Um Olhar Sobre A Independência Dos Tribunais

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ARTIGO JURÍDICO

UM OLHAR SOBRE A INDEPENDÊNCIA DOS TRIBUNAIS:


A VISÃO FILOSÓFICA DO DIREITO E A MATERIALIZAÇÃO DOS
PRINCÍPIOS DA IMPARCIALIDADE E DA LIBERDADE DOS JUÍZES COMO
GUIA PARA A BOA REPUTAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO.
Por: Adilson Jorge Sales Wanuca

Advogado Estagiário
Introdução

O presente artigo intitulado, Um olhar sobre a independência dos tribunais:


A visão filosófica do direito e a materialização dos princípios da imparcialidade e da
liberdade dos juízes como guia para a boa reputação do sistema judiciário, surge numa
altura em que se assiste a vários processos-crime envolvendo muitas figuras do cenário
político angolano. E dada a descrença dos cépticos no sistema judiciário interno, e
havendo necessidade de se resgatar tal confiança, não poderia deixar de abordar sobre
essa grande questão.

Assim, importa trazer para este artigo aquilo que se almeja como guia para a
materialização dos fins do sistema judiciário numa sociedade plural, democrática e
moderna.

A ideia é exortar os aplicadores da lei por todos aprovada através dos


representantes do povo, que, tenham sempre em consideração no momento da tomada de
decisão os princípios da liberdade e da imparcialidade, como guias, assim como, os
sentidos da justiça, conforme os grandes filósofos da antiguidade a teorizaram.

1
A reputação do sistema judiciário como um todo, assim como, a reputação pessoal
do julgador, enquanto parte integrante daquele sistema constitui um elemento
fundamental para a credibilização e reputação de qualquer sistema judiciário moderno,
quanto mais ainda numa altura em que cada vez mais se assiste à procura dos indivíduos
pelo judiciário.

Não raras vezes se verifica a morosidade no andamento dos processos, outras vezes,
essa morosidade se dá no cumprimento, ou execução das decisões proferidas, por parte
dos obrigados, e quase sempre por desobediência, e outras vezes por prepotência, o que
acaba por criar no meio social um sentimento de impunidade, associado à visão de
fraqueza, dependência e parcialidade do sistema.

Com tais sentimentos sociais, a reputação do sistema judicial decai, facto que tem
consubstanciado no retorno à algumas práticas características do sistema de justiça
privado.

Apesar dessa realidade, bons ventos se avizinham. Porém, para que tais ventos não
sejam tempestuosos, para aqueles que recorrem ao sistema judicial, importa que os
aplicadores da lei — enquanto membros desse sistema amem a filosofia do Direito,
conforme teorizada por Aristóteles, Emmanuel Kant e tantos outros.

Eis o artigo!
A reputação do sistema de justiça.

A reputação é relevante para qualquer indivíduo, profissional, instituição ou


organização.
A reputação marca a vida da pessoa. Alguém disse que a reputação é o que os homens
dizem de outro junto a sua sepultura. É um viver moralmente digno diante da sociedade
que nos cerca.
O facto não é diferente para os juízes e nem mesmo para o sistema judiciário. Uma
boa reputação perante as pessoas próximas e seus colegas pode ser determinante para uma
carreira de sucesso.
Para um juiz a reputação pode determinar também a sua ascensão aos tribunais
superiores.
Um órgão jurisdicional, um tribunal, uma corte de Justiça ou mesmo o Poder Judiciário
também dependerão da sua própria reputação para obter legitimação e credibilidade
perante a sociedade.
O poder judiciário não deve contar nem com a força da espada, nem com o poder do 2
1
dinheiro para se impor , sendo importante conquistar credibilidade social.
Qualquer sistema judicial que pretende ser credível necessita de ter profissionais
(juízes, procuradores, escrivães, oficiais de diligências...) comprometidos com o direito e
com a sociedade — e essa credibilidade se obtém não só através da demonstração de
comprometimento com a justiça, mas também pelas decisões proferidas pelos seus juízes.
Os Tribunais encontram-se obrigados a pautar por uma conduta verdadeiramente
constitucional, pois, são o garante da legalidade democrática. Neste sentido, é importante
o modo como os juízes decidem os casos.
Learned Hands que foi um dos melhores juízes dos Estados Unidos de América, dizia
ter mais medo de um processo judicial do que da morte ou dos impostos. Entende Learned
Hands que os processos criminais são os mais temidos de todos, e também os mais
fascinantes para o público2.

