Uma Breve Biografia - São João Da Cruz
Uma Breve Biografia - São João Da Cruz
Uma Breve Biografia - São João Da Cruz
-Pois que nisto elevem o coração a Deus, gozando-se e alegrando-se de que nele estejam encerradas
eminentemente todas estas belezas e graças, num grau infinitamente superior às perfeições das criaturas.
- Nasci em 1542 com o nome de João de Yepes. cresci numa situação familiar bastante sofrida. Meu pai,
Gonçalo de Yepes, um nobre e abastado toledano, apaixonara-se por uma jovem conterrânea, Catarina
Álvares, que, embora de singular beleza e piedade, era contudo de origem modesta. Orgulhosos de sua
linhagem, os Yepes de meu pai não poderiam aceitar que um dos seus desposasse uma moça sem nome e cujo
ofício, o de mera tecelã, em algo desmerecesse a prosápia e os negócios de que tanto se jactavam. Meu pai
Gonçalo, no entanto, preferiu perder os benefícios e comodidades de sua ascendência a renunciar à mão de
minha mãe Catarina.
Deserdado pela família e reduzido à condição de proletário, meu pai teve de aprender da minha mãe o manejo
dos teares. Fixado na comunidade de Fontiveros, situada entre Ávila e Salamanca, o jovem casal teve ali três
filhos: Francisco, Luís e eu. Papai, entretanto, morreu pouco depois, deixando para trás viúva e três
rapazinhos. Premida pela pobreza e a total falta de recursos, mamãe não viu outro remédio para a indigência
em que se encontrava senão viajar a pé até à cidade de Torrijos, cujo arcediago, cunhado seu, talvez pudesse
acolher os pobres sobrinhos. Como porém os Yepes de papai mais uma vez lhe fechassem as portas, mamãe
teve de virar-se como pôde. A carestia, com efeito, lhe impunha a ela e a nós órfãos o inconveniente de ir
buscar trabalho noutras localidades para além do burgo natal—Arévalo, Medina del Campo etc. Tamanha era
a dificuldade de prover às mais básicas necessidades, que a nossa mísera família teve de sofrer mais uma dura
perda: poucos anos após morte do pai, Luís( meu irmão do meio) morria de inanição.
A má nutrição a que por longo tempo fui submetido decerto contribuiu para que eu tomasse as feições
franzinas, magras, austeras, e a baixa estatura com que sou comumente retratado. A dureza da infância, se
por um lado me debilitou o corpo, por outro também me vacinou o espírito contra "todo orgulho de casta",
dando-me a conhecer na experiência viva e concreta do desprezo e da humilhação, "a que grau de crueldade
anti-cristã pode levar a soberba, quando reina em um coração que se julga cristão."
Aprendi uma variedade quase de ofícios (aos quais nunca adaptei-me), aprendidos no Colégio de la Doctrina,
também serviu para forjar-me um profundo espírito de serviço e desprezo de si.
-Oh, meu padre, um de vosso padres disse em certa ocasião que quando fostes elogiado por haver presidido
um certo convento, vós, com incrível simplicidade, rapidamente retrucou: "Ali mesmo fui também
cozinheiro"!
Bom, e agora deixe-me contar a seguir:
Era antes ao serviço ao altar que o Senhor o chamava. O fracasso como carpinteiro, marceneiro, entalhador,
pintor e alfaiate seria abundantemente compensado pela dedicação e piedade com que ornava a função de
acólito na igreja das monjas agostinianas, em Medina. Apaixonado pela sacristia, o pequenino Yepes se
entregava com grande fervor e atenção às coisas de Deus. Vendo-o disposto a abraçar o sacerdócio, d. Alonso
Álvares de Toledo, generoso fidalgo, chegou a oferecer-lhe a possibilidade de se tornar capelão do Hospital de
las Bubas, ao qual, aliás, vinha há tempos servindo como enfermeiro. A perspectiva que o sacerdócio secular
lhe poderia fornecer, contudo, não foi suficiente para dobrar-lhe o temperamento inclinado à solidão e ao
silêncio que apenas num mosteiro poderia encontrar. Por isso, sem dizê-lo a ninguém, apresentou-se em 1563
ao convento do Carmo e, tomando ali o hábito, adotou o nome de João de São Matias.
Emitidos os votos solenes logo no ano seguinte, o jovem frei João foi estudar Filosofia e Teologia em
Salamanca, um dos maiores centros de estudo de toda a nossa Europa de então. "Nem por um minuto
sequer", podemos ter certeza, "deixou-se seduzir pelos prestígios do intelectualismo."
