Faveri, C. B. De, e Torres, M.-H. Antologias Bilingues - Classicos Da Teoria Da Traducao - Volume 2 - Frances-Portugues

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CLÁSSICOS DA.

TEORIA
DA .,t RADUÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DR SANTA CATARINA


NUT • NÚCLEO DE TRADUÇÃO
ISBN - 85-88464-03-9

ANTOLOGIA BILÍNGÜE

CLÁSSICOS DA TEORIA
DA TRADUÇÃO

VOLUME 2
FRANCÊS-PORTUGUÊS
Universidade Federal de Santa Catarina
Centro de Comunicação e Expressão
Departamento de Língua e Literatura Estrangeiras

NÚCLEO DE TRADUÇÃO
Andréia Guerini
Cláudia Borges de Faveri
Marie-Hélêne Catherine Torres
Maria Lúcia Vasconcellos
Markus J. Weininger
Mauri Furlan
Philippe Humblé
Ronaldo Lima
Walter Carlos Costa
Wemer Heidermann

Endereço para correspondência:


Universidade Federal de Santa Catarina
CCE/DLLE - Núcleo de Tradução
Caixa Postal 476 CEP 88040-900
Florianópolis -SC
Fone: Oxx48-331.9288 Fax: Oxx48-331.9988
e-mail: [email protected]

2004
ANTOLOGIA BILÍNGÜE
Clássicos da Teoria da Tradução

VOLUME II
FRANCÊS-PORTUGUÊS
Cláudia Borges de Faveri (orgs.)
Marie-Hélene Catherine Torres

Núcleo de Tradução
UFSC
Leitura e Revisão:
Cláudia Borges de Faveri
Marie-Hélene Catherine Torres
Philippe Humblé
Ronaldo Lima

Revisão final:
Cláudia Borges de Faveri
Marie-Hélene Catherine Torres
Walter Carlos Costa

Projeto gráfico e editoração:


AneGirondi

çatalogação na fonte pela Biblioteca da Universidade Federal de Santa Catarina


C614 Clássicos da teoria da tradução I Cláudia Borges de Faveri,
Marie-Hélene Catherine Torres, orgs. - Florianópolis :
UFSC, Núcleo de Tradução, 2004.
v. : 21cm - (Antologia bilíngüe)
Inclui bibliografia
Conteúdo: v.2. Francês-Português.
I. Tradução e interpretação. 2. Traduções. L Borges de
Faveri, Cláudia; Torres, Marie-Hélene Catherine.
CDU: 82=03
ÍNDICE

Prefácio _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ 9

ETIENNE DOLET

La maniere de bien tradu ire d'une langue


en autre (1540) _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ 14
A maneira de bem traduzir de uma língua
para outra _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ 15
Tradução de Pierre Guisan

JOACHIM Du BELLAY

Défense et illustration de la langue Française (1549) _ _ 24


Defesa e ilustração da língua francesa 25
Tradução de Philippe Humblé

GASPARD DE TENDE

Regles de la traduction ou moyens pour apprendre à traduire


de latin en français tiré de quelques unes des meilleures
traductions du temps (1660) 34
Regras da tradução ou meios para aprender a traduzir de latim
em francês baseadas em algumas das melhores traduções da
atualidade 35
Tradução de Cláudia Borges de Faveri
NICOLAS PERROT D' ABLANCOURT

Lettre à Monsieur Conrart - conseiller et


sécrétaire du roi (1664) _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ 48
Carta ao senhor Conrart - conselheiro e
secretário do rei _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ 48
Tradução de Teresa Dias Carneiro

JEAN LE ROND D' ALEMBERT


Observations sur I' art de traduire en général et sur
cet essai de traduction en particulier (1763) 62
Observações sobre a arte de traduzir em geral e sobre
este ensaio de tradução em particular 63
Tradução de Lea Mara Valezi Staut

CHARLES BATIEUX

Principes de la littérature (1764) 90


Princípios da literatura 91
Tradução de Orlando Nunes de Amorim e Silvana Vieira da
Silva Amorim

NICOLAS BEAUZÉE

Article "Traduction, version" de


l'Encyclopédie (1765) _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ 112
Verbete "Tradução, versão" da
Encyclopédie _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ 113
Tradução de Maria Cristina Batalha
JEAN-FRANÇOIS MARMONTEL

"Traduction" - Supplément de l' Encyclopédie (1777) _124


"Tradução" - Suplemento da Encyclopédie 125
Tradução de Cely Arena

MADAME DE STAEL
De l'esprit des traductions (1820-1821) _ _ _ _ _ _ 140
Do espírito das traduções 141
Tradução de Marie-Hélene Catherine Torres

VICTOR HUGO

Prologue à la traduction des Oeuvresde William Shakespeare


por François-Victor Hugo (1865) 154
Prólogo à tradução das Obras de William Shakespeare por
François-Victor Hugo 155
Tradução de Pedro de Sousa

MARCEL SCHWOB

Avant propos à une traduction de Catulle en vers


marotiques (1883-1886) 176
Prefácio a uma tradução de Catulo em
versos marotianos 177
Tradução de Walter Carlos Costa
MARCEL SCEWOB

De l'art de tradu ire (1903-1905) _ _ _ _ _ _ _ _ 182


Da arte de traduzir 183
Tradução de Walter Carlos Costa

PAUL VALÉRY

Variations sur les BucoJjques de Virgile (1943-1945) __ 188


Variações sobre as Bucólicas de Virgílio (1943-1945) _ _ 189
Tradução de Paulo Schiller

Notas biográficas dos tradutores _ _ _ _ _ _ _ _ 219


PREFÁCIO

Este segundo volume de Clássicos da Teoria da Tradução.-


Antologia Bilíngüe Francês-Português vem dar continuidade ao
projeto de publicação de importantes textos que versam sobre a prática
da tradução através dos tempos. Lieven d'Hulst, estudioso da teoria
e história da tradução, ao afirmar que "insight into history helps to
develop a 'culture of translation'l, aponta para a importância e
relevância de um empreendimento como este. Anthony Pym define a
história da tradução como" a set of discourses predicating the changes
that have occured or have actively been prevented in the field of
translation"2. Com esta antologia, oferecemos, pois, ao leitor, pela
primeira vez no Brasil, textos clássicos que inscrevem a história da
tradução através dos tempos.
No que tange à lingua francesa, recentemente foram publicadas
algumas antologias e críticas de textos de teoria da tradução, dentre as
quais a Anthologie de la mamere de traduirede Paul A. Horguelin (1981)
e Cent ans de théorie française de la traducHon: de Bafteux à Littré (1748-
1847}de Lieven d'Hulst (1990). No Brasil, antes de Clássicos da Teoria da
lIadução, série iniciada em 2002, com a Antologia Bilíngüe Alemão-
Portuguê~ nenhuma edição dessa natureza havia sido ainda publicada.
Optamos por uma apresentação diacrônica dos textos, o que
também pode revelar ao leitor a evolução do pensamento e das
práticas teorizadas pelos autores em períodos determinados: da
Renascença à primeira metade do século XX, passando pelo século
das "belles infideles", o século das luzes (o mais representado nesta
antologia), chegando finalmente aos séculos XIX e XX. Alguns textos
estão reproduzidos em sua versão integral, outros, em excertos que
privilegiam o mais representativo do pensamento de seus autores
com respeito ao tema. A ausência de escritos da época medieval, apesar
do considerável volume de traduções praticadas no período, deve-se
ao número modesto de textos teóricos sobre tradução realizados à
época em língua francesa. A seleção textual ancorou-se, sobretudo,
em dois fatores: representatividade histórica e acessibilidade. Em
outros termos, os textos aqui compilados e traduzidos são
representativos de um certo pensamento vigente em uma determinada
época sobre a atividade tradutiva e, por questões de ordem mais
prática, são também textos aos quais pudemos ter acesso, seja via
bibliotecas, seja via Internet. Além desses critérios, os textos escolhidos
são fruto de uma eleição idiossincrática, essência de toda antologia.
A França da Renascença contribuiu para o desenvolvimento da
tradução. Com a expansão da imprensa, a coroa fomenta a tradução,
em parte graças ao decreto real de Villers-Cotterêts (1539), pelo qual o
rei François I impõe a "língua materna francesa" aos atos oficiais e
jurídicos, até então redigidos em latim3 . No início do século XVI as
traduções são em sua maioria indiretas. A tradução direta do grego ao
francês, por exemplo, é inaugurada pelos tradutores-poetas da
PléÍade. Da mesma época são os primeiros escritos teóricos, de maior
envergadura, sobre a tradução, dentre os quais destacam-se dois textos,
presentes nesta antologia: La maniere de bien tradwre d /une langue
en autre (1540) de Dolet, e Défense et jJlustration de la langue française
(1549) de Du Bellay. Como o leitor poderá comprovar, estes textos
representam duas escolas de pensamento que se enfrentavam; a de
Dolet, que defendia uma certa deontologia da tradução, e a de Du
Bellay, que criticava incisivamente a atividade tradutória, julgando-a
subalterna e necessariamente destinada ao fracasso, em razão da
natureza intraduzível do estilo.
No século XVII, a língua francesa tornou-se um instrumento
literário, favorecida pela sua codificação e pela fundação da
Academia Francesa em 1634. O texto de Gaspard de Tende, Regles
de la traduction ou moyens pour apprendre à traduire de latin en
français tiré de quelques unes des meilleures traductions du temps,
de 1660, é considerado como um dos primeiros tratados sobre
tradução em língua francesa . Apesar de pouco conhecido
atualmente, mesmo entre os especialistas, de Tende é um dos
primeiros, senão o primeiro, a dar a um texto sobre tradução um
tratamento verdadeiramente amplo e científico. Outro texto da
época, que integra nossa antologia, é uma carta de Nicolas Perrot
d' Ablancourt, endereçada ao conselheiro e primeiro secretário do
rei, Valentin Conrart. Conrart, que considerava que a tradução era
um excelente meio de dar aos escritores franceses modelos de prosa,
fez ingressar vários tradutores na Academia e facilitou a impressão
de suas obrasl. O autor da carta, d' Ablancourt, é o mais famoso
tradutor das "belles infidêies", traduções livres, realizadas segundo

10 P REFÁC IO
o gosto francês da época. Os tradutores das "beBes infidêles" tiveram
o mérito de teorizar sobre o conceito de tradução e, assim, justificar
os procedimentos tradutórios que seguiam. As "beBes infidêles"
instauraram, ao longo do século XVII, o debate sobre a problemática
do traduzir, debate que, aliás, perdura até hoje.
Ademais, esta antologia apresenta quatro textos do Século das
Luzes, século voltado para o progresso científico e social, no qual a
tradução assume o papel de descobridora de novos horizontes
(notadamente com o surgimento de traduções de obras literárias
alemãs e inglesas). Todos os autores dos textos selecionados deste
período eram colaboradores de Diderot na Encyclopédie.
O primeiro destes textos é de autoria de Jean le Romd d' Alembert,
Observations surFartde traduireengénéral etsur cet essai de traduction
en particulier, no qual o autor considera os tradutores responsáveis
pela falta de reconhecimento de sua profissão, pois "se limitaram a ser
copistas". Coerente com sua rejeição da tradução literal, d' Alembert
evoca as imperfeições de sua tradução dos fragmentos de Tácito, devidas
à "diferença de caráter das línguas" e à qualidade do escritor.
Da mesma época, o texto de Charles Batteux é um verdadeiro
tratado sobre a arte de traduzir. O autor propõe onze regras para bem
traduzir, a partir de seu primeiro princípio de tradução: "deve-se
empregar os torneios do autor, quando as duas línguas assim o
permitirem". Batteux, como d' Alembert, nos fala da impossibilidade
da tradução literal, abordando também a questão da intraduzibilidade.
Os outros dois textos são verbetes da Encyclopédiee sistematizam
o discurso coletivo francês da época sobre a tradução. No primeiro
verbete, Traduction version, de 1765, Nicolas Beauzée diferencia estas
duas práticas (tradução e versão) e propõe o uso das regras
apresentadas por Cícero sobre a maneira de traduzir. O segundo
verbete, intitulado Traduction, de 1777/ foi escrito por Jean-François
Marmontel, redator do discurso preliminar da Encyclopédie.
Finalmente, quatro textos do século XIX - século que conheceu
um desenvolvimento espetacular da atividade de tradução e no qual
predominou o postulado segundo o qual as traduções literais são as
mais fiéis. Em De Fesprit des traductions, Mme De Stiiel defende que
só o conhecimento das literaturas estrangeiras, por meio das traduções,
pode enriquecer a literatura nacional. Oferecemos ainda ao leitor o
prólogo à tradução das Obras de Shakespeare, escrito por ninguém

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - A NTOLOGIA BILÍNGÜE/ F RANCÊS-PORTUGUÊS 11


menos que Victor Hugo. Nele o autor de Les MhérabJes conduz
brilhantemente o leitor pelos meandros de uma tradução difícil,
empreendida por seu filho François-Victor Hugo. Por meio do texto
delicioso de Victor Hugo descobrimos a justa admiração de um pai
pelo trabalho hercúleo do filho. Mas é a visão do grande escritor sobre a
tarefa de traduzir que nos interpela. O desafio do tradutor aparece, neste
prólogo, com todas as suas nuanças, exigências e dificuldades. Tarefa,
segundo Victor Hugo, de pesquisa, estudo, incorporação, criação e paixão.
Os outros dois textos do século XIX são de Marcel Schwob, escritor
pouco conhecido, fora do círculo de iniciados. Além de importantes
traduções (Shakespeare, Defoe, entre outros), Schwob desenvolveu
um método tradutivo denominado por ele FanaJogie des Jangues et
deslittératures aux mêmes degrés de formation. Os princípios de seu
método figuram em um prólogo escrito para uma tradução que
realizou de alguns versos de Catulo. Este é um dos textos de Schwob
que integra nossa antologia. O outro texto, quase uma brincadeira, revela
o lado irônico do autor de Coeur DoubJe. Com efeito, em 'De l'art de
traduire", Schwob diverte-se e diverte o leitor com observações sobre
alguns "deslizes" de tradução e conselhos absurdos para redatores
encarregados das seções internacionais de jornais e revistas da época.
Por fim, como único representante do século XX, Paul Valéry e suas
"Variations sur les Bucoliques de Virgile", texto denso e representativo
das reflexões do poeta sobre sua prática em seus últimos anos de vida.
Estes são os textos que oferecemos aos leitores brasileiros. E ao
concluir este breve prefácio, agradecemos especialmente aos
tradutores que participaram desta antologia. Eles contribuíram, em
última análise, para a reconstituição de uma história da teoria da
tradução no Ocidente.

Cláudia Borges de Faveri


Marie-Hélene Catherine Torres
Notas

D'HULST, Lieven. Why and How to Write Translation Histories. Revista Crop Emerging
Views on Translation History in Brasil, São Paulo, Special Edition, p. 17. 200l.

2 PYM, Anthony. Method in History Translation. Manchester: St Jerome, 1998. p. 5.

3 HORGUELlN, Paul A. Anthologie de la maniere de traduire. Montreal: Linguatech,


1981. p. 43.
4 Ibid., p. 75.

12 PREFACIO
ÉTIENNE DOLET

LA MANIERE DE BIEN TRADUIRE D'UNE


LANGUE EN AUTRE
A MANEIRA DE BEM TRADUZIR DE UMA
LÍNGUA PARA OUTRA
ETIENNE DOLET

LA MANtERE DE BIEN TRADUIRE D'UNE LANGUE


EN AUTRE (1540)

Etienne Dolet (1509-1546), humaniste et imprimeur français, édita notamment


Rabelais et Marot. II était connu pour sa liberté de pensée, ce qui lui vaudra
d'être souvent arrêté pour propos susceptibles de nuire à l'ordre public et
libéré grâce à I'intervention de puissants protecteurs. Tout en étant correcteur
chez un célebre imprimeur (avec Rabelais), iI devint lui-même imprimeur,
muni du privilege royal (autorisation). II publia plus de quinze ouvrages de sa
composition, en traduit et en publia beaucoup d'autres, d'auteurs grecs, latins
et français. En 1542, ii est arrêté sous I'accusation de propagation d'hérésie,
ayant publié une trentaine de livres, interdits pour ne pas être conformes à la
religion. II est condamné, mais, une fois de plus, le roi lui pardonne. Mais le 2
aout 1546, apres avoir été accusé de blaspheme, sédition et exposition de livres
prohibés, ii est condamné à être brfrlé avec ses ouvrages, place Maubert,lieu de
supplice des hérétiques. La sentence est exécutée le 5 aout 1546. II sera étranglé,
afin d' abréger ses souffrances, puis brillé. Dolet est I'auteur de la premiere charte
des traducteurs, écrite à Lyon en 1540. Le texte qui suitest issu de son oeuvre La
mamere de bien Iraduire d'une langue en aullre: d'advantage de la punctuation
de la langue françoyse, plus des accents dYcelJe. Lyon: Chez Dolet même, 1540.

La maniere de bien traduire d'une langue en autre requiert


principalement cinq choses.
En premier lieu, il faut que le traducteur entende parfaitement le
sens et matiere de l' auteur qu'il traduit, car par cette intelligence iI ne
sera jamais obscur en sa traduction, et si l'auteur lequel iI traduit est
aucunement scabreux, ille pourra rendre facile et du tout intelligible.
Et de ce je te vais bailler exemple familierement. Dedans le premie r
livre des Questions Tuscuianesde Cicéron, il y a un tel passage latin:
Animum autem ammam etiam fere nostri declarant nominari. Nam et
agere animam, et eflare diC1mus: et ammosos, et bene anima tos: et ex
ammi sententia. Ipse autem animus ab anima dictus est
Traduisant cette oeuvre de Cicéron, j'ai parlé comme iI s'ensuit:
«Quant à la différence (dis-je) de ces dictions, animuset anima, iine

14 ÉTIENNE D OLET
ETIENNE DOLET

A MANEIRA DE BEM TRADUZIR DE UMA LÍNGUA


PARA OUTRA (1540)

Etienne Dolet (1509-1546), humanista e editor francês, editou Rabelais e Marot


entre outros. Era conhecido por sua liberdade de pensamento, o que lhe rendeu
freqüentes prisões por prejudicar a ordem pública, sendo sempre libertado
graças à intervenção de poderosos protetores. Mesmo sendo revisor numa
famosa editora (com Rabelais), tornou-se ele próprio editor com autorização
real, o "privilege royal". Publicou mais de quinze livros de sua autoria, traduziu
e publicou vários outros, autores gregos, latinos e franceses. Em 1542, é preso
e acusado de heresia por ter publicado livros proibidos, não conformes à
religião. É condenado, mas, uma vez mais, o rei o perdoa. Mas no dia 2 de
agosto de 1546, após ter sido acusado de blasfêmia, sedição e exposição de
livros proibidos, é condenado a ser queimado com seus livros, na praça Maubert,
lugar de suplício dos heréticos. A sentença é executada no dia 5 de agosto de
1546. Ele será estrangulado para abreviar seu sofrimento e queimado em
seguida. Dolet é o autor da primeira carta dos tradutores escrita em Lyon, em
1540. O texto que segue faz parte de sua obra La manÍere de bÍen traduire
d/une langue en aultre: d'advantage de la punctuatÍon de la langue françoyse,
plus des accents dycelle. Lyon: Chez Dolet même, 1540.

A maneira de traduzir bem de-uma língua a outra requer sobretudo


cinco coisas.
Em primeiro lugar, é preciso que o tradutor entenda perfeitamente
o sentido e a matéria do autor a ser traduzido; pois com tal
compreensão sua tradução nunca será obscura; e se o autor traduzido
for confuso, poderá torná-lo fácil e totalmente inteligível. E vou te dar
um exemplo conhecido. No primeiro livro das Questões Tusculanas
de Cícero, encontra-se o seguinte trecho, em latim: Animum autem
animam etiam fere nostn' declarant nominari Nam et agere animam,
et efflare dicim us: et animosos, et bene ammatos: et ex animisententia.
Ipse autem animus ab anima dictus est.
Ao traduzir esta obra de Cícero, redigi da maneira que se pode ver
em seguida: "Quanto à diferença (digo eu) entre as palavras ammuse

CLÁSSICOS DA TEORlA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILlNGÜEjFRANCÊS-PORTUGUÊS 15


s'y faut point arrêter, car les façons de parler la tines qui sont déduites
de ces deux mots nous donnent à entendre qu'ils signifient presque
une même chose. Et est certain que aminus est dit de anima/ et que
amina est l' organe de aminus: comme si tu voulais dire la vertu et
instruments vitaux être origine de l' esprit, et icelui esprit être un effet
de la dite vertu vitale». Dis-moi (toi qui entends latin), était-il possible
de bien tradu ire ce passage sans une grande intelligence du sens de
Cicéron? Or sache donc qu'il est besoin et nécessaire à tout traducteur
d'entendre parfaitement le sens de I'auteur qu'il tourne d'une langue
en autre. Et sans cela il ne peut traduire surement et fidêlement.
La seconde chose qui est requise en traduction, c' est que le
traducteur ait parfaite connaissance de la langue de l'auteur qu'il
traduit, et soit pareillement excellent en la langue en laquelle ii se met
à traduire. Par ainsi ii ne violera et n'amoindrira la majesté de 1'une et
l'autre langue. Cuides-tu que si un homme n'est parfait en la langue
la tine et française, il puisse bien traduire en français quelque oraison
de Cicéron? Entends que chacune langue a ses propriétés, translations
en diction, locutions, subtilités et véhémences à elle particuliêres.
Lesquelles si le traducteur ignore, ii fait tort à l'auteur qu'il traduit, et
aussi à la langue en laquelle ille tourne: car ii ne représente et n' exprime
la dignité et richesse de ces deux langues desquelles ii prend le
maniement.
Le tiers point est qu' en traduisant il ne se faut pas asservir jusques
à la que l' on rende mot pour mot. Et si aucun le fait, cela lui procêde
de pauvreté et défaut d' esprit. Car s'il ales qualités dessusdites
(lesquelles il est besoin d'être en un bon traducteur), sans avoir
égard à l'ordre des mots ii s'arrêtera aux sentences, et fera en sorte
que l'intention de l'auteur sera exprimée, gardant curieusement la
propriété de 1'une et I' autre langue. Et par ainsi c' est superstition
trop grande (dirai-je bêterie ou ignorance?) de commencer la
traduction au commencement de la clausule: mais si l'ordre des
mots perverti tu exprimes l'intention de celui que tu traduis, aucun
ne t' en peut reprendre. Je ne veux taire ici la folie d' aucuns
traducteurs, lesquels au lieu de liberté se soumettent à servitude.
C' est à savoir, qu'il sont si sots qu'ils s' efforcent de rendre ligne
pour ligne, ou vers pour verso Par laquelle erreur ils dépravent
souvent le sens de I' auteur qu'ils traduisent, et n' expriment la grâce
et perfection de I'une et 1'autre langue. Tu te garderas diligemment

16 ÉllENNE DoLET
amma, não vale a pena deter-se; pois as expressões latinas que derivam
destas duas palavras nos deixam entender que significam a mesma
coisa. E com certeza, se diz animus de anima/o e anima é o órgão de
animus, como se dissesse que a virtude e os instrumentos vitais são
origem do espírito; e que este espírito é efeito desta mesma virtude vital".
Dize-me (tu que entendes latim), teria sido possível traduzir corretamente
esta passagem, sem uma grande compreensão do sentido qe Cícero? Ora,
saibas, pois, que é preciso e necessário a todo trad1itõr entender
perfeitamente o sentido do autor que ele verte de uma língua a outra. E se
não for assim, não será capaz de traduzir com segurança e fidelidade.
A segunda coisa requerida na tradução é o conhecimento perfeito
por parte do tradutor da língua do autor que ele traduz; e que ele seja
igualmente excelente na língua na qual se propõe traduzir. Destarte,
não violará e nem diminuirá a majestade de nenhuma das duas línguas.
A teu ver, como se poderiam traduzir acertadamente os discursos de
Cícero a não ser dominando as línguas latina e francesa? Entende bem
que cada língua possui suas propriedades, suas expressões
idiomáticas, suas locuções, suas sutilezas e suas impetuosidades
peculiares. Ao ignorá-las, o tradutor prejudica o autor sobre o qual
trabalha, assim como prejudica a língua na qual traduz, pois não
representa nem expressa a dignidade e a riqueza dos dois idiomas
que está manejando.
Em terceiro lugar, quando se traduz, não se faz necessário
submeter-se até o ponto de verter palavra por palavra. Se alguém
assim o faz, isso se deve à pobreza e à falta de engenho. Pois, se possuir
as qualidades mencionadas acima (as necessárias ao bom tradutor),
sem se ater à ordem das palavras, prestará atenção aos pensamentos,
de modo a expressar a intenção do autor, preservando com esmero a
propriedade de ambas as línguas. Logo, trata-se de uma crença
exagerada (eu diria mesmo estupidez ou ignorância) começar a
tradução pelo início do período; mas se, ao inverter a ordem das
palavras, consegues expressar a intenção do autor que traduzes,
ninguém poderá censurar-te por isso. Não quero silenciar aqui sobre
a loucura de alguns tradutores, que, em lugar de liberdade, se
submetem à servidão. De fato, são tolos os que se esforçam por restituir
o texto linha por linha, ou verso por verso. Com tal erro, deturpam
freqüentemente o sentido do autor que traduzem, e não expressam
nem a graça nem a perfeição de nenhuma das duas línguas. Tu te

CLÁSSICOS DA TEORlA DA TRADUÇÃO - ANTOLOCIA BI LíNGÜE/FRANCÊS-PORTUGUÉS 17


de ce vice, qui ne démontre autre chose que l'ignorance du
traducteur.
La quatrieme regle que je veux bailler en cet endroit est plus à
observer en langues non réduites en art qu' en autres. J' appelle langues
non réduites encore en art certain et reçu, comme est la française,
l'italienne, l' espagnole, celle d' Allemagne, d' Angleterre, et autres
vulgaires. S'il advient donc que tu traduises quelque livre latin en
icelles (mêmement en la française), iI te faut garder d'usurper mots
trop approchants du latin et peu usités par le passé, mais contente-toi
du commun, sans innover aucunes dictions follement et par curiosité
répréhensible. Ce que si aucuns font, ne les ensuis en cela, car leur
arrogance ne vaut rien et n'est tolérable entre les gens savants. Pour
cela n' entends pas que je dise que le traducteur s' abstienne totalement
de mots qui sont hors de l'usage commun, car on sait bien que la
langue grecque ou la tine est trop plus riche en dictions que la française.
Qui nous contraint souvent d'user de mots peu fréquents. Mais cela
se doit l'aire à l'extrême nécessité. Je sais bien en outre qu'aucuns
pourraient dire que la plupart des dictions de la langue française est
dérivée de la latine, et que si nos prédécesseurs ont eu l'autorité de les
mettre en usage, les modernes et postérieurs en peuvent autant faire.
Tout cela se peut débattre entre babillards, mais le meilleur est de
suivre le commun langage. En mon Orateur !rançais je traiterai ce
point plus amplement, et avec plus grande démonstration.
Venons maintenant à la cinquieme regle que doit observer un bon
traducteur. Laquelle est de si grande vertu, que sans elle toute
composition est lourde et malplaisante. Mais qu' est-ce qu' elle contient?
Rien autre chose que l' observation des nombres oratoires: c' est à savoir,
une liaison et assemblement des dictions avec telle douceur, que non
seulement l'âme s'en contente, mais aussi les oreilles en sont toutes
ravies, et ne se fâchent jamais d'une telle harmonie de langage. D'iceux
nombres oratoires je parle plus copieusement en mon Orateur, par
quoi n' en ferai ici plus long discours. Et derechef avertirai le traducteur
d'y prendre garde, car sans l' observation des nombres on ne peut être
émerveillable en quelque composition que ce soit, et sans iceux les
sentences ne peuvent être graves et avoir leur poids requis et légitime.
Car, penses-tu que ce soit assez d' avoir la diction propre et elegante,
sans une bonne copulation des mots? Je t'avise que c'est autant que
d' un moncea u de diverses pierres précieuses mal ordonnées, lesquelles

18 ÉTIENNE DoLET
absterás cuidadosamente deste vício, que não demonstra senão a
ignorância do tradutor.
A quarta regra que quero dar agora deve ser mais observada.nas
línguas não sistematizadas do que nas outras. Chamo de línguas ainda
não sistematizadas e aceitas aquelas como a francesa, a italiana, a
espanhola, a alemã, a inglesa e outras vulgares. Se por ventura, pois,
traduzires algum livro em latim para uma dessas línguas (e também
para o francês) é preciso que evites usurpar palavras muito próximas
do latim e pouco usadas no passado. Contenta-te com as comuns, sem
inventar neciamente certas expressões por um capricho censurável.
Se alguns agem desta maneira, não os sigas, de nada vale a sua
arrogância, e não se tolera tal atitude em pessoas cultas. Não entendas
com isso que estou dizendo que o tradutor deveria abster-se totalmente
de palavras que caíram em desuso, pois é sabido que o grego ou o
latim são muito mais ricos em expressões do que o francês. O que nos
obriga muitas vezes a usarmos palavras pouco freqüentes. Mas isso
deve ser feito apenas em último recurso. Além disso, sei muito bem
que alguns poderiam alegar que, na sua maioria, as expressões da
língua francesa derivam do latim, e que se aqueles que nos antecederam
tiveram autoridade para colocá-las em uso, os modernos e os pósteros
podem também fazê-lo. Tal debate é mera tagarelice, e o melhor é
seguir a linguagem comum. No meu Orador Francês tratarei mais
amplamente deste ponto e com maior argumentação.
Chegamos agora à quinta regra, que um bom tradutor deve
observar. Ela é tão importante que, sem ela, qualquer composição fica
pesada e pouco agradável. Mas, em que consiste? Nada além da
observância da harmonia do discurso, isto é, um enlace e união das
palavras com tal suavidade, que não apenas a alma se satisfaça, mas
também os ouvidos se sintam completamente fascinados e não se
cansem jamais com tal harmonia da linguagem. Desta harmonia do
discurso falo mais extensamente em meu Orador, porquanto não me
alongarei aqui. E novamente advertirei o tradutor para que fique
atento, pois sem a observância da harmonia não se pode ser excelente
em nenhum tipo de composição; sem ela, as sentenças carecem de
gravidade e do peso requerido e legítimo. Ou acaso pensas que basta
possuir o termo próprio e elegante sem uma boa conjunção das
palavras? Digo-te que é como se houvesse um amontoado de várias
pedras preciosas mal dispostas, que não podem brilhar por causa de

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - A NTOLOGIA BILINGÜEjFRANCÊS-PORTUGUÊS 19


ne peuvent avoir leur lustre à cause d'une collocation impertinente.
Ou c' est autant que de divers instruments musicaux mal conduits par
les joueurs, ignorants de I' art et peu connaissants les tons et mesures
de la musique. En somme, c' est peu de la splendeur des mots si l' ordre
et collocation d'iceux n' est telle qu'il appartient. En cela sur tous fut
jadis estimé Isocrate, orateur grec, et pareillement Démosthene. Entre
les latins, Marc Iulle Cicéron a été grand observateur des nombres.
Mais ne pense pas que cela se doive plus observer par les orateurs que
par les historiographes. Et qu' ainsi soit, tu ne trouveras César et Salluste
moins nombreux que Cicéron. Conclusion quant à ce propos: sans
grande observation des nombres un auteur n' est rien, et avec iceux iI
ne peut faillir à avoir bruit en éloquence, si pareillement iI est propre
en diction et grave en sentences, et en argument subtil. Qui sont les
points d'un orateur parfait, et vraiment comblé de toute gloire
d' éloquence.

20 ÉTIENNE D OLET
uma colocação inadequada. Ou o mesmo que vários instrumentos
musicais mal tocados por amadores, ignorantes da arte e maus
conhecedores dos tons e compassos da música. Em suma, é pouco o
esplendor das palavras se sua ordem e disposição forem indevidas.
Nisso foi outrora estimado acima de todos o orador grego Isócrates, e
igualmente Demóstenes. Entre os latinos, Marco Túlio Cícero foi um
grande observador da harmonia. Mas não penses que esta regra deve
ser observada mais pelos oradores que pelos historiógrafos. Ainda
que assim fosse, não acharás César e Salústio menos harmoniosos que
Cícero. Conclui-se, portanto, a esse respeito que sem grande
observância da harmonia um autor não é nada, mas com ela conseguirá
a fama de eloqüente, se igualmente possuir propriedade na expressão,
gravidade nos pensamentos, sutileza na argumentação. Estes são os
requisitos de um orador perfeito, e realmente pleno da glória da
eloqüência.

Tradução: Pierre Guisan

CLÁSSICOS DAJEORlA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILÍNGÜE/FRANCEs-PORTUGUEs 21


"

JOACHIM Du BELLAY

DÉFENSE ET ILLUSTRATION DE LA
LANGUE FRANÇAISE
DEFESA E ILUSTRAÇÃO DA LÍNGUA
FRANCESA
JOACHIM OU BELLAY

OÉFENSE ET ILLUSTRATION OE LA LANGUE


FRANÇAISE (1549)

En 1549, un groupe de jeunes poetes, rnené par Pierre Ronsard et issu du


college de Coqueret à Paris, décide de défendre la langue française. L'essentiel
des regles prônées parait en 1549 dans un petit livre polémique, signé de
quatre initiales, JDBA, soit Joachim du Bellay (1522-1560). L'ouvrage est
intitulé La Delfence et illustrab'on de la langue françoyse. Paris: Amoul
l'Angelier, 1549.

Chapitre V
Que les traductions ne sont suffisantes pour donner perfection
à la langue française
Toutefois ce tant louable labeur de tradu ire ne me semble moyen
unique et suffisant pour élever notre vulgaire à l' égal et parangon des
autres plus fameuses langues . Ce que je prétends prouver si
clairement, que nul n'y voudra (ce crois-je) contredire, s'il n'est
manifeste calomniateur de la vérité. Et premier, c'est une chose
accordée entre tous les meilleurs auteurs de rhétorique, qu'il y a cinq
parties de bien dire :1'invention, l'élocution, la disposition, la mémoire
et la prononciation. Or pour autant que ces deux dernieres ne
s'apprennent tant par le bénéfice des langues, comme elles sont données
à chacun selon la félicité de sa nature, augmentées et entretenues par
studieux exercice et continuelle diligence; pour autant aussi que la
disposition git plus en la discrétion et bon jugement de l'orateur
qu' en certa ines regles et préceptes, vu que les événements du temps,
la circonstance des lieux, la condition des personnes et la diversité
des occasions sont innumérables, je me contenterai de parler des deux
premieres, à savoir de l'invention et de l'élocution. L'office donc de
l' orateur est, de chaque chose proposée, élégamment et copieusement
parler. Or cette faculté de parler ainsi de toutes choses ne se peut
acquérir que par l'intelligence parfaite des sciences, lesquelles ont été

24 JOACH IM Ou BELLAY
JOACHIM DU BELLAY

DEFESA E ILUSTRAÇÃO DA LÍNGUA FRANCESA


(1549)

Em 1549, um grupo de jovens poetas, liderado por Pierre Ronsard e pertencendo


ao colégio de Coqueret em Paris, decide defender a língua francesa. O essencial
das regras divulgadas aparece em 1549 num pequeno livro polêmico, assinado
por quatro iniciais, JDBA, ou seja, Joachim du Bellay (1522-1560). A obra é
intitulada La Deffence et Illustranon de la langue françoyse. Paris: Amoul
l' Angelier, 1549.

Capítulo V
Que as traduções não são suficientes para tornar perfeita a
língua francesa
No entanto, este trabalho tão louvável de traduzir não me parece
um meio único e suficiente para permitir que o nosso linguajar seja
levado a igualar-se e ser comparável a outras línguas mais famosas. É
o que pretendo provar de maneira tão clara que ninguém vai querer
(como acredito) me contradizer a não ser que seja um caluniador
notório da verdade. Em primeiro lugar, estão de acordo os melhores
autores de retórica em dizer que há cinco partes na arte do bem falar:
a invenção, a elocução, a disposição, a memória e a pronúncia. Agora,
dado que estas duas últimas não se aprendem por meio das línguas,
mas são dadas a cada um segundo a feliz natureza de seu caráter,
desenvolvidas e mantidas por meio do estudo e pela contínua
dedicação; dado ainda que a disposição está mais no discernimento e
no critério do orador do que em certas regras e preceitos, e visto que
os acontecimentos do tempo, as circunstâncias do lugar, a condição
das pessoas e a diversidade das ocasiões são inumeráveis, contentar-
me-ei em falar das duas primeiras, a saber, a invenção e a elocução. O
ofício do orador é de falar de cada coisa que lhe é proposta de maneira
refinada e abundante. Ora, esta capacidade de falar de tal modo de
tudo só pode ser adquirida através de uma compreensão perfeita das

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - A NTOLOGIA BlLÍNGÜE/F RANCÊS-PORTUGUÊS 25


premierement traitées par les Grecs, et puis par les Romains imitateurs
d'iceux. 11 faut donc nécessairement que ces deux langues soient
entendues de celui qui veut acquérir cette copie et richesse
d'invention, premiere et principale piece du harnais de l'orateur. Et
quant à ce point, les fideles traducteurs peuvent grandement servir et
soulager ceux qui n' ont le moyen unique de vaquer aux langues
étrangeres. Mais quant à l' élocution, partie certes la plus difficile, et
sans laquelle toutes autres choses restent comme inutiles et semblables
à un glaive encore couvert de sa gaine, l'élocution (dis-je) par laquelle
principalement un orateur est jugé plus excellent, et un geme de dire
meilleur que l' autre: comme celle dont est appelée la même éloquence,
et dont la vertu git aux mots propres, usités, et non aliénés du commun
usage de parler, aux métaphores, allégories, comparaisons, similitudes,
énergie, et tant d' autres figures et ornements, sans lesquels toute
oraison et poeme sont nus, manqués et débiles; je ne croirai jamais
qu'on puisse bien apprendre tout cela des traducteurs, parce qu'il
est impossible de le rendre avec la même grâce dont l'auteur en a
usé: d'autant que chaque langue a je ne sais quoi propre seulement
à elle, dont si vous efforcez exprimer le naiJ dans une autre langue,
observant la loi de traduire, qui est n' espacer point hors des limites
de l' auteur, votre diction sera contrainte, froide et de mauvaise grâce.
Et qu'ainsi soit, qu'on me lise un Démosthene et Homere latins, un
Cicéron et Virgile français, pour voir s'ils vous engendreront telles
affections, voire ainsi qu'un Protée vous transformeront en diverses
sortes, comme vous sentez, lisant ces auteurs en leurs langues. 11
vous semblera passer de l' ardente montagne d' Aetné sur le froid
sommet du Caucase. Et ce que je dis des langues la tine et grecque se
doit réciproquement dire de tous les vulgaires, dont j' alléguerai
seulement un Pétrarque, duquel j'ose bien dire que, si Homere et
Virgile renaissants avaient entrepris de le traduire, ils ne le pourraient
rendre avec la même grâce et nalveté qu'il est en son vulgaire toscano
Toutefois, quelques-uns de notre temps ont entrepris de le faire
parler français. Voilà en bref les raisons qui m' ont fait penser que
l'office et diligence des traducteurs, autrement fort utiles pour
instruire les ignorants des langues étrangeres en la connaissance des
choses, n' est suffisante pour donner à la nôtre cette perfection et,
comme font les peintres à leurs tableaux, cette derniere main que
nous désirons. Et si les raisons que j'ai alléguées ne semblent assez

26 JOACHIM Ou BELLAY
ciências, tratadas primeiro pelos gregos, e depois pelos romanos,
imitadores daqueles. É, portanto necessário, que aquele que quer
adquirir esta abundância e riqueza de invenção domine estas duas
línguas, que são a primeira e principal peça da armadura do orador.
E no que se refere a este ponto, os tradutores fiéis podem e muito
servir e ajudar àqueles que não podem se dedicar a esse meio único
que é o estudo das línguas estrangeiras. Mas no que se refere à elocução,
a parte com certeza mais difícil, e sem a qual todas as outras coisas se
tornam inúteis e semelhantes a uma espada ainda dentro de sua bainha,
a elocução (como disse) pela qual, mais do que qualquer outra coisa,
um orador é julgado superior, e uma maneira de se expressar melhor
do que outra, cujo nome é eloqüência, e cuja virtude está nas palavras
próprias, habituais, e não alheias ao uso comum de falar, as metáforas,
alegorias, comparações, símiles, energia, e tantas outras figuras e
ornamentações, sem os quais todos os discursos e poemas são nus,
falhos e fracos; nunca acreditarei que se possa aprender bem isso dos
tradutores, porque é impossível reproduzi-lo com a mesma elegância
que o autor usou. Mais ainda, porque toda língua tem um não sei quê
próprio, só dela, e se tenta expressar este caráter profundo numa
outra língua, respeitando a lei de traduzir que é de não ultrapassar os
limites do autor, seu estilo será forçado, frio e sem elegância. E se
alguém não acreditar, que leia um Demóstenes e um Homero em
latim, um Cícero e um Virgílio em francês para ver se eles causam as
mesmas emoções ou mesmo um Proteu, lhe transformarão de várias
maneiras, ao igual que você sente quando lê esses autores em sua
língua original. Tem-se a impressão de passar da ardente montanha
do Etna ao frio cume do Cáucaso. E o que eu digo do latim e do grego
é válido também para todas as línguas vernáculas dos quais só citarei
a Petrarca de quem me atrevo a dizer que, se Homero e Virgílio tivessem
nascido de novo para traduzi-lo, não seriam capazes de fazê-lo com a
mesma graça e naturalidade como ele fez no seu toscano vernáculo.
No entanto, alguns dos nossos contemporâneos tentaram fazer com
que ele falasse francês. Estas são, em resumo, as razões que fizeram
com que eu pensasse que o ofício e a diligência dos tradutores, em
outras ocasiões muito úteis para ensinar o conhecimento das coisas
àqueles que ignoram as línguas estrangeiras, não é suficiente para dar
à nossa aquela perfeição e, como fazem os pintores em seus quadros,
essa última demão que desejamos. E se as razões que apresentei não

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOG IA BILlNGUE/FRANCÉS-P ORTUGUÉS 27


fortes, je produirai, pour mes garants et défenseurs,les anciens auteurs
romains, poetes principalement, et orateurs, lesquels (combien que
Cicéron ait traduit quelques livres de Xénophon et d' Arate, et
qu'Horace baille les préceptes de bien traduire), ont vaqué à cette
partie plus pour leur étude et profit particulier, que pour le publier
à l'amplification de leur langue, à leur gloire et commodité d'autrui.
Si aucuns ont vu quelques oeuvres de ce temps-Ià, sous titre de
traduction, j'entends de Cicéron, de Virgile, et de ce bienheureux
siecle d' Auguste, ils ne pourront démentir ce que je dis.

Chapitre VI
Des mauvais traducteurs, et de ne tradu ire les poetes
Mais que dirai-je d' aucuns, vraiment mieux dignes d' être appelés
traditeurs que traducteurs ? Vu qu'ils trahissent ceux qu'ils
entreprennent exposer, les frustrant de leur gloire, et par même
moyen séduisent les lecteurs ignorants,leur montrant le blanc pour
le no ir; qui, pour acquérir le nom de savants, traduisent à crédit les
langues, dont jamais ils n' ont entendu les premiers éléments, comme
l'hébraique et la grecque; et encore pour mieux se faire valoir, se
prennent aux poetes, geme d'auteurs ~ertes auquel, si je savais ou
vou la is traduire, je m' adresserais aussi peu, à cause de cette divinité
d'invention qu'ils ont plus que les autres, de cette grandeur de
style, magnificence de mots, gravité de sentences, audace et variété
de figures, et mille autres lumieres de poésie : bref cette énergie, et
ne sais quel esprit, qui est en leurs écrits, que les Latins appelleraient
genius. Toutes lesquelles choses se peuvent autant exprimer en
traduisant, comme un peintre peut représenter l'âme avec le corps
de celui qu'il entreprend tirer apres le naturel. Ce que je dis ne
s' adresse pas à ceux qui, par le commandement des princes et grands
seigneurs, traduisent les plus fameux poetes grecs et latins: parce
que l'obéissance qu'on doit à tels personnages ne reçoit aucune
excuse en cet endroi t: mais bien j' entends parler à ceux qui, de gaité
de coeur (comme on dit), entreprennent telles choses légerement et
s' en acquittent de même. O Apollon ! ô Muses! profaner ainsi les
sacrées reliques de l' antiquité ! Mais je n' en dirai autre chose. Celui
donc qui voudra faire oeuvre digne de prix en son vulgaire, laisse
ce labeur de traduire, principalement les poetes, à ceux qui de chose
laborieuse et peu profitable, j' ose dire encore inutile, voire

28 JOACHIM Du B ELLAY
parecerem suficientemente convincentes, citarei como avalistas e
defensores os antigos autores romanos, poetas principalmente, e
oradores, que (apesar de Cícero ter traduzido alguns livros de Xenofonte
e de Arates, e Horácio ter dado preceitos para bem traduzir) se dedicaram
a esta ocupação, mais por causa do seu estudo e proveito pessoal do
que para tomá-lo público com vistas a desenvolver sua língua, para sua
glória e para a satisfação dos outros. Se alguns viram algumas obras
traduzidas daquela época, quero dizer de Cícero, de Virgílio, e daquele
felicíssimo século de Augusto, eles não poderão negar o que digo.

Capítulo VI
Dos maus tradutores e de não traduzir os poetas
Mas o que diria daqueles realmente mais dignos de serem
chamados traidores do que tradutores? Porque traem aqueles que
eles se propõem expor ao público, tirando deles a glória, do mesmo
modo eles enganam os leitores ignorantes, mostrando-lhes o branco
onde há preto; que, para passar por sábios, traduzem levianamente de
línguas das quais não entenderam nem o básico, como o hebraico e o
grego. E para aparecer ainda mais, escolhem os poetas, gênero de
autores que eu, se soubesse ou quisesse traduzir, sem dúvida não
escolheria, por causa daquela invenção divina que eles têm mais do
que os outros, daquela grandeza de estilo, nobreza nas palavras,
gravidade nas sentenças, audácia e variedade de figuras, e mil outras
luzes de poesia: em resumo, aquela energia e não sei que espírito, que
está em seus escritos, e que os latinos chamavam de genius. Todas
essas coisas que podem ser expressas ao traduzir, como um pintor
pode representar a alma com o corpo daquele que ele escolheu como
modelo vivo. O que eu digo não se refere àqueles que, a pedido de
príncipes e nobres, traduzem os mais famosos poetas gregos e latinos,
porque a obediência devida a pessoas de tal importância não comporta
nenhuma desculpa neste caso. Falo dos que levianamente empreendem
este tipo de tarefa alegremente (como se diz) e se desfazem dela da
maneira como começaram. Oh Apolo! Oh Musas! Profanar desta
maneira as sagradas relíquias da Antigüidade! Mas não falarei mais a
esse respeito. Quem quiser fazer obra digna de aplausos em sua língua
vernácula, que deixe o trabalho de traduzir, principalmente os poetas,
para aqueles que desta tarefa trabalhosa e pouco proveitosa, até ouso

CLÁSSICOS DA TEORI A DA TRADUÇÃO· ANTOLOCIA BILINGÜE/ FRANCÊS-PORT1JGUÊS 29


pernicieuse à l' aeeroissement de leur langue, emportent à bon droit
plus de molestie que de gloire.

Chapitre VII
Comment les Romains ont enriehi leur langue
Si les Romains (dira quelqu'un) n'ont vaqué à ee labeur de
traduetion, par quels moyens done ont-ils pu ainsi enrichir leur langue,
voire jusques à l' égaler quasi à la grecque ? Imitant les meilleurs
auteurs grecs, se transformant en eux, les dévorant; et, apres les avoir
bien digérés, les convertissant en sang et nourriture: se proposant,
chacun selon son naturel et l'argument qu'il voulait élire, le meilleur
auteur, dont ils observaient diligemment toutes les plus rares et
exquises vertus, et icelles comme greffes, ainsi que j'ai dit devant,
entaient et appliquaient à leur langue. Cela fait (dis-je), les Romains
ont bâti tous ces beaux écrits que nous louons et admirons si fort :
égalant ores quelqu'un d'iceux, ores le préférant aux Grecs. Et de ce
que je dis font bonne preuve Cicéron et Virgile, que volontiers et par
honneur je nomme toujours en la langue la tine, desquels comme l'un
se fut entierement adonné à l'imitation des Grecs, contrefit et exprima
si au vif la copie de Platon, la véhémenee de Démosthene et la joyeuse
douceur d'lsocrate, que Molon Rhodian l'oyant quelquefois déclamer,
s'écria qu'il emportait l'éloquence grecque à Rome. L'autre imita si
bien Homere, Hesiode et Théocrite, que depuis on a dit de lui, que de
ces trois il a surmonté l'un, égalé l'autre,et approehé si pres de l'autre,
que si la félicité des arguments qu'ils ont traités eut été pareille, la
palme serait bien douteuse. Je vous demande donc vous autres, qui
ne vous employez qu'aux translations, si ces tant fameux auteurs se
fussent amusés à traduire, eussent-ils élevé leur langue à l' excellence
et hauteur ou nous la voyons maintenant ? Ne pensez donc, quelque
diligence et industrie que vous puissiez mettre en cet endroit, faire
tant que notre langue, encore rampante à terre, puisse hausser la tête
et s' élever sur pieds.

30 JOACHIM Du B ELLAY
dizer inútil, e até perniciosa para o desenvolvimento de sua língua,
ganham com toda justiça mais aborrecimento do que glória.

Capítulo VII
De que maneira os romanos enriqueceram sua língua
Se os romanos (alguém diria) não se dedicaram ao trabalho de
traduzir, de que maneira eles conseguiram, então, enriquecer sua
língua, até, inclusive, quase igualar agrega? Foi imitando os melhores
autores gregos, transformando-se neles, devorando-os; e depois de tê-
los digerido bem, convertendo-os em sangue e alimento: propondo-
se, cada um segundo seu próprio temperamento e segundo o assunto
que lhe interessava, o melhor autor, de quem observava com diligência
todas as mais raras e excelentes virtudes, que aplicavam como enxertos,
como disse antes, à sua língua. Feito isto (digo eu), os romanos
construíram todos esses belos escritos, que elogiamos e admiramos
tanto, igualando às vezes os gregos e às vezes superando-os. E do que
acabo de dizer são boas provas Cícero e Virgílio que cito sempre, com
prazer e honrando, em latim, dos quais um tinha se dedicado
inteiramente à imitação dos gregos, arremedando e expressando de
maneira tão viva a abundância de Platão, a veemência de Demóstenes
e a alegre doçura de Isócrates, que Mólon de Rhodes escutando-o
declamar um dia, exclamou que ele tinha levado a eloqüência grega a
Roma. O outro imitou tão bem Homero, Hesíodo e Teócrito, que
depois se disse dele que, desses três, um ele superou, igualou outro e
se aproximou tanto do último, que, se tivesse tido a mesma sorte com
os assuntos tratados, seria duvidoso a quem pertenceriam os louros.
Eu pergunto, portanto, a vocês que só fazem traduções, que se esses
autores tão famosos se tivessem ocupado em traduzir, eles teriam
elevado sua língua à excelência e à altura onde a vemos hoje? Não
pensem, portanto, que, por maior que seja a aplicação e o empenho
que vocês empreendam nesta prática, possam fazer o suficiente para
que nossa língua, que ainda se arrasta pelo chão, possa erguer a cabeça
e andar sobre seus próprios pés.

Tradução: Philippe Humblé

CLÁSSICOS DA TEORlA DA TRADUÇÃO - A NTOLOGIA BILlNGÜ E/ FRANCÊS-PORTUGU~ 31


GASPARD DE TENDE

REGLES DE LA TRADUCTION OU MOYENS POUR


APPRENDRE À TRADU IRE DE LATIN EN FRANÇAIS
TIRÉ DE QUELQUES UNES DES MEILLEURES
TRADUCTIONS OU TEMPS
REGRAS DA TRADUÇÃO OU MEIOS PARA
APRENDER A TRADUZIR DE LATIM EM FRANCÊS
BASEADAS EM ALGUMAS DAS MELHORES
TRADUÇÕES DA ATUALIDADE
GASPARD DE TENDE

REGLES DE LA TRADUCTION OU MOYENS POUR


APPRENDRE À TRADU IRE DE LATIN EN FRANÇAIS
TIRÉ DE QUELQUES UNES DES MEILLEURES
TRADUCTIONS DU TEMPS (1660)

En 1660 est publié à Paris une méthode de traduction réalisée par un certain
Sieur de L'Estang, Gaspard de Tende de son vrai nom. L' ouvrage qui a paru
simultanément chez deux libraires (Jean Le Mire et Damien Foucault) est, en
réalité, un des tous premiers traités de traduction en langue française. Presque
inconnu parmi les spécialistes, de Tende, didacticien, écrit un ouvrage ample,
sérieux, dont Ballard souligne le caractere novateur, le voyant comme le
«premier effort remarquable pour codifier la traduction en partant de
l'observation de sa pratique»). Le texte qui suit est la préface de l'ouvrage
édité à Paris: chez Foucault, 1660.

Quand je dressai ces regles je ne croyais pas qu' elles deussent


paraitre au jour, parce que je ne fis alors que pour ma satisfaction
particuliere. Mais les ayant données depuis à un de mes amis qui me
témoigna s'en vouloir servir pour apprendre à traduire, et ayant
reconnu qu'il avait fait en peu de temps un grand progres dans la
traduction; j'ai cru qu'il ne ferait peut-être pas tout à fait inutile au
public, de rendre commune une chose que je n'avais faite que pour
mon usage particulier. II est vrai que j'ai eu d'abord quelque peine à
me résoudre d'exposer à la vue de tout le monde un ouvrage si peu
accompli, sur un sujet qui méritait d' exercer la plume de nos plus
celebres écrivains. Aussi ne l'ai-je fait qu'à la persuasion d'une
personne que j'honnore pour sa grande suffisance, et encore plus
pour sa haute vertu. Car cette personne m'a assuré que cela pourra
être utile, non seulement aux enfants et à ceux qui les instruisent, mais
encore à tous ceux qui veulent apprendre le latin; puisque la traduction
est sans doute un des moyens le plus court et plus facile pour
apprendre les langues.

34 GASPARD DE T ENDE
GASPARD DE TENDE

REGRAS DA TRADUÇÃO OU MEIOS PARA


APRENDER A TRADUZIR DE LATIM EM FRANCÊS
BASEADAS EM ALGUMAS DAS MELHORES
TRADUÇÕES DA ATUALIDADE (1660)

Em 1660 é publicado em Paris um método de tradução realizado por um certo


senhor de I'Estang, pseudônimo de Gaspard de Tende. Aobra, que foi publicada
simultaneamente por dois editores Oean Le Mire et Damien Foucault) é, na
verdade, um dos primeiros tratados de tradução em língua francesa . Quase
desconhecido entre os especialistas, de Tende, didático, escreve uma obra
ampla, séria, da qual Ballard salienta o caráter ínovador, considerando-a como
o "primeiro esforço notável para codificar a tradução a partir da observação
de sua prática"l. O texto que segue é o prefácio da obra editada em Paris:
Foucault, 1660.

Quando estabeleci estas regras, eu não pensava que elas


devessem um dia vir a público, porque as organizei apenas para
minha satisfação pessoal. Mas tendo-as mostrado, mais tarde, a um
amigo, que me declarou delas desejar se servir para aprender a
traduzir e, tendo eu reconhecido que este amigo havia feito, em
pouco tempo, um grande progresso neste domínio, acreditei que
não seria talvez completamente inútil tornar comum uma coisa
que eu havia feito apenas para meu uso pessoal. Confesso que
hesitei, no início, em expor à vista de todos uma obra tão imperfeita
sobre um assunto que mereceria ser desenvolvido pela mão de
nossos mais famosos escritores. Só o fiz persuadido por uma pessoa
que respeito e estimo por sua grande segurança e, mais ainda, por
sua virtude. Tendo ela me assegurado que fazê-lo poderia ser útil,
não somente às crianças e àqueles que as educam, mas também a
todos que desejam aprender latim, visto ser a tradução, sem
dúvida, um dos meios mais rápidos e fáceis para aprender as
línguas.