1 HAMILTON MADISON, JAY, 1788, The Federalist No. 78, The Judiciary Department. The Executive
not only dispenses the honors, but holds the sword of the community.
The legislature not only commands the purse, but prescribes the rules by which the
duties and rights of every citizen are to be regulated. The judiciary, on the contrary, has
no infuence over either the sword or the purse; no direction either of the strength or
of the wealth of the society; and can take no active resolution whatever.
2
RONALD DWORKIN. O Império do Direito, pág. 3. Marins Fontes, São Paulo, 1999.
Nesta conformidade, há quem afirma mesmo que a justiça não é mais julgada pela
aplicação da lei, mas apenas pelos seus resultados, pois, os resultados da aplicação da lei
é que merecerão o julgamento popular.
Qualquer sistema judicial que pretenda ser forte e credível deve preocupar-se
grandemente com a responsabilização de indivíduos e entidades que com os seus actos,
prejudicam ou lesam gravemente o Estado, e jamais com questões de certa forma
irrelevantes de modos que, os cidadãos não venham a ter uma ideia de parcialidade a
respeito do sistema judicial, de modos a que se reprima a velha falácia popular, «ao
tribunal e às cadeias entram apenas os que cometem crimes bagatelares».
O sistema de justiça deve cimentar e conquistar o seu papel numa sociedade
democrática para ser visto e assimilado por qualquer indivíduo como que, forte, autônomo
e confiável. Mas será então necessário haver um «governo dos juízes», ou «activismo
judicial» entre nós?
Quanto a nós parece que sim. Pois, ainda não nos revemos nas palavras de Tocqueville,
e Edouard Lambert, «Le Gouvernement des juges et la lutte contre la législation sociale
aux Etats-Unis. L'éxperience américaine du controle judiciaire de la constitucionalité
3
des lois», ao fazer menção ao poder judicial americano, segundo o qual, o mesmo
representa «um verdadeiro governo dos juízes»3 (...). É que, o poder judicial americano é
encarado como um travão necessário à manutenção do equilíbrio dos poderes soberanos:
executivo e legislativo. Esta realidade não é acolhida nos escritos de Montesquieu, pois,
para o escritor do Espírito das Leis, o poder judicial deve ser passivo, obediente às leis e
neutro4.
Entre nós, muitas têm sido as preocupações a respeito da eficácia do poder judiciário.
Em qualquer sociedade onde se institucionaliza a punição dos mais fracos e a impunidade
aos poderosos descredibiliza tanto as instituições de justiça como os demais órgãos de
Estado, assim como, os seus agentes: Magistrados, Procuradores e Juízes, advogados...
Hoje, as exigências dos indivíduos aos órgãos de justiça em busca da satisfação das
suas expectativas jurídicas consequente da consolidação dos Estados democráticos e de
Direito tem demonstrado que a justiça que até meados do século passado era uma área do
governo socialmente distante, com fraco peso politico e a suscitar pouco interesse

