Sebenta Processual Civil Executivo NOVA

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LINHA DE SEBENTAS AEFDUNL

PREÂMBULO

“Os certeiros que fizeram estes meninos não foram muito precisos quando acabaram de os
escrever a computador. Futuras discussões doutrinárias em São Jario permitiriam corrigir
certos erros que aqui estavam, mas essas correções nunca foram efetivadas a computador. E
porque saber Direito não é saber uma sebenta e siga para bingo, encorajam-se os infelizes que
optaram por ler estes meninos a duvidarem de tudo o que for escrito e a discutirem-no com os
seus amigos. Afinal é, também, desses serões que se faz o curso na NOVA.”

OS AUTORES

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Direito Processual Civil Executivo –

0. Conceitos e fins da ação executiva

0.1. A definição de ação executiva

O 20º, CRP já foi interpretado pelo Tribunal Constitucional como comportando, no


contexto do direito de acesso aos tribunais, um direito a um processo de execução, ou seja, o
direito a que, através do órgão jurisdicional se desenvolva e efetive toda a atividade dirigida
à execução da sentença proferida pelo tribunal. Se não houvesse uma garantia de execução,
todas as ações que se fizessem valer na “fase” processual declarativa não teriam servido para
nada. Só assim se garante um processo equitativo (20º/4 CRP), que cumpre a sua funcionalidade
material, e, em última análise, se assegura uma tutela jurisdicional efetiva.

Dando arrimo a estas disposições supralegais, vem o CPC pronunciar, no 2º/2, que a
todo o direito corresponde a ação adequada a realizá-lo coercivamente. O processo civil
declarativo situa-se sempre no estrito plano jurídico, visando a produção de um título jurídico
judicial para a pretensão material do autor. Por vezes corre “tudo bem”, mas e se o réu não
realizar, mesmo quando condenado, a prestação devida?

É para isso que surge a ação executiva, definida como aquela em que o autor requer as
providências adequadas à realização efetiva de um comando de atuação do réu enunciado num
título judicial.

0.2. Finalidades e Fundamentos da Ação Executiva

O exercício de um direito ou poder subjetivo não se esgota apenas num poder de


interpelar, judicial ou extrajudicialmente, a parte devedora para cumprir e mesmo obter contra
ela um comando judicial de atuação. Mais do que isso, o exercício dessa posição ativa encerra
um poder de execução forçada, impondo-se o cumprimento da adstrição contra a própria
vontade de uma parte. Efetivamente, veja-se o art. 817º, CC, base da garantia da relação jurídica
obrigacional, ou ainda o art. 827º CC, pensado para a entrega de coisa determinada. Ademais,
também os 828º e 829º, CC nos apresentam soluções deste quadro teórico-normativo, o
primeiro ligado à prestação de facto fungível, e o segundo ligado ao inadimplemento de uma
obrigação de non facere.

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Diz TEIXEIRA DE SOUSA que o direito de executar resulta da incorporação da pretensão
num título executivo, que será constitutivo deste direito autónomo: sem o título, há direito à
pretensão, mas a mesma não tem exequibilidade. O direito à execução não se traduz na
imposição ao Estado de uma prestação de execução: o Estado tem o ius imperium e com ele
realiza atos de execução da prestação, mas o direito à execução nunca perde a sua natureza
inter partes, ainda que simbioticamente ligada à dependência dos meios coativos do Estado,
meios esses de natureza pública.

O direito à execução é antecipadamente irrenunciável, não podendo o credor, com


eficácia jurídica e antes da pendência da execução, renunciar unilateralmente à execução da
dívida ou acordar isso com o devedor, sob pena de violar o 809º, CC.

1. Pressupostos da ação executiva


1.1. Título executivo

Começamos pelo 10º/5, que nos diz que toda a ação executiva tem por base um título
executivo. O título executivo constitui a base da execução, por ele se determinando o fim e os
limites da ação executiva, isto é, o tipo de ação e o seu objeto, assim como a legitimidade, ativa
e passiva, para ela (53º/1), e, sem prejuízo de poder ter que ser complementado (714º a 716º),
em face dele se verifica se a obrigação é certa, líquida e exigível (713º).

O título executivo ganha a relevância especial que a lei lhe atribui fruto da circunstância
de oferecer a segurança mínima reputada suficiente quanto à existência do direito de crédito
que se pretende executar.

1.1.1. Espécies de títulos executivos

Que tipos/espécies de títulos executivos existem? Estes vêm elencados no 703º, CPC.
Aliás, a lei especifica taxativamente todos os títulos executivos; não há títulos executivos atípicos
de fonte contratual, por exemplo. Olhemos o 703º:

1.1.1.1 Sentenças judiciais condenatórias (703º/1, a))

Não engloba este preceito só as sentenças emitidas em processo civil, mas também as
condenatórias provenientes do processo penal ou administrativo. Excluem-se, assim, da
categoria de título executivo as sentenças proferidas em ações de simples apreciação ou ações
constitutivas. Porquê?

Por um lado, nas ações de simples apreciação o autor apenas pede que seja declarado
um direito, sem pedir a condenação do réu ao que quer que seja; logo o juiz não pode ir mais

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longe e condenar o réu à realização de uma qualquer prestação. O réu, pela sentença, não é
condenado no cumprimento de uma obrigação pré-existente, nem sequer constituído em nova
obrigação a cumprir. Não havendo condenação, não há nada a executar, não há fundamento de
ação executiva, sem prejuízo de a decisão proferida constituir caso julgado prejudicial numa
posterior ação de condenação, cuja sentença, ela sim, sendo de procedência, constituirá título
executivo. Esta solução é um corolário do princípio do dispositivo - quando se formula o pedido
numa ação declarativa, deve-se perceber as consequências que isso terá em matéria de
execução, só pedidos que contemplem uma condenação podem, em caso de procedência, dar
azo a ações executivas posteriores – são as partes que moldam a tutela jurisdicional de que
usufruirão.

Quanto às ações constitutivas, o seu efeito típico é a modificação da realidade jurídica,


pelo que, a partir do momento em que a respetiva sentença é proferida, a realidade jurídica
altera-se sem necessidade de obter a posterior realização coativa de uma prestação (que é o fim
da ação executiva). A utilidade das ações constitutivas esgota-se no campo da ação declarativa,
não é necessário recorrer à ação executiva.

Não devemos, porém, de deixar de abordar a questão das condenações implícitas


proferidas em ações constitutivas, ou seja, condenações ao cumprimento de obrigações
decorrentes da mudança jurídica efetuada pela sentença. São estes casos em que, pela sentença
de uma ação constitutiva, são criadas obrigações que, como tais, podem ser objeto de
incumprimento (o cônjuge obrigado a prestar alimentos não os presta; o arrendatário cujo
arrendamento foi resolvido não entrega a casa a despejar; o promitente vendedor obrigado à
entrega do bem). O efeito constitutivo da sentença produz-se automaticamente, nada restando
dele para executar, e o que pode vir a ser objeto de execução é ainda uma decisão condenatória,
implícita, que com ele se pode cumular (condenação no pagamento dos alimentos fixados,;
condenação na desocupação e entrega do prédio arrendado; condenação na entrega do bem
objeto do contrato-promessa alvo de execução específica).

LEBRE DE FREITAS circunscreve esta questão ao campo das ações constitutivas, mas
MARIANA FRANÇA GOUVEIA fala ainda desta possibilidade quanto a ações de simples
apreciação. Ex.: numa ação de reconhecimento da paternidade pode estar implícita uma
condenação à entrega da obrigação de alimentos ao filho.

Diversos valores avultam nesta questão.

Há quem defenda (JOSÉ ALBERTO DOS REIS ou ANSELMO DE CASTRO) que está implícito
ao efeito que a sentença produz a condenação do réu a uma dada obrigação; por exemplo, que

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está implícito ao efeito da sentença que dá procedência ao pedido formulado na ação
constitutiva de execução específica supramencionada (a transmissão da propriedade do bem)
uma condenação do réu a uma obrigação de entrega de coisa certa. Os defensores desta tese
fundamentam também a sua posição na defesa de que esta solução favorece o princípio da
economia processual, ao evitar que o autor da ação constitutiva tenha de propor outra ação de
condenação para obter a entrega do bem.

O grande entrave, de natureza mais processualista, a esta tese das condenações


implícitas seria o de que se o autor pretendesse a entrega da coisa (ou seja, a condenação a
uma obrigação e consequente obtenção de título executivo) teria de o ter pedido na ação.
Assim o exige (i) o princípio do dispositivo, bem como (ii) o 10º/5, que nos diz que os títulos
executivos determinam os limites da ação executiva, sendo que, neste caso, não há um título
que determine o fim de uma ação executiva, esse fim é extraído implicitamente de uma
sentença que, por si só, não está apta a constituir um título executivo. MARIANA FRANÇA
GOUVEIA prefere esta última posição de não admissão das condenações implícitas, por uma
questão de responsabilização das partes e de limitação da atividade do juiz por elas feita – se
as partes não solicitaram uma forma de tutela jurisdicional que possa ser objeto de execução,
não faz sentido extrapolar a atividade do juiz em função de considerações implícitas.

LEBRE DE FREITAS tem uma posição mais moderada, mas que, ainda assim, admite a
existência de condenações implícitas, no campo das ações constitutivas, quando com o efeito
constitutivo da sentença se possa cumular uma decisão condenatória expressa ou implícita. Não
deixa de admitir ser duvidosa a existência desta figura à luz do princípio do dispositivo, mas
considera que pode ser configurável na medida em que se tenha também por deduzido um
pedido de condenação implícito e quando, não tendo sido proferida uma decisão de condenação
expressa, pela sentença haja sido constituída uma obrigação cuja existência não depende de
qualquer outro pressuposto. Para ilustrar a sua tese, LEBRE DE FREITAS recorre a dois exemplos:

Ex.1: numa ação de execução específica de contrato promessa de compra e venda de


fração autónoma, uma sentença que proceda vai produzir um efeito constitutivo (celebração do
contrato prometido) e constituir um direito do comprador à entrega da fração autónoma
transmitida. Neste caso, a sentença constitutiva poderá constituir título executivo da obrigação
da entrega do bem transmitido, se outra coisa não decorrer da sua interpretação, sem
dependência de mais nenhum fator – a sentença basta-se na criação da obrigação.

Ex.2: numa ação de anulação, a obrigação de restituição de coisa/quantia prestada em


cumprimento do contrato anulado não depende só da sentença anulatória, mas também de ter

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sido efetivamente realizada a prestação cuja restituição se pretende. A existência da obrigação
não está na exclusiva dependência da sentença proferida, é necessário provar o cumprimento
do contrato e que o pedido de restituição foi expresso ou implicitamente deduzido.

No mesmo sentido de LEBRE DE FREITAS, estão ABRANTES GERALDES, TEIXEIRA DE


SOUSA, e REMÉDIO MARQUES.

Outra questão ainda se impõe no campo das sentenças condenatórias: quando falamos
delas como títulos executivos, estamos a falar de sentenças transitadas em julgado ou não? O
regime atual permite a execução imediata da sentença, independentemente do recurso, ainda
que a letra do 704º/1 diga que a sentença só é título executivo depois do trânsito em julgado,
salvo se o recurso ter efeito meramente devolutivo.

Em primeiro lugar, o que é o efeito devolutivo? É um efeito de transferência do poder


decisório da causa para outro tribunal. Os recursos têm, portanto, sempre efeito devolutivo;
quanto ao efeito suspensivo podem os recursos tê-lo ou não (tendo-o, suspendem a produção
de efeitos da sentença recorrida). A regra é a de que o recurso para a Relação (647º) não tem
efeito suspensivo1, ou seja, quis esta norma do 704º/1 aludir a que os recursos, tendo efeito
devolutivo, terão, em princípio, já que é a regra, efeito não suspensivo (ou seja, meramente
devolutivo). Assim, qualquer decisão condenatória de 1ª instância, mesmo que recorrida e na
pendência desse recurso, pode logo ser título executivo, pois produz desde logo os seus efeitos.

Ou seja, a letra do 704º/1, CPC não é clara – deveria antes dizer algo como: a sentença
constitui título executivo mesmo antes do trânsito em julgado, salvo se tiver efeito suspensivo.
A ratio desta norma é (i) fazer com que a propositura da ação executiva sirva como meio de
pressão sobre o devedor para a realização da obrigação a que foi condenado; e (ii) evitar que se
interpusessem recursos apenas como manobras dilatórias da execução.

Ora, se tiver sido instaurada execução na pendência de recurso com efeito meramente
devolutivo, essa execução, por natureza provisória, sofrerá as consequências da decisão que a
causa venha a ter nas instâncias superiores.

Então e se o recurso reverter a condenação, absolvendo o executado (decisão


totalmente revogatória da decisão exequenda)? Nesse caso, a ação executiva extingue-se, nos
termos do 704º/2. Esta norma fala não só em extinção da ação executiva, mas também da
modificação na medida em que se apenas revoga em parte a decisão exequenda, mantendo-se

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De referir também que o recurso de revista (para o STJ) tem também, regra geral, efeito meramente
devolutivo, com apenas uma exceção: 676º/1.

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uma condenação parcial do réu (ex.: A é condenado a pagar 20.000€, recorre dessa decisão e a
decisão do recurso diz que ele só deve, afinal, 10.000€; nesse caso, a execução limitar-se-á por
esse valor mais reduzido, modificando-se os seus moldes).

Pode ainda a decisão da Relação que absolve o réu ou modifica o valor a executar ser,
ela própria, objeto de recurso. Como não haverá, nesse caso, dupla conforme, pode haver
recurso para o STJ. Quanto ao destino da ação executiva, tudo dependerá do efeito do recurso
para o STJ:

- Se este tiver efeito suspensivo (suspende-se a execução da decisão intermédia


proferida pela Relação, algo que apenas acontece nos casos do 676º/1) a ação executiva
prosseguirá tal como foi instaurada e só poderá ser extinta ou modificada com a decisão
definitiva. Aí o que está em vigor é a decisão da 1ª instância, pela qual o réu continua condenado
a realizar a obrigação e a execução vai continuar;

- Se o recurso para o STJ não tiver efeito suspensivo (efeito meramente devolutivo),
então a ação executiva é suspensa ou modificada, conforme estabeleça a decisão da Relação
(consoante a decisão da Relação for total ou parcialmente revogatória da anterior, se absolve o
réu ou modifica o valor a executar). Sendo suspensa, a execução fica parada à espera da decisão
do STJ. Porque é que o acórdão da Relação, não tendo efeito suspensivo e, por isso, produzindo
efeitos, apenas gera a suspensão da ação executiva e não a extingue? Porque é uma decisão
intermédia, para a qual atua o 704º/2, 2ª parte, que apenas prevê a suspensão (269º/1, d)) ou
modificação e não a extinção da ação executiva.

O 704º/3 contempla uma válvula de segurança do sistema, nos termos da qual, para
acautelar a possibilidade de a decisão de condenação que configura o título executivo ser
revertida em recurso, exige que o exequente, durante a pendência do recurso, só possa receber,
pela via executiva, o dinheiro correspondente ao seu crédito, se prestar caução. Já o 704º/4
prevê outra válvula de segurança do sistema, que consiste numa proteção específica à casa de
morada da família do executado. Nota: v. 704º/4.

Por fim, também as sentenças arbitrais condenatórias cabem também no 703º/1, a),
algo previsto especificamente no 705º, CPC. De facto, o 703º/1, a) fala apenas em sentenças
condenatórias, não especifica que estas têm de ser sentenças judiciais, o que, de facto, não
acontece. Quanto a sentenças exaradas em países estrangeiros, vigoram dois princípios:

- Temos, por um lado, um princípio de reconhecimento automático de sentenças


condenatórias proferidas em EM’s da União Europeia, por virtude do Regulamento Bruxelas I –

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esta é uma exceção ao regime-regra (presente na primeira parte do 706º/1), que provém da
consagração deste princípio em fonte supranacional;

- Por outro lado, temos, no 706º/1, 2ª parte, a regra de existência de um processo


especial em que o tribunal português fará a revisão e a confirmação da sentença estrangeira
como título executivo, para ela poder servir de base à execução. Esse processo especial
encontra-se previsto no 978º e ss., CPC. De facto, o que se estará a executar nestes casos será o
acórdão do tribunal que faz o reconhecimento da sentença estrangeira.

Na categoria das sentenças condenatórias cabem ainda as sentenças homologatórias,


se implicarem a condenação no cumprimento de obrigações. Em confronto com as sentenças
em que o juiz decide o litígio entre as partes mediante a aplicação do direito substantivo ao caso
que lhe é presente, as sentenças homologatórias caraterizam-se por o juiz se limitar a sancionar
a composição dos interesses em litígio pelas próprias partes, limitando-se a verificar a sua
validade enquanto negócio jurídico.

A sentença de condenação só se torna exequível com a decisão incidente de liquidação,


que a complementa, completando a formação do título executivo. Nota: ver artigos 704º/6 e
358º/2.

1.1.1.2. Documentos autênticos ou particulares autenticados que importem a


constituição ou reconhecimento de uma obrigação (703º/1, b))

Estes documentos estão definidos no 363º/2 e 3, CC2. São títulos extrajudiciais (visto
não se produzirem em juízo) ou negociais (porque emergentes de um negócio jurídico celebrado
extrajudicialmente). Além disso (de cumprir os requisitos formais presentes na definição de
documentos autênticos e autenticados), estes documentos têm de constituir ou reconhecer
uma obrigação Neste último caso, o devedor reconhece uma obrigação pré-existente ou por via
de confissão do ato (ou mero facto) que a constituiu (352º, 358º/2, 364º, CC) ou por via da figura
do reconhecimento de dívida (458º, CC).

É ainda relevante falar do artigo 46º, do antigo CPC (1961 com a redação de 1995), que
aqui transcrevemos:

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Os documentos autênticos são aqueles que são exarados por notário. Já os documentos autenticados
não são exarados por notário, mas são-lhe posteriormente levados para que, na presença das partes, ele
ateste a conformidade da sua vontade com o respetivo conteúdo.

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Artigo 46.º - Espécies de títulos executivos

1 - À execução apenas podem servir de base:

a) As sentenças condenatórias;

b) Os documentos elaborados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com
competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;

c) Os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento


de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo
aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de
prestação de facto;

d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.

Em relação ao atual elenco de títulos executivos, vemos que o 46º/1, c) já não existe.
Antes do atual CPC, os documentos particulares podiam, se cumpridos os requisitos desta
norma, ser títulos executivos. Atualmente, à luz do novo CPC, só se esses documentos forem
autenticados é que têm exequibilidade. Ora, esta norma foi revogada com a entrada em vigor
do novo CPC que estabelece um novo elenco de títulos executivos, o já falado artigo 703º; mas
ainda é relevante.

Em primeiro lugar, o artigo 6º/3 da Lei nº 14/2013 (que aprovou o CPC) diz que, quanto
às execuções pendentes que se iniciaram antes da entrada em vigor do CPC, ainda se aplicará o
46º do antigo CPC. O 703º do atual código só se aplica às execuções iniciadas após a sua entrada
em vigor.

Em segundo lugar, e indo um pouco mais longe, o Ac. nº 408/2015, do Tribunal


Constitucional disse que seria inconstitucional aplicar retroativamente o 703º, CPC, no que diz
respeito à revogação do 46º/1, c). Assim, documentos particulares assinados antes de 09/2013
(quando o novo CPC entrou em vigor) continuam a ser títulos executivos mesmo apesar do 703º,
NCPC, ou seja, da revogação do 46º/1, c) do antigo CPC. Esta decisão do Tribunal fundamentou-
se no princípio da proteção da confiança. Este acórdão vai mais longe do que o direito transitório
material estabelecido no 6º/3 da Lei nº 14/2013, dizendo que tais documentos particulares,
desde que anteriores a 2013 e cumprindo os requisitos do 46º/1, c), são títulos executivos
independentemente de serem já ou não títulos de execuções pendentes iniciadas antes de 2013.
Em suma, pode hoje iniciar-se uma execução com fundamento num documento particular
assinado antes de 2013.

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1.1.1.3. Títulos de crédito (703º/1, c)

Os títulos de crédito são títulos executivos, existindo apenas três: os cheques, as


livranças e as letras.

Como já vimos, o 46º/1, c) do CPC de 1961 conferia exequibilidade aos documentos


particulares, assinados pelo devedor, constitutivos ou recognitivos de obrigações. O CPC de
2013 restringiu drasticamente a exequibilidade dos documentos particulares: a alínea c) do
703º/1 apenas concede exequibilidade a certos documentos particulares, os que são títulos de
crédito (à letra, à livrança e ao cheque). O reconhecimento da assinatura do devedor por notário
não é condição para a formação do título executivo, mas pode ter a utilidade de obstar ao pedido
de suspensão da ação executiva pelo executado que, em embargos, alegue a não genuinidade
da assinatura.

Prescrita a obrigação cartular constante de uma letra, livrança ou cheque, poderá o


título de crédito continuar a valer como título executivo, desta vez enquanto escrito particular
consubstanciando a obrigação subjacente? A prescrição deve-se ao decurso do prazo
prescricional, seguido da manifestação de vontade do devedor no sentido de que pretende
prevalecer-se da prescrição. Esta manifestação de vontade pode ter lugar antes do processo
executivo ou em oposição à execução, mas o que o tribunal não pode é conhecer oficiosamente
da prescrição não invocada pelo devedor (303, CC).

Quando o título de crédito mencione a causa da relação jurídica subjacente, o título


prescrito vale como documento particular respeitante à relação jurídica subjacente. Quando do
título de crédito não conste a causa da obrigação, esta deve ser invocada na petição executiva.
Nestes dois casos, os títulos de crédito são títulos executivos, ainda que meros quirógrafos.

Nota: ver Hipótese nº1, al. d).

1.1.1.4. Documentos seja atribuída força executiva (703º/1, d))

São título executivos os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força
executiva – o mais relevante deles será o requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula
executória – obtido através da AECOP.

