Faveri, C. B. De, e Torres, M.-H. Antologias Bilingues - Classicos Da Teoria Da Traducao - Volume 2 - Frances-Portugues
Faveri, C. B. De, e Torres, M.-H. Antologias Bilingues - Classicos Da Teoria Da Traducao - Volume 2 - Frances-Portugues
Faveri, C. B. De, e Torres, M.-H. Antologias Bilingues - Classicos Da Teoria Da Traducao - Volume 2 - Frances-Portugues
TEORIA
DA .,t RADUÇÃO
ANTOLOGIA BILÍNGÜE
CLÁSSICOS DA TEORIA
DA TRADUÇÃO
VOLUME 2
FRANCÊS-PORTUGUÊS
Universidade Federal de Santa Catarina
Centro de Comunicação e Expressão
Departamento de Língua e Literatura Estrangeiras
NÚCLEO DE TRADUÇÃO
Andréia Guerini
Cláudia Borges de Faveri
Marie-Hélêne Catherine Torres
Maria Lúcia Vasconcellos
Markus J. Weininger
Mauri Furlan
Philippe Humblé
Ronaldo Lima
Walter Carlos Costa
Wemer Heidermann
2004
ANTOLOGIA BILÍNGÜE
Clássicos da Teoria da Tradução
VOLUME II
FRANCÊS-PORTUGUÊS
Cláudia Borges de Faveri (orgs.)
Marie-Hélene Catherine Torres
Núcleo de Tradução
UFSC
Leitura e Revisão:
Cláudia Borges de Faveri
Marie-Hélene Catherine Torres
Philippe Humblé
Ronaldo Lima
Revisão final:
Cláudia Borges de Faveri
Marie-Hélene Catherine Torres
Walter Carlos Costa
Prefácio _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ 9
ETIENNE DOLET
JOACHIM Du BELLAY
GASPARD DE TENDE
CHARLES BATIEUX
NICOLAS BEAUZÉE
MADAME DE STAEL
De l'esprit des traductions (1820-1821) _ _ _ _ _ _ 140
Do espírito das traduções 141
Tradução de Marie-Hélene Catherine Torres
VICTOR HUGO
MARCEL SCHWOB
PAUL VALÉRY
10 P REFÁC IO
o gosto francês da época. Os tradutores das "beBes infidêles" tiveram
o mérito de teorizar sobre o conceito de tradução e, assim, justificar
os procedimentos tradutórios que seguiam. As "beBes infidêles"
instauraram, ao longo do século XVII, o debate sobre a problemática
do traduzir, debate que, aliás, perdura até hoje.
Ademais, esta antologia apresenta quatro textos do Século das
Luzes, século voltado para o progresso científico e social, no qual a
tradução assume o papel de descobridora de novos horizontes
(notadamente com o surgimento de traduções de obras literárias
alemãs e inglesas). Todos os autores dos textos selecionados deste
período eram colaboradores de Diderot na Encyclopédie.
O primeiro destes textos é de autoria de Jean le Romd d' Alembert,
Observations surFartde traduireengénéral etsur cet essai de traduction
en particulier, no qual o autor considera os tradutores responsáveis
pela falta de reconhecimento de sua profissão, pois "se limitaram a ser
copistas". Coerente com sua rejeição da tradução literal, d' Alembert
evoca as imperfeições de sua tradução dos fragmentos de Tácito, devidas
à "diferença de caráter das línguas" e à qualidade do escritor.
Da mesma época, o texto de Charles Batteux é um verdadeiro
tratado sobre a arte de traduzir. O autor propõe onze regras para bem
traduzir, a partir de seu primeiro princípio de tradução: "deve-se
empregar os torneios do autor, quando as duas línguas assim o
permitirem". Batteux, como d' Alembert, nos fala da impossibilidade
da tradução literal, abordando também a questão da intraduzibilidade.
Os outros dois textos são verbetes da Encyclopédiee sistematizam
o discurso coletivo francês da época sobre a tradução. No primeiro
verbete, Traduction version, de 1765, Nicolas Beauzée diferencia estas
duas práticas (tradução e versão) e propõe o uso das regras
apresentadas por Cícero sobre a maneira de traduzir. O segundo
verbete, intitulado Traduction, de 1777/ foi escrito por Jean-François
Marmontel, redator do discurso preliminar da Encyclopédie.
Finalmente, quatro textos do século XIX - século que conheceu
um desenvolvimento espetacular da atividade de tradução e no qual
predominou o postulado segundo o qual as traduções literais são as
mais fiéis. Em De Fesprit des traductions, Mme De Stiiel defende que
só o conhecimento das literaturas estrangeiras, por meio das traduções,
pode enriquecer a literatura nacional. Oferecemos ainda ao leitor o
prólogo à tradução das Obras de Shakespeare, escrito por ninguém
D'HULST, Lieven. Why and How to Write Translation Histories. Revista Crop Emerging
Views on Translation History in Brasil, São Paulo, Special Edition, p. 17. 200l.
12 PREFACIO
ÉTIENNE DOLET
14 ÉTIENNE D OLET
ETIENNE DOLET
16 ÉllENNE DoLET
amma, não vale a pena deter-se; pois as expressões latinas que derivam
destas duas palavras nos deixam entender que significam a mesma
coisa. E com certeza, se diz animus de anima/o e anima é o órgão de
animus, como se dissesse que a virtude e os instrumentos vitais são
origem do espírito; e que este espírito é efeito desta mesma virtude vital".
Dize-me (tu que entendes latim), teria sido possível traduzir corretamente
esta passagem, sem uma grande compreensão do sentido qe Cícero? Ora,
saibas, pois, que é preciso e necessário a todo trad1itõr entender
perfeitamente o sentido do autor que ele verte de uma língua a outra. E se
não for assim, não será capaz de traduzir com segurança e fidelidade.
A segunda coisa requerida na tradução é o conhecimento perfeito
por parte do tradutor da língua do autor que ele traduz; e que ele seja
igualmente excelente na língua na qual se propõe traduzir. Destarte,
não violará e nem diminuirá a majestade de nenhuma das duas línguas.
A teu ver, como se poderiam traduzir acertadamente os discursos de
Cícero a não ser dominando as línguas latina e francesa? Entende bem
que cada língua possui suas propriedades, suas expressões
idiomáticas, suas locuções, suas sutilezas e suas impetuosidades
peculiares. Ao ignorá-las, o tradutor prejudica o autor sobre o qual
trabalha, assim como prejudica a língua na qual traduz, pois não
representa nem expressa a dignidade e a riqueza dos dois idiomas
que está manejando.
Em terceiro lugar, quando se traduz, não se faz necessário
submeter-se até o ponto de verter palavra por palavra. Se alguém
assim o faz, isso se deve à pobreza e à falta de engenho. Pois, se possuir
as qualidades mencionadas acima (as necessárias ao bom tradutor),
sem se ater à ordem das palavras, prestará atenção aos pensamentos,
de modo a expressar a intenção do autor, preservando com esmero a
propriedade de ambas as línguas. Logo, trata-se de uma crença
exagerada (eu diria mesmo estupidez ou ignorância) começar a
tradução pelo início do período; mas se, ao inverter a ordem das
palavras, consegues expressar a intenção do autor que traduzes,
ninguém poderá censurar-te por isso. Não quero silenciar aqui sobre
a loucura de alguns tradutores, que, em lugar de liberdade, se
submetem à servidão. De fato, são tolos os que se esforçam por restituir
o texto linha por linha, ou verso por verso. Com tal erro, deturpam
freqüentemente o sentido do autor que traduzem, e não expressam
nem a graça nem a perfeição de nenhuma das duas línguas. Tu te
18 ÉTIENNE DoLET
absterás cuidadosamente deste vício, que não demonstra senão a
ignorância do tradutor.
A quarta regra que quero dar agora deve ser mais observada.nas
línguas não sistematizadas do que nas outras. Chamo de línguas ainda
não sistematizadas e aceitas aquelas como a francesa, a italiana, a
espanhola, a alemã, a inglesa e outras vulgares. Se por ventura, pois,
traduzires algum livro em latim para uma dessas línguas (e também
para o francês) é preciso que evites usurpar palavras muito próximas
do latim e pouco usadas no passado. Contenta-te com as comuns, sem
inventar neciamente certas expressões por um capricho censurável.
Se alguns agem desta maneira, não os sigas, de nada vale a sua
arrogância, e não se tolera tal atitude em pessoas cultas. Não entendas
com isso que estou dizendo que o tradutor deveria abster-se totalmente
de palavras que caíram em desuso, pois é sabido que o grego ou o
latim são muito mais ricos em expressões do que o francês. O que nos
obriga muitas vezes a usarmos palavras pouco freqüentes. Mas isso
deve ser feito apenas em último recurso. Além disso, sei muito bem
que alguns poderiam alegar que, na sua maioria, as expressões da
língua francesa derivam do latim, e que se aqueles que nos antecederam
tiveram autoridade para colocá-las em uso, os modernos e os pósteros
podem também fazê-lo. Tal debate é mera tagarelice, e o melhor é
seguir a linguagem comum. No meu Orador Francês tratarei mais
amplamente deste ponto e com maior argumentação.
Chegamos agora à quinta regra, que um bom tradutor deve
observar. Ela é tão importante que, sem ela, qualquer composição fica
pesada e pouco agradável. Mas, em que consiste? Nada além da
observância da harmonia do discurso, isto é, um enlace e união das
palavras com tal suavidade, que não apenas a alma se satisfaça, mas
também os ouvidos se sintam completamente fascinados e não se
cansem jamais com tal harmonia da linguagem. Desta harmonia do
discurso falo mais extensamente em meu Orador, porquanto não me
alongarei aqui. E novamente advertirei o tradutor para que fique
atento, pois sem a observância da harmonia não se pode ser excelente
em nenhum tipo de composição; sem ela, as sentenças carecem de
gravidade e do peso requerido e legítimo. Ou acaso pensas que basta
possuir o termo próprio e elegante sem uma boa conjunção das
palavras? Digo-te que é como se houvesse um amontoado de várias
pedras preciosas mal dispostas, que não podem brilhar por causa de
20 ÉTIENNE D OLET
uma colocação inadequada. Ou o mesmo que vários instrumentos
musicais mal tocados por amadores, ignorantes da arte e maus
conhecedores dos tons e compassos da música. Em suma, é pouco o
esplendor das palavras se sua ordem e disposição forem indevidas.
Nisso foi outrora estimado acima de todos o orador grego Isócrates, e
igualmente Demóstenes. Entre os latinos, Marco Túlio Cícero foi um
grande observador da harmonia. Mas não penses que esta regra deve
ser observada mais pelos oradores que pelos historiógrafos. Ainda
que assim fosse, não acharás César e Salústio menos harmoniosos que
Cícero. Conclui-se, portanto, a esse respeito que sem grande
observância da harmonia um autor não é nada, mas com ela conseguirá
a fama de eloqüente, se igualmente possuir propriedade na expressão,
gravidade nos pensamentos, sutileza na argumentação. Estes são os
requisitos de um orador perfeito, e realmente pleno da glória da
eloqüência.
JOACHIM Du BELLAY
DÉFENSE ET ILLUSTRATION DE LA
LANGUE FRANÇAISE
DEFESA E ILUSTRAÇÃO DA LÍNGUA
FRANCESA
JOACHIM OU BELLAY
Chapitre V
Que les traductions ne sont suffisantes pour donner perfection
à la langue française
Toutefois ce tant louable labeur de tradu ire ne me semble moyen
unique et suffisant pour élever notre vulgaire à l' égal et parangon des
autres plus fameuses langues . Ce que je prétends prouver si
clairement, que nul n'y voudra (ce crois-je) contredire, s'il n'est
manifeste calomniateur de la vérité. Et premier, c'est une chose
accordée entre tous les meilleurs auteurs de rhétorique, qu'il y a cinq
parties de bien dire :1'invention, l'élocution, la disposition, la mémoire
et la prononciation. Or pour autant que ces deux dernieres ne
s'apprennent tant par le bénéfice des langues, comme elles sont données
à chacun selon la félicité de sa nature, augmentées et entretenues par
studieux exercice et continuelle diligence; pour autant aussi que la
disposition git plus en la discrétion et bon jugement de l'orateur
qu' en certa ines regles et préceptes, vu que les événements du temps,
la circonstance des lieux, la condition des personnes et la diversité
des occasions sont innumérables, je me contenterai de parler des deux
premieres, à savoir de l'invention et de l'élocution. L'office donc de
l' orateur est, de chaque chose proposée, élégamment et copieusement
parler. Or cette faculté de parler ainsi de toutes choses ne se peut
acquérir que par l'intelligence parfaite des sciences, lesquelles ont été
24 JOACH IM Ou BELLAY
JOACHIM DU BELLAY
Capítulo V
Que as traduções não são suficientes para tornar perfeita a
língua francesa
No entanto, este trabalho tão louvável de traduzir não me parece
um meio único e suficiente para permitir que o nosso linguajar seja
levado a igualar-se e ser comparável a outras línguas mais famosas. É
o que pretendo provar de maneira tão clara que ninguém vai querer
(como acredito) me contradizer a não ser que seja um caluniador
notório da verdade. Em primeiro lugar, estão de acordo os melhores
autores de retórica em dizer que há cinco partes na arte do bem falar:
a invenção, a elocução, a disposição, a memória e a pronúncia. Agora,
dado que estas duas últimas não se aprendem por meio das línguas,
mas são dadas a cada um segundo a feliz natureza de seu caráter,
desenvolvidas e mantidas por meio do estudo e pela contínua
dedicação; dado ainda que a disposição está mais no discernimento e
no critério do orador do que em certas regras e preceitos, e visto que
os acontecimentos do tempo, as circunstâncias do lugar, a condição
das pessoas e a diversidade das ocasiões são inumeráveis, contentar-
me-ei em falar das duas primeiras, a saber, a invenção e a elocução. O
ofício do orador é de falar de cada coisa que lhe é proposta de maneira
refinada e abundante. Ora, esta capacidade de falar de tal modo de
tudo só pode ser adquirida através de uma compreensão perfeita das
26 JOACHIM Ou BELLAY
ciências, tratadas primeiro pelos gregos, e depois pelos romanos,
imitadores daqueles. É, portanto necessário, que aquele que quer
adquirir esta abundância e riqueza de invenção domine estas duas
línguas, que são a primeira e principal peça da armadura do orador.
E no que se refere a este ponto, os tradutores fiéis podem e muito
servir e ajudar àqueles que não podem se dedicar a esse meio único
que é o estudo das línguas estrangeiras. Mas no que se refere à elocução,
a parte com certeza mais difícil, e sem a qual todas as outras coisas se
tornam inúteis e semelhantes a uma espada ainda dentro de sua bainha,
a elocução (como disse) pela qual, mais do que qualquer outra coisa,
um orador é julgado superior, e uma maneira de se expressar melhor
do que outra, cujo nome é eloqüência, e cuja virtude está nas palavras
próprias, habituais, e não alheias ao uso comum de falar, as metáforas,
alegorias, comparações, símiles, energia, e tantas outras figuras e
ornamentações, sem os quais todos os discursos e poemas são nus,
falhos e fracos; nunca acreditarei que se possa aprender bem isso dos
tradutores, porque é impossível reproduzi-lo com a mesma elegância
que o autor usou. Mais ainda, porque toda língua tem um não sei quê
próprio, só dela, e se tenta expressar este caráter profundo numa
outra língua, respeitando a lei de traduzir que é de não ultrapassar os
limites do autor, seu estilo será forçado, frio e sem elegância. E se
alguém não acreditar, que leia um Demóstenes e um Homero em
latim, um Cícero e um Virgílio em francês para ver se eles causam as
mesmas emoções ou mesmo um Proteu, lhe transformarão de várias
maneiras, ao igual que você sente quando lê esses autores em sua
língua original. Tem-se a impressão de passar da ardente montanha
do Etna ao frio cume do Cáucaso. E o que eu digo do latim e do grego
é válido também para todas as línguas vernáculas dos quais só citarei
a Petrarca de quem me atrevo a dizer que, se Homero e Virgílio tivessem
nascido de novo para traduzi-lo, não seriam capazes de fazê-lo com a
mesma graça e naturalidade como ele fez no seu toscano vernáculo.
