Dissertação - Jocifran R. Martins
Dissertação - Jocifran R. Martins
Dissertação - Jocifran R. Martins
Manaus - Amazonas
2016
JOCIFRAN RAMOS MARTINS
Dissertação apresentada ao
Programa Sociedade e Cultura na
Amazônia, da Universidade Federal
do Amazonas, como requisito para
obtenção do título de Mestre em
Sociedade e Cultura na Amazônia
Manaus - Amazonas
2016
Ficha Catalográfica
Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).
BANCA EXAMINADORA
________________________________________________________
________________________________________________________
_________________________________________________________
Manaus - Amazonas
2016
DEDICATÓRIA
(Celdo Braga)
RESUMO
This paper aims to reflect on the discursive constitution of the identity sociocultural of
Parintins people. The qualitative research was conducted through semi-structured
interviews, audio-recorded and later transcribed, from which was formed the corpus.
The interviews were made in the city of Parintins, more precisely in the Historic
Center, with a group of people over 70 to 79 years old. It was undertaken a search
for answers to the question: which way, discursive formations and interdiscourse are
present in the narrative of Parintins people on their identity sociocultural? The
analysis sought to know how sociocultural processes contribute to constitution of
meanings about Parintins people, from which discursive and interdiscourse
formations they are coming, taking into account the life experience of the group
interviewed and the city history. The perspective obtained from Discourse Analysis of
Michel Pêcheux and Eni Orlandi guided this study, which relates language, history
and ideology in the production of meaning. The Parintins identity are addressed with
the support of the theories from Tomaz Tadeu da Silva, Bauman, Kathryn
Woodward, Stuart Hall, Cush and Goffman. Already known and widely publicized
senses about the Parintins people identity were confirmed. However others, that
suggest resistance to those of a single identity, predominate in the subjects'
discourses, giving birth to the inhabitants' view of what binds them ideologically to the
city, to culture, to history, in other words, what in the moment, makes them Parintins
people.
Fotografia 08: Centro Histórico - Rua Coronel Gomes, atual Rua Rui Barbosa 119
Quadro 01: Análise preliminar das repostas 01, demonstrando possível ponto
de saturação......................................................................................................... 132
Quadro 02: Análise preliminar das repostas 02, demonstrando possível ponto
de saturação......................................................................................................... 133
Quadro 03: Análise preliminar das repostas 03, demonstrando possível ponto
de saturação......................................................................................................... 134
Quadro 04: Análise preliminar das repostas 04, demonstrando possível ponto
de saturação......................................................................................................... 135
LANÇANDO-SE AO CURSO................................................................................ 07
2 DA NASCENTE À FOZ...................................................................................... 45
2.2 À MONTANTE................................................................................................. 49
2.3. À JUSANTE.................................................................................................... 66
REFERÊNCIAS..................................................................................................... 190
APÊNDICE............................................................................................................ 205
7
LANÇANDO-SE AO CURSO
sujeitos, a fim de compreender com mais acuidade como eles manifestam através do
discurso o processo de construção da(s) identidade(s) local(is). Procura-se, assim,
promover um pensamento sobre a formação sociocultural parintinense atualizado e
construído “a partir de dentro”, que poderá dar à luz a diversidade identitária local
até então silenciada.
Foi com esses pressupostos que se realizou a pesquisa, compondo o
corpus com os relatos de parintinenses comuns - sem envolvimento direto com a
festa - coletados por meio de entrevistas semiestruturadas, com sujeitos de 70 a 79
anos, residentes no Centro Histórico. A partir daí, buscou-se conhecer suas formas
de significar o que é ser parintinense.
A análise do corpus realizou-se sob as perspectivas da Análise de
Discurso de filiação francesa, nascida na década de 1960/70, com Pêcheux, que
considera o entrecruzamento de língua, história e ideologia, ou seja, a língua na sua
dimensão discursiva. Seguem-se, principalmente, as leituras que Orlandi realiza no
Brasil dessa tradição, suas atualizações e movimentos teórico-metodológicos
propostos.
Por meio das orientações teóricas mencionadas, empreende-se a busca
pelas respostas à questão: quais sentidos, formações discursivas e interdiscursos se
fazem presentes nos relatos dos parintinense sobre sua(s) identidade(s)
sociocultural(is)?
Para se empreender a procura de respostas à questão apresentada,
formulou-se o seguinte objetivo geral: Compreender a constituição discursiva da(s)
identidade(s) sociocultural(is) dos parintinenses a partir de seus próprios relatos.
Em busca da consecução do objetivo geral proposto, as atividades se
realizaram de modo a atender o previsto nos seguintes objetivos específicos:
Analisar os sentidos presentes nos relatos de parintinenses sobre a constituição de
sua própria identidade; Descrever o interdiscurso e as formações discursivas que se
fazem presentes nos relatos de parintinenses sobre a constituição de sua
identidade; Apontar na história da cidade os aspectos que influenciaram na
constituição dos sentidos e dos sujeitos discursivos.
Este trabalho está estruturado em três capítulos. No título de cada um
deles procuramos manter a referência à Amazônia e à navegação pelo curso dos
dizeres. Mesmo no primeiro capítulo, em que se discute identidade, a alusão à
diversidade e às características identitárias está expressa no título, À sombra da
11
floresta, nas margens dos rios. Nele procuramos fazer uma discussão dos conceitos
de identidade, diferentes concepções na história e sua apresentação na
modernidade, a partir da visão de alguns autores, como Hall, Tomás Tadeu, Kathryn
Woodward, Bauman, Cuche. Salientamos, conforme a abordagem destes autores,
como a identidade é constituída e quais são os fatores que interferem ou contribuem
nessa constituição.
No segundo capítulo Da nascente à foz, os esforços na reconstituição da
trajetória da Análise do Discurso. Primeiramente, procura-se fazer a distinção entre
texto e discurso. Apresentam-se a seguir as ideias de Saussure (1857-1913) e o
estabelecimento da linguagem como objeto de interesse de estudos científicos e as
críticas de Bakhtin (1895-1975) às dicotomias saussurianas, como os fundamentos
do que se estabeleceu mais tarde como Análise de Discurso. Realiza-se, também,
uma breve retomada da trajetória da Análise de Discurso na história, do seu
“nascimento”, na década de 1960, sua constituição teórica, seus desdobramentos e
reflexos na atualidade, enfatizando a importância de Pêcheux, na França, e de
Orlandi, no Brasil.
No terceiro capítulo, À margem direita do Amazonas, um lugar dentro do
espaço, faz-se a apresentação dos locais em que se realizaram as entrevistas,
procurando-se reconstituir um pouco de sua história, determinante na construção
dos sentidos, e sua delimitação geográfica. Em seguida, relacionam-se esses
lugares aos sujeitos que ali serão entrevistados. Apresentam-se sujeitos que
participaram da pesquisa, a construção do corpus e sua análise, orientada pelos
pressupostos teóricos e metodológicos apresentados anteriormente.
À maneira de chegar ao destino por meio do curso impetuoso e revolto
que ousamos enfrentar, por fim, e porque esse fim há de existir como forma, mas
não como conteúdo, conclusão, esgotamento da abordagem, das formas de
interpretação e muito menos como vitoriosa elucidação da “verdade” escondida, em
E no destino temporário, as terceiras margens, apresentamos algumas
considerações a que chegamos com a análise proposta.
12
sujeitos e grupos sociais não apresentam força simbólica para dizer quem eles são”
(BERLATTO, 2009, p.141). Essa situação pode ser ilustrada pela indignação de
Barroso (2010, p. 1) ao responder a pergunta retórica “[...] qual a imagem que o
Brasil tem do Amazonas e seus habitantes? A de que todos somos silvícolas, que
vivemos no meio da floresta, andamos de canoa, e convivemos com cobras, onças e
jacarés em nosso dia-a-dia”.
Em geral, a história, e também as identidades, é a que é contada pela voz
do poder. E a heteroidentidade parece que promoveu na Amazônia e em Parintins o
silenciamento das diversidades. No jogo social, ganhou destaque o viés
ambientalista, no caso da Amazônia, e a festa do boi-bumbá, no caso de Parintins. E
os atores sociais, no primeiro momento, pareceram empreender a busca, quem sabe
inconsciente, por satisfazer as expectativas da identidade virtual, aquela composta
de características projetadas pelo outro, e silenciaram suas identidades reais, em
que se fazem presentes atributos dos quais o sujeito se sente realmente possuidor
(GOFFMAN, 1988).
E em se tratando especialmente de Parintins, propõe-se que se promova
um pensamento mais acurado acerca dos processos de formação das identidades
locais. E sem a pretensão de pô-las definitivamente à prova, que se dê voz e vez
aos parintinenses e se tragam à discussão os sentidos com que se constituem como
tais. Ou seja, a partir de seus relatos, que se promova o conhecimento acerca do
que os faz sentir que são iguais, sem o receio de trazer à luz conflitos ou
resistências presentes - se é que eles existem - que os fazem diferentes. Que se crie
oportunidade para produção de um pensamento como o defendido por Fraxe,
Witikoski e Miguez (2009, p. 31), para quem
A distinção de papéis e identidades que faz Castell (1999) parece não ser
preocupação de Woodward (2011) e Hall (2006), principalmente quando os atores
sociais põem em relevância os papéis vivenciados no posicionamento nos diversos
campos sociais (BOURDIEU, 1989). Nessa situação, papéis e identidades soam
como sinônimos, sem o rigor presente nas leituras de Castell. Logo, ser
conservador, revolucionário, liberal, feminista, xenófobo, homofóbico etc. comporia o
mosaico identitário na sociedade moderna da mesma maneira que ser brasileiro,
italiano, flamenguista, sambista, umbandista, católico, muçulmano etc.
A esta altura parece ser convincente a assertiva de que não nascemos
com a identidade determinada. Ela é algo a ser inventado, construído socialmente,
discursivamente, com objetivo de despertar a identificação (caso queiramos por em
destaque a subjetividade no processo de construção nunca completado da
identidade) e manter o pertencimento.
Além de não ser inata, não é uma unidade. A apresentação hoje da
identidade como uma unidade seria resultante de uma construção ligada à
concepção que se acredita ter se estabelecido no passado histórico das sociedades
ocidentais, ou, ainda, uma confortável e fantasiosa história que criamos sobre nós
mesmos (BAUMAN, 2005; HALL, 2006).
