A Utilização Da Máscara Neutra Na Formação Do Ator
A Utilização Da Máscara Neutra Na Formação Do Ator
A Utilização Da Máscara Neutra Na Formação Do Ator
Florianópolis – 2001
Luciana Cesconetto Fernandes da Silva
Florianópolis – 2001
Luciana Cesconetto Fernandes da Silva
_______________________________________
Prof. Doutor José Ronaldo Faleiro
________________________________________
Prof. Doutor Valmor Beltrame
________________________________________
Profa Doutora Maria de Lourdes Rabetti
Florianópolis
ii
Aos meus alunos e ex-alunos.
iii
Agradecimentos
Para realizar este trabalho contei com o apoio de algumas pessoas especiais. A-
gradeço a dedicação do professor José Ronaldo Faleiro, aquele que me orientou, que a-
creditou desde o início na necessidade desta pesquisa e me apresentou as obras de Co-
peau e de seus colaboradores. Agradeço o professor Pedro Bertolino, meu coorientador,
quem me ensinou os processos da ciência. Agradeço os professores Valmor Beltrame e
Eliane T. Lisboa, que fizeram contribuições enriquecedoras para a dissertação. Agrade-
ço meu pai, Odair, que sempre me incentivou a produzir e me apropriar da ciência como
instrumento de trabalho, e minha mãe, Zuleide, primeira mediadora para que eu apren-
desse e fizesse arte. Agradeço também a atenção carinhosa do Beto, que me ouviu e me
ajudou a pensar em momentos importantes da pesquisa e com quem contei para forma-
tar o trabalho. Outra pessoa especial foi a Jussara Correia, bibliotecária da Udesc, que
realizou as pesquisas bibliográficas virtuais e o fez com muito profissionalismo e genti-
leza. Contei também com a amizade de minha prima, Patricia, que mora na França, e vi-
abilizou a compra e envio de livros. Agradeço ainda: os integrantes do grupo Moitará,
Érika Rettl, Venício Fonseca, Marise Nogueira e Daniela Fossaluza assim como os co-
legas na oficina de máscaras, Flávio, Alexandre e Margareth; Adriane Mottola e Luis
Henrique Palese, profissionais com os quais estabeleci os primeiros diálogos sobre o as-
sunto. Finalmente, agradeço a Universidade do Estado de Santa Catarina, instituição na
qual realizei esta pesquisa.
iv
Sumário
Agradecimentos .................................................................................................... iv
Sumário .................................................................................................................. v
Resumo ................................................................................................................. vii
Abstract............................................................................................................... viii
Introdução.............................................................................................................. 1
1. O que é uma produção científica de conhecimento................................ 1
2. Esclarecimento sobre a gênese do fenômeno e seus desdobramentos ... 3
3. Esclarecimentos sobre a escolha da prática observada ........................ 5
4. Perguntas que nortearam a pesquisa ..................................................... 6
5. A metodologia utilizada.......................................................................... 6
6. Como se estrutura o trabalho................................................................. 8
CAPITULO I ....................................................................................................... 10
CONSIDERAÇÕES SOBRE A UTILIZAÇÃO DA MÁSCARA NEUTRA
NA FORMAÇÃO DO ATOR........................................................................ 10
1. Jacques Copeau.................................................................................... 10
1. 1. Breve biografia de Jacques Copeau................................................ 10
1.2. Copeau e o seu tempo - contextualização histórica........................ 13
1.3. O que Copeau rejeitou no teatro ..................................................... 16
1.4. A Teoria Teatral de Jacques Copeau .............................................. 20
1.4.1 Como deve ser o teatro.................................................................. 20
1.4.2. Como formar o ator para este teatro............................................. 36
1.4.3. A máscara neutra como instrumento de formação....................... 41
2. Jacques Lecoq ...................................................................................... 47
3. Peter Brook........................................................................................... 50
4. Odette Aslan ......................................................................................... 51
5. Sears A. Eldredge / Hollis W. Huston .................................................. 52
6. Elisabeth Pereira Lopes ....................................................................... 55
CAPÍTULO II ..................................................................................................... 58
A PRÁTICA COM A MÁSCARA NEUTRA NO BRASIL: O GRUPO
MOITARÁ ...................................................................................................... 58
1. Identificação do grupo e suas atividades ............................................. 58
1.1. Quem são/ formação dos membros do grupo ................................. 58
1.2. Onde estudaram a máscara / com quem/ o que aprenderam........... 59
2. Atividades de ensino com a máscara neutra ........................................ 62
2.1 Para quem ensinam / desde quando ensinam.................................. 62
2.2 O que ensinam ................................................................................ 64
1.3. Como ensinam ................................................................................ 73
1.4. Como avaliam a aprendizagem....................................................... 74
1.5. O que os alunos aprendem.............................................................. 78
CAPÍTULO III .................................................................................................... 80
CRÍTICA DE RESULTADOS........................................................................... 80
1. O que se ensina e com que objetivos............................................................. 80
v
1.1. As regras ................................................................................................ 80
1.2. Os exercícios com a máscara neutra............................................... 85
1.3. A noção de neutralidade e de despersonalização............................ 87
2. Como se ensina..................................................................................... 94
2.1. Demonstração ou Cópia do modelo................................................ 94
2.2. Direção expressa / direção tácita .................................................... 95
3. Como se avalia ..................................................................................... 98
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 101
1. Constatações....................................................................................... 101
2. Questões a investigar ......................................................................... 106
3. Algumas respostas provisórias........................................................... 107
3.1. Encontrar junto com o aluno a neutralidade................................. 107
3.2. Com demonstração técnica a direção deve ser explícita .............. 108
3.3. Evitar o ensino formal das regras/ propiciar a avaliação objetiva 108
BIBLIOGRAFIA............................................................................................... 111
vi
Resumo
Esta dissertação consiste em uma pesquisa exploratória do fenômeno utilização da
máscara neutra na formação do ator. O objetivo geral é produzir um conhecimento que
beneficie a formação do ator. As questões norteadoras da pesquisa foram: o que se ensi-
na em aulas de máscara neutra? Com que objetivos? Como se ensina? Com relação à
metodologia, realizei uma pesquisa bibliográfica para verificar a gênese do fenômeno e
os seus desdobramentos (capítulo I); investiguei uma prática no Brasil: o processo de
ensino/aprendizagem da máscara neutra no grupo Moitará, do Rio de Janeiro (Capítulo
II). Por fim, elaborei a crítica de resultados (Capítulo III): identificação de semelhanças
e diferenças entre a prática orientada pelo grupo Moitará e as propostas dos pedagogos
estudados, esclarecendo o que se ensina e como se ensina. Nas considerações finais sin-
tetizei o que foi constatado nos capítulos anteriores (a máscara neutra como prática fun-
damental na formação do ator, pluralidade de metodologias de ensino, existência de ob-
jetivos comuns às diferentes propostas pedagógicas: valorização da percepção e preci-
são no movimento, inexistência de um único corpo neutro, engajamento específico da
consciência, demarcação eu-personagem, sacralização da máscara pela maioria dos pe-
dagogos); levantei questões a investigar (1. Já que é possível trabalhar com e sem a sa-
cralização da máscara, qual a função dessa variável no processo de ensi-
no/aprendizagem? 2. Quais as conseqüências das seguintes proposições metodológicas
para a formação do ator: colocar regras sem explicar suas necessidades; utilizar a platéia
para a avaliação do trabalho; fazer avaliação subjetiva/ objetiva; ensinar com/sem de-
monstração técnica?) e assinalei possíveis respostas a alguns dos aspectos estudados
(encontrar junto com o aluno a neutralidade, utilizar a direção explícita quando houver
demonstração técnica, evitar o ensino formal de regras e propiciar a avaliação objetiva).
vii
Abstract
This dissertation consists of an exploratory research on the phenomenon use
of the neutral mask to form actors. Its general purpose is to produce a
knowledge that benefits the academic development of actors. The guiding
subjects of this research are: What is taught in neutral mask classes? With
which purposes? How is it taught? Regarding methodology, I have accomplished
a bibliographical research to verify the genesis of the phenomenon and its
development (chapter I); by investigating a practice in Brazil: the neutral
mask's teaching/learning process in the group Moitará, in Rio de Janeiro
(chapter II). Finally, I have elaborated a critic on the results (chapter
III): identification of similarities and differences among the practice
conducted by the group Moitará and the studied educator's proposals,
clearing up what is taught and how it is taught. In the final
considerations, I have synthesized what was verified in the previous
chapters (the neutral mask as a fundamental practice to form actors,
multiple teaching methodologies, existence of purposes that are common to
the different pedagogic proposals: valorization of perception and accuracy
in movement, nonexistence of a single neutral body, specific engagement of the
conscience, person-character demarcation, sacralization of the mask by most
educators); I have raised subjects for investigation (1. Since it is possible to
work with and without the mask's sacralization, what is the role of that
variable in the teaching/learning process? 2. What are the consequences of
the following methodological propositions to the academic development of
actors: placing rules without explaining their requirements; using the
audience to evaluate tasks; carrying out subjective/objective evaluations;
teaching with/without technical demonstration?) and I have marked possible
answers for some of the aspects studied (finding neutrality with students,
using explicit direction in technical demonstrations, avoiding the formal
teaching of rules, and providing an objective evaluation).
viii
1
Introdução
Entendo que seja importante esclarecer aqui a questão do conhecimento tal qual é
estudado na epistemologia. O problema do conhecimento não é achar a pedra filosofal,
mas sim esclarecer algo para fazer algo. O conhecimento é uma ferramenta que o ho-
1
Trabalho com formação de atores na especificidade do ensino da linguagem corporal para a cena.
2
Utilizo a definição de Marvin Carlson que diz “ Por ‘teoria’, entendo a exposição dos princípios gerais
relativos a métodos, objetivos, funções e características dessa forma de arte específica” (CARLSON,
Marvin. Teorias do teatro. São Paulo: UNESP, 1995. p.9).
2
mem cria para a ação, para resolver problemas de relação com o mundo, com as coisas,
por exemplo: com deus, com o passado, com a cidade, com a doença.
A ciência é um outro modo de verificar, esclarecer e intervir nas coisas. Este co-
nhecimento é utilizado pelo homem para resolver problemas na sua relação com fenô-
menos complexos que comportam e exigem intervenção científica. Ela só faz sentido se
for para modificar alguma coisa ou para beneficiar a humanidade.
Para fazer uma produção científica de conhecimento, o fenômeno tem que ser
submetido a uma verificação de acordo com um método específico: o método científico.
Este conhecimento só aceita como sustentável o limite dentro do qual ele tem seguran-
ça.
Para produzir ciência, portanto, primeiro é preciso que exista um problema ocor-
rendo na realidade e que necessite a produção de um conhecimento para que se resolva
a questão. O primeiro passo do método científico é a verificação do fenômeno, recor-
tando-o. Verificar o fenômeno é verificar o que o constitui. De acordo com o método ci-
entífico, todos os elementos necessários para esclarecer o fenômeno são retirados do fe-
nômeno. O método científico existe para evitar que, ao fazer uma observação do fenô-
meno, você tome como resultado de sua observação aquilo que foi deturpação proce-
dente do seu aparelho de observação.
do fenômeno. É preciso verificar o que tem função em que. É necessário então fazer
perguntas. As hipóteses são respostas provisórias que deverão ser testadas. Os resulta-
dos desses testes devem ser rigorosamente controlados. Essas respostas que eram provi-
sórias, depois de testadas podem ser confirmadas ou descartadas. Assim se chega a uma
verdade (ou afirmação) científica.
Sua utilização ressurgiu no início do século XX. Foi incorporada como elemento
do espetáculo, por Alfred Jarry, Maurice Maeterlinck, Gordon Craig, Vsevolod Meye-
rhold, entre outros. A novidade apareceu quando a máscara assumiu uma outra função:
a de servir como um instrumento na formação do ator. Esta invenção do início do século
XX é associada ao nome de Jacques Copeau, um diretor-pedagogo renovador do teatro
francês. Foi ele o primeiro a utilizá-la com esse objetivo, designando-a como máscara
nobre. Mais tarde é que foi chamada de máscara neutra por outro pedagogo: Jacques
Lecoq. Ao longo deste trabalho nos referimos a este recurso como máscara neutra por-
que é assim que a reconhecemos nos dias atuais.
Esta máscara que se pretende sem expressão, sem traços característicos de perso-
nagem ou de emoção, era utilizada para abolir a timidez do aluno e anular as possibili-
dades de expressão facial do aluno-ator a fim de explorar as possibilidades da sua lin-
guagem corporal.
int-Denis e Étienne Decroux. Na sua escola, no seu Atelier, Charles Dullin propôs um
trabalho em que a máscara ocupava um lugar importante. Até o final de sua vida, Jean
Dasté utilizou esse recurso, como ator e professor. Chancerel auxiliou na divulgação do
uso da máscara através de suas publicações e de sua prática artística com os grupos Les
Comédiens Routiers e Le Théâtre de l’Oncle Sébastien. Criador das bases da Julliard
School de New York, Michel Saint-Denis privilegiava o ator a serviço do texto e usava
apenas máscaras expressivas, algumas mais próximas da neutralidade que outras.
Esses discípulos diretos tiveram por sua vez alunos seguidores ou continuadores.
Um deles, Jacques Lecoq (aluno de Jean Dasté), teve um papel decisivo na redescoberta
do processo de confecção de máscaras, incentivando Amleto Sartori, um importante es-
cultor italiano, a pesquisar máscaras da Commédia dell’Arte. Lecoq desenvolveu na
França uma escola de teatro do movimento e do mimo. Uma das alunas de Lecoq, Aria-
ne Mnouchkine, dirige uma importante companhia de teatro na França, com repercussão
mundial, o Théâtre du Soleil [O Teatro do Sol]. Ela desenvolve o trabalho com másca-
ras tanto para a cena, para o espetáculo, como para a formação dos atores da companhia.
É importante salientar ainda que “... praticamente toda a maior iniciativa no teatro mo-
derno pode traçar sua linhagem de volta a Copeau em algum grau. Sua influência é sutil
e muitas vezes tênue, mas ela persiste...”3 .
3
FROST, A; YARROW, R. Improvisation in drama. Londres: Macmillan, 1990. p.29.
4
FALEIRO, José Ronaldo. La formation de l’acteur à partir des Cahiers d’art dramatique de Léon
Chancerel et des Cadernos de Teatro d’O Tablado. Tese (Doutorado). Université de Paris X, Paris,
1988.
5
dentre outros, Renato Viana, Alvaro Moreyra, Alfredo Mesquita, Antunes Filho5 e o (já
falecido) grande crítico teatral, Décio de Almeida Prado6.
Neste período fui informada sobre o trabalho realizado pelo grupo Moitará do Rio
de Janeiro7. Entrei em contato com o diretor do grupo – Venício Fonseca - que me in-
5
“Do Cartel (Charles) Dullin, aquele pessoal todinho? Nós adorávamos. Quando eles vinham para cá,
(Louis) Jouvet, tudo isso.A influência era grande, de ver o Jouvet em cena, o Barrault” (FILHO, Antu-
nes apud SÁ, Nelson de; PAIVA, Marcelo Rubens. O teatro apolíneo de Antunes Filho. Folha de São
Paulo, São Paulo, 06 fev.2000. Mais!, p.9).
6
Em matéria escrita por Nelson de Sá, ficamos informados de que “Essas [as idéias de Décio de Almeida
Prado] eram ligadas sobretudo ao chamado Cartel, o grupo de diretores que, na primeira metade do sé-
culo, fez uma ‘revolução’ semelhante [à do Brasil] no teatro francês. Elas abrangiam a primazia da ar-
te, contra a comercialização e uma atenção maior à encenação mas sempre a serviço do texto. Ou ainda,
em outro caminho, pregava ‘o fim do naturalismo como cópia da realidade e o início de um teatro mais
aberto para a imaginação, mais poético’. (...) Décio aproximou-se dessas idéias numa viagem que fez a
Paris aos 20 anos...” ( SÁ, Nelson de. Crítico mudou a história do teatro brasileiro. Folha de São Paulo,
São Paulo, 5 fev. 2000. Folha Ilustrada, p.4).
6
formou que iriam realizar uma oficina de máscaras durante o Festival Internacional de
Londrina. Diante da necessidade concreta de terminar a pesquisa em um tempo deter-
minado, decidi por fazer a observação neste grupo.
Quanto ao conteúdo
5. A metodologia utilizada
Levantamento Bibliográfico
7
O grupo Moitará foi fundado em 1988 por Venício Fonseca e Érika Rettl no Rio de Janeiro. Pesquisam
7
camente se deu a partir do momento em que redefini o projeto, isto é, a partir de no-
vembro de 1999 e prosseguiu até abril de 2000. Após esse período, ainda encontrei, e-
ventualmente, outras bibliografias que foram consultadas e consideradas para o traba-
lho.
Observação participante
Entrevistas
Entrevistei os diretores do grupo Moitará e dialoguei com eles, assim como com
os alunos do curso. As etrevistas foram feitas no mesmo período da observação partici-
pante e foram gravadas em fita cassete.
Nas considerações finais organizei um resumo das constatações a partir das quais
levantei questões que merecem ser investigadas. Finalizei sugerindo algumas respostas
provisórias.
10
CAPITULO I
1. Jacques Copeau
Copeau nasceu em Paris em 1879. O teatro fazia parte de sua cultura familiar: seu
pai o levava para ver peças, seu avô lhe deu uma marionete de presente, iam ver melo-
dramas juntos. Quando jovem assistia peças de tese e teatro de idéias. Também fre-
qüentou o Théâtre Libre [Teatro Livre] de André Antoine (principal expoente do teatro
naturalista na França). De 1889 a 1897 estudou no liceu Condorcet e especializou-se em
filosofia com Jean Izoulet. Mais tarde estudou na Sorbonne onde licenciou-se em Filo-
sofia e Letras. Segundo Rudlin as idéias de Henry Bergson influenciaram de forma sig-
nificativa a visão de mundo de Copeau.
“Copeau tentava preencher a sua própria vida com o ‘élan vital’ do filósofo, optar pelo intuitivo,
contra o empirismo e o racionalismo. Portanto, para ele, a chave ainda era a personalidade do ator,
utilizada não por razões narcisistas, mas a serviço de uma idéia do progresso humano. Para ele, es-
11
se progresso não seria baseado no darwinismo e no mecanicismo científico do século XIX, mas na
passagem, no século XX, para uma evolução espiritual e criativa de uma geração a outra”8.
Desde bem jovem Copeau escreveu ensaios e poemas para revistas e jornais pari-
sienses. Em 1907 trabalhou como crítico dramático para La Grande Revue [A Grande
Revista], onde ficou por três anos9. Em 1909 fundou a Nouvelle Revue Française [Nova
Revista Francesa - NRF], junto com Gide, Schlumberger, Ghéon e Ruyter. Trata-se de
uma revista que revelou importantes escritores. A partir de 1910, Copeau tornou-se o
crítico teatral dessa revista para ganhar a vida. Com isso pôde conhecer intimamente o
sistema baseado nos papéis de vedetes assim como os exageros do naturalismo. Suas
notícias eram fundamentadas na sua formação filosófica, que se opunha às idéias positi-
vistas que estavam na raiz do drama naturalista. Cabe aqui lembrar que Émile Zola pu-
blicou Le Naturalisme au Théâtre [O Naturalismo no Teatro] em 1881 e que André An-
toine fundou o Théâtre Libre em 1887.
“No meio deles [do grupo dos fundadores], meu caráter e minhas idéias se formaram. (...) A ami-
zade, (...) era colocada à serviço de tudo, mas nada estava colocado à serviço da amizade. Nós é-
ramos os mais unidos e os mais livres que eu tivesse visto. Já pensei muitas vezes que, se no co-
meço de uma vida difícil eu pude (...) não deixar minha vocação se desviar, como o fizeram tantos
outros menos felizes, é aos meus amigos que eu o devo...O Vieux-Colombier não valeria talvez o
que ele vale se eu não tivesse sido o companheiro de André Guide, de André Suarès e de Charles
Péguy”10.
8
RUDLIN, John. Copeau et la jeunesse: la formation du comédien. Bouffonneries: Copeau l’éveilleur.
Textes reunis par Patrice Pavis et Jean Thomasseau. “La cerisaie”/ Lectoure: Bouffonneries, n. 34, p.
104-115, 1995. Tradução de José Ronaldo Faleiro, p.109.
9
GIGNOUX, Hubert. Histoire d’une famille théâtrale. Lausanne: L’Aire, 1984, p.40.
10
BORGAL, Clément. Jacques Copeau. Paris: L’Arche, 1960. p. 74
12
É importante salientar aqui alguns contatos que Copeau travou com homens de te-
atro de sua época ou estudiosos ligados ao teatro. Copeau conheceu Gordon Craig em
1915 - conheceu sua escola, o Arena Goldoni, e viu o trabalho que ele realizava com as
máscaras da Commedia dell’Arte. Também foi nesse ano que conheceu Adolphe Ap-
pia11. Entre 1922-23, conheceu o trabalho de Alexandre Taïroff, fundador do Teatro
Kamerny em Moscou, cuja teoria teatral era oposta à do naturalismo: buscava devolver
ao teatro todos os elementos que foram dissociados (canto, pantomima, dança, circo).
