Dante - As Traduções Da Divina Comédia
Dante - As Traduções Da Divina Comédia
Dante - As Traduções Da Divina Comédia
Campinas
2018
ELIANE APARECIDA ZUCCULIN NUCCI
Campinas
2018
Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): Não se aplica.
ORCID: http://orcid.org/0000-0002-1072-4163
Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Estudos da Linguagem
Crisllene Queiroz Custódio - CRB 8/8624
BANCA EXAMINADORA:
IEL/UNICAMP2018
Traduzir e escrever sobre tradução de poesia leva à encruzilhada das escolhas feitas
anteriormente entre a fidelidade possível e a recriação. Para alguns tradutores privilegiados
que são também e talvez, principalmente, poetas, a recriação poética dos textos traduzidos
muitas vezes é o caminho mais interessante. Desde Dante, muitos têm insistido nas
dificuldades quase intransponíveis ou até na impossibilidade da tradução poética. Este
trabalho se propõe a comparar algumas traduções da Commedia para o Português, focando
especificamente traduções do Canto XXV do Inferno, no caso dos tradutores mais
tradicionais, e do Canto I do Inferno, traduzido por Augusto de Campos. Pesquisamos
traduções da Commedia realizadas em um período que se estendeu de meados do século XIX
até o fim do século XX, desde as traduções completas de autoria de Xavier Pinheiro, João
Trentino Ziller, Cristiano Martins e Italo Eugenio Mauro, até as traduções parciais de
Machado de Assis, Dante Milano, Jorge Wanderley e Augusto de Campos. Para embasamento
teórico desta dissertação trouxemos principalmente as teorias de Walter Benjamin e Antoine
Berman sobre tradução e crítica da tradução.
Translating and writing about poetry always leads to the crossroad of choosing between
possible fidelity and recreation. For some privileged translators who are also poets themselves
(and perhaps that is the reason why), poetic recreation in translated texts is considered the
most interesting path. Since Dante, many have insistently chased the almost insurmountable
difficulties and often impossibility of poetry translation. This study aims to compare some
translations of Commedia into Portuguese; mainly of Inferno’s Canto XXV, for more
traditional translators, and Inferno’s Canto I, translated by Augusto de Campos. We search
translations of Commedia carried out in a period that extended from the middle of the
nineteenth century until the end of the twentieth century, from the complete translations of
authorship of Xavier Pinheiro, João Trentino Ziller, Cristiano Martins and Italo Eugenio
Mauro, until the partial translations of Machado de Assis, Dante Milano, Jorge Wanderley
and Augusto de Campos. For theoretical background of this dissertation we brought mainly
the theories of Walter Benjamin and Antoine Berman on translation and criticism of the
translation.
INTRODUÇÃO 11
CONSIDERAÇÕES FINAIS 85
REFERÊNCIAS 90
DICIONÁRIOS E ENCICLOPÉDIAS 95
11
INTRODUÇÃO
Para Even-Zohar (1979, p.11), no entanto, apesar de as citações das grandes obras
serem recorrentes na literatura ou na linguagem popular, não se trataria de uma demonstração
de interesse, mas antes configuraria um fator de “indiferença” pela obra citada, uma vez que,
fora de seus contextos de origem, as citações perderiam o significado. Com referência à
Commedia, as traduções sucessivas podem trazer uma renovação não apenas da linguagem,
mas também do interesse do público, o qual poderia localizar e compreender melhor as
citações e suas diferentes formas de significação.
Porém, uma obra como a Commedia tem uma grande influência na literatura, no
imaginário de toda uma civilização, influência que segue se concretizando nas referências
mais comuns, mesmo por séculos, como no caso dos escritos de Dante. Assim sendo, também
as traduções da Commedia podem ter tido uma influência significativa, se atentarmos que a
primeira tradução completa, a de Xavier Pinheiro foi, segundo afirma Jorge Wanderley (2004,
p.318) , inspirada pela tradução do Canto XXV por Machado de Assis. Assim também as
traduções de Cantos esparsos feitas por Dom Pedro II poderiam ter influenciado na tradução
da Commedia por Bartolomeu Mitre (1897), uma vez que o tradutor argentino apresentou seu
trabalho ao imperador, pedindo-lhe opinião, conforme enfatiza Romeu Porto Daros5 em seu
artigo sobre a tradução feita por esse presidente da Argentina, em que expõe a amizade de
D.Pedro II e Mitre:
[...]como resta demonstrado no Tomo LXXVI da Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, publicado em 1914, onde consta a
iniciativa de fazer-se copiar no Museu Mitre, em Buenos Aires as: “[...]notas
do próprio punho, escriptas pelo imperador d.Pedro II no exemplar da
traducção da Divina Comédia, feita pelo general Mitre, que submeteu ao
imperador, pedindo-lhe a opinião sobre esse trabalho”[...](1913,p.637-
638.[...]DAROS (2013,p.15).
homem comum no livro De Vulgari Eloquentia7, no qual estudou e definiu o que deveria ser a
língua italiana, com base na linguagem dos poetas, e a partir dos dialetos espalhados pela
Itália. Escolheu escrever a Commedia no seu toscano nativo, uma vez que, na sua acepção,
cada um considera e aprecia a língua materna como sendo a mais suave. Mesmo assim,
temperou a linguagem de sua obra com vocábulos de outros dialetos e ainda, com palavras
oriundas do latim, adaptadas ao contexto por meio de sua genialidade pois, segundo Campos
(2003, p.182) “[Dante] empregava uma quantidade significativa de palavras cuja maior ou
menor cronicidade, com respeito ao seu próprio tempo é matéria de estudos e perquirições
sem fim”.
A grande dificuldade da tradução, devido ao tempo transcorrido desde a criação
da obra e ao desconhecimento do significado de muitos dos termos antigos, é a necessidade de
fazer uma escolha, e o tradutor por vezes caminha em terreno minado.
Em vista disso, podemos afirmar, com alguma precisão, que tradução alguma
poderia pretender dar conta de todas as possíveis significações de um poema, sem considerar
as múltiplas versões produzidas desde a que se quer mais literal à que seja amplamente
reconhecida como mais poética. Enfim, considerando as traduções como um trabalho de
cooperação entre versões, pode-se até quantificar uma tradução da Commedia: tantos versos
traduziram o sentido, tantos versos não alcançaram uma ou outra nuance do siginificado das
palavras do original, tantos versos sacrificaram a rima usada pelo autor em favor do
esclarecimento, tantos adjetivos foram acrescentados, tantos termos crus foram suavizados em
favor da palatabilidade literária ou da moralidade da época em que a tradução foi feita...
Embora não possamos qualificar definitivamente qualquer que seja a tradução, há
fatores a questionar: quem são os tradutores, qual o contexto histórico, social, literário em que
se inscreveram, para quem eram essas traduções, que público as recebeu e como. Elas estão
no nosso passado, e só podemos criticá-las com equanimidade a partir de respostas a essas
perguntas. Entendemos também que o gosto pessoal do crítico e o gosto do público atual não
deveriam minimizar o valor dessas traduções.
No caso das traduções da Commedia para o português brasileiro, analisadas neste
trabalho, há um lapso de tempo a ser considerado e, de certa forma, precisamos viajar por elas
e com elas aos Cantos dantescos. Elas vêm sendo feitas desde o fim do século XIX, e por todo
o século XX. Seus autores se situam em cenários históricos, políticos, sociais e literários
completamente diferentes, o público a que se destinavam foi mudando com o passar do
7
Escrito em latim, posto que dirigido aos letrados de seu tempo e consciente da originalidade de sua obra.
14
Nove, três vezes três, o número das tríades sagradas – para os cristãos, Pai, Filho, Espírito Santo, para os
gregos, Zeus, Hades e Netuno. Deméter teria procurado por 9 dias após Perséfone ter sido raptada por Hades.
Nove é ainda o número das musas a quem Dante recorre no Canto I do Purgatório. Disponível em
https://www.dicionariodesimbolos.com.br/numero‐9/
9
Disponível em: https://www.montesiao.pro.br/estudos/teologicos/significado_numeros.html
10
Disponível em: http://bemzen.uol.com.br/noticias/ver/2011/02/03/1093‐o‐misterio‐do‐9
15
medievais, nove são os frutos e os dons do Espírito Santo; nove, no simbolismo pitagoriano,
significa o fim de um ciclo e começo de outro; indica ainda realização, consecução e
perfeição; no Catolicismo, reporta às novenas, nove dias de orações; ainda, às nove
beatitudes do Evangelho; representa a mais alta forma do amor universal e a plenitude
espiritual, sem nos esquecermos que, no âmbito terreno, são nove os meses da gestação
humana.
Beatriz morre jovem, e o poeta, já então conhecido e que fizera para ela seus
primeiros poemas, decide que, para falar de novo de tão excelsa dama, deveria escrever uma
obra que estivesse acima de todas as outras. Conseguirá esse feito com a Commedia, com seus
14.233 versos, e abrangendo quase todas as vertentes do conhecimento medieval, mas que, em
essência, visava exaltar a sua amada.
Após a morte de Beatriz, Dante casou-se, teve filhos, inscreveu-se na corporação
dos farmacêuticos, fez parte do Conselho de Florença. Sua dedicação como cidadão já fora
provada, tendo ele lutado pela cidade nas batalhas de Campaldino e Caprona, mas continuou a
prestar serviços à sua comunidade, e em 1.300, ano do Jubileu, foi enviado como emissário a
Roma, para pedir a interferência do Papa Bonifácio VIII nas divergências políticas de
Florença. Essa intervenção se patenteia com o envio de um cardeal para arbitrar as
divergências locais. Porém, o cardeal mandado pelo Papa não foi capaz de se desincumbir de
sua missão e deixou a cidade. Dante, que fazia parte do Conselho, foi novamente enviado a
Roma para pedir ajuda ao Papa. A situação na cidade se agravava, e os Bianchi, facção a que
Dante pertencia, foram afastados do poder. Os Neri tinham se tornado senhores da situação, e
um amigo de Dante, quando esse já se encontrava em Siena, a caminho de casa, trouxe-lhe a
notícia de que o poeta fora condenado por falsidade e tráfico de influência, sujeito a uma
multa de cinco mil florins e exílio. Se a multa não fosse paga em três dias, aconteceria o
confisco de todos os seus bens. Dada a impossibilidade de levantar tal quantia em tão pouco
tempo, além da clara injustiça da sentença, Dante permanece em Siena, mas logo após é dada
uma nova sentença, em virtude de o poeta não ter pago a multa: é condenado a morrer na
fogueira, caso volte a Florença.
Assim começa a peregrinação do poeta por tantas cidades da Itália, em castelos
cujos senhores o recebem pelo seu nome ilustre, e para muitos dos quais presta seus serviços
como embaixador e representante, até sua morte, em 1321.
16
Qualquer tradução, seja para o português ou outra língua, está sempre eivada de
renúncias, e tratando-se de uma obra como a Commedia, isso acontece, não apenas por se
tratar de um grande poema, mas também pelo tempo transcorrido desde seu aparecimento há
sete séculos, mas, principalmente, pelo que a obra e seu autor representam.
Comentando sobre a sua tradução de “A Tarefa do Tradutor” Suzana Kampf
Lages (2002) chama a atenção para o fato de que a palavra “tarefa” (Aufgabe, em alemão),
também pode ser interpretada como “renúncia”; aliás, na primeira versão feita pela autora, a
palavra “tarefa” vinha hifenizada a “renúncia”, demonstrando a variedade de sentidos que a
palavra alcança na língua alemã.
O ensaio de Walter Benjamin (2008, p.71), A tarefa do tradutor, foi o guia nesta
caminhada pelas veredas das traduções de Dante. Nesse ensaio o autor fala sobre a
“transformação de tom e significado que sofrem as grandes obras poéticas” no correr do
tempo, assim como a língua de cada tradutor sofre modificações, e enquanto a obra poética
traduzida permanece, para Benjamin, a tradução envelhece e caduca. Tendo como referência
essa asserção, analisamos neste trabalho algumas das traduções da Commedia para o
português, em relação a sua adequação e pertencimento ao momento em que foram
traduzidas, assim como a sua sobrevivência no tempo.
Ainda que muitas vezes os tradutores escolhidos para este trabalho não se
reportem ao que se poderia hoje nomear “teoria da tradução”, de qualquer forma existe
sempre uma “teoria” implícita em cada tradução, e esse é um dos pontos também leados em
conta na pesquisa.
Por que comparar o trabalho de autores de traduções completas editadas no Brasil,
juntamente com trabalhos dos que traduziram apenas alguns CantosɁ Estudadas somente
aquelas, seria perdido o ensejo de discutir a tradução de Machado de Assis, autor que
traduziu um único Canto, justamente o XXV. Em situação semelhante está o poeta Dante
Milano, que trouxe para o português três Cantos, parcimônia que se refletia em sua própria
poesia. Seguindo o mesmo raciocínio, deveria ser deixado de fora ainda Augusto de Campos
e, nesse caso, estaria perdida a oportunidade de discutir a “transcriação”. No caso de Campos,
uma vez que traduziu outros Cantos do Inferno que não o XXV, foi necessário fazer um
ajuste, e o estudo recaiu sobre a emblemática tradução do Canto I, que demonstra, para os fins
deste trabalho, as opções transcriativas do tradutor.
