Michel Deguy - Entrevista Sobre Poesia
Michel Deguy - Entrevista Sobre Poesia
Michel Deguy - Entrevista Sobre Poesia
MARCOS SISCAR
Especial para JU
Michel Deguy – Dei este título a um dos meus livros: “A poesia não
está só” [La poésie n’est pas seule, Seuil, 1988]. Logo que tiver a
oportunidade, terei prazer em intitular um outro texto, “A filosofia não
está só”. A questão geral é justamente a do acompanhamento, do ser-
junto, do COM. O sentido nasce do ser-com e dentro dele.
Tal aproximação de duas ou mais coisas (“de duas coisas uma”, diz o
estereótipo francês do enfrentamento), ou “comparação” – aliás,
falávamos muito em poética da “imagem”, antes que o termo tivesse
sido completamente monopolizado pelo tele-visual –, esta afinidade, ou
esta semelhança, esse “ar de família” (etc.) é exato, ou não? O “mesmo”
é o mesmo, ou inteiramente outro? O pensamento tornou-se cego pela
diferença modificadora que deveria proibir a “assimilação” ou, ao
contrário, a “analogia” remonta a um inteligível que pode reunir as
diferenças em um mesmo. A operação de julgar é poética: o como, ou
operador da submissão das coisas sob as palavras, é o agente de ligação
mais importante do pensamento. E se o pensamento é figurativo
(figurante figurado), diremos que a parábola (a fábula, a figura
especiosa) é a bússola do discurso filosófico.
Quanto aos cientistas (no meu país, um [Claude] Allègre, que foi
também Ministro da Educação...), são misólogos, rejeitam tanto o
filosofema quanto o poema, colocando-os do mesmo lado: fora da
ciência... (lembremos que, para Lévi-Strauss, a poesia, envolvida com
as “correspondências” que a neurologia esclarecia cientificamente,
ganhava uma idade pré-científica, à Augusto Comte).
Além disso, a “poética” (que agita os “poetas”, digamos) não tem mais
“voz” no debate (o debate das ciências duras e moles, das socio-
políticas, etc.); não participa mais das discussões que interessam, ou é
seu destino (social) que se resolve em termos de cultural – este que, por
sua vez, não é compreendido com profundidade.
Será que isto pode juntar-se com aquilo? Sim, depende da cola.
Há vários tipos de mistura; por exemplo, o tipo “sopa”, que faz a
mixagem e confunde os ingredientes, diferente do tipo salada
“primavera”, que reúne por justaposição, preservando a
discernabilidade dos ingredientes, etc. A questão do melhor “modelo”
se coloca. A febre da mixagem em geral, da novação por
“crioulizações”, do tornar-se “caos” do “mundo” (na linguagem de
Edouard Glissant) apropria-se de todo tipo de “forma” para multiplicar
as possibilidades: a técnica torna tudo possível. Da “realização” fílmica
à nova nouvelle cuisine dos novos chefs, até as proezas dos disc-
jockeys, passando (mas talvez sejam eles os líderes) pela arte daqueles a
quem se reserva o velho título de criadores, a saber, os modistas,
designers, cabeleireiros... trata-se do campo mais exposto da
midiatização, o mais atraente do mercado.
Quem é
Como poeta, é autor de dezenas de obras que têm sido objeto de eventos
e publicações especializadas. Recebeu os prêmios Fénéon, Max Jacob e
Mallarmé. Recebeu, ainda, o Grand Prix National de la Poésie, em
1998, e o Grand Prix de Poésie da Academia Francesa de Letras, em
2004. Em 2010, foi condecorado com o título de Chevalier da Ordem
Nacional da Legião de Honra, título da República francesa destinado a
militares, cientistas, artistas e escritores de destaque. Além de artigos
publicados em livros e revistas, Michel Deguy tem dois livros editados
no Brasil, ambos com tradução de Marcos Siscar e Paula Glenadel: a
coletânea de poemas A rosa das línguas (Cosac Naify, 2004) e o ensaio
Reabertura após obras (Editora da Unicamp, 2010).