Mantiveram-se em contato durante anos. Copeau também relacionou-se com Constantin
Stanislavski e Vsevolod Meyerhold12. Em 1916 Copeau foi enviado para a Suissa como
embaixador. Foi nesta ocasião que ele e Suzanne Bing, sua colaboradora pedagógica,
observaram as aulas de Émile Jaques-Dalcroze13.
Em 1917 Copeau foi convidado pelo Governo francês para ir com sua companhia
aos Estados Unidos, a título de propaganda. Ficaram nesse país de outubro de 1917 a
maio de 1919. Foi somente em fevereiro de 1920 que aconteceu a reabertura do teatro
do Vieux-Colombier em Paris.
Nesse mesmo ano funcionou o embrião da escola sonhada por Copeau, sob a co-
ordenação de Suzanne Bing, atriz da companhia e sua importante colaboradora. A esco-
la abriu em fevereiro desse ano como uma classe para pessoas jovens. Nesse momento
11
Gordon Craig (1872- 1966) e Adolphe Appia (1862 – 1928) foram os principais expoentes do teatro
simbolista, particularmente dedicados à cenografia. Craig propunha que o teatro não reproduzisse a na-
tureza mas que criasse suas próprias formas e visões nunca vistas na natureza. Para ele o ator estava
demasiado preso às emoções, sujeito ao acidental. Portanto este ator de carne e osso deveria desapare-
cer e em seu lugar deveria estar a figura inanimada: a super-marionete. Craig foi um dos teóricos que
propôs que o teatro não se baseasse mais na arte do dramaturgo mas na do encenador (CARLSON, op.
cit., p. 297). Appia defendia que o teatro naturalista não podia reproduzir efetivamente a natureza e por
isso era tolo e afastava as platéias. “Para recobrar o perdido poder, o teatro deve renunciar ao literalis-
mo e à literatura e restaurar o ator numa posição de primazia” (CARLSON, op. cit., p.310).
12
Constantin Stanislavski : Diretor-pedagogo russo que propôs uma sistematização do trabalho do ator. A
princípio desenvolveu o naturalismo e mais tarde trabalhou no realismo psicológico. Vsevolod Meye-
rhold: Diretor-pedagogo russo que se afastou do naturalismo e buscou a estilização para a cena, for-
mando para o palco um ator que trabalhasse com o corpo inteiro e valorizasse a forma.
13
Bing ensinava dicção. No início, o foco do ensino era a voz. Muitas atividades foram
adaptadas do trabalho que ela fez com as crianças em 1915/16 e também do que obser-
vou e ensinou em uma escola Montessori de Nova Iorque entre 1917/1814. Foi em 1921
que a escola abriu oficialmente, permanecendo até 1924.
Em 1924 Copeau partiu para a Borgonha com seus seguidores. Nesse momento
colocou em prática um ideal seu de descentralização teatral: abandonar o teatro institu-
cional e buscar um novo contexto cultural e social para seu teatro. Queria um público
que não fosse teatralmente viciado. Foram justamente os jovens que o seguiram na Bor-
gonha que criaram o movimento oficial da descentralização, inspirados no exemplo de
Copeau. A permanência na província durou até 1929, quando Copeau retornou a Paris.
Durante os cinco anos na Borgonha, a companhia recebeu o nome de Les Copiaus (era
assim que os camponeses os identificavam).
O período que segue não é significativo para compreendermos sua obra. Traba-
lhou por um curto período na Comédie Française [Comédia Francesa]. Dirigiu também
um estágio de formação radiofônica em 1942. Copeau faleceu em 20 de outubro de
1949.
Tratarei aqui de fazer uma breve localização histórica a fim de situarmos Copeau
e sua obra.
13
LEIGH, Barbara Kusler. Jacques Copeau’s school for actors. Mime Journal, Michigan, n. 9-10, p.1-75,
1979, numero especial, p.17.
14
LEIGH, op. cit., p 21.
14
A industrialização exigia que se produzisse cada vez mais, num período cada vez
menor, com o menor gasto de energia possível para que o lucro fosse sempre maior. Es-
ta nova ordem transformou o mundo, colocou uma nova condição material para o ho-
mem que teve, em função disso, sua estrutura psicofísica transformada. Seu ritmo de vi-
da mudou, suas relações familiares se alteraram, seus movimentos cotidianos passaram
a ser maquinais. Essas transformações provocaram o surgimento de novas áreas científi-
cas no século XIX: antropologia, sociologia, psicologia. Por apresentar problemas, o
homem tornou-se centro das atenções. A princípio dentro de uma visão positivista, estas
áreas de conhecimento viram o homem, as sociedades, as culturas, como estanques, na-
turais. O naturalismo, como expressão artística, reflete essa visão de mundo. A negação
do naturalismo no teatro, no início do século XX, também é a negação dessa forma de
ver o mundo.
Dentro do projeto de renovação teatral proposto por Copeau, o corpo do ator ocu-
pava um lugar privilegiado. Esta valorização que encontramos em sua teoria está inseri-
da em um movimento maior, do fim do século XIX e início do século XX, que tem sido
chamado de fenômeno da redescoberta do corpo.
15
Ainda dentro deste contexto, na virada do século XIX para o XX, Isadora Duncan
abalava a Europa ao negar os códigos rígidos da dança clássica, dançando descalça, com
cabelos soltos, túnicas inspiradas na pintura e escultura gregas, largas, leves, transparen-
tes. Isadora permitia-se mostrar seus sentimentos através da sua dança. Não queria mais
a mutilação. Queria estar inteira dançando, incluindo sua sexualidade, sua emoção. Isa-
dora Duncan recebeu influências de François Delsarte, pesquisador do movimento hu-
15
LECOQ, Jacques. Le Théâtre du geste. Paris: Bordas, 1987. p. 59 - 61
16
mano que se dedicou a estudar as relações entre voz, gesto e emoção. Ele constatou que
a intensidade do sentimento comandava a intensidade do gesto.
O naturalismo
O naturalismo foi uma corrente estética que atingiu diversas linguagens artísticas.
“O predomínio da arte naturalista na segunda metade do século XIX é, no todo, apenas
um sintoma da vitória da concepção científica e do pensamento tecnológico sobre o es-
pírito de idealismo e tradicionalismo”16.
De acordo com Pavis17, foi Denis Diderot (séc. XVIII) quem formulou os princí-
pios da teoria teatral naturalista. Este sugeriu pela primeira vez a quarta parede imaginá-
ria. Com Diderot dá-se o início do reinado da ilusão total no teatro. “...sob o impulso de
16
HAUSER, Arnold. História social da arte e da literatura. 2a tir. da 1a ed. São Paulo: Martins Fonets,
1998, p. 791.
17
PAVIS, Patrice. Dictionnaire du Théâtre. Paris: Dunod, 1996.
17
Outro importante teórico que contribuiu para o naturalismo no teatro foi Émile
Zola (1840-1902), que também influiu como dramaturgo. Zola propunha a aproximação
do método científico na construção artística.
18
PAVIS, op. cit., p. 109 - trad. de Luciana Cesconetto.
19
HAUSER, op. cit., 1998, p. 586.
18
A corrente naturalista deu origem a uma estética que permanece até hoje entre
nós. O boulevard na França foi uma extensão desse movimento assim como o são as te-
lenovelas 22.
De acordo com Copeau, o teatro naturalista, por trabalhar com o excesso de deta-
lhes no palco, não exigia do ator o máximo de sua capacidade expressiva e também não
permitia à platéia explorar ao máximo sua capacidade imaginativa. O naturalismo não
dava espaço para a poesia.
O star-system
20
MEYERHOLD, Vsevolod. El actor sobre la escena: Dicionário de pratica teatral. Mexico: Gaceta,
1994, p. 226 -227.
21
HAUSER, op.cit., p.939.
22
PAVIS, op. cit., p. 229 - trad. de Luciana Cesconetto.
23
BORGAL, op.cit., p. 8.
19
O século XIX viu surgir no teatro os grandes atores com personalidades marcan-
tes. Trata-se do sistema de vedetes. É o teatro pautado no ator principal, na estrela, a-
quele ser especial que está acima dos outros (atores, diretor, autor) e que não se mistura
com ninguém. Esta é a atração neste tipo de teatro e não o autor nem o diretor ou a cole-
tividade, o grupo. A vedete apoia-se em sua imagem, na mídia e não no trabalho de ator
em si. Então o que vende, o que chama público é a imagem e não a qualidade de seu
trabalho. O ator vedete acaba pautando-se nos clichês, nas soluções rápidas, nas fórmu-
las risíveis que já lhe deram sucesso um dia. É o que Copeau chamava de um teatro fal-
so, viciado, mentiroso, afetado. O que vale para a vedete é aparecer, ter mais texto. O
público não ia então ao teatro para ver a peça, mas para assistir a seus atores preferidos.
Neste caso não há espaço para o trabalho em coletividade.
Copeau revoltou-se radicalmente contra esse tipo de teatro que desdenhava o au-
tor, cortava seus textos ou modificava-os sem o menor estudo, sem fundamentação.
Quanto aos atores, eram falsos, exagerados, só se preocupavam com a palavra, com a
dicção. Copeau reconhecia, contudo, dentre essas personalidades marcantes, bons atores
que tinham um trabalho consistente e louvável. Também distinguia no Théâtre Libre de
Antoine o desenvolvimento do trabalho coletivo.
A aprendizagem do ofício
No teatro que Copeau encontrou não havia uma formação sistematizada. Odette
Aslan, abordando a formação tradicional24 diz que existia um grande empirismo no en-
sino de teatro. Quem queria aprender tinha que penetrar os segredos do bom ator. Não
havia leis fixas e faltavam professores. Muitas vezes os atores decidiam ensinar, porém
sem noções pedagógicas. Os atores-personalidades lançavam biografias, estudos de tea-
tro. São esses os documentos que revelam como eles trabalhavam. Quem queria apren-
der o ofício contava com este tipo de recurso. O ensino que era oferecido no conservató-
rio francês (criado em 1795) se limitava ao estudo da dicção, das entonações, pausas,
24
ASLAN, Odette. O ator no século XX. São Paulo: Perspectiva, 1994. p. 6.
20
respiração. Este treinamento não desenvolvia o conjunto dos atores. Ainda não havia um
caminho sistematizado para o trabalho do ator.
Farei aqui um esforço para decupar e organizar as idéias que se encontram amal-
gamadas nos escritos de Copeau, daqueles que trabalharam sistematicamente com ele e
daqueles que resgataram sua teoria mais contemporâneamente.
“O teatro é um meio de nos religarmos entre nós”25. Ele pode ser uma celebração
que nos atinge com uma emoção religiosa. Vemos que Copeau está buscando outra ra-
zão de ser para o teatro, que a do divertimento. Copeau quer “...restituir ao teatro seu ca-
ráter religioso, seus ritos sagrados, sua pureza original”26. Para atingir esse objetivo, pa-
ra ligar as pessoas, é essencial que o teatro seja compreendido, para que possa se tornar
o alimento de todos. É importante ressaltarmos aqui que o caráter religioso que o autor
está querendo resgatar relaciona-se com a ação de re-ligar as pessoas, de todas as clas-
ses, de todos os países.
Em toda a sua trajetória, Copeau está buscando o que seja o fundamental, culmi-
nando com sua partida para a Borgonha. Neste momento ele queria chegar perto das o-
rigens do teatro. E o que está na origem? O que é fundamental? Fundamental é repre-
25
COPEAU, Jacques. Registres V; Les Registres du Vieux-Colombier III,1919 - 1924. Textes recueillis et
établis par Marie-Hélène Dasté et Suzanne Maistre Saint-Denis. Documentation, notes et index de
Norman Paul. Introductions de Clément Borgal et de Maurice Jacquemont. Paris: Gallimard, 1993.
p.308 – trad. de Luciana Cesconetto.
26
COPEAU, Jacques. Registres I; Appels. Textes recueillis et établis par Marie-Hélène Dasté et Suzanne
Maistre Saint-Denis. Notes de Claude Sicard. Paris: Gallimard, 1974. p. 133 – trad. de L. Cesconetto
21
sentar o homem inteiro em sua vida. Por isso o teatro, pois ele “...é um mundo (...) o tea-
tro é uma arquitetura (...) ele refaz o mundo e seu tempo, o homem e a vida”27.
Para que este teatro existisse, ele precisaria ser renovado. E a renovação do teatro
em Copeau era antes de tudo a renovação do homem no teatro28.
Neste sentido, as origens que Copeau foi buscar estavam na Commedia dell’Arte,
teatro estritamente popular. Copeau conseguiu chegar mais perto deste seu ideal quando
foi para a Borgonha. Segundo Borgal, seu empreendimento solitário da Borgonha difere
de todas as tentativas inovadoras. Foi “um esforço em direção ao retorno do teatro à pu-
reza de suas origens”30.
27
COPEAU, op. cit., 1974, p.168 – trad. de J. R. Faleiro.
28
COPEAU, Jacques. Souvenirs du Vieux-Colombier; 1913 – 1924. Paris: La Compagnie des Quinze/Les
Nouvelles Éditions Latines, 1931. p. 91.
29
COPEAU, op. cit., 1974.
30
BORGAL, op. cit., p.8.
22
isso era o personagem assustado. Copeau entendeu que para estar de corpo e alma sobre
a cena era “...preciso se desvencilhar de todo espírito de realismo”31.
Copeau não foi o único a rejeitar o naturalismo. Outros diretores também partici-
param deste movimento. Questionavam a especialização do ator de seu tempo, a distân-
cia que estavam em relação à dança, à pantomima, à música. Nessa busca das origens,
encontrando o teatro popular, Copeau viu que lá o ator também era cantor, músico, ma-
labarista, equilibrista e que se relacionava com a platéia.
“Vocês estão no verdadeiro porque querem reconstruir. Vocês saíram do teatro. (...) Vocês deixa-
ram o velho edifício (...) do teatro industrial – ou oficial – mas não pararam na loja falsificada do
teatro de arte que muitas vezes é apenas um falso teatro, um teatro sem destino, e uma caixa de va-
riedades, pior que o outro. Vocês pegaram a estrada. Vocês tocaram logo o essencial”32 .
31
COPEAU, op. cit., 1993, p.50 – trad. de L. Cesconetto.
32
COPEAU, op. cit., 1974, p. 118 – trad. de L. Cesconetto.
23
Copeau rompe com a idéia do ator gênio para pôr em seu lugar a idéia do ator o-
perário, do ator que trabalha “...com ardor inquebrantável, uma força concentrada, o de-
sapego, a paciência, o método, a inteligência e a cultura, o amor e a necessidade do que
é bem feito (...) esforçando-se para fazer com que tudo saia de suas mãos e de seu cére-
bro...”35. O ator deixa de ser um gênio para ser um homem entre os homens.
A ética
Explicito aqui alguns princípios éticos que orientaram o trabalho do ator especifi-
camente e que, de certa forma, estiveram presentes na proposta teatral de Copeau como
um todo.
Trabalhar coletivamente
Se fazer compreender
33
COPEAU, op. cit., 1974, p.28 – trad. de J. R. Faleiro.
34
COPEAU, op. cit., 1974, p.119 – trad. de L. Cesconetto.
24
Copeau defende que o teatro tem que ser compreendido por todos porque “...para
reagir, para participar, para protestar, para rir ou para chorar, é preciso compreender”36.
Ser simples
Segundo Copeau, toda grande mudança só é válida se começar pela pessoa huma-
na:
“...sejam quais forem os desejos e aspirações de vocês, seja qual for a carreira que vocês se pro-
põem a seguir, seja qual for a técnica que vocês têm a intenção de dominar, antes de tudo tratem de
ser homens. Não se deixem dessecar, nem corromper, mas pela vontade apliquem-se para fazer
reinar em seu caráter uma bela, uma sólida, uma sorridente, valente e flexível harmonia huma-
na”37.
A simplicidade seria a ausência de afetação, “a harmonia no caráter, nas propor-
ções, nos sentimentos e no gesto”38. Uma “...qualidade superiormente humana e que dá
à obra de arte toda a sua liberdade de movimento, toda a sua força poética, e que se en-
contra igualmente na alta poesia e na grande estatuária, num vaso grego e numa dança
popular, na interpretação da farsa mais excessiva, da comédia mais circunspecta ou da
mais nobre tragédia”39.
O autor entende que para encontrar a simplicidade, mais do que ensinar técnicas
aos atores, é preciso ensinar-lhes a viver e a sentir, “mudando seu caráter, fazendo deles
seres humanos (...) Quero que o ator volte a ser um ser humano, e todas as grandes
transformações no teatro decorrerão daí”40.
Copeau está alertando para o ator não esvaziar-se na técnica, mas colocar a técni-
ca a serviço do ser. Em uma conferência proferida nos Estados Unidos, ele critica o ca-
botinismo e mostra o caminho de superação deste problema que invade a cena. Ele des-
taca o trabalho de uma atriz amadora que viu na cena daquele país. Faz ver que o que o
35
COPEAU, op. cit., 1974, p. 22 – trad. de J. R Faleiro.
36
COPEAU, op. cit., 1974, p. 156.
37
COPEAU, op. cit., 1974, p. 105.
38
COPEAU, op. cit., 1974.
39
COPEAU, op. cit., 1974, p. 124 – trad. de J. R. Faleiro..
40
COPEAU, op. cit., 1974, p. 124 – trad. de J. R. Faleiro.
25
tocou profundamente não foi o seu domínio técnico, já que ela não tinha nenhum. Cope-
au ressalta que estar distante de uma mulher de verdade era o que o atingia:
“Ela não tinha técnica nenhuma. Não tinha a menor idéia do que fosse isso. Por exemplo, ela não
sabia caminhar em cena, nem entrar, nem sair. Ela também não sabia acompanhar a palavra com
os gestos apropriados à ação do diálogo, e mantinha constantemente os dois braços um pouco fe-
brilmente apertados contra o corpo. E só no final de sua longa fala afastou os dois braços simples-
mente, e se calou de repente, olhando diante dela como se continuasse a acompanhar o seu pensa-
mento no silêncio. Pois bem: aquele gesto era admirável, e havia naquele olhar uma emoção hu-
mana que fez subir lágrimas até o meu. Diante de mim havia uma mulher de verdade, e as lágrimas
que arrancava de mim (...) Eram lágrimas verdadeiras, naturais, elas também humanas”41.
“...é preciso mantê-lo em contato constante com a vida, com os deveres, os prazeres, as obriga-
ções, os trabalhos da humilde vida cotidiana. É preciso desenvolvê-lo harmoniosamente. É preciso
proibir que se especialize, que se mecanize pelo abuso da técnica. Na minha opinião, a técnica do
interprete não deve ser desenvolvida além de certo limite. Assim que se sente capaz de expressar
demais, torna-se um virtuoso”42.
Ser sincero
Copeau convida a todo o momento o ator a ser sincero, a ser sujeito de suas ações.
Alerta para os atores não se deixarem levar pela moda, pelos modismos da cena porque
correm o perigo de serem movidos pelo exterior pelas exigências externas, pelas pres-
sões externas43.
Segundo Copeau, a primeira condição para que o ator alcance a sinceridade seria
só interpretar peças que ele admira. “Não defender a peça, mas servi-la.[...] Não recriá-
la à sua moda, mas se confundir com aquele que a criou. (...) fazer ver a peça tal qual ela
foi escrita”44. “Sinceridade, quer dizer honestidade do espírito, medida na expressão, aí
está o segredo da arte clássica francesa à qual só a pureza grega é comparável”45.
O conceito de sinceridade está intimamente ligado à noção de ação real: a que não
é fictícia. Copeau observa e admira a ação de operários que trabalhavam no palco (car-
pinteiros, eletricistas, faxineira) e conclui:
41
COPEAU, op. cit., 1974, p. 124.
42
COPEAU, op. cit., 1974, p. 124.
43
COPEAU, op. cit., 1974, p.126.
44
COPEAU, op. cit., 1993, p. 121 - trad. de L. Cesconetto.
45
COPEAU, op. cit., 1993, p. 341 - trad. de L. Cesconetto.
26
“A ação real é bela em nosso palco. O trabalho que os artesãos executam em cena,(...) parece estar
no seu lugar, aí. Isso provém do fato de que eles realmente fazem alguma coisa, (...) e o fazem
bem, com conhecimento de causa, absortos. Os movimentos da ação deles são sinceros, observam
tempos reais e correspondem a um fim útil ao qual estão perfeitamente apropriados”46.
Quando Copeau fala sobre a relação do encenador com o ator, esta preocupação
com a sinceridade já está presente, esta preocupação em garantir que o ator mova-se por
dentro, ou seja, por um desejo seu, e não de acordo com uma exigência externa. Ele
propõe que o encenador não faça pelo ator, não lhe diga como é que tem que fazer. O
encenador deve dar espaço para que o ator descubra, se mova como sujeito, encontre
suas motivações e decida sua ação:
“...os autores sempre estão excessivamente apressados. Ou se esforçam por excitar os atores com
suas bajulações, ou os desestimulam pedindo-lhes desde o primeiro dia coisas que precisamos dei-
xar que tenham o prazer de descobrir por si mesmos, que talvez só encontrem no vigésimo ensaio,
e talvez somente diante do público (...). Não imaginamos quanta paciência é preciso para amadu-
recer num interprete um estado interior, o movimento mais simples, o gesto mais elementar.. (...)
