Sebenta Dto. Fiscal Parte I
Sebenta Dto. Fiscal Parte I
Sebenta Dto. Fiscal Parte I
FISCAL
Introdução
Exemplo: pense-se numa pessoa demasiado
autocentrada. Esta pessoa, muitas vezes, não é
Pensar o direito público é diferente de pensar o capaz de um olhar objetivo sobre a realidade e do
direito privado. A área público-económico-financeira impacto das suas ações sobre os outros, que podem
apresenta especificidades. Passando da Economia ser negativas.
Pública para as Finanças Públicas, compreendemos
que estamos a tentar perceber um modelo de
pensamento que tem a ver com uma intervenção do Se pensarmos o imposto desta forma autocentrada,
Estado e a forma como o Estado regula a sua corremos o mesmo risco. O que RCP propõe é não
intervenção e como arranja os meios para financiar pensar o imposto de forma autocentrada, e sim
a intervenção circunscrito a um modelo de contextualizada. O contexto é o seguinte: o imposto
pensamento estruturado, com regras específicas (há é uma das receitas públicas significativamente a
uma espécie de autolimitação). Nas Finanças mais importante do ponto de vista orçamental mas
Públicas, olhámos para a consequência de termos tem de ser sempre pensada de acordo com a big
um Estado e de ele ter de intervir. picture, o espaço em que se se situa, de maneira a
evitar o mais possível a ocorrência de problemas,
conflitos, tensões entre o aplicador (AT) e o
Agora, aprofundaremos a compreensão de como o
contribuinte. Nós (juristas) não nos podemos
Estado atua, pensa, estrutura e regula a forma como
esquecer que temos uma formação duplamente
obtém receita. Situar-nos-emos no lado da receita;
orientada:
especificamente, na receita fiscal.
(relações substantivas), há outra perspetiva: se este
quadro normativo não corre como devia, haverá
litígio e conflito. Ora, parte do papel do direito é
Além da ideia do direito público e do direito público também saber resolver estes conflitos. Enquanto
económico-financeiro, a segunda ideia fundamental juristas, temos de saber o que acontece quando os
é nunca encarar o Direito Fiscal como um ser intervenientes colidem nas suas pretensões. O
extraterrestre e algo autónomo. O direito fiscal e, direito tem de ser capaz de resolver o litígio. Cada
portanto, o imposto para ser bem pensado e bem vez mais há uma ênfase para privilegiar, porém, o
compreendido tem de ser sempre visto levando em caráter preventivo; um dos grandes objetivos do
atenção que estamos a estudar um dos meios de direito é que não haja litígio. Espera-se que o litígio
obtenção de receita pública. É o mais relevante do seja o último dos recursos. E aqui voltamos ao que
ponto de vista orçamental / quantitativo e isso dissemos antes: há que pensar bem o direito fiscal,
significa que, quando olhamos para uma norma o que passa por saber pensar bem as normas
fiscal, além do eminente caráter técnico, precisamos fiscais. E parte desse saber pensar bem é ficar
de compreender que as opções que o legislador sempre na nossa mente o contexto do imposto. Ele
tomou do ponto de vista fiscal são fruto de procurar não deve ser visto ao contrário do que julgam
angariar receita para fazer face a despesa. Com este muitos fiscalistas de uma forma
enquadramento em mente, compreendemos por descontextualizada, desprendida do seu
vezes as loucuras que a legislação fiscal contém e enquadramento nas finanças públicas, no entender
parte da complexidade a ela inerente. Se não de RCP. Deve ser visto no conjunto da variada
esquecermos que o Estado precisa receita, em face da despesa existente.
desesperadamente dos impostos para financiar
grande parte da sua ação / despesa pública,
compreendemos a pressão que existe para a
Em Finanças Públicas, vimos que o imposto é o
angariação dessa receita. E compreendemos
preço a pagar pela sociedade em que estamos
igualmente que pensar os impostos é sempre
inseridos. Isto é importante quer para o Estado, quer
pensar uma relação jurídica fiscal em tensão entre
para o aplicador do direito e, sobretudo, para o
o Estado (personificado na administração tributária /
contribuinte. É necessário compreender que o
autoridade tributária AT, quem aplica as normas
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cumprimento do dever de pagar o imposto também sistema fiscal, feito de um conjunto de impostos
deve recorrer à justificação do porquê da sua variado, com regras distintas e próprias para cada
existência: o preço a pagar pela sociedade que um deles. Mas, como sistema, ele está interligado.
temos institucionalizada (mas não só Há que saber caracterizar o sistema fiscal
aprofundaremos mais tarde esta noção). português, reconhecer os tipos de impostos e as
características dominantes de cada imposto e
analisar a forma como a UE (e também o espaço
internacional) influencia a construção do sistema
O que RCP quer na nossa cabeça: fiscal português.
ii) Estudar direito fiscal e compreender o imposto Um dos aspetos das regras das finanças públicas foi
deve sempre implicar não perder de vista o seu tornar claro que as regras da UE têm implicação nas
maior contexto. Ele é um dos tipos de receita do regras nacionais sobre finanças publicas. Também
Estado e existe, em primeira linha (mas não no âmbito fiscal existem regras da UE com
exclusivamente vejam-se os três elementos de profundas implicações nos impostos. Para além do
Musgrave). Se o imposto é um tipo de receita domínio fiscal da UE, o enquadramento e a ação
inserido nas finanças públicas, e se elas existem não
internacional e estrangeira têm impacto na forma
apenas para angariação de receita, mas podem
como as regras fiscais são construídas, aplicadas e
servir também para estabilização macroeconómica
e redistribuição, percebe-se que o imposto pode, e alteradas. Quando RCP se refere aos aspetos
irá certamente, servir para cumprir com esta tripla internacionais, refere-se ao trabalho de certas
missão. organizações internacionais no âmbito fiscal e que
tem implicação nacional (ex.: OCDE). Também se
refere à forma como os Estados negoceiam e
aprovam acordos para eliminar a dupla tributação,
instrumento internacional que condiciona a
Nota: Direito das Obrigações é uma precedência aplicação das normas fiscais nacionais. Pelo art.º 8º
recomendada para esta cadeira (além de Economia da CRP, a propósito da hierarquia das fontes,
Pública e Direito Financeiro e Fiscal) porque a sabemos que o direito internacional vincula as
relação jurídica fiscal é, no fundo, obrigacional. normas nacionais. Logo, também estes acordos
para evitar a dupla tributação vão condicionar as
normas fiscais nacionais.
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as legislações fiscais andem todas interligadas. A momentos/etapas do cálculo da determinação do
construção de uma pode provocar um impacto na imposto, associando a cada etapa as regras
outra. Também este movimento e esta relação têm aplicáveis. Voltaremos a frisar alguns aspetos
de estar bem reconhecidos por nós, o que torna económicos (esforço fiscal e nível de fiscalidade,
ainda mais complicado reconhecer a forma como o sobretudo). Trabalharemos (perfuntoriamente) as
direito fiscal funciona. questões do planeamento fiscal, da evasão fiscal e
da fraude fiscal, identificando princípios norteadores.
Olharemos para a relação jurídica fiscal (aqui são
importantes conhecimentos de DO). Há as questões
É também fundamental saber falar sobre as normas da UE e internacional, e depois disso abordaremos
fiscais específicas num imposto. É importante IRS e IRC coleta, deduções à coleta e imposto
analisarmos impostos em especial. Para RCP, há apurado no final (a ser pago ou reembolsado).
que entrar com mais profundidade no estudo dos
impostos em especial, mas não há tempo para
estudar todos os impostos em especial. Por isso,
trabalharemos sobre os chamados impostos sobre o
rendimento. Existem vários impostos sobre o
rendimento, sobre o consumo e sobre o património; Método de avaliação
vamos começar por analisar os impostos sobre o
rendimento, significando que vamos olhar para o
IRS (imposto sobre o rendimento das pessoas
singulares) e o IRC (imposto sobre o rendimento das
pessoas coletivas). Vamos fazer cálculo da
determinação do IRS, olhando para o Código do Exame final (100%).
IRS. Faremos isto para perceber que da correta ou
ou
incorreta aplicação da norma resulta um impacto no
quantitativo a ser pago. Aqui chegamos a uma das
Oralidade nas aulas (30%) + Exame final (100%).
dificuldades do direito fiscal: a linguagem usada pelo
legislador. Ela é difícil, densa, chata. Há que
perceber como se vai de uma norma para a norma
seguinte. Há uma lógica de sistematização dos
códigos fiscais, uma preocupação em apreender a
forma como a linguagem é utilizada e descodificá-la.
Para isto é necessário compreender o processo; isto
torna muito mais simples abordar outros impostos,
inclusive impostos de outras jurisdições. A
construção do imposto é semelhante worldwide, Introdução (continuação)
pelo que é útil saber pensar o imposto, ainda que
ninguém consiga ser especialista em impostos em
vários ordenamentos jurídicos. O IRC tem um
complicómetro associado: para saber bem IRC, há Mais uma vez, vamos enfatizar o contexto em que
que saber contabilidade, algo em que os juristas não se insere o imposto e trazer por esse contexto
são especialistas. Aproximamo-nos do IRC com algumas questões económicas, como pressão fiscal
essa noção bem presente; e precisaremos de e esforço fiscal, ligando à questão dos limites à
dominar alguns conceitos contabilísticos. cobrança de juros, para depois avançarmos para a
análise do direito fiscal, distinguindo-o do direito
tributário puro e da fiscalidade. Identificaremos que,
apesar de a natureza do direito fiscal ser pública, a
As primeiras aulas são alocadas à forma de pensar forma como o imposto está a ser cada vez mais
o fiscal. Devemos, desde o início, fazer leituras para desenhado implica uma aproximação ao universo
dominarmos isto. No capítulo das fontes, privado. Vamos identificar no nosso ordenamento
percebemos onde temos de beber direito fiscal.
Além das fontes internas nacionais, e além da UE e
do aspeto internacional, mesmo dentro de Portugal, das fontes.
as orientações administrativas internas à
administração tributária (AT) são também elas
essenciais para saber pensar e aplicar o imposto.
RCP preparou um case study com a contribuição
para o audiovisual, na versão pré-intervenção do T.
Constitucional e pós-intervenção. Passaremos em
vista classificações dos impostos e
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Nota: a atividade financeira pública está justificada
pelas funções atribuídas constitucionalmente ao
Estado.
PARTE I PARTE GERAL: DO
IMPOSTO
Recordemos que as receitas patrimoniais têm uma
importância contextualizada, cada vez mais na
contemporaneidade, na resolução de défices
1. NOÇÕES INICIAIS orçamentais. As receitas creditícias são importantes
para gerar liquidez, estabilização macroeconómicas
e, acima de tudo, obter receita para fazer face a
défices orçamentais. Estas receitas estão orientadas
receitas
tributárias tenham uma importância inequívoca, por
I-1. - O PAPEL DOS TRIBUTOS NA SOCIEDADE serem aquelas que, de um ponto de vista
E NA ATIVIDADE PÚBLICA orçamental, tendem a garantir (pretende-se que
garantam) a cobertura da despesa pública. São a
primeira linha; as receitas a que o Estado primeiro
O contexto do imposto nunca pode ser esquecido. recorre. Isto liga-se à função tradicional. Também no
âmbito das receitas creditícias podemos ter de emitir
receita para obter liquidez (tesouraria) e para fazer
uma intervenção macroeconómica. Mas na visão
tradicional, a primeira linha de obtenção de receita
pública é a das receitas tributárias. E podemos
afirmar que a primeira função das receitas tributárias
é a arrecadação de receita.
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Estado tem de arrecadar receita, e se os Estados elevado nível de fiscalidade resulte um elevado nível
sociais contemporâneos têm níveis de despesa de esforço fiscal. Se houver um nível de esforço
pública muito elevados, o que é que isso implica fiscal muito elevado, então o Estado deve ter a
para a quantidade de impostos arrecadados? Que noção de que não existe mais espaço para
sejam muito elevados. É, então, importante, quando sobrecarregar os contribuintes com impostos e
avaliamos a questão da quantidade (diferente da que, se não descer a despesa, tornar-se-á
qualidade) de impostos arrecadados, para necessário ir buscar a taxas, contribuições
percebermos bem do que falamos e das implicações financeiras, crédito ou património.
que uma tão grande dependência dos impostos
pode implicar, precisamos de levar em atenção dois Se tivermos de falar em política fiscal, e em todas as
conceitos económicos importantes a pressão fiscal decisões que o Estado/executivo (Governo, AR) tem
e o esforço fiscal. Estes conceitos são, sobretudo, de tomar sobre a distribuição da receita a arrecadar,
trabalhados por economistas e não juristas. não pode / não deve fazer
Na pressão fiscal, relacionamos o PIB (i.e., a riqueza Isto faz-nos suscitar a procura de algo de que
produzida numa economia) com a totalidade dos falámos em finanças públicas: saber se há ou não
impostos cobrados. Relacionamos aquilo que foi um limite à tributação. Nessa busca, é importante ter
produzido com o valor dos impostos cobrados. Isto a noção de como o Estado, mesmo que queira e
também se designa por nível de fiscalidade. precise desesperadamente de impostos, não pode,
sem mais, continuar a aumentar, aumentar,
aumentar, aumentar. É que dizem-nos os
economistas haverá um ponto onde, mesmo que o
Este critério é importante porque:
Estado crie as normas jurídicas coercivas que
obrigam à contribuição, das duas uma:
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existem três tipos de bases de tributação: contemporâneas, tal tem implicação na forma como
rendimento, consumo e património. Naturalmente, o Estado também vai, do ponto de vista qualitativo,
atendendo a esta multiplicidade, o Estado também desenhar o sistema fiscal e conseguir equilibrar os
opta por apostar numa destas bases de tributação interesses em presença, privilegiando capital em
do que noutras. Ou seja, embora possamos ter esta detrimento de trabalho, privilegiando consumo em
reflexão sobre o imposto em geral, sobre o nível de detrimento de capital, etc.
fiscalidade, o esforço fiscal e os limites à quantidade
do imposto (e a ideia de o Estado retirar meios à
economia privada), a verdade é que, também
quando olhamos para as três bases de tributação, o Assim, a aposta do Estado em sobrecarregar mais
Estado decidirá carregar mais numa em vez de aqui ou ali não é feita por o Estado gostar de ser
outra. Atualmente, os impostos que mais receita mau, e há que ter atenção a elementos quantitativos
fiscal produzem em Portugal são os impostos sobre e elementos qualitativos. Quando pensamos em
o consumo e não os impostos sobre o rendimento qualidade do imposto, podemos tender a pensar
ou o património. Dentro dos impostos sobre o num imposto justo, como juristas bem-intencionados
consumo, destaca-se o IVA. Isto coloca a seguinte que somos. Mas o certo é que pode haver problemas
questão: será o imposto sobre o consumo o mais na questão da justiça, havendo elementos que
justo? Entramos num nível qualitativo, de justiça influenciam a construção e implementação das
fiscal. Tem-se que os impostos sobre o consumo são opções fiscais.
proporcionais, ou seja, iguais para todos ao
contrário do que ocorre nos impostos sobre o
rendimento, que tendem a ser progressivos. No IRS,
temos uma tabela de taxa de imposto que varia por
escalões, consoante o rendimento for maior ou
menor: quanto menor o rendimento, menos imposto
se paga; quanto maior o rendimento, mais impostos
E quanto é que é isto? Não soa uma sineta a dizer
se paga. Mas são os impostos sobre o consumo os
quando devemos parar. Nem os economistas nos
que mais arrecadam. E mais: nos impostos sobre o
sabem dar uma resposta. Há conceitos que são
rendimento, entre IRS e IRC, o que mais receita
indeterminados. RCP ouviu o então presidente do T.
oferece é o IRS. Isto parece um pouco estranho:
Contas, Oliveira Martins, dizer que tínhamos
normalmente as pessoas coletivas trabalham com
atingido o nível máximo de fiscalidade e de esforço
valores muito superiores àquilo que a maioria dos
fiscal, e o prof. Bagão Félix disse que deveríamos
indivíduos tem, e ainda assim são os indivíduos que
procurar constitucionalizar um limite ao nível de
É isto justo? E por que é que acontece?
fiscalidade / pressão fiscal. Mas o facto é que, mal
Tem a ver com o impacto que as normas
ou bem, estamos todos cá e o nível continua muito
estrangeiras fiscais tem nas nossas normas
semelhante não se afastou tanto como se poderia
internas. Ao contrário do capital que é a base da
pensar. Lembremos a tendência crescente da
construção de uma pessoa coletiva e da sua ação
despesa; a receita tem de continuar a suportá-la. O
lucrativa muitas das pessoas singulares não têm a
que temos é um problema de habituação, pois,
mobilidade que o capital tem. Não se deslocalizam
quando o Estado aumenta impostos,
para outra residência com o puff! de uma
tendencialmente eles não retrocederão de forma
transferência bancária, em instantes. Assim, tende a
significativa. Olhando aos dados estatísticos que
tributar-se menos pesadamente o capital e mais
comparam a pressão fiscal portuguesa com a da UE,
pesadamente aquilo que não tem mobilidade.
ainda estamos aquém, por estranho que pareça.
