Corpo e Discursivização Da Mulher Na Revista Jornal Das Moças Da Década de 50 - Palmira Heine

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CORPO E DISCURSIVIZAÇÃO DA MULHER NA REVISTA JORNAL DAS

MOÇAS DA DÉCADA DE 50

Palmira Heine

Universidade Estadual de Feira de Santana

Resumo: O referido artigo objetiva, a partir da análise de reportagens que


circularam na década de 50 na Revista feminina Jornal das Moças, analisar o
processo de construção discursiva da feminilidade, a partir da docilização e
disciplinarização do corpo feminino, pra atender aos padrões estéticos da época.
Tendo como base a Análise de discurso pecheutiana, que trabalha com a opacidade
da língua, e recorrendo brevemente a conceitos de Foucualt, pretende-se debater o
fato de que os sentidos sobre a mulher e feminilidade são moldados a partir de do
funcionamento ideológico que normaliza os sentidos sobre o feminino, colocando a
mulher em condição de natural fragilidade e, consequente submissão/desigualdade
em relação ao homem.

Palavras-chave: Corpo; Mulher; Análise de discurso.

Abstract: Body and woman in discursivization decade review journal of young


women 50. This paper aims to analyze texts that circulated in a women's magazine
called “Jornal das moças”, in the 1950´s years. The focus of this paper is to analyze
the discursive construction of femininity process, in texts and images selected.
Based on the contributions of French discourse analysis by Pecheux, and also using
some concepts of Foucualt, we intend to discuss the way that the women and
femininity are shaped from the ideological operation putting the woman in natural
fragile condition and in consequent inequality in relation to man.

Keywords: Woman; Magazine; Discourse analysis.

Introdução período em que houve grande


desenvolvimento econômico no Brasil, sendo
O referido artigo objetiva, a partir da um momento em que as mulheres se inseriam
análise de reportagens que circularam na ainda timidamente no mercado de trabalho.
década de 50 na Revista feminina, Jornal das No entanto, apesar dessa inserção, era claro o
Moças, analisar o processo de construção modo de funcionamento da ideologia na
discursiva da feminilidade, a partir da constituição do sujeito mulher, na docilização
docilização e disciplinarização do corpo do seu corpo, a partir da obediência a padrões
feminino, pra atender aos padrões estéticos da que a faziam ser uma mulher “bela” ou uma
época. A década de 50 do século XX foi um “verdadeira mulher”.

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O corpo da mulher considerada “bela” envolvendo três diferentes regiões do


deveria, portanto, obedecer a padrões que a conhecimento, quais sejam: o materialismo
colocavam no rol das mulheres elegantes e histórico, como a teoria das formações sociais
desejadas socialmente. Para procederemos à e suas transformações, compreendida aí a
análise, utilizaremos a Análise de Discurso de teoria das ideologias; a linguística, como
vertente francesa, com foco em Pecheux teoria dos mecanismos sintáticos e dos
(1997) para mostrarmos como a feminiliddade processos de enunciação ao mesmo tempo, e
é discursivizada, recorrendo, esporadicamente também a teoria do discurso, como teoria da
também a algumas idéias de Foucault (1987) determinação dos processos históricos. Além
sobre a disciplinarização dos corpos no disso, alia alguns princípios da psicanálise,
processo de constituição dos sujeitos. principalmente a noção de inconsciente, que
será uma das bases para a constituição do
De onde falamos? sujeito.
A noção de entremeio é extremamente
Surgida na década de sessenta do século importante quando se pensa em Análise de
XX, a Análise de Discurso de linha francesa, Discurso materialista. Longe de ser um
mais precisamente a vertente pecheutiana, acréscimo à teoria linguística como se fosse
pretendeu colocar para a linguística questões possível unir língua de um lado e contexto do
das quais ela tentava se esquivar, dentre elas, outro, a Ad pecheutiana representa uma
a questão do sentido e da historicidade como mudança de terreno, ou seja, a instauração de
base para a compreensão da linguagem, além um novo espaço teórico que vai fazer
de trazer à tona noções relativas ao sujeito e a convergir língua, história e ideologia.
ideologia. Nas palavras de Orlandi (1994), é Pêcheux redefine algumas ideias saussurianas,
possível afirmar que a Análise de discurso redefine a noção marxista de ideologia e
pecheutiana pretende: retoma a noção de inconsciente para criar um
novo lugar, um lugar de entremeio.
colocar questões para a Lingüística no Da teoria linguística, Pecheux (1997) bebe
campo de sua constituição, interpelando-a na fonte estruturalista, recortando da mesma a
pela historicidade que ela apaga, do mesmo teoria Saussuriana, buscando ampliá-la, a
modo que coloca questões para as Ciências partir do questionamento da ideia de
Sociais em seus fundamentos, interrogando homogeneidade e autonomia completas da
a transparência da linguagem, a do sujeito e
a do sentido, transparência sobre a qual
língua proposta por Saussure. Pêcheux
essas ciências se assentam. (ORLANDI, reconhece que a língua é um sistema, dotado
1994, p. 54) de regras próprias, mas, pautando-se,
sobretudo, na teoria do valor postulada pelo
Desse modo, é plausível afirmar que para mestre genebriano, afirma que o próprio
Pêcheux, era necessário construir um sistema linguístico não é completamente
dispositivo teórico/analítico que pudesse autônomo, e que a questão do sentido não se
contribuir para uma "mudança de terreno" que resolve levando em conta apenas as regras de
fizesse “intervir conceitos exteriores à região combinação e oposição entre os signos
da linguística atual”. (PÊCHEUX , 1997, p. presentes no próprio sistema. Ao contrário: o
73). Ao se constituir a partir do final da sistema linguístico é, ele mesmo, sujeito ao
década de 60, a AD materialista situa-se no equívoco, uma vez que o sentido das palavras
pós- estruturalismo, redefinindo noções pode sempre ser outro, sempre desliza, sendo
postuladas por Saussure e pelo materialismo, sempre marcado pela metáfora. Daí a
trazendo à tona a ideia de que o próprio afirmação pecheutiana de que a língua
sistema linguístico é constituído pela falha e "constitui o lugar material onde se realizam os
equívoco, costurando a intrínseca relação efeitos de sentidos" (Pêcheux, Fuchs, 1997,
entre língua e exterioridade. p.172). Os sentidos são gerados a partir do
A instituição da Análise de Discurso (AD) modo como os sujeitos são interpelados pela
na França se constitui como um entremeio, ideologia, pressupondo, assim, uma relação

