Uma Versão Diferente Da Vida 2 Ediçãopdf
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Uma Versão Diferente Da Vida 2 Ediçãopdf
diferente da vida
Rosa Soares
Uma versão
diferente da vida
2ª edição
Edição de autor
Dezembro
2018
© 2018. Rosa Soares.
Capa
Eliane Lima
www.elimajoao.wixsite.com/artes
Revisão
Caneta de Estilo – Consultoria linguística
[email protected]
Paginação
Andréa Menezes
Impressão
Print on Demand
2 ª Edição
2018
Contactos da Autora
www.meuagridoce.com
[email protected]
Para os meus irmãos,
que todos os dias me
apresentam versões distintas
de uma mesma vida
Prefácio
A última esperança......................................................... 9
O convite..................................................................... 79
O lançamento............................................................... 80
A última esperança
9
Quando cheguei, a minha mãe estava sentada no sofá
com a cara trancada, mandou-me pousar a mochila e sentar
ao lado dela.
— Nelson, recebi um telefonema do teu colégio e não
gostei das coisas que ouvi. — Disse num tom seco.
— Ainda bem que não sou o único a não gostar das coi-
sas que eles dizem. — Respondi com ar indiferente.
Ela lançou-me um olhar reprovador, seguido de um si-
lêncio demorado.
— Por que motivo tens faltado às aulas? — Perguntou.
— Por nada. Simplesmente não acho aquilo interessan-
te. — Retorqui.
Peguei no telecomando e liguei a televisão, a sala estava
muito silenciosa e eu não suportava aquilo.
— Desliga a televisão, menino Nelson. Quando a mãe
está a falar contigo é suposto prestares atenção. — Advertiu.
— É suposto! Não obrigatório.
Meti o volume no máximo. Ela levantou-se e foi para a
cozinha. Este era um dos seus defeitos:
o conformismo! Sempre achou que se as coisas são como
são, não podia fazer nada para mudá-las; do tipo de pes-
soa que acha que, ao choramingar, Deus vai olhar para ela.
Não acredito neste Deus, nem acho que ele sinta pena de
alguém, caso contrário não haveria tanta gente a morrer
de fome, falta de habitação e… Vendo bem, a maioria dos
crentes são pobres. Acredito que as pessoas devem ter
iniciativa e tomar uma atitude para melhorar as coisas, não
acredito no destino e se ele existe não está escrito num livro
gigante com folhas acastanhadas. Ele é escrito por cada um
de nós e cada um é responsável pelo seu fim.
Apesar desse conformismo, a minha mãe era uma mulher
muito generosa, muitas vezes abdicava da própria felicidade
10
para ver os outros felizes. Perdeu muita coisa por isso e ga-
nhou… Bem… Não ganhou nada!
Quando terminei o ensino médio ela ofereceu-me um
carro e, em troca, ofereci-lhe a minha ausência. Passava
as noites fora de casa e voltava só para comer, deixar a
roupa suja e levar algumas peças limpas. Eu tinha muitos
amigos, ia para todas as festas do bairro com as rapari-
gas mais bonitas, gostava de aproveitar a vida e, também,
deixar que ela se aproveitasse de mim. Nos poucos dias
que eu passava em casa, a minha mãe tentava conversar
comigo mas nunca chegávamos a um ponto de concórdia
e, quando nos desentendíamos, ela telefonava para a mi-
nha tia Laura a lamentar: “O Nelsinho está cada vez mais
rebelde. Só pode ter saído ao pai dele.’’ O facto de ela usar
o adjectivo para estabelecer uma semelhança entre mim
e o meu pai, diminuía mais ainda a minha vontade de o
reencontrar.
A minha mãe morreu num domingo cinzento, disse que
o clima estava bom para tirar uma soneca, foi para a cama
e nunca mais acordou. Quando fui ao quarto e dei com ela
morta nem consegui chorar. Liguei de imediato para a tia
Laura e, quando ela atendeu, disse de uma só vez:
— Preciso que venhas para aqui, a mamã morreu e não
sei o que fazer com ela!
Desliguei logo, para não ter que dar explicações e ouvir
choros do outro lado da linha. Quando ela chegou, o corpo
já estava na ambulância e levaram-no. Minutos depois um
monte de familiares apareceu em casa a chorar e a enaltecer
a minha mãe com frases do género: “Ah, uma mulher tão
batalhadora, não devia morrer tão cedo.’’, “Ah, ela era uma
pessoa tão boa.’’ “Ah, ela tinha um sorriso tão bonito”, “Ah,
isso.’’, “Ah, aquilo’’...
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A maioria das pessoas que estava a soltar frases do géne-
ro não prestava visitas e nem elogiava a minha mãe quando
ela podia ouvir, de que valia agora? Não consigo lidar com
tanta hipocrisia! Parece que quando as pessoas morrem
são realmente descobertas como as melhores do mundo.
No dia do enterro eu olhava para o caixão e sentia que
ela sorria para mim. Ainda pensei dizer que estavam a enter-
rá-la viva, mas mantive-me calado a observar os desmaios,
gritos e choros de supostas tias que nunca conheci. As pes-
soas perguntavam-me como foi que ela morreu, se eu estava
bem, o que eu pretendia fazer dali para a frente e uma série
de coisas que me faziam querer espancá-las. Constatei que
as pessoas nunca sabem o que dizer acerca da morte e
quem perde alguém nunca quer ouvir nada sobre a morte.
O cemitério estava muito cheio, o que me fez crer que a
minha mãe era uma pessoa realmente boa mas, como muitas,
só foi lembrada após a sua morte. Quando voltei para casa
ainda estava lá muita gente, uns a comerem e outros a
beberem. Confesso que nunca compreendi este hábito de
preparar quilos de comida, grades de bebida e reunir-se
para comer, beber e fazer intervalos para chorar a morte
de alguém. Não sei que antepassado teve esta ideia mas
acho que os mortos não ficam nada felizes com isso, eu
pelo menos não ficaria.
A minha avó e a tia Laura estavam sentadas em
cadeiras na entrada de casa, a receber beijos e abraços
de pessoas que vinham de uma fila interminável.
Chamaram-me dizen-do que devia, também, sentar-me ali.
Ignorei, afinal naquele momento o que eu menos precisava
era de receber beijos e ouvir frases como “Os meus
sentimentos’’. O que é que eu iria fazer com os
sentimentos das pessoas? Pagar as contas? Obviamente
que não. Atravessei a multidão que estava na sala, fui
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ao meu quarto, peguei as chaves do carro, algumas
economias, o meu computador e um retrato da minha mãe.
De volta à sala, dei um beijo no rosto da tia Laura e disse
que já voltava.
Com os meus pais aprendi que um “Até logo’’, muitas
vezes, significa “Adeus’’.
***
13
Uns dizem existir vida após a morte mas, para mim, o
que existiu foi morte após a morte. Desde que a minha mãe
morreu eu morri também, mas por dentro… Morri aos pou-
cos! Tornei-me uma pessoa introvertida, já não tinha amigos
e quase nunca saía de casa. A minha rotina resumia-se a as-
sistir a alguns programas de desporto, beber, fumar, ouvir
os meus CD’s, de Beethoven, Fredric Chopin, Sergei Rach-
maninoff ou de algum outro génio que fizesse m agia com
os dedos, e ver se havia alguma novidade na página do
meu livro.
Não mantive contacto com a minha família e preferi
continuar assim. Não gosto de os visitar nem de ser
visitado. A única pessoa que tinha vontade de ver era a
minha mãe. Fui visitá-la pela última vez no Natal de 2007,
levei um telemóvel e deixei-o embrulhado num lenço,
em cima da campa dela, com um bilhete que dizia:
14
(…) E por que não sorrir para o
inesperado?
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contorno das suas pernas. Tinha os olhos castanhos-escuros
e grandes, pareciam duas amêndoas, o cabelo era liso cor de
mel, os lábios finos e bem desenhados, a pele era morena e,
aparentemente, macia.
— Bo… Bo… Boa noite! — Gaguejei, enquanto tentava
esconder-me atrás da porta. Afinal estava de roupa interior.
— Perdoe-me pelos trajes minúsculos, não esperava por si.
— Ah, não tem que se desculpar!
Ela abriu um largo sorriso e esticou os braços para
que eu pudesse receber a encomenda. Um pouco sem jei-
to, endireitei o tronco que estava escondido por trás da
porta.
— Obrigado! — Agradeci enquanto recebia a caixa.
— Nós é que agradecemos pela sua preferência! Conte
sempre com os nossos serviços. Boa noite e bom apetite!
— Uau! — Admirei-a em voz alta.
— O que foi? — Perguntou-me.
— Nada. Você apenas fez com que uma frase tão comum
se tornasse na frase mais sedutora de todos os tempos.
Ela sorriu e abanou a cabeça como se dissesse: “Ah,
homens! Não podem ver uma mulher.’’ Deu meia volta e
entrou no elevador.
Fiquei ainda mais alguns segundos semi-inconsciente à
porta, tentei reconstruir a imagem dela na minha cabeça e
admirá-la mais um pouco. Uau! Que moça bonita! É até in-
justo chamá-la de entregadora de pizza.
