Geografia Historica de Iguatu CE Uma Analise Da Cultura Algodoeira de 1920 A 1980

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ – UECE

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO – PROPGPQ


FUNDAÇÃO CEARENSE DE APOIO A PESQUISA – FUNCAP
CENTRO DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA – CCT
MESTRADO ACADÊMICO EM GEOGRAFIA – MAG

ÁTILA DE MENEZES LIMA

A GEOGRAFIA HISTÓRICA DE IGUATU-CE: UMA


ANÁLISE DA CULTURA ALGODOEIRA DE 1920 A
1980

FORTALEZA
2011
2

ÁTILA DE MENEZES LIMA

A GEOGRAFIA HISTÓRICA DE IGUATU-CE: UMA ANÁLISE DA


CULTURA ALGODOEIRA DE 1920 A 1980

Dissertação submetida à Coordenação do Curso de


Mestrado Acadêmico em Geografia - MAG da
Universidade Estadual do Ceará – UECE, como
requisito parcial para obtenção do título de Mestre
em Geografia.

Orientação: Profa. Dra. Zenilde Baima Amora

FORTALEZA
2011
3

L732g Lima, Átila de Menezes


A geografia histórica de Iguatu-CE: uma análise da
cultura algodoeira de 1920 a 1980 / Átila de Menezes Lima.
— Fortaleza, 2011.
213 p. ; il.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Zenilde Baima Amora.
Dissertação (Mestrado Acadêmico em Geografia) –
Universidade Estadual do Ceará, Centro de Ciências e
Tecnologia.
Área de Concentração: Análise Geoambiental e
Ordenação do Território nas Regiões Semi-Áridas e
Litorâneas.
1. Geografia histórica. 2. Cultura algodoeira – Iguatu,
Ceará. 3. Espaço – Iguatu, Ceará. I. Universidade Estadual
do Ceará, Centro de Ciências e Tecnologia.
CDD: 911
4
5

À minha mãe, que em meio à imensidão de dificuldades (materiais e


imateriais) nunca poupou esforços em nos criar e nos preparar para
o grande desafio de viver. Esta sim, mulher ―guerreira‖ e corajosa
conseguiu superar os grilhões e amarras ao qual estava inserida para
buscar viver sua utopia.

À Anita pela dedicação, amor e companheirismo na práxis cotidiana


do viver.

Aos amigos pela amizade

A todos que de fato almejam e lutam por uma outra forma de


sociabilidade humana, para além desta a qual estamos inseridos.
6

AGRADECIMENTOS

À minha mãe (Elisvalda), irmãs (Adilla e Nayara), tias e cunhados (João e Kennnedy)
pela convivência e por acreditarem em minha pessoa. Os momentos de repouso e de lazer
com os amigos Antônio Marcos (beibe) e Paulo Souza também foram fundamentais para
o renovar das energias.

À Anita Pedrosa Fontes, minha companheira inseparável de todos os momentos, por estes
quase três anos de cumplicidade, amor, afetividade e por me agüentar em quanto pessoa,
afinal eu sou um pouco difícil de se entender.

À Rodrigo (Mossoró) pela companhia no mundo solitário dos debates e embates e na


práxis do movimento estudantil e em nosso Coletivo a favor da Rua, assim como em
outras esferas da vida.

Á Priscila (Proncy) pessoa sábia e compreensiva, as conversas (coletivas e individuais)


com sua pessoa me ensinaram bastante sobre a vida.

Ao Eider, pessoa simples e companheiro de lutas, obrigado pelos conselhos certos nas
horas certas.

Ao camarada Jucier (Cier), por compartilhar os momentos de angústia, tristeza, reflexão e


de poesias, a final tristeza não tem fim e solidão é uma poeira leve, mas nada que não
possamos superar. Grande admiração por sua pessoa. Ao Tom Zé e o Mundo Livre por
sua arte inspiradora.

Aos demais amigos André (bichoooo eterno), Danilo (bicho), Thamires, Josué, Yara,
Adriana(bicho) Jean, Mariana Mendes (pela ajuda nos escritos finais), Diego (Baiano),
7

Érika Medeiros (erikete), Heron e Diego (geba). Estes últimos foram também
companheiros de PET – Programa de Educação Tutorial.

Aos meus amigos Icaro Maia (ikim) e Edson Minarete e aos demais companheiros de
PET, Camila, Luiz Antônio, Erilânia, Cristiane, Rose, Thiago, Danilo, Val, Denise,
Patrícia e demais petianos pelos quase cincos anos de aprendizagem coletiva.

Aos professores Ms. Edílson Pereira Júnior e Claúdia Granjeiro (eternos tutores do PET),
a estes devo parte de minha formação intelectual e pessoal, exemplos de personalidades e
de seres humanos. Outros professores que contribuíram para minha formação foram as
professoras Dra. Zenilde Baima, Dra.Ana Matos, Dra. Denise Elias e os professores Dr.
Luiz cruz Lima e Ms. Otávio Lemos.

À minha orientadora Profa. Dra. Zenilde Baima Amora em especial pela extraordinária
capacidade de orientação, pelos momentos de atrito e puxões de orelha, mas, sobretudo,
pela compreensão das dificuldades e das angústias pessoais de um ser humano que esta
vivendo um processo de aprendizagem. Para além de orientadora, percebi que ela é um
ser humano extraordinário.

Aos integrantes do LEURC – Laboratório de Estudos Urbanos e Geografia Cultural, em


especial a Leidiane, a João Victor, pela ajuda na elaboração e descrição das tabelas, a
Rachel na digitação das atas e aos demais (Ianone, Argeu, Keane, Luiz, Glauciana) pelo
convívio e pelos debates. Agradeço ainda a Victa Nobre e Andréa Crispin, pela ajuda na
língua francesa e na formatação do trabalho e Lizandro na confecção dos mapas.

Ao Sindicato dos Gráficos - SINDGRACE, sobretudo as pessoas de Juarez (pela


disciplina), Rogério e ainda ao Machado (Eterno professor Machado) companheiros de
luta e de aprendizagem de vida, a estes sou bastante grato pela ajuda inicial para chegar a
8

Universidade. À Gleyce any (Jude) e Juliana, pelas conversas libertárias e compreensivas


no momento em que estava em crise.

À Helena Mota e Ludivina Castro que me receberam tão bem na Biblioteca do IPECE.

As pessoas que me ajudaram bastante em minha estádia em Iguatu, Juliana da Silva da


Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Iguatu, que não poupou esforços em me
ajudar nos deslocamentos pela Cidade e nas indicações de lugares a serem visitados.

Ao Francisco de Paula da Silva do Museu da Imagem e do Som: Francisco Alcântara


Nogueira pela atenção e disponibilidade.

Aos entrevistados que por demais contribuíram para a pesquisa. Dentre estes agradeço ao
ilustríssimo Senhor Wilson de Holanda Lima Verde, profundo conhecedor da história de
Iguatu que nos acolheu muito bem e disponibilizou horas de conversas e entrevistas que
foram fundamentais para a pesquisa.

À professora Dra.Virginia pelas sugestões iniciais. Ao professor Dr. Amaro pelas


contribuições na qualificação.

Ao Professor Dr. Manoel Fernandes pela atenção, pelas sugestões, provocações e ajuda
em momentos decisivos.

Ao professor Dr. Levi, pelas sugestões, pelas críticas. Depois agente escuta aquele Odair
José.

A FUNCAP, por possibilitar dedicação exclusiva a esta pesquisa que findo.


9

No senso comum o por quê

Foi no movimento do cotidiano


No seio de minha inocência e do senso comum
Nas madrugadas de ir e vir com um galão e duas latas de água
Eu e minha inseparável companheira mãe
Companheira de tempos difíceis
Como aquela madrugada e uma ameaça de despejo
Daquelas angústias de esperar por quem não viria
E nem havia prometido de vir
No meio daquele cotidiano pacato, uma cena.
Aquela cena, que nunca mais sairia da memória
E que provavelmente trilharia meus rumos, minha personalidade
Minha indignação, minha forma de ver e interpretar a realidade
Cena esta, que entre meus 12 ou 13 anos me levaram a refletir
E pela primeira vez tentar entender o por quê.
(Átila de Menezes Lima)

Solidão

Solidão, que poeira leve


Solidão, olha a casa é sua
O telefo/
Solidão, que poeira leve
Solidão, olha a casa é sua
E no meu descompassa o riso dela
Na vida, quem perde o telhado
Em troca recebe as estrelas
Pra rimar até se afogar
E de soluço em soluço esperar
A vida que sobe na cama
E acende o lençol
Sol lhe chamando
Sol-licitando
(...)
Tom Zé

O Quadro branco

Talvez o vazio do quadro em branco expressasse melhor minha dor.


A angústia de minha solidão no exato momento em que puxei diálogo com ele.
Mas na ausência de quem conversar, ele me escutou bastante, talvez até tenha
compreendido a tristeza daquele momento, a angústia da incompreensão, da solidão, do
amor, da negação, do medo. Talvez o quadro em branco seja o primeiro passo para
compreender a si próprio.

Átila Lima
23.12.2010
10

RESUMO

A presente pesquisa tem como objetivo contribuir para a leitura da Geografia Histórica do
município de Iguatu, localizado no estado do Ceará - Brasil, tendo como enfoque a cultura
algodoeira. Esta atividade foi, por mais de um século, uma das principais atividades
econômicas do Ceará, até a sua crise nos anos de 70 e 80 do século XX. Responsável em
peso pela integração e organização territorial do Ceará, a atividade algodoeira, junto à
pecuária, foi capaz de gerar um excedente de capital interno, que, aliada também a fatores
políticos, delineou uma industrialização para além das oficinas de charque. A cultura
algodoeira constituiu uma ruptura-permanência na história de Iguatu, o que criou um
excedente de capital e permitiu o desenvolvimento de indústrias de beneficiamento de
algodão, a criação de um proletariado fabril e o desenvolvimento de serviços urbanos.
Essa conjuntura tornou mais complexas as relações sociais de produção, pautadas nas
relações de produção de cunho não capitalistas estabelecidas no campo como as
parcerias, as meias e o arrendamento da terra. O presente trabalho está estruturado em
três capítulos: O primeiro capítulo, intitulado Debates acerca da Geografia Histórica e da
Geo-história: elementos para a análise espaço-temporal, reflete sobre a importância da
análise histórica para a ciência geográfica, fazendo-se a diferenciação entre o olhar do
geógrafo e do historiador sobre o estudo das formações territoriais. Além disso, realizou-
se um debate teórico sobre a Geografia Histórica e a Geo-história, enfatizando a
contribuição de autores como Braudel e Harvey, na análise do espaço. No segundo
capítulo, nomeado A formação territorial de Iguatu no contexto da história econômica do
Ceará, foi evidenciado o desenvolvimento territorial de Iguatu no contexto das principais
atividades econômicas do Ceará: o conhecido binômio gado-algodão. É abordado, ainda,
o papel das estruturas políticas e religiosas no processo de formação territorial e de
emancipação política de Iguatu. Neste capítulo, em específico, são discutidas
determinadas relações - políticas, culturais, sociais e econômicas - existentes no século
XIX e que permearam o período áureo do algodão no século XX. Daí a importância da
literatura de Braudel sobre a longa duração e o tempo da conjuntura. O terceiro capítulo,
denominado A cultura algodoeira em Iguatu, trata, de forma mais aprofundada, o cerne
da atividade algodoeira, cuja discussão discorre sobre o processo de acumulação de
capital, pautado em processos não capitalistas de produção, sobre as relações sociais de
produção, sobre a divisão interna do trabalho na indústria de beneficiamento de algodão e
sobre a espacialização da produção algodoeira em diversas escalas. Assim, a contribuição
para o entendimento das relações socioespaciais estabelecidas pela cultura algodoeira em
Iguatu revela-se na importância da análise geográfica de um capítulo da história da
formação territorial do Ceará.

Palavras-chave: Geografia Histórica. Cultura algodoeira. Acumulação de capital. Iguatu.


Espaço.
11

RÉSUMÉ

La présente recherche vise sommer à la lecture de la géographie historique de Iguatu,


placé au Ceará-Brézil, a partir d‘analyse de la production de coton. Cette activité a été, en
plus d'un siècle, des principales activités économiques du Ceará, jusqu‘à sa crise pendant
l‘années 70 et 80 du XXème siècle. Responsable en poids pour l‘intégration et
l‘aménagement territorial du Ceará, la production cotonnière, lié à l'élevage, a permis
l‘acumulation interne de capital, que, joint aussi aux facteurs politiques, a ébauché
l'industrialisation au-delà d‘ateliers de ‗charque‘. La culture cotonnière s‘agissait d'une
rupture-permanence dans l‘histoire d‘Iguatu, qu‘a creé un surplus de capital et qu‘a
permis le développement d'industries de béneficement du coton, d'un prolétariat industriel
et, plus encore, le développement des services urbains. Cette cojoncture, est devenue plus
complexes les rapports sociaux de production, réglés dans les relations de production pas
capitalistes établiés à la champagne, comme les partenariats, les moitiés et le bail de la
terre. Ce travail est structuré en trois chapitres: le premier, intitulé Les débats sur la
géographie historique et géo-histoire: la preuve pour l'analyse spatio-temporelle, réflet-t-il
sur l'importance d'analyse historique à la science géographique, en faisant la
différenciation entre le regard du géographe et d‘historien sur l'étude des formations
territoriales. En outre, s‘est fait un débat théorique sur la Géographie Historique et la Géo-
Histoire, mettant en relief la contribution d‘auteurs comme Braudel et Harvey dans
l'analyse de l'espace. Au deuxième chapitre, nommé La formation territorial d‘Iguatu dans
le contexte de l'histoire économique du Ceará, s‘est mis en évidence le développement
territorial d‘Iguatu dans le cadre des principales activités économiques du Ceará: le connu
paire/couple bétail-coton. Il est abordé, encore, le rôle des structures politiques et
religieuses dans la formation et l'émancipation territoriale et politique d‘Iguatu. Dans ce
chapitre, en particulier, ils se sont discutées des certaines relations – politiques, culturels,
sociaux et économiques - existant dans le XIXème siècle qui ont régné pendant l'âge d'or
de coton dans le XXème siècle. D'où l‘importance de la literature de Braudel sur la longue
durée et le temps de la conjoncture. Le troisième chapitre, dénommé La culture
cotonnière en Iguatu, traite, d‘une façon plus profondée, le cerne d‘activité cotonnière,
dont la discussion s‘agit sur le processus d'accumulation du capital, modelé aux processus
pas capitalistes de production, sur les rapports sociaux de production, sur la division
interne du travail dans l‘industrie de coton et sur l‘espacialisation de la production de
coton en diverses éclaires. Donc, la contribution pour la compréhension des relations
socioespaciales établisées pour la culture cotonnière en Iguatu, se dévoile dans
l‘importance d‘analyse géographique d‘un chapitre d‘histoire de la formation territorial e
économique du Ceará.

Mots clés: Géographie Historique. Culture cotonnière. Accumulation de capital. Iguatu.


Espace.
12

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACIAGI Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Iguatu


BB Banco do Brasil
BNB Banco do Nordeste do Brasil
CREAI Carteira de Crédito Agrícola e Industrial
CNPA Centro Nacional de Pesquisa do algodão
COESA Coelho S/A Indústria e comércio
CEPA Comissão Estadual de Planejamento agrícola
CIDAO Companhia Industrial de Algodão e Óleos
CACEX Consultoria e Acessória de Comércio Exterior
COOCENTRAL Cooperativa Central dos Produtores de Algodão
ETENE Escritório Técnico de Estudos Econômicos do Nordeste
IAC Instituto Agronômico de Campinas
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IPECE Instituto de Pesquisa Estratégica e Econômica do Ceará
IPLANCE Instituto de Pesquisa e Informação do Ceará
MRH Microrregião Homogênea
NUDOC Núcleo de Documentação Cultural
RMF Região Metropolitana de Fortaleza
SEAGRI Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento
SANBRA Sociedade Algodoeira do Nordeste Brasileiro
SUDEC Superintendência de Desenvolvimento do Ceará
SUDENE Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
UECE Universidade Estadual do Ceará
UFC Universidade Federal do Ceará
13

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 Fábrica São José (beneficiamento de algodão).................................... 127


FIGURA 2 Fábrica de Octaviano Benevides (beneficiamento de algodão)........... 128
FIGURA 3 Fábrica Santa Margarida de propriedade de Virgílio Corrêa
Lima(beneficiamento de algodão)....................................................... 129
FIGURA 4 Fábrica de Gustavo Correia Lima........................................................ 130
FIGURA 5 Fachada da casa de Octaviano Benevides........................................... 131
FIGURA 6 Fachada da casa de Virgilio Corrêa Lima........................................... 131
FIGURA 7 Igreja na fazenda.................................................................................. 146
FIGURA 8 Instalações do beneficiamento de óleo................................................ 152
FIGURA 9 Galpões de beneficiamento de algodão............................................... 152
FIGURA 10 Casas situadas na rua da CIDAO......................................................... 152
FIGURA 11 Casas situadas na rua Moreira Filho.................................................... 152
FIGURA 12 Recebimento de algodão nas fábricas de beneficiamento................... 164
FIGURA 13 Indústria de beneficiamento de algodão.............................................. 165
FIGURA 14 Transporte do algodão sobre o rio Jaguaribe....................................... 165
FIGURA 15 Tratores da fazenda de Manoel Matias Costa...................................... 168
FIGURA 16 Arado da fazenda de Manoel Matias Costa......................................... 169
FIGURA 17 Antiga Usina de beneficiamento Casa de algodão Machado.............. 176
FIGURA 18 Instalações da Horácio Fernandes....................................................... 176
FIGURA 19 Galpões Coelho S.A Indústria e Comércio – COESA......................... 177

FIGURA 20 Algodoeira Varzinha............................................................................ 177


FIGURA 21 Ruínas das instalações da CIDAO....................................................... 178
14

LISTA DE MAPAS

Mapa 1 Vias de comunicação da Província do Ceará....................................... 61


Mapa 2 Principais regiões de cultivo e comercialização do algodão na
Província do Ceará – 1860-1870......................................................... 67
Mapa 3 Distribuição da produção da província do Ceará nas duas primeiras
décadas do século XIX........................................................................ 71
Mapa 4 Fluxos econômicos e de produção (importação e exportação) da
província do Ceará............................................................................... 75
Mapa 5 Divisão política do Ceará – 1823........................................................ 90
Mapa 6 Produção do algodão arbóreo no Ceará para o ano de 1963............... 170
Mapa 7 Industrialização do algodão no Ceará no período de 1960-1965........ 180
Mapa 8 Fluxograma de origem e destino de algodão em pluma do Ceará a
níveis de MRH – 1978-79................................................................... 193
Mapa 9 Fluxograma de origem e destino de algodão em caroço do Ceará a
níveis de MRH – 1978-79................................................................... 198
Mapa 10 Fluxograma de origem e destino do óleo e da torta de algodão do
Ceará a níveis de MRH – 1978-79...................................................... 199
15

LISTA DE ORGANOGRAMAS

Organograma 1 Processo produtivo de industrialização do algodão e do caroço do


algodão........................................................................................... 189
Organograma 2 Comercialização do algodão em caroço no Ceará........................ 191
16

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Indústrias em funcionamento em Iguatu nos anos de 1973-1974..............179


17

LISTA DE TABELAS

Tabela 01 Tabela 01 - Ceará: Exportação de algodão – 1861-2 /1871/2................. 65-66


Tabela 02 População do Ceará em 1777.................................................................. 78
Tabela 03 Exportações de algodão do Ceará de 1900 – 1944................................... 120
Tabela 04 Iguatu - Estrutura agrária (1970).............................................................. 143
Tabela 05 Iguatu: estrutura econômica nos anos de 1950 e 1970 154
Tabela 06 Comércio de Iguatu em 1976................................................................... 155
Tabela 07 Produção do Algodão Herbáceo (em caroço) – ano de 1952 160
Tabela 08 Produção do Algodão Arbóreo – ano de 1952......................................... 161
Tabela 09 Produção de Algodão comparada por município – ano de 1958........... 163
Tabela 10 Produção de Algodão Herbáceo por município – ano de 1959................ 163
Tabela 11 Máquinas e Instrumentos Agrários: b) Grades, semeadeiras,
pulverizadoras e polveriadoras e cultivadores – 1959............................ 166
Tabela 12 Pessoal ocupado, Tratores, arados e bovinos, segundo as zonas
fisiográficas e municípios na Zona do sertão do Salgado e Alto
Jaguaribe – 1950 – 1960........................................................................... 167
Tabela 13 Área, produção e rendimento de algodão no Ceará e mesoregião dos
Sertões dos Inhamuns e Salgado – Safra 1978-79................................... 172
Tabela 14 Colheita, tipo de cultivo e valor da produção dos principais produtos
das lavouras temporárias, no ano de 1970, segundo municípios. a)
Algodão em caroço................................................................................... 173
Tabela 15 Algodão beneficiado por usina em Iguatu, durante o ano agrícola de
1978/79..................................................................................................... 183
Tabela 16 Indústria de extração de óleos de caroço de algodão durante o ano
agrícola 1978/79....................................................................................... 184
Tabela 17 Valor, peso e preço médio de exportação do Fio Têxtil – Ceará – 1961 201-
-1997......................................................................................................... 202
18

SUMÁRIO

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS................................................................... 12


LISTA DE FIGURAS................................................................................................... 13
LISTA DE MAPAS....................................................................................................... 14
LISTA DE ORGANOGRAMAS.................................................................................. 15
LISTA DE QUADROS................................................................................................. 16
LISTA DE TABELAS................................................................................................... 17

1. INTRODUÇÃO....................................................................................................... 20
.
2. DEBATES ACERCA DA GEOGRAFIA HISTÓRICA E DA GEO-
HISTÓRIA: ELEMENTOS PARA A ANÁLISE ESPAÇO-TEMPORAL...........
28
2.1 As Geografias do passado: debates iniciais............................................................. 28
2.2 Geografia histórica e Geo-história.......................................................................... 32
2.3 Considerações geo-históricas: a contribuição de Braudel...................................... 43
2.4. Geografia Histórica do Capitalismo: uma perspectiva da leitura de Harvey.......... 50

3. A FORMAÇÃO TERRITORIAL DE IGUATU NO CONTEXTO DA 56


HISTÓRIA ECONÔMICA DO CEARÁ..................................................................
3.1 Uma breve leitura da Geografia histórica e Econômica da Província
Cearense........................................................................................................................ 57
3.2 A Ribeira dos Quixêlos: os primórdios da ocupação de Iguatu............................ 79
3.2.1 De Telha a Iguatu e o contexto agro-exportador cearense.................................. 88

3. A CULTURA ALGODOEIRA EM IGUATU...................................................... 99


4.1 Caracterização da cultura algodoeira cearense: rupturas e permanências.............. 102
19

4.1.1 A permanência de antigas relações ..................................................................... 105


4.2 Premissas sobre acumulação primitiva (por espoliação) e de capital 108
4.2.1 O algodão e o processo de acumulação em Iguatu 118
4.2.2 O algodão e as relações sociais de produção no campo e na 137
cidade.......................
4.3 Iguatu grande produtor de algodão da região centro-sul do 160
Ceará.............................
4.4 A indústria de beneficiamento no contexto no contexto da produção algodoeira e 173
das relações sociais de produção: uma discussão......................................................
4.5 A espacialização da produção algodoeira.............................................................. 190

5. CONCLUSÃO ........................................................................................................ 203


6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS.................................................................. 208
APÊNDICE.................................................................................................................. 221
ANEXOS...................................................................................................................... 248
20

1. INTRODUÇÃO

Desvendar os processos e mediações que particularizam a universalidade de


um lugar é tarefa que exige tempo e disciplina aos que se propõem a tal desafio. Este se
torna mais complexo no contexto atual, decorrente da negação das metanarrativas e dos
discursos totalizantes (HARVEY, 2006; SHIMTH, 2002) os quais dominam o cenário
das ciências sociais.

Contrária a tais proposições, nossa análise busca apreender as singularidades e


particularidades da expansão das relações capitalistas de produção da cultura algodoeira,
principal atividade econômica do Ceará de meados do século XIX até o final da década
de 70 e início da década de 80 do século XX, no município de Iguatu, situado no sertão
centro-sul do Estado. Tal atividade foi responsável por transformações socioespaciais que
iam desde o caso particular do município, até a totalidade do Estado.

Iguatu, em específico, começa a ganhar destaque como fornecedor de algodão


no início dos anos vinte, tornando-se um dos principais produtores de nosso Estado
devido a fatores econômicos e políticos, como a necessidade do mercado mundial e
nacional da fibra do algodão, a chegada da estrada de ferro ao município, bem como suas
características naturais.

No final da década de 1970 e início da década de 1980 o algodão chega ao


apogeu de sua crise no Estado do Ceará, justificando-se assim, nosso recorte temporal.
Para além deste recorte, consideramos imprescindível o recorte historiográfico que leva
em conta a formação territorial de Iguatu, entendendo-o na longa duração e mesmo nas
diferentes temporalidades históricas eleitas por Braudel (2007). Destacamos as
conjunturas, a estrutura e os agentes que determinaram a produção do espaço deste
município.
21

O importante é ressaltar que a cultura algodoeira em Iguatu ensejou uma


ruptura-permanência em sua história ao criar um excedente de capital que lhe permitiu o
desenvolvimento de indústrias de beneficiamento de algodão, criação de um proletariado
fabril de quem era extraída a mais-valia, além do desenvolvimento de serviços urbanos e
da complexibilidade das relações sociais de produção de cunho não capitalista que eram
estabelecidas no campo, a exemplo das parcerias, dos meeiros, dos moradores de fazenda
e do arrendamento de terras de modo não-capitalista, como defendido por Umbelino de
Oliveira (2007). A complexidade de relações sociais estabelecidas em Iguatu e seus
rebatimentos na organização do espaço deste município é o que justifica nosso recorte
espacial.

Neste sentido, surgem os principais questionamentos que instigam a realização


da presente pesquisa, tais como: De que modo se desenvolveu a cultura algodoeira em
Iguatu, tendo em vista seu destaque no contexto cearense? Pode-se afirmar que a
produção algodoeira se deu em moldes capitalistas ou ainda, na lógica da produção ou
reprodução ampliada do capital, considerando-se o predomínio de relações não
capitalistas no campo? Existiu um processo de acumulação de capital interna no
município ou mesmo no Ceará? Como o universal e o singular se manifestam em quanto
particularidades no espaço geográfico, e como perceber as diferentes temporalidades
históricas? E sobre o âmbito metodológico: Que escala espaço-temporal melhor
contribuiria para o entendimento de nossos objetivos?

No intuito de elucidar estes questionamentos, um estudo sobre a cultura


algodoeira cearense e mesmo sobre a história econômica do Ceará se tornou necessário,
exigindo de nossa parte a busca por referenciais clássicos entre os quais pudéssemos
orientar-nos nesta empreitada.
22

No que concerne à cultura algodoeira e à história econômica do Ceará,


diversos foram os estudos utilizados, entre os quais estão a obra de Leitão (1994) sobre a
estrutura fundiária e o capital comercial na cultura algodoeira no período de 1850 a 1880
no Ceará, o clássico História Econômica do Ceará de Girão (2000), além de autores
como Denise Takeya (1995) Europa, França e Ceará e Elisabeth Fiúza Aragão (1989),
autora que aborda a trajetória da indústria têxtil no Ceará no período de 1880 a 1950.

No referente ao município de Iguatu, destaca-se como obra principal usada


como referência, o livro de Nogueira, Iguatu: Memória sócio-histórico-econômica (1962;
1985), que constitui um dos melhores estudos sobre o município. Nele o autor dá ênfase
aos fatores políticos, econômicos, sociais e culturais, desde o início da formação
territorial da cidade quando ainda era conhecida como Ribeira dos Quixelôs, até meados
dos anos 60 do século XX. Além deste, consultamos as Monografias de Mons. Francisco
de Assis Couto, sobre a paróquia de Iguatu (1958), Gênese de Iguatu (1958) e Diocese de
Iguatu (1966), que nos proporcionaram importantes contribuições à compreensão do
processo de ocupação inicial das terras de Iguatu e do papel da Igreja neste contexto.
Ressaltamos também o trabalho de Teixeira (2007), acerca da Companhia Industrial de
Algodão e Óleos - CIDAO, indústria que foi considerada uma das mais importantes na
história de Iguatu.

Ressalte-se que a escolha do referencial teórico, conceitos e categorias


adotados neste trabalho passou por um processo de amadurecimento, visto que não
concordamos com a importação de ―modelos teóricos‖ ou ―tipos ideais‖ europeus como
receituários para a realidade brasileira e cearense de modo geral ou particular (e mais
ainda se consideramos Iguatu).

Adotamos um referencial teórico que procura dar conta da realidade


nordestina em suas especificidades e correlações às diversas escalas de análise, ao mesmo
tempo, que incorpora as contribuições de autores clássicos, como Marx (1890; 1893) e
23

Rosa Luxemburg (1985), sobre suas teorias da acumulação de capital; Lênin (2008) e sua
teoria do imperialismo. De Marx (1890; 1893), ainda nos apoiamos na análise referente à
produção, circulação, consumo e conceitos como os excedente de capital, mais-valia,
dentre outros.

Contribuição importante no âmbito da Geografia foi a de Harvey (2005a;


2005b) quanto às questões do excedente de capital, da teoria da geografia histórica do
capitalismo, das ordenações espaço-temporais e do desenvolvimento geográfico desigual,
além dos debates acerca da acumulação por espoliação (HARVEY, 2005b). Ressaltamos
ainda as contribuições deste autor para a nossa concepção de espaço geográfico. Para a
discussão conceitual acerca desse conceito, nos apoiamos ainda nas reflexões de Moraes
(2008), que o compreende mediante a relação dialética entre sociedade e espaço, cujos
valores de uso lhes são conferidos pelas relações sociais, que determinam o status de
território.

Entendendo o capitalismo no contexto das conjunturas e da história como um


modo de produção que se desenvolve de forma não linear, as contribuições de Braudel
(1996; 2007) sobre as longas e médias durações do tempo histórico e da existência de
diferentes tempos históricos coexistindo na estrutura ou no tempo geográfico, foram
especialmente importantes para o entendimento da formação territorial de Iguatu e de
como o município tem seu desenvolvimento econômico baseado em relações não
capitalistas de produção e revela relações culturais próprias ao Nordeste brasileiro.

Acerca do debate sobre o desenvolvimento das relações capitalistas, pautadas


em relações de cunho não capitalistas, os estudos de Oliveira (2003) e Martins (2010)
foram salutares. Para estes autores, o desenvolvimento do modo de produção capitalista
no Brasil teve especificidades que o diferencia do ocorrido em outras nações, relativas ao
papel das relações de parcerias e de cambão (OLIVEIRA, 1981; 2003), bem como das
relações estabelecidas no sistema de colonato, que muito contribuíram para o
24

desenvolvimento do capitalismo. Considerando as ressalvas da realidade de Iguatu,


algumas proposições destes autores nos permitiram entender melhor a complexidade de
relações estabelecidas na cultura algodoeira no Ceará de modo mais amplo e em Iguatu,
de modo mais particular.

No que se refere às relações sociais estabelecidas no campo, a exemplo das


parcerias, dos moradores de fazenda e dos meeiros, a contribuição de Barreira (1992) foi
relevante para o entendimento da realidade de Iguatu. Este autor procurando dar sentido
novo ao termo ―parceria‖, inclui nesse bojo, o morador-parceiro, os meeiros, e mesmo os
camponeses, que se auto-intitulavam ―parceiros‖ em suas lutas pela terra, nas chamadas
―lutas de parceiros‖. O parceiro conforme Barreira (1992) era todo camponês em luta
pelo preço justo do pagamento da renda da terra.

Os procedimentos para a concretização dos objetivos desta pesquisa foram


estruturados em duas etapas. A primeira compreendeu atividades de revisão bibliográfica,
leituras sobre o método e sobre o objeto estudado, análise e interpretação de documentos,
informações e fotografias. A segunda referiu-se a visitas de campo, a fim de apreender as
formas materiais e imateriais do passado que se mantém no presente da região tanto na
paisagem e na memória, como na permanência de antigas relações sociais que
possibilitaram o remontar do já decorrido. Nesta etapa, em específico, foram realizadas
conversas e entrevistas semi-estruturadas com estudiosos, antigos moradores da cidade,
bem como ex-trabalhadores das usinas de beneficiamento de algodão, das plantações de
algodão, produtores da época ainda vivos (quando não, entrevistamos os filhos deles) e
antigos proprietários das usinas de beneficiamento.

A atividade de revisão bibliográfica constituiu parte da etapa inicial de nossa


pesquisa, tendo por base o levantamento de escritos e leituras tanto relacionadas ao objeto
quanto ao método de pesquisa. Cabe ressaltar quanto à obtenção do material
bibliográfico, a importância das bibliotecas da Universidade Estadual do Ceará –UECE e
25

da Universidade Federal do Ceará - UFC, a Biblioteca Pública Governador Menezes


Pimentel (localizada em Fortaleza), a Biblioteca Pública Municipal Matos Peixoto (em
Iguatu), além do acervo particular de nossa orientadora e das referências bibliográficas
encontradas em sites diversos.

A fase das leituras, essencial ao desenvolvimento de toda a pesquisa, foi


fundamental para o amadurecimento teórico-metodológico de nosso estudo. Dentre as
leituras efetuadas, destacamos tanto as mais específicas, cujas tratam da história de Iguatu
e do método em Geografia, assim como da leitura de métodos e metodologias de outras
áreas do conhecimento, a exemplo da História e da Sociologia, que foram de grande
importância para a organização de nosso pensar e do desenvolvimento do método e de
metodologia deste trabalho.

A interpretação de documentos, dados e fotografias também constituiu etapa


importante na pesquisa, à medida que a condição de interpretar é essencial para esse
estudo, haja vista nosso posicionamento e entendimento da história ser o de que ela não
constitui algo factual, e de que o pesquisador não é um mero relator de seus
acontecimentos e nem um ser neutro na pesquisa.

Dentre os locais visitados para a obtenção de documentos, fotografias e dados,


destacamos o Arquivo Público do Ceará; o Instituto Histórico e Geográfico do Ceará; o
Núcleo de Documentação Cultural - NUDOC; o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística -IBGE; a Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Iguatu – ACIAGI; o
Museu da Imagem e do Som: Francisco Alcântara Nogueira em Iguatu; as bibliotecas do
Instituto de Pesquisa Econômica do Ceará – IPECE; do Banco do Nordeste do Brasil –
BNB; a Biblioteca do Departamento de Estudos Econômicos do Nordeste – ETENE –
BNB e a Biblioteca da Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento.
26

Entre os dados e documentos históricos coletados, destacamos aqueles que


abordam os aspectos da formação territorial do município de Iguatu; sua emancipação
política; documentos pessoais; e jornais que destacam variáveis econômicas, políticas,
culturais importantes. Entre os dados, citam-se: a produção, exportação e consumo do
algodão, documentos e dados referentes à implementação da estrada de ferro; à chegada
da energia elétrica; a existência de máquinas descaroçadoras de algodão e, sobretudo,
referentes às instalações industriais, de comércio e serviços, além de equipamentos
agrícolas, como tratores, descaroçadoras de algodão, pulverizadoras.

Para uma melhor compreensão das idéias expostas, o presente trabalho foi
estruturado em quatro capítulos. O segundo capítulo, intitulado Debates acerca da
Geografia Histórica e da Geo-História: elementos para a análise espaço-temporal,
traçamos nossas reflexões acerca da importância da análise histórica para a ciência
geográfica, fazendo a diferenciação dos olhares do geógrafo e do historiador sobre o
estudo das formações territoriais. Além de fazemos um debate teórico-conceitual sobre a
Geografia Histórica e a Geo-História, enfatizando a contribuição de autores como
Braudel (1996; 2007) e Harvey (2005a), para a análise do espaço.

O terceiro capítulo, que nomeamos de A formação territorial de Iguatu no


contexto da história econômica do Ceará, procura relacionar o desenvolvimento
territorial do município com o contexto das principais atividades econômicas cearenses: o
conhecido binômio gado-algodão. Destacamos, complementarmente, o papel das
estruturas políticas e religiosas no processo de formação territorial e de emancipação
política da cidade. Neste capítulo expomos nossas constatações sobre as relações
políticas, culturais, sociais e econômicas determinantes no período áureo do algodão,
século XX.

O quarto capítulo trata, de forma mais aprofundada, da cultura algodoeira em


Iguatu, discutindo o processo de acumulação de capital e as relações sociais de produção.
27

Aborda também questões relativas à indústria de beneficiamento e à espacialização da


produção algodoeira.

Findadas essas discussões, apresentamos nossas considerações finais com as


principais conclusões e/ou considerações a que chegamos com este estudo. Em seguida,
listamos nossa bibliografia e o material coletado e as entrevistas (ver apêndices).
28

2. DEBATES ACERCA DA GEOGRAFIA HISTÓRICA E DA GEO-


HISTÓRIA: ELEMENTOS PARA A ANÁLISE ESPAÇO-TEMPORAL

Este capítulo tem como objetivo principal, discorrer sobre o debate teórico-
conceitual acerca das geografias do passado, ou seja, das diferentes abordagens da ciência
geográfica sobre as formações territoriais, as paisagens do passado e as mediações que
contribuíram para a produção do espaço de outrora e do atual. O capítulo enfatiza a
importância da análise histórica para a ciência geográfica e seus estudos. Para tanto,
dividimos estes escritos em quatro tópicos. O primeiro trata das questões sobre a gênese
dos estudos históricos por parte da geografia e do surgimento da Geografia Histórica. O
segundo tópico contempla o debate acerca da Geografia Histórica, da Geo-História, e da
diferença entre os olhares do geógrafo e os do historiador sobre os estudos das formações
territoriais e espaciais. Ressalta-se ainda a importância da análise histórica para os
estudos de caráter geográfico. O terceiro tópico, por seu turno, discute, especificamente, a
proposta da Geo-História de Braudel e a contribuição de seus estudos para a Geografia.
Finalizamos com as discussões sobre a Geografia histórica do capitalismo proposta por
Harvey em obras como ―A produção capitalista do espaço‖ (2005a), e ―O novo
imperialismo‖ (2005b).

2.1. As Geografias do passado: debates iniciais

Afinal, o que seriam as Geografias do passado? Qual a diferença entre a


análise do geógrafo e a análise do historiador no trato de uma determinada realidade?
Como fazer um estudo da Geografia histórica do município de Iguatu ressaltando a
perspectiva geográfica em nossa análise? Estas questões são grosso modo as delineadoras
do presente capítulo, porém antes de tentar respondê-las, faz-se necessária a
contextualização das chamadas Geografias do passado.
29

Várias são as posições e os debates acerca do surgimento delas: da análise


geográfica com enfoque no passado, bem como suas perspectivas de estudo.

Alguns autores defendem que o surgimento da Geografia histórica tem suas


origens antes mesmo da sistematização da Geografia1 enquanto disciplina acadêmica e,
portanto, do surgimento de seu status científico, quando apenas detinha, digamos, o
conhecimento geográfico. Segundo Silva (2007, p. 75), a origem da Geografia histórica

Remonta ao século dezessete quando era associado a escrituras e geografia do


Velho Testamento. No século dezenove, tratava do estudo das civilizações
antigas, sendo uma das tradições o estudo das fronteiras, estados territoriais e
suas administrações.

Contribuindo este debate, Ferro (1986) propõe uma consideração importante


para eliminar um possível equivoco entre geografia antiga e geografia histórica. Segundo
ele,

A primeira, entendida como o conjunto dos conhecimentos geográficos


possuídos na Antiguidade, pode opor-se à geografia moderna, tão dilatada
quanto à amplitude no horizonte cognoscivo (com conseqüências bem visíveis
na cartografia) e, em seguida, fundada em metodologia sempre mais apurada e
não meramente descritiva; a segunda, pelo contrário, é apenas um ramo da
geografia moderna, a que está ligada pela unidade do método, baseando-se
ambas no reconhecimento do território. Pode-se acrescentar que nos séculos
sucessivos, e também recentemente, a geografia histórica manteve a sua
individualidade apenas no âmbito da disciplina geográfica e da sua
metodologia; inversamente sempre que tentou destacar-se, foi reduzida ao papel
de disciplina auxiliar da história, encontrando expressão sobretudo na forma de
dicionário ou de manual e limitando-se muitas vezes a fornecer ao historiador a

1
Sandra Lencioni (2003), em seu livro Região e Geografia nos traz uma boa noção da diferenciação entre o que seria
conhecimento geográfico e Geografia como ciência propriamente dita. Leitura semelhante, mas enfocando a
realidade da Geografia brasileira é feita por Moraes (2008) onde ele reflete sobre o discurso geográfico e a geografia
propriamente dita enquanto ciência.
30

correspondência moderna das localidades antigas e a associar aos nomes


geográficos as indicações diversas dos geógrafos antigos. (FERRO, 1986, p.32).

Fazendo um debate acerca da especialização do conhecimento e da cultura,


fato que trouxe dificuldades para interpretações globais da realidade, Ferro (1986) atribui
a Almagià, geógrafo italiano, a afirmação de que a Geografia histórica é filha do
humanismo e teria como objetivo o estudo das condições geográficas das épocas
passadas, sobretudo no que se refere aos elementos humanos. Ao fazer menção ao
surgimento da análise da Geografia histórica, Ferro (1986, p.31-32) assinala que

Almagià indicou Ortelio como fundador da geografia histórica, porque com ele
o elemento cartográfico aparece preponderante; Cluverio, uma geração depois,
teve o mérito de mostrar como a reconstituição das condições geográficas das
épocas passadas não é possível sem a observação das condições actuais. A
geografia histórica afirmou assim o seu verdadeiro método científico, tomando
por alicerce – como qualquer outro ramo da geografia – a observação directa.

Ao sugerir que a Geografia histórica é filha do humanismo, Ferro (1986)


assinala que atentemos a vinculação dela às grandes descobertas geográficas, fato
contribuidor para a edificação da geografia moderna, o que demonstra o desenvolvimento
do conhecimento geográfico e da ciência geográfica como não dissociados dos
acontecimentos sociais. O autor ainda nos alerta para a diferenciação entre geografia
histórica e topografia histórica.

Conforme Lahuerta (2009), ―Henry Clifford Darby (1983) cita um Atlas


alemão de 1846 intitulado de ‗The Historical Geography of the Holy land‘ como um dos
primeiros exemplo de utilização do termo‖. Esta autora ainda assevera que

No século XIX, as mudanças nas fronteiras políticas e na extensão dos Estados


motivaram estudos que dessem conta do processo formador dos territórios. No
31

início do século XX, as monografias da geografia clássica francesa tinham na


contextualização histórica um de seus diferenciais, fruto das relações entre essa
disciplina e a produção historiográfica da Escola dos Annales2. [...]
(LAHUERTA, 2009, p.7).

Entendendo a geografia como um campo institucionalizado, Silva (2007, p.


75-76) assinala que

Na Inglaterra, no século XIX, a Geografia Histórica era ensinada nas


universidades por historiadores3. A ênfase era no cenário geográfico por trás da
história, com mapas e Atlas sendo importantes auxílios as explicações. Essa
produtiva associação, por sua vez, não foi suficiente para o estabelecimento da
geografia enquanto disciplina acadêmica no século XIX. Depois de instituída
academicamente, a ciência geográfica passou a negligenciar o tempo e, durante
o século XX, prevaleceram as análises regionais e espaciais.

Segundo Pires (2008), o surgimento da Geografia histórica foi influenciado


pelo historicismo da primeira metade do século XX, sinal da crítica ao ambientalismo
apregoado na Geografia. Neste contexto, o resgate e a valorização da ciência histórica
nos processos geográficos e a análise dos processos espaciais seriam as principais
oposições a então Geografia tradicional. Para este autor,

2
É importante atentar que através do contato da Escola francesa de geografia com a Escola dos Annales, podemos
afirmar conforme Lira (2008) que a geografia de Vidal de La Blache teve influências sobre o trabalho de vários
historiadores como Lucian Febvre, Marc Bloch e Fernad Braudel.
Segundo Ribeiro (2006 apud GOMES, 1997), Vidal de La Blache, principal nome da Geografia francesa e figura
deveras complexa, fundou em 1891 os Annales de Géographie, que inspirariam os futuros Annales dos historiadores,
divulgando um campo do saber diferente do ―ideal de contemplação‖ que caracterizava os trabalhos dos alemães
Carl Ritter e Alexander Von Humboldt no século XIX. (RIBEIRO, 2006, p. 90).
3
Ribeiro (2006) assevera que na França a Faculdade de Letras proporcionava uma dupla formação, na qual, só com o
passar dos anos, o diplomado optava por tornar-se historiador ou geógrafo. Havia, portanto, um fértil campo de
possibilidades. Exemplos conhecidos desta situação são os de Paul Vidal de La Blache, formado historiador porém
geógrafo consagrado, e Georges Duby e Pierre Villar, formados geógrafos mas consagrados enquanto historiadores.
(RIBEIRO, 2004, p.88). Seguindo itinerário semelhante, devido a grande influência que a Geografia francesa teve na
fundação dos cursos de Geografia no Brasil, muitos cursos de Geografia em nosso país, a exemplo do curso de
Geografia da extinta Universidade Católica do Ceará que tinha em suas turmas iniciais a formação conjunta em
História e Geografia.
32

Auguste Longnon é reconhecido como o fundador da Geografia Histórica,


geógrafo e historiador, foi responsável, no Collège de France, pela disciplina
Geografia Histórica de 1892 até 1911. Já Roger Dion, além de ter sido professor
do Collège de France de 1948 a 1968, foi também professor das Universidades
de Lille e Sorbonne por um longo período. Profundo conhecedor das paisagens
rurais da França, escreveu, em 1933, sua tese de doutoramento sobre o Vale de
Loire e adquiriu reconhecimento pela grande contribuição que deixou sobre a
história das videiras e a Geografia dos vinhos. Em seus estudos, procurou
relacionar a influência do clima, do solo e das tradições de cultivo na história da
produção francesa de vinhos e champagnes. (PIRES, 2008, p.3).

Baker (1984) apud Silva (2007, p. 76) estabelece como marcos da disciplina
nos tempos modernos, ―os estudos de Clifford Darby sobre a Geografia Histórica da
Inglaterra de 1936, e de Carl Sauer sobre a Geografia cultural nos Estados Unidos‖.

Ferro (1986, p.46) afirma que autores como Baldacci definiam a geografia
histórica como ―a disciplina que estuda os fenômenos físicos e antrópicos decorridos no
passado histórico, eventualmente ligados à proto-história e à pré-história, e reafirmando a
necessidade de evitar toda a confusão com a história da geografia‖ [...]. Ainda expõe
como contraponto ao pensamento de Baldacci, a negação de Quaini da existência de uma
geografia histórica enquanto disciplina autônoma visto seu caráter híbrido, ora cultivada
pelos geógrafos, ora pelos historiadores. Estas colocações nos levam à reflexão sobre a
diferenciação da análise histórica da análise geográfica e do que seria a geografia
histórica e a Geo-história.

2.2. Geografia histórica e Geo-história

Respondendo em parte as indagações elaboradas no tópico anterior sobre a


diferenciação entre o olhar do historiador e o do geógrafo sobre determinada realidade,
passaremos a compreensão de como se dá a concepção dialética das categorias espaço-
33

tempo na compreensão da realidade, procurando evitar uma visão segmentada destes dois
campos.

Segundo Moraes (2007), Geografia e História são dois campos de


conhecimento afins, entretanto, por muito tempo percorreram caminhos diferentes na
explicação da realidade. Por influências kantianas na divisão do conhecimento coube à
Geografia, ciência empírica, estudar o presente e à História, estudar o passado.

Esta forma de analisar separadamente a relação espaço-tempo em nossa


opinião foi prejudicial ao entendimento das mediações e particularidades que existem
para além da aparência do real. Por isso, nossa proposta é resgatar a história como
elemento fundante da análise geográfica. Mas alguns cuidados devem ser tomados na
adoção da perspectiva histórica para os estudos geográficos afim de evitarmos um estudo
pretensamente de cunho historiográfico e com pouca ênfase na Geografia.

Grandes contribuições para estas reflexões são encontradas em Moraes (2008)


que atenta para algumas questões importantes na relação destes campos disciplinares.

De imediato, recusam-se as visões tradicionais mais recorrentes da relação


enunciada – da parte dos historiadores, a localização da ―geografia como
introdução da história‖, embasada na concepção herdeiriana como de ver a terra
como ‗palco das ações humanas; - da parte dos geógrafos, a repisada
formulação de ver a ―geografia como história do presente‖. (MORAES, 2008,
p.21)

Segundo o autor supracitado, estas duas visões, ao invés de relacionarem as


referidas ciências, fazem o contrário, as dissociam. Neste caso a Geografia é ante-ato da
História, enquanto na segunda, ela é posta como uma realidade pós-histórica. Acredita-se
que uma análise mantendo uma inter-relação entre estas duas ciências, caminha em
34

sentido contrário ao que foi dito anteriormente. Deve-se ter em mente que a relação
espaço-tempo é fundamental para se entender a realidade e qualquer que seja o objeto de
estudo. Neste sentido, Rojas (2003) citado por Pires (2008, p.17) afirma que:

A proposta Braudeliana da géo-história [...] é afinal a exemplificação desta


específica síntese entre história e geografia. Ela combina o ‗raciocínio histórico‘
com o ‗raciocínio geográfico‘, visando colocar em seu centro a dialética
espaço/tempo que constitui, sem dúvida alguma, uma das coordenadas centrais
de qualquer teoria social.

Assim, busca-se o entendimento da realidade em sua totalidade, ou seja,


considerando-se os processos e mediações do universal e do singular para se
compreenderem as particularidades concreto-abstratas.

Acredita-se ser a história, a universalidade dos processos e a Geografia, a


particularidade deste universal, concretizado nos lugares, uma vez que se torna
importante espacializar as relações sociais. No caso do estudo sobre Iguatu, se pretendeu
espacializar as relações sociais para o entendimento da produção do espaço neste
município. Segundo Moraes (2008, p.44):

[...] espacializar é de imediato particularizar, pois as determinações oriundas das


características do meio (natural e construído) acabam dando ás relações próprias
de um modo de produção tonalidades locais específicas do lugar. Por isso a
formação econômico-social é vista nesse sentido, sempre como realidade
localizada temporal e espacialmente. O lugar sendo posto, assim, como
mediação. A espacialidade como elemento particularizador dos fenômenos
históricos.

A afirmativa desenvolvida por Moraes (2008) nos dá indícios de como a


Geografia pode se utilizar da História para fazer uma análise geográfica do passado.
Conforme Baker (1997) apud Lahuerta (2009, p.8),
35

A geografia histórica é de fato um estudo histórico: seu foco de interesse


repousa na geografia de algum tempo passado, ou nas mudanças geográficas em
algum período passado. Assim, compartilha a legitimação intelectual e moral
com todos os estudos históricos. Mas geografia histórica também é
fundamentalmente um estudo geográfico: ela coloca questões geográficas ao
passado, e oferece uma perspectiva geográfica sobre o passado. Sua
contribuição distintiva ao conhecimento e entendimento do passado é feita
essencialmente enquanto geografia e não história.
A citação anterior é importante para demonstrar a diferenciação entre as
análises geográfica e histórica, sem necessariamente fazermos uma leitura fragmentada e
excludente do que concerne aos dois campos do conhecimento. Outro fator importante
observável é que não necessariamente a geografia prende-se a leituras do presente ou é
uma geografia retrospectiva, que faz leituras do passado para entender a
contemporaneidade. A geografia histórica pode entender a complexidade do passado ou
mesmo das transformações espaciais em um determinado período sem interrelações fixas
e estanques com o passado: este é um de nossos objetivos ao considerarmos o município
de Iguatu em nosso recorte temporal.

Reforçando o debate sobre a perspectiva geográfica de análise do passado,


Ferro (1986, p.67) afirma que:

[...] o trabalho e a investigação do geógrafo não podem deixar de ter em conta


as transformações históricas do território que se examina, com duplo objectivo
de reconstituir as condições do ambiente no passado e, sobretudo, de se reportar
às formas de vida, às condições de civilização, às técnicas de trabalho e aos
tipos de consumo do passado; e tudo isto não só para melhor compreender as
condições de então, mas também as condições do presente[...].

A afirmação de Ferro (1986) torna perceptível a diferença do olhar e do papel


do geógrafo na análise de uma realidade do passado, o que lhe permite elencar as
mediações históricas que possibilitaram a formação territorial e suas transformações no
decorrer do tempo. Segundo Norton (1984) citado por Silva (2007, p. 76):
36

O que distingue a Geografia Histórica da História propriamente é que, do ponto


de vista da periodização, não há para a Geografia Histórica uma divisão lógica
entre passado e presente, sendo a tarefa do geógrafo histórico não apenas
descrever as mudanças na paisagem, mas compreender a mudança histórica do
fenômeno geográfico.

Conforme Moraes (2002), o território só se explica pela história. Tomando


referências teóricas diferentes, mas com idéias similares, Santos (2002) assinala que o
espaço é um acúmulo de tempos do passado no presente.

Aceitamos em parte seus argumentos, visto que o tempo passado não está
presente somente nas formas materiais, mas também nas formas imateriais 4 e nas
diferentes temporalidades que coexistem nas relações sociais. Desse modo, o
entendimento da história enquanto processo se faz necessário, visto que os geógrafos
quando se apropriam da dimensão temporal para a explicação da realidade, o fazem de
forma mecânica, como mera sucessão de fatos. É neste sentido que Abreu (s/d) assinala
que em muitos estudos geográficos, sobretudo na corrente teorético-quantitativa, o tempo
histórico é substituído pelo tempo enquanto sucessão de fatos. Visão que pode contribuir
para uma análise distorcida do real e ocasionar um grave problema teórico-metodológico
para a ciência geográfica ao fazer uma análise da realidade sem sujeitos, sem classes:
estes são fundamentais para a produção e reprodução do espaço geográfico e para nossa
compreensão do mesmo.