Porquê? O imposto é a via privilegiada para obter
receita para financiar níveis elevados de despesa
pública. O Estado não pode prescindir dela; por isso,
sobrecarrega quando sabe que a vai conseguir. Isto Quando olhamos para as normas fiscais, há que não
não é símbolo de muita justiça fiscal. esquecer que o Estado, quando as constrói, tem isto
na cabeça. Isto é visível até nas normas
aparentemente mais insignificantes, micro.
O imposto é a receita privilegiada para o Estado
obter verbas para financiar a sua despesa pública, o
que faz com que haja uma pressão fiscal elevada, Exemplo: quando o Estado cria (no âmbito do IRC)
podendo gerar níveis elevados de esforço fiscal, um pagamento especial por conta sobre outras
mas é igualmente atendendo à questão do esforço retenções na fonte previamente feitas, ainda que
fiscal uma receita que tem limites quantitativos. depois permita deduções no imposto final a pagar,
Além dos limites quantitativos, não nos devemos ao exigir o pagamento suplementar, faz entrar
esquecer de que, precisamente por esta nuvem de dinheiro nos cofres do Estado - mesmo que possa
quantidade elevada que é o imposto nas sociedades ter de haver um reembolso passado algum tempo.
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Isto acontece, sobretudo, porque o Estado percebeu
que necessita de criar uma relação equilibrada com
Isto pode acontecer em normas substantivas de o contribuinte. É que é dessa relação equilibrada que
criação de suplementos, mas também em normas haverá uma maior adesão da parte do contribuinte a
procedimentais por exemplo, dizer que o Estado, um cumprimento voluntário, afastando-se a
tendo de reembolsar e reembolsando fora do prazo, litigiosidade fiscal. Mas isto também acontece
não tem de pagar juros (quando nós, quando porque o Estado percebe que, em face da
pagamos fora do prazo, precisamos de pagar juros). mobilidade dos fatores de produção e a busca que
estes fatores de produção fazem (questão da
competividade fiscal), o Estado precisa de aderir a
exigido interna e externamente e tem impacto junto um espaço de maior atratividade na norma fiscal.
das organizações internacionais e junto dos São, então, introduzidos alguns elementos na
credores. É mesmo preciso fazer face a um eventual relação jurídica fiscal que permitem algum consenso
défice ou iliquidez de tesouraria. entre contribuinte e administração tributária. Existe,
portanto, uma dupla dinâmica.
Nota: se o Estado tem dúvidas, mas quer interpretar
uma norma mais acerrimamente, forçando uma
liquidação de imposto que eventual gera litígio, no
período que medeia, o Estado fica com o recurso, o
que pode ser importante para a gestão das contas
públicas. Nota: existe, contudo, o princípio da
indisponibilidade do crédito tributário, segundo o
qual a AT nunca pode abdicar daquilo que a lei diz
ser devido ao Estado.
Nota 2: veja-se como o imposto é manipulável. Não
é simples compreender tudo isto; há densidade e
complexidade, há nuances embutidas. RCP nunca
quereria ser ministra das Finanças.
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autoliquidável (é o próprio sujeito passivo que
determina / liquida o imposto). Não só declara, como
I-2.c) -
aplica a lei fiscal, determinando o imposto devido (continuação)
pagar ao Estado ou que tem de ser reembolsado.
Nota: pode haver inspeções tributárias aleatórias, Depois de contextualizado o imposto e identificado
para haver algum controlo disto. que este imposto é trabalhado essencialmente como
um elemento público / em que o Estado tem poder
coercivo (e, por isso, identificado, como o objeto de
estudo do Direito Fiscal, sendo este um direito
Exemplo 2: vimos que as retenções na fonte
público), tal não significa que não tenhamos já nas
traduzem uma relação fiscal triangular. O Estado,
normas fiscais nacionais elementos que
por saber que não pode controlar tudo, depende de
tradicionalmente são assumidos como estranhos
alguns privados para fazerem o seu trabalho.
para um direito público.
Introduz a figura do substituto tributário. A retenção
na fonte, feita pelo terceiro, é mais um exemplo da
privatização do procedimento de liquidação do
imposto. Veja-se o seguinte esquema, recuperado Exemplo 1 (continuação): O primeiro exemplo que
de Direito Financeiro e Fiscal: demos foi o da privatização do processo de
liquidação. Vimos que o Estado, em face de um
número muito elevado de contribuintes,
precisa/depende da informação que estes
contribuintes lhe dão para proceder à liquidação do
imposto inclusivamente, apontámos que, se é
verdade que em alguns impostos o Estado recorre
ao contribuinte para ter acesso à informação que lhe
permite (ao Estado) liquidar o imposto
heteroliquidação em outros tipos de impostos (ex.:
IRC), o Estado não só recorre ao próprio contribuinte
para declarar / identificar os rendimentos obtidos,
mas igualmente para o próprio contribuinte liquidar o
imposto autoliquidação.
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para nivelar as posições na relação jurídica fiscal esta parte que paga a maior quantidade de receita
Estado / contribuinte. Nem sempre o Estado aparece fiscal; são as grandes empresas. Face à importância
como o suprassumo que impõe, sem mais, ao que as grandes empresas representam nos cofres
contribuinte a sua posição. Isto é visível se do Estado, há esta tentativa de criar uma relação
pensarmos em multinacionais, em capital, em jurídica mais equalizadora daí a criação de uma
mobilidade, em tecnologia. Se o contribuinte não unidade dos grandes contribuintes.
gostar de certa forma de tributar e do impacto que
isso tem no rendimento ou no consumo, pode
deslocalizar-se: procurar outra jurisdição fiscal que
lhe seja mais vantajosa. Nota: nestes exemplos, não se abdica de qualquer
das características do imposto. Não se retira
qualquer regra impositiva de indisponibilidade do
crédito tributário. Está, sim, a perceber-se que a
Obviamente que, para o Estado, isto são más existência de uma espécie de private banking é
notícias; é algo que coloca em risco a obtenção da importante para estes contribuintes no âmbito do
receita fiscal. Então, tem-se percebido que uma das processo fiscal.
formas que o Estado tem de tentar garantir que o
contribuinte adere voluntariamente ao cumprimento,
e sendo que há igualmente uma preocupação por
parte do Estado em atender às especificidades do Exemplo 4: existem contratos fiscais. Recordemos
agente económico (contribuinte), uma das imagens que o imposto é imposto; se não for cumprido
passa por tentar estabelecer uma relação jurídica voluntariamente, existem no OJ mecanismos que
fiscal como algo mais próximo de uma relação obrigam a esse cumprimento. O ato de liquidação é
cliente / provedor. um tipo executivo, permitindo à administração fiscal
executar automaticamente a sua dívida. Porém, na
sequência de se perceber que a mobilidade dos
agentes económicos pode gerar uma fragmentação
Um exemplo no nosso OJ é a chamada unidade dos muito grande e uma redução consequente muito
grandes contribuintes. Olhe-se para a LGT, art.º 68º- elevada das bases de tributação (tendendo aí o
B. Estado a perder receita fiscal), significa isto que a
legislação fiscal pode ser utilizada como elemento
de atração ao investimento, garantindo criação de
investimento na economia nacional com o
consequente aumento de receita fiscal, entende-se
que, em certas circunstâncias, deve a AT poder
negociar a obrigação fiscal. Isto pode parecer
Lei Geral Tributária (LGT) estranho. Se olharmos para o 37º da LGT,
encontramos uma norma que determina a
possibilidade circunscrita de serem construídos
Decreto-Lei n.º 398/98 contratos fiscais. Estes contratos fiscais atuam no
âmbito dos benefícios fiscais ou seja, estamos a
pensar numa alteração do regime normal de
tributação. Os contratos fiscais, tendo como base a
tributação normal de determinado rendimento,
Está prevista a criação de um acompanhamento consumo ou património, podem criar desvios a essa
permanente a estes contribuintes no processo de tributação normal, através da concessão de
gestão tributária. O Estado como que abre uma loja benefícios fiscais contratuais / contratualizados.
do cidadão fiscal especializada para estes Durante muito tempo, não tivemos espaço normativo
contribuintes; como se fôssemos a um banco e que nos explicasse de forma mais concreta esta
tivéssemos um gestor de conta dedicado. Há uma realidade. A tese de mestrado do prof. Casalta
preocupação de tentar nivelar as relações jurídicas, Nabais (Coimbra) incidiu sobre este tema. Hoje em
procurando estabelecer uma relação jurídica fiscal o dia, existe o Código Fiscal do Investimento,
mais pacífica possível. aprovado em 2014. Neste diploma verificamos que
aqui está estabelecido o regime dos benefícios
fiscais contratuais ao investimento produtivo. Não é
mau olharmos para o art.º 2º deste diploma, a
Quando pensamos em IRC, a maioria do IRC pago propósito deste tipo de benefícios; e para os arts. 3º
é-o como conjunto muito reduzido de empresas, o e 4º.
que parece contrastar com o nosso tecido
empresarial, pois mais de 90% das empresas
portuguesas são PMEs inclusive, muitas delas são
pequenas empresas ou microempresas. Mas não é
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norma fiscal se deva relacionar de forma diferente
com estes tipos de investimento.
Código Fiscal do Investimento
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extrafiscal. Um investimento produtivo/reprodutivo é
aquele que, no processo de criação de valor, utiliza
múltiplos elementos ou interesses, e produz
múltiplos impactos.
Derivados
Nota 2: uma das vertentes que começa a aparecer Exemplo 5: há arbitragem fiscal. Estamos
como relevante em RSE é o pagamento de uma fair habituados a pensar o imposto como algo coercivo.
share de impostos. Por que é que há uma loucura Se não concordar em pagar, o que acontece? Se
com os GAFA (Google, Apple, Facebook e ainda puder usar mecanismos de procedimento
Amazon)? Não pagam impostos na proporção da fiscal, utilizo; se já não puder ou não quiser, posso
sua efetiva capacidade contributiva. E, por isso, a utilizar mecanismos de processo fiscal. Se tenho um
questão fiscal começa a ser utilizada como parcela litígio com a AT, posso resmungar para a AT ou para
associada à RSE. A UE tem um projeto para os tribunais. Se resmungo para os tribunais, o que
tributação das grandes tecnológicas. aparece? Há demora, e um espaço preocupante de
impacto negativo para o contribuinte tanto em
justiça individual, como de justiça coletiva de
impacto económico vantajoso pela retirada de
determinadas verbas. Porque a justiça fiscal é
demorada, criou-se a arbitragem fiscal. A arbitragem
é um dos instrumentos alternativos na resolução de
Nota 3: se se faz a distinção entre dois tipos de
litígios. A vertente fiscal foi introduzida em Portugal
investimento e a sua diferença em termos de
em 2011. Apesar de o imposto e de a AT não poder
tratamento fiscal, estamos a valorizar um elemento
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dispor do crédito fiscal, permite-se que, na resolução se existem ou não limites a obtenção do imposto.
de litígios, em vez de um tribunal tradicional intervir, Concluímos que sim, o que coloca uma maior
seja um tribunal arbitral a fazê-lo, significando isto pressão nas outras formas de obtenção de receita
que são nomeados árbitros especificamente para o pública. Há que ter uma leitura integrada do imposto
caso concreto, resolvendo o litígio fiscal em causa. com as finanças públicas. A crescente importância
Esta forma de resolver litígios não é tradicional para das contribuições financeiras e das taxas, bem como
o direito público. É algo desenvolvido no âmbito do a importância das receitas creditícias, e o papel das
direito privado, porque pressupõe que as duas receitas patrimoniais em tentativas de estabilização,
partes estão em igualdade de circunstâncias e surge aqui.
permitem que um terceiro / terceiros resolvam o seu
conflito terceiros esses que não são tribunais ou
juízes tradicionais, e sim um tribunal feito,
geralmente, de especialistas na área. É mais um Também verificámos que, ainda que o imposto e a
sinal que demonstra um espaço para a abertura ao ciência que o estuda do ponto de vista jurídico
privado no âmbito fiscal. (direito fiscal, diferente da ciência que o estuda
economicamente, a fiscalidade) implica uma lógica
de assumir o Estado as suas vestes de imposição
(ius imperii), tal não deve afastar a noção de que
também o direito fiscal - e, portanto, também o
imposto revelam abertura a elementos privados.
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abertura, uma relação jurídica que de certa forma abrem espaço para maior impacto económico
trata o contribuinte como cliente uma espécie de responsável), pode questionar-se se não devo criar
direito privado. mecanismos fiscais (através de contratos fiscais, por
exemplo) para investimento social.
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ver com uma lógica de cidadania ativa. Quando (TAF). Além de problemas administrativos gerais, há
falamos em entidades não lucrativas, secções alocadas às questões tributárias. Os
tendencialmente estamos a falar em entidades Tribunais Centrais Administrativos (TCA) norte e sul
pertencentes ao chamado setor social. também têm secções fiscais, e o próprio STA
também tem uma secção ligada à questão tributária.
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matéria tributária, com análise curricular e a decisão Nota 3: não há aqui arbitragem necessária; é sempre
de quem fará parte de uma lista de potenciais por escolha do contribuinte.
árbitros. Face a essa lista, que é pública, o
contribuinte se tiver a possibilidade de recorrer à
arbitragem tributária e assim decidir fazer pode
escolher o seu árbitro. Nesse caso, a AT escolhe
também o seu arbitro. Se não chegarem a acordo
quanto a um arbitro presidente, é o CAD (centro) que
faz a designação. Mas o contribuinte pode não
escolher o árbitro, determinando que seja o A propósito da natureza do direito fiscal,
presidente do centro deontológico do CAD que faça percebemos que, ainda que seja um âmbito público
a seleção do árbitro. Nesse caso, a AT também não e efetivamente público é certo que, em face da
escolhe. importância crescente do imposto na sociedade, do
impacto do imposto na economia e da necessidade
de balanceamento das posições do sujeitos da
relação jurídica fiscal, há alguma abertura na nossa
>>> Um terceiro aspeto: o tempo de resolução é OJ fiscal ao elemento privado - quer por
muito curto, comparativamente aos tribunais necessidade (ex.: liquidação) quer para garantir
tradicionais. A taxa de arbitragem é algo elevada, o atratividade económica de investimento e RSE (ex.:
que é criticado ainda hoje como não permitindo uma contratos fiscais), quer para garantir uma maior
situação de igual para igual em todos os efetividade e proteção dos direitos dos contribuintes
contribuintes só os que têm alguns recursos (ex.: através da criação da arbitragem fiscal).
podem recorrer à arbitragem e não ficar na
pendência dos tribunais tradicionais.