Criticar para quê essas traduções, se já se acumulam críticas de estudiosos e
literatos, como os que mencionaremos a seguir na apresentação dos tradutoresɁ Segundo
Antoine Berman (1995, p.13) a crítica existe, desde o século XVIII, no sentido de julgamento
18
ou de avaliação, mas, na opinião do autor, a crítica deve ser “a restituição da verdade de uma
tradução”, e este afirma ainda que deve incluir uma “análise rigorosa de uma tradução, de seus
traços fundamentais, do projeto lhe deu origem, do horizonte no qual ela surgiu, da posição
do tradutor”. Por outro lado, segundo Berman (p.42), quando se aborda a análise de traduções
(em comparação ou comentadas), há sempre o risco de cair no extremo de, de certa forma,
afirmar que algumas são inadequadas ou precárias. Em nosso entendimento, as comparações
são uma extensão da crítica, uma explicação, uma justificativa No entanto, Benjamin (2008,
p.81) afirma que as obras mais importantes têm, todas, “sua tradução virtual entre as linhas”, e
que essa tradução virtual seria o “arquétipo ou ideal” de todas as traduções. Embora a
Commedia seja um “grande escrito”, quase como um dos textos sagrados de que fala
Benjamin, não se pode certamente esperar, por exemplo, quando se analisa e compara
algumas de suas traduções, nem mesmo, por vezes, uma “equivalência”, seja ela formal ̶
estrita manutenção do sentido – seja ela dinâmica, reproduzindo o valor cultural, ainda que
não seja conservada a forma (NIDA e TABER,1969).
****
pelo autor, acompanhada pelas noções dessa teoria e de sua aplicação, para compreendermos
a diversidade de pontos de vista que se apresentam na tradução poética.
Além de um perfil biográfico de cada um dos tradutores, uma breve
contextualização, que em alguns casos traz algumas notas sobre a recepção das traduções.
Trata-se de textos de críticos literários que, em alguns casos, entoam loas ao aparecimento de
uma nova tradução e, em outros casos, apresentam uma animosidade, velada ou não,
mascarada com elogios dúbios; outros textos trazem os comentários de alguns dos autores
sobre as próprias traduções.
No Capítulo quatro analisamos algumas características da tradução poética,
valendo-nos das categorias propostas por Berman sobre as tendências da tradução
etnocêntrica.
20
“Traduzir é desviar”, como bem explicita Francis Aubert (1987, p.3), pois,
segundo o autor, estruturalmente as línguas não têm identidade entre si; portanto, a
literalidade é estigmatizada. “A fidelidade à mensagem exige, portanto, uma infidelidade à
forma” conforme Aubert. Entretando entendemos que, na poesia, a mensagem está também
na forma, sem que a conservação dessa forma implique necessariamente uma inclinação à
literalidade.
O trabalho de São Jerônimo (LARBAUD, 2001, p.48), ao traduzir a Bíblia do
original hebraico para o latim, exerceu grande influência na formação das línguas românicas.
Referindo-se ao próprio trabalho, em carta ao seu discípulo Pamáquio, Jerônimo (1995, p.61)
afirma “não apenas confesso, mas proclamo a plenos pulmões que quando traduzo os textos
gregos ̶ que não sejam as Sagradas Escrituras (onde até a estrutura da frase é mistério) ̶ não
é a palavra, mas o sentido que exprimo”14. Para o patrono dos tradutores, o importante,
mesmo em se tratando de texto sagrado, era que a palavra fosse traduzida em sua essência. Os
textos sagrados judaicos sempre tinham sido copiados palavra por palavra, devido à
consideração de que qualquer mudança destruiria o teor sagrado dos escritos, portanto,
quando traduzidos, deviam manter essa suposta literalidade. Jerônimo, que lia os textos
diretamente da sinagoga, não se deixou envolver por esse costume tradutório de proclamar a
intraduzibilidade da palavra divina, antes foi fiel a si mesmo, e à máxima exarada em De
optimo genere interpretandi, isto é, Non verbo e verbo, sed sensum exprimere de sensu (“não
visar a tradução palavra por palavra e sim o sentido”).
Por sua vez, na Alemanha, Schleiermacher ([1835]2010), em seu artigo “Sobre os
diferentes métodos de traduzir”, põe em evidência a tensão entre aproximar-se e distanciar-se
das línguas traduzidas, dos autores e de suas culturas. É nessa fronteira que profere a hoje
icônica afirmação de que há apenas dois caminhos para a tradução: deixar o escritor em paz e
levar até ele o leitor, ou deixar ficar o leitor e levar até ele o escritor. Afirmava ainda
desaconselhável a mistura dos dois métodos, uma vez que ambos os caminhos são tão
completamente diferentes que um deles tem que ser seguido com o maior rigor, pois, qualquer
mistura produz necessariamente um resultado muito insatisfatório (2010, p.57). Apontando o
que há de difícil em cada caminho, distigu entre proporcionar ao leitor a experiência da
estranheza do outro ou fazer desse encontro algo familiar, mas um familiar criado por uma
14
Essa Carta a um Senador romano influente na Igreja Católica deve sua fama ao fato de Jerônimo ter sido
acusado de infiel em sua tradução. A Carta não só remete ao modo de traduzir de Cícero, reafirmando‐o “a
plenos pulmões”, como também chama em seu socorro a Arte Poética de Horácio.
22
“semelhança exótica”. Enfim, seja qual for a escolha, estão aí “as renúncias que nosso
tradutor há que se impor necessariamente (p.71).
Em Walter Benjamin (2001, pp.77 ̸78), sobre a fidelidade, encontramos a acepção
de que, traduzindo palavra por palavra quase nunca se reproduz totalmente o seu sentido
primeiro; e ainda que a tradução literal torna impossível reproduzir o sentido; e que existe
nas palavras “uma tonalidade afetiva”. Benjamin também afirma que a obra de arte não tem o
objetivo imediato de ser feita para alguém, principalmente para alguém em particular: “Pois
nenhum poema dirige-se ao leitor, nenhum quadro, ao espectador, nenhuma sinfonia, aos
ouvintes.” (2001, p.67). Tratando-se de uma tradução, o autor é enfático: a única razão para
traduzir várias vezes um mesmo texto seria o fato de que há leitores que não conseguem lê-lo
no original.
Textos não literários tais como manuais técnicos, textos de medicina ou farmácia,
documentos e outros semelhantes devem comunicar exatamente seu conteúdo, sob pena de
consequências graves. Já os textos literários, e principalmente os poéticos, têm um
desenvolvimento e uma substância diferentes, que a tradução precisa acompanhar. Benjamin
deixa esse fator bem claro, ao afirmar que “o essencial” de uma obra poética “não é a
comunicação, não é o enunciado. E, no entanto, a tradução que pretendesse comunicar algo
não poderia comunicar nada que não fosse comunicação, portanto, algo inessencial”. Aqui,
seguindo esse raciocínio, podemos levar em conta que, em poesia, o que importa na verdade é
a fruição do poema, o deleite proporcionado, o encanto que esse mesmo poema provoca em
quem o lê, e não meramente a aplicação de sinônimos e a árida garimpagem do sentido. Ainda
segundo Benjamin (2001, p.67),
[...]aquilo que está numa obra literária, para além do que é
comunicado (e mesmo o mau tradutor sabe que isso é o essencial),
não será isto aquilo que se reconhece como o inaferrável, o
misterioso, o “poético”? Aquilo que o tradutor só pode restituir ao
tornar-se,ele mesmo, um poeta?[...]
apreciadas através dos anos, contando-se, entre outras,15 a do poema The Raven, de Edgar
Allan Poe, bem como a do Canto XXV do Inferno da Commedia.
Em seu Aspectos linguísticos da tradução, embora teça comentários sobre ser
impossível traduzir poesia, Roman Jakobson (2007, p.66), afirma que as impossibilidades
podem ser contornadas, pois, “[o]nde houver uma deficiência, a terminologia poderá ser
modificada por empréstimos, calços, neologismos, transferências semânticas e, finalmente,
por circunlóquios”. Para o autor, há uma vasta gama de possibilidades de tradução, que
dependerá dos conhecimentos e capacidades do tradutor. Também, quanto às diferenças entre
as gramáticas de duas línguas, Jakobson afirma que mesmo isso não torna impossível que a
“informação conceitual contida no original” seja levada ao leitor. No entanto, alerta que, “em
sua função cognitiva”, a gramática afeta pouco a linguagem, ou seja, “o nível cognitivo da
linguagem não só admite, mas exige a interpretação por meio de outros códigos, a
recodificação, isto é, a tradução” (p.67). Porém, para Jakobson, “nos gracejos, nos sonhos, na
magia, enfim, naquilo que se pode chamar de mitologia verbal de todos os dias, e sobretudo
na poesia, as categorias gramaticais têm um teor semântico elevado” (p.70). Especificamente
sobre a tradução poética, Jakobson explicita que a poesia não pode ser traduzida, pois “o
trocadilho, ou para empregar um termo mais erudito e talvez mais preciso, a paronomásia,
reina na arte poética”, e ainda que, em poesia, “só é possível a transposição criativa” (2007,
p.71), que entendemos aqui como uma afirmação da traduzibilidade.
Antoine Berman (2007, p.40), por sua vez, censura os seguidores da vertente que
nomeou “tradução etnocêntrica”, ao dizer que “uma longa tradição ̶ de Dante a Du Bellay e
Montaigne, de Voltaire e Diderot a Rilke, Jakobson ou Bense ̶ afirma que a poesia é
intraduzível, porque ela é só uma “hesitação entre o som e o sentido (Valery).”
Berman explicita que essa tradição afiança que a relação entre som e sentido
impediria a tradução de poesia, e, segundo essa mesma tradição, a poesia não deveria ser
traduzida, pois sua “verdade e valor” estariam consignados à sua “intraduzibilidade e
intangibilidade”. Ressalta ainda sua discordância enfatizando que, conforme esses parâmetros,
o “verdadeiro poema” deveria ser intraduzível, sendo a sua tradução uma traição, mesmo
necessária, tendo até mesmo como ponto de rebaixamento o fato de que se assemelha a uma
operação mercantil: “para falar como os gregos e os medievais, ela é tão necessária quanto o
15
Embora João Trentino Ziller esteja elencado entre os poetas nos paratextos da edição 2011̸ 2012 da Commedia
traduzida por ele, não foi possível encontrar poemas de sua autoria, apenas comentários seus sobre poesia
provençal, além de um livro sobre Os Lusíadas.
24
comércio e as atividades de dinheiro, mas em todos os casos trata-se de atividades vis e sem
valor”.
Quanto à fidelidade ao “sentido”, Berman (2007,p.32) afirma que supor que
traduzir seja captar o sentido, é deixar esse mesmo sentido distanciado “de sua letra, de seu
corpo mortal, de sua casca terrestre”, escolhendo “o universal” em vez do “particular”. Para
esse estudioso, “o sentido é captado na língua para a qual se traduz. Para tanto, deve ser
despojado de tudo que não se deixe transferir. A captação do sentido afirma sempre a
primazia de uma língua”16. Em outras palavras, ser fiel ao sentido é, para o autor, ser infiel à
letra, porém, sendo infiel à letra do texto fonte, o tradutor será fiel à letra do texto alvo:
16
Grifos do autor.
25
ideia de “sintetizar” o texto, como declara em suas explanações sobre a criação, recriação e
transcriação. O autor lembra ainda que Odorico Mendes “adota a técnica da interpolação,
incorporando versos de outros poetas, quando entende que certa passagem homérica pode ser
vertida através desse expediente” (1992, p.38).
Coerente com a teoria da transcriação, em seus comentários sobre a tradução de
alguns Cantos de Dante, Augusto de Campos (2003, p.184) enfatiza que “certas
reetimologizações não convencionais, suscitadas pelo palavreado dantesco” [...] “vão por
conta de uma operação poética de rejuvenescimento linguístico”. “Tradução criativa”,
“reconfiguração”, “reetimologização”, “rejuvenescimento” são as palavras-chave para a
compreensão da teoria transcriativa. Vemos que o procedimento de substituição – como no
caso do terceiro verso do Canto I do Inferno, no qual Augusto de Campos substituiu a frase
de Dante por um verso de seu livro O Rei menos o Reino – tivera um antecedente na tradução
de Odorico Mendes. Para Augusto de Campos, que considera banal a literalidade, esse
procedimento de Mendes se apresenta como uma “usurpação”, uma “antropofagia”,
movimentos defendidos por Campos.
Seguindo o caminho da “transposição criativa” preconizada por Jakobson,
encontramos em Haroldo de Campos (2006, p. 35) a afirmação de que os textos mais difíceis
de traduzir são aqueles que mais atraem em suas possibilidades de recriação, ou ainda que,
sendo textos criativos, sua tradução será “recriação ou criação paralela, autônoma porém
recíproca”.
Ainda em Metalinguística e outras metas, Campos enfatiza que
[...]A tradução de poesia (ou prosa que a ela equivalha em
problematicidade) é antes de tudo uma vivência interior do mundo e da
técnica do traduzido. Como que se desmonta e remonta a máquina da
criação, aquela fragílima beleza aparentemente intangível que nos
oferece o produto acabado numa língua estranha. E que, no entanto, se
revela suscetível de uma vivissecção implacável, que lhe revolve as
entranhas, para trazê-la novamente à luz num corpo linguístico
diverso.[...](CAMPOS, 2006, p.43).
18
Disponível em: Trabalhos em Linguística Aplicada – Campinas (vol. 2) 53‐65 – jan.‐jun. 1988.
28
1-2018
30
outras, e mesmo se, conforme o autor, os leitores venham diminuindo em número ou algumas
dessas traduções devam ser modernizadas, ainda assim, por suas características em comum,
permanecem “grandes”. Os elementos que fazem a grandeza dessas obras são, para Berman, o
fato de cada uma delas ter sido, em primeiro lugar, um acontecimento na língua alvo, a seguir,
ter um caráter sistemático, semelhante ao original, ser “um lugar de encontro entre a língua do
original e a língua do tradutor”; ligar-se intensamente ao original, levando-se em conta o
“impacto” sobre a cultura que a recebe, e finalmente, ser “um precedente incontornável para a
atividade de tradução contemporânea ou anterior.”
A primeira tradução poética completa da Commedia para o português, da autoria
de Xavier Pinheiro, manteve-se como principal meio de conhecimento da obra dantesca entre
nós por meio século, e, sendo atualmente de domínio público, é a mais editada e ainda hoje é
referência no Brasil. No entanto, embora tenham seu lugar no panorama da literatura
brasileira, nem essa, nem as traduções subsequentes para o português, estudadas neste
trabalho, tomaram o lugar do original, nos termos indicados por Berman no parágrafo acima.