3
LUÍS FERREIRA LEITE, o Tribunal Constitucional e o Sistema Político, Estados Unidos da América –
Europa – Portugal, Âncora Editora, pág. 54.
4
DIOGO FREITAS DO AMARAL. História do Penamento Político Ocidental, Almedina.
acadêmico, vive hoje uma situação radicalmente diferente, evidenciando-se a sua
importância politica na consolidação dos regimes democráticos5.
As instituições judiciárias são hoje actores de primeiro plano de regularização
política. O conceito de Justiça em Rousseau surge da sua investigação sobre o processo
de socialização do homem. Ao reconhecer que este engendra duma situação de conflito
permanente entre si, Rousseau empreende uma crítica profunda à sociedade da sua época,
denunciando as desigualdades sociais legitimadas pela institucionalização da propriedade
privada. Essa é a justiça social, que também retratou Aristóteles.
Mas é no que tange a justiça feita pelos tribunais, que a nossa abordagem diz respeito.
Vale dizer que em África a discussão sobre os tribunais não tem a mesma centralidade
que assume noutros continentes. Para isso contribuem vários factores6.
Na análise dos tribunais enquanto poder do estado, a expansão do poder judicial é
avaliada na sua repercussão e impacto no arranjo institucional do Estado e na tensão entre
independência, protagonismo e activismo judicial e os limites impostos pela separação de
poderes e pela fragilidade do poder judiciário dentro do sistema político7.
Com o passar do tempo, e o consequente conhecimento pelos cidadãos dos seus
4
direitos, liberdades e garantias fundamentais, a procura pelos tribunais aumenta
consideravelmente, o que exige dos seus profissionais um aprofundamento no estudo das
questões jurídicas, sociais e até mesmo políticas. Assim, para responder às expectativas,
a justiça tem de ser eficiente e eficaz ou efectiva. Na eficácia ou efectividade ― justiça
efectiva ― vai a verificação, ou melhor, a coincidência, entre os resultados obtidos e o
grau de satisfação dos cidadãos que as instituições devem servir8.

A independência dos tribunais e dos juízes. O sistema de justiça desejado.

Importa realçar que o princípio da independência dos juízes e dos tribunais, inscrito
na essência do princípio democrático moderno e pré-constitucional, foi colocado no
centro da noção de Estado de Direito e consolidado durante o séc. XIX.
Com a derrota dos totalitarismos vigente na primeira metade do séc. XX, os quais
fizeram recuar os valores, os princípios do Estado de Direito reviveram após 1945 na

