Estudos Dialetais e Sociolinguísticos No Brasil
Estudos Dialetais e Sociolinguísticos No Brasil
Estudos Dialetais e Sociolinguísticos No Brasil
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Agradecimentos
Agradecemos o incentivo financeiro da Coordena-
ção de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Supe-
rior – CAPES, em especial ao Programa de Apoio a
Eventos no PAÍS – PAEP, que proporcionou a publi-
cação desta obra por meio do Edital Nº 25/2019. E
também o apoio do Programa de Pós-Graduação em
Letras – PPGLET, da Universidade Federal do Ama-
pá – UNIFAP, e do Curso de Licenciatura em Letras
– COLILE, da Universidade do Estado do Amapá –
UEAP.
Comitê Científico
Prof.ª Dr.ª Anne Carolina Pamplona Chagas (EAUFPA)
Prof.ª Dr.ª Bruna Fernanda Soares De Lima Padovani (UEPA/UEAP)
Prof.ª Dr.ª Carlene Ferreira Nunes Salvador (UFRA)
Prof.ª Dr.ª Celeste Maria da Rocha Ribeiro (UNIFAP)
Prof. Dr. Edmilson José de Sá (CESA)
Prof.ª Dr.ª Edna dos Santos Oliveira (UEAP)
Prof. Dr. Eduardo Alves Vasconcelos (UNIFAP)
Prof.ª M.ª Érica do Socorro Reis (UFF)
Prof.ª Dr.ª Gisele Braga Souza (UNICAMP)
Prof.ª M.ª Helen Costa Coelho (UEAP/UFPA)
Prof.ª M.ª Josineia Andrade Ramo Araújo (UFF)
Prof.ª Dr.ª Kelly Cristina Nascimento Day (UEAP/UNIFAP)
Prof.ª M.ª Michelle Araujo de Oliveira (UEAP/UNESP)
Prof.ª Dr.ª Rejane Umbelina Garcez Santos de Oliveira (GeoLinTerm/UFPA)
Prof. Dr. Regis José da Cunha Guedes (UFRA)
Prof. Dr. Romário Duarte Sanches (UEAP/UNIFAP)
Prof.ª Dr.ª Thaís Leal Rodrigues (FAETEC)
Prof.ª Dr.ª Vanessa Yida (UEL)
Editora do Núcleo de Estudos das Culturas Amazônicas e Pan-
Amazônicas
www.nepaneditora.com.br | [email protected]
E82
ISBN: 978-65-89135-33-3
ESTUDOS FONÉTICOS E
MORFOSSINTÁTICOS
Variações no falar amapaense: um olhar para a
desnasalização de ditongo final em verbos de 3ª
pessoa do plural
Gabriel Nunes Yared Lima, Celeste Maria da Rocha Ribeiro.................................................. 12
Resumo: A ausência de concordância entre sujeito e verbo através do apagamento da marca de plural em
algumas variedades do português brasileiro vem sendo evidenciada por estudos tais como os desenvolvi-
dos por Hora e Espínola (2004), Naro e Scherre (2007) e Pedrosa (2014). Entre os itens que apresentam
esse apagamento, destacam-se as formas verbais de 3ª pessoa do plural, as quais, conforme esses teóricos,
refletem a variação através da perda de nasalidade no final de formas verbais. Assim, o presente trabalho
se propõe a investigar sobre o processo de desnasalização que ocorre no ditongo nasal final, pós-tônico em
formas verbais na 3ª pessoa do plural em três municípios do estado do Amapá, haja vista essa ocorrência
distanciar-se do que preconiza a norma culta da língua para uso desse fenômeno. Desse modo, realizou-se a
observação, análise e descrição das realizações presentes em registros de fala de sujeitos escolarizados, mo-
radores das localidades de Macapá, Santana e Mazagão. Esses falantes foram estratificados em faixa etária
(18 a 35 anos) e sexo (homens e mulheres). Os registros foram obtidos por meio de entrevistas semiestrutu-
radas, cujo objeto de investigação considerou a variação morfo-fonológica referente à produção do morfema
número-pessoal das formas verbais, como resultante de um som diferente. Assim, esta pesquisa é de caráter
descritivo-interpretativista, considerando a perspectiva morfo-fonológica para observar a articulação foné-
tica e os aspectos morfológicos, além da atuação de variáveis sociais na concretização desse morfema pelos
sujeitos da pesquisa, cujos resultados apontaram para uma produtividade do fenômeno, com tendência de
realização maior entre os homens e nas localidades do estado com traço menos urbano.
Palavras-chave: Desnasalização. Formas verbais. Usos variacionistas.
Introdução
Este capítulo visa apresentar resultados de um estudo realizado pelo Grupo
de Pesquisa Atlas Linguístico do Amapá - ALAP, sediado na Universidade Federal do
Amapá, campus Marco Zero, em Macapá. O corpus foi construído a partir de regis-
1 Graduando do curso de Licenciatura Plena em Letras – Português e Francês da Universidade Federal do Amapá - UNIFAP. E-mail:
[email protected].
2 Doutora em Linguística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Docente do curso de Letras da graduação e pós-graduação
da Universidade Federal do Amapá - UNIFAP. E-mail: [email protected].
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tros orais de seis informantes, moradores de três localidades do estado do Amapá
(Macapá, Santana e Mazagão), coletado através de narrativas semiespontâneas.
O presente estudo é justificado pelo fato de observarmos a tendência no Bra-
sil de estudos que ora demonstram a variação no uso de formas linguísticas mui-
to estável, ora essa variação apresenta-se num quadro de mudança em progresso
(HORA; ESPÍNOLA, 2004; NARO; SCHERRE, 2007; PEDROSA, 2014). No quadro de
variação estável, verifica-se uma simetria entre o uso de formas prestigiadas e não
prestigiadas socialmente, ocorrendo em ambos os contextos formais e informais.
Vale dizer que, no Amapá, ainda há poucos estudos contemplando fenômenos va-
riacionistas, sobretudo de natureza morfo-fonológica, dificultando, por sua vez, um
real conhecimento das manifestações linguísticas que caracterizam o português
brasileiro (PB) falado neste estado.
Assim, pretendemos apresentar e descrever as variantes fonético-morfológi-
cas que explicitam o fenômeno da desnasalização do ditongo nasal final em verbos
de 3ª pessoa do plural no PB falado no Amapá, a partir de pressupostos teórico-me-
todológicos da variação linguística. Essa análise busca evidenciar diatópica e dia-
genericamente o comportamento do referido fenômeno em falantes amapaenses.
Este capítulo destaca inicialmente um panorama geral sobre o processo de
variação linguística, relacionando-o ao fenômeno em estudo. Em seguida, será
apresentada a metodologia empregada, os resultados observados, destacando as
ocorrências gerais e o papel das variáveis linguísticas e sociais no condicionamento
do fenômeno em questão. Depois, será realizada uma breve discussão relativa aos
achados do estudo e às impressões refletidas nos dados, no tocante ao processo va-
riacionista do fenômeno em foco. Por fim, serão feitas as considerações finais sobre
o tema tratado neste estudo.
O processo de variação linguística
Sabe-se que a diversidade linguística, independente dos usos em que se reali-
za, tende a ser uma temática muito recorrente nos estudos que focalizam a lingua-
gem verbal, pois através do reconhecimento do caráter heterogêneo e dinâmico da
língua, estamos evidenciando o envolvimento de fatores sociais, históricos, político
e ideológicos, uma vez que língua e sociedade estão relacionadas. Labov (1972) e
Labov e Harris (1994) corrobora com essa relação ao defender que, na observação
e descrição de uma língua, sejam considerados tanto fatores linguísticos, como fa-
tores sociais, visto que a inter-relação possibilita observar, investigar e descrever a
sistematicidade da variação inerente às línguas.
O modelo teórico-metodológico denominado Teoria da Variação ou Sociolin-
guística Variacionista foi apresentado por Weinreich, Labov e Herzog (2006) com
o objetivo maior de descrever uma língua e seus determinantes, ratificando a sis-
tematicidade da “variação”, fundamentando-a e contextualizando-a. Essa teoria
consiste, em linhas gerais, na investigação do grau de estabilidade ou do grau de
mutabilidade da variação, através da identificação das variáveis que embasam as
variantes existentes. Vale dizer que a variação e a heterogeneidade da língua são
processos intrinsecamente relacionados à mudança linguística, visto que todo fe-
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nômeno passa pelo processo de variação, antes de sofrer mudança; as realizações
linguísticas sofrem a variação e essa pode ou não desencadear a mudança na lín-
gua. Assim, a mudança, é tomada como o processo de substituição e não o resultado
desse processo, daí podermos afirmar que a mudança linguística também é varia-
ção, embora nem toda variação linguística resulte em mudança.
Nesse processo de variação, surgem as variáveis que correspondem a parâ-
metros monitoradores que condicionam e regulam o emprego de formas variantes;
estas, por sua vez, equivalem, de maneira geral, às várias formas de se dizer a mes-
ma coisa em um mesmo contexto e com o mesmo valor semântico. Essas formas
variantes explicitam de forma distinta dois tipos de regras linguísticas (LABOV,
1972) as categóricas que se referem aos princípios invioláveis de uma dada língua
que não podem ser modificados, a fim de não impossibilitar a comunicação e as
variáveis que ocorrem quando mais de uma forma puder ser escolhida pelo falante
para dizer a mesma coisa com o mesmo valor de verdade. Cumpre destacar que o
estudo das regras variáveis é uma das principais tarefas da sociolinguística varia-
cionista, pelo fato de permitir a observação do estado atual e real da língua, através
da frequência de uso de determinadas variantes.
Estudos de natureza variacionista consideram determinadas situações de va-
riação linguística, por meio da análise do comportamento das variantes, já que em
contextos de mudança, uma das formas variantes tende a desaparecer e é substitu-
ída por outra com o passar do tempo. Tarallo (1986, p. 11) destaca que “as varian-
tes de uma comunidade de fala encontram-se sempre em relação de concorrência:
padrão x não-padrão; conservadoras x inovadoras; de prestígio x estigmatizadas”.
Desse modo, uma investigação sociolinguística concretiza-se por meio do estudo
estatístico de fenômenos variáveis, em que se realiza a descrição do comportamen-
to das variantes, destacando os fatores linguísticos e sociais que favorecem seu uso
na comunidade.
Assim, a partir do que foi evidenciado anteriormente, é válido dizer que todo
estudo variacionista deve pautar-se na realização de variantes; por isso, esse capí-
tulo debruça-se sobre o fenômeno da desnasalização da desinência nasal final em
verbos de 3ª pessoa do plural como objeto de investigação, visto que essa variável
tende a apresentar diferentes realizações na língua falada.
O fenômeno em estudo
O português brasileiro, bem como o dialeto lusitano que o originou, é uma das
poucas línguas de origem europeia, assim como o francês, o bretão, o polonês o al-
banês e o gheg, que apresentam as vogais nasais como um aspecto contrastivo em
seu sistema linguístico, entre as 439 línguas contadas por Lewis (2009, apud RO-
THE-NEVES; REIS, 2012, p. 300) como pertencentes ao tronco indo-europeu. Po-
rém, uma das principais características da nasalização entre o português e outras
línguas é a idiossincrasia representada pela formação de um ditongo que apresenta
um segmento oral nasal seguido de uma aproximante.
Vale lembrar que o ditongo nasal pode se apresentar como a sílaba tônica ou
como a sílaba átona em uma forma verbal. Em cada uma dessas possibilidades, a
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diferença prosódica pode representar informações morfológicas importantes para
definir o tempo e o modo em que o verbo é expresso. Como exemplo, tomemos as
formas verbais conjugadas na terceira pessoa do plural “cantaram” e “cantarão”
nas configurações de pretérito perfeito e futuro do indicativo, respectivamente. No-
temos que, fonologicamente, a transcrição dos dois termos difere apenas na toni-
cidade. Em [kɐ̃ .ˈta.ɾɐ̃ ʷ], o ditongo nasal apresenta-se átono, uma vez que a sílaba
tônica recai sobre a vogal temática -a do verbo, enquanto que em [kɐ̃ .ta.ˈɾɐ̃ ʷ], o
ditongo nasal apresenta-se tônico, pois a sílaba tônica recai sobre as desinências
modo-temporais -rão. Em nosso estudo, consideramos apenas a análise do ditongo
nasal pós-tônico.
Note-se que o ditongo nasal pós-tônico em verbos pode ocorrer, ainda, nas
formas dos verbos da 2ª conjugação, como em “vendessem” e “podem”. Vale dizer
que para o corpus desta pesquisa, levaram-se em conta somente as formas verbais
da primeira (como cantam, cantaram, cantavam, cantariam), segunda (como em
venderam, viram, puderam, poderiam) ou terceira conjugações (como em saíram,
foram, iriam), em que as desinências indicativas de número-pessoa acrescentadas
ao verbo se apresentem na forma –am como -[ɐ̃ ʷ]. Quanto ao tempo verbal em que
se concentra essa característica, podemos destacar o presente, o pretérito perfeito
e o pretérito imperfeito e o futuro do pretérito, todos no modo indicativo.
Por sua vez, a desnasalização do ditongo nasal final átono consiste no apaga-
mento do fonema nasal [ɐ̃ ] e na oralização da aproximante aclopada [ʷ] para o fo-
nema oral reduzido [ʊ] para se adequar ao modelo de sílaba perfeita em PB. Esses
processos são demonstrados em Chaves (2017, p. 44), em que se aponta a nasalida-
de como uma marca não frequente, fonologicamente, nas línguas do mundo e que
a tendência para eliminá-las é, portanto, compreensível por seu comportamento
menos estável.
Outro resultado que aponta para o inerente apagamento da vogal nasal que
forma o ditongo nasal final átono são os observados nos estudos apresentados por
Gomes, Mesquita e Fagundes (2013, p. 18), que definem que “a alternância do di-
tongo nasal com vogal oral pode estar relacionada à posição fraca do ditongo em
sílaba átona final, o que possibilita o espraiamento da variante oral reduzida”.
Dessa forma, os estudos teóricos vêm demonstrando que a variação no em-
prego do ditongo nasal átono final, justamente por sua posição silábica, e em for-
mas verbais, é frequentemente observada no português brasileiro e tende a ocor-
rer, geralmente, por meio da desnasalização de ditongo nasal final nos verbos de
3ª pessoa do plural. Levando em conta tais considerações, apresentamos na seção
seguinte o comportamento desse fenômeno na variedade do PB, empregado em
três municípios amapaenses.
Metodologia
Este estudo surgiu após a realização da transcrição grafemática dos dados re-
ferentes às narrativas coletadas junto à aplicação de questionários, que serviriam
de corpus para a elaboração do ALAP. Durante a escuta e a transcrição dessas nar-
rativas, em que os informantes foram instigados a relatar um momento que mar-
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cou suas vidas, observou-se que a desnasalização do ditongo nasal pós-tônico final
em verbos da 3ª pessoa do plural era recorrente e costumava ser produzida, na
maioria das vezes, pelos informantes da segunda faixa etária (acima dos 35 anos)
e moradores das localidades mais afastadas da capital do estado. Além disso, todos
eles apresentavam grau baixo de escolaridade. Assim, a fim de estabelecer um con-
traponto para esses dados, procuramos desenvolver um estudo para ratificar ou
não a ocorrência do referido fenômeno no estado, considerando o seguinte perfil:
6 falantes com idade entre 18 a 35 anos (2 por localidade); Escolaridade: superior
incompleto; Localidades: Macapá, Santana e Mazagão; Sexo: feminino e masculino.
Vale dizer que a escolha desses locais ocorreu por questões geográficas, já que
estão próximos e se interligam por via terrestre; além de que, naquele momento,
não dispúnhamos de meios financeiros para considerar todos os municípios do es-
tado contemplados na primeira fase do ALAP. A figura seguinte retrata a localização
dos referidos municípios no estado amapaense.
Figura 1: Localização geográfica das localidades estudadas
A coleta dos dados ocorreu por meio de relatos semidirigidos com foco em
quatro situações hipotéticas que envolvem afazeres domésticos e atividades so-
ciais de lazer, as quais podem ser facilmente relacionadas às experiências de cada
falante.
Na estrutura dessas situações, estabelecemos um sujeito que demanda o uso
de verbos na terceira pessoa do plural, no tempo pretérito, como em cantam, fize-
ram, foram, comiam, entre outros. Dessa forma, os informantes foram estimulados
a elaborar narrativas, em que empregassem tais formas verbais. As situações hipo-
téticas são as seguintes:
1. Imagine que um grupo de estudantes do ensino médio fez uma excursão a
uma reserva florestal. Você pode descrever, com detalhes, o que você imagina que
eles fizeram durante todo o dia da excursão?
2. Imagine que um grupo de amigos viajou para a sua cidade, sendo que ne-
nhum deles a conhece, e visitaram diversos pontos turísticos. Você pode descrever,
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com detalhes, o que você imagina que eles fizeram, onde foram, que tipo de lugar
conheceram, que tipo de comida provaram durante toda a viagem?
3. Imagine que uma família preparou um jantar para parentes a amigos que os
visitariam. Você pode descrever, com detalhes, como você imagina que eles arru-
maram a casa, que pratos prepararam, como foi a chegada dos convidados e tudo o
que aconteceu durante o jantar?
4. Imagine que um grupo de crianças foi brincar em um parque de diversões
durante uma tarde inteira. Você pode descrever, com detalhes, o que você imagina
que eles fizeram, em quais brinquedos foram, e que outros tipos de diversão eles
encontraram no parque?
Concluídos os relatos e feitas as gravações com cada falante, os dados foram
armazenados em dispositivo móvel de gravação de áudio e, posteriormente, trans-
feridos para o computador; em seguida, procedeu a transcrição fonética dos dados
que apresentavam o fenômeno da desnasalização; depois, foi feita a separação dos
verbos em que o fenômeno foi apresentado. Para este estudo, selecionamos apenas
a variante desnasalizada como em foram /foɾʊ/ do ditongo nasal pós-tônico foram
/foɾɐ̃ ʷ/, excluindo as outras variantes que mantivessem a nasalização. No total fo-
ram obtidas 163 ocorrências para o fenômeno em questão, do total de 316 termos
que evidenciaram tanto as formas nasalizadas como as desnasalizadas.
Os termos mais recorrentes (que apresentaram mais de 3 ocorrências) que
correspondem ao fenômeno estudado produzidos pelos falantes durante as narra-
tivas foram os seguintes:
Gráfico 1: Termos recorrentes correspondentes ao fenômeno na pesquisa
Macapá
18%
Mazagão Santana
59% 23%
Resumo: Este estudo objetiva investigar a ocorrência dos fenômenos da monotongação dos ditongos de-
crescentes orais [aj], [ej], [oj] e da ditongação nos inquéritos experimentais do Atlas Fonético-Fonológico
de Alcântara, que se propõe a mapear as variações fonético-fonológicas no município de Alcântara do esta-
do do Maranhão. Intentamos ainda corroborar com estudos variacionistas já realizados por Aragão (2000,
2014), Paiva (1996), Silva (2004), Araújo (1999) e outros sobre o contexto linguístico que favorece a realiza-
ção da monotongação e da ditongação. Nas entrevistas experimentais, utilizamos a metodologia do Projeto
Atlas Linguístico do Brasil – ALiB e aplicamos o Questionário Fonético-Fonológico (QFF) com 159 questões,
entretanto, para constituir o corpus da pesquisa, consideramos as questões 05 – caixa, 06 – tesoura, 24 – pe-
neira, 91 – bandeira, 135 – baixa e 136 – loura, para a monotongação; e 09 – luz, 21 – arroz, 63 – três, 64 – dez,
137 – voz e 155 – paz, para a ditongação. Três informantes escolarizados foram inquiridos, distribuídos em
duas faixas etárias: de 18 a 30 anos, sendo um do sexo masculino e um do sexo feminino; de 50 a 65 anos, um
informante do sexo masculino. A análise dos dados demonstrou que a monotongação e a ditongação fazem
parte da oralidade de alcantarenses, porém não estão relacionados às variações diatópica, diageracional
e diassexual. São fenômenos fonéticos. Com relação ao contexto fonológico seguinte que favorece a ocor-
rência da monotongação do ditongo decrescente [aj] em [a], nosso estudo não está inteiramente de acordo
com os resultados obtidos por outros pesquisadores do mesmo tema, visto que não houve redução diante
do fonema /S/. As demais análises referentes à monotongação e à ditongação são coerentes com estudos já
realizados, como os de Aragão (2000, 2014).
Palavras-chave: Monotongação. Ditongação. Atlas Fonético-Fonológico.
Introdução
Alcântara está situada na mesorregião do norte Maranhense, na microrregião
da Baixada Ocidental Maranhense, a 2° 23’ 51’’ de latitude sul e 44° 24’ 16’’ de
longitude oeste. A área total do município é de 1.486,7 km² e conta com 22.097
1 Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Maranhão – UFMA. E-mail: carolina.anna@
discente.ufma.br.
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habitantes de acordo com o último censo. A densidade demográfica é de 14,9 habi-
tantes por km² no território alcantarense.
É um dos municípios mais antigos do Maranhão, visto que, de acordo com
Viveiros (1999), a localidade – ocupada por índios – já existia antes mesmo da fun-
dação de São Luís em 1612 pelos franceses. O Instituto Brasileiro de Pesquisa e
Estatística – IBGE também atesta esta informação quando afirma que “não se pode
precisar a fundação de Alcântara, mas o certo é que em 1612 já havia um aglome-
rado de aldeias das quais ela fazia parte com o nome significativo de Tapuitapera
(terra dos índios)” (IBGE, 2010). Entre os anos de 1616 a 1618 teve início a coloni-
zação portuguesa em Tapuitapera e apenas em 1648 foi reconhecida oficialmente
como Vila de Santo Antônio de Alcântara.
O presente trabalho é um recorte da pesquisa de Mestrado em Letras, intitu-
lada “Atlas Fonético-fonológico de Alcântara”, em desenvolvimento, que busca ma-
pear as variações fonético-fonológicas no município investigado e assim contribuir
com as pesquisas do português falado no Maranhão.
Dessa forma, objetivamos investigar a ocorrência dos fenômenos da mono-
tongação e da ditongação nos inquéritos experimentais do Atlas Fonético-Fonoló-
gico de Alcântara, utilizando a metodologia do Projeto Atlas Linguístico do Brasil
– ALiB. Intentamos ainda corroborar com estudos variacionistas já realizados por
Paiva (1996), Silva (2004), Araújo (1999) e outros sobre o contexto linguístico que
favorece a realização de ambos os fenômenos.
Essa tendência em transformar ditongos em vogais simples está presente ao
longo de toda a história do português, inclusive já havia sido verificada tanto em
estudos diacrônicos, que observam a passagem do latim para as línguas român-
ticas, como nos estudos sincrônicos que investigam os atuais falares de diversas
localidades do Brasil.
Aragão (2014), ao tratar do fenômeno da ditongação e da monotongação no
falar das capitais brasileiras, concluiu que não é um fenômeno diatópico, mas sim
completamente fonético. Outros trabalhos corroboram com esse resultado como
Paiva (1996) e Silva (2004). Câmara Jr. (1979) também considera a monotongação
um fenômeno puramente fonético, porque o ditongo, embora seja monotongado na
fala, permanece na grafia formal.
Para pôr em relevo o fenômeno da monotongação, chama-se, muitas vezes, monotongo à
vogal simples resultante, principalmente quando a grafia continua a indicar o ditongo e ele
ainda se realiza numa linguagem mais cuidadosa. Entre nós há, nesse sentido, o monotongo
/ô/, em qualquer caso, e os monotongos /a/ e /ê/ diante de uma consoante chiante: (c)
caixa, como acha, (d)deixa, como fecha. (CÂMARA Jr., 1979, p. 170)
Ditongo e monotongação
O ditongo é definido como uma sequência na mesma sílaba de uma vogal se-
guida de semivogal, também chamada de glide. De acordo com Câmara Jr. (1979),
o verdadeiro ditongo é o decrescente (vogal + glide), enquanto que o ditongo cres-
cente (glide + vogal) é classificado como falso, já que pode variar livremente com o
hiato.
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28
Para Silva (2017, p. 153), a monotongação é um “fenômeno fonológico em que
um ditongo passa a ser produzido como uma única vogal. A ditongação ocorre com
ditongos decrescentes (...) ou com ditongos crescentes”. Sobre monotongo, Aragão
(2014, p. 4) esclarece que:
O termo monotongo não é usado com frequência, a não ser quando se trabalha com a mo-
notongação. Alguns autores se referem a ele quando tratam de monotongação e/ou diton-
gação para mostrar o processo de redução do ditongo que perde sua semivogal e passa a
uma vogal simples.
Considerações finais
O nosso corpus demonstrou que a monotongação e a ditongação são caracte-
rísticas da oralidade de alcantarenses, porém não se constituem variantes regio-
nais do português, visto que são fenômenos que ocorrem em diversas localidades
do Brasil. Sendo assim, além de não estarem relacionados à variação diatópica,
também não ocorrem devido às variações diageracional e diassexual. Portanto, são
fenômenos fonéticos.
Com relação ao contexto fonológico seguinte que favorece a ocorrência da mo-
notongação do ditongo decrescente [aj] em [a], nosso estudo não está inteiramente
de acordo com os resultados obtidos por Aragão (2000, 2014), Paiva (1996), Silva
(2004), visto que não houve redução diante do fonema /S/. As demais análises
referentes à monotongação e à ditongação são coerentes com os estudos citados.
Os resultados dos inquéritos experimentais apresentados nesse estudo são
relevantes e deverão ser comparados quando o Atlas Fonético-Fonológico de Al-
cântara estiver concluído.
Referências
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32
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SILVA, T. C. Fonética e fonologia do português: roteiro de estudos e guia de exercícios. 7 ed. São Paulo: Contex-
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VIVEIROS, J. de. Alcântara no seu passado Econômico, Social e Político. 3. ed. São Luís: AML/ALU-
MAR,1999.
Tu falas remando ou remano? Um
estudo sobre marcação de gerúndio
no português falado no Amapá
Adriana Gabriela Reis Silva1
Romário Duarte Sanches2
Resumo: O presente capítulo trata da marcação de gerúndio no português falado por amapaenses. Como
suporte teórico, discutimos conceitos do campo da Dialetologia (COSERIU, 1982) e da Geolinguística (CAR-
DOSO, 1999; 2010), além do levantamento bibliográfico de trabalhos sobre a realização do gerúndio em
variedades do português brasileiro (NASCIMENTO; MOTA, 2004; FERREIRA; TENANI; GONÇALVES, 2012;
ARAÚJO; ARAGÃO, 2016; ALMEIDA; OLIVEIRA, 2017; ARAÚJO; LAVOR; VIANA, 2018). A metodologia em-
pregada nesta pesquisa faz parte do Projeto Atlas Linguístico do Amapá - ALAP (RAZKY; RIBEIRO; SANCHES,
2017). Assim, utilizamos uma amostra de fala coletada por meio de questionários aplicados a 40 informan-
tes oriundos de 10 municípios do estado do Amapá. Esses informantes foram divididos em grupos, contem-
plando as seguintes variáveis sociais: sexo (masculino e feminino) e faixa etária (de 18 a 30 anos e 50 a 75
anos). Para análise dos dados, investigamos a carta fonética F04 que compõe o ALAP. A carta apresenta o
mapeamento geolinguístico do gerúndio com base em três itens fonéticos: fervendo, remando e dormindo.
Como resultados obtidos, concluímos que 94% dos dados investigados revelam que os amapaenses fazem
uso do gerúndio (nd) e apenas 6% tendem a apagar o fonema /d/, ou seja, usam as formas ferveno, remano
e dormino.
Palavras-chave: Dialetologia. Geolinguística. Gerúndio. ALAP.
Introdução
A Dialetologia é um campo científico que estuda os dialetos e as variações
linguísticas, distribuídos geograficamente. Trata-se de um estudo sistemático, re-
alizado a partir de traços regionais de uma língua, o qual é possível estabelecer
fronteiras geográficas e linguísticas. No que tange à Geolinguística ou Geografia
Linguística, esta é o método aplicado pela Dialetologia, por isso o seu objeto de
pesquisa também diz respeito às línguas inseridas num determinado contexto ge-
ográfico.
1 Acadêmica do Curso de Letras Português/Inglês da Universidade do Estado do Amapá - UEAP. E-mail: [email protected].
br.
2 Professor do Curso de Letras da Universidade do Estado do Amapá - UEAP. Doutor Letras (Linguística) pela Universidade Federal do
Pará - UFPA. E-mail: [email protected].
Sumário
34
De acordo com Nascentes (1953), o início dos estudos dialetais no Brasil se
deu por volta de 1826, com os trabalhos de Visconde de Pedra Branca, seguido por
Amadeu Amaral, em 1920, com a obra O dialeto caipira, e segue até os dias atuais.
Partindo desse contexto, o objetivo deste trabalho é apresentar uma análise
geolinguística da marcação do gerúndio (nd) na fala de amapaenses, além de verifi-
car se os fatores extralinguísticos (geográfico, idade e sexo) interferem na presença
ou ausência do fenômeno. No caso do apagamento de gerúndio, segundo Cagliari
(2002), isso ocorre quando há a supressão de um segmento da forma básica de um
morfema, como na forma nominal do gerúndio do verbo dormir (dormindo), em
que a oclusiva /d/ é apagada, transformando-se em dormino.
Ao longo das discussões que serão apresentadas aqui, apontaremos outras
pesquisas linguísticas realizadas no Brasil com foco nessa temática, como os traba-
lhos de Nascimento e Mota (2004), Ferreira, Tenani e Gonçalves (2012), Araújo e
Aragão (2016), Almeida e Oliveira (2017) e Araújo, Lavor e Viana (2018).
Com isso, este capítulo encontra-se dividido em seis seções: a primeira traz
uma breve introdução, apresentando a delimitação da área de estudo, o objeto de
pesquisa e a finalidade do trabalho; a segunda seção apresenta o referencial teóri-
co adotado, no caso a Dialetologia e a Geolinguística; a terceira seção, por sua vez,
trata da realização do gerúndio no português brasileiro, abordando conceitos de
diversos autores e sua ocorrência em relação ao apagamento; a quarta seção apre-
senta a metodologia usada para esta pesquisa; a quinta seção mostra os resultados
alcançados, bem como a interpretação geolinguística dos dados; e, por fim, a última
seção aborda as considerações finais.
Dialetologia e Geolinguística
Antes de discorrer sobre o arcabouço teórico da Dialetologia é importante fri-
sar acerca das várias definições de língua e dialeto. Sobre língua, a sua concepção é
entendida não só como um sistema social heterogêneo, instrumento de comunica-
ção e interação, mas como uma instituição social utilizada pela coletividade e para
a coletividade3. A língua também é entendida como parte integrante das culturas4, e
tende a funcionar como um sistema aberto5 que, apesar de ser utilizado por meios
de regras e convenções sociais está em constante mudança. Vale ressaltar que entre
os linguistas ainda não há consenso em relação ao conceito de língua.
Para Saussure (2012 [1916]), por exemplo, a língua (langue) pode ser compa-
rada ao mesmo tempo uma instituição social e particular:
[...] a língua existe na e para a coletividade. É um produto social da faculdade da linguagem
e um conjunto de convenções necessárias adotadas pelo corpo social, a fim de permitir o
exercício desta faculdade entre os indivíduos. A língua é, portanto, uma instituição social e
específica (SAUSSURE, 2012 [1916], p. 38).
O linguista brasileiro, Câmara Jr. (1955, p. 54) defende que a língua é parte
integrante da cultura e se sobressai quando comparado a outros elementos da cul-
Rocha Lima (2001) corrobora a ideia expressa acima, apontando que o ge-
rúndio se equivale ao advérbio devido às circunstâncias em que se apresenta como
tempo, modo, lugar, condição etc., no qual se exprime na sentença proferida pelo
falante. Partindo dessa perspectiva, é possível inferir que o gerúndio apresenta-se
como um advérbio ou função adjetiva e como forma verbal.
