a intenção desejada,
mas ao dessacralizar o mundo natural, rompendo o monopólio da única igreja, estimulando o
surgimento e consolidação dos estados nacionais e estimulando o ascetismo intramundano, a
religião protestante contribuiu para o enfraquecimento de uma cosmovisão religiosa.
Acrescentemos a esses pontos as inúmeras guerras religiosas, a ascensão do Iluminismo, as duas
grandes guerras mundiais do século XX etc. O caldo estava pronto para o declínio da fé.

Nosso compromisso é sim, com uma teologia cujo “círculo hermenêutico” inicia-se na
concretude da vida. Foi pensando nessa concretude da vida que a Teologia Latino-americana
estabeleceu o seguinte itinerário: “realidade concreta, Escritura Sagrada e nova práxis. Na TdL
desenvolveram-se variações internas na forma do Ver, Julgar e Agir, adotado da pastoral católica
e proposto conforme a sistematização de Clodovis e Leonardo Boff”1. Cabe aqui destacar as
contribuições de Richard Shaull e Rubem Alves, presbiterianos que ajudaram a elaborar a
“Teologia da libertação” e sua própria dinamicidade.

Considerando as diferentes nuances desse fazer teológico, que implica em levar a sério o
contexto em que se vive, Sanches compartilha e contextualiza o pensamento de Padilla a respeito
do círculo hermenêutico: Ele estabeleceu basicamente quatro pontos na articulação do círculo
hermenêutico no trabalho da Missão Integral: “(1) A situação histórica do interprete; (2) A
cosmovisão do interprete; (3) A Escritura Sagrada; (4) A teologia. Utilizamos os quatro pontos
colocados por Padilla, sob os nomes de (1) contexto teologal; (2) Compreensão do mundo ou
perspectivas; (3) Hermenêutica Contextual; (4) Nova práxis missional/pastoral, como percurso
metodológico formal para a Teologia da Missão Integral”2.

Em nosso contexto teologal não se pode negligenciar temas emergentes como o racismo, o
machismo, a degradação ambiental e a privação dos direitos de grupos minoritários como
LGBTs, pretos, indígenas, etc.. De igual modo, não se pode negligenciar a necessária defesa da
democracia, frente à insistente ingerência da religião no Estado, que é laico e assim deve se
manter. Assim, urge que a hermenêutica bíblica contextual possibilite uma práxis que seja
emancipatória e promotora da vida. Que labore para o bem do povo, com o povo e no povo. Com
isso, reafirmamos que defendemos pautas que visem contemplar o direito de quem quer que seja
(como se espera no Estado democrático de Direito), ainda que a questão moral necessite ser
refletida e discutida, considerando o todo da humanidade alienada de Deus e não os
comportamentos que julgamos pecaminosos a partir de uma visão de mundo classista,
heteronormativa e patriarcal.

O princípio Ecclesia reformata semper reformanda est (A Igreja Reformada está sempre em
reforma), explicitado no Manifesto da Resistência Reformada, tem por objetivo reforçar que a

1
Sanches, 2016, p.40.
2
Sanches, 2016, p.45.
própria teologia da igreja reformada é dinâmica, ou seja, sempre revisitada e reinterpretada à luz
do contexto em que a igreja cristã se faz presente com o intento de ser relevante, enquanto sal e
luz para a humanidade.

A igreja que pretende ser relevante na atualidade e ao mesmo tempo fiel aos valores e princípios
do Jesus de Nazaré, não precisa romper com todos os postulados de uma “tradição mais ampla”,
mas precisa por certo, para parafrasear Frei Beto: Permitir que a cabeça pense a partir dos locais
por onde os pés pisam. É a partir destes locais onde pisamos que aprendemos, anunciamos a
Cristo e compartilhamos o Evangelho que nos foi delegado.

Ademais convidamos a todos e todas para que tomem conhecimento do “Manifesto da


Resistência Reformada3”, para que analisem se nossas proposições se alinham aos ideais do
Reino de Deus e caso se convença disso, para que se una conosco na proclamação do reino que
utopicamente sonhamos e pregamos.

Comissão Cristianismo Brasileiro


Resistência Reformada

3
http://resistenciareformada.blog.br/

Você também pode gostar