ARTIGO - O Caráter Civilizatório Das Práticas Higienistas No Século XIX
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Resumo
Todas as cidades nos contam histórias cabendo ao pesquisador fazer as
perguntas corretas na busca da ―sua história‖. A imagem das cidades países não-
desenvolvidos, com destaque para situados nas latitudes tropicais, é dita como
insalubre. Este trabalho parte de uma perspectiva que privilegia a compreensão do
conceito de higiene não apenas enquanto símbolo do progresso e da modernidade, mas
enquanto um elemento civilizatório. Um elemento civilizatório necessário ao
estabelecimento de um patamar de subordinação cultural e base para a legitimação de
práticas necessárias para a criação de condições gerais para o desenvolvimento do
capitalismo, em que entram em confronto a produção de conhecimento, que endeusa um
certo saber técnico, e o saber fazer local. Parte-se de um contexto cultural, no qual o
europeu é o ―civilizador‖, o agente da civilização, logo da saúde e, ao mesmo tempo, o
difusor de doenças, consequentemente agente causador da insalubridade das cidades
tropicais por ele colonizadas/criadas, onde emerge a idéia da ―cidade saudável‖. Busca-
se, portanto, perceber como as alterações econômicas, culturais e ambientais, entre
outra, advindas dos processos ―civilizatórios‖ promovidos pelos europeus nas áreas
tropicais propiciaram transformações das/nas cidades de forma que estas passam a ser
estigmatizadas como insalubres, quando no mais das vezes esta insalubridade era
decorrente do próprio processo de intervenção européia sobre condições que tinham seu
ponto de equilíbrio em outro contexto. Uma questão relevante é a diz respeito a própria
produção do conceito de higiene/saúde nas cidades européias.
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Doutora em História Econômica(USP). Professora Associada do Departamento de Geografia da
Universidade Federal Fluminense, Niterói/RJ, Brasil. E-mail: [email protected]
Presentado en el XIII Encuentro de Geógrafos de América Latina, 25 al 29 de Julio del 2011 Universidad
de Costa Rica - Universidad Nacional, Costa Rica
O caráter civilizatório das práticas higienistas no século XIX
Lucelinda Schramm Corrêa
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Introdução
Victor Hugo vê Paris como uma ―crônica de pedra‖ da Idade Média, uma
totalidade que se rompe com a reforma Haussmann (1852-1870). Walter Benjamin, por
sua vez, a vê como uma realidade esfacelada, que em seus fragmentos condensa e revela
a história de diferentes tempos. A cidade concreta, assim, enquanto estrutura física
revela no que permanece e resiste, em suas rugosidades, não somente sua história como
as práticas espaciais que a produziram.
Portanto, se as cidades são como livros e, como tal contam histórias, cabe ao
pesquisador investigar essas histórias, interpretar esses espaços, condensações de
tempos passados para, assim, recompor as concepções hegemônicas (o conhecimento)
que orientaram sua produção vis a vis as práticas espaciais e formas de apropriação
social.
Revista Geográfica de América Central, Número Especial EGAL, Año 2011 ISSN-2115-2563
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Foi ali, pelo menos nas abadias beneditinas, que as práticas adiantadas
da agricultura romana e da medicina grega foram conservadas, com
uma correspondente elevação na produtividade agrícola e na saúde.
(MUNFORD, 1963:323)
...ao final da mesma nas comunidades urbanas (comunitas) que se originaram das
antigas colônias urbanas, ou de novas colônias constituídas pelos senhores feudais, as
moradias caracterizadas pela indiferenciação funcional do espaço, a forte expansão
demográfica resultou em concentração populacional e a elevação geral dos aluguéis
tornando as já deficitárias condições sanitárias em insalubres, propiciando a
disseminação de doenças, em especial as transmitidas pelas vias aéreas ou pelo contato
interpessoal.
Se nas cidades medievais a tradição dos banhos públicos de origem romana foi
preservada – de modo geral o banho era tomado quinzenalmente, ou as vezes
semanalmente, sendo o lugar do banho o lugar da sociabilidade, com a pressão
demográfica, e conseqüente crescimento das cidades, desacompanhado da expansão das
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Naquele tempo não havia doenças, nem febres, nem doenças dos ossos
ou da cabeça... Naquele tempo, tudo estava em ordem. Os estrangeiros
mudaram tudo quando chegaram. (FERRO, 1996, p. 219)
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Na Europa do século XVI havia doenças por todas as partes: praga, cólera,
tuberculose, lepra. As condições sanitárias, de higiene e alimentação eram
extremamente deficientes, com uma mortalidade infantil na ordem de duas a cinco
crianças de cada dez. A dieta, insípida, monótona, composta de trigo, cevada, aveia,
painço, raramente acompanhada de carne fresca, laticínios, sal e açúcar (caros)
ocasionavam inquietude e fraqueza nas pessoas, e também foi responsável pela loucura
febril e o pânico apocalíptico da época. Já o ato de beber água era temerário, sempre,
assim a cerveja e o vinho eram consumidos por todos, independentemente da idade e
estratos sociais, e sua conseqüência uma bebedeira endêmica. A idade avançada começa
a cansar o corpo por volta dos 35 anos, lamentava Erasmo; mas metade da população
não passava dos 20 anos. Havia médicos e medicina, mas parece não ter existido muita
cura (BALL, 2009, p. 45). Eis uma panorama, bem ligeiro, do mundo dos
conquistadores europeus do Novo Mundo.
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atividades econômicas e criação de áreas urbanas são alguns exemplos que podemos
mencionar.
No decorrer dos séculos XVI e XVII vários médicos foram enviados para as
colônias da Ásia, África e América, e descreviam, em seus diários, informações sobre as
cidades, distritos ou países que haviam visitado, nos quais eles priorizavam pessoas e os
lugares, as doenças que os afligiam, os métodos locais de tratamentos e as crenças sobre
sua causa. Esses relatos ficaram conhecidos como um levantamento médico-geográfico,
porém geralmente não possuíam uma exatidão quanto à localização e temporalidade dos
eventos. Contudo, quanto mais freqüente se tornavam essas viagens, mais informações
eram levantadas para os colonizadores europeus, comerciantes, visitantes e
principalmente para o exército (JUNQUEIRA, 2009 apud ARMSTRONG, 1983 apud
PEITER, 2005).
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homem este que se acumulava pelos espaços urbanos, fruto do intenso processo de
transformação/acumulação da economia e dos homens. Este homem, agora, não mais
visto como necessitado, mas como força de motriz do processo de produção capitalista
– força de trabalho, mas simultaneamente visto com desconfiança, pois suas condições
materiais de existência propiciavam a difusão das doenças. Trata-se de tratar não o
corpo do individuo, mas os corpos, o corpo coletivo – muda-se a percepção do
individual para o coletivo, onde as intervenções se dão a partir dos aparelhos do Estado,
que assumem a instância do controle social.
Considerações Finais
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Referências Bibliográficas
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 26ª Ed. Rio de Janeiro, Edições Graal,
2008.
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