Essencialmente as coisas são feitas por escrito (há Olharemos para as fontes do direito fiscal,
possibilidade de oralidade nas testemunhas, mas é identificando os aspetos essenciais que temos de
tudo muito restrito) e não há, regra geral, a conhecer necessariamente, sejam elas fontes
possibilidade de recurso da decisão arbitral com internacionais ou internas. Vamos aqui enfatizar dois
duas exceções: prismas:
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multiplicidade de regras. A questão fiscal é muito abordagem? Enquanto que o objeto imposto no
importante. A preocupação em garantir o direito fiscal está sobretudo ancorado numa lógica
cumprimento devido do quadro normativo é de justiça e equidade, no elemento fiscalidade está
determinante, e para isso há uma importância enquadrado numa lógica económica, financeira.
crescente das orientações administrativas.
16
Neste exercício, para além da visão de conjunto do
direito fiscal, também está embutida do ponto de
vista pedagógico a preocupação em lançar
conceitos e complexidade desta área de saber. Não
só estamos a aproximar-nos a uma linguagem
técnica em que usamos linguagem diferente do
normal, simultaneamente compreendemos que este
vário vocabulário novo e complexo traduz-se, na
prática, numa conexão entre ele, aumentando o
nível de complexidade. Há que absorver conceitos e
apreender a aplicar, antes de começar a olhar para
os códigos. É preciso antes aprender a pensar o
fiscal, compreender o fiscal. Parte da complexidade
do sistema fiscal passa por não ser estável; está em
contínua mudança. É que há o enquadramento das
finanças públicas e da atividade financeira do
Estado, e dos limites qualitativos e quantitativos.
Para sabermos direito fiscal, mais do que artigos do
CIRC e do CIRS, é preciso ter isto em mente.
17
sua soberania, a soberania fiscal é aquilo a que fiscais dos vários EM meramente coexistam;
ainda se conseguem agarrar e de que não querem queremos que se harmonizem e se uniformizem
abdicar. Falamos de receita pública, e da receita (nota: também há comunicações muito relevantes
pública mais significativa para o financiamento da na área fiscal, mas não têm valor vinculativo).
atividade do Estado.
18
espaço comum, de regulação, sobretudo ao nível da Há algumas áreas, muito reduzidas e específicas,
tributação da base consumo. É por isso que aparece onde se acordou a harmonização, havendo um
o IVA imposto sobre o valor acrescentado. Este espaço muito lato para cada Estado decidir como
imposto existe em todos os EM. A regulação é feita construir o seu imposto.
uma parte por regulamentos, outra por diretivas há
uma mistura consoante as matérias. O IVA
demonstra que é fundamental a questão fiscal
concreta, a tributação sobre o consumo para a
dinamização de um mercado interno, assente nas
quatro liberdades, e que, por isso, se vão
compatibilizando os regimes dos sistemas fiscais
dos vários Estados através ora de regulamentos, ora
através de diretivas.
Dentro das bases de tributação, a que mais
tem tido espaço para harmonização e
alguma uniformização é a tributação do
Nota: há a questão da neutralidade como princípio consumo. O IVA é o paradigma, mas os
norteador fundamental a tributação não ser aquilo IECs também estão consagrados nas
que gera a decisão de intervir economicamente. normativas europeias.
Tendo de haver, há a tentativa de criar mecanismos
de neutralidade dentro da tributação efetiva. No âmbito da tributação do rendimento, há
uma grande retração dos Estados em
assumir e aceitar essa retração. Ainda
assim, existem algumas diretivas sobre a
Nota: no IVA, há quadros norteadores comuns, mas matéria, determinado sobretudo um a
certos aspetos foram deixados à discricionariedade intervenção em áreas muito especificas,
dos Estados, tendo em atenção que o IVA prevê três nomeadamente nas sociedades (tributação
tipos de taxa: taxa máxima (normal), taxa intermédia das pessoas coletivas), o que implica uma
e taxa reduzida (e, em tempos, houve a taxa zero transposição para as OJ dessas diretivas.
abdicámos
português pró- a
comissão quer que seja tudo pela taxa máxima, até
porque parte do financiamento europeu vem de uma
parcela do IVA dos Estados
19
Se, pelo contrário, não for considerado residente em
Portugal do ponto de vista fiscal, a tributação será
A harmonização negativa baseia-se no caso pelo rendimento bruto, por retenção na fonte. Não
concreto. Pode haver casos, em várias áreas e no haverá obrigação de declarar o que quer que seja, e
fiscal é determinante em que quem faz a o imposto devido é retirado do rendimento bruto,
harmonização não é o legislador comunitário e sim sem atenção às circunstâncias individuais do
o TJUE, a jurisprudência comunitária. contribuinte. Não há dedução possível ao
rendimento ilíquido.
A norma tem este específico conteúdo: estamos a Para determinar a residência fiscal, o critério não
determinar quem é sujeito de IRS, e estamos a dizer tem a ver com a nacionalidade, e sim com a
que quem é residente em Portugal vai ser tributado permanência física no território. Passei mais de 183
pela totalidade dos seus rendimentos (worldwide dias em território português, mas sou do
income). Há a ideia de que quem é residente do Bangladesh? Naquele ano concreto, sou tributado
ponto de vista fiscal é tributado pela totalidade dos em Portugal (17º CIRS).
seus rendimentos, onde quer que tenham sido
obtidos. Isso pode ser vantajoso. É que se eu for
residente e for tributado por todo o meu rendimento,
Isto é determinado pela legislação, embora certos
faço anualmente uma declaração de rendimentos e
Estados (ex.: Irlanda) permitam a opção sobre a
não sou tributado pelos valores brutos que recebo
residência fiscal. Isto não impede que possa ser
valores ilíquidos mas faço um conjunto de
considerado residente fiscal em dois ou mais
deduções, retirando valores que o legislador
estados, e tem de haver formas de resolver isso,
considera essenciais para obter esses rendimentos,
pois não vou ser tributado duas vezes pelo
e a tributação é feita sobre um rendimento diferente
rendimento total.
do rendimento bruto. A taxa de imposto incidirá
sobre 600; e é diferente ser tributado por 1000 ou
por 600, obviamente. Se for tributado por 600,
pagarei menos. Há uma redução que tem em Além da residência, outro elemento de conexão é a
consideração a situação individual do contribuinte. fonte. O legislador diz também: se não fores
considerado residente fiscal cá, mas tiveres cá
obtido rendimentos, vou tributar-te por rendimentos
que cá obtiveste como não residente porque sou o
20
estado da fonte, da origem dos rendimentos. Aqui é Dissemos também que, quanto ao conteúdo fiscal
só pelos rendimentos cá obtidos. normativo (as regras em concreto e a propósito das
bases de tributação em concreto), a maioria do
processo de integração ocorria nos impostos sobre
o consumo. Foi aqui que, desde o início, houve
Mas se a maioria dos rendimentos obtidos forem cá, espaço para uniformização e harmonização,
e eu for UE, então posso escolher ser tributado como sobretudo ao nível do IVA, mas também dos IECs
os residentes em Portugal (tenho de manifestar essa (têm bases UE).
vontade para isso acontecer).
Sumário: Fontes do direito fiscal (continuação). É importante ter atenção a normas internacionais
condicionadas por construção UE, que tanto pode
ser de harmonização como de uniformização. A
tendência é uma ultravalorização da harmonização
seja ela harmonização positiva ou negativa.
Vemos que existem casos concretos na nossa
Vamos continuar a identificação das fontes do direito legislação com impacto real e efetivo. Volte-se a
fiscal. Estávamos no tratamento do direito fiscal da frisar que se entende que as quatro liberdades têm
UE. Tínhamos dito que a temática fiscal surge, impacto na forma como as normas fiscais nacionais
desde logo, no TFUE, quer determinando que o devem ser desenhadas e interpretadas.
conteúdo fiscal é parte do conteúdo objeto de
integração portanto, eminentemente e
intimamente ligado às quatro liberdades mas
também afirma que o procedimento de integração Como fonte de direito fiscal, temos o direito fiscal
deste processo de construção fiscal deve passar por europeu, onde encontraremos diretivas,
uma regra de unanimidade. regulamentos e pelo impacto que tem na forma
como as normas nacionais são criadas
jurisprudência do TJUE. Já aqui há um manancial de
orientações que condicionam a construção nacional.
Verificámos que esta regra de unanimidade dificulta
muitíssimo a construção efetiva de um espaço de
integração fiscal. Dissemos que esta integração
ocorre por via de uma harmonização, mas em alguns Mais uma referência: há que ter em atenção que,
domínios também por via de uma uniformização. apesar de o que referimos ser hard law, não significa
Significa isto que encontramos matérias fiscais um desvalorizar de instrumentos de soft law. Como
reguladas por diretiva e matérias fiscais reguladas RCP já invocou, as comunicações da Comissão
por regulamento. sobre matéria fiscal são muito importantes e
influenciam comportamentos. A temática e a
discussão que existem no internacional entre hard
21
law e soft law, transposta para o nacional e que
existe transversalmente à UE como um todo, é um
aspeto também a ser atendido no fiscal. Há
mecanismos de soft law fiscais europeus. Têm uma
forma mais robusta: existe um código fiscal. Não é I-3.b)-iii. - Dinâmica internacional
um código normativo, não tem valor vinculativo) para
o comportamento fiscal das empresas), aprovado
por comunicação. Aquilo que a UE produz em
Abaixo da Constituição, temos o direito internacional
termos fiscais não se fica pela tradicional hard law;
fiscal. Aqui, estamos a falar de certas normas*
também temos soft law. Ela influencia
internacionais que procuram resolver problemas de
comportamentos, quer no desenho das normas dos
plurilocalização.
Estados, quer no comportamento dos agentes
económicos, quer na pressão que coloca nos
sistemas fiscais e relações internacionais fiscais.
22
Estado da residência e o Estado da fonte. Nessa 3 Significa então que há uma potencialidade muito
circunstância, tendencialmente, não há lugar a grande de ocorrer dupla tributação. Quando falamos
plurilocalização, porque é uma situação interna, com em dupla tributação, esta situação é uma chamada
conexão com apenas um território fiscal. Só ativa os dupla tributação jurídica internacional (outros tipos
elementos de conexão naquele território. de dupla tributação existem lá chegaremos).
23
internacionalmente o Estado assume o
compromisso de, naquela situação concreta, não O modelo de convenção, que é soft law (e não hard
efetivar a tributação. Muda tudo. A construção e law, como as convenções aprovadas e absorvidas
aplicação da norma nacional fica condicionada, no nosso OJ) apresenta esta dupla vertente:
alterada. orientação na organização dos poderes tributários
reconhecidos (organização dos artigos e dos
conteúdos desses artigos, mera recomendação não
vinculativa que pode oscilar nas convenções
individuais), e simultaneamente inclui um conjunto
de comentários aos artigos que ajuda à sua
Nota: quando procuramos identificar a fonte de interpretação (dos artigos do modelo de convenção).
direito fiscal que influencia a aplicação do nosso Há uma grande discussão doutrinária e
direito fiscal nacional a fonte é a convenção para jurisprudencial quanto ao valor desses comentários
eliminar a tributação específica. Se temos uma se são efetivamente vinculativos para a AT ou não,
situação com o Japão, tem-se que, em primeiro em que medida têm ou não impacto.
caso, a nossa fonte interna é a convenção Portugal-
Japão. Não é, no caso do Japão, a convenção
Portugal-Brasil; essa nada me interessa. As
convenções bilaterais são diferentes: posso ter Ou seja, também no internacional fiscal, a par da
acordado uma coisa com o Brasil e outra com o hard law (CDT específicas), também existe soft law.
Japão. Uma negociação internacional é feita de Exemplo dessa soft law (não único) é a questão do
equilíbrios. Podemos ter uma preocupação Portugal- modelo de convenção da OCDE para eliminar a
Japão mais com os rendimentos de capital, e dupla tributação, que contém não apenas corpo
Portugal-Brasil mais com os rendimentos normativo indicativo do conteúdo e das opções
profissionais. Isto faz com que na negociação haja efetivamente tomadas pelos Estados na distribuição
especificidades próprias daquela negociação. Tal do poder tributário, como também contém
provocará necessariamente desigualdade, mas é comentários que ajudam a interpretar as opções
uma desigualdade negociada. É diferente Portugal normativas desse modelo de convenção.
negociar com os EUA e com as Ilhas Maurícias (e
temos CDTs com os dois). Os EUA querem uma
coisa, têm mais poder, menos curvatura do que nós,
e naturalmente aparece a ideia de uma distinção de
tratamento.
Questão suplementar: porque se compreende que
há impacto negativo nesta ideia de mera
bilateralidade e de criação da tal discriminação, está
Todavia, para tentar criar um espaço comum e a discutir-se (não será amanh
atenção a RCP não usar a expressão uniformizado construção de convenções multilaterais para tentar
a OCDE (Organização para a Cooperação e evitar a dupla tributação, o que resolveria parte do
Desenvolvimento Económicos) tem, já desde os problema da diferenciação de tratamento. O
anos 60, um modelo de convenção que inspira as exemplo mais desenvolvido disso, que está à espera
negociações bilaterais. Este modelo de convenção de ser ratificado por muitos Estados, é, no quadro da
da OCDE contém a estrutura normativa usual, com OCDE e na sequência de um megaprojeto que
as opções recomendadas pela OCDE, que os ocupou os últimos anos da BEPS a criação deu
Estados devem incorporar nas suas convenções uma organização multilateral para alterar as CDTs
concretas. São recomendações. Também a ONU bilaterais todas de uma só vez, em bloco, para
tem um modelo de convenção semelhante, mas combater a fraude e evasão fiscal, e o planeamento
com algumas alterações para favorecer os países fiscal agressivo.
em desenvolvimento. Mas isto ainda complica: o
modelo de convenção da OCDE, além do normativo
que aconselha com as opções determinadas
naquele modelo, tem ainda aprovado em apenso Veja-se que, quanto mais mobilidade os agentes
um conjunto daquilo que é chamado de tiverem para escolher a jurisdição, tendo uma rede
comentários aos artigos, onde os Estados foram de acordos bilaterais diversificados, significa que
acordando interpretações aos artigos, à tal proposta quem tem mobilidade vai estudar os acordos e
de normativo do modelo de convenção por ex., deslocalizar-se para certa jurisdição para ficar com
quer sobre o que se entende pelo conceito de aquele acordo. É o que normalmente se apelida de
direção efetiva, quer sobre o que se deve entender treaty shopping. Uma das formas de combater isto é
por sociedade transparente e as implicações para a ter uma visão multilateral. De alguma maneira, o
dupla tributação. Há um grande grau de treaty shopping fica impossibilitado face a uma
complexidade que pode haver. harmonização das opções consideradas.