No entanto, alguns dos nossos contemporâneos tentaram fazer com
que ele falasse francês. Estas são, em resumo, as razões que fizeram
com que eu pensasse que o ofício e a diligência dos tradutores, em
outras ocasiões muito úteis para ensinar o conhecimento das coisas
àqueles que ignoram as línguas estrangeiras, não é suficiente para dar
à nossa aquela perfeição e, como fazem os pintores em seus quadros,
essa última demão que desejamos. E se as razões que apresentei não
Chapitre VI
Des mauvais traducteurs, et de ne tradu ire les poetes
Mais que dirai-je d' aucuns, vraiment mieux dignes d' être appelés
traditeurs que traducteurs ? Vu qu'ils trahissent ceux qu'ils
entreprennent exposer, les frustrant de leur gloire, et par même
moyen séduisent les lecteurs ignorants,leur montrant le blanc pour
le no ir; qui, pour acquérir le nom de savants, traduisent à crédit les
langues, dont jamais ils n' ont entendu les premiers éléments, comme
l'hébraique et la grecque; et encore pour mieux se faire valoir, se
prennent aux poetes, geme d'auteurs ~ertes auquel, si je savais ou
vou la is traduire, je m' adresserais aussi peu, à cause de cette divinité
d'invention qu'ils ont plus que les autres, de cette grandeur de
style, magnificence de mots, gravité de sentences, audace et variété
de figures, et mille autres lumieres de poésie : bref cette énergie, et
ne sais quel esprit, qui est en leurs écrits, que les Latins appelleraient
genius. Toutes lesquelles choses se peuvent autant exprimer en
traduisant, comme un peintre peut représenter l'âme avec le corps
de celui qu'il entreprend tirer apres le naturel. Ce que je dis ne
s' adresse pas à ceux qui, par le commandement des princes et grands
seigneurs, traduisent les plus fameux poetes grecs et latins: parce
que l'obéissance qu'on doit à tels personnages ne reçoit aucune
excuse en cet endroi t: mais bien j' entends parler à ceux qui, de gaité
de coeur (comme on dit), entreprennent telles choses légerement et
s' en acquittent de même. O Apollon ! ô Muses! profaner ainsi les
sacrées reliques de l' antiquité ! Mais je n' en dirai autre chose. Celui
donc qui voudra faire oeuvre digne de prix en son vulgaire, laisse
ce labeur de traduire, principalement les poetes, à ceux qui de chose
laborieuse et peu profitable, j' ose dire encore inutile, voire
28 JOACHIM Du B ELLAY
parecerem suficientemente convincentes, citarei como avalistas e
defensores os antigos autores romanos, poetas principalmente, e
oradores, que (apesar de Cícero ter traduzido alguns livros de Xenofonte
e de Arates, e Horácio ter dado preceitos para bem traduzir) se dedicaram
a esta ocupação, mais por causa do seu estudo e proveito pessoal do
que para tomá-lo público com vistas a desenvolver sua língua, para sua
glória e para a satisfação dos outros. Se alguns viram algumas obras
traduzidas daquela época, quero dizer de Cícero, de Virgílio, e daquele
felicíssimo século de Augusto, eles não poderão negar o que digo.
Capítulo VI
Dos maus tradutores e de não traduzir os poetas
Mas o que diria daqueles realmente mais dignos de serem
chamados traidores do que tradutores? Porque traem aqueles que
eles se propõem expor ao público, tirando deles a glória, do mesmo
modo eles enganam os leitores ignorantes, mostrando-lhes o branco
onde há preto; que, para passar por sábios, traduzem levianamente de
línguas das quais não entenderam nem o básico, como o hebraico e o
grego. E para aparecer ainda mais, escolhem os poetas, gênero de
autores que eu, se soubesse ou quisesse traduzir, sem dúvida não
escolheria, por causa daquela invenção divina que eles têm mais do
que os outros, daquela grandeza de estilo, nobreza nas palavras,
gravidade nas sentenças, audácia e variedade de figuras, e mil outras
luzes de poesia: em resumo, aquela energia e não sei que espírito, que
está em seus escritos, e que os latinos chamavam de genius. Todas
essas coisas que podem ser expressas ao traduzir, como um pintor
pode representar a alma com o corpo daquele que ele escolheu como
modelo vivo. O que eu digo não se refere àqueles que, a pedido de
príncipes e nobres, traduzem os mais famosos poetas gregos e latinos,
porque a obediência devida a pessoas de tal importância não comporta
nenhuma desculpa neste caso. Falo dos que levianamente empreendem
este tipo de tarefa alegremente (como se diz) e se desfazem dela da
maneira como começaram. Oh Apolo! Oh Musas! Profanar desta
maneira as sagradas relíquias da Antigüidade! Mas não falarei mais a
esse respeito. Quem quiser fazer obra digna de aplausos em sua língua
vernácula, que deixe o trabalho de traduzir, principalmente os poetas,
para aqueles que desta tarefa trabalhosa e pouco proveitosa, até ouso
Chapitre VII
Comment les Romains ont enriehi leur langue
Si les Romains (dira quelqu'un) n'ont vaqué à ee labeur de
traduetion, par quels moyens done ont-ils pu ainsi enrichir leur langue,
voire jusques à l' égaler quasi à la grecque ? Imitant les meilleurs
auteurs grecs, se transformant en eux, les dévorant; et, apres les avoir
bien digérés, les convertissant en sang et nourriture: se proposant,
chacun selon son naturel et l'argument qu'il voulait élire, le meilleur
auteur, dont ils observaient diligemment toutes les plus rares et
exquises vertus, et icelles comme greffes, ainsi que j'ai dit devant,
entaient et appliquaient à leur langue. Cela fait (dis-je), les Romains
ont bâti tous ces beaux écrits que nous louons et admirons si fort :
égalant ores quelqu'un d'iceux, ores le préférant aux Grecs. Et de ce
que je dis font bonne preuve Cicéron et Virgile, que volontiers et par
honneur je nomme toujours en la langue la tine, desquels comme l'un
se fut entierement adonné à l'imitation des Grecs, contrefit et exprima
si au vif la copie de Platon, la véhémenee de Démosthene et la joyeuse
douceur d'lsocrate, que Molon Rhodian l'oyant quelquefois déclamer,
s'écria qu'il emportait l'éloquence grecque à Rome. L'autre imita si
bien Homere, Hesiode et Théocrite, que depuis on a dit de lui, que de
ces trois il a surmonté l'un, égalé l'autre,et approehé si pres de l'autre,
que si la félicité des arguments qu'ils ont traités eut été pareille, la
palme serait bien douteuse. Je vous demande donc vous autres, qui
ne vous employez qu'aux translations, si ces tant fameux auteurs se
fussent amusés à traduire, eussent-ils élevé leur langue à l' excellence
et hauteur ou nous la voyons maintenant ? Ne pensez donc, quelque
diligence et industrie que vous puissiez mettre en cet endroit, faire
tant que notre langue, encore rampante à terre, puisse hausser la tête
et s' élever sur pieds.
30 JOACHIM Du B ELLAY
dizer inútil, e até perniciosa para o desenvolvimento de sua língua,
ganham com toda justiça mais aborrecimento do que glória.
Capítulo VII
De que maneira os romanos enriqueceram sua língua
Se os romanos (alguém diria) não se dedicaram ao trabalho de
traduzir, de que maneira eles conseguiram, então, enriquecer sua
língua, até, inclusive, quase igualar agrega? Foi imitando os melhores
autores gregos, transformando-se neles, devorando-os; e depois de tê-
los digerido bem, convertendo-os em sangue e alimento: propondo-
se, cada um segundo seu próprio temperamento e segundo o assunto
que lhe interessava, o melhor autor, de quem observava com diligência
todas as mais raras e excelentes virtudes, que aplicavam como enxertos,
como disse antes, à sua língua. Feito isto (digo eu), os romanos
construíram todos esses belos escritos, que elogiamos e admiramos
tanto, igualando às vezes os gregos e às vezes superando-os. E do que
acabo de dizer são boas provas Cícero e Virgílio que cito sempre, com
prazer e honrando, em latim, dos quais um tinha se dedicado
inteiramente à imitação dos gregos, arremedando e expressando de
maneira tão viva a abundância de Platão, a veemência de Demóstenes
e a alegre doçura de Isócrates, que Mólon de Rhodes escutando-o
declamar um dia, exclamou que ele tinha levado a eloqüência grega a
Roma. O outro imitou tão bem Homero, Hesíodo e Teócrito, que
depois se disse dele que, desses três, um ele superou, igualou outro e
se aproximou tanto do último, que, se tivesse tido a mesma sorte com
os assuntos tratados, seria duvidoso a quem pertenceriam os louros.
Eu pergunto, portanto, a vocês que só fazem traduções, que se esses
autores tão famosos se tivessem ocupado em traduzir, eles teriam
elevado sua língua à excelência e à altura onde a vemos hoje? Não
pensem, portanto, que, por maior que seja a aplicação e o empenho
que vocês empreendam nesta prática, possam fazer o suficiente para
que nossa língua, que ainda se arrasta pelo chão, possa erguer a cabeça
e andar sobre seus próprios pés.
En 1660 est publié à Paris une méthode de traduction réalisée par un certain
Sieur de L'Estang, Gaspard de Tende de son vrai nom. L' ouvrage qui a paru
simultanément chez deux libraires (Jean Le Mire et Damien Foucault) est, en
réalité, un des tous premiers traités de traduction en langue française. Presque
inconnu parmi les spécialistes, de Tende, didacticien, écrit un ouvrage ample,
sérieux, dont Ballard souligne le caractere novateur, le voyant comme le
«premier effort remarquable pour codifier la traduction en partant de
l'observation de sa pratique»). Le texte qui suit est la préface de l'ouvrage
édité à Paris: chez Foucault, 1660.
34 GASPARD DE T ENDE
GASPARD DE TENDE
36 GASI'ARD DE T ENDE
o que me fez primeiro pensar em recolher estas regras foi a
conformidade maravilhosa e a harmonia admirável que se encontra
em todos os bons tradutores. Pois notei que aqueles que bem
traduziram as mesmas palavras e frases escolheram, todos, a mesma
construção e se utilizaram de uma mesma maneira de traduzir; tanto
é verdade que todos aqueles que fazem bem alguma coisa, fazem-no
porque possuem uma certa clarividência e um certo conhecimento
do bem, que, com freqüência, brilha e se mostra apenas nos espíritos
mais depurados; e aqueles, ao contrário, que fazem mal alguma coisa,
fazem-no porque lhes falta esta mesma clarividência e conhecimento
do bem que, não lhes iluminando o espírito, deixa-os na obscuridade
e nas trevas. O que tem como conseqüência que tudo o que se mostra
na ordem e na disposição que deve estar emana desta ordem e
conhecimento do bem que tem seu princípio no próprio Deus; e que
tudo o que não se mostra nesta ordem imutável e eterna encontra-se em
meio à desordem e à confusão. Mas visto que estou falando de ordem, é
preciso que eu discorra aqui sobre aquela que eu mesmo observei.
Dividi esta pequena obra em três livros. No primeiro, trato de
todas as diferentes maneiras de traduzir nomes e pronomes. No
segundo, das palavras, quer dizer das coisas que podem servir à
tradução. E no terceiro, trato dos termos de ligação que podem tomar
parte no discurso.
Veremos, no primeiro, como algumas vezes é necessário
restituir um nome latino por duas significações sinônimas, como
traduzir adjetivos por substantivos, qual a utilização dos
particípios e dos advérbios, como traduzir, enfim, os pronomes
pelos nomes próprios que substituem ou pelos nomes das coisas
às quais eles se referem.
Poderemos observar, no segundo, como embelezar nossa língua,
utilizando convenientemente as antíteses, descobrindo as oposições,
acrescentando-as à tradução a fim de torná-la mais clara e mais
inteligível, e, enfim, empregando as figuras e belezas das quais nos
servimos quando escrevemos.
O terceiro, aquele que trata dos termos de ligação, mostrará
como alongar os períodos que são muito curtos e, ao contrário,
como se pode cortá-los, quando muito longos; como podemos
iniciá-los com graça e, enfim, como são utilizados esses termos de
ligação.
38 GASPARD DE TENDE
Além disso, posso dizer que esta pequena obra mostrará,
igualmente, como se deve evitar dois tipos de exagero aos quais
facilmente se rende a maioria daqueles que traduzem. O primeiro é
uma certa liberdade que, degenerando em licenciosidade, leva o
tradutor a se afastar do objetivo que se tinha traçado, qual seja restituir
fielmente todos os pensamentos de seu autor. O outro é uma sujeição
que beira a subserviência, fazendo com que o tradutor jamais
ultrapasse seus próprios limites e se prenda por demais aos termos e
às palavras que traduz. O que permite supor que uma restrição muito
forte arruína toda a graça e beleza das palavras e que uma liberdade
exagerada altera completamente seu sentido. Mas é tempo de tratar
aqui de algumas regras mais particulares da tradução. Pois há, sem
dúvida, nesta arte, tanto quanto em todas as outras, regras certas e
seguras para formar um excelente artista.
A primeira regra, segundo o senhor de Vaugelas, é bem
compreender as duas línguas, mas sobretudo a língua latina, é captar
com precisão o pensamento do autor que se traduz e não se prender
exagerada mente às palavras, pois é suficiente que se restitua o sentido
com exato cuidado e completa fidelidade, sem renunciar a nenhuma
das belezas e figuras que existem no latim.
A segunda, conforme o autor da tradução do poema de S. Prosper,
é não somente manter completas fidelidade e exatidão ao restituir os
sentimentos do autor, mas tratar, ainda, de manifestar suas próprias
palavras, quando elas são importantes e necessárias.
A terceira, segundo o senhor de Vaugelas, é conservar o espírito e
o caráter do autor que se traduz, considerando se o estilo é simples ou
pomposo, se é um estilo de arenga ou narração. Pois, como não seria
apropriado traduzir em um gênero sublime e elevado um livro cuja
linguagem fosse pouco elevada e simples, como aquela das Santas
Escrituras ou da Imitação de Jesus Cristo, visto que a simplicidade é,
por si mesma, um tipo de beleza em alguns temas de devoção, não
seria também conveniente traduzir em um estilo preciso e breve as
arengas que devem ser longas, nem em um estilo prolixo as narrações
que devem ser curtas e precisas. Com efeito, quem quisesse reproduzir
de maneira pomposa o estilo simples da Santa Escritura acabaria por
fazer uma reprodução bem diferente desse santo original. Pois assim
como um excelente pintor deve transmitir a uma cópia todos os traços
e aparência do original que se propôs copiar, um excelente tradutor
40 G ASPARD DE T ENDE
devf:, da mesma maneira, fazer notar na tradução o espírito e o caráter
do autor que traduziu. E como uma cópia,para ser bem feita, não
deve parecer uma cópia, mas um verdadeiro original, da mesma
maneira uma tradução, para ser excelente, não deve parecer uma
tradução, mas uma obra natural e uma produção totalmente pura de
nosso espírito.
A quarta, segundo o autor da dissertação, é fazer com que cada um
fale e atue segundo os costumes e sua natureza e também exprimir o
sentido e as palavras do autor em termos que estejam em uso e sejam
convenientes à natureza das coisas que se traduz. Por exemplo,
devendo traduzir as seguintes palavras da escritura, ex adipe frumentÍ,
não se deve traduzi-las por la graisse de froment ["a gordura da
farinha"], ainda que a palavra graisse [" gordura"] seja a significação
natural da palavra latina adipe, porque além da palavra graisse não
ser um termo que convenha à natureza da farinha, o uso determina
que se diga: la Deur du froment [a flor do farinha] ou le pur froment
[a pura farinha]. Da mesma maneira, não se deveria fazer falar como
um homem civilizado e polido um bárbaro ou um camponês, porque
tal não convém aos costumes e à natureza nem de um nem de outro.
Do que se conclui que, para bem traduzir, deve-se não somente fazer
falar cada um segundo seus costumes e suas inclinações, mas é preciso
ainda que as expressões se formem com termos simples e naturais,
que o uso já consagrou, sem se servir, no entanto, das maneiras de falar
que, por assim dizer, acabam de nascer, pois há maneiras de falar que
não são adequadas à escrita e que podem vir a sê-lo com o tempo.
A quinta, conforme o autor da tradução do poema de S. Prosper, é
esforçar-se para restituir beleza por beleza e figura por figura, quando
não se encontram, nas duas línguas, as mesmas graças, o que ocorre
com bastante freqüência, e que não se consiga exprimir as mesmas
figuras e as mesmas belezas.
A sexta, segundo o autor de uma tradução de algumas cartas de
Cícero, é não usar longas construções, a menos que seja para tornar o
sentido mais inteligível e a tradução mais elegante. Pois, existem
aqueles, diz esse autor, que não conseguindo verter as coisas em poucas
palavras e em termos próprios e significativos, servem-se de uma
grande quantidade de palavras supérfluas e tomam liberdades que
não seriam permitidas nem mesmo aos escolares mais jovens. Assim,
alongando, como eles fazem, as palavras que traduzem, roubam toda
42 GASPARD DE T ENDE
a força dos termos latinos, chegando mesmo a alterar, algumas vezes,
o sentido e as palavras do autor. É por esta razão que as expressões
mais curtas e naturais são as mais belas e as melhores, sendo desejável
que se traduza verso por verso, e que a tradução seja tão curta quanto
o original que se traduz.