5
CONCEIÇÃO GOMES, Dimensões Politicas da Justiça.
6
BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS. Os Tribunais, o Estado e a Democracia.
7
CONCEIÇÃO GOMES. Justiça e Democracia: O papel dos Tribunais judiciais e os desafios à política de
reformas.
8
ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR. Justiça. Reflexões fora do lugar-comum.
reconstrução dos Estados democráticos e de direito contemporâneos. Estes Estados,
baseados no primado da Constituição e na lei, aprimoraram os seus ideais de justiça,
conferindo aos tribunais o poder-dever de julgar e administrar a justiça em nome dos seus
cidadãos, de modo independente e imparcial.
Neste sentido, a independência dos Tribunais consiste basicamente na possibilidade
de decidirem com liberdade e imparcialidade. E sendo os juízes, que os constituem,
titulares da função de julgar que lhes cabe, a independência dos juízes é a situação que se
verifica quando no momento da prolação da sentença não pesam sobre eles outros
factores, que não os juridicamente adequados a conduzir à legalidade e à justiça da
decisão.
Apesar desta independência conferida aos tribunais como órgãos públicos
incumbidos na função de administrar a justiça, é importante que se compreenda que a
independência dos tribunais, como órgãos de soberania, não coincide necessariamente
com a independência dos seus titulares. Na verdade, aquela pode ser vista apenas de um
ponto de vista meramente formal tendo como consequência jurídica o acatamento
obrigatório das sentenças independentemente das características do processo decisório.
5
A verdade é que muitos factores externos podem influenciar a independência dos
juízes na prolação das decisões.
Anote-se que os factores suscetíveis de afectarem a liberdade de julgamento podem
existir no confronto do juiz com os demais poderes públicos; certos movimentos de
opinião como, comentadores televisivos, juristas, radialistas, analistas políticos, quer de
origem nos grandes meios de comunicação social, quer nos grandes grupos económicos
ou políticos.
Os factores que podem influenciam as decisões dos tribunais muitas vezes têm
natureza afectiva, intelectual, ideológica, cultural ou sócio-política. Estes factores podem
incidir sobre um juiz em concreto, ou sobre a magistratura no seu conjunto.
Estas interferências afectam emocional e pessoalmente o julgador. Há quem
questiona se a independência e a imparcialidade serão aspectos de uma só realidade, ou
se os juízes devem ser independentes para que possam ser imparciais. Ou independentes
para que possam ser livres, sendo a imparcialidade apenas um dos critérios métricos da
referida liberdade de decisão.
Ora, é importante partirmos do princípio segundo o qual a independência potencia a
liberdade de decisão, e que a imparcialidade é critério da medida dessa liberdade.
A questão da independência e imparcialidade tem pesado a muitos julgadores, quando
a questão a decidir é de pendor político, ou opõe figuras políticas à figuras da sociedade
civil, ou ainda quando uma das partes é um poderoso grupo económico.
Apesar dos factores acima elencados, mesmo nestas situações, é importante que os
julgadores mantenham a independência e a imparcialidade e, consequentemente, julguem
independentemente daqueles factores, conforme assinala RADBRUCH, “julgar sem
consideração de pessoas; medir a todos pelo mesmo metro”.
Abordar a respeito da independência dos tribunais, impõe igualmente tecer algumas
considerações sobre o acto de nomeação dos seus magistrados judiciais, ou pelo menos
de alguns deles, de modos a analisar se a nomeação dos juízes não influencia em certa
medida as decisões por estes tomadas, quando na situação concreta uma das partes
litigantes seja, por exemplo, algum titular de órgão de soberania, ou algum membro do
governo em funções à data do processo.
Ora, essa questão tem sido muito debatida entre alguns estudantes, principalmente os
do primeiro ano do curso de direito, pois, entendem que, o acto de nomeação a que estão
sujeitos os juízes dos Tribunais Superiores, o Procurador Geral da República, assim como
6
os Procuradores Gerais Adjuntos da República deveria ser substituído pela eleição
indirecta. Ou seja, aquelas figuras deveriam ser eleitas pelo Parlamento, por este ser
composto pelos deputados que são, nos termos da Constituição da República, os
“representantes do povo9”, a fim de se ajustar ao princípio democrático segundo o qual:
“os tribunais são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em
nome do povo10”.
Salvo melhor entendimento, é que só desta forma, seria possível a materialização do
principio da imparcialidade, assim como, o da separação de poderes, no cumprimento das
suas atribuições daqueles órgãos superiores, sem prejuízo do princípio da
interdependência de funções, pois, numa franca observação, o acto de nomeação de
qualquer entidade por outra, pressupõe uma relação de mando e obediência à entidade
que nomeia, ainda que, o ente nomeado não faça parte da mesma pessoa colectiva que
procedeu à nomeação, como de resto, é próprio dos órgãos administrativos.
Daí que pressupõe ser devido ao «modus» de obtenção da legitimidade para o
exercício de certo cargo ou função estadual, que se especula haver em determinadas
sociedades, grandes obstáculos da parte dos agentes do poder jurisdicional em investigar,

9
Cfr. o artigo 147º da Constituição da República.
10
Cfr. o artigo 174º. nº.1 da Constituição da República.
prender e, ou julgar determinados factos civis ou criminais, quando praticados por
entidades públicas, ministros, secretários de Estado, comandantes militares, policiais...
Por último, importa assinalar que com a queda dos totalitarismos, uma das grandes
conquistas do Estado democrático e de direito é a responsabilização dos seus agentes por
violação dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Hoje, a generalidade dos
ordenamentos aceitaram como primeira fonte de responsabilidade do Estado por actos
judiciários, os casos de erro em sentença criminal condenatória, verificado em recurso
criminal de revisão. Este reconhecimento decorreu em parte da especial configuração do
processo penal, dos seus princípios e desideratos, e dos valores que prossegue ― o que
explica em parte que não tivesse sido acolhida até hoje a responsabilidade do Estado por
erro judicial não penal11.
Por razões pedagógicas, importa dizer que, o princípio da irresponsabilidade dos
juízes não obsta à responsabilização do Estado por erro judiciário12.