24
Nota 5: ainda que vejamos os poderes a tomar
certas opções, tal não significa que seja o caminho
mais vantajoso. Enquanto juristas, devemos
questionar certos aspetos. O facto de algo ser o
Nota: esta convenção pretende introduzir alterações natural e o normal é o adequado? O que pode ser
em certos aspetos, e que todos os membros da feito? RCP acha que não nos devemos demitir da
OCDE adotem isto. A ideia é alterar em bloco, mas responsabilidade. Isso tem de ser pensado,
não o total, apenas parcelas. estruturado e integrado.
Exemplo: há uma legislação norte-americana que RCP volta a frisar: o que estamos a identificar são
impõe deveres de comunicação internacionais, e instrumentos normativos. Dentro de cada um dos
impõe-nos unilateralmente aos agentes instrumentos normativos, temos também conteúdos
económicos. Isto existe e é aplicado. veja-se a separação. Identificámos os
instrumentos. E os conteúdos? Os regulamentos
atuam sobretudo no âmbito dos impostos indiretos
(sobre o consumo), impostos sobre o consumo
esses que também têm diretivas, sendo que as
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diretivas são claramente a opção assumida no plurilocalizada, cuidado: não posso aplicar a norma
âmbito dos impostos diretos (sobre o rendimento). nacional sem mais. Tenho de procurar saber se
Vimos que as diretivas da UE, em termos de existe ou não um CDT para saber como resolvo a
tributação do rendimento, atuam sobretudo no situação, uma vez que a norma fiscal nacional
âmbito da tributação das pessoas coletivas cederá em face do conteúdo do CDT. Mas estas
(sociedades) dividendos, juros, fusões, cisões. convenções, que são ainda bilaterais, significam que
Outras matérias suplementares podem ver a luz do o Estado está na necessidade de construir uma rede
dia no direito fiscal da UE, mas há a discussão se de CDTs; está a nascer uma lógica de
são verdadeira fonte de direito, porque não têm multilateralidade para certas situações em concreto.
caráter vinculativo: soft law, comunicações da Isto é hard law. Existem, ainda assim, certos
Comissão que até podem ser importantes (por ex.: instrumentos de soft law no âmbito internacional. O
tributação das empresas). exemplo mais importante, em face desta visão
bilateral e desta rede de convenções, foi perceber se
não havia qualquer instrumento que pudesse servir
de suporte a estas convenções.
Ponto 1: ao falarmos de fontes, estamos a identificar
instrumentos, mas a cada tipo normativo
corresponde um conteúdo, em termos de regime
construído. Identificámos o direito fiscal da UE como Há o modelo de convenção da OCDE sobre as
um direito que influencia o direito interno e a que, por CDTs. Este modelo é composto quer por um
isso, precisamos de ter atenção. Há formas conjunto de articulados (com conteúdos tributários,
jurídicas, fontes, mas cada forma tem um conteúdo determinação de competências tributárias
próprio, dentro da temática de cada tipo de imposto. consoante os tipos de rendimento), mas também é
texto corrido com comentários. Tem um aspeto
normativo, que influencia a organização e a tomada
de opções no âmbito dos CDT bilaterais, e tem um
Depois analisámos que, na nossa Constituição, conjunto de considerações tomadas pelos Estados
temos também um conjunto de normas que quanto às interpretações daquilo que é tido por regra
trabalham sobre a temática fiscal, a que a doutrina nos artigos. Também existe um conjunto de
normalmente apelida Constituição fiscal. O núcleo construção doutrinal de uma organização
duro desta está nos arts. 103º, 104º e 165º, i). Estes internacional sobre estas matérias do internacional
três artigos contêm princípios norteadores do fiscal. Falámos na questão de ser vinculativo ou não;
imposto, que desenvolveremos ao longo do dissemos que a maioria da jurisprudência e dos
semestre. Temos um texto constitucional com um autores não tem atendido aos comentários como
conjunto de conteúdos importantes no âmbito fiscal. algo vinculativo.
A fonte é a Constituição.
26
querem tributar o mesmo sujeito e o mesmo Hipótese 2 inclui, não isenta, mas no cálculo do
rendimento. Temos uma situação de dupla imposto final permite que se deduza o imposto pago
tributação jurídica internacional. Isto pressupõe uma no estrangeiro.
unidade: só pode haver uma residência e só pode
haver uma fonte. Todavia, porque as normas fiscais
que determinam a residência são muito semelhantes
no mundo todo, há um espaço crescente com a
mobilidade e a tecnologia ainda mais para haver
dupla residência, ou seja, um indivíduo ou uma Nota: a dupla residência dá origem a dupla
empresa ser residente em dois sítios. Isto não pode tributação. Qual é o conceito de dupla tributação
ocorrer. As convenções também resolvem este (jurídica internacional que vimos)? O mesmo sujeito
problema de dupla residência, dizendo qual é o passivo ser tributado duas vezes sobre o mesmo
território que tem a ligação mais forte, e onde, rendimento. Quando é que isto pode acontecer? Em
portanto deve ter primazia como Estado da uma de duas situações. A situação mais comum é
residência. quando existe um Estado da residência e existe um
Estado da fonte, e ambos se assumem como Estado
com competência fiscal que tributam o mesmo
sujeito pelo mesmo rendimento. Mas também pode
Exemplo: um piloto de aviões comerciais que acontecer porque existem dois Estados que se
trabalha para a SATA, pela lei fiscal portuguesa assumem como Estados da residência o mesmo
como tem um contrato de trabalho com a SATA, que sujeito e mesmo rendimento são, também aqui,
é portuguesa é considerado residente fiscal, tributados duas vezes, mas com elementos de
podendo viver, por exemplo, nas Canárias e conexão diferenciados. No primeiro caso, residência
deslocando-se para cumprir com o seu trabalho. Há e fonte; neste caso, residência.
uma regra fiscal portuguesa que diz que, se os
pilotos a 31 de dezembro têm contrato com uma
empresa nacional, são cá residentes. A
consequência é serem tributados pela totalidade dos Nota 2: pelos critérios nacionais que definem a
seus rendimentos. Qual é o Estado que tem residência porque RCP é móvel e está a localizar-
efetivamente competência? Há que ir ao CDT se e a agir em várias jurisdições pode ativar
Portugal-Espanha e verificar se existe uma norma normas fiscais de residência em mais do que um
que resolve esta situação. E ela existe; essa norma Estado. Se ativa normas de residência em mais do
diz, com um conjunto de critérios, qual o Estado que um Estado, é tributada como residente nesses
prevalente, a que deve ser dada primazia na dois Estados. O que seria injusto, pois seria uma
tributação. Resolvemos aqui o problema da dupla pessoa com o mesmo rendimento a ser tributada
residência através de um instrumento internacional. duas vezes.
Se só Portugal tributava, ou só as Canárias,
tínhamos o problema resolvido; mas se os dois
tributavam, seria necessário ir a uma norma
suplementar para resolver o problema, uma norma
de método de eliminação da dupla tributação. É que
Quando falamos em residência, falamos em
em certas circunstâncias, tanto o Estado da fonte
residência fiscal. Imagine-se que RCP tem poços de
como o da residência são reconhecidos como
petróleo, é milionária e globetrotter. Tem uma casa
competentes para tributar. Mas se se reconhece os
no Dubai, em Quioto, nas Canárias, em Paris, em
dois, temos dupla tributação na mesma temos de
Londres, em Boston, em Vancouver. Tem estas
resolver. Existe uma norma interna das convenções
casas todas; tem uma ligação com todos estes
que diz que o Estado da residência deve eliminar a
territórios. Onde será tributada? Depende das
dupla tributação. Como o faz? Dependendo do CDT,
normas fiscais. É a norma fiscal de cada uma das
de uma de duas formas:
jurisdições que diz se é ou não assumida como
residente fiscal no território. E não basta ter uma
casa; ou pode bastar o Estado é que decide o que
Hipótese 1 isenta aqueles rendimentos obtidos no entende como relevante do ponto de vista fiscal.
estrangeiro de serem tributados, e, ao isentar, RCP pode ter casas nos vários sítios, ou não ter e
resolve, porque não os inclui na declaração de viver em hotéis, ou ter casas arrendadas não
rendimento anual e por isso não são considerados interessa o título de propriedade, vale a substância
para efeitos de tributação. sobre a forma. O que releva é o que a norma fiscal
determina. Como RCP passa por várias jurisdições,
pode calhar dentro da esfera de uma norma fiscal de
residência. Calhando, tem de perceber se há outro
Estado em que pode ser considerada fiscalmente
residente ou não. Qual é a consequência de RCP
27
ser considerada fiscalmente residente? Torna-se já, há apenas que ficar com a ideia de que existe
sujeito passivo de imposto. Em que medida? esta figura. Esta é uma ideia de internacional fiscal.
Internacionalmente aceita-se que RCP seja
tributada pela totalidade do rendimento obtido,
independentemente da origem worldwide income.
Ou seja, independentemente de ter obtido aquele Nota: as empresas podem ir para o estrangeiro e
rendimento no estado da residência ou de tê-lo criar PJ própria lá específica (filial) ou podem ir para
obtido todo fora, é, por regra, tributada pela o estrangeiro atuar sem personalidade jurídica
totalidade. Se RCP tem residência fiscal em dois própria (através do estabelecimento estável, que é
Estados, wow tudo é tributado duplamente. Não uma ficção). Mas não fiquemos com a ideia de que
bate certo. Tem de haver uma norma internacional a a fonte é só o estabelecimento estável isso é para
dizer qual dos Estados da residência deve ter o rendimento das empresas. Há outros critérios.
prevalência, e deve ser só ele a tributar.
28
digitalização envolvermos, maiores são as isento, vai ser tributado, mas depois, quando
dificuldades e as situações de dupla fonte. tivermos o valor do imposto a pagar (coleta), é
permitida a dedução do imposto que foi pago na
fonte. E então, à coleta, retira-se o valor do imposto
pago lá fora, pagando-se os 195. Numa perspetiva,
Nota: as CDTs são bilaterais, o que pode não atua-se sobre o rendimento e desconta-se ao
permitir eliminar a dupla tributação, no limite. E pode rendimento total o obtido no estrangeiro; na
ocorrer, infelizmente, mesmo numa relação bilateral. dedução, o rendimento é o total, não se atua sobre
Quanto mais plurilocalização existir, mais provável ele, e o que se faz é ir à coleta, depois de calculado
será não conseguir eliminá-la. o imposto devido, e determinar a dedução do que foi
pago no estrangeiro.
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Há o mesmo valor, mas é preciso ter em atenção Abordemos agora o patamar dos regulamentos
estes aspetos dos elementos essenciais e ao fiscais. Isto é importante para termos a noção de que
princípio da legalidade fiscal. eles são um elemento fundamental do sistema fiscal.
Um ato normativo muito importante neste domínio Qual a necessidade dos regulamentos? A ideia é
hierárquico é a chamada Lei Geral Tributária que, conforme vamos descendo na hierarquia
(LGT), que utilizaremos muitas vezes aliás, já normativa, vamos encontrando normas cada vez
começámos a fazê-lo. Ela tenta ser uma espécie de mais técnicas, mais específicas, mais densificadas.
lei de bases no âmbito da tributação, determinando E os regulamentos podem ser de dois tipos:
um conjunto de regras que têm de ser observadas
na relação jurídica fiscal, no início, no período de
vida, na extinção. Trabalha sobre princípios, sobre
conteúdos e sobre procedimentos, ainda que não -Regulamentos independentes*;
seja autónoma. Mas não é autossuficiente. Por isso
é que precisamos do CIRS, do CIRC, do CIVA, do -Regulamentos de execução.
CIEC para os impostos em particular e seu regime
jurídico, tal como precisamos do EBF para
determinar regras fundamentais e identificar certos
benefícios fiscais concretos em determinadas Há uma grande discussão doutrinária acerca do que
matérias, tal como precisamos do chamado CPPT isto significa. Quando falamos em regulamentos
(Código do Procedimento e Processo Tributário) independentes* -
com o conjunto de normas administrativas e judiciais vêm criar
que norteiam a relação no caso de haver conflito algo. Quando falamos em regulamentos de
fiscal. execução, falamos de um normativo que
densifica/desenvolve um ato legal prévio e que se
vai circunscrever àquele ato, densificando-o. Há
uma lógica fechada aqui, que não está nos
É ponto assente que a LGT é a base normativa em regulamentos independentes, onde há um espaço
termos de início infraconstitucional, infra-UE, infra- muito mais aberto de criatividade, onde se colocam
internacional. questões de margem de livre apreciação e de
conceitos indeterminados. Tudo tem a ver com
quem tem competência naquela matéria para
regulamentar.
30
legislativo, que depois será executado também por e microtemas dentro desse tipo de imposto. Esta
uma portaria, que se chama uma portaria de informação não é vinculativa para os contribuintes,
vinculação. mas é vinculativa para a AT. Dá espaço para
compreender como a AT faz as suas interpretações
da lei fiscal, tentando antecipar conflitos e promover
um cumprimento adequado. Há graus de
Exemplo 2: recorde-se a contribuição para o setor complexidade acrescidos: não só implica, muitas
bancário. Há quem diga que é imposto, há quem vezes, recurso a conceitos de outros ramos de
diga que é contribuição financeira. direito (e aí vincula a interpretação dada no outro
ramo do direito), mas igualmente utiliza várias
realidades e cruzamento de competências, o que
pode dar grandes dores de cabeça. Uma das formas
Exemplo 3: a densificação foi feita por portaria
que temos de antecipar conflitos e perceber como
também. Menos usuais são os decretos
cumprir de acordo com o entendimento da
regulamentares, mas ainda assim são importantes
Autoridade Tributária e Aduaneira é olhar para estas
vejam-se as amortizações. A regulamentação fiscal
resoluções administrativas. Têm de ficar claras a
das amortizações é feita por decreto regulamentar.
quantidade e a importância delas.
31
a análise diferenciada do caso concreto pode dar
é importante ao jurista ter um manancial da origem a várias posições dentro da ATA sobre o
argumentação contrária, para destruí-la mesmo tema, podem surgir problemas.
antecipadamente. Um exercício de interpretação
complexo envolve a norma em concreto, a relação
da norma com as que lhe são paralelas para
perceber o espírito e a opção nítida do legislador Note-se que, em DA, passámos em revista a forma
fiscal, cumulando com a interpretação da como a AP se organiza. Dentro da administração
administração fiscal, com a interpretação que os direta, há serviços. Temos várias hierarquias. E os
tribunais fazem (STA, TCA e CAD) e doutrina. Mas serviços podem ser descentralizados. Parte dessa
isto sempre com a base legal. E no caso fiscal, a descentralização é regional. Mesmo dentro da
base legal é inultrapassável. Há um acumular de regional, pode haver desconcentração. Em Lisboa,
elementos interpretativos, mas nunca existem vários bairros fiscais, vários serviços. A
desvalorizando a lei. Na interpretação forma como a organização está feita, e como vai
intrassistemática, podemos ter uma norma nacional, interpretar o direito e aplicar no caso concreto, pode
relacioná-la com as normas paralelas nacionais e ter dar azo a interpretações díspares. Há necessidade
normas de UE ou internacionais envolvidas. O de garantir que essa uniformização/unidade é
emaranhado pode ser densificado. construída, daí que vários âmbitos jurídicos próprios
tenham estes instrumentos. No âmbito fiscal, há as
orientações genéricas.