CLÁSSICOS DA TEORlA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILiNGÜE/FRANCÊS-PORTUGUÊS 35


Ce qui me donna la premiere pensée de recueillir ces regles fut
l' accord merveilleux et la convenance admirable qui se rencontre
dans tous les bons traducteurs. Car j'ai remarqué que ceux qui ont
bien traduit les mêmes mots et les mêmes phrases ont tous pris un
même tour et se sont tous servis d'une même façon de tradu ire;
tant iI est vrai que tous ceux qui font bien quelque chose, le font
par une lumiere et une raison du bien, qui ne luit et ne se découvre
bien souvent que dans les esprits les plus épurés; et que tous ceux,
au contraire, qui font mal la chose, le font par un défaut de cette
lumiere et de cette raison du bien qui, n' éclairant pas leurs esprits,
les laisse dans l' obscurité et dans les tenebres. D' ou iI s' ensuit que
tout ce qui est dans l'ordre et dans l'arrangement ou iI doit être
n'y est que par cet ordre et cette raison du bien qui a son principe
dans Dieu même; et que tout ce qui n' est pas dans cet ordre
immuable et éternel est dans le désordre et dans la confusion.
Mais puisque je parle de l'ordre il faut que je dise ici celui que j'ai
moi-même observé.
l'ai divisé ce petit ouvrage en trois livres. Dans le premier, j' apporte
toutes les différentes façons de tradu ire les noms et les pronoms. Dans
le second je traite des mots, c' est-à-dire des choses qui peuvent servir
à la traduction. Et dans le troisieme je parle des liaisons qui peuvent
entrer dans le discours.
On verra dans le premier comment iI faut quelquefois rendre un
nom latin par deux significations synonimes, comment on traduit les
adjectifs par les susbstantifs, quel est l'usage des participes, quel est
celui des adverbes, enfin comment on traduit les pronoms par les
noms propres, dont ils tiennent la pIa ce, ou par les noms des choses
qu'ils veulent marquer.
On pourra remarquer dans le second comment on embellit notre
langue, en se servant bien à propos des antitheses, en découvrant le.s
oppositions, en ajoutant à la traduction pour la rendre plus claire et
plus intelligible; et enfin en employant les figures et les beautés dont
on se sert en écrivant.
Pour le troisieme, qui est celui des liaisons, il fera voir comment
on peut continuer les mêmes périodes, lorsqu' elles sont trop courtes,
et comment, au contraire, on peut les couper lorsqu' elles sont trop
longues; de quelle maniere on peut les commencer avec grâce, et,
emin, quel est l'usage de ces liaisons.

36 GASI'ARD DE T ENDE
o que me fez primeiro pensar em recolher estas regras foi a
conformidade maravilhosa e a harmonia admirável que se encontra
em todos os bons tradutores. Pois notei que aqueles que bem
traduziram as mesmas palavras e frases escolheram, todos, a mesma
construção e se utilizaram de uma mesma maneira de traduzir; tanto
é verdade que todos aqueles que fazem bem alguma coisa, fazem-no
porque possuem uma certa clarividência e um certo conhecimento
do bem, que, com freqüência, brilha e se mostra apenas nos espíritos
mais depurados; e aqueles, ao contrário, que fazem mal alguma coisa,
fazem-no porque lhes falta esta mesma clarividência e conhecimento
do bem que, não lhes iluminando o espírito, deixa-os na obscuridade
e nas trevas. O que tem como conseqüência que tudo o que se mostra
na ordem e na disposição que deve estar emana desta ordem e
conhecimento do bem que tem seu princípio no próprio Deus; e que
tudo o que não se mostra nesta ordem imutável e eterna encontra-se em
meio à desordem e à confusão. Mas visto que estou falando de ordem, é
preciso que eu discorra aqui sobre aquela que eu mesmo observei.
Dividi esta pequena obra em três livros. No primeiro, trato de
todas as diferentes maneiras de traduzir nomes e pronomes. No
segundo, das palavras, quer dizer das coisas que podem servir à
tradução. E no terceiro, trato dos termos de ligação que podem tomar
parte no discurso.
Veremos, no primeiro, como algumas vezes é necessário
restituir um nome latino por duas significações sinônimas, como
traduzir adjetivos por substantivos, qual a utilização dos
particípios e dos advérbios, como traduzir, enfim, os pronomes
pelos nomes próprios que substituem ou pelos nomes das coisas
às quais eles se referem.
Poderemos observar, no segundo, como embelezar nossa língua,
utilizando convenientemente as antíteses, descobrindo as oposições,
acrescentando-as à tradução a fim de torná-la mais clara e mais
inteligível, e, enfim, empregando as figuras e belezas das quais nos
servimos quando escrevemos.
O terceiro, aquele que trata dos termos de ligação, mostrará
como alongar os períodos que são muito curtos e, ao contrário,
como se pode cortá-los, quando muito longos; como podemos
iniciá-los com graça e, enfim, como são utilizados esses termos de
ligação.

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILlNGÜE/FRANCÊS-PORTUGUÊS 37


De plus, je puis dire que ce petit ouvf.1ge fera connaitre comment
iI faut également éviter deux sortes d'extrémités ou tombent
aisément la plupart de ceux qui traduisent. L'une est une certaine
liberté qui, dégénerant en licence, porte le traducteur à s' écarter du
dessein qu'il s' était proposé, de rendre fidelement toutes les pensées
de son auteur. L'autre est un assujettissement qui aproche de la
servitude, et qui fait que le traducteur ne s' élevant jamais au-dessus
de lui-même, s'attache trop aux termes et aux paroles qu'il traduit.
D'ou iI parait qu'une contrainte trop basse ruine toute la grâce et
toute la beauté des paroles; et qu'une liberté trop hardie en altere
tout le senso Mais iI est temps de donner ici quelques regles plus
particulieres de la traduction. Car il y a sans doute dans cet art,
aussi bien que dans tous les autres, des regles certaines et assurées
pour forme r un excellent ouvrier.
La premiere regle, selon Monsieur de Vaugelas, est de bien entendre
les deux langues, mais surtout la langue latine; de bien entrer dans la
pensée de l'auteur qu'on traduit, et de ne pas s'assujettir trop
bassement aux paroles; parce qu'il suffit de rendre le sens avec un
soin tres exact et une fidélité toute entiere, sans laisser aucune des
beautés ni des figures qui sont dans le latino
La seconde, selon l'auteur de la traduction du poeme de S. Prosper,
est de ne garder pas seulement une fidélité et une exactitude toute
entiêre à rendre les sentiments de l'auteur, mais de tâcher encore à
marquer ses propres paroles, lorsqu'elles sont importantes et nécessaires.
La troisieme, selon Monsieur de Vaugelas, est de conserver l' esprit
et le génie de l' auteur qu' on traduit, en considérant si le style en est ou
simple ou pompeux; si c' est un style de harangue ou un style de
narration. Car comme iI ne serait pas à propos de traduire en un geme
sublime et élevé un livre dont le discours serait bas et simple, comme
celui de la Sainte Écriture ou de l' Imitation de Jésus Christ, à cause
que la 'Ii:nplicité est elle-même une beauté dans certaines matieres de
dévotion, de même, iI ne serait pas convenable de traduire en un style
précis etcJupé les harangues qui doivent être étendues, ni en un style
étendu les narrations qui doivent être courtes et précises. En effet, qui
voudrait mettre en un style pompeux le style simple de l' Écriture
Sainte ferait une copie bien différente de ce saint original. Car ainsi
qu'un excellent peintre doit donner 'a une copie tous les traits et
toute la ressemblance de l'original qu'il s'est proposé de copier, de

38 GASPARD DE TENDE
Além disso, posso dizer que esta pequena obra mostrará,
igualmente, como se deve evitar dois tipos de exagero aos quais
facilmente se rende a maioria daqueles que traduzem. O primeiro é
uma certa liberdade que, degenerando em licenciosidade, leva o
tradutor a se afastar do objetivo que se tinha traçado, qual seja restituir
fielmente todos os pensamentos de seu autor. O outro é uma sujeição
que beira a subserviência, fazendo com que o tradutor jamais
ultrapasse seus próprios limites e se prenda por demais aos termos e
às palavras que traduz. O que permite supor que uma restrição muito
forte arruína toda a graça e beleza das palavras e que uma liberdade
exagerada altera completamente seu sentido. Mas é tempo de tratar
aqui de algumas regras mais particulares da tradução. Pois há, sem
dúvida, nesta arte, tanto quanto em todas as outras, regras certas e
seguras para formar um excelente artista.
A primeira regra, segundo o senhor de Vaugelas, é bem
compreender as duas línguas, mas sobretudo a língua latina, é captar
com precisão o pensamento do autor que se traduz e não se prender
exagerada mente às palavras, pois é suficiente que se restitua o sentido
com exato cuidado e completa fidelidade, sem renunciar a nenhuma
das belezas e figuras que existem no latim.
A segunda, conforme o autor da tradução do poema de S. Prosper,
é não somente manter completas fidelidade e exatidão ao restituir os
sentimentos do autor, mas tratar, ainda, de manifestar suas próprias
palavras, quando elas são importantes e necessárias.
A terceira, segundo o senhor de Vaugelas, é conservar o espírito e
o caráter do autor que se traduz, considerando se o estilo é simples ou
pomposo, se é um estilo de arenga ou narração. Pois, como não seria
apropriado traduzir em um gênero sublime e elevado um livro cuja
linguagem fosse pouco elevada e simples, como aquela das Santas
Escrituras ou da Imitação de Jesus Cristo, visto que a simplicidade é,
por si mesma, um tipo de beleza em alguns temas de devoção, não
seria também conveniente traduzir em um estilo preciso e breve as
arengas que devem ser longas, nem em um estilo prolixo as narrações
que devem ser curtas e precisas. Com efeito, quem quisesse reproduzir
de maneira pomposa o estilo simples da Santa Escritura acabaria por
fazer uma reprodução bem diferente desse santo original. Pois assim
como um excelente pintor deve transmitir a uma cópia todos os traços
e aparência do original que se propôs copiar, um excelente tradutor

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILlNGÚE/FRANCÊS-PORTUGUÊS 39


même un excellent traducteur doit faire remarquer dans la traduction
l'esprit et le génie de l'auteur qu'il a traduit. Et comme une copie,
pour être bien faite, ne doit point paraitre une copie, mais un véritable
original, de même une traduction, pour être excellente, ne doit point
paraitre une traduction, mais un ouvrage naturel et une production
toute pure de notre esprit.
La quatrieme, selon l'auteur de la dissertation, est de faire parler
et agir un chacun selon les moeurs et son naturel; et d' exprimer le
sens et les paroles de l'auteur en des termes qui soient en usage et
convenables à la nature des choses qu' on traduit. Par exemple, ayant
à tradu ire ces paroles de I' écriture, ex adipe frumenf1; iI ne faudrait
pas les traduire par la graÍsse de froment, encore que le mot de
graÍsse soit la signification naturelle du mot latin adipe; parce
qu' outre que le mot de graÍssen' est pas un terme qui convienne à la
nature du froment,l'usage veut encore qu' on dise: la Oeur de fromenf
ou le pur froment. Tout de même, iI ne faudrait pas faire parler en
homme civil et poli un barbare ni un villageois, parce que cela ne
convient point aux moeurs et au naturel de l'un ni de l'autre. D'ou
iI s' ensuit que, pour bien traduire, iI faut non seulement faire parler
un chacun selon ses moeurs et ses inclinations, mais iI faut encore
que les expressions soient en des termes simples et naturels, que
l'usage ait déjà reçus; sans se servir néanmoins de ces façons de
parler qui, pour ainsi dire, ne font encore que de naitre, parce qu'il
y ades façons de parler qui ne sont pas toujours bonnes à écrire et
qui peuvent le devenir par le temps.
La cinquieme, selon l'auteur de la traduction du poeme de S.
Prosper, est de s'efforcer de rendre beauté pour beauté et figure pour
figure; lorsqu'il arrive que les mêmes grâces ne se rencontrent pas
dans les deux langues, comme iI arrive bien souvent, et qu'on ne
saurait exprimer les mêmes figures, et les mêmes beautés.
La sixieme, selon l'auteur d'une traduction de quelques lettres de
Ciceron, est de ne pas user de longs tours, si ce n' est seulement pour
rendre le sens plus intelligible et la traduction plus élégante. Car iI y
en a, dit cet auteur, qui ne pouvant rendre les choses en peu de mots et
en termes propres et significatifs, se servent d'un grand tour de paroles
superflues et prennent des licences qui ne seraient pas permises aux
plus petits écoliers. Ainsi en allongeant, comme ils font, les paroles
qu'ils traduisent, ils énervent bien souvent toute la force des termes

40 G ASPARD DE T ENDE
devf:, da mesma maneira, fazer notar na tradução o espírito e o caráter
do autor que traduziu. E como uma cópia,para ser bem feita, não
deve parecer uma cópia, mas um verdadeiro original, da mesma
maneira uma tradução, para ser excelente, não deve parecer uma
tradução, mas uma obra natural e uma produção totalmente pura de
nosso espírito.
A quarta, segundo o autor da dissertação, é fazer com que cada um
fale e atue segundo os costumes e sua natureza e também exprimir o
sentido e as palavras do autor em termos que estejam em uso e sejam
convenientes à natureza das coisas que se traduz. Por exemplo,
devendo traduzir as seguintes palavras da escritura, ex adipe frumentÍ,
não se deve traduzi-las por la graisse de froment ["a gordura da
farinha"], ainda que a palavra graisse [" gordura"] seja a significação
natural da palavra latina adipe, porque além da palavra graisse não
ser um termo que convenha à natureza da farinha, o uso determina
que se diga: la Deur du froment [a flor do farinha] ou le pur froment
[a pura farinha]. Da mesma maneira, não se deveria fazer falar como
um homem civilizado e polido um bárbaro ou um camponês, porque
tal não convém aos costumes e à natureza nem de um nem de outro.
Do que se conclui que, para bem traduzir, deve-se não somente fazer
falar cada um segundo seus costumes e suas inclinações, mas é preciso
ainda que as expressões se formem com termos simples e naturais,
que o uso já consagrou, sem se servir, no entanto, das maneiras de falar
que, por assim dizer, acabam de nascer, pois há maneiras de falar que
não são adequadas à escrita e que podem vir a sê-lo com o tempo.
A quinta, conforme o autor da tradução do poema de S. Prosper, é
esforçar-se para restituir beleza por beleza e figura por figura, quando
não se encontram, nas duas línguas, as mesmas graças, o que ocorre
com bastante freqüência, e que não se consiga exprimir as mesmas
figuras e as mesmas belezas.
A sexta, segundo o autor de uma tradução de algumas cartas de
Cícero, é não usar longas construções, a menos que seja para tornar o
sentido mais inteligível e a tradução mais elegante. Pois, existem
aqueles, diz esse autor, que não conseguindo verter as coisas em poucas
palavras e em termos próprios e significativos, servem-se de uma
grande quantidade de palavras supérfluas e tomam liberdades que
não seriam permitidas nem mesmo aos escolares mais jovens. Assim,
alongando, como eles fazem, as palavras que traduzem, roubam toda

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILÍNGÜE/FRANCÊS-PORTUGUÊS 41


latins et alterent même, quelquefois, le sens et les paroles de I' auteur.
C'est pour cette raison que les expressions les plus courtes et les plus
naturelles sont les plus belles et les meilleures; étant à désirer qu'on
puisse rendre vers pour vers, et que la traduction soit aussi courte
que l' original qu' on traduit.
La septieme, selon Monsieur de Vaugelas, est de tendre toujours à
une plus grande netteté dans le discours. Et c'est pour cette raison
sans doute que les plus excellents traducteurs ont reconnu la nécessité
qu'il y avait de couper ou de partager les périodes; parce que le
discours qui est si lié et si étendu est beaucoup moins intelligible que
celui qui est plus court et plus précis. C'est pourquoi iI faut couper
les périodes latines, lorsqu'elles sont trop longues, à cause que notre
langue, étant encore plus étendue, tiendrait trop en suspens l'esprit
qui attend toujours avec impatience la fin de ce qu' on lui veut dire.
La huitieme, est de joindre ensemble les périodes qui sont trop
courtes, lorsqu' on traduit un auteur dont le style est précis et coupé.
De force que, comme iI faut quelquefois couper les périodes trop
longues, iI faut de même joindre bien souvent celles qui sont trop
courtes, en tenant dans ces deux rencontres un juste tempérament et
une médiocrité raisonnable, et le faisant avec beaucoup de discretion.
La neuvieme et la derniere regle est de ne rechercher pas seulement
la pureté des mots et des phrases, comme font beaucoup de personnes,
mais de tâcher encore d' embellir la traduction par des grâces et des
figures qui sont bien souvent cachées et qu' on ne découvre qu' avec
grand soin. Car il est bien juste et bien raisonnable que non seulement
on rende en français les beautés qui sont visibles dans le latin, mais
même qu'on s'efforce de découvrir toutes ces beautés lorsqu'elles
sont cachées. Ainsi, quand un seul mot latin fait comme une espece
d'opposition à un autre mot qui est dans la même période, iI faut
rendre cette opposition par deux mots en français. Mais la difficulté
qu'il y a quelquefois à découvrir ces beautés et ces grâces fait que la
plupart de ceux qui se mêlent de traduire ne se réduisent seulement
qu'à la pureté des mots et des phrases, sans se mettre beaucoup en
peine de conserver les beautés apparentes et encore moins de les
découvrir lorsqu'elles ne paraissent point.
Voilà certainement des regles pour forme r un excellent traducteur.
C'est par ces regles qu'on peut exprimer d'une maniere noble et
relevée un sens qui, étant tout simple, serait trop bas et trop languissant

42 GASPARD DE T ENDE
a força dos termos latinos, chegando mesmo a alterar, algumas vezes,
o sentido e as palavras do autor. É por esta razão que as expressões
mais curtas e naturais são as mais belas e as melhores, sendo desejável
que se traduza verso por verso, e que a tradução seja tão curta quanto
o original que se traduz.
A sétima, segundo o senhor de Vaugelas, é sempre tender a uma
maior clareza no discurso. E é, sem dúvida, por esta razão que os
melhores tradutores reconheceram a necessidade de reduzir e dividir
os períodos; pois o discurso articulado e extenso é muito menos
inteligível que o discurso mais curto e preciso. Por isso é necessário
diminuir os períodos latinos quando eles são muito longos, pois nossa
língua, sendo ainda mais analítica, deixaria por muito tempo em
suspenso o espírito que espera sempre com impaciência o fim do que
se lhe quer dizer.
A oitava é juntar períodos muito curtos, quando se traduz um
autor cujo estilo é preciso e curto. Assim, como é preciso, algumas
vezes, reduzir períodos muito longos, é igualmente preciso, com
freqüência, juntar aqueles que são muito curtos, guardando nos dois
casos um justo equilíbrio e uma moderação razoável, e tudo com
muito discernimento.
A nona e última regra é não procurar apenas a pureza das
palavras e das frases, como fazem muitas pessoas, mas, ainda,
embelezar a tradução por meio de graças e figuras que estão,
muitas vezes, escondidas e que se descobre apenas com muita
aplicação. Visto ser bastante justo e razoável que não somente se
restitua em francês as belezas que são visíveis no latim, mas também
que se faça um esforço para descobrir todas essas belezas quando
escondidas. Assim, quando somente uma palavra latina faz uma
espécie de oposição a uma outra palavra do mesmo período, é
preciso expressar esta oposição com duas palavras em francês .
Mas a dificuldade que existe, algumas vezes, em descobrir tais
belezas e graças faz com que a maioria daqueles que se põem a
traduzir se limitem à pureza das palavras e frases, sem dar-se ao
trabalho de tentar conservar as belezas aparentes e ainda menos de
descobrir aquelas que não são aparentes.
Eis algumas regras que podem, certamente, formar um bom
tradutor. Através delas, pode-se exprimir de maneira nobre e elevada
um sentido que, mesmo sendo muito simples, tornar-se-ia muito

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILl NGÜE/FRANCÊS-PORTLGUÊS 43


s'il était rendu dans toute sa simplicité. C' est par ces regles qu' on
peut apprendre à suivre la fidélité du sens, sans blesser l'élégance des
paroles, et à imite r l' élégance sans blesser la fidélité. C' est par ces
regles qu' on peut embellir une traduction et rendre en quelque façon
la copie plus belle que l' original. Et enfim, c' est par ces regles qu' on
peut enrichir notre langue et étaler ses beautés, et que ceux qui
n' entendent pas le latin peuvent même apprendre à mieux parler et à
mieux écrire.
Je n' aurais pas un sentiment si avantageux de ce petit ouvrage s'i! était
autant mon ouvrage que l'ouvrage des plus excellents traducteurs et des
premiers maitres de la langue. Car j'avoue que je n'y ai point d'autre part
que celle d'avoir remarqué dans leurs plus excellents livres les plus belles
maniêres de traduire et les meilleures façons de parler. Et je ne crois pas
avoir besoin de me justifier ici de ce que, dans le second livre, je me suis servi
de termes simples et communs pour nommer les choses; puisque ce n' a été
que pour rendre ces choses plus intelligibles aux enfants et à ceux même qui
ne sachant pas encore le latin en veulent acquérir quelque connaissance.
Apres avo ir ainsi dressé ces regles générales pour traduire en vers
et en prose, j'avais eu quelque dessein d'en donner de particulieres
pour traduire en verso Mais j'ai remis à le faire dans une seconde
édition, si j'apprends que celle-ci ait été reçue favorablement.
Ce qui me reste maintenant à désirer est que tous ceux qui liront
ces regles excusent les défauts qu'ils y verront; puisqu'il est comme
impossible que cei ui qui donne les premiers desseins d'une chose le
puisse faire avec toute la perfection que le temps y peut apporter.
C' est la grâce que j'espere de leur bonté; et la récompense que je leur
demande pour I'intention que j'ai eu de diminuer la peine des
traducteurs, en leur proposant des regles pour traduire et embellir
leurs traductions.

Note:
1. BALLARD, Michel. De Cicéron à Benjamin. TraducteuTS, traductions, ré/lexions. Lille:
Presses Universitaires de Lille, 1992.

44 GASPARD DE TENDE
elementar e fraco se fosse traduzido em toda sua simplicidade. Por
estas regras pode-se aprender a alcançar a fidelidade do sentido, sem
ferir a elegância das palavras, e a imitar a elegância sem ferir a
fidelidade. Por meio destas regras é que se pode embelezar uma
tradução e tornar, de algum modo, a cópia mais bela que o original. É,
enfim, através destas regras que se pode enriquecer nossa língua e
mostrar suas belezas, e que aqueles que não entendem latim podem
aprender a falar melhor e a melhor escrever.
Eu não teria tanto orgulho desta pequena obra se ela fosse tanto
minha quanto dos melhores tradutores e dos grandes mestres da
língua. Pois confesso que meu mérito é apenas de ter notado em seus
melhores livros as mais belas e melhores maneiras de traduzir e de
falar. E creio não ser necessário me justificar aqui pelo fato de que, no
segundo livro, utilizei termos simples e comuns para nomear as coisas,
pois o fiz apenas para torná-las mais inteligíveis às crianças e àqueles
que não sabem ainda latim, mas que querem adquirir algum
conhecimento.
Após ter estabelecido estas regras gerais para traduzir em verso e
em prosa, tinha eu a intenção de fixar algumas regras particulares
para traduzir em verso. Mas deixei para fazê-lo em uma segunda
edição, caso a presente seja favoravelmente acolhida.
Resta-me agora desejar que todos aqueles que lerão estas regras
perdoem os defeitos que aqui encontrarem, visto ser quase
impossível que aquele que traça os primeiros contornos de uma
coisa possa fazê-lo com toda a perfeição que o tempo pode
proporcionar. É a graça que espero de sua bondade; e a recompensa
que lhes peço pela intenção que tive de diminuir o esforço dos
tradutores, propondo-lhes regras para traduzir e embelezar suas
traduções.

Tradução: Cláudia Borges de Faveri


Nota:
1. BALLARD, Miche!. De Ckéron à Benjamin. Traducteurs, traductions, réflexions. Lille:
Presses Universitaires de Lille, 1992.

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILlNGÜE/FRANCÊS-PORTLGUÊS 45


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NICOLAS PERROT Df ABLANCOURT

LETTRE À MONSIEUR CONRART -


CONSEILLER ET SÉCRÉTAIRE DU ROI
CARTA AO SENHOR CONRART -
CONSELHEIRO E SECRETÁRIO DO REI
NICOLAS PERROT D' ABLANCOURT

LETTRE À MONSIEUR CONRART


CONSEILLER ET SÉCRÉTAIRE DU ROI (1664)

Nicolas Perrot d'Ablancourt (1606-1664), traducteur de Cicéron, Tacite,


Xénophon, César, Lucien et autres, a traduit aussi des ouvrages espagnols et
a laissé quelques ceuvres en prose. Voltaire dit de lui qu'il était un «traducteur
éléganb>. Le grammairien et lexicographe Gilles Ménage (1613-1692) appela
ses traductions «de belles infideles», du même nom qu 'iI nommait I'une de ses
maitresses. Le texte qui suit figure en introduction (sans numéro de pages) de
la traduction des traités et dialogues de Lucien par d' Ablancourt. II s'agit
d'une lettre que le traducteur adresse à Monsieur Conrart, conseiller et secrétaire
du roi. Luden, Traduction de Nicolas Perrot, Sieur d' Ablancourt, Premiere
partie, Paris: Thomas Jolly, 1664.

Monsieur,
Comme les choses retournent à leur principe, et finis sent
ordinairement par ou elles ont commencé, iI était juste de consacrer la
fin de mes traductions, à celui qui en avait eu les prémices; et Minucius
Félix ayant donné naissance à notre amitié, Lucien en devait faire
I' accomplissement. O' ailleurs, ii fallait mettre au frontispice de cet
ouvrage, un nom qui bannit toute la mauvaise opinion, que I' on en
pourrait avoir; et que le libertinage de cet auteur, fut effacé par la
vertu de Monsieur Conrart. Ajoutez à cela, que ce livre ne pouvait
honnêtement paraitre en public sous d'autres auspices que les vôtres,
puisque vous avez tant contribué à le mettre au monde, et que vos
bons avis sont cause qu'il voit le jour en un état plus parfait. Ce n'est
donc pas tant ici un présent, qu'un acte de reconnaissance; encore est-
ce une reconnaissance intéressée, puis qu' elle mendie la protection
de celui qu'elle reconnait pour son bienfaiteur. Et véritablement,
Monsieur, puisque c' est vous principalement qui m' avez fait
entreprendre cette version, vous devez avo ir part au blâme ou à la
louange qui en pourra revenir; outre qu' elle trouvera assez de monstres
à combattre à sa naissance, pour chercher un protecteur. Mais afin que
vous ne me puissiez reprocher de vous avoir engagé témérairement

48 NICOLAS P ERROT O' A BLANCOU RT


NICOLAS PERROT D' ABLANCOURT

CARTA AO SENHOR CONRART


CONSELHEIRO E SECRETÁRIO DO REI (1664)

Nicolas Perrot d' Ablancourt (1606-1664), tradutor de Cícero, Tácito,


Xenofonte, César, Luciano, e outros, traduziu também obras espanholas e
escreveu algumas obras em prosa. Voltaire disse dele que era um «tradutor
elegante». O gramático e lexicógrafo Gilles Ménage (1613-1692) chamou
suas traduções de «belles infideIes», o mesmo nome que ele dava a urna de
suas amantes. O texto que segue figura na introdução (sem número de
página) da tradução de tratados e diálogos de Luciano por d' Ablancourt.
Trata-se de urna carta do tradutor para Monsieur Conrart, conselheiro e
secretário do rei. Lucien, Traduction de Nicolas Perrot, senhor. d' Ablancourt,
Premiere partie, Paris: Thomas Jolly, 1664.

Senhor,
Como as coisas retornam a seu princípio e acabam normalmente
por onde começaram, era justo consagrar o final das minhas traduções
àquele que estava em suas primícias; e se Minúcio Félix fez nascer
nossa amizade, Luciano deveria fazê-la se consumar. Aliás, dever-se-
ia pôr no frontispício desta obra um nome 'que bane toda a opinião
negativa que dela se poderia ter, fazendo com que a libertinagem
desse autor fosse apagada pela virtude do senhor. Conrart. Acrescente-
se a isso que este livro não poderia honestamente vir a público sob
outros auspícios que não os vossos, já que havíeis contribuído tanto
para trazê-lo ao mundo, e que vossos bons conselhos são a causa de
que viesse à luz em um estado mais perfeito. Trata-se, portanto, aqui,
não tanto de um presente, mas de um ato de reconhecimento, ainda
que seja um reconhecimento interessado, pois mendiga a proteção
daquele que reconhece como seu benfeitor. E, na verdade, senhor, já
que fostes vós principalmente que me fizestes empreender esta versão,
deveis tomar parte no vitupério ou no louvor que poderá acarretar;
além de que ela encontrará bastantes monstros a combater no seu
nascimento, fazendo-se necessário procurar um protetor. Mas para
que não possais me repreender por vos terdes temerariamente

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILÍNGÜE/FRANCÊS-PORTUGUÊS 49


dans une querelle dont vous vous fussiez fort bien passé, je vous veux
donner des armes pour vous défendre, et pour nous mettre tous deu x
à couvert de la calornnie.
Tout ce qu'un peut dire contre moi, se peut rapporter à deu x
chefs, au dessein et à la conduite. Car uns diront qu'il ne fallait pas
traduire cet auteur, autres, qu'ille fallait traduire autrement. Je veux
donc répondre à ces deux objections, apres avoir dit quelque chose
de Lucien, qui servira à ma justification, et fera mieux voir les raisons
que j'ai eues de le traduire. Lucien était de Samosate, capitale de la
Comagene, et n' était pas de grande naissance, car son pere n' ayant pas
le moyen de l' entretenir, résolut lui faire apprendre un métier; mais
les commencements ne lui en ayant pas été favorables, ii se jeta dans
les Lettres, sur un songe qui est rapporté au commencement de cet
ouvrage. II dit lui-même qu'il embrassa la profession d'avocat; mais
qu'ayant en horreur les criailleries, et les autres vices du barreau, ii
eut recours à la philosophie, comme à un asile. II parait par ses ecrits,
que c'était un rhéteur, qui faisait profession d'éloquence, et qui
composait des déclamations, des harangues sur divers sujets, et même
des plaidoyers; quoi qu' ii ne nous en reste point de sa façon. II s' établit
d' abord à Antioche, d' ou iI passa en Jonie et en Crece, puis en Caule
et en ltalie, et revint apres en son pays par la Macédoine. Mais on voit
bien qu'il a vécu une partie du temps à Athenes, aussi en a-t-il pris les
vices et les vertus. À la fin iI se retira des exercices dont j'ai parlé, pour
s'adonner à la philosophie; c'est pourquoi iI se plaint en quelque
endroit, de ce qu'on I'y veut rembarquer en sa vieillesse. II a vécu
quatre-vingt dix ans; depuis le regne de Trajan, et au-dessus, jusque
par-delà Marc-Aurele, sous qui iI fut en grande estime, et devint
intendant de I'empereur en Égypte. Suidas veut qu'il ait été déchiré
par les chiens; mais c' est apparemment une calornnie, pour se venger
de ce qu'il n' a pas épargné dans ses railleries les premiers chrétiens
non plus que les autres. Toutefois, ce qu'iI en dit se peut rapporter, à
mon avis, à leur charité et à leur simplicité, qui est plutôt une louange
qu'une injure; joint qu'on ne doit pas attendre d'un payen,l'éloge du
christianisme. Quelques-uns ont cru qu'iI avait été chrétien; mais cela
ne parait point dans ce livre: ii est vrai qu'il sait beaucoup de nos
mysteres pour un étranger; quoique le voisinage de la Judée et le
commerce des chrétiens, joint à sa curiosité naturelle, lui aient pu
acquérir toute cette connaissance. D' autres le veulent faire passer pour

50 NICOLAS PERROT O' A BLANCOU RT


;,ntroduzido em uma querela que poderíeis muito bem evitar, quero
dar armas com que vos defender e com que nos pôr a ambos ao abrigo
da calúnia.
Tudo que se pode dizer contra mim pode relacionar-se a dois
pontos principais: à intenção e ao procedimento. Pois alguns dirão
que não seria necessário traduzir esse autor e outros, que seria preciso
traduzi-lo de outra forma. Quero então responder a essas duas
objeções, após ter dito algo a respeito de Luciano, que servirá para
me justificar e fará ver melhor as razões que tive para traduzi-lo.
Luciano era de Samosata, capital de Comagena, e não era de família
ilustre, pois seu pai, não tendo meios de criá-lo, resolveu fazê-lo
aprender um ofício; mas não tendo os começos lhe sido muito
favoráveis, lançou-se às letras, seguindo um sonho que é relatado no
início desta obra. Ele mesmo diz que abraçou a profissão de
advogado, mas que, tendo horror à vozearia e a outros vícios da
advocacia, refugiou-se na filosofia como em um asilo. Parece, por
seus escritos, que era um retórico que fazia profissão de eloqüência
e que compunha declamações e arengas sobre diversos assuntos e,
mesmo, requisitórios, embora não nos reste nada de seu trabalho.
Fixou-se primeiro em Antioquia de onde passou para a l'pnia e a
Grécia, depois para a Gália e a Itália e então retornou a seu país pela
Macedônia. Mas vê-se bem que viveu uma temporada em Atenas, já
que dela tomou os vícios e as virtudes. Por fim abandonou os
exercícios de que falei para entregar-se à filosofia, por isso ele se
lamenta em alguma passagem que o tenham querido arrastar de
novo para essas atividades em sua velhice. Viveu noventa anos,
durante os reinados de Trajano e Marco Aurélio, em cuja época foi
muito apreciado, tornando-se intendente do imperador no Egito.
Suidas afirma que foi destroçado por cães, mais isso é, ao que parece,
uma calúnia, para se vingar por não ter Luciano poupado de seus
escárnios os primeiros cristãos, tanto quanto não o fez com os outros.
No entanto, o que diz deles pode relacionar-se, na minha opinião, à
sua caridade e simplicidade, o que é mais um elogio do que uma
injúria, além de que não se deve esperar de um pagão que elogie o
cristianismo. Alguns acreditavam que tinha sido cristão, mas isso
não aparece neste livro; é verdade que sabe muito de nossos mistérios
para um estranho; se bem que a proximidade da Judéia e o comércio
com os cristãos, aliados à sua curiosidade natural, poderiam tê-lo

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILÍNGÜEjFRANCÊS-PORTUGUÊS 51


un parangon de sagesse et de doctrine; mais outre l'amour des
garçons, ou iI a été sujet, et le peu de sentiment qu'il a eu de la
divinité, iI ne lui est pas pardonnable d'avoir déchiré la réputation
des plus grands hommes, sur le rapport de la renommée, ou plutôt
sur celui de leurs ennemis. Car encore qu' on le puisse excuser, en
disant que ce n'est pas à eux qu'il en veut, mais à ceux qui abusent
de leur nom, pour couvrir leurs vices; on voit bien qu'il ne laisse
échapper aucune occasion d' en médire; et qu'illeur donne toujours
quelque coup de dent en passant. Ou reste, la façon dont iI traite les
matieres les plus importantes, fait assez voir qu'il n' était pas fort
profond dans la philosophie, et qu'il n'en avait appris que ce qui
servait à sa profession de rhéteur, qui était de parler pour et contre,
sur toute sorte de sujets. Mais on ne peut nier que ce ne soit un des
plus beaux esprits de son siecle, qui a partout de la mignardise et de
l' agrément, avec une humeur gaie et enjouée, et cet air galant que les
anciens nommaient urbanjt~ sans parler de la netteté et de la pureté
de son style, jointes à son élégance et à sa politesse. Je le trouve
seulement un peu grossier, dans les choses de l' amour, soit que cela
se doive imputer au génie de son temps, ou au sien; mais lorsqu'il
en veut parler, iI sort des bornes de l'honnêteté, et tombe incontinent
dans le sale; ce qui est plutôt la marque d'un esprit débauché que
galant. II a cela aussi des déclamateurs, qu'il veut tout dire, et qu'il
ne finit pas toujours ou iI faut; qui est un vice qui vient de trop
d'esprit et de savoir. Mais c'est une grande preuve du mérite et de
l' excellence de ses ouvrages, qu'ils se soient conservés jusqu'à nous,
vu le peu d'affection qu'on avait pour leur auteur, et le naufrage de
tant d' autres pieces de l' Antiquité, qui se sont perdues soit par
malheur ou par négligence; et il faut bien que les chrétiens aient
trouvé qu'ils pouvaient beaucoup plus profiter que nuire. Aussi
jamais homme n'a mieux découvert la vanité et l'imposture des
faux dieux, ni l'orgueil et l'ignorance des philosophes, avec la
faiblesse et l'inconstance des choses humaines; et je doute qu'il y ait
de meilleurs livres pour ce regard. Car iI s'insinue doucement dans
les esprits par la raillerie; et sa morale est d' autant plus utile, qu' elle
est agréable. O'ailleurs, on peut apprendre ici mille choses tres
curieuses; et c'est comme un bouquet de fleurs de ce qu'il y a de
plus beau chez les Anciens. Je laisse à part que les fables y sont
traitées d'une façon ingénieuse, qui est tres propre à les faire retenir,

52 NICOLAS PERROT D' ABLANCOURT


.<

feito adquirir todo esse conhecimento. Outros querem fazê-lo passar


por um modelo de sabedoria e de doutrina; mas além do amor pelos
rapazes, ao qual estava sujeito, e o pouco sentimento que teve pelo
divino, não se pode perdoá-lo por ter arruinado a reputação dos
maiores homens com base na sua fama, ou melhor, com base no que
diziam deles seus inimigos. Pois ainda que se possa desculpá-lo,
dizendo que não é a eles que odeia, mas àqueles que abusam de seu
nome para encobrir seus vícios, vê-se bem que não deixa escapar
nenhuma ocasião de denegri-los e que sempre lhes dá alguma
dentada ao passar. De resto, a maneira como trata os assuntos mais
importantes mostra que não era muito versado em filosofia e que
dela aprendeu somente o que servia para sua profissão de retórico,
que era a de falar contra ou a favor de qualquer assunto. Mas não se
pode negar que foi um dos grandes espíritos de seu século,
mostrando delicadeza e encanto, com um humor alegre e jovial,
com aquele ar galante que os antigos denominavam urbanidade,
sem falar da clareza e pureza de seu estilo, aliadas à elegância e à
cortesia. Só o considero um pouco grosseiro nas cois~s do amor,
apesar de que isso se pode imputar ao espírito de seu tempo, ou ao
seu próprio, mas quando se propõe a tratar dele, escapa dos limites
da honestidade e cai imediatamente na torpeza, o que é a marca de
um espírito mais depravado que galante. Ele tem também aquele
traço dos declamadores que, querendo tudo dizer, nunca termina
onde deve, o que é um vício decorrente de excesso de espírito e de
saber. Mas é uma grande prova do mérito e da excelência de suas
obras que se tenham conservado até nós, dados a pouca afeição que
se tinha por seu autor e o naufrágio de tantas outras peças da
Antigüidade, que se perderam por infortúnio ou por negligência, e
foi preciso que os cristãos acreditassem que essas obras eram mais
proveitosas que prejudiciais. Na verdade, homem algum descobriu
melhor a vaidade e a impostura dos falsos deuses, nem o orgulho e
a ignorância dos filósofos, com a fraqueza e a inconstância das coisas
humanas; e duvido que existam melhores livros a esse respeito. Pois
se insinua docemente nos espíritos pela zombaria e sua moral torna-
se mais útil por ser agradável. Aliás, pode-se aprender ali mil coisas
curiosas; e é como um ramo de flores do que de mais belo há nos
Antigos. Sem dizer que as fábulas são ali tratadas de maneira
engenhosa, o que parece adequado para sua memorização e não

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILiNGÜEjFRANCÊS-PORTUGUÊS 53


et ne contribue pas peu à l'intelligence des poetes. II ne faut donc
pas trouver étrange que je l' aie traduit, à l' exemple de plusieurs
personnes doctes qui ont fait des versions latines, les uns d'un
dialogue, les autres d'un autre; et je suis d'autant moins blâmable,
que j' ai retranché ce qu'il y avait de plus sale, et adouci, en quelques
endroits, ce qui était trop libre; par ou j' entre en la justification de
ma conduite, puisque voilà mon dessein assez bien justifié par tant
d'avantages qui peuvent revenir au public de la lecture de cet
auteur. Je dirai seulement que je lui ai laissé ses opinions toutes
entieres, parce qu' autrement ce ne serait pas une traduction, mais je
réponds dans l'argument ou dans les remarques à ce qu'il y a de
plus fort, afin que cela ne puisse nuire.
Comme la plupart des choses qui sont ici, ne sont que des
gentillesses et des railleries, qui sont diverses dans toutes les langues,
on n'en pouvait faire de traduction réguliere. II y a même des pieces
qUI n'ont pu se traduire du tout, comme celle du Jugement des
voyelles, et deux ou trois autres, qui consistent dans la propriété des
termes grecs, et qui ne seraient pas entendues hors de là. Toutes les
comparaisons tirées de l'amour, parlent de celui des garçons, qui
n' était pas étrange aux moeurs de la Grece, et qui font horreur aux
nôtres. L' auteur allegue à tous propos des vers d'Homere, qui seraient
maintenant des pédanteries, sans parler des vieilles fables trop
rebattues, de proverbes, d' exemples et de comparaisons surannées,
qui feraient à présent un effet tout contraire à son dessein; car iI s' agit
ici de galanterie, et non pas d' érudition.
II a donc fallu changer tout cela, pour faire quelque chose
d'agréable; autrement, ce ne serait pas Lucien; et ce qui plait en sa
langue, ne serait pas supportable en la nôtre. D'ailleurs, comme dans
les beaux visages il y a toujours quelque chose qu'on voudrait qu'il
n'y fut pas; aussi dans les meilleurs auteurs, il y ades endroits qu'il
faut toucher ou éclaircir, particulierement quand les choses ne sont
faites que pour plaire; car alors on ne peut souffrir le moindre défaut:
et pour peu qu' on manque de délicatesse, au lieu de divertir on
ennuye. Je ne m'attache donc pas toujours aux paroles ni aux pensées
de cet auteur; et demeurant dans son but, j' agence les choses à notre
air et à notre façon. Les divers temps veulent non seulement des paroles,
mais des pensées différentes; et les ambassadeurs ont coutume de
s'habiller à la mode du pays ou l'on les envoye, de peur d'être

54 NICOLAS P ERROT O' A SLANCOURT


contribui pouco para a inteligência dos poetas. Assim, não se deve
considerar estranho que eu o tenha traduzido, a exemplo de várias
pessoas doutas que fizeram versões latinas, alguns de um diálogo,
outros de um outro; e sou tanto menos condenável, pois suprimi o
que havia de mais grosseiro e suavizei em algumas passagens o que
era demasiado livre; e aqui entro na explicação de meu
procedimento, já que minha intenção encontra-se justificada por
tantas vantagens que pode trazer ao público a leitura desse autor.
Direi apenas que deixei suas opiniões intactas, porque senão não
seria uma tradução, mas que respondo no argumento ou nas
observações ao que há de mais forte, a fim de que isso não possa
causar prejuízo.
Como a maior parte das coisas aqui contidas não passa de gentilezas
e zombarias, que são distintas em todas as línguas, não se poderia
fazer uma tradução comum. Há até mesmo partes que não pude
traduzir de jeito algum, como a do Julgamento das vogais, e mais
duas ou três, que tratam da propriedade dos termos gregos e que não
seriam entendidas fora desse contexto. Todas as comparações tiradas
do amor falam do amor aos rapazes, o que não era estranho aos
costumes da Grécia e que horrorizam os nossos. O autor lança mão a
cada instante de versos de Homero, que seriam agora pedantes, sem
falar das velhas fábulas batidas, dos provérbios, exemplos e
comparações antiquados, que produziriam atualmente um efeito
totalmente contrário a seu objetivo, pois se trata aqui de galanteria e
não de erudição.
Foi preciso então mudar tudo isso, para fazer algo agradável; de
outro modo, não seria Luciano; e o que agrada na sua língua, não seria
suportável na nossa. Além disso, assim como nos belos rostos há sempre
algo que gostaríamos que não estivesse ali, do mesmo modo, nos
melhores autores, há passagens que convém retocar ou esclarecer,
especialmente quando as coisas são feitas somente para agradar;
pois então não se pode suportar o mínimo defeito, e se a delicadeza
faltar nem que seja por pouco, em vez de agradar, aborrece. Assim,
não me apego sempre às palavras ou aos pensamentos do autor e,
mantendo a sua finalidade, arranjo as coisas a nosso gosto e a nosso
modo . As diversas épocas pedem não somente palavras, mas
pensamentos diferentes; e os embaixadores têm o hábito de se
vestirem à moda do país para onde são enviados, por medo de

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - A NTOLOGIA BI LlNGÜE/FRANC~PORTUGUÊS 55


ridicules à ceux à qui ils tâchent de plaire. Cependant, cela n' est pas
proprement de la traduction; mais cela vaut mieux que la traduction;
et les Anciens ne traduisaient point autrement. C' est ainsi que Térence
en a usé dans les comédies qu'il a prises de Ménandre, quoiqu' Aulu
Gelle ne laisse pas de les nommer des traductions; mais iI n'importe
du nom, pourvu que nous ayons la chose. Cicéron en a fait autant
dans ses Ollices, qui ne sont presque qu'une version de Panetius; et
dans celles qu'il avait faites des oraisons de Démosthenes et d'Esquines,
iI dit qu'il a travaillé non pas en interprete, mais en orateur; qui est la
même chose que j'ai à dire des dialogues de Lucien, quoi que je ne me
sois pas donné une égale liberté partout. II y a beaucoup d'endroits
que j'ai traduits de mot à mot, pour le moins autant qu' on le peut faire
dans une traduction élégante; iI y en a aussi ou j'ai considéré plutôtce
qu'il fallait dire, ou ce que je pouvais dire, que ce qu'il avait dit, à l'exemple
de Virgile dans ceux qu'il a pris d'Homere et de Théocrite. Mais je me
suis resserré presque partout, sans descendre dans le particulier, qui n'est
plus de ce temps-ci. Je sais bien pourtant que cela ne plaira pas à tout le
monde, et principalement à ceux qui sont idolâtres de toutes les paroles et
de toutes les pensées des Anciens, et qui ne croient pas qu'un ouvrage soit
bon, dont l'auteur est encore en vie. Car ces sortes de gens-Ià crieront
comme ils faisaient du temps de Térence
Contaminari non decere Fabulas,

Qu'il ne faut point corrompre son auteur, ni rien altérer de son


sujet; mais je leur répondrai avec lui,
Faciunt nae intelligendo, ut nihil intelligant
Qui cum hunc accusant, Naevium, Plautum, Ennium
Accusant, quos hic noster autores habet.
Quorum aemulari exopat negligentiam
Potius, quam istorum obscuram diligentiam.

Que cet obscuram diligentiam dit bien le défaut de ces


traductions scrupuleuses, dont iI faut lire l'original pour entendre
la version!
Voilà, Monsieur, ce que j'avais à dire pour ma défense. Je la is se à
votre courage et à votre adresse, sans parler de votre zele et de votre
affection, d' employer ces armes qui sont plus fortes que luis antes; si
ce n'est assez de votre nom pour écarter les ennemis et les empêcher

56 N ICOLAS PER ROT D' ABLANCOURT


parecerem ridículos perante aqueles que se esforçam por agradar.
Todavia, isso não é propriamente uma tradução, mas vale mais que
uma tradução; e os Antigos não traduziam de outro modo. Assim
procedeu Terêncio nas comédias que tomou de Menandro, ainda que
Aulo Gélio não deixe de chamá-las de traduções, mas pouco importa
o nome desde que tenhamos a coisa. Cícero fez o mesmo em seus
Ofícios, que são quase uma versão de Panécio; e nas que fez dos
discursos de Demóstenes e de Ésquines, disse que trabalhou não como
intérprete, mas como orador, que é a mesma coisa que tenho a dizer
dos diálogos de Luciano, apesar de que não me concedi a mesma
liberdade em todos os momentos. Há muitas passagens que traduzi
palavra por palavra, pelo menos na medida em se pode fazê-lo em
uma tradução elegante; há ainda outras em que considerei mais o que
seria preciso dizer, ou o que podia dizer, que o que ele havia dito, a
exemplo de Virgílio no que tomou de Homero e Teócrito. Mas me
restringi quase sempre, sem me ater ao particular que não é mais desta
época. Contudo, sei que isso não agradará a todos, principalmente
aos idólatras de todas as palavras e de todos os pensamentos dos
Antigos, que não crêem que uma obra cujo autor esteja vivo possa ser
boa. Pois esse tipo de gente gritará, como aconteceu no tempo de
Terêncio:
Contaminari non decere Fabulas,

Que não se deve corromper seu autor, nem nada alterar de seu
assunto; mas lhes responderei com suas palavras,
Faciunt nae intelligendo, ut nihil intelligant
Qui cum hunc accusant, Naevium, Plautum, Ennium
Accusant, quos hic noster autores habet.
Quorum aemulari exopat negligentiam
I
Potius, quamistorum obscuram diligentiam.

Quão bem expressa essa obscuram dJ1igentiam o defeito dessas


traduções escrupulosas, nas quais é preciso ler o original para
entender a versão!
Aí está, senhor, o que tinha a dizer em minha defesa. Deixo a vossa
coragem e a vossa habilidade, sem falar em vosso zelo e em vosso
afeto, a tarefa de empregar essas armas que são mais fortes do que
brilhantes, se não bastar vosso nome para afastar os inimigos e impedi-

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BlLÍNGÜE/ F RANCÊS-PORTUGUÊS 57


de se déclarer. Quoi qu'il en arrive, j'en attribuerai tout le succés à la
gloire de mon défenseur, et demeurerai toute ma vie, Monsieur, votre
tres humble et tres obéissant serviteur.

58 NICOLAS PERROT D' A BLANCOURT


"'

los de se declararem. O que quer que aconteça, atribuirei todo o


sucesso à glória de meu defensor e permanecerei toda a vida, senhor,
vosso mui humilde e obediente servo.

Tradução: Teresa Dias Carneiro


Nota:
1. "Não é bom misturar os argumentos. Apesar de terem alto conceito de si, os sábios mostram
saber pouco, pois ao repreenderem a este, repreendem a Névio, Plauto e Enio, a qUEm nosso
poeta considera mestres e cujos descuidos vale mais imitar do que a sua diligência obscura"
(Terêncio, AndrÍa, prólogo). N.T.

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILíNGÜE/FRANCÊS-PORTUGUÊS 59


JEAN LE ROND D'ALEMBERT

OBSERVATIONS SUR L' ART DE TRADUIRE


EN GÉNÉRAL ET SUR CET ESSAI DE
TRADUCTION EN PARTICULIER
OBSERVAÇÕES SOBRE A ARTE DE
TRADUZIR EM GERAL E SOBRE ESTE
ENSAIO DE TRADUÇÃO EM PARTICULAR
JEAN LE ROND D' ALEMBERT

OBSERVATIONS SUR L' ART DE TRADU IRE EN


GÉNÉRAL ET SUR CET ESSAI DE TRADUCTION EN
PARTICULIER (1759)

Jean le Rond d' Alembert (1717-1783), philosophe, mathématicien et physicien,


fut co-directeur de l' Encyc/opéme, en a rédigé le "Discours préliminaire" et
écrivit environ 1700 articles. Avant les années 1750, la quasi-totalité de ses
travaux concerne les mathématiques. A partir du milieu du siêcle, avec
l' Encyc/opédÍe (1751), avec son élection à l' Académie Française (1754) et son
implication plus marquée dans le parti "philosophique", I'activité de
D' Alembert se diversifie. II publia notamment plusieurs éditions três différentes
des Mélanges de Jjttérature., d'lUstoÍre et deplUlosoplUedont est extrait le texte
qui suit, édité à Amsterdam: Chatelain & Fils, 1759, vol. III, p. 9-19.

Ce ne sont point ici des lois que je viens dicter. Ceux de nos bons
écrivains qui se sont exercés avec succes dans l' art de traduire auraient
plus de droit de s' ériger en législateurs; mais ils ont mieux fait que de
transcrire des regles; ils ont donné des exemples. Étudions l'art dans
leurs ouvrages, et non dans quelques décisions mal assurées, sur
lesquelles on dispute. Quels préceptes en effet sont préférables à I' étude
des grands modeles? Celle-ci éclaire toujours, ceux-Ià nuisent
quelquefois. Dans tous les genres de littérature, la raison a fait un petit
nombre de regles, le caprice les a étendues, et le pédantisme en a forgé
des fers que le préjugé respecte, et que le talent n' ose briser. De quelque
côté qu' on se tourne dans les Beaux-Arts, on voit partout la médiocrité
dictant les lois, et le génie s' abaissant à lui obéir. C' est un souverain
emprisonné par des esclaves. Cependant, s'il ne doit pas se laisser
subjuguer, iI ne doit pas non plus tout se permettre. Cette regle si utile
au progrés de la littérature doit s' étendre, ce me semble, non seulement
aux ouvrages originaux, mais aux ouvrages d'imitation même, tels
que sont les traductions. Essayons dans cet écrit d'éviter les deu x
exces d'une rigueur et d'une indulgence également dangereuses.
Nous examinerons d'abord les lois de la traduction, eu égard au

62 JEAN LE ROND D' ALEMBERT


JEAN LE ROND O' ALEMBERT

OBSERVAÇÕES SOBRE A ARTE DE TRADUZIR EM


GERAL E SOBRE ESTE ENSAIO DE TRADUÇÃO EM
PARTICULAR (1759)

Jean le Rond d' Alembert (1717-1783), filósofo, matemático e físico, foi co-
diretor da Encyclopédje, redigiu o "Discours préliminaire" e escreveu por
volta de 1700 verbetes da mesma. Antes dos anos 1750, a quase totalidade de
seus trabalhos concerne à matemática. A partir de meados do século, com a
Encyclopédje (1751), sua eleição para a Academia Francesa (1754) e sua
inserção mais marcada no partido "filosófico", a atividade de D' Alembert se
diversifica. Publica, entre outros, várias edições diferentes de Mélanges de
Jjttérature, d'lústojre et de phjlosophje, obra à qual pertence o texto que segue,
editado em Amsterdã: Chatelain & Fils, 1759, vol. III, p. 9-19.