Os sentidos da justiça segundo John Rawls, Banders e Aristóteles

7
Segundo John Rawls, «La justicia es la primera virtud de las instituciones sociales,
como la verdad lo es de los sistemas de pensamiento»13.
A ideia jacente na frase supra, aponta a justiça como um valor primário a ser
promovido pelas instituições. Ela tem maior peso do que os outros interesses morais e
políticos, independentemente da urgência de que estes últimos se possam revestir.
No mesmo sentido, Michael J. Sanders14 define a justiça como a mais alta de todas as
virtudes sociais, que tem de ser assegurada antes de as outras poderem apresentar as suas
reivindicações.
Filosoficamente, justiça significa «dar a cada um segundo a sua obra». Quando se
fala em justiça, está se a falar, sobretudo, da «justiça social», ou melhor, da que
Aristóteles chamava de «justiça distributiva» que tem em vista obter uma distinção
razoável dos bens, dos direitos e das honras entre os membros do agregado social.

11
LUÍS GUILHERME CATARINO, A responsabilidade do Estado pela administração da justiça. O erro
judiciário e o anormal funcionamento, Almedina.
12
A este respeito, importa referir que em caso de erro judiciário, o artigo 65ᵒ. 3 da Constituição estabelece
que todo o cidadão injustamente condenado têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da
sentença e à indemnização pelos danos sofridos. Cfr. ainda a este respeito o artigo 75ᵒ da CRA.
13
Teoria de la Justicia, pág. 19.
14
Cfr., Liberalismo e os Limites da Justiça.
Por ser a justiça um tema elementar das ciências jurídicas, mas que até hoje suscita
dúvidas sobre as suas diversas teorias apontadas desde a antiguidade até aos nossos dias,
deixando um questionamento basilar acerca da sua aplicabilidade no mundo real, induz
aos curiosos perscrutar o tema da mais alta indagação: o que é a justiça?
Embora estejamos em plena modernidade, não restam dúvidas que a antiguidade é
sem sobra de dúvidas o tempo onde viveram os mais renomados pensadores da ideia da
justiça. Ou melhor, não é compreensível abordar a questão da justiça sem recorrer a dois
grandes pensadores, Aristóteles e Kant.
É do conhecimento geral, ou pelo menos, dos juristas e sociólogos que Aristóteles é
responsável por muitos ensinamentos relevantes da sua época que são extremamente
actuais. Para ele, a justiça quanto à injustiça têm natureza de disposição de carácter. A
este respeito ele afirmou: «a virtude é uma disposição de carácter que torna as pessoas
propensas a fazer o que é justo, que as faz agir justamente e a desejar o que é justo: e de
modo análogo, a injustiça é a disposição que leva as pessoas a agir injustamente e a
desejar o que é injusto».
Ao dispor da existência de uma justiça universal e uma justiça particular, aduz que a
8
lei é criada abstrata e genericamente para ser aplicada a todas as situações,
universalmente. Porém, admite que haja casos particulares que a aplicação de uma lei
pode causar a injustiça. Em outras palavras, pode haver lei que não pratique a justiça, ao
que denomina de justiça particular, devendo a equidade corrigir essa lei, visto que não
seria correcta a sua previsão em certos casos particulares.
Nesse particular, Aristóteles agrega ao mesmo conceito a justiça legal e a justiça
universal ao afirmar que toda a lei «é universal», mas não é possível fazer uma afirmação
universal de que seja ela correcta em certos casos particulares. Neste sentido, percebe-se,