Existem:
32
interpretações para estabelecer o seu plano de Nota: uma coisa que RCP diz sempre é: sempre que
cumprimento fiscal, a AT não pode mudar sem mais trabalharmos numa norma concreta fiscal a aplicar,
nem menos. Se naquele momento a interpretação nunca devemos ficar no nº 1. Nunca se deve confiar
era feita de certa forma, deve ser mantida. Há uma no nº 1; há que ler o artigo todo.
espécie de abertura à qualificação como fonte
normativa. Se a administração trocar as voltas, não
protegido, de certa forma, o contribuinte, o que não O que é a informação vinculativa? Tendo em
bate certo com não estar vinculado o contribuinte. atenção a complexidade da norma fiscal, e, muitas
Atendendo à importância que estes atos têm, o vezes, a dificuldade que o contribuinte tem em saber
legislador fiscal criou esta figura mista, intermédia, qual o comportamento adequado para cumprir os
sui generis. Há que proteger o contribuinte que deveres fiscais, o legislador criou esta figura das
confiou que a orientação da AT era a devida para ter informações vinculativas, que mais não é um pedido
um cumprimento com a lei. feito pelo contribuinte concreto face à sua dúvida,
dúvida essa que coloca à AF (é feita uma pergunta),
a AF analisa a situação, emite a tal informação
vinculativa e transmite ao contribuinte.
Aspeto suplementar: olhe-se ao nº 4 do 68º-A. Há
pouco RCP indicou a importância da jurisprudência
fiscal. Também aqui o legislador reflete essa
relevância, impondo uma obrigação Assim, o conceito de informação vinculativa é:
(não é pode, mas deve). A AT está persistentemente instrumento à disposição do contribuinte em caso de
a atualizar a sua interpretação da lei fiscal de acordo dúvida de como agir/cumprir a sua obrigação fiscal.
com a jurisprudência fiscal. O objetivo é criar uma Antes de cumprir, pergunta à AT o que fazer naquele
ideia de unidade, um sistema fluido, harmónico,
onde os conceitos são entendidos de forma igual /
maneira transversal. Já isto deixa antever as posse.
dificuldades de interpretar as normas fiscais. Quer-
se que haja sempre um andamento paralelo entre o
que os tribunais decidem e o que a administração
Nota suplementar 1: esta informação vinculativa
fiscal interpreta.
qualquer uma só vincula o caso concreto. Só é
válida para aquela situação em concreto. O sr. B
pode ter exatamente a mesma situação do sr. A,
Nota: que elemento essencial do imposto está aqui mas a AT só está vinculada para o caso do sr. A.
a ser salvaguardado? As garantias do contribuinte. Mas claro, há uma preocupação com uniformizar
Está a funcionar aqui essa preocupação, daí isto ser (embora isto possa ocorrer).
feito por lei (LGT).
33
Nota 2: o contribuinte pode opor-se, mas por que é Nota/dúvida: nas informações, atende-se ao art.º
que os contribuintes fogem dos litígios com a AT? 68º, 14., mesmo quando a circular é mais favorável
Time is money. Muitas vezes, o agente económico ao contribuinte.
não quer aborrecer-se e cumpre mesmo
discordando.
34
ninguém e ser só uma caixa onde está a
correspondência, que vai para a sede, onde está
(1) Há que ter em atenção que a possibilidade de as localizada a atividade substantiva, sendo a zona
regiões autónomas (isto em relação às RA em franca aproveitada só para fins fiscais.
concreto, não às autarquias) terem impostos
exclusivos à sua região é reconhecida, mas que, na
prática, até ao momento, nem Madeira nem Açores
aproveitaram essa possibilidade. Não existem
impostos específicos das RA. Todavia, se olharmos
à Lei das Finanças Regionais (LFR) art.º 59º -
vemos que há a possibilidade de existir uma
adaptação do sistema fiscal nacional às (2) No âmbito local, olhe-se à Lei das Finanças
especificidades regionais. Locais (LFL). Alguns artigos preveem poder
tributário próprio das autarquias locais.
35
ser conferido à jurisprudência fiscal para auxiliar a
interpretação destas normas fiscais.
Quando nos questionamos onde vamos buscar o
direito fiscal, a base será sempre a norma fiscal
que pode ser UE, internacional e nacional, tendo
Já sabemos que a jurisprudência fiscal, em Portugal, impacto na forma como interpretamos estas normas
tem dois tipos: e na forma como elas são construídas a
jurisprudência seja nacional ou UE.
Há que, igualmente, ter em atenção a importância do Se falamos em direito fiscal e, portanto, de uma
Tribunal Constitucional (TC). Também no domínio ciência que estuda os impostos - depois de
fiscal o TC tem peso significativo, como veremos. O identificarmos as fontes e toda a dimensão que isto
TC tem feito a sua intervenção na ordem tributária representa, é também essencial ter consciência se
sobretudo na distinção entre tributos (impostos e existe ou não alguma especificidade quanto à
contribuições financeiras), nos limites à interpretação, integração de lacunas e aplicação
dedutibilidade dos gastos em IRC (nota: o gasto desta lei fiscal. Como juristas a começar a estudar
pode ou não ser tido como relevante para deduzir no um novo âmbito, uma nova área jurídica, vamos
lucro da pessoa coletiva ou não; o TC tem intervindo socorrer-nos obviamente do que sabemos e
aqui), na área das presunções em termos de fixação conhecemos, e vamos apreendendo e melhorando
de matéria tributável e teve um grande impacto na em termos de regras de interpretação, integração e
jurisprudência da crise houve uma análise de aplicação. Em qualquer ramo de direito específico,
opções normativas dos OE vistas à lupa pelo TC de temos de perguntar-nos se existe alguma
modo integrado para dizer se a opção seria ou não especificidade a ser considerada. Em seguida, não
contrária à CRP. Ainda que tenha havido muita recordaremos os conhecimentos básicos já
análise de outras medidas de redução da despesa, adquiridos, mas identificaremos aspetos que sejam
a tendência e a leitura integrada dos vários acórdãos de mais-valia e devam ser considerados no âmbito
deu mote para se afirmar que o TC defendeu apostar fiscal.
no aumento da receita fiscal em detrimento de uma
redução da despesa. Isso tem um impacto na forma
como o legislador desenha a norma fiscal; há ênfase
para o lado da tributação em detrimento de uma
redução da despesa. I-3.c)-i. Interpretação
36
Todavia, há aqui quatro questões que, para RCP, faz
sentido enfatizar.
37
dificuldades que tivemos para distinguir analogia de
interpretação extensiva.
Ex: 10º da LGT o facto de haver ilicitude na
obtenção de rendimentos em nada retira a
possibilidade de tributação desses rendimentos.
Na incidência, por exemplo, não está prevista uma
não possibilidade.
De seguida, olhámos para o 38º, 2. - cláusula geral Para RCP, a possibilidade de interpretações
anti-abuso. Nela, no caso de alguém ter criado extensivas pode ser problemática para as garantias
artificialmente um facto para ser menos tributado e dos contribuintes. Há um acórdão muito estranho de
afastar a tributação normal, sendo descoberto, a um TCA que nega este artigo dos EBF, dizendo que
administração tributária ou o tribunal vai não é possível, por causa das garantias dos
desconsiderar a forma e aplicar a substância contribuintes. Mas também é estranho um acórdão
(regime normal). dizer o contrário da lei, para RCP.
38
O que é que agora temos de analisar? A lei fiscal no
tempo e a lei fiscal no espaço.
Note-se que na residência se mantém o princípio da
territorialidade, pois a minha residência é naquele
território, mas a amplitude da minha obrigação
Nota: a RCP não interessa a história dos acórdãos, tributária é mais vasta e abrange os rendimentos
e sim a construção que o TC faz do princípio da obtidos fora do território, o que dá azo ao que
retroatividade fiscal. Interessa-nos o que significa, trabalhámos: uma possibilidade de dupla tributação
para o TC haver uma lei fiscal retroativa; o que é e a necessidade de a resolver, havendo recurso aos
que, para o TC, representa retroatividade, assim CDTs convenções para eliminar e evitar a dupla
como o que significa um novo conceito chamado tributação. Quando aplicamos a lei fiscal no espaço,
retrospetividade, e como é que o princípio da não há ou não dupla tributação ou CDT para ser
retroatividade fiscal passa a ser interpretado. aplicado? É uma questão que se coloca.
Fonte;
Residência. O que encontrámos de específico na interpretação?
É certo que se aplicam as regras normais, mas há
um reconhecimento de conceitos de outras áreas, e
há uma prevalência da substância sobre a forma
Quando pensamos em aplicação da lei fiscal no
(realismo económico). Isto será útil para interpretar
espaço, há sempre a ideia do princípio da
muitas normas fiscais e compreender o porquê
territorialidade fiscal, sendo que a conexão ao
dessas opções. E, na integração, está proibida a
território, do ponto de vista fiscal, é aferida por uma
analogia dentro dos elementos essenciais do
de duas formas: residência e fonte.
imposto.
39
de propriedade e o dever de contribuir para o erário
público aquilo que as normas fiscais também
procuram daí que haja o princípio da legalidade
fiscal, com os elementos essenciais a serem
protegidos e a terem de passar pelo órgão de
representação parlamentar. Daí que se tenha esta
regra da proibição da analogia nos elementos
essenciais, que revela uma preocupação em
garantir um equilíbrio entre este direito e este dever.
40
Apenas uma referência suplementar: e se não existir
convenção para evitar e eliminar a dupla tributação?
41
pelo que pode acontecer. Vamos especificar mais O caso das mais-valias foi um caso concretamente
um pouco, mas a nossa visão pode esbarrar com visível e analisado pelo TC, tendo dado azo a toda
esta especificidade no âmbito fiscal. esta transformação na interpretação. O que se
passava? A 1 de janeiro, havia uma norma fiscal de
isenção de certas mais-valias. Em junho do mesmo
ano, veio uma norma fiscal a dizer que há uma
sujeição sem isenção. Termina a isenção e passa a
mais-valia a ser tributada; revoga-se a norma
O início é o 103º, 3. não podem ter natureza anterior, criando um novo regime. Neste esquema,
retroativa. O que significa ter natureza retroativa no imagine-se RCP a vender as ações em agosto; não
âmbito da lei fiscal? A resposta é: depende do tipo tem problema nenhum, pois já sabe que está sujeita.
de imposto. É verdade que retroatividade é e será Nem se coloca uma questão de retroatividade ou
sempre lei nova aplicada a facto passado; não retrospetividade, pois nenhum facto consumado há
estamos a inventar nada de novo, esse princípio na nossa cabeça a que se aplique a lei nova. Porém,
também se aplica no domínio fiscal. O que o TC diz imagine-se que RCP tinha vendido as ações em
é que o 103º, 3. da CRP proíbe a chamada fevereiro. Assim, as ações foram vendidas quando
retroatividade autêntica, ou seja, norma nova achava que estavam isentas, e vem em junho uma
aplicada a facto consumado. Todavia, se olharmos norma a dizer que estão sujeitas e não isentas,
para os tipos de impostos existentes, verificamos aplicando-se a todas as operações ocorridas desde
que temos dois tipos: 1 de janeiro.
Tipo 2 formação
sucessiva
criado/gerado ao longo de um período
temporal alargado ex.: IRS.
42
Quando é que isto aconteceu? Aconteceu numa construção do TC, retroativa fiscalmente.
altura em que o Governo estava apertado de contas Ela será meramente retrospetiva, não
públicas, em combate contra falta de receita e contrariando a proibição constitucional da
aumento elevado de despesa, com pressão UE e retroatividade fiscal.
com necessidade desesperada de aumentar o erário
público. Por isso, eliminou a tal norma de isenção e
ativou a sujeição. E o TC foi ainda que não o tenha
escrito nos acórdãos sensível a isso. Muitas vezes,
a interpretação pode ser uma faca de dois gumes.
Na jurisprudência da crise, o TC não foi tão
aceitável. Note-se que a maioria dos juízes do TC
Todavia, mesmo que estejamos perante uma
tinha sido nomeada pelo partido que estava no
retrospetividade, ela, para ser válida / estar
governo (PS).
conforme à Constituição (mas não tem a ver com
retroatividade, e sim princípios de segurança
jurídica), tem de passar um teste. A existência de
Este tipo de jurisprudência criativa (RCP chama-lhe retroatividade assenta em quatro elementos:
assim porque, na sua visão, há aqui retroatividade,
ao contrário do que diz o TC) faz-nos compreender
que as águas da separação de poderes, os limites
das atuações e a justificação para aceitação
legislativa são adaptáveis, têm oscilações. É (i) Criação de expetativas o Estado
importante enquanto juristas sabermos interpretar (mormente o legislador) tenha
estas normas e conhecermos o porquê de tudo. encetado comportamentos capazes de
continuidade;
Nota: esta jurisprudência foi assumida daí para a
frente; mantém-se.
(ii) Devem tais expectativas ser legítimas,
justificadas e fundadas em boas
razões;
43
103º, 3. da CRP proibição da retroatividade fiscal.
O que é que a CRP proíbe quando se fala em
retroatividade fiscal? Retroatividade autêntica ou
absoluta. O que significa isso? Lei nova não se
aplica a facto passado. Todavia, quando falamos de
impostos de formação sucessiva, o conceito de lei
nova a facto passado só é visível no último dia do
período de tributação regra geral, 31 de dezembro,
o que faz com que todas as alterações para trás não
sejam consideradas retroativas, mas antes
retrospetivas.
44
Pelo contrário, se os quatro critérios não se
verificarem, o que acontece? A tutela da confiança
não é constitucionalmente protegida, e, portanto, a
norma retrospetiva mantém-se no OJ. Na prática, a
tributação efetiva-se.
45
viaturas ligeiras ou mistas, motos ou motociclos, contribuintes em relação a factos tributários que não
sendo que tal agravamento, por força da retroação ocorreram totalmente no domínio da lei antiga e
de efeitos prevista no artigo 5.º, n.º 1, da referida lei, continuam a formar -se, ainda no decurso do mesmo
é aplicável aos encargos e despesas já realizados ano fiscal, na vigência da nova lei.
pelos contribuintes no período de 1 de janeiro de
2008 até à data de início de vigência da lei.
Para que o Estado possa cobrar um imposto, ele terá No Acórdão n.º 287/90, de 30 de outubro, o Tribunal
que ser previamente aprovado pelos representantes estabeleceu já os limites do princípio da proteção da
do povo e terá que estar perfeitamente determinado confiança na ponderação da eventual
em lei geral e abstrata, só assim se evitando que inconstitucionalidade de normas dotadas de
esse poder possa ser exercido de forma abusiva e
arbitrária, indigna de um verdadeiro Estado de procedeu à distinção entre o tratamento que deveria
direito.
