Enviando Por Email LIVRO PEDRO E OS LOBOS PARA DEGUSTAÇÃO PDF
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https://www.amazon.com.br/Pedro-Lobos-Chumbo-trajet%C3%B3ria-guerrilheiro-ebook/dp/B07K2HTVFL/ref=lp_17873926011_1_8?s=digital-text&ie=UTF8&qid=1546550014&sr=1-8
Sobre o autor:
João Roberto Laque é formado em Jornalismo pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade
de São Paulo — USP — universidade onde também cursou História.
Professor nos anos 1980, foi também redator do jornal Folha de São Paulo e editor de textos da
Revista Nova Escola, da Fundação Victor Civita.
Depois de se dedicar durante 13 anos à vida de empresário no ramo editorial, enveredou pelos rumos
da literatura escrevendo o romance ainda inédito Os Bêbados da Praça da Matriz e este Pedro e os
Lobos.
Atualmente João Roberto se dedica a finalização de outra biografia, a dos José de Carvalho — os
Irmãos Metralha da Guerrilha Brasileira — e a um romance ambientado entre 1951 e 1966 que contará
a história da Ferrovia Bahia&Minas.
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PEDRO E OS LOBOS
Os Anos de Chumbo na trajeto´ria
de um guerrilheiro urbano
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PREFÁCIO
Guerreiros são pessoas
São fortes, são frágeis
Guerreiros são meninos
Por dentro do peito
Precisam de um descanso
Precisam de um remanso
Precisam de um sonho
Que os tornem perfeitos
Gonzaguinha, Guerreiro Menino
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Descida ao inferno
Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou
castigo cruel, desumano ou degradante.
Artigo 5º da Declaração Universal
dos Direitos do Homem, 10/12/48
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Erro crasso
O trabalho se fez com tantos erros sob o aspecto de segurança clandestina
que seria de se admirar se tivesse dado certo.
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Contrabandista amador
A ditadura trabalhava com a ideia de que o criminoso existia antes mesmo do crime
ser cometido: estava preliminarmente estabelecido quem eram os elementos
perigosos, aqueles que se opunham, em qualquer nível, à “revolução”.
Caroline Silveira Bauer, O Departamento
de Ordem Política e Social do Rio Grande do Sul
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— Você tem razão, companheiro! É melhor deixar o Fusca por aqui e seguir a pé.
Já perto da Ibiti, os dois resolvem cortar caminho por uma picada aberta no
capinzal.
— Demos alguns passos e já vimos a traseira de um carro de combate
do Exército estacionado lá na estrada da chácara.
Com todo o cuidado para não ser percebida pelos soldados, a dupla volta ao
Fusca e trata de desaparecer daquele lugar.
Filhote de Lobo
Sou caipira, Pirapora, Nossa
Senhora de Aparecida.
Ilumina a mina escura e funda
O trem da minha vida.
Renato Teixeira, Romaria
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Pedro Lobo com um ano no colo do avô José Moreira. Ao lado a avó Franscisca.
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— Tenho poucas lembranças daquele tempo. Mas uma ainda é muito forte: a
da minha mãe me carregando nos braços quando ia pra capina. Com a cabeça
tombada por cima do ombro dela, eu ia acompanhando o ritmo cadenciado de
seus calcanhares subindo e descendo aquelas trilhas de terra batida. Tum, tum.
Tum, tum. Tum, tum. E eu me divertia muito com aquilo.
Sem direito a brinquedos ou qualquer outro mimo, muito cedo o rebento dos
Lobos de Oliveira se vê integrado à rotina de trabalho do casal.
— Eles chegavam na roça, me penduravam numa rede e iam pegar na enxada.
E eu ficava ali, deitado, mastigando um naco de carne de bode defumada até o
final da tarde, quando terminava o trabalho.
Pobreza total
Os boias-frias quando tomam umas
“birita” Espantando a tristeza sonham
Com bife à cavalo e batatas fritas
E a sobremesa é
Goiabada cascão, com muito queijo
Depois café, cigarro e o beijo
De uma mulata chamada Leonor
Ou Dagmar.
João Bosco e Aldir Blanc, O rancho da goiabada
M etida nos cafundós da Serra do Mar, a família do seu José Lobo segue
levando uma vida de absoluta penúria. E, para complicar, o casal insis-
te em iruma
levando aumentando a família.penúria. E, para complicar, o casal
vida de absoluta
ins — O pai se casou duas vezes e teve um monte de filhos. Mas meus irmãos
não chegavam a viver muito. Nasciam e logo iam morrendo de tudo quanto é
doença: coqueluche, sarampo, tosse comprida...
De gênio irrequieto, o pequeno Lobo vai crescer nesse mundo rural
e, quando não está com os pais no bananal, está fazendo traquinagem.
— Fui um menino muito peralta, fazia malandragens assim, no sentido
cômico da coisa. Por exemplo: meu pai tinha dois gatos e eu sempre quis
aprontar alguma com os bichos, meio que para fazer graça. Um dia, o velho foi
numa reza e aproveitei para atiçar o cachorro contra os coitados. Ele chegou em
casa no final da tarde e pensou em voz alta:
— Poxa, que coisa esquisita! Não estou conseguindo achar meus gatos.
— Quando ele descobriu que fui eu o responsável pelo sumiço dos bichanos,
tomei uma tunda daquelas. Mas não liguei, porque estava acostumado a apanhar
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quase todo dia. Minha mãe ainda batia com vara de marmelo, o que era muito
mais doído. Ela me batia de tarde, e na manhã seguinte eu já estava aprontando
outra, porque fazer peraltice, pra mim, era uma festa.
O filho de seu José está com 9 anos quando Maria Francisca passa por uma
séria complicação na gestação de mais um rebento.
— Minha mãe, já em estado terminal, chamou o pai e disse: “Olha, Zé! O
Pedro, quero que você mande estudar em São Paulo. A Ondina – minha
irmãzinha que estava com um ano – vou levar comigo”.
— Dito e feito! Ela morreu no dia seguinte, e a menina, seis meses depois.
Desrespeitando o último pedido da mulher, seu José Lobo não manda o filho
para a escola em São Paulo ou a qualquer outro lugar, e o menino vai continuar
crescendo naqueles sertões sempre longe dum banco escolar.
— Fui vivendo feito um bicho do mato que nem um calçado usava. Quando
ia pra cidade, no meio do caminho tinha uma bica onde a gente lavava os pés e
punha os sapatos. Na volta, ali se ficava descalço de novo, mas os pés já estavam
cheios de bolhas.
Dois anos mais tarde, o pai de Pedro migra para a cidade vizinha,
Caraguatatuba, e consegue emprego na fazenda São Sebastião, uma unidade
produtora de bananas e frutos cítricos do grupo inglês S.A. Frigorífico Anglo.
Aqui, finalmente, o menino tem a chance de fazer o curso primário. E, como
todo pré-adolescente que se preze, acaba se enamorando pela professora.
— Tem mulher que a gente jamais esquece. Com 10 anos, me apaixonei pela
dona Luiza, que tinha o dobro da minha idade, porém ela nunca ficou sabendo.
Mais tarde, essa mulher ainda quis me levar pra São Paulo, porque, naquele
tempo, era comum um pai pobre dar os filhos pra serem criados por pessoas de
melhor condição.