Assim, o gerúndio, sendo verbo ou advérbio, pode ter seu desempenho nas
estruturas de classes e funções, em que a primeira é independente de contexto e a
segunda é estabelecida na sua relação contextual entre os elementos que se apre-
sentam numa sentença.
Sumário
38
Quanto às condições de classe e função, Perini (2008) revela que há uma re-
lação paradigmática e uma relação sintagmática, respectivamente, uma vez que,
elas se correlacionam com a obra da presteza linguística, com as regras e com os
princípios que norteiam a construção deste produto.
A seguir, aborda-se um breve levantamento bibliográfico de cinco trabalhos
realizados sobre o português brasileiro, que tratam do apagamento da oclusiva /d/
no grupo (nd), produzidos por Nascimento e Mota (2004), Ferreira, Tenani e Gon-
çalves (2012), Araújo e Aragão (2016), Almeida e Oliveira (2017), Araújo, Lavor e
Viana (2018).
Nascimento e Mota (2004) pesquisaram a ausência de “d” no gerúndio do por-
tuguês brasileiro com base nos inquéritos experimentais do Projeto ALiB. O corpus
de análise foi dividido em duas fases: a primeira constituiu-se de 12 inquéritos
aplicados em três cidades da Bahia, tendo por informantes indivíduos do sexo mas-
culino e feminino, de duas faixas etárias, e com ensino fundamental. A segunda fase
constituiu-se de inquéritos aplicados a outras cidades do país (Belém, Imbituva,
João Pessoa, Marília, Niterói, Porto Alegre e Recife) com o mesmo perfil dos infor-
mantes da primeira fase e acrescentando os informantes universitários. Os resul-
tados de Nascimento e Mota (2004) mostram que a variação do gerúndio consiste
apenas no nível fonético, pois as formas padrão e não-padrão se revezam de acordo
com o discurso, mostrando consciência do falante sobre a emprego do gerúndio.
Em relação à variação diagenérica (sexo/gênero) foi constatado que as mulheres se
apropriam da forma padrão, ao passo que os homens são mais suscetíveis à varia-
ção. As autoras se apoiam nas hipóteses de Fischer (1958) e Labov (2006[2001])
de que a mulher tende a utilizar a forma de maior prestígio.
O estudo de Ferreira, Tenani e Gonçalves (2012) analisa o morfema de gerún-
dio (ndo) na variedade do português do Noroeste Paulista. Para a coleta dos dados,
os autores selecionaram um grupo de informantes do banco de dados Iboruna6, uti-
lizando apenas inquéritos da Amostra Censo (doravante, AC), procedentes da cida-
de de São José do Rio Preto e de seis cidades fronteiriças. Sob uma análise sociolin-
guística variacionista, os resultados mostram que os homens jovens e com poucos
anos de escolaridade são os que mais aplicam o apagamento de /d/ nas formas de
gerúndio padrão. Isto é, os informantes das três primeiras faixas etárias (de 7 a 15
anos; de 16 a 25 anos; de 26 a 35 anos) utilizam o apagamento de /d/ em morfema
de gerúndio; ao passo que os informantes das duas últimas faixas etárias, produ-
zem em menor proporção a redução do gerúndio. A variável sexo/gênero apontou
que indivíduos do sexo masculino tende a redução do fenômeno e indivíduos do
gênero feminino tende ao não apagamento do /d/. De acordo com os autores, o re-
sultado confirmou a premissa variacionista de que as mulheres são relativamente
mais sensíveis às formas de prestígios (forma padrão) do que os homens.
Araújo e Aragão (2016) também analisaram o apagamento de /d/ em gerúndio
nas capitais brasileiras a partir dos dados do ALiB. A amostra foi constituída por 96
informantes do ALiB, com a seleção de 12 capitais brasileiras, pertencentes a três
regiões, são elas: Norte, Sul e Centro-Oeste. Para cada localidade foi coletado dados
6 Mais informações sobre o projeto: http://www.iboruna.ibilce.unesp.br/interna.php?Link=corpo.php&corpo=36
Sumário
39
de fala de 8 informantes, estratificados por sexo/gênero (masculino e feminino),
faixa etária (18 a 30 anos e 45 a 60 anos) e escolaridade (até a 8ª série do ensino
fundamental e ensino superior completo). Partindo das variáveis sociais controla-
das, foi aplicado o Questionário Fonético-Fonológico (QFF) com três questões que
trazem itens no gerúndio, a saber: fervendo (questão 27), remando (questão 52)
e dormindo (questão 148). Os resultados mostram que o Sul é a região que mais
conserva a forma padrão, de maneira oposta do Norte e Centro-Oeste que tendem
ao apagamento do fenômeno em questão. Em relação à variável extralinguística
sexo/gênero, Araújo e Aragão (2016) constataram que as mulheres do Norte e do
Centro-Oeste se mostraram conservadoras no diz respeito ao uso da forma padrão,
isto é, tendem a manter o /d/ em palavras com gerúndio, ao contrário dos homens
que tendem ao apagamento.
Almeida e Oliveira (2017) apresentam um estudo que integra o Projeto Varia-
ção Linguística no Português Alagoano - PORTAL. A pesquisa analisa a alternância
entre a forma plena do gerúndio e o apagamento de /d/. Para a análise dos dados
foram consideradas as variáveis linguísticas como: a extensão do vocabulário, a
conjugação verbal e o contexto fonético-fonológico. Para as variáveis extralinguís-
ticas foram consideradas sexo/gênero e faixa etária. Na coleta dos dados foram en-
trevistados 30 informantes maceioenses, considerando o sexo (masculino e femi-
nino) e três faixas etárias (de 18 a 30 anos; de 40 a 55 anos; e acima de 65 anos de
idade) com 10 informantes por faixa etária. Como resultado, os autores constatam
que mais da metade dos informantes, 58%, mantém a forma /ndo/, ao passo que
uma quantidade em menor porcentagem, 42%, tende a apagar a forma gramati-
calmente padrão. Para a variável social sexo, assim como nos trabalhos anteriores
(FERREIRA; TENANI; GONÇALVES, 2012; ARAGÃO; ARAÚJO, 2016), a manutenção
de /d/ em gerúndio ocorre mais na fala de informantes do sexo feminino do que no
sexo masculino.
Por fim, tem-se o trabalho de Araújo, Lavor e Viana (2018) que pesquisam
o apagamento de /d/ no gerúndio “ndo” a partir de dados do ALiB. A amostra de
dados foi constituída de 36 informantes estratificados em sexo (masculino e femi-
nino), faixa etária (de 18 a 30 e de 45 a 60 anos) e localidade (Alagoas e Piauí). Os
resultados gerais mostram maior frequência para a manutenção do /d/ no morfe-
ma de gerúndio, em Alagoas e em Piauí, quando comparado ao apagamento que se
mostrou em menor proporção. Sobre a variável sexo, o apagamento destaca-se na
fala dos homens, diferentemente das mulheres que apresentam a manutenção do
gerúndio. Já a variável faixa etária, a manutenção prevalece na segunda faixa etária,
em oposição a primeira que tende ao apagamento.
Dos trabalhos descritos acima, de modo geral, pode-se constatar que há maior
índice de ocorrência, nas localidades pesquisadas no Brasil, para a manutenção do
gerúndio, isto é, a marcação do fonema /d/ em vocábulos que trazem “nd” (ARAÚ-
JO; ARAGÃO, 2016; ALMEIDA; OLIVEIRA, 2017; ARAÚJO; LAVOR; VIANA, 2018),
embora haja uma tendência ao apagamento no trabalho de Ferreira, Tenani e Gon-
çalves (2012). No que tange à influência das variáveis extralinguísticas, os estu-
dos têm mostrado resultados significativos na marcação de gerúndio em relação
Sumário
40
ao sexo dos falantes, em que as mulheres são protagonistas no que diz respeito à
manutenção do /d/, ao contrário dos homens que tendem a apagar (NASCIMEN-
TO; MOTA, 2004; FERREIRA; TENANI; GONÇALVES, 2012; ARAÚJO; ARAGÃO, 2016;
ALMEIDA; OLIVEIRA, 2017; ARAÚJO; LAVOR; VIANA, 2018). Quanto à faixa etária,
a manutenção do /d/ se destaca na fala dos mais velhos, já na fala dos mais jovens
é possível perceber certa tendência ao apagamento do /d/. (FERREIRA; TENANI;
GONÇALVES, 2012; ARAÚJO; LAVOR; VIANA, 2018).
Metodologia da pesquisa
O corpus de análise desta pesquisa faz parte do Projeto Atlas Linguístico do
Amapá - ALAP, cujo objetivo central foi o de descrever e mapear o português bra-
sileiro falado em 10 municípios do estado do Amapá, destacando a variação lin-
guística de cada localidade (SANCHES; NASCIMENTO, 2019). O projeto ALAP teve
suas bases lançadas em 2010, sobre a autoria de Abdelhak Razky, Celeste Ribeiro e
Romário Sanches.
A primeira edição do atlas foi publicada em 2017, durante o V Workshop do
ALAP, realizado na Universidade Federal do Amapá - UNIFAP. A obra traz informa-
ções linguísticas bastante relevantes, visto que contempla conhecimentos fonético-
-fonológicos e semântico-lexicais da fala dos amapaenses. O trabalho foi baseado
nos princípios da geolinguística pluridimensional, resultando em 16 cartas foné-
ticas, 73 cartas lexicais e 30 cartas estratificadas. Os mapas mostram aspectos da
variação diatópica e diastrática do português brasileiro falado no estado do Amapá.
Em relação à rede de pontos selecionada para o ALAP, destacam-se 10 locali-
dades. Para isso, foram considerados alguns aspectos como o espaço geográfico, o
contexto histórico, a situação econômica e sociocultural dos municípios, atenden-
do, assim, as recomendações de Ferreira e Cardoso (1994, p. 24) sobre a pesquisa
geolinguística, de que a determinação da área a ser submetida à investigação diale-
tal deve ser estabelecida do seguinte modo:
[...] em razão de sua situação geográfica, de sua história, das interferências de que tem
sido objeto, do tipo de povoamento que nela se processou, da situação econômica atual
e passada, da sua relação com as demais áreas a serem pesquisadas (quando for o caso),
da sua situação demográfica, enfim, pode ter como base um conjunto de caracteres que a
demarcam e a distinguem de outras áreas.
Com isso, para este trabalho, foi considerado os dados coletados por meio do
Questionário Fonético-Fonológico (QFF)7 do ALAP. O banco de dados consultado
conta com entrevistadas gravadas em áudio de 40 informantes amapaenses. As lo-
calidades investigadas foram: Macapá, Santana, Mazagão, Laranjal do Jari, Pedra
Branca do Amapari, Porto Grande, Tartarugalzinho, Calçoene, Amapá e Oiapoque.
A seguir apresenta-se a Figura 1, mostrando as localidades selecionadas.
Por fim, o Gráfico 3 apresenta a variável social sexo com seus respectivos re-
sultados. Observamos nos resultados abaixo que essa variável parece não ser es-
tatisticamente significativa, pois a forma padrão se mantém estável com um per-
centual de 95% de presença e 5% de apagamento na fala de informantes do sexo
masculino e feminino.
Gráfico 3: Variação social: sexo
Resumo: Este capítulo é um breve recorte de uma pesquisa sobre a variação de sentenças imperativas no
estado do Maranhão. Por meio dos dados coletados pelo Projeto Atlas Linguístico do Maranhão - ALiMA,
buscamos investigar a existência de variantes nos modos verbais utilizados na construção de sentenças com
tom imperativo na Língua Portuguesa produzidas pelos informantes. À luz das teorias da Dialetologia e da
Sociolinguística, aqui representadas por Cardoso (2010), Labov (2008), Scherre (2007), entre outros, obje-
tivamos compreender e descrever um fenômeno existente e comprovado por outros estudos empreendidos
e publicados em outros estados brasileiros, com ênfase, neste caso, no estado do Maranhão. A metodologia
de coleta e análise dos dados condiz com os projetos Atlas Linguístico do Brasil - ALiB e ALiMA, sendo este
último a base de dados do qual o corpus foi extraído. A pesquisa em andamento envolve cinco municípios
maranhenses, no entanto, optou-se por apresentar neste texto somente a capital do estado, cujo número de
informantes e de variáveis observadas é maior que o das outras localidades. Os resultados obtidos eviden-
ciam que a capital maranhense realiza, em grande parte, o imperativo associado à forma indicativa, assim
como alguns outros estados brasileiros.
Palavras-chave: Dialetologia. Sociolinguística. Variação. Imperativo. Maranhão.
Introdução
Apesar da prescrição gramatical, a língua corrente, isto é, em sua concreti-
zação e uso diário, nem sempre funciona da mesma forma que muitos gramáticos
costumam postular. O modo imperativo do português brasileiro (PB) sofre varia-
ção da mesma forma que muitos outros fenômenos linguísticos. Essa variação se dá
no nível sintático, ou seja, da construção de sentenças, em que o verbo conjugado
1 Mestrando do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal do Maranhão - UFMA. E-mail: ms.lopes@discente.
ufma.br.
2 Professora doutora do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal do Maranhão - UFMA. E-mail: cibelle.beliche@
ufma.br.
3 Professora doutora do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal do Maranhão - UFMA. E-mail: cma.ramos@
ufma.br.
Sumário
47
no imperativo pode adquirir duas formas: uma mais próxima do indicativo e outra
mais tendenciosa ao subjuntivo.
Conforme Cunha e Cintra (2016, p. 462), o modo verbal é “a propriedade que
o verbo tem de indicar a atitude (de certeza, de dúvida, de suposição, de mando,
etc.) da pessoa que fala em relação ao fato que enuncia”. A Língua Portuguesa dis-
põe de três modos verbais: o indicativo, o subjuntivo e o imperativo. O primeiro de-
les expressa uma certeza diante da ação realizada, em curso ou a ser concretizada;
o segundo, denota desejo, súplica e certa dúvida diante de algo; já o último – objeto
de estudo deste trabalho – expressa, etimologicamente (latim = imperare), uma
ordem ou comando. No entanto, a língua, através de diversas estratégias, acaba, efi-
cazmente, suavizando tal ideia, transformando o modo imperativo em exortações e
convites, por exemplo (CUNHA; CINTRA, 2016).
Embora pareça paradoxal a ideia de que um modo verbal possa se servir dos
outros dois existentes, é válido lembrar que o imperativo ocorre na forma afirma-
tiva e na forma negativa. Na forma afirmativa, o imperativo apresenta formas pró-
prias apenas para a segunda pessoa do discurso (singular e plural), sendo comple-
tado, pelas formas subjuntivas; já na forma negativa, o subjuntivo ocupa todas as
lacunas, uma vez que o imperativo não possui formas próprias de construção para
esta forma (CUNHA; CINTRA, 2016).
Essa discussão tem sido abordada por muitos pesquisadores ao longo dos
anos, em diversas partes do Brasil, vide estudos como os de Scherre (2007), que
traz um olhar sincrônico e diacrônico do imperativo no português brasileiro (PB)
até a época. Nas regiões Sudeste e Sul do país, diversas pesquisas empreendidas
atestam a variação do imperativo na fala de brasileiros, prova de que a gramática
normativa não é seguida à risca pelos usuários e de que a variação é inerente a
todas as línguas, sendo um dos fatores que a caracterizam como viva e dinâmica.
Assim, nosso objetivo é analisar a variação do modo imperativo no português
falado no Maranhão, especificamente em São Luís, cuja localidade ainda não possui
muitos trabalhos que sejam expressivos a esse respeito. Para análise, constituímos
um corpus extraído do banco de dados do Projeto Atlas Linguístico do Maranhão
- ALiMA, realizado pelo Departamento de Letras da Universidade Federal do Ma-
ranhão – DELER/UFMA e que objetiva “elaborar o Atlas Linguístico do Maranhão”
e “descrever a realidade do português do Maranhão para identificar fenômenos
fonéticos, morfossintáticos, lexicais, semânticos e prosódicos, que caracterizam di-
ferenciações ou definem a unidade linguística do Estado” (RAMOS, 2005, p. 5).
Portanto, neste capítulo, fizemos uma breve fundamentação teórica concer-
nente à Dialetologia e à Sociolinguística, bem como sua relação com este trabalho,
e a variação do imperativo conforme trabalhos já publicados sobre a temática. Em
seguida, apresentamos a metodologia adotada para coleta dos dados e posterior
análise. Na penúltima seção, damos destaque aos resultados obtidos através das
realizações linguísticas dos informantes de São Luís, de modo a confirmar ou refu-
tar nossas hipóteses. Por fim, faremos nossas considerações sobre esta produção e
os caminhos que pode percorrer futuramente.
Sumário
48
Fundamentação teórica
O imperativo, na Língua Portuguesa, apresenta certa semelhança com a língua
latina, da qual evoluiu. A forma de conjugação dos verbos no imperativo, tendo so-
mente a segunda pessoa do discurso como formas próprias é uma referência direta
à herança latina, que apresentava este modo verbal como independente do indica-
tivo. Segundo Scherre (2007), no latim, as formas imperativas só se distinguiam do
infinitivo verbal por meio da exclusão da última sílaba, como, por exemplo, laxare
(deixar) para laxa (deixa). Assim como nesse exemplo, alguns verbos no PB se-
guem o mesmo padrão, apesar de não ser uma regra para todos, especialmente a
depender da pessoa do discurso sobre quem se está falando, conforme apontado
por Scherre et al. (2007):
Pesquisas sobre o português brasileiro em uso têm evidenciado que a alternância olha/olhe;
abre/abra; faz/faça não apresenta correlação inequívoca com o contexto discursivo de me-
nor ou maior distanciamento, que caracteriza o uso explícito dos pronomes tu ou você em
algumas regiões brasileiras, sem a presença obrigatória da morfologia verbal (cf.: SETTE
1980; SOARES 1980; PAREDES SILVA, 2003; LOREGIAN-PENKAL, 2004; LUCCA, 2005).
4 O Projeto Norma Urbana Culta foi desenvolvido entre as décadas de 70 e 90 em cinco capitais brasileiras: Rio de Janeiro, São Paulo,
Porto Alegre, Recife e Salvador.
Sumário
50
Como o PB permite a construção imperativa precedida de você em duas for-
mas distintas (“Faz você a lição”; e “Faça sua própria lição”), esse é um dado rele-
vante para se pensar a variação concretizada pelos falantes em sentenças ou ver-
bos no modo imperativo. De acordo com a pesquisa de Scherre et al. (2007), essa
última forma se encontra com uso reduzido atualmente, levando em consideração
que mesmo falantes de tu optam por construir sentenças com o verbo conjugado
na 3ª pessoa do singular (ele/ela faz – tu faz).
A seguir, apresentamos os procedimentos metodológicos utilizados para a co-
leta dos dados pelo Projeto ALiMA e os que foram utilizados em nossa análise a
posteriori.
Procedimentos metodológicos
O Projeto Atlas Linguístico do Maranhão - ALiMA nasceu a partir da necessida-
de de mapear os fenômenos geossociolinguísticos e dialetológicos que ocorrem no
estado, seguindo o exemplo de iniciativas como o Atlas Linguístico do Brasil - ALiB,
projeto sociodialetal e geolinguístico ao qual estão vinculados outros atlas estadu-
ais. O intuito é:
[...] o estudo de diversos fenômenos nos diferentes níveis de análise linguística, objetivando
assim um conhecimento geral e sistemático da realidade linguístico-cultural maranhense
que possa subsidiar o exame das possíveis convergências e divergências entre os falares
que compõem o português falado no Brasil (RAMOS et al., 2019, p. 23).
Para a coleta dos dados obtidos pelo ALiMA, as seguintes variáveis foram con-
troladas:
• Sexo: os informantes foram divididos em dois grupos – feminino e mascu-
lino, contemplando a dimensão diassexual da pesquisa geolinguística;
• Escolaridade: com exceção de São Luís, que também apresenta indivídu-
os com escolaridade superior completa, em todas as localidades foram se-
lecionados informantes com ensino fundamental incompleto;
Sumário
51
• Faixa etária: o projeto estabeleceu duas faixas etárias para a realização
dos inquéritos – dos 18 aos 30 anos (faixa etária I) e dos 50 aos 65 anos
(faixa etária II) – inserindo a dimensão diageracional;
• Dimensão: para participar da pesquisa, os indivíduos selecionados devem
ser naturais daquela localidade ou não ter se afastado por mais de um ter-
ço da vida, o que consiste na dimensão topostática.
Dessa forma, foram selecionados 04 indivíduos em cada município, dois do
sexo masculino e dois do sexo feminino, e 08 informantes na capital, quatro do sexo
masculino e 04 do sexo feminino, totalizando 68 entrevistados, que compõem a
estratificação social do atlas.
A identidade dos informantes foi preservada da seguinte forma: aos informantes do sexo
masculino atribuímos números ímpares, e aos do sexo feminino, números pares; os núme-
ros de 1 a 4 correspondem aos informantes com ensino fundamental, e de 5 a 8, àqueles
com formação universitária. Com relação à faixa etária, os números 1, 2, 5 e 6 são atribuí-
dos aos sujeitos mais jovens (faixa etária I), e os números 3, 4, 7 e 8, aos mais idosos (faixa
etária II). Para identificação das localidades, foi atribuído um número de dois dígitos a cada
uma delas, antecedido pela sigla MA (RAMOS et al, 2019, p. 24).
Resumo: Este trabalho tem como objetivo descrever os tipos de metaplasmos no falar amapaense a partir
do banco de dados do Projeto Atlas Linguístico do Amapá - ALAP. Têm-se como suporte teórico as discussões
do campo da Dialetologia e da Geolinguística (CARDOSO, 2010), além de questões relacionadas aos meta-
plasmos (KURODA, 2014). A metodologia empregada corresponde aos mesmos parâmetros adotados pelo
Projeto ALAP, com a seleção de 10 localidades: Macapá, Santana, Mazagão, Laranjal do Jari, Pedra Branca do
Amapari, Porto Grande, Tartarugalzinho, Amapá, Calçoene e Oiapoque. Foram considerados 40 informantes,
controlando as variáveis sexo (homem e mulher) e idade (18-30 anos e 50-70 anos). Os dados analisados
dizem respeito a uma amostra do Questionário Fonético-Fonológico (QFF). Os vocábulos analisados foram:
prateleira, caixa, tesoura, varrer, ruim, arroz, colher, liquidificador, abóbora, clara, manteiga, botar, árvores,
planta, elefante, peixe, calor, tarde, três, placa, bicicleta, pneu, vidro, passagem, muito, obrigado, giz, advogado,
inocente, ouvido, caspa, homem, mulher, braguilha, assobio, paz e hóspede. Os resultados mostram a presen-
ça de metaplasmos por aumento, supressão, transposição e transformação, com os seguintes fenômenos:
anaptixe, prótese, aférese, apócope, síncope, metátese, hipértese, sístole, degeneração, desnasalação, rotacis-
mo, ditongação, monotongação, metafonia e nasalação.
Palavras-chave: Metaplasmos. Geolinguística. Amapá.
Introdução
No estado do Amapá (AP), segundo estimativa populacional de 2020 do Insti-
tuto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), possui um quantitativo de 861.773
habitantes. O Amapá faz fronteira com o Pará, o Suriname e a Guiana Francesa.
Apesar de ser uma região propícia aos estudos da língua em contato, em virtude
da influência de variedades de outras comunidades fronteiriças, ainda há poucas
pesquisas nesse campo, sobretudo em relação ao português falado no estado.
1 Graduada em Letras-Inglês pela Universidade do Estado do Amapá – UEAP. E mestranda em Letras pela Universidade Federal do
Amapá – UNIFAP. E-mail: [email protected].
2 Doutor em Linguística pela Universidade Federal do Pará – UFPA e Professor do Curso de Letras na Universidade do Estado do
Amapá – UEAP. E-mail: [email protected]
Sumário
58
Sabe-se que as línguas vêm se constituindo ao longo dos anos, passando por
variações linguísticas de ordem fonológica, sintática e/ou morfológica, que são in-
trínsecas a elas, adaptando-se aos mais diversos fatores, sejam eles internos (es-
truturais) ou externos (sociais). Para compreender as mudanças linguísticas pelas
quais as línguas passam foram realizados diversos estudos no que tange à variação
linguística a partir de áreas do conhecimento como: a Sociolinguística, a Dialetolo-
gia e a Geossociolinguística.
No Brasil, os estudos nas áreas da Dialetologia e da Geolinguística começaram
a surgir na metade do século XX, impulsionados pelas primeiras publicações dos
atlas linguísticos regionais. No entanto, ganharam força com a proposta metodo-
lógica do Projeto Atlas Linguístico do Brasil - ALiB, em 1996. Pode-se dizer que, a
partir de então, inúmeros estudos variacionistas sobre o Português Brasileiro (do-
ravante PB) foram realizados.
Diante disso, este trabalho tem como objetivo descrever os tipos de metaplas-
mos no falar amapaense a partir do banco de dados do Projeto Atlas Linguístico do
Amapá - ALAP. Para isso, o trabalho foi dividido em cinco seções: introdução, dis-
cussão teórica, metodologia, apresentação dos resultados e considerações finais.
Dialetologia e Geolinguística
Uma das áreas do conhecimento que se ocupa de estudos voltados para ques-
tões variacionistas de uma língua natural é a Dialetologia. Esta faz uso da descri-
ção dos dialetos com base na localização geográfica dos falantes. De modo geral,
“a Dialetologia é tratada como uma ciência que surgiu nos fins do século XIX e que
demonstra, até os dias de hoje, um maior interesse pelos dialetos regionais, rurais e
sua distribuição e intercomparação” (FERREIRA; CARDOSO, 1994 apud SANCHES,
2015, p. 18).
Em uma concepção tradicional de Dialetologia, Dubois (2006, p. 185) desig-
na-a da seguinte forma:
O termo dialetologia, usado às vezes como simples sinônimo de geografia linguística, desig-
na a disciplina que assumiu a tarefa de descrever comparativamente os diferentes sistemas
ou dialetos em que uma língua se diversifica no espaço, e de estabelecer-lhes os limites.
Emprega-se também para a descrição de falas tomadas isoladamente, sem referência às
falas vizinhas ou da mesma família (Grifos do autor).
Já em uma perspectiva mais atual, a Dialetologia é vista como “um ramo dos
estudos linguísticos que assume a tarefa de identificar, descrever e situar os dife-
rentes usos em que uma língua se diversifica, conforme a sua distribuição espacial,
sociocultural e cronológica” (CARDOSO, 2010, p. 15).
Dentro do escopo da Dialetologia, encontra-se o método da Geografia Linguís-
tica ou Geolinguística, criado pelos dialetólogos com a intenção de registrar e com-
parar os resultados das pesquisas linguísticas em localidades diferentes por meio
da técnica cartográfica.
Sobre a relação entre Dialetologia e Geolinguística, Aragão (2009, p. 71 apud
GUEDES, 2012, p. 25) afirma que a Dialetologia de hoje não é uma mera geografia
linguística, como era considerada antes, em que se focalizavam as variações re-
Sumário
59
gionais ou diatópicas, apresentando resultados monodimensionais, monostráticos,
monogeracionais e monofásicos. Atualmente, como afirma Cardoso (2010), a Dia-
letologia moderna ampliou o seu campo de observação e hoje considera variáveis
sociais mais complexas como: a diageracional, diagenérica, diassexual, diastrática
e diafásica.
A dimensão diageracional busca mostrar a variação linguística condicionada
pela faixa etária; enquanto que a diagenérica ou diassexual visa estudar variação
linguística condicionada pelo gênero/sexo; já a diastrática considera a variação lin-
guística condicionada pela classe social, escolaridade e/ou profissão; por último, a
diafásica pesquisa a variação linguística condicionada pelo estilo (linguagem for-
mal ou informal).
Metaplasmos no Português Brasileiro
De acordo com Kuroda (2014), o termo metaplasmo vem do grego μετα (além)
+ πλασμóς (formação, transformação), ou seja, trata das modificações fonéticas so-
fridas pelas palavras por meio de sua evolução histórica, como do latim ao portu-
guês contemporâneo.
Sobre os metaplasmos, Botelho e Leite (2005, p. 01) afirmam que essas alte-
rações fonéticas não são simplesmente processos que a língua sofreu na passagem
do Latim para o Português, mas que são fenômenos que continuam agindo e trans-
formando a Língua Portuguesa nos dias atuais.
De modo igual, Kuroda (2014) ratifica que as transformações fonéticas não
se dão por acaso e também não ocorrem por acidente ou por conta de desejos pes-
soais, elas obedecem à mudança natural e espontânea da língua. Esses processos
ocorrem principalmente durante o discurso informal dos indivíduos, momento em
que eles se encontram mais à vontade para falar de forma espontânea.
Os metaplasmos podem ser classificados em quatro tipos, segundo Botelho e
Leite (2005, p. 02): aumento, supressão, transposição e transformação. O metaplas-
mo por aumento ocorre quando se insere um fonema no vocábulo, aumentando
assim a sua forma fonética, como em: asterisco > asterístico. Esse tipo de meta-
plasmo pode ser subdividido em quatro fenômenos fonológicos: epêntese, anaptixe,
epítese/paragoge e prótese. O metaplasmo por supressão ocorre quando se suprime
um fonema do vocábulo, reduzindo assim a sua forma fonética, como em: bêbado >
bebo. Esse tipo de metaplasmo pode ser subdividido em quatro fenômenos fonoló-
gicos: aférese, apócope, síncope e haplologia.
O metaplasmo por transposição ocorre quando há o deslocamento de fonemas em
um vocábulo ou a transposição do acento tônico da palavra, como em: gratuito > gratuíto.
Esse tipo de metaplasmo pode ser subdividido em quatro fenômenos fonológicos: metáte-
se, hipértese, sístole e diástole. Por último, o metaplasmo por transformação ocorre quando
há a transformação de um fonema em outro diferente no vocábulo, como em: pílula > píru-
la. Esse tipo de metaplasmo pode ser subdividido em doze fenômenos fonológicos: dege-
neração, desnasalação, dissimilação, rotacismo, lambdacismo, ditongação, monotongação,
metafonia, nasalação, palatalização, sonorização e despalatalização ou iotização.
Sumário
60
Metodologia
Esta seção busca mostrar os procedimentos metodológicos adotados para a descri-
ção dos metaplasmos presentes na fala de amapaenses. Assim, são descritos a seguir a
rede de pontos, o perfil do informante, o instrumento de pesquisa e a seleção dos dados.
Os pontos de inquérito desta pesquisa são os mesmos selecionados para o ALAP.
Neste sentido, foram consideradas 10 localidades do estado do Amapá, a saber: Macapá
(1); Santana (2); Mazagão (3); Laranjal do Jarí (4); Pedra Branca do Amapari (5); Porto
Grande (6); Tartarugalzinho (7); Amapá (8); Calçoene (9) e Oiapoque (10).
De acordo com Razky, Ribeiro e Sanches (2017, p. 37), as localidades foram selecio-
nadas a partir dos seguintes critérios: a densidade demográfica; a distribuição espacial
das localidades; a importância econômica; e o aspecto sociocultural da localidade. Desta
forma, 10 dos 16 municípios do estado compuseram a rede de pontos do ALAP.
Os informantes selecionados para esta pesquisa também dizem respeito ao
grupo de colaboradores do ALAP. Assim, foram controladas as seguintes variáveis,
como mostra a Quadro 1.
Quadro 1: Perfil dos informantes
Informante Faixa etária Sexo Escolaridade
1 18-30 Masculino Fundamental
1 18-30 Feminino Fundamental
1 50-75 Masculino Fundamental
1 50-75 Feminino Fundamental
Fonte: Elaboração dos autores.
O fenômeno anaptixe, que consiste na inserção de uma vogal entre duas con-
soantes para desfazer um encontro consonantal, esteve presente no item advogado
> adevogado, ocorrendo na fala de seis (6) informantes; dois (2) homens de segun-
da faixa etária nos pontos 1 (Macapá) e 5 (Pedra Branca do Amapari) e três (3)
mulheres de segunda faixa etária nos pontos 2 (Santana), 3 (Mazagão) e 4 (Laranjal
do Jari).