A sétima, segundo o senhor de Vaugelas, é sempre tender a uma
maior clareza no discurso. E é, sem dúvida, por esta razão que os
melhores tradutores reconheceram a necessidade de reduzir e dividir
os períodos; pois o discurso articulado e extenso é muito menos
inteligível que o discurso mais curto e preciso. Por isso é necessário
diminuir os períodos latinos quando eles são muito longos, pois nossa
língua, sendo ainda mais analítica, deixaria por muito tempo em
suspenso o espírito que espera sempre com impaciência o fim do que
se lhe quer dizer.
A oitava é juntar períodos muito curtos, quando se traduz um
autor cujo estilo é preciso e curto. Assim, como é preciso, algumas
vezes, reduzir períodos muito longos, é igualmente preciso, com
freqüência, juntar aqueles que são muito curtos, guardando nos dois
casos um justo equilíbrio e uma moderação razoável, e tudo com
muito discernimento.
A nona e última regra é não procurar apenas a pureza das
palavras e das frases, como fazem muitas pessoas, mas, ainda,
embelezar a tradução por meio de graças e figuras que estão,
muitas vezes, escondidas e que se descobre apenas com muita
aplicação. Visto ser bastante justo e razoável que não somente se
restitua em francês as belezas que são visíveis no latim, mas também
que se faça um esforço para descobrir todas essas belezas quando
escondidas. Assim, quando somente uma palavra latina faz uma
espécie de oposição a uma outra palavra do mesmo período, é
preciso expressar esta oposição com duas palavras em francês .
Mas a dificuldade que existe, algumas vezes, em descobrir tais
belezas e graças faz com que a maioria daqueles que se põem a
traduzir se limitem à pureza das palavras e frases, sem dar-se ao
trabalho de tentar conservar as belezas aparentes e ainda menos de
descobrir aquelas que não são aparentes.
Eis algumas regras que podem, certamente, formar um bom
tradutor. Através delas, pode-se exprimir de maneira nobre e elevada
um sentido que, mesmo sendo muito simples, tornar-se-ia muito
Note:
1. BALLARD, Michel. De Cicéron à Benjamin. TraducteuTS, traductions, ré/lexions. Lille:
Presses Universitaires de Lille, 1992.
44 GASPARD DE TENDE
elementar e fraco se fosse traduzido em toda sua simplicidade. Por
estas regras pode-se aprender a alcançar a fidelidade do sentido, sem
ferir a elegância das palavras, e a imitar a elegância sem ferir a
fidelidade. Por meio destas regras é que se pode embelezar uma
tradução e tornar, de algum modo, a cópia mais bela que o original. É,
enfim, através destas regras que se pode enriquecer nossa língua e
mostrar suas belezas, e que aqueles que não entendem latim podem
aprender a falar melhor e a melhor escrever.
Eu não teria tanto orgulho desta pequena obra se ela fosse tanto
minha quanto dos melhores tradutores e dos grandes mestres da
língua. Pois confesso que meu mérito é apenas de ter notado em seus
melhores livros as mais belas e melhores maneiras de traduzir e de
falar. E creio não ser necessário me justificar aqui pelo fato de que, no
segundo livro, utilizei termos simples e comuns para nomear as coisas,
pois o fiz apenas para torná-las mais inteligíveis às crianças e àqueles
que não sabem ainda latim, mas que querem adquirir algum
conhecimento.
Após ter estabelecido estas regras gerais para traduzir em verso e
em prosa, tinha eu a intenção de fixar algumas regras particulares
para traduzir em verso. Mas deixei para fazê-lo em uma segunda
edição, caso a presente seja favoravelmente acolhida.
Resta-me agora desejar que todos aqueles que lerão estas regras
perdoem os defeitos que aqui encontrarem, visto ser quase
impossível que aquele que traça os primeiros contornos de uma
coisa possa fazê-lo com toda a perfeição que o tempo pode
proporcionar. É a graça que espero de sua bondade; e a recompensa
que lhes peço pela intenção que tive de diminuir o esforço dos
tradutores, propondo-lhes regras para traduzir e embelezar suas
traduções.
Monsieur,
Comme les choses retournent à leur principe, et finis sent
ordinairement par ou elles ont commencé, iI était juste de consacrer la
fin de mes traductions, à celui qui en avait eu les prémices; et Minucius
Félix ayant donné naissance à notre amitié, Lucien en devait faire
I' accomplissement. O' ailleurs, ii fallait mettre au frontispice de cet
ouvrage, un nom qui bannit toute la mauvaise opinion, que I' on en
pourrait avoir; et que le libertinage de cet auteur, fut effacé par la
vertu de Monsieur Conrart. Ajoutez à cela, que ce livre ne pouvait
honnêtement paraitre en public sous d'autres auspices que les vôtres,
puisque vous avez tant contribué à le mettre au monde, et que vos
bons avis sont cause qu'il voit le jour en un état plus parfait. Ce n'est
donc pas tant ici un présent, qu'un acte de reconnaissance; encore est-
ce une reconnaissance intéressée, puis qu' elle mendie la protection
de celui qu'elle reconnait pour son bienfaiteur. Et véritablement,
Monsieur, puisque c' est vous principalement qui m' avez fait
entreprendre cette version, vous devez avo ir part au blâme ou à la
louange qui en pourra revenir; outre qu' elle trouvera assez de monstres
à combattre à sa naissance, pour chercher un protecteur. Mais afin que
vous ne me puissiez reprocher de vous avoir engagé témérairement
Senhor,
Como as coisas retornam a seu princípio e acabam normalmente
por onde começaram, era justo consagrar o final das minhas traduções
àquele que estava em suas primícias; e se Minúcio Félix fez nascer
nossa amizade, Luciano deveria fazê-la se consumar. Aliás, dever-se-
ia pôr no frontispício desta obra um nome 'que bane toda a opinião
negativa que dela se poderia ter, fazendo com que a libertinagem
desse autor fosse apagada pela virtude do senhor. Conrart. Acrescente-
se a isso que este livro não poderia honestamente vir a público sob
outros auspícios que não os vossos, já que havíeis contribuído tanto
para trazê-lo ao mundo, e que vossos bons conselhos são a causa de
que viesse à luz em um estado mais perfeito. Trata-se, portanto, aqui,
não tanto de um presente, mas de um ato de reconhecimento, ainda
que seja um reconhecimento interessado, pois mendiga a proteção
daquele que reconhece como seu benfeitor. E, na verdade, senhor, já
que fostes vós principalmente que me fizestes empreender esta versão,
deveis tomar parte no vitupério ou no louvor que poderá acarretar;
além de que ela encontrará bastantes monstros a combater no seu
nascimento, fazendo-se necessário procurar um protetor. Mas para
que não possais me repreender por vos terdes temerariamente
Que não se deve corromper seu autor, nem nada alterar de seu
assunto; mas lhes responderei com suas palavras,
Faciunt nae intelligendo, ut nihil intelligant
Qui cum hunc accusant, Naevium, Plautum, Ennium
Accusant, quos hic noster autores habet.
Quorum aemulari exopat negligentiam
I
Potius, quamistorum obscuram diligentiam.
Ce ne sont point ici des lois que je viens dicter. Ceux de nos bons
écrivains qui se sont exercés avec succes dans l' art de traduire auraient
plus de droit de s' ériger en législateurs; mais ils ont mieux fait que de
transcrire des regles; ils ont donné des exemples. Étudions l'art dans
leurs ouvrages, et non dans quelques décisions mal assurées, sur
lesquelles on dispute. Quels préceptes en effet sont préférables à I' étude
des grands modeles? Celle-ci éclaire toujours, ceux-Ià nuisent
quelquefois. Dans tous les genres de littérature, la raison a fait un petit
nombre de regles, le caprice les a étendues, et le pédantisme en a forgé
des fers que le préjugé respecte, et que le talent n' ose briser. De quelque
côté qu' on se tourne dans les Beaux-Arts, on voit partout la médiocrité
dictant les lois, et le génie s' abaissant à lui obéir. C' est un souverain
emprisonné par des esclaves. Cependant, s'il ne doit pas se laisser
subjuguer, iI ne doit pas non plus tout se permettre. Cette regle si utile
au progrés de la littérature doit s' étendre, ce me semble, non seulement
aux ouvrages originaux, mais aux ouvrages d'imitation même, tels
que sont les traductions. Essayons dans cet écrit d'éviter les deu x
exces d'une rigueur et d'une indulgence également dangereuses.
Nous examinerons d'abord les lois de la traduction, eu égard au
Jean le Rond d' Alembert (1717-1783), filósofo, matemático e físico, foi co-
diretor da Encyclopédje, redigiu o "Discours préliminaire" e escreveu por
volta de 1700 verbetes da mesma. Antes dos anos 1750, a quase totalidade de
seus trabalhos concerne à matemática. A partir de meados do século, com a
Encyclopédje (1751), sua eleição para a Academia Francesa (1754) e sua
inserção mais marcada no partido "filosófico", a atividade de D' Alembert se
diversifica. Publica, entre outros, várias edições diferentes de Mélanges de
Jjttérature, d'lústojre et de phjlosophje, obra à qual pertence o texto que segue,
editado em Amsterdã: Chatelain & Fils, 1759, vol. III, p. 9-19.
Não estou aqui para ditar leis. Dentre nossos bons escritores, os
que atuaram com sucesso na arte de traduzir teriam mais direito de se
apresentarem como legisladores, mas fizeram algo melhor do que
transcrever regras: deram exemplos. Estudemos a arte em suas obras
e não em algumas decisões mal fundamentadas, sobre as quais se
debate. Que preceitos são, de fato, preferíveis ao estudo dos grandes
modelos? Este último esclarece sempre, os primeiros às vezes
prejudicam. Em todos os gêneros de literatura, a razão estabeleceu
um pequeno número de regras, o capricho as ampliou e o pedantismo
fo~ou grilhões que o preconceito respeita e o talento não ousa quebrar.
Para onde quer que nos voltemos nas Belas-Artes, vemos por toda
parte a mediocridade ditando leis e o gênio se rebaixando para
obedecê-la. É um soberano aprisionado por escravos. Todavia, se ele
não deve deixar-se subjugar, também não deve tudo se permitir. Esta
regra tão útil ao progresso da literatura deve se estender, parece-me,
não somente às obras originais, mas também às obras de imitação, tais
como as traduções. Tentemos evitar neste escrito os excessos de um
rigor e de uma indulgência igualmente perigosos. Examinaremos
primeiramente as leis da tradução, relativamente ao espírito das
«Détestant la lumiere, ils ont, dit le poete, jeté la vie loin d' eux». Le
génie timide de notre langue ne permettait pas d' employer cette image,
tout animée et toute noble qu'elle est; un de nos grands poetes y a
substitué ces deux beaux vers:
Ils n'ont pu supporter, faibles et furieux,
Le fardeau de la vie imposé par les Dieux.
Talvez seja difícil decidir a qual dos dois poetas devemos dar
preferência, mas é fácil ver que os versos franceses não são
absolutamente a tradução dos versos latinos. Traduzir um poema em
prosa é pôr em recitativo uma melodia cadenciada; traduzi-lo em
versos é mudar uma melodia por outra, que pode não lhe ser inferior
em nada, mas que não é a mesma. Por um lado, é uma cópia semelhante,
mas sem vigor; por outro, é uma obra sobre o mesmo assunto mais do
que uma cópia. Mas o que é preciso fazer para conhecer bem os poetas
que escreveram em uma língua estrangeira? É preciso aprendê-la.
Que conclusão tirar destas reflexões? Se avaliássemos o mérito
apenas pela dificuldade vencida, muitas vezes haveria menos para
criar do que para traduzir. Nos homens de gênio, as idéias nascem
sem esforço e a expressão própria para transmiti-las nasce com
elas; exprimir, de uma maneira que nos seja própria, idéias que
não são nossas é, quase unicamente, tarefa da arte, e quanto maior
for esta arte menos aparece. Mas por mais escondida que seja,
sabemos sempre que existiu e é por isto que preferimos as obras
originais às obras de imitação. A natureza não perde jamais seus
direitos sobre nós, as produções que ela presidiu sozinha são
sempre as que nos tocam mais. Assim, preferimos os frutos nascidos
em solo natural, graças a um cultivo comum e a cuidados
medíocres, aos frutos estrangeiros que plantamos neste mesmo
solo com muita dificuldade e trabalho: experimentamos os últimos
e voltamos sempre aos primeiros.
Entretanto, atribuindo aos escritores criadores o primeiro lugar
que merecem, parece que um excelente tradutor deva ser colocado
imediatamente após, acima dos escritores que escreveram tão bem
quanto se pode fazer sem talento. Mas há entre nós uma espécie de
Notas:
1. Vírgílio. Enelda, VI, vv.435-437 "Aqueles que sem ter feito nenhum mal se suicidaram com
sua própria mão, e que, odiando a luz, rejeitaram a vida". (Irad. direta do latim, notas,
argumento analítico e excurso biográfico por Tassilo Orpheu SpaIding. São Paulo: Cultrix,
1981. p.l21).
2. Não puderam suportar, fracos e furiosos, o fardo da vida imposta pelos Deuses.N.T.
PRINCIPES DE LA LITTÉRATURE
PRINCÍPIOS DE LITERATURA
CHARLES BATTEUX
11 n'y a que ceux qui n'ont jamais essayé de tradu ire les auteurs
anciens qui puissent dou ter combien cette entreprise est difficile.
Quand on a I' expérience, on sait qu'il faut souvent plús de temps, de
peine, d'application pour bien copier un beau tableau, qu'il n'en a
fallu pour le faire.
J'ai observé cependant qu'il y avait des moyens pour diminuer la
difficulté. J' allais en tracer les moyens quand, à propos de gallicisme et
de latinisme, il me fallut faire des recherches sur le génie de la langue
française et de la langue latine. Parmi les réflexions que je fis, iI me vint
un doute sur l'inversion. On a pu voir par tout ce qui précede, ce que ce
doute a produit. La question sur l'inversion, d'incidente qu'elle était,
est devenue un principe fondamental, d' ou j' ai vu sortir toutes les regles
que je vais essayer de tr:acer sur la maniere de traduire. Je suis donc
rendu ici au premier objet que je m'étais proposé.
Quand on traduit, la grande difficulté n'est point d'entendre
la pensée de l'auteur: on y arrive communément avec le secours
des bonnes éditions, des commentaires et surtout en examinant la
liaison des pensées. Mais quand iI s'agit de présenter dans une
autre langue les choses, les pensées, les expressions, les tours, le
ton général de l' ouvrage, les tons particuliers du style dans les
poetes, les ora teurs, les historiens; les choses telles qu' elles sont,
sans rien ajouter, ni retrancher, ni déplacer; les pensées dans leurs
couleurs, leurs degrés, leurs nuances; les tours, qui donnent le
feu, l' esprit, la vie au discours; les expressions naturelles, figurées,
92 CHARLES BATIEUX
naturais, figuradas, fortes, ricas, graciosas, delicadas, etc; e o todo,
segundo um modelo que comanda rigidamente e que quer que lhe
obedeçamos de modo aparentemente fácil- é evidente que precisa-
mos, para traduzir bem, senão do mesmo gênio, ao menos do mes-
mo gosto que é necessário para compor. Talvez seja preciso até mais.
a autor guia-se pelo seu gênio sempre livre e pelo seu tema,
que lhe apresenta idéias que ele pode aceitar ou recusar à vonta-
de, é mestre absoluto de seus pensamentos e de suas expressões.
Ele pode abandonar aquilo que não consegue reproduzir. a tra-
dutor não é mestre de nada: é obrigado a curvar-se a todas as
variações de seu autor com uma leveza infinita. Julgue-se tal afir-
mação pela variedade de tons que podem ser encontrados em um
mesmo assunto, e com mais razão em um mesmo gênero. Em um
mesmo assunto, cujas partes são concertadas e postas em justa
harmonia, vemos o estilo que se eleva e se abaixa, que se ameniza
e se fortalece, que se concentra e se expande, sem, contudo, afas-
tar-se da unidade de seu caráter fundamental. Terêncio, em toda a
extensão de sua obra, possui um estilo que convém à comédia,
que é sempre fino e simples. Todavia, os níveis estilísticos são
diferentes na boca de Simão, de Dávio, de Sóstrato, de Panfilo, de
Mísis; são diferentes quando esses atores estão tranqüilos, ou emo-
cionados, em uma paixão ou em outra. Para irmos ainda mais
longe, o estilo epistolar deve ser simples: é preciso escrever uma
carta, dizem, como se fala (supondo-se todavia que se fale bem) .