Seu José não permite a ida de Pedrinho com sua paixão platônica para a
capital, e ele vai continuar crescendo em meio aos bananais. E será na
convivência com as agruras do trabalho na roça que o menino vai começar a
perceber o abismo que separa patrões e empregados em pleno Estado Novo, uma
ditadura comandada por Getúlio Dornelles Vargas, que se autoproclama O Pai
dos Pobres.
— Ali, eu já analisava o contraste entre a opulência e a miséria. Enquanto os
ingleses que dirigiam a propriedade viviam em chalés luxuosos construídos lá no
alto do morro, os brasileiros trabalhavam como peões de roça, ganhavam uma
miséria e eram obrigados a morar em choupanas construídas na beira da várzea.
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V ivendo sob o governo Vargas, seu José Lobo não tem formação política
que lhe permita se posicionar diante das nuances ideológicas daqueles
que se digladiam em busca do poder. Mesmo assim, é obrigado ir à luta.
— Meu pai havia servido o Exército e era votante do Partido Republicano
Paulista. Mas, politicamente, não sabia onde estava, não tinha nada na cabeça.
Em 1924, veio à capital pra combater o general Isidoro Lopes Dias porque os
militares mandaram. Na Revolução Constitucionalista de 1932 foi a mesma
coisa, lutou por São Paulo obrigado.
Mesmo crescendo em um ambiente apolítico, lá pelos 12 anos o futuro
militante comunista presencia um crime que marcará, para sempre, sua
personalidade social.
— João Alves, um dos empregados da Fazenda onde eu morava, estava
doente. Então, pra aliviar um pouco o esforço do trabalho na roça, ele
providenciou um cabo mais comprido pro seu penado.
Pedro conta que o administrador da fazenda São Sebastião fica furioso
quando percebe a modificação na ferramenta.
— Aquilo era proibido pelos ingleses por mero capricho. Porque não havia
nada de mais em se ter um penado com o cabo um pouco maior.
Sentindo-se desrespeitado, Douglas Batchelar faz questão de humilhar o
empregado na frente dos outros trabalhadores.
— O inglês discutiu com o João no almoxarifado, xingou ele de tudo quanto
é nome e ainda lascou um tapa na cara do coitado. Depois, colocou o empregado
no olho da rua sem direito a nada.
Naquela época, num lugar de poucas propriedades rurais produtivas e
esparsas cidades, como era a região de Caraguatatuba, quem fosse demitido não
arrumava mais trabalho. Com os filhos infectados pela malária, sem dinheiro ou
lugar para morar, o lavrador se desespera.
— No dia seguinte bem cedinho, João Alves pegou uma garrucha e foi
esperar o inglês no sopé dum morro.
Como faz toda manhã, mister Batchelar — de terno de brim cáqui e chapelão
Panamá —, manda encilhar seu cavalo manga-larga e, após saborear um farto
breakfast, sai para a cavalgada matinal.
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— Quando o inglês chegou àquele sopé, João Alves saiu da tocaia e disparou
o primeiro tiro. Dizem que o administrador ainda gritou, com seu sotaque
carregado:
— Não faz essa, João! Não faz essa!
— Mas de nada adiantaram as súplicas do gringo. A segunda bala pegou bem
no meio do peito e ele morreu na hora.
Acionada a polícia, o ex-empregado da Anglo será preso em flag rante.
— Aquele crime se transformou numa pendenga internacional, porque o
governo britânico pediu a extradição do assassino para ele ser julgado por um
tribunal de lá. Na época, contaram até que os inglês ofereceram o peso de João
Alves em ouro ao Getúlio Vargas, mas ele não teria aceitado, alegando que a
dignidade de um brasileiro não tinha preço.
Menino valente
Eu faço minha caçada bem antes de saí o só,
Espingarda de cartucho, patrona a tiracó Tenho
buzina e cachorro pra fazê forrobodó
Só me alegra quando pia lá pra aqueles
cafundó
É o nhambu chitã e o chororó
É o nhambu chitã e o chororó.
Serrinha e Athos Campos, Chitãozinho e Chororó
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Quando Pedro completa 15 anos, seu José já tinha deixado a São Sebastião
para se tornar um pequeno sitiante. Certo dia, os pés de milho da roça, que estão
começando a pôr espigas, amanhecem destruídos pelo gado de um vizinho.
Pedro Lobo aos oito anos junto dos pais, José e Maria Franscisca. Do lado esquerdo, sua tia Augusta.
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— O pai foi falar com o dono do animal, e ele ficou furioso. Não pagou o
prejuízo e ainda quis bater no velho. Fiquei tão revoltado, que tive a
intenção de esperar o cara lá no mato e me vingar. Mas a gente era tão pobre
que nem uma espingarda tinha.
Por mera falta de arsenal, a primeira vítima do furor justiceiro do futuro
guerrilheiro escapa ilesa. No entanto, a partir daqui, um profundo sentido de
ética pessoal passa a nortear sua vida.
E lá se vai a castidade
O que será que me dá
Que me bole por dentro, será que me dá
Que brota à flor da pele, será que me dá
Que me sobe às faces e me faz corar
E que me salta aos olhos a me atraiçoar
E que me aperta o peito e me faz confessar [...]
Chico Buarque de Hollanda, O que será — à flor da pele
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do acontecido. E deu um bafafá danado. Só meu pai não disse nada. Ficou me
olhando com o sorriso meio orgulhoso de quem pensa: “Meu filho se destacou
como homem. Fez o papel dele e mostrou que é macho”.
— Como o marido da Dirce podia querer se vingar, fiquei preparado com
minha faquinha na cinta. Mas ele não reagiu, não apareceu lá em casa nem me
chamou na casa dele para conversar, não fez nada.
Para Pedro, a maior consequência do affair no vagão de adubo foi mesmo a
perda de sua namorada oficial nesta época.
— A Raimunda era uma menina muito brava e não quis saber de desculpas.
Quando fui procurar ela em casa, não teve acordo: me xingou de tudo quanto foi
nome e me abandonou no mesmo dia.
Salvando o que dá
Se eu demorar uns meses,
Convém, às vezes, você sofrer.
Mas depois de um ano eu não vindo
Ponha a roupa de domingo
E pode me esquecer.
Leonel Paiva e Chico Buarque de Hollanda, Acorda amor
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Q uando descobrem que Pedro está preso, José Nóbrega e o sargento Darcy
Rodrigues decidem ir a Santo Amaro apanhar o armamento e parte da
papelada da organização que havia sobrado no aparelho. O problema surge
quando, ao deixar a rua Dona Margarida, os dois avistam uma blitz policial.
— Assim que entramos na avenida Nossa Senhora do Sabará, demos de cara
com uma barreira armada pelo Exército. E nós com um Fusquinha lotado de
armas, granadas e dinamite.
Sem outra saída, José Nóbrega engata uma ré e pisa fundo no acelerador
numa transloucada fuga.
— Conseguimos andar uns cem metros sem bater em nada nem atropelar
ninguém. Aí, entramos na primeira rua que apareceu à direita e depois na
primeira à direita de novo. Fizemos, assim, uma espécie de “z” e caímos numa
ruazinha sem saída.
Procurando não chamar a atenção das pessoas que passam, a dupla estaciona
o carro no meio-fio e sai caminhando.
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Lobo acuado
[...] dar ao preso a impressão de que os órgãos de segurança não ignoram
nenhum detalhe de sua vida. Tudo está registrado, fichado, catalogado.