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entre a língua e seu exterior. Assim, a língua é uma relação direta entre realidade e
o veículo no qual se materializam os efeitos linguagem, esta última é opaca e marcada por
ideológicos, é a partir dela que os sujeitos se fatores de ordem ideológica. É a ideologia que
constituem como tais, interpelados pela constitui os elementos do discurso. Não
ideologia. existe sujeito fora da ideologia, pois, para se
Da teoria das ideologias, Pêcheux se constituir como tal, é preciso ser desde
debruça, inicialmente, sobre as ideias de sempre interpelado, desde sempre constituído
Althusser, quando o referido teórica fala dos por ela. Segundo Orlandi (1994)
Aparelhos ideológicos do Estado, concebendo
a ideologia como mola mestra da constituição A ideologia é, pois, constitutiva da relação
dos sujeitos e dos sentidos. O autor se do mundo com a linguagem, ou melhor, ela
debruça sobre o materialismo histórico, é condição para essa relação. Não há
retomando a noção de superestrutura relação termo-a-termo entre as coisas e a
ideológica. Ele não concebe a ideologia como linguagem. São ordens diferentes, a do
mundo e a da linguagem. Incompatíveis em
simples conjunto de ideias, mas afirma que suas naturezas próprias. A possibilidade
esta tem uma "materialidade específica", e mesma dessa relação se faz pela ideologia.
que tal materialidade está relacionada à (ORLANDI, 1994, p. 56)
materialidade econômica; É a ideologia que
faz com que o sujeito, sem se dar conta disso, Sendo assim, a língua, compreendida à luz
possa ocupar um determinado lugar na esfera da discursividade não é um simples sistema
dos grupos sociais vigentes. formal, mas é, ao contrário disso, marcada de
Da psicanálise, a partir de uma releitura de modo inexorável pela exterioridade que a
Lacan, problematiza a noção de sujeito como constitui. Quando o sujeito enuncia, está em
constituído pelo inconsciente, deslocando a jogo uma gama de sentidos que não são
ideia cartesiana que concebia o sujeito como originados nele, mas que são construídos
marcado pela consciência total. O historicamente, derivados do já-dito. A
inconsciente constitui o sujeito que não pode atividade discursiva pressupõe uma relação
mais ser visto como sujeito onipotente, do que não tem, de direito, início, uma vez que
"penso logo existo", mas deve ser visto como os enunciados se ligam sempre a enunciados
marcado por vozes e discursos sociais que anteriores, eles estão sempre em relação com
estão armazenados no inconsciente. O sujeito o "já-la", com o pré-construído.
não se dá conta que está sendo marcado pelo O discurso sempre se conjuga a partir do
inconsciente e acredita que é a origem do já-dito, sendo constituído a partir do
dizer. Pêcheux e Fuchs, desse modo, afirmam interdiscurso, que funciona como a base, o
que a interpelação do indivíduo em sujeito se pano de fundo do processo discursivo, ou
dá: seja, do que se chama de intradiscurso: o nível
da formulação, o fio do discurso. Por
(...) de tal modo que cada um seja interdiscurso se entende o conjunto do todo
conduzido, sem se dar conta, e tendo a complexo com dominante (Pêcheux, 2009) de
impressão de estar exercendo sua livre formações discursivas, ou seja, o conjunto de
vontade, a ocupar o seu lugar em uma ou
outra das duas classes sociais antagonistas
tudo o que já foi dito e esquecido que
do modo de produção (PECHEUX e constitui a base da atividade discursiva.
FUCHS, 1997, p. 166). Assim, é possível afirmar que as formações
discursivas derivam do interdiscurso e são
O funcionamento da ideologia se dá a dele dependentes, o que permite a
partir do interpelar do sujeito, ou seja, a partir compreensão da ideia pecheutiana que todo
do assujeitamento desse sujeito à língua e da discurso se conjuga a partir de um já-dito.
interpelação do mesmo, fazendo com que ele Nas palavras de Pêcheux:
ocupe determinado lugar na estrutura social,
lugar este que é refletido no discurso. Não o processo discursivo não tem, de direito,
existe discurso sem ideologia, pois não há início: o discurso se conjuga sempre sobre