Outro exemplo deste tipo de documentos encontra-se no 944º/5 (o título executivo são
as próprias contas apresentadas pelo réu).

Nota: Ver toda a hipótese nº 1.

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1.1.2. Natureza e funções do título executivo

- O título executivo como documento: os títulos criados pelas alíneas b), c) e d) do


703º/1 constituem documentos escritos. Sabido que o documento escrito é um objeto
representativo de uma declaração e, como tal, constitui meio de prova legal plena (362º, 372º/1
e 376º/2, CC), impõe-se a conclusão de que o título executivo extrajudicial ou judicial impróprio
é um documento, que constitui meio de prova legal para fins executivos, e que a declaração
nele representada tem por objeto o facto constitutivo do direito de crédito ou é, ela própria,
esse mesmo facto. Diferentemente, no caso da sentença (703º/1, a)), a ordem do tribunal fica
representada nas próprias folhas do processo em que é exarada, as quais não se confundem
com o ato de condenação que lhe constitui o conteúdo.

- O título executivo como condição necessária da ação: o título é condição necessária


da ação executiva porque não há execução sem título. O título tem de acompanhar o
requerimento inicial ou, nos casos de processos mistos de declaração e execução, de se formar
dentro do próprio processo, antes que tenha lugar qualquer diligência de ordem executiva.

- O título executivo como condição suficiente da ação executiva: esta afirmação tem o
alcance de dispensar qualquer indagação prévia sobre a real existência ou subsistência do direito
a que o título executivo se refere, de onde decorrerá que o juiz não pode conhecer
oficiosamente da questão de conformidade ou desconformidade entre o título e o direito que
se pretende executar. Terá esta afirmação valor absoluto? Não, como passamos a explicar.

Consideremos os títulos negociais. A desconformidade entre o título e a obrigação


exequenda pode resultar de vício formal ou substancial.

A nível da validade formal, quando a lei substantiva exija certo tipo de documento para
a sua constituição ou prova, não se pode admitir execução fundada em documento de menor
valor probatório para o efeito de cumprimento de obrigações correspondentes ao tipo de
negócio ou ato em causa. A execução não deve igualmente ser admitida quando as partes
convencionaram certa forma voluntária, e essa forma não tenha sido respeitada no ato de
constituição da obrigação exequenda. A existência destes vícios formais deve ser alvo de
indagação oficiosa do juiz.

A nível da validade substancial, devem ser conhecidas todas as causas de nulidade do


negócio ou ato que o título formaliza ou prova, desde que sejam de conhecimento oficioso e o
juiz se possa servir dos factos de que decorrem, nos termos do 5º, CPC. Também aqui a
desconformidade manifesta entre o título e o direito que se pretende fazer valer impede a

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realização de atos executivos. P.ex., os atos executivos não devem ter lugar se a simulação do
negócio jurídico resulta seguramente do título executivo ou dos factos alegados pelo exequente
no requerimento executivo (algo improvável). A mesma orientação deve ser seguida quanto à
ocorrência de factos modificativos ou extintivos posteriores à constituição do título. Imagine-se,
p.ex., que a extinção da obrigação exequenda por ato de pagamento por terceiro resulta do
próprio requerimento executivo; ou que, em caso julgado anterior, foi declarada prescrita a
obrigação ou anulado o contrato de que ela emergia. Toda a desconformidade entre o título e
a realidade substantiva pode e deve, pois, ser conhecida pelo juiz, desde que a sua causa seja
de conhecimento oficioso e resulte do próprio título, do requerimento inicial de execução, dos
embargos de executado ou de facto notório ou conhecido pelo juiz em virtude do exercício das
suas funções.

Da articulação do 726º/2 c) com o 734º resulta que o juiz deve indeferir liminarmente o
requerimento de execução, com alguns dos fundamentos supramencionados referidos (até os
factos modificativos da obrigação exequenda, mencionados não no 726º/2, c) mas no 726º/3).
Mas resulta também que, não o tendo feito, deverá rejeitar ulteriormente a execução,
extinguindo-a, quando se aperceba da situação, ainda que em virtude de embargos de
executado deduzidos com outro fundamento ou quando o processo lhe seja concluso, por outro
motivo, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados. O que o juiz não pode é levar
longe demais a sua indagação sobre a obrigação exequenda3, quer oficiosamente, quer
solicitando elementos complementares de prova ao exequente. A obrigação exequenda tem de
constar do título e a sua existência é por ele presumida, podendo ser ilidida tal presunção. Só
neste sentido LEBRE DE FREITAS julga poder ser afirmada a suficiência do título para a ação
executiva e a sua consequente autonomia em face da obrigação exequenda.

- O título executivo como causa de pedir na ação executiva: Com esta afirmação, a
causa de pedir, deixaria, na ação executiva, de ser o facto jurídico de que resulta a pretensão do
exequente (581º/4) para passar a ser o próprio título executivo. Mas não constituindo o título
executivo um ato ou facto jurídico, esta construção não se harmoniza com o conceito de causa
de pedir. Se considerássemos o título como causa de pedir, então seria impossível deduzir a
exceção de litispendência (por serem diversas as causas de pedir) quando o mesmo crédito
estivesse representado por dois títulos executivos, e ambos fossem executados em processos
diferentes.

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Salvo nos casos de incerteza, inexigibilidade e iliquidez da obrigação exequenda, que estudaremos mais
adiante.

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1.1.3. Outras considerações gerais

Pressuposto formal da ação executiva, o título deve, em regra, acompanhar o


requerimento inicial de execução (724º/4, a). Só assim não é quando o requerimento executivo
é apresentado nos autos da ação declarativa em que foi proferida a sentença exequenda (85º/1),
visto que consta do próprio processo, a menos que dela tenha sido interposto recurso com efeito
meramente devolutivo (a sentença é então certificada por traslado, 649º/1, juntando-se a sua
cópia aos autos do processo executivo que, entretanto, se iniciou paralelamente ao processo
declarativo que está em tribunal superior na fase de recurso). Quais as consequência da falta de
apresentação do título executivo?

Diz-nos o 726º/2, a) que a falta ou insuficiência4 manifestas do título executivo importa


o indeferimento liminar do requerimento executivo e a execução extingue-se.

No caso de falta do título executivo (p.ex. o exequente não junta o título), LEBRE DE
FREITAS admite que, antes do despacho liminar que indefere o requerimento, deve o juiz prover
pelo suprimento desta falta, proferindo despacho de aperfeiçoamento do requerimento
executivo (ainda que a lei não seja muito clara neste sentido, diz MARIANA FRANÇA GOUVEIA).
Para LEBRE DE FREITAS, porém, esta solução resulta claramente da lei, quando se analisam os
números 2 e 4 do 726º, que vão ao encontro do princípio da economia processual: quando seja
manifesta a falta ou insuficiência do título, tem lugar o indeferimento de requerimento
executivo pelo juiz e a execução extingue-se; não o sendo, o juiz deve convidar o exequente a
suprir a irregularidade, apresentando o título em falta ou corrigindo o requerimento inicial.

No caso de se pedir mais do que conste do título, casos já identificados como sendo de
insuficiência do título executivo, terá lugar o seu indeferimento parcial (726º/3).

No caso de serem deduzidos vários pedidos e nem todos constarem do título, não sendo
manifesta a falta de título para os pedidos a descoberto, deve o juiz mandar aperfeiçoar a
petição, ordenando a apresentação do título do qual constem os pedidos a descoberto e, no
caso de a apresentação não ser feita, indeferir a petição inicial quanto a eles.

4
Por insuficiência, quer-se significar que o valor que o título permite executar é inferior ao que a parte
está a requerer para ser executado, p.ex. um título reconhece uma obrigação exequenda de 15.000€ e o
exequente pede 100.000€ - o título só legitima a execução de 15.000€. Nestes casos, teremos um
indeferimento parcial do requerimento executivo, indeferindo-se o pedido até ao limite de valor que o
título executivo permite executar.

13
Se o executado for citado, nos casos, descritos supra, em que a petição devia ter sido
recusada, indeferida ou mandada aperfeiçoar, pode o executado deduzir oposição à execução
(729º, a)).

Falemos agora do uso desnecessário da ação declarativa. O facto de se dispor de um


título executivo não impede que o credor legitimado proponha contra o devedor legitimado uma
ação declarativa, embora desnecessária. Admite-o implicitamente o 535º/2, c), ao entender que
o réu não dá causa à ação declarativa nestes casos em que o autor já esteja munido de título
executivo e, por isso, será este último a pagar as respetivas custas, pois é clara a desnecessidade
de um processo declarativo.

1.1.4. Incidentes de comunicabilidade – formação de título executivo no decurso da


execução

Qual o enquadramento legal desta questão? O regime da comunicabilidade das dívidas


entre cônjuges (1691º, CC e ss.) e da legitimidade processual dos cônjuges (34º, CPC).

Ex.: proponho uma ação apenas contra o marido; a dedução de um incidente de


comunicabilidade permite que se forme um título executivo durante a execução contra a
mulher. Antes do incidente, o título executivo visa apenas o marido; para executar o património
da mulher, é preciso formar título executivo contra ela, por meio deste incidente. Em suma, este
incidente de comunicabilidade implica a constituição de título executivo no decurso da execução
– nos termos do 741º, só é possível a sua dedução se o título já existente não for uma sentença
(703º/1, a)).

Ao contrário da ação declarativa em que a legitimidade é definida pela relação material


controvertida, tal como configurada pelo autor; na ação executiva a legitimidade é estipulada
com base no título executivo – 53º, CPC.

Nota com caso prático – Ação executiva foi pedida contra ambos os cônjuges, mas o
título executivo tinha sido subscrito apenas por um dos cônjuges – foi este o fundamento da
oposição de um dos cônjuges (o que não tinha subscrito o título), que foi considerado
procedente na 1ª instância. O exequente deduz, então e em seguida, um incidente de
comunicabilidade para estender o título executivo ao cônjuge absolvido da instância (que não
tinha subscrito o título executivo). Para decidir do incidente é preciso ver se a dívida é
comunicável nos termos do 1691º, CC. Neste caso era (porque era uma dívida contraída no
âmbito do comércio, porque se presume em proveito comum). Se a dívida for comunicável, eu
tenho de começar a penhora, na ação executiva, pelos bens comuns; só se estes não forem

14
suficientes é que a penhora incidirá sobre os bens próprios – 1695º, CC. Se a dívida for própria
aplicamos o 1696º, CC, vamos primeiro aos bens próprios do cônjuge devedor e,
subsidiariamente, à meação desse cônjuge nos bens comuns. Portanto, a comunicabilidade das
dívidas é uma questão não só do âmbito da penhora, mas também da prioridade a dar aos vários
bens que podem ser objeto dela (se primeiro se penhoram os bens comuns ou os bens próprios).

1.2. Requisitos da obrigação exequenda: certeza, exigibilidade e liquidez

O exequente tem de, em tribunal, exibir o título executivo pelo qual a obrigação é
reconhecida ou constituída. A ação executiva pressupõe o incumprimento de uma obrigação.
Ora, o incumprimento não resulta do próprio título quando a prestação é, perante este, incerta,
inexigível ou, em certos casos, ilíquida. Há, então que a tornar certa, exigível ou líquida, sem o
que a execução não pode prosseguir (713º).

1.2.1. Certeza

É certa a obrigação cuja prestação se encontra qualitativamente determinada (ainda


que esteja por liquidar ou individualizar). Não é certa aquela em que a determinação (ou
escolha) da prestação, entre uma pluralidade de prestações possíveis, está por fazer (400º, 543º
para as obrigações alternativas e 539º para as obrigações genéricas, todos do CC).

Nota: para sondar o regime substantivo da escolha e determinação da prestação em


obrigações alternativas, ver o 543º/2, 549º e 542º, CC.

Se a escolha/determinação pertencer ao credor e este não a tiver feito, fá-la-á no


requerimento inicial de execução nos termos do 724º/1, h) (já como exequente).

Se a escolha pertencer ao devedor, é este notificado (ao mesmo tempo que é citado)
nos termos do 714º/1 para optar por uma das prestações. Caso não efetue a escolha nestes
termos, observa-se o 714º/3 e a escolha passa a caber ao credor.

Se a escolha couber a terceiro (714º/2) e este não a tiver efetuado, observa-se


igualmente o 714º/3.

Quando a escolha caiba ao devedor ou ao terceiro, tudo se desenrola na fase liminar do


processo executivo (após o requerimento).

Se a escolha tiver sido feita antes do processo de execução, seja pelo devedor, por
terceiro ou pelo tribunal, cabe ao exequente, ao propor a ação executiva, fazer nela prova de
que a escolha foi efetuada, por aplicação analógica do 715º/1 a 4.

15
No caso de obrigações genéricas, estas só são incertas quando, no género em que se
recorta o seu objeto, há uma pluralidade de espécies, podendo a quantidade que o devedor está
a prestar ser de uma ou outra dessas espécies. Ex.: obrigação de entregar 200 toneladas de
mármore, que poderá ser de uma de três qualidades. Às obrigações genéricas que sejam incertas
aplica-se o regime das obrigações alternativas (a obrigação genérica incerta acaba por ser um
misto entre as obrigações alternativas e as obrigações genéricas).

1.2.2. Exigibilidade

A prestação é exigível quando a obrigação se encontra vencida ou o seu vencimento


depende, de acordo com estipulação expressa ou com a norma geral supletiva do 777º/1, CC,
de simples interpelação ao devedor. Assim, não será a obrigação exequenda exigível quando,
não tendo ocorrido o vencimento, este não dependa de mera interpelação ao devedor: ou
porque não decorreu o prazo numa obrigação de prazo certo (779º, CC); ou porque o prazo é
incerto, devendo ser fixado pelo tribunal (772º/2, CC); ou porque a constituição da obrigação foi
sujeita a condição suspensiva, que ainda não se verificou (270º, CC e 715º/1); ou quando, em
caso de sinalagma, o credor não satisfez a contraprestação, à luz da figura da exceção de não
cumprimento (428º, CC). Vejamos estes vários casos:

- Obrigações de prazo certo: Só decorrido o prazo é que a execução é possível, pois até
ao dia do vencimento a prestação é inexigível;

- Obrigação com vencimento dependente de prazo a fixar pelo tribunal: O credor, na


fase liminar da ação executiva, tem de promover a fixação judicial do prazo, nos termos dos
artigos 1026º e 1027º;

- Obrigações puras: O seu vencimento depende do ato de interpelação. A citação


equivale a interpelação do devedor, se esta não tiver lugar anteriormente (610º/2, b) e 551º/1).
Se a interpelação tiver sido devidamente realizada, ao credor exequente competirá prová-lo nos
termos do 715º, para evitar a sua condenação em custas;

- Obrigações sob condição suspensiva: A prestação de obrigação sob condição


suspensiva só é exigível depois de a condição se verificar, pois até lá todos os efeitos do respetivo
negócio constitutivo ficam suspensos (270º, CC). Sem a verificação da condição a execução não
é admissível, daí a prova que se exige ao credor nos termos do 715º/1 a 4. No caso de condição
resolutiva, a obrigação produz todos os seus efeitos em face do título executivo e ao executado
caberá, em oposição à execução, provar que a condição ulteriormente se verificou, extinguindo
a obrigação e, consequentemente, a execução da mesma (729º/1, g));

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- Obrigações sinalagmáticas: Estando o credor obrigado para com o devedor a uma
contraprestação a efetuar simultaneamente ou em momento anterior ao da exigência do
cumprimento pelo devedor (428º, CC), incumbe-lhe, independentemente da invocação pelo
devedor da exceção do não cumprimento do contrato, provar que efetuou ou ofereceu tal
prestação (715º/1 a 4), sob pena de não poder promover a execução.

Nota: Chegados a este ponto, e antes de falar do requisito da liquidez, cumpre deixar
uma notinha relativa à prova complementar do título. A certeza e a exigibilidade da obrigação
exequenda têm de se verificar antes de serem ordenadas as providências executivas, pelo que,
quando não resultem do próprio título nem de diligências anteriores à propositura da ação
executiva, se abre uma fase liminar do processo executivo que visa tornar certa ou exigível a
obrigação que ainda não o seja5. Mas, quando a certeza e a exigibilidade, não resultando do
título, tiverem resultado de diligências anteriores à propositura da ação executiva, há que provar
no processo executivo que tal aconteceu (atividade liminar de prova a ter lugar no início do
processo). O artigo 715º/1 a 4 tem alcance geral e não se aplica só aos casos nele previstos,
mas sim a todos aqueles casos em que a certeza e exigibilidade não resultam do título
executivo, mas já se verificaram antes da propositura da ação executiva, assim como aqueles
em que, sendo a prestação exigível em face do título, o credor queira provar que ocorreu o
vencimento e a mora do devedor, para evitar a sua condenação em custas.

Qual o procedimento desta prova complementar? Sendo necessária a produção de


prova (extradocumental6) para a verificação da certeza ou exigibilidade da obrigação, o
exequente oferece-a no requerimento executivo (715º/2 e 724º/1, h), in fine), seguindo-se
sempre despacho liminar (715º/3). Não ocorrendo causa de indeferimento ou aperfeiçoamento
(726º/2, b) e 4)), o juiz, a menos que entenda necessária a audição do executado, designa dia
para a produção de prova, após o que, se o juiz entender provada a certeza e a exigibilidade, o
processo prossegue (com ou sem citação prévia do executado para se pronunciar sobre a prova
a produzir, conforme o caso). Nota: ver o 715º/4. A contestação do executado aos factos que o
exequente pretende provar só pode ter lugar na oposição à execução, mediante invocação do
fundamento consistente da incerteza ou inexigibilidade da obrigação exequenda (729º, e)).
Continua, porém nestes casos de contestação, o exequente a ter o ónus da prova.

5
Isto sem prejuízo de ter lugar no próprio requerimento de execução a atuação, a desenvolver para o
efeito, que dependa pura e simplesmente da vontade do credor (escolha da prestação que a ele incumbe),
bem como a solicitação, por ele, da atuação do tribunal, do devedor ou de terceiro que para o mesmo
efeito seja necessária (fixação do prazo ou escolha da prestação).
6
Quando a prova seja documental, é aduzida no requerimento executivo e não há lugar a produção de
prova, pois este é um meio de prova constituída.

17
Não sendo imediatamente oferecida e efetuada prova complementar do título nem
requeridas as diligências para tornar a obrigação certa ou a prestação exigível, o juiz deve
proferir despacho de aperfeiçoamento ou de indeferimento liminar do requerimento executivo?
Para LEBRE DE FREITAS a solução passa pelo despacho de convite ao aperfeiçoamento do
requerimento executivo (726º/4) e, só no caso de o requerente não aperfeiçoar a petição, é que,
tal como na falta de apresentação do título executivo, se seguirá o indeferimento do
requerimento executivo (726º/5). Se a apreciação judicial destes requisitos não tiver, como é
míster, lugar no despacho liminar, poder ainda vir a ser feita até à primeira transmissão de bens
penhorados (734º/1).

1.2.3. Liquidez

A obrigação ilíquida é aquela que tem por objeto uma prestação cujo quantitativo não
esteja ainda apurado. Ex.: A deve uma quantidade de toneladas de mármore a B que ainda está
por determinar.

A liquidação da obrigação tem sempre lugar na ação declarativa que decorra nos
tribunais (704º/6), renovando-se, para o efeito, a instância quando o pedido de liquidação tenha
lugar depois do trânsito em julgado da sentença (358º/2 e 609º/2). Excetuam-se os casos em
que a liquidação dependa de simples cálculo aritmético, casos em que a sentença pode, desde
logo, ser título executivo. Vimos até agora o regime da liquidação da obrigação exequenda
quando o título executivo seja sentença judicial (condenatória). E se forem diversos os títulos
executivos?

O 716º trata da liquidação da obrigação na ação executiva, aplicando-se a todos os


casos em que a obrigação exequenda (constante de título diverso de sentença judicial ou de
sentença que condene no cumprimento de obrigação para cuja liquidação baste o cálculo
aritmético) se apresente ilíquida em face do título executivo.

Nestes casos em que o título executivo é diverso de sentença judicial, temos de


distinguir os casos de liquidação dependente e não dependente de simples cálculo aritmético.

Quanto ao primeiro caso (simples cálculo), vejamos o 716º/1. Depois a liquidação


variará conforme os casos. Ex.: temos uma obrigação de pagamento de um preço a determinar
de acordo com a cotação duma moeda verificada em determinado dia; ou a de pagamento de
juros, cujo montante dependerá do período de tempo durante o qual se vençam. No caso dos
juros, deve ser deduzido um pedido ilíquido quando continuem a vencer-se na pendência do
processo executivo, sendo liquidados no requerimento inicial os já vencidos e liquidados a final,

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pelo agente de execução, os vincendos (716º/2). A liquidação pelo agente de execução tem
também lugar no caso de sanção pecuniária compulsória: executando-se uma obrigação
pecuniária, a liquidação não depende de requerimento do executado, devendo ser feita a final,
ou seja, no momento de cessação da aplicação da sanção (716º/3); executando-se obrigação de
prestação de facto infungível, o exequente tem de requerer a liquidação da sanção pecuniária
compulsória, quer já tenha sido fixado na sentença declarativa, quer se pretenda que seja pelo
juiz de execução (868º/1, in fine, 874º/1, 876º/1, c)). Estes são os únicos casos em que se admite
a dedução de pedido ilíquido na execução para pagamento de quantia certa.

Pode o executado, que discorde da liquidação feita pelo exequente no âmbito do


716º/1, opor-se à execução, quando para ela citado, com fundamento no 729º, e). Pode ainda
reclamar-se do ato do agente de execução, que liquide os juros vencidos na pendência da
execução, para o juiz, nos termos do 723º/1, c).

Quando ao segundo caso (em que a liquidação não é dependente de simples cálculo
aritmético), aplicamos o 716º/1 e 4. O exequente conclui o requerimento com um pedido líquido
e o executado é citado para contestar a liquidação. Apresentada a contestação do executado,
seguem-se os termos subsequentes do processo comum de declaração (360º/3 por remissão do
716º/4, juntamente com o 732º/2). Quando a prova produzida pelos litigantes seja insuficiente
para fixar a quantia devida, deve o juiz completá-la oficiosamente nos termos do 411º,
recorrendo, em último recurso, ao 566º/3, CC.