A comunidade de informação é onipresente e onisciente. Escuta telefonemas,
abre correspondências, acompanha as pessoas pela rua, enxerga e ouve através das
paredes, pousa na mesa de trabalho disfarçada em simples mosquito.
Nada escapa ao seu saber e a seu poder. Acreditar nisso é, para o preso,
admitir sua própria impotência.
Frei Betto, Batismo de sangue
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Apesar de sentir muita dificuldade para respirar, já que o sal lhe queima as
narinas e a garganta, o guerrilheiro se mantendo firme no propósito de nada
revelar.
— Segui negando, negando e negando até o Caetaninho, que estava chefiando
os investigadores, ordenar: “Desamarrem esse coitado!”.
Com a ordem de Benedito Caetano, os policiais descem a trave, soltam as
mãos e os pés do guerrilheiro e o acomodam em um banco.
— Eu estava muito mal, ofegante, com a garganta ardendo e as costelas em
estado de miséria.
O chefe do grupo de tortura coloca então a mão no ombro do prisioneiro e
lhe fala num tom paternal:
— Ô Lobo, você está morrendo à toa, rapaz! Seus amigos já abriram muita
coisa. Sabemos que você matou um capitão norte-americano, assaltou bancos,
invadiu quartel, explodiu bombas, fez isso, isso e aquilo. E acabamos de vir de
sua casa, onde encontramos vários objetos comprometedores. Então, não adianta
mais resistir.
Depois desse curioso diálogo entre um piedoso carrasco-mor e sua vítima em
frangalhos, o prisioneiro é levado a uma sala onde estão um morteiro
semiacabado e granadas fundidas artesanalmente.
— Eram coisas que eu estava fabricando e que tinham sido deixadas pra trás
pelo pessoal que limpou a chacrinha lá de Santo Amaro. Aí, bateu a preocupação
com minha família.
O medo de Pedro é o de que a Ida ou o Wladimir sejam torturados.
— Já pensou, se eles pegam minha mulher, o menino, e colocam lá numa sala
pra apanhar também? Se visse aquilo, a minha dor moral ia ser imensa.
Para alívio do prisioneiro, num pequeno deslize o delegado dá a pista
tranquilizadora:
— Olha, Lobo, você tem que contar pra a gente onde está sua mulher!
— Com aquela frase, fiquei mais sossegado. Percebi que minha família já
tinha sido colocada a salvo pelo pessoal da organização.
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Diáspora
Casas entre bananeiras
mulheres entre as laranjeiras
pomar amor cantar.
Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar... as janelas olham.
Eta vida besta, meu Deus.
Carlos Drummond de Andrade, Cidadezinha qualquer
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Mesmo tendo experiência naquele tipo de serviço, foi preciso penar muito pra
dar conta do recado.
Labutando de sol a sol no cabo do machado, da foice e da enxada, o boia-fria
Pedro não demora a perceber que sua jornada ao sonhado eldorado está
seriamente comprometida.
— Uma semana depois, fiz os cálculos e descobri que a gente estava se
tornando uma espécie de escravos brancos, já que a paga sequer cobria o custo
da comida e da cama. E ir embora não era permitido. Enquanto devesse pro
patrão, ninguém saía daquele lugar.
No final do nono dia de trabalho, o f ilho de seu José reúne seus
companheiros de viagem e arma uma fuga.
— A peonada dormia num barracão, e lá pela meia-noite todo mundo já tinha
pegado no sono. Então, fui puxando meus dois amigos pelo pé pra, na surdina,
juntar as tralhas e cair fora.
Seguindo pelos trilhos do ramal Santos-Juquiá da Estrada de Ferro
Sorocabana, no clarear do dia os caminhantes chegam à área urbana de São
Vicente.
— Sofremos pra burro naquela jornada, porque tinha muito pernilongo pela
beira da linha e só encontramos um pedaço de pão pra comer.
No meio da manhã, Pedro e seus amigos alcançam a Vila de Piassaguera, no
sopé da Serra do Mar.
— Entrei na estação e tentei comprar passagens no trem que seguia pra São
Paulo. Mas tinha lá um soldado que implicou com a minha faquinha e queria me
levar preso de qualquer jeito. Nessa, perdi a faca e ainda deu um trabalhão pra
convencer o cara a me deixar ir embora.
Desapontados com tantas agruras surgidas assim, logo de início, os outros
dois retirantes decidem desistir do périplo. Pedro bem que pensa em seguir
sozinho, mas seu espírito solidário acaba falando mais alto.
— Eu não podia deixar os companheiros voltarem sem mim. Então, resolvi
também encerrar ali a viagem.
A pé, os três amigos sobem até a Vila de Paranapiacaba e depois vão
contornando a borda da Serra do Mar pelas trilhas abertas no meio da mata.
— Quando a gente encontrava alguma casa pelo caminho, batia palmas pra
pedir comida. Tinha lugar em que aparecia uma mulher, que se assustava com
aqueles três marmanjões no portão e voltava correndo pra dentro. Mas o caboclo
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Partindo de novo
Adeus, nhô pai
Adeus, nha mãe
Adeus, meu pessoal
Tô indo embora
Pro mundo afora
E dentro de um bornal Levo
um restinho
De alegria
E um bocadinho de sal Que
cai dos olhos
De dentro deles
Como uma saudade, Mortal.
Rolando Boldrin, Adeus, nhô pai
O
Grosso.
f ilho de José Lobo passará mais dois anos trabalhando nos bananais até
conseguir dinheiro suf iciente para retomar sua jornada rumo a Mato
— Quando juntei quinhentos mil reis, uma nota grandona com o brasão da
República estampado na frente, decidi que era hora de partir de novo.
Cinco de abril de 51. Aboletado na carroceria do caminhão de um agenciador
de mão-de-obra, Pedro Lobo de Oliveira chega à cidade de São Paulo.
Disposto a reforçar seu caixa antes de seguir viagem, o migrante passa a
trabalhar como ajudante-geral nas obras da Cidade Universitária Armando de
Salles Oliveira. Ali, à margem esquerda do Rio Pinheiros, está sendo construído
o campus que vai abrigar a Universidade de São Paulo.
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Abrindo o bico
[...] Disse que eles não se envergonhariam nem se arrependeriam de sua condição de
revolucionários e de patriotas pelo fato de ter que suportar as consequências
de suas atitudes. [...] Quando os homens têm um mesmo ideal, ninguém pode isolá-
los, nem as paredes de um cárcere nem a terra dos cemitérios.
A mesma lembrança, a mesma alma, a mesma ideia, a mesma consciência e
o mesmo sentimento de dignidade alentam a todos.
Fidel Castro diante do Tribunal de Exceção em 16/10/53
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Rombo na estrutura
Eu vim servir ao Exército pensando que o Exército estava servindo ao povo, mas
quando o povo grita por seus direitos, é reprimido. Aqui, o Exército defende os
monopólios, os latifundiários, a burguesia. O povo é sempre reprimido. Esse
Exército é podre e eu não aguento mais...
Carlos Lamarca, Lamarca, o capitão da guerrilha
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Carreira militar
Marcha, soldado,
Cabeça de papel.
Se não marchar direito,
Vai preso pro quartel.
Cantiga de roda
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Tempos de cabo
Se servistes à Pátria e ela vos foi ingrata, vós fizestes
o que devíeis e ela o que costuma.