O fenômeno prótese, que consiste na inserção de um segmento no início de
uma palavra, esteve presente no item liquidificador > velhificado, ocorrendo uma
(1) vez na fala de um (1) homem de segunda faixa etária no ponto 2 (Santana).
Metaplasmos por supressão
Os resultados encontrados que dizem respeito aos metaplasmos por supressão foram
aférese, apócope e síncope. Neste sentido, os itens fonéticos que apontaram a presença
desses fenômenos foram: abóbora, elefante, obrigado, advogado, varrer, colher, botar, ca-
lor, mulher e árvore, como mostra a Tabela 2.
Tabela 2: Resultados encontrados para metaplasmos por supressão
abóbora > bóbura 2
elefante > lefanti 2
Aférese
obrigado > brigadu 5
advogado > devogadu 4
varrer > varre 36
colher > colhe 30
Apócope botar > bota 29
calor > calo 28
mulher > mulhe 28
abóbora > abóbra 3
Síncope
árvore > avuri 11
Fonte: Elaboração dos autores.
Resumo: O presente trabalho consiste na análise dos aspectos morfossintáticos das unidades terminoló-
gicas no glossário da piscicultura no Pará. Os dados são um recorte da Dissertação de Mestrado de Lisboa
(2015) e são constituídos de entrevistas com piscicultores e trabalhadores braçais do dia a dia das fazendas,
laboratórios e estações de piscicultura. Assim sendo, o objeto de estudo é o léxico especializado e os seus as-
pectos morfossintáticos. A pesquisa está ancorada nos procedimentos teórico-metodológicos da morfossin-
taxe estabelecidos por Gonçalves (2016), Haspelmath e Sims (2010) e Sândalo (2001). O objetivo é analisar
aspectos de formação de palavras, termos no campo piscícola, como os xenoconstituintes, a função de rotu-
lação, processo de adequação categorial, novos rótulos para novas categorizações, blend lexical, clippings,
derivação e estruturação sintática das unidades terminológicas complexas. Os resultados parciais expõem
que o processo estrutural na terminologia é funcional e regular.
Palavras-chave: Unidades terminológicas. Morfossintaxe. Formação de palavras.
Introdução
A pesquisa para a documentação da terminologia da atividade econômica da
piscicultura partiu da coleta de dados orais através de entrevistas concretizadas
nas visitas às fazendas de cultivo, engorda e comercialização, aos laboratórios de
pesquisa e às fazendas ou laboratórios de reprodução induzida, resultando na cole-
ta dos dados orais com os diversos profissionais da área da piscicultura.
Para a consecução deste capítulo foi feito um recorte do total de 358 verbetes
para a análise de alguns termos específicos da piscicultura pelo ponto de vista da
morfossintaxe, por intermédio de uma pesquisa bibliográfica, quanto aos proces-
sos de formação de palavras e termos, já que se está no âmbito da língua especiali-
zada, como fenômenos de ampliação lexical, construção de xenoconstituintes para
cunhar novidades relacionadas à piscicultura, ou seja, novos rótulos para novas
1 É graduado em Letras/Língua Portuguesa - UEPA, mestre em Letras/Linguística - UFPA e doutorando do Programa de Pós-graduação
em Letras/Linguística - PPGL/UFPA. E-mail: [email protected].
Sumário
69
categorizações, blend lexical, clippings, derivação e estruturação sintática das uni-
dades terminológicas complexas.
O capítulo está dividido da seguinte forma, a saber: um tópico sobre os as-
pectos teórico-metodológicos das ciências do léxico: lexicologia, lexicografia, ter-
minologia e terminografia. Além disso, há a apresentação de alguns fenômenos
morfossintáticos no léxico comum e no léxico especializado. No segundo tópico,
apresenta-se a metodologia para a consecução da pesquisa que é resultado de Dis-
sertação de Mestrado e também o método bibliográfico para analisar os termos. No
outro tópico é exposta uma análise concisa, pelo ponto de vista morfossintático,
dos termos da piscicultura.
As ciências do léxico
O léxico é o conjunto das unidades que formam a língua de uma comunida-
de, de uma atividade humana. Assim sendo, o nível lexical é o que melhor retra-
ta aspectos da realidade social, histórica, geográfica, política, ideológica, religio-
sa, tecnológica, científica, cultural, intelectual e econômica; reflete mudanças de
concepções, de relacionamentos, de hábitos, de atividades humanas, de crenças,
de comportamentos etc., pois constitui uma forma concreta de registrar o conheci-
mento do universo.
Tanto na língua geral quanto na língua de especialidade, observa-se a tensão
entre língua, sociedade e cultura, gerando o léxico geral das línguas naturais e o lé-
xico especializado das línguas técnico-científicas das diversas atividades humanas.
Assim, a língua é ao mesmo tempo um sistema de classificação e um sistema de
comunicação (BASILIO, 2011).
A Lexicologia
A área que estuda o léxico geral é denominada de lexicologia e a sua face apli-
cada é a lexicografia. A lexicologia apresenta um aspecto teórico em oposição ao
prático que é a lexicografia, a arte ou a técnica de compor dicionários. Assim sendo,
a lexicologia e a lexicografia configuram duas atitudes e dois métodos em face do
léxico.
A lexicologia é um ramo da linguística que estuda cientificamente o léxico, isto
é, o seu objeto de estudo é a palavra, o componente lexical geral e não especializado
de uma língua. A metodologia do trabalho lexicológico é semasiológico, partindo da
forma para o conteúdo.
Os estudos lexicológicos analisam, depreendem, o conglomerado infinito de
palavras de uma língua relativos à formação, à estruturação, à categorização, ao
funcionamento, à mudança no tempo e espaço, à significação linguística, tendo a
função de decodificar as lexias. Assim, a lexicologia “aborda a palavra como um
instrumento de construção de uma visão de mundo (...) como geradora e reflexo de
recortes culturais” (BARBOSA, 2009, p. 30).
Muitas palavras nasceram e foram inseridas no vocabulário dos brasileiros
desde o ano 2000 até este exato momento, em 2021. Muitos contextos extraver-
bais, comunicacionais, ideológicos, políticos, econômicos, culturais, religiosos, pu-
Sumário
70
blicísticos, esportivos, tecnológicos, familiares etc., divergências, ironias, guerras,
resultados bem-sucedidos ou mal sucedidos, no âmbito local, regional, nacional e
mundial fizeram com que circulassem novas palavras que ainda não foram, ou já
foram, documentadas.
Essa abordagem da palavra, feita pela lexicologia, como instrumento de cons-
trução de uma visão de mundo, de uma ideologia, como geradora de recortes cul-
turais, se dá pela relação indissociável entre língua, sociedade e cultura, pois o
conjunto lexical dos falantes de um dado grupo está imbricado aos aspectos que
circundam a sociedade, possibilitando uma infinita renovação, uma ampliação lexi-
cal e semântica, dada pela lógica da língua, com base nos seus padrões lexicais, ou
por empréstimos linguísticos, neologismos, em diferentes contextos, sendo dinâ-
mica e constante. Assim, a língua não faz apenas parte de uma cultura, ela permite
que nos apropriemos da cultura.
Dentro das ciências do léxico a parte aplicada da lexicologia é a lexicografia,
conhecida como a ciência, a técnica, a prática e a arte de elaborar dicionários. Tal
ação do dizer lexical de um povo, de uma cultura, de uma nação é denominada de
lexicografia prática (WELKER, 2006, p. 70).
O trabalho lexicográfico não é de mera organização de uma lista de palavras,
há todo um método que leva em consideração o contexto ideológico-extraverbal
dos itens lexicais, também descrevendo as categorias do saber lexical de nature-
za fonética, gramatical, conceitual, semântica. Por isso, Biderman (2001, p.17-18)
afirma a relevância dos dicionários quando diz que “o dicionário é um objeto cul-
tural de suma importância nas sociedades contemporâneas, sendo uma das mais
relevantes instituições da civilização moderna”.
É por este método de pesquisa que são analisadas as palavras usadas pelos fa-
lantes para identificar as novas formas de atividades, profissões, atuações em áreas
em expansão, como a denominação de “manutentor” para quem trabalha na área
de manutenção em alguma empresa.
Esta palavra ainda não recebeu a validação necessária pelos lexicógrafos bra-
sileiros, para aparecer registrada nos dicionários. Assim sendo, fica a dúvida, pelos
usuários, para denominar tal trabalhador. Qual é a palavra? É “manutentor”, “man-
tenedor”, “manutenendor”, “mantedor”, “manutedor” ou “manententor”?
A partir do momento em que esta palavra passa a ser analisada pelo lexicógra-
fo, objetiva-se que “manutentor” passe pelos critérios da lexicologia, seja registra-
da pelos lexicógrafos no dicionário para que o trabalhador da área de manutenção
seja reconhecido por uma palavra que o diferencie do sentido de “quem ou aquele
que mantém, que sustenta, que provê”, encontrado nos dicionários nas palavras
“mantenedor” e “mantedor”2.
2 Este exemplo, de como lexicografar, foi extraído da Revista Veja, edição 2368, nº 15, de 09/04/14, na coluna Leitor-blogosfera/
sobrepalavras, p. 36, onde um leitor fez a seguinte pergunta: “trabalho em uma empresa de produção de energia e tenho dificuldades
em denominar quem trabalha na área de manutenção: mantenedor, manutenendor, mantedor, manutedor ou manententor? Qual dos
termos seria correto?”.
Sumário
71
A Terminologia
A área que estuda o léxico especializado é denominada de terminologia e a
sua face aplicada é a terminografia. Krieger e Finatto (2004, p. 20) afirmam que
a terminologia apresenta dois enfoques distintos: o desenvolvimento teórico e as
análises descritivas; e as aplicações terminológicas, que é a produção de glossários,
dicionários, bancos de dados e sistemas de reconhecimento automático de termi-
nologias. Esses procedimentos terminológicos buscam a organização, o armazena-
mento e a divulgação do conhecimento advindo das atividades técnico-científicas
através do compartilhamento dos termos especializados, no âmbito da comunica-
ção humana.
As orientações terminológicas apresentam dois tipos de análise: in vitro e in
vivo. A análise in vitro se deu com Eugen Wüster, com o estabelecimento da Teoria
Geral da Terminologia (TGT) cujo enfoque tinha um princípio normativo, de pa-
dronizar, de alcançar a univocidade dos termos, rechaçando os aspectos comunica-
cionais, pragmáticos e variacionistas da linguagem de especialidade. Para Wuster
(1998, p. 150, apud FAULSTICH, 2001, p. 17) a “variação linguística era toda per-
turbação na unidade linguística”, pois todo e qualquer caso que gerasse a variação
era considerado uma anomalia. O objetivo era eliminar a variação terminológica e
enfatizar que o termo deveria ser monovalente na linguagem de especialidade.
Por outro lado, a análise in vivo deu-se no início na década de 80, com Bou-
langer e com François Gaudin, em 1993, entre outros teóricos, como Faulstich, em
1995, com a fundamentação da socioterminologia, reconhecendo que a análise ter-
minológica deve considerar o contexto de produção e uso dos termos e expressan-
do veementemente a variação nas linguagens de especialidade, pelo fato da termi-
nologia fazer parte da língua, de ser heterogênea, por ser de uso social, sendo assim
passível à variação.
Por ser uma área de estudo do léxico especializado, a terminologia adquire
um valor e um interesse global, primeiro por ter uma influência linguística sobre
os termos especializados de outras áreas técnico-científicas e segundo pelos inte-
resses de diversos profissionais, como os tradutores, documentalistas, lexicógra-
fos, redatores técnicos, jornalistas, entre outros profissionais da linguagem, em se
apropriar da teoria terminológica para o estabelecimento de uma comunicação
mais eficiente entre os especialistas das diversas áreas de atividades humanas e a
sociedade em geral.
O campo terminológico obteve ascensão pelo fato da relevância das línguas
de especialidade atreladas à importância econômica, social, científica, tecnológi-
ca, cultural, manifestada pelas inúmeras atividades humanas que já existiam e que
foram criadas pela dinamicidade da industrialização e da globalização no mundo.
Pontes (1997, p. 44) ratifica isso, quando aponta as causas dessa expansão da ter-
minologia, como a) o avanço das ciências; b) o desenvolvimento da tecnologia; c)
o desenvolvimento dos meios de comunicação; d) o desenvolvimento das políticas
internacionais; e) o desenvolvimento do comércio internacional e f) o progresso
das multinacionais.
Sumário
72
Os termos criados e utilizados nas diversas atividades humanas são marcas
de identidade que apresentam relevância de conhecimentos de tudo que circunda
naquela área, sendo materializada linguisticamente, tendo um valor significativo
real para todos os profissionais da área. Assim, apresentam as funções de repre-
sentação e a de transmissão do conhecimento especializado.
As diversas áreas técnico-científicas apresentam um léxico de especialidade
que reflete interesses, tendências, fenômenos, desenvolvimentos, experiências,
progressos, pesquisas, a heterogeneidade de manejo, cultivo, técnicas, instrumen-
tos de trabalho, comercialização, tanto das atividades quanto dos profissionais da
área.
A terminografia, ou lexicografia especializada, é a face aplicada da terminolo-
gia, que objetiva a produção de instrumentais terminológicos de transmissão das
unidades de interação das atividades técnico-científicas.
O objeto central de descrição, análise e aplicação da terminografia é o ter-
mo, é o dicionário especializado e o seu caráter metodológico é onomasiológico.
Desse modo, entende-se que para o fazer terminográfico ser concretizado em um
instrumento de referência especializada é necessário que o pesquisador conheça
e reconheça os procedimentos teórico-metodológicos da terminologia e da termi-
nografia.
O proceder terminográfico estabelece a análise do seu objeto de estudo, a
renovação dos modelos de tratamento dos dados, a construção de uma metalin-
guagem específica, a metodologia de elaboração de dicionários, a crítica reflexiva
sobre seu trabalho (BARROS, 2004, p. 68).
Bevilacqua e Finatto (2009, p. 49) expõem o fundamento organizacional ter-
minográfico, um trabalho elaborado para um grupo de usuários específicos, mas
que não limita as informações, proporcionando as terminologias àqueles grupos
externos ao domínio especializado; uma obra que apresenta a informação recor-
tada, delimitada, vinculada a um conjunto textual de referência que possibilita ao
consulente à integração de conhecimentos para concretude do entendimento dos
termos.
A Socioterminologia
A Socioterminologia, como termo, apareceu pela primeira vez no início da dé-
cada de 1980, publicado num trabalho de Jean-Claude Boulanger (GAUDIN, 1993,
p. 67).
Segundo Lima e Martins (2014, p. 209), Gaudin estabelece os fundamentos
teóricos da socioterminologia e ratifica: a) um desacordo com o idealismo univer-
salista da terminologia Wusteriana; b) a rejeição ao pensamento averbal, pois a
palavra autoriza a autonomia do pensamento; e c) os estudos terminológicos em
condições in vivo, reais de uso dos termos.
Gaudin (1993, p. 16) afirma que, por meio da prática socioterminológica, a
terminologia considera que o funcionamento real da linguagem é voltada à dimen-
são social das práticas de linguagem nas atividades humanas, ou seja, descreve e
analisa os termos de uma língua de especialidade no contexto real de uso. Desse
Sumário
73
modo, a terminologia passa a ter uma base metodológica, uma visão interdiscipli-
nar e dinâmica. Esse fato conduziu a transposição de uma terminologia prescritiva
à socioterminologia, a um estudo terminológico heterogêneo.
Para a concepção socioterminológica, as línguas de especialidade funcionam
como qualquer língua natural, sem artificialismos, dando prioridade e importância
à dimensão social, ao contexto de produção, à realidade do funcionamento dos lé-
xicos especializados. Com isso, deu-se reconhecimento à variação terminológica, às
variações denominativas e conceituais, nas línguas de especialidade, como afirma
Faulstich (2001, p. 30), de que a terminologia tem como objetivo focalizar o uso do
termo em contextos escritos e orais, identificando as variantes dentro de um ou de
diferentes contextos em que o termo é usado.
A Morfologia
A morfologia é definida como o componente da gramática que trata da estru-
tura interna das palavras (SÂNDALO, 2001, p. 181). Segundo Haspelmath e Sims
(2010, p. 02), a morfologia é o estudo da covariação sistemática na forma e signifi-
cado das palavras. Entende-se que a morfologia tem como domínio a combinação
de signos simples individuais, cada um representando a unidade de uma parte dis-
creta do significado da “palavra” com uma parte discreta de sua forma. A análise
morfológica tipicamente consiste na identificação de (partes) constituintes da pa-
lavra (estrutura interna). Assim como o termo é a unidade pertinente para a termi-
nologia, a palavra é uma unidade máxima da morfologia (SÂNDALO, 2001, p. 188).
Especificamente, a morfologia norteia este trabalho, pois o objetivo desta aná-
lise baseia-se na concepção do fenômeno de ampliação lexical (transpondo à ter-
minologia) de Gonçalves (2016). Ele expressa as tendências atuais da inovação le-
xical, não apontadas por gramáticas tradicionais ou manuais de morfologia. Assim
sendo, a ideia é utilizar essas concepções teórico-metodológicas na terminologia
da piscicultura (LISBOA, 2015). As construções com xenoconstituintes são “ampla-
mente utilizados para cunhar novidades relacionadas à computação, à informática,
ou aos eventos que envolvem, de algum modo, a rede mundial de computadores”
(GONÇALVES, 2016).
Os xenoconstituintes tendem a refletir várias das inovações que moldaram a
formação de palavras em português entrelaçadas à morfologia do inglês. Ou seja,
versa sobre a ampliação lexical que se observa no português. São novas palavras
que vêm surgindo, num primeiro olhar, pela necessidade de comunicação. Vejamos
alguns exemplos: Ciber- [Ciberdúvidas], [Ciberespaço], [Cibercultura]; E-(eletro-
nic) [E-social], [E-esportes]; Tech- [canaltech], [techtudo].
Gonçalves (2016) chama a atenção para as palavras que surgem, de tempos
em tempos, e que, muitas vezes, não damos conta disso. Criar palavras novas ou
modificar o significado de palavras existentes são tarefas rotineiras. Por isso, ele
indaga o porquê de haver a criação de novas palavras. Ele responde afirmando que
“aparecem palavras novas quando novos fenômenos ocorrem ou quando surge um
conceito ou, ainda, um objeto é inventado. Assim temos a necessidade de nomeá-
-los para nos referirmos a eles”.
Sumário
74
Observa-se que este fenômeno da criação acontece tanto no léxico comum
quanto no léxico especializado, como vemos nos exemplos: no âmbito da Termi-
nologia - na linguagem científica: nanofiltração: processo de separação por micro-
membranas. (campo da Biologia); sindemia: enfermidade associada de dois ele-
mentos. Ex.: obesidade e Covid-19. (campo da Antropologia. [sinergia+pandemia]);
infoxicação: dificuldade em digerir o excesso de informação – Fakenews. (campo da
Psicologia); desinfoxicação: usar critérios para não ser influenciado por Fakenews).
(campo da Psicologia); arraçoamento: ação diária de fornecimento de ração balanceada e
alimento complementar aos peixes nos viveiros e tanques. (campo da piscicultura). No âm-
bito do Léxico comum - nas novelas, nas redes sociais, no futebol: choquei: usado
para expressar surpresa. Personagem Cássio em Caras e Bocas (2009); mitou: usa-
do com alguém fez algo sensacional. Ex.: O cara fez um golaço. Ele Mitou!; divar:
usado para enfatizar que alguém está agindo como uma diva. Ex.: Sua irmã divou
na festa ontem; sextou: usado para indicar que chegou a sexta e o fim de semana.
Ex.: Sextou! Bora beber!; destruidora: usado quando a pessoa é poderosa e está no
comando da situação. Ex.: A senhora é destruidora mesmo, hein!
Expressões novas usadas em bordões (palavra ou frase repetida para ser en-
graçada ou emotiva), por exemplo: Deus me livre, mas quem me dera: trecho de mú-
sica; copiou: usado pelo personagem na novela América; lacrou: ideia de mandar
bem ou arrasar em algo. Ex.: Vamos lacrar na pista hoje!; nojo: pessoa que se acha
por algo. Ex.: Hoje eu tô um nojo!; contatinho: número de alguém salvo no celular
para se divertir sem compromisso. Usamos formas novas para nos referirmos, de
forma expressiva ou não, a pessoas ou coisas: roupitcha, corpitcho; estilosada; gato-
sa; periguete; peguete; fada sensata; mensalão; arrozteria; vataruçoba; cachiblema.
Esses exemplos respondem a indagação de por que criarmos palavras novas, é
porque precisamos nomear novas experiências. Logo, a função primordial da cria-
ção lexical é fornecer rótulos para novas categorizações, novas denominações. Este
fato linguístico é denominado de função de rotulação (BASÍLIO, 1987 apud GON-
ÇALVES, 2016, p. 14).
A função de rotulação no léxico comum ou no léxico especializado torna-se
funcional em contextos sociais ou da área do direito em que há uma prática, uma
ação, mas não há um nome para categorizar esta nova experiência, como no exem-
plo da prática sexual ilícita, criminosa de remoção proposital e não consentida do
preservativo no ato sexual. Nos Estados Unidos, esta ação já foi rotulada de “ste-
althing”, que no dicionário tem a tradução de “dissimulação, furtividade”, mas no
campo do direito este termo integra um significado concreto dentro um contexto
ilícito.
Por outro lado, no Brasil ainda não há um léxico ou termo específico para no-
mear esta prática, por isso é usado o termo em inglês, como no exemplo retirado do
site da Revista Veja: “A perigosa (e criminosa) prática sexual do stealthing”.
O uso da palavra vinda do inglês “stealthing” mostra a funcionalidade de rótu-
los que advém de outras línguas: o uso desses empréstimos se tornou tão natural
que os falantes só percebem o estrangeirismo na língua escrita (GONÇALVES, 2016,
p. 13). Vejamos alguns exemplos que são usados nas diversas áreas e nas atividades
Sumário
75
humanas: flex, bullying, nerd, blog, site, haters, spoiler, trollar, cyberbullying, sexting
(sex + texting), stalkear, crush, crush de amizade, shippar, fake News, hashtag, home
office, lockdown, smartphone, coach, personal stylist, personal shopper (pessoa que
busca o melhor preço, compra e leva a mercadoria na casa).
Nos últimos anos, no Brasil, novos rótulos, termos especializados, criativos,
foram estabelecidos para cunhar novas experiências, novos ofícios, problemas psi-
cológicos, novas metodologias devido à pandemia, por exemplo: ofícios recentes
chapeiro (aquele que trabalha na chapa, fazendo hambúrguer); cachorreiro (aquele
que passeia com cachorros); cuidador (pessoa que toma conta de idosos); analista
de mídias sociais (pessoa que cuida do perfil de uma empresa nas redes sociais);
influenciador digital (pessoa que dita tendências postando em seu canal na web-
-Formador de opinião); desenvolvedor web (profissional que desenvolve software,
bancos de dados etc.); desenvolvedor de aplicativos (cria e desenvolve aplicativos
para smartphones); animador (na área de games é a pessoa responsável a persona-
gens desenhados pelos artistas técnicos); especialista em links patrocinados (pro-
fissional que elabora campanhas e as monitora na internet); motorista de aplicativo
(UBER, 99).
Práticas ilícitas na área do direito: sextorsão (prática de extorsão a partir da
ameaça de exposição de supostas fotos ou vídeos sexuais das vítimas na internet);
problemáticas que a psicologia analisa; tecnofílicos (pessoas que acreditam não ser
possível ter vida social sem o intermédio da tecnologia); tecnoestresse (sintomas
de estresse causados pela inabilidade de conviver com as novas tecnologias); info-
nomia (mania de buscar informação); tecnodependência (viciados em tecnologia);
tecnofobia (pessoas que recusam a tecnologia).
A pandemia também proporcionou novas práticas e assim concretizaram-se
novos rótulos na área da medicina como: telemedicina, teleconsulta, telediagnós-
tico, telecirurgia, teleorientação, teleconsultoria, telemonitoramento. Esses termos
tem como significado “o exercício da medicina mediado por tecnologias para fins
de assistência, educação, pesquisa, prevenção de doenças, lesões e promoção de
saúde”. Vejamos o exemplo retirado do Portal Terra: “Telemedicina avança no país
em plena pandemia”3.
Metodologia
Os termos apresentados neste trabalho resultam das teorias e metodologias
da terminologia, da terminografia e da socioterminologia para a coleta, análise e
documentação dos termos especializados e a construção do glossário terminológi-
co da piscicultura no Pará (LISBOA, 2015).
A pesquisa para a documentação da terminologia da atividade econômica da
piscicultura partiu da coleta de dados orais através de entrevistas concretizadas
nas visitas às fazendas de cultivo, engorda e comercialização, aos laboratórios de
pesquisa e às fazendas ou laboratórios de reprodução induzida, resultando na cole-
ta dos dados orais com os diversos profissionais da área da piscicultura.
Resumo: O presente capítulo tem como temática principal a análise dos usos da estrutura “açu” no falar dos
baionenses, o que leva a investigar como funciona, fundamentalmente em termos semânticos e pragmáticos,
essa estrutura presente no cotidiano dos falantes do município de Baião-PA. A estrutura “açu”, segundo pes-
quisas gramaticais gerais, apresenta-se como morfema de origem Tupi-Guarani que significa algo grande,
avultado. No contexto de fala baionense, passou a aderir outras funcionalidades que diferem desse signifi-
cado. Portanto, pretende-se, assim, analisar o “açu” nos seguintes níveis gramaticais: sintáticos, semânticos
e pragmáticos, ou seja, estudá-lo em relação a sua forma e funções de uso. Além disso, analisar também
estruturas semelhantes a “açu”, tais como “aiçu”, “maisçu”, uma vez que, fizeram-se presentes no corpus cole-
tado, denotando, aparentemente, funções semelhantes ao principal objeto de estudo, fato este que nos leva
a buscar na sociolinguística os pressupostos que norteiam o que diz respeito à variação diamésica. Como
parte da referida análise, levamos em consideração as possíveis motivações linguísticas e extralinguísticas
que fizeram o falante baionense utilizar tais usos. Para se chegar aos propósitos previstos, tivemos como
base principal os pressupostos do Sociofuncionalismo, que traz nomes como Bortoni-Ricardo (2017), Neves
(2018), Martelotta (2011) e Tavares (2013). A pesquisa foi elaborada por meio de levantamento bibliográ-
fico e de coleta de dados realizada com base em conversas de Whatsapp (aplicativo de mensagens instantâ-
neas) e também do Facebook (rede social) Por fim, observou-se que o uso do “açu”, nos contextos analisados,
direciona-nos para a ocorrência do fenômeno de gramaticalização, pois ele perde o status de morfema sufi-
xal e passa a assumir lugar de palavra, reportando-se às questões que cercam funções relacionadas ao susto,
admiração e surpresa. Vale ressaltar que as ocorrências de “açu” e variantes aparecem sempre pospostas à
significativa quantidade de algo ou grandeza presentes no contexto de fala.
Palavras-chaves: Sociofuncionalismo. Falar baionense. Açu.
Introdução
Os seres humanos, em muitos aspectos se parecem, mas proporcionalmente
se diferenciam, o que nos permite dizer que por natureza não somos todos iguais.
Dentre o que nos aproxima temos a linguagem, que dependendo de alguns fatores,
tanto linguísticos quanto extralinguísticos, determinados itens podem apresentar
1 Graduando em Letras/Língua Portuguesa pela Universidade Federal Pará - UFPA. E-mail: [email protected]
2 Doutoranda e mestra em Estudos de Linguagem pela Universidade Federal Fluminense - UFF. E-mail: [email protected]
Sumário
81
variação e diversas funções no momento da oralidade, as quais recebem classifica-
ção dependendo do seu uso.
O presente capítulo aborda, de forma sincrônica e descritiva, a variação lin-
guística e as possíveis funcionalidades de suas variantes existentes na estrutura
“açu”, recorrente na fala dos moradores do município de Baião, no estado do Pará.
Segundo o dicionário on-line3, a estrutura “açu” é de origem tupi guarani e significa
algo grande, avultado, volumoso, contudo, “açu” adquiriu outras formas e funções
no uso dos falantes no município paraense.
Gramaticalmente “açu” é postulado como um morfema sufixal, conforme apa-
rece na palavra “cupuaçu” (cupu-açu) ou Nova Iguaçu (igu-açu), entretanto, ao ana-
lisarmos contextos mais regionais, podemos perceber que este também surge na
posição de palavra ou forma livre, conforme observa-se na Figura 1, retirada de
uma conversa entre falantes oriundos do município de Baião-PA.
Figura 1: Estrutura primária
Portanto, a sociolinguística ocupa-se da língua não somente por si, mas como ela se
modifica para adequar-se aos seus falantes. Ela é subdividida em: Sociolinguística Varia-
cionista, cujo fundador é William Labov; Sociolinguística Interacional, proposta por John J.
Gumperz e Sociolinguística Educacional, pensada por Stella Maris Bortoni-Ricardo.
Nosso foco, neste momento, encaminha-se para a Sociolinguística Variacionista, a
qual busca estudar as possíveis variantes linguísticas que uma palavra pode apresentar,
dependendo da região e da sociedade que ela está inserida, fator este que dialoga com a
nossa pesquisa voltada para o “açu”, já que, por sua vez, ele detém outras formas estrutu-
rais, o que podemos classificar, também, como uma situação de variação linguística.
Dentro dos estudos variacionistas, são apontados três termos importantes para a
sociolinguística que são: variedade, variante e variável esses três pontos são considerados
primordiais para entender as possíveis variações linguísticas que uma palavra ou expres-
são possui dentro de uma comunidade de fala. Fato este que pode ser visto no item em
análise, pois, o mesmo apresenta variantes tanto escrita como na fala.
Segundo Ilari; Basso, (2006) a sociolinguística, também reconhece cinco tipos de
variação: a diatópica, a diacrônica, a diastrática, a diafásica, e a diamésica, este último tipo
de variação tem a ver com o meio de comunicação empregado, ou seja, na fala, em um
documento escrito, em um e-mail, em uma mensagem no WhatsApp, e assim por diante.
A variação diamésica busca, de forma relativa, analisar as variações pertinentes tan-
to na fala quanto na sua escrita, fazendo uma analogia entre ambos os usos. Portanto,
podemos levar em conta, nessa perspectiva, que as variantes “aiçu”e “maisçu”, apesar de
apresentarem diferenças estruturais na modalidade escrita, aparentemente, são utilizada
em contextos demasiadamente semelhantes ao de “açu”.
Por fim, ao observar a existência de uma variação linguística em uma dada comuni-
dade de fala ou região, o pesquisador demarca o contexto de uso, coleta os dados signifi-
cativos, codifica esses dados de acordo com hipóteses elaboradas com base na literatura e
a partir de suas próprias observações, e, por fim, analisa e interpreta os resultados quan-
titativos obtidos.
Podemos, assim, salientar que o uso do “açu” é constituído também uma fun-
ção de interjeição, uma vez que seu uso reflete de forma significativa o estado emo-
tivo do seu usuário. Além de assumir papel de interrogativa, levando um teor de
questionamentos e dúvidas a determinadas ocorrências, o que pode ser justificado,
em alguns dados, pelo contexto puramente estrutural que o cerca.
Metodologia
A investigação pelas quais passam os itens analisados baseia-se em print’s co-
letados de conversas de WhatsApp e publicações do Facebook, meio em que “açu”
é também utilizado. Em decorrência disso, atentamos para retirar todos os nomes
das pessoas que apareceram nos print’s, por precaução e manutenção da integrida-
de dos informantes.
Para o desenvolvimento deste trabalho, buscamos pesquisar e estudar a gra-
mática funcional e seus aspectos relacionados às várias formas e significados que
uma palavra pode conter, com base nos estudos de Neves (2018) e outros pesquisa-
dores da teoria funcionalista, como também buscamos estudos no campo da socio-
linguística e da gramatica tradicional, o que caracteriza tal pesquisa como biblio-
gráfica, mas também uma pesquisa sincrônica, uma vez que a análise do objeto em
estudo perpassa no mesmo recorte de tempo.