Diante da complexidade com que se apresenta o tema, Silva (2011, p. 76-
77) aborda a identidade pela perspectiva da diferença.
Dizer que são resultado de criação significa dizer que não são
elementos da natureza, que não são essências, que não são coisas
que estejam simplesmente aí, à espera de serem reveladas ou
descobertas, respeitadas ou toleradas. A identidade e a diferença
têm que ser ativamente produzidas. Elas não são criaturas do mundo
22
que os outros são. Essas afirmações soam como excessos de simplificação de uma
verdade complexa. Mas é assim que o autor apresenta a questão da identidade
baseada na diferença. Para ele, se o mundo fosse homogêneo, não faria sentido
discutir identidade.
Na verdade, se esse mundo existisse, nele não haveria sequer o
significante relativo à questão. Portanto, identidade e diferença são as inseparáveis
partes de um todo, ou, como afirma o autor, a diferença é um produto derivado da
identidade.
resto do Brasil, a televisão. O boi de rua, o boi de todas as noites de junho, o boi que
rodava em torno da fogueira na frente das casas transformou-se em festival
folclórico, a fim de que atingisse o padrão exigido ou desejado pelo grande público
consumidor, como na leitura de Adorno e Horkheimer (1947, p. 2): “Os padrões
seriam resultado originariamente das necessidades dos consumidores: eis por que
são aceitos sem resistência”.
Hoje são obrigatórias as alegorias (inclusive são itens de regulamento
para serem avaliadas por jurados), refletindo – ou seria copiando? - os carros
alegóricos do carnaval do Rio de Janeiro e São Paulo; as figuras hiperbólicas dos
entes sobrenaturais que povoam o imaginário e a cosmologia dos povos da floresta,
aludindo aos bonecos do carnaval nordestino. E neste movimento de assimilação se
chegou à invenção da cunhã-poranga, versão Sateré ou Iscariana ou Yanomami ou
Mundurucu ou Mura (quem sabe?), espécie de avatar das rainhas de bateria das
escolas de samba do Rio de Janeiro (SILVA, 2010). Segundo Costa, Palheta,
Mendes e Loureiro (2003, p. 05), essa formatação da festa atende às demandas do
mercado cultural, haja vista que
é e o que não é, pela simples constatação de que, se não estava lá, não poderia ou
não deveria ser.
No entanto, em outras formas de entendimento, os significados da palavra
discurso e da palavra texto são tomados de formas distintas e complementares. A
vocação da linguagem é ser texto, no sentido que só nessa forma, seja através da
fala ou da escrita, ela, a linguagem se realiza em potencialidade. Mas, como texto,
as palavras não funcionam como repositórios diretos de sentidos, não possuem
conteúdos inerentes à sua forma. Ao construirmos o texto, buscamos refletir nele
uma compreensão particular da realidade, ou seja, interpretarmo-na. E nesse
processo precisamos atribuir sentidos, momento no qual somos afetados
diretamente pela ideologia. E os sentidos estão “presos” muito mais ao momento da
enunciação e à história na qual está imerso aquele que enuncia e não na
superficialidade linguística, ou seja, no texto que é apresentado ao interlocutor. Daí
afirmarmos que há instabilidade na linguagem. Esse é o entendimento de Orlandi
(2012, p. 12) ao afirmar que
2.2 À MONTANTE
[...] é possível sofrer pelo menos duas críticas: primeira aquela vinda
dos discursos que repeliram o estruturalismo (particularmente no
Brasil, a teoria estruturalista relaciona-se com um discurso de
alienação, de defesa de um certo estado de poder, de valorização
excessiva da ciência em detrimento dos valores sociais) e que,
portanto, consideram que falar em discurso em tudo se distancia do
modelo estrutural (crítica com a qual concordo, mas prefiro manter a
posição de que o estruturalismo permitiu pensar e expor os modelos
seguintes de reflexão sobre a linguagem); a segunda seria aquela
que considera que iniciar retomando o estruturalismo é observar o
desenrolar dos estudos linguísticos de modo a traçá-lo a partir de
uma perspectiva diacrônica [...]
Pecheux, não mais que Lacan, Foucault ou Althusser, não pode ser
considerado um "estruturalista". Contudo, houve no estruturalismo
um foco colocado sobre a linguagem que pode ser encontrado tanto
em Lacan ou Foucault quanto em Pêcheux. O estruturalismo francês
fez da linguística a ciência-piloto; os estruturalistas tentaram definir
seus métodos tendo como referencia a linguística, tendo também
transferido todo um conjunto de conceitos linguísticos para quase
todos os domínios das ciências humanas e "sociais" Os
estruturalistas identificaram cultura e linguagem de tal modo que toda
a análise de qualquer fato cultural devia tomar uma forma de análise
linguística, ou qualquer coisa de similar (semiologia, semiótica).
52
(JAKOBSON, 1995), como ainda hoje é ensinado nas escolas, recebeu críticas de
discursivistas por conceber a língua como única e transparente, cujos sentidos
estavam todos dados na superfície linguística. Sua importância está apenas no fato
de promover a língua ao status de objeto de estudos científicos.
A compreensão da linguagem como proposta por Sausurre, separando os
fatos da língua em dicotomias, sintagma e paradigma, significante e significado, e,
principalmente, língua e fala, não ficou imune às críticas. Hoje a crença num sistema
abstrato à disposição dos falantes e idealizado como padrão a ser alcançado por
todos traz consequências negativas dentro dos sistemas de ensino, funcionando
mais como motor de preconceitos, de exclusão de minorias, promovendo
silenciamentos identitários (SOUZA, 2006).
Saussure ([1916] 1996, p.90, apud AGUSTINI, 2014) não ficara alheio às
limitações de sua proposta de compreensão da língua, principalmente a relação
forma e conteúdo. Por isso afirmara que “uma língua é radicalmente incapaz de se
defender dos fatores que deslocam, de minuto a minuto, a relação entre o
significado e o significante”.
Bakhtin, contemporâneo de Sausurre, já apontava a impossibilidade de se
separar língua e fala ou de qualquer outra dicotomia, por deixar de fora o caráter
dialético da linguagem. Não se pode isolar da história a produção da linguagem,
tampouco a fala é uma atividade individual, mas social, logo foge ao domínio
exclusivo da linguística, está envolvida nos campos de outras ciências. Para Bakhtin,
cada enunciado é um evento histórico, um acontecimento, seja ele formal ou não.
Nesse postulado, ele atinge diretamente também as propostas dos formalistas
russos que pretenderam isolar a produção literária das influências histórico-sociais
(SOUZA, 2006).
Não se defende que Pêcheux erigiu a teoria de sua AD sobre ou a partir
das ideias de Bakhtin. O que se propõe é a reflexão sobre a produção intelectual
engendrada por este último que em muito se aproxima da compreensão atual de
discurso. Foi Bakhtin quem percebeu o caráter interdisciplinar da linguagem, ao
refletir acerca do objeto da filosofia da linguagem. Para ele, estudar a língua envolve
a materialidade linguística, seu funcionamento, mas também os aspectos
psicológicos, sem esquecer a inserção dos sujeitos na realidade social, portanto
histórica. Com isso, introduz na discussão o papel da interlocução, até então
deixado em segundo plano. Ao aproximar o linguístico do social, Bakhtin instaura
55
também a relação língua ideologia, que rege as relações no campo social. Daí, o
signo linguístico inerte sausurriano passa a dialético em Bakhtin (Idem, 2006).
Essa compreensão ecoa as exposições de Sargentini (2006, p. 186 - 187)
quando afirma que
2
O Círculo de Bakhtin é a expressão utilizada para designar o grupo de intelectuais russos de
diversas formações (da Literatura, do Jornalismo, da Música etc.) que se reuniu entre 1919 e 1929,
nas cidades de Nevel, Vibebsk e São Petersburgo (rebatizada de Leningrado), para debater questões
filosóficas, entre elas, a linguagem.
56
os avanços propostos por Saussure nos estudos da linguagem, Pêcheux deu início
às reflexões sobre as contribuições de outros campos do conhecimento para
construção de sentidos. Na década de 1960, ele ergue o quadro epistemológico da
Análise de Discurso, influenciado pela Linguística, pelo Marxismo e pela Psicanálise.
A AD, surgida no início da segunda metade do século XX, mais
precisamente na década de 1960, marca-se ainda no nascedouro pelo ideário
filosófico de cunho materialista. Tanto Dubois, linguista, quanto Pêcheux, filósofo,
estavam ligados ao marxismo e à política e aos desdobramentos dessa posição: as
lutas de classe, os movimentos sociais, a história (SOUZA, 2006).
A estes dois é creditada a certidão ou as certidões de nascimento da
Análise de Discurso: O discurso de encerramento do Colóquio de Lexicologia
Política de Saint Cloud, proferido por Jean Dubois, em 1968, e a publicação do livro
Análise Automática do Discurso, em 1969, por Michel Pêcheux, são tomados como
marcos fundadores da nova disciplina.
Dubois e Pêcheux tinham em comum, além do posicionamento político, a
preocupação com o discurso, principalmente como dispositivo de análise. Daí, em
sua gênese, a Análise de Discurso fechar-se no círculo político, elegendo seus
textos como os ideais para neles refletir seus pressupostos teóricos metodológicos.
Souza (2006), citando Maldidier, afirma que a Análise de Discurso, na sua
primeira fase, repete na sua constituição as condições da fundação Saussuriana do
objeto da linguística, pois o que a constitui é o mesmo que a bloqueia: o fechamento
do corpus discursivo. Mas esse primeiro momento vai aos poucos se reformulando e
novos objetos são admitidos.
Para Sargentini (2006), as reflexões de Pêcheux no primeiro e no
segundo momento da AD remetem-nos à compreensão de discurso como um "efeito
de sentidos" (1969, p. 82) entre os interlocutores. Já na década de 80, segundo a
autora, a concepção é enriquecida com novas incorporações, quando é discutido o
discurso sob a perspectiva da estrutura e do acontecimento. Para Pêcheux (1990, p.
56),
A partir deste ponto é que a linguagem estaria pronta para ser submetida
aos tratamentos informatizados A análise restringia-se à superfície linguística, tendo
como referência a palavra, ou melhor, as palavras reunidas em torno de uma
palavra-piloto. Essa opção por Harris talvez tenha sido decorrente da proximidade
com as propostas estruturalistas de Saussure, adotadas neste estágio da incipiente
Análise de Discurso, que promoviam um fechamento da linguística aos fenômenos
sociais e buscavam exclusivamente os mecanismos sistêmicos que se acredita dar
cabo dos problemas da linguagem. Esse posicionamento fora determinante na
configuração do procedimento metodológico proposto na primeira fase (SOUZA,
2006).