um discurso prévio, ao qual ele atribui o
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papel de matéria-prima, e o orador sabe que aos sentidos que já existem, mas também,
quando evoca tal acontecimento, que já foi podem ressignificar esses já-ditos, colocando-
objeto de discurso, ressuscita no espírito se no jogo polissêmico da linguagem.
dos ouvintes o discurso no qual este Partindo-se do princípio de que os sentidos
acontecimento era alegado, com as
das expressões linguísticas são derivados das
deformações que a situação presente
introduz e da qual pode tirar proveito.”
formações discursivas nas quais essas
(PÊCHEUX,1997, p.77) expressões se inserem, é possível inferir sobre
os sentidos da ideia de mulher nas reportagens
Buscando afirmar o fato de que as analisadas. Os mesmos não se restringem a
estruturas linguísticas não podem ser vistas um conceito dicionarizado, mas ganha novas
isoladamente como propunham as teorias nuances ligadas ao momento histórico em que
formais, Pêcheux mostra a importância de se as revistas circularam. Tal fato revela que o
colocar em relação a língua com o que ele sistema linguístico não é completamente
chamou de condições de produção. Assim, o autônomo, e que entender a língua como
referido autor mostra que um mesmo sistema estritamente formal não é suficiente
enunciado, palavra ou frase, pode ter seu para explicitar as relações de sentido na
sentido modificado a partir de condições de mesma. Pêcheux e Fuchs (1997, p. 169) já
produção diferentes. Ao comentar sobre as diziam que "o sentido de uma sequência só é
condições de produção e o modo como estas materialmente concebível na medida em que
interferem na geração de sentidos dos se concebe essa sequência como pertencente
enunciados, Pecheux falando sobre o discurso necessariamente a esta ou aquela formação
de um deputado, afirma que o mesmo pode ter discursiva". Tal afirmação já revelava ideia
sentidos diferentes em condições de produção pecheutiana de que a língua é um sistema que
diversas, a depender do lugar que ele ocupa. não possui completa autonomia, pois é
Para Pêcheux o que o sujeito diz: constitutivamente marcada pela história e pela
ideologia. Os sentidos, portanto, não são
(...) não tem o mesmo estatuto conforme o preexistentes às estruturas linguísiticas nem
lugar que ele ocupa, a mesma declaração são presos às palavras. Assim, Pêcheux
pode ser uma arma temível ou uma comédia assevera:
ridícula segundo a posição do orador e do
que ele representa, em relação ao que diz. [...] as palavras, expressões, proposições
(PÊCHEUX 1997, p. 78) etc., mudam de sentido segundo as posições
sustentadas por aqueles que as empregam, o
Como se pode notar, o sentido não está nas que quer dizer que elas adquirem seu
palavras nem nos sujeitos, mas deriva das sentido em referência a essas posições, isto
posições ocupadas por tais sujeitos no é, em referência às posições ideológicas [...]
discurso. Os sujeitos, apesar de terem ilusão (PÊCHEUX, 2009, p. 146-147).
de que são origem do dizer, efetivamente não
o são. Ao contrário, os processos discursivos Como já foi dito anteriormente, todo
se realizam através sujeitos, mas esses não discurso é ideológico, porque não há discurso
são responsáveis por criar intencionalmente sem sujeito e não há sujeito sem ideologia.
sentidos, nem têm o poder de controlá-los. Os Então, é possível afirmar que os gêneros
sentidos se realizam nos sujeitos porque se jornalísticos, dentre eles as reportagens,
relacionam com a posição ideológica que os veiculam ideologias diversas, funcionando
mesmos ocupam. Essa posição remete a uma como grandes instrumentos de difusão
inscrição ideológica que faz com que se diga ideológica que têm como função "naturalizar"
de determinada forma ou de outra, que as os sentidos e também homogeneizar as
palavras ditas signifiquem de determinado diferenças sociais, pretendendo difundir a
modo ou de outro. Os sujeitos não são os ideia de homogeneidade e naturalidade das
primeiros a dizerem algo, eles se submetem relações sociais.