Além disso, em relação à abordagem da pesquisa, nosso trabalho segue prin-
cípios da abordagem qualitativa, pois é a forma ideal para se compreender a ocor-
rência de um fato social.
Assim, analisamos 28 dados, o equivalente a 28 print’s que são partes de di-
álogos entre os jovens e entre os adultos residentes na cidade de Baião-PA. Por
meio dessas ocorrências, fizemos as análises de “açu”, observando suas caracte-
rísticas linguísticas e extralinguísticas, suas possíveis variações e suas funcionali-
dades dentro do campo sintático, semântico e pragmático do contexto de fala dos
habitantes do município, para assim determinar os possíveis motivos que levaram
o baionense a utilizar o “açu”.
Apresentação do corpus
Durante as análises dos dados para este trabalho, foram identificados usos
funcionais do “açu”, também se constatou possíveis variações estruturais dessa
construção, as quais serão expostas a seguir.
Sumário
87
Figura 2: Ocorrência de “Açu barão”
Resumo: O presente capítulo busca investigar o processo de abstratização aplicado ao quantificador murra-
da, conferindo, assim, a maleabilidade da língua e da gramática, além de realizar um levantamento estatísti-
co da variação desse quantificador diante das categorias: elementos sólidos, elementos líquidos e entidade
humana. O objetivo é descrever o quantificador murrada, compreendendo-o como não-canônico, explanan-
do suas possíveis motivações. O trabalho está embasado nas pesquisas de Alfredo (2015), acerca dos quan-
tificadores universais; Salomão (2010), em relação a quantificadores emergentes do uso; Tavares (2013),
com o intuito de fomentar a discussão acerca da abordagem Sociofuncionalista. Pesquisou-se também como
é vista a quantificação pelos gramáticos Bechara (2009) e Lima (2011). A pesquisa caracteriza-se como
desdobramento de um Trabalho de Conclusão de Curso, intitulado “O uso de quantificadores na modalidade
oral no município de Oeiras do Pará: uma abordagem funcionalista”, acerca dos quantificadores falados em
Oeiras do Pará (PA), descrito em Viana (2020). O corpus foi construído através de entrevistas com oeirenses,
focalizando o quantificador murrada, apresentando detalhes de sua emergência e suas motivações de uso.
Os resultados mostram que: murrada (quantificador não-canônico) mantém relação analógica com outros
termos, por exemplo com o quantificador porrada, ambos tendo mesmo esquema imagético; é utilizado em
contextos que há necessidade de expressividade da intensificação, já que deriva de um processo de escala-
ridade (soco > murro > murrada); resulta, pois, de uma abstratização da ação (concreto) para quantificador
(abstrato), ou seja, há um recrutamento de um elemento para desempenhar uma nova função. A resposta
aos questionamentos está, portanto, na análise da língua em uso.
Palavras-chave: Quantificador. Murrada. Sociofuncionalismo. Oeiras do Pará.
Introdução
Cotidianamente se está em experiência com o mundo e com as pessoas. Sente-
-se, tateia-se, experimentam-se cores, sabores e cheiros. Tudo é rodeado de lingua-
gem. Dependendo das necessidades do indivíduo para/com esse ambiente externo,
o uso da língua é feito de diferentes formas. Lavoisier, químico francês, construiu a
1 Graduada em Letras/Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Pará, Campus Universitário do Tocantins Cametá - UFPA/
CUNTINS. E-mail: [email protected].
2 Doutor em Letras Vernáculas/Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. E-mail: robson.rua.ufpa@gmail.
com.
Sumário
92
seguinte premissa: “na natureza, nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”,
o mesmo ocorre com a língua falada, não se tem perda ou criação, apenas trans-
formação, isto é, os termos lexicais, à medida que são usados, são recrutados para
novas funções.
O falante sente necessidade de ser cada vez mais expressivo, busca formas
que incitam a essa expressividade. Se há uma situação em que um termo não sa-
tisfaz mais a intenção que se quer repassar, o normal será que o locutor procure
outras formas para desempenhar o papel que a forma usada já não mais satisfez.
Como se vê, além das transformações esperadas internamente, a força externa, do
mundo, também pode causar certas mudanças na língua. O indivíduo afeta o mun-
do e o mundo, da mesma forma, o afeta.
Essa necessidade de expressividade faz com que, baseados em palavras ou
orações já existentes, apareçam vocábulos novos ou com funções diferentes das
que costumam desempenhar. É dentro desse contexto que a quantificação aparece.
O ser humano, mesmo tendo dispositivos variados para expressar algo, tem ne-
cessidade de recrutar outros elementos, para que a comunicação seja plenamente
alcançada. Por exemplo: “tinham poucas pessoas na fila” → “tinham pessoas na fila”
→ “tinham muitas pessoas na fila” → “tinham bastante pessoas na fila”, aqui, ilustra-
-se o recrutamento de novas formas a partir das necessidades comunicativas.
Foi por meio da observação destes tipos de dispositivos da língua que se en-
controu um campo rico de pesquisa, a quantificação. O presente capítulo é fruto de
um Trabalho de Conclusão de Curso, defendido no ano de 2020, na Faculdade de
Letras da Universidade Federal do Pará (UFPA/CUNTINS), sob orientação do Prof.
Dr. Robson Rua, acerca dos quantificadores existentes na língua falada de Oeiras do
Pará, município do nordeste paraense. A pesquisa listou diversos quantificadores,
até então pouco conhecidos, se considerarmos os canônicos.
Objetiva-se desdobrar um ponto desta pesquisa, atentar-se-á ao quantifica-
dor murrada que apresentou grande riqueza de análise. Este quantificador foi o
terceiro mais falado, dentre quatro (quantificadores regionais3) destacados para
análise em Viana (2020). Vale destacar que os dados que serão aqui explorados
fazem parte do corpus construído no TCC explicitado anteriormente. Murrada teve
14 ocorrências, os outros três quantificadores analisados em Viana (2020), foram:
mina (22 dados); avortado (16); e montueiro (12). Dito isto, objetiva-se o apro-
fundamento na pesquisa em relação ao quantificador murrada, considerando os
diversos contextos de ocorrência e suas motivações.
Os quantificadores como ponto de partida
De modo geral, a quantificação diz respeito à nominação de conjuntos, esses
nomes são considerados quantificadores. A quantificação pode ser expressa de di-
versas formas, há quantificadores implícitos dentro de uma expressão, expressões
compostas, orações que podem trazer quantidade relativa, termos que não são
3 Considera-se quantificador regional, todo aquele que não foi encontrado em documentos oficiais do léxico de língua portuguesa e
aqueles que, mesmo encontrados, não desempenham as mesmas funções presididas nestes documentos.
Sumário
93
quantificadores, mas temporariamente recebem essa função, os próprios quantifi-
cadores explícitos e entre outros mecanismos.
A quantificação pode estar presente em estruturas que contam diretamente,
assim como em situações que uma quantidade específica não está sendo dita. Po-
demos dizer “tenho dois livros para ler”, ou “encontrei um par de meias na gaveta”,
tanto um quanto o outro são exemplos de quantidade precisa, já as frases “algumas
pessoas foram para a cidade” e “eu vi vários animais na viagem”, exemplificam es-
truturas com quantificação imprecisa.
O que importa é que ambas as frases são formadas com quantificadores que
de alguma forma modificam seus objetos. A quantificação abre um leque de possi-
bilidades no que tange às interpretações, se, por exemplo, mudamos a frase “eu vi
vários animais na viagem” para “eu vi apenas animais na viagem”, o sentido tam-
bém muda. Na primeira, há a possibilidade de o indivíduo ter visto outras coisas
além de animais, já na segunda frase, com a mudança de quantificador, traz uma
restrição, a pessoa viu apenas animais, não tendo a possibilidade que o primeiro
exemplo originou.
Aqui, destacam-se observações de duas visões sobre os quantificadores, a sa-
ber: gramáticos e linguistas. As duas áreas encaram a quantificação de diferentes
formas. Na maioria das vezes, os gramáticos não consideram os quantificadores
como uma classe distinta. Em Lima (2011), eles são chamados como coletivos nu-
méricos nos substantivos (par, dúzia) e numerais (um, meio), estando presentes
também como exceções dentro da classe dos pronomes (todo, algum) e dos advér-
bios, sendo chamados de advérbios de intensidade (muito, mais).
Bechara (2009) já considera o termo quantificador e o vê como um conjunto
de termos com função de designar quantidades, mas não o considera como uma
classe de palavras, isso ocorre também pela área da quantificação ser muito ampla
e carecer de organização de um panorama geral, que abranja o maior número de
contextos possíveis, principalmente aqueles considerados não tradicionais. Uma
das problemáticas da organização da classe dar-se pela escassez de estudos em
paisagens locais e de definições vagas. Para a linguística:
De maneira geral, o que se tem predominado, ao menos em português, é a repetição de um
mesmo vocabulário de termos, sem que se apresente qualquer definição sobre as proprie-
dades de cada classe, além do rótulo dado a ela, e sem nenhuma reflexão a fim de descobrir
se as classes de advérbios herdadas são só essas, ou se são essas mesmas (GUIMARÃES,
2006, p. 6-7).
4 Língua E (língua externa), é tomada em oposição à Língua I (língua interna), a qual está relacionada à análise de fatores apenas
internos à língua, tal como ocorre nas abordagens estrutural (Princípio da Imanência Linguística) e gerativa. A Língua E possibilita a
realização de uma abordagem da linguagem a considerar os fatores extralinguísticos e/ou sociais.
Sumário
98
dança. Por ora, são apresentadas variáveis independentes como fatores que condi-
cionam a mudança na língua, a saber: faixa etária, sexo/gênero, grau de escolarida-
de, espaço geográfico, entre outras.
Neste capítulo, direciona-se a atenção para o aspecto do espaço geográfico,
pois é realizada uma descrição da língua, na modalidade oral, de uma região espe-
cífica do estado do Pará, município de Oeiras do Pará. A retomar o objeto de análise
desse trabalho, a quantificação, nos moldes variacionistas, a expressão de quanti-
dade é considerada a variável da pesquisa; ao passo que os termos mina, montuei-
ro, murrada e avortado são considerados as variantes, uma vez que são as formas
individuais que expressam a variável em questão.
Por esse motivo, estabeleceu-se uma interface entre o Funcionalismo e a So-
ciolinguística, com o intuito de conferir uma análise mais expressiva acerca dos
quantificadores apresentados no parágrafo anterior. Pesquisas dessa natureza ain-
da esboçam um movimento acanhado, mas as contribuições que essas duas áreas
podem oferecer, em termos de análise, a um fenômeno da língua, certamente, são
muito valiosas.
Procedimentos metodológicos
Como já dito, a pesquisa é um desdobramento de um TCC sobre os quantifica-
dores usados na modalidade oral no município de Oeiras do Pará. A coleta de dados
ocorreu por meio de entrevistas com munícipes oriundos da zona rural e da zona
urbana. Viu-se a necessidade de entrevistar pessoas de diferentes ocupações para
que se pudessem observar de forma ampla, quais quantificadores eram realmente
utilizados no município, dentre estas, destacam-se: coletor de açaí; pescadores (da
zona urbana e rural) de peixe e camarão; aposentados; e estudantes (ensino médio
e superior), de diferentes idades e sexo.
O município de Oeiras do Pará localiza-se no nordeste paraense, tendo uma
população de pouco mais de 30 mil habitantes. As entrevistas foram feitas no pe-
ríodo de dezembro (2019) a março (2020), nos locais de morada ou ocupação de
cada entrevistado. O cuidado com a questão do local de realização da entrevista
fez-se importante para que os indivíduos se sentissem descontraídos para usar o
seu próprio modo de falar.
Além de serem realizadas no local de convívio dos falantes, as entrevistas en-
volviam assuntos que variavam de acordo com a ocupação e contexto de cada um.
Caracterizando-se, portanto, como uma entrevista semiestruturada, já que houve
intervenção do entrevistador, mas com o objetivo de construir situações em que o
falante pudesse utilizar quantificadores, de acordo com seu contexto e sobre as-
suntos que tinham domínio. A pesquisa de TCC encontrou diversos quantificado-
res, mas focou apenas em quatro, considerados, por Viana (2020) como regionais
ou não-canônicos, mina, montueiro, murrada e avortado, listados na Tabela 1.
Tabela 1: Sistematização de quantificadores não-canônicos de Oeiras do Pará
Quantificador Ocorrência Exemplo
“e aí cada um ficava com uma quantia, tinha dia que a gente
Mina 22
olhava naquele mercado era mina desses mantimento” DSC
Sumário
99
“era cheio daquelas árvore de manga, igual essas uma que
Montueiro 16 tem na praça, que chega a gente olha e tá aquele montueiro
de manga embaixo né...” MVB
“Tem vez que a gente dá uma lavada, pega mesmo... pega
Murrada 14
murrada de carataru, traíra...” MBM
“só que a madeira começou a ficar escassa né, e aí, já num
Avortado 12 tinha muito, que era avortado que eles tirava, não tirava
pouco...” EPM
Fonte: Elaborado pelos autores.
Nota-se que a realização de murrada tem relação com uma gradação na inten-
cionalidade do falante. A abstratização ocorre a partir do momento em que essa
escalaridade é posta em curso. Soco e murro são substantivos que designam ações,
esses atos são concebidos como concretos; quando se usa murrada não mais está
se falando de uma ação, mas de um quantificador, portanto, de algo que está no
plano do abstrato. Mas, levando em conta os dados e os conceitos já vistos, murra-
da, mesmo tendo novas funções, mantém traços de seu processo de escalaridade
(intensificação) e de seu início concreto, já que remete ao esquema imagético de
ação concreta.
Quadro 1: Situação comunicativa e relação quantificador-intensificação
Processo comunicativo Exemplos
Enfatizar a intensificação da MBM - “Tem vez que a gente dá uma lavada, pega mesmo... pega
quantia (4) murrada de carataru, traíra...”.
Como segundo termo, para
LFM - “A época da safra é quando dá muito camarão, murrada
intensificar a quantia pretendida
de camarão... lá por abril, maio, sempre dá uma safrazinha...”.
(3)
DRF - “era mina de... negoço de 200, 300 matapi, que eles
Situação intensificada para pescavam, e aí eles eram pouco pescador né... que não era igual
produção de novos sentidos (3) agora, que tu olha pra essas praia é murrada de pescador,
gente que não é nem daqui, pescando...”.
OF - “Bateu o mês de janeiro dá murrada, primeira enxurrada
Simples intensificação do elemento
vai desovar no lago, nosso peixe olha, é a pescada, u mapará, é u
na frase (2)
filhote, a sada, u piranambu, tudo esse peixe é nosso...”.
MBM - “tem vigiar quando a água tá seca... aí é arriscado, que é
Situação pouco intensificada (2) assim, aqui dá murrada de arraia, aí já sabe que se não ficar de
butuca nelas elas te ferram...”.
Fonte: Elaborado pelos autores.
Sumário
102
Os processos comunicativos descritos no Quadro 1, focalizam a motivação
de uso de murrada, dando ênfase a questão da mudança de funções em relação à
intensificação. Entende-se por “enfatizar a intensificação da quantia”, com quatro
ocorrências, todo dado que pretende unicamente a usar murrada para repassar ao
ouvinte que a quantia é enorme, sendo todo o enfoque da frase no quantificador.
Quando o locutor utiliza um termo, mas não alcança sua intenção, tende a se valer
de um segundo termo (iconicidade de quantidade) para suprir a necessidade co-
municativa, é o que ocorre no segundo dado, com os quantificadores muito e mur-
rada, tendo esse processo três ocorrências.
Há grande aceitabilidade pelos sujeitos de usar murrada quando se pretende
intensificar o quantificador para produzir novos sentidos, há três dados com essa
situação comunicativa. No caso do exemplo, só houve necessidade de se utilizar
murrada, porque o falante queria enfatizar sua insatisfação com a quantia exagera-
da de pescadores que não são da região, mas estão ali, se o entrevistado não tivesse
essa intenção, provavelmente não utilizaria murrada.
Com os dois últimos processos comunicativos, que somam quatro dados, há
uma ilustração do quantificador deixando de ter enfoque na intensificação. Em
“simples intensificação da frase”, embora o dado traga ainda intensidade, o locutor
não tem por finalidade focalizá-la, ou seja, murrada pode ser usado em frases com
pouca necessidade de expressividade no que tange a intensificação. Isto ocorre de
forma mais aguda no ponto “situação pouco intensificada’” em que o quantificador
murrada pode ser facilmente substituído por outro com sentido simples, como é o
caso de muito, sem que se perca o sentido pretendido.
Como se pode perceber, a intensificação presente na escalaridade, que ilus-
trou a emergência de murrada, continua a influenciar o quantificador. O mesmo
ocorre com a abstratização em que, mesmo mudando de função, o quantificador
mantém traços do sentido original. Estes traços de concreto são alguns dos res-
ponsáveis pela preferência de categorias para quantificar os elementos escolhidos
por murrada. Considerar-se-á as categorias elementos sólidos e entidade humana;
dos quatorze dados com este quantificador, doze foram para quantificar sólidos e
um para quantificar entidade humana (observe o exemplo com ‘murrada de pesca-
dor’), o que demonstra restrição de duas categorias, por estar ainda ligado ao seu
princípio de ação concreta.
Em relação aos contextos de variação, percebeu-se que o emprego da variante
“murrada” ocorre de forma não homogênea diante de elementos quantificáveis no
município de Oeiras do Pará, distribuídos em três categorias, a saber: elementos
sólidos, elementos líquidos e entidade humana. O Gráfico 1 ilustra essa discussão.
De acordo com o Gráfico 1, pode-se observar que a variante murrada é empre-
gada com maior frequência diante de elementos sólidos (93%); ao passo que diante
de entidade humana, houve um registro muito baixo (7%). Já diante de elementos
líquidos, a variante em questão não apresentou registro nos dados coletados.
Sumário
103
Gráfico 1: Distribuição davariante murrada
Resumo: A presente pesquisa teve como objetivo mapear e registrar a variação linguística do item lexical
banguela nas não capitais da Região Nordeste do Projeto Atlas Linguístico do Brasil – ALiB, seguindo os pa-
râmetros diatópico, diagenérico e diageracional, a partir do banco de dados do referido projeto. Este estudo
é embasado nos pressupostos teórico-metodológicos da Dialetologia e da Geolinguística (CARDOSO, 2010;
RAZKY, 1998; RADTKE, THUN, 1996). Com uma metodologia de base quantitativa, neste trabalho realizou-
-se o mapeamento de dados já coletados por pesquisadores do Projeto ALiB nas não capitais do Nordeste
do Brasil, obtidos por meio da aplicação de um Questionário Semântico-Lexical (QSL), aplicado a quatro
informantes por ponto de inquérito, estratificados por sexo, idade e nível de escolaridade. O mapeamento
da variação pluridimensional do referido item lexical demonstrou que a lexia banguela é predominante na
região, corroborando estudos realizados a partir do mesmo banco de dados, sobre as capitais brasileiras e
as não capitais das regiões Sudeste e Norte (GUEDES, DIAS, BRANDÃO, 2018; DIAS, GUEDES, RAZKY, 2019).
Palavras-chave: ALiB. Variação lexical. Item banguela.
Introdução
Nas últimas décadas, pesquisas voltadas ao estudo da variação geolinguística
têm ganhado cada vez mais ênfase em todo o território brasileiro, principalmente a
partir da criação do Projeto Atlas Linguístico do Brasil - ALiB, em 1996. Esse proje-
to surgiu devido à necessidade de registro e estudos de natureza dialetal em nosso
país, com o intuito de mapear e registrar os diversos falares brasileiros em um atlas
de abrangência nacional, apresentando a diversidade da língua portuguesa falada
no Brasil.
1 Graduanda em Letras pela Universidade Federal Rural da Amazônia - UFRA. E-mail: [email protected]
2 Doutor em Linguística pela Universidade Federal do Pará - UFPA. Professor na Universidade Federal Rural da Amazônia - UFRA.
E-mail: [email protected]
3 Doutor em Linguística pela Universidade de Toulouse. Professor na Universidade Federal do Pará - UFPA e na Universidade de
Brasília - UnB. E-mail: [email protected]
Sumário
107
Em 2014, foram lançados os dois primeiros volumes do ALiB, durante o III
Congresso de Dialetologia e Sociolinguística - CIDS, realizado em Londrina/PR.
Essa publicação é composta por dois volumes. O Volume I é constituído de estudos
e informações metodológicas e o Volume II apresenta 159 cartas linguísticas com
dados de 25 capitais brasileiras.
O presente estudo objetiva colaborar com o mapeamento da diversidade le-
xical presente no banco de dados do Projeto ALiB, visando à publicação dos próxi-
mos volumes do atlas.
Segundo Guedes (2012), a Geografia Linguística ou Geolinguística é a parte da
Dialetologia que busca localizar e registrar as inúmeras variações que ocorrem nas
línguas em uso. Trata-se de um método de cartografia criado pelos dialetólogos
que possibilita o registro dos resultados obtidos nos estudos linguísticos, tornando
possível a comparação com os resultados de outras localidades. Isso posto, é pos-
sível realizar o estudo e análise das variações identificadas na fala dos indivíduos
a partir do âmbito geográfico em que estão inseridos, por isso “acredita-se que a
geolinguística tem dado grandes contribuições para o estudo do léxico” (RAZKY;
SANCHES, 2016, p. 72).
Desse modo, o presente estudo representa uma contribuição ao trabalho de
triagem dos dados das não capitais do Projeto ALiB. O estudo do item lexical ban-
guela está sendo realizado pela equipe do Projeto GeoFala, da Universidade Fe-
deral Rural da Amazônia/Tomé-Açu, coordenado pelo professor Dr. Regis Guedes
(UFRA), sob a orientação do Dr. Abdelhak Razky (UFPA/UnB).
O estudo da variação lexical é relevante pelo fato de:
O léxico possibilitar a observação da leitura que uma comunidade faz de seu contexto e a
preservação de parte da memória sócio-histórica e linguístico- cultural da comunidade,
além de permitir o registro e a documentação da diversidade lexical e geolinguística do
português falado no Brasil (PAIM, 2012, p. 282).
Metodologia
O presente trabalho adotou uma metodologia de base quantitativa, funda-
mentando-se no método geolinguístico, tendo em vista uma perspectiva geosso-
ciolinguística, a partir do qual se realizou um mapeamento geolinguístico de dados
pertencentes ao banco de dados do Projeto ALiB, em que foi considerada somente
a variação lexical do item banguela nas não capitais da Região Nordeste do Brasil.
O Quadro 1, a seguir, apresenta o perfil previsto pelo ALiB para a coleta de
dados, o qual define os requisitos necessários para a participação do informante
Sumário
108
na pesquisa. Para a obtenção dos dados das não capitais, realizaram-se entrevistas
com quatro colaboradores por ponto de inquérito, estratificados por sexo, idade e
escolaridade, como podemos observar:
Quadro 1: Estratificação dos informantes no ALiB – não capitais
Código Perfil
1. AM1 A – 18 a 30 anos / M – Masculino / Analfabetos até 9º ano (Ens. Fundamental)
2. AF1 A – 18 a 30 anos / F – Feminino / Analfabetos até 9º ano (Ens. Fundamental)
3. BM1 B – 50 a 65 anos / M – Masculino / Analfabetos até 9º ano (Ens. Fundamental)
4. BF1 B – 50 a 65 anos / F – Feminino / Analfabetos até 9º ano (Ens. Fundamental)
Fonte: Elaborado pelos autores.
Para fazermos a leitura do código de cada informante, considera-se que os
números de 1 a 4 dizem respeito à quantidade de colaboradores para cada cidade.
As letras A e B se referem à faixa etária dos informantes, sendo a primeira referente
aos mais jovens (A), àqueles que estão entre 18 a 30 anos, e a segunda, aos mais ve-
lhos (B), que estão entre 50 a 65 anos, totalizando 2 informantes do sexo masculino
(M) e 2 do sexo feminino (F).
O Quadro 2, a seguir, apresenta a rede de pontos de inquérito na Região Nor-
deste, totalizando 69 pontos de inquérito, dos quais cinco cidades ficaram sem ex-
posição dos resultados na presente pesquisa, por falta de acesso ao banco de da-
dos, a saber: Imperatriz (MA), Brejo (MA), Campina Grande (PB), Angicos (RN) e
Carmocim (CE).
Quadro 2: Localidades investigadas
ESTADO PONTOS
Alagoas União dos Palmares; Santana Do Ipanema;Arapiraca.
Juazeiro; Jeremoabo; Euclides da Cunha; Barra; Irecê; Jacobina; Barreiras;
Alagoinhas; Seabra; Itaberaba; Santo Amaro; Santana; Valença; Jequié;
Bahia
Caetité; Carinhanha; Vitória Da Conquista; Ilhéus; Itapetinga; Sta. Cruz
Cabrália; Caravelas.
Camocim; Canindé; Crateús; Crato; Iguatu; Ipu; Limoeiro; Quixeramobim;
Ceará
Russas; Sobral; Tauá.
Turiaçu; Brejo; Bacabal; Imperatriz; Tuntum; São João Dos Passos; Balsas;
Maranhão
Alto Parnaíba.
Paraíba Cuité; Cajazeiras; Itaporanga; Patos; Campina Grande.
Exu; Salgueiro; Limoeiro; Olinda; Afrânio; Cabrobó; Arcoverde; Caruaru;
Pernambuco
Floresta; Garanhuns; Petrolina.
Piauí Piripiri; Picos; Canto Do Buriti; Corrente.
Rio Grande do
Mossoró; Angicos; Pau Dos Ferros; Caicó.
Norte
Sergipe Propriá; Estância.
Fonte: Elaborado pelos autores.
Para a realização da coleta de dados foi utilizado um Questionário Semântico-Lexical
(QSL) constituído de 202 perguntas, distribuídas em 14 campos semânticos: acidentes
geográficos (6 questões), fenômenos atmosféricos (15 questões), astros e tempo (17) ati-
vidades agropastoris (25), fauna (25), corpo humano (32), ciclos da vida (15), convívio e
comportamento social (11), religião e crenças (8), jogos e diversões infantis (13), habita-
ção (8), alimentação e cozinha (12), vestuário e acessórios (6) e vida urbana (9) (COMITÊ,
2001). O item lexical banguela, objeto de análise deste estudo, pertence ao campo semân-
tico corpo humano, do Questionário Semântico-Lexical do ALiB (QSL). Procurou-se obter
as denominações para “a pessoa que não tem dentes” (Pergunta de número 100 do QSL).
Sumário
109
A partir dos arquivos sonoros do banco de dados do ALiB, realizamos a tria-
gem dos dados referentes às variantes do item lexical banguela. Na fase seguinte,
realizamos a transcrição grafemática de todas as respostas encontradas, que foram
inseridas uma planilha do Excel 2010, identificando a localidade e o perfil do in-
formante. Em seguida, somou-se a quantidade de respostas obtidas, bem como o
percentual para cada variável encontrada na Região Nordeste.
Após esse processo, elaboramos uma carta linguística experimental como for-
ma de registrar os resultados alcançados em nível diatópico, que foi cartografada
com a utilização do Adobe Photoshop CC 2018 e do PowerPoint 2010. Também
foram elaborados gráficos, tabelas e quadros, representativos, do número total das
variáveis encontradas e dos percentuais das variações que ocorreram de acordo
com os parâmetros da pesquisa pluridimensional. E, por fim, realizamos uma dis-
cussão dos resultados obtidos.
Resultados e Discussão
A partir dos dados coletados e disponibilizados pela equipe do Projeto Atlas
Linguístico do Brasil - ALiB, foi possível realizar uma breve discussão a respeito da
variação lexical do item banguela presente nas não capitais da Região Nordeste do
Brasil.
Dessa maneira, apresentamos, no Gráfico 1, a quantificação de todas as 265
respostas obtidas, a partir da triagem dos dados coletados, bem como, o total de
ocorrências das variantes registradas.
Gráfico 1: Número de ocorrências para cada variante registrada na Região Nordeste.
Resumo: Este trabalho apresenta os resultados da análise das denominações registradas, nos estados da
Bahia e do Paraná, no campo semântico fenômenos atmosféricos com o objetivo geral de colaborar para um
melhor conhecimento do Português Brasileiro, tal como se apresenta nas cidades que constituem a rede de
pontos do Atlas Linguístico do Brasil - ALiB nesses dois estados. Baseamos nosso estudo nos princípios teó-
ricos da Dialetologia, Sociolinguística, Lexicologia e Lexicografia. O corpus está conformado por um extrato
dos dados do ALiB constituído das perguntas 17 a 19 do Questionário Semântico-Lexical - QSL e se utiliza
do método da Geolinguística para a análise espacial dos dados. Enfatizamos o aspecto diatópico, contudo,
recorremos, de maneira periférica, à análise de outras variáveis como a diastrática e a diageracional.
Palavras-chave: Dialetologia. Geolinguística. Sociolinguística. Variação.
Introdução
A variedade linguística depende de variedades geográficas ou diatópicas,
bem como de variedades socioculturais. As variedades diatópicas acontecem em
um plano horizontal da língua e se originam dos dialetos ou falares locais, que se
mostram por meio de uma linguagem aparentemente comum do ponto de vista
geográfico. Estas variedades se distinguem em linguagem urbana e a linguagem
rural. A linguagem urbana é influenciada por fatores culturais como a escola, meios
de comunicação de massa e literatura e está mais próxima da linguagem comum.
A linguagem rural é mais isolada e conservadora e vem desaparecendo com a che-
gada da civilização. A Dialetologia e a Geografia Linguística tem se empenhado em
catalogar e analisar as particularidades linguísticas de comunidades rurais. As va-
1 Mestre em Linguística pela Universidade do Texas, em Austin, USA. Doutor em Língua e Cultura pela Universidade Federal da Bahia -
UFBA. Professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia - UFRB. E-mail: [email protected].
Sumário
115
riedades socioculturais surgem em um plano vertical dentro de uma comunidade
urbana ou rural e podem estar atreladas a fatores relacionados ao falante – ou ao
grupo a que pertence ou à situação ou a ambos ao mesmo tempo.
Este estudo investiga a relação entre o léxico referente à área semântica fenô-
menos atmosféricos documentada no estado da Bahia e no estado do Paraná, com
base no corpus do Atlas Linguístico do Brasil - ALiB a partir de dados de 164 infor-
mantes, distribuídos da seguinte maneira: 16 nas duas capitais, 84 nas cidades do
interior da Bahia e 64 nas cidades do interior do Paraná. Nesta pesquisa, analisa-
mos as respostas das questões 17 a 19 do Questionário Semântico-Lexical - QSL
do ALiB. Identificamos e estabelecemos as semelhanças e diferenças encontradas
neste recorte estudado nos dois estados com base teórica na abordagem apresen-
tada pela Geolinguística. Utilizamos, também, pressupostos teóricos da Dialetolo-
gia, Sociolinguística e Lexicologia. Analisamos esse recorte do ALiB entre a Bahia
e o Paraná, dois estados brasileiros que não apresentam contiguidade geográfica e
exibem tipos de povoamento diferentes, para observar se o léxico fornecido pelos
informantes apresentam mais homogeneidade ou heterogeneidade.
Dialetologia e seu percurso histórico: uma breve análise
A Dialetologia identifica, situa e descreve os usos diferentes em que a língua
varia de acordo com sua disposição espacial, histórica e sociocultural, responden-
do a um pensamento mais amplo, pois, como afirma Cardoso (2010, p. 27):
O interesse pelo estudo da diversidade de usos da língua e a evidência de certa preocu-
pação universal com as diferenças dialetais perpassam a história dos povos em todos os
momentos, ora como simples constatação, ora como instrumento político, ora como meca-
nismo de descrição das línguas.