4
Entendemos as formas, como algo para além dos objetos materiais, ou seja como formas sociais, normas, relações
contratuais. Esse entendimento se torna necessário para que não caiamos no fetiche das formas. Segundo Oliveira e
Moraes (1996), ―as formas da vida social apresentam, por um lado, um caráter abstrato, representando a coisa em si,
objetivado como produto, objeto, etc. Por outro lado, ela engendram uma subjetividade que emerge da relação entre
os homens, traduzindo-se em relações contratuais. Neste sentido, as relações de troca não são apenas atos que
envolvem coisas, objetos, mas sim imediatamente valores, sentimentos e consentimentos que implicam
reciprocidade‖(P.100).
37

Fomentando a discussão sobre a adoção da história como uma sucessão de


tempos, sobre uma história evolucionista, Moraes (2008, p.29) afirma que:

A teoria evolucionista da história – da qual a geografia humana é herdeira direta


– aparece como a mais bem-sucedida teorização para equacionar a questão das
desigualdades dos povos e das culturas, assumindo um percurso único entre a
barbárie e a civilização, que permite classificar um dado grupo social por seu
―estágio‖ no processo evolutivo. (p.29)

Este é um dos cuidados que devemos tomar ao adotarmos a perspectiva


histórica para a explicação da realidade. Ao se considerar a história enquanto método e
enquanto processo, outros cuidados se tornam essenciais, sobretudo no que tange à
questão das periodizações5. Para nossa pesquisa em específico, qual a melhor
periodização de análise? O que devemos elencar como prioridade nesta periodização?
Estas são questões postas e que desafiam o pesquisador. Como encaminhamento deste
desafio citamos Ciavatta (2009), que afirma: ―datar cronologicamente os acontecimentos,
de modo que cada data tenha um valor específico, é uma forma de evitar que ‗os
acontecimentos se percam na voragem e nas brumas de um tempo indefinido‘‖. Inserindo
a discussão de Odália6 acerca da problemática das periodizações, Ciavatta (2009, p.86)
afirma que

periodizar não significa simplesmente datar. Periodizar é, também, dividir a


história em termos de conteúdos. A periodização não é um problema apenas de
datas, mas fundamentalmente de conteúdos formados pelos fatos relevantes
ocorridos. Uma porção do tempo não é apenas uma ordenação arbitrária; é uma

5
Não optamos pela periodização eleita por Santos (1992) que elege as técnicas, ou seja, os sistemas técnicos, para
uma periodização da história, visto que, as técnicas por si só não explicam a complexidade do real e nem mesmo são
autônomas das forças produtivas e do modo de produção a que pertence.
6
Para maior conhecimento sobre a categoria tempo e sua apropriação pelas ciências, ver Nilo Odália, O tempo e a
história. Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, (7); 1965.
38

determinada porção da história com coloridos e matizes próprias – da mesma


forma, as datas-limites.

Vale destacar ainda, a importância de se entender que os processos se


materializam no território com diferentes temporalidades, não existindo uma sincronia
total das coisas. Não é que estejamos negando a simultaneidade dos eventos, sim
afirmando que eles têm diferentes temporalidades em diferentes espaços.

Concordamos com esta maneira de pensar e por isso adotamos em nossa pesquisa
a contribuição da noção de não linearidade dos tempos históricos de Braudel (1996) e de
sua divisão do tempo em curta duração, média e longa duração – ou tempo geográfico.
Conforme Ciavatta (2009, p.88),

Para Braudel, ‗o presente e o passado esclarecem-se mutuamente, com um luz


recíproca‘. Ele alerta para o fato de que, se a observação se limita à atualidade, a
atenção se move para o que sobressai, o que acaba de mudar, o imediato, o mais
aparente.

Desse modo, uma análise que leve em conta a historicidade a longo prazo
(Braudel, 1996; 2007), em sua coexistência com os tempos médios e curtos, se faz
importante para o estudo do espaço geográfico e para o estudo da geografia do passado.

Trazendo o debate da Geografia para os estudos do urbano com enfoque no


passado, a referência a Vasconceles (1999) é salutar. Ele nos apresenta algumas
proposições teórico-metodológicas acerca da geografia histórica do urbano. Propõe
também a tomada de alguns procedimentos para um estudo das cidades brasileiras longe
das ultrapassadas diacronias:
39

1) Estabelecer uma periodização das longas durações, examinando as


continuidades e as grandes rupturas, de acordo com os eventos históricos de
maior importância para a cidade em exame; 2) examinar o contexto de cada
período em análise, buscando retirar das fontes primárias e secundárias
disponíveis, o que ocorreu de mais importante para a cidade, e que aspectos nas
diferentes escalas (internacional, nacional, regional, local), podem ter causado
impacto direto e indireto na cidade. Devem ser considerados os ciclos
econômicos (como o de Kondratiev) e examinadas as questões relevantes de
ordem ideológica, política, econômica, social, cultural, espacial etc.; 3)
Examinar os agentes mais importantes, externos e locais, que contribuíram para
modelar a cidade, como o Estado, a igreja, os Agentes Econômicos, os
diferentes estratos da população etc., com papeis e pesos diferenciados segundo
o período em exame; 4) Finalmente, e mais importante para nós, examinar o
desenvolvimento espacial da cidade em cada período, tomando como referência,
principal a cartografia original (e a iconografia existente), mas complementada
pelas informações escritas (inclusive as estatísticas), e de preferência fontes de
fontes primárias. A partir de um certo nível de crescimento da cidade, as partes
da mesma poderão ser examinadas individualmente, segundo os vetores
principais de expansão. (VASCONCELOS, 1999, p.199).

Já Abreu (2003) considera que pensar as cidades como compositórias de


espacialidades e de temporalidades é reconhecer que o processo de produção do espaço
urbano gera formas, conteúdos e representações que se inserem em múltiplos níveis de
investigação. Acrescenta que:

[...] No que diz respeito ás formas, já sabemos que devemos considerar as


cidades como acumulações de tempo. Mas isso não basta. É preciso também
que reconheçamos que os processos sociais que ocorrem no presente das
cidades, e que dão sentido ás formas que ali estão, precisam – eles também – ser
inseridos em múltiplas escalas temporais. Se o tempo do evento, do
acontecimento, do imediato, é aquele que mais nos chama a atenção, por estar
mais próximo de nós, por se materializar em paisagens e representações que são
rapidamente captadas pelos nossos sentidos, por alterar a nossa vida quotidiana,
ele só adquire significado maior se o inserirmos em tempos mais espessos,
tempos braudelianos, tempos da conjuntura e da longa duração. E estes, por sua
vez, só podem ser corretamente compreendidos quando relacionados com as
escalas espaciais. Isto por que o que nos interessa é o tempo social, e este só faz
sentido quando relacionado ao espaço. Fecha-se, pois, o círculo. (ABREU,
2003, p.97).
40

A citação anterior demonstra uma das formas de utilização da história


enquanto método e processo de entendimento das mediações históricas na produção do
espaço e das formações territoriais.

Contribuindo ainda para o debate acerca da Geo-História e da Geografia


histórica Silva (2007, p.77) argumenta que

a Geografia Histórica oferece subsídios técnicos e conceituais relativos à:


pesquisa de documentos históricos, nomeadamente arquivos e mapas; registros
territoriais; nomes de lugares; dados estatísticos; fontes literárias e outros, além
dos instrumentos para a análise crítica das informações.

Para Silva (2007) é possível elencar três trajetórias de análise da Geografia


Histórica. São elas: a Geohistória de Fernand Braudel com sua interpretação das
civilizações como espaços e com sua diferenciação dos tempos em curta duração, média
duração e o tempo de longa duração ou tempo geográfico; a perspectiva da Geografia
Histórica anglo-saxã e seus vários métodos de investigação histórica em Geografia; e a
abordagem cultural na Geografia e sua dimensão simbólica de releitura das geografias do
passado.

Norton (1984) apud Silva (2007) expõe que os estudos de Geografia Histórica
se classificam em três linhas principais, a saber: o estudo do passado, em que a técnica
mais utilizada é o corte transversal. Este utiliza a descrição e a análise de uma paisagem
do passado, em um período particular, sem referências explícitas aos períodos anteriores
ou posteriores, objetivando orientar a pesquisa documental. Outra linha é a da
transformação no tempo, em que prevalecem os estudos do passado. É dada ênfase à
cultura enquanto agente da transformação da paisagem natural ao longo do tempo.
41

A terceira perspectiva estuda o passado no presente utilizando o método de


retrogradação7 para construir o passado através do presente. É uma espécie de leitura
histórica para trás, sendo apropriada aos estudos das diferentes leituras e significados da
paisagem no tempo.

Contribuindo com o debate acerca da conceitualização da Geografia Histórica,


também conhecida como Geografia do passado, Pires (2008) afirma ser este, o ramo da
Geografia Humana que trata da análise das relações estabelecidas entre o homem e a
natureza ao longo do processo histórico. Conforme Uzué (1995) apud Pires (2008, p. 16):

A Geografia Histórica, consiste na adoção do método geográfico para a


descrição de um período histórico do passado [...] utilizando dados obtidos,
estudando geneticamente a produção e ocupação do espaço pelos homens,
constatando que os componentes de uma paisagem não se alteram no mesmo
ritmo nem no mesmo tempo.

Estes autores também postulam que a Geo-História é um ramo da Geografia


Humana resultante da combinação de métodos de investigação e metodologias das duas
ciências, Geografia e História.

É necessário lembrar que assim como a Geografia, a História também passou


por transformações epistemológicas culminadas no surgimento da conhecida ―História
Nova8‖, que deu muitos subsídios à Geo-História. A ―nova História‖, neste caso,
representa a descoberta e valorização da Geografia pela História. Segundo Burke (1997),
a Escola dos Annales representou uma verdadeira revolução na historiografia francesa,

7
O método de retrogradação utilizado pela autora é na verdade o método regressivo utilizado por Lucian Febvre, e
principalmente por Mark Block em seu livro A Sociedade Feudal.
8
Para uma análise crítica e detalhada da Escola dos Annales, ver BURKE, Peter, em seu livro A Escola dos Annales
(1929-1989): a Revolução Francesa da Historiografia; tradução Nilo Odalia. – São Paulo: Fundação Editora da
UNESP, 1997.
42

rompendo com a visão factual e descritiva da História. Segundo este autor, esta escola 9
teve como membros fundadores Lucien Febvre e Marc Bloch.

Bloch e Febvre lutaram incansalvelmente por uma história total, quer dizer, por
uma história centrada na atividade humana, na vida dos grupos e das
sociedades. Esboçaram essencialmente, uma história-problema, uma história
que não caísse no refúgio positivista da monografia exclusiva ou na absurda
pretensão da filosofia da história – a de uma síntese a todo transe [...]
(FLAMARION CARDOSO e BRIGNOLI, 1983, p. 471).

Para Flamarion e Brignoli (1983), as idéias de Bloch e Febvre não eram novas
visto que Henri Berr já havia esboçado críticas à história positivista no início do século
XX. O grande mérito de Bloch e Lefvre foi à criação de um novo tipo de história como
alternativa prática à história positivista.

Principalmente a segunda geração da Escola dos Annales trouxe contribuições


para uma reaproximação da Geografia com a História, notadamente na pessoa de Fernand
Braudel e sua Geo-história. Para Lira (2008), a Geohistória, como ficou conhecido este
novo campo epistemológico, unifica os elementos da geografia e da história através da
noção de ritmo e mediante a circulação. De acordo com Pires (2008, p.9):

9
Segundo Burke (1997, p.12), talvez seja preferível falar num movimento dos Annales, não numa escola. Segundo
este autor esse movimento pode ser dividido em três fases. Em sua primeira fase, de 1920 a 1945, caracterizou-se por
ser pequeno, radical e subversivo, conduzindo uma guerra de guerrilhas contra a história tradicional, a história
política e a história dos eventos. Depois da Segunda Guerra Mundial, os rebeldes apoderaram-se do establishement
histórico. Essa segunda fase do movimento, que mais se aproxima verdadeiramente de uma ―escola‖, com conceitos
diferentes (particularmente estrutura econjuntura) e novos métodos (especialmente a ―história serial‖ das mudanças
na longa duração), foi dominada pela presença de Fernand Braudel. Na história do movimento, uma terceira fase se
inicia por volta de 1968. É profundamente marcada pela fragmentação. A influência do movimento, especialmente
na França, já era tão grande que perdera muito das especificidades anteriores. Em uma ―escola‖ unificada apenas aos
olhos de seus admiradores externos e seus críticos domésticos, que perseveravam em reprovar-lhe a pouca
importância atribuída à política e à história dos eventos. Nos últimos vinte anos, porém, alguns membros do grupo
transferiram-se da história socioeconômica para a sociocultural, enquanto outros estão redescobrindo a história
política e mesmo a narrativa. (BURKE, 1997, p. 12-13).
43

O surgimento do campo da Geohistória, no início do século XX, representou


uma ruptura pelo pensamento crítico da historiografia da História
Contemporânea com a tradição das narrativas pessoais factuais, e inaugurou o
nascimento do movimento pela ‗Nova História‘, que defendeu a substituição da
história baseada no relato episódico, por outra história baseada na análise
científica de problemas, pela história que valoriza a pesquisa e o diálogo com
outras disciplinas, ou que promova o enfoque de natureza interdisciplinar.

Alguns entendimentos da geo-história propostos por Braudel merecem um


maior detalhamento para compreendermos como se dá o dialógo entre Geografia e
História na perspectiva deste autor. É neste intuito que desenvolveremos um tópico
específico acerca da proposta da geo-história braudeliana e sua contribuição para a
Geografia.

2.3. Considerações geo-históricas: a contribuição de Braudel

Fernand Braudel, sem sombra de dúvidas, foi um dos maiores historiadores do


século XX, contribuindo tanto para o campo da História (em específico), quanto para as
ciências sociais (de uma forma geral). As elaborações teóricas dele foram assimiladas
pelos mais diversos estudiosos e correntes de pensamentos (ROJAS, 2002), mas segundo
o próprio autor, em afirmação feita no Colóquio de Chateauvallon (1985) ―passei a vida
sem ser compreendido... É muito difícil‖.

Segundo Rojas (2002), a proposta teórica de Braudel foi revolucionária, pois


conseguiu resgatar as diferentes temporalidades do período pré-capitalista, superando-as
ao mesmo tempo em que rompia (sem negá-la por completo) com a visão linear e
homogênea do tempo histórico adotada pela modernidade.
44

Este tópico, não constitui uma revisão bibliográfica, tampouco uma releitura
do pensamento de Braudel, mas um esforço de entendimento de suas contribuições à
Geografia, considerando-se evidentemente sua proposta da Geo-história.

Partimos do princípio de que nenhuma teoria é criada do nada, estando sempre


vinculada a história de vida e as contribuições de seu criador. Desta forma, concordamos
com a abordagem feita por Contel (2009) ao discutir a contribuição do pensamento
braudeliano para os estudos geográficos. Assevera que a extensa obra de Braudel,
denominada, O Mediterrâneo, teve influência de suas experiências de vida, da prisão na
Segunda Guerra Mundial e de sua estada na Argélia e no Brasil. Na mesma linha de
entendimento, Wallerstein (1989), Rojas (2002) e Secco (2008) atribuem papel
importante a tais experiências de vida de pensador, na elaboração das diferentes
temporalidades históricas e de longa duração. A influência é tanta que leva Wallesrtein
(1989) a afirmar que Braudel surgiu como o homem da conjuntura.

A conjuntura e a estrutura tiveram papel fundamental na obra de Braudel,


principalmente quanto ao entendimento da história de longa duração, desenvolvido com
maior profundidade no texto denominado História e Ciências Sociais: A longa duração
(1958; 2007). Texto em que o autor propõe uma linguagem comum às ciências sociais.

Mas de fato, o que seria a Geo-história? Qual a sua origem epistemológica? O


que ela representa na obra de Braudel?

Secco (2008, p.5-6) enfatiza a história e a idade da palavra geo-história:

No século XIX, os geólogos a usaram para falar da história da terra. Mas o


termo era tão impreciso quanto a expressão ‗história natural‘. Pois essas
‗histórias‘ expurgavam os homens e as mulheres. A Geohistória foi
reinvindicada nada mais, nada menos do que por Fernand Braudel em sua tese
La Mediterannée (1949). Mais tarde, explicitada em uma resenha na revista
45

Annales (Braudel: 1951, 487). Depois, abondona! Tanto que Braudel retirou o
item ‗Geohistória‘ da segunda edição de sua obra máxima (Braudel, 2002, 124).

O abandono da Geo-história segundo Contel (2009) se deu pela aproximação


do termo com a geopolítica, que naquele contexto histórico (pós - Segunda Guerra
Mundial), não era bem vista, devido suas aproximações com a política expansionista
alemã.

Mas segundo Lira (2008) não foi somente na relação com a geopolítica que a
obra de Braudel se aproximou da ciência geográfica, visto que suas obras Mediterrâneo e
Civilização material sofreram influências do pensamento de Vidal de La Blache e Ratzel
respectivamente.

Para além de Vidal de La Blache, Ribeiro (2006) afirma que o diálogo de


Braudel10 desenvolvido em seus escritos sobre o Mediterrâneo engloba também os
geógrafos Albert Demangeon (professor de Braudel na Sorbonne), Andre Siegfried, Jules
Sion, Pierre Deffontaines, Pierre Monbeig, Emmanuel De Martonne, Jean Bruenhes,
Max. Sorre, Raoul Blanchard, Pierre Gourou, Pierre George, Maurice Lê Lannou e
Xavier De Planhol.

Segundo Lira (2005) apud Secco (2008), a abordagem de Braudel em sua obra
O Mediterrâneo, é inovadora quando comparada a de geógrafos contemporâneos. Para
Rojas (1996) apud Secco (2008) a visão braudeliana de espaço não era mais um palco,
mas um ―campo de possíveis, como um esquema ao mesmo tempo aberto e determinado.

10
Segundo Ribeiro (2006), muito comum também foram às influências alemãs na obra de Braudel. Cansado da
defasagem da Geografia humana e da Economia política francesa, o autor se interessa por reflexões dos geógrafos
Alfred Hettener e, sobretudo Alfred Philippson, assim como dos historiadores geógrafos Sternberg, Gehler, Frische,
Carus e Okel. Pode se afirmar ainda, baseando-se em Ribeiro (2006), que Braudel teve algumas influçencias da
economia alemã como por exemplo a teoria locacional de Von Thunner e seu conteúdo acerca da centralidade,
hinterlândia e hierarquias espaciais em termos de povoamento, distribuição e funcionamento das redes de atividades
econômicas. (RIBEIRO, 2006, p.104).
46

Ou seja, um espaço de opções limitadas e limitantes, mas não unívocas nem linearmente
determinadas‖.

Seguindo raciocínio semelhante, Ribeiro (2006, p.98) afirma que:

[...] A Geografia, tal como concebida por Braudel, impõe parcialmente um


ritmo, um movimento, uma cadência, com os quais a história humana
necessariamente termina por se adaptar. Muito mais do que um quadro fixo e
imóvel, o espaço geográfico representa um personagem histórico e uma
estrutura integrante do cotidiano.

Conforme Rojas (2002) e Ribeiro (2006), a geografia acompanha boa parte da


obra de Braudel. A influência da geografia é tão marcante, que Ribeiro (2006, p. 100)
enfatiza que:

Ampliando a escala regional consagrada pela Geografia francesa, percorre


inicialmente o Mediterrâneo do século XVI como se quisesse dizer que antes,
bem antes de Felipe II, da política, da diplomacia e da economia, a história das
sociedades se inicia com suas conexões com o meio (não seria por isso que abre
seu último livro se perguntando se a Geografia teria inventado a França?). E
descobre assim o cultivo das oliveiras, o nomadismo e a transumância, a
alternância das estações, a dinâmica dos ventos, as distâncias. [...].

Por mais que em algumas colocações e reflexões Braudel (1997) pareça cair
em determinismos e faça uma leitura estruturalista da relação sociedade/espaço, o teórico
parece transcender tais posições ao debater o trinômio: espaço, sociedade e economia, ao
afirmar : ―Tenho a necessidade de dizer que a economia modela o social e o espaço, que
o espaço comanda a economia e o social, que a seu turno comanda as duas outras
realidades‖. (BRAUDEL, 1997, p.89 apud RIBEIRO, 2006).
47

Burke (1992) apud Pires (2008, p.16) explica que a utilização da Geo-história
por Braudel na obra O Mediterrâneo tem como objetivo,

demonstrar que todas as características geográficas têm a sua história, ou


melhor, são parte da história, e que tanto a história dos acontecimentos quanto a
história das tendências gerais não podem ser compreendidas sem elas.

Já Secco (2008, p.24) defende que Braudel concebe o espaço como o lócus da
longa duração e assim se expressa:

Mas não um espaço que é apenas sinônimo de meio geográfico tradicional. Um


espaço humano que é ponto de articulação do mental, do social, do econômico,
do cultural e do espaço físico. Isto resolve um dilema: a longa duração não é
propriamente específica da Geografia, como a conjuntura não é exclusivamente
econômica e o tempo breve não pertence só a política. Há eventos na Geografia
física: o terremoto de Lisboa (1755), por exemplo. Há eventos na história
literária: publicação de Macunaíma (1928). Há conjunturas nesta mesma
história: os modernistas literários. Na economia os eventos são muitos: a queda
da bolsa em 1929, para falar de um evento ruidoso. Ou uma subida do preço do
pão às vésperas da tomada da Batilha.

De fato Braudel traz inovações não somente no que concerne à visão de


espaço, mas também quanto ao tempo, procurando ir além da visão do tempo episódico,
da narrativa linear, do tempo do evento, que exige uma continuidade seqüencial dos fatos,
justificando a visão do presente, passado e futuro. Segundo Ribeiro (2006) a este
conjunto de aspectos, Braudel responde com a dialética da duração: o triênio presente-
passado-futuro dá lugar a uma articulação entre o tempo curto dos eventos, o tempo
intermediário das conjunturas e o tempo longo das estruturas.

Ribeiro (2006, p.95) postula que:


48

Ao se adotar a longa duração como fundamento, ressaltada a especificidade do


tempo histórico frente ao tempo dos físicos e dos filósofos, o resultado é uma
história cujo tempo torna-se desacelerado, introduzindo ‗a abordagem da
repetição, da permanência, em um conhecimento antes limitado á
irreversibilidade e à mudança.

Braudel (1996b) considera que o curto prazo e longo prazo coexistem e são
inseparáveis e acrescenta que ―vivemos ao mesmo tempo no curto e no longo prazo: a
língua que falo, o ofício que exerço, minhas crenças, a paisagem humana que me rodeia,
eu herdei; existiam antes de mim, existirão depois de mim‖. Já na sua celebre obra sobre
a longa duração (BRAUDEL, 1958; 2007) esclarece que dar ênfase ao longo prazo, não
significa negar o curto prazo, em que a própria estrutura deve ser entendida
historicamente.

Mas não é somente em obras como O Mediterrâneo, A identidade da França,


Ciências Sociais: a longa temporalidade dentre outras, que a relação de Braudel com a
geografia é estreitada. Conforme palavras de Ribeiro (2006), a trilogia de livros de
Braudel, Civilização Material, Economia e Capitalismo: Séculos XV-XVIII, revela uma
dimensão geográfica da economia, em que se ressalta o papel geográfico na constituição
do capitalismo. Isso nos a pensar em algumas semelhanças entre os estudos de Harvey
(2005, 2006) sobre a Geografia histórica do capitalismo, quando analisa como se deu o
desenvolvimento geográfico desigual do capitalismo no espaço geográfico.

Na segunda parte de sua trilogia, no volume conhecido como Os jogos das


Trocas, Braudel (1996a) reconhece a necessidade de superação do espaço para o
desenvolvimento das trocas em escala mundial, o que ele denomina de economia mundo.
E é justamente nesse ponto que Ribeiro (2006) atribui a importância do conceito de redes
em Braudel, destacando as redes políticas, sociais, econômicas ou técnicas na empreitada
49

capitalista, com o intuito de atingir o desenvolvimento das trocas, do comércio e da


economia como um todo.

Já na terceira parte de sua trilogia, conhecida como O tempo do Mundo11,


Braudel (1996b, p.12) afirma que:

O espaço, fonte de explicação, põe em causa ao mesmo tempo todas as


realidades da história, todas as partes envolvidas da extensão: os Estados, as
sociedades, as culturas, as economias...E conforme escolhamos um ou outro
destes conjuntos, modificar-se-ão o significado e o papel do espaço. Mas não
inteiramente.

Mas, com efeito, a grande contribuição de Braudel foi mostrar a não


linearidade tanto dos tempos históricos como de entender a realidade, no que se refere à
estrutura ou conjuntura de longo prazo, ao demonstrar a coexistência de diferentes
temporalidades históricas. Esta visão reveste-se de grande importância para o
entendimento da realidade como totalidade. É nesse sentido que a consideramos para o
nosso trabalho. Todavia não faremos aqui uma descrição detalhada da obra braudeliana,
visto que os tópicos debatidos anteriormente constituem apenas premissas para o
entendimento da problemática por nós estudada, servindo para apreendermos as
mediações geográficas no que tange as relações espaciais. Desta forma lançamos o
desafio do estudo de longa duração e das diferentes temporalidades históricas propostas
por Braudel (1958; 2007), visto que como afirma Rojas (2002, p. 30-31) ser

muito simples apresentar e esquematizar a teoria das temporalidades


diferenciais, assinalando uma longa, uma média e uma curta duração – o que já
foi feito milhares de vezes em todo o mundo - , embora seja extremamente

11
Conforme Ribeiro (2006) O Tempo no Mundo, também poderia chamar-se ―Os espaços do mundo‖. Tempo do
espaço, tempo de uma escala, história de uma geografia. Mas também espaço do tempo, escala do tempo, geografia
de uma história, porque o pensamento de Fernand Braudel está longe de ser uma via de mão única.(P.105).
50

complicado conseguir descobrir e apreender em sua real operatividade histórica


essas mesmas estruturas da longa duração histórica.

Neste sentido utilizamos a Geo-história de Braudel em nosso trabalho para


entender as permanências e rupturas do decorrer histórico na formação territorial de
Iguatu que contribuíram para o avanço das forças produtivas no município, através da
cultura algodoeira no alvorecer do século XX.

O entendimento da história em longo prazo e mesmo as diferentes


temporalidades históricas (BRAUDEL, 1958; 2007) se tornaram importantes para a
compreensão e entendimento de como antigas relações culturais, políticas e econômicas,
como é o caso de algumas relações não capitalistas (arrendamento, parcerias, meeiros,
etc.) contribuíram para o desenvolvimento de uma acumulação primitiva ou para evitar
anacronismos, uma acumulação via espoliação (HARVEY, 2005b) que coexistiu, sendo
fundamental para o processo de acumulação do capital.

É nesta perspectiva que apreenderemos a formação territorial de Iguatu em


seus primórdios, ressaltando o papel dos agentes e das instâncias que contribuíram para
este processo, para então entendermos a Geografia histórica do capitalismo em Iguatu.
No sentido de entender o que seria a Geografia histórica do capitalismo, nos apoiaremos
nas discussões de Harvey acerca do desenvolvimento geográfico desigual do capitalismo.

2.4. Geografia Histórica do Capitalismo: uma perspectiva da leitura de Harvey

Uma análise crítica e para além da aparência, nos leva à conclusão de que o
modo de produção capitalista inexistiria caso se pautasse apenas na produção da
mercadoria. Conforme Marx (1893; 1997) não adiantaria para o capitalista o esquema
51

simples M-D-M e nem o esquema D-M-D. Nestes dois casos não se teria a criação de
mais-valor/valia. Seria necessária a produção ampliada de capital, caracterizada pelo
esquema D – M – D‘ para efetivá-la. A busca por superlucros e a acumulação ampliada
se tornariam, portanto, fatores essenciais para o desenvolvimento do capitalismo, urgindo
a expansão da produção, da circulação, das trocas, do consumo, da exploração e mesmo
da ampliação de novos mercados.

Daí que para conseguir novos mercados, o capitalismo necessita da ampliação


do comércio em níveis externos, surgindo uma concorrência intercapitalista culminando
nos monopólios (LÊNIN, 2008) e no imperialismo. Pensando de forma semelhante
Luxemburg (1985) mostra que a reprodução do capital seria impossível num sistema
capitalista fechado por não haver uma correspondência entre o crescimento da oferta de
bens e o crescimento da procura. Dessa forma, para a realização da mais-valia num
esquema de reprodução ampliada, o capitalismo necessita expandir-se para regiões
capitalistas subdesenvolvidas. Nesses locais o capitalismo encontraria não somente um
escoadouro para a sua própria produção, mas também encontraria meios de produção,
meios de consumo e mão-de-obra barata.

Fazendo uma leitura atenta da obra de Marx, Harvey (2005a) percebe que a
teoria da acumulação do capital do pensador socialista revela seu reconhecimento da
acumulação de capital como decorrente de um contexto geográfico, criador de estruturas
geográficas específicas.

Segundo Harvey (2005a, p. 43),

A teoria de Marx do crescimento sob o capitalismo situa a acumulação de


capital no centro das coisas. A acumulação é o motor cuja potência aumenta no
modo de produção capitalista. O sistema capitalista é, portanto, muito dinâmico
inevitavelmente expansível; esse sistema cria uma força permanentemente
revolucionária, que, incessante e constantemente, reforma o mundo em que
52

vivemos. O estado estacionário da reprodução simples é, para Marx,


logicamente incompatível com a perpetuação do modo capitalista de produção.

É justamente quanto ao caráter expansível do capital, que Harvey (2005a) vai


fazer atribuições sobre o que ele denomina de ajustes espaciais e posteriormente,
ordenações espaço-temporais (HARVEY, 2005b), justificando que o capitalismo tem na
produção do espaço uma de suas perspectivas de reprodução e mesmo de fuga de suas
crises.

Fundamentado em autores da teoria social do espaço como meio e condição


para a sobrevivência do sistema reprodutor de mercadorias, Harvey (2005a; 2005b)
entende o espaço como solução temporária para as crises de superacumulação em que
tanto o capital quanto o trabalho tornam-se excedentes no espaço em questão:

a crise se manifesta como condição em que os excedentes tanto de capital como


de trabalho, que o capitalismo precisa para sobreviver, não podem ser
absorvidos. Denomino isso de estado de superacumulação (HARVEY, 2005, p.
133).

Na tentativa de absorver o excedente e instaurar um novo patamar de acumulação


os capitalistas, segundo Harvey (2006 e 2005b), podem recorrer às seguintes estratégias:
i) desvalorização de mercadorias, da capacidade produtiva, do valor do dinheiro, da força
de trabalho; ii) controle macroeconômico, impondo um sistema de regulação para conter
o problema da superacumulação; e iii) absorção da superacumulação por deslocamento
temporal e/ou espacial, deslocamentos exemplificados na citação seguinte:

Esses excedentes podem ser potencialmente absorvidos pelos seguintes fatores:


(a) o deslocamento temporal mediante investimento em projetos de capital de
longo prazo ou gastos sociais (como a educação e a pesquisa) que adiam a
futura reentrada em circulação de valores de capital; (b) deslocamentos
53

espaciais por meio da abertura de novos mercados, novas capacidades


produtivas e novas possibilidades de recursos, sociais e de trabalho, em outros
lugares; ou (c) alguma combinação de (a) e (b) (HARVEY, 2005b, p. 93-94).

A ação isolada dos fatores (a) ou (b) (deslocamentos temporais e espaciais) possui
efeito limitado na tentativa de sanar as crises que já foram historicamente refutadas como
alternativas duradouras de manutenção da acumulação, tal como na falência do regime
fordista-keynesiano. É interessante ressaltar que o ordenamento espaço-temporal tem
como finalidade absorver o capital e a força de trabalho excedente impedindo uma crise
de realização. O objetivo final de tais deslocamentos é expandir a demanda efetiva por
produtos e capitais, possibilitando a alocação de capital e força de trabalho anteriormente
excedentes e transferindo-as para um espaço com relativa escassez.

Apoiando-se em autores como Luxemburg (1985) e em sua teoria da acumulação


de capital, Lênin (2008) e a teoria do imperialismo que defende, bem como Trotsky
(2007) e a teoria do desenvolvimento desigual e combinado - autores estes que a nosso
ver inserem uma discussão de caráter geográfico para a análise expansionista do
capitalismo -, Harvey reforça suas proposições acerca dos ajustes espaciais ou ordenações
espaço-temporais e do desenvolvimento geográfico desigual do capitalismo.

Como é de nosso conhecimento, o capitalismo não se desenvolve de forma


homogênea nos diferentes lugares. Sobre esta perspectiva Trotsky (2007, p. 21) assevera
que:

As leis da História não tem nada em comum com o esquematismo pedantesco.


O desenvolvimento desigual, que é a lei mais geral do processo histórico, não se
revela, em nenhuma parte, com maior evidência e complexidade do que no
destino dos países atrasados. Açoitados pelo chicote das necessidades materiais,
os países atrasados se vêem obrigados a avançar a saltos. Desta lei universal do
desenvolvimento desigual da cultura decorre outra que, por falta de nome mais
adequado, chamaremos de lei do desenvolvimento combinado, aludindo à
aproximação das distintas etapas do caminho e à confusão de distintas fases, ao
amálgate de formas arcaicas e modernas. Sem recorrer a esta lei, enfocada
54

naturalmente, na integridade de seu conteúdo material, seria impossível


compreender a Rússia, nem a de nenhum outro país de avanço cultural atrasado,
seja em segundo, terceiro ou décimo grau.

Do mesmo modo, Harvey (2005a; 2005b) se propõe a estudar como se deu o


desenvolvimento histórico do capitalismo e sua espacialização nos diferentes lugares. Em
seu livro A produção capitalista do espaço, nos oferece a perspectiva de analisarmos
como o capitalismo cria algumas paisagens e estruturas espaciais benéficas à sua
reprodução em determinados contextos históricos, sendo necessário muitas vezes suas
destruições e recriações em tempos posteriores e com outras funcionalidades.

Já em O novo imperialismo, Harvey faz um resgate crítico de Rosa


Luxemburg, reforçando a importância do entendimento da teoria do subconsumo, da
sobreacumulação e da necessidade que o capitalismo tem de buscar soluções externas a si
(dialética interna-externa) para resolução de suas crises, ou seja, a necessidade da
expansão geográfica de novos mercados e também a comercialização com formações
sociais não-capitalistas e manutenção destas para a realização de superlucros.

Incorporando a análise da dialética interna-externa, Harvey (2005b) propõe


examinar de que maneira a ―relação orgânica‖ entre reprodução expandida de um lado e
os processos muitas vezes violentos de espoliação do outro, têm moldado a geografia
histórica do capitalismo. Para ele, uma reavaliação geral do papel contínuo e da
persistência das práticas predatórias da acumulação ―primitiva‖ ou ―original‖ no âmbito
da longa geografia histórica do capitalismo é muito necessária (Cf. Harvey, 2005b).

Procurando demonstrar que o desenvolvimento geográfico desigual do


capitalismo na atualidade ainda ocorre através de relações não-capitalistas e achando
estranho qualificar estas relações como primitivas ou originárias para um processo ainda
em andamento, Harvey (2005b) propõe o conceito de acumulação por espoliação. A
55

espoliação corresponderia a uma diversidade de práticas, como a expulsão do camponês


do campo, sua proletarização, a privatização das terras, a permanência de relações de
trabalho não capitalistas, dentre outras. Tais relações são evidenciadas na análise de
Iguatu em sua longa duração e no tempo da conjuntura. (BRAUDEL, 1958; 2007).

Baseados nesta premissa nos apoiamos em Harvey através da sua geografia


histórica do capitalismo analisando-se como se deu o desenvolvimento da cultura
algodoeira em Iguatu e tendo como recorte temporal da década de 1920 até o início dos
anos de 1980, quando se dá a crise da cultura algodoeira no Ceará de modo geral, e em
Iguatu, de modo particular. Procedemos, ainda, a uma análise do processo de formação
territorial de Iguatu e da historicidade deste município na longa duração proposta por
Braudel.

Desta forma, trabalhamos com metodologias da Geografia e da História e com


autores ligados a estes dois campos disciplinares e ciências a fins. Da Geografia Histórica
consideramos a capacidade de interpretar e compreender o presente do passado, para
desse modo se apreender a dimensão espacial de períodos anteriores, ressaltados nas
formas materiais e imateriais que compõem a paisagem de Iguatu. Conforme Barros e
Ferreira (2009) apud Abreu (1997) o território atual ainda é influenciado por normas
institucionais do passado, e como podemos perceber, não somente devido às formas
espaciais, mas também devido às normas e à memória do passado.
56

3. A FORMAÇÃO TERRITORIAL DE IGUATU NO CONTEXTO DA


HISTÓRIA ECONÔMICA DO CEARÁ

Neste capítulo trataremos da formação territorial de Iguatu, pautados na


perspectiva geográfica, mais especificamente, no entendimento da Geografia histórica e
da Geo-história. Neste caso, algumas questões servirão para nortear-nos: Como entender
Iguatu a partir da longa duração proposta por Braudel? Qual a relação da incorporação do
território cearense com a expansão comercial européia? Como ocorreu o processo de
povoamento e desenvolvimento econômico do Ceará? Estas questões são de extrema
importância para o entendimento de como se deu o desenvolvimento da economia
algodoeira em Iguatu em meados do século XX, mais especificamente de 1920 a meados
de 1980.

Para tanto, remontaremos à análise da história econômica cearense entre os


séculos XVIII e XIX, englobando o período do binômio gado-algodão, bem como
destacando seu papel na formação territorial cearense e de Iguatu (Telha). Neste intuito,
correlacionaremos o desenvolvimento destas atividades (pecuária e cotonicultura) com o
povoamento, o aumento populacional e a criação de infra-estruturas, ou seja, a formação
territorial cearense em geral e de Iguatu em particular.

No capítulo enfocaremos ainda o papel da estrutura política e da Igreja como


alicerces para o povoamento e ocupação de Iguatu, além de aspectos de sua evolução e
emancipação política. O estudo de Iguatu no tempo da estrutura e no tempo da conjuntura
é aqui privilegiado, visto que com este recorte temporal, pudemos identificar as relações
de cunho político, cultural e econômico que propiciaram a criação de um ambiente e de
agentes favoráveis à acumulação de capital interna no município a partir da cultura
algodoeira já no início do século XX. O capítulo está dividido em dois tópicos, sendo que
no primeiro se faz uma breve leitura da Geografia histórica e econômica da província
57

cearense, e no segundo, intitulado ―A Ribeira dos Quixêlos: os primórdios da ocupação


de Iguatu‖, em que dá se ênfase à formação territorial de Iguatu no contexto agro-
exportador cearense.

3.1. Uma breve leitura da Geografia histórica e Econômica12 da Província Cearense

O entendimento da formação territorial de Iguatu perpassa o entendimento da


própria formação econômico e territorial do Ceará que teve dinâmica diferenciada se
comparada com o restante do Nordeste, sobretudo Pernambuco e Bahia.

A formação territorial do Ceará, bem como a de Iguatu, estava inserida no


processo de expansão comercial européia, e esta não se deu de forma homogênea, sim foi
fruto de diferentes temporalidades do capitalismo. Refazer os debates travados pelos
pensadores que analisaram a questão do modo de produção no Brasil seria fundante para
a explicação da escolha de nosso referencial teórico, mas a própria temporalidade
imposta ao conhecimento científico não nos permite.

Neste sentido, nos posicionamos a favor daqueles que entendem que a


realidade brasileira, é fruto do processo histórico de expansão capitalista (OLIVEIRA,
2003)13; (MARTINS, 2010); (FURTADO, 1971); (PRADO JÚNIOR, 1967); (MORAES,
2000)14, resguardando, é claro, alguns posicionamentos. Segundo Furtado (1971, p. 6),

12
Não pretendemos com este capítulo, recapitularmos toda a História econômica da província cearense, dada a sua
amplitude e objetividade do tempo. Desta forma enfocamos as atividades que mais contribuíram para a formação
territorial do Ceará, no caso a pecuária e a cotonicultura. Para uma leitura mais ampliada da História Econômica do
Ceará, ver Raimundo Girão (1947; 2000) e seu livro clássico História Econômica do Ceará, Fortaleza, Instituto do
Ceará.
13
Em seu livro ―Crítica a razão dualista o ornitorrinco‖, Francisco de Oliveira, faz severas críticas aos pensadores
cepalinos dentre os quais Celso Furtado, devido sua análise dual do desenvolvimento capitalista no Brasil, onde
existiria um Brasil moderno e um arcaico, fruto do subdesenvolvimento. Segundo Oliveira, a permanência de
relações tidas como arcaicas ao invés de serem entendidas como um atraso e como algo fragmentado de um Brasil
58

A descoberta das terras americanas é, basicamente, um episódio dessa obra


ingente. De início pareceu ser um episódio secundário. E na verdade o foi para
os portugueses durante todo um meio – século. Aos espanhóis revertem em sua
totalidade os primeiros frutos, que são também os mais fáceis de colher. O ouro
acumulado pelas velhas civilizações da meseta mexicana e do altiplano andino é
a razão de ser da América, como o objetivo dos europeus, em sua primeira etapa
de existência histórica.

Para a realidade brasileira, Furtado (1971) afirma que o início da ocupação


econômica do território é em boa medida uma conseqüência da pressão política exercida
sobre Portugal e Espanha pelas demais nações européias, dentre as quais podemos
destacar a França e a Holanda, suas rivais comerciais naquele período. Como podemos
perceber, as bases da formação territorial do Brasil (MORAES, 2000) estão nitidamente
atreladas aos fatores políticos e econômicos da expansão do capitalismo europeu15.

Como afirmamos anteriormente, não temos a intenção de refazer o debate


sobre a história econômica do Brasil, mas sim de uma particularidade desta realidade que
se insere na totalidade deste processo. A formação territorial do Brasil ocorreu de forma
bastante peculiar no contexto e avanço do modo de produção capitalista e sua apropriação
do território brasileiro não ocorreu de forma homogênea. O caso específico do Nordeste
ilustra este caráter não homogêneo, pois coexistiu, por muito tempo, um Nordeste
baseado na plantation açucareira e outro Nordeste baseado em atividades como a
pecuária e a cultura algodoeira. Fazendo uma análise de como a região foi apropriada e
inserida no processo de expansão e de interesses do capitalismo e destacando a sua não

moderno, deveria ser entendido como de fundamental importância para o desenvolvimento das relações capitalistas,
que na interpretação do autor teve seu desenvolvimento na realidade brasileira pautado nas relações não capitalistas.
14
Antonio Carlos Robert de Moraes – Bases da Formação Territorial do Brasil: o território colonial brasileiro no
―longo‖ século XVI- (2000) nos apresenta uma minuciosa descrição sobre a formação territorial brasileira, assim
como sobre a produção do espaço Ibero-americano.
15
Não entraremos na polêmica que até hoje permanece entre os historiadores a respeito do fato de se neste período o
capitalismo já estava bem desenvolvido enquanto modo de produção capitalista ou se este se encontrava em sua fase
inicial como capitalismo comercial mercantilista. Acreditamos não existir um conceito, uma abstração pura de
capitalismo que se aplique a todos os lugares, até mesmo por que concordamos com Wallerstein (1985) quando o
mesmo assinala que o capitalismo é acima de tudo um sistema histórico.
59

homogeneidade, Oliveira (1981) ressalta que o desenvolvimento econômico das


províncias do Ceará, Maranhão e Piauí baseou-se em outras atividades que não
diretamente a produção da cana de açúcar.

O processo de formação territorial da província cearense está intimamente


ligado aos aspectos de sua geografia e sobretudo, às relações sociais e econômicas ali
desenvolvidas. Seu processo de povoamento se deu de forma tardia se comparado a
Pernambuco, Bahia, Maranhão e isso ocorreu, sobretudo, devido a fatores de ordem
político-econômica, climática e mesmo pela resistência dos aborígines cearenses
(GIRÃO, 1989).

Segundo Girão (1989), ao contrário do que ocorreu em Pernambuco, o


donatário da Capitania do Ceará, Antônio Cardoso de Barros, não chegou sequer a tomar
posse de sua doação, somente vindo ao Brasil como Provedor da Fazenda, no Governo de
Tomé de Sousa, em 1549.

Ao discutir sobre o papel da pecuária e do algodão no espaço nordestino, Jucá


(1989) atribui a estas duas atividades o papel de povoamento e ocupação da parte semi-
árida do Nordeste ao qual Djacir Menezes (1995) denominou ―O outro Nordeste‖. De
fato foi através destas atividades e não da plantation açucareira, que se constituíram as
bases econômicas da formação territorial do Ceará.

Apesar de seu posicionamento conservador, fruto do contexto histórico em que


estava inserido, os escritos de Abreu (2004) sobre os caminhos antigos do Brasil e os
capítulos de história colonial de 1500 a 1800 (1963) constituem obras clássicas da
historiografia cearense e brasileira, sendo fundamentais para se entender o processo de
ocupação dos sertões a partir das bandeiras e da expansão dos currais (sertões de dentro e
sertões de fora). Segundo Djacir Menezes (1995), ―Capistrano foi o primeiro a examinar
o papel civilizador da criação de gado, no domínio das caatingas, que se estendiam na
60

faixa mediante entre o São Francisco e o Paraíba‖. É neste contexto que Pernambuco e
Bahia surgem como dois núcleos irradiadores da povoação nos sertões nordestinos.
Conforme análise de Santos (2010), foi a partir de fluxos econômicos advindos da Bahia
e de Pernambuco que ocorreu o processo de ocupação cearense.

De fato, a ocupação do território cearense se deu por meio da pecuária com as


concessões de sesmarias, sobretudo seguindo as margens dos rios Jaguaribe e Acaraú
(Girão, 1989), demonstrando a forte relação desta atividade com os elementos
geográficos que de certa forma impunham as formas de ocupação e organização da
sociedade naquele contexto. Segundo Girão (1989), os rios Jaguaribe e Acaraú, foram os
dois primeiros pontos essenciais de colonização e ao mesmo tempo serviam de estradas
onde se desenvolvia a marcha de ocupação da Capitania e de escoadouro das manadas de
corte para os mercados consumidores.

O mapa desenvolvido por Santos (2010) que tem por intuito correlacionar as
vias de comunicação das antigas estradas com as atividades econômicas desenvolvidas
naquele período demonstra a estreita ligação destas atividades com o processo de
formação do território cearense. (Mapa 1).
61

Fonte: Maurício Caetano dos Santos


Retirado de: SANTOS, Maurício Caetano dos. Cartografia e Geografia Histórica: um olhar sobre a economia e
ocupação territorial da província do Ceará no período anterior à independência do Brasil.
62

Conforme Santos (2010), a análise detalhada do mapa, nos indica que estes
caminhos surgiram em dois momentos distintos. Para ele, inicialmente eles foram abertos
pela expansão da pecuária, os chamados ―caminhos do gado‖. Esta rede era maior e mais
ramificada, principalmente no interior, e ligando a província do Ceará às províncias de
Pernambuco, Paraíba e Piauí. Já a segunda rede de caminhos era ligada à produção
algodoeira, tendo menor extensão e sendo mais voltada para o litoral.

A pecuária e as charqueadas assumiram papel primordial na ocupação inicial


do Ceará, sendo a última, nas palavras de Aragão (1989), a primeira atividade lucrativa
da província do Ceará. A este respeito assevera que

As charqueadas do Ceará datam de época anterior a 1740 e representam, de fato


os primeiros negócios lucrativos da província fazendo desenvolver as cidades
ribeirinhas instaladas nos estuários dos rios Jaguaribe, Acaraú e Coreaú. Assim
é que se entende por que as povoações de Aracati, e Icó ao lado do Jaguaribe,
Camocim, Acaraú e Sobral ao lado do rio Acaraú tornaram-se os principais
centros produtores – as oficinas de carne seca. (ARAGÃO, 1989, p.30).

Girão (1954) atribui às charqueadas16 o papel importante que Aracati assumiu


como pulmão da economia da capitania no contexto colonial. Ainda atribui às
charqueadas o papel de atividade de grande rentabilidade para a província cearense,
assinalando que:

O comércio na capitania, restrito às feiras de gado, ampliou-se com a produção


de carne-de-sol, intensificando as transações entre o homem do sertão e os
habitantes da área litorânea e expandindo o comércio com o exterior, através da
exportação de couros. Esses fatores impulsionaram o desenvolvimento
monetário nas fazendas de gado, a partir de recursos obtidos com atividades

16
Para uma análise detalhada das charqueadas no Ceará ver GIRÃO, Valdelice Carneiro(1989) Fundamentos de
fixação no Espaço cearense. In: História do Ceará. Org. Simone de Souza. Fortaleza, Universidade Federal do Ceará;
Fundação Demócrito Rocha. Stylus comunicações, 1989.
63

desenvolvidas dentro da própria capitania, e levaram ao crescimento das


importações. (GIRÃO, 1954, p.105).

As charqueadas tiveram neste período histórico, papel importante no


desenvolvimento monetário e na obtenção de objetos de luxo importados do exterior.
Takeya (1995, p. 94) assevera que

É importante lembrar, porém, que as charqueadas tiveram, ainda, indiretamente,


uma função, além de expandir a produção e o comércio da carne: introduzir os
couros e peles na pauta de exportação da capitania, transformando-os, pois, a
partir daí, em mercadorias.

É possível levantar a questão relativa à existência de um excedente no


aproveitamento da carne? Acreditamos que, mesmo existindo, ele não foi capaz de
proporcionar a industrialização cearense como ocorreu no sul do país, cabendo este papel
à atividade algodoeira. Acreditamos também que apesar da atividade criatória inserir a
província cearense na divisão internacional do trabalho, ela não teve a repercussão e nem
alcançou as proporções da atividade algodoeira no Estado.

É justamente neste contexto, que a Vila de Icó ganha destaque como


importante entreposto comercial dos sertões, ligando a região centro-sul da província com
o porto de Aracati, com o sul da província, e mesmo com outras províncias. Telha
(Iguatu) neste período ainda era um pequeno povoado de Icó e vivia da pecuária e de
algumas atividades de subsistência (conforme detalharemos no próximo tópico, que trata
da ocupação e povoamento de Telha).

Confirmando o importante papel da atividade pastoril na província cearense,


Menezes (1995, p. 33-34) afirma que:
64

O desenvolvimento da indústria pastorial é célebre; e, nos começos do séculos


XVIII, inaugura-se a primeira vila; no meado da centúria, existiam Fortaleza,
Aquiraz, Icó. A tal ponto avulta a indústria pastoril, que no Maranhão,
Pernambuco e Bahia foram abastecidas pela carne saída do Aracati, onde se
abate anualmente 20 000 reses. A seca de 1972 liquidou todo esse comércio.
Gardner viu sua decadência: ―Êste comércio tem decaído muito e,
presentemente, os principais gêneros de exportação são algodão e couros; do
primeiro são anualmente exportados 5000 fardos ou 25 000 arrôbas de 32 libras
e dos últimos de 2 000.

Citada anteriormente, a grande seca que assolou o Ceará no período de 1790-


1794, provocou certo declínio da pecuária, o que não significou o fim desta atividade, de
modo que o gado e o algodão passaram a coexistir, formando o conhecido binômio gado-
algodão.

Segundo Leite (1994) apud Girão (1954),

Com o algodão, rompe-se o exclusivismo pastoril no Ceará. A base da


economia passa a ser assentada na agricultura, com a pequena disponibilidade
de capital atraída para o financiamento da referida cultura de exportação. (...)
Em razão da demanda assegurada, das possibilidades naturais para a produção e
da ausência de outras fontes de riqueza, o cultivo do algodão passa a ser
desenvolvido como nova atividade econômica (LEITE, 1994, p. 52).

O algodão já era conhecido no Ceará e inclusive utilizado por parte dos


indígenas para a fabricação de vestimentas, mas não com fins de mercado, vindo a ter
importância comercial a partir de 1777 quando foi cogitado como produto comercial e
deixou de ser apenas matéria prima para a rudimentar indústria caseira de redes de dormir
(GIRÃO, 2000).

Embora o algodão já tivesse uma importância comercial e os algodoais já


houvessem se espalhado pelos ―distritos de Fortaleza e Aracati e as serras de Baturité,
65

Uruburetama, Meruoca, Pereiro e Aratanha‖ (LEITE, 1994,p.105-106), o produto só veio


a ter maior importância econômica no Ceará com a Guerra de Secessão
estadounidense17(1861-1865), quando teve ascensão em escala nacional, principalmente
no Ceará.
A Guerra de Secessão, que provocou a retração das exportações de algodão do
E.U.A para a Europa, teve importância destacada na dissipação da atividade algodoeira
no território cearense e para a sua maior inserção na divisão internacional do trabalho.
Desse modo tornando-se fundamental para entender as articulações e a relação dialética
entre os processos locais e globais no descortino da realidade.

Com efeito, a produção e a exportação do algodão cearense aumentaram


consideravelmente com o referido conflito. A tabela a seguir evidencia o contínuo
crescimento das exportações dentro de um curto período (dez anos).