Na verdade, a propósito de A Análise Automática do Discurso, segundo
Grantham (1975), o que Pêcheux queria mesmo com esse texto era “ preparar as
condições para uma mudança radical, com vistas a superar o atraso no tratamento
dos textos e a reduzir a distância entre a Análise de Discurso e a teoria do discurso”.
Ainda dentro da primeira fase, iniciada em 1969 “com ares de science
fiction na tentativa da linha francesa de empreender uma ‘análise automática do
discurso’ por meio da informática” (GREGOLIN, 1995, p. 13), Pêcheux elaborou
conceitos caros à Análise de Discurso, como o efeito metafórico, fenômeno
semântico de substituição contextual. Outro conceito desse momento é o de
61
enunciativo, o sujeito acredita que a forma que enuncia é a melhor dentre as famílias
parafrásticas à disposição e esquece que o que disse poderia ter outra forma. No
esquecimento ideológico, está presente o interdiscurso. O sujeito crê que é a origem
dos sentidos que utiliza. Esquece-se de que o que faz seu dizer ter significado é o
fato de que isso já ocorrera antes, em outro lugar, dito por outros sujeitos.
Inconscientemente, as suas escolhas são determinadas pela ideologia e pelas
condições de produção às quais se assujeita no momento da enunciação
(ORLANDI, 2009).
A conformação que ganha a categoria discurso em Pêcheux já nos
permite afirmar que os sentidos presentes na materialidade linguística, ou seja, no
texto escrito ou falado, na relação interna entre seus elementos, ou seja o
intradiscurso, só ganham substância semântica se relacionados à memória
discursiva, ao interdiscurso. Ao nos remetermos a essa memória discursiva,
estaremos entrando na seara das Formações Discursivas de onde advém a
construção dos significados submetidos à ideologia. Daí Pêcheux referir-se à
Formação Ideológica.
Nessa perspectiva, o sujeito do discurso, como concebeu Pêcheux, seria
“lacaniano”, nascido das ideias da psicanálise de Freud, com orientações
estruturalistas. Originou-se daí um sujeito inconsciente de suas escolhas, da
construção dos sentidos presentes em seu próprio enunciado. Para Grantham
(1975, p. 4),
momento, sob determinadas condições, pode não ser mais em outro. Para Pêcheux,
nessa fase do desenvolvimento da sua teoria de Análise de Discurso, esse exercício
de compreensão da produção dos sentidos presentes no discurso deveria ser
realizado à luz da história, da linguística e da psicanálise. Melhor dizendo, da história
ligada às ideias marxistas de Althusser, da linguística sob a compreensão,
movimentos e deslocamentos realizados por Pêcheux, e da Psicanálise sob a leitura
de Lacan, da qual adveio a teoria do sujeito inconsciente de sua condição
assujeitada à ideologia.
Neste estágio de desenvolvimento da teoria, a compreensão do que é
discurso em Pêcheux distancia-se sobremaneira do ato de fala como proposto por
Saussure. A fala em Saussure constituía um objeto linguístico, enquanto o discurso
pensado por Pêcheux é um objeto sócio-histórico em que o linguístico é apenas
pressuposto. O discurso não é, também, particular, como a fala, já que se originaria
dentro de classes sociais. Tampouco é universal, como a língua, pois guardaria as
peculiaridades e particularidades histórico-sociais de sua produção (NARZETTI,
2010).
Assim pensado, a referência recorrente à crítica de Pêcheux à linguística
saussuriana parece não ser adequada, uma vez que ele, Pêcheux, não edifica sobre
o que Saussure poderia ter negligenciado em sua teoria. Mas a partir dela, da teoria
saussuriana, constrói algo que não é nem a fala nem a língua, mas sim um novo
objeto: o discurso, que “nasce” em Pêcheux em “intima relação” com os conceitos
marxistas de lutas de classe, estrutura social, ideologia (Idem, 2010).
Essa segunda fase não conseguiu tratar a questão da alteridade, por
ainda considerar que o sujeito do discurso é o “puro efeito de assujeitamento a
maquinaria da FD com a qual ele se identifica” (PÊCHEUX, 1983, In GADET e HAK,
1997, p. 314). A abertura do objeto pela Formação Discursiva e pelo Interdiscurso
proporcionou um movimento fundamental para o aprimoramento da análise, pois a
partir dessa noção conceberam-se os sentidos presentes como originados em outro
lugar, em outro tempo, em outro discurso. Essa compreensão trouxe para dentro do
discurso o problema da alteridade e foi necessário pensar como trabalhar essa
questão de maneira a contemplá-la na análise.
Pêcheux (1983) mostra a relação conflituosa com a adoção das noções
de formação discursiva por suas fronteiras permeáveis trazerem a problemática das
interferências de outros na identidade da maquinaria discursiva estrutural, como
65
2.3 À JUSANTE
2.3.1 O discurso
69
identificação. É mesmo talvez uma das razões que fazem com que
exista algo como sociedade e história, e não apenas uma
organização caótica (ou uma organização supra-orgânica perfeita) de
animais humanos em interação [...].
Mas o que é esse sujeito que significa a partir de uma posição, um lugar,
que parece ter consciência dos sentidos que utiliza e dos quais acredita ser a
origem? Essa pergunta suscita uma reflexão acerca da realidade em que estamos
imersos diariamente. Seja qual for a atividade desempenhada, a ação, mesmo que
existente apenas em potencial como pensamento mais secreto, a simples
informação pedida e recebida na rua, a comunicação abundante, informatizada e
imediata, as narrativas contadas, os poemas escritos e os que não foram, a
expressão dos anseios, medos, insegurança, raiva, indignação, humilhação, a
produção de documentos com os quais nos representamos diante das instituições,
os registros do passado que imortalizaram os feitos dos antigos, é necessário que
recorramos à linguagem. Sem ela, o sujeito humano, da maneira como acreditamos
conhecer, não existe.
Conhecimento e linguagem são, portanto, indissociáveis. A absorção e a
veiculação do conhecimento se efetivam exclusivamente por meio da linguagem.
Sua veiculação e apreensão realizam-se como exercício de comunicação e,
também, de enriquecimento da compreensão/representação/construção do mundo.
Mas a língua é realmente eficiente em comunicar com exatidão tudo o
que necessitamos? Ou seja, a língua representa fielmente a realidade à nossa volta,
satisfazendo a busca pelos sentidos com os quais lemos, interpretamos e
expressamos o mundo? E mais: qual a origem dos sentidos atribuídos, eles são os
76
mesmos a qualquer momento, para qualquer pessoa, em qualquer lugar? Por que,
ao atribuir sentidos, o fazemos desta e não daquela maneira? Orlandi (2007, p. 02)
parece responder a essas indagações quando afirma que
Os sentidos não fazem parte das palavras. São atribuídos a elas por convenção do
grupo social que as emprega, e são estabelecidos dentro da formação ideológica em
que o grupo inscreve (Idem, 2009).
Mas o uso dos sentidos não se realiza dentro de um ambiente de
“assepsia semântico-ideológica”, ou seja, o sujeito está constantemente sendo
“contaminado” pelos dizeres produzidos social e historicamente por meio dos quais é
possível “vislumbrar” os mecanismos do jogo pelo poder. O presente e o passado, o
aqui e o lá conjugam-se no discurso, fazendo da memória parte importante do
mecanismo de produção dos sentidos.
autor, é isso que nos faz seguir adiante sem a monótona repetição dos sentidos e,
em consequência, permite que exista a história.
Mas as “experiências de linguagem” que se confrontam às “normas”
estabelecidas pelo trajeto que escolhemos são também história. Ou seja, são
elementos que recolhemos ao longo das práticas com a língua. São o que e o como
ouvimos e com que nos identificamos. Essas experiências ganham importância de
tal forma que passam a fazer parte de nossas ferramentas ideológicas para
interpretar a vida em sociedade.
Quando nos referimos às “normas” que disciplinam o trajeto da viagem
pelo curso dos discursos, estamos aludindo à Formação Ideológica, representada no
discurso pelo que Foucault (2008) denominou de Formações Discursivas, o conjunto
de regras latentes, mas suficientemente fortes para determinar o que deve ser dito,
como deve ser dito e em que momento deve ser dito. Fischer (2001, p. 221), ao se
referir às formações discursivas, afirma que não se pode falar de qualquer coisa em
qualquer lugar em qualquer época, ou seja, um enunciado, parte constituinte de um
discurso, “existe sob condições positivas, na dinâmica de um feixe de relações, e
que há condições de aparecimento histórico”.
Foucault (2008, p. 43), que concebeu o conceito de Formação Discursiva,
descreve- a como
Ainda que o sujeito tenha a ilusão adâmica de ser a origem do seu dizer,
na verdade as palavras já significavam antes de ele utilizá-las. Os sentidos são
resultado de construção social e histórica, e esta condição os relaciona diretamente
à noção de Formação Discursiva. As palavras não se ligam aos sentidos de maneira
definitiva. Orlandi (2009, p. 43-45) sustenta que, conforme o grupo social, elas
ganham diferentes significações.
2.3.4 Deslocamentos
que propõe Orlandi (2009, 2012). A partir deste ponto, procuraremos formular alguns
comentários acerca dos deslocamentos propostos por ela sobre a herança de
Pêcheux, como apontou Souza (2006). Discutiremos as propostas da autora acerca
da paráfrase e da polissemia; a diferença de recorte e segmentação; a relação
sujeito/ autor, discurso/texto; ordem e organização; interpretação; interdiscurso e
arquivo; e principalmente a distinção entre dispositivo teórico e dispositivo analítico,
conforme foram apresentadas nos livros Análise de Discurso, Princípios e
Procedimentos, de 2009, e Discurso e Texto, Formulação e Circulação de Sentidos,
de 2012.
A paráfrase pode ser compreendida como o mesmo com outras
formulações, ou seja, novas maneiras de dizer; enquanto a polissemia é a ruptura na
significação, provocando o equívoco. A polissemia permitiria a abertura da formação
discursiva, já que a palavra teria sentidos diferentes conforme a filiação ideologia em
que é utilizada. O jogo linguístico se realiza com base na tensão entre o mesmo e o
diferente, entre processos parafrásticos e polissêmicos.
