Guerra - em - Angola
Guerra - em - Angola
Guerra - em - Angola
DIRECÇÃO DE ENSINO
GUERRA EM ANGOLA
AS HERANÇAS DA LUTA DE LIBERTAÇÃO E A GUERRA CIVIL
DIRECÇÃO DE ENSINO
GUERRA EM ANGOLA
AS HERANÇAS DA LUTA DE LIBERTAÇÃO E A GUERRA CIVIL
DEDICATÓRIA..................................................................................................................... iii
AGRADECIMENTOS ........................................................................................................... iv
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS .............................................................................. vii
RESUMO.............................................................................................................................. ix
ABSTRACT ........................................................................................................................... x
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 1
Justificação da Escolha do Tema ...................................................................................... 1
Delimitação do Tema ......................................................................................................... 2
Problema de Investigação ................................................................................................. 2
Objectivo Geral .................................................................................................................. 2
Objectivo Específico .......................................................................................................... 2
Hipóteses........................................................................................................................... 3
Orientação Metodológica ................................................................................................... 3
CONCLUSÃO ..................................................................................................................... 42
BIBLIOGRAFIA................................................................................................................... 47
ANEXOS ............................................................................................................................. 51
ANEXO A – PAÍSES AFRICANOS POR DATA DE INDEPENDÊNCIA .............................. 51
ANEXO B - MAPA DOS GRUPOS ÉTNICOS ANGOLANOS ............................................. 52
ANEXO C – MAPA DE ANGOLA........................................................................................ 53
ANEXO D – PERCENTAGEM DAS ACTIVIDADES MILITARES DOS MOVIMENTOS EM
1975…………………………………………………………………………………………………...54
ANEXO E - INFILTRAÇÃO DOS MOVIMENTOS DE LIBERTAÇÃO EM ANGOLA ........... 55
ANEXO F – ÁREA DE FIXAÇÃO E ACÇÃO DOS TRÊS MOVIMENTOS .......................... 56
ANEXO G- REGIÕES POLÍTICO MILITARES DO MPLA ................................................... 57
ANEXO H – ENTREVISTA COM Holden Roberto (HR) NO DN EM 25. 04. 1999 ............. 58
ANEXO I – PROGRAMAS DOS TRÊS MOVIMENTOS INDEPENDENTISTAS .................. 61
ANEXO J - TOTAL DE MATERIAL ENTREGUE À FNLA E À UNITA................................ 68
SWAPO - South West African People’s Organisation (Organização dos Povos do Sudoeste
Africano)
TIA - Trabalho de Investigação Aplicada
TPOCav- Tirocínio Para Oficial de Cavalaria
UDENAMO - União Democrática Nacional de Moçambique
UNITA - União Nacional para a Independência Total de Angola
UPA - União dos Povos Angolanos
UPNA - União dos Povos do Norte de Angola
URSS- União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
This applied research focus on the history of Angola, in the subjects about War in Angola, in
which the essential predisposed is essential to understand the liberation struggles in Angola,
fought between the liberation movements that fought among themselves and with the
Portuguese forces. The main question is: "What factors arising from the liberation struggles
can be highlighted as a driver at the beginning of the civil war?"
For that, the study is divided in three chapters, where the big framings that led to the
conclusion of the subject that we proposed to search are presented.
In a way of familiarizing the dear reader with our research, we attempted in a first phase, to
frame you about the roots of the movement liberations and the role of the Non-Governmental
Organizations in the decolonization of Angola. In this chapter we also explain the external
relations of the separatist movements as well as the support that guaranteed their living in the
politic and military fight for the liberation scene.
Afterward, we studied the options chosen by the movements of liberation, the armed fight, as
a way of achieving the independence. We focused on the movements performed activities so
that we could relate how these activities were the reason for the disunion between the
movements
It also examines the interaction between movements and their ideological differences
disagreements we approach the transition period in which the civil war came next. In this point
was also studied the military outbreak consequences of Portugal in Angola, the agreements
that came before the independence and how the MPLA secondment was possible instead of
the other in this phase of independence proclamation.
To accomplish this research, it was a documentary analysis and literature review. Also rely on
old stories and testimonials from respected authors.
So, we find that the liberation struggles have influenced later struggles, that is the beginning of
the civil war, both by nature and by taking ideological movements that identify themselves to
resist
Delimitação do Tema
No período em análise, de 1961 a 1975, existe um leque muito grande de informações sobre
uma diversidade de assuntos. Houve a necessidade de fazer a limitação precisa das
fronteiras de pesquisa, bem como dos campos a analisar. Apesar da luta de libertação
relacionar conflitos entre os movimentos de libertação e Portugal, iremos cingir os nossos
estudos nas acções dos movimentos de libertação.
Deste modo, analisaremos as acções dos movimentos de libertação entre 1961 e 1975, sob a
perspectiva das lutas de libertação e os seus impactos no início da Guerra Civil.
Problema de Investigação
Que factores decorrentes das lutas de libertação podem ser destacados como propulsores ao
início da Guerra Civil?
Objectivo Geral
Com este trabalho pretendemos evidenciar as ligações existentes entre duas fases da
história angolana. Assim sendo, estudaremos as lutas de libertação de Angola, por onde se
interagem os movimentos de libertação, que lutavam entre si e ao mesmo tempo contra as
forças portuguesas. Deste modo, a finalidade do referido estudo é indicar os factores
decorrentes dessas lutas, que constituíram-se como impulsionadores para o início da Guerra
Civil.
Objectivo Específico
De maneira a respondermos a nossa pergunta de partida, propusemo-nos a analisar os
seguintes assuntos específicos;
Os factores que proporcionam a ascensão do nacionalismo angolano;
A Interacção entre os movimentos de libertação e as várias tentativas de unificação;
O papel das superpotências na luta de libertação;
A fase de transferência de poder e o início da Guerra Civil.
Diante desses objectivos, surgiram as seguintes perguntas derivadas:
Quais os factores que proporcionaram a ascensão do nacionalismo angolano?
Como foi possível a sustentação desses movimentos para fazer face ao poderio de
Portugal, e como conseguiram reunir meios necessários para iniciar a Guerra Civil?
Hipóteses
H1: A ascensão do nacionalismo Angola foi possível segundo um conjunto de factores
internos e externos que anteciparam-se as lutas de libertação.
H2: Os estatutos ideológicos, constituídos pelos movimentos de libertação, durante a luta
contra o colonialismo, influenciaram nas suas divergências que culminariam com a Guerra
Civil.
H3: O processo de descolonização de Angola não foi perfeitamente gerido.
Orientação Metodológica
O estudo da história pressupõe a observação das suas fontes primárias e secundárias. As
fontes primárias referem-se a qualquer gravação, documento ou outras fontes de informação
escritas ou trabalhadas durante a época. As fontes primárias da história angolana são
relativamente poucas, as relacionadas com o assunto estudado nesse trabalho. Pelo que,
apegamos na documentação existente, e gravações de reportagens efectuadas por canais
televisivos Europeus.
As fontes secundárias entendem-se como aqueles documentos que relacionam ou discutem
informações originalmente apresentadas. Portanto, a absorção das fontes primárias foram
feitas essencialmente com base em revisões bibliográfica, análise de entrevistas, comentários
e artigos na internet.
Contudo, esses dois processos foram agrupados segundo os métodos qualitativos, que se
substancio na revisão bibliográfica, e «métodos empíricos», na qual fazemos
indução/dedução a interferências a partir das informações recolhidas.
Importante referir que, também foram adoptadas algumas orientações do Manual de
Investigação Aplicada de Quivy e Campenhoudt e do Manual de Orientações de Monografias
da Academia Militar, pelo qual nos baseamos para a compilação, formatação e estruturação
do trabalho.
1
Filomena, César Luciano e Cheron, Cibele. III Seminário Internacional Organizações e sociedades:
Inovações e transformações contemporâneas. Do antagonismo ao extremo – Luta pela libertação
colonial e guerra civil em Angola. Porto Alegre, 11 a 14 de Novembro de 2008
2
Ibdem
3
Como por exemplo, Barros Nekaka, 1º líder da UPA, foi líder protestante.
4
Napalm é um conjunto de líquidos inflamáveis à base de gasolina gelificada, utilizados como
armamento militar. Este tipo de arma incendiária havia sido de uso proibido contra civis, facto que as
forças armadas portuguesas não respeitaram.
A seguir à I Guerra Mundial, surgiu o movimento pan-africano5, com origem nas Caraíbas,
numa iniciativa criada pelos descendentes dos escravos africanos na América, com o
objectivo de detectar as manifestações de solidariedade nacionalistas com os seus irmãos
africanos. Era um movimento anti-racista e anticolonialista. Nos anos 20, W. Du Bois,
dirigente do movimento, procurou estabelecer contactos com os dirigentes que começavam a
organizar-se para a luta anticolonial nas colónias portuguesas, especificamente com a Liga
Africana, uma organização criada em 1920 por um grupo de estudantes africanos em Lisboa6.
Foi depois da II Guerra Mundial que ficou evidente o “despertar” da independência dos países
africanos, altura em que o pan-africanismo passou-se a desenvolver em África.
O 5º Congresso Pan-africano, realizado em Outubro de 1945, em Manchester, funcionou
como um encorajamento aos nacionalistas, apelando a todos os povos africanos a unirem os
seu esforços e organizarem a luta pela independência. Esse impulso funcionou positivamente
nos movimentos nacionalistas que lançaram-se na luta ainda na década de 50.
A Conferência de Bandung, realizada em Abril de 1955, funcionou também como motor de
mudança em África. Trata com especial realce a tomada de consciência dos povos da Ásia,
quanto ao seu valor, e no reconhecimento da necessidade de uma solidariedade activa com
os povos de África. Este constitui-se no argumento que a URSS passou a dispor para
penetrar em África. Surgem também nessa conferência os Movimentos dos não-alinhados.
Estes, como tratado por Pezarat Correia, constituíam-se assim como forte grupo de pressão
junto a da ONU, para o cumprimento da resolução sobre territórios não autónomos,
constantes do artigo 73.º da carta da ONU, que obrigava todos os países membros
detentores de colónias a desenvolver ai sistemas de auto governo, de acordo com as
principais aspirações políticas dos respectivos membros” (Pezarat Correia, 1991: 30).
Em 1958, dá-se o início de uma série de congressos Pan-africano no interior de África. As
primeiras foram em Acra, capital do Gana, na qual se realizaram duas conferências. A
primeira, em Abril, reafirmava a obediência aos princípios da Carta das Nações Unidas,
debatidas na conferência de Bandung, e a segunda, em Dezembro, contemplava o futuro dos
países não independentes de África. Preconizava também que devia ser marcada a data7
5
O Pan-africanismo é uma ideologia que propõe a união de todos os povos de África como forma de
potenciar a voz do continente no contexto internacional.
6
Os delegados africanos foram o Dr. José António Magalhães e Nicolau dos Santos que
representavam a Liga dos Africana e outras associações aderentes como a Liga dos Interesses de S.