E quanto ao caso em que a obrigação ilíquida tem por objeto uma universalidade e o
autor não possa concretizar os seus elementos? Neste caso, o pedido ilíquido é admitido,
procedendo-se à liquidação em incidente imediatamente posterior à apreensão dos bens e
anterior à sua entrega ao exequente (716º/7). Isto porque a universalidade está na posse do
executado e o exequente não tem meios para ela aceder.

Quando o título seja diverso de sentença judicial, a decisão de mérito favorável


proferida no incidente de liquidação tem como efeito quantificar ou especificar o objeto da
obrigação, completando o título executivo mediante o acertamento de um aspeto do seu objeto
que nele está por acertar e ao qual se circunscreve o juízo declarativo. A sentença de liquidação
da obrigação exequenda constitui caso julgado que obsta a que, em nova execução fundada
no mesmo título, se volte a discutir a liquidação da mesma obrigação. Mas não poderá impedir
que tenha lugar um novo incidente de liquidação da mesma obrigação em execução fundada
noutro título; nem é invocável como caso julgado numa ação declarativa autónoma.

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Já se o título for uma sentença, a liquidação tem lugar na instância declarativa, e a
sentença de liquidação que a complementa fica a integrar o âmbito objetivo do caso julgado por
ela formado.

Para terminar, quais as consequências da iliquidez da obrigação? Se não for requerida a


liquidação da obrigação ilíquida, deve o juiz, nos mesmos termos e condições dos casos de
incerteza ou inexigibilidade, proferir despacho de aperfeiçoamento e, só no caso do
requerimento executivo não ser consequentemente aperfeiçoado, vir a indeferi-lo, podendo, se
não o fizer, haver oposição à execução com fundamento na iliquidez da obrigação exequenda
(729, e)).

Nota: ver Hipóteses nºs 2 e 3.

1.3. Competência do Tribunal

1.3.1. Competência internacional

A competência internacional é a competência dos tribunais portugueses para dirimir


litígios com conexão a mais de um ordenamento jurídico, ou seja, a competência pra se
ocuparem de causas complexas que não se reportam apenas à ordem jurídica nacional.
Devemos sinalizar, o 24º, 5) do Regulamento Bruxelas I (Regulamento nº 125/2012), norma que
fala de ações executivas, e que diz que têm competência exclusiva para essas ações os tribunais
do Estado-Membro do lugar de execução.

Ex.: Sentença proferida em tribunal holandês, a condenar um português que reside em


França. Para esta execução são competentes os tribunais portugueses? Serão competentes os
tribunais do Estado-Membro do lugar da execução.

O que é o lugar da execução? É o lugar onde se fará a apreensão efetiva dos bens a
executar. Entra aqui em jogo o princípio da territorialidade, que determina que apenas podem
ser praticados atos de execução num dado país se houver uma ordem dos tribunais desse país
para a prática desses atos. Preside ao princípio da territorialidade uma lógica de soberania, ou
seja, de que o poder judicial de um país autoriza a prática de atos de coerção sobre o particular
que a execução configura apenas para o seu país.

Quando falamos em lugar da apreensão do bens, estamos a falar do lugar onde se quer
apreender esses mesmos bens (p.ex., se for em Portugal proponho a ação executiva em
Portugal, e por aí adiante). O decisivo não é onde estão concretamente os bens, é onde pretendo
executá-los. Por exemplo, se uma pessoa reside em Portugal, é executada em Portugal e depois

20
não há bens em Portugal, aí a execução extingue-se não por uma questão de incompetência
internacional, mas por falta de bens em Portugal. Aí, tenho de ir a outro Estado-Membro para
propor ação executiva, um Estado onde estejam os bens.

Em suma, haverá competência internacional dos tribunais portugueses quanto à ações


executivas em que os bens a penhorar se situem em Portugal.

Porém, o Regulamento Bruxelas I apenas se aplica a decisões judiciais e há mais títulos


executivos para lá de sentenças. A eles aplica-se o 63º, d), CPC. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA
interpreta este preceito no sentido de que se os tribunais portugueses são exclusivamente
competentes para ações executivas de bens imóveis, logo só podem ser penhorados se houver
uma ação executiva em Portugal; e, a contrario, os bens móveis podem ser penhorados em
ações proferidas noutros países, ou seja, os tribunais de outros países terão competência para
ações executivas destes bens em paridade com os tribunais portugueses.

Qual a opinião de MARIANA FRANÇA GOUVEIA? Existem 3 categorias de bens que


podem ser penhorados:

- os bens imóveis, em relação aos quais não há dúvidas que o 24º, 5), Regulamento
Bruxelas I e o 63º, d), CPC dizem que a competência é exclusiva dos tribunais portugueses em
ações executivas sobre imóveis situados em Portugal;

- os bens móveis – ao contrário do que defende TEXEIRA DE SOUSA (ou outros nomes
da doutrina, como LEBRE DE FREITAS), MARIANA FRANÇA GOUVEIA entende que continua a
valer o princípio da territorialidade e apenas podem ser executados em tribunais portugueses
os bens móveis que se encontrem Portugal (a mesma regra vale, correspetivamente, para bens
situados noutros países);

- direitos – pode uma ordem de tribunal holandês servir para, p.ex., penhorar uma conta
bancária que A tenha num banco português? MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA acha que sim, pelo
mesmo raciocínio exposto supra quanto a bens móveis, que culmina na conclusão de que não
há uma competência exclusiva dos tribunais portugueses (63º, d), CPC, a contrario). Já MARIANA
FRANÇA GOUVEIA diz o contrário: para ela, continua a valer o princípio da territorialidade, tendo
também a penhora de direitos de ter um enquadramento jurídico fornecido por uma autoridade
portuguesa, porque continuamos a estar no domínio de atos de coerção sobre privados, para os
quais é necessário um enquadramento jurídico local. A doutrina internacional e europeia de
comentário ao Regulamento Bruxelas I vai no mesmo sentido desta última corrente doutrinária
exposta.

21
1.3.2. Competência Interna

São vários os critérios de distribuição da competência a nível interno:

- Competência em razão da hierarquia: no plano da hierarquia, vigora a regra geral de


que a competência executiva está nos tribunais de primeira instância. Se é certo que em sede
de ação declarativa algumas ações dão entrada de imediato em tribunais superiores, também
essas decisões são executadas nos tribunais de primeira instância. A esse propósito, o 86º, CPC
determina que, se ação tiver sido proposta na Relação ou no Supremo, é competente para
execução o tribunal de 1ª instância, do domicílio do executado – o 86º trata já também da
competência territorial.

Neste 86º, CPC, utiliza-se o termo “traslado”, que designa uma cópia da
sentença/requerimento executivo. Nestes casos descritos, ou baixa o traslado para o tribunal
competente para a execução ou baixam os próprios autos, correndo o processo executivo num
ou nos outros.

- Competência em razão da matéria, do valor e do território: o exercício da função


jurisdicional executiva está cometido aos tribunais, e dentro das ordens jurisdicionais
constitucionalmente delineadas (209º/1 CRP), a execução civil corre nos tribunais judiciais. Com
efeito, têm estes a competência ratione materiae para a execução dos títulos relativos a direitos
privados a uma prestação. Esta é uma análise mais macro da competência em razão da matéria,
que deve ser densificada, já com algumas considerações em razão do território.

Assim, devemos olhar os artigos 85º e ss. Olhemos o 85º, desenhado para execuções
em que o título executivo é uma decisão judicial, que deve ser analisado conjuntamente com o
626º. De acordo com esta última norma, havendo uma sentença declarativa temos uma
continuação para a ação executiva. Não termina a ação declarativa e começa uma ação
executiva, antes existe uma continuidade, correndo a execução nos próprios autos do processo
declarativo. Isto é importante do ponto de vista teórico e formal (já não temos de definir a
competência ab initio, mas tendo como ponto de referência o tribunal onde decorreu a ação
declarativa), mas tirando esta alteração formal notória, não podemos retirar deste comando
qualquer consequência prática se compararmos este sistema com aquele que, no antigo CPC,
dividia de forma estanque a ação declarativa e a ação executiva. Uma última nota para a
aplicação desta regra no caso de a sentença declarativa ter sido recorrida: se o processo sobe
em recurso, como regra geral o efeito é meramente devolutivo e o processo executivo pode
desde logo iniciar-se, então ele correrá no traslado (faz-se cópia da sentença da 1ª instância e é

22
a partir dela que o processo executivo corre, enquanto o processo declarativo é tratado em
recurso.

Ora, dizem-nos o 85º/2 e o 129º, Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) que,
havendo uma secção especializada de execução competente territorialmente, o processo é-lhe
remetido7, tenha a execução o objeto que tiver. Portanto, se na comarca onde decorreu o
respetivo processo declarativo houver um juízo de execução, a sentença será executada nesse
juízo, ou seja, num tribunal diferente da mesma comarca. Não havendo nessa comarca um juízo
de execução, o tribunal competente para a execução da sentença condenatória será o mesmo
que a proferiu, independentemente do valor da execução (correndo o processo, que passa para
a sua fase executiva) – isto nos diz o 85º/1. Se houver recurso, o processo sobe para tribunal
superior, ficando o traslado (cópia, certidão, etc.) no tribunal recorrido, a partir do qual corre a
ação executiva.

Se a decisão tiver sido proferida por árbitros em arbitragem que tenha tido lugar em
território português, é competente para a execução o tribunal da comarca do lugar da
arbitragem (85º/3 CPC).

Para a execução das decisões de condenação em custas, multa ou indemnização


referidas no 542º, CPC, para as decisões proferidas em primeira instância, aplicamos o 87º, CPC,
é competente o tribunal do lugar em que haja corrido o processo, correndo a execução por
apenso ao respetivo processo.

Já se o título executivo for diverso de sentença judicial, devemos aplicar o critérios de


competência em razão do valor da ação (conjugando-os com os critérios em razão da matéria),
estabelecidos na LOSJ e, para execuções de valor superior a 50.000€, será competente o juízo
central cível, se existir na comarca territorialmente competente (se não, será o juízo de
competência genérica) - 117º/1, b), LOSJ – e, para execuções de valor inferior a 50.000€, será
competente o juízo local cível (130º/1 e 2, c), LOSJ).

Quanto à competência territorial neste tipo de execuções, devemos aplicar as regra


gerais do 89º, CPC8. A primeira regra é uma regra de conexão real: conforme o seu nº 2, se a
execução for para entrega de coisa certa ou por dívida com garantia real, são, respetivamente,
competentes o tribunal do lugar onde a coisa se encontre ou o da situação dos bens onerados.

7
Em rigor, é-lhe remetida uma cópia da sentença proferida pelo tribunal declarativo, bem como do
requerimento executivo e da documentação que lhe seja anexa. Esta remessa é feita com cariz de
urgência.
8
Regra subsidiária para todas as execuções, inclusivamente para as fundadas em sentença judicial, se
por alguma razão não se aplicar o disposto no 85º, CPC.

23
Estes são casos especiais dentro da norma geral, que coexistem com as normas gerais do 89º/1
e 3. O 89º/1, de conexão pessoal, diz que será territorialmente competente para a execução o
tribunal do domicílio do executado, podendo o exequente optar pelo tribunal do lugar em que
a obrigação deva ser cumprida quando i) o executado seja pessoa coletiva ou ii) situando-se o
domicílio do exequente na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o executado tenha
domicílio na mesma área metropolitana. O 89º/3 prevê o caso de, tendo a ação de ser proposta
no tribunal do domicílio do executado, este não ter domicílio em Portugal. Aí, se o executado,
ainda assim, tiver bens aqui, a execução será proposta no tribunal da situação dos bens.

Falemos agora, um pouco, da competência em razão do território em relações


plurilocalizadas. Estas são as que têm ligações a mais de um ordenamento jurídico. Se os
tribunais portugueses forem dados como internacionalmente competentes, tenho ainda de fixar
qual o tribunal português que, em concreto, será internamente competente. Ora, não existem
soluções expressas sobre a questão de os critérios normais de determinação da competência
interna não apontarem para nenhum tribunal português. Temos, pois, que atender a outras
soluções:

Sendo estrangeira a sentença a executar, vale a regra do 90º, CPC; se o devedor não
tiver domicílio em Portugal, aplica-se a regra subsidiária do 89º/4, CPC; faltando bens em
Portugal, RUI PINTO diz que se aplica o 80º/3, CPC, mas MARIANA FRANÇA GOUVEIA, à luz do
princípio da territorialidade, diria que, neste último caso, a jurisdição portuguesa não seria
internacionalmente competente.

Sendo nacional a sentença a executar, mas relativa a uma relação plurilocalizada, nada
de novo: valem os princípios e normas que já estudámos dos 85º e 86º, CPC. Se o título executivo
for diverso de sentença, aplicamos, como também já vimos, o 89º/1 e 3. Falhando estes, RUI
PINTO defende a aplicação da norma geral do 80º, mas MARIANA FRANÇA GOUVEIA mais uma
vez advogaria a competência internacional.

Para concluir, falemos da extensão de competência na cumulação de execuções. Ao


contrário do que sucede com a violação das regras de competência absoluta, a incompetência
relativa para uma das execuções não impede a cumulação das mesmas (709º/1, a), CPC), mas
cria a necessidade de determinar, de entre os tribunais com competência para cada execução,
o tribunal onde estas serão instauradas. Este fenómeno configurará uma extensão da
competência relativa quanto ao tribunal que não a teria, caso a execução se lhe apresentasse
isoladamente. O problema é resolvido nos 709º/2 a 4 e, indiretamente, no 710º, todos do CPC.

Nota: ver Hipóteses nºs 4, 5 e 6.

24
1.4. Legitimidade das partes

Nota 1: Saltámos diretamente para a legitimidade, sem dar enfâse à personalidade e


capacidade judiciárias: acontece que estas seguem o regime geral dos artigos 11º e ss. CPC, sem
qualquer especialidade.

Nota 2: ver powerpoint “Legitimidade e patrocínio judiciário”, diapositivos 3 – 5.

A regra geral da legitimidade das partes para a ação executiva admite várias exceções e
desvios:

i) Quando tenha ocorrido sucessão, singular ou universal, na titularidade da obrigação


exequenda, quer do lado ativo quer do lado passivo desta, a execução deve ser promovida por
ou contra os sucessores da pessoa que no título executivo figure como credor ou devedor, pelo
que o exequente deve, no próprio requerimento para a execução, alegar os factos constitutivos
da sucessão, nos termos do 54º/1 (isto assumindo que o facto sucessório é posterior à
formação do título, mas anterior à produção do requerimento executivo9).

É, assim, dispensado o incidente de habilitação no caso de “sucessão” ocorrida antes da


propositura da ação executiva, ainda que isso não dispense o exequente de, liminarmente,
provar os factos constitutivos que alega (os factos constitutivos da sucessão).

Já se o facto sucessório ocorre na pendência da ação executiva, deve o exequente


promover o incidente de habilitação, de herdeiro (se a sucessão for mortis causa, nos termos do
351º e ss.), ou de adquirente ou cessionário (se a sucessão for inter vivos, nos termos do 356º).

9
Notar que, sendo o título extrajudicial (i.e., diverso de sentença) a questão coloca-se nestes termos
simples – a sucessão ocorre entre a formação do título e a propositura da ação executiva. Mas se o título
for uma sentença judicial pode a sucessão ter ocorrido na pendência da ação declarativa, ou seja, antes
ainda da formação do título. Poder-se-ia apontar a impossibilidade disto acontecer, pois nesses casos mais
do que uma sucessão na obrigação do título executivo (que desencadearia o 54º/1), teríamos logo o
sucessor a figurar como credor ou devedor no título a ser formado com a sentença, aplicando-se a regra
geral do 53º. Mas, como aponta LEBRE DE FREITAS, pode a sucessão intervivos não dar automaticamente
lugar à habilitação do adquirente na pendência da instância declarativa (como se extrai de possibilidades
abertas nesse sentido do 356º e 263º/3), quer porque a habilitação do adquirente não seja requerida,
quer porque o juiz não admita a substituição processual, quer porque o adquirente não intervenha no
processo. Tendo sido transmitida a situação litigiosa do réu, a legitimidade do adquirente para a ação
executiva baseada na sentença de condenação estaria sempre assegurada pelo 55º, mas a equiparação
das duas situações (sucessão no crédito e no débito) leva a que ambas as situações de sucessão (do lado
ativo e passivo) sejam abrangidas no 54º/1, que prevalece no concurso aparente dos dois preceitos.

25
Esta “sucessão” tanto pode ser mortis causa ou inter vivos (decorrente de, por exemplo,
cessão de créditos ou assunção de dívida) e, querendo, o executado poderá, na oposição à
execução, invocar a ilegitimidade singular do “sucessor” por falta de sucessão (729º, c), CPC).

ii) Fundando-se a execução em título ao portador10, de que o cheque é exemplo, a regra


geral tem de ser adaptada no que se refere à legitimidade ativa. Não constando o nome do
credor do título executivo, a execução é promovida pelo seu portador (53º/2).

iii) Falemos agora do caso da legitimidade do terceiro proprietário ou possuidor do bem


onerado. De facto, pode acontecer que a garantia real de um crédito incida sobre bens de
terceiro (casos em que o terceiro é proprietário do bem onerado), ou porque já assim tenha
sido constituída, ou porque, constituída embora sobre bens do devedor, este os tenha
posteriormente alienado, em data anterior à propositura da ação executiva. Dado não ser
possível a penhora de bens pertencentes a pessoa que não tenha a posição processual de
executado, a ação executiva tem, na medida em se queira atuar sobre a garantia prestada, de
ser proposta contra o proprietário do bem (sem prejuízo de o devedor ser também demandado)
– isto nos diz o 54º/211.

A renúncia do credor à garantia real só pode ter lugar pelas formas indicadas na lei civil
e, entre essas formas, não se conta a mera propositura da ação executiva em que a garantia não
seja invocada. Em alguns casos é admissível a renúncia à garantia no requerimento executivo,
desde que expressa. Que casos são esses? Casos em que a hipoteca, sendo voluntária, incide
sobre bens móveis12; ou quando a garantia seja um penhor, ou um direito de retenção, etc.

Mas, fora esta faculdade de renúncia expressa, o exequente não pode, sob pena de
ilegitimidade passiva, deixar de propor a ação executiva contra o proprietário dos bens (mas só
contra o proprietário) quando pretenda fazer valer o direito real de garantia na execução. Já se
não quiser fazer valer esse direito real de garantia, pode propor a ação executiva apenas contra
o devedor e este não pode opor-lhe a necessidade de se reconhecer previamente a insuficiência
dos bens dados em garantia (pois não é dono desses bens, que pertencem a terceiro, veja-se o
752º/1, a contrario). Por isso, e resumindo, o 54º/2 e 3 estabelece opção entre duas hipóteses,
quando os bens dados em garantia pertençam a terceiro e o exequente queira fazer valer a
garantia na execução:

10
Ver Diapositivo 18, do powerpoint “Legitimidade e patrocínio judiciário”.
11
Este artigo pode ser analogicamente aplicado à situação do adquirente dos bens após procedência de
impugnação pauliana, equiparável aos casos descritos no 54º/2.
12
Já que as demais hipotecas (bem como a consignação de rendimentos) são de renúncia expressa mas
mediante a mesma forma exigida para a sua constituição, requisito este que a petição inicial não cumpre.

26
- a propositura da execução contra o terceiro e, mais tarde, se os bens forem
insuficientes, o chamamento do devedor (que poderá, então, opor-se à execução, pelo que não
fica desprotegido);

- a propositura da execução, desde logo, contra o terceiro e o devedor, em litisconsórcio


voluntário (como vimos não há necessidade legal ou natural de o devedor ser demandado ab
initio).

Mas, se o título executivo for uma sentença condenatória, a propositura da ação


executiva contra o proprietário que sobre os seus bens haja constituído garantia real13
pressupõe que contra ele tenha sido também proposta a ação de condenação e que nesta tenha
sido declarada a existência de garantia (635º/1, 667º/2 e 712º/2, CC).

No 54º/4, vem retratado o caso de legitimidade passiva do terceiro possuidor do bem


onerado, ou seja, o caso em que o devedor é o pleno proprietário dos bens dados em garantia,
mas estes estão na posse de terceiro. Aí o caso será diferente: o terceiro não tem de ser
necessariamente chamado se o credor quiser fazer valer o direito real de garantia. Pelo
contrário, pode o credor escolher entre a propositura da execução só contra o devedor ou contra
este e o possuidor, em litisconsórcio voluntário.

iv) Falemos agora do 55º, que fala da legitimidade passiva de terceiros abrangidos pelo
caso julgado. Nos termos deste artigo, quando o título executivo seja uma sentença judicial
condenatória, a legitimidade passiva para a ação executiva é alargada às pessoas que, não tendo
sido por ela condenadas, são, porém, abrangidas pelo caso julgado (55º), em manifestação da
ideia de que o âmbito subjetivo da eficácia executiva do título coincide, no caso da sentença,
com o âmbito da eficácia subjetiva do caso julgado.

Esta regra não abrange, como já vimos e segundo LEBRE DE FREITAS, o caso da
transmissão inter vivos da situação jurídica do réu sem subsequente intervenção do adquirente
no processo (caso abrangido pelo 54º/1). Esta é a posição de LEBRE DE FREITAS14, minoritária. A
maior parte da doutrina (com ANSELMO DE CASTRO, MARCO CARVALHO GONÇALVES ou RUI
PINTO à cabeça) defende que, nos casos de transmissão da situação jurídica do réu na pendência
da instância declarativa em que este não intervenha nela, se aplicaria o 55º, aplicando-se
analogicamente o 54º/1 aos casos de transmissão da situação jurídica do autor durante a ação
declarativa.