Ao dizermos algo, recorremos aos sentidos já inscritos na história, filiados
a uma formação discursiva. E procuramos reproduzi-los, embora de forma diferente,
recorrendo a outros recursos linguísticos. Assim ocorre o processo parafrástico. Já a
polissemia é a fonte da linguagem, uma vez que se houvesse sempre a repetição do
mesmo, não haveria necessidade de dizer. Ou seja, uma vez que há outras formas
de entendimento, outros sentidos estão presentes para expressá-las, constituindo
sujeitos diferentes. Como todo dizer está marcado ideologicamente, os sujeitos se
inscrevem como tal no jogo da língua entre o simbólico e o político, materializando
em seus dizeres a ideologia da qual provêm os sentidos que os sustentam como
discurso (ORLANDI, 2009).
Mas o discurso não é um bloco homogêneo e inalterável. Ele está em
constante interação com outros, daí a utilização do recorte no processo de análise,
que permitiria ao analista estabelecer como se dá essa relação no discurso. Com o
recorte, a materialidade linguística não é explorada em sua horizontalidade, pois não
se busca sua exaustão. Procura-se identificar diferentes momentos do processo
discursivo e, conforme a temática abordada, persegue-se a exaustividade vertical,
sua profundidade, o trato dos fatos da linguagem em sua constituição histórica, sua
espessura semântica, sua materialidade linguístico-discursiva (Idem, 2009)
85
renovação. Sem ela, inexistiriam referências a partir das quais o sujeito pudesse se
posicionar diante de sua realidade.
Parece-nos que entre os dois momentos uma relação interdiscursiva se
instaura no plano do gênero textual e no posicionamento do sujeito, pela rebeldia,
pela contestação. A memória discursiva foi ativada interligando situações
aparentemente isoladas, distantes, como água em situação de poço quando o rio
corta (NETO, 2008): o acontecimento da década de 60 e o de 2005.
A situação de distanciamento sócio-histórico foi rompida, decerto em
razão da comunicação abundante e em tempo real, das facilidades de registros e de
recursos de arquivo e das facilidades de se recorrer a eles. E já que “[...] um rio
precisa de muita água em fios para que todos os poços se enfrasem [...]” (Idem,
2008, p. 229), o curso impetuoso dos discursos da realidade midiática
contemporânea se encarregou de ligar os dois momentos. E se retomou da história
a experiência, reelaborando-a.
O discurso até aqui foi tomado como uma construção linguístico-histórico-
ideológica em que os indivíduos estão imersos num mundo de palavras e sentidos
em abundância. Mas a literatura nos proporciona a oportunidade de pensar uma
situação diferente, em que a linguagem verbal definha regular e constantemente, e
os atores sociais formam um pequeno e isolado grupo de pessoas, tão limitado
quanto o conjunto de palavras com que procuram expressar seu mundo.
Essa situação inusitada parece-nos estranha, surreal como uma terceira
margem de um rio contrariando nossa memória discursiva: as realidades conhecidas
não são assim, como também é certo que o rio tem apenas duas margens. A
situação inesperada que se apresenta fora dos padrões intriga e estimula o
questionamento sobre os sentidos de tal acontecimento. Como no desconcertante A
Terceira Margem do Rio, conto de Guimarães Rosa (1988), em que o personagem
entra numa pequena canoa, da qual nunca mais desembarca, e se põe no meio do
rio, homem/ilha isolado de tudo, calado, incomunicável.
Parece-nos que a falta de sentidos que expliquem os fatos, ou pelo
menos tentem explicá-los, corresponde, por oposição, ao que já fora apresentado
anteriormente, em que os significados dialogam, as palavras falam com outras
palavras, como dissera Orlandi (2009). Mas a dificuldade de produção de sentidos é
uma ideia que provoca pensar a linguagem limitada e a consequente dificuldade de
recorrer à memória para entender e expressar o presente.
92
Essa condição parece ser muito difícil de vivenciar nos dias atuais, haja
vista o avanço tecnológico que proporciona a interconexão imediata com todo
planeta. Mas a ficção literária constrói suprarrealidades que nos oferecem elementos
para reflexão sobre possibilidades e consequências de uma situação em que,
“quando um rio corta, corta-se de vez / o discurso-rio de água que ele fazia; /
cortado, a água se quebra em pedaços, / em poços de água, em água paralítica”
(NETO, 2008, p. 229).
O que ocorre com o menino mais velho e o menino mais novo, filhos de
Fabiano, personagens do clássico romance Vidas Secas, de Graciliano Ramos
(2010), ao vivenciarem um acontecimento: a ida à vila para a Festa de Natal. Os
dois meninos (que nem nomes tinham porque não eram necessários nomes, eram
apenas dois meninos, um mais velho e outro mais novo, e isso era suficiente saber)
constataram que existia “outro mundo”, desconhecido, vário, povoado de elementos
estranhos, com gente em excesso.
O narrador onisciente de Vidas Secas (Idem. p. 68) nos revela o que se
passa nas mentes dos filhos de Fabiano e Sinhá Vitória: a constatação dos sentidos
necessários para estar/viver nessa outra realidade, na qual a multiplicidade de
coisas para eles desconhecidas exige os nomes necessários para cada uma delas.
3
Bom Jardim é um Paraná que liga o Rio Nhamundá ao Rio Amazonas.
4
“Estas coordenadas foram-nos fornecidas pelo competente engenheiro Doutor Lourival Muniz”
(observação do autor). As coordenadas atuais, segundo o site http://www.geografos.com.br/cidades-
amazonas/parintins.php: Latitude: 02º 37' 42" S Longitude: 56º 44' 09" W.
98
5
O parintinense chama de Serra de Parintins o afloramento de um platô terciário à jusante da cidade,
com cerca de 152 metros de altura, segundo Paul Le Comte, citado por Bittencourt (2001). Nesse
local podem ser encontrados vestígios de antigas ocupações humanas, como a ocorrência de sítios
com terra preta de índio e fragmentos cerâmicos.
99
Quanto à sua origem, a cidade parece não fugir ao padrão imposto pela
colonização portuguesa em todo atual território nacional: surgiu a partir de
aldeamentos indígenas ocupados pelo colonizador. “Está averiguado que quase
todos grandes centros actuaes de população e atividade de nosso paiz foram
primitivamente aldeias ou malocas de indígenas” (BITTENCOURT, 2001, p. 13).
Souza (2013, p. 31) reitera afirmando que,
comporia com o diminutivo de José, Zé, a expressão Zé-Açu, que seria como os
indígenas se referiam a José Pedro Cordovil, devido a sua destacada estatura), para
lá se retirou com sua gente, dedicando-se à cultura de cacau em grande escala, e
ofereceu Tupinambarana à Rainha. O local então foi elevado à categoria de missão
em 1803. O Conde dos Arcos, capitão-mor do Pará, deu-lhe o nome de Vila Nova da
Rainha e passou a direção a Frei José das Chagas. É desse período a premonitória
descrição do Cônego André Fernandes de Souza citada por Bittencourt (2001, p.
16):
(2006) reitera dizendo que a cultura, como linguagem, está sujeita a interpretações
diversas, mas são os interesses que decidem sobre o sentido da reelaboração
simbólica desta ou daquela manifestação.
Em decorrência dessa política, muito se tem dito acerca da importância
do turismo ligado à realização do festival folclórico para a economia do município.
Inclusive esse argumento é um dos mais fortes quando se reivindica a manutenção
do patrocínio estatal para a realização da festa. Souza (2013, p. 65-69), porém, não
compreende que o turismo decorrente das festas juninas, em especial do Festival
Folclórico, tenha satisfeito as expectativas econômicas, tampouco seja um dos
pilares da geração de renda do município, como ainda hoje é divulgado:
Ainda hoje veiculam na cidade e também fora dela ideias que tomam a
cidade de Parintins como dependente economicamente do Festival Folclórico, a
despeito de afirmações da realidade contrárias. O turismo temporário de
entretenimento que a festa oferece parece não corresponder às expectativas que o
veem como fonte de emprego e renda. No máximo, como se observa pelas ruas da
cidade durante os três dias de festa, são populares com pequenas vendas de
bebidas e algumas poucas de alimentos, montadas exclusivamente para o período
efêmero, os três dias de festa. A maioria das vendas de artesanato, roupa etc. é
realizada por comerciantes de outras plagas que acorrem à cidade para a ocasião,
reforçando também suas vendas com a festa da padroeira da cidade, Nossa
Senhora do Carmo, de 06 a 16 de julho.
Já a migração nordestina, ao longo de décadas, contribuiu de maneira
decisiva para o desenvolvimento e consolidação da atividade de comércio regular,
que tem maior importância no setor terciário. Atualmente os mais de 1500
estabelecimentos comerciais de Parintins estão, em grande parte, sob a
administração de migrantes nordestinos ou de seus descendentes, o que fez surgir a
primeira área especializada da cidade nessa atividade, a Rua João Melo, conhecida
105
BAIRROS 1960
5. Centro Histórico
4. Francesa
Fotografia 02: Parintins, década de 1970, pista do antigo aeroporto com o incipiente bairro de
Palmares ao fundo à direita
Fonte: Facebook – Parintins de Antigamente – do acervo de Dlon Gomes
107
teriam sido formados pelo acentuado êxodo rural que se registrou no período. Em
menos de duas décadas de existência, esses bairros são testemunhos de que
muitos problemas sociais ainda estão à espera de solução. Bartoli (2013, p. 02),
citando o que fora veiculado na mídia, reforça a leitura que vê no déficit de moradia
e no jogo de poder político os fomentadores da situação.
Fotografia 07: Desembarque de frutas e verduras provenientes de Santarém, Pará, em 10.10. 2016
Fonte: Acervo pessoal do autor
114
5. Centro
6. Palmares
12. São Benedito
17 Pascoal Alágio
20. Itaúna I
21. Itaúna II
23. Paulo Correa
24. União
Tendo em vista que em AD, método que escolhemos para a análise das
entrevistas, é fundamental a conjugação história-língua-ideologia para se
116
Fotografia 08: Centro Histórico - Rua Coronel Gomes, atual Rua Rui Barbosa
Fontes: Facebook Amigos de Parintins e Acervo pessoal do autor
Fotografia 09: Parintins, em 1959, com a pista do aeroporto e as pastagens para criação de gado ao fundo
Fonte: facebook.com parintinsdeantigamente, 2016
Hoje não há mais conselhos, nem para nós nem para os outros. Na
época da informação, a busca da sabedoria perde as forças, foi
substituída pela opinião. Por que despregar com esforço a verdade
das coisas, se tudo é relativo e cada um fica com sua opinião?
cumprida essa etapa, com a certeza de que tudo fora esclarecido e ainda se
mantinha por parte dos sujeitos a disposição de participar, realizamos as entrevistas,
que tiveram os áudios gravados para posterior transcrição.