Fechei a porta, voltei para o sofá e comi a minha pizza
enquanto assistia ao canal desportivo. Quando terminei, fui
até à janela, acendi um cigarro e fiquei a observar a rua, pela
janela do prédio. A cidade estava toda iluminada. Chega até
a ser irónico, as ruas estão iluminadas enquanto as pessoas
vivem em plena escuridão…
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No dia seguinte, assim que me levantei da cama abri as
cortinas e o sol estava tão forte que os meus olhos fecharam-
-se involuntariamente. Lá fora, as pessoas já tinham reto-
mado as suas actividades, as crianças iam para a escola, os
senhores e senhoras caminhavam para o trabalho, os vende-
dores ambulantes retomavam a corrida pela sobrevivência e
assim por diante…
Fui para a cozinha preparar o meu café matinal, olhei
em volta e ao reparar nas beatas de cigarro, espalhadas pelo
chão, pensei no quanto a minha vida se tinha tornado mo-
nótona e repetitiva. Não me lembro da última vez que me
surpreendi comigo próprio a fazer algo novo e inesperado.
Mas nesse dia seria diferente! Eu tinha uma ideia em mente,
uma xícara de café nas mãos e só me faltava coragem para
admitir que era mesmo aquilo que eu queria. Preciso sem-
pre de ter a certeza que as minhas escolhas me vão levar
aonde quero. Tomei o café num trago, peguei na chave do
carro e estava decidido: “Eu ia à pastelaria.”
Assim que meti o pé fora de casa, os meus vizinhos do
lado tiveram um choque imediato. Ouvi cochichos e alguns
deles cumprimentaram-me, mais pela curiosidade de ouvir
o som da minha voz. Não satisfiz o seu desejo, apenas acenei
com a mão direita e segui rumo ao elevador. Olhei para o reló-
gio, faltavam oito minutos para as onze horas da manhã, rezei
para que aquele fosse o horário de trabalho dela. Cheguei ao
rés-do-chão e caminhei em direcção ao carro. O dia estava
quente! Se fosse noutros tempos eu estaria a ir para a praia, ao
invés de estar à procura de alguém que não conheço.
Embora a pastelaria fosse toda envidraçada, no entanto,
do lado de fora, não se conseguia ver quem estava dentro.
Empurrei a porta para entrar. O segurança levantou-se para
me ajudar:
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— Aqui está escrito “Puxe’’, não é para empurrar!
— Censurou-me, abrindo a porta.
— Desculpe, senhor guarda, é que eu tenho a mania
de fazer as coisas ao contrário. — Respondi um pouco
atrapa-lhado, justificando o meu erro.
As paredes estavam pintadas de vermelho e preto,
separa-das por uma barra horizontal, os bancos eram
vermelhos e as mesas da mesma cor. As funcionárias que
circulavam pelo local, que estava praticamente cheio,
vestiam aventais brancos com desenhos vermelhos e o
nome da pastelaria estampado. Avistei uma mesa
desocupada e fui logo sentar-me. Minutos depois, uma
delas veio ter comigo e perguntou o que eu queria; pedi
uma sandes mista e um galão. Enquanto esperava, olhei
discretamente à minha volta para ver se encontrava a
entregadora de pizza da noite anterior, mas não tive
sucesso. Na mesa ao lado estava um casal de namorados a
discutir sobre quem amava mais o outro. Apeteceu-me
pedir que se calassem mas, como para me impedir, a
funcionária chegou com o meu pedido, pousou tudo na
mesa e foi-se embora. Comi com alguma ansiedade e,
quando estava a dar o terceiro gole no galão, ouvi uma voz
vinda da porta de entrada:
—Booooom diaaaa!
Entretanto, verifiquei que os clientes se viraram para saber
de onde vinha tanta boa disposição. Mas eu continuei a
comer e deduzi que fosse uma das funcionárias a utilizar
o seu bom humor como arma para manter os clientes.
Quando ouvi que todos respondiam com o mesmo
entusiasmo, virei-me, curioso, e quase que me engasguei ao
reparar que era a entregadora de pizza. A jovem que me
havia atendido gritou eufórica:
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— Maaary! Pensei que não viesses hoje.
Abraçaram-se e conversaram sobre o motivo do atraso
dela, num tom mais baixo que eu já não consegui ouvir, e
depois caminharam para a área de serviço.
Então o nome dela era Mary!... Senti-me aliviado por
não ter de usar mais o termo ‘‘entregadora de pizza’’. Ter-
minei a sandes e pedi mais uma para fazer tempo até que
ela fosse para a caixa ou para outro local ao qual eu
pudesse ter acesso. Após uns 10 minutos, a jovem
apareceu para recolher o meu tabuleiro e saber se precisava
de mais alguma coisa. Respondi que não, ela sorriu e foi-se
embora. Esperei mais dez minutos e, como não vi
vestígios da presença da Mary, resolvi então levantar-me
e ir perguntar à jovem que me tinha atendido.
— Desculpe, a Mary ainda está aqui?
— Está sim. O senhor quer que eu vá chamá-la? — Per-
guntou educadamente.
— Sim, se não for incómodo, claro!
— É só um minuto. — Disse prontamente.
Ela virou-se e dirigiu-se para a área de serviço. As outras
funcionárias olhavam para mim de um jeito estranho.
Acho que não é muito comum os clientes perguntarem
pelos funcionários e mandarem chamá-los. Apoiei o meu
braço sobre um balcão refrigerado, os olhares ficaram ainda
mais atentos e, aparentemente, assustados com a minha
presença. Resolvi voltar para a minha mesa mas, antes
mesmo de me sentar, ouvi uma voz atrás de mim:
— É aquele moço que está ali.
Ali estava a Mary, acompanhada pela jovem que me
tinha atendido, e parecia assustada, antes de vir ter
comigo. Olhou para os lados como se estivesse à procura
de um escape. Eu sorri e acenei com a mão, e esse gesto fez
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com que ela se sentisse mais à vontade e, então caminhou
na minha direcção.
— Mandou chamar-me? — Perguntou um pouco receosa.
Percebi que o medo estava estampado no seu rosto.
— Sim, pedi que à sua colega que a chamasse… — Res-
pondi de imediato para a sossegar.
Fui incapaz de continuar a frase porque não sabia que
desculpa inventar ou a melhor forma de explicar que saí de
casa por causa dela.
— Mandou chamar-me porquê? Já nos conhecemos?
Ela parecia confusa.
— Não… Quer dizer… Ontem foi entregar uma pizza
ao meu apartamento.
Falei sem jeito, perante o seu esquecimento.
— Ah, sim! És o moço da roupa interior. — Soltou uma
gargalhada e deu-me uma palmada no ombro, que me fez
sentir pouco à vontade.
Esbocei um sorriso amarelo.
— Este vestido fica-lhe melhor do que a roupa de “en-
tregadora” de pizza.
— Obrigada. E tu ficas melhor com roupa do que sem
ela. — Disse, a sorrir.
Dei mais um sorriso amarelo, sem saber se tomava
aquilo como um elogio ou como uma crítica. Por alguns
segundos, senti-me especial pelo facto de ela estar a ser
simpática mas, depois, lembrei-me da cena que fez quan-
do chegou à pastelaria e deduzi que fosse simpática para
toda gente.
— Então? O que te trouxe aqui? — Perguntou-me, de
seguida, ainda com um sorriso aberto de orelha a orelha.
Ganhei coragem e respondi a verdade.
— Você!
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O sorriso dela fechou-se aos poucos, primeiro num canto
da boca, depois noutro, franzindo a testa, perguntou:
— Eu?
— Sim, você! Ontem quando apareceu lá em casa eu
não…
Antes que acabasse de falar, ela levantou-se da cadeira
e, mudando a sua expressão para um tom mais sério, disse-
-me que se encontrava em horário de trabalho e não devia
manter conversas do género com clientes. Puxei-a pelo bra-
ço e pedi que ouvisse o que eu tinha para dizer. Lançou-me
um olhar, de tal forma severo, que me fez tirar de imediato
a mão. Quando se sentiu livre, voltou para a área de traba-
lho a passos apressados. As outras funcionárias
continuavam a olhar para mim de forma suspeita e vi que
uma delas a seguiu para saber o que se passava. Praguejei
e saí da pastelaria.
Antes de arrancar com o carro, baixei a cabeça sobre o
volante e pensei no que tinha acabado de acontecer. Então,
decidi ficar à espera dela no carro. Assim já não teria
desculpas para não falar comigo ou teria de inventar algo
diferente. Liguei o rádio, procurei uma estação
interessante mas, naquele momento, nada me atraia mais
do que a ideia de a conhecer melhor. Desliguei o rádio,
olhei para o lado de fora e vi que a porta da pastelaria
continuava fechada. Ninguém tinha saído! Meti a mão no
bolso e verifiquei que não tinha mais cigarros; olhei para o
segurança da pastelaria e, pela cor dos seus lábios, percebi
que era um fumador dos bons. Então resolvi pedir-lhe um
cigarro. Levantou-se com prontidão e, com um isqueiro na
mão, entregou-me o cigarro já aceso. Agradeci. Alguns
minutos depois senti a porta da pastelaria abrir-se e mantive
o olhar atento. A Mary estava com quatro sacos na mão e
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eu fui a correr ajudá-la. Ela, inicialmente, assustou-se, mas
depois sorriu ao perceber que era eu.
— Ainda por aqui? Tu não desistes, mesmo!
Ficou com um dos sacos, que era o mais leve de todos, e
que me pareceu ter coisas pessoais que ela não queria que
eu visse ou pegasse.
— Não sei lidar com a derrota. — Respondi, enquanto
transferia os sacos todos para a mão esquerda, para poder
segurar o cigarro com a direita.
— Isso é algum jogo? — Disse ela
— Isso o quê? Trocar os sacos de mão? — Perguntei.
— Não! Isso de andares atrás de mim? Quando falas de
derrota, penso logo num jogo, uma batalha de vídeo game,
por exemplo.