Tomé e Príncipe, a Liga Angola, o grémio Africano de Lourenço Marques e delegações da Guiné e
Cabo Verde.
7
Data que seria considerado por Kwame Nkrumah como o Dia da independência africana.
Fruto das desavenças existentes em África durante a fase de descolonização9, surgiu a OUA
como uma organização capaz de promover a unificação e a solidariedade entre os Estados
africanos; defender a soberania, integridade territorial, independência dos estados africanos;
e erradicar todas as formas de colonialismo em África.
Conforme dissemos, a OUA nasceu em 1963, na Conferência de Adis Abeba, os seus órgãos
principais eram: a Conferência dos Chefes de Estados e de Governo, o Conselho de
Ministros, o Secretariado-Geral e a Comissão de Mediação, Conciliação e Arbitragem. Criou
vários órgãos e possibilitou o aparecimento de muitas outras comissões, das quais a mais
activa era a Comissão de Coordenação para a Libertação de África da qual faziam parte: a
Argélia, o Congo-Leopoldville, a Etiópia, a Guiné Conacri, a Nigéria, o Uganda, a Tanzânia, o
Senegal, a Zâmbia e a Somália.
Com a fundação da OUA, os líderes africanos manifestaram a grande ambição de construir
uma África livre do colonialismo, e a vontade e a determinação de afirmar a ideia de
«personalidade política africana» num espaço onde a concorrência e a luta pelo poder
dominavam as relações internacionais.
A Organização da Unidade Africana teve um importante papel na história da descolonização
de África, não só como grupo de pressão junto da comunidade internacional, mas também
fornecendo apoio directo aos movimentos de libertação, através do seu Comité Coordenador
de Libertação da África, a OUA legitimou a luta, internacionalizando-a politicamente. Todavia,
8
Nessa conferência, o movimento anti colonialista de Angola enviou Lúcio Lara e a UPA (União das
populações de Angola), uma delegação de quatro membros, chefiada por Holden Roberto (Presidente
da UPA).
9
Rivalidades entre o grupo de Casablanca e o grupo de Brazzaville. Outros de ordem variada,
agravados com o assassinato de Sylvanus Olympio, presidente do Togo, em Janeiro de 1963.
foi por intermédio do apoio desta organização que foi possível manter a acção dos
movimentos independentistas (Garcia, 2003).
No caso particular de Angola, a OUA, para além do que referimos, procurou unificar os
movimentos nacionalistas10, muito embora quase sem sucesso.
10
As formações nacionalistas unificadas nas colónias portuguesas: GRAE (Governo Revolucionário de
Angola no exilo), CONCP (Conferencia das Organizações Nacionalistas das Colónias) e FRAIN (Frente
Revolucionaria Africana para a Independência Nacional das Colónias Portuguesas)
11
Em 1951 realizou-se em Portugal uma revisão constitucional que integrou o Acto Colonial de 1930
na Constituição de 1933, assimilando à estrutura do estado os territórios ultramarinos que ficavam a
fazer parte dele. Teríamos "Portugal do Minho a Timor", sendo que Angola, Moçambique, Guine, Cabo
Verde e S. Tome e Príncipe teriam um estatuto de província tal como o Alentejo.
12
O Artigo 73.º da carta da ONU estabelecia que os membros da ONU tinham a obrigação de
transmitir ao secretário-geral determinadas informações sobre as condições nos territórios sob a sua
determinação.
13 Anunciada por W. Churchill em Fulton (Missouri) em 1946, quando afirmou que do Báltico ao
Mediterrâneo se tinha instalado uma cortina de ferro, mostrando a total incompatibilidade entre os
sistemas capitalistas e comunistas (Afonso e Gomes; 2010: 15)
As duas superpotências, EUA e URSS, estiveram dispostas a impedir que a ideologia tanto
de uma como de outra, não fosse concretizada, em território angolano, de modo que os seus
envolvimentos na luta de libertação de Angola são motivos de observação. Assim, nos dois
pontos seguintes, estudaremos a origem dos movimentos e a relação externa que os
movimentos de libertação mantiveram, para que, a partir daquela, se possa enquadrar as
interferências dos países na luta de libertação angolana, segundo os parâmetros de
influência estabelecidos anteriormente.
14
Ver anexo B, a distribuição dos grupos étnicos angolanos.
15
O estatuto de assimilado visava criar personalidade jurídica aos indígenas.
16
1956 é uma data problemática, pois o aparecimento do MPLA em público deu-se 1960 durante a
conferência de Tunes, na Tunísia.
17
Foi designado “Processo dos 50” a um conjunto de três processos políticos que se iniciaram a 29 de
Março de 1959 com as prisões de vários nacionalistas Angolanos, terminando em 24 de Agosto do
mesmo ano com a última prisão. Deve-se esse nome ao facto de Joaquim Pinto de Andrade ter
enviado para o seu irmão que vivia no exterior, Mário Pinto de Andrade, um folheto denunciando a
prisão de 50 nacionalistas.
Neto, em Julho de 1962, que havia fugido de Portugal. Já nomeado presidente honorário do
MPLA, depois da sua detenção em Junho de 1960, chegou disposto a integrar-se na cúpula
do partido, mas as suas ideias «presidencialistas» acabaram por chocar com a direcção, o
que viria a provocar a demissão de Mário de Andrade.
Em Julho de 1963, a OUA criou uma comissão de reconciliação com a missão de aproximar o
FNLA ao MPLA, mas acabaria ela própria por reconhecer o GRAE como a única organização
representativa angolana, em face das divisões do MPLA. Neto e os seus seguidores
culparam, por esta resolução da OUA, o trabalho fraccionário de Viriato da Cruz e do sector
minoritário do movimento, que, aliás, tinha já sido expulso. Mas como um mal nunca vem só,
Agostinho Neto, que tinha encabeçado a direcção com a promessa de incrementar a luta
armada, acabou por não consegui-la, tanto pela política de obstrução da FNLA, como por
acção do Governo de Lisboa. Holden Roberto não queria competidores em solo bacongo,
para além de se apresentar com o exclusivo da luta anticolonial, pelo que era essencial
impedir a penetração do MPLA pela fronteira norte. Portugal, por seu lado, conseguiu de
alguma forma comprometer o Governo Congolês na neutralização do MPLA, com a ameaça,
sempre em jogo, do corte de saída do cobre pelo caminho-de-ferro de Benguela. Por estas e
outras razões, o MPLA acabou por ser expulso do Congo-Brazzaville, onde, desde Agosto de
1963, se havia instalado um governo marxista, mais próximo do seu ideário. A partir daqui, o
movimento podia aceder, com facilidade, à fronteira de Cabinda, onde iniciou a sua
actividade militar.
As origens da UNITA estão fisicamente ligadas a Jonas Sidónio Malheiro Savimbi, fundador e
primeiro presidente do partido. Savimbi fez os seus estudos primários na Missão Protestantes
do seu pai18, no Andulo. Posteriormente recebeu uma bolsa de estudo da Missão Protestante
do Chilesso, na Universidade de Lisboa. Após um ano e meio, por razões que não
conseguimos explicar, matriculou-se em Genebra, na Universidade de Fribourg. Por ter raízes
da etnia ovimbundo, rapidamente encontrou lugares importantes na UPA19, onde veio ocupar
o lugar de secretário-geral em 1961 e membro da JUPA20.
Em 1962, é referido como membro do conselho executivo da FNLA e, em Abril do mesmo
ano, ascende a Ministro dos Negócios Estrangeiro do GRAE. Este cargo permitiu-lhe obter
vários contactos e influências que lhe seriam úteis posteriormente. Manteve-se ligado ao
GRAE até 18 de Julho de 1964, data em que anunciou, no Cairo, a sua demissão do GRAE,
18
Lote Malheiro Savimbi, encarregado da missão protestante do Chilesso (BIE) e viria a ser elemento
do AMANGOLA (Amigos do Manifesto Angolano), em Abril de 1966.
19
Isso porque, por essa altura era objectivo da UPA mostrar que não primava pelo tribalismo, como era
acusada, expandir as suas acções no leste de Angola, na qual um elemento ovimbundo constituía-se
como peça chave.
20
JUPA – Juventude da União das Populações de Angola
por discordar da política seguida por Holden Roberto. Decidiu então estabelecer-se por conta
própria, juntamente com o núcleo de ex-militantes ovimbundo do GRAE, fixando-se na
Zâmbia e onde formou a AMANGOLA – Amigos do Manifesto Angolano. Com esta
associação, Savimbi procurou captar as populações afectas à UPA e os refugiados e
emigrados bailundos na Zâmbia, com o objectivo de formar o seu exército. Tendo reunido um
grande número de membros, entre eles José Calundungo21, Savimbi partiu em busca de
ajuda. Esta chegou a ser da República Popular da China, que garantiu um curso de
preparação para doze elementos, incluindo o próprio Savimbi. (EME, 2006: 102)
No início de 1966, Savimbi fundou a UNITA, no Moxico, província de Angola, com escritórios
em Lusaka, operou sobretudo nas regiões do planalto e do Sul, junto à etnia ovimbundo, que
era a mais populosa de Angola na altura. A UNITA surge com objectivos muito menos
ambiciosos. Para além da independência, procurava cativar o maior número populacional
para ingressarem como militantes no partido. De modo à conseguir esse objectivo, era
preciso disputar com os outros grupos que muito antes já haviam dado início a essa luta.
Embora o número dos seus quadros fosse sempre muito reduzido, a UNITA conseguiu
alguma audiência a nível externo, em especial da China e do Egipto. Teve também alguns
apoios por parte da Zâmbia, mas nunca conseguiu construir uma retaguarda firme, como o
MPLA construiu. Assim sendo, a UNITA enfrentou inicialmente várias dificuldades, incluindo à
oposição tanto do MLPA como do GRAE, qualquer deles dispunham de melhores estruturas
e melhores grupos.
Surgia assim um novo movimento nacionalista na luta, muito embora inferior aos outros. A
política adoptada por Savimbi ascenderia o movimento que, após 1975, empenhou-se na
guerra com um conjunto capaz de fazer frente ao MPLA.
21
Ex-chefe do Estado-maior do ELNA (Exercito de libertação Nacional de Angola), que constituía-se no
braço armado da GRAE.
22
Ver Anexo I- Programa dos Movimentos Independentistas.
As relações externas da FNLA iniciaram ainda sob a sigla da UPNA. Baseada na etnia
bacongo, abrangia populações que ultrapassavam os limites fronteiriços, entre Angola e o ex
- Congo Belga, actual República Democrática do Congo. As afinidades entre Holden Roberto,
Kwame NKrumah, presidente do Gana, e Ahmed Sékou Touré, presidente da Guiné Conacri,
influenciaram a mudança de UPNA para UPA, com o objectivo de lutar pela independência
total do país. Assim, tanto o Gana como a Guiné tornavam-se fortes apoiantes de Holden
Roberto, desde a conferência em Acra, realizada em 1958. Posteriormente, e após a
independência da República Democrática do Congo e sob a presidência de Mabuto Sese
Seko, que para além do apoio militar permitiu a instalação das bases do movimento, onde
funcionou durante todo o período de luta.