Não estou aqui para ditar leis. Dentre nossos bons escritores, os
que atuaram com sucesso na arte de traduzir teriam mais direito de se
apresentarem como legisladores, mas fizeram algo melhor do que
transcrever regras: deram exemplos. Estudemos a arte em suas obras
e não em algumas decisões mal fundamentadas, sobre as quais se
debate. Que preceitos são, de fato, preferíveis ao estudo dos grandes
modelos? Este último esclarece sempre, os primeiros às vezes
prejudicam. Em todos os gêneros de literatura, a razão estabeleceu
um pequeno número de regras, o capricho as ampliou e o pedantismo
fo~ou grilhões que o preconceito respeita e o talento não ousa quebrar.
Para onde quer que nos voltemos nas Belas-Artes, vemos por toda
parte a mediocridade ditando leis e o gênio se rebaixando para
obedecê-la. É um soberano aprisionado por escravos. Todavia, se ele
não deve deixar-se subjugar, também não deve tudo se permitir. Esta
regra tão útil ao progresso da literatura deve se estender, parece-me,
não somente às obras originais, mas também às obras de imitação, tais
como as traduções. Tentemos evitar neste escrito os excessos de um
rigor e de uma indulgência igualmente perigosos. Examinaremos
primeiramente as leis da tradução, relativamente ao espírito das

CLÁSSICOS DA TEORlA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILÍNGÜE/FRANCÊS-PORTUGUÊS 63


génie des langues, ensuite relativement au génie des auteurs, enfjn
par rapport aux prineipes qu' on peut se faire dans ce geme d' écr~re.
On croit communément que l'art de traduire serait le plus facile
de tous, si les langues étaient exactement formées les unes sur les
autres. J'ose croire que dans ce cas on aurait plus de traducteurs
médiocres et moins d'excellents. Les premiers se borneraient à une
traduction servilement littérale, et ne verraient rien au-delà. Les autres
y voudraient de plus I'harmonie, I'agrément et la facilité du style,
deu x qualités que les bons ecrivalns n' ont jamais négligées, et qui sont
même le caractere de quelques-uns. Ainsi le traducteur aurait besoin
d'une extrême finesse pour distinguer dans quels cas la perfection
exacte de la ressemblance pourrait céder aux grâces de la diction sans
trop s' affaiblir. Une des grandes difficultés de I' art d' écrire, et
prineipalement des traductions, est de savoir jusqu'à quel point on
peut sacrifier I' énergie à la noblesse,la correction à la facilité,la justesse
rigoureuse à la mécanique du style. La raison est un juge sévere qu'il
faut craindre, I' oreille un juge orgueilleux qu'il faut ménager. On ne
doit donc pas se faire une regle de traduire littéralement, dans les
endroits mêmes ou le génie des langues ne paraí't pas s'y opposer,
quand la traduction ser a d'ailleurs seche, dure et sans harmonie.
Quoi qu'il en soit, la différence de caractere des langues, ne
permettant presque jamais les traductions littérales, délivre le
traducteur de I' espece d' écueil dont nous venons de parler, de la
nécessité ou iI se trouverait quelquefois de sacrifier l'agrément à la
préeision, ou la précision à l'agrément. Mais l'impossibilité ou il se
trouve de rendre son original trait pour trait lui laisse une liberté
dangereuse. Ne pouvant donner à la copie une parfaite ressemblance,
iI doit craindre de ne lui pas donner toute celle qu' elle peut avo ir.
D' ailleurs, si les finesses de notre propre langue exigent de nous tant
d' étude pour être bien connues, combien n' en faut-il pas pour démêler
encore les finesses d'une langue étrangere? Et qu'est-ce qu'un
traducteur sans cette double connaissance?
II en est quelques-uns qu' on croirait devo ir être moins gênés sur
cet article; ce sont les traducteurs des aneiens. Si les fines ses de la
diction leur échappent dans I' original, elles n' échappent pas moins à
leurs juges. Cependant, par une destinée bizarre, ces traducteurs sont
traités plus séverement que les autres. La superstition en faveur de
l'antiquité nous fait supposer que les aneiens se sont toujours exprimés

64 JEAN LE ROND D' A LEMBERT


línguas, depois ao gênio dos autores e, por fim, em relação aos
princípios que podem ser estabelecidos neste tipo de escritura.
Acredita-se geralmente que a arte de traduzir seria a mais fácil de
todas, se as línguas fossem formadas exatamente umas sobre o modelo
das outras. Quero crer que em tal caso teríamos mais tradutores
medíocres e menos tradutores excelentes. Os primeiros se
restringiriam a uma tradução servilmente literal, e não veriam nada
mais além. Os outros desejariam, além da harmonia, a graça e a
facilidade do estilo, duas qualidades que os bons escritores jamais
negligenciaram e que são até a característica de alguns deles. Assim, o
tradutor precisaria de uma sagacidade extrema para distinguir em
quais casos a perfeição ex ata da semelhança poderia dar lugar às
graças da expressão sem se enfraquecer muito. Uma das grandes
dificuldades da arte de escrever, e principalmente das traduções, é
saber até que ponto podemos sacrificar a energia à nobreza, a correção
à facilidade, a precisão rigorosa à mecânica do estilo. A razão é um juiz
severo que deve ser temida, o ouvido, um juiz orgulhoso que deve ser
poupado. A tradução literal não deve, portanto, ser considerada como
regra nas passagens em que o espírito das línguas não ofereça obstáculos,
e quando a tradução resultar seca, dura e sem harmonia.
De qualquer modo, a diferença de caráter das línguas, que quase
nunca permite as traduções literais, liberta o tradutor do tipo de
perigo que acabamos de falar, da necessidade de sacrificar algumas
vezes a graça à precisão, ou a precisão à graça . Mas a
impossibilidade em que ele se encontra de reproduzir exatamente
seu original lhe dá uma liberdade perigosa. Não podendo dar à
cópia uma semelhança perfeita, deve temer não dar a ela toda a
semelhança que pode ter. Aliás, se as sutilezas de nossa própria
língua exigem de nós tanto estudo para que as conheçamos bem,
quanto mais não será preciso para desvendar as sutilezas de uma
língua estrangeira? E o que é um tradutor sem este duplo
conhecimento?
Há alguns que poderiam parecer menos constrangidos neste
aspecto: são os tradutores dos antigos. Se as sutilezas da dicção lhes
escapam no original, não escapam menos a seus juízes. Entretanto,
por um destino estranho, estes tradutores são tratados mais severamente
do que os outros. A superstição a favor da antiguidade nos faz supor
que os antigos sempre se exprimiram do modo mais feliz; nossa

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOCIA BILlNGÜE/FRANCÊS-PORTUGUt5 65


de la maniere la plus heureuse; notre ignorance toume au profit de
I' original, et au détriment de la copie; le traducteur nous parait toujours,
non au-dessous de I'idée que I' original nous donne de lui-même, mais
au-dessous de celle que nous en avons; et pour rendre la contradiction
entiere, nous admirons en même temps cette foule de latinistes modemes,
dont la plupart, insipides dans leur propre langue, nous en imposent
dans une langue qui n' est plus: tant iI est vrai qu' en fait de langues,
comme en fait d' auteurs, tout ce qui est mort a grand droit ànos hommages.
Mais est-il bien vrai, dira-t-on, que les langues aient un caractere
différent? Nous n'ignorons pas que des littérateurs modemes, qui se
piquaient d' esprit philosophique, et qui en ont montré quelquefois, ont
soutenu l'opinion contraire: absurdité que, suivant I'usage, on a trés
injustement reprochée à l'esprit philosophique, qui était bien éloigné
de la dicter. Entre les mains d'un homme de génie, chaque langue se
prête sans doute à tous les styles; elle sera, selon le sujet et l'écrivain,
légere ou pathétique, naive ou sublime; en ce sens, les langues n'ont
point de caractere qui les distingue; mais si toutes sont également propres
à chaque geme d' ouvrage, elles ne le sont pas également à exprimer une
même idée: c' est en quoi consiste la diversité de leur génie .
. Les langues, en conséquence de cette diversité, doivent avo ir les
unes sur les autres des avantages réciproques. Mais leurs avantages
seront en général d' autant plus grands qu' elles auront plus de variété
dans les tours, de briéveté dans la construction, de licences et de
richesse. Cette richesse ne consiste pas à pouvoir exprimer une même
idée par une abondance stérile de synonymes, mais chaque nuance
d'idée par des termes différents.
De toutes les langues cultivées par les gens de lettres, l'italienne est
la plus variée, la plus flexible, la plus susceptible des formes différentes
qu'on veut lui donner. Aussi n'est-elle pas moins riche en bonnes
traductions qu' en excellente musique vocale, qui n' est elle-même qu'une
espere de traduction. Notre langue au contraire est la plus sévere de
toutes dans ses lois, la plus uniforme dans sa construction, la plus gênée
dans sa marche. Faut-il s'étonner qu'elle soit I'écueil des traducteurs,
comme elle est celui des poetes? Mais quel doit être l'effet de ces
difficultés? De nous faire estimer davantage nos bons auteurs,
puisqu' elles n' ont pas le pouvoir de nous délivrer des médiocres.
Si les langues ont leur génie, les écrivains ont aussi le leur. Le
caractere de l' original doit donc passer aussi dans la copie. C' est la

66 JEAN LE RONO D' ALEMBERT


ignorância volta-se em benefício do original e em detrimento da cópia;
o tradutor nos parece sempre, não aquém da idéia que o original nos
dá dele mesmo, mas aquém da que temos dele, e para tomar a
contradição completa, admiramos ao mesmo tempo esta multidão de
latinistas modernos, na maioria insípidos em sua própria língua, que
nos fazem acreditar numa língua que não existe mais: isto é tão
verdadeiro que, tanto em relação a línguas como em relação a autores,
os mortos merecem nossas maiores homenagens.
Mas é certo, pode-se perguntar, que as línguas tenham um caráter
diferente? Não ignoramos que literatos modernos, que ostentavam
espírito filosófico, e que às vezes deram mostra disso, sustentaram
opinião contrária: absurdo que, segundo o costume, foi muito
injustamente atribuído ao espírito filosófico que estava muito longe de
ditá-lo. Nas mãos de um homem de gênio, cada língua se presta sem
dúvida a todos os estilos; ela será, de acordo com o assunto e o escritor,
leve ou patética, ingênua ou sublime; neste sentido, as línguas não têm
um caráter que as distinga; mas se todas são igualmente apropriadas a
cada tipo de obra, elas não o são igualmente para exprimir uma mesma
idéia: é nisto que consiste a diversidade de seu espírito.
As línguas, como conseqüência de tal diversidade, devem ter
vantagens recíprocas umas sobre as outras. Mas geralmente suas
vantagens serão tanto maiores quanto maior for a variedade de seus
torneios, a brevidade da construção, licenças e riqueza. Esta riqueza
não consiste em poder exprimir uma mesma idéia por uma
abundância estéril de sinônimos, mas cada matiz de idéia por termos
diferentes.
De todas as línguas cultivadas pelos letrados, a italiana é a mais
variada, a mais flexível, a mais suscetível a diferentes formas que se
lhe queiram dar. Assim, é tão rica em boas traduções quanto em
excelente música vocal, a qual é em si mesma apenas uma espécie de
tradução. Nossa língua, ao contrário, é a mais severa de todas em suas
leis, a mais uniforme em sua construção, a mais constrangida em seu
movimento. É de se espantar que seja um obstáculo aos tradutores
como o é aos dos poetas? Mas qual deve ser o efeito destas dificuldades?
Fazer-nos apreciar mais nossos bons autores, já que não têm o poder
de nos livrar dos medíocres.
Se as línguas têm seu caráter, os escritores também têm o seu. O
caráter do original deve passar então também na cópia. Éa regra mais

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILÍNGÜE/F RANCÊS-PORTUGUÊS 67


regle qu'on recommande le plus, mais qu'on pratique le moins, et sur
1'observation de laquelle les lecteurs même ont le plus d'indulgen.ce.
Combien de traductions, semblables à des beautés régulieres sans âme et
sans physionomie, représentent de la même maniere les ouvrages les plus
disparates? C' est là, si on ose le dire, l'espece de contresens qui fait le plus
de tort à une traduction; les autres sont passagers et se corrigent, celui-ei
est continu et sans remede. Les taches qu' on peut faire disparaitre en les
effaçantne méritent presque pas ce nom; ce ne sont point les fautes, c'est le
froid qui tue les ouvrages; ils sont presque toujours plus défectueux par
les choses qui n'y sont pas que par celles que l'auteur y a mises.
11 est d' autant plus diffieile de représenter l' original dans une
traduction qu'il est souvent aisé de se méprendre à ses traits, et de ne
le voir que par une face. Un écrivain, par exemple, aura dans son style
un double caractere, la concision et la vivaeité (car iI ne faut pas croire
que ces deux qualités soient nécessairement unies; la brieveté peut se
trouver avec le froid et la sécheresse). Cependant un traducteur, pour
ressembler à l'auteur dont nous parlons, se contentera d'être coneis;
mais iI sera coneis sans être vif, et des lors la partie la plus précieuse
de la ressemblance est manquée.
Mais comment se revêtir d'un caractere étranger, si on n'y est pas
disposé par la nature? Les hommes de génie ne devraient donc être
traduits que par ceux qui leur ressemblent, et qui se rendent leurs
imitateurs pouvant être leurs rivaux. On dira qu'un peintre médiocre
dans ses tableaux peut exceller dans les copies, mais iI n'a besoin
pour cela que d'une imitation servile; le traducteur copie avec des
couleurs qui lui sont propres.
Le caractere des écrivains est ou dans la pensée, ou dans le style,
ou dans l'un et dans 1'autre. Les écrivains dont le caractere est dans la
pensée sont ceux qui perdent le moins en passant dans une langue
étrangere. Corneille doit donc être plus faeile à traduire que Raeine,
et (ce qui peut-être semblera paradoxe) Tacite doit l'être plus que
Salluste. Salluste dit tout, mais en peu de mots; mérite qu'une
traduction a peine à conserver. Tacite sous-entend beaucoup, et fait
penser son lecteur; mérite qu'une traduction ne peut faire perdre.
Les écrivains qui joignent la finesse des idées à celle du style offrent
plus de ressources au traducteur que ceux dont l' agrément est dans le
style seul. Dans le premier cas, iI peut se flatter de faire passer dans la
copie le caractere de la pensée, et par conséquent au moins la moitié

68 JEAN LE R OND D' A LEMBERT


recomendada, embora a menos praticada, e em relação à qual os
próprios leitores são mais indulgentes. Quantas traduções, semelhantes
a belezas regulares sem alma e sem fisionomia, representam da mesma
maneira as obras mais díspares? Aí está, se podemos dizer, o tipo de
contra-senso mais prejudicial a uma tradução; os outros são passageiros
e se corrigem, este é contínuo e sem remédio. As manchas que podemos
fazer desaparecer, apagando-as, quase não merecem este nome; não
são os erros, mas a frieza que mata as obras; quase sempre elas são mais
defeituosas pelas coisas que não contêm do que pelas que o autor
nelas colocou.
É tanto mais difícil representar o original em uma tradução quanto
é fácil, muitas vezes, deixar-se enganar por seus traços e vê-lo apenas
por uma face. Um escritor, por exemplo, terá em seu estilo uma dupla
característica, a concisão e a vivacidade (pois não se deve crer que
estas duas qualidades estejam necessariamente unidas; a brevidade
pode conviver com a frieza e a aridez). Entretanto, um tradutor, para
assemelhar-se ao autor de que falamos, contentar-se-á em ser conciso,
mas será conciso sem ser vivo, e a partir daí faltará a parte mais preciosa
da semelhança.
Mas como revestir-se de um caráter estrangeiro se não se está
disposto a tal por natureza? Os homens de gênio só deveriam, pois,
serem traduzidos por aqueles que se lhes assemelham, os quais se
tornam seus imitadores, podendo ser seus rivais. Dir-se-á que um
pintor medíocre em seus quadros pode ser excelente nas cópias, mas
para tal precisa apenas de uma imitação servil; o tradutor copia com
cores que lhe são próprias.
O caráter dos escritores está no pensamento ou no estilo, ou em
ambos. Os escritores cujo caráter está no pensamento são os que menos
perdem ao passar para uma língua estrangeira. Corneille é, pois, mais
fácil de traduzir que Racine e (o que talvez pareça um paradoxo)
Tácito deve sê-lo mais do que Salústio. Salústio diz tudo, mas em
poucas palavras; mérito que uma tradução tem dificuldade em
conservar. Tácito subentende muito, e faz seu leitor pensar; mérito
que uma tradução não pode perder.
Os escritores que aliam a fineza das idéias à fineza do estilo
oferecem mais recursos ao tradutor do que os que só cuidam do
estilo. No primeiro caso, ele pode se orgulhar de passar para a cópia
o caráter do pensamento, e, em conseqüência, ao menos a metade do

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOL(X;IA BILfNGÜE/FRANCts-PORTUGUÊS 69


de l' esprit de I' auteur; dans le second cas, s'il ne rend pas la diction, iI
ne rend rien.
Dans cette derniere classe d'auteurs, plus ingrats pour lá
traduction que tous les autres, les moins rebelles sont ceux dont la
principale qualité est de manier élégamment leur langue; les plus
intraitables, ceux dont la maniere d' écrire est à eux. Les Anglais ont
assez bien traduit quelques tragédies de Racine; je doute qu'ils
traduisissent avec le même succes les FabJesde La Fontaine,l' ouvrage
peut-être le plus original que la langue française ait produit;
l' Amjnte, pastorale pleine de ces détails de galanterie, et de ces
riens agréables, que la langue italienne est si propre à rendre, et
qu'il faut lui laisser; enfin les Lettres de Madame de Sévigné, si
frivoles pour le fond, et si séduisantes par la négligence même du
style. Quelques étrangers les ont méprisées, n' ayant pu les traduire.
En effet rien n' abrege tant les difficultés que le mépris.
On a demandé si les poetes pouvaient être trad uits en vers, surtout
dans notre langue, qui n'admet point, comme l'italien et l'anglais,les
vers non rimés, et qui ne permet rien ni au traducteur ni au poete.
Plusieurs de nos écrivains, par amour pour les difficultés ou pour la
poésie, ont prétendu qu' on ne pouvait rendre les poemes en prose;
que c' était les défigurer, les dépouiller de leur principal charme, la
mesure et l'harmonie. II reste à demander si on n' est pas réduit en vers
à les imiter plutôt qu'à les traduire. La différence seule d'harmonie
dans les deux langues oppose une difficulté insurmontable aux
traductions en vers o Croit-on que notre poésie avec ses rimes, ses
hémistiches toujours semblables, l'uniformité de sa marche, et, si on
l' ose dire, sa monotonie, puisse représenter la cadence variée de la
poésie grecque et latine? Mais la différence d'harmonie est encore le
moindre obstacle. Qu' on interroge ceux de nos grands poetes qui ont
fait passer avec succes en notre langue quelques beaux endroits de
Virgile ou d'Homere; combien de fois ont-ils été forcés de substituer
aux idées qu'ils ne pouvaient rendre des idées également heureuses
et prises dans leur propre fonds, de suppléer aux vers d'image par
des vers de sentiment, à I' énergie de l' expression par la vivacité des
tours, à la pompe de l'harmonie par des vers pensés? Je n'en citerai
qu'un exemple. On connait ces beaux vers de Virgile sur les
malheureux qui se sont donné la mort,

70 JEAN LE ROND D' A LEMBERT


espírito do autor; no segundo caso, se não reproduz a expressão, não
reproduz nada.
Nesta última classe de autores, mais ingratos para a tradução do
que todos os outros, os menos rebeldes são aqueles cuja principal
qualidade é manejar elegantemente sua língua; os mais intratáveis,
aqueles cuja maneira de escrever é só deles. Os ingleses traduziram
razoavelmente bem algumas tragédias de Racine; duvido que
traduzissem como o mesmo êxito as Fábulas de La Fontaine, talvez a
obra mais original que a língua francesa produziu; Aminta, pastoral
repleta de detalhes de galanterias e dessas bagatelas agradáveis que a
língua italiana pode produzir tão bem e que é preciso preservar;
enfim as Cartas de Madame de Sévigné, tão frívolas no fundo e tão
sedutoras pela própria negligência do estilo. Alguns estrangeiros as
desprezaram, não podendo traduzi-las. De fato, nada abrevia tanto as
dificuldades quanto o desprezo.
Perguntou-se se os poetas podiam ser traduzidos em verso,
sobretudo em nossa língua que não admite, como o italiano e o inglês,
os versos não rimados e que não permite nada nem ao tradutor nem ao
poeta. Muitos de nossos escritores, por amor às dificuldades ou à
poesia, pretenderam que não se podia traduzir os poemas em prosa,
que seria desfigurá-los, despojá-los de seu principal charme, a medida
e a harmonia. Resta perguntar se, em versos, não estamos condenados
mais a imitá-los do que a traduzi-los. A própria diferença de harmonia
nas duas línguas opõe uma dificuldade intransponível às traduções
em versos . Acreditam que nossa poesia com suas rimas, seus
hemistíquios sempre semelhantes, a uniformidade de seu andamento
e, se ousamos dizer, sua monotonia, possa representar a cadência
variada da poesia grega e latina? Mas a diferença de harmonia é ainda
o menor obstáculo. Que se pergunte a alguns de nossos grandes poetas
que passaram com êxito para nossa língua alguns belos trechos de
Virgílio ou de Homero; quantas vezes foram forçados a substituir
idéias que não podiam expressar por idéias igualmente felizes e
tomadas de seu próprio acervo, a trocar versos de imagem por versos
de sentimento, a energia da expressão pela vivacidade dos torneios, a
pompa da harmonia por versos pensados? Citarei apenas um exemplo.
São conhecidos estes belos versos de Virgílio sobre os infelizes que se
suicidaram:

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILÍNGÜE/FRANCÉS-PORTUGUÊS 71


Qui sibi lethum
Insontes peperere manu, lucemque perosi
Projecere animas.

«Détestant la lumiere, ils ont, dit le poete, jeté la vie loin d' eux». Le
génie timide de notre langue ne permettait pas d' employer cette image,
tout animée et toute noble qu'elle est; un de nos grands poetes y a
substitué ces deux beaux vers:
Ils n'ont pu supporter, faibles et furieux,
Le fardeau de la vie imposé par les Dieux.

Peut-être est-il difficile de décider auquel des deux poetes on doit


donner la préférence, mais il est aisé de voir que les vers français ne
sont nullement la traduction des vers latins. Traduire un poeme en
prose, c'est mettre en récitatif un air mesuré; le traduire en vers, c' est
changer un air mesuré en un autre, qui peut ne lui céder en rien, mais
qui n'est pas le même. D'un côté, c'est une copie ressemblante, mais
faible; de l'autre, c'est un ouvrage sur le même sujet plutôt qu'une
copie. Mais que faut-il donc faire pour bien connaitre les poetes qui
ont écrit dans une langue étrangere? II faut l'apprendre.
Que conclure de ces réflexions? Si on mesurait uniquement le
mérite à la difficulté vaincue, souvent iI y en aurait moins à créer qu'à
traduire. Dans les hommes de génie, les idées naissent sans effort, et
l' expression propre à les rendre nait avec elles; exprimer d'une mamere
qui nous soit propre des idées qui ne sont pas à nous, c' est presque
uniquement l'ouvrage de l'art, et cet art est d'autant plus grand qu'il
ne doit point se laisser voir. Mais quelque caché qu'il soit, nous savons
toujours qu'il y en a eu, et c'est pour cela que nous préférons les
ouvrages originaux aux ouvrages d'imitation. La nature ne perd jamais
ses droits sur nous, les productions auxquelles elle a présidé seule
sont toujours celles qui nous touchent davantage. Ainsi les fruits nés
dans leur sol naturel par une culture ordinaire et des soins médiocres
sont préférés aux fruits étrangers qu' on a fait naitre dans ce même sol
avec beaucoup de peine et d'industrie; on goute les derniers, et on
revient toujours aux autres.
Cependant, en accordant aux écrivains créateurs le premier rang
qu'ils méritent, iI semble qu'un excellent traducteur doit être placé
immédiatement apres, au-dessus des écrivains qui ont aussi bien écrit
qu' on le peut faire sans génie. Mais iI y a parmi nous une espece de

72 JEAN LE ROND D' ALEMBERT


Qui sibi lethum


Insontes peperere manu, lucemque perosi
Projecere animas. I

"Detestando a luz, diz o poeta, lançaram a vida longe deles". O


caráter tímido de nossa língua não permitia empregar esta imagem,
por mais animada e nobre que fosse; um de nossos grandes poetas a
substituiu por estes dois belos versos:
Ils n'ont pu supporter, faibles et furieux,
2
Le fardeau de la vie imposé par les Dieux.

Talvez seja difícil decidir a qual dos dois poetas devemos dar
preferência, mas é fácil ver que os versos franceses não são
absolutamente a tradução dos versos latinos. Traduzir um poema em
prosa é pôr em recitativo uma melodia cadenciada; traduzi-lo em
versos é mudar uma melodia por outra, que pode não lhe ser inferior
em nada, mas que não é a mesma. Por um lado, é uma cópia semelhante,
mas sem vigor; por outro, é uma obra sobre o mesmo assunto mais do
que uma cópia. Mas o que é preciso fazer para conhecer bem os poetas
que escreveram em uma língua estrangeira? É preciso aprendê-la.
Que conclusão tirar destas reflexões? Se avaliássemos o mérito
apenas pela dificuldade vencida, muitas vezes haveria menos para
criar do que para traduzir. Nos homens de gênio, as idéias nascem
sem esforço e a expressão própria para transmiti-las nasce com
elas; exprimir, de uma maneira que nos seja própria, idéias que
não são nossas é, quase unicamente, tarefa da arte, e quanto maior
for esta arte menos aparece. Mas por mais escondida que seja,
sabemos sempre que existiu e é por isto que preferimos as obras
originais às obras de imitação. A natureza não perde jamais seus
direitos sobre nós, as produções que ela presidiu sozinha são
sempre as que nos tocam mais. Assim, preferimos os frutos nascidos
em solo natural, graças a um cultivo comum e a cuidados
medíocres, aos frutos estrangeiros que plantamos neste mesmo
solo com muita dificuldade e trabalho: experimentamos os últimos
e voltamos sempre aos primeiros.
Entretanto, atribuindo aos escritores criadores o primeiro lugar
que merecem, parece que um excelente tradutor deva ser colocado
imediatamente após, acima dos escritores que escreveram tão bem
quanto se pode fazer sem talento. Mas há entre nós uma espécie de

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILINGÜEjFRANCÊS-PORTUGUÊS 73


fatalité attachée à tous les arts qui consistent à se revêtir d'un personnage
étranger. II en est que nous avons avili par le préjugé le plus injuste; iI
en est que nous ne considérons pas assez, et le métier de traducteur est
de ce nombre.
Ce n' est pas seulement cette injustice qui rend leur travail si ingrat,
et le nombre des bons traducteurs si petit. Quoiqu'ils trouvent dans
l' exercice de leur art assez d' entraves qu' ils ne peuvent rompre, nous
avons pris plaisir à resserrer gratuitement leurs liens, comme pour
nuire à leur encouragement et à nos intérêts.
Le premier joug qu'ils souffrent qu'on leur impose, ou plutôt
qu'ils s'imposent eux-mêmes, c'est de se borner à être les copistes
plutôt que les rivaux des auteurs qu'ils traduisent. Superstitieusement
attachés à leur original, ils se croiraient coupables de sacrilege s'ils
l'embellissaient, même dans les endroits faibles; ils ne se permettent
que de lui être inférieurs, et n' ont pas de peine à réussir. C'est à peu
pres comme si un graveur habile qui copie le tableau d'un grand
maitre s'interdisait quelques touches fines et légeres pour en relever
les beautés, ou pour en masquer les défauts. Le traducteur, trop souvent
force de rester au-dessous de son auteur, ne doit-il pas se mettre au-
dessus quand ille peut? Objectera-t-on qu'il est à craindre que cette
liberté ne dégénere en licence? Quand I' original sera bien choisi, les
occasions de le corriger ou de I' embellir seront tres rares; si elles sont
fréquentes, iI ne vaut pas la peine qu' on le traduise.
Un second obstacle que les traducteurs se sont donné, c'est la
timidité qui les arrête, lorsqu' avec un peu de courage ils pourraient
se mettre à côté de leurs modeles. Ce courage consiste à savoir
risquer des expressions nouvelles pour rendre certaines expressions
vives et énergiques de I' original. On doit sans doute user de pareilles
licences avec sobriété; elles doivent de plus être nécessaires. Et quand
le seront-elles? Sera-ce dans les occasions ou la difficulté de traduire
ne viendra que du génie des langues? Chacune a ses lois qu'il n'est
pas permis de changer; parler latin en français serait plutôt une
entreprise bizarre qu'une hardiesse heureuse. Mais quand on aura
lieu de juger que l' auteur aura hasardé dans sa langue une expression
de génie, c'est qu'on pourra en chercher de pareilles. Or qu'est-ce
qu'une expression de génie? Ce n' est pas un mot nouveau dicté par
la singularité ou par la paresse; c' est la réunion nécessaire et adroite
de quelques termes connus pour rendre avec énergie une idée

74 JEAN LE ROND D' ALEMBERT


fatalidade vinculada a todas as artes que consistem em incorporar
uma personagem estrangeira. Algumas aviltamos por meio do mais
injusto preconceito; outras não consideramos o suficiente, e o trabalho
de tradutor é desta ordem. .
Não é somente esta injustiça que torna seu trabalho tão ingrato e o
número de bons tradutores tão pequeno. Por mais que encontrem, no
exercício de sua arte, obstáculos que não podem transpor, temos um
prazer gratuito em aumentá-los, como que para desestimular o
tradutor e prejudicar nossos interesses.
O primeiro jugo que-permitem que lhes seja imposto, ou melhor,
que eles impõem a si mesmos é de se limitarem a ser copistas mais
do que rivais dos autores que traduzem. Supersticiosamente
apegados ao original, julgam-se culpados de sacrilégios se o
embelezarem, mesmo nos pontos fracos; permitem-se apenas ser
inferiores a ele e não têm dificuldade para consegui-lo. E mais ou
menos como se um artista hábil que copia o quadro de um grande
mestre renunciasse a alguns toques finos e leves para destacar suas
belezas, ou para encobrir seus defeitos. O tradutor, com freqüência
forçado a ficar abaixo de seu autor, não deve se colocar acima
quando possível? Poderá ser objetado que é perigoso que esta
liberdade degenere em licença? Quando o original for bem
escolhido, as ocasiões de corrigi-lo ou embelezá-lo serão raras; se
forem freqüentes, não vale a pena traduzi-lo.
Um segundo obstáculo que os tradutores se impuseram é a
timidez que os detém, quando com um pouco de coragem
poderiam pôr-se ao lado de seus modelos. Esta coragem consiste
em saber arriscar expressões novas para reproduzir certas
expressões vivas e enérgicas do original. Deve-se, sem dúvida,
usar semelhantes licenças com sobriedade; além disso, devem ser
necessárias. E quando serão necessárias? Nas ocasiões em que a
dificuldade de traduzir venha exclusivamente do espírito das
línguas? Cada língua tem suas leis que não é permitido mudar;
falar latim em francês seria mais uma tarefa insólita do que uma
audácia feliz. Mas quando se puder perceber que o autor arriscou
em sua língua uma expressão de talento, então se poderá procurar
outras semelhantes a ela. Ora, o que é uma expressão de talento?
Não é uma palavra nova ditada pela singularidade ou pela
preguiça; é a reunião necessária e hábil de alguns termos

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA B ILÍNGÜE/FRANCÊS-PORTUGUÊS 75


nouvelle.C'est presque la seule maniere d'innover qui soit permise
en écrivant.
La condition la plus indispensable dans les expressions nouvelles,
c'est qu'elles ne présentent au lecteur aucune idée de contrainte,
quoique la contrainte les ait occasionnées. On se trouve quelquefois
avec des étrangers de beaucoup d' esprit, qui parlent facilement et
hardiment notre langue; en conversant ils pensent en leur langue, et
traduisent dans la nôtre; et nous regrettons souvent que les termes
énergiques et singuliers qu'ils emploient ne soient point autorisés par
l'usage. La conversation de ces étrangers (en la supposant correcte)
est l'image d'une bonne traduction. L'original doit y parler notre
langue, non avec cette timidité superstitieuse qu' on a pour sa langue
naturelle, mais avec cette noble liberté qui fait emprunter quelques
traits d'une langue pour en embellir légerement une autre. Alors la
traduction aura toutes les qualités qui doivent la rendre estimable:
l'air facile et naturel, l'empreinte du génie de l'original, et en même
temps ce goút de terroir que la teinture étrangere doit lui donner.
Des traductions bien faites seraient donc le moyen le plus súr et le plus
prompt d' enrichir les langues. Cet avantage serait, ce me semble, plus réel
que celui que leur attribuait le fameux satirique du dernier siecle,
admirateur aussi passionné des anciens que juge sévere et quelquefois
injuste des modemes. «Les Français, disait-il, manquent de goút; il n'y a
que le goút ancien qui puisse former parmi nous des auteurs et des
connaisseurs, et de bonnes traductions donneraient ce goút précieux à
ceux qui ne seraient pas en état de lire les originaux». Si nous manquons
de goút, j'ignore ou iI s' est réfugié; ce n' est pas au moins faute de modeles
dans notre propre langue, qui ne cedent en rien aux anciens. Pour ne
comparer que des morts, qui osera mettre Sophocle au-dessus de
Comeille, Euripide au-dessus de Racine, Théophraste au-dessus de La
Bruyere, Phedre au-dessus de La Fontaine? Ne bomons donc point notre
bibliotheque classique aux traductions, mais ne les en excluons pas. Elles
multiplieront les bons modeles; elles aideront à connaitre le caractere des
écrivains, des siecles et des peuples; elles feront apercevoir les nuances
qui distinguent le goút universel et absolu du goút national.
La troisieme loi arbitraire que les traducteurs ont subie, c'est la
contrainte ridicule de traduire un auteur d'un bout à l'autre. Par là le
traducteur usé et refroidi dans les endroits faibles languit ensuite
dans les morceaux éminents. Pourquoi d' ailleurs se mettre à la torture

76 JEAN LE ROND D' ALEMBERT


conhecidos para expressar com energia uma idéia nova. É quase a
única maneira de inovar que é permitida ao escrever.
A condição mais indispensável com relação a expressões novas é
que elas não apresentem ao leitor nenhuma idéia de constrangimento,
embora o constrangimento as tenha ocasionado. Encontramos algumas
vezes estrangeiros com muito talento que falam nossa língua com
facilidade e astúcia; ao conversarem, pensam em sua língua e traduzem
para a nossa; e é lamentável que os termos enérgicos e singulares que
empregam não sejam autorizados pelo uso. A conversação desses
estrangeiros (supondo-a correta) é a imagem de uma boa tradução. O
original deve falar nossa língua, não com a timidez supersticiosa que
se tem com sua língua natural, mas com a liberdade nobre que toma
emprestados alguns traços de uma língua para embelezar ligeiramente
a outra. A tradução terá, então, todas as qualidades que devem torná-
la apreciável: o aspecto fácil e natural, a marca do talento do original
e, ao mesmo tempo, o sabor característico que a marca estrangeira
deve lhe dar.
Traduções bem feitas seriam, portanto, o meio mais seguro e
rápido de enriquecer as línguas. Esta vantagem seria, parece-me,
mais real do que a que lhes atribuía o famoso satírico do século
passado, admirador tão apaixonado dos antigos quanto juiz severo
e, algumas vezes, injusto dos modernos. "Os franceses, dizia ele, não
têm gosto; somente o gosto antigo pode formar entre nós autores e
conhecedores, e boas traduções dariam este gosto precioso aos que
não estivessem em condições de ler os originais". Se nos falta gosto,
ignoro onde se escondeu; pelo menos não é por falta de modelos em
nossa própria língua, que nada devem aos antigos. Para comparar
apenas os mortos, quem ousará pôr Sófocles acima de Corneille,
Eurípides acima de Racine, Teofrasto acima de La Bruyere, Fedro
acima de La Fontaine? Não limitemos, pois, nossa biblioteca clássica
às traduções, mas não as excluamos dela. Elas multiplicarão os bons
modelos; ajudarão a conhecer o caráter dos escritores, dos séculos e
dos povos; revelarão os matizes que distinguem o gosto universal e
absoluto do gosto nacional.
A terceira lei arbitrária a que os tradutores se submeteram é a
imposição ridícula de traduzir um autor de ponta a ponta. Com isto,
o tradutor desgastado e sem ânimo nas passagens fracas arrasta-se
penosamente, em seguida, nos trechos eminentes. Além disso, por

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOG IA BILINGÜE/ FRANCÊS-PORTUGUÊS 77


pour rendre avec élégance une pensée fausse, avec finesse une pensée
commune? Ce n'est pas pour nous faire connaitre les défauts des
anciens qu' on les met en notre langue; c' est pour enrichir notre
littérature de ce qu'ils ont fait d'excellent. Les traduire par morceaux,
ce n'est pas les mutiler, c'est les peindre de profil, et à leur avantage.
Quel pIais ir peut faire dans une traduction de l' Énéide l'endroit ou
les Harpies enlevent le diner des Troyens; dans une traduction de
Cicéron, les plaisanteries froides et quelquefois grossieres qui déparent
ses harangues; dans la traduction d'un historien, les endroits ou sa
narration n' offre rien d'intéressant ni par les choses ni par le style?
Pourquoi enfin transplanter dans une langue ce qui n' a de grâces que
dans une autre, comme les détails de l' agriculture et de la vie pastorale,
si agréables dans Virgile et si insipides dans toutes les traductions
qu' on en a faites? Le précepte si sage d'Horace, d' abandonner ce
qu' on ne peut traiter avec succes, n' est-il donc pas pour les traductions
comme pour les autres genres d'écrire?
Nos littérateurs trouveraient surtout un avantage considérable à
traduire ainsi par morceaux détachés certains ouvrages qui renferment
assez de beautés pour faire la fortune de plusieurs écrivains, et dont
les auteurs, s'ils avaient eu autant de gout que d'esprit, effaceraient
ceux du premier rang. Quel plaisir, par exemple, ne seraient pas
Seneque et Lucain resserrés et réduits ainsi par un traducteur habile?
Sénéque, si excellent à citer, et si fatigant à lire de suite, qui tourne
sans cesse avec une rapidité brillante autour du même objet, différent
en cela de Cicéron, qui avance toujours vers son but, mais avec lenteur;
Lucain, le Sénéque des poetes, si plein de beautés mâles et vraies,
mais trop déclamateur, trop mono tone, trop plein de maximes, et
trop dénué d'images. Les seuls écrivains qui demanderaient à être
traduits en entier sont ceux dont l'agrément est dans leur négligence
même, tels que Plutarque dans ses Wes des hommes iJlustres, ou
quittant et reprenant à chaque instant son sujet, iI converse avec son
lecteur sans I' ennuyer jamais.
Ce qu'on propose ici, de ne traduire les anciens que par morceaux
détachés, conduit à une autre réflexion qui, à la vérité, n'a qu'un
rapport indirect à la matiere présente, mais qui peut être utile. On se
borne dans le cours des études à mettre entre les mains des enfants un
petit nombre d' auteurs, et même à ne leur en montrer pour l' ordinaire
qu'une assez petite partie, qu'on leur fait expliqueret apprendre: on

78 JEAN LE R OND D' A LEMBERT


que se torturar para expressar com elegância um pensamento falso,
com sutileza um pensamento comum? Não é para conhecer os
defeitos dos antigos que os colocamos em nossa língua; é para
enriquecer nossa literatura com o que fizeram de excelente. Traduzi-
los por partes não é mutilá-los, mas pintá-los de perfil, e em seu
benefício. Que prazer pode dar em uma tradução da Eneida o trecho
em que as Harpias roubam o jantar dos troianos; em uma tradução
de Cícero, as brincadeiras frias e às vezes grosseiras que enfeiam
suas arengas; na tradução de um historiador, as passagens em que
sua narração não oferece nada de interessante, nem pelo tema nem
pelo estilo? Por que enfim transplantar para uma língua o que só
tem encanto em outra, como os detalhes da agricultura e da vida
pastoral, tão agradáveis em Virgílio e tão insípidas em todas as suas
traduções? O preceito tão sábio de Horácio, abandonar o que não se
pode tratar com êxito, não é válido para as traduções como para os
outros gêneros de escrita?
Nossos literatos encontrariam sobretudo uma vantagem
considerável em traduzir assim em pedaços soltos certas obras que
contêm bastante beleza para fazer a fortuna de muitos escritores, e cujos
autores, se tivessem tido tanto gosto quanto talento, fariam desaparecer
os do primeiro escalão. Que prazer, por exemplo, não seriam Sêneca e
Lucano assim condensados e reduzidos por um hábil tradutor? Sêneca,
tão bom para citar e tão fatigante para ler sem interrupção, que gira sem
parar com uma rapidez brilhante em torno do mesmo objeto,
diferentemente de Cícero, que avança sempre em direção a seu objetivo,
mas lentamente; Lucano, o Sêneca dos poetas, tão repleto de belezas
másculas e verdadeiras mas muito declamador, muito monótono, muito
cheio de máximas e muito despojado de imagens. Os únicos escritores
que demandariam ser traduzidos por inteiro são aqueles cujo atrativo
se encontra em sua própria negligência, como Plutarco em Vidas dos
homens ilustres, em que, abandonando e retomando a cada instante seu
assunto, conversa com seu leitor sem aborrecê-lo jamais.
O que se propõe aqui, traduzir dos antigos apenas trechos isolados,
conduz a uma outra reflexão que, na verdade, só tem uma relação
indireta com o presente assunto, mas que pode ser útil. Limitamo-
nos, ao longo dos estudos, a pôr nas mãos das crianças um pequeno
número de autores e, mesmo, a lhes mostrar deles, de modo geral,
apenas uma pequena parte, que deve ser explicada e aprendida:

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILlNGÜE/FRANCÊS-PORTUGU~ 79


..,."

charge indifféremment leur mémoire de ce que cette partie contient de


bon, de médiocre, et même de mauvais; et grâce au peu de gout de la
plupart des maitres, les vraies beautés sont pour l' ordinaire celles qu' on
leur fait remarquer le moins. Ne serait-il pas infiniment plus avantageux
de choisir dans les différents ouvrages de chaque auteur ce qu'ils
contiennent de plus excellent, et de ne présenter dans la lecture des
anciens que ce qui mérite davantage d'être retenu? Par ce moyen ils se
rendraient propre, non tout ce que les anciens ont pensé, mais ce qu'ils
ont pensé de mieux. Ils connaitraient le génie et le style d'un plus grand
nombre d' écrivains, ils auraient enfin l' avantage d' omer leur esprit en
formant leur gout. Un tel recueil, s'il était fait avec choix, pourrait n'être
pas immense, et le temps ordinaire des études suffirait pour se le rendre
familier. Nous ne saurions trop exhorter un littérateur habile à
l'entreprendre, mais ce littérateur devrait posséder deux qualités dont
la réunion est assez rare: être profondément versé dans la lecture des
Anciens, et en même temps être dégagé de toute superstition en leur
faveur. 11 ne faudrait pas qu'il ressemblât à ce ridicule enthousiaste
d'Homere qui, ayant entrepris de fouiller dans les ouvrages de ce grand
poete tout ce qu'il trouverait d'admirable, eut au bout de trois lectures
souligné son livre d'un bout à l' autre. Un tel homme pouvait-il se flatter
de connaitre les vraies beautés d'Homere, et Homere lui-même eut-il
été flatté d'avoir un pareil admirateur?
Je reviens à mon sujet. Les principes de l'art de tradu ire exposés
dans ce discours sont ceux que j' ai cru devoir suivre dans la trad uction
que je donne de différents morceaux de Tacite. Quelques-uns de ces
morceaux avaient déjà vu le jour; le public m'a paru les avoir goutés
et en désirer davantage; c'est pour le satisfaire que j'en ajoute ici un
beaucoup plus grand nombre, fruit de quelques moments de loisir
que m'ont la is sés depuis dix ans des travaux pénibles, et d'un geme
tout différent. Cependant je ne prétends pas avoir extrait à beaucoup
pres des ouvrages de Tacite tout ce qui est digne d'être remarqué.
Préjugé de traducteur à part, comme il est sans comparaison le plus
grand historien de l' antiquité, iI est aussi celui dont iI y a le plus à
recueillir; mais ce que j'offre aujourd'hui suffira, ce me semble, pour
faire connaitre les différents gemes de beautés dont on trouve le modele
dans cet auteur incomparable, qui a peint les hommes avec tant
d'énergie, de finesse et de vérité, les événements touchants d'une
maniere si pathétique, la vertu avec tant de sentiment et de gout; qui

80 JEAN LE ROND O' ALEMBERT


sobrecarregamos indiferentemente a memória das crianças com o que
esta amostra contém de bom, de medíocre e mesmo de ruim; e graças
ao pouco gosto da maioria dos mestres, as verdadeiras belezas são
geralmente as que são menos notadas. Não seria infinitamente mais
vantajoso escolher nas diferentes obras de cada autor o que eles contêm
de melhor e apresentar, na leitura dos antigos, apenas o que merece
ser mais lembrado? Por este meio, elas se apropriariam, não de tudo o
que os antigos pensaram, mas do que pensaram de melhor. Elas
conheceriam o talento e o estilo de um maior número de escritores,
teriam, enfim, a vantagem de ilustrar seu espírito ao formar seu gosto.
Tal coletânea, se feita com critério, poderia não ser imensa, e o tempo
regular dos estudos bastaria para tomá-la familiar. Poderíamos tentar
persuadir um literato hábil a empreendê-la, mas este literato deveria
possuir duas qualidades cuja junção é bastante rara: ser profundamente
versado na leitura dos antigos e, ao mesmo tempo, ser isento de
qualquer superstição em favor deles. Não deveria assemelhar-se
àquele ridículo entusiasta de Homero que, propondo-se buscar em
todas as obras deste grande poeta tudo o que lhe parecesse admirável,
teve, ao final de três leituras, seu livro sublinhado de cabo a rabo. Tal
homem poderia se orgulhar de conhecer as verdadeiras belezas de
Homero e o próprio Homero teria orgulho de ter semelhante
admirador?
Volto ao meu assunto. Os princípios da arte de traduzir expostos
neste discurso são os que acreditei ter de seguir na tradução que
faço de diferentes trechos de Tácito. Alguns destes trechos já viram
a luz; pareceu-me que o público tenha gostado deles e que desejava
mais; é para satisfazê-lo que acrescento aqui um número maior, fruto
de alguns momentos de lazer que pude gozar, depois de dez anos
de penosos trabalhos de um gênero completamente diferente.
Entretanto, não pretendo nem de longe ter extraído das obras de
Tácito tudo o que é digno de nota. Preconceito de tradutor à parte,
ele é, sem comparação, o maior historiador da Antigüidade e também
o que tem mais a coligir; mas o que apresento hoje bastará, creio,
para dar a conhecer os diferentes gêneros de belezas cujo modelo
encontramos neste autor incomparável, que pintou os homens com
tanta energia, discernimento e verdade, os acontecimentos
importantes de uma maneira tão patética, a virtude com tanto
sentimento e gosto; que possuiu em nível tão elevado a verdadeira

CLÁSSICOS DA TEORI A DA TRADUÇÁO - ANTOLOGIA BILiNGÜE/ F RANCts- PORllJGUÊS 81


posséda dans un si haut degré la véritable éloquence, le talent de dire
simplement de grandes choses, et qu' on doit regar der comme un des
meilleurs maitres de morale, par la triste mais utile connaissance des
hommes qu' on peut acquérir dans la lecture de ses ouvrages. On
I' accuse, je le sais, d' avoir peint trop en mal la nature humaine, c' est-
à-dire de l'avoir peut-être trop bien étudiée; d'être obscur, ce qui
signifie seulement qu'il n'a pas écrit pour la multitude; d'avoir enfin
le style trop rapide et trop concis, comme si le plus grand mérite d'un
écrivain n' était pas de dire beaucoup en peu de mots.
On ne peut traduire unhomme de génie si onne le traduit pas vivement
et d' enthousiasme; mais si cet homme de génie est en même temps un
écrivain profond, iI faut du temps pour 1'étudier et pour le rendre: ii me
semble d' ailleurs que, pour éviter tout à la fois la froideur et la négligence
du style dans quelque ouvrage de gout que ce puisse être, iI est nécessaire
et d' écrire vite et de corriger longtemps. Persuadé de ces principes, j'ai
fait d'abord cet essai de traduction avec beaucoup de rapidité, et je 1'ai
revu ensuite avec toute l'exactitude et la rigueur dont je suis capable.
La principale chose à laquelle je me suis appliqué a été de conserver
la précision, la noblesse et la brieveté de l'original, autant que me l'a
permis mon peu de talent pour lutter contre un écrivain tel que Tacite,
et le faible secours d'une langue aussi difficile à manier que la nôtre,
aussi ingrate, aussi tramante, et aussi sujette aux équivoques. Dans les
endroits ou iI ne m'a pas été possible d'être aussi serré que l'auteur,
j'ai coupé le style pour le rendre plus vif, et pour suppléer, par ce
moyen, quoique imparfaitement, à la concision ou je ne pouvais
atteindre. J' ai tâché enfin de rendre l'esprit lorsque je n' ai pu rendre
les mots. Les morceaux que j'avais déjà publiés sont retouchés en
quelques endroits, et la plupart des changements ont pour but de
rendre la traduction encore plus énergique et plus concise, sans rien
perdre du sens de I' original, et sans donner au style de la dureté et de
la sécheresse. J' ai aussi rétabli dans deux ou trois passages le véritable
sens sur lequel je m' étais trompé. Si quelquefois je me suis écarté
ailleurs du sens qui pourrait être adopté par d'autres, quelquefois
même de celui qui a été suivi par la foule des commentateurs et des
traducteurs, je crois avo ir eu pour cela de bonnes raisons. En général,
lorsque le sens m'a paru disputé ou douteux, j'ai choisi le plus beau,
parce qu'il y a toujours lieu de croire que c'est celui de Tacite.
Quelquefois ne pouvant faire entendre sans beaucoup de paroles à

82 JEAN LE ROND D' ALEMBERT


eloqüência, o talento de dizer com simplicidade grandes coisas e a
quem se deve considerar como um dos maiores mestres da moral,
pelo triste mas útil conhecimento dos homens que se pode adquirir
na leitura de suas obras. Sei que ele é acusado de ressaltar o lado
negativo da natureza humana, isto é, de tê-la talvez estudado
demasiado bem; de ser obscuro, o que significa apenas que não
escreveu para a multidão; de ter, enfim, um estilo rápido e conciso,
como se o maior mérito de um escritor não fosse o de dizer muito
em poucas palavras.
Não se pode traduzir um homem de gênio se não o traduzimos
com energia e entusiasmo; mas se este homem de gênio é ao mesmo
tempo um escritor profundo, é preciso tempo para estudá-lo e para
traduzi-lo: aliás, parece-me que, para evitar ao mesmo tempo a frieza
e a negligência do estilo em qualquer obra de bom gosto, é necessário
escrever rápido e corrigir várias vezes. Convencido destes princípios,
fiz primeiramente este ensaio de tradução com rapidez e o revi em
seguida com toda a exatidão e rigor de que sou capaz.
A principal coisa a que me dediquei foi manter a precisão, a nobreza
e a brevidade do original, tanto quanto permitiu meu escasso talento
para lutar contra um escritor como Tácito, e o débil apoio de uma
língua tão difícil de manejar quanto a nossa, tão ingrata, tão lenta e tão
sujeita a equívocos. Nas passagens em que não me foi possível ser tão
conciso quanto o autor, cortei o estilo para torná-lo mais vivo e para
suprir, por este meio, ainda que de modo imperfeito, a concisão que
não podia alcançar. Tentei, enfim, expressar o espírito quando não
pude expressar as palavras. Os trechos que eu já tinha publicado
foram retocados em alguns lugares e a maior parte das mudanças
têm por finalidade tornar a tradução ainda mais enérgica e mais
concisa, sem nada perder do sentido do original, sem dotar o estilo
de dureza e aridez. Em duas ou três passagens restabeleci o
verdadeiro sentido sobre o qual me enganara anteriormente. Se às
vezes me afastei do sentido que poderia ser adotado por outros, às
vezes até do que foi adotado pela legião de comentadores e
tradutores, creio ter tido boas razões para tal. Geralmente, quando
o sentido me pareceu discutível ou duvidoso, escolhi o mais belo,
pois há razão para crer que é o que Tácito escolheria. Às vezes, não
podendo transmitir sem muitas palavras, a leitores comuns, toda a
amplitude do sentido do autor, preferi, ao invés de anulá-la em

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILlNGÜE/FRANCÊS-PORTUGUts 83


des lecteurs ordinaires toute l'étendue du sens de l'auteur, j'ai mieux
aimé en laisser entrevoir la fines se aux seuls lecteurs intelligents que
de l' anéantir dans une périphrase. Quelquefois enfin j' ai pris la liberté
d'altérer un peu le sens, quand iI m'a paru présenter une image ou
une idée puérile. Car ma juste admiration pour Tacite ne m'aveugle
pas jusqu'au point de me fermer les yeux sur un petit nombre
d'endroits ou iI me parait au-dessous de lui-même. Tel est, par
exemple, à mon avis, ce passage de la vie d' Agricola ou Tacite oppose
la rougeur du visage de Domitien à la pâleur des malheureux qu'il
faisait exécuter en sa présence, et ou iI remarque que cette rougeur
étant naturelle préservait le visage du tyran de l'impression de la
honte: circonstance petite et frivole, qui ne me parait digne ni du
génie de l'historien ni du tableau odieux et.touchant que présente le
spectacle de tant d'innocentes victimes et du tyran qui les voit expirer.
Quoi qu'il en soit au reste du plan que je me suis fait dans cette
traduction, je ne dois pas m' attendre qu'il soit gouté de tout le monde.
En cette matiere plus qu' en aucune autre, chaque lecteur a pour ainsi
dire sa mesure particuliere et, si l' on veut, ses préjugés, auxquels il
exige qu'un traducteur se conforme. Aussi rien n'est peut-être plus
rare en littérature qu'une traduction généralement approuvée; le fUt-
elle même dans son ensemble, combien les détails ne prêtent-ils pas à
la critique? Je me trouverais fort heureux si celle-ci pouvait obtenir le
suffrage du petit nombre de gens de lettres qui, par une connaissance
approfondie du génie des deux langues, de ceI ui de Tacite et des
vrais principes de l'art de traduire, sont capables d'apprécier mon
travail; à l'égard de ceux qui croiront seulement l'être, je n'ai rien à
attendre ni à exiger d'eux.
La seule grâce que je désire d' obtenir de ceux que je reconnais
pour mes vrais juges, c' est de ne point se borner à relever mes fautes,
mais de m' offrir en même temps le moyen de les corriger quand ils les
auront aperçues. De toutes les injustices dont les traducteurs ont droit
de se plaindre, et dont j'ai déjà marqué plusieurs, la principale est la
maniere dont on a coutume de les censurer. Je ne parle point des
critiques, vagues, ineptes, infideles, qui ne méritent aucune attention;
je parle d'une censure qui serait motivée, et même équitable en
apparence, et je dis qu'en matiere de traduction elle ne suffirait pas.
On peut juger un ouvrage libre en se bornant à exposer dans une
critique raisonnée les défauts qu'on y aperçoit, parce que l'auteur

84 JEAN LE R ON O D'ALEM BERT


uma perífrase, deixar que sua sutileza fosse percebida apenas por
leitores inteligentes. Às vezes, enfim, tomei a liberdade de alterar
um pouco o sentido, quando me pareceu apresentar uma imagem
ou uma idéia pueril. Pois minha justa admiração por Tácito não
me cega a ponto de me fechar os olhos para um pequeno número
de passagens em que ele me parece aquém dele mesmo. Tal é, por
exemplo, em minha opinião, a passagem da vida de Agrícola em
que Tácito opõe o rubor do rosto de Domiciano à palidez dos
infelizes que ele manda executar em sua presença, observando
que, sendo este rubor natural, preservava o rosto do tirano da
impressão de vergonha: circunstância pequena e frívola que não
me parece digna nem do gênio do historiador, nem do quadro
odioso e comovente apresentado pelo espetáculo de tantas vítimas
inocentes e do tirano que os vê expirar.
Seja como for, em relação ao plano que tracei nesta tradução, não
devo esperar que seja apreciado por todo mundo. Neste assunto,
mais do que em qualquer outro, cada leitor tem, por assim dizer,
sua medida particular e, se quisermos, seus preconceitos, aos quais
exige que o tradutor se submeta. Assim, nada é mais raro em
literatura do que uma tradução universalmente aprovada; ainda
que o seja em sua totalidade, como os pormenores não se prestariam
à crítica? Eu me sentiria muito feliz se a presente tradução obtivesse
a aprovação do pequeno número de literatos que, pelo conhecimento
aprofundado do espírito das duas línguas, de Tácito e dos
verdadeiros princípios da arte de traduzir, são capazes de apreciar
meu trabalho; em relação aos que só acreditam sê-lo, nada tenho a
esperar nem a exigir deles.
O único favor que desejo obter dos que reconheço como meus
verdadeiros juízes é que não se limitem a apontar meus erros, mas que
ao mesmo tempo me ofereçam os meios de corrigi-los quando os
perceberem. De todas as injustiças de que os tradutores justamente se
queixam, algumas das quais já assinalei, a principal é a maneira com
que se costuma censurá-los. Não falo de críticas vagas, ineptas, desleais,
que não merecem nenhuma atenção; falo de uma censura motivada e
até mesmo justa em aparência, e digo que em matéria de tradução
mesmo esta não bastaria. Pode-se julgar uma obra livre limitando-se a
expor, em uma crítica racional, os defeitos percebidos, porque o autor
era dono de seu plano, do que devia dizer e da maneira de dizê-lo;

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILÍNGÜE/FRANCÊS-PORTUGUÊS 85


était le maitre de son plan, de ce qu'il devait dire et de la maniere de
le dire: mais le traducteur est dans un état forcé sur tous ces points;
obligé de marcher sans cesse dans un chemin étroit et glissant qui
n' est pas de son choix, et quelquefois de se jeter à côté pour éviter le
précipice. Ainsi, pour le critiquer avec justice, iI ne suffit pas de
montrer qu'il est tombé dans quelque faute; il faut le convaincre qu'il
pouvait faire mieux ou aussi bien sans y tomber. En vain lui reprochera-
t-on que sa traduction manque d'une justesse rigoureuse, si on ne lui
fait pas voir qu'il pouvait conserve r cette justesse sans rien perdre du
côté de l'agrément; en vain prétendra-t-on qu'il n'a pas rendu toute
l'idée de son auteur, si on ne lui prouve qu'ille pouvait sans rendre la
copie faible et languissante; en vain accusera-t-on sa traduction d'être
trop hardie, si on ne lui en substitue une autre plus naturelle et aussi
énergique. Corriger les taches d'un auteur est un mérite dans le critique
ordinaire; c'est un devoir dans le censeur d'une traduction. Il ne faut
donc pas s'étonner si dans ce genre d'écrire, comme dans tous les
autres, les bonnes critiques sont encore plus rares que les bons ouvrages.
Et comment ne le seraient-elles pas? La satire est si commode! Le commun
des lecteurs la dispense même d'être fine. C'est en littérature une
ressource assurée, je ne dis pas pour être estimé, mais pour être lu.