Tabela 01 - Ceará: Exportação de algodão – 1861-2 /1871/2


Quilos
Anos Valor
(kg)
1861-2 745.828 470:479800
1862-3 646.050 659:234960
1863-4 888.290 1415:096280
1415:
1864-5 1.403.261
096280
1865-6 2.002.114 1776:325900
1866-7 2.380:838 2256:97000
1867-8 4.332:412 2249:267000
1868-9 4.686.300 3684:815000
1869-
5.219.147 4911:190000
70

17
A guerra civil dos EUA, mundialmente conhecida como Guerra de Secessão (1861-1865), ocorreu em razão da
diferença de interesses políticos e econômicos por parte da região sul dos Estados Unidos, grande produtora de
algodão e baseada na utilização de mão de obra escrava, com a região norte e industrial, contrária ao trabalho
escravo. A primeira reivindicava aumento nas taxas alfandegárias para não afetar o intercâmbio com a Europa, fato
que se chocava com os interesses da parte norte do território ianque, que defendia tarifas protecionistas para que
pudesse aumentar as vendas de suas fábricas. Com a eclosão deste conflito, a parte norte bloqueou o comércio da
parte sul com a Europa, impedindo a exportação de algodão e a importação de suprimentos. Este fato levou os países
europeus, sobretudo a Inglaterra, com seu setor têxtil em expansão, a buscar novas zonas produtoras de algodão
(LEITE, 1994, p.35).
66

1870-1 7.253.893 4033:040000


1871-2 8.324.258 4503:356000

Fonte: GIRÃO, Raimundo – História Econômica do Ceará. Fortaleza, Ed. Instituto do Ceará, 2000, p.227.

Se observarmos bem a tabela acima, perceberemos que mesmo com o findar


da Guerra de Secessão foi contínuo o aumento da produção de algodão no Ceará, assim
como a valorização de seu preço no mercado internacional. Isto fica explícito
considerando-se o período de 1871-72, quando seu preço alcançou o valor de
4503.356000 contos de réis.

A ascensão do algodão foi tão grande que, Leite (1994) destaca que por volta
da segunda metade da década de 1860, o valor da exportação algodoeira, em relação ao
total exportado pelo Ceará, chegou a atingir 72,6%, enquanto produtos como couro, café
e açúcar representavam 10,8%, 9,5% e 5,3%, respectivamente, do valor total exportado.

No quinquênio 1870-1875, o algodão manteve sua preponderância


contribuindo com 67,1% do valor total das exportações, sendo que o couro, o café e o
açúcar atingiram respectivamente 11,5%, 10,3% e 4,6%, do total das exportações
cearenses.

O mapa18 2, retirado e adaptado de Leite (1994), apresenta as principais


regiões de cultivo e comercialização e destino das exportações do algodão na província
do Ceará no período de 1860 a 1870.

18
É importante ressaltar que a base cartográfica utilizada na confecção deste mapa, não corresponde com precisão
com a divisão política e admistrativa da província cearense, visto que neste período a dimensão territorial que
correspondia a Crateús era pertencente ao Piauí e o que conhecemos hoje por Parnaíba, pertencia ao Ceará. Ver mapa
5 de elaboração do IPECE.
67
68

A análise do mapa revela Uruburetama se destacando enquanto área pioneira


no comércio de algodão. Já Icó, Quixeramobim, Quixadá e Sobral eram consideradas
centros de intermediação do comércio do algodão. As principais áreas produtoras eram
Crato, Pereiro, Baturité, Aratanha, Meruoca e Granja e como portos, descaram-se:
Aracati, Fortaleza, Acaraú e Camocim.

Como podemos perceber, já existia uma divisão territorial e social do


trabalho19 no Ceará provincial. As exportações do Ceará já ocorriam por conta própria,
tendo em vista a província haver ganhado a autonomia administrativa de Pernambuco
através da Carta Régia de 17 de fevereiro de 1799. (STUDART, 2001, p.426). De fato, a
espacialização da produção e comercialização do algodão no Ceará abrangeu parte
significativa da província e comprova a afirmativa de Santos (2010) de que as redes de
circulação do algodão se voltavam para o litoral, por onde este produto era exportado.

Fazendo uma leitura acerca do tipo de algodão cearense comercializado no


século XIX, Leite (1994, p.48) assevera que:

O algodão inteiro ou crioulo é uma planta herbácea e perene cujas sementes se


aglutinam formando uma massa, de onde advém o nome. Classificado como
Gossypium brasiliense tem fibras brancas, ásperas, grossas e brilhantes. O
algodão quebradinho é assim chamado por que suas sementes são separadas,
sendo uma planta perene, arbustiva ou arbórea, apresentando fibras mais ou
menos longas.

19
A cerca do conceito divisão social do trabalho ver MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Livro 1.
Vol.1. 13ª edição, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.; Mohus (1988) In: BOTTOMORE, T. Dicionário Marxista.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988. Para o conceito de divisão territorial do trabalho ver SANTOS, Milton.
Metamorfoses do espaço habitado. São Paulo, HUCITEC, 1988. e GODOI, Cíntia Neves; DEUS, Batista de. A
urbanização no Brasil e as diferentes divisões territoriais do trabalho ao longo do tempo. In: Caminhos de Geografia,
Uberlândia, v. 10, nº 30; jun-2009, p.128-141.
69

Continuando sua descrição sobre os tipos de algodão utilizados na província


cearense, Leite (1994, p. 48-49) afirma que:

O algodão herbáceo foi introduzido no Ceará em 1851. É classificado como


Gossypium hirsutun. L e possui grande variedade, sendo que a fibra mais
comprida é alva e resistente, enquanto que a fibra curta pode ser branca ou
castanha. Adapta-se melhor às regiões menos áridas e é comercialmente melhor
aceito. Seu plantio foi, inclusive, estimulado durante o surto algodoeiro de
1860, uma vez que as máquinas utilizadas nas manufaturas européias estavam
adaptadas a esse tipo de algodão. Assim, concorre vantajosamente com o
algodoeiro arbóreo. O algodão mocó foi introduzido no ceará somente em 1916,
sendo uma planta arbórea ou arbustiva, muito resistente às secas, possuindo
fibras longas, macias e finas20.

Como esclarece a citação anterior, o Ceará produziu tanto o algodão herbáceo,


quanto o algodão arbóreo. Este último adaptou-se melhor às condições naturais
cearenses, tendo nas décadas posteriores, sobretudo no século XX, aumentado
consideravelmente sua produção chegando a assumir a maior parte da produção
algodoeira do Ceará. Iguatu se tornava uma exceção, pois a maior parte de sua produção
era de algodão herbáceo (mais adaptado às áreas de várzeas).

A estrutura fundiária21 na qual se assentava a produção do algodão era a do


latifúndio-minifúndio (OLIVEIRA, 1981) existindo neste contexto o consórcio do
algodão com algumas culturas de subsistência e as relações de trabalho quase sempre
sendo baseadas nas relações de parcerias, meias e arrendamentos. Estas relações haviam
surgido com a pecuária e permaneceram com a atividade algodoeira no decorrer do
século XX (BARREIRA, 1992), demonstrando a secularidade de suas permanências e
continuidades. Segundo Leite (1994, p. 64):

20
Para uma descrição minuciosa sobre os tipos de algodão, cumprimento das fibras e os de maior aceitação no
mercado ver Raimundo Girão em seu livro História econômica do Ceará.
21
Para uma análise detalhada sobre a estrutura, o cultivo e as relações de trabalho da cultura algodoeira, ver Ana
Cristina Leite; O algodão no Ceará: Estrutura Fundiária e Capital Comercial 1850-1880 – Fortaleza: SECULT,
1994. (Coleção Teses Cearenses).
70

Evidencia-se, portanto, que a relação de parceria praticada na cotonicultura


cearense de corria de relações de trabalho já estabelecidas no semi-árido
nordestino. A parceria, existindo no Ceará desde de o início do século XIX, teve
sua prática intensificada a partir da segunda metade do mesmo século. O
parceiro ou morador recebia a terra, fornecendo em troca dois ou três dias de
trabalho por semana na terra do proprietário, o que representava um pagamento,
pelo uso da terra, em trabalho.

Ao fazermos uma rápida síntese da distribuição da produção e dos principais


fluxos econômicos, e de como estes provocaram consideráveis transformações na
organização espacial cearense, nos apoiamos novamente na cartografia apresentada no
trabalho de Santos (2010) que consegue nos oferecer uma ótima leitura da espacialização
da economia cearense do século XVIII e XIX.

O mapa 3, que é apresentado pelo autor, tem o intuito de espacializar a


produção da província do Ceará nas duas primeiras décadas do século XIX. O autor o
organizou dividindo a produção em três conjuntos produtivos: pecuária; agricultura de
subsistência e produção algodoeira. (Mapa 3).
71

Fonte: Maurício Caetano dos Santos


Retirado de: SANTOS, Maurício Caetano dos. Cartografia e Geografia Histórica: um olhar sobre a economia e
ocupação territorial da província do Ceará no período anterior à independência do Brasil.
72

Segundo o autor, cada um dos conjuntos tem evolução temporal e espacial


distintas, não significando, entretanto, que ocorreram de forma isolada, estando todas
dentro da lógica econômica colonial. Ao observarmos separadamente cada uma destas
estruturas produtivas, podemos fazer uma rápida caracterização delas a fim de entender a
forma como ocorreram suas espacializações.

A pecuária, por exemplo, que teve maior predominância no século XVIII,


abrange quase toda a dimensão territorial do Ceará. Isto se dá devido o caráter extensivo,
onde o gado era criado solto, o que favorecia a expansão dos currais e fazendas e o
povoamento dos sertões. Já as charqueadas se situavam em locais de grandes criatórios de
gado, como é o caso de Sobral, área que compreendia o alto Jaguaribe e o salgado,
Acaraú, e principalmente as áreas próximas aos portos, como: Aracati, Acaraú e
Camocim. Neste período, Fortaleza não exercia papel central administrativamente, fato
que viria a mudar com o período de ascensão da cultura algodoeira, pois parte dos
excedentes desta malvácea foram investidos na cidade, além d as influências políticas que
recebeu: fatores que lhe proporcionaram o status de capital e lhe garantiram centralidade
econômica no Estado.

Segundo Djacir Menezes (1995, p. 91),

a praça de Fortaleza – pondera Th. Pompeu Souza Brasil – mal aparelhada,


salvo para exportação das serras próximas de Baturité, era antes política do que
comercial. A carência de estradas trafegáveis impunha penosos e custosos
transportes em costas de animais. Durante certo lapso de tempo, tudo ocorreu
prejudicando a Capital, mero centro do aparelhamento político e administrativo.

Dando continuidade a leitura do mapa 3, observamos que a agricultura de


subsistência ficava situada sobretudo nas proximidades das serras da Ibiapaba e Baturité e
chapadas como a do Araripe, dentre outras localidades. Este tipo de agricultura que tinha
73

como predominância o consumo interno da província sofreu mudanças radicais com o


advento da cultura algodoeira. Historicamente, a cultura algodoeira foi desenvolvida no
Ceará através do consórcio com culturas alimentícias como o milho, o feijão e a
mandioca. Esta prática rendeu muitas riquezas aos donos das fazendas, visto que parte do
que era produzido com o algodão e seus alimentos ficavam com os fazendeiros, além de
não precisarem pagar aos pequenos produtores, sim os pequenos produtores que lhes
pagavam com a renda que obtinham com o trabalho ou o produto.

Segundo Leite (1994), a intensificação da cultura comercial, no caso do


algodão, levava à redução do plantio dos gêneros de subsistência, provocando sua
escassez e elevando seus preços.

Ainda sobre o mapa 3, o terceiro gênero produtivo, o algodão, ainda não tinha
o respaldo que viria a ter no final do século XIX e em boa parte do século XX. Como
podemos observar, esta cultura estava restrita às serras de Uruburetama, Meruoca,
Baturité, serra do Machado e outras áreas do território cearense. Nas duas primeiras
décadas do século XIX, que é o recorte temporal deste mapa, podemos asseverar que a
cultura algodoeira já era um produto de exportação da província cearense conforme nos
indica a citação de Leite (1994, p. 105-106):

A elevação contínua dos preços do algodão, que evoluiu de 3$400 réis a arroba,
em 1809 para 8$000 réis a arroba, em 1816, espalhou o cultivo dos algodoeiros,
tornando os distritos de Fortaleza e Aracati e as serras de Baturité,
Uruburetama, Meruoca, Pereiro e Aratanha seus principais produtores. Segundo
Lemenhe, a quantidade de algodão exportado pelos portos do Ceará, no ano de
1811, foi de 26.462 arrobas.

Dados apresentados por Takeya (1995), obtidos com o cônsul francês na Bahia
(1º de março de 1844), demonstram que do total do valor oficial das exportações em
74

milhares de réis, 113.622 eram de algodão22, sendo seguido pelo couro que representava
47.725 réis. Foi nas últimas décadas no século XIX que o algodão ganhou maior destaque
e assumiu o posto de principal atividade econômica do Ceará, conforme debatido
anteriormente.

Ainda nos baseando na cartografia histórica elaborada por Santos (2010), mas
desta vez fazendo uma análise dos fluxos econômicos da economia cearense (ver mapa 4)
desde o início de sua ocupação pelos europeus no século XVII até a independência em
1822, podemos perceber uma série de mudanças no que concerne às estruturas. Como
exemplo, podemos citar a criação de equipamentos técnicos e mudanças nas estruturas
produtivas, mas isso não significando necessariamente melhoria na vida de todos.

22
De acordo com os dados, o destino do algodão era para a Grã-Bretanha com o valor de 113.052 réis e Portugal
com 570 réis. Isso para de 1841-42. (TAKEYA, 1995).
75

Fonte: Maurício Caetano dos Santos


Retirado de: SANTOS, Maurício Caetano dos. Cartografia e Geografia Histórica: um olhar sobre a economia e
ocupação territorial da província do Ceará no período anterior à independência do Brasil.
76

É fundamental para o pesquisador desvendar as mediações ocultas na


aparência do real. Segundo Kosik (1976, p. 11),

O mundo da pseudoconcreticidade é um claro escuro de verdade e engano. O


seu elemento próprio é o duplo sentido. O fenômeno indica a essência e, ao
mesmo tempo, a esconde. A essência se manifesta no fenômeno, mas só de
modo inadequado, parcial, ou apenas sob certos ângulos e aspectos. O
fenômeno indica algo que não é ele mesmo e vive apenas graças a seu contrário.
A essência não se dá de imediato; é mediata ao fenômeno e, portanto, se
manifesta em algo diferente daquilo que é. A essência se manifesta no
fenômeno. O fato de se manifestar no fenômeno revela seu movimento e
demonstra que a essência não é inerte nem passiva. Justamente por isso o
fenômeno revela a essência. A manifestação da essência é precisamente a
atividade do fenômeno.

Fazendo-se uma análise para além do imediato, do aparente, conforme assinala


Leite (1994), há uma lógica contraditória que põe a riqueza acumulada sobretudo nas
mãos dos grandes proprietários de terras, dos comerciantes de algodão e de importadores
de bens de luxo. A utilização do excedente econômico dos proprietários rurais adquirido
através da cultura algodoeira, baseada nos inventários dos fazendeiros e dos comerciantes
(em muitos casos a mesma pessoa), nos dá uma noção da riqueza gerada com a cultura
algodoeira e de como ela era má distribuída.

Segundo Santos (2010), o objetivo do mapa 4 é representar os fluxos


econômicos e de produção em diferentes períodos (dinamismo temporal), a direção
desses fluxos, (dinamismo espacial) e a intensidade deles. Explicando com maiores
detalhes a construção deste mapa, o autor assinala que na representação dos fluxos
produtivos optou-se por simbolizar o movimento por flechas de ponta dupla a fim de
mostrar que o movimento era bidirecional. Com relação à distinção dos diferentes
períodos dos fluxos o autor atribui cores distintas, sendo a vermelha para o período que
vai até os fins do século XVIII e a cor verde para os fluxos que compreendem o período
de 1800 a 1820.
77

Uma análise detalhada do mapa 4 revela que o primeiro período dos fluxos
corresponde ao período de povoamento inicial do Ceará, com destaque para a pecuária. A
este respeito o próprio autor afirma que:

Um primeiro período englobando os dois primeiros séculos de povoamento da


província (século XVII e XVIII) quando predominou um movimento de
expansão da fronteira de ocupação produtiva, comandada pela pecuária, e
depois pela indústria da charqueada onde percebemos pela distribuição dos
fluxos uma nítida divisão Leste-Oeste, e uma intensa ligação com as províncias
vizinhas, principalmente Pernambuco e Piauí (SANTOS, 2010, p.12).

Já o segundo período, representado pela flecha verde e que corresponde as


duas primeiras décadas do século XIX, indica que a cultura algodoeira começa a ganhar
destaque na economia cearense redefinindo os fluxos econômicos, e fazendo prevalecer
os fluxos internos dentro da província, sobretudo em Fortaleza, devido ao aumento das
exportações para a Europa. Os dois fluxos representados nesta análise espaço-temporal
revelam uma série de transformações no território cearense e a criação por parte do
capital, de paisagens que se adequam às suas estratégias de reprodução em um
determinado período. No caso específico do Ceará e mesmo do Brasil, acreditamos que o
capitalismo se desenvolveu através de relações não capitalistas. A esse respeito Oliveira
(2003, p. 61) postula que:

[...] a história e o processo da economia brasileira podem ser entendidos, de


modo geral, como o da expansão de uma economia capitalista (...) mas essa
expansão não repete nem reproduz ipis litteris o modelo clássico do capitalismo
nos países desenvolvidos, nem a estrutura que é o seu resultado [...].

Outra observação destacável no mapa 4, é o papel assumido por determinadas


regiões do interior da província como: Acaraú, Jaguaribe, Sobral, Camocim, Icó e das
serras de Baturité, do Machado, dentre outras regiões.
78

O aumento e a espacialização da população na província cearense, a nosso ver,


estão correlacionados com os fluxos econômicos das estruturas produtivas, sobretudo a
pecuária e a cotonicultura. Podemos demonstradas isso na tabela a seguir:

Tabela 2: População do Ceará em 1777

Freguezias Habitantes
1- Vila de Aquiraz 4.766
2- Vila de Arronches 1.059
3- Vila do Crato 3.146
4- Monte – Mor Velho 348
5- Arneiroz 612
6- Vila de Viçosa 7.171
7- Vila de Fortaleza 2.874
8- Russas 7.359
9- Quixeramobim 2.622
10- Vila do Icó 8.564
11- Cariris Novos 4.078
12- Amontada 1.337
13- Inhamuns 4.210
14- Sobral 6.207
15- Granja 2.478
16- Almofala 198
17- S. Gonçalo – Serra dos Cocos 3.577
Total 61.408
Fonte: Waldery Uchoa. Anuário do Ceará 1955-1956 ano V; Editora Fortaleza- Ceará- Brasil, 1956.
Nota: Realizado pelo Capitão – General José César de Menezes.

Como podemos observar em recenseamento realizado pelo Capitão-General


José César de Menezes, no ano de 1777, a população do Ceará atingia o número de
61.408 habitantes, destacando-se a Vila de Aquiraz com 4.766 habitantes, Sobral com
6.207 habitantes, a Vila de Viçosa com 7.171 habitantes, Russas com 7.359 habitantes e a
Vila de Icó com 8.564 habitantes: estes eram os maiores aglomerados humanos do ano
supracitado. Uma análise mais aprofundada da estrutura populacional da época revela que
79

como a população livre, a escrava não foi recenseada possivelmente por falta de
informações. Se correlacionarmos o contingente populacional com os fluxos econômicos,
perceberemos que estas localidades se destacavam como pólos da criação de gado ou
eram entrepostos comerciais devido as suas localizações estratégicas dentro da província.

Com base em dados retirados de Brasil (1997), podemos afirmar que no ano
de 1813 a população do Ceará era em sua totalidade de 145.265 habitantes divididos
entre as comarcas do Ceará e do Crato. Destas, podemos destacar as Vilas de Crato e
Jardim, que juntas somavam 32.822 habitantes, Icó e Lavras, que juntas somavam 18.216
habitantes, Sobral com 15.218, São Bernardo com 11.363 habitantes e Aquiraz com
10.791 habitantes (BRASIL, 1997).

Esta rápida introdução à história econômica cearense era fundamental para


entendermos o município de Iguatu em sua historicidade, perpassando desde sua
formação territorial, quando ainda era chamado de Telha e constituía um povoado
pertencente à Vila de Icó. Até o momento em que Iguatu se destaca economicamente no
Ceará enquanto um dos principais produtores de algodão desse Estado, em meados do
século XX.

3.2. A Ribeira dos Quixêlos: os primórdios da ocupação de Iguatu

A história do município de Iguatu está estritamente vinculada ao processo


histórico de colonização e ocupação do Ceará conforme discutimos anteriormente.
Segundo Nogueira (1985), Iguatu, em sua origem, compreendia uma vasta área
denominada Ribeira do Quixelô, que pertencia à Vila de Icó, da qual também faziam
parte os atuais municípios de Saboeiro, Arneirós, Tauá (Inhamuns) e Jucás (São Mateus).
80

Esta região era habitada inicialmente pelos índios quixelôs, pertencentes à raça tapuia que
fora aldeada por volta de 1719.

Nogueira (1962, p. 17-18) afirma que:

a penetração e o povoamento da região iguatuense fizeram-se lentamente, mas


continuados, com as naturais dificuldades que apresentava uma zona localizada
em pleno interior sertanejo, mesmo que ela fôsse, geográficamente, pobre de
acidentes, a não ser um rio de maior extensão – o Jaguaribe – que significa,
como informa Manuel Ayres de Cazal, na língua dos indígenas, rio das onças, e
mais alguns afluentes de relativa importância, várias lagoas, sendo apenas uma
de maior tamanho, aquela que, no futuro, daria o nome definitivo à Cidade – a
lagoa do Iguatu – e, praticamente, nenhuma elevação apreciável, a não ser
pequenas serras ou ―serrotes‖, quer dizer, a zona que o colono teria que
considerar a mais perigosa, porque, além de desconhecida, ali estava alerta, para
defendê-la até a morte, o indígena valente e feroz.

Este escrito de Nogueira contribui para entender a história de Iguatu através da


longa duração e das diferentes temporalidades de Braudel (1958, 2007), de quem
destacamos a estrutura e as conjunturas. A estas o município viria a se inserir
posteriormente, através da longa temporalidade capitalista e das conjunturas políticas,
econômicas e culturais existentes no devir histórico desta municipalidade.

Existem algumas controvérsias na historiografia cearense acerca do processo


de ocupação inicial de Iguatu. Dentre as quais, temos o posicionamento daqueles que
defendem que sua ocupação se deu a partir de 1700 e os que defendem que tal ocupação
se deu em data anterior. Segundo Nogueira (1962), a concessão de sesmarias para os
colonizadores para criarem gado e povoar a província, constitui consenso na história de
ocupação e povoamento dos sertões cearense.
81

Discutindo acerca do processo de povoamento23 do Ceará, Djacir Menezes


(1995) assevera que até 1690, pouco se conhecia do interior cearense. Para este autor, no
século posterior, o povoamento pela Ribeira do Jaguaribe cobria 30 léguas rio acima, a
partir da barra do Boqueirão das Cunhas. Já a Ribeira do Icó, prolongava-se dali a 90
léguas ao sul, abrangendo Missão Velha, Crato, Inhamuns e Arneirós. ―A Ribeira dos
Quixelôs compreendia as nascentes do Jaguaribe ao afluente do rio Salgado. A Ribeira
dos Cariris compreendia a faixa entre o Salgado e as faldas do Araripe‖ (DJACIR
MENEZES, 1995, p.47).

Conforme este mesmo autor,

[...] As primeiras datas de sesmarias, no Ceará, por exemplo, não remontam aos
fins do século XVIII, quando começou a infiltração na ribeira do Jaguaribe e
Ubérrimo vale do caririense. Antes do último quartel do século XVII, apenas o
presídio de Fortaleza, a vila do Aracati e Aquiraz, surgiam como primeiros
núcleos civilizadores. [...] (DJACIR MENEZES, 1995, p.35).

Nogueira (1962), com base em vasta análise documental, sugere que já por
volta de 1681, em um local chamado Quixoá, o sargento mor, João de Sousa de
Vasconceles, ali já residindo e sendo o primeiro colonizador do local, e logo em 1682,
Francisco Nogueira Lima, ocupando o mesmo território, que passava a ser conhecido
como Itans, o sítio Irapuás. Mas foi com o estabelecimento das sesmarias que o colono
passou a fixar-se em definitivo (Cf. p.26). Acrescenta, ainda, com base em Raimundo
Girão, que da sesmaria se formava uma fazenda onde se organizavam as famílias, os
proprietários de terras e chefes políticos (Idem; Ibdem, p.26). Portanto, emblemática
estrutura organizacional nordestina que traz na origem o latifúndio e relações de poder

23
Segundo Sousa (2007), [...] é através da implementação das fazendas de gado nos vales dos principais rios e do
posterior crescimento das culturas comerciais voltadas para o mercado de exportação como, por exemplo, a produção
do algodão a partir da segunda metade do século XIX, se dá a ocupação do território. (2007, p.13).
82

pautadas no autoritarismo e paternalismo ajudaram na constituição do território. Nogueira


(1985, p. 29) informa que:

[...] a primeira terra obtida na região iguatuense e seu município, se deu através
da data de sesmaria de 26 de janeiro de 1706. Dois foram os seus beneficiários;
o capitão Lourenço24 Gonçalves Moura e Teodózio Nogueira (este foi o 23º
donatário data do Jaguaribe). É este, portanto, o primeiro registro de datas que
se verifica em terras da região iguatuense, direta e declarada.

Cabe inclusive ressaltar que a ocupação por parte dos brancos na extensão
territorial que viria a configurar a província do Ceará se deu em boa parte pelo sistema de
concessão de sesmarias para a criação do gado.

A lógica das concessões de sesmarias foi à forma política predominante de


apropriação da Ribeira dos Quixelôs, habitada até então pela tribo indígena 25 da raça
tapuia, os quixelôs. As disputas políticas por concessões de terras foram frequentes na
fase inicial da povoação do que hoje conhecemos por Iguatu, donde o confronto de maior
proporção foi exercido pelas famílias Monte e Feitoza26, conflito este que perdurou por
muitos anos e que extrapolou o âmbito local passando a ser conhecido em outros
quadrantes da província.

Nogueira (1962; 1985) faz uma análise detalhada das leis de sesmarias desde o
final do século XVII, início de ocupação por parte dos conquistadores brancos,
perpassando pelo século XVIII, e findando no século XIX. O estudo aprofundado destas
concessões são fundantes para o entendimento da estrutura agrária, da formação
territorial e mesmo dos agentes políticos que governavam e que, através do tempo, na

24
Ver Data de Sesmaria nos apêndices de nossa pesquisa.
25
É necessário ressaltar, a falta de trabalhos em Geografia que procuraram fazer uma espacialização das tribos
indígenas no Ceará, visto que estes também poderiam nos dar proposições para entender a ocupação do espaço
cearense.
26
A briga histórica e que ocorreu entre as tradicionais famílias Montes e Feitoza teve início devido a concessão de
terras cedida aos Feitoza, mas que era reivindicada pelos Montes que afirmavam ali já terem se apropriado. Além
deste vários foram os fatores que asseveraram a luta entre esta famílias e que não se faz importante nosso
comentário.
83

figura dos descendentes daqueles conquistadores iniciais, mantiveram o poder econômico


e político de Iguatu no período áureo do algodão. Segundo Nogueira (1962), é neste
período (1720) que pela primeira vez aparece o único registro referindo-se textualmente
ao sítio de Telha.

Fazendo uma análise dos inventários de 1744, este autor afirma que a Ribeira
dos Quixelôs já vivia certa prosperidade econômica, sobretudo no que se refere à
agricultura e à pecuária. Segundo Nogueira (1962), também é desta data (1744) a
concessão de 2 de julho de 1744, na qual se encontra pela primeira vez a referência
expressa a Telha como povoação. É interessante ressaltar que os grandes beneficiários
das concessões de terras, eram figuras de outras províncias, como as de Pernambuco e
Rio Grande do Norte, além das elites de Icó. que neste período, 1738, já detinham o título
de vila.

Além da concessão de sesmarias, a expansão econômica européia tem como


grande aliada, a religião cristã: era o braço cultural de tal expansão. A catequização dos
indígenas foi um fator de relevante importância para o processo de colonização e
povoamento dos sertões do centro-sul. Segundo Montenegro (2008), Assis Couto (1958;
1999) e Nogueira (1962; 1985), o aldeamento dos Quixelôs ocorreu por volta do ano de
1719 com a nomeação do Cel. Gregório Martins Chaves para administrador. Pelos
estudiosos, é considerado o primeiro homem público de Iguatu.

Com acuidade, riqueza de detalhes e comprovação documental, Nogueira


(1962; 1985) e Assis Couto (1958)27defendem que a catequização dos indígenas foi feita
pelos padres carmelitas e não pelos jesuítas, como afirma parte da historiografia.
Comprovando através de vasta documentação, coletada principalmente na obra de

27
Em publicação posterior datada de 1966, intitulada A Diocese de Iguatu (seus primórdios históricos), Assis Couto
assevera que nem foram os Carmelitas e nem os jesuítas que catequizaram os indígenas da região, mas um Padre
secular do Hábito de São Pedro. O autor toma por base para tais afirmações, o Livro Informação Geral da Capitania
de Pernambuco, de 1670-1749.
84

Bezerra de Menezes, Nogueira (1962) assegura que a catequização dos índios quixelôs
ocorreu sob a influência dos padres carmelitas. Segundo Assis Couto (1958), existia
inclusive, uma preferência e uma aliança política por parte dos colonos, sobretudo dos
irmãos Feitoza (Lourenço e Francisco) para com os padres carmelitas.

Os sacerdotes Carmelitas, desde fins do século dezessete (1696), já operava


nessa vasta região jaguaribana. Ora catequizando os nossos selvagens. Ora
obtendo datas de terras. Ora mendigando ou melhor, recebendo dos fiéis
cristãos gados que, de esmolas, se davam a Nossa Senhora do Carmo.(ASSIS
COUTO, 1960; 1999, p.41).

A ação dos carmelitas nessa região causou alguns confrontos políticos com a
própria coroa portuguesa, ficando isso explícito quando El rei foi informado em 1697 que
seus direitos estavam sendo lesados. Daí escrevendo uma carta ao governador de
Pernambuco declarando ser de sua propriedade e não dos carmelitas de Recife os gados
sem divisa e marca esparsos pelo território da capitania do Ceará (ASSIS COUTO,
1960).

A intervenção da Igreja através dos Carmelitas teve papel fundamental na


povoação e mesmo na expansão territorial de Telha. Isso fica claro com a catequização
dos índios (1719), a chamada Missão da Telha (1729), a construção da capela de Telha
(1746-1765), a dependência eclesiástica de São Mateus e a criação da Matriz de Telha
(1831), hoje Matriz de Iguatu (ASSIS COUTO, 1958; 1999).

Longos anos de disputas por terras das sesmarias levaram à exterminação de


grande parte dos indígenas28 e aos poucos foi dando-se a configuração territorial da
Telha, que inicialmente era um sítio, passando a povoação, depois povoado e logo após, à

28
Em decorrência da grande matança de índios, Montenegro assevera que em 31 de março de 1764, o ouvidor do
Ceará, Dr. Vitorino Soares Barbosa, por edital, ordena que a antiga Missão da Telha com todos os índios quixelôs
migrem para a Real Vila de Monte-Mor, o Novo da América, hoje cidade de Baturité. Esse fato trouxe uma baixa
considerável na população do sítio Telha. (MONTENEGRO, 2008, p. 20).
85

condição de vila, e posteriormente de cidade. Primeiramente foram ocupadas as terras das


Itans (1706), depois Mutucas e Baú (1717), Trussu, Barra na lagoa do Iguatu e do Baú
(1720), terras das Cajazeiras e Itans (1731), Cavaco e Lagoa Redonda (1747)
(NOGUEIRA, 1962; ASSIS COUTO, 1958). Esta seria segundo Assis Couto (1958), a
primeira fase de colonização das terras que configurariam Iguatu, denominado naquele
momento de Telha.

É possível inferir o papel da economia com base na pecuária, da política com a


concessão de sesmarias vinculada à Coroa portuguesa, e também da cultura (cristianismo)
com o processo de catequização dos indígenas, como elementos importantes na fase
inicial de povoamento e consolidação das bases territoriais de Iguatu. Se confrontarmos a
realidade acima destacada com os propósitos da leitura braudeliana, poderemos constatar
que a conjuntura político-econômico-cultural na qual se inseria Iguatu, se adequa a uma
longa temporalidade advinda da Europa, ou seja, o capitalismo e a religião cristã que
podem ser encarados como estruturas que se realizam numa conjuntura e temporalidade
específicas. Conforme Braudel (2007) é neste ponto que identificamos as permanências
da estrutura existindo em determinada conjuntura.

Parafraseando Braudel em seu último livro, Teria a Geografia inventado a


França, livro em que descreve com precisão as relações que se estabeleceram entre a
sociedade francesa em sua diversidade, com o seu meio circundante, destacando as
formas de organização do trabalho, dos sistemas de cultivo, das relações sociais, culturais
e econômicas, nos indagamos se teria a geografia inventado Telha (Iguatu) na longa
duração. Ou melhor, qual o papel da Geografia na conformação territorial de Iguatu? Não
estamos aqui pretendendo chegar a nenhum determinismo seja qual fosse ele, nem
mesmo eleger a geografia e o espaço como estruturas dominantes e determinativas das
relações sociais. Pelo contrário, acreditamos que o espaço é determinado e determinante
das relações sociais, sendo necessário o entendimento da dialética espaço-temporal. Neste
86

sentido, faz-se necessário levantarmos um debate teórico conceitual acerca do que


entendemos por espaço e mesmo por território.

Compreendemos o espaço como histórico e social, sendo resultante das


relações sociais em que o trabalho é fundamental a sua constituição. Corroborando com
este pensamento, Carlos (1997) afirma que ―o espaço é um produto histórico e social
resultante das relações que ocorrem entre a sociedade e o meio circundante‖. A autora
ainda acrescenta que o espaço não é humano por que o homem o habita, mas porque o
constrói, o reproduz, tornando-o objeto em que o trabalho lhe é próprio.

Ratificando nosso pensamento, com as afirmações de Moraes (2008, p. 41):

Parte-se do entendimento da geografia humana como ciência social que tem por
objeto o processo universal de apropriação do espaço natural e de construção de
um espaço social pelas diferentes sociedades ao longo da história. Defende-se
que tal processo é passível de ser identificado num corte ontológico do real, isto
é, manifesta-se na realidade com determinações específicas ímpares, atuando
como elemento particularizador, em si uma mediação na análise dos fenômenos
históricos. Sendo tal processo resultante exclusivo do trabalho humano, e
apreendendo o trabalho como ato teleológico de incorporação e criação de
valor, acata-se que a formulação categorial mais precisa e genérica para
expressá-lo deva ser a valorização do espaço.

Desta forma, a produção do espaço está estritamente ligada aos interesses e às


relações sociais, ou seja, a relação sociedade-espaço. De acordo com Moraes (2008), ―o
espaço produzido só é explicável em função do processo que o engendrou, e a forma
criada só se revela pelo seu uso social a cada momento, este é que lhe atribui um
conteúdo ao qualificá-la como um valor de uso‖. Ainda que:

[...] a valorização do espaço pode ser apreendida como processo historicamente


identificado de formação de um território. Este envolve a relação de uma
87

sociedade específica com um espaço localizado, num intercâmbio contínuo que


humaniza essa localidade, materializando as formas de sociabilidade reinante
numa paisagem e numa estrutura territorial. O valor fixado vai tornando-se uma
qualidade do lugar, o quadro corográfico sendo cada vez mais o resultado das
ações sociais ai desenvolvidas, obras humanas que subvertem as características
naturais originais. Construções e destruições realizadas passam a fazer parte
desse espaço, qualificando-o para as apropriações futuras. A constituição de um
território é, assim, um processo cumulativo, a cada momento um resultado e
uma possibilidade – um contínuo em movimento. Enfim, um modo parcial de
ler a história. (MORAES, 2008, p.44-45).

Em nenhum momento, entendemos que esta visão considera o espaço como


um mero palco. Pelo contrário, encontramos nesta forma de pensar uma relação dialética
entre sociedade-espaço. A diferença é que nossa forma de interpretar o espaço, não o
fetichiza e nem lhe dá tanta autonomia. Se levarmos esse debate para o campo
ontológico, perceberemos a prevalência das relações sociais, mas isso não significa negar
o papel das práticas espaciais.

É neste momento que passamos do horizonte teórico genérico da categoria


espaço (MORAES, 2008) para o conceito de território. Entendemos, assim como o faz
Moraes (Ibid), que o elemento definidor do território é seu uso, ou seja, é a apropriação
de determinado espaço que o qualifica como um território.

Moraes (2008, p.45) nos assegura que ―esse conceito é impossível de ser
formulado sem o recurso a um grupo social que ocupa e explora aquele espaço, o
território – nesse sentido inexistindo enquanto realidade apenas natural [...]‖.

Entendemos que é no território que compreenderemos as mediações e


processos que contribuíram para a produção do espaço de Iguatu ou como nos afirma
Moraes (2008, p.45), é no território, ou melhor, em sua produção, que as determinações
mais especificamente econômicas associam-se às injunções do universo da política. É ―na
88

historicidade plena dos processos singulares (que) brota a possibilidade de indicar os


agentes do processo, os sujeitos concretos da produção do espaço‖.

É a partir disso que entendemos o processo de constituição da realidade de


Iguatu em sua historicidade, podendo elencar como fizemos anteriormente, o papel
econômico da pecuária casado ao papel político das sesmarias, que garantiam a expansão
da pecuária e a criação de grandes latifúndios nas mãos de poucos beneficiários, e o papel
da Igreja na catequização. É desta estrutura econômica, política e cultural, que segundo
Djacir Menezes (1995), vai se criar no nível do Ceará, o binômio do violento e do
místico, através do cangaço e do fanatismo religioso.

Feitas as ponderações sobre o contexto de povoamento inicial de Telha,


procuraremos a seguir entender através das discussões anteriores, os processos político-
econômico-culturais que engendraram a transformação de Telha enquanto pequeno
povoado de Icó, a Iguatu, principal cidade do centro-sul cearense.

3.2.1. De Telha a Iguatu e o contexto agro-exportador cearense

Conforme o exposto anteriormente, o entendimento das diferentes


temporalidades é importante para a compreensão do movimento da totalidade. É neste
intuito que se apreende a realidade de Telha29 (Iguatu) no contexto cearense. Em nossas

29
Acerca da denominação de Telha, Nogueira (1962) vai de encontro a afirmação de autores que defendem que este
nome foi dado àquela localidade, devido a mesma possuir uma antiga telharia que produzia estes artefatos. Segundo
este autor a tradição oral transmitida pelo sertanejo Antonio Freitas Pequeno (falecido em 1960, então morador na
Canafístula, Município de Iguatu), com oitenta anos de idade, que ouviu a história quando criança, de seu pai,
Francisco de Freitas Pequeno, que foi suplente de vereador de Iguatu, pelos idos de 1893-1894, o qual, por sua vez,
teve a notícia por intermédio de pessoas mais antigas. É uma tradição que alcança duzentos anos mais ou menos. Eis
a tradição, pois, transmitida por aquêle ainda lúcido octogenário Antônio de Freitas Pequeno, conforme nossa
indagação. No local em que hoje se encontra Iguatu, diziam os mais antigos moradores que, após a expulsão dos
índios Quixelôs, os primeiros conquistadores, tendo em vista que as palhoças deixadas pelos silvícolas eram fáceis
de ser destruídas pelo fogo e penetradas pela água da chuva, idealizaram um meio de protegê-las. Para isso,
89

explanações anteriores, destacou-se que o povoado de Telha30 pertencia à Vila de Icó31,


uma das primeiras e mais importantes vilas criadas no Ceará e que se originou de um
interposto comercial, decorrente inicialmente da pecuária e posteriormente da atividade
algodoeira. Neste período (meados do século XIX) a atividade algodoeira já se expandia
por boa parte do território brasileiro e mesmo cearense, com o intuito de suprir os
mercados externos europeus. Prado Júnior (1967) destaca no contexto cearense, a bacia
do Jaguaribe, sendo seu principal centro o alto interior, onde se situa Icó.
Segundo Brasil (1864; 1997) a comarca de Icó correspondia territorialmente
aos municípios de Icó, Pereiro, Lavras e Telha, situada acima do município de Russas,
sobre o rio Jaguaribe e Salgado. (Mapa 5).

colocaram sôbre um cavalete, barro amassado em tôda a sua extensão e que, depois de sêco e retirado, lembrava
vagamente a forma de uma telha. Tal objeto, pois, empiricamente construído, destinou-se a cobertura das tôscas
habitações deixadas pelo indígena que se retirara perseguido pelo branco. O invento, de forma ligeiramente côncava,
lembrando uma telha, foi tida como tal, e Telha ficaram os moradores chamando o lugar. Se alguém, portanto, ia
para aquêle local e se indagava seu destino, dizia-se: ―Vou para a Telha‖. (NOGUEIRA, 1962, p. 38-39).
30
Segundo Nogueira (1962), vale ressaltar o seguinte: como povoação, num único documento o nome deixa de ser
simplesmente Povoação da Telha. E isso se verifica na memória de 18 de abril de 1814, redigida pelo então
Governador Luís Barba Alardo de Menezes, sobre a Capitania independente do Ceará Grande, ao fazer a descrição
das diversas Vilas da mesma, e em se referindo a Icó, ao tratar das povoações com que conta o têrmo desta, diz
textualmente – Santa Anna da Telha na ribeira do Quixelô (documento existente no Arquivo Público e publicado na
Revista do Instituto do Ceará, ano XI, tomo XI. Pág. 47, Fortaleza, 1897). Seria êste, então, o nome oficial da
povoação da Telha, nos idos de 1814: Santa Ana da Telha. (NOGUEIRA, 1962, p. 42).
31
Segundo Montenegro (2008) Icó assumia a posição de Vila no dia 04 de maio de 1738, sendo está, a terceira Vila
mais antiga do Ceará em ordem cronológica, sendo antecedida por Aquiras e Fortaleza.
90

Mapa 5: Divisão política do Ceará - 1823

Fonte: IPECE
91

Como se pode perceber no mapa, Icó correspondia a uma vasta extensão


territorial e possuía grande importância econômica para a província do Ceará, enquanto
Icó despontava como uma das principais vilas. Telha passava por um processo de
transição de sítio para povoação, sendo grande parte de suas terras pertencentes aos
moradores de Icó. Sua economia se restringia a uma agricultura rotineira, de subsistência
e pecuária, atividade econômica predominante em boa parte da província do Ceará. De
acordo com as discussões anteriores, podemos identificar inclusive, que já existia certa
divisão social e territorial do trabalho entre a povoação de Telha e Icó.

As leituras acerca de Telha em seu processo inicial de ocupação nos levam a


crer que este povoado tinha bastante destaque na pecuária, haja vista o número de
pedidos de sesmarias para a criação de vacas e de cavalos. Isto nos permite supor que
Telha fornecia gado para Icó, que também possuía muitas fazendas e era um dos
principais entrepostos comerciais da época. Para se ter uma idéia, o recenseamento
realizado pelo Governador Borges da Fonseca, para o ano de 1818, quantifica que nas
972 fazendas localizadas no Ceará viviam 34.181 habitantes. Das mesmas 972 fazendas,
314 pertenciam à ribeira do Icó que continha 9.912 habitantes (ANUÁRIO DO CEARÁ,
1955-1956).

Segundo Nogueira (1962), quando raiou o século XIX, a ribeira dos Quixelôs
havia sido conquistada e estava povoada em muitos e diferentes locais. Acrescenta que
muitas terras ainda estavam por serem ocupadas, tanto que as últimas que foram
conquistadas através da concessão de sesmarias, correspondem a data de 28 de novembro
de 1821, por Manuel José de Araújo Silva.

Wilson Lima Verde32, ilustre morador e estudioso de Iguatu, afirma que no


iniciar do século XIX ainda predominavam em Telha a agricultura itinerante e a pecuária.

32
Wilson Lima Verde tem 75 anos, é morador e importante estudioso de Iguatu. Além de historiador ele foi
jornalista e trabalhou no Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil, em Iguatu, na década de 1960. A ajuda
92

O algodão ainda não tinha tanto destaque neste período naquela localidade, fato que viria
a ocorrer no início do século XX. Mas nem por isso, este povoado deixou de ter
importância, conforme afirmação de Nogueira (1962, p.49),

[...] a povoação de Telha, pouco a pouco, ia-se tornando, sob vários aspectos,
cada vez maior (...). Era natural, assim, que se tornasse mais complexa a sua
sociedade e novas exigências aparecessem para o funcionamento do agregado
humano. Criam-se nela, então órgãos da administração que antes, funcionavam
no Icó. Este, por sua vez, foi perdendo o contrôle paulatinamente, da povoação.
Era a preparação para que, num futuro não distante, fosse criada a Vila da
Telha.

Um bom exemplo da ascensão política e econômica de Telha pode ser


demonstrado através de seu contingente populacional, ao compararmos o mesmo ao
contingente populacional de Icó. Segundo dados do recenseamento de 1872, baseado no
número de habitantes por paróquias, Icó apresentava 13.807 e Telha 12.714 habitantes
(ANUÁRIO DO CEARÁ, 1955-1956). Estes números apesar de abstratos, nos dão uma
boa ideia da importância que o povoado de Telha começava a assumir no contexto da
região centro-sul da província.

A elevação de povoado para vila33 deu-se através da Lei provincial nº 558, de


27 de novembro de 1851, mas sua inauguração de fato só veio a ocorrer em 25 de Janeiro
de 1853. Segundo Nogueira (1962), após 21 anos de criação, a nova vila apresentou
significativo desenvolvimento econômico, tornando-se um importante centro
administrativo da região centro-sul do Ceará e passando à categoria de cidade em agosto
de 1874.

O nome Telha foi substituído por Iguatu em 1883 e a denominação adotada


decorreu do nome da principal lagoa que corta a cidade. As vésperas da proclamação da

deste ilustre morador foi fundamental no desenvolvimento de nossos estudos, por ser ele detentor de rico cabedal de
conhecimentos sobre Iguatu.
33
Ver Ata de instalação da Vila de Telha e posse da Câmara da mesma, nos apêndices de nossa pesquisa.
93

República, Iguatu já demonstrava significativo desenvolvimento econômico e ganhava


destaque e influência na política cearense, sobretudo nas pessoas do Cel. Belisário Cícero
Alexandrino, integrante da oligarquia acciolana e de seu principal rival político, Cel.
Celso Lima Verde.

Estes grandes acontecimentos que envolvem Iguatu estão inseridos num


contexto estrutural que corresponde à ascensão do capitalismo moderno ao nível mundial,
quando a conjuntura político-econômica cearense começa a ganhar destaque com a
atividade algodoeira.

Com a produção e comercialização do algodão, a província cearense ganha


maior notoriedade no contexto da expansão das relações capitalistas, o que pode ser
percebido através de uma divisão interna do trabalho, em que existiam as zonas
produtoras e as zonas coletoras e acumuladoras das riquezas. Também é nesse contexto
que podemos observar na realidade cearense, a incessante relação dialética e contraditória
da coexistência de relações capitalista se desenvolvendo através de relações não
capitalistas. Isso nos leva a indagar se de fato o processo de acumulação primitiva no
Ceará não teria se desenvolvido ao mesmo tempo em que se dava o início de um processo
de acumulação de capital propriamente dito.

Assumindo importância fulcral no contexto agro-exportador cearense, o


algodão constituiu, durante mais de um século, a principal atividade agrícola do Estado,
ficando conhecido como o ―ouro branco‖. Ele constituiu fator prioritário para a
implantação de infraestrutura, como rodovias para o escoamento da produção, visto que
naquele período as vias de circulação eram precárias e o transporte do algodão era feito
no lombo de animais, sendo necessárias a abertura de estradas e mesmo a ampliação das
linhas ferroviárias. O boom das exportações do algodão contribuiu para a mecanização no
campo e a criação do Serviço Estadual do Algodão. Também favoreceu o comércio nas
94

cidades e propiciou a industrialização cearense34 ao induzir o surgimento das primeiras


indústrias têxteis e de produção de óleos.
São inegáveis as marcas deixadas pela economia algodoeira na formação
territorial do Ceará, fato que pode ser apreendido tanto nas formas materiais quanto nas
imateriais que ainda coexistem. Além disto, contribuiu para que Fortaleza assumisse a
condição de centro coletor do algodão produzido no interior, tornando-se
consequentemente por este motivo e por sua importância política, a cidade de maior
destaque na economia do Ceará. A citação a seguir expressa o papel assumido por
Fortaleza com o advento da produção algodoeira:

[...]Com o aproveitamento do algodão, através de indústrias de tecidos em


Fortaleza, inicia-se o período fabril cearense e a capital, além de exercer o papel
de grande coletor e beneficiador de produtos primários, tornar-se aos poucos
centro de transformação da produção primária. (SILVA, 1989, p.85).

Desse modo o algodão além de ser um grande dinamizador da economia, teve


destacada importância na produção e organização do espaço cearense. É fácil inferir que
esse produto ao atuar como elemento reestruturador da economia cearense foi
responsável por uma modernização seletiva do território ao inserir de forma mais notória
o Ceará na Geografia histórica da acumulação capitalista. A estrada de ferro, com o
propósito inicial de exportar o café, foi imprescindível para a circulação do algodão e,
consequentemente, para a apropriação do excedente de capital produzido por esta cultura,
como bem destacam Assis e Sampaio (2009, p. 13):

34
Acreditamos ter sido a atividade algodoeira, sobretudo a partir de sucessivas crises e pela reorientação da
produção deste produto para o consumo interno, a grande proporcionadora da atividade industrial no Ceará, com a
criação das primeiras indústrias têxteis, a exemplo da Fábrica de Tecidos Progresso, datada de 1883. Nobre (1989)
indica que esta atividade (algodoeira) e não a pecuária é a responsável pela industrialização do Ceará.
95

As ferrovias além de traçar caminhos que acabavam ligando áreas com


objetivos agro-exportadores, também modificaram processualmente a
configuração territorial do Ceará, construindo e fortalecendo cidades como
Baturité, Quixadá, Quixeramobim, Senador Pompeu, Piquet Carneiro, Iguatu,
Missão Velha, Crato, Barbalha (Caminho de Baturité) e Camocim, Sobral, Ipú,
Cariré, Nova Russas e Crateús (Caminho de Sobral) e redefinindo caminhos
antigos, considerados antes de grande porte, que passavam nesse momento a ser
secundários frente ao ―tempo rápido‖ das locomotivas. Aquele percurso
construído entre Icó e Aracati, então grandes centros principais do sertão e do
litoral do século XVII e XVIII, já não eram mais os mesmos e os novos
percursos já ditavam também outra lógica de relação com a natureza e dá
própria reprodução social.

Este fato demonstra como a modernização chega ao Ceará, que passa a


estabelecer relações comerciais com vários países, sobretudo Inglaterra e França. Este
último, particularmente, teve grande influência na cidade de Fortaleza, fomentando
relações de trocas comerciais e a criação de casas de comércio, dentre as quais
destacamos as Casas Boris, fundadas após a chegada dos primeiros irmãos Boris 35 no
final do ano de 1860 (TAKEYA, 1995). Foram as oportunidades oferecidas, propiciadas
com a comercialização do algodão que fizeram com que esta família viesse a instalar suas
casas de comércio em Fortaleza. Além do comércio, a influência da França é sentida na
arquitetura, no arruamento e nos costumes dos fortalezenses mais abastados.

Geradora de muitas riquezas, sobretudo na esfera da circulação, a atividade


algodoeira também contribuiu bastante para a manutenção do poder político de elites
políticas nessa província, posteriormente Estado do Ceará. Este é o caso da Oligarquia
Accioly que muitos benefícios políticos e econômicos tiraram desta cultura com suas
relações com a família Boris.

De fato a cultura algodoeira propiciou uma série de transformações


socioespaciais e contribuiu para certa modernização do território cearense. Mas se

35
Para uma análise profunda da instalação e dos investimentos dos Boris no Ceará, ver Takeya (1995) no livro
Europa, Ceará e França: origens do capital estrangeiro no Brasil – Natal: UFRN. Ed. Universitária, 1995;
96

procurarmos desvendar o claro-escuro (KOSIK, 1976), ou seja, fazer uma análise que vá
para além da aparência, sem negá-la por completo, é claro que perceberemos que os
benefícios e o excedente econômico gerado pelo algodão foi distribuído de forma
desigual, se concentrando nas mãos dos grandes proprietários de terras e comerciantes de
algodão. Além do mais, apesar de haver determinadas modernizações no território,
mantinham-se as relações de exploração. Crianças, mulheres e homens exerciam
atividades pesadas em várias horas de trabalho por dia. Muito comum era a permanência
de relações de trabalho não capitalistas, a exemplo das parcerias, como era o caso dos
meeiros, dos moradores de fazenda, etc., Relações estas geradoras de extrema
lucratividade para os proprietários de terras e de dependência e submissão para os
camponeses. Conforme Harvey (2005b, p.118) o capitalismo também pode se apropriar
de ―reservas latentes‖ de um campesinato ou, por extensão, mobilizar mão-de-obra barata
de colônias e outros ambientes esternos.