Nunca devemos, com o pretexto de ajudá-lo, substituir o ator. Basta chamar, despertar nele certos
sentimentos, acenar para certas ações que os expressarão, mas sem executá-las, pois há coisas que
só se expressam plenamente, realmente, segundo os meios e segundo o temperamento, segundo a
personalidade do ator”47.
O gato “caminha bem” porque tem “naturalidade”, “tem ares de estar em casa”.
Isto é muito próximo do que Copeau disse a respeito da ação real: “é bela” porque “sin-
cera”, porque o artesão estava em cena e parecia “estar no seu lugar”, e isto acontecia
porque o operário estava “absorto” no que estava fazendo. O gato aqui também está
“absorto” no que está fazendo.
Ter disciplina
46
COPEAU, op. cit., 1974, p. 222 - trad. de J. R. Faleiro.
47
COPEAU, op. cit., 1974, p. 139 – trad. de J. R. Faleiro.
48
COPEAU, op. cit., 1974, p.169 – trad. de J. R. Faleiro.
27
A disciplina era uma questão fundamental tanto na formação dos atores na escola
quanto na companhia do Vieux-Colombier.
• negação do cabotinismo,
Respeitar o outro
Amar o teatro
Copeau deseja que o ator não cesse de ser um amador no sentido de ser aquele que
ama “aquele se dá a sua arte não por ambição, nem por vaidade, nem por desejo de en-
49
BORGAL, op. cit.
50
RUDLIN, op. cit., p.113 – trad. de J. R. Faleiro.
28
riquecer, mas unicamente por amor, e que, subordinando toda a sua pessoa a esta pura
paixão, faz voto de humildade, de paciência e de coragem”51.
A palavra / a voz
Para repassar por este caminho o ator deveria ter inteligência, força de atenção,
simplicidade, humildade, estudo e trabalho. É isso tudo que produz a sinceridade.
O ator deve dar um valor especial à palavra na ação dramática. Ela deve ser “justa,
sincera, eloqüente e dramática”. Para isso, seria necessário que ela fosse “...o resultado
de um pensamento sentido pelo ator em todo o seu ser, e o desabrochar de sua atitude
interior ao mesmo tempo que da expressão corporal que a traduz” 53.
Copeau utiliza ainda o conceito bergsoniano de instinto para propor uma aproxi-
mação do ator ao texto que não estivesse centrada no intelecto. Isto está evidente em
uma citação de Copeau que Gignoux traz em seu texto :
“Para compreender uma comédia e representá-la como ela está escrita, basta saber ler seu texto e
seguir seu movimento com docilidade.(...) O homem de teatro que é dotado e que foi instruído co-
nhece este privilégio de comunicar com os textos dramáticos pelos meios diretos que não são to-
talmente de ordem intelectual. Ele é sensível à voz do poeta. Seu instinto o faz tocar certezas que
nem sempre se prestam à análise...”54.
O gesto / o corpo
51
SICARD, Claude. Jacques Copeau et l’école du Vieyx-Colombier. Bouffonneries: Copeau l’éveilleur.
Textes reunis par Patrice PAVIS e Jean-Marie THOMASSEAU. “La cerisaie”/ Lectoure:
Bouffonneries, n. 34, p.116-126, 1995, p.125.
52
COPEAU: op. cit., 1974, p.199 – trad. de J. R. Faleiro.
53
COPEAU, op. cit., 1974, p.114 – trad. de J. R. Faleiro.
54
GIGNOUX, op. cit., p. 125.
29
O ator deveria ter consciência da expressão do próprio corpo, ter uma boa técnica
corporal. Copeau entende que uma das qualidades do bom ator é a pureza de estilo: per-
feição técnica, perfeição muscular a serviço de um sentimento espontâneo e sincero.
Seus alunos-atores desenvolvem na escola do Vieux-Colombier uma flexibilidade, um
charme físico.
O ator deve ter o domínio de seu corpo, deve ser capaz de imitar o real e não partir
de modelos preestabelecidos. Mas como construir seu trabalho para a cena a partir dis-
so, sem ficar no naturalismo? Copeau nos dá um exemplo perfeito para compreender-
mos esta elaboração citando o trabalho do ator shakespeariano em Rei Lear. Como fazer
a cena da tempestade com restrição de recursos materiais?
“Lutando (...) com a tempestade, sendo o seu eco, ao mesmo tempo que a desafia, Lear torna-se
para nós, sem deixar de ser ele mesmo, uma imagem, uma encarnação dos elementos em fúria. Ele
cria dramaticamente a tempestade. Eis o que um naturalista, por mais habilidoso profissional que
seja, não compreenderá nunca. Toda a sua arte visará apenas a substituir a poesia shakespeariana
pelo virtuosismo de seus maquinistas...”55 .
Então, para Copeau, o teatro naturalista não explora as convenções teatrais ao má-
ximo de suas possibilidades, sendo que convenção seria “...o uso e a combinação infini-
ta de signos e de meios materiais muito limitados, que dão ao espírito uma liberdade
sem limites e deixam total fluidez à imaginação do poeta”56 .
“...não é um reforço da palavra, ela a suplanta, é outro meio de expressão que não tem nada em
comum com o discurso verbal. Mimar a palavra, imitar com gestos a palavra, mimar segundo uma
palavra murmurada interiormente e às vezes com a ajuda de um movimento silencioso dos lábios,
é mimar mal (...). Imagino uma arte da pantomima, uma arte do gesto, totalmente renovado que
não tenha nada em comum com o grito acompanhado de palavras”57.
A emoção
55
COPEAU, op. cit., 1974, p.164 – trad. de J. R. Faleiro.
56
COPEAU, op. cit., 1974, p.164 - trad. de J. R. Faleiro.
57
COPEAU, Jacques. Notas y reflexiones sobre la improvisacion. Máscara, México, D.F., ano 4, n. 21-
22, p. 41-49, ene. 1996/97, p.45 - trad. de L. Cesconetto.
30
como Copeau lidava com este universo: “Quanto mais a emoção jorra nele e o exalta,
tanto mais seu cérebro torna-se lúcido. Esta frieza e este tremor são compatíveis...” 58
Copeau concorda com Denis Diderot 59 quando este diz que “ ‘...tudo foi medido,
combinado, aprendido, organizado’ na cabeça do ator...”60, mas, segundo Copeau, “o
absurdo do paradoxo é opor os procedimentos do ofício à liberdade do sentimento e ne-
gar, no artista, sua coexistência e sua simultaneidade”61. Copeau defende que “A técnica
não somente não exclui a sensibilidade: ela a autoriza e a liberta. É seu suporte e sua
proteção. É graças ao ofício que podemos nos abandonar, porque é graças a ele que sa-
beremos nos reencontrar”62.
A citação que segue também nos permite ter uma idéia sobre o lugar da emoção
no trabalho do ator em Copeau:
“No interior e nos limites de uma concepção, a alma se trabalha, e deste trabalho decorre a opera-
ção misteriosa, precária, (...) que vai revestir cada vez mais exatamente a idéia (...) das formas ne-
cessárias, dos signos tangíveis pelos quais o espectador reconhecerá a natureza do que se passa
dentro do ator (...). A medida que estes signos (sinais) se afirmam, em justeza, em acento, em pro-
fundidade, a medida que eles se apossam do corpo e de seu hábito, estimulam em retorno os sen-
timentos interiores que cada vez mais realmente se instalam na alma do ator, a preenchem, a su-
plantam. É neste grau do trabalho que germina, amadurece e se desenvolve uma sinceridade, uma
espontaneidade conquistada, obtida, que a gente pode dizer que age à maneira de uma segunda na-
tureza...”63.
O repertório clássico
Com relação ao texto, Copeau propunha a encenação de clássicos para que estes
servissem de exemplo aos poetas contemporâneos. A montagem do clássico seria o “an-
tídoto à falta de gosto e das paixões estéticas, como o modelo do julgamento crítico,
58
COPEAU, op. cit., 1974, p.211 - trad. de L. Cesconetto.
59
Copeau está se referindo ao texto “O paradoxo do ator”, primeira teoria sobre o trabalho do ator de que
se tem notícia.
60
DIDEROT, Denis. apud COPEAU, op. cit., 1974, p. 221- trad. de L.Cesconetto.
61
COPEAU, op. cit., 1974, p.211 - trad. de L. Cesconetto.
62
COPEAU, op. cit., 1974, p.11 - trad. de L.Cesconetto.
63
COPEAU, op. cit., 1974, p.212-213 - trad. de L.Cesconetto.
31
como uma lição rigorosa para aqueles que escrevem o teatro de hoje e para aqueles que
o interpretam”64.
Os novos dramaturgos
Mas seria necessário que surgissem novos e competentes poetas. Segundo o autor,
os poetas que conhecia não estavam à altura dos clássicos, sendo que sua maior referên-
cia sempre foi Molière. O poeta do futuro é “um homem que fale por ter algo a dizer”66.
64
COPEAU, op. cit., 1974, p.25 - trad. de J. R. Faleiro.
65
COPEAU, op. cit., 1974 , p.181 - trad. de J. R. Faleiro.
66
COPEAU, op. cit., 1974, p.167 - trad. de J. R. Faleiro.
67
COPEAU, op. cit., 1974, p. 110 - trad. de J. R. Faleiro.
32
“Mas eu poderia também dizer que existe entre nós uma tradição cômica ininterrupta, uma veia
cômica latente. (...) Nós a temos no sangue. E quando falamos da renovação possível do nosso tea-
tro (...) parece ser em direção a ela que devamos nos voltar.(...) É à nossa tradição que devemos
pedir o remédio para os nossos males, e não às drogas exóticas com que pretendem galvanizar um
doente...”68.
O encenador
68
COPEAU, op. cit., 1974 , p.192 – trad. de J. R. Faleiro.
33
Copeau também coloca que o encenador é aquele que conhece a arte de ajudar o
ator, de lhe desbravar o caminho. Ele deve tratar o ator com tato, dando-lhe indicações
leves para serem eficazes. O encenador portanto deve conhecer bem seu atores, inclusi-
ve seus hábitos musculares e as particularidades de sua respiração. Daí a necessidade de
trabalhar sempre com os mesmos, de ter uma cia. permanente, um teatro estável. Cope-
au propõe que o encenador deixe o ator ter o prazer de descobrir por si mesmo certas
coisas, mesmo que leve muito tempo para encontrá-las. O encenador é também aquele
que desperta entre os atores a relação de reciprocidade: um “ vínculo secreto e visível”,
a “misteriosa correspondência das relações”. A qualidade do trabalho em cena depende
muito desse vínculo de reciprocidade, das relações que se estabelecem entre os atores e
entre atores e encenador.
“Copeau não é alguém que, sentado na sala, nestes momentos onde um ator está em dificuldades
com seu papel, vá lhe gritar: ‘Mas não é nada disso’ e lhe cortar braços e pernas. Mas é alguém
que a gente vê pular no palco, pegar gentilmente o ator (...) e lhe dizer alguma coisa como um se-
gredo que vá tocar sua sensibilidade...experiência pessoal, lembrança de homem?”70.
• discrição, isto é, nunca fazer no lugar do ator o que deseja que ele faça;
O cenário / o palco
Outro ponto fundamental para a teoria teatral de Copeau diz respeito ao cenário e
ao palco. Copeau propõe renunciar à idéia de cenário para exigir mais das possibilidades
expressivas do ator, de sua imaginação, assim como da imaginação da platéia. Ele su-
69
COPEAU, op. cit., 1974, p. 199 – trad. de J. R. Faleiro..
70
COPEAU, op. cit. 1993, p. 180 - trad. de L. Cesconetto.
34
Mais do que isso, ele entende que o público, ao olhar para o dispositivo cênico,
não está preocupado com a ilustração verossimilhante, mas sim em perceber se ele ser-
ve, no seu conjunto, aos movimentos da ação e ao jogo dos atores72.
O público
71
COPEAU, op. cit., 1993, p.141 - trad. de L. Cesconetto.
72
COPEAU, op. cit., 1993, p.229.
73
COPEAU, op. cit., 1993, p.157 - trad. de L. Cesconetto.
74
COPEAU, op. cit., 1993, p.160 - trad. de L. Cesconetto.
35
“...menor, composto em parte por amadores inteligentes, em parte por pessoas que já não querem
incentivar as banalidades e as falsidades do teatro comercial, em parte por um novo contingente de
humanidade. (...) Esperamos recrutar os primeiros elementos deste público em nossa vizinhança,
entre a elite cultivada, os estudantes, os escritores, os artistas e os intelectuais estrangeiros domici-
liados no velho bairro latino”75.
Mais tarde, quando decide partir para a Borgonha, deseja um público que sim-
plesmente tenha necessidade de escutá-los. Ele busca então um público mais verdadeiro,
menos pervertido, menos blasé, “...ansioso por ouvir dizer algo, e pouco preocupado em
aplaudir habilidades espetaculares”76, “... espontâneo, que compreende tudo, que sabe
rir e se emocionar, que não teme aplaudir, que se dá ao espetáculo como os atores se
dão ao seu jogo”77.
O autor vai abordar também a falta de sinceridade no público. Assim como o ator
profissional perde a sua sinceridade com a rotina, Copeau diz que o mesmo ocorre com
o público profissional. É aquele que vai ao teatro “...com indiferença, sem saber porque,
sem ter necessidade, sem amor nem respeito, que chega atrasado, faz barulho ao entrar,
não espera nem o fim do último ato para dar as costas à cena colocando seu casaco...”79.
75
COPEAU, op. cit., 1974, p. 24 – trad. de J. R. Faleiro.
76
COPEAU, op. cit., 1974, p. 166 – trad. de J. R. Faleiro.
77
COPEAU, op. cit., 1974, p. 155 – trad. de L. Cesconetto.
78
COPEAU, op. cit., 1974, p.155 – trad. de L. Cesconetto.
79
COPEAU, op. cit., 1974, p. 158 – trad. de L. Cesconetto.
36
perimentar juntos as paixões humanas (...) através de um espetáculo mais acabado que o
da vida”80.
Objetivos da escola
De maneira mais ampla, o objetivo da escola era formar atores para a companhia,
atores para o novo teatro. Copeau não estava interessado em formar atores “para o mer-
cado”.
De forma mais específica, o objetivo da escola era desenvolver uma “educação to-
tal” que cultivasse o espírito, estimulasse a imaginação e também desenvolvesse a ma-
leabilidade corporal através da ginástica, da mímica, do ritmo e da dança. Poderíamos
aqui relembrar tudo o que foi colocado no item que abordou o ator no teatro proposto
por Copeau. Então o objetivo da escola seria desenvolver no aluno aquelas qualidades
técnicas e éticas.
Em 1935 Copeau afirmava que a escola e seus métodos teriam tido a função de
“liberar a personalidade”81. Por outro lado, encontramos em uma brochura que divulga
ao público a escola, outros objetivos que parecem caminhar em direção oposta a essa:
80
COPEAU, op. cit., 1993, p. 357 - trad. de L. Cesconetto.
81
COPEAU, op. cit., 1974.
37
“A escola do Vieux-Colombier é uma escola técnica. Ela se propõe a dar aos seus alu-
nos uma formação profissional o mais metódica e acabada possível”82.
Princípios
O método
Para construir o teatro com a simplicidade de meios, o ator, ele próprio, teria que
se despir tanto quanto o palco, para expressar-se simplesmente e claramente. Portanto,
“o ponto de partida deveria ser não uma atitude, mas o silêncio, servindo de estado de
repouso, uma condição sem movimento mas cheia de energia”85.
82
COPEAU, op. cit., 1993, p.256 - trad. de L. Cesconetto.
83
COPEAU, op. cit., 1993, p. 264.
84
COPEAU, op. cit., 1931, p. 92.
85
ELDREDGE, Sears A.; HUSTON, Hollis W. Actor training in the neutral mask. Drama Review, New
York, v.22, n. 4, p.19-28, dec. 1978, p.20
38
O método propunha que se partisse do silêncio, do trabalho sem voz, para que o
aluno sentisse interiormente a necessidade da palavra. Segundo Leigh86, foi uma influ-
ência de Émile Jaques-Dalcroze a proposta de partir do silêncio e da imobilidade.
A estrutura da escola
1°- Curso fechado: curso com duração de três anos chamado grupo de aprendiza-
gem. Era composto de 12 alunos de 14 a 20 anos. Receberiam um ensino completo vi-
sando à formação do artista no teatro. Porque aqui ocorria a formação do ator, vou ex-
por a estrutura desse curso em um item separado.
O grupo de aprendizagem.
Ao longo dos três anos, este curso era organizado da seguinte forma:
86
LEIGH, Barbara Kusler. Jacques Copeau’s school for actors. Mime Journal, Michigan, n.9-10, p. 1-75,
1979, número especial, p. 13.
39
Cultura geral;
Jogos livres (ou interpretações livres) - onde os alunos realizavam pequenas cenas
sem a ajuda dos professores;
87
“O tenente de navio Georges Hébert, em 1907, inventou o método natural de educação física (viril e
moral) para os fuzileiros navais (...). Ela se fundamentava essencialmente na locomoção com obstácu-
los e seu lema era: ‘ser forte para ser útil’. O método consistia em uma série de exercícios, (...) que se
desenvolviam durante um percurso contínuo na natureza, prefigurando o atual percurso do combatente
(...) Tendo viajado muito, Hébert havia constatado que os povos primitivos tinham um desenvolvimento
físico harmonioso graças aos exercícios naturais aos quais seu modo de vida os obrigava: andar, correr,
saltar, escalar, lançar, atacar-se defender, nadar, ...” (LECOQ, op. cit., 1987, p. 60-61).
88
MARINIS, Marco de. Copeau, Decroux et la naissance du mime corporel. Bouffonneries: Copeau
l’éveilleur. Textes reunis par Patrice PAVIS e Jean-Marie THOMASSEAU. “La cerisaie”/ Lectoure:
Bouffonneries, n. 34, p.127-143, 1995, p. 128.
40
Estratégias / Técnicas
A improvisação
89
LEIGH, op. cit., p. 21.
90
COPEAU, Jacques. Registres III; Les Registres du Vieux-Colombier, I. Textes recueillis et établis par
Marie-Hélène Dasté et Suzanne Maistre Saint-Denis. Paris: Gallimard, 1979, p. 334-335.
91
COPEAU, op. cit., 1996, p. 43.
41
“Um dos estudos desta escola consistia em representar sem palavras, com o rosto coberto, com o
corpo quase nu, pequenas peças das quais uma boa quantidade era patética”92.
92
DECROUX, Étienne. apud MARINIS, op. cit., p.128 – trad de J. R. Faleiro.
93
SAINT-DENIS, Michel. apud LOPES,op. cit., p.32.
94
CHANCEREL, Léon. Le masque. In: Le théâtre et la jeunesse. Paris: Bourrelier, 1946, p. 131-132.
42
através da máscara e que ainda não abordamos. São eles: despersonalizar o corpo e de-
senvolver a neutralidade.
Neutralidade e despersonalização
Há uma qualidade que o ator deve ter, em Copeau, e que ainda não abordamos,
que é a neutralidade. Segundo Rudlin, a neutralidade é buscada por Copeau como forma
de evitar a afetação. O corpo neutro é o corpo descontraído. O corpo poderia estar to-
talmente descontraído ou parcialmente, quando apenas as costas deveriam expressar es-
panto, por exemplo. O jogo sincero é um estado de calma, de autoridade para expressar
e dominar a sua expressão. “Creio que como ponto de partida há uma espécie de pureza,
de integralidade do indivíduo, um estado de calma, de naturalidade, de repouso”95. A
neutralidade é definida ainda como “um estado de boa fé, de submissão, de humildade”.
“Até o momento presente, todos os nossos estudos (...) procuraram exaltar a personalidade do ator;
eles [os atores] viveram das suas próprias sensações, emprestaram a sua sensibilidade sob a forma
mais direta, nós iremos momentaneamente e sem prestar atenção a esta personalidade profunda
pedir-lhe para fazer tabula rasa de todas as pequenas compaixões que ele tinha sobre si mesmo,
seus tiques, suas manias, mesmo de suas gentilezas. uma forma de ‘desnudamento’ que o preparará
a uma arte mais objetiva e de maior amplitude”97.
“Eu disse mais acima que estes exercícios levam a uma despersonalização forçada do ator, sim, já
que ele vai desta vez compor em parte do exterior, como o dançarino que trabalha na frente de um
grande espelho; seus movimentos não serão mais comandados por suas próprias sensações mas e-
xigidos por esta ‘máscara’ que substitui sua personalidade à sua [da máscara]. É a arte da compo-
sição por excelência; o ator se tornará forçosamente mais objetivo, mais mestre da sua arte...Seus
tiques, seus hábitos, suas manias que tinham um charme na vida cotidiana desaparecerão pouco a
pouco e só reaparecerão como materiais de construção e não como construção por si “98.