Nos finais de 1960, a FNLA recebeu as primeiras armas, e segundo o seu líder, estas foram
provenientes da Tunísia, que na altura estava sob a presidência de Habib Burguiba.
“O principal apoio foi da Tunísia, que nos deu as primeiras armas … E então conseguimos
introduzir essas armas a partir dos capacetes azuis em Kinshasa… Eu aproveitava a
presença das tropas das Nações Unidas, para receber essas armas da Tunísia e introduzir
essas armas em Angola, aos bocados”(Jaime et Barber:1998)
A ligação privilegiada foi sempre com os EUA, que lhe fornecia apoio financeiro anual e
conselho técnico, inclusive com a presença de agentes nas suas bases23 (Felgas, Hélio;
1968). No entanto, Os Estados Unidos consideravam a FNLA como uma opção para o
estabelecimento de um governo pró-ocidental em Angola na eventualidade da independência.
Quando ela foi alcançada, em 1975, o governo norte-americano não reconheceu o governo
de Agostinho Neto e continuou a prestar apoio ao GRAE de Holden Roberto, até ao final da
década de 70.
Quanto aos seus projectos, a FNLA foi alterando conforme a situação que encaravam na luta.
Primeiro, ainda como UPNA, tinha como objecto a ocupação do reino do Congo.
Posteriormente, com a denominação UPA, na qual Holden Roberto era o encabeçado, os
seus objectivos alteraram-se. Assim, os objectivos da UPA resumem-se nas palavras dadas
por Holden Roberto durante a entrevista, “libertar o país, libertar toda Angola”, sendo que não
programavam ainda para a pós-independência, pelo facto de «estarem» em luta e a
independência era coisa que não se sabia quando. A sua finalidade era: o entendimento, a
compreensão e a fraternidade no seio dos naturais de Angola; o desenvolvimento dos
sentimentos patrióticos da sua população; a luta pela independência de Angola; e a
contribuição para a edificação da unidade africana (EME; 1998: 68). Não obstante, surge a
FNLA, da unificação entre a UPA e o PDA, estes dois partidos viriam a dar origem ao GRAE.
23
Agentes pertencentes a um grupo progressista americano conhecido como “ American Comitee on
África”
O GRAE foi um governo formado para incentivar a luta, promover a sua projecção
internacional e assim conseguir angariar fundo pelo mundo para ajudar o povo na luta pela
libertação (Jaime & Barber:1998). Movimento esse que não teve grandes actividades, dado o
facto de uma crise vir a ser instalada no movimento logo a seguir à sua formação.
No âmbito do seu programa nos períodos que se aproximavam à independência, definiu duas
políticas: interna e externa. No que concerne a política interna, a FNLA pretendia criar uma
República soberana, alicerçada numa constituição democrática e social que salvaguardasse
a integridade territorial de Angola. Na sua política externa visava essencialmente a
cooperação com todos os países do mundo.
Em suma, a FNLA desde a sua origem à sua busca de apoios, encaixou-se nos países
ligados à cultura capitalista, da qual tais relações serviram-lhes de impedimento na unificação
com outros movimentos, e consequentemente posicionou-a em oposição aos outros
movimentos.
A presença do MPLA, pela primeira vez numa conferência, em Tunes, Janeiro de 1960,
permitiu-lhes angariar os primeiros apoios para a luta contra o colonialismo. Assim sendo,
buscou a unificação ao lado de contestações já existentes na Guiné-Bissau e em
Moçambique. Ainda na Tunísia estabeleceram-se os primeiros contactos para a futura
instalação do MPLA em Conacri, capital da Guiné. Esta base permitiu-lhes estabelecer
contactos, divulgar a sua luta, e projectar-se internacionalmente na obtenção de apoio
financeiro que fundamentasse a sua actuação. Como já era evidente para o MPLA a
impossibilidade de organizar qualquer acção em Angola a partir da Guiné, procurou
estabelecer-se no Congo Leopoldville, pais recém-independente. A UPA, já desenvolvia forte
aliança nesse território, e além disso a forte imagem comunista do movimento, impediram o
sucesso dessa instalação. Em virtude desse acontecimento, o MPLA instalou-se no Congo
Brazzaville, onde criou as suas bases e deu início as suas campanhas em Angola.
A instalação do MPLA no Congo Brazzaville possibilitaria o estreitamento das relações e o
apoio de um outro grupo de países, tais como a Bulgária, a Checoslováquia, a URSS e Cuba,
que tinham representação diplomática e fortes laços de cooperação naquele país.
O MPLA recebia desses países, em quantidade muito limitada, apoio financeiro, armamento,
formação técnica e universitária24, e apoio na formação das forças de guerrilha25.
24
Exemplo dessa formação é a sua excelência José Eduardo dos Santos, actual presidente de Angola,
licenciado em engenharia.
25
Manuel Lima, primeiro comandante do EPLA (Braço armado do MPLA), em entrevista com Fernando
Guimarães (1995: 17-23), confirma o envio de material militar pela Bulgária e acrescenta que este teria
chegado ao movimento através de Marrocos. Diz também que os cursos de formação, eram da
responsabilidade da União Soviética.
“Com a vinda de Che-Guevara a Brazzaville nós pedimos e ele mandou-nos 5…, 5 instrutores
para nos ensinar a fazer o assalto de guerrilha26.”
Essa afirmação de um dos seus fundadores, Lúcio Lara, comprova a acção de Cuba no
âmbito da construção das forças do MPLA, que posteriormente viriam a ser conhecidas como
ELPA (Exército de Libertação Popular de Angola).
No que respeita as ajudas internacionais, a UPA conciliava a sua ligação com os EUA,
enquanto o MPLA buscava apoios juntos de países comunistas. As filiações internacionais
existentes em África comportavam os grupos de Casablanca e Monróvia, separados pelos
ideais.
O MPLA apoiava-se no grupo de Casablanca, onde actuavam países como a Argélia, Gana,
Mali, Guiné-Conacri, Egipto e Marrocos. Esses países forneceriam ao MPLA formação,
armamento, apoios logísticos e financeiros (Bittencourt; 2008: 26-29).
A partir de 1967, juntam-se ao MPLA 3 países importantes: Zâmbia, Tanzânia e China. Esses
países possibilitaram a acção do movimento no Leste de Angola. Ou seja, a Zâmbia como
país independente, constituiu-se numa forte base de apoio para as actividades dos
movimentos no Leste. A Tanzânia, país fronteiriço do mar e da Zâmbia, possibilitaria a
entrada de armamento proveniente da China. Ressalva-se que, apesar da diferente ideologia
encontrada na altura, entre a China e a URSS. O apoio de ambas constitui-se como um
impulso fundamental no reconhecimento do MPLA pela OUA, como a principal organização
nacionalista em Angola para a luta da independência. Contudo, esse forte apoio dessas duas
potências, viriam construir divisões no partido (Bittencourt; 2008: 32-39).
No que diz respeito ao projecto, o movimento desenvolvia dois programas: mínimo e o maior.
No “programa mínimo”, o MPLA lutava para a criação de uma Frente Angolana de Libertação,
que agrupe numa larga união todos os partidos políticos, todas as organizações populares,
todas as forças armadas, todas as personalidades eminentes no país, todas as organizações
religiosas, todas as etnias, todas as camadas sociais angolanas, todos os angolanos sem
distinção de tendências políticas, de condições económicas, de raças, de sexo ou de idade,
todos os angolanos residentes no estrangeiro, a fim de continuar a luta por todos os meios
para a liquidação da dominação colonial. No seu “programa maior” o MPLA apresentava um
regime democrático para Angola. Apresentava ainda, uma reforma agrária, com tendência ao
desaparecimento das injustiças; liquidação do monopólio privado da produção dos produtos
de consumo agrícolas, conforme o princípio de que “a terra pertence aos que trabalham”;
distribuição de terras aos camponeses sem terra e aos que a possuíam em extensão
insuficiente para o seu sustento. No seu plano de defesa, previa a criação de forças armadas
com efectivos intimamente ligados ao povo e comandados por cidadãos angolanos.
Assim sendo, e pelo que constamos, o MPLA dispunha de um programa muito bem
argumentado, que acabou por lhe valer aquando da independência de Angola.
26
Lúcio Lara em entrevista com Drumond Jaime e Helder Barber em 1995.
27
South West Africa People's Organization (SWAPO) é um partido político e ex- movimento de
libertação na Namíbia, país fronteiriço ao sul de Angola.
28
IAN/TT, PIDE/DGS Delegação de Angola, NT 9089, Pasta 1, 52.
UNITA, tanto em meios como em forças ou recursos financeiros. Por isso mesmo é que a
UNITA tinha meios para enfrentar o MPLA, nos primeiros períodos da independência
(Stockwell; 1979: 196).
Quanto aos seus projectos e ideologia, Savimbi diferenciava-se dos outros. Desde o início,
sabia que para alcançar os seus objectivos era preciso o emprego da força. Assim que dispôs
dela, avançou logo para a luta. Os projectos que procuravam levar a cabo, eram: liberdade e
independência nacional, justiça social, trabalho e progresso, e incentivava a religião no seio
da sociedade, que teria efeito catalisador das suas propagandas29. As suas ideias quanto ao
comunismo, apresentado pelo MPLA, em colaboração com países comunistas, levaram a que
o partido nunca aceitasse o poder do MPLA. Posteriormente, constituiu-se como um partido
revolucionário, que buscava salvar o povo da mão do comunismo. Essa discordância de
ideologia resultaria numa trágica Guerra Civil.
29
Palestra apresentada por Savimbi, as suas forças em 19 de Dezembro de 1984.
A partir de 1960, deu-se na África Austral uma “chuva” de independências dos países
locais30. No Norte, os dois países fronteiriços viriam a tornar-se independentes em 1960,
tendo sido um factor importante na implantação dos movimentos nacionalistas angolanos. No
Leste, a Zâmbia obteve a sua autodeterminação em 23 de Outubro de 1964, permitindo aos
movimentos a abertura de uma nova frente no Leste de Angola. Malawi (antiga Niassalândia)
torna-se independente em 6 de Julho de 1964. O Zimbabwe alcançou a sua independência a
11 de Novembro de 1965. Todo este processo de independência, envolvendo o antigo
império britânico na região, teria importância decisiva para a luta anticolonial que se
desenvolvia em Angola, pelo que os movimentos independentistas, para além de buscarem
motivação nesses países independentes, também procuravam estabelecer bases como
sustentação das suas lutas no interior de Angola.
30
Ver anexo A, lista das datas da independência dos países africanos.