3 “Dialect is a geographically based language variety with distinct syntactic forms and vocabulary items”. “It’s usually distinguished
from accent, which refers solely to features of pronunciation, although on occasions dialect is loosely used to include accent”. Tradução
nossa.
Sumário
117
Chambers e Trudgill (1994, p. 139) afirmam que uma das maiores preocupa-
ções da Dialetologia tradicional ou Geografia Linguística tem sido a determinação
de isoglossas, dos limites entre duas regiões que diferem em algum traço linguís-
tico entre si. Ao analisar o significado literal de isoglossa “iso → igual” e “glossa →
língua”, eles observam que isoglossa, supostamente, “quer expressar o fato de que
uma linha traçada através de uma região mostrará duas áreas em cada uma das
quais coincide algum aspecto do uso linguístico, mas que difere uma da outra”4.
Ferreira e Cardoso (1994) observam que um feixe de isoglossas demarca um
dialeto. É, portanto, um conjunto de isoglossas que se somam e exibem uma relativa
homogeneidade dentro de uma comunidade linguística em confronto com outras.
Elas adicionam que, devido a esta relativa homogeneidade, podemos crer que não
há limites rígidos entre as línguas, uma vez que toda língua histórica é constituída
por um conjunto de dialetos. Isto corrobora o pensamento de Chambers e Trudgill.
O espaço físico exibe variedades linguísticas que ocorrem de uma região para
outra. O interesse por este tipo de informação não está apenas em registrar dados
intercomparáveis, mas também em registrar a ausência de tais dados. Podemos,
então, dizer que são intercomparáveis tanto os dados presentes em uma região
e outros presentes em outras, como também os dados existentes em uma região
comparados à sua ausência em outra.
Com base em Cardoso (2010), observamos que há duas características impor-
tantes na origem da Dialetologia independentemente do princípio metodológico
usado. A primeira característica é o reconhecimento das diferenças ou das seme-
lhanças que a língua transmite. Outra característica é o estabelecimento das rela-
ções entre as diversas manifestações linguísticas documentadas ou entre elas e a
ausência de dados registrados, circunscritos a espaços e realidades prefixados.
A Dialetologia não pode desconsiderar fatores extralinguísticos, próprios do
falante, da mesma maneira que não pode desconsiderar as implicações que estes
fatores acarretam nos atos da fala. De maneira que idade, sexo, escolaridade e ca-
racterísticas socioculturais se tornam elementos de pesquisa que convivem com a
busca de identificação de áreas dialetais. Neste ponto, é possível ver uma conflu-
ência de propósitos entre a Dialetologia e a Sociolinguística uma vez que ambas as
disciplinas estudam a variação linguística. Portanto, os enfoques diatópico e socio-
linguístico estão presentes tanto na Dialetologia quanto na Sociolinguística. Toda-
via, o que as distingue é a forma de tratar os fenômenos e a perspectiva que cada
uma imprime à abordagem dos fatos linguísticos.
A Dialetologia tem como base da sua descrição a localização espacial dos fatos
estudados, demonstrando seu caráter eminentemente diatópico, embora considere
fatores sociais. Por outro lado, Cardoso (2010, p. 26) observa que “a Sociolinguísti-
ca centra-se na correlação entre fatos linguísticos e os fatores sociais, priorizando
as relações sociolinguísticas” embora estabeleça a intercomparação entre dados do
ponto de vista espacial. A Dialetologia tem duas diretrizes que são “a perspectiva
diatópica e o enfoque sociolinguístico”.
4 “Presumiblemente quiere expresar el hecho de que una línea trazada a través de uma región mostrará dos áreas em cada uma de las
cuales coincide algún aspecto del uso linguístico, pero que difiere una de la otra” (Tradução nossa).
Sumário
118
Ao longo do século XVIII, alguns trabalhos começam a construir os caminhos
da Dialetologia. Um desses trabalhos é realizado pelo abade Grégoire que realiza na
França em 1790 uma enquete com a finalidade de conhecer os patois. Contudo, é no
século XIX, que os rumos da Dialetologia e de seu método geolinguístico são deline-
ados. Cardoso (2010) menciona vários trabalhos que ajudaram a construir os ca-
minhos da Dialetologia. Vale citar a publicação, em 1841, por Bernardino Biondelli,
do Atlas Linguistique de L’Europe, inspirado no Atlas Ethnographique du Globe de
Adrien Balbi (1826).
No Brasil, a história da Dialetologia é marcada pela presença de estudiosos
como Amadeu Amaral e Antenor Nascentes que publicaram alguns dos primeiros
trabalhos sobre a Dialetologia brasileira. Ferreira e Cardoso (1994, p. 37), tomando
por base a divisão em duas fases realizada por Nascentes, observam que “podemos
dividir a história dos estudos dialetais em três grandes fases”.
A primeira fase compreende o período de 1826 a 1920, que culmina com a
publicação de O dialeto caipira de Amadeu Amaral. A tônica deste período foi o
estudo do léxico relativo ao português do Brasil e a criação de vários dicionários,
vocabulários e léxicos de caráter regional. Dentre eles, podemos citar o Dicionário
da língua brasileira com o uso de nomes próprios do Brasil, de Luís Maria Silva, em
1832 e o Vocabulário popular de P. H. Souza Pinto em 1912 que mostra regionalis-
mos do estado de Minas Gerais. Ferreira e Cardoso (1994) afirmam que a segunda
fase se inicia com a publicação de O dialeto Caipira de Amadeu Amaral. Neste pe-
ríodo, há um grande número de trabalhos que tratam da gramática, embora haja
também vários de cunho lexicográfico. Desta segunda fase, podemos destacar dois
trabalhos iniciais: O dialeto caipira em 1920, como já mencionamos, e O linguajar
carioca de Antenor Nascentes em 1922.
Em O dialeto caipira, Amadeu Amaral chama a atenção para a pesquisa in loco
para dissipar falsas hipóteses e conclusões que não refletiam a verdadeira realida-
de linguística. Ele traça, para futuros pesquisadores da Dialetologia, passos básicos
para um trabalho mais criterioso: a observação imparcial, sistemática no trabalho,
a retratação fiel da realidade a partir do que as amostras coletadas permitiam e
a verificação pessoal dos fatos para eliminar tudo que fosse hipotético e incerto.
Amadeu Amaral abriu, assim, o caminho para os estudos dialetais no Brasil com
linhas gerais para um estudo monográfico de uma região. Antenor Nascentes, em O
linguajar carioca, começa traçando linhas gerais para a compreensão do português
brasileiro que ele chama de o falar brasileiro e situa o linguajar carioca neste grupo.
Para Nascentes (1953), a enorme extensão territorial do Brasil, sem fáceis meios
de comunicação interior, quebrou a unidade do falar, fragmentando-o em subfala-
res. Esta fragmentação é também influenciada pelo modo diferente de povoamento
de cada região. É palpável a diferença entre a fala cantada do nortista e a fala des-
cansada do sulista. A estas obras O dialeto caipira e O linguajar carioca, podemos
adicionar tantas outras nesta segunda fase, como o Vocabulário gaúcho de Roque
Callage em 1926 e O vocabulário pernambucano, de Pereira da Costa, em 1937 que
enfocam o léxico regional, seguindo a linha dominante na fase anterior.
Sumário
119
A terceira fase se inicia em 1952 e se distingue pela elaboração de trabalhos
baseados em corpus constituído de forma sistemática e surge, então, neste momen-
to, a preocupação com a execução e desenvolvimento dos estudos da Geolinguística
no Brasil e com a produção de um atlas linguístico do Brasil. Nesse sentido, o gover-
no brasileiro toma a iniciativa de atribuir à Comissão de Filologia, da recém-criada
Casa Ruy Barbosa, por meio do decreto 30.643, à responsabilidade pela produção
do atlas linguístico do Brasil. A terceira fase da história dos estudos dialetais tem,
assim, como marca identificadora, o começo dos estudos sistemáticos no campo da
Geografia Linguística. Entretanto, Mota (2006) complementa a proposta de Ferrei-
ra e Cardoso (1994) com uma quarta fase. Esta quarta fase começa com a retomada
do Projeto Atlas Linguístico do Brasil em 1996. Essa nova fase coincide com a incor-
poração dos princípios implementados pela Sociolinguística, a partir da década de
60 do século XX, abandonando-se a visão monodimensional que era predominante
na Geolinguística que atualmente chamamos de tradicional. Cardoso (2009) ob-
serva que é importante reiterar que a implantação do Projeto Atlas Linguístico do
Brasil em 1996 é o marco mais significativo para estabelecer esta quarta fase dos
estudos dialetológicos, atrelados ao estudo da variação linguística, que transcende
limites geográficos e está presente em todas as comunidades de fala.
Variação Linguística
Formas linguísticas em variação estão presentes em todas as comunidades de
fala. Estas formas são chamadas de variantes que são, na verdade, maneiras dife-
rentes de falar a mesma coisa no mesmo contexto e com o mesmo valor de verda-
de. Estas variantes, por sua vez, estão sempre competindo dentro da comunidade
de fala à qual pertencem. Desta maneira, temos as variantes padrão e não-padrão,
aquelas que são conservadoras contra as que são inovadoras e as variantes que re-
cebem algum tipo de estigma em oposição àquelas de prestígio. Geralmente, uma
variante padrão é considerada conservadora e possui maior importância sociolin-
guística dentro da comunidade. Em contrapartida, uma variante inovadora tende
ser não-padrão e é, portanto, estigmatizada pelos falantes da comunidade a que
pertence. A título de ilustração, trazemos a presença do segmento fônico /s/ como
marca de plural no sintagma nominal que é a forma padrão, conservadora e, por-
tanto, de prestígio. Ao passo que a não marcação do plural /s/ no sintagma nominal
é estigmatizada.
Labov (2008, p. 260) observa que “no curso da evolução linguística, a mudan-
ça caminha para se completar, e regras variáveis se tornam invariantes. Quando
isso acontece, há outra mudança estrutural que compensa a perda de informação
envolvida”. Isto significa dizer que se uma regra variável for constante, ela oferece
aos aprendizes da língua informação suficiente para manter as distinções básicas
e as formas subjacentes. Portanto, nem tudo que varia sofre mudança, mas toda
mudança linguística pressupõe variação uma vez que mudança é variação. Para
Coseriu (1979, p. 64), a língua não muda completamente, porque se refaz. O falante
não cria integralmente a sua expressão, mas utiliza o sistema que lhe é oferecido
pela comunidade, além disso, aceita também a realização que a norma tradicional
Sumário
120
lhe fornece. Ele não inventa totalmente sua expressão, mas utiliza modelos ante-
riores porque este indivíduo é um ser histórico e porque a língua pertence a sua
historicidade. Isto quer dizer que a expressão que é usada pelo falante tem uma
história que a precede.
A diversidade linguística está relacionada não apenas com a questão territo-
rial, mas também com a questão da desigualdade social. Bagno (2000) observa que:
No Brasil, embora a língua falada pela grande maioria da população seja o português, esse
português apresenta um alto grau de diversidade e de variabilidade, não só por causa da
grande extensão territorial do país – que gera as diferenças regionais, bastante conhecidas
e também vítimas, algumas delas, de muito preconceito- mas principalmente por causa da
trágica injustiça social que faz do Brasil o segundo país com a pior distribuição de renda
em todo mundo. São essas graves diferenças de status social que explicam a existência, em
nosso país, de um verdadeiro abismo linguístico entre falantes das variedades não-padrão
de português brasileiro – que são a maioria de nossa população – e os falantes da (suposta)
variedade culta, em geral mal definida, que é a língua ensinada na escola (BAGNO, 2000, p.
16).
Idade, sexo, raça (ou cultura), profissão, posição social, grau de escolaridade
são alguns dos fatores que desencadeiam variedade linguística. Para Preti (2003),
as variantes decorrentes de faixas etárias, considerando o locutor adulto, restrin-
gem-se mais ao vocabulário. Para ele, a chamada linguagem jovem se refere a um
vocabulário gírio, cujos limites são meio vagos. Este autor diz que a oposição entre
a linguagem do homem e a linguagem da mulher pode indicar diferenças evidentes,
sobretudo no léxico por conta de tabus morais. Contudo, ele aponta que essa oposi-
ção vem perdendo sua significação, especialmente nas cidades grandes, porque os
meios de comunicação de massa, o teatro, a transformação dos costumes e padrões
morais têm exercido um papel nivelador expressivo. Outro fator é a profissão do in-
divíduo que funciona no campo da linguagem técnica em que os falantes usam um
vocabulário condizente com sua atividade. Além disso, a posição social requer que
o falante tenha um cuidado especial com a linguagem que usa visando ter destaque
dentro do grupo em que atua.
No momento em que nos referimos aos fatores que ocasionam o surgimen-
to de variantes linguísticas, apontamos sempre que tais fenômenos ocorrem den-
tro de uma comunidade de fala, que é assim conceituada por Moreno Fernandez
(1998):
Uma comunidade de fala é formada por um conjunto de falantes que compartilham efe-
tivamente, pelo menos, uma língua, contudo, além disso, compartilham um conjunto de
normas e valores de natureza sociolinguística: compartilham as mesmas atitudes linguísti-
cas, as mesmas regras de uso, um mesmo critério na hora de valorizar socialmente os fatos
linguísticos, os mesmos padrões sociolinguísticos. Os membros de uma comunidade de fala
são capazes de se reconhecerem quando compartilham opiniões sobre o que é vulgar, o
que é familiar, o que é incorreto, o que é arcaizante ou antiquado. Por isso, o cumprimento
das normas sociolinguísticas que obriga o pertencimento a uma comunidade pode servir
de marca diferenciadora, de marca de grupo, e por isto os membros de uma comunidade
costumam acomodar seu discurso a normas e valores compartidos. Uma comunidade de
Sumário
121
fala é basicamente uma comunidade de consenso, de sintonia entre grupos e indivíduos
diferentes, onde conflitos são minimizados (MORENO FERNÁNDEZ, 1998, p. 19-20)5.
Durante os séculos XVI e XVII, houve uma disputa pela posse do território
paranaense pelas missões jesuíticas espanholas e pelas bandeiras paulistas sob or-
dens do governo português. Durante estes dois séculos, vários núcleos de povoa-
mento começaram a surgir ao longo dos principais rios.
Metodologia
Este trabalho se fundamenta na metodologia e no corpus do Projeto Atlas Lin-
guístico do Brasil - ALiB no que tange à área semântica fenômenos atmosféricos do
Questionário Semântico-lexical (QSL). Neste estudo priorizamos a variação diató-
pica, mas, seguindo os passos da Geolinguística Pluridimensional, também consi-
deramos aspectos relativos às variações diastrática, diageracional e diassexual.
Corpus
O corpus está constituído pelas respostas às questões 17, 18 e 19 do Questionário
Semântico-Lexical do Atlas Linguístico do Brasil aplicado em 22 cidades na Bahia e 17 no
Paraná.
Localidades da Bahia
As localidades da Bahia, que perfazem o total de 22 pontos, estão distribuídas
em suas mesorregiões8. O número entre parênteses se refere ao atribuído à loca-
lidade na rede de pontos do ALiB.
• Mesorregião Centro Norte Baiano – Itaberaba (090), Jacobina (086), Irecê
(085);
• Mesorregião Centro Sul Baiano – Caetité (096), Itapetinga (100), Jequié
(095), Seabra (089), Vitória da Conquista (098);
• Mesorregião Extremo Oeste Baiano – Barreiras (087), Santana (092);
• Mesorregião Metropolitana de Salvador – Capital – Salvador (093), Santo
Amaro (091);
• Mesorregião Nordeste Baiano – Alagoinhas (088), Euclides da Cunha
(083), Jeremoabo (082);
• Mesorregião Sul Baiano – Caravelas (102), Ilhéus (099), Santa Cruz de Ca-
brália (101), Valença (094);
• Mesorregião Vale São-Franciscano da Bahia – Barra (084), Carinhanha
(097), Juazeiro (081).
8 Mesorregião. Unidade territorial homogênea, em nível maior que a microrregião, porém menor que o estado ou território, e resultado
do grupamento de microrregiões (FERREIRA, 1986).
Sumário
124
Localidades do Paraná
O conjunto de localidades do Paraná, que perfaz o total de 17 pontos, está dis-
tribuído em suas mesorregiões. O número entre parênteses se refere ao atribuído
à localidade na rede de pontos do ALiB.
• Mesorregião Centro Ocidental Paranaense - Campo Mourão (212), Terra
Boa (209);
• Mesorregião Centro Oriental Paranaense – Piraí do Sul (214);
• Mesorregião Centro-sul – Guarapuava (219); Mesorregião Metropolita-
na de Curitiba – Capital – Curitiba (220), Adrianópolis (216), Lapa (222),
Morretes (221);
• Mesorregião Noroeste Paranaense – Nova Londrina (207), Umuarama
(210);
• Mesorregião Norte Central Paranaense – Cândido de Abreu (213), Londri-
na (208);
• Mesorregião Norte Pioneiro Paranaense – Tomazina (211);
• Mesorregião Oeste Paranaense – São Miguel do Iguaçu (217), Toledo (215);
• Mesorregião Sudeste Paranaense – Imbituva (218);
• Mesorregião Sudoeste Paranaense – Barracão (223).
Informantes
Em cada ponto de inquérito no interior dos dois estados foram entrevistados
quatro informantes, dois homens e duas mulheres em duas faixas-etárias (18-30
anos e 50-65 anos). Nas capitais dos estados foram entrevistados oito informantes,
quatro dos quais têm nível universitário. Informantes de 1 a 4 possuem nível funda-
mental e de 5 a 8 nível universitário. Os números ímpares se referem aos homens e
os números pares se referem às mulheres; os números 1-2 e 5-6 são atribuídos aos
informantes agrupados na primeira faixa etária e 3-4 e 7-8 à segunda faixa etária.
Questionário
O corpus desta pesquisa se fundamenta nos dados originados da aplicação do
Questionário Semântico-Lexical (QSL) integrante dos Questionários 2001 (COMI-
TÊ, 2001), constituído de 207 questões divididas em quinze áreas semânticas das
quais selecionamos a área semântica fenômenos atmosféricos.
No Quadro 1, disposto em quatro colunas, apresentamos as três questões uti-
lizadas, com a seguinte distribuição: a primeira coluna mostra o número da ques-
tão; a segunda exibe o item semântico-lexical que se busca; a terceira coluna indica
a maneira como foi formulada a pergunta; a quarta coluna indica a área semântica
a que se refere cada pergunta.
Quadro 1: Extraído do QSL utilizado
QSL
Item Semântico-Lexical Formulação da Pergunta Áreas Semânticas
Nº
Sumário
125
Quase sempre, depois de uma chuva,
aparece no céu uma faixa com listras
17 ARCO-ÍRIS
coloridas e curvas (mímica). Que nomes
dão a essa faixa?
FENÔMENOS
18 GAROA ... uma chuva bem fininha?
ATMOSFÉRICOS
Depois de uma chuva bem fininha,
TERRA UMEDECIDA quando a terra não fica nem seca, nem
19
PELA CHUVA molhada, como é que se diz que a terra
fica?
Fonte: Elaboração do autor.
Análise de dados
Nesta seção, apresentamos a descrição e análise dos dados, estruturadas em
itens que priorizam a perspectiva diatópica, mas contemplam, também, aspectos
de natureza sociolinguística.
Salvador e Curitiba: a realidade das capitais
Para o conceito referente a uma faixa com listras coloridas e curvas que quase
sempre, depois de uma chuva, aparece no céu, na questão 17, obtivemos a variante
arco-íris de maneira hegemônica nas duas capitais representando 100% das ocor-
rências.
A questão 18 apura denominações para uma chuva bem fininha. Registramos
garoa como resposta com maior produtividade nas duas capitais, embora um in-
formante em Salvador a use, mas diga que tal lexia é uma variante diatópica carac-
terística do Sul do país, como vemos na fala transcrita a seguir:
INF. – Garoa, eu já digo mais por conta de amigos paulistas, não cresci ouvindo nada disso.
Diz chuvisco, aqui se dizia chuvisco que minha família dizia era um chuvisco, garoa já é
coisa do sul, dos amigos do sul (093/7).
Considerações finais
Neste trabalho identificamos, analisamos e descrevemos a variação linguísti-
ca encontrada nos estados brasileiros, Bahia e Paraná, localizados, respectivamen-
te, nas regiões Nordeste e Sul do Brasil, com vistas a mostrar a homogeneidade ou
heterogeneidade desses dois falares brasileiros no que diz respeito à área semânti-
ca fenômenos atmosféricos.
O estudo está fundamentado em um corpus constituído por 164 inquéritos
realizados nos 22 pontos da Bahia e 17 do Paraná, com base nos pressupostos da
Dialetologia, Lexicologia e Sociolinguística.
Para a questão 17, arco da velha ocorre apenas no centro-sul e sul baiano e
olho de boi no nordeste da Bahia. No Paraná, arco da velha ocorre no centro-oci-
dental e no norte pioneiro. Objetivando tornar mais acessível à consulta aos dados
constantes dessa pesquisa, apresentamos um índice onomasiológico que reúne to-
das as variantes registradas para cada item.
Considerando as questões iniciais, o léxico documentado na Bahia e Paraná
oferece características particulares que delimitam áreas e pode refletir a nature-
za da constituição histórica de cada um desses estados. Verificamos que no plano
da análise diatópica, podemos destacar como resultado mais relevante o fato de a
distribuição das variantes terem um caráter mais homogêneo do que heterogêneo,
considerando os dados de Salvador e Curitiba, bem como de todas as cidades do
interior dos dois estados.
Sumário
129
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Designações para cabra-cega: um
olhar sobre o léxico fronteiriço
Brasil-Bolívia
Fernando Jesus da Silva1
Resumo: Este trabalho traz um recorte da tese de doutoramento, em andamento, sobre o léxico da fronteira
Brasil-Bolívia, mais precisamente entre Cáceres/San Matias. Busca-se demonstrar a influência do português
no léxico do campo semântico “jogos e diversões infantis”, através de uma análise quantitativa e qualitativa
das lexias registradas nesse espaço fronteiriço para designar a “brincadeira em que uma criança vendada
tenta agarrar outra, que a irá substituir”. Para isso, recorreu-se aos pressupostos teóricos e metodológicos
da Dialetologia Pluridimensional (THUN, 1998). Além da Dialetologia Pluridimensional, considerou-se os
trabalhos de Silva (2012), Cascudo (2005), Ramírez Luengo (2012), Lipski (2011) e Cuéllar e Yavarí (2008).
A pesquisa foi realizada em quatro pontos de inquérito, sendo dois no município de San Matias (01 - Zona
urbana e 02 - San Juan de Corralito) e dois em Cáceres (03 - Corixa e 04 - Zona urbana). No total, foram
entrevistados 24 informantes entre brasileiros e bolivianos por meio da aplicação de inquéritos com base
no Questionário Semântico-lexical (QSL) do Projeto Atlas Linguístico do Brasil - ALiB. Para o tratamento dos
dados e produção cartográfica, utilizou-se a ferramenta computacional SGVCLIN. Com base nas análises,
obteve-se como resultado uma grande produtividade da lexia cobra-cega em três pontos, sendo dois do lado
brasileiro e um do lado boliviano, especificamente, na comunidade rural de San Juan de Corralito, indicando,
com isso, uma forte influência cultural e linguística do Brasil sobre o município de San Matias.
Palavras-chave: Dialetologia Pluridimensional. San Matias. San Juan de Corralito. Léxico. Jogos infantis.
Introdução
As brincadeiras infantis constituem um importante elemento para compreen-
der as diferenças culturais entre comunidades fronteiriças. Entretanto, olhar para
a fronteira entre San Matias (Bolívia) e Cáceres (Brasil) significa perceber que no
universo lúdico entre bolivianos e brasileiros, há mais semelhanças que diferenças,
principalmente no modo como designam as brincadeiras.
Nesse espaço fronteiriço, sempre houve um forte contato cultural e linguísti-
co entre portugueses e espanhóis, posteriormente, entre brasileiros e bolivianos,
razão que justificaria um compartilhamento lexical, resultado de empréstimos ou
1 Doutorando em Linguística pela Universidade do Estado de Mato Grosso - UNEMAT. Docente da Universidade Federal de Mato Grosso
- UFMT. E-mail: [email protected]
Sumário
131
simplesmente reflexo de usos linguísticos que revelam uma fronteira porosa, sem
“limites para a língua” (RAMÍREZ LUENGO, 2012).
Este trabalho se inscreve dentro dos pressupostos teórico-metodológicos da
Dialetologia pluridimensional (THUN, 1998), com foco na dimensão diatópica (es-
paço), tomando como base o Questionário Semântico-lexical (QSL) do Projeto Atlas
linguístico do Brasil - ALiB, no campo semântico “jogos e diversões infantis”, através
da questão nº 161 que busca saber a designação para “(...) a brincadeira em que
uma criança, com os olhos vendados, tenta pegar as outras” (COMITÊ, 2001, p. 34).
Assim, o presente capítulo procura mapear as variantes lexicais registradas
nesse espaço de contato linguístico, principalmente as que foram produzidas pe-
los matienhos2, a fim de verificar o índice de produtividade de lexias tomadas do
português brasileiro, e, consequentemente, evidenciar sua influência sobre o léxico
dos matienhos.
San Matias e Cáceres: cidades-gêmeas
O município de San Matias está localizado na parte oriental da Bolívia, no ex-
tremo leste do Departamento de Santa Cruz, dentro do espaço geográfico que cons-
titui a Chiquitania3. É capital da Província Angel Sandoval e está distante a 750 km
de Santa Cruz de la Sierra, capital do Departamento de Santa Cruz.
A respeito de Cáceres, o município brasileiro está situado a sudoeste de Mato
Grosso, integrando a microrregião do alto Pantanal, localizada a 215 km da capital
Cuiabá. Os dois municípios receberam recentemente o título de cidades-gêmeas,
conforme a Portaria nº 1.080 de 24 de abril de 2019 do Ministério da Integração
Nacional do Brasil (MI)4.
Figura 1: Mapa de San Matias e Cáceres (Bolívia/Brasil)
Cáceres e San Matias possuem uma história de contato linguístico que remon-
ta ao período imperial e que reflete nos dias atuais uma relação paradoxal de inte-
gração, ao mesmo tempo, de marginalização do espaço fronteiriço. Essa marginali-
zação é produto de discursos produzidos, sobretudo, pela mídia local, que colocam
essa região, apenas como rota do narcotráfico internacional, apagando com isso,
aspectos culturais e linguísticos que constituem as comunidades transfronteiriças
de Corixa e San Juan de Corralito (SILVA, 2012).
Trata-se de um espaço historicamente difuso, de línguas dispersas, marca-
do por diferentes formas de contatos que produziram como efeito, um continuum
dialetal que confronta a ideia de unidade, de nação, de limite, do que é nacional
ou estrangeiro (CHAMBERS; TRUDGILL, 1994). Nesse sentido, o uso do português
ultrapassa os limites territoriais, deixa de ser “somente língua do Brasil”, mas tam-
bém da Bolívia, através de comunidades constituídas historicamente por relações
familiares entre brasileiros e bolivianos que falam uma variedade de português
que designamos como sendo Português Fronteiriço Boliviano (PFB). Sobre a noção
de unidade linguística, Di Renzo (2005, p.74) explica que:
[...] o princípio de unidade é concomitante à existência do Estado. E aí se inclui a unidade
lingüística, pois é língua do Estado aquela que o Estado proclama, atitude que produz o
efeito de apagamento da diversidade lingüística existente pela imposição de uma política
de língua. Por isto, é necessário criar instituições que ensinem, inculquem, implantem e
divulguem essa língua.
Sumário
133
Dessa maneira, olhar para o PFB faz pensar que a realidade linguística de San
Matias não se constitui apenas do espanhol e de línguas indígenas locais, visto que
está presente diariamente no convívio entre as comunidades rurais fronteiriças.
Na pesquisa desenvolvida verificou-se que o PFB tem como base a variedade
cacerense, composto por um léxico enriquecido de palavras e expressões de dife-
rentes regiões brasileiras, por influência do comércio, especialmente, da influência
de canais de televisão, como a rede Globo.
De acordo com Cuéllar e Yavari (2008), o primeiro canal de TV transmitido
em San Matias foi da antiga Rede Tupi. Durante muito tempo, os matienhos estive-
ram expostos apenas a emissoras brasileiras. Muitas crianças cresceram ouvindo
expressões e palavras que foram sendo hispanizadas e incorporadas ao léxico local.
Além disso, o contato cultural, familiar, religioso, comercial fez com que a influência
do português se tornasse cada vez mais imperativa em função da dependência de
San Matias em relação a Cáceres em diversos serviços, sobretudo, na área da saúde.
Embora a influência do português seja notável, é importante diferenciar a re-
alidade linguística de contato entre a zona urbana e a zona rural de San Matias. Na
zona urbana, prevalece o uso do espanhol na maioria dos contextos comunicacio-
nais. Porém, na zona rural, as comunidades mantêm o uso indiscriminado das duas
línguas, prevalecendo em muitas situações o PFB, como é o caso da comunidade
rural de San Juan de Corralito.
O uso expansivo do português fez com que inúmeras palavras fossem incorpo-
radas ao léxico do espanhol falado em San Matias – doravante espanhol matienho-,
ao ponto de não serem interpretadas como estrangeirismos. Na maioria das vezes,
a consciência do empréstimo linguístico se dá sob ação da escola, portanto, no con-
texto do ensino da língua nacional, que vai influenciar as atitudes linguísticas dos
moradores sobre o que “faz parte” ou não da língua espanhola, desenvolvendo, as-
sim uma atitude positiva ou negativa sobre determinados usos ou palavras (SILVA,
2012).
Nesse sentido, a atitude de reconhecimento ou negação de determinadas le-
xias passa pelo filtro escolar. Durante a pesquisa, notamos que os informantes com
escolaridade de nível superior completo/incompleto tiveram um comportamento
linguístico mais resistente frente ao uso de palavras tomadas do português em re-
lação aos que tinham apenas o ensino básico, como os moradores de San Juan de
Corralito.
Dessa maneira, queremos evidenciar, por meio do léxico, que o contato com
o português singularizou o espanhol matienho, gerando uma variedade de portu-
guês fronteiriço falada no extremo leste do oriente boliviano, isto é, em San Matias.
O léxico matienho: um olhar diatópico
San Matias se caracteriza por ser um município plurilíngue, pois, além do uso
do português e do espanhol, línguas como quéchua, aymara e chiquitano também
formam parte da realidade linguística local, principalmente da zona urbana, visto
que na zona rural fronteiriça predomina-se o uso do PFB. No caso específico entre
o português e o espanhol, verificamos que o contato entre essas duas línguas fez
Sumário
134
emergir no tempo/espaço diferentes efeitos, tais como, mudança de código, mistu-
ras, sobretudo, empréstimos linguísticos.
O estudo do contato linguístico entre essas duas línguas tem sido realizado
com mais frequência na Região Sul do Brasil, bem como na região que constitui
a tríplice fronteira (Brasil, Argentina e Paraguai). Em relação à extensa fronteira
entre o estado de Mato Grosso e a Bolívia, não há quase estudos linguísticos, prin-
cipalmente dialetológicos e sociolinguísticos, razão que suscitou a pesquisa nessa
região a partir da Dialetologia Pluridimensional.
Os estudos dialetológicos têm demonstrado ao longo dos anos a diversidade
linguística lexical de uma região para a outra através da cartografia, ou seja, da pro-
dução de mapas, também designados como cartas linguísticas.
A Geolinguística ou Geografia linguística se constituiu como um importante
método para a Dialetologia, pois permite compreender a língua a partir de sua di-
mensão diatópica, ou seja, do modo como se distribui no espaço. Isso significa di-
zer, que pela cartografia é possível determinar usos e fenômenos linguísticos locais,
regionais, compartilhados ou não, permitindo com isso, a construção de isoglosas5.
