27096-Texto Do Artigo-70984-1-10-20160320
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Doutoranda em Teologia pela PUCPR. [email protected]
[revista Último Andar (ISSN 1980-8305), n. 27, 2016]
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Introdução
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Esta categoria inclui ateus, agnósticos ou pessoas crentes, mas não religiosas.
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da Moral, da Política, da vida social e da Economia. O ser humano já não é mais dependente de
outras realidades para Ser, ele se torna o princípio e a finalidade para a qual tudo converge
(VAZ, 1999, p. 257-260).
Tais mudanças impactaram de forma efetiva também a teologia e a religião, ambas
solidificadas em uma forte tradição escolástica, mas profundamente impregnadas pelo laicismo
hierárquico, por lutas diplomáticas e militares e por incongruências entre doutrina, pregação e
testemunho. Neste cenário, insurge a Reforma, movimento que, pressuposto na fé e na graça,
questionou a hegemonia espiritual do Cristianismo romano. Dentre as várias consequências
deste processo, é importante salientar a abertura “para o pluralismo religioso, depois para o
ceticismo e, por fim, a um completo rompimento na visão de mundo cristã” (TARNAS, 2000,
p. 262).
A Revolução Científica e Filosófica, nesta mesma perspectiva, foi resultado da atuação
de vários cientistas e filósofos que refutaram as teses cosmológicas e sobre a natureza empírica,
métodos de conhecimento e, principalmente, os princípios pelos quais é possível ao homem
chegar ao conhecimento verdadeiro. Tal processo não só ratificou a hegemonia do ser humano
sobre a natureza sensível, mas também da autonomia da razão (ROUANET, 2004, p. 32).
Toda esta construção histórica da Modernidade produziu um processo de laicização no
Ocidente, de “dessacralização de atividades dependentes até então total ou parcialmente da
religião”. Sendo importante citar: as artes, a política, a técnica, o comportamento, as normas
éticas e morais e inclusive métodos e práticas científicas. Este processo é denominado de
secularização, o qual “nomeia a total autonomia de um mundo que se compreende de maneira
imanente a partir de si mesmo” (LACOSTE, 2004, p. 1629).
Segundo Taylor, o mundo fundamentado na existência de Deus, de um cosmos, de um
reino ou comunidade, foi suplantado pela dinâmica da secularização. O desencantamento
derivado desta é que sustenta o desaparecimento da presença de Deus e a recolocação do Eu do
ser humano como fundamento. (TAYLOR, 2010, p. 41-46) Nesta mesma linha de análise,
Gauchet, que compreende a religião como eixo organizador da sociedade ocidental, afirma que
a separação de Deus em relação ao mundo – por meio de um processo de desencantamento –
promove a emersão do humano como sujeito do conhecimento e da ação. (GAUCHET, 2005, p.
37-49)
Toda esta dinâmica hoje se reflete de forma direta na vida humana, não apenas em seu
conjunto de crenças, mas principalmente na forma como elas se configuram. Tal realidade traz
para a reflexão teológica cristã sérios questionamentos sobre seus objetos de análise e faz
Quando voltamos o olhar para a análise teológica da secularização, cabe salientar, como
afirmamos anteriormente, que a mesma foi intensamente trabalhada após a segunda metade do
século XX, mas já encontramos alguns estudos significativos e basilares em tempos anteriores.
Wilhelm Dilthey, filósofo alemão, em várias obras descreve o processo de secularização como
aquele que fez o mundo a chegar a sua idade adulta3. Max Weber, por sua vez, aborda a temática
da secularização quando se refere em suas obras ao grande processo de racionalização da
sociedade moderna que proporcionou um desencantamento do mundo.
Nesta mesma perspectiva, o teólogo alemão Ernest Troeltsch apresenta a secularização
como descontinuidade, mas também como continuidade do Cristianismo. Como
descontinuidade, pois o mundo moderno é emancipado das transcendências e focado na
autonomia do humano. Como continuidade, pois a formação do mundo moderno foi realizada
a partir de fundamentos e valores cristãos.
Nesta mesma perspectiva de análise, Friedrich Gogarten questiona “se a secularização
é algo alheio à fé cristã e contraposto a ela, que lhe é imposto à força e que a destrói a partir do
exterior, ou se é um evento decorrente da essência da fé cristã e totalmente consequente com
ela” (GOGARTEN, 1971, p. 8). Para viabilizar respostas a este questionamento, o autor levanta
três grandes teses: ou refutamos a secularização, ou nos despedimos definitivamente do
Cristianismo porquanto é incapaz de reger o peso da autonomia do homem, ou trata-se de
interpretar de maneira diferenciada o nexo entre o Cristianismo e a secularização
(GOGARTEN, 1971, p. 10).