Padre Antônio Vieira
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Porre homérico
Com a marvada pinga
É que eu me atrapaio.
Ochelsis Laureano e Raul Torres, Marvada pinga
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Embrião de guerrilheiro
Operários de todo o mundo, uni-vos!
Karl Marx e Friedrich Engels, Manifesto comunista
N a segunda metade dos anos 1950, as notícias que chegam de Cuba sobre
a luta que Fidel Castro, Ernesto Guevara de la Serna e outros companhei-
ros travam contra Rubén Fulgencio Batista y Zaldívar mexem com o espírito
guerrilheiro de Pedro Lobo. Cada vez mais acuado, o ditador cubano parece não
ter condições de evitar a tomada do poder pelos barbudos de Sierra Maestra.
— A gente acompanhava a Revolução Cubana desde 1956. Lembro que o
jornal Última Hora publicava reportagem dos combates, e eu vibrava com
aquilo. Estava do lado dos revolucionários, e ali uma sementinha socialista já
germinava dentro de mim.
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Operação resgate
A ação seria a seguinte: eles viriam numa viatura do Dops pra levar
os quatro presos para o interrogatório. Eu estaria na guarda, como sargento
de dia, para liberar a entrada do pessoal. Era uma atribuição normal
de um sargento naquela posição. Liberava e saía também — se fosse o caso.
Carlos Roberto Pittoli, Mulheres que foram à luta armada
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A queda de novos militantes nos dias seguintes vai desmontar, de vez, a invasão
que poderia ter tirado nosso personagem central e seus dois companheiros da prisão.
Peregrinação de Ida
E se o fantasma ficar e se o cachorro latir E
se o silêncio gritar e se o pavor assumir E se
a mulher não topar e se o amigo sumir E se o
relógio parar e se o amanhã não surgir
Toquinho e Vinícius de Moraes, Tudo na santa paz
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Baixas em cascata
Quando caíram os quatro companheiros em Itapecerica, saí guardando as
pessoas. E tive que guardar muita, muita gente. Guardei o Diógenes e o Zé Nóbrega
na casa do meu irmão, Carlito Maia. Por sorte, eu tinha uma boa quantidade de
amigos que estavam solidários. Eram pessoas em quem eu confiava e que confiavam
em mim. Se não fosse isso, o estrago teria sido ainda maior.
Dulce Maia
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O jeito é Jânio
Ponho o chapéu na cabeça e saio, se me impedirem de governar com autoridade.
Jânio Quadros
Primeira prisão
Em 1º de fevereiro de 61, foi indiciado em Inquérito Policial (IP) por participar
da greve eclodida na Força pública (Corpo de Bombeiros) de São Paulo/SP.
Não constam outros dados sobre o assunto.
Ficha de Pedro Lobo nos arquivos da Abin
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Sublevar o continente
Vamos fazer da Cordilheira dos Andes a Sierra Maestra das Américas.
Fidel Castro
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Neste sentido, a onda guerrilheira que vai se espalhar por boa parte da
América Latina terá alguns manuais para se inspirar. O mais lido deles é A
revolução na revolução, de Jules Regis Debray.
Pressionado pelos Estados Unidos e pela União Soviética — que desde 1956
defende a coexistência pacífica entre capitalismo e socialismo — o governo
cubano trata de jogar uma cortina de fumaça sobre seu apoio às revoluções
armadas de esquerda que pipocam pelo continente.
Em agosto de 1961, Ernesto Guevara afirma durante a reunião da
cúpula econômica da Organização dos Estados Americanos, instalada no
balneário uruguaio de Punta del Leste:
Nós garantimos que nem um só fuzil sairá de Cuba, que nem uma única arma
sairá de Cuba para ser usada como arma de combate em qualquer outro país da
América.
Uma afirmação totalmente falsa, já que durante os Anos de Chumbo centenas
de armas vindas da Ilha entrarão clandestinamente no Brasil. Aliás, a primeira
carabina M-1 adquirida pela organização de Pedro Lobo é justamente um
presente de Fidel Castro.
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Eleito por esmagadora maioria, Jânio parece acreditar que sua saída abrupta
do poder não será aceita pacificamente pelo povão. E que, indignada, uma massa
popular irá às ruas para conduzir, nos ombros, o renunciante de volta à cadeira
presidencial.
Dias antes da renúncia, o envio do vice João Belchior Marques Goulart a uma
viagem oficial à China ajuda a corroborar essa tese. Sabe o presidente que a
direita e os militares desconfiam das opções ideológicas do ex-ministro do
Trabalho de Getúlio Vargas. A ida dele a um país comunista deve reforçar a ideia
de que, uma vez empossado no comando da nação, Jango não tardará a jogar
o Brasil na esfera do bloco socialista.
Outra evidência de que Jânio acredita mesmo numa volta triunfal ao poder é
que ele deixa o Palácio do Planalto carregando consigo a faixa presidencial.
De Brasília, o homem da vassoura voa à base Aérea de Cumbica, na Grande
São Paulo, onde inicia uma série de conchavos telefônicos com correligionários,
governadores e deputados.
Como ninguém sai às ruas para exigir sua volta, só resta ao presidente fujão
cumprir o que prometera na época da posse: por o chapéu na cabeça e cair fora.
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textos marxistas. O sargento Lobo está tão integrado aos quadros do Partidão que
ganha até um codinome: Paulo .
Tortura generalizada
Fui presa no dia 25 de janeiro, na frente da minha mãe, debaixo de pancadas,
num corredor polonês. [...] Eu era sempre pendurada nua, de cabeça para baixo.
Uma vez puseram um arame em minha vagina. O sargento metia a cabeça
entre minhas pernas e gritava: “Você vai parir eletricidade”[...] Fui barbaramente
torturada durante muitos meses. Eles me tinham ódio por várias razões — a primeira
delas eu ser mulher e estar resistindo como podia. [...]
Dulce Maia, As mulheres que foram à luta armada
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Traindo princípios
Eu juro, por Apolo, médico, por Esculápio, Higeia e Panaceia, e tomo por
testemunhas todos os deuses e todas as deusas, cumprir, segundo meu poder e
minha razão, a promessa que se segue: [...] Aplicarei os regimes para o bem do
doente segundo o meu poder e entendimento, nunca para causar dano ou mal a
alguém. A ninguém darei por comprazer, nem remédio mortal nem um conselho
que induza à perda. [...] Conservarei imaculada minha vida e minha arte.
Juramento de Hipócrates
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Resistir é preciso
Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Chico Buarque de Hollanda e Gilberto Gil, Cálice
Q uando a tranca da cela emite o som seco do atrito de ferro contra ferro,
um calafrio percorre a espinha dorsal de todos os presos que estão no
porão do Dops paulista. Pedro conta que este é um dos momentos de profunda
angústia.
— Aí, vinha o carcereiro e avisava pra alguém:
— Vamos subir!
— A gente deixava a cela já sabendo que ia passar por mais uma sessão de
tortura. E que podia não voltar, ou voltar todo quebrado. Por isso, quando se
ouvia aquela frase, todo mundo gelava.
O filho de seu José Lobo conta que, nesse mundo de barbárie generalizada,
o pior dos castigos, se é que pode haver uma coisa pior que outra, é mesmo o
choque elétrico.