-Foi ainda durante estes anos de estudante que comecei a sentir as oposições que, tempos mais tarde, levar-
me-iam ao cárcere. Se me vissem ao longe, já os religiosos de costumes mais afrouxados "interrompiam suas
confabulações e murmuravam: 'Vamos embora, antes que chegue aquele diabo!'"
-Louvado seja Deus, meu Padre! Vamos, continue! Elas estão gostando...
Recebi, as sagradas ordens em 1567. Tinha vinte e cinco anos. Minha primeira missa, cantada em Medina del
Campo, foi um momento único, em que o meu vigor penitente viu-se de cara com um profundo horror do
pecado. À hora da consagração, tendo em mãos as sagradas espécies, orei com a intensidade de um "filho de
Elias, suplicando jamais incidisse em falta grava; suportasse nesta vida todas as penas devidas aos pecados que
na sua fragilidade seria capaz de cometer, contanto não se inquinasse." Sentia contudo faltar-me algo; a
Ordem a que me afiliara, parecia incapaz de oferecer o recolhimento e a penitência que Deus faz desejar os
que d'Ele se enamoram. Nem mesmo a obediência à primitiva (e mais rígida) regra de S. Alberto de Jerusalém,
já em desuso quando de meu ingresso no Carmelo, pôde aquietar-me. Decidi, portanto, tornar-me cartuxo.
"Só naquele páramo", pensava, "minha alma [...] encontraria a Deus" .
-Pudesse a vontade dos homens resistir aos decretos da Providência, teria a Ordem carmelitana perdido uma
de suas mais insignes almas.
- Nosso Senhor, todavia, foi servido de, ainda em 1567, trazer a Medina um dos maiores vultos femininos que a
Espanha jamais conhecera: Teresa de Ahumada y Cepeda. Inquieta, assim como eu, com a "mediocridade
espiritual" a que o Carmelo se vinha apequenando, madre Teresa estava determinada a levar a cabo o projeto
de, por meio duma ampla reforma, reconduzir as irmãs carmelitas aos altos ideias que originalmente
animaram a Ordem. Os primeiros passos já haviam sido dados em agosto de 1562, no mosteiro de São José, em
Ávila.
-Em Medina, com efeito, chega-me aos ouvidos a fama de penitente e contemplativo que rodeava o recém-
ordenado frei João. Prendada com as grandes coisas que ouvira a seu respeito, pude encontrar-me com ele
pouco depois. "Louvei a Nosso Senhor com as impressões da conversa, "e, falando-lhe, muito me contentei."
Consegui convence-lo a não ir para a Cartuxa, mas antes a buscar a maior perfeição que anelava na própria
Ordem. "Fiz-lhe ver que, assim "serviria melhor ao Senhor." Comprometido pois a realizar a obra
de reforma masculina, Frei João deu-me palavra, sob condição de não haver muita demora. Na minha alegria
por ter encontrado o auxílio de que precisava contei às irmãs: "Ajudem-me, filhas, a dar graças a Nosso
Senhor, que já temos frade e meio para começar a reforma dos religiosos"! João era, de fato, um "toquinho de
homem" , um "meio frade", se comparado com frei Antônio de Heredia, seu novo e imponente cooperador.
- Obtida a licença dos provinciais, fomos enviados, em setembro de 1568, a Duruelo, onde um velho e pobre
casebre aguardava por nossos cuidados. Ali se reuniu, em novembro do mesmo ano, a nova família
de carmelitas descalços.
- A partir de então, o franzino frade chamar-se-ia João da Cruz. Testemunhei e admirei-me ao divisar seja
a simplicidade daquela "nova" casa, seja a solidão da aldeia em que os descalços, escondidos do mundo,
poderiam buscar a Deus. Ao entrar na igreja, fiquei espantada ao ver o espírito que o Senhor ali pusera. E
não só me espantei, mas também dois mercadores amigos meus, que me acompanhavam desde Medina: eles
não paravam de chorar. Havia tantas cruzes! Tantas caveiras! Era preciso que as pessoas se abaixassem
muito para entrar e para ouvir missa. Nos cantos laterais da igreja, havia duas ermidas onde só se podia ficar
deitado ou sentado; estavam cheias de feno, porque o lugar era muito frio e o telhado quase lhes tocava a
cabeça, contendo dois postigos que davam para o altar e duas pedras por cabeceira, ficando ali, ainda, as
cruzes e as caveiras.
- Duruelo foi somente o primeiro "germe da solidão". Com efeito, os conventos de vida reformada multiplicar-
se-iam dali para frente. A ascese da nova observância, o amor com que os carmelitas (com os pés a avermelhar
de sangue a brancura da neve) se doavam ao Senhor, o fervor com que, cruzando léguas, iam anunciar ao povo
o Evangelho de Cristo, — tudo isto atraía "muitos homens realmente de primeira plana". Essa pregação por
meio do exemplo fez a reforma da Ordem difundir-se "como uma mancha de óleo" .
