Patrícia Hill Collins
Patrícia Hill Collins
Patrícia Hill Collins
Patricia Hill Collins [PHC]: Obrigada por este convite para discutir de que modo
aspectos do meu trabalho poderiam contribuir para os estudos da tradução. Embora
eu esteja menos familiarizada do que gostaria com os estudos da tradução, tenho
pensado muito sobre questões de tradução dentro do meu próprio trabalho. Assim,
minhas respostas refletem minha percepção de como questões de tradução afetam
minha produção intelectual.
[PHC]: O sexismo e o racismo não são apenas ideologias, mas também abarcam práticas
sociais tangíveis. Como sistemas de poder, eles organizam instituições e práticas sociais
injustas. Em meu trabalho, volto à ideia de comunidade como um locus importante 229
que organiza as conexões entre instituições sociais injustas e os discursos ideológicos
que as reproduzem. A comunidade também pode servir de locus imporante para gerar
análises antirracistas e feministas da injustiça social. Neste sentido, a comunidade é
um locus específico onde ocorre a linguagem como um conjunto de ideias e de páticas
comunicativas.
[PHC]: Os textos canônicos dentro das ciências humanas ilustram esses padrões
de diversas comunidades interpretativas exercendo diferentes graus de poder na
formatação daquilo que conta como conhecimento. Nesse caso, os textos são artefatos
de decisões que foram tomadas na época em que eles foram criados e aceitos, assim
como a história das diversas comunidades interpretativas que os usam de modos
[PHC]: Não tenho certeza de poder falar diretamente das questões específicas
no campo dos estudos da tradução. Mas penso que questões que enfrento ao fazer
meu trabalho intelectual, especialmente o teórico, ilustram de que modo o racismo
e o sexismo configuram questões mais amplas de interpretação. Pelo fato de me
movimentar entre tantas comunidades interpretativas diferentes, frequentemente
232 me vejo pensando sobre qual o melhor modo de dizer o que quero dizer dentro de
cada comunidade, bem como o que elas poderiam dizer umas às outras se tivessem à
sua disposição linhas diretas de comunicação. Essencialmente, para mim, o trabalho
teórico envolve negociar constantemente um conjunto de ideias em termos de outro,
garantindo que eu possa responder a múltiplas comunidades pelas traduções que
tornam meu trabalho possível. Por exemplo, quando se trata de pensamento feminista
negro, desde que viajei ao Brasil, me pegunto como eu poderia entender e interpretar
as semelhanças e diferenças entre o feminismo negro no Brasil, nos Estados Unidos e
através da diáspora africana.
[PHC]: Eu de fato estou mais interessada nos mecanismos do modo como 233
desenvolvemos teorias feministas e antirracistas não hegemônicas do que em como
poderíamos disseminar teorias que emergem de modos tradicionais de fazer teoria ou
teorização. Dentro das culturais ocidentais, a teoria é altamente racionada, disponível
para uns poucos seletos que conseguem adqurir o letramento e as credenciais que
lhes permitem obter empregos de teóricos. E uma vez dentro desses empregos,
as convenções disciplinares limitam o que alguém pode dizer e fazer. Essa é uma
descrição pragmática da teoria, que precisa ser levada em conta junto com quaisquer
esforços por disseminar teorias criadas sob tais condições sociais. Ao mesmo tempo, a
vigilância acadêmica está se erodindo, criando novas possibilidades para modos mais
democráticos de teorizar por meio dos quais mais ideias realmente chegam à mesa
teórica.
É um projeto que tem estado no centro da minha atenção há algum tempo. Nas
suas perguntas, você distingue com razão racismo de sexismo. Creio que precisamos
desse tipo de clareza analítica, especialmente ao analisar como o racismo e o sexismo
têm sido organizados dentro de contextos nacionais diferentes. Para mim, eles não
são a mesma coisa, e é importantíssimo dedicar tempo para aprender sobre cada um.
Mover-se depressa demais rumo a uma aliança imaginária entre racismo e sexisto
sob a bandeira de um conceito maior que apaga essas diferenças, por exemplo, a
justiça social, não só é errado como pode ser politicamente ineficaz.