Sagarana - Guimarães Rosa

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 4

Sagarana

Guimarães Rosa

· DO AUTOR
Nascido no dia 27/jun/1908, na pequena cidade de Cordisburgo, a meio
caminho entre Sete Lagoas e Curvelo, Guimarães Rosa era filho de um pequeno .
comerciante e passou sua primeira infância entre piões, passarinhos e limos,
principalmente limos. Míope sem o saber, o pequenino afastava-se do convívio dos
outros garotos e dedicava-se a atividades solitárias ou a ouvir os "causos"
contados pelos fregueses ou pelos viajantes que freqüentavam o pequeno armazém
de seu pai. Vem dai o seu primeiro contata com o folclore e o rico imaginário do
homem do sertão.
"Não gosto de falar em infância. É um tempo de coisas boas, mas sempre com
pessoas grandes incomodando a gente, intervindo, estragando os prazeres.
Recordando o tempo de criança, vejo por lá um excesso de adultos, todos eles,
mesmo os mais queridos, ao modo de soldados e policiais do invasor, em pátria
ocupada. Fui rancoroso e revolucionário permanente, então já era míope e, nem
mesmo eu, ninguém sabia. Gostava de estudar sozinho e de brincar de geografia.
Mas, tempo bom de verdade, só começou com a conquista de algum isolamento, com a
segurança de poder fechar-me num quarto e trancar a porta. Deitar no chão e
imaginar estórias, poemas, romances, botando todo mundo conhecido como
personagem, misturando as melhores coisas vistas e ouvirias".
Viveu em Cordisburgo até os dez anos de idade. Foi fazer o ginásio em Belo
Horizonte, por essa época, já era capaz de ler em francês e holandês. Sua
espantosa capacidade para aprender línguas levou-o a aprender japonês, ainda
cursando o ginasial. Mas deixemos que ele mesmo fale um pouco mais de si. Em
entrevista concedida a Gúnter Lorenz, critico literário alemão, em 1965, dentre
outras coisas Guimarães Rosa disse:
"Que nasci no ano de 1908, você já sabe. você não deveria me pedir mais
dados numéricos. Minha história, sobretudo minha biografia literária, não devida
ser crucificada em anos. As aventuras não têm tempo, não têm principio nem fim.
E meus livros Ao avesso; para mim são minha maior aventura. Escrevendo descubro
sempre um novo pedaço do infinito. Vivo no infinito; o momento não conta. Vou
lhe revelar um segredo: creio já ter vivido uma vez. Nesta vida, também . fui
brasileiro e me chamava João Guimarães Rosa. Quando escrevo, repito o que já
vivi antes. E estas duas vidas, um léxico só não é suficiente. Enfim ás
palavras, gostaria de ser um crocodilo vivendo no rio São Francisco. O crocodilo
vem ao mundo como um "magister" da metafísica, pois para ele cada rio é um
oceano, um mar de sabedoria, mesmo que chegue a ter cem anos de idade. Gostaria
de ser um crocodilo porque amo os grandes rios, pois são profundos como a alma
de um homem. Na superfície são muito vivazes e claros, mas nas profundezas são
tranqüilos e es curvos como o sofrimento dos homens. Amo ainda uma coisa dos
nossos grandes rios: sua etemidade. Sim, rio é uma palavra mágica para conjugar
etemidade. A estas alturas, você já deve estar me considerando um louco ou um
charlatão." (...) "As vezes, quase acredito que eu mesmo, João, seja um conto
contado por mim".
Esta introdução parece um conto de fadas, isto é, a vida de GR parece
ficção, entretanto ele é verdadeiro. Um homem alto, bem humorado, sempre bem
vestido e (dizem) vaidoso ao extremo. Seus s, suas estórias ai estão para
comprovar e encantar leitores e estudiosos de várias partes do mundo .
Na juventude, antes de formar-se em Medicina, concorreu a vários concursos
de contos em uma revista bastante popular na época ( O Cruzeiro ( e venceu todas