-Quando fui eleita priora do Carmelo a Encarnação, em Ávila, convidei frei João, para ali ser confessor e
disse às irmãs: “Filhas, aqui vem o Pe. Frei João da Cruz; tratem com ele de suas almas com franqueza neste
convento, como se eu fora mesma, porque espírito de Nosso Senhor. Lá permaneceu durante cinco anos. As
pessoas tinham-no por Santo, respeitando-o e amando-o como tal. Foi tentado por uma nobre e formosa
mulher de quem nunca revelou o nome. Nesta cidade Frei João pintou o seu célebre desenho de Cristo na
Cruz, onde depois o famoso pintor Dali se inspirou para a sua célebre pintura de Cristo morto sobre o mundo
à qual intitulou «Cristo de S. João da Cruz». Frei João da Cruz realizou em Ávila, verdadeiros prodígios, o
que levou os abulenses a terem por ele verdadeira admiração e profundo respeito.
Os Carmelitas Calçados de Ávila é que não estavam nada contentes com a boa fama e o apreço que o povo
tinha por Frei João da Cruz e pelos frades da nova família de Descalços. Decidiram, por fim à situação. E a
melhor forma que encontraram foi a de prender a alma do Carmo Descalço - Frei João da Cruz. Assim o
pensaram e assim o fizeram uma noite, saltaram silenciosamente o muro da casa onde vivia, arrombaram as
portas e prenderam Frei João. Levaram-no em segredo para o convento de Toledo. Ninguém teve tempo para
reagir, tudo foi feito em grande sigilo e com tanta rapidez e discrição que ninguém pôde intervir.
Escrevi ao rei Filipe II, mas como ninguém sabia de nada, Frei João continuava na prisão. Os Calçados
tentaram fazer por todos os meios, lícitos e ilícitos, que Frei João abandonasse a obra começada. Torturas
físicas e psicológicas, belas ofertas, de poder e de riqueza, até mesmo uma cruz de ouro cravejada de pedras
preciosas! Que bela resposta lhes destes, meu padre!
- «Quem procura seguir a Cristo pobre, não precisa de jóias nem de ouro».
- Durante nove meses, de Dezembro a Agosto, Frei João permaneceu no cárcere, onde quase morrendo de frio
no Inverno, quase asfixiado de calor no Verão, para comer davam-lhe pão, água e algumas sardinhas.
Martirizaram o seu corpo com duras disciplinas. Durante mais de meio ano não lhe permitiram mudar ou
lavar o hábito. O cárcere consistia num cubículo tão minúsculo que até mesmo Frei João, sendo pequeno de
corpo, mal cabia.
- A 15 de Agosto pedi que me deixassem celebrar Missa por ser a Festa de Nossa Senhora. Indelicada e
brutalmente o Prior recusou o pedido. Foi então que aproveitando a liberdade que o novo carcereiro
concedeu-me, decidi fugir, antes, porém, ofereci ao carcereiro uma cruz de madeira feita por mim, pedindo-
lhe perdão de todos os trabalhos que lhe causei. Numa noite de Agosto, correndo os maiores perigos,
desconhecendo em absoluto a cidade de Toledo e sem a ajuda de ninguém, muito debilitado fisicamente, no
limite das minhas forças, tão magro que as apodrecidas tiras de roupa de que me servi para saltar da janela
não rebentaram e assim consegui fugir da prisão! Acolheram-me no as Carmelitas Descalças que se
assustaram e se alvoroçam ao ver-me, pois mais parecia um morto do que um vivo! Preparam-me umas peras
assadas com canela!
- Finalmente seguro! Os Calçados procuram-no, batem às portas do Convento das Descalças mas não
encontram Frei João. Aí bem escondido, toda a tarde as Carmelitas conversaram com o Santo, escutando
enlevadas os poemas que tinha escrito na prisão.
Não cessaram, porém, as perseguições e Frei João teria ainda de enfrentar graves dificuldades. Em outubro
de 1582, festa de São Francisco de Assis, viu-se privado de seu maior apoio. Morria uma pessoa
importantíssima e quem seria, minha filhas, senão eu - Teresa d'Ávila? O desafio de continuar sozinho o
grande projeto de sua mãe espiritual fá-lo-ia deparar com obstáculos "tão numerosos e tão terríveis, que não
podemos deixar de ver neles a mão da Providência, carinhosamente empenhada em dar ao nosso padre,
pelo sofrimento, os últimos arremates."