95
COPEAU, Jacques. apud RUDLIN, op. cit., p. 113 - trad. de J. R. Faleiro.
96
DULLIN, Charles. Souvenirs et notes de travail d’un acteur. Paris: Odette Lieuter, 1946, p. 123 - trad.
de L. Cesconetto.
97
op. cit., p.123- trad. de L. Cesconetto.
98
DULLIN, op. cit., p. 125- trad. de L. Cesconetto.
43
Primeiro ano
Familiarização com a máscara neutra (no início o rosto era coberto com panos ou
meias); exercícios de mimo alegórico (os alunos fazem pequenos dramas mudos sobre
temas fundamentais como o sono, a fome, o medo, o cansaço); improvisações de grupo
sobre o movimento não humano e sobre as personagens-tipo da Comédie Nouvelle; es-
tudos mímicos e exercícios fonéticos e verbais; simbolizar as formas plásticas: as árvo-
res, as pontes. O jogo: imitação das atividades e sentimentos humanos. Objetivo: des-
personalizar o corpo.
Este é o princípio das técnicas mímicas. Elas foram trabalhadas com o objetivo de
levar o ator a expressar-se através de seu corpo, com precisão, na improvisação. Porém
o ator deveria ter em vista colocar este ganho, a criatividade física, a serviço do poeta
dramático e do encenador. Copeau propunha que este trabalho de imitação se fizesse a
partir da natureza diretamente e nunca a partir de um movimento dado, fixado de ante-
mão. O método era: copiar o real e não o modelo100.Queria que o próprio movimento do
ator o impulsionasse, que seu estado fisiológico pessoal o dirigisse. Este trabalho tam-
bém era chamado de figuração - Copeau fala em figuração como um método de traba-
lho, como uma etapa da educação e não um fim em si.
“Levamos bastante longe este método para que o aprendiz de ator chegue a ser capaz de ‘figurar’
toda e qualquer emoção, todo e qualquer sentimento e até todo e qualquer pensamento pela atitude,
pelo gesto e pelo movimento, sem o auxílio da palavra (...) E essa figuração renovada das formas
99
MARINIS, op. cit., p. 130 – trad. de J. R. Faleiro.
100
COPEAU, op. cit., 1996., p. 45.
44
artísticas mais antigas e até mais primitivas se inspirou, em seu vocabulário, não somente no reper-
tório humano, mas também nos animais e em toda a natureza, interrogando, para imbuir-se deles, a
árvore e seus galhos, a água fugidia, o curso das nuvens e até o fogo em seu frenesi”101.
Segundo Leigh, toda Paris era sua escola: museus, galerias, zoológicos concertos.
Os alunos iam ao zoológico observar e desenhar animais:
“Ao invés de pedir a elas [às crianças] que expressem emoções humanas imediatamente, elas iriam
primeiro imitar animais que fossem muito diferentes das pessoas. Através deste tipo de ‘mímica da
observação e experiência’ – observando animais na natureza e na arte, desenhando eles, fazendo
silhuetas deles, inventando apoios que poderiam sugerir a ‘essência da fisionomia do animal’ –
Copeau sentia que os estudantes teriam uma maior bagagem para criar personagens vitais para o
palco”102.
Segundo ano
Terceiro ano
Na escola os alunos fizeram estudos sobre diversos materiais para as máscaras que
confeccionaram, a fim de utilizá-las nos exercícios dramáticos.
101
COPEAU, op. cit., 1974 , p.114 - trad de J. R. Faleiro.
102
LEIGH, op. cit., p.13 – trad. de L. Cesconetto.
103
DASTÉ, Marie-Hélène apud COPEAU, op. cit., 1993, p.361- trad. de L. Cesconetto.
104
MARINIS, op. cit., p. 129.
105
COPEAU, op. cit., 1993, p. 397.
45
“Aprender a vestir corretamente a máscara. O aluno está em pé. Com a mão direita, ele segura a
parte de baixo da máscara (na altura do queixo), com a mão esquerda o elástico. A máscara estan-
do segurada à sua frente, com o braço estendido, ele a colocará, sem pressa, nem rigidez, na cabe-
ça (como um chapéu); depois, lentamente, a baixará sobre o rosto com a mão direita, a mão es-
querda se limitando a manter no lugar o elástico. Isto feito, sem choque e sem hesitação nem ‘er-
ro’, os braços recaem ao longo do corpo”107.
“Nada me parece mais irritante do que ver um aluno saltar sobre uma mascara e utilizá-la como
um palhaço o faria com uma máscara de carnaval. Temos a impressão de um sacrilégio. Porque a
máscara tem um caráter sagrado”108.
Como se ensinava
106
CHANCEREL, op. cit., p. 131–132 - trad. de L. Cesconetto.
107
CHANCEREL, Léon. Le masque (deuxième cahier). Prospero II. Paris: La Hutte, p. 13-29, 1944, p.
24 – trad. de L. Cesconetto.
108
DULLIN, op. cit., p. 122 – trad. de L. Cesconetto.
46
“No trabalho da máscara o aluno-espectador deve poder tirar ele mesmo indicações preciosas do
que ele vê, os graus de inclinação da máscara, a direção do olhar, a importância do primeiro plano
que pode tomar de repente o mínimo gesto”109.
“O jogo com máscara exige primeiro um grande domínio corporal. A máscara exige que todo o
corpo jogue e que ele jogue em relação com a máscara. A máscara ganha expressão e vida de a-
cordo com o ângulo sob o qual se apresenta, o ângulo oferecido ao jogo da luz e das sombras so-
bre este objeto de papelão substituindo o verdadeiro rosto. Isto exige um esforço muscular às vezes
muito intenso, particularmente dos músculos do pescoço e dos ombros. A máscara obriga a ir até o
fim dos gestos, a fazê-los muscularmente . Ela impede toda falsidade. Ela salta imediatamente aos
olhos dos espectadores. A máscara contribuirá então a combater no ator aprendiz sua tendência a
gesticular, a multiplicar os pequenos gestos do antebraço. É por isso que, na formação do ator,
mesmo se o ator deve jogar com rosto descoberto, os exercícios com máscaras me parecem indis-
pensáveis. Estes ‘exercícios’ se farão com máscaras inteiras análogas ao que eram antigamente as
máscaras de dança, de caráter nobre. Elas serão pintadas de uma cor uniforme, ocre claro para os
homens, marfim para as meninas”110.
109
DULLIN, op. cit., p.124-125-trad.de L. Cesconetto.
110
CHANCEREL, op. cit., p. 131 – 132.
111
MARINIS, op. cit., p. 138.
47
2. Jacques Lecoq
Jacques Lecoq foi um pedagogo que aprofundou o estudo da máscara neutra. Foi
ele quem trocou a designação de nobre para neutra. Farei uma pequena introdução do
caminho que Lecoq percorreu para tornar-se um homem de teatro, a fim de evidenciar
sua ligação com Copeau.
Lecoq teve seu primeiro contato com o teatro através de Jean-Marie Conty quando
este lhe apresentou as demonstrações de Jean-Louis Barrault (aluno de Copeau). Conty
esteve na origem da Éducation par le Jeu Dramatique [educação pelo jogo dramático]
(EPJD) - escola baseada sobre métodos não convencionais fundada por Jean-Louis Bar-
rault, Roger Blin, André Calvé, Marie-Hélène Dasté (filha de Copeau) e Claude Martin.
Lecoq teve suas primeiras aulas de teatro na Association Travail et Culture [Associação
Trabalho e Cultura] com Claude Martin (aluno de Charles Dullin). O começo de sua vi-
da profissional foi com Jean Dasté (genro e aluno na escola de Copeau) que o convidou
junto a outros, para participarem de sua Compagnie des Comédiens de Grenoble. Atra-
vés de Jean Dasté, ele conheceu o jeu masqué [jogo com máscara] e o teatro Nô japo-
nês. Duas fontes decisivas para seu trabalho como pedagogo. Em 1947 Lecoq saiu de
Grenoble, deixou de trabalhar na companhia de Dasté. A citação que segue deixa clara a
herança que Lecoq recebeu de Copeau, através dos discípulos deste:
“Durante seis meses, eu dei minhas primeiras conferências-demonstrações nas escolas normais da
Rhénanie, utilisando a máscara ‘nobre’ para que alunos e professores descobrissem o movimento e
a expressão dramática””112.
A partir desta experiência Lecoq começou a desenvolver sua escola para a forma-
ção de atores. O trabalho com a máscara neutra é um dos pilares de sua pedagogia.
112
LECOQ, op. cit., p.19 - trad. de L. Cesconetto.
113
LECOQ, Jacques. “Rôle du masque dans la formation de l’acteur”.In: ASLAN, O. Le masque Du rite
au Théâtre. Textes réunis et présentés par Odette Aslan et Denis Bablet. Paris: Centre National de la
Recherche Scientifique., 1988.
48
cio da aprendizagem com a máscara neutra. Prefere que descubram eles mesmos os re-
cursos da máscara. O autor cita eventuais reações de recusa de alunos que acabam ar-
rancando a máscara do rosto e jogando-a no chão: “Eles gritam contra esse objeto estra-
nho e eu grito também porque em todos os países do mundo, jogar uma máscara no
chão e sobretudo vê-la estendida, sem movimento, repousando com o nariz para baixo,
não é suportável. É sinal de morte” 114. Fica evidente nesse texto que para Lecoq a más-
cara é um objeto sagrado.
“Jogar sob uma máscara neutra não quer dizer não participar das situações nas quais a gente se en-
contra, mas se apresentar a elas em estado de calma, sem conflitos preliminares, nem idéias à prio-
ri, estar disponível ao acontecimento, um pouco espantado, olhar de uma maneira ingênua, pronto
para descobrir”116.
“Este estado neutro nos suscita uma ‘economia de movimentos’ que nos conduz para um gesto pi-
loto, como pode ser a caminhada em relação a todos os deslocamentos na locomoção humana. Não
existe evidentemente um gesto tipo, nem um estado neutro único que seria um ponto fixo, imutá-
vel, de todas as coisas. É uma direção: a gente ‘tende para’ ”117.
114
LECOQ, op.cit., 1988, p.265.
115
Jogo de equilíbrio de um disco imaginário, que tem um ponto de apoio central. Os alunos se movimen-
tam sobre este disco de forma a nunca permitirem o desequilíbrio.
116
LECOQ, op.cit., 1988, p.265.
117
LECOQ, op.cit., 1988, p.266.
49
um último gesto de adeus. Em seguida os alunos trabalham a viagem elementar (na na-
tureza). Este é o grande tema piloto da máscara neutra. Trata-se de uma viagem através
da natureza onde se anda, corre, escala, salta. A natureza proposta neste exercício é
calma, neutra, em equilíbrio. Este exercício já prepara o aluno para o próximo, que a-
bordará as identificações: quando o aluno vê a floresta, ele é a floresta. O próximo exer-
cício é: identificar-se com a natureza. Aqui o aluno vai tornar-se os quatro elementos –
água, terra, fogo, ar, tornar-se diferentes matérias – madeira, papel, papelão, metal, lí-
quidos, elementos pastosos, oleosos, cremosos. Em seguida trabalham o método das
transferências: tomam apoio nas identificações e transferem essas qualidades para a na-
tureza humana.
O artigo escrito por Catherine Skansberg La recherche des gestes oubliés: L’école
de Jacques Lecoq119 é uma importante contribuição para conhecermos o que é o traba-
lho com a máscara neutra em Lecoq e quais os fundamentos de sua prática. Skansberg
aborda os objetivos do ensino de Lecoq: “através da formação do ator, desenvolver a
personalidade dos alunos”120. Fala do papel do teatro, da necessidade que Lecoq vê em
buscar os gestos do passado, e depois aborda a técnica. Sobre o estado de calma procu-
rado pela máscara neutra, diz o seguinte:
“Os exercícios de técnica corporal (...) devem conduzir o corpo a ‘ser’ simplesmente, à maneira de
um gato ou de uma planta. É um estado onde o esforço voluntário de existir não se faz mais sentir.
A calma de ser é a calma de uma árvore, da natureza. Assim, o ator é constantemente provocado a
procurar essa calma sem pensamento prévio, é então que o gesto e o movimento vão surgir do inte-
rior tomando a forma exata que corresponde precisamente ao conteúdo que ele quer expressar (...)
Essa máscara é a de um rosto cujos traços não indicam nenhuma expressão psicológica, marca
simplesmente um estado de ser, uma presença privada de tensão e de paixão, estado inicial de exis-
tência simples e aberto ao mundo. A máscara neutra é o rosto de todos e de cada um. Com os exer-
cícios da máscara neutra, Lecoq quer reencontrar um elemento primário, eterno e universal do ser,
um elemento comum a todos e reconhecível por todos. A calma da máscara oposta à paixão é uma
calma da natureza. Reencontrar essa calma é passar de um ser cultural a um ser natural. A oposi-
ção da natureza (calma de ser) e da cultura (o esforço de criar, a paixão) é fundamental na reflexão
de Lecoq. O corpo, para tornar-se poético, criativo, deve primeiro reencontrar seu estado natural,
experimentar a sensação primeira de pertencer ao mundo da natureza” 121.
118
LECOQ, Jacques. Le corps poétique. Arles: Actes Sud-Papiers, 1997.
119
SKANSBERG, Catherine. La recherche des gestes oubliés: L’école de Jacques Lecoq. Les voies de la
création théâtrale: La formation du commédien. Paris: Centre National de la Recherche Scientifique, v.
9, 1981.
120
SKANSBERG, op. cit., p. 82.
121
SKANSBERG, op. cit., p.87.
50
“...um gesto que não depende nem da história, nem da cultura, mas é proveniente da natureza hu-
mana imutável. A existência de uma natureza humana imutável, de uma lógica comum a todas as
experiências, de uma psicologia subjacente à realidade social, de um ‘comum a todos os ho-
mens’são pressupostos da pedagogia de Lecoq. As situações improvisadas pelos alunos são, como
os gestos que a máscara neutra permite descobrir, primárias e arquetípicas”122.
“A técnica (a análise do movimento) tem por objetivo trazer os dados virtuais do corpo à existên-
cia. O corpo, tal qual considera Lecoq é este lugar onde, como no inconsciente de Jung, habita a
memória coletiva: ele é um receptáculo de gestos hoje desaparecidos mas continuando a existir
virtualmente nele. Trata-se então de acordar esta memória dos gestos do corpo para reencontrar um
código dos gestos universais” 123.
3. Peter Brook
Peter Brook, diretor do teatro Bouffes du Nord, em Paris, ao escrever sobre suas
experiências teatrais, também abordou a questão da máscara neutra. No artigo A másca-
ra – Saindo de nossas conchas124, Brook trata da máscara de personagem, explica como
a usa em seus espetáculos. Ele também se refere à máscara neutra, afirmando que ela li-
bera o aluno-ator de sua própria subjetividade e acorda a consciência do corpo:
“Um dos primeiros exercícios decisivos que se pode realizar com atores, e que é usado em muitas
escolas de teatro que utilizam máscaras, é colocar uma máscara simples, branca e inexpressiva no
rosto de alguém. No momento em que se remove o rosto de alguém dessa maneira, gera-se uma
impressão extremamente eletrizante: repentinamente, encontrar-se ciente de que já não existe mais
aquela coisa com a qual se está transmitindo algo o tempo inteiro. Essa se constitui na mais extra-
ordinária sensação de liberação. Esse é um dos excelentes exercícios considerados por todos que o
praticam pela primeira vez como sendo um momento magno: encontrar-se repentinamente liberado
de sua própria subjetividade por um certo tempo. E, imediatamente, essa liberação se faz acompa-
nhar de um despertar da consciência corporal, de modo irresistível; assim, caso se queira que um
ator se conscientize de seu corpo, ao invés de explicar isso para ele e dizer: ‘Você tem um corpo e
deve ter consciência dele’, basta colocar em seu rosto um pedaço de papel em branco e ordenar:
‘Agora, olhe à sua volta’. Não poderá deixar de tomar instantaneamente conhecimento de tudo o
que normalmente esquece, porque toda atenção terá sido desviada desse grande imã que é a parte
superior do corpo humano”125
122
SKANSBERG, op.cit., p.88
123
SKANSBERG, op.cit., p89.
124
BROOK, Peter. A máscara - Saindo de nossas conchas. In: BROOK, Peter. Ponto de mudança. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1995. p.287 – 306.
125
BROOK, op. cit., p. 291.
51
Nesse mesmo artigo, Brook relata a experiência do encontro de seus atores com as
máscaras balinesas, especificando o momento em que ocorreu a dessacralização das
máscaras. Relata o ritual de calçar a máscara entre os balineses, evidenciando seu as-
pecto sagrado.
Brook defende que a máscara em si pode ter um efeito sobre o portador, que ela é
um agente de transformação. Sobre a função da máscara, diz que ela oferece um escon-
derijo para o ator e por isso, paradoxalmente, ele se mostra. Em segurança, o ator pode
se expor ao perigo. O ator, sob a máscara, sabe que a pessoa que o olha não pensa que é
ele, assim permite-se “sair verdadeiramente de sua concha”126.
4. Odette Aslan
No artigo Du rite au jeu masqué127 [Do rito ao jogo mascarado], Aslan faz uma
síntese a partir dos textos dos diversos autores que compõem o livro que organizou. A
autora considera a máscara em geral, portanto está falando de um universal do qual faz
parte a máscara neutra. Por essa razão e também porque trata-se de uma pesquisadora
reconhecida internacionalmente, estou considerando nesta pesquisa o seu artigo.
Aslan escreve sobre as várias funções e significações que a máscara assume nas
diversas culturas, passando pelo ritual religioso, pelo carnaval, pelo teatro. A autora faz
referência aos diretores do século XX que trabalharam com a máscara, aborda sua fabri-
cação, a pedagogia da máscara, sempre falando dos diversos diretores que trabalharam
com esse instrumento. Conclui fazendo a seguinte afirmação: “ a máscara faz referência
a uma vaga noção de sagrado, mesmo no século XX (...) Esta máscara é uma ligação
misteriosa com não se sabe o que de oculto...” 128.
126
BROOK, op. cit., p. 306.
127
ASLAN, Odette. Du rite au jeu masqué. In: ASLAN, O. Le masque Du rite au Théâtre. Textes réunis
et présentés par Odette Aslan et Denis Bablet. Paris: Centre National de la Recherche Scientifique.,
1988.
128
ASLAN, op. cit., 1988, p.280.
52
Depois, Eldredge e Huston explicam os exercícios para o ator com a máscara neu-
tra. Fazem uma importante contribuição no sentido de explicitar a intervenção didática
nessa prática: constatam que a maioria dos professores usam a via negativa132 para ensi-
nar. Isto é, os professores
129
ELDREDGE; HUSTON, op. cit., p. 22.
130
ELDREDGE; HUSTON, op. cit., p 22.
131
ELDREDGE; HUSTON, op. cit., p 21.
132
Via negativa – conceito utilizado por Jerzy Grotowski – Diretor de teatro da segunda metade do século
XX. Uma via positiva, no treinamento físico do ator ou bailarino, seria o princípio de acumular habili-
dades ao passar pela aprendizagem técnica. A via negativa seria o princípio de eliminação de bloqueios
do ator. A técnica não seria um meio de acumular habilidades mas de revelar bloqueios e assim permitir
a eliminação destes.
53
“...não dizem aos alunos o que fazer, mas apontam os erros à medida em que eles vão ocorrendo.
‘Bloqueando o caminho tomado pelo ator’, escreve Rolf, ‘você o obriga a procurar outro...Cada
restrição imposta ao ator força a imaginação dele a procurar saídas alternativas’. O professor não
pode dar um modelo ou um conjunto de regras. O estudante precisa buscar a condição de neutrali-
dade dentro de si. Como os corpos são únicos, a neutralidade de uma pessoa é apenas dela: não há
um padrão único” 133 .
Com relação aos exercícios em si, Eldredge e Huston abordam basicamente o tra-
balho desenvolvido na escola de Lecoq. Apontam três níveis de erro, que devem ser cor-
rigidos pelo professor: movimentos gratuitos, o tempo muito lento ou muito rápido e a
atitude imposta (por exemplo: mãos rígidas, peito projetado à frente).
Os autores finalizam esse artigo listando os benefícios desse trabalho para o ator:
é uma maneira de entender a atuação; é um instrumento para analisar a qualidade da a-
ção corporal; leva o ator a se comunicar através da pessoa inteira; vai contra o natura-
lismo; oferece um caminho par atingir a presença cênica; leva o ator a desprender-se
dos clichês pessoais e das respostas habituais, levando-o a olhar mais fundo dentro de si,
buscando imagens realmente suas.
A autora afirma que a maioria das máscaras neutras usadas são tridimensionais,
baseadas no modelo da máscara neutra presente na pedagogia de Jacques Lecoq, con-
feccionada em couro por Amleto Sartori. Segundo Eldredge, a máscara que Lecoq cha-
ma de neutra, tem uma fisionomia européia. Ela sugere, portanto, para os exercícios que
133
ELDREDGE; HUSTON, op. cit., p.22.
134
ELDREDGE, Sears A Mask improvisation for actor training and performance – The compelling
image. Evanston, Illinois: Northwestern University Press, 1996.