portanto, a preocupação de Aristóteles sobre o que de facto ocorre nos nossos dias. Como
a lei não pode prever todas as situações, ao se deparar com uma situação de ausência de
previsão legal, deve ser invocada uma lei particular ou especial, ou seja, deve-se realizar
a integração do direito através da equidade, como sendo a correcção da justiça legal.
A ideia do Direito, porém, não pode ser diferente da ideia de justiça ― e assim acha-
se perfeitamente justificado que nos detenhamos um momento perante a ideia de justiça,
como o verdadeiro ponto de partida para a determinação do conceito de Direito, visto o
«justo» ser, assim como o bem, o belo e a verdade, um valor absoluto, que não se pode
fazer derivar de nenhum outro15. A evolução da ideia de justiça se apresenta,
evidentemente, como um correlato da evolução da ética, a ética como vigência social e
como conjunto de representações e conceitos. Quando mencionamos as instituições e os
valores que “cercam” a ideia de justiça, abrangemos na referência vários elementos
culturais, incluindo, além dos valores que se acham na sociedade, componentes políticos,
religiosos e ideológicos.
As revoluções modernas, chamadas liberais ou burguesas (na verdade vinculadas a
estágios da secularização e da implantação da democracia), transformaram a antiga ideia
de justiça em uma alusão à “justiça social”, uma imagem entendida em função de
correlações estruturais, tais como a ordem social e a teoria dos direitos16. Além disso,
também num outro aspecto a justiça se nos apresenta como susceptível de dois sentidos
diferentes. Com efeito, tanto pode dizer-se «justa» a aplicação ou observância duma lei,
como a própria lei em si mesma. A primeira espécie de justiça, que é especialmente a do
juiz quando fiel à lei chamar-se-á melhor «rectidão». Não se trata duma justiça que se
mede pela medida do Direito positivo, mas duma justiça que é ela, a medida do próprio
Direito positivo e pela qual este tem de ser aferido. Neste sentido a justiça quer dizer tanto
9
como igualdade. Acontece, porém, que a igualdade é também susceptível de receber
diferentes significações. Ou se refere, segundo o seu objecto, por um lado, a bens; ou se
refere, por outro lado, a pessoas. É por isso que, tanto pode falar-se de salário justo,
quando este corresponde ao valor do trabalho produzido pelo operário, como duma pena
justa, quando esta se aplica igualmente a uns e outros. E pode ainda a justiça ser, segundo
o seu critério de aplicação, absoluta ou relativa. Por exemplo, salário igual pelo trabalho
(justiça absoluta); condenação em pena correspondente ao diferente grau de culpa de
vários criminosos (justiça relativa).
Ambas as distinções se acham entre si relacionadas na célebre doutrina de Aristóteles
acerca da justiça. A igualdade absoluta entre bens, como por exemplo, a que se dá entre
o salário e o trabalho, ou entre o dano sofrido e a indemnização, chama-se na doutrina de
Aristóteles justiça comutativa; a igualdade (relativa) no modo de tratar as pessoas
diversas ― como, por exemplo, a da tributação quando conforme com a capacidade

15
GUSTAV RADBRUCH, Filosofia do Direito, 6ᵒ Edição revista e acrescida dos últimos pensamentos do
autor, Coimbra.
16
NELSON SALDANHA, Justiça e Utopia. Reflexões na Entrada do Milénio. Universidade Federal de
Pernambuco, Recife.
tributária, a do prémio ou do castigo proporcionados ao mérito ou demérito ― constitui
a essência da justiça distributiva.