Paralelamente às transformações políticas e econômicas que ocorriam no


Ceará, Iguatu destacava-se, sobretudo, como um importante centro político que teve nas
figuras de Cel. Belisário Cícero Alexandrino36 e Cel. Celso Lima Verde37 os principais
representantes daquele momento. Membro da oligarquia acciolina, Belisário teve papel
importante para que a estrada de ferro chegasse a Iguatu. Baseando-se na história oral,
importante fonte de pesquisa e que evidencia a fala de sujeitos que participaram e fizeram
a história de um determinado momento, buscou-se entender o papel deste político que
segundo Wilson Lima Verde, em entrevista que realizamos com este estudioso de Iguatu,

36
Cel. Belisário Cícero Alexandrino foi o 5º Intendente de Iguatu em ordem cronológica. Segundo Nogueira (1962,
p. 157), é exato que, no poder, Belisário chegara ao auge em 1910. Além de o mais importante dos Intedentes ele era
também o presidente da Assembléia Estadual. Nessa condição, podemos dizer que chegava a ser uma espécie de
segundo Presidente do Estado. De fato, a 18 de março de 1910, foi êle quem assumiu a direção da administração do
Ceará, quando o Presidente Nogueira Acióli, em gozo de licença, partiu para o Rio de Janeiro.
37
Cel. Celso Lima Verde, foi outra importante figura política do Estado, assumindo cargos importantes, como
Intendente de Iguatu, Presidente da Câmara de Iguatu e foi considerado o maior rival político de Belisário
(NOGUEIRA, 1962; MONTENEGRO; 2008).
97

a influência política do Coronel Belisário, intendente de Iguatu e membro da


oligarquia Acioli, proporcionaram a chegada da estrada de ferro no ano de 1910,
fato decisivo para que aquele município se tornasse um dos principais
produtores de algodão do Ceará. A estrada de ferro que em seus planos iniciais
iria passar por Icó, grande centro e importante interposto comercial, mas sofreu
a resistência da população e da eleite local, que alegava que iria trazer muito
barulho e desconforto para a população. De uma certa forma era o medo do
progresso. Desta forma, Belisário, com sua astúcia e influência que tinha com o
Governador Acioli, pediu pra que a estrada de ferro passasse por Iguatu, fato
que se concretizou em 5 dezembro de 1910 (LIMA VERDE, entrevista 17-03-
2010).

Fortalecendo as afirmações da oralidade que nos foram transmitidas por Lima


Verde, nos apoiamos em Nogueira (1962) ao destacar a influência de Belisário para a
aquisição da estrada de ferro para Iguatu e sobretudo da grande influência política que
este tinha na província cearense. Segundo Nogueira (1962, p. 154), este

é o seu maior ato. É um dever proclamá-lo, porque deu a Iguatu a base


fundamental de seu progresso econômico. Estamos em 1908 e a Estrada de
Ferro de Baturité avançava através do sertão, transformando completamente as
suas condições de vida. Em virtude da localização de Iguatu, situado a margem
esquerda do Jaguaribe, haveria necessidade da construção de uma grande ponte
para atravessar o rio. Por isso, os gastos seriam enormes e o traçado mais
conveniente seria deixar a Cidade à margem, correndo os trilhos de S. José ou
Suçuarana antigos noutra direção. Foi nesse momento que se fêz sentir o
prestígio de Belisário, transportando-se para Fortaleza e entendendo-se com o
seu amigo e correligionário Presidente Nogueira Acióli, exigindo que a estrada
de ferro em construção passasse em Iguatu. Seu desejo foi prontamente
atendido, porque o Presidente do Estado fêz valer sua fôrça junto as autoridades
federais.

De fato, no iniciar-se o século XX, Iguatu já começara a apresentar indícios de


grande produtor de algodão apesar de algumas especificidades no que concerne a esta
cultura no Estado do Ceará. Como exemplo apontamos a existência de campos
experimentais próprios para o cultivo do algodão e com destaque na produção do algodão
herbáceo. Nas primeiras décadas do século XX, registrara grande número de fábricas de
98

beneficiamento de algodão, notória dinamização econômica com investimentos em bens


de capital no campo, o que nos levou às indagações: ―Teria ocorrido um processo de
acumulação de capital interna em Iguatu propiciada pela atividade algodoeira?‖ Na
tentativa de responder a esta indagação, elaboramos o quarto capítulo deste estudo.
99

4. A CULTURA ALGODOEIRA EM IGUATU

Algodão

Bate a enxada no chão, limpa o pé de algodão


Pois pra vencer a batalha,
Tem de ser bem forte, robusto,valente ou nascer no sertão
Tem que suar muito pra ganhar o pão
Poia a coisa lá "né" brinquedo não

Mas quando chega o tempo rico da colheita


Trabalhador vendo a fortuna, "se deleita"
Pega a família e sai, pelo roçado vai
Cantando alegre ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai.

Sertanejo do norte
Vamos plantar algodão
Ouro branco que faz nosso povo feliz
que tanto enriquece o paíz
Um produto do Nosso Sertão.

Luiz Gonzaga

DOS FIOS BRANCOS QUE TECERAM A HISTÓRIA DE UMA REGIÃO

Os fios brancos que teceram a história de um povo


A história de uma região, de uma re(li)gião
De um povo sofrido, dolorido e explorado.
O cenário? O Sertão, os sertões de Euclides da Cunha
Mas que se estendeu para a zona da mata, para as serras úmidas.
Este fio branco, o algodão trouxe a diferenciação dentro de uma região
Que antes, o predomínio da plantation açucareira, outrora um outro Nordeste, o
Nordeste do algodão.
Do lugar, da região para o mundo,
Do interesse da rapina internacional, através da circulação do capital, trouxe riquezas
nas mãos de poucos, infra-estruturas no Sertão, estrada de ferro, maquinários,
transformando o modo de vida do velho sertanejo.
Da renda da terra, da renda trabalho, ao capital monopolista, ao imperialismo,
perpassando ao cotidiano da festa, da colheita, da própria sobrevivência diária.

Átila de Menezes Lima.

Nesta parte da pesquisa trataremos de forma mais aprofundada da cultura


algodoeira em Iguatu. Iniciamos este capítulo com duas poesias. Em seguida fazemos
100

uma caracterização geral da cultura algodoeira no Ceará e em Iguatu, destacando algumas


permanências culturais e de relações de trabalho de tempos pretéritos. Dando
continuidade, levantamos discussões sobre o processo de acumulação de capital e as
relações sociais de produção. Findamos o capítulo discutindo a indústria de
beneficiamento e a espacialização da produção algodoeira.

Aparentemente, pouca ou nenhuma relação existe entre a canção do mestre


Luiz Gonzaga, a poesia subsequente e nossa pesquisa. Primeiro, porque na visão de
algumas correntes de pensamento, a arte e a ciência percorreriam e percorrem itinerários
diferentes. Segundo, porque a subjetividade da arte seria o oposto da racionalidade
objetiva do conhecimento científico. E terceiro, porque na arte e na poesia, existe uma
relação pessoal, expressões sentimentais, emoções, ao contrário da ciência, que procuram
a impessoalidade, a objetividade e a neutralidade. Sendo assim, nenhuma conexão
existiria entre a canção, a poesia supracitada e nossa pesquisa e, portanto, desnecessária
seria a permanência destas neste trabalho.

Mas se apurarmos um pouco mais o olhar, perceberemos que existe grande


relação entre as epígrafes e a nossa discussão, por isso se indaga: onde estaria o ponto de
interseção?

A canção de Luiz Gonzaga relata a realidade vivida no interior dos sertões


nordestinos onde o chamado ―ouro branco‖ propiciou riqueza, ―desenvolvimento‖ e
felicidade para todos, sobretudo os sertanejos pobres. De fato, o algodão gerou muitas
riquezas e transformações na parte do Nordeste em que era a atividade econômica
principal. Mas vale indagar até que ponto estas transformações beneficiaram de fato os
sertanejos pobres.

Acreditamos que uma análise científica, busca os nexos internos dos fatos, as
relações que os constituem, não apenas a aparência. Diferentemente do que está posto na
101

canção, pretendemos ir além do que está explícito, buscando as mediações que nos levam
à essência dos fenômenos, como nos ensinou Kosik (1976, p. 11),

o complexo dos fenômenos que povoam o ambiente cotidiano e a atmosfera


comum da vida humana, que, com a sua regularidade, imediatismo e evidência,
penetram na consciência dos indivíduos agentes, assumindo um aspecto
independente e natural, constitui o mundo da pseudoconcreticidade.

Não queremos afirmar aqui, que o mundo imediato, a aparência, o senso


comum sejam uma realidade falsa, pelo contrário, estes fazem parte do real, e a essência
dos fenômenos não existiria sem a aparência. O que queremos de fato é analisar a
realidade em sua totalidade e na relação dialética da aparência-essência. Para reforçar
nossa posição citamos a contribuição de Ciavatta (2009, p.74) ao explicitar que

as aparências não ocorreriam para os sujeitos como falsificações, como


imaginação perversa, mas como coisas reais, e viriam a constituir o senso
comum dos objetos tidos como naturais. A superação do aparente em busca dos
determinantes mais profundos, em busca dos nexos reais, é condição sine qua
non para fazer ciência, para conhecer a história que aparece permeada de
ideologia.

Nesta perspectiva, nossa poesia evoca o algodão como um produto que trouxe
diferenciação social, econômica e espacial ao Nordeste, implicando em modificações no
cotidiano do sertanejo e no interesse do capital nacional e internacional por este produto.

Este capítulo tem como propósito, compreender como se deu o


desenvolvimento da atividade algodoeira em Iguatu durante o período de 1920 a
aproximadamente o findar dos anos 70 e início dos anos 80 deste mesmo século. Este
recorte coincide, quase que por completo, com o momento de transição da economia
102

brasileira de agro-exportadora para uma economia urbano-industrial (OLIVEIRA, 2003)


denominada por Florestan Fernandes (2006) como ―A revolução burguesa no Brasil‖.

Nossa tese é a de que a cultura algodoeira foi responsável por um processo de


acumulação primitiva, ou melhor, de uma acumulação por espoliação (HARVEY,
2005b), que coexistiu e foi o fundamento para o desenvolvimento de atividades
manufatureiras e industriais, criando inclusive um significativo número de operários na
cidade, favorecendo assim, o desenvolvimento das forças produtivas e das contradições
inerentes ao modo de produção capitalista.

4.1. Caracterização da cultura algodoeira cearense: rupturas e permanências

A análise da cultura algodoeira no Ceará remete de imediato a apreensão de


suas particularidades em relação ao restante do país. Adaptado ao clima semi-árido, o
algodão cearense necessitava de pouca água para a sua produção, sendo o algodão mocó
procedente do Rio Grande do Norte (SUDEC, 1973), a espécie mais difundida. Este, por
sua melhor adaptação ao clima semi-árido, ocupou grande extensão do território cearense
no século XX. Já o algodão herbáceo, mais adaptado às áreas de várzea, ocupou pequena
extensão do território cearense. Este tipo de algodão está estritamente ligado aos baixos e
solos de aluvião, encontrados nas embocaduras dos rios cearenses, sobretudo no rio
Jaguaribe onde o algodão herbáceo mais se desenvolveu.
De acordo com a Sudec (1973, p. IV.4)

O algodão herbáceo, mais dependente de umidade, localiza-se notadamente nas


zonas fisiográficas do baixo Jaguaribe e litoral. Sendo uma espécie anual,
encontra-se na dependência dos azares da seca, daí a sua limitação às áreas de
várzea dos rios Jaguaribe e Acaraú, notadamente.
103

É válido lembrar, todavia, a existência tanto do algodão arbóreo quanto do


algodão herbáceo em um mesmo município, como é o caso de Iguatu, que por fatores
microclimáticos cultivava nos interflúvios a espécie mocó, e nas várzeas o tipo herbáceo.
Além destes tipos, destacou-se ainda o algodão verdão, uma espécie de híbrido entre
diferentes espécies de algodão e uma série de outros tipos de algodão, que foram criados
durante o século XX.

Tradicionalmente, o cultivo do algodão no Ceará ocorria de modo consorciado


às culturas de subsistência como o milho e o feijão. Os procedimentos para o cultivo
desta malvácea se resumiam ao preparo da terra de outubro a dezembro, justamente no
período que precede as primeiras chuvas. O plantio era feito logo após a queda das
primeiras chuvas, se estendendo do mês de fevereiro ao mês de abril. Já a colheita ocorria
depois da retirada dos produtos de subsistência, por volta de agosto a novembro, visto
que o algodão permite mais de uma colheita, pois o mesmo não brota todo de uma vez. A
atividade era exercida por mulheres, crianças, jovens e adultos. Até a década de 1960, era
quase totalmente manual, ocorrendo a partir de então, através do Crédito Agrícola e
Industrial – CREAI38, um processo de financiamento para compra de tratores, arados,

38
A carteira de Credito Agrícola Industrial – CREAI, criada em novembro de 1937 foi considerada como a ―primeira
construção institucionalmente consolidada e nacionalmente articulada de intervenção governamental na
intermediação financeira orientada para a oferta direta de crédito para custeio e investimento produtivo privado de
longo prazo nos setores agrícola e industrial‖. Nesse sentido são arroladas as principais linhas de crédito da
instituição (aquisição de matérias primas e insumos; custeio de entressafra; compra de animais; reforma e
aperfeiçoamento e aquisição de maquinário industrial); as garantias; os prazos de financiamento e os juros cobrados
nos contratos. (FREITAS FILHO, p.4).
Conforme Freitas Filho (s.d) As fontes de recursos da CREAI seriam originárias da emissão de títulos de prazos
diversos: curto, médio e longo. A assistência dada pela Carteira seria voltada para: (a) aquisição de meios de
produção, sementes, adubos e matérias-primas para fins industriais; (b) aquisição de gado destinado à criação e
melhora de rebanhos; (c) custeio de entressafra; (d) aquisição de máquinas agrícolas ou de reprodutores; e (e)
reforma ou aperfeiçoamento de maquinaria. Os empréstimos de prazo mais longo atenderiam os empreendimentos
classificados nas duas últimas categorias – respectivamente, dois e três anos. ―Não eram permitidos empréstimos
para aquisição de imóveis ou instalação inicial de aparelhagem industrial‖. (FREITAS FILHO, s.d, p.4). Sobre o
CREAI, ver ainda Araújo e Melo no artigo Estado, indústria e padrões de financiamento na história da economia
brasileira do século XX: a CREAI, a SUMOC e as indústrias automobilística e petrolífera.
Conforme Wilson Lima verde em conversas diversas, o financiamento da Carteira de Crédito Agrícola e Industrial –
CREAI, foi implantado em Iguatu por volta da década de 1960, sendo o próprio entrevistado funcionário do Banco
do Brasil e atuando inclusive como fiscal da CREAI.
104

insumos agrícolas etc., que permitiram um aumento na produtividade algodoeira cearense


antes de seu declínio.

Ainda em relação às condições naturais e em especial às pedológicas


favoráveis ao cultivo do algodão no Ceará, J. Oliveira apud ATLAS DO CEARÁ (1973)
destaca a presença dos solos vermelhos, negros e castanhos com argilas expansivas e
solos de serra e pés de serra, além dos solos aluviais. Ainda de acordo com o Atlas do
Ceará (1973),

Os solos negros e castanhos com argilas expansivas constituem-se os mais


apropriados solos para a cultura algodoeira, inclusive o seu nome de origem
―Black Cotton Soil‖, (solos negros do algodão) vêm atestar suas qualidades
específicas. Caracterizam-se principalmente por uma fertilidade aparente
elevada, isto é, com boas reservas de nutrientes, sendo portanto, solos bastante
ricos, com Ph em torno de 6, pouca matéria orgânica, (a cor do solo pode não
ser devida a mesma), além de uma suscetibilidade ligeira a erosão. No Cariri e
Alto Jaguaribe eles alcançaram as suas maiores profundidades, com média de 1
a 2 metros. (SUDEC, 1973, p.IV.4).

Se voltarmos ao mapa 2 e compararmos as antigas áreas produtoras no século


XIX, com os tipos de solos, constataremos que a produção se dava em ambientes de solos
de pé de serra, de aluvião e de solos negros. Ao fazermos a mesma leitura para o século
XX, sobretudo para a década de 1960, perceberemos que algumas áreas tradicionais
permaneceram produzindo algodão enquanto novas áreas foram inseridas. Conforme o
Atlas do Ceará (1973), a distribuição espacial da cultura está mais relacionada a fatores
de ordem ecológica, enquanto a sua expansão se deve sobretudo a razões de ordem
econômica.

Ainda de acordo com o Atlas do Ceará (1973, p.IV.4), a maior produtividade


do algodão, para a década de 1960, ocorreu justamente nas áreas de predominância dos
solos negros e castanhos. Dentre os quais, podemos citar os que se situavam nos
105

municípios de Milagres, Aurora, Brejo Santo, Lavras da Mangabeira, Mauriti, Várzea


Alegre, além de Iguatu e Mombaça: todos pertencentes às regiões sul e centro-sul do
Estado do Ceará.

A análise histórico-geográfica revela que além de coincidências de fatores


ecológicos e locacionais, a cultura algodoeira demonstra a permanência de antigas
relações sociais que são fundamentais para o entendimento do espaço geográfico, fato
que trataremos a seguir.

4.1.1. A permanência de antigas relações sócio-culturais na produção algodoeira

Por sua associação com a pecuária, à cultura algodoeira herdou daquela,


muitas influências, precipuamente no que tange as relações de trabalho, como a parceria,
a meeia, além da figura do capataz de fazenda e da estrutura fundiária, originaria dos
tempos das sesmarias, como bem ilustra Barreira (1992, p. 22), na citação que segue:

O sistema das sesmarias deixou, depois de extinto, a herança: o proprietário


com sobra de terras, que não as cultiva, nem permite que outrem as explore.
Lavradores meeiros e moradores de favor são duas sombras que a grande
propriedade projeta, vinculadas à agricultura de subsistência, arrendadas da
lavoura que exporta e que lucra.

Se analisarmos as relações estabelecidas entre os vaqueiros e os donos de


fazendas, perceberemos que estas, fundamentaram as relações que se estabeleceriam na
estrutura algodoeira em tempos posteriores. Explicando sobre a importância da pecuária e
do algodão para o espaço nordestino, Jucá (1989) assevera que o sistema da quarta - o
vaqueiro cuidava dos currais, e a cada três bezerros nascidos, o quarto era de sua posse -,
106

permitia que o vaqueiro com o passar do tempo juntasse um número considerável de


reses e arrendasse parte da propriedade do grande fazendeiro.

Conforme Leite (1994, p. 63),

Quando o vaqueiro conseguia – através do pagamento feito pelo sistema de


quarteação -, formar um pequeno rebanho, costumava alugar um pedaço de terra
do proprietário para o qual trabalhava, e iniciava seu próprio negócio, o que não
era difícil devido à exigência de um fundo inicial muito pequeno. Dessa forma,
a demanda de indivíduos com recursos modestos, pela atividade pecuária, levou
ao aparecimento de fazendas de gado cujos proprietários não eram os donos de
sesmarias.

A citação acima é importante, pois demonstra como se deu o surgimento dos


proprietários que não necessariamente conseguiram suas terras mediante a concessão de
sesmarias, demonstrando ainda, o início das relações de parcerias, engendradoras da
cultura algodoeira.

A permanência destas relações demonstram como determinadas estruturas


resistem apesar do tempo e provam que a realidade é permeada por rupturas, mas também
por permanências, sendo estas importantes para o entendimento da realidade passada e
presente. Em seus estudos acerca da estrutura produtiva do algodão no Ceará, Leite
(1994, p. 57) afirma que:

No século XIX, o plantio do algodão no Ceará, realizava-se, geralmente, por


pequenos e médios agricultores que cultivavam também gêneros de
subsistência, como o milho e feijão. As pequenas unidades produtoras são
cultivadas por parceiros ou meeiros, também chamados moradores, - que
ocupam as terras cedidas pelos grandes proprietários -, ou por agricultores
independentes.
107

A relação de parceria, já existente no semi-árido nordestino desde o século


XIX, funcionava da seguinte forma: pequenos produtores, que não tinham a posse da
terra, trabalhavam nas propriedade de grandes fazendeiros estabelecendo o que Oliveira
(1981) denominou de latifúndio-minifúndio, cultivando algodão no pedaço de terra que
lhe era cedido além de plantarem o algodão nas terras exploradas pelo fazendeiro que
lhes pagavam uma renda. Segundo Leite (1994), o parceiro ou o morador recebia a terra,
fornecendo em troca dois ou três dias de trabalho por semana para o proprietário, o que
representava um pagamento pelo uso da terra, em trabalho.

As relações de parceria foram extremamente lucrativas para os grandes


fazendeiros, pois tinham custos mínimos na produção, visto que além dos pequenos
produtores plantarem o algodão, adotavam a prática do consórcio com produtos de
subsistência que no final, eram repartidos com os fazendeiros. Quando não, o parceiro
cedia alguns dias de seu trabalho nas terras do grande fazendeiro, originando-se assim, a
renda produto e a renda trabalho. A renda trabalho correspondia ao tempo de trabalho que
o lavrador dedicava às terras do proprietário.

Esse tipo de renda não pode ser considerado um excedente sobre o lucro. ‗Ai a
mais-valia e a renda são idênticas, a mais-valia aparece ainda palpável na forma
de trabalho excedente, sendo evidentes as condições naturais ou os limites da
renda por serem os do próprio trabalho excedente‘ (LEITE, 1994, p.65).

Já no caso da renda produto, o trabalhador precisava pagar pelo uso da terra


através do produto no qual seu trabalho se materializava. Neste caso, segundo Leite
(1994), a renda produto diferenciava-se da renda em trabalho porque o produtor passava a
responsabilizar-se pela execução de seu trabalho, não sofrendo mais vigilância direta e
podendo dedicar a maior parcela de seu tempo para trabalhar em proveito próprio.
108

Acerca do beneficio que as relações de parceria trouxeram para os grandes


proprietários de terra, Leite (1994, p. 65) assevera que:

Na relação de parceria o proprietário de terras obtém uma produção a baixo


custo, pois entrega a responsabilidade dos custos de reprodução da força de
trabalho ao próprio parceiro, e socializa os riscos e perdas da produção. Além
disso, a preparação do terreno pelo parceiro ―constitui um excedente de trabalho
que não é deduzido na repartição do produto final. Sendo assim, quanto maior a
produção maior serão os ganhos do dono das terras.

Tais relações tiveram origem no século XIX e se intensificaram no século XX,


sendo favoráveis a um processo de acumulação interna de capital na economia cearense.
Não fugindo a esse modelo, a cultura algodoeira em Iguatu, representa muito dos
pressupostos debatidos anteriormente, mas com algumas especificidades, tanto no que
condiz às suas condições naturais, que vão proporcionar o plantio do algodão arbóreo,
quanto do algodão herbáceo. Em relação ao plantio, era comum a prática do consórcio,
embora existissem campos experimentais próprios para o cultivo de algodão. O que de
fato queremos comprovar é que o algodão tanto na escala do Ceará, quanto no caso
particular de Iguatu, foi capaz de gerar uma acumulação de capital interno, tendo as
relações de produção não capitalistas papel fundamental nesse processo.

4.2 . Premissas sobre a acumulação primitiva (por espoliação) e de capital

Uma análise que leva em consideração a longa duração e mesmo o tempo da


conjuntura (BRAUDEL, 1958; 2007) nos permite afirmar que desde o início de sua
ocupação, as atividades econômicas desenvolvidas em Iguatu, no caso a pecuária e a
agricultura rotineira de subsistência, se desenvolveram de forma tímida. E a nosso ver
109

foram incapazes de gerar um excedente de capital interno, sendo este apropriado em sua
maioria, na esfera da reprodução ampliada do capital.

No raiar do século XX, há um processo de ruptura-continuidade nas relações


sociais de produção em Iguatu, visto que as relações capitalistas adentram de forma mais
visível e verossímil na produção algodoeira, explicitado nas indústrias de beneficiamento
e na comercialização do algodão da localidade. Ocorre ainda um incremento nos serviços
(hospitais, escolas, cinemas, etc.) e no próprio capital financeiro, representado pela
presença de estabelecimentos bancários e representantes de instituições financeiras de
outros países já nas décadas iniciais do século XX.

Dentre estes podemos destacar o Banco de Crédito Comercial - banco de


capital local datado de 1929 -, o Banco do Brasil - inaugurado em maio de 1940 - e o
Banco do Nordeste - datado de 1959. Para se ter uma idéia, a agência do Banco do Brasil
de Fortaleza foi criada em 1916. De acordo com Costa Neto (2004) o Banco do Brasil
possuía no ano de 1919 um total de 37 agências em todo o Brasil, passando para setenta
agências no ano de 1923. Como se percebe, a presença de diversas instituições
financeiras em Iguatu demonstra a importância econômica deste município na economia
cearense.

Mas o que de fato explica a presença de indústrias, de serviços e, sobretudo, de


capital financeiro local e internacional em Iguatu na primeira metade do século XX? O
que explicaria esta realidade? Podemos afirmar que estas transformações são fruto de um
processo de acumulação interna de capital no município ou de um ajuste espacial do
capital global? Qual o papel da cultura algodoeira nestes processos?

De fato, estas transformações são fruto do desenvolvimento geográfico


desigual do capitalismo, mas com características próprias para nossa realidade de estudo,
110

já que as formulações originais de Marx (1890; 1893) acerca do desenvolvimento do


capitalismo na Europa, não podem ser aplicadas por completo para a realidade brasileira.

Ainda que se rejeite a demanda de ‗especificidade global‘ que está implícita na


tese do ‗modo de produção subdesenvolvido‘, é evidente que a história e o
processo da economia brasileira no pós-anos 1930 contêm alguma
‗especificidade particular‘; isto é, a história e o processo da economia brasileira
podem ser entendidos, de modo geral, como o da expansão de uma economia
capitalista – (...) – mas essa expansão não repete nem reproduz ipis litteris o
modelo clássico do capitalismo nos países mais desenvolvidos, nem a estrutura
que é o seu resultado (OLIVEIRA, 2003, p.61).

Reforçando nosso entendimento, Gorender (1980, p.60) afirma que:

Na realidade histórica factual, o modo de produção capitalista em nenhuma


parte se estabeleceu no vazio e em estado puro, porém teve de se defrontar e
coexistir com outros modos de produção. Alguns deles se lhe tornaram
subsidiários ou foram mesmo por ele recriados, enquanto, não conseguiu suas
forças produtivas à maneira capitalista.

Dessa forma, em Iguatu, ao mesmo tempo em que ocorria o desenvolvimento


das forças produtivas com o desenvolvimento industrial, a dinamização do capital
financeiro, a mecanização das relações no campo, o grande fluxo comercial que garantia
a centralidade deste município perante a região centro-sul (fruto da atividade algodoeira),
coexistiam relações não capitalistas de produção, sobretudo no plantio e colheita das
relações de parcerias, fundamentais para o desenvolvimento de uma acumulação de
capital interna em Iguatu.

Consideramos que a permanência de antigas relações de trabalho não


representa um atraso na economia brasileira, mas uma das formas do capitalismo para
111

reproduzir-se. Neste sentido, concordamos com as abordagens que refutam o modelo


Cepalino. Este afirmava existir neste processo uma dualidade entre um Brasil moderno e
outro arcaico, ao mesmo tempo em que acreditamos no que Oliveira (2003) defende: por
trás desta aparente dualidade existe uma relação dialética.

Segundo ele, a manutenção de padrões primitivos na produção, com novas


relações de produção na agropecuária, permitiram uma redefinição nas relações capital
trabalho e a determinação do baixo custo da reprodução da força de trabalho, fato
propício para a reprodução capitalista.

O algodão, de fato, parece ter constituído uma ruptura-continuidade no sentido


de haver desenvolvido as forças produtivas, assim dinamizando a economia e
proporcionando a criação de um proletariado fabril favorecedor da expropriação de mais-
valia, além da modernização seletiva do território, ao manter relações de trabalho
seculares, que tão bem caracterizam essa cultura agrícola no Ceará.

Grande parte das riquezas geradas no circuito produtivo do algodão eram


apropriadas pelo capital na esfera da circulação, cuja ocorrência se dava em esfera global,
ajudando na reprodução ampliada do capital. Consideremos também que a atividade
algodoeira em Iguatu foi responsável por um processo de acumulação de capital interno,
o que nos leva a concordar com Oliveira (2003) em Crítica à Razão Dualista: O
ornitorrinco, no qual defende a existência de um processo de acumulação interna no
Brasil.

Conforme Oliveira (2003, p.55),

nas condições concretas da expansão do capitalismo no Brasil, o crescimento


industrial teve que se reproduzir sobre uma base de acumulação capitalista
112

razoavelmente pobre, já que a agricultura fundava-se, em sua maior parte, sobre


uma acumulação primitiva.

É evidente que no caso de Iguatu este processo de acumulação e expansão das


relações capitalistas de produção não se deu conforme o processo analisado por Marx
(1890) para a realidade européia do século XIX ou mais especificamente para a Inglaterra
daquele período.

Para Marx (1893), o desenvolvimento do modo de produção capitalista foi


fruto de um processo histórico de acumulação através de relações diversas, sobretudo de
relações escravistas, agiotagem, entesouramento, entre outras, denominadas por ele de
acumulação primitiva. Marx (1962) apud Gunder Frank (1980, p. 61-62) disse que,

Embora encontremos os primeiros inícios da produção capitalista já nos séculos


XIV e XV, esporadicamente, em certas cidades do Mediterrâneo, a era do
capitalismo data do século XVI (...) A história moderna do capital data da
criação no século XVI de um comércio e de um mercado de amplitude mundial
(...) As colônias asseguravam um mercado para as florescente manufaturas,e,
através do monopólio do mercado, uma acumulação crescente. Os tesouros
capturados fora da Europa em saques evidentes, escravização e assassinato
fluíam para ela e eram transformados em capital (...) Na verdade, os métodos de
acumulação primitiva eram qualquer coisa menos indílico (...) Na história real é
notório que a conquista, a escravização, o roubo, o assassinato, em resumo a
violência, têm o papel principal (...) A descoberta de ouro e prata na América, a
extirpação, escravização e sepultamento em minas da população aborígene, o
começo da conquista e saques das Índias Orientais, a transformação da África
em uma reserva para a caça comercial dos peles-negras, assinalaram a rosada
aurora da era da produção capitalista. Esses procedimentos idílicos são os
principais momentos da acumulação primitiva. Nos seus calcanhares caminha a
guerra comercial das nações européias, tendo o globo seu teatro (...) Os
diferentes momentos da acumulação primitiva (...) chegam a uma combinação
sistemática abrangendo as colônias, o débito nacional, o moderno modo de
taxação e o sistema protecionista. Mas todos eles empregam o poder do Estado,
a força concentrada e organizada da sociedade, para apressar, à maneira de
estufas, o processo de transformação (...) A força é a parteira de toda a
sociedade velha grávida de uma nova. Ela própria é um poder econômico (...)
Liverpool engordou com o comércio de escravos. Este era seu método de
acumulação primitiva (...) Na realidade, a escravidão velada dos trabalhadores
assalariados na Europa precisava, para seu pedestal, da escravidão pura e
113

simples no novo mundo (...) O capital entra [ no mundo] gotejando da cabeça


aos pés, por cada poro, sangue e sujeira. (Marx, I, 715, 146, 753-4, 714, 751,
759-60).

Com base na citação anterior, é possível pensar que o Brasil se insere em parte
nesse processo de acumulação primitiva do capital, o que leva muitos autores a
afirmarem a não existência para a realidade brasileira, de um processo de acumulação
interna de capital, visto que o excedente aqui produzido era apropriado por completo pelo
capital internacional.

Se assim fosse, poderíamos concluir que Iguatu, estando inserido no processo


de expansão de um capitalismo a nível planetário, cujo excedente gerado pelas atividades
iniciais, como a pecuária, foi apropriado pelo capital em escala global, não desenvolveu
uma acumulação interna. Se a realidade fosse mera projeção de abstrações teóricas, de
modelos perfeitos, poderíamos afirmar que sim. Mas como acreditamos que a realidade
deve ser compreendida em sua historicidade e em suas variações espaço-temporais
construídas em especificidades, afirmamos que o raciocínio desenvolvido anteriormente
só se aplicaria para o período anterior a década de 1920. Isto porque, a partir de então, a
realidade mudou com a expansão da atividade algodoeira, trazendo consigo os primeiros
indícios de uma concentração de capital interno, ora voltada ao beneficiamento e
industrialização do algodão, ora para a exportação. Conforme Wallestein (1985), o
capitalismo é acima de tudo, um sistema social histórico, e é assim que devemos
compreendê-lo.

Nesta perspectiva, assinalamos que com a produção algodoeira, no período


que se estende dos anos 20 aos anos 70 do século XX, ocorreu um processo de
acumulação interna em Iguatu e no Ceará. É evidente que esta acumulação é uma
acumulação ínfima perante a totalidade do capitalismo, mas na escala do município, foi
propícia para uma série de transformações socioespaciais. Na perspectiva clássica, para
114

haver um processo de acumulação de capital, seria necessário a existência de uma


acumulação anterior, o que ficou conhecido como acumulação primitiva ou, nas palavras
de alguns historiadores, de acumulação original.
Esse processo de acumulação primitiva cessou com a acumulação de capital?
Seria possível falarmos de uma acumulação primitiva em Iguatu que tenha subsidiado o
seu processo de acumulação de capital interno? Seriam fases sucessivas ou coexistiriam?
Falar em uma acumulação primitiva não seria cair em um anacronismo? No intuito de
resolver estes problemas, utilizamos tanto o conceito de acumulação primitiva como o de
acumulação via espoliação.

Fazemos a ressalva de que Harvey (2005b) ao utilizar o conceito de


acumulação por espoliação, afirma que poder ocorrer de uma variedade de maneiras,
dentre as quais, a expropriação do camponês de suas terras, a sua transformação em
operário, a absorção de mão-de-obra barata e a manutenção de relações não capitalistas,
como as parcerias, entre outras. As ideias de Harvey coadunam assim (2005b) com a de
teóricos da realidade brasileira como Oliveira (2003) e Martins (2010). Harvey ainda
destaca como principal forma de espoliação, a financeirização da economia, sobretudo a
partir da década de 1970 (mas não daremos ênfase a esta forma de espoliação em nosso
trabalho).

Acreditamos que os dois processos de acumulação (primitiva e de capital)


coexistiram e foram fundamentais para o deslanchar do avanço capitalista no município
de Iguatu. Conforme Mandel (1982, p.30):

[...] a acumulação primitiva de capital e a acumulação de capital através da


produção de mais-valia não são apenas fases sucessivas da história econômica,
mas também processos econômicos convergentes. Até hoje, ao longo de toda a
história do capitalismo, processos de acumulação primitiva de capital têm
constantemente coexistido junto à forma predominante de acumulação de
capital, através da criação do valor no processo de produção [...] Embora esse
processo de acumulação primitiva já pressuponha a existência do modo de
115

produção capitalista, ao contrário do processo histórico de acumulação primitiva


de capital, descrito por Marx, e embora seu papel nos países capitalistas já
industrializados seja insignificante, ele é, apesar disso, de importância
considerável nos países coloniais e semicoloniais – os chamados países ―em
desenvolvimento‖ [...].

Os pressupostos debatidos por Mandel nos ajudam a compreender de que


modo ocorreu em Iguatu um processo de acumulação primitiva embasado em relações
não capitalistas no campo, isto é, o arrendamento da terra de caráter não-capitalista
(UMBELINO OLIVEIRA, 2007), as parcerias e, ainda, a residência do morador-parceiro
nas propriedades produtoras de algodão. Estes fatores foram suficientes para a geração e
acumulação de riquezas que reinvestidas em usinas de beneficiamento de algodão,
enriqueceram produtores, como Manuel Matias Costa, considerado o ―rei do algodão‖ em
Iguatu.

Descobrimos através da história oral, importante procedimento metodológico,


que nos serviu para a elaboração de fontes e documentos históricos, que Manoel Matias
Costa, começou a plantar algodão no final da década de 1930 e início de 1940, quando
arrendou as terras de seu cunhado Helvécio Teixeira, importante figura política, sendo
inclusive deputado Estadual do Ceará. Conforme entrevista concedida por Edilmo
Costa39 (ex-prefeito de Iguatu), filho de Manoel Matias Costa e sobrinho de Helvécio
Teixeira, as terras arrendadas por seu pai estavam sob a responsabilidade do tutor das
terras, Helvécio Teixeira e foram arrendadas devido a problemas financeiros deste. Logo
após as terras serem colocadas em leilão por parte do Banco do Brasil, foram compradas
por Manoel Matias Costa que viria a se transformar em um dos maiores produtores de
algodão da região centro-sul do Ceará. Ainda conforme Edilmo Costa, seu pai foi um dos
pioneiros na plantação somente de algodão em Iguatu, quebrando assim o antigo sistema
de consórcio com alimentos de subsistência.

39
Entrevista cedida no dia 15-12-2010.
116

Antes de dar continuidade às discussões sobre a acumulação de capital e as


relações sociais de produção em Iguatu, é importante tecer algumas considerações sobre a
relevância da história oral como fonte para o desenvolvimento da presente pesquisa.

A história oral enquanto procedimento metodológico foi salutar no desvendar


de fatos, sujeitos, acontecimentos e subjetividades, visto que os dados estatísticos não são
suficientes para revelar com profundidade nossas inquietações. Neste sentido, as
entrevistas e conversas com os agentes históricos que participaram de forma direta ou
indireta do período estudado foram fundamentais como procedimentos analíticos.

Segundo Alberti (1989) apud Ciavatta (2009), [...] ―A entrevista adquire o


caráter de documento, não como ciência factual, mas como história oral, uma ‗versão do
passado‘ na palavra do entrevistado e na interpretação do pesquisador‖.

História oral é termo amplo que recobre uma quantidade de relatos a respeito de
fatos não registrados por outro tipo de documentação, ou cuja documentação se
quer completar. Colhida por meio de entrevistas de variada forma, ela registra a
experiência de um só indivíduo ou de diversos indivíduos de uma mesma
coletividade. Neste último caso, busca-se uma convergência de relatos sobre um
mesmo acontecimento ou sobre um período de tempo. (QUEIROZ, 1986, p.6).

Importante cuidado nesta etapa deve ser o de sempre situar o posicionamento,


ou seja, a visão de mundo do entrevistado e do entrevistador e saber articulá-la com o
real, tendo o cuidado de não cair numa leitura restrita a subjetividades, como adverte
Ciavata (2009, p. 108):

Como toda história, o depoimento, a história de vida e sua interpretação estão


sujeitas às concepções teóricas do pesquisador, à sua visão do homem e à sua
relação com a sociedade. A concepção do real como uma totalidade que envolve
múltiplas determinações orienta-nos para a importância de contextualizar as
117

entrevistas quanto ao momento de sua realização, à relação entre pesquisador e


sujeito pesquisado e ao próprio conteúdo das informações fornecidas pelo
entrevistado.

Prosseguindo sua análise, Ciavatta (2009, p. 109) salienta que a ―história de


vida, o relato oral, o depoimento são, pois, variações da mesma técnica, que têm como
base a entrevista, a forma mais antiga e mais divulgada de coleta de dados orais nas
ciências sociais. Seu uso depende do objetivo em vista‖.

O fato de a história oral não ser objetiva não significa que ela não seja
utilizável, visto que nem mesmo os inventários, as descrições minuciosas o são por
completo. Cabe nesta situação o papel do que Minayo (2008) chama de ―criatividade do
pesquisador‖, isto é, juntar os fragmentos dos discursos e compará-los com outras fontes,
procurando atingir o maior grau de coerência com a realidade.

Uma utilização coerente da história oral ou das demais fontes orais pode
proporcionar o desvendar de muitos acontecimentos e de sujeitos que a história oficial e
os dados estatísticos não oferecem. Neste sentido Ciavatta (2009, p.111) afirma que:

Outro ponto deve ser mencionado, sobre o trabalho de coleta de análise dos
relatos. O sentido que, por vezes, se tem dado à história oral é o de criar
possibilidades de produção de documentos para confronto com a documentação
oficial, tida como impregnada de ideologia dominante. Os produtos da história
oral seriam documentos nos quais a palavra é concedida àqueles que não
tiveram oportunidades de registrar suas versões sobre os acontecimentos.

Esse procedimento assume, assim, papel importante não apenas como fonte
histórica, mas também para desmascarar e desmistificar alguns dados que são tidos como
verdade absoluta. Portanto, a história oral, através das entrevistas e conversas, muito
contribuiu para as considerações veiculadas em nossa pesquisa.
118

4.2.1. O algodão e o processo de acumulação de capital em Iguatu: uma discussão

Todo o contexto de estruturação territorial de Iguatu na longa temporalidade


(BRAUDEL, 2007) que corresponde ao período que tem início no século XVII e vai até o
raiar do século XX, de fato não propiciaram um processo de acumulação de excedente
capaz de proporcionar industrialização e criação de infra-estruturas urbanas (fato
observado a partir da década de 1920), mas foram fundamentais para a estruturação de
um espaço cujos agentes, relações e estruturas (políticas, econômicas e culturais),
favoreceriam o despontar de uma acumulação a partir da cultura algodoeira, sendo esta
uma continuidade-ruptura na vida do município.

Afirmamos ter continuidade no sentido da permanência de antigas relações


(sobretudo no que concerne ao domínio político, em que as mesmas famílias40 que
dominavam o poder local em tempos pretéritos também estavam presentes na época do
algodão) e nas relações de parcerias e outras relações consideradas como não capitalistas.
E ruptura no sentido de esboçar de forma contundente, a criação da mais-valia e de um
proletariado até então não existente na cidade de Iguatu.

Discussões anteriores apontam que no início do século XX, Iguatu já


começava a despontar na produção algodoeira do Estado do Ceará por fatores diversos,
dentre os quais: a chegada da estrada de ferro, o papel influente de famílias tradicionais e
as características de sua geografia física. Este último fator em particular, traz uma
especificidade importante. Situado às margens do rio Jaguaribe e próximo ao rio Salgado,

40
Conforme Wilson Lima Verde em conversa no dia 23-06-2010, quem primeiro descaroçou algodão em Iguatu, foi
José Ferreira Pinto de Mendonça em 1913; depois veio Helvércio Teixeira na Varzinha. Se analisarmos
posteriormente outros produtores de algodão ou mesmo alguns industriais beneficiadores e os corretores do algodão,
perceberemos que existem laços familiares com os primeiros povoadores daquela municipalidade. Este fato é uma
comprovação das permanências que resistem no tempo, conforme nos assegura Aguirre Rojas (2002) e Braudel
(2007).
119

Iguatu tem grande número de lagoas e é rico em corpos hídricos. Por sua localização
quase por completo numa área de vale, seus solos de aluvião nas várzeas são bem
propícios à plantação do algodão herbáceo, conforme já comentado.

Mas como destacamos anteriormente, Iguatu além de produzir este tipo de


algodão, também produzia o arbóreo, o verdão, e nas décadas de 1950 e 1960, começou a
plantar e desenvolver em algumas fazendas, tidas como campos experimentais, o algodão
IAC 13 e o IAC 20. Estes tipos de algodão foram criados pelo Instituto Agronômico de
Campinas, que os nomeou com sua sigla. Estes por sua vez, conforme Edilmo Costa,
tinham grande produtividade por hectare.

Outra especificidade própria do lugar, no que concerne à produção algodoeira,


segundo Lima Verde, era a existência de campos experimentais próprios, para
produzirem somente algodão. Ou seja, enquanto em todo o Estado predominava o plantio
no sistema de consórcios, em Iguatu era comum a existência destas duas formas de
plantio.

Estes fatores, junto a intervenções políticas para a criação de infra-estruturas, a


exemplo da criação de barragens, da chegada da estrada de ferro em 1910, da
inauguração da ponte metálica sobre o rio Jaguaribe em 23 de janeiro de 1916, foram
transformações, que proporcionaram o respaldo e a ascensão de Iguatu na economia
cearense, facilitando o cultivo e o fluxo do algodão, principal fonte econômica do
município.

Trazendo o debate para a escala do Ceará, por volta do inicio do século XX,
este Estado já despontava como grande produtor de algodão, sendo o seu principal
produto de exportação. Em meados de 1920, o Ceará já era o maior produtor de algodão
do Brasil, com uma produção de (24.000.000 quilos), sendo seguido por Pernambuco
(18.000.000 quilos), Paraíba (15.000.000 quilos), Rio Grande do Norte (12.000.000
120

quilos) e São Paulo com uma produção de (10.175.400 quilos), isto no ano de 1927
(IMOPEC,1989). A tabela a seguir, demonstra a quantidade de algodão produzido no
Ceará no período de 1900 a 1944.

Tabela 3: Exportações de algodão do Ceará de 1900 - 1944


Anos Quilos Anos Quilos
1900 2.008.330 1923 -
1901 1.134.516 1924 -
1902 4.786.750 1925 10.016.640
1903 2.328.328 1926 15.026.100
1904 3.214.320 1927 10.349.460
1905 4.243.350 1928 11.601.880
1906 3.914.470 1929 20.070.400
1907 4.959.668 1930 16.107.100
1908 3.066.372 1931 11.547.665
1909 3.971.200 1932 4.089.091
1910 3.043.250 1933 11.375.552
1911 6.332.660 1934 32.000.000
1912 7.045.900 1935 25.000.000
1913 8.618.000 1936 33.000.000
1914 8.829.200 1937 32.000.000
1915 4.929.230 1938 28.037.116
1916 4.470.728 1939 27.540.000
1917 5.409.000 1940 28.000.000
1918 9.299.335 1941 21.934.397
1919 6.118.835 1942 19.047.434
1920 6.150.586 1943 27.070.545
1921 11.821.603 1944 30.000.000
1922 16.005.368 - -
Fonte: Classificação dos produtos Agropecuários. Secretaria de Agricultura e Abastecimento. 1971-2.

Podemos perceber, ao observarmos os dados da tabela, a crescente produção e


exportação do algodão como cultura agrícola do Estado, com apenas alguns declínios
bruscos como aconteceu no ano de 1932, porém retomados em 1936, ano que apresentou
maior produção.
121

Conforme assinalamos anteriormente, é na década de 1920 que Iguatu, começa


a ganhar destaque como produtor de algodão em escala estadual. Para elucidar nossa
afirmação, Teixeira (2007, p.55) assinala que:

Em 1923, a produção de algodão, somente no município de Iguatu, chegou a ser


de 6.000.000 kg em caroço e 2.000.000 de kg em pluma. Somados esses dois
índices produtivos, somente em Iguatu, chegou-se a produzir, em apenas um
ano, 8.000.000 de kg de algodão, que transformado em arrobas, como assim era
comumente negociada, a produção foi de 533.333,33 arrobas.

Com base nas informações orais transmitidas pelo Sr. Wilson Lima Verde,
podemos considerar que a cultura algodoeira passou por três ciclos em Iguatu, sendo o
primeiro deles, ainda no final do século XIX, com uma agricultura rotineira. O segundo
ocorrendo na década de 1920, com a chegada de vários estabelecimentos industriais, a
exemplo da Companhia Industrial de Algodão e Óleos – CIDAO, considerada a mais
importante em toda a história de Iguatu. E o terceiro ciclo ocorrendo pós-crise de 1929.

O destaque assumido pelo algodão na economia iguatuense é tamanho, que


Lima Verde (2010) assevera que:

o algodão foi o principal produto propulsor de progresso num passado recente, onde de
início o município se utilizava de agricultura rotineira que iria se desenvolver com a
estrada de ferro, mas precisamente na década de 20 do século passado, quando em
Iguatu se instalaram as primeiras usinas beneficiadoras de algodão. Entre elas a CIDAO,
a fábrica Santa Margarida, a fábrica São José, a usina de Octaviano Jaime Benevides, a
usina da viúva Romero, além de corretores da Sanbra – Sociedade Algodoeira
Nordestina. Então a partir dos anos 20, Iguatu passou a se destacar como grande
produtor de algodão do Ceará devido suas características de solo de aluvião etc. Com a
crise de 1929, o comércio e a agricultura algodoeira sofre seu primeiro debaque em
decorrência da queda da bolsa de valores de New York. Ultrapassado os rigores da
crise, eis que o município novamente se engaja na produção algodoeira. Desta feita com
a continuação da Companhia de Algodão e Óleos – CIDAO e a instalação do grupo
inglês com sede no Paraná Anderson Clayton e Companhia Limitada, que começou a
122

focar campos experimentais de algodão, trazendo em seu quadro funcional, agrônomos


já na década de 1940. (LIMA VERDE, 2010, entrevista em lócus ) 41.

A nosso ver, o surto da produção algodoeira em Iguatu, nas décadas de 1920, e


sua ascensão posterior, sobretudo dentre os anos de 1930 e 1970, foi responsável pela
complexidade das relações sociais de produção42, com a instalação dos primeiros
estabelecimentos industriais, com uso de maquinários modernos; criação das primeiras
escolas agrícolas no campo, como assevera Nogueira (1962; 1985); formação de
assalariados nas fábricas; e a presença de profissionais técnicos especializados na cultura
algodoeira, objetivando aumentar a produtividade desta malvácea. Atentamos ainda para
a divisão social e territorial do trabalho no que concerne à produção, comercialização e
trocas do algodão na região centro-sul do Estado, assumindo Iguatu, papel central neste
contexto.
Faz-se necessário abrirmos um parêntese para a discussão da divisão social e
territorial do trabalho. Entendemo-na para além de uma mera divisão técnica e funcional
do trabalho e do desenvolvimento das forças produtivas43. Enfatizamos que por trás da
divisão social do trabalho, existe a apropriação privada dos meios de produção e o
necessário assalariamento do trabalho no processo de reprodução da sociedade
capitalista.

Marx (1989, p. 407) assim interpreta este debate:

41
Entrevista realizada no dia 17/03/10
42
Entenda-se aqui, as relações sociais de produção como as relações entre os homens no processo de produção,
distribuição e intercâmbio de riqueza material e imaterial e que podem se dar em forma de cooperação e assistência
mútua ou de exploração do homem pelo homem. Aprofundaremos este debate posteriormente quando formos discutir
as relações sociais no campo e na cidade de Iguatu.
43
É interessante lembrar que os meios de produção, os instrumentos de produção e a força de trabalho estão inseridos
dentro das forças produtivas, fato que nos esclarece e nos expõe a diferenciação entre técnicas e forças produtivas e
de que o desenvolvimento das relações sociais se da pelo desenvolvimento das forças produtivas e não pelas
técnicas, assim como o propõe alguns autores.
123

A divisão do trabalho na sociedade se processa através da compra e venda dos


produtos dos diferentes ramos de trabalho, a conexão dentro da manufatura, dos
trabalhos parciais se realiza através da venda de diferentes forças de trabalho ao
mesmo capitalista que as emprega como força de trabalho coletiva. A divisão
manufatureira do trabalho pressupõe concentração dos meios de produção nas
mãos de um capitalista, a divisão social do trabalho, dispersão dos meios de
produção entre produtores de mercadorias, independentes entre si.

Fundamentando nossa discussão acerca da divisão social do trabalho, Oliveira


e Quintaneiro (2002, p. 35), afirmam que:

A divisão social do trabalho expressa modos de segmentação da sociedade, ou


seja, desigualdades sociais mais abrangentes como a que decorre da separação
entre o trabalho manual e intelectual, ou entre ‗o trabalho industrial e comercial
e o trabalho agrícola; e, como conseqüência, a separação entre a cidade e o
campo e a oposição de seus interesses‘. A partir dessas grandes divisões,
ocorrem historicamente outras como, por exemplo, entre os grupos que
assumiram as ocupações religiosas, políticas, administrativas, de controle e
repressão, financeiras etc. A cada um desses grupos cabem tanto tarefas
distintas quanto porções maiores ou menores do produto social, já que eles
ocupam posições desiguais relativamente ao controle e propriedade dos meios
de produção. Assim, o tipo de divisão social do trabalho corresponde à estrutura
de classes da sociedade [...].

O que está posto nas citações anteriores desmistifica a visão daqueles que
interpretam a divisão do trabalho somente através do desenvolvimento técnico, negando o
contexto das classes. Procurando dar significação espacial à divisão social do trabalho,
vários autores entre os quais Godoi (2009) e Santos (1988) propõem o conceito de
divisão territorial do trabalho para demonstrar o desenvolvimento geográfico desigual do
capitalismo nos lugares. Nesta proposta, alguns lugares assumiriam determinadas funções
que lhe garantiriam certa centralidade. Neste caso, a divisão social do trabalho vai para
além das pessoas, se expandindo também para os lugares, ocorrendo assim, uma
especialização na produção ou mesmo na gestão de alguns serviços, ocasionando por
conseqüência uma autarquia entre os mesmos.
124

Como vimos anteriormente, o conceito de divisão social do trabalho é anterior


ao de divisão territorial do trabalho, tendo seu surgimento na economia política clássica,
sobretudo nas análises de Adam Smith. De acordo com Godoi (2009), em ―Smith, a
divisão do trabalho era uma inserção revolucionária na produção porque proporcionava
aumento e diversificação da produção em determinadas circunstâncias‖. Neste caso, as
capacidades de produção dos indivíduos são transformadas em função da difusão de
diferentes culturas, técnicas e políticas. E acrescenta,

[...] pensando numa análise que retira o pensamento exclusivo nos indivíduos e
o vincula ao espaço, podemos analisar como as relações se estabelecem neste.
Como, a difusão de técnicas, culturas e políticas podem transformar, aumentar,
definir, especializar, influenciar ou dinamizar a produção espacial. Com isso, o
espaço e a sociedade têm transformada sua característica pretérita de
independentes ou autárquicos (GODOI, 2009, p.129).

A esse respeito, Santos (1988, p. 51) afirma que:

Antes [...], a maioria das regiões produzia quase tudo de que necessitava para
sua reprodução, produzia-se de quase tudo em todos os lugares; vivia-se
praticamente em autarquia. Hoje, assistimos à especialização funcional das
áreas e lugares, o que leva à intensificação do movimento e à possibilidade
crescente das trocas.

O debate sobre a divisão territorial e social do trabalho é interessante para


nossa realidade de estudo, visto que Iguatu assumiu uma especialização dentro da região
centro-sul do Ceará no que tange a produção e coleta do algodão, fato que lhe propiciou a
geração de riquezas e centralização dos estabelecimentos de beneficiamento desta
malvácea. Passou ainda a contar com serviços financeiros, a exemplo das instituições
bancárias que atendiam o centro-sul do Ceará, além de polarizar vários serviços, entre os
quais a educação (discutiremos este item e outros referentes às relações sociais
125

envolvidas na produção do algodão e as transformações socioespaciais que ocasionaram


na vida do município).