A coleta das respostas apresentou uma peculiaridade: um dos sujeitos
que queria participar, mas não se sentia à vontade com o gravador, depois de dois
contatos, em que lhe foram explicados os objetivos, os procedimentos e, inclusive,
foram-lhe feitas as perguntas, às quais respondeu oralmente com desenvoltura, mas
sem gravação, preferiu responder de forma escrita. Foi deixada com ele uma cópia
das perguntas e, no dia seguinte, por telefone, informou que poderíamos apanhar as
respostas.
Dessa maneira, coletamos os relatos dos idosos parintinenses, tendo em
vista conhecer suas memórias da cidade; como caracterizam Parintins e seus
habitantes; o que, quando distantes, os faz lembrar-se de Parintins; e se estão
satisfeitos com sua identidade atrelada direta e exclusivamente ao boi-bumbá. Os
idosos que sempre moraram no centro Histórico de Parintins pareceram-nos
capazes de sintetizar o antigo e o novo na história da cidade. O passado é
componente importante para compreender o presente, pois, como afirma Bergson
(2006, p. 47, apud ANDRADE, 2012, p. 45):
seja, quando o acréscimo de entrevista não seria mais necessário para adição de
novos dados.
132
1. Você nasceu em Parintins? Conte um pouco de sua história e sua ligação com a cidade: onde nasceu, as mudanças
que você acompanhou que ocorreram na cidade, quais as lembranças que marcaram mais durante seu crescimento etc.
Vanda Pedro Maria Heraldo Francisco Raimundo Armando
Não nasci em Nasci. Para mim Nasci aqui no Eu sou Não nasci em Nasci em Nasci em
Parintins. Nasci ser parintinense município. Na parintinense, Parintins, nasci Parintins. Parintins, no dia
em Terra Santa, é ter paz, nossa fazenda ali nascido na em Faro (Pará). Quando eu nasci 05 de março de
Estado do Pará. tranquilidade, do outro lado (do Caetano Prestes Estou aqui há 57 em Parintins a 1946 [...] a
As lembranças família, bem rio) Santa (Rua) [...] A anos. Quando cidade era, primeira rua, a
que guardo do estar, felicidade, Tereza. [...] Avenida chequei aqui eu como posso rua do porto, a
início de minha esperança Conheci Amazonas era a tava com 20 dizer, um porto Benjamin da
vida em Parintins amor, pra mim é Parintins até última rua. De lá anos. [...] a de lenha. A Silva, a Silva
são de uma tudo isso, é a aqui (apontando pra trás era o cidade de diversão era Meireles [...] , e a
cidade terra onde nasci a rua de trás, ou campo do Elias Parintins era até pouquíssima. [...] Avenida
tranquila, e onde eu quero a terceira rua a Assayag, que ali na Catedral. a cidade toda Amazonas, [...]
pacata [...]. A ficar. contar da que é depois se [...]. Sou era uma era só o que
convivência paralela ao Rio transformou no parintinense irmandade só. existia em
familiar e social Amazonas) , aeroporto. [...] porque casei Um respeitando Parintins, né?
era mais sólida também era tão Tinham umas aqui e aqui outro, [...] esse espírito
e respeitosa. [...] pequeno, não? torneiras estou vivendo. principalmente cristão que
uma Ilha de paz, [...] Ser públicas. [...] [...] Graças a respeitando os todos nós...
de harmonia [...] parintinense é carregava água Deus aqui me pais [...] temos, né? [...]
viver em paz, é [...] pra compra senti muito bem, com a graça de
ver meus filhos de caderno, né? aqui constitui Deus. [...] eu era
crescendo, Todo mundo minha família e um dos
educar eles. pobre, mas aqui estou. seresteiros
Acho que é honesto, graças daqui da nossa
isso... a Deus. cidade, né?
Quadro 01: Análise preliminar da reposta 01, demonstrando possível ponto de saturação.
133
2. Imagine que você recebeu uma ligação de um parente distante que você pouco conhece, e ele pede para você lhe
falar como é sua cidade e seu povo. Como você explicaria Parintins e, principalmente, como você diria que é o parintinense?
Vanda Pedro Maria Heraldo Francisco Raimundo Armando
Parintins é uma No festival, a [...] tem muitos Hoje tá tudo O parintinense é Os [...] os
cidade de porte cidade se artistas [...] jogado fora. A acolhedor, parintinenses parintinenses
médio [...] o transforma, há o Parintins está prostituição e a educado, em si são são artistas [...]
em muita coisa,
parintinense é aquecimento do marginalidade, artista. hospedeiros, Nós temos o
é no boi, no
por essência comércio, todo carnaval, até no o êxodo rural Parintins era sabem nosso festival ,
muito criativo; mundo ganha Jô Soares contribuiu muito. pequeno. hospedar o que é uma festa
as artes seu dinheiro representando os Essas invasões Aumentou visitante. A bonita. [...] é
parecem honestamente, Correios estava contribuíram muito. [...] A cidade em si é uma cidade com
impregnar seu [...] já foram um parintinense. muito. violência está boa, não porque muitos
sangue mas [...] descobertos Então isso é um grande por falta eu sou de problemas
orgulho pra
Politicamente um muitos talentos, de Deus, né? Parintins, eu seriíssimos...[...]
gente, viu?
pouco é na cultura, na [...] acredito que hoje Parintins é
acomodado, música, na Parintins ainda muita
espera muito do escultura, muita é uma das violência...;
Poder Político coisa com melhores
mas pouco cobra tendência a cidades que tem
seus direitos. desaparecer está nesse Brasil
aflorando, né? nosso.
Quadro 02: Análise preliminar das repostas 02, demonstrando possível ponto de saturação.
134
3. Vamos imaginar que você está longe da cidade, em viagem, já há bastante tempo, há alguns anos. O que faria você
se lembrar de Parintins?
Vanda Pedro Maria Heraldo Francisco Raimundo Armando
Lembraria da A gente lembra Parintins mudou Olha, por incrível O que Eu acredito que ... o cartão
fartura de da cidade como muito, muito. A que pareça, a representa seja o boi postal é o nosso
pescado [...] um todo, né, educação caiu pastorinha de Parintins, pra (festival festival; [...]
pesca do jaraqui; esse rio imenso muito. É triste, Dona Cila mim, é a folclórico). Não Agora, é... a
das festas que a gente tem viu? A educação Marçal, de Dona humildade. Aí temos outro gente precisa
juninas; da festa e... é o por do familiar, a Maria Preta, de pra fora não tem divertimento em aproveitar
da Padroeira, da sol, aliás, tudo educação Dona Isabel mãe isso não. Eu sou Parintins, a não melhor desse
Alvorada do Boi lembra a gente religiosa... do Palito, tu é paraense, mas aí ser em Parintins festival.[...] Não
Garantido; do quando está fora, quase não existe doido, cara!. Pra pra fora é difícil. antigo as tinha
caudaloso Rio (risos), esse rio mais [...] essa você ver como brincadeiras de bumbódromo,
Amazonas que que é meu roubalheira que isso é tão roda, as não tinha nada.
segue vizinho, né?, as aí está. [...] importante, eu serenatas nas O boi ia nas
ininterruptamente pastorinhas no tenho um amigo, portas. Hoje casas, alguém
seu curso, num fim de ano, a o Biti, que é ninguém vê mais convidava.
vai- e – vem de florista, a cigana engenheiro, né? isso. [...] O que Assim o boi ia,
barcos; das cantando e Ele vem aqui e representa era aquela coisa
Pastorinhas à batendo pandeiro vai lá no Parintins é o pequena,
época do Natal. (risos). barracão da folclore de nossa...; hoje é
Dona Cila. Ele é Parintins. muito mais
engenheiro. dessa gente do
que mesmo
nosso [...] a
música de Chico
da Silva.
Quadro 03: Análise preliminar das repostas 03, demonstrando possível ponto de saturação.
135
4. Você se sente satisfeito quando vê na televisão, na internet ou ouve alguém falar de Parintins relacionando a cidade
e seus habitantes diretamente ao Festival folclórico?
Não. Sinto que é Não! Eu acho Eu fico triste. O O boi se tornou Isso veio trazer [...] o boi não Em parte sim.
por que nós temos parintinense não um meio de muitas coisas pra representa as [...] sabemos da
desconhecimen- muitas outras quer mais safadeza. E eu Parintins. Muita pessoas, não nossa gente.
to da cultura e coisas a ser trabalhar em não gosto gente vem representa Parintinense é
do povo, pelo exploradas, né? nada. É só boi, disso. A cultura conhecer Parintins. Não! um povo bom,
fato de que a [...] A gente se [...] só boi de de Parintins está Parintins, sabe? [...] Pra graças a Deus,
imagem que acostumou a pano. Qual a servindo de meio ... o Festival segurança, pra amigo, enfim.
mais se projeta falar só de economia que pra corrupção. encarece a cultura do Mas o festival,
nas mídias é festival, né? nós temos aqui? vida...os preços município, pra o se tem as coisas
reduzida ao Esquece nossa Tem alguma aumentam... futuro do positivas, [...]
Festival culinária, por indústria aqui? município não mas [...] há
Folclórico, exemplo. Eles Não tem nada. representa. [...] assim coisas
esquecendo-se trabalhavam o Já teve. É a Porque nós não que prejudicam
que Parintins tupé. O tupé é cidade do já teve. temos uma [...]. A gente vê
tem uma cultura um tapete. [...] Já teve fábrica de produção, uma tanta coisa
rica e Tarubá, doce, já teve a economia trazida por
diversificada manicoera, Fabril, fábrica de concreta no outros de fora
que se precisa ninguém mais refrigerante... do município. [...] que prejudicam
dar visibilidade faz.[...]. Parece Kimura ali, né? Não é a nossa gente,
e valor. que houve um acabou tudo. [..,.] suficiente.[...] sobretudo a
movimento para Não gosto, não. Tem que ter um nossa juventude.
adotar novos alicerce concreto
modos de vida. para seus filhos.