De acordo com Moutón (1996), a Dialetologia busca estudar a variação da lín-
gua dentro de um espaço determinado, que por sua vez, é refletido posteriormente
sobre mapas (cartografia linguística), cujo conjunto delas forma um atlas linguísti-
co. Além disso, esclarece que, a Geografia linguística não é uma ciência em si, mas
um método dialetológico surgido no final do século XIX e início do século XX.
Brandão (1991) explica que o método cartográfico foi se aperfeiçoando com o
passar do tempo, abrangendo diferentes espaços, sobretudo, combinando os prin-
cípios da geografia linguística com os da sociolinguística.
Segundo Thun (1998), a dialetologia e a sociolinguística estiveram separadas
por um bom tempo, embora tivessem o mesmo objetivo, ou seja, compreender o
fenômeno da variação. Entretanto, com o avanço dos estudos linguísticos, procu-
rou-se um trabalho interdisciplinar, dando surgimento a Dialetologia Pluridimen-
sional e Relacional, que tem dentro de seus pressupostos teórico-metodológicos a
relação entre a dimensão diatópica (dialetologia tradicional), com dimensões so-
ciais (sociolinguística), para produzir uma descrição mais completa dos fenômenos
linguísticos, apresentando os condicionadores extralinguísticos.
Nesse sentido, podemos dizer que o método cartográfico se constitui como
um importante caminho para conhecer a diversidade linguística de uma região,
suas nuances, os graus de variação, e mais precisamente, os efeitos do contato lin-
guístico.
Dessa maneira, a Dialetologia Pluridimensional aparece como uma disciplina
que permite olhar para a variação linguística – neste caso, a variação lexical – sob
“lupas” distintas, ou seja, considerando diferentes fatores extralinguísticos envol-
vidos. Na tese de doutoramento, o objetivo é analisar a variação lexical, correla-
cionando diferentes dimensões: diatópica, diageracional, diassexual e diastrática
5 Uma isoglossa é uma linha que assinala num mapa linguístico o limite entre a presença e a ausência de determinado traço ou
fenômeno linguístico. As isoglossas separam áreas linguísticas mais ou menos uniformes. Os feixes de isoglossas podem servir para
separar variedades linguísticas (BAGNO, 2017, p.209).
Sumário
135
(THUN, 1998). Este trabalho se centra somente na dimensão diatópica, pois in-
teressa demonstrar como as lexias estão distribuídas no espaço fronteiriço e sua
produtividade para subsidiar as análises.
De acordo com Possenti (2001, p. 170), “a história das línguas é em grande
parte uma história de empréstimos”. Nesse sentido, olhar para o espanhol matie-
nho significa reconhecer a forte influência que o português tem exercido ao longo
dos anos, afetando a realidade local e produzindo novos efeitos de sentido sobre
as palavras e as escolhas lexicais dos sujeitos fronteiriços. Dessa maneira, pode-
mos afirmar que o contato cultural e linguístico com o Brasil produziu com o tem-
po uma identidade linguística híbrida, manifestada no léxico local, nessa parte da
fronteira Brasil/Bolívia, como se poderá ver adiante.
A brincadeira Cabra-cega
De acordo com Ferreira (1993, p. 89), cabra-cega é uma “brincadeira em que
uma criança vendada tenta agarrar outra, que a irá substituir”. No dicionário virtual
da língua espanhola da Real Academia Española (RAE), tem-se a seguinte entrada:
“juego en el que uno de los participantes, con los ojos vendados, trata de atrapar a
alguno de los otros y adivinar quién es, y si lo logra, el atrapado pasa a ocupar su
puesto”6.
Cascudo (2005) explica que se trata de uma brincadeira muito comum em
Portugal e na Espanha. Em pesquisas ao banco de dados lexicais do Tesouro do léxi-
co patrimonial galego e português7, verificou-se o registro dessa lexia em diferen-
tes partes de Portugal e do Brasil. Na Espanha, o jogo é designado popularmente
como gallina ciega. Na Figura 3, é possível observar a representação da brincadeira
na tela do pintor espanhol Francisco de Goya:
Figura 3: La gallina ciega8
6 Jogo em que um dos participantes, com os olhos vendados, tenta agarrar um dos outros e adivinhar quem é, e se conseguir, a pessoa
presa toma o seu lugar (Tradução Nossa). Disponível em: https://dle.rae.es/gallo?m=form#9Fm6Ljh Acesso em: 05/04/2020.
7 Disponível em: http://ilg.usc.gal/tesouro/pt/search#search=normal&mode=lema&q=cabra-cega Acesso em: 05/04/2021
8 O quadro “La Gallina ciega”, de Francisco de Goya, foi pintado em 1789 para decorar os quartos das futuras filhas de Carlos IV,
no Palácio El Pardo. Disponível em: <https://www.museodelprado.es/coleccion/obra-de-arte/la-gallina-ciega/0e23d968-5a4a-426f-
ab7b-075d1dc1c03b> Acesso em: 05 de abril 2020.
Sumário
136
Ainda de acordo com Cascudo (2005), a origem do jogo gallina ciega está re-
lacionada aos jogos latinos, denominados Musca aenea (Mosca de metal). Para o
autor, muitos jogos de origem europeia foram trazidos para a América através da
colonização, diferenciando-se conforme a região e a língua.
O jogo da cabra-cega está presente em grande parte do Brasil e dos países
hispanofalantes. Na Bolívia, por exemplo, o jogo é designado popularmente como
gallinita ciega, uma variante de gallina ciega no diminutivo (VILA, 2002). Já no Bra-
sil, além de cabra-cega, recebe outras designações, como cobra-cega (ALENCAR;
ISQUERDO, 2019).
Metodologia
O inquérito aplicado tanto em Cáceres quanto em San Matias tem como refe-
rência o Questionário Semântico-lexical (QSL) do Projeto Atlas Linguístico do Brasil
- ALiB. Das 13 (treze) questões que compõem o campo semântico “Jogos e diversões
infantis”, trabalhou-se na pesquisa com 10 questões que buscaram contemplar as
possíveis variantes para as unidades lexicais: cambalhota (questão 155), bolinha de
gude (questão 156), estilingue (questão 157), pipa (questão 158), esconde-escon-
de (questão 160), cabra-cega (questão 161), pega-pega (questão 162), gangorra
(questão 165), balanço (questão 166) e amarelinha (questão 167). Desse total, foi
selecionado para a análise as denominações para o item lexical cabra-cega.
Os dados foram obtidos através de entrevistas realizadas em quatro pontos de
inquérito, a saber: (i) zona urbana de San Matias (ponto 01); (ii) San Juan de Cor-
ralito (ponto 02); (iii) Corixa (ponto 03), e (iv) zona urbana de Cáceres (ponto 04).
San Juan de Corralito e Corixa constituem comunidades rurais fronteiriças.
A escolha desses pontos se deu pelo fato de constituírem um continuum ge-
ográfico entre a zona urbana de Cáceres (Brasil) até a zona urbana de San Matias
(Bolívia), entremeadas por duas comunidades rurais localizadas na divisa entre os
dois países, constituindo, dessa maneira, o espaço fronteiriço investigado. Trata-se
de um espaço que interliga brasileiros e bolivianos diariamente e que conflui rela-
ções históricas de contato cultural, social, principalmente, linguístico.
A pesquisa contemplou 24 informantes nativos, sendo 12 brasileiros (cace-
renses) e 12 bolivianos (matienhos), estratificados em: (i) sexo (masculino/femini-
no); (ii) grupos etários, sendo o grupo A (18 a 35 anos) e o grupo B (45 a 65 anos).
Além disso, o perfil dos informantes foi categorizado conforme a escolaridade em
dois grupos, a saber, o grupo E1 (ensino fundamental/médio incompleto/comple-
to) e o grupo E2 (ensino superior completo/incompleto), sendo esse último, inexis-
tente na zona rural fronteiriça9.
A partir do Software para geração e visualização de cartas linguísticas [SGV-
CLin] (ROMANO; SEABRA; OLIVEIRA, 2014), foi possível cartografar o espaço estu-
dado e produzir relatórios que permitiram estabelecer comparações entre as lexias
registradas nos pontos de inquérito. De posse delas, buscou-se realizar uma análi-
9 Infelizmente não foram encontrados na zona rural tanto de San Matias quanto de Cáceres, informantes com ensino superior completo/
incompleto. Assim, foram entrevistados 08 informantes da zona urbana, sendo 04 com E1 e 04 com E2. No caso da zona rural, 04
informantes apenas com E1, somando 12 informantes por cada zona, totalizando dessa maneira 24 informantes entre brasileiros e
bolivianos.
Sumário
137
se quantitativa das variantes documentadas, logo, a distribuição lexical no espaço
fronteiriço, e desse modo demonstrar a vitalidade das formas na área considerada,
evidenciando, assim, a influência que o português exerce sobre San Matias, especi-
ficamente, sobre San Juan de Corralito.
Análise dos dados
A comunidade de San Juan de Corralito está localizada na divisa com o Brasil,
logo, a relação entre brasileiros e bolivianos é mais frequente. Além disso, a refe-
rida comunidade utiliza o português (PFB) diariamente tanto no âmbito familiar
como em atividades laborais, visto que muitos bolivianos trabalham em fazendas
no Brasil.
No caso da zona urbana, a língua predominante é o espanhol, porém, devido
o contato com San Juan de Corralito e com inúmeros brasileiros que chegam para
realizar compras ou mesmo para seguir viagem com destino a Santa Cruz de la
Sierra, o português acaba sendo utilizado também, razão que explicaria a presença
de inúmeras lexias tomadas de empréstimo do português.
Para verificar a influência do português no campo semântico-lexical “jogos
e diversões infantis”, apresentamos a seguir, uma carta linguística que demonstra
uma grande produtividade de formas tomadas de empréstimo e que constituem o
léxico dos matienhos. Por meio da aplicação da questão 67 do QSL, buscamos ob-
ter as variantes lexicais para “(...) a brincadeira em que uma criança, com os olhos
vendados, tenta pegar as outras”. Obtivemos como respostas 04 lexias, a saber: ca-
bra-cega, cobra-cega, gallinita ciega e cai no poço.
Figura 4: Carta linguística: Cabra-cega
O uso dos dois idiomas em 02-San Juan de Corralito produz como efeito inte-
rinfluências linguísticas - empréstimos lexicais-, que constitui o que Lipski (2011)
chama de variedades mistas. Dessa maneira, o PFB constituiria um exemplo desse
tipo de variedade, pois, se apresenta tipologicamente semelhante ao espanhol.
10 Tanto Curicha (San Juan de Corralito) quanto Corixa (Cáceres) derivam da palavra Curiche (do arauac. curi “negro” e o sufixo cho
“gente”) significando pântano ou lagoa (NARANJO, 1975, p. 48).
Sumário
139
Entretanto, é importante destacar que as lexias registradas nesse espaço fron-
teiriço para essa brincadeira, revelam que não há uma produtividade recíproca le-
xical entre os 04 pontos, como se poderia esperar dado a localização geográfica,
a relação cultural entre os dois municípios e ao fato de o português e o espanhol
serem línguas altamente cognatas.
O gráfico abaixo demonstra essa disparidade, em que se observa quantitativa-
mente a produtividade das variantes de cabra-cega em cada ponto investigado. Ao
comparar cada ponto, verifica-se que há um continuum lexical para designar essa
brincadeira que vai desde a 04-Zona urbana de Cáceres até 02-San Juan de Corra-
lito (San Matias).
Gráfico 1: Produtividade das denominações para “cabra-cega” em San Matias e Cáceres
Resumo: As regiões de fronteira entre nações constituem ambientes propícios para a emergência de situ-
ações de bilinguismo. Nesse contexto, o presente trabalho tem como objetivo apresentar o(s) processo(s)
de formação bilíngue dos trabalhadores denominados catraieiros que operam a travessia de passageiros
através de catraias na fronteira franco-brasileira, entre as cidades de Oiapoque e Saint-Georges. O supor-
te teórico-metodológico utilizado nesse estudo tem como base aportes da Sociolinguística, discutidos por
Labov (1966), estudos do Contato Linguístico, a partir das contribuições de Weinrich (1953) e Romaine
(1997), e as noções de bilinguismo a partir de uma perspectiva societal, conforme discussões apresentadas
por Mackey (1972), Hamers e Blanc (2000), entre outros. Os procedimentos metodológicos empregados na
pesquisa são de cunho etnográfico. A pesquisa de campo, de natureza qualitativa, teve como instrumentos
de coleta de dados o questionário, a entrevista semiestruturada e as notas de campo. Os resultados obtidos
evidenciam que os catraieiros constituem um grupo bilíngue/plurilíngue, com baixo nível de escolaridade,
mas que falam, em sua maioria, mais de duas línguas dentre aquelas em uso na fronteira franco-brasileira.
Foi constatado também que o processo de formação bilíngue está fundamentado na convivência com os
franceses metropolitanos e guianenses, que atravessam diariamente a fronteira, e que o nível de conheci-
mento das línguas é muito variável dentro do grupo.
Palavras-Chave: Bilinguismo societal. Formação bilíngue. Fronteira franco–brasileira.
Introdução
A fronteira Brasil-Guiana Francesa apresenta uma configuração única no con-
texto das fronteiras brasileiras, demarcada pelo encontro do português com o fran-
cês e demais línguas de base francesa presentes na região. Diferente das fronteiras
que já reúnem trabalhos mais amplamente reconhecidos como Rivera e Santana
do Livramento, Aceguá e Aceguá, Chui, Chuy, entre outros, a fronteira Oiapoque/
1 O presente capítulo se insere no âmbito do Projeto de Pesquisa Estudos da Paisagem Linguística da fronteira Amapá-Guiana Francesa,
desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa LINLIS, da Universidade do Estado do Amapá.
2 Acadêmica do Curso de Letras-Francês da Universidade do Estado do Amapá - UEAP. Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação Científica - PIBIC/CNPq. E-mail: [email protected].
3 Professora Adjunta na Universidade do Estado do Amapá - UEAP. Orientadora no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação
Científica - PIBIC/ CNPq. E-mail: [email protected].
Sumário
143
Saint-Georges tem uma realidade linguística ainda pouco discutida e conhecida.
Dentre os trabalhos já realizados no âmbito dos estudos do contato linguístico, po-
demos citar o panorama sociolinguístico das línguas em presença, realizado por
Day (2005), as discussões feitas por Llorens (2006) acerca do ensino das línguas
francesa e portuguesa na fronteira e o trabalho de Ribeiro (2016) que retrata os
aspectos da influência fonológica no falar fronteiriço.
A fronteira franco-brasileira, delimitada pelo rio Oiapoque, até bem pouco
tempo, só vivenciava a integração entre comunidades francesas e brasileiras a par-
tir da utilização de catraias - meio de transporte utilizado na travessia entre as
fronteiras. Esse transporte fluvial é conduzido pelos barqueiros, conhecidos na re-
gião como catraieiros. A condição bilíngue desse grupo é, portanto, condição fun-
damental para o desenvolvimento e o sucesso da atividade.
Nesse cenário, considerando que as fronteiras são zonas peculiares para o
surgimento de sociedades bilíngues ou multilíngues, o presente trabalho tem como
intuito determinar e analisar de que maneira tem ocorrido o processo de formação
bilíngue dos trabalhadores catraieiros na fronteira franco-brasileira. Tendo como
pano de fundo a dinâmica comunicativa entre brasileiros e estrangeiros, buscou-
-se compreender a constituição de um grupo social bilíngue no contexto de uma
comunidade considerada majoritariamente monolíngue, ainda que haja um fluxo
constante de pessoas entre as duas regiões.
Breve histórico dos estudos do contato linguístico
O contato linguístico sempre esteve presente no desenvolvimento, na forma-
ção e na estruturação das línguas, sendo, portanto, um componente determinante
no processo de evolução e mudança nas línguas, embora nem sempre os estudos
linguísticos o tenham considerado como um fator determinante.
Ainda que estudos isolados do contato tenham ocorrido desde o século XIV,
historicamente, o contato linguístico apenas começa a ganhar relevância como
fator de mudança nas línguas e nas sociedades no século XIX, quando o método
histórico e a gramática comparada abrem caminho para o pensamento linguístico
contemporâneo (LEROY, 1971). As noções de parentesco linguístico e de protótipo
comum impulsionariam o avanço da linguística, situando-a em uma perspectiva
histórica, científica e racionalista.
No final dos anos de 1800, a gramática comparada ganha uma nova orientação,
abandonam-se as concepções românticas sobre a pureza da língua primitiva e re-
nuncia-se a análise genética das formas gramaticais. Os chamados neogramáticos,
imbuídos na crença absoluta das leis fonéticas, dedicam-se a aplicar rigorosamente
o método positivista às mudanças linguísticas, porém, se por um lado as leis fonéti-
cas davam conta de certo número de modificações ocorridas em certas línguas, em
certos lugares, em determinados períodos, por outro, pesquisas linguísticas deste
período também iriam mostrar que outras mudanças no campo da semântica ou
da sintaxe também poderiam ser constatadas com certa regularidade, embora não
tivessem recebido, na época, a mesma atenção dedicada às mudanças sonoras.
Sumário
144
Finalmente, foi observando-se que a língua de uma dada localidade está fre-
quentemente acessível à influência de populações com as quais seus membros
estão em contato, que se constatou que comunidades linguísticas distintas em-
prestam mutuamente palavras, ordens sintáticas, formas gramaticais, modos de
pronunciar de outras línguas, de outros falares e mesmo de textos escritos, e que o
resultado pode ser, embora por processos diferentes, semelhante aquele das mu-
danças espontâneas (DAY, 2005).
No início do século XX, a Geografia Linguística vai se preocupar em considerar
o meio no qual uma determinada língua se insere, estudando a repartição geográfi-
ca das formas e das palavras, assim como seu grau de extensão, numa tentativa de
traçar os limites dialetais. Para Leroy (1971, p. 50) “as observações feitas sobre a
repartição dos falares contribuíram para dar um golpe final no dogma neogramá-
tico de ‘infalibilidade das leis fonéticas’, e concede ao estudo do contato um novo
fôlego”.
O estudo da repartição geográfica dos fatos fonológicos fez mostrar que várias
ocorrências ultrapassam comumente os limites de uma língua e tendem a reunir
várias línguas contíguas, independentemente de suas relações genéticas ou da au-
sência destas relações.
Um dos nomes que se destaca no estudo do contato no início do século XX,
ainda que seu trabalho não tenha tido a justa repercussão na sua época, é o de
Hugo Schuchardt. A noção de “Afinidade linguística”, por ele defendida, rompe com
o comparatismo genealógico que contesta fundamentalmente sua tipologia e recu-
sa a metáfora darwiniana sobre a qual se fundamenta.
Ainda no século XX, os estudos de contato ganham um espaço significativo
com o surgimento da Sociolinguística, que de acordo com Labov (1966, p. 72) “tem
como objeto de estudo a reflexão e análise da própria estrutura e da evolução da
língua no contexto social da comunidade”. A perspectiva sociolinguística permite
analisar não somente a relação entre os indivíduos e suas línguas, mas também as
relações entre os grupos e colocar em evidência fenômenos tanto individuais quan-
to sociais, decorrentes do contato linguístico.
Um dos primeiros a falar sobre contato linguístico foi Weinrich (1953). Na sua
concepção, as línguas entram em contato quando o indivíduo as utiliza alternada-
mente, a partir da perspectiva da mente do falante bilíngue. Em uma abordagem
mais numérica, Calvet (2002) argumenta que a quantidade existente de línguas
no mundo faz com que as sociedades sejam, de modo geral, plurilíngues e enfatiza
que:
O plurilinguismo faz com que as línguas estejam constantemente em contato. O lugar des-
ses contatos pode ser o indivíduo (bilíngue ou em situação de aquisição) ou a comunidade.
E o resultado dos contatos é um dos primeiros objetos de estudo da sociolinguística (CAL-
VET, 2002, p. 35).
Quanto ao domínio e ao conforto linguístico no uso das línguas, por mais que
os catraieiros falem mais de uma língua, o Gráfico 04 mostra que a grande maioria
(70%) se sente mais confortável em falar o português por ser a sua língua materna
e, portanto, ter uma fluência maior nessa língua. Por outro lado, 30% consideram o
francês como a língua que falam melhor, conforme demostra-se no gráfico abaixo:
Gráfico 4: Conforto Linguístico
Uma vez constatado o uso de mais de duas línguas pela maioria dos catraiei-
ros, e considerando o bilinguismo como resultante também das funções do idioma
no quotidiano do indivíduo, conforme defende Mackey (1992), buscou-se com a
questão 07 compreender se o bilinguismo desse grupo se estenderia para além
da competência oral (compreensão e expressão), uma vez que alguns estudiosos
entendem que para ser considerado bilíngue existem níveis de bilinguismo que vai
além do fato de apenas falar a língua.
Neste sentido, questionamos aos entrevistados se além de falar outro idioma,
os falantes escreviam nessas línguas. Os dados informam que 20% dos catraieiros
escrevem em sua segunda língua, na oportunidade citam o francês como a língua
em que possuem conhecimento da escrita. Os outros 80% dos informantes não
possuem domínio da competência escrita. Como se observa no Gráfico 07, a seguir:
Gráfico 7: Domínio da escrita da 2ª língua
4 De acordo com Sanches e Day (2020), o kheuól é uma variedade crioula de base francesa falada na Guiana francesa e utilizada como
língua franca pelos indígenas que residem no baixo Oiapoque.
Sumário
153
Constatou-se nessa pesquisa que os trabalhadores catraieiros constituem um
grupo majoritariamente bilíngue português/francês ou português/crioulo guia-
nense. O processo de conformação bilíngue desse grupo está baseado na aquisição
de uma segunda ou terceira língua no ambiente de trabalho, cuja convivência diária
com estrangeiros provenientes da Guiana Francesa, tanto possibilita quanto impõe
o contato linguístico supramencionado na rotina desses trabalhadores. A escola-
rização ou o estudo formal de línguas, por sua vez, aparenta não ter tido impacto
direto no bilinguismo apresentado pelos catraieiros, sobretudo quando se observa
que a ampla maioria cursou apenas o ensino fundamental e poucos tiveram acesso
ao ensino de uma língua estrangeira.
Por outro lado, ainda que a aquisição da segunda língua possa ser caracteri-
zada como um processo natural, 50% dos catraieiros revelam ter tido dificuldades
em aprender essa nova língua e atribuem o aprendizado ao contato diário e à ne-
cessidade que se impunha. De igual maneira, 80% deles declaram não dominar as
competências escritas na segunda língua, ou seja, o bilinguismo desse grupo está
diretamente relacionado às funções orais que esses idiomas ocupam no cotidiano.
Finalmente, observou-se que muito embora não tenha surgido uma nova lín-
gua de contato português-francês no Norte do Brasil, os hábitos linguísticos dos
catraieiros que indicam diversos fenômenos de contato linguístico presentes nessa
região. Assim, esperamos que esse trabalho contribua para um maior conhecimen-
to dos fenômenos de contato nessa fronteira e possa impulsionar a realização de
novas pesquisas para um melhor e maior conhecimento do tema em questão.
Referências
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CALVET, J. L. Sociolinguística: uma introdução crítica. São Paulo: Parábola, 2002.
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MEDINA LÓPEZ, J. Lenguas en contacto. Cuadernos de lengua Española. Madrid: Arco Libros, 1997.
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WEINREICH, U. Languages in Contact. Findings and problems. Linguistic Cercle of New York, 1953.
Ladrão: um legado afrodescendente
nas tradições orais mazaganenses1
Edna dos Santos Oliveira2
Resumo: Este trabalho dedica-se a uma breve discussão acerca dos ladrões de marabaixo/batuque, enquan-
to tradição linguística oral, buscando estabelecer interface com os aspectos sócio-históricos para desvelar
as funções e regras sociais da oralidade que permeiam a dinâmica cultural da tradição oral de Mazagão
Velho. Os resultados mostram que na tradição oral mazaganense, os ladrões representam a materialidade
linguística das tradições afrodescendentes propagadas pela Amazônia, que foram preservadas nas manifes-
tações culturais de batuque e marabaixo.
Palavras-chave: Ladrão. Tradição Oral. Mazagão Velho.
Introdução
Historicamente foi divulgado pelos livros de História e de Geografia, bem
como foi incutido no imaginário coletivo brasileiro que a Amazônia era um imenso
vazio demográfico e o reduzido contingente populacional nativo era de indígenas,
havendo predominância de mata, rios e animais, ou seja, a natureza exuberante e
intocada. Essa é uma imagem idealizada, ou melhor, ideologizada que espelha a
histórica supervalorização da biodiversidade e a ignorância ou quiçá a negligência
da sociodiversidade, o que fundamentou a criação do “mito da natureza intocada”
(DIEGUES, 2002).
A ideia amplamente propagada de vazio demográfico, na verdade, ocultava a
existência da população ribeirinha e outros povos tradicionais, o que implicava o
não reconhecimento das populações nativas que habitavam essa região, com seu
modo de vida peculiar. Vale observar, assim, que não só de povos indígenas e ribei-
rinhos é composta a Amazônia, mas também por uma representativa população
afrodescendente, entre outras comunidades tradicionais como, pescadores, extra-
tivistas e garimpeiros, se levarmos em conta o conjunto do território, que inclui as
comunidades rurais.
1 Este capítulo foi constituído por recortes do conteúdo da Tese de Doutorado “Devoção, tambor e canto: um estudo etnolinguístico da
tradição oral de Mazagão Velho” (OLIVEIRA, 2015).
2 Doutora em Letras (Linguística) pela Universidade de São Paulo – USP. Professora Adjunta na Universidade do Estado do Amapá -
UEAP. E-mail: [email protected].
Sumário
155
A despeito disso, nosso olhar dirige-se aos aglomerados rurais que preenche-
ram esse vazio demográfico ao longo da região em que hoje se situa o estado do
Amapá, mais especificamente a região sul desse estado.
Tendo em vista a ecologia local, na qual o surgimento de comunidades ru-
rais afrodescendentes foi engendrado, estamos considerando a hipótese de difusão
da tradição oral, como resultado do intenso movimento populacional que se esta-
beleceu no período colonial no cenário das fugas; e estratégias de sobrevivência
ao regime de escravidão, implementado por Marquês de Pombal e executado por
Mendonça Furtado para a ocupação, defesa e exploração das terras do Cabo Norte.
Nesse aspecto, estamos postulando que a propagação das festas tradicionais,
em cuja realização há a ocorrência de batuque e marabaixo, é resultado do longo e
complexo processo de contatos entre colonizadores, africanos escravizados e indí-
genas, que favoreceu a difusão das manifestações que estamos considerando como
tradições afrodescendentes.
Nossa intenção neste capítulo consiste em uma breve discussão de quatro la-
drões, enquanto tradição linguística oral, em interface com os aspectos sócio-his-
tóricos, buscando desvelar as funções e regras sociais da oralidade que permeiam
a dinâmica cultural na comunidade de Mazagão Velho, no estado do Amapá.
Contexto sócio-histórico da colonização
A segunda metade do século XVIII é marcada pelo incremento do povoamento
e exploração das terras do Cabo Norte, como era conhecida a região do extremo
norte do Brasil, onde hoje se localizam os estados do Pará, Amapá e Maranhão. Fa-
zia-se necessária a ocupação para defesa das terras frequentemente cobiçadas por
outros países europeus, como a França e a Holanda, principalmente. Era oportuno,
então, além do povoamento, buscar a produção de insumos que pudessem suprir
as necessidades da colônia e da própria coroa portuguesa. A esse respeito, Gomes
(1999) afirma que:
Naqueles mares verdes, onde pululavam cada vez mais mocambos e fugitivos, havia uma
grande – talvez a maior e mais importante, preocupação por parte das autoridades colo-
niais. Por ser uma região de fronteiras, cercada por interesses ingleses, franceses, holande-
ses e espanhóis, temia-se que os escravos fugissem dos domínios portugueses. Tais frontei-
ras eram uma coisa móvel, uma vez que eram alvos constantes de disputas, principalmente
na segunda metade do século XVIII. [...] O problema dos roubos se articulava com o co-
mércio clandestino. Através dessas redes de trocas, fugitivos, amocambados e desertores
vendiam os produtos de suas roças, obtendo em troca, sobretudo, pólvora, armas de fogo e
aguardente (GOMES, 1999, p. 202).
Além dos grupos citados acima, havia ainda forte ligação entre escravizados
fugidos e desertores militares entre os quais o fluxo de informação era eficiente
para orientação de rotas de fugas e outros tipos de experiências compartilhadas.
Havia, assim, uma teia de relações bastante complexa engendrando um cenário hí-
brido de contatos e de relações que espelhavam a realidade da sociedade colonial
no Grão-Pará.
É válido observar, com base nos textos de Gomes (1999), que, desde o período
colonial, houve um intenso movimento de migração nas terras que hoje ocupam a
região do interior do Amapá, o que favoreceu não só as formações híbridas, como a
propagação de hábitos, tradições e crenças. Nesse sentido, estamos postulando que
as ocorrências das festas de batuque e marabaixo na região sul do Amapá consti-
tuem evidência dessa difusão, uma vez que essas tradições foram propagadas para
outras localidades rurais que surgiram nos arredores da cidade de Mazagão. Se-
gundo Gomes (1999, p. 262):
Ainda que não fosse a única, a região do Amapá era, de fato, um dos principais focos de mo-
cambos. Este processo de fugas há muito tempo já tinha começado. No início de fevereiro
de 1767 fugiram de lá do Arapicu quatro pretos. Em 1785, chegavam notícias de ameaças
feitas por pretos fugidos de Mazagão.
3 A hipótese de que Mazagão seria o ponto de dispersão de tradições afrodescendentes no Amapá é discutida em Oliveira (2015) e
serviu de base para a proposição de duas áreas etnolinguísticas no Estado por Oliveira e Vasconcelos (2019).
Sumário
160
pelos puxadores. Trata-se de uma manifestação oral, cantada, dançada, vivida no
momento da performance.
Na realidade sociocultural mazaganense, a oralidade é ao mesmo tempo ins-
trumento e objeto cultural, uma vez que, simultaneamente, ela é a ferramenta de
transmissão de conhecimentos e práticas sociais, culturais e profissionais, e é a
própria prática social, com funções e papéis muito bem definidos na performance
de batuque/marabaixo.
Como uma das formas mais recorrentes de interação social e uma das práticas
linguísticas e sociais de grande valor simbólico, sobretudo para as comunidades
rurais distantes da máquina urbana, a linguagem oral ocupa lugar e papel deter-
minante em comunidades rurais tradicionais. Nesse sentido, todos os que operam
com essa ferramenta tornam-se, a um só tempo, instrumento e agente da cultura
oral.
O ladrão é o canto que dá vida ao ritmo empreendido pelo rufar das caixas de
marabaixo e dos tambores de batuque. Para os moradores, jogar versos na sequ-
ência de cada ladrão é uma brincadeira com os outros participantes, pode assumir
também o papel de uma sátira a um fato ocorrido, mas quase sempre constitui
desafio: de frente para a caixa, jogar um verso. O desafio, na verdade, revela uma
habilidade para a performance.
Para efeito de breve análise comparativa, comentaremos dois conjuntos de
ladrão4 que representam dois momentos distintos, um representando as antigas
tradições e outro representando o período mais recente.
Conjunto I Na hora que eu nasci.
Um galo louro canto, ô, ô, ô
Quando eu caí nos teus braços
II
Quando eu caí nos teus braços
Menina quando tu fores
Pensava que eu era feliz (bis)
Me escreve lá do caminho, ô, ô, ô
Mas quando eu me enganei
Se não tiveres papel
Mas o destino assim quis.
Na asa de um passarinho.
