Belchior Gomes de Araujo e o Inconsciente Coletivo Iguatuense
Belchior Gomes de Araujo e o Inconsciente Coletivo Iguatuense
Belchior Gomes de Araujo e o Inconsciente Coletivo Iguatuense
de açúcar de grande porte3, produziu aguardente, assim como, participou do comércio na Vila
de Quixelô-CE e posteriormente em Iguatu-CE, como comerciante (LIMA VERDE, 2011).
Belchior era católico, devoto de Bom Jesus, São Francisco e Nossa Senhora de
Monte Serrat; festeiro por índole, comemorava seu aniversário numa festa que durava três dias
e três noites. Frequentava os cabarés locais, fumava – cigarro Beliza, fumo sergipano – e era
consumidor de cinzano. Estudou em Fortaleza, frequentava a Livraria Iguatu, demonstrava ser
carinhoso4, apresentava uma relação afetuosa com mãe e um enfrentamento ao pai.5
Encontramos um homem que “Por volta de seis horas da tarde, ele andava muito
em volta da casa e nesses momentos sempre estava rezando e ninguém falava com ele6”.
Não desejo analisá-lo como produto de seu tempo, de seu contexto, mas como um
personagem histórico, que viveu em um determinado tempo e espaço, estabeleceu relações com
outros indivíduos, criou seu modo de vida.
As discussões sobre identidade têm suscitado os mais diversos debates, sobretudo
quanto às mudanças provocadas com a pós-modernidade. Apresento uma perspectiva de estudo
pautada numa inter-relação entre oralidade, identidade e inconsciente coletivo.
As ações concebidas e os fatos produzidos por Belchior, em menos de meio século,
ressoaram em seu tempo, construindo uma configuração própria, a partir de elementos que o
identificaram e o identificam, tais como, uma burra, de nome “Estrela”, um automóvel, do tipo
jeep, a cartucheira, armas de diversos calibres, a figura de Luiz Hermínio, conhecido por Luiz
Vaqueiro, festas, ações violentas e até, mesmo as condições de sua morte em 1º de abril de
1955.
Segundo Carl Gustav Jung “o processo simbólico é uma vivência na imagem e da
imagem” (2007: 47). Esses elementos tornaram-se símbolos que passaram a constituir a
formação e evolução da identidade iguatuense.
3
O terceiro maior do Estado.
4
Carta de 03 de outubro de 1933, para Dorinha, sua futura esposa, na qual ele pede que ela se decida pelo
casamento, visto que ela simboliza para ele “a felicidade”.
5
O Cel. Pedroca trouxera para o Sítio Mata Fresca uma amante, Maria Cândida, com a qual tivera 4 filhos. Isso
muito desagradou Belchior que a ameaçava constantemente. Após alguns anos a mulher foi embora com medo. O
Cel. Pedroca tornara a se envolver com mais uma mulher, Maria Severino. Novamente, Belchior tornava a ameaçá-
la, fato este que provocou a reação e o enfrentamento de seu pai, que exigiu respeito e impôs a Belchior um
“exílio”. Após 6 anos, sem dá notícias, ele retorna ao Sítio Mata Fresca. Andou pelo Maranhão, Pará e Goiás.
6
Josefa Gomes de Almeida, 77 anos, aposentada. Entrevista realizada em janeiro de 2012. In. SOMBRA, Waldy
(Org.). Belchior, sim senhor! Fortaleza: Premius, 2013, p. 90.
3
que influenciam e organizam as ações dos indivíduos. Cabe-nos levantar outras questões: onde
está o Iguatu? quais os elementos que podem caracterizá-lo: físicos, geográficos, ideológicos,
psicológicos?
Destaco a História Oral como instrumento de interpretações realizadas sobre as
narrativas orais e suas representações coletivas manifestadas nas práticas, crenças e lembranças
do grupo estudado. A transmissão oral impregna o indivíduo de sua tradição cultural. Apresento
as discussões de Paul Thompson (1992) e Alessandro Portelli (2010, 2013, 2016).