Quadro 04: Análise preliminar das repostas 04, demonstrando possível ponto de saturação.
136
6
Uma brincadeira milenar de significado puramente religioso que registra a visita dos três “Reis
Magos” quando o menino Jesus nasceu, as Pastorinhas de Parintins como em todo o Brasil é uma
peça teatral encenada e cantada ao som de cavaquinhos, banjos, castanholas. Para manter a história
das pastorinhas e principalmente relembrar ícones que marcaram a trajetória no Município, os grupos
folclóricos criaram a Associação Cultural das Pastorinhas de Parintins.
137
cidade de origem. Em geral, essas pessoas fixam residência na cidade, o que pode
ser também um fator a se considerar quando tratamos de crescimento demográfico.
A professora Vanda Machado, que migrou já adulta, aos 32 anos, construiu sua vida
profissional toda em Parintins e tornou-se uma referência no magistério estadual e
no municipal, o que fora reconhecido com a outorga do título de cidadã parintinense.
Ela se mostra grata à cidade que lhe ofereceu as oportunidades necessárias para
seu crescimento, a despeito das dificuldades encontradas.
O início de minha vida em Parintins não foi nada fácil. Com poucos
recursos morava numa casinha de apenas um cômodo, de taipa e
trabalhava o dia todo e mais à noite para conseguir um salário
melhor, pois tinha que ajudar no sustento da família que havia ficado
em outra cidade. Início difícil, tendo que construir novos vínculos
afetivos aos 32 anos (VANDA MACHADO, 75 anos, 2016,
entrevista).
Seu Heraldo nasceu em Parintins, mas seus pais residiam no outro lado
do Rio Amazonas, na Comunidade do Itaboraí, onde viveu seus dois primeiros anos
da infância, depois passou a residir na cidade, com os avós. Na Comunidade do
Itaboraí, localizada no lado oposto do Rio Amazonas, seu pai praticava a agricultura,
atividade com que mantinha a família.
Por força do destino, eu tive que parar no segundo grau (os estudos).
Mas eu fui muito feliz, porque eu trabalhei pra minha irmã se formar,
né? Eu trabalhava no Colégio Nossa Senhora do Carmo botando a
bomba d’água pra funcionar pra enchera caixa d’água. O Padre
Rafael, que foi meu professor de Inglês, Filosofia etc., ele foi mesmo
que um pai pra mim. Ele pagava meu colégio. E aí eu fazia isso. Mas
também eu aprendi eletricidade com ele. Ele era engenheiro
eletrônico. [...] Quando as coisas apertaram mesmo, só uma tia
trabalhando, meus avós já tinham morrido, eu estava no segundo
ano do magistério. Então eu resolvi parar de estudar. Falei pra minha
irmã. Aí ela chorou e tal. Depois ela disse assim: por quê? Respondi:
eu vou parar porque eu de bermuda e uma sandália, eu venço na
vida. Pra você mulher, é diferente. Então você precisa se formar pra
você conseguir. Você, como professora, você... não é o status, mas
alivia muito a tua situação. Você não vai ficar dependente de
ninguém e tal... Ela disse, então tá. Eu não cheguei comprar um
lápis pra ela, mas no final de semana, eu recebia o dinheiro, passava
na mercearia e fazia aquele rancho. Eu tinha na época quinze ou
dezesseis anos ou dezessete anos, vir com a cesta cheia de
compras, todo mundo olhando, uma vaidade imensa, cara!
(HERALDO GOMES, 72 anos, 2016, entrevista).
A sua fala denuncia os valores que recebeu e que nortearam sua vida. O
homem como provedor, capaz de se sacrificar para não expor a mulher. Abandonou
os estudos para que a irmã não fosse obrigada a fazê-lo. À primeira vista, essa
atitude corre o risco de ser interpretada pelo viés de um cavalheirismo devotado e
intenso, em harmonia com os modelos aceitos e incentivados socialmente, inclusive
na atualidade. Mas, ao continuar seu relato, fica muito claro o ranço de um
patriarcalismo antiquado, quando compara o tempo de sua juventude com o de hoje.
Tinha uma diferença muito grande pra hoje. Se você chegar com
algum menino no colégio, são raros aqueles que responderão pra
você o que querem ser amanhã. Mas na época, todos nós tínhamos
um ideal. As moças de antigamente namoravam porque sonhavam
com uma casa, né? Com seu fogão, com sua cristaleira, com sua
geladeira, uma casa toda arrumadinha pra receber os amigos. Hoje
as meninas não estão pensando nisso mais, é uma pena (HERALDO
GOMES, 72 anos, 2016, entrevista).
143
Nas suas falas, parece que seu Heraldo deixa entrever um paradoxo em
relação à mulher. Quando ele era jovem, numa atitude que demonstra liberalismo
incomum para época, abdicou dos estudos para que a mulher da família (irmã)
pudesse estudar para ser independente. Já idoso, período em que essa visão
estaria condizente com o momento atual, ele a nega com a afirmação de que a
mulher precisa ser educada para cuidar do lar, do marido, dos filhos. A partir deste
segundo posicionamento, parece demonstrar tristeza ao constatar que as meninas
de hoje não têm como ideal ser esposa, mãe e cuidar de casa unicamente, como
cultivavam (ou era imposto às) mulheres de “sua época”.
A aparente contradição pode ser compreendida pelo viés da “falsa”
memória, que não deve ser considerada como mentira, tampouco como um engodo
proposital. A memória não é um recurso preciso, ela está sujeita a interpretações
que podem estar contaminadas pelos valores praticados no momento da
formulação, ou seja, “as distorções na memória ocorreriam devido ao fato de que o
recordar seria um processo re-construtivo, baseado em esquemas gerados a partir
do meio cultural e conhecimentos prévios da pessoa” (STEIN, FEIX e ROHENKOHL,
2006, p. 166). A respeito dos fatos narrados por seu Heraldo, Freitas e Costa (2011,
p. 207) nos lembram que,
olhando, uma vaidade imensa, cara!” - e não com o que se entendia que seriam as
atribuições femininas no período em que fez essa opção.
Podemos entender, também, que lembrar o passado, como faz seu
Heraldo ao falar das dificuldades financeiras da família e da decisão de abdicar de
sua formação escolar, é, antes, apoiar-se em imagens desse passado para que
possa trazê-lo ao presente. Daí o limite tênue entre imaginação e memória,
conforme nos mostra Andrade (2012, p. 147):
Parece-nos que o que seu Heraldo diz se situa a tênue fronteira entre
memória e imaginação. Embora não seja precisa, a memória distingue-se da
imaginação por seu caráter de verossimilhança, ou melhor, por sua garantia de estar
ligada a um real anterior que é retomado no momento em que é anunciado. Apesar
de ambas evocarem a presença de eventos diferentes daqueles em que estão
imersos os interlocutores no momento de seu dizer, a distinção entre memória e
145
Seu Pedro Cunha, um dos nossos entrevistados, é citado por Dona Maria.
Ele mora na parte leste da primeira rua da cidade, paralela ao rio Amazonas. O lugar
hoje é considerado central, mas Dona Maria Silva o guarda na sua memória
discursiva como distante, usado para a formação de roçados por muitas pessoas, ou
7
Mesa de Rendas é a atual Secretaria da Fazenda Estadual
8
O Bairro do Esconde, como a uma parte da cidade ainda se referem os moradores tradicionais de
Parintins, é uma área considerada hoje pertencente parte ao Bairro da Francesa e parte do Centro
Histórico. Nesse local, segundo os antigos, nos primórdios da urbanização, se escondiam os
escravos fugidos ou se estabeleciam os ex-escravos. Bittencourt (2001) relata que Parintins herdou
de Portugal a escravatura e cita o Capitão José Pedro Cordovil como introdutor dos primeiros
escravos nas Tupinambaranas. Segundo os documentos oficiais, Bittencourt afirma que, em 1848,
Parintins possuía 77 escravos; em 1859 esse número era de 192; em 1861, havia 263 em todo
município; em 1869, baixou para 149 devido à saída e às mortes; em 1873, havia apenas 80; em
1877, o número era de 117; em 1881, 134; em 1884, decresce para 131, ano em que se deu “a
abolição total na Província” (BITTENCOURT, 2001, p. 77).
146
seja, por “todo mundo”. Ela demonstra que acompanhou as transformações pelas
quais passou o urbano, que “foi mudando, vai mudando.” Ou seja, a mudança do
tempo verbal do passado para o presente “foi – vai” parece querer indicar que
aconteceram e acontecem ainda as mudanças, como um processo interminável,
iniciado muito antigamente, ainda no tempo de sua mãe. E já “no seu tempo” (no
ano de 1960, Dona Maria era uma adolescente de catorze anos de idade) só
existiam os bairros da Francesa, São Benedito e o Esconde, ou seja, bairros da
década de 60 (Vide figura 09).
Dona Maria não se refere ao Centro Histórico que não considera como
um bairro. O bairro do Esconde é uma denominação informal, talvez conhecida
apenas pelos moradores tradicionais, uma vez que é uma área da cidade cuja maior
parte pertence oficialmente ao bairro da Francesa e o restante, ao centro histórico.
Ela não soube nos falar sobre a razão do nome do bairro do Esconde, mas ao
formular sua resposta acrescentou:
Não sei por que. Não sei se meu filho sabe. Eu não sei por que. Não
sei se alguém se escondia ali... havia algum esconderijo ali... Na
festa do boi, Garantido e Caprichoso, como sempre, só brincava
homem. Só havia uma mulher que brincava no Caprichoso, a Dona
Eurica. Brincava embaixo da Dona Aurora. Por quê? Ela levava
terçado e cachaça ali embaixo. Porque os bois brigavam, né? No
Garantido era o Bicho Folharal que levava a cachaça e os terçados
embaixo (DONA MARIA, 70 anos, 2016, entrevista.
ainda que não aparecesse para os espectadores, pois sua função dentro da
brincadeira seria a de levar escondidos sob as saias de uma grande boneca que
mantinha sobre a cabeça, chamada de Dona Aurora, a cachaça para animar os
homens e os terçados para os eventuais confrontos com os adversários. Hoje não
existem mais esses confrontos violentos, foram substituídos pelo deboche das letras
das toadas. E a figura feminina hoje ocupa o centro das atenções nas
apresentações dos bois.