Não pude deixar de rir com a comparação que ela tinha
acabado de fazer.
— Estás a rir de quê?
— De si, é muito engraçada!
— Engraçado és tu! Mal me conheces e já me tratas como
se fosse um jogo.
Expulsei o fumo da boca e deitei o cigarro para o chão.
— Não podias piorar a tua situação! — Disse ela.
— O que foi? — Perguntei desnorteado.
— Atendes-me de roupa interior, invades o meu local
de trabalho, tratas-me como se fosse um vídeo jogo, fumas e
deitas o cigarro ainda aceso para chão. Uau!
Ironicamente, bateu palmas e abanou a cabeça de um
lado para o outro em tom de reprovação. Senti-me enver-
gonhado, sem saber onde me meter, pensei em apanhar o
cigarro mas achei melhor não. Pisei-o com os meus ténis e
desculpei-me. Ela disse que o motorista estava à espera dela
no carro. Acompanhei-a até lá, guardei os sacos no porta-
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-bagagens, ela agradeceu e abriu a porta do banco de trás
para entrar no carro.
— Aceita sair comigo hoje? Quero redimir-me pela má
impressão que lhe causei.
Pela primeira vez no dia senti que disse algo que valia a
pena ser dito.
— Aceito, com duas condições!
Levantou o dedo indicador e o médio.
— Quais? — Perguntei ansioso.
— Primeira: não vais fumar.
— E a segunda? Qual é? — Indaguei.
— Vais parar de me tratar por “você’’!
— Claro! — Sorri. — Se achas melhor, então assim será!
Ela tirou um cartão-de-visita da carteira.
— Às 20 horas. — Disse enquanto entregava-mo.
— Sim. Vemo-nos às 20.
Ela sorriu e entrou no carro. À medida que avançava,
nascia no meu rosto o primeiro sorriso de júbilo que dava
em cinco anos. Quando já não conseguia avistar o carro dela,
subi a rua para chegar até onde deixara o meu estacionado.
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A dor cria flores
24
Entretanto, telefonei-lhe a avisar que estava a sair de
casa, tendo ela me respondido que já estava pronta; eu disse
que estava bem e ela desligou. Ia levá-la a um bar que ficava
duas ruas depois da dela, onde costumava ir com os meus
amigos. Quando cheguei, enviei uma mensagem para que
saísse, desci do carro e fiquei à espera à porta da casa dela.
Tirei um lenço do bolso e tentei dar um retoque nos ténis,
ajeitei a gola da camisa e, logo a seguir, ela abriu a porta.
— Uau! Estás linda!
Ela usava um vestido preto e justo, um pouco acima do
joelho, com estrelas prateadas, sapatos do mesmo tom pra-
teado e trazia um casaco na mão. Fechou a porta atrás dela
e sorriu para mim.
— Uau, digo eu! Trataste-me por “tu’’. A noite começou
bem!
Rimos, peguei na mão dela e fomos para o carro.
No caminho para o bar aproveitámos para saber algo
mais um do outro. Eu fiz-lhe mais perguntas do que ela a
mim; parecia uma entrevista de trabalho. A Mary tem vinte
e dois anos, mora com os pais e o irmão adoptivo, Tiago,
que tem sete anos e sofre de síndrome de Williams-Beuren.
Pensei perguntar-lhe por que razão os pais dela adoptaram
uma criança quase inválida, mas preferi manter-me calado.
Contou-me também que a pastelaria é dos pais dela e que
tem ido para lá aprender a cozinhar, pelo que não é pro-
priamente um trabalho. Fazia trabalho voluntário num lar
de idosos e sonhava ter o seu próprio lar. Senti-me a pior
pessoa do mundo perto das atitudes tão humanas que ela
contou ter. Numa dada altura, fartei-me de ouvir os relatos
da vidinha dela perfeita e cancelei as perguntas. A conversa
terminou quando ela me pediu para pôr a tocar uma música
chamada “Paradise’’ de um grupo chamado Coldpause, ou
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Coldplay ou Coldqualquer coisa. Eu disse que não conhecia
e ela pareceu-me decepcionada.
Em menos de quinze minutos chegámos ao bar. Este es-
tava consideravelmente cheio, havia mais solteiros do que
casais, mulheres com decotes exagerados e a mostrarem
mais partes do que deviam. Culpei-me por ter ido parar lá,
mas eu não conhecia sítios para pessoas como ela. Olhou-
-me à espera de uma reacção e tudo o que consegui fazer
foi apontar para uma mesa vazia onde nos podíamos sen-
tar. A música tocava, as pessoas riam, bebiam, flertavam e
jogavam conversa fora. Eu e ela olhávamo-nos, cada um do
seu lado da mesa, eu envergonhado e ela desorientada. O
garçon aproximou-se e perguntou o que iríamos beber. Eu
pedi uma cerveja, a Mary olhou para ele e perguntou se não
serviam sumos naturais. Ouviram-se gargalhadas de todos
os cantos do bar. O garçon, por entre risos, respondeu que
só serviam bebidas alcoólicas, ela agradeceu e ele foi-se em-
bora com o meu pedido anotado.
— É este tipo de lugar que frequentas?
Vi o desapontamento estampado no seu rosto.
— Sim. É este tipo de lugar que eu frequento. — Res-
pondi e, logo a seguir, arrependi-me por não ter conjugado
o verbo no passado.
— Isso deve dizer muito a teu respeito!
Apontou para os homens barrigudos que tinham cerve-
jas numa mão e abraçavam mulheres com a outra. Permaneci
calado enquanto a banda tocava e as pessoas se movimenta-
vam de mesa em mesa, trocavam as bebidas e experimenta-
vam os cigarros uns dos outros, como se fossem uma família.
Foi nesse momento que me lembrei que costumava perten-
cer àquela família.
A minha bebida chegou, dei um gole demorado.
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— Mary!
Pousei o copo.
— Hum?
— Desculpa!
— Porquê? Por termos vindo cá parar?
— Por isso e por tudo… Eu não estou habituado a sair
com mulheres como tu, não sei como se deve agir e onde se
deve ir. Nunca tive um encontro romântico.
De repente, ela começou a rir e eu senti-me um perfeito
palerma pelo que tinha acabado de dizer. Julgo que ela sen-
tiu o mesmo.
— Era esta a tua ideia? Ter um encontro romântico? —
Perguntou-me em tom de gozo.
Eu sorri, envergonhado, pensei que tivesse sido claro.
Levantei o copo de cerveja para dar outro gole, mas ela im-
pediu-me.
— Vamos embora daqui, Nelson!
Levantou-se e estendeu a mão para que eu me levantasse
também. Deixei o dinheiro na mesa e saímos de mãos dadas.
Antes de entrar no carro, vestiu o casaco que trazia na
mão e prendeu o cabelo.
— Vá, liga o carro. — Ordenou, enquanto se ajeitava no
banco.
— Vamos para onde, senhorita? — Disse um pouco des-
contraído.
— Para um lugar especial. Vou mostrar-te o que é um
encontro romântico.
— Ah, temos aqui uma mulher experiente. — Brinquei.
— E um homem super inexperiente. Céus! Que lugar
horrível era aquele? — Olhou-me com cara de repugnância.
— Ah, também não é assim tão mau… — Retorqui eu —
Costumava ir lá com os meus amigos.
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— Os teus amigos são como aqueles homens que lá esta-
vam? — Perguntou com um sorriso brincalhão.
— Não sei! Devem ter-se tornado assim. Há séculos que
não os vejo. — Respondi com alguma indiferença.
— Porquê? — Questionou.
— Quanto mais vejo as pessoas, menos gosto delas.
— Então a tua ideia é não gostar de mim?! — Franziu a
testa em tom de brincadeira maliciosa.
— Sinto que és diferente das outras pessoas.
Ao dizer isto, reduzi a velocidade para poder apreciar o
momento e a companhia. Ao perceber isso, o seu sorriso
desapareceu num instante e ela começou a corar para dis-
farçar. Deu-me as indicações do local para onde queria que
fôssemos mas confundiu o lado direito com o esquerdo inú-
meras vezes. Entrámos numa rua sem saída e tivemos que
voltar ao início e pedir informação às pessoas que passavam
por lá. Finalmente, encontrei um defeito nela: é péssima na
arte de explicar caminhos.
— Chegámos! — Gritou ela com enorme excitação.
À nossa frente estava um edifício. Como já era noite,
o movimento pela rua estava fraco. Entrámos para o ele-
vador que nos levou ao terraço. Naquela noite, o céu
estava estrelado e estava lua cheia.
— Este é o meu lugar especial. — Confessou-me,
enquanto abria os braços e fechava os olhos para sentir o
vento no seu rosto. Eu olhava-a estupefacto por aquela
inusitada cena; não sabia se a acompanhava ou se me
mantinha no lugar. Soltou o rabo-de-cavalo, libertando o
cabelo, o que fez com que nascesse um sorriso
instantâneo no meu rosto. O cabelo dela esvoaçava ao
vento, parecendo uma cena desses filmes que passam nos
canais de televisão aos sábados à noite.
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— É para aqui que eu venho quando quero fugir do
mundo. — Disse ela enquanto girava pelo enorme terraço.
Permaneci calado atento ao filme.
— E tu, Nelson? Tens algum lugar especial? — Questio-
nou ao aproximar-se de mim.
— Não. O que me faz querer fugir não é o mundo, sou eu
mesmo. Então, nenhum lugar especial adiantaria… Os meus
sentimentos vão acompanhar-me sempre.