Os olhos da cobra é verde
Conjunto II
Agora que eu reparei
Se eu reparasse a mais tempo Negros
Não amava quem amei. (Manoel Duarte/Gungá)
Papagaio da pena verde, O o o, o o o,
Tem um encontro encarnado Somos negros vindos da África
Se tu tens amor com outra Nós temos força e muito amor
Não me tragas enganada. Eu sou negra canto marabaixo
Danço batuque
Se eu soubesse quem tu eras
e bato tambor
Quem tu haverás de ser
Meu coração eu não te dava O negro com sua história
Pra ele agora padecer. Causa muita emoção
e mostra toda a sua cultura
As curicas
Depois da libertação
As curicas estão roncando
Oi lantantã, oi lan tan-tã Hoje livre das correntes
Os caçador estão caçando Que um dia escravizou
Oi lan-tan-tã, oi lan-tan-tã Canta, dança, representa
I E mostra todo o seu valor
Se eu nasci de madrugada
O negro tem cor e tem raça
No cerpo dum virado, ô, ô, ô
Que outra não há igual
O que podemos observar é que nos poemas do Conjunto I, cuja produção era
oral, de caráter coletivo e sem autoria identificada, a temática retrata aspectos da
vida ordinária de comunidades rurais amazônicas, embora apresente a mesma es-
trutura composicional, versos, rimas, estrofes. Estes poemas apresentam duas mu-
danças significativas em relação ao conjunto II, a primeira diz respeito ao conteúdo
dos versos e a segunda à forma de produção, à qual está solidariamente implicada
a autoria.
A mudança na forma de produção é acompanhada pela mudança na temática
abordada, isto é, junto com a transposição da modalidade utilizada pelos autores
dos versos, observamos o deslocamento do conteúdo que passa de uma temática
descontraída e até satírica para uma temática socialmente engajada, defensora da
identidade remanescente da África, ou da diáspora africana.
É em razão da temática da identidade negra que Almeida (2011, p. 30) faz a
seguinte afirmação: “a resistência política em Mazagão Velho se dá através da pala-
vra cantada. Ali é o lugar do canto e dança, do corpo e da palavra que emana dele.
Ali é um dos muitos territórios negros da Amazônia”.
A resistência à qual Almeida (2011) se refere é o lamento ouvido nos versos
do segundo conjunto de ladrões, que faz referência explícita à condição do negro na
sociedade brasileira, particularmente à situação engendrada no período colonial a
qual foram submetidos os ancestrais dos que hoje cantam esses ladrões.
A ancestralidade africana é apropriada para a defesa da identidade que tam-
bém é formada e firmada no momento do canto em que ecoa a voz do sofrimento,
da injustiça e da resistência, segundo a ótica do autor acima citado. O toque das
caixas reforça e exalta a condição de luta, através dos elementos distintivos dessa
comunidade, tais como o marabaixo, o batuque e o tambor, além da menção à diás-
pora:
Sumário
162
Somos negros vindos da África
Nós temos força e muito amor
Eu sou negra canto marabaixo
Danço batuque
e bato tambor
Resumo: Este estudo tem por finalidade a investigação do processo de ensino-aprendizagem à luz da con-
cepção Sociolinguística. Com base nas discussões acerca da variação linguística, tenciona-se realizar uma
reflexão sobre as contribuições da Sociolinguística nas aulas de Língua Portuguesa, uma vez que as varie-
dades linguísticas estão presentes em todos os grupos sociais em graus variados. Logo, debater sobre essa
temática na escola é algo imprescindível e pode gerar diversos benefícios, dentre estes a percepção sobre
o preconceito linguístico, ação que por muito tempo tem fomentado a exclusão em diversos contextos da
sociedade. Com a finalidade de apresentar caminhos que possam contribuir de maneira significativa com o
ensino de língua materna, este estudo parte de uma pesquisa bibliográfica centrada nas reflexões teóricas
de autores como Bagno (2007), Bortoni-Ricardo (2004; 2011) e Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), para
dar gênese a uma sequência didática direcionada a uma turma do 9º ano que tem por enfoque apresentar o
conteúdo de variação linguística a partir da utilização do texto poético e das tirinhas. Por meio da pesquisa
de campo, observou-se que o emprego dos gêneros supracitados como proposta de ensino pode ser muito
satisfatório, pois, despertam percepções e curiosidade dos educandos. Desta feita, compreendemos que o
tratamento das variedades linguísticas do Português Brasileiro em sala de aula deve ser empreendido de
maneira contextualizada, de modo que os discentes possam conceber a existência de variedades de prestí-
gio e de outras não tão prestigiadas, mas que devem ser valorizadas nos diversos contextos comunicativos
como forma genuína de manifestação das múltiplas identidades da cultura brasileira.
Palavras-chave: Sociolinguística. Ensino. Aprendizagem.
1 Pós-graduanda em Linguagem, Cultura e Formação Docente na Universidade Federal Rural da Amazônia - UFRA. Docente das redes
pública e privada de educação de Concórdia do Pará. E-mail: [email protected].
2 Mestranda em História da Literatura na Universidade Federal do Rio Grande - FURG. Cursa especialização em Linguagem, Cultura e
Formação Docente na Universidade Federal Rural da Amazônia - UFRA. E-mail: [email protected].
3 Professora da Universidade Federal Rural da Amazônia - UFRA. Doutora em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal do Pará
- UFPA. E-mail: [email protected].
Sumário
166
Introdução
Este capítulo objetiva refletir acerca do ensino-aprendizagem de língua mater-
na, nesta perspectiva, tem-se por finalidade prática auxiliar os alunos da educação
básica a compreenderem as diversidades linguísticas e sua relevância no contexto
da sociedade, visto que o reconhecimento das variedades linguísticas do Português
Brasileiro é essencial para o fomento de uma sociedade livre de preconceitos, neste
caso, referimo-nos, sobretudo, ao preconceito linguístico. Ao considerarmos que
as aulas de Língua Portuguesa não devem ser gerenciadoras da exclusão, mas, um
ambiente acolhedor, onde as diversidades linguísticas e culturais são valorizadas.
Desse modo, neste estudo serão apresentadas algumas propostas metodoló-
gicas que poderão ser utilizadas para se trabalhar com a variação linguística. To-
davia, enfatiza-se que esta sugestão consiste em uma proposta inicial que tenciona
o reconhecimento e exemplificação das variações linguísticas presentes em textos
poéticos e tirinhas em quadrinho.
A Língua Portuguesa, assim como qualquer outra língua, varia, pois, é um ob-
jeto mutável que está em processo de constantes modificações, partindo dessa pre-
missa, entende-se que as variações são algo muito comum na língua. Dessa forma,
conforme nos orientam os apontamentos de Bortoni-Ricardo (2004), é de suma
importância apercepção acerca das mutações que originam a extensa variedade
linguística do Português Brasileiro, esse conhecimento é relevante, pois, irá cons-
cientizar os educandos a respeito do preconceito linguístico, discussão que têm
ocasionado certos agravantes na cena pública.
Segundo as orientações propostas nos Parâmetros Curriculares Nacionais
- PCN’s para o trabalho com Língua Portuguesa no ensino fundamental (BRASIL,
1998), o ensino de Língua Portuguesa, pautada na concepção Sociolinguística, de-
verá possibilitar um espaço acolhedor aos discentes, onde as variedades linguísti-
cas por eles trazidas sejam reconhecidas e percebidas como fomento à interação
cultural. Sob a ótica dos estudos Sociolinguísticos caberá ao professor a tarefa de
proporcionar atividades que enfatizem questões como o tratamento da variação e
os problemas decorrentes do preconceito linguístico, por meio de ações contextu-
alizadas que dialoguem com a realidade desses alunos.
Referencial teórico
No livro “Educação em Língua Materna: a Sociolinguística em sala de aula”,
Bortoni-Ricardo (2004) discute a respeito da importância de se valorizar e com-
preender as variedades linguísticas durante o processo de ensino-aprendizagem.
Nesse sentido, embalada pela premissa da Sociolinguística Educacional, a autora
que é uma das principais colaboradoras e pioneira desse campo de estudo, desve-
la as dificuldades e percursos didáticos que os professores de Língua Portuguesa,
dentre outras disciplinas, poderão tomar em sala de aula, para que as variações
linguísticas identificadas no ambiente de ensino tenham o reconhecimento devido
e não sejam menosprezadas.
Sumário
167
Dito isso, para a constituição deste estudo dedicamos nossa atenção sobre os apon-
tamentos teóricos da autora que integram o livro supracitado, assim como, o livro “Do
campo para a cidade: estudo sociolinguístico de migração e redes sociais” (BORTONI-RI-
CARDO, 2011). A partir das observações analisadas nos textos mencionados, objetiva-se
apresentar uma pequena síntese reflexiva acerca dos principais elementos teóricos enca-
deados pela autora e que sustentam, de modo muito significativo, as contribuições sobre o
campo de estudo da Sociolinguística e do Ensino. Conforme as orientações dos PCN’s para
o ensino de Língua Portuguesa (1998):
Para cumprir bem a função de ensinar a escrita e a língua padrão, a escola precisa livrar-se
de vários mitos: o de que existe uma forma correta de falar, o de que a fala de uma região é
melhor do que a de outras, o de que a fala correta é a que se aproxima da língua escrita, o
de que o brasileiro fala mal o português, o de que o português é uma língua difícil, o de que
é preciso consertar a fala do aluno para evitar que ele escreva errado (BRASIL, 1998, p. 31).
Aula 01
Primeiro momento: (15 min) O professor apresentou o tema para ser discu-
tido na aula, por meio da apresentação dos aspectos que fundamentam a ideia de
variação, enfatizando a importância de se compreender a diversidade linguística.
Segundo momento: (20 min) Os alunos foram convidados a discutir sobre
o que eles compreendem por variação linguística, com a mediação do professor
esse diálogo objetivou esclarecer os equívocos que por vezes são associados a esse
tema como a questão do falar “certo” ou “errado”, e os conceitos de adequação e
inadequação.
Sumário
173
Terceiro momento: (10 min) Os alunos realizaram anotações no caderno,
sobre suas principais dúvidas acerca do conteúdo exposto na aula.
Aula 02
Primeiro momento: (25 min) Foi iniciada uma discussão acerca da temática
da aula anterior que teve por finalidade o esclarecimento de conceitos que também
se encontram imbricados nas variedades linguísticas utilizadas pelos discentes.
Segundo momento: (20 min) A partir da lista de frequência, o professor
questionou os alunos a respeito do tema discutido, com o auxílio de um pequeno
questionário de perguntas sobre o conteúdo apresentado, que foi respondido de
maneira oral por eles.
Aula 03
Primeiro momento: (5 min) Foi entregue o poema Aos poetas clássicos, de
Patativa do Assaré impresso em papel off-line, foi explicado aos alunos que eles
deveriam realizar a leitura em dupla.
Segundo momento: (20 min) Os alunos formaram duplas no espaço da sala
de aula e estabeleceram uma conversa entre si, levantando suas impressões sobre
o poema por meio da leitura crítica sobre o texto.
Terceiro momento: (20 min) Atividade 01: Caça palavras, que objetivou re-
tirar do texto as palavras em que ocorria variação. Essa atividade foi entregue ao
professor ao final do tempo estipulado.
Aula 04
Primeiro momento: (20 min) Atividade 02: Após essa leitura os alunos fo-
ram orientados a responder algumas questões acerca das variedades linguísticas,
a partir do poema trabalhado e das tirinhas em quadrinho da atividade que foram
apresentadas por meio da utilização do projetor.
Segundo momento: (25 min) O professor organizou as cadeiras em círculo,
orientando os alunos a iniciarem uma conversa a partir da primeira pergunta da
atividade e iniciaram a socialização das respostas.
Análise da aplicação da Sequência Didática
Quadro 2: Resultados das atividades realizadas
AÇÕES METAS RECURSOS RESULTADOS
Os alunos já
Investigar o haviam estudado
conhecimento sobre o assunto,
Discussão sobre o
prévio dos discentes Quadro e pincéis. logo, conseguiram
tema apresentado.
acerca das variações desenvolver muito bem a
linguísticas. discussão propostas em
sala de aula.
Sumário
174
A partir das respostas
Incitar dos estudantes, foi
questionamentos possível verificar que
Questionário sobre o tema mesmo já tendo algum
Quadro e pincéis.
(Respostas orais) abordado e conhecimento sobre o
esclarecer dúvidas tema abordado, ainda
existentes. existiam algumas
dúvidas.
Observou-se que os
Promover a discentes tiveram
leitura reflexiva a dificuldades para
respeito do texto compreender o texto.
Reflexão sobre o Texto impresso, lápis
apresentado e Todavia, a partir da
texto poético e caneta.
percepções sobre contextualização do texto
o preconceito conseguiram identificar
linguístico. o sentido atribuído às
palavras
O desenvolvimento desta
Auxiliar os discentes atividade foi satisfatório,
a perceberem pois, a linguagem aliada
os diferentes às imagens expressivas
Análise das tirinhas tipos de variação Quadro, Computador contidas nas tirinhas,
em quadrinho (diacrônicas, e Datashow possibilitaram que os
diafásicas, alunos conseguissem
diastráticas e identificas os tipos de
diatópicas). variação presente nas
tiras.
Fonte: Elaborado pelos autores.
Resumo: O presente capítulo debruça-se na polêmica questão do ENEM, de 2018, que, na área de Lingua-
gens e Códigos e suas Tecnologias, apresentou como temática o pajubá – código linguístico socioletal da
comunidade LGBT+. Dito isso, objetiva-se analisar o teor da questão proposta, em consonância com o tema
Variação Linguística, em livros didáticos junto a documentos oficiais de ensino. Essa investigação mostra-se
relevante porque a LGBTfobia é uma realidade nacional, interessar-se pela reflexão sobre os rituais sim-
bólicos, linguísticos e sociais que a comunidade LGBT+ lança mão oportuniza conscientização e proble-
matização sobre preconceito e discriminação no contexto da sala de aula. Para tanto, trabalha-se com os
postulados da Sociolinguística, a partir de reflexões sociais, históricas, políticas e culturais. Nesse sentido, a
abordagem é de natureza qualitativa, de cunho interpretativo, e caráter bibliográfico e documental. Por fim,
considera-se, finalmente, que há reconhecimento dos documentos oficiais da validade da variação linguísti-
ca para o ensino, especialmente a estigmatizada; e os recortes de livros didáticos demonstram a contempla-
ção de fatos socioculturais para transversalizar o pajubá na sala de aula. Essas reflexões são possíveis à luz
de Bagno (2012, 2017), Bortoni-Ricardo (2004, 2017), Bossaglia (2019), Antunes (2009), Martins (2013),
entre outros.
Palavras-chave: Sociolinguística. Ensino. Enem.
Introdução
O ensino de Língua Portuguesa (LP), que objetiva a ampliação da competên-
cia comunicativa, possibilita ensinar aos alunos questões voltadas à mudança e à
diversidade linguística. Desse modo, é possível desenvolver uma prática reflexiva
do ensino de língua materna (LM) baseada no uso e na reflexão linguística. Racio-
nalizar essa abordagem para a sala de aula é favorecer uma discussão acerca de
formas prestigiadas e estigmatizadas de uso da língua, o que também contribui no
combate ao preconceito linguístico (BAGNO, 2015).
Tem-se o seguinte objetivo analisar uma questão do Exame Nacional do En-
sino Médio – ENEM, do ano de 2018, a qual, por abordar a temática da linguagem
1 Mestrando em Linguística pela Universidade Federal da Paraíba - UFPB, associado ao Programa de Pós-Graduação em Linguística
como bolsista CAPES. Especialista em Língua e Linguística pelo Centro Universitário de Patos - UNIFIP e em Ensino de Línguas na
Educação Básica pela Universidade Estadual da Paraíba - UEPB, também graduado em Letras-Português pela UEPB, onde também está
professor de Língua Linguística no Departamento de Letras e Artes (CEDUC). E-mail: [email protected].
Sumário
177
LGBT+2, foi julgada e discriminada por parte da sociedade. Tem-se como objetivos
específicos: i) identificar a proposta de análise linguística na questão do ENEM com
temática do pajubá e ii) refletir sobre as concepções de variação linguística em do-
cumentos oficiais e em dois livros didáticos. Isso por inquietar-se, de forma parti-
cular, com o preconceito em relação à questão, a qual tematiza o uso da linguagem
do pajubá.
A LGBTfobia é uma realidade na sociedade brasileira, uma vez que o Brasil é
um país que se destaca em número de mortes violentas a sujeitos da comunidade
LGBT+. De acordo com os relatórios do Grupo Gay da Bahia3, as mortes anuais
totalizam assassinatos e suicídios. Diante dessa problemática, identifica-se a ne-
cessidade de se emergir uma educação que combata discriminações. É importante
destacar que as reflexões e discussões deste produto são oriundas de uma investi-
gação do autor, a qual pode ser consultada na íntegra em Souza Silva (2020).
A partir disso, a pesquisa se faz por abordagem qualitativa, uma vez que posi-
ciona o objeto de análise numa perspectiva da interpretação social, buscando atri-
buir significados a um contexto específico. No mais, a pesquisa se estabelece do
tipo interpretativista, por adotarmos a prática da interpretação de um fato social.
Para tanto, atem-se ao levantamento de bibliografia e documentos (PAIVA, 2019).
Para tal, o capítulo estrutura-se em seções: Sociolinguística: ensino e pers-
pectivas, para refletir sobre conceitos e discutir os fatos socioculturais que cercam
o Português Brasileiro (PB); Procedimentos metodológicos, para estabelecer a se-
leção de itens de análise neste trabalho; Análise dos dados, para discussões sobre
a questão do Enem, sobre os recortes dos livros didáticos e a abordagem dos do-
cumentos oficiais. Ademais, as considerações finais, seguidas das referências que
ancoram nossas análises e reflexões.
Sociolinguística: ensino e perspectivas
A sociolinguística é uma das ramificações dos estudos linguísticos. O seu inte-
resse é, também, analisar estruturas linguísticas que rompem com as prescrições
impostas pelas gramáticas normativas. Nessa direção, a sociolinguística, como o
próprio nome sugere, interessa-se pela análise linguística em contexto de uso, isso
por considerar que fatores sociais influenciam na mudança, variação e diversidade
linguística, as quais são próprias de quaisquer línguas naturais. Dessa forma, como
aponta Mollica (2015), a sociolinguística é de caráter interdisciplinar, uma vez que
se faz diante da relação entre língua e sociedade. Portanto, é uma área que se des-
dobra para a reflexão e observação de usos heterogêneos da linguagem.
Labov (2008) explica que, dependendo da gama de informações extralinguís-
ticas que se tenta incluir ou excluir, pode-se afirmar a concepção de língua que
cada profissional tem e a importância que dá para a diversidade linguística. Assim,
enfatiza-se mais uma vez como o fator social é importante para a linguística, es-
2 Lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis e mais. Assume-se essa sigla considerando que o sinal “+” seja representativo das
demais formas de viver as sexualidades e identidades de gênero.
3 Mais informações no site da organização: https://grupogaydabahia.com.br/>.
Sumário
178
pecialmente para a sociolinguística. Afinal, interessa-se amplamente pela prática
linguística e seus aspectos socioculturais (CEZARIO; VOTRE, 2017).
O ensino de línguas, no Brasil, por décadas, ancorou-se apenas na Gramática
Normativa, fosse para o ensino de língua materna, fosse para o de língua estrangei-
ra. Assim, centralizavam-se os preceitos da gramática normativa (GN) como objeto
de ensino. Entretanto, o processo de ensino-aprendizagem ultrapassa as prescri-
ções postuladas pela norma-padrão. Passados os anos e as demandas sociais se
modificando, as pesquisas linguísticas passaram a problematizar também o ensino
de língua. Então, os questionamentos passam a rondar os professores de língua,
principalmente os de LP, pois, como aponta Bortoni-Ricardo (2017, p. 159): “no
Brasil, a gramática herdada de Portugal e descrita nos compêndios escolares é so-
cialmente muito valorizada e está arraigada na mente dos brasileiros, condicionan-
do suas interpretações”.
Diante da supervalorização da norma-padrão de nossa língua pátria, o ensino
de língua passa por conturbações, pois, como expressa Bortoni-Ricardo (2017), os
linguistas afirmaram que as variedades não-padrão existentes na língua não são
erros, na verdade, são diferenças produtivas do modo oral da língua e em estilos de
menor monitoramento. Todavia, a escola concebeu erroneamente a questão, pois
conclui que se não são erros, não haveria necessidade de correção. Entretanto, é
um frenesi adotar essa postura, ou no mínimo ingenuidade. Afinal, o acesso à GN
e seus desdobramentos é um direito do aluno, o qual vive em uma sociedade que
discrimina aqueles que se desviam do uso padrão da língua.
É necessário que o professor seja um colaborador na educação linguística de
seus discentes, não um empecilho mal-intencionado. Na direção dessas discussões,
entram os ideais do preconceito linguístico e, como expressa Mollica (2015), esse
tema é um ponto muito debatido na área, por ainda predominarem práticas de
ensino alicerçadas em parâmetros e bases duos, como certo e errado, tendo como
referência a norma-padrão. Portanto, é necessário debater sobre o tema e ter cui-
dado ao assumir a posição de educador.
Ao se conceber como intrínseca a relação entre língua e sociedade, é possível
discutir e refletir a respeito das influências de línguas africanas no PB. Desse modo,
concebe-se uma relação de contato linguístico, uma vez que se compreende que
falantes de línguas africanas foram escravizados no Brasil com o objetivo de servir
à coroa portuguesa, com finalidades domésticas e trabalhistas (BAGNO, 2012).
É necessário enfatizar que o contato linguístico entre brancos, negros e índios
deu-se de maneira cruel. Há, sim, uma riqueza linguística a ser observada no PB,
mas, mais que isso, vale o reconhecimento de que, como aponta Basso (2019), essa
dinâmica de contato também causou a morte de incontáveis pessoas, o desapare-
cimento de inúmeros povos, etnias e línguas. Assim, essas ações desumanas ainda
foram capazes de forjar variedades exclusivas para o PB. Nessa direção, enfatizam-
-se os dizeres de Basso (2019):
Os africanos chegados ao Brasil e tomados como escravos trouxeram consigo centenas de
línguas diferentes, cerca de trezentas segundo estimativas, pertencentes a diversas famílias
Sumário
179
linguísticas. Alvos dos mais variados tipos de maus-tratos, arbitrariedades e crueldades [...]
(BASSO, 2019, p. 28).
A partir dos dizeres de Basso (2019), é possível compreender que estudar a língua
de forma real é incitar questões históricas, sociais, culturais e políticas. Desse modo, é
possível que um conteúdo como este, ao aparecer nos livros didáticos, nos planos de aula
e nos projetos pedagógicos, saltem da simplificação da qual, por vezes, é alvo, esquecen-
do-se, muitas vezes, que a abolição da escravidão foi há pouquíssimo tempo. Na direção
dessa passividade, que por vezes está presente na abordagem de conteúdos africanos,
aponta-se o seguinte:
Com base nos princípios eugenistas, a colonização se justificava plenamente: era preciso
levar a ‘civilização’ aos povos ‘selvagens’, fazê-los abandonar seus costumes ‘bárbaros’, im-
por a eles a religião cristã, de modo que deixassem de adorar seus ‘ídolos’ e ‘demônios’ e de
praticar ‘feitiços’ e ‘magia negra’. Também era preciso impor a eles as ‘línguas civilizadas’
para que deixassem de falar por meio de grunhidos e urros (BAGNO, 2012, p. 88).
Desse modo, o autor aponta para as falácias dos europeus diante da cultura
indígena e africana, isso por considerá-la inferior, menor e/ou feia, além de seus in-
teresses econômicos mesquinhos baseados na exploração e na discriminação. Nes-
sa direção, concebe-se a possibilidade, através de materiais linguísticos, evocar-se
uma reflexão linguística, histórica e humana em sala de aula. Afinal, é impossível
falarmos sobre línguas sem falarmos dos sujeitos que as falam.
Como já fora dito, há influência das línguas africanas no português do Brasil,
uma vez que a própria história não deixa mentir. Faz-se necessário ressaltar que,
entre os séculos XVI e XIX, chegam ao Brasil cerca de dois a quatro milhões de
escravizados africanos. Ressalta-se o seguinte: nem todo escravizado era levado
ao Brasil direto da África, diversos eram escravizados em solo português ou nos
engenhos de São Tomé, tanto que por apresentarem alguma proficiência em língua
portuguesa, eram chamados de “negros latinos” (BOSSAGLIA, 2019). Sobre a vinda
desses povos, veja:
Os escravizados provinham, em sua grande maioria, das regiões do litoral atlântico da Áfri-
ca, entre Senegal e Gâmbia, no norte, e Angola no sul – regiões em que eram faladas línguas
principalmente da família nigero-congolesa. Dessa família, chegaram ao Brasil línguas do
grupo banto – sobretudo com as línguas quicongo, quimbundo, umbundo – e do grupo kwa,
como iorubá (‘nagô’), ewe (‘jeje-minas’), fon e mahi (BOSSAGLIA, 2019, p. 156).
A figura acima explicita como é cabível uma discussão que compreenda que
as variedades da língua se fazem de forma distinta no processo comunicativo, o
que as tornam complexas. Por isso, é possível indicar junto a esse material como
se constituem socioletos, etnoletos, ecoletos, registros e idioletos, nomenclaturas
pertinentes para a discussão sociolinguística e que contribuem para um conheci-
mento sobre a língua. Numa outra unidade do referido livro da 1ª série, o mesmo
material explicita a questão do choque cultural no processo de formação da LP, isso
na unidade sobre História da Língua Portuguesa. Para as discussões pretendidas,
no transcorrer desta produção, interessa-nos apresentar o seguinte fragmento:
Figura 4: Fragmento B do livro da 1ª série do Ensino Médio
O livro apresenta esse trecho para indicar a influência das Línguas Africanas
no PB. Assim, ele aponta que, entre os anos de 1538 a 1855, o Brasil recebeu mi-
lhões de africanos advindos para trabalho escravo. Dito isso, é assim que enxer-
gamos a linguística como uma disciplina que oportuniza a interdisciplinaridade,
nesse caso, adotando uma postura de sociolinguistas, a discussão social pode ser
ainda mais questionadora das realidades que circundam as variantes e seus falan-
tes. Depois, expõe alguns léxicos que representam essas influências. A partir disso,
identificamos a presença de uma gramática descritiva, uma vez que se preocupa
Sumário
187
em abordar conhecimentos a respeito da língua que os estudantes já falam, assim,
vai além dos compêndios gramaticais normativos. Portanto, aponta-se o seguinte:
[...] não se trata de, aqui, estarmos negando ou questionando a importância dessas “gramá-
ticas”. Preocupa-nos é o fato de que, valorizar uma única variedade de fala como legítima
e acentuar o estigma de que são vítimas fala e falantes das demais variedades, o ensino
desperdiça a oportunidade de estimular a discussão e reflexão sobre os usos linguísticos
reais. Assim, despreza-se a observação de suas singularidades [...] (MARTINS, 2013, p. 42).
A partir do que foi exposto, é possível ver que há mais de 20 anos os PCN’s apon-
tam para a relevância do estudo da variação linguística, uma vez que conhecer e reconhe-
cer variedades linguísticas é ter acesso e conhecimento sobre identidade, cultura e povo,
como bem frisa Antunes (2009, p. 19): “o povo tem uma identidade, que resulta dos traços
manifestados em sua cultura, a qual, por sua vez, se forja e se expressa pela mediação das
linguagens, sobretudo da linguagem verbal”.
Não obstante, apontam-se também pertinências das OCEM, as quais foram produ-
zidas na busca por uma efetivação no que diz respeito à abordagem do ensino de LP com
a finalidade de ressignificar práticas de ensino e de aprendizagem. Incialmente espera-
-se, de acordo com o documento, que os discentes desenvolvam capacidades importantes,
uma delas é: “atuar, de forma ética e responsável, na sociedade, tendo em vista as diferen-
tes dimensões da prática social” (BRASIL, 2006, p. 18). Na direção desse apontamento,
identifica-se que a escola é espaço de socialização e que a área de linguagem não precisa
ater-se apenas ao ensino da norma-padrão, mas também à formação humana. Adiante,
as OCEM postulam que as práticas de linguagem a serem investigadas na escola não se
restringem à palavra escrita, tampouco se filiam unicamente a padrões socioculturais he-
gemônicos (BRASIL, 2006). Ao assegurar que o processo de formação e desenvolvimento
dos sujeitos esteja relacionado à socialização, o documento postula o seguinte:
[...] é na interação em diferentes instituições sociais [...] que o sujeito aprende e apreende as
formas de funcionamento da língua e os modos de manifestação da linguagem [...] Também
nessas instâncias sociais o sujeito constrói um conjunto de representações sobre o que são
os sistemas semióticos, o que são variações de uso da língua e da linguagem, bem como
qual seu valor social (BRASIL, 2006, p. 24).
Resumo: O presente trabalho tem como objetivo apresentar uma aplicação de treinamento metafonológico
da oclusiva glotal [ʔ], em alunos brasileiros de inglês como língua estrangeira, bem como mostrar a relevân-
cia da fonética para o ensino da língua inglesa. Para tanto, utilizamos autores como Duarte (2018), quanto
à percepção-produção da oclusiva glotal no inglês como língua estrangeira por falantes brasileiros, além
de Madureira e Silva (2017), quanto à prioridade do ensino de pronúncia nas aulas de língua estrangeira,
dentre outros. A metodologia apresenta uma abordagem intervencionista em que foram lecionadas cinco
aulas com treinamento metafonológico da oclusiva glotal [ʔ], isto é, com foco na reflexão do discente acerca
da produção e percepção do segmento-alvo. Foram selecionados quatro alunos do 7° ano do ensino funda-
mental, com idade entre 12 e 13 anos, de uma escola particular de ensino regular da cidade de Guarabira
– PB. Concluímos que a fonética é capaz de contribuir para compreensão oral e perceptual da língua inglesa.
Além disso, a professora-pesquisadora observou um progresso na produção e percepção da oclusiva glotal
[ʔ] por meio das aulas com instrução explícita, bem como motivação por parte dos discentes em aprender o
referido segmento.
Palavras-chave: Inglês como língua estrangeira. Metafonologia. Oclusiva glotal.
Introdução
Dominar uma língua estrangeira (doravante, LE) não é uma tarefa fácil, uma
vez que requer variadas habilidades, tais como; gramática, escrita, leitura, com-
preensão, inteligibilidade, dentre outras. Além disso, ao iniciar a aprendizagem de
uma LE, o falante/aprendiz não vem vazio, ou seja, ele/a traz consigo padrões de
1 Possui Graduação em Letras-Inglês pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) – (2018) e Pós-Graduação em Ensino de Línguas
e Literaturas pela UEPB - (2019) com ênfase em Ensino de pronúncia de inglês como língua estrangeira. Atualmente é mestranda
pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal da Paraíba (PROLING/UFPB), e faz parte do Laboratório de
Processamento Linguístico (LAPROL) da UFPB. E-mail: [email protected].
2 É linguista com Pós-doutorado em Fonética experimental com ênfase em Prosódia de LE pelo IEL/UNICAMP/CNPq; Doutorado
e Mestrado em Linguística pelo /PROLING/UFPB; graduação em Letras (português e inglês) pela UNESF e Turismo pela UNICAP.
Atualmente é Professor Adjunto no Departamento de Letras na UEPB e Pesquisador Assistente de Pós-Doutorado em Fonética/
Prosódia experimental pelo IEL/UNICAMP. E-mail: [email protected].
Sumário
193
sua língua materna (doravante, LM), o que pode ajudar ou dificultar o processo
aprendizagem da LE alvo.
Diante disso, aprender inglês como LE é, na maioria das vezes, um grande de-
safio para os brasileiros, visto que é uma língua de raízes germânicas, ao passo que
o português brasileiro (doravante, PB), é de raízes latinas, o que traz bastante dife-
renças entre ambas línguas. Além disso, a língua inglesa (doravante, LI), apresenta
aspectos fonéticos e morfossintáticos que se diferem do PB.
É nesse cenário que se evidencia a relevância da fonética na aprendizagem
de inglês como LE, a qual, muitas vezes, é negligenciada no ensino de línguas. Isto
é, os alunos são comumente expostos à grafia, leitura e aspectos gramaticais da
LI, deixando de lado, portanto, os aspectos sonoros da língua-alvo. Assim sendo,
a aprendizagem da LE, se comparado à aquisição de uma LM, ocorre de maneira
inversa, visto que na aquisição de sua L1, o indivíduo, inicialmente, é exposto aos
sons e não a grafia da língua.