— Ligava o fiozinho no dedo, no pênis, na orelha, e vinha aquela descarga. No
início eu tentava não gritar, dava uma de machão, mas o impacto era tão forte, que
o grito acabava saindo de qualquer jeito. Tenho a impressão que o pulmão se
encolhia e o som saía sem querer. Depois, passei a gritar mesmo, porque seria uma
forma de resistir, de abrandar a sensação de cada choque. Mas aquilo era terrível.
A ação dos policiais diante do preso amarrado e extremamente debilitado é
tão covarde, que durante o interrogatório Pedro terá duas de suas costelas
quebradas.
— Eu estava sentado numa cadeira e apanhando de dez. O Henrique Castro
Perroni Filho, um cara muito forte porque lutava boxe, veio correndo e me deu um
soco no peito. Deu como quis, do jeito que quis, porque com as mãos amarradas
eu não tinha como me proteger.
E a força da pancada é tanta, que o militante da VPR perde os sentidos e cai
no chão.
— Quando acordei, estava sem poder falar, de tanta dor. Mas ainda assim
ouvi o chefe do interrogatório gritar: “Porra, Perroni! Você podia ter matado o
cara. Aí não ia ter como arrancar mais nada dele”.
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Primeiros focos
A bandeira que adoramos
Não pode ser manchada
Com o sangue de uma raça
Presa ao cabo da enxada
Hino do camponês
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Governo conturbado
O presidente está de mãos atadas.
Leonel Brizola
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Desamparo
O mesmo alento que nos conduziu, debandou
Tudo o que tudo assumiu, desandou
Tudo o que se construiu, desabou
O que faz invencível a ação negativa
Eduardo Gudin e Paulo César Pinheiro, Mordaça
I nstalada na casa da prima e já sabendo que não terá grandes problemas com
a polícia, Ida Lobo vai ao Dops tentar rever o marido. Dois meses já se
passaram desde a prisão e agora, oficialmente, ele não está mais incomunicável.
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Dois PCs
A revolução brasileira não é ainda socialista, mas antiimperialista
e antifeudal, nacional e democrática.
Documento do PCB depois do 5º Congresso
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Ninho comunista
É evidente que vocês nos acusam de querer abolir a vossa propriedade.
De fato, é isso que queremos.
Karl Marx e Friedrich Engels, Manifesto comunista
A década de 1960 vive o auge da dita Guerra Fria, com Estados Unidos
e União Soviética disputando espaços de influência pelo mundo. Nessa
briga por corações e mentes, tudo se ideologizará, da Igreja aos bancos escola
res, do trabalho nas fábricas à vida no campo.
No quartel da Força Pública onde Pedro trabalha e mora, o clima não é
diferente. E o militante comunista continua fazendo a cabeça dos companheiros
de farda.
— Fui ficando cada vez mais boca dura, mais revolucionário. Falava de
política perto dos oficiais, defendia o socialismo abertamente com os colegas e
não estava nem aí.
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O Ipes ainda investe pesado na propaganda contra o governo. Nos dois anos
em que João Goulart estará no poder, cerca de 300 mil exemplares de livros com
temas de direita e 2,5 milhões de folhetos de conteúdo antijanguista serão
editados e distribuídos à população. Matérias e editoriais também vão ser
plantados em jornais, revistas, rádio e televisão. Tudo para passar ao povão a
imagem de que o Brasil está se tornando um país caótico, à beira do abismo
comunista, e governado por um presidente fraco e desestruturado.
A Escola Superior de Guerra é outro campo fértil à pregação da direita
ressentida. Os oficiais que a dirigem — muitos com estágios em bases norte-
americanas da América Central — querem se livrar, o mais rápido possível, de
João Goulart e da caterva vermelha que o apoia.
Nesse clima de desestabilização permanente acontecem as eleições de 7 de
outubro de 1962. Nelas, Jânio Quadros, o presidente fujão que já está de volta
ao país e à vida política, perde o governo de São Paulo para o direitista
Adhemar Pereira de Barros, famoso pelo bordão: O homem rouba, mas faz.
Na Guanabara é eleito o ferrenho anticomunista, antijanguista e anti qualquer
coisa que estiver à esquerda do espectro político, Carlos Lacerda. Completando
o quadro oposicionista nos Estados, em Minas o novo governador é o banqueiro
Magalhães Pinto, em Alagoas, Luís Cavalcanti e no Rio Grande do Sul, Ildo
Meneguetti.
Volta o presidencialismo
Prometo manter, defender e cumprir a Constituição da República,
observar suas leis, promover o bem geral do Brasil, sustentar-lhe a união,
a integridade e a independência.
Juramento de João Goulart ao assumir a presidência
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Polop e Ap
O que unia a todos era a oposição à linha do PCB, adotada em 1958,
segundo a qual era necessária uma aliança com a burguesia nacional para completar
as tarefas democráticas burguesas no Brasil. Nós achávamos que as lutas contra os
elementos pré-capitalistas da sociedade brasileira, como a estrutura agrária, contra o
imperialismo e pela implantação da democracia não poderiam se realizar nos marcos
de um capitalismo nacional democrático, tal como o Partido Comunista e o ISEB
defendiam naquele momento.
Theotônio dos Santos, A Polop e o debate
de alguns de seus teóricos com o PCB
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— Posso pôr aí nessa conta o Nilton Fernandes, que presidiu nosso inquérito,
e o Waldy Simonetti que aparecia de vez em quando lá na minha cela. Eu estava
com a costela quebrada pela tortura, todo arrebentado, sentindo muita dor, e ele
trazia analgésicos, me comprava remédios. Esses delegados nunca me
torturaram.
O ex-sargento sente até certa complacência dos dois policiais durante a
montagem do inquérito da sua organização.
— O doutor Nilton, em várias fases do processo, demonstrou que queria
ajudar a gente. Quando terminaram os depoimentos, tava aquela pilha de pastas
em cima da mesa e ele me disse:
— Olha Lobo, o inquérito está montado. Amanhã, estas pastas vão para a
Auditoria Militar e meu trabalho estará encerrado. Mas ainda queria conversar
mais um pouco com você. Pode ter certeza que nada do que disser vai ser escrito,
então você responde se quiser.
— Pois não, doutor Nilton, pode perguntar.
— Primeiro, quero saber: quantos anos de cadeia você acha que vai pegar?
— Isso eu não sei, porque não tenho direito a um advogado e, pelo visto, nunca
vou ter. Mas acredito, pela altura dessa pilha de papéis, uns 80 anos, por aí.
— Ele deu uma risadinha e confirmou:
— É! Vai ser por aí mesmo.
— Só que não vou cumprir isso tudo não, seu delegado!
— Quando ouviu aquilo, ele arregalou os olhos. Acredito que veio na cabeça
dele: “Esse cara está pensando em tentar uma fuga”.
— Aí, ele perguntou, com ar de desconfiança:
— O que você pretende fazer pra não passar esse tempo todo na cadeia?
— Veja o senhor: hoje estou com 38 anos, somando mais 80, serão 114. Ora!
Está na cara que vou sair antes, doutor, bem encaixotadinho, mas vou sair antes.
Porque ninguém dura tanto tempo aqui na Terra, não é, seu delegado?
