Lourdes Ramalho e Uma Visao Alegorica Da
Lourdes Ramalho e Uma Visao Alegorica Da
Lourdes Ramalho e Uma Visao Alegorica Da
Apenas em meados dos anos 1970, quando surgem textos seus, de-
vidamente montados por grupos organizados, e hoje celebrados em âmbi-
to local/regional e, por que não dizer nacional (como A feira, As velhas e
Fogo Fátuo), é que ela trava, mediante a já mencionada tomada de auto-
consciência artística – na verdade, sob o impulso incentivador de Pascho-
al Carlos Magno, quando de sua presença em um dos festivais de inverno
de Campina Grande –, o percurso rumo à representação do seu contexto
espaciotemporal atreladamente a uma perspectiva popular, ou melhor, na-
cional-popular, dispondo-se a representar o “povo”, à beira do abismo para
o qual parece ser empurrado pela ruína das relações rurais de produção e
da ascensão da modernização, que impõe uma nova feição do capitalismo
tanto ao campo como à cidade, tema sempre recorrente na literatura canô-
nica do Nordeste. Assim, sua obra formaliza esta região brasileira como um
conjunto de fragmentos que se articulam para formar um painel, expresso
na totalidade de seus textos, unindo a perspectiva regionalista (de alguma
maneira, ainda tradicionalista) ao diálogo produtivo com as formas dramá-
ticas, passando pelas convenções da comédia popular e chegando às raias
da tragédia, para reconstruir, artisticamente, um espaço em que relações
sociais sofrem mutações rápidas, com ênfase especial para as dinâmicas
de gênero envolvidas pelas malhas dos papéis de homens e mulheres nos
grupos familiares.
ou pelo menos sua feição mais tradicional, está em xeque – pela modifica-
ção dos paradigmas hegemônicos de masculinidade, postos frente a perfis
femininos que indagam (e nos indagam) sobre o enigma da igualdade e da
diferença, tudo isso disposto pela dramaturga como uma tensão dialética
entre ruína-ascensão (econômica e/ou moral da família).
3 Tais textos carecem de um estudo mais acurado e devida sistematização (eles são
inúmeros!). Todavia, já temos duas publicações que dão início a este trabalho: uma organizada
pela própria dramaturga (RAMALHO, 2004), na qual se colecionam 15 textos (a saber, Novas
aventuras de João Grilo, A Velha sem Gogó, Folguedos Natalinos, O Pássaro Real, Malasartes
Buenas Artes, O Diabo Religioso, Maria Roupa de Palha, A Cabra Cabriola, Festejos de Natal, Dom
Ratinho e Dom Gatão, História de Zabelê, Auto de Natal, Porque a noiva botou o noivo na Justiça,
Viagem no Pau-de-Arara), e uma segunda (RAMALHO, 2008, organizada por Valéria Andrade
e Ana Cristina M. Lúcio), na qual se reúnem 04 textos, sendo um deles inédito, em relação à
primeira publicação (o texto título, Novas Aventuras de João Grilo, Anjos de Caramelada e O
Pássaro Real, com o título modificado para Corrupio e Tangará).
Anais do XIV Seminário Nacional Mulher e Literatura / V Seminário Internacional Mulher e Literatura
À parte toda esta digressão, o que nos interessa, para o que preten-
demos iniciar com este trabalho, não são apenas os critérios estilístico-for-
mais ou, meramente, conteudísticos que podem determinar a composição
de cada ciclo, mas um debate específico sobre o que poderemos chamar de
irrupção de um ciclo enclave, mediante um critério formal-conteudístico, ao
qual chamaremos de ciclo das “alegorias nacionais”. Este processo encon-
traria, talvez, um único par, na dramaturgia brasileira, no conjunto cíclico
da obra de Jorge Andrade,5 e a divisão da obra em ciclos, mesmo que não
4 É interessante, ainda, considerar que, depois, já em 2004, dois destes textos voltam a ser
impressos, agora em livro, junto a outros, é o caso de Porque a noiva botou o noivo na justiça e
Viagem no Pau-de-Arara, que aparecem numa coletânea (RAMALHO, 2004 – ver nota anterior).
Como sempre, o texto A guerreira Joanita Guabiraba ficou mais uma vez sem vir a público, e é
este fato que nos chama atenção, dando lugar a uma segunda pergunta: por quê? A esta nós
não temos resposta, nem ao menos hipotética.
5 A discussão dos ciclos na obra do dramaturgo paulista já foi amplamente discutida por
Catarina Sant’Anna (1997). É deste trabalho que tomamos de empréstimo a denominação de
ciclo enclave, naquele caso, utilizada para constituir um ciclo dentro do outro, visto o uso, em
quatro textos, da metalinguagem e seus cruzamentos com a história nacional.
Anais do XIV Seminário Nacional Mulher e Literatura / V Seminário Internacional Mulher e Literatura
tória eram conduzidas, em termos de ficção, por uma noção de amor he-
terossexual ‘natural’, capaz de soterrar a memória do conflito dos tempos
coloniais, ocasionando, como já bem formulou Doris Sommer (2004), uma
associação metonímica entre “amor romântico” (sob as bênçãos e, até
mesmo, os auspícios do Estado) e a “legitimidade política” (fundada na no-
ção de amor, decretada pelo casamento, que funda um molde/modelo de
nação-família). Por seu turno, no ciclo enclave ramalheano esta perspecti-
va assume um desenvolvimento espiralado, partindo e voltando para uma
concepção de nação, sob o signo do matriarcado: Joanita Guabiraba e as
duas Guiomares (uma filha da outra), apontam para um novo modelo de
nação, passível de ser construído mediante a solidariedade feminina, frente
à mundividência destrutiva, parasitária e predatória do patriarcado e seu
complemento mais óbvio, o capitalismo.
querem nos ensinar: não só sobre elas, sobre nós mesmos, mas sobre nossa
identidade enquanto nação, que não é apenas “hinos, bandeiras, limites... e
outros tantos simbolismos!”.
Bibliografia
LEITE, Ligia Chiappini Moraes. Do beco ao belo: dez teses sobre o regionalismo na
literatura. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 08, n. 15, 1995, p. 153-159.
RAMALHO, Lourdes. Maria Roupa de Palha e outros textos para crianças. Org. Valéria
Andrade e Ana Cristina Marinho Lúcio. Campina Grande: Editora Bagagem, 2008.