No que concerne aos sons presente na LI e que não fazem parte do PB, pode-
mos citar um som bastante recorrente entre os nativos, contudo, pouco conhecido
pelos aprendizes brasileiros: a oclusiva glotal. Esta se caracteriza como um alofo-
ne3 da LI, realizado, recorrentemente, em substituição da oclusiva alveolar, como
em cotton [kɒtən] produzida com a oclusiva alveolar [t], passando a ser produzida
como [kɒʔn̩ ], com a oclusiva glotal [ʔ] (GARELLEK, 2015; OGDEN, 2009).
A oclusiva glotal é considerada como um som minucioso e de difícil produção
e percepção para aprendizes brasileiros de inglês; seja por ser um segmento au-
sente no PB ou por ser produzido em uma área muito posterior do trato vocal, mais
especificamente na glote, o que impede a visualização da articulação desse som
pelo aprendiz, além de apresentar baixa intensidade, o que a torna um som “fraco”
e pouco audível àqueles que não a possuem no inventário fonológico de sua L1.
Isso, muitas vezes, faz com que o aprendiz a confunda com um apagamento sonoro.
Logo, além de não reconhecer o segmento em voga, ele não o produz, causando,
assim, dificuldades na produção e percepção da língua-alvo. Faz-se necessário, por-
tanto, mostrar ao aluno a existência de tal segmento fonético.
Dessa forma, este capítulo tem como objetivo mostrar uma aplicação da pro-
posta de intervenção estabelecida em uma pesquisa intitulada: “A realização da
oclusiva glotal no ensino de inglês como língua estrangeira” (DUARTE, 2020), apre-
sentando um treinamento metafonológico da oclusiva glotal [ʔ] com alunos brasi-
leiros de inglês como LE, por meios que facilitem a produção e percepção do seg-
mento-alvo, ademais de discorrer sobre a relevância da fonética para o ensino de
inglês como LE.
A fonética e sua importância para o ensino de inglês como
língua estrangeira
A Fonética, que se caracteriza como o estudo dos sons das línguas em seus
aspectos articulatórios (produção dos sons), perceptivos (o que se ouve enquanto
3 Alofone: É um som que se caracteriza como uma variante fonética de um fonema. Assim, a oclusiva glotal é uma variante fonética
da oclusiva alveolar, uma vez que aquela pode substituir está sem que haja mudança de significado na palavra (OGDEN, 2009, p. 4).
Sumário
194
organismo sonoro) e acústicos (as propriedades físicas dos sons da fala), pode po-
tencializar a produção e percepção da LE em foco, tornando-se primordial para o
estabelecimento de diferenças/semelhanças pautadas na oralidade, favorecendo,
portanto, a aprendizagem do dinamismo acústico-articulatório das línguas.
Nessa perspectiva, de acordo com Duarte (2018), os sons devem ser explici-
tados nas fases iniciais da aprendizagem da língua inglesa, a fim de ajudá-los nas
produções destes, bem como contribuir com a inteligibilidade da língua-alvo. Logo,
a reflexão sobre as implicações da fonética no processo de ensino-aprendizagem
de uma LE, justifica-se por remeter à modalidade oral da língua, cujo surgimento,
no processo aquisição de uma LM, antecede o da modalidade escrita (MADUREIRA;
SILVA, 2017, p. 88). Nessa perspectiva, já que os sons estão presentes desde o início
da aquisição da LM, é interessante explanar ao aprendiz os sons da LE o quanto
antes, ajudando-os, assim, tanto na produção/percepção destes quanto na inteligi-
bilidade oral da LE.
Além disso, propomos que a fonética é capaz de provocar a consciência fo-
nológica (CF) no aprendiz, trazendo reflexões acerca dos aspectos sonoros da LE,
bem como estimular a percepção da natureza articulatória dos sons da língua-alvo.
De acordo com Alves (2012), a CF refere-se às habilidades que o aprendiz adquire
ou possui em refletir e manipular os sons de uma língua. Madureira e Silva (2017)
destacam alguns propósitos do estudo dos sons de uma LE (ver Figura 1).
Figura 1: Propósitos do estudo dos sons de uma LE
Corroborando com essa perspectiva, a fonética passa a ser uma ponte ao des-
conhecido, isto é, aos novos aspectos sonoros, orais e perceptivos da LI. Ademais,
à medida que o aluno entende com mais simplicidade o inglês falado, ele se sente
mais estimulado e motivado a aprender a LE em foco.
O fenômeno fonético em estudo: a oclusiva glotal [ʔ]
A oclusiva glotal [ʔ], também chamada de parada glotal (glottal stop), é um alo-
fone presente na LI em suas variedades mais conhecidas como o inglês americano,
australiano, britânico, irlandês e escocês, como apontam Cobacho (2018), Garellek
(2015), Faris (2010) e Ogden (2009). É um som de articulação posterior, dada à na-
tureza de sua realização no trato vocal, isto é, na laringe. Em sua produção, o fluxo
de ar que vem dos pulmões e passa na traqueia é obstruído pelo fechamento brusco
das pregas vocais, seguido pela soltura do ar através da abertura destas (DUARTE,
2018). Faris (2010) descreve três etapas para a produção da oclusiva glotal:
1. Aproximação (approach): momento em que o fluxo de ar é impedido pelo
fechamento das pregas vocais;
2. Mantimento (hold): momento em que as pregas vocais se mantêm fecha-
das, a fim de obstruir completamente o fluxo de ar;
3. Soltura (release): momento em que o fluxo de ar é liberado pela abertura
das pregas vocais.
Figura 2: Visualização das pregas vocais na fase da aproximação, fechamento brusco e mantimento
(destaque em verde), seguido da abertura destas (realce em amarelo)
Compreender os
A oclusiva
ambientes propícios
2ª glotal enquanto Quadro e lápis 30 min.
à produção da
alofone
oclusiva da glotal
Aprender como se
Articulação da
3ª produz a oclusiva Quadro e lápis 30 min.
oclusiva glotal
glotal
Percepção da Praticar a percepção Projetor,
4ª 25 min.
oclusiva glotal da oclusiva glotal quadro e lápis
Na primeira lição, explicamos aos alunos o que é a oclusiva glotal [ʔ] e a oclu-
siva alveolar [t], como ambas são produzidas e quais articuladores estão envolvi-
dos na realização dos referidos sons. Para uma ampliação maior do conhecimento,
mostramos aos discentes uma imagem da glote e pregas vocal (ver figura 2).
Já na segunda lição, discutimos sobre a oclusiva glotal enquanto alofone da
oclusiva alveolar. Explanamos aos alunos que na LI a oclusiva glotal é caracterizada
como um alofone da oclusiva alveolar pelo fato de que, em certos contextos fono-
lógicos, os quais já detalhamos na fundamentação do presente trabalho, a oclusiva
glotal pode substituir a alveolar sem que haja mudança de significado na palavra.
Sumário
198
Posteriormente, repassamos e explicamos aos alunos os ambientes fonológicos
propícios à produção da oclusiva glotal (ver seção “O fenômeno fonético em estudo:
a oclusiva glotal [ʔ]” deste trabalho).
No que tange à terceira atividade, focalizamos em um treinamento através de
uma técnica baseada no Modelo Articulatório-Motor de Stetson (1951, p. 203-208)
utilizando o “Golpe de Glote” (glottal catch). Este movimento articulatório é uma
transição positiva-negativa do movimento muscular para a produção da oclusiva
glotal. Essa técnica é representada por um movimento balístico. Esse movimen-
to leva em conta duas variáveis: um movimento articulatório para a consoante-al-
vo e um movimento respiratório (pulso expiratório de fora para dentro antes da
soltura) para gerar pressão sub-glótica e, desta forma, tencionar as pregas vocais
(STETSON, 1951, p. 230-237). A tensão das pregas vocais ocasionada pela transi-
ção positiva-negativa é que gera o movimento balístico, i.e., as fases dinâmicas de
decaimento, tanto da F0 quanto da energia, ao longo do tempo.
Pedimos que os alunos permanecessem em silêncio, visto que estamos tra-
tando de pronúncia e, para o segmento-alvo, que é um som de baixa intensidade,
precisamos de um ambiente o mais silencioso possível.
O treinamento se deu da seguinte forma:
1. Como os participantes também têm aulas de espanhol, pedimos que os
alunos produzissem a palavra “un” (STETSON, 1951, p. 203) em espanhol
(um em português) (ver Figura 3 para a produção do referido som), com
a ponta da língua no alvéolo dentário (cavidade do osso da maxila e man-
díbula em que os dentes superiores e inferiores se alojam), nesse caso,
posicionar a língua no alvéolo dos dentes superiores;
2. Após a realização da palavra “un”, pedimos que eles produzissem a sílaba
“bu” [bʌ] da palavra “button”;
3. Por fim, pedimos que realizassem a sílaba “bu”, juntamente ao número “un”
em espanhol, de forma que houvesse um espaço temporal entre uma sílaba
e outra. Os discentes tinham que fazer um esforço maior antes da vogal de
cada sílaba, em outras palavras, alongar o [b] da sílaba tônica e um golpe
de glote (como um estilingue) na sílaba pós-tônica, o qual é facilitado atra-
vés da técnica da palavra “un” mencionada no ponto 1, deste treinamento.
Esse golpe de glote, em função do lapso temporal entre as sílabas tônica e pós-tônica,
é relatado por Stetson (1951) no tocante à realização articulatória do inglês por nativos,
e por Morton, Marcus & Frankish (1976), em investigação sobre o centro de percepção
humano para vogais e consoantes (p-center) envolvendo “a batida do dedo” (finger ta-
pping) antes da produção de uma vogal. Posterior a esse treinamento, aplicamos o mesmo
procedimento com mais palavras: mitten [mɪtʔən], Manhattan [mænhæʔən], entre outras.
Sumário
199
Figura 3: Foto da primeira autora mostrando a articulação da sílaba “un” na palavra “button” com a ponta
da língua atrás do alvéolo dentário superior em visão frontal (porção esquerda) e visão sagital (porção à
direita) para treinamento de produção da oclusiva glotal em ambientes que apresentem a oclusiva alveolar
antes de segmentos nasais como em button, cotton, mitten...
4 O https://forvo.com/ é um site que disponibiliza pronúncias de palavras nas mais variadas línguas do mundo. É uma boa opção
para aqueles que estão aprendendo uma segunda língua e gostariam de escutar a pronúncia de um nativo. Além disso, o site propicia
pronúncias de palavras em diferentes variedades da língua.
Sumário
200
aos discentes que a referida técnica não se aplica para palavras que podem apre-
sentar a oclusiva glotal em posição de coda. Pois, se eles o fizessem, outra palavra
seria produzida ou, até mesmo, uma que não faz parte do léxico da LI.
A intervenção se deu da seguinte maneira: ressaltamos que a técnica, ensina-
da anteriormente, utiliza-se para palavras que podem ser produzidas com a oclu-
siva glotal antes de sons nasais, como em: button, Manhattan, mitten etc. Contudo,
para palavras que possuem a oclusiva glotal em posição de coda, como shirt, but e
can’t, os discentes deveriam posicionar a mão na laringe, produzir a palavra-alvo e
tentar gerar uma pressão na glote. Dito isso, com a mão posicionada na laringe, os
aprendizes poderiam sentir, levemente, um deslocamento desta, devido à pressão
gerada pelo fechamento brusco das pregas vocais (ver Figura 4).
Figura 4: Foto da primeira autora com a mão posicionada na laringe para a produção de palavras que
podem apresentar a oclusiva glotal em posição de coda.
Resumo: Este trabalho tem o objetivo de analisar atividades de produção escrita em livros didáticos de
língua portuguesa e língua inglesa, a partir da perspectiva dos gêneros textuais proposta pelo interacio-
nismo sociodiscursivo (BRONCKART, 2006) e a transculturalidade (NICOLESCU, 2015). Os livros didáticos
apresentam propostas para a escrita de textos que são divergentes com o que vem sendo proposto pelos
estudiosos da área, o que enturvece o entendimento de professores e alunos sobre o objeto de ensino e o
papel da escrita e, da mesma forma, as questões diretamente ligadas ao seu ensino e aprendizagem. Para
identificar tais diferenças, foram analisados três livros didáticos, sendo um de língua portuguesa e dois de
língua inglesa. Adotou-se uma abordagem qualitativa na análise dos dados, baseada nas categorias de finali-
dade propostas por Fuza e Menegassi (2006), e de concepção de escrita, de Menegassi e Balieiro (2015). Os
resultados apontam que as atividades analisadas apresentam diferenças entre as finalidades e nas concep-
ções de escrita em língua materna e, especialmente em língua estrangeira, em que as concepções de escrita
apresentam uma aproximação menor com as correntes mais atuais dos estudos sobre ensino e aprendiza-
gem da escrita.
Palavras-chave: Gêneros textuais. Transculturalidade. Produção textual. Interacionismo
Introdução
As atividades de produção escrita, tanto em língua materna como estrangeira
são, há pelo menos duas décadas, pautadas pela perspectiva dos gêneros textuais.
Muitas pesquisas vêm sendo desenvolvidas para promover a mudança do para-
digma do ensino de língua materna centrado no ensino de estruturas gramaticais
para abordar a rede complexa de aspectos linguísticos e sociais em que os gêneros
textuais estão inseridos. Nos livros didáticos, esta mudança é perceptível, embora
não se possa afirmar que ela acontece da mesma forma para livros didáticos de
português e de outras línguas.
Com base nisto, contrastaremos atividades de produção escrita de uma co-
leção de livros do ensino médio de língua portuguesa com as de duas coleções de
1 Doutorando e mestre em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal do Pará - UFPA. Professor da Escola de Aplicação da UFPA.
E-mail: [email protected].
Sumário
205
livros de inglês para o mesmo nível de ensino, uma vez que é possível observar
nelas diferenças tanto ao que se espera de acordo com documentos oficiais, como
o trabalho com gêneros, quanto aos paradigmas mais atuais, especificamente aqui,
a transculturalidade. Escolhemos estas coleções para tentar identificar os pontos
que as aproximam e onde elas divergem em relação à produção de textos. Essa
comparação tem como objetivos: verificar qual objeto de ensino e finalidade das
atividades de produção textual nos livros didáticos para língua portuguesa e ingle-
sa, e se há implicações que devam ser consideradas no que diz respeito aos aspec-
tos (trans)culturais envolvidos nas atividades propostas. Estes objetivos tentam
responder a seguinte pergunta: as atividades de produção textual estão adequadas
às concepções de língua e cultura que embasam o trabalho com gêneros textuais?
Primeiramente, apresentaremos o conceito de gênero textual na perspectiva
do interacionismo sociodiscursivo (doravante ISD) e transculturalidade. A seguir,
trataremos do que diz a Base Nacional Comum Curricular (doravante BNCC) a res-
peito de atividades de produção de textos em livros didáticos. Após a delimitação
teórica, descreveremos brevemente os livros didáticos utilizados, para, ao final,
apresentarmos exemplos de atividades e discutirmos como as atividades se confi-
guram nos materiais analisados.
Gêneros textuais para o ISD
O conceito de gêneros textuais é amplamente difundido no meio acadêmico e
também apresentado em muitos livros didáticos produzidos atualmente. A defini-
ção de gênero pode ser problemática pela diversidade de autores e abordagens que
foram e são desenvolvidas correntemente, o que requer que as fronteiras teóricas
sejam bem delimitadas para que não haja confusão, tanto do ponto de vista termi-
nológico quanto teórico e metodológico.
A concepção de gêneros textuais é, como aponta Miranda (2017, p. 814), uma
questão complexa e com implicações para a pesquisa, como dito anteriormente, e,
para superar esta barreira, ela adota o entendimento dos autores que se alinham ao
interacionismo sociodiscursivo. A autora defende esta escolha (com a qual nos as-
sociamos), distinguindo gênero discursivo de gênero textual, da seguinte maneira:
[...] discurso e texto são duas realidades diferentes e não duas formas de ver o mesmo obje-
to. A noção de discurso [...] corresponde à utilização do sistema da língua em situações con-
cretas. O discurso é a língua em uso. Já o texto, por seu lado, é concebido como uma unidade
comunicativa que mobiliza unidades de, pelo menos, uma língua natural e, eventualmente,
outras unidades semióticas. Portanto, o texto não é apenas uma unidade linguística (ou dis-
cursiva), mas uma unidade de comunicação linguística, uma unidade semiótica (MIRANDA,
2017, p. 819).
Para esta análise, é importante perceber como o trabalho com a escrita é visto
a partir da perspectiva sociointeracionista (BRONCKART, 2006), a qual aponta a
primazia da linguagem e da interação no desenvolvimento e na aprendizagem, bem
como o entendimento de que o texto é o objeto de estudo e a finalidade da apren-
dizagem de uma língua, e, também, transcultural em que “assegura a tradução de
uma cultura para qualquer outra cultura, pela decodificação do sentido que liga
as diferentes culturas, embora as ultrapasse” (NICOLESCU, 2015, p. 120), onde os
gêneros são os meios pelos quais os sujeitos produzem seus enunciados e, ao se
tratar de atividades de escrita em contextos situações comunicativas e em línguas
diferentes, permeadas pela cultura da língua e de seus falantes.
Os gêneros textuais podem variar tanto em forma quanto em uso a depender
da situação comunicativa em que são empregados pelos falantes, o que, evidente-
mente, pode ocorrer em comunidades de falantes da mesma língua quanto de fa-
lantes de línguas diferentes. Silva (2019, p. 139) caracteriza essa relação complexa
entre sujeito, língua e cultura, a partir da perspectiva transcultural, da seguinte
maneira:
Alicerçada nesse paradigma das propostas Trans_, entendo que o sujeito constrói sua lín-
gua, a qual constrói sua realidade, e, consequentemente, sua cultura e sua sociedade. Assim,
não há língua sem sujeito, sem cultura, sem sociedade; não há sujeito sem língua, sem cul-
tura, sem uma sociedade a que pertença; não há cultura sem língua, a qual não existe sem
os sujeitos, que não existem sem cultura, a qual não existe sem estar em uma sociedade;
não há sociedade sem sujeito, que fale a língua, que está numa cultura de uma sociedade.
Desse modo, não posso separar língua, sujeito, cultura e sociedade, pois são alimentadores
e retroalimentadores uns dos outros indissociavelmente.
Como exposto acima, a relação interligada dos três elementos (língua, cultura
e sociedade) deve ser um norteador para que a aprendizagem da língua se efetive
de maneira a promover a efetiva atuação dos sujeitos em situações reais de comu-
nicação.
Estas percepções próximas ainda não foram bem compreendidas para que os
livros didáticos possam ser analisados sob uma ótica que englobe as concepções de
língua que norteiam as propostas de produção escrita.
Livro didático e a BNCC
O livro didático é um dos recursos que o professor utiliza para construir sua
aula e, muitas vezes, é a partir de seus conteúdos e de suas atividades que os alunos
exercitam tanto a leitura quanto a escrita, fato que pode ter como uma das explica-
ções às políticas públicas para a sua distribuição (como o Plano Nacional do Livro
Didático).
Geraldi (1993, p. 136) concebe a escrita de duas formas distintas: para ele, o
aluno pode escrever “para a escola” e “na escola“. A primeira concepção diz que o
trabalho de escrita é feito para atender a uma demanda e para se fazer uma reda-
Sumário
207
ção, trabalho pelo qual o professor será o único leitor e haverá uma avaliação feita
através da atribuição de uma nota para aquele produto. Já na segunda, a atividade
não é mais uma redação, mas uma produção de texto, e esta modificação de nomen-
clatura implica em uma tomada de posição do aluno, ou seja, ele expõe seu ponto
de vista e o texto passa a ser um elemento na cadeia de produção de novos textos e
também como ponto de partida para trabalhos de reescrita.
Cunha (2016, p. 10) corrobora esta visão ao afirmar que ainda há muitos li-
vros em que o caráter interacional não é plenamente explorado e onde muitas ati-
vidades continuam privilegiando o foco em aspectos linguísticos/gramaticais e/ou
de fixação das características estruturais do gênero trabalhado.
Além destas considerações, Menegassi e Fuza (2006, p. 36) apresentam a fina-
lidade do exercício de escrita como elemento “fundamental, uma vez que é a partir
dela que se tem a escrita de um texto formador de sujeitos (produção de texto)
ou de assujeitados (redação)”. Este entendimento contribui para que as atividades
do livro didático sejam consideradas a partir dos elementos que elas próprias for-
necem, permitindo que alunos e professores possam perceber os pontos fortes e
fracos de cada livro e atividade.
A BNCC (2018, p. 67), baseando-se em documentos anteriores a ela, apresenta
o principal objeto de ensino da disciplina de língua portuguesa:
A centralidade do texto como unidade de trabalho e as perspectivas enunciativo-discursi-
vas na abordagem, de forma a sempre relacionar os textos a seus contextos de produção e o
desenvolvimento de habilidades ao uso significativo da linguagem em atividades de leitura,
escuta e produção de textos em várias mídias e semioses (grifos do texto).
Metodologia
Para analisar a finalidade da escrita nas atividades propostas e quais as con-
cepções de escrita que elas encerram (sob a perspectiva dos gêneros textuais e
transculturalidade), faremos uma análise qualitativa das atividades presentes nos
livros escolhidos e seguiremos os parâmetros apontados por Menegassi e Fuza
(2006) e Menegassi e Balieiro (2015).
Menegassi e Fuza (2006), a partir de sua análise de duas coleções de livros di-
dáticos de português para o ensino fundamental, identificaram 5 tipos diferentes,
sendo que, nas atividades, a finalidade do trabalho com a escrita: não está marcada;
marcada na seção posterior; marcada no interlocutor; marcada no gênero discur-
sivo; e finalidade para produção futura. Esta categorização não marca apenas a re-
lação entre as atividades do livro em si, mas também como elas se relacionam com
os aspectos interacionais dos gêneros propostos.
A segunda categorização considera o aluno enquanto autor dos textos ao mes-
mo tempo em que examina as motivações (atividades prévias, apresentação sobre
um tema, preparação para a escrita) para que se chegue à produção textual. Me-
negassi e Balieiro (2015), em sua análise, perceberam que os livros concebem a
escrita ou como um dom (não há preparação e o ato de escrever é proveniente da
“inspiração”), ou como uma consequência (há atividades, mas elas funcionam como
pretexto para a produção escrita) ou como trabalho (atividades em que um tema é
abordado e o processo de escrita é desenvolvido em suas etapas - preparação, revi-
são, reescrita etc.). Nesta perspectiva, além do papel do aluno, há a preocupação de
perceber como o livro didático auxilia neste processo.
Estas categorias nortearão nossa análise dos dados obtidos nos livros didáti-
cos tanto de língua portuguesa quanto de língua inglesa. Iniciaremos pela coleção
de língua portuguesa.
Análise dos dados
A partir das considerações feitas com base na finalidade das atividades de
escrita e as concepções da escrita em relação ao aluno como autor do texto, fare-
mos uma análise qualitativa de algumas atividades contidas nos livros didáticos
descritos acima. A análise pretende verificar as finalidades e concepções de escrita,
bem como se estas atividades se inscrevem aos vieses teóricos do ISD e da trans-
culturalidade.
Coleção Viva Português
Na coleção Viva Português, como exposto acima, há dois momentos de pro-
dução textual. Um momento de produção que é feito em sala ou para ser feito e
exposto em sala e outro em que, além da produção, terá o texto exposto em sala.
Nas primeiras páginas, as autoras esclarecem que, “considerando a importância
Sumário
211
do interlocutor potencial dos textos” (CAMPOS; CARDOSO; ANDRADE, 2010, p. 3),
há um projeto que é caracterizado pelo gênero textual e que será divulgada para a
comunidade escolar.
Tomando como exemplo a primeira lição do livro para o 1º ano, temos o tema
“trovadorismo” e o “cordel”, em que há uma aproximação da poesia medieval com
os poemas de cordel para que o aluno possa identificar características que ainda
permanecem hoje em dia. As produções textuais desta lição são: a escrita de um
poema no estilo dos poemas de cordel e a organização de um sarau. Nestas ativi-
dades, percebemos que o primeiro momento de produção do texto se caracteriza
por cumprir a demanda de um trabalho marcado no gênero (cordel) e o outro é
marcado para uma produção futura (sarau).
Além disto, pode-se perceber que o trabalho aqui é uma consequência dos
temas desenvolvidos na lição. O aluno responderá a uma demanda que vem sendo
preparada pelo tema e, ao final do ciclo, terá que produzir seu texto (no caso do
cordel).
Figura 1: Amostras do livro Viva Português
Podemos perceber que o tema serve de base para que o aluno escreva e que
existem algumas indicações que guiam a atividade (quem é o autor, quem será o
público, que gênero, onde será publicado e qual o propósito), o que está condizente
com o entendimento que o ISD propõe. Estas indicações mostram que as ativida-
des de escrita podem ser inseridas em mais de uma das categorias propostas por
Menegassi e Fuza (2006): as marcadas pelo interlocutor, gênero e para produção
futura. Aqui, pode-se ver com bastante clareza a concepção de escrita como um
trabalho, uma vez que a produção escrita está diretamente ligada ao caráter pro-
cessual, considerando os diversos passos que precisam ser seguidos (presente na
parte Writing stages), a fim de que o texto possa ir além do cumprimento de uma
demanda escolar.
On Stage
Em relação ao livro On Stage, algumas atividades incluem as categorias de fi-
nalidade, mas existem outros exercícios que se limitam a que o aluno complete um
texto que trata do assunto da lição. Essa constatação mostra que o entendimento
do que é a escrita em língua estrangeira é problemática neste material.
Para exemplificar, apresentaremos duas atividades do material, sendo uma
delas um exercício de escrita e outra para completar o texto já feito:
Sumário
213
Figura 3: Amostras do livro On Stage
2 Sendo o objetivo deste artigo a discussão sobre as atividades de escrita, consideraremos o “painel” como variação de “pôster” e
“cartaz”, sem deixar de reconhecer que podem existir características próprias tão idiossincráticas que uma análise descritiva determine
que cada um seja um gênero textual.
Sumário
215
coleção descreve passo a passo como deve ser escrito o texto e isto serve tanto para
o aluno quanto para o professor na hora de monitorar e avaliar o que foi feito.
A presença destes aspectos leva o aluno a produzir textos utilizando o voca-
bulário e as estruturas gramaticais aprendidos na lição. Apesar disso, notamos que
o gênero e os elementos linguísticos que o circundam entram em consonância na
produção do texto, mas não é tão claro como esses elementos todos servem para
que o aluno seja um leitor/escritor proficiente.
Dessa forma, a coleção Alive High apresenta como objeto de ensino o gênero
e como o vocabulário da língua inglesa e as estruturas aparecem e são utilizadas
nele. No exemplo dado na Figura 2, o vocabulário sobre talentos será utilizado para
a apresentação a ser feita e, apesar de apresentar um caráter pessoal, os textos de
exemplo e os possíveis textos produzidos não demonstram levantar objetivos além
de cumprir a tarefa.
A coleção On Stage aproxima-se muito de alguns aspectos descritos na coleção
anterior, mas em um nível bem mais simples. Enquanto a coleção Alive High consi-
dera o gênero e suas características como o que deve ser aprendido para que a ati-
vidade de escrita se concretize, nos livros da coleção On Stage o principal objeto de
ensino está nas estruturas e no vocabulário, sem uma contextualização mais clara.
Nos exercícios que mostramos na Figura 3, um se restringia a completar um texto
com palavras dadas no comando e o outro era, ainda que mais próximo de uma
produção de texto, ainda era restrito pelo comando e pelas estruturas gramaticais
aprendidas na lição. Também vale ressaltar que o primeiro exercício mais parece
um exercício de compreensão leitora do que de escrita, o que demonstra que tipo
de concepção de escrita está presente.
Considerações finais
O livro didático é uma das ferramentas centrais no ensino e aprendizagem de
línguas nos dias atuais, seja pelo incentivo de políticas públicas, seja pela falta de
outros recursos disponíveis para os professores. Não é somente o trabalho do pro-
fessor ou as atividades propostas nos livros que determinarão o sucesso ou fracas-
so do estudante, mas sim um trabalho reflexivo sobre os objetivos das disciplinas
de ensino de línguas e sobre os materiais disponíveis, a fim de otimizá-los.
As análises dos livros mostram que o objeto do ensino de língua não é claro
e que a reflexão sobre a língua e cultura não ocorre, sendo o estudo feito por meio
dos elementos estruturais dos gêneros textuais propostos nas tarefas de produção.
Além disso, alguns exercícios não são satisfatórios e, até, mais próximos de exer-
cícios de compreensão de leitura do que de produção escrita. Em sua maioria, os
exercícios analisados estão mais próximos de uma “redação” do que uma “produ-
ção de texto”, nos termos definidos por Geraldi (1993, p. 136).
Entender as finalidades das consignas e o que deve ser aprendido através dela
é um dos papéis fundamentais do professor. Fairchild (2012) fala deste ensino de
língua através dos gêneros e conclui que, o surgimento do que ele chama de profes-
sor genérico, aponta para um processo de desprofissionalização, caracterizado por
três tendências, sendo elas: recorrência de alguns gêneros, ausência de reflexão
Sumário
216
na escolha destes gêneros e diminuição do espaço para discussão de aspectos do
texto que remetam ao gênero. Se tais fatores forem relacionados ao papel do livro
didático e sua utilização em sala de aula, notamos que as dificuldades dos alunos e
professores em entender os objetivos das disciplinas de ensino de línguas tomam
uma dimensão bastante ampla, não cabendo apontar um ou outro fator de forma
cabal. Além disto, a desconsideração das possibilidades transculturais (especial-
mente para a língua estrangeira) é um problema para que fique clara tanto a real
finalidade do trabalho de produção textual como o entendimento de que o objeto
de ensino da escrita é o mesmo, independente de que língua seja.
Além disso, vale ressaltar que, segundo Fairchild (2014, p. 62), “os problemas
e soluções do ensino de língua não estão, essencialmente, situados em um plano
didático, na esfera da elaboração das tarefas e atividades repassadas aos alunos”.
Como professores, devemos pensar para além do que está no livro didático e ir ao
encontro da realidade da sala de aula para poder identificar as verdadeiras necessi-
dades dos alunos, pois a língua não é algo pronto, mas (re)construído no momento
da interlocução (GERALDI, 1993, p. 6).
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Título: Estudos dialetais e sociolinguísticos no Brasil
Autoria: Gabriel Nunes Yared Lima, Celeste Maria da Rocha Ribeiro, Anna Carolina
Ferreira Sangiorgi, Adriana Gabriela Reis Silva, Romário Duarte Sanches, Matheus da Silva
Lopes, Cibelle Corrêa Béliche Alves, Conceição de Maria de Araújo Ramos, Michele Silva
de Carvalho, Romário Duarte Sanches, Josué Leonardo Santos de Souza Lisboa, Emerson
Deni dos Santos Nogueira Junior, Érica do Socorro Barbosa Reis, Danielle de Melo Viana,
Robson Borges Rua, Marcia de Souza Dias, Regis José da Cunha Guedes, Abdelhak Razky,
Genivaldo da Conceição Oliveira, Fernando Jesus da Silva, Lizandra Valéria da Silva Fumelê,
Kelly Cristina Nascimento Day, Edna dos Santos Oliveira, Allina Tainá dos Santos Lobo, Ana
Karolina Damas da Costa, Maria Sebastiana da Silva Costa, André Luiz Souza Silva, Mariane
dos Santos Monteiro Duarte, Leônidas José da Silva Jr, Michell Gadelha Moutinho.
Organização: Celeste Maria da Rocha Ribeiro, Romário Duarte Sanches
Projeto gráfico: Nepan Editora
Capa e arte final: Raquel Ishii
Produção editorial e diagramação: Marcelo Alves Ishii
Revisão de texto: sob a responsabilidade dos autores
Tipologia: Cambria 13/17
Número de páginas: 216