Na análise das traduções aqui apresentadas pode-se verificar a oportunidade das
colocações de Benjamin, retomadas por Berman, quanto ao fato de que uma tradução vai, ao
longo do tempo, perdendo a capacidade de atrair o leitor, uma vez que o vocabulário, as
alusões e as referências utilizadas pelo tradutor vão mudando com o passar dos anos: cada
tradução está ancorada ao período cultural em que foi feita. Para Benjamin (2002, p.72) a
língua materna daquele que traduz sofre transformações, assim como os grandes originais de
poesia, mas aquilo que o poeta disse permanece na língua em que ele escreveu, e as traduções
acabam por submergir nas modificações inevitáveis de cada língua.
Outro ponto para o qual Berman (1995,pp.89 ̸ 90) nos chama a atenção são as
palavras-chave, ou “palavras fundamentais”. Enfatiza a existência de palavras-chave
estrangeiras, que são os intraduzíveis de cada língua, (nós mesmos, lusófonos, podemos
encontrar o exemplo mais emblemático de nossa língua na palavra “saudade”), palavras das
quais a tradução, segundo o autor, devem ser explicadas, mesmo quando não há equivalência
entre os termos nas línguas de partida e de chegada. Por outro lado, existem as palavras-chave
na obra de um determinado poeta, fundamentais nessa poesia, ou que ainda, conforme
Berman, podem ser consideradas fundamentais na literatura de toda uma civilização.
Encontramos vários exemplos de palavras fundamentais da Commedia, tais como amore,
valore e stelle, mas uma está bem visível no canto XXV, a palavra spirto, ou seu plural,
spiriti, ou ainda, seu sinônimo, anima.
31
13-Per tutt’i cerchi de lo’nferno scuri Por todo círculo do inferno escuro
14-non vidi spirto in Dio tanto superbo, não vi espírito em Deus assim soberbo
15-non quel che cade a Tebe giú da’ muri. nem o que emTebas lá rolou do muro.
Nos versos 13, 14 e 15, Xavier Pinheiro e Jorge Wanderley fizeram uma tradução
mais literal; Machado de Assis e Dante Milano preferiram “alma”; Ziller trocou “espírito” por
“réu”; Hernâni Donato por “pecador”; Cristiano Martins escamoteou a palavra e seu contexto,
encaixando um “niguém”, enquanto Italo Eugênio Mauro a substituiu por “ser”. Na tradução
de Augusto de Campos, embora o Canto seja outro e outro o assunto, encontra-se, no verso
122 do Canto I a palavra anima, que manteve em português seu sinônimo, “alma”.
“Réu”, “ser” e “espírito” são substantivos e pode-se dizer que “pecador”, neste
caso também é; no entanto, “ninguém” é pronome indefinido, não está no campo lexical nem
no semântico de “espírito”, o que traz uma alteração profunda. Já nos versos 35, 36 e 37, a
palavra spiriti foi traduzida como espíritos, a não ser por Martins, que usou “vultos”, ainda
uma vez se desviando do teor da palavra-chave, e Ziller, que usando “ombras”, praticou um
sincretismo entre o italiano e o português. “Sombras”, no caso, estaria correto como sinônimo
de “espírito”. Já “ombras” não existe em português.
35-e tre spiriti venner sotto noi, e três espíritos vindo até nós
36-de’ quai né io né ‘l duca mio s’accorse, os quais não vimos, o guia nem eu,
37-se non quando gridar: “Chi siete voi Ɂ”; senão quando gritaram: “Quem sois vósɁ”
Conforme vimos antes, Jakobson (2007, p.70) faz um comentário relevante que
podemos relacionar com esse tópico: referindo-se à função cognitiva da linguagem, o autor
afirma que ela tem uma pequena dependência do sistema gramatical, uma vez que o que
percebemos através da linguagem se dá pela “recodificação, isto é, a tradução” e que seria
uma incoerêcia a possibilidade de haver “dados cognitivos inefáveis ou intraduzíveis”. No
entanto, chama a atenção para o fato de que, na poesia, é importante manter as categorias
gramaticais.
O tradutor nem sempre encontra, na língua para a qual traduz, sinônimos exatos
ou termos equivalentes ao que o autor do original criou e escreveu. No entanto, manter as
categorias gramaticais, adicionadas aos campos lexicais e semânticos encontrados no original
durante a tradução seria, mais do que um movimento estético, uma questão de valorizar a obra
traduzida.
32
Intitulada por Dante como Commedia, a obra, uma das principais da literatura
italiana, foi divulgada em três cópias, principalmente por Giovanni Boccaccio, que
acrescentou o adjetivo Divina.
O Purgatório, concluído em 1312, e o Paraíso (1321) são compostos de 33 Cantos;
o Inferno (1308), com 34 Cantos, tem um a mais; trata-se esse Canto extra de um prelúdio,
uma apresentação, um projeto que em seguida irá se desenvolvendo.
É consenso geral que Dante teria baseado sua obra no número três, símbolo da
Santíssima Trindade, extrapolando para o número nove, três vezes três, como a referência à
idade em que ele e sua amada Beatriz se encontraram pela primeira vez, encontro reiterado
aos dezoito anos, ainda um múltiplo de três. Para a tradutora francesa de Dante, Jacqueline
Risset 21, essa numerologia estaria embutida nas terzine, cada uma composta de três versos,
os quais seriam compostos de onze pés, sendo o pé a medida dos versos gregos; segundo a
autora, cada terzine, multiplicada por onze, redundaria em trinta e três pés, sendo que trinta e
três é o número de Cantos do Purgatório e do Paraíso. O Inferno conta com uma introdução,
o Canto I, e tem mais trinta e três Cantos, perfazendo os cem Cantos da Commedia.
Enquanto nas traduções de outros clássicos, como, por exemplo, da Odisseia, os tradutores
enfrentaram dificuldades tais como a aproximação ao verso grego, determinado por pés,
iambos e troqueus, sílabas átonas e tônicas, na tradução da Commedia para o português essas
escolhas não se apresentaram. No entanto, dos tradutores brasileiros que comentaram o
próprio trabalho, nenhum referiu a existência de pés nos versos dantescos.
O Inferno se formou como um abismo quando Lúcifer foi precipitado na Terra, e
os movimentos de terra seguintes constituíram a montanha do Purgatório. O Inferno é
composto de nove círculos, e a gravidade dos pecados recrudesce à medida que se aproxima
do centro, no qual está, preso no gelo22, o demônio alado Lúcifer, que com suas três bocas
devora eternamente Judas, Brutus e Cássio, traidores notórios.
Nos Cantos I e II do Inferno Dante faz um preâmbulo da sua viagem. No Canto
III, abre-se a porta infernal, sobre a qual pode ser lida a mensagem do desengano absoluto,
lasciate ogne speranza, voi ch’entrate, que significa “deixai toda esperança, vós que entrais”.
Esse Canto ainda não fala dos círculos infernais, pois nesse vestíbulo Dante encontra os
Cf. Jacqueline Risset, Traduire Dante. Disponível em http://www.pileface.com/sollers/spip.php? article1474#
sommaire. Acesso 16‐10‐2017.
Cf. Eduardo Sterzi, 2008, p.114, aqui a Commedia segue uma tradição islâmica que, ao contrário da tradição
cristã, põe Lúcifer no gelo e não no fogo.
33
mornos, os que não fizeram bem nem mal, aqueles che visser sanza ’nfamia e sanza lodo
(Inf. 3.36), “que viveram sem infâmia e sem louvor”, e contra os quais o autor se volta
enraivecido.
Os círculos do Inferno começam a partir do Canto IV, começando no primeiro, o
Limbo, onde ficam os pagãos virtuosos, que viveram antes da vinda de Cristo, e aqueles que,
nascidos embora na cristandade, não foram batizados. Trata-se de um círculo escuro,
simbolizando a falta da luz do Evangelho em suas almas.
O segundo, o Vale dos ventos, comporta os culpados de luxúria, e esses são
arrastados por vendavais e furacões, representado aí os vícios da carne que antes os
arrastavam ao pecado. Esse círculo é regido por Minos, juiz que, após ouvir a confissão dos
pecados, determina, pelas voltas que sua cauda perfaz ao enrolar-se em volta do pecador, o
círculo ao qual a alma está destinada
O terceiro, representado por um lago de lama, contém os culpados pelo pecado da
gula, que agora só têm para saciar sua fome a lama imunda, e sob uma chuva de granizo e de
neve, sofrem os ataques do Cérbero, cão de três cabeças, que os dilacera e não os deixa
esquecer a origem de seu pecado.
O quarto círculo é dos avarentos e dos pródigos, que em vida não tiveram medida
para poupar ou para gastar, e agora são constrangidos a arrastar diante de si enormes pedras,
representando seus bens terrenos, e que aí não cessam de trocar insultos.
Os iracundos estão no quinto círculo, o do Rio Estige, mergulhados em um lago
de água e sangue fervente, e agridem-se uns aos outros, enquanto no fundo do rio, cuja
superfície lhes é vedada, estão os rancorosos que esconderam sua ira.
Os hereges, os que não creram em Jesus como filho de Deus e os ateus estão
condenados ao sexto círculo, para sempre sepultados em ataúdes abertos e ardentes.
No sétimo círculo, do Flegetonte, temos a divisão em três vales. No primeiro,
sofrem as almas dos violentos contra o próximo, mergulhados no sangue daqueles a quem
fizeram sofrer, e além disso, na margem, o Minotauro e os Centauros flecham os que
conseguem levantar a cabeça do rio de sangue. No segundo vale, o dos Suicidas, pagam seus
pecados os que usaram de violência contra si mesmos, transformados agora em árvores
retorcidas, que sangram ao serem atormentadas por aves que quebram os ramos. O terceiro
vale comporta os pecadores contra Deus, a natureza e a arte, atormentados sob gotas ígneas
em um deserto de areia escaldante.
Malebolge é o nome do oitavo círculo, dividido em dez fossas, ou zavorras, das
quais a primeira é o lugar dos rufiões e sedutores, sempre açoitados pelos demônios; a
34
2.1 - O CANTO I
23
A versão integral do Canto I em italiano está disponível em http://www.segnalidivita.com/la_divina_
commedia/inferno_canto_I.htm. Acesso 05-02-2018.
36
confinados no Limbo, de onde Virgílio sai, a pedido de Beatriz, para ajudar Dante em seu
périplo pelos reinos da morte.
A frase inicial, Nel mezzo del camin di nostra vita, situa a ambientação da
Commedia numa época da vida de Dante, ou seja, a meia-idade. Segundo Borzi (2011, p.21 ̸
22) a atribuição de ser essa a medida da metade da vida viria a partir das Escrituras, onde
Isaías afirma ter ido até a porta do Inferno nessa época da existência. Ainda segundo Borzi,
todas as imagens dos primeiros versos da Commedia derivam da tradição bíblica, e o crítico
acrescenta que todas essas citações revelam a intenção de Dante de “dar ao seu Poema uma
autêntica força profética de convicção”.
Os versos seguintes, mi ritrovai per una selva oscura, ché la diritta via era
smarrita, dão conta de como o poeta se achava nessa época, encontrando-se sem direção,
perdido em um lugar sombrio, ou em uma situação em que não conseguia ver uma saída.
Cercado por animais ferozes - a pantera, que a imaginação medieval associava à luxúria, o
leão, imagem da soberba e da violência, e a loba, comumente associada, na época, à avareza -
, o poeta clama por ajuda e a recebe de Virgílio, maior mentor da poesia de Dante. Virgílio se
identifica como originário de Mântua, nascido sub Julio, isto é, na época de César, e autor da
Eneida. Dante demonstra reconhecê-lo, e Virgílio manda que ele siga outro caminho, pois a
fome da loba que persegue Dante é insaciável, e só o Veltro poderá dar-lhe um fim. Há
suposições de que Dante falava de um governante que viria para resolver os problemas e unir
a Itália, porém a controvérsia sobre a identidade desse elemento nunca foi resolvida.
24
A versão integral do Canto XXV em italiano está disponível em http://www.segnalidivita.com/la_divina_
commedia/inferno_canto_XXV.htm. Acesso 05‐02‐2018.
37
46.Se tu se’or, lettore, a creder lento Se em crer, leitor, agora fores lento
47.ciò ch’io dirò, non sarà maraviglia, no que eu contar, não haverá surpresa,
48.ché io che ‘l vidi, a pena il mi consento .pois eu, que o vi, quase não me contento.
94.Taccia Lucano omai là dov’e’ tocca Cale Lucano enfim onde ele conta
95.del misero Sabello e di Nasidio, sobre Sabello e o mísero Nassídio,
96.e attenda a udir quel ch’or si scocca. e espere ouvir o que ora aui se aponta.
97.Taccia di Cadmo e d’Aretusa Ovidio Cale de Cadmo e Aretusa Ovídio,
98.ché se quello in serpente e quella in fonte que, se converte em versos, não o invejo,
99.converte poetando, io non lo ‘nvidio aquela em fonte e aquele em um ofídio,
100.ché due nature mai a fronte a fronte pois duas naturezas em cotejo
101.non trasmutò sí ch’amendue le forme não transmudou até que ambas as formas
102.a cambiar lor matera fosser pronte. tivessem, de trocar matéria, ensejo.
fundamentais de seus três elementos. Para Barolini, o avesso dos mistérios cristãos que se
desenrola no Inferno configura a perversão aí enfatizada por Dante.
Também quanto à perversão dos “eventos biológicos”, Barolini lembra que,
observado o ataque da serpente ao homem, supõe-se aí “uma cópula obscena”, um estupro,
“uma intimidade física violenta e pornográfica imposta por um ser sobre o outro”.