13
Diversamente do caso em que os bens tenham sido transmitidos pelo devedor ao terceiro.
14
Ver a nota de rodapé n.º 9.

27
Hoje LEBRE DE FREITAS defende que o 54º/1 se aplica diretamente às situações de
transmissão inter vivos da posição jurídica de autor e de réu no decorrer da instância declarativa,
que são assim excluídas do âmbito do 55º. Então que casos sobram na previsão desta última
norma? Aparentemente, os casos de chamamento à intervenção principal de terceiro titular de
situação suscetível de gerar litisconsórcio voluntário passivo nos termos do 32º/2, que não
intervém na causa. Porém, no regime do NCPC, tanto em casos de litisconsórcio necessário como
voluntário, a sentença condenatória pronuncia-se sobre a situação jurídica do chamado ainda
que ele não intervenha no processo (320º), pelo que, intervenha ou não na ação, o terceiro fica,
com a citação, constituído como parte e, sendo condenado, aplica-se-lhe a norma do 53º/1 e
não do 55º (figura no título executivo). Também não se aplica o 55º aos casos de intervenção
acessória (ao contrário do que afirma REMÉDIO MARQUES), pois o interveniente é um mero
auxiliar da parte principal, pelo que, ainda que abrangido pelo caso julgado, não lhe é conferida
legitimidade na ação executiva (não terá qualquer interesse a fazer valer na execução, salvo se
for titular de bem a executar, mas aí aplicaríamos o 54º e não o 55º).

Assim, não se vislumbra, no panorama do NCPC e segundo LEBRE DE FREITAS, que o 55º
tenha alguma forma de aplicação. Nota: ver, porém, o diapositivo 38, do powerpoint
“Legitimidade e patrocínio judiciário”.

Problematiza-se, ainda, se a disposição do 55º também diz respeito à legitimidade ativa,


e se a estende a cocredores solidários e cocredores da obrigação indivisível, que podem
beneficiar da sentença (e, assim, poderiam proceder à propositura de ações executivas com base
naquele título executivo). LEBRE DE FREITAS aponta que não, dado o artigo se referir expressa e
somente ao lado obrigacional passivo, e dada a sua excecionalidade. MIGUEL TEIXEIRA DE
SOUSA diverge de tal posição, extraindo da solução um princípio geral transversal a todas as
posições obrigacionais. Já RUI PINTO defende uma interpretação extensiva do 55º, no sentido
de ela permitir uma extensão da legitimidade ativa, baseando-se em dois preceitos do CC: (i) o
531º, CC, que autoriza que o caso julgado entre um dos credores e o devedor possa ser oposto
pelos outros credores ao devedor e o (ii) o 538º/2, CC, que admite que o caso julgado favorável
a um credor aproveite aos outros. Em suma, é oponível a indiscutibilidade do dever de prestação
do réu também perante os demais credores, tal extensão sendo restrita pelo princípio do
contraditório: aqueles preceitos do CC admitem que o devedor permaneça com o direito, não
precludido, de invocar fundamentos de oposição pessoais perante o credor terceiro que apenas
ele (devedor) teria legitimidade para invocar perante o credor, caso este houvesse sido parte do
processo declarativo.

28
Nota: quanto à legitimidade do Ministério Público, ver, em específico para a execução,
o 57º e, em geral, os artigos 21º a 24º. Ver, também, o diapositivo 39, do powerpoint
“Legitimidade e patrocínio judiciário”.

Nota: ver casos práticos nos diapositivos 7 – 38 do powerpoint “Legitimidade e


patrocínio judiciário”.

v) Em algumas notas laterais quanto a esta matéria da legitimidade processual singular,


fornecidas por RUI PINTO, devemos destacar dois casos de indeterminação do credor, algo
semelhantes à situação do cheque ao portador. Em primeiro lugar, no contrato a favor de
terceiro e no contrato para pessoa a nomear o credor não consta do título executivo (contrato,
que sendo particular só o será se tiver sido assinado antes de 2013), mas será determinado
posteriormente, nos termos contratados: essa determinação deve ser alegada e demonstrada
no requerimento executivo. Em segundo lugar, temos o caso em que em sentença proferida em
ação popular, o réu seja condenado a indemnizar globalmente os titulares de interesses difusps
não individualmente identificados (22º/2, Lei da Ação Popular). Pode cada um destes, credor da
sua quota-parte da indemnização, vir reclamar a satisfação em sede de execução, identificando-
se, para isso, no requerimento executivo de execução da sentença condenatória.

1.5. Patrocínio Judiciário

Nota: ver o powerpoint “Legitimidade e patrocínio judiciário”, diapositivos 41 - 58.

Cumpre apenas, em acréscimo, expor o regime da falta ou irregularidade de patrocínio


judiciário. Em primeiro lugar, devemos dizer que se segue o regime geral do 41º, CPC. Se o
exequente não constitui advogado, o tribunal (ex officio ou a requerimento da parte contrária,
nos termos dos 726º/4 e 734º, CPC) promoverá a sua notificação para o constituir dentro de
prazo certo, sob pena de o executado ser absolvido da instância. Se foi o executado quem não
constituiu advogado, o regime é o mesmo salvo as consequências do não suprimento da falta
de patrocínio judiciário: neste caso, os atos do executado ficam sem efeito.

Já quanto à irregularidade do patrocínio judiciário, segue-se o regime geral do 48º, CPC.


Assim, a falta de procuração e sua insuficiência ou irregularidade podem, a todo o tempo, ser
arguidas pela parte contrária ou suscitadas ex officio pelo tribunal, em momento liminar ou
superveniente. O juiz deve proferir despacho, onde fixará o prazo para o suprimento da falta ou
correção do vício e ratificação do processado. Terminando o prazo sem se regularizar a situação,
fica sem efeito tudo o praticado pelo mandatário, devendo este ser condenado nas custas

29
respetivas e, se tiver agido culposamente, na indemnização dos prejuízos a que tenha dado
causa.

1.6. Pluralidade de sujeitos e de pedidos

Nota: ver powerpoint “Pluralidade de sujeitos e de pedidos”, onde se tratam


essencialmente de três figuras. Uma referente à pluralidade de sujeitos – o litisconsórcio; uma
referente à pluralidade de pedidos – a cumulação de execuções; e uma que mistura as duas
formas de pluralidades – a coligação.

1.7. O juiz e o agente de execução

Nota: ver powerpoint “O juiz de execução e o agente de execução”.

2. A tramitação do processo executivo


2.1. Os tipos e as formas de processo

Nota: ver diapositivos 1 – 9 do powerpoint “Tipos e formas de processo (…)”.

2.2. A fase inicial da execução para pagamento de quantia certa

Nota: ver diapositivos 10 – 30 do powerpoint “Tipos e formas de processo (…)”.

2.3. A oposição à execução

Nota: ver powerpoint “A oposição à execução”; abaixo deixam-se algumas notinhas


avulsas, enfim, para juristas encartados.

- Nos casos em que o fundamento dos embargos de executado constitui também


fundamento do recurso extraordinário de revisão, a pendência deste à data em que o executado
é citado para a execução da sentença recorrida não dispensa o executado de se opor à execução,
que o recurso de revisão não suspende (699º/3). Uma vez deduzida a oposição, terá lugar a
suspensão da instância de recurso, até que a oposição seja definitivamente julgada;

- Devemos, igualmente, debruçar-nos um pouco sobre a natureza da oposição à


execução. Diversamente da contestação da ação declarativa, a oposição à execução,
constituindo, do ponto de vista estrutural, algo de extrínseco à ação executiva, toma o carácter
duma contra-ação tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo e (ou) da ação
que nele se baseia. Quando veicula uma oposição de mérito à execução, visa um acertamento
negativo da situação substantiva (obrigação exequenda), de sentido contrário ao acertamento
positivo consubstanciado no título executivo (judicial ou não), cujo escopo é obstar ao
prosseguimento da ação executiva mediante a eliminação, por via indireta, da eficácia do título

30
executivo enquanto tal. Quando a oposição tem um fundamento processual, o seu objeto é, já
não uma pretensão de acertamento negativo do direito exequendo, mas uma pretensão de
acertamento, também negativo, da falta de um pressuposto processual, igualmente obstando
ao prosseguimento da ação executiva, mas mediante o reconhecimento da sua
inadmissibilidade;

- Como foi adiantado em comentário ao dipositivo 28 do powerpoint “Tipos e formas de


processo (…)”, o prazo para dedução da oposição à execução é de 20 dias a contar da citação do
executado (728º/1); ou, no caso, de cumulação sucessiva de execuções, a contar da sua
posterior notificação (728º/4). No entanto, como admite o 728º/2, existe a possibilidade de se
realizarem embargos supervenientes, quando o facto que os fundamenta ocorrer depois da
citação do executado ou quando este só tiver conhecimento do facto (ex.: pagamento da
obrigação exequenda feito por um seu antecessor) depois da citação. Neste último caso, o prazo
de 20 dias conta-se a partir da ocorrência do facto ou do seu conhecimento pelo executado;

- À oposição à execução não é aplicável o disposto no 569º/2, ou seja, não vale o


aproveitamento, pelos restantes executados do prazo para contestar daquele que foi citado em
último lugar (728º/3): a dedução de embargos de executado não constitui uma contestação e,
ademais, a norma do 569º/2 é excecional em face da norma geral do 139º/3, aparecendo ligada
ao estabelecimento do efeito cominatório decorrente da falta de contestação, que a omissão
de embargar não tem. A aplicação do 569º/2 ao prazo para a oposição à execução implicaria
que os atos executivos, maxime a penhora, tivessem de aguardar o termo do prazo para a
oposição do executado citado em último lugar, em detrimento do exequente e em contradição
com o carácter individualizado das providências executivas.

Nota: Chegados à fase da penhora, vamos antes fazer um pequeno resumo da marcha
do processo executivo até aqui. Este inicia-se com a apresentação de requerimento executivo.
A secretaria pode recusá-lo (725º), mas se o aceitar, o processo é concluso ao juiz, algo que tem
sempre de acontecer para ele proferir o despacho liminar (onde (i) ou indefere liminarmente o
requerimento e o processo acaba; (ii) ou profere despacho de aperfeiçoamento em que convida
o exequente a corrigir irregularidades do requerimento; (iii) ou profere um despacho de citação
do executado, de que depende sempre tal citação; (iv) ou profere despacho de dispensa da
citação prévia do executado nos termos do 727º. Isto passa-se assim no processo ordinário. Se
estiver em causa o processo sumário, o requerimento é logo enviado ao agente de execução
que, se não o recusar, procede logo às diligências prévias à penhora e à penhora, sendo que só
depois ou em simultâneo a ela é que cita o executado. Depois da citação (ocorra quando

31
ocorrer), temos a fase da oposição à execução (20 dias para o executado se opor). Se ele não se
opuser à execução, esta prossegue. Ou pode opor-se. Por regra, a oposição à execução não
suspende a execução, só em três situações (733º/1). Não suspendendo a execução, segue-se
logo a penhora. Se a execução for suspensa, tem de se esperar pela sentença do incidente de
oposição à execução que ou a julga procedente (nesse caso, a ação extingue-se) ou
improcedente (aí, segue-se a penhora).

2.4. A penhora

A penhora é o principal ato da ação executiva. A ação executiva visa pagar a obrigação
devida15 e isso alcança-se com a venda executiva de bens do património do executado. A
penhora permite apreender judicialmente esses bens. Esta apreensão paralisa ou suspende a
afetação jurídica de tais bens à realização de fins do executado, que fica consequentemente
impedido de exercer plenamente os poderes dos direitos de que é titular quanto a esses bens.
Esta afetação é transferida para a realização dos fins da execução. Os bens em causa não deixam
de ser do executado, mas ficam especificamente sujeitos à finalidade de satisfação do crédito
do exequente.

De um ponto de vista puramente processual, olhemos o 748º, tendo em mente a nota


prévia a este capítulo. O seu nº1 fala de quatro momentos diferentes em que se pode iniciar a
penhora, diferenciados em função daquilo que aconteceu na fase inicial do processo executivo.
Nota: ler o artigo 748º. A sua alínea a) está desenhada para os casos do 727º; a alínea b) refere-
se aos casos em que há citação no processo ordinário e o executado deixar passar o prazo de
oposição à execução; a alínea c) fala dos casos em que o executado deduz oposição e isso não
suspende a execução, o que é a regra geral (733º/1, a contrario); e a alínea d) fala dos casos em
que, após a devida citação, o executado deduz oposição à execução e a sentença do respetivo
incidente é improcedente.

De um ponto de vista jurídico-material, a penhora é um ato de apreensão de bens,


implicando a constituição de um direito real de garantia sobre determinados bens a favor do
exequente. Este passa a ser um credor real, tendo prioridade (oponibilidade erga omnes da
penhora) em ver, através desse bem, o seu crédito satisfeito16. A apreensão física do bem está,
assim, afeta à constituição efetiva de um direito real de garantia.

15
Visa satisfazer o direito do exequente e, com ele, o dos credores com garantia real sobre os bens
penhorados que venham reclamar o pagamento dos seus créditos na execução.
16
Na altura da satisfação do crédito com recurso ao bem penhorado, deve-se fazer uma gradação não só
dos vários direitos reais de garantia que incidem sobre esse bem, como também das outras penhoras que
sobre ele incidem (em função da sua antiguidade), para determinar qual a ordem de preferência do credor

32
2.4.1. Objeto da penhora

Comecemos por enunciar alguns princípios gerais quanto ao objeto da penhora, que
resultam da articulação dos 735º/1 e 2 e 736º - 739º com os 601º, CC e 818º, CC, assim como
da sua associação com os 740º - 745º, 752º/1 e 54º/2:

(i) Todos os bens que constituem o património do devedor, principal ou subsidiário,


podem ser objeto de penhora, à exceção dos bens inalienáveis e de outros que a lei declare
impenhoráveis. Importa, neste ponto realçar o 735º/1, que nos diz que todos os bens do
devedor suscetíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondam pela dívida
exequenda são objeto de penhora. Salvo as devidas exceções, estamos a falar da
generalidade/globalidade do património do devedor – esta é a regra geral, também extraída do
601º, CC. O 735º/3 faz, no entanto, uma precisão: ainda que, pelo nº 1, todo o património do
devedor/executado seja suscetível de penhora, só podem ser penhorados os bens necessários
a preencher o valor da obrigação exequenda e, por isso, não necessariamente todo o património
do executado, apenas bens específicos. Acresce ao valor da obrigação exequenda o valor das
despesas previsíveis da execução, as quais se presumem no valor de 20%, 10% ou 5% do valor
da ação executiva, consoante os 3 casos respetivos elencados nesta norma;

(ii) Nunca podem ser penhorados senão bens do executado, seja este o devedor
principal, um devedor subsidiário ou um terceiro. Esta regra não tem exceções. Vejamos, nesta
matéria, o 735º/2: só podem ser penhorados bens do executado, a execução tem de estar a ser
movida contra o titular dos bens que se querem apreender. Quando esta norma fala em
terceiros não quer significar terceiros em relação à execução (esta tem de ser movida contra
eles para os seus bens poderem ser executados). Quer antes significar terceiros em relação à
obrigação exequenda, que não estejam pessoalmente obrigados na relação substantiva que
subjaz ao título executivo (cônjuge do executado, devedor do devedor, etc.).;

(iii) Os bens de terceiro só podem ser objeto de execução em dois casos: quando sobre
tais bens incida direito real constituído para garantia do crédito do exequendo; ou quando tenha
sido julgada procedente impugnação pauliana de que resulte para o terceiro a obrigação de
restituição dos bens ao credor. Nota: ver 616º, CC. Estes são os casos especialmente previstos
na lei de que fala o 735º/2;

em favor do qual se constituiu a penhora para efeitos de afetação do bem penhorado à satisfação do seu
crédito.

33
(iv) No que diz respeito à modulação do objeto da penhora, há que ter em atenção os
desvios e limitações resultantes da existência de patrimónios autónomos (que não respondem
pelas dívidas pessoais do devedor), da constituição de garantias reais sobre bens próprios do
devedor que não beneficiem o exequente mas antes outros credores, e da articulação de
responsabilidades entre devedor principal e devedor subsidiário. Estes desvios exprimem
diferentes regimes de penhorabilidade subsidiária.

Pegando agora no primeiro princípio geral, resumido no 735º/1, este é excecionado


pelos artigos 736º e ss., que estabelecem restrições ao objeto da penhora/execução. De facto,
a regra é a da sujeitabilidade da generalidade dos bens do devedor à execução; mas esta é
obviada por vários preceitos.

Em primeiro lugar, devemos sinalizar a indisponibilidade substantiva de bens. Há certos


bens que, nos termos da lei substantiva, não são suscetíveis de responder pela dívida
exequenda, por serem indisponíveis (735º/1, a contrario). Será inútil admitir a penhora de dado
bem, quando esse mesmo bem é, segundo a lei substantiva, indisponível. Existem várias
modalidades de indisponibilidade: a indisponibilidade objetiva, a indisponibilidade subjetiva e a
impenhorabilidade convencional (esta última uma disponibilidade em sentido impróprio, como
explicaremos adiante).

Quanto à indisponibilidade objetiva, são-no e, consequentemente, são impenhoráveis


os bens do domínio público (736º, b)). São-no também os bens inalienáveis do domínio privado
(736º, a)). Nota: ver exemplos destes últimos bens nas pp. 236 – 237, início do Manual de LEBRE
DE FREITAS.

Quanto à indisponibilidade subjetiva, os seus regimes atuam eliminando ou


restringindo os poderes de disposição do sujeito sobre bens próprios. Casos de indisponibilidade
subjetiva dão-se quando (i) se elimina tal poder de disposição, atribuindo-o a um não titular do
direito de propriedade sobre o bem17; ou quando (ii) se limita o poder de disposição, traduzindo-
se essa limitação na necessidade do titular do direito sobre o bem obter, para dispor, uma
autorização ou consentimento alheio18. No que diz respeito à situação (i), ela não é relevante
em sede de penhorabilidade: quando a atribuição do poder de disposição a outrem visa um fim

17
Quer para o exercício de um direito próprio da pessoa a quem é atribuído o poder de disposição, com
fim de garantia (caso do credor pignoratício que fica com direito a vender a coisa dada em penhor –
675º/1, CC); quer para a realização do interesse do titular do bem, incapaz de exercer o respetivo direito
(casos de representação legal do incapaz, que é privado de dispor dos seus bens próprios).
18
Quer no seu próprio interesse (maior acompanhado precisa de autorização do acompanhante); quer no
interesse de quem deve autorizar ou consentir (cônjuge em certos casos, como o do 1682º-A/1, CC).

34
de garantia, a pessoa a quem ele é atribuído tem direito a ver o seu crédito satisfeito a par do
do exequente; quando tal atribuição é feita no interesse do titular do direito, a penhora não é
impedida, apenas se tem de assegurar a representação deste no processo executivo. Na situação
(ii) também não oferece problemas o caso em que o poder de disposição é limitado no interesse
do titular do direito, bastando fazer intervir no processo executivo a pessoa que tem de dar a
autorização/consentimento (p.ex., o acompanhante).

Já é mais complexo o caso em que o poder de disposição é restringido no interesse da


pessoa legitimada para conceder a autorização ou o consentimento. À partida se ela não é
responsável pela obrigação exequenda, admitir a penhora/venda executiva sem o
consentimento iria afetar ilegitimamente o seu interesse. Mas esse valor é balançado com o
interesse do exequente, nomeadamente em casos em que existe uma ligação íntima entre o
titular do direito sobre o bem e o titular do poder de autorizar/consentir. Percebe-se, por isso
que possam ser penhorados, entre outros:

- Bens imóveis ou estabelecimentos comerciais próprios do cônjuge executado, sem o


consentimento do outro cônjuge (1682º-A/1, CC), algo que resulta do 1696º/1, CC, onde não se
excecionam os bens cuja alienação carece do consentimento de ambos os cônjuges;

- As participações sociais de certos tipos de sociedades (nomeadamente as de capitais,


veja-se o 239º/2, 328º/5, CSC, referentes às sociedades por quotas e anónimas); excluindo-se
desta regra de penhorabilidade as sociedades de pessoas (como as civis ou as em nome
coletivo).

Quanto à impenhorabilidade convencional, pode estar no âmbito da disponibilidade


das partes a estipulação, em negócio jurídico, da impenhorabilidade específica de certos bens
por referência a dívidas também determinadas. Em que casos? Nos do 602º, CC; do 603º, CC,
que permite que, por doação ou testamento, se convencione que os bens transmitidos não
responderão pelas dívidas do beneficiário existentes à data da transmissão dos bens, salvo se a
natureza destes obrigar a registo e a penhora for registada antes do registo da cláusula de
exclusão de responsabilidade; e do 833º, CC: o 831º, CC permite a cessão de bens aos credores
para estes os alienarem e, dessa forma, satisfazerem os seus créditos. Os credores cessionários
e os posteriores à cessão não podem fazer penhorar os bens cedidos19.

19
Já os credores que não participem na cessão continuam a poder penhorar todos os bens do devedor,
incluindo os bens cedidos.

35
A impenhorabilidade não resulta apenas da indisponibilidade (objetiva ou subjetiva) de
certos bens ou de convenções negociais que estipulem tal indisponibilidade. Resulta também
do estabelecimento da impenhorabilidade de certos bens diretamente através da lei;
impenhorabilidade esta que pode ser absoluta, relativa (os bens podem ser penhorados só em
algumas circunstâncias) ou parcial (só podem os bens ser penhorados em parte). É nesse sentido
que correm as normas do 736º e ss..

Assim, são impenhoráveis, por razões de interesse geral, os objetos cuja apreensão seja
ofensiva dos bons costumes (736º, c), 1ª parte), os objetos especialmente destinados ao
exercício do culto público (736º, d)) e os túmulos (736º, e)); bem como os bens do Estado, das
restantes pessoas coletivas públicas, de entidades concessionárias de obras ou serviços públicos
e de pessoas coletivas de utilidade pública, quando se encontrem especialmente afetos à
prossecução de fins de utilidade pública, salvo se a execução for para pagamento de dívida com
garantia real20 (737º/1).