Receberia a coroa da humildade em junho de 1591, quando o Capítulo de Madrid o despojou de todas as
dignidades, deixando-o, pois, sem cargo nenhum na Ordem. Difamado por confrades e fustigado até pelos
superiores, Frei João foi mandado à força para o distante convento de La Peñuela. Fica ali, por volta de dois
meses. Ia partir em missão para o México, mas acabou por cair gravemente enfermo devido a uma inflamação
na perna. A febre agarrou-se-lhe ao corpo sem mais deixá-lo.
Tomado pelos abcessos de uma presumível erisipela, teve enfim de ser transportado para Úbeda, "uma antiga
praça-forte moura flagelada pelos ventos dos planaltos." Sua fama de santo, por essa época, já o precedia; por
isso, foi recebido com grande carinho e desvelo pelos irmãos da última comunidade de que faria parte. Estes
últimos dias, como ele mesmo pedira ao Senhor, foram marcados por intensas dores e sofrimentos. Eram
as cruzes derradeiras que Cristo lhe havia preparado.
- No dia 7 de Dezembro soube que morreria a 14, por ser Sábado, dia de Nossa Senhora.
- Passou todo o dia 13 perguntando a hora aos frades. Chegada a noite, quiseram-lhe fazer a oração dos
agonizantes; frei João, porém, quis lhe recitassem o Cântico dos Cânticos, o poema do amor de Deus pelos
justos, pelas almas, pela Igreja. Aos badalos da meia-noite, expirou na paz do Senhor, já sem dar pelas úlceras
que lhe crivavam o corpo.
- "Irei cantar Matinas no Céu" foram as últimas palavras que falei.
- Cujo consolo esteve na dor, cuja alegria esteve em sofrer o que falta às tribulações de Cristo (cf. Col 1, 24),
cujo coração sempre esteve certo de que "os sofrimentos da presente vida não têm proporção alguma com
glória futura que nos deve ser manifestada" (Rm 8, 18).
Beatificado em 1675 por Clemente X, canonizado em dezembro de 1726 por Bento XIII, declarado Doutor da
Igreja em 1926 por Pio XI, — eis, em seus três principais e mais solenes marcos, o itinerário que o maior dos
místicos espanhóis, São João da Cruz, teve de percorrer até chegar aos nossos dias como feliz e grato modelo
de uma alma que, durante uma curta e frutuosa vida, a nada mais se entregou senão à tarefa de unir-se
intimamente ao Senhor. Tinha 49 anos de idade.
- Atrás de amoroso lance,/ Que não de esperança falto,/ Voei tão alto, tão alto,/ Que, à caça, lhe dei alcance.
Esquecendo-me do que é criado, lembrando-me do Criador, atento ao interior e estar amando o Amado.
-Filhas minhas e cada uma – Coroa minha –quero neste dia de nosso santo Frei João da Cruz e ccom a vida
dele deixar-vos uma palavra: Não me farto de dar graças a Deus pela mercê que me fez em trazer cada uma
de vós ao Carmelo. Assim como aos filhos de Israel, quando os tirou do Egito, proveu Sua Majestade de uma
coluna que de noite os guiava e lhes dava luz, e de dia os defendia do sil, assim parece o faz com nossa Ordem;
e vossas reverências, filhas minhas, sois cada uma esta coluna que nos guia, nos dá luz e defende. A todas,
muitos parabéns por estarem desposadas com tão grande Rei. Praza a Sua Majestade fazê-las tais como eu as
desejo e lhe suplico, para que, naquela eternidade que não tem fim, se gozem com Ele. Peço que não me
esqueçam, pois muito mais me devem que as de cá que já gozam do Amado.
E vós, meu Padre, que deixais para estas vossas filhas?!
-Jesus esteja em suas almas, filhas minhas! Pensam, porventura, que por estar eu tão calado as tenha perdido
de vista e deixe de considerar com que grande facilidade podem ser santas e com que sumo gozo e seguro
amparo podem andarem deleites do Amado Esposo? Pois eu venho aqui e então veem como não ando
esquecido. Vejamos as riquezas adquiridas no amor puro e nas sendas da vida eterna e os belos passo que dão
em Cristo, cujas delícias e coroas são a suas esposas: coisa digna não de andar rolando pelo chão, mas de ser
tomada entre as mãos dos serafins e por eles colocada, com apreço e respeito, na cabeça de seu Senhor.
Sirvam a Deus, minha filhas amadas em Cristo, seguindo-lhe as pegadas de mortificação, em toda a paciência,
em todo o silêncio e em todo o desejo de padecer.
-Bem, filhas, vamos chegando! Vamos para o Céu tão belo....
-Monjas do Carmelo!