Outra característica notada por nós no Canto XXV é a maneira com que Dante se
encarniça contra Pistoia, cidade vista, naquele tempo, como inimiga de Florença. O ato de
erguer as mãos fazendo figas, descrito no início do Canto e considerado obsceno à época,
refere-se ao fato de que Pistoia tinha, no alto de uma elevação e ofensivamente voltada na
direção de Florença, uma escultura representado dois braços levantados com as mãos em
figas.
Nesse Canto os pecadores se transformam em serpentes, que por sua vez retomam
a forma dos pecadores, e assim sucessivamente. O Inferno é um lugar destinado à punição dos
pecados, mas os pecadores não se arrependem, e não têm possibilidade de redenção, portanto,
os castigos são sempre os mesmos e eternamente reiterados.
40
26
A gravura acima é uma das mais conhecidas ilustrações do Canto XXV. As edições mais antigas da
Commedia, em suas versões de luxo, traziam as ilustrações feitas por Gustave Doré, de modo que se tornou
praticamente um cânone a representação dos Cantos de Dante pelo artista francês. Com o passar do tempo,
outras representações pictóricas vieram a adornar as traduções, por exemplo, estampadas recentemente na edição
monumental da tradução de Ziller (2011-2012), as gravuras de Botticelli, realizadas entre 1480 e 1510 para uma
antiga edição da Commedia, ou ainda os desenhos de Michael Mathias Prechtl na publicação, nos anos 1970,
para o Circulo do Livro, na tradução em prosa de Hernâni Donato. Também a pintura de Delacroix, Dante et
Virgile aux Enfers (1822) ilustrou a capa de edições da Commedia traduzida por Cristiano Martins.
Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Gustave_Dor%C3%A9. Acesso 10-11-2017
41
Neste capítulo trazemos uma breve informação sobre cada um dos tradutores de
trechos ou da Commedia completa elencados neste trabalho. Não se trata de uma classificação
integral, uma vez que quase todos os tradutores já não se encontram entre nós, portanto seus
“projetos de tradução” e “posições tradutórias” somente poderão ser supostos a partir do
resultado de sua obra, e também pelo fato de alguns tradutores não terem escrito sobre suas
próprias traduções, ou de não ter sido possível encontrar comentários ou críticas sobre seus
trabalhos.
Em Pour une critique des traductions: John Donne, Berman (1995, pp.73 ̸ 79),
explicita que a mera expressão “crítica de traduções” já conduz a um pensamento negativo a
respeito do texto traduzido, e refere que, mesmo em casos que certas análises foram feitas de
modo delicado, para o autor fica implícita a impressão de que há profundas alterações e
perdas. No entanto, recorda que a crítica, apesar de seu lado negativo, também tem uma face
positiva, e que uma crítica que apresentasse apenas negatividade não seria verdadeira.
Para um esclarecimento do que deveria ser uma crítica produtiva, Berman (pp. 73 ̸
79) elenca uma série de itens relativos à crítica, os principais sendo:
foram feitas através dos anos, entre as quais se incluem a tradução de dez Cantos do
Purgatório, por Henriqueta Lisboa (1969), e de Seis Cantos do Paraíso, por Haroldo de
Campos (1976).
Em 1965, Hernâni Donato lançou, pela editora Cultrix, a tradução completa em
prosa. Em 2016, pela editora L&PM, foi lançada uma nova edição completa da Divina
Comédia em prosa, traduzida por Eugênio Vince de Morais27. Uma vez que, neste trabalho,
nos interessamos pelo estudo de traduções poéticas, e a tradução em prosa tem especificidades
próprias, nossa preocupação foi apenas listá-las e não serão analisadas aqui.
Devido à necessidade de um recorte mais estrito, trouxemos para este trabalho
uma análise de alguns excertos, especificamente do Canto XXV do Inferno, dos tradutores:
José Pedro Xavier Pinheiro, João Trentino Ziller, Cristiano Martins e Italo Eugenio Mauro,
autores de traduções completas; excertos das traduções do mesmo Canto feitas por Machado
de Assis, Dante Milano, Jorge Wanderley, autores de traduções parciais. Quanto a Augusto de
Campos, teve a sua tradução do Canto I do Inferno incluída neste trabalho como forma de
estabelecer um contraponto entre algumas teorias da tradução e a proposta transcriativa de
Augusto e Haroldo de Campos. Augusto de Campos traduziu alguns Cantos do Inferno e do
Purgatório, mas, como entre eles não se encontra uma tradução do Canto XXV (recorte deste
trabalho), trouxemos a transcriação do Canto I do Inferno que, além de ser o Canto de
abertura da Commedia, apresenta as ideias e as balizas do que se conhece hoje por
transcriação.
Entrevista a Caroline Chang – Disponível em http://www.lpm-blog.com.br/?tag=eugenio-vinci-de-moraes.
Acesso 28-12-2017
28
Disponível em http://www.releituras.com/machadodeassis_bio.asp. Acesso 3-8-2016
43
Jean Michel Massa (1966), comentando a tradução do Canto XXV, feita por
Machado de Assis, sugere que, embora parecendo um contra-senso, a escolha por traduzir
esse Canto poderia ser uma “homenagem à beleza”.
Porém, quando se observa mais atentamente, o escritor realista Machado de Assis,
que era também poeta parnasiano, parece ter encontrado nesse Canto características que se
encaixavam perfeitamente no movimento com o qual se identificava poeticamente. O
Parnasianismo respeitava as regras de versificação, não admitia grande apelo à linguagem
figurada, mas também se apropriava da mitologia31, o que faz sentido para essa tradução, se
atentarmos às referências no Canto às figuras mitológicas de Sabello, Nassídio, Cadmo e
Aretusa, além do centauro Caco e de Hércules.
Esse movimento literário requer ainda a referência a fatos históricos, e os
personagens foram, de fato, pessoas reais, pecadores, que efetivamente viveram e cometeram
atos de peculato ou de roubo, que foram conhecidos em sua época, e por causa dessa infausta
notoriedade, Dante os colocou naquela seção do Inferno. Sendo ainda o Parnasianismo um
29
Academia Brasileira de Letras - Arquivo Machado de Assis. http://www.academia.org.br/
academicos/machado-de-assis/biografia. Acesso 29-9-2016
30
Disponível em https://periodicos.ufsc.br/index.php/traducao/article/view/2175-7968.2017v37n3p117/ 34846.
Acesso em 29-09-2017.
31
Enciclopédia Delta Larousse (1998). Verbete Parnasianismo – p.4461.
44
movimento que preconizava a “arte pela arte”32, sem necessidade de se apoiar, para justificar
sua existência, em evasivas tais como o amor, o Canto XXV tem todas as condições para ir ao
encontro das exigências do tradutor.
A seguir, soluções de um trecho da tradução de 1874 de Machado de Assis:
46-Se tu se’or, lettore, a creder lento Leitor, não maravilha que aceitá-lo
47-ciò ch’io dirò, non sarà maraviglia, Ora te custe o que vais ter presente,
48-ché io che ‘l vidi, a pena il mi consento. Pois eu, que o vi, mal ouso acreditá-lo.
reputado pela crítica como “um dos mais interessantes e complexos do poema, devido aos
problemas de técnica expressiva e de linguagem poética impostos pela ousadia da figuração”.
Podemos encontrar, ainda uma vez, em A tarefa do tradutor, uma indicação do
fenômeno que se apresenta em quase todas as traduções mais antigas da Commedia: para
Benjamin (2008, p. 70), o original sofre alterações, embora continue vivo, pois vida é tudo
que se transforma e se renova; haveria modificações e amadurecimento numa pós-vida das
palavras do autor, que seriam, na época em que foram escritas, “uma tendência de sua
linguagem poética”, mas que então poderiam não mais existir como tal. Na visão de
Benjamin, um novo ponto de vista poderia ser observado no que está estruturado: o que
parecia novidade, agora poderia não apresentar o frescor de antes, e o que era moderno
antigamente poderia estar agora datado.
Machado põe nessa tradução a concisão, um fator constante em sua própria obra.
Estão ausentes grande parte dos adjetivos comumente encontrados em outras traduções do
mesmo Canto, as inversões são mínimas, assim como o apoio dos gerúndios para término das
frases.
33
Cf. artigo de Romeu Porto Daros sobre essa tradução. Disponível em: http://revistas.fflch.usp.br/manuscritica/
article/view/2063/1898. Acesso 12-12-2017
34
cf.artigode.IsadoraTavaresMaleval.Disponível.em: http://www.encontro2010.rj.anpuh.org/resources/anais/8/12
76708595_ARQUIVO_TextoparaANPUH2010.pdf. Acesso em 04-12-2015.
47
romances, além de três peças teatrais35. Contam-se ainda traduções de obras tão heterogêneas
quanto tratados sobre agricultura e uma obra sobre retórica religiosa, porém, não há
referências a uma obra em versos.
Quando procuramos observar o viés teórico que Xavier Pinheiro poderia ter
empregado para traduzir a Divina Commedia, nos damos conta de que não havia na época
aquilo a que hoje chamamos de “teorias de tradução”, embora o texto de Schleiermacher,
Über die verschiedenen Methoden des Übersetzens, de 1835, pudesse ser conhecido de muitos
tradutores, e antes disso, as teorias de Cícero e os ditames de São Jerônimo sobre o assunto já
pudessem fazer parte do cabedal de conhecimento dos eruditos.
A tradução de Xavier Pinheiro:
36-de’ quai né io né ‘l duca mio s’accorse Nos quais nenhum de nós ida atentava
37-se non quando gridar: “Chi siete voi Ɂ”; “Quem sois Ɂ” ̶ romperam súbito bradando.
38-per che nostra novella si ristette, A narração então suspende o Guia;
39-e intendemmo pur ad essi poi. E só deles curamos, escutando.
40-Io non li conoscea; ma ei seguette, Nenhum dessa companhia eu conhecia.
41-come suol seguitar per alcun caso, Mas estão, como às vezes acontece,
42-che l’un nomar un altro convenette, Um, chamando por outro, assim dizia:
43-dicendo: “Cianfa, dove fia rimaso Ɂ”; “Onde é Cianfa, que assim desapareceɁ”
44-per ch’io, acciò che ‘l duca stesse atento, Dedo nos lábios fiz nesse momento
45-mi puosi ‘l dito su dal mento al naso. A Virgílio sinal por que atendesse.
46-Se tu se’or, lettore, a creder lento Em crer o que eu contar se fores lento,
47-ciò ch’io dirò, non sarà maraviglia, Não há de ser, leitor, para estranhado;
48-ché io che ‘l vidi, a pena il mi consento. Quase o que eu vi descrê meu pensamento.
No verso 32, sotto la mazza d’Ercule, che forse - Ercule é substituído por Alcide,
o outro nome pelo qual o semideus é conhecido. Isso certamente não altera a compreensão, e
é caso único entre as traduções cotejadas.
Gerúndios e particípios são usados para completar o verso:
1.alçando –
3.mando –
17. correndo –
21. vendo -
23. estendendo –
29. depredado –
35.chegando –
37. bradando –
39. escutando.
10-Ahi Pistoia, Pistoia, ché non stanzi Ah! Pistóia! ah! Pistóia! o incendimento
11- d’incenerarti sí che piú non duri Teu decreto, extinguido nome impuro,
25-Lo mio maestro disse: “Questi è Caco ,“É Caco” ̶ o Mestre diz – “ que a imane estrago
26-che, sotto ‘l sasso di monte Aventino, Afeito do Aventino se aprazia,
e as inversões se sucedem:
19-Maremma non cred’io che tanta n’abbia Nem tem Marema de répteis horrendo
21-infin ove comincia nostra labbia. Té onde a humana forma está-se vendo.
23-con l’ali aperte li giaccia un draco; As asas estendendo, atroce drago,
28-Non va co’ suoi fratei per un cammino ,“Dos seus irmãos não segue a companhia,
32-sotto la mazza d’Ercule, che forse Sobre ele desfechou de Alcide a clava:
9-che non potea con esse dare un crollo. Com rebatido vínculo atalhava;
vínculo pode ser um sinônimo de nó; efetivamente a serpente se enrolava no pecador, que
não podia fazer um movimento (crollo) daí a ideia dos nós, que, no entanto, sobrecarrega a
tradução.
atroz - do latim atroce, (Ferreira, p. 159). O tradutor escolheu usar a palavra latina em vez de
atroz.
Notamos que, com as palavras usadas nos exemplos o tradutor buscava compor a
métrica, que não alcançaria se tivesse posto seus sinônimos, “nó”, “raivoso” e “atroz”, sendo
os dois casos perfeitamente cabíveis na época de Pinheiro. No entanto, o significado pode não
ser tão claro para alguns leitores atuais.
51
36
Disponível em https://en.wikipedia.org/wiki/Divine_Comedy_Illustrated_by_Botticelli. Acesso 12-12-2017
A ilustração mostrada acima dá início ao Inferno na edição mais recente da tradução de Ziller. Cada Canto vem
encabeçado por uma das imagens desenhadas por Botticelli, e embora faltem à coleção original cinco gravuras,
quatro delas foram substituídas por gravuras feitas por um discípulo de Botticelli, e a última faltante, uma do
Paraíso, foi deixada em branco. A edição é bastante diferente das mais conhecidas, uma vez que o texto, segundo
os comentários na própria edição, “preserva a orientação dos desenhos e dos textos na página, fazendo com que
o livro seja lido verticalmente, de cima para baixo”, como era a forma original pensada por Botticelli. No livro
traduzido, apresenta-se o desenho e, nas duas páginas seguintes, em uma, o texto em italiano e, a seguir, na
outra, a tradução.
52
O crítico prossegue dizendo que Ziller tem inclinação para abstratizar que é
sólido em Dante, banalizando as frases, além de buscar interpretar as metáforas dantescas,
enquanto dilui a originalidade de Dante em lugares-comuns.