São impenhoráveis, por estarem em causa interesses vitais do executado, aqueles bens
que asseguram ao seu agregado familiar um mínimo de condições de vida – 737º/3. Esta norma
fala em habitação efetiva, mas LEBRE DE FREITAS e MARCO CARVALHO GONÇALVES preferem
falar em residência permanente/habitual, para aludir a que não serão impenhoráveis bens de
habitações que, ainda que efetivas, sejam apenas transitoriamente usadas pelo executado
(casas de férias), não servindo, portanto, para salvaguardar a sobrevivência do devedor e
respetiva família. É de facto, importante perceber que este é o fim da norma, o de salvaguardar
a subsistência do devedor e sua família. Esta norma fala também em imprescindibilidade, que
deve ser aferida não pelo tipo de economia doméstica do executado, mas por referência a um
padrão mínimo21 de dignidade social comum a qualquer economia doméstica. A penhora dos
bens a que faz referência o 737º/3 é, no entanto, admissível se se tratar de execução destinada
ao pagamento do preço da aquisição ou reparação do bem em causa.

São igualmente impenhoráveis, em razão dos interesses do executado, os bens


indispensáveis ao exercício da profissão do executado, sejam eles instrumentos de trabalho ou
objetos indispensáveis ao exercício da sua atividade ou formação profissional: 737º/222; bem
como os bens que constituam parte do rendimento do seu trabalho por conta de outrem ou se

20
No caso excecional em que o 737º/1 permite a apreensão, esta só pode incidir sobre a coisa onerada
em garantia real da dívida exequenda e não nos demais bens do Estado.
21
Existem decisões mais recentes que falam não num mínimo, mas a uma atenção a dar às condições
sociais médias.
22
Ver artigo, com ênfase nas exceções à regra de impenhorabilidade já descrita.

36
reputam indispensáveis ao seu sustento (738º/1 e 5, preceitos só aplicáveis a pessoas
singulares), à sua integridade física (736º, f)) ou à sua personalidade moral (impenhorabilidade
de obra inédita sem consentimento do autor nos termos do 50º, Código dos Direitos de Autor).

Por último, a impenhorabilidade dos direitos de crédito mencionados no 738º, estende-


se à quantia em dinheiro ou depósito bancário que resulte da sua satisfação (isto nos diz o 739º).
No entanto, esta impenhorabilidade deve cessar quando cesse a presunção de que tal
quantia/depósito se destinam ao fim típico que o crédito visava satisfazer, a saber, a subsistência
do executado e sua família.

Subordinando-se a penhora à finalidade de satisfação de direitos patrimoniais, é vedada


a apreensão de bens de valor económico nulo ou diminuto (736º, c), 2ª parte).

Nota 1: Consolidar estes tópicos da impenhorabilidade resultante da lei (736º - 739º)


com as Hipóteses 14 – 16. Ler o artigo 738º/4, que exceciona o funcionamento dos nºs 1 e 3, nos
casos de o crédito exequendo ser de alimentos. Ler também o mais recente 736º, g). Por último,
vejamos um caso específico, a propósito da impenhorabilidade ou penhorabilidade da
indemnização devida ao executado pela cessação de contrato de trabalho, cuja discussão se
baseia no Ac. do STJ, de 20/03/2018:

In casu, a executada tem um crédito sobre o seu empregador para receber uma
indemnização devida à cessação do seu contrato de trabalho. Qual foi o fundamento da
oposição à execução? A executada disse que apenas seria penhorável 1/3 desta indemnização,
pois este era um valor que substituía o salário que ela receberia se o contrato de trabalho não
tivesse sido resolvido. A 1ª instância considerou procedente tal oposição, reconduzindo este
caso, por analogia, ao 738º/1 (que, se se refere à penhorabilidade do salário, aplicar-se-á
também a valores que pretendem substituir o salário). Como já vimos, a regra geral da
penhorabilidade é a de que todo o património do devedor é penhorável (601º, CC e 735º, CPC),
sendo excecionais as regras que limitam a penhorabilidade.

O STJ discordou da posição do tribunal de 1ª instância, deduzindo um argumento literal:


o 738º/1 fala de prestações periódicas, e a indemnização em causa não o é (antes sendo um
direito de crédito de natureza não análoga à de uma prestação periódica), não se reconduzindo,
por isso, a este artigo. Este argumento não satisfaz MARIANA FRANÇA GOUVEIA, que acha que
o 738º/1 não exige a periodicidade como único ponto de convocação da sua estatuição, antes
admitindo no seu escopo prestações de qualquer natureza desde que assegurem a subsistência
do executado.

37
Faria sentido, portanto, concluir no sentido da equiparação deste caso ao 738º/1 se
soubéssemos que a utilização da indemnização seria, ela sim, periodicamente afeta à satisfação
de necessidades básicas do executado, mas não temos factos nesse sentido. Tendo, dividiríamos
a indemnização por meses e de cada valor mensal penhoraríamos 1/3. Mas este é um raciocínio
rebuscado, pois não é esta a natureza da indemnização, pelo menos não temos factos para o
dizer.

Em suma, MARIANA FRANÇA GOUVEIA não aplicaria o 738º/1 e não limitaria a


penhorabilidade desta indemnização, pois este artigo está claramente desenhado para
prestações periódicas afetas à subsistência do executado e esta indemnização tem a natureza
jurídica de um direito de crédito em relação ao qual não temos dados para dizer que teria uma
afetação periódica a tais necessidades básicas.

Continuando, além dos casos de impenhorabilidade, há a considerar aqueles em que


determinados bens, ou todo um património, só podem ser penhorados depois de outros bens
(ou outro património) se terem revelado insuficientes para a realização do fim da execução:
são os casos de penhorabilidade subsidiária, também eles determinantes do objeto da
penhora. Estes casos acontecem (i) em consequência da separação entre património próprio de
cada cônjuge e seu património comum, nos regimes de comunhão geral e de adquiridos; (ii)
quando, por negócio ou lei, há um devedor principal e um devedor subsidiário com benefício da
excussão prévia; (iii) quando há bens do devedor especialmente afetos ao cumprimento da
obrigação exequenda, por meio de constituição de garantia real; (iv) e quando a consideração
de certos interesses leva a permitir a penhora de certos bens só em último lugar.

Comecemos pelo caso da compatibilização entre responsabilidade comum e


responsabilidade própria dos cônjuges.

Nota: ver Ponto 1.1.4. deste Resumo. Nesse contexto, já vimos que pelas dívidas que são
da responsabilidade de ambos os cônjuges respondem os bens comuns do casal e, só na sua
falta ou insuficiência, é que respondem, solidariamente, os bens próprios de qualquer dos
cônjuges (1695º/1, CC). Já pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges
respondem os bens próprios do devedor e os bens comuns do 1696º/2 e, só na sua falta ou
insuficiência, responde a sua meação nos bens comuns (1696º, CC). Quanto a estas últimas
dívidas é, portanto, possível a penhora subsidiária de bens comuns do casal, num regime
adjetivado nos artigos 740º - 742º.

O 740º/1 admite a penhora de bens comuns do casal, em consonância com o 1696º, CC,
aplicando-se à execução movida só contra um dos cônjuges. No entanto, o 740º/1 aplica-se a

38
todos os casos em que a execução seja movida só contra um dos cônjuges, seja os de
responsabilidade exclusiva do executado, seja os de responsabilidade comum mas em que a
execução foi movida só contra um dos responsáveis (quer haja título executivo contra ambos
quer apenas contra o executado). Para cada um destes casos, o objeto da penhora é influenciado
pelos diferentes regimes substantivos aplicáveis:

- Se a dívida for da responsabilidade exclusiva do executado, a penhora deve começar


pelos bens próprios dele, e só depois pode ser penhorada a sua meação dos bens comuns;

- Se a dívida for comum e houver título executivo contra ambos os cônjuges, a penhora
deve começar pelos bens comuns e só subsidiariamente é que incidirá sobre bens próprios;

- Se a dívida for comum e o título executivo for sentença contra só um dos cônjuges, o
executado que não chamou o seu cônjuge a intervir no processo declarativo (316º/3, a)) não
pode alegar no processo executivo que a dívida é comum. Segue-se assim o regime da penhora
das dívidas da responsabilidade exclusiva do executado, sem prejuízo da posterior aplicação do
1697º/1, CC;

- Se a dívida for comum e a execução se basear em título executivo extrajudicial contra


um só cônjuge, proporciona-se ao exequente, no requerimento executivo23, e ao executado, na
oposição à penhora24, a invocação da comunicabilidade da dívida, convidando-se o cônjuge do
executado a vir declarar se aceita a comunicabilidade. A sua não negação constitui
automaticamente título executivo contra esse cônjuge, como já vimos no Ponto 1.1.4., que
passa a ser executado naqueles autos25. Claro que o cônjuge do executado pode impugnar a
comunicabilidade da dívida de forma expressa (em oposição à execução ou em requerimento
autónomo, nos termos do 741º/3) ou tácita (se ele apresentar pedido de separação de bens, já
não é necessário citá-lo para ele se pronunciar sobre a comunicabilidade da dívida, algo que ele
já fez indiretamente). O 741º e 742º regulam a instrução, discussão e julgamento nos termos
gerais dos incidentes de instância que se seguirão à negação da comunicabilidade da dívida.

Após a penhora dos bens do casal na execução movida contra só um dos cônjuges, tem
lugar a citação do cônjuge do executado, para este requerer a separação de bens26 ou mostrar

23
Ou em requerimento autónomo apresentado até ao início das diligências de venda executiva, quando
não o tenha feita no requerimento executivo.
24
Restringe-se esta possibilidade aos casos em que tenham sido penhorados bens próprios do executado
e onerando-se este com a indicação, logo, dos bens comuns que podem ser penhorados.
25
Já se ele aceitar expressamente a comunicabilidade, isso equivale a reconhecimento de dívida ou
confissão, esse sendo o título executivo.
26
Em processo de inventário, que correrá por apenso à execução.

39
que ela já foi requerida: 740º/1. Se o cônjuge nada fizer, a execução prosseguirá sobre os bens
comuns penhorados (740º/1, in fine). Caso contrário, a execução é suspensa até que se verifique
a partilha e se, nesta, os bens penhorados não forem atribuídos ao executado, poderão ser
penhorados outros que lhe tenham cabido, nos termos do 740º/2.

Continuemos agora com os casos de responsabilidade subsidiária com excussão prévia.


São devedores subsidiários com benefício da excussão prévia os sócios da sociedade comercial
em nome coletivo e da sociedade civil e os comanditados da sociedade em comandita pelas
dívidas sociais; os associados de associações sem personalidade jurídica (198º/ 1 e 2, CC); bem
como, fora dos casos do 640º, CC, o fiador. Todos podem exigir a prévia excussão do património
do devedor principal antes de os seus bens responderem pela dívida (638º, CC).

Movida uma execução contra o devedor principal e o devedor subsidiário, este tem o
ónus de invocar o benefício da execução prévia (745º/1). Se o invocar, a penhora começará pelos
bens do devedor principal e só incidirá sobre os do devedor subsidiário, após a venda dos
primeiros sem que estes sejam suficientes para o pagamento das custas da execução, do crédito
exequendo e dos créditos dos credores reclamantes que tenham sido graduados antes do
exequendo. Depois, temos o regime do 745º/2 e 3, que tratámos a propósito do litisconsórcio
sucessivo. Nota: Reler o 745º/2 e 327. O benefício da excussão prévia pode ser apresentado em
simples requerimento; devendo sê-lo no prazo para os embargos de executado (745º/1, in fine
e 728º/1).

Passemos agora ao terceiro caso de penhorabilidade subsidiária. Quando o bem


onerado por garantia real pertença ao devedor, a penhora de outros bens só pode ter lugar
depois de se verificar a insuficiência daquele (752º/1). Esta regra de penhorabilidade
subsidiária cessa quando, por forma válida, se dê uma renúncia à garantia constituída.

Por último, temos os casos em que a lei estabelece que certos bens do devedor só
respondem pela dívida deste em último lugar. Quais são? O direito ao produto da liquidação
da quota do devedor em sociedade civil (999º, CC), em nome coletivo (183º, CSC) e em
comandita simples quando o devedor seja sócio comanditado (474º, CSC); a par do
estabelecimento individual de responsabilidade limitada.

Falemos ainda, muito sumariamente de casos específicos de extensão da penhora:

27
Há que salientar os casos em que o título executivo for uma sentença proferida apenas contra o devedor
subsidiário, em ação em que não tenha intervindo o devedor principal. Nesses a falta de chamamento à
demanda do principal importa, salvo declaração expressa em contrário, uma renúncia ao benefício da
excussão prévia (641º/2, CC), que já não poderá ser invocável, nos termos do 745º/2.

40
- De acordo com o 758º/1 (integrado na secção da penhora sobre bens imóveis, mas
aplicável às demais formas de penhora), a penhora abrange as partes integrantes do bem imóvel
(204º/3, CC) e os frutos, naturais ou civis, do bem penhorado28;

- Noutro caso, se o bem penhorado se perder, for expropriado ou sofrer uma diminuição
de valor e, em qualquer dos casos, houver lugar a indemnização de terceiro, a penhora passa a
incidir sobre o crédito de indemnização ou sobre as quantias pagas a esse título (823º, CC);

- Por último, temos o caso de divisão de prédio penhorado. Quando seja penhorado um
bem imóvel divisível e o seu valor manifestamente exceda o da dívida exequenda e dos créditos
reclamados, o executado pode requerer autorização para proceder ao seu fracionamento
(759º/1). Tal fracionamento pode visar a venda separada, permitindo que uma parte do prédio
se mantenha na titularidade do executado ou o levantamento parcial da penhora quanto à parte
destacada do prédio primitivo29.

2.4.2. Tramitação da penhora

No requerimento executivo é dada a indicação dos bens do executado que o exequente


conheça (724º/1, i)), com as precisões que lhe seja possível fornecer (veja-se o 724º/3 para a
penhora de direitos). Ora, o agente de execução não fica vinculado a penhorar os bens indicados.
Deve respeitar a indicação que lhe é feita, mas existem limites ao seguimento da
vontade/indicações do exequente. São estes limites que trataremos já em seguida, a propósito
da ordem da penhora (2.4.2.1.).

Após receber esta indicação, mas não estando vinculado por ela, o agente de execução
vai consultar o registo informático de execuções (748º/2 e 717º). Seguidamente, procede a
qualquer diligência de identificação/localização de bens penhoráveis (749º/1 a 7). Não sendo
identificados bens suficientes no prazo de 3 meses, são notificados o exequente e o executado
para indicarem os bens penhoráveis e, na falta de indicação, extingue-se a instância (750º/1 e
2), sem prejuízo do 850º/5.

Em certos casos excecionais, a penhora de certos bens (casa onde executado tenha a
sua residência habitual ou bem móvel nela existente, nos termos do 757º/4, 764º/4 e 767º/1)
depende e tem de ser precedida de despacho judicial. Para proteger a garantia de inviolabilidade
do domicílio (34º/2, CRP), tem o juiz de ordenar a requisição de força pública, designadamente

28
Desde que não sejam expressamente excluídas no ato da penhora e não estejam sujeitos a nenhum
privilégio creditório (739º e 740º, CC) ou consignação de rendimentos (656º e 658º, CC).
29
Este último caso (759º/2) depende de requerimento do executado e autorização do juiz.

41
as modalidades do 757º/2 e 3, exercidas pela polícia. Não se tratando de domicílio, o auxílio às
autoridades policiais pode ser solicitado diretamente pelo agente de execução.

Efetuada a penhora, é admissível ao agente de execução vir penhorar outros bens, além
ou em substituição dos inicialmente penhorados. Os casos em que isto se permite são os do
751º/4, de onde destacamos o da al. a)30, segundo a qual o executado pode vir requerer a
substituição dos bens penhorados por outros que assegurem igualmente o fim da execução.
Nota: ler 751º/4. No caso de a nova penhora visar substituir a penhora inicial, esta só será
levantada depois de penhorados os novos bens (751º/6).

Se o bem penhorado estiver inscrito em favor de terceiro, aplica-se o 119º, Código de


Registo Predial. Se o titular da inscrição declarar que o bem lhe pertence, segue-se ação
declarativa de propriedade, autónoma face à execução, mas que a suspende quanto ao bem em
causa, sem prejuízo de o exequente poder desistir daquela penhora.

2.4.2.1. Ordem da penhora

A ordem da penhora surge tratada no 751º. Diz-nos o seu nº 1 que a penhora deve
começar pelos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização, maxime o dinheiro (que
não preciso de vender para ter valor pecuniário efetivo; não é preciso traduzi-lo em dinheiro,
porque já é dinheiro). Outros exemplos deste tipo de bens são as ações, muito facilmente
transacionáveis; o petróleo ou ainda metais preciosos (ouro, prata, etc.). Depois, para lá dos
bens de mais fácil realização, deve a penhora começar pelos bens que se mostrem mais
adequados ao montante do crédito exequendo. Ex.: sendo crédito exequendo de 1.000€, e os
bens penhoráveis são 1.000€ de um salário e 20.000€ em ouro, então o salário será mais
adequado à proporção do crédito. Em suma, para estabelecer os primeiros bens a penhorar
surgem estes dois critérios do 751º/1 como cumulativos.

No 751º/3, encontramos exceções ao princípio limitativo da adequação dos bens ao


montante do crédito exequendo. Segundo o 751º/1, se estiver em causa a penhora de um
imóvel com um valor muito superior ao da dívida, é arguível que ela seja inadequada, fazendo
com que se comece por penhorar outros bens. Ora, o 751º/3 estabelece que será possível que
a penhora comece por esses imóveis ou estabelecimentos comerciais, mesmo que tenham valor
excessivo face ao crédito exequendo, desde que se cumpra um dos casos descritos nas suas
alíneas. Nota: ler 751º/3.

30
Ver também 751º/5.

42
Ou seja, a penhora de prédios, rústicos ou urbanos, e de estabelecimentos comerciais
fica, por isso, reservada para os créditos de maior valor, como resulta do 751º/3, a contrario.
Mas, quando seja de esperar que a penhora dos outros bens do executado não vá permitir a
satisfação integral do crédito nos prazos referidos no 751º/3, o princípio da
adequação/proporcionalidade cede perante a necessidade de realização célere do fim da
execução.

De resto, deve o agente de execução atender, para estabelecer a ordem da penhora,


sobretudo à vontade do exequente quanto aos bens que devam ser prioritariamente
penhorados. Porquê? Em primeiro lugar, porque é o exequente o interessado no pagamento da
dívida (a execução visa concretizar um interesse individual/privado do exequente); e, em
segundo lugar, é o exequente que paga os custos da penhora (se este não adiantar dinheiro, o
agente de execução não penhora, por falta de custos, pelo que só se o exequente quiser é que
a penhora avança).

Tem o agente de execução, porém, de compatibilizar este preceito como o do nº 1 –


veja-se, aliás, o 751º/2, in fine. De facto, há cláusulas de salvaguarda do sistema que excecionam
a primazia da vontade do exequente; no fundo casos-limite em que o agente de execução pode
desconsiderar a vontade do exequente – 751º/2, 2ª parte. De que realidades falamos? De uma
séria de casos de proteção do interesse do executado, em que seria abusivo seguir a vontade
do exequente, o que causaria prejuízos patrimoniais sérios ao executado (utilização abusiva
inadmissível do processo executivo). Falamos de casos em que (i) seguir a vontade do exequente
violaria normas imperativas, sendo relevantes nesta sede todas as normas que imponham
limites de objeto à penhora (ou até normas de proteção da vida privada); (ii) casos de
desproporcionalidade31 da penhora, em que o executado tem um bem de fácil execução (p.ex.,
dinheiro) que é suficiente para pagar a dívida, mas o exequente pede a venda de bens cujo valor
é demasiado grande face ao crédito ou que causam um prejuízo desproporcionado ao

31
Neste campo entram considerações sobre a tramitação da penhora e o que ela implica. Às vezes, as
diligências da penhora, pela remoção do bem, podem criar enormes prejuízos ao executado. Ou seja, os
custos da penhora são superiores ao valor do bem, ou podem gerar uma desvalorização ou inutilização
do bem penhorado, sendo nesse caso de preferir penhoras sobre bens de mais fácil apreensão (veja-se,
p.ex. o 764º/2 de onde se transparece um balanço entre interesses do exequente e executado, em tudo
conexa à proporcionalidade da penhora). Ex.: se penhorar um cavalo surgem várias questões: onde o
guardar, como o transportar, como providenciar pela sua saúde (chamar veterinário), pode o cavalo ter
algum acidente nestes procedimentos, etc.

43
executado32; e dos casos em que seguir a vontade do exequente impede violar o disposto no
751º/1, que já vimos supra.

2.4.2.2. Formas da penhora

Existem 3 formas diferentes de penhora, que convocam 3 formas diferentes de


tramitação: a penhora de bens imóveis (755º e ss.); a penhora de bens móveis (764º e ss.) e a
penhora de direitos (773º e ss.). Tenho sempre, portanto, de identificar qual o bem a penhorar
para perceber qual a tramitação a seguir, dentro desta divisão tripartida de tramitações
possíveis33.

Como se faz, então, a penhora de um bem imóvel? Vejamos o 755º/1, de onde se retira
que tal penhora se faz por comunicação ao registo (via eletrónica). Isto é relevante para definir
quando a penhora é feita, sendo esse momento o do envio do pedido de registo pelo agente de
execução à conservatória. Tem assim lugar uma transferência de posse meramente jurídica, à
qual se segue a feitura do auto da penhora (753º/1) e as diligências do 755º/3, bem como a
tradição material da coisa para o depositário (757º). A penhora por comunicação ao registo
também é a forma de efetuar a penhora de coisa móvel sujeita a registo (768º/1), a penhora de
direito a bem indiviso sujeito a registo (781º/1, a contrario), a penhora de quota em sociedade
(781º/6), de direito real de habitação periódica, e de outros direitos reais cujo objeto não deva
ser apreendido (781º/5), de que falaremos infra a propósito da compropriedade.