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Algumas ideias de Foucault (1987) tempo, o que supõe treinamento, rotina,


também serão de interesse nesse artigo, repetição. Segundo Foucault:
principalmente as que dizem respeito aos
processos de docilização e disciplinarização um corpo bem disciplinado forma o
dos corpos. A partir da dsiciplinarização, o contexto de realização do mínimo gesto.
sujeito fica submetido a formas de controle do Uma boa caligrafia, por exemplo, supõe
corpo, sendo tais formas ligadas a uma uma ginástica- uma rotina cujo rigoroso
determinada norma que visa controlar os código abrange o corpo por inteiro da ponta
do pé à extremidade do indicador.
corpos e, consequentemente, controlar os (FOUCAULT, 1987. p. 120)
sujeitos. Assim, através de exercícios de
adestramento, o sujeito entra na normalidade A rotina, por sua vez, é obtida através da
e é discursivizado a partir de seu corpo. repetição de exercícios e regras para a
Ao abordar a questão da disciplina, o execução de uma tarefa, pressupõe
referido autor chama a atenção para o fato de treinamento mecânico para a homogeneização
que é através dela que o corpo dos sujeitos é dos corpos. Assim, os modos de agir, de
“fabricado”, tornando-se dócil e submisso às realizar algo, a enumeração de passos e sua
regras da sociedade. Assim, o modo de sequência de realização, são importantes para
construção do corpo também faz parte da o estabelecimento da disciplina. Foucault
construção do sujeito no jogo das relações (1987) afirma ainda que a disciplina fabrica
sociais de poder. Desse modo, são esmiuçadas sujeitos, adestrando-os. O adestramento é um
regras, regulamentos, normas, que, a partir de modo de se exercer mais facilmente o poder,
inspeções sociais, objetivam fazer com que os e, consequentemente, de dominar os sujeitos
corpos se adequem à “normalidade”. Segundo de modo mais efetivo.
Foucault (1987) o controle do corpo: O sucesso do adestramento e da disciplina,
então, depende de uma relação hierárquica e
implica uma coerção ininterrupta,
de sanções normalizadoras. Aquele que não
constante, que vela sobre os processos da
atividade mais do que sobre seu resultado e seguir as normas sofre sanções, é excluído,
se exerce sobre uma codificação que ridicularizado, mal visto ou ainda colocado à
esquadrinha, ao máximo, o tempo, o margem da sociedade. É a partir da sanção
espaço, os movimentos. Esses métodos que que os modos de coerção tornam-se visíveis
permitem um controle minucioso das para os sujeitos. São criadas, portanto,
operações do corpo, que realizam a sujeição técnicas de vigilância e controle dos sujeitos,
constante de suas forças, e lhes impõem a fim de que se possa punir aquele que não se
uma relação de docilidade-utilidade são o adeque ao processo de adestramento. Dessa
que podemos chamar as “disciplinas”. forma, os sujeitos são construções derivadas
(FOUCAULT, 1987, p. 109). das relações de poder que passam também
A disciplinarização implica, então, o pela domesticalização dos corpos.
controle do corpo, dos gestos, dos A partir do que foi abordado
movimentos e do espaço-tempo no qual os anteriormente, interessa-nos observar os
sujeitos se inserem. A coerção é a base desse diversos modos de construção discursiva da
controle, uma vez que o sujeito é coagido a se mulher na década de 50 na revista Jornal das
adequar às normas pelo exercício e pelo moças, observando o modo de funcionamento
controle dos gestos, a partir da adoção de ideológico sobre a feminilidade e analisando
técnicas de repetição e treinamento. Tais o modo de construção dessa mulher, a partir
técnicas são adotadas por instituições diversas da domesticalização e docilização do seu
como escolas, famílias, igrejas, oficinas, corpo, principalmente no que se relaciona ao
instituições militares, dentre outras. modo de andar. Para ser considerada uma
A disciplina implica também uma “mulher de família”, era preciso controlar o
adequação dos movimentos e gestos ao corpo, os gestos, andar de determinado modo.
Para isso, seria necessário treinamento a fim
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de aprender as técnicas “do bom andar”. Isso mulher”, colocando-as num lugar diferente
indica um funcionamento ideológico que dos homens.
coloca a mulher no seu devido lugar, Segundo Bassanezi (2008, p. 609), as
classificando como belas ou elegantes aquelas revistas femininas funcionavam como:
que aprendessem as técnicas do “bom andar”. “conselheiras, fonte importante de informação
Essas questões serão analisadas mais adiante. e companheiras de lazer - a TV ainda era
incipiente no país -, as revistas influenciaram
A revista como veículo ideológico a realidade das mulheres de classe média de
seu tempo (...)”. Sendo assim, os conselhos
Partimos do princípio, nesse artigo, de que que traziam sobre comportamento, vida
as revistas fazem parte dos Aparelhos doméstica, maternidade, dentre outros, eram
Ideológicos do Estado, funcionando como um seguidos à risca por aquelas que queriam ser
dos elementos dos Aparelhos ideológicos da bem vistas socialmente. Surgida em 1914, a
informação. Althusser (1998) afirmava que os revista Jornal das Moças circulou até 1961,
Aparelhos ideológicos do Estado funcionam com edição semanal, dirigindo-se,
prioritariamente pela ideologia, enquanto que principalmente às moças da classe média
os Aparelhos repressivos do Estado brasileira.
funcionam primordialmente pela violência 1. A representação feminina na época girava,
Assim, cabia aos Aparelhos ideológicos do então, sobre a ideia de mulher como “rainha
estado a reprodução da ideologia dominante, do lar”, sendo os temas relacionados ao
que funcionava como uma espécie de mercado de trabalho (que elas começavam a
“cimento social”, homogeneizando sujeitos. ocupar) discutidos timidamente e ainda de
As revistas femininas que circulavam na maneira bastante superficial. Assim, a
década de 50, não eram simples veículos de ideologia da mulher como essencialmente
informação, mas funcionavam como veículos afeita ao lar, ao casamento e à maternidade
difusores de ideologias, sendo utilizadas na era amplamente difundida nas revistas, em
educação de mulheres da época. Essas contraposição às representações masculinas,
revistas, inclusive a que estaremos analisando, uma vez que os homens eram considerados
o Jornal das Moças, traziam conselhos de como “chefes de família”, provedores,
moda, beleza, comportamento da mulher, cabendo a eles o trabalho fora de casa e o
propagandas de eletrodomésticos e móveis, sustento da família.
dicas para ser uma boa mãe e uma boa dona O funcionamento ideológico que colocava
de casa, conselhos para manter o casamento, a mulher essencialmente na esfera doméstica
receitas, novelas. A análise dos temas ali poderia ser notado inclusive nas propagandas
abordados já revela um posicionamento que circulavam nas revistas. Havia
ideológico que constitui a noção de propagandas de cosméticos, produtos para o
feminilidade nas referidas revistas: o mundo lar, produtos para crianças e bebês, cursos
feminino girava ao redor desses temas, profissionalizantes que permitiam que a
considerados “adequados” para as mulheres. mulher estudasse sem sair de casa, sendo
Não há discussão sobre questões políticas, comuns nos anúncios direcionados às moças,
sociais ou econômicas, apesar do Brasil estar com cenas de casamento, de noivos ou ainda
passando por um grande período de com a apresentação de mulheres no ambiente
desenvolvimento econômico e social, na doméstico, como mães ou cozinheiras.
década de 50. Assim, as revistas transmitiam
a ideologia dominante sobre o que era “ser