GUERRA EM ANGOLA - AS HERANÇAS DA LUTA DE LIBERTAÇÃO E A GUERRA CIVIL 19
CAPÍTULO II – A LUTA ARMADA
A UPA/FNLA começou por criar acessos fáceis na fronteira Norte de Angola e nas zonas
interiores próximas, acção conseguida dada a boa relação com a população bacongo,
residente de ambos os lados da fronteira, e com os grupos de guerrilha aí existentes. Com
base nessas vantagens, procurou isolar o MPLA com um forte sistema de barragem, de modo
a impedir o acesso deste no interior de Angola. Esta pressão exercida sobre o MPLA, visava
sobretudo levar para o seu lado os guerrilheiros desmoralizados do MPLA ou, se isso se
tornasse impossível, destruí-los e evitar o seu reabastecimento e a fuga para a RDC (EME;
2006: 116-117).
Em Outubro de 1961, quando o MPLA ainda se instalava em Léopoldville, um grupo de 21
homens foi interceptado pelas forças da FNLA e de seguida dizimado. O MPLA denunciou
tais perseguições. Alguns dissidentes da UPA, como seria o caso de Marcos Kassanga e
André Martins Kassinda, reforçariam essas acusações em declarações públicas, e o próprio
Holden Roberto admitiria que o seu movimento assassinara homens do MPLA, entre eles o
comandante Ferraz Bomboco, que tentava atravessar a fronteira do Congo (Davezies; 1965:
38, 189).
Esse relato prova as acções que a FNLA exercia sobre o MPLA, no âmbito da rivalidade que
predominava entre os mesmos. A razão destes confrontos era a projecção internacional, uma
vez que essas autocracias desenvolvidas pela FNLA sobre o MPLA contribuiriam para que
fosse o movimento nacionalista dominante. A OUA viria a reconhecer este facto em 1963,
considerando o governo da FNLA (GRAE) como único e legítimo movimento de libertação de
Angola. Isso teve impactos internacionais, como descreve José Antunes: “em Washington, o
governo de Kennedy, desejoso de afirmar as suas credências anticoloniais, mas desconfiado
da ideologia de alguns movimentos anticoloniais, sentiu-se tranquilizado com a evidente
orientação ocidental de Holden Roberto e, através da CIA começou a ser canalizado dinheiro
para a FNLA” (Antunes; 1990. Apud: Macqueen; 1997:51)
Esse bloqueio feito pela FNLA ao MPLA, no Norte de Angola e o seu reconhecimento na
conferência da OUA, mergulharam o MPLA numa profunda crise, que acabou mesmo por
estar dividido em duas facções: a de Agostinho Neto e a dos dissidentes, liderada por Viriato
da Cruz. Alega-se que desistiu do MPLA por ficar sem funções31 (Correia, Fernando; 2009:
185). A facção de Viriato viria posteriormente a juntar-se à FNLA. Os problemas do MPLA
agravaram-se em Setembro de 1963, quando Neto foi preso em Leopoldville, juntamente com
Lúcio Lara. Em Novembro, o gabinete do MPLA foi encerrado e o movimento expulso do
Congo Leopoldville. O afastamento de Leopoldville, no fundo, acabou por trazer vantagens ao
31
Assunto controverso, pois a autores que defendem que Viriato da Cruz, que fora secretário-geral do
MPLA, foi expulso por actos de indisciplina tendentes a prejudicar a unidade do movimento e inspirado
por ambições pessoal de poder.
GUERRA EM ANGOLA - AS HERANÇAS DA LUTA DE LIBERTAÇÃO E A GUERRA CIVIL 20
CAPÍTULO II – A LUTA ARMADA
MPLA. O movimento procurou refúgio na capital do antigo Congo Francês, Brazzaville, que
era mais simpatizante ao comunismo e ao MPLA.
Apesar dos êxitos diplomáticos de Holden Roberto e da segurança da sua base congolesa,
os resultados militares da FNLA eram insignificantes contra as forças portuguesas. O máximo
que até então haviam conseguido, era o levantamento de 15 de Março de 1961, na base do
terrorismo. Por um lado, procurou obrigar a população branca a abandonar a terra, e por
outro, levar elementos dos grupos quimbundo, e até no seio dos bacongos, a aceitarem a
revolta armada e a participarem nela, de modo a mostrar argumentos perante a opinião
pública internacional que toda a população nativa se opunha à presença portuguesa em
Angola32. No fim desse ano, os portugueses calculavam existirem no dembo cerca de 2000
guerrilheiros da UPA, mais de 10 a 12 mil ao longo da fronteira em território do Congo
(Macqueen; 1997: 52). Apesar dessa impressionante força numérica, a actividade da FNLA
limitava-se a alguns ataques limitados, intermitentes e relativamente ineficazes. Esta fraqueza
militar contribuiria para um acentuado declínio da posição da FNLA na segunda metade da
década de 60, período em que o MPLA viu as suas expectativas reviverem.
Em 1962, na sua 1ª conferência nacional, para efeitos da luta da expansão da guerrilha, o
MPLA dividiu o território angolano em Regiões Militares, que estavam subdivididas em zonas
militares e que, mais tarde, foram designadas por Regiões Político Militares (RPM)33. A
organização militar que resultou da divisão ficou assim dividida: Iª Região Militar – Distrito do
Zaire; IIª Região Militar - Distrito de Cabinda; IIIª Região Militar – Distrito de Moxico e Cuando-
Cubango; IVª Região Militar – Distrito de Malange e Luanda; Vª Região Militar - Distritos de
Cuanza Sul, Benguela, Huambo e Bié; VIª Região Militar - Huila e Moçâmedes.
Durante três anos, em rivalidade com a FNLA, a estratégia do MPLA passou pela abertura
das suas regiões militares para obrigar as forças portuguesas a dispersar os esforços. Em
1964, abriu a IIª Região Militar, instalando-se em força na RP Congo e na fronteira de
Cabinda. Atacou as forças portuguesas nesse enclave, tendo-as deferido grandes baixas. A
campanha de Cabinda foi importante para o MPLA, pois constituiu-se como um meio de fazer
reconhecimento à sua identidade guerrilheira. Em 1964 a OUA reconheceu o MPLA, embora
esse reconhecimento devesse ser partilhado com a FNLA. Abriam-se assim as vias
diplomáticas para o MPLA. Neto em 1964, viajou para Moscovo, onde foi bem recebido.
Segundo Narrie Macqueen, essa visita possivelmente foi organizada pelo PCP. A visita de
Che Guevara em Brazaville deu novo vigor ao MPLA, que aumentou o seu crédito entre os
vizinhos regionais. Em 1965, o MPLA abriu escritórios em Lusaka, Capital da Zâmbia,
dispondo desse modo, algumas possibilidades de desencadear operações militares mesmo
no interior de Angola.
32
Esse afeito deu-lhes mérito por parte da OUA, que posteriormente os iria reconhecer como único
movimento independentista em Angola.
33
Ver anexo – G Regiões Político Militares do MPLA.
GUERRA EM ANGOLA - AS HERANÇAS DA LUTA DE LIBERTAÇÃO E A GUERRA CIVIL 21
CAPÍTULO II – A LUTA ARMADA
2.1.2 No Leste de Angola
2.1.2.1 FNLA
Em 1964, a FNLA abriu uma delegação na Zâmbia. Mas, os aspectos tribais acabaram por
definir o insucesso do movimento. Outra razão do insucesso deveu-se a crise que se vivia na
FNLA. Por essa altura, a OUA havia desviado os seus apoios para o MPLA, confiando-lhe
deste modo a luta de libertação. Por conseguinte, este insucesso e as dificuldades
enfrentadas, levaram os mesmos a abandonar as suas actividades neste país, ficando o
MPLA e a UNITA sem a rivalidade da FNLA.
Em 1967, começou a interessar-se desta vez pelo distrito da Lunda, zona conhecida pelas
suas riquezas e o centro do mineiro da Diamang. Assim, nessa região, que constituía a sua
Frente Nordeste, fez entrar em Angola o seu segundo batalhão, na área de Santa Cruz, na
região de Sanza Pombo- fronteira do Cuango, exercendo uma intensa acção de aliciamento
sobre as populações e fazendo preparativos para se instalar na região, de modo a ligar esta
frente à Frente Norte. Na Frente Leste, a sua estratégia militar nessa região integrava-se no
conceito anterior. O batalhão fixado a norte do rio Cassai, no sul da Lunda, a Norte das
posições do MPLA e da UNITA, furtando-se ao contacto com os grupos de guerrilha destes
movimentos, teria como missões: vigiar o MPLA, constituir, com o apoio da sua Frente
Nordeste, um obstáculo à sua progressão para Malange e exercer uma ameaça permanente
sobre o caminho-de-ferro de Benguela. Deste modo, poderia avançar para Malange, por
decisão própria ou acompanhando o MPLA, caso este se movimentasse nesse sentido (Pires
Nunes, 2009: 125).
2.1.2.2 MPLA
2.1.2.3 UNITA
A UNITA inicia a sua actividade militar em 1966, com a abertura da corrida para o Leste. Não
temos informações sobre as suas actividades no Norte, pois durante esse período os
elementos constituintes deste partido eram integrantes da FNLA.
Para o início da sua actividade no Leste, a UNITA organizou-se em comités locais. Segundo
o seu líder, destinaram-se a: estabelecer novos postos no interior, especialmente no Luso
(interior de Moxico); explicar ao povo a razão da luta contra o colonialismo; organizar uma
campanha de alfabetização; improvisar os métodos de cultura e de aprendizagem de
produtos; dar informações acerca do movimento das tropas portuguesas; e criar corpos
sanitários34.
Assim, em Fevereiro de 1966, infiltrou alguns dos seus elementos no distrito do Moxico com a
finalidade de aliciar os nativos do vale do rio Lungué-Bungo, a sul do caminho-de-ferro de
34
Boletim de informações do EME, nº 20, Agosto de 1966. Apub (EME; 2006: 105)
GUERRA EM ANGOLA - AS HERANÇAS DA LUTA DE LIBERTAÇÃO E A GUERRA CIVIL 23
CAPÍTULO II – A LUTA ARMADA
Benguela, e levou a efeito actividades violentas de destruição de pontes, incêndio a casas,
ataques a civis e viaturas isoladas, pequenas povoações comerciais e serrações, e
intimidação da população. No início de 1967 fez explodir o caminho-de-ferro de Benguela,
acção que resultou na expulsão do movimento da Zâmbia.
O coração do movimento fixava-se na área Lucusse-Luvuei. As suas acções eram
preferencialmente desenvolvidas um pouco por toda a parte do distrito do Moxico e até
limítrofes da Lunda, Malange, Bié e Cuando Cubango. A UNITA procurou cada vez mais a
infiltração no território nacional, instalou-se numa área de refúgio, no alto curso do rio
Lungué-Bungo, no Bié, ligando-se ao exterior com a Zâmbia, pelas linhas de infiltrações dos
rios Luio e Luanguinga. Entrou ali em confronto com os grupos do MPLA que intencionavam
instalar-se na região. Também a Norte de Cangumbe, a expansão e fixação do MPLA obrigou
a UNITA a abandonar algumas das áreas de refúgio ali estabelecidas, mantendo-se, todavia,
na margem direita do Munhango, a NE de Cangumbe.