A mesma informação foi-nos dada pelo quarto entrevistado, o senhor
Raimundo Gomes: “Naquele tempo andava o boi, cada um, a brincar nas casas e a
turma na rua andando atrás mesmo. Só homem brincava, mulher não, era só
homem. Quem tinha dinheiro pagava pro boi dançar na sua casa. Quem não tinha ia
na casa do outro.” (RAIMUNDO GOMES, 74 anos, 2016, entrevista)
Atualmente, seu Raimundo trabalha exclusivamente com o comércio.
Possui um pequeno empreendimento em que oferece serviços, como reprografia, e
venda de produtos de papelaria. Nasceu em Parintins, cidade da qual nunca se
separou. Estudou no Colégio Nossa Senhora do Carmo o antigo primário, onde
também fez o exame de admissão, segundo ele, um minivestibular para ter acesso
ao antigo ginásio, que concluiu na mesma escola. O Normal, curso preparatório para
o exercício do magistério nas séries correspondentes aos antigos primário e ginasial,
concluiu no Colégio Batista de Parintins, onde também cursou o Adicional em
Ciências. O Adicional era cursado dentro de um ano e pretendia formar especialistas
para ministrar aulas no ginásio, séries equivalentes hoje às do sexto ao nono ano.
Trabalhou como professor por trinta anos e hoje se dedica
exclusivamente ao comércio, atividade que sempre manteve paralela à do
magistério. Como os demais entrevistados, acompanhou o crescimento da cidade e
nos relatou que “Quando era menino, os limites da cidade iam do São Benedito,
Avenida Amazonas até à João Meireles, na Francesa. Santa Clara 9 começava a
nascer, né?” (RAIMUNDO GOMES, 74 anos, 2016, entrevista).
A informação acerca do boi-bumbá ser brincadeira que não aceitava
mulheres também está nos relatos do senhor Pedro Cunha. O professor de
português Pedro Cunha, como a maioria dos parintinenses o conhece e para quem é
referência em hombridade. Hoje aposentado, dedica-se à pecuária, atividade que é
9
Bairro localizado a leste sobre uma pequena ilha cujo acesso foi facilitado por meio de aterro
realizado pela prefeitura.
148
desconhecidos para a maioria dos jovens atuais, como a serenata em noite de lua
cheia, está presente, como nos que nos disse nosso sétimo entrevistado, o senhor
Armando Marques.
“antes bom” versus “agora ruim” uma posição discursiva a partir da qual os sentidos
serão construídos?
O que parece ser um posicionamento particular, originado unicamente de
vontades ou escolhas individuais é, na verdade, a projeção, a passagem do que eles
são na realidade social e histórica para sua posição de sujeitos no discurso
representativo do grupo social, evidenciada nas escolhas lexicais e nas construções
frasais, com que buscam expressar os sentidos que acreditam ser os que mais
fielmente representam as ideias de cidade.
Nos dizeres da Senhora Vanda Machado (75 anos): “A convivência
familiar e social era mais sólida e respeitosa. O clima de amizade entre as pessoas
fazia de Parintins uma Ilha de paz, de harmonia”, as escolhas verbais “era” e “fazia”
parecem demonstrar que ela enuncia da mesma posição adotada por Seu Heraldo.
O sentido de incompletude expresso nas formas do pretérito imperfeito parecem
significar a construção de uma realidade ideal do passado como resultado de busca
coletiva de todos cidadãos: a amizade “fazia” (uma ação continuada, participada e
não “fez” ou “faz”, o que seria definitiva ou de duração da realização no momento da
enunciação) de Parintins uma ilha de paz, em que todos se conheciam e se
respeitavam. Ao mesmo tempo, parece anunciar uma oposição não declarada com o
presente. É certo que a pergunta incita rememorar, remexer o passado, porém,
nesse exercício, a descrição por oposição ocorre pela falta no presente: o que não
mais há constitui a diferença em relação ao passado. Essa forma de significar pulsa
nos dizeres dos idosos, basta que se procure ouvir “naquilo que o sujeito diz, aquilo
que ele não diz, mas que constitui igualmente os sentidos de suas palavras”
(ORLANDI, 2002, p. 59).
Os entrevistados parecem fazer veicular um discurso que representa os
modos de ser e viver Parintins, expresso pelos sentidos que se adensaram na
história vivenciada ao longo dos anos, precisamente desde a primeira metade do
século XX. Em se tratando de ideologia na dimensão discursiva, como produção de
evidências, “colocando o homem na relação imaginária com suas condições de
existência” (Idem, 2009, p. 46), esses sentidos materializam os princípios e os
valores praticados no meio em que cresceram e que os formaram como pessoas e
como cidadãos.
Na passagem de sua situação empírica, biológica para a posição
discursiva é determinante o meio social e histórico. Há nesse processo um
155
entregaria “às festas de junho com a inocência das festas pagãs”, numa gama de
oportunidades em que possibilidades ilimitadas teriam como moldura a natureza
bucólica de um por do sol amazônico mesclado de azul e vermelho de um cenário
provinciano.
A imagem da mulher parintinense deveria corresponder a essa
composição idealizada de cidade. A Cunhã Poranga10 (Fotografia 11) materializaria,
portanto, a descrição que Valentin e Cunha (1998) fazem da mulher parintinense e
se torna personagem ícone do festival folclórico.
10
Segundo o site http://www.boibumba.com/rules_pt.htm, o Festival Folclórico se realiza em Parintins
três noites do último final de semana do mês de junho. A cada noite os itens de cada grupo são
julgados por um corpo de jurados convidados. A cunhã poranga é um dos itens avaliados, representa
a moça bonita, uma sacerdotisa, guerreira e guardiã, a força através da beleza.
163
Seu Heraldo não citou nada além das pastorinhas, que ocorrem em época
de Natal em alusão ao nascimento de Cristo. Diferente de Dona Vanda e Seu Paulo,
que, além das pastorinhas, citaram também outros elementos da cultura local e da
paisagem, como a festa da padroeira da cidade, os peixes, o Rio Amazonas, por
exemplo. As pastorinhas foram citadas por seu Heraldo com a preocupação de
tornar a referência a elas algo importante, representativo, que não se pode
desconsiderar. A menção ao amigo, que é engenheiro, que concorda com ele
quanto à importância que têm as pastorinhas para a cidade, seria uma estratégia do
sujeito a que Orlandi (2009, p. 39) chamou de antecipação, segundo a qual
para que o sentido faça sentido”, e “[...] há sempre silêncio acompanhando palavras”
(ORLANDI, 2002, p. 83). É o silêncio constitutivo, segundo o qual as palavras
apagam outras palavras. Logo, ao dizer “O parintinense não quer mais trabalhar em
nada. [...] Qual a economia que nós temos aqui?” (DONA MARIA, 72 anos,
entrevista, 2016) não reitera os sentidos de outro discurso, que divulgam o festival
como gerador de empregos e principal propulsor econômico da cidade.
A resposta de seu Heraldo também demonstra insatisfação com a
identidade cultural atrelada ao festival folclórico:
novo. E por aí vai. As filhas fizeram filhos, né? Ele fez uma casinha aí
e morou aí. Carregava as coisas aí pela beira e tal, mas as filhas...
ele tem um bocado de netos. Pra viver na cidade tem que ter uma
qualificação. Tem que, no mínimo, saber mexer uma massa pra ser
ajudante de pedreiro, né? Aí chega aqui com três quatro filhos. Ele
não tem trabalho, as filhas veem as moças bem preparadas, com
celular e tal. Não demora está caindo na prostituição para ter as
coisas. A rapaziada também não dá muito mole, né? Eu levei minha
neta no consultório da doutora ... Eu fiquei abismado, de ver a
quantidade de meninas novas com filho no braço e gestante. Pelo
amor de Deus! (SEU HERALDO, entrevista, 2016)
Predomina no discurso dos idosos uma formação discursiva que pode ser
percebida pela regularidade na escolha vocabular que resulta na construção de
sentidos convergentes para um posicionamento de negação e de silenciamento dos
sentidos que significam o festival como representante identitário da cultura local. Ao
mesmo tempo, busca a afirmação de uma pluralidade cultural: “[...] nós ainda
tínhamos muitas coisas [...] , muitas coisas mesmo. E ninguém explora”, como
dissera seu Pedro Cunha.
Os idosos assumem uma posição sujeito que parece ser a daquele
membro da família próximo, cioso pela educação e pelos princípios que julgam ser
os melhores, mantendo-se alerta às possíveis ameaças àquilo que acreditam. “A
nossa juventude é um pouco bombardeada com essa coisas”, preocupa-se seu
Armando Marques (70 anos).
A postura desencantada com o festival folclórico, que resulta do jogo de
sentidos entre os grupos na trama social, não seria posição apenas dos
entrevistados, mas representaria determinada parcela da população, no caso, a de
faixa etária acima dos 70 anos. E dá à luz as razões das manifestações desses
sujeitos frente à identidade que lhe fora atribuída com caráter essencialista ou
primordialista ou, ainda, como uma heteroidentidade (CUCHE, 1999). Esses novos
olhares apontam para um pensamento sobre Parintins que busca se aproximar mais
de sua realidade multifacetária e das relações existentes em seu interior.
É no jogo social, no embate entre interesses e poderes que compõem o
cotidiano que se podem gestar ideias responsáveis por manter, negar ou rejeitar as
condições postas, embora nem sempre os sujeitos tenham força suficiente para se
fazerem ouvir. Mas a identidade é uma construção intencional e consciente, afirmara
Cuche (1999), e, como tal, pode ser racionalmente analisada, criticada, pois, como
diria Berlatto (2009, p. 142),
como os dos artistas citados por dona Maria, e os indiretos ou informais, como os
pequenos empreendimentos temporários.
Todos os idosos disseram não considerar que o festival folclórico
represente a identidade cultural de Parintins. Mas, em outro momento, seu Pedro
Cunha afirma que
poder social e econômico são veiculados com maior facilidade e força, soando como
evidências que silenciam eventuais posições divergentes. E como dissera Foucault
(2006): o discurso embora pareça algo sem tanta importância, o fato de não se
poder dizer qualquer coisa em qualquer lugar e em qualquer momento, ou seja, o
fato de ele sofrer interdição em determinadas situações sociais mostra sua estreita
relação com o poder.