De mestre alivier ao rei, há graus de condições, variando confor-
me o talento, a educação, o nascimento, a sorte. Há tantos estilos
simples quantos são os graus. Nenhum pode ser colocado no lu-
gar do outro . Não podemos fazê-lo sem ferir o bom gosto e a de-
cência em relação àqueles a quem escrevemos. Mas aquele que
escreve também deve alguma coisa a si mesmo. As relações de sua
pessoa, de sua idade, de seu lugar, do que foi, do que fez, do que
espera, do que teme, marcam-lhe as gradações, que ele capta no
ponto justo, se tem o gosto apurado . Para reproduzir todas essas
gradações, é preciso, antes de mais nada, tê-las sentido, em segui-
da dominar convenientemente a língua que se quer enriquecer
com despojos estrangeiros. As línguas fortes quebram as graças ao
transportá-las; as línguas fracas irritam a força. Que idéia não de-
vemos ter de uma tradução feita com sucesso!
94 CHARLES BA TIEUX
A primeira coisa necessária ao tradutor é saber a fundo qual é o
caráter das duas línguas que quer manejar. Ele pode sabê-lo devido a
uma espécie de sentimento confuso, que resulta do fato de estar habi-
tualmente em contato com uma língua. Mas seria mesmo inútil lançar
alguma luz no caminho do sentimento, e dar-lhe alguns meios segu-
ros para que não se perca?
Somente os iniciantes, ou aqueles que não conhecem perfeitamen-
te sua língua, têm dificuldades em encontrar as palavras que
correspondam ao que querem traduzir. Não podendo encontrar as
palavras simples, que existem, recorrem a perífrases que não têm
vigor e que eles não sabem como compensar de outra forma. Diremos
a eles, primeiramente, para estudarem e aprenderem bem sua própria
língua; depois, só sentirão dificuldades com construções, dificulda-
des estas que encontram também os mais experientes, e que poderão
diminuir seguindo as idéias que vamos desenvolver.
A língua latina e a língua francesa têm um fundo que lhes é co-
mum e propriedades que lhes são particulares: são propriedades que
fundamentam aquilo que se chama latinismo e galicismo.
O latinismo em uma composição francesa e o galicismo em uma
composição latina só podem ocorrer quando se emprega uma pala-
vra, um regime, uma construção própria a uma das duas línguas e
estrangeira à outra.
Há latinismo de palavra em francês quando se diz "la fortune des
armes" [a fortuna das armas], "la moUe arene" [a arena macia]. Em
francês, dizemos "le sort des armes" [a sorte das armas]. "Arene", em
latim, designa apenas a areia de um rio; em francês é um termo da
Antigüidade que designa a parte do anfiteatro onde os gladiadores
combatiam, durante o Império Romano. Haveria galicismo em latim
se disséssemos vivacitas ingem'j para "vivacidade de espírito", por-
que em latim vivacitas indica uma qualidade natural que faz uma
planta ou um animal viver por muito tempo. Assim, o latinismo e o
galicismo de palavras constituem uma espécie de barbarismo.
Existe latinismo de regime em uma frase francesa quando nela se em-
prega um regime latino. Ao falar do carvalho, La Fontaine disse: "celui de
qui la tête du ciei étaitvoisine" [aquele de quem a cabeça do céu era vizinha].
Dizemos em latim vicinum coelocaput, mas em francês dizemos "voisin du
ciel" [vizinho do céu]; "la belette aux oiseaux ennemie" [a doninha aos
pássaros inimiga]: em francês dizemos "ennemi de" [inimigo de]. 'J'admirais
96 CHARLES BA ITEUX
si Mathan", etc [me surpreenderia se Mathan, etc]: em francês, "admirer"
[admirar] é ativo, só em latim ele é usado de forma neutra. Do mesmo modo,
se disséssemos Petrus laborat pro lucrad suam vitam, cometeríamos um
galicismo, não apenas de palavras, mas de regime, porque não somente as
palavras seriam tomadas em um sentido que não é latino, mas também
seriam regidas por uma regra de sintaxe francesa que não existe entre os
latinos. Essa espécie de latinismo e de galicismo aproxima-se do solecismo.
Enfim, existe latinismo e galicismo de construção quando, em fran-
cês, são empregadas construções que são próprias do latim e estran-
geiras ao francês, ou quando, em latim, são empregadas construções
próprias do francês e estrangeiras ao latim. Éessa espécie de latinismo
e de galicismo que está em questão aqui.
Quando traduzimos do francês para o latim, empregamos com fre-
qüência construções francesas sem escrúpulos; e, ao contrário, quando
traduzimos do latim para o francês, o temor que sentimos em empregar
na língua francesa as construções latinas, nos faz tomar de tal modo o
caminho contrário ao da organização latina que, na maioria das vezes,
só ficamos satisfeitos com nossa construção quando nenhuma idéia se
encontra mais no mesmo lugar que ocupava na frase latina.
Entretanto, se é verdade que nossa língua só se afasta da cons-
trução latina quando é forçada a isso, seja pela nitidez, seja pela
harmonia, ocorre que devemos seguir a mesma ordem que os lati-
nos todas as vezes que não temos uma dessas três razões; e, conse-
qüentemente, todas as construções, fundamentadas apenas no in-
teresse ou no ponto de vista daquele que fala, não encontrando nas
palavras da outra língua nenhum obstáculo real que lhes faça es-
colher um outro caminho, devem ser conservadas; e somente nos
casos contrários devemos mudar as construções, sob pena de co-
meter um galicismo se escrevemos em latim, ou um latinismo se
escrevemos em francês.
Depreende-se, então, que o primeiro princípio da tradução é o
seguinte: deve-se empregar os torneios do autor, quando as duas lín-
guas assim o permitirem.
Se há em Terêncio acàpit bene, por que não se traduziria por "é
um homem que recebe bem"? Se há hoc miiincommodat, por que não
se dirá "isso me incomoda"? [... ]
É inútil levar este assunto mais adiante. Tiremos deste princípio
conseqüências que serão, da mesma forma, regras da arte de traduzir.
II suit:
I. Qu' on ne doit point toucher à I' ordre des choses, soit faits, soit
raisonnements, puisque cet ordre est le même dans toutes les langues
et qu'il tient à la nature de I'homme, plutôt qu'au génie particulier
des nations.
II. Qu'on doit conserver aussi l'ordre des idées, ou du moins
celui des membres. II y a une raison, quelque fine qu'elle soit à
observer, qui a determiné I' auteur à prendre un arrangement plutôt
qu'un autre. Peut-être que ç' a été I'harmonie, mais quelquefois aussi
c' est l' énergie. Cicéron avait dit: Neque potestis exercitum confjnere
imperator; quiseipsum non continet M. Fléchier, qui a traduit cette
pensée en orateur, n' ayant pu conserver l' ordre des idées, a au moins
conservé l' ordre des membres; iI a dit: «Quelle discipline peut
établir dans son camp celui qui ne peut régler sa conduite?». Que
serait-ce s'iI eut mis: «Un général qui ne regle point sa conduite ne
peut régler une armée»? C' est le même sens, mais ce n' est plus le
même feu, parce que ce n'est plus le même ordre. D'un autre côté,
s'il eut traduit: «Un général ne peut régler une armée qui ne peut se
régler lui-même», iI eut fait un latinisme. Ainsi l'exemple de M.
Fléchier nous donne une double leçon.
III. Qu' on doit observer les périodes, quelques langues quI elles
soient, parce qu'une période n'est qu'une pensée composée de
plusieurs autres pensées qui se lient entr'elles par des rapports
intrinseques, et que cette liaison est la vie de ces pensées et l' objet
principal de celui qui parle. Utens eorum sententiis et earum figuris.
Dans une période les différents membres sont comme des pendants
qui se regardent, et dont les rapports font harmonie. Si on coupe les
phrases, on aura les pensées: mais on les aura sans les rapports de
principe, ou de conséquence, de preuve, de comparaison, quI elles
avaient dans la période et qui en faisaient la couleur. II y ades moyens
de concilier tout : les périodes, quoique suspendues dans leurs
"0 différents membres, ont cependant des repos, ou le sens est presque
fini, et qui donnent à l'esprit le relâche dont iI a besoin. [... ]
IV. Qu' on doit conserver toutes les conjonctions. Elles sont comme
les articulations des membres. On ne doit en changer ni le sens, ni la
place. S'iI y ades occasions ou on puisse les omettre, ce ne sera que
98 CHARLES BA TTEUX
....-
Assim:
I. Não devemos mexer na ordem das coisas, sejam fatos, sejam
raciocínios, já que tal ordem é a mesma em todas as línguas e pertence
à natureza do homem, antes mesmo de pertencer à índole particular
das nações.
II. Devemos conservar também a ordem das idéias, ou ao menos a
das partes. Há uma razão, por mais tênue que seja, que levou o autor
a escolher uma disposição em lugar de outra. Talvez tenha sido a
harmonia, mas, às vezes, também é a energia. Cícero dissera: Neque
potest is exercitum continere imperatOl; qui seipsum non continet O
senhor Fléchier, que traduziu este, pensamento como orador, não
podendo conservar a ordem das idéias, ao menos conservou a ordem das
partes; ele disse: "Que disciplina pode estabelecer em seu campo aquele
que não consegue dirigir sua conduta?". O que aconteceria se ele tivesse
colocado: "Um general que não comanda sua própria conduta não pode
comandar um exército"? O sentido é o mesmo, mas não há mais a mesma
força, porque não há mais a mesma ordem. Por outro lado, se ele tivesse
traduzido: "Um general não pode comandar um exército se não pode
comandar-se a si mesmo", ele teria cometido um latinismo. Assim, o
exemplo do senhor Fléchier nos dá uma dupla lição.
III. Devemos observar os períodos, por mais longos que sejam,
porque um período nada mais é do que um pensamento composto
de vários outros pensamentos que se ligam entre si por relações
intrínsecas, e esta ligação é a vida desses pensamentos e o objetivo
principal daquele que fala. Utens eorum sententiis et earum figuris.
Em um período, as diferentes partes são como pingentes que se
equilibram, e cujas relações promovem harmonia. Se cortarmos as
frases, teremos os pensamentos, mas sem as relações de princípio,
ou de conseqüência, de prova, de comparação que tinham no perí-
odo e que lhes davam cor. Há meios de conciliar tudo: os períodos,
embora suspensos em suas diferentes partes, têm, entretanto, pau-
sas, nas quais o sentido quase se completa, e que dão ao espírito o
repouso de que precisa. [oo.]
IV. Devemos conservar todas as conjunções. Elas são como as arti-
culações das partes. Não se deve mudar nem seu sentido, nem sua
posição. Se há ocasiões em que se pode omiti-las, será apenas quando
Note
Cité par HORGUELIN, P. A. Anthologie de la maniere de traduire: domaine !rançais.
Montréal: Linguatec, p.l23, 1981.
L' article qui suit fut publié dans r EncydopédÍe, le DjetÍonnaÍre raÍsonné des
sCÍences, des arts et des métÍers de Diderot, tome seizieme. Nicolas Beauzée
était professeur à rEcole Royale Militaire, d'ou la signature de cet article:
B.E.R.M. (Beauzée Ecole Royale Militaire). L'article qui suit fut publié dans le
DjetÍonnaÍre raÍsonné des sCÍences, des arts et des métiers(ou r EncydopédÍe).
Tome seizieme, p. 510. Neufchastel: Samuel Faulche, 1765.
On entend également par ces deux mots la copie qui se fait dans
une langue d'un discours premierement énoncé dans une autre,
comme d'hébreu en grec, de grec en latin, de latin en français, etc.
Mais l'usage ordinaire nous indique que ces deux mots different
entr'eux par quelques idées accessoires, puisque l'on emploie l'un
en bien des cas ou l' on ne pourrait pas se servir de l' autre: on dit, en
parlant des saintes écritures,la version des septante/ la version vulgate/
et l' on ne dirait pas de même, la traduction des septante/ la traduction
vulgate. On dit au contraire que Vaugelas a fait une excellente
traduction de Quinte-Curce, et l' on ne pourrait pas dire qu'il en a fait
une excellente version.
Il me semble que la. version est plus littérale, plus attachée aux
procédés propres de la langue originale, et plus asservie dans ses
moyens aux vues de la construction analytique; et que la traduction
est plus occupée du fond des pensées, plus attentive à les présenter
sous la forme qui peut leur convenir dans la langue nouvelle, et plus
assujettie dans ses expressions aux tours et aux idiotismes de cette
langue.
De là vient que nous di sons la version vulgate, et non la
traduction vulgate; parce que l'auteur a tâché, par respect pour
le texte sacré, de le suivre littéralement, et de mettre, en quelque
sorte, l'hébreu même à la portée du vulgaire, sous les simples
apparences du latin dont iI emprunte les mots. Miserunt Judaei
NICOLAS BEAUZÉE
Nicolas Beauzée foi professor na Ecole Royale Militaire, razão para a assinatura
deste verbete: B.E.R.M. (Beauzée Ecole Royale Militaire).O texto que segue foi
publicado originalmente como um verbete do Dicionário das ciências, artes e
ofícios, (ou Encyclopédie). Tomo dezesseis, p. 510. Neufchastel: Samuel
Faulche, 1765.
"TRADUCTION" - SUPPLÉMENT DE
L/ENCYCLOPÉDIE
"TRADUÇÃO" - SUPLEMENTO DA
ENCYCLOPÉDIE
JEAN-FRANÇOIS MARMONTEL
Les opinions ne s' accordent pas sur l' espece de tâche que s'impose
le traducteur, ni sur l'espece de mérite que doit avoir la traduction. Les
uns pensent que c' est une folie que de vouloir assimiler deux langues
dont le génie est différent; que le devoir du traducteur est de se mettre
à la place de son auteur autant qu'il est possible, de se remplir de son
esprit et de le faire s'exprimer dans la langue adoptive, comme iI se fut
exprimé lui-même s'il eut écrit dans cette langue. Les autres pensent
que ce n'est pas assez; ils veulent retrouver dans la traduction, non
seulement le caractere de l' écrivain original, mais le génie de sa langue,
et, s'il est permis de le dire, 1'air du climat et le goo.t du terroir.
Ceux-là semblent ne demander qu'un ouvrage utile ou agréable;
ceux-ci, plus curieux, demandent la production d'un tel pays et le
monument d'un tel âge: la premiere de ces opinions est plus
communément celle des gens du monde; la seconde est celle des
savants. Le goo.t des uns, ne cherchant que des jouissances pures, non
seulement permet que le traducteur efface les taches de l'original,
qu'ille corrige et 1'embellisse; mais illui reproche, comme une
négligence, d'y laisser des incorrections; au lieu que la sévérité des
autres lui fait un crime de n'avoir pas respecté ces fautes précieuses,
qu'ils se rappellent d'avoir vues et qu'ils aiment à retrouver. Vous
copiez un vase étrusque et vous lui donnez l' élégance grecque; ce
n' est point là ce qu' on vous demande, et ce que I' on attend de vous.
François-Victor Hugo (1828 -1873), fils de Victor Hugo, publia de 1859 à 1866
sa traduction des Oeuvres Completes de Shakespeare, en 15 volumes. La
préface qui suit, écrite par son pere, a été publiée lors de la deuxieme édition
du tome I, en 1865. Oeuvres Completes de WtjJjam Shakespeare, Tome I,
Paris: Pagnerre Librairie-Editeur, 1865, p. 7-31.
I
Une traduction est presque toujours regardée tout d'abord par le
peuple à qui on la donne comme une violence qu' on lui fait. Le goút
bourgeois résiste à I' esprit uni verseI.
Traduire un poete étranger, c' est accroitre la poési.e nationale; cet
accroissement déplait à ceux auxquels il profite. C' est du moins le
commencement; le premier mouvement est la révolte. Une langue
dans laquelle on transvase de la sorte un autre idiome fait ce qu'elle
peut pour refuser. Elle en sera fortifiée plus tard, en attendant elle
s'indigne. Cette saveur nouvelle lui répugne. Ces locutions insolites,
ces tours inattendus, certe irruption sauvage de figures inconnues,
tout cela, c' est de l'invasion. Que va devenir sa littérature à elle?
Quelle idée a t-on de venir lui mêler dans le sang cette substance des
autres peuples? C' est de la poésie en exces. II y a là abus d'images,
profusion de métaphores, violation des frontieres, introduction forcée
dil goút cosmopolite dans le goút local. Est-ce grec? C'est grossier.