Feitas estas observações, voltemos às discussões anteriores sobre as relações


sociais de produção demonstrando a sua complexidade no contexto de desenvolvimento
da cultura algodoeira em Iguatu. Reforçaremos essa asserção com a citação a seguir,

[...] os mercados compradores de algodão exigiam boa qualidade da fibra,


variedades novas foram introduzidas. O herbáceo procedente do Rio de Janeiro,
o mocó do Rio Grande do Norte, e ainda variedades egípcias e norte-
americanas. Nos sertões, adaptou-se o mocó (Gossipium vitifolium) de fibra
longa e de maior rendimento, e criava-se desde 1924 o Serviço Estadual do
Algodão que contava, para execução de seus programas, com técnicos ingleses.
Usinas centrais de beneficiamento e prensagem, instaladas em Fortaleza, Sobral
e Iguatu, asseguravam o beneficiamento e a classificação em moldes
internacionais (ATLAS DO CEARÁ, 1973, p.IV.13 ).

Como podemos observar, a cultura algodoeira exigia no início dos anos 1920,
a modernização em seu cultivo, necessitando assim, de profissionais técnicos de outros
países, especializados nesta cultura, com o intuito de aumentar a produtividade e garantir
a produção, de acordo com os padrões internacionais. Neste contexto, Iguatu, bem como
Sobral e Fortaleza, ganham destaque e importância no beneficiamento do algodão.

No que tange à atividade industrial podemos considerar a década de 1920,


como a primeira fase do processo de instalação de indústrias relacionadas à produção
algodoeira. Destacando-se como a de maior importância, a Companhia Industrial de
Algodão e Óleos – CIDAO, que funcionou até meados dos anos de 1970. Sua produção
não se voltava somente ao óleo e à pluma do algodão, mas também à mamona e ao
babaçu. Sua construção teve início em 21 de março de 1921, inaugurando-se no dia 21 de
março de 1924. Conforme Teixeira (2007, p.54):
126

A CIDAO chegou a Iguatu atraída pela grande produção algodoeira ocorrida no


município na década de 20, quando outras usinas de proprietários filhos da terra
emergem em conseqüência do ciclo algodoeiro, que a cada safra, aumentava,
não somente em quantidade de pluma produzida, mas também pela sua
valorização nos mercados nacional e internacional.

Evidenciando nossas proposições acerca da instalação dos primeiros


estabelecimentos industriais em Iguatu datarem dos anos de 1920, nos apoiamos em
fotografias, que assumem papel importante como fontes documento-históricas e como
recursos metodológicos que evidenciam as realidades do passado. Elas têm papel
importante na captura de imagens do real, ficando guardadas e cristalizadas por muito
tempo. Dependendo do olhar que se lance sobre a fotografia, muitas informações podem
ser reveladas ou mascaradas. Dependendo também da relação entre aparência e essência
será feita a interpretação ou, de acordo com Latour (1998), se perceberão os filtros que
utiliza para ler a realidade. Ratificando estas ideias, Ciavatta (2009, p. 115-116) assegura
que:

Assim nos encontramos no cerne de uma discussão aberta, que é o conceito de


fotografia como fonte histórica e os aspectos teóricos correlatos: a crença na
fotografia como imagem fidedigna, o realismo na fotografia, a sedução do
prazer da visão, a informação e a desinformação trazidas pela ambigüidade de
sentidos que envolvem o objeto fotográfico, a subjetividade e a objetividade que
a fotografia carrega, o problema do olhar, da interpretação, que é buscar
desvendar a natureza do documento fotográfico.

Para algumas interpretações, a fotografia seria a imagem fidedigna do real,


cabendo algumas ressalvas sobre a retratação objetiva e fiel da realidade sobre essa
interpretação, visto que a fotografia não é indissociável da ideologia, das técnicas e do
período ao qual pertence, além de nela estarem contidas a subjetividade e a
intencionalidade de quem fotografa.
127

Desta forma, utilizamos fotografias antigas que foram fundamentais na


reconstituição das paisagens e das relações que foram estabelecidas em Iguatu no passado
e que contribuíram para o entendimento das transformações no espaço daquele
município.

As fotografias a seguir, retiradas do livro de Hugo Victor, publicado em 1925


e que fornecem fantástica descrição de tudo que existia na cidade de Iguatu no início do
século XX, comprovam as informações que obtivemos nas entrevistas concedidas e a
existência de estabelecimentos industriais já no início do século XX.

FIGURA 1: Fábrica São José (beneficiamento de algodão).


Fonte: VICTOR, Hugo. Ceará, o município e a cidade de Iguatu: Notícias geral. Tipografia CHRYSALLIDA,
Iguatu – Ceará, 1925.
128

A fotografia número 01 (um), apresenta uma boa descrição da paisagem, tendo


como foco a Fábrica São José, de propriedade de Alfredo Lafayete Teixeira, citada
anteriormente por Wilson Lima Verde. Nela podemos constatar o intenso movimento de
descarga de algodão nos lombos dos jumentos, e logo à direita da imagem se percebe um
caminhão de transporte de cargas, um dos primeiros existentes na cidade, segundo
palavras de Hugo Victor (1925). Nesse período já se percebem as inter-relações entre o
novo e o velho na paisagem.

FIGURA 2: Fábrica de Octaviano Benevides (beneficiamento de algodão).


Fonte: VICTOR, Hugo. Ceará, o município e a cidade de Iguatu: Notícias geral. Tipografia CHRYSALLIDA,
Iguatu – Ceará, 1925.
129

A fotografia de número 2 (dois) mostra a fachada da Fábrica de Octaviano


Jayme de Alencar Benevides44. Nela percebe-se a presença de inúmeros trabalhadores,
além do registro de um carro da marca Ford que, segundo Hugo Victor (1925) era um
dos seis existentes na cidade naquele tempo.

FIGURA 3: Fábrica Santa Margarida de propriedade de Virgílio Corrêa Lima(beneficiamento de algodão).


Fonte: VICTOR, Hugo. Ceará, o município e a cidade de Iguatu: Notícias geral. Tipografia CHRYSALLIDA,
Iguatu – Ceará, 1925.

44
Octaviano Jayme de Alencar Benevides era industrial, chefe da firma Alencar Benevides, agente do Bank of
London e da Standard Oil, chefe local do Partido Conservador Republicano Cearense. Este ainda foi Prefeito interino
de Iguatu no ano de 1935 por seis meses.
130

FIGURA 4: Fábrica de Gustavo Correia Lima.


Fonte: VICTOR, Hugo. Ceará, o município e a cidade de Iguatu: Notícias geral. Tipografia CHRYSALLIDA,
Iguatu – Ceará, 1925.

As fotografias de números 3 (três) e 4 (quatro) mostram duas fábricas de


beneficiamento de algodão, uma de propriedade do Cel. Virgílio Correia Lima e a outra
de Gustavo Correia Lima, um dos maiores industriais de Iguatu naquela época. Uma das
fábricas tinha o nome de Fábrica Santa Margarida (fotografia 3), já a outra (fotografia 4),
além de beneficiar algodão, também funcionava como escritório e serraria elétrica. É
válido lembrar, conforme nos assevera Hugo Victor (1925) e Nogueira (1962), que estas
fábricas em seu período inicial, funcionavam com motor a diesel, já que a energia de
Paulo Afonso só chegaria a este município na década de 1960.
131

FIGURA 5: Fachada da casa de Octaviano Benevides.


Fonte: VICTOR, Hugo. Ceará, o município e a cidade de Iguatu: Notícias geral. Tipografia CHRYSALLIDA,
Iguatu – Ceará, 1925.

FIGURA 6: Fachada da casa de Virgilio Corrêa Lima.


Fonte: VICTOR, Hugo. Ceará, o município e a cidade de Iguatu: Notícias geral. Tipografia CHRYSALLIDA,
Iguatu – Ceará, 1925.
132

As fotografias de números 5 (cinco) e 6 (seis) evidenciam as fachadas das


casas de Octaviano Benevides e do Cel. Virgilio Correia Lima: belos casarões que
parecem demonstrar o grande poder e a riqueza que estes homens possuíam. Os dois
proprietários eram donos de beneficiadoras de algodão, o que nos leva a crer que boa
parte da riqueza deles advinha da cultura algodoeira, visto ser esta a principal atividade
econômica de Iguatu até meados da década de 1970.

Reforçando nossas argumentações e para comprovar a existência de um


número considerável de indústrias em Iguatu, além de uma série de outras atividades que
demonstram o desenvolvimento capitalista e a complexidade nas relações de produção e
divisão territorial e social do trabalho, nos apoiamos na descrição de Hugo Victor (1925),
Nogueira (1962) e Aragão (1998).

Com descrição apurada e riqueza de detalhes de todas as indústrias,


equipamentos e quantidades produzidas por fábrica, Hugo Victor (1925) assim enumera
as fábricas existentes na cidade: Fábrica Benevides, de propriedade de Alencar
Benevides, com uma seção de beneficiamento de algodão e outra de arroz. Na seção de
algodão, o autor atenta para a existência de um motor locomóvel de 45 HP; 1
descaroçadeira marca Águia com 70 serras; 1 dita ―Lidgerwood Limited‖ com 70 serras;
1 limpadeira ―Águia‖; 1 prensa hidráulica, dupla ―Continetal‖ e 1 esteira condutora com
24 metros. Produção diária: 25 fardos.

Prosseguindo sua descrição, Hugo Victor refere-se à Fábrica de Gustavo


Correia Lima, com seção de beneficiamento de algodão, ocupando uma área de 18.000
palmos. Contavam com maquinários de origem americana e sua produção diária era de 25
fardos de 140 quilos (HUGO VICTOR, 1925). Já a Fábrica S. Margarida, situada na Rua
Epitácio Pessoa, nº 66 a 70 e Rua Nova, 48 e 70, de propriedade de Virgílio Correia
Lima, possuía maquinário inglês e produção diária normal de 2.080 quilos e uma seção
de arroz. Além destas, existiam as Fábricas São José, Fábrica Romeiro, Fábrica de
133

Beneficiamento de algodão, de José Ferreira Pinto de Mendonça, a Usina da Companhia


Industrial de Algodão e Óleos – CIDAO, além da Fábrica São Geraldo na Varzinha de
José Teixeira, e mais duas, uma no distrito de Bom Jesus de propriedade de Vicente
Alves do Nascimento e outra de algodão no Sítio Garrota, de propriedade dos herdeiros
de Antônio Simplício Oliveira. (HUGO VICTOR, 1925, p.76-77).

A descrição de Hugo Victor (1925) indica a destacada presença de indústrias


de beneficiamento de algodão em Iguatu e como era elevada a produção destas empresas
para o período. Um fato interessante a ser comentado com base em Hugo Victor (1925) é
quanto a origem dos maquinários utilizados pelas fábricas de beneficiamento de algodão
que, em sua maioria, eram provenientes da Inglaterra e dos E.U.A, o que demonstra o
intercâmbio comercial entre Iguatu e estes países. Para além de relações comerciais, isto
é uma demonstração do interesse do capital anglo-saxão pelas culturas agro-exportadoras
do Brasil, inclusive mantendo instituições e agentes financeiros em Iguatu, além de
fábricas próprias, a exemplo da Anderson Clayton que conforme Galeano (2009)
mantinha trinta filiais na América Latina, que além de venderem algodão, financiavam e
industrializavam a fibra e seus derivados, além de produzirem alimentos em grande
escala.

Neste caso acreditamos que o interesse do capital anglo-saxão presente através


desta e de outras empresas, assim como de instituições financeiras, demonstra uma forma
de ajuste espaço-temporal do capital no sentido de expandir para novos mercados seus
produtos, além de absorver matérias primas e mão-de-obra barata favoráveis a sua
reprodução. Fomentando este debate, Galeano (2009, p. 126) afirma que:

O algodão latino-americano continua vivo no comércio mundial, aos trancos e


barrancos, graças a seus baixíssimos custos de produção. Inclusive as cifras
oficiais, máscaras da realidade, delatam o miserável nível da retribuição do
trabalho. Nas plantações do Brasil, os salários de fome se alternam com o
trabalho servil;[...].
134

No caso de Iguatu, o capital anglo-saxão esteve presente em empresas como a


SANBRA e Anderson Clayton & CIA. A presença do capital inglês em Iguatu nos leva a
refletir sobre o papel que este município assumiu na contextura da reprodução da mais-
valia internacionalizada como espaço da periferia mundial. A este respeito Nogueira
esclarece que a

Anderson Clayton & Cia. Ltda. que, em poucos anos, construiu em Iguatu
armazéns para guarda de algodão em rama e instalou maquinismo moderno para
beneficiamento do produto. Para dizer do nível de atenção dado a esse
estabelecimento é só lembrar que foi instalado um motor a óleo Diesel, com
fôrça de 160 h.p. e o primeiro a ser utilizado no interior cearense. As atividades
dessas duas poderosas empresas (para não citar outras menores) resultavam em
lucros excelentes para seus proprietários, embora pagassem eles diárias
miseráveis a seus operários que eram impiedosamente explorados.
(NOGUEIRA, 1962, p.220).

A Anderson Clayton, a SANBRA e a MACHINE COTTON eram chamadas


as ―três irmãs‖, sendo detentoras do controle do valor do algodão a nível internacional,
como esclarece Oliveira (1981, p. 48-49):

O capital internacional, sob a égide das ‗três irmãs‘, SANBRA, CLAYTON e


MACHINE COTTON, realiza, internacionalmente, sob seu controle, o valor
dessa mercadoria. E cria, aproveitando a estrutura de reprodução do latifúndio-
minifúndio, um intermediário comercial que vai desempenhar a tarefa de
recoletar, das milhares de pequenas plantações de algodão, os resultados da
colheita: os fazendeiros, principalmente os grandes, convertem-se nesse
intermediário comercial, que faz as vezes também de intermediário-financeiro,
por conta própria ou com recursos das ‗três irmãs‘ para financiar a entre-safras,
ou o período morto que medeia entre uma e outra colheita. Ele se desempenha
com os mecanismos das ―três irmãs‖ nessa operação: compra na ‗folha‘, isto é,
fixa de antemão o preço que irá pagar ao meeiro pelo algodão que ele colherá,
independente das variações para cima que esse preço possa experimentar no
135

mercado internacional; mas não independente das variações para baixo: se as


‗três irmãs‘ fixarem um preço mais baixo, ele descontará do meeiro a diferença
entre valor ou preço ajustado na ‗folha‘ e o preço que será efetivamente pago
por ocasião da colheita. Aduzirá a esse mecanismo, também um de intervenção
própria: financiará, em espécie, as poucas mercadorias que o próprio meeiro não
produz: o parco sal, o querosene que aluminará a miséria, a roupa e o calçado
dominical. Descontará na colheita, cobrando preços exorbitantes, esse
fornecimento em espécie: no fim, restará ao meeiro tão-somente sua própria
força-de-trabalho e a de sua família, com a qual recomeçará o círculo infernal
da submissão.

A citação mostra o contexto das relações sociais de produção em Iguatu,


sobretudo o papel que estas relações (meeiros, arrendatários) tiveram para a acumulação
de riqueza nas mãos de fazendeiros, comerciantes e intermediários corretores do algodão.

Dando continuidade à discussão acerca dos estabelecimentos industriais


existentes em Iguatu, Aragão (1998, p. 79) elenca as indústrias existentes na cidade na
década de 1920:

a) Fábrica Benevides – Beneficiamento de Algodão (instalada na década de 20);


b) Fábrica Benevides – Beneficiamento de arroz (instalada na década de 20); c)
Fábrica Gustavo Corrêa Lima – Beneficiamento de Algodão e Usina Elétrica
(década de 20); d) Fábrica Santa Margarida – Local: Rua Epitácio Pessoa n. 60
– proprietário: Virgílio Corrêa Lima. Beneficiamento de algodão (década de
20); e) Fábrica Santa Margarida – Virgílio Corrêa Lima. Beneficiamento de
arroz (década de 20); f) Fábrica São José – Proprietários: Lafayete Teixeira &
Cia – Beneficiamento de algodão (década de 20); g) Fábrica São José –
Proprietários: Lafayete Teixeira & Cia – Beneficiamento de arroz (década de
20) - extinta; h) Fábrica Romeiro – Proprietário: José Ferreira Pinto de
Mendonça. Local: Praça Francisco Sá. – Beneficiamento de algodão (década de
20) – Extinta; i) CIDAO – Companhia Industrial de Algodão e Óleos (sucessora
da organização Trajano de Medeiros) e inaugurada a 21 de março de 1921,
dividida em três departamentos específicos compreendendo produção de óleo
vegetal, descaroçamento de algodão e produção de sabão – paralisada; j)
Fábrica São Gerardo – (sítio Varzinha) – Propietário: Viúva José Helvécio
Teixeira. Beneficiamento de algodão (década de 20).
136

Nogueira (1962), demonstrando o grande impulso econômico de Iguatu, utiliza


dados da coletoria federal para revelar o progresso material. Os dados revelam que em
1922 a arrecadação foi de 59.554$081, em 1923, de 87.560$477 e em 1924 foi de
104.170$068. Já com relação à coletoria estadual, no que se refere às receitas da indústria
e as profissões, para o ano de 1924, o valor foi de 43:761$334, enquanto para a cidade
como um todo, foi de 119:900$788. Estes números por si só demonstram o grande
volume de riquezas geradas e acumuladas em Iguatu, ocasionando uma reorganização
espacial do município.

Outras informações referentes às instituições financeiras, a exemplo do Banco


Caixeiral, da Agência Alencar Benevides – Standard Oil Company of Brasil; Companhia
de Seguros Aliança da Bahia e automóveis Ford, dentre outros, poderiam ser elencadas.
Neste sentido, indagamos: O que explica a existência de todas essas fábricas já na década
de 1920 em pleno sertão centro-sul do Ceará? O que explica a presença de caminhões
Ford, usinas de energia, grandes quantidades de mercearias na cidade? Porque Iguatu tem
na década de 1920 o maior número de estabelecimentos rurais do Ceará, possuindo
segundo Hugo Victor (1925), 399 estabelecimentos? As riquezas geradas no município
estariam inseridas no processo de circulação, não existindo assim um processo de
acumulação interna? Qual o papel das relações (políticas e econômicas) externas para a
criação das primeiras indústrias em Iguatu?

Entendemos que respostas a estas questões se manifestam a partir da expansão


da atividade algodoeira em Iguatu e da permanência de relações de produção não
capitalistas nesta cultura, fato substancial para o desenvolvimento das forças produtivas.
Assim, a totalidade e as mediações que ligam o particular ao universal, perpassam as
mais variadas escalas de compreensão e desta forma esse processo inicial de
industrialização em Iguatu está inserido em um processo maior de expansão do
capitalismo na periferia do mundo conforme assevera Luxemburg (1982) e Harvey
137

(2005; 2006). Neste sentido consideramos necessária a discussão sobre as relações sociais
de produção no contexto da produção algodoeira em Iguatu.

4.2.2. O algodão e as relações sociais de produção no campo e na cidade

Compreendem-se as relações sociais de produção como as relações que se


estabelecem entre os homens no processo de produção, distribuição e intercâmbio de
riqueza material e imaterial e que podem se dar em forma de cooperação e assistência
mútua ou de exploração do homem pelo homem. De acordo com Oliveira e Quintaneiro
(2002, p. 35):

O conceito de relações sociais de produção refere-se às formas estabelecidas de


distribuição dos meios de produção e do produto, e o tipo de divisão social do
trabalho numa dada sociedade e em um período histórico determinado. Ele
expressa o modo como os homens se organizam entre si para produzir; que
formas existem naquela sociedade de apropriação de ferramentas, tecnologia,
terra, fontes de matéria-prima e de energia, e eventualmente de trabalhadores;
quem toma decisões que afetam a produção; como a massa do que é produzido é
distribuída, qual a proporção que se destina a cada grupo, e as diversas maneiras
pelas quais os membros da sociedade produzem e repartem o produto.

Considerando-se as características das relações de produção capitalistas, até


que ponto a produção algodoeira se insere neste contexto? Para melhor elucidar esta
questão iniciamos este item com um debate acerca do que caracterizam as relações
capitalistas de produção e, em seguida, enfocaremos o caso específico de Iguatu.

Em suas formulações, Wallerstein (1985) afirma ser necessário conceber o


capitalismo como um sistema histórico e social para que não caiamos numa mera
projeção de modelos abstratos de interpretação da realidade.
138

Em suas formulações para a explicação do capitalismo e do capital, Marx


(1893) atenta, como indicado anteriormente, para o processo de acumulação primitiva
como fator importante para a acumulação de capital. Segundo Hunt (1981, p. 240):

A acumulação primitiva poderia ser encarada de dois pontos de vista diferentes


(embora tenha sido um único processo sócio-econômico geral): como o
processo de criação da classe operária sem propriedades, economicamente
indefesa e dependente, ou como a criação de uma classe capitalista rica, com
controle monopolista sobre os meios de produção os meios de produção. De
qualquer ponto de vista, sua história foi ‗escrita nos anais da história com letras
de sangue e fogo‘.

Complementando a citação anterior e explicando como o processo de


expropriação dos trabalhadores de seus meios de produção foi favorável para o
desenvolvimento das forças produtivas e para a concretização das relações capitalistas de
produção, Oliveira (2007, p. 36) assegura que:

As relações capitalistas de produção são relações baseadas no processo de


separação dos trabalhadores dos meios de produção, ou seja, os trabalhadores
devem aparecer no mercado como trabalhadores livres de toda a propriedade,
exceto de sua própria força de trabalho. Devem estar livres de todos os meios de
produção. Esse processo, chamado pela ideologia capitalista de liberdade,
assenta no processo de expropriação dos meios de produção dos trabalhadores,
ocorrido em período histórico imediatamente anterior.

Marx (1890; 1893) destaca que outros pressupostos que caracterizam as


relações de produção capitalistas seriam a produção de mercadorias, a existência no
processo produtivo de trabalhadores assalariados, a criação da mais- valia através da
captura do trabalho excedente dos trabalhadores por parte dos patrões e da apropriação
dos excedentes de capital. Marx (1893; 1997) também afirma que não adiantaria para o
capitalista o esquema simples M-D-M e nem o esquema D-M-D, pois nos dois casos não
139

teríamos a criação de mais-valor. Seria necessário a produção ampliada de capital, o que


ficou caracterizada pelo esquema D – M – D‘, para consegui-la. No esquema proposto
por Marx (1890; 1893) é fundamental que entendamos a indissociabilidade do
movimento de produção – circulação – consumo. Conforme Marx (1973, p. 93):

a produção não é apenas imediatamente consumo e o consumo não é apenas


imediatamente produção, a produção não é apenas meio para o consumo e o
consumo não é apenas o objetivo da produção [...] mas também, tanto a
produção quanto o consumo [...] criam o outro, completando-se e criando-se
enquanto o outro.

No livro I, Marx afirma que o processo cíclico do capital realiza-se em três


estágios, apresentados no livro II:

Primeiro – O capitalista aparece como comprador no mercado de mercadorias e


no mercado de trabalho; seu dinheiro converte-se em mercadoria ou efetua o ato
de circulação D – M. Segundo – Consumo produtivo das mercadorias
compradas pelo capitalista que funciona como produtor capitalista de
mercadorias cujo valor supera o dos elementos que concorrem para sua
produção. Terceiro – O capitalista volta ao mercado como vendedor; sua
mercadoria converte-se em dinheiro, isto é, efetua o ato de circulação45 (MARX,
1893, p.27).

45
É válido lembrar assim como nos faz Marx, que no livro I, o autor enfatiza mais o primeiro e o terceiro estágios,
dedicando o livro II maior ênfase a esfera da circulação. Conforme a citação anterior feita por Marx (1893), podemos
identificar que na primeira fase o capital encontra-se na esfera da circulação, na forma de capital monetário, onde
teríamos a fórmula D – M, sendo D= dinheiro, M= mercadoria. Na mercadoria estaria agregada a força de trabalho =
Ft e os meios de produção = MP. Em sua segunda etapa, o capital entra na esfera produtiva, onde o trabalho
assalariado combina-se com os meios de produção, criando assim novas mercadorias, com novos valores, sendo
gerada nesta esfera a mais-valia. Neste caso teríamos a fórmula M ... P ...M‘. Nesta segunda etapa, entendemos que o
capital passa de sua forma produtiva para a forma do capital-mercadoria. Para terminar o ciclo, na terceira etapa,
voltamos a esfera de circulação, pois as mercadorias produzidas após a venda converte-se em dinheiro. Dessa forma
chegaríamos a fórmula D – M ... P – M‘ – D‘ que caracteriza o movimento do capital. Ou seja, no inicio o capitalista
entra no negócio com certa quantia e no final recebe um acréscimo daquela quantia inicial que será novamente
aplicada para a ampliação de seus lucros, promovendo assim, uma acumulação ampliada do capital. Para tanto o
processo inicial de acumulação primitiva exerceu papel fundante em todo o processo acima discutido.
140

Para caracterizar-se como uma relação capitalista, no final ciclo, o capitalista


deveria ter acumulado um excedente de capital, que deveria ser reinvestido para
caracterizar a acumulação de capital, superando assim a reprodução simples, que segundo
Marx (1893) seria impossível em um sistema produtor de mercadorias.

Fazendo uma leitura da teoria da acumulação em Marx, Harvey (2005a)


assevera que a acumulação é o motor cuja potência aumenta no modo de produção
capitalista. Para Harvey (2005a), o capitalismo é dinâmico, expansível e cria uma força
revolucionária que incessantemente transforma o mundo.

O processo de acumulação depende de alguns pressupostos, dos quais destaca:

1) A existência de um excedente de mão – de – obra, isto é, um exército de


reserva industrial, que pode alimentar a expansão da produção. Portanto, devem
existir mecanismos para o aumento da oferta de força de trabalho, mediante, por
exemplo, o estímulo ao crescimento populacional, a geração de corrente
migratórias, a atração de ―elementos latentes‖ – força de trabalho empregada em
situações não-capitalistas; mulheres, crianças etc. – para o trabalho, ou a criação
de desemprego pelo uso de inovações que poupam trabalho. 2) A existência no
mercado de quantidades necessárias (ou oportunidades de obtenção) de meios
de produção – máquinas, matérias-primas, infra-estrutura física e assim por
diante -, que possibilitem a expansão da produção conforme o capital seja
reinvestido. 3) A existência de mercado para absorver as quantidades crescentes
de mercadorias produzidas. Se não puderem ser encontradas necessidades para
os bens, ou se não existir demanda efetiva (a necessidade retraída pela
incapacidade de pagamento), então desaparecerão as condições para a
acumulação capitalista (HARVEY, 2005a, p.44-45).

O processo descrito por Harvey nos oferece uma ampla visão das condições
para a existência da acumulação e desenvolvimento do capitalismo, o que de fato não
ocorre de forma semelhante em todos os lugares, a exemplo da realidade brasileira e de
alguns setores de sua economia.
141

[...] – a expansão do capitalismo no Brasil se dá introduzindo relações novas no arcaico


e reproduzindo relações arcaicas no novo, um modo de compatibilizar a acumulação
global, em que a introdução das relações novas no arcaico libera força de trabalho que
suporta a acumulação industrial-urbana e em que a reprodução das relações arcaicas no
novo preserva o potencial de acumulação liberado exclusivamente para os fins de
expansão do próprio novo. [...] (OLIVEIRA, 2003, p.60).

A exemplo da realidade brasileira, a expansão das relações sociais de


produção na cultura algodoeira em Iguatu, ocorreu através da permanência de antigas
relações de produção que não são necessariamente capitalistas, mas que são apropriadas,
segundo Martins (2010), para a reprodução do capital, a exemplo das relações de
colonato nos cafezais. Segundo Martins (2010, p. 245):

[...] É preciso ter em conta que o desenvolvimento das relações capitalistas num
ramo ou num setor da produção já cria as condições para que a reprodução
capitalista de capital aí ocorra, realizando como excedente capitalista os
excedentes gerados em relações não capitalistas.

De acordo com o que já foi dito, a cultura algodoeira em Iguatu assim como
no Ceará, se desenvolveu através do sistema de parcerias e consorciada com culturas de
subsistência. No caso de Iguatu, existiam fazendas como a de Manoel Matias Costa que
em fase inicial trabalhava com o arrendamento e com o consórcio, mas que com o passar
do tempo, assim como afirmou seu filho Edilmo Costa, optou por plantar somente
algodão (pois era bem mais lucrativo). Mas de modo geral, predominava na estrutura
agrária, a produção em pequenos estabelecimentos.

Na estrutura agrária, o predomínio não era do grande latifúndio, mas como nos
deixou claro Oliveira (1981), de pequenas culturas realizadas por meeiros, posseiros,
sitiantes:
142

[...] Não é a ‗plantation‘, porém, a estrutura de produção dessa nova


mercadoria; esse vasto algodoal é na verdade constituído pela segmentação sem
fim de pequenas e isoladas culturas. A rapina internacional encontra terreno
propício à constituição de uma estrutura de produção em que o capitalismo
internacional domina a esfera financeira de circulação, deixando a produção
entregue aos cuidados de fazendeiros, sitiantes, meeiros, posseiros. Emerge aqui
a estrutura fundiária típica do latifúndio: o fundo de acumulação é dado pelas
―culturas de subsistência‖ do morador, do meeiro, do posseiro, que viabilizam,
por esse mecanismo, um baixo custo de reprodução da força – de - trabalho e,
portanto, um baixo valor que é apropriado à escala de circulação internacional
de mercadorias, sob a égide das potências imperialistas (OLIVEIRA, 1981,
p.47).

Albuquerque (1980, p.7) reforça essa asserção, ao ressaltar que:

[...] parcela significativa da produção do algodão nordestino provinha de


cultivos de 20 ha, explorados através de um sistema de parcerias, onde os
proprietários de terra transferiam ao parceiro a totalidades dos riscos e encargos
da cultura e ainda obtinha a garantia de suprimento alimentar para a pecuária
bovina.

A tabela a seguir evidencia a estrutura agrária de Iguatu no ano de 1970, em


que se percebe a concentração de terras nas mãos de poucos proprietários. No caso,
quatro; cada qual possuindo de 1.000 a menos de 10.000 hectares. No restante dos
estabelecimentos – a maioria -, não passava de 10 hectares com um número de 1.779
estabelecimentos, seguido pelos estabelecimentos de 10 a menos de 20 hectares,
contabilizando 876 estabelecimentos, e os de 20 a menos de 50 hectares com 805
estabelecimentos.
143

Tabela 04: Iguatu - Estrutura agrária (1970)


Área
Classe de área (Ha) Nº de estabelecimentos
(ha)
Menos de 10 1.779 9.222
10 à menos de 20 876 12.448
20 à menos de50 805 25.078
50 à menos de 100 323 22.163
10 à menos de 1.000 198 43.734
1.000 à menos de
4 7.628
10.000
Mais de 10.000 - -
Total 3.985 120.273
Fonte: IBGE, Censo agropecuário. VII Recenseamento Geral – 1970. Série regional, Volume III – Tomo VII.
Retirado de: SUDEC. Levantamento Básico dos Municípios; volume VI – 1977.

Segundo o mesmo estudo, mas do ano de 1975, houve aumento no número de


propriedades com menos de 10 hectares, passando-se de 1.779, para 1.951, e diminuindo-
se o número de propriedades de 10 a menos de 20 hectares e de 20 a menos de 50
hectares. Respectivamente mudou-se de 876 para 856, e de 805 para 777. (SUDEC,
1980).

Os dados acima comprovam conforme Albuquerque (1980), que parcela


significativa do algodão nordestino provinha de cultivos em estabelecimento de 20
hectares.

É claro que a agricultura de Iguatu não se resumia ao cultivo do algodão, pois


também se cultivava o arroz, outra grande cultura no município, além de outras culturas
de menor destaque e da criação de gado. Não obstante, a cultura algodoeira se destacava
como principal cultura agrícola no ranking local.

No referente às relações de produção estabelecidas no campo em Iguatu,


podemos considerar que tais relações não eram assalariadas e tinham cunho não
capitalista, donde destacamos as relações de parcerias, de moradores de fazendas que
144

recebiam por diária ou por empreitada, além das relações de renda da terra não-capitalista
defendidas por Oliveira (2007).

A parceria - é outro elemento da produção camponesa decorrente da ausência de


condições financeiras do camponês para assalariar trabalhadores em sua
propriedade; assim ele, ao contratar um parceiro, divide com ele custos e
ganhos; é comum essa relação de trabalho aparecer articulada na produção
capitalista como estratégia do capital para reduzir os custos com a remuneração
dos trabalhadores; da mesma maneira, a parceria pode ser a estratégia que os
pequenos camponeses utilizam para ampliar a sua área de cultivo e
conseqüentemente aumentar suas rendas (OLIVEIRA, 2007, p. 41).

Resignificando o debate sobre a condição de parceria para a realidade dos


sertões do Ceará, Barreira (1992) afirma que a parceria como relação social não se esgota
com o pagamento. Existiria uma ambigüidade na terminologia ―parceria‖ e sua variedade
é bem ampla tanto do ponto de vista cultural quanto social. Nos estudos de Barreira
(1992), o parceiro vai além da visão clássica, podendo ser incluído neste caso o morador-
parceiro, o meeiro e os próprios trabalhadores camponeses que se autodenominaram
parceiros em suas lutas por direitos à terra, as chamadas ―lutas de parceiros‖ ou
―movimentos de parceiros‖.

Procurando estabelecer a diferença entre os termos de morador e parceiro,


Barreira (1992, p.82) afirma que:

O ‗morador‘ é o trabalhador que reside dentro da fazenda e o ‗rendeiro‘ é o que


mora, geralmente , fora da propriedade. Entretanto, pode existir ‗rendeiro‘ que
more dentro da propriedade. Neste caso, o ‗morador‘ representa o ‗trabalhador
mais antigo‘ que, além de pagar um percentual de sua produção ao dono da
terra, ‗tem sujeição‘, no dizer dos trabalhadores. Esta ‗sujeição‘ significa ter que
trabalhar alguns dias da semana para o dono da terra, ganhando, às vezes, diária
menor do que normalmente paga a outros trabalhadores. O ‗rendeiro‘, por outro
lado, é mais ‗liberto‘, só tendo como obrigação pagar a parte estabelecida de sua
produção ao proprietário da terra.
145

O parceiro, segundo este autor, começa a designar o camponês que está


lutando por um pagamento mais justo. Barreira (1992, p. 83) assim descreve os diferentes
tipos de parceiros:

O ‗parceiro-pequeno proprietário‘ é o camponês que, mesmo possuindo uma


pequena propriedade, trabalha de ‗parceria‘ noutra propriedade para possibilitar
a reprodução individual e familiar. O ‗parceiro-diarista‘ é o camponês que mora,
usualmente, em um pequeno povoado ou nos arredores de uma cidade maior e
que, além de trabalhar como diarista, mantém um ‗contrato de parceria‘. O
‗parceiro-morador‘ reside dentro da propriedade e mantém uma ‗relação de
parceria‘ com o dono da terra, tendo um duplo compromisso com o proprietário
– como ‗morador‘ e como ‗parceiro‘. Nesta relação cristalizam-se todos os
elementos de ‗dívidas‘ e ‗favores‘, ‗direitos‘ e ‗deveres‘ do ‗sistema de
parceria‘. A ‗moradia‘ dentro da propriedade mascara, em parte, a relação
proprietário-trabalhador rural, como, também, reveste de toda riqueza e
especificidade esta categoria social. Neste aspecto, para o nosso trabalho, ‗a
moradia‘ assume uma importância capital. A ‗visão de mundo do parceiro‘ é, de
certa forma, sobredeterminada por valores do dono da terra, onde a relação
personalista é muito forte.

De fato, a realidade é por demais complexa, e no caso de Iguatu, constatamos


a presença das relações acima descritas. Muito comum era também a presença de
camponeses vindos de outros estados nordestinos (Paraíba, Pernambuco) na época da
colheita algodoeira. Estes acabavam por se estabelecer em fazendas, recebendo dos
grandes latifundiários, moradia e alimentação, fato semelhante às discussões postas por
Martins (2010) acerca da migrações e do sistema de colonato.

O exemplo seguinte foi fornecido pelo Senhor José Gomes da Silva46 (Seu
Amanso), que afirma que somente na fazenda em que trabalhava (com a função de
administrador), de propriedade do Senhor Manoel Matias Costa, conhecido como o ―rei

46
Entrevista realizada no dia 26 de junho de 2010, com o senhor Amanso trabalhador da fazenda do Senhor Manoel
Matias Costa há 30 anos.
146

do algodão‖, eram empregados no período da colheita, cerca de 500 a 550 funcionários,


sendo cerca de 100 deles, moradores de uma fazenda situada na Varzinha.

A fotografia a seguir, demonstra que inclusive uma Igreja foi criada para que
os trabalhadores que ali residissem pudessem frequentá-la na hora de seu descanso. Ao
lado da igreja se encontrava o galpão que armazenava o algodão produzido na fazenda.
Todo um aparato material e espiritual foi criado para a manutenção da resignação dos
camponeses e sua permanência. Logo após longas horas de trabalho, seja roçando,
semeando ou colhendo, os trabalhadores tinham seu afago na Igreja, onde iam agradecer
a Deus e ao patrão, por mais um dia de trabalho e de comida.

FIGURA 07: Igreja na fazenda Varzinha -Iguatu


Fonte: LIMA, Átila de Menezes - 2010.

Ao indagar sobre a origem das pessoas que trabalhavam na fazenda, o senhor


Amanso assim nos respondeu:
147

Rapaz, por ser um lugar de acolhimento das pessoas, uma fazenda, aqui podia
vim gente da Paraíba de todos os outros estados também chegavam aqui e vim
trabalhar sabe. Naquela época, por exemplo, na época da colheita, tal tempo...
agora mesmo nós estamos no mês de junho né, ai mês de abril, por exemplo,
maio, começa a colheita aqui, ai o pessoal que tava lá na Paraíba, lá em outros
estados rapaz dizia, agora lá em Iguatu ta na época da colheita, ai onde chegava
aqui e sabendo aonde tinha algodão pronto tinha serviço pra todo mundo. Todas
essas fazendas aqui, nas adjacências acolhiam gente. Aqui teve famílias que se
arranjaram com gente de fora, de outros estados né que vinham pra cá e ficava e
morava até muitos anos aqui na varzinha sabe, que aqui sempre foi um lugar... a
fazenda aqui sempre foi acolhedora o pessoal chegava aqui pra voltar, mas tinha
casa... tinha muita casa de taipa aqui que geralmente e geralmente sempre tinha
uma desocupada o pessoa vinha se arranjava, ficava ai um bocado de tempo
sabe. Agora eu mesmo filho natural da varzinha, a gente tinha uma média de...
você vê... eu tenho 57 nos, toda a minha vida foi aqui dentro, papai morreu aqui
com oitenta e tantos anos aqui dentro se você ai naquela vila o pessoal o pessoa
conta a historia: o meu pai morreu... o meu pai tinha 90 anos, nasceu e criou-se
na varzinha e tal sabe, é uma historia né a varzinha tem... não é um ―povim‖ que
chegou relâmpago não, que chegou e saio a manhã não, todo mundo aqui sabe...
sabe como começou o primeiros passos aqui da varzinha. (Seu Amâncio,
entrevista realizada em 26 de julho de 2010).

As relações de trabalho estabelecidas nesta fazenda, pertencente a um dos


maiores produtores de Iguatu (Manuel Matias Costa), propiciaram a acumulação
necessária para que ele criasse sua própria fábrica de beneficiamento de algodão, a
denominada Fábrica Varzinha, (Entrevista de Lima Verde - apêndice). Comentando em
entrevista sobre as formas de pagamento aos trabalhadores da fazenda de propriedade de
Manoel Matias Costa, ―Nelzin‖ (seu filho Edilmo Costa) afirmou que era muito comum o
pagamento em diárias ou em empreitadas, cabendo aos trabalhadores executarem a
limpeza, a queima do terreno, o roço da terra, a plantação e a colheita.

Outro produtor que também conseguiu montar uma indústria com a produção
de algodão foi José Saraiva Coelho, proprietário da COESA S/A, uma das principais
usinas beneficiadoras de algodão de Iguatu. Este senhor, segundo Lima Verde, ainda teve
apoio do governo Federal em consórcio com os E.U.A na chamada Aliança para o
148

Progresso47, instaurada durante o governo do presidente Kennedy para abrir sua usina
(que contou ainda com financiamento do Banco do Brasil).

Conforme ressalta Oliveira (1981), tanto os grandes fazendeiros como o


capital internacional, tinham elevados lucros com o comércio do algodão, sobretudo por
determinarem o seu preço ao comprarem antecipadamente a produção na ―folha‖ e
financiarem a produção para receber após a colheita. No caso de Iguatu, o financiamento
da produção algodoeira se deu pelo Banco do Brasil através do Crédito Agrícola e
Industrial – CREAI. Este era um financiamento feito pelo Banco do Brasil, que
objetivava o crédito para custeio e investimento produtivo privado de longo prazo nos
setores agrícola e industrial.

Outra forma de acumulação extraída a partir da cultura algodoeira por parte


dos grandes e médios fazendeiros proprietários de terra em Iguatu foi o arrendamento da
terra e a meia. Sobre este assunto, Oliveira (1981, p.48) nos traz contribuições ao afirmar
que:

[...] O fazendeiro apropria parte desse valor, tanto sob a forma de sobre-produto,
resultado da partilha do algodão entre ele e o meeiro, quanto sob a forma de
sobre-trabalho, no ―cambão‖, uma forma muito similar à clássica corvéia da
economia camponesa européia; sob as duas forma oculta-se uma terceira, a
renda da terra que raramente é explicita. O proprietário quase nunca exige um
pagamento do meeiro pela utilização da terra. O fazendeiro em sua ideologia,
‗dá‘ a terra de graça para seus moradores.

Com relação à renda da terra, as formas de pagamento por parte dos pequenos
produtores arrendatários se dava mediante a renda- trabalho, e o pequeno agricultor
dedicava alguns dias de seu trabalho para o grande latifundiário, ou era pago em renda

47
Para uma melhor compreensão da Aliança para o Progresso e do interesse dos E.U.A pelo Nordeste brasileiro, ver
Francisco de Oliveira (1981) em seu Clássico Elegia para uma (Re)ligião.
149

produto. Assim, o pequeno agricultor pagava a renda da terra disponibilizando parte de


sua produção para o latifundiário.

A renda da terra é uma categoria especial na Economia Política, porque ela é um


lucro extraordinário, suplementar, permanente, que ocorre tanto no campo como
na cidade. O lucro extraordinário é a fração apropriada pelo capitalista acima do
lucro médio. Na indústria ele é eventual, devido ao avanço tecnológico,
entretanto na agricultura ele é permanente, pois, por exemplo, existem
diferenças entre a fertilidade natural dos vários tipos de solos (OLIVEIRA,
2007, p. 43).

Este mesmo autor ainda discute outras formas de renda da terra que existiram
em Iguatu no processo de produção algodoeira, sendo denominadas por ele de rendas pré-
capitalistas.

Além dessas formas de renda da terra que existem quando a produção


agropecuária é baseada em relações capitalistas de produção, há também, de
forma contraditória no capitalismo a existência de renda da terra pré-capitalista.
Ela é diretamente produto excedente, ao contrário da tenda da terra capitalista
que é sempre, sobra acima do lucro, fração da mais-valia, portanto. As formas
da renda da terra pré-capitalistas são três: renda da terra em trabalho, renda da
terra em produto e renda da terra em dinheiro. A primeira, a renda da terra em
trabalho consiste na forma mais simples de renda fundiária, pois o produtor
direto com seus instrumentos de trabalho que lhe pertencem de fato ou de
direito), durante parte da semana, mês ou ano, trabalha as terras de outrem,
muitas vezes coercitivamente, recebendo em troca apenas o direito de lavrar
parte dessas terras para si próprio. A segunda forma é a renda da terra em
produto que se origina do fato de que o trabalhador cede parte de sua produção
pela cessão do direito de cultivar a terra de outrem. A terceira forma é a renda
da terra em dinheiro que se origina da conversão, da simples metamorfose da
renda em produtos em renda em dinheiro Assim, essas formas particulares de
renda da terra aparecem no campo e na cidade, ou seja, aparecem onde a terra é
propriedade privada de uma classe ou fração de classe, particularmente também
onde impera o modo capitalista de produção (OLIVEIRA, 2007, p. 44).
150

Aprofundando nossas discussões sobre a contribuição das relações não


capitalistas para o desenvolvimento do capitalismo, Oliveira (2007, p.40) acrescenta:

Na agricultura, esse processo de subordinação das relações não-capitalistas de


produção se dá sobretudo, pela sujeição da renda da terra ao capital. O capital
redefiniu a renda da terra pré-capitalista existente na agricultura. Ele agora
apropria-se dela, transformando-a em renda capitalizada da terra. É neste
contexto que se deve entender a produção camponesa: a renda camponesa é
apropriada pelo capital monopolista, convertendo-se em capital.

O debate acerca das relações sociais estabelecidas no campo foram


fundamentais para saber quais relações se estabeleceram na cidade de Iguatu, visto que a
realidade não é tão fragmentada quanto aparenta. Pelo contrário, se acha intimamente
inter-relacionada de forma dialética. Um bom exemplo disso nos é oferecido por Oliveira
(2003) ao relatar a importância de relações primitivas na agricultura, que impediam de
certa forma, o seu desenvolvimento técnico, mas que ao mesmo tempo desempenhava
papel importante na regulamentação do custo da reprodução da força de trabalho urbana.

O importante no entendimento da dialética campo-cidade em Iguatu é ressaltar


que ela foi proporcionada em grande parte pela cultura algodoeira, e demonstrar que esta
atividade agrícola não se realizou somente no campo, tendo boa parte de sua
concretização também na cidade. É nesta última, que encontramos a grande maioria das
indústrias de beneficiamento do algodão e os serviços ligados a esta atividade, como as
lojas de insumos, os pesticidas, os serviços bancários que garantiam o crédito no campo,
além dos serviços educacionais e de saúde.

A criação de infra-estruturas foi fundamental na relação campo-cidade, já que


havia a necessidade de escoamento das culturas agrícolas do município. A estrada de
ferro foi essencial na realização da produção por permitir maior contato com Fortaleza, a
capital do Estado, de onde saía o produto para o mundo. Este fato imprimiu nova
151

dinâmica regional a Iguatu, que se constituiu em uma nova centralidade na rede urbana
cearense, dado o importante papel que assumia no contexto das relações intermunicipais
da região centro-sul do Estado, sobretudo na dinamização do comércio, conforme destaca
Nogueira (1985, p. 159):

Dessa época em diante, o comércio iguatuense experimentou sensível


desenvolvimento, porque se tornou muito maior o intercâmbio da cidade com
Fortaleza. Por outro lado, Iguatu e seu município que eram grandes produtores
de algodão, passaram a ter outras facilidades de exportação do produto que
antes desconheciam. Ao mesmo tempo, a agricultura passou a ter apreciável
progresso.

Dentre as demais infra-estruturas presentes na paisagem de Iguatu, elencamos


a aberturas de vias urbanas, de estradas para o transporte do algodão do campo para a
cidade, a criação de vilas operárias, todas dinamizando o comércio, multiplicando os
serviços existentes, etc. De acordo com dados da SUDEC (1980), Iguatu possuía no ano
de 1979, uma estrada federal, duas estradas estaduais e 16 estradas municipais, além de
uma estação ferroviária.

Tomando apenas uma indústria, a Companhia Industrial de Algodão e Óleos –


CIDAO (Fotografias 8 e 9), percebemos a grandiosidade do que falamos, pois esta foi
responsável pela maior dinâmica no comércio e pela geração de empregos, materializado
em dados da década de 1930, quando ocupava mais de quatrocentos funcionários em
suas instalações (TEIXEIRA, 2007).
152

FIGURA 8: CIDAO - antigas instalações de produção de óleo FIGURA 9: CIDAO - Velhos Galpões
Fonte: LIMA, Átila de Menezes -2010 Fonte: LIMA, Átila de Menezes - 2010

Ainda segundo Teixeira (2007), a CIDAO criou também vilas operárias (ver
fotografias 10 e 11) para os seus trabalhadores48, contribuindo, assim, no âmbito da
moradia, para uma nova forma de intervenção no espaço urbano, fato novo até então para
a cidade. É válido atentar para o fato de que a doação de casas para os trabalhadores nas
proximidades das fábricas era mais uma das estratégias de subordinação do trabalho ao
capital. As fotografias a seguir, mostram que até hoje, as moradias cedidas pela CIDAO,
situadas na Rua da CIDAO e na rua Moreira Filho, constituem parte da paisagem de
Iguatu.

FIGURA 10: casas da antiga vila da CIDAO FIGURA 11: Antiga vila da CIDAO
Fonte: LIMA, Átila de Menezes - 2010 Fonte: LIMA, Átila de Menezes - 2010

48
Conforme informações de Wilson Lima Verde, estas casas foram cedidas àqueles trabalhadores considerados de
confiança e não a qualquer operário.
153

Estes elementos nos indicam o fato de que no começo do século XX, Iguatu já
se inseria de forma seletiva no âmbito da acumulação capitalista em curso no Ceará.

As transformações que se sucederam em Iguatu adentraram no cotidiano e nos


aspectos culturais do município. Segundo Teixeira (2007), a influência no cotidiano das
pessoas perpassava desde a adaptação de boa parte da população aos relógios da fábrica,
aos festejos de fim de ano, quando só se cumprimentavam desejando ―feliz ano novo‖
quando ouviam o sinal dado pelo apito da CIDAO.
A economia algodoeira repercutiu ainda na vida social da cidade com suporte
financeiro à construção do Clube Recreativo Iguatuense – CRI (no caso particular da
CIDAO), onde se realizava anualmente a tradicional festa do algodão, com a eleição do
rei e da rainha do algodão. A Cidade demonstrou no âmbito sócio-cultural, considerável
progresso no início do século XX, com a presença de vários jornais, como o primeiro
jornal impresso de Iguatu denominado ―O Iguatu‖ e datado de 1915. Além disso,
Nogueira (1962) aponta para o surgimento de algumas associações, como a Sociedade
Promotora do Progresso Intelectual de Iguatu fundada em 1923, a União Artística de
Iguatu fundada em 1913 e o Círculo Operário de Iguatu.

Além destas transformações, a atividade algodoeira em Iguatu motivou em


parte, a idealização da primeira Exposição Agropecuária e Industrial de Iguatu, a
tradicional Expoiguatu, conforme Lima Verde (Entrevista no apêndice).

No plano econômico, a tabela a seguir, demonstra o papel de centralidade e a


importância econômica que este município, exerceu na região centro-sul e no Estado do
Ceará.
154

Tabela 05: Iguatu: estrutura econômica nos anos de 1950 e 1970


Participação
Estrutura Econômica por Participação Relativa sobre Relativa
População
Setores de Atividades Urbanas Total do Estado Sobre Total
Anos do Nordeste
(%) (%)
Indústria Comércio Comércio Serviços Total Indústria Comércio Comércio Serviços Total (%) Índice Números Índice
Atacadista Varejista Atacadista Varejista Absolutos
1950 65,9 6,2 24,5 3,3 100 6,7 0,4 1,9 2,2 2,4 0,26 100 11.599 100
1970 42,6 20,3 35 2,1 100 2,6 1,6 1,8 1 2 0,28 108 31.859 275
Fonte: Lima, Antônio de Macedo. Nordeste: aspectos macroeconômicos das cidades de porte médio. Fortaleza, Banco do
Nordeste do Brasil, Departamento de Estudos Econômicos do Nordeste, Grupo de Estudos de Demografia e Urbanização,

O exposto ressalta a importância de Iguatu, tanto para a região centro-sul do


Ceará quanto para o Estado como um todo, ao se tornar centro polarizador, com uma área
de influência, segundo a SUDEC (1973), composta pelos municípios de Orós, Cedro,
Jucás, Cariús, Assaré, Saboeiro, Aiuaba, Catarina e Acopiara. No que diz respeito à
comercialização de algodão e ao comércio atacadista, as relações de Iguatu se ampliam,
interagindo diretamente com maior força com Fortaleza, e se relacionando também com o
Cariri e Campina Grande, na Paraíba (CE - SUDEC, 1973). De acordo com a SUDEC
(1977) foram quantificados em Iguatu, no ano de 1976, um total de 678 estabelecimentos
comerciais varejistas e 72 atacadistas.

Neste caso podemos evidenciar o papel assumido por Iguatu na divisão social
e territorial do trabalho no contexto cearense. A este propósito, Rosa (1998, p.117)
assinala que:

[...] a divisão territorial do trabalho é fruto da diferenciação interna do espaço


provocada pela expansão do capital. Isso significa que o conceito de divisão
territorial do trabalho, ou a diferenciação social do espaço, está implícito no
conceito de divisão social do trabalho formulado por Marx e posteriormente
utilizado por Lenin (1982:275), que afirma: ‗a divisão do trabalho em geral está
relacionada diretamente à divisão territorial do trabalho, à especialização de
certas regiões na produção de um único artigo, às vezes de uma única variedade
de um artigo e até de uma única parte de um artigo‘.
155

Iguatu ao assumir a função de centro produtor e também coletor e beneficiador


de algodão na região centro-sul cearense, passou a exercer historicamente também
centralidade em outras atividades econômicas, como o comércio e nos serviços.

No plano econômico o desenvolvimento das atividades industriais suscitou a


chegada de instituições financeiras como o Banco de Crédito Comercial,
instalado em 1929, o Banco do Brasil, com data de inauguração no dia 03 de
maio de 1940 (ARAGÃO, 1998) e o Banco do Nordeste, datado de 15 de abril
de 1959, que investiram na economia local e asseguraram a reprodução das
condições de produção das unidades fabris (LIMA e AMORA, 2010, p. 237).