Por outro lado, o mesmo princípio da legalidade não -se, tutelados apenas
poderá deixar de impedir que a lei tributária disponha à luz do princípio da confiança enquanto decorrência
para o passado, com efeitos retroativos, prevendo a do princípio do Estado de direito consagrado no
tributação de atos praticados quando ela ainda não artigo 2.º da Constituição.
existia, sob pena de se permitir que o Estado
imponha determinadas consequências a uma De acordo com esta jurisprudência sobre o princípio
realidade posteriormente a ela se ter verificado, sem da segurança jurídica na vertente material da
que os seus atores tivessem podido adequar a sua confiança, para que esta última seja tutelada é
atuação de acordo com as novas regras. A lei, numa necessário que se reúnam dois pressupostos
atitude de lealdade com os seus destinatários, só essenciais:
deve reger para o futuro, só assim se garantindo
uma relação íntegra e leal entre o cidadão e o a) A afetação de expectativas, em sentido
Estado. desfavorável, será inadmissível, quando constitua
uma mutação da ordem jurídica com que,
Com a alteração constitucional não se visou razoavelmente, os destinatários das normas dela
explicitar uma simples refração do princípio geral da constantes não possam contar; e ainda
proteção da confiança dos cidadãos, inerente a toda
a atividade do Estado de direito democrático, mas b) Quando não for ditada pela necessidade de
sim expressar uma regra absoluta de definição do salvaguardar direitos ou interesses
âmbito de validade temporal das leis criadoras ou constitucionalmente protegidos que devam
agravadoras de impostos, prevenindo, assim, a considerar-se prevalecentes (deve recorrer -se,
existência de um perigo abstrato de grave violação aqui, ao princípio da proporcionalidade,
daquela confiança. explicitamente consagrado, a propósito dos direitos,
liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da
O Tribunal Constitucional tem vindo a seguir o Constituição).
entendimento que esta proibição da retroatividade,
no domínio da lei fiscal, apenas se dirige à Os dois critérios enunciados são, no fundo,
retroatividade autêntica, abrangendo apenas os reconduzíveis a quatro diferentes requisitos ou
casos em que o facto tributário que a lei nova -
pretende regular já tenha produzido todos os seus
efeitos ao abrigo da lei antiga, excluindo do seu primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador)
âmbito aplicativo as situações de retrospetividade ou tenha encetado comportamentos capazes de gerar
de retroatividade imprópria, ou seja, aquelas
situações em que a lei é aplicada a factos passados devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e
mas cujos efeitos ainda perduram no presente, fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem
como sucede quando as normas fiscais que os privados ter feito planos de vida tendo em conta
produziram um agravamento da posição fiscal dos
estadual; por último, é ainda necessário que não
46
ocorram razões de interesse público que justifiquem, público que prevalecessem sobre o valor da
em ponderação, a não continuidade do segurança jurídica, as normas retroativas seriam
comportamento que gerou a situação de intoleráveis e, consequentemente,
expectativa. constitucionalmente ilegítimas
Retroatividade própria ou autêntica: aplicação de lei Uma vez expresso no texto da Constituição a
nova a factos anteriores à entrada em vigor da lei proibição da retroatividade em matéria fiscal, o
nova. Tribunal passou a ler esta proibição já não numa
dimensão subjetiva (dependendo, em concreto, do
contexto dos sujeitos da relação tributária resultante
da aplicação da lei) mas antes numa dimensão
objetiva. Diz o Tribunal, a este propósito, que à
proibição expressa da retroatividade da lei fiscal
confiança na ordem jurídica dos cidadãos por ela Depois de detetados estes aspetos nucleares como
afetados; ou que não trai[sse], de forma arbitrária e analisar o imposto (olhámos para a forma como
injustificada, as expectativas juridicamente tuteladas devemos tratar o imposto), vamos passar para o
e criadas na esfera jurídica dos cidadãos ao abrigo estudo da figura especificamente considerada.
das disposições vigentes à data da ocorrência dos Vamos tentar estabelecer aquilo que conhecemos
como teoria geral do imposto. Vamos tentar
necessariamente fluida, levaram a que, em diversos sistematizar um conjunto de conceitos que já fomos
arestos, o Tribunal viesse dar como boas leis fiscais identificando nas finanças públicas e que já fomos
retroativas. Noutros casos, ao invés, o Tribunal abordando ao longo destas semanas. No fundo,
entendeu que, por inexistirem razões de interesse vamos tentar arrumar esta matéria e densificar. Não
47
vai ser um capítulo em que apareça tudo de novo. Nota: a extrafiscalidade não significa que a função
Mais uma vez, vamos pegar em aspetos já fiscal seja afastada; elas podem ser cumuladas.
trabalhados e densificá-los. Vamos reconfigurar a
nossa abordagem em termos de fundamento e
funções do imposto, recapitular as classificações do
imposto.
Toda esta realidade, como vimos, evidencia uma
ideia de para que serve o imposto e caracteriza o
imposto em termos da sua composição. Os
I-1. O imposto elementos da capacidade contributiva e
unilateralidade e são os elementos que vão ser os
distintivos do imposto com outros tributos.
48
seja material ou imaterial), o facto é que a
potencialidade pode estar presente numa taxa. A
Identificámos a existência do imposto, a taxa e as questão da voluntariedade não tem de ser assumida
contribuições financeiras. Qual é a base legal que como característica inevitável da taxa, assim como
justifica esta tripartição dos tributos? Onde é que o o benefício pode também não estar presente. O que
legislador apresenta a existência destes tributos? é que RCP está a dizer? Quando pensamos na taxa,
CRP, art.º 165º, i). e LGT, 3º, 2. este último por oposição ao imposto, pensamos no pagamento
número distingue impostos das taxas e das demais de uma quantia para receber algo em troca. Ao dizer
contribuições financeiras. isto, o que se está a assumir? Tendencialmente,
assume-se que há uma ideia de voluntariedade (só
pago o que quero); efetividade (recebo efetivamente
alguma coisa em troca no pagamento); benefício
(porque não sou tonto, vou receber um benefício).
Por que é que há necessidade de distinguir? Veja-
se o 3º da LGT. Há regras próprias para a criação
de taxas e contribuições financeiras. Porém, se começarmos a escamotear a
configuração das taxas hoje, e por que é que o
Estado cobra taxas, percebemos que isto não é bem
verdade ou melhor, não é sempre verdade.
Note-se que nem as taxas, nem as contribuições
financeiras têm este regime aprovado em Portugal.
A única coisa que existe é o regime das taxas locais
(municípios), onde há um regime próprio. Quanto às Caso 1 um processo judicial que não foi
contribuições financeiras, a única coisa que existe da iniciativa de RCP, mas em que RCP é
são diplomas aprovando contribuições. Temos arguida, correndo as taxas de justiça por
normas avulsas específicas para cada tipo de conta de RCP. Isto é uma taxa.
contribuição.
49
seja bilateralidade nem sempre tais características taxa, o valor da taxa ser aferido por esses elementos
têm de estar presentes. Pode haver lugar a (os custos envolvidos). Se pensarmos, tudo tem um
exigência de taxas que contrariem esta dinâmica. custo.
Esse é o aspeto que RCP queria fazer passar.
08 MAR 2019
Exemplo, equivalência de custo: RCP quer uma
licença de caça e faz o pedido. Um funcionário
analisa a situação. Teve de haver uma impressão de
um papel com o comprovativo da licença, outro Sumário: Imposto, taxa e contribuição financeira
papel de comprovativo do pagamento da taxa, a (continuação).
sala, etc. Tudo nesta vida, infelizmente, tem um
custo. Há um conjunto de fatores que são os custos,
os gastos existentes para a obtenção daquele
produto ou a prestação daquele serviço. Todos os
valores são considerados. Portanto, uma das vias de I-2. O imposto como um tipo de tributo:
implementação do princípio da equivalência, não conceito e diferenciação dos outros tributos -
havendo benefício, e tendo em atenção os custos Imposto vs. Taxa vs. Contribuição Financeira.
exigidos para a prática pública decorrente daquela
50
Ainda a figura da Contribuição Especial
(continuação)
Também há no valor da taxa aspetos extrafiscais ,
extratributários . Ou seja, a tal modelação de
comportamentos também na questão da taxa pode
Verificámos que o apuramento de valor da taxa era ser tida em consideração e estar presente. Portanto,
feito tendo em atenção o princípio da equivalência e verifica-se neste regime geral das taxas das
identificámos que esta equivalência poderia ter uma autarquias locais que pode haver a introdução de
de duas formas: equivalência custo e equivalência valores superiores aos tidos como adequados,
benefício, dependendo dessa maneira a cumprindo a equivalência e a proporcionalidade,
construção/identificação do preço/valor da taxa para desincentivar determinado comportamento.
efetivado. Isto é importante para termos a noção de que o
imposto e, neste caso, a taxa são também
assumidos como instrumento de intervenção e ação
pública. Eles efetivamente têm a função primeira e
central de arrecadar receita, mas também podem ter
finalidades diferentes.
Como RCP disse, não temos em Portugal um regime Todavia, podemos tentar identificar alguns aspetos,
geral das taxas, como deveríamos ter (a CRP assim face à prática existente do que é qualificado como
o determina). O que temos é um regime geral das contribuição financeira, que nos podem auxiliar.
taxas das autarquias locais (um tipo específico de
taxas), que está aprovado na lei 53-E/2006, e que
pode ser útil para passar em revista o diploma,
porque nele encontramos estas preocupações, Nota: isto seria mais fácil se houvesse um regime
sobretudo a questão da equivalência (no art.º 4º) geral das contribuições financeiras, que a CRP
como princípio norteador.
51
exige. RCP acha que o legislador tem receio de o
fazer porque as fronteiras são difíceis de definir.
Por outro lado, estamos a falar numa ideia de certos
bens, certos serviços a circunscrever. Já não é um
imposto geral, aproxima-se da taxa porque é mais
Um critério que podemos usar para identificar a individualizado, mas não é uma taxa porque não é
contribuição financeira é o das prestações -to- espécie de lógica de bens de
presumidas. Isto vem de uma construção de raiz clube). É uma prestação presumida e, ao mesmo
alemã. Parte-se da ideia de que há certas tempo, não conseguimos individualizar; há uma
prestações que apenas podem presumivelmente ser pertença a um grupo, com bens/serviços de clube.
concedidas a certos indivíduos ou grupos que
apenas presumivelmente serão aproveitadas por
esses grupos. Não há uma certeza efetiva de que
terão o benefício, de que se aproveitarão de Isto tem dado espaço a que se tenha procurado dar
determinada prática, comportamento, serviço, etc. exemplos do que, na prática, pode incorporar o
cumprimento destas duas características: ser uma
(i) prestação presumida e (ii) não individualizada,
Desta forma, a ligação que existe entre a obtenção pertencente a um grupo.
efetiva de um benefício na nossa esfera, uma
prestação, não é nítida. Podemos estar na mera
possibilidade, e não num efetivamente receber. O
que é que RCP está a dizer? Há uma mera
potencialidade. É presumível que RCP vá aceder
àquele benefício, mas não tem a certeza. Não é um
52
salvaguardada. Não conseguimos encaixar no
imposto nem na taxa, mas encaixamos nas
Existem dois tipos de entidades reguladoras / tipos contribuições financeiras.
de regulação:
53
s, tivermos
uma incapacidade, parentalidade, ficarmos
desempregados, etc. A forma como o sistema está
pensado para o trabalhador por conta de outrem faz-
nos pensar numa taxa. Porém, o caso complica-se
porque a forma como o sistema previdencial é
gerido, quanto ao seu financiamento, introduz
distorções nesta relação de bilateralidade
individualizada entre aquilo que pagamos e aquilo
que obtemos.
54
Cada vez mais é difícil dizermos com a certeza e a
convicção
tantas que já não bate certo com a característica
clássica que norteava a figura quando ela foi criada. 14 MAR 2019
800, e isto não é inconstitucional. Há que recordar que o que estamos a fazer é
apropriarmo-
para isso, convém apreender as suas características
e, face ao modelo que tem sido utilizado no fiscal,
-
parte desse processo implica confrontarmos a figura
Há uma liquidez. Não há uma pureza de conceção
tes taxa
aqui subjacente. Isso faz com que haja dificuldade
(tradicional) e, cada vez mais utilizada, a figura da
nas categorias jurídicas muitas vezes em causa. Por
contribuição financeira.
isso é que continua a haver litígios, e continuará
sempre a haver.
Mas o valor da quotização é apurado em função de I-2. O imposto como um tipo de tributo:
quê? Do rendimento que temos. Isto não bate certo conceito e diferenciação dos outros tributos -
com a ideia da equivalência. Imposto vs. Taxa vs. Contribuição Financeira.
Ainda a figura da Contribuição Especial
(continuação)
55
de tributos continuam a ser: imposto, taxa e o Estado não fez isto. O que fez foi reconhecer a
criação de valor e dizer que sobre esta vantagem
será requerida uma participação nos custos
por determinação legal, na figura impostos. Assim o públicos, mas exigindo isso só quando o valor for
primeiro aspeto é: apesar de o legislador introduzir concretizado. Imagine-se que só acontece em 2019;
então, só no momento em que há a venda/alienação
é que tal contribuição é efetivada.
figura é encaixada pela lei na figura imposto.
Como é que o legislador fez isto? Não foi a casa de O que estas contribuições especiais pretendem é
cada um dos contribuintes a exigir que pagasse X. cristalizar o que se passou no momento em que, de
Determinou-se um regime. Se e quando fosse uma ação pública, ocorre uma valorização da esfera
alienada a propriedade, obtendo as mais-valias privada. E isto tendo em conta que a valorização
vindas da valorização do imóvel, a ideia era que pode ocorrer com obras no imóvel pelo proprietário.
contribuíssem para o erário público com aquele Há um diploma próprio com um regime próprio que
ganho obtido. Há um diferimento da contribuição obedece a regras próprias; não se confunde com a
para o momento da realização. O que estamos a valorização pelo proprietário.
dizer? Há um momento em que houve a construção
de uma ponte, a qual valorizou uma propriedade.
Esta valorização ocorreu como externalidade; foi
uma consequência não desejada. Isto faz com que Mas qual é a crítica que se pode fazer, para RCP?
haja uma valorização individual de dada Olhar para a figura como imposto, suscitando a
propriedade. O que poderia acontecer de forma mais legalidade fiscal e a capacidade contributiva quando
imediata? O Estado enviar uma carta aos esta figura está subjacente a um benefício. RCP
proprietários, que teriam de pagar automaticamente acha que não tem muito sentido um encaixe da
X de contribuição especial (no caso, por melhoria), figura no imposto. A LGT qualifica-a como imposto,
participando eles também na partilha de gastos. Mas quando na sua génese o que encontramos é uma
56
lógica de benefício e não de capacidade Há que acrescentar que, além de existirem as
contributiva. Onde está um argumento a favor da contribuições especiais por melhoria (betterment
capacidade contributiva? Só se operacionaliza esta tax), também podem existir contribuições especiais
tributação no momento em que haja a realização. por maior desgaste (ou despesa), ligadas a
Assim, só quando há a obtenção do valor externalidades negativas. O caso mais visível não
representativo desta mais-valia é que temos na existe em Portugal. Pensemos nos megacamiões e
nossa esfera jurídica a concretização daquele valor no desgaste suplementar que provocam nas vias
obtido da ação pública. Por isso é que há uma públicas quando circulam; ele faz com que devam
necessidade de diferir o prazo de concretização e participar no gasto nas vias públicas. Assim, pode
pagamento devido da contribuição especial para o ser criada uma contribuição especial por maior
momento da realização daquele benefício. O que despesa ou maior desgaste nestas circunstâncias.
podemos questionar é o legislador ter incluído isto
na figura do imposto.
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de estrelas. No fundo, o que se está a dizer é que é sistema fiscal. Há que ver o que significa política
um conjunto integrado. Não deve ser fiscal e o que é expectável que ela inclua.
individualizado; tem de estar em ligação. Como é
que ela é feita? Através do que é conhecido por
política fiscal, em que o decisor, com poder político,
legislativo, executivo tem de olhar para o sistema e No caso dos camiões, um estudo deveria provar por
conseguir casar cada uma das opções A+B a existência um desgaste suplementar
individualmente consideradas. Elas têm de bater acentuado. A externalidade deveria ser incorporada
certo. Isto exige o que é conhecido como análise no sistema, estando demonstrado este aspeto.
custo-benefício. Raramente uma medida é uma win- Todavia, isso significa que, no fiscal, a questão da
win situation; raramente uma medida implica apenas igualdade fiscal não é bem um princípio absoluto. Tal
benefícios. Pode implicar também custos, que têm como aprendemos nas outras áreas do direito, mais
de ser identificados e ponderados com os benefícios do que a igualdade, o direito pretende a equidade.