Ela olhava para mim atenta, dessa vez não vi qualquer
sorriso ou alguma daquelas coisas angelicais que costuma
ver. Sentou-se no chão e convidou-me a sentar também.
Acariciou o meu rosto com uma das mãos e, com a outra,
segurou a minha mão direita.
— Tu és uma pessoa tão triste, Nelson…
Permaneci calado e deixei que continuasse a acariciar-
-me o rosto, enquanto ela esperava por uma resposta minha.
Raios! A convivência humana é algo tão complicado.
Respirei fundo.
— A vida fez-me assim! — Respondi ao mesmo tempo
que levantei os ombros com indiferença.
A mão dela que acariciava o meu rosto desceu levemente
para baixo e, com o dedo indicador no centro os meus lá-
bios, pediu para que eu me calasse.
— Shiuu! Não ponhas a culpa toda na vida. Ela também
não me oferece só flores, mas com as pedras e espinhos eu
tento construir um jardim bonito.
— Então a ideia é transformar a dor em flores? — Per-
guntei, segurando a outra mão dela.
— Sim, Nelson. Vês como tu entendes o espírito da coisa?
Depois deu-me uma palmada no ombro e riu.
Levantou-se do chão e andou até uma das extremidades
do terraço; olhou para baixo e, logo em seguida, para o céu.
29
Repetiu isso algumas vezes e, depois, olhou para mim sor-
rindo:
— Vês como tudo isto é perfeito?
Aproximei-me do local onde ela estava e estiquei o meu
braço à volta dos seus ombros.
— Vês como é que tu és perfeita?
Ficámos alguns minutos a olhar para as estrelas que
formavam constelações perfeitas. De facto, naquele
momento, tudo parecia perfeito.
— Fala-me sobre ti, Nelson. — Pediu, tentando mudar
o foco da conversa.
— Não sei falar sobre mim, prefiro que me faças pergun-
tas mais directas e eu vou respondendo.
— Qual é o teu nome completo?
Achei graça à pergunta que ela fez pois, normalmente,
são as crianças que perguntam o nome completo das pes-
soas.
— Nelson Lafayette de Castro Matarazzo.
— Ah, sim! Matarazzo. Eu adorei este nome desde o dia
em que fui entregar a pizza ao teu apartamento. É um
nome italiano, certo?
— É sim. O meu pai era italiano.
— Era? Ele já morreu?
— Não sei. Ele saiu de casa quando eu ainda era peque-
no, fiquei apenas com a minha mãe… Até ao dia em que ela
resolveu ir dormir e não acordou mais.
— Lamento imenso, Nelson!...
— Não lamentes.
Ficámos calados a olhar para o céu.
— Nunca perdi ninguém muito chegado a mim. — Disse
ela, quebrando o pesado silêncio. — Imagino como deve ser
horrível receber uma notícia dessas.
30
— O pior não é o momento em que recebes a notícia,
nem os dias de óbito em casa. O pior mesmo vem depois,
com o passar do tempo, quando olhas para o lado e vês que
a pessoa já não está lá e que nunca mais a verás.
— Sabes de uma coisa, Nelson? Eu acredito que quando
as pessoas morrem vão para um lugar melhor e ficam lá a
olhar por nós.
— Ai é? É muito bonito pensares assim, mas para mim
a morte é como se fosse um sono eterno. Por isso dizemos:
“Descanse em paz.’’ Caso contrário, deveríamos dizer
algo como: “Divirta-se na sua nova vida’’.
— E nós podemos dizer isso, mas sabes como são as pes-
soas… Escolhem sempre as coisas que lhes causam dor.
Virei a cabeça para o lado e acenei como sinal de concor-
dância com o que ela acabara de dizer. Era a primeira vez
que conversava com alguém sobre isso.
— E tu já pensaste em procurar o teu pai?
— Quando era mais novo pensava, mas se até agora ele
não me procurou porque diabos eu o faria?
— Ah, sei lá. Talvez ele tenha ido embora por alguma
razão forte. — Fez uma pausa e olhou-me directamente nos
olhos. — Por de trás do que as pessoas fazem está o que elas
querem ou podem realmente fazer.
— Infelizmente, não partilhamos da mesma opinião. É
muito simples: ele foi embora porque quis e não voltou por-
que não quis.
Ela apoiou a cabeça no meu ombro e o meu braço conti-
nuou à volta do ombro dela, abraçando-a. Olhámos um para
o outro e, logo a seguir, para o céu.
— Para além de perseguir meninas indefesas… O que é
que tu fazes na vida?
— Sou escritor.
31
— Uau! És o primeiro escritor que eu conheço. Já tens
algum livro publicado?
— Já sim.
— Qual é o título?
— Deuses e Monstros.
— Fala sobre o quê?
— Sobre como algumas pessoas se deixam conduzir até
à morte.
— Hum… Ok. Uau. Parece… Hum… Bem… Interessan-
te! Parece interessante!
Por sinal, ela também mentia muito mal. Acabei de
descobrir o seu segundo defeito!
— Comecei a escrever na época em que a minha
mãe morreu. Estava carregado de emoções e precisava de
deitá-las cá para fora. São mais úteis no papel do que aqui
dentro. — Disse, batendo com a mão no peito.
— Foi por isso que escolheste esta profissão?
— Não. Na verdade eu escolhi ser escritor para poder
dormir até às duas da tarde, ficar em casa o dia todo e usar a
bebida como desculpa para ter inspiração. — Respondi em
tom de gozo.
Conversámos muito, falei-lhe sobre a minha época de
rebeldia, os meus amigos do bairro e o tempo em que
morei na pensão. Falei-lhe, também, sobre as mulheres
com quem andei e rimos das histórias que lhe contei. Ela
contou-me sobre o tempo dela na faculdade, eu confessei-
lhe que fugi da faculdade e ela assustou-se com o meu
jeito rebelde. Por fim, recordámos o episódio que
aconteceu lá no bar, quando ela pediu o sumo. Ri-me do
jeito dela ser tão pacífica. Ela frequenta um grupo de
oração e acredita que Deus tem planos para a vida de cada
um de nós. Fez-me lembrar dos evangelistas que
rondavam a minha rua aos domingos de manhã;
32
lembro-me que eu e os meus amigos fugíamos deles como o
diabo foge da cruz, literalmente.
Ficámos em silêncio até ela decidir que devíamos ir em-
bora. Concordei. No elevador, cada um ficou encostado a
um canto. Mexi nos meus bolsos à procura de um cigarro,
mas lembrei-me que lhe tinha prometido que não fumaria
naquela noite. Raios! Que mulher é esta!?
Quando entrámos no carro, ela recebeu um telefonema,
era a mãe a perguntar onde estava e a reclamar pela hora
tardia. Liguei o carro e, apesar da hora avançada, conduzi
à velocidade mínima, pois não queria que aquele momento
acabasse. E se ela não me quisesse ver de novo? Se não acei-
tasse um próximo encontro?
— Aprendeste? — Perguntou-me, interrompendo os
meus pensamentos.
— O quê?
— O que é um encontro romântico!
— Ah, sim. Podes crer que sim.
Virei-me para ela sorrindo e voltei a olhar para frente.
Descemos a avenida em silêncio. Ao chegarmos à porta
da casa dela, ligou para a mãe a avisar que já ali estava e que
precisava que alguém lhe fosse abrir a porta.
— Vemo-nos amanhã? — Perguntou ao sair do carro.
Festejei dentro de mim por ela ter tomado a iniciativa.
— Claro! Quando terminares o trabalho, na pastelaria,
liga-me e eu irei ter contigo.
— Óptimo. — Sorriu. — Até amanhã, então!
Fechou a porta e dirigiu-se para a porta de casa. Esperei
que ela entrasse e arranquei. Em vinte minutos cheguei a
casa, tirei os sapatos e a roupa, ficando apenas com a camisa
interior e os boxers. Fui até à mesa-de-cabeceira, tirei um
cigarro e dirigi-me à janela da sala.
33
As luzes da cidade estavam acesas, como sempre, a lua
continuava cheia. As estrelas já começavam a desaparecer
do céu e o vidro da janela estava embaciado pela
intensidade do frio que fazia lá fora. A noite parecia
conspirar para que algo nascesse naquele momento, algo
como aquilo tudo que, ao tentarmos captar para pôr para
fora, seja em palavras ditas sem ser muito elaboradas antes,
seja em um poema, sempre fica pela metade no ser dito,
porque o que sentimos então é muito maior e difuso, difícil
de se localizar em nós. Mas o nascimento era certo, eu
sentia as dores do parto do meu confuso sentimento. E
posso dizer, um pouco triunfante, um pouco assustado, que
ele nascia, o meu sentimento sem nome ainda..
34
Gostar é como beber, paixão
é a ressaca. Já o amor…
Ah! O amor é um eterno “sei lá’’.
Mensagem de texto
De: Mary
Para: Nelson
12h:25min
Olá Nelson. Espero que tenhas perdido algum
tempo a aprimorar os teus conhecimentos sobre
mulheres e encontros românticos.
Às 13h estou livre. Até lá.
35
De: Nelson
Para: Mary
13h:10min
36
— Sei exactamente o que isso é.
Acabámos de almoçar e fomos dar um passeio pela praia.
Ela arregaçou as calças, tirou as sandálias e foi andando com
elas nas mãos. Eu tirei os ténis e fiz o mesmo.
— Devias ter avisado para trazer roupa de praia. — Re-
clamou.
— Por acaso não tinha feito planos para virmos aqui.
Decidi já a meio do caminho.
— Da próxima vez resolve as coisas com antecedência.