135
ELDREDGE, op. cit., p. 49.
136
ELDREDGE, op. cit., p. 49.
54
irá descrever, uma “máscara de papel só com buracos para os olhos e uma forma de co-
ne para o nariz. Não há identificação de boca ou quaisquer outras características únicas
do rosto”137. Diz que a “vantagem desta máscara é que ela é mais abstrata. Ela significa
‘face humana’, mas tem menos indicações de uma nacionalidade particular; o nariz da
máscara, por exemplo, é diferente de qualquer nariz que a tenha usado!”138.
A autora conclui que o corpo neutro deve ter ao menos seis características para es-
tar em harmonia com a máscara neutra. Ele deve ser: simétrico; centrado; integrado e
focado; energizado; relaxado; implicado em ser e não em fazer; econômico; coordena-
do.
Esse texto ensina o trabalho com a máscara neutra a partir da pedagogia de Lecoq.
A autora não deixa isso explícito, mas se compararmos a seqüência dos exercícios pro-
postos por ela e a seqüência proposta por Lecoq em seu último livro Le corps poéti-
que140, vemos que é a mesma.
137
ELDREDGE, op. cit., p. 49.
138
ELDREDGE, op. cit., p 49.
139
ELDREDGE, op. cit., p.58.
140
LECOQ, op. cit., 1997.
55
Vou aqui expor sucintamente o que é o seu trabalho, me limitando ao que diz com
respeito à máscara neutra.
141
LOPES, Elisabeth Pereira. A máscara e a formação do ator. Tese (doutorado) Universidade de Cam-
pinas, Campinas (SP), 1990.
142
LOPES, op. cit., p.7.
143
LOPES, op. cit., p. 8.
144
LOPES, op. cit., p.10-11.
56
A autora relata em seguida que, quando foi ensinar o trabalho com a máscara, de-
sencadeava inconscientemente estados de transe em seus alunos. Tal experiência dei-
xou-a intrigada e por isso foi buscar entender o que estava acontecendo.
A partir deste estudo, Lopes conclui, entre outras coisas, que a máscara “tem vida
própria antes de ser colocada na face de um homem”; “a máscara é (...) um veículo de
uma idéia emergindo de um conteúdo sobrenatural que implicam a existência do ‘ou-
tro’”; “o ato do portador trazer o ‘OUTRO” à vida implica ser possuído por ele, ou seja,
implica em transe e possessão”; e que “em todo tipo de máscara, realista ou abstrata, e-
xiste um conteúdo sobrenatural associado à idéia do outro – o animal, o mito, o espíri-
to”147. A autora conclui ainda que “a realidade que vivo em sala de aula traz resquícios
do que acontece nesses rituais tribais”148.
Lopes defende que “...é necessário que o professor saiba que não é somente em
Copeau e em seus discípulos que podemos nos apoiar”149. Afirma que podemos nos a-
poiar nestes outros autores que estão estudando os rituais religiosos com máscara e tam-
bém em Keith Johnstone que utiliza a máscara no teatro como recurso para alcançar o
transe. Assim, ela faz um paralelo entre o personagem no teatro com os espíritos no ri-
tual religioso:
145
LOPES, op. cit., p. 13.
146
LOPES, op. cit. p. 6.
147
LOPES, op. cit. 21 – 22.
148
LOPES, op. cit., p. 6.
149
LOPES, op. cit., p.23.
57
“Tal qual um xamã, o professor deve criar uma postura adequada em relação aos alunos, a fim de
que os fenômenos vivenciados pelas sociedades tradicionais (os quais se repetem no contexto deste
método específico de formação de atores) sejam totalmente conhecidos e controlados em função
do divino, do ‘outro’ que, para a área de Artes Cênicas, significa a criação do personagem”150.
“lidando com o mundo da magia, com o poder da máscara sobre a identidade do portador, revelan-
do-a e escondendo-a ao mesmo tempo, liberando-a e controlando-a, ou seja, despersonalizando e
identificando o portador com o ‘outro’, o que causa um impacto da persona social e naqueles que o
observam”153.
Depois disso, Lopes aborda a trajetória de Jacques Copeau. Diz que em seus estu-
dos, vai contrapor seu método ao método do trabalho de Copeau e seus discípulos. A
autora mostra como Charles Dullin também ensinava o trabalho com a máscara como
tendo um caráter sagrado.
Continuando, Lopes escreve sobre a máscara no Brasil e explica o seu próprio tra-
balho: ela induz seus alunos ao transe hipnótico a fim de relaxar as tensões destes para
que “tenham uma atitude aberta para ouvirem e executarem minhas orientações”154. Re-
lata os ritos de iniciação para colocar a máscara. Nos informa que neste momento do
seu trabalho com os alunos, ela faz ritos místicos, cria um clima místico porque “a más-
cara tem que se tornar um objeto sacro”155. A autora diz que deixa claro para os seus a-
lunos que “...quando estiver com a máscara, o ator é outra pessoa e, sem ela, volta a ser
ele próprio”156. Diz ainda que estabelece algumas convenções: como colocar a máscara,
não falar sob a máscara, respeitar o tempo dos três segundos antes de qualquer ação157.
150
LOPES, op. cit., p.24.
151
LOPES, op. cit., p.43.
152
LOPES, op. cit., p.25.
153
LOPES, op. cit., p.25.
154
LOPES, op. cit., p.43.
155
LOPES, op. cit., p.59.
156
LOPES, op. cit., p.61.
157
Não me posiciono com relação à validade epistemológica do trabalho da professora Elisabeth Pereira
Lopes de acordo com a sugestão que recebi dos professores que fizeram parte da banca de qualificação
dessa dissertação.
58
CAPÍTULO II
O grupo Moitará foi fundado na cidade do Rio de Janeiro por Erika Rettl e Vení-
cio Fonseca. Os dois começaram a pesquisar juntos o trabalho do ator mediado pela
máscara em 1988. No período em que realizei as entrevistas, também integravam o gru-
po Marise Nogueira, desde 1997, e Daniela Fossaluza, esta como estagiária (Daniela
vem se aproximando do grupo desde 1998). Fizeram o primeiro espetáculo em 1995:
Máscara EM cena. Depois, montaram O jogo das máscaras e em 1999 estreiaram Rifin-
fin no Medelin. Atualmente o grupo está em fase de criação de um novo espetáculo: I-
magens da Quimera.
Érika Rettl tem formação acadêmica em teatro pela Uni-Rio (Universidade do Es-
tado do Rio de Janeiro), com habilitação em Interpretação. Antes do contato com o tea-
tro e com a máscara neutra em particular, Rettl já era formada em dança. Seu conheci-
mento nesta área se calcou basicamente na dança clássica, tendo passado pela dança a-
fro-brasileira, flamenca, contemporânea, jazz e sapateado. Estabeleceu contato com a
59
Antropologia teatral158 através de cursos que fez com grupos europeus que vieram ao
Brasil.
Venício Fonseca trabalha com teatro desde 1977, no Rio de Janeiro. Trabalhava
com teatro realista, montando espetáculos, dentro da mesma realidade que é hoje o tea-
tro comercial. Dez anos depois, Fonseca passou por experiências que alteraram ou con-
tribuíram para mudar sua relação com o teatro. Entre 1987 e 1989, assim como Rettl,
Fonseca também conheceu o trabalho desenvolvido pela Antropologia Teatral. Partici-
pou de oficinas com o grupo Potlasch, com o grupo Tascábile de Bérgamo (ambos itali-
anos), e também com Eugênio Barba. Essas oficinas duravam no máximo 15 dias, sendo
que a de Eugênio Barba durou 7 dias.
Eu entrei nesta busca da pesquisa do ator e nesta pesquisa do ator tinha o trabalho físico (...). Ti-
nha acrobacia, tinha o Samurai, tinha o trabalho vocal, a dança Orissi, o Katakhali, en-
fim...informação do teatro oriental dentro do teatro ocidental, no trabalho do ator 159.
158
Antropologia teatral: área do conhecimento que estuda o comportamento fisiológico e sócio cultural do
homem em uma situação de representação, associada principalmente ao nome de Eugênio Barba, dire-
tor do grupo Odin Teatret (Dinamarca). A antropologia teatral não é uma disciplina científica, ela tem
“a ambição de resgatar os conhecimentos úteis ao trabalho do ator. Ela não quer descobrir ‘leis’, mas
estudar as regras de comportamento. (...) Atores diferentes, em lugares e épocas diferentes, entre os
numerosos princípios próprios de cada tradição, em cada país, se serviram de alguns princípios simila-
res. Reencontrar esses ‘princípios que retornam’ é a primeira tarefa da antropologia teatral” (BARBA,
Eugênio; SAVARESE, Nicola. Anatomie de l’Acteur: Un dictionnaire d’antropologie théatrale.
Domaine de Lestanière (France): Bouffonneries Contrastes, 1985.)
159
FONSECA, Venício. Londrina. Entrevista concedida a Luciana Cesconetto em 30/05/2000.
60
zaria a linguagem da máscara. Lima havia estudado na escola de Jacques Lecoq. Fonse-
ca também trabalhou nessa montagem. Durante um ano estudaram diferentes estilos de
máscaras: neutra, abstrata, larvária e meia-máscara. Com relação à máscara neutra, Rettl
relata que trabalharam o despertar da máscara; a relação com os quatro elementos: água,
terra, fogo, ar; as cores.
“Você passava por um espaço e ele delimitava ‘- este espaço: aqui é água, aqui é terra, aqui é fogo,
aqui é ar’. Então você vivenciava a sensação daquilo. Você era o fogo, você se sentia...não tinha
uma explicação, assim. Você tinha que passar pelos quatro elementos com toda a proposta da neu-
tra: que tudo é novo, que tudo é o contato pela primeira vez, é a sensação mais pura que você po-
deria encontrar com aquilo, assim. O fogo, fisicamente, o que que te remetia, o que que te passa-
va? Não era uma coisa racionalmente muito... era uma busca sensorial, vamos dizer assim. E tam-
bém a gente fazia a mesma coisa em relação às cores. Como se fosse um arco-íris. Passava esta
mesma sensação em relação às cores. (...) Acho que isso é uma coisa que ele trás do Lecoq. E tam-
bém, por exemplo, uma vez ele pediu que eu trabalhasse como se eu estivesse caminhando e tives-
se um vendaval, uma grande força oposta de vento. O objetivo era chegar a um determinado ponto,
mas eu tinha que passar por um grande vendaval (...). Então era toda esta dificuldade concreta que
se colocava diante da neutra (...). E trabalhava a relação também de uma neutra encontrando uma
outra neutra”160.
Fonseca relata que já havia trabalhado com confecção de máscaras antes dessa
montagem. Não havia trabalhado a confecção de máscara neutra, mas já tinha conheci-
mento sobre o assunto, já se interessava pelo estudo das máscaras.
A partir do trabalho com Dácio Lima, Rettl e Fonseca juntaram seus interesses de
fazer uma pesquisa mais aprofundada sobre o trabalho do ator e tendo como eixo a más-
cara. Iniciaram uma pesquisa prática. Começaram a confeccionar máscaras porque não
dispunham desse material.
“...começamos a entrar na sala com várias questões que aquele trabalho tinha nos colocado e ou-
tras questões que a gente se perguntava e fomos em busca de respondê-las. E daí a gente teve um
processo muito grande só de trabalho de pesquisa com leituras, com processo prático (..) e a gente
começava a formular exercícios (...) e sempre um olhando o outro. E em momentos abrindo para
pessoas amigas, conhecidas e viam a gente... discutia”161.
160
RETTL, Érika. Londrina. Entrevista concedida a L. Cesconetto em 29/05/2000.
161
RETTL, Érika. Londrina. Entrevista concedida em 29/05/2000.
61
“Mostramos as máscaras para o Sartori. Ele olhou tudo (...) e falou ‘- vamos trabalhar’. Ele deu
três dias de uma palestra que ele faz, com slides, falando sobre a história da máscara, depois en-
tramos na prática. (...) E nesse momento a gente falou ‘- meu deus, a gente achava que tinha algu-
ma coisa’ e quando a gente viu que tava muito ainda no raso do que poderia ser aquilo, a gente fa-
lou ‘– não, agora a gente tem que repensar estas quarenta, cinqüenta máscaras que a gente fez tea-
tralmente, de fato. Vamos recomeçar o trabalho’ ”163.
Rettl e Fonseca fizeram um segundo curso com Donato Sartori, desta vez na Itália,
em 1992. Foi um curso de confecção de máscaras de couro. Normalmente Sartori traba-
lha a confecção e convida um ator para discutir a funcionalidade da máscara que o aluno
criou. Eventualmente este ator convidado faz uma demonstração de utilização da másca-
ra para depois trabalhar com o aluno a funcionalidade da máscara que ele mesmo con-
feccionou. Neste segundo curso, Sartori havia convidado o ator italiano Felice Pico164
para participar do processo de ensino/aprendizagem.
“Ele demonstrou a neutra, foi uma neutra completamente diferente, foi um trabalho...outra energia
na neutra. Ele trabalha com máscara balinesa, com máscara da Commedia dell”Arte, fez uma de-
monstração de trabalhos. Daí nós pedimos pra mostrar pra ele um pouco do nosso trabalho em sa-
la. E foi muito legal porque mostramos alguns trabalhos e discutimos, ele deu uns toques de como
a gente poderia aprofundar determinadas coisas. Voltamos com estas informações e continuamos
nosso trabalho (...) as nossas respostas nasceram muito da nossa prática”165.
162
Donato Sartori é filho de Amleto Sartori, o escultor que colaborou intensamente com Jacques Lecoq
na confecção de suas máscaras neutras e outras máscaras. Donato deu continuidade ao trabalho de seu
pai (já falecido) e tem na Itália um centro de estudos sobre a máscara.
163
RETTL, Érika. Londrina. Entrevista concedida a L. Cesconetto em 29/05/2000.
164
Felice Pico é casado com a irmã de Donato Sartori. Têm um grupo chamado “Teatro di Sole” onde
trabalham com máscaras.
62
No relato de Rettl e Fonseca fica sempre evidente que as oficinas que fizeram com
os grupos europeus ligados à Antropologia Teatral foram fundamentais nos seus estudos
sobre o trabalho do ator. Na prática dos dois, o conhecimento do trabalho com a másca-
ra neutra na formação do ator foi amalgamado ao conhecimento da Antropologia Teatral
sobre o ator.
Outra constante no relato de ambos é que o trabalho que faziam sozinhos era uma
aprendizagem. Tinham algumas referências e iam pesquisando, encontrando respostas
que fossem particulares deles, “...encontrando o que seria uma máscara neutra, na ques-
tão prática do confeccionar e na questão prática do jogo”167.
O grupo não tem sede própria. Trabalha em uma sala do curso de Teatro da Uni-
Rio168.
Quando perguntei a Fonseca “desde quando vocês ensinam o trabalho com a más-
cara neutra?”, obtive a seguinte resposta:
165
RETTL, Érika. Londrina. Entrevista concedida a L. Cesconetto em 29/05/2000.
166
Ruzzante: pseudônimo de Angelo Beolco (Padova, aproximadamente 1502-1542). Autor dramático, a-
tor e encenador italiano. (...) inventa e desenvolve o personagem ao qual seu nome fica associado
(CORVIN, Michel, Dictionnaire encyclopédique du théâtre. Paris: Larousse-Bordas, 1998, p. 1445).
Ele é o intérprete de um personagem único, en volta do qual construiu suas peças e que leva seu nome:
Ruzzante, camponês pobre, esperto, exibido, cínico, covarde, apático...sempre explorado...(DEGAINE,
André. Histoire du théâtre dessiné. Saint Genouph: Nizet, 1992, p. 159-160.).
167
FONSECA, Venício. Londrina. Entevista concedida a L. Cesconetto em 30/05/2000.
168
Esses são dados referentes a maio de 2000.
63
“Esse trabalho de ensinamento começou conosco mesmo. Com o grupo. A gente ensinando para a
gente. A gente aprendendo. Já vem de 89 eu acho, 88. A partir de técnicas comuns entre vários ou-
tros mestres que a gente tomou conhecimento e outros que a gente teve vivência, de amigos que já
trabalhavam também com a máscara (...) E começamos a partir, buscando esta resposta, que fosse
particular nossa, encontrando o que seria uma máscara neutra, na questão prática do confeccionar e
na questão prática do jogo”169.
“Iniciamos nós e pouco a pouco fomos experimentando a forma como trabalhar, como se chegar,
como se colocar um outro ator dentro deste mesmo processo de neutralidade (...) e fomos experi-
mentando pouco a pouco. E aí fomos abrindo cursos. Pessoas que foram participando, entrando, e
a gente foi trabalhando”170.
É possível verificar, com esta resposta, que o objetivo da atividade de ensino es-
truturada em oficinas era ampliar o grupo, divulgar o trabalho para trazer mais pessoas
para o grupo.
169
FONSECA, Venício. Londrina. Entevista concedida a L. Cesconetto em 30/05/2000.
170
FONSECA, Venício. Londrina. Entevista concedida a L. Cesconetto em 30/05/2000.
171
FOSSALUZA, Daniela. Londrina. Entrevista concedida a L. Cesconetto em 27/05/2000.
64
Segmentações
Ações ou alfabeto
172
Trata-se de um exercício extraído do Kathakali, teatro-dança do sul da Índia . O Kathakali tornou-se
conhecido no Ocidente principalmente através de Jerzy Grotowski e de Eugênio Barba.
65
Dão um nome para cada pequena seqüência, por isso chamam de alfabeto. São se-
quências provenientes do trabalho de Jerzy Grotowski, de Jacques Lecoq, de Étienne
Decroux e de Eugênio Barba. Trabalhamos as seguintes ações (vou descrever apenas as
quatro primeiras que foram ensinadas):
Pipa
Soltamos uma pipa imaginária. Fonseca ensina esta ação mostrando como se faz e
explicando: braço esticado à frente ou na diagonal/cima, há uma oposição entre empur-
rar o ombro direito para trás e empurrar o lado esquerdo da bacia para a frente (depois
trocar) – Esta ação deve ser visível exteriormente. O corpo como um todo está engajado
na ação. Trabalhamos a tensão/relaxamento: puxa a pipa e solta. Há uma orientação pa-
ra variarmos a força empregada: forte/suave, variar o tamanho da trajetória da ação:
grande/ pequeno, e também para variarmos as direções. Fonseca orientava: “sejam ver-
dadeiros, se você só move os ombros, isto é descrição. Para ser verdadeiro o corpo intei-
ro tem que estar engajado”.
Sino
173
FONSECA, Venício. Londrina. Transcrição da aula do dia 16/05/2000.
66
Susto
O gato
Deitados, de barriga para baixo, mãos apoiando o queixo (palmas da mão para
baixo). Olhos atentos, olham de um lado para o outro. Ao sinal (palma), o gato se põe
alerta levantando o tronco e pernas, mantendo o apoio por bacia e mãos. Viu que não
era nada, apoia pés no chão, levanta bacia , espreguiça-se e volta a deitar-se mergulhan-
do.
Estes são os nomes dos outros exercícios: A linha /A pedra /A bola / Chocolate /
A bandeja / A cobra / A sinaleira / A marionete / A sentada do gato / O avião / Pular o
muro.
A máscara neutra
No terceiro dia de oficina passamos a ter uma terceira etapa na aula: a máscara
neutra. Este trabalho inclui uma parte introdutória sem máscara e uma parte com másca-
ra. Durante quatro dias fizemos os exercícios sem a máscara, como já disse anterior-
mente. Não havia diferenciação entre masculino e feminino nas máscaras. Eram de cor
bege, as linhas eram de uma face humana, com traços ocidentais, europeus. Havia uma
delicadeza nos traços destas máscaras que foram confeccionadas por Rettl.
Exercícios
Primeiro exercício: o ponto fixo. Foi realizado a partir do 3° dia de aula, sem más-
cara, todos juntos, e a partir do 7° dia fizemos com máscara, individualmente. Partíamos
do ponto zero, posição que consistia em ficar de pé, com os pés paralelos e alinhados na
linha dos quadris, cabeça ligeiramente inclinada para um ponto na frente/ nível baixo.
Ao sinal (nota musical produzida por um diapasão) deveríamos olhar para um ponto à
frente no nível médio, abrindo bem os olhos. Sentir-se puxar, com o corpo todo, pelo
ponto. Há uma transferência do peso do corpo para a região do metatarso. Este exercício
deveria ser acompanhado pela respiração. Éramos orientados a colocar ar entre as arti-
culações, entre braços e tronco. Isto é, os braços deveriam ficar ligeiramente afastados
do tronco. Este lugar foi chamado de ponto fixo. Depois deveríamos voltar ao ponto ze-
ro, ao eixo.
completar a volta, não ficam se ajustando. Os pés pisam firme no chão com economia
de movimentos. Ao chegarmos neste novo lugar, deveríamos voltar ao ponto zero.
Constatei, através da demonstração de Rettl, que o corpo trabalhava em um nível de for-
ça superior ao usado no cotidiano, como se estivesse resistindo ao ar. Também constatei
que o tempo para fazer esse deslocamento era relativamente lento. Havia um tempo de-
finido e que Rettl repetia. Os pés ficavam flexionados quando deixavam o chão. Os pés
estão sempre paralelos.
