Gastro PA15 Gastroenterite Dec2010 FINAL
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Objectivos de Aprendizagem
Até ao fim da aula os alunos devem ser capazes de:
1. Definir os diferentes tipos de diarreia pelo seu mecanismo de produção (osmótica, secretora,
exsudativa e motora), descrevendo as suas características clínicas básicas e, relacionando-os
com agentes etiológicos concretos.
2. Definir os diferentes tipos de diarreia pela sua apresentação clínica (aguda ou crónica, com
sangue, e com pus), descrevendo as suas características clínicas básicas e, relacionando-os
com agentes etiológicos concretos.
3. Listar por grupos (infecciosas, tóxicas, medicamentosa e outras) as causas principais de
diarreia aguda.
4. Descrever as possíveis características da diarreia (apresentação, características das fezes,
relação com alimentos e medicamentos, dor acompanhante, perda de peso, febre, distensão),
relacionando-as com agentes etiológicos específicos.
5. Enumerar os sinais físicos esperáveis numa diarreia aguda, indicando aqueles que se
relacionam com agentes etiológicos específicos
6. Listar os exames a serem realizados em um doente com diarreia aguda.
7. Enumerar os resultados laboratoriais esperados numa diarreia aguda, indicando aqueles que se
relacionam com agentes etiológicos específicos.
8. Descrever a estratégia de diagnóstico diferencial etiológico da diarreia aguda, com base em
sintomas, sinais e laboratório.
9. Indicar as etiologias mais comuns relacionadas com condições predefinidas (crianças,
HIV/SIDA).
10. Classificar a gravidade da diarreia aguda com base em critérios clínicos e laboratoriais.
11. Descrever a estratégia terapêutica da diarreia aguda, incluindo a evolução esperada,
enumerando as indicações de transferência.
12. Explicar o tratamento (oral e parenteral) da desidratação, incluindo a sua monitoria clínica e
laboratorial.
13. Enumerar as indicações para realizar o tratamento antibiótico específico e as dosagens destes.
14. Listar as condições de notificação obrigatória, definindo as medidas higiénicas e de isolamento
que deverão ser tomadas em cada caso.
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Estrutura da Aula
Bloco Título do Bloco Método de Ensino Duração
1 Introdução à Aula
3 Diagnóstico
5 Pontos-chave
Trabalhos para casa (TPC), exercícios e textos para leitura – incluir data a ser entregue:
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Versão 1.0 2
BLOCO 1: INTRODUÇÃO À AULA
1.1. Apresentação do tópico, conteúdos e objectivos de aprendizagem.
1.2. Apresentação da estrutura da aula.
1.3. Apresentação da bibliografia que o aluno deverá manejar para ampliar os conhecimentos.
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Tabela 1. Resumo das etiologias de GEAs.
Extra-intestinais ou
Intestinais ou Primárias
Secundárias
Não
Não infecciosa Infecciosas Infecciosa
infecciosa
Medicamentos: - Infecções Vírus Bactérias Protozoários Outros - Pós cirurgia
- Antibióticos das vias
aéreas -Astrovirus -Shigella -Trichuris -E. Histolytica - Doenças
- Laxantes -Calicivirus -Salmonella trichiura -G. lamblia auto-imunes
superiores.
- Alergias -Adenovirus -E. Coli -Strongyloides -Balantidium coli
transitórias - Infecções
das vias -Coxsacke -Yersinia stercoralis -Cryptosporidium
aéreas -Rotavirus -Cólera -Schistosoma parvum*
inferiores. mansoni - Isospora beli*
Infecções do -Trichinella - Fungos
tracto spiralis
- Mycobacterium
urinário
tuberculosis*
- Malária
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Versão 1.0 4
cholera, E. coli enteropatogénica), da secreção de hormônios (Vipoma, carcinóide) ou da
lesão das vilosidades intestinais (rotavírus).
Exemplo clássico deste tipo de mecanismo fisiopatológico é aquele causado pelo vibrião
colérico. Este assunto será profundamente abordado na aula sobre cólera.
O paciente refere uma diarreia aquosa, volumosa, e de evolução rápida. Facilmente
desenvolve sinais de desidratação (sede, pele com prega cutânea, mucosas secas, pulso
fino). Em geral, esta diarreia não evolui nem com sangue nem com muco.