Est-ce anglais? C' est barbare. Apreté ici, âcreté là. Et, si intelligente
que soit la nation qu'on veut enrichir, elle s'indigne. Elle hait cette
nourriture. Elle boit de force, avec colere. Jupiter enfant recrachait le
lait de la chevre divine.
Ceci a été vrai en France pour Homere, et encare plus vrai pour
Shakespeare.
I
Uma tradução é quase sempre considerada, pelo povo a quem é
oferecida, como uma violência que se comete contra ele. O gosto
burguês resiste ao espírito universal.
Traduzir um poeta estrangeiro é aumentar a poesia nacional;
este acréscimo desagrada àqueles que dele tiram proveito. É, ao
menos, o começo; o primeiro movimento é a revolta. Uma língua
na qual se transvasa assim um outro idioma faz o que pode para
recusar. Ela será fortalecida mais tarde, por enquanto ela se indigna.
O sabor novo lhe repugna. As locuções insólitas, as maneiras
inesperadas, a irrupção selvagem de figuras desconhecidas, tudo
isso é invasão. Em que vai se transformar sua própria literatura?
Que idéia é essa de vir lhe misturar no sangue esta substância de
outros povos? É a poesia em excesso. Há abusos de imagens,
profusão de metáforas, violação de fronteiras, introdução forçada
do gosto cosmopolita no gosto local. É grego? É grosseiro. É inglês?
É bárbaro. Grosseria aqui, rudeza ali. E, por mais inteligente que
seja a nação que se quer enriquecer, ela se indigna. Ela odeia este
alimento. Bebe à força, com cólera. Júpiter criança cuspia o leite
da cabra divina.
Isso foi verdade na França para Homero, e é mais verdade ainda
para Shakespeare.
II
«11 faut que je vous dise combien je suis fâché contre un nommé
Letoumeur, qu' on dit secrétaire de la librairie, et qui ne me parait pas
le secrétaire du bon gout. Auriez-vous lu les deux volumes de ce
misérable? 11 sacrifie tous les Français sans exception à son idole
(Shakespeare), comme on sacrifiait autrefois des cochons à Céres; iI ne
daigne pas même nommer Corneille et Racine. Ces deux grands
hommes sont seulement enveloppés dans la proscription générale,
sans que leurs noms soient prononcés. II y a déjà deux tomes imprimés
de ce Shakespeare, qu' on prendrait pour des pieces de la foire, faites
iI y a deux cents ans. Il y aura encore cinq volumes. Avez-vous une
haine assez vigoureuse contre cet impudent imbécile? Souffrirez-vous
l'affront qu'il fait à la France? 11 n'y a point en France assez de
camouflets, assez de bonnets d'âne, assez de piloris pour un pareil
faquin. Le sang pétille dans mes vieilles veines en vous parlant de lui.
Ce qu'il y a d'affreux, c'est que le monstre a un parti en France, et
pour comble de calamité et d'horreur, c'est moi qui autrefois parlai le
premier de ce Shakespeare/ c' est moi qui le premier montrai aux
Français quelques perles que j' avais trouvées dans son énorme fumier.
Je ne m'attendais pas que je servira is un jour à fouler aux pieds les
couronnes de Racine et de Corneille pour en orner le front d'un
histrion barbare».
À qui est adressée cette lettre? À La Harpe. Par qui? Par Voltaire.
On le voit, iI faut de la bravoure pour être Letourneur.
Ah! vous traduisez Shakespeare? Eh bien, vous êtes un faquin,
mieux que cela, vous êtes un impudent imbécile; mieux encore, vous
êtes un misérable. Vous faites un affront à la France. Vous méritez
toutes les formes de l' opprobre public, depuis le bonnet d'âne, comme
II
"É preciso que eu diga o quanto estou furioso contra alguém de
nome Letourneur, que se diz secretário da livraria, e que não me
parece o secretário do bom gosto. O senhor teria lido os dois volumes
desse miserável? Ele sacrifica a seu ídolo (Shakespeare) todos os
franceses sem exceção, como se sacrificava outrora cerdos a Ceres; ele
não se digna sequer a mencionar Corneille e Racine. Estes dois grandes
homens são apenas colocados na proscrição geral, sem que seus nomes
sejam pronunciados. Existem já dois tomos impressos desse
Shakespeare, que se tomaria por mercadorias de feira de há duzentos
anos. Haverá ainda cinco volumes. Teria o senhor um ódio forte o
bastante contra esse imbecil insolente? Sentiria o senhor a afronta que
ele fez à França? Não há, absolutamente, na França, nem humilhação,
nem orelhas de burro, nem pelourinhos suficientes para semelhante
canalha. O sangue ferve em minhas velhas veias ao falar dele. O
pavoroso é que, na França, há pessoas que tomaram o partido desse
monstro, e o cúmulo da calamidade e do horror é que fui eu quem
primeiro, outrora, falou desse Shakespeare, fui eu o primeiro a mostrar
aos Franceses algumas pérolas que encontrara em seu enorme esterco.
Não esperava que um dia eu serviria para espezinhar as coroas de
Racine e de Corneille para com elas ornar a cabeça de um bárbaro
histrião".
A quem é dirigida esta carta? A La Harpe. Por quem? Por Voltaire.
Vê-se que é preciso bravura para ser Letourneur.
Ah! O senhor traduz Shakespeare? Bem, o senhor é um canalha;
mais, o senhor é um imbecil insolente; ou melhor, o senhor é um
miserável. O senhor faz uma afronta à França. Merece todas as
formas de opróbrio público, das orelhas de burro, como os bobos,
III
Letourneur, chose curieuse à dire, n' était pas moins bafoué par les
anglais que par les français. Nous ne savons plus quellord, faisant
autorité, disait de Letourneur: pour traduire un fou, iI faut être un
sot. Dans le livre intitulé William Shakespeare/ publié récemment, on
peut lire, ré unis et groupés, tous ces étranges textes anglais qui ont
insulté Shakespeare pendant deux siecles. Au verdict des gens de
lettres, ajoutez le verdict des princes. Georges ler, sous le regne duquel,
vers 1726, Shakespeare parut poindre un peu, n'en voulut jamais
écouter un verso Ce Georges était «un homme grave et sage» (Millot),
qui aima une jolie femme jusqu'à la faire grand-écuyer. Georges II
pensa comme Georges ler. II s'écriait: - Je ne pourrais pas !ire
Shakespeare. Et iI ajoutait, c'est Hume qui le raconte: - C'est un
garçon si ampoulé! - (He was such a bombast fellow.~r: abbé Millot,
historien qui prêchait l' Avent à Versailles et le Carême à Lunéville, et
que Querlon préfere à Hénault, raconte l'influence de Pope sur
Georges II au sujet de Shakespeare. Pope s'indignait de «l'orgueil de
Shakespeare», et comparait Shakespeare à «un mulet qui ne porte rien
et qui écoute le bruit de ses grelots». Le dédain littéraire justifiait le
dédain royal. Georges III continua la tradition. Georges III, qui
commença de bonne heure, à ce qu'il parait, l' état d' esprit par lequel
iI devait finir, jugeait Shakespeare et disait à miss Burney: - Quoi!
n' est-ce pas là un triste galimatias? quoi! quoi! - (What! is there not
sad stuff? what! whaW
III
Letourneur, coisa curiosa, não era menos achincalhado pelos
ingleses que pelos franceses . Não se sabe mais que lorde, com
autorsidade, dizia dele: "para traduzir um louco, é preciso ser um
tolo". No livro William Shakespeare, publicado recentemente, se pode
ler, reunidos e organizados, todos esses estranhos textos ingleses que
insultaram Shakespeare durante dois séculos. Ao veredicto dos homens
de letras, acrescentem o veredicto dos príncipes. George I, no reinado
do qual, em 1726, Shakespeare pareceu destacar-se um pouco, nunca
quis escutar um verso dele. Esse George era "um homem sério e sábio"
(Millot), que amou uma linda mulher a ponto de fazer dela escudeiro-
moroGeorge II pensava como George I. Exclamava: - Eu não poderia
ler Shakespeare. E acrescentava, é Hume que conta: - É um rapaz tão
empolado! (He was such a bombast fellow.1. O abade Millot,
historiador que pregava durante o advento em Versalhes e durante a
quaresma em Lunéville, e que Querlon prefere a Hénault, narra a
influência de Pope sobre George II a respeito de Shakespeare. Pope se
indignava do "orgulho de Shakespeare", e o comparava a "um jumento
que não leva carga nenhuma e que escuta o barulho de seus cincerros".
O desdém literário justificava o desdém real. George III continuou a
tradição. George III, que cedo adquiriu, ao que parece, o estado de
espírito com o qual chegaria ao fim da vida, julgava Shakespeare e
dizia à senhorita Burney: - Que! Não é um triste embrulhão? Que!
Que! (What! Is there not sad stuff? What! What1 .
IV
Le danger de traduire Shakespeare a disparu aujourd'huL
On n'est plus un ennemi public pour cela.
Mais si le danger n' existe plus, la difficulté reste.
Letoumeur n' a pas traduit Shakespeare; iIi' a, candidement, sans
le vouloir, obéissant à son insu au gout hostile de son époque,
parodié.
Traduire Shakespeare, le traduire réellement, le traduire avec
confiance, le traduire en s'abandonnant à lui, le traduire avec la
simplicité honnête et fiere de l' enthousiasme, ne rien éluder, ne rien
omettre, ne rien amortir, ne rien cacher, ne pas lui mettre de voile là ou
iI est nu, ne pas lui mettre de masque là ou ii est sincere, ne pas lui
prendre sa peau pour mentir dessous, le traduire sans recourir à la
périphrase, cette restriction mentale, le traduire sans complaisance
puriste pour la France ou puritaine pour l' Angleterre, dire la vérité,
toute la vérité, rien que la vérité, le traduire comme on témoigne, ne
point le trahir, 1'introduire à Paris de plain-pied, ne pas prendre de
précautions insolentes pour ce génie, proposer à la moyenne des
intelligences, qui a la prétention de s' appeler le gout, l' acceptation de
ce géant, le voilà! en voulez-vous? ne pas crier gare, ne pas être honteux
du grand homme, l'avouer, 1'afficher, le proclamer, le promulguer,
être sa chair et ses os, prendre son empreinte, mouler sa forme, penser
sa pensée, parler sa parole, répercuter Shakespeare de l'anglais en
français, quelle entreprise!
IV
O perigo de traduzir Shakespeare hoje desapareceu.
Não se é mais um inimigo público por causa disso.
Mas se o perigo não existe mais, a dificuldade permanece.
Letourneur não traduziu Shakespeare; ele, candidamente, sem
querer, obedecendo sem saber ao gosto hostil de sua época,
parodiou-o.
Traduzir Shakespeare, traduzi-lo realmente, traduzi-lo com
confiança, traduzi-lo entregando-se a ele, traduzi-lo com a simplicidade
honesta e orgulhosa do entusiasmo, não eludir nada, não omitir nada,
não enfraquecer nada, não esconder nada, não lhe colocar véu onde
ele está nu, não lhe colocar máscara onde ele é sincero, não se colocar
na sua pele para mentir sob ela, traduzi-lo sem recorrer à perífrase,
esta restrição mental, traduzi-lo sem complacência purista para com a
França ou puritana para com a Inglaterra, dizer a verdade, toda a
verdade, nada mais que a verdade, traduzi-lo como se testemunha,
não traí-lo absolutamente, apresentá-lo a Paris sem dificuldade, não
tomar precauções insolentes contra esse gênio, propor à média das
inteligências, que tem a pretensão de se chamar gosto, a aceitação
desse gigante, ei-Io! Querem-no? Não pedir atenção, não se
envergonhar do grande homem, confessá-lo, exibi-lo, proclamá-lo,
promulgá-lo, ser com ele carne e osso, tomar sua impressões, moldar
sua forma, pensar seu pensamento, falar sua palavra, repercutir
Shakespeare do inglês em francês, que empreendimento!
v
Shakespeare é um dos poetas mais difíceis para o tradutor.
A velha violência feita a Pro teu simboliza o esforço dos tradutOres.
Captar o gênio, dura tarefa. Shakespeare resiste, é preciso cercá-lo.
Shakespeare escapa, é preciso persegui-lo.
Ele escapa pela idéia, ele escapa pela expressão. Lembrem-se do
unsex, esta lúgubre declaração de neutralidade de um monstro entre
o bem e o mal, este cartaz colocado sobre uma consciência eunuca.
Que intrepidez é preciso para reproduzir claramente em francês certas
belezas insolentes desse poeta, por exemplo, o buttock ofnight, onde
se entrevê as partes vergonhosas da sombra. Outras expressões parecem
sem equivalentes possíveis; assim green girl"fille verte" (em língua
francesa)!, não tem nenhum sentido em francês. Poderíamos dizer de
certas palavras que elas resistem a qualquer investida. Shakespeare
tem um sunt lacrymae rerum. Em we have ldssed away ldngdoms
andprovinces, assim como no profundo suspiro de Virgilio, o indizível
é dito. O futuro sendo gasto, de maneira gigantesca, numa cama,
províncias se esvaindo em beijos, reinos possíveis se esvanecendo nas
bocas coladas de Antônio e Cleópatra, impérios dissolvidos em carícias
e somando inexprimivelmente sua grandeza à volúpia, insignificantes
como eles, todas essas sublimidades estão nesta frase kissed away
ldngdoms.
Shakespeare escapa ao tradutor pelo estilo, ele escapa também
pela língua. O inglês se esquiva do francês o quanto pode. Os dois
idiomas são compostos em sentido inverso. Seu pólo não é o mesmo,
o inglês é saxão, o francês é latino. O inglês atual é próximo do
alemão do século quinze, tirando a ortografia. A antipatia
imemorial entre os dois idiomas foi tal que, em 1095, os Normandos
depuseram Wolstan, bispo de Worcester, somente pelo crime de
ser "um velho bronco inglês que não sabia falar francês". Por outro
lado, já se falou dinamarquês em Bayeux. Duponceau estima que
há no inglês, em cada quatro, três raízes saxãs. Quase todos os
verbos, todas as partículas, as palavras que compõem a estrutura
da língua, são do norte. A língua inglesa traz em si uma tão perigosa
força isolante que a Inglaterra, instintivamente, e para facilitar
suas comunicações com a Europa, tomou seus termos de guerra
dos franceses, seus termos de navegação dos holandeses e seus
VI
Ii Y ades problemes dans la Bible; iI y en a dans Homere; on
connaí't ceux de Dante; iI existe en Italie des chaires publiques d'inter-
prétation de la Divinecomédie. Les obscurités propres à Shakespeare,
VI
Há problemas na Bíblia, há problemas em Homero, conhecemos
os de Dante; na Itália, existem tribunas públicas de interpretação da
Divina comédia. A obscuridade própria a Shakespeare, dos diversos
VII
Et de la sorte, vous saurez de qui est contemporain le Thésée du
Songe d/une nuitd'ét~· voussaurez comment les prodiges de la mort
de César se répercutent dans Macbeth' vous saurez quelle quantité
d'Oreste iI y a dans Hamlet. Vous connaitrez le vrai Timon d' Athenes,
le vrai Shylock, le vrai Falstaff.
Shakespeare était un puissant assimilateur. Il 5' amalgamait le passé.
Il cherchait, puis trouvait; iI trouvait puis inventait; il inventait, puis
créait. Une insufflation sortait pour lui du lourd tas des chroniques.
De ces infolios iI dégageait des fantômes.
Fantômes étemels. Les uns terribles, les autres adorables. Richard
III, Glocester, Jean sans Terre, Marguerite, lady Macbeth, Regane et
Goneril, Claudius, Lear, Roméo et Juliette, Jessica, Perdita, Miranda,
Pauline, Constance, Ophélia, Cordélia, tous ces monstres, toutes ces
fées. Les deux pôles du coeur humain et les deux extrémités de l'art
représentés par des figures à jamais vivantes d'une vie mystérieuse
impalpables comme le nuage, immortelles comme le souffle. La
difformité intérieure, lago; la difformité extérieure, Caliban; et pres
d'lago le charme, Desdemona, et en regard de Caliban la grâce, Titania.
Quand on a lu les innombrables livres lus par Shakespeare, quand
on a bu aux mêmes sources, quand on 5' est imprégné de tout ce dont
iI était pénétré, quand on 5' est fait en soi un fac-simile du passé tel
VIII
Un jeune homme s'est dévoué à ce vaste travai!. À côté de cette
premiere tâche, reproduire Shakespeare, i! y en avait une deuxieme, le
commenter. Une, on vient de le voir, exige un poete, l'autre un bénédictin.