A descrição da cidade e de seus habitantes a partir do festival folclórico,
com objetivos de promover o turismo, combina sentidos que produzem uma imagem
antitética a que os idosos acreditam ser a que fielmente representa Parintins e os
parintinenses. Os discursos que pretendem essa descrição aludiriam aos sentidos
de uma suposta liberdade sexual que aproximaria Parintins, no imaginário dos
idosos, de uma espécie de “grande bebedouro coletivo”, como o do poema Lupanar
de Augusto dos Anjos (2010, p. 214), “Onde os bandalhos, como um gado vivo /
Todas as noites vêm matar a sede!”
A partir daí, eles pretenderiam a desautorização, a ilegitimidade dos
demais sentidos que procuram fortalecer as imagens da festa, principalmente como
fomentadora da economia local. Para tanto, produzem sentidos que rechaçam esse
entendimento, significando o festival folclórico como fonte de desonestidade, de
corrupção – “Benefício, não. Só pra meia dúzia de um lado e meia dúzia de outro
lado” - , de falta de perspectivas -“Ninguém mais quer trabalhar, só quer pensar em
boi” - , de ameaça à juventude local - “Coisa ruim (o festival – explicação nossa) traz.
Deve ter trazido muita coisa ruim, deve ter trazido muita AIDS, né?”, disseram.
A constituição da identidade cultural, como nos lembra Cuche (1999), é um
processo deliberado e consciente realizado a partir da cultura. Talvez por isso,
quando instados a produzir sentidos acerca das identidades socioculturais de
Parintins, ou seja, refletir acerca do que os representa, os idosos, como sujeitos
discursivos, silenciam o festival folclórico e descrevem a cultura local como
composta de muitos outros fazeres dos grupos sociais, inclusive os de família e de
religiosidade, dos quais derivam sentidos, como respeito, honestidade, educação,
família, significando com eles as suas identidades parintinenses.
185
Ao optar pelo grupo dos idosos, procuramos dar vez e voz a outros
sujeitos e, ao mesmo tempo, nos aproximar da construção no momento atual dos
significados de ser parintinense em que a história pulsasse a cada instante na
linguagem tomada no cotidiano da vida.
Mas discurso é poder, e usar palavras para significar as coisas, mergulha
no instável e pantanoso reino dos sentidos quem se atreve a fazê-lo, e também
desperta energias perigosas. “E os indivíduos que mexiam nelas cometiam
imprudência. Vistas de longe, eram bonitas” - como pensaram os filhos de Fabiano.
E cometemos a imprudência de, não nos contentando com “vê-las de
longe”, usar as palavras para “mexer” com as coisas, perscrutando-lhes o processo
de construção e a origem dos sentidos. Tentamos compreender a linguagem em
situação de uso, produzindo os sentidos como resultado do encontro da língua com
a história e com a ideologia: o discurso. E, como afirma Gregolin (1995), entendê-lo
exige que se considere na análise os elementos que o constituem.
E ousamos, quando nos atrevemos a promover uma leitura de aspectos
da realidade parintinense sob essa perspectiva, para procurar entender como os
sentidos são produzidos nas expressões identitárias, quais as formações discursivas
e os interdiscursos envolvidos nesse processo. E, finalmente, como a história
recente da cidade está presente na constituição dos sentidos utilizados.
E já chegando ao destino temporário desta viagem pelo curso dos dizeres
parintinenses, podemos afirmar que sentidos de uma identidade única ligada ao
festival folclórico já conhecidos e amplamente divulgados foram confirmados em
interdiscurso, manifestação pontual de uma heterogeneidade discursiva. Mas outros,
que propõem marcante resistência, são predominantes nos discursos dos sujeitos
desta pesquisa.
E como no estuário o rio rompe com a já estabelecida e previsível
dualidade de margens, partindo-se em vários braços entre ilhas, oferecendo
terceiras margens, como as escolhas cotidianas das identidades a flutuar no ar,
como diria Bauman (2005), esses outros sentidos saíram das sombras por meio de
outros “gritos de galo”, verdadeiros “fios de sol” a trazer luz da manhã “tecida entre
todos os galos” sobre a diversidade das identidades socioculturais parintinenses.
190
REFERÊNCIAS
AGUIAR, Carlos José Bezerra de; MARMOS, José Luiz. Avaliação do Nível de
Contaminação das águas subterrâneas da cidade de Parintins, Amazonas,
Brasil, 2005. Disponível em
<http://rigeo.cprm.gov.br/xmlui/bitstream/handle/doc/5370/Parintins%20Final(certo).p
df?sequence=1> . Acesso em 29 de maio de 2016, às 15h20min.
AMORIM, Marília. O pesquisador e seu outro: Bakhtin nas Ciências Humanas. São
Paulo, SP: Editora Musa, 2004.
AZEVEDO, Nádia Pereira da Silva Gonçalves de; FONTE, Renata Fonseca Lima da.
Análise do Discurso: mo(vi)mento de interpretações. 1 ed. – Curitiba, PR: CRV,
2011.
AZEVEDO, Nádia Pereira Gonçalves de; MELO, Maria de Fátima Villar de; FALCÃO,
Juliana de Souza. O Discurso do Idoso sobre a Velhice. In Análise do Discurso:
Mo(vi)mento de Interpretações. Curitiba – Paraná: CRV, 2011.
CAMÔES, Luís de. Lírica, épica, teatro, cartas. Organização de João Alves das
Neves e Douglas Tufano. São Paulo: Editora Moderna, 1980.
CERVO, Amado Luiz. Metodologia Científica. 4 ed. São Paulo: Makron Books,
1996.
COSTA, Alda Cristina Silva da, PALHETA, Arlene Nazaré Amaral Alves, MENDES,
Ana Maria Pires e LOUREIRO, Ari de Sousa. Indústria Cultural: Revisando Adorno
e Horkheimer. In Movendo Idéias, Belém, v8, n.13, p.13-22, jun 2003. Disponível em
<http://www.cristhianlima.com.br/ >. Acesso em 13.08.2015.
CUCHE, Denys. A noção de cultura nas Ciências Sociais. Bauru: EDUSC, 1999.
Escuta que revela grampo telefônico foi autorizada pela justiça. Disponível em
<http://www.fatoamazonico.com/site/noticia/escuta-que-revela-suposta-manipulacao-
de-jurados-no-festival-de-parintins-foi-autorizada-pela-justica/> . Acesso no dia 20 de
maio de 2016, às 15 horas.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo, SP: Edições Loyola, 2006.
195
FREITAS, Silvane Aparecida de; COSTA, Maria Jacira da. A Identidade Social do
Idoso: Memória e Cultura Popular. In Revista Conexão, v. 7, n. 2 (2011),
Universidade Estadual de Ponta Grossa, Paraná – Brasil. Disponível em
http://www.revistas2.uepg.br/index.php/conexao/article/view, acessado em 20 de
outubro de 2016, às 21 h.
GADET, Françoise; HAK, Tony. Por uma análise automática do discurso: uma
introdução à obra de Michel Pêcheux. Tradutores Bethania S. Mariani et al. 3. ed.
Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1997.
196
JAKOBSON, Roman. Linguística & comunicação. 20 ed. São Paulo: Cultrix, 1995.
MATA, Mário Jorge Pereira da. Uma Leitura sobre o sentido de violência através
da Análise do Discurso. Disponível no site <http://www.faccrei.edu.br/gc/anexos/>
Acesso em 02 de fevereiro, às 19h40min.
198
MÁXIMO, Maria Elisa, e TOFOL, Daniela de. Entre azuis e vermelhos: A relação
da imprensa com o processo de construção da identidade parintinense e
amazônica no Festival de Parintins. In XI Congresso de Ciências da Comunicação
na Região Sul – Novo Hamburgo – Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos
Interdisciplinares da Comunicação, 17 a 19 de maio de 2010. Disponível em
<http://docplayer.com.br/6180195-Entre-azuis-e-vermelhos-a-relacao-da-imprensa-
com-o-processo-de-construcao-da-identidade-parintinense-e-amazonica-no-festival-
de-parintins-1.html>. Acesso em 14 de maio de 2016, às 16 horas.
MELLO, Thiago de. Amazonas Pátria da Água. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
2002.
MOURA, Carlos Alberto Faraco. Zellig Harris: 50 Anos depois. Revista Letras,
Curitiba, n. 61, especial, p. 247-252, 2003. Editora UFPR. Disponível em
http://www.letras.ufpr.br/documentos/pdf_revistas/faraco.pdf. Acesso em 17 de
março de 2016, às 15 horas
NETO, João Cabral de Melo. Tecendo a manhã. In Educação pela pedra, 1966.
Encontrado em http://www.recantodasletras.com.br/teorialiteraria/2080760. Acesso
em 17 de maio de 2016, às 8h15min.
NETO. João Cabral de Melo. Educação pela Pedra. Rio de Janeiro– RJ: Editora
Alfaguara/Objetivo, 2008.
OTTONI, Maria Aparecida Resende; SOUSA, Gerson de; LIMA, Maria Cecília de,
OLIVEIRA, Lorraine Cássia Silva de; MARTINS Thaís Rodrigues. Narrativas de
vida: a constituição identitária de idosos. Rev. Ed. Popular, Uberlândia, v. 10, p.
56-65, jan./dez. 2011 Disponível em
http://www.seer.ufu.br/index.php/reveducpop/article/viewFile/20246/10797. Acesso
em 20 de outubro de 2016, às 20h30.
http://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/polifonia/article/viewFile/619/1112.
Acesso em 27 de setembro de 2016, às 14h50.
SANTOS, José Luís dos. O que é cultura? São Paulo: Brasiliense, 2006.
VILAS BOAS, Crisoston Terto. Para Ler Michel Foucault. 2ª Edição - Eletrônica –
2002. Disponível em www.filoczar.com.br/foucault/. Acesso em 15 de janeiro de
2016, às 20 horas.
205
APÊNDICE
206
Consentimento Pós–Informação
Eu,___________________________________________________________, fui informado sobre o
que a pesquisadora quer fazer e por que precisa da minha colaboração, e entendi a explicação. Por
isso, eu concordo e autorizo meu filho(a) a participar do projeto, sabendo que ele não vai ganhar
nada e que pode sair quando quiser. Este documento é emitido em duas vias que serão ambas
assinadas por mim e pela pesquisadora, ficando uma via com cada um de nós.
______________________
__________________________________________
APROVAÇÃO NO CEP
Imagem da WEB
Imagem da WEB