— Vai haver próxima vez?
— Por que não? — Sorriu, escondendo a cara logo a
seguir. Parámos de andar e sentámo-nos, enterrando os pés
na areia e começámos a comentar sobre as crianças que pa-
reciam namoriscar e os velhinhos que andavam abraçados. É
bonito quando o amor sobrevive ao tempo, quando o
passar dos anos não leva consigo o encantamento.
— Eu quero ser assim no futuro: velhinha com o meu
velhinho. — Ela apontou para o casal de idosos que passou
por nós.
— Eu quero ser assim hoje: novinho com a minha no-
vinha. — Apontei para as crianças que estavam a construir
castelos de areia.
Ela sorriu e eu abracei-a.
No prolongar da conversa a Mary lembrou-se que pro-
metera comprar uma bola ao irmão e tinha que ir andando
para ver se ainda encontrava alguma loja aberta.
— Eu tenho uma bola nova em casa. — Ofereci, não só
para ser gentil mas por querer passar mais tempo com ela.
— Ah, que bom! — Suspirou de alívio. — Também gos-
tas de futebol?
— Gosto. É uma das poucas coisas que ainda me fascina.
— Respondi, atirando areia para os pés dela.
37
— Já eu… Sou péssima em desportos. — Confessou.
Dentro de mim pensei: “Ah! Ela não é assim tão perfeita.
Para além de não saber explicar caminhos e de mentir muito
mal, não é fã de desporto.’’
A um dado momento, desenterrámos os nossos pés e de-
mos mais uma volta pela praia, de mãos dadas, envergonha-
das, entrelaçadas... Aquele foi um momento singular, senti
que estávamos realmente conectados. O sol já se despedia e
a praia ficava cada vez mais vazia.
— Já fizeste alguma loucura por amor? — Perguntou-
-me repentinamente.
— Não. Nunca amei ninguém. — Respondi.
Olhou-me como se tivesse ouvido a informação que mu-
daria a sua vida para sempre.
— E tu? — Perguntei, para me livrar do desconforto.
— Eu? Ah! Já cometi loucuras, mas agora vejo que não
era amor. Talvez fosse só paixão.
— E qual é a diferença entre os dois sentimentos? —
Questionei, precisando de esclarecimento.
— Ah, sei lá! — Ela sorriu, sem jeito.
— É isso que tu me fazes sentir! — Desabafei.
— O quê? — Indagou.
— Sei lá! — Calei-me. Ela esperou que eu continuasse,
eu esperei que ela comentasse o que eu tinha acabado de
dizer, mas nenhum de nós disse mais nada.
Quando começou a escurecer, pegámos nas nossas coisas e
fomos para a minha casa. Na entrada do prédio, os seguranças
levantaram-se para nos apreciar. Mary cumprimentou-os e eles
responderam radiantes, quase que os olhos lhes caiam da cara,
como se nunca tivessem visto uma mulher bonita. Chegámos
ao meu andar e, por milagre, nenhum dos vizinhos estava à
porta. Entrámos rápido antes que algum deles aparecesse.
38
— Uau! Passou por aqui algum furacão? — Ela pulou de
susto e foi afastando as roupas com os pés para abrir cami-
nho até chegar ao sofá.
— É isso que acontece quando as pessoas moram sozi-
nhas.
Rimos e convidei-a a sentar.
— Eu nem me consigo sentar com esta confusão toda.
— Fez um gesto abrangente com a mão. — Vamos dar um
jeito nisso! — Prontificou-se, dando-me umas palmadas no
ombro, como sempre.
Começámos por dobrar as roupas, quer dizer, ela come-
çou por me ensinar a dobrar as roupas. Enquanto arrumá-
vamos ela ria-se da minha falta de estilo, dizendo que tinha
as roupas iguais às dos meninos rebeldes dos anos 80 e que
eu havia parado no tempo. Fingi que fiquei aborrecido e
desarrumei as roupas que ela já tinha dobrado.
— Pára de te comportar como uma criança! — Advertiu,
perplexa.
— Pára de te comportar como uma mãe. — Fiz-lhe có-
cegas e, quase sem querer, apaixonei-me pelo som da sua
gargalhada. Quando nos recompusemos, pediu-me algo para
comer. Ofereci-lhe pizza e, enquanto ela comia, eu fiquei a
ver futebol e a beber cerveja.
Quando o jogo acabou continuámos a arrumação. Depois
da sala arrumada, fomos para o quarto. Guardei as roupas
no guarda-fato e ela aproveitou-se da minha distracção para
deitar fora os maços de tabaco, ainda fechados, que eu tinha
na gaveta; tentei impedi-la mas já era tarde. Lamentei pelo
meu Marlboro.
Quando acabámos de arrumar tudo já eram vinte e duas
horas e ela pediu-me boleia para casa. Abri o armário onde
estava a bola, que prometi oferecer ao irmão, e entreguei-
39
-lha. Fomos para a sala e, para queimar mais algum tempo,
fingi procurar a chave que estava no meu bolso, pois eu não
queria que ela se fosse embora. Baixei-me para ver debaixo
do sofá, fiquei uns segundos a fazer papel de parvo, en-
quanto ela esperava perto da porta, imóvel, a olhar-me com
os seus enormes olhos amendoados que me convidavam a
morar nela…
Aquele sentimento estranho que fazia os meus dedos
dos pés congelarem, começou a corroer-me por dentro.
Com uma ligeira insegurança disse:
— Queria que ficasses… Aliás, quero que fiques.
Censurei-me por ter aberto a boca. Ela arregalou os
olhos, surpresa, e sorriu. Não sei se foi por timidez ou por
achar piada a minha figura.
— Ficas comigo esta noite? — Perguntei, como uma
criança com medo de ficar sozinha no escuro.
— Prometes que te portas bem? — Perguntou ela num
tom sério mas meio brincalhão.
— Prometo! — Respondi prontamente.
Ela tirou o telemóvel da carteira e enviou uma mensagem
para a mãe a avisar que não iria dormir em casa. Procu-
rei, na estante da sala, um DVD de filme para assistirmos.
Encontrei um de 1991 escrito por Matt Williams. O título
era Wild hearts can´t be broken. Em português foi traduzido
como Mergulho em uma paixão. Comentei com a Mary sobre
essas traduções duvidosas que fazem dos filmes aqui.
— A tradução literal seria: “Corações Selvagens não po-
dem ser partidos.” — Observei.
— Quem me dera ter um coração assim. — Ela comentou.
— E tu tens!
Fui para a cozinha preparar dois pacotes de pipocas, da-
quelas que se fazem no micro-ondas. Quando voltei à sala
40
ela já estava sentada no sofá. Liguei o DVD e sentei-me ao
seu lado. Descalçou as sandálias, deitou a cabeça no meu
ombro e escondeu os pés por trás da almofada.
Emocionou-se durante o filme todo, faltando pouco para
chorar. Estava tão entretida que acabou as pipocas dela e
começou a comer as minhas. Numa das vezes, as nossas
mãos encontraram-se na tigela, soltei a pipoca que tinha
tirado e segurei firme a mão dela.
— Mary…
Ela olhou para mim e eu respirei fundo. Tinha consci-
ência que aquilo podia estragar tudo, mas eu precisava de
dizer.
— Han? — Apertou o botão ‘’Pause’’ no comando.
— Eu acho que te amo…— Confessei.
— Han? — Repetiu ao deixar cair o comando.
41
reciprocidade, senti que ela também me queria do mesmo
jeito.
— É melhor pararmos, Nelson. — Disse ela, e eu
concordei. Embora houvesse contrariedade entre o coração
e a razão. Retomámos o filme, comemos as pipocas e
ficámos ali, sem dizer nada, a pensar em tudo e a fingir
que nada havia acontecido.
Quando o filme terminou, era finalmente hora de dormir-
mos. A caminho do quarto, ela pediu-me que lhe desse uma
toalha de banho. Fui até ao quarto e tirei uma toalha branca
que estava no cimo da gaveta. Ela agradeceu e dirigiu-se ao
quarto de banho. Já deitado na cama, eu ouvia o barulho da
água que caia pelo chuveiro e deslizava pelo corpo dela. Ten-
tei expulsar aquela imagem da minha cabeça e dormir, mas
não obtive sucesso porque, nesse mesmo instante, ela surgiu
à porta, apenas coberta com a toalha e totalmente molhada.
— Emprestas-me um t-shirt para dormir? — Pediu.
Embora estivesse perdido, nos seus olhos amendoados,
consegui responder de forma afirmativa e indicar a gaveta
das t-shirts.
Andou em bicos de pés até lá, deixando cair pingos de
água por onde passava, mas a minha atenção voltou-se para
as suas pernas bronzeadas. Entre as t-shirts que lá estavam,
ela escolheu justamente a minha favorita. Saiu para vestir-se
e regressou, deitando-se ao meu lado.
— Dorme bem, Mary.
Apaguei a luz.
— Tu também, Nelson.
Puxou o edredom.
Durante a noite, virei a cama toda a tentar encontrar
uma posição confortável, pus-me de lado e coloquei o meu
braço em redor da cintura dela.
42
— Prometeste ser um bom moço. — Lembrou-me, num
tom amável.
— E vou ser… Só quero sentir-te mais perto. A tua pre-
sença acalma-me.
Abracei-a mais forte. Ouvi o som do seu riso.
— Eu estou apaixonada por ti, Nelson.
— Eu amo-te Mary.