Os sentidos da justiça segundo Emmanuel Kant e Rousseau

Ninguém duvidará que Emmanuel Kant seja considerado o maior filósofo da época
moderna.
O filósofo alemão provêm de uma família muito fervorosa na fé cristã, razão pela
qual, a convicção religiosa foi um elemento muito importante para a base do seu
pensamento filosófico.
Acredita-se que o filósofo escocês, David Hume e o suíço Jean Jacques Rousseau,
foram de resto, dois importantes filósofos que tiveram influência determinante no
pensamento filosófico e moral de Kant. O autor de «Crítica da Razão Pura» demonstra a
sua preocupação em saber o que é justo ao propor o seguinte questionamento: Quid iuris?
(o que é de direito?).
Kant afirmou que, quando os juristas procuram responder o que é direito, eles caem
10
na tautologia ― jus est quod justum est, o justo é aquilo que é justo ― ou definem o
direito como sendo as leis positivas existentes.
Kant afirma ainda que o justo ou o injusto não pode ser encontrado numa análise
empírica do direito positivo, mas tão somente na razão, a partir do princípio da liberdade.
Kant exige que cada um de nós adopte as suas acções em conformidade com o direito.
De um modo geral, é possível afirmar que a justiça em Kant é uma conformidade a
leis externas, sejam elas leis naturais externas (princípios racionais a priori), sejam leis
positivas.
A concepção de justo na teoria de Kant vincula-se à liberdade. Tem-se por justa a
acção, quando a mesma não ofende a liberdade do outro, segundo as leis universais.
Considera injusta, a acção que viola a liberdade do outro. Para este filósofo, a pessoa
constitui a legisladora da sua própria liberdade, segundo a existência de uma lei universal
do direito. O princípio universal é que qualquer acção é conforme o direito quando, por
meio dela, ou de acordo com a sua máxima, a liberdade do arbítrio de cada um puder
coexistir com a liberdade de todos os outros, segundo uma lei universal.
KANT afirma ainda que a coacção é um elemento contra a não liberdade para garantir
a liberdade. E o conceito de justiça está relacionado ao agir de formas a conviver com a
liberdade dos outros. Essa liberdade que é uma emanação do princípio da liberdade
estabelece por sua vez que, apesar de todo o indivíduo gozar dela, é ao mesmo tempo
responsável pelos actos praticados ao desfrutar dela, entende-se que o cidadão tem o
direito de desfrutar dela, mas deve ter a consciência aberta de que enfrentará as
consequências das suas acções.

A equidade como valor a ter em conta pelo aplicador da lei

Importa referir que ao lado da justiça concorrendo com ela na luta pelo direito, acha-
se a equidade17.
Em outras palavras, a par da justiça, há outro caminho para se alcançar o Direito. Já
também Aristóteles num capítulo célebre de sua Ética a Nicómaco se preocupou com este
dilema: “Ou teremos de considerar a equidade como alguma coisa de melhor que a
justiça, ou teremos de considerá-la como alguma coisa não diferente da justiça, isto é,
como uma simples forma dela”. E o mesmo Aristóteles sugeriu-nos a solução deste
dilema ao afirmar que a justiça e a equidade não são afinal valores diferentes, mas
caminhos diferentes para chegar ao mesmo único valor jurídico. Na realidade, a equidade
11
visa temperar a rigidez da lei. Daí a origem Aristotélica de equiparar a equidade à régua
lésbica18.
Com efeito, a justiça pressupõe, indiscutivelmente, uma igualdade, ou seja, um
tratamento igual, em relação a situações iguais. E, consequentemente, um tratamento
diverso, desigual, em face de situações diversas também. Porque pela natureza das coisas,
só pode haver igualdade entre seres que sejam iguais19.
Em relação a este assunto, Kant entende que o direito estrito é uma injustiça.
Contudo, afirma que essa injustiça não pode ser corrigida por meio do direito, por mais
que se refira a uma questão de direito, “porque a reclamação que se funda na equidade
somente tem força no tribunal da consciência, ao passo que, a questão do direito é
discutida no tribunal civil”.
O valor da equidade vem plasmado no artigo 4º do Código Civil de 1966, ainda em
vigor na República de Angola. Segundo o artigo citado, os tribunais angolanos só podem
resolver os casos submetidos a sua apreciação quando haja disposição legal que o permita,
quando haja acordo das partes litigantes e a relação jurídica não seja indisponível ou

17
MAX RUMELIN.
18
Cfr. INOCÊNCIO GALVÃO TELES. Introdução ao Estudo do Direito. Vol. I, 11ª. Edição, pág. 150.
19
SOARES MARTINEZ, Filosofia do Direito, 2ª. Edição revista, Almedina, pág. 291.
quando as partes tenham convencionado o recurso à equidade, nos termos aplicáveis à
cláusula compromissória.