Sob essa decaída e dificuldades logísticas enfrentadas na Zâmbia, a UNITA aproxima-se das
forças portuguesas de modo a ser mais eficaz contra os outros movimentos. Esse acordo
ficou conhecido como a “operação madeira”, na qual Portugal permitia que a UNITA se
mantivesse na região do planalto central, onde não seria importunada pelas tropas
portuguesas, e poderia receber apoio de natureza logística e humanitária. Em contrapartida,
a UNITA comprometia-se a não actuar fora daquela área, a combater guerrilheiros dos outros
movimentos que ali se revelassem e a fornecer informações ao comando português sobre as
bases e movimentações dos grupos do MPLA e da FNLA.
Este acordo funcionou, sendo prejudiciais ao MPLA e a FNLA que viram as suas bases
destruídas no interior da zona militar Leste, uma vez que as forças portuguesas passaram a
obter um factor decisivo nas guerras, a informação (Pezarat Correia; 1991: 38).
A primeira tentativa de união foi promovida pela Conferência das Organizações Nacionalistas
das Colónias Portuguesas (CONCP), nos inícios de 1960. Faziam parte o MPLA, a FRELIMO
(partido moçambicano) e o PAIGC (da Guiné e Cabo Verde). A finalidade dessa
confederação era polarizar os esforços do levantamento emancipalista em todas as parcelas
das «colónias portuguesas», coordenando a acção dos diversos movimentos agitadores e
agrupando-as em frentes unidas de libertação. Esse desiderato foi em parte alcançado na
Guiné com a constituição do PAIGC e, em Moçambique, com a FRELIMO. Mas em Angola,
não obstante os esforços do MPLA nesse sentido, a reunificação dos partidos não se
concretizou (EME 1998). A UPA sentia-se superior ao MPLA, e pelo seu carácter tribal e
cristão enraizado na existência do partido, não aceitavam essa união. Tanto a UPA como os
35
Faz-se aqui referência a desistência de Viriato da Cruz e outros integrantes do MPLA que
posteriormente viriam a unir-se a UPA e combater contra o MPLA.
36
Ver anexos D – Percentagem das actividades militares dos movimentos em 1972.
GUERRA EM ANGOLA - AS HERANÇAS DA LUTA DE LIBERTAÇÃO E A GUERRA CIVIL 26
CAPÍTULO II – A LUTA ARMADA
Uma das origens do início da Guerra Civil assenta nesse factor, dos movimentos nunca terem
conseguido uma aliança. Antes porém, conseguiram uma rivalidade sem tréguas, que
resultou na Guerra Civil.
Para o nosso estudo, a fase de transição assenta principalmente em 1975, ano em que foi
proclamada a independência de Angola. Os antecedentes que marcaram esse evento, são de
especial importância e constituem objecto deste estudo. É sobre eles que se verifica ou não,
o impulso do início da Guerra Civil. Assim sendo, neste capítulo, aborda-se a fase propulsora
para a independência, incluindo a revolta militar de 25 de Abril de 1974 em Portugal, e os
acordos que surgiram na tentativa de aparar as guerras entre os movimentos.
O importante não é discutir os acontecimentos desta revolta militar, mas sim perceber e
delimitar o seu impacto em Angola.
Os efeitos da revolta militar de 25 de Abril de 1974 sentiram-se, tanto no país como nas
colónias. Neste dia, oficiais de carreira derrubaram o regime em Lisboa na sequência de uma
revolta militar. E complica-se assim, a luta pela criação de uma nova situação política para a
antiga colónia. Primeiro, o governo português ficou dividido quanto à política a adoptar para
as suas ex-colónias ultramarinas. O Movimento dos Capitães deu lugar ao Movimento das
Forças Armadas (MFA), já com objectivos políticos, introduziu o programa de descolonização
das colónias. O General António Spínola, Presidente da República indigitado, defendia a
continuação de uma certa forma de autoridade sobre um império federado, ao passo que a
generalidade dos partidos portugueses propunham soluções que apontavam sem
ambiguidade para a independência das colónias (Pezart Correia, 1991: 59). A questão nessa
altura era saber se já haveria condições para tal, e qual seria o momento ideal para a
consumação da independência?37
Em segundo, o novo poder de Portugal passou a sofrer fortes pressões internacionais. Como
explica Pezarat Correia, «os governos de todo o Mundo, especialmente africanos e europeus,
insistem com Portugal para que declare o direito à independência das suas colónias (idem p;
61)». A ONU e a OUA também intensificam as suas pressões. A ONU recomenda a Portugal
negociar com os movimentos de libertação. A OUA, perante o adiamento da definição
portuguesa, endurece as suas posições e recomenda aos movimentos que intensifiquem a
luta armada, para forçarem o governo português a negociar. Os movimentos correspondem a
esse apelo e também fazem as suas pressões a Portugal.
Terceiro, uma percentagem significativa das forças armadas portuguesas estacionadas em
Angola estava impaciente e ansiosa pelo regresso à metrópole. E sob essa situação, a mais
37
Assunto que teria sido abordado á posterior no acordo de Alvor.
GUERRA EM ANGOLA - AS HERANÇAS DA LUTA DE LIBERTAÇÃO E A GUERRA CIVIL 28
CAPÍTULO III – O PERÍODO DE TRANSIÇÃO E O INÍCIO DA GUERRA CIVIL
difícil de contornar para o MFA, era a dos militares naturais das colónias, “que antevendo o
horizonte da independência, não mais desejavam bater-se contra os seus compatriotas”
(Pezarat Correia; 1991: 63).
Quarto, o desejo dos corpos de oficiais do exército, bem como dos soldados alistados, de
deixar Angola, foi rapidamente acompanhado pelo êxodo da maior parte dos colonos
residentes portugueses e estrangeiros, incluindo pessoal especializado dos sectores da
administração, dos serviços técnicos, da agricultura, da indústria e da exploração mineira.
Assim, na sequência desses impasses, o Governo Português finalmente averiguou que a
solução da guerra nas colónias nunca se resolveria pela força, mas sim pela política e pelo
diálogo com aqueles que os combatiam.
Em Outubro de 1974, foi finalmente assinado um cessar-fogo com a FNLA, o MPLA e a
UNITA, sendo encetadas negociações acerca das condições da independência. Meses de
negociações intermitentes entre Portugal e os três partidos nacionalistas levaram ao Acordo
de Alvor, de 15 de Janeiro de 1975, que estabeleceria um governo de transição e fixou a data
da independência de Angola em 11 de Novembro de 1975 (Pelissier, René; 2009: 359).
38
Realizou-se em Novembro de 1974, em Mombaça, Quénia. O programa consistia na assinatura de
um tratado de cooperação com a FNLA e o MPLA, que possibilitasse uma plataforma comum de
negociações com o governo português.
GUERRA EM ANGOLA - AS HERANÇAS DA LUTA DE LIBERTAÇÃO E A GUERRA CIVIL 29
CAPÍTULO III – O PERÍODO DE TRANSIÇÃO E O INÍCIO DA GUERRA CIVIL
forças armadas dos três movimentos de libertação serão integradas de forma paritária com o
exército português numa força militar combinada, segundo a importância seguinte: 8000 para
cada movimento e 2400 das forças armadas portuguesas (art. 32º)». Previa também a data
das eleições, no artigo 40º « (…) no prazo de 9 meses a partir de 31 de Janeiro de 1975» e
no artigo seguinte estabelecia que « as candidaturas para a assembleia constituinte serão
submetidas exclusivamente pelos movimentos de libertação FNLA, MPLA e UNITA como
únicos representantes legítimos do povo angolano39».
O último capítulo concluía os acordos de maneira optimista, felicitando ambas as partes pelo
acordo assinado. Estava assim levantado um outro problema, a exequibilidade do acordo,
que como era lógico, dependia da boa-fé e da vontade política das várias partes que o
subscreveram.
39
Ver anexo G - entrevista de Holden Roberto ao Diário de Noticias em 25. 04. 1999. Nessa entrevista
o líder da FNLA confirma que o artigo 40º e 41º não passavam de mera letras, sem prática nem
confirmação.
GUERRA EM ANGOLA - AS HERANÇAS DA LUTA DE LIBERTAÇÃO E A GUERRA CIVIL 30
CAPÍTULO III – O PERÍODO DE TRANSIÇÃO E O INÍCIO DA GUERRA CIVIL
Março40. Por isso, os responsáveis pelo poder em Portugal e as forças políticas continuavam
exclusivamente envolvidos nos graves problemas internos e sem disponibilidade, para
dedicar a Angola, toda a atenção que a complexidade da situação recomendava e os
responsáveis locais reclamavam.
Na tentativa de minimizar a situação, o Quénia organizou a cimeira de Nakuru, procurando
assinar um acordo entre os principais líderes dos movimentos. O acordo de Nakuru foi
assinado a fim de possibilitar uma transferência pacífica de poderes, agendada para
Novembro, mas os efeitos desta iniciativa foram escassos. A realidade pesava ao governo
português, dado que o governo de transição de Angola, praticamente já não existia ou não se
fazia sentir na prática, até porque os membros da FNLA e da UNITA tinham anunciado
formalmente abandonar o acordo em 9 de Agosto (Macqueen; 1997: 225). Na sequência
desses acontecimentos penosos no Acordo de Alvor, o Decreto-Lei nº 458/A-75, de 22 de
Agosto de 1975, vem suspender parcialmente o acordo41. Dessa maneira, Portugal procurou
manter a sua neutralidade mas, sem força suficiente para se impor, assegurar a tranquilidade
e paz na ex-colónia, e as invasões de forças regulares de outros países, que estavam já em
marcha. Imprevisivelmente, Angola não tardou a sofrer os efeitos da intervenção armada
internacional, mergulhados no interesse territorial e no confronto da Guerra Fria. As forças
armadas estrangeiras viriam a desempenhar um papel crescente naquilo que começou como
um conflito puramente doméstico.
O equilíbrio das forças nacionalistas angolana, após o Acordo de Alvor, era algo notável. A
FNLA, desde a sua génese, concentrou-se no Norte, “numericamente mas forte, com cerca
de 21500 combatentes divididos entre bases norte de Angola e campos de exercícios no
Zaire” (Macqueen; 1997: 215), com unidades de tipo convencional, inicia uma manobra para
Sul cujo objectivo era a ocupação de Luanda.