O debate sobre identidade tem se intensificado nas últimas décadas refletindo sobre
questões étnicas, gênero e até região. Identidade é um tema amplamente debatido na produção
acadêmica e literária em autores das mais diversas concepções e áreas, como Tomaz Tadeu da
Silva (2000), Anthony Giddens (2002), Stuart Hall (2006), Joël Candou (2011), Zygmut
Bauman (2005) e Paul Ricoeur (2007).
A discussão permeada por esses autores suscita a possibilidade de utilização dos
conceitos de inconsciente coletivo e arquétipos, desenvolvidos por Carl Gustav Jung com o
intuito de compreender o processo de formação da identidade iguatuense.
Arquétipos são “padrões de comportamento emocional e intelectual” (FRANZ,
2008: 419) e é um dos conteúdos do inconsciente coletivo; “representam um modelo básico de
comportamento instintivo” (JUNG, 2007: 54). E mais: “as imagens arquetípicas têm um
sentido a priori tão profundo que nunca questionamos seu sentido real” (JUNG, 2007: 24).
Arquétipos são símbolos, imagens inconscientes que representam um modelo de
comportamento, um conteúdo inconsciente; estão expressos nos mitos e contos de fadas.
O inconsciente coletivo “é herdado. Ele consiste de formas preexistentes,
arquétipos, que só secundariamente podem tornar-se conscientes, conferindo uma forma
definida aos conteúdos da consciência” (JUNG, 2007: 54).
É importante ressaltar que “do inconsciente emanam influências determinantes, as
quais, independentemente da tradição, conferem semelhança a cada indivíduo singular, e até
identidade de experiências, bem como da forma de representá-las imaginativamente” (JUNG,
2007: 71).
A contribuição trazida pela psicologia tem um aspecto essencial, pois é através dos
princípios constitutivos do pensar dos iguatuenses que se desenvolverá esse estudo através da
história oral, vista como “um ponto de contato e intercâmbio entre história e as demais ciências
5
7
Belchior foi assassinado em 1° de abril de 1955, num local conhecido como Alto do Buriti, entre Crato e Juazeiro
do Norte.
8
Jornal O Estado, 18 de junho de 1948, p. 7.
9
Jornal O Nordeste, 17 junho 1948, p. 8.
7
10
Clóvis Sampaio era sobrinho do Chefe de Polícia do Ceará, Coronel Expedito Sampaio e filho do Delegado de
Polícia de Barbalha.
11
Jornal Gazeta de Notícias, 2 de abril de 1955, p.8.
8
Narrativas orais não têm a ver nem com passado nem com presente, são
essencialmente expressões da mente humana (...) longe de serem explicações diretas,
as tradições orais revelam a capacidade dos seres humanos de pensar simbolicamente
seus problemas complexos. A vida real é cheia de contradições, e os mitos nos dão
meios de lidar com um mundo crivado de tais contradições (CRUIKSHANK, 2006:
153).
12
José Barros da Silva, 72 nos, aposentado. Entrevista realizada em Agosto de 2012.
9
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FERREIRA, Marieta de Moraes e AMADO, Janaína (orgs). Usos e abusos da história oral.
8.ed. Rio de Janeiro: FGV, 2006.
FRANZ, Marie Louise Von. A ciência e o inconsciente. IN. JUNG, C.G. (org.). O homem e
seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
____________________. História oral como arte da escuta. São Paulo: Letra e Voz, 2016.
SILVA, Tomaz Tadeu da. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais.
Petrópolis: RJ: Vozes, 2000.
THOMPSON, Paul. A voz do passado: história oral. 2.ed. Rio de Janeiro, 1992.
LIMA VERDE, Wilson Holanda. Iguatu: pelos novos caminhos da história. Fortaleza:
Expressão Gráfica Editora, 2011.