Ao estabelecer o valor equidade, o que é que
identificado um benefício maior do que o custo, ou o naturalmente estamos a permitir que o legislador
contrário. Ao ponderarmos o impacto da medida, a faça? Uma análise diferenciada. E isto pode levar a
análise económica do direito também deve ser desigualdade. Assim, pensar o fiscal não significa
considerada e, por isso, esta análise custo- que todos sejamos e devamos ser iguais. Todos
benefício é fundamental. somos iguais se estivermos em situações
equiparadas; mas se não estivermos, deveremos ter
tratamento diferenciado. Na questão dos camiões,
estando comprovado um desgaste suplementar, há
a possibilidade de tratar a situação de forma
diferenciada, do ponto de vista fiscal.
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digital são direitos fundamentais? O quadro de
direitos em causa, e, portanto, de valores
protegidos, oscila. Onde é que RCP quer chegar
com isto? Se a mobilidade é importante, podemos 15 MAR 2019
fazer um pacote de medidas fiscais que suporte esta
questão. Mas isso tem de ser pensado com a
integração do sistema e o impacto nos custos e
benefícios. Pode uma prestação de serviços de Sumário: Teoria geral do imposto (continuação).
transporte ter a mesma proteção e dignidade que a
minha necessidade de ser móvel no território
nacional completo? Terá o mesmo grau de
dignidade e o mesmo tipo de comportamento,
assumindo que há custos que demonstram o I-2. O imposto como um tipo de tributo:
desgaste suplementar destes meios de transporte, conceito e diferenciação dos outros tributos -
que vai condicionar a utilização das vias por todos Imposto vs. Taxa vs. Contribuição Financeira.
os outros? A equação fica mais complexa; há que Ainda a figura da Contribuição Especial
casar com o resto. (continuação)
59
observados nomeadamente a questão da
legalidade fiscal (no taxation without representation)
e a questão de ser por DL e não por lei da AR. Nota: também na taxa há a questão de não obstar a
uma utilização dos bens de domínio público ou de
acesso ao serviço público pela ausência de
capacidade contributiva (ou melhor, capacidade
O que aconteceu de seguida? Foi aprovada a lei monetária), também a taxa, quando se determina o
30/2003. A questão da isenção é importante? Não seu valor, pode e deve ter isso em consideração.
há uma relação direta entre o consumo de energia Também tem de existir uma justiça na taxa; não se
elétrica e a utilização daquele serviço. 000 000 quando o custo-benefício
não o justifica; e, mesmo quando justifica, não se
pode cobrar demasiado ao ponto de pôr em causa a
democratização do serviço.
A contribuição para o audiovisual é qualificável como
quê? Há que fazer uma interpretação sistemática,
evolutiva, tendo em conta as alterações feitas ao
regime. Olhe-se à lei 30/2003. O que é que diz o art.º Nota 2: como se compatibiliza o 4º, 2. com a ideia de
1º, 2.? que seria um imposto? Se é um imposto, há o
princípio da capacidade contributiva, e não o da
equivalência. A questão da isenção estará
relacionada com a capacidade contributiva ou a
Do ponto de vista das finanças públicas, isto significa equivalência?
uma consignação de receita específica a certa
despesa. Este é um dado relevante que pode ser
usado para fundamentar uma posição.
Nota 3: um elemento legal pode ter vários espaços
de interpretação.
60
medida em que se utiliza o serviço (por moedas ou para todos (os consumidores de energia elétrica).
contabilização online), é aí a bilateralidade é Este poderia ser um argumento a favor do imposto.
indiscutível. Mas o que verificamos é que não é a Mas, em 2010, cria-se um art.º 4º, 2. novo, que, no
verdadeira utilização do serviço, mas a final, isenta do pagamento da contribuição para o
potencialidade de utilização do serviço que é audiovisual os consumidores não domésticos de
cobrada. É cobrado X a quem consome energia energia elétrica (volta-se atrás aí) cuja atividade se
elétrica, porque é deste consumo de energia elétrica inclua numa das descritas. Aqueles que consumirem
que se obtém acesso ao serviço. A palavra-chave é energia elétrica num âmbito não doméstico e tiverem
potencialidade. RCP admite que isto é discutível e contadores específicos que permitam a
que não é resposta única; mas faz reconhecer que a individualização/separação inequívoca da utilização
potencialidade pode ser característica da taxa. Não (económica ou não económica) ficam de fora, o que
temos de obter efetivamente o objetivo ou resultado permite criar uma maior bilateralidade, afastando a
da ação pública para ter de pagar uma taxa. lógica do imposto.
O que RCP acha mais importante é que, se Nota 2: a questão do valor da taxa está ligada a uma
olharmos para o art.º 3º, 2. do diploma original de lógica de proporcionalidade, a via taxa é insuficiente
2003, vemos que a contribuição incide sobre daí ser uma via, associada à via genérica do OE.
consumo de energia elétrica para uso doméstico
(para alguns). Quando, em 2005, houve uma
alteração legislativa, a contribuição passou a ser
61
evolutivo de algo autoritário, mais parecido com um
preço (em que há a lógica da aceitação) para hoje
I-3. Fundamento do imposto passar a ser visto numa ideia de solidariedade. Daí
haver cada vez mais a expressão de cada um pagar
a sua fair share. Isto é fundamental para as grandes
fortunas e a atividade económica, o que está
Nem sempre o imposto foi encarado como relacionado com os contribuintes não móveis.
justificado da mesma forma. A origem do imposto
remonta praticamente à origem do Homem em
sociedade. Na Antiguidade e, sobretudo, na Idade
Média o imposto era visto de uma forma autoritária.
Ou seja, o imposto era algo inquestionável. Era
imposto por quem tinha propriedade, e tinha,
consequentemente, poder como forma de garantir a
quem não tinha propriedade e poder uma proteção
física (segurança). Esta ideia do senhor feudal com 21 MAR 2019
o poder, dando proteção aos outros, tem como
consequência a imposição de um tributo, um
imposto. Os impostos mais importantes eram os
impostos sobre o património. Quando Montesquieu Sumário: Fundamento e objetivos do imposto;
e Adam Smith (séculos XVIII e XIX) intervêm e criam Principais classificações; sistematização dos
uma dinâmica diferente na distribuição da riqueza e princípios; etapas do imposto.
na organização do poder político, no formato como
a sociedade e o poder político responsável pela
organização da sociedade e forma como o poder
económico se relaciona com a maneira como o
poder político deve ser operacionalizado, percebe-
se que o imposto não pode ser uma coisa puramente
autoritária. Ainda que mantenha o caráter obrigatório I-3. Fundamento do imposto (continuação)
e coercivo, tem de estar ligado a um consentimento.
Hoje, o imposto tem agregada uma conceção de É isso que fundamenta o imposto. Se fizermos,
solidariedade daí que se fale em dever porém, uma análise de avaliação do fator equitativo
fundamental de pagar o imposto como nas sociedades contemporâneas, muitos são os
consequência de uma lógica de cidadania ativa e estudos que demonstram que existe uma
responsável, mas introduzindo a necessidade da desproporção entre a equidade nas sociedades. Há
capacidade contributiva: pago, mas pago na medida um fosso equitativo dentro das sociedades
do que posso. Quem pode pagar mais, paga mais; contemporâneas. Quem tornou isto um boom foi T.
quem pode pagar menos, paga menos; quem não Piketty, com ; falou na
pode pagar, não paga e não deixa de ter acesso à desigualdade persistente na sociedade, e trabalhou
atividade pública. Assim, o imposto teve um caráter o papel do imposto em combater as desigualdades
62
(quando pode, simultaneamente, promovê- . económicas para o imposto; também o imposto tem
Há o relatório da Oxfam (ONG), que trata da questão de ter em atenção o seu impacto económico, e, além
da desigualdade. Estamos a falar dos dois tipos de disso, tem de projetar estes valores de emprego,
desigualdade: entre norte e sul (países poupança, investimento socialmente relevante,
desenvolvidos e subdesenvolvidos) e em competitividade e internacionalização. Assim, pela
sociedades ditas desenvolvidas. análise destas duas funções acumuladas à função
financeira do imposto (social e económica),
compreendemos que o legislador assume como
realmente relevante a extrafiscalidade. Assim, além
O imposto hoje assume-se como um instrumento da função primeira (fiscal arrecadação de receitas
que tenta combater esta lógica de desigualdade, para fazer face à atividade financeira), também o
através da redistribuição. Essa ideia de imposto tem função social e função económica,
redistribuição assenta numa lógica de solidariedade sendo essas funções o que podemos apelidar de
e capacidade contributiva. função extrafiscal. Falamos do impacto extrafiscal
do imposto; a modelação de comportamentos. É isto
que está aqui a ser revelado. Não é só uma
construção doutrinal; isto é revelado e absorvido
Por isso, quando olhamos para a legislação fiscal e
pela legislação fiscal.
encontramos a lógica da capacidade contributiva, a
progressividade no imposto, estas regras fiscais são
demonstrativas desta preocupação inerente ao
fundamento do imposto. Há a ideia da solidariedade O imposto também tem de ser visto, portanto, como
fiscal como base/fundamento do imposto. um instrumento de política pública. Quando o Estado
como é que posso
intervir para ter o objetivo B, tendo os instrumentos
63
receita, modelar comportamentos, a neutralidade garantir a neutralidade fiscal no caso de fusão
está afastada, e não deve ser afastada esta societária. É uma forma de mostrar que o imposto
possibilidade. Há uma lógica de neutralidade relativa continua a assumir o princípio da neutralidade fiscal
e não absoluta, e que por vezes só é encontrada em como algo fundamental, mas não em todo o sistema
regras muito concretas e específicas nos códigos apenas em aspetos circunscritos do imposto.
impositivos. Não é algo que norteie todo o sistema
fiscal, pois as próprias funções afastam isso, mas
não pode ser esquecido. E faz sentido ser usado
para justificar dadas opções do legislador em termos
micro e concretas.
64
Mas há um desvio à teoria do rendimento acréscimo 2 IMPOSTOS DIRETOS E INDIRETOS
em Portugal. Se jogarmos ao Euromilhões e
ganharmos, de acordo com a teoria do rendimento
acréscimo, esse valor é rendimento? Sim, e deveria
ser, supostamente, tributado em sede de IRS. Mas
não o é. Será tributado em sede de imposto do selo,
que é um imposto não sobre o rendimento, e sim Esta classificação não tem definição ou uma
sobre o património. Há um desvio concetual aqui. Há apresentação na LGT, nem na CRP. Ela nasce, pelo
a mesma questão nas heranças. O que há é o contrário, na LOE. É uma classificação legal
imposto do selo. É algo que também está fora da orçamental.
tributação do imposto sobre o rendimento.
65
individualizados do contribuinte a pagar em tributação, ela servirá para calcular o adicionamento.
concreto, porém. Quando os bens de primeira Assim, existe adicionamento independentemente de
necessidade estão encaixados na taxa reduzida, existir imposto principal.
tem-se que o IVA não é um imposto real, mas, ao
admitir isto, está a ter em atenção aspetos de justiça
social. Não quer dizer que um imposto real, em
regra, seja injusto. Um imposto pessoal tem muito Exemplo: existe a chamada derrama municipal. No
mais atenção à capacidade contributiva e à art.º 14º da LFL (nota: RCP recomenda colocar este
realidade individual, tendo um grau de equidade artigo na legislação), vemos que uma das receitas
maior; mas isso não quer dizer que um imposto real fiscais das autarquias é a derrama. A derrama é um
não tenha atenção à justiça e à equidade. valor de imposto calculado sobre o lucro tributável
das empresas que tenham residência naquele
município ou seja, a derrama municipal é um
adicionamento, pois é calculada sobre o IRC, mas
não sobre o valor do IRC devido, e sim sobre uma
parte da matéria coletável do IRC, que é o lucro
4 - IMPOSTOS PRINCIPAIS E ACESSÓRIOS tributado.
Os impostos principais são devidos com Exemplo 2: 1º, o IRC implica determinação da
independência de qualquer outro imposto existente. matéria coletável; 2º, vai-se à matéria tributável
Temos a base de tributação, regras de incidências, determinar a taxa do IRC; 3º, determina-se a coleta;
regras específicas, aplica-se, ponto final. Há aqui 4º, à coleta deduzem-se certas despesas; 5º,
total independência existem por si e não precisam chegamos ao IRC a pagar. Se a derrama fosse um
de outros para existirem ou serem determinados. adicional, o que se faria? Apurar-se-ia qual o valor
do IRC a pagar e pagar-se-ia a taxa que a autarquia
dizia ser necessário pagar. No final, tendo de pagar
IRC, aplica-se a taxa da derrama e temos a derrama
O contrário é poderem existir impostos cuja a pagar. O que é o que o adicionamento faz? Não
existência e determinação dependem de outros olhamos ao valor do imposto, e sim mais atrás, à
impostos ou para existirem, ou para serem matéria coletável. É sobre esse valor que se aplica
calculados. a taxa da derrama. O adicional implica sempre um
imposto principal efetivo que seja pago; mas, se
estiver perante um adicionamento, pode não haver
Dentro dos impostos acessórios, existem dois imposto principal a pagar, e ainda assim ter
subtipos adicionais e adicionamentos. adicionamento a pagar.
No caso do adicional, se este é calculado tendo por Nota: se a empresa tiver muitos prejuízos, pode não
base o imposto a pagar X, o que significa isto? Que ter matéria coletável sequer para ser tributada em
o adicional só existe se existir imposto efetivo a IRC; mas, como tem lucro tributável, será tributada
pagar X. Se o imposto não existir, o adicional não é em derrama.
devido.
66
que tenha de pagar derrama municipal pode não ter Enquanto que, nos impostos fiscais, há uma ideia de
de pagar IRC. Pode dar-se o caso de ter muitos que servem para arrecadar receita, ponto, tem-se
prejuízos fiscais (embora hoje existam algumas que, nos impostos parafiscais, ainda que sirvam
limitações a isto); não havendo matéria tributável, para arrecadar receita (ex.: quotizações da
não há maneria de pagar IRC, mas paga-se derrama Segurança Social), há:
na mesma, pois há lucro tributável (=/= lucro
contabilístico). Em tempos, a derrama já foi sobre o
IRC; agora, é sobre o lucro tributável, pois isto gera
mais receitas, garantindo uma autonomia de Lógica difusa (aproximação às
financiamento dos municípios, para o Estado não contribuições financeiras);
transferir mais dinheiro para os municípios.
Podemos questionar, para RCP, a justiça desta Consignação (também há aqui
medida há quem questione, montes de vezes vai aproximação às contribuições financeiras);
a tribunal.
Afastamento da generalidade e abstração
que os impostos têm a si associadas.
67
Os impostos regressivos não existem no ativo. Têm Há uma coluna contendo rendimentos, e uma coluna
taxa regressiva. Quanto maior a matéria coletável, contendo a taxa aplicável. Há uma variação
menor a taxa de imposto. Isto significa que, quando consoante o montante do rendimento apelidado de
mais se tem, menos imposto se paga. Isto é coletável. Olhe-se à coluna da taxa normal: ela vai
completamente contrário à capacidade contributiva, aumentando conforme aumenta o rendimento
e à equidade por ela revelada. Não significa que não coletável. O conceito de progressividade da taxa
possa haver discussão sobre o efeito regressivo de está aqui revelado.
certos impostos.