Ce traducteur a accepté l'une et l'autre. Parallelement à la traduction
de chaque drame, iI a placé, sous le titre d'introductiofl, une étude
spéciale, ou toutes les questions relatives au drame traduit sont discutées
et débattues, et ou, pieces en mains, le pour et contre est plaidé. Ces
trente-six introductions aux trente-six drames de Shakespeare, divisés
en quinze livres portant chacun un titre spécial, sont dans leu r ensemble
une oeuvre considérable. Oeuvre de critique, oeuvre de philologie,
oeuvre de philosophie, oeuvre d'histoire, qui côtoie et corrobore la
traduction; quant à la traduction en elle-même, elle est fidele, sincere,
opiniâtre dans la résolution d'obéir au texte; elle est modeste et fiere;
elle ne tâche pas d'être supérieure à Shakespeare.
Le commentaire couche Shakespeare sur la table d'autopsie, la
traduction le remet debout; et apres l'avoir vu disséqué, nous le
retrouvons en vie.
Pour ceux qui, dans Shakespeare, veulent tout Shakespeare, cette
traduction manquait. On l'a maintenant. Désormais ii n'y a plus de
bibliotheque bien faite sans Shakespeare. Une bibliotheque est aussi
incomplete sans Shakespeare que sans Moliere.
L' ouvrage a paru volume par volume et a eu d'un bout à l' autre ce
grand collaborateur, le succes.
Le peu que vaut notre approbation, nous le donnons sans réserve
à cet ouvrage, traduction au point de vue philologique, création au
point de vue critique et historique. C' est une oeuvre de solitude. Ces
oeuvres-Ià sont consciencieuses et saines. La vie sévere conseille le
travai! austere. Le traducteur actueI sera, nous le croyons et toute la
haute critique de France, d' Angleterre et d' Allemagne l' a proclamé
déjà, le traducteur définitif. Premiere raison, iI est exact; deuxieme
raison, ii est complet. Les difficultés que nous venons d'indiquer, et
VIII
Um jovem se devotou a este vasto trabalho. Ao lado desta primeira
tarefa, reproduzir Shakespeare, havia uma segunda, comentá-lo. Uma,
acabamos de ver, exige um poeta, a outra, um beneditino. Este tradutor
aceitou uma e outra. Paralelamente à tradução de cada peça, ele
colocou, sob o título de introdução, um estudo especial, onde todas
as questões relativas à peça traduzido são discutidas e debatidas e
onde, evidências em mão, os prós e os contras são sustentados. Estas
trinta e seis introduções às trinta e seis peças de Shakespeare, divididas
em quinze livros, cada um com um título especial, são em seu conjunto
uma obra considerável. Obra de crítica, obra de filologia, obra de
filosofia, obra de história, que ladeia e corrobora a tradução; quanto à
tradução em si mesma, ela é fiel, sincera, firme na resolução de obedecer
ao texto; ela é modesta e orgulhosa; ela não tenta ser superior a
Shakespeare.
O comentário deita Shakespeare sobre a mesa da autopsia, a
tradução o recoloca de pé; e após tê-lo visto dissecado, nós o
reencontramos com vida.
Esta tradução faltava para aqueles que, em Shakespeare, querem
todo Shakespeare. Nós a temos agora. Daqui por diante, não há mais
biblioteca bem feita sem Shakespeare. Uma biblioteca é tão incompleta
sem Shakespeare quanto sem Moliere.
A obra apareceu volume por volume, e teve, do início ao fim, esse
grande colaborador, o sucesso.
O pouco que vale nossa aprovação, nós a damos sem reserva a esta
obra, tradução do ponto de vista filológico, criação do ponto de vista
crítico e históriço. É uma obra solitária. Tais obras são conscienciosas
e sãs. A vida severa aconselha o trabalho austero. O tradutor atual
será, nós acreditamos e toda a alta crítica da França, da Inglaterra e da
Alemanha já o proclamou, o tradutor definitivo. Primeira razão, é
exato; segunda razão, é completo. As dificuldades que acabamos de
indicar, e uma multitude de outras, ele as enfrentou francamente, e, a
1. Parêntesis do tradutor
Marcel Schwob escreveu este prólogo para uma tradução que realizou de
alguns versos de Catulo, hoje perdida. Resta-nos, felizmente, este prefácio,
no qual Schwob apresenta os princípios de seu método translativo, que ele
chamou de "analogia das línguas e literaturas com o mesmo grau de
formação". Fonte: Oeuvres completes, Paris, François Bemouard, 1927, tome
I, p. 85-86.
Oresde,11 février.
Le jugement prononcé par le tribunal extraordinaire dans l'affaire du
prince héritier de Saxe a la teneur suivante: "Le divorce est prononcé
pour cause d' adultere commis par I' épouse inculpée avec le professeur
de langues Giron." (Le Temps, 11 février 1903).
Dresden, 11 de fevereiro.
A sentença proferida pelo tribunal extraordinário no caso do príncipe
herdeiro da Saxônia reza o seguinte: "O divórcio é autorizado por
causa de adultério cometido pela esposa processada com o professor
de línguas Giron." (Le Temps, 11 de fevereiro de 1903.)
*Un bon exemple de cette maniere de traduire a été donné par l'éminent
publiciste anglais Edmund Gosse, dans la vie du poete Donne (The
LHe and Letters o/John Donne, Londres, 1899, voI. I, pp. 23 et 24). Sa
traduction de la devise espagnole de Donne Antes muerto que muda-
doest de tout point excellente. M. Gosse écrit Be/ore J am dead how
shallJ be changed, c' est-à-dire Avant queje suis mort combien serai-je
changé! Un autre aurait mis: "Plutót mourir que changel', qui serait
évidemment mauvais. Le premier sens de antesdans votre petit lexique
est avant c'est celui qu'il fallait choisir. Qui ne voit, d'ailleurs, que
"plutôt mourir que changer" n'est qu'un truisme de proverbe? Au
lieu que la pensée: "Avant que je sois mort combien serai-je changé!"
se trouve inscrite sur le portrait de Donne par Marshall, fait en 159l.
Donne avait 18 ans et iI prévoyait déjà qu'il cesserait un jour d'être
courtisan libertin pour devenir doyen de Saint-Paul. Tant une
traduction exacte et littérale, fait selon les préceptes indiqués, peut
éclairer sur l'histoire d'une âme et d'une vie entiere!
Vers la fin de sa vie (sans certitude de date), Paul Valéry (1871-1945) réalise
une traduction des BucoJjquesde Virgile, qu'il accompagne de ces "Variations":
des remarques sur le poete latin et des reflexions sur la traduction et l' écriture
de la poésie en généraL Source: "Traductions en vers des Bucoliques de Virgile",
Oeuvres 1, Bibliotheque de la Pléiade, Gallimard, 1957, p. 207-222.
*
La langue latine est, en général, plus dense que la nôtre. Elle n'use
pas d' articles; elle fait l' économie des auxilia ires (du moins à l' époque
classique); elle est avare de prépositions; elle peut dire les mêmes
choses en moins de mots, elle dispose d' ailleurs des arrangements de
ceux-ci avec une liberté qui nous est presque entierement refusée, et
qui fait notre envie. Cette latitude est des plus favorables à la poésie,
qui est un art de contraindre contim1ment le langage à intéresser
immédiatement Forelile (et par celle-ci tout ce que les sons peuvent
exciter par eux-mêmes) au moins autantquíl ne lait Fesprit Un vers
est à la fois une suite de syllabes et une combinaison de mots; et
Nos seus últimos anos de vida (data incerta), Paul Valéry (1871-1945) realiza
uma tradução das Bucólicasde Virgílio, à qual ele acrescenta estas "Variações":
comentários sobre o poeta latino e reflexões sobre a tradução e a atividade poética
em geral. Fonte: "Traductions en vers des Bucoliques de Virgile", Oeuvres 1,
Bibliotheque de la Pléiade, Gallimard, 1957, p. 207-222.
*
A língua latina é, de modo geral, mais densa que a nossa. Ela não
utiliza artigos; ela faz economia de auxiliares (ao menos na época
clássica); ela é avarenta com as preposições; ela é capaz de dizer as
mesmas coisas em menos palavras, ela dispõe, além disso, seus arran-
jos com uma liberdade que nos é quase inteiramente interditada, e nos
causa inveja. Essa liberdade é das mais favoráveis à poesia, que é a arte
de obrigai; o tempo todo, a linguagem a convocar de imediato o
ouvido (e, com isso, tudo o que os sons podem estimular por si pró-
prios), ao menos na mesma medida em que o faz com o espírito. Um
verso é, simultaneamente, uma seqüência de sílabas e uma combina-
*
S'agissant donc pour moi de traduire ligne pour ligne, le fameux
texte de Virgile en français, et n' étant disposé à admettre, de moi
comme des autres, qu'une traduction aussi fidele que la différence
des langues le permit, mon premier mouvement fut de renoncer à
exécuter I' ouvrage qui m' était demandé. Rien ne me désignait pour
l'accomplir. Mon peu de latin d'écolier était, depuis cinquante-cinq
ans, réduit au souvenir de son souvenir; et tant d'hommes des plus
lettrés et des plus érudits (sans compter les autres) s' étant, au cours de
trois ou quatre siecles, exercés à la traduction de ces poemes, je ne
pouvais espérer que de faire plus mal ce qu'ils avaient accompli
supérieurement. J'ajoute, je confesse que les themes bucoliques
n' excitent pas furieusement mon courage. La vie pastorale m' est
étrangere et me semble ennuyeuse. L'industrie agricole exige
exactement toutes les vertus que je n' ai pas. La vue des sillons m' attriste,
- jusques à ceux que trace ma plume. Le retour des saisons et de leurs
effets donne l'idée de la sottise de la nature et de la vie, laquelle ne
sait que se répéter pour subsister. Je songe aussi à toute la peine
monotone que veut le tracement régulier de rides dans la terre lourde,
et je ne m' étonne point qu' on ait vu une peine afflictive et infamante
dans l' obligation infligée à l'homme de "gagner son pain à la sueur
de son front". Cette formule m'a toujours paru ignoble. Que si l'on
me reprend sur ce sentiment que j'avoue et que je ne prétends pas
défendre, je dirai que je suis né dans un port. Point de champs
alentour, des sables et de l' eau salée. L' eau douce y vient de loin. On
n'y connaissait de bétail qu'à 1'état de cargaison, plus morte que
*
Tratando-se, portanto, para mim, de traduzir linha por linha o
célebre texto de Virgílio para o francês, e não estando disposto a ad-
mitir, de mim como de outros, nada que não seja uma tradução tão fiel
quanto a diferença entre as línguas permite, o meu primeiro movi-
mento foi o de renunciar à execução da obra que me foi solicitada.
Nada me qualificava para realizá-la. O meu parco latim de escolar
estava, depois de cinqüenta e cinco anos, reduzido à lembrança de
sua lembrança; e tendo tantos homens dos mais letrados e dos mais
eruditos (sem contar os outros), ao longo de três ou quatro séculos, se
entregado à tradução desses poemas, eu não podia esperar nada a não
ser fazer pior o que eles realizaram de modo excepcional. Acrescento,
confesso que os temas bucólicos não excitam tremendamente o meu
ânimo. A vida pastoral me é estranha e me parece tediosa. A faina
agrícola demanda precisamente todas as virtudes que eu não tenho. A
visão dos sulcos me entristece - mesmo a dos que traça a minha pena.
A recorrência das estações e de seus efeitos transmite a idéia da estu-
pidez da natureza e da vida, que sabe apenas se repetir para subsistir.
Penso também em todo o esforço monótono que exige o traçado regu-
lar dos regos na terra espessa, e não me surpreende que se tenha visto
um sofrimento aflitivo e infame na obrigação infligida ao homem de
"ganhar o pão com o suor de seu rosto". Esta formulação me pareceu
sempre ser ignóbil. E se for censurado por esse sentimento que eu
revelo, e não tenho a intenção de defender, direi que nasci num porto.
Nada de campos na redondeza, apenas areia e água salgada. A água
doce vinha de longe. Eu não vi gado a não ser como carga, mais morto
*
Mais enfin, l'espece de défi que me portaient les difficultés
dont j' ai parlé, et les comparaisons mêmes qu'il y avait à craindre,
agirent comme des aiguillons et firent que je cédai. J' ai une sorte
d'habitude de m'abandonner à ces agents du destin que l'on
nomme les "Autres". II n'y a de volonté en moi que sur deux ou
trois points absolus, profondément fixés . Sur le reste, je suis facile
jusqu'à la faiblesse et à la bêtise, par une étrange indifférence qui
se fonde, peut-être, sur ma certitude que personne ne sait ce qu'il
fait, ni ce qu'il sera et que vouloir quelque chose, c'est en vouloir
du coup une infinité d' autres qui ne manqueront point de paraitre
à leur tour sur l'horizon. Tous les événements de ma vie, qui ont
été des actes de moi en apparence, ont été l' oeuvre de quelque
autre, et chacun est signé d 'un nom. J'ai observé qu 'il n'y a guere
plus d'avantage que de désavantage à faire ce que l'on veut, et
ceci me conduit à ne demander comme à ne refuser que le moins
possible. Devant la complexité et l' emmêlement des choses, la
. décision la plus raisonnée n' est pas différente d'un tirage à pile ou
face; si ce n' est le jour même, on le voit bien le mo is apres o
*
J' ai donc rouvert mon Virgile de classe, ou ne manquent point,
selon l'usage, les notes qui manifestent toute l'érudition d'un
professeur, mais qui ne la manifestent qu'à lui, car elles seraient, pour
la plupart, merveilleusement propres à embarrasser de leur philologie
et de ses doutes, l'innocent éleve, si, du reste, illes consultait, ce qu'il
n' a garde de faire.
Virgile de mes classes, qui m' eut dit que j' aura is encore à barboter
en toi?
192 P AU L V ALÉ RY
do que vivo, pobres bestas suspensas entre o céu e a terra, erguidas a
todo vapor, agitando as patas no espaço, depostas espantadas na poei-
ra dos cais; e, depois, tropel conduzido para os trens sombrios, trotan-
do e estrebuchando entre os trilhos das vias férreas, sob o bastão de
pastores sem flautas.
*
Mas, enfim, o gênero de desafio que me ofereciam, as dificuldades
de que falei, e as próprias comparações que havia a se temer, agiram
como espinhos e fizeram com que eu cedesse. Eu tenho uma espécie
de hábito de me entregar a esses agentes do destino que denominamos
os "Outros". Não existe em mim vontade, a não ser no que diz respei-
to a dois ou três pontos absolutos, profundamente enraizados. Quan-
to ao restante, sou displicente até a fraqueza e a estupidez, por uma
estranha indiferença que se fundamenta, talvez, sobre a minha certeza
de que ninguém sabe o que faz, nem o que será, e desejar alguma coisa
é desejar ao mesmo tempo uma infinidade de outras que não deixarão
de aparecer, por sua vez, no horizonte. Todos os acontecimentos da
minha vida, que na aparência foram atos do eu, foram obra de algum
outro, e cada um traz a assinatura de um nome. Observei que não
existe mais vantagem do que desvantagem em se fazer o que se quer,
e isso me levou a não questionar, bem como não recusar, a não ser o
menos possível. Ante a complexidade e o emaranhado das coisas, a
decisão mais razoável não é diferente de um lançe de cara ou coroa; se
não no próprio dia, vê-se o bem um mês depois.
*
Assim, eu abri de novo o meu Virgílio da escola, em que não
faltavam, segundo o costume, as notas que expressam toda a erudição
de um professor, mas que somente a expressam para ele mesmo, pois
seriam, na maioria, maravilhosamente adequadas para embaraçar com
sua filologia e dúvidas o aluno inocente, se ele as consultasse, o que
ele poderia cuidar para não fazer.
Virgílio das minhas aulas, quem me disse que eu ainda iria chapi-
nhar em você?
*
Je dirai maintenant mes impressions de traducteur en toute
simplicité; mais, selon le vice de mon esprit, je ne me tiendrai pas de
*
Direi agora as minhas impressões de tradutor com toda simplici-
dade; porém, de acordo com o vício de meu espírito, não deixarei de
*
Écrire quoi que ce soit, aussitôt que I' acte d' écrire exige de la
réflexion, et n' est pas l'inscription machinale et sans arrêts d' une parole
intérieure toute spontanée, est un travail de traduction exactement
comparable à celui qui opere la transmutation d'un texte d'une langue
dans une autre. C'est que, dans le domaine d'existence d'une même
langue, dont chacun satisfait à des conditions du moment et de
circonstance, notre interlocuteur, nos intentions simples ou complexes,
le loisir ou la hâte, et le reste, modifient notre discours. Nous avons un
langage pour nous-mêmes, dont les autres manieres de parler s'écartent
plus ou moins; un langage pour nos familiers; un pour le commerce
général; un pour la tribune; iI y en a un pour l' amour; un pour la
colere; un pour le commandement et un pour la priere; iI y en a un
pour la poésie et un de prose, sinon plusieurs encore dans chacune; et
tout ceci dans le même vocabulaire (mais plus ou moins restreint ou
étendu, selon le cas) et sous la même syntaxe.