Trata-se da primeira tradução completa da Commedia editada no Brasil no Século
XX, após tanto tempo de hegemonia da tradução de Xavier Pinheiro. No entanto, como nos
alerta Arrojo (1993,p.19) o tradutor faz parte do seu tempo, do seu entorno, e traz consigo um
cabedal de conhecimentos, dos quais não pode fugir quando traduz. No caso de Ziller, as
escolhas tradutórias parecem remeter a um cenário senão semelhante, bastante próximo ao
que determinou a tradução de Xavier Pinheiro, calcada no parnasianismo da época, e segue a
mesma prescrição quanto às inversões e adjetivações, deixando de lado a ordem direta e a
parcimônia dantesca.
Editada pela primeira vez em 1953, a tradução de João Trentino Ziller viria a
público em duas outras oportunidades, 1978 e 2011 ̸ 2012. Benjamin nos alerta sobre as
modificações que pode sofrer o original, e que assim também uma tradução é vítima do tempo
em que foi realizada. Expressões e construções bem aceitas na década de 1950 mostram-se
hoje datadas, se bem que não cheguem a soar incompreensíveis. Porém, não apenas os termos
37
Disponível em http://www.editorapeiropolis.com.br/wpcontent/uploads/2011/03/Clipping_OESP_26.02.11.pd
f. Acesso em 12-12-2017
53
antiquados soam estranhos: ausentes em Dante, aqui se observam os acréscimos para facilitar
a rima, além dos adjetivos.
A seguir, a tradução de João Trentino Ziller
1-Al fine de le sue parole il ladro Após isto, o ladrão, em ato obsceno,
2-le mani alzò con amendue le fiche, ambas as mãos aos céus ergueu, bradando:
3-gridando: “Togli, Dio, ch’a te le squadro!” Toma, infame, é para ti, Deus, que aceno”.
4-Da indi in qua mi fuor le serpi amiche, “Foram-me então as serpes bajulando,
5-perch’una li s’avvolse allora al collo, pois uma lhe envolveu forte a garganta,
6-come dicesse “Non vo’ che piú diche”; para impedi-lo de seguir falando;
7-e un’altra a le braccia, e rilegollo, os braços outra quase lhe quebranta
8-ribadendo sé stessa sí dinanzi, em envolver-lhos e se torce à frente
9-che non potea con esse dare un crollo. a lhe tirar a ação qualquer e quanta.
10-Ahi Pistoia, Pistoia, ché non stanzi Por que não marcas imediatamente,
11-d’incenerarti sí che piú non duri, Pistoia, a tua destruição total,
12-poi che ‘n mal fare il seme tuo avanzi Ɂ pois que superas tua vil semente Ɂ
13-Per tutt’i cerchi de lo’nferno scuri Do tormento em nenhum ciclo infernal
14-non vidi spirto in Dio tanto superbo, réu achei contra Deus assim soberbo
15-non quel che cade a Tebe giú da’ muri. nem o gigante, em Tebas colossal.
16-El si fuggí che no parlò piú verbo; Rápido, após, fugiu sem dizer verbo.
17-e io vidi un centauro pien di rabbia Vi um centauro ali chegar, raivoso,
18-venir chiamando: “Ov’è, ov’è l’acerboɁ” gritando: “Onde, onde está o vil acerboɁ”
19-Maremma non cred’io che tanta n’abbia, No brejo de Marema, venenoso,
20-quante bisce elli avea su per la groppa tantas serpentes não habitam, creio,
21-infin ove comincia nostra labbia. quantas tinha no corpo esse monstruoso;
22-Sovra le spalle, dietro da la coppa, de asas abertas um dragão no meio
23-con l’ali aperte li giaccia un draco; dos ombros carregava e tudo inflama
24-e quello affuoca qualunque s’intoppa. o que resvala no seu corpo feio.
25-Lo mio maestro disse: “Questi è Caco ,“Caco, me disse o Mestre, ele se chama”,
26-che, sotto ‘l sasso di monte Aventino, que na aventina rocha recortada
27-di sangue fece spesse volte laco. com sangue transformou a greda em lama.
28-Non va co’ suoi fratei per un cammino, Dos seus irmãos não segue a mesma estrada,
29-per lo furto che frodolente fece que o roubo dos armentos fraudulento
30-del grande armento ch’elli ebbe a vicino; impõe-lhe mais difícil caminhada.
31-onde cessar le sue opere biece Da hercúlea maça golpes mais de cento
32-sotto la mazza d’Ercule, che forse lhe destruíram intenções malditas:
33-gliene diè cento, e non sentí le diece”. do inferno dez lhe abriram o aposento.”
34-Mentre che sí parlava, ed el trascorse, Enquanto essas palavras eram ditas
35-e tre spiriti venner sotto noi, Caco passou e três ombras chegavam,
36-de’ quai né io né ‘l duca mio s’accorse, que nos foi dado ver só, quando, aflitas,
37-se non quando gridar: “Chi siete voi Ɂ”; olhando para nós: “Quem sois Ɂ” gritavam.”
38-per che nostra novella si ristette, Calamo-nos, então; nosso cuidado
39-e intendemmo pur ad essi poi. foi observar os três que conversavam.
40-Io non li conoscea; ma ei seguette, Eu não os conheci, mas, como é dado
41-come suol seguitar per alcun caso, na conversa chamar-se mutuamente,
42-che l’un nomar un altro convenette, aconteceu que um deles, perturbado,
43-dicendo: “Cianfa, dove fia rimaso Ɂ”; disse: “Cianfa por que está ausente Ɂ
44-per ch’io, acciò che ‘l duca stesse atento onde ficou Ɂ”Por isto supliquei
45-mi puosi ‘l dito su dal mento al naso. ao caro Mestre, em modo reverente,
46-Se tu se’or, lettore, a creder lento silêncio e observação. Leitor, não sei
47-ciò ch’io dirò, non sarà maraviglia, se tardo a crer será o que declaro
48-ché io che ‘l vidi, a pena il mi consento. porém, se o fores, não me admirarei;
eu mesmo achei o fato incrível, raro.
54
No verso 14, spirto foi trocado por “réu”; no verso 15, non quel che cade a Tebe
giú da’ muri se transformou em“nem o gigante, em Tebas colossal”, que escamoteia a
informação da queda e ainda acresce um substantivo e um adjetivo; verso 19: “No brejo de
Marema, venenoso” ajunta uma informação sobre a condição do local, e outro adjetivo para
fazer a rima com “monstruoso”, no verso 21.
Os versos sublinhados mostram os trechos em que o tradutor, para preencher o
verso e completar a rima, tomou a liberdade de acrescentar palavras inexistentes no original:
“em ato obsceno” e “infame”: o apoio de dois adjetivos; o gerúndio, que modifica o sentido
de amiche, em que o poeta considera “amigas” as serpentes, e que em “bajulando”, inverte o
sentido da frase e as serpentes se tornam aduladoras do poeta.
Há ainda os hipérbatos recorrentes nesta tradução, recurso utilizado também na
tradução de Xavier Pinheiro.
4-Da indi in qua mi fuor le serpi amiche, Tenho agora as serpentes por amigas,
5-perch’una li s’avvolse allora al collo, que uma, enroscada, lhe apertou a goela
6-come dicesse “Non vo’ che piú diche”; como a lhe dizer: “Nada mais digas”,
7-e un’altra a le braccia, e rilegollo, e outra logo em seus braços se enovela
8-ribadendo sé stessa sí dinanzi, formando tantos nós e tantas peias
9-che non potea con esse dare un crollo. que ele não pôde libertar-se dela.
10-Ahi Pistoia, Pistoia, ché non stanzi Ah, Pistoia, por que não te incendeias,
11-d’incenerarti sí che piú non duri, para que não perdures, já que impuros
12-poi che ‘n mal fare il seme tuo avanziɁ crimes são mal de raça em tuas veias!
13-Per tutt’i cerchi de lo’nferno scuri Nem nos antros do Inferno mais escuros
14-non vidi spirto in Dio tanto superbo, vi alma contra Deus tão revoltada,
15-non quel che cade a Tebe giú da’ muri. nem o tebano que caiu dos muros.
16-El si fuggí che no parlò piú verbo; Ele foi indo, sem dizer mais nada;
17-e io vidi un centauro pien di rabbia e um centauro furioso o perseguia
18-venir chiamando: “Ov’è, ov’è l’acerboɁ” bradando: “Onde, onde estás, alma danada Ɂ”
19-Maremma non cred’io che tanta n’abbia, Nem na Maremma há tanta bicharia
20-quante bisce elli avea su per la groppa quanto em sua garupa pululando
21-infin ove comincia nostra labbia. vi, até o ponto em que homem se fazia.
22-Sovra le spalle, dietro da la coppa, Em seus ombros, à nuca se agarrando,
23-con l’ali aperte li giaccia un draco; de asas abertas, um dragão estava
24-e quello affuoca qualunque s’intoppa. em sua volta fogo vomitando.
25-Lo mio maestro disse:“Questi è Caco, “Aquele é Caco, ̶ o Mestre me explicava ̶
26-che, sotto ‘l sasso di monte Aventino, que escondido nas rochas do Aventino
27-di sangue fece spesse volte laco. lagos de sangue entorno derramava.
28-Non va co’ suoi fratei per un cammino, Longe de seus iguais, outro destino
29-per lo furto che frodolente fece segue, porque com fraude o furto fez
30-del grande armento ch’elli ebbe a vicino; do vizinho rebanho; desatino
31-onde cessar le sue opere biece que pôs fim a seus atos, sob os pés
32-sotto la mazza d’Ercule, che forse e sob a clava de Hércules lhe dando
33-gliene diè cento, e non sentí le diece”. cem golpes, de que apenas sentiu dez.”
34-Mentre che sí parlava, ed el trascorse, Enquanto assim falava e o outro ia andando,
35-e ter spiriti venner sotto noi, três espíritos vieram até nós,
36-de’ quai né io né ‘l duca mio s’accorse, que eu e o meu guia só notamos quando
37-se non quando gridar: “Chi siete voi Ɂ”; de perto nos gritaram: “Quem sois vósɁ”;
38-per che nostra novella si ristette, pelo que interrompendo aquele caso
39-e intendemmo pur ad essi poi. atentos fomos ao que vinha após.
40-Io non li conoscea; ma ei seguette, Eu não os conhecia, mas acaso,
41-come suol seguitar per alcun caso, como acontece, um deles revelou-me
42-che l’un nomar un altro convenette, quem era outro que vinha com atraso,
43-dicendo:“Cianfa, dove fia rimasoɁ”; quando: “E Cianfa, onde está?” lhe disse o nome;
44-per ch’io, acciò che ‘l duca stesse atento, e ante o meu guia levo cauteloso
45-mi puosi ‘l dito su dal mento al naso. o dedo ao lábio, que sentido tome.
46-Se tu se’or, lettore, a creder lento Leitor, se porventura for custoso
47-ciò ch’io dirò, non sarà maraviglia, crer no que vou dizer-te, não admira,
48-ché io che ‘l vidi, a pena il mi consento. pois eu, que o vi, acreditar não ouso.
42
Treccani: Genero (Natrix) de serpentes difundidas no hemisfério setentrional; chamadas também, em italiano,
bisce, de hábitos prevalentemente aquáticos, nutrem-se geralmente de anfíbios, que capturam na água. Na Itália
estão presentes a Natrix de coleira (Natrix natrix), e a Natrix tesselata.
http://www.treccani.it/enciclopedia/ricerca/bisce/. Acesso 20-10-2017.
59
obras literárias de um idioma para o outro. Nesse sentido, explicita que, pela tradução, há a
transmissão de significados, sentidos de construção, o objetivo ou como se configuram as
idéias, mas, conforme o autor, “a beleza e a força de expressão, pouquíssimas vezes podem
ser captadas em tal gênero de transposição, pois são indissociáveis de sua forma original e do
espírito do idioma”.
Em outro ensaio, “A Estranha Viagem”, Martins comenta que, em se tratando de
narrativas de viagens, essas apresentam frequentemente um teor de recreação, abstraindo
sempre o aspecto de literalidade, de arte ou de filosofia: a poesia não serve para esse tipo de
narrativa, mas em alguns casos, exatamente relativos a estranhas viagens, alguns poetas se
serviram da poesia para relatar uma viagem ao Inferno, e entre eles se encontra Dante.
Martins (1976, p. 134) observa ainda que Dante toma por base o cristianismo para a sua visão
de Inferno, mas que “emprega a poesia, a razão mágica ou intuitiva, e não a razão analítica ou
discursiva” sendo que ao invés da filosofia, é a poesia que pode nos levar “à revelação das
verdades essenciais, ao coração da vida e do mundo”.
Afirma também que a razão de a Commedia sobreviver até hoje não se deve ao
assunto, ou aspecto científico, nem mesmo ao filosófico, o qual estaria ligado ao que estava
em voga na Idade Média, e nem à “sua expressão intelectual”, mas à “sua admirável
expressão poética”. Levando-se em conta esse conceito do autor, vemos que sempre traduziu
ou escreveu sobre poetas de grande expressividade, que tiveram lugar assinalado na literatura
ocidental. Martins traduziu Baudelaire e escreveu sobre o poeta francês; também sobre
Leopardi, Mallarmé, Antero de Quental, além de Manuel Bandeira e Augusto dos Anjos, e,
além da tradução de três Cantos do Inferno, produziu ainda um ensaio sobre a poesia de
Dante, no qual discorre sobre a comparação, usada pelo florentino em sua obra, em
contraponto com a metáfora utilizada por muitos outros poetas.
Além de sua ligação com a poesia e com a tradução, Martins escreveu crítica
literária, em vários jornais, ao longo da vida. Assim sendo, em um de seus artigos (1976,
p.155), podemos conhecer o pensamento do autor sobre esse ramo da literatura, também
exercido por ele. Ao se pronunciar sobre a crítica literária, enfatiza que ela distingue as “obras
representativas das não representativas, o que é essencial do que é acessório, o autêntico ou
genuíno do falso e do postiço, a beleza da ausência de beleza ou do feio.”