De: Mary
Para: Nelson
10h:18min
De: Mary
Para: Nelson
15h:29min
44
O Tiago sofre de síndrome de Williams-Beuren, uma do-
ença rara em que as crianças têm dificuldades em se alimen-
tar, ficam irritadas facilmente, têm crises de choro e o seu
desenvolvimento motor é lento.
A porta da sala de análises abriu-se, vi um rapaz sair
com uma senhora de bata branca. Era o Tiago, a criança mais
estranha que já vi. Tinha a cabeça muito grande, o nariz pe-
queno e empinado, os lábios carnudos e uns dentes minús-
culos. Estava com um sorriso de orelha a orelha, parecendo
um gnomo.
— Ele é assim sempre, muito alegre. — Disse a Mary, ao
mesmo tempo que se levantou e correu para o abraçar.
— Quem é este moço? — Perguntou o Tiago, apontando
para mim e soltando o abraço da Mary.
— Este é o Nelson, o amigo da mana que te ofereceu a
bola.
— Ahnn… Obrigado. — Agradeceu, babando-se en-
quanto falava.
A médica conversou um pouco com a Mary, deu indi-
cações e receitou alguns medicamentos. Despedimo-nos e
fomos embora.
O Tiago é muito animado, está sempre a falar e a movi-
mentar-se. A Mary tinha que estar constantemente a cha-
má-lo à atenção porque ele não parava de pular no carro,
tentando acompanhar quase todas as músicas que
tocavam no rádio.
— As crianças com esta síndrome têm muita facilidade
em aprender línguas e canções. — Explicou ela, enquanto
olhava maravilhada para o irmão. — É um miúdo especial.
— Completou.
Levei-os a casa dela e a Mary convidou-me para entrar e
comer com eles.
45
A casa era grande e, apesar da mobília clássica, os
brinquedos do Tiago espalhados pela sala ajudavam a
deixar o ambiente mais leve. Os pais dela estavam em
casa. A mãe dela era uma senhora alta e magra que tinha
o rosto ossudo e a pele mais escura do que a da Mary e o
pai era mais parecido com ela. Sentámo-nos à mesa e, antes
que os empregados nos viessem servir, eles fizeram
perguntas sobre a minha vida. A Mary olhou-me, atenta,
como se estivesse a rezar para que eu não dissesse
asneiras. Respondi apenas que era escritor e que tinha um
livro publicado. O pai mostrou-se interessado e fez mais
perguntas relacionadas com o assunto.
— E o menino não pensa em vir a ter uma profissão de
verdade? — Perguntou-me a mãe dela, com um certo desdém.
— Mãe! — Repreendeu-a Mary, envergonhada.
— O que foi? Não se faz dinheiro apenas com a escrita.
— Rabujou.
— Os escritores famosos fazem muito dinheiro. — Co-
mentou o pai.
— Mas o menino é um escritor famoso? — Perguntou-
-me a senhora.
— Graças a Deus que não. — Respondi.
— Como se não bastasse ser escritor, tem que ser fracas-
sado… Deus me livre! — Disse ela, revirando os olhos.
— Amém! — Sussurrei.
Os empregados chegaram com a comida e almoçámos em
silêncio. Era uma daquelas comidinhas de ricos em que fica-
mos, o tempo todo, mais preocupados em não deixar a comi-
da saltar para o prato do outro do que em sentir realmente
o seu sabor. Mary notou que eu não estava confortável e,
assim que terminou, deu-me um toque no braço para nos
levantarmos.
46
— Já vês o que eu passo todos os dias nesta casa, né? —
Perguntou, referindo-se à mãe. — Passa a vida a implicar
comigo pelo trabalho voluntário. Diz que não gastou dinhei-
ro na escola para que eu trabalhasse de graça.
Fomos para a sala de estar, a Mary ligou a televisão no
canal de desporto e o Tiago veio logo a correr.
— Obaaaa! Futebooool. — Gritou, satisfeito.
Mal consegui ver o jogo porque o menino corria e grita-va
o tempo todo, a imitar os passos dos jogadores, a voz do
locutor, o barulho da plateia… Levantei-me e convidei-
o para uma partida. Foi divertido, deixei-o ganhar de
propó-sito várias vezes, ficava super feliz. Enquanto isso,
a Mary fazia o papel de plateia.
Ao fim da tarde, despedi-me da família. A Mary
acompanhou-me até à porta e, quando eu estava a sair, o
Tiago veio a correr atrás de mim.
— Hey, tu és namorado da mana? — Perguntou, tentan-
do fazer um ar sério.
Sem saber o que responder, olhei para Mary e ela assen-
tiu com a cabeça.
— Sim, sou! — Respondi, fingindo um ar medroso.
— Ahnn…— Olhou para os meus pés e subiu lentamen-
te até à cabeça.
— Eu não queria que ela namorasse, mas contigo pode.
Tu és fixe!
Sorriu e correu de volta para a sala.
— Já tenho a bênção do meu cunhado. — Disse com um
ar aliviado.
Mary desceu o degrau que nos separava e deu-me um
beijo de despedida. Dirigi-me ao carro e ela entrou para
casa.
47
Se eu não tivesse vindo e vos
falado, não seriam culpados de
pecado. Agora, contudo, não
têm desculpa para o pecado.
(João 15:22)
48
Nunca tinha ido a um restaurante daquele género;
era muito chique para quem estava habituado a mesas de
bar, a área era espaçosa e tinha aproximadamente umas
vinte mesas. A coisa que mais gostei foi de estar a tocar Aldo
Ciccolini no fundo, bem baixinho. Sentámo-nos na nossa
mesa e pedimos as refeições.
— Esta é a noite perfeita. — Disse a Mary,
enquanto pegava na minha mão.
— Ao teu lado, todas as noites são perfeitas. — Eu
disse, com toda sinceridade que me cabia.
Beijámo-nos e, por segundos, até nos esquecemos
de que havia mais pessoas naquele local. Falámos sobre o
dia em que nos conhecemos e ela disse que nunca pensou
que fôssemos ficar juntos mais do que três semanas.
— Naquele dia eu não acordei disposto a encontrar
a mulher da minha vida, não fui àquela pastelaria com a
ideia de que me iria casar contigo ou algo assim. Mas é
como dizem: as melhores coisas acontecem quando
menos esper-mos e as melhores pessoas também. —
Confessei.
Quando eram vinte e duas horas ela disse que tinha que
ir para casa porque, no dia seguinte, tinha um culto
especial na igreja.
— Podias vir comigo. — Sugeriu.
— Eu? Igreja? Não, não somos compatíveis. — E recusei.
— Oh Nelson, vá lá! Por mim. — Implorou.
— Não sei… Não acho que seja boa ideia.
— Prometo que vais gostar
— Ok! Faço-o por ti. — Aceitei, ainda que relutante.
Pedi a conta, paguei e fomos embora. Quando ela estava
a descer do carro, dei-lhe uma cópia da chave do meu
apartamento para que fosse lá de manhã ter comigo e
irmos juntos à igreja.
49
***
“Entra na minha casa, entra na minha vida, mexe com
minha estrutura, sara todas as minhas feridas…’’
Mary chegou de manhã muito cedo, cantando
louvores toda radiante, abriu as janelas e a luz entrou no
quarto, ferindo os meus olhos, que mal se tinham
recuperado do sono.
“Como hei-de agradecer tamanha graça que o Senhor me
concedeu…’’
— Deixando-me dormir! — Berrei ao cobrir a minha
cabeça com a almofada.
Mary pulou para cima de mim e começou a cantar
ao meu ouvido e a pular na cama, como se tivesse a idade
do Tiago. Levantei-me, tomei banho, comi qualquer coisa
e saímos.
Quando chegámos, o culto já tinha começado, os
obreiros indicaram-nos bancos vazios, um pouco atrás da
primeira fila. A Mary fez o sinal da cruz e ajoelhou-se.
Embaraçado, sentei-me e olhei para o pastor que já estava
a pregar. Falava sobre pessoas que se afastam da Igreja, e
que, quando uma pessoa se afasta os seus problemas se
agravam. Mandou que todos abrissem as bíblias numa
passagem de Lucas. A Mary abriu a sua e eu encostei-me a
ela para lermos juntos. Dizia o seguinte:
“Quando um espírito imundo tem saído do ho-
mem, anda por lugares secos, buscando repouso;
e, não o achando diz: Tornarei para minha casa,
de onde saí. E, chegando, acha-a varrida e ador-
nada. Então vai e leva consigo outros sete espíri-
tos piores do que ele; e, entrando, habitam ali; e o
último estado desse homem é pior que o primeiro.”
(Lucas 11: 24-26)
50
— Essa passagem reflecte perfeitamente a vida de uma
pessoa que se afasta de Deus. Ela pode até conseguir esva-
ziar-se dos problemas mas, caso não se encha do Espírito
Santo, volta a ser quem era antes de conhecer Jesus, ou até
pior. As pessoas têm que entender que não dá para ser
quase cristão, não dá para vir aqui à igreja ao domingo e
fazer maldades durante os outros dias da semana. Se é
para isso nem adianta vir aqui aquecer o banco. Estão a
entender, igreja? — Perguntou o pastor, olhando para os
presentes.
Toda a igreja concordou e fez um gesto com as mãos
que não sei o que significa.
O pastor fez uma pausa no sermão, enquanto folheava
a sua Bíblia.
— Ah, existe uma passagem muito poderosa que explica
o que acontece com aqueles que gostam de ser escravizados
pelo pecado e que não têm intenção de se arrepender.
Abram as vossas bíblias em Romanos, capítulo 6, versículo
23.
“O salário do pecado é a morte.’’