Terceiro exercício: ao olhar para o ponto fixo deveríamos dar um passo à frente e,
neste novo lugar, voltar ao ponto zero. Esse exercício foi feito a partir da 5a aula, sem
máscara, todos juntos.
O que nos ensinaram através da demonstração foi o seguinte: a atriz está deitada.
Ao som da nota musical seu corpo se tonifica, sai do estado relaxado, abandonado, e usa
um certo nível de força como se o ar fosse mais denso. Seus pés se flexionam. Os mo-
vimentos são lentos e o fluxo é entrecortado. Há uma pausa entre o fim de uma ação e o
início de outra. O que marca o início e o fim de uma ação é o olhar que vai de um ponto
a outro. Quando chega neste outro ponto, há uma pausa de três segundos. Este olhar de
um ponto a outro é impulsionado por uma percepção. A máscara olha tudo o que ela to-
ca (percepção tátil), o que ouve, e este olhar é “com o corpo todo”: não são só os olhos
que mudam de direção, nem tampouco só a cabeça. O corpo como um todo se orienta
69
para a nova direção. Não há movimento brusco. Os olhos estão arregalados, não há mo-
vimentos faciais.
Há uma orientação oral para despertarmos o corpo todo, a partir da nota musical,
impulsionados pela coluna vertebral, como se a nota atingisse a coluna vertebral como
uma flecha e por aí despertasse o corpo como um todo. Este exercício foi sofrendo vari-
ações ao longo do curso: no início, fazíamos o despertar até o sentar (5a aula), na 9a aula
fizemos o despertar com máscaras em duplas com uma platéia. O trabalho consistia em
despertar sentindo cada movimento, olhar um ponto fixo fora, olhar o outro e deitar no-
vamente. Na 12a aula fizemos o despertar até o levantar estabelecendo uma relação com
a platéia. A última versão do exercício incluía olhar o objeto (o que chamavam de as-
sunto) e olhar para a platéia ou triangular com a platéia (14a aula).
Sexto exercício: roteiro de ações com máscara neutra. Este exercício foi feito
sempre com máscara, individualmente, a partir do 7° dia de aula. Fonseca explicou o ro-
teiro das ações: partir do ponto zero, ir para o ponto fixo, girar 180° - há aqui uma ação
de procurar o lugar de onde foi emitido o som – olhar longe, à frente, no nível médio.
Voltar o olhar para o centro da platéia, ir com o olhar para o primeiro da fila, olhar um
por um até o último, voltar ao centro da platéia. Voltar o olhar ao ponto distante à frente
(nível médio) que se move e retorna ao ponto inicial e depois ao ponto zero.
Duas máscaras do grupo ficavam lado a lado, no chão, cada uma sobre um tecido.
Havia uma sacola com pedaços de espuma entre elas, para que ajustássemos a máscara
no rosto, caso ela nos causasse algum desconforto. Fomos orientados a não tocar na face
70
da máscara, por dois motivos: para não sujar e por respeito, pois “não é mais só um ob-
jeto. Se as confeccionamos, tendemos a cuidar delas com carinho, com respeito”174.
O ato de colocar a máscara se dava de costas para a platéia, sentados sobre os cal-
canhares. Deveríamos pegá-la por trás ou pela lateral, experimentar uma e outra, ver
qual se adaptava melhor no rosto, colocar uma espuma se fosse preciso. Depois de deci-
dir qual das duas usaríamos, era preciso olhar para a sua face. “Antes de botar a másca-
ra, se relaciona com ela. Vê com a coluna vertebral. (...) Vê a mensagem que ela manda
pra ti”175. Essas eram as orientações: se relacionar com a máscara; receber sua mensa-
gem; encontrar o estado de espírito que ela sugere; olhar com o corpo todo. Depois
prosseguíamos, segurando com uma mão o elástico e com a outra o queixo da máscara.
Depois de colocá-la sobre a face, já devíamos estar no estado da máscara. Se o exercício
proposto exigisse iniciar de pé, devíamos levantar já no estado da máscara.
• A máscara neutra desenvolve todos os sentidos do ator. (...) todo o corpo está acordado, já
está livre do meu condicionamento racional, cotidiano, em um estado de resposta, de dar
e tomar. Começo a dilatar todos os sentidos que antes pareciam estar configurados pelo
racional, estar impedidos pelo racional;
• Vamos procurar exatamente este estado de equilíbrio. Um equilíbrio que nos faz passivo,
que nos coloca aberto, nos coloca dilatado. Um equilíbrio que coloca todos os sentidos a
serviço da vida. Ação e reação ao mesmo tempo. (...) O que eu vou botar no corpo são es-
tas linhas. Na cabeça, cotovelo...essa atuação que acorda todos os sentidos”176;
• “Ela é a base e o núcleo de todas as outras [máscaras]. A importância dela tá neste senti-
do: o estado de percepção, de calma, de presença que ela propicia ao ator é necessário pa-
174
FONSECA, Venício. Londrina. Transcrição da aula do dia 26/ 05/ 2000.
175
FONSECA, Venício. Londrina. Transcrição da aula do dia 26/ 05/ 2000.
176
FONSECA, Venício. Londrina. Transcrição de aula gravada em 23/ 05/ 2000.
71
ra todos os outros personagens. Ela mostra com muita clareza o que é representar, o que é
ser a máscara e o que é ser o ator. Há um tempo que é meu, há um tempo que é o da más-
cara. Há uma dinâmica que é minha e há uma dinâmica que é da máscara”177;
• “Este é um trabalho que busca a essência do teatro. Este é um trabalho sobre o ator, que
busca a presença do ator. O corpo inteiro está em ação; se um dedinho move, é o corpo
inteiro que está em ação para que este dedinho se mova”179. “(...) A calma da máscara
neutra não é uma calma de facilidade. Ela é ativa. O corpo vivo, presente”180. “(...) A
máscara, quando está viva, ela catalisa a atenção. (...) Todos os sentidos abertos, numa
dimensão maior. E esta dimensão maior está exatamente nas oposições da força da gravi-
dade. Eu procuro uma dificuldade para isto, para que ela venha a existir (...) Eu procuro
uma força contrária assim como o pombo procura uma força contrária para poder vo-
ar”181;
• A máscara neutra não é um personagem. (...) Ela não tem nenhum traço de caráter;
• “Não tem memória. Tudo é novo e importante para ela. (...) essa relação de neutralidade é
o que a gente vai buscar, de não ter o conhecido, de não ter o ‘eu escolho o importante pra
mim’. O tic-tac do relógio é tão importante quanto a cortina preta. Tudo é novo;
• Ela é simétrica;
• A máscara neutra é o olhar do nariz. O olhar acompanha o nariz, o corpo cede ao olhar.
(...) A energia que concentra no corpo que é a máscara, está no olho. (...) O olho é a más-
cara e a máscara é o corpo. O que existe no corpo está no olho. Ela não é interpretativa,
ela é relação. (...) o corpo presente, vivo, dentro de um estado de representação, além do
cotidiano, além do condicionamento cotidiano”.185; “O corpo se relaciona, não é o olho.
Se eu olho, é 100%, eu cedo. Não tem a nossa comodidade. Ela não tem a nossa preguiça
do ceder para olhar. É diferente do nosso estado cotidiano. Os sentidos estão mais dilata-
177
FONSECA, Venício. Londrina. Transcrição de aula gravada em 26/ 05/ 2000.
178
FONSECA, Venício. Londrina. Transcrição de aula gravada em 16/ 05/ 2000.
179
FONSECA, Venício. Londrina. Transcrição de aula gravada em 17/ 05/ 2000.
180
FONSECA, Venício. Londrina. Transcrição de aula gravada em 18/ 05/ 2000.
181
FONSECA, Venício. Londrina. Transcrição de aula gravada em 23/ 05/ 2000.
182
FONSECA, Venício. Londrina. Transcrição de aula gravada em 17/ 05/ 2000.
183
FONSECA, Venício. Londrina. Transcrição de aula gravada em 18/ 05/ 2000.
184
FONSECA, Venício. Londrina. Transcrição de aula gravada em 23/ 05/ 2000
185
FONSECA, Venício. Londrina. Transcrição de aula gravada em 23/ 05/ 2000
72
dos. Ela vai, é o corpo inteiro (...) o olhar é um olhar atento. É tudo muito preciso. Não
sobra ação, não sobra respiração, não sobra olhar. É o justo”186;
• “A máscara deve estar sempre pronta para partir (...) ela não está nem tensa, nem relaxada
– tensa é o mesmo que contida ...porque é ritmo, é dinâmica. A máscara é um corpo imer-
so dentro de um processo dinâmico. E se eu fico aqui [Venício faz uma pausa mais longa
do que de costume, ao olhar fixamente para um ponto, antes de partir para ou-
tro]...analisei. Cada ponto me puxa como se eu pudesse ir um pouquinho mais. Não é ten-
cionando, é sentindo a elasticidade (...);
• “A um toque, um vento, a máscara (o corpo) reage. Tem que reagir a um impulso. Não é
só sentir o toque. Tem que reagir”188;
186
RETTL, Érika. Londrina. Transcrição de aula gravada em 24/05/2000.
187
FONSECA, Venício. Londrina. Transcrição de aula gravada em 26/05/2000.
188
RETTL, Érika. Londrina. Transcrição de aula gravada em 29/05/2000.
189
“para fora”. Expressão da dança clássica. Há uma rotação da coxa “para fora” na altura da articulação
do fêmur com a bacia.
190
RETTL, Érika. Londrina. Transcrição de aula gravada em 24/052000.
191
Anotações da aula do 30/05/2000.
192
Anotações da aula do 30/05/2000.
73
máscara neutra não tem paixão, ela não tem emoção. A máscara não pode
se fixar, deve estar aberta a todos os sentidos193.
Explicação oral
Demonstração técnica
Por estas evidências eu posso afirmar que a aprendizagem nessa oficina ocorreu
também a partir da cópia do modelo. A partir da demonstração do movimento com a
máscara neutra, o aluno procurava realizar o exercício tentando mover-se de acordo
193
Anotações da aula do 30/05/2000.
74
com este modelo. A seguir transcrevo algumas entrevistas que fiz com alunos do curso e
que confirmam esta conclusão:
Luciana: Tu achas que tem a busca de um modelo, a princípio, do modelo que te foi apresentado,
mesmo que de alguma forma tu vás transcender isso?
“Eu acho que sim. Desde o começo eu achava isso um pouco (...) no trabalho com a neutra eu acho
que tem um modelo da Érika muito forte sim”194.
“Desde o começo do trabalho, o trabalho é conduzido. Tem uma segmentação do corpo e depois a
gente trabalha o alfabeto. Aí chega um momento em que a gente tem que trabalhar a questão do
despertar com a máscara neutra. E sempre havia uma demonstração de uma das atrizes do grupo,
que é a Érika. E a Érika, ela tem o corpo já trabalhado, de bailarina, né, e nós alunos, vendo a de-
monstração dela, eu pelo menos, acabo querendo chegar naquilo. Durante todas as aulas eu estava
observando ou a Érika ou a Marise ou a Dani [são as atrizes do grupo] e tentava chegar naquilo
que elas estavam fazendo. Então eu acabava indo pela forma para depois eu tentar descobrir uma
verdade no movimento”195.
“Porque tem o modelo. Ela [Érika] tá fazendo. E isso eu sempre me questionava. É correto o jeito
que ela está fazendo? A gente tem um modelo. Eu conheço poucas...assim, eu não conheço muito
máscaras. Né, então a gente fazia de um jeito e às vezes eles criticavam. E realmente eu observava
ela, tanto é que ontem ela fez bastante, né, o trabalho com máscara, da mão, do jeito quando deita-
va, eu tentava sempre relaxar igual ela relaxa. Quando eu lembro, o jeito de olhar os pés assim, ló-
gico, ...tinha coisa minha mas tinha coisa também que eu fazia como ela fazia. Porquê? Exatamen-
te por isso. Pelo modelo. (...) E como a gente tinha que conseguir fazer alguma coisa, o mais fácil
era olhar ali: ‘ó é assim’ então tá , a gente faz e pronto. Pelo menos eu consegui”196.
Aluna: Luciana
194
FOSSALUZA, Daniela. Londrina. Entrevista concedida a L. Cesconetto em 27/05/2000.
195
Flavio. Londrina. Entrevista concedida a L. Cesconetto em 29/05/2000.
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• “Teus pés estão em direções opostas, a atenção está dividida. Um pé que vai antes giran-
do para a direita em vez de ir com o corpo todo, revela que o ator pensou. Não é para pen-
sar, é para agir”197
• “Tem uma coisa que é tua, que é um tempo teu que aparece no alfabeto também, que é
uma coisa lenta e contínua. Na máscara isso fica nítido. Fica analítico. Este tipo de quali-
dade do movimento, na máscara neutra fica analítico. Parece que não tem a pontuação. É
aquela coisa de cada ação: uma ação terminou, começa outra. Como se você pudesse se
lembrar de cada ação desde o teu despertar. Quando ela toca, não reage de uma forma
contida (...) Não tinha o tempo de você sentir realmente o toque da mão. A neutra ressal-
ta”198.
Avaliação de Rettl:
• “Estabelece uma relação antes de ir para outra. Então, não fica transferindo de uma perna
para outra o peso [se eu ouvir outro som, enquanto estiver indo para um determinado
som, preciso primeiro chegar com uma perna ao lado da outra];
• Não deves perceber a água e depois partir para uma relação com a água. Deves ir direto
para a relação. Já estar em relação assim que tocar;
• As mãos frias. Você sentiu o frio fechando os dedos, apertando. Isso teria que reagir no
corpo todo;
• Precisas melhorar a ida de um ponto a outro e dar uma pausa. Estancar mais precisamen-
te. Na ida de um ponto a outro, este ponto precisa ser fixo. Dar uma pausa;
• Você inclinou a cabeça. Isto já é uma intenção na máscara. A máscara não tem inten-
ção”199.
196
Margareth. Londrina. Entrevista concedida a L. Cesconetto em 31/05/2000
197
RETTL, Érika. Londrina. Transcrição de aula gravada em 23/05/2000.
198
NOGUEIRA, Marise. Londrina. Transcrição de aula gravada em 26/05/2000.
199
RETTL, Érika. Londrina. Transcrição de aula gravada em 30/05/2000.
76
Avaliação de Fonseca:
• não está sempre com as oposições: ao levantar demonstrou seu esforço de atriz;
• ainda está pouco precisa: cabeça/corpo têm que estar juntos. Às vezes a cabeça finalizou e
o corpo ainda não;
Aluno: Flávio201
Avaliação de Rettl:
200
FONSECA, Venício. Londrina. Transcrição de aula gravada em 31/05/2000.
201
Na época da oficina, Flávio tinha 22 anos e era aluno do 3° ano no curso de Artes Cênicas na Univer-
sidade Estadual de Londrina (UEL). Antes de entrar na Universidade, Flávio estudou na Escola Muni-
cipal de Teatro (Londrina), nos anos de 1997 e 1998. Com relação ao trabalho corporal, ele domina a
ginástica olímpica, técnica que aprendeu durante sua infância. Para o teatro, aproveita o trabalho de a-
crobacias aéreas. Com relação ao estudo de máscaras especificamente, já havia feito oficinas de confec-
ção na Universidade e na Escola de Teatro.
77
• Parece que ficas na perna de trás quando andas. A transferência não vai logo de uma per-
na para a outra”202.
Avaliação de Fonseca:
• “há um maneirismo de ‘estou fazendo a máscara neutra’. Maneirismo é mais exterior que
interior. Quando não vêm do impulso, ou quando vai além do impulso. É a verdade que
você tem que buscar;
• Você tem que ser a máscara neutra. Não tenho que demonstrar, tenho que sentir, ser;
Aluna: Margareth204
Avaliação de Rettl:
• “o importante com a neutra não é a constatação ‘eu vi’, o que importa é mais a relação,
estar disponível não só para ver mas para ser o que vejo. Como isso alimenta a coluna
vertebral”205.
Avaliação de Fonseca:
• “Hoje você já alonga mais a coluna. A justeza da máscara. O fato de você sentir o que
sente – não é importante o que o outro vê, mas o que você sente”206.
202
RETTL, Érika. Londrina. Transcrição de aula gravadda em 31/05/2000.
203
FONSECA, Venício. Londrina. Transcrição de aula gravada em 31/05/2000.
204
A aluna tinha 33 anos na ocasião da oficina. Era estudante no 3° ano do curso de Artes Cênicas da Uni-
versidade Estadual de Londrina. Em 1990 ela participou como atriz do Grupo Bombom, de Londrina. Du-
rante o ano de 1994, Margareth fez um curso com o Théâtre Suivre (Nantes-França). Não havia estudado
a utilização de máscaras anteriormente nem feito qualquer trabalho corporal de forma sistemática.
205
RETTL, Érika. Londrina. Transcrição de aula gravada em 31/05/2000.
206
FONSECA, Venício. Londrina. Transcrição de aula gravada em 31/05/2000.
78
• “A disponibilidade pode ser maior. Há uma fração de segundos ainda entre o que ouço e o
ir para o que ouço. Isto revela que ainda não há uma disponibilidade. Então o racional a-
inda está presente. No alfabeto por exemplo: eu reajo no que eu quero e não no que a ação
do outro está propondo. Se o outro dá um chute e eu recebo como um carinho, eu não cedi
ao outro. Fiquei na minha ação. Na corrida: para sair da corrida para o caminhar, do ca-
minhar para o correr (são as alternâncias) não estamos sendo precisos. Há uma certa co-
modidade nossa de ir chegando lá e não mudar como está sendo proposto. Há uma rebar-
ba, um movimento que sobra”207.
Fiz a seguinte pergunta para os alunos da oficina: “Quais os ganhos que você teve
com o trabalho da máscara neutra, particularmente?” Entrevistei três alunos (ficamos
em quatro alunos fazendo a oficina até o final) e a estagiária do grupo. Transcrevo a se-
guir a resposta de cada um:
Daniela (estagiária):
“(...) Eu vi que tem alguma coisa que é mais forte, que é mais essencial, que não fica no blá-blá-
blá, no discurso. Alguma coisa muito essencial sua que aflora. Que você tem energias e que você
tem um estado de deixar que as coisas passem por você. E ao mesmo tempo dá um prazer (...) é o
prazer de ter essa energia maior. E também não fica só no teatro . Aí vai para a sua vida né. (...) O
trabalho com a neutra te ajuda a encontrar este estado seu. Então, eu estou cheia de medos, cheia
de ansiedades para entrar no palco. Então ela vai te ensinando como que você...porque quando eu
boto a máscara eu tenho uma taquicardia horrível. Eu preciso parar. Primeira coisa que eu preciso
fazer: ver minha coluna, corrigir minha respiração, porque ela aumenta.(...) parece que ela [a más-
cara neutra] vai te ensinando a encontrar este estado de calma. (...) [com esse trabalho ganho]
consciência de que falta energia que, por exemplo, você não distribui a energia e aí a gente fica
tenso. A gente aprende a não se enganar. Não cair nos movimentos ilusórios onde você acha que
está fazendo um monte de coisas e na realidade não está fazendo nada. Te traz pro campo da ação.
Seja num discurso enorme ou numa coisa muito simples”208.
Flávio
“ Então, porque o trabalho com a neutra ele é bem lento né. Os movimentos, o toque no chão, o vi-
rar, o ir até um ponto, se conduzir, é um outro ritmo. É um ritmo que não é o meu. Então eu estou
trabalhando uma coisa, um ritmo que eu não trabalho muito. Essa coisa lenta, mais pesada. E eu
não sei se...eu vejo um ganho pra mim enquanto ator nesse trabalho com a neutra no sentido de es-
tar trabalhando neste outro ritmo que não é meu mas que...agora me veio uma dúvida...será que
não foi isso que me causou uma tensão? Essa tensão que eu descobri em mim? Ou se talvez eu já
trago essa tensão só que durante esse trabalho eu consegui descobrir em mim essa tensão”209.
207
RETTL, Érika. Transcrição de aula gravada em 28/05/2000.
208
FOSSALUZA, Daniela. Entrevista concedida a L. Cesconetto em 27/05/2000.
209
Flávio. Londrina. Entrevista concedida a L. Cesconetto em 29/05/2000.
79
“Mas eu vejo que este trabalho com a máscara neutra, ele é um trabalho interessante. Me provocou
coisas. De olhar com o nariz. De ir num ponto e seguir o ponto. Eu não posso deixar o olho perdi-
do. Tentar manter este ponto. Acabo caindo na forma de Ter que arregalar o olho pra ver aquele
ponto e seguir com o nariz,...isso acaba caindo na mesma coisa...na tensão novamente. Será que eu
ando muito tenso?”210.
“Eu vejo um ponto bastante positivo neste trabalho. Que é a questão da auto-observação, do auto-
controle, ou da auto-consciência corporal. Se o meu dedinho do pé e o meu dedinho da mão estão
tensionados, eu estou percebendo isso. É ter esse conhecimento da ponta do pé até o último fio de
cabelo, entende. Ter esse domínio, esta consciência”211 .