“O MPLA, tinha cerca de 8000 efectivos, a maior parte no Leste de Angola, mas com um
considerável corpo em Cabinda e em Luanda”( Macqueen; p.216). Segundo Pezarat Correia,
o MPLA lançou a batalha de Luanda, com o objectivo de expulsar da capital os outros
40
11 de Março de 1975 - pronunciamento militar com base em unidades da força aérea e do exército
da região centro do País, que teve expressão no ataque aéreo e cerco por tropas pára-quedistas ao
Quartel do Regimento de Artilharia de Lisboa (RALIS) e pretendia derrubar o poder vigente e entrega-
lo ao General Spínola. O fracasso deste golpe, que pela primeira vez colocou, depois do 25 de Abril,
militares contra militares, com as imagens transmitida pela TV em que soldados pára-quedista se
queixavam de ter sido aldrabados pelos seus chefes, teve reflexos imediatos no agravamento da
disciplina nos quartéis e deu lugar a uma nova aceleração do processo revolucionário, com a queda do
III governo provisório e a criação do conselho da revolução, em substituição dos anteriores órgãos de
cúpula do Estado: Junta de Salvação Nacional, Conselho de Estado e Comissão Coordenadora do
Programa do MFA.
41
Sendo prezadas a independência do povo, a fixação da data da proclamação da independência em
11 de Novembro de 1975 e o reconhecimento dos três movimentos de libertação como únicos e
legítimos representantes do povo angolano
GUERRA EM ANGOLA - AS HERANÇAS DA LUTA DE LIBERTAÇÃO E A GUERRA CIVIL 31
CAPÍTULO III – O PERÍODO DE TRANSIÇÃO E O INÍCIO DA GUERRA CIVIL
movimentos. Desencadeou também ofensivas na faixa de Luanda a Malanje e estendeu-se
até as Lundas, eliminando praticamente a presença da FNLA e da UNITA nos distritos do
Cuanza Norte, Malanje, Lundas e Cabinda (Pezarat Correia; 1991: 143).
A UNITA fixou-se no planalto central, expulsando as forças da FNLA e do MPLA dos distritos
do Huambo e Bié. «A UNITA tinha cerca de 6000 guerrilheiros, número que aumentara
imenso depois do 25 de Abril» ( Macqueen; 1997: 216). Cada um dos movimentos continuava
a recrutar activamente homens para as suas fileiras, e estendiam a campanha ao longo de
todas as zonas de Angola e internacionalmente.
Por todas essas razões, a Guerra Civil estava latente, uma vez que os movimentos fixavam-
se em zonas influentes e preparavam a ofensiva contra as áreas que eram controladas pelos
outros. A busca acirrada pela conquista do poder, constituía-se a base das investidas dos
movimentos independentistas. Os interesses diferenciavam-se em muitos pontos, e as seitas
ideológicas que os enraizava, determinava a separação e a destruição de um pelo outro na
conquista do poder. Aquilo que viria a constituir-se novidade, e que deve ser considerado
como o que verdadeiramente caracterizou a internacionalização do conflito angolano, foi a
intervenção directa de forças regulares de países estrangeiros.
Nessas intervenções estrangeiras, começamos por analisar o contexto dos países fronteiriços
a Angola. A posição do Zaire era preponderante no seu apoio à FNLA. Esse apoio baseava-
se tanto no facto da etnia bacongo se encontrar de ambos os lados da fronteira, como na
preferência na ideologia de Kinshasa pelo anticomunismo da FNLA. A posição da Zâmbia
acabou por ser bipartida, pois tanto favorecia o MPLA como a UNITA, em ocasiões
diferentes. O Congo Brazzaville, nominalmente de orientação marxista, apoiava o MPLA com
o objectivo de ganhar um aliado ideológico na região. Relativamente pobre, não descartava a
possibilidade de partilhar a riqueza mineral de Cabinda. Mais a Sul, a Namíbia, para além de
garantir as suas possessões territoriais, alinhava-se à UNITA. Por seu lado a SWAPO atribuía
meios e força a UNITA.
A divergência internacionalizava-se no seio dos países vizinhos, que embora mostrassem
que discordavam da desunião partidária em Angola, continuavam a apoiar os seus aliados
enquanto a Guerra Civil se intensificava.
A OUA, como Organização Internacional, nada podia fazer nesse instante, pelo que insistia
que a responsabilidade de uma saída aceitável cabia a Portugal.
Segundo Macqueen, a potência regional africana, que dispunha de capacidade física para
influenciar os acontecimentos, era a África do Sul. Os interesses da África do Sul em Angola
eram numerosos e importantes. A prolongada guerra contra a SWAPO, na Namíbia, era uma
das preocupações. Durante o regime colonial português, a Força Sul-Africana de Defesa
(SADF) gozava de liberdade de acção na zona da fronteira de Angola com a Namíbia e,
ocasionalmente, da participação do exército colonial em operações conjuntas. Um regime
hostil em Luanda não só poria fim a esta vantagem, como provavelmente concederia
42
Ver anexo J – Total de Material entregue pelos EUA a FNLA e a UNITA.
GUERRA EM ANGOLA - AS HERANÇAS DA LUTA DE LIBERTAÇÃO E A GUERRA CIVIL 33
CAPÍTULO III – O PERÍODO DE TRANSIÇÃO E O INÍCIO DA GUERRA CIVIL
regulares, a que chamou «comandos especiais» e actuaram juntamente com a FNLA no
ataque a Luanda a partir do Norte. Santos e Castro chegou a ser mesmo o chefe do Estado-
Maior do ELNA, através das suas acções e a influência exercidas a outros portugueses, levou
com que fosse considerado mercenário, afastando-se aqui a hipótese da junção de Portugal
à FNLA no combate ao Imperialismo Soviético, que se enraizava no MPLA (Pezarat Correia;
1991: 157). Foram mercenários portugueses, e segundo Stockwell baseavam-se na guerra a
baixo custo, e apoiaram ambos os movimentos durante a batalha de Luanda43.
Os Sul-Africanos também deram o seu apoio à FNLA, colocando no Ambriz, via aérea, um
pelotão de artilharia pesada, para o apoio da coluna que, a partir do Caxito, desencadearia o
pretenso ataque final a Luanda (Ibidem).
As intervenções sul-africanas manifestaram-se em maior ênfase, a partir do Sul, em acções
autónomas ou em apoio da UNITA.
«A UNITA» começou a beneficiar de uma ajuda americana importante e um apoio cada vez
mais efectivo da parte da República da África do Sul. Oficiais e sub – oficiais do exército
regular sul – africano assumiram as funções de instrutores e conselheiros junto à UNITA
desde Setembro, e a sua presença foi decisiva para bloquear o avanço do MPLA em direcção
ao Huambo (…) Mais tarde (…), tropas sul-africanas, incluindo uma unidade de carros
blindados, foram transportadas para o planalto central por via aérea, para bloquear o outro
avanço do MPLA, vindo do Norte (Heimer, 1980: 83).
Este movimento de tropas sul-africanas para o Norte, juntamente com a UNITA, o esquadrão
Chipenda e alguns mercenários portugueses constituiu a operação de “savannah”44, planeada
pela África do Sul com a colaboração da CIA que, através da operação “iafeature”,
coordenava essa operação com as forças do ELNA no norte (Pezarat Correia; 1991:159).
A intervenção sul-africana segundo Macqueen seria influenciada por dois autores
Internacionais: os EUA e a França. Os EUA foram coniventes com a intervenção sul-africana
e desejaram participar nela. A França procurava igualmente salvaguardar os seus próprios
interesses económicos na região apoiando a aliança FNLA-UNITA (Macqueen; 1997: 232).
A URSS e a China, apareceriam no contexto da luta de libertação de Angola, contestando as
intervenções dos ocidentais, na qual cada um defendia muito particularmente a sua ideologia.
A influência dos chineses começou a acentuar-se desde os meados dos anos 60.
Inicialmente, essa presença fora mais visível na África Oriental, particularmente com a
construção da linha de caminho-de-ferro entre a Zâmbia e a Tanzânia, mas foi-se alargando
gradualmente para o Zaire e, finalmente, para Angola. O auxílio chinês, sob a forma de
43
Ver reportagem de Grignon Dumoulin e Girad Raymond na qual constata-se o apoio de mercenários
portugueses à FNLA e ao MPLA. Disponível em http://www.ina.fr/politique/allocutions-
discours/video/CAA7501497601/angola.fr.html, visto aos 13 de Maio de “2011 as 14H05.
44
A operação Savannah materializou-se através de duas colunas, a Foxbat, que partiu do planalto
central para o norte, pelo interior, e a Zulo, que entrou em Angola, a partir da Namíbia, em 14 de
Outubro e seguiu ao logo da costa tomando as varias cidades em poder do MPLA, Sá da Bandeira,
Moçâmedes, e Benguela. O objectivo da operação era o assalto a Luanda a partir do sul, depois de
garantir o controlo do território que iam deixando para trás.
GUERRA EM ANGOLA - AS HERANÇAS DA LUTA DE LIBERTAÇÃO E A GUERRA CIVIL 34
CAPÍTULO III – O PERÍODO DE TRANSIÇÃO E O INÍCIO DA GUERRA CIVIL
armamento e instrutores militares, era destinado em primeiro lugar a Holden Roberto, mas
estendia-se também, embora de forma mais modesta, a Savimbi. Os interesses da China
acabavam por ser mais de ordem politica do que económica, pelo que se exprimia mais no
apoio a movimentos que se intitulavam anti-soviéticos. Uma facção do MPLA seria dividida
sob essa influência chinesa, a facção de Chipenda, que posteriormente se juntaria à FNLA.
Para inverter a situação e contrapor as duas intervenções supracitadas, a URSS também
intensificou o seu auxílio ao MPLA, como explica Macqueen: “O Governo dos EUA calculou
entre 100 e 200 milhões de dólares o auxílio militar da URSS ao MPLA, entre Marco de 1975
e o fim do mesmo ano. Naquela verba incluíam-se os gastos com cerca de 170 conselheiros
militares, carros blindados, aviões e o que se revelaria como a mais devastadora arma no
terreno: o rocket de 122 mm” (Macqueen, 1998: 235). Portanto, de muito maior significado,
foram os apoios da URSS, tanto militares como politicos, que superavam os auxílios quer da
China como os dos EUA.
A Guerra Civil alterou-se com a chegada de tropas cubanas a Angola. Em Outubro chegavam
os primeiros militares cubanos, em apoio do MPLA, como afirma John Stockwell: “No início de
Outubro, o navio cubano Vietnam Hervice descarregava 700 soldados cubanos fardados,
pertencentes ao exército regular, em Porto Amboim” (Stockwell; 1979: 177).
As unidades cubanas foram imediatamente empenhadas na organização da defesa de
Luanda com as tropas das FAPLA45 e, com os efectivos do poder popular46, muito numerosos
mas deficientemente enquadrados, organizados, instruídos e armados. Instalaram-se a Norte
na periferia imediata da cidade, na encosta sobre a baixa do Kifangondo, e a Sul, a cerca de
250 quilómetros da capital, na margem Norte do rio Queve. Há indícios de que alguns
efectivos cubanos terão seguido directamente para Cabinda.
A situação era preocupante, principalmente com a aproximação do 11 de Novembro de 1975,
data fixada para a proclamação da independência, intensificando-se a negação entres os
movimentos, de um ou de outro, como dominante na estrutura do poder.