A tabela a seguir dá uma idéia do número considerável de equipamentos


urbanos e de serviços oferecidos por este município, no ano de 1976:

Tabela 06: Comércio de Iguatu em 1976


Estabelecimentos segundo Especialização Quantidade
Padarias e Confeitarias 10
Postos de gasolina 6
Mercearias 330
Bomba de gasolina 4
Hotéis 6
Restaurantes, bares e semelhantes 55
Barbearias 25
Pensões 5
Cinemas 2
Teatros -
Retirado de: SUDEC. Levantamento Básico dos Municípios; volume VI – 1977.
Fonte: SUDEC. Levantamento Básico dos Municípios; volume VI – 1977 e Secretaria de indústria e Comércio do Ceará.

Como podemos perceber na tabela, o destaque é dado às mercearias e à venda


de produtos alimentícios, nos chamando atenção para a grande quantidade destes
156

estabelecimentos. Entretanto, é interessante atentarmos para o número de hotéis e


pensões, 11 (onze) ao todo. Estas pensões serviam para o descanso dos viajantes que
passavam pela cidade e necessitavam pernoitar nas proximidades da estação, uma vez
que o trem também fazia o transporte de passageiros.

Considerando-se as transformações em Iguatu até finais dos anos de 1970,


destacamos que os empregos gerados pela CIDAO e pelas demais beneficiadoras de
algodão (nove neste intervalo de tempo) que atuavam em Iguatu, além dos empregos
temporários no campo, na época das colheitas, foram responsáveis pela maior circulação
de dinheiro no comércio da cidade, propiciando maior dinamismo nas relações de troca e
na economia urbana. Isso fica evidenciado na fala do Senhor Raimundo Jorge da Silva,
ex-trabalhador da CIDAO e da fábrica Horácio Fernandes, outra beneficiadora de
algodão de Iguatu. Esse trabalhador relata que ―no período do algodão tinha empregos
para todo mundo. Corria muito dinheiro na época‖.

O Senhor Roberto da Silva Nogueira, filho do proprietário da Usina Horácio


Fernandes, também, na sua fala, argumenta: ―o algodão foi a riqueza que trouxe
desenvolvimento‖. Ele acrescenta ainda que ―todos tinham boas rendas, desde o catador,
chapiador, corretores, aos donos de beneficiadoras. O número de empregos era tanto que
era necessário buscar mão de obra em outros municípios como Acopiara, Jucás, Campos
Sales‖. Este aspecto foi reforçado na fala do Senhor Josué: ―o algodão trouxe muitos
trabalhadores de outros Estados, que aqui passaram a residir. Vieram pessoas da Paraíba
e de Pernambuco, isso por volta dos anos de 1960‖.

É preciso atentar, antes de tudo, que o conteúdo das informações das


entrevistas e dos dados descritos anteriormente, deve ser interpretado não como elogio ao
progresso ou afirmação de que estas relações se desenvolveram sem contradições, pelo
contrário; é preciso uma interpretação crítica das mesmas, ou seja, irmos para além da
157

aparência, desvendar o claro-escuro (KOSIK, 1976) que existe por trás dos discursos e
dos dados.

Apesar de haver, nos discursos e mesmo nos dados, a interpretação de que a


produção algodoeira trouxe ―muitas coisas boas‖, se lançarmos o olhar para além do
aparente, do imediato e apreendermos as relações envolvidas no processo produtivo do
algodão no campo (produção) e na cidade (beneficiamento, circulação), perceberemos
que as relações de trabalho eram precárias, e que quem mais se beneficiava da riqueza
produzida eram os produtores, os industriais e os corretores, que compravam o algodão e
vendiam na cidade. Isso fica evidente na fala do Senhor José Gomes da Silva49 (seu
Amanso) que afirmou que apesar da geração de muitas riquezas, o algodão trouxe muito
sofrimento. Esse trabalhador que ainda hoje, trabalha na mesma fazenda (há mais de 30
anos), e que tem hoje 57 anos, comparou o seu trabalho ao de um escravo, relatando que
chegou a colher cerca de 211 quilos de algodão somente em um dia, e isso tudo na mão,
visto que a mecanização só viria a instalar-se nos finais dos anos 1960 e início de 1970. E
acrescentou ainda, que as crianças não tinham tempo para os estudos, chegando certa
idade, tinham que ir colher o algodão.

Outra contradição gerada pela cultura algodoeira refere-se às formas de


pagamento. Os trabalhadores do campo recebiam o pagamento ou em diárias ou no caso
do consórcio e do arrendamento, no direito de usar a terra e se beneficiar com uma parte
ínfima do que era produzido. No caso das indústrias, a carga horária de trabalho era
elevada, existindo fábricas que funcionavam inclusive em três turnos50, o que significa
uma maior exploração do trabalhador e maior beneficiamento da mais-valia.

49
Entrevista realiza no dia 26 de junho de 2010, com o senhor Amanso trabalhador da fazenda do Senhor Manoel
Matias Costa há mais de 30 anos.
50
Ver na entrevista de José Roberto ex-funcionário da indústria Inácio Parente todo o processo produtivo do
algodão e do caroço do algodão
158

Os grandes beneficiários eram os produtores, corretores e beneficiadores,


como afirmamos anteriormente. Segundo Lima Verde (2010), corretores e compradores
de algodão, como Solário Ferreira Lima, Celso Holanda Montenegro e Clóvis Benevides,
que compravam algodão em Iguatu e vendiam para Orós, Cedro, Acopiara, Cariús e
Jucás, acumularam muitas riquezas com este produto. Podemos evidenciar a importância
da circulação, na apropriação das riquezas geradas pela cultura algodoeira. O mais
interessante é que todos estes corretores pertenciam às famílias tradicionais que
povoaram Iguatu em tempos pretéritos, novamente evidenciando as permanências das
longas temporalidades braudelianas.

Evidências da grande riqueza que era retida na mão dos industriais do algodão
nos é fornecida pelo Senhor Roberto da Silva Nogueira, filho do proprietário da Fábrica
Horácio Fernandes, onde funciona hoje uma recicladora. Ele nos afirmou que a riqueza
gerada com o algodão foi tanta, que existiam na Cidade 6 aviões, todos estes pertencentes
aos proprietários de fazendas que comercializavam algodão, sendo a sua família
proprietária de um deles.

Lima Verde (2010) nos afirmou que a família Moreira Cavalcante, sócia
majoritária da CIDAO, acumulou muitas riquezas, financiando inclusive os estudos de
um de seus membros (irmãos) em Roma. José Moreira Cavalcante reteve tantas riquezas
que possuía grande patrimônio materializado em imóveis na cidade de Fortaleza, mais
precisamente na Aldeota, hospedando inclusive personalidades como o General Castelo
Branco, quando de sua vinda ao Ceará (Entrevistas - apêndice). Estas informações nos
dão inclusive indícios para concordar com as suposições feitas por Amora (2010) 51 ao
inferir que parte dos investimentos que ocorreram na cidade de Fortaleza tiveram origem
no interior do Estado.

51
Proposições feitas ao longo de nossas discussões na construção desta pesquisa.
159

Acreditamos ainda que o aumento da população de Iguatu foi motivado em


grande parte pelo desenvolvimento da atividade algodoeira. Segundo relatos de
moradores52mais idosos, muitas pessoas se dirigiram para o município de Iguatu em
busca de emprego na atividade algodoeira, ou seja, para trabalhar no campo, na época das
colheitas, ou na cidade, nas atividades fabris. Terminavam por estabelecerem-se ali,
proporcionando um aumento tanto da população urbana quanto da rural. Dados do IBGE
(1960) demonstram que nos anos de 1950 e 1960, o município tinha uma população de
41.922 e 51.570 habitantes respectivamente, sendo que em 1960, eram 18.634 os que
residiam em áreas urbanas e 32.936 os moradores das áreas rurais. Levando em
consideração apenas a cidade-sede, os dados nos mostram que em 1950 a população era
de 10.063 habitantes, passando na década seguinte para 16.540 pessoas.

Este aumento populacional pode ser benéfico ao desenvolvimento das relações


capitalistas e a acumulação de capital, visto que o grande contingente populacional cria
um exército industrial de reserva que tende a regular os salários dos trabalhadores para
baixo. Juntando-se a manutenção de relações primitivas e de cunho não capitalistas, as
quais permitem a manutenção de baixíssimos custos da reprodução da força de trabalho
rural e mesmo nas cidades. A este respeito, Oliveira (2003, p. 46) afirma que:

A manutenção, ampliação e combinação do padrão ―primitivo‖ com novas


relações de produção no setor agropecuário têm, do ponto de vista das
repercussões sobre os setores urbanos, provavelmente maior importância. Elas
permitiram um extraordinário crescimento industrial e dos serviços, para o qual
contribuíram de duas formas: em primeiro lugar, fornecendo os maciços
contingentes populacionais que iriam formar o ―exército de reserva‖ das
cidades, permitindo uma redefinição das relações capital-trabalho, que ampliou
as possibilidades da acumulação industrial (...). Em segundo lugar, fornecendo
os excedentes alimentícios cujo preço era determinado pelo custo de reprodução
da força de trabalho rural, combinaram esse elemento com o próprio volume da
oferta de força de trabalho urbana, para rebaixar o preço desta. [...].

52
Entrevista com vários moradores antigos do Município de Iguatu conseguida em visita a campo nos dias 8 e 9 de
março de 2010.
160

Feitas estas considerações acerca das relações sociais de produção,


enfatizaremos a seguir, a centralidade de Iguatu e seu papel como um dos principais
produtores de algodão do Ceará, bem como as transformações sociespaciais daí advindas.

4.3. Iguatu grande produtor de algodão da região centro-sul do Ceará

No período compreendido entre 1940 e 1970, Iguatu se destacou como um dos


principais produtores de algodão da região centro-sul do Estado do Ceará. No ano de
1945, o município cultivou 10.478 hectares de algodão, com um valor de produção em
torno de Cr$ 5.400,640, sobretudo de algodão em caroço, com o valor correspondente a
Cr$ 3.825,000 (NOGUEIRA, 1962). No que se refere à produção, os dados apresentados
no trabalho de Nogueira (1962) demonstram que, nos anos de 1945-46, a produção foi de
11.359.629 quilos. Já em 1946-47 de 15.785.471 quilos e em 1954-55, ocorreu uma
diminuição da produção, que ficou em 7.589.930 quilos.

As tabelas, 07 (sete) e 08 (oito) publicadas no Anuário do Ceará de 1953 e


1954, apresentam os municípios de maior expressividade na produção algodoeira do
Ceará no ano de 1952. Elas dão uma indicação concreta da importância de Iguatu
enquanto grande produtor de algodão, tanto no que se refere ao tipo herbáceo quanto ao
tipo arbóreo.
Tabela 07: Produção do Algodão Herbáceo (em caroço) – ano de 1952
Área Cultivada Produção Valor
Município
(ha) (Arroba 15 kg) (Cr$)
Assaré 6.600 250.000 28.750.000,00
Campos Sales 8.000 337.500 35.437.500,00
Cedro 6.700 222.400 22.240.000,00
Iguatú 6.600 290.000 26.100.000,00
Jucás 6.070 370.000 37.000.000,00
Lavras da Mangabeira 6.400 78.000 7.800.000,00
Fonte: Waldery Uchoa. Anuário do Ceará 1953-1954 ; Editora Fortaleza- Ceará- Brasil, 1954.
Retirado do Anuário do Ceará; Editora Fortaleza- Ceará- Brasil, 1954.
161

Tabela 08: Produção do Algodão Arbóreo – ano de 1952


Áre a Cultivada Produção Valor
Municípios
(ha) (arroba 15 kg) (Cr$)
Icó 21.322 98.303 9.830.300,00
Iguatu 12.924 183.600 19.278.000,00
Jucás 2.360 63.000 5.607.000,00
Maranguape 4.820 156.000 16.380.000,00
Quixadá 5.889 350.000 28.000.000,00
Fonte: Waldery Uchoa. Anuário do Ceará 1953-1954; Editora Fortaleza- Ceará- Brasil, 1954.
Retirado do Anuário do Ceará; Editora Fortaleza- Ceará- Brasil, 1954.

Analisando detalhadamente os dados da tabela 07, percebemos que para o


algodão herbáceo em caroço, Iguatu registrou a terceira maior produção com 290.000
arrobas produzidas, ficando atrás de Jucás, com a produção de 370.000 arrobas e Campos
Sales com 337.500 arrobas. No referente aos valores em dinheiro, Iguatu situa-se na
quarta maior arrecadação com o valor de 26.100.000,00 cruzeiros, ficando atrás de Jucás
que arrecadou 37.000.000,00 cruzeiros e Campo Sales com 35.437.500,00 cruzeiros.

A tabela 08 indica o destaque de Iguatu como produtor de algodão arbóreo,


estando o município entre os maiores produtores do ano de 1952, com a segunda maior
produção, ou seja, 183.600 arrobas, ficando atrás apenas de Quixadá que teve a produção
de 350.000 arrobas. No que concerne ao valor da produção, Iguatu também assumiu a
segunda posição, com um valor de Cr$ 19.278.000,00, sendo superado somente por
Quixadá que obteve o valor de Cr$ 28.000.000,00.

É válido lembrar, de antemão, que o olhar do pesquisador deve ir além da


aparência, das informações que os dados indicam, pois a realidade não se revela de
imediato. Seguindo essas observações, checamos, com base na história oral, essas
informações e chegamos às contestações acerca do que a estatística nos revela. Em
conversa com Wilson Lima Verde, que além de historiador também foi funcionário do
162

Banco do Brasil em Iguatu, onde exerceu inclusive a função de fiscal da Carteira de


Crédito Agrícola e Industrial - CREAI, indagamos se os dados fornecidos pelos órgãos
oficiais realmente correspondiam à realidade. Inicialmente, Lima Verde nos adverte que
não devemos confundir capacidade produtiva ou capacidade da terra de produzir, com
produção ou volume obtido do produto. Segundo ele, os critérios adotados pelos órgãos
de pesquisa, eram o da produção em relação à área declarada. A área plantada era
dividida pelo tamanho da extensão territorial do município para assim se obter o volume
de produção. Em nossa opinião este critério pode mascarar um pouco a realidade, pois se
compararmos a extensão territorial de Acopiara ou Quixadá com a de Iguatu,
perceberemos que esta última é bem menor e assim, a produção seria também menor.

Outra observação a ser feita, refere-se à computação da produção. Lima Verde


nos afirmou que existia uma grande relação de compra e venda de algodão entre Iguatu e
os demais municípios da região centro-sul do Ceará, e que este fato levava a algumas
confusões no cálculo final da produção dos municípios, onde era bastante comum boa
parte do que era produzido em Iguatu, ser calculado como produção de outros
municípios.

Continuando com suas contribuições e ao relembrar do período em que era


fiscal da CREAI do Banco do Brasil, Lima Verde comenta que a metodologia aplicada
por este órgão e pelo setor de assistência rural do Banco do Nordeste para medir a
produção algodoeira era bem mais eficiente, visto que se fazia a visita in locus, pesando-
se a produção nas fazendas, os seus estoques e os das fábricas. Pesava-se toda a
mercadoria pertencente aos comerciantes de algodão em seus armazéns, além de se
fiscalizar tudo o que entrava nas indústrias de beneficiamento. As visitas eram feitas
durante as três fases principais do cultivo: plantio (para estimular a área), lavoura (até a
floração) e a fase de colheita, para em seguida ir-se para as usinas de beneficiamento.
Segundo este estudioso, a exatidão dos dados calculados pelo CREAI era tamanha que
até mesmo órgãos como o IBGE pediam ajuda em suas elaborações estatísticas.
163

Firmando-se como um dos principais produtores e mesmo como centro coletor


da região centro-sul do Ceará, Iguatu contabilizou no ano de 1959, 1.601
estabelecimentos produzindo algodão, com uma área de 14.050 hectares e com uma
produção de 6.074 toneladas, isso em cultura temporária. Para este mesmo ano, o
município de Acopiara, outro grande produtor de algodão integrante do centro-sul
cearense, registrou 1.650 estabelecimentos produzindo algodão, com uma área de 17.257
hectares e com uma produção de 3.266 toneladas (IBGE, 1960). Para o mesmo período,
mais especificamente para os anos de 1958 e 1959, o Anuário do Ceará indica os
seguintes números: (Tabela 9)

Tabela 09: Produção de Algodão comparada por município – ano de 1958


Municipíos Área cultivada Quantidade Rendimento Preço médio Valor total
produzida médio p/ hectare p/ unid. da produção
(ha) (ha) (Cr$) (Cr$)
Cedro 6.317 205.866 0,100 480,00 98.815.000,00
Icó 12.079 20.356 0,005 240,00 4.885.440,00
Iguatu 34.185 500.000 0,118 450,00 225.000.000,00
Fonte: Waldery Uchoa. Anuário do Ceará 1960-1961; Editora Fortaleza- Ceará- Brasil, 1961.
Retirado do Anuário do Ceará; Editora Fortaleza- Ceará- Brasil, 1961.

Tabela 10: Produção de Algodão Herbáceo por município – ano de 1959


Municípios Área cultivada Quantidade Valor total
produzida da produção
(ha) (Arr. 15kg) (Cr$)
Assaré 3.200 130.000 41.600.000,00
Canindé 3.100 179.800 62.930.000,00
Cariús 2.800 81.000 22.680.000,00
Caucaia 2.075 62.250 18.675.000,00
Iguatú 6.533 310.500 97.807.500,00
Fonte: Waldery Uchoa. Anuário do Ceará 1960-1961; Editora Fortaleza- Ceará- Brasil, 1961.

Conforme podemos observar nas tabelas 09 e 10, Iguatu destaca-se com


superioridade tanto no que se refere à produção quanto no seu valor. Em 1958, Iguatu
164

atingiu uma produção por hectare de 500.000 arrobas e um valor de produção de Cr$
225.000.000,00. Em 1959, sua produção atingiu a quantidade de 310.500 arrobas, com
um valor de Cr$ 97.807.500,00 (isto para o algodão herbáceo).

Acreditamos que o montante apurado com a economia algodoeira foi


responsável pelo aumento na arrecadação do municipal, além de propiciar uma série de
transformações tanto na cidade como no campo. Para se ter uma ideia da receita e da
despesa de Iguatu, Nogueira (1962) disponibiliza os seguintes números: no ano de 1956,
a receita e a despesa foram respectivamente de Cr$ 2.089.959,10 e Cr$ 2.735.000,00. Já
em relação ao ano de 1959, as cifras foram de Cr$ 5.243.000 e Cr$ 3.878.649,30
respectivamente. Segundo Lima Verde, a arrecadação do município de Iguatu era
tamanha e isto em virtude da cultura algodoeira, que o Banco do Brasil de Iguatu obtinha
a maior arrecadação do Estado, com exceção de Fortaleza.

As fotografias a seguir, datadas da década de 1950, demonstram o intenso


movimento em Iguatu com o recebimento do algodão que chegava do campo tendo como
destino as fábricas sediadas na cidade.

FIGURA 12: recebimento de algodão nas fábricas de beneficiamento


Fonte: IBGE, Enciclopédia dos Municípios XVI Volume; Rio de Janeiro, 1959.
165

As fotografias 13 e 14 mostram a presença de beneficiadoras de algodão e o


fluxo de caminhões transportando essa mercadoria.

FIGURA 13: Indústria de beneficiamento de algodão


Fonte: IBGE, Enciclopédia dos Municípios XVI Volume; Rio de Janeiro, 1959.

FIGURA 14: Transporte do algodão sobre o rio Jaguaribe


Fonte: IBGE, Enciclopédia dos Municípios XVI Volume; Rio de Janeiro, 1959.
166

As transformações no campo, a implementação da CREAI e a intervenção do


Estado na criação de infra-estruturas, foram fundamentais para o despontamento da
atividade algodoeira e o ―crescimento‖ econômico de Iguatu. A CREAI, além de
emprestar dinheiro antecipado aos produtores de algodão para ser pago após a safra,
segundo Lima Verde, ainda foi responsável pela mecanização do campo nos anos de
1950 e 1960. A tabela a seguir expressa a dimensão das transformações ocorridas na zona
rural de Iguatu neste intervalo de tempo.

Tabela 11: Máquinas e Instrumentos Agrários:Grades, semeadeiras, pulverizadoras e


polveriadoras e cultivadores – 1959
Município Grades Semeadeiras Pulverizadores e Povilhadeiras
Estabelecimentos Número Estabelecimentos Número Estabelecimentos Número
com declaração com declaração com declaração
(n°) (n°) (n°)
Icó 5 7 1 1 44 89
Iguatu 7 10 5 10 261 521
Lavras da Magabeira 3 4 2 2 2 9
Russas 3 4 1 2 5 17

Fonte: Censo Agrícola de 1960. Recenseamento Geral do Brasil de 1960

A tabela anterior evidencia a grande quantidade de pulverizadores e


povilhadeiras existentes em Iguatu, além da presença de 10 grades e 10 semeadeiras, o
que nos dá indícios do processo de melhoramentos técnicos e da mecanização no campo.
Reforçando essa assertiva, expomos a tabela 12 para demonstrar o processo de
mecanização e investimentos de capital no campo.
167

Tabela 12: Pessoal ocupado, Tratores, arados, segundo as zonas fisiográficas e municípios na Zona
do sertão do Salgado e Alto Jaguaribe – 1950 – 1960

Zonas fisiográficas e Pessoal ocupado Tratores Arados


municípios 1950 1960 1950 1960 1950 1960
Acopiara 10.331 7.644 - 1 - 74
Assaré 7.688 9.994 - - - 1
Aurora 5.279 7.121 1 - - -
Baixio 3.550 1.041 - - - -
Cariús - 3.515 - - - 3
Cedro 3.203 8.744 - 1 3 15
Farias Brito 5.294 5.224 - - - -
Icó 7.365 8.375 1 1 27 5
Iguatu 11.406 16.964 3 35 25 17
Ipaumirim - 2.116 - - - -
Jucás 8.256 5.074 - 1 1 5
Lavras da Mangabeira 4.941 6.239 2 5 8 19
Orós - 2.035 - - - -
Umari - 1.809 - - - -
Várzea Alegre 7.895 10.604 - - 3 -
Total 75.208 97.686 7 44 67 139
Fonte:VII Recenseamento Geral do Brasil. Estado do Ceará. Sinopse preliminar do censo agrícola, IBGE, serviço nacional de
recenseamento, 1962.

Estes dados nos dão argumentos para justificar um aumento de investimentos


na agricultura, evidentemente por conta da produção algodoeira, e como esta se tornava
favorável à reprodução capitalista. Para se ter uma idéia, no intervalo de dez anos, Iguatu
que contava com três tratores, passou a contar com 35. É válido ressaltar que o aumento
desta mecanização deve-se à transformação da base técnica agrícola que vivenciava o
Brasil na década de 1950 com o desenvolvimento da indústria petrolífera e a
automobilística.

O processo de modernização da agricultura brasileira analisado por Graziano


da Silva (1983) consiste na ―descomplificação‖ do complexo rural, existente desde o
sistema colonial, para os complexos agroindustriais, denominado de CAIS. Estes
complexos, por sua vez, fazem parte da chamada Revolução Verde, que deu início a
significativas transformações na agricultura, cujas fazes se manifestam a partir da década
168

de 1950 com a mecanização (tratores, arados, colheitadeiras) na década de 1960, com a


quimificação (insumos agrícolas, agrotóxicos), e na década de 1970, com a agricultura
científica (biotecnologia). Para Iguatu, no período discutido, evidenciamos nitidamente os
dois primeiros processos discutidos anteriormente.

A intervenção do capital financeiro na zona rural de Iguatu trouxe


transformações nas relações de produção no campo com o crescente grau de
mecanização, assim como a oportunidade de reprodução do capital naquele ambiente sem
que para isso ocorresse a extinção das relações não capitalistas de produção. Pelo
contrário, estas foram necessárias ao processo de industrialização e de acúmulo de
capital.

O Senhor Amâncio nos informou que, na fazenda que administrava, de


propriedade de Manoel Matias Costa (―o rei do algodão‖), foram adquiridos três tratores
entre as décadas de 1960 e 1970, financiados pelo Crédito Agrícola e Industrial do Banco
do Brasil. Corroborando com o senhor Amanso, Lima Verde informa que Manoel Matias
Costa possuía em sua fazenda cerca de quatro tratores. Em visita à propriedade deste
grande produtor, foi possível constatarmos a existência de dois tratores e um arado que
foram adquiridos na década de 1960, período áureo do algodão. (fotografias15, 16).

FIGURA 15: Tratores da fazenda de Matias Costa


Fonte: LIMA, Átila de Menezes - 2010
169

FIGURA 16: Arado da fazenda de Manoel Matias Costa


Fonte: LIMA, Átila de Menezes - 2010

De acordo com Edilmo Costa, o primeiro trator da fazenda data do início dos
anos de 1940, tendo sido comprado nos E.U.A através de representantes comerciais
estadounidenses.

Voltando às discussões acerca do destaque de Iguatu como grande produtor de


algodão do Ceará, construímos um mapa readaptado de um cartograma elaborado pelo
Atlas do Ceará (1973), no qual destacamos os principais municípios produtores de
algodão do Estado. O mapa 6 expressa em toneladas, a produção do algodão arbóreo para
o ano de 1963.
170

Mapa 6: Produção do algodão arbóreo no Ceará para o ano de 1963


171

Conforme observações extraídas a partir da análise do citado mapa, Iguatu,


que está representado pela cor verde claro, apresenta-se como produtor intermediário para
o ano de 1963, com produção que varia de 1.000 a 5.000 toneladas. Já municípios como
Quixadá e Quixeramobim, dois outros grandes produtores de algodão, com uma produção
em torno de 5.000 a 10.000 toneladas de algodão arbóreo, sendo Acopiara o único a
produzir acima de 10.000 mil toneladas. É válido acentuar que Iguatu tinha maior
destaque na produção do algodão herbáceo e não do arbóreo, como demonstrado no mapa
6. Convém ainda, citar a crítica da própria metodologia aplicada pelos órgãos oficiais na
contabilização do algodão produzido. Observações feitas por Lima Verde nos indicam
que boa parte do algodão produzido em Iguatu abastecia os demais municípios da região
centro-sul do Estado, e por esta razão, não era computado no âmbito geral do município.
Além disso, fatores como a criação da barragem de Orós (década de 1960), que teve a
maior parte de suas águas represadas em Iguatu, foram responsáveis pelo alagamento de
muitas áreas de plantio do algodão, diminuindo sua parte agricultável, o que pode
justificar a diminuição de sua produção.

Se compararmos este mapa com o mapa 2, que corresponde as principais


regiões de cultivo e de comercialização do algodão no período provincial, de 1860 à
1870, perceberemos grande ampliação territorial das áreas produtoras desta malvácea. No
que concerne à comercialização deste produto, a escala de atuação também se ampliou,
tanto no que concerne às relações interestaduais como as regionais, nacionais e as de
escala global. . Sem sombra de dúvidas, a região do sertão central, dos sertões dos
Inhamuns e do Salgado e a região centro-sul, destacam-se a nível estadual como
principais produtoras de algodão no Ceará.

A tabela 13, retirada do IBGE e readapta pela Comissão Estadual de


Planejamento agrícola – CEPA ratifica o papel de grande produtor de algodão assumido
por Iguatu. O estudo realizado pela CEPA abrangeu a escala do Ceará, assim como a
172

mesorregião dos sertões de Inhamuns e Salgado e as micro-regiões de Iguatu e Inhamuns,


elencando para a análise a produção, área e rendimento por área de algodão.

Tabela 13: Área, produção e rendimento de algodão no Ceará e mesoregião dos Sertões dos
Inhamuns e Salgado – Safra 1978-79

Rendimento
Estado, Meso, UEP e Microrregião Área (ha) Produção (t)
(kg\ha)

Ceará 1.284.000 265.320 207

Sertões dos Inhamuns e Salgado 309.409 61.293 198

(72)-Sertões dos Inhamuns 116.884 16.462 141

(73)-Iguatu 110.624 26.300 238

(74)-Sertão do Salgado 81.901 18.531 226


Fonte:IBGE – Produção Agrícola Municipal – 1979.
Retirado e adaptado de Comissão Estadual de Planejamento Agrícola – CEPA – CE; Beneficiamento de Algodão e Extração de
Óleo - Safra 1978-79. Fortaleza 1981.
Obs: A microrregião de Iguatu abrange neste caso os municípios de Acopiara, Carius, Iguatu, Jucás e Orós.

Podemos observar no referente às microrregiões do Ceará, o destaque que a


microrregião de Iguatu assumiu, pois apesar de se encontrar de forma intermediária
quanto à área plantada em hectares, assumiu a maior produção em toneladas, se
comparada as três microrregiões analisadas, com o total de 26.300 toneladas produzidas,
além do maior rendimento em quilo por hectare.

No referente às lavouras temporárias de algodão, sobretudo do algodão


herbáceo, os dados do IBGE para o ano de 1970, indicam grande produtividade de Iguatu
em relação aos demais municípios produtores de algodão. (Tabela 14)
173

Tabela 14: Colheita, tipo de cultivo e valor da produção dos principais produtos das lavouras
temporárias, no ano de 1970, segundo municípios. a) Algodão em caroço
Municípios Total Em cultivo simples
Informantes Quantidade Área Valor Informantes Quantidade
(Toneladas) (ha) (Mil cruzeiros) (Toneladas)
Iguatu 1.560 1.765 7.303 1.857 347 448
Jaguaruana 1.053 933 3.932 902 671 610
Quixadá 1.437 1.314 7.844 1.410 224 229
Quixeramobim 402 312 2.136 318 54 40
Quixere 1.138 1.047 4.875 983 19 13
Tabuleiro do Norte 958 530 3.345 487 355 226
Fonte: Recenseamento Geral de 1970; censo agropecuário do Ceará – 1970, . VII Recenseamento Geral. Série regional; volume
II Tomo V II

Os dados da tabela 14 apontam Iguatu como o maior produtor de algodão no


ano de 1970, superando tradicionais municípios produtores como Quixadá e
Quixeramobim, os quais obtiveram para este ano, a produção de 1.314 e 312 toneladas.
Um destaque para este ano foi o município de Quixeré, com produção de 1.047 toneladas.
As discussões acerca da produção algodoeira e suas transformações na economia de
Iguatu apontam para o surgimento das usinas e indústrias de beneficiamento desta
malvácea na cidade de Iguatu, fato que merece um tópico específico.

4.4. A indústria de beneficiamento no contexto da produção algodoeira e das


relações sociais de produção: uma discussão.

Conforme discussões anteriores, atentamos para a observação de que já na


década de 1920, existia um número considerável de fábricas de beneficiamento de
algodão em Iguatu. Mas é nas décadas posteriores, sobretudo de 1940 até o final dos anos
de 1970, período em que Iguatu se destaca como grande produtor desta cultura agrícola
na escala do Estado, que elas se instalaram em maior número.
174

Dentre as indústrias beneficiadoras de algodão e óleos do caroço do algodão,


Lima Verde assevera que, no período que se estende da década de 1940, a meados dos
anos de 1970, existiam somente na parte central da cidade nove usinas de
beneficiamento, dentre as quais se destacam a Companhia Industrial de Algodão de Óleos
– CIDAO, a Indústria e Comércio de Algodão S.a (ex-Anderson Clayton & Cia Ltda), a
Usina Senhora Santana (M. Alexandre & Cia), a Usina São Jorge (Jorge Lopes de
Araújo), a Casa Machado (P. Machado S.A), a Horácio Fernandes S.A Indústria e
Comércio, a Detino de Souza Lins, a Cooperativa Agrícola e Industrial de Iguatu e a
Coelho S.A Indústria e Comércio – COESA, sendo esta última construída com
financiamento do acordo conhecido como Aliança para o Progresso, tratado entre Brasil e
os E.U.A. (Ver entrevistas com Wilson Lima Verde).

Ressaltamos que, em boa parte, os documentos dos órgãos oficiais sobre


Iguatu não apresentam o número de indústrias específicas do ramo algodoeiro citadas
acima, visto que critérios técnicos consideravam as indústrias de beneficiamento do óleo
do caroço do algodão como indústria alimentícia, ou seja, pertencente ao gênero
alimentício.

Em visita a campo realizada em Julho de 2010, procedemos a reconstituição


da localização das indústrias que existiam em Iguatu nas décadas passadas, e ao
espacializá-las53, chegamos as seguintes constatações: 1. na rua Guilherme de Oliveira,
ficavam situadas as usinas de beneficiamento de algodão Casa Machado, onde hoje está
situado o cemitério Parque da Saudade; a usina de beneficiamento de algodão e óleos
Horácio Fernandes, onde hoje funciona uma empresa de reciclagem dirigida pelo filho de
Horácio Fernandes, o Senhor Roberto da Silva Nogueira; ainda funcionava a COESA, a
Coelho S.A, sendo que suas instalações hoje (16 galpões) tem fins variados. Segundo
Cícero, que trabalha em um dos galpões, as instalações funcionam como galpões de
armazenamento de cereais como arroz, fábrica de cadeiras de balanço, além de depósitos

53
Em estudos futuros, faremos um mapa com a espacialização das indústrias.
175

de materiais e maquinários da Tubform, que é uma grande fábrica de móveis de Iguatu.


Funciona ainda nestas instalações um depósito de plásticos, noutro se guarda mel, ou
papel higiênico, etc.

Ainda existia no local uma antiga máquina de desenrolar o fio do algodão. Na


mesma rua também ficava localizada a fábrica Ceará Centro-Sul, conhecida como
algodoeira Varzinha, pois era um consórcio com Manuel Matias (o rei do algodão), e que
hoje serve para guardar o gado de algum proprietário. A Companhia Industrial de
Algodão e Óleos - CIDAO situava-se na Rua Coronel José Adolfo cujas instalações estão
sendo derrubadas para a construção de uma cidade universitária por parte do governo do
Estado em conjunto com a prefeitura. A Usina M. Alexandre ficava situada na Rua 13 de
maio e hoje funciona como revendedora da Gás Butano e da Tropigás. A Inácio Parente
ficava situada na Rua Presidente Dutra, e segundo José Roberto, trabalhador desde 1989,
ano de instalação e funcionamento da fábrica, ela funcionou até 2007. Hoje, dois de seus
galpões foram alugados para a COELCE. É interessante destacar que a maioria dessas
indústrias ficava situadas ao lado da linha férrea. No caso da CIDAO, o poder desta
indústria foi tamanho, que conseguiu desviar a linha férrea de modo que pudesse passar
dentro de suas instalações (TEIXEIRA, 2007). As fotos a seguir demonstram que até
hoje, as antigas formas espaciais destas indústrias compõem a paisagem de Iguatu,
mesmo assumindo novas funcionalidades.
176

FIGURA 17: Antigas instalações da Usina de beneficiamento de algodão Casa Machado


Fonte: LIMA, Átila de Menezes (2010).

FIGURA 18: Antigas instalações da Fábrica de beneficiamento de algodão Horácio Fernandes


Fonte: LIMA, Átila de Menezes (2010).
177

FIGURA 19: Galpões da Coelho S.A Indústria e Comércio de Algodão – COESA


Fonte: LIMA, Átila de Menezes (2010).

FIGURA 20: Prédio onde funcionava a Algodoeira Varzinha


Fonte: LIMA, Átila de Menezes (2010).
178

FIGURA 21: Ruínas das instalações da CIDAO


Fonte: LIMA, Átila de Menezes (2010).

A elevada produção algodoeira e o grande número de estabelecimentos de


beneficiamento de algodão, de extração de óleo e de beneficiamento de arroz, destacaram
Iguatu no contexto da indústria no Ceará. No ano de 1955 o valor da produção industrial
de Iguatu foi em Cr$ 1.000 - de Cr$ 161.374 perdendo somente para Fortaleza e Sobral
(NOGUEIRA,1962). Mas todo esse dinamismo deveu-se, sobretudo, ao predomínio do
gênero têxtil que representou em Cr$ 1.000 o valor de Cr$ 85.254 naquele mesmo ano.
Portanto uma indústria diretamente relacionada ao desenvolvimento e dependência da
cultura algodoeira. O quadro-síntese elaborado pela SUDEC (1977) em seus estudos
sobre o levantamento básico dos municípios nos permite visualizar o número e mesmo a
importância do setor industrial do município de Iguatu para os anos de 1973 e 1974,
período em que já se constatava a crise algodoeira em todo o território cearense.
179

Quadro 1: Indústrias em funcionamento em Iguatu nos anos de 1973-1974

Denominação Tipo de Exploração

A.R. Alencar & Filhos Material de transporte


Antunes Com. e Ind. S.A Produtos Alimentares
Cerâmica Guarulhos S.A Extração de Minerais
CIDAO S.A Cia. Indústria de Algodão e Óleos Indústrias Têxteis
CIGA Cia. Iguatuense de Algodão Indústrias Têxteis
Coelho S.A Ind. e comércio Indústrias Têxteis
EBER Nogueira Castelo Branco Mobiliário
Epitácio Cavalcante Lima Madeira
Fenelon Lima e Cia. Ltda Produtos Alimentares
Francisco Amaro dos Santos Produtos Alimentares
Horácio Fernandes S.A Ind. e comércio Indústrias Têxteis
Indústria de gelo de Iguatu Produtos Alimentares
Indústria Metalúrgica Rodovalho S.A Material de transporte
S.A Araújo Indústria metalúrgica
José Bezerra Pinheiro Produtos Alimentares
M. Alexandre & Cia. Ltda. Indústria Têxtil
Magnesita S.A Extração de Minerais
Magnesium do Brasil S.A Extração de Minerais
Maria do Carmo Batista Editorial e Gráfica
Valumar Bezerra da Silva Madeira
Walmir Cavalcante & Filhos - Cerâmica Iguatu Produtos Minerais
Zeferino Bernardino de Freitas Produtos Alimentares
Fonte: : SUDEC. Levantamento Básico dos Municípios; volume VI – 1977

A análise do quadro demonstra o predomínio dos ramos de produtos


alimentícios com 6 estabelecimentos, seguido do ramo têxtil com 5 estabelecimentos, e o
ramo de extração de minerais com 4 estabelecimentos. É válido atentarmos para o fato de
que por critérios técnicos de determinados órgãos de pesquisa, as indústrias que
beneficiavam o óleo bruto do caroço do algodão eram consideradas indústrias de
alimentos. Vale lembrar ainda que as fábricas de beneficiamento da pluma do algodão
não eram consideradas como indústrias têxteis, mas uma fase do processo produtivo da
indústria têxtil, como é sugerido pela CEPA (1981).
Voltando o enfoque para a industrialização do algodão, o mapa a seguir,
expressa bem este processo na escala do Estado do Ceará para a década de 1960 (período
de 1960 à 1965); evidenciando-se a importância de Iguatu neste contexto.
180

Mapa 7: Industrialização do algodão no Ceará no período de 1960-1965


181

A análise detalhada do mapa demonstra a grande importância que Iguatu


assumiu no Ceará no que se refere ao beneficiamento e industrialização do algodão. Se
compararmos este município com os demais da região centro-sul cearense, perceberemos
seu predomínio no número de usinas de beneficiamento (cinco, segundo os órgãos
oficiais), sendo seguido de perto por Acopiara que possuía três, Cedro com duas e Orós
com uma. É válido atentar que a usina de Orós (pertencente a Eliseu Batista) refinava o
óleo do caroço do algodão e era considerada uma das mais importantes indústrias do
período na região, ficando atrás apenas da CIDAO, segundo Lima Verde54.

Se estendermos a análise para a região sul do Estado, perceberemos que


individualmente os municípios não se equiparavam a Iguatu em número de
estabelecimentos. Isso só ocorre se houver a junção de vários municípios como feito no
mapa. Nem mesmo Sobral, acompanha Iguatu no que concerne às indústrias de
beneficiamento, superando-o somente nas usinas de extração de óleo. Há casos em que o
óleo refinado em Sobral, Orós e, sobretudo, em Fortaleza, tem como insumo, o óleo bruto
produzido em Iguatu.

A região que abrange Maranguape, Caucaia, Aquiraz e Pacatuba possuíam


juntas 7 (sete) fábricas de beneficiamento, uma têxtil e uma de extração de óleos, mas se
compararmos esses municípios individualmente, todos ficam atrás de Iguatu tanto no que
concerne à produção quanto ao beneficiamento. Na escala cearense, Iguatu só fica atrás
de Fortaleza que possuía 8 (oito) fábricas de beneficiamento, 12 (doze) de extração de
óleos e 6 (seis) indústrias têxteis, como se observa no mapa. É válido ressaltar que parte
da produção de óleo bruto produzido em Iguatu, ou era refinada em Fortaleza ou era
vendida para Orós (Usina de Eliseu Batista). Acredita-se ser esta a causa da não
computação, no mapa, das demais usinas que extraiam o óleo do caroço de algodão, pois
geralmente eram as mesmas que beneficiavam o algodão, ficando constatado em nossa
54
Este estudioso de Iguatu revelou em entrevistas que a produção algodoeira de Iguatu, abastecia as usinas de
beneficiamentos de algodão do centro-sul e mesmo de outros municípios. Ver melhor nos mapas do fluxograma do
circuito espacial do algodão
182

visita a campo e ao entrevistar ex-funcionários e proprietários das indústrias. Os critérios


técnicos adotados pela pesquisa podem ser outro fator da não contabilização das usinas
de extração de óleos.

Mas do que demonstrar o processo de industrialização do algodão, o mapa 7


nos permite evidenciar como se realizava a divisão territorial do trabalho no que concerne
à cultura algodoeira cearense. Fica evidente afirmarmos que Fortaleza assumiu destaque
como grande pólo coletor e também industrial do ramo algodoeiro. Iguatu também
assumiu papel de destaque nesta divisão sendo grande produtor e coletor desta matéria-
prima, além de possuir número significativo de indústrias de beneficiamento da pluma do
algodão e do caroço desta malvácea.

As tabelas (15 e 16) nos ajudam no entendimento da capacidade produtiva do


beneficiamento do algodão e do óleo de algodão em Iguatu nos anos de 1978/79, período
em que a produção algodoeira já estava em crise em todo o território cearense.
183

Tabela 15: Algodão beneficiado por usina em Iguatu, durante o ano agrícola de 1978/79

Algodão em caroço Algodão em pluma Caroço de algodão


Quantidade Capacidade de
Firmas Legenda Município Produção Capacidade Produção Capacidade
beneficiada beneficiamento
Quantidade Rendimento Quantidade Rendimento
(t) (t) (t) (%) (t) (t) (%) (t)
Cooperativa
Agrícola e
- Iguatu 4.893 12.232 1.604 32,8 4.000 3.132 64 7.828
industrial de
Iguatu
Horácio
Fernandes
Pastor Iguatu 4.854 8.494 1.568 32,3 2.744 3.286 67,7 5.750
S\A Indústria
e comércio
Coelho S\A
Indústria e Coesa Iguatu 4.000 4.000 1.200 30 1.200 2.800 70 2.800
comércio
M.Alexandre
- Iguatu 809 3.695 266 32,9 1.215 504 62,3 2.298
e Cia
Fonte: Pesquisa direta realizada nas usinas beneficiadoras de algodão em caroço – 1979.
Coordenadoria de classificação de produtos Agropecuários – SAAB- 1978\79.
Retirado e adaptado de Comissão Estadual de Planejamento Agrícola – CEPA – CE; Beneficiamento de Algodão e Extração de Óleo - Safra 1978-79. Fortaleza
1981.
184

Tabela 16: Indústria de extração de óleos de caroço de algodão durante o ano agrícola 1978/79
Matéria-prima Produção

Caroço de algodão Óleo bruto Torta Óleo bruto


adquirido Produção
Produção Produção
Firmas Legendas Município
Quantidade Grande
Capacidade Quantidade Quantidade Rendimento Capacidade Quantidade Rendimento Capacidade
beneficiada utilização
(t) (t) (t) (%) (t) (t) (%) (t)
(t) (%)

Horácio
Fernandes S\A
Pastor Iguatu 5.450 56,7 9.600 - 4.236 77,3 7.378 820 15 1.435
Indústria e
comércio
Detino de Souza
- Iguatu 6.457 56,5 10.600 - 4.663 72,2 8.250 916 14,1 1.650
Lins
Coelho S/A
Indústria e Coesa Iguatu 2.800 100 2.800 - 2.000 71,4 2.000 400 14,2 400
comércio
Fonte: Pesquisa direta realizada nas indústrias de extração de óleo de caroço de algodão – 1979.
Retirado e adaptado de Comissão Estadual de Planejamento Agrícola – CEPA – CE; Beneficiamento de Algodão e Extração de Óleo - Safra 1978-79. Fortaleza 1981.
185

Conforme os dados expostos, e apesar da crise que atingiu o Ceará com o


declínio da cultura algodoeira, Iguatu ainda despontava com uma produção significativa,
apesar de estar longe de atingir sua capacidade máxima. Das quatro indústrias analisadas,
somente a Coelho S/A Indústria e Comércio, conseguiu atingir sua capacidade produtiva
máxima, tanto no que se refere ao beneficiamento da pluma, como na extração do óleo do
algodão.

Mesmo longe do potencial máximo de produção das indústrias, os dados da


capacidade produtiva nos dão uma idéia do grande potencial produtor que Iguatu possuía
no beneficiamento do algodão.

Em entrevistas com antigos funcionários das indústrias e ex-proprietários,


tivemos a oportunidade de entender melhor como se dava o processo produtivo do
algodão ao chegarmos às indústrias beneficiadoras de algodão existentes em Iguatu. E daí
detectarmos como se davam as relações de trabalho ocorridas no chão das fábricas.

Com base no relato de José Roberto (ex-trabalhador da beneficiadora de


algodão e extração de óleos Inácio Parente55) e na fala de Roberto da Silva Nogueira,
filho do proprietário da Horácio Fernandes, esboçamos, grosso modo, como se dava o
processo produtivo das indústrias de algodão que funcionavam em Iguatu.

Primeiramente o algodão era pesado na balança dentro do próprio caminhão e


logo após, era descarregado e colocado nas tulhas (local onde ficava o algodão). Da tulha,
era sugado para o batedor, limpo, retirado as impurezas (terra, poeira, pedras etc). Depois
de limpo, a malvácea passava à descaroçadora, onde se separava a pluma do caroço do

55
É válido lembrar que na contra-mão do processo de fechamento das indústrias de beneficiamento de algodão em
Iguatu, quase todas fechando suas portas nos finais dos anos de 1970 e em meados dos anos de 1980, a Inácio
Parente, conforme entrevista cedida por José Roberto ex-trabalhador desta indústria, teve o início de suas atividades
no ano de 1989 e funcionou até o ano de 2007.
186

algodão. Aqui se iniciavam os dois processos: o da pluma e o do algodão. (ver fotografias


– apêndice)

Ao ser descaroçada, a pluma era sugada para a prensa, onde eram feitos os
fardos de 200 quilos. Daí ia para os galpões para ser estocada. Muitas vezes o algodão
ficava estocado de um ano para o outro, esperando melhores preços no mercado. Já o
caroço, depois de separado da pluma, seguia para a fábrica de óleo através da calha
(enorme cano que sugava o caroço). Ao chegar à fábrica de óleos, era colocado no
elevador e levado para a deslintadeira, máquina que retira o linter (material que serve
para o enchimento de colchões, cobertores, travesseiros etc.). Depois de ficar bem limpo,
o caroço era levado para o moinho, onde era triturado, e se transformava em massa, indo
em seguida para os panelões, para ser pré-cozida. Logo após, a massa ia para a prensa,
extraindo daí o óleo bruto. O restante virava torta de algodão. O óleo era levado para os
tanques e vendido para a Cooperativa Central dos Produtores de Algodão -
COOCENTRAL, fábrica de óleos situada em Fortaleza, ou para a fábrica de refinamento
de óleos de Eliseu Batista, em Orós. Já a torta do algodão era vendida segundo José
Roberto, para o consumo de gado na região, como também para Sobral. Este entrevistado
ainda acrescenta que a Inácio Parente mantinha outra fábrica em Sobral e tinha uma base
em Crateús.

É interessante ressaltar que a Inácio Parente, a CIDAO e a Horácio Fernandes,


adotavam técnicas de regulação do tempo de trabalho, com funcionamento em três turnos
de trabalho, e certa especialização do processo produtivo. Ao indagar a José Roberto
sobre o horário de funcionamento da fábrica e o número de trabalhadores da indústria em
que trabalhava, assim nos respondeu56:

Só essa fábrica gerava durante oito meses, emprego para sessenta pessoas e, no
restante do ano ficava somente umas quinze fazendo reparos e outras atividades,
mas todos os anos durante uns oito meses, nove meses eram uns sessenta

56
Entrevista realizada no dia no 23 de Junho de 2010.
187

empregos. As fábrica funcionavam em três turnos. Das seis da manhã as duas da


tarde, das duas as dez e das dez as seis da manhã. Funcionava dia e noite.
Quando terminava o horário de uma turma entrava a outra. Cada um tinha sua
função, eram duas pessoas no chupador do algodão que levava o algodão pras
máquinas, dois na descaroçadeira, um no peneirão, dois na prensa e um
mecânico. Era uma turma de oito. Eram três turmas, uma para cada turno de
trabalho. funcionava 24 horas, só parava para fazer reparos, para manutenção.
Agora tinha uma turma que trabalhava despejando o algodão, ensacavam,
despejavam. Era numa faixa de 12 trabalhadores. Essas pessoas ai eram pra
descarregar algodão, carregar a torta do algodão, os serviços gerais assim que
aparecesse né. Esses serviços ai, o pessoal que fazia parte dos turnos não tinham
a obrigação de fazer, era uma outra equipe.

De fato, a afirmação deste trabalhador também coincidiu com a de Wilson


Lima Verde ao afirmar que tanto a CIDAO, como várias outras empresas trabalhavam 24
horas por dia e isso impactou tanto no cotidiano das pessoas, a ponto de elas regularem
seus relógios de acordo com o apito das fábricas. Esta descrição feita por José Roberto
demonstra todo o processo de organização social do trabalho no chão da fábrica, mas que
se estendia bem para além dela, em que podemos assinalar a presença de caminhoneiros
contratados para fazer o transporte do algodão, os mecânicos contratados para
manutenção das máquinas nas indústrias, além de uma série de serviços que estavam
ligados direta ou indiretamente à produção, beneficiamento, industrialização e
comercialização do algodão.

Em nosso ponto de vista, é possível falar de algumas estratégias do


fordismo/taylorismo57 no processo produtivo das fábricas, ficando isto claro pela carga
horária de trabalho, muitas vezes superando oito horas diárias; pelo alto grau de
especialização das atividades; pelo tempo marcado para a execução das tarefas e pela
rotação de turnos de trabalho, como no caso da CIDAO, que funcionava em três turnos

57
Segundo Antunes (1995), podemos caracterizar os antigos processos produtivos (taylorismo/fordismo) por uma
produção em massa por meio da linha de montagem de produtos homogêneos, que controla o tempo e o movimento
do trabalhador pelo cronômetro taylorista e produção em série fordista. Além disso, podemos ainda destacar a grande
especialização do trabalho, a verticalização do processo produtivo, a hierarquização entre os que estão no chão da
fábrica executando a produção e os que pensam a produção, hierarquia que vai ter reflexos na sociedade em geral.
188

(manhã, tarde e noite58). Tudo isso demonstra a coexistência de temporalidades diferentes


no contexto da produção algodoeira, o que pode ser comprovado pela produção da mais-
valia absoluta, típica da realidade industrial capitalista, ao mesmo tempo em que
permanecem relações de trabalho não capitalistas, como o sistema de parcerias (tão
difundido no campo).

Com base na discussão do processo produtivo do algodão em geral, o


organograma seguinte, constitui um demonstrativo do processo produtivo do algodão
após deixar o campo e chegar à cidade para ser beneficiado e industrializado.
(Organograma 1).

58
Realidade apresentada nas entrevistas com ex-funcionários (senhor Expedito) de uma das empresas citadas e com
Wilson Lima Verde.
Organograma 1: Processo produtivo de industrialização do algodão e do 189
caroço do algodão

Algodão em rama

caroço pluma

Preparação
Extração do óleo Indústria Têxtil

Subprodutos
Fertilizantes, rações, fiação
ou confecção de Extração de óleo Fiação
alcochoados
Tintura de fios

Subprodutos
sabões Refinação Tecelagem

Branqueio Tinturaria

Óleo tipo cozinha


Hidrogenação Separação da estearina

Gorduras sólidas Óleo tipo salada

Desodorização

Óleo tipo salada


Plastificação para cozinha

Fonte: Atlas Gorduras


do Ceará – sólidas
SUDEC,
1973
190

Contudo, o processo produtivo, em muitos casos, não acontecia por completo


em Iguatu, vindo a se concretizar em outras escalas espaciais fora do Município,
sobretudo em Fortaleza, que comprava vasta parte da produção da pluma do algodão e do
óleo grosso, assim como outras cidades do Nordeste e Sudeste do país. Este fato nos dá
argumentos para debater a espacialização da produção algodoeira.

4.5. Espacialização da produção algodoeira

O processo de produção – circulação – consumo e trocas envolve uma vasta


configuração espacial ao dinamizar uma série de setores da economia estabelecendo, ao
mesmo tempo, as conexões territoriais para o fechamento do ciclo. (Organograma 2).