1
Apesar de afirmar que os aparelhos ideológicos do
Estado funcionavam primordialmente através da
ideologia, e os Repressivos funcionavam a partir da
violência, o autor deixa claro que tanto um quanto
outro possuem um duplo funcionamento: funcionam
pela ideologia e pela violência.
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Menções às diferenças entre homens e


mulheres, atribuídas exclusivamente a fatores
biológicos também eram comuns nas revistas.
Assim, apresentava-se a mulher como
emotiva e sensível, sendo representada como
“sexo frágil” e o homem como forte e viril,
sendo representado como “sexo forte”,
elemento que já revela um funcionamento
ideológico de diferença natural entre homens
e mulheres. Os conselhos de como se tornar
uma mulher passavam pelo modo de se vestir,
de agir no meio de homens, de se comportar
em ambientes públicos e, até mesmo de andar.
A seguir serão analisadas duas reportagens
que ensinavam como andar para se tornar uma
mulher de família, bem vista socialmente.

O corpo constituindo a feminilidade na


revista jornal das moças
Figura 2/Exemplo 1 - Fonte: Jornal das
A reportagem a seguir foi retirada da Moças, outubro de 1952
Revista Jornal das moças de outubro de 1952.
Nela, ensinava-se às mulheres como andar Iniciaremos a análise refletindo sobre a
com elegância, a fim de se tornarem atraentes imagem. Nela aparece uma perna feminina,
e bonitas. Regras do bom modo de andar eram exposta aos cuidados estéticos em frente a um
detalhadas na reportagem, cuja autoria não é espelho de banheiro. Em primeiro lugar, cabe
indicada, o que pressupõe que seja a voz da observarmos que nessas revistas, havia uma
revista falando. A reportagem está repetição, que indica uma importante
acompanhada da seguinte imagem: regularidade na atribuição de sentidos sobre a
mulher: a ligação entre a mulher e a estética.
O modo de funcionamento discursivo que
concebe a feminilidade na época, passa pela
ligação direta entre a feminilidade e o cuidado
com a estética, com a beleza. Cabe nos
perguntarmos o porquê dessa preocupação ser
sempre atrelada à mulher e não ao homem, no
período analisado. Tal reflexão nos faz
retomar os já-ditos sobre a mulher, já
Figura 1 - Fonte: Jornal das Moças Outubro 1952
estampados em revistas de décadas anteriores
de que à mulher cabia a preocupação com a
estética a fim de se tornar atraente para o
homem. Essa preocupação se dava, sobretudo,
pelo fato de que o casamento era
supervalorizado e, para atrair pretendentes
aptos a serem seus futuros maridos, as
mulheres precisavam se preocupar e cuidar da
aparência.