2.2.4. Motora:
Resulta de alterações da motilidade intestinal, a qual está sob influência do sistema nervoso
autónomo e central.
Doenças que promovem uma hipermotilidade intestinal, como o hipertireoidismo e alguns
casos de diabetes, são exemplos de patologias que causam diarreia motora.
BLOCO 3: DIAGNÓSTICO
3.1. História Clínica do Paciente com GEA
A grande maioria das diarreias agudas é de origem infecciosa e tem um curso autolimitado e, por
isso, raramente necessitam de exploração física com meios auxiliares diagnósticos. Quando se faz
a anamnese de um doente com síndrome diarreico, deve-se aprofundar o seguinte:
3.1.1. Forma de apresentação e curso da diarreia
Este dado é de grande ajuda para orientar na localização e prognóstico da diarreia. As
diarreias que têm origem no cólon esquerdo são de baixo volume, estão associadas ao
tenesmo rectal, e dor hipogástrica na fossa ilíaca e na região sacral.
Deve-se descrever a evolução da diarreia, se teve um início agudo com evolução insidiosa,
ou se teve uma evolução rápida, com intervalos calmos.
3.1.2. Características das fezes
Consistência: está relacionada com a quantidade de água e fibras que tem nas fezes.
Quanto mais aquosas as fezes forem, maior o risco de desidratação e maior a necessidade
de reposição hídrica.
Sangue: a presença de sangue misturado nas fezes indica lesão da mucosa intestinal, que
pode ser por invasão pelos microrganismos na mucosa (E.coli enteroinvasiva, Salmonella,
shigella e outras), ou por infiltração tumoral.
Muco: pode ser causada por um processo inflamatório abundante, formação de abcessos ou
fístulas rectais.
Cor: a cor das fezes vária segundo o conteúdo predominante nelas, e também depende das
transformações químicas e mecânicas que elas sofreram. Por exemplo, na mal-absorção as
fezes são pálidas ou acinzentadas, na cólera, temos água com cor de “água de arroz”, nas
diarreias por protozoários podem ser esverdeadas, e se estivermos perante um doente que
também faz tratamento com sal ferroso, podemos ter fezes pretas.
3.1.3. Relação com os alimentos
Deve-se interrogar sobre a possibilidade da diarreia ter iniciado após uma certa refeição. O
surgimento da diarreia aguda em vários indivíduos que estiveram no mesmo sítio e comeram
a mesma comida sugere uma intoxicação alimentar. A diarreia por mecanismo osmótico é
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influenciada pela ingestão de determinados alimentos e geralmente cessa após a suspensão
do mesmo.
3.1.4. Origem iatrogénica
A toma de medicamentos por muito tempo pode levar ao desequilíbrio flora bacteriana
intestinal e permitir o crescimento de microrganismos como clostridium difficille, que
provocam diarreia. Outros medicamentos como o cotrimoxazol e a amoxicilina podem por si
só causar diarreia. Alguns pacientes desenvolvem diarreia depois de uma intervenção
cirúrgica por recessão do intestino reduzindo assim a área de absorção (mal-absorção).
3.1.5. Sinais e sintomas acompanhantes:
Dor abdominal: a dor abdominal é um sintoma frequente nos pacientes com síndrome
diarreico. Usualmente é uma dor colicosa, difusa e de má localização. Esta dor pode
aparecer antes do início da diarreia e persistir durante a evolução toda. A dor abdominal
cessa (ou atenua), com o fim da síndrome diarreica. A dor abdominal forte está associada a
diarreias exsudativas e motoras, e as moderadas estão associadas a diarreias secretoras e
osmóticas.
Vómitos: os vómitos estão associados as diarreias altas (jejuno e ílio) embora possam estar
presentes em qualquer localização. Quando os vómitos iniciam antes ou em simultâneo com
as diarreias, deve-se suspeitar de intoxicações.
Distensão abdominal: A distensão abdominal que cursa com aumento dos borborigmos e
flatulência são secundários a fermentação colónica de hidratos de carbono mal absorvidos, e
é sugestiva de mal absorção ou diarreia secretora.
Febre: A febre pode estar presente desde o começo da diarreia ou apresentar-se de forma
tardia. Observa-se nas diarreias infecciosas por bactérias e está geralmente associada à
prostração.
Perda de peso: Não é muito comum na diarreia aguda porém, dependendo da presença de
vómitos e se for uma diarreia profusa, verifica-se uma perda de peso devida a perda dos
líquidos.