86 JEAN LE ROND D' ALEMBERT


mas o tradutor está em uma situação estrita sob todos esses aspectos;
obrigado a caminhar continuamente por um caminho estreito e
escorregadio que não escolheu e, às vezes, obrigado a se jogar de lado
para evitar o precipício. Assim, para criticá-lo com justiça, não basta
mostrar que ele errou; é preciso convencê-lo que podia fazer melhor
ou tão bem sem errar. Será vão censurá-lo pela falta de precisão rigorosa
à sua tradução, se não lhe for mostrado que ele podia conservar esta
precisão sem nada perder do encanto; será vão afirmar que ele não
expressou toda a idéia de seu autor, se não lhe for provado que podia
fazê-lo sem tomar a cópia débil e sem vida; será vão acusar sua tradução
de ser muito ousada, se não lhe for apresentada outra mais natural e
com a mesma energia. Corrigir os defeitos de um autor é um mérito
em um crítico comum; é um dever no censor de uma tradução. Não é
de se surpreender, pois, que neste gênero de escrita, como em todos os
outros, as boas críticas sejam ainda mais raras que as boas obras. E
como não o seriam? A sátira é tão cômoda! O leitor comum a isenta até
mesmo de ser fina. Trata-se, em literatura, de um recurso seguro, não
digo para ser apreciado, mas para ser lido.

Tradução: Lea Mara Valezi Staut

Notas:
1. Vírgílio. Enelda, VI, vv.435-437 "Aqueles que sem ter feito nenhum mal se suicidaram com
sua própria mão, e que, odiando a luz, rejeitaram a vida". (Irad. direta do latim, notas,
argumento analítico e excurso biográfico por Tassilo Orpheu SpaIding. São Paulo: Cultrix,
1981. p.l21).
2. Não puderam suportar, fracos e furiosos, o fardo da vida imposta pelos Deuses.N.T.

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - A NTOLOGIA BILfNGÜE/F RANCEs-PORTUGUEs 87


C HARLES B ATIEUX

PRINCIPES DE LA LITTÉRATURE
PRINCÍPIOS DE LITERATURA
CHARLES BATTEUX

PRINCIPES DE LA LITTÉRATURE (1764)

L'abbé Charles Batteux (1713-1780), professeur de rhétorique, fut l'auteur


d' ouvrages scolaires, de granunaires latines, grecques, de principes de littérature,
d' abrégés d'histoire et de trad uctions (Horace). Le texte qui suit est un chapitre
extrait de son ouvrage Cours de belJes leftresou Prindpes de littératurf!, 1861,
Paris: Librairie P. Lethielleux, p.361-75, dans lequel Batteux énonce onze regles
sur la maniere de traduire.

11 n'y a que ceux qui n'ont jamais essayé de tradu ire les auteurs
anciens qui puissent dou ter combien cette entreprise est difficile.
Quand on a I' expérience, on sait qu'il faut souvent plús de temps, de
peine, d'application pour bien copier un beau tableau, qu'il n'en a
fallu pour le faire.
J'ai observé cependant qu'il y avait des moyens pour diminuer la
difficulté. J' allais en tracer les moyens quand, à propos de gallicisme et
de latinisme, il me fallut faire des recherches sur le génie de la langue
française et de la langue latine. Parmi les réflexions que je fis, iI me vint
un doute sur l'inversion. On a pu voir par tout ce qui précede, ce que ce
doute a produit. La question sur l'inversion, d'incidente qu'elle était,
est devenue un principe fondamental, d' ou j' ai vu sortir toutes les regles
que je vais essayer de tr:acer sur la maniere de traduire. Je suis donc
rendu ici au premier objet que je m'étais proposé.
Quand on traduit, la grande difficulté n'est point d'entendre
la pensée de l'auteur: on y arrive communément avec le secours
des bonnes éditions, des commentaires et surtout en examinant la
liaison des pensées. Mais quand iI s'agit de présenter dans une
autre langue les choses, les pensées, les expressions, les tours, le
ton général de l' ouvrage, les tons particuliers du style dans les
poetes, les ora teurs, les historiens; les choses telles qu' elles sont,
sans rien ajouter, ni retrancher, ni déplacer; les pensées dans leurs
couleurs, leurs degrés, leurs nuances; les tours, qui donnent le
feu, l' esprit, la vie au discours; les expressions naturelles, figurées,

90 C HAR LES B AITEUX


CHARLES BATTEUX

PRINCÍPIOS DE LITERATURA (1764)

o abade Charles Batteux (1713-1780), professor de retórica, foi autor de


manuais escolares, gramáticas latinas e gregas, livros de literatura, história e
tradução (Horácio). O texto que segue corresponde a um capítulo do seu livro
Cours de beJJes Jeftres ou Príncipes de JjttératuTf!, 1861, Paris: Librairie P.
Lethielleux, p.361-75, no qual Batteux enuncia onze regras sobre a maneira de
traduzir.

Somente aqueles que jamais tentaram traduzir os autores antigos


podem duvidar da dificuldade em realizar semelhante tarefa. Quan-
do temos experiência, sabemos que é necessário mais tempo, mais
cuidado e mais dedicação para copiar bem um belo quadro do que
foi preciso para fazê-lo.
Observei, no entanto, que havia meios de diminuir a dificuldade.
Pretendia traçá-los quando, a propósito de galicismo e latinismo, pre-
cisei fazer pesquisas sobre o gênio da língua francesa e da língua
latina. Entre as reflexões que fiz, veio-me uma dúvida sobre a inver-
são. Pôde-se ver, por tudo o que precede, o que tal dúvida produziu.
A questão sobre a inversão, antes secundária, tornou-se um princípio
fundamental, do qual vi sair todas as regras sobre o modo de traduzir
que procurarei traçar. Eis que chego, pois, ao primeiro objetivo que
me propusera.
Quando traduzimos, a grande dificuldade não é entender o pen-
samento do autor: habitualmente chegamos a ele com a ajuda das
boas edições, dos comentários e, sobretudo, examinando a seqüên-
cia dos pensamentos. Mas quando se trata de apresentar em uma
outra língua as coisas, os pensamentos, as expressões, os torneios, o
tom geral da obra, os tons particulares do estilo nos poetas, nos
oradores, nos historiadores; as coisas tais como são, sem acrescentar
nada, nem omitir, nem deslocar; os pensamentos nas suas diferentes
cores, nos diferentes graus, nas nuances particulares; os torneios
que dão o sentimento, o espírito, a vida ao discurso; as expressões

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILÍNGÜE/FRANCÊS- PORTUGUÊS 91


r

fortes, riches, gracieuses, délicates, etc .; et le tout, d'apres un


modele qui commande durement et qui veut qu'on lui obéisse
d'un air aisé, iI est évident qu'il faut, sinon autant de génie, au
moins autant de gout, pour bien traduire, que pour composer.
Peut-être même en faut-iI davantage.
L'auteur conduit par son génie toujours libre et par sa matiere
qui lui présente des idées qu'il peut accepter ou rejeter à son
gré, est maitre absolu de ses pensées, de ses expressions. II peut
abandonner ce qu'iI ne peut pas rendre. Le traducteur n' est maitre
de rien: iI est obligé de se plier à toutes les variations de son
auteur avec une souplesse infinie. Qu'on en juge par la variété
des tons qui se trouvent dans un même sujet, et à plus forte
raison dans un même genre. Dans un même sujet, dont les parties
sont concertées et mises dans une juste harmonie, on voit le style
qui s' éleve et s' abaisse, s' adoucit et se fortifie, se resserre et
s'étend, sans cependant sortir de l'unité de son caractere
fondamental. Térence depuis un bout jusqu'à l'autre a un style
qui convient à la comédie, qui est toujours simple et fin o
Cependant les degrés en sont différents dans la bouche de Simon,
de Dave, de Sostrate, de Pamphyle, de Mysis; ils sont différents
quand ces acteurs sont tranquilles, ou émus, dans une passion
ou dans une autre. Pour aller plus loin encore, le style épistolaire
doit être simple: iI faut écrire, dit-on, une lettre comme on parle
(supposé cependant qu' on parle bien). Depuis maitre Olivier
jusqu'au roi, iI y a bien des degrés de conditions, variés par les
talents, I' éducation, la naissance, la fortune.ll y a autant de styles
simples qui y répondent. L'un ne doit point être mis à la place de
I' autre. On ne peut le faire sans blesser le bon gout, le décent.
Voilà pour ceux à qui on écrit. Mais celui qui écrit se doit aussi
quelque chose à lui-même. Les rapports de sa personne, de son
âge, de sa place, de ce qu'iI a été, de ce qu'iI a fait, de ce qu'iI
espere, de ce qu'il craint, lui marquent des degrés, qu'iI saisit
dans le point juste, s'il a le gout exquis. Pour rendre tous ces
degrés, iI faut d'abord les avo ir sentis, ensuite maitriser à son
gré la langue qu' on veut enrichir des dépouilles étrangeres. Les
langues fortes brisent les grâces en les transportant; les langues
faibles énervent la force. Quelle idée ne doit-on point avoir d' une
traduction faite avec succes!

92 CHARLES BATIEUX
naturais, figuradas, fortes, ricas, graciosas, delicadas, etc; e o todo,
segundo um modelo que comanda rigidamente e que quer que lhe
obedeçamos de modo aparentemente fácil- é evidente que precisa-
mos, para traduzir bem, senão do mesmo gênio, ao menos do mes-
mo gosto que é necessário para compor. Talvez seja preciso até mais.
a autor guia-se pelo seu gênio sempre livre e pelo seu tema,
que lhe apresenta idéias que ele pode aceitar ou recusar à vonta-
de, é mestre absoluto de seus pensamentos e de suas expressões.
Ele pode abandonar aquilo que não consegue reproduzir. a tra-
dutor não é mestre de nada: é obrigado a curvar-se a todas as
variações de seu autor com uma leveza infinita. Julgue-se tal afir-
mação pela variedade de tons que podem ser encontrados em um
mesmo assunto, e com mais razão em um mesmo gênero. Em um
mesmo assunto, cujas partes são concertadas e postas em justa
harmonia, vemos o estilo que se eleva e se abaixa, que se ameniza
e se fortalece, que se concentra e se expande, sem, contudo, afas-
tar-se da unidade de seu caráter fundamental. Terêncio, em toda a
extensão de sua obra, possui um estilo que convém à comédia,
que é sempre fino e simples. Todavia, os níveis estilísticos são
diferentes na boca de Simão, de Dávio, de Sóstrato, de Panfilo, de
Mísis; são diferentes quando esses atores estão tranqüilos, ou emo-
cionados, em uma paixão ou em outra. Para irmos ainda mais
longe, o estilo epistolar deve ser simples: é preciso escrever uma
carta, dizem, como se fala (supondo-se todavia que se fale bem) .
De mestre alivier ao rei, há graus de condições, variando confor-
me o talento, a educação, o nascimento, a sorte. Há tantos estilos
simples quantos são os graus. Nenhum pode ser colocado no lu-
gar do outro . Não podemos fazê-lo sem ferir o bom gosto e a de-
cência em relação àqueles a quem escrevemos. Mas aquele que
escreve também deve alguma coisa a si mesmo. As relações de sua
pessoa, de sua idade, de seu lugar, do que foi, do que fez, do que
espera, do que teme, marcam-lhe as gradações, que ele capta no
ponto justo, se tem o gosto apurado . Para reproduzir todas essas
gradações, é preciso, antes de mais nada, tê-las sentido, em segui-
da dominar convenientemente a língua que se quer enriquecer
com despojos estrangeiros. As línguas fortes quebram as graças ao
transportá-las; as línguas fracas irritam a força. Que idéia não de-
vemos ter de uma tradução feita com sucesso!

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOG IA BI LíNGÜE/FRANCÊS-PORTUGUÊS 93


La premiere chose nécessaire au traducteur est de savoir à fond
quel est le génie des deu x langues qu'il veut manier. II peut le savoir
par une sorte de sentiment confus, qui résulte de la grande habitude
qu'on a d'une langue. Mais serait-il inutile de jeter quelque lumiere.
sur la route du sentiment et de lui donner quelques moyens de
s' assurer s' iI ne s' égare point?
nn'y a guere que les commençants ou ceux qui ne savent qu'impar-
faitement leur langue, qui soient embarrassés de trouver les mots qui
répondent à ceux qu'ils veulent traduire. Faute de pouvoir trouver les
mots simples qui existent, ils ont recours àdes périphrases qui sont lâches
et qu'ils ne savent racheter par aucune compensation. Nous leur dirons
d' étudier d' abord et de bien apprendre leur propre langue, apres quoi ils
ne seront plus embarrassés que des constructions, embarras qui leur sera
commun avec ceux qui ont le plus d'habitude et d'usage, et qu'ils pourront
dirninuer en suivant les idées que nous allons développer.
La langue latine et la langue française ont un fond qui leur est
commun et des propriétés qui leur sont particulieres: ce sont des
propriétés qui fondent ce qu' on appelle latinisme et gallicisme.
Le latinisme dans une composition française, le gallicisme dans
une composition latine ne peuvent avoir lieu que lorsqu' on emploie
un mot, un régime, une construction propre à l'une des deux langues
et étrangere à l' autre.
11 y a latinisme de mot en français quand on dit «la fortune
des armes», «la molle arene». En français on dit <de sort des ar-
mes». «Arene» ne signifie en latin que le sable d'une riviere; en
français c' est un terme d' antiquité qui signifie la partie de
l'amphithéâtre ou les gladiateurs combattaient chez les Romains.
11 y aurait gallicisme en latin si l'on disait vivacitas ingeniipour
«vivacité d 'esprit», parce qu 'en latin vivacitas signifie une
qualité naturelle qui fait vivre longtemps une plante ou un ani-
mal. Ainsi le latinisme et le gallicisme de mots font une espece
de barbarisme.
11 y a latinisme de régime dans une phrase française quand
on y emploie un régime latinoLa Fontaine a dit en parlant du
chêne: « celui de qui la tê te du ciel était voisine». On dit en
latin vicinum coeJo caput, mais en français on dit «voisin du
ciel »; «la belette a ux oisea ux ennemie »: en françai s on di t
«ennemi de ». «J'admirais si Mathan, etc.» : en français «admirer»

94 CHARLES BA TIEUX
A primeira coisa necessária ao tradutor é saber a fundo qual é o
caráter das duas línguas que quer manejar. Ele pode sabê-lo devido a
uma espécie de sentimento confuso, que resulta do fato de estar habi-
tualmente em contato com uma língua. Mas seria mesmo inútil lançar
alguma luz no caminho do sentimento, e dar-lhe alguns meios segu-
ros para que não se perca?
Somente os iniciantes, ou aqueles que não conhecem perfeitamen-
te sua língua, têm dificuldades em encontrar as palavras que
correspondam ao que querem traduzir. Não podendo encontrar as
palavras simples, que existem, recorrem a perífrases que não têm
vigor e que eles não sabem como compensar de outra forma. Diremos
a eles, primeiramente, para estudarem e aprenderem bem sua própria
língua; depois, só sentirão dificuldades com construções, dificulda-
des estas que encontram também os mais experientes, e que poderão
diminuir seguindo as idéias que vamos desenvolver.
A língua latina e a língua francesa têm um fundo que lhes é co-
mum e propriedades que lhes são particulares: são propriedades que
fundamentam aquilo que se chama latinismo e galicismo.
O latinismo em uma composição francesa e o galicismo em uma
composição latina só podem ocorrer quando se emprega uma pala-
vra, um regime, uma construção própria a uma das duas línguas e
estrangeira à outra.
Há latinismo de palavra em francês quando se diz "la fortune des
armes" [a fortuna das armas], "la moUe arene" [a arena macia]. Em
francês, dizemos "le sort des armes" [a sorte das armas]. "Arene", em
latim, designa apenas a areia de um rio; em francês é um termo da
Antigüidade que designa a parte do anfiteatro onde os gladiadores
combatiam, durante o Império Romano. Haveria galicismo em latim
se disséssemos vivacitas ingem'j para "vivacidade de espírito", por-
que em latim vivacitas indica uma qualidade natural que faz uma
planta ou um animal viver por muito tempo. Assim, o latinismo e o
galicismo de palavras constituem uma espécie de barbarismo.
Existe latinismo de regime em uma frase francesa quando nela se em-
prega um regime latino. Ao falar do carvalho, La Fontaine disse: "celui de
qui la tête du ciei étaitvoisine" [aquele de quem a cabeça do céu era vizinha].
Dizemos em latim vicinum coelocaput, mas em francês dizemos "voisin du
ciel" [vizinho do céu]; "la belette aux oiseaux ennemie" [a doninha aos
pássaros inimiga]: em francês dizemos "ennemi de" [inimigo de]. 'J'admirais

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILlNGÜE/FRANCÊS-PORTUGUÊS 95


est actif, iI ne se prend neutralement qu' en latino De même si on
disait Felrus laboral pro lucrari suam vilam on ferait un
gallicisme, non seulement de mots, mais de régime, parce que
non seulement les mots seraient pris dans un sens qui n' est
point latin, mais qu'ils seraient régis par une regle de syntáxe
française qui n' est point chez les Latins. Cette espece de
latinisme et de gallicisme approche du solécisme.
Enfin ii y a latinisme et gallicisme de construction quand en français
on emploie des constructions qui sont propres au latin et étrangeres
au français, ou qu'en latin on emploie des constructions propres au
français et etrangeres au latino C' est de cette espece de la tinis me et de
gallicisme dont iI est question ici.
Quand nous traduisons du français en latin, nous employons souvent
des constructions françaises sans scrupule; et au contraire, quand nous
traduisons du latin en français, la crainte que nous avons de porter dans
la langue française les constructions latines nous fait prendre tellement
le contre-pied de l' arrangement latin, que le plus souvent nous ne
sommes satisfaits de notre construction que quand on ne retrouve aucune
idée à la même place qu' elle occupait dans la phrase latine.
Si cependant ii est vrai que notre langue ne s' écarte de la
construction latine que quand elle y est forcée, soit pour la netteté,
soit pour l'harmonie, iI suit que nous devons nous remettre dans le
même ordre que les Latins toutes les fois que nous n' avons pas une de
ces trois raisons; et par conséquent que toutes les constructions, qui
n'étant fondées que sur l'intérêt ou le point de vue de celui qui parle,
ne trouvent dans les mots de l'autre langue aucun obstacle réel, qui
leur fasse prendre un autre tour, doivent être conservées; et que ce ne
sera que dans les cas opposés qu' on sera obligé de changer les
constructions, sous peine de faire un gallicisme si on écrit en latin, ou
un latinisme si on écrit en français.
II suit de là que le premier principe de la traduction est: Qu'il faut
employer les tours qui sont dans l'auteur, quand les deux langues s'y
prêtent également.
S'il y a dans Térence accipil bene/ pourquoi ne traduirait-on pas
«c'est un homme qui reçoit bien»? S'il y a hoc mii incommodat
pourquoi ne dira-t-on pas «cela m'incommode»? [... ]
II est inutile de pousser plus loin ce détail. Tirons de ce principe
des conséquences qui seront autant de regles de l'art de traduire.

96 CHARLES BA ITEUX
si Mathan", etc [me surpreenderia se Mathan, etc]: em francês, "admirer"
[admirar] é ativo, só em latim ele é usado de forma neutra. Do mesmo modo,
se disséssemos Petrus laborat pro lucrad suam vitam, cometeríamos um
galicismo, não apenas de palavras, mas de regime, porque não somente as
palavras seriam tomadas em um sentido que não é latino, mas também
seriam regidas por uma regra de sintaxe francesa que não existe entre os
latinos. Essa espécie de latinismo e de galicismo aproxima-se do solecismo.
Enfim, existe latinismo e galicismo de construção quando, em fran-
cês, são empregadas construções que são próprias do latim e estran-
geiras ao francês, ou quando, em latim, são empregadas construções
próprias do francês e estrangeiras ao latim. Éessa espécie de latinismo
e de galicismo que está em questão aqui.
Quando traduzimos do francês para o latim, empregamos com fre-
qüência construções francesas sem escrúpulos; e, ao contrário, quando
traduzimos do latim para o francês, o temor que sentimos em empregar
na língua francesa as construções latinas, nos faz tomar de tal modo o
caminho contrário ao da organização latina que, na maioria das vezes,
só ficamos satisfeitos com nossa construção quando nenhuma idéia se
encontra mais no mesmo lugar que ocupava na frase latina.
Entretanto, se é verdade que nossa língua só se afasta da cons-
trução latina quando é forçada a isso, seja pela nitidez, seja pela
harmonia, ocorre que devemos seguir a mesma ordem que os lati-
nos todas as vezes que não temos uma dessas três razões; e, conse-
qüentemente, todas as construções, fundamentadas apenas no in-
teresse ou no ponto de vista daquele que fala, não encontrando nas
palavras da outra língua nenhum obstáculo real que lhes faça es-
colher um outro caminho, devem ser conservadas; e somente nos
casos contrários devemos mudar as construções, sob pena de co-
meter um galicismo se escrevemos em latim, ou um latinismo se
escrevemos em francês.
Depreende-se, então, que o primeiro princípio da tradução é o
seguinte: deve-se empregar os torneios do autor, quando as duas lín-
guas assim o permitirem.
Se há em Terêncio acàpit bene, por que não se traduziria por "é
um homem que recebe bem"? Se há hoc miiincommodat, por que não
se dirá "isso me incomoda"? [... ]
É inútil levar este assunto mais adiante. Tiremos deste princípio
conseqüências que serão, da mesma forma, regras da arte de traduzir.

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILÍNGÜE/FRANCÊS-PORTUGUÊS 97


....

II suit:
I. Qu' on ne doit point toucher à I' ordre des choses, soit faits, soit
raisonnements, puisque cet ordre est le même dans toutes les langues
et qu'il tient à la nature de I'homme, plutôt qu'au génie particulier
des nations.
II. Qu'on doit conserver aussi l'ordre des idées, ou du moins
celui des membres. II y a une raison, quelque fine qu'elle soit à
observer, qui a determiné I' auteur à prendre un arrangement plutôt
qu'un autre. Peut-être que ç' a été I'harmonie, mais quelquefois aussi
c' est l' énergie. Cicéron avait dit: Neque potestis exercitum confjnere
imperator; quiseipsum non continet M. Fléchier, qui a traduit cette
pensée en orateur, n' ayant pu conserver l' ordre des idées, a au moins
conservé l' ordre des membres; iI a dit: «Quelle discipline peut
établir dans son camp celui qui ne peut régler sa conduite?». Que
serait-ce s'iI eut mis: «Un général qui ne regle point sa conduite ne
peut régler une armée»? C' est le même sens, mais ce n' est plus le
même feu, parce que ce n'est plus le même ordre. D'un autre côté,
s'il eut traduit: «Un général ne peut régler une armée qui ne peut se
régler lui-même», iI eut fait un latinisme. Ainsi l'exemple de M.
Fléchier nous donne une double leçon.
III. Qu' on doit observer les périodes, quelques langues quI elles
soient, parce qu'une période n'est qu'une pensée composée de
plusieurs autres pensées qui se lient entr'elles par des rapports
intrinseques, et que cette liaison est la vie de ces pensées et l' objet
principal de celui qui parle. Utens eorum sententiis et earum figuris.
Dans une période les différents membres sont comme des pendants
qui se regardent, et dont les rapports font harmonie. Si on coupe les
phrases, on aura les pensées: mais on les aura sans les rapports de
principe, ou de conséquence, de preuve, de comparaison, quI elles
avaient dans la période et qui en faisaient la couleur. II y ades moyens
de concilier tout : les périodes, quoique suspendues dans leurs
"0 différents membres, ont cependant des repos, ou le sens est presque
fini, et qui donnent à l'esprit le relâche dont iI a besoin. [... ]
IV. Qu' on doit conserver toutes les conjonctions. Elles sont comme
les articulations des membres. On ne doit en changer ni le sens, ni la
place. S'iI y ades occasions ou on puisse les omettre, ce ne sera que

98 CHARLES BA TTEUX
....-

Assim:
I. Não devemos mexer na ordem das coisas, sejam fatos, sejam
raciocínios, já que tal ordem é a mesma em todas as línguas e pertence
à natureza do homem, antes mesmo de pertencer à índole particular
das nações.
II. Devemos conservar também a ordem das idéias, ou ao menos a
das partes. Há uma razão, por mais tênue que seja, que levou o autor
a escolher uma disposição em lugar de outra. Talvez tenha sido a
harmonia, mas, às vezes, também é a energia. Cícero dissera: Neque
potest is exercitum continere imperatOl; qui seipsum non continet O
senhor Fléchier, que traduziu este, pensamento como orador, não
podendo conservar a ordem das idéias, ao menos conservou a ordem das
partes; ele disse: "Que disciplina pode estabelecer em seu campo aquele
que não consegue dirigir sua conduta?". O que aconteceria se ele tivesse
colocado: "Um general que não comanda sua própria conduta não pode
comandar um exército"? O sentido é o mesmo, mas não há mais a mesma
força, porque não há mais a mesma ordem. Por outro lado, se ele tivesse
traduzido: "Um general não pode comandar um exército se não pode
comandar-se a si mesmo", ele teria cometido um latinismo. Assim, o
exemplo do senhor Fléchier nos dá uma dupla lição.
III. Devemos observar os períodos, por mais longos que sejam,
porque um período nada mais é do que um pensamento composto
de vários outros pensamentos que se ligam entre si por relações
intrínsecas, e esta ligação é a vida desses pensamentos e o objetivo
principal daquele que fala. Utens eorum sententiis et earum figuris.
Em um período, as diferentes partes são como pingentes que se
equilibram, e cujas relações promovem harmonia. Se cortarmos as
frases, teremos os pensamentos, mas sem as relações de princípio,
ou de conseqüência, de prova, de comparação que tinham no perí-
odo e que lhes davam cor. Há meios de conciliar tudo: os períodos,
embora suspensos em suas diferentes partes, têm, entretanto, pau-
sas, nas quais o sentido quase se completa, e que dão ao espírito o
repouso de que precisa. [oo.]
IV. Devemos conservar todas as conjunções. Elas são como as arti-
culações das partes. Não se deve mudar nem seu sentido, nem sua
posição. Se há ocasiões em que se pode omiti-las, será apenas quando

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - A NTOLOGIA BILlNGÜE/FRANCts-P ORTUGUÊS 99


lorsque I' esprit pourra s' en passer aisément, et que se portant de lui-
même d'une phrase à une autre, la conjonction exprimée ne ferait que
I' arrêter, sans le servir.
V. Que tous les adverbes doivent être placés à côté du verbe, avant
ou apres, selon que I'harmonie le demande, ou l' énergie: c' est toujours
sur ces deux principes que leur place se regle chez les Latins.
VI. Que les phrases symétriques seront rendues avec leur symétrie
ou en équivalant. La symétrie dans le discours est un rapport de
plusieurs idées ou de plusieurs expressions. La symétrie des
expressions peut consister dans les sons, dans la quantité des syllabes,
dans la terminaison ou la longueur des mots, dans I' arrangement des
membres. [oo.] Si on ne peut rendre son pour son, substantif, verbe,
adverbe, adjectif comme ils sont dans le texte, ii faut au moins
s' acquitter par une autre sorte de symétrie.
VII. Que les pensées brillantes, pour conserver le même degré de
lumiere, doivent avoir à-peu-pres la même étendue dans les mots,
sans quoi on ternit ou on augmente leur éclat; ce qui n' est nullement
permis.
VIII. Qu'il faut conserver les figures des pensées, parce que les
pensées sont les mêmes dans tous les esprits: elles peuvent y prendre
partout le même arrangement; ainsi on rend les interrogations, les
subjections, les ante-occupations, etc.
Pour ce qui est des figures de mots, telles que sont les métaphores,
les répétitions, les chutes de noms ou de verbes, ordinairement on
peut les remplacer par des équivalents: par exemple, Cicéron dit
d'un décret de Verrés qu'il n'était point trabali clavo lixum; nous
pouvons dire: «ii n'était point tellement cimenté que, etc.». Si ces
figures ne peuvent se transporter ou se remplacer par des échanges, ii
faut alors reprendre l' expression naturelle, et tâcher de porter la figu-
re sur quelque autre idée qui en soit plus susceptible, afin que la
phrase traduite, prise dans sa totalité, ne perde rien des richesses
qu' elle avait dans l' original.
IX. Que les proverbes, qui sont des maximes populaires, et qui ne
font presque qu'un mot, doivent être rendus par d'autres proverbes.
Comme ils ne portent que sur des choses dont l'usage revient souvent
dans la société, tous les peuples en ont beaucoup de communs, si ce

100 CHARLES BAITEUX


o espírito delas puder privar-se facilmente, e quando, indo por si
mesmo de uma frase a outra, a conjunção expressa apenas o interrom-
pa, sem o servir.
V. Todos os advérbios devem ser colocados ao lado do verbo, antes
ou depois, conforme a harmonia pedir, ou a energia: é sempre sobre
esses dois princípios que o lugar deles se organiza entre os latinos.
VI. As frases simétricas serão reproduzidas com sua simetria ou
de modo equivalente. A simetria no discurso é uma relação de várias
idéias ou de várias expressões. A simetria das expressões pode consis-
tir nos sons, na quantidade de sílabas, na terminação ou no compri-
mento das palavras, e na disposição das partes. [... ] Se não podemos
traduzir som por som, substantivo, verbo, advérbio, adjetivo como
estão no texto, é preciso ao menos desempenhar a tarefa com um
outro tipo de simetria.
VII. Os pensamentos brilhantes, para conservar o mesmo brilho,
devem ter mais ou menos a mesma extensão nas palavras; sem isso,
debilitamos ou intensificamos sua luz, o que não é, de modo algum,
permitido.
VIII. Épreciso conservar as figuras de pensamento, porque os pen-
samentos são os mesmos em todos os espíritos: podem ter a mesma
disposição em qualquer parte; assim reproduzimos as interrogações,
as subjeções, as anteocupações, etc.
No que se refere às figuras de linguagem, tais como as metáforas,
as repetições, as omissões de substantivos ou de verbos, pode-se
comumente substituí-las por equivalentes: por exemplo, Cícero diz
sobre um decreto de Verrés que ele não era trabali claro lixum; pode-
mos dizer: "ele não era tão assentado quanto, etc.". Se tais figuras não
podem ser transportadas ou substituídas por outras, é necessário,
então, retomar a expressão natural, e esforçar-se para expressar a figu-
ra com qualquer outra idéia que lhe seja mais suscetível, a fim de que
a frase traduzida, tomada em sua totalidade, não perca nada da rique-
za que tinha no original.
IX. Os provérbios, que são máximas populares, e que são quase
uma única palavra, devem ser traduzidos por outros provérbios.
Como recaem somente sobre coisas cujo uso se repete com freqüência
na sociedade, todos os povos têm muitos deles em comum, se não

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILlNGÚE/FRANCÊS-PORTUGUÊS 101


n' est pour I' expression, au moins pour le sens: ainsi on peut presque
toujours le rendre. Madame Oacier l'a fait fort heureusement dans sa
traduction de Térence.
X. Que toute paraphrase est vicieuse. Ce n'est plus traduire, c'est
commenter. Cependant, quand iI n'y a pas d'autres moyens pour faire
connaitre le sens, la nécessité sert d' excuse au traducteur: c' est à I'une
des deux langues qu'il faut s'en prendre.
XI. Enfin qu'iI faut entierement abandonner la maniere du texte
qu'on traduit, quand le sens I'exige pour la clarté, ou le sentiment
pour la vivacité, ou I'harmonie pour l'agrément. Cette conséquence
devient un second principe, qui est comme le revers du premier. [...]
À ces príncipes, communs à tous les gemes d' ouvrages qu' on
traduit, on peut en ajouter d' autres qui ne conviennent qu' aux especes
particulieres; ces especes peuvent se réduire à trois: à l'histoire, à
l' oraison, à la poésie.
r.
Quand on traduit un historien, ce n'est point assez de
s'attacher au génie de l'histoire, iI faut encore suivre, autant qu'il
est possible, le génie de l'auteur; sans quoi, tout a l'humeur
gasconne en un traducteur gascon. Salluste est serré, coneis,
toujours élégant, mais d'une élégance qui a quelque chose de mâle
et de vigoureux. Tite-Live est serré aussi, iI est élégant, ii est
vigoureux; mais ii n' a point la même sorte de précision que
Salluste. Ses phrases sont remplies de propositions incidentes,
qui se lient, s'entrelacent, et forment des périodes plus longues,
de plus grandes masses d'idées, qu'il faut embrasser à la fois.
Tacite est sombre, profond, quelquefois énigmatique, plein de
réflexions et de philosophie. Son style est riche, fier, nerveux.
Quelle différence, si on le compare avec cei ui de Quinte Curce ou
de Cornelius Nepos? lci tout est clair, gracieux, élégant, fleuri,
tout est fait pour plaire en même temps qu'il instruit. Quelle
différence encore, si on met à côté de lui les Commentaires de
César, ou tout est simple et parfait par sa seule simplicité? César
est un témoin qui dépose, Quinte-Curce un rhéteur ingénieux qui
peint; Cornelius Nepos un homme du monde qui écrit. Tacite et
Tite-Live sont tous deux philosophes, tous deux historiens; mais
le premier semble donner plus à la philosophie, et le second plus
à I'histoire. Salluste est un homme d'État, nourri de principes

102 CH ARLES BAITEUX


pela expressão, ao menos pelo sentido: podemos, assim, quase sem-
pre reproduzi-lo. A senhora Dacier o fez, com muito sucesso, em sua
tradução de Terêncio.
X. Toda paráfrase é viciosa: não é mais traduzir, é comentar. Entre-
tanto, quando não há outros meios para revelar o sentido, a necessida-
de serve de desculpa ao tradutor: é preciso fixar-se em uma das duas
línguas.
XI. Enfim, deve-se abandonar totalmente a forma do texto que se
traduz, quando o sentido assim o exigir para a clareza, ou o sentimento
para a vivacidade, ou a harmonia para a satisfação. Esta conseqüência
vem a ser um segundo princípio, que é como o reverso do primeiro. [... ]
A esses princípios, comuns a todos os gêneros de obras que tradu-
zimos, podem-se acrescentar outros que convêm apenas às espécies
particulares; essas espécies podem reduzir-se a três: a história, o dis-
curso e a poesia.
L Quando se traduz um historiador, não é suficiente ater-se ao
espírito da história, é necessário ainda seguir, tanto quanto possí-
vel, o espírito do autor; sem isso, tudo tem o humor gascão em um
tradutor gascão. Salústio é contido, conciso, sempre elegante, mas
de uma elegância que tem algo de másculo e de vigoroso. Tito
Lívio também é contido, elegante, vigoroso, mas não tem o mesmo
tipo de precisão que Salústio. Suas frases são cheias de orações
incidentes, que se ligam, se entrelaçam, e formam períodos mais
longos, com maior número de idéias, que devem ser abraçadas
simultaneamente. Tácito é sombrio, profundo, às vezes enigmáti-
co, pleno de reflexões e de filosofia. Seu estilo é rico, orgulhoso,
nervoso. Qual a diferença, se comparado com o de Quinto-Cúrcio
ou o de Cornélio Nepos? Nestes tudo é claro, gracioso, elegante,
florido; tudo é feito para agradar ao mesmo tempo que instrui.
Qual a diferença ainda, se colocarmos a seu lado os Comentários
de César, onde tudo é simples e perfeito só por sua simplicidade?
César é uma testemunha que depõe, Quinto-Cúrcio um retórico
engenhoso que pinta; Cornélio Nepos um homem do mundo que
escreve. Tácito e Tito Lívio são ambos filósofos, ambos historiado-
res; mas o primeiro parece ser mais propenso à filosofia e o segun-
do à história. Salústio é um estadista, formado por princípios re-
publicanos: sem ostentação, sem aparato, tem mais nervo do que

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - A NTOLOC IA BILÍNGÜE/ FRA NCÊS-PORTUGUÊS 103


républicains: sans faste, sans appareil, iI a plus de nerf que de
chair, tout semble lui venir de la nature. Si le traducteur n'a pas
soin de rendre tous ces caracteres, iI parodie plutôt qu'il ne traduit.
II. L'oraison doit toujours marcher avec dignité. Tout doit y être
toumé vers la persuasion. II faut développer les idées, leur donner une
certaine étendue susceptible de nombre et d'harmonie, et capáble de
porter l'action de l'orateur. Le traducteur doit se placer dans ce point
de vue; l'oreille doit le guider, là plus qu'en tout autre geme, et toutes
les regles particulieres que nous avons données ci-dessus doivent être
subordonnées à celle-ci. II faut que dans la traduction on entende le ton
soutenu de l' orateur, qu' on voie le germe de ses gestes et de son action.
Dans l'histoire il faut présenter les faits avec le ton convenable,
dans 1'oraison, il faut présenter l'âme, la verve, la marche plus ou
moins hardie de quelqu'un qui va à la persuasion: dans la poésie, il
faut joindre à ce feu les traits et les images.
III. Je distingue ici deux sortes de traductions: la premiere est celle
qui rend un auteur dans une telle perfection qu' elle puisse en tenir
lieu, à-peu-pres comme une copie de tableau, faite d'une excellente
main, tient lieu de l' original. La sec onde n' est faite pour tenir lieu de
l' auteur, mais pour aider seulement à en comprendre le sens, pour
préparer les voies à l'intelligence du lecteur. Ce ser a à-peu-pres une
estampe.
On convient que la premiere sorte de traduction est impossible
pour les poetes; soit qu'on l'essaie en vers ou en prose. La prose ne
peut rendre ni le nombre, ni les mesures, ni l'harmonie, qui font une
des grandes beautés de la poésie. Et si on tente la traduction en vers,
supposé qu' on restitue le nombre, les mesures, 1'harmonie, on altere
les pensées, les expressions, les tons. On traduit bien une épigramme
de Martial, parce que des qu' on a trouvé un vers heureux pour rendre
la pointe, on se donne libre carriere sur le reste. Mais s'il s'agit de
rendre les discours entiers de Didon, de descendre aux enfers avec
Enée, quel poete traducteur oserait promettre de rendre tous les traits
des tableaux de Virgile? II peindra des monstres, des ombres, des
lieux d'horreur, à-peu-pres de même qu'un peintre qui fait un mauvais
portrait. Celui-ci peint toujours un homme, mais iI ne peint point
l'homme qu'on lui demandait; le fils ne reconnait point son pere, ni
l'ami son ami. II en peindrait les traits, ce ne serait rien encore s'il ne

104 CHARLES B ATIEUX


carne, tudo parece vir-lhe da natureza. Se o tradutor não tem o
cuidado de traduzir todas essas características, parodia mais do
que traduz.
II. O discurso deve sempre caminhar com dignidade. Tudo nele
deve estar voltado para a persuasão. É preciso desenvolver as idéias,
dar-lhes uma certa extensão suscetível de número e de harmonia, e
capaz de expressar a ação do orador. O tradutor deve colocar-se neste
ponto de vista; o ouvido deve guiá-lo neste mais do que em qualquer
outro gênero, e todas as regras particulares que demos acima devem
estar subordinadas a esta. Na tradução, é necessário que se ouça o tom
elevado do orador, que se veja o germe de seus gestos e de sua ação.
Na história, é preciso apresentar os fatos com o tom conveniente;
no discurso, é preciso apresentar a alma, a verve, a marcha mais ou
menos ousada daquele cujo objetivo é a persuasão; na poesia, é neces-
sário acrescentar a esse sentimento os traços e as imagens.
III. Distingo aqui dois tipos de traduções: a primeira é aquela que
reproduz um autor com tal perfeição, que pode mesmo tomar seu
lugar, mais ou menos como a cópia de um quadro que, feita por uma
excelente mão, faz as vezes do original. A segunda não é feita para
reproduzir o autor, mas apenas para ajudar a compreender seu senti-
do e preparar os caminhos à inteligência do leitor; será mais ou menos
como uma imagem.
Concordamos que o primeiro tipo de tradução é impossível para
os poetas, quer seja em verso ou em prosa. A prosa não pode traduzir
nem o número, nem as medidas, nem a harmonia, que fazem uma das
grandes belezas da poesia. E se tentamos a tradução em versos, supon-
do que possamos restituir o número, as medidas e a harmonia, altera-
mos então os pensamentos, as expressões, os tons. Traduzimos bem
um epigrama de Marcial porque, assim que encontramos um verso
feliz para reproduzir o início, damos livre curso ao resto. Porém, e
quando se trata de traduzir os discursos inteiros de Dido, de descer
aos infernos com Enéias, que poeta tradutor ousaria prometer repro-
duzir todos os traços dos quadros de Virgílio? Ele pintará monstros,
sombras, lugares de horror, semelhante a um pintor que faz um mau
retrato. Este último pinta sempre um homem, mas não pinta o homem
que lhe pediram; o filho não reconhece o pai, nem o amigo, seu amigo.
Ele pintaria os traços; ainda assim não seria nada se ele não reprodu-

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILlNGÜE/FRANCÉS-PORTUGUÊS 105


rendait l'âme, l'air, la vie, qui sont le point de perfection dans les
tableaux, et qui se trouvent le plus souvent dans des finesses
imperceptibles, dans des repos placés avec art, dans certains passages
légers, dans des teintes, qu' on n' attrappe que par hasard. On rendra
de même par un heureux hasard deu x, trois, quatre vers, mais tout le
reste sera défiguré et entierement méconnaissable.
TI n' en est pas de même de la poésie, comme de la peinture, dans
cette matiere: celle-ci a beaucoup d'avantages. Le peintre copiste ales
mêmes couleurs spécifiques que le peintre original; iI ne lui faut que
des yeux intelligents et une bonne main. Mais quand on supposerait
l'unet l'autre au poete traducteur, iI ne tient rien encore. Les mots de sa
langue résistent d' abord de toutes manieres par leurs syllabes, par leurs
sons, par la construction qu'ils exigent. L'oreille se plaint, la rime est
quinteuse, la mesure est toujours trop grande, ou trop petite pour la
pensée. Cela est vrai par rapport à toutes les langues: il n'y a que du
plus ou du moins. Virgile a voulu imiter plusieurs fois Homere et
Pindare. Tout Virgile qu'il était, illeur a presque toujours laissé ce
qu'ils avaient de mieux. C' est Aulu-Gelle qui le dit et qui le prouve par
des exemples. On sait le mot de Virgile qui disait qu'il était plus difficile
d' emprunter un vers à Homere, que de prendre à Hercule sa massue.
Qu'aurait-il dit, si onlui eutproposé de les traduire d'un bout à l'autre?
11 y ades Virgiles de nos jours qui ont eu plus de courage, ou plus de
force, que ceux d' autrefois. Os ont osé lutter contre une armée d'Hercules,
avec un succes qui peut, apparemment, dispenser les amateurs de la
poésie d'aller chercher ce poete dans sa langue naturelle.
Si on peut traduire parfaitement les poetes en vers, il y a une
maniere de le faire en prose, du moins avec quelque succes. Le ton
poétique, qui fait le principal caractere du vers, peut se rendre assez
bien, pourvu qu'on s'attache à trois points:
1°. À rendre les idées telles qu' elles sont, poids pour poids, s'il est
possible; on tâche du moins d' approcher de l' équivalent. De là dépend
une partie de la fidélité et de l'exactitude du traducteur.
2°. À laisser les idées si on le peut, du moins les propositions et les
phrases partielles, à leurs places. Rien n'oblige absolument un
traducteur de déplacer les propositions. C' est le même ordre dans
toutes les langues, parce que cet ordre ne tient qu'à la raison et à
l' esprit. De là nait la génération des idées telle que la donne l' auteur;
on suit sa marche, on court, on s' arrête, on se repose avec lui.
106 CH ARLES BATTEUX
zisse a alma, o ar, a vida, que são o ponto de perfeição nos quadros, e
que são encontrados com mais freqüência nas finezas imperceptíveis,
nas pausas colocadas com arte, em certas passagens ligeiras, nos mati-
zes, que só se consegue por acaso. Do mesmo modo, reproduziremos
por um feliz acaso dois, três, quatro versos, mas todo o resto será
desfigurado e totalmente irreconhecível.
Nessa matéria, não acontece com a poesia o mesmo que se dá com
a pintura: esta tem muitas vantagens. O pintor copista tem as mesmas
cores específicas que o pintor original: bastam-lhe apenas olhos inte-
ligentes e uma boa mão. Mas, mesmo supondo o poeta tradutor com
tais vantagens, ele ainda não possui nada. As palavras de sua língua
resistem de todas as maneiras com suas sílabas, com seus sons, com a
construção que exigem. O ouvido queixa-se, a rima tem caprichos, a
medida é sempre grande demais, ou pequena demais para o pensa-
mento. Isso é verdade em relação a todas as línguas: varia apenas o
grau. Virgílio quis imitar várias vezes Homero e Píndaro. Por mais
Virgílio que fosse, quase sempre lhes deixou o que tinham de melhor.
É Áulio Gélio quem o diz e quem o prova com exemplos. Conhece-
mos as palavras de Virgílio, que dizia que era mais difícil tomar em-
prestado um verso de Homero do que tomar a clava de Hércules. O
que teria dito, se lhe houvessem proposto traduzi-los do começo ao
fim? Há Virgílios atuais que tiveram mais coragem, ou mais força, do
que os de outrora. Ousaram lutar contra um exército de Hércules,
com um sucesso que pode, aparentemente, poupar os amantes da
poesia de irem procurar aquele poeta em sua língua natural.
Se podemos traduzir perfeitamente os poetas em versos, há uma
maneira de fazê-lo em prosa, pelo menos com algum êxito. O tom
poético, que dá o principal caráter do verso, pode ser reproduzido
suficientemente bem, contanto que se fixe em três pontos:
1. Reproduzir as idéias tais como são, peso por peso, se for possí-
vel; esforçar-se ao menos em aproximar-se de um equivalente. Disso
depende uma parte da fidelidade e da exatidão do tradutor.
2. Deixar as idéias, se possível, ou ao menos as orações e as frases
parciais, em seus lugares. Nada obriga um tradutor a deslocar as
orações. É a mesma ordem em todas as línguas, porque essa ordem
provém apenas da razão e do espírito. Daí nasce a geração das idéias,
tal como o autor a dá; seguimos seu caminho, corremos, paramos,
descansamos com ele.

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILÍNGÜEjFRANCts-PORTLGUÉS 107


3°. Enfin, iI faut tâcher de lier les pensées, de même que l'auteur,
de ponctuer comme lu i, de rendre période pour période, de ne couper
les phrases que quand illes coupe, etc.
Mais cette maniere de traduire est impossible! .Elle ne l'est
nullement. Ii est impossible de rendre toujours un mot par un mot,
un mot court ou long, sonore ou sourd, lent ou léger, par un autre
qui ait absolument le même caractere. Ii est impossible de rendre
toujours le même feu, la même vivacité, la même figure, parce que
chaque langue a ses propriétés. D'ou iI suit qu'il est impossible de
tout rendre, et par conséquent de donner une traduction qui soit en
tout égale à l'original. Mais si par un faux préjugé on s'imagine
encore qu'il est impossible de laisser les idées à leurs places, et de
les lier comme elles le sont dans l'auteur, que restera-t-il dans une
traduction pour représenter le texte traduit? Le lieu et la liaison des
idées ne tiennent point aux langues, elles ne tiennent qu'à l'esprit,
au bon sens, au raisonnement. Or l' esprit et le raisonnement ont le
même procédé en français qu' en latino
Mais si I' esprit obéit,la langue résistera, et la traduction ser a raide,
seche, froide. Ou i, si on prend la regle en rigueur et qu' on ne se
permette jamais de s' en écarter; mais nous ne la présentons que comme
un point de vue, auquel iI faut tendre par la ligne la plus droite, ou la
moins courbe qu'il est possible. [... ]
Ii est vrai qu' on ne traduit point en gros et à l' étourdie: on comptera
les pieces, on les pesera toutes l'une apres l'autre. L'essor ne sera
pourtant pas si grand qu'on le pense. Ii ne s'agit que de se laisser
mener comme par la main, et de suivre la nature qui guidait l'auteur
dans la composition. Si le texte présente un tour qu' on puisse adopter,
on l'adopte par préférence à tout autre; s'il résiste, on tente une des
voies que nous avons indiquées ci-dessus; s'il résiste encore, ce qui
arrivera tres rarement, alors on prend conseil des circonstances et si
on ne réussit point, la difficulté même sert à justifier le traducteur.

Note
Cité par HORGUELIN, P. A. Anthologie de la maniere de traduire: domaine !rançais.
Montréal: Linguatec, p.l23, 1981.

108 CHARLES BATTEUX


3. Enfim, é preciso tentar unir os pensamentos, assim como fez o
autor, pontuar como ele, reproduzir período por período, só cortar as
frases quando ele as corta, etc.
Mas tal maneira de traduzir é impossível! Não, não o é de forma
alguma. É impossível reproduzir sempre uma palavra por uma pala-
vra, uma palavra curta ou longa, sonora ou surda, lenta ou rápida,
por uma outra que tenha absolutamente o mesmo caráter. É impossí-
vel reproduzir sempre o mesmo sentimento, a mesma vivacidade, a
mesma figura, porque cada língua tem suas propriedades. De onde se
conclui que é impossível reproduzir tudo, e conseqüentemente fazer
uma tradução que seja igual em tudo ao original. Mas se por um falso
preconceito imaginamos ainda que é impossível deixar as idéias em
seus lugares, e ligá-las como fez o autor, o que restará em uma tradu-
ção para representar o texto traduzido? O lugar e a seqüência das
idéias não pertencem às línguas, provêm somente do espírito, do bom
senso, do raciocínio. Ora, o espírito e o raciocínio têm o mesmo proce-
dimento em francês e em latim.
Mas se o espírito obedece, a língua resistirá, e a tradução será
rígida, seca, fria. Sim, se seguimos a regra rigidamente e não nos per-
mitimos jamais afastarmo-nos dela. No entanto, nós apenas a apresen-
tamos como um ponto de vista, pelo qual é preciso orientar-se da
forma mais direta, ou a menos indireta possível. [oO.]
É verdade que não se traduz por atacado e irrefletidamente: contar-
se-ão as peças, todas serão pesadas uma após a outra. Contudo, a ativi-
da de não será tão grande quanto se pensa. Trata-se apenas de se deixar
levar pela mão, e de seguir a natureza que guiou o autor na composição.
Se o texto apresenta um torneio que podemos adotar, adotemo-Io pre-
ferencialmente a qualquer outro; se resiste, tentemos um dos caminhos
que indicamos acima; se ainda assim resiste, o que ocorrerá muito rara-
mente, então pedimos conselho às circunstâncias e, se não tivermos
êxito, a própria dificuldade servirá para justificar o tradutor.

Tradução: Orlando Nunes de Amorim


e Silvana Vieira da Silva Amorim
Nota
Citado por HORGUELIN, P. A. Anthologie de la maniere de traduire: domaine français.
Montréal: Linguatec, p.l23, 1981.

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILíNGÜE/ FRANCÊS-PORTUGUÊS 109


I"
NICOLAS BEAUZÉE

ARTICLE "TRADUCTION, VERSION" DE


L' ENCYCLOPÉDIE
VERBETE "TRADUÇÃO, VERSÃO" DA
ENCYCLOPÉDIE
NICOLAS BEAUZÉE

ARTICLE "TRADUCTION, VERSION" DE


L' ENCYCLOPÉDIE (1765)

L' article qui suit fut publié dans r EncydopédÍe, le DjetÍonnaÍre raÍsonné des
sCÍences, des arts et des métÍers de Diderot, tome seizieme. Nicolas Beauzée
était professeur à rEcole Royale Militaire, d'ou la signature de cet article:
B.E.R.M. (Beauzée Ecole Royale Militaire). L'article qui suit fut publié dans le
DjetÍonnaÍre raÍsonné des sCÍences, des arts et des métiers(ou r EncydopédÍe).
Tome seizieme, p. 510. Neufchastel: Samuel Faulche, 1765.

On entend également par ces deux mots la copie qui se fait dans
une langue d'un discours premierement énoncé dans une autre,
comme d'hébreu en grec, de grec en latin, de latin en français, etc.
Mais l'usage ordinaire nous indique que ces deux mots different
entr'eux par quelques idées accessoires, puisque l'on emploie l'un
en bien des cas ou l' on ne pourrait pas se servir de l' autre: on dit, en
parlant des saintes écritures,la version des septante/ la version vulgate/
et l' on ne dirait pas de même, la traduction des septante/ la traduction
vulgate. On dit au contraire que Vaugelas a fait une excellente
traduction de Quinte-Curce, et l' on ne pourrait pas dire qu'il en a fait
une excellente version.
Il me semble que la. version est plus littérale, plus attachée aux
procédés propres de la langue originale, et plus asservie dans ses
moyens aux vues de la construction analytique; et que la traduction
est plus occupée du fond des pensées, plus attentive à les présenter
sous la forme qui peut leur convenir dans la langue nouvelle, et plus
assujettie dans ses expressions aux tours et aux idiotismes de cette
langue.
De là vient que nous di sons la version vulgate, et non la
traduction vulgate; parce que l'auteur a tâché, par respect pour
le texte sacré, de le suivre littéralement, et de mettre, en quelque
sorte, l'hébreu même à la portée du vulgaire, sous les simples
apparences du latin dont iI emprunte les mots. Miserunt Judaei

112 NICOLAS BEAUZEE


..

NICOLAS BEAUZÉE

VERBETE "TRADUÇÃO, VERSÃO" DA


ENCYCLOPÉDIE (1765)

Nicolas Beauzée foi professor na Ecole Royale Militaire, razão para a assinatura
deste verbete: B.E.R.M. (Beauzée Ecole Royale Militaire).O texto que segue foi
publicado originalmente como um verbete do Dicionário das ciências, artes e
ofícios, (ou Encyclopédie). Tomo dezesseis, p. 510. Neufchastel: Samuel
Faulche, 1765.

Entendemos indistintamente estas duas palavras como sendo a


cópia que se faz, em uma língua, de um discurso enunciado primeira-
mente em outra, como do hebraico para o grego, do grego para o
latim, do latim para o francês etc. Mas seu uso comum nos indica que
as duas palavras diferem entre si por algumas idéias acessórias, já
que, em muitos casos, utilizamos uma, quando não poderíamos utili-
zar a outra. Diz-se, quando se fala das santas escrituras, a versão dos
setenta, a versão vulgata; e não diríamos a tradução dos setenta, a
tradução vulgata. Diz-se, ao contrário, que Vaugelas fez uma excelen-
te tradução de Quinto Cúrcio, e não poderíamos dizer que ele fez
uma excelente versão.
Parece-me que a versão é mais literal, mais presa aos procedimen-
tos próprios da língua original, e mais submisra em seus recursos,
com relação à construção analítica; e que a tradução está mais preocu-
pada com o conteúdo do pensamento, mais atenta em apresentá-los
sob a forma mais conveniente à nova língua, e mais dependente em
sua expressão das construções e das particularidades próprias desta
nova língua.
Isto explica porque dizemos a versão vulgata, e não a tradução
vulgata; porque, em respeito ao texto sagrado, o autor tem a tarefa de
segui-lo literalmente, e de colocar, de certa forma, o próprio hebraico ao
alcance do leitor comum, sob a simples aparência do latim ao qual toma
emprestado as palavras. Miserunt Judaei ab jerosolimis sacerdotes et

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - A NTOLOGIA BILÍNGÜ E/ FRANCÊS-PORTUGUÊS 11 3


ab Jerosolimis sacerdotes et levitas ad eum, ut interrogarent eum:
tu qui es?(Joan,l, 19). Voilà des mots latins, mais point de latiriité,
parce que ce n' était point l'intention de l' auteur; c' est l'hébralsme
tout pur qui perce d'une maniere évidente dans cette
interrogation directe: tu qui es/les Latins auraient préféré le
tour oblique quis ou quisnam esset/ mais l'intégrité du texte
original serait compromise. Rendons cela en notre langue, en
disant" les Juifs lui envoyerent de Jérusalem des prêtres et des
lévites, afin qu'ils l'interrogeassent: qui es-tu?" Nous aurons une
version française du même texte; adaptons le tour de notre langue
à la même pensée, et disons: "les Juifs lui envoyerent de Jérusalem
des prêtres et des lévites pour savoir de lui qui iI était", et nous
aurons une traduction . L'art de la traduction suppose
nécessairement celui de la version/ et de là vient que les
translations que l' on fait faire aux jeunes gens dans nos colleges
du grec ou du latin en français, sont tres bien nommées des
versions : les premiers essa is de traduction ne peuvent et ne
doivent être en rien autre chose.
La version littérale trouve ses lumieres dans la marche invariable de
la construction analytique, qui lui sert à lui faire remarquer les idiotismes
de la langue originale, et à lui en donner l'intelligence, en remplissant
les vides de l'ellipse, en supprimant les rédondances du pléonasme, en
ramenant à la rectitude de l' ordre naturelles écarts de la construction
usuelle. (Voyez "Inversion", "Méthode", "Supplément", etc.)
La traduction ajoute aux découvertes de la version littérale le tour
propre du génie de la langue dans laquelle elle prétend s'expliquer:
elle n' emploie les secours analytiques que comme des moyens qui
font entendre la pensée; mais elle doit la rendre cette pensée, comme
on la rendrait dans le second idiome, si on l'avait conçue, sans la
puiser dans une langue étrangere. II n'en faut rien retrancher, iI n'y
faut rien ajouter, il n'y faut rien changer; ce ne serait plus ni version, ni
traduction: ce serait un commentaire.
Ne pouvant pas mettre ici un traité développé des principes de la
traduction, qu'il me soit permis d' en donner seulement une idée
générale, et de commencer par un exemple de traduction, qui, quoique
sorti de la main d'un grand maitre, me parait encore répréhensible.
Cicéron, dans son livre intitulé Brutus ou des orateurs illustres,
s'exprime ainsi (eh. XXXI): Quis uberior in dicendo Platone? Quis

114 NICOLAS BEAUZEE


.....

levitas ad eUIn ut interrogarent eum: tu qUI' es? Ooão, I, 19). Estamos


diante de palavras latinas, mas não de latinidade, pois esta não era a
intenção do autor; reconhece-se o puro hebraísmo que surge de modo
evidente na interrogação direta: tu qui es; os latinos teriam preferido a
construção oblíqua quis ou quisnam esset, mas a integridade do texto
original estaria comprometida. Passemos isto para o francês, dizendo
"les Juifs lui envoyerent de Jérusalem des prêtres et des lévites, afin
qu'ils l'interrogeassent: qui es-tu?" ["os judeus lhe enviaram padres e
levitas de Jerusalém para que o interrogassem: quem es tu?"], teríamos
uma versão francesa do mesmo texto. Se adaptássemos o mesmo pensa-
mento à construção da nossa língua, diríamos: "les Juifs lui envoyerent
de Jérusalem des prêtres et des lévites, pour savoir de lui qui il était"
["os judeus lhe enviaram de Jerusalém padres e levitas para saber dele
quem era"], e teremos uma tradução. A arte da tradução implica neces-
sariamente a da versão; e isto explica porque as translações do grego ou
do latim para o francês, que pedimos aos alunos dos nossos colégios,
são chamadas corretamente de versões: os primeiros ensaios de tradu-
ção não podem nem devem ser nada além disso.
A versão literal encontra seu caminho no curso invariável da cons-
trução analítica, que a ajuda a observar as especificidades da língua
original, compreendê-las, preenchendo os espaços da elipse, supri-
mindo as redundâncias do pleonasmo e recolocando em sua ordem
natural aquilo que se afasta da construção usual. (Ver "Inversão", "Mé-
todo", "Suplemento" etc.).
A tradução acrescenta às descobertas da versão literal a expressão
apropriada ao caráter da língua na qual ela tem a intenção de se expli-
car: ela só utilizará os recursos analíticos como meios para tomar
claro o pensamento; mas ela deve restituir este pensamento tal como
este seria restituído no segundo idioma, como se assim já o tivessem
concebido, sem ter vindo de uma língua estrangeira. Não se deve
cortar nada, nem acrescentar nada, nem mudar nada; deixaria de ser
versão, ou tradução e passaria a ser um comentário.
Não podendo expor aqui um tratado desenvolvido dos princípios
da tradução, que me seja permitido dar apenas uma idéia geral e
começar por um exemplo de tradução que, embora venha da mão de
grande mestre, parece-me, ainda assim, repreensível.
Cícero, em seu livro intitulado Brutus ou os oradores ilustres, se
expressa assim (cap. XXXI): Quis uberior in dicendo Platone? Quis

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILlNGÜE/FRANC&PORTUGUÊS 115


Aristotele nervosior? Theophrasto dulcior?Voici comment ce passage
est rendu en français par M. de La Bruyere: "Qui est plus fécond et
plus abondant que Platon? Plus solide et plus ferme qu' Aristote?
Plus agréable et plus doux que Théophraste?".
C'est encore ici un commentaire plutôt qu'une traduction et un
commentaire au moins inutile. Uberiorne signifie pas tout à la fois
"plus abondant et plus fécond"; la fécondité produit l' abondance, et iI
ya entre l'un et l' autre la mêrne différence qu' entre la cause et l' effet;
la fécondité était dans le génie de Platon, et elle a produit l'abondance
qui est encore dans ses écrits.
Nervosu~ au sens propre, signifie "nerveux"; et l' effet immédiat
de cette heureuse constitution est la "force", dont les nerfs sont
l'instrument et la source; le sens figuré ne peut prendre la place du
sens propre que par analogie et nervosusdoit, pareillement, exprimer
ou la force ou la cause de la force. Nervosiorne veut donc pas dire
"plus solide et plus ferme"; la force dont iI s'agit in dicendo c'est
I'énergie.
Dulcior (plus agréable et plus doux), dulcior n' exprime encore
que la douceur, et c' est ajouter à l' original que d'y joindre I'agrément:
l' agrément peut être un effet de la douceur, mais iI peut l' être aussi de
toute autre cause. D'ailleurs pourquoi charger l'originaI? Ce n'est
plus Ie traduire, c'est Ie commenter; ce n'est plus Ie copier, c'est Ie
défigurer.
Ajoutez que, dans sa prétendue traduction, M. de La Bruyere ne
tient aucun compte de ces mots in dicendo, qui sont pourtant
essentieIs dans l' original, et qui y déterminent le sens des trois
adjectifs uberi01; nervosior; dulcior, car la construction analytique,
qui est Ie fondement de la version, et conséquemment de la
traduction, suppose la phrase rendue ainsi: quis fuit uberior in
dicendoproePlatone?quisfuitnervosiorindicendoproeAristotele?
quis fuit dulcior in dicendo proe Theophrasto?Or, des qu'il s'agit
d'expression, il est évident que ces adjectifs doivent énoncer Ies
effets qui y ont produit les causes qui existaient dans le génie des
grands hommes dont on parle.
Ces réflexions me porteraient donc à traduire ainsi le passage
dont iI s'agit: "Qui a dans son élocution plus d'abondance que Platon?
Plus de nerf qu' Aristote? Plus de douceur que Théophraste?". Si
cette traduction n' a pas encore toute l' exactitude dont elle est peut-

116 NICOLAS BEAUZEE


Aristotele nervosior? Theophrasto dulcior? Eis como esta passagem
foi traduzida em francês pelo senhor de La Bruyere: "Qui est plus
fécond et plus abondant que Platon? Plus solide et plus ferme
qu' Aristote? Plus agréable et plus doux que Théophraste?" ["Quem é
mais fecundo e abundante que Platão? Mais sólido e firme que
Aristóteles? Mais agradável e mais doce que Teofrasto?"].
Trata-se aqui mais de um comentário do que de uma tradução, e
um comentário, no mínimo, inútil. Uberiornão significa ao mesmo
tempo "mais abundante e mais fecundo"; a fecundidade produz abun-
dância, e há entre um e outro a mesma diferença que existe entre a
causa e o efeito; a fecundidade fazia parte do gênio de Platão e foi esta
que produziu a abundância existente em seus escritos.
Nervosus, no sentido próprio, significa "nervoso"; e o efeito imedi-
ato desta feliz constituição é a "força", cujos nervos são o instrumento e
a fonte; sentido figurado só pode tomar o lugar do sentido próprio por
analogia, e nervosus deve, da mesma forma, expressar ou a força ou a
causa da força. Por conseguinte, nervosiornão quer dizer "mais sólido
e mais firme"; a força de que se trata aqui é, in dicendo, a energia.
Duldor(mais agradável e mais doce), duldorexprime somente a doçu-
ra, e introduzir a idéia de agradável é um acréscimo ao original, pois o
agradável pode ser um efeito da doçura, mas pode ser também proveniente
de outras causas. Aliás, por que sobrecarregar o original? não seria mais
traduzi-lo, mas comentá-lo; não seria mais copiá-lo, mas desfigurá-lo.
Acrescentemos a isso que, em sua pretensa tradução, o senhor de
La Bruyere não leva em conta as palavras in dicendo, que são, entre-
tanto, essenciais no original, e que determinam o sentido dos três
adjetivos uberior, nervosior, dulcior, pois a construção analítica, fun-
damento da versão e conseqüentemente da tradução, supõe que a
frase seja restituída assim: Quis luit uberior in dicendo proe Platone?
Quis fuit nervosior in dicendo proe Aristotele? Quis luit dulcior in
dicendo proe Theophrasto? Ora, a partir do momento em que se trata
de expressão, fica evidente que esses adjetivos devem enunciar os
efeitos que produziram as causas que existiam no gênio dos grandes
homens dos quais se fala.
Essas reflexões me levariam, então, a traduzir assim a passagem
em questão: "Qui a dans son élocution plus d'abondance que Platon?
Plus de nerf qu' Aristote? Plus de douceur que Théophraste?" ["Quem,
em sua elocução, tem mais abundância que Platão? Mais vigor que

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOG IA BILlNGÜE/FRANCÊS-P ORTUGUÉS 117


être susceptible, je crois du moins avoir indiqué ce qu'il faut tâcher
d'y conserver: l' ordre des idées de l' original, la précision de la
phrase, la propriété de ces termes. (Voyez "Synecdoque", § II la cri-
tique d'une traduction de M. du Marsais, et au mot "Méthode" la
version et la traduction d'un passage de Cicéron). J'avoue que ce
n' est pas toujours une tâche fort aisée; mais qui ne la remplit pas
n'atteint pas le but.
"Quand ii s' agit, dit M. Batteux (Cours de belles lettres, III partie,
IV section) de représenter dans une autre langue les choses, les
pensées, les expressions, les tours, les tons d'un ouvrage; les choses
telles qu' elles sont, sans rien ajouter, ni retrancher, ni déplacer; les
pensées dans leurs couleurs, leurs degrés, leurs nuances; les tours,
qui donnent le feu, I' esprit, et la vie au discours; les expressions
naturelles, figurées, fortes, riches, gracieuses, délicates, etc., le tout
d' apres un modele qui commande durement, et qui veut qu' on lui
obéisse d'un air aisé; ii faut, sinon autant de génie, du moins autant
de gout pour bien traduire, que pour composer. Peut-être même en
faut-il davantage. L'auteur qui compose, conduit seulement par
une sorte d/instinct toujours libre, et par sa matiere qui lui présente
des idées, qu'il peut accepter ou rejeter à son gré, est maltre absolu
de ses pensées et de ses expressions: si la pensée ne lui convient pas l

ou si II expression ne convient pas à la pensée, ii peut rejeter l'une et


I'autre; quae desperat tractata nitescere posse, relinquit. Le
traducteur n'est maitre de rien; ii est obligé de suivre partout son
auteur, et de se plier à toutes ses variations avec une souplesse infinie.
Qu' on en juge par la variété des tons qui se trouvent nécessairement
dans un même sujet, et à plus forte raison dans un même geme ...
Pour rendre tous ces degrés, iI faut d' abord les avoir bien sentis,
ensuite maitriser à un point peu commun la langue que I'on veut
emichir de dépouilles étrangeres. Quelle idée donc ne doit-on pas
avoir d/une traduction faite avec succes?"
Rien de plus difficile en effet, et rien de plus rare quI une
excellente traduction, parce que rien n' est ni plus difficile ni plus
rare que de garder un juste milieu entre la licence du commentaire
et la servitude de la lettre. Un attachement trop scrupuleux à la
lettre détruit I' esprit, et c est 11 esprit qui donne la vie; trop de liberté
l

détruit les traits caractéristiques de I' original, on en fait une copie


infidele.

118 N ICOLAS BEAUZEE


Aristóteles? Mais doçura que Teofrasto?"]. Se esta tradução carece ain-
da da exatidão da qual é suscetível, creio ter, pelo menos, apontado que
se deve tentar preservar a ordem das idéias do original, a precisão da
frase e a propriedade de seus termos (ver "Sinédoque", § II a crítica de
uma tradução do senhor du Marsais, e no verbete "Método", a tradução
e a versão de uma passagem de Cícero). Reconheço que nem sempre é
uma tarefa fácil, mas aquele que não a cumpre, não atinge seu objetivo.
"Quando se trata, diz o senhor Batteux (Cours de beGes lettres, fi
parte, IV seção) de representar as coisas, o pensamento, as expressões, as
construções, o tom de uma obra, tal como são em uma outra língua, sem
acrescentar nada, nem cortar, nem deslocar; as idéias com suas cores, seus
níveis, suas nuances; as construções, que dão o colorido, o espírito e a vida
ao discurso; as expressões naturais, figuradas, fortes, ricas, graciosas, deli-
cadas, etc., tudo isso segundo um modelo que nos é imposto, e que espera
que obedeçamos como se fosse tarefa simples, é preciso, quando não a
mesma genialidade, pelo menos que tenhamos o mesmo bom gosto para
poder traduzir bem, assim como para compor. Talvez até seja necessário
mais ainda. O autor que compõe, guiado simplesmente por uma espécie
de instinto de liberdade e pela matéria que lhe fornece as idéias, que ele
pode aceitar ou recusar segundo sua vontade, é o mestre absoluto de seu
pensamento e de suas expressões: se o pensamento não lhe convém, ou se
a expressão não convém ao seu pensamento, ele pode rejeitar ambos; quae
desperat tractata nitescere posse, reJinquit O tradutor não é senhor de
nada; ele é obrigado a seguir os passos de seu autor, e a submeter-se a
todas as suas variações com uma flexibilidade infinita. Basta julgar pela
variedade de tons que encontramos necessariamente dentro de um mes-
mo assunto, e, mais ainda, em um mesmo gênero ... Para se restituir todos
esses níveis, é preciso primeiramente tê-los identificado bem, e, em segui-
da, dominar particularmente bem a língua que se quer enriquecer com o
espólio estrangeiro. Que idéia, pois, devemos ter de uma tradução feita
com sucesso?".
Com efeito, nada mais difícil, e nada mais raro do que uma exce-
lente tradução, porque não existe nada mais difícil, nem mais raro,
do que manter a justa medida entre a licenciosidade do comentário
e a servidão da letra. Um apego demasiado escrupuloso à letra des-
trói o espírito, e é este espírito que dá a vida; o excesso de liberdade
destrói os traços característicos do original, do qual se faz uma có-
pia infiel.

CLÁSSICOS DATEORIA DATRADUÇÃO - ANTOLOCIA BILlNGÜE/ FRANCÊS-P ORTUGUÊS 119


Qu'il est fâcheux que les révolutions des siecles nous aient dérobé
les traductions que Cicéron avait faites de grec en latin, des fameuses
harangues de Démosthene et d'Eschine: elles seraient apparemment
pour nous des modeles surs; et iI ne s' agirait que de les consulter avec
intelligence pour traduire ensuite avec succes. Jugeons-en par la
méthode qu'il s'était prescrite dans ce genre d'ouvrage, et dont iI
rend compte lui-même dans son traité De optimo genere oratorum.
C'est l' abrégé le plus précis, mais le plus lumineux et le plus vrai, des
regles qu'il convient de suivre dans la traduction; et il peut tenir lieu
des principes les plus développés, pourvu qu'on sache en sais ir
l'esprit. [...]

120 NICOLAS BEAUZEE


É lamentável que a revolução dos séculos nos tenha privado das
traduções que Cícero fez do grego para o latim, dos famosos debates
entre Demóstenes e Ésquines: aparentemente, elas seriam para nós
modelos seguros, e bastaria consultá-las com inteligência para, em
seguida, traduzir com sucesso. Julguemos pelo método que ele mes-
mo se prescreveu para este tipo de trabalho e do qual ele próprio nos
fala em seu tratado De optimo genere oratorum. É o breviário mais
condensado, porém o mais iluminado e o mais verdadeiro, das regras
que devemos seguir para uma tradução; e pode valer como os princípi-
os mais bem elaborados, desde que saibamos captar-lhes o espírito. [... ].

Tradução: Maria Cristina Batalha

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLCX;IA BILlNGÜE/FRANCÊS-PORTUGUÊS 121


r] I
JEAN-FRANÇOIS MARMONTEL

"TRADUCTION" - SUPPLÉMENT DE
L/ENCYCLOPÉDIE
"TRADUÇÃO" - SUPLEMENTO DA
ENCYCLOPÉDIE
JEAN-FRANÇOIS MARMONTEL

"TRADUCTION" - SUPPLÉMENT DE L' ENCYCLOPÉDIE


( 1777)

Jean-François Marmontel (1723-1799), disciple de Voltaire, était traducteur,


auteur drama tique, grammairien et philosophe. li fut élu à \' Académie Française
le 24 novembre 1763, en remplacement de Jean-Pierre de Bougainville, puis, iI
est élu secrétaire perpétuel en 1783, le dernier de l'ancienne Académie. li prépara
avec d' Alembert la 5éme édition du Dictionnaire raisonné des sciences, des arts
et des métiers (ou I' EncycJopédie). L'article suivant estissu du Supp/émen t de
/'EncycJopédie. Amsterdam: M. Rey, 1777, vol. IV, p. 952b-954b.

Les opinions ne s' accordent pas sur l' espece de tâche que s'impose
le traducteur, ni sur l'espece de mérite que doit avoir la traduction. Les
uns pensent que c' est une folie que de vouloir assimiler deux langues
dont le génie est différent; que le devoir du traducteur est de se mettre
à la place de son auteur autant qu'il est possible, de se remplir de son
esprit et de le faire s'exprimer dans la langue adoptive, comme iI se fut
exprimé lui-même s'il eut écrit dans cette langue. Les autres pensent
que ce n'est pas assez; ils veulent retrouver dans la traduction, non
seulement le caractere de l' écrivain original, mais le génie de sa langue,
et, s'il est permis de le dire, 1'air du climat et le goo.t du terroir.
Ceux-là semblent ne demander qu'un ouvrage utile ou agréable;
ceux-ci, plus curieux, demandent la production d'un tel pays et le
monument d'un tel âge: la premiere de ces opinions est plus
communément celle des gens du monde; la seconde est celle des
savants. Le goo.t des uns, ne cherchant que des jouissances pures, non
seulement permet que le traducteur efface les taches de l'original,
qu'ille corrige et 1'embellisse; mais illui reproche, comme une
négligence, d'y laisser des incorrections; au lieu que la sévérité des
autres lui fait un crime de n'avoir pas respecté ces fautes précieuses,
qu'ils se rappellent d'avoir vues et qu'ils aiment à retrouver. Vous
copiez un vase étrusque et vous lui donnez l' élégance grecque; ce
n' est point là ce qu' on vous demande, et ce que I' on attend de vous.

124 JEAN-FRANÇOIS M ARMONTEL


JEAN-F&ANÇOIS MARMONTEL

"TRADUÇÃO" - SUPLEMENTO DA ENCYCLOPÉDJE


(1777)

Jean-François Marmontel (1723-1799), discípulo de Voltaire, era tradutor, autor


dramático, gramático e filósofo . Foi eleito para Academia Francesa em 24 de
novembro de 1763 no lugar de Jean-Pierre de Bougainville. Depois, foi eleito
secretário perpétuo em 1783, o último da antiga Academia. Preparou com
d' Alembert a quinta edição do DiclÍonnaire raisonné des sciences, des arts et
desmétiers(ou l' Encyclopécfje). O artigo que segue foi publicado no Supplément
de r Encyclopédie. Amsterdã: M. Rey, 1777, vol. IV, p. 952b-954b.

Não convergem as opiniões sobre o tipo de tarefa que o tradutor


se impõe, nem sobre o tipo de mérito que a tradução deve ter. Al-
guns pensam que é loucura querer aproximar duas línguas cuja
natureza é diferente; que o dever do tradutor é pôr-se no lugar de
seu autor tanto quanto possível, imbuir-se de seu espírito e fazê-lo
expressar-se na língua adotiva como ele próprio teria se expressa-
do, se tivesse escrito nessa língua. Outros pensam que isso não basta;
querem encontrar na tradução não somente o caráter do escritor
original, mas também o espírito de sua língua e, se me permitem
dizer, a atmosfera e o sabor local.
Aqueles parecem desejar apenas uma obra útil ou agradável;
estes, mais curiosos, desejam o produto de tal país e o monumento
de tal época. A primeira opinião é mais comumente a da gente mun-
dana; a segunda é a dos eruditos. A preferência de uns, buscando
nada além de puras fruições, não só permite que o tradutor apague
as máculas do original, que o corrija e embeleze-o, mas também lhe
reprova, como negligência, por manter incorreções - enquanto a
severidade dos outros lhe imputa como crime o fato de não ter
respeitado essas falhas preciosas, que eles se recordam ter visto e
que apreciam encontrar: copia-se um vaso etrusco e dá-se a ele a
elegância grega; não é isso que pedem ao tradutor, nem o que espe-
ram dele.

CLÁSSICOS DATEORlA DATRADUÇÃO - A NTOLOGIA BILíNGÜ E/ FRANCÊS-PORTUGUÊS 125


Chacun a raison dans son senso II s'agit pour le traducteur de se
consulter et de voir auquel des deux gouts iI veut plaire; s'il s' éloigne
trop de l'original, iI ne traduit plus, iI imite; s'ille copie trop
servilement, iI fait une version et n' est que translateur. N'y aurait-il
pas un milieu à prendre?
Le premier et le plus indispensable des devoirs du traducteur est
de rendre la pensée; et les ouvrages qui ne sont que pensés sont aisés
à traduire dans toutes les langues. La clarté, la justesse, la précision, la
correction, la décence font alors tout le mérite de la traduction, comme
du style original; et si quelques-unes de ces qualités manquent à celui-
ci, on sait gré au copiste d'y avoir suppléé. Si au contraire iI est moins
clair ou moins précis, on l' en accuse, lui ou sa langue. Pour la décence,
elle est indispensable dans quelque langue qu' on écrive: rien de plus
choquant, par exemple, que de voir le plus grave et le plus noble des
historiens traduit en langage des halles. Mais jusque là il n'est pas
difficile de réus sir, surtout dans notre langue qui est naturellement
claire et noble. Un homme médiocre a traduit l' Essai sur
lentendementhumain, et l' a traduit assez bien pour nous et au gré de
Locke lui-même.
Mais si un ouvrage profondément pensé est écrit avec énergie, la
difficulté de le bien rendre commence à se faire sentir: on chercherait
inutilement dans la prose si travaillée d' Ablancourt la force et la
vigueur du style de Tacite.
Quoique la précision donne toujours, si non plus de force, au
moins plus de vivacité à la pensée, on ne l'exige de la langue du
traducteur qu' autant qu' elle en est susceptible; et quoique le français
ne puisse atteindre à la précision du latin de Salluste, iI n' est pas
impossible de le traduire avec succes. Mais l'énergie est un caractere
de l' expression si adhérent à la pensée, que ce sera un prodige dans
notre langue, diffuse et faible comme elle est, en comparaison du
latin, si Tacite est jamais traduit.
Ainsi, à mesure que dans un ouvrage le caractere de la pensée tient
plus à l' expression, la traduction devient plus épineuse. Or les modes
que la pensée reçoit de l'expression sont la force, comme je l'ai dit, la
noblesse, l' élévation, la facilité, l' élégance, la grâce, la naiveté, la
délicatesse, la finesse, la simplicité, la douceur, la légereté, la gravité,
enfin le tour, le mouvement, le coloris et l'harmonie; et de tout cela ce
qu'il y a de plus difficile à imiter n' est pas ce qui semble exiger le plus

126 JEAN-FRANÇOIS M ARMONTEL


Cada ponto de vista tem sua razão. Trata-se para o tradutor de
interrogar-se e verificar a qual dos dois gostos ele quer satisfazer; se
ele toma excessiva distância do original, não traduz, imita; se o copia
com excessivo servilismo, faz uma versão e não passa de um translator.
Não haveria um meio termo?
O primeiro e mais indispensável dos deveres do tradutor é trans-
mitir os pensamentos; e as obras feitas apenas de pensamentos são
fáceis de traduzir em todas as línguas. A clareza, a justeza, a precisão,
a correção, a decência, constituem, nesse caso, todo o mérito da tradu-
ção, como do estilo original; e se algumas dessas qualidades faltam a
este, agradece-se ao copista por supri-las. Se, ao contrário, ele é menos
claro ou menos preciso, criticam-no por isso, a ele ou a sua língua.
Quanto à decência, é indispensável em qualquer língua em que se
escreva; nada mais chocante, por exemplo, do que ver o mais grave e
nobre dos historiadores traduzido em linguajar de feira livre. Até esse
ponto, porém, não é difícil sair-se bem, sobretudo em nossa língua,
clara e nobre por natureza. Um homem medíocre traduziu o Ensaio
sobre o entendimento humano, e o traduziu razoavelmente bem para
nós e para o gosto do próprio Locke.
Mas se uma obra profundamente refletida foi escrita com energia,
a dificuldadede vertê-la bem começa a se fazer sentir: seria inútil
buscar na prosa tão elaborada de Ablancourt a força e o vigor do
estilo de Tácito.
Embora a precisão sempre dê, senão mais força, ao menos mais
vivacidade ao pensamento, só se exige da língua do tradutor aqui-
lo de que ela é capaz; e embora o francês não possa atingir a preci-
são do latim de Salústio, não é impossível traduzi-lo com sucesso.
Mas a energia é uma característica da expressão tão ligada ao pen-
samento, que será um prodígio em nossa língua, difusa e fraca
como ela é, em comparação com o latim, se Tácito algum dia for
traduzido.
Assim, quanto mais o caráter do pensamento numa obra depende
da expressão, mais espinhosa torna-se a tradução. Ora, as particulari-
dades que o pensamento recebe da expressão são a força, como eu já
disse, a nobreza, a elevação, a facilidade, a elegância, a graça, a inge-
nuidade, a delicadeza, a sutileza, a simplicidade, a doçura, a leveza, a
gravidade, enfim, o torneio, o movimento, o colorido e a harmonia; e
de tudo isso o mais difícil de imitar não é o que parece exigir o maior

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILI NGÜE/FRANCÊS-PORTUGUÊS 127


d'effort. Par exemple. dans toutes les langues le style noble, élevé se
traduit; et le délicat, le léger, le simple, le nau est presque intraduisible.
Oans toutes les langues on réussira mille fois mieux à traduire Cinna
qu'une fable de La Fontaine ou qu'une épitre de M. de Voltaire, par la
raison que toutes les langues ont les couleurs entieres de l'expression
et n' ont pas les mêmes nuances. Ces nuances appartiennent surtout au
langage de la société; et rien n' est plus difficile à imiter d'une langue
à une autre que le familier noble. Or c' est ce nature1exquis et pur qui
fait le charme de ce qu'on appelle les ouvrages d'agrément. C'est là
que le travail est plus précieux que la matiere.
L'abondance et la richesse ne sont pas les mêmes dans toutes les
langues. La nôtre, dans l' expression du sentiment et de la passion, est
l'une des plus riches de l'Europe; au contraire dans les détails
physiques, soit de la nature ou des arts, elle est pauvre et manque
souvent, non pas de mots, mais de mots ennoblis. Cela vient de ce que
nos poetes célebres se sont plus exercés dans la poésie drama tique
que dans la poésie descriptive. Aussi les combats d'Homere sont-ils
plus difficiles à traduire dans notre langue que les belles scenes de
Sophocle et d'Euripide; les Métamorphoses d'Ovide plus difficiles
que ses élégies; les Géorgiques de Virgile plus difficiles que l' Enéide/
et dans celle-ci les jeux célébrés aux funérailles d' Anchyse plus
difficiles à bien rendre que les amours de Oidon.
Oans le geme noble, des que le mot d'usage, le terme propre n' est
pas ennobli, le traducteur n'a de ressource que dans la métaphore ou
dans la circonlocution; et quelle fatigue pour lui de suivre par mille
détours, à travers les ronces d'une langue barbare, un écrivain qui,
dans la sienne, marche dans un chemin droit, uni, parsemé de fleurs!
On peut voir à l'article "Mouvements du style" (Supplémentl ce
que j'entends par là. Ces mouvements peuvent s'imiter dans toutes
les langues, mais le tour de l'expression les rend plus ou moins vifs, et
plus ou moins rapides. Or, la différence des tours est extrême d'une
langue à l' autre, et surtout des langues ou 1'inversion est libre à celles
ou les mots suivent timidement l' ordre naturel des idées.
On a dit tout ce qu' on a voulu sur l' inversion des langues anciennes;
on a cherché, on a trouvé des phrases ou les mots transposés avaient
par là-même plus de correspondance et plus d' analogie avec les idées:
je le veux bien. Mais en général1'intérêt seul de flatter l' oreille ou de
suspendre l'attention décidait de la place que l'on donnait aux mots.

128 JEAN-FRA NÇOIS M ARMONTEL


esforço. Por exemplo, em todas as línguas se traduz o estilo nobre,
elevado; e o delicado, o leve, o simples, o ingênuo é quase intraduzível.
Em todas as línguas se conseguirá traduzir mil vezes melhor Cinnado
que uma fábula de La Fontaine ou uma epístola do senhor de Voltaire,
pois todas as línguas têm as cores fundamentais da expressão, mas
não as mesmas nuanças. Essas nuanças pertencem sobretudo à lingua-
gem da sociedade, e nada em uma língua é mais difícil de imitar do
que o padrão culto informal. Ora, é nessa naturalidade refinada e
pura que reside o encanto das chamadas obras de lazer. Nelas, a exe-
cução é mais preciosa do que o conteúdo.
A opulência e a riqueza não são as mesmas em todas as línguas. A
nossa, para a expressão do sentimento e da paixão, é uma das mais
ricas da Europa; ao contrário, para os detalhes físicos, sejam eles da
natureza ou das artes, é pobre e muitas vezes carece não de palavras,
mas de palavras elevadas. Isso decorre do fato de que nossos poetas
célebres se exercitaram mais na poesia dramática do que na poesia
descritiva. Assim, os combates de Homero são mais difíceis de tradu-
zir em nossa língua do que as belas cenas de Sófocles e de Eurípedes;
as Metamorfoses de Ovídio, mais difíceis do que suas elegias; as
Geórgicasde Virgílio, mais difíceis do que a Enelda; e, nesta, os jogos
celebrados nos funerais de Anquise são mais difíceis de verter do que
os amores de Dido.
No gênero culto, quando a palavra usual, o termo justo não é
elevado, o único recurso para o tradutor é a metáfora ou o
circunlóquio; e como é cansativo para ele seguir por mil atalhos, em
meio à selva espinhosa de uma língua bárbara, um escritor que, em
sua língua, caminha numa estrada reta, regular, entremeada de flores!
Pode-se ver no verbete "Movimentos do estilo" (Suplemento) o que
quero dizer. Esses movimentos podem ser imitados em todas as línguas,
mas os torneios da expressão os tomam mais ou menos vivos e mais ou
menos rápidos. Ora, há extrema diferença de construção de uma língua
para outra, e sobretudo das línguas em que a inversão é livre para aquelas
em que as palavras seguem timidamente a ordem das idéias.
Já se disse de tudo sobre a inversão nas línguas antigas; procu-
raram-se, encontraram-se frases em que as palavras transpostas
tinham, por isso mesmo, mais correspondência e mais analogia
com as idéias: concordo. Mas em geral apenas o interesse de delei-
tar o ouvido ou de prender a atenção determinava o lugar que se

CLÁSSICOS DATEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILíNGÜE/FRANCÊS-PORTUGUÊS 129


Prenez des cartes numérotées, mêlez le jeu, et donnez-le moi à rétablir
dans I' ordre indiqué par les chiffres; voilà I' image tres fidele de la
construction dans les anciens. ar, quelle assimilation peut-il y avoir
entre une langue dans laquelle, pour donner plus de grâce, plus de
finesse ou plus de force au tour de l'expression, ii est permis de
transposer tous les mots d' une phrase, et de les placer à son gré, et une
langue ou dans le même ordre que les idées se présentent
naturellement à I'esprit, les mots doivent être rangés? Les ouvrages
ou la clarté fait le mérite essentiel et presque unique de l'expression
ne perdront rien, gagneront même à ce rétablissement de I' ordre
naturel; mais lorsqu'il s'agit d'agacer la curiosité du lecteur, d'exciter
son impatience, de lui ménager la surprise, l'étonnement et le plaisir
que doit lui causer la pensée, quelle comparaison entre la ligne droite
de la phrase française et l' espece de labyrinthe de la période des
anciens!
Le coloris de l'expression tient à la richesse du langage
métaphorique et à cet égard chaque langue a ses ressources
particulieres. La différence tient encore plus à l'imagination de
I'écrivain qu'au caractere de la langue; et comme pour imiter avec
chaleur les mouvements de l' éloquence, ii faut participer au talent de
I' orateur, de même et plus encore, pour imiter le coloris de la poésie
ii faut participer au talent du poete. Mais à l'égard de l'harmonie, ce
n' est pas seulement une oreille juste et délicate qui la donne, elle doit
être une des facultés de la langue dans laquelle on écrit. Les ltaliens se
vantent d' avo ir d' excellentes traductions de Lucrece et de Virgile; les
Anglais se vantent d'avoir une excellente traduction d'Romere; quoi
qu'il en soit du coloris, les Italiens peuvent-ils se dissimuler combien
du côté de l'harmonie leurs faibles traducteurs sont loin de ressembler
et à Lucrece et à Virgile? Pope lui-même, tout élégant et omé qu'il est,
peut-il donner la plus faible idée de l'harmonie des vers d'Romere?
Qu'a de commun le vers rythmique des ltaliens et des Anglais avec
l'hexametre ancien, avec ce vers dont le mouvement est si régulier, si
sensible, si varié, si analogue à l'image ou au sentiment, avec ce vers
qui est le prodige de l'harmonie de la parole?
II n'y a pour les modemes, ii le faut avouer, aucune espérance
d' approcher jamais des anciens dans cette partie de l' expression soit
poétique soit oratoire. La prose de Tourreil, de d'Olivet, celle de
Bossuet lui-même, s'il avait traduit ses rivaux, n'aurait pas plus

130 JEAN-FRANÇOIS M ARMONTEL


dava às palavras. Peguem um jogo de cartas numeradas,
embaralhem e dêem-me para que o reordene na seqüência indicada
pelos números; eis uma imagem bastante fiel da construção entre
os antigos. Ora, que identificação pode haver entre uma língua na
qual, para dar mais graça, fineza ou força à expressão, é permitido
transpor todas as palavras de uma frase e dispô-las à vontade, e
uma língua em que as palavras devem ser colocadas na mesma
ordem em que as idéias se apresentam naturalmente ao espírito?
As obras em que a clareza constitui o mérito essencial e quase
único da expressão não perderão nada, ganharão até, com esse
restabelecimento da ordem natural; mas quando se trata de insti-
gar a curiosidade do leitor, excitar sua impaciência, preparar para
ele a surpresa, o espanto e o prazer que o pensamento lhe deve
causar, que contraste entre a ordem di reta da frase francesa e o
período labiríntico dos antigos!
O colorido da expressão depende da riqueza da linguagem meta-
fórica, e nesse aspecto cada língua tem seus próprios recursos. A dife-
rença depende ainda mais da imaginação do escritor do que da natu-
reza da língua; e assim como para imitar com vivacidade os movi-
mentos da eloqüência é necessário imbuir-se do talento do orador, do
mesmo modo, e mais ainda, para imitar o colorido da poesia é neces-
sário imbuir-se do talento do poeta. Mas para obter harmonia não
basta um ouvido afinado e delicado: ela precisa estar entre as faculda-
des da língua em que se escreve. Os italianos gabam-se de ter excelen-
tes traduções de Lucrécio e de Virgílio; os ingleses gabam-se de ter
uma excelente tradução de Homero; apesar do colorido, porém, po-
dem os italianos dissimular o quanto seus fracos tradutores estão
longe seja de Lucrécio, seja de Virgílio, no que toca à harmonia? O
próprio Pope, tão elegante e ornamentado, consegue dar a mais tênue
idéia da harmonia dos versos de Homero? O que têm em comum o
verso rítmico dos italianos e dos ingleses com o hexâmetro antigo,
com esse verso cujo movimento é tão regular, tão sensível, tão varia-
do, tão análogo à imagem ou ao sentimento, com esse verso que é um
prodígio da harmonia da fala?
Para os modernos, deve-se reconhecer, não há nenhuma esperança
de algum dia chegarem perto dos antigos nesse aspecto da expressão,
seja ela poética, seja oratória. A prosa de Tourreil, de d'Olivet e mes-
mo a de Bossuet, se ele tivesse traduzido seus rivais, não teria mais

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILÍNGÜE/FRANCÊS-PORTUGUÊS 131


d'analogie avec celle de Démosthene et de Cicéron que les vers de
Comeille et de Racine avec les vers de Virgile et d'Homere.
Quelle est donc la ressource du traducteur? De supposer, comme
on I' a dit, que ces poetes, ces orateurs eussent écrit en français, qu'ils
eussent dit les mêmes choses; et soit en prose, soit en vers, de tâcher
d' atteindre dans notre langue au degré d'harmonie, qu' avec une oreille
excellente, et beaucoup de peine et de soin, ils auraient donné à leur
style. C'est id le moment de voir s'il est essentiel aux poetes d'être
traduits en vers, et la question, ce me semble, n' est pas difficile à
résoudre. Entre la prose poétique et le vers nulle différence que celle
du metre. La hardiesse des tours et des figures, la chaleur, la rapidité
des mouvements tout leur est commun. C'est donc à l'harmonie que
la question se réduit. Or quel est dans notre langue l' équivalent des
vers anciens le plus consolant pour l'oreille? N'est-ce pas le vers tel
qu'il est? ~ui sans doute; et quoique la prose ait son harmonie, elle
nous dédommage moins. ny a donc, tout le reste égal, de I' avantage à
traduire en vers des vers d'une mesure et d'un rythme différent du
nôtre. Mais cette différence de rythme, et I' extrême difficulté de suivre
son modele à pas inégaux et contraints, cette difficulté d' être en même
temps fidele à la pensée et à la mesure, rend le succes si pénible et si
rare, qu' on pourrait assurer que dans tous les temps il y aura plus de
bons poetes que de bons traducteurs en verso
Cependant le moyen, dit-on, de supporter la traduction d'un poete
en prose? Mais de bonne foi serait-ce donc une chose si rebutante que
de lire en prose harmonieuse un ouvrage plein de génie, d'imagination
et d'intérêt, qui serait un tissu d' événements, de situations, de tableaux
touchants ou terribles, ou la nature serait peinte et dans les hommes et
dans les choses, avec ses plus vives couleurs? Je ne veux pas disputer
à nos vers les charmes qu'ils ont pour I' oreille; mais sans ce nombre de
syllabes périodiquement égal, ces repos et ces consonnances,
l'expression noble, vive et juste de la pensée et du sentiment ne peut-
elle plus nous frapper d' admiration et de plaisir?
Parlons vrai, il est des poemes dont le mérite éminent est dans la
mélodie. Ceux-là tombent, si le prestige du vers ne les soutient; car
des que l'âme est oisive, l'oreille veut être charmée. Mais prenez les
morceaux touchants ou sublimes des anciens, et traduisez-les
seulement comme a fait Brumoy, en prose simple et décente: ils
produiront leur effet. Je prends cet exemple dans la dramatique, et

l32 JEAN-FRANÇOIS M ARMONTEL


analogia com a de Demóstenes e de Cícero do que os versos de Comeille
e de Racine com os versos de Virgílio e de Homero.
Qual é então o recurso do tradutor? É supor, como eu disse antes,
que esses poetas, esses oradores tivessem escrito em francês para dizer
as mesmas coisas; e seja em prosa, seja em verso, procurar alcançar em
nossa língua o grau de harmonia que, com um ouvido excelente, e
com muito esforço e cuidado, eles teriam dado a seu estilo. É chegado
o momento de verificar se é essencial aos poetas serem traduzidos em
verso, e a questão, parece-me, não é difícil de resolver. Entre a prosa
poética e o verso, nenhuma diferença além da métrica. A audácia das
construções e das figuras, o ardor, a rapidez dos movimentos, tudo é
comum a ambos. Portanto é à harmonia que a questão se reduz. Ora,
qual é em nossa língua o equivalente dos versos antigos, mais agradá-
vel ao ouvido? Não é o verso tal como é? Sim, sem dúvida; e embora
a prosa tenha sua harmonia, ela nos recompensa menos. Então, sendo
todo o resto igual, é vantajoso traduzir em versos, versos com métrica
e ritmo diferentes do nosso. Mas essa diferença de ritmo e a extrema
dificuldade de acompanhar o modelo a passos desiguais e contidos,
essa dificuldade de ser ao mesmo tempo fiel ao pensamento e à métri-
ca tomam o sucesso tão penoso e raro, que seria possível afirmar que
em todos os tempos haverá um maior número de bons poetas do que
bons tradutores em versos.
Entretanto, pergunta-se, como suportar a tradução de um poeta
em prosa? Em boa-fé, convenhamos, seria mesmo tão insuportável ler
em prosa harmoniosa uma obra cheia de genialidade, de imaginação
e de interesse, uma trama de acontecimentos, de situações, de cenas
tocantes ou terríveis, em que a natureza seria retratada tanto nos ho-
mens como nas coisas com suas mais vivas cores? Não quero subtrair
de nossos versos os encantos que eles têm para o ouvido; mas sem um
número de sílabas periodicamente igual, sem as pausas e as conso-
nâncias, a expressão nobre, viva e justa do pensamento e do sentimen-
to toma-se incapaz de nos despertar admiração e prazer?
Sejamos sinceros: há poemas cujo mérito principal está na me-
lodia. Estes decaem, se o prestígio do verso não os sustenta; pois
quando a alma está ociosa, o ouvido deseja ser seduzido. Mas
peguem os trechos tocantes ou sublimes dos antigos e apenas os
traduzam como fez Brumoy, em prosa simples e decente; eles pro-
duzirão efeito. Tomo esse exemplo do gênero dramático, que é

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BI LíNGÜEjFRANCÊS-PORTUGUÊS 133


c'est rédlement le geme qui se passe le mieux du prestige des vers,
parce qu'il est intéressant et d'une chaleur continue. Mais par la raison
contraire on doit désirer que I' épopée et le poeme descriptif soient
traduits en verso Les scenes touchantes de l' Diadese soutiennent dans
la prose même de Madame Dacier; mais les descriptions, les combats
auraient besoin dans notre langue d'être traduits, comme en anglais,
par un Pope ou par un Voltaire.
En généralle succes de la traduction tient à 1'analogie des deux
langues, et plus encore à celle des génies de l'auteur et du traducteur.
Boileau disait de Dacier: "iI fuit les grâces et les grâces le fuient". Quel
malheur pour Horace d'avoir eu pour traducteur le plus lourd de
nos écrivains! La prose de Mirabeau, toute froide qu'elle est, n'a pu
éteindre le génie du Tasse, mais elle a émoussé la gaieté piquante de
I' Arioste; elle a temi toutes les fleurs de cette brillante imagination.
C' était à La Fontaine ou à M. de Voltaire de tradu ire le poeme de
Roland furieux.
Tout homme qui croit savoir deux langues, se croit en état de
traduire; mais savoir deux langues assez bien pour traduire de l'une
à I' autre, ce serait être en état d' en saisir tous les rapports, d' en sentir
toutes les finesses, d'en apprécier tous les equivalents; et cela même
ne suffit pas: il faut avoir acquis par l'habitude la facilité de plier à son
gré celle dans laquelle on écrit; iI faut avoir le don de l' emichir soi-
même, en créant, au besoin, des tours et des expressions nouvelles; iI
faut avoir surtout une sagacité, une force, une chaleur de conception
presque égale à celle du génie dont on se pénetre, pour ne faire qu'un
avec lui; en sorte que le don de la création soit le seul avantage qui le
distingue; et dans la foule innombrable des traducteurs, iI y en a bien
peu, iI faut 1'avouer, qui fussent dignes d'entrer en société de pensée
et de sentiment avec un homme de génie. Madame La Fayette
comparait un sot traducteur à un la quais que sa maitresse envoie faire
un compliment à quelqu'un. "Plus le compliment est délicat, disait-
elle, plus ont est sur que le laquais s'en tire mal". Presque toute
l' antiquité a eu de pareils interpretes mais c' est encore plus sur les
poetes que le malheur est tombé, par la raison que les finesses, les
délicatesses, les grâces d'une langue sont ce qu'il y a de plus difficile
à rendre, et que par une singularité remarquable, presque tout ce qui
nous reste en prose de l'antiquité se réduit à l'éloquence et au
raisonnement, deux gemes d' écrire sérieux et graves dont les beautés

134 JEAN-FRANÇOISM ARMONTEL


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realmente aquele que mais prescinde do prestígio dos versos, por


ser interessante e ter um ardor continuado. Pela razão inversa,
porém, deve-se desejar que a epopéia e o poema descritivo sejam
traduzidos em verso. As cenas tocantes da Ilíada sustentam-se até
na prosa de madame Dacier; mas as descrições, os combates preci-
sariam ser traduzidos em nossa língua, assim como em inglês, por
um Pope ou um Voltaire.
Em geral o sucesso da tradução depende da analogia entre as duas
línguas, e mais ainda da analogia entre os talentos do autor e do tradu-
tor. Boileau dizia de Dacier: "ele foge das graças, e as graças lhe fo-
gem". Que infelicidade para Horácio ter sido traduzido pelo mais
pesado de nossos escritores! A prosa de Mirabeau, fria como é, não
conseguiu apagar o gênio de Tasso, entretanto atenuou o humor pi-
cante de Ariosto; murchou todas as flores daquela brilhante imagina-
ção. Cabia a La Fontaine ou ao senhor de Voltaire traduzir o poema
Orlando furioso.
Todo homem que julga saber duas línguas, julga-se em condições
de traduzir; mas saber duas línguas, bem o bastante para traduzir de
uma para outra, seria ter condições de nelas captar todas as relações,
de sentir todas as suas astúcias, de apreciar todas as suas equivalênci-
as; e nem isso basta: é preciso ter adquirido, pelo hábito, a facilidade
de manejar à vontade aquela em que se escreve; é preciso ter o dom de
enriquecê-la por si mesmo, criando, se necessário, construções e ex-
pressões novas; é preciso principalmente ter uma sagacidade, uma
força, um ímpeto de concepção quase igual ao do gênio do qual se
impregna, para formar com ele apenas um, de modo que o dom da
criação seja a única vantagem que o distingue; e na infindável quanti-
dade de tradutores há bem poucos, cumpre reconhecer, que seriam
dignos de associar-se em pensamento e em sentimento a um homem
de gênio. Madame La Fayette comparava um tradutor tolo a um la-
caio cuja patroa manda transmitir um cumprimento a alguém. "Quan-
to mais delicado é o cumprimento, dizia ela, maior é a certeza de o
lacaio se sairá mal". Quase toda a antiguidade teve intérpretes de tal
calibre, mas foi ainda mais sobre os poetas que essa desgraça recaiu,
porque as sutilezas, as delicadezas, os encantos de uma língua são o
que nela há de mais difícil a traduzir, e que, por uma singularidade
notável, quase tudo o que nos resta em prosa da antiguidade se reduz
à eloqüência e à reflexão, dois gêneros de escrita sérios e graves cujas

CLÁSSICOS DA TEORlA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILÍNGÜE/FRANCÊS-PORTUGUÊS 135


mâles et fortes peuvent passer dans toutes les langues sans trop souffrir
d'altération, comme ces liqueurs pleines de force qui se transportent
d'un monde à l' autre sans perdre de leur qualité, tandis que des vins
délicats et fins ne peuvent changer de climat.
Mais une image plus analogue fera mieux sentir ma pensée. On a dit
de la traduction qu'elle était comme l'envers de la tapisserie. Cela
suppose une industrie bien grossiere et bien maladroite. Faisons plus
d'honneur au copiste, et accordons-lui en même temps l'adresse de
bien saisir le trait et de bien placer les couleurs: s'il a le même assortiment
de nuances que l' artiste original, iI fera une copie exacte à laquelle on ne
désirera que le premier feu du génie; mais s'il manque de demi-teintes,
ou s'il ne sait pas les former du mélange de ses couleurs, il ne donnera
qu'une esquisse, d'autant plus éloignée de la beauté du tableau que
celui-ci sera mieux peint et plus fini. Or la palette de l' orateur, de
l'historien, du philosophe n'a guere, si j'ose le dire, que des couleurs
entieres qui se retrouvent partout. Celle du poete est mille fois plus
riche en couleurs, et ces couleurs sont variées et graduées à l'infini.

136 JEAN-FRANÇOIS M ARMONTEL


belezas viris e fortes podem transferir-se para todas as línguas sem
sofrer alterações excessivas, como os licores encorpados que se trans-
portam de um mundo para outro sem perderem a qualidade, en-
quanto os vinhos delicados e finos não suportam mudar de clima.
Uma imagem mais análoga, entretanto, fará sentir melhor meu
pensamento. Já se disse que a tradução era como o avesso da tapeça-
ria. Dizer isso é sugerir um trabalho muito grosseiro e desajeitado.
Honremos o copista e atribuamos a ele ao mesmo tempo a destreza de
captar bem o traço e aplicar bem as cores: se tiver um sortimento de
nuances igual ao do artista original, fará uma cópia exata à qual só
faltará a centelha primeira do gênio; mas se carecer de meios tons, ou
se não souber formá-los com a mistura de suas tintas, não produzirá
senão um esboço, tanto mais distante da beleza do quadro quanto
melhor pintado e mais perfeito este for. Ora, a paleta do orador, do
historiador, do filósofo não tem, ouso dizer, senão cores fundamentais
que se encontram em toda parte. A do poeta é mil vezes mais rica em
cores, e essas cores são variadas e graduadas ao infinito.

Tradução: Cely Arena

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOCI A BILÍNGÜE/FRANCils-PORTUGUÊS 137


MADAME DE STAEL

DE L'ESPRIT DES TRADUCTIONS


DO ESPÍRITO DAS TRADUÇÕES
MADAME DE STAEL

DE L'ESPRIT DES TRADUCTIONS (1820-1821)

Germaine Necker, baronne de Stael-Holstein (1766-1817), publia de nombreux


ouvrages dont certains lui valurent I' exil dans divers pays d'Europe. Traductrice
de Nietzsche, Madame de Stael aborda la traduction dans plusieurs oeuvres:
De la LIftérature, De l'AUemagne, BloJjoteca ItaJjana et dans son court traité
De l'espnrdes traductions, qui est traduit intégralement ici. Extrait des Oeuvres
completes de Madame la Baronne deStael Tome dix-septieme. Paris: Treuttel
et Würtz, 1821.

Il n'y a pas de plus éminent service à rendre à la littérature, que de


transporter d'une langue à l' autre les chefs-d' ceuvre de I'esprit humain.
Il existe si peu de productions du premier rang; le génie, dans quelque
geme que ce soit, est un phénomene tellement rare, que si chaque
nation modeme en était réduite àses propres trésors, elle serait toujours
pauvre. D'ailleurs, la circulation des idées est, de tous les gemes de
commerce, celui dont les avantages sont les plus certains.
Les savants, et même les poetes, avaient imaginé, lors de la
renaissance des lettres, d' écrire tous dans une même langue, le latin,
afin de n'avoir pas besoin d'être traduits pour être entendus. Cela
pouvait être avantageux aux sciences, dont le développement n' a
pas besoin des charmes du style. Mais iI en était résulté cependant
que plusieurs des richesses des ltaliens, en ce geme, leur étaient
inconnues à eux-mêmes, parce que la généralité des lecteurs ne
comprenait que l'idiome du pays. Il faut d'ailleurs, pour écrire en
latin sur les sciences et sur la philosophie, créer des mots qui
n'existent pas dans les auteurs anciens. Ainsi, les savants se sont
servis d'une langue tout à la fois morte et factice, tandis que les
poetes s'astreignaient aux expressions purement classiques; et
l'Italie, ou le latin retentissait encore sur les bords du Tibre, a possédé
des écrivains tels que Fra-Castor, Politien, Sannazar, qui
s'approchaient, dit-on, du style de Virgile et d'Horace; mais si leur
réputation dure, leurs ouvrages ne se lisent plus hors du cercle des
érudits; et c' est une triste gloire littéraire que celle dont l'imitation

140 MADAME DE STAEL


MADAME DE STAEL

DO ESPÍRITO DAS TRADUÇÕES (1820-1821)

Germaine Necker (1766-1817), baronesa de Stael-Holstein, publicou muitas


obras, algumas das quais valeram-lhe o exílio em diversos países da Europa.
Tradutora de Nietzsche, Madame de Stael abordou a tradução em várias
obras: De la Dttérature, De l'Allemagne, Biblioteca Italiana e também no seu
curto tratado De l'esprit des traductions, traduzido aqui integralmente.
Extraído de Oeuvres completes de Madame la Baronne de S/ael Tome dix-
septieme. Paris: TreuUel et Würtz, 1821.

Não há mais eminente serviço que se possa prestar à literatura do


que transportar de uma língua para outra as obras-primas do espírito
humano. Existem tão poucas produções de primeira ordem; o gênio,
em qualquer área que seja, é um fenômeno tão raro, que se cada nação
moderna fosse reduzida a seus próprios tesouros, seria sempre pobre.
Alias, a circulação das idéias é, de todos os tipos de comércio, o que
apresenta as mais seguras vantagens.
Durante o renascimento das letras, os sábios, e até mesmo os
poetas, imaginaram que todos pudessem escrever numa mesma lín-
gua, o latim, a fim de não precisarem ser traduzidos para ser enten-
didos. Isto poderia ser vantajoso para as ciências cujo desenvolvi-
mento não precisa dos encantos do estilo. Mas resultou, no entanto,
que muitas riquezas dos italianos, neste gênero, eram desconheci-
das por eles mesmos, porque a maioria dos leitores só entendia o
idioma do país. Além do mais, para escrever em latim sobre as
ciências e a filosofia, é preciso criar palavras que não existem nos
autores antigos. Assim, os sábios se serviram de uma língua tão
morta quanto factícia, enquanto os poetas se restringiam às expres-
sões puramente clássicas; e a Itália, onde o latim ressoava ainda na
beira do Tibre, teve escritores tais como Fracastoro, Poliziano,
Sanazaro, os quais se aproximavam, conforme o que se diz, do estilo
de Virgílio e de Horácio; mas se suas reputações perduram, suas
obras não se lêem mais fora do círculo dos eruditos; e, é uma triste
glória literária aquela que tem a imitação por fundamento. Estes

CLÁSSICOS DA TEORlA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILlNGÜE/FRANCÉS-PORTUGUÉS 141


doit être la base. Ces poetes latins, du moyen âge, ont été traduits en
italien dans leur propre patrie: tant iI est naturel de préférer la langue
qui vous rappelle les émotions de votre propre vie, à celle qu' on ne
peut se retracer que par l' étude!
La meilleure maniere, j' en conviens, pour se passer des traductions,
serait de savoir toutes les langues dans lesquelles les ouvrages des
grands poetes ont été composés; le grec, le latin, 1'italien, le français,
l' anglais, l' espagnol, le portugais, l' allemand: mais un tel travail exi-
ge beaucoup de temps, beaucoup de secours, et jamais on ne peut se
flatter que des connaissances si difficiles à acquérir soient universelles.
Or, c'est à l'universel qu'il faut tendre, lorsqu'on veut faire du bien
aux hommes. Je dirai plus: lors même qu' on entendrait bien les langues
étrangeres, on pourrait goúter encore, par une traduction bien faite
dans sa propre langue, un plaisir plus familier et plus intime. Ces
beautés naturalisées donnent au style national des toumures nouvelles,
et des expressions plus originales. Les traductions des poetes étrangers
peuvent, plus efficacement que tout autre moyen, préserver la
littérature d'un pays de ces toumures bannales qui sont les signes les
plus certains de sa décadence.
Mais, pour tirer de ce travai1un véritable avantage, iI ne faut pas,
comme les Français, donner sa propre couleur à tout ce qu' on traduit;
quand même on devrait par là changer en or tout ce que l' on touche,
iI n'en résulterait pas moins que l'on ne pourrait pas s'en nourrir; on
n'y trouverait pas des aliments nouveaux pour sa pensée, et l'on
reverrait toujours le même visage avec des parures à peine différentes.
Ce reproche, justement mérité par les Français, tient aux entraves de
toute espece imposées, dans leur langue, à l'art d'écrire en verso La
rareté de la rime, l'uniformité de vers, la difficulté des inversions,
renferment le poete dans un certain cercle qui ramene nécessairement,
si ce n' est les mêmes pensées, au moins des hémistiches semblables, et
je ne sais quelle monotonie dans le langage poétique, à laquelle le
génie échappe, quand iI s'éleve tres-haut, mais dont il ne peut
5' affranchir dans les transitions, dans les développements, enfin, dans
tout ce qui prépare et réunit les grands effets.
On trouverait donc difficilement, dans la littérature française, une
bonne traduction en vers, excepté celle des Céorgiques par 1'abbé
Delille. II y a de belles imitations, des conquêtes à jamais confondues
avec les richesses nationales; mais on ne saurait citer un ouvrage en

142 MADAME DE STAEL


poetas latinos da Idade Média foram traduzidos em italiano na sua
própria pátria, pois é natural preferir a língua que nos lembra as
emoções de nossa própria vida àquela a que só se pode aceder atra-
vés do estudo.
A melhor maneira, convenhamos, para evitar as traduções, se-
ria conhecer todas as línguas nas quais as obras dos grandes poetas
foram compostas; o grego, o latim, o italiano, o francês, o inglês, o
espanhol, o português, o alemão: mas tal trabalho exige muito
tempo, muito esforço e nunca se poderia pretender que conheci-
mentos tão difíceis de adquirir sejam universais. Ora, é para o
universal que se deve inclinar quando se quer fazer bem aos ho-
mens. Diria mais: mesmo entendendo bem as línguas estrangeiras,
seria possível ainda saborear, através de uma tradução bem feita
na sua própria língua, um prazer mais familiar e íntimo. Estas
belezas naturalizadas proporcionam ao estilo nacional novas fei-
ções e expressões mais originais. As traduções dos poetas estran-
geiros podem, com mais eficácia que qualquer outro meio, pre-
servar a literatura de um país das expressões banais que são os
mais certos sinais de sua decadência.
Mas, para que este trabalho seja realmente proveitoso, é preciso
que não se dê, como os franceses, sua própria cor a tudo que se traduz;
e mesmo transformando em ouro tudo que toca, não se deixaria de
obter um só resultado, não se podendo dele alimentar; não se encon-
traria nele alimentos novos para o pensamento, defrontando-se sem-
pre com o mesmo rosto, com enfeites minimamente diferentes. Esta
advertência, justamente merecida pelos franceses, procede dos empe-
cilhos de toda espécie impostos, na sua língua, à arte de escrever em
versos. A raridade da rima, a uniformidade do verso, as dificulda-
des das inversões, imobilizam o poeta, trazendo necessariamente, se
não os mesmos pensamentos, ao menos hemistíquios semelhantes, e
não sei que monotonia na linguagem poética, à qual o gênio escapa
quando se eleva muito, mas da qual não pode libertar-se nas transi-
ções, nos desenvolvimentos, enfim em tudo que prepara e reúne os
grandes efeitos.
Encontraria, então, dificilmente, na literatura francesa, uma boa
tradução em verso, exceto a das Geórgicasdo Padre Delille. Há belas
imitações, conquistas confundidas para sempre com as riquezas naci-
onais; mas não se poderia citar uma obra em verso que teria de algum

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILíNGÜEjFRANCÊS-PORllJGUÊS 143


vers qui portât d'aucune maniere le caractere étranger, et même je
ne crois pas qu'un tel essa i pút jamais réussir. Si les GéorgúJuesde
l' abbé Delille ont été justement admirées, c' est parce que la langue
française peut s'assimiler plus facilement à la langue latine qu'à
toute autre; elle en dérive, et elle en conserve la pompe et la majesté;
mais les langues modernes ont tant de diversités, que la poésie
française ne saurait s'y plier avec grâce.
Les Anglais, dont la langue admet les inversions, et dont la versification
est soumise à des regles beaucoup moins séveres que celle des Français,
auraient pu enrichir leur littérature de traductions exactes et naturelles
tout ensemble; mais leurs grands auteurs n' ont point entrepris ce travail;
et Pope, le seul qui s'y soit consacré, a fait deux beaux poemes de l' Diade
et de l' Odyssée, mais iI n'y a point conservé cette antique simplicité qui
nous fait sentir le secret de la supériorité d'Homere.
En effet, iI n'est pas vraisemblable que le génie d'un homme ait
surpassé depuis trois mille ans celui de tous les autres poetes; mais iI
y avait quelque chose de primitif dans les traditions, dans les mceurs,
dans les opinions, dans l'air de cette époque, dont le charme est
inépuisable; et c'est ce début du geme humain, cette jeunesse du
temps, qui renouvelle dans notre âme, en lisant Homere, une sorte
d' émotion pareille à celle que nous éprouvons par les souvenirs de
notre propre enfance: cette émotion se confondant avec ses rêves de
l'âge d'or, nous fait donner au plus ancien des poetes la préférence
sur tous ses successeurs. Si vous ôtez à sa composition la simplicité
des premiers jours du monde, ce qu'elle a d'ur].ique disparalt.
En Allemagne, plusieurs savants ont prétendu que les ceuvres
d'Homere n' avaient pas. été composées par un seul homme, et qu' on
devait considérer l' DÍade, et même l' Odysséecomme une réunion de
chants héroi'ques, pour célébrer en Grece la conquête de Troie et le
retour des vainqueurs. nme semble qu'il est facile de combattre cette
opinion, et que l'unité de l' IHadesurtout ne permet pas de l'adopter.
Pourquoi s' en serait-on tenu au récit de la colere d' Achille? Les
événements subséquents, la prise de Troie qui les termine, auraient
dú naturellement faire partie de la collection des rapsodies qu'on
suppose appartenir à divers auteurs. La conception de l'unité d'un
événement, la colere d' Achille, ne peut être que le plan formé par un
seul homme. Sans vouloir toutefois discuter ici un systeme, pour et
contre lequel on doit être armé d'une érudition effrayante, au moins

144 M ADAME DE STAEL


modo o caráter estrangeiro, e mais, não creio que tal experimento
pudesse jamais alcançar bom êxito. Se as Geórgicas do Padre Delille
foram justamente admiradas, é porque a língua francesa pode assimi-
lar-se mais facilmente à língua latina do que a qualquer outra; deriva
dela e dela conserva a pompa e a majestade; mas as línguas modernas
têm tantas diversidades que a poesia francesa não saberia a elas sub-
meter-se com graça.
Os ingleses, cuja língua admite inversões e cuja versificação se
submete a regras muito menos severas que as dos franceses, poderiam
ter enriquecido sua literatura com traduções ao mesmo tempo exatas
e naturais; mas seus grandes autores não se empenharam neste traba-
lho; Pope foi o único: fez dois belos poemas da Díada e da Odisséia;
mas não conservou a antiga simplicidade que nos faz sentir o segredo
da superioridade de Homero.
Com efeito, não é verossímil que o gênio de um homem tenha
superado, há três mil anos, aquele de todos os outros poetas; mas
havia algo de primitivo nas tradições, nos costumes, nas opiniões, no
ar desta época, cujo charme é inesgotável; e é este começo do gênero
humano, esta juventude do tempo, que renova nas nossas almas, ao
lermos Homero, uma espécie de emoção parecida com a que senti-
mos com as lembranças de nossa própria infância: esta emoção, con-
fundindo-se com seus sonhos da idade de ouro, nos faz dar preferên-
cia ao mais antigo dos poetas sobre todos os seus sucessores. Se elimi-
narmos da sua composição a simplicidade dos primeiros dias do
mundo, o que ela tem de único desaparece.
Na Alemanha, vários sábios pretenderam que as obras de Homero
não foram compostas por um só homem, e que se deveria considerar
a Ilíada, e até mesmo a Odisséiacomo um conjunto de cantos heróicos
para celebrar, na Grécia, a conquista de Tróia e o regresso dos vence-
dores. Parece-me fácil combater esta opinião e, também, principal-
mente, a unidade da Díadanão permite adotá-Ia. Porque se restringi-
ria à narrativa da ira de Aquiles? Os acontecimentos subseqüentes, a
tomada de Tróia que os concluem, deveriam ter feito naturalmente
parte da coleção das rapsódias que pertenceram supostamente a di-
versos autores. A concepção de unidade de um acontecimento, como
a ira de Aquiles, só pode ser o plano formado por um só homem. Sem
querer, no entanto, questionar aqui um sistema, a favor ou contra o
qual devemos nos armar de grande erudição, é preciso pelo menos

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILlNG ÜE/FRANCÊS-PORTUG U ~ 145


faut-il avouer que la principale grandeur d'Homere tient à son siecle,
puisqu' on a cru que les poetes d' alors, ou du moins un tres-grand
nombre d' entre eux avaient travaillé à l'fliade. C' est une preuve de
plus que ce poeme est 1'image de la société humaine, à tel degré de la
civilisation, et qu'il porte encore plus 1'empreinte du temps que celle
d'unhomme.
Les Allemands ne se sont point bornés à ces recherches savantes
sur l' existence d'Homere; iis ont tâché de le faire revivre chez eux, et
la traduction de Voss est reconnue pour la plus exacte qui existe dans
aucune langue. Ii s'est servi du rhythme des anciens, et l' on assure
que son hexametre allemand suit presque mot à mot l'hexametre grec.
Une telle traduction sert efficacement à la connaissance précise du
poeme ancien; mais est-il certain que le charme, pour lequel ii ne
suffit ni des regles ni des études, soit entierement transporté dans la
langue allemande? Les quantités syllabiques sont conservées; mais
l'harmonie des sons ne saurait être la même. La poésie allemande perd
de son naturel, en suivant pas à pas les traces du grec, sans pouvoir
acquérir la beauté du langage musical qui se chantait sur la lyre.
L'italien est de toutes les langues modernes celle qui se prête le plus
à nous rendre toutes les sensations produites par l'Homere grec. Ii n'a
pas, iI est vrai, le même rhythme que l' original; 1'hexametre ne peut
guere s'introduire dans nos idiomes modernes; les longues et les breves
n'y sont pas assez marquées pour que l' on puisse égaler les anciens à cet
égard. Mais les paroles italiennes ont une harmonie qui peut se passer
de la symétrie des dactyles et des spondées, et la construction
grammaticale en italien se prête à l'imitation parfaite des inversions du
grec: les versi scioló; étant dégagés de la rime, ne gênent pas plus la
pensée que la prose, tout en conservant la grâce et la mesure du verso
La traduction d'Homere par Monti est surement de toutes celles
qui existent en Europe celle qui approche le plus du plaisir que
l' original même pourrait causer. Elle a de la pompe et de la simplicité
tout ensemble; les usages les plus ordinaires de la vie, les vêtements,
les festins sont relevés par la dignité naturelle des expressions; et les
plus grandes circonstances sont mises à notre portée par la vérité des
tableaux et la facilité du style. Personne, en Italie, ne traduira plus
désormais l' fliade; Homere y a pris pour jamais le costume de Monti,
et ii me semble que, même dans les autres pays de l'Europe, quiconque
ne peut s'élever jusqu'à lire Homere dans l'original, aura l'idée du

146 M ADAME DE STAEL


admitir que a principal grandeza de Homero se deve a seu século,
visto ter-se acreditado que os poetas daquele tempo, ou pelo menos
uma boa parte deles, tenham trabalhado na Ilfada. E uma prova a mais
de que este poema é a imagem da sociedade humana, a tal grau da
civilização, e que carrega mais a marca de seu tempo do que propri-
amente a de um homem.
Os alemães não se limitaram às pesquisas eruditas a respeito da
existência de Homero; trataram de fazer revivê-lo na Alemanha, e a
tradução de Voss é reconhecida como a mais exata existente em qual-
quer língua. Ele se serviu do ritmo dos antigos e afirma-se que seu
hexâmetro alemão segue quase palavra por palavra o hexâmetro gre-
go. Tal tradução serve com eficácia ao conhecimento preciso do poe-
ma antigo; mas será que temos certeza de que o charme, para o qual
não bastam regras e estudo, tenha sido inteiramente transportado para
a língua alemã? As ,quantidades silábicas são conservadas; mas a
harmonia dos sons não poderia ser a mesma. A poesia alemã perde
seu natural, seguindo passo a passo os traços do grego, sem poder
adquirir a beleza da linguagem musical que se cantava ao som da lira.
O italiano é a língua moderna que mais consegue produzir
todas as sensações do Homero grego. Não tem, na verdade, o mes-
mo ritmo que o original; o hexâmetro não pode introduzir-se nos
idiomas modernos; as longas e as breves não são marcadas o sufi-
ciente para que se possa igualar os antigos. Mas as palavras italia-
nas têm uma harmonia que pode dispensar a simetria dos dáctilos
e espondeus, e a construção gramatical em italiano permite a imi-
tação perfeita das inversões do grego; os veIsi sciolti, livres de
rima, não incomodam nem o pensamento, nem a prosa, conservan-
do a graça e a cadência do verso.
A tradução de Homero por Monti, de todas as que existem na
Europa, é certamente a que mais se aproxima do prazer que o original
mesmo poderia provocar. Ela tem, ao mesmo tempo, pompa e simpli-
cidade; os costumes mais comuns da vida, a roupa, os banquetes são
realçados pela dignidade natural das expressões e as maiores circuns-
tâncias estão expressas pela verdade dos quadros e a facilidade do
estilo. Doravante, ninguém mais traduzirá a Ilfadana Itália; Homero
vestiu para sempre o traje de Monti, e me parece que, mesmo nos
outros países da Europa, quem não pode se educar para ler Homero
no original terá a idéia do prazer que ele pode causar através da

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILÍNGÜE/FRANCÉS-PORTUGUt5 147


plaisir qu'il peut causer, par la traduction italienne. Traduire un poete,
ce n' est pas prendre un compas, et copier les dimensions de l' édifice;
c'est animer du même souffle de vie un instrument différent. On de-
mande encore plus une jouissance du même geme que des traits
parfaitement semblables.
li serait fort à désirer, ce me semble, que les Italiens s' occupassent de
traduire avec soin diverses poésies nouvelles des Anglais et des
Allemands; ils feraient ainsi connoitre un geme nouveau à leurs
compatriotes, qui s'en tiennent, pour la plupart, aux images tirées de la
mythologie ancíenne: or, elles commencent à s'épuiser, et le paganisme
de la poésie ne subsiste presque plus dans le reste de l'Europe. li impor-
te aux progres de la pensée, dans la belle Italie, de regarder souvent au-
delà des Alpes, non pour emprunter, mais pour connaí'tre; non pour
imiter, mais pour s' affranchir de certaines formes convenues qui se
maintiennent en littérature comme les phrases officíelles dans la socíété,
et qui en bannissent de même toute vérité naturelle.
Si les traductions des poemes emichissent les belles-lettres, celles
des pieces de théâtre pourraient exercer encore une plus grande
influence; car le théâtre est vraiment le pouvoir exécutif de la littérature.
A. W. Schlegel a fait une traduction de Shakespeare, qui, réunissant
l' exactitude à l'inspiration, est tout-à-fait nationale en Allemagne. Les
pieces anglaises ainsi transmises, sont jouées sur le théâtre allemand,
et Shakespeare et Schiller y sont devenus compatriotes. Il serait possible
en Italie d' obtenir un résultat du même geme; les auteurs drama tiques
français se rapprochent autant du gout des Italiens que Shakespeare
de celui des Allemands, et peut-être pourrait-on représenter Athalie
avec succes sur le beau théâtre de Milan, en donnant aux ChCEurS
l'accompagnement de l'admirable musique italienne. On a beau dire
que l' on ne va pas au spectacle en Italie pour écouter, mais pour
causer, et se réunir dans les loges avec sa socíété intime; ii n' en est pas
moins certain que d' entendre tous les jours, pendant cínq heures,
plus ou moins, ce qu'on est convenu d'appeler des paroles dans la
plupart des opéras italiens, c' est, à la longue, une maniere sure de
diminuer les facultés intellectuelles d'une nation. Lorsque Casti faisait
des opéra comiques, lorsque Métastase adaptait si bien à la musique
des pensées pleines de charme et d' élévation, l' amusement n'y perdait
rien, et la raison y gagnait beaucoup. Au milieu de la frivolité habituelle
de la socíété, lorsque chacun cherche à se débarrasser de soi par le

148 M ADAME DE STAEL


tradução italiana. Traduzir um poeta não é tomar um compasso
e copiar as dimensões de um edifício; é animar do mesmo sopro
de vida um instrumento diferente. Espera-se muito mais desfru-
tar de um prazer de mesmo tipo do que de traços perfeitamente
semelhantes.
Seria desejável, ao que parece, que os italianos se ocupassem em
traduzir com cuidado várias poesias novas dos ingleses e dos ale-
mães; assim, revelariam um gênero novo a seus compatriotas, os quais
se limitam, na maioria, às imagens extraídas da mitologia antiga: ora
elas estão começando a se esgotar, e o paganismo da poesia quase não
subsiste no resto da Europa. Importa ao progresso do pensamento, na
bela Itália, olhar para além dos Alpes, não para pedir emprestado,
mas para conhecer; não para imitar, mas para libertar-se de certas
formas convencionais que se mantêm em literatura, assim como as
frases feitas na sociedade, que impedem, do mesmo modo, toda ver-
dade natural.
Se as traduções dos poemas enriquecem as belas letras, as das
peças de teatro poderiam exercer maior influência ainda; pois o tea-
tro é realmente o poder executivo da literatura. A. W. Schlegel fez
uma tradução de Shakespeare que, reunindo exatidão e inspiração, é
inteiramente nacional na Alemanha. As peças inglesas assim transmi-
tidas são representadas nos teatros alemães, e Shakespeare e Schiller
tornaram-se compatriotas. Seria possível obter um resultado do mes-
mo tipo na Itália; os autores dramáticos franceses se aproximam tanto
do gosto dos italianos quanto Shakespeare do dos alemães, e talvez se
pudesse representar com sucesso Athalie no belo teatro de Milão,
dando ao coro o acompanhamento da admirável música italiana.
Por mais que se diga que na Itália não se vai ao teatro para ouvir,
mas sim para conversar e encontrar, nos camarins, suas relações, é
também verdade que ouvir todos os dias, durante cinco horas, mais
ou menos, o que se convencionou chamar de recitativos na maioria
das óperas italianas, torna-se, com o passar do tempo, uma maneira
segura de diminuir as faculdades intelectuais de uma nação. Quan-
do Casti fazia óperas cómicas, quando Metastasio adaptava tão bem
à música pensamentos repletos de charme e elevação, o divertimen-
to não perdia nada, e a razão ganhava muito. No meio da frivolida-
de costumeira da sociedade, quando cada um procura libertar-se
de si mesmo recorrendo aos outros, se pudermos fazer chegar algu-

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILíNGÜE/FRANCÊS-PORTUGUÊS 149


secours des autres, si vous pouvez faire àrriver quelques idées et
quelques sentiments à travers les plaisirs, vous formez l' esprit à quelque
chose de sérieux qui peut lui donner enfin une véritable valeur.
La littérature italienne est partagée maintenant entre les érudits
qui sassent et ressassent les cendres du passé, pour tâcher d'y
retrouver encore quelques paillettes d' or, et les écrivains qui se
fient à l'harmonie de leur langue pour faire des accords sans idées,
pour mettre ensemble des exclamations, des invocations ou iI n'y
a pas un mot qui parte du CCEur et qui y arrive. Ne serait-il donc
pas possible qu'une émulation active, celle des succes au théâtre,
ramenât par degrés l'originalité d'esprit et la vérité de style, sans
lesquelles il n'y a point de littérature, ni peut-être même aucune
des qualités qu'il faudrait pour en avoir une?
Le gout du drame sentimental s' est emparé de la scene italienne, et
au lieu de cette gaité piquante qu' on y voyait régner autrefois, au lieu
de ces personnages de comédie qui sont classiques dans toute
1'Europe, on voit représenter, des les premieres scenes de ces drames,
les assassinats les plus insipides, si l' on peut s' exprimer ainsi, dont on
puisse donner le misérable spectacle. N'est-ce-pas une pauvre
éducation pour un nombre tres-considérable de personnes, que de
tels plaisirs si souvent répétés? Le gout des Italiens, dans les beaux-
arts, est aussi simple que noble; mais la parole est aussi un des beaux-
arts, et il faudrait lui donner le même caractere; elle tient de plus pres
à tout ce qui constitue l'homme, et l' on se passe plutôt de tableaux et
de monuments que des sentiments auxquels ils doivent être consacrés.
Les Italiens sont tres enthousiastes de leur langue; de grands
hommes l' ont fait valoir, et les distinctions de l' esprit ont été les
seules jouissances, et souvent aussi les seules consolations de la
nation italienne. Afin que chaque homme capable de penser se
sente un motif pour se développer lui-même, iI faut que toutes les
nations aient un principe actif d'intérêt: les unes sont militaires,
les autres politiques. Les Italiens doivent se faire remarquer par la
littérature et les beaux-arts; sinon leur pays tomberait dans une
sorte d'apathie dont le soleil même pourrait à peine le réveiller.

150 M ADAM E DE STAEL


mas idéias e sentimentos através dos prazeres, estaremos formando
o espírito para algo sério que pode lhe dar, finalmente, um verda-
deiro valor. .
A literatura italiana está dividida entre os eruditos que viram e
reviram as cinzas do passado, tentando encontrar ainda alguns
grãos de ouro, e os escritores que confiam na harmonia de suas
línguas para fazer acordes sem idéias, juntando exclamações, de-
clamações e invocações onde não há uma só palavra que parta do
coração e que a ele chegue. Não seria possível, portanto, que uma
emulação ativa, a do sucesso no teatro, fizesse voltar gradualmen-
te a originalidade do espírito e a verdade do estilo, sem as quais
não há literatura, nem mesmo, talvez, nenhuma das qualidades
necessárias para se ter uma?
O gosto do drama sentimental apoderou-se da cena italiana, e no
lugar da alegria picante que se via reinar outrora, no lugar dos perso-
nagens de comédia que são clássicos em toda a Europa, vê-se repre-
sentar, desde as primeiras cenas desses dramas, os assassinatos mais
insípidos, por assim dizer, dando um triste espetáculo. Não é uma
pobre educação, para um número considerável de pessoas, que tais
prazeres sejam tantas vezes repetidos? O gosto dos italianos, nas belas
artes, é tão simples quanto nobre; mas a palavra também faz parte das
belas artes, e seria preciso que lhe imprimíssemos o mesmo caráter;
ela está vinculada a tudo o que constitui o homem, e podemos privar-
nos mais de quadros e monumentos do que dos sentimentos aos quais
estes devem ser consagrados.
Os italianos são entusiastas de sua língua, grandes homens tor-
naram-na valiosa, e as distinções do espírito foram as únicas alegrias
e, muitas vezes, também, os únicos consolos da nação italiana. Para
que cada homem capaz de pensar se sinta com um motivo para
desenvolver a si próprio, é preciso que todas as nações tenham um
princípio ativo de interesse, umas são militares, outras políticas. Os
italianos devem se destacar pela literatura e pelas belas artes, senão
o país cairia numa espécie de apatia da qual nem mesmo o próprio
solo poderia despertar.

Tradução de Marie-Hélene Catherine Torres


Nota:
l. Em italiano no original. N.T.

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOG IA BILl NGÜ EjFRANCÊS-PORTUGUÊS 151


V ICTOR H UGO

PROLOGUE À LA TRADUCTION DES


OEUVRES DE WILLIAM SHAKESPEARE PAR
FRANÇOIS-VICTOR HUGO
PRÓLOGO À TRADUÇÃO DAS
OBRAS DE WILLIAM SHAKESPEARE POR
FRANÇOIS-VICTOR HUGO
VICTOR BUG O

PROLOGUE À LA TRADUCTION DES OEUVRES DE


WILLIAM SHAKESPEARE PAR
FRANÇOIS-VICTOR HUGO (1865)

François-Victor Hugo (1828 -1873), fils de Victor Hugo, publia de 1859 à 1866
sa traduction des Oeuvres Completes de Shakespeare, en 15 volumes. La
préface qui suit, écrite par son pere, a été publiée lors de la deuxieme édition
du tome I, en 1865. Oeuvres Completes de WtjJjam Shakespeare, Tome I,
Paris: Pagnerre Librairie-Editeur, 1865, p. 7-31.

I
Une traduction est presque toujours regardée tout d'abord par le
peuple à qui on la donne comme une violence qu' on lui fait. Le goút
bourgeois résiste à I' esprit uni verseI.
Traduire un poete étranger, c' est accroitre la poési.e nationale; cet
accroissement déplait à ceux auxquels il profite. C' est du moins le
commencement; le premier mouvement est la révolte. Une langue
dans laquelle on transvase de la sorte un autre idiome fait ce qu'elle
peut pour refuser. Elle en sera fortifiée plus tard, en attendant elle
s'indigne. Cette saveur nouvelle lui répugne. Ces locutions insolites,
ces tours inattendus, certe irruption sauvage de figures inconnues,
tout cela, c' est de l'invasion. Que va devenir sa littérature à elle?
Quelle idée a t-on de venir lui mêler dans le sang cette substance des
autres peuples? C' est de la poésie en exces. II y a là abus d'images,
profusion de métaphores, violation des frontieres, introduction forcée
dil goút cosmopolite dans le goút local. Est-ce grec? C'est grossier.
Est-ce anglais? C' est barbare. Apreté ici, âcreté là. Et, si intelligente
que soit la nation qu'on veut enrichir, elle s'indigne. Elle hait cette
nourriture. Elle boit de force, avec colere. Jupiter enfant recrachait le
lait de la chevre divine.
Ceci a été vrai en France pour Homere, et encare plus vrai pour
Shakespeare.

154 VICTOR H uGO


VICTOR HUGO

PRÓLOGO À TRADUÇÃO DAS OEUVRES DE


WILLIAM SHAKESPEARE POR
FRANÇOIS-VICTOR HUGO (1865)

François-Victor Hugo (1828 -1873), filho de Victor Hugo, publicou de 1859 a


1866 sua tradução das Obras completas de Shakespeare em 15 volumes. O
prefácio que segue, escrito por seu pai, foi publicado por ocasião da segunda
edição do tomo I, em 1865. Oeuvres Completes de William Shakespeare,
Tomo I, Paris: Pagnerre Librairie-Editeur, 1865, p. 7-31.

I
Uma tradução é quase sempre considerada, pelo povo a quem é
oferecida, como uma violência que se comete contra ele. O gosto
burguês resiste ao espírito universal.
Traduzir um poeta estrangeiro é aumentar a poesia nacional;
este acréscimo desagrada àqueles que dele tiram proveito. É, ao
menos, o começo; o primeiro movimento é a revolta. Uma língua
na qual se transvasa assim um outro idioma faz o que pode para
recusar. Ela será fortalecida mais tarde, por enquanto ela se indigna.
O sabor novo lhe repugna. As locuções insólitas, as maneiras
inesperadas, a irrupção selvagem de figuras desconhecidas, tudo
isso é invasão. Em que vai se transformar sua própria literatura?
Que idéia é essa de vir lhe misturar no sangue esta substância de
outros povos? É a poesia em excesso. Há abusos de imagens,
profusão de metáforas, violação de fronteiras, introdução forçada
do gosto cosmopolita no gosto local. É grego? É grosseiro. É inglês?
É bárbaro. Grosseria aqui, rudeza ali. E, por mais inteligente que
seja a nação que se quer enriquecer, ela se indigna. Ela odeia este
alimento. Bebe à força, com cólera. Júpiter criança cuspia o leite
da cabra divina.
Isso foi verdade na França para Homero, e é mais verdade ainda
para Shakespeare.

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - A NTOLOGIA BILlNGÜE/ FRANCÉS-PORTUGUÊS 155


Au dix-septieme siecle, à propos de madame Dacier, on posa la
question: faut-il traduire Homere? L'abbé Terrasson, toutnet, répondit
nono La Mothe fit mieux; iI refit l' jjiade. Ce La Mothe était un homme
d'esprit qui était idiot. De nos jours, nous avons eu en ce geme M.
Beyle, dit Stendhal, qui écrivait: je préfere à Homere les mémoires du
maréchal Gouvion Saint-Cyr.
- Faut-il traduire Homere? - fut la question littéraire du dix-
septieme siecle. La question littéraire du dix-huitieme fut celle-ci:
- Faut-il traduire Shakespeare?

II
«11 faut que je vous dise combien je suis fâché contre un nommé
Letoumeur, qu' on dit secrétaire de la librairie, et qui ne me parait pas
le secrétaire du bon gout. Auriez-vous lu les deux volumes de ce
misérable? 11 sacrifie tous les Français sans exception à son idole
(Shakespeare), comme on sacrifiait autrefois des cochons à Céres; iI ne
daigne pas même nommer Corneille et Racine. Ces deux grands
hommes sont seulement enveloppés dans la proscription générale,
sans que leurs noms soient prononcés. II y a déjà deux tomes imprimés
de ce Shakespeare, qu' on prendrait pour des pieces de la foire, faites
iI y a deux cents ans. Il y aura encore cinq volumes. Avez-vous une
haine assez vigoureuse contre cet impudent imbécile? Souffrirez-vous
l'affront qu'il fait à la France? 11 n'y a point en France assez de
camouflets, assez de bonnets d'âne, assez de piloris pour un pareil
faquin. Le sang pétille dans mes vieilles veines en vous parlant de lui.
Ce qu'il y a d'affreux, c'est que le monstre a un parti en France, et
pour comble de calamité et d'horreur, c'est moi qui autrefois parlai le
premier de ce Shakespeare/ c' est moi qui le premier montrai aux
Français quelques perles que j' avais trouvées dans son énorme fumier.
Je ne m'attendais pas que je servira is un jour à fouler aux pieds les
couronnes de Racine et de Corneille pour en orner le front d'un
histrion barbare».
À qui est adressée cette lettre? À La Harpe. Par qui? Par Voltaire.
On le voit, iI faut de la bravoure pour être Letourneur.
Ah! vous traduisez Shakespeare? Eh bien, vous êtes un faquin,
mieux que cela, vous êtes un impudent imbécile; mieux encore, vous
êtes un misérable. Vous faites un affront à la France. Vous méritez
toutes les formes de l' opprobre public, depuis le bonnet d'âne, comme

156 VICTOR HUGO


No século XVII, a propósito da senhora Dader, se colocou a questão:
é preciso traduzir Homero? O abade Terrasson, claramente, respondeu
não. La Mothe fez melhor; ele refez a Ilíada. Esse La Mothe era um
homem culto e idiota. Em nosso tempo, diz Stendhal, um homem
desse mesmo gênero foi o senhor Beyle, que escrevia: "A Homero,
prefiro as memórias do marechal Gouvi6n Saint Cyr".
- Deve-se traduzir Homero? - foi a questão literária do século
XVII. A questão literária do século XVIII foi esta:
- Deve-se traduzir Shakespeare?

II
"É preciso que eu diga o quanto estou furioso contra alguém de
nome Letourneur, que se diz secretário da livraria, e que não me
parece o secretário do bom gosto. O senhor teria lido os dois volumes
desse miserável? Ele sacrifica a seu ídolo (Shakespeare) todos os
franceses sem exceção, como se sacrificava outrora cerdos a Ceres; ele
não se digna sequer a mencionar Corneille e Racine. Estes dois grandes
homens são apenas colocados na proscrição geral, sem que seus nomes
sejam pronunciados. Existem já dois tomos impressos desse
Shakespeare, que se tomaria por mercadorias de feira de há duzentos
anos. Haverá ainda cinco volumes. Teria o senhor um ódio forte o
bastante contra esse imbecil insolente? Sentiria o senhor a afronta que
ele fez à França? Não há, absolutamente, na França, nem humilhação,
nem orelhas de burro, nem pelourinhos suficientes para semelhante
canalha. O sangue ferve em minhas velhas veias ao falar dele. O
pavoroso é que, na França, há pessoas que tomaram o partido desse
monstro, e o cúmulo da calamidade e do horror é que fui eu quem
primeiro, outrora, falou desse Shakespeare, fui eu o primeiro a mostrar
aos Franceses algumas pérolas que encontrara em seu enorme esterco.
Não esperava que um dia eu serviria para espezinhar as coroas de
Racine e de Corneille para com elas ornar a cabeça de um bárbaro
histrião".
A quem é dirigida esta carta? A La Harpe. Por quem? Por Voltaire.
Vê-se que é preciso bravura para ser Letourneur.
Ah! O senhor traduz Shakespeare? Bem, o senhor é um canalha;
mais, o senhor é um imbecil insolente; ou melhor, o senhor é um
miserável. O senhor faz uma afronta à França. Merece todas as
formas de opróbrio público, das orelhas de burro, como os bobos,

CLÁSSICOS DA TEORlA DA TRADUÇÃO - A NTOLOGIA BILíNGÜE/FRANCÊS-PORTUGUÊS 157


les cancres, jusqu'au pilori, comme les voleurs. Vous êtes peut-être
un monstre. Je dis peut-être, car dans la lettre de Voltaire monstreest
amphibologique; la syntaxe l' adjuge à Letourneur, mais la haine le
donne à Shakespeare.
Ce digne Letourneur, couronné à Montauban et à Besançon, lauréat
académique de province, uniquement occupé d'émousser
Shakespeare, de lui ôter les reliefs et les angles et de le faire passer,
c' est-à-dire de le rendre passable, ce bonhomme, travailleur
consciencieux, ayant pour tout horizon les quatre murs de son cabinet,
doux comme une fille, incapable de fiel et de représailles, poli, timide,
honnête, parlant bas, vécut toute sa vie sous cette épithete, misérabk
que lui avait jetée l' éclatante voix de Voltaire, et mourut à cinquante-
deux ans, étonné.

III
Letourneur, chose curieuse à dire, n' était pas moins bafoué par les
anglais que par les français. Nous ne savons plus quellord, faisant
autorité, disait de Letourneur: pour traduire un fou, iI faut être un
sot. Dans le livre intitulé William Shakespeare/ publié récemment, on
peut lire, ré unis et groupés, tous ces étranges textes anglais qui ont
insulté Shakespeare pendant deux siecles. Au verdict des gens de
lettres, ajoutez le verdict des princes. Georges ler, sous le regne duquel,
vers 1726, Shakespeare parut poindre un peu, n'en voulut jamais
écouter un verso Ce Georges était «un homme grave et sage» (Millot),
qui aima une jolie femme jusqu'à la faire grand-écuyer. Georges II
pensa comme Georges ler. II s'écriait: - Je ne pourrais pas !ire
Shakespeare. Et iI ajoutait, c'est Hume qui le raconte: - C'est un
garçon si ampoulé! - (He was such a bombast fellow.~r: abbé Millot,
historien qui prêchait l' Avent à Versailles et le Carême à Lunéville, et
que Querlon préfere à Hénault, raconte l'influence de Pope sur
Georges II au sujet de Shakespeare. Pope s'indignait de «l'orgueil de
Shakespeare», et comparait Shakespeare à «un mulet qui ne porte rien
et qui écoute le bruit de ses grelots». Le dédain littéraire justifiait le
dédain royal. Georges III continua la tradition. Georges III, qui
commença de bonne heure, à ce qu'il parait, l' état d' esprit par lequel
iI devait finir, jugeait Shakespeare et disait à miss Burney: - Quoi!
n' est-ce pas là un triste galimatias? quoi! quoi! - (What! is there not
sad stuff? what! whaW

158 VICTOR HuGO


ao pelourinho, como os ladrões. O senhor é talvez um monstro.
Digo talvez, porque na carta de Voltaire monstro é anfibológico; a
sintaxe é atribuída a Letourneur, mas o ódio é dirigido a
Shakespeare.
Esse digno Letourneur, coroado em Montauban e em Besançon,
laureado acadêmico de província, unicamente ocupado em suavizar
Shakespeare, em lhe subtrair os relevos e os ângulos e em torná-lo
digerível, esse indivíduo, trabalhador consciencioso, tendo por único
horizonte as quatro paredes de seu gabinete, doce como uma moça,
incapaz de fel e de represálias, polido, tímido, honesto, falando baixo,
viveu toda sua vida sob este epíteto, miserável, que lhe lançara a
retumbante voz de Voltaire, e morreu aos cinqüenta e dois anos,
surpreso.

III
Letourneur, coisa curiosa, não era menos achincalhado pelos
ingleses que pelos franceses . Não se sabe mais que lorde, com
autorsidade, dizia dele: "para traduzir um louco, é preciso ser um
tolo". No livro William Shakespeare, publicado recentemente, se pode
ler, reunidos e organizados, todos esses estranhos textos ingleses que
insultaram Shakespeare durante dois séculos. Ao veredicto dos homens
de letras, acrescentem o veredicto dos príncipes. George I, no reinado
do qual, em 1726, Shakespeare pareceu destacar-se um pouco, nunca
quis escutar um verso dele. Esse George era "um homem sério e sábio"
(Millot), que amou uma linda mulher a ponto de fazer dela escudeiro-
moroGeorge II pensava como George I. Exclamava: - Eu não poderia
ler Shakespeare. E acrescentava, é Hume que conta: - É um rapaz tão
empolado! (He was such a bombast fellow.1. O abade Millot,
historiador que pregava durante o advento em Versalhes e durante a
quaresma em Lunéville, e que Querlon prefere a Hénault, narra a
influência de Pope sobre George II a respeito de Shakespeare. Pope se
indignava do "orgulho de Shakespeare", e o comparava a "um jumento
que não leva carga nenhuma e que escuta o barulho de seus cincerros".
O desdém literário justificava o desdém real. George III continuou a
tradição. George III, que cedo adquiriu, ao que parece, o estado de
espírito com o qual chegaria ao fim da vida, julgava Shakespeare e
dizia à senhorita Burney: - Que! Não é um triste embrulhão? Que!
Que! (What! Is there not sad stuff? What! What1 .

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÁO - ANTOLOGIA BILÍNGÜE/FRANCEs-PORTUGUEs 159


On dira: ce ne sont là que des opinions de roi. Qu' on ne s'y trompe
point, la mo de en Angleterre suit le roi. L' opinion de la majesté royale
en matiere de gout est grave de i'autre côté du détroit. Le roi
d' Angleterre est le leader suprême des salons de Londres. Témoin le
poete lauréaç presque toujours accepté par le publico Le roi ne gouveme
pas mais iI regne. Le livre qu'illit et la cravate qu'il met, font 10L II plait
à un roi de rejeter le génie, l' Angleterre méconnait Shakespeare; iI plait
à un roi d' admirer la niaiserie, l'Angleterre adore Brummel.
Disons-le, la France de 1814 tombait plus bas encore quand elle
permettait aux Bourbons de jeter Voltaire à la voirie.

IV
Le danger de traduire Shakespeare a disparu aujourd'huL
On n'est plus un ennemi public pour cela.
Mais si le danger n' existe plus, la difficulté reste.
Letoumeur n' a pas traduit Shakespeare; iIi' a, candidement, sans
le vouloir, obéissant à son insu au gout hostile de son époque,
parodié.
Traduire Shakespeare, le traduire réellement, le traduire avec
confiance, le traduire en s'abandonnant à lui, le traduire avec la
simplicité honnête et fiere de l' enthousiasme, ne rien éluder, ne rien
omettre, ne rien amortir, ne rien cacher, ne pas lui mettre de voile là ou
iI est nu, ne pas lui mettre de masque là ou ii est sincere, ne pas lui
prendre sa peau pour mentir dessous, le traduire sans recourir à la
périphrase, cette restriction mentale, le traduire sans complaisance
puriste pour la France ou puritaine pour l' Angleterre, dire la vérité,
toute la vérité, rien que la vérité, le traduire comme on témoigne, ne
point le trahir, 1'introduire à Paris de plain-pied, ne pas prendre de
précautions insolentes pour ce génie, proposer à la moyenne des
intelligences, qui a la prétention de s' appeler le gout, l' acceptation de
ce géant, le voilà! en voulez-vous? ne pas crier gare, ne pas être honteux
du grand homme, l'avouer, 1'afficher, le proclamer, le promulguer,
être sa chair et ses os, prendre son empreinte, mouler sa forme, penser
sa pensée, parler sa parole, répercuter Shakespeare de l'anglais en
français, quelle entreprise!

160 VICTOR H uGO


Dir-se-á: isso não passa de opiniões de rei. Que não se enganem, a
moda na Inglaterra segue o rei. A opinião da majestade real em matéria
de gosto é séria do outro lado do estreito. O rei da Inglaterra é o lider
supremo dos salões de Londres. Testemunha o poeta laureado, quase
sempre aceito pelo público. O rei não governa, mas reina. O livro que
ele lê e a gravata que usa, imperam. Se a um rei agrada rejeitar o gênio,
a Inglaterra ignora Shakespeare; se a um rei agrada admirar a bobagem,
a Inglaterra adora Brummel.
Sejamos honestos, a França de 1814 descia ainda mais baixo quando
permitia aos Bourbons jogar Voltaire no lixo.

IV
O perigo de traduzir Shakespeare hoje desapareceu.
Não se é mais um inimigo público por causa disso.
Mas se o perigo não existe mais, a dificuldade permanece.
Letourneur não traduziu Shakespeare; ele, candidamente, sem
querer, obedecendo sem saber ao gosto hostil de sua época,
parodiou-o.
Traduzir Shakespeare, traduzi-lo realmente, traduzi-lo com
confiança, traduzi-lo entregando-se a ele, traduzi-lo com a simplicidade
honesta e orgulhosa do entusiasmo, não eludir nada, não omitir nada,
não enfraquecer nada, não esconder nada, não lhe colocar véu onde
ele está nu, não lhe colocar máscara onde ele é sincero, não se colocar
na sua pele para mentir sob ela, traduzi-lo sem recorrer à perífrase,
esta restrição mental, traduzi-lo sem complacência purista para com a
França ou puritana para com a Inglaterra, dizer a verdade, toda a
verdade, nada mais que a verdade, traduzi-lo como se testemunha,
não traí-lo absolutamente, apresentá-lo a Paris sem dificuldade, não
tomar precauções insolentes contra esse gênio, propor à média das
inteligências, que tem a pretensão de se chamar gosto, a aceitação
desse gigante, ei-Io! Querem-no? Não pedir atenção, não se
envergonhar do grande homem, confessá-lo, exibi-lo, proclamá-lo,
promulgá-lo, ser com ele carne e osso, tomar sua impressões, moldar
sua forma, pensar seu pensamento, falar sua palavra, repercutir
Shakespeare do inglês em francês, que empreendimento!

CLÁSSICOS DA TEORlA DA TRADUÇÃO - A NTOLOC IA BILlNGÜE/ FRA NCÊS-PORTUGUÊS 161


v
Shakespeare est un des poetes qui se défendent le plus contre le
traducteur.
La vieille violence faite à Protée symbolise l' effort des trad ucteurs.
Sais ir le génie, rude besogne. Shakespeare résiste, il faut 1'étreindre;
Shakespeare échappe, il faut le poursuivre.
11 échappe par 1'idée, il échappe par 1'expression. Rappelez-vous
le unse~ cette lugubre déclaration de neutralité d'un monstre entre le
bien et le mal, cet écriteau posé sur une conscience eunuque. Quelle
intrépidité il faut pour reproduire nettement en français certaines
beautés insolentes de ce poete, par exemple le buttock 01 the nightou
1'on entrevoit les parties honteuses de l'ombre. D'autres expressions
semblent sans équivalents possibles; ainsi green girJ, fille verte, n'a
aucun sens en français. On pourrait dire de certains mots qu'ils sont
imprenables. Shakespeare a un suntlacrymae rerum. Dans le we ha ve
kissed away kingdoms andprovinces/ aussi bien que dans le profond
soupir de Virgile, l'indicible est dit. Cette gigantesque dépense
d' avenir faite dans un lit, ces provinces s' en allant en baisers, ces
royaumes possibles s' évanouissant sur les bouches jointes d' Antoine
et de Cléopâtre, ces empires dissous en caresses et ajoutant
inexprimablement leur grandeur à la volupté, néant comme eux, toutes
ces sublimités sont dans ce mot kissed away kingdoms.
Shakespeare échappe au traducteur par le style, il échappe aussi
par la langue. L'anglais se dérobe le plus qu'il peut au français. Les
deux idiomes sont composés en sens inverse. Leur pôle n' est pas le
même; l'anglais est saxon, le français est latino L'anglais actueI est
presque de l'allemand du quinzieme siecle, à l'orthographe preso
L' antipathie immémoriale des deux idiomes a été telle, qu' en l0951es
normands déposerent Wolstan, évêque de Worcester, pour le seul
crime d'être une vieille brute dÉnglais ne sachantpasparler !rançais.
En revanche on a parlé danois à Bayeux. Duponceau estime qu'il y a
dans l' anglais trois racines saxonnes sur quatre. Presque tous les verbes,
toutes les particules, les mots qui font la charpente de la langue, sont
du Nord. La langue anglaise a en elle une si dangereuse force isolante
que l'Angleterre, instinctivement, et pour faciliter ses communications
avec 1'Europe, a pris ses termes de guerre aux français, ses termes de
navigation aux hollandais, et ses termes de musique aux italiens.

162 VICTOR H uGO


,...

v
Shakespeare é um dos poetas mais difíceis para o tradutor.
A velha violência feita a Pro teu simboliza o esforço dos tradutOres.
Captar o gênio, dura tarefa. Shakespeare resiste, é preciso cercá-lo.
Shakespeare escapa, é preciso persegui-lo.
Ele escapa pela idéia, ele escapa pela expressão. Lembrem-se do
unsex, esta lúgubre declaração de neutralidade de um monstro entre
o bem e o mal, este cartaz colocado sobre uma consciência eunuca.
Que intrepidez é preciso para reproduzir claramente em francês certas
belezas insolentes desse poeta, por exemplo, o buttock ofnight, onde
se entrevê as partes vergonhosas da sombra. Outras expressões parecem
sem equivalentes possíveis; assim green girl"fille verte" (em língua
francesa)!, não tem nenhum sentido em francês. Poderíamos dizer de
certas palavras que elas resistem a qualquer investida. Shakespeare
tem um sunt lacrymae rerum. Em we have ldssed away ldngdoms
andprovinces, assim como no profundo suspiro de Virgilio, o indizível
é dito. O futuro sendo gasto, de maneira gigantesca, numa cama,
províncias se esvaindo em beijos, reinos possíveis se esvanecendo nas
bocas coladas de Antônio e Cleópatra, impérios dissolvidos em carícias
e somando inexprimivelmente sua grandeza à volúpia, insignificantes
como eles, todas essas sublimidades estão nesta frase kissed away
ldngdoms.
Shakespeare escapa ao tradutor pelo estilo, ele escapa também
pela língua. O inglês se esquiva do francês o quanto pode. Os dois
idiomas são compostos em sentido inverso. Seu pólo não é o mesmo,
o inglês é saxão, o francês é latino. O inglês atual é próximo do
alemão do século quinze, tirando a ortografia. A antipatia
imemorial entre os dois idiomas foi tal que, em 1095, os Normandos
depuseram Wolstan, bispo de Worcester, somente pelo crime de
ser "um velho bronco inglês que não sabia falar francês". Por outro
lado, já se falou dinamarquês em Bayeux. Duponceau estima que
há no inglês, em cada quatro, três raízes saxãs. Quase todos os
verbos, todas as partículas, as palavras que compõem a estrutura
da língua, são do norte. A língua inglesa traz em si uma tão perigosa
força isolante que a Inglaterra, instintivamente, e para facilitar
suas comunicações com a Europa, tomou seus termos de guerra
dos franceses, seus termos de navegação dos holandeses e seus

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BI LíNGÜE/FRANCÊS-PORTUGU~ 163


Charles Duret écrivait en 1613, à propos de la langue anglaise: «Peu
d'étrangers veulent se peiner de l'apprendre». A l'heure qu'il est, elle
est encore saxonne à ce point que l'usage n'a frappé de désuétude
qu' à peine un septieme des mots de l' Orosius du roi Alfred. De là une
perpétuelle lutte sourde entre l' anglais et le français quand on les met
en contact. Rien n'est plus laborieux que de faire comcider ces deu x
idiomes. Ils semblent destinés à exprimer des choses opposées. L'un
est septentrional, l'autre est méridional. L'un confine aux lieux
cimmériens, aux bruyeres, aux steppes, aux neiges, aux solitudes
froides, aux espaces nocturnes, pleins de silhouettes indéterminées,
aux régions blêmes; l'autre confine aux régions claires. Il y a plus de
lune dans celui-ci, et plus de soleil dans celui-là. Sud contre Nord,
jour contre nuit, rayon contre spleen. Un nuage fiotte toujours dans la
phrase anglaise. Ce nuage est une beauté. Ii est partout dans
Shakespeare. Ii faut que la clarté française pénetre ce nuage sans le
dissoudre. Quelquefois la traduction doit se dilater. Un certain vague
ajoute du trouble à la mélancolie et caractérise le Nord. Hamlet, en
particulier, a pour air respirable ce vague. Le lui ôter, le tuerait. Une
profonde brume diffuse l' enveloppe. Fixer Hamlet, c' est le supprimer.
Il importe que la traduction n'ait pas plus de densité que l'original.
Shakespeare ne veut pas être traduit comme Tacite.
Shakespeare résiste par le style; Shakespeare résiste par la langue.
Est-ce là tout? Non. II résiste par le sens métaphysique; iI résiste par le
sens historique; iI résiste par le sens légendaire. Ii a beaucoup
d'ignorance, ceci est convenu; mais ce qui est moins connu, ii a
beaucoup de science. Parfois tel détail qui surprend, ou l' on croit
voir sa grossiereté, atteste précisément sa particularité et sa finesse;
tres souvent ce que les critiques négateurs dénoncent dans Shakespeare
comme l'invention ridicule d'un esprit sans culture et sans lettres,
prouve, tout au contraire, sa bonne information. II est sagace et
singulier dans l'histoire. Il est on ne peut mieux renseigné dans la
tradition et dans le conte. Quant à sa philosophie, elle est étrange; elle
tient de Montaigne par le dou te, et d'Ézéchiel par la visiono

VI
Ii Y ades problemes dans la Bible; iI y en a dans Homere; on
connaí't ceux de Dante; iI existe en Italie des chaires publiques d'inter-
prétation de la Divinecomédie. Les obscurités propres à Shakespeare,

164 VICTOR HUGO


termos de música dos italianos. Charles Duret escrevia em 1613, a


propósito da língua inglesa: "Poucos estrangeiros querem se
esforçar para aprendê-la". Por hora, ela é ainda tão saxã que somente
um sétimo das palavras do Orosius do rei Alfred caiu em desuso.
Daí uma perpétua luta velada entre o inglês e o francês quando os
colocamos em contato. Nada é mais trabalhoso que fazer coincidir
estes dois idiomas. Eles parecem destinados a exprimir coisas
opostas. Um é setentrional, o outro é meridional. Um se aproxima
dos lugares lúgubres, das charnecas, das estepes, das neves, das
solidões frias, dos espaços noturnos, plenos de silhuetas
indeterminadas, das regiões pálidas; o outro, das regiões claras.
Há mais lua neste, e mais sol naquele. Sul contra norte, dia contra
noite, raio de alegria contra spleen. Há sempre uma nuvem que
flutua na frase inglesa. Esta nuvem é beleza. Ela é onipresente em
Shakespeare. É preciso que a clareza francesa a penetre sem
dissolvê-la. Algumas vezes, a tradução deve se dilatar. Uma certa
vagueza enturva a melancolia e caracteriza o norte. Hamlet, em
particular, tem esta vagueza por atmosfera. Suprimi-la, o mataria.
Uma profunda bruma difusa o envolve. Fixar Hamlet é suprimi-
lo. Importa que a tradução não tenha mais densidade que o original.
Shakespeare não quer ser traduzido como Tácito.
Shakespeare resiste pelo estilo; Shakespeare resiste pela língua.
Será tudo? Não. Ele resiste pelo sentido metafísico, ele resiste pelo
sentido histórico; ele resiste pelo sentido legendário. Ele tem muita
ignorância, nisso concordamos; mas, o que é menos conhecido, ele
tem muita ciência. Às vezes um detalhe que surpreende, onde se
acredita ver sua rudeza, atesta precisamente sua particularidade e
sua sutileza; muito freqüentemente o que os críticos negadores
denunciam em Shakespeare como a invenção ridícula de um espírito
sem cultura e sem letras, prova, muito pelo contrário, sua boa informação.
Ele é sagaz e singular na história. Ele é perfeitamente esclarecido sobre a
tradição e o conto. Quanto à sua filosofia, ela é estranha, ela se aproxima
de Montaigne pela dúvida, e de Ezequiel pela visão.

VI
Há problemas na Bíblia, há problemas em Homero, conhecemos
os de Dante; na Itália, existem tribunas públicas de interpretação da
Divina comédia. A obscuridade própria a Shakespeare, dos diversos

CLÁSSICOS DA TEORlA DA TRADUÇÃO - ANTOLOG IA BILfNGÜE/FRANCÊS-PORTUGUÊS 165


aux divers points de vue que nous venons d'indiquer, ne sont pas moins
abstruses. Comme la question biblique, comme la question homérique,
comme la question dantesque, la question shakespearienne existe.
L' étude de cette question est préalable à la traduction. II faut
d'abord se mettre au fait de Shakespeare.
Pour pénétrer la question shakespearienne et, dans la mesure du
possible, la résoudre, toute une bibliotheque est nécessaire. Historiens
à consulter, depuis Hérodote jusqu'à Hume, poetes, depuis Chaucer
jusqu'à Coleridge, critiques, éditeurs, commentateurs, nouvelles,
romans, chroniques, drames, comédies, ouvrages en toutes langues,
documents de toutes sortes, pieces justificatives de ce génie. On l'a
fort accusé; iI importe d' examiner son dossier. Au British-Museum,
un compartiment est exclusivement réservé aux ouvrages qui ont un
. rapport quelconque avec Shakespeare. Ces ouvrages veulent être les
uns vérifiés, les autres approfondis. Labeur âpre et sérieux, et plein
de complications. Sans compter les registres du Stationers' Hall, sans
compter les registres du chef de troupe Henslowe, sans compter les
registres de Stratford, sans compter les archives de Bridgewater
House, sans compter le journal de Symon Forman. II n' est pas inutile
de confronter les dires de tous ceux qui ont essayé d'analyser
Shakespeare, à commencer par Addison dans le Spectatew; et à finir
par Jaucourt dans l' Encyclopédie. Shakespeare a été, en France, en
Allemagne, en Angleterre, tres souvent jugé, tres souvent condamné,
tres souvent exécuté; iI faut savoir par qui et comment. Ou iI s'inspire,
ne le cherchez pas, c' est en lui-même; mais ou iI puise, tâchez de le
découvrir. Le vrai traducteur doit faire effort pour !ire tout ce que
Shakespeare a lu. II y a là pour le songeur des sources, et pour le
piocheur des trouvailles. Les lectures de Shakespeare étaient variées
et profondes. Cet inspiré était un étudiant. Faites donc ses études si
vous voulez le connaitre. Avoir lu Belleforest ne suffit pas, iI faut !ire
Plutarque; avoir lu Montaigne ne suffit pas, iI faut lire Saxo
Grammaticus; avoir lu Erasme ne suffit pas, iI faut !ire Agrippa; avoir
lu Froissard ne suffit pas, iI faut !ire Plaute; avoir lu Boccace ne suffit
pas, iI faut lire Saint Augustin. II faut !ire tous les cancioneros et tous
les fabliaux, Huon de Bordeaux, la belle Jehanne, le comte de Poitiers,
le miracle de Notre-Dame, la légende du Renard, le roman de la
Violette, la romance du Vieux-Manteau. II faut !ire Robert Wace, iI
faut !ire Thomas le Rimeur. II faut lire Boece, Laneham, Spenser,

166 VICTOR H UGO


pontos de vista que acabamos de indicar, não é menos incompreensível.
Como a questão bíblica, como a questão homérica, como a questão
dantesca, a questão shakespeareana existe.
O estudo desta questão precede a tradução. Primeiro é preciso se
informar sobre Shakespeare.
Para penetrar a questão shakespeareana e, na medida do possível,
resolvê-la, toda uma biblioteca é necessária. Historiadores a consultar,
de Herodoto a Hume; poetas, de Chaucer a Coleridge, críticos,
editores, comentadores, novelas, romances, crônicas, dramas,
comédias, obras em todas as línguas, documentos de todos os tipos,
peças justificadoras deste gênio. Acusou-se muito; o que importa é
examinar seu dossiê. No Bristish Museum, um arquivo é
exclusivamente reservado às obras que têm uma relação qualquer
com Shakespeare. Algumas dessas obras querem ser verificadas, outras
aprofundadas. Trabalho duro e sério, e cheio de complicações. Sem
contar os registros do Stationers' Hall, sem contar os registros do
chefe de tropa Henslowe, sem contar os registros de Stratford, sem
contar os arquivos de Bridgewater House, sem contar o diário de
Symon Forman. Não é inútil confrontar o que disseram todos aqueles
que tentaram analisar Shakespeare, a começar por Addison no
Spectatore terminando por Jaucourt na Encyclopédie. Shakespeare,
na França, na Alemanha, na Inglaterra, foi muito freqüentemente
julgado, muito freqüentemente condenado, muito freqüentemente
executado; é preciso saber por quem e corno. Onde ele se inspira, não
tentem sabê-lo, é nele mesmo; mas tentem descobrir em que fontes
bebeu. O verdadeiro tradutor deve fazer esforços para ler o que
Shakespeare leu. Há aí o suficiente, tanto para o que espreita fontes
como para o que busca, escava, descobertas. As leituras de Shakespeare
eram variadas e profundas. Este inspirado era um estudante. Façam,
então, seus estudos se querem conhecê-lo; ter lido Belleforest não
basta, é preciso ler Plutarco; ter lido Montaigne não basta, é preciso
ler Saxo Grammaticus; ter lido Erasmo não basta, é preciso ler Agrippa;
ter lido Froissard não basta, é preciso ler Plauto; ter lido Boccaccio não
basta, é preciso ler Santo Agostinho. É preciso ler todos os cancioneiros
e todas as fábulas, Huon de Bordeaux, a bela Jehanne, o conde de Poitiers,
o milagre de Notre-Dame, a lenda de Renard, o romance de Violette, o
romanceiro do Vieux-Manteau. É preciso ler Robert Wace, é preciso ler
Thomas, o Rimador. É preciso ler Boecio, Laneham, Spenser, Marlowe,

CLÁSSICOS DA TEORI A DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILÍNGÜE/FRANCÊS-PORTUGUÊS 167


Marlowe, Geoffroy de Monrnouth, Gilbert de Montreuil, Holinshed,
Amyot, Giraldi Cinthio, Pierre Boisteau, Arthur Brooke, Bandello,
Luigi da Porto. II faut lire Benoist de Saint-Maur, sir Nicholas
Lestrange, Paynter, Monstrelet, Grove, Stubbes, Strype, Thomas Morus
et Ovide. Il faut lire Graham d' Aberfoyle et Straparole. J' en passe. On
aurait tort de laisser de côté Webster, Cavendish, Gower, Tarleton,
Georges Whetstone, Reginald Scot, Nichols et sir Thomas North.
Alexandre Silvayn veut être feuilleté. Les Papiers de Sidney sont
utiles. Un livre contrôle l'autre. Les textes s'entr'édairent. Rien à
négliger dans ce travail. Figurez-vous une lecture dont le diametre va
du Gesta romanorum à la Démonologie de Jacques V1
Arriver à comprendre Shakespeare, telle est la tâche. Toute cette
érudition a ce but: parvenir à un poete. C' est le chemin de pierres de
ce paradis.
Forgez-vous une def de science pour ouvrir cette poésie.

VII
Et de la sorte, vous saurez de qui est contemporain le Thésée du
Songe d/une nuitd'ét~· voussaurez comment les prodiges de la mort
de César se répercutent dans Macbeth' vous saurez quelle quantité
d'Oreste iI y a dans Hamlet. Vous connaitrez le vrai Timon d' Athenes,
le vrai Shylock, le vrai Falstaff.
Shakespeare était un puissant assimilateur. Il 5' amalgamait le passé.
Il cherchait, puis trouvait; iI trouvait puis inventait; il inventait, puis
créait. Une insufflation sortait pour lui du lourd tas des chroniques.
De ces infolios iI dégageait des fantômes.
Fantômes étemels. Les uns terribles, les autres adorables. Richard
III, Glocester, Jean sans Terre, Marguerite, lady Macbeth, Regane et
Goneril, Claudius, Lear, Roméo et Juliette, Jessica, Perdita, Miranda,
Pauline, Constance, Ophélia, Cordélia, tous ces monstres, toutes ces
fées. Les deux pôles du coeur humain et les deux extrémités de l'art
représentés par des figures à jamais vivantes d'une vie mystérieuse
impalpables comme le nuage, immortelles comme le souffle. La
difformité intérieure, lago; la difformité extérieure, Caliban; et pres
d'lago le charme, Desdemona, et en regard de Caliban la grâce, Titania.
Quand on a lu les innombrables livres lus par Shakespeare, quand
on a bu aux mêmes sources, quand on 5' est imprégné de tout ce dont
iI était pénétré, quand on 5' est fait en soi un fac-simile du passé tel

168 VICTOR H uGO


Geoffroy de Monrnouth, Gilbert de Montreuil, Holinshed, Amyot,
Giraldi Cinthio, Pierre Boisteau, Arthur Brooke, Bandello, Luigi da
Porto. É preciso ler Benoist de Saint-Maur, sir Nicholas Lestrange,
Paynter, Monstrelet, Grove, Stubbes, Strype, Thomas Morus e OvídIo.
É preciso ler Graham d' Aberfoyle e Straparole. E muitos outros. Seria
um erro deixar de lado Webster, Cavendish, Gower, Tarleton, George
Whetstone, Reginald Scot, Nichols e sir Thomas North. Alexandre
Silvayn quer ser folheado. Os Papeis de Sidney são úteis. Um livro
controla o outro. Os textos se esclarecem uns aos outros. Nada a
negligenciar neste trabalho. Imaginem uma leitura cujo diâmetro vai
do Gesta romanorum à Demonologia de Jaime W.
Chegar a compreender Shakespeare, tal é a tarefa. Toda essa
erudição tem este objetivo: alcançar um poeta. É o caminho das pedras
desse paraíso.
Fo*m uma chave de ciência para abrir esta poesia.
VII
E deste modo você saberá de quem é contemporâneo o Teseu do
Sonho de uma noite de verão, você saberá como os prodígios da
morte de César se repercutem em Macbeth; vocês saberão quanto de
Oreste há em Hamlet. Vocês conhecerão o verdadeiro Timão de Atenas,
o verdadeiro Shylock, o verdadeiro Falstaff.
Shakespeare era um poderoso assimilador, ele se amalgamava o
passado. Ele buscava, depois encontrava; ele encontrava, depois
inventava; ele inventava, depois criava. Um sopro lhe vinha da pesada
quantidade de crônicas. Desses volumes ele retirava fantasmas.
Fantasmas eternos. Uns terríveis, outros adoráveis. Ricardo III,
Glocester, João sem Terra, Marguerite, Lady Macbeth, Regane e
Goneril, Claudius, Lear, Romeu e Julieta, Jessica, Perdi ta, Miranda,
Pauline, Constance, Ofélia, Cordélia, todos esses monstros, todas essas
fadas. Os dois pólos do coração humano e as duas extremidades da arte
representadas por figuras vivendo para sempre uma vida misteriosa,
impalpáveis como o nevoeiro, imortais como o sopro. A deformidade
interior, lago; a deformidade exterior, Caliban; e próximo a lago o charme,
Desdêmona, e frente ao olhar de Caliban, a graça, Titânia.
Quando se leu os inumeráveis livros lidos por Shakespeare,
quando se bebeu nas mesmas fontes, quando já se está impregnado de
tudo quanto o imbuía, quando se fez em si um fac-símile do passado

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILINGÜE/FRANCÊS-PORTUGUÊ; 169


qu'ille voyait, quand on a appris tout ce qu'il savait, moyen d'en
venir à rêver tout ce qu'il rêvait, quand on a digéré tous ces faits, toute
cette histoire, toutes ces fables, toute cette philosophie, quand on a
gravi cet escalier de volumes, on a pour récompense cette nuée
d' ombres divines au-dessus de sa tête.

VIII
Un jeune homme s'est dévoué à ce vaste travai!. À côté de cette
premiere tâche, reproduire Shakespeare, i! y en avait une deuxieme, le
commenter. Une, on vient de le voir, exige un poete, l'autre un bénédictin.
Ce traducteur a accepté l'une et l'autre. Parallelement à la traduction
de chaque drame, iI a placé, sous le titre d'introductiofl, une étude
spéciale, ou toutes les questions relatives au drame traduit sont discutées
et débattues, et ou, pieces en mains, le pour et contre est plaidé. Ces
trente-six introductions aux trente-six drames de Shakespeare, divisés
en quinze livres portant chacun un titre spécial, sont dans leu r ensemble
une oeuvre considérable. Oeuvre de critique, oeuvre de philologie,
oeuvre de philosophie, oeuvre d'histoire, qui côtoie et corrobore la
traduction; quant à la traduction en elle-même, elle est fidele, sincere,
opiniâtre dans la résolution d'obéir au texte; elle est modeste et fiere;
elle ne tâche pas d'être supérieure à Shakespeare.
Le commentaire couche Shakespeare sur la table d'autopsie, la
traduction le remet debout; et apres l'avoir vu disséqué, nous le
retrouvons en vie.
Pour ceux qui, dans Shakespeare, veulent tout Shakespeare, cette
traduction manquait. On l'a maintenant. Désormais ii n'y a plus de
bibliotheque bien faite sans Shakespeare. Une bibliotheque est aussi
incomplete sans Shakespeare que sans Moliere.
L' ouvrage a paru volume par volume et a eu d'un bout à l' autre ce
grand collaborateur, le succes.
Le peu que vaut notre approbation, nous le donnons sans réserve
à cet ouvrage, traduction au point de vue philologique, création au
point de vue critique et historique. C' est une oeuvre de solitude. Ces
oeuvres-Ià sont consciencieuses et saines. La vie sévere conseille le
travai! austere. Le traducteur actueI sera, nous le croyons et toute la
haute critique de France, d' Angleterre et d' Allemagne l' a proclamé
déjà, le traducteur définitif. Premiere raison, iI est exact; deuxieme
raison, ii est complet. Les difficultés que nous venons d'indiquer, et

170 VICTOR HuGO


tal como ele o via, quando se aprendeu tudo o que ele sabia, o meio de
vir a sonhar tudo o que ele sonhava, quando se digeriu todos esses
fatos, toda essa história, todas essas fábulas, toda essa filosofia, quando
se subiu esta escada de volumes, tem-se por recompensa esta densa
nuvem de sombras divinas por sobre a cabeça.

VIII
Um jovem se devotou a este vasto trabalho. Ao lado desta primeira
tarefa, reproduzir Shakespeare, havia uma segunda, comentá-lo. Uma,
acabamos de ver, exige um poeta, a outra, um beneditino. Este tradutor
aceitou uma e outra. Paralelamente à tradução de cada peça, ele
colocou, sob o título de introdução, um estudo especial, onde todas
as questões relativas à peça traduzido são discutidas e debatidas e
onde, evidências em mão, os prós e os contras são sustentados. Estas
trinta e seis introduções às trinta e seis peças de Shakespeare, divididas
em quinze livros, cada um com um título especial, são em seu conjunto
uma obra considerável. Obra de crítica, obra de filologia, obra de
filosofia, obra de história, que ladeia e corrobora a tradução; quanto à
tradução em si mesma, ela é fiel, sincera, firme na resolução de obedecer
ao texto; ela é modesta e orgulhosa; ela não tenta ser superior a
Shakespeare.
O comentário deita Shakespeare sobre a mesa da autopsia, a
tradução o recoloca de pé; e após tê-lo visto dissecado, nós o
reencontramos com vida.
Esta tradução faltava para aqueles que, em Shakespeare, querem
todo Shakespeare. Nós a temos agora. Daqui por diante, não há mais
biblioteca bem feita sem Shakespeare. Uma biblioteca é tão incompleta
sem Shakespeare quanto sem Moliere.
A obra apareceu volume por volume, e teve, do início ao fim, esse
grande colaborador, o sucesso.
O pouco que vale nossa aprovação, nós a damos sem reserva a esta
obra, tradução do ponto de vista filológico, criação do ponto de vista
crítico e históriço. É uma obra solitária. Tais obras são conscienciosas
e sãs. A vida severa aconselha o trabalho austero. O tradutor atual
será, nós acreditamos e toda a alta crítica da França, da Inglaterra e da
Alemanha já o proclamou, o tradutor definitivo. Primeira razão, é
exato; segunda razão, é completo. As dificuldades que acabamos de
indicar, e uma multitude de outras, ele as enfrentou francamente, e, a

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO · ANTOLOGIA BILINGÜE/FRANCÊS-PORTIJGUÊS 171


une foule d' autres, illes a franchement abordées, et, selon nous, résolues.
Faisant cette tenta tive, il s'y est dépensé tout entier. Il a senti, en
accomplissant cette tâche la religion de construire un monument. Il y a
consacré douze des plus belles années de la vie. Nous trouvons bon
qu' un jeune homme ait eu cette gravité. La besogne était malaisée, presque
effrayante; recherches, confrontations de textes, peines, labeurs sans
relâche. Il a eu pendant douze années la fievre de cette grande audace et
de cette grande responsabilité. Cela est bien à lui d'avoir voulu cette
oeuvre et de l' avoir terminée. Il a de cette façon marqué sa reconnaissance
envers deux nations, envers celle dont iI est 1'hôte et envers celle dont il
est le fils. Cette traduction de Shakespeare, c'est, en quelque sorte, le
portrait de l'Angleterre envoyé à la France. À une époque ou l' on sent
approcher l'heure auguste de l'embrassement des peuples, c'est presque
un acte, et c'est plus qu'un fait littéraire. Il y a quelque chose de pieux
et de touchant dans ce don qu'un français offre à la patrie, d'ou nous
sommes absents, lui et moi, par notre volonté et avec douleur.

172 VICTOR HuGO


nosso ver, resolveu-as. Nesta tentativa ele se empenhou
inteiramente. Ele sentiu, cumprindo esta tarefa, a devoção de quem
constrói um monumento. A isso consagrou doze dos mais belos
anos de sua vida. Consideramos bom que um jovem tenha tido
esta gravidade. A tarefa era árdua, quase assustadora; pesquisas,
confrontações de textos, sofrimentos, trabalho sem descanso. Ele
teve durante doze anos a febre desta grande audácia e desta grande
responsabilidade. É típico dele ter querido esta obra e tê-la
terminado. Ele marcou desta maneira seu reconhecimento frente a
duas nações, aquela que o hospeda, e aquela da qual é filho. Esta
tradução de Shakespeare é, de algum modo, o retrato da Inglaterra
enviado à França. Em uma época em que se sente aproximar a hora
augusta do abraço dos povos, é quase um ato, é mais que um fato
literário. Há algo de piedoso e de tocante nesse dom que um francês
oferece à pátria, de onde estamos ausentes, ele e eu, por nossa
vontade e com dor.

Tradução: Pedro Souza


Nota:

1. Parêntesis do tradutor

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILfNGÜE/FRANCÊS-PORTUGUÊS 173


MARCEL ScHWOB

AVANT PROPOS À UNE TRADUCTION DE


CATULLE EN VERS MAROTIQUES
AVANT PROPOS A UMA TRADUÇÃO DE
CATULO EM VERSOS MAROTIANOS
MARCEL SCHWOB

AVANT PROPOS À UNE TRADUCTION DE CATULLE


EN VERS MAROTIQUES (1883-1886)

Marcel Schwob a écrit ce prologue pour une traduction qu'il a réalisée de


quelques vers de Catulle. Cette traduction est aujourd' hui disparue. Il nous
reste, heureusement, cet avant propos dans lequel Schwob présente les principes
de sa méthode translative qu'il a appelée "l'analogie des langues et des
littératures aux mêmes degrés de formation" . Source: Oeuvres completes,
Paris, François Bemouard, 1927, tome I, p. 85-86.

Voici une nouvelle sÍngerie en vers, comme dirait Baudelaire, s'il


était encore de ce monde. Je la dédie au monde lettré intelligent, à
celui qui a du gout, qui sait ce que vaut un bon auteur et ne cherche
point à lui imposer son esprit pour le faire mieux apprécier - c' est
dire que mon livre n' est pas pour les gens qui écrivent du nez, comme
ils en parlent et
Cependant leur savoir ne s' étend seulement
Qu'à regratter un mot douteux au jugement.

Les traductions en vers ont mauvaise réputation: ou bien elles


conservent la forme et alterent completement le sens; ou bien elles
conservent le sens et envoient au diable la forme. Les deux méthodes
sont également défectueuses. II est évident que notre versification,
entravée par la rime, est rebelle à la traduction. Pour faire une traduction
tant soit peu exacte, en vers, tout en conservant la forme, il fallait donc
choisir une prosodie licencieuse. J' ai cru bien faire en imitant la langue
libre du XVI" siecle, la versification licencieuse de Marot.
Je n' ai pas eu cette raison seulement pour tradu ire Catulle dans la
langue du XVI"siecle. Mais il m' a semblé qu'à I' époque de Catulle, la
langue latine était formée au même degré à peu pres que, chez nous,
la langue française sous Henri IV. J'ai suivi le raisonnement de Littré
qui traduisait Homere en langue romane. On ne saurait croire combien

176 M ARCE L ScHWOB


MARCEL SCHWOB

PREFÁCIO A UMA TRADUÇÃO DE CATULO EM


VERSOS MAROTIANOS (1883-1886)

Marcel Schwob escreveu este prólogo para uma tradução que realizou de
alguns versos de Catulo, hoje perdida. Resta-nos, felizmente, este prefácio,
no qual Schwob apresenta os princípios de seu método translativo, que ele
chamou de "analogia das línguas e literaturas com o mesmo grau de
formação". Fonte: Oeuvres completes, Paris, François Bemouard, 1927, tome
I, p. 85-86.

Eis uma nova macaquice em verso, como diria Baudelaire se ele


ainda estivesse neste mundo. Dedico esta tradução ao mundo letra-
do inteligente, que tem bom gosto, sabe o valor de um bom autor e
não procura impor seu espírito para tomá-lo mais acessível - ou
seja, meu livro não se destina àqueles que escrevem com o nariz,
como falam e que
Contudo, sua ciência calamitosa
Empaca em qualquer palavra duvidosa

As traduções em verso têm má fama: ou conservam a forma e


alteram totalmente o sentido, ou conservam o sentido e mandam a
forma às favas. Os dois métodos são igualmente defeituosos. É evi-
dente que nossa versificação, entravada pela rima, é rebelde à tradu-
ção. Para fazer uma tradução em verso minimamente precisa, conser-
vando a forma, seria necessário escolher uma prosódia licenciosa. Foi
o que fiz, imitando a língua livre do século XVI, ou seja, a versificação
licenciosa de Marot.
Não foi esta a única razão para traduzir Catulo na língua do
século XVI. Pareceu-me que na época de Catulo a língua latina
estava no mesmo estágio que, entre nós, a língua francesa sob
Henrique IV. Segui o princípio de Littré, que traduzia Homero
em língua romana. Custa crer como as construções e expressões

CLÁSSICOS DA TEORlA DA TRADUÇÁO - ANTOLOGIA BILÍNGÜE/FRANCÊS-PORTUGUÊS 177


les expressions et les tournures ont d'analogie dans deux langues
arrivées au même degré de formation.
Du reste cette analogie, dans ce cas, est fort explicable: au XVI'
siecle, comme sous César, la langue de la littérature grecque a fait
invasion: on retrouve du grec dans les mots et les idées.
C'est ce qui fait qu'à mon avis, CatuUe n'est traduisible qu'en vieux
français, malgré la bizarrerie apparente de cette opinion. II est possible
que ma traduction soit mauvaise, mais j'espere avoir ouvert une nouvelle
voie désormais déblayée pour mes successeurs: "1' analogie des langues
et des littératures aux mêmes degrés de formation".

178 M ARCEL ScHWOB


apresentam analogias em duas línguas que atingiram o mesmo
grau de formação.
Ademais, a analogia é, neste caso, facilmente explicável: no século
XVI, como sob César, a língua e a literatura gregas invadem tudo: o
grego se dissemina nas palavras e nas idéias.
Isto faz com que, no meu entender, Catulo só seja traduzível em
francês antigo, apesar da esquisitice aparente desta opinião. É possí-
vel que minha tradução seja ruim, mas espero ter aberto uma nova
via, doravante livre para meus sucessores: "a analogia das línguas e
literaturas com o mesmo grau de formação".

Tradução: Walter Carlos Costa

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILlNGÜE/FRANCÊS-PORTUGUÊS 179


MARCEL ScHWOB

DE L' ART DE TRADUIRE


DA ARTE DE TRADUZIR
MARCEL SCHWOB

DE L'ART DE TRADUIRE (1903-1905)

Source: Marcel Schwob, Oeuvres, textes réunis et présentés par Alexandre


Gefen. Paris: Les Belles Lettres, 2002, pp. 984-5.

Le rédacteur à qui aura été confiée la rubrique de l'étranger doit


prendre soin de traduire, avec ou sans l'aide du dictionnaire, le plus
littéralement qu'il se pourra, et de laisser au langage toute sa tournure
étrangere. II est bon de montrer au public l'ignorance que les étrangers
ont tous de la langue française, et de lui faire comprendre que les
étrangers écrivent tous mal. De plu;', au cas (et iI faut toujours le
prévoir) ou le metteur en pages commettrait une erreur, oublierait le
titre, ou transporterait la note de l'étranger aux échos mondains, le
lecteur se trouverait averti tout naturellement qu'il est en présence
d'un article allemand ou d'un article anglais. Par exemple:
Oans les considérants de la sentence, le tribunal a déclaré considérer
comme prouvé d'apres les aveux des accusés et aussi d'apres des
preuves abondantes que les trois hommes ont commis dans trois cas et
ont essayé de commettre dans un cas le crime de haute trahison. (Le
Temps, Allemagne, - 10 novembre 1902).

Oresde,11 février.
Le jugement prononcé par le tribunal extraordinaire dans l'affaire du
prince héritier de Saxe a la teneur suivante: "Le divorce est prononcé
pour cause d' adultere commis par I' épouse inculpée avec le professeur
de langues Giron." (Le Temps, 11 février 1903).

Grâce à ce procédé, iI est loisible à chacun de se charger de la


rubrique. En effet, il suffit de chercher chaque mot dans le dictionnaire
et de le représenter par son équivalent français, sans Je changer de
place. Outre les avantages énumérés plus haut, vous trouverez c'elui
d'être fidele etexact sans vous donner aucune peine. Si, d'ailleurs, un
mot avait plusieurs sens dans le dictionnaire, choisissez le premier,

182 M ARCEL ScHWOB


MARCEL SCHWOB

DA ARTE DE TRADUZIR (1903-1905)

Source: Marcel Schwob, Oeuvres, textes réunis et présentés par Alexandre


Gefen. Paris: Les Belles Lettres, 2002, pp. 984-5.

o redator encarregado da seção internacional deve tomar cuida-


do de traduzir, com ou sem auxílio do dicionário, o mais literal-
mente possível e deixar à língua toda a construção estrangeira. Con-
vém mostrar ao público a ignorância de todos os estrangeiros em
relação à língua francesa e demonstrar como todos os estrangeiros
escrevem mal. Ademais, no caso (e é importante prever) de o com-
positor tipográfico cometer algum erro, esquecer o título ou dar
um ar mundano à nota do exterior, o leitor estaria devidamente
avisado que se trata de um artigo alemão ou de um artigo inglês.
Por exemplo:

Nos considerandos da sentença, o tribunal declarou considerar provado,


de acordo com a confissão dos acusados e de acordo com provas
abundantes, que os três homens cometeram em três casos, e tentaram
cometer em um caso, o crime de alta traição. (Le Temps, Alemanha, 10
de novembro de 1902.)

Dresden, 11 de fevereiro.
A sentença proferida pelo tribunal extraordinário no caso do príncipe
herdeiro da Saxônia reza o seguinte: "O divórcio é autorizado por
causa de adultério cometido pela esposa processada com o professor
de línguas Giron." (Le Temps, 11 de fevereiro de 1903.)

Graças a este procedimento, qualquer um está em condições de se


responsabilizar pela seção. De fato, basta procurar uma palavra no
dicionário e representá-la por seu equivalente francês, sem mudá-lo
de lugar. Além das vantagens acima enumeradas, há a vantagem de
ser fiel e exato sem fazer esforço algum. Se, ademais, uma palavra
tiver vários significados no dicionário, basta escolher o primeiro, que

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - A NTOLOGIA BI LlNGÜE/ FRANCÊS-PORTUGU~ 183


qui doit être plus général, partant plus vague. Et si, l'opération
terminée, l'ensemble ne paraissait pas clair, soyez sur que le lecteur
n' éprouvera aucune surprise, mais plutôt de la satisfaction, pourvu
que vous preniez soin de lui faire bien voir qu'illit un article en
langue étrangere. Vos erreurs (si vous en commettez) passeront ainsi
pour les sottises des Allemands ou des Anglais et vous aurez fait
oeuvre de bon patriotisme*.

N.B. - La plupart des dictionnaires allemands sont imprimés en


caracteres latins. Si vous ne pouvez lire le gothique des journaux, il
faudra transcrire lettre à lettre, en cherchant dans l'alphabet placé en
tête. Un peu d'habitude vous facilitera ce travail. Pour l'anglais,
l'italien et l'espagnol, cette difficulté n' existe pas. Vous pouvez, sans
courir de risques, refuser de traduire les journaux russes.

*Un bon exemple de cette maniere de traduire a été donné par l'éminent
publiciste anglais Edmund Gosse, dans la vie du poete Donne (The
LHe and Letters o/John Donne, Londres, 1899, voI. I, pp. 23 et 24). Sa
traduction de la devise espagnole de Donne Antes muerto que muda-
doest de tout point excellente. M. Gosse écrit Be/ore J am dead how
shallJ be changed, c' est-à-dire Avant queje suis mort combien serai-je
changé! Un autre aurait mis: "Plutót mourir que changel', qui serait
évidemment mauvais. Le premier sens de antesdans votre petit lexique
est avant c'est celui qu'il fallait choisir. Qui ne voit, d'ailleurs, que
"plutôt mourir que changer" n'est qu'un truisme de proverbe? Au
lieu que la pensée: "Avant que je sois mort combien serai-je changé!"
se trouve inscrite sur le portrait de Donne par Marshall, fait en 159l.
Donne avait 18 ans et iI prévoyait déjà qu'il cesserait un jour d'être
courtisan libertin pour devenir doyen de Saint-Paul. Tant une
traduction exacte et littérale, fait selon les préceptes indiqués, peut
éclairer sur l'histoire d'une âme et d'une vie entiere!

184 M ARCEL ScHWOB


deve ser o mais geral e, portanto, o mais vago. E se, terminada a ope-
ração, o conjunto não parecer claro, você pode estar seguro de que o
leitor não demonstrará surpresa, mas satisfação, desde que você se
encarregue de deixar bem claro que ele está lendo um artigo em
lÚ1gua estrangeira. Os seus erros (se você cometer algum) passarão
por tolices dos alemães ou dos ingleses e você terá feito uma ação
patriótica*.

N.B. - A maior parte dos dicionários alemães estão impressos em


caracteres latinos. Se você não consegue ler o gótico dos jornais, será
preciso transcrever letra por letra, procurando no alfabeto colocado
no início. Com um pouco de hábito seu trabalho será facilitado. Para
o inglês, o italiano e o espanhol esta dificuldade não existe. Você
pode, sem correr nenhum risco, se recusar a traduzir os jornais russos.

* Um bom exemplo desta maneira de traduzir foi dado pelo ilustre


publicista inglês Edmund Cosse, na biografia do poeta Donne (The
Lile and Letters 01John Donne, Londres, 1899, vol. I, pp. 23-24). Sua
tradução da divisa espanhola de Donne Antesmuerto que mudado é,
sob todos os pontos de vista, excelente. O sr. Cosse escreve Belore Jam
dead how shall J be changed, ou seja, Antes de morreI; quanto tereÍ
mudado! Uma outra pessoa teria escrito: "Antes morrer que mudai',
o que seria, evidentemente, ruim. O primeiro sentido de antesna sua
pequena lista de palavras é antes (temporal): e é o que se tinha que
escolher. Quem não vê que "antes morrer que mudar" é apenas um
provérbio banal? Enquanto o pensamento "Antes de morrer, quanto
terei mudado!" está inscrito no retrato de Donne feito por Mashall em
1591. Donne tinha 18 anos e ele já previa que um dia deixaria de ser
um cortesão libertino para se tomar deão da catedral de Saint Paul.
Como uma tradução exata e literal, feita segundo os preceitos indica-
dos, pode revelar a história de uma alma e de toda uma vida!

Tradução: Walter Carlos Costa

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILlNGÚE/ F RANCÊS-PORTUGUÊS 185


PAUL VALÉRY

VARIATIONS SUR LES BUCOl/QUES DE


VIRGILE
VARIAÇÕES SOBRE AS Buc6l/CAS DE
VIRGÍLIO
PAUL VALÉRY

VARIATIONS SUR LES BUCOLIQUES DE VIRGILE


(1943-1945)

Vers la fin de sa vie (sans certitude de date), Paul Valéry (1871-1945) réalise
une traduction des BucoJjquesde Virgile, qu'il accompagne de ces "Variations":
des remarques sur le poete latin et des reflexions sur la traduction et l' écriture
de la poésie en généraL Source: "Traductions en vers des Bucoliques de Virgile",
Oeuvres 1, Bibliotheque de la Pléiade, Gallimard, 1957, p. 207-222.

A mon cher docteur A. Roudinesco,


souvenir d'une collaboration affectueuse
et parfois médicale.
Le 20 aout 1944.

II m' a été demandé par un de mes amis, au nom de quelques


personnes qui veulent en faire un beau livre, de trad uire les Bucoliques
à ma façon; mais, soucieuses d'une symétrie qui rendit sensible au
regard leur dessein de composer des pages d'une noble et solide
ordonnance, elles ont pensé qu'il convenait que le latin et le français
se correspondissent ligne pom ligne, et elles m' ont proposé le
probleme de cette égalité d'apparence et de nombre.

*
La langue latine est, en général, plus dense que la nôtre. Elle n'use
pas d' articles; elle fait l' économie des auxilia ires (du moins à l' époque
classique); elle est avare de prépositions; elle peut dire les mêmes
choses en moins de mots, elle dispose d' ailleurs des arrangements de
ceux-ci avec une liberté qui nous est presque entierement refusée, et
qui fait notre envie. Cette latitude est des plus favorables à la poésie,
qui est un art de contraindre contim1ment le langage à intéresser
immédiatement Forelile (et par celle-ci tout ce que les sons peuvent
exciter par eux-mêmes) au moins autantquíl ne lait Fesprit Un vers
est à la fois une suite de syllabes et une combinaison de mots; et

188 PAUL VALÉRY


PAUL VALÉRY

VARIAÇÕES SOBRE AS BUCÓLICAS DE VIRGÍLIO


(1943-1945)

Nos seus últimos anos de vida (data incerta), Paul Valéry (1871-1945) realiza
uma tradução das Bucólicasde Virgílio, à qual ele acrescenta estas "Variações":
comentários sobre o poeta latino e reflexões sobre a tradução e a atividade poética
em geral. Fonte: "Traductions en vers des Bucoliques de Virgile", Oeuvres 1,
Bibliotheque de la Pléiade, Gallimard, 1957, p. 207-222.

A meu caro Roudinesco,


recordação de urna colaboração afetuosa
e, por vezes, médica.
20 de agosto de 1944

Fui solicitado, por um de meus amigos, em nome de algumas


pessoas que desejavam fazer um belo livro, a traduzir as Bucólicas à
minha maneira; porém, ciosas de uma simetria que tornasse sensível
ao olhar sua intenção de compor páginas de uma organização nobre e
sólida, elas pensaram ser conveniente que o latim e o francês
correspondessem linha por linha, e me propuseram a problemática
dessa igualdade de aparência e número.

*
A língua latina é, de modo geral, mais densa que a nossa. Ela não
utiliza artigos; ela faz economia de auxiliares (ao menos na época
clássica); ela é avarenta com as preposições; ela é capaz de dizer as
mesmas coisas em menos palavras, ela dispõe, além disso, seus arran-
jos com uma liberdade que nos é quase inteiramente interditada, e nos
causa inveja. Essa liberdade é das mais favoráveis à poesia, que é a arte
de obrigai; o tempo todo, a linguagem a convocar de imediato o
ouvido (e, com isso, tudo o que os sons podem estimular por si pró-
prios), ao menos na mesma medida em que o faz com o espírito. Um
verso é, simultaneamente, uma seqüência de sílabas e uma combina-

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - A NTOLOGIA BILlNGÜE/FRANCÊS-PORllJGUÊS 189


comme cette combinaison doit se composer en un sens pIobahie, ainsi
la suite de syllabes doit se composer en une sorte de ligure pOUI
l'oui'e, qui s'imposât, avec une necessité particuliere et comme insolite,
à la diction et à la mémoire, du même coup. Le poete a donc à satisfaire
constamment à deux exigences indépendantes, de même que le peintre
doit offrir à l'oeJi pUI une harmonie, mais à l' entendement, une
ressemblance de choses ou d' êtres. nest clair que la liberté de l' ordre
des mots dans la phrase, à laquelle le français est singulierement
opposé, est essentielle au jeu de la versification. Le poete français fait
ce qu'il peut dans les liens tres étroits de notre syntaxe; le poete latin,
dans la sienne si large, à peu pres ce qu'il veut.

*
S'agissant donc pour moi de traduire ligne pour ligne, le fameux
texte de Virgile en français, et n' étant disposé à admettre, de moi
comme des autres, qu'une traduction aussi fidele que la différence
des langues le permit, mon premier mouvement fut de renoncer à
exécuter I' ouvrage qui m' était demandé. Rien ne me désignait pour
l'accomplir. Mon peu de latin d'écolier était, depuis cinquante-cinq
ans, réduit au souvenir de son souvenir; et tant d'hommes des plus
lettrés et des plus érudits (sans compter les autres) s' étant, au cours de
trois ou quatre siecles, exercés à la traduction de ces poemes, je ne
pouvais espérer que de faire plus mal ce qu'ils avaient accompli
supérieurement. J'ajoute, je confesse que les themes bucoliques
n' excitent pas furieusement mon courage. La vie pastorale m' est
étrangere et me semble ennuyeuse. L'industrie agricole exige
exactement toutes les vertus que je n' ai pas. La vue des sillons m' attriste,
- jusques à ceux que trace ma plume. Le retour des saisons et de leurs
effets donne l'idée de la sottise de la nature et de la vie, laquelle ne
sait que se répéter pour subsister. Je songe aussi à toute la peine
monotone que veut le tracement régulier de rides dans la terre lourde,
et je ne m' étonne point qu' on ait vu une peine afflictive et infamante
dans l' obligation infligée à l'homme de "gagner son pain à la sueur
de son front". Cette formule m'a toujours paru ignoble. Que si l'on
me reprend sur ce sentiment que j'avoue et que je ne prétends pas
défendre, je dirai que je suis né dans un port. Point de champs
alentour, des sables et de l' eau salée. L' eau douce y vient de loin. On
n'y connaissait de bétail qu'à 1'état de cargaison, plus morte que

190 PAUL VALÉRY


ção de palavras; e como essa combinação deve constituir um sentido
verossÍn1JJ, também a seqüência de sílabas deve constituir uma espé-
cie de imagem para o ouvido que se imponha, ao mesmo tempo,
numa necessidade particular e como que insólita, à dicção e à memória.
O poeta deve, portanto, satisfazer constantemente duas exigências inde-
pendentes, como deve o pintor oferecer ao olhopuro uma harmonia, ao
passo que, ao entendimento, uma similitude a coisas ou a seres. Éclaro
que a liberdade de ordem das palavras na frase, à qual o francês se opõe
de maneira singular, é essencial ao jogo da versificação. O poeta francês
faz o que pode nas tramas bastante restritas da nossa sintaxe; o poeta
latino, na dele, tão ampla, tem quase tudo o que deseja.

*
Tratando-se, portanto, para mim, de traduzir linha por linha o
célebre texto de Virgílio para o francês, e não estando disposto a ad-
mitir, de mim como de outros, nada que não seja uma tradução tão fiel
quanto a diferença entre as línguas permite, o meu primeiro movi-
mento foi o de renunciar à execução da obra que me foi solicitada.
Nada me qualificava para realizá-la. O meu parco latim de escolar
estava, depois de cinqüenta e cinco anos, reduzido à lembrança de
sua lembrança; e tendo tantos homens dos mais letrados e dos mais
eruditos (sem contar os outros), ao longo de três ou quatro séculos, se
entregado à tradução desses poemas, eu não podia esperar nada a não
ser fazer pior o que eles realizaram de modo excepcional. Acrescento,
confesso que os temas bucólicos não excitam tremendamente o meu
ânimo. A vida pastoral me é estranha e me parece tediosa. A faina
agrícola demanda precisamente todas as virtudes que eu não tenho. A
visão dos sulcos me entristece - mesmo a dos que traça a minha pena.
A recorrência das estações e de seus efeitos transmite a idéia da estu-
pidez da natureza e da vida, que sabe apenas se repetir para subsistir.
Penso também em todo o esforço monótono que exige o traçado regu-
lar dos regos na terra espessa, e não me surpreende que se tenha visto
um sofrimento aflitivo e infame na obrigação infligida ao homem de
"ganhar o pão com o suor de seu rosto". Esta formulação me pareceu
sempre ser ignóbil. E se for censurado por esse sentimento que eu
revelo, e não tenho a intenção de defender, direi que nasci num porto.
Nada de campos na redondeza, apenas areia e água salgada. A água
doce vinha de longe. Eu não vi gado a não ser como carga, mais morto

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILlNGÜE/FRANCils-PORTUGUÊS 191


vive, pauvres bêtes suspendues entre deI et terre, hissées à toute
vapeur, agitant leurs pattes dans l'espace, reposées tout ahuries sur
la poussiere des quais; et puis, troupeau poussé vers les trains
sombres, trottant et trébuchant entre les rails des voies ferrées, sous
le bâton de pâtres sans pipeaux.

*
Mais enfin, l'espece de défi que me portaient les difficultés
dont j' ai parlé, et les comparaisons mêmes qu'il y avait à craindre,
agirent comme des aiguillons et firent que je cédai. J' ai une sorte
d'habitude de m'abandonner à ces agents du destin que l'on
nomme les "Autres". II n'y a de volonté en moi que sur deux ou
trois points absolus, profondément fixés . Sur le reste, je suis facile
jusqu'à la faiblesse et à la bêtise, par une étrange indifférence qui
se fonde, peut-être, sur ma certitude que personne ne sait ce qu'il
fait, ni ce qu'il sera et que vouloir quelque chose, c'est en vouloir
du coup une infinité d' autres qui ne manqueront point de paraitre
à leur tour sur l'horizon. Tous les événements de ma vie, qui ont
été des actes de moi en apparence, ont été l' oeuvre de quelque
autre, et chacun est signé d 'un nom. J'ai observé qu 'il n'y a guere
plus d'avantage que de désavantage à faire ce que l'on veut, et
ceci me conduit à ne demander comme à ne refuser que le moins
possible. Devant la complexité et l' emmêlement des choses, la
. décision la plus raisonnée n' est pas différente d'un tirage à pile ou
face; si ce n' est le jour même, on le voit bien le mo is apres o

*
J' ai donc rouvert mon Virgile de classe, ou ne manquent point,
selon l'usage, les notes qui manifestent toute l'érudition d'un
professeur, mais qui ne la manifestent qu'à lui, car elles seraient, pour
la plupart, merveilleusement propres à embarrasser de leur philologie
et de ses doutes, l'innocent éleve, si, du reste, illes consultait, ce qu'il
n' a garde de faire.
Virgile de mes classes, qui m' eut dit que j' aura is encore à barboter
en toi?

192 P AU L V ALÉ RY
do que vivo, pobres bestas suspensas entre o céu e a terra, erguidas a
todo vapor, agitando as patas no espaço, depostas espantadas na poei-
ra dos cais; e, depois, tropel conduzido para os trens sombrios, trotan-
do e estrebuchando entre os trilhos das vias férreas, sob o bastão de
pastores sem flautas.

*
Mas, enfim, o gênero de desafio que me ofereciam, as dificuldades
de que falei, e as próprias comparações que havia a se temer, agiram
como espinhos e fizeram com que eu cedesse. Eu tenho uma espécie
de hábito de me entregar a esses agentes do destino que denominamos
os "Outros". Não existe em mim vontade, a não ser no que diz respei-
to a dois ou três pontos absolutos, profundamente enraizados. Quan-
to ao restante, sou displicente até a fraqueza e a estupidez, por uma
estranha indiferença que se fundamenta, talvez, sobre a minha certeza
de que ninguém sabe o que faz, nem o que será, e desejar alguma coisa
é desejar ao mesmo tempo uma infinidade de outras que não deixarão
de aparecer, por sua vez, no horizonte. Todos os acontecimentos da
minha vida, que na aparência foram atos do eu, foram obra de algum
outro, e cada um traz a assinatura de um nome. Observei que não
existe mais vantagem do que desvantagem em se fazer o que se quer,
e isso me levou a não questionar, bem como não recusar, a não ser o
menos possível. Ante a complexidade e o emaranhado das coisas, a
decisão mais razoável não é diferente de um lançe de cara ou coroa; se
não no próprio dia, vê-se o bem um mês depois.

*
Assim, eu abri de novo o meu Virgílio da escola, em que não
faltavam, segundo o costume, as notas que expressam toda a erudição
de um professor, mas que somente a expressam para ele mesmo, pois
seriam, na maioria, maravilhosamente adequadas para embaraçar com
sua filologia e dúvidas o aluno inocente, se ele as consultasse, o que
ele poderia cuidar para não fazer.
Virgílio das minhas aulas, quem me disse que eu ainda iria chapi-
nhar em você?

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - A NTOLOGIA BILÍNGÜE/ FRANCÊS-P ORTUGUF.s 193


*
M' étant juré sur ce Virgile d' enfant d'être aussi fidele que possible
au texte de ces pieces de circonstance que dix-neuf siecles de gloire
ont faites vénérables et quasi sacrées, et considérant la condition que
j' ai dite de la correspondance ligne pour ligne du Virgile selon Virgile
et du Virgile selon moi, j'ai pris le parti de faire vers pour vers, et
d'écrire un alexandrin en regard de chaque hexametre. Toutefois, je
n' ai même pas songé à faire rimer ces alexandrins, ce qui m' eut
assurément contraint à en prendre trop à mon aise avec le texte, tandis
que je ne me suis guere permis que des omissions de détail. D'autre
part, l'usage du vers m'a rendu çà et là plus facile, et comme plus
na turelle, la recherche d' une certaine harmonie sans laquelle, s'agissant
de poésie, la fidélité restreinte au sens est une maniere de trahison.
Que d' ouvrages de poésie réduits en prose, c' est-à-dire à leur substance
significa tive, n' existent littéralement plus! Ce sont des préparations
anatomiques, des oiseaux morts. Que sais-je! Parfois l' absurde à l' état
libre, pullule sur ces cadavres déplorables, que I'Enseignement
multiplie, et dont iI prétend nourrir ce qu'on nomme les "Études". II
met en prose comme on met en biere.
C'est que les plus beaux vers du monde sont insignifiants ou
insensés, une fois rompu leur mouvement harmonique et altérée leur
substance sonore, qui se développe dans leur temps propre de
propagation mesurée, et qu'ils sont substitués par une expression
sans nécessité musicale intrinseque et sans résonance. }'irai même
jusqu'à dire que plus une oeuvre d'apparence poétique survit à sa
mise en prose et garde une valeur certaine apres cet attentat, moins
elle est d' un poete. Un poeme, au sens moderne (c' est-à-dire paraissant
apres une longue évolution et différenciation des fonctions du
discours) doit créer l'illusion d'une composition indissoluble de son
et de sens, quoiqu'il n'existe aucune relation rationnelle entre ces
constituants du langage, qui sont joints mot par mot dans notre
mémoire, c'est-à-dire par le hasard, pour être à la disposition du
besoin, autre effet du hasard.

*
Je dirai maintenant mes impressions de traducteur en toute
simplicité; mais, selon le vice de mon esprit, je ne me tiendrai pas de

194 P AUL V ALÉRY


*
Tendo jurado sobre esse Virgílio de infância que seria o mais fiel
possível à letra dessas peças de ocasião, que dezenove séculos de
história tornaram veneráveis e quase sagradas, e, considerando a con-
dição que já mencionei da correspondência linha por linha entre o
Virgílio segundo Virgílio e o Virgílio segundo mim, optei por fazer
verso por verso, e por escrever um alexandrino face a cada hexâmetro.
Seja como for, eu não imaginei fazer rimarem esses alexandrinos, o
que certamente me obrigou a ficar à vontade com o texto, na medida
que não me permiti omissões a não ser de detalhes. Por outro lado, a
utilização do verso me tornou aqui e ali mais fácil, e como que mais
natural, a busca de certa harmonia sem a qual, em se tratando de
poesia, a fidelidade restrita ao sentido é uma forma de traição. Quantas
obras de poesia reduzidas a prosa, ou seja, à sua essência significativa,
deixaram literalmente de existir! São preparados anatômicos, aves
mortas. Nem sei! Às vezes o absurdo em estado livre pulula sobre
esses cadáveres deploráveis que o Ensinamento multiplica e tenciona
com eles nutrir o que se chama de "Estudos". Põe-se em prosa como
se depõe numa sepultura.
Os mais belos versos do mundo são insignificantes ou insensatos,
uma vez rompido seu movimento harmônico e alterada sua substân-
cia sonora, que se desenvolve a seu tempo próprio de propagação
ritmada, e se substituídos por uma expressão sem demanda musical
intrínseca e sem ressonância. Diria mesmo que quanto mais uma obra
de aparência poética sobrevive à sua passagem para prosa, e guarda
um valor indiscutível depois desse atentado, menos ela é de um poe-
ta. Um poema, no sentido moderno, (ou seja, que tenha surgido de-
pois de uma longa evolução e diferenciação das funções do discurso)
deve criar a ilusão de uma composição indissolúvel de som e de
sentido, ainda que não exista nenhuma relação racional entre esses
constituintes da linguagem, reunidos palavra por palavra na nossa
mente, ou seja, pelo acaso, para estarem à disposição da necessidade,
outro efeito do acaso.

*
Direi agora as minhas impressões de tradutor com toda simplici-
dade; porém, de acordo com o vício de meu espírito, não deixarei de

CLÁSSICOS DA JEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILlNGÜE/ FRA NCÊS-PORTUGU~ 195


me faire d' abord quelques 'principes et d' agiter quelques idées, -
pour le plaisir... npõÇ Xaptv.

*
Écrire quoi que ce soit, aussitôt que I' acte d' écrire exige de la
réflexion, et n' est pas l'inscription machinale et sans arrêts d' une parole
intérieure toute spontanée, est un travail de traduction exactement
comparable à celui qui opere la transmutation d'un texte d'une langue
dans une autre. C'est que, dans le domaine d'existence d'une même
langue, dont chacun satisfait à des conditions du moment et de
circonstance, notre interlocuteur, nos intentions simples ou complexes,
le loisir ou la hâte, et le reste, modifient notre discours. Nous avons un
langage pour nous-mêmes, dont les autres manieres de parler s'écartent
plus ou moins; un langage pour nos familiers; un pour le commerce
général; un pour la tribune; iI y en a un pour l' amour; un pour la
colere; un pour le commandement et un pour la priere; iI y en a un
pour la poésie et un de prose, sinon plusieurs encore dans chacune; et
tout ceci dans le même vocabulaire (mais plus ou moins restreint ou
étendu, selon le cas) et sous la même syntaxe.

*
Que si le discours est réfléchi, iI est comme fait d' arrêts; iI procede
de station en station. L'esprit, au lieu d'épouser et de laisser s'émettre
ce qui lui vient en réponse immédiate à ce qui I' excite, pense et repen-
se (comme en aparte') la chose qu'il veut exprimer, et qui n' est pas du
langage; et ceci, en présence soutenue, des conditions qu'il s'est
données.
Un homme qui fait des vers, suspendu entre son beau idéal et son
rien, est dans cet état d' attente active et interroga tive qui le rend
uniquement et extrêmement sensible aux formes et aux mots que
I'idée de son désir, reprise comme retracée indéfiniment, demande à
inconnu, aux ressources latentes de son organisation de parleur, -
cependant que je ne sais quelle force chantanteexige de lui ce que la
pensée toute nue ne peut obtenir que par une foule de combinaisons
successivement essayées. Le poete choisit parmi celles-ci, non point
celle qui exprimerait le plus fidelement sa "pensée" (c' est l' affaire de
la prose) et qui lui répéterait donc ce qu'il sait déjà; mais bien celle

196 P AUL V ALÉRY


me colocar de início alguns princípios e de debater algumas idéias -
pelo prazer. .. npõÇ xapw.

*
Escrever o que quer que seja, de imediato o ato de escrever exige
reflexão, e não é a inscrição mecânica e sem interrupções de uma fala
interior espontânea, é um trabalho de tradução perfeitamente compará-
vel ao que opera a transmutação de um texto de uma língua a outra. É
o que, no território de existência de uma mesma língua, onde cada um
satisfaz as condições do momento e as circunstâncias, o nosso interlocutor,
as nossas intenções simples ou complexas, o tempo de sobra ou a pressa,
e o restante, modificam no nosso discurso. Temos uma linguagem para
nós mesmos, em que os outros modos de falar mais ou menos se descar-
tam; uma linguagem para os nossos familiares; uma para o comércio em
geral; uma para a tribuna; existe uma para o amor; uma para a cólera;
uma para dar ordens e uma para as orações; existe uma para a poesia e
uma para a prosa, senão muitas mais contidas em cada uma; e isso tudo
com o mesmo vocabulário (mas mais ou menos restrito ou ampliado,
segundo ocaso) e sob a mesma sintaxe.

*
Se o discurso é fruto de reflexão, ele é como se feito de paradas;
passa de estação em estação. O espírito, em vez de adotar e permitir a
expressão do que lhe vem como resposta imediata ao que o excita,
pensa e repensa (como num aparte) o que deseja exprimir, e que não é
linguagem; e isto, em presença sustentada, nas condições que lhe são
dadas.
Um homem que faz versos, suspenso entre o seu belo ideal e o seu
nada, encontra-se nesse estado de espera ativa e interrogadora, que o
toma única e extremamente sensível às formas e às palavras que a
idéia de seu desejo, retomado, indefinidamente, numa revisão, per-
gunta ao desconhecido, aos recursos latentes de sua organização de
falante - ao passo que eu não sei que força cantante exige dele o que
o pensamento desnudo não pode obter, a não ser por uma multidão
de combinações sucessivamente ensaiadas. O poeta escolhe entre elas,
não a que exprimirá com mais fidelidade o seu "pensamento" (é pro-
blema da prosa) e que lhe repetirá, portanto, o que ele já sabe; mas

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILíNGÜE/ FRANCÊS-PORl1JGUÊS 197


qu'une pensée à soi seule ne peut produire et qui lui parait à la fois
étrange et étrangere, précieuse, et solution unique d' un probleme qui
ne s'énonce qu'une fois résolu. Cette bienheureuse formation
communique au poete le même état d'émotion qui l'a tout à coup
engendrée : elle n' est point une expression par construction, mais une
sorte de propagation, d'effet de résonance. Le langage, ici, n'est plus
un intermédia ire que la compréhension annule, une fois son office
accompli; il agit par sa forme, dont l' effet est de la faire aussitôt renaitre
et reconnaitre elle-même.
Le poete est une espece singuliere de traducteur qui traduit le
discours ordinaire, modifié par une émotion, en "langage des dieux";
et son travail interne consiste moins à chercher des mots pour ses
idées qu'à chercher des idées pour ses mots et ses rythmes
prédominants.