Depois, pelo 756º, percebemos que, regra geral quem habita o imóvel penhorado tem
de o desocupar aquando da penhora (na medida em que o seu depositário passa a ser o agente
de execução ou pessoa designada pelo oficial de justiça). Esta regra é alvo de várias exceções:

- O exequente pode consentir que o depositário seja o próprio executado ou outra


pessoa designada pelo agente de execução;

32
Exemplo: penhora de um recheio de uma casa que, estando usado, terá um valor de venda
substancialmente menor; sendo que o executado incorrerá em grandes custos para substituir a mobília.
Aí o balanço entre o valor que o exequente tirará da mobília e os custos da penhora para o executado
podem levar a ponderar a proporcionalidade da penhora para efeitos do 751º/2.
33
A penhora de bens imóveis é, no fundo, a penhora de direitos sobre bens imóveis que impliquem a
apreensão desses imóveis; ou seja a penhora de um direito de propriedade sobre um imóvel. O mesmo
raciocínio se aplica a bens móveis. Por isso, esta tricotomia é um pouco enganosa: todas as penhoras são,
ao fim e ao cabo, penhoras de direitos. LEBRE DE FREITAS diz, a este propósito, que a penhora de direitos
se determina por exclusão de partes, quando não esteja em causa o direito de propriedade plena do
executado sobre coisa corpórea nem um direito real menor que possa acarretar a posse efetiva e exclusiva
de coisa móvel ou imóvel.

44
- Ou, sem relevância para a vontade do exequente, quando ocorra alguma das
circunstâncias das alíneas do 756º/134. Nota: para o caso do 756º/1, b), ler o 756º/2.

Certo é que, mesmo que o executado seja considerado depositário, após a venda
executiva, ele tem de desocupar o imóvel.

E se o bem imóvel for objeto de compropriedade? Como só se podem penhorar bens


que sejam do executado, só é possível penhorar a quota ideal do executado na propriedade
daquele bem. É feito registo desta mesma realidade, ficando penhorado o direito de
compropriedade sobre o imóvel. O problema neste caso é o da apreensão física do imóvel; deve-
se fazê-la? Das duas uma: ou se apreende todo o imóvel, ou não se faz de nada. A questão é que
uma apreensão física de todo o imóvel limita gravemente o direito de propriedade do(s)
comproprietário(s) que não têm nada a ver com a execução. Este raciocínio aplica-se a todos os
direitos reais face aos quais o executado não tem a posse efetiva dos bens a que eles se referem
(ou seja, todos os direitos reais menores). Não tendo o direito real penhorado (compropriedade
ou outros) a si associado, no momento da penhora, um direito de gozo/fruição do bem (pelo
menos pleno, pois a compropriedade comporta a fruição do bem, mas partilhada com outros
comproprietários), a penhora é feita tão só através do registo – 781º/1 e 5. Para depois se
concretizar a venda efetiva do bem objeto de compropriedade, tem de ser proposta uma ação
de divisão de coisa comum.

Sigamos em frente para a penhora de bens móveis. É possível penhorar um sistema de


ar condicionado instalado numa torre de escritórios? Suponhamos que o executado é
proprietário de todo o imóvel e respetivo recheio, mas a penhora e subsequente venda
executiva do ar condicionado é suficiente para pagar o crédito exequendo. Ora, a penhora de
móveis faz-se não por registo, mas pela apreensão efetiva dos bens e consequente remoção
do bem da posse do executado para imediato depósito35 – 764º/1. Será sempre possível a
penhora de bens móveis, dentro dos limites gerais do 736º - 739º e 751º, mas pode não haver
lugar à remoção do bem móvel, quando se verifiquem os casos do 764º/2. De facto, tal remoção
tem os limites elencados neste artigo, embora a regra é que ela seja possível, seguindo uma
ratio de ser meio de pressão sobre o executado. Nota: ler artigo 764º/2. Podem também haver
bens à partida móveis, mas que são partes integrantes de bem imóvel (204º/3, CC), e que, por
isso, devem ser tratados como bens imóveis até para efeitos de penhora (isso é algo que
também devemos ponderar no caso do ar condicionado).

34
Ler essas meninas.
35
O depositário será o agente de execução que realizou a diligência de penhora.

45
Em suma, quando se pondera a penhora de bens móveis, devemos sondar em primeiro
lugar se o bem móvel em causa é ou não parte integrante ou não de um imóvel: se for, aplicamos
o regime da penhora de bens imóveis, se não for aplicamos o regime da penhora de bens móveis.
Em segundo lugar, assumindo que se continua no âmbito da penhora de móveis, então devemos
sondar se a remoção do bem móvel é possível, designadamente através do 764º/2.

Passemos à última forma de penhora: a penhora de direitos. Comecemos, mais uma vez
por uma hipótese prática: A deve a B 50.000€ e B sabe que o único ativo que A tem é um crédito
de 75.000€ sobre C. Mas também sabe que C é uma pessoa difícil e que não pagará sem pressão.
B sabe ainda que C tem uma conta bancária com 150.000€. O que pode B fazer? Em princípio,
como B tem um título executivo contra A, apenas pode propor ação executiva contra A e não
contra C. No entanto, pode penhorar o crédito que A tem sobre C, numa penhora de um direito
de crédito.

Ora, a penhora de créditos faz-se pela notificação do agente de execução ao devedor


(C) – 773º/1 – de que o crédito fica à ordem do agente de execução. O devedor (C), notificado,
tem de cumprir o 773º/2, ou seja, dizer se o crédito existe ou não (p.ex. se o devedor já pagou;
se o negócio padece de algum vício que inviabiliza a existência do crédito, então ele já não
existirá e o devedor deve declarar isso); quais as garantias associadas a tal crédito, a sua data de
vencimento e outras circunstâncias que interessem à execução. Em relação à existência do
crédito, o devedor pode, citado, não cumprir o 773º/2 e nada dizer. Quais as consequências da
sua atitude? Se ele nada disser, a existência do crédito fica comprovada (773º/4). Se o devedor
contestar a existência do crédito36, então aplicamos o 775º e (i) ou o exequente mantém a
penhora e o crédito passa a considerar-se litigioso (isto é, fica declarado/atestado que a
existência deste crédito é duvidosa, algo que diminui o seu valor em posterior venda executiva),
continuando a penhora e sendo o crédito vendido como litigioso ou (ii) o exequente desiste da
penhora. Pode ainda o devedor reconhecer a existência do crédito e aí a penhora continua sem
complicações.

Suponhamos, agora, que o crédito está penhorado, seja como reconhecido seja como
litigioso. Será possível chegar ao dinheiro de C na sua conta bancária? Podemos penhorar os
bens de C para satisfazer o crédito? Temos o problema de C não ser executado, e não podemos
penhorar bens de pessoas que não sejam demandadas na execução. Tal problema é resolvido
pelo 777º: C, enquanto devedora que não tenha contestado a existência da obrigação, tem a
obrigação de depositar o valor do crédito (75.000€) em conta à ordem do agente de execução.

36
Pode contestá-la invocando a exceção de não cumprimento, aplicando-se aí o regime especial do 776º.

46
Se não cumprir esta obrigação, aplicamos o 777º/3 e o exequente ou o adquirente do crédito
(se ele já tiver sido vendido) podem exigir a prestação no próprio processo executivo, valendo
como título executivo as possibilidades do 777º/3, 2ª parte37. Aí, o exequente substitui-se ao
executado como credor e isso dá-lha a possibilidade, com a formação de título executivo contra
o devedor (C), de ter todo o património deste a responder pela dívida do executado (sempre, é
certo, na medida do crédito do executado sobre o seu devedor). No fundo, os bens do devedor
do crédito passam a responder diretamente perante o exequente.

Para lá da penhora de créditos, podemos sinalizar a penhora de direito a bens indivisos


e a penhora de direito ou expetativa de aquisição38, sendo que esta última também se realiza
por via de notificação pessoal, à semelhança da penhora de créditos (778º/1) – mas aqui uma
notificação à contraparte (p.ex., o promitente vendedor ou a pessoa sujeita à preferência).

A penhora de direitos a bens indivisos engloba os casos de compropriedade e outros


direitos reais menores que não impliquem a posse do seu objeto, caso que já tratámos supra;
bem como o quinhão numa universalidade de direito (p.ex., herança) ou a quota em sociedade
civil ou comercial. A penhora de quinhão em universalidade de direito é feita por notificação ao
administrador dos bens, se os houver, e aos terceiros titulares e comtitulares dos restantes
direitos implicados (se o bem for sujeito a registo); se o bem for sujeito a registo, a penhora faz-
se por comunicação ao registo. Já a penhora de quota de sociedade é feita por notificação a
esta.

2.4.2.3. A figura do depositário

A penhora, como já vimos, implica, em regra um depositário. Além dos deveres gerais a
que esteja adstrito (1187º, 1188º, 1191º e 1195º, CC), cabe-lhe administrar os bens/direitos
penhorados como a diligência de um bom pai de família, prestando contas da sua administração
(760º/1).

Porém, há casos em que se afigura desnecessária a figura do depositário, vide a penhora


de créditos. Se o devedor cumprir a obrigação fará um depósito à ordem do agente de execução
ou, na sua falta, entregará a quantia/coisa devida à secretaria judicial (777º/1). Tão pouco há

37
Estes são casos de títulos executivos formados na própria execução: ou (i) a declaração de
reconhecimento da dívida; ou (ii) a não declaração perante notificação do devedor; ou (iii) o título de
aquisição do crédito, se ele já tiver sido vendido.
38
Como por exemplo, a posição do promitente comprador fundada em contrato-promessa com eficácia
real, bem como a do titular de direito de preferência a que se tenha atribuído eficácia real.

47
lugar a depositário no caso de penhora de direito/expetativa de aquisição quando não haja lugar
a apreensão complementar da coisa sobre que incide.

O depositário pode ser removido se não cumprir os deveres do seu cargo (761º/1). Se o
depositário for agente de execução o incumprimento dos seus deveres é sujeito a um regime
diferente, o do 720º/4.

2.4.2.4. O levantamento da penhora

Efetuada a penhora, ela irá, em princípio, subsistir até à venda do bem penhorado. Pode,
porém, extinguir-se por causa diferente da venda executiva; naquilo que consistirá num
levantamento da penhora. Em que casos acontece isto? Nota: ver pp. 296 – 297, Manual de
LEBRE DE FREITAS.

Um destes casos é o de desaparecimento do bem penhorado. Aí, das duas uma: (i) ou
há lugar a indemnização e a penhora transfere-se para o crédito indemnizatório ou para a
quantia já paga a esse título; ou, não havendo lugar a indemnização, a penhora extingue-se por
falta de objeto.

Outro desses casos é o descrito no 763º, o do levantamento após paragem prolongada


da execução. Levantada a penhora por esta via, resta ao exequente, que arca com o previsto no
763º/3, o direito de indemnização contra o Estado quando a paragem do processo não se deve
a si. Notar que é ainda reconhecida aos demais credores, cujo crédito esteja vencido e tenha
sido por eles reclamado no processo executivo, a faculdade do 763º/4, que terá o limite de esses
credores não se poderem substituir ao juiz, ao agente de execução ou ao funcionário judicial
negligente. Nota: ler 763º.

2.4.3. Oposição à penhora

O nosso ordenamento jurídico concede 4 meios de reagir contra uma penhora ilegal: (i)
a oposição por simples requerimento/por simples reclamação; (ii) o incidente de oposição à
penhora; os (iii) embargos de terceiro e (iv) a ação de reivindicação. Destes meios, os dois
primeiros são incidentes, tendo, lugar no próprio processo de execução, ainda que o segundo
por apenso, enquanto os dois últimos constituem ações declarativas, sendo os embargos
também processados por apenso à execução (em que igualmente se inserem funcionalmente).
Já a ação de reivindicação é um meio geral, plenamente autónomo face à execução.

A ilegalidade da penhora pode assentar no facto de (i) se terem ultrapassado os limites


objetivos da penhorabilidade, ou seja, em casos de impenhorabilidade objetiva (penhoram-se

48
bens que não deviam ser penhorados em absoluto, ou que não deviam ser penhorados naquelas
circunstâncias, ou sem excussão de todos os outros bens, ou que não podiam ser penhorados
por referência àquela dívida); ou pode assentar no facto de a penhora ser subjetivamente ilegal,
ou seja, em casos de impenhorabilidade subjetiva (são penhorados bens que não são do
executado). Ora, o incidente de oposição à penhora permite reagir perante a impenhorabilidade
objetiva. Já pelos restantes meios reage-se contra a impenhorabilidade subjetiva.

2.4.3.1. Oposição por simples reclamação/por simples requerimento

Esta é uma forma de oposição à penhora prevista exclusivamente para a penhora de


coisas móveis (764º/3), baseando na regra fundamental de que só podem ser penhorados bens
do executado. Assim, penhorada uma coisa móvel encontrada em poder do executado, a lei
concede a possibilidade39 de se fazer, perante o juiz do processo, prova documental inequívoca
de que ela pertence a terceiro, mediante apresentação de simples reclamação/requerimento
acompanhado dessa prova. Até à consumação desta prova, presume-se que a coisa pertence ao
executado. Em suma, os bens não são do executado, sendo que a lei processual estabelece a
presunção de que são, presunção esta que pode ser ilidida através do já referido regime do
764º/3.

O que significa, para efeitos da presunção do 764º/3, bens em poder do executado?


Entende-se estarem em poder do executado todos os bens sobre os quais ele exerça posse ou
detenção, bem como todos bens sobre os quais ele possa exercê-la, por se encontrarem na sua
esfera de controlo40.

Para a ilisão desta presunção, com as consequências de a penhora efetuada não se


manter e a coisa ser restituída, é exigido um documento do qual resulte inequivocamente que
os bens pertencem a terceiro, ou que esse terceiro tem sobre eles um direito real menor de
gozo que implique a sua usufruição41. A apresentação de documento autêntico com data
anterior à da penhora, ou de documento particular que tenha sido autenticado, reconhecido ou
apresentado em serviço público (que nele tenha atestado a apresentação) em data anterior à

39
Às pessoas elencadas no 764º/3: quer por exequente (ou alguém em seu nome, quer por terceiro).
40
Estarão, a título exemplificativo, sob a esfera de controlo do executado todos os bens que se encontrem
num imóvel que lhe pertença ou que ele utilize em nome próprio. Ex.: Numa casa em que vivam 4 amigos,
os 3 que não são executados podem utilizar este meio de oposição à penhora caso estejam a ser
penhorados bens móveis seus que se encontrem na casa, pois presume-se pelo 764º/3 que esses bens
são do amigo executado, por estes estarem na sua esfera de controlo, algo que pode nem sempre
corresponder à verdade.
41
Caso em que o objeto da penhora deve ser reduzido, de modo a abranger apenas o direito real que o
executado tem sobre o bem, que não conterá o seu usufruto desse bem, que pertencerá ao terceiro que
se opõe à penhora.

49
da penhora, é normalmente suficiente para o efeito, se não houver motivo sério para duvidar
da sua genuinidade ou da validade do ato documentado. Pode, por exemplo, esta prova ser feita
através de uma fatura com número de contribuinte que identifique o terceiro, desde que
cumpra um dos requisitos apresentados supra quanto aos documentos particulares.

A ilisão da presunção por este meio expedito da oposição por simples reclamação só
pode ter lugar em casos em que, pela prova documental, se torne manifesto o direito de
terceiro. Tal ilisão tem de ser feita perante o juiz e não perante o agente de execução42, dado
que a decisão a proferir implica o exercício da função jurisdicional. Tal implica que o
levantamento (ou a redução) da penhora não seja ordenado, salvo caso de manifesta
desnecessidade, sem a prévia audição do exequente, em observância do contraditório (3º/3).
Não ordenando o juiz o levantamento da penhora, não fica precludido o direito de o terceiro
deduzir oposição por embargos (764º/3, in fine), mesmo quando tenha sido ele a requerer o
levantamento. Se este não dispuser de prova documental inequívoca ou se achar que não se
justifica a oposição por requerimento, pode deduzir embargos de terceiro. MARIANA FRANÇA
GOUVEIA diz que o terceiro é livre de escolher entre estes dois meios de oposição à penhora.

2.4.3.2. O incidente de oposição à penhora strictu sensu

O incidente de oposição à penhora é um meio de oposição privativo do executado (e do


seu cônjuge, por via do 787º/1), para este se opor à penhora ilegal dos seus próprios bens.
Aplica-se, assim, em casos de impenhorabilidade objetiva: é pressuposto deste meio de
oposição que, in casu, os bens penhorados pertençam ao executado (784º/1, in proemio). De
facto, o executado não pode neste incidente opor-se à apreensão dos bens alheios ou comuns
que só respondam pela sua dívida depois dos bens que lhe pertençam em exclusividade.

Em suma, e olhando os dois primeiros meios de oposição à penhora apresentados, o


executado tem de ter um interesse na oposição. Se um bem executado for de terceiro, ele não
tem esse interesse (se a penhora prosseguir, esses bens vão pagar a dívida e nem são dele). Por
conseguinte (pela falta de interesse em agir), não terá também legitimidade processual para
deduzir o incidente de oposição à penhora nesses casos. Há uma exceção a isto, que vimos
supra: por simples requerimento, no caso de serem penhorados bens móveis, o executado pode

42
Um agente de execução não tem de parar a penhora quando um terceiro alega que é seu um bem
penhorado. Mas isso não significa que um agente de execução deva realizar a penhora quando seja
confrontado, no próprio ato, com a evidência do direito de terceiro. Ao agente de execução é que
determina os bens a penhorar, segundo o princípio da proporcionalidade pelo que seria absurdo que fosse
obrigado a penhorar um bem que manifestamente pertença a terceiro (como por exemplo, automóvel
deixado a reparar na oficina do devedor).

50
dizer que os bens penhorados são de terceiro. Três são as situações, segundo o 784º, que podem
fundar a oposição do executado à penhora. Estas três situações são os três fundamentos
taxativos que este incidente pode assumir:

- Em primeiro lugar (784º/1, a)), este incidente visa as causas de impenhorabilidade


(absoluta ou relativa) enunciadas na lei processual43 - quer os casos em que os bens
concretamente apreendidos não o podem ser (casos em que, p.ex., se penhora um órgão - 736º,
c); ou bens indispensáveis à economia doméstica (roupa, cama,…) – 737º/3; ou os instrumentos
de trabalho do executado (737º/2); quer os casos em que é inadmissível a extensão com que a
penhora foi feita (quando a penhora é desproporcional face ao objeto do processo44 ou quando
ultrapassa certos limites quantitativos impostos pela lei, como por exemplo, quando se penhora
mais salário do que o limite máximo de penhorabilidade);

- Em segundo lugar (784º/1, b)), em qualquer caso de responsabilidade subsidiária, o


executado pode opor-se à penhora de bens seus que só deveriam responder pela sua dívida na
falta de outros (igualmente seus ou de outro património), se, existindo estes, por eles não tiver
começado a execução. Se o executado gozar do benefício da excussão prévia e o tiver invocado,
constituirá fundamento de oposição à penhora o facto de não terem sido previamente excutidos
os bens do património do principal responsável. Se o executado não gozar do benefício da
excussão prévia (portanto, noutros casos de responsabilidade subsidiária que não o envolvam),
a oposição à penhora basear-se-á no facto de não terem sido previamente penhorados os bens
(seus ou alheios) que respondiam em primeiro lugar ou de não ter sido verificada a sua
insuficiência para a satisfação dos créditos a satisfazer através deles. Pode, nestes casos do
784º/1, b), a oposição à penhora fundar-se na existência de patrimónios separados, que
respondem, em primeira mão, pela dívida exequenda. Aí, deve o executado indicar logo os bens
penhoráveis que tenha em seu poder e que se integrem no património autónomo que
respondem pela dívida exequenda (784º/2).

Que outros exemplos de responsabilidade subsidiária que fundem a oposição à penhora


podemos dar (para lá do do património autónomo)? Os casos em que o devedor responde
primariamente, quando há um fiador com o benefício da excussão prévia (o credor pode chamar
os dois segundo o 745º), podendo o fiador pedir o levantamento da penhora em sede de

43
Estudámo-los, no ponto 2.4.1., a propósito dos artigos 735º - 739º.
44
Falamos aqui do disposto no 735º/3: se a dívida é de 10.000€, só se podem penhorar os bens
necessários ao pagamento desta dívida e das despesas previsíveis da execução, que se presumem de 10%
do seu valor (1.100€). Ou seja, só posso penhorar bens até ao valor de 11.100€. Porém, se o executado
só tiver um bem (p.ex., um imóvel), mesmo que esse bem exceda este valor dado pelo 735º/3, ainda assim
tem de ser penhorado, sem que exista uma violação do 735º/3 ou causa para acionar o 784º/1, a).

51
oposição. Os casos de cônjuges, em que a ação é só proposta contra um deles, com base numa
dívida não comunicável, sendo que primeiramente respondem os bens próprios e só
subsidiariamente os bens comuns. Ou ainda os casos em que existe uma garantia real sobre
dado bem e, em consequência, a execução da divida começa pelo bem dado em garantia;

- Em terceiro (e último) lugar (784º/1, c)), a oposição reporta-se às causas de


impenhorabilidade, específica ou derivada de um regime de indisponibilidade objetiva,
resultantes do direito substantivo. Ex.: 602º, CC (é possível o credor e o devedor dizerem num
contrato que um determinado bem não responde por uma dada dívida).

E quanto à tramitação deste incidente? Nele, o executado vai ter de provar que se
verifica um dos fundamentos do 784º/1, terminando este com uma decisão de manutenção ou
levantamento da penhora (se houver levantamento, este tem os efeitos do 785º/6). O
executado tem, para deduzir a oposição, o prazo de 10 dias, contados da notificação da penhora
(785º/1), estando o incidente sujeito, em tudo quanto não esteja especialmente regulado no
785º, às normas gerais dos 293º e 295º (785º/2), bem como às do 732º/1 e 3 (relativas à
oposição à execução), devidamente adaptadas.