— Ele ficou aliviado quando viu que aquilo era só uma piada e riu. Também
ri. Aí, ele quis saber se eu ia confirmar, lá na Auditoria Militar, o que tinha dito,
sob tortura, nos interrogatórios. Acho que ele quis dar uma dica pra eu negar tudo
na Auditoria. Que ali, se negasse, voltava pro pau. E ele ainda fez um elogio a
minha pessoa:
— Olha Lobo! Não concordo com o que você fez, porque se concordasse não
estaria aqui como delegado e você como preso. Mas, admiro sua firmeza. Na
minha história de polícia, é inédito ver alguém que, apesar de saber que está
numa situação de receber pena altíssima, fica aí nessa tranquilidade, como se
nada estivesse acontecendo.
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— Ele falou isso porque, como funcionário do governo, não podia entender
minha postura mesmo. Eu lutava por uma ideologia, uma causa, e ele lutava
apenas pelo salário no final do mês. Então, completei:
— O senhor crê que fiz tudo de errado. E, diante das leis da ditadura, serei
mesmo condenado a penas bem pesadas. Mas, perante a minha consciência,
tenho a plena convicção de que não estou errado, que fiz algo pela pátria.
Portanto, minha consciência me absolve plenamente.
Gordo em apuros
Quando sua detenção estava sendo conduzida, Hamilton começou a se debater
e a gritar por socorro. Uma pessoa desconhecida que o acompanhara até a firma
entrou armada, disparando. Os tiros feriram várias pessoas e acertaram Hamilton, pois
um dos investigadores o usou como escudo, levando-o a falecer no local.
O desconhecido e mais duas outras pessoas fugiram. Foram apreendidos um
revólver e cinco balas que Hamilton havia deixado embrulhados em um banco
da firma, no saguão de entrada.
Ofício do delegado Alcides Cintra Bueno Filho, 11/02/69
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Onze Companheiros
A organização do nosso povo, eis a tarefa urgente e imprescindível neste momento.
Povo desunido, povo desorganizado, é povo submetido.
Leonel Brizola no manifesto de organização
dos Grupos de Onze Companheiros
A partir de 1963, Pedro Lobo passará a fazer parte do Grupo dos Onze
Companheiros ou Comandos Nacionalistas, uma milícia civil criada por
Leonel Brizola para servir de base a um futuro partido revolucionário de
esquerda.
— A proposta do Brizola era muito boa e logo me engajei nela. Vi ali uma
garantia de poder reagir no caso de um possível golpe da direita.
Tendo como objetivos declarados a união de pessoas em torno de conquistas
democráticas, o apoio às reformas de base de João Goulart e a libertação da
pátria da espoliação internacional, a entidade brizolista amplia rapidamente seus
quadros.
O número fixo de 11 membros por célula se explica por uma artimanha do
cunhado de Jango: facilitar a assimilação de sua estrutura pelos brasileiros tão
afeitos à prática do futebol.
As Forças Armadas não demoram a desconfiar dos singelos propósitos
declarados por Brizola para sua organização e passam a denunciar os Onze
Companheiros como unidades paramilitares. Na visão dos milicos, a união de
duas ou mais dessas células se assemelhariam a um pelotão. E a junção dos
pelotões desaguaria numa companhia de combate. Em resumo: o cunhado do
presidente está cuidando de montar seu próprio exército.
À luz da verdade, as Forças Armadas não estão tão erradas assim. Em caso
de golpe de Estado, os integrantes dos Grupos dos Onze têm mesmo instruções
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para fundir suas células três a três, numa espécie de pelotão. Daí, surgir a
companhia de combate é um pulo.
— No início de 1964, Brizola avalia que já são 24 mil os Grupos de
Onze Companheiros espalhados pelo Brasil. Os órgãos de informação das
Forças Armadas, entretanto, identificam apenas 1.298. Mas os militares ficam
de orelha em pé porque, mesmo pelo número apurado por eles, em pouco mais
de um ano, a proposta já mobiliza mais de 13 mil pessoas no país.
S setembro de 1963, Pedro Lobo e seus cole gas de f arda — soldados, cabos
e sargentos — estão novamente em pé de guerra. Tudo porque, no dia 11
o Supremo Tribunal Federal considera os subalternos das Forças Armadas
impedidos de participar de atividades políticas. Todo aquele que já exerça algum
cargo eletivo terá seu mandato suspenso.
— O sargento Aimoré Zoch Cavalheiro foi eleito deputado estadual pelo Rio
Grande do Sul, e não lhe deram posse. Elegemos outro sargento, o Antônio
Garcia Filho, deputado federal pelo Rio de Janeiro, e também não deram posse.
O subtenente da Polícia Militar e presidente do Centro Social dos Sargentos,
Herotildes Carvalho de Araújo conquistou uma cadeira na Câmara de Deputados
e não pôde assumir. Aí, surgiu nas forças armadas um movimento de
visibilidade. E toda a sargentada se mobilizou pra brigar pelo direito de votar e
ser votado.
Para marcar posição, nos primeiros minutos do dia 12, um grupo de 650
sargentos e cabos da Força Aérea e Marinha de Guerra, sob o comando do 1º
sargento da Aeronáutica, Antônio Prestes de Paula, se rebelam em Brasília.
Armados, eles invadem o Departamento Federal de Segurança Pública, a Estação
Central da Radiopatrulha, o prédio do Ministério da Marinha e o Departamento
de Telefones Urbanos e Interurbanos da capital.
Cortadas as comunicações do Distrito Federal com o resto do país, os
amotinados saem pelas ruas capturando oficiais ou qualquer outra autoridade
que lhes surja pela frente. Além do ministro do Supremo Tribunal Federal, Victor
Nunes Leal, e do presidente da Câmara dos Deputados, Clóvis Mota, dezenas de
coronéis, majores e capitães viram reféns dos subalternos.
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Agindo com rigor, homens do Exército — única arma a não aderir ao levante
— conseguem sufocar a rebelião. O confronto deixa um saldo de dois mortos —
o fuzileiro Divino Dias dos Anjos e um civil, Francisco Morais — dezenas de
feridos e 536 militares presos.
Levados à Guanabara, os revoltosos são encarcerados no barco-presídio Raul
Soares. Entretanto, para a fúria do oficialato, todos os envolvidos acabarão
anistiados por João Goulart.
Pedro Lobo não está em Brasília, mas participa ativamente da mobilização
em São Paulo. Tanto que sua ficha nos órgãos de informação ganha mais uma
anotação:
Mantém ligações com os representantes da Comissão Regional Pró-
Elegibilidade dos Subtenentes e Sargentos.
Desentendimento geral
[...] Julião desorganiza nosso trabalho. Ele defende teses erradas. [...]
Temos que dizer-lhe que sua atuação junto ao PCB atrapalha.
Giocondo Dias, em reunião do Comitê Central do Partidão
O mês de março de 1964 começa com João Goulart tentando fazer vingar
suas reformas de base. No apoio à proposta está um cipoal de siglas que
vai do centro às esquerdas mais radicais. Se alinham com Jango o Partidão, de Luiz
Carlos Prestes e Pedro Lobo, e a Frente de Mobilização Popular liderada por
Brizola e que abriga, entre outros grupos, a ala mais à esquerda do PTB, a UNE,
as Ligas Camponesas, o Comando Geral dos Trabalhadores, as organizações dos
subalternos das Forças Armadas, a Frente Parlamentar Nacionalista e vários
sindicatos independentes.