CONCLUSÃO

Após uma breve abordagem sobre Um olhar sobre a independência dos tribunais: A
visão filosófica do direito e a materialização dos princípios da imparcialidade e da
liberdade dos juízes como guia para a boa reputação do sistema judiciário, vale concluir
o seguinte:
Tendo em conta que, nos dias que correm a busca pelos órgãos de justiça atingiu o seu
«pico» mais alto entre nós, em comparação ao passado, e, por tratar-se duma fase da nossa
história, em que os cidadãos começam aos poucos a gozar dos seus direitos fundamentais,
os tribunais são aqui vistos como o garante desses direitos — e nesta conformidade, os
aplicadores da lei devem pautar por uma conduta adequada à necessidade que se impõe.
Conclui-se igualmente que, os tribunais são infraestruturas físicas, mas as decisões por
12
eles proferidas são tomadas por homens cônscios, e considerando que, as teorias da
justiça, as regras de conduta e a experiência da vida são capazes de levar os magistrados
a se pautarem por uma conduta cada vez menos errante, de modos à que as expectativas
jurídicas dos que aí recorrem não sejam defraudadas, importa que cada magistrado seja
um verdadeiro árbitro; livre e imparcial, por um lado.
Por outro lado, ficou aludido que a reputação pessoal do aplicador da lei, é que
culminará com a reputação institucional, ou melhor, de todo um sistema, o que constituir-
se-á factor indispensável para que a busca pelo sistema judiciário seja cada vez mais, ou
menos, uma opção do cidadão.
Também, não deixamos de referir que, em muitos casos, muitos são os factores internos
e externos que influenciam na boa decisão das causas submetidas à decisão dos juízes.
Mas, tais factores jamais devem nortear a conduta do magistrado — pois, ele, magistrado,
é árbitro e sendo árbitro não interfere a favor de A ou de B, mas decide!
Vale referir igualmente que, a filosofia do direito tem seus capítulos importantes para
a boa aplicação do direito, e, nesta conformidade, importante é que os aplicadores da lei
recorram não só à ela, mas também ao teorizado pelos renomados pensadores do direito,
de modos a que, as suas decisões sejam lógica, coerentes e convencíveis — porque, em
abono da verdade, há decisões que não convencem!
Finalmente, referimos que na busca pela justiça, visando à realização do direito, os
magistrados não devem descartar a equidade, pois, ela, é em muitos casos, o melhor
caminho para se alcançar o direito.

Autor: Adilson Jorge Sales Wanuca


Advogado Estagiário.
Licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto.
Elaborado em 20 de Março de 2019
Revisado em 15 de Maio de 2020
Luanda-Angola

LinkedIn: https://www.linkedin.com/in/adilson-wanuca-wanuca-895b49176/
Contacto: [email protected]

13
Bibliografia

RONALD DWORKIN. O Império do Direito, pág. 3. Marins Fontes, São Paulo, 1999.
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LUÍS GUILHERME CATARINO, A responsabilidade do Estado pela administração da justiça. O erro
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GUSTAV RADBRUCH, Filosofia do Direito, 6ᵒ Edição revista e acrescida dos últimos pensamentos do
autor, Coimbra.
NELSON SALDANHA, Justiça e Utopia. Reflexões na Entrada do Milénio. Universidade Federal de
Pernambuco, Recife.
MAX RUMELIN.
INOCÊNCIO GALVÃO TELES. Introdução ao Estudo do Direito. Vol. I, 11ª. Edição, pág. 150.
SOARES MARTINEZ, Filosofia do Direito, 2ª. Edição revista, Almedina, pág. 291.
MAX RUMELIN.

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