as vezes em que concorreu). Esse tipo de literatura, entretanto, foi abandonado
e nada tem a ver com a obra consagrada do autor.
Formado em Medicina, exerceu a profissão, em ltaúna, por dois anos,
cativando a admiração de seus pacientes pela dedicação e pelo aceno de seu
trabalho. Em suas longas cavalgadas para atender os doentes, aproveitava para
conhecer e apreciar os elementos da natureza e o modo de vida e a fantasia dos
homens do sertão, elementos que, depois, profusamente nas narrativas que
escrevia
Participou como oficial médico na Revolução Constitucionalista de 32 e
posteriormente foi oficial médico das Forças armadas de Minas Gerais, até ser
aprovado em um concurso para o Itamarati, dedicando-se, dai, à carreira
diplomática[. Data dessa época sua participação em 2 concursos literários:
Concorreu ao prêmio de poesia do Rosa concurso da Academia Brasileira de
Letras, com o de poemas "Magma" e ao prêmio Humberto de Campos, com o livro
"contos", mais tarde refundido e publicado com o nome de "Sagarana".
"Chegamos novamente a um ponto em que o homem e sua biografa resultam em
algo completamente novo. sim, fui médico, rebelde, soldado. Foram etapas
importantes de minha vida, e, a rigor, esta sucessão constitui um paradoxo. Como
médico conheci o valor do sofrimento; como rebelde, o valor morte..."
Diria mais tarde sobre esse lance de sua vida.
Em 1946, publicou o livro Sagarana, que lhe rendeu a admiração e o
reconhecimento de grande pane da critica, como se pode perceber no fragmento
transcrito abaixo:
"Para aquele que tem a obrigação profissional da critica literária,
sentindo muitas vezes esse gosto momo da rotina que vem do contato com figuras
já muito conhecidas ou com obras de estreia sem . qualquer novidade, nenhuma
outra sensação - porque ela vale como um despertar, como um estímulo, como
motivo para quer se Mantenha tenha a fé nas faculdades coadoras de sua época
intelectual poderá ser comparada a esta de comunicar ao público a presença de um
livro inconfundível na literatura e de um autor de autêntica personalidade na
vida literária. E isto sem qualquer dúvida ou temor de errar, antes com a
certeza de que nos achamos completamente fora do terreno oscilante da mediania e
do mais ou menos, colocados em face de um excepcional acontecimento. Tudo se
processa, afias, bem rapidamente. Não se conhece até certo dia um determinado
autor, pois que ele nada então publicou de sua obra; não se espera o seu livro,
pois O désdno 4e Um estímulo, Como de resto o de qualquer livro, nunca pode
ser esperado ou previsto. De repente chega-nos o volume, e é uma grande obra que
amplia o tempo cultural de uma literatura, que lhe acrescenta alguma coisa de
novo e insubstituível, ao mesmo tempo que um nome de escritor, até ontem
ignorado do público, penetra ruidosamente na vida literatária para ocupar desde
logo um dos seus primeiros lugares. O livro é Sagarana e o escritor é o Sr. J.
Guimarães Rosa. * *
· OBRA
Sagarana, 1946 - contos; "O Burrico Pedrês" "A volta do Marido Pródigo" ;
"Sarapalha"; "Duelo"; "Minha Gente"; "São Marcos"; "Corpo Fechado"; "Conversa de
Bois" ; "A flora e vez de Augusto Matraca" ; Corpo de Ballc, 1956 - novelas;
Manuelzão e Miguilim ("Campo Geral"' e "Uma Estória de Amor"); No Urubuquaquá,
no Pinhém ("O Recado do Morro", "Cara de Bronze" e "Lélio e Lina"); Noites do
Sertão ("Lão-Dalalão" e "Buriti"); Grande Sertão: veredas, 1956 - romance;
Primeiras Estórias, l962 - contos; Tutaméia - Terceiras Estórias, 1967 - contos;
Estas Estórias, 1969 - contos. (PÓSTUMA); Ave, Palavra, 1970 - contos.(PÓSTUMA).