Vários foram os que saíram em defesa de uma destas três formas de enfretamento. A
primeira tese é profundamente defendida pela teologia católica. Karl Rahner, por exemplo,
defendia de forma explicita que o imperativo da secularização estava subjugado à tutela da
Igreja, pois a mesma é “sacramento fundamental para a salvação do mundo (...) ela deve e quer
co-determinar o caminho do mundo secular, sem, contudo poder determina-lo integrística e
doutrinariamente” (GIBELLINI, 2010, p. 147). A segunda tese encontra alguns ecos na teologia
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Posteriormente, veremos como Bonhoeffer desenvolverá teologicamente esta tese.
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secular, que entende que há uma profunda diferença entre o ateísmo filosófico e o cristão “se a
teologia reconhece a morte de Deus, a fé transforma-se em amor e a teologia em ética da
responsabilidade, que se orienta para a figura de Jesus, que indica um lugar para ficar”
(GIBELLINI, 2012, p. 144). A terceira tese, por sua vez, é muito debatida e estudada
atualmente.
Em especial, vamos discorrer sobre a abordagem do teólogo protestante Dietrich
Bonhoeffer (que historicamente precede toda a discussão feita por Gogarten) – que, a partir de
uma análise da Europa nos anos de 1930 e 1940, faz acerca da relação entre o cristianismo e
secularização, em busca dialógica.
retrocesso: “temos que nos defrontar com ela; não podemos voltar a um ponto anterior a ela”
(BONHOEFFER, 2002, p. 59). Como afirma Lacoste:
apoiando-se não em um pensamento forte, totalizante a par das visões ideológicas, mas um
pensamento fraco baseado na fraqueza do Deus Sofredor que se encarna, se faz humano.
(BONHOEFFER, 2002, p. 155). Como afirma Bonhoeffer em sua carta de 21 de julho de 1944:
Mais tarde compreendi e experimento ainda até a presente hora, que só na plena
aquendidade da vida aprendemos a crer. Quando desistimos completamente de fazer
algo importante de si mesmo [...] tudo isto eu chamo aquendidade, isto é viver na
plenitude das tarefas, problemas, dos sucessos e fracassos, das experiências e
perplexidades, assim nos lançamos inteiramente nos braços de Deus, e não mais
levamos tão a sério os nossos padecimentos, mas levamos a sério o sofrimento de
Deus no mundo, e então vigiamos com Cristo no Getsemani, e penso que isto é fé,
isto é metanóia. Assim nos tornamos homens cristãos. Jamais no tornaremos
arrogantes com os sucessos, nem desalentados com os fracassos, se sofremos com
Deus na vida presente. (BONHOEFFER. 1968, p. 178)
Nossa relação com Deus não é uma relação religiosa como um ente poderoso e
elevado acima de nossa imaginação – isto não seria a verdadeira transcendência – mas
nossa relação com Deus é uma nova vida no ‘existir-para-os-outros’, na participação
da natureza de Jesus. Não as tarefas ilimitadas, inalcançáveis, mas o próximo que
encontramos em alguma ocasião como acessível é o transcendente. Deus em figura de
homem, não como nas religiões orientais, em figuras animais como o monstruoso,
caótico, distante, horroroso; mas tampouco nas figuras conceituais do absoluto,
metafísico e infinito; nem a figura grega do deus-homem, do ‘homem em si’, mas o
homem para outros [...] O homem que vive do Transcendente (BONHOEFFER, 1968,
p. 185).
Assim, percebemos que a vivência cristã na Modernidade é para Bonhoeffer uma viver
para os outros. Cabe salientar que este viver para os outros significa não só viver por atos de
caridade, mas também um comprometimento profundo de cada pessoa na defesa da justiça e do
direito, em favor de mudanças sociais. O Cristianismo a-religioso é, portanto, “um Cristianismo
não da fuga, mas da fidelidade ao mundo, um Cristianismo a ser vivido na responsabilidade, na
participação e na solidariedade” (GIBELLINI. 2010, p. 83).
Considerações Finais
Referências
FORTE, Bruno, À escuta do Outro: filosofia e Revelação. São Paulo: Paulinas, 2003
GIBELLINI, Rosino, A teologia do século XX. Trad. João Paixão Netto. 3. Ed. São Paulo:
Loyola, 2012.
GOGARTEN, Friedrich, Destino y esperanzas del mundo moderno. Trad. Carlos de la Sierra.
Madri: Fontanella, 1971.
LACOSTE, Jean-Yves, Dicionário Crítico de Teologia. Trad. Paulo Menezes. São Paulo:
Paulinas, 2004.
PEW RESEARCH CENTER, The Global Religious Landscape – A report on the Size and
Distribution of the World’s Major Religious Groups as of 2010, dez/2012. Disponível
em: http://www.pewforum.org/2012/12/18/global-religious-landscape-exec/ - Acesso
em 02/01/2015.
TAYLOR, Charles, Uma era secular. Trad. Nélio Schneider e Luiza Araújo. São Leopoldo:
Unisinos, 2010.