Com tanta entidade política e social reunida em torno do presidente, seu
governo começa a se mostrar um verdadeiro balaio de gatos, em que ninguém se
entende e as tendências se engalf inham entre si.
Para aumentar o imbróglio nas esquerdas, o pessoal da Polop, em nome de
um socialismo mais científico, desanca Jango, as Ligas Camponesas, o Partidão
e a esquerda católica abrigada na Ação Popular.
Do Nordeste, o governador de Pernambuco Miguel Arraes de Alencar,
também vai ao ataque chamando o governo — que ele mesmo diz apoiar — de
medíocre, rotineiro e sem um programa consistente. Representando as Ligas
camponesas, Francisco Julião também ataca Jango taxando-o de latifundiário e
lacaio do latifúndio.
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Cabeça erguida
É provável que o tempo faça a ilusão recuar
Pois tudo é instável e irregular
E de repente o furor volta, o interior todo se revolta
E faz nossa força se agigantar
Eduardo Gudin e Paulo Sérgio Pinheiro, Mordaça
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Janguista convicto
Se os generais estão comigo, não há razões
para que os sargentos também não estejam
João Goulart
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Militância incômoda
Sinto algo na vida, não apenas uma força poderosa, força interior
que sempre senti [...] um sentimento absolutamente fatalista de minha missão
que me despe de qualquer medo
Ernesto Guevara, Che Guevara, uma biografia
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A caminho do brejo
Contra a inflação, Brizola é a solução.
Pichação nos muros do Rio de Janeiro
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Leonel Brizola dá
entrevista no
Palácio Piratini
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— Não general. Não estou enganando o senhor de jeito nenhum! Tudo o que
declaro aqui é a mais pura verdade, o senhor pode ficar tranquilo.
— Eu tinha que usar a inteligência contra o inimigo. E aquele oficial, pelo
menos ali, não era muito agressivo. Lógico que, quando tinha alguma coisa que
realmente não batia, o sujeito era mandado pro pau. Ia entrar no couro outra vez.
Mas ali, ele nunca gritou, nunca deu tapa em ninguém.
O escrevente, capitão Danillo Rubens Marini, até que percebe a sacanagem
do preso. Mas, diante da superioridade hierárquica de Luiz Phelippe, não ousa
fazer qualquer crítica à condução dos depoimentos.
— Esse capitão era muito mais esperto. Quando o general saía, ele dizia pra mim:
— Seu filho da puta! Pensa que não sei que você está mentindo, que está
enrolando o general. Se me deixasse te pegar por meia hora, eu ia fazer você
vomitar toda a verdade. Sua sorte é que aqui, sou apenas um escrevente.
Nelson Chaves, que chegou a acompanhar alguns destes depoimentos, conta
que Luiz Phelippe ficava furioso ao perceber-se enganado pelo Pedro:
— O general olhava pra ele e dizia:
— Você está me dizendo que participou deste roubo aqui, daquele assalto ali
e de mais um atentado acolá. Só que todas essas ações no mesmo dia e quase na
mesma hora.
— Mas participei de tudo isso, sim senhor.
— Só se você fosse Deus, Pedro Lobo! Só se fosse Deus pra conseguir fazer
tanta coisa ao mesmo tempo.
— Não sou Deus, general, mas estou chegando lá. Então, o senhor pode
registrar aí no inquérito que fui eu mesmo que fiz tudo isso.
— O Pedro assumia ações e mais ações na tentativa de livrar seus verdadeiros
autores da tortura. O problema é que, às vezes, ele chamava pra si uma coisa lá
que os policiais já tinham creditado a outra pessoa. Aí, a gente entrava no pau de
novo porque os dados não batiam e os interrogatórios tinham que ser refeitos.
As discussões com Carneiro da Cunha são tão intensas que chegam a atrair a
atenção do soldado que costuma acompanhar os interrogatórios.
— Um dia, quando o general saiu da sala com o escrevente, os dois foram
tomar um café, fiquei sozinho com esse recruta e ele me falou:
– Nossa! Como o senhor tem coragem de dizer tudo isso prum general? Eu
admiro muito isso!
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Marcha direitista
Não podem ser levantados os rosários da fé contra o povo que tem fé numa
justiça social mais humana e na dignidade de suas esperanças. Os rosários não
podem ser erguidos contra aqueles que reclamam a discriminação da propriedade da
terra, hoje ainda em mãos de tão poucos, de tão pequena minoria
João Goulart
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Subestimando o inimigo
Assim que os conspiradores puserem suas cabeças
para fora, eles serão degolados
Luís Carlos Prestes
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Tudo pronto
Ninguém mais pode se iludir com um golpe contra o governo. Continuarei
a cumprir o mandato outorgado pelo povo, lutando com o apoio das Forças Armadas,
pela emancipação econômica do Brasil. Que todos os brasileiros ajudem a fixar, no
solo do país, a bandeira do Brasil de amanhã, o Brasil das reformas
Discurso de João Goulart no Automóvel
Clube do Rio de Janeiro
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Diante de tão embasado pedido, a data fica fechada meio que por aí. Mas
problemas de última hora impedirão as tropas mineiras de ir às ruas antes da
mudança de lua.
Mesmo com sua derrubada sendo discutida em rádios, páginas de jornais, rodas
de comadre e botequins de esquina, e com os militares já combinando a data ideal,
Jango segue confiante. Tanto que, na noite do dia 30, o presidente vai ao Automóvel
Clube do Rio de Janeiro participar do 40º aniversário da Associação dos Sargentos
e Subof iciais da Polícia Militar. Diante de seus ministros militares e mais dois mil
subalternos das Forças Armadas, ele garante que a ideia de um golpe de Estado no
Brasil é mera ilusão.
No dia seguinte, os quartéis mineiros entram em prontidão máxima enquanto
o banqueiro e governador do Estado, Magalhães Pinto ordena a prisão de todos
os líderes sindicais que apoiam Jango. Ele ainda recomenda às unidades do
Exército que passem a estocar gasolina para garantir o transporte das tropas no
caso do levante desaguar mesmo na guerra civil.
Golpe fatídico
Sargentos! Infelizmente, o senhor presidente da República, o comandante-chefe
das Forças Armadas, transformou-se no principal agente do comunismo
internacional em nosso país. Resolvi opor-me a esse ato de traição aos destinos
do Brasil e ordenei que as tropas de nossa Divisão de Infantaria marchem sobre
o Rio de Janeiro para depor um presidente que se esqueceu dos seus deveres
para com o povo. [...]
Olympio Mourão Filho, 31/03/64
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vendo outra pessoa fazendo tudo aquilo. Sensação de ácido lisérgico. Eu estava de
pijama e roupão de seda vermelho. Posso dizer, com o orgulho da originalidade:
Creio ter sido o único homem no mundo (pelo menos no Brasil) que desencadeou
uma revolução de pijamas.
A atitude precipitada de um general de apenas três estrelas nos ombros do
jaquetão pega de surpresa a cúpula das Forças Armadas e vários dos governadores
oposicionistas. Todos esperavam o desfecho do golpe para o início de abril, desde
que não fosse o primeiro dia, considerado, internacionalmente, como o da mentira.