O organograma 2, corresponde à comercialização do algodão em caroço em


escala cearense, demonstrando todo o circuito produtivo do algodão, considerando os
camponeses sem a posse da terra (arrendatários, meeiros), os pequenos, médios e grandes
proprietários, na esfera da circulação, intermediários diversos (comerciantes, corretores),
no beneficiamento com as usinas e as cooperativas beneficiadoras do algodão e,
finalmente, a indústria têxtil. Assim podemos entender como ocorre o processo de divisão
social e territorial do trabalho na escala do Ceará.
191

Organograma 2 : Comercialização do algodão em caroço no Ceará

Usineiro
Produtor sem terra

Indústria têxtil
Intermediários
diversos
Pequenos proprietários

Médios e grandes Cooperativa


C
proprietários beneficiadora
O
N
S Comissão Estadual do Sistema Nacional de Planejamento Agrícola – CE; Beneficiamento de Algodão e Extração de Óleo no Ceará – safra 1978/79. (Pesquisa direta)
Fonte:
U de Comissão Estadual do Sistema Nacional de Planejamento Agrícola – CE; Beneficiamento de Algodão e Extração de Óleo no Ceará – safra 1978/79
Retirado
(*) Bodegueiros, caminhoneiros, corretores, etc.
M
I
D
O
R
(*)
Ao analisarmos especificamente o processo produtivo do algodão desde sua o
campo, seu beneficiamento nas fábricas e a circulação, percebemos que este produto,
conseguiu articular o município de Iguatu a diversas escalas espaciais, trazendo consigo
fortes indícios de que o algodão foi capaz de propiciar a Iguatu centralidade no que tange
o comércio e os serviços de toda a região centro-sul. O mapa 8 (fluxograma de origem e
destino de algodão em pluma por MRH – 1978-79) apresenta a dimensão espacial
atingida pela comercialização da pluma de algodão a nível do Ceará e demais escalas.
193

Mapa 8: Fluxograma de origem e destino de algodão em pluma do Ceará a níveis de MRH – 1978-
79
194

Uma análise detalhada do mapa 08 permite afirmar que grande parte da pluma
de algodão produzida no Estado destinava-se às regiões Sul e Sudeste, destacando-se os
Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Santa Catarina, Paraná e Rio Grande
do Sul.

Fortaleza também recebia boa parte desses fluxos principalmente no período


de 1978 e 1979 (não obstante o algodão já ter iniciado o seu declínio), visto que passava
por um período de expansão industrial com incentivos da Superintendência de
Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE e a criação do I Distrito Industrial do Ceará,
situado em Maracanaú, na Região Metropolitana de Fortaleza – RMF. Além do que,
ainda existia um percentual de algodão que era exportado para outros países da Europa e
da América Latina, mas isto até o ano de 1973, quando este produto perdia importância
na pauta de exportações cearense.

Se considerarmos a então Microrregião Homogênea de Iguatu que


compreendia ainda os municípios59 de Acopiara, Cariús, Jucás e Orós, observa-se uma
maior relação com Fortaleza e com as regiões Sul e Sudeste do país, além dos Estados
vizinhos, sobretudo Paraíba. Em outras palavras, com a comercialização do algodão, as
relações de Iguatu se ampliaram no que se refere ao comércio atacadista, interagindo
diretamente e com maior frequência com Fortaleza, e o Cariri e Campina Grande, na
Paraíba (CE - SUDEC, 1973).

Como percebemos a espacialização das relações de produção, beneficiamento,


industrialização, comercialização e troca do algodão nos remetem a uma discussão
clássica da Geografia: o debate de escala. Neste sentido, indagamos a respeito de qual
seria a melhor escala de análise para o circuito produtivo do algodão, visto a produção
ocorrer no campo, o beneficiamento na cidade, e os preços em grande parte serem
59
É válido atentar que o Município de Quixelô, que se desmembrou de Iguatu em 1985, ainda fazia parte da extensão
territorial de Iguatu. Este Município tinha sua divisão administrativa em 1980, composta pelos distritos de Iguatu,
Barreiras, Baú, Cruz de Pedras, José de Alencar, Quixelô, Quixoá e Suassurana (SUDEC, 1980).
195

determinados na esfera da circulação, sendo ditados pelo capital internacional na esfera


mundial.

Para o entendimento da totalidade dos processos engendrados no circuito


produtivo do algodão nos apoiamos no debate escalar de Harvey (2005a) e Smith (2002).
Em sua proposta de uma geografia histórica do capitalismo, Harvey (2005a) dá destacada
atenção ao entendimento global do processo de acumulação capitalista, visando a
explicação da produção do espaço, e neste caminho damos o primeiro passo para o
entendimento das dinâmicas que engendraram a (re)produção do espaço iguatuense. Este
município destacou-se por sua dinâmica econômica no decorrer do século XX, passando
por transformações em decorrência não somente de fatores políticos mas, sobretudo,
devido à produção algodoeira, que estava atrelada ao processo de acumulação ampliada
do capital. Entender este processo é importante para identificarmos o papel assumido por
Iguatu como um centro produtor e coletor desta matéria-prima (algodão) e de serviços
diversos, no tocante à região Centro-sul cearense.

Contribuições valiosas são também as de Smith (2002), que propõe uma teoria
política da escala geográfica, isto é, uma análise que nega a visão do espaço como um
mosaico e procura apreender a realidade a partir da escala do capital em suas diversas
esferas de atuação. Para esse autor, um acontecimento não é somente local, ou mesmo
global, ocorre em todas as escalas ao mesmo tempo, só que com intensidades diferentes.
Acrescenta:

Gran parte de la confusión en las construcciones contemporáneas del espacio


geográfico surge de un dilatado silencio sobre la cuestión de la escala. La teoría
de la escala geográfica – correctamente, la teoría de la producción de la escala
geográfica – está enormemente subdesarrollada. Efectivamente, no existe
ninguna teoría social de la escala geográfica, sin mencionar El materialismo
histórico. El cual todavía juega una parte crucial en nuestra construcción
geográfica global de la vida material. La represión brutal de la plaza de
Tianamen ¿fue un evento local, um evento regional o nacional, o fue un evento
internacional? Podríamos razonablemente asumir que fueron todos, los cuatro,
lo cual inmediatamente refuerza la conclusión de que la vida social opera y
196

construye algún tipo de espacio habitado jerarquizado en lugar de un mosaico.


¿Cómo concebimos críticamente las varias escalas habitadas?, ¿cómo mediamos
entre ellas y las interpretamos?. Más aún ¿cómo conceptuamos semejante
interpretación que en cierto modo concentra las prácticas sociales y la política
diseñadas para destruir la intención opresiva y explotadora del espacio
jerarquizado? El idealismo de los estudios ―locales‖ oficiales reside en la
suposición de que esta interpretación se realiza simplemente mediante la
afirmación del privilegio de ―lo local‖, en lugar de efectuar su relacionalidad
con otras escalas espaciales (SMITH, 2002, p. 141).

Para Smith (2002, p.141), além da escala ser uma construção delimitada pela
sociedade, suas diferenciações também se dão devido à estrutura geográfica das
interações sociais:

Las diferentes sociedades no sólo producen el espacio, como Lefebvre nos ha


enseñado, ellas también producen la escala. La producción de la escala puede
ser la diferenciación más elemental del espacio geográfico y es en toda su
extensión un proceso social. No hay nada ontologicamente dado sobre la
división tradicional entre hogar y localidad, escala urbana y regional, nacional y
global. La diferenciación de las escalas geográficas establece y se establece a
través de la estructura geográfica de interacciones sociales. Con un concepto de
escala como producido, es posible evitar por una parte el relativismo que trata la
diferenciación espacial como un mosaico, y por outra evita la reificación y la
acrítica división de escalas que reitera un fetichismo del espacio. En otras
palabras, debería llegar a ser posible, insertar las ―reglas de interpretación‖ que
nos permitan no sólo entender la construcción de la escala en si misma, sino la
manera en la que el significado se traduce entre las escalas. En este sentido,
como evento global la Plaza de Tiananmen tiene um significado muy diferente
que como evento local. Ambos son claramente coincidentes, aunque no
idénticos, pero ¿cómo determinamos esta diferencia y homología del
significado? Sin resolveralgunas de estas preguntas, un entendimiento más
sistemático de la diferencia geográfica, y desde aquí hacia la diferencia de modo
general, continuará bloqueado.

Optamos por esta visão de escala defendida por Smith (2002), sobretudo
quando o autor destaca que a escala global pode ser apreendida considerando o capital
financeiro e o mercado mundial, a escala nacional e regional compreendendo questões
197

político-militares e econômicas, enquanto a escala local sendo associada a da reprodução


social.

Voltando à tentativa de espacialização do circuito produtivo do algodão,


destacamos um subproduto desta malvácea, o caroço, importante matéria-prima da
indústria de óleos. Com relação à produção do caroço de algodão, as relações
estabelecidas pela microrregião de Iguatu se deram mais a nível estadual (Mapa 9), ou
seja, o fluxo foi mais intenso com as demais regiões do Ceará. As setas convergindo para
a microrregião iguatuense indicam o quanto ela polarizou a produção e o beneficiamento
dentro do Estado, sobretudo se considerarmos a relação ao município de Iguatu.

Já o mapa 10 vai indicar os fluxos de origem e de destino do óleo e torta do


algodão. Neste mapa percebemos que a microrregião de Iguatu mantem relações de troca
tanto com o restante do Estado do Ceará, como também amplia suas relações com os
demais Estados do Nordeste, sobretudo Pernambuco, Alagoas e Paraíba. Dentre as
indústrias de Fortaleza que compravam o óleo bruto produzido em Iguatu, destacava-se a
COOCENTRAL.

Como podemos perceber, a dimensão da produção e circulação do algodão


abrange várias escalas territoriais que foram responsáveis por inserir Iguatu numa vasta
escala de trocas, seja a nível local seja a nível nacional.
198

Mapa 9: Fluxograma de origem e destino de algodão em caroço do Ceará a níveis de MRH – 1978-79
199

Mapa 10: Fluxograma de origem e destino do óleo e da torta de algodão do Ceará a níveis de MRH – 1978-79
200

Nossa investigação demonstra que, a partir das duas primeiras décadas do


século XX, Iguatu assumiu papel de destaque na economia cearense em decorrência da
atividade algodoeira. Esta situação perdurou até o final dos anos de 1970, quando já se
anunciava a crise e decadência da produção algodoeira no Estado do Ceará. A crise
chegara a Iguatu nos anos de 1980, conforme destacou Teixeira (2007), em seu estudo
que tem por objeto a CIDAO. ―Em se tratando de algodão, na região centro-sul seu
cultivo em grandes escalas produtivas finalizou na metade dos anos 80, culminando com
o fechamento de quase todas as usinas beneficiadoras de algodão em Iguatu [...]‖
(TEIXEIRA, 2007, p.97).

A crise algodoeira trouxe a recessão econômica ao município, fato observado


no discurso de seus moradores que recordam com saudosismo o tempo áureo do algodão,
embora nos depoimentos de alguns deles, fiquem evidente as relações de exploração
presentes naquela atividade.

O discurso oficial é o de que a crise ocorreu em decorrência da praga do


―bicudo‖ e pela perda de qualidade do produto em virtude da junção de espécies de
algodão diferentes e das sucessivas secas que assolaram o Ceará. Consideramos,
entretanto que, além destes fatores, outros devem ser considerados. Por exemplo, a
introdução de produtos manufaturados, como os fios têxteis e os sintéticos, que
começaram a ganhar maior destaque e aceitação nos mais diversos mercados, além da
oscilação dos preços deste produto no mercado mundial.

Mas além disso, acreditamos que o findar da cultura algodoeira no Ceará em


geral e, em Iguatu, em particular, está estritamente ligado ao processo de transição de um
período agro-exportador para outro mais voltado à industrialização. Se analisarmos o
contexto, perceberemos que até os anos de 1970, o algodão era o principal produto de
exportação cearense, mas por vender este produto em pluma, a lucratividade não era tão
201

grande para o ―novo‖ contexto no qual o Ceará se inseria, sendo mais proveitoso e
lucrativo exportar o fio já industrializado, ou mesmo, o produto em forma de roupas.

De acordo com o CEARÁ-IPLANCE (1998), o algodão despontava como o


principal produto de exportações do Ceará entre o período de 1960 e 1973. Esta realidade
começou a mudar quando no Ceará se instalaram diversas indústrias que inseriram a
industrialização dos fios têxteis. A tabela a seguir demonstra a crescente produção e
exportação dos fios têxteis no Ceará a partir dos anos de 1970, tornando-se um dos
principais ramos industriais da economia cearense na segunda metade do século XX e
início do século XXI. (Tabela 17).

Tabela 17: Valor, peso e preço médio de exportação do Fio Têxtil – Ceará –
1961 -1997

Ano Valor (Us$ FOB) Peso (kg) Preço médio (US$ FOB\kg)

1961 ... ... ...


1962 ... ... ...
1963 ... ... ...
1964 ... ... ...
1965 ... ... ...
1966 ... ... ...
1967 ... ... ...
1968 ... ... ...
1969 ... ... ...
1970 ... ... ...
1971 ... ... ...
1972 ... ... ...
1973 ... ... ...
1974 336.477 117.247 2,87
1975 1.087.442 1.351.137 0,8
1976 3.317.084 1.868.735 1,78
1977 3.024.965 1.360.957 2,22
1978 3.463.074 1.514.988 2,29
1979 5.060.394 1.861.489 2,72
1980 7.634.763 2.308.745 3,31
1981 7.943.369 3.050.759 2,6
1982 9.602.639 3.470.682 2,77
202

1983 21.427.773 7.988.179 2,68


1984 2.333.220 8.334.721 0,28
1985 13.522.960 5.161.992 2,62
1986 4.015.116 1.428.027 2,81
1987 27.889.740 8.906.500 3,13
1988 31.946.758 9.963.022 3,21
1989 25.963.753 8.868.105 2,93
1990 33.072.802 10.540.194 3,14
1991 46.540.494 14.893.296 3,12
1992 57.484.424 20.753.510 2,77
1993 16.599.933 5.286.753 3,14
1994 24.432.625 7.934.415 3,08
1995 24.054.430 6.427.391 3,74
1996 24.508.877 6.803.847 3,6
1998 15.518.892 3.989.284 3,89
Fonte:CACEX – DEPEC – PROMOEXPORT – MICT – Secretária do Comércio exterior.
Elaboração:INPLANCE-DEP-DEAC
Retirado de Estatísticas das exportações Cearenses 1961-1997, edições Inplance

É justamente no período em que a indústria têxtil ganha ascensão que a


produção no Ceará tem diminuição drástica, quase desaparecendo seu cultivo no Estado.
Este fato nos leva a acreditar que comprar algodão beneficiado em outros Estados e
industrializar no Ceará se tornava uma estratégia mais lucrativa para o setor têxtil.
203

5. CONCLUSÃO

Compreender como o universal se materializa no particular, evidenciando as


singularidades deste processo, é tarefa sine qua nom para aqueles que buscam o
entendimento da realidade enquanto totalidade.

Partimos da premissa de ser a história a universalidade dos processos e a


Geografia a particularidade deste universal, concretizado nos lugares, uma vez que se
torna importante espacializar as relações sociais. Nesta perspectiva, acreditamos que a
análise espaço-temporal é essencial para o desvendamento das mediações que compõem
o movimento da totalidade.

Este trabalho buscou fazer um resgate da história como elemento fundamental


para a análise geográfica. Nosso intuito foi desvelar os processos e particularidades que
favoreceram a produção e organização do espaço de Iguatu, que teve na cultura
algodoeira a mola mestra de sua economia em um passado recente. Para tanto, utilizamos
a história enquanto método e processo, o que nos permitiu vislumbrar como ocorreu a
espacialização e materialização das relações sociais a partir do desenvolvimento da
cultura algodoeira no Ceará em geral e em Iguatu, em específico.

Este recurso foi fundamental para o entendimento tanto da formação territorial


de Iguatu e sua historicidade na longa duração proposta por Braudel (2007) até o período
em que este município despontou como um dos principais produtores de algodão do
Ceará no século XX.

Entendemos que a análise com base na Geografia histórica é capaz de trazer


contribuições incomensuráveis para o estudo da Geografia. Conforme Ferro (1986), as
investigações dos geógrafos não podem deixar de lado as transformações históricas do
território examinado. Somos partidários do pensamento de que a ciência geográfica
204

estuda não só o presente, mas também o espaço e as relações sociais que se


materializaram no devir histórico. A geografia histórica se propõe a entender a
complexidade do passado ou mesmo as transformações espaciais em um determinado
período, podendo trazer questões geográficas sobre o passado.

A utilização de fontes históricas como jornais e fotografias, por exemplo,


assim como a utilização da história oral, através de entrevistas, foram importantes
instrumentos de interpretação geográfica para a reconstituição das paisagens do passado,
no caso específico de Iguatu. Estes procedimentos se tornaram fundamentais no
entendimento da formação territorial e das transformações espaciais no transcorrer do
processo histórico de constituição daquele município.

Desta forma acreditamos que a pesquisa trouxe em parte, contribuições


metodológicas acerca da utilização de outras fontes e recursos para os estudos
geográficos, como a história oral e a utilização de fotografias na reconstituição das
paisagens do passado, pois nos permitiram evidenciar fatos e sujeitos históricos que
ficaram mascarados pelos dados estatísticos que por si só não conseguem dar conta da
totalidade.

A cultura algodoeira cearense insere-se no mercado internacional em meados


do século XIX como matéria prima para as indústrias inglesas. Foi responsável por
evidenciar, de forma mais explícita o papel do Ceará na Divisão Internacional do
Trabalho e na contextura da reprodução ampliada do capital, mantendo-se juntamente
com a pecuária, como a atividade propulsora da economia cearense por boa parte do
século XX até aproximadamente os anos 70 e 80 desse século, quando entrou em crise.

São inegáveis as marcas deixadas pela economia algodoeira na formação


territorial do Ceará, fato que pode ser apreendido tanto nas formas materiais quanto nas
imateriais que ainda coexistem na paisagem, como constatamos em Iguatu. Além disto,
205

contribuiu para que a capital (Fortaleza) assumisse a condição de centro coletor,


beneficiador e distribuidor do algodão, produzido no interior, tornando-se
consequentemente e por razões políticas, a cidade de maior importância econômica do
Ceará.

A produção do algodão, como atividade econômica de destaque, implicou,


para sua realização, na modernização seletiva do espaço cearense, a exemplo da chegada
da estrada de ferro, da criação de estradas e rodovias, da implantação de indústrias de
beneficiamento da pluma e de óleos do algodão em centros urbanos, a exemplo de Iguatu.

Em Iguatu, a atividade algodoeira parece ter sido uma ruptura-permanência na


vida do município, visto ter criado uma paisagem favorável à reprodução capitalista,
presente em relações sociais, em sujeitos, em instituições e formas materiais próprias do
capitalismo, mas com a permanência de relações culturais e de trabalho existentes desde
os séculos XVIII e XIX, como a relação de parceria e a meia, consideradas como relações
não capitalistas de produção.

Nossa tese é que a cultura algodoeira foi responsável por um processo de


acumulação primitiva, ou melhor, uma acumulação por espoliação (HARVEY, 2005b),
que coexistiu e foi o fundamento para o desenvolvimento de atividades manufatureiras e
industriais. Em Iguatu, o beneficiamento e a produção do óleo de algodão favoreceram,
guardadas as devidas proporções com outras realidades, a formação de um operariado
que chegou, no caso da maior indústria, a CIDAO, a contar com cerca de 400
trabalhadores. Em síntese, o algodão favoreceu o desenvolvimento das forças produtivas
e as consequentes contradições inerentes ao modo de produção capitalista.

Todavia, no sistema capitalista, as crises também lhe são peculiares. A


produção algodoeira no Ceará declinou a partir da década de 1970, justamente o
momento de crise do capitalismo no plano mundial, com repercussões no Brasil,
206

redefinindo novas relações de produção e de trabalho. No caso cearense, foi neste


momento que teve início a modernização da indústria têxtil, com a introdução de
matérias-primas sintéticas e sua concentração na Região Metropolitana de Fortaleza –
RMF.

Durante o século XX, Iguatu mantém-se em destaque entre os principais


municípios produtores de algodão do Ceará, com os tipos herbáceo, o verdão (híbrido do
herbáceo e do arbóreo) e espécies melhoradas, criadas em campos experimentais. Estes
tipos de algodão tinham uma produtividade bem superior ao do algodão arbóreo,
chegando a 1.500 e a 2.000 quilos por hectare. A presença de campos experimentais
próprios para a produção do algodão, com institutos de pesquisa como o Centro Nacional
de Pesquisa do algodão – CNPA (Campina Grande) e técnicos americanos provenientes
do Texas, evidenciam a preocupação com melhorias técnicas que visavam maior
produtividade e rendimentos, fato este, inerente às formas capitalistas de produção.

Outro ponto de destaque, diz respeito à produção do espaço urbano, tendo em


vista que o algodão repercutiu no dinamismo econômico de Iguatu com o peso dos
trabalhadores assalariados da indústria de beneficiamento e produção de óleos e dos
trabalhadores do campo, favorecendo a sua condição não somente como centro coletor da
produção agrícola, mas também como centro distribuidor de bens e serviços, sobretudo
com o aumento do número de estabelecimentos comerciais na cidade e de serviços
financeiros, educacionais e de saúde, contribuindo para que Iguatu se tornasse um centro
regional.

A produção algodoeira, associada aos interesses políticos de famílias


tradicionais de Iguatu, foram importantes para a produção do espaço urbano,
configurando-se a relação dialética entre a produção do campo e as transformações na
cidade. Desse modo, o surto industrial do período insere-se nesta lógica, haja vista a
207

dependência da indústria das matérias primas, no caso, o algodão, produzido


regionalmente.

A atividade algodoeira também repercutiu na vida cotidiana, regulando o


tempo dos moradores da cidade através do apito da fábrica CIDAO. A geração de
riquezas favoreceu também a criação de clubes sociais, associações comerciais e, no
âmbito dos trabalhadores, organizações como o círculo operário.

Finalizando, a crise algodoeira em Iguatu em particular, e no Ceará, em geral,


afetou a economia urbana, notadamente dos centros coletores e beneficiadores deste
produto, não obstante as cristalizações materiais no espaço, decorrentes da produção,
distribuição e consumo. Este assunto merece maior detalhamento, o que não foi feito
neste trabalho, ficando, portanto, como desafio para futuras pesquisas.
208

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221

APÊNDICE

Entrevistas e conversas

Entrevista com Wilson Lima Verde historiador e morador de Iguatu à 75 anos60.

Em entrevista com Wilson Lima Verde61, onde o enfoque era o papel do algodão para a dinamização da
economia e para a produção do espaço de Iguatu, o entrevistado inicia sua fala destacando que o algodão
foi o principal produto propulsor de progresso num passado recente, onde de início o município se
utilizava de agricultura rotineira que iria se desenvolver com a estrada de ferro, mas precisamente na
década de 20 do século passado, quando em Iguatu se instalaram as primeiras usinas beneficiadoras de
algodão.
Entre elas a CIDAO, a fábrica Santa Margarida, a fábrica São José, a usina de Otaviano Jaime Benevides,
a usina da viúva Romero, além de corretores da Sanbra – Sociedade Algodoeira Nordestina. Então a partir
dos anos 20, Iguatu passou a se destacar como grande produtor de algodão do Ceará devido suas
características do solo de aluvião etc.
Com a crise de 1929, o comércio e a agricultura algodoeira sofre seu primeiro debaque em decorrência da
queda da bolsa de valores de New York. Ultrapassado os rigores da crise, eis que o município novamente
se engaja na produção algodoeira. Desta feita com a continuação da Companhia de Algodão e Óleos –
CIDAO e a instalação do grupo inglês com sede no Paraná Anderson Clayton e Companhia Limitada, que
começou a focar campos experimentais de algodão, trazendo em seu quadro funcional, agrônomos já na
década de 1940.
Nos anos de 1940 foram diversas as usinas beneficiadoras de algodão em Iguatu, bem como em seus
municípios adjacentes. Na sede de Iguatu abriram-se as usinas M. Alexandre e Companhia (beneficiadora
de algodão); Jose Pastor e Cia. (beneficiadora de algodão), Horácio Fernandes & Cia (beneficiadora e
fabricante de resíduos e extração de óleos). É bom lembrar que a CIDAO além do beneficiamento de
algodão, extraia óleo de algodão, da mamona e oiticica em larga escala e comprava estes produtos desde o
interior da Bahia (oiticica e mamona) e babaçu no Maranhão.
As outras usinas eram a Coelho S/A (descaroçadora e fabricação de resíduos e óleos), Ceará Centro-Sul
(beneficiadora de algodão), Usina São Jorge (beneficiadora de algodão), além dos corretores de algodão
da Sanbra e de usinas vizinhas como as de Orós, Cedro, Acopiara. Além do algodão de Iguatu suprir suas
usinas, ainda supria as das vizinhas quase todas.
A década de 50 Iguatu atingiu o máximo, chegando a liderança de produção não só no Ceará, como
individualmente como município no Nordeste brasileiro, chegando na primeira metade de 60, Iguatu ter o
maior imposto de circulação de mercadorias do interior do Estado em virtude do algodão produzido.
Havia produtores de algodão em Iguatu como Manuel Matias Costa (Nelsin), considerado como rei do
algodão, que sozinho produziu o suficiente para montar uma usina de pequeno porte, pois chegou a obter
de sua lavoura, onde costumava empregar nos trabalhos de plantio, tratos culturais e colheita, cerca de
700 (setecentas) pessoas, obtendo em determinado ano, a produção extra de 60 mil arrobas de algodão,
correspondendo a novessentos mil quilos; 60 mil arrobas de 15 quilos.
Numerosos foram os agricultores que se destacaram como grandes e médios produtores de algodão.
Depois de Nelsin podemos destacar Francisco Chaves Neves, Raimundo José das Neves, Adeodato Matos
Cavalcante.

60
Entrevista realizada no dia 17/03/10
61
É preciso deixar claro que a reprodução desta entrevista, procurou transcrever e respeitar de forma coerente a fala
do entrevistado, sem modificações em sua fala, nem em seu conteúdo.
222

De médio à baixo produtores vem Sebastião Dias de Oliveira (Tetê Dias), João Coelho Lima Verde,
Francisco Alves de Oliveira, José Carlos Alencar (todas de Iguatu). Nessa época Quixelô era integrante
territorial de Iguatu.
Continuando vem ai José Alcântara, Francisco Airton Araújo, Solário Ferreira Lima, José Neto de Souza
etc.
Agora, além das usinas, existiam grandes corretores que compravam para fora como Solário Ferreira
Lima (corretores e compradores), Celso Holanda Montenegro, Clóvis Benevides, esses compravam para
Orós, pra Cedro, que é bom ressaltar que além das usinas de Iguatu, Jucás tinha uma usina grande, Cariús
também tinha duas usinas, Cedro tinha duas usinas grandes, Orós tinha a usina de Eliseu Batista S.A, um
dos maiores parque industriais depois da CIDAO e Icó com 4 (quatro) usinas e Acopiara com 4 (quatro)
usinas. Iguatu comprava e vendia para os municípios vizinhos. Haviam produtores de Iguatu que vendiam
para os municípios vizinhos.
O município de Iguatu até o final da década de 1970, quando Quixelô se desmembrou em 1985, Iguatu
era município com Um mil seiscentos e oitenta quilômetros quadrado, e era constituído por terras
apropriadas ao cultivo de algodão, cereais, legumes. Com o advento do açude de Orós muitas das áreas de
terras algodoeiras foram invadidas pelas águas do Orós, passando a ser substituída a cultura da malvácea
do algodão pela cultura do arroz, sendo hoje o Iguatu um dos maiores produtores de arroz irrigados do
estado. A produção de algodão em Iguatu atingiu 50 milhões de kg em 1950, produção de Iguatu
propriamente dita. Essas usinas de Iguatu que chegou a funcionar até meados de 1970 em número de nove
(9) usinas somente dentro da cidade, havendo delas como a CIDAO que funcionava noite e dia.
CIDAO tinha duas fábricas de sabão, uma serraria, uma de benecifiamento de algodão, de óleo de
oiticica, de mamona, de babaçu e preparava a pluma e o linter (produto intermediário entre a pluma e o
caroço, é aquela pelezinha de pluma que fica em adesão ao caroço, dali se extrai o linter, pra encher
esteiras, colchões etc.). Mas não é apropriado para tecido, pois a fibra quebra. È bom saber que a fibra de
algodão de Iguatu atingia o comprimento (os limites) de (34, 36, 32-34, 34-36).
Nos terrenos mais altos, ele produzia a fibra longa, mais, tipo cêda que é a tendência do algodão híbrido
ou o arbóreo propriamente dito; enquanto que nas partes baixas, nos baixios introduzia o algodão
herbáceo propriamente dito, com sementes oriundas de São Paulo, depois de João Pessoa e depois de
sementes advindas da própria Embrapa.

Como era o circuito de produção da CIDAO?

O algodão era quase propriamente de Iguatu e de outros municípios devido sua localização estratégica
dentro da região Centro-Sul, onde 16 municípios dependem da economia de Iguatu, sendo considerado a
capital do Centro-Sul.
A oiticica também era quase toda de Iguatu, mas a mamona e o babaçu eram importados da Bahia e do
Piauí. O comércio da pluma do algodão era comumente levado para o sul do país, mas também pros
Estados Unidos e mesmo pra União Soviética. A estrada de ferro teve muita importância tanto no frete,
quanto na quantidade transportada de mercadoria.
Relatando sobre sua experiência como fiscal da carteira de crédito agrícola ele afirma que percorreu todas
as roças do Centro-sul cearense, dos tabuleiros do riacho do sangue até o divisor de águas do Piauí na
Serra do charito, pegava desde as extremas do município de Arneiroz passando por Catarina, Acopiara,
Iguatu, passando pelas margens direita do rio capim na divisa de Icó com Jaguaribe conhecendo toda
aquela região. O mesmo destaca ter em sua casa uma lista com os apelidos de todos os produtores e
agricultores (pequeno, médio e grande) da letra a a z, e que quando se tratava da quantidade de algodão
produzida ninguém ganhava de Iguatu, nem Sobral, nem Fortaleza.
Wilson Lima verde descreve que com a chegada do Banco do Brasil em Iguatu, que fará 70 anos de
instalação naquele município, e a instalação e funcionamento da carteira de crédito agrícola e industrial
do banco do Brasil expandiu a lavoura e implantou a mecanização do campo na década de 60
consideravelmente. Até então havia meia dúzia de tratores, passou a possuir as maiores propriedades a
223

contar com tratores, arados, cultivadores, máquinas, pulverizadoras etc., graças aos gerentes do banco do
Brasil, principalmente na época de Alano de Moura Beleza, e João Elmo Moreno Cavalcante, onde eu era
fiscal da carteira de crédito agrícola.

Como eram as infra-estruturas básicas do município como a energia elétrica?

No referente a chegada da energia de Paulo Afonso, só chegou em 1961, onde as indústrias dos anos 20,
30 e 40, funcionavam com grupos geradores próprios movidos a termoelétrica, onde a própria cidade era
iluminada através da usina Gustavo Corrêa Lima, usina Boris, depois transformada em usina Vitória que
posteriormente passou a ser propriedade de Alfredo Alves da Silva que por sua vez vendeu o maquinário
para o Maranhão por ter se tornado obsoleta.

Com relação ao campo, o mesmo afirmou que: este também mecanizou bastante, sobretudo a região de
varzinha, onde tinha a propriedade de Manuel Matias da Costa (rei do algodão). Nelsinho tinha quatro
tratores, onde não era qualquer produtor do estado do Ceará que possuía quatro tratores, e Iguatu tinha
produtores com 4 tratores, e já em recuados anos atrás já haviam produtores com dois tratores quando em
nenhuma outra região existia.
Então em matéria de algodão, óleo de algodão, linta, resíduo e caroço de algodão que ele exportava,
Iguatu era líder, e tinha produtores como Nelsinho que nenhum individualmente no Nordeste se
comparava a ele em produção, porque dentro de um sistema como o de Iguatu que era uma agricultura
semi-mecanizada, o sujeito colocar 700 pessoas trabalhando permanentemente era grande, a própria
CIDAO funcionava com 520 funcionários trabalhando dia e noite.

Como se dava a relação entre a produção (meio rural), a comercialização (quem comprava) e o
beneficiamento? Eram etapas diferentes?

Na maioria dos casos a produção era comprada por terceiros que comercializava e industrializava, mas
havia produtores como Nelsin mesmo que em uma época ele tinha a própria usina, José Saraiva Coelho
(produtor) tinha usina e a propriedade de produção algodoeira.
O município de Iguatu você saia no mês de Julho em todas as estradas que você se dirigisse para o interior
do município, se passava por carradas de algodão, quando não eram caminhões eram tratores com
reboques carregadas de algodão ou então naquelas propriedades mais acidentadas e mais afastadas,
vinham as cargas de burro trazendo o algodão. O movimento era tanto que no aniversário do centenário
de Iguatu em 1953, criou-se um hino para o algodão.

Quem se beneficiava com a produção algodoeira, os produtores, os comerciantes ou os industriais?


Quem acumulava o excedente de capital?

Nesse caso, o agricultor era o maior prejudicado (era burro de carga) ele produzia, mas o grande usufruto
da produção vai cair nas mãos do industrial e do grande comerciante, ou seja, os grandes proprietários das
usinas e os grandes compradores do algodão eram os grandes beneficiários, como de resto em todo o
sistema capitalista, a parte desenvolvida come o pão né!
Os bancos tinham um papel importante, pois tinham linhas de crédito direto para o produtor, para o
plantio, mas tinha também crédito aberto para a indústria, empréstimo industrial e o governo por sua vez
instituído ainda no governo Vargas tinha um financiamento para ativição para segurar o preço. Então nós
tínhamos um financiamento chamado ERF, que o sujeito deixava, levava o dinheiro e a mercadoria ficava
depositada a ordem do banco, esse mais tarde, se o cara, o mercado nacional ou internacional não tivesse
224

de acordo ele repassava para o governo Federal com outro empréstimo com o nome AGF- Aquisição do
governo federal, adquiria o produto para não desmerecer a produção do município, créditos estes
instituídos na era Vargas mas que caíram muito com a instituição do governo dos militares. Vargas
garantia um preço mínimo, onde o preço não poderia cair além do já instituído, porque se não gerava
desestimulo a produção e isso, foi mantido até os planos do economista Celso Furtado.

O que predominava, a pequena ou a grande propriedade?

A exploração da agricultura se dava em regime de exploração própria e regime de parceria, meação ou


parceria, financiado, então o produtor pegava as propriedades a vulso. Morador bom da minha terra eu
adiantava do financiamento do que me era concebido, eu adiantava parte a ele para que ele explora-se a
parte dele e tirasse a subsistência dele e da família e mais a produção algodoeira que ele me prestava dela,
eu não recebia nada da produção de subsistência.
Mas apesar disso, o pessoal tinha um padrão de vida mais ou menos bem vivido e tinha uma mão-de-obra
relativamente bem paga.

Qual a relação do algodão com a expansão comercial da cidade? Você acha que existia essa
relação?

Sem dúvida que sim, a produção algodoeira gerava farta circulação de moeda, de maneira a expandir as
atividades comerciais em todos os setores, tanto aumentava a expansão comercial, como aumentava a
arrecadação do governo.

O que representava a geração de riqueza proveniente do algodão de Iguatu para o Ceará?

A produção algodoeira chegou a um destaque tal que as agências bancárias sediadas em Iguatu ocupavam
o primeiro lugar em volume de negócios e lucros, por exemplo a agência do banco do Brasil era a
primeira do interior a dar lucro, dar maior volume de lucro; não tinha Sobral, não tinha nada não; tinha a
capital, mas a capital é capital né, tem que dar mais lucro; mas no interior o volume era de lá e o número
de agência o maior era de Iguatu. Apesar destas crises que tem se repetido no país, Iguatu continua com o
banco do Brasil; Bradesco; caixa econômica, banco do Nordeste e o Itaú. O banco do Brasil é de 3 de
maio de 1940.

Por que com a queda do algodão Iguatu continuou crescendo? Você concorda com esta afirmação?

É o seguinte, Iguatu foi uma das cidades do Ceará que apesar do desaparecimento da cultura algodoeira,
que lhe proporcionava grandes valores de mercado, Iguatu continua crescendo porque continuou
produzindo largamente na agricultura através da expansão da cultura de arroz e de crescimento de sua
pecuária. Hoje sendo a terceira maior bacia leiteira do estado. Quixeramobim produz mais leite que lá e
Jaguaribe que sempre foram zonas de criação, agora nosso rebanho é mais selecionado.

O senhor acredita que Iguatu centraliza alguns serviços dentro da Região Centro-Sul do Estado?
225

Com a sorte que Iguatu teve nestes últimos oito anos devido a visão empreendedora de seu atual prefeito
que tem a visão de futuro, vem aperfeiçoando a integração de Iguatu com os outros municípios,
reativando e criando várias estradas.

O senhor acredita que o algodão teve grande papel para a implantação de infra-estruturas, como a
estrada de ferro, as escolas agrícolas etc.?

O despertar do governo federal em direção a agricultura em Iguatu foi uma coisa que veio pioneiramente,
sem que nós podecemos dizer que foi A ou B quem trouxe, foi o próprio impulso do desenvolvimento
produtivo, então ali se instalaram os primeiros campos experimentais de irrigação. No governo provisório
de 1931 foi criado o serviço experimental de irrigação do Ceará com sede em Iguatu, depois criou o
fomento agrícola com sede lá e os campos de irrigação de Bugi, Penha, Gadelha, Cardoso e Cardoso 2,
tudo criado pelo Governo Federal e o deputado Adail Barreto Cavalcante que foi uma das maiores forças
que o dinamismo político da região possuiu no passado. Trouxe para Iguatu a escola agrotécnica Federal
no final dos anos 1950 e início dos anos 60se instalando no governo de João Goulart. Ai tudo tomou uma
proporção agigantada em relação ao progresso com a chegada da energia de Paulo Afonso, a partir dos
anos 60.

Qual a relação dos políticos locais para a chegada da energia de Paulo Afonso em Iguatu?

Houve uma movimentação das entidades de classes e o trabalho incansável do deputado Adail Barreto
Cavalcante junto a companhia hidrelétrica do São Francisco e ao próprio Governo Federal no sentido de
instalar. É tanto que em 4 de fevereiro de 1962 quando houve a chamada festa da ponte em Iguatu, Adail
Barreto trazia no bolso o cheque assinado pelo ministro das minas de energia Gabriel de Resendes Pessoa
de cem mil cruzeiros naquela época, quando que arrecadado no Cariri dá 10 mil, 12 mil. Ele trouxe de
uma vez 100 mil, que trouxe do bolso do ministro.

O senhor tem algum conhecimento se a CIDAO foi arrendada pela Sanbra?

Ela passou um período de crise, ai, ela cedeu parte de seus armazéns para que a Sanbra armazenasse seu
produto. Foi uns dois anos que a CIDAO não comprou algodão, mais ela não arrendou, somente cedeu o
espaço para a Sanbra.

Qual o papel da Sanbra e da Anderson Clayton para a cidade de Iguatu?

A Anderson Clayton deu um exemplo de modernização já no início dos anos 40, quando incentivou a
implantação de campos experimentais de algodão, onde ela procurava introduzir determinadas práticas de
combate a praga, dos tratos culturais, inclusive o desbache da folha do algodão, a atingir a quinta folha,
fazia um desbache para que a folha se desenvolvesse, então ela trouxe agrônomos apropriados para isto, e
foi o primeiro grande parque na modernização da cultura algodoeira naquela região foi dado por
Anderson Clayton e Cia limitada.

Elas possuíam grandes armazéns na cidade?

A Sanbra era muito pouco, ela vivia mais de prédios alugados, ela não tinha sede própria, comprava
através de corretores em prédios alugados e um dos últimos corretores dela foi o senhor José Pereira
Curado.
226

Agora a Sanbra nem se comparava a Anderson Clayton, pois era muito poderosa. A Anderson Clayton
apenas beneficiava algodão, logo é o seguinte, ela era honesta na questão de compra e pagamento viu.
Então o cara butava lá e ela exportava diretamente seu produto para a Inglaterra e Alemanha, e ia pela
linha férrea e exportada por navios.
Quase todo o movimento que embarcava através da estrada de ferro ia para o porto do mucuripe e uma
das crises que mais atrasam o Nordeste brasileiro foi a desativação da estrada de ferro.

O que o algodão representou para o cotidiano das pessoas, por exemplo a criação da festa do
algodão etc...?

O Iguatu a partir do iniciar dos anos 60, criou o parque de exposição agropecuária, e esse parque de
exposição, além da mostra de animais de corrente leiteira, gado de corte e gado de tração, ela fazia a
exposição de produtos agrícolas e os bancos oficiais, Banco do Brasil e Banco do Nordeste instalavam
agências lá dentro do parque de exposição, e ali financiavam tanto a melhoria da propriedade rural através
do financiamento de tratores, de implementos, de arame farpado, de aquisição de animais de corte, de
criação leiteira, eles financiavam tudo, davam assistência, e por ocasião destas exposições agropecuárias,
que tornavam vamos dizer um meio de haver uma convivência geral da região, então ali eles promoviam
através do clube recreativo iguatuense a chamada festa do algodão, que era o final da festa agropecuária.
Então finalizavam com a festa do algodão com a escolha do rei e da rainha do algodão, que comumente
caia na pessoa de Manuel Matias Costa, pois ninguém chegava perto dele na produção, então o rei do
algodão era aquele que maior volume de produção oferecia e quem mais produzia era ele.

Como o senhor interpreta a intervenção da CIDAO no urbano da cidade? Por exemplo existiu o
fato de ela de ela ter criado uma vila operária, o que o senhor sabe sobre isto?

A CIDAO foi a primeira unidade industrial do estado do estado do Ceará, a criar uma vila operária, ela
construiu 22 casas modernas em Iguatu aos seus principais operários, além de criar uma escola e um
restaurante. A escola era pra alfabetização primária para os filhos dos operários. Ela (CIDAO), devido ter
o maior número de operários, criou a escola, já as demais (outras empresas) tinham um número menor e
devido as escolas não serem longe, não criaram nem escolas, nem casas padronizadas, mas algumas
davam casas aos seus gerentes.

Dentre as indústrias existentes em Iguatu, o senhor daria mais importância para a CIDAO?

Perfeitamente, era a indústria mais importante do interior do Ceará, não era só de Iguatu, era a maior de
Sobral, maior de Iguatu. O maior número de armazéns aqui em Fortaleza era dela, galpões na praia de
Iracema, um grupo de armazéns próprios ali na praia de Iracema. Também a Eliseu Batista de Orós
possuía armazéns viu.

Qual o papel o senhor daria para as pequenas beneficiadoras de algodão em Iguatu?

Era uma contribuição extraordinária, visto que em conjunto elas produziam mais do que a CIDAO, no
conjunto né! Mas quem beneficiava mais era a CIDAO e a Anderson Clayton. No conjunto as pequenas
beneficiadoras produziam muito.
A Horácio Fernandes, por exemplo, era grande indústria, a Coelho S/A também era uma indústria
moderna, foi implantada com financiamento da aliança para o progresso do presidente Kenedy.
227

Há uma monografia, que existem afirmações reatando que Iguatu era ate o início do Século XX era
apenas um pequeno povoado, o senhor confirma isto?

Que monografia é esta? Bom, é o seguinte, Iguatu só veio tomar impulso mesmo de cidade de porte
médio a partir dos anos 50 do século XX, antes disso era praticamente uma cidade provinciana.

Sabemos que o advento do trem e das linhas férreas foram importantes para o modelo agro-
exportador cearense, e sua passagem por Iguatu favoreceu ao seu crescimento econômico. Neste
contexto, qual o papel da política local para a passagem d estrada de ferro em Iguatu e não no Icó?

A estrada de ferro de Baturité, teria de passar pelo Icó pelo Icó que era a cidade mais importante, mas
como o coronel Belisário, apesar de ser filho de Icó, mas residente de Telha, que depois transformou-se
em Iguatu, o Icó não queria a estrada com medo de se transformar em desassossego para a população e
tal, então Belisário foi o grande herói nesta empreitada e levou a estrada de ferro, tendo sua inauguração
no dia 5 de novembro de 1910, cujo o jantar de inauguração se realizou no casarão do coronel Belisário
na praça da matriz em 1910 pela noite. Ele recebeu lá o engenheiro chefe da estrada, o Dr. Jorge Lima
Barroso através de uma festa onde soltaram balões e outras coisas.
O Belisário Cícero Alexandrino foi o 5º intendente de Iguatu, foi deputado provincial na época do
império, foi presidente da câmara municipal, foi deputado estadual já no regime republicano por duas
vezes, foi vice – presidente da assembéia legislativa e presidente inquirino do Estado na ocasião da
deposição do governo de Antônio Pinto Nogueira Acioli, em 1914.

Você cita a pessoa de Elmo Moreno, quem foi esta pessoa e o que ele representou pra Iguatu?

Elmo Moreno foi um grande gerente do banco do Brasil e foi prefeito e deputado estadual. Hoje é um
grande empresário, um homem de visão, um homem que procurou dinamizar a mecanização da lavoura
Iguatuense. No caso, ele como gerente incentivava a mecanização, depois é que se tornou empresário.
Mas ele incentivou muito a aquisição dos conjuntos, motor-bomba para que houvesse a lavoura irrigada
nas margens do Orós, assim, todos esses negócios, o incentivo a produção do arroz, enfim, O Elmo é um
cara de uma visão extraordinária, um cara que Iguatu muito deve a ele.

E dos antigos produtores de algodão que ainda estão vivos, o que estes fazem atualmente? Depois
da crise algodoeira eles investiram seus capitais em que?

Alguns venderam suas propriedades e vivem de outros meios, por exemplo o Teté Dias vive de alguns
imóveis na área urbana etc., o Elmo tem hoje a fabricação de máquinas que outrora eram fabricadas em
outros lugares.

Senhor Wilson, como você interpreta a crise do algodão para Iguatu, houve muitos efeitos?

Teve, ninguém pode negar. O impacto primeiro foi a perda de emprego, nove usinas pararam, então delas
como a CIDAO com pouco mais de 500 empregados, e isso tem um impacto socioeconômico né, tanto na
parte social como na parte econômica, e por sua vez a dificuldade da mão-de-obra porque esse povo todo
teve tendência de desaparecer em direção ao sul do país, causando migração.

E quais os impactos para a arrecadação do município?

Teve uma queda, mas hoje o município vem se recuperando ultimamente, graças a visão empreendedora
do atual prefeito que motivou o crescimento da indústria da construção civil e do comércio. Hoje
228

podemos até perceber que existem quarteirões de lojas em Iguatu que são idênticas ao da capital. Zenir
possui sede lá, a tubifor, indústria da fabricação de móveis, idênticos aos produzidos no Paraná, possui
mais 300 operários.

Você acha que o algodão teve papel importante na ascensão de Iguatu perante a cidade de Icó, visto
que antes, esta era uma cidade muito importante da região Centro-Sul e logo passou lugar para
Iguatu?

O Icó tem o passado histórico muito rico, porque quando os primeiros povoadores brancos passaram
naquela região, subindo o Jaguaribe e o rio Salgado, eles se alojaram no Icó, sendo este um ponto
comercial de concentração. No Icó até barão tinha, o chamado barão do Icó né, então você vê pelo teatro
da ribeira dos Icós, foi fundado pelos sobrados, as ruas largas que lá eram de origem francesa, onde
construiu lá o barão do Crato. Então todas as ligações do Cariri ou do Aracati que era por onde iam o
pessoal, então se alojavam em Icó, onde se firmou o aclamado canela preta né, que era o João Mendes, o
chamado canela preta, que deu origem a família Teixeira. Então Icó era mais importante.
Quando do advento do povoamento da catequese dos índios quixêlos na antiga Telha, hoje Iguatu, é que
começou a se desenvolver uma agricultura mais racional e produtiva a partir do século XX e
consequentemente com a chegada da estrada de ferro e a montagem das primeiras usinas de algodão,
então com o despertar da indústria algodoeira, o Iguatu foi se transformando e se tornando logo mais
importante, uma vez que foi na região Centro-Sul, onde primeiro chegou uma agência bancária, depois
um hospital, depois do hospital, foi onde primeiro o governo construiu a sede dos correios, ai a partir da ai
foi o ponta pé inicial, dado no governo Vargas e seguido pelos demais governantes em virtude da situação
geográficas convidarem para iniciativas, uma vez que Iguatu era ponto de convergência, pólo industrial,
comercial e por assim dizer hoje pólo até educacional.

Ainda existe em Iguatu muito dos armazéns que no passado armazenavam algodão ou mesmo as
velhas estruturas das fábricas permanecendo no presente?

Estão derrubando os últimos paredões da CIDAO né, onde vai funcionar um campus da UECE e da
URCA né, o governador se comprometeu a fazer isto né!.
E as demais usinas, hoje onde era a Anderson Clayton hoje é ocupada por supermercados, a M. Alexandre
hoje é deposito e distribuidora de gás, a Coesa são armazéns também de alugar para finalidades
comerciais, de modo que usinas de algodão mesmo em atividade não existe, mais nenhuma. Existem
diversas usinas de beneficiamento de arroz, cerca de 16 usinas. Inclusive tem arroz de mesma qualidade
que o Rio Grande do Sul, com arroz produzido com águas do Orós. O Orós, mais de um terço de sua
águas ficam represadas no município de Iguatu e quase um terço no município de Quixêlo, o restante é de
Orós.
Agora sendo que Iguatu é beneficiado pelo lado oeste, peãs águas do açude Trussu, outro rio que banha
Iguatu no sentido contrário e que se abraça com o Jaguaribe a 6km da cidade.

Segunda parte da entrevista


Como era o funcionamento da CIDAO?

A CIDAO funcionava como uma espécie de relógio da economia da cidade, estão ela despertava de
manhã o operariado para a mudança de turno de trabalho da noite para o dia. Ao meio dia ela dava o sinal
para a turma ir almoçar, as duas horas da tarde convocava uma outra turma através do apito, e quando
dava 5 horas da tarde ela apitava a finalização do dia. Quando era 10 da noite, ela dava o sinal que uma
nova turma estava entrando, então o funcionamento dela era diário, noite e dia.
229

Chegou o povo a se acostumar tanto com o horário e o apito da CIDAO que uma certo iguatuense ao se
mudar para Fortaleza, ele que residia em Iguatu e se guiava pelo apito da CIDAO, estando em Fortaleza e
gostando de tomar uma cerveja, ele chegou a um certo ponto que a empregada dele foi chamar ele, e
disse, seu fulano, dona fulana esta lhe chamando, então ele olhou pra ela, isso já aqui em Fortaleza, e
falou, diga a ela que eu só saio daqui quando a usina apitar.A usina virou símbolo do trabalho e do
desenvolvimento.
Outra coisa, qualquer incêndio e em qualquer outra usina, ela dava o alarme com o apito, tanto nela como
em outras usinas que pra poder ter uma solidariedade, eles se ajudavam, pois não existia corpo de
bombeiro, tinham operários próprios que eles trocavam de uma usina pra outra, era um acordo
apalavrado, como eles chamavam.
A CIDAO tinha avião próprio viu, próprio do senhor José Moreira. José Moreira Cavalcante tinha uma
das maiores áreas residenciais do centro da Aldeota. Foi ele quem hospedou Castelo Branco quando este
veio pela primeira vez aqui. José Moreira Cavalcante era o presidente da CIDAO, diretor presidente.
O mais interessante é que este grupo dos Moreira, a CIDAO, quando começou era de propriedade de um
industrial de Sobral. Ele entrou em crise e os Moreiras que eram empregados, encamparam a usina, ai
tornou-se um grupo de Iguatu. Eles eram pobres, nascidos em um bairro de Iguatu, a irmandade todinha
tomou conta da CIDAO. Eles já morreram todos, mas até irmãos como padres terminaram curso, foi em
Roma, se tornaram poderosos mesmo, os Moreira Cavalcante.

Entrevista 2

Entrevista com Wilson Lima Verde – 23-06-2010

WILSON LIMA VERDE – 1 ha corresponde a 10.000 m², área essa que por sua vez corresponde a 3
tarefas e meia, nas medidas antigas antes do sistema métrico decimal que a medida da zona rural. E essa
produção que era apurada pelos órgãos governamentais, pelos órgãos oficiais, eles levavam em
consideração as previsões de safra pela a área declarada, que era plantada, faziam uma divisão pelo fator
produtivo, a capacidade produtiva da terra, e achavam aquele volume de produção. ―Deja que‖, no
município de Iguatu, embora a área a menor que o de Acopiara ou de Quixadá, as nossas terras aqui,
tinham uma capacidade, tem uma capacidade produtiva, mais de 10 vezes a deles, razão porque os nossos
volumes de produção são muito superiores aos volumes deles. Então é bom que não se confunda
produtividade ou capacidade da terra de produzir com produção ou volume obtido do produto.

ÁTILA – Então quer dizer que na maioria desses órgãos estatísticos eles lançam...

WILSON LIMA VERDE – Eles laçam aquilo baseado na declaração que o reduzido número de
produtores fez pra eles, enquanto que na nossa antiga Carteira de Crédito Agrícola Industrial do Banco do
Brasil nós tínhamos por método visitar 80 propriedades em cada município durante as 3 fases principais
da lavoura: o plantio, para estimular a área, a formação da lavoura até a floração e a fase de colheita, de
importação nas usinas beneficiadoras...

ÁTILA – Era bem mais detalhada...

WILSON LIMA VERDE – É razão porque as previsões de safras feitas pela Carteira Agrícola do
Banco do Brasil e pelo setor de Assistência Rural do Banco do Nordeste eram mais precisos, ou melhor,
fecham quase com a safra real. A safra real, bem entendida, é aquela safra que chegou na usina para
beneficiar, que foi adquirida pelos diversos compradores e que foi tributada nos diversos postos de
lançamento do ICM do Governo do Estado. Então as nossas previsões de safra se baseavam em dados
reais e não em estimativas feitas alheio a realidade dos fatos.
230

ÁTILA – No caso vocês iam mesmo no empírico, no campo e iam fazendo todo o procedimento.