“Na cimeira de Penina e Mombaça, Neto propôs o armamento da população negra, com o
argumento de que esta gente necessitava de meios para se defender da agressão da
população branca. Holden Roberto e Savimbi estiveram de acordo. (…) Neto quis armar o
poder popular de uma forma legal, que se viria a impor não apenas contra a população
branca, mas também contra a UNITA e contra a FNLA” (Valdemiro de Sousa; 1976:74).
45
FAPLA – Forças Armadas Populares de libertação de Angola: Dispositivo armado do MPLA.
46
Poder Popular é a população organizada em comités, bases e acções que cuja suas actividades
juntavam-se na proliferação da luta nacionalista. Esse poder popular era favoráveis as forças do
FAPLAS (estrutura militar do MPLA), sendo oponentes dos outros movimentos.
GUERRA EM ANGOLA - AS HERANÇAS DA LUTA DE LIBERTAÇÃO E A GUERRA CIVIL 35
CAPÍTULO III – O PERÍODO DE TRANSIÇÃO E O INÍCIO DA GUERRA CIVIL
Essas palavras mostram que se aproximava para Angola o novo período de instabilidade,
para além daquele que já era vivido. O MPLA procurou desenvolver uma política de poder
popular totalitário, a curto, a médio, e a longo prazo, consentidas pela ingenuidade dos outros
líderes. A violência tomou conta do território nacional, e oportunamente o MPLA expulsou os
outros movimentos da capital, de modo a envergar o seu poder em Angola.
Segundo o escritor e historiador alemão, Franz Wilhelm Heimer, a iniciativa do ataque foi
tomada pelo MPLA, que chegou á conclusão de que a sua hipótese de sobreviver consistia
em procurar o confronto, antes de se estabelecer um novo desequilíbrio de forças a favor do
seu adversário. A sua primeira meta foi alcançar algo que a FNLA possuía desde fins de
1974 – o controlo sobre uma área importante onde podia movimentar-se sem ser
constantemente ameaçado, e de onde manteria os seus contactos e apoios logísticos
exteriores.
Assim, em 9 de Julho de 1975, o MPLA lançou uma ofensiva, por meio das suas forças
(FAPLA – Forças Armadas Populares de Libertação de Angola) e da população apoiante ao
movimento, ou o poder popular, contra as unidades da FNLA, em todo o território quimbundo,
e no distrito da Lunda, a Leste de Angola. Bloqueou também as zonas da capital, Luanda,
impedindo assim o avanço da FNLA que, desde fins de Julho, lançou uma contra-ofensiva,
obrigando o MPLA a retroceder em algumas áreas, mas não conseguindo entrar em Luanda.
O MPLA procurou alargar as suas zonas em direcção a Sul, o que levou a um aumento de
tensões com a UNITA. A intenção deste avanço do MPLA não foi somente de consolidar as
suas próprias posições e de reduzir a influência da UNITA, mas também de levar este
movimento a não alinhar-se à FNLA, muito embora isso não tivesse sido evitado. A UNITA
em resposta, procurou impor-se no planalto central, assim como em todas as cidades
maiores, ao longo do caminho-de-ferro de Benguela e mais ao Sul. Pouco depois, o MPLA
reconquista essas áreas, deixando a UNITA e os seus aliados praticamente reduzidos, a Sul
do Cuanza, conhecida como a fortaleza do planalto central. Os êxitos e a superioridade do
MPLA evidenciavam os seus apoios por parte dos países soviéticos, e o fraco apoio que
tanto a UNITA como a FNLA beneficiavam. Essa realidade terminou, quando as ajudas dos
outros movimentos se intensificaram.
A FNLA passou a receber uma ajuda importante, em equipamento e conselheiros, da parte
da CIA, e de outras organizações semelhantes. O Zaire também se predispôs nessa ajuda.
Nas palavras ditas por Holden Roberto, durante uma entrevista ao jornal português Diário de
Noticias, isso é evidente: “A guerra começou em Fevereiro, o primeiro soldado que nós
fizemos prisioneiro era do Congo – Brazzaville e mais tarde apanhamos guineenses,
Descobrimos que eram forças coligadas, e então pedimos ao Zaire que deu-nos três
3.4.3 A Independência
47
Angola, a resistência em busca de uma nova Nação, pp. 60 e 63.
GUERRA EM ANGOLA - AS HERANÇAS DA LUTA DE LIBERTAÇÃO E A GUERRA CIVIL 40
CAPÍTULO III – O PERÍODO DE TRANSIÇÃO E O INÍCIO DA GUERRA CIVIL
em movimento revolucionário, e faria frente ao MPLA até Abril de 2002, período em que
terminou a Guerra Civil em Angola, com a morte do líder da UNITA, Jonas Savimbi.
Fontes Primarias
Documentos:
FNLA; Preambulo, Estatutos e organizações de 2009.
Boletim do Acordo de Alvor, Janeiro de1975.
Textos e documentos do MPLA sobre a Revolução Angolana; Maria da Fonte, 1974,
Lisboa
O Colonialismo Português é julgado pela primeira vez – Arquivo PIDE, delegação de
Angola, Processo 11.12-A, fl 722.
Cartas das Nações Unidas; Apub J. Fernandes, Relações internacionais: Factos,
teorias e organizações, 1ª ed, Lisboa, Presença, Anexo I, pp. 397-428
A Política Externa do Estado Novo: O Ultramar e a ONU; Uma Doutrina Histórica-
jurídica (1955-68). Fernando Martins; Departamento de História da Universidade de
Èvora
Documentos e comentários para a história do MPLA até Fevereiro de 1961, com
prefácio à edição Portuguesa. Lúcio Lara, Lisboa, Dom Quixote, 2000.
Diário de Noticias, Entrevista a Holden Roberto aos 24-04-1999.
Vídeos:
Entrevista à Jonas Savimbi em 1975 ao Canal TV França 1, sobre o acordo de alvor,
disponível em http://www.ina.fr/histoire-et-conflits/autres-conflits/video/I00017364/itw-
jonas-savimbi-leader-de-l-unita.fr.html, visto aos 23 de Maio de 2011 as 22H02.
Entrevista à Agostinho Neto em 1975 ao cana TV França 1, sobre o acordo de alvor,
disponível em http://www.ina.fr/histoire-et-conflits/autres-conflits/video/I00017363/itw-
agostinho-neto-leader-du-mpla.fr.html, visto aos 23 de Maio de 2011 as 22H05.
Entrevista à Holden Roberto em 1975 ao Canal TV França 1, sobre o acordo de alvor,
disponível em http://www.ina.fr/histoire-et-conflits/autres-conflits/video/I00017362/itw-
holden-roberto-leader-du-fnla.fr.html, visto aos 23 de Maio de 2011 as 22H14.
Reportagem de Grignon Dumoulin, Jacques (6/11/1975) Apoio de Forças Portuguesas
à FNLA, in Canal TV França 1, disponível em http://www.ina.fr/politique/allocutions-
discours/video/CAA7501497601/angola.fr.html, visto aos 13 de Maio de “2011 as
14H05.
Reportagem de Girard, Raymond (17/07/1975). Apoio de Forças Portuguesas ao
MPLA, in Canal TV ITH, disponível em http://www.ina.fr/histoire-et-conflits/autres-
Fontes Secundarias
Fonte: http://www.abed-defesa.org
Álvaro Holden Roberto (1923-2007), dirigente nacionalista angolano, nasceu em 1923, no município de Mbanza
Kongo, ex- São Salvador, na província do Zaire.
Holden Roberto, desenvolveu um trajecto atribulado no seio dos movimentos anticoloniais. Começou a sua
actividade política em 1954, com a fundação da União dos Povos do Norte de Angola (UPNA), uma organização
de povos bakongos, mais tarde designada UPA para lhe extrair o carácter tribal. Foi o líder principal da FNLA,
desde a sua fundação e durante a luta de libertação. Esteve presente no acordo de Alvor, como representante
máximo do seu movimento
P – Como foram preparados os acordos de Alvor?
HR – Os acordos foram preparados primeiro como a cessação completa das hostilidades em Angola à 15 de
Outubro depois de negociações com uma delegação portuguesa que se tinha deslocado para Kinshasa onde
estava a direcção da FNLA. Só que naltura havia um outro problema, o MPLA estava dividido em três facções e
necessário primeiro reconciliar o MPLA e depois encontrarmos uma plataforma conjunta de servisse de base de
negociações com os portugueses. Mesmo assim nós a FNLA elaboramos um texto que com pequenas emendas
foi o texto base dos acordos de Alvor. A primeira discussão desse texto foi em Mombassa, Kenya, onde juntamo-
nos os três movimentos a FNLA, MPLA e UNITA as linhas fortes da negociações com os portugueses.
P - Evoluíram depois para o Governo de Transição. De que maneira é a FNLA entrou nele?
H.R - O Governo foi marcado pela distribuição das pastas ministeriais pelos três movimentos; depois discutimos o
calendário das tarefas que nos iriam conduzir á independência nacional, preparar as eleições gerais, proporcionar
o regresso dos refugiados espalhados pelos países vizinhos e, ao mesmo tempo, instalar as populações
deslocadas. Os trabalhos começaram em Janeiro e a independência veio a ser proclamada 11 meses depois em
Novembro, mas infelizmente em condições muito difíceis. Dois meses depois dos Acordos de Alvor iniciaram os
confrontos militares em Luanda.
P - As forças zairenses que entraram como senhor em Maio de 1975 tinham como objectivo impedir a
proclamação da independência?
H.R- A data da independência já estava marcada, só que MPLA lançou a palavra de ordem "resistência popular
generalizada", e queria tomar o poder pela força e era isso o que nós tentamos impedir. Mas como disse há
bocado, as provocações estavam bem planeadas, porque Portugal fez muita luta para inviabilizar a realização das
eleições gerais previstas nos acordos. Eu sofri muitas pressões mesmo em Alvor, no último dia das negociações
fui chamado à parte pelos senhores Melo Antunes, Mário Soares, Almeida Santos e Víctor Alves para me dizerem
que o povo angolano era muito atrasado para ir às eleições. O próprio Agostinho Neto também disse-me: "olha
irmão, o militante da FNLA vai votar à favor da UNITA, do MPLA à favor da FNLA e assim haverá confusão". Eles
proponham uma ideia que achei uma ingerência nos nossos assuntos internos onde Portugal deveria definir
Agostinho Neto como Presidente da República, com o controlo do Exército e das Relações Exteriores; eu iria
controlar o resto do Governo, como primeiro-ministro e o Savimbi seria presidente da Assembleia Nacional. Os
portugueses disseram-me que tinham já conversado com o Agostinho Neto e com Jonas Savimbi. Achei aquilo
uma traição ao povo que tinha lutado para definir o seu próprio destino e neguei essa coisa de anular as eleições.
Foi por isso que chamaram as forças estrangeiras para impedir as eleições, foi essa a história que se viveu
naquela altura.