3.2. Exame Físico do Paciente com GEA
Na avaliação física do paciente com GEA, o TMG deve fazer um exame físico geral, prestando
particular atenção ao estado de hidratação (veja a tabela de avaliação da hidratação abaixo). De
igual forma, o clínico deve procurar sinais que possam orientar ao diagnóstico etiológico.
O exame físico do abdómen normalmente não revela nenhuma alteração, somente pode se
apresentar com aumento dos ruídos hidroaéreos à auscultação ou com um certo grau de distensão
abdominal.
3.3. Meios Diagnósticos
Os principais exames usados para o diagnóstico etiológico das GEAs são:
Exame parasitológico de fezes: permite a identificação de cistos ou larvas de parasitas.
Cultura de fezes: permite a identificação do agente etiológico específico.
Pesquisa de sangue oculto: as perdas ocultas de sangue nas fezes estão muitas vezes
associadas a processos crónicos gastrointestinais, muitas vezes causados por parasitas.
Hemograma: nas diarreias bacterianas pode ilustrar leucocitose, com neutrofilia. Nas
diarreias virais pode apresentar linfocitose. É normal na maioria dos doentes.
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3.4. Complicações nos Doentes com GEA
Desidratação: resultante da perda de líquidos nas fezes e vómitos.
Hipoglicémia: resultante da dificuldade em se alimentar (ora por causa das náuseas, ora por
causa dos vómitos), e da redução da absorção.
Acidose metabólica: perda de electrólitos nos vómitos e fezes.
Ílio paralítico: desbalanço electrolítico (altos níveis de cálcio e baixos de potássio) e a
infecção no próprio intestino levam ao ílio paralítico na GEA.
IRA (insuficiência renal aguda): consequente de uma desidratação severa.
SHU (síndrome hemolítico urémico): síndrome composta por IRA, anemia hemolítica e
trombocitopenia. Também pode ter sinais neurológicos variáveis. Muito comum em crianças
depois de uma GEA por E.coli, Shigella ou Salmonella.
Broncopneumonias: por bronco aspiração, associada aos vómitos.
Septicemia: por disseminação sistémica bacteriana.
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Tabela 2. Critérios de avaliação da desidratação.
O plano terapêutico muda dependendo do tipo de desidratação, dai a importância de se ter muita
atenção neste passo.
4.3. PASSO 3: Abordagem Terapêutica Inicial do Paciente com GEA
O tratamento empírico é feito quando não há tempo para se procurar as causas exactas da diarreia
porque o doente está muito deteriorado, ou porque com bases clínicas e epidemiológicas, pode-se
fazer um tratamento empírico. Consiste nas seguintes etapas:
1ª Etapa: Hidratação inicial e reavaliação periódica.
2ª Etapa: Manutenção - substituição das perdas de líquidos que vão continuando até que a
diarreia pare.
3ª Etapa: Alimentação do doente.
O uso de antibióticos depende muito se o doente tem ou não sintomas sistémicos, se não tiver,
estes estão fortemente desencorajados.
1ª Etapa: Hidratação Inicial e Reavaliação Periódica
O regime de hidratação é baseado na classificação da desidratação (tabela 2).
Grupo A
Tratamento em ambulatório com sais de reidratação oral (SRO) e líquidos disponíveis:
água de coco, sucos de frutas, água de arroz ou soro caseiro, evitar refrigerantes.
Manter a alimentação habitual.
Transferir ou internar casos graves ou os com sintomas que pioram.
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Grupo B
Pelo menos dois sinais ou mais de desidratação (sede+, mucosas secas+, olhos
encovados, etc.).
Pesar o paciente e mantê-lo por 3h no hospital, em uso de SRO, 1.000 ml/h adultos.
Se tiver boa tolerância aos líquidos, alta após estabilização com SRO e alimentação.
Se tiver má tolerância: manter SRO, iniciar solução salina 0.9% via endovenosa,
reavaliar após 2h.
o Boa tolerância: alta, SRO e alimentação.
o Agravamento clínico internar para tratamento dos pacientes graves.
Grupo C
Líquidos endovenosos imediatamente: Ringer lactato, ou se não estiver disponível soro
fisiológico.
Adultos: dar 100ml/Kg EV em 3 horas:
o Primeiros 30min- 30ml/Kg tão rápido quanto possível.
o As 2 horas e meia seguintes: 70ml/kg.