WILSON LIMA VERDE – Perfeitamente, então eu mesmo desempenhei as funções de Fiscal da


Carteira Agrícola Industrial do Banco do Brasil durante quase 6 anos. Cheguei a conhecer mais de 70%
de todos os roçados da região centro-sul do Ceará e da região dos Inhamuns. Isso, não só visitando as
casas, conversando com os produtores, com os seus agregados ou trabalhadores e percorrendo ou
medindo mesmo cercas, áreas cultivadas e calculando os estoques existentes nos armazéns rurais e nos
armazéns urbanos das usinas, conferíamos nas usinas fardo por fardo da pluma produzida com o algodão.
Razão porque nós quando afirmamos os valores de uma safra nós dizemos quase com segurança absoluta
quanto é realmente a produção de algodão. O Iguatu, por exemplo, produzia, dizemos que produzia mais,
porque nós fazíamos um apurado baseado no que entrava nas usinas, baseado no que os corretores que
aqui compravam para outros municípios, exportavam em lombos de animais ou através de caminhões.
Isso chegava-se a uma conclusão de que realmente o trabalho feito pela Carteira Agrícola saia mais
perfeito do que os dos outros órgãos, uma vez que quando chegava o final da safra eles viam pedir a nossa
opinião e nós tínhamos que omitir a opinião. Então, quando a gente chegava no... vamos dizer, numa
propriedade rural a gente sabia quanto tinha sido cultivado isoladamente, tem algodão de lastro, ele só, e
lavoura consorciada, algodão, milho e feijão, e lavoura adulta do algodão arbóreo, feita em terrenos de
alta ou quebradas, que eram feitas através do rôço e não da limpa a cultivador ou a enxada. Então nós
ficávamos senhores dos números reais que existiam em cada propriedade; conhecíamos o pé de algodão,
desde seu plantio a formação de suas primeiras folhas, examinando os tipos e os produtos de cada um
procurando identificar desde a erva, o algodão herbáceo, do arbusto, o algodão ―verdão‖ ou hibrido e do
algodão arbóreo ou mocó tipo seridó, que era plantado nas partes mais dos municípios, principalmente
dos municípios de quebrada onde a produtividade era... tinha um índice menor do que nas terras de
aluviões ou de massapé como é o caso de Iguatu.

ÁTILA – E qual é o papel que o senhor dá solos da região aqui, para essa produtividade?

WILSON LIMA VERDE – O maior índice de produtividade na região como um todo é o do município
de Iguatu é o solo agrícola mais profundo que existe, a manta superficial mais apropriada ao cultivo do
algodão, dos cereais, dos legumes das mais variadas espécies de... de leguminosas de... cereais ou
gramíneas. O nosso município é rico pela fertilidade de seu solo e pela... pelo lençol freático
relativamente farto e raso, além de nós termos reservas d‘águas substanciais, como o açude de Orós, o
açude Trussu, e as lagoas do Iguatu que a maior do estado, a Lagoa do Barro Alto, a Lagoa da Bastiana, a
Lagoa do Julião, a Lagoa dos Moreira, a Lagoa dos Neves, a Lagoa Cocobo, a Lagoa do Toco, a Lagoa
Redonda e outras pequenas lagoas que nos foge da memória.

ÁTILA – Em entrevista com Sebastião Dias, Teté Dias, ele afirmou que paro o período as indústrias de
Iguatu elas compravam cerca de 13 milhões de quilos anualmente, enquanto que a Eliseu Batista
comprava 20 milhões de quilos mais do que a daqui, a produção daqui.

WILSON LIMA VERDE – É isso há alguns anos, mas ele não pode afirmar isso. O negócio é que em
1950, por exemplo, Iguatu superou todo o interior do Ceará. Eliseu em alguns anos ele fazia isso,
principalmente que houve ano que a CIDAO não comprou algodão.

ÁTILA – Mas no caso esse algodão que a CIDAO não comprava geralmente ela comprava aqui de
Iguatu.

WILSON LIMA VERDE – Eliseu dispunha dos 2 maiores corretores de algodão da região, compradores
que levavam pra ele tirados do Iguatu, Solário Ferreira Lima e Celso Holanda Montenegro. E Orós por si
só a produção era mínima em relação a Iguatu, praticamente o algodão que ia pra Orós era o de Iguatu.
231

ÁTILA – Era o Solário Ferreira Lima e o outro?

WILSON LIMA VERDE – Celso Holanda Montenegro... Tete era considerado pequeno corretor... tinha,
outro, Eliseu, este comprava muito algodão de Cedro e Várzea Alegre através de Clóvis Benevides. O
Teté era produtor e corretor. Ele comprava para a usina de Orós, mas tinha fixação em Cedro, ele residia
lá. Cedro não produzia muito algodão, mas seu algodão era de fibra boa, pois era o algodão de chapada e
este é um algodão de fibra melhor e bem extensa, se assemelhando a seda que é o tipo mocó.

ÁTILA – O senhor tem idéia de quantos trabalhadores existiam no campo na época áurea do algodão?

WILSON LIMA VERDE – Seria difícil dizer, porque o número de propriedades rurais, principalmente
no interior do Ceará, onde predominava o minifúndio, agente não pode ter idéia exata, porque numa casa
embora tivesse quatro pessoas morando, estes eram da casa, não necessariamente eram trabalhadores.
Agora a região do distrito de Suassurana, onde Nelzin, Chagas Neto plantavam, talvez, só nessa região
tivesse mais de dois mil trabalhadores. Pra você ter uma idéia, se você tiver a oportunidade de localizar a
revista dos municípios do Ceará de 1953, então você vai ver que em 1950, saiu daqui 50 milhões de quilo.

Entrevista 3

Entrevista - 23 – 06 - 2010

José Roberto - trabalhador da Inácio Parente desde 1989.

Quando você começou a trabalhar nesta fábrica?

Comecei a trabalhar desde 1989, ano de instalação e início de funcionamento da fábrica. Ela ainda
funcionou até o ano de 2007.

De onde era o algodão beneficiado pela Usina?

O algodão vinha do Piauí, aqui do Ceará, como Sobral, Quixêlo, Acopiara, Crateús, onde funcionava a
filial da Inácio Parente, Tauá e de Iguatu. Depois de beneficiado o algodão ia para as indústrias têxteis de
Fortaleza, um exemplo era a Santana Têxtil. Hoje dois dos galpões da fábrica são alugados pela COELCE
e a balança que antes pesava o algodão, hoje pesa caminhões com cargas diversas.
Quando funcionava, a fábrica possuía escritório e dormitório para o dono da empresa.

Como era o processo produtivo da Inácio Parente?

Primeiramente o algodão era pesado na balança com caminhão e tudo, logo após era descaregado e
colocado nas tulhas (local onde ficava o algodão). Da tulha ele era sugado para o batedor, onde se
limpava e tirava as impurezas (terra, poeira, pedras etc) do algodão.
Depois de limpo o algodão ia para a descaroçadora, onde se separava a pluma do caroço do algodão. Aqui
se iniciava dois processos: o da pluma e o do algodão.
Vamos primeiro para a descrição da pluma. Ao ser descaroçado, a pluma do algodão era sugada para a
prensa onde era feito os fardos de 200 quilos. Daí ela ia para os galpões para ser estocadas. Muitas vezes
o algodão ficava estocado de um ano para o outro esperando melhores preços no mercado.

Então dependia das variações de mercado?


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Dependia do preço do dólar , por isso, o estoque ficava por muito tempo. A queda do algodão se deu pela
queda do dólar. Aqui era produzida a fibra de tamanho 5, esta era a mais comercializada. Iguatu produziu
mais a fibra 5, que era a melhor. A fibra 9 era a pior, era molhada, cheia de terra etc.

Agora a descrição do caroço. Depois de separado da pluma, o caroço seguia para a fábrica de óleo
através da calha (enorme cano que sugava o caroço). Ao chegar na fábrica de óleos, era colocado no
elevador e levado para a deslintadeira, máquina que retira o linter (material que serve para enchimento de
colchão, cobertores, travesseiros etc.). Depois de ficar bem limpo o caroço era levado para o moinho,
onde era triturado, se transformando em massa, daí era levado para os panelões e era preconzida. Logo
após, a massa ia para a prensa, extraindo daí o óleo bruto. O restante virava torta de algodão. O óleo era
levado para os tanques e vendido para a CONCENTRAL, fábrica de óleos de Fortaleza. Já a torta do
algodão era vendida para o consumo de gado na região, como também para Sobral.
A Inácio Parente tinha outra fábrica em Sobral e tinha uma base em Crateús.

Durante o período da produção, quantos pessoas eram empregadas na fábrica? Existia muito
empregos?

Só essa fábrica gerava durante oito meses emprego para sessenta pessoas, e no restante do ano ficava
somente umas quinze fazendo reparos e outras atividades, mas todos os anos durante uns oito meses, nove
meses eram uns sessenta empregos.

Como era a divisão do trabalho (especialização do trabalho) no processo produtivo? Cada um tinha
sua função?

Cada um tinha sua função, eram duas pessoas no chupador do algodão que levava o algodão pras
máquinas, dois na descaroçadeira, um no peneirão, dois na prensa e um mecânico. Era uma turma de oito.
Eram três turmas, uma para cada turno de trabalho. funcionava 24 horas, só parava para fazer reparos,
para manutenção. Agora tinha uma turma que trabalhava despejando o algodão, ensacavam, despejavam.
Era numa faixa de 12 trabalhadores. Essas pessoas ai eram pra descarregar algodão, carregar a torta do
algodão, os serviços gerais assim que aparecesse né. Esses serviços ai, o pessoal que fazia parte dos
turnos não tinham a obrigação de fazer, era uma outra equipe.

E quantos funcionários trabalhavam na fábrica de óleos?

Era o mesmo sistema, sete funcionários e um mecânico para cada fábrica. Ou seja, eram sete para uma
fábrica e sete para a outra e um mecânico pra uma e outro pra outra.

Como era o funcionamento da fábrica, qual era a carga horária de trabalho?

As fábrica funcionavam em três turnos. Das seis da manhã as duas da tarde, das duas as dez e das dez as
seis da manhã. Funcionava dia e noite. Quando terminava o horário de uma turma entrava a outra.

Como o algodão chegava até a fábrica?

Isso ai era com os produtores, ia somente um rapaz aqui da fábrica para organizar as carradas.

Os caminhões eram dos próprios produtores?

Tinha caminhões aqui para fazer este serviço, mas geralmente na época da safra a demanda era muito
grande, ai tinha muito produtor que trazia mesmo, fretava um caminhão etc.
233

Era um movimento que gerava muito emprego e corria muito dinheiro, esse tempo era bom.

Você acredita que existia uma grande dinâmica no comércio, os trabalhadores empregados na
atividade algodoeira consumiam no comércio da cidade?
Se tinha? E como tinha.

Você comentou que boa parte da crise do algodão se deu devido a baixa da cotação do dólar?

É, porque outra coisa, o dólar baixou ai não tem preço, por que mesmo com o bicudo, aqui ainda produziu
muito algodão, mas ai com a baixa cotação do dólar o preço caiu muito. Então o agricultor achava que
não compensava produzir uma arroba por treze reais, uma arroba é 15 quilos.

Você avalia que houve falta de empenho do governo estadual em políticas para a cultura
algodoeira?

Sem dúvida, se não houver incentivos fica difícil. Por exemplo hoje nosso vizinho, a Bahia ainda produz
algodão. Mas se tivesse um tempo em que os governos investissem, mudaria o sistema de agricultura.

Como era a política do município , existia incentivos para a produção do algodão?

Isso eu não sei responder, não tenho conhecimento.

Quais eram os grandes produtores de Iguatu?

Nelsim Matias, deixa eu ver, Téte Dias, Roberto Costa, tinham muitos produtores, geralmente era o
básico né!, a agricultura aqui era o algodão, era o básico. Aqui Iguatu era conhecido.

Qual o papel você atribui ao algodão para a cidade de Iguatu no passado?

No passado teve uma importância fundamental no desenvolvimento de Iguatu, foi o algodão que
particamente desenvolvei Iguatu né! Gerava emprego, renda, o pessoal tinha dinheiro. Eu me lembro que
aqui tinha a exposição agropecuária de Iguatu, e o pessoal diziam que tinha gente que banhavam os
cavalos com cerveja.

Com a crise do algodão, o que move a economia da cidade hoje?

Hoje é praticamente a agricultura, arroz, banana, milho, a região produz muito.

E o comércio qual é o papel?


O comércio anda morto, quando passa a época que os aposentados vem consumir o negócio fica parado.
Você só vê movimento no final do mês.

Na sua opinião, Iguatu exerce na atualidade uma centralidade no comércio e nos serviços na região
centro-sul?

Agora isso é o centro das atenções, o centro do comércio aqui, da região centro-sul é aqui em Iguatu, vem
gente de Quixelô, Jucás, Cariús, Tabuleiro, até do próprio Icó que é uma cidade bem desenvolvida,
Acopiara, Piquet Carneiro, todos vem consumir aqui.

E o que é que o pessoal procura em Iguatu?


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Diversidade, procura de tudo. Procura hospitais e quando a coisa é mais grave, o pessoal vai para
Fortaleza.

Entrevista 4

Entrevista – 24 – 06 - 2010

Roberto da Silva Nogueira – Filho do proprietário da Horácio Fernandes

Como você avalia o papel do algodão para Iguatu?

Era a riqueza que trouxe o desenvolvimento, tudo isso era o algodão. Todos tinham boas rendas, desde o
chapiador, do catador, dos corretores, aos donos de beneficiadoras. Houve muitos empregos, chegando a
precisar buscar mão de obra de fora do município, como jucás, Acopiara, Cariús e de boa parte do centro-
sul e até de campos Sales. Os grandes proprietários buscavam mão de obra em outros municípios.
Existia muito consumo no comércio, pois havia muito dinheiro circulando. A riqueza era tanta que na
época existiam 6 aviões particulares todos dos produtores de algodão, inclusive minha família possuía um
avião.

Como era o processo produtivo da Horácio Fernandes?

Na Horácio Fernandes, existia duas fábricas que beneficiavam a pluma do algodão e uma que produzia a
óleo bruto que servia para fazer óleo comestível e a torta de algodão. O óleo bruto era vendido para a
CONCENTRAL (Fortaleza) para ser refinado. O óleo era um subproduto do algodão.
Quando o algodão chegava ele era pesado e ia para a tulha. A tulha era onde se guardava e se classificava
o algodão. Daí ia pra descaroçadeira e uma parte fazia a pluma e a outra o óleo e a torta do algodão.

descaroçadeira Maquina de óleos descaroçadeira

De onde vinha o algodão da indústria?

O algodão vinha todo de Iguatu. Comprávamos toda a produção dos corretores e uma pequena parte vinha
dos pequenos produtores que vendiam diretamente na usina.

Depois de beneficiado, para onde era vendido a pluma do algodão?

O algodão (pluma) era vendida para São Paulo, para Fortaleza, no caso para a Vicunha, as vezes para
Recife, mas o predomínio era pra Fortaleza. O produto era levado de caminhão.

Quantos empregados possuía a Horácio Fernandes?


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Tinha muitos, parecia serra pelada, mais não sei ao certo o número, os documentos com o número de
empregados se perderam.

Qual era a produção anual da Horácio Fernandes?

Não tenho idéia, tudo era registrado nos papéis, não havia sistema computadorizado, e tudo se perdeu.

Até quando funcionou a Horácio Fernandes?

Funcionou até o ano de 1989, processando pluma e óleo, depois funcionou como indústria de alimentos e
agora é uma recicladora.

Quais os impactos da crise do algodão para o município de Iguatu?

Fechamento de fábricas, desemprego com mudanças radicais no consumo do comércio, pois todos viviam
dessa cultura. Fecharam lojas de móveis, de materiais de construção e principalmente de material
agrícola, máquinas e equipamentos dentre outras. Hoje é que estão abrindo muitas lojas na cidade.

Entrevista 5

Entrevista com o Senhor Anastácio Silva e Sebastião Fernandes

Átila – Vocês poderiam descrever como era o passado aqui em Iguatu na época que tinha produção de
algodão.

Anastácio – No passado assim como?

Átila – Nas décadas atrás 50, 70 se tinha muita produção de algodão mesmo.

Anastácio – 50 não é do meu tempo não, o meu tempo é de 79 pra cá.

Átila – No caso os dois trabalharam nessas indústrias.

Sebastião – Até 96 foi?!

Anastácio – Ate 98 nos trabalhamos.

Átila – Quais foram às indústrias que vocês trabalharam?

Anastácio – Rapaz, trabalhei na cooperativa Casa Machado.

Átila – A cooperativa era a Cooperativa Agrícola de Iguatu?

Anastácio – É sim.

Sebastião – Eu trabalhei na Inácio Parente, na Coesa.

Átila - E no caso vocês trabalhavam fazendo o quê?

Anastácio – Eu era prenseiro.


236

Átila – Você poderia descrever o processo da prensa?

Anastácio – O processo era... tinha um movimento... o algodão vinha, ele vinha numa calha lá ai subia
num elevador, do elevador caia dentro da máquina ai a máquina prensa em descida né, fica socando até dá
180 quilos duzentos né, ai ela tinha um acusador apontando lá né.

Átila – Ai no caso só trabalhava com a pluma do algodão ou o caroço também era...

Anastácio – O caroço era beneficiado também em busca de óleo, mas era lá pra dentro, nós
trabalhávamos na seção... a fábrica era separada. Já era outro movimento, era pra quebrar o caroço, fazer
resíduos essas coisas.

Átila – Ai no caso o senhor trabalhou quantos anos ai na CIDAO?

Anastácio – Rapaz, direto não, mas juntando tudo parece que deu 16 anos.

Átila – Entrou pela primeira vez quando?


Anastácio – 1967.

Átila – E nessa época era grande a produção de Iguatu?

Anastácio – Era grande, 67 quando eu entrei era grande, era algodão era a oiticica quando parava um
entrava o outro.

Átila – E nas outras que o senhor trabalhou na Horácio...

Anastácio – Na outra era algodão, só algodão.

Átila – E você sabe dizer se o município de Iguatu em si, ele comprava algodão de outros municípios?

Anastácio – Comprava, vinha da Bahia, a maior força da rodada ai é da Bahia.

Átila – E daqui desses municípios da região próxima tinha... comprava de algum?

Anastácio – Comprava, tinha um sítio ai era tudo pra firma NE, tinha uns corretor que ia comprar fora.

Átila – Quer dizer que a CIDAO tinha os corretores próprios no campo, nos municípios vizinhos.

Anastácio – É tinha a mamona vinha de fora, vinha até da china, até da China.

Átila – Vinha pela estrada de ferro?

Anastácio – vinha pela estrada de ferro.

Átila – E no caso de Acopiara comprava também?

Anastácio – Acopiara já tinha outra indústria pra lá, ela produzia pra lá né.

Átila – E o algodão e a mamona e o que era produzido na CIDAO ia pra onde?


237

Anastácio – Eu não sei, sei que saia importado, saia em vagão de trem, saia em carro pipa, esses carros
tanques, saia pra fora, não pra qui pra perto não.

Átila – E, por exemplo, naquela década o senhor acha que tinha muito emprego com o algodão?

Anastácio – Tinha, naquele tempo era muito emprego, empregava muita gente né, ai mesmo funcionava
com 400 homens né, quando tava rodando tudim na fabricas de algodão era 350, 400.

Átila – O senhor não sabe ninguém que tenha esses documentos não, a folha de pagamento do pessoal?

Anastácio – Rapaz é um senhor de idade vê se você se informa ai... mas ele ainda é contabilista de um
escritório é um velho que tem aqui, um senhor dessa esquina lá, em frente a esse prédio ai Benvindo, ele
pode lhe informar que ele era contabilista essas coisas né.

Átila – O seu Pedro Lins ele também trabalhava lá?

Anastácio – Ele era classificador de algodão.

Átila – E como é o nome desse outro que o senhor falou?

Anastácio – Ai é Benvindo ele trabalha num escritório.

Átila – É vivo ainda?

Anastácio – É.

Átila – E como era o comércio naquela época, década de 1970, gerava muito emprego o pessoal
consumia muito no comércio?

Anastácio – Era, produzia pra todo mundo, tendo emprego aumentava o comércio tinha renda né, sem
emprego o comércio não vai pra frente né.

Átila – Dinamizava né a cidade.

Anastácio – Tendo emprego o cabra comprava, tinha onde compra tudo no mundo ai o comércio ia pra
frente, mas sem emprego... normalizou mais depois que terminou.

Átila – E hoje como é que é o funcionamento da cidade... aqui de Iguatu?

Anastácio – A maior força é dos aposentados, não tem emprego pra ninguém ai aparece a vagabundagem
ai né, ai vai comer à custa dos avôs, dos pais né, aqueles que tem um instinto mal vai pegar no que é não é
deles, fazer o que não presta, não emprego, não tem trabalho ai diz fulano não quer. Pelo menos depois de
mim aposentar, ainda trabalhei de 5 anos de carteira assinada de vigia né, depois de estar aposentado.

Entrevista 6

Data – 25 – 06 - 2010

Sebastião Dias de Oliveira (Téte Dias) – produtor de algodão da década de 1970


238

Quando o senhor começou a produzir algodão?

Comecei na agricultura na década de 1970. comecei plantando cinco hectares, cheguei a plantar 1.000
hectares, fui o maior produtor de algodão do Ceará no ano de 1983. Tirei o primeiro lugar em algodão
herbáceo. Fui a Brasília e recebi os presentes e homenagem.

Para o senhor qual a importância da produção do algodão para Iguatu?

Iguatu, de 1960 a 1985 foi o maior produtor de algodão do Estado do Ceará, gerava muito emprego,
corria dinheiro na cidade em ambudância.
Só eu empregava 250 homens diariamente. Vendia a produção diretamente para as indústrias de Eliseu
Batista de Orós, Adécio do Crato, Horácio Fernandes e cia, José Saraiva Coelho COESA também de
Iguatu e para José Rufino de Acopiara.

Qual era sua produção anual?

Cheguei a tirar 55 mil arrobas anualmente de eras de 1970 a 1985. Aqui em Iguatu existiam plantações
somente de algodão, não havia consórcios.
As indústrias de Iguatu compravam 13 milhões de quilos anualmente. A Eliseu Batista comprava 20
milhões de quilos.
Hoje ainda existe produção de algodão que é feita por Mazin Rufino.

Entrevista 7
Data 26-06-2010
62
Entrevista com o Senhor Amâncio

Amâncio – Pode botar que a produção era de 18, 20 mil arrobas de algodão por ano.

Átila – Seu Amâncio e essa produção ela era vendida pra quem?

Amâncio – A produção... ele tinha a indústria né...

Átila – Ele mesmo tinha a indústria?

Amâncio – Industrializava, exatamente.

Átila – Era a indústria do seu...?

Amâncio – Manoel Matias Costa.

Átila – Ele mesmo tinha uma indústria... ai ele beneficiava esse algodão.

Amâncio – Ele mesmo beneficiava o algodão.

Átila – Mas ele vendia também?

Amâncio – Vendia a ―pruma‖ né.

62
Seu Amâncio 57 anos (José Gomes da Silva) era o apelido do Administrador há 30 anos da fazenda de Matias
Costa (o rei do algodão).
239

Átila – Ele vendia pluma para onde?

Amâncio – Rapaz o destino dessa ―pruma‖ era pra...

Átila – Era pra cá pra Iguatu ou era já pra fora?

Amâncio – Vendia pra fora.

Átila – Ai no caso ele vendia essa pluma pra Fortaleza ou era pra outros municípios da região?

Amâncio – Não a ―pruma‖ ia destinada... era vendida pra Fortaleza, que outros municípios não compraria
né, não comprava né, porque Fortaleza tinha mais tecelagem.

Átila – E você sabe o nome de algumas das firmas de Fortaleza que comprava daqui?

Amâncio – Sei não.

Átila – E essa beneficiadora era só da pluma do algodão ou também trabalhava com óleo.

Amâncio – Eles também produziam óleo né, do caroço do algodão.

Átila – Ai no caso extraia o óleo bruto?

Amâncio – É.

Átila – E esse óleo era vendido pra onde?

Amâncio – Os óleos também... rapaz eu não sei o destino dos óleos, qual era a capacidade que eles
vendiam. Eu sei que eles vendiam pra fora.

Átila – Mas não sabe se era pra Fortaleza ou se era paro o Eliseu Batista, porque me deram uma
informação que Eliseu Batista também comprava óleo.

Amâncio – É Eliseu Batista era comprador de óleo né, ai eu ―to‖ na dúvida, não sei se ele vendia ou era
pra Eliseu.

Átila – Ou direto pra Fortaleza ou pra Eliseu Batista né.

Amâncio – Um dos dois, porque ai é só confirmar né, porque ele confirma né. Tinha a torta do algodão
né também. A torta era distribuída pra fazenda e comercializada no município né.

Átila – Distribuído tanto pra fazenda dele mesmo aqui, pra criação de gado.

Amâncio – E comercializado no município.

Átila – Para os agricultores ou para os produtores de gado?

Amâncio – Produtores de gado né.


240

Átila – Você quando administrava tinha mais ou menos a idéia de quantos trabalhadores tinha na
fazenda?

Amâncio – Rapaz nessa época aqui a gente trabalhava entre 500 e 550 funcionários sabe.

Átila – Era mesmo?!

Amâncio – Era aqui era uma multidão, aqui na varzinha... só na varzinha de mais de 100 morador só pra
você ter uma idéia.

Mototaxista (Vanildo Gomes de Oliveira) – Quando eu passava aqui via ―os quartel‖ de comida feita
―pros‖ trabalhador, que até hoje trabalhava com o algodão, catando algodão. Eu trabalhava ―vizim‖ aqui
do capitão mor e eu via cozinhando pra que 500, 600 pessoas. Tinha dia que tinha mais de 600 pessoas.

Amâncio – Eu ainda tenho tacho ali de 30 anos que eu tenho aqui guardado.

Átila – Um o quê?

Amâncio – Um tacho (panela) de fazer comida pros trabalhador.

Átila – ainda têm os antigos tratores aqui, alguns deles?

Amâncio – Ainda tem aquele pequeno, ainda tenho aquele grande também (apontando para o trator), o
reboque também que tão ali carregado de ração.

Átila – Onde estão os documentos do número de trabalhadores, das pessoas que trabalhavam, nos
cadernos que o senhor tinha que o senhor anotava?
Infelismente no ano passado, eu fiquei zangado, lembrei daqueles tempos e vi que os documentos
estavam ocupando lugar na casa, ai eu queimei tudo. Mas logo depois fiquei triste, porque vi que rebolei
parte de história né!

Átila – Seu Amâncio pra você qual foi a importância que o algodão teve pra economia aqui da
cidade de Iguatu, do município como um todo?

Amâncio – Rapaz naquele tempo foi, pode dizer assim, ou bom tempo por pouco tempo sabe, porque
naquele tempo... aquele foi o tempo que alguém soube aproveitar (04min58seg – não entendi o que ele
disse), porque era bem mais favorável depois veio... houve uma dificuldade de você chegar até esse
patamar que seu Nelzim chegou, Manoel Matias Costa sabe, porque os incentivos, logo no inicio não
tinha o incentivo né, mas depois foram surgindo né uns incentivos pra agricultura, pro algodão etc. e
alguém soube aproveitar aqueles incentivos sabe, mas que aquilo ali foi uma época... a época do algodão
não foi fácil não. A época do algodão foi uma época sofrida, uma época difícil né, porque aquilo ali era
um tempo... era um tempo corrido que trabalhava mulher, menino, criança todo mundo sabe. Se você for
analisar, naquele tempo o analfabetismo era lá em cima não era, por quê? Porque a criança com 6 anos
não tinha acesso a educação, tinha que ta todo mundo na roça.

Átila – E no caso essa via ali era foi feito para o pessoal que trabalhava?

Amâncio – Não, aquele pessoal a maioria daquele povo morava aqui na fazenda, ai depois, agora
ultimamente foi que... a gente ganhou aquelas casas ali daquelas vilas sabe. Morava quase todo mundo
aqui na varzinha, aqui na varzinha, na Inácio Parente, tinha no mínimo 100 morador, não era brincadeira.
241

Átila – E os trabalhadores daqui era tudo de Iguatu ou vinha gente de fora?

Amâncio – Não, aqui os bóias frias como se chama hoje né, a não ser o pessoal que mora aqui, vinha
gente de juazeiro, Acopiara, minerolandia, Mombaça, Pedra Branca, Senador Pompeu, Saboeiro.

Mototaxista (Vanildo Gomes de Oliveira) – Pernambuco, Paraíba.

Átila – Eles também vinham de outros estados seu Amâncio?

Amâncio – Rapaz, por ser um lugar de acolhimento pessoas, uma fazenda, aqui podia vim gente da
Paraíba de todos os outros estados também chegar aqui e vim trabalhar sabe. Naquela época, por
exemplo, na época da colheita, tal tempo... agora mesmo nós estamos no mês de junho né, ai mês de abril,
por exemplo, maio, começa a colheita aqui, ai o pessoal que tava lá na Paraíba, lá em outros estados rapaz
agora lá em Iguatu ta na época da colheita, ai onde chegava aqui e sabendo aonde tinha algodão pronto
tinha serviço pra todo mundo. Todas essas fazendas aqui, nas adjacências acolhiam gente. Aqui teve
famílias que se arranjaram com gente de fora, de outros estados né que vinham pra cá e ficava e morava
até muitos anos aqui na varzinha sabe, que aqui sempre foi um lugar... a fazenda aqui sempre foi
acolhedora o pessoal chega aqui pra voltar, tinha casa... tinha muita casa de taipa aqui que geralmente e
geralmente sempre tinha uma desocupada o pessoa vinha se arranjava, ficava ai um bocado de tempo
sabe. Agora mesmo filho natural da varzinha a gente tinha uma média de... você vê... eu tenho 57 nos,
toda a minha vida foi aqui dentro, papai morreu aqui com oitenta e tantos anos aqui dentro se você ai
naquela vila o pessoal o pessoa conta a historia: o meu pai morreu... o meu pai tinha 90 anos, nasceu e
criou-se na varzinha e tal sabe, é uma historia né a varzinha tem... não é um ―povim‖ que chegou
relâmpago não, que chegou e saio a manhã não, todo mundo aqui sabe... sabe como começou o primeiros
passos aqui da varzinha.

Átila – Era utilizado no caso...

Amâncio – Trator.

Átila – pra pulverizar.

Amâncio – os algodões.

Átila – os algodões né.

Amâncio – Ai foi, como eu tava dizendo, quando o incentivo começou a entrar na agricultura, ai
começou por ai, que ate isso ai era costa né.

Mototaxista (Vanildo Gomes de Oliveira) – Aqui tudo era na mão, não foi eu falei, tu viu aquela minha
entrevista lá, tudo era manual.

Amâncio – Quando a gente produzia 20 mil arrobas de algodão no mínimo não tinha negocio de máquina
não, era tudo manual.

Átila - Que dizer que era de 20 mil arrobas anual, mas sem ter nem a mecanização

Amâncio – Não tinha mecanização não. Olha eu bati o recorde... nessa época aqui e ainda não apareceu
um cara pra catar do meu tanto, eu catei 211 quilos por dia. Deixa eu te dizer, depois chegou a
mecanização nós trazíamos o algodão daqui quase uma légua e era pra vim na cabeça pra vim pesar aqui.
242

Entrevista 8

Entrevista – 26/06/10

Vanildo Gomes de Oliveira (idade por volta dos 55 anos) - ex-pequeno produtor de algodão

O que representou o algodão para a economia de Iguatu?


Na época, era tempo de riqueza, todos tinham dinheiro. Uma época boa para o comércio, a classe pobre
ganhava dinheiro. Eles plantavam, limpavam, catavam isso tudo a mão.
Grande parte dos agricultores trabalhavam nas plantações do senhor Manoel Matias Costa, Téte Dias, Elie
Seles etc.
A produção de Iguatu era tão grande que meu avô Fêlix Gomes da Silva, conhecido como seu Fêlix, veio
da Paraíba, do Município São José de Piranhas, para plantar algodão em Iguatu. Meu avô comprou as
terras do doutor Ildernando Bezerra, Ex- prefeito de Iguatu, a propriedade conhecida como capitão Mor.
Meu avô era pequeno produtor e vendia sua produção direto para a Casa Machado, para a COESA, para a
CIDAO, para a Rufino de Acopiara etc.

Quantas pessoas trabalhavam na plantação de seu avô?

Eram empregadas, cerca de 100 pessoas na época da colheita, e no restante do ano eram apenas umas 30
pessoas. Meu pai (Vicente Gomes de Oliveira) era quem vendia o algodão.
Também se plantava muito arroz nas épocas de cheias, isso nos anos de 1970 e 1973.

Entrevista 9

Edilmo Costa (ex-prefeito de Iguatu e filho de Manoel Matias Costa – ―o rei do algodão‖)
Entrevista realizada no dia 15-12-2010

Em que década seu pai começou a plantar algodão?

Sem dúvida alguma, meu pai, Manoel Matias Costa, conhecido popularmente como Nelzin, foi um dos
pioneiros em plantar algodão na região centro-sul. Ele iniciou mesmo o plantio de algodão, quando
comprou, inicialmente arrendou um terreno lá no município de Iguatu, onde é hoje a Varzinha. Esse
terreno era de um cunhado dele, esse cunhado posteriormente veio a falecer. Os filhos dele eram todos de
menor, e foi nomeado um tutor para esses meninos. O tutor, para que eles tivessem uma renda pra ajudar
na manutenção deles, arrendou o terreno ao meu pai. Acontece que o pai desses meninos, o meu tio, era
político, foi inclusive deputado estadual, se chamava Helvécio Teixeira, era chefe político lá de Iguatu e
de toda a região centro-sul. Ele era político honesto e fazia era tirar do bolso pra promover suas
campanhas e a de quem apoiava.
Com o tempo ele foi se endividando devido a política, fazendo empréstimos, resumindo, quando ele
morreu, estava em situação difícil, e meu tio que era cunhado de meu pai, irmão de minha mãe e tutor dos
meninos filhos desse que se chamava coronel Helvécio Teixeira ... arrendou o terreno pra que tivesse uma
renda. Mas chegou um ponto que a dívida, o débito dele pra com os bancos, com pessoas particulares era
tão grande, foi crescendo que o único jeito foi vender o terreno, até porque o Banco do Brasil achou por
bem leiloar o terreno, colocar como era chamado na época em asta pública, isso em 1943-44 por ai, e meu
pai que já estava trabalhando na terra como arrendatário, já tinha um capitalzinho formado, graças ao seu
trabalho e ao que produziu durante anos que foi arrendatário, durante o leilão ele arrendou esse terreno,
foi mais ou menos a época que ele começou a plantaralgodão.
De início plantava algodão, milho, feijão e uma pequena criação de gado bovino. Então quando ele
começou a plantar, foi no final da década de trinta e início da década de quarenta.
243

Como era o sistema de plantio na fazenda? Era somente plantado o algodão ou existia o consórcio
com outras cultura?

Normalmente naquela época era tudo consorciado. Todo mundo só plantava consorciado. Ele foi um dos
primeiros também a plantar somente o algodão. Ele achou mais vantajoso plantar somente o algodão, até
porque o algodão que se plantava naquela época era o algodão mocó (arbóreo), ele é im algodão mais
tardio. Agente soltava o gado antes do inverno para comer o mato. Depois com a continuação do inverno,
onde o algodão crescia, ai era passado um roço no algodão para limpar, era dada uma roçada no algodão.

Na fazenda se plantava o algodão arbóreo e herbáceo?

Se plantava o arbóreo que é o mocó, depois apareceu uma semente de algodão que era o misto de algodão
arbóreo e herbáceo, um algodão que tinha a semente muito semelhante a do algodão herbáceo, ela era
recoberta de linter que é aquele pêlo que fica na semente do algodão. A semente do mocó é limpa. O
algodão herbáceo por mais que você tire a pluma, ele fica com o linter grudado na semente. Então
apareceu uma variedade de algodão chamada verdão. Esse tinha uma vantagem, pois a produtividade dele
era bem maior do que a do algodão mocó. Em compensação ele exigia tratos culturais maiores. Você
poldava, e ele normalmente só produzia um ano, no final do ano, a pessoa mais uma vez colocava o gado
pra aproveitar o resto de algodão que sobrava na colheita que não dava pra colher, algumas maças, as
ramas, a caraça do algodão, tudo isso servia de pastagem para o gado. Então no mês de setembro e
outubro, novembro, quando acabava a colheita do algodão, o agricultor colocava o gado pra aproveitar a
pastagem e depois arrancava pé, por pé o algodão que foi plantado naquele ano, porque a diferença do
algodão mocó, este chegava a produzir durante até 15 anos, bastando para isso, que você desse um roço
no mato e alguns tratos, enquanto o algodão verdão (algodão híbrido) tinha que ser arrancado. O manejo
dele precisava que se limpasse o terreno todo, no cultivador puxado a boi, a burro, depois é que apareceu
os tratores, meu pai foi um dos primeiros a adquirir um trator, naquela época nem se fabricava trator aqui
no Brasil, foi um trator americano auxadaris era uma marca de trator americano que importou por um
representante comercial, uma coisa assim.
O algodão verdão primeiro você passava o arado no terreno, com o trator, depois a grade com arado,
depois a grade pra destorroar o terreno e depois plantava. Naquela época se plantava a mão também, logo
depois apareceu as plantadeiras mecânicas. Então se plantava a semente do algodão no solo depois de
limpo. Depois que nascia, existia uma operação chamada de desbaste ou raleio, que era a retirada do
excesso de sementes plantadas, deixando somente a quantidade recomendada por metro quadrado.

Qual era aproximadamente a produção da fazenda ?

A produção do algodão mocó normalmente era de 300 a 500 quilos por hectare anual. Com a semente do
algodão verdão, essa produtividade subiu para 1200 quilos por hectare. Nossa fazenda agente plantava de
800 a 1000 hectares de algodão.

Para onde ia a produção do algodão?

Deixa eu voltar para o problema da coisa. Foi começando a melhorar as instituições ligadas a agricultura,
ao algodão vieram melhorando os tipos de sementes, trazendo de outros estados e países, faziam
cruzamentos de diferentes sementes e criaram aqui o Instituto Agronômico de Campinas que era aquela
época o centro e acho que até hoje onde mais se experimentava e se fazia, e se melhorava as tecnologias
para o algodão, era o centro que estudava as tecnologias para o algodão tanto em termo de cultivo e de
manejo e de combate as pragas, de produtividade, tudo isso, então o Instituto Agronômico de Campinas
fez uma variedade de algodão chamado IAC, exatamente a sigla do instituto. O que apareceu, que nós
iniciamos, acho que nós fomos os pioneiros no Nordeste, foi o IAC 13, que apareceu como uma grande
244

novidade, na realidade era um algodão que tinha uma produtividade em torno de 1500 quilo por hectare,
chegando a produzir 2000 quilos por hectare. Depois passaram para o IAC 14, que não deu muito bom.
Depois do IAC 13, o melhor foi o IAC 20, hoje não sei mais como anda a produtividade do algodão, deve
existir melhores no Mato grosso, na Bahia com algodões com produtividade de 3000 a 3500 quilos por
hectare.

E qual o destino da produção?

Inicialmente meu pai vendia o algodão em rama com caroço, do jeito que colhia, vendia, ensacava e
vendia. Com um tempo ele montou uma usina de beneficiamento de algodão, que separava a pluma do
caroço. A pluma era vendida e o caroço e extraído o óleo na própria usina. Era vendido tanto pra
Fortaleza e pra região como Orós que tinha uma usina de refinamento e enlatamento do óleo. Ou então
eram vendidos para Fortaleza, para a COOCENTRAL – Cooperativa Central dos Produtores de Algodão,
além de outras.
E a pluma era vendida para indústria têxtil, as fábricas de fiação e tecidos que eram localizadas em
Fortaleza, mas antes da década de 1970, a pluma que era produzida era exportada para o exterior como a
Inglaterra, França, Holanda e outros países, principalmente da Europa. Depois a indústria têxtil se
desenvolveu no país e a pluma foi ficando aqui mesmo. Chegou uma época que Iguatu teve em
funcionamento 10 usinas de beneficiamento de algodão que comprava dos produtores o algodão em rama
dos produtores de Iguatu e de outros municípios da região, como também vendiam pra outros municípios
como Orós, Acopiara que também tinham indústrias de beneficiamento de algodão e outros Estados.
A falta de uma política de preço mínimo, a falta de apoio e a chegada do bicudo aqui no Nordeste foram
responsáveis pela dizimação do algodão, sobretudo no Ceará. O Ceará chegou a ser o 2º maior produtor
do Brasil. Depois o IAC, foi criado o Centro Nacional de Pesquisa do Algodão, fundaram na Paraíba, em
Campina Grande vinculado a Embrapa o CNPA, que por interferência política a sede foi instalada em
Campina Grande, mas era pra ser no Ceará.
Chegaram a vir para nossa fazenda onde eram feitos campos experimentais, para criarem tipos novos de
algodão. Eram feitas pesquisas dos técnicos do CNPA, com técnicos americanos do Texas e faziam
experimentos que eram plantados em nossa fazenda. Existia um amigo nosso que avisou que estava vindo
uma praga exótica que iria acabar com o algodão do Nordeste. Dizem que o bicudo foi criado pelas
multinacionais daquela época que vendiam defensivos para pragas do algodão, eles trouxeram isso,
vieram pela Colômbia, veio pela Amazônia, depois se localizou em São Paulo, onde se localizava o maior
centro de pesquisa, o de Campinas. Veio de Campinas para Paraíba.

De onde eram os trabalhadores da fazenda de seu pai?

Viam da região e de fora do Estado. Agente mandava buscar gente em Juazeiro do Norte, este era um dos
maiores fornecedores de mão-de-obra pra gente. Vinha gente de Quixadá, Acopiara, Saboeiro, Paraíba,
Cajazeiras, Icó, gente da região centro-sul e sertão central. Ai trabalhavam no plantio, menino, mulher,
homem. A mulher plantava. O cara saia cavando a cova com a enxada e a mulher vinha colocando as
sementes. Era o ano todo de serviço.

E o pessoal que vinham de fora morava por lá mesmo?

Ficava por lá. Eles ficavam em galpões armavam as redes e ficavam lá. Chegamos a trabalhar com 500
homens na nossa fazenda. E era o ano quase todo, porque depois da colheita, ele três catas, pois o fruto do
algodão não amadurece todo de uma vez, daí davam três catas ou colheitas. Depois colocava o gado pra
comer o que sobrava, depois arrancava o que sobrava pra plantar algodão no terreno novamente.
Arrancava pé por pé.
245

Vocês arrendavam suas terras para pequenos produtores?


A maioria dos proprietários arrendavam, mas nós não. Era tudo plantado pela gente. Mas tinha outros
proprietários que trabalhavam com parcerias e arrendavam.

E como era o pagamento dos trabalhadores?

Ou recebiam por diárias ou então por empreitada, pagava-se um determinado preço pelo trabalho em
alguns hectares de terra. E tinha a diária, era mais comum a diária, apesar de o outro sistema ser melhor,
pois a diária tinha muito escorão.

Como você avalia o papel do Crédito Agrícola para a agricultura em Iguatu?

Rapaz. Existia, só o Banco do Brasil do Iguatu, atendia num sei quantos mil produtores. Existia um
crédito para custeio da safra, o banco lhe emprestava o dinheiro no início do inverno e você pagava no
final do ano, depois da safra. O banco possuía um corpo de fiscais para saber se o povo plantava mesmo,
se estava cuidando e se o dinheiro ia saindo aos poucos, não era todo de uma vez. Existia também o
seguro chamado PROAGRO, que previnia quanto a qualquer intepérie natural, seja chuva de mais ou de
menos, neste caso o banco despensava seu débito.

De onde eram as máquinas da beneficiadora de seu pai? Era do Brasil?

As máquinas mais conhecidas eram a Piratininga, eram de São Paulo. As primeiras eram importadas de
outros países.

Na sua opinião o que significou o algodão para o município de Iguatu?

Rapaz sem dúvida foi o grande alavancador, o responsável pelo desenvolvimento inicial de Iguatu, porque
naquela época criou muitas coisas. Hoje a cidade vive mais dos serviços. Mas o que fez Iguatu
desenvolver inicialmente foi o algodão e outras culturas agrícolas.
246

Fotografias do processo produtivo do algodão em pluma e do caroço do algodão

FIGURA: Balança
Fonte: LIMA, Átila de Menezes - 2010

FIGURA: Calha (chupador do algodão) FIGURA: Máquina de descaroçar algodão


Fonte: LIMA, Átila de Menezes - 2010 Fonte: LIMA, Átila de Menezes - 2010

FIGURA: Máquina de prensar algodão FIGURA: Transporte o caroço do algodão para a fábrica de óleos
Fonte: LIMA, Átila de Menezes - 2010 Fonte: LIMA, Átila de Menezes - 2010
247

FIGURA: Deslintadeira
Fonte: LIMA, Átila de Menezes - 2010

FIGURA: Caldeira de preconzimento da torta do algodão e retirada do óleo do algodão


Fonte: LIMA, Átila de Menezes - 2010
248

ANEXOS

Anexo 1

“ Data esesmaria de Lourenço Gonçaves de Moura Theodozio Nogueira , de trez lagoas de


terra de comprimento, no riacho das Itans hoje nogueira, nos boquerões do rio Jaguaribe,
concedida pelo Capitão- mór Gabriel da Silva do lagos em 24 de Janeiro de 1706, como das
folhas 87 a 87v do Livro 1° das sismarias, 2° da colleção.

Registo da petição e data do capitam Lourenço gonsalves de moura e theodozio nogeira das terras do riacho das itans que
dezagoa asima dos bosquerois do iagoaribe.
Senhor Capitam maior Dizem o Capitam Louremso gonsalves de moura e theodozio nogeira moradores nesta Capitania
que elles tem seus gados assim vacunis como Cavallares enam tem terras nem pasto pêra os poderes criar eporque na ribeira de
iagoaribe nas ilhargas de Francisco nogeira tem descuberto hum riacho a que chama das itans em ocoal seacham humam terras
devolutas edezaproveitadas e dezagoa o dito riacho asima dos boqueirois nas terras donde asiste o gentio quichalo ocoal riacho
He capas pêra as ditas criasois edandose de sismaria ao suplicantes terá sua magestade maior crescimento em sua fazenda
edizimos Reais portanto Pedem avosa merse seia servido fazerlhe merse conserderlhe de sismaria tres legoas de terra de
conprido pello dito riacho asima acada e reseberem merse despacho o escrivam das datas me enforme seas terras que o suplicante
ehuma delarguo pera cada banda me enforme seas deianeiros de mil esetesentos e seis dolagos informasam Senhor Capitam meu
poder estam nam consta estarem dadas estam devolutas edezaproservido villa dosera vinte e seis de ianeiro de mil esetessentos
eseis escrivam consedo ao suplicantes em nome desua magestade que deos goardandose em tudo asordenis dodito senhor eo
escrivam lhe pase sua data na forma doestilo fortaleza em vinte eseis de ianeiro de mim esetesentos e seis dollago.
DATA
Gabriel da silva dolagos Capitam maior da Capitania deseara grande egovernador dafortalezadenosa senhora da asunsam
por sua magestade que deos goarde etc. Faso saber aos que esta Carta dedosam esismaria virem que por parte do capitam
Lourenso gosalves demoura etheodozio. nogeira moradores nesta Capitania me Reprezentaram adizer em sua petiçam atrás
escritas pedindome em nome desua magestade que deos goarde lhe consedese por doasam esismaria três Legoas deterra
deconprido acada hum delles pelo riacho das itanis asima que dezagoa asima dos boqueirois do Rio Iagoaribe nas ilhargas dadata
de Francisco nogeira terras donde asiste o gntio quichalo ehuma leguoa pera cada banda dodito riacho pera elles aseus erdeiros
sendentes edesendentesasim edamaneira que pedem eConfrontam pera nelles poderem criar seus gados emais criasois as coais
terras pello serviso que elles suplicantes fazem asua Magestade que deos goarde em lhe povoarem suas terras eaumento que dam
as suas Reais Rendas lhas dou consedoem nome dodito senhor três legoas de terra de conprido pello riacho das itanis asimaque
dezagoa asima dos boqueirois do Rio Iagoaribe ehuma legoa de larguo pera cada banda dodito riacho comensando esta nas
ilhargas da data de Francisco nogeira assim edamenira que pedem econfrotam em sua petiçam esepoderem encher desta que lhe
declaro com todas as agoas canpos matos testadas Logradouros emais úteis que nas ditas terras se acharem nam periudicando
aterseiro das coais pagaram dizimo a ordem dechristo dos fruitos que nellasouverem em tudo goardando senpre as ordenis de sua
magestade que deos goarde eseram obrigados adar caminhos livres ao conselho pera pontes fontes epedreiras pello que ordeno
atodos os ministros dafazenda eiutiça aquém esta minha Carta dedata esiamria for aprezentada em comprimento della lhe
demapose Real efetiva eactual na forma costumada eseram obrigados amandallas confirmar que pera firmeza detudo lhe mandei
pasar aprezente por min asinada esellada com osinete deminhas armas acoal se registraram no livro das datas destas Capitanias
esegoardara econprira tam pontualeinteiramente como nella secontem sem duvida enbarguo nem contradição alguma dada nesta
Villa desam Joseph deRibamar Capitania doseara grande aos vinte eseis dias domes deianeiro demil esetesentos eseis annos eu
Antonio Fernandes dapiedade escrivam das datas esismaria emediççois de terra aecrivy estava osello Gabriel dasilva dolagos
Carta dedata esismaria que vosa merse ouve por ben conserder ao Capitam Lourenso gonsalves demoua e teodozio nogeira três
legoas deterra deconprido em o riacho das itans pera cada hum delles ehuma delarguo pera cada banda dodito riacho pera vosa
merse ver enam continha mais dita data que eu terladei bem efelmente da propia que me foi apresentada sem couza que duvida
fasa dia ehora asima eu Antonio Fernandes dapiedade escrivam das datas esismaria aescrevy‖.
(Cópia fiel do registro da data e sesmaria n°. 74, 1° vol, págs 177 a 178, das “datas de sesmaria” ( 1° Livro manuscrito)
Fortaleza, 1920.)
249

Anexo 2

ACTA DA INSTALAÇÃO DA VILLA DA TELHA E POSSE DA CAMARA DA MESMA

ANNO DO NASCIMENTO DE NOSSO SENHOR JESUS CHRISTO de mil oito centos e cinqüenta e trez aos
vinte e cinco dias do mez de janeiro do ditto anno nesta nova Villa da telha comarca do Icó Provincia do Ciará na
casa que serve para Sessões da Camara onde se achava o Presidente da Camara da Villa do Saboeira o Tenente
Coronel Manoel da Costa Braga commigo Secretario Interino da mesma ao diante nomeado afim de dar posse a
Camara Municipal desta nova Villa erecta pela Resolução numero quinhentos e cincoenta e trez de vinte e sete de
novembro de mil oito cento e cincoenta e um- Numero dezessete- Elevando a cathegoria de Villa a Povoação da
Telha. O Doutor Joaquim Marcos de Almeida Rego Presidente da Providencia do Ciará. Faço saber a todos os seus
habitantes que Assemblea Legislativa Providencial decretou, e eu sancionei a Resolução seguinte: Artigo primeiro
Fica ellevada a cathegoria de Villa a povoação da telha, tendo por determinação a mesma da Povoação. Artigo
terceiro. A criação e transferência de que tratão os artigos antecedentes só terão effectividade depois que forem
edificadas cadeia e casa de Camara. Artigo quarto. Ficão revogada as disposições em contrario. Mando portanto a
todas as auctoridades, a quem o conhecimento e execução da referida resolução pertencer, que a cumprão e fação
cumprir tão inteiramente como nella se contem. O Secretario desta província a faça emprimir publicar e correr.
Palacio do Governo do ciará foi sellada e publicada a presente resolução em 27 de Novembro de 1851. Manoel
Francisco de Paulo Barros- Secretario Interino do Giverno. Registada as folhas do Livro Competente. Secretaria do
Governo do Ciará. Em 27 de Novembro de 1851 . Lourenço Joaquim de Miranda. E como para execução da
referida Lei fosse mister o cumprimento da condição imposta pelo artigo terceiro da mesma lei foi esta satisfeita por
doação temporária que fez o major Bento Villar de Carvalho e sua mulher de huma casa para servir de Sessões até a
edificação de casa própria a Cadeia em virtude do que mandou o EXM°. Presidente da Provincia executar a referida
Resolução por portaria de vinte e sete de novembro ultimo e por officio da mesma data mandou que se procedesse
a Elleição de Veriadores para a nova Camara conforme havia determinado citada Portaria e precedido nesta no dia
dez de novembro próximo passado foi pelo mesmo Exm° Snr. Provisoriamente approvada como fez constar a
mencionada camara da Villa do Saboeiro a qual dirigiu-se a nova camara elleita para esta Villa marcando o dia
d´hoje para instalação da mesma cumprindo as mais disposições do artigo segundo do Decreto treze de novembro de
mil oitocentos e trinta dous. Achando-se pois presentes os veriadores abaixo assignado lhes deferido o dito
Presidente o juramento de que trata o artigo dezessete da Lei de primeiro de Outubro de mil oitocentos e vinte e
quatro havendo assim por installada a Villa de que para constar mandou lavrar a presente Acta e assigno com
Vereadores presentes. Eu Joaquim Pereira de Sousa Junior- Secretário escrevi- Braga- Presidente – Agostinho
Moreira Barros- Joaquim Martins Gomes- Luiz José Moreira Barros- Antonio Gomes Barreto – Alexandre José
Cavalcante. Conforme- O Secretario da Camara Esperidião de Mattos Mariscal.
( Documento existente no Arquivo Público do Estado do Ceará, Secão Histórica, Pacote, n° 43 relativo á
Camara da Telha e de Iguatu).
250

Anexo3:
Notícia de conclusão de obras da fábrica Coelho S.A Indústria e Comércio – COESA, para
receber energia de Paulo Afonso.

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