Nota: ver o procedimento deste incidente explicitado nas páginas 319 – 320 do manual
de LEBRE DE FREITAS.

2.4.3.3. Embargos de terceiro

À penhora só estão sujeitos bens do executado, seja do próprio devedor, seja


(excecionalmente) de um terceiro. Consequentemente, os bens de terceiro (relativamente à
execução, ou seja, de pessoas que não sejam exequente nem executado), não são penhoráveis.
Mas já são penhoráveis os bens do executado que estejam em poder de terceiro, ainda que este
deles seja possuidor em nome próprio (747º/1).

A oposição mediante embargos de terceiro é um meio de impugnação da penhora


disponibilizado a terceiro (342º), quando este seja titular de um direito real (maxime o direito
de propriedade) sobre um bem que se incompatibilizaria com o resultado da penhora (a venda
executiva). Não é, em rigor, o direito real de garantia penhora que é incompatível com o direito
do terceiro. O que é incompatível com esse direito é a venda executiva, sendo este o referente
para perceber se há legitimidade do seu titular para deduzir embargos de terceiro.

Com a revisão do CPC, a norma atualmente no 342º/1 veio alargar a legitimidade ativa
para a oposição mediante embargos de terceiro. Por um lado, desvinculou-a da posse, ao admitir

52
que os embargos se fundem em ofensa à posse45 ou a qualquer direito incompatível com a
realização ou âmbito da diligência. Sabido que a penhora se destina a possibilitar a ulterior
venda executiva, é com ela incompatível todo o direito de terceiro (ainda que derivado do
executado), cuja existência, tido em conta o âmbito com que a penhora é feita, impediria a
realização da sua função, ou seja, a transmissão forçada do objeto apreendido (840º/1). Assim,
é incompatível com a penhora: (i) o direito de propriedade plena, que sempre impedirá a venda
executiva do bem sobre o qual incide; bem como (ii) os direitos reais menores de gozo que,
considerada a extensão da penhora, viriam a extinguir-se com a venda executiva. Seja de quem
for que o terceiro tenha derivado o seu direito (do executado ou de outrem), os embargos são-
lhe consentidos para defender tal direito, desde que incompatível com a penhora.

E se estiver em causa um direito real de aquisição ou um direito real de garantia? Aí, a


incompatibilidade de tais direitos com a penhora não se verifica, visto que o respetivo titular
encontrará satisfação no esquema da ação executiva: o promitente adquirente tem direito a
adquirir o bem convencionado, sendo-lhe diretamente feita a venda executiva; o titular do
direito de preferência (legal ou convencional com eficácia real) tem direito a adquirir o bem
penhorado nas condições de exercício de tal direito; e o credor com direito real de garantia
reclamará o pagamento do seu crédito pelo produto da venda executiva.

E quanto aos direitos pessoais de gozo (p.ex., o direito do locatário, do comodatário, do


depositário, etc) e aos direitos pessoais de aquisição (direito de promitente adquirente ou de
preferente que não goze de eficácia real)? Estes não têm eficácia no processo executivo, pois
não são dotados de opinibilidade erga omnes. Sendo pessoais, nunca são oponíveis ao
exequente46, nunca são incompatíveis com a penhora nem conferem, por isso, legitimidade para
o seu titular embargar de terceiro. Quando a titularidade destes direitos implique a existência
de um crédito sobre o executado, os bens deste não deixam de estar sujeitos à penhora, sem
que, quanto aos direitos pessoais de aquisição, o dever do executado de os transmitir a terceiro
seja oponível ao exequente47; já quando a titularidade destes direitos implique a existência de
um crédito sobre terceiro que seja proprietário do bem penhorado (ou titular de direito real
menor sobre ele), existe uma incompatibilidade entre o direito deste último e a penhora, mas o
direito pessoal contra o terceiro proprietário do bem penhorado continua a não ser oponível ao

45
Em nome próprio ou alheio.
46
Com exceção do arrendamento, como se vê na nota infra.
47
Caso diferente é, nos direitos pessoais de gozo, o do arrendamento, em cujo regime a especial tutela
do direito do arrendatário leva, ao invés, à sua opinibilidade erga omnes e à sua subsistência após a venda
executiva. Por esta razão, e ainda que este direito seja oponível ao exequente e ao adquirente na venda
executiva (não se extinguindo com ela), este direito é também compatível com a penhora.

53
exequente e, portanto, é compatível com a penhora, ao seu titular cabendo, contra o devedor,
o direito a ser indemnizado. e é um direito pessoal não há eficácia contra o exequente (exceção
do arrendamento).

O 824º, CC traz-nos os efeitos da venda executiva, tendo o seu regime o objetivo de


libertar o bem objeto da venda de toda uma série de onerações (ónus, encargos, garantias ou
direitos reais). Podem incidir, como já vimos, sobre um bem direitos reais de gozo, de garantia,
de aquisição e de preferência: os direitos reais de garantia, aquisição e preferência caducam
com a venda executiva, pelo que é necessário criar no âmbito da ação executiva instrumentos
para que tais direitos sejam exercidos. Quando compra o bem na ação executiva, o comprador
vai recebê-lo sem que este esteja sujeito a qualquer destes direitos reais. Já no caso dos direitos
reais de gozo temos de ver se estes são anteriores à penhora ou posteriores à penhora: se estes
(p.ex. usufruto) forem constituídos antes da penhora, então não caducam com a venda
executiva, são incompatíveis com ela e, por isso, legitimam a dedução de embargos de terceiro;
se forem posteriores à penhora, já não lhe subsistirão, extinguindo-se com ela. Logo, os únicos
bens que não caducam com a venda executiva são os direitos reais de gozo que sejam
anteriores à penhora.

Aprofundaremos, a este propósito, os meios de satisfação, em processo executivo, dos


direitos reais que caducam com a venda executiva:

- Quanto aos direitos reais de garantia, podem os seus titulares fazerem-se valer da
faculdade da reclamação de créditos, sendo citados48 para o efeito (786º/1, b), 3 e 4 e 788º). Se
estes não reclamarem os seus créditos, porque não foram citados para o efeito, então, ainda
assim, os seus direitos caducam com a venda executiva, que não será, assim, anulável (o 824º,
CC não sofre exceções). Nos termos do 786º/6, existem, no entanto, mecanismos de
compensação destes credores não citados, mecanismos esses que não implicam o exercício de
qualquer direito sobre o bem vendido, mas antes um ressarcimento nos termos do
enriquecimento sem causa49. A titularidade do direito real de garantia concede uma prioridade
no pagamento da dívida, estrita apenas ao valor do crédito do reclamante (p.ex., se temos um
bem penhorado com um valor de 300, e um credor hipotecário de uma dívida no valor de 200
vier usar da sua faculdade de reclamação de crédito, então do produto da venda serão entregues

48
Só com a citação é que estes credores têm conhecimento da penhora.
49
Não se faz o ressarcimento do credor pela via da responsabilidade civil, antes pelo enriquecimento sem
causa que onera o exequente ou outro credor pago na vez daquele primeiro credor. No entanto, pode
haver responsabilidade civil da pessoa a quem seja imputável a falta de citação (maxime agente de
execução), em cumulação com o ressarcimento a título de enriquecimento sem causa (786º/6, in fine). A
quem nunca vai ser exigida qualquer quantia é ao comprador do bem na ação executiva.

54
200 ao credor hipotecário e o restante dele – 100 – ao exequente). É, assim, que os credores
que gozam de direito real de garantia sobre o bem penhora não têm legitimidade para se
oporem à penhora mediante embargo de terceiros, pois o seu direito não é incompatível com a
venda executiva (mesmo que não sejam citados para reclamar os créditos, existem mecanismos
da sua compensação e a venda prevalece sempre) e, logo, não é incompatível com a penhora;

- Quanto aos direitos reais de aquisição, os bens sobre os quais eles incidam seguem
uma modalidade específica de venda executiva: a venda direta do 831º. Chegados à venda
executiva o bem tem de ser vendido ao titular do direito real de aquisição. Mais uma vez, torna-
se claro que o titular deste tipo de direitos não tem legitimidade para embargar de terceiro, pois
o seu direito é compatível com a venda executiva (que até lhe é feita) e, por isso, com a penhora;

- Já nos direitos reais de preferência, a lei estabelece como mecanismo de proteção dos
seus titulares, a notificação dos preferentes. Esta vem prevista no 819º, basicamente permitindo
um chamamento dos preferentes à execução, perguntando-se-lhes se eles querem exercer o
seu direito. Também aqui não se verifica, portanto, qualquer incompatibilidade.

Em suma, se um direito caduca com a venda executiva, então não é incompatível com
a penhora. Se não for incompatível com a penhora, porque caduca com a venda executiva,
então não há legitimidade do seu titular para embargar de terceiro.

Nota: ver Hipótese 19. Ademais, numa notinha quanto ao percurso lógico a realizar para
fazer esta análise aqui fica: constatamos que é penhorado um bem do executado e sobre esse
bem incide um direito de um terceiro, exterior à execução. Se for tal direito for pessoal, elimina-
se logo a possibilidade de deduzir embargos de terceiro. Se, ao invés, for real, então temos de
ver qual o seu tipo: se tal direito real de terceiro não caducar com a venda executiva (direito real
de gozo anterior à penhora), pode este deduzir embargos de terceiro. Mas se caducar com a
venda executiva, o seu titular não pode deduzir embargos, não deixando, porém, de ter outras
proteções: a reclamação de créditos, a venda direta ou a notificação do preferente.

Como já se disse, para lá de direitos incompatíveis com a penhora, pode existir posse
(em nome próprio ou alheio) que seja incompatível com a realização da penhora ou com o seu
âmbito. Quando é que se pode dizer que uma posse é incompatível com uma penhora? Em
primeiro lugar, quando essa posse, sendo exercida em nome próprio, constitui presunção da
titularidade de um direito incompatível com a penhora: enquanto esta presunção não for ilidida,
mediante a demonstração de que o direito de fundo radica no executado, o possuidor em nome
próprio é admitido a embargar de terceiro. Em segundo lugar, também é incompatível com a
penhora, aquela posse que, exercida em nome de outrem que não o executado, respeite a

55
direito pessoal de gozo ou de aquisição do bem penhorado - cabem aqui, as situações de posse
de locatário, de comodatário, de depositário, etc.; bem como o caso do promitente adquirente
para quem, em cumprimento de obrigação contratual, tenha sido transferida a posse da coisa
prometida. Nestes casos, a tradição do bem penhorado para o tribunal, via depositário judicial,
implicaria a insubsistência da posse destes detentores e, com ela, a das pessoas em nome de
quem possuem, em quem radica a presunção da titularidade do correspondente direito de
fundo.

Assim, e em suma, a incompatibilidade entre a penhora e um direito de terceiro verifica-


se com apelo ao âmbito e aos efeitos da futura venda executiva, ao passo que a
incompatibilidade entre ela e a posse de terceiro se verifica em face dos efeitos imediatos da
penhora (tradição para o tribunal), só assim se explicando a atribuição da legitimidade para os
embargos de terceiro a qualquer possuidor em nome alheio afetado pela diligência.

Quando os embargos de terceiro são fundados apenas na posse, a legitimidade ativa


baseia-se numa presunção de propriedade (ou de outro direito real de gozo) que, como tal, pode
ser ilidida, vindo o 348º/2 proporcionar, quer ao exequente, quer ao executado, a alegação e a
prova de que o direito de fundo pertence ao executado. Se provada tal alegação, os embargos
serão julgados improcedentes.

A faculdade de deduzir embargos de terceiro é também concedida ao cônjuge do


executado. Permite-o expressamente o 343º, designadamente para a defesa dos seus direitos
relativos aos seus bens próprios e aos bens comuns que indevidamente hajam sido atingidos
pela penhora. Ao cônjuge embargante cabe provar a natureza (própria ou comum) dos bens
penhorados. Se os bens forem próprios do embargante, então a penhora não pode subsistir,
uma vez que, mesmo quando respondam pela dívida segundo o direito substantivo, não podiam
ser apreendidos sem que o seu proprietário fosse executado. Tratando-se de bens comuns, em
dois casos não pode o cônjuge do executado embargar:

- Quando tenha sido citado nos termos do 740º/1 e o executado não tenha bens
próprios;

- Quando a penhora incida sobre bens levados para o casal pelo executado ou por ele
posteriormente adquiridos a título gratuito e/ou sobre os rendimentos desses bens ou sobre os
bens sub-rogados no lugar deles; ou ainda sobre o produto do trabalho e os direitos de autor do
executado, dado que estes bens, ainda que comuns, respondem ao mesmo tempo que os bens
próprios (1696º/2 CC).

56
Mas já será admissível ao cônjuge deduzir os embargos quando, por haver bens próprios
do executado, não esteja verificado o condicionalismo em que atua a responsabilidade
subsidiária dos bens comuns do casal; bem como quando não tenha sido feita a citação do
cônjuge nos termos do 740º/1. Importante notar que esta questão não se coloca quanto aos
casos do 741º e 742º, porque o cônjuge do executado por estes artigos torna-se executado
também ele, deixando de ser terceiro face à execução.

2.4.3.4. A ação de reivindicação

A ação de reivindicação trata-se de uma ação declarativa comum, ao alcance do


proprietário (ou titular de outro direito real menor) cujo direito tenha sido ofendido pela
penhora. É um meio totalmente autónomo relativamente ao processo executivo e que, como
resulta do 839º/1, d), pode levar, a todo o tempo, à anulação da venda que neste for efetuada.
Não deixa, porém, a sua propositura de poder ter efeitos na ação executiva: se for proposta
antes da entrega dos bens móveis ao adquirente e do levantamento do produto da venda pelos
credores (841º), ou se o reivindicante tiver protestado pela reivindicação antes de efetuada a
venda (840º), a entrega (do bem ou do produto da venda) só terá lugar depois de o adquirente
prestar caução, destinada a garantir o direito do reivindicante, caso a ação proceda. Por sua vez,
os credores e restantes titulares de direitos sobre o produto da venda só poderão proceder ao
seu levantamento depois de prestarem também caução, esta em garantia do direito do
comprador à restituição do preço no caso de proceder a reivindicação.

O proprietário pode, alternativamente, usar meio dos embargos de terceiro ou o da


ação de reivindicação. Poderão também os dois meios ser usados cumulativamente, se os
embargos forem e permanecerem fundados na posse (já que a ação de reivindicação se funda
na propriedade ou outro direito real menor). Caso contrário, haverá litispendência.

Se a penhora incidir sobre um bem sujeito a registo, há que ter em conta as limitações
decorrentes, para o terceiro reivindicante, das regras próprias do registo. Assim, registada a
penhora e a venda subsequente em processo executivo, o exequente e o adquirente do direito
penhorado que estejam de boa fé, gozam da proteção do registo, se este for anterior ao registo
da ação de reivindicação e, alternativamente (i) o direito do reivindicante se fundar na nulidade
ou anulação do negócio jurídico pelo qual o executado adquiriu o direito penhorado e a ação de
reivindicação não for registada nos 3 anos posteriores à conclusão do negócio (291º CC); ou (ii)
houver, fora desse condicionalismo, um registo pré-existente ao da ação de reivindicação a favor
do executado, salvo se o direito do reivindicante se fundar em usucapião (5º/2, a), Código de
Registo Predial).

57
Já no caso de o direito do reivindicante se fundar em transmissão efetuada pelo
executado, esta prevalece, ainda que não registada, sobre os direitos decorrentes da penhora e
da venda executiva.

2.4.4. Função e efeitos da penhora

Apreensão judicial de bens que constituem objeto de direitos do executado, a penhora


é o ato fundamental do processo executivo, de que as restantes fases do processo são como
que o desenvolvimento natural. Porém, a penhora não esgota em si mesma a sua finalidade:
delimitado o objeto dos atos executivos subsequentes e assegurando a sua viabilidade, pela
apreensão dos bens sobre os quais tais atos irão incidir, a penhora é dirigida aos atos ulteriores
de transmissão dos direitos do executado para, através deles, direta ou indiretamente, ser
satisfeito o interesse do exequente. Esta é a sua função. Deste conceito e desta função da
penhora decorrem os seus efeitos jurídicos:

(i) A transferência para o tribunal dos poderes de gozo que integram o direito do
executado;
(ii) A ineficácia relativa dos atos dispositivos do direito subsequentes;
(iii) A constituição de preferência a favor do exequente.

Contudo, a natureza civil destes efeitos da penhora não deve levar a que esta seha
confundida com uma figura de direito privado. A penhora, sendo ato de apreensão judicial, é
uma manifestação de ius imperii e o primeiro ato pelo qual se efetiva a garantia da relação
jurídica pecuniária.

Iremos agora detalhar um pouco mais dos efeitos da penhora. Em primeiro lugar, temos
a perda pelo executado dos poderes de gozo sobre o bem penhorado, em razão da
transferência destes para o tribunal. De facto, pela penhora, o direito do executado é esvaziado
dos poderes de gozo que o integram, os quais passam para o tribunal, que, em regra, os exercerá
através de um depositário. Quando a penhora incide sobre o objeto corpóreo de um direito real
(penhora de bem imóvel, penhora de bem móvel, penhora de quota em bem indiviso), a
transferência dos poderes de gozo importa uma transferência da posse desse objeto corpóreo,
ou seja, cessa a posse do executado e inicia-se uma nova posse pelo tribunal: o depositário
passa, em nome deste, a ter a posse do bem penhorado. Estando em causa um direito de
natureza diferente (direito de crédito, direito real de aquisição, direito a quinhão numa
universalidade, direito a quota em sociedade, direito potestativo, direito real sobre coisa
incorpórea), já não se pode falar em transferência da posse, mas continua a verificar-se a
transferência, do executado para o tribunal, dos poderes de gozo que integram tal direito.

58
Por exemplo, no caso de penhora de direito de crédito, o agente de execução ou a
secretaria fica com o poder de receber e provisoriamente reter a prestação principal, assim
como as prestações acessórias do crédito, quando este seja pecuniário (777º/1).
Semelhantemente, no caso de penhora de um direito potestativo, destinado a extinguir-se com
o seu exercício, o poder de produzir a declaração de vontade em que esse exercício se
consubstancia passa a pertencer ao tribunal.

O segundo efeito elencado da penhora foi a ineficácia relativa aos atos dispositivos do
direito penhorado subsequentes à penhora. O executado, com a penhora, perde, como já
vimos, os poderes de gozo que integram o seu direito, mas não o poder de dele dispor. Mantém,
assim, a titularidade de um direito esvaziado de todo o restante conteúdo. E, sendo assim,
continua a poder praticar, depois da penhora, atos de disposição ou oneração. Estes atos,
contudo, comprometeriam a função da penhora se tivessem eficácia plena. Por isso, são
inoponíveis à execução, ineficazes. Tais atos readquirirão, portanto, a sua eficácia plena no caso
de a penhora vir a ser levantada. Mas se, pelo contrário, da execução resultar a transmissão do
direito do executado, o direito do terceiro que tiver contratado com o executado caduca,
embora transferindo-se, por sub-rogação objetiva, para o produto da venda (824º, CC).

Fazendo-se a penhora por registo ou devendo este ter lugar depois dela efetuada, as
regras próprias do registo imporiam que se considerasse as datas do registo da penhora e do
ato dispositivo para determinar a anterioridade ou posterioridade do ato de penhora em face
de um ato de alienação ou oneração. Há que ter em atenção, no entanto, alguns preceitos: com
a reforma do 5º/4, Código do Registo Predial, temos de excluir da proteção da prioridade
registral sobre a penhora, os adquirentes por causa diversa de um ato dispositivo do titular da
anterior inscrição registral (esses adquirentes não são terceiros para efeitos deste artigo. Além
disso, com a reforma da ação executiva, passou a estabelecer-se a inoponibilidade à execução
do contrato de arrendamento, pelo que um tal contrato celebrado pelo executado após a
penhora é inoponível perante o adquirente do bem arrendado. Esta regra da ineficácia relativa
também não abrange os atos (subsequentes à penhora) constitutivos de direito real de garantia
sobre os bens penhorados em que o titular destes não intervenha (ex., penhora, arresto,
hipoteca legal ou judicial, usucapião, entre outros), na medida em que estes produzem-se
independentemente da prática de um ato voluntário do executado.

Já quanto ao terceiro efeito da penhora, esta envolve a constituição de um direito real


de garantia a favor do exequente, com o atributo da preferência: o exequente fica com o
direito de ser pago com preferência face a qualquer outro credor que não tenha uma garantia

59
real anterior (822º/1, CC). A anterioridade da penhora enquanto direito real de garantia reporta-
se à data do arresto, quando o exequente tenha feito arrestar previamente os bens penhorados
(822º/2, CC) e, tratando-se de bens sujeitos a registo, à data da efetivação deste. Se sobrevier a
insolvência do executado, a preferência resultante da penhora cessa (140º/3, CIRE).

2.5. Convocações e concurso

Nota: ver powerpoint “Convocações e concurso”.

2.6. A venda executiva

Nota: começar com o powerpoint “Venda executiva”.

Depois da introdução e de nela se terem visto as várias modalidades de venda executiva,


cumpre detalhar cada uma delas.

Começamos pela venda mediante propostas em carta fechada. Esta modalidade de


venda executiva aplica-se nos termos do 816º, quando a penhora recaia sobre bens imóveis que
não hajam de ser vendidas de outra forma ou sobre estabelecimentos comerciais de valor
superior a 500 UC, nos termos do 829º. Esta é uma modalidade de venda em que é marcado um
dado dia a uma dada hora, em que os vários interessados vão a tribunal e entregam uma carta
fechada com o valor que querem oferecer pelo bem penhorado. No mesmo momento, o juiz
abre todas as cartas, consultando todas as propostas, e o autor da oferta de valor mais alto é
quem vê o bem adjudicado a si. Esta modalidade de venda exige a presença do juiz e, por isso,
está limitada às situações de bens com um valor mais elevado/de grande importância. Segue-se
este procedimento para evitar conluios e trocas de informação no processo da venda executiva.