“Saber trabalhar essa respiração. Porque até então, o trabalho que eu desenvolvia, eu nunca parei
pra pensar numa respiração correta, nunca parei pra pensar na respiração em si. (...) Eu esqueço da
respiração”212.
Alexandre214
“Acho que é essa consciência corporal, assim, é...de saber assim como...tem hora que eu penso as-
sim no relato do Peter Brook (...) Ele [Yoshi Oída] sabia quando ele estava dando um passo e tal,
quando ele estava fazendo uma ação, ele sabia a distância que estava o pé dele em relação ao chão.
Quando ele dava um passo maior ou um paso menor. Ele sabia como estava o dedo atrás, a mão a-
trás das costas, (...) . Ele sabia como estava os dedos dos pés, a posição dele, ele tinha esta consci-
ência. Não sei se tinha realmente. Mas é, assim, eu vejo que pode existir um caminho para isso.
Não que hoje eu tenha uma consciência depois de ter feito uma oficina assim. Mas eu vejo que po-
de existir”215.
Margareth
“...consciência do corpo mesmo. (...). E de observação também. Eu vejo isso assim mais nas pes-
soas, quando eu olho as pessoas, assim: olha , ela tá mexendo isso...”216.
210
Flávio. Londrina. Entrevista concedida a L. Cesconetto em 29/05/2000.
211
Flávio. Londrina. Entrevista concedida a L. Cesconetto em 29/05/2000.
212
Flávio. Londrina. Entrevista concedida a L. Cesconetto em 29/05/2000.
213
Flávio. Londrina. Entrevista concedida a L. Cesconetto em 29/05/2000.
214
Na época da oficina Alexandre tinha 21 anos e cursava o 3° ano na Universidade Estadual de Londri-
na. Antes disso fazia teatro amador. Nunca havia estudado a utilização de máscaras ou feito algum tra-
balho corporal sistemático.
215
Alexandre. Londrina. Entrevista concedida a L. Cesconetto em 30/05/2000.
216
Margareth. Londrina. Entrevista concedida a L. Cesconetto em 31/05/2000.
80
CAPÍTULO III
CRÍTICA DE RESULTADOS
1.1. As regras
“Segura-se a máscara com a mão esquerda, pelo queixo, a outra mão segurando o elástico, posi-
cionado mais ou menos na altura das têmporas, que manterão a máscara no rosto. Primeiro tempo:
veste-se a máscara como um chapéu, o elástico se encontrando na altura da nuca. Segundo tempo,
baixa-se a máscara sobre o rosto. Executar esses dois tempos sem hesitação”217.
Sobre esse ritual, vimos que Dullin diz o seguinte: “Nada me parece mais irritante
do que ver um aluno saltar sobre uma máscara e utilizá-la como um palhaço o faria com
uma máscara de carnaval. Temos a impressão de um sacrilégio. Porque a máscara tem
um caráter sagrado218.
217
CHANCEREL, op. cit., 1946, p. 131-132.
218
DULLIN, op. cit., p. 122 – trad. de L. Cesconetto.
81
A respeito deste contato do ator com a máscara, Odette Aslan diz o seguinte:
“A máscara de Teatro, quer queira quer não, faz ainda referência a uma vaga noção de sagrado,
mesmo no século XX. Ao menos para um certo número de praticantes, tais como Dullin ou os ato-
82
res de Strehler. O ator, desembaraçado na relação com qualquer acessório ou elemento do vestuá-
rio, hesita quando se trata de uma máscara: ele a toma em geral delicadamente para colocá-la ou
retirá-la, coloca-a sobre sua mesa de maquiagem, e protege a sua volta. Em cena ele não toca a
máscara de seu parceiro. Esta máscara é um elo misterioso com um não sei o que de oculto, é tam-
bém uma segunda pele que a gente guarda e que guarda sua impressão mais íntima, um duplo, se-
dutor ou terrificante, do qual a gente pensa se apoderar e que, às vezes nos pega”219.
“Quando chegaram [as máscaras balinesas], o ator balinês que estava conosco as desembalou. To-
dos os atores, como crianças, se precipitaram em direção às máscaras, colocaram-nas, começaram
a rir às gargalhadas, a olhar-se uns aos outros, a mirar-se no espelho, a brincar - dançaram, tais
como crianças quando se lhes abre uma arca repleta de fantasias. Olhei para o ator balinês. De-
monstrava estar consternado; permanecera de pé ali, chocado - porque, para ele, as máscaras eram
sagradas. Lançou-me um olhar de súplica, e eu interrompi bruscamente todo mundo, proferindo
algumas palavras para lembrar que esses não eram apenas brinquedos. Pelo fato de nosso grupo já
ter trabalhado durante bastante tempo com formas diferentes, existia nele um respeito potencial; o
que ocorrera era que, de forma tipicamente ocidental, o pessoal se esquecera disso. Todo mundo
estava demasiadamente entusiasmado e excitado, mas , à menor observação, todos entraram nos
eixos"220.
Nesse exemplo vemos que, num primeiro contato, as pessoas pegaram nesses ob-
jetos com total desembaraço e espontaneidade e que, só depois que lhes interditaram de
agir assim é que aprenderam a maneira de se relacionar com a máscara: passaram a
manter certa distância ou respeito. O processo de ensino/aprendizagem dessa relação fi-
cará ainda mais evidente nos itens que seguem.
Essa regra foi ensinada no curso com o grupo Moitará e quando um aluno pergun-
tou o porque da restrição, obtivemos uma resposta de acordo com o que diz Dario Fo
sobre este aspecto: “Assim que a tocamos, ela desaparece. A máscara se corrompe, tor-
219
ASLAN, op. cit., 1988, p. 280 - trad de L. Cesconetto.
220
BROOK, op. cit., p. 291- 292.
83
na-se um acessório depreciativo. Ver as mão sobre uma máscara a destrui; é insuportá-
vel”221.
Havia, contudo, além destes motivos que foram explicitados, outros motivos, im-
plícitos. Percebíamos isso pelo tom de voz dos orientadores e na velocidade deles em
corrigir o erro. Quando eu estava colocando pela primeira vez a máscara, durante a ofi-
cina, falei estando com a máscara no rosto. Eu disse que ela me machucava o nariz. I-
mediatamente Rettl me solicitou parar de falar, me ensinando, através de seu tom de
voz, da firmeza de suas palavras, que aquele comportamento era proibido.
Essa restrição foi colocada durante a oficina com o grupo Moitará quando um alu-
no avançou muito em direção à platéia. Todos entenderam, pela experiência, e pela ex-
plicação dos orientadores, que se o ator com a máscara avança além de certo limite, o
221
FO, Dario. Le gai savoir de l’acteur. Paris: L’Arche, 1990. p. 48
84
espectador perde a visibilidade do ator. Estava evidente aí que era uma restrição em
função das condições de visibilidade do jogo teatral pela platéia.
Essa restrição nos foi colocada durante o curso em Londrina quando começamos
com os exercícios sobre o despertar da máscara. Neste trabalho, começávamos deitados.
Era muito possível tocar com a face da máscara no chão. Nos foi colocada a restrição
porém não houve explicação do por que da regra.
Essa regra me chamou a atenção em uma oficina orientada por Maria Thaís Li-
ma222. Havíamos acabado de utilizar a máscara e ela estava suada. Maria Thaís nos ori-
entou a pendurá-las em ganchos que estavam na parede. Algumas pessoas colocaram as
máscaras com a face voltada para a parede. Ao ver isso, a orientadora solicitou que as
desvirassem. Perguntei o porque desta restrição, e Maria Thaís me deu a seguinte res-
posta: “porque uma máscara com a face para baixo significa que a máscara está morta.
Isto vale para todas as culturas que utilizam a máscara, que trabalham com a máscara”.
Lendo sobre a máscara neutra em Lecoq, identifiquei esse mesmo discurso: “em
todos os países do mundo, jogar uma máscara no chão e sobretudo vê-la estendida, sem
223
movimento, repousando sobre seu nariz, não é suportável. É sinal de morte” . Supo-
nho que Maria Thaís tenha aprendido essa racionalidade com Lecoq, já que estudou
com ele por um curto período.
222
A oficina “Da máscara neutra à biomecânica” foi oferecida durante o Festival de Teatro Isnard Azeve-
do de 2000, em Florianópolis.
223
LECOQ, op. cit., 1988, p. 265.
85
bre Lecoq. É possível supor, portanto, que a regra ensinada na oficina em Londrina vem
em função do respeito a esta racionalidade metafísica224 sobre a máscara.
No curso oferecido pelo grupo Moitará, o que fazíamos com a máscara, era basi-
camente um roteiro de ações que ia se tornando a cada dia mais complexo:
• Ir do ponto zero ao ponto fixo, dar um passo à frente, voltar ao ponto zero;
224
A racionalidade metafísica se sustenta na interpretação dos fatos. De acordo com esta racionalidade, o
que acontece fisicamente é manifestação de algo que acontece em outro lugar que não o físico. O que
acontece no plano físico é uma mensagem do que ocorre em outro lugar, um lugar oculto.
86
• Partir do ponto zero, ir para o ponto fixo, girar 180° (procurando o lugar de
onde foi emitido o som), olhar para um ponto distante na linha do horizon-
te, voltar o olhar para o centro da platéia, ir com o olhar para o primeiro da
fila, olhar um por um até o último, voltar o olhar ao centro, olhar o ponto
distante, retornar ao ponto inicial e depois ao ponto zero;
• Virar-se ao som da nota musical, olhar a platéia, olhar o objeto (uma ca-
deira), dar um passo em sua direção, olhar a platéia, olhar o objeto, subir
na cadeira, olhar a platéia, acompanhar o ponto fixo fazendo uma volta de
180°, retornar o olhar ao ponto zero.
Esses roteiros deveriam ser executados com uma utilização particular do corpo,
como já dissemos anteriormente: o corpo mais tonificado do que no cotidiano, mais len-
to, oposições em todas as ações, movimentação em bloco (cabeça, tronco, pernas). A-
lém disso, como nos foi orientado, deveríamos nos manter em “um estado de percepção
pura”, “sem pensar”. É assim que posso resumir o que nos foi ensinado.
Este trabalho proposto pelo grupo Moitará tem algumas semelhanças com o exer-
cício descrito por Chancerel mas difere muito da proposta de Copeau. Por exemplo, to-
do o trabalho coma figuração feito na escola do Vieux-Colombier levava ao estudo da
variação dinâmica do movimento. No trabalho desenvolvido pelo grupo Moitará, com a
máscara neutra, não se estuda essa variação dinâmica.
87
Cabe aqui averiguar o que Eldredge diz a este respeito: propõe que não se diga ao
aluno o que é um corpo neutro, como é este corpo. Não oferece modelo. Ela trabalha a
partir de uma máscara de papel, com buracos para os olhos, apenas que dê a idéia de
rosto humano. Ela trabalha assim porque defende que não é possível se fazer uma más-
cara totalmente neutra, e portanto um corpo neutro. Diz que a máscara neutra utilizada
na escola de Lecoq, por exemplo, tem uma fisionomia européia e portanto não é neutra
(na escola de Lecoq diferenciam as máscaras em femininas e masculinas). A autora
constata que as máscaras neutras variam de professor para professor, de acordo com o
que entendem por neutralidade. Diante dessa verificação, Eldredge prefere sugerir aos
alunos que busquem, individualmente, o que seria o corpo neutro, ações neutras e mes-
mo uma “mente” neutra, a partir das máscaras que têm para trabalhar: máscaras simétri-
cas, sem expressão de emoção, sem definição de gênero, sem boca para falar, idênticas
na estrutura. As máscaras aqui são o parâmetro de neutralidade a partir do qual os alu-
nos vão tentar se movimentar.
225
COPEAU, Jacques. apud RUDLIN, op. cit., p. 113 – trad. de J. R. Faleiro.
88
coisa que vê com novos e inocentes olhos sem antecipação, como se fosse pela primeira
vez”226.
O corpo neutro, tal qual aprendemos com o grupo Moitará, é o corpo alinhado do
ponto de vista anatômico. Nesta posição o corpo fica ereto com a cabeça para a frente,
braços ao lado do tronco com as palmas viradas para o tronco, os ombros estão no
mesmo nível, não caem para a frente nem para trás, a bacia está encaixada permitindo à
coluna um posicionamento no eixo, sem lordose excessiva, sem projeção dos ombroa à
frente, os pés se posicionam no chão na linha dos quadris, apontam para a frente, os joe-
lhos estão alinhados com o segundo dedo dos pés.
226
ELDREDGE, op. cit., p. 58.
227
HAMILL, Joseph; KNUTZEN, Kathleen M. Bases biomecânicas do movimento humano. São Paulo:
Manole, 1999, p. 11.
89
“...a campos como os da religião, da magia e dos ‘poderes’, a funções como as do bruxo, padre ou
xamã mas também ator, orador, chefe, dançarino. Estas técnicas necessitam de uma aprendizagem
mais ou menos formal, se desenrolando em um longo tempo ou período bem determinado: elas in-
fluenciam o status daquele que as utiliza, lhe conferindo um poder social, imaginário ou real. Ge-
ralmente constata-se um desvio do uso ‘normal’ do corpo, uma alteração dos ritmos, das posições,
das utilizações da energia, da dor e do esforço que pode se estender ou não à toda atividade de um
grupo ou de uma pessoa”230.
“São públicas todas as técnicas que se referem essencialmente a uma projeção da presença, a uma
ação que necessita testemunhas (...) . Essas técnicas têm por primeiro objetivo (...) a amplificação.
Amplificação da ação, amplificação da comunicação mas sobretudo amplificação da presença, do
simples fato de ser”231.
“...Trata-se em geral de atividades que não pertencem à vida cotidiana ‘normal’ dos membros de
uma cultura mas que podem ser o trabalho de cada dia e mesmo a atividade principal de um indi-
víduo. Elas não são feitas para serem vistas mas seu caráter privado pode ir do segredo mais impe-
228
VOLLI, Ugo. Techniques du corps. In: BARBA, Eugênio; SAVARESE, Nicola. Anatomie de
l’Acteur:Un dictionnaire d’anthropologie théâtrale. Domaine de Lestanière: Bouffonneries Contrastes,
1985, p. 113 – 123.
229
VOLLI, op. cit., p. 116.
230
VOLLI, op. cit., p. 117.
231
VOLLI, op. cit., p. 117.
90
netrável à simples indiferença coletiva. Segundo esta definição encontraríamos muitos exemplos
destas técnicas pessoais: o treino de um atleta e a meditação de um monge, os exercícios de um
músico e a longa aprendizagem das artes marciais (...) o treino de um ator”232.
Então, voltando à técnica da máscara neutra ensinada pelo grupo Moitará, identi-
fico-a, dentro do universo definido por Volli, como uma técnica corporal extra-cotidiana
pessoal.
Para chegar a essa neutralidade, nesse padrão, o aluno precisa deixar de agir como
age em seu cotidiano. Aqui começamos a entender como o conceito de neutralidade se
relaciona com o conceito de despersonalização, tal como ele é entendido no grupo Moi-
tará. São duas faces da mesma moeda: para chegar a um certo padrão de movimento (a
neutralidade) eu preciso deixar de lado a minha maneira cotidiana de agir (despersonali-
zação).
“Eu disse mais acima que estes exercícios levam a uma despersonalização forçada do ator, sim, já
que ele vai desta vez compor em parte do exterior, como o dançarino que trabalha na frente de um
grande espelho; seus movimentos não serão mais comandados por suas próprias sensações mas e-
xigidos por esta ‘máscara’ que substitui a personalidade dele pela sua [da máscara]. É a arte da
composição por exelência; o ator se tornará forçosamente mais objetivo, mais mestre da sua arte...
232
VOLLI, op. cit., p. 119.
91
Seus tiques, seus hábitos, suas manias que tinham um charme na vida cotidiana desaparecerão
pouco a pouco e só reaparecerão como materiais de construção e não como construção em si”233.
“Na percepção, estamos pura e simplesmente na contemplação do objeto, não há mediação de ne-
nhuma espécie, não há reflexão, nos limitamos em destacar uma forma sobre um fundo e nada
mais que isso (...) este modo irreflexivo é mais comum em crianças com menos de um mês de vida
ou em casos de crise de ‘esquizofrenia’, onde a pessoa é levada pelos objetos que percebe, não
pensa no que está fazendo. Não há, portanto, uma identidade demarcada, nem há como reconhecer
uma personalidade estruturada numa pessoa absorvida messe modo de relação com o mundo”235.
233
DULLIN, op. cit., p. 125- tad. de L. Cesconetto.
234
FRANCISCO, Paulo Roberto. Psicologia: Ciência e Objeto. In: BERTOLINO, Pedro et. al. A Perso-
nalidade: Cadernos de formação. Florianópolis: Nuca Ed. Independentes, 1996.
235
FRANCISCO, op. cit., p. 33.
92
cepção todos os objetos têm o mesmo valor. É esta relação com as coisas que buscam os
que meditam, por exemplo. Buscam um estado de contemplação onde o pensamento não
esteja presente. Na percepção não haverá nunca reflexão, só contemplação. O objeto de-
termina a consciência. Ela (a consciência) vai onde o objeto chamar. Quando se está
nessa atitude, não é possível respeitar regras. Ter que colocar regra na sua relação com
as coisas já é reflexão. Esta relação de percepção com o mundo é, portanto, mais co-
mum em crianças com menos de um mês, em pessoas com crise de esquizofrenia e em
animais236.
Relatei para Francisco a situação que descrevi acima, a fim de elucidar a questão
da percepção presente no ensino com a máscara neutra. O autor explicou que uma vez
que não sou mais criança, não posso saber como é que seria a reação espontânea àquele
estímulo por parte da criança. Só posso pensar isso, supor como seria. Disse ainda que
mesmo que fosse possível conhecer como uma criança reagiria, esta reação (que eu vou
ter no trabalho com a máscara) vai ser sempre reflexiva, posto que mediada pelo conhe-
cimento de como a criança reagiria.
236
FRANCISCO, Paulo Roberto. Florianópolis. Entrevista concedida a L. Cesconetto em 20/05/2001.
93
Então, neste tipo de trabalho que está sendo proposto pelo grupo Moitará, não há
como escapar da reflexão. Podemos ter momentos de percepção sem reflexão, mas estes
momentos são curtos visto que temos que estar atentos às regras que estamos aprenden-
do. Segundo Francisco, o que seria possível é estar em relação com os objetos sem o po-
sicionamento do eu para a consciência. O objeto está posto para a consciência, mas não
o eu. Neste caso, estamos em uma relação espontânea com o mundo, o que não significa
que não exista reflexão. O nome científico deste tipo de relação é consciência reflexiva
espontânea. O que é possível propor com o trabalho da máscara neutra, é uma neutrali-
zação do eu, isto é, não posicionar o eu para a consciência. Quando estamos em uma re-
lação com o mundo em que o eu está posicionado para a consciência, nos vemos fazen-
do determinada coisa, atuando por exemplo. Neste caso, trata-se de uma consciência re-
flexiva crítica. Quando o eu não está posicionado para a consciência, estamos em rela-
ção espontânea com as coisas, com o mundo, não me vejo fazendo tal coisa.
Constatei que essa questão está presente na pedagogia de Copeau. Em Appels, ele
aborda o drama do ator, o martírio que vive por estar sujeito a não sentir o que faz, por
estar sujeito a ser “devastado pela seca em um desses terríveis momentos onde ele se
ouve falar, onde ele se vê atuando, onde ele se julga e, quanto mais se julga, mais se
perde”237.
Identifico que, nos termos da psicologia científica, o que Copeau esta apontando
como sendo um momento dramático para o ator, é o momento em que, em cena, ele tem
o eu posicionado para sua consciência. O ideal, portanto, segundo Copeau, seria que o
ator se mantivesse na consciência reflexiva espontânea, sem posicionar o eu para a
consciência, absorto em seu trabalho, assim como fica o sapateiro na descrição de Van
Den Berg238 :
“Freqüentemente, nós é que somos os objetos. O sapateiro perde consciência de si mesmo. Está
absorto em seu trabalho, transforma-se no sapato que está remendando; se assim não fosse, seria
melhor que parasse de trabalhar. O escritor transforma-se em seu romance, se é que deseja escre-
ver bem. O matemático transforma-se em seu problema, penetra nele e só se libera dele quando
consegue solucioná-lo”239.
237
COPEAU, op. cit., 1974, p. 207.
238
VAN DEN BERG, J. H. O paciente psiquiátrico. São Paulo: Mestre Jou, 1973.
239
VAN DEN BERG, op. cit., p. 68.
94
2. Como se ensina
De acordo com Copeau, a figuração, isto é a imitação dos sentimentos, das formas
plásticas, dos animais, dos elementos da natureza, deveria se fazer com base na cópia do
real e não na cópia de um movimento dado, fixado de antemão.
“(O ator) sempre começará por imitar, imtar de muito perto, perto demais, mas pelo menos que tra-
te da natureza, diretamente e que não se inspire em um movimento dado, fixo de antemão, mas.
que o seu próprio movimento o arraste e empurre, que um estado fisiológico pessoal o dirija”240.