*
Quoique latiniste des moins surs de soi, cette mince et médiocre
connaissance qui m'est restée du langage de Rome m'est infiniment
précieuse. On peut fort bien écrire tout en l'ignorant, mais je ne crois
pas que, l'ignorant, on puisse se sentir aussi bien construire ce qu'on
écrit que si l'on a quelque conscience d'un latin sous-jacent. On peut
fort bien dessiner des corps humains sans connaitre le moins du mon-
de l' anatomie; mais ceI ui qui la connait en doit tirer quelque avantage,
ne rut-ce que celui d' abuser de ce savoir pour déformer plus hardiment
et heureusement les figures de ses compositions. Le latin n' est pas
seulement le pere du français; iI est aussi son éducateur en matiere de
grand style. Toutes les niaiseries et les raisonnements incroyables qu' on
a produits pour défendre ce qu' on nomme du nom vague et menteur
d'HUMANITÉS ne font qu'offusquer l'évidence de la vraie valeur
pour nous d'une langue à laquelle nous devons ce qu'il y a de plus
solide et de plus digne dans les monuments de la nôtre. Elle se rapporte
à celle-ci de deu x manieres différentes : ce qui est remarquable en soi
et singulier. Et d' abord, elle l' engendre par une suite de modifications
insensibles d'elle-même, évolution durant laquelle s'introduisent
quantité de facteurs et d' apports irrégulierement annexés et incorporés
au cours des âges. Plus tard, notre français déjà bien établi et bien
détaché de la souche, iI arriva que de savants hommes et les auteurs
les plus relevés de leur temps élurent, dans la longue histoire de la

198 P AU L V ALÉRY
aquela que um pensamento em si mesmo não pode prod uzir e que lhe
pareça ao mesmo tempo estranha e estrangeira, preciosa, e solução
única de um problema que somente se enuncia uma vez solucionado.
Esta conformação feliz transmite ao poeta o mesmo estado emocional
que a engendrou: ela não é uma expressão por construção, mas uma
espécie de propagação, de efeito de ressonância. A linguagem, aqui,
não é mais um intermediário que a compreensão anula, uma vez cum-
prido seu papel; ela age por meio de sua forma, cujo efeito é de fazê-
la renascer e reconhecer a si mesma de imediato.
O poeta é uma espécie singular de tradutor que traduz o discurso
comum, modificado por uma emoção, para a "linguagem dos deu-
ses"; e seu trabalho interior consiste menos em buscar palavras para as
suas idéias do que buscar idéias para as suas palavras e ritmos predo-
minantes.

*
Embora latinista dos menos seguros de si, esse parco e medíocre
conhecimento que me restou da linguagem de Roma me é infinita-
mente precioso. Não se pode escrever bem ignorando-a por comple-
to, mas não creio que, ignorando-a, alguém possa sentir tão bem a
construção do que escreve, a não ser que tenha alguma consciência de
um latim subjacente. Podemos desenhar bem corpos humanos sem
conhecer nada de anatomia; mas quem a conhece deve tirar alguma
vantagem, ainda que não seja mais que abusar desse saber para defor-
mar com mais ousadia e felicidade as figuras de suas composições. O
latim não é apenas o pai do francês; é também seu educador em maté-
ria de grande estilo. Toda estupidez e os raciocínios inacreditáveis
produzidos para defendermos o que chamamos pelo nome vago e
mentiroso de HUMANIDADES, não fazem mais que ofuscar a evi-
dência do verdadeiro valor para nós de uma língua à qual devemos o
que há de mais sólido e de mais digno nos monumentos da nossa. Ela
se relaciona a esta de duas maneiras diferentes: o que é digno de nota
em si e o que é singular. E, de início, ela a engendra por uma série de
modificações insensíveis dela mesma, evolução durante a qual se in-
troduz uma série de fatores a contribuições irregularmente anexadas
e incorporadas ao longo dos tempos. Mais tarde, com o nosso francês
já bem estabelecido e bem distanciado do ancestral, aconteceu de
homens sábios e os autores mais relevantes de seu tempo elegerem, na

CLÁSSICOS DA TEORlA DA TRADUÇÃO - ANTOLCX:;IA BILíNGÜE/ FRANCEs-P ORTUGUÊS 199


1

langue littéraire latine, une période assez breve, mais riche en ouvrages
du premier ordre, qu'ils consacrerent comme époque de la perfection
de l' art de parler et d' écrire. On ne peut prouver qu'ils eurent raison,
puisqu'il n'y a point de démonstrations en cette matiere; mais ii serait
facile de montrer que l' étude intime et l' assimilation des écrits de
Cicéron, de Tite-Live ou de Tacite ont été des conditions essentielles
de la formation de notre prose abstraite de la premiere moitié du
XVIle siecle, qui est ce que la France a produit, dans l' ordre des Lettres,
de plus rare et de plus consistant. Tout pauvre en latin que je suis,
voilà ce que je senso
Mais ii devrait s' agir ici de poésie et de Virgile.

*
Au bout de quelque temps que je m' avançais dans ma traduction,
faisant, défaisant, refaisant, sacrifiant ici et là, restituant de mon mieux
ce que j' avais refusé tout d' abord; ce travail d' approximations, avec
ses petits contentements, ses repentirs, ses conquêtes et ses
résignations, m'inspira un sentiment intéressant, dont je n'eus pas
tout de suite conscience, et qu'il vaudrait mieux ne pas déclarer, si
j'avais souci d'autres lecteurs que de ceux assez intérieurs pour le
comprendre.
J'eus, devant mon Virgile, la sensation (que je connais bien) du
poete en travail; et je discutai distraitement avec moi-même, par-ci,
par-là, au sujet de cette oeuvre illustre, fixée dans une gloire millénaire,
aussi librement quej'aurais fait d'un poeme en travail sur ma table. Je
me trouvai, par moments, tout en tripotant ma traduction, des envies
de changer quelque chose dans le texte vénérable. C'était un état de
confusion nalve et inconsciente avec la vie intérieure imaginaire d'un
écrivain du siecle d' Auguste. Cela durait une ou deux secondes de
temps actueI, et m' amusait. Pourquoi pas, me disais-je, en revenant
de cette breve absence. Pourquoi pas? Ce sont toujours, au fond, les
mêmes problemes, - c'est-à-dire, les mêmes attitudes : l' oreille intime
tendue vers le possible, vers ce qui va se murmurer "tout seul", et
murmuré, redevenir désir; le même suspens et les mêmes
précipitations verbales; la même orientation de la sensibilité du
vocabulaire implexe, comme si tout les mots de la mémoire guettaient
leur occasion de tenter leur chance vers la voix. Je ne craignais pas de
rejeter telle épithete, de ne pas aimer tel mot. Pourquoi pas?

200 P AU L V AL~RY
longa história da língua literária latina, um período bastante breve,
mas rico em obras de primeira, que eles consagraram como a época
da perfeição da arte de falar e de escrever. Não se pode provar que
tivessem razão, pois não existem demonstrações nessa matéria; mas
seria fácil mostrar que o estudo íntimo e a assimilação dos escritos
de Cícero, de Tito Lívio ou de Tácito foram condições essenciais na
formação da nossa prosa abstrata na primeira metade do século
XVII, aquele em que a França produziu, no campo das Letras, o mais
incomum e o mais consistente. Por mais pobre que eu seja em latim,
é isso que eu sinto.
Mas, aqui, tratar-se-á de poesia e de Virgílio.

*
Ao cabo de algum tempo de avanço na minha tradução, fazendo,
desfazendo, refazendo, sacrificando aqui e ali, restituindo o melhor
possível o que acabara de recusar; esse trabalho de aproximações,
com suas pequenas alegrias, seus arrependimentos, suas conquistas e
suas resignações, inspirou-me um sentimento interessante, de que
não tive consciência de imediato, e que valeria mais não declarar se eu
me preocupasse com os leitores além daqueles suficientemente co-
nhecedores para compreendê-lo.
Eu tinha, diante do meu Virgílio, a sensação (que conheço bem) do
poeta trabalhando; e eu discutia distraído comigo mesmo, para cá e
para lá, o tema dessa obra ilustre, fixada numa glória milenar, com a
liberdade que teria com um poema sendo trabalhado sobre a minha
mesa. Eu me vi, enquanto revirava a minha tradução, com vontade de
modificar algumas coisas no texto venerável. Era um estado de confu-
são ingênuo e inconsciente com a vida interior imaginária de um
escritor do século de Augusto. Isso durava um ou dois segundos de
tempo real e me divertia. Por que não, eu me dizia, ao retornar dessa
breve ausência. Por que não? Trata-se sempre, no fundo, dos mesmos
problemas - ou seja, das mesmas atitudes: o ouvido íntimo voltado
para o possível, para o que se vai murmurar "completamente só", e,
murmurado, voltar a ser desejo; o mesmo suspense e as mesmas pre-
cipitações verbais; a mesma orientação da sensibilidade do vocabulá-
rio implexo, como se todas as palavras da memória espreitassem a
oportunidade de uma chance na direção da voz. Eu não temia rejeitar
certo epíteto, não amar certa palavra. Por que não?

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILíNGÜE/FRANCÊS-PORTUGUÊS 201


*
Deux remarques simultanées peuvent justifier assez ce
divertissement involontaire. Le critique par distraction peut
s'expliquer devant lui-même.
D' abord, le fait que ces BucoJjques sont une oeuvre de jeunesse.
Ensuite, l'observation de 1'état de la poésie la tine au moment de leur
composition. L'homme était jeune; mais l'art des vers à Rome en était
au point ou iI devient si conscient de ses moyens que la tentation de
les employer pour le plaisir de s' en servir et de les développer à
l'extrême, passe le besoin vrai, primitif et naiJ de s' exprimer. Le gout
de produire l'effet devient cause: mettez une arme aux mains d'un
adolescent, et le fuyez. C' est que la sensation des forces nous presse de
leur trouver un emploi et que l' abus du pouvoir est inévitablement
suggéré par le sentiment qu'on en possede 1'usage. Dans les arts,
apparaissent alors les virtuoses et leur superbe indifférence à l' égard
du sujet qu'ils ont à traiter ou à interpréter.
Mais iI n' est pas nécessaire, pour que se prononce cet état d'âme,
que l'habileté technique, la possession de moyens bien déliés et le
libre jeu des articulations mentales soient réellement aussi assurés
que l'artiste naissant 1'imagine, pour avo ir fait quelques essais dont la
témérité et la nouveauté l' étonnent lui-même et l' ensorcellent. IIlui
suffit presque d'en avo ir l'idée et de s'en sentir l'audace pour qu'il
éprouve la sensation d'avoir dérobé à son génie probable quelques
secrets de produire le Beau ...

*
Je m'étends un peu sur ceci, car je n'ai rien de bon à dire sur
Virgile que je ne le puise dans une certaine expérience de son métier.
L'érudition (que je n'ai pas) ne peut, en somme, que préciser dans
l'incertain divers points de biographie, de lecture ou d'interprétation
de termes. Cela a son importance; mais importance surtout extérieure.
II intéresserait, sans dou te, de savoir si le poete pratiquait le genre
d'amour qu'il prête à tel de ses bergers? Ou si tel nom de plante qui
figure dans tel vers a son correspondant en français? La philologie
peut même rêver laborieusement, et même brillamment, sur ces
problemes. Mais je ne pu is m' égarer, quant à moi, que dans une tout
autre voie. Je vais, à ma façon, du poeme achevé, et d' ailleurs comme

202 P AUL V ALÉ RY


*
Duas observações simultâneas podem ser justificativas suficientes
para esse entretenimento involuntário. O crítico por distração pode
se explicar diante de si mesmo.
De início, o fato de essas Bucólicas serem uma obra da juventude.
Em seguida, a observação da condição da poesia latina no momento
de sua composição. O homem era jovem; mas a arte do verso em
Roma estava no ponto onde se tornara tão consciente de seus meios
que a tentação de empregá-los pelo prazer de utilizá-los e desenvolvê-
los ao extremo, ultrapassa a necessidade verdadeira, primitiva e ingê-
nua de se expressar. O gosto de produzir o efeito torna-se causa: po-
nha uma arma nas mãos de um adolescente e fuja dele. A sensação das
forças nos pressiona para lhes encontrar um emprego e o abuso do
poder é inevitavelmente sugerido pelo sentimento de que detemos os
recursos. Nas artes, aparecem então os virtuosos e sua soberba indife-
rença quanto ao tema com que devem lidar, ou interpretar.
Mas não é necessária mais que, para evidenciar-se esse estado de
alma, a habilidade técnica, a posse de meios finos e o livre jogo das
articulações mentais realmente tão assegurado quanto o artista nas-
cente possa imaginar, por ter feito algumas tentativas em que a te-
meridade e a novidade o tenham espantado e o enfeitiçado. Quase
lhe basta ter a idéia e sentir a audácia para que experimente a sensa-
ção de ter surrupiado de seu gênio provável alguns segredos de
produzir o Belo ...

*
Eu me estendo um pouco sobre isso porque não tenho nada de bom
a dizer acerca de Virgílio que não se origine de uma certa experiência
do seu ofício. A erudição (que eu não tenho) não pode mais, em suma,
que precisar, na incerteza, diversos aspectos biográficos, de uma leitura
ou de interpretação de termos. Isso tem sua importância; mas importân-
cia, sobretudo, exterior. Interessaria, com certeza, saber se o poeta prati-
cava o gênero de amor que empresta a algum de seus pastores? Ou se
certo nome de planta que figura em determinado verso tem seu corres-
pondente em francês? A filologia pode mesmo sonhar laboriosamente,
e com brilho, acerca desses problemas. Mas, quanto a mim, não posso
vagar, a não ser numa via bem diversa. Caminho, à minha maneira, a

CLÁSSICOS DATEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILlNGÜE/ F RANCÊS-PORTUGUÊS 203


cristallisé dans sa gloire, vers son état naissant. Je consens que c' est
une affaire de pure imagination, mais une imagination tempérée par
de surs souvenirs.

*
Virgile donc, considéré en ieune poete, ie ne puis y penser qu'il ne
me souvienne du temps de mes commencements. Le travail de traduire,
mené avec le souci d'une certaine approximation de la forme, nous
fait en quelque maniere chercher à mettre non pas sur les vestiges de
ceux de l'auteur; et non point façonner un texte à partir d'un autre;
mais de celui-ci, remonter à l' époque virtuelle de sa formation, à la
phase ou l'état de l' esprit est celui d'un orchestre dont les instruments
s' éveillent, s' appellent les uns les autres, et se demandent leur accord
avant de former leur concert. C'est de ce vivant état imagina ire qu'il
faudrait redescendre, vers sa résolution en oeuvre de langage autre
que l' original.
Les Bucoliques, me tirant pour quelques instants de ma vieillesse,
me remirent au temps de mes premiers versonme semblait en retrouver
les impressions. Je croyais bien voir dans le texte un mélange de
perfections et d'imperfections, de tres heureuses combinaisons et
grâces de la forme avec des maladresses tres sensibles; parfois, des
pauvretés assez surprenantes, dont ie montrerai quelqu'une. Je
reconnaissais dans ces inégalités d' exécution un âge tendre du talent,
et ce talent venu à poindre dans un age critique de la poésie. La nôtre,
quand j' avais vingt ans, se trouvait, apres quatre siecles de magnifique
production, en proie à une inquiétude de développements tout
nouveaux. La plus grande diversité de formes et de modes d' expression
se fit admettre, et notre art fut livré à toutes les expériences que
pouvaient suggérer aussi bien le désir de se distinguer de toutes les
poétiques suivies iusqu'alors, que l'idée de l'enrichir positivement
par des inventions parfois étranges, filles d' analyses tres subtiles des
propriétés excitantes du langage.
J' étais séduit par les recherches de cette espece. Bientôt, i' eus plus
de gout qu'il n' eut peut-être fallu, pour l' élaboration même des verso
Cette pratique créatrice assez passionnante me détachait du motif
initial de l' ouvrage, devenu un prétexte, et me donnait enfin la sensation
d'une liberté à 1'égard des "idées", et d'un empire de la forme sur
elles, qui contentaient mon sentiment de la souveraineté de l' esprit

204 P AUL V ALÉRY


partir do poema realizado, e, além disso, como se cristalizado em sua
glória, na direção de seu estado nascente. Admito que é questão de pura
imaginação, mas uma imaginação temperada por lembranças seguras.

*
De Virgílio, portanto, considerado enquanto jovem poeta, não
posso deixar de pensar que me lembra o tempo em que eu mesmo
começava. O trabalho de traduzir, conduzido pela preocupação de
uma certa aproximação da forma, nos faz de todo modo procurar
encaminhar os nossos passos sobre os vestígios dos passos do autor; e
não moldar um texto a partir de outro; mas de voltar à época virtual
de sua composição, à fase onde o estado do espírito é o de uma or-
questra em que os instrumentos despertam, chamam-se uns aos ou-
tros, e buscam uma harmonia antes de compor seu concerto. É desse
vivo estado imaginário que será preciso retomar, no sentido da sua
resolução em obra de língua outra que a original.
As Bucólicas, retirando-me por alguns instantes da minha velhi-
ce, remeteram-me ao tempo dos meus primeiros versos. Eu parecia
reencontrar as impressões. Acreditava ver no texto uma mescla de
perfeições e imperfeições, de combinações muito felizes e graças da
forma junto de estranhezas muito palpáveis; às vezes, pobrezas bas-
tante surpreendentes, de que mostrarei algumas. Reconheço nessas
desigualdades de execução a idade tenra do talento, e esse talento
nascente numa idade crítica da poesia. A nossa, quando eu tinha
vinte anos, encontrava-se, depois de quatro séculos de magnífica
produção, presa de acontecimentos inteiramente novos. Permitia-
se a maior diversidade de formas e de modos de expressão, e a nossa
arte havia sido exposta a todas as experiências que poderiam suge-
rir tanto o desejo de se distinguir de todas as poéticas seguidas até
então, como a idéia de enriquecê-la positivamente com invenções
por vezes estranhas, filhas de análises muito sutis das propriedades
estimulantes da linguagem.
Eu estava seduzido por estudos dessa natureza. Em pouco tempo,
eu tinha mais gosto que o devido pela elaboração em si de versos. Essa
prática criadora bastante apaixonante me desvinculava do tema inici-
al da obra, tomado pretexto, e me dava enfim a sensação de uma
liberdade frente às "idéias", e de um império da forma sobre elas, que
contentavam o meu sentimento da soberania do espírito sobre os seus

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - A NTOLOGIA BILINGÜ E/ FRANCÊS-PORTUGUÊS 205


sur ses emplois. Je m'assurais que la pensée n'est qu'accessoire en
poésie, et que le principal d'une oeuvre en vers, que l'emploi même
du vers proclame, c'est le tout, la puissance résultante des effets
composés de tous les attributs du langage.

*
Ces explications, bien trop personnelles, peut-être, sont pour faire
comprendre que je me sois surpris dans une attitude de familiarité
assez choquante, mais inévitable, devant un ouvrage de mon métier.
J'ajoute cette réflexion, que le vers latin se montre encore plus
différent de la prose que le français, qui la frôle, et même l' épouse
trop aisément, quoiqu'il subisse en généralla loi de la rime, inconnue
au latin "classique". Le vers français supporte d'être formé d'une
matiere verbale qui ne révele pas nécessairement la qualité musicale
du "langage des dieux". Les syllabes s'y suivent sans que rien dans
nos regles leur impose de se suivre aussi harmonieusement que
possible; c'est l'erreur de Malherbe et de Boileau d'avoir oublié
l' essentiel dans leur code, cependant qu'ils proscrivaient cet infortuné,
l' hiatus, ce qui nous rend la vie parfois si difficile et nous prive de
charmants effets comme des tutoiements les plus nécessaires. Quelques
poetes seulement se sont consumés à rechercher l' euphonie continue
de leurs vers, qui chez la plupart, est rare, et comme accidentelle.
J'avoue avoir attaché à cette condition une importance premiere, et
avoir sacrifié beaucoup à son observance. Je l'ai dit assez souvent :
pour moi, le langage des dieux devant être discernable, le plus
sensiblement qu'il se puisse du langage des hommes, tous les moyens
qui le distinguent, s'ils conspirent, d'autre part, à l'harmonie, sont à
retenir. Je suis partisan des inversions.

*
Pénétré de ces sentiments, je n' ai pu, traduisantles Bucoliques, me garder
d' appliquer au texte le même genre de regard que je fais aux vers français,
qu'ils soient d'un autre ou bien de moi. Je réprouve, je regrette ou j'admire;
j'envie ou je supprime; je rejette, j'efface, je retrouve et confirme ce que je
viens de trouver, et je l'adopte sur ce retour qui lui est favorable.
À l'égard d'un ouvrage illustre, cette maniere de le discuter par
analogie peut et doit assurément paraí'tre naive et présomptueuse. Je

206 PAUL VALÉRY


empregos. Eu me assegurava de que em poesia o pensamento não
passa de acessório, e que o principal de uma obra em verso, que o
emprego mesmo do verso proclama, é o todo, o poder resultante dos
efeitos conjugados de todos os atributos da língua.

*
Estas explicações, talvez demasiado pessoais, são para fazer com-
preender que eu me surpreendi numa atitude de familiaridade bas-
tante chocante, mas inevitável, diante de uma obra do meu ofício.
Acrescento esta reflexão, de que o verso latino se mostra ainda
mais diferente da prosa que o francês, que a toca, e mesmo a desposa
com muita facilidade, uma vez que ele se sujeita à lei da rima, desco-
nhecida no latim "clássico". O verso francês tolera ser formado de
uma matéria verbal que não revela necessariamente a qualidade mu-
sical da "língua dos deuses". As sílabas se seguem sem que nada em
nossas regras lhes imponha seguirem-se tão harmoniosamente quanto
possível; foi o erro de Malherbe e de Boileau ter esquecido do essen-
cial em seu código, embora tenham proscrito este desafortunado, o
hiato, que nos torna a vida por vezes tão difícil e nos priva de efeitos
encantadores como das informaJjdadesmais necessárias. Somente al-
guns poetas se consumiram na busca da eufonia contínua de seus
versos, que na maioria é rara, e como que acidental. Confesso ter
atribuído a esta condição uma importância primordial, e ter sacrifica-
do muito à sua observância. Eu o disse muitas vezes: para mim, a
linguagem dos deuses tendo que ser discernível o mais sensivelmente
possível da linguagem dos homens, todos os meios que a distinguem,
se conspiram, por outro lado, pela harmonia, devem ser conservados.
Sou partidário das inversões.

*
Tomado por esses sentimentos, não pude, ao traduzir as Bucólicas,
deixar de aplicar ao texto a mesma espécie de olhar que lanço sobre os
versos em francês, quer sejam de outro ou meus. Eu reprovo, lamento
ou suprimo; rejeito, apago, reencontro e confirmo o que acabo de
encontrar, e o adoto nesse retorno que lhe é favorável.
No tocante a uma obra ilustre, essa maneira de discuti-la por ana-
logia pode e deve certamente parecer ingênua e presunçosa. Só posso

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILlNGÜE/FRANCÉS-PORTUGUÊS 207


ne puis qu' alléguer qu' elle m' était toute naturelle, par les raisons que
j'ai dites. Davantage : moyennant cette imagination d'un état encore
instable d'un ouvrage bien mieux qu' achevé, je me figurais participer
le plus sensiblement possible à la vie même de cet ouvrage, car un
ouvrage meurt d'être achevé. quand un poeme se fait lire avec passion,
le lecteur se sent son auteur de J'instant, et c'est à quai iJ cannaít que
Je paeme est beau. Enfin, mon illusoire identification me dissipait
d'un coup l'atmosphere d'école, d'ennui, le souvenir d'heures
perdues et d'horaires rigides qui pesent sur ces malheureux bergers,
sur leurs troupeaux et leurs amours de divers genres, et que la vue de
mon "livre classique" me restitue. Je ne sais rien de plus barbare, de
plus infructueux et, donc, de plus bête qu'un systeme d'études qui
confond la prétendue acquisition d'une langue avec la prétendue
intelligence et jouissance d'une littérature. On fait ânonner des
merveilles de poésie ou de prose par des enfants trébuchant à chaque
mot, égarés dans un vocabulaire et une syntaxe qui ne leur apprennent
que leur ignorance, cependant qu'ils savent bien et trop bien que ce
travail forcé ne va à rien et qu'ils abandonneront avec soulagement
tous ces grands hommes dont on leur a fait des agents de torture et de
contrôle, et toutes ces beautés dont la fréquentation précoce et
impérative n' engendre, chez la pIupart, que le dégout.

*
PIaçons-nous donc enfin devant nos ÉGLOGUES en amateurs
tentés de jouer au poete. Ii faut s'enhardir un peu à être celui-ci. Il est
de l' âge qui se place entre le jeune homme et l'homme jeune. Il connait
le plaisir de composer des versoII sait déjà se chanter ce qui lui plalt,
se trouve mille "motifs" dans sa campagne italique, mere et nourrice.
II en est fils et iI en vit, de corps et d'âme. Tout instruit aux lettres qu'il
est, nul n' est plus familier que lui avec les êtres, les moeurs, les travaux
et les jours de ce pays tres varié, ou le blé se cultive et la vigne; ou iI y
ades prés et des marais, des montagnes boisées et des parties dures et
nues. L' orme et le cypres y grandissent chacun selon la majesté de son
essence. II y a aussi des chênes qu'il arrive que frappe la foudre, ce qui
signifie quelque chose. D'ailleurs, toute cette contrée est hantée ou
habitée de déités ou de divinités qui tiennent chacune quelque rôle
dans cette étrange économie de la nature qui s' observait au Latium, et
qui combinait si singulierement la mystique et la pratique de

208 P AU L V ALÉRY
argumentar que ela me era completamente natural, pelas razões que
já expus. Mais: em contrapartida a essa imaginação de um estado
ainda instável de uma obra bem melhor do que acabada, eu me via
participar o mais sensivelmente possível da vida mesma dessa obra,
pois uma obra morre por ser acabada. Quando um poema se faz ler
com paixão, o leitor se sente seu autor do instante, e é como ele sabe
que o poema é belo. Enfim, a minha ilusória identificação dissipou
em mim de um golpe o clima de escola, de enfado, a lembrança de
horas perdidas e de horários rígidos que pesam sobre esses pastores
infelizes, sobre seus rebanhos e seus amores de diversos gêneros que a
visão de meu "livro clássico" me restitui. Não sei de nada mais bárba-
ro, mais infrutífero e, portanto, de mais estúpido que um sistema de
estudo que confunde a pretensa aquisição de uma língua 'com a
pretensa inteligência e gozo de uma literatura. Fazemos crianças bal-
buciarem maravilhas da poesia ou da prosa, tropeçando a cada pala-
vra, perdidas num vocabulário e uma sintaxe que apenas lhes ensina
sua ignorância, ao passo que elas sabem bem, muito bem, que esse
trabalho forçado não leva a nada e que elas abandonarão aliviadas
todos estes grandes homens que se fizeram agentes de tortura e de
controle, e todas essas belezas de que a freqüência precoce e impera-
tiva engendra somente, para a maioria, o desgosto.

*
Coloquemo-nos por fim diante de nossas ÉCLOGAS como ama-
dores tentados a brincar de poeta. É preciso criar um pouco de cora-
gem para sê-lo. Ele tem a idade que se situa entre a do jovem homem
e a do homem jovem. Ele conhece o prazer de compor versos. Ele já
sabe cantar-se o que lhe agrada, encontra mil "temas" na r~gião cam-
pestre italiana, mãe e nutriz. Ele é filho, e ele vive, de corpo e alma.
Todo instruído nas letras que é, ninguém tem mais familiaridade que
ele com os seres, a moral, o trabalho e os dias dessa região muito
variada, onde se cultiva o trigo e a vinha; onde há campinas e pânta-
nos, montanhas arborizadas e porções duras e nuas. O olmo e o cipres-
te crescem cada um segundo a majestade de sua essência. Há também
carvalhos que acontecem de ser golpeados pelos relâmpagos, o que
diz alguma coisa. Além disso, toda essa terra é assombrada ou habita-
da por deidades ou divindades que têm cada uma algum papel nessa
estranha economia da natureza que se observava no Lácio, e que com-

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILíNGÚE/ FRA NC~PORTUGUts 209


l' existence. La fonction commune de cette population mythique était
de rendre vivantes les relations des hommes avec les productions, les
métamorphoses, les caprices et les lois, les bienfaits et les rigueurs, les
constances et les hasards qu'ils observaient dans le monde autour
d' eux. Rien n' est inanimé, en ce temps-là; rien n' est insensible et sourd,
si ce n' est volontairement, pour ces paysans latins, qui donnent leurs
vrais noms aux sources, aux bois, aux grottes, et savent comme iI faut
parler aux choses, les invoquer, les adjurer, les prendre à témoin; et ii
se fait ainsi entre elles et l'homme un commerce de mystere et de
services, que nous ne pouvons plus concevoir que nous ne pensions
"Poésie", - c'est-à-dire en faisant évanouir toute la valeur et le sérieux
de ce systeme d' échanges. Mais ce que nous appelons "Poésie" n' est
précisément que ce qui nous reste d'une époque qui ne savait que
créer. Toute Poésie dérive d'une époque de connaissance créatrice
naive, et s' est détachée peu à peu d'un état premier et spontané ou la
pensée était fiction dans toute sa force. J'imagine que cette puissance
s' est progressivement affaiblie dans les villes, ou la nature est mal
reçue, mal traitée, ou les fontaines obéissent aux magistrats, ou les
nymphes ont affaire à la police des moeurs, les satyres sont mal vus, et
les saisons contrariées. Les campagnes, plus tard, se dépeuplerent
aussi, et non seulement de leurs charmants et redoutables phantasmes,
mais enfin de leurs hommes crédules et songeurs. Le paysan devint
"agriculteur".
Mais, revenant à notre poete de l' an 40, iI faut avouer que I' on
chante bien plus gracieusement les faunes, les dryades, et Silene et
Priape, quand on croit beaucoup moins à leur existence qu'à la magie
des vers savants, et aux charmes des figures de langage exquisement
formées.

*
Virgile, petit propriétaire, - mais bien différent de tant des nôtres
qui ne sont sensibles qu'à la transmutation de leurs peines et sueurs
en bonne monnaie, et qui coupent un bel arbre sur le bord de leur
champ comme si la conservation de cette magnificence fut une faute
contre leur vertueuse économie, - ce Virgile, qui se sentait partagé
entre les regards différents qu'il adressait au paysage d'alentour,
VirgiIe à double vue, iI y plaçait tantôt la complaisance, les craintes,
les espoirs de celui qui possede , et qu' obsede souvent le souci du

210 P AU L V ALÉRY
binava tão singularmente a mística e a prática da existência. A função
comum desta população mítica era de tornar vivas as relações dos
homens com a produção, as metamorfoses, os caprichos e as leis, as
gentilezas e os rigores, as constâncias e os acasos que observavam no
mundo que os cercava. Nesse tempo, nada é inanimado; nada é insen-
sível e surdo, a não ser voluntariamente, para esses camponeses lati-
nos que dão seus verdadeiros nomes às fontes, à floresta, às grutas, e
sabem como se deve falar das coisas, invocá-las, implorá-las, tomá-las
como testemunhas; e se fez assim entre elas e o homem um intercâm-
bio de mistério e de favores que não podemos mais conceber sem
pensar em "Poesia" - ou seja, fazendo desaparecer todo o valor e a
seriedade desse sistema de trocas. Mas o que chamamos "Poesia" não
é, precisamente, mais do que nos resta de uma época que sabia somen-
te criar. Toda Poesia deriva de uma época de conhecimento criador
ingênuo, e se destacou pouco a pouco de um estado primeiro e es-
pontâneo onde o pensamento era ficção em toda sua força. Imagino
que esse poder se fragilizou progressivamente nas cidades, onde a
natureza é mal recebida, mal tratada, onde as fontes obedecem aos
magistrados, onde as ninfas têm problemas com os que policiam a
moral, os sá tiros são mal vistos, e as estações contrariadas. Os campos,
mais tarde, se despovoaram também, e não somente de seus sedutores
e temíveis fantasmas, mas, enfim, de seus homens crédulos e sonhado-
res. O camponês tornou-se "agricultor".
Entretanto, voltando ao nosso poeta do ano 40, é preciso reconhe-
cer que se canta com muito mais graça os faunos, as ninfas dos bos-
ques, e Silene e Príapo, quando se crê menos na existência deles do
que na magia dos versos eruditos, nos encantos das figuras de lingua-
gem requintadamente formadas.

*
Virgílio, pequeno proprietário - mas bem diferente de tantos dos
nossos que são sensíveis apenas à transmutação de suas penas e suores
em boa moeda, e que cortam uma bela árvore na borda de seu campo
como se a conservação desta magnificência fosse uma falta contra sua
virtuosa economia -, este Virgílio que se sentia dividido entre os
olhares diferentes que dirigia à paisagem circundante, Virgílio de
olhar duplo, ele abrigou cedo a complacência, os receios, as esperan-
ças daquele que possui, e é obcecado amiúde pela preocupação com

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILíNGÜE/FRANCÊS-PORTUGUÊS 211


bien qui le fait vivre; tantôt l'envahissait une tout autre
contemplation; ses ambitions cessaient d'être rustiques : il n'était
plus un simple; iI se dégageait en lui un esprit affiné, instruit aux
délicatesses grecques et séduit à de plus savantes compositions que
ces chants de bouviers sans art. II eut pu faire une onzieme églogue
entre lui-même et lui. Mais encore, iI était, ou venait d'être victime
des désordres que la guerre civile et ses brutales suites avaient
apportés dans sa sphere de vie.
Ainsi : poete dont le désir et les artifices se développent; homme
des champs, mais homme menacé d' expropriation, quasi ruiné par
les exactions de la soldatesque victorieuse, réduit à s'adresser aux
puissances du jour et de se ménager des protecteurs, telle est la triple
condition de l'auteur des Bucoliques. Toute la carriere poétique de
Virgile sera l'expansion la plus gracieuse de la langue latine et de ses
ressources musicales et plastiques dans un champ de forces politiques;
la terre natale, à la fois nouriciere, support de l'histoire ou de la
légende, trésor d'images, lui fournissant les prétextes, les décors, les
épisodes et les personnages variés de ses ouvrages successifs.

*
lci se placerait assez bien une petite considération des rapports du
poete avec le pouvoir. Vaste sujet, question qui est de tous les temps. Si
je n' avais tant taquiné I'Histoire, je suggérerais une these ou un traité
"Des relations de la Poésie a vec les régimes ou gouvemements diverS'.
On pourrait aussi songer à une fable à la La Fontaine : Le Poete etIÉtat,
parallele à celle du Savetier et du FinancieI. Ou bien reprendre et
commenter la fameuse formule de l'Évangile : Rendez à César, etc.
Ce probleme admet autant de solutions que l'humeur et la condition
de chacun, ou les circonstances, en proposent. II y ades solutions
économiques, - car iI faut vivre. O' autres sont d' ordre moral. Et iI en
est de purement affectives. Tel régime séduit par ses perfections
extérieures, ou par son éclat et ses triomphes; tel maitre par son génie;
tel autre par ses libéralités, parfois un simple sourire. Dans d'autres
cas, ce sont des réactions d' opposition, qui sont excitées par l' état des
choses publiques: l'homme de l'esprit s'insurge alors plus ou moins
manifestement, ou se renferme dans un travail qui secrete autour de
sa sensibilité une sorte d'isolant intellectuel. Tous les cas, en somme,
s' observent. Racine adore son Roy. Chénier maudit ses tyrans. Hugo

212 P AUL V ALÉRY


o bem que lhe permite viver; cedo o invadiu uma contemplação bem
diferente; suas ambições deixaram de ser rústicas: não era mais um
simples; libertou-se nele um espírito refinado, instruído nas delica-
dezas gregas e seduzido por mais sábias composições que esses éan-
tos de tocadores de gado sem arte. Ele poderia ter feito uma décima-
primeira écloga entre ele próprio e ele. Entretanto, ele foi ou acabara
de ser vítima dos distúrbios que a guerra civil e suas conseqüências
brutais trouxeram à sua esfera de vida.
Assim: poeta em quem o desejo e os recursos se desenvolvem;
homem do campo, mas homem ameaçado de expropriação, quase
arruinado pelas extorções da soldadesca vitoriosa, reduzido a diri-
gir-se às potências da ocasião e de se cercar de protetores, esta é a
tripla condição do autor das Bucólkas. Toda a carreira política de
Virgílio será a expansão a mais graciosa da língua latina e de seus
recursos musicais e plásticos num terreno de forças políticas; a terra
natal, nu triz, sustentáculo da história ou da lenda, tesouro de ima-
gens, fornecendo-lhe os pretextos, os cenários, os episódios e as perso-
nagens diversas de suas obras sucessivas.

*
Aqui conviria uma pequena consideração das relações do poeta
com o poder. Tema vasto, questão que é de todos os tempos. Se eu não
cortejei tanto a história, sugerirei uma tese ou um tratado" Das rela-
ções da Poesia com os regimes ou governos diversos'. Poderemos
assim imaginar uma fábula à La Fontaine: O Poeta e o Estado, paralela
à do Sapateiro e o financista. Ou bem retomar a famosa fórmula do
Evangelho: dêem a César, etc.
Este problema admite tantas soluções quantas o humor e a condi-
ção de cada um, ou as circunstâncias, propuserem. Existem as solu-
ções econômicas - pois é preciso viver. Outras são de ordem moral.
E há as puramente afetivas. Tal regime seduz por suas perfeições
exteriores, ou pelo seu impacto e seus triunfos; tal mestre pelo seu
gênio; tal outro por suas liberalidades, às vezes um simples sorriso.
Em outros casos são as reações de oposição, desencadeadas pelo esta-
do das coisas públicas: o homem de espírito se insurge então mais ou
menos manifestamente, ou se encerra num trabalho que secreta ao
redor de sua sensibilidade uma espécie de isolante intelectual. Todos
os casos, em suma, se observam. Racine adora seu rei. Chénier maldiz

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO· ANTOLOGIA BILÍNGÜE/FRANCÊS-PORTUGUt5 213


s'exile. Corneille mendie fierement. Goethe préfere au désordre
l'injustice. La majesté éblouit. L'autorité impose. La liberté enivre.
L'anarchie fait peur. L'intérêt personnel parle de sa voix puissante. II
ne faut pas, non plus, oublier que tout individu qui se distingue par
les talents se place, dans son coeur, dans une certaine aristocratie. II ne
peut, qu'ille veuille ou non, se confondre à la mas se, et ce sentiment
inévitable ades conséquences três diverses. II observe que la
démocratie, égalitaire par essence, est incapable de pensionner un
poete. Ou bien, jugeant les hommes au pouvoir et les hommes dominés
par ceux-ci, illes méprise, mais ressent la tentation de faire, lui aussi,
figure en politique et de participer à la conduite des affaires. Cette
tentation n'est pas rare chez les lyriques. II est remarquable que
I'occupation la plus pure parmi les humaines, qui est d'apprivoiser
et de relever les êtres par le chant, comme faisait Orphée, conduise si
souvent au désir de la plus impure. Que penser à la fin? II Yades
exemples de tout, puisque nous sommes en Histoire ...

*
Virgile ne peut gouter le désordre et les exactions. II se trouve
spolié, arraché à sa demeure, privé de ses moyens d' existence par des
mesures qui sont des expédients politiques. Il voit menacé son loisir
d'être soi et de devenir ce qu'il rêve, ce bien le plus précieux, ce trésor
de temps libre et riche des beautés en puissance, qu'il est certain de
mettre au jour. II ne voit pas plus loin. Comment veut-on qu'il
n' accueille pas les grâces du tyran et ne chante celui qui lui assure des
jours tranquilles, et par là, lui restitue sa raison d'être?
Ludere quae vellem calamo permisit agresto

Virgile n'a pas hésité entre l'indépendance du citoyen et celle du


créateur de poemes. Peut-être n'a-t-il même pas songé qu'il sacrifiait
quelque chose en faisant profession de laudateur de César, jusqu'à le
diviniser : Erit Jile semper deus...
On imagine toutes les phrases que I'on pourrait écrire pour ou
contre cette attitude, selon que I' on juge en moderne ou que l' on tient
compte de la relativité des sentiments et des circonstances. II n'avait
pas encore été question des "Droits de l'Homme".
Le probleme de conscience que l' on peut introduire ici devient,
tout insoluble qu'il est, particulierement intéressant si on le transfor-

214 PAUL VALÉRY


seus tiranos, Hugo se exila. Corneille mendiga orgulhoso. Goethe
prefere à desordem a injustiça. A majestade deslumbra. A autoridade
impõe. A liberdade embriaga. A anarquia causa medo. O interesse
pessoal fala com sua voz poderosa. Ademais, não se deve esquecer
que todo indivíduo que se distingue por seu talento, se coloca, no
coração, numa certa aristocracia. Ele não pode, quer queira, quer não,
se confundir com a massa, e esse sentimento inevitável tem conseqü-
ências bem diversas. Ele nota que a democracia, igualitária em sua
essência, é incapaz de dar pensão a um poeta. Ou melhor, julgando os
homens o poder e os homens dominados por ele, ele os desdenha, mas
ressente a tentação de fazer, também ele, presença em política e de
participar da condução das questões. Essa tentação não é rara entre os
líricos. É notável que a ocupação mais pura entre os humanos, que é a
de domesticar e de elevar os seres pelo canto, como fazia Orfeu, con-
duza com tanta freqüência ao desejo da mais impura. O que pensar ao
final? Há exemplos de tudo, pois estamos na História ...

*
Virgílio não pode gostar da desordem e das extorsões. Ele se vê espo-
liado, arrancado de sua moradia, privado de seus meios de existência por
medidas que são expedientes políticos. Ele vê ameaçada sua oportunida-
de de ser ele mesmo e de se tornar o que sonha, esse bem mais precioso,
esse tesouro de tempo livre e rico das belezas em potencial que ele tem
certeza de revelar. Ele não vê mais longe. Como não querer que ele acolha
as graças do tirano e não cante quem lhe assegura dias tranqüilos e, com
isso, lhe restitui sua razão de viver?
Ludere quae vellem calamo permisit agresti.

Virgílio não hesitou entre a independência do cidadão e a do cri-


ador de poemas. Talvez ele nem tenha imaginado que sacrificava al-
guma coisa ao fazer profissão de laudador de César, ao ponto de
divinizá-lo: Erit ille semper desu ...
Imaginamos todas as frases que poderíamos escrever a favor ou
contra esta atitude, segundo a julguemos com a modernidade ou leve-
mos em conta a relatividade dos sentimentos e das circunstâncias. Não
havia ainda a questão dos "Direitos do homem".
O problema de consciência que se pode introduzir aqui se torna,
insolúvel como o é, particularmente interessante se for transformado

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILíNGÜEjFRANCÊS-PORTLGUÊS 215


me en probleme de valeurs. Si la soumission au despote, l' acceptation
de ses bienfaits, qui dégénere ou se traduit en expressions de gratitude
et en louanges, est condition de la production d' ouvrages de premier
ordre, que décider, que faire, que penser? Ce probleme à peine énoncé
se développe en argumentations infinies. Je me garderai d'y entrer.

216 PAUL VALÉRY


- - - - - - -- - - - - - - -- - - - - - -- - - - - - - - - - - - - - - - -

em problema de valores. Se a submissão ao déspota, a aceitação de sua


bondade, que degenera ou se traduz em expressões de gratidão ou
louvações, é condição para a produção de obras de primeira grandeza,
o que decidir, o que fazer, o que pensar? Este problema, mal enunciado,
se desdobra em argumentações infinitas. Eu me absterei de adentrá-las.

Tradução: Paulo Schiller

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILÍNGÜE/FRANCÊS-P ORTUGUÊS 217


NOTAS BIOGRÁFICAS DOS TRADUTORES

CELY ARENA ([email protected]) é professora de redação e


literatura do Anglo Vestibulares desde 1978 e orientadora de Língua
Portuguesa da Escola Experimental Morumbi desde 1984. Traduziu,
entre outros, A forma e o inteligível- escritos sobre o Renascimento
e a Arte Moderna de Robert Klein em 1998 e Por uma nova história
urbana de Bernard Lepetit em 2001, ambos pela Edusp.

CLÁUDIA BORGES DE FAVERI ([email protected]) é professora


de língua e literatura francesas no Departamento de Línguas e
Literaturas Estrangeiras e de tradução na Pós-Graduação em Estudos
da Tradução da Universidade Federal de Santa Catarina. Doutora em
Ciências da Linguagem pela Universidade de Nice Sophia Antipolis
(França), desenvolve atualmente pesquisa sobre a literatura de língua
francesa traduzida no Brasil nos últimos trinta anos.

LEA MARA VALEZI STAUT ([email protected]) é professora


de língua e literatura francesas na Faculdade de Ciências e Letras de
Assis -UNESP - desde 1986. Doutora em Língua e Literatura Francesas
pela Universidade de São Paulo com a tese A recepção da obra
macha diana na França: um estudo crítico-estilístico das traduções de
quatro romances e livre-docente em Literatura Francesa pela
Universidade Estadual Paulista com a tese Machado de Assis e a
literatura brasileira na França. Tradutora pública e intérprete comercial,
traduziu, entre outras, HistórÍa TécnÍca & Moral do Vestuário de M
Toussaint-Samate A viagem e seu relato de T. Todorov. Pesquisadora
do CNPq, desenvolveu a pesquisa: Análise crítica das traduções
francesas de Memorial de Aires e de contos machadianos.

MARIA CRISTINA BATALHA ([email protected]) é professora


no Departamento de Línguas Neolatinas, setor francês, da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, com mestrado em
Literatura Brasileira da Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro e, desde março de 1999, doutoranda em Literatura Comparada
pela Universidade Federal Fluminense. É membro do grupo de
pesquisa do CNPq "Discurso e Estudos de Tradução", no âmbito do
projeto Escritório Modelo de Tradução Ana Cristina César, do Instituto
de Letras da UERJ. Publicou inumeros artigos sobre tradução, dentre
os quais: "The Place of Foreign Literature in the Brazilian Literary
System. Emerging Wews on Translation History in BrazJ1 (2001),
"Traduction et modeles canoniques: l'angoisse de la désobéissance"
(2000), "O lugar da tradução na formação da literatura brasileira"
(2000). Traduziu também o livro Mangiatore d'Oppio de Charles
Baudelaire para a D.E.L. International Publishers LTD em 1995.

MARIE-HELENE CATHERINE TORRES ([email protected]) é


professora de literatura francesa no Departamento de Línguas e
Literaturas Estrangeiras e de tradução na Pós-Graduação em Estudos
da Tradução da Universidade Federal de Santa Catarina, da qual é a
atual coordenadora. Doutora em Tradução pela Katholieke Universiteit
Leuven (Bélgica), desenvolve desde 2002 uma pesquisa sobre a
literatura de língua francesa traduzida no Brasil. Publicou vários
artigos no Brasil e no exterior, bem como traduziu livros de poesia,
sendo o último (2002) Poesia da Infância de Wctor Hugo. Traduz
atualmente obras teóricas da área da tradução.

ORLANDO NUNES DE AMORIM ([email protected]) é


professor de língua e literatura francesas na UNESP, em São José
do Rio Preto (SP), desde 1998, com Doutorado em Letras pela
USP, em 2002. Publicou o livro O Físico Prodigioso, a Novela
Poética de Jorge de Sena (Araraquara, 1996), além de muitos artigos,
como "Villiers de l'Isle-Adam, 'guardião do ideal': um estudo do
conto 'Véra'" (Revista de Letras, SP, 1993) ou ainda "O Lai da
Madressilva, de Marie de France: tradução e comentários" (OlhaI;
S.Carlos, SP, 2000). Está atualmente traduzindo alguns textos de
crítica de Sainte-Beuve eLe récit poétiquede Jean-Yves Tadié (em
equipe).

PAULO SCHILLER ([email protected]) é pediatra com


graduação e especialização pela Faculdade de Medicina da USP.

220 TRADUTORES - NOTAS BIOGRÁFICAS


Psicanalista, coordenador do Serviço de Psicologia do Instituto de
Oncologia Pediátrica da Universidade Federal de São Paulo. Autor
de A vertigem da imortalidade -segredos, doenças, Companhia das
Letras, 2000. Tradutor, do húngaro: O legado de Eszter (prêmio de
melhor tradução de 2001 pela APCA) e Veredicto em Canudos, de
Sándor Márai, Companhia das Letras, 2002, O companheiro de
viagem, de Gyula Krúdy, Cosac e Naify, 2003, e Sem destino, de
Imre Kertész, Planeta, 2003, Rebeldes, de Sándor Márai, Companhia
das Letras (no prelo); do inglês: A megalomania de Freud, 2001, de
Israel Rosenfield e Mapas, de Nuruddin Farah, Companhia das
Letras, 2003. Membro do Conselho Consultivo e colaborador dos
Cadernos de Tradução.

PEDRO DE SOUZA ([email protected]) é professor de


lingüística no Departamento de Língua e Literatura Vernáculas na
Universidade Federal de Santa Catarina, com Doutorado pela
Unicamp em 1993. Publicou inúmeros artigos, entre outros:
"Acidente ou ataque? leitura de imagens, imagens de leitura".
(Revista Signos, n°. 22. Editora da Univali) e "A literatura sem nome
de lugar: a condição paratópica do escritor negro no Brasil" (Revista
Travessia, em 2000). Traduziu vários artigos e livros teóricos, entre
outros A Miragem LinguÍstica (Ed. Pontes, 1990), Ensaio de
Semântica (Educ/Pontes, 1992), Lexicologia e Análise de Enunciado
(Ed. Unicamp, 1994), ou ainda" A heterogeneidade enunciativa no
discurso do psicótico" (Revista Rua nO. 4. Campinas, Unicamp /
NU DE CRI, 1998).

PIERRE GUISAN ([email protected]), natural de Lausanne


(Suíça), é professor adjunto da Faculdade de Letras da Universidade
Federal do Rio de Janeiro e coordenador do setor de Letras Francesas
(Departamento de Letras Neolatinas). Doutor em Lingüística, com
tese intitulada Crioulização e Mudança LingiHstica, está atualmente
trabalhando em um projeto de pesquisa sobre o papel da língua na
formação da identidade.

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA BILÍNGÜE/FRANCÊS-PORTUGUÊS 221


PHILIPPE HUMBLÉ ([email protected]), doutor em Língua e
Literatura Inglesa pela Universidade Federal de Santa Catarina, é
professor do Departamento de Línguas e Literaturas Estrangeiras,
atuando igualmente nas Pós-graduações em Lingüística e em Estudos
da Tradução, onde ensina a lexicografia na sua relação com o ensino
de línguas estrangeiras.

SILVANA VIEIRA DA SILVA AMORIM ([email protected]) é


professora de Língua e Literatura Francesas na UNESP, em Araraquara
(SP), desde 1988, com Doutorado em Letras pela UNESP, em 1999.
Publicou muitos artigos em revistas especializadas, no Brasil: "As
traduções do soneto 'Voyelles' de Arthur Rimbaud", "Jorge de Sena e
a poesia francesa: tradução e testemunho", ambos em 1998; e no exterior:
"Traduções e traduções de 'Voyelles' de Arthur Rimbaud", Lisboa,
2000. Está traduzindo vários autores franceses, como Albert Béguin
(em equipe), ou ainda Balzac ou Lamartine, principalmente textos de
crítica, prefácios e poemas.

TERESA DIAS CARNEIRO ([email protected]) é tradutora de


francês e tradutora juramentada de inglês no Rio de Janeiro. Sua
formação acadêmica foi nas áreas de Economia (UFRJ) e Letras (PUC-
RJ) e é Mestre em Ciência da Literatura - Literatura Comparada (UFRJ),
tendo defendido a tese intitulada As Obras de Mário de Andrade
Traduzidas na França: História, Concepção e Crítica, orientada pelo
Prof. Dr. Eduardo de Faria Coutinho e co-orientada pela Profa. Dra.
Heloísa Gonçalves Barbosa, em 1999. Foi professora da Aliança
Francesa em São Paulo e professora de francês para executivos em
várias empresas.

WALTER CARLOS COSTA ([email protected]), professor de


literaturas hispânicas na UFSC, estudou Filologia Românica na
Katholieke Universiteit Leuven (Bélgica), onde escreveu uma
dissertação sobre a tradução francesa de Grande Sertão: Veredas, de
Guimarães Rosa e é doutor em Inglês pela University of Birmingham
(Reino Unido), com uma tese sobre as traduções da obra de Jorge Luis
Borges ao inglês. Traduziu, entre outros, Pleno Vôo, de Octavio Paz,

222 TRADUTORES - NOTAS BJCX:;RÁFlCAS


com Cleber Teixeira (1989, Sobre livros e leitura, de Schopenhauer,
com Philippe Humblé (1993), Paisagem com uma vela e abelhas
assírias, de Steven White (1995), A casa das sete irmãs, de Elle Eggels
(2002) e Florença, um caso delicado, de David Leavitt (2002). Émembro
da Comissão Editorial dos Cadernos de Tradução da UFSC, editor-
chefe da revista Fragmentos e tem publicado regularmente artigos
sobre tradução e autores hispânicos, sobretudo Borges.

CLÁSSICOS DA TEORIA DA TRADUÇÃO - ANTOLOGIA B I LlNGÜE/FRANC~PORTUGuts 223


IMPRESSÃO:
GRÁFICA EDITORA

Santa MariII· RS· FoneIFa~1;; (55) 222.3050


_ _·PIIIIottI.com.br
Comlilmafr:Jtn«idos
~ ....... "tlo.
t•• ~... .' ,
:' ,N ~~ ,convergem as ·
opiniões' ~~brê 'o tipo de tarefa qu~ , ,
o tradutor .s? impõe, !1~m sobre o' ) "
tipo de m~ito ql!e ~radução deve . I
ter. Alguns p'ensamque é loucura
ª
, . ~fI 'I' ; ~, ....'

querer 'aprox4nar duas línguas


, :" cuja' nah;lreza é .difere~te; que o
~ dever ~o tradutor é pôr,se no tugar
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.."'~\' .'" ,"\ t, ~, . "
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,: .~, expreSsado~ se tivesse'esci ito nessa
, l~gua. Outros pensam que isso
não basta; querem encontrar na
tradução não somente o caráter do
'êsc~itor original, mas também o
espírito d~ sua língua ~{se me
permitem diz~r, §. atmosfera e o
sabor local. . ~. ,':
• "-1
' , ..... ,....,

"" ':f..., ~ " - "'';..r,'


''''~~J1:''';
Jean".2Frânçais N{af~ontel
.~

• t •
. Esta' Antologia'dé Clásskosd~TraduçãQ, publicada pelo
Núcleo de Tradução da UniversídadeFederal de Santa .
Catarina, visa preencher unia grave lacuna, que não é
apenas nacionaL A prática datradução étãoantiga quanto
as línguas e sua crítica e teoria também têm uma longa
hist6riaque é ptecisQ coilhecer em seus detalhes. o§ text.os
reunidos neste e nos próximos volumes vxsam entregár ap
leitor alguns dosresuItados de s~culos de meditação sobre
o fenômeno tradut6rio no Ocidente e no Oriente. E~tes·
textos, que gerações de estudiosos foram selecionando
como representativos, são muitas vezes de difícil acesso,
.," . , , mesmo nos países onde foram originalmente publícados .

Os volumes incluem textos originalmente escritos em umi ,~ !:.

vari.edade de línguas, entre outras,latim, alemão, inglês,


francês, italiano e espanhol. A edição é bilíngüe, o texto
original sendo apresentado ao lado de suá. tradução ao
porttlguês. As traduções e sua revisão foram fruto de um
trabalho conjunto d.e professores e pesquisadores da UFSC
e de outras instituições brasileiras e estrangeiras, assim
como de traduto. res pro~ís~io,n~js.
te 't-r :. " , ..
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. ~'Este~ clássicos da teoria d'da 'c~ítica ' da ' tradução, alguns
deles~, traduzIdos .pelaprimeira. vez ao português,
. ! ,çonstituem um instrumento importante para todos 0$
mteressados em ~stu..do~ da Tradução, que poderão, assim
colocar em persp~ctiva ' a~ , teorias mais recentes. O leitor
curioso também encontrará aqui farto material de
informação e reflexão sobre O fascinante processo pelo qual
, boa parteda cultura hu~ananos é transmitida .
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