Depois temos a venda em mercados regulamentados, que podem ser mercados de


capitais (participações sociais) ou de mercadorias. É o 830º que dita quando se utiliza esta
modalidade de venda: para vender os instrumentos financeiras ou mercadorias que tenham
cotação nesses mercados regulamentados. Ex.: sendo penhoradas as participações sociais de
um banco, estas seriam vendidas através do mercado de capitais por meio desta modalidade de
venda executiva.

Segue-se a venda direta, aplicável nos termos do 831º, para quando exista a uma pessoa
ou entidade que tenham um direito real de aquisição sobre o bem penhorado. Nota: ler artigo.
Esta venda é feita diretamente a quem possua um direito real de aquisição sobre um dado bem
penhorado e que é sujeito a venda executiva. Como os direitos reais de aquisição caducam pela
venda executiva (824º, CC) e são oponíveis erga omnes, tem de se dar uma oportunidade ao seu

60
titular para poder exercer tais direitos, através desta modalidade de venda. Qual o valor pelo
qual se fará a venda? Aquele que estiver contratualizado no acordo pelo qual nasceu o direito
real de aquisição ou o valor que, de alguma forma, está estabelecido por lei.

Temos, ainda, a venda em leilão eletrónico (837º). Exceto nos casos do 830º e do 831º,
a venda de bens imóveis e móveis penhorados é feita preferencialmente por esta via.

Analisaremos agora, em conjunto, duas modalidades de venda: a venda por negociação


particular e a venda em estabelecimento de leilão, que se aplicam se todas as outras
modalidades de venda executiva não tiverem sucesso ou não puderem ter lugar. Nota: ver, a
este respeito, dos casos em que as outras modalidades de venda se frustrem, os artigos do
832º/1, d) a f) e 834º/1, b). Aplicam-se, ainda, estas modalidades quando o agente de execução
as escolha e o exequente, o executado e os demais credores o aceitem (812º/1, 832º/1, a) e b)
e 834º/1, a). Utiliza-se ainda a venda em negociação particular quando bem a vender tenha uma
valor inferior a 4 UC (832º/1, g)) e nos casos de venda antecipada dos bens (814º e 832º/1, c)).

A venda por estabelecimento em leilão tem um nome autoexplicativo, vende-se o bem


através de um leilão presencial em estabelecimento específico para o efeito, segundo os ditames
do 834º/2, 3 e 4 e do 833º/5 e 6.

Já na venda por negociação particular, é o próprio agente de execução que procura um


comprador para o bem penhorado e negoceia com ele a compra e venda. Como já vimos, usa-
se a venda por negociação particular ou residualmente, ou em casos de bens muito valiosos que
se encontram num quadro de desvalorização, pretendendo-se aumentar ao máximo o preço a
ser pago por eles. Permite, assim, esta modalidade de venda aumentar o preço da venda
executiva, mas sendo feita sempre, pode gerar abusos: a publicidade da intenção de negociar
do agente de execução pode aumentar a procura pelo bem penhorado, e esse aumento da
procura terá como consequência a diminuição do preço de venda, o que desvirtuaria o propósito
desta modalidade de venda executiva.

Falemos, ainda, a venda em depósito público (836º), aplicada a bens que tenham sido
para aí removidos e não devam ser vendidos de outra forma. Como já falámos, o modo de
realização da penhora de bens móveis não sujeitos a registo é efetivada através da sua remoção
para depósito (764º), sendo este o campo de aplicação, por excelência, desta modalidade de
venda executiva. Um depósito pode ser público, privado ou equiparado. O que é um depósito
público? Isto é explicado em portaria: é, no fundo, um depósito do Ministério da Justiça ou
diretamente do Estado (sem pertencer a nenhuma estrutura ministerial) que recebe bens. Já um
depósito equiparado será um depósito utilizado por solicitadores/agentes de execução que, não

61
sendo do Estado, acabam por cumprir as mesmas funções dos depósitos públicos. Esta
modalidade de venda executiva pode ser efetuada em depósitos públicos ou equiparados. Como
se processa? No armazém de depósito, leva-se a cabo um leilão presencial e vendem-se os bens
penhorados.

Por fim, devemos sinalizar uma modalidade de venda executiva apontada por LEBRE DE
FREITAS: a adjudicação dos bens penhorados ao exequente ou ao credor reclamante (799º -
802º). Esta modalidade tem a particularizá-la (i) o facto de ter lugar a partir da proposta de
compra do bem penhorado, formulada pelo exequente ou por um credor reclamante (799º/1 e
2), em requerimento que indique o preço oferecido (799º/3); (ii) e o facto de constituir
preferência pelo preço oferecido, a favor do requerente, a quem o bem será atribuído se não
surgirem propostas de compra superior50. Com as necessárias adaptações, aplica-se
subsidiariamente a esta modalidade as disposições relativas à venda executiva (maxime as
relativas à venda por propostas em carta fechada) – veja-se o 802º ou o 800º/3.

Em suma, temos de destacar que é algo de comum a todas as modalidades de venda o


propósito de vender o bem ao maior preço possível (algo que corre no interesse do exequente
e do executado; bem como o objetivo de dar publicidade de que o bem está à venda para
garantir o conhecimento o mais amplo possível pelo público, assim permitindo que surjam mais
propostas de compra, aumentando a probabilidade de se conseguir proceder à venda por um
preço justo. A lei, em todos os regimes da venda executiva, procura minorar os riscos de
eventuais abusos ou fraudes, conluios entre quem vai vender e potenciais compradores, que se
aproveitem da sujeição do executado à venda. De facto, existe na venda executiva, pela ausência
de voluntariedade do executado, um risco enorme de a venda se fazer a baixo preço,
prejudicando a capacidade de solvência do executado, os vendedores aproveitando-se desta
posição diminuída do executado, sem margem negocial e à mercê da idoneidade do agente de
execução.

Demos, ainda, algumas notinhas de regime quanto à venda executiva.

Em primeiro lugar, a compra pode ser efetuada por terceiro, pelo exequente ou por um
credor reclamante. O exequente ou o credor com garantia sobre o bem comprado estão
dispensados de depositar a parte do preço que não seja necessária para pagar os credores

50
Se surgirem tais propostas superiores, não há adjudicação e a venda segue os termos do 820º e 821º
(801º/2). Para que possam ser apresentadas propostas que obstem à adjudicação, tem esta modalidade
de seguir os termos do 800º e 801º, onde se abre a possibilidade de apresentação de outras propostas de
compra e venda para lá da da adjudicação. De notar ainda o caso de, requerida a adjudicação, já existirem
propostas feitas (799º/4 e 801º/3).

62
graduados antes dele (o Estado, pelas custas, incluído) e que não exceda a importância que tem
direito a receber (815º/1 e 2).

Em segundo lugar, notar que a lei processual concede ao cônjuge e aos parentes em
linha reta do executado (842º) um especial direito de preferência - o direito de remição (842º).
Tendo por finalidade a proteção do património familiar, esta figura evita, quando exercida, a
saída dos bens penhorados do âmbito da família do executado, sendo adquiridos pelas pessoas
indicadas no 842º. O direito de remição é um direito de preferência qualificado, na medida em
que, em caso de concorrência, prevalece sobre o direito de preferência em sentido estrito
(844º/1). Nota: ver 844º/2. Mas, circunscrito ao processo executivo, o exercício do direito de
remição só pode ter lugar num prazo apertado, que varia consoante a modalidade da venda e a
formalização (ou não) desta por escrito, nos termos do 843º/1.

Em terceiro lugar, cumpre falar do direito de preferência. O direito de preferência


convencional sem eficácia real não é reconhecido em processo executivo (422º, CC). Mas são
nele reconhecidos o direito de preferência legal e o direito de preferência convencional que
tenha eficácia real, o primeiro prevalecendo sobre o segundo (422º, CC). Os titulares do direito
de preferência são notificados para o exercer (800º/2 e 819º/1), devendo fazê-lo no próprio ato
e estando sujeitos às mesmas regras do proponente quanto ao pagamento do preço (823º/3 e
824º/2, na venda por propostas em cartas fechadas). Quando não seja feita a notificação ao
preferente para exercer o seu direito, segue-se o regime geral da lei civil e este pode propor
uma ação de preferência no prazo que a lei lhe concede (819º/4).

Iremos falar, agora, da caducidade dos direitos reais no contexto da venda executiva.

Quanto aos direitos reais de garantia, todos eles caducam com a venda executiva: os
bens são sempre transmitidos livres de todos eles, sejam de constituição anterior ou posterior
à penhora, tenha havido ou não reclamação na execução dos créditos que garantem. Mas, no
campo dos direitos reais de gozo, há que distinguir entre:

(i) Os que sejam de constituição (ou registo, se se tratar de coisas imóveis ou de móveis
a ele sujeitos) anterior à constituição (ou registo) de todos os direitos reais de garantia invocados
ou constituídos no processo de execução. Para que se verifique este caso é preciso, pois, que os
direitos reais de garantia de todos os credores (incluindo do exequente) sejam de data posterior
à do direito real de gozo (ex. usufruto) de um terceiro. Quando a lei refere "qualquer arresto,
penhora ou garantia" (824º CC) abrange tanto o direito real constituído, fora do processo de
execução, por um credor reclamante (e que serve de fundamento à sua reclamação), como o
direito real do exequente (ex. execução de um crédito hipotecário), quer este seja anterior à

63
execução, quer seja constituído na própria execução (este último caso o do exequente que é
um credor comum e só com a penhora adquire um direito real de garantia).

Neste caso, o direito real de gozo do terceiro subsiste. Normalmente a penhora não
terá abrangido esse direito e, se tal aconteceu, o terceiro ter-se-lhe-á provavelmente oposto por
embargos. Mas, mesmo que o bem tenha sido penhorado como se o executado sobre ele tivesse
propriedade plena, o terceiro (p.ex., titular de um usufruto) não tenha embargado e a venda
tenha tido por objeto a propriedade plena, o direito do terceiro subsiste, podendo ele propor
uma ação comum em que o seu direito será reconhecido contra o adquirente na venda
executiva.

(ii) Os que sejam de constituição (registo) posterior à constituição (ou registo) de


qualquer dos direitos reais de garantia. Há que distinguir 3 momentos possíveis neste caso de
constituição/registo do direito real de gozo:

a) constituição posterior à constituição/registo da penhora;

b) constituição anterior à constituição/registo da penhora, mas posterior à


constituição/registo de um direito real de garantia precedente (hipoteca voluntária ou judicial,
arresto, etc.) do exequente;

c) constituição anterior à constituição/registo de qualquer direito real do exequente,


mas depois da constituição/registo do direito real de garantia invocado por um dos credores
reclamantes.

Em qualquer destas hipóteses, a lei determina que os bens se transmitam livres do


direito real de gozo de terceiro, o que é o mesmo que dizer que se transmite a propriedade
plena com a venda executiva e não somente o direito real menor de gozo do executado51. No
caso a) e b), tal não oferece problemas: o direito do exequente não pode ser limitado por um
direito posterior, que na primeira hipótese até lhe é inoponível e na segunda dá certamente
lugar a uma execução movida, nos termos do 54º/4, contra o devedor e o terceiro titular do
direito real de gozo. Mas o caso c) complica as coisas: aqui, a penhora não abrangeu,
certamente, o direito real de gozo do terceiro (já que este é anterior a ela), mas a lei vem dizer
que, pela venda, o bem se transmite livre desse direito real.

Duas soluções diferentes se apresentam: estamos perante um caso em que o objeto da


venda pode ir para além do objeto da penhora (ou seja, em que o direito real de gozo caduca)?

51
Transmite-se a propriedade plena e não só a propriedade de raiz que é um direito de propriedade
limitado pelo usufruto.

64
Ou deve o 824º/2, CC ser interpretado restritivamente, quando se refere a qualquer arresto,
penhora ou garantia, passando-se a exigir que essa garantia constituída anteriormente fosse a
favor do exequente para levar à caducidade do direito real de gozo de terceiro? LEBRE DE
FREITAS e JOÃO DE CASTRO MENDES defendem a segunda opção.

A apologia de uma interpretação literal do 824º/2 CC tem subjacente a si a consideração


da grande probabilidade de gerar um prejuízo para o credor com uma garantia constituída antes
da limitação da propriedade plena52. Tal prejuízo adviria de, na interpretação restritiva, tal
credor obter na execução o pagamento apenas de parte do seu crédito, em consequência da
restrição apresentada pelo direito do executado à data da execução (p.ex., a venda executiva
restrita à nua propriedade). Assim, este credor ver-se-ia obrigado a propor uma nova execução
contra o terceiro (p.ex., o usufrutuário) para obter o pagamento do resto do seu crédito. O único
meio, assim, de aproximar o objeto da penhora do da venda estará na disponibilidade do
credor com direito real de garantia anterior e consistirá em este, uma vez citado, requerer a
extensão da penhora ao objeto da sua garantia e, simultaneamente, a citação do terceiro (o
usufrutuário, por exemplo), com base no 54º/2, para tomar a posição de executado no
processo. Se não o fizer, aceita o credor que o seu crédito seja pago na execução só pelo produto
do direito penhorado, subsistindo o direito de gozo do terceiro e conservando o credor a sua
garantia, pelo remanescente, quanto a esse direito.

LEBRE DE FREITAS defende esta última opção, ancorado na tal interpretação restritiva
do 824º/2, CC, pois, no seu entender, o objeto da venda não pode ir para lá do objeto da
penhora. Assim, quanto aos direitos reais de garantia que contam para o efeito de verificar a
anterioridade do direito real de gozo apenas interessam, para este efeito restrito, os direitos
reais que garantem créditos reclamados mas, portanto, também com o âmbito com que foram
reclamados (no contexto de um processo em que foi penhorado um direito real de gozo limitado
do executado, limitação essa provinda de um direito real de gozo de terceiro sobre o mesmo
bem penhorado). Se o credor não requerer a extensão da penhora ao objeto da sua garantia
(chamando como executado ao processo o terceiro titular do direito real de gozo), então está
implicitamente a renunciar à invocação da desse objeto na execução.

Por último, abordaremos a transferência para o produto da venda dos direitos sobre o
bem vendido que não se transmitem com a venda. De facto, a lei considera caducos os direitos
que não acompanham a transmissão pela venda executiva, mas acrescenta que eles se
transferem para o produto da venda, ou seja, não estamos perante uma verdadeira

52
Pela constituição do direito real de gozo.

65
caducidade, mas perante uma sub-rogação objetiva. A norma constante do 824º/3 não sofre
qualquer limitação literal. É, no entanto, corrente excluir do seu âmbito de aplicação (i) os
direitos reais, de garantia ou de gozo, constituídos pelo executado posteriormente à penhora
(ou ao seu registo), bem como (ii) os direitos reais anteriores constituídos para garantia de
créditos não reclamados na execução53. Argumenta-se neste sentido, com a ineficácia do ato de
constituição dos primeiros relativamente à execução (819º, CC) e, quanto aos segundos, com o
facto de não poderem ser tomados em consideração no processo executivo créditos que aí não
tenham sido oportunamente reclamados. LEBRE DE FREITAS, no entanto, diz que não fazendo a
lei qualquer distinção literal, não há razão para fazer interpretações restritivas do 824º/3, CC,
desde que fique claro o conceito de transmissão para o produto da venda.

Vendido o direito penhorado, o produto da venda é, no processo executivo, distribuído


pelo exequente e demais credores reclamantes, de acordo com a ordem estabelecida na
sentença de graduação dos créditos. Caducando um direito real de gozo posterior a algum dos
direitos reais de garantia (do exequente ou de um credor reclamante) que se tenha feito valer
no processo, mas anterior à penhora nele efetuada, tem o respetivo titular também o direito a
receber a sua parte do produto da venda do bem, com respeito pela ordem decorrente das datas
de constituição (registo) dos vários direitos em causa. Só estes direitos são atendidos no
processo de execução. Se algo restar ainda do preço de venda, deve ser restituído ao executado.

Mas a norma da ineficácia relativa do ato dispositivo, precisamente porque circunscreve


a inoponibilidade do ato à esfera da execução, não impede que, uma vez atingido o fim desta,
os titulares de direitos reais constituídos pelo executado posteriormente à penhora reclamem
direitos sobre o eventual remanescente do produto da venda. O mesmo se dirá dos titulares de
direitos reais de garantia que não tenham reclamado pagamento na execução. Não há razão
alguma para que a sub-rogação do objeto do direito não tenha lugar.

Claro que, recorrendo a juízo, o titular do direito real (de gozo ou de garantia) terá de
fazê-lo em processo distinto e autónomo da execução. Por outro lado, só pode fazer valer o seu
direito, no plano real, enquanto o remanescente da venda não for recebido pelo executado ou,
uma vez recebido, enquanto for possível provar a origem da quantia em dinheiro à qual se
arroga o direito. LEBRE DE FREITAS julga ser esta a interpretação mais conforme com os
princípios gerais do direito e com os interesses dos titulares de direitos reais preteridos na
execução54.

53
Defendem isso CASTRO MENDES e ANSELMO DE CASTRO.
54
Embora, na prática, é muito raro, que ainda sobre algum do produto da venda para o executado.

66
2.7. Pagamento

Com o pagamento ao exequente e aos demais credores com direitos reais de garantia
sobre os bens penhorados, dá-se a extinção da execução. O pagamento é um ato meramente
administrativo, onde se fazem as contas finais do processo de execução, distribuindo os
diferentes valores pelas diferentes pessoais com direito à sua distribuição, e finalizando-se o
processo executivo com o pagamento do crédito do exequente. Este corresponde ao caso
normal (não patológico) de extinção da execução.

Quais os meios de atingir o pagamento? Nem sempre a venda (adjudicação de bens


incluída) é necessária para se atingir este fim último da execução que é o pagamento. Ao
pagamento se pode chegar também, mais diretamente, pela entrega de dinheiro que tenha sido
apreendido ou resulte do pagamento de créditos pecuniários que hajam sido objeto de penhora
(798º). Pode, por outro lado, ter lugar a consignação de rendimentos, caso em que o fim da
execução também se consegue dispensando a venda dos bens.

A consignação de rendimentos é condicionada pela natureza do objeto da penhora, pois


só pode ter lugar quando esteja em causa ou (i) um bem imóvel ou um bem móvel sujeito a
registo (803º/1), seja qual for o direito que sobre ele tenha o executado (propriedade plena,
usufruto, etc) ou (ii) um título de crédito nominativo (805º/3 e 774º).

Só o exequente tem legitimidade para requerer, ao agente de execução, a consignação


de rendimentos e pode fazê-lo entre o momento da realização da penhora e o da venda ou
adjudicação dos bens penhorados (803º/1). É necessário o acordo ou o silêncio do executado
(803º/2). A consignação de rendimentos tem a particularidade de dispensar a convocação dos
credores, se for requerida antes de a ela se proceder (803º/3). É efetuada, tal como a penhora,
por comunicação à conservatória (803º/4), que regista a consignação por averbamento ao
registo da penhora (803º/5).

A consignação de rendimentos consiste, na afetação, com eficácia real, dos


rendimentos dos bens penhorados ao pagamento do crédito do exequente (656º/1, CC), na
totalidade deste ou no remanescente que esteja por pagar (após, por exemplo, um pagamento
parcial subsequente à venda de outro bem que tenha sido penhorado). Uma vez feita a
consignação e pagas as custas da execução, esta é julgada extinta55, levantando-se as penhoras
que incidam sobre outros bens (805º/1) e mantendo-se a penhora sobre o bem cujos

55
Sempre ressalvada a possibilidade do 850º/2 (credores reclamantes requererem o prosseguimento da
execução.

67
rendimentos foram consignados, no seu efeito de assegurar a preferência a favor do exequente
(ser pago com preferência sobre os demais credores, se os bens cujos rendimentos tenham sido
consignados forem vendidos ou adjudicados) - 805º/2. Esta preferência virá, designadamente,
a interessar ao exequente no caso de venda judicial do bem penhorado, em outra execução:
se esta for movida por credor que não tenha direito real de garantia constituído em data
anterior à penhora, o consignatário será pago antes dele; do mesmo modo, será pago antes
dos credores reclamantes que tenham garantia real posterior.

Falemos agora da ordem dos pagamentos. O pagamento coercivo tem lugar segundo a
ordem determinada na sentença de graduação de créditos, sendo, porém, sempre pagas em
primeiro lugar as custas da execução (541º) e sendo atendidos igualmente, na respetiva ordem,
os direitos reais de gozo que tenham caducado com a venda executiva e sejam oponíveis à
execução. Ao executado é entregue o eventual remanescente. Como já vimos, feita toda esta
distribuição inerente ao pagamento, a execução extingue-se.

Numa notinha de especialidade e para acabar este lodo de resumo, cumpre abordar o
pagamento em prestações da dívida exequenda, figura trazida pelo NCPC. Para que esta
modalidade de pagamento, é necessário que o exequente e o executado manifestem o seu
acordo com um plano de pagamento, que comunicam ao agente de execução (806º/1), antes
da transmissão do bem penhorado ou, no caso de venda por propostas em carta fechada, até à
aceitação da proposta vencedora (806º/2). Posteriormente, a instância executiva extingue-se
(806º/2), embora se possa renovar quando o acordo não seja cumprido e o exequente pretenda
obter a satisfação do remanescente (808º/1), bastando para tanto a falta de pagamento de uma
prestação (segue-se a regra geral do 781º, CC).

Como, a partir da reclamação de créditos, há que atender também ao interesse dos


credores reclamantes, também o credor cujo crédito esteja vencido pode requerer a renovação
da instância para satisfação do seu crédito (809º/1). Pode também o acordo quanto ao
pagamento a prestações ser global, abrangendo o exequente, o executado e os credores
reclamantes (810º). Nota: ver os regimes do 809º e 810º, bem como o 807º.

Nota final: estes meninos são dedicados às pessoas sem as quais não teria feito este
caminho – os Punhas de CPRI, com destaque para Beltrão Loiro, e Zé Pedro Degradado da PLMJ.

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