240
COPEAU, op. cit., 1996, p.44.
95
Antes de irmos para a prática, um dos membros do grupo fazia uma demonstra-
ção. Através dessa demonstração entendíamos que a prática consistia em: andar com
uma energia maior que a usada no cotidiano; trabalhar oposições no corpo; nos mover
em tempo lento; o olhar deveria ir de um ponto a outro de forma direta, sem vacilar; de-
veríamos pôr pausas entre a chegada do olhar num ponto e a partida para outro ponto;
estas pausas não deveriam extrapolar três segundos.
Durante a execução dos exercícios, recebíamos correções com estas: “Você não
está pontuando; - Seu corpo está cotidiano; - Você não está indo com o corpo todo em
direção ao som que ouve; - Você não está sentindo o toque com o corpo todo”.
Direção expressa: neste caso o orientador dirige o aluno expressamente. Diz a ele
o que fazer detalhadamente. Com a direção expressa, o aluno já sabe o que vai realizar.
Já está expresso, demarcado, delimitado. Neste caso o professor garante a realização
daquilo que está programado. Em todos os exercícios propostos em Londrina encontra-
mos esse tipo de direção.
Vou expor uma situação bem concreta que ocorreu no curso para então prosseguir
a discussão sobre estes tipos de intervenção a fim de avaliar as conseqüências de cada
uma pensando a realidade concreta dos alunos no curso em Londrina.
“Pra mim, aquilo, assim, é uma coisa livre. Eu vou experimentar; eu enquanto ator eu vou experi-
mentar as possibilidades com a máscara. Aí, o que é que eu fiz. Eu despertei, eu sentei só que eu
me levantei. Eu não fiquei só sentado. Eu senti a necessidade. Veio o impulso, eu olhei pra cima e
fui, segui aquele impulso e me levantei. Aí depois me sentei. Aí o Venício, logo depois, ele co-
mentou: ‘vá até o sentar, não levante’. (...) Eu falei [pensei]: ‘pôxa, então é uma regra: deita e sen-
ta. Senta e deita. Pronto. Não levante’. Já vai contra aquele princípio: você está sendo estimulado
por um ponto e vá até ele. Se este ponto te estimula a ir até ele, eu vou fazer isso. Eu fiz isso”241.
O que aconteceu aqui? O aluno tinha uma direção expressa e outra tácita. O aluno
entendeu a direção tácita como pôde e resolveu seguir o seu impulso. Porém, na avalia-
ção Fonseca cobrou o respeito a uma restrição (regra) que não estava expressa e descon-
siderou que o aluno estava seguindo a orientação tácita que havia sido dada.
241
Flavio. Londrina. Entrevista concedida a L. Cesconetto em 29/05/2000.
97
Com alunos iniciantes, que não dominam a técnica, o que supõe a direção tácita?
Neste caso, esta direção só pode supor que o aluno transcenda a técnica, crie, se solte,
seja espontâneo.
Então, utilizar uma direção tácita com alunos iniciantes, o que supõe, como vi-
mos, uma transgressão da técnica, e depois dizer “não, você não podia levantar” (isto é,
cobrar a realização do exercício dentro de determinada regra que não foi explícita deta-
lhadamente) é um equivoco didático. O professor está aí cobrando algo que contraria
sua própria intervenção pedagógica inicial. Corre o risco de criar no aluno uma insegu-
rança: que orientação irá seguir?
Agora, se o professor pretende que o aluno não ultrapasse a técnica, deve utilizar
uma direção expressa. Neste caso, está correto ele dizer “não, você não podia se levan-
tar”, isto é, está correto ele cobrar a realização do exercício dentro das regras expressas
detalhadamente. Se o aluno ultrapassou (se soltou, tentou criar, foi além), relativamente
à técnica, isso só pode ser tomado como um erro por quem estiver na expectativa de que
o aluno haja assimilado a técnica e consiga executá-la, respeitando-a.
Podemos perguntar finalmente: A intervenção tácita, para o aluno, para aquele que
está aprendendo, que ainda não sabe fazer, é um bom instrumento? Para responder a es-
ta questão é necessário lembrar qual a conseqüência desse tipo de intervenção pedagó-
98
gica: a transgressão por parte do aluno. E aqui surge uma nova pergunta: como este alu-
no vai transcender algo que não conhece?
Como já vimos, o trabalho com a máscara neutra supõe uma técnica que contém
certa abertura. Como lidar com as aberturas que esta prática supõe? Fazendo uma dire-
ção expressa ou fazendo uma direção tácita? Até onde está claro o limite destas abertu-
ras? Está claro ou não está? Se está claro até onde deve ir essa abertura, então o aluno
tem que saber até onde vai o limite. Se não está claro, então quem dirige vai ter que de-
cidir que tipo de direção vai usar, sabendo das conseqüências de cada um. Vai ter que
decidir em que momento do processo de ensino/aprendizagem é possível ou convenien-
te usar uma ou outra direção, levando em conta com quem está trabalhando, se com ato-
res ou com alunos.
3. Como se avalia
• não está sempre com as oposições: ao levantar demonstrou seu esforço de atriz;
99
• ainda está pouco precisa: cabeça/corpo têm que estar juntos. Às vezes a cabeça finalizou e
o corpo ainda não;
• o tempo de ir de um ponto para o outro ainda é lento, ainda é o tempo da atriz” 242.
Em todas essas avaliações, a orientadora está informando o que o aluno fez, mos-
trando quando ele realizou bem o exercício e quando não o fez. Está dando um retorno
para que o aluno possa melhorar no próximo exercício. A orientadora é objetiva ao di-
zer: “o tempo ainda é lento”. Está falando do tempo que o aluno leva para executar a a-
ção. Não está dizendo que o tempo é lento e isso revela que o aluno pensou, não está di-
zendo que a causa de ele não ter feito no tempo certo foi o fato de ter pensado. Não esta
avaliando em termos de causa-efeito. A orientadora não está remetendo o que ocorre em
termos de movimento a uma suposta interioridade do ator.
Uma situação: o orientador, Fonseca, diz que o aluno fez uma inclinação da cabe-
ça, o que dá uma intenção. Em seguida acrescenta: “isto, inconscientemente é um este-
reótipo de doçura”.
Fonseca está fazendo uma interpretação ao dizer que o movimento do aluno revela
algo de seu inconsciente, revela algo que está escondido em outro lugar. Isso aqui signi-
fica aquilo lá (o que ocorre na interioridade do ator). Não faria uma interpretação se dis-
sesse: “esta sua inclinação de cabeção pode ser lida pelos espectadores como doçura”.
Outra situação: fiz o exercício de girar os 180° num tempo mais lento do que o
esperado. Fonseca corrigiu: “falta decisão, estás pensando”.
242
Para referências, ver p. 103-106.
100
cado para o aluno primeiro porque este sabe que não tem como deixar de pensar, então
ele não sabe muito como resolver o problema. Refiz o exercício simplesmente mais rá-
pido e o orientador disse: “ótimo”. Estava ótimo e eu não deixei de pensar. Então o pro-
blema não era estar ou não pensando, mas sim estar ou não no tempo certo.
Outra situação: depois de eu ter feito o exercício em que damos uma volta de
180°, Rettl corrigiu: “...um pé que vai antes girando para a direita em vez de ir com o
corpo todo revela que o ator pensou”.
Dizer que se o ator move o pé antes é revelação de que pensou, também é inter-
pretação. No que este tipo de intervenção contribui para o aluno melhorar o exercício?
Ele vai ficar o tempo todo tentando parar de pensar e não vai conseguir, visto mesmo
que tentar parar de pensar já é pensar. Em uma situação de aprendizagem inicial de
qualquer técnica corporal é impossível ser espontâneo. Só é possível ser espontâneo de-
pois que dominamos a técnica, depois que ela faz parte de nosso ser.
Neste caso, para se fazer uma avaliação objetiva, o que se poderia dizer é que, pa-
ra o espectador, um pé que vai antes pode ser lido como a máscara pensou, ou a másca-
ra analisou. Mas isso é leitura do espectador e pode variar. O espectador não está ten-
tando ver o que se passa dentro da cabeça do ator. Uma avaliação objetiva se preocupa
com o que ocorre entre palco e platéia e não em investigar o que ocorre dentro da cabe-
ça do ator.
Uma das conseqüências da avaliação subjetiva é que o ator pode ficar confuso,
porque o professor faz uma avaliação dele e não do seu trabalho. Fala da doçura que o
aluno traz inconscientemente e não do seu trabalho concreto, ou seja, da inclinação da
cabeça. Está avaliando se o ator está ou não pensando, e não está avaliando se a ação
que ele realiza é coerente com o conceito de neutralidade. É possível que o aluno nem
aprenda se ficar preocupado com a doçura estereotipada que o professor diz que incons-
cientemente ele tem ou com o fato de não conseguir parar de pensar.
101
CONSIDERAÇÕES FINAIS
1. Constatações
A partir das verificações feitas, constatei que o trabalho com a máscara neutra é
uma prática que possibilita uma formação fundamental ao ator e que tem suas limita-
ções. É fundamental porque ensina ao aluno um tipo de postura, de movimento e de re-
lação do ator com as coisas (objetos, platéia, o outro na cena) que é suporte para qual-
quer construção de movimento, de personagem, de relação na cena. A neutralidade é um
ponto de partida.
Verifiquei ainda que não há uma forma única de trabalhar com a máscara neutra,
mas várias. Como vimos, a proposta de Copeau, por exemplo, é bastante diferente da
proposta do grupo Moitará. Cada trabalho alcança certos objetivos. Alguns são em co-
mum, outros são bastante diferentes. Por exemplo: Copeau e Lecoq trabalham com a fi-
guração dos elementos da natureza. Com esta proposta, vão possibilitar ao aluno o do-
mínio de diferentes dinâmicas do movimento. O grupo Moitará não trabalha com a figu-
ração, portanto não vai alcançar, no ensino com a máscara neutra, o domínio da varia-
ção dinâmica do movimento. Apesar das diferenças, podemos encontrar objetivos co-
muns a todas as metodologias: - ganhar precisão no movimento pautado em uma idéia
de neutralidade estipulada e proposta aos alunos e que supõe no mínimo: simetria, equi-
líbrio, não definição de gênero243, ausência de emoção, eliminação de idiossincrasias; -
valorizar a percepção, a relação sensorial com as coisas e os outros.
243
Apesar de Lecoq utilizar máscaras femininas e masculinas, ele não está propondo com isso uma dife-
renciação na movimentação. Com, essa distinção, ele pretende respeitar as diferenças anatômicas.
102
Constatei também que não é possível encontrar um único corpo neutro. O corpo
que chamamos de neutro é um padrão construído a partir de certos princípios, de uma
idéia consensual. O que se faz portanto com esta técnica é tentar afinar (como afinar um
instrumento musical) o corpo em movimento dos alunos-atores com base em um padrão
que será igual para todos que estão trabalhando juntos. Este padrão pode ser uma más-
cara que chamamos de neutra, um corpo em movimento que chamamos de neutro ou um
conceito de neutralidade. Poderemos afirmar que o aluno alcançou a neutralidade se ele
se aproximou do padrão estipulado como neutralidade.
O trabalho com a máscara neutra não forma corporalmente apenas, mas prevê um
engajamento específico da consciência, também. Quando, no trabalho com a máscara
neutra, busca-se a consciência reflexiva espontânea, ou seja, a neutralização do eu ou
ainda o não posicionamento do eu para a consciência, esta é uma tentativa de localizar
a consciência no trabalho do ator.
Com relação à prática observada, constatei que o grupo Moitará, na oficina ofere-
cida em Londrina, ao ensinar o trabalho com a máscara neutra, estava ensinando uma
técnica corporal extra-cotidiana. O trabalho se pauta em regras precisas. O ensino deu-
se através de explicações orais, com direção expressa ou tácita, e também através da
demonstração técnica que tinha a função de modelo para os alunos. O trabalho consiste
em dominar a técnica corporal e agir espontaneamente, criando uma figura neutra, uma
figura que não tem nem passado nem futuro, que descobre o mundo pela primeira vez,
sem pensar. O aluno devia, portanto, trabalhar com uma consciência reflexiva espontâ-
nea, ou seja, sem o posicionamento do eu para a consciência. Na oficina oferecida pelo
103
Moitará há uma sacralização da máscara. Esta relação com a máscara existe por parte
dos ministrantes e é ensinada aos alunos. A correção e a avaliação do trabalho se dá a-
través do contato direto no corpo do aluno, tocando-o para colocá-lo no lugar e através
de comentários orais. O trabalho dos alunos é avaliado em alguns momentos de forma
objetiva e em outros momentos de forma subjetiva.
• Ter controle corporal: utilizar o corpo de uma forma particular que não é
nem cotidiana nem naturalista, e que prevê:
eliminar tensões;
pontuar uma ação com a pausa, fazendo com que a ação tenha
começo, meio e fim;
104
economizar movimentos;
• Valorizar a percepção.
Com relação ao trabalho com a máscara neutra proposto por Copeau, constatei
que também era ensinada por eles uma técnica corporal porém não era oferecida uma
demonstração técnica. Dullin, um de seus colaboradores, tinha uma relação com a más-
cara como sendo um objeto sacro. Copeau tinha uma relação com o teatro em si como
algo sagrado. Para a avaliação do trabalho, propunham a observação por parte dos alu-
nos que estavam na platéia e o comentário destes com relação aos efeitos produzidos pe-
los movimento do aluno que trabalhava com a máscara. Copeau estava buscando tam-
bém a espontaneidade do aluno dentro do trabalho técnico, o que ele chama também de
naturalidade.
Com esse trabalho, Copeau não estava buscando alcançar apenas ganhos técnicos.
Fica evidente por toda a sua teoria e particularmente no que diz respeito à ética nortea-
dora de seu trabalho, que ele se preocupava em colocar o ator como sujeito em cena, o
105
ser em cena. A técnica da máscara neutra era estratégia metodológica da escola, foi um
meio de formação do ator. Copeau, estava preocupado em estruturar o caminho pedagó-
gico da formação, formar técnica e eticamente profissionais para um determinado tipo
de teatro. O aluno que passava pela escola tinha a possibilidade de entrar para a Cia. do
Vieux-Colombier, havia um futuro para este aluno. Esses são os elementos que singula-
rizam o projeto de Copeau e que fazem dele um alvo de estudo necessário o hoje.
Dario Fo, em seu livro Le gai savoir de l’acteur244, levanta também a questão da
ética. Ele confirma a necessidade de o ensino de uma técnica estar sustentado em um
projeto profissional, de vida: Fo propõe que alunos e professores se perguntem “para
que ele quer aquela técnica, para fazer o que?”. O autor alerta para o perigo em se a-
prender servilmente as técnicas descontextualizadas de um projeto (moral, ideológico,
dramatúrgico), diz que assim se criam robôs vazios, seguidores do mestre, sem persona-
lidade. Fo alerta para o perigo da falta de decisão por parte do aluno.
Quando Copeau diz que o aluno-ator tem que escolher o texto ou ser autor do ro-
teiro, ele estava educando seus alunos para que se movessem puxados por algum desejo
próprio, por uma decisão, como diz Dario Fo. Copeau educa para formar um ator que
saiba porque está em cena. Mesmo trabalhando tecnicamente, há um esforço em não re-
cortar o corpo do ator. Ele não quer simplesmente o aluno especializado na técnica.
Quer formar seres humanos inteiros defendendo que “todas as grandes transformações
no teatro decorrerão daí”. Em Copeau, é da força do ser, ser um entre os outros, com de-
sejos próprios, que surge a presença cênica. Não basta ter técnica, saber trabalhar com
as oposições tecnicamente, com os vetores de força no corpo. Copeau, neste sentido,
não está pretendendo que o ator simplesmente tenha presença, mas sim que ele seja
uma presença e para ser presença, é preciso ser alguém que se move para algum lugar
no futuro.
244
FO, op. cit., p. 207.
106
máscara (em graus diferentes) e seus alunos aprendem a neutralidade. Eldredge não sa-
craliza a máscara e ensina a neutralidade.
2. Questões a investigar
Faço a seguir algumas sugestões para o trabalho prático, a partir do estudo que re-
alizei. Chamo de respostas provisórias porque essas sugestões são possíveis respostas a
algumas das questões que levantei e que precisam ser investigadas.
A autora deixa claro que não há uma neutralidade mas várias. Não trabalha com a
máscara neutra de Lecoq porque identifica nela uma fisionomia européia. Propõe traba-
lhar com uma máscara de papel onde há buracos para os olhos, um cone para o nariz,
sem boca. Isto daria uma idéia de face humana, sem especificidades de gênero, de na-
cionalidade, de emoções. A princípio, Eldredge propõe que os alunos contemplem a
máscara por algum tempo e depois falem sobre ela, sobre suas características: os alunos
colocam que ela é simétrica, não define gênero, não tem boca, etc. Depois disso os alu-
nos experimentam colocar a máscara e realizar, progressivamente, ações simples tais
como: andar, parar, sentar, deitar. A platéia observa e depois avaliam juntos o trabalho
do colega procurando estabelecer o que seria uma movimentação tão neutra quanto a-
quela máscara. O parâmetro que têm é a máscara e nada mais. Depois de trabalharem o
corpo neutro, Eldredge propõe encontrarem a mente neutra: a que não tem nem passa-
do, nem futuro, que descobre o mundo como se fosse pela primeira vez.
Afirmo que sua proposta é interessante porque ela viabiliza o ator-sujeito. Ela me-
dia o aluno para que ele seja sujeito na aprendizagem, na construção do novo padrão de
movimento. Há aqui uma proximidade com o que Copeau pretendia com o ensino do te-
atro.
108
Em segundo lugar, defendo que é importante deixar claro para o aluno que esta é
nossa maneira de entender a neutralidade, que não é a única. Sugiro mesmo deixar claro
o caminho que fizemos para chegar nesse padrão. Se usamos a demonstração técnica, o
aluno vai tentar se apropriar daquela forma particular de utilizar o corpo. Portanto, a
princípio, seria mais produtivo o professor utilizar apenas a direção expressa. Recomen-
do que só depois que o aluno tiver aprendido o básico a ponto de ser espontâneo dentro
da técnica, é que o professor utilize a direção tácita.
No curso com o grupo Moitará, uma das regras ensinadas é “não tocar na másca-
ra”. Se, porém, esta regra é ensinada sem uma explicação, o aluno respeita a regra mas
não entende o porquê desta. Acaba respeitando moralmente a regra, em termos de cer-
to/errado. Para evitar deixar o aluno prisioneiro de uma moral, proponho que o profes-
sor aproveite a ocasião de um aluno que tocou a mão na máscara durante o exercício e
pergunte aos alunos-espectadores, por exemplo, “que efeito isto tem?” Poderia assim
desencadear uma observação mais apurada por parte dos alunos-espectadores para irem
vendo as diferenças entre os momentos em que o aluno-ator não toca na máscara e a-
queles em que toca. Aprenderiam assim a falar do trabalho objetivamente, vendo as
conseqüências de uma coisa e de outra para o espectador. A partir dessa observação po-
derão identificar o que é melhor para o trabalho. Poderiam em seguida ler o que alguns
estudiosos da máscara dizem a esse respeito. Assim, o aluno não estaria simplesmente
respeitando uma formalidade, mas entendendo a necessidade daquela restrição para a
melhor realização do trabalho.
A mesma coisa poderia ser dita sobre a regra de não falar sob a máscara. Nova-
mente proponho que se evite levar o aluno a respeitar uma regra formalmente. Defendo
neste caso que nem é preciso ensinar a regra. Se o professor tiver paciência, pode espe-
109
rar que o aluno constate que falando sob a máscara não será bem entendido. Além do
que, ficará sufocado. O aluno irá, espontaneamente, levantar a máscara para falar (fiz
esta experiência em aula e foi assim que ocorreu). Mas aí, esta ação surgirá de uma ne-
cessidade concreta imposta pela materialidade do objeto e não da necessidade de respei-
tar uma formalidade exigida do exterior, do professor.
Assim como falei a respeito do ensino das regras, propondo que se aproveite a ob-
servação do alunos-espectadores para o ensino de outras questões no trabalho da másca-
ra neutra. O professor poderia fazer perguntas à platéia depois de um exercício. Por e-
xemplo: quando o aluno-ator movimenta-se de forma mais lenta, qual o efeito que isso
tem, qual a imagem que sugere? E se fizer mais rápido? O que muda, qual o significado
que a ação pode passar a ter? Estaria assim evitando a interpretação sobre o que se passa
na cabeça do ator, incentivando a observação atenta por parte da platéia e promovendo o
questionamento a respeito do conceito de neutralidade, como propõe Eldredge e com o
qual eu concordo. Se o professor explica antecipadamente essa leitura, o aluno não é so-
licitado como observador, como um observador que reflete acerca da experiência do
palco. Nesse caso, o professor não está sendo mediador do conhecimento.
245
DULLIN, op. cit., p. 124-125 - trad.de L. Cesconetto.
110
que aquele que forma profissionais do teatro esclareça aos seus alunos sobre que tipo(s)
de conhecimento(s) fundamenta seu trabalho.
111
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