(2) MPLA
A) Programa Mínimo
O MPLA luta pela realização do programa mínimo o seguinte:
Criação urgente de uma frente angolana de libertação que agrupe numa larga união todos os partidos
políticos, todas as organizações populares, todas as forças armadas, todas as personalidades eminentes
do país, todas as organizações religiosas, todas as etnias, todas as camadas sociais angolanas, todos os
angolanos sem distinção de tendências políticas, de condições económicas, de raças, de sexo ou de
idade, todos os angolanos residentes no estrangeiro, a fim de realizar os objectivos seguintes:
1- Continuar a luta por todos os meios para a liquidação da dominação colonial em Angola, de todos os
vestígios de colonialismo ou de imperialismo, pela independência imediata e completa da pátria
angolana.
2- Defender constantemente e essencialmente os interesses das camadas camponesas e
trabalhadores, os dois grupos mais importantes do país, constituído no conjunto a quase totalidade
da população angolana.
3- Aliar-se a todas as forças progressistas do mundo e conquistar a simpatia e o apoio de todos as
povos à causa da liberdade do povo angolano.
B) Programa Maior
O MPLA luta pela realização do seguinte programa maior
1 – Independência imediata e completa
a) Liquidação em Angola, e por todos os meios, da dominação colonial portuguesa e de todos os vestígios
de colonialismo e de imperialismo.
b) Luta em comum com todas as forças patriotricas num vasto movimento popular, com vista à tomada do
poder pelo povo angolano e à instauração de um regime republicano e democrático, com base na
independência total.
c) Abolição de todos os privilégios concedidos pelos regimes coloniais aos portugueses e a outros
estrangeiros.
d) A soberania do Estado angolano pertencerá inteira e unicamente ao povo angolano, sem distinção de
etnia, de classe, de raça, de sexo, de idade, de tendência políticas, de crenças religiosas ou de
convicções filosóficas.
5 – Reforma Agrária
a) .Aplicação de uma reforma agrária tendente a fazer desaparecer todas as injustiças, a liquidar o
monopólio privado da produção dos produtos de consumo agrícola, a realização do princípio: A terra
pertence aos que trabalham.
b) Nacionalização das terras dos adversários do movimento popular pela independência imediata e
completa de Angola, dos traidores e dos inimigos declarados do Estado Angolano, independente e
democrático.
c) Definição dos limites da extensão da propiedade privada rural, tendo em conta a situação agrária de cada
localidade.
d) Após a revisão dos títulos de posse de terras, compras pelo Estado, a preços justos, das terras que
ultrapassem os limites estabelecidos pela lei.
e) Distribuição de terras aos camponeses sem terra e àqueles que a não possuam em extensão suficiente.
f) Os beneficiários das terras legalmente distribuídas nada terão a pagar, nem aos expropriados nem ao
Estado.
g) Savaguarda dos direitos conquistados pelos camponeses no decorrer da luta popular pela independência
de Angola.
6 – Politica Social de justiça e de progresso.
a) Protecção pelo Estado dos direitos dos trabalhadores, dos camponeses e de todas as camadas sociais que
defendiam activamente a independência de Angola, a soberania, a unidade do povo angolano e a
integridade territorial do país.
b) Abolição imediata do regime de trabalho forçado.
c) Reconhecimento pelo Estado do direito dos trabalhadores de se organizarem sem sindicatos.
d) Respeito pela independência efectiva dos sindicatos e das organizações legais dos trabalhadores.
e) Instituição do dia de trabalho de 8 horas e aplicação progressiva de novas leis sobre a protecção do
trabalhador.
f) Fixação pelo Estado de um salário mínimo dos trabalhadores e aplicação rigorosa do principio: Trabalho
igual a salário. Abolição de todas as discriminações de sexo, idade, origem étnica e rácica.
g) Protecção das igrejas, dos lugares e objectos de culto das instituições legalmente reconhecidas.
h) Igualdade total dos direitos sem distinção de sexo, em todos os planos: politico, económico, social e cultural.
As mulheres terão rigorosamente os mesmos direitos dque os homens.
i) Aplicação da assistência social. Assistência a todos os cidadãos angolanos desprovidos de recursos e
vitimas de doenças ou de desemprego involuntário, ou tenham atingido a velhice ou estejam inválidos.
j) Liquidação progressiva do desemprego. Garantia de trabalho aos operários, empregados, funcionários e aos
jovens que acabem os seus estudos.
k) Assistência privilegiada a todos os cidadãos inválidos em consequência a sua participação activa no
combate pela independência de Angola. Assistência às famílias dos que tombaram pela Pátria.
l) Instituição no campo de meios eficazes e suficientes para a assistência médica e sanitária gratuita às
populações camponesas. Desenvolvimento equilibrado à escala nacional dos serviços de assistência
médica e sanitária.
m) Assistência do Estado à mulher grávida e à infância. Protecção às mães solteiras.
n) Liquidação da prostituição, do alcoolismo e do uso da droga.
7 – Desenvolvimento da instrução, da cultura e da educação
a) Liquidação da cultura e da educação colonialista e imperialista. Reforma do ensino em vigor, na base da
realidade cultural, económica e social do povo angolano. Desenvolvimento da instrução, da cultura e da
educação ao serviço da liberdade e do progresso pacífico do povo angolano.
UNITA
ESTRUTURAS
Artigo 1: Definição
A UNITA é um partido revolucionário que agrupa todos os angolanos que lutem pela liberdade nacional e pela
independência do país.
Artigo 2: Estrutura
1. A ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA compreende a nação a província, o distrito, o conselho e a aldeia.
a) A escala nacional existe o congresso que se realiza todos os quatro anos; a conferência anual; o Bureau
politico e o comité central. Os métodos da UNITA baseiam-se em três princípios: Direcção colectiva,
centralismo democrático, critica e autocrítica.
b) Em cada província e em cada distrito, um comité é eleito pelos habitantes.
c) A nível do conselho, existe uma assembleia do povo, igualmente eleita pelos habitantes.
d) A aldeia é a organização de base. Em cada aldeia existe um comité local sempre eleito pelos habitantes.
e) As células são compostas de 3 a 9 pessoas e funcionam a todos os níveis administrativos do partido.
Para o trabalho clandestino, as células constituem o único meio de difundir as aldeias do partido.
2. A ORGANIZAÇÃO MILITAR da UNITA (FALA) compreende:
a) A nível da nação:
1) O supremo comando militar, encarregado de discutir a estratégia da luta armada de todas as forças
nacionais.
2) O Chefe do Estado Maior, que elabora a táctica a partir da estratégia definida pelo supremo
comando.
b) A nível da região:
1) A Região Militar
2) O Chefe do Estado Maior Regional.
IDEÁRIO
Artigo III: Fins Imediatos
1. Continuar a mobilizar todos os angolanos especialmente os camponeses, os assalariados, os
intelectuais revolucionários, a fim de criar uma base sólida para a luta de libertação nacional.
2. Lutar contra o analfabetismo e desenvolver a consciência politica do povo angolano.
3. Combater energeticamente o tribalismo, inimigo latente da unidade nacional.
4. Unificar todas as forças angolanas possíveis a fim de lutar sem desfalecimento contra a dominação
colonial.
5. Tirar as forças angolanas possíveis a fim de lutar sem desfalecimento contra a dominação colonial.
6. Intensificar o processo de reconhecimento das zonas libertadas, a fim de obter o bem-estar e o
conforto material de todos os habitantes, até à completa reconstrução do território nacional.
7. Ensinar aos militantes da UNITA a necessidade de luta de classes no quadro da revolução
democrática e nacional.
a) Para que o nosso combate seja dirigido pela vanguarda revolucionaria da sociedade
angolana.
b) Para que a nossa revolução e democracia seja acompanhada de uma revolução socialista,
única garantia da defesa dos interesses das classes mais oprimidas e da justa distribuição dos meios
produtivos.
8. Denunciar as tendências derrotistas daqueles que contam com a boa vontade do inimigo para
encontrar uma solução ao problema da independência nacional.
Artigo IV: Formação de uma Frente Democrática Unificada de Angola.
A unidade de acção de todas as forças que me Angola combatem pela independência nacional é necessária. A
experiência demonstrou que, sem a unidade de todas as forças patrióticas angolanas, a vitoria contra o inimigo
será difícil. Não desperdiçar as nossas energias inutilmente.
1. A UNITA está pronta a participar numa larga frente democrática, ao lado das outras formações políticas
que lutam, com as armas na mão, contra o colonialismo português.
2. Para se democrática, essa frente deve reunir todos os patriotas angolanos, todas as organizações
nacionalistas, todas as personalinades politicas anticolonialistas, todos os grupos relegiosos, as
associações sindicais e estudantis que se opõem ao colonialismo português. Mas uma unidade
verdadeira, capaz de resistir às intrigas imperialistas, deve basear-se em princípios ideológicos claros,
traduzidos na prática pela dinâmica da luta de classes.
3. A UNITA está pronta a aderir a uma vasta frente de todas as forças revolucionarias que, na África
Austral, lutam contra os regimes minoritários dos racistas que exploram e oprimem os nossos povos
respectivos. Todas as forças revolucionarias do continente Africano devem estabelecer uma estratégia
comum na luta contra o nosso inimigo comum. À unidade revolucionaria do inimigo, devem nós opor uma
unidade revolucionaria que nos permita atingir, os nossos objectivos.
4. A UNITA está igualmente pronta a participar numa vasta frente de todas as forças progressistas do
mundo, lutar em comum contra o colonialismo e o imperialismo, fim de salvaguardar os interesses da
paz, na liberdade, a democracia e do socialismo.
5. Em relação a qualquer auxílio eventual do estrangeiro a UNITA reserva-se o direito de conservar a sua
total independência.
Artigo V: Membros
Todo o angolano que aceita lutar pela aplicação da carta da UNITA pode tornar-se membro do partido. A
admissão de novos membros faz-se sob recomendação de dois militantes do partido, devendo ser aprovada por
um dos seus órgãos, por exemplo, o comité local.
Artigo VI: Politica Nacional
Os objectivos da UNITA são os seguintes:
1. Instaurar em Angola um governo soberano de maioria africana.
2. Libertar e desenvolver todas as forças produtivas do país.
3. Libertar todos os prisioneiros políticos detidos pelo regime colonial.
4. Reconquistar, a totalidade da nossa independência nacional.
5. Organizar eleições gerais no espírito da declaração universal dos direitos do homem, com vista à
constituição de uma assembleia nacional, a partir de 18 anos. A Assembleia Nacional será o órgão
supremo do Estado e devera discutir a constituição que garantia os direitos fundamentas de todos os
cidadãos. Antes de entrar em vigor, a constituição será aprovada pelo povo, por ocasião de um referendo
à escala nacional. Todos os deputados da assembleia Nacional gozarão da imunidade parlamentar.
6. Garantir a integridade territorial de Angola.
Fonte: José de Freitas, Amadeu. Angola: O Longo Caminho da Liberdade; 1975, Morais editora,
Lisboa, p. 115-128.