Adverte ainda que cada livro é único, e cada leitor o transforma em um livro
diferente. Para ele, “a obra de arte, em qualquer circunstância, é produto da sensibilidade
individual, não só de quem a cria ou exprime, como de quem a recria pela leitura ou pela
contemplação”.
61
1-Al fine de le sue parole il ladro Ao fim de seu anúncio, eis que o ladrão
2-e mani alzò con amendue le fiche, ambas as mãos ergueu, fazendo figas,
3-gridando: “Togli, Dio, ch’a te le squadro!” aos gritos: “Toma-as, Deus, que tuas são!”
4-Da indi in qua mi fuor le serpi amiche, Pareceram-me as víboras amigas
5-perch’una li s’avvolse allora al collo, quando uma eu vi, cingindo-lhe a garganta,
6-come dicesse “Non vo’ che piú diche”; tão irada, a ordenar : ̶ Nada mais digas;
7-e un’altra a le braccia, e rilegollo, e outra que aos ímpios braços se levanta,
8-ribadendo sé stessa sí dinanzi, e baixando-os aos flancos, novamente,
9-che non potea con esse dare un crollo. imóveis e doridos os quebranta.
10-Ahi Pistoia, Pistoia, ché non stanzi Ah, Pistoia, Pistoia! De repente
11-d’incenerarti sí che piú non duri, por que não ardes, com teu povo impuro,
12-poi che ‘n mal fare il seme tuo avanziɁ que supera no mal a vil semente Ɂ
13-Per tutt’i cerchi de lo’nferno scuri Pelos diversos graus do reino escuro
14-non vidi spirto in Dio tanto superbo, ninguém vi mais soberbo e mais ousado
15-non quel che cade a Tebe giú da’ muri. mesmo o que em Tebas desabou do muro
16-El si fuggí che no parlò piú verbo; Mas dali se abalou, presto, calado;
17-e io vidi un centauro pien di rabbia um Centauro chegava, em fúria insana,
18-venir chiamando: “Ov’è, ov’è l’acerbo Ɂ” exclamando: “Onde está o desgraçado Ɂ”
19-Maremma non cred’io che tanta n’abbia, Não creio que em Marema, na Toscana,
20-quante bisce elli avea su per la groppa cobras houvesse mais do que mostrava
21-infin ove comincia nostra labbia. no dorso, onde nascia a forma humana.
22-Sovra le spalle, dietro da la coppa, Aos ombros, sobre a nuca transportava
23-con l’ali aperte li giaccia un draco; as asas tensas flamígero dragão
24-e quello affuoca qualunque s’intoppa. que à sua frente tudo incendiava.
25-Lo mio maestro disse: “Questi è Caco, “Este é Caco”, explicou-me o Mestre então,
26-che, sotto ‘l sasso di monte Aventino, que nas cavernas ermas do Aventino
27-di sangue fece spesse volte laco. lagos verteu de sangue e de irrisão.
28-Non va co’ suoi fratei per un cammino, Com seus irmãos não cumpre igual destino,
29-per lo furto che frodolente fece pois ao ver um rebanho ali por perto
30-del grande armento ch’elli ebbe a vicino; roubou-o inteiro, usando ardil supino.
31-onde cessar le sue opere biece Mas foi seu fim, porque Hércules coberto
32-sotto la mazza d’Ercule, che forse por cem golpes deixou-o, à clava erguida,
33-gliene diè cento, e non sentí le diece”. e aos dez primeiros não foi mais desperto.”
34-Mentre che sí parlava, ed el trascorse, Enquanto ele falava e, na corrida,
35-e ter spiriti venner sotto noi, já longe ia o centauro, vindo a nós,
36-de’ quai né io né ‘l duca mio s’accorse, sem ser sua chegada percebida,
37-se non quando gridar: “Chi siete voi Ɂ”; três vultos nos gritaram: “Quem sois vós Ɂ”
38-per che nostra novella si ristette, E suspendendo o tema, prontamente,
39-e intendemmo pur ad essi poi. a ver, olhamos, de quem era a voz.
40-Io non li conoscea; ma ei seguette, Não os reconheci; mas casualmente
41-come suol seguitar per alcun caso, como às vezes sucede a nosso lado,
42-che l’un nomar un altro convenette, ouvi falar um deles, claramente,
43-dicendo: “Cianfa, dove fia rimaso Ɂ”; aos outros: “Cianfa, onde terá ficado Ɂ”
44-per ch’io, acciò che ‘l duca stesse atento, Alertando Virgílio a estar atento,
45-mi puosi ‘l dito su dal mento al naso. aos meus lábios levei o dedo alçado.
46-Se tu se’or, lettore, a creder lento Não te espantes, leitor, se fores lento
47-ciò ch’io dirò, non sarà maraviglia, em compreender o que te vou narrar,
48-ché io che ‘l vidi, a pena il mi consento. pois eu, que o vi, descri por um momento.
62
45
Maurício Santana Diashttp://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs25079913.htm 25-7-99. Acesso 6-1-2017
63
1.Al fine de le sue parole il ladro No final de sua fala, esse ladrão
2.le mani alzò con amendue le fiche, ambas as mãos ergueu, fazendo figas,
3.gridando: “Togli, Dio, ch’a te le squadro!” e gritou: “Toma, Deus, que pra ti são”.
4.Da indi in qua mi fuor le serpi amiche, Foram-me as serpes, nessa hora, amigas,
5.perch’una li s’avvolse allora al collo, pois que uma então se lhe enrolou no colo
6.come dicesse “Non vo’ che piú diche”; como a dizer: “Não quero que mais digas”.
7.e un’altra a le braccia, e rilegollo, E uma e outra os braços lhe amarrou, num rolo
8.ribadendo sé stessa sí dinanzi vivo tão rijo e reapertado à frente,
9.che non potea con esse dare un crollo. que tranco algum poderia descompô-lo.
10.Ahi Pistoia, Pistoia, ché non stanzi Ah! Pistoia, Pistoia, induz tua mente
11.d’incenerarti sí che piú non duri, a incinerar-te, prá não viver mais
12.poi che ‘n mal fare il seme tuo avanzi Ɂ no mal, que excede a tua própria semente!
13.Per tutt’i cerchi de lo’nferno scuri Não vira ainda, nos cercos infernais,
14.non vidi spirto in Dio tanto superbo, ser como este, mais contra Deus soberbo
15.non quel che cade a Tebe giú da’ muri. que o que morreu de Tebas nos umbrais;
16.El si fuggí che no parlò piú verbo; e ele fugiu sem pronunciar mais verbo.
17.e io vidi un centauro pien di rabbia Ora, um Centauro, de raiva estuante,
18.venir chiamando: “Ov’è, ov’è l’acerbo Ɂ” chegou clamando: “Onde está esse acerbo?”
19.Maremma non cred’io che tanta n’abbia, Não é Maremma tão exuberante
22.Sovra le spalle, dietro da la coppa, No ombro, atrás da nuca alcandorado,
23.con l’ali aperte li giaccia un draco; tinha um dragão de medonha hispidez,
24.e quello affuoca qualunque s’intoppa. que poria fogo em quem fosse encontrado.
25.Lo mio maestro disse: “Questi è Caco, Disse o Mestre: “Esse é Caco que tu vês,
26.che, sotto ‘l sasso di monte Aventino, que no Aventino, à frente do seu ninho,
27.di sangue fece spesse volte laco. De seus irmãos não comparte o caminho,
29.per lo furto che frodolente fece pelo doloso furto que ele urdiu
30.del grande armento ch’elli ebbe a vicino; do grão rebanho que lhe era vizinho;
31.onde cessar le sue opere biece donde toda a sua torpe ação caiu
32.sotto la mazza d’Ercule, che forse sob a clava de Hércules, que cem
33.gliene diè cento, e non sentí le diece”. lhe deu, e ele não mais de dez sentiu”.
34-Mentre che sí parlava, ed el trascorse, Enquanto isso, passava Caco além,
35-e ter spiriti venner sotto noi, e vieram três espíritos para nós,
36-de’ quai né io né ‘l duca mio s’accorse, que ele despercebera e eu também,
37-se non quando gridar: “Chi siete voi Ɂ”; até ele nos gritarem: “Quem sois vós Ɂ”
38-per che nostra novella si ristette, Nossa conversa aí se interrompeu,
39-e intendemmo pur ad essi poi. e só lhes demos atenção após.
40-Io non li conoscea; ma ei seguette, Eu não os conhecia, mas sucedeu
41-come suol seguitar per alcun caso, (como outras vezes pode ter-se dado)
64
Mauro faz uma tradução mantendo o sentido do original, com exceção do terceiro
verso, em que todos os tradutores chegaram praticamente ao mesmo consenso. Os versos 8, 9
e 10 são traduzidos literalmente; no entanto, no decorrer da tradução as irregularidades na
contagem das sílabas tornam-se mais comuns e o acento, frequentemente, se perde. As
modificações nos versos: 19: “tão exuberante”;22: “alcandorado”; 23: “de medonha hispidez”;
referem-se a adjetivos acrescentados.
No verso 26: sotto ‘l sasso di monte Aventino, sob a rocha do monte Aventino,
transformado em “no Aventino, à frente do seu ninho”, com “ninho” usado para formar a
rima, sendo que rocha, a tradução de sasso, não está no mesmo campo lexical de “ninho”.
O versos 28, 29 e 30 seguem também o original, sem no entanto manter a
vivacidade do verso dantesco.
Nos versos 41, 43 e 45, eis o apoio dos gerúndios para formar as rimas, além de,
nos versos 9, 13, 24, 40 e 44, o número de sílabas métricas extrapolar o decassílabo.
46
Sobre Jorge Wanderley, ver página em http://www.algumapoesia.com.br/poesia2/poesianet248.htm
65
47
Disponível em https://periodicos.ufsc.br/index.php/fragmentos/article/view/6550. Acesso 26-01-2017.
labbia. – (Treccani) – Substantivo feminino (do latim labia, plural de labium), usado apenas na Vita Nova e na
Commedia, sempre no singular, significando « vulto », « aspecto ». Por extensão, nostra labbia indica, no corpo
do centauro Caco, a parte que tem natureza e aspecto humano. Disponível em
http://www.treccani.it/enciclopedia/labbia_%28Enciclopedia-Dantesca%29/. Acesso 26-05-2017
66
29.per lo furto che frodolente fece não segue com seus pares, é o revés
30.del grande armento ch’elli ebbe a vicino; pelo seu furto e fraude tão ferinos;
31.onde cessar le sue opere biece cessaram seus enganos, através
32.sotto la mazza d’Ercule, che forse da clava de Hércules ̶ que de pancadas
33.gliene diè cento, e non sentí le diece”. lhe deu bem cem e ele nem sentiu dez.”
34-Mentre che sí parlava, ed el trascorse, Falando o mestre, o outro fugiu na estrada,
35-e tre spiriti venner sotto noi, e eis três espíritos diante de nós,
36-de’ quai né io né ‘l duca mio s’accorse, dos quais nem guia nem eu vimos nada,
37-se non quando gridar: “Chi siete voi Ɂ”; até que eles gritaram: “Quem sois vós Ɂ”
38-per che nostra novella si ristette, Cessou nossa conversa nesse instante,
39-e intendemmo pur ad essi poi. e passamos a ouvir a sua voz.
40-Io non li conoscea; ma ei seguette, Eu não os conhecia; mas adiante
41-come suol seguitar per alcun caso, como numa conversa ocorre o ensejo,
42-che l’un nomar un altro convenette, um nomeou o outro nesse instante,
43-dicendo: “Cianfa, dove fia rimaso Ɂ”; dizendo:“E Cianfa, onde está que não o vejo Ɂ”
44-per ch’io, acciò che ‘l duca stesse atento, Eu queria manter o guia atento:
45-mi puosi ‘l dito su dal mento al naso. dedo nos lábios, mostrei tal desejo.
46-Se tu se’or, lettore, a creder lento Se te ocorre, leitor, captares lento
47-ciò ch’io dirò, non sarà maraviglia, o que digo, não fiques espantado,
48-ché io che ‘l vidi, a pena il mi consento. que eu que vi, creio mal no que comento.
da aliteração, mas, que na edição de 1979, modificou o verso, perdendo assim esse recurso,
recuperado aqui por Wanderley:
29.per lo furto che frodolente fece não segue com seus pares, é o revés
30.del grande armento ch’elli ebbe a vicino; pelo seu furto e fraude tão ferinos;
italiano: “V. Intr.: Ser exato, dito a respeito de um cálculo; ser preciso, corresponder com
exatidão. Adaptar-se perfeitamente, exemplo: É um sobrenome que lhe quadra justamente”.52.
Quando, em português, atentamos ao sinônimo “quadrar”, que, segundo Ferreira
(1975) significa também “adaptar-se, ajustar-se, amoldar-se”53, o significado de ajustar-se, ou
ajustar algo a alguém ou a alguma coisa, e no caso, do gesto obsceno feito pelo ladrão para
Deus, caberia na tradução do verso, que poderia ficar como: “Toma, Deus, a ti o ajusto!”, ou
“Toma, Deus, isto te calha!”, ou, mais acertado, “Toma, Deus, isto te quadra!”. No entanto,
essas soluções, embora se possa dizer delas que seriam mais “fieis”, nunca foram adotadas.
No oitavo verso, encontramos o termo ribadendo, de ribadere54: v. tr. (1):
ritorcere col martelo la punta del chiodo conficcato e farla rientrare nel legno affinché
stringa più forte, (isto é, retorcer com o martelo a ponta do prego e fazê-la reentrar na madeira
para que se prenda mais fortemente): poderia ser traduzido para o português, que possui a
palavra “rebatendo”, com o mesmo sentido do termo italiano,porém nenhum dos tradutores a
usou. É verdade que os dicionários de português elencam esse sentido de “rebater” como um
dos últimos sinônimos da palavra, mas ela existe. A esse respeito, Jakobson (2007, p.72)
enfatiza que “[o] trocadilho, ou, para empregar um termo mais erudito, a paronomásia, reina
sobre a arte poética; quer esta dominação seja absoluta ou limitada, a poesia por definição é
intraduzível. Só é possível a transposição criativa [...]”. Nos dois casos citados, todos os
tradutores, embora vinculados à chamada fidelidade na tradução, empreenderam uma forma
de recriação.