*
Que si le discours est réfléchi, iI est comme fait d' arrêts; iI procede
de station en station. L'esprit, au lieu d'épouser et de laisser s'émettre
ce qui lui vient en réponse immédiate à ce qui I' excite, pense et repen-
se (comme en aparte') la chose qu'il veut exprimer, et qui n' est pas du
langage; et ceci, en présence soutenue, des conditions qu'il s'est
données.
Un homme qui fait des vers, suspendu entre son beau idéal et son
rien, est dans cet état d' attente active et interroga tive qui le rend
uniquement et extrêmement sensible aux formes et aux mots que
I'idée de son désir, reprise comme retracée indéfiniment, demande à
inconnu, aux ressources latentes de son organisation de parleur, -
cependant que je ne sais quelle force chantanteexige de lui ce que la
pensée toute nue ne peut obtenir que par une foule de combinaisons
successivement essayées. Le poete choisit parmi celles-ci, non point
celle qui exprimerait le plus fidelement sa "pensée" (c' est l' affaire de
la prose) et qui lui répéterait donc ce qu'il sait déjà; mais bien celle
*
Escrever o que quer que seja, de imediato o ato de escrever exige
reflexão, e não é a inscrição mecânica e sem interrupções de uma fala
interior espontânea, é um trabalho de tradução perfeitamente compará-
vel ao que opera a transmutação de um texto de uma língua a outra. É
o que, no território de existência de uma mesma língua, onde cada um
satisfaz as condições do momento e as circunstâncias, o nosso interlocutor,
as nossas intenções simples ou complexas, o tempo de sobra ou a pressa,
e o restante, modificam no nosso discurso. Temos uma linguagem para
nós mesmos, em que os outros modos de falar mais ou menos se descar-
tam; uma linguagem para os nossos familiares; uma para o comércio em
geral; uma para a tribuna; existe uma para o amor; uma para a cólera;
uma para dar ordens e uma para as orações; existe uma para a poesia e
uma para a prosa, senão muitas mais contidas em cada uma; e isso tudo
com o mesmo vocabulário (mas mais ou menos restrito ou ampliado,
segundo ocaso) e sob a mesma sintaxe.
*
Se o discurso é fruto de reflexão, ele é como se feito de paradas;
passa de estação em estação. O espírito, em vez de adotar e permitir a
expressão do que lhe vem como resposta imediata ao que o excita,
pensa e repensa (como num aparte) o que deseja exprimir, e que não é
linguagem; e isto, em presença sustentada, nas condições que lhe são
dadas.
Um homem que faz versos, suspenso entre o seu belo ideal e o seu
nada, encontra-se nesse estado de espera ativa e interrogadora, que o
toma única e extremamente sensível às formas e às palavras que a
idéia de seu desejo, retomado, indefinidamente, numa revisão, per-
gunta ao desconhecido, aos recursos latentes de sua organização de
falante - ao passo que eu não sei que força cantante exige dele o que
o pensamento desnudo não pode obter, a não ser por uma multidão
de combinações sucessivamente ensaiadas. O poeta escolhe entre elas,
não a que exprimirá com mais fidelidade o seu "pensamento" (é pro-
blema da prosa) e que lhe repetirá, portanto, o que ele já sabe; mas
*
Quoique latiniste des moins surs de soi, cette mince et médiocre
connaissance qui m'est restée du langage de Rome m'est infiniment
précieuse. On peut fort bien écrire tout en l'ignorant, mais je ne crois
pas que, l'ignorant, on puisse se sentir aussi bien construire ce qu'on
écrit que si l'on a quelque conscience d'un latin sous-jacent. On peut
fort bien dessiner des corps humains sans connaitre le moins du mon-
de l' anatomie; mais ceI ui qui la connait en doit tirer quelque avantage,
ne rut-ce que celui d' abuser de ce savoir pour déformer plus hardiment
et heureusement les figures de ses compositions. Le latin n' est pas
seulement le pere du français; iI est aussi son éducateur en matiere de
grand style. Toutes les niaiseries et les raisonnements incroyables qu' on
a produits pour défendre ce qu' on nomme du nom vague et menteur
d'HUMANITÉS ne font qu'offusquer l'évidence de la vraie valeur
pour nous d'une langue à laquelle nous devons ce qu'il y a de plus
solide et de plus digne dans les monuments de la nôtre. Elle se rapporte
à celle-ci de deu x manieres différentes : ce qui est remarquable en soi
et singulier. Et d' abord, elle l' engendre par une suite de modifications
insensibles d'elle-même, évolution durant laquelle s'introduisent
quantité de facteurs et d' apports irrégulierement annexés et incorporés
au cours des âges. Plus tard, notre français déjà bien établi et bien
détaché de la souche, iI arriva que de savants hommes et les auteurs
les plus relevés de leur temps élurent, dans la longue histoire de la
198 P AU L V ALÉRY
aquela que um pensamento em si mesmo não pode prod uzir e que lhe
pareça ao mesmo tempo estranha e estrangeira, preciosa, e solução
única de um problema que somente se enuncia uma vez solucionado.
Esta conformação feliz transmite ao poeta o mesmo estado emocional
que a engendrou: ela não é uma expressão por construção, mas uma
espécie de propagação, de efeito de ressonância. A linguagem, aqui,
não é mais um intermediário que a compreensão anula, uma vez cum-
prido seu papel; ela age por meio de sua forma, cujo efeito é de fazê-
la renascer e reconhecer a si mesma de imediato.
O poeta é uma espécie singular de tradutor que traduz o discurso
comum, modificado por uma emoção, para a "linguagem dos deu-
ses"; e seu trabalho interior consiste menos em buscar palavras para as
suas idéias do que buscar idéias para as suas palavras e ritmos predo-
minantes.
*
Embora latinista dos menos seguros de si, esse parco e medíocre
conhecimento que me restou da linguagem de Roma me é infinita-
mente precioso. Não se pode escrever bem ignorando-a por comple-
to, mas não creio que, ignorando-a, alguém possa sentir tão bem a
construção do que escreve, a não ser que tenha alguma consciência de
um latim subjacente. Podemos desenhar bem corpos humanos sem
conhecer nada de anatomia; mas quem a conhece deve tirar alguma
vantagem, ainda que não seja mais que abusar desse saber para defor-
mar com mais ousadia e felicidade as figuras de suas composições. O
latim não é apenas o pai do francês; é também seu educador em maté-
ria de grande estilo. Toda estupidez e os raciocínios inacreditáveis
produzidos para defendermos o que chamamos pelo nome vago e
mentiroso de HUMANIDADES, não fazem mais que ofuscar a evi-
dência do verdadeiro valor para nós de uma língua à qual devemos o
que há de mais sólido e de mais digno nos monumentos da nossa. Ela
se relaciona a esta de duas maneiras diferentes: o que é digno de nota
em si e o que é singular. E, de início, ela a engendra por uma série de
modificações insensíveis dela mesma, evolução durante a qual se in-
troduz uma série de fatores a contribuições irregularmente anexadas
e incorporadas ao longo dos tempos. Mais tarde, com o nosso francês
já bem estabelecido e bem distanciado do ancestral, aconteceu de
homens sábios e os autores mais relevantes de seu tempo elegerem, na
langue littéraire latine, une période assez breve, mais riche en ouvrages
du premier ordre, qu'ils consacrerent comme époque de la perfection
de l' art de parler et d' écrire. On ne peut prouver qu'ils eurent raison,
puisqu'il n'y a point de démonstrations en cette matiere; mais ii serait
facile de montrer que l' étude intime et l' assimilation des écrits de
Cicéron, de Tite-Live ou de Tacite ont été des conditions essentielles
de la formation de notre prose abstraite de la premiere moitié du
XVIle siecle, qui est ce que la France a produit, dans l' ordre des Lettres,
de plus rare et de plus consistant. Tout pauvre en latin que je suis,
voilà ce que je senso
Mais ii devrait s' agir ici de poésie et de Virgile.
*
Au bout de quelque temps que je m' avançais dans ma traduction,
faisant, défaisant, refaisant, sacrifiant ici et là, restituant de mon mieux
ce que j' avais refusé tout d' abord; ce travail d' approximations, avec
ses petits contentements, ses repentirs, ses conquêtes et ses
résignations, m'inspira un sentiment intéressant, dont je n'eus pas
tout de suite conscience, et qu'il vaudrait mieux ne pas déclarer, si
j'avais souci d'autres lecteurs que de ceux assez intérieurs pour le
comprendre.
J'eus, devant mon Virgile, la sensation (que je connais bien) du
poete en travail; et je discutai distraitement avec moi-même, par-ci,
par-là, au sujet de cette oeuvre illustre, fixée dans une gloire millénaire,
aussi librement quej'aurais fait d'un poeme en travail sur ma table. Je
me trouvai, par moments, tout en tripotant ma traduction, des envies
de changer quelque chose dans le texte vénérable. C'était un état de
confusion nalve et inconsciente avec la vie intérieure imaginaire d'un
écrivain du siecle d' Auguste. Cela durait une ou deux secondes de
temps actueI, et m' amusait. Pourquoi pas, me disais-je, en revenant
de cette breve absence. Pourquoi pas? Ce sont toujours, au fond, les
mêmes problemes, - c'est-à-dire, les mêmes attitudes : l' oreille intime
tendue vers le possible, vers ce qui va se murmurer "tout seul", et
murmuré, redevenir désir; le même suspens et les mêmes
précipitations verbales; la même orientation de la sensibilité du
vocabulaire implexe, comme si tout les mots de la mémoire guettaient
leur occasion de tenter leur chance vers la voix. Je ne craignais pas de
rejeter telle épithete, de ne pas aimer tel mot. Pourquoi pas?
200 P AU L V AL~RY
longa história da língua literária latina, um período bastante breve,
mas rico em obras de primeira, que eles consagraram como a época
da perfeição da arte de falar e de escrever. Não se pode provar que
tivessem razão, pois não existem demonstrações nessa matéria; mas
seria fácil mostrar que o estudo íntimo e a assimilação dos escritos
de Cícero, de Tito Lívio ou de Tácito foram condições essenciais na
formação da nossa prosa abstrata na primeira metade do século
XVII, aquele em que a França produziu, no campo das Letras, o mais
incomum e o mais consistente. Por mais pobre que eu seja em latim,
é isso que eu sinto.
Mas, aqui, tratar-se-á de poesia e de Virgílio.
*
Ao cabo de algum tempo de avanço na minha tradução, fazendo,
desfazendo, refazendo, sacrificando aqui e ali, restituindo o melhor
possível o que acabara de recusar; esse trabalho de aproximações,
com suas pequenas alegrias, seus arrependimentos, suas conquistas e
suas resignações, inspirou-me um sentimento interessante, de que
não tive consciência de imediato, e que valeria mais não declarar se eu
me preocupasse com os leitores além daqueles suficientemente co-
nhecedores para compreendê-lo.
Eu tinha, diante do meu Virgílio, a sensação (que conheço bem) do
poeta trabalhando; e eu discutia distraído comigo mesmo, para cá e
para lá, o tema dessa obra ilustre, fixada numa glória milenar, com a
liberdade que teria com um poema sendo trabalhado sobre a minha
mesa. Eu me vi, enquanto revirava a minha tradução, com vontade de
modificar algumas coisas no texto venerável. Era um estado de confu-
são ingênuo e inconsciente com a vida interior imaginária de um
escritor do século de Augusto. Isso durava um ou dois segundos de
tempo real e me divertia. Por que não, eu me dizia, ao retornar dessa
breve ausência. Por que não? Trata-se sempre, no fundo, dos mesmos
problemas - ou seja, das mesmas atitudes: o ouvido íntimo voltado
para o possível, para o que se vai murmurar "completamente só", e,
murmurado, voltar a ser desejo; o mesmo suspense e as mesmas pre-
cipitações verbais; a mesma orientação da sensibilidade do vocabulá-
rio implexo, como se todas as palavras da memória espreitassem a
oportunidade de uma chance na direção da voz. Eu não temia rejeitar
certo epíteto, não amar certa palavra. Por que não?
*
Je m'étends un peu sur ceci, car je n'ai rien de bon à dire sur
Virgile que je ne le puise dans une certaine expérience de son métier.
L'érudition (que je n'ai pas) ne peut, en somme, que préciser dans
l'incertain divers points de biographie, de lecture ou d'interprétation
de termes. Cela a son importance; mais importance surtout extérieure.
II intéresserait, sans dou te, de savoir si le poete pratiquait le genre
d'amour qu'il prête à tel de ses bergers? Ou si tel nom de plante qui
figure dans tel vers a son correspondant en français? La philologie
peut même rêver laborieusement, et même brillamment, sur ces
problemes. Mais je ne pu is m' égarer, quant à moi, que dans une tout
autre voie. Je vais, à ma façon, du poeme achevé, et d' ailleurs comme
*
Eu me estendo um pouco sobre isso porque não tenho nada de bom
a dizer acerca de Virgílio que não se origine de uma certa experiência
do seu ofício. A erudição (que eu não tenho) não pode mais, em suma,
que precisar, na incerteza, diversos aspectos biográficos, de uma leitura
ou de interpretação de termos. Isso tem sua importância; mas importân-
cia, sobretudo, exterior. Interessaria, com certeza, saber se o poeta prati-
cava o gênero de amor que empresta a algum de seus pastores? Ou se
certo nome de planta que figura em determinado verso tem seu corres-
pondente em francês? A filologia pode mesmo sonhar laboriosamente,
e com brilho, acerca desses problemas. Mas, quanto a mim, não posso
vagar, a não ser numa via bem diversa. Caminho, à minha maneira, a
*
Virgile donc, considéré en ieune poete, ie ne puis y penser qu'il ne
me souvienne du temps de mes commencements. Le travail de traduire,
mené avec le souci d'une certaine approximation de la forme, nous
fait en quelque maniere chercher à mettre non pas sur les vestiges de
ceux de l'auteur; et non point façonner un texte à partir d'un autre;
mais de celui-ci, remonter à l' époque virtuelle de sa formation, à la
phase ou l'état de l' esprit est celui d'un orchestre dont les instruments
s' éveillent, s' appellent les uns les autres, et se demandent leur accord
avant de former leur concert. C'est de ce vivant état imagina ire qu'il
faudrait redescendre, vers sa résolution en oeuvre de langage autre
que l' original.
Les Bucoliques, me tirant pour quelques instants de ma vieillesse,
me remirent au temps de mes premiers versonme semblait en retrouver
les impressions. Je croyais bien voir dans le texte un mélange de
perfections et d'imperfections, de tres heureuses combinaisons et
grâces de la forme avec des maladresses tres sensibles; parfois, des
pauvretés assez surprenantes, dont ie montrerai quelqu'une. Je
reconnaissais dans ces inégalités d' exécution un âge tendre du talent,
et ce talent venu à poindre dans un age critique de la poésie. La nôtre,
quand j' avais vingt ans, se trouvait, apres quatre siecles de magnifique
production, en proie à une inquiétude de développements tout
nouveaux. La plus grande diversité de formes et de modes d' expression
se fit admettre, et notre art fut livré à toutes les expériences que
pouvaient suggérer aussi bien le désir de se distinguer de toutes les
poétiques suivies iusqu'alors, que l'idée de l'enrichir positivement
par des inventions parfois étranges, filles d' analyses tres subtiles des
propriétés excitantes du langage.
J' étais séduit par les recherches de cette espece. Bientôt, i' eus plus
de gout qu'il n' eut peut-être fallu, pour l' élaboration même des verso
Cette pratique créatrice assez passionnante me détachait du motif
initial de l' ouvrage, devenu un prétexte, et me donnait enfin la sensation
d'une liberté à 1'égard des "idées", et d'un empire de la forme sur
elles, qui contentaient mon sentiment de la souveraineté de l' esprit
*
De Virgílio, portanto, considerado enquanto jovem poeta, não
posso deixar de pensar que me lembra o tempo em que eu mesmo
começava. O trabalho de traduzir, conduzido pela preocupação de
uma certa aproximação da forma, nos faz de todo modo procurar
encaminhar os nossos passos sobre os vestígios dos passos do autor; e
não moldar um texto a partir de outro; mas de voltar à época virtual
de sua composição, à fase onde o estado do espírito é o de uma or-
questra em que os instrumentos despertam, chamam-se uns aos ou-
tros, e buscam uma harmonia antes de compor seu concerto. É desse
vivo estado imaginário que será preciso retomar, no sentido da sua
resolução em obra de língua outra que a original.
As Bucólicas, retirando-me por alguns instantes da minha velhi-
ce, remeteram-me ao tempo dos meus primeiros versos. Eu parecia
reencontrar as impressões. Acreditava ver no texto uma mescla de
perfeições e imperfeições, de combinações muito felizes e graças da
forma junto de estranhezas muito palpáveis; às vezes, pobrezas bas-
tante surpreendentes, de que mostrarei algumas. Reconheço nessas
desigualdades de execução a idade tenra do talento, e esse talento
nascente numa idade crítica da poesia. A nossa, quando eu tinha
vinte anos, encontrava-se, depois de quatro séculos de magnífica
produção, presa de acontecimentos inteiramente novos. Permitia-
se a maior diversidade de formas e de modos de expressão, e a nossa
arte havia sido exposta a todas as experiências que poderiam suge-
rir tanto o desejo de se distinguir de todas as poéticas seguidas até
então, como a idéia de enriquecê-la positivamente com invenções
por vezes estranhas, filhas de análises muito sutis das propriedades
estimulantes da linguagem.
Eu estava seduzido por estudos dessa natureza. Em pouco tempo,
eu tinha mais gosto que o devido pela elaboração em si de versos. Essa
prática criadora bastante apaixonante me desvinculava do tema inici-
al da obra, tomado pretexto, e me dava enfim a sensação de uma
liberdade frente às "idéias", e de um império da forma sobre elas, que
contentavam o meu sentimento da soberania do espírito sobre os seus
*
Ces explications, bien trop personnelles, peut-être, sont pour faire
comprendre que je me sois surpris dans une attitude de familiarité
assez choquante, mais inévitable, devant un ouvrage de mon métier.
J'ajoute cette réflexion, que le vers latin se montre encore plus
différent de la prose que le français, qui la frôle, et même l' épouse
trop aisément, quoiqu'il subisse en généralla loi de la rime, inconnue
au latin "classique". Le vers français supporte d'être formé d'une
matiere verbale qui ne révele pas nécessairement la qualité musicale
du "langage des dieux". Les syllabes s'y suivent sans que rien dans
nos regles leur impose de se suivre aussi harmonieusement que
possible; c'est l'erreur de Malherbe et de Boileau d'avoir oublié
l' essentiel dans leur code, cependant qu'ils proscrivaient cet infortuné,
l' hiatus, ce qui nous rend la vie parfois si difficile et nous prive de
charmants effets comme des tutoiements les plus nécessaires. Quelques
poetes seulement se sont consumés à rechercher l' euphonie continue
de leurs vers, qui chez la plupart, est rare, et comme accidentelle.
J'avoue avoir attaché à cette condition une importance premiere, et
avoir sacrifié beaucoup à son observance. Je l'ai dit assez souvent :
pour moi, le langage des dieux devant être discernable, le plus
sensiblement qu'il se puisse du langage des hommes, tous les moyens
qui le distinguent, s'ils conspirent, d'autre part, à l'harmonie, sont à
retenir. Je suis partisan des inversions.
*
Pénétré de ces sentiments, je n' ai pu, traduisantles Bucoliques, me garder
d' appliquer au texte le même genre de regard que je fais aux vers français,
qu'ils soient d'un autre ou bien de moi. Je réprouve, je regrette ou j'admire;
j'envie ou je supprime; je rejette, j'efface, je retrouve et confirme ce que je
viens de trouver, et je l'adopte sur ce retour qui lui est favorable.
À l'égard d'un ouvrage illustre, cette maniere de le discuter par
analogie peut et doit assurément paraí'tre naive et présomptueuse. Je
*
Estas explicações, talvez demasiado pessoais, são para fazer com-
preender que eu me surpreendi numa atitude de familiaridade bas-
tante chocante, mas inevitável, diante de uma obra do meu ofício.
Acrescento esta reflexão, de que o verso latino se mostra ainda
mais diferente da prosa que o francês, que a toca, e mesmo a desposa
com muita facilidade, uma vez que ele se sujeita à lei da rima, desco-
nhecida no latim "clássico". O verso francês tolera ser formado de
uma matéria verbal que não revela necessariamente a qualidade mu-
sical da "língua dos deuses". As sílabas se seguem sem que nada em
nossas regras lhes imponha seguirem-se tão harmoniosamente quanto
possível; foi o erro de Malherbe e de Boileau ter esquecido do essen-
cial em seu código, embora tenham proscrito este desafortunado, o
hiato, que nos torna a vida por vezes tão difícil e nos priva de efeitos
encantadores como das informaJjdadesmais necessárias. Somente al-
guns poetas se consumiram na busca da eufonia contínua de seus
versos, que na maioria é rara, e como que acidental. Confesso ter
atribuído a esta condição uma importância primordial, e ter sacrifica-
do muito à sua observância. Eu o disse muitas vezes: para mim, a
linguagem dos deuses tendo que ser discernível o mais sensivelmente
possível da linguagem dos homens, todos os meios que a distinguem,
se conspiram, por outro lado, pela harmonia, devem ser conservados.
Sou partidário das inversões.
*
Tomado por esses sentimentos, não pude, ao traduzir as Bucólicas,
deixar de aplicar ao texto a mesma espécie de olhar que lanço sobre os
versos em francês, quer sejam de outro ou meus. Eu reprovo, lamento
ou suprimo; rejeito, apago, reencontro e confirmo o que acabo de
encontrar, e o adoto nesse retorno que lhe é favorável.
No tocante a uma obra ilustre, essa maneira de discuti-la por ana-
logia pode e deve certamente parecer ingênua e presunçosa. Só posso
*
PIaçons-nous donc enfin devant nos ÉGLOGUES en amateurs
tentés de jouer au poete. Ii faut s'enhardir un peu à être celui-ci. Il est
de l' âge qui se place entre le jeune homme et l'homme jeune. Il connait
le plaisir de composer des versoII sait déjà se chanter ce qui lui plalt,
se trouve mille "motifs" dans sa campagne italique, mere et nourrice.
II en est fils et iI en vit, de corps et d'âme. Tout instruit aux lettres qu'il
est, nul n' est plus familier que lui avec les êtres, les moeurs, les travaux
et les jours de ce pays tres varié, ou le blé se cultive et la vigne; ou iI y
ades prés et des marais, des montagnes boisées et des parties dures et
nues. L' orme et le cypres y grandissent chacun selon la majesté de son
essence. II y a aussi des chênes qu'il arrive que frappe la foudre, ce qui
signifie quelque chose. D'ailleurs, toute cette contrée est hantée ou
habitée de déités ou de divinités qui tiennent chacune quelque rôle
dans cette étrange économie de la nature qui s' observait au Latium, et
qui combinait si singulierement la mystique et la pratique de
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argumentar que ela me era completamente natural, pelas razões que
já expus. Mais: em contrapartida a essa imaginação de um estado
ainda instável de uma obra bem melhor do que acabada, eu me via
participar o mais sensivelmente possível da vida mesma dessa obra,
pois uma obra morre por ser acabada. Quando um poema se faz ler
com paixão, o leitor se sente seu autor do instante, e é como ele sabe
que o poema é belo. Enfim, a minha ilusória identificação dissipou
em mim de um golpe o clima de escola, de enfado, a lembrança de
horas perdidas e de horários rígidos que pesam sobre esses pastores
infelizes, sobre seus rebanhos e seus amores de diversos gêneros que a
visão de meu "livro clássico" me restitui. Não sei de nada mais bárba-
ro, mais infrutífero e, portanto, de mais estúpido que um sistema de
estudo que confunde a pretensa aquisição de uma língua 'com a
pretensa inteligência e gozo de uma literatura. Fazemos crianças bal-
buciarem maravilhas da poesia ou da prosa, tropeçando a cada pala-
vra, perdidas num vocabulário e uma sintaxe que apenas lhes ensina
sua ignorância, ao passo que elas sabem bem, muito bem, que esse
trabalho forçado não leva a nada e que elas abandonarão aliviadas
todos estes grandes homens que se fizeram agentes de tortura e de
controle, e todas essas belezas de que a freqüência precoce e impera-
tiva engendra somente, para a maioria, o desgosto.
*
Coloquemo-nos por fim diante de nossas ÉCLOGAS como ama-
dores tentados a brincar de poeta. É preciso criar um pouco de cora-
gem para sê-lo. Ele tem a idade que se situa entre a do jovem homem
e a do homem jovem. Ele conhece o prazer de compor versos. Ele já
sabe cantar-se o que lhe agrada, encontra mil "temas" na r~gião cam-
pestre italiana, mãe e nutriz. Ele é filho, e ele vive, de corpo e alma.
Todo instruído nas letras que é, ninguém tem mais familiaridade que
ele com os seres, a moral, o trabalho e os dias dessa região muito
variada, onde se cultiva o trigo e a vinha; onde há campinas e pânta-
nos, montanhas arborizadas e porções duras e nuas. O olmo e o cipres-
te crescem cada um segundo a majestade de sua essência. Há também
carvalhos que acontecem de ser golpeados pelos relâmpagos, o que
diz alguma coisa. Além disso, toda essa terra é assombrada ou habita-
da por deidades ou divindades que têm cada uma algum papel nessa
estranha economia da natureza que se observava no Lácio, e que com-
*
Virgile, petit propriétaire, - mais bien différent de tant des nôtres
qui ne sont sensibles qu'à la transmutation de leurs peines et sueurs
en bonne monnaie, et qui coupent un bel arbre sur le bord de leur
champ comme si la conservation de cette magnificence fut une faute
contre leur vertueuse économie, - ce Virgile, qui se sentait partagé
entre les regards différents qu'il adressait au paysage d'alentour,
VirgiIe à double vue, iI y plaçait tantôt la complaisance, les craintes,
les espoirs de celui qui possede , et qu' obsede souvent le souci du
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binava tão singularmente a mística e a prática da existência. A função
comum desta população mítica era de tornar vivas as relações dos
homens com a produção, as metamorfoses, os caprichos e as leis, as
gentilezas e os rigores, as constâncias e os acasos que observavam no
mundo que os cercava. Nesse tempo, nada é inanimado; nada é insen-
sível e surdo, a não ser voluntariamente, para esses camponeses lati-
nos que dão seus verdadeiros nomes às fontes, à floresta, às grutas, e
sabem como se deve falar das coisas, invocá-las, implorá-las, tomá-las
como testemunhas; e se fez assim entre elas e o homem um intercâm-
bio de mistério e de favores que não podemos mais conceber sem
pensar em "Poesia" - ou seja, fazendo desaparecer todo o valor e a
seriedade desse sistema de trocas. Mas o que chamamos "Poesia" não
é, precisamente, mais do que nos resta de uma época que sabia somen-
te criar. Toda Poesia deriva de uma época de conhecimento criador
ingênuo, e se destacou pouco a pouco de um estado primeiro e es-
pontâneo onde o pensamento era ficção em toda sua força. Imagino
que esse poder se fragilizou progressivamente nas cidades, onde a
natureza é mal recebida, mal tratada, onde as fontes obedecem aos
magistrados, onde as ninfas têm problemas com os que policiam a
moral, os sá tiros são mal vistos, e as estações contrariadas. Os campos,
mais tarde, se despovoaram também, e não somente de seus sedutores
e temíveis fantasmas, mas, enfim, de seus homens crédulos e sonhado-
res. O camponês tornou-se "agricultor".
Entretanto, voltando ao nosso poeta do ano 40, é preciso reconhe-
cer que se canta com muito mais graça os faunos, as ninfas dos bos-
ques, e Silene e Príapo, quando se crê menos na existência deles do
que na magia dos versos eruditos, nos encantos das figuras de lingua-
gem requintadamente formadas.
*
Virgílio, pequeno proprietário - mas bem diferente de tantos dos
nossos que são sensíveis apenas à transmutação de suas penas e suores
em boa moeda, e que cortam uma bela árvore na borda de seu campo
como se a conservação desta magnificência fosse uma falta contra sua
virtuosa economia -, este Virgílio que se sentia dividido entre os
olhares diferentes que dirigia à paisagem circundante, Virgílio de
olhar duplo, ele abrigou cedo a complacência, os receios, as esperan-
ças daquele que possui, e é obcecado amiúde pela preocupação com
*
lci se placerait assez bien une petite considération des rapports du
poete avec le pouvoir. Vaste sujet, question qui est de tous les temps. Si
je n' avais tant taquiné I'Histoire, je suggérerais une these ou un traité
"Des relations de la Poésie a vec les régimes ou gouvemements diverS'.
On pourrait aussi songer à une fable à la La Fontaine : Le Poete etIÉtat,
parallele à celle du Savetier et du FinancieI. Ou bien reprendre et
commenter la fameuse formule de l'Évangile : Rendez à César, etc.
Ce probleme admet autant de solutions que l'humeur et la condition
de chacun, ou les circonstances, en proposent. II y ades solutions
économiques, - car iI faut vivre. O' autres sont d' ordre moral. Et iI en
est de purement affectives. Tel régime séduit par ses perfections
extérieures, ou par son éclat et ses triomphes; tel maitre par son génie;
tel autre par ses libéralités, parfois un simple sourire. Dans d'autres
cas, ce sont des réactions d' opposition, qui sont excitées par l' état des
choses publiques: l'homme de l'esprit s'insurge alors plus ou moins
manifestement, ou se renferme dans un travail qui secrete autour de
sa sensibilité une sorte d'isolant intellectuel. Tous les cas, en somme,
s' observent. Racine adore son Roy. Chénier maudit ses tyrans. Hugo
*
Aqui conviria uma pequena consideração das relações do poeta
com o poder. Tema vasto, questão que é de todos os tempos. Se eu não
cortejei tanto a história, sugerirei uma tese ou um tratado" Das rela-
ções da Poesia com os regimes ou governos diversos'. Poderemos
assim imaginar uma fábula à La Fontaine: O Poeta e o Estado, paralela
à do Sapateiro e o financista. Ou bem retomar a famosa fórmula do
Evangelho: dêem a César, etc.
Este problema admite tantas soluções quantas o humor e a condi-
ção de cada um, ou as circunstâncias, propuserem. Existem as solu-
ções econômicas - pois é preciso viver. Outras são de ordem moral.
E há as puramente afetivas. Tal regime seduz por suas perfeições
exteriores, ou pelo seu impacto e seus triunfos; tal mestre pelo seu
gênio; tal outro por suas liberalidades, às vezes um simples sorriso.
Em outros casos são as reações de oposição, desencadeadas pelo esta-
do das coisas públicas: o homem de espírito se insurge então mais ou
menos manifestamente, ou se encerra num trabalho que secreta ao
redor de sua sensibilidade uma espécie de isolante intelectual. Todos
os casos, em suma, se observam. Racine adora seu rei. Chénier maldiz
*
Virgile ne peut gouter le désordre et les exactions. II se trouve
spolié, arraché à sa demeure, privé de ses moyens d' existence par des
mesures qui sont des expédients politiques. Il voit menacé son loisir
d'être soi et de devenir ce qu'il rêve, ce bien le plus précieux, ce trésor
de temps libre et riche des beautés en puissance, qu'il est certain de
mettre au jour. II ne voit pas plus loin. Comment veut-on qu'il
n' accueille pas les grâces du tyran et ne chante celui qui lui assure des
jours tranquilles, et par là, lui restitue sa raison d'être?
Ludere quae vellem calamo permisit agresto
*
Virgílio não pode gostar da desordem e das extorsões. Ele se vê espo-
liado, arrancado de sua moradia, privado de seus meios de existência por
medidas que são expedientes políticos. Ele vê ameaçada sua oportunida-
de de ser ele mesmo e de se tornar o que sonha, esse bem mais precioso,
esse tesouro de tempo livre e rico das belezas em potencial que ele tem
certeza de revelar. Ele não vê mais longe. Como não querer que ele acolha
as graças do tirano e não cante quem lhe assegura dias tranqüilos e, com
isso, lhe restitui sua razão de viver?
Ludere quae vellem calamo permisit agresti.
• t •
. Esta' Antologia'dé Clásskosd~TraduçãQ, publicada pelo
Núcleo de Tradução da UniversídadeFederal de Santa .
Catarina, visa preencher unia grave lacuna, que não é
apenas nacionaL A prática datradução étãoantiga quanto
as línguas e sua crítica e teoria também têm uma longa
hist6riaque é ptecisQ coilhecer em seus detalhes. o§ text.os
reunidos neste e nos próximos volumes vxsam entregár ap
leitor alguns dosresuItados de s~culos de meditação sobre
o fenômeno tradut6rio no Ocidente e no Oriente. E~tes·
textos, que gerações de estudiosos foram selecionando
como representativos, são muitas vezes de difícil acesso,
.," . , , mesmo nos países onde foram originalmente publícados .