2-9anos 200ml
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4.4.2. Diarreia Viral:
Diagnóstico: comum nas crianças com menos de 5 anos, geralmente manifesta-se com
vómitos logo no início e evolui com diarreia aquosa sem muco e sem sangue que varia
de leve a moderada, mas que também pode ser severa com quadros de desidratação
importante. A febre é comum. O hemograma pode ilustrar linfocitose, e os exames de
fezes são negativos.
Conduta: Reposição hídrica e electrolítica com base no nível de desidratação. A diarreia
viral é autolimitada (aproximadamente 1 semana), e não requer tratamento antibiótico, a
menos que haja sobreposição de uma infecção bacteriana.
4.4.3. Diarreia Bacteriana:
Diagnóstico: doente vem com história de início brusco de vómitos, diarreia (que pode ser
acompanhada de sangue e/ou muco), perda de apetite, dor abdominal tipo cólica,
tenesmo. Dependendo da etiologia, pode apresentar-se com febre. O hemograma pode
indicar leucocitose e neutrofilia, e o diagnóstico etiológico é feito pela cultura de fezes.
Conduta: hidratação oral ou parenteral dependendo do grau de desidratação. Os
antibióticos estão desencorajados, a menos que haja outros sintomas como febre,
sangue e/ou muco nas fezes, septicemia, etc, que justifiquem o uso de antibióticos. O
paciente que vem com diarreia somente não requer tratamento antibiótico, mas deve
fazer reposição hídrica e manter sobre vigilância antes de decidir antibioterapia. É
importante estimular a alimentação do doente assim que ele tolerar, pois ele está a
perder muita energia.
4.4.4. Protozoários:
Diagnóstico: a apresentação da diarreia é variável e depende do agente etiológico e do
estado de saúde basal do paciente, podendo ser assintomática, aguda ou intermitente.
Pode apresentar-se com fezes moles e fétidas com muco e/ou sangue, cólicas, tenesmo,
flatulência e sintomas gerais como mioartralgias e fadiga. Peça um exame parasitológico
de fezes.
Conduta: desparasitação e reposição hídrica com base no grau de desidratação.
4.4.5. Extra-intestinal: doenças e infecções sistémicas
Diagnóstico: anamnese, exame físico e meios auxiliares diagnósticos para despiste de
doenças e infecções sistémicas possivelmente associadas.
Conduta: tratar a doença de base, reposição de líquidos e electrólitos com base no grau
de desidratação.
4.5. PASSO 5: Tratamento Específico com Base na Etiologia.
Nesta fase o tratamento é direccionado, orientado pelos resultados obtidos pela anamnese, exame
físico e meios auxiliares diagnósticos disponíveis.
4.6. PASSO 6: Educação Sanitária Preventiva
Depois de fazer o tratamento, deve-se fazer uma educação sanitária para diminuir o risco de
recidivas e de ocorrências na família e comunidade em geral. Consiste basicamente no reforço das
medidas de higiene individual e comunitária:
Lavar as mãos antes de se alimentar e depois de usar a casa de banho;
Clorar a água ou beber água fervida;
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Controlar o armazenamento de água e alimentos;
Manejo adequado de excretas (uso adequado de latrinas e balneários públicos);
Cozer e lavar bem os alimentos.
BLOCO 5: PONTOS-CHAVE
5.1. A diarreia consiste na eliminação de fezes com consistência diminuída, associada ao aumento do
número de evacuações.
5.2. A gastroenterite aguda é uma síndrome aguda associada a diarreia e a outros sintomas como
náuseas, vómitos e desconforto abdominal. A GEA pode ter causa viral, bacteriana, parasitaria e
por protozoários. Também pode ser extra-intestinal e iatrogénica.
5.3. Quando estamos perante um doente com GEA, devemos primeiro avaliar o seu estado de
desidratação e com base nisso determinar a conduta, e só depois é que devemos nos ocupar dos
factores etiológicos da GEA.
5.4. O principal tratamento para a GEA é a reidratação. O uso de antibióticos esta limitado aos casos
em que há evidências clínica e/ou laboratoriais de infecção bacteriana.
5.5. Uma parte importante do manejo das GEAs é a prevenção que consiste em melhorar as medidas
de higiene pessoal e comunitária.
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