A grande força da imaginação de Guimarães Rosa, alia-se ao seu


extraordinário conhecimento lingüístico, tanto da língua materna quanto de
outras línguas, faz dele um autor ímpar no panorama da moderna literatura
brasileira.
Guimarães Rosa foi um escritor com alma jornalística. Andava pelo sertão,
viajava caiu vaqueiros, convivia com as pessoas humildas e simples do interior e
anotava. Anotava os "causos", as expressões inusitadas, os provérbios, as
lendas, os ditos e as interpretações. Nada lhe escapava. A observação da
natureza, as aves, os animais, a flora, os rios, tudo foi sendo incorporado aos
poucos para formar um grande patrimônio de conhecimento que ele tão prodigamente
nos legou em páginas imortais.
Da coleta do material bruto no inicio do povo, de sua manipulação
lingüística c fabularão ás vezes irônica, ás vazes brincalhona, muitas vezes
mística, temos o processo de criação que vai refletir a vida social, os
costumes, os medos, as superstições, as crendices c o comportamento de seus
personagens. Temos a comprovação concreta dessa metodologia em várias passagens
recolhidas aqui e ali:
"Pois foi nesse tempo calamitoso que eu vim para a Laginha, de morada, e
fui tomando de tudo a devida nota" (Corpo Fechado).
"Nonada. Tiros que o senhor ouviu forma briga de homem não." (Grande
Sertão: veredas)
"A vida é um vago variado. O senhor escreva no clareio: sete páginas..."
(Grande Sertão: veredas).
"O senhor enche urna caderneta... O senhor vê aonde é o sertão? " (Grande
Sertão: veredas)
"Se o senhor doutor está achando alguma boniteza nesses pássaros, eu cá é
que não vou dizer que eles são feios..." (Minha Gente).
"Minas Gerais... Minas principia de dentro para fora e do céu para o
chão..."(Minha Gente).
"Sim, que, á parte o sentido prisco, va lia o ileso gume do vocábulo pouco
visto e menos ainda ouvido, raramente usado." (São Marcos)
"As palavras têm canto e plumagem." (São Marcos).
UM CHAMADO JOÃO*
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
João era fabulista?
Fabuloso?
fábula?
Sertão mística disparando.
no exílio da linguagem comum?
Projetava na gravatinha
a quinta face das coisas,
inenarrável narrada?
Um estranho chamado João
pra disfarçar, para farçar
o que não ousamos compreender?
Tinha pastos, buritis plantados
no apartamento?
no peito?
Vegetal ele era ou passarinho
sob a robusta ossatura com pinta
de boi risonho?
Era um teatro
e todos os artistas
no mesmo papel,
ciranda multivoca?
João era tudo?
tudo escondido, florindo
como flor é flor, mesmo não semeada?
Mapa com acidentes
deslizando para fora, falando?
Guardava rios no bolso,
cada qual com a cor de suas águas?
cm misturar, sem conflitar?
E de cada gota redigia
nome, cura, fim,
e no destinado geral
seu fado era saber
para contar sem desnudar
o que não deve ser desnudado
e por isso se veste de céus novos?
Mágico sem apetrechos,
civilmente mágico, apelado
de precipites prodígios acudindo
a chamado geral?
Embaixador do reino
que há por trás dos reinos,
dos poderes, das
supostas fórmulas de abracadabra, sésamo?
Reino cercado
não de muros, chaves, códigos,
mas o reino-reino?
Por que João sorria?
se lhe perguntavam
que mistério é esse?
E propondo desenhos figurava
menos a resposta que
outra questão ao perguntante?
Tinha parte com... (não sei
o nome) ou ele mesmo era
a parte de gente
servindo de ponte
entre o sub e o sobre
que se arcabuzeiam
de antes do principio,
que se entrelaçam
para melhor guerra,
para maior festa?
Ficamos sem saber o que era João
e se João existiu
de se pegar.

Você também pode gostar