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A reportagem traz um tom de conselho e domesticação do corpo, uma vez que para
lista os passos que devem ser dados na alcançar um andar gracioso, a mulher
direção de um andar elegante. O título da precisará seguir alguns passos, elencados na
mesma já indica o objetivo ali presente: reportagem: “Para ter seus movimentos livres,
fornecer uma receita sobre como andar de uma mulher deve ter as pernas ágeis, os
modo gracioso, tornado-se, portanto, atraente. tornozelos leves, os pés em perfeito estado.
Podemos observar o funcionamento Durante a toalete, você fará bem em esfregar
ideológico que constitui a representação da os pés com uma escova, a fim de ativar a
mulher em todo o texto, mas tal circulação do sangue e desembaraçar a
funcionamento se destaca logo no trecho pele das células mortas”.
inicial: “a elegância de uma mulher é marcada Retomando as ideias de Foucault (1987)
pela sua boa linha, harmonia de toalete e sobre a disciplina, notamos que há no trecho
também pelo seu modo de andar. A em destaque todo um ritual que deve ser
importância desse fato não deve escapar a seguido para alcançar o objetivo de ter um
nenhuma mulher.” Chama a atenção no andar gracioso. O corpo é coagido a se tornar
trecho, o uso do verbo deve, indicando uma leve, os pés devem estar em prefeito estado.
ordem, da qual não se pode escapar. Tal verbo As expressões “você fará bem”, “deve ter
revela uma marca discursiva em relação ao pernas ágeis” etc, indicam o tom de ordem, da
sexo feminino, indicando o modo pelo qual é qual a mulher não pode fugir. O
preciso agir para se tornar mulher, em outras comportamento também é moldado: é preciso
palavras, para que alguém se constitua esfregar os pés com uma escova, para evitar
mulher, deve obrigatoriamente se preocupar problemas de circulação. Há aí o
com a estética, coisa que não deve escapar a atravessamento do discurso científico em
nenhuma mulher. A mulher, para ser relação à questão da manutenção de uma boa
considerada mulher de verdade (disso não saúde, mas tal objetivo não é o primordial, já
pode escapar), deve seguir os ensinamentos que a manutenção de uma boa circulação nos
sobre o “andar bem” presentes na reportagem. pés está à serviço da estética, de um certo
É a ideologia que constitui, então, a ideia de modo de andar. O uso dos verbos no
mulher de verdade (indicando as coisas das imperativo indica esse funcionamento da
quais ela não pode escapar), condicionando as disciplina do corpo.
mulheres a se colocarem na posição daquelas A tentativa de homogeneização do corpo,
que fatalmente se preocupam com a estética. tornando-o padronizado, também é visível na
Retomando as idéias de Pêcheux (2009), a última parte da reportagem no trecho que diz:
noção de mulher não equivale aqui, àquela “a extremidade das unhas deve ter um
que é representante do sexo feminino, apenas. formato arredondado. Nem muito longa, nem
O sentido de mulher é discursivizado, muito curta (...) tome os pés entre o polegar e
ganhando, então, outras nuances: a mulher os quatro dedos da mão e, alternativamente,
não é apenas o ser humano do sexo feminino, com uma das mãos, pois a outra deverá
mas é aquela que se preocupa com a beleza, massagear o pé, passe os dedos sobre o
que anda de determinado modo, que cuida dos tornozelo. Massageie igualmente o tornozelo
problemas estéticos (como vemos na imagem, e o calcanhar”.
uma perna feminina, exposta aos cuidados Ao estabelecer o formato das unhas e ao
estéticos, tema que se repete na reportagem e indicar os passos que devem ser atingidos
durante toda a revista). para que se tenha um andar gracioso,
Para ser mulher, ou ao menos, para ser a percebemos o modo de construção do corpo
mulher construída pela revista, fruto das feminino, a partir da coerção: a mulher que
posições ideológicas representadas por este não possuir as unhas no formato indicado ou
veículo midiático, ela terá que andar aquela que não fizer a massagem como
“graciosamente”, o que a fará entrar no grupo explicitado na reportagem, não alcançará o
das mulheres elegantes e belas. Retomamos objetivo do bom andar e poderá sofrer
aqui a ideia de Foucault (1987) sobre a sanções como ser vista como uma mulher

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deselegante, feia, desajeitada, estando fora da


ideologia dominante sobre a beleza da época.
O tema do andar corretamente é retomado
ainda em junho de 1955, na revista. Nesse
período, aparece novamente outra reportagem
sobre como andar bem, agora com a indicação
de exercícios e treinamentos que a mulher
deve fazer em casa até aprender a andar
perfeitamente. A reportagem é acompanhada
da seguinte imagem:

Figura 4/ Exemplo 2 - Fonte: Jornal das Moças,


junho de 1955

Observemos o que diz o trecho da


reportagem aqui exemplificado na figura 4:
Figura 3 - Fonte: Jornal das Moças, junho de 1955.
Possuir um belo rosto, formas
Mais uma vez, vemos o funcionamento proporcionais e harmoniosas e uma perfeita
discursivo da ideologia na construção da estatura, tudo isso não é suficiente para que
feminilidade: a mulher que não sabe andar uma mulher possa ser considerada elegante.
É importante também saber a melhor
segundo os padrões da época, era considerada
maneira com que apresentar as formas e os
feia. Isso é percebido logo no título da
valores físicos do seu corpo. Nesse sentido,
reportagem em que há o enunciado: um andar dizem os estudiosos do assunto que uma
sem graça prejudica a beleza. Assim, ser das questões fundamentais a ser resolvida é
mulher, segundo a formação discursiva da a questão do andar que deve obedecer a
beleza como fundamental para as mulheres, movimentos harmoniosos. O corpo precisa
estampada na revista, é saber andar manter-se reto, completamente vertical,
graciosamente. sem, no entanto, nenhum artifício, com o
Mais uma vez, há a apresentação de aspecto mais natural possível.
técnicas e exercícios para o andar bem: “a Nas escolas de modelos de alta costura,
linha do corpo deve ser cultivada como um bem como nos cursos para artistas que se
jardim”, o que mostra a construção do corpo a destinam ao Teatro ou ao Cinema, e ainda
às futuras bailarinas e coristas as alunas
partir dos padrões de beleza da época. treinam continuamente os exercícios de
aprimoramento do andar. Além da
importância profissional que oferece uma
boa maneira de andar existe também a
importância desse fator para aumentar a
beleza e a apresentação da mulher elegante.

MÉTODO EFICAZ

Até agora o método mais conhecido e


julgado o melhor consiste em aprender a
caminhar com o corpo reto, equilibrando
um livro não muito volumoso colocado
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REDISCO Vitória da Conquista, v. 8, n. 2, p. 62-72, 2015
71 HEINE

sobre a cabeça. Os especialistas em beleza mesmo com outros temas que não sejam
feminina recomendam a adoção de tal beleza e lar. Tal repetição nega, através do
exercício que poderá ser feito nas horas silenciamento, às mulheres da época a
vagas seja na cozinha ou na sala de estar, possibilidade de participação em processos
desde que as mulheres evitem andar sobre
políticos e sociais e as reduzem aos cuidados
tapetes.
com a estética e a aparência física.
As condições de produção da época
Além de possuir um rosto bonito, estatura
permitiam que houvesse a supervalorização
adequada e corpo com formas harmoniosas, a
da beleza física e a pouca valorização do
mulher deveria ser elegante para entrar no rol
desempenho intelectual feminino, uma vez
das mulheres bonitas (“Possuir um belo rosto,
que se considerava que as mulheres tinham
formas proporcionais e harmoniosas e uma
capacidade intelectual inferior a dos homens,
perfeita estatura, tudo isso não é suficiente
aos quais cabia a preocupação com temas de
para que uma mulher possa ser considerada
relevância social e política.
elegante...”) Assim, há uma retomada da ideia
A construção do sujeito mulher passa mais
que estava circulando no exemplo anterior, da
uma vez pela construção do corpo, que deve
revista de 1952: a mulher, para ser bonita,
ter “formas harmoniosas e estatura perfeita”, e
deveria ser elegante e, ser elegante,
do treinamento que pressupõe a aprendizagem
significava saber andar de forma harmoniosa.
do modo de andar com leveza e elegância.
O enunciado citado anteriormente mostra a
Mais uma vez retomados a ideia de Foucault
enorme cobrança colocada sobre as mulheres:
(1987) quando o autor ressalta a questão do
elas precisavam ser bonitas e desejadas,
treinamento e da repetição que são elementos
seguindo rituais de domesticalização do
utilizados para disciplinar o corpo. Neste
corpo. O sentido da mulher deriva da
caso, o treinamento consiste na repetição do
formação discursiva que considera a beleza
exercício de andar com o livro sobre a cabeça
como fator fundamental, uma vez que, como
para atingir movimentos leves, comparando
já diziam Pêcheux e Fuchs (1997), os sentidos
as mulheres comuns a bailarinas, artistas de
derivam das formações discursivas com as
cinema ou de TV. Isso fica visível no trecho:
quase os sujeitos se identificam. E, no caso da
“nas escolas de modelos de alta costura, bem
revista, a formação discursiva da beleza como
como nos cursos para artistas que se destinam
fundamental à mulher era a dominante e a
ao Teatro ou ai Cinema, e ainda às futuras
mais difundida. Havia aí uma retomada da
bailarinas e coristas as alunas treinam
ideia de que era “obrigação da mulher ser
continuamente os exercícios de
bonita”. Ora, se à mulher não era legítimo
aprimoramento do andar.” Assim, o corpo
realizar muitas tarefas fora de casa, deveria se
coage a mulher que, para entrar na cadeia da
cuidar em casa, para que pudesse manter o
mulher bonita, é produzida, a partir da
casamento ou atrair os olhares de futuros
coerção de seus movimentos corporais,
pretendentes (caso fosse solteira), daí a ideia
através do modo de andar.
dos exercícios propostos poderem ser feitos
No trecho: “Os especialistas em beleza
no ambiente doméstico.
feminina recomendam a adoção de tal
A mulher construída nesse trecho deveria
exercício que poderá ser feito nas horas vagas
se assemelhar às modelos, ter rosto e corpo
seja na cozinha ou na sala de estar” indica,
belos. Tal discurso ainda é comum nos dias
a partir do enunciado seja na cozinha ou na
atuais, apesar de vermos movimentos de
sala de estar, o lugar efetivamente ocupado
contraidentificação e desidentificação dos
pelas mulheres da época: Na impossibilidade
sujeitos ao romperem com essa ideia e
de romper com o ambiente doméstico, os
reivindicarem a valorização da beleza natural
exercícios do “bom andar” deveriam ocorrer
e não presa a modelos. Vemos a repetição da
dentro de casa, na cozinha ou na sala.
ideia de que a mulher deve se preocupar com
As duas reportagens mostram o
a beleza, num funcionamento ideológico que
funcionamento do interdiscurso (a partir dos
liga o mundo feminino ao mundo da beleza
já ditos sobre a feminilidade) que se
física e silencia a possibilidade de ligação do
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REDISCO Vitória da Conquista, v. 8, n. 2, p. 62-72, 2013
CORPO E DISCURSIVIZAÇÃO DA MULHER 72
NA REVISTA JORNAL DAS MOÇAS