Tratando-se do sentido, alguns tradutores, com exceção de Augusto de Campos,
fizeram questão de frisar que suas traduções tinham um compromisso com o sentido da obra
e, de fato, a história contada nos Cantos aqui estudados pode ser recuperada em suas linhas
gerais; se se deseja contar uma história, então, as traduções alcançaram seu alvo. Há, no
entanto, nesse poema, a forma, a métrica, a concisão, a ordem direta da frase, características
de Dante, além das palavras-chave.
Todas as traduções aqui analisadas procuram seguir a forma; nas terzine
dantesche, no entanto, o decassílabo métrico termina quase sempre numa palavra paroxítona ̶
52
Lo Zingarelli – Vocabolario della lingua italiana– 2011 – 12ª Ed.- Itália: Zanichelli.
53
Ferreira, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dic. da língua portuguesa - 1975 – RJ: Nova Fronteira.
54
Ribadire Lo Zingarelli – Vocabolario della lingua italiana – 2011 – 12ª Ed.- Itália: Zanichelli.
Treccani: Segundo a parte do dicionário dedicada à obra de Dante, essa palavra aparece apenas em Inferno
XXV, 8, “aqui é necessário explicar que a serpente se enrola estreitamente aos braços do pecador com mais
voltas (segundo Cesari) ou que (segundo Tommaseo) “faz quase anéis em seus braços”, juntando a cabeça à
cauda.” –Disponível em: http://www.treccani.it/enciclopedia/ribadire_%28Enciclopedia-Dantesca%29/
69
quando isso não acontece, Dante termina com uma sílaba átona antecedida por uma tônica,
como em O folle Aragne, sí vedea io te, Purgatório, XII, 43; mais frequentemente, usa um
ditongo, como faz em...e tre spiriti venner sotto noi, Inferno, XXV, 35, ou ainda em Ellera
abbarbicata mai non fue, Inferno, XXV, 58, regra que muitas vezes não é seguida nas
traduções para o português. Machado de Assis, Dante Milano e Jorge Wanderley
apresentaram o menor número de acréscimos em final de verso para facilitar a rima.
Verificamos ainda que a reverência que a Commedia provoca em alguns de seus
tradutores escamoteia as expressões comuns e cotidianas do autor; especificamente no Canto
estudado aqui, notamos que a maioria dos tradutores não teve grande dificuldade, apenas
Machado de Assis e Xavier Pinheiro – devido por certo ao momento em que traduziram, em
que os circunlóquios a respeito de termos crus eram comuns – procuraram suavizar o
vocabulário dantesco, enquanto Ziller, tradutor mais recente, mas alocado literariamente em
uma época bem próxima dos anteriores, abranda expressões e também demonstra um zeloso
respeito em versos que, em Dante, apresentam tão somente o que poderíamos chamar de
naturalidade.
Augusto de Campos nasceu em São Paulo em 193155. Lançou seu primeiro livro
de poemas, O rei menos o reino, em 1951. Logo após iniciaria, com seu irmão Haroldo de
Campos e o escritor Décio Pignatari o grupo Noigandres56, o qual iria editar alguns números
de uma revista de mesmo nome. Os poemas em cores de Augusto de Campos, denominados
Poetamenos, de 1955, deram efetivamente início à poesia concreta no país.
Esse movimento57, encetado juntamente com seu irmão Haroldo de Campos, que
visava uma espécie de “revolta” contra as normas pré-estabelecidas na poesia do país,
procurava expressar-se de maneira renovada, numa troca constante com a arte em geral.
Augusto de Campos continuou seguindo essa diretriz, como autor e também como tradutor de
55
Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Augusto_de_Campos. Acesso em 26-01-2017.
Omar Khouri - “Noigandres”, citada no Canto XX, de Ezra Pound (1885-1972), extraída de poema do trovador
provençal Arnaut Daniel (1150-1210), Disponível em: http://www.nomuque.net/escritosdelisboa/uncategorized
/12-a-poesia-do-grupo-noigandres-nao-nasce-concreta-torna-se/. Acesso 28-12-2017
57
Disponível em http://biblioteca.pucrs.br/curiosidades-literarias/voce-sabe-o-que-e-poesia-concreta/
70
poesia. Publicou ainda ensaios e crítica, além de seu trabalho como poeta e tradutor, no qual
nos interessou, para fins desta análise, a tradução que fez de alguns cantos do Inferno.
As traduções anteriormente analisadas, desde as que se realizaram no século XIX,
até aquelas que chegaram a público quase ao fim do século XX, têm um tratamento
convencional. A tradução de Campos é fiel às ideias não convencionais do tradutor, logo, na
análise desse texto, procuramos nos ater ao alerta de Arrojo (1993, p.50), que, em seu artigo
“A que são fiéis tradutores e críticos de tradução”, comentando a polêmica surgida entre
Paulo Vizioli e Nelson Ascher a respeito das traduções de um poema de John Donne, feitas
por Vizioli e Augusto de Campos, sugere que determinada tradução poderá ser considerada
mais correta do que outra a partir do leitor, de suas ideias, do momento em que se dá a leitura,
pois o sentido do texto fonte não pode ser protegido pelo leitor, uma vez que nem o próprio
autor teria consciência das intencionalidades e “de todas as variáveis que permitiram a
produção e divulgação de seu texto”; do mesmo modo, o leitor não poderia abandonar o que o
conforma“como sujeito e como leitor”: suas vivências, valores, sua inserção no mundo.
No entanto, mesmo que o crítico, também leitor, esteja impregnado de suas
vivências particulares, é obrigatório desconfiar dessas idiossincrasias e buscar a isenção, e,
nesse caso, a alternativa mais justa seria aquela indicada por Britto58, ao se manifestar sobre a
mesma tradução de Donne, de que uma comparação é possível, uma vez que se utilize
parâmetros de análise.
Ainda segundo Arrojo, o próprio Vizioli, comentando sua tradução do texto de
Donne, enfatiza que se trata de um autor antigo, que obviamente escreve no estilo de sua
época, e um tradutor, mesmo moderno, deveria procurar manter na tradução o diapasão
linguístico da obra traduzida. Embora o original da Commedia já tenha sete séculos, no caso
das traduções que estudamos neste trabalho esse fator linguístico deve ser visto com cuidado.
Dante não tinha um idioma já estabelecido para escrever a sua obra; baseou-a no seu toscano
nativo, mas é possível que tenha modificado vocábulos, acrescentado outros que não eram
correntes à sua época, talvez até mesmo tenha encontrado novos sentidos para palavras
comuns nos dialetos conhecidos. Portanto, as expressões encanecidas que encontramos nas
traduções mais antigas para o português não são necessariamente pesquisadas para prestar
homenagem ao cabedal linguístico do autor, mas um corolário natural das experiências
vocabulares contemporâneas dos tradutores. No prefácio da tradução de três Cantos do
Inferno, Milano (1953, p.5) alerta para o “perigo de modernizar o estilo dantesco, tirando-lhe
58
Disponível em: www.letras.puc-rio.br/.../Britto%20-%20Fidelidade%20em%20trad.%20-%20Donne.p
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o caráter medieval, anguloso e inflexível”; mas, segundo o tradutor, haveria ainda um perigo
maior, o de “usar um vocabulário arcaico para arremedar o passado, o que empalideceria o
estilo do Poeta, avançado e inovador”.
Em nossa análise, pudemos perceber na tradução de Campos uma tentativa de
manter o frágil equilíbrio entre fazer uma tradução moderna e manter as características de
harmonia e poeticidade da obra dantesca.
Na ausência da tradução do Canto XXV, objeto de nosso estudo, foi utilizado um
fragmento da tradução do Canto I do Inferno de Augusto de Campos
1.Nel mezzo del cammin di nostra vita No meio do caminho desta vida
2.mi ritrovai per una selva oscura, me vi perdido numa selva escura,
3.ché la diritta via era smarrita. solitário, sem sol e sem saída.
4.Ahi quanto a dir qual era è cosa dura Ah, como armar no ar uma figura
5.esta selva selvaggia e aspra e forte dessa selva selvagem, dura, forte,
6.che nel pensier rinova la paura! que, só de eu a pensar, me desfigura !
7.Tant’è amara che poco è piú morte; É quase tão amargo como a morte;
8.ma per tratar del bem ch’i’vi trovai, mas para expor o bem que eu encontrei,
9.dirò de l’altre cose ch’i’ v’ho scorte outros dados darei da minha sorte.
10.Io non so ben ridir com’io v’intrai Não me recordo ao certo como entrei
11.tant’era pien di sonno a quel punto tomado de uma sonolência estranha,
12.che la verace via abbandonai quando a vera vereda abandonei.
13.Ma poi ch’i’ fui al pie d’un colle giunto Sei que cheguei ao pé de uma montanha
14.là dove teminava quella valle lá onde aquele vale se extinguia
15.che m’avea di paura il cor compunto, que me deixara em solidão tamanha
16.guardai in alto, e vidi le sue spalle e vi que o ombro do monte aparecia
17.vestite già de’ raggi del pianeta vestido já dos raios do planeta
18.che mena dritto altrui per ogne calle, que a toda gente pela estrada guia.
19.Allor fu la paura un poco queta Então a angústia se calou, secreta,
20.che nel lago del cor m’era durata lá no lago do peito onde imergira
21.la notte ch’i passai con tanta pieta59. a noite que tomou minha alma inquieta;
22.E come quei che con lena affannata e como o náufrago, depois que aspira
23.uscito fuor del pelago a la riva, o ar, abraçado à areia, redivivo,
24.si volge a l’acqua perigliosa e guata, vira-se ao mar e longamente mira,
25.cosí l’animo mio, ch’ancor fuggiva, o meu ânimo, ainda fugitivo,
26.si volse a retro a rimirar lo passo voltou a contemplar aquele espaço
27.che non lasciò già mai persona viva. que nunca ultrapassou um homem vivo.
28.Poi ch’èi posato un poco il corpo lasso, Depois que descansei o corpo lasso,
29.ripresi via per la piaggia diserta, recomecei pelo plaino deserto,
30.sí che-‘l piè fermo sempre era ‘l piú basso. pé firme embaixo, mas incerto o passo.
31.Ed ecco, quase al cominciar de l’erta, e quando o fim da estrada estava perto,
32.una lonza leggera e presta molto, um leopardo ligeiro, de repente,
33.che di pel macolato era coverta; que de pele manchada era coberto,
34.e non mi si partia dinanzi al volto, surgiu e se postou na minha frente,
35.anzi ‘mpediva tantyo il mio cammino, e com tal vulto encheu o meu caminho
36.ch’i fui per ritornar più volte vòlto. que só “voltar” volteava em minha mente.
59
Treccani:A forma nominativa “pieta” é usada geralmente em versos, baseada no latim porém mais diretamente
derivada do francês (v.Parodi, Língua 247) e parece ter significado distinto de “pietà”, e vale mais como
“tormento”, “angústia”, “ânsia”: Inf. I, 21, con tanta pieta (com tanta angústia, mas Buti entende como “com
tanto lamento”). Disponível em http://www.treccani.it/enciclopedia/pieta_%28Enciclopdal edia-Dantesca%29/ .
Acesso 20-05-2017.
72
Campos optou pela tradução de di nostra vita por “desta vida”, e alerta que seguiu
“o curso normal da frase”, acompanhando a fluidez do verso. Em sua crítica à tradução de
Campos, Dolhnikoff60 (2012) chama a atenção para as modificações: em “o claro sentido (ou
os sentidos claros) do original”: em “me vi perdido”, o crítico chama a atenção para o fato de
que Dante não se perdeu, porém “se achou”, que é a tradução fiel de mi ritrovai .Já para o
terceiro verso Che la diritta via era smarrita, Augusto de Campos assim justifica as
alterações:
[...]Não posso negar que às vezes a minha aventura dantesca reverbera de
acentos próprios: este é, por certo, ‘o meu Dante’. Assim, aquele
inortodoxo ‘solitário, sem sol e sem saída’ que introjeto na terceira linha do
primeiro terceto e que não traduz literalmente o original mas se reporta a
uma linha do meu poema ‘O rei menos o reino, do livro homônimo, de
evidente influência dantesca, a partirda epígrafe-fraturaexposta: ‘queste
parole de colore oscuro’... Se não é literal, capta– penso eu – o espírito da
coisa, mais do que a versão lítero-banal do verso.[...] (CAMPOS, 2003,
p. 184).
60
Disponível em http://sibila.com.br/critica/a-modernidade-de-dante-via-traducao/5346
73
esta selva selvaggia e aspra e forte ̶ “dessa selva selvagem, dura, forte”,e também no verso
doze, che la verace via abbandonai ̶ “quando a vera vereda abandonei”, enquanto que as
rimas usadas foram: vida ̸ saída; escura ̸ figura ̸ desfigura; forte ̸ morte ̸ sorte; Campos
procurou, em português, repetir os mesmos sons das palavras de Dante: vita ̸ smarrita;
oscura ̸ dura ̸ paura; forte ̸ morte ̸ scorte, coerentemente com suas afirmações. No verso 19,
Campos utiliza um adjetivo, “secreta” para fazer a rima com “planeta” e, a seguir, no verso
21, em que Dante diz: la notte ch’i passai con tanta pieta, e que significaria na verdade “a
noite que aí passei com tanta pena”, “angústia”, “lamento”, Campos usa o recurso da
recriação, transformando a frase em “a noite que tomou minha alma inquieta”. Podemos
notar que o ritmo se conserva, e os recursos sonoros reproduzem os de Dante, enquanto que
“inquieto” está dicionarizado como “apreensivo, ansioso, aflito” (Ferreira, 1975, p.69),
remetendo ao significado original. Porém, o acompanhamento da sonoridade das rimas
dantescas se reproduz nos primeiros versos, depois enfraquece, para a seguir ser recuperado.