Depois dessa leitura, ele falou mais algumas coisas que eu
não percebi sobre ‘’átrio’’ e “lugar santo”. Cantaram os
louvores parecidos aos que a Mary cantou de manhã.
O pastor também disse que as pessoas não devem
encarar a palavra de Deus como ameaça; e que têm de
fazer o que o Senhor manda, não por medo de ir para o
Inferno, mas para honrar a Deus.
Mandaram dar as oferendas. No fim, fez uma oração
por todos aqueles que querem voltar para Deus e deu-nos
a sua bênção para ir embora.
— Que saiam da casa de Deus, mas nunca da sua
presença. — Disse, dando por terminada a celebração.
51
De: Nelson
Para: Mary
10h:02min
52
Passámos o caminho todo a ouvir um CD de músicas
cuidadosamente selecionadas por ela. Quando chegámos ao
resort já eram treze horas. Fomos à recepção, pedi a chave
do quarto e entrámos para pousar as nossas coisas; depois
fomos para a área de refeições e comemos. Depois de fazer
a digestão fomos vestir a roupa de banho para ir à piscina.
Pela primeira vez, tive uma visualização clara do seu
corpo e era mais belo do que pensava. Os quadris eram
largos, cintura fina e os seios bem desenhados, o fato de
banho assentava-lhe perfeitamente. Nadámos, brincámos
na água até nos fartarmos. Enquanto ela relaxava, pedi
que preparassem o nosso quarto daquele jeito romântico
que as pessoas normalmente fazem.
Quando estava tudo preparado, pedi-a que me
acompanhasse até ao quarto.
54
Ignorei o que tinha acabado de ouvir e continuei a bei-
jar-lhe o corpo.
— Nelson… — Disse, já com uma voz mais firme.
— Confia em mim, amor. — Sussurrei, deixando no bra-
ço dela a marca dos meus lábios humedecidos.
Levantou o tronco, num surto, deixando-me faminto
como um leão. Sentou-se na cama e colocou a mão na minha
face, como se quisesse acalmar-me.
— Nelson…— Respirou fundo. — Eu nunca fiz isso,
antes!
— Ahn? O que é que queres dizer com isso?
O meu corpo paralisou e eu olhei para ela com o rosto
pálido.
Respirou mais fundo do que da última vez.
— Eu sou virgem, Nelson. — Disse em voz baixa,
fazendo-me tremer e, por instantes, perder noção do
tempo, espaço, sensação... Os meus olhos nos dela e a
minha cabeça num festival onde martelavam dúvidas.
‘’Virgem?’’ Novamente consciente, olhei então para ela,
o rosto inocente indicava tudo, entregava já a pureza
da flor... Mas a sensualidade e o olhar hipnotizante
davam ainda uma vontade confusa de sentir o seu
néctar.
‘’Virgem?’’
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Pois há tempo de rosas, outro
de melões, e não comereis
morangos senão na época de
morangos. – Clarice Lispector
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Arrumei as minhas coisas e fui-me embora do resort. No
caminho para casa tentei telefonar várias vezes para mas
nunca me atendeu. Estava confuso quanto a atitude que
iria tomar. Tinha noção da minha parcela de culpa, mas
sentia como se ela tivesse de alguma forma traído a minha
confiança. O meu tão apaixonado instinto não admitiu
outra decisão, a não ser ir atrás dela.
De: Nelson
Para: Mary
16h:30min
Precisamos conversar.
De: Mary
Para: Nelson
18h:00min
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— Tu também és um miúdo fixe. Vemo-nos sexta-feira
na escola.
Despedi-me e fui embora.
Quando cheguei a casa só me apetecia esvaziar dois ou
três maços de tabaco, revirei as minhas gavetas e lembrei-
me que ela tinha deitado fora todos os meus cigarros.
Peguei na chave do carro e conduzi até a loja de
conveniências mais próxima e comprei cigarros
suficientes para me aguentar nos dias, meses ou anos que
iria passar sem ela. Esta sensação horrível era como se
tivéssemos avançado mil passos durante esses meses todos,
e recuado dois mil numa única noite.
Voltei para casa com os meus cigarros, liguei o rádio
e senti que voltei a ser aquela triste criatura que era
antes de a conhecer. Resolvi abrir uma garrafa de vinho
que tinha guardado para ocasiões especiais. Sim, aquela
era uma ocasião especial, um momento histórico. Podia até
estar em cartaz no cinema: “Como perder o amor da sua
vida numa noite’’. Ahhrg! Isto é horrível, eu nunca
assistiria a uma porcaria com este título. Precisava fumar.
Não. Eu precisava da Mary. Precisava conquistá-la,
reconquistá-la, ou seja lá o que for.
Fui para a minha janela e abri a cortina que estava
intocável há meses. Parece que passaram séculos desde
que ela entrou na minha vida. A rua estava iluminada
como sempre e, desta vez, eu era uma das milhares de
pessoas que estavam a viver na escuridão. Bebi várias taças
seguidas até acabar a garrafa, abri outra, outra e outra…
Adormeci aí, estendido na sala, com cheiros distintos, mas
baralhados, entre cigarros e vinhos, cinzas no chão e
nódoas na minha camisa branca. Bebi muito… Afinal,
quem bebe seus males espanta!
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No domingo, acordei cedo e fiquei horas e horas a olhar
para o abismo que parecia a minha sala. Levantei-me do chão
com alguma dificuldade, pois estava com uma enorme dor
de cabeça; nunca antes tinha sentido algo parecido! Olhei
para o meu telefone e não havia nenhum sinal dela, nem
mensagens, nem chamadas. Sentei-me à frente da máquina
de escrever e tentei organizar parágrafos coerentes, mas não
consegui porque todas as letras me levavam ao nome dela:
M_A_R_Y.
Tomei banho e vesti a t-shirt que ela usou quando dor-
miu em minha casa, acendi um cigarro e fiquei ali, deitado
no sofá. Quando anoiteceu resolvi ir a um bar. O mais perto
de que me lembrei foi aquele onde levei a Mary, da primeira
vez que saímos. Conduzi até lá e, pelo caminho, fui tentado
várias vezes a desviar-me e ir a casa dela, mas resisti.
O bar estava mais cheio do que da última vez. Entrei,
tentando não atrair muitos olhares. O ambiente estava igual
ao do outro dia. Mulheres com roupas minúsculas, homens
com barrigas enormes, engatatões, viciados em jogo e fuma-
dores…
“É esse tipo de lugar que tu frequentas?’’ A pergunta da
Mary ecoava na minha cabeça.
“Sim. É este tipo de lugar que eu frequento. A quem tentei
enganar?” Monologuei em voz alta e uma das moças, que
estava no grupinho das roupas minúsculas, olhou para mim
franzindo a testa.
Juntei-me ao grupo dos fumadores, tentando puxar
conversa, mas não tive sucesso, encostei-me a um canto e
continuei a fumar sozinho. Quando terminei aquele cigarro,
inclinei a cabeça para baixo, tentado tirar o maço que estava
no bolso das calças.
— Acho que devias parar de fumar.
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Levantei a cabeça para ver quem falava. Era uma rapari-
ga que apreciei centímetro a centímetro. Depois ignorei-a e
acendi o cigarro que tinha tirado do maço.
— Isso vai dar-te cabo dos pulmões. — Advertiu com
uma cara de “depois não digas que não avisei.’.
— O amor também dá cabo do coração, mas ninguém
nos proíbe de amar.
Dei um trago no cigarro e ela ficou calada a olhar para
mim.
— Então é esse o teu problema? Paixonite? — Perguntou.
— Então é esse o teu problema? Fofoquice? — Retorqui
imitando a voz dela e expressões faciais femininas.
Ela levantou os ombros, como quem não se
importasse, e voltou para o seu grupinho de amigas. Ria e
falava muito alto, gesticulando como se quisesse chamar
a minha atenção. Ignorei-a totalmente.
Passaram-se alguns minutos, acabei o cigarro e fui até
ao balcão pedir uma bebida.
— Para além dos pulmões e do coração, queres ficar com
o fígado todo rebentado? — Era novamente a moça.
Apoiou os cotovelos sobre o balcão, enchendo o peito.
Não respondi e continuei à espera da minha bebida. Ela
aproximou-se de mim.
— Eu vi-te aqui no bar, da outra vez, com uma moça.
Foi ela que deu cabo do teu coração, não foi?
Não respondi e ela entendeu aquilo como um “sim’’.
— Logo vi, pareceu-me ser muito “fresca’’.
A minha bebida chegou e dei um gole demorado.
— Tu és o Nelson Matarazzo, não és?
— Sou. — Respondi, dando fim ao monólogo dela.
— Eu sempre te vi aqui no bar e tinha muita curiosidade
de te conhecer.
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— Nota-se!
Pousei o copo sobre o balcão fazendo barulho.
— Céus! Tu és mais sedutor do que eu imaginava. —
Abanou-se com a mão como se estivesse cheia de calor.
Achei piada a uma mulher daquele tipo usar a expressão
“Céus’’.
— Queres ir para outro lugar? — Sugeri.
— O quê? — Perguntou incrédula.
— Foi isso mesmo que ouviste.
Ela foi despedir-se das amigas que ficaram a gritar histé-
ricas de alegria. Eu saí e ela veio a correr atrás de mim.
Chegámos ao meu apartamento, bebemos uns copos e
isso fez com que me esquecesse do que me levou a tirá-la do
bar. Comecei a falar acerca da Mary e de tudo o que tinha
acontecido entre nós. Contei-lhe o quanto fui feliz nos dias
em que estive com ela e o quanto me sentia perdido sem ela.