materializa nos enunciados deixando pistas do Ideológicos do Estado. Rio De Janeiro:


modo como a mulher era vista na época. A Edições Graal, 1985.
mulher é construída a partir da coerção dos
seus movimentos corporais: para ser “mulher BASSANEZI, Carla. Mulheres dos anos
de verdade” deve andar de determinado dourados. In: PRIORE, Mary Del (Org.).
modo, restringindo os movimentos, treinando História das mulheres no Brasil. 9 ed. São
a elegância. Ela é um produto dessa coerção Paulo: Contexto, 2008.
que, inclusive, não se aplica aos corpos
masculinos. BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. 2
ed. São Paulo, vol 2.: Difusão Européia de
Considerações finais livors, 1967.

Como podemos observar a partir das FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir:


materialidades analisadas, a construção da história da violência nas prisões. 5. ed.
feminilidade na década de 50 passa pela Petropólis: Vozes, 1987.
docilização do corpo da mulher e também
pela inserção da mesma nos lugares GADET, Françoise.; HAK, Tony. (Org.). Por
“naturalizados” pela ideologia: a esfera uma análise automática do discurso: Uma
doméstica, a casa, a cozinha. O cenário do introdução à obra de Michel Pêcheux.
casamento, com a ideia de que a mulher deve Campinas/SP: Editora da Unicamp, 1997.
ser responsável por atrair um bom noivo, a
partir do cultivo da vaidade e da beleza, PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso:
mostra a construção ideológica de que o uma crítica à afirmação do óbvio. Trad. Eni P.
destino natural da mulher é o casamento e o Orlandi et al., 2. ed., Campinas, SP: Unicamp,
lar. 1995.
A partir da inserção de trechos do discurso _________. Análise automática do discurso
científico sobre o cuidado com a saúde, (AAD-69). In: GADET, Françoise; HAK,
constrói-se a ideia de beleza como Tony. (Org.). Por uma análise automática
fundamental à mulher e, ao mesmo tempo, do discurso. 3. ed., Campinas, SP: Ed. da
silencia-se a possibilidade de que ela tenha Unicamp, 1997, p. 61 - 105.
outras qualidades tais como o
desenvolvimento intelectual. Assim, a PÊCHEUX. Michel; FUCHS, Catherine . A
Revista funciona como instrumento de propósito da análise automática do discurso:
difusão ideológica responsável por colocar os atualizações e perspectivas. In: GADET;
sujeitos nos seus “devidos lugares”, HAK (Org.). Por uma análise automática
diferenciando homens e mulheres com base do discurso. 3. ed., Campinas, SP: Ed. da
nas suas características físicas e sociais. Unicamp, 1997, p. 163 -252
A docilização do corpo feminino, no que
diz respeito ao modo “elegante” ou “correto”
de andar mostra a forma como é construída a Recebido em:11 de julho de 2015.
Aceito em: 28 de outubro de 2015.
imagem da mulher, que, através de exercícios
e treinamentos, vai ter o corpo domesticado
para se adequar aos padrões de beleza da
época.

Referências

ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos


do Estado: notas sobre os Aparelhos

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REDISCO Vitória da Conquista, v. 8, n. 2, p. 62-72, 2015

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