Ainda sobre este fragmento, Augusto de Campos justifica “certas
reetimologizações não convencionais” na tradução deste Canto , quando se refere ao
escândalo causado, entre os estudiosos de Dante, pela tradução de gaetta pelle, no verso 42,
por “gaiata pele”, e qualifica esta como sendo “uma operação poética de rejuvenescimento
linguístico”.
75
Além das análises listadas até agora, de versos específicos comparados entre si,
passaremos daqui por diante a examinar características da tradução poética. Em alguns casos,
iremos nos valer das particularidades indicadas por Berman (2007, p.33) pois encontramos
tendências da tradução etnocêntrica em vários fragmentos analisados.
Segundo nos alerta Dante Milano (1953, p.7), a interpretação do que o poeta disse
é possível, embora suas palavras se percam na tradução. No estudo das traduções do Canto
XXV observamos que a ideia desenvolvida por Dante, sobre as transformações dos
condenados, o sentido geral das palavras ditas por eles, o desenrolar do começo, meio e fim
da narração se mantêm, e podemos afirmar, fazendo um cotejo com o original, que as
traduções são compreensíveis.
As traduções aqui examinadas conservam as terzine dantesche e o sistema de
rimas inventado pelo poeta, chamado de terza rima (aba, bcb, cdc, etc.). Porém, constatamos
que, na tradução poética, os hendecassílabos dantescos se transformam em decassílabos
camonianos, que têm acento tônico obrigatório na 6ª e 10ª sílabas, com outra sílaba tônica
variável, com exceção das traduções de Pinheiro e Ziller, que por vezes recorrem ao
decassílabo sáfico, com acento tônico na 4ª, 8ª e 10ª sílabas. Observe-se, a seguir, uma
comparação entre os versos mais conhecidos da Commedia e de Os Lusíadas:
embora tenha dez sílabas métricas, deve ter uma sílaba a mais, terminando sempre numa
palavra paroxítona.
Nos versos mais conhecidos de Dante e Camões nota-se a identidade das pausas,
na 2ª, 6ª e 10ª sílabas, que em Dante permanecem durante quase todo o poema, mas que em
Camões só permanecem na 6ª e 10ª, sendo que a outra pausa ocupa às vezes posição diferente
da segunda sílaba, conformando assim o decassílabo heróico.
Machado de Assis traduz o Canto XXV em decassílabos heróicos:
Acabara o ladrão, e, ao ar erguendo
As mãos em figas, deste modo brada:
“Olha, Deus, para ti o estou fazendo!”
O que se observa na crítica de Berman é que esse modo de traduzir põe em uma
perspectiva negativa tudo o que não se adapta à cultura de chegada da tradução, e qualquer
estranhamento da obra traduzida, segundo o etnocentrismo, torna a tradução menos eficaz.
Berman (2007,p.48 ̸ 62) analisou treze tendências nas traduções, mas, embora sua análise se
refira primordialmente à prosa, várias tendências podem ser encontradas na tradução de
poesia, e podemos relacionar algumas delas às traduções da Commedia aqui estudadas.
A “racionalização”, uma reordenação visando recompor as frases: as inversões de
termos nas frases, encontradas em algumas traduções da Commedia para o português, por
exemplo os hipérbatos comuns na traduções de Xavier Pinheiro e Ziller, poderiam ser
observadas como uma forma de reordenação, uma vez que era um sistema adotado na época
dessas traduções; quanto à “clarificação”, cujo objetivo é esclarecer o que originalmente se
destinava a ficar oculto ou dissimulado, encontramos um caso emblemático na Commedia, a
determinação de alguns autores e estudiosos e também de tradutores, que insistem em
descobrir o significado do veltro(Inferno, I,101), palavra ou nome que ainda é um dos
mistérios de Dante; e no primeiro verso do Canto VII, do Inferno, a frase Pape Satan! Pape
Satan aleppe!, até hoje confunde os tradutores; no caso do “alongamento”: que, sem melhorar
o texto, apenas acrescenta um volume de palavras e reforça as tendências anteriores, é um uso
comum em traduções da Commedia, quando busca ser alcançado o número de sílabas que
satisfaça à exigência métrica, ou quando o tradutor precisa de alguma palavra que faça rima.
Outra tendência encontrada em traduções da Commedia, o “enobrecimento”,
disfarça os termos menos sofisticados do texto, transformando-os em palavras aceitáveis por
uma determinada fração do público leitor: vocábulos vulgares, mesmo palavrões, que servem
para enfatizar o repúdio e a revolta de Dante quanto a pessoas ou instituições, são muitas
vezes, na tradução, transformados em circunlóquios, desviados de seu feroz teor original: na
Commedia, ao contrário de vários de seus tradutores, Dante não edulcora as palavras menos
nobres, enquanto em certas traduções para o português brasileiro notamos a propensão que
alguns tradutores têm de suavizar os vocábulos crus das invectivas dantescas, trocando-os por
palavras amenas, eufemismos ou perífrases, para evitar o confronto: temos como exemplo os
versos 115, 116 e 117 do Canto XXV, em que, embora Dante tenha feito uma descrição
ponderada e discreta, seus primeiros tradutores para o português, Xavier Pinheiro e Machado
de Assis, traduziram por circunlóquios:
Xavier Pinheiro
115-Na parte, que se esconde, se mudando,
116-Que em duas no mesquinho se fendera.
117-Enquanto o fumo os dois ia velando.
Machado de Assis
115-Os pés de trás a serpe os retorcera
116-Até formarem-lhe a oculta parte,
117-Que no infeliz em pés se convertera.
Ziller transitou entre desvelar cruamente o que, desta vez, em Dante estava
encoberto e tentar em seguida dissimular o que anteriormente fora exposto:
116-pene tornou-se a cauda bifurcada;
117-seus pudores em pés se transformaram.
Martins
115-E, pois, de seus artelhos derradeiros,
116-o par o membro oculto se transmuda,
117-que no homem dividia em pés traseiros.
Mauro
115-Logo as patas de trás, junto contratas,
116-formam o membro que o homem encobre,
117-e o do coitado cinde-se em duas patas
Wanderley
115-Depois os pés de trás, junto, e a furto,
116-tornam-se o membro que no homem se vela;
117-e o do mísero, em dois se fez, num surto.
a esse tópico, observamos que, nas traduções estudadas, para facilitar a rima, alguns versos
estão no presente, outros no pretérito perfeito, e logo em seguida no imperfeito, ou até no
gerúndio, como no caso do verso 5 do Canto XXV, cujo verbo avvolgere Dante usou no
passato remoto, que em português corresponderia ao pretérito perfeito:
Xavier Pinheiro:
81
Machado de Assis
Ziller
Martins
Mauro
Wanderley:
Não vi no inferno, em cercos tão escuros,
espírito ante Deus assim acerbo:
nem no que em Tebas despencou dos muros.
Milano:
Nem nos antros do Inferno mais escuros
vi alma contra Deus tão revoltada,
nem o tebano que caiu dos muros.
“cancelado”. Extrapolando o trecho estudado aqui, não podemos deixar de notar essa
característica da poesia dantesca, a “rima equívoca”, que evoca a sua raiz provençal; o
mesmo expediente já fora usado por Dante em poema da Vita Nova63.
Dessa forma, nos versos 74, 75 e 76, observamos o recurso à “rima equívoca:
le cosce com le gambe e ‘l ventre e ‘l casso
divenner membra che non fuor mai viste.
Ogne primaio aspetto ivi era casso
Martins:
e coxas , gâmbias, jelhos, peito e baço,
assumindo aleijões nunca encontrados.
Do jeito antigo não ficara traço
onde cessar le sue opere biece “Hércules com a maça e golpes cento
sotto la mazza d’Ercule, che forse Sem lhe doer um décimo ao nefando
gliene diè cento, e non sentí le diece.” pôs remate a tamanho atrevimento”.
Segundo podemos verificar em Sílvio Elia, esse estratagema vem a ser [...]o dobre. Consistia na repetição, em
cada estrofe, da mesma palavra, que rimava consigo mesma; na lira occcitânica, em cada repetição a palavra
assumia novo significado (rima equívoca), mas isso não se dá nem com o doble (Pierre Le Gentil) da arte de
trovar castelhana nem com o “dobre” da lírica portuguesa (Celso Cunha). ELIA (1974, p.296).
83
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Lutero privilegiou, em lugar da fidelidade à letra, uma fidelidade maior ao falar do povo,
assim como Dante já preconizara, em De Vulgari Eloquentia I, 2:
[...]chamo língua vulgar aquela que as crianças aprendem de quem lhes está
próximo no momento em que começam a articular os sons; ou senão, para
ser mais breve, língua vulgar é aquela que, sem necessidade de regras,
aprendemos imitando a nossa ama”.[...]DANTE(1995p.3)
Dante afirma também que é essa a língua natural,“ainda que esteja dividida em
diferentes pronúncias e vocábulos”, e não aquela que se aprende utilizando as regras da
Gramática. Comparando as duas maneiras de falar, refere-se à língua vulgar como “a mais
nobre”. Em algumas traduções mais antigas da Commedia para o português, muitas vezes a
língua natural é deixada de lado em favor de um palavreado rebuscado, até mesmo para a
época, privilegiando o culto e o erudito em detrimento do popular. Para Berman (p.51) trata-
se da tendência do “enobrecimento”, visando tornar as traduções “mais belas”. Conforme o
autor, em poesia, isso dá origem à “poetização”. Seria então “um exercício de estilo às custas
do original”. No entanto, pudemos observar que os tradutores que se dedicaram à poesia
mostraram uma menor propensão a complicar seus textos. Vemos em Benjamin quase que
uma prescrição a esse respeito:
[...]Mas aquilo que está numa obra literária, para além do que é comunicado
(e mesmo o mau tradutor admite que isso é o essencial) não será isto aquilo
que se reconhece em geral como o inaferrável, o misterioso, o “poético”?
Aquilo que o tradutor só pode restituir ao tornar-se, ele mesmo, um
poeta?.[...] BENJAMIN(2008 [1923], p.67). (grifos nossos).
Disponível em https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/5535/000427623.pdf?sequence+=1. Acesso 30-12-
2017
87
Por mais que tenha sido buscada neste trabalho uma isenção, uma fria comparação
recorrendo a parâmetros utilizados igualmente entre todos os tradutores, não foi possível
deixar de reportar subjetivamente ao que nos constitui na qualidade primeira de leitor, e
depois como crítico.
Comparados os tradutores do século XIX, Xavier Pinheiro e Machado de Assis,
juntamente com Ziller, que traduziu no século XX, mas que tinha uma cultura e um back-
ground sociolinguístico que reportava ao século anterior, podemos encontrar mais
semelhanças entre Xavier Pinheiro e Ziller do que propriamente desses dois com Machado de
Assis. Xavier Pinheiro e Ziller situam suas traduções para o português ainda em um universo
linguístico em que a clareza e a concisão, além do vocabulário simplificado, não eram
apreciados por todo o público leitor. Machado de Assis era uma exceção em seu próprio
tempo, com seu estilo direto, seco, desataviado, em consonância com a escrita de Dante.
Mauro realizou a tradução mais inconstante, apresentando, no trecho estudado,
versos com traduções literais, com quebras nas pausas e sílabas a mais.
Quanto aos tradutores pós-anos 1950, caso de Martins, Milano e Wanderley,
tradutores e poetas, seguiram as prescrições mais atualizadas dentro do que hoje chamaríamos
“teorias de tradução”, respeitando a forma e as rimas. No entanto, Martins algumas vezes
sacrificou as categorias gramaticais, e enquanto Milano e Wanderley foram os únicos que
procuraram retomar uma anáfora, Wanderley resgatou uma aliteração importante, o que
Milano conseguira na primeira tradução do Canto e desmanchou depois, na segunda versão.
Por sua vez, Augusto de Campos segue os preceitos da própria teoria da
transcriação, em que, conforme suas palavras, seu “intento não é nunca a reverência
acadêmica ao texto, mas a sua presentificação como matéria viva de poesia, respeitados os
lineamentos semânticos e o arcabouço formal do poema” (2003, p.184). Campos ousa
modificar o que é quase canônico, palavras e frases de Dante, substituindo, como mostrado na
sua tradução do Canto I, um verso do original por um verso de sua autoria, e ainda
procedendo a uma operação que, nas palavras do tradutor, “chegou a escandalizar alguns
dantólogos nativos”, ao trocar o sentido de um termo do italiano, gaetta pelle, pelo som,
semelhante, das palavras “gaiata pele”, em português. No entanto, excetuando-se esses
momentos que enfatizam a vereda transcriativa seguida pelo autor, a tradução segue a
prescrição tradutória exposta pelo próprio Campos (p.183), que é a de manter as rimas, as
aliterações, os decassílabos, as terzine dantesche e as palavras-chave, procedimentos que
vimos, em nossa análise, serem em grande parte seguidos pelos outros tradutores poetas. A
favor de Campos, no entanto, devemos observar uma tradução mais enxuta que outras de
89
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09-11-2017.
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DICIONÁRIOS E ENCICLOPÉDIAS
Enciclopédia Delta Larousse (1998). Verbete Parnasianismo – p.4461. Nova Cultural: Rio de
Janeiro.
Ferreira, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa - 1975 – RJ:
Nova Fronteira.
Lo Zingarelli - Vocabolario della lingua Itáliana di Nicola Zingarelli (2011). 12ª Edição.
Italia: Zanichelli Ed.
Novo Michaelis – dicionário ilustrado – volume I – Inglês português -1984 – 35ª Ed.
Melhoramentos.