A moça tentou dar-me alguns conselhos, mas todos a dizer
para esquecer a Mary, que o que eu precisava era de uma
mulher mais adulta e coisas do género. Ela, farta de ouvir os
relatos sobre o meu romance, viu que a melhor solução era
manter a minha boca ocupada. Beijou-me e o que aconteceu
depois disso não me lembro. Só tenho a certeza que matei a
curiosidade dela em me conhecer.
De manhã, acordei cedo e pedi-lhe que fosse embora. Ela
não tinha dinheiro para o táxi e nem eu tinha dinheiro para
gastar com ela. Mandei que se vestisse, peguei nas chaves
do carro para levá-la de volta ao bar e depois ela que se vi-
rasse. Concordou.
Ao sair, já os vizinhos estavam perto da minha porta a
cochichar sobre o que ouviram de madrugada.
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Entrámos no elevador.
— Nelson Matarazzo… Continuas a ser mais sedutor do
que eu imaginava. Virou-se para mim e beijou-me. Quando
a porta do elevador se abriu continuou a beijar-me, igno-
rando o que quer que fosse. De repente, ouvi o barulho de
uma chave a cair.
— Nelson!...
Era a voz da Mary.
Larguei a moça e disse a frase mais estúpida de todos os
tempos:
— Isso não é nada do que estás a pensar, Mary!
— Então é o quê? Basta ficarmos dois dias sem falar para
beijares a primeira que te aparece à frente?
Pela primeira vez, vi fúria nos olhos dela. Gritava e as
lágrimas escorriam-lhe pela face.
— Não foi bem assim que as coisas aconteceram. — De-
fendi-me. — Eu contei-lhe sobre ti, ela deu-me conselhos,
eu até lhe disse que tu és a mulher da minha vida.
— Ah, poupa-me! — Disse ela desiludida.
— É verdade! Pergunta-lhe.
— Eu não preciso de perguntar nada a ninguém. Vim
aqui para fazermos as pazes mas, pela recepção que tive, já
está tudo muito claro.
Virou as costas e correu para o carro que a tinha trazido.
Corri atrás dela e a moça do bar gritou atrás de nós: “E eu?
Como é que vou para casa?’’
Ignorei-a.
— Precisas de ouvir o que tenho para dizer. — Implorei,
pegando no seu braço. — Eu amo-te, Mary. — Confessei,
tentando impedir que ela entrasse no carro.
— Eu sempre soube que tu não conhecias o significa-
do dessa palavra. — Abanou a cabeça e sacudiu o braço,
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fazendo com que a largasse. Entrou no carro e o motorista
arrancou.
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“Está difícil viver assim, pois não
posso saciar os meus olhos com
a tua linda imagem, nem posso
sussurrar os mais belos versos de
amor no teu ouvido. Então escrevo-
te. Escrevo-te para aliviar a minha
dor e alimentar a esperança de que
alguma destas palavras inunde o
teu doce coração de saudades e,
talvez assim, voltes para mim.”
Querida Mary,
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adiantava manter-me sóbrio, se tu já não estavas ao meu
lado e as lembranças não paravam de me atormentar. Eu
não fui àquele bar disposto a encontrar uma mulher para
ficar no teu lugar. Afinal, mulheres como tu não se
encontram em qualquer esquina. Fui simplesmente
para beber, ela atirou-se a mim e, no estado em que me
encontrava, não resisti à sua proposta. Não houve
qualquer envolvimento emocional, foi simplesmente
físico. Desculpa-me por isso, mas eu sou homem… e...
bem… nós, os homens, somos idiotas.
Tenho saudades da forma como me olhavas quando eu
fazia algo errado. Tenho saudades das tuas qualidades exa-
geradas e defeitos quase inexistentes. Tenho saudades da
tua pureza e… Céus! Tu eras tão minha, sem posse nem
exigências, mas eu sentia que eras minha e eu era teu. Eu
ainda sou teu!
Continuo sentado no sofá, estou a fumar, preciso aque-
cer o peito e preencher este vazio que deixaste. Pergunto-me
como me permiti chegar até este ponto, logo eu que sempre
abominei relacionamentos e as responsabilidades que eles
nos trazem. Nunca pensei que sentiria falta de uma menina
com enormes olhos amendoados, nunca pensei que me apai-
xonaria por uma menina suaaaaave com o “a’’ prolongado.
Eu amo-te, sim, e não faças essa cara, porque eu sei a
palavra amor significa. É querer ser o melhor de nós por
alguém e para alguém.
Amo-te…
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30, Julho 2012
Querida Mary,
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— Já nos conhecemos? — Perguntei surpreso, enquanto
me sentava.
Ela levantou o dedo para chamar o garçon, mandou vir
cappuccino para os dois e depois virou-se para mim.
— O meu nome é Giullia… Giullia Matarazzo. — Revelou.
Eu quase caí para o lado, não sabia se haveria de ir embo-
ra ou se ficava para ouvir o que ela tinha para me dizer. Em
nome dos bons costumes, permaneci sentado.
— Eu sou a irmã mais velha do teu pai, tu nunca me viste.
Morei na Itália a minha vida toda. Conheço-te apenas pelas fotos.
Eu estava tão surpreso que fiquei estático. Não conseguia
responder a nada.
— Bem… Acho que sempre te perguntaste por que é que
ele te abandonou. Certo? — Indagou.
Respirei fundo.
— Ele é assim tão cobarde? Ao invés de vir falar comigo
mandou a irmãzinha!?
— Ele morreu, Nelson. O teu pai morreu. — Contou, en-
quanto o garçon pousava os cappuccinos na mesa. — Morreu
seis anos depois de ter saído de casa. — Completou.
— Afinal Deus castiga mesmo as pessoas.
— Figurati e Accidenti1! Tu eras muito pequeno para en-
tender estas coisas, mas o teu pai quase nunca dormia em
casa… Ele tinha outras mulheres… Apanhou Sífilis e
morreu.
Ao ouvir aquilo, o meu coração deu uma pausa nos bati-
mentos e um turbilhão de sentimentos veio à tona.
— Foi por isso que ele preferiu ir embora. Tudo para te
proteger. Ele não quis que tu soubesses e sofresses, sabendo
que tinha os dias contados.
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— A minha mãe sabia disso? — Perguntei, após me re-
compor do choque.
— Não, ela também não sabia. O teu pai só tinha contado
a mim e aos nossos pais. Quando ele saiu de casa foi
morar comigo na Itália e ficou lá até ao dia em que morreu.
Fizemos silêncio. Eu estava a tentar digerir toda aquela
informação.
— A minha mãe viveu uma vida de amargura, pensando
que tinha sido trocada por outra mulher. — Suspirei — Ele
não tinha o direito de fazer isso connosco. Imaginas o que eu
passei durante a minha infância? Sem um pai?— Exaltei-me.
— No momento do desespero optamos sempre pela saída
mais fácil. Ele, no fundo, só queria o vosso bem e nem adianta
estarmos a julgá-lo porque não vai mudar nada, Nelsinho.
— Não me chames de Nelsinho! — Gritei, zangado.
Ela fez uma expressão triste.
— Eu tentei contactar-te, quando soube que a tua mãe
morreu. Liguei para a tua tia Laura e à tua avó, mas ninguém
sabia do teu paradeiro. Graças à internet eu consegui
encontrar-te. Sei que não faz muito sentido eu querer dar uma
de tia preocupada agora, mas marquei este encontro porque
achei que já era tempo de saberes a verdade.
— E o que é que isso vai mudar na minha vida?
— Muita coisa. O teu pai era um homem extremamente
rico e tu, como filho único, tens direito a tudo o que era dele. As
casas na Itália, o rancho, as casas daqui… Tudo!
— Não preciso do dinheiro dele.
Levantei-me da cadeira.
— Nelson, o dinheiro é teu. Já fiz a minha parte, aqui tens
o número de telefone do advogado.
Enrolou um papel na palma da minha mão, eu acenei com
a cabeça e fui embora.
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O meu pai não me abandonou por ter arranjado outra fa-
mília…
Ele abandonou-me porque estava a morrer.
Lembras-te de me teres dito que “Por de trás do que as
pessoas fazem está o que elas querem ou podem realmente
fazer.’’?
Tens razão!
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28, Agosto 2012
Querida Mary,
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15, Setembro 2012
Querida Mary,
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25, Outubro 2012
Querida Mary,
78
O convite
Horário: 17h:30min
79
O lançamento
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era mesmo verdade o que estava à minha frente. E era!
Ela tinha aparecido!
— Também mereço um autógrafo, certo? — Sorriu, en-
quanto estendia o livro para a mesa.
Eu sorri para ela, recebi o livro e abri na primeira página
onde estava a dedicatória.
— O teu autógrafo está aqui:
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e sorrisos afastou os lábios dos meus e sussurrou perto do
meu ouvido:
— Se tu ainda quiseres, eu quero.
Claro que eu ainda queria. Meti a mão no bolso e lá es-
tava o anel que comprei para ela. Abri a caixinha e os meus
olhos brilhavam mais do que todas as estrelas do Universo.
Pedi-lhe a mão e coloquei o anel no seu dedo. As
pessoas aplaudiram e só faltava atirarem arroz, como se
fosse à saída dos noivos da igreja.
— Eu amo-te Mary. Desde a primeira vez. És a mulher
da minha vida.
Beijámo-nos intensamente e, como se adivinhasse, o pia-
nista começou a tocar “Fur Elise’’.
Afinal, tinha chegado o nosso tempo.
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