Mesmo assim, a sublevação de Minas é absorvida pelas demais divisões
militares e as adesões se sucederão rapidamente, sem que os grupos leais ao
governo esbocem qualquer reação. As forças legalistas até detectam a marcha
dos tanques em Minas. Entretanto, João Goulart mais uma vez diz que não quer
derramamento de sangue e descarta qualquer reação. Por telefone, o presidente
impede o coronel Rui Moreira Lima de decolar da Base Aérea de Santa Cruz, no
Recife, com o esquadrão de caças que bombardearia a divisão insurgente. Anos
depois, o general Argemiro de Assis Brasil, chefe da Casa Militar de Jango, diria:
É claro que havia condições para resistir. Mas o presidente terminou com o
comando porque não era de seu feitio reagir. Camões disse: o fraco rei faz fraca
a forte gente.
Darcy Ribeiro, sociólogo e chefe da Casa Civil na época, diz em Aos trancos
e barrancos — Como o Brasil deu no que deu:
A insurreição da tropa de Juiz de Fora era fácil de ser debelada.
Compunha-se de recrutas e era comandada por um palhaço.
Assim, sem enfrentar um único combate, no dia 1º de abril os insurretos já se
aproximam das encostas da Serra de Petrópolis. E, o que deveria ser uma renhida
guerra civil se tornam um tranquilo passeio de tanques rumo ao litoral.
Na Guanabara, João Goulart deixa o Palácio do Catete e voa a Brasília
apanhar Maria Teresa, a bela primeira dama, de 23 anos. Em poucas horas, ele
decola de novo, agora rumo ao Rio Grande do Sul.
Mesmo com o presidente ainda em solo brasileiro, às onze da noite uma
sessão extraordinária do Congresso é aberta para que o senador Auro de Moura
Andrade declare vago o cargo de chefe da nação. No início da madrugada do dia
2, o presidente da Câmara, Pascoal Ranieri Mazzilli, está novamente empossado
como presidente interino do Brasil.
Pela manhã os militares já terão montado o Comando Supremo de sua
revolução. O movimento golpista estará sob a chefia de um triunvirato composto
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pelos chefes das três Armas, general Arthur da Costa e Silv a, brigadeiro
Francisco de Assis Correia de Mello e o almirante Augusto Hamann Rademaker
Grunewald.
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Sumário
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Primeiras baixas 95
Esperando uns e outros 96
Consolidando o regime 97
Começa a crueldade 98
Pega pra capar 99
Prisões em série 100
Não é para durar 101
Comandar o próprio fuzilamento 102
Suicídio como saída 104
Governo Castello 105
Epidemia suicida 107
Exoneração sumária 108
Relações públicas 109
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148
Sumário
Vanguarda popular e revolucionária
Ou ficar a pátria livre... 149
Pedro e o Capitão 150
Comando Marighella 153
1968, um ano para lá de explosivo 154
Primeiro roubo 155
Ação Libertadora Nacional 157
Intensificar a luta 158
Mártir no Calabouço 159
Enterro 160
Pau na estudantada 161
Missa sob tensão 162
Greve em contagem 164
Bomba no Estadão 165
Vai fechar 165
Palanque tomado 166
Siglas em profusão 167
Proibido proibir 168
Noite das Barricadas 170
Revolucionário, ma non tropo 172
Numerário para a luta 173
Concorrência explosiva 174
Explodir a Guanabara 175
No Brasil, o buraco é mais embaixo 177
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214
Sumário
A vez do Banespa
Carga máxima 216
Bombas e mortes 217
Reação fatal 218
Pagando o pato 219
Caçada a Marighella 220
Salvo pela incompetência 222
Armas para a guerrilha 223
Surge um pretexto 224
Expurgo na organização 225
Ato Institucional nº 5 226
Repressão brutal 228
Degola política 229
Império da tesoura 230
Debandada geral 233
Invasão do Crusp 233
Guerrilha como saída 235
Trocando de papel 237
Exército de super-homens 238
Vida dura 240
Erros e mais erros 241
Maçãs e pepinos dourados 243
Companheiro morto 245
Fazenda Ariranha 246
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278
Sumário
Ida para o campo
Propaganda revolucionária 280
Mais dólares 280
Costa e Silva sai de cena 282
Encontro inusitado 283
Pegaram um embaixador 283
Fim do MAR 286
Renasce a VPR 287
Liberdade para quinze 288
Operação delicada 290
Presídio Tiradentes 291
Pena de morte 292
Abalo no novo MR-8 293
Rotina carcerária 294
Movimento Revolucionário Tiradentes 296
Armadilha para a ALN 296
Segunda emboscada 298
Cumplicidade 299
Fleury massacrando Fleury 301
Mar de regras 302
Desvio de rota 303
Morte na Vila Cosmos 304
Ligações complicadas 305
Aparelhão 306
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341
Sumário
Duas quedas
Comida reciclada 342
Assassinatos mal disfarçados 343
Olavo Hansen 345
Segue a luta nas cidades 346
Tiroteio em Eldorado 347
Fogo cruzado 348
Futebol de cela 350
Tenente condenado 351
Tradição, família e propriedade 352
Arrependidos 353
Fuga espetacular 355
Mais arrependimento 357
Esquadrão na madrugada 358
Outro cônsul na mira 358
Capitão na geladeira 360
Salve a seleção 361
Celso Lungaretti 362
Outra chance 363
Escolha difícil 366
Angústia no Tiradentes 367
Ame-o ou deixe-o 368
Liberdade, abre os braços sobre mim 370
Encontro negado 371
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402
Sumário
Negociação difícil
Impasse total 403
Herói das montanhas 404
Liberdade para setenta 405
Simpatia pela causa 407
Entre os melhores 408
Rebordosa 409
Rubens Paiva 410
Violência de Estado 411
Coqueiro fuzilado 412
Agente Kimble 413
Assaltos e baixas 416
Estudantes assassinados 417
Volta a Havana 419
Loucura e traições 421
Prisão domiciliar 422
Execução pela esquerda 423
VPR perde seu Capitão 425
Chabu na ponte 426
Dente por dente 427
Segue a luta 429
Stuart Angel Jones 430
Desafio na Sé 431
Iara assassinada 432
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467
Sumário
Rumo à Santiago
O país de Allende 469
Sacode a capital 471
Censura prévia 472
Lembrando 64 474
Mortes muito estranhas 475
Milagre econômico 476
Viagem adiada 477
Reencontram-se os Lobo de Oliveira 478
Coroa de cristo 479
Balaio de gatos revolucionários 480
Teatro policial 481
PC do B perseguido no sudeste 483
Chacina na São Bento 484
Salvo pelo destino 486
Convite à delinquência 487
Suicídio e sequestro 490
Fuzilaram o delegado 491
Vingança na Mooca 492
Blitz em Santiago 493
Deduragem e morte 496
Traição 499
Canto de sereia 500
Agoniza a ALN 501
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538
Sumário
Triturando cacos
Derrota final 539
Desaparece Onofre Pinto 541
Tristeza na Alemanha 545
Onofre vivo 545
Volta à oficina 546
Cortina de veludo 548
Socialismo sem socialistas 549
Sobrou para o Partidão 551
Desesperança 554
Comunistas na berlinda 556
Ser ou não ser chileno? 557
Massacre contínuo 560
Regime quase perfeito 561
Herzog e Mário Fiel 563
Vodka para os russos 564
Chacina na Lapa 566
Desafio aos militares 567
Embate na caserna 568
Fim do AI-5 569
Último general no poder 570
O ABC das greves 571
Lenta, gradual e restrita 572
Perdoando a si mesmo 573
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