68
Leia-se o art.º 68º, 2. Quando o rendimento é mais E há a questão do limite à tributação em certos
do que o primeiro escalão, é dividido em duas partes momentos da História, até foi debatida a questão de
há duas operações a fazer. Uma das partes é igual haver um limite de 50%. Não faria sentido, assim,
ao limite do maior dos escalões que nele couber, à 000.
qual se aplica a taxa da coluna B correspondente a
esse escalão. A outra parte é igual ao excedente, a
que se aplica a taxa da coluna A correspondente ao
escalão imediatamente superior. Nota 2: Portugal ainda está aquém da média de
tributação, mesmo com estes valores. Quando
falamos em escalões, falamos em números e limites.
Vai sempre haver um limite, sob pena do efeito
Sei que terei de aplicar duas taxas a dois valores substituição, e sob pena de fraude, evasão ou
distintos: a um aplica-se a taxa média, a outro a taxa planeamento fiscal agressivo. Há questões de
normal. Qual é a primeira preocupação? Saber qual aceitação pela sociedade, cumprimento voluntário
000. Onde é ou não, endividamento público, questões
que eles encaixam na totalidade? Isto significa que intergeracionais (menos impostos e mais dívida
000 que vai ter uma taxa de pública prejudica as gerações vindouras), etc.
35%. O truque é ver onde encaixar, e aí ver a taxa
normal. Mas não se aplica 35% a tudo. Há que ir ao
escalão imediatamente anterior, e a esse valor
261) aplicar a taxa dos Nota: há a questão da fatura social. As pessoas não
000. Estes vão têm bem noção do que recebem do Estado. Há,
ser tributados a 35%. A taxa média da coluna B é, também, a questão do universal basic income
então, aplicada ao valor mais significativo; o (rendimento básico universal) que possibilitasse a
remanescente estará na taxa normal. quem quiser escolher uma carreira profissional, sem
a corda ao pescoço, tendo aquele suplemento.
69
geracional, que está conectada com a questão da
(boa) utilização da receita fiscal arrecadada. Aquilo
que legitima a cobrança do imposto (a exigência RCP está a introduzir o raciocínio:
dele) tem necessariamente que ver e também não
apenas com a norma legal, mas a existência dessa
norma também é legitimada pela boa utilização dos
recursos arrecadados pela via do imposto. Receita fiscal
70
(ii) Componente material olhe-se ao
103º, 2.: aquilo que tem de ser
efetivamente criado por lei são os Nota: o conceito indeterminado é mais circunscrito;
elementos essenciais (incidência, a margem de livre apreciação é mais ampla.
taxa, garantias dos contribuintes e
benefícios fiscais).
Mas a afirmação muda de figura se a norma de Num Estado de direito, mesmo que sejam boas as
liquidação e cobrança (uma ou outra) afetar as intenções e mesmo que adequados sejam os
garantias dos contribuintes. Aí, ainda que possa ser mecanismos, o que é que o legislador procura
na etapa de liquidação ou na etapa de cobrança, sempre fazer? Criar balizas, limites de atuação. O
como tem impacto nas garantias dos contribuintes, que é que aqui se está a focar, a tentar perceber?
a mudança tem de acontecer por via de lei da AR. Se, em face do princípio da legalidade fiscal, faz
sentido assumir que não há problema algum, nunca,
em aceitar a introdução de conceitos indeterminados
ou margem de livre apreciação nas normas fiscais
ou, se pelo contrário, se para assegurar a certeza ou
segurança jurídica, ou o facto de por vezes haver
Há uma pergunta suplementar que ainda temos de abusos, não fará sentido como forma de garantia
fazer a propósito das bases do princípio da que nos quatro elementos essenciais não possa
legalidade. Será que este princípio da legalidade haver conceitos indeterminados ou margem de livre
fiscal permite a utilização de conceitos apreciação, mas fora ela possa acontecer? Ou seja,
indeterminados e admite poder discricionário ou ainda que, do ponto de vista normativo, e na ratio
margem de livre apreciação? Será que pode haver legis, esteja uma posição adequada para a utilização
normas fiscais admitindo poderes discricionários ou de conceitos indeterminados ou para conferir
margem de livre apreciação? Haverá limitações margem de livre apreciação, atendendo à
impostas pelo princípio da legalidade fiscal? preocupação do autoconsentimento e ao princípio
suplementar da segurança e certeza jurídicas,
quanto aos quatro elementos essenciais balizados
pela CRP, não deverá existir a introdução nos quatro
Não há justificação para negar a utilização de
elementos essenciais de conceitos indeterminados
conceitos indeterminados no direito fiscal. A questão
e margem de livre apreciação. Esta é a posição
é: há alguma limitação a essa utilização?
71
sufragada pelo TC. Ac. 756/95, de 20/12, e o daquela determinação, ainda que possa haver
acórdão 70/2004, de 07 certos juízos.
Estes acórdãos dizem que há possibilidade de se Nota: poderia haver uma argumentação com suporte
admitir um certo grau de indeterminação quando não no princípio da plena concorrência, não só
são definições em remodelação dos elementos salvaguardado por lei nacional como também pelo
essenciais do imposto com mas não se aceitam TFUE. A alteração significativa do mercado é um
normas que atribuam à Administração poder conceito com balizas legais e sobretudo
arbitrário de concretização quanto aos elementos jurisprudenciais europeias e nacionais agregadas,
essenciais. Aí têm de haver necessariamente que faz com que não haja uma tendencial
tratamento fiscal completo. discricionariedade tão elevada.
Há um certo grau de indeterminação, mas não para Já havíamos visto, mas densificámos mais
a definição ou regulamentação destes quatro aprofundadamente o princípio da legalidade.
elementos essenciais aí tem de haver completo
tratamento legal.
Por exemplo, em relação aos contratos fiscais, a O que está em causa, em primeira linha, é uma
norma do 37º transformou se, tendo de se ligar rejeição do arbítrio e, simultaneamente, a exigência
com o Código Fiscal do Investimento. De um ponto de transparência nas normas fiscais.
de vista crítico, o 36º, 5. e o 37º lidam
integradamente com o CFI, e os critérios
estabelecidos nos arts. 2º e segs. já tendem a Quanto à lei fiscal, este princípio tem reflexo na regra
salvaguardar a questão da legalidade fiscal. Neste da não retroatividade fiscal (103º); devemos remeter
caso concreto, RCP diria que há um espaço de para o que significa retroatividade fiscal. Há que ter
discricionariedade natural à aplicação em concreto em atenção que o princípio constitucional é um
72
princípio absoluto: proibição total da retroatividade vimos a propósito de informações vinculativas e das
fiscal. Quanto a este princípio e a regra que o revela, próprias orientações genéricas.
há que notar que temos de a conjugar com o tipo de
imposto, sendo que a distinção fundamental é entre
imposto de formação sucessiva ou imposto como
ato de formação única, pois o TC (que dá conteúdo
ao princípio e o densifica) interpreta que, no caso E existe um direito de assistência ao contribuinte
dos impostos de formação sucessiva, pode haver 59º, 3. LGT - onde se verifica que o contribuinte deve
algo que, à partida, seria assumido como ser auxiliado pela Administração ao cumprimento
retroatividade, mas que, na verdade, não é mais do voluntário caso queira esse apoio.
que retrospetividade. Essa retrospetividade é
permitida, caso não se verifique a violação do teste
da confiança (com os seus quatro níveis).
Todos estes exemplos são reveladores de uma
Assim, o princípio da certeza e segurança jurídicas preocupação de a Administração, na relação jurídica
fiscal determina, em termos de norma fiscal, uma fiscal, dar suporte e ficar vinculada às opiniões que
proteção do contribuinte, garantindo que não ocorra emite quanto a esse suporte ao contribuinte, para
retroatividade. Contudo, o conceito de retroatividade que este saiba com o que pode efetivamente contar.
fiscal depende, também, de construção
jurisprudencial do TC. E, nesse caso, está em causa
a distinção entre retroatividade da lei fiscal e
retrospetividade da lei fiscal, sendo que esta
distinção apenas faz sentido quando identificamos
normas que digam respeito a impostos de formação
sucessiva. Em relação a impostos como ato de 4 PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO EXCESSO OU
formação única, não se coloca esta necessidade DA PROPORCIONALIDADE FISCAL
distinção. Nos impostos de formação sucessiva,
pode haver espaço para normas fiscais retrospetivas
(=/= retroativas), mas, mesmo no caso da
retrospetividade, exige o TC que o teste da proteção Esta é, também, uma lógica da proteção do
da confiança seja feito. E se houver espaço para contribuinte. Isto está intimamente ligado com o
admitir que as expetativas são legítimas e devem ser princípio do não confisco.
protegidas, a retrospetividade não deve ocorrer.
73
Esta ideia nasce de uma proibição do excesso, de A própria construção de benefícios fiscais é
proporcionalidade fiscal, de haver limites à reveladora disso: os benefícios fiscais diferenciam;
tributação. Quando relacionámos receita e despesa, são uma quebra à igualdade fiscal.
vimos que a receita está legitimada pela despesa; e
só deve haver receita pública na medida da
necessidade de despesa. Ora, isto aplica-se na
questão do imposto. Tem de haver um A igualdade fiscal é muito relevante em dois
condicionamento, não se pode ir a todo o domínios/sentidos:
rendimento, todo o consumo e tributar
penosamente. Tem de haver uma ideia de
necessidade daquele tributo e uma adequação dos
Igualdade formal - universalidade da
meios daquele tributo, sendo que, numa análise
tributação
custo-benefício, os benefícios da tributação devem
ser superiores aos seus impactos negativos.
pagar impostos.
74
Já temos pilares fortes para perceber as normas
fiscais, mas temos agora de perceber que o imposto
é fruto de um procedimento e de um processo. É
Assim, apesar de estarmos a identificar princípios (e fruto de vários momentos e de várias etapas. Em
aqueles que são os princípios norteadores e cada etapa há objetivos e conceitos específicos. A
fundamentais do imposto), todos eles estão nossa preocupação será determinar as várias
revelados em regras fiscais. etapas por que o imposto passa (como figura
genérica, mas isto estará visível nos impostos em
especial).
RCP volta a frisar: não significa que os princípios - Vamos identificar quais são essas etapas e,
e, neste caso, a questão da equidade tenha de ser simultaneamente, qual é o tipo de legislação que
absoluta, plena em todas as circunstâncias. Há, teremos de procurar para respondermos às
muitas vezes, conflitos entre princípios. O que perguntas em cada etapa.
acontece aí? Há um que prevalece. Na questão da
equidade, as normas que concedem benefícios
fiscais a certos contribuintes ou certas bases de
tributação, está em causa afastar-se o princípio da O primeiro objetivo é ter a noção de qual é
equidade fiscal. Quem tem capacidade contributiva procedimento para a determinação do imposto,
deveria ser tributado na sua medida, mas pode quais as fases subjacentes; o segundo objetivo é
haver um valor ou mais que suplante essa questão ficar bem claro o tipo de terminologia que devemos
da capacidade contributiva e há uma redução do que utilizar para nos referirmos a cada uma das etapas
o sujeito tem de tributar. Os princípios fiscais não especificamente, e, simultaneamente, quais são os
têm de ser absolutos. Uma exceção é, porém, a não tipos de normas jurídicas que estão subjacentes a
retroatividade: essa é absoluta, não pode nunca cada uma das etapas. Este quadro é transponível
haver uma norma fiscal retroativa (para o TC, pode para qualquer imposto; a lógica é comum a todos os
haver uma norma fiscal retrospetiva, mas isso não é códigos de impostos em especial.
retroatividade autêntica).
75
Uma vez feita a concretização, há o (iv) sujeição; temos o momento em que se ativa o facto
cumprimento da obrigação fiscal. gerador; e temos a determinação do valor que está
sujeito a tributação.
76
Quando procuramos fixar o quantum de sujeição,
temos de encontrar [N4] normas que fixam taxas do
imposto e [N3+N5] normas que preveem deduções
ao valor objeto de tributação.
77
os 50%); mas, para escrever aquele livro, comprou norma que fixa a taxa do imposto, podem ainda
um computador, utilizou eletricidade, comprou 15 existir [N4] normas que preveem deduções à coleta
livros de investigação, pagou uma base de dados apurada.
com acesso a revistas científicas, etc. Assim, RCP
teve um conjunto de despesas a expressão correta
é gastos necessárias para poder produzir aquele
rendimento. O legislador, atendendo à existência Pensemos na vertente objetiva (rendimento). Há um
desses gastos, cria normas onde lhes atende e rendimento bruto, que é objeto de sujeição e não
permite a sua dedução, total ou parcial. Existem [N3] isenção. A este rendimento bruto, vamos deduzir
normas que fixam a dedução passível de ser feita ao certos gastos fiscalmente relevantes, obtendo, por
rendimento ilíquido/bruto, que fazem com que a consequência, o rendimento líquido. Ao rendimento
norma que determina a taxa de imposto não se líquido, que se tenderá a apelidar de matéria
aplique ao rendimento bruto, mas antes ao coletável (não significa que seja assim exatamente,
rendimento líquido. mas é esta a versão simplificada por agora),
aplicamos a taxa do imposto, taxa essa associada a
uma norma que determina o seu valor. Da aplicação
da taxa à matéria coletável obtemos o que se apelida
Nota: qual é a lógica das deduções parciais? Prevê- de coleta. Significa isto que pode existir outro tipo de
se que todo o gasto seja fiscalmente relevante ou normas que preveem deduções à coleta. Assim,
assume-se como fiscalmente relevante apenas uma existem mais gastos fiscalmente relevantes que vão
parcela do gasto. Podemos ter comprado o ser deduzidos e há normas que dizem quais são
computador e a base de dados, somando ao tod esses gastos e em que medida podem ser
2 000, mas o legislador, na norma de dedução, só deduzidos, na totalidade ou em parte. E daqui
000 sejam considerados. obtém-se o imposto a pagar.
78
tributação (rendimento, no caso); outros têm de ser efetivamente àquele agregado familiar, tendo em
deduzidos à coleta, diz o legislador. Da dedução conta a sua efetiva capacidade contributiva. Não é
destes gastos à coleta tenderá a haver a um juízo seco ou linear. Quando o TC analisa esta
determinação do imposto a pagar. questão, faz estas ponderações. Houve uma
alteração em que o legislador determinou que, entre
os 18 e 25 anos, não se podia ser beneficiário de
RSI. A norma foi julgada inconstitucional. No juízo de
Na composição da norma, é dito expressamente que inconstitucionalidade, a justificação foi não ter sido
há dedução ao rendimento bruto/ilíquido; nas outras criada ou apresentada uma norma que garantisse
normas, é dito expressamente que há gastos a uma proteção efetiva daquela franja da população.
serem deduzidos à coleta. Como não havia uma norma de proteção social
alternativa, a revogação foi declarada
inconstitucional.
Olhe-se ao art.º 25º, 1. do CIRS. E olhe-se também
ao 78º, 1. Fala-
norma fiscal determina a que é que se vai proceder Nota 3: se as deduções estiverem no rendimento
a dedução: no momento identificado, faz-se essa líquido, o que acontece à matéria coletável? Reduz-
dedução. se, e o imposto a pagar será muito menor. Por isso,
o legislador prefere a existência de muitas mais
deduções à coleta